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Identidade e território do povo

indígena Xerente do Araguaia


Mato Grosso

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OFICINA REALIZADA NA LOCALIDADE DO SR. JUSTINO AGAPITO
XERENTE, NO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE DO NORTE (MT), NOS DIAS
15 A 17 DE SETEMBRO DE 2013.
Anaruca Nádia Agapito; Divenilia Augusta Gonçalves (Diva Sibaká);
Elaine A. de S. Oliveira Silva; Antonio Cristina Oliveira Costa; Eliene
Silva Santos; Maria das Graças Alves de Oliveira; Lucileia Silva dos
Santos; Lucilene Silva dos Santos; Jesuina da Silva Santos; Zenilda
dos Santos Lima; Laurindo Alves de Oliveira Neto Xerente; Jaime
S. dos Santos; Valdomiro da Silva Santos; Andréia Dias Agapito;
Floraci Bonifácio Dias; Claudemir Bonifácio Agapito; Michel Alves de
Oliveira Xerente; Roberto Alves Gonçalves; Helesina Silva de Souza;
Constantino Alves Agapito; Claudenir Bonifácio Agapito; Wanderson
Charles Alves de Oliveira Xerente; Marcos Bonifácio Agapito; Kaue
Augusto Agapito; Maycon Jhony Sousa Santos; Luciana Pereira de
Araujo; Vanúbia Cardoso de Souza; Divino Glória da Silva; Marli
Souza Batista; Luiz Pedro de Souza; Maria Divina Oliveira Costa;
Silvana Karita Oliveira Pereira; Maria de Jesus Oliveira da Silva;
Andreina A. de Castro; Débora Cristina Carvalho; Carla Kauane
Oliveira Pereira; José Moreira Duarte; Josefa Moreira da Silva;
Robson Mendes Moreira; Ricardina Moreira da Silva; José Lino de
Oliveira Souza; Jaime da Silva Santos; Danilo Pereira Ferreira;
Hernanes Coimbra da Silva; Walefy dos Santos Silva; Geovaneis
Pereira Silva; Janio Bonifácio Agapito; Edimar Xavier de Paula
Jaqueline Pereira de Souza Kanela; Gean Charles Bonifácio Agapito;
Fernando Júnior Silva de Souza; Everaldo C. da Silva; Evandro
Eduardo Oliveira Borges Xerente; Elisângela Ferreira de Souza; Eliane
Alves de Oliveira Borges Xerente;
Crianças: Davi Tones Gonçalves da Silva; Pedro Eduardo Alves de
Oliveira Xerente; Thiago Silva de Souza; Guilherme Santos Ferreira;
Daniely Santos Ferreira; Melissa Oliveira Santana; Geovanna De
Souza Agapito; Hiago Araujo Agapito; Kauê Araújo Agapito; Felipe
COODENAÇÃO GERAL DO PROJETO Lima Santos Hiagli Kauane Araujo Agapito; Carlos Eduardo Agapito
Alfredo Wagner Berno de Almeida Santana; Quintéria Kenia Agapito Santana; Talita Emanuele Agapito
Rosa Elizabeth Acevedo Marin Coimbra; Kaiara Kauanny Oliveira dos Santos; Matheus Souza Santos;
Maylon Souza Santos; Ivan dos Santos Silva; Krystyany Oliveira
RELAÇÃO DOS PESQUISADORES Marinho Carlos Emanoel Oliveira Alves; Pedro Henrique Pereira
Antonio João Castrillon Fernández
Souza; Artheir Pereira Agapito Laura Ipi Pereira Agapito Kanela;
UNEMAT-PNCSA Rafaela Agapito Rodrigues; Menkell Charles Carvalho de Oliveira
João Ivo Puhl
Xerente; Lorenzzo Eduardo da Silva Oliveira Xerente
UNEMAT-PNCSA Representantes de outros povos indígenas: Dalma Régia M. M.
José Ricardo Castrillon Fernández (Nega) – Cacique do Povo Canela do Tocantins; Valto de Souza Canela
Solange Ikeda – Canela do Tocantins; Antonio Silva – Cacique Kanela do Araguaia;
UNEMAT-PNCSA Carlos Tapirapé – Cacique Geral do Povo Tapirapé; Paulinho Tapirapé
Claudia de Pinho – Cacique do Povo Tapirapé; Daniel Pereira de Souza Pastana, Yudja
PNCSA Juruna – Cacique do Povo Yudja Juruna Kapotnhinore
Esvanei Matukari
PNCSA
Antonio Kanela M297 Mapeamento social como instrumento de gestão territorial contra o desmatamento
Cacique do Povo Kanela e a devastação : processo de capacitação de povos e comunidades tradicionais :
Daniel Yudja Juruna identidade e território do povo indígena Xerente do Araguaia, MT, 27 / coordenação
geral do projeto, Alfredo Wagner Berno de Almeida, Rosa Elizabeth Acevedo Marin –
Cacique do Povo Yudja Juruna Manaus : UEA Edições, 2014.
12 p. : il. color. ; 27 cm.
CRÉDITO FOTOGRAFIA
ISBN 978-85-7883-313-8
Antonio Kanela
1. Conflitos sociais. 2. Terras indígenas - Mato Grosso. 3. Comunidades tradicionais.
Antonio João Castrillon Fernández
4. Desmatamento. 5. Territorialidade. 6. Cartografia. I. Almeida, Alfredo Wagner
Berno de. II. Marin, Rosa Elizabeth Acevedo Marin.
PROJETO GRÁFICO CDU 528.9:316.48(81)
CASA 8

2 NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA Projeto Mapeamento Social como Instrumento de Gestão Territorial
“Hoje estamos dando o primeiro passo para que nós, nessa luta, sejamos conhecidos, porque
nós estamos esquecidos. As pessoas dizem, “eu nunca ouvi falar que tem Xerente no Mato Grosso”.
É uma realidade porque nós vivíamos calados, nós vivíamos aí como os escravizados, ninguém
nunca nos olhou. Vamos todos falar, falar o que sente, vamos discutir, vamos contar a nossa
história, a história do antepassado, a história de vocês, o que cada um tem rastejado até aqui, e
daqui para frente vamos começar uma luta juntos. Uma luta que nós começamos todos juntos. Eu
acho que, se não queira por você, a sua história que vai servir para o seu filho, vai servir para o
seu neto no amanhã, porque o trabalho que a Cartografia veio fazer aqui é um trabalho que não
somos só nós que vamos conhecer não, é o mundo que vai conhecer. Então, nós temos que contar
a nossa história, que ela seja feia, mas ela representa muito bonita porque é a nossa verdade, é
a nossa luta, é a busca dos nossos direitos”. JUSTINO AGAPITO XERENTE
“Às vezes a gente não gosta de falar do passado, mas não há presente sem passado e não há o
futuro sem a nossa história. Então a gente precisa lembrar do que fomos, e através dessa história
nós vamos construir o nosso futuro. O nosso futuro depende de toda essa trajetória que ainda não
chegou ao fim. Projetos e sonhos ninguém arranca de nós, podem tirar a minha vida, mas o meu
sonho fica ai e alguém vai continuar. O sonho do meu avô era ver isso aqui hoje, os sonhos não
morrem, é através dos sonhos que se vê os projetos, e que se vê acontecer realmente aquilo que
nós temos dentro do nosso coração”. DIVENILIA SIBAKÁ

Os Xerentes do Araguaia: “o destino da vida fez que meu


pai levantasse uma ideia de vir para Mato Grosso”
“Espremeram tanto os Xerentes, iam espremendo eles para sumir. O rio do sono está dentro
da reserva xerente, ali onde tinha as aldeias mais velhas, foi ali onde eles pararam, aguentaram
a pressão, em pouco tempo tiveram outra pressão. Se não fosse uma batalha muito grande dos
xerentes de lá e de outras etnias que deram apoio, ajudaram eles, às vezes hoje lá não existiria

Identidade e Território do Povo Indígena Xerente do Araguaia 3


mais os xerentes. Naquela época, pelo
conhecimento meu, dizia que eles vi-
nham tudo embora para Mato Grosso.
Quando chegou no Araguaia caíram no
rio para atravessar, atravessou uma
metade dos índios, quando os outros
vinham vindo, diz que subia um car-
dume de boto, eles ficaram com medo
dos botos e dividiu o grupo naquele
momento. Uns voltaram para Goiás, e
os outros que estavam na metade do
rio atravessaram para cá. Foi ai que
mudou, ficou o xerente em Goiás e
xavante em Mato Grosso. Nesse tem-
po que veio o meu tio Caetano, o tio
Tribucio, que era irmão do Caetano, veio e ficou do lado de cá, o Caetano ficou do lado de lá. O
Tribúcio ainda mora aqui com os xavantes, hoje, o filho dele é o cacique Damião e está na Ma-
rãiwatsede. Em conhecimento pelos mais velhos nós estamos em lugar de primo primeiro. Nessa
época o meu pai veio até a beira do rio, ele foi do grupo que voltou”. JUSTINO AGAPITO XERENTE
“Deixamos aquele lugar por causa da situação que meu pai não tinha para sobreviver mais
com aquele pessoal que ele cuidava. Ele contava que ia nós largar num local da Bandeira Verde,
que era um lugar que ia ter paz no final dos séculos, ele falava assim. Porque ali onde a gente
morava ia ter uma época da gente não poder nem comer o que a gente tinha, porque se a gente
acendesse um fogo aqui, por exemplo, e essa fumaça subisse e alguém enxergasse lá vinha parar
aqui e queria tomar o que tinha. Então, ele ia largar nós num lugar que não ia acontecer isso, ai
ele falava que era nas Bandeiras Verdes”. CONSTANTINO AGAPITO XERENTE
“Mudar da região porque estava ficando difícil, ia ficar mais apertado para a gente que pre-
cisava sobreviver do movimento de agricultura de roça. Aqui chamava uma tal de bandeira verde,
“atravessa as águas grandes para as Bandeiras Verdes porque lá é fácil”. Tinha até uma velhinha
que falava “plantai as batatas na cama do peixe”, esse linguajar era lá do meu bisavô, mas até
hoje eu sei. Tem que procurar as Bandeiras Verdes para plantar as batatas na cama dos peixes. E
eu quase que estou concordando, porque as águas estão secando, onde os peixes deitavam já não
tem mais água, já está servindo para você fazer uma horta”. JOSÉ ROBERTO DUARTE

A trajetória
“O velho resolveu mudar para Mato Grosso, porque Mato Grosso naquele tempo era só uma
história, só falava que existia Mato Grosso, não conhecia Mato Grosso. Eles fizeram um grupo de
gente, aquelas pessoas mais velhas, finado Laurindo, meu pai (Casimiro), que era o mais velho,
a turma toda, ai resolveram mudar. Naquele tempo tinha que mudar a pé, que não tinha condi-
ção quase, né. Fizeram um grupo de gente e mudou de lá para cá, muita gente, foi muita gente
mesmo. Nós procuramos o Rio Araguaia, porque diziam que o Rio Araguaia naquele tempo era a
Bandeira Verde. Aqueles velhos mais antigos que falavam que existia essa bandeira verde. Quem
conhecia Bandeira Verde? Ninguém de nós. Nós nem sabíamos o que era Bandeira Verde. Seguimos
a direção”. JOSELINO OLIVEIRA DE SOUZA
“Caboclo Laurindo Agapito, partiu do rio do sono, que fica em Tocantins, mas a gente men-
cionou a Aldeia Funil, que fica em Tocantínia, porque é lá que está parte do nosso povo. Da aldeia
Funil o nosso avô passou por lajeado, passou por Taquaralto, atravessou o córrego água suja e
continuou a caminhada para Monte do Carmo. Passou por Ponte Alta, Serra Vermelha, chegando

4 NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA Projeto Mapeamento Social como Instrumento de Gestão Territorial
em Água Limpa, município de
Pindorama. Aqui está a chega-
da do Caboclo Laurindo antes
de 1925. Ficou na Água Limpa
de 1925 até 1962. Lá tem o
córrego de nome de Água Lim-
pa, era a aldeia formada por
nosso avô e todo pessoal. Eles
saíram para Mato Grosso em
1962; passaram por Silvanópo-
lis, foram para Porto Nacional,
atravessaram o Rio Tocantins
e continuaram para Fátima;
passaram por Cristalândia,
Uruaçu, Lagoa da Confusão,
cruzaram o rio Formoso, o rio Javaé, até chegar no Araguaia. Atravessou o Araguaia, passou por
Luciara, atravessou o Xavantinho, Impuca Grande, São Pedro, atravessou o Rio Tapirapé e parou
no Urubu Branco. Eles ficaram na serra do Urubu Branco até 1964, quando foram para a Boa vista.
Em Boa Vista ficaram de 1964 até 1972. Em 1968 o meu avô morreu, ficou enterrado no Brejo Do
Rancho, e em 72 a família mudou para Aragarças. Em 1978, retornaram para Porto Alegre, onde
estão até hoje”. COMUNIDADE XERENTE DO ARAGUAIA
“Quando o meu pai resolveu deixar lá o lugar que a gente nasceu, ele desceu com destino a
Serra do Urubu Branco, que era onde convivia a etnia dos Tapirapé. Eles viviam numa epidemia
muito triste do sarampo, da gripe, da malária e pressão dos caiapó. Quando descemos, passando
pelo Porto Nacional, Gurupi, Porangatu, até entramos na Ilha do Bananal. Ali a pressão dos fa-
zendeiros era grande quando viam aquela tropa, aqueles tropeiros, que a gente vinha com muitos
cargueiros. Chegamos na beira do rio Araguaia por volta do dia 03 a 04 de agosto de 62. Meu Pai
era devoto do Senhor Bom Jesus da Lapa, e no dia 06 de agosto ele rezou o terço dele, que era
da devoção, como agradecimento de estar ali com toda aquela família que ele trazia, em paz,
com a travessia do Araguaia ou Javaé, que eram rios perigosos na época. Dali, partimos direto
em direção da Serra do Urubu Branco. Era picada. Uns na frente, fazendo picada, e os cargueiros
passando. Ali nós paramos no pé da serra mesmo, bem no pé da serra”. JUSTINO AGAPITO XERENTE
“Nós morávamos no pé da serra mesmo, onde hoje é localizada a aldeia dos índios. Os índios
tinham mudado, o lugar estava desabitado, eles mudaram para Santa Terezinha, só que eles fre-
qüentavam aquele lugar para uma caça, porque outra coisa ali não existia. Tinha um local que
eles enterravam os mortos deles, eles frequentavam direto lá, deixavam grandes colares. Na serra
do Urubu Branco ficamos dois anos e oito meses, ficamos lá até 1964. Saímos porque tinha muita
epidemia, muito difícil, muita doença, praga demais. Tudo que era tipo de praga de pensar que
tinha, lá tinha. Não tinha como criar nada, não tinha como fazer nada lá, ai meu pai foi desistin-
do, desistindo, ai voltamos para beira do Tapirapé, num local chamado São Pedro. Ficamos ali por
um tempo até meu pai identificar outro lugar melhor para gente. Do Tapirapé nós fomos para um
lugar que meu pai conseguiu, ficava uns 15 km do Xavantinho de São Félix, era o rio mais perto,
ele gostou, inclusive meu pai colocou nome lá de Boa Vista. Era gerais. O grupo todo morou ali,
enquanto ele foi vivo todos ficaram juntos, era uma família ali completa. Meu pai morreu em 1968,
em outubro, durante esse tempo a gente conviveu ali, esse pessoal todo. A partir daí foi desvian-
do, uns para um lado, outros para outros lados, e agente ficou ali, continuou ali, eu, minha mãe,
meus três irmãos, que é o Justino, a Jesuina e a finada Jertrudes. Dali a gente ficou só, eu novo
ainda, meu irmão novo, então, a minha mãe resolveu mudar para Barra do Garças e procurar uma
melhora”. CONSTANTINO ALVES AGAPITO

Identidade e Território do Povo Indígena Xerente do Araguaia 5


“Meu pai por ser um homem muito sábio, ele conhecia o tempo da natureza, ele nos trouxe
para cá e aqui a gente ficou”. JUSTINO AGAPITO XERENTE

A cartografia do tempo Xerente no Araguaia


“Aqui tinha uma estrada, a
fazenda Azague, está bem aqui.
Tem a lagoa Troques. Essa lagoa
dá acesso a um vão que sai daqui
do Xavantinho, que pega a Impu-
ca do Landi e vai cair na Lagoa
Grande. Na Boa Vista tinha uma
pista de avião que o meu pai fez.
Ele está enterrado no brejo do
rancho, nessa estrada aqui. Aqui
no mapa um milímetro representa
um montão, então é aqui mesmo.
Agora, aqui que nós vamos ter que
entender um negócio: bem aqui,
acha o Xavantinho, Xavantinho
de cima, bem onde nós atravessa-
mos. Então, maior tempo que nós moramos foi na Boa Vista. Nós chegamos na Boa Vista em 64,
quando nós saímos do Urubu Branco. Da Boa Vista nós saímos em 72, e entramos no Aragarças.
Procura aqui onde está São Gonçalo. São Gonçalo está na beira do Tapirapé, era um retiro, era um
posseiro, fica perto do Córrego do Tucunaré, perto da Fazenda Londrina, perto do Tapirapé; São
Pedro onde fica? Então ele está bem nesse meio ai. Nesse local meu pai ficou por uns tempos e
depois saiu, aqui na Londrina morreu uma irmã minha, a Antonia, lá naquele cemiterinho, bem
embaixo dos pés de pequi, do lado de onde tinha aquela caixa d’água que tem lá. Passamos uns
tempos como retireiro, ficou lá uma temporada. Aqui no São Gonçalo era retiro do Lúcio da Luz,
passamos aqui em 64, quando saímos do Urubu Branco, ficamos aqui foi pouco tempo, o varjão
ia encher e o meu pai resolveu sair, porque tinha a Impuca Grande, tinha o Xavantinho, que não
davam passagem, quando estava subindo as águas nós fomos para o Boa Vista. Só fomos sair da
Boa Vista em 72, que meu pai morreu em 68, fomos para Aragarças e retornamos para Porto Alegre
em 1978. No Urubu Branco foram dois anos e oito meses que nós moramos lá. Ali foi o contato
inicial com os Tapirapé, que era da Boca da Mata, do São Pedro, que era a fazenda central do Lúcio
da Luz, que levava os índios lá”. JUSTINO AGAPITO XERENTE

10 NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA Projeto Mapeamento Social como Instrumento de Gestão Territorial
A identidade em luta
“Na época do caboclo Laurindo, na época da minha mãe, sabia que era índio, mas só que eles
falavam assim, caboclo. Até que tem umas parentas nossas, que vieram da Bahia para cá, ai todo
mundo chamava elas de “as caboclas”, essas minhas tias. O povo chamava, “as caboclas”, porque
era índio, significa índio. Naquela época, dessa tribo mesmo que veio, que era a tribo da minha
mãe, do caboclo Laurindo, então o povo conhecia assim, os brancos, chamava assim, “caboclo”.
Era caboclo Laurindo, eram as minhas tias, caboclas, a cabocla mariquinha, a cabocla Eva, que
eram as minhas tias, todos eram dessa mesma família”. RICARDINA MOREIRA DA SILVA
“Desde que eu me conheço por gente eu sei que minha família é de descendência indígena...
Existem as porradas que você sofre por preconceito, porque você não quer assumir que você é de
verdade. Eu sinto isso na pele todos os dias, mas ai você fica pensando, se você não lutar por esse
respeito você nunca vai ter. A gente precisa de um lugar para ter um apoio, eu não consegui agora,
mas eu tenho os meus filhos, olha o tanto de crianças, eu não consegui, mas tem muitas crianças
que precisam. Se eu não lutar por
isso, quem é que vai conseguir? So-
mos muitos... se a gente não lutar
a gente não vai conseguir”. CLAUDE-
CI BONIFÁCIO AGAPITO XERENTE

“A gente desde criancinha já


foi sabendo do que a gente era.
Tem uma coisa que o tio falou para
mim, “pode pegar um pato, se cria-
do por uma galinha ele é o pato,
não vai virar uma galinha”. Então, a
gente nasceu descendente de índio
vai crescer sendo índio, não tem
que mudar. Às vezes eu me sentia
incomodado, mas até então porque
não tinha resposta para as pergun-
tas que eu tinha. Eu perguntava,
como pode eu ser branco como nós
somos e ainda ser índio? Mas hoje
eu não me incomodo mais nadinha
não, posso chegar no meio de qual-
quer pessoa que vou falar que sou
índio, sou descendente dos xeren-
tes”. JAIME DA SILVA SANTOS
“A nossa luta hoje é a nossa
identidade, nós queremos ser re-
conhecidos, respeitados, nós que-
remos ser um povo que as pessoas
nos vejam, respeitem e nos trate
como nós somos, índios, donos da
terra”. DIVENILIA SIBAKÁ

Identidade e Território do Povo Indígena Xerente do Araguaia 11


O reconhecimento
“É uma luta muito forte a busca do nosso
reconhecimento. No início eu tinha o conhe-
cimento que eu era um índio legítimo, com a
distância e perda de contato, com a vinda do
meu pai para cá a gente ficou distante. Me
sobrou uma oportunidade de eu ir ao Tocan-
tins para conhecer a aldeia. Primeiramente
eu fui ao Polo, procurei o chefe, pouco ele
quis me atender porque não tinha conhe-
cimento, ai eu fui direto na aldeia onde a
minha irmã fica, que é a Aldeinha, mas eu
fui parar na outra aldeia onde tinha o irmão
meu que era cacique, o Rondon. Cheguei lá,
me identifiquei, ai ele já me recebeu, logo
ali imediato que ele estava ali conversando
comigo, caçando as informações das aldeias
onde estavam os outros parentes da gente.
No outro dia cedo eu fui para outra aldeia
onde está esse primo meu, chegando lá falei
para ele quem era eu, ele não estava na casa, estava só a família dele, ele estava caçando. A
sogra dele procurou para a filha, “quem é esse ai?”, ela falou que era primo do esposo dela. Ela
perguntou, “você é quem, filho de quem?”, eu falei “eu sou filho do caboclo Laurindo”, ai ela co-
meçou a chorar, pediu para mim, “deixa eu ver você se é filho de Laurindo?”. Ela mandou eu tirar
o meu sapato, já bem fraca das vistas, a idade dela é muito avançada. Ai ela pegou no meu pé, foi
apertando no meu pé, ela apertou no meio do meu pé, quando ela voltou e pegou de novo no meu
calcanhar, ela começou a chorar e chamou a filha dela, começaram a fazer um círculo sobre mim, ai
falou que eu era mesmo filho de Laurindo. Esperei o meu primo chegar, quando ele chegou, eu fui
com ele onde está o Lázaro, que é outro sobrinho, filho da Lucinda. Ele já mandou chamar o Ivan
que é filho do Rondon. Ele falou, “olha tio, vou fazer uma ata, vou fazer uma reunião, o senhor
pode ir embora, vou falar com os anciãos, vou fazer uma ata e vamos mandar para a FUNAI”. Ai eu
vim embora, quando cheguei lá já tinha uma procuração da Procambic encaminhando a ata para a
FUNAI. A FUNAI assinou. Eu vim embora com isso, eles fizeram uma festa para gente. Eles fizeram
essa procuração, ai a gente foi lá e a qual eles reconheceram. Então, a gente já ficou reconhecido
índio lá daquela etnia, os parentes e tudo, ai ficamos parados na espera da burocracia da FUNAI.
Em 2003 foi a primeira vez que buscamos os nossos parentes. O trabalho não foi eles reco-
nhecerem, o trabalho foi da burocracia da FUNAI. Fomos reconhecidos como Xerente Agapto. Hoje
o reconhecimento na Funai é Xerente Agapto do Araguaia. Já está tudo no processo para o RANI,
a gente fez o cadastro de todas as famílias. Eu precisei de uma ação judicial para ter a prova do
meu reconhecimento”. JUSTINO AGAPITO XERENTE

Uma luta dos povos do Araguaia


“Eu agradeço muito ao Paulo Tapirapé que viajava muito nos encontros e sempre ele deparava
com uns parentes da gente, ele falava “lá no Mato Grosso tem uns parentes de vocês”, eu fiquei
muito agradecido, até porque eles me deram um grande apoio assim de estar passando o meu co-
nhecimento que tinha um parente aqui. Ai o Antonio kanela começou a ver a minha luta, o Daniel
Juruna, foram vendo a luta da gente. Com o apoio deles a gente está aqui, porque o meu objetivo
é o mesmo que eles têm de ter um direito de viver”. JUSTINO AGAPITO XERENTE

12 NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA Projeto Mapeamento Social como Instrumento de Gestão Territorial
“Eu me chamo “Xario I”, cacique geral do povo tapirapé, da aldeia Tapi´itawa (Tapientã),
Terra Indígena Urubu Branco. Desde quando assumi o cargo de líder regional do povo tapirapé
eu ouvia através dos mais velhos, através do meu pai, do meu avô, que é um idoso, a história do
senhor Justino. O Justino saiu muitos anos do povo dele, saiu para a nossa região, de Tocantins
para Mato Grosso, foi uma pessoa que ficou muitos anos ai na terra indígena Urubu Branco, onde
o povo Tapirapé morava. Então, ele, assim, que também cuidou do povo Tapirapé naquele tempo.
Então, ele foi uma pessoa que cuidou quando ocorreu ataque dos caiapós e das epidemias que o
meu povo sofreu, tô falando de Caboclo Laurindo Pai de Justino. Então ele foi uma pessoa muito
importante para nós. Como cacique geral do povo tapirapé, eu conheço essa história do Justino,
um povo xerente, verdadeiro. Tudo isso os mais velhos contaram, da história do Justino, um povo
que veio de Tocantins para Mato Grosso, que é um povo que sofreu e cuidou também do povo tapi-
rapé. O meu avô e meu pai conta a história do Laurindo. Ele ficava onde era a aldeia Tapintã. Então
os mais velhos conheceram. Então, o meu objetivo mesmo hoje é conseguir uma terra indígena,
até mesmo a Funai já reconheceu o povo dele como povo xerente. Hoje eu estou ajudando eles a
conseguir uma terra. Essa luta nós vamos ter que levar até o fim, ao ponto de deixar uma herança
para eles, para que futuramente ele e os próprios parentes dele possam cuidar dessa nossa heran-
ça de luta. Então, hoje, o Justino é uma pessoa muito importante para mim, como o verdadeiro
xerente”. CARLOS – CACIQUE GERAL DO POVO TAPIRAPÉ
“O povo me conhece com o nome que eles me deram, a igreja católica me batizou como
Paulinho, então pegou esse nome de Paulo, por isso que quase por todo mundo fora da aldeia
eu sou conhecido com o nome de Paulo. Quando eu cheguei aqui a primeira pessoa que eu fui
lá encontrar foi o pai do Justino, chamado Laurindo. O Laurindo morou muito tempo no Urubu
Branco, inclusive ele foi um homem que defendeu na época, porque teve ataque com povo caiapó,
e nesse tempo nosso povo morreu muito de epidemia de catapora e sarampo, nós éramos seis mil
e sobraram 40 pessoas... Nesse tempo esse homem que chama Laurindo é que morou na serra do
Urubu Branco, que se chama Tapiitã, que o povo homem branco chama Urubu Branco. Lá que eles

Identidade e Território do Povo Indígena Xerente do Araguaia 13


moraram muitos anos, lá que o Justino se criou e criou a família depois. É assim que é a história
da família do Justino. Agora nós estamos atrás de demarcar uma terra para esse povo porque hoje
eles não têm uma terra demarcada, eles só têm esse lotinho aqui de terra, que não é suficiente
para esse povo do Justino. Tem que demarcar uma área, tem que reconhecer esse povo. Hoje nós
estamos devolvendo aquele apoio que a família do Justino veio apoiando a gente, hoje nós esta-
mos juntos para devolver aquele apoio que eles deram para nós, para nós apoiarmos ele também.
Isso que nós estamos correndo atrás”. CACIQUE PAULINHO TAPIRAPÉ
“Trabalho de cartografia nada é mais que mostrar o mapa do Brasil, como que ele é. Assim
que eu estou pensando. Então, essa história de vocês também vai ser assim. Aqui em Porto Alegre
o pessoal sabe quem é Justino, tão importante é essa cartografia que não é só esse pessoal que
vai ficar sabendo, quem sabe um pouquinho vai saber tudo, o Brasil todo vai saber, existe ele, o
que ele quer. Como é a minha contribuição? Eu estou só cantando para alegrar mais o pessoal,
porque a história é de vocês. Por isso que estou dizendo, vamos dar o grito porque a história é
nossa”. DANIEL JURUNA

14 NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA Projeto Mapeamento Social como Instrumento de Gestão Territorial
As nossas reivindicações
“Qual é o motivo dessa nossa reunião aqui? É reivindicar os nossos direitos. Primeiro nós
queremos ser reconhecidos, que nós somos índios, nós somos índios e não estamos negando, todo
mundo que está aqui está dizendo “eu sou índio, eu quero o meu direito, eu quero a minha iden-
tidade”. Esse trabalho chegou numa hora boa. Agora, com essa história que vai chegar lá, quem
é que vai dizer que não existe esse povo aqui. Existe esse povo aqui, esse povo índio, xerente, e
que foi ramificado de lá para cá”. DIVENILIA SIBAKÁ
“Eu tenho um plano na minha mente, a qual eu queria mais dos companheiros tapirapé, que
são conhecedores de toda a minha história. Eu gostaria de solicitar deles uma anuência dos ca-
ciques para a gente entrar nesse processo na FUNAI. Eu preciso de um lugar, por que como eu
vou viver com esse povo neste lugar? Está todo mundo espalhado, uns morando num barraquinho,
outros pagando aluguel, porque não tem onde ajuntar. Eu queria deles esse apoio para que aju-
dassem a ver uma área para o meu povo”. JUSTINO AGAPITO XERENTE

Contato
ASSOCIAÇÃO DO POVO INDÍGENA XERENTE DO ARAGUAIA MATO
GROSSO
Avenida Sabino Brito, 347, Porto Alegre do Norte, Mato
Grosso
Cacique Justino Agapito de Oliveira Xerente
CEP: 78.655-000

Identidade e Território do Povo Indígena Xerente do Araguaia 15


POVO INDÍGENA XERENTE DO ARAGUAIA

15
7 9
1 Comunidade do Paraizinho – Humaitá AM 18 23 24
14 17
2 Nossa Senhora Auxiliadora – Humaitá AM 8 21 4 12 23 6 26
3 22 13
3 Bom Jardim – Benjamin Constant AM 2 25 5
11
1
16 20
4 Quilombolas do Rio Andirá – Barreirinha AM 19
27
10
5 Quebradeiras de Coco Babaçu e Agroextrativistas
do Sudeste do Pará
6 Terra indígena Pindaré – Bom Jardim MA
7 Trabalhadores Rurais do Cujubim – Caracaraí RR
8 Desmatamento e a devastação de castanhais – Amaturá AM
9 Associação de moradores e produtores da comunidade
remanescente de Quilombolas do Rosa – Amapá
10 Quilombolas do Forte Príncipe da Beira, Vale do Guaporé –
Costa Marques RO
11 Quilombolas da ilha de São Vicente – Araguatins TO
12 Quilombolas de São Tomé de Tauçú, Rio Acutipereira –
Portel PA
13 Assentados e acampados no município de Rondon do Pará
14 Quilombolas do rio Mutuacá e seus afluentes – Curralinho PA
15 Invasão da acácia mangium nas terras indígenas de Roraima
16 Rede de Conhecimentos Tradicionaisdo Alto Juruá –
Marechal Thaumaturgo AC
17 Comunidade remanescente de Quilombo dos Rios Arari e
Gurupá em busca da liberdade
18 Quilombolas de Cachoeira Porteira – Alto Trombetas,
Oriximiná PA
19 Ribeirinhos, extrativistas e moradores das comunidades
deslocadas por hidrelétricas – Rio Madeira RO
20 Identidade e território Pastana Yudja Juruna – São Félix do
Xingu PA e Santa Cruz do Xingu MT
21 Indígenas na luta contra a devastação em seus territórios –
Rio Cuieiras, Manaus AM
22 Quilombolas do rio Pacajá – Portel PA
23 Comunidades Quilombolas de Passagem e Peafú– Santarém e
Monte Alegre PA
24 Extrativistas da RESEX rio Cajari em ação – Amapá
25 Aldeia indígena Akrãtikatêjê – Pará
26 Quilombolas de Viana e Pedro do Rosário – Bornéu MA
27 Identidade e território do povo indígena Xerente do Araguaia
– Mato Grosso

PROJETO EXECUTADO COM RECURSOS DO REALIZAÇÃO APOIO


POVO INDÍGENA
XERENTE DO ARAGUAIA

16 NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA Projeto Mapeamento Social como Instrumento de Gestão Territorial

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