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Museu Histórico
Nacional
1922-2022
HISTÓRIAS
DO BRASIL
HISTÓRIASDOBRASIL
razzi, Maria Isabel Ribeiro Lenzi, Maria Pace Chiavari, Maria Paula Nascimento Araujo, Marilene Weinhardt, Mario Aizen, Marize Malta, Marli Gaspar Bibas, Martha Abreu, Moema de Bacelar Alves, Moema Vergara, Mônica Salem de Zayas, Patrícia Wanzeller,
HISTÓRIAS
Paula Moura Aranha, Paulo Knauss, Pedro Belchior, Pedro Colares Heringer, Pedro Karp Vasquez, Pedro Machado Mastrobuono, Piedade Epstein Grinberg, Rafael Zamorano Bezerra, Renata Santos, Robert Pechman, Romney Lima, Rosana Lanzelotte, Rundsthen
Nader, Samantha Viz Quadrat, Sandra Maria Teixeira, Solange Godoy, Solange Palazzi, Sonia Gomes Pereira, Soraya Silveira Simões, Stella-Lizarra, Tat’etu Lengulukenu, Thayane Vicente Vam de Berg, Tony Willian Boita, Valéria Regina Abdalla Farias, Vera Lima,
DO BRASIL
Vera Lucia Bottrel Tostes, Victor Villon, Ynaê Lopes dos Santos Adler Homero Fonseca de Castro, Alda Heizer, Aline Montenegro Magalhães, Amanda de Almeida Oliveira, Ana Cristina Audebert Ramos de Oliveira, Ana Flávia Magalhães Pinto, Ana Lourdes Costa,
Ana Luce Girão, Ana Paula Cavalcanti Simioni, Ana Virginia Pinheiro, André Amud Botelho, Andréa Gonçalves Moreira, Angela Cardoso Guedes, Angela de Castro Gomes, Angela Maria Cunha da Motta Telles, Antonio Lassance, Arno Wehling, Bárbara Deslandes
REALIZAÇÃO
Primo, Carina Martins Costa, Carlos Alberto Lombardi Filgueiras, Carlos Augusto da Rocha Freire, Carlos Kessel, Charles Steiman, Claudia Inês Parellada, Cláudia Rose Ribeiro da Silva, Daniel Ladanza Forain, Daniel Leb Sasaki, Daniel Palazzi, Daniella Gomes
dos Santos, Eliane Vieira da Silva, Fabiano Cataldo de Azevedo, Flávia de Sá Pedreira, Flávia Figueiredo, Flávio Gomes, Flavio Lenz, Francisco Doratioto, Francisco Quartim de Moraes, Francisco Régis Lopes Ramos, Gabriela da Fonseca, Geyzon Bezerra Dantas,
H
A P R E S E N TA M
HISTÓRIASDOBRASIL
100 objetos do
Museu Histórico Nacional
1922-2022
Edição comemorativa dos 100 anos
do Museu Histórico Nacional
Carlos Alberto Gomes de Brito Cristiane Oliveira, Maurício Flávio Resende, Lucia da Mata,
Marques Silvana Pinho
SECRETARIA ESPECIAL DE CULTURA
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PRODUÇÃO PATROCÍNIO
REALIZAÇÃO
AGULHA DE MAREAR
Heloisa Meireles Gesteira
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BANDEIRA DO MST
Maria de Simone Ferreira
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umpriu-me a honraria de prefaciar o por nosso Ordenamento Jurídico, reconhecida por
presente livro que, certamente, será importante elemento de formação da identidade
lido não apenas por notáveis, espe- de nosso povo. As peças do MHN fazem presente os
cialistas em belas-artes, mas também exemplos que vêm do passado, de como o povo bra-
pelo público em geral. Feita tal consta- sileiro, paulatinamente, vence incontáveis dificul-
tação, atrevo-me a afirmar que haverá, após a leitu- dades e percalços de sua linda trajetória. Mas não
ra desta obra, cristalino e amplo consenso de que a é só. Cumpre-nos também salientar que investi-
trajetória do Museu Histórico Nacional (MHN) seja mento em Cultura gera vivências emocionais con-
extremamente fecunda e exitosa, das mais elevadas cordantes e complementares. A diminuição da vio-
– se não a maior – dentre todas as unidades museo- lência passa, obrigatoriamente, pelo enraizamento
lógicas do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), e cultural, por relações sociais pautadas na coopera-
de enorme relevância na fortificação dos alicerces ção e respeito mútuos, por sentimento de comu-
da preservação de bens culturais deste País. nhão que se ancora em esperança coletiva. Onde a
Neste livro, sob o manto de coletânea, apresentado Cultura é enraizada, há maior efetividade do com-
como reunião literária de artigos sobre uma cen- bate à violência, gerando mais paz social. Por meio
tena de obras diferenciadas, escamoteia-se algo muito de nossos museus, conhecemos nosso passado, nas-
maior que, humildemente, espero conseguir anunciar. cendo a sensação de pertencimento, através da arte
Aos especialistas rogo redobrada atenção e de conhecer e apreciar nosso próprio estilo de vida,
serenidade ao analisar esta pequenina mostra do dentre os tantos povos no mundo. Devemos enten-
vigoroso acervo permanente, de elevada impor- der Cultura como um direito, uma possibilidade de
tância artística e cultural. Notar-se-á aqui uma desenvolvimento social. Rivalidades, invejas, ciú-
sucessão de casos concretos que podem sim levar mes, ódio e violência podem ser diluídos por valo-
grande conhecimento a entidades culturais foca- res comuns, adotando relações mais tolerantes, de
das no estudo de temas específicos. Aqueles mais respeito por diferenças e divergências, na medida
familiarizados com catálogos racionais sabem que em que nos reconhecemos como um povo único,
uma única obra pode jogar luz em teorias e fases com identidade própria em nossos hábitos, valo-
inteiras de determinados artistas plásticos. Senti- res e modos similares de ser, sentir e pensar. Nessa
mo-nos, pois, animados a estimular o convênio e linha de ideias, esta iniciativa do MHN é absoluta-
termos de cooperação para que outras instituições mente meritória, reverbera esplêndida como raios
culturais, públicas ou privadas, tenham acesso a in- vivificantes do Sol. Publicação que se traduz em
formações e subsídios, permitindo-lhes desfrutar sobejos de luz em época de sombras.
dos incontáveis tesouros reunidos no MHN.
Ao público em geral, ainda que em apartada sín- — Pedro Machado Mastrobuono
tese, cumpre esclarecer que a Cultura é protegida presidente do instituto brasileiro de museus - ibram
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egundo Achile Mbembe, é funda- laboratório e também fórum, onde são cons-
mental “operar uma crítica do tem- truídos outros passados e conhecidas outras
po e dos artefatos que pretendem memórias. Que histórias os objetos de nosso
ser os substitutos últimos da pró- acervo contam? E que histórias ainda podem
pria substância do tempo” no tra- contar?
balho de construção da memória. O livro que Desejando uma excelente leitura ou via-
ora se apresenta fundamenta-se nessa ope- gem histórica ao passado nacional, pela co-
ração, lançando luz sobre parte do acervo do leção preservada no MHN, agradecemos às
Museu Histórico Nacional (MHN) que, para autoras e aos autores que tornaram esta obra
além de documentos das histórias do Brasil, possível. Não apenas contribuindo para a di-
conta, antes de tudo, a história da própria vulgação de parte do acervo, que conta atual-
instituição centenária. mente com mais de trezentos mil itens, mas,
São cem objetos escolhidos pelos orga- primordialmente, por nos presentear com
nizadores, a partir de pesquisas, consulta à outros olhares, novos saberes que propiciam
equipe técnica, análise de recepção do públi- novos conhecimentos sobre os objetos e so-
co, gostos pessoais, ligação epistemológica, bre as histórias a eles relacionadas.
relação afetiva, etc. Artefatos sobre os quais Agradecemos, também, à equipe do Mu-
escreveram professores, pesquisadores, par- seu e demais colaboradores que tornaram
ceiros, detentores de saberes, funcionários e esta publicação possível. Em especial, deve-
ex-funcionários do MHN, pessoas que, com mos gratidão aos públicos do MHN, por man-
generosidade e competência, compartilham terem essa casa um local da história viva, pul-
seus saberes, estudos e pesquisas. A diversi- sante, e os convidamos para que lancem seus
dade de autoras e autores, assim como a plu- olhares para esses e outros objetos do acervo,
ralidade de temas, perspectivas e tipologia apontando para o que para si representam e
dos itens, estão em sintonia com a prerroga- nos contando também as histórias dos obje-
tiva da escuta e da conexão, o que demonstra tos que ainda estão por vir.
o quanto o museu está aberto ao diálogo e à
participação coletiva, lançando as bases para — Aline Montenegro e
a escrita de outras histórias. Fernanda Castro
As páginas que seguem indicam como o diretoras substitutas do mhn
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Associação dos Amigos do Museu Ao selecionar em seu vasto acervo cem sig-
Histórico Nacional (AAMHN), nificativas peças, entregando a apresentação de
que há 34 anos faz parte da his- cada uma delas a um autor convidado, o corpo
tória da Instituição, não poderia técnico do MHN teve a sensibilidade de ofere-
deixar de integrar as comemora- cer ao público leitor diferentes histórias e me-
ções do centenário de um dos mais importantes mórias nacionais, capazes de evocar lembranças
museus do país, apoiando, entre outras iniciati- carregadas de emoções.
vas, a produção do livro Histórias do Brasil em O livro, de autoria coletiva – corpo técnico,
cem objetos. cem autores e quatro organizadores – represen-
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ste livro parte da premissa de que cipalmente a partir da cientificização da histó-
os objetos são, ao mesmo tempo, ria no século XIX, que até então esteve no rol
testemunhas e agentes da história. dos gêneros literários, sendo a fronteira entre a
Isso quer dizer que eles podem ser narrativa “fictícia” e a “real” indefinida durante
entendidos como fontes históricas séculos. O postulado da história científica, que
sobre o passado, uma vez que nos permitem buscava uma narrativa objetiva sobre o passa-
fazer interrogações sobre seus usos e obsoles- do, voltou-se para os documentos oficiais e vin-
cências, sobre seus proprietários e usuários, culados às ações de Estado, aqueles nos quais
seus significados culturais e simbólicos, pro- a autenticidade histórica era garantida pelos
cessos de mercantilização, de sacralização e protocolos da burocracia e devidamente cer-
de singularização em coleções. Mas os objetos tificados pela análise diplomática. No entanto,
também são agentes históricos, uma vez que os documentos verbais, escritos, também não
estão inseridos no cotidiano das nossas ações, falam, uma vez que as narrativas que se cons-
condicionados e condicionantes do nosso pró- troem a partir deles são resultado da mobili-
prio processo de nos tornarmos humanos, uma zação das perguntas, seleções, recortes e des-
vez que o ser humano ao mesmo tempo em que taques do historiador. Portanto, uma história
produz objetos é igualmente produzido por com objetos apresentará os mesmos desafios
eles. Os objetos, assim, são elementos funda- narrativos de uma história feita inteiramente
mentais das estratégias e táticas de sobrevivên- com documentos escritos.
cia do dia a dia, bem como expressões mate- A pergunta sobre qual história pode-se
riais dos sistemas culturais. Impossível, ainda, fazer com objetos deve, então, ser refeita da
dissociar os objetos de sua dimensão imaterial. seguinte forma: como podemos contar novas
Todavia, os objetos não falam. Quem fala so- histórias usando objetos, em especial aqueles
mos nós ao mobilizá-los para conhecer, escre- que compõem o acervo museológico do maior
ver e contar histórias. Mas que história pode-se museu de história do país, justamente no ano
fazer com objetos? Sabe-se que o documento do seu primeiro centenário e do bicentená-
escrito, a linguagem verbal, foi durante muito rio da Independência do Brasil? A primeira
tempo a fonte privilegiada do historiador, prin- resposta aponta para a incontornável plurali-
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agora se reduz aos restos remanescentes, quase
urante quase duas décadas de invisíveis, de uma pequena fortaleza de alvena-
minha vida frequentei, como ria de pedra, o Forte de São Tiago. Junto com o
profissional, as reservas técnicas forte, compõem o conjunto a pequena Casa do
e exposições do Museu Histórico Trem, atarracada edificação colonial, e o impo-
Nacional, cujo centenário agora nente Arsenal de Guerra da Corte e seus anexos
comemoramos. – ambas as edificações têm origem na segunda
Não é novidade dizer que o “Museu Históri- metade do Setecentos.
co” se encontra instalado, desde sua inaugura- A instituição museológica que hoje ocupa
ção, no conjunto de prédios da Ponta do Cala- a quase totalidade do que um dia foi a Ponta do
bouço, parte do Centro Histórico da cidade do Calabouço, possivelmente é até mais conheci-
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Ou seja, nesses “lugares” prevaleciam “arte- da desorganização daquelas antigas salas. Expe-
fatos” e “espécimes”, e não mais livros reunindo riência havia: o país seguia a esteira das nações
um conhecimento algo duvidoso. Embora não mais antigas e já tinha montado exposições na-
caiba aqui qualquer aprofundamento a respei- cionais, em 1861, 1873 e 1908, e desejava marcar
to, é preciso frisar que, se nos textos clássicos o presença no cenário internacional como nação
conhecimento adquirido por séculos passou a promissora. As obras de preparação do espaço
se mostrar falho, o exame de objetos materiais urbano escolhido, a construção de edificações
parecia apontar para “a verdade”. Na raiz dessa totalmente novas e a reforma de algumas já exis-
nova racionalidade estavam as coleções dos mu- tentes, todas destinadas a receber os pavilhões
seus. Onde falhavam os textos, os artefatos mos- que constituiriam a Exposição, tomaram cerca
travam-se confiáveis. Não apenas no que dizia de um ano, mas foram encaradas com seriedade
respeito à matéria – identificável através da prá- e tenacidade. Mostrar o estado que a civilização
tica racional da ciência – mas também ao tempo, atingira no país valia o esforço.
visível no desgaste dos artefatos. Os pavilhões foram ocupados pelos quator-
De volta ao século XX, todos os países aspi- ze países que se fizeram representar no evento
ram se tornar confiáveis uns diante dos outros. e por uma seleção de atividades econômicas e
Por que não seria assim com um país novo, mas técnicas nacionais. A enorme “máquina de fa-
pleno de potencialidades e confiança? Para isso, zer andar e olhar”, tinha todas as suas partes
o método seria montar uma grande feira, um racionalmente planejadas, de modo a incutir no
gabinete gigantesco, não de curiosidades, mas visitante um sistema de imagens que se articula-
de modernidade. E, desnecessário dizer, livre vam para representar o mundo vivido, visível e
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e seus desdobramentos. É seguro afirmar que 5> MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Do teatro da memória ao la-
boratório da História: A exposição museológica e o conhecimen-
a ampla abertura do museu ao Brasil que lhe to histórico. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material.
dá origem, significado e sentido, continua. Nova série, v. 2 (jan-dez 1994), p. 9-42.
