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Da literatura ao itinerário turístico: as casas-museu e o turismo literário

Presentation · January 2013

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Vítor Rosa
Universidade Lusófona
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Da literatura ao itinerário turístico: as casas-museu e o
turismo literário
VITOR ALBERTO VALADAS ROSA1 [ vitor.alberto.rosa@gmail.com ]

Resumo | O turismo literário assemelha-se a uma peregrinação ou romaria nas casas dos escritores abertas
ao público através do mundo. A preservação destes lugares, que viram nascer certos escritores célebres, é
limitada. É preciso fazer um inventário destes lugares e organizá-los, para que se tornem atrativos para os
visitantes e para a população local. Uma excelente forma de o fazer é criar diferentes itinerários literários,
cartas interativas e sites na Internet. O turismo literário é uma forma de turismo cultural que faz referência
à visita de locais frequentados por um autor ou aos que são mencionados nos seus livros. Estas
"peregrinações" servem para prestar homenagem ao escritor ou a reencontrar o ambiente particular no
momento específico do livro. Londres, Stratford-upon-Avon, Edimburgo, Dublin, Nova Iorque, São
Francisco, Roma, Paris e São Petersburgo figuram no ranking dos destinos mais populares junto dos
“amantes” da literatura. O interesse é tal que a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO) publicou, em 2004, uma lista de “Cities of Literature” (Cidades
Literárias) no âmbito do programa Rede das Cidades Criativas, e que tem vindo a ser atualizada. O que
existe neste domínio em Portugal? Quais são as suas potencialidades e os seus constrangimentos? Para
este estudo, recorremos às técnicas das Ciências Sociais, procurámos fazer uma revisão bibliográfica
sobre o turismo literário e um levantamento do que existe neste domínio em Portugal. Em termos de
resultados e conclusões, podemos afirmar que o turismo literário pode ser uma estratégia importante no
desenvolvimento da imagem e projeção internacional de Portugal.

Palavras-chave | Turismo, Turismo literário, Turismo Cultural, Literatura, Cultura, Património, Casas-
Museu

Abstract | The literary tourism is like a pilgrimage or procession in the houses of writers open to the
public throughout the world. The preservation of these places, which saw the birth of some famous
writers, is limited. You need to make an inventory of these places and arrange them so that they become
attractive to visitors and the local population. An excellent way to do this is to create different literary
itineraries, interactive charts and websites. The literary tourism is a form of cultural tourism which refers
to visit places frequented by an author or those who are mentioned in his books. These "pilgrimages"
serve to pay tribute to the writer or rediscover the particular environment at the specific time of the book.
London, Stratford-upon-Avon, Edinburgh, Dublin, New York, San Francisco, Rome, Paris and St.
Petersburg appear in the ranking of the most popular destinations among "lovers" of literature. The
interest is such that the United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO)
published in 2004 a list of "Cities of Literature" (Literary Cities) under the program of the Creative Cities
Network, and this list has been permanently updated. What do we have in this area in Portugal? What are
this area’s strengths and constraints? For this study, we used social sciences techniques to perform a
literature review on tourism literature and a survey on what exists in this area in Portugal. In terms of
results and conclusions, we can say that literary tourism can be an important strategy in the development
and international projection of Portugal.

Keywords | Tourism, Literary Tourism, Cultural Tourism, Literature, Culture, Heritage, Houses Museum

1 Doutorando em Sociologia, ISCTE-IUL. Investigador do Centro de Estudos em Sociologia do Desporto,


Organização e Desenvolvimento (CeSDOD), da Faculdade de Educação Física e Desporto, inserido no Centro de
Pesquisa e Estudos Sociais (CPES), da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração, Universidade
Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT). Investigador do Centro de Investigação de Sociologia e
Antropologia - Augusto da Silva (CISA-AS), da Universidade de Évora. Professor convidado no curso de
Mestrado em Sociologia do Desporto, na ULHT, e Sociólogo na France Terre d’Asile (Paris).
...Continuação
Pintores, poetas, inventores…

Vens tu agora aqui,


Faminto,
Agora que não preciso de ti…
Até mãos estendidas pintei
E dizes depois, solene: Em letras propositadamente não distorcidas
Estive na casa onde viveu Para ver se tu me entendias
O Poeta! Naquela minha mão tão sumida
E foi lá que ele morreu… Que ali magra te estendia
Sabes, dizes tu ainda ao outro, Quase escondida
É agora um museu! Por detrás daquele olhar
Com que triste a olhar te olhei…
E digo eu:
Enquanto neste lugar eu vivi E um dia chorei…
Olhando pela janela
Até em versos fingidos
Da varanda larga toda aberta
A mão estendida
Para a luz inteira me entrar sem mancha,
Eu a cantei
Eu tanto que senti
Em certos dias sem pão
O peso das sombras concretas do dia,
Nem quase haveres…
Um dia de cada vez,
E de fome tanto dia quase aqui morri, Eu,
Ali triste à lua no sonho Pintor, poeta,
À luz ténue Escritor,
Sem sono… Inventor de ti
Sem tu de mim saberes…
Pintei, escrevi,
Tracei melodias, Tu,
Sonhei… Agora aqui…
Eu,
Parti
Museu…
Dorido como os outros,
Quase todos esses meus irmãos, Mas olha,
Escritores, poetas, Melhor tarde que nunca,
Pintores, Obrigado,
Sábios loucos Volta!
Fraternos
Na sua arrebatada loucura,
Inventores
Dos sinais do tempo
E dos caminhos
Feitos e por fazer… José Rodrigues Dias, 2013-06-252

Continua...

2 José Rodrigues Dias nasceu em 1951, em Talhas, Macedo de Cavaleiros. É Professor Emérito da Universidade de
Évora (2011), Doutorado em Matemática. Autor de centenas de artigos científicos e de vários livros. Autor de dois
livros de poemas: “Abraços abraçados” (2010) e “Traçados sobre nós” (2011). Aceitou escrever um poema para ser
integrado neste artigo científico, quando decidimos escrever sobre a tematica do turismo literário, o que,
penhoradamente, agradecemos. Acedido em 25 de junho de 2013, em
http://joserodriguesdias.blogspot.com/2013/06/pintores-poetas-inventores.html#ixzz2XKDEqE5F.

2
1. Introdução

«There is a fascination about places associated with writers that has often prompted readers to
become pilgrims: to visit a birthplace and contemplate the surroundings of an author’s childhood,
to see with fresh eyes places that inspired poems or books, to pay homage at a grave side or
public memorial (Eagle & Carnell, 1977, p. 5)».

O imaginário é o conjunto das imagens e das relações de imagens que constitui o


capital pensado do homo sapiens (Durand, 1989). Ora, por meio da imaginação e
sensações, a leitura permite-nos “viajar” a lugares reais e irreais, descritos e imaginados
pelos seus autores.
A literatura (prosa, ficção, poesia e drama) é, como diz Ferré (1954, p. 148), um
«agente geográfico». Para além de inspirar viagens pelas letras, a literatura incentiva a
viagem aos ambientes e contextos que inspiraram a criação de um livro e aos locais
onde nasceram e viveram os autores.
Enquanto legado público, a literatura, expressa em termos emocionais e
espaciais, possibilita-nos falar de «património literário» (Robinson e Anderson, 2002, p.
26). A cultura é uma «mercadoria» (Greenwood, 1989, p. 173). A literatura torna-se,
assim, «um produto no mercado» (Howard, 2003, p. 144), numa «sociedade de
consumo» (Baudrillard, 1995), tendendo a ser valorizada quer na sua relação com o
turismo e os lugares, entre os quais as cidades, quer no seu papel na produção de
identidade nacional.
Conhecer mais sobre a vida dos escritores, onde viveram, onde trabalharam,
assistir a conferências, participar nos lançamentos de livros e nas feiras literárias são os
principais motivos para o surgimento e o crescimento do turismo literário. O turismo
literário é um segmento do turismo cultural e de nicho (Novelli, 2008) que permite o
contato entre o leitor e o local da obra, autor e com eventos de lançamento editorial.
Segundo Thomas (2009, 2011), o turismo literário surge no século XVIII quando
as pessoas começaram a visitar os túmulos, os locais de nascimento, bem como as casas
de grandes figuras literárias falecidas. É assim como uma variante laica da peregrinação
religiosa e representa uma resposta profunda contrária à intuição dos lazeres e das
possibilidades de leitura imaginativa. A autora destaca que esta versão turística da
literatura é simplificada porque ela foi criada para o consumo popular.
Ao visitar a cidade natal de um autor, os leitores têm a possibilidade de conhecer
a casa onde o autor nasceu, a casa onde viveu, a igreja onde se casou, os bares e cafés

3
que frequentou3, entre outros lugares, por meio de uma rota turística específica. Por
outro lado, esse estilo de turismo possibilita a oportunidade do leitor refazer a rota de
determinado personagem e de estar presente perante uma atmosfera de lendas, que
pertence à relação existente entre ambiente e obra.
O turismo literário é, diz Xicatto (2008, p. 3), «um importante meio de
comunicação que auxilia na divulgação de diversos destinos turísticos, tanto empíricos
quanto ficcionais, se pensarmos o conceito de turismo aqui de uma forma mais ampla.
Nesse sentido, podemos interpretar o título “Turismo Literário” em seu duplo sentido,
ou seja, como convite ao leitor para uma “viagem” pelos livros e além deles».
Em Paris, existem rotas para os turistas seguirem pelos locais narrados por
Victor Hugo (1802-1885) e por Dan Brown, na obra “O Código da Vinci” (publicado
em 2006). O livro (e posteriormente o filme) permitiu a visita aos locais da cidade Luz,
nomeadamente a igreja Saint Sulpice e o museu do Louvre. Carvalho (2009, p. 33)
escreve:

«o turismo literário existe desde a Antiguidade. Influenciados por Heródoto e pela sua obra
Histórias, muitos gregos e romanos abastados viajaram até às margens do Nilo, tendo havido, ao
longo dos séculos, obras de vários autores que influenciaram os seus leitores a viajar. Porém,
desde a publicação e sucesso obtido pela obra O Código Da Vinci de Dan Brown, a procura do
turismo literário sofreu uma revitalização, especialmente em Paris, onde decorre a maior parte da
ação do livro. Surgiram diversos itinerários associados a esta obra, adaptados a diferentes
segmentos de visitantes».

No Reino Unido, Stratford-upon-Avon é muito visitada por ser a cidade natal de


William Shakespeare (1564-1616). O endereço de Baker Street 221B, onde vivia o
Sherlock Holmes4, é, por exemplo, um dos endereços mais famosos de Londres. No
Brasil, a ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, ficou conhecida após o romance do escritor
Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882) “A moreninha” (publicado em 1844) e tornou-
se um local bastante visitado.5 A cidade Cordisburgo, Minas Gerais, é visita por ter sido
descrita na obra escrita, em 1956, “Grande Sertão: Veredas”, do escritor Guimarães

3
Os 50 anos da morte de Aquilino Ribeiro (1885-1963), que se completaram em maio de 2013, foram assinalados
com um conjunto de iniciativas, organizadas pela Associação Portuguesa de Escritores (APE), e coordenadas pelo
escritor Luís Machado Em Paris, na Delegação da Fundação Calouste Gulbenkian, a 22 de maio, António Coimbra
Martins, foi um dos oradores da mesa-redonda “Paris – Tempo de Exílios e Liberdade”. Dois dias depois, na mesma
cidade, a 24 de maio, Luís Machado faz, na Closière de Lilas, uma evocação histórica: “Os cafés de Aquilino em
Montparnasse”.
4
Sherlock Holmes é um personagem de ficção da literatura britânica criado pelo escritor e médico Arthur Conan
Doyle (1859-1930).
5
Tivemos oportunidade de visitar diversas casas e museus de vários escritores. Entre outras(os), sublinhamos: Victor
Hugo (1802-1885) e de Honoré de Balzac (1799-1850), em Paris, de Shakespeare (1564-1616), em Stratford-upon-
Avon, de Fernando Pessoa (1888-1935), em Lisboa, e de José Régio (1901-1969), em Portalegre.

4
Rosa (1908-1967). Na Bahia, a cidade de Ilhéus é descrita por Jorge Amado (1912-
2001) no livro “Gabriela Cravo e Canela” (editado em 1958), e é procurada e vivenciada
pelos seus prédios coloniais e nas praias da Costa do Cacau. Muitos outros exemplos
poderiam ser dados, noutros lugares do mundo.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
lançou, em 2004, um projeto chamado Rede de Cidades Criativas, que nomeia cidades
com forte inclusão e incentivo cultural em categorias como literatura, filmes, música,
design, gastronomia, entre outras. Seis cidades do mundo (Edimburgo, Melbourne,
Norwich, Iowa, Reykjavik e Dublin) receberam o título de Cidade da Literatura, pela
UNESCO. O turismo criativo, na perspectiva de Greg (2007, 2010), pode assumir
workshops interativos, itinerários culturais e experiências, envolvendo a aprendizagem.
Este novo tipo de turismo procura dar respostas aos problemas sentidos no
desenvolvimento do turismo cultural.
Inserido no âmbito da Sociologia do Turismo, este trabalho procura estudar as
casas, as casas-museu, museus e fundações de escritores e poetas em Portugal, de forma
a perceber o interesse, as potencialidades e os estrangulamentos desta oferta e da
procura turística.
Num panorama nacional, em que o turismo, como objeto de reflexão teórico-
científica, é um campo de análise recente (Santos, 2002) e como a investigação sobre o
turismo é muito reduzida ou desconhecida (Ramos, 1996), esperamos dar um modesto
contributo nesta temática.

2. Problemática, objetivos de estudo, metodologia


A Sociologia encontra hoje no fenómeno turístico um campo com potencialidade
para testar «os seus recursos heurísticos e suas possibilidades explicativas e
interpretativas» (Santos, 2002, p. 13). Indo um pouco mais longe na sua análise, Santos
(2002, p. 12) afirma que

«reconstruída a Europa após a Segunda Guerra Mundial – mais concretamente a partir dos anos
cinquenta do século XX – o turismo constitui-se objecto de um largo elenco de disciplinas
académicas, desde as que se propunham conhecê-lo como fenómeno social (com destaque para a
Antropologia, a Geografia, a Psicologia, a Sociologia) até aquelas que o visualizavam como
campo de instrumentação económica (a Economia, a Gestão, as Ciências Empresariais em
geral)».

O turismo é um fenómeno multifacetado e complexo. Segundo Ramos (1996, p.

5
109), «é juntamente com o processo migratório, o grande veículo atual do contacto de
culturas, o instrumento privilegiado das relações interpessoais, o elo potenciador da
ligação com estranhos, forasteiros, hóspedes e estrangeiros». É, duplamente, um
fenómeno social total: i) dada a sua riqueza e complexidade pode ser objeto de análise,
estudo e investigação por parte de todas as ciências sociais; ii) pelas diversas
implicações, influências e impactos que tem na vida das comunidades, regiões e países.
O turismo é uma das principais atividades económicas de Portugal. As
sucessivas estatísticas comprovam-no. De acordo com o Instituto Nacional de
Estatística, em 2011, Portugal apresentou um total de 26.003,7 milhares de dormidas de
estrangeiros nos estabelecimentos hoteleiros, contra 23.608,2 milhares, em 2010 (INE,
2011). Dessas dormidas, mais de 65% têm como país de residência habitual a
Alemanha, a Espanha, a França, a Holanda e o Reino Unido.
Para além da procura externa, não se pode descurar a procura interna. No caso
português, se ninguém lhes tira férias, os hábitos estão diferentes. O Administrador do
Turismo de Portugal, Luís Matoso, em declarações ao jornal Público (14.07.2013),
realça que desde o primeiro semestre do ano de 2013 se perderam 186 mil dormidas e
que a queda no mercado interno rondava os 6,4%. Os portugueses não estão a viajar
mais para o estrangeiro. Escolhem, isso sim, soluções mais económicas, ficando em casa
de amigos ou familiares ou, simplesmente, ficam por casa. Se a estadia média dos
turistas nacionais, em 2008, era de 3,3 noites, ela passou para 2,7 noites, em 2013, de
acordo com os dados do INE (2012). São os turistas internacionais a compensar as
sucessivas quedas do mercado interno.
Em termos de conceitos, importa aqui realçar que o turista estrangeiro é qualquer
pessoa que visita um país, diferente daquele em que reside por um período de, pelo
menos, vinte e quatro horas. As pessoas que ficam menos de vinte e quatro horas são
consideradas excursionistas. Para além do turismo internacional, devemos considerar
também o turismo doméstico. O turista é a pessoa em situação de lazer que
voluntariamente visita local diferente da sua residência, com o propósito de
experimentar uma mudança (Smith, 1989).
Enquanto oferta turística e cultural, as casas, as casas-museu, os museus e as
fundações de escritores, poetas, etc. têm vindo a crescer em Portugal. São um
“instrumento” de promoção da imagem do país, das regiões ou localidades. Não nos
podemos alhear, igualmente, da natureza económica desta atividade. «Como qualquer

6
outra iniciativa económica, a oferta turística visa o lucro, a rentabilidade, a produção de
riqueza e a criação de postos de trabalho. Pensar de maneira diferente é utópico ou
romântico, mesmo que se integre a actividade turística na área da pluriatividade»
(Ramos, 1996, p. 88).
Como tal, definimos como objeto de estudo esta oferta turística, incidindo a
nossa análise sobre as casas-museu e fundações de escritores e poetas. O principal
objetivo deste trabalho é conhecer e clarificar a oferta e a procura do turismo literário
em Portugal, as suas potencialidades e constrangimentos no processo de
desenvolvimento.
Para este estudo exploratório-analítico, recorremos às técnicas das Ciências
Sociais, segundo as recomendações de Quivy e Campenhoudt (1992) e de Moreira
(1997).
Num primeiro momento, procedeu-se a uma recolha de informação e análise
documental sobre a problemática em estudo e um levantamento de dados junto das
casas-museu, fundações, câmaras municipais, comissões de coordenação regionais,
postos de turismo, investigadores, etc. do que existe neste domínio em Portugal.
Procurou-se também contactar e entrevistar os informantes-privilegiados sobre a
temática.
De um universo bastante alargado de casas, casas-museus, fundações existentes
em Portugal, optámos apenas pelas que estão dedicadas aos escritores e poetas
portugueses.
Em termos de resultados e conclusões, podemos afirmar que o turismo literário
pode ser uma estratégia importante no desenvolvimento e projeção internacional de
Portugal, e, eventualmente, fazer com que Portugal venha a integrar a lista das “Cities of
Literature”, pela UNESCO.

7
3. O turismo literário e cultural

Fotografia 1 | A casa de Aquilino Ribeiro, em Soutosa, Moimenta da Beira, Viseu

Fonte: http://www.publico.pt/serie-casas-de-escritores. Acedida em 28 de Julho de 2013.

Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Ferreira de Castro, Guerra Junqueiro,


Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa, José Régio, Antero de Quental, Aquilino
Ribeiro, Miguel Torga, Vitorino Nemésio, José Saramago… As casas dos escritores são
as guardiãs destes ilustres fantasmas. Elas abrigam a sua vida, e seguramente
alimentaram algumas das suas obras. Hoje, é possível visitá-las. Entre fascinação e
esquecimento, como é que essas pedras sobreviveram e se reinventaram? De local de
peregrinação docemente desinteressante a local cultural, reavivam-se as vontades. O que
têm elas para oferecer?
Das mais modestas às mais extravagantes, que ilustram a situação de fortuna do
personagem, a situação é muito heterogénea. Existe uma profusão de estatutos, de
ambições, de meios e de proprietários diferentes. O que é constante é uma certa dose de
paixão e de paciência (e de meios financeiros) para as conservar e animar. Por detrás das
paredes e muros, existem os efervescentes defensores da literatura, os apaixonados pelas
belas letras e que levam a cabo um combate contra o esquecimento.
Se as casas dos homens célebres sempre fascinaram o público, não é evidente
demonstrar o seu interesse. Elas possuem, no entanto, uma forte evocação. Elas
“transportam” os seus visitantes a épocas que já não existem e levantam o véu para um
universo ficcional. Como uma biografia em três dimensões, as casas dos escritores têm
uma história para contar. Em Poétique de espace (2012, p. 77), Bachelard escreve, numa

8
frase romanesca: «la maison, plus encore que le paysage, est “un état d’âme“».
Poisson (1997, p. 3) frisa que

« l’intérêt que l’on attache à la découverte de la maison d’une homme célèbre, qu’il fût saint,
homme d’Etat, chef de guerre, artiste, tient à la recherche d’une meilleure connaissance de sa
personalité. En découvrant le cadre où il a vécu, travaillé, aimé, souffert, on s’efforce de le
comprendre davantage et, partant, de le mieu célébrer. Cette sorte de pèlerinage est
particulièrement attachant dans le cas environnement semblent l’intermédiaire obligé entre
inspiration et écriture, alors qu’ils ne jouent pas forcément le même rôle pour un homme célèbre
d’une discipline ».

Exposições, conferências, concertos de música, workshops de escrita, vídeos,


teatro, centros de pesquisa, museus, bibliotecas, todos os meios são bons para trazer um
pouco de vida. Uma casa de escritor é, antes de tudo, um local de vida e de escrita. Na
cenografia, é a autenticidade que é privilegiada. Procura-se sempre fazer testemunhar
um estilo de vida e um contexto histórico, recompor a atmosfera da criação. A “mise en
scène” joga com a expressão da personalidade do autor e a ilusão da sua presença. Tudo
é feito para dar a impressão de um reencontro. Desta intimidade, os locais literários têm
uma força simbólica, uma capacidade de fazer (re)viver os mitos. E isso são formidáveis
ferramentas pedagógicas. Através de uma casa, é sempre a obra que está em jogo.
Conseguir manter as paredes de pé, as animar, é também uma maneira de dar o gosto
pela leitura.
Segundo Thomas (2009, 2011), o turismo literário surge no século XVIII quando
as pessoas começaram a visitar os túmulos, os locais de nascimento, bem como as casas
de grandes figuras literárias falecidas. É assim como uma variante laica da peregrinação
religiosa e representa uma resposta profunda contrária à intuição dos lazeres e das
possibilidade de leitura imaginativa. A autora destaca que esta versão turística da
literatura é simplificada porque ela foi criada para o consumo popular. Poisson (1997)
diz que o turismo literário é de invenção recente. Remonta mais ou menos ao período
Pré-Romantismo ou Primeiro Romantismo (movimento literário dos fins do século
XVIII). O autor realça:

« c’est Rousseau allant pleurer sur le seuil du cabinet de travail de Buffon à Montbard, puis
George Sand aux Charmettes chez le même Rousseau et Flaubert cherchant à Cambourg l’ombre
de Chateaubriand : début de l’intérêt public pour les lieux de mémoire et qui a peu à peu suscité
des opérations de sauvegarde, bien souvent d’initiative privée » (Poisson, 1997, p. 123).

Em França, das 109 casas de escritores abertas ou entreabertas a visitas, em

9
1997, 10 remontam ao período da Renascença (fins do século XIV e meados do século
XVI), número importante se olharmos para a distância temporal (Poisson, 1997).
Em termos concetuais, o turismo literário é uma forma de turismo cultural que
faz referência à visita de locais frequentados por um autor (escritor, poeta, etc.) ou aos
que são mencionados nos seus livros. Estas "peregrinações" servem para prestar
homenagem ao escritor ou para (re)encontrar o ambiente particular num momento
específico do livro. Londres, Stratford-upon-Avon, Edimburgo, Dublin, Nova Iorque,
Concord, São Francisco, Roma, Paris e Sampetersburgo figuram no ranking dos
destinos mais populares junto dos “amantes” da literatura.
Diaz e Rivas (2011) destacam que o turismo literário engloba as viagens
motivadas pela vida dos autores, os seus locais de nascimento e de moradia, mas
também a visita aos cenários das histórias, fictícios ou não. Os autores sublinham que

«Son muchos los estudios, encuestas, artículos y ensayos dedicados a las motivaciones del
turismo o a la rentabilidad económica de determinados servicios turísticos. Abundan menos los
que se preocupan de indagar en profundidad los mecanismos psicologicos por los que el deseo de
viajar es inducido por la lectura de relatos más o menos literarios capaces de transformar al
lector, turista potencial, en viajero efectivo; de suscitar, por la fuerza persuasiva del que describe,
deseos viajeros que andando el tiempo, quedan consagrados en destinos turísticos nuevos o
difundem otros más clássicos» (Diaz e Rivas, 2011, p. 8).

Acrescentam ainda que

«A través de la lectura uno se fabrica el turismo literário sus lugares fetiche a la medida de su
imaginacion los recuerdos de las lecturas, como los recuerdos de las mejores imágenes, vertebran
el eje emocional de cualquiera y eso deja huella sentimental y cultural. La fascinacion por los
espacios y la geografia relacionada con escritores ha dado lugar a que muchos lectores se
dedidan a visitar el lugar de nacimiento o ver los sítios que inspiraron poemas, novelas,…» (Diaz
e Rivas, 2011, p. 9).

Relativamente ao turismo cultural, a European Travel Commission (ETC, 2005)


define-o como o movimento de pessoas para atrações culturais em locais distintos dos
de sua residência habitual, com a intenção de obter novas experiências e informações
para satisfazer as suas necessidades culturais. Este tipo de turismo constitui-se,
fundamentalmente, como um segmento do turismo urbano, uma vez que é aí que tem
inserção privilegiada. Apresenta, na perspectiva deste e de outros estudos, elevadas
taxas de crescimento (ETC, 2005; Organisation for Economic Co-operation and
Development (OECD), 2009; ECORYS – Research Consulting, 2009), representando,
em 2007, cerca de 40% das chegadas internacionais (OECD, 2009, p. 21). Este

10
crescimento coincide com a ascensão da procura e oferta turístico-culturais, da
«importância da cultura intangível e do papel da imagem e atmosfera» (OECD, 2009, p.
11), com fins de rentabilidade económica, política, social e cultural.
Para Richards (2000, p. 24), o turismo cultural é «all movements of persons to
specific cultural attractions, such as heritage sites, artistic and cultural manifestations,
arts and drama outside their normal place of residence». Na perspectiva de Xicatto
(2008, p. 15), «o turismo cultural é motivado pela busca de informações, de novos
conhecimentos, do processo de interação com outras pessoas, comunidades e lugares, da
curiosidade cultural, dos costumes, da tradição e da identidade cultural. Esta atividade
turística tem como fundamento o elo entre o passado e o presente, o contato e a
convivência com a herança cultural». Carvalho (2009, p. 3) diz que «o turismo cultural
poderá propiciar experiências autênticas e facilitar a comunicação intercultural entre o
visitante e o visitado, bem como a imersão temporária na cultura do Outro». O Nós e os
Outros é, segundo Santos (2002, p. 31), a «fantasia de um certo espaço cultural». Cunha
(2002, p. 71) refere que esta forma de turismo apresenta um sentido ambíguo. Num
primeiro sentido, o turismo é entendido como um instrumento de promoção cultural.
Num segundo sentido, o turismo é um meio de proporcionar o encontro de culturas que
lhe são preexistentes e de estabelecer relações com valores adquiridos – o turismo
cultural promove e vende o acesso a uma cultura preexistente, isto é, o turismo combina
fatores diversos para mediante um preço, permitir a uma pessoa desfrutar de uma
manifestação ou expressão cultural.
Johnson (1986) esquematiza, de forma simples, a promoção e interação dos
locais turísticos (Figura 1). Uma primeira fase em que existe um texto, isto é, como ele é
apresentado e interpretado. Uma segunda fase onde se encontra a produção referente às
agências ou à entidade promotora. Uma terceira fase relacionada com a leitura, onde
cada leitor usa os sítios web e reage às mensagens. E, finalmente, uma última fase sobre
o impacto que eles têm no visitante.

11
Figura 1 | Promoção e interação dos locais turísticos

Fonte: Johnson (1986)

Herbert (1996) também realça, de forma esquemática, a literatura e os locais


turísticos, interligando os produtores e os consumidores (Figura 2).

Figura 2 | A literatura e os locais turísticos: os produtores e os consumidores

Fonte: Herbert (1996)

No estudo comparativo que faz em três localidades francesas: Cabourg


(associada ao escritor Marcel Proust), Pont-Aven (associada ao pintor Paul Gauguin) e
Auvers-sur-Oise (associada ao pintor Vincent Van Gogh), Herbert (1996) chega à

12
conclusão de que os visitantes

«they are by no means connoisseurs of literature or art and most have no detailed knowledge of
the writer or artists. The evidence suggests that pleasure derives from various sources, which
include the opportunity to relax, to enjoy good company, to taste the ambience of a place and to
“gaze” at beautiful scenes; there is also for many the feeling that they have had some contact with
a writer or artist and with the environments which they inhabited. Only minorities visited these
places with a pre-existing sense of meaning or emotional attachment but many have gained
something of these attributes during their visit» (Herbert, 1996, p. 84).

No turismo literário falamos das casas-museu e fundações de escritores. Alvim


(2008) escreve:

«As Casas-Museu de escritores são um tipo particular de casas-museu que gravitam à volta de um
imóvel edificado, com coleções de bens culturais (objetos, documentos, livros, etc.)
representativos da vivência e da personalidade de uma figura pública que se tenha destacado na
sociedade pela obra literária/científica que produziu. As casas-museu consagram-se à visibilidade
da vivência destas personalidade através dos objetos da casa onde nasceu/viveu/escreveu e
morreu. Deste modo, as casas-museu de escritores são casas que possuem a “alma” do escritor,
são inspirações da sua vida com os móveis que utilizaram, as cadeiras preferidas, as secretárias
onde escreveram; os pequenos objetos que os acompanharam, os óculos, os tinteiros, as
máquinas de escrever; as recordações acumuladas, as fotografias, os postais, os recortes de
imprensa e as suas coleções de arte; e a reunir a isto, as suas bibliotecas e os seus fundos
documentais. As bibliotecas particulares são uma pedra fundamental para o estudo da obra do
escritor, assim como a obra que produziu, nas suas variadas edições e traduções, os livros
anotados, os manuscritos, a correspondência, e outros»6.

A expressão “casa-museu”, segundo Ponte (2007), é «composta por duas palavras


em justaposição, dois conceitos com dimensões completamente opostas quanto à sua
abrangência, em relação à sua extensão pública e privada»7. Na sua opinião,

«estamos perante o conceito casa que tem um sentido privado, pessoal, de refúgio e intimidade,
ao qual se junta o conceito museu com toda a sua carga e dimensão pública. Um museu é criado
para receber pessoas, transmitir conhecimentos e interagir com o público, a que se associa a
função de conservar, estudar e divulgar as coleções. No âmbito das casas-museu, a própria casa
é, também, uma importante e imponente peça do museu a preservar e estudar»8.

Do ponto de vista filosófico e fenomenológico, Bachelard (2012, p. 59) afirma que

« la maison est de prime abord un objet à porte géometrie. On est tenté de l’analyser
rationnellement. Sa réalité première est visible est tangible. Elle est faite de solides bien taillés,
de charpentes bien associées. La ligne droite y est dominatrice. Le fils à plomb lui a laissé la
marque de sa sagesse, de son équilibre. Un tel objet géométrique devrait résister à des
métaphores qui accueillent le corps humain, l’âme humaine ».

Se, por um lado, a casa pode ser pensada como uma actividade de metáforas,

6
Acedido em 24 de junho de 2013, em http://comum.rcaap.pt/handle/123456789/490.
7 Acedido em 26 de junho de 2013, em http://museologiaporto.ning.com/profile/AntonioPonte22.

13
como diz Bachelard (2012), na medida em que ela é portadora de valores por aqueles
que as habitam, é vista, por outro lado, como objetivo da nossa posição na sociedade ou
universo (Bernardes, 2010).
Relativamente às visitas às casas-museu, duas conclusões se podem, desde já,
retirar: i) os estudos mostram que a visita não tem um impacto direto nas vendas dos
livros; ii) as casas-museu não são adaptadas ao turismo de massas. Normalmente, são
modestas, íntimas e, por vezes, exíguas. Só podem receber visitantes com parcimónia.
Raras são as que oferecem espaços capazes de receber grandes multidões; iii) nada é
mais rentável do que as casas-museu dos escritores. As entidades gestoras, grupos de
amigos, associações, etc. estimam muito estes espaços, sem a esperança de fazer grande
fortuna, respeitando-os e mantendo-os (Melot, 2005).

4. Os itinerários literários
Os itinerários literários constituem uma excelente forma de colocar em valor as
casas dos escritores, os locais que eles frequentaram ou ainda aqueles que são descritos
nos seus livros. Várias agências se especializam, no todo ou em parte, na oferta de
itinerários temáticos. Algumas propõem os itinerários, guiados ou não. Outras oferecem
uma planificação do dia completo ou “pacote” ao visitante: reserva de alojamento,
transferes, excursões, etc.
MacLeod, Nicola; Hayes, Deborah & Slater, Alix (2009) apresentam três tipos
de itinerários: o biográfico, a paisagem literária e os genéricos. Vejamos um pouco mais
em detalhe cada um deles:
1) Itinerário biográfico: visa a compreensão profunda da vida do autor e do
impacto da sua obra. Este itinerário assemelha-se a uma peregrinação e o tom
deixa entender que o visitante deverá adotar uma atitude de admiração e de
respeito. Esta conceção de experiência supõe que ele possui previamente um
conhecimento aprofundado do autor e será mais popular junto do profano.
Apresenta-se a história de uma maneira muito coerente, utilizando, na maior
parte dos casos, uma ordem cronológica da vida do escritor. O percurso
biográfico apoia-se sobre as palavras para contar a história, o texto é
habitualmente denso, de estilo didático, muitas vezes utilizando as cores
branco ou preto. Os itinerários são geralmente gratuitos, mas os exemplos

8 Acedido em 26 de junho de 2013, em http://museologiaporto.ning.com/profile/AntonioPonte22.


14
não fazem a jurisprudência.
2) Itinerário paisagem literária: estes percursos procuram abranger uma vasta
zona geográfica e são geralmente realizadas por consórcios de parceiros,
nomeadamente as coletividades locais, os postos de turismo, os grupos de
cidadãos, e, cada vez mais, pelo sector privado. A experiência é uma das
diversões e de evasão utilizada numa variedade de métodos de interpretação
e de estímulos, de forma a despertar diversas sensações sensoriais ao
visitante. Estes itinerários são muito acessíveis, na medida em que não se
baseiam num grande conhecimento do autor e da sua obra. O texto é
sumário, mas apropriado. Apoia-se nas citações mais conhecidas e nas frases
suscetíveis de evocar o humor ou uma impressão que se harmoniza com o
ambiente. As paisagens literárias podem incluir subtemas ou fornecer
sugestões de actividades complementares: ligadas com outros itinerários,
locais a visitar, restaurantes e hotéis a descobrir.
3) Itinerários "genéricos": estes itinerários são concebidos pelas autoridades
locais, nomeadamente pelos postos de turismo. O objetivo principal é a de
celebrar a tradição intelectual de uma região, de forma a reforçar o estatuto
do local ou da sua reputação, junto das coletividades locais e nos potenciais
grupos de visitantes. A experiência combina as dimensões educativas e
estéticas e reagrupa, no mesmo itinerário, um conjunto de personalidades
literárias todas ligadas ao local ou à região. A linguagem utilizada,
habitualmente, possui as mesmas características que os instrumentos
promocionais escritos pelos promotores. Os dispositivos visuais são as
imagens do património associado à literatura. Tipicamente, a estrada é
marcada por painéis e outdoors, assinalando os elementos chave da história.

O Quadro 1 apresenta um exemplo de cada um destes tipos de itinerários.

15
Quadro 1 | Três exemplos de itinerários literários
Categoria Biografia Paisagem literária Genérico
Exemplos O roteiro Agatha Christie O roteiro Robert Burns O roteiro literário Bristol
Características
Autoridade de Turismo de Autoridade de Turismo de Autoridade de Turismo e de
Criador do
Torquay (Austrália) e os Dumfries e de Galloway Congressos de Bristol
itinerário
membros da família (Escócia) (Reino Unido)
Biografia, paisagens que
Reputação literária da
Ponto central Vida da autora em Torquay inspiraram o autor e as
cidade
atrações temáticas
Aprofundamento de Caminhos renomeados pelo Criação de notoriedade e
Objetivo conhecimento do autor, em poeta para encorajar os promover o orgulho da
associação com a vila natal visitantes a viajar pela região cidade
Reagrupar com estilo
Estilo de Impressionista e índices promocional da escritura.
Didática e autoridade
linguagem sensoriais Encorajar o turismo em
geral.
Património batizado e Paisagens, monumentos,
Aspeto visual Património batizado
imagens da autora reconstrução de interiores
Fonte: MacLeod, Nicola; Hayes, Deborah; Slater, Alix (2009)

5. O turismo literário em Portugal


Em que medida as casas conservadas são elas o reflexo da vida ou da
personalidade do escritor? No artigo de jornal do Diário de Notícias, “Conhecer
escritores pelas suas casas”, escrito por Lina Santos, em 30 de agosto de 2012, pode ler-
se:

«Descobrir os objetos preferidos de Fernando Pessoa, Camilo Castelo Branco, José Régio e
Miguel Torga pode ser uma maneira de entender melhor as suas obras. E uma forma de conhecer
o País. Ler é uma viagem, mas também se pode viajar para conhecer quem escreve. Como?
Entrando numa das várias casas-museus que albergam espólio e objetos pessoais, bem como
armazenam vivências de quem ali escreveu. Quatro escritores portugueses conduzem o viajante
pelo País: Fernando Pessoa, em Lisboa, Camilo Castelo Branco, em São Miguel de Seide,
Miguel Torga, em Coimbra e José Régio em Portalegre. No bairro lisboeta de Campo de
Ourique, que foi morada de Pessoa nos últimos 15 anos da sua vida, encontra-se a Casa Fernando
Pessoa, local onde se guardam alguns objetos, mobiliário e os cerca de 1200 títulos da biblioteca
particular do autor e se 'reconstitui' o que terá sido o seu último quarto. Mas, mais do que uma
casa-museu, nestes três andares vive-se e respira-se a obra de Pessoa e dos seus heterónimos. É
aqui que se encontra também o Retrato de Fernando Pessoa, pintado por Almada Negreiros em
1954 para o café Os Irmãos Unidos (comprado por Jorge de Brito e posteriormente oferecido à
Câmara Municipal de Lisboa). A cerca de 350 quilómetros de Lisboa fica São Miguel de Seide
(Vila Nova de Famalicão) e a casa onde viveu Camilo Castelo Branco nos seus últimos anos de
vida. A história do autor de Amor de Perdição e Ana Plácido, passa pelas paredes desta casa, que
ardeu em 1915 e foi transformada em museu em 1922. A construção foi bastante modificada
nessa altura, uma vez que no rés-do-chão funcionava a escola primária de Seide. Recuperou o
aspeto original nos anos 50. Foi mandada construir com o dinheiro amealhado por Pinheiro Alves
quando viveu no Brasil (segundo a própria casa-museu). (...) Em Coimbra pode ver-se a casa-
museu Miguel Torga (ou deverá dizer-se do médico Adolfo Correia da Rocha...), local onde
viveu após uma vida marcada por várias mudanças. Nasceu em Vila Real (é à planta
transmontana torga que vai buscar o apelido para o seu pseudónimo literário), passou pelo
seminário de Lamego, pelo Brasil e licenciou-se em medicina em Coimbra. Regressou à terra
natal e ainda esteve em Leiria mas Coimbra seria a sua casa. José Régio, cuja vida se repartiu
entre Vila do Conde, onde nasceu, e Portalegre, onde deu aulas, a casa que acolhe o seu espólio
reflete a sua maneira de viver e os seus interesses, sobretudo o colecionismo. Começou, por

16
exemplo, por alugar apenas um quarto desta. À medida que ia necessitando de mais espaço,
requisitava mais dependências»9.

Se é certo de que «o turismo literário em Portugal não goza ainda da mesma


projeção que em outros países, tais como o Reino Unido (...)», como diz Carvalho
(2009, p. 38), existe uma oferta interessante no âmbito deste turismo especializado.
Distribuídas um pouco por todo o território português (Continente e Regiões
Autónomas), existem várias casas, casas-museu, museus e fundações de escritores,
como se constata pela longa citação do artigo de jornal, e pelo quadro seguinte (Quadro
2).

Quadro 2 | Casas, Casas-museu, Museus e Fundações de Escritores em Portugal


Casas, Casas-Museu, Museus e Fundações Local

Região Norte
Casa Pascoaes Amarante
Casa-museu Camilo São Miguel de Ceide
Casa-museu Guerra Junqueiro Porto
Casa-museu José Régio Vila do Conde
Casa Antero de Quental Vila do Conde
Casa-museu Ferreira de Castro Oliveira de Azeméis
Casa-museu Abel Salazar São Mamede de Infesta
Fundação Eça de Queiroz Baião
Fundação Eugénio de Andrade (*) Porto
Região Centro
Casa memória de Camões (**) Constância
Casa-museu Afonso Lopes Vieira São Pedro de Moel
Casa-museu Fernando Namora Condeixa-a-Nova
Casa-museu Miguel Torga Coimbra
Casa-museu Vasco de Lima Couto Constância
Museu Julio Dinis Ovar
Região Lisboa
Casa Bocage Setúbal
Casa-museu Fernando Pessoa Lisboa
Casa-museu João de Deus Lisboa
Fundação José Saramago Lisboa
Museu Ferreira de Castro Sintra
Região Alentejo

9
Acedido em 25 de junho de 2013, em http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2742180.

17
Casa-museu José Régio Portalegre
Casa-museu José Saramago (Azinhaga) Azinhaga
Região Algarve
Casa-museu João de Deus São Bartolomeu de Messines
Região Autónoma dos Açores
Casa Vitorino Nemésio Santa Cruz

Fonte: Ponte (2007), Alvim (2008), Instituto dos Museus e da Conservação, Câmaras Municipais, Fundações, e
pesquisa do autor na Internet. (*) A Fundação Eugénio de Andrade foi extinta em 23 de Setembro de 2011. (**) A
Casa Memória Camões encontra-se fechada ao público, abrindo apenas para exposições.

Pontes (2007) recenseou vinte e três casas-museu tuteladas por entidades públicas,
16 das quais por Câmaras Municipais. De entre as casas-museu tuteladas por entidades
privadas destacam-se as dirigidas por Fundações. Alvim (2008) focalizou o seu estudo
para os sítios web das casas-museu e fundações de escritores em Portugal e Espanha e
recenseou, em terras lusas, vinte casas-museu e fundações. No nosso estudo, em 2013,
também recenseámos vinte e três. Neste recenseamento, verifica-se a ausência de casas-
museu dedicadas a mulheres escritoras ou poetisas.
Podemos também estudar a repartição geográfica destes locais de memória (mas
não santuários), segundo as regiões atuais. A região do Norte é naturalmente a chefe de
fila, com 9 casas-museu, seguidas da região do Centro (6), da região de Lisboa (5), da
região do Alentejo (2), da região do Algarve e da região Autónoma dos Açores (1,
respetivamente). Nenhuma casa de escritores para a Madeira. Não se pode deduzir que
certas regiões não produziram escritores nem os acolheram nas suas passagens. Se
deduzíssemos isso, seria uma «falácia», para usarmos um termo da ciência económica.
Como diz Poisson (1997, p. 9), a conservação destes locais de memória são submetidos
ao acaso.
Existem também records. A celebridade de certos escritores mede-se, por vezes,
pelo número de locais preservados. Ferreira de Castro e José Régio têm 2 locais de
memória. A cada uma podemos associar uma vida literária ou uma etapa da vida,
pontuando de títulos das obras. No caso de Ferreira de Castro existe uma casa em
Oliveira de Azeméis, onde nasceu, e um museu em Sintra, onde, por sua vontade, foi
sepultado. No caso de José Régio, existe uma casa em Vila do Conde e outra em
Portalegre, onde foi professor durante mais de 30 anos. Foi nesta cidade alentejana do
interior que escreveu a maior parte da sua obra. Em Vila do Conde, a sua terra natal, foi
onde quis passar os últimos anos da sua vida.
Sem esgotar, vejamos um pouco mais em detalhe alguns exemplos destas casas,

18
casas-museu e fundações ligadas à vida de alguns ficcionistas e poetas portugueses. Não
se trata aqui de as descrever, detalhando os seus aspetos pitorescos ou analisar as razões
de conforto. Como diz Bachelard (2012, pp. 23-24), «il faut (…) dépasser les problèmes
de la description – que cette description soit objective ou subjective, c’est-à-dire qu’elle
dise des faits ou des impressions – pour atteindre les vertus premières, celles où se
révèle une adhésion, en quelque manière, native à la fonction première d’habiter».
Descrevê-las é, no entanto, «faire visiter» (Bachelard, 2012, p. 31). Do presente,
podemos tudo dizer, mas e do passado? Bachelard (2012, p. 31), sublinha que «la
maison première et onirequement définitive doit garder sa pénombre».
No Douro, mais concretamente na Quinta de Tormes (Baião), encontra-se
sediada a Fundação Eça de Queiroz. Tormes não existia. É um topónimo inventado por
Eça e materializado no seu romance A Cidade e as Serras (1901). Eça nunca viveu neste
espaço. A casa e a quinta pertenciam à sua mulher, Emília de Castro. A página web10
contém inúmera informação sobre o escritor, nomeadamente sobre a sua vida e a
cronologia da obra. Famosa pelas suas vinhas, a região do Douro é posta em destaque.
Alguns passatempos (sopa de letras, palavras cruzadas e questionário) em torno de Eça
(1845-1900) e da sua obra são propostos. Em termos teóricos, Carvalho, Baptista e
Costa (2010a,b) propõem a criação de um itinerário literário queirosiano, centrado na
obra Os Maias, em Sintra, em complemento ao roteiro já existente e que é levado a cabo
pela Secção de Roteiros Culturais do Núcleo de Divulgação Histórico e Literário da
Câmara Municipal de Sintra. Estes roteiros, intitulados de «Os Maias de Eça de
Queiroz», realizam-se nos dias úteis, de 2ª a 6ª feira, às 10h00 ou às 14h00 de cada dia,
tendo um carácter gratuito. Necessita de marcação prévia mediante a disponibilidade de
ambas as partes numa agenda existente nos serviços de Roteiros Culturais, e posterior
envio de correio eletrónico dirigido à Vereação da Cultura, para que se autorize a
realização do roteiro. No que respeita a dados relativos a estatísticas anuais, não é
possível ter uma ideia, já que os mesmos, segundo um dos técnicos afetos ao projeto, se
destinam a informação interna dos Serviços. Em termos de visitas, uma das técnicas
culturais contatadas para este estudo, refere que «o perfil do visitante da Casa de Tormes
é a pessoa com instrução quase sempre superior e classe média/alta e tanto nos visita em
grupo como a nível individual» (correio eletrónico, de 25 de junho de 2013). Abrimos
aqui um parênteses para referir que os visitantes de sítios literários não são todos turistas

19
com conhecimentos profundos relativamente às obras do(s) autor(es) ou detentores de
um “capital cultural” ou a “classe dominante” (os gostos, preferências e padrões de
consumo permitem que se demarquem dos demais), para usarmos duas expressões de
Bourdieu e Passeron (1964). Os visitantes poderão ser alunos de escolas ou meros
visitantes de acaso, que visitam porque ou faz parte do programa escolar ou por terem
“mera curiosidade”, tal como refere Urry (1990). No seu relatório de contas de 2012,
pode ler-se que «ao longo dos últimos anos, a Fundação Eça de Queiroz tem
desenvolvido uma estratégia de crescimento ao nível da sua actividade e de conquista de
novos públicos. Esse desenvolvimento não tem sido tão forte como o desejado, uma vez
que a difícil situação económica nacional e internacional tem implicações diretas nos
meios financeiros que consegue angariar junto dos seus Mecenas e que consegue gerar
na sua exploração». Na página 23, do mesmo relatório, pode ler-se: «fruto da conjuntura
económica atual, a Fundação Eça de Queiroz continua a sentir enormes dificuldades na
captação de receitas necessárias aos seus investimentos e à cobertura das suas despesas
correntes. Em 2012 atingiu um volume de negócios de 170.084,72€, um valor inferior
ao verificado em 2011 (-33.890,73€), o que traduz um decréscimo de -17%. Esta quebra
deve-se essencialmente à redução muito significativa do valor dos subsídios e doações à
exploração, que apresentou uma quebra de 27.902,29€ e da variação nos inventários da
produção».
Se Eça de Queiroz pode ser considerado universalista, Camilo Castelo Branco
(1826-1890) é, certamente, regionalista. O primeiro nasceu no Minho, estudou em
Coimbra, foi diplomata e viajou por todo o mundo. Camilo passou a sua vida entre o
Minho, Lamego e Lisboa. Ora, próximo de Vila Nova de Famalicão, mais
concretamente em São Miguel de Ceide, pode-se visitar a casa-museu de Camilo. 20
anos mais velho do que Eça, Camilo domina a segunda geração do Romantismo, na
mudança para o Realismo, de que Eça seria expoente. Em 1915, a casa sofreu um
incêndio e, em 1922, foi reconstruída para abrir ao público como “museu Camiliano”.
Em 1958, passou a designar-se "Casa-Museu de Camilo". A casa apresenta diversas
fotografias, o mobiliário e alguns objetos pessoais de Camilo, permitindo, assim,
conhecer melhor a vida e a obra do escritor. Na caracterização da casa-museu (jornal
Público, 14.07.2013), Raquel Ribeiro refere que «muito do mobiliário é da época, ainda
que só o relógio seja o único elemento que se mantém desde o tempo do escritor». José

10
www.feq.pt. Acedida em 05 de julho de 2013.
20
Manuel Oliveira, diretor da Casa Camilo, afirmou que «esta é a verdadeira casa-museu
em Portugal, não só porque é a mais antiga, mas devido à sua simbologia» (jornal
Público, 14.07.2013). Foi numa cela de prisão que Castelo Branco escreveu o Amor de
Perdição (1862). Ao nível de roteiros literários, a Casa de Camilo tem promovido ou
apoiado, a sua realização, nomeadamente em Trás-os-Montes, Porto, Braga e Vila Nova
de Famalicão, com o objetivo de proporcionar momentos de fruição cultural e de
aproximação aos textos do romancista.
Vila do Conde recebe a casa-museu do poeta José Régio (1901-1969). É um
espaço inicialmente herdado de uma tia e que Régio preparou para viver quando se
aposentou. Na casa-museu, em Portalegre, onde foi professor, podem ser vistos diversos
objetos colecionados pelo escritor, nomeadamente de arte sacra. O exemplo do Alentejo
fica por aqui, pois, segundo um dos técnicos do Turismo Regional do Alentejo (ERT)
contatados, «desconhecemos a existência de qualquer museu ou casa-museu dedicada a
escritores no Alentejo e nunca nos foi pedida qualquer informação ou mostrado
interesse neste tipo de turismo» (correio eletrónico, de 25 de junho de 2013).
Vila do Conde acolhe também a casa do escritor Antero de Quental (1842-1891),
onde viveu durante dez anos. Na entrada da casa, que foi recentemente aberta ao público
(dia 16 de julho de 2013), pode ler-se a seguinte frase de Eça de Queiroz: “Antero de
Quental foi o maior de todos, a mais poderosa organização filosófica e crítica da
Península deste século». Foi, sobretudo, pelo soneto que o poeta Antero ficou
conhecido. As suas primeiras poesias, escritas até 1864, foram compiladas na edição de
1861 dos Sonetos, em Beatrice (1863) e em Primaveras Românticas (editadas em
1875). Mas são as suas Odes Modernas de 1865 que vão romper com os ideais do
Romantismo. A intervenção do imóvel, situado no coração da cidade e junto ao largo
que tem o nome do escritor, foi promovida pela Câmara Municipal, num investimento
que rondou os 500 mil euros. Reúne o espólio do escritor. Tal como Camilo Castelo
Branco, Antero Tarquínio de Quental suicidou-se.
No Porto, a Fundação Eugénio de Andrade era um espaço não só dedicado ao
poeta, mas também habitado por ele. A página web11 oferece informações sobre a vida e
a obra de Eugénio de Andrade (1923-2005) e permite visionar um portefólio de retratos
e desenhos feitos por vários artistas e dedicados ao poeta. Destacam-se também vários
poemas, em várias línguas. Apesar de esta informação estar on-line, esta Fundação foi

21
extinta, segundo a publicação do despacho n.º 12693/2011, em Diário da República, II
Série, n.º 184, de 23 de Setembro de 2011. Segundo uma notícia do jornal Público, de
31.12.200112, a entrega das chaves da sede da Fundação e do andar que foi habitado
pelo poeta nos últimos anos da sua vida já ocorreu, tendo a autarquia do Porto ficado
depositária do espólio. Ainda não se sabe muito bem o que a autarquia pretende fazer
com o legado de Eugénio de Andrade e a sua devolução à cidade e aos seus visitantes.
Inaugurada em Novembro de 1993, a Casa Fernando Pessoa fica situada na
capital, mais concretamente em Campo de Ourique, num prédio em que poeta (1888-
1935) ocupou o primeiro andar direito, entre 1920 e 1935. Hoje, é um espaço cultural
pertencente à autarquia, criado como homenagem ao poeta e concebido como casa da
poesia. É igualmente um centro cultural que realiza exposições de artes plásticas,
colóquios, workshops e espetáculos. Segundo uma das técnicas consultadas, «só a partir
de 2013, após a integração da Casa na empresa EGEAC [Empresa de Gestão de
Equipamento e Animação Cultural], os relatórios serão públicos e consultados no site da
empresa» (correio eletrónico, 29 de julho de 2013).
Em Coimbra, existe a casa-museu dedicada a Adolfo Correia da Rocha (1907-
1995), mais conhecido pelo nome de Miguel Torga. Dois escritores espanhóis (Miguel
de Cervantes e Miguel de Unamuno) influenciaram na escolha deste pseudónimo. O
acervo é constituído por várias obras de sua autoria, de edições de vários autores que
escrevem sobre Miguel (em vida e a título póstumo), artigos de imprensa, manuscritos,
objetos pessoais, etc. Na sua página de Internet, pode ler-se que «deliberações
camarárias do Executivo Municipal de Coimbra, de 22.12.2004 e 09.10.2004, com
aprovação na Assembleia Municipal de Coimbra, de 30.10.2004, justificam que o
Município adquirisse a casa onde viveu Miguel Torga, sito na Praceta Fernando Pessoa,
nº 3, em Coimbra, pela importância de 324.480 Euros. O imóvel passou a designar-se
por "Casa-Museu Miguel Torga" e o recheio que foi pertença e do uso do escritor foi
cedido à Câmara Municipal por Clara Rocha (filha) e entregue ao Município de
Coimbra, na pessoa do seu Presidente, Carlos Encarnação»13. Miguel Torga, depois de
uma passagem pelo seminário de Lamego, ruma para o Brasil, em 1920, mas um ano
depois já estava novamente em Portugal, para se licenciar em medicina, na

11
www.fundacaoeugenioandrade.pt. Acedida em 04 de julho de 2013.
12
Acedido em 29 de julho de 2013, em http://www.publico.pt/cultura/noticia/camara-do-porto-ja-tomou-posse-do-
espolio-de-eugenio-de-andrade-1527103.
13
Acedida em 29 de julho de 2013, em http://www.cm-coimbra.pt/cmmtorga/casa_museu.htm.

22
especialidade de Otorrinolaringologia. A sua atitude relativamente à língua portuguesa
faz inveja, na medida em que «por causa de uma vírgula [era] capaz de passar uma noite
sem dormir»14.
Em 25 de outubro de 1917, abre-se as portas da casa-museu João de Deus, em
Lisboa. Dois objetivos norteiam este museu: homenagear o poeta e ser uma biblioteca
de apoio à cultura portuguesa. Do acervo bibliográfico, faz parte uma importante série
de Métodos de Iniciação à Leitura e ao Cálculo. Como o poeta lírico, João de Deus
(1830-1896), nasceu em São Bartolomeu de Sines, abriu-se uma casa-museu, em
outubro de 1997, que se divide em espaço museológico que recria a casa e que conta
com uma exposição permanente e o espaço da biblioteca com sala de leitura e
hemeroteca. Para a casa-museu, a população local doou objetos da época e inclusive
alguns que lhe pertenceram. A realização deste projeto que foi apoiado pela Câmara
Municipal de Silves.
Na freguesia de Santa Cruz, concelho da Praia da Vitória, na ilha Terceira, nos
Açores, localiza-se a Casa Vitorino Nemésio. Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da
Silva (1901-1978) foi um poeta, escritor e intelectual de origem açoriana que se
destacou como romancista, autor de Mau Tempo no Canal (1944), e professor, durante
quase 40 anos, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Nemésio foi autor e
apresentador do programa televisivo, com o título “Se bem me lembro”. Com este
programa, que durou longos e sucessivos anos, e que primeiramente foi semanal (entre
1969 e 1974) e depois quinzenal (a partir de 1974), que passava durante quase meia
hora, em horário nobre, Vitorino Nemésio, este homem do mundo, abria as fronteiras da
cultura e do conhecimento. Do seu extenso curriculum vitae, consta que dirigiu, durante
um ano (1975-1976), o jornal O Dia. Destacou-se como um dos grandes escritores do
século XX, recebendo o Prémio Nacional da Literatura em 1965 e o Prémio Montaigne,
em 1974. A casa, onde o escritor nasceu, é, hoje, uma instituição cultural. Foi
requalificada e a partir do ano de 2007 instalou-se um espaço museológico e de estudo
da vida e obra do autor. Nela pode ser observada várias fotografias e objetos ligados à
vida e obra do autor, assim como uma cozinha tradicional dos Açores, enquanto
testemunho de uma época. A casa dispõe ainda de um espaço destinado a estabelecer
um elo de ligação ao Centro de Estudos Nemesianos, da Universidade dos Açores, de
forma estudar as obras deste escritor.

14
Acedida em 29 de julho de 2013, em http://www.cm-coimbra.pt/cmmtorga/casa_museu.htm.
23
Em julho de 2013, e segundo o Gabinete de Relações Externas/Posto de Turismo
de Constância, a Casa Memória de Camões estava encerrada ao público, reabrindo
apenas para palestras ou para eventuais exposições.
As perguntas impõem-se: será que estas casas, museus e fundações de grandes
escritores são pólos de atração turística? Qual o número de visitantes?
Onze casas, casas-museu e fundações, e respetivas entidades gestoras, aceitaram
colaborar neste estudo15, remetendo os dados relativos ao número de visitantes, ou seja,
a procura, ilustrando, assim, o interesse por este património cultural. É uma amostra
importante. Importa referir que a Casa Pascoaes gostaria de ter colaborado, mas por
motivos de obras (em 30.06.2013) não pôde enviar os dados. A Fundação José
Saramago - Casa da Azinhaga respondeu-nos (em 30.07.2013) que não divulgava o
número de visitantes. A Casa Memória Camões encontrava-se fechada ao público,
abrindo somente para exposições. A Fundação Eugénio de Andrade foi extinta. A Casa
Camilo remeteu-nos para a Vereação, tornando impossível o envio de dados. As
restantes não deram qualquer resposta ao nosso pedido.
Ainda antes de apresentarmos os números, é preciso referir que, tal como diz
Ramos (1996, p. 95), «as motivações dos turistas podem ser cumulativas». Na esteira de
Herbert (2001, p. 314), reforçamos que:

«People visit literary places for a variety of reasons. First, they are drawn to places that have
connections with the lives of writers. Former homes, in which a writer lived and worked, may
create a sense of nostalgia and inspire awe or reverence. (…) Second, tourists may be drawn to
literary places that form the settings for novels. (…) Third, tourists may be drawn to literary
places for some broader and deeper emotion than the specific writer or the story».

Na “frieza” dos números, e de forma a harmonizar os dados, optou-se pelo


período temporal de 2005 a 2012, ou seja, de oito anos (Quadro 3). Decidiu-se também
hierarquizar as casas-museu pelo número total de visitantes.

15
A Casa-museu Pascoaes manifestou vontade em colaborar, mas, no momento do estudo, tinham a casa-museu
encerrada para obras, tornando impossível enviar os dados solicitados. Referiu que um grande número de visitantes
era de universidades seniores. A entidade gestora da Casa Memória Camões (Município de Constância) respondeu ao
nosso contato, referindo que estava encerrada ao público, reabrindo pontualmente para palestras ou uma eventual
exposição.

24
Quadro 3 | N.º de Visitantes às Casas, Casas-museu, Museus e Fundações de Escritores em
Portugal, de 2005 a 2012

Casas, Casas-museu, Museus e 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Total
Fundações
Casa Fernando Pessoa nd nd nd 15898 18171 19865 19631 17049 90614
(Lisboa)*
Fundação Eça de Queiroz 5466 6245 7045 9167 9256 9904 9637 8554 65274
(Baião)
Museu Ferreira de Castro 1113 924 5432 4659 4639 4745 3991 3748 29251
(Sintra)
Casa-museu José Régio nd 1704 3360 3526 3930 3356 4537 3328 23741
(Portalegre)**
Casa-museu João de Deus 3108 825 1525 1846 2219 2346 1674 2781 16324
(São Bartolomeu de Messines)
Casa Bocage 1284 528 1993 2343 4830 2423 2453 1749 17603
(Setúbal)***
Casa-museu Afonso Lopes Vieira 2787 3446 3563 2214 1022 458 1591 1505 16586
(Marinha Grande)
Casa-museu Vitorino Nemésio (Açores) nd nd 957 3033 2762 2961 1558 1057 12328
Casa-museu Miguel Torga (Coimbra) nd nd nd 3234 2279 1707 2007 2041 11268
Museu João de Deus 951 547 883 1217 1427 385 444 403 6257
(Lisboa)
Museu Julio Dinis – Uma casa nd nd nd nd nd nd nd 1497 1497
Ovarense ****
(Ovar)
Total 14709 14219 24758 47137 50535 48150 47523 43712 290743
Fonte: Dados cedidos pelas casas, casas-museu e fundações respetivas, e entidades gestoras, em junho e julho de
2013. *Até o ano passado (2012), a Casa Fernando Pessoa não fez estatísticas por categorias de ocupação e visita.
Neste sentido, os dados apresentados agrupam os visitantes e os espetadores.** A casa-museu José Régio fechou de
28 de julho de 2004 a 08 de julho de 2006. Não foi possível enviar os dados do ano 2005 e os valores de 2006 são só
de julho a dezembro. ***A casa Bocage encerrou no dia 13 de julho de 2005 para obras e reabriu a 15 de setembro
em 2006 após obras de requalificação. nd = não disponível. **** No período de 2005 até 25 de julho de 2012 o
Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense encontrou-se encerrado para obras de reabilitação e ampliação. Deste
modo, a estatística reflete o número de visitas desde a data da sua inauguração até julho de 2013. Entre janeiro de
2013 e 31 julho tinham visitado o museu 2050 pessoas.

O Instituto dos Museus e da Conservação, do Ministério da Cultura Português,


refere quatro casas-museus e um museu pertencentes à Rede portuguesa de Museus:
Casa-museu Guerra Junqueiro, Casa-museu Camilo, Casa-museu Teixeira Lopes e
Museu Ferreira de Castro.
Numa breve análise ao Quadro 3, verificamos que a Casa Fernando Pessoa, em
Lisboa, recebeu 90.614 pessoas, entre 2008 e 2012. No entanto, é impossível destrinçar
entre o número de visitantes à casa e o número de espetadores. A entidade, até ao ano de
2012, não fazia estatísticas por categorias de ocupação. E só em 2008 é que iniciaram a
compilação registada de dados. Logo a seguir, surge a Fundação Eça de Queiroz, que
recebeu, entre 2005 e 2012, um total de 65.274 visitas. O ponto alto foi em 2010, com
9.904 visitantes. Para além dos visitantes portugueses, o museu queirosiano acolhe
visitantes de vários países, como o Brasil, a China, a Espanha, os EUA e a França
(Relatório e Contas 2012, 2012, p. 7). O museu Ferreira de Castro assume o terceiro

25
lugar, tendo já recebido 29.251 visitantes. Tratando-se de um museu municipal, de notar
que, em 2005 e 2006, o valor de entrada era de 1,75 euros para estudantes, idosos,
munícipes, e funcionários da Câmara Municipal de Sintra. Em quarto lugar, surge a
casa-museu José Régio, em Portalegre, com 23.741 visitantes de 2006 a 2012. As duas
casas-museu João de Deus, em Lisboa e São Bartolomeu de Messines, receberam um
total 22.581 visitantes. Os dados permitem concluir que a casa-museu na localidade
algarvia acolhe mais turistas do que na capital. E, no total dos dados disponíveis, e se
excluirmos o museu Júlio Dinis, devido a ter poucos dados estatísticos disponíveis, foi a
que menos visitantes acolheu. O total de visitas de todos estes espaços é bastante
significativo e importante (290.743 pessoas).
Em termos de propostas para criação de futuras casas-museu, Henriques e
Quinteiro (2011) apresentam um estudo de caso, sugerindo a possibilidade de
desenvolvimento de turismo literário associado ao poeta e advogado João Lúcio Pousão
Pereira (1880-1918), em Olhão (Algarve). Segundo as autoras, é provavelmente «(…)
de um dos mais ilustres e, provavelmente, mais esquecidos escritores algarvios (…)»
(Henriques e Quinteiro, 2011, p. 604). Reforçando esta ideia, Júdice (2009, p. 104)
esclarece que «a poesia de João Lúcio é uma das muitas obras de qualidade indiscutível
que se encontram por revalorizar. Esta revalorização da obra assumiria um papel
decisivo na sua divulgação e, dada a estreita relação da sua poesia com a região, poderia
também ajudar a incrementar itinerários literários no Algarve, partindo do
reconhecimento de uma herança literária/cultural hoje praticamente desconhecida».
Numa perspectiva nacional, as Estatísticas da Cultura de 2011, do Instituto
Nacional de Estatística, revelam que, dos 397 “Museus, jardins zoológicos, botânicos e
aquários”, se registou um total de 13,5 milhões de visitantes. Os mais visitados foram os
“Jardins zoológicos, botânicos e aquários”, com 24,6% do total de visitantes. Do acervo
total, 38,2% pertencia aos “Museus de Ciências e de Técnica” (Quadro 4).

Quadro 4 | Património Cultural, Portugal, Visitantes


Património Cultural Unid. 2000 2007 2008 2009 2010 2011
Museus, jardins zoológicos,
1000 201 292 321 363 360 397
botânicos e aquários
Total de visitantes 1000 7368 9971 11648 12932 13840 13495
Visitantes inseridos em grupos
1000 1266 1792 2376 2960 2940 2477
escolares
Visitantes estrangeiros 1000 1511 3178 3357 3750 4246
Fonte: INE: Estatísticas da Cultura (2011)

26
6. Que futuro para as casas, as casas-museu, museus e fundações literários?
Apesar do desenvolvimento deste novo tipo de património, ou seja, os dos locais
literários e das casas dos escritores, fazendo surgir uma nova oferta turística ao destino,
nomeadamente aos adeptos do turismo cultural, Tobelem (2003) sublinha que nem
todos os locais possuem uma atratividade de natureza turística. Neste sentido, os
responsáveis devem, previamente, se interrogar sobre a oportunidade de uma oferta
(interesse das coleções, atratividade do local e do território onde ele se encontra, etc.)
desta natureza. Se querem acolher um público amplo, indo para além dos iniciados, os
locais deverão ter em atenção a cenografia, a sua animação e a sua gestão (promocional,
de acolhimento...) de forma profissional. Eles devem igualmente inscrever o
equipamento necessário nas políticas turísticas locais.
A França, por exemplo, assume o record mundial de casas-museu. Em 1997,
existiam mais de uma centena de casas-museu de escritores (Poisson, 1997). Isto exige
uma séria reflexão. Em outubro de 1996, um encontro foi agendado para se debater a
questão do futuro das casas e museus literários. Vindos de horizontes diferentes,
juntaram-se as esposas, os filhos de escritores conhecidos, os responsáveis pelas casas
natal e museus, conservadores de museus, arquivistas, bibliotecários, documentalistas,
universitários e investigadores. Deste encontro, saíram várias conclusões, que se
resumem: i) as visitas não podem servir unicamente o desenvolvimento turístico de
determinada região. Elas devem ser, antes de mais, um convite à (re)leitura das obras do
antigo proprietário. Como diz Henriques (2008, p. 33), «no domínio da delimitação dos
percursos turístico-literários, há que ter presente que a linguagem turística não é a
linguagem literária, e uma vez que nem todas as linguagens se equivalem, um livro não
poderá ser reduzido a um percurso»; ii) deverão ser criadas todas as condições para a
conservação e manutenção dos textos e manuscritos (temperatura, luz, etc.) ainda antes
mesmo de se adquirirem e as exigências de catalogação e arquivo devem ser feitas por
profissionais com uma longa prática no domínio; iii) os locais de memória dos escritores
são numerosos, prestigiosos ou obscuros. Um trabalho comum deve ser colocado em
prática por todos aqueles que querem preservar as suas memórias e permitir uma melhor
divulgação e conhecimentos das obras (Maud, 1996, p. 47). Das 109 casas francesas de
escritores abertas a visitas, 9 pertenciam ao Estado, 50 a coletividades locais, 11 eram
de propriedade de associações ou fundações e 39 eram privadas. Os problemas que se
lhe colocam são, por este fato, de natureza diferente. Certas casas de escritores foram

27
salvas da destruição ou da ruína, por iniciativa privada, pública ou associativa, que se
esforçam por reconstituir o quadro de vida e de trabalho dos ilustres escritores. Outras
foram maltratadas pelo tempo ou pelos Homens. Os interiores conservados suscitam,
muitas vezes, as legendas, dando um suplemento de alma a alguns objetos inanimados.
Para as casas que pertencem ao Estado ou às coletividades locais, as dificuldades são de
natureza financeira ou de motivação. As associações, por seu turno, enfrentam
problemas quotidianos. Algumas procuram desesperadamente fundos para alterar as
casas. São confrontadas com a incerteza permanente. Quanto às privadas, elas são
submissas ao acaso das sucessões. Muitas veriam as suas dificuldades resolvidas se
fossem dotadas de um estatuto que colmatasse o vazio jurídico que elas sofrem
(Poisson, 1997).
Em 2012, as cidades de Guimarães (Portugal) e de Santiago de Compostela
(Espanha) acolheram o I Congresso Ibérico de Casas-Museus e Fundações de Escritores.
Impulsionado pela Direção Regional de Cultura do Norte, em colaboração com a
Associação de Casas-Museu e Fundações de Escritores de Espanha (ACAMFE), a
Fundação Cidade de Guimarães, a Casa-museu de Camilo Castelo Branco e a Fundação
Eça de Queiroz, este congresso tinha por objetivo a criação de uma Associação Ibérica
de Casas-Museu e Fundações de Escritores, mas, segundo informação recolhidas em
julho de 2013 junto dos principais promotores, ainda não passou, em Portugal, da
intenção e do papel. Em Espanha, já é uma realidade.
Ainda no ano de 2012, e no âmbito da reflexão científica, foi realizada uma
conferência internacional sobre literatura e turismo, Lit&Tour, na Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, contando com a participação de mais de quarenta
participantes nacionais e internacionais. Infelizmente, os resultados ainda não estão
disponíveis. Os artigos que darão origem ao primeiro volume a publicar foram revistos e
devolvidos aos autores selecionados para efetuarem as alterações. Espera-se ter as
versões finais para publicação em meados de setembro de 2013.
Ao nível de divulgação e promoção das casas-museu de escritores em Portugal
merece destaque o trabalho de índole jornalística da autoria de Raquel Ribeiro.
Financiada no âmbito do projeto Público Mais, Raquel Ribeiro lançou, no dia 07 de
julho, no jornal Público uma série sobre dez casas-museu.
Ainda ao nível da promoção, estamos em crer que a criação de um selo de
qualidade destinado a sinalizar os locais de memória dignos de interesse, entregue por

28
um serviço nacional, segundo alguns critérios: interesse nacional (não se pode colocar
no mesmo plano casas que são diferentes), perenidade, abertura regular ao público, rigor
de gestão (inventário de coleções, segurança, seguros), preservação satisfatória. Este
selo oferecia a utilidade de recomendar ao público os locais mais dignos de interesse, de
os sinalizar aos redatores de publicações turísticas e de as orientar para os subsídios para
empreender, com a ajuda do Estado, operações de reestruturação. Por outro lado, as
casas assinaladas com este selo poderiam ser reagrupadas numa associação que
colocasse em marcha a sua solidariedade, publicasse um anuário, lançasse publicações
coletivas, montasse exposições, traçasse rotas turísticas, para citarmos apenas alguns
exemplos de promoção.
Ajudando nesta reflexão sobre as promoções e divulgações, o quadro seguinte
apresenta as principais tendências estruturais do sector turístico – padrão da procura
(Quadro 5).

Quadro 5 | Principais tendências estruturais do setor turístico: padrão da procura


Tendência Descrição
 Clientes são cada vez mais informados e exigentes, fruto da maior
liberdade de escolha e transparência da oferta.
Cliente no lugar do condutor
 Maior importância da qualidade e serviço personalizado, melhor brand
loyalty.
 Turistas procuram rentabilizar os seus gastos de viagens, mas sem que
para isso signifique estarem disponíveis para aceitar destinos, produtos e
serviços de menor qualidade – reforço do preço enquanto fator de decisão.
Value for money
 Sintomas desta tendência são a maior procura por viagens de curta
duração (short breaks e o conceito emergente de nanoférias) e a busca de
oportunidades last minute (shopping around).
 Maior diversificação das motivações para viajar e novos segmentos de
Diversificação e
mercado.
especialização
 Maior enfoque em oferta customizada e especializada.
 Substituição do tradicional enfoque no destino pelo enfoque na
experiência.
Enfoque na experiência
 Turistas procuram experiências mais autênticas e atividades criativas no
destino.
 Envelhecimento da população nos principais mercados emissores – mas
Alterações demográficas e over 50s vão pensar e agir de forma mais jovem abrindo-se à variedade e à
individualização mudança.
 Maior número de singletons e maior individualização da sociedade.
 Crescimento deve-se à maior consciência ambiental e cultural dos
Turismo sustentável viajantes, e à maior vontade de interagir com culturas locais criando
benefícios sustentáveis.
Fonte: PENT (2011)

7. Conclusões
A curiosidade natural sentida por muitos leitores em relação à pessoa que se
esconde por detrás de uma obra literária pode ser aproveitada para levar os estudantes,

29
os turistas, o cidadão em geral, a conhecer melhor os grandes escritores. Por outro lado,
a valorização turístico-literária de um destino pode contribuir para o reforço da sua
identidade. A literatura (re)constrói uma memória, que sendo inicialmente individual (a
do escritor), se torna numa memória coletiva e cultural.
Em Portugal, existem várias casas, casas-museu, museus e fundações de alguns
ficcionistas e poetas portugueses, e que várias entidades públicas, privadas e
associativas, procuram promover, mas desconhece-se, atualmente, o seu impacto em
termos económicos, sociais e culturais. As estatísticas são inexistentes e os estudos
cientificos e técnicos são escassos, não nos permitindo avaliar cabalmente este tipo de
turismo de nicho.
A preservação destas casas é submetida a condições variadas, tendo em conta a
situação social do escritor e a sua situação familiar, à qualidade de proprietário ou de
inquilino, ao seu grau de celebridade, ao desejo de celebração por parte dos seus
herdeiros e mesmo da sua própria vontade. Estes parâmetros não excluem uma
intervenção ao acaso.
O sol e mar continua a ser um «produto âncora» em Portugal (PENT, 2011, p.
23). Mas, face à oferta de outros produtos turísticos (golfe, turismo de natureza,
gastronomia e vinhos, turismo de negócios, turismo náutico, etc.), a tendência de se
procurarem experiências únicas e criativas, às exigências que cada vez mais os turistas
assumem nas suas escolhas, o turismo literário poderá ser um complemento, sendo
benéfico para a cultura e para o desenvolvimento local e nacional, bem como para a
projeção internacional, dinamizando as empresas privadas do sector da hotelaria e
restauração e na criação de postos de trabalho em diferentes domínios. Poderá,
igualmente, reforçar as parcerias públicas, privadas e associativas. Como referem
Carvalho, Inês; Baptista, Maria Manuel; Costa, Carlos (2010, p. 11), «os itinerários
literários permitem estimular a criação de redes de negócios entre parceiros de natureza
diversa, contribuindo assim para o desenvolvimento turístico local ou regional, já que a
cooperação local é importante para que se possa competir ao nível global e para garantir
a sustentabilidade do desenvolvimento turístico no destino. Para além disso, os
itinerários literários permitem estimular a economia do alojamento e da restauração
através da economia da experiência, uma vez que o itinerário interliga diversas
actividades e a visita a diversas atrações vai contribuir para o prolongamento da estadia
do visitante e o consequente incremento das receitas do destino nos sectores do

30
alojamento e da restauração».
Num mundo globalizado, deve-se aproveitar as novas tecnologias, criando ou
adaptando as páginas de Internet para o público em geral. A divulgação nas redes sociais
poderá ajudar na promoção do turismo literário. A elaboração de um guia turístico
poderá auxiliar na promoção e divulgação das potencialidades. O Guia de Viagem
promovido pelo Québec (Canadá), em 2010, poderá ser uma fonte de inspiração. Este
Guia convida a visitar locais legendários de mais de 65 escritores do Québec, que foram
ocupados ou que eles se inspiraram para escrever os seus livros (Pérusse, 2010).
Este artigo procurou evidenciar a oferta e procura e expor as potencialidades do
turismo literário, nomeadamente as casas-museu, fundações de escritores e poetas
portugueses, acreditando-se que o envolvimento dos vários parceiros (público, privado e
associativo) pode contribuir para uma comunidade mais consciente dos valores culturais
e identitários, compatível com a valorização cultural-turística dos seus ícones literários.
Não podemos perder de vista que o mais importante na descoberta de uma casa
de escritor é a reflexão que faz o visitante.

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