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arrar histórias sobre a rica diver- O povo Marajoara assentava-se junto a gran-
sidade cultural amazônica e en- des lagoas e planícies parcialmente inundadas,
trelaçá-las em diferentes épocas construindo grandes aterros circulares e/ou
e mosaicos ambientais pode nos ovalados, os “tesos” – alguns mais rasos e ou-
possibilitar reflexões sobre os tros maiores, com mais de 10 metros de altura e
processos de ocupação humana da América do 200 metros de comprimento. Nos “tesos” mais
Sul, os quais ultrapassam mais de 15 mil anos, e baixos, havia a concentração de habitações e
como essas evidências foram integradas aos mu- plataformas com áreas de plantio e manejo flo-
seus. Discussões e sínteses sobre a arqueologia restal, bem como tanques para criação de peixes
amazônica podem ser observadas em autores e tartarugas. Nos aterros mais altos, geralmente
como Eduardo Góes Neves e André Prous. sepultavam os mortos em urnas cerâmicas, jun-
As análises de vestígios materiais ao longo to com objetos cerimoniais e utilitários a eles
do tempo, objetos de estudos da arqueologia, pertencentes – como tangas cerâmicas, vasilhas,
ampliam a compreensão de aspectos do coti- adornos, estatuetas, entre outros.
diano e de rituais de grupos sociais que trans- Os dois vasilhames cerâmicos de dimen-
formaram paisagens e elaboraram linguagens sões médias do MHN foram planejados e con-
estéticas impressionantes pela complexidade feccionados para receberem restos mortais
de detalhes. Um exemplo está na cerâmica ce- de um ou mais indivíduos, de gêneros e faixas
rimonial Marajoara, representada aqui por duas etárias variadas, sendo inclusive alguns de-
urnas funerárias policromas que compõem o les cremados. Essas urnas possuíam tampas e
acervo do Museu Histórico Nacional (MHN). acompanhamentos funerários, provavelmente
A ilha do Marajó, atualmente parte do ter- separados após a retirada dos aterros, sendo
ritório do estado do Pará, Amazônia brasileira, parte abandonada em campo ou enviada para
foi ocupada por diversas populações. A fase Ma- outros locais.
rajoara caracteriza os povos que viveram num Uma das urnas Marajoaras do MHN tem con-
período abrangendo especificamente de 400 a torno globular representando uma figura femi-
1.400 anos da nossa era, com uma produção ce- nina, espelhada, e conta com duas faces estiliza-
râmica extensa e decorações singulares. Desde das na parte superior, com nariz e sobrancelhas
o século XVI, muitos viajantes e/ou pesquisa- em relevo, adornos auriculares e grandes olhos
dores, além das comunidades locais, sempre ex- aplicados contornados por pinturas. Em uma
pressaram admiração e buscaram reunir objetos das faces, os apliques foram retirados, talvez em
– particularmente os cerâmicos –, distribuídos épocas mais recentes, quando também pode ter
como coleções distintas em vários museus bra- ocorrido a quebra da extremidade superior jun-
sileiros, americanos e europeus. to com a borda.
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m certo dia do ano de 2011, um Esses pequenos canhões eram feitos para ser
mandado judicial executado pelo instalados em uma espécie de forquilha, que por
Ministério Público Estadual de sua vez era presa na amurada de um navio ou
Minas Gerais, no âmbito de uma muralha de fortaleza. Assim, podia ser rapida-
investigação de crimes ambientais, mente carregado e apontado graças a duas peças
levou à revista uma residência de alto padrão no externas, feitas em ferro forjado: uma, a “câma-
bairro da Pampulha, em Belo Horizonte. Duran- ra”, recebia a carga de pólvora; a outra, a “chave”,
te a ação policial foi feito um achado no mínimo empurrava a primeira até a culatra. O canhão era
inusitado: servindo como vaso de plantas em uma relativamente fácil de apontar porque a forqui-
das áreas de lazer da edificação estava uma rarís- lha permitia que o conjunto girasse 360 graus –
sima peça de artilharia, remontando, talvez, ao daí o nome técnico atualmente convencionado
final do século XV, ou início do XVI. Com pouco – e ele tivesse inclinação de uns 45 graus, para
mais de um metro de comprimento e uns 60 qui- cima ou para baixo (o que era muito útil para
los, fundido em bronze, o pequeno canhão é um acertar homens tentando escalar uma muralha
artefato que remonta aos primórdios da artilharia ou costado). Aceso o pavio, a explosão da carga
e da integração do Brasil ao mundo ibérico. lançava um projétil esférico, de ferro, pesando
O que o tornava bastante peculiar era o fato cerca de 400 gramas, a uns 500 metros, se tan-
de incorporar uma solução que vinha sendo tes- to. O impacto gerava energia suficiente para es-
tada desde o final da Idade Média, ou seja, pra- traçalhar um homem, um cavalo, ou abrir uma
ticamente surgida com o advento da artilharia: pequena brecha no costado de madeira de uma
o carregamento pela culatra (a parte detrás da nau de pequeno porte, do tipo usado na navega-
peça). Tratava-se de uma arma de retrocarga. ção costeira da época.
Tecnicamente, o exemplar de que se trata é de- A peça examinada era propriedade real, pois
nominado “rodízio”, ou seja, uma peça de ar- trazia estampada em sua culatra uma coroa real
tilharia pequena, passível de ser apontada em sobre uma esfera armilar, o que a coloca na li-
qualquer direção. nha de tradição das lutas contra os mouros. Em
As características morfológicas colocam a algum momento, talvez no século XVI ou XVII,
peça na classe das “colubrinas”, canhões longos foi cedido a um particular que investiu seus ca-
e finos, que começaram a ser feitos no século XV. bedais, com o beneplácito e participação reais,
No século seguinte, quando a artilharia naval já na exploração da terra encontrada por Pedro
estava bem separada da terrestre, foram adapta- Álvares Cabral.
dos em navios pelos ingleses. As colubrinas dei- Portugal era, então, uma potência marítima,
xaram de ser feitas no século XVII, o que é forte e a chegada dos portugueses ao Brasil foi uma
indicativo da antiguidade da pequena peça. epopeia naval que teve como personagens na-
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m modo de se escrever história pelos padres José de Anchieta e Leonardo Nu-
com objetos é por meio de sua nes, sendo aliado dos portugueses na fundação
biografia cultural, o que signifi- da vila de São Paulo de Piratininga. O chefe in-
ca historiar seus usos e valores dígena representa o mito romântico do índio
ao longo de uma trajetória. Ao dócil, célula mater da nacionalidade brasileira,
fazermos isso, não estamos escrevendo sobre a na qual as relações entre tupis, jesuítas e heróis
“vida dos objetos”, uma vez que estes são ina- bandeirantes teriam dado origem ao mamelu-
nimados, mas sobre homens que, mediados co adaptado. Esse discurso é reforçado ao lon-
por objetos, agem no mundo. Falaremos sobre go dos anos no MHN, como nos textos de Gus-
o tacape do chefe Martim Afonso Tibiriçá, um tavo Barroso, idealizador do museu:
objeto que nos permite pensar nas diferentes
formas de historicização dos indígenas. “Entre os chefes indígenas que, no amanhecer
O tacape de Tibiriçá foi o primeiro objeto do Brasil […] fizeram causa com os portugueses,
indígena colecionado pela instituição, sendo o o mais ilustre, sem dúvida, aquele à sombra de
único entre os mais de dois mil itens relaciona- cuja fiel amizade devemos o estabelecimento de
dos em seu primeiro Catálogo Geral, de 1924. Piratininga, berço da metrópole paulistana de
Fez parte de uma longa troca de presentes: per- nossos dias. Foi ele o famoso Tibiriçá, […] aliado
tencia a D. Pedro II, que o doou ao general José de Martim Afonso de Souza, cujo nome tomara
Vieira Couto de Magalhães, que o presenteou a ao ser batizado pelos jesuítas. [...] Tibiriçá foi […]
José Vieira Costa Valente, que o doou ao Museu o laço que uniu no mesmo instintivo desejo de
Nacional, daí sendo transferido, em 1922, para o progresso, […], o índio bravio e o aventureiro ci-
Museu Histórico Nacional. vilizado, sob os laços acolhedores, pacificadores
Couto de Magalhães foi membro do Insti- e luminosos da Cruz.” 1
tuto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),
presidente de Províncias no Império e autor de Vamos para janeiro de 1991, quando o taca-
O selvagem. Neste livro, o general elabora uma pe foi exposto na “Vitrine do mês”, em home-
gramática de nheengatu (o tupi moderno, umas nagem à fundação de São Paulo. Na ocasião, o
das línguas-gerais do Brasil nos oitocentos) e objeto foi submetido a uma análise técnica:
destaca a importância de civilizar os índios a
exemplo dos jesuítas, que estudaram suas lín- “[...] Esta peça encontra alguns problemas tópi-
guas para a ação catequizadora, levando o “ín- cos em relação às exposições do destaque do mês.
dio” a mostrar seu valor moral. O presente de [...] O problema maior [...] é o fato da peça não
D. Pedro II a Couto de Magalhães reforça essa apresentar características que nos permitam
visão. Tibiriçá foi convertido ao cristianismo afirmar com certeza se ela pertenceu ao chefe
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A
coleção de armaria do Museu o que evidencia o acabamento das partes. O pri-
Histórico Nacional conta com meiro terço é decorado e o que mais chama a
um raro exemplar de espada de atenção é a mensagem na calha central, claman-
execução. Trata-se de um tipo de do em letras maiúsculas “VIVE LA IVSTISSE”,
objeto relacionado às práticas de ou seja, “Viva a Justiça”. Surpreende a combina-
condenação à morte por decapitação. De acor- ção da expressão num francês arcaico, caracte-
do com a organização social europeia da Idade rizado pelo duplo S, onde a moderna ortografia
Média e na Época Moderna, essa espécie de pena emprega a letra C, com a escrita latinizada tro-
era exclusiva da nobreza, pois gente comum, no cando a letra J pelo I. Essa solução sugere ser
mundo ibérico, no caso de pena de morte, era uma espada da época clássica europeia do sécu-
condenada à forca. lo XVII ou XVIII, combinando a língua comum
Pela sua forma, as espadas de execução lem- com a moda da escrita classicizante. A origem da
bram as espadas de prancha, que serviam para espada é indicada também pelo desenho estili-
castigos corporais, no lugar de chicotes, tendo zado de uma flor-de-lis, que identifica a realeza
formato retilíneo e liso, sem ponta e sem corte. francesa.
As espadas de execução se distinguem por se- Ao lado disso, destaca-se uma figura alegó-
rem maiores e mais pesadas, com lâmina mais rica feminina, com uma espada na mão direita
larga, e possuem uma calha central em baixo e uma balança na outra mão. Trata-se de uma
relevo, que serve para fortalecer sua estrutura representação consagrada da Justiça, que no
e tornar a ponta mais pesada para a gravidade caso não está vedada e a balança pende para um
ajudar na força do golpe a ser dado. Esse dese- dos lados, sugerindo que a sentença estava de-
quilíbrio exige maestria no manuseio, resol- finida. Quatro punções de marca de fabricação
vendo o ato em um só movimento. Essas peças completam a identificação da peça. Inscrições e
existem em pouco número, pois tendiam a ser motivos decorativos são comuns nas espadas de
exclusivas de dada jurisdição de Justiça. Por ou- execução existentes nas grandes coleções de ar-
tro lado, costumam ser bem preservadas pelas maria do mundo, assim como em outros tipos de
suas características materiais duradouras e pelo espadas... O que chama a atenção nessa prática
fato de seu uso não impor que sejam afiadas re- é que grande parte das mensagens são redigidas
gularmente. na primeira pessoa, como se as espadas fossem
A espada da coleção do Museu Histórico Na- sujeitos de um diálogo com quem faz uso delas,
cional é uma peça imponente, medindo 112 cm o que é especialmente significativo no caso dos
de cumprimento e 17,7 cm de largura. O punho carrascos.
é de madeira, a guarda de latão em cruzeta e a Conforme correspondência institucional,
lâmina em aço, contrastando a cor dos materiais, o Museu Histórico Nacional recebeu a espada
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D
urante o domínio do tação representou uma grande mu
território pernambu dança no meio circulante. Mais tar
cano pelos neerlande de, com a união das coroas ibéricas,
ses (1630-1654), co a circulação de moedas hispano-a
nhecidos também pe- mericanas foi legalizada.
lo termo genérico de “holandeses”, Também por consequência da
foram produzidas moedas de ouro união ibérica, as nações europeias
que nos apresentam indícios de uma inimigas da Espanha assumiram
rápida e marcante passagem da his uma posição contrária a Portugal e
tória brasileira. Trata-se das moedas seus domínios, como foi o caso dos
obsidionais, feitas de maneira rudi Países Baixos, que estavam em luta
mentar, porém reconhecidas como direta contra a Espanha pela inde
as primeiras moedas cunhadas em pendência. Durante o conflito, os
solo brasileiro. O termo obsidionais neerlandeses foram proibidos de
diz respeito às moedas cunhadas sob realizar o comércio com o Brasil,
o cerco de exércitos inimigos, com onde mantinham um tradicional
características diferenciadas das moedas cor negócio baseado no açúcar, que se desgastou pro
rentes. fundamente.
Por cerca de dois séculos de domínio por- Com a proibição das negociações, os Países
tuguês do território brasileiro, não houve pro Baixos se voltaram para o comércio no oceano
dução local de moedas. Sabemos que algumas Índico, criando a Companhia Neerlandesa das
circulavam pelas capitanias hereditárias, mas Índias Orientais, uma bem-sucedida associação
grande parte das negociações utilizava elemen de comerciantes, cujo êxito estimulou a fun
tos abundantes da terra, como novelos de fios dação da Companhia Privilegiada das Índias
de algodão e caixas de açúcar. Assim, as poucas Ocidentais (WIC) que almejava obter o açúcar
moedas portuguesas ficavam restritas a peque produzido no nordeste brasileiro, transportá-lo
nos grupos e pouco circulavam. Graças à proxi e comercializá-lo. É interessante lembrar que
midade do Brasil com as regiões dominadas pela a capitania de Pernambuco, à época, era consi
Espanha, moedas hispano-americanas transi derada a mais rica do Brasil e, assim, tornou-se
tavam por aqui. Peruleiros, comerciantes da alvo da cobiça da Companhia das Índias Ociden
América espanhola, atravessavam as fronteiras, tais, a qual elaborou um projeto de ocupação
vindos das regiões das minas de prata, carrega daquela região brasileira, efetivamente iniciado
dos com a maior quantidade possível de moedas em 1624, com a invasão de Salvador, então sede
para fazer negócios comerciais. Essa movimen dos domínios portugueses nas Américas. A ocu
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Flávio Gomes
N
o Brasil, experiências africanas te praticados durante oito anos no Brasil e nou-
vão aparecer em relatos de cro- tras partes sob o governo de Wiesel, Tenente-Ge-
nistas desde o século XVI. No neral de Cavalaria das Províncias-Unidas sob
período colonial, a principal co- o Príncipe de Orange, publicado em Amsterdã,
munidade de fugitivos foi Palma- em 1647, sob encomenda do Conde Maurício de
res, localizada em Alagoas, Pernambuco. Esta- Nassau ao retornar a Holanda em 1644.
beleceu-se no coração econômico do império Sem nunca ter estado aqui, Barléu construiu
português no Atlântico Sul, sendo 1597 a data da um relato substantivo sobre a administração
primeira referência. Os palmaristas ou negros dos holandeses no Brasil, América e partes do
do Palmar – assim denominados na documenta- continente africano, apresentando mapas e ilus-
ção – se organizaram num ambiente ecológico trações diversas. Há indicações de que em seu
complexo. livro, Barléu foi muito influenciado pela obra
Não sabemos quantas expedições foram en- de Guilherme Piso e Jorge Margrave, que esti-
viadas em mais de cem anos da existência dele, veram no Brasil a partir de 1637 visando estudar
até a década de 1740. Mas antes de findar o pri- a fauna e flora e, em, 1648, publicaram Historia
meiro quarto do século XVII novos persona- Naturalis Brasiliae. Mas Barléu constrói um re-
gens entrariam em cena: holandeses invadem e lato de exuberância, fascínio e de enaltecimento
ocupam a Capitania de Pernambuco. Junto com da ocupação holandesa, principalmente durante
as plantações de cana, a reorganização dos enge- o período de Nassau.
nhos, o comércio do açúcar, o controle do tráfico Para falar de Palmares, Barléu se baseia em
atlântico nas feitorias africanas, a organização cronistas e correspondência de holandeses que
arquitetônica de Olinda e a administração das estiveram no Brasil, alguns deles tendo participa-
companhias de comércio, Palmares também de- do de expedições contra o quilombo. Entre eles
mandaria preocupação por parte dos holandeses. destacam-se cartas de Dagelijkse Notulen (1638) e
A única imagem contemporânea de Palma- o relatório de A. van Bullestrae (1642), constando
res foi publicada por Gaspar Barléu. Intelectual também relatos de expedições de Roeloff Baro
do século XVI, seu nome em latim era Caspar em 1644. Há ainda os relatos do capitão e capelão
Barlaeus, nascido (Kaspar van Baarle) em 12 de João Blaer, que chegou ao Brasil, em 1629 e par-
fevereiro de 1584. Com formação em Teologia, ticipou de uma expedição militar a Palmares em
foi professor na Universidade de Leiden e che- 1645. O diário de viagem do Capitão João Blaer
gou a atuar no Ateneu de Amsterdã, considerado foi extraído da coleção Brievem en Papieren uit
o antecessor da Universidade de Amsterdã. Poe- Brasilien, traduzido do holandês por Alfredo de
ta e preocupado com as temáticas da cartografia, Carvalho e publicado na Revista do Instituto Ar-
foi autor do livro História dos feitos recentemen- queológico Pernambucano em 1902.
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m 1710, uma frota de corsários fran- dade, ter sido “promovida” ao posto de capitão do
ceses tentou tomar o Rio de Janei- exército, recebendo, inclusive, o soldo do cargo.
ro. Portugal e suas colônias estavam O dia 19 de setembro, até o século XIX, foi man-
em conflito com a França e seus tido como data festiva no Rio de Janeiro, mas,
aliados, por causa da Guerra da Su- adiante, o costume de se celebrar a vitória sobre
cessão Espanhola (1701-1714), e o renome da ci- os franceses despareceu.
dade carioca já tinha se expandido até a Europa. A razão desta introdução é que no Pátio dos
Era o período da grande corrida do ouro, logo Canhões do Museu Histórico Nacional há um
após a descoberta do metal precioso nas Minas belo canhão francês que o fundador da Institui-
Gerais, quando imensas quantias passavam pelo ção, Gustavo Dodt Barroso, acreditava ter sido
Rio de Janeiro, único caminho para seu envio um dos cinco trazidos por Duclerc e capturados
do interior para Portugal. na cidade quando os franceses foram derrotados.
Mil e duzentos franceses comandados por A peça em questão é de bronze e tem gran-
Jean-Françoise Duclerc desembarcaram a alguns des dimensões, com quase três metros de com-
quilômetros da cidade e levaram cinco canhões primento e marcas que podem ser interpretadas
com eles por terra, subindo o maciço da Tijuca e como sendo o seu peso, de 6162 libras, algo per-
caminhando pelas bordas dos pântanos que cer- to de três toneladas, o que é compatível com as
cavam o Rio de Janeiro. Ao atacar a cidade, no dia dimensões do objeto.
18 de setembro, os franceses se aproveitaram Os canhões de bronze, em geral, são
dos muitos erros da defesa organi- muito decorados. Isso em parte por
zada pelo governador do Rio de serem muito dispendiosos, va-
Janeiro, conseguindo entrar lendo o gasto que era feito
na cidade. No dia seguinte para dar-lhes uma aparên-
foram cercados e derrota- cia melhor, em parte por-
dos por tropas formadas que o metal é adequado
por moradores. A vitó- para os trabalhos de
ria foi tão importante moldagem e fundi-
quanto inesperada, ção artística. A arma
sendo atribuída à do Museu Histórico
intervenção divina, Nacional não foge a
isso ao ponto de uma esta norma, tendo
imagem de Santo An- em relevo a face da
tônio, que fica no con- França e os dizeres
vento deste santo na ci- “LVD XIIII D G FR ET
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A
coleção do Museu Histórico Nacio- destaque dado à imagem de Nossa Senhora com
nal reúne obras significativas da o Menino Jesus no colo, no plano celeste das nu-
história da arte colonial do Brasil. vens, que se destaca no canto superior esquerdo
Nesse conjunto, destaca-se a pintu- do quadro. Ao lado disso, a leitura religiosa se ex-
ra anônima datada de 1758, que re- plicita com clareza no texto da tabuleta sustenta-
presenta a segunda batalha de Guararapes, ocorrida da pela figura de um menino rechonchudo, típica
em 18 de fevereiro de 1649, em Pernambuco. da imaginária católica, no canto inferior direito.
As batalhas de Guararapes de 1648 e 1649 fo- O texto registra que, apesar de os holandeses esta-
ram o ponto alto da resistência à dominação ho- rem trajados “na pompa”, contando com “a glória
landesa no Nordeste do Brasil, dominação esta de seu triunfo”, aquele dia foi de “presságios” de
que se encerrou em 1654, quando as forças ho- “ruína” e de “anúncios” de sua “desditosa sorte”,
landesas abandonaram definitivamente o projeto ressaltando que “os favores da Mãe de Deus”, as-
colonial estabelecido desde 1630, e que a partir de sim como “o divino e soberano impulso” move-
Recife estendeu domínio do Rio Grande do Norte ram os portugueses.
a Sergipe, controlando o comércio da produção O texto é assinado em nome de “Cabos Por-
açucareira da região. tugueses”, dando a pista sobre a origem da tela
A ocupação holandesa no Brasil do século por encomenda de corporativa militar. Completa
XVII foi um capítulo importante da disputa co- o texto uma legenda numerada, que serve para
lonial, que se caracterizava pela transferência indicação de personagens e situações represen-
das rivalidades políticas entre os estados euro- tadas. O que importa destacar é que a represen-
peus para o mundo colonial. As iniciativas co- tação pictórica acompanha a crônica de época,
loniais holandesas se desenvolveram no quadro que valorizava a interpretação providencialista
das lutas de independência das províncias dos dos acontecimentos, destacando o papel decisivo
Países Baixos, declarada em 1581 contra a subor- da ação divina em favor da vitória militar dos lu-
dinação à coroa espanhola. A guerra se estendeu so-brasileiros contra os holandeses, favorecendo
até a paz de Vestfália, em 1648, coincidindo com a causa católica frente à dos reformados. Assim,
a União Ibérica (1580-1640), estabelecida quan- a representação do conflito militar entre portu-
do o rei Felipe II de Espanha herdou a coroa por- gueses e holandeses se confunde com um emba-
tuguesa. A partir daí, Portugal e seu mundo co- te entre católicos e reformados, decorrente das
lonial foram enredados no conflito e a paz entre identidades religiosas do reino de Portugal e da
holandeses e lusos só seria selada pelo Tratado união dos Países Baixos.
de Haia, em 1661. Diante do quadro, o olhar reconhece facil-
A representação da batalha na pintura da cole- mente as duas forças em guerra. À direita, o exér-
ção do MHN tem evidente sentido religioso, pelo cito holandês é caracterizado pela organização
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E
ste capítulo sobre o livro História mória”, conforme Pierre Nora – neste caso espe-
genealógica da Casa Real Portu- cífico, uma noção da qual discordamos.
guesa, desde sua origem até o pre- Entretanto, o que se propôs foi analisar a
sente com as famílias ilustres, que História genealógica da Casa Real Portuguesa
procedem dos Reys, e dos Serenis- [...] a partir do ponto de vista da cultura mate-
simos Duques de Bragança, justificada como rial, considerando esse livro como um artefato,
instrumentos, e escritores de inviolável fé tem cujos dados colhidos dele podem individualizar
como ponto de partida a pesquisa desenvolvida os exemplares e gerar outras informações com
no trabalho “As marcas de proveniência como significados e representações que vão se expan-
elementos para a construção narrativa da tra- dindo quanto mais nos aprofundamos nas inves-
jetória do exemplar Histoire de l’Origine et des tigações sobre eles.
Premiers Progrès de l’Imprimerie Apesar do conteúdo da obra ser
(1740): da Real Biblioteca à Biblio- algo muito importante no contex-
teca Central da UniRio”.2 Nele se to de uma biblioteca, neste texto
evidencia a importância da análise nosso foco, como bibliotecários,
material do livro para a compreen- é reforçar um conhecimento que
são de momentos históricos ou para não é novo, ou seja, que a informa-
descobrir as possíveis relações so- ção num livro impresso vai além do
ciais e institucionais que um livro – conteúdo, estando igualmente em
como objeto – possui. sua materialidade e na sua própria
Aqui, tratamos do objeto História existência dentro de uma coleção,
genealógica da Casa Real Portugue- como no caso em questão.
sa [...], de Antônio Caetano de Sousa, Nossa base teórica deriva sobre-
com 21 tomos publicados em Lisboa, tudo de uma disciplina do século
entre os anos de 1735 e 1749. XVIII, a Bibliografia Material, que
A presença deste livro no con- pertence à área da Bibliologia, junta-
junto de cem objetos icônicos da co- mente com a Codicologia, o estudo
leção do Museu Histórico Nacional dos documentos manuscritos, códi-
(MHN) poderia ser algo comum se ces (encadernados ou não).
os organizadores estivessem presos A Bibliografia Material, em re-
apenas à perspectiva na fronteira, sumo, se ocupa das características
muito debatida, do “documento- tipográficas (tipo móvel utilizado,
-monumento” de Jacques Le Goff, papel, formato etc.) e das chamadas
ou deste livro como “lugar de me- características extrínsecas, ou seja,
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Acreditamos que este livro representa mais toire de l’Origine et des Premiers Progrès de l’Imprimerie (1740):
da Real Biblioteca à Biblioteca Central da UniRio. Dissertação de
do que uma importante fonte de informação so- mestrado. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio
bre Genealogia. Ele conta a história do próprio de Janeiro: 2019.
3> Os titulares das coleções e as marcas de proveniência biblio-
museu, pois através de diversas peças de seu gráfica no Museu Histórico Nacional. Ciclo de Palestras: As marcas
acervo podemos estabelecer relações com seu de proveniência e a cultura material. [21ª Sessão], 29 out. 2020.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Lu069Wi2_Js
conteúdo impresso e com suas marcas de fabri- 4>SEOANE, Raquel Villagrán Reimão Mello. A reforma de 1944 do
cação, uso ou proveniência. curso de museus – MHN e o perfil do conservador de museus na
era Vargas: os reflexos da política nacionalista e as transforma-
É, portanto, um objeto que reafirma a iden- ções na área dos museus. Dissertação (Mestrado em Museologia
tidade dessa instituição de memória, guardiã e Patrimônio), UniRio/Mast. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:
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A
agulha de marear é conhecida nhada em papel, protegida por vidro. A agulha
como um instrumento náutico propriamente dita e os pinos que prendem o
que auxilia a definir e aprumar o instrumento na caixa são de metal. No interior,
rumo de embarcações, e tornou- cuidadosamente ornamentado, vê-se a rosa dos
-se uma espécie de símbolo das ventos, com os 32 rumos que servem também
grandes navegações ocorridas entre os séculos como indicadores dos ventos, com destaque
XV e XVI. Aqui, trata-se de um objeto específi- para a flor de lis apontando o Norte e mais ou-
co, um instrumento náutico fabricado no século tros sete símbolos que apontam para as direções
XVIII, que apresenta o nome de José Teixeira e principais. Alguns elementos que caracterizam
a indicação de um local, Pernambuco, e que hoje o objeto levam a crer que de fato é uma bússo-
integra o acervo do Museu Histórico Nacional. la portuguesa, e pode mesmo ter sido fabricada
Esse objeto passou a integrar a coleção em em Pernambuco. Um deles verifica-se na forma
1932, após a extinção do Museu Naval, quando de dividir o círculo da borda que representa o
as peças deste último foram transferidas para o horizonte. Marcado de cinco em cinco graus, o
MHN. Não sabemos muito sobre suas origens. círculo subdivide-se em quatro partes de 90° e a
No Inventário do Museu Naval, de 1890, nada marcação se dá da seguinte forma: inicia sempre
consta sobre ele, apenas a menção a bússolas. No com o “0” nos pontos que representam o Norte e
documento de transferência, precisamente a re- o Sul e vai até 90 nos pontos Leste e Oeste. Além
messa de 1932,1 encontra-se o registro idêntico desta convenção, conforme explicado em livros
ao que se lê no processo de entrada de acervo: de marinharia, há as duas janelas laterais, facea-
“bússola com caixa feita por José Teixeira em das, com frestas.
Pernambuco em 1770”. O instrumento foi ava- Em Portugal, como em outros lugares, desde
liado, no ato da transferência, em cinco mil con- o século XVI, a forma de graduar os instrumen-
tos de reis (5.000$000). O valor de cada objeto tos era padronizada para que os dados coletados
foi registrado em folha com timbre do Ministé- nas viagens e em pontos específicos fossem mais
rio da Marinha, indicando “Serviço de Fazenda tarde reunidos e compartilhados entre os cos-
da Armada”, e permite avaliar todo o patrimônio mógrafos e pilotos, ou mesmo na organização
subtraído da Marinha no momento do traslado das informações, como, por exemplo, as tabelas
dos objetos, ou, como referido no documento, da declinação do Sol. Essa forma de divisão está
das relíquias que até o momento pertenciam ao descrita no livro de marinharia como A arte de
Museu Naval.2 navegar, do cosmógrafo Manoel Serrão Pimen-
Fabricado no século XVIII, o objeto é com- tel (1650-1719).3 Depois de sua morte, algumas
posto pela caixa de madeira, ou morteiro, no informações e correções foram atualizadas.
interior da qual vemos a rosa dos ventos dese- Nesta mesma obra, o cosmógrafo assinala que
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marear fabricada por ele e pertence hoje ao Mu- 3> Manoel Pimentel. A arte de navegar. Roteiros práticos das
viagens e Costa marítima do Brasil, Guiné, Angola, Indias e Ilhas
seu da Marinha em Portugal.4 As últimas déca- Orientais e Ocidentais. Lisboa: Na oficina de Bernardo da Costa
das do século XVIII foram marcadas por trans- de Carvalho, 1699. Disponível em: https://purl.pt/29641/1/index.
html#/8-9/html. Acesso em 21/03/2022.
formações técnicas importantes nas navegações 4> Uma imagem do objeto pode ser consultada pela página da
oceânicas. Do ponto de vista da fabricação de Comissão Cultural da Marinha, Portugal. Disponível em: https://
ccm.marinha.pt/pt/museumarinha_web/colecoes_web/peca-
instrumentos náuticos, existiu no edifício da semdestaque_web/Paginas/agulhamarcarportuguesa.aspx.
Real Fábrica da Cordoaria em Junqueira, criada Acesso em 06/02-2022.
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MANESCAL DA COSTA,
IMPRESSOR DO SANTO
OFFICIO – LISBOA
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P
ossível cópia anônima de gravura A presença de gravuristas formados na esco-
a buril feita pelo gravador francês la flamenga, caso de Debrie, foi também estimu-
Guillaume François Laurent De- lada pelo rei português, principalmente depois
brie em 1737, a partir de desenho da fundação da Academia Real da História Por-
do português Francisco Vieira de tuguesa, em 1720, para a qual foi criada a primei-
Matos (1699-1783). Conhecido como Vieira ra oficina de gravura no reino. O objetivo era re-
Lusitano, Francisco Vieira foi pintor da corte produzir as mais avançadas técnicas de gravura
de D. João V a partir de 1733. O reinado de D. da época, dentre as quais a água forte, técnica
João V foi de expansão das artes em Portugal usada na gravura de D. Sebastião.
e valorização de artistas e escolas estrangeiras, Guilherme Francisco Lourenço Debrie, como
com destaque para a pintura e a escultura ita- seu nome passou a ser grafado em Portugal, foi
liana e francesa e a gravura holandesa, além da dos mais destacados e produtivos burilistas de
arquitetura, com o famoso convento de Mafra, influência francesa e flamenga em Portugal. Não
e de obras de engenharia urbana e monumen- é conhecida a data de seu nascimento. Chegou a
tos públicos. Portugal entre 1730 e 1733, onde permaneceu até
Neste amplo cenário, o pintor Vieira Lusi- cerca de 1761, data de sua última gravura portu-
tano e o gravurista e pintor Debrie integraram guesa, segundo a lista de obras digitalizadas do
um conjunto expressivo de artistas responsá- artista guardada na Biblioteca Nacional de Portu-
veis pelo destaque dado aos retratos de corte, gal – nesta encontramos 53 estampas de Debrie,
expressão artística praticamente inexistente com datas entre 1730 e 1761, podendo-se constatar
em Portugal, segundo investigadores do reina- sua grande produção para a corte portuguesa.
do de D. João V. A grande inspiração da época, e A gravura do rei D. Sebastião não está na lista
não só em Portugal, era a corte francesa de Luís digitalizada da Biblioteca de Portugal, mas pode
XIV, centro da representação do poder real. ser encontrada em diversas obras da época, sen-
Segundo Antônio Filipe Pimentel, o reinado do talvez a primeira delas as Memorias para a
de D. João V conheceu a “invenção do retrato História de Portugal que compreendem o del Rey
de corte”, com destaque para o retrato real, cuja D. Sebastião, do bibliófilo da Academia Real de
imagem deveria ultrapassar a representação História Portuguesa, Diogo Barbosa Machado
individual ou física e expressar um “retrato re- (1682-1772), publicadas entre 1736 e 1751. A gra-
tórico”, “palco” para propaganda panegírica da vura de Debrie aparece já no Tomo I, de 1736,
realeza. D. João V recrutou artistas estrangeiros, publicada na folha que abre o Livro I. A data
dentre os quais o italiano Giorgio Domenico abaixo do retrato, assinado por Debrie, é 1737,
Duprà (1689-1770), seguido pelo francês Pierre- o que causa estranhamento por ser posterior à
-Antoine Quillard (1701-1733). publicação deste primeiro volume.
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Anônimo
Planta de Missão de S. Miguel (detalhe). 1756
BIBLIOTECA NACIONAL
A
s esculturas produzidas nas mis outros saberes, foi atribuída às habilidades je
sões indígeno-jesuíticas do Para suíticas. Em legendas e longos textos explicati
guai colonial, projeto empreen vos, cada museu tratou de denominar tal acervo
dido entre os séculos XVII e como jesuítico, bem como a ele se reconheceu
XVIII, são historicamente polifô apenas estilos artísticos europeus, sobretudo o
nicas. De fato, desde o fim daquela experiência, a Barroco (“barroco jesuítico”). Trata-se, eviden
imaginária missional tem sido motivo de discus temente, de uma leitura eurocêntrica, na qual
são e controvérsia, tal qual temos demonstrado de se atribui aos padres a centralidade e autoria
modo mais detalhado a partir de diversos estudos. daquelas produções em detrimento dos indíge
Foi somente no século XX que as esculturas nas autores, bem como aos estilos europeus os
missionais passaram a desfrutar de atribuição ar ditames estéticos, aquilo que chamamos de “pa
tística. Quando Lucio Costa, a mando de Rodrigo radigma jesuítico”.
Mello e Franco, passa a projetar o Museu das Mis Embora jamais tenha sido superado, o para
sões, por meio de seu zelador, recolhe a imaginá digma jesuítico passou a ser criticado sobretu
ria que se distribuía pela região. Ao fundar o refe do a partir dos anos 1970 mediante abordagens
rido museu há pouco mais de 80 anos, a política etno-históricas. Desses esforços surgem novas
patrimonial brasileira transformava a imaginária nomenclaturas, como “missões jesuíticas-gua
missional em objeto museológico e de arte. ranis” ou “Barroco Jesuítico-Guarani”. Orienta
Ao ingressarem nos museus, as obras indí das pelo paradigma da mestiçagem, tais propos
genas sofreram um processo de expropriação tas pressupunham o surgimento de um mundo
de seu significado original como jamais visto. entre dois, muito mais interessado em zonas de
A arte produzida nas missões, assim como seus contato do que de conflito.
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Jean-Baptiste Debret
Vista do Largo do Paço Imperial no Rio de Janeiro, c.1830.
BIBLIOTECA NACIONAL
D
istinguindo-se da grande maio- te de estudos de história natural, a chamada
ria dos titulares da Índia e do Casa dos Pássaros. Incentivou as pesquisas de
Brasil, Luís de Vasconcelos e naturalistas, como as do frei José Mariano da
Sousa, vice-rei que exerceu o Conceição Veloso, que, entre 1783 e 1790, che-
ofício de 1779 a 1790 no Rio de fiou expedição botânica pela capitania do Rio
Janeiro, não era proveniente da carreira das de Janeiro com o objetivo de coletar e descre-
armas e não possuía experiência anterior ver a flora fluminense. No campo das letras,
no ultramar. Filho segundo da casa dos con- apoiou a fundação da Sociedade Literária do
des e depois marqueses de Castelo Melhor, Rio de Janeiro, dedicada à discussão e difusão
formou-se como bacharel em cânones pela de temas caros à cultura ilustrada da segunda
Universidade de Coimbra, desempenhando metade do século XVIII.
importantes cargos na magistratura, como de- Luís de Vasconcelos foi, igualmente, um
sembargador da Relação do Porto, da Casa de grande reformador urbano. Interveio em duas
Suplicação e do Desembargo do Paço, e mem- importantes áreas do Rio de Janeiro setecen-
bro do Conselho de Estado. Foi notável incen- tista – o largo do Carmo, situado no coração da
tivador das ciências, da literatura e das artes. urbe colonial, e a lagoa do Boqueirão, perto do
Criou, em 1784, no Rio de Janeiro, um gabine- aqueduto ou arcos da Lapa – deixando clara sua
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O
Museu Histórico Nacional guarda movimento intelectual do século XVIII. O Ilu-
testemunhos do Iluminismo do minismo pregava a primazia da ciência e suas
século XVIII, como as pinturas aplicações, e um combate à intolerância. As rea-
de Leandro Joaquim (1738-1798) lizações de D. Luís nas ciências são extensas, pa-
com cenas do Rio, e um retrato do trocinando iniciativas no Brasil e em Portugal.
Vice-Rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa (1742- Protegeu personagens e atividades, com refle-
1809), no cargo entre 1779 e 1790. xos até hoje. Um exemplo foi o poeta Silva Alva-
Uma dessas pinturas é A pesca das baleias na renga, natural de Vila Rica – um daqueles poetas
Baía de Guanabara, de 1790. Por isso vamos tra- da segunda metade do século XVIII, muitos dos
tar de seu entorno histórico e cultural. quais participariam da Inconfidência Mineira.
Luís de Vasconcelos e Sousa encabeçou um Silva Alvarenga liderou a Sociedade Literária do
governo no espírito das Luzes, ou Iluminismo, Rio de Janeiro, em 1786, criada como verdadeira
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sociedade científica. Nela, os sócios se reuniam e bra Silva Telles, Elementos de Química, de 1788.
liam comunicações científicas, que eram debati- Vicente Seabra nasceu em Congonhas do Cam-
das. Todos os assuntos eram bem-vindos, exceto po e estudou em Mariana, de onde seguiu para
política ou religião. Nas reuniões pontificaram Coimbra, onde se graduou em medicina e filoso-
figuras como João Manso Pereira, autor de cinco fia natural. Teve carreira notável como professor
livros científicos de química. Outro sócio foi o na universidade, publicando bastante. Seu livro
médico José Pinto de Azeredo, que estudara em de química, o primeiro em língua portuguesa,
Edimburgo e Leiden. Ao ser nomeado para fun- foi dedicado à Sociedade Literária para ser usado
dar uma escola de medicina em Angola, pediu no curso de química que esta pretendia instituir.
para vir antes ao Brasil estudar doenças tropi- Infelizmente, o curso jamais viu a luz, pois, com a
cais. No Rio, apresentou à Sociedade pesquisas substituição do Vice-Rei pelo Conde de Resende,
sobre o ar da cidade. a sorte da Sociedade Literária tomou rumo di-
Todavia, a maior glória da Sociedade foi a de- verso. Com o malogro da Inconfidência Mineira,
dicatória a ela do livro de Vicente Coelho de Sea- cujos membros desfilaram acorrentados pelo Rio,
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s oratórios, que já foram objetos Este oratório lapinha, peça única, relíquia da
muito populares no Brasil, eram arte sacra brasileira, foi adquirido pelo Museu
encontrados principalmente nos Histórico Nacional em 1938, de um importante
ambientes domésticos – das ca- antiquário, o colecionador Francisco Marques
sas mais humildes às residências dos Santos, ex-diretor do Museu Imperial de
mais abastadas. Sua origem remonta aos pri- Petrópolis, membro do Instituto Histórico e
mórdios da Idade Média. O formato do tríptico, Geográfico Brasileiro (IHGB) e do Conselho
de três pinturas em madeira, estruturadas de Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico
forma que elas se abram nos altares, serviu e Artístico Nacional (Sphan, atual Iphan). Fran-
de base para que os oratórios portugueses se cisco foi um fundamental intermediário das
desenvolvessem. Chegaram ao Brasil com espí- aquisições do Museu Histórico Nacional, sobre-
rito contrarreformista, quando a Igreja Católica tudo na década de 1930.
fomentou, intensamente, a abundância de ima- Os oratórios lapinha, assim chamados em
gens e objetos religiosos como forma de se man- referência à gruta da Natividade de Jesus Cris-
ter presente no cotidiano dos fiéis e não perder to, derivam das maquinetas portuguesas – tipo
adesão. Assemelham-se, em estrutura, aos ni- de oratório doméstico. Idealizados em Minas
chos e retábulos dos altares das igrejas. Gerais na segunda metade do século XVIII sob
Como peça do mobiliário doméstico colo- as diretrizes artísticas do mobiliário rococó – o
nial brasileiro, não é apenas um patrimônio ar- estilo luso-brasileiro D. José I, que apresenta in-
tístico, mas nos remete aos hábitos dos nossos fluências francesa (Luís XV) e inglesa (Chippen-
antepassados, nossa memória histórica, cultu- dale). A elegância torna-se um fim em si mesmo.
ral e religiosa. Era um centro agregador da fa- Uma encomenda criteriosa e exclusiva, de
mília, representava sua própria tradição. Nele autoria anônima, produzida no final do século
se estabelecia a íntima relação do fiel com os XVIII, possivelmente fruto da oficina ‘sanjoa-
códigos imagéticos e se tornaria artefato in- nense’ (de São João del-Rei, MG), onde encon-
dissociável do fervor religioso do nosso povo. tramos uma talha mais elaborada em relação à
Tinha também função decorativa na organiza- oficina ‘luziense’ (de Santa Luiza, também em
ção interna das residências. As famílias mais Minas), que por tradição fabricava oratórios do
abastadas tinham nessas peças, de requinte e tipo lapinha. Distingue-se da oficina ‘luziense’
luxo, um meio de reconhecimento social, sím- pela coluna torsa, pela profusão decorativa e
bolo de poder e status. Os oratórios particula- pelo maior espaçamento interno com a con-
res eram aconselhados às donzelas de família, figuração triface. Não há documentação que
uma vez que as mantinham preservadas do comprove estas afirmativas sobre as oficinas, no
contato externo. entanto, há um forte indício pela presença dos
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cadeirinha de arruar, como o pró- moda. O primeiro derivou-se das francesas, em
prio nome sugere, é como uma estrutura de madeira e formato de caixa, seme-
cadeira de ir às ruas. Esse objeto lhante a uma liteira, com pequenas variações.
não era peça de um mobiliário Esse modelo corresponde aos exemplares do
de interiores como uma cadeira acervo do Museu Histórico Nacional (MHN).
comum, era um meio de transporte urbano, sus- O segundo modelo era mais leve, e em vez de
tentado por dois homens, para transportar uma caixa de madeira possuía cortinas pendentes de
pessoa sentada. No Brasil, a cadeirinha foi muito uma cúpula; foi o mais utilizado no Brasil, sobre-
utilizada nos séculos XVIII e XIX, mas não só. tudo na Bahia. A cadeirinha de arruar foi sinô-
Havia dois modelos principais de cadeirinhas nimo de requinte nos períodos colonial e impe-
e sua feição variava de acordo com a época e a rial. A princípio, servia aos nobres, senhores de
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Carlos Julião
Personagens com liteira
BIBLIOTECA NACIONAL
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m 1549 chegaram ao nosso territó- versas associações e, à medida que conseguiam
rio os missionários da Companhia angariar recursos e esmolas, construíam seus
de Jesus. Entre os objetivos cons- próprios templos. Segundo Bazin, a administra-
tava integrar em sua catequização ção real “[...] por um édito de 1711, renovado em
os indígenas e colonos. Liderados 1715 e em 1721, proibiu, da maneira mais estrita, a
pelos padres Manoel da Nóbrega e José de An- fundação de qualquer convento e a presença de
chieta, esses missionários permaneceram em qualquer religioso regular na região das Minas”.2
terras brasileiras até serem expulsos dos domí- Neste contexto está a exploração das regiões
nios portugueses, em 1759. ainda desconhecidas do Brasil, por meio das
A iconografia dos três principais santos je- expedições de descobertas de minério e pedras
suítas – Santo Inácio de Loiola, São Francisco preciosas chamadas “bandeiras”, comandadas
Xavier e São Francisco de Bórgia – foi adotada por paulistas, tendo destaque a de Fernão Dias e
como modelo pelos portugueses, embora já ti- Antônio Dias de Oliveira e o Padre Faria Fialho,
vesse sido constituída no início do século XVII que na véspera de São João de 1698 acampou
pelos imaginários de Sevilha.1 E ainda pode ser nas proximidades da atual Ouro Preto. Essas
vista entre as heranças dos colégios do Rio de Ja- instalações ocasionais, intituladas “arraiais”, de-
neiro e da Bahia, e nas aldeias de São Lourenço nominação dada em Portugal aos acampamen-
dos Índios, em Niterói, e em Reritiba, hoje An- tos dos peregrinos próximos aos santuários,
chieta, no Espírito Santo. ocasionariam o surgimento das primeiras vilas
As principais imagens confeccionadas no no período colonial.
Brasil são do final do maneirismo e primeira Como em grande maioria a subtração do mi-
fase da época barroca, destinadas aos retábulos nério após a retirada nas montanhas e nos rios
e, algumas vezes, associadas também às pinturas era considerada mais fácil e com menos desgas-
sacras – o principal elemento de destaque era a tes, a coroa determinou a instalação das Casas de
construção hierática – carregadas de espirituali- Registro ou Barreiras de Fiscalização nas rotas
dade e paz interior direcionando o sentido con- dos caminhos por onde circulava o minério com
templativo por meio da oração. destino às casas de fundição no Rio de Janeiro e
Com a aceleração do processo de povoamen- Portugal. Ao que tudo indica, esse controle fez
to, ordens religiosas se instalaram em diferentes surgir também os bandos irregulares que in-
regiões brasileiras, com seus programas e dire- terceptavam as tropas nesses velhos caminhos,
trizes espirituais: Jesuíta, Beneditino, Francisca- entre eles o de Paraty e das vilas de Nossa Senho-
no e Carmelita. Nas antigas vilas foram erguidas ra de Conceição de Cunha e Santo Antônio de
as primeiras matrizes e igrejas de irmandades Guaratinguetá, ambas em São Paulo, até chegar
religiosas, que inicialmente podiam abrigar di- às vilas de Minas Gerais. Um deles era o de Antô-
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mbora os elefantes não sejam uma gevidade da Carreira das Índias. A viagem entre
espécie animal encontrada nas Lisboa e Goa era demorada e arriscada, consu-
Américas, é significativa a presença mindo vidas e mantimentos. No caminho, mui-
de esculturas lavradas em marfim tas embarcações aportavam nos portos baiano
em coleções de arte e antiguida- e do Rio de Janeiro para reparos. Todavia, para
de no Brasil. Essa presença deve-se ao papel burlar a proibição de comércio direto entre as
ocupado pelo nosso país no Império Colonial colônias e entrepostos portugueses, muitos ca-
Português e à posição estratégica dos portos da pitães mentiam sobre as reais condições das
Bahia e do Rio de Janeiro na chamada Carrei- embarcações e da tripulação e aproveitavam a
ra das Índias, rota dos navios portugueses en- estadia em terras brasileiras para comercializar
tre Lisboa e Goa, centro do Império Português temperos, porcelanas, tecidos e marfim lavrado
no Estado da Índia entre os séculos XVI e XIX. com a população local.
“Estado da Índia” era a expressão que os portu- Até as últimas décadas do século XVI, a
gueses usavam para descrever as regiões entre o maior parte dos produtos asiáticos comerciali-
cabo da Boa Esperança e o golfo Pérsico, de um zados no Brasil entrou à margem da legislação
lado da Ásia – e Japão e Timor, do outro. O litoral portuguesa. Esses produtos deveriam ser envia-
da África oriental incluía-se no termo, uma vez dos para Goa e, de lá, para Lisboa, onde seriam
que, naquela época, a costa Suaíli – da Somália inspecionados pela Casa das Índias, antes de se-
até Sofala – estava estreitamente ligada à Arábia rem colocados à venda nos mercados europeus e
e à Índia do ponto de vista político, cultural e americanos. Em 1664, a Coroa portuguesa abriu
econômico, com comércio milenar envolvendo o porto de Salvador para a Carreira das Índias,
marfim, ouro e homens escravizados. visando dinamizar a economia com o Estado da
A Carreira das Índias foi a primeira rota que Índia em decadência frente à ação holandesa na
vinculou culturalmente os quatro continentes, região. Até então, os objetos lavrados em marfim
ainda que essa integração tenha ocorrido de for- eram comercializados por meio das redes de
ma violenta, com vantagens e desvantagens assi- contrabando e das “liberdades” que marinhei-
métricas entre as regiões. É uma das rotas pelas ros, clérigos e administradores coloniais tinham
quais o capitalismo moderno unificou o mundo para trazer, como parte de seus proventos, caixas
em termos comerciais, e representa bem a talas- com produtos para negociar.
socracia portuguesa, ou seja, um império cuja Jorge Lúzio1 aponta como a conquista e ad-
força se impunha com o controle dos mares. ministração do Império Português foi consti-
As madeiras das florestas da Bahia e do Rio tuída por redes comerciais, unindo Europa,
de Janeiro, além da mão de obra especializada África, Ásia e a América numa dinâmica inten-
de seus estaleiros, foram fundamentais à lon- sa de circularidades econômicas e culturais.
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s belíssimas esculturas em ce- nasceu no início da década de 1740 – pois seu
dro dos evangelistas João e pai faleceu no Brasil em 1744 e, portanto, não
Mateus que se encontram no levou o filho para Portugal. Valentim aprendeu
Museu Histórico Nacional nos seu ofício com outros mestres em Minas Gerais
remetem ao Rio de Janeiro de e no Rio de Janeiro. Sabemos que em 1766, ele
finais do século XVIII e inícios do XIX. Sob o já se encontrava instalado no Rio, pois neste
ponto de vista artístico, é o apogeu do barro- ano ingressou na Irmandade de Nossa Senho-
co-rococó na cidade, marcado pela atuação de ra da Conceição dos Homens Pardos do Rio de
Valentim da Fonseca e Silva, conhecido como Janeiro.
Mestre Valentim. A cidade carioca, na época da chegada de
Apesar da importância de sua obra, muito Valentim, vivia um período de transformação
pouco se sabe sobre a vida deste mestre. Seus devido à riqueza gerada pela atividade do seu
primeiros biógrafos, ainda no século XIX, es- porto no escoamento do ouro e pedras das Mi-
tabeleceram uma narrativa, baseada no depoi- nas e no tráfico de africanos escravizados. Co-
mento de um discípulo de Valentim que afir- merciantes da cidade, organizados em diversas
mara ter ele nascido nas Minas Gerais, filho irmandades, demandavam aos engenheiros
de um português contratador de diamantes militares e artífices riscos para a construção e
com uma negra nativa do Brasil. Ainda crian- decoração das suas igrejas. Os vice-reis, resi-
ça teria acompanhado o pai no regresso deste dindo na cidade desde 1763, procuravam imitar
a Portugal, onde teria aprendido o ofício de Lisboa, mandando instalar chafarizes, crian-
escultor e entalhador. Esta narrativa tem sido do o jardim público e favorecendo a abertura
reproduzida na maioria dos estudos sobre o de novas ruas mais largas e o calçamento dos
artista. No entanto, Nireu Cavalcanti identifi- principais espaços públicos. Valentim será um
cou no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, o grande protagonista dessas transformações,
inventário post-mortem de Mestre Valentim, envolvido com o desenho e execução de chafa-
o que permite corrigir alguns enganos da sua rizes, com as esculturas e o traçado do Passeio
biografia. Público, e com lampadários e talhas rococó de
Em seu testamento, feito cinco dias antes diversas igrejas da cidade.
de falecer, Valentim declarou ter nascido no Em 1779, a Irmandade da Santa Cruz dos
arraial de Gouvêa da Comarca do Serro do Frio Militares decide substituir sua velha capela
das Minas Gerais. Filho natural do português seiscentista por uma nova igreja. O engenheiro
Manuel da Fonseca e Silva, que havia sido te- militar José Custódio de Sá e Faria é o responsá-
soureiro da Intendência dos Diamantes do Ser- vel pelo risco do novo templo. As obras inicia-
ro do Frio, e de Amaltide da Fonseca. Valentim ram-se em 1780 e terminariam em 1811, com a
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cimento do artista os nichos superiores da fa- brada apenas pela dinâmica do panejamento,
chada da igreja foram ocupados pelas imagens pelo movimento na dobra de uma perna e no
em cedro. São Mateus é representado por um girar da cabeça. Deterioradas em função da
velho de barba tendo ao lado uma criança que exposição ao ar livre, foram retiradas na dé-
é associada à genealogia de Cristo. São João cada de 1920 e passaram a integrar a coleção
é retratado na figura de um jovem imberbe, do recém-criado Museu Histórico Nacional.
tendo ao seu lado uma águia, atributo associa- Hoje nos nichos da fachada da Santa Cruz
do a este evangelista. dos Militares temos quatro evangelistas de
Os evangelistas de Mestre Valentim ten- mármore do escultor acadêmico Jean Louis
dem mais para uma composição clássica, que- Despré.
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I
nstrumentos musicais carregam consigo século XVII, quando os violinos – instrumentos
uma história social mais profunda do que similares, vindos do norte da Itália – chegaram
nos transmite a organologia, ciência que ali, foram rebatizados de rabecas pelos portu-
os estuda. Eles nos transportam a outras gueses, permanecendo assim até finais do sé-
formas de fazer música que não aquelas culo XIX. No confronto com o violino, a nova
que conhecemos atualmente, são emblemas de pérola das cortes, a rabeca mourisca passou a
encontros culturais que ser chamada de rabel ou
podem ser tensos, com arrabil, sobrevivendo em
atritos muitas vezes trági- uma história paralela nas
cos, e que produzem fric- tradições musicais popu-
ções entre musicalidades lares. É provável que esta
díspares. Essas fricções mesma dinâmica tenha
têm como resultado uma sido replicada no Brasil,
língua comum, que não com instrumentos de
é limitada por fronteiras modelo italiano utiliza-
de espaço e tempo. Daí a dos na catequização pelos
importância desta rabeca padres jesuítas e outros,
que se encontra no acer- de formato e fatura di-
vo do MHN, exemplar versificados, construídos
raro de um instrumento pelos artesãos populares,
de corda produzido no com raízes na tradição
Brasil no século XIX. Autor desconhecido
medieval.
Levadas para Portu- Codex Cantigas de Santa Maria A inventividade do
gal pelas mãos de músi- Século XIII artista popular, que trans-
cos árabes que atuaram ESCORIAL, ESPANHA forma os seus modelos de
nas principais cortes da maneira intuitiva e prá-
península no período de ocupação islâmica, as tica, levou o músico/pesquisador e rabequeiro
rabecas são chamadas até hoje de rabab no norte José Eduardo Gramani (1944-1998) a sustentar
da África. Elas estão presentes em formatos va- que as rabecas brasileiras não deveriam ser vistas
riados na iconografia medieval, como no impor- como violinos decaídos, mas como instrumentos
tante códex Cantigas de Santa Maria atribuído potenciais de voz e identidade próprias: “A rabe-
ao Rei Afonso X, o Sábio, de Galícia. As rabecas ca é um instrumento. Não é uma imitação de ins-
estavam tão bem estabelecidas em Portugal no trumento. Não é um violino mal-acabado. Não! A
século de ouro das navegações que, no início do rabeca é outro instrumento”,1 dizia Gramani.
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carimbo da Real Bibliotheca por- ções, e remetem à soberania real, às conquistas
tuguesa é uma marca que certifica militares de Portugal ou a aspectos religiosos.
o quão precioso é o acervo biblio- O carimbo indica que determinado item
gráfico e documental preservado pertence a uma das coleções que compõem o
nas estantes, armários e mapote- acervo de uma biblioteca. É uma espécie de ta-
cas do Museu Histórico Nacional. tuagem identificadora que se pretende que o
A Real Bibliotheca, amealhada no reinado de livro carregue consigo ao longo de sua vida útil,
D. João V e perdida no terremoto de Lisboa em de mão em mão, de biblioteca em biblioteca. É o
1755, foi reconstruída nos reinados de D. José I, registro de uma história de trânsito, que não im-
de D. Maria I e de D. João VI até 1825, quando, pede que novas marcas de posse ou proprieda-
em estado sobre-excelente como “biblioteca de de sejam colocadas num livro já carimbado, em
rei”, foi comprada pelo governo imperial brasi- sobreposição, a cada nova situação de guarda e
leiro. A “alfaia preciosa da Coroa de Portugal”, uso.
segundo seu Estatuto, publicado em 1821, foi Os carimbos são recursos adotados por bi-
enriquecida com a aquisição de bibliotecas in- bliotecas no processo de tombamento patrimo-
teiras, compradas, doadas, tomadas. nial e podem ser aplicados a tinta ou por pressão
Um carimbo foi delineado para selar de a seco, deixando sinal visível no papel de uma
modo inelutável a propriedade dos livros. O selo folha de rosto e repetido em uma “página-se-
tem a forma oval, centrada pelo brasão de armas gredo”, escolhida estrategicamente – neste caso,
de Portugal, com o escudo coroado e ladeado a propriedade é advertida no livro pelo menos
por florões, encimando a legenda “Da Real Bi- duas vezes. A carimbagem, no entanto, é con-
bliotheca”, inscrita em maiúsculas, na borda da denável por interferir na materialidade origi-
curva inferior. A coroa real fechada, que aparece nal do suporte, redefinindo procedimentos de
no carimbo, foi instituída no reinado de D. Se- conservação que devem ser adequados ao nível
bastião (1557-1578) que, ao trocar o título de Alte- de diluição das tintas ou às cicatrizes do relevo
za pelo de Majestade, substituiu a coroa ducal de característico das marcas a seco.
seu escudo; já os cinco arcos da coroa foram fi- O carimbo da Real Bibliotheca foi imposto
xados por D. João V (1706-1750). O escudo é cen- com tinta de qualidade superior, cujo pigmento
trado por outra forma oval, com cinco escudetes negro de fumo, além de não migrar para páginas
postos em cruz – cada um com cinco besantes opostas, oferece legibilidade perfeita há quase
(peça circular sem marca) – e, circundando esta, três séculos.
sobre bordadura lavrada, há sete castelos – três Os bibliotecários da Real Bibliotheca segui-
de cada lado e um no alto. Cada um destes ele- ram um padrão que é evidenciado pelo exame
mentos tem diferentes significados e interpreta- dos livros carimbados: no verso da folha de rosto
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sia, África, América e Europa. No as armas do Reino do Brasil, incorporando-as ao
início do século XIX, os domínios escudo real já existente, formando assim as Ar-
portugueses eram vastos, distan- mas de Portugal, Brasil e Algarves.
tes e habitados por grupos com Em Portugal, os tipos monetários só passaram
referências culturais totalmente por alterações após a aclamação de D. João VI, em
diferentes. A coroa portuguesa fez da moeda um 1818. Na cunhagem brasileira, uma emissão espe-
canal de comunicação multicontinental e os sím- cial de 1816, formada por somente cinco tipos de
bolos nela adotados tiveram papel de destaque na moedas (20, 40, 960, 4.000 e 6.400 réis) já trazia a
afirmação do Poder Real e na confi- legenda “Reino Unido de Portugal,
guração de um sentimento de uni- Brasil e Algarves”, mas ainda com as
dade entre os territórios. A moeda, armas antigas. Foi apenas em 1818 que
talvez um dos mais cotidianos itens as emissões passaram a representar
da vida urbana, tornou-se o veículo a imagética estabelecida para o novo
ideal para a comunicação da ideolo- Reino, padrão que permaneceria até a
gia da Coroa portuguesa. independência do Brasil, em 1822.
No início do século XIX, após a Para ilustrar os elementos textuais
transferência da corte portuguesa e imagéticos que compõem as moe-
para o Brasil, D. João, ainda como das do Reino Unido, escolhemos uma
Príncipe Regente, alterou as rela- moeda de 640 réis, datada de 1818. A
ções existentes entre as duas re- análise permite perceber duas gran-
giões, elevando o Brasil à categoria des mudanças: a inscrição “Brasil” foi
de Reino, criando o Reino Unido de inserida onde antes apareciam apenas
Portugal, Brasil e Algarves. Esse fei- Portugal e Algarves; e a alteração na ti-
to modificou não apenas a vida coti- tulação de D. João, que figurava antes
diana em terras brasileiras, mas, de como Príncipe Regente e passa a ser
modo geral, de todo o novo reino, apresentado na nova legenda como
pois reconheceu a importância do Rei D. João VI. Para a composição do
Brasil como centro de decisões po- reverso da moeda, observamos a pre-
líticas. No ano seguinte à elevação, sença de três elementos imagéticos
o Príncipe Regente deixou clara que são predominantes no meio cir-
sua intenção de oficializar simboli- culante do período: a Cruz, as Armas
camente a união dos Reinos através Brasão do Reino Unido
do Reino e a Esfera Armilar.
da Carta de Lei emitida em 13 de de Portugal, Brasil e Algarves. O uso da Cruz de Cristo deveu-se
maio de 1816, em que foram criadas WIKIMEDIA COMMONS à forte atuação da Ordem de Cristo
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U
m objeto antigo pode nos contar Barca – título nobiliárquico recebido de D. João
várias histórias, instigar mistérios VI em 1815 –, nasceu em Portugal em 1754, veio
e nos transportar a um tempo no para o Brasil em 1808 e faleceu no Rio de Janei-
passado, distante ou não. Se con- ro em 1817.
seguirmos descrevê-lo detalhada- Antes de chegar ao Brasil, como político e di-
mente, podemos definir a época em que foi con- plomata português, culto e poliglota, serviu em
cebido, os materiais empregados e o estado em Haia (Holanda), na França, Alemanha, Dinamar-
que se encontra hoje. E há ainda a possibilidade ca, Suécia e na Rússia, e viajou por várias outras
de nos depararmos com alguma marca exclusiva nações da Europa, representando seu país em
de quem o produziu e de sua função específica. situações por vezes adversas. Cosmopolita e
Mas o que torna uma peça antiga mais intri- pragmático, um homem do Iluminismo, versa-
gante são as possibilidades de revelações de algo do fluentemente em várias línguas, como o fran-
sobre seu proprietário ou o personagem a que cês, o inglês e o italiano, ele teve contato com
se refere e as marcas que podem ter sido ou não importantes intelectuais, filósofos, cientistas e
deixadas por ele. Surgem, então, várias questões políticos nos países em que desempenhou suas
e suspeitas a serem investigadas. funções diplomáticas.
Diante de nós está a espada que pertenceu Ocupou vários cargos importantes na mo-
ao Conde da Barca, um artefato provavelmente narquia portuguesa de 1804 a 1807 – entre eles
procedente de Portugal, do século XVIII, muito o de ministro dos Negócios Estrangeiros e da
antigo, feito em metal, com a bainha em couro. Guerra, quando fez várias reformas e regula-
Sua lâmina é de aço e o punho de prata lavrada, mentações no Exército e nos Arsenais Reais do
em forma de estribo com cruzeta e decoração Exército.
vazada com motivos florais. Como diplomata, trabalhou intensamente
Mas quem foi esse conde? Como ele usaria para Portugal tornar-se um país mais desenvol-
essa espada, uma arma branca de mais de 80 vido, reconhecido e integrado no contexto da
cm? Em alguma guerra? Em grandes feitos his- política externa nas cortes europeias. Sua vida
tóricos e heroicos? Lutas pela liberdade? Para pessoal e pública nos revela um dos mais inte-
sua proteção ou somente como adereço num ressantes e respeitados personagens do início
traje oficial, num uniforme, numa farda ou ves- do século XIX.
timenta de gala? Poderemos ousar dizer que se- Em reconhecimento ao seu empenho exem-
ria um objeto de adorno, decorativo ou recebido plar em resolver impasses e conflitos, recebeu
por algum cargo honorífico? de D. João a Grã-Cruz da Ordem de Christo, na
Eis o “dono” da espada e sua biografia: Antô- Comenda de São Pedro do Sul, e várias honra-
nio de Araújo de Azevedo, primeiro Conde da rias, como a Ordem Militar da Torre e Espada, a
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N
uma ensolarada manhã de pri- homem culto e preparado, além de ter porte alti-
mavera, no dia 5 de novembro vo e beleza máscula. Fantasiava também o Brasil
de 1817, desembarca no Rio de como uma terra promissora, de clima ameno e de
Janeiro a arquiduquesa austría- homens íntegros, ainda não corrompidos pela ci-
ca Leopoldina, casada por pro- vilização, os bons selvagens de Rousseau. A escra-
curação com o príncipe português D. Pedro. vidão não foi mencionada e a permanência no Rio
A pompa e circunstância que cercou o não deveria passar de dois anos. Os proble-
evento evidenciou a importância do mas eram de ordem pessoal, deveres e
casamento como uma aliança da compromissos a serem cumpridos.
Áustria com Portugal, sobretu- Carta a sua tia (materna) Ma-
do após a queda de Napoleão ria Amélia:
e o processo de reconstrução
da Europa a partir das forças “Viena, 10 de dezembro
emergentes. O mundo por- 1816, Queridíssima tia,
tuguês era então governado Confesso que o sacrifício que
do Rio de Janeiro, capital devo fazer deixando minha
do Brasil, recém-elevado à família, quem sabe para
categoria de Reino Unido, e sempre, será muito doloroso
o comércio e as riquezas das para mim. Esta aliança dá
colônias escoavam pelo por- muito prazer a meu pai; sepa-
to da cidade, já então aberto às rando-me dele terei o consolo
nações amigas. de saber que me conformei a
D. Leopoldina representava seus anseios, estando convenci-
os interesses da Áustria e havia da de que a providência dirige,
sido instruída para a função Maria Leopoldina da Áustria.
de uma forma particular, o des-
de Estado que realmente vi- Gravura de autor desconhecido, 1890 circa. tino de nossas princesas e de que
ria a exercer num futuro nada COLEÇÃO PARTICULAR obedece a sua vontade quem se
distante. Estudara português, submete aos pais.” 1
história de Portugal e tudo mais que a habilitaria
às novas funções. Era uma criatura romântica, Realizado o casamento por procuração em
capaz de se apaixonar pelo príncipe prometido Viena, na igreja dos Agostinianos, dia 13 de
mesmo antes de ver seu retrato. Acreditara nas in- maio de 1817, iniciaria seu périplo pela Europa,
formações fornecidas pelo diplomata português, de Viena até o porto da Itália onde embarcaria
Marquês de Marialva, de que o príncipe era um para o Brasil.
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A
ssim que che- bastante significativa, em
garam ao Rio parte provida pelo próprio
de Janeiro, “real bolsinho”. A corte por-
em 8 de mar- tuguesa se rebelou contra a
ço de 1808, D. escolha, pois o padre sofria
João (1767-1826) e sua comi- do “defeito de cor”. Em res-
tiva se dirigiram à Igreja do posta, D. João outorgou-lhe,
Rosário – a Sé provisória –, no ano seguinte, o hábito
para dar graças pelo sucesso da Ordem de Cristo, reafir-
da transladação da Corte para mando o reconhecimento
as Américas. O Te Deum toca- daquele que foi o principal
do na ocasião era de autoria músico brasileiro daquele
de José Maurício Nunes Gar- período.
cia (1767-1830), ele mesmo à Para os pobres só havia
frente dos músicos e do coro. uma forma de ascender ao
O príncipe regente, que apre- conhecimento: ingressar na
ciava a música sobre todas as carreira religiosa, caminho
artes, ficou agradavelmente Padre José Mauricio Nunes Garcia trilhado por José Maurício
surpreso com a qualidade do Autor anônimo. Séc. XIX / início do séc. XX e outros músicos mestiços
WIKIMEDIA COMMONS
que ouviu. Na colônia tropi- como ele. Aprendeu a tocar
cal, tão distante das metrópoles europeias, re- vários instrumentos, participou de bandas e or-
sidia, pois, um músico de grande valor, que ma- questras, tornou-se grande improvisador com
ravilhou a todos os que assistiram à cerimônia. domínio absoluto sobre o órgão, o cravo, além
De imediato, D. João transferiu a Sé para de excelente compositor. A vocação para o ensi-
a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, mais no o levou a fundar uma “aula pública”, na rua
próxima do Paço, onde habitava, e elevou-a à das Marrecas, na Lapa (Rio de Janeiro), onde le-
dignidade de “Capela Real”, instituição cuja cionou para jovens pobres até o fim da vida.
finalidade era a de prover música e todo o ne-
cessário para a “maior decência e esplendor O instrumento | Seria um cravo o instrumento
do Culto Divino e Glória de Deus”.1 À frente, mostrado na tela? Muito se debateu sobre este
como mestre de capela, o príncipe regente assunto nos meios musicais. O cravo já havia
nomeou José Maurício Nunes Garcia, que caído em desuso no início do século XIX, tendo
ocuparia a posição até a sua morte. D. João sido substituído pelo pianoforte, de cordas
destinou-lhe, como pagamento, uma soma marteladas, como o piano moderno de hoje.
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O que aparece na tela de Bernardelli poderia de Maurício eram ali tocadas e, em dezembro
tanto ser um cravo quanto um pianoforte. Se a de 1872, numa dessas ocasiões, estava presente
imagem não é conclusiva, a música de José Maurí- o Visconde de Taunay (1843-1899), filho e neto
cio é, pois o título de sua principal obra para tecla- de artistas integrantes da Missão Artística Fran-
do – o Método de pianoforte – não deixa dúvidas. cesa. Tão impressionado ficou com a beleza da
música, que foi indagar sobre o autor. “Pois não
Um encontro imaginário | A data da tela sabe que é do grande José Maurício Nunes Gar-
não é conhecida, porém imagina-se que tenha cia?”, retrucou Bento das Mercês indignado.
sido produzida em fins do século XIX. Nessa Quando Taunay lhe pergunta se a música havia
altura, José Maurício estava esquecido. Quem sido impressa, onde poderia comprá-la, “Im-
não deixava que sua memória se apagasse por pressa! Até hoje não existe uma só música do
completo era Bento das Mercês (1804-1887), nosso José Maurício impressa! Nem uma única!
cantor e arquivista, responsável pela guarda da É assim que o Brasil cuida de suas glórias! Escre-
coleção de manuscritos do compositor perten- ver obras-primas para serem apreciadas apenas
centes à Capela Imperial. Vez por outra, obras pelos cupins e as traças!”2
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T
oda moeda é um exce desde que chegara ao Brasil para
lente instrumento para integrar a Missão Artística Francesa,
se aprender história. em 1817. Infelizmente, não há docu
Elas são feitas de mate mentos relativos ao processo cria
rial duradouro, costu tivo empreendido pelo jovem gra
mam carregar a data de sua produ vador, mas é possível inferir que ele
ção e elementos alusivos ao local de tenha se baseado na representação
circulação. Em grande parte das ve do imperador adotada nas moedas
zes, esses pequenos e valiosos frag napoleônicas, que certamente es
mentos do passado nos ajudam a tudara em seu período na École des
entender que tipo de mensagem um Beaux-Arts de Paris, onde Napoleão
governo ou governante quer passar é retratado laureado a partir de 1807
ao seu povo e a nações aliadas ou ini Ou, ainda, na moeda espanhola, fa
migas. Mas, no caso da Peça da Coroa bricada em grande parte nas colônias
Autor desconhecido
ção, nos deparamos com a evidência da América do Sul, e que acabava por
Moeda de ouro com efigie de
histórica de uma falha de comunica Fernando VII, 1820
chegar ao território brasileiro. Neste
ção, em que a mensagem gravada no COLEÇÃO PARTICULAR caso, Fernando VII é representado
metal não era aquela pretendida. portando túnica e trajes militares ao
Para cumprir os ritos programáticos da co longo de seu extenso reinado. Tanto a moeda
roação de D. Pedro I como imperador do Bra francesa quanto a espanhola representavam seus
sil, em 1822, sessenta e quatro moedas de ouro governantes, Napoleão I (1804-1814) e Fernando
foram cunhadas na Casa da Moeda do Rio de VII (1813-1833), quase sempre de busto nu e por
Janeiro para serem ofertadas ao Bispo Capelão tando coroa de louros, bem como a solução ado
-mor durante a cerimônia de sagração, realizada tada por Ferrez para a Peça da Coroação.
na Capela Imperial de Nossa Senhora do Monte Ao que tudo indica, essa forma de represen
do Carmo, no Rio de Janeiro. Essas moedas, com tar o imperador seria usada daquele momento
cunho assinado por Zeferino Ferrez (anverso) em diante nas moedas de 6.400 réis que passa
e Thomé Joaquim da Silva Veiga (reverso), tra riam a circular nas terras do Império. D. Pedro,
ziam representação de D. Pedro I inspirada em entretanto, não ficou nada satisfeito com a ma
imperadores romanos, de busto nu e portando neira com que havia sido retratado e ordenou a
uma coroa de louros. suspensão imediata das cunhagens – uma nova
Encarregado do desenho do anverso, Zefe solução seria adotada nos anos seguintes.
rino Ferrez, então com 25 anos de idade, se en Ao invés do busto nu e cabeça laureada, a
contrava diante de um de seus maiores desafios nova série de moedas apresentava o impera
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dor portando trajes militares, compondo uma da coroação, foi publicado um decreto imperial
imagem de rei-soldado, disposto a proteger sua que ordenou a substituição da coroa real pela
nação. Foram incluídos, ainda, os termos cons- coroa imperial no escudo de armas brasileiro,
titucionalis e et perpetuus brasiliae defensor, “a fim de corresponder ao grau sublime e glorio
visando reforçar seu compromisso para com os so, em que se acha constituído este rico e vasto
direitos do povo e afastar qualquer ideia de po Continente”.
der absolutista. Foi necessário pouco tempo até que a “falha
Cabe apontar que, apesar de a primeira de comunicação” fosse detectada, controlada e
Constituição brasileira ter sido outorgada pelo resolvida, mas as evidências de sua ocorrência
imperador apenas em 1824, o próprio sermão da continuam a fascinar estudiosos e coleciona
missa de sagração, proferido pelo Frei Sampaio, dores dois séculos depois. O material, a tiragem
descreve o imperador como “ligado aos inte limitada e, principalmente, toda a história por
resses da nação” e “Defensor da Constituição”. trás da Peça da Coroação fazem dessas moedas
Por fim, a representação da coroa que encima ícones da numismática brasileira.
as armas do império no reverso foi atualizada1 à
semelhança daquela usada por D. Pedro durante 1> No mesmo dia da coroação, foi publicado um decreto imperial
que ordenou a substituição da coroa real pela coroa imperial no es-
a cerimônia, propondo uma clara ruptura com cudo de armas brasileiro, “a fim de corresponder ao grau sublime e
a coroa real portuguesa. Assim, no mesmo dia glorioso, em que se acha constituído este rico e vasto Continente”.
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N
o fundo, em uma espécie de em segundas núpcias, com o Brigadeiro Rafael
corredor, uma porta oval deixa Tobias de Aguiar. De fato, abundantes atributos
passar uma luz que incide direta- de riqueza foram fixados na tela pelo artista,
mente no piso e em uma cortina com uma condecoração e inúmeras joias.
entreaberta. Uma figura femi- Atribuído a Francisco Pedro do Amaral, uma
nina sentada em primeiro plano sobre fundo vez que não tem assinatura, o quadro foi com-
escuro a meio corpo, com vestido bege, apre- prado em fevereiro de 1920, na cidade de San-
sentando colo e ombros nus e decote enfeitado tana de Parnaíba, região metropolitana de São
com renda branca, que arremata as mangas três Paulo. Consta como “outorgante vendedora” a
quartos, o decote e – com um laço – a cintura senhora Gertrudes Maria de Aguiar, dada como
marcada, terminada pouco abaixo em “v”. So- legítima possuidora, e “outorgado comprador”,
bre o cabelo escuro, encaracolado com cachos Fidel de Miguel, comerciante estabelecido na
na lateral, preso no alto, usa uma tiara e, à es- rua 15 de Novembro, n° 40, cidade de São Paulo.
querda, ornamento em forma de borboleta e Assinou a “escritura” o escrivão de paz e tabelião
aigrette de diamantes. Na orelha esquerda, José Agostinho de Oliveira. O valor do lote foi de
brinco em forma de gota, pérola e diamantes. dois mil reis. O Museu Histórico Nacional com-
Ao pescoço, colar de pérolas de quatro voltas prou o objeto, ainda na década de 1920, quando o
com centro circular e três pingentes em dia- mesmo foi integrado às suas coleções.
mantes. Nas mãos, mitaines em renda abotoa- Francisco Pedro do Amaral foi importan-
das por pedras enfeitadas cada uma por um te artista, arquiteto, cenógrafo, decorador e
laço. Sobre elas, pulseiras em pedras. Os quatro paisagista. Não fez parte daqueles que se opu-
dedos da mão esquerda, apoiada sobre o braço seram aos artistas da Missão Francesa, logo
da cadeira, portam anéis, assim como o dedo ingressando nas aulas de Debret. Após essas
indicador da mão direita, apoiada em sua per- aulas, sua obra se volta para o estilo neoclás-
na direita. Sobre o peito, uma banda na cor rosa sico, deixando de lado as influências coloniais
com faixa branca no centro terminando em antes recebidas. Provavelmente, este retrato
laçarote ao qual se prende o medalhão da Real não seria a primeira pintura feita pelo artista
Ordem de Santa Isabel. para Domitila, já que a casa que foi da Marque-
A mulher retratada, que aparenta já estar sa de Santos no Rio de Janeiro, que hoje abriga
na casa dos 40 anos, é certamente membro da o Museu do Primeiro Reinado, possui pinturas
elite aristocrática da época. Trata-se de uma murais também de Francisco Pedro do Ama-
das poucas representações conhecidas de Do- ral. O quadro em questão retrata a Marquesa
mitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de usando a Ordem de Santa Isabel, uma ordem
Santos, provavelmente quando estava casada, exclusivamente feminina.
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A “Real Ordem de Santa Isabel”, tem origem Marquesa de Santos e pessoalmente pela filha
portuguesa e foi instituída em 4 de novembro de D. Pedro I, D. Maria da Glória, que reinaria
de 1801 pelo Príncipe Regente D. João, que mais tarde em Portugal como D. Maria II. Dia
atribuiu o grão mestrado à D. Carlota Joaquina. 4 de abril, aniversário de Maria da Glória, era
A ela pertenceram as damas da família imperial uma das datas consideradas dias de Grande Gala
brasileira. A insígnia desta ordem é uma banda na corte do Rio de Janeiro, quando comendas,
cor de rosa com listra branca no centro, com títulos e anistias eram distribuídos como parte
um medalhão coroado com a figura de Santa das comemorações. Provavelmente Domitila
Isabel de Portugal dando esmola a um mendigo, e outros agraciados receberam a comenda das
circundada pela legenda latina Pauperum Sola- mãos da ainda menina D. Maria da Glória. Um
tio. A comenda desta ordem foi provavelmente escândalo para a época, pois era sabido, então,
conferida pelo Decreto de 4 de abril de 1827, à que Domitila era a amante de D. Pedro I.
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AO LADO, ACIMA:
Autor desconhecido
Dona Leopodina, gravura, S.D.
COLEÇÃO PARTICULAR
Autor desconhecido
Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa de Santos.
Fotografia retocada de 1865
BIBLIOTECA NACIONAL
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Dom Pedro I
Gravura de 1830 gravada por Pierre Louis Grevedon.
A
COLEÇÃO PARTICULAR
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o Grande Oriente, por sua vez, teria adota- 2> SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O Império luso-brasileiro
1750-1822. (Nova História da Expansão Portuguesa, v. VIII,
do o Rito Moderno ou Francês, que possui direção de Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques). Lisboa:
sete graus, concluindo assim que “[...] não Editorial Estampa, 1986, p.426.
3> Idem, p.428.
poderia ter pertencido ao imperador e, 4> COSTA, Angelita Maria Rocha Ferrari. A coleção de pin-
sim, a um maçom grau 33 do Rito esco- turas e miniaturas da Viscondessa de Cavalcanti no Museu
Mariano Procópio. Dissertação (Mestrado), Programa de
cês e aceito”,7 visto que esse rito só teria Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
sido instalado no Brasil em 1832, quando Juiz de Fora. Juiz de Fora: UFJF, 2010. Disponível em: ht-
ser atribuído a D. Pedro I, mas, até o mo- 6> RIBEIRO, Maria Laura. Dom Pedro I e a Maçonaria,
Anais do Museu Histórico Nacional, v. XXIII. Rio de Janei-
mento, não há dados convincentes que ro, Museu Histórico Nacional,1972, p. 63.
endossem isso, diríamos mesmo que, 7> Idem, p. 74.
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A
exposição de longa duração do Na cena aqui descrita, podemos imaginar
Museu Histórico Nacional apre- uma mulher no centro de um combate ou em
senta um circuito narrativo que destaque em meio a um conflito, ou seja, prota-
trata de aspectos relacionados gonizando um momento histórico de luta, papel
à história do Brasil. Um de seus este que era predominantemente masculino.
módulos, denominado “A construção do Es- Seria uma possível leitura diante da imagem,
tado”, expõe objetos relativos ao processo de dentre tantas outras, assim como se poderia su-
construção do Estado nacional a partir de 1822. por a simples representação da Revolta Farrou-
Mostra acervos relacionados a ações políticas e pilha... mas é fato que sua imagem é o destaque
militares de legitimação do Brasil independen- da tela.
te, assim como traz narrativas voltadas para a Ana Maria de Jesus Ribeiro (1821-1849), a
constituição de uma identidade nacional basea- Anita Garibaldi, também conhecida como a
da na figura do monarca e nas forças armadas. “heroína dos dois mundos’’, nasceu em Lagu-
Por consequência, a figura masculina do herói na, Santa Catarina, região sul do Brasil. Filha de
está presente em toda a galeria, através de es- pais humildes, casou-se pela primeira vez aos
culturas, estátuas, pinturas e outros objetos que 14 anos. Em 1839, uniu-se a Giuseppe Garibaldi,
exaltam e reforçam a cultura do patriarcado. influente revolucionário reconhecido interna-
Em meio a esta galeria, uma tela protagonizada cionalmente. Logo após, em 1842, casaram-se.
por uma mulher diverge, quando comparada às E ela se uniu ao revolucionário não somente em
grandes pinturas que representam homens. matrimônio, mas em parceria ativa nas lutas que
A pintura a óleo sobre tela é um retrato no também eram suas.
qual podemos observar em primeiro plano, no É inegável a relevância do italiano Giu-
centro, o busto de uma jovem, cor de pele more- seppe Garibaldi na vida de Anita, como compa-
na, cabelos presos puxados para trás, ondulados, nheiro e na participação da esposa na Revolta
negros, assim como suas sobrancelhas e olhos. Farroupilha, um dos grandes conflitos do pe-
Seu olhar é cansado, as olheiras sobressaem. Ela ríodo regencial. Mas, independentemente de
usa um brinco na orelha esquerda e, no pesco- sua influência, Anita estava na vanguarda de
ço, uma corrente dourada e um lenço amarra- seu tempo, tendo participado de modo ativo
do. O traje destoa das joias, um vestido fechado de combates, defendendo seus ideais. Suas ati-
simples de gola branca. Ao fundo, distante, em tudes e pensamentos contrastavam com o que
outro plano, temos a cena de um combate em se apresentava como ideal para as mulheres
meio a uma paisagem e, à esquerda, destaca-se da época, resumido à reclusão, ao cuidado da
a imagem de um homem a cavalo com um lenço prole e à submissão impostos pela sociedade
vermelho amarrado no pescoço patriarcal e machista.
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“Na convivência com Garibaldi, durante ape- e viver esta batalha. Mesmo sendo considerada
nas 10 anos, a lagunense revela-se uma mulher nominalmente como heroína desde a Revolta, é
apaixonada, dotada de singular heroísmo, co- comum encontrar referências que a citam como
rajosa, com ideias claras sobre o valor da liber- mera coadjuvante ou como pertencente ao seu
dade e a importância da República, guerreira, companheiro, características da sociedade pa-
audaciosa, enfermeira, mãe dedicada e espírito triarcal opressora que objetifica a mulher:
crítico em todos os desafios enfrentados pelo
companheiro.”1 “Ana Maria de Jesus Ribeiro, Anita na intimida-
de, era, no entanto, casada. Pois abandonou o
Atrelar sua imagem somente como a com- lar e o seguiu por mares e terras até a morte.
panheira de Giuseppe Garibaldi é invisibilizar o O forte individualismo do aventureiro dela de
papel de Anita como mulher que escolheu estar tal modo se apoderou que a tornou coisa sua,
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A
medalha comemorativa da fun- cias; promover pesquisas sobre os respectivos
dação do Instituto Histórico e temas e afirmar o amálgama nacional sob a
Geográfico Brasileiro (IHGB) é forma de monarquia constitucional e da con-
a confluência de duas situações: tribuição das três etnias formadoras do país,
a criação de uma entidade pa- eram os objetivos do IHGB. Em 1843 seria pre-
raestatal dedicada ao cultivo da História e da miada a monografia de Karl von Martius, que
Memória do país, de um lado, e de uma larga destacou justamente tais aspectos como a con-
tradição iconográfica, por outro. tribuição que o Instituto poderia dar ao país.
A ideia de uma instituição voltada para a A outra vertente que nos conduz à medalha
temática brasileira surgiu na Sociedade Au- do Instituto é a da iconografia medalhística.
xiliadora da Indústria Nacional. Ventilada em Ela vinha do gosto barroco e rococó, revelando
sessão de agosto de 1838, já em 21 de outubro o padrão estético da monarquia absoluta. Em
seguinte instalou-se a nova entidade, presidi- Portugal a produção dessas peças medalhísti-
da pelo Visconde de São Leopoldo, secretaria- cas era executada na Casa da Moeda, o que se
da pelo Cônego Januário da Cunha Barbosa, repetiu no Brasil após a Independência com a
duas figuras importantes do processo de inde- instituição local. No entanto, nas primeiras dé-
pendência do Brasil. cadas do século XIX a estética se transforma-
Entre 1837-1838 foi o período em que mais va, agora sob o impacto da Revolução e do na-
estiveram em risco as instituições criadas com cionalismo. Com isso surgia um novo padrão,
a separação de Portugal. Estavam em jogo a o neoclássico, de que a medalha do IHGB é
estabilidade política e econômica, a forma de exemplo. Continuavam as referências a temas
governo e a própria integridade física do país, da Antiguidade, lidos metaforicamente, mas
com situações concretas de secessão. de modo diferente: deixava de ser de bom tom
Também foram os anos em que se definiu associar a imagem dos governantes dos novos
uma forte reação a tais ameaças, cristalizadas tempos liberais à representação dos impera-
no movimento conservador que teve, ao lado dores romanos, com suas coroas de louros e a
de outros expoentes, o antigo líder liberal alusão à monarquia absoluta.
Bernardo Pereira de Vasconcelos. Entre as Outra preocupação se acrescentava: a de
várias medidas tomadas, deu-se a fundação de sublinhar os elementos nacionais. Na medalha
uma instituição destinada ao estudo e preser- do IHGB isso é evidente quando se representa
vação do que mais tarde se chamaria “identi- a ciência como imagem feminina dotada de
dade nacional”. asas – recurso tradicional à mitologia greco-
Recolher material sobre a história, a geo- -romana, talvez representando a deusa Nike
grafia e a etnografia das diferentes provín- ou Vitória, ou ainda alguma das Musas, às ve-
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AO LADO:
Gabriele Rottini
Gravura representando
o bronze romano
“Vitória alada”
1838
COLEÇÃO PARTICULAR
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D
e há muito, já não acredito em coleção do Museu Histórico Nacional, que tem
coincidências. Além da distin- em seu acervo cerca de 15 pinturas.
ção de redigir o presente artigo, Por certo que houve outras galeotas no Rio
agraciou-me a diretoria do Museu de Janeiro. As mais importantes serviam para
Histórico Nacional com a escolha transportar membros da Família Real na Baía
desta pintura. Exemplo absolutamente perfeito de Guanabara. Seu principal emprego era para
que, apesar de sua qualidade artística, ilustra a levar ou trazer pessoas dos grandes navios oceâ-
maior aptidão de todo museu, em especial o Mu- nicos, que ficavam fundeados no meio da Baía,
seu Histórico Nacional: ser uma janela no tempo mas serviam também para passeios ou para via-
que une presente e passado. gens dentro dessa Baía. Portanto, eram utiliza-
A sincronia tem início em 2 de março de das quando esses membros da Família Real iam
2021, quando a Diretoria do Patrimônio Históri- a Niterói ou a Paquetá.
co e Documentação da Marinha (DPHDM) con- Todavia, o atento leitor, ao demorar o olhar
vida o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) sobre a embarcação lindamente reproduzida
para visitar a Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro, e no canto inferior direito da pintura, logo reco-
conhecer seus projetos culturais. Representan- nhecerá os remadores que ficavam expostos ao
tes do Instituto do Patrimônio Histórico e Ar- tempo. Também lhe é facultado vislumbrar o ca-
tístico Nacional (Iphan), da Secretaria Especial sal no interno do formoso camarim, sendo certo
de Cultura e do Ministério do Turismo também que ela ostenta tiara na cabeça. Dois oficiais, em
estiveram presentes. Saltou aos olhos a visita seus trajes de gala, de pé no convés: um junto ao
técnica ao local que receberá o novíssimo Mu- leme, já o outro de barba branca e condecora-
seu Marítimo do Brasil. Mas a cereja do bolo foi, ções no peito, junto à entrada do camarim.
sem dúvida, ver de perto a recém-restaurada Ga- Eis, pois, a segunda coincidência. Trata-se da
leota Real, embarcação mais antiga preservada Galeota Real retratada em dia de glória.
no Brasil, todinha ornamentada. A mesma que Os registros da Marinha do Brasil trazem
Edoardo de Martino representou em seu óleo luz para a incorporação da fragata Constitui-
sobre tela Chegada da Fragata Constituição ao ção, em agosto de 1826. Este navio foi lançado
Rio de Janeiro. Emocionante. ao mar dos estaleiros de Nova York com o nome
Edoardo de Martino, pintor italiano e oficial de Amazonas, como homenagem ao maior rio
de Marinha, aporta no Brasil em 1868, vindo do brasileiro. Em agosto de 1826, entregue no pra-
Uruguai. Participa das Exposições Gerais da Aca- zo de contrato, a fragata fazia-se de vela para o
demia Imperial das Belas Artes, sendo premiado Brasil, com bandeira e guarnição estaduniden-
com a medalha de ouro em 1871. Sua produção ses. Aportou à Baía de Guanabara na segunda
mais importante das batalhas navais está hoje na quinzena de outubro.
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Marc Ferrez
Galeota Real D. João VI, 1899 circa
ARQUIVO NACIONAL
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E
sta imagem tem atraído a atenção Unidos era feita ainda por embarcações a vela, o
de diversos estudiosos da história que tornava as viagens longas e arriscadas, de-
da fotografia e do público em geral sestimulando o fluxo contínuo de profissionais.
em virtude do seu caráter singular, Porém, a situação mudou a partir da criação da
verdadeiramente único. Isso por- primeira linha regular de navegação a vapor
que não se conhece nenhum outro retrato de com a Europa, a inglesa Royal Mail Steam Packet
um soberano mostrando a forquilha – o suporte Company, que reduzia o tempo de viagem entre
de cabeça empregado pelos re- o Rio de Janeiro e Southamp-
tratistas fotográficos oitocentis- ton de cem para sessenta dias,
tas para manter seus modelos seguida depois pela Companhia
imóveis durante o longo tempo Luso-Brasileira, que assegura-
de pose então requerido. va a ligação com Portugal, e a
Quando este retrato de Companhia Mista de Navegação
D. Pedro II foi publicado pela Paquetes a Vapor Marselha–Rio.
primeira vez no livro Dom Pe- Assim, se no ano de 1847 somen-
dro II e a fotografia no Brasil, te três profissionais anunciavam
em 1985, eu especulei não se seus serviços na seção “Daguer-
tratar de uma imagem previs- reótipos e Fotógrafos” do Alma-
ta para visualização final e sim nak Laemmert,1 em 1858 já são
para servir de base para a elabo- onze os estabelecimentos ali ar-
ração de uma efígie esculpida Moeda de cinco mil réis rolados e, em 1862, vinte. No ano
do soberano, para cunhar uma de ouro. 1854 seguinte, 1863, o último a contar
moeda ou medalha comemora- MUSEU HISTÓRICO NACIONAL
com essa rubrica, já eram trinta
tiva. Impressão reforçada com os estúdios anunciados.
o passar do tempo, que me levou à conclusão de A difusão da daguerreotipia no Brasil nem
que ela pode ter sido utilizada para a confecção de longe se compara à dos Estados Unidos, país
das moedas de cinco mil réis de ouro cunhadas no qual este processo encontrou popularidade
entre os anos de 1854 e 1857, pois esse período muito maior do que no próprio país de origem,
se afina com a data desde sempre atribuída ao a França, e também mais duradoura, com estú-
daguerreótipo no Museu Histórico Nacional: dios de daguerreotipia operando até fins do sé-
circa 1855. E o perfil da moeda é claramente se- culo XIX, décadas após o seu desuso no resto do
melhante ao do daguerreótipo em questão. mundo. Todavia, existem aqui pelo menos dois
Na primeira década de prática da daguerreoti- fatos absolutamente singulares no que diz res-
pia no Brasil, a ligação com a Europa e os Estados peito à daguerreotipia: o primeiro foi a apresen-
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N
o ano de 1958, entrava para Nascido em Rio Pardo, no Rio Grande do
a coleção do Museu Sul, Porto Alegre foi pintor, arquiteto,
Histórico Nacio- escritor, político, jornalista, cari-
nal (MHN), caturista, crítico, historiador e
via compra diplomata. Mudou-se para
feita pelo seu então di- o Rio de Janeiro em 1827
retor, Gustavo Barroso para estudar na Acade-
(1888-1959), o estudo mia Imperial de Belas
para a tela Coroação Artes (Aiba) e tornou-se
de D. Pedro II, de au- discípulo de Jean-Bap-
toria de Manuel de tiste Debret (1768-1848),
Araújo Porto Alegre integrante da Missão
(1806-1879). Francesa e fundador da
Barroso havia sido o instituição, acompanhan-
primeiro diretor do mu- do-o em sua viagem de retor-
seu, ficando no cargo des- no à França. Viveu na Europa
de sua fundação, em 1922, por seis anos, onde foi aluno
até 1930. Retornou, após de Antoine-Jean Gros (1771-
o intervalo de dois anos, Augusto Off 1835), pintor francês dedica-
para ocupar mais uma vez Manoel de Araujo Porto-Alegre, 1877 do ao gênero histórico. Ao
a posição de diretor até COLEÇÃO PARTICULAR
retornar, em 1837, passou
o ano de sua morte. Ao adquirir a tela para o a ocupar o cargo que havia sido de seu mestre na
museu, a colocou em seu gabinete. O diretor Academia: professor de Pintura Histórica.
entendia ser aquele estudo um documento Com imenso prestígio na corte, passa a ter
iconográfico do evento que consagrou Pe- muitas encomendas, chegando, entre tantas
dro II como imperador do Brasil, daí sua im- funções e distinções, a ser nomeado pintor da
portância em constar do acervo da instituição. Imperial Câmara, em 1840, e a receber o título
Ocorrida a 18 de julho de 1841, a sagração e co- de barão de Santo Ângelo, em 1874. Foi profes-
roação de Pedro II foi uma festa grandiosa, cujos sor do Colégio Pedro II, realizou a decoração
preparativos para a solenidade foram deman- dos festejos do casamento de D. Pedro II com
dados pelo Conselheiro Paulo Barbosa da Silva, dona Teresa Cristina e foi nomeado diretor da
mordomo da Casa Imperial, a Manuel de Araújo Aiba (1854-1857), sendo responsável pela cha-
Porto Alegre, confirmando o grande prestígio de mada Reforma Pedreira, que visava alinhar a
que gozava o artista na corte naquele momento. escola às inovações técnicas do período.
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iz-se que tocar le- comuns. Na face que mais nos in-
vemente o cabelo teressa, uma alegoria precisa da
com o leque fecha- Independência, com D. Pedro I em
do significava pre- destaque – o indício mais importan-
cisamente: não me te para entender como a história do
esqueças ou lembra-te de mim. Na leque se abre na história do Brasil.
linguagem conhecida como “tele- Na coleção do Museu Histórico
grafo de cupido”, leques, chapéus, Nacional, como também em ou-
lenços, sombrinhas e luvas serviam tros museus, há mais de um leque
às mensagens cifradas nos códi- comemorativo. Em exposição, en-
gos do amor, pois era difícil flertar contramos o Leque Comemorativo
de outra maneira em sociedades da Aclamação de D. João VI, rei de
nas quais a moralidade dominante Portugal, Brasil e Algarves (1818) e
vetava, em especial, às mulheres– Edoardo Tofano. o Leque Comemorativo da Chega-
mas também aos homens – ex- Mulher com leque, 1850 circa da do Príncipe Regente ao Rio de
pressar seus desejos abertamente COLEÇÃO PARTICULAR
Janeiro (1812). Há outros leques que
com as palavras ou gestos corporais. O leque era se ligam ao contexto da Independência e cons-
uma extensão do corpo capaz de alcançar os ou- trução do Estado Imperial, como outro Leque
tros, mais ainda a pessoa amada. “Lembre-se de Comemorativo da Independência, de varetas de
mim” podia encerrar o flerte. Porém, o gesto in- marfim, no qual D. Pedro I surge também farda-
sinuava a memória de um encontro, perpetuava do e com as faixas das ordens imperiais, ladeado
o acontecimento amoroso. Por analogia, o que a por um anjo empunhando a bandeira imperial e
presença do Leque Comemorativo da Indepen- de um índio que lhe oferece a coroa, tendo atrás
dência nos faz lembrar? Quais encontros com a uma alegoria da Independência. E outro, de va-
história sua existência e conservação no Museu retas de bronze, alusivo à organização política
Histórico Nacional nos proporciona? Com quais do Império, também figurando miniatura de D.
outros objetos históricos dessa e de outras cole- Pedro I (1824).
ções ele se relaciona? No Museu Imperial, encontram-se duas pe-
O objeto integra uma coleção de 109 leques ças que se relacionam ao nosso objeto: o Leque
produzidos entre os séculos XVIII e XX, mas Comemorativo da Coroação de D. Pedro II (1841)
boa parte deles foi feita e usada no século XIX. e o Leque Comemorativo do Casamento de Dom
Como outros, foi produzido na China, por isso é Pedro II e Dona Teresa Cristina (1842). Seme-
ornamentado com motivos orientais no seu ver- lhante a este último, também do Museu Históri-
so – imagens de pássaros e a flora eram as mais co Nacional, é o Leque Comemorativo das Bodas
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a virada do século XX, o Brasil pronta para ser apresentada ao mundo como vi-
destacava-se na economia mun- trine da vida moderna do Brasil. Não por acaso,
dial com o café. “Em 1850 o Brasil nesse ano, as autoridades conceberam uma Ex-
estava produzindo mais de me- posição Nacional, para comemorar o centenário
tade da produção mundial; em da Abertura dos Portos, considerada o primeiro
1906 produzia quase cinco vezes a produção do passo no processo da Independência do Brasil.
resto do mundo combinado. [...] Assim, a pro- Era esperada para o certame afluência de gran-
dução brasileira ajudou a redefinir a natureza de público e de altas personalidades estrangei-
do mercado de consumo, baixando os preços ras. E foi nesse mesmo ano, num movimentado
do produto suficientemente para que ele alcan- centro comercial da cidade, que ocorreu a inau-
çasse um mercado de massa.”1 O café passou a guração da firma de torrefação de café Pache-
ser “um artigo indissociável do cotidiano das co Ferreira & Cª., fabricante do café Cruzeiro,
sociedades urbanas industriais, cujos ritmos de situada, primeiramente, na rua do Hospício –
trabalho passaram a ser marcados pelo consumo atual Buenos Aires – número 143, e transferida,
da bebida.”2. em 1910, para a av. Marechal Floriano Peixoto,
No início do século XX, a cidade do Rio de 142 – antiga rua Larga. A avenida abrigava casas
Janeiro, então capital do país, viveu um período comerciais, como o famoso Dragão da rua Larga
de intensas transformações em termos políti- (vendia artigos diversos com bom preço), o Pa-
cos, sociais e econômicos. O Rio de Janeiro era o lácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações
principal porto do país, o terceiro de maior movi- Exteriores, e a companhia de iluminação Light.
mentação comercial das Américas e 15º do mun- Por muitas décadas, o Centro foi a região mais
do em volume de comércio. Era por onde o café, importante da cidade, concentrando institui-
nosso principal produto de exportação, saía para ções públicas, consultórios médicos, teatros,
o mundo. “A cidade era o maior centro comercial cinemas e comércio.
do país, sede do Banco do Brasil, da maior Bolsa A marca Cruzeiro de café era uma das mais
de Valores e da maior parte das casas bancárias renomadas do Rio da primeira metade do sé-
nacionais e estrangeiras. Acrescente-se ainda culo XX. Comprova-se tal afirmação no artigo
a esse quadro o fato de essa cidade constituir o “Diplomacia e a política econômica – A políti-
maior centro populacional do país, oferecendo às ca do café”, publicado no Jornal do Commer-
indústrias que ali se instalaram em maior núme- cio (25/12/1930) por J. F. de Barros Pimentel,
ro nesse momento o mais amplo mercado nacio- ministro plenipotenciário do Brasil. No artigo,
nal de consumo e de mão de obra.”3 Pimentel assinalava que estávamos fazendo pro-
Em 1908, a cidade do Rio de Janeiro ganhara paganda equivocada do café brasileiro no exte-
largas avenidas e um novo porto, e parecia estar rior, ao insistir em vincular o produto ao país. Na
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nhas sinuosas sob ornamentos florais, ou seja, tora do café Globo]. A fabricante do café Cruzei-
a moldura também faz parte da concepção or- ro acompanhou as transformações da cidade do
namental, que enquadra as letras pacheco fer- Rio de Janeiro, enquanto capital do país, findan-
reira & cª. em ouro. do quando esta estava prestes a perder seu status
A torrefação de café Pacheco Ferreira & Cª., de centro político e econômico. Com o fim da
nos seus 50 anos de existência, patrocinou pe- companhia, o letreiro foi encaminhado ao Mu-
quenos anúncios em jornais de ampla circulação seu Histórico Nacional, transformando-se em
no Rio, como Correio da Manhã, À Noite, Jornal um objeto documental simbólico da história da
do Commercio, dentre outros. A propaganda do cidade, cuja mola propulsora era o café.
café Cruzeiro também era feita em suas emba-
lagens, bem como em brindes oferecidos aos 1> TOPIK. “As relações entre o Brasil e os Estados Unidos na épo-
ca de Rio Branco”. In: CARDIM, Carlos H. e ALMINO, João (orgs.)
clientes, como lancheiras de lata e na década de Rio Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil. Rio de
1950, o produto era um dos anunciantes na co- Janeiro: EMC, 2002, p. 411.
2> MARQUESE, R. e TOMICH, D. “O Vale do Paraíba escravista e a
nhecida rádio Mayrink Veiga. formação do mercado mundial do café no século XIX”. In: GRIN-
A companhia de torrefação de café Pacheco BERG, Keila e SALLES, Ricardo (Orgs.) O Brasil Imperial, vol. II. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 373.
Ferreira & Cª. foi adquirida no final da década de 3> SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão.3 ed. São Paulo:
1950 pela fábrica de chocolate Bhering [produ- Brasiliense, 1989, p. 27.
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D
urante quase sete anos, a africana
liberta Rita Maria da Conceição
vendeu frutas, legumes e aves em
duas bancas na Praça do Merca-
do do Rio de Janeiro, principal
centro de abastecimento da cidade ao longo do
século XIX. Procedente da região de Cabinda,
ao norte do rio Zaire, centro-oeste da África,
trabalhava ali junto com seu marido, o também
ex-escravo Antonio José de Santa Rosa, nascido
em Pernambuco. Mas o casal não demorou a
desfazer a união. Cansada de tantos maus-tratos,
ela decidiu abrir uma ação de divórcio na Justi-
ça Eclesiástica do Rio, em 1835.
Por meio desse processo, atualmente deposi-
tado no acervo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, e também de outros documentos preser-
vados no Arquivo Nacional, é possível acompa-
nhar um pouco da trajetória do casal, incluindo
Marc Ferrez
os bens que reuniram quando casados. Nesse Mulher negra da Bahia, 1885 circa
conjunto, destacava-se uma apreciável coleção INSTITUTO MOREIRA SALLES
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prietárias de objetos de ouro e prata. Em diversos juros baixos. Em 1858, um cordão, uma figa, um
momentos, eles eram usados em redes financei- relicário e uma moeda que pertenciam a Maria
ras que praticamente só envolviam mulheres na Rosa ainda estavam penhorados ali.
condição de credoras ou devedoras. Algumas ve- Essas peças, cujo uso pelas africanas e suas
zes, com penhor das joias mais valiosas e outras descendentes chegou a ser proibido na época
somente através da palavra, já que não havia nos colonial, eram símbolos de prosperidade, prestí-
documentos referências a registros escritos. gio social, clientela numerosa ou mesmo da “boa
Entretanto, na hora de saldar dívidas antigas qualidade” de uma quitandeira. Para cativas e li-
ou angariar crédito, essas transações podiam ser bertas adeptas do candomblé ainda representa-
feitas com homens e mulheres de outras condi- vam proteção e força religiosa. Com seus anéis,
ções sociais, e mesmo algumas instituições. Foi a pulseiras, colares, rosários e enfiaduras de ouro,
situação da preta mina Maria Rosa da Conceição, prata, corais ou contas, muitas mulheres negras
que recorreu ao Monte do Socorro, popularmen- mercadejavam gêneros de primeira necessida-
te conhecido como “casa de prego”, para pegar a de e, ao mesmo tempo, reverenciavam seus deu-
quantia de 120$000 réis. Emprestando dinheiro a ses. Ao valor estético dessas joias de crioulas e
pessoas que não tinham acesso a estabelecimen- africanas, ajuntavam riqueza, estima e axé.
tos bancários, a casa levava como garantia metais
preciosos, brilhantes e outros valores, cobrando 1> Arquivo Nacional, Vara Cível do RJ, notação 5217, Maço 423, 1846.
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Renata Santos
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o carnaval de 2019, a Estação Pri- e literário da capital do Império, alcançando
meira de Mangueira sagrou-se notoriedade ainda em vida.”2
campeã com a proposta de levar Logo após a morte de Paula Brito, em 15 de
para a avenida histórias que a dezembro de 1861, Moreira de Azevedo, médi-
história não conta. Com seu sam- co e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
ba-enredo História para ninar gente grande, a Brasileiro (IHGB), escreveu um longo e elogio-
Verde e Rosa arrebatou o Sambódromo, e entre so memorial sobre o amigo no Correio Mercan-
as tantas apropriações deste samba que extra- til,3 no qual afirmava ter sido Paula Brito “ex-
polaram a avenida, estava o projeto de exposi- cessivamente modesto (...) nunca conseguiram
ção Tem Mangueira no Museu.1 Embora a ideia tirar-lhe o retrato”.
tenha contado com o apoio muito especial de Acontece que a página de rosto desta edi-
um grupo grande de pessoas, a proposta não foi ção traz um retrato de busto de Paula Brito, em
adiante. Passados três anos dessa experiência, formato oval, extremamente semelhante ao
participar desta coletânea, além de muito me retrato de meio corpo existente no MHN. Tam-
orgulhar, me pareceu uma boa oportunidade bém a imagem impressa no livro traz o nome
de contribuir com a reflexão sobre o papel dos de Paula Brito em forma de assinatura, assim
museus no processo de formação de uma iden- como o retrato do museu. Seria o desenho exis-
tidade nacional considerando o uso do retrato tente no acervo do MHN o original que serviu
como fonte. Salve, pois, o retrato de Francisco de referência para a estampa contida no livro?
de Paula Brito! Acreditamos que sim, inclusive se levamos em
Dar passagem ao retrato de um persona- conta um trecho de uma crônica de Machado
gem mulato, autodidata e descendente de uma de Assis, publicada no jornal O Futuro, em 1º de
família de libertos no âmbito do centenário do janeiro de 1863.
MHN é fruto de um longo processo, que em Após tecer vários comentários sobre o ano
muito boa hora vem contribuir com os esfor- que se iniciava, Machado introduz o assunto:
ços para a afirmação de novas práticas dentro “Passarei a mencionar a inauguração do retrato
dos museus. Paula Brito foi comerciante, li- de Francisco de Paula Brito, na (...) Sociedade
vreiro, tipógrafo, impressor, editor de livros e Petalógica.” Ao mencionar esse texto em sua
de estampas, escritor e tradutor, além de com- tese, Godoi assume tratar-se da inauguração
positor, tendo atuado no espaço da corte do Rio de uma pintura, e avalia que: “Apesar de os re-
de Janeiro entre 1831 e 1861. “Foi por seu tra- gistros serem parcimoniosos neste ponto, tudo
balho e pelos laços de solidariedade que teceu indica que o retrato de Francisco de Paula Brito
durante a vida que Paula Brito converteu-se em que estampava seu livro de poesias (...) foi lito-
uma espécie de catalisador no cenário cultural grafado a partir de um quadro inaugurado na
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C
hamamos de carte de visite o pe- os vendedores, os aguadeiros, as quituteiras, as
queno cartão (9,5 x 6 cm) que vendedoras de frutas e legumes, os cesteiros,
servia de suporte a uma fotogra- os que acendiam o gás que iluminava a rua, os
fia, cuja imagem em sais de prata barbeiros, os carregadores de baldes com excre-
era fixada no papel albuminado e mentos (ditos ‘tigres’), os remadores, os cochei-
depois colada a ele. Esse formato de fotografia ros, os músicos, os coveiros... e por aí vai. Entre
se tornou popular a partir da invenção, por Eu- os negros de ganho existia a possibilidade de
gène Disdéri, de uma câmera fotográfica com comprar a alforria, pois o que excedia ao valor
quatro lentes, que produzia simultaneamente da jornada estipulada com o senhor podia ser
oito retratos, reduzindo seu custo. economizado pelo escravizado.
A pequena coleção aqui exposta retratando As cartes de visites também nos informam
escravizados pertenceu ao rei português D. Fer- que muitos desses trabalhadores eram africanos,
nando (1816-1845) e foi doada ao Museu Históri- pois o fotógrafo identifica na legenda as nações
co Nacional (MHN) em 1933 e desde então está de seus retratados. O Brasil teve a escravidão na
sob a guarda desta instituição. O conjunto pas- base da sua produção econômica durante mais
sou por restauração no final da década de 1980, de 300 anos. Escravizaram-se indígenas nos pri-
quando, para melhor conservá-las, as fotografias meiros anos da colonização portuguesa e, mais
foram retiradas das molduras, as quais, porém, tarde, verificou-se que o comércio negreiro era
foram preservadas, pois, além de guardarem a tão ou mais lucrativo do que a transação com o
dedicatória do fotógrafo a D. Fernando, revelam açúcar produzido nos engenhos, onde a mão de
por onde as fotografias passaram antes de virem obra negra era a marca da participação africana
para o museu. na política mercantilista.
Essas cartes de visite podem suscitar algu- O tráfico negreiro, até 1850, é um grande
mas reflexões sobre a história do Brasil. De negócio no Atlântico Sul. Deste modo, os traba-
pronto, saltam aos olhos as imagens dos negros lhadores que perambulavam pelas ruas das ci-
de ganho que circulavam pelo Rio de Janeiro dades portuárias do Brasil eram em sua maioria
prestando diversos serviços para pagar a diária estrangeiros oriundos da África. A exceção fica-
aos seus senhores, bem como para tentar juntar va por conta das cidades da região Norte, onde
algum dinheiro para si. a maior parte dos escravizados era oriunda das
Era a lida desses trabalhadores que se via populações indígenas.
pelas ruas da cidade. Ouviam-se também os A documentação aqui apresentada nos lem-
pregões e os cantos que essas pessoas entoavam bra também um detalhe que muitas vezes é
para amenizar a dor brutal da labuta do dia a esquecido: da escravidão também advinham
dia. Eles faziam de tudo: eram os carregadores, recursos indiretos, pois o comprador de cativos
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ACIMA, À DIREITA:
Anúncio de “Christiano
junior e Pacheco”
in Jornal da tarde,
18 de agosto de 1870
BIBLIOTECA NACIONAL
AO LADO:
Joaquim Candido
Guillobel
Aquarela, 1815
ITAÚ CULTURAL
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alvador, Bahia: 1866. O desenhista, autoria: a leitura estética estava encoberta pelo
professor e pintor Ângelo Romão valor histórico do que representava.
recebe a incumbência de realizar có- Visão de Paraguaçu traz à cena Catarina do
pias de pinturas a óleo na sacristia da Brasil, como batizada; ou Catarina Álvares, como
igreja e mosteiro da Graça. Os quadros esposa; ou ainda Catarina Paraguaçu, como pre-
copiados, parte do acervo artístico da instituição feriu frei Santa Rita Durão em seu poema épico
religiosa, relacionavam-se a episódios vividos “Caramuru”. A pintura trata das visões de Para-
por Catarina do Brasil e Diogo Álvares – ou Pa- guaçu com Nossa Senhora da Graça, que teria
raguaçu e Caramuru, como foram inscritos no sido a razão para a construção, ainda no século
imaginário nacional. XVI, de uma ermida – atual igreja da Graça, em
As narrativas sobre a vida da mulher indíge- Salvador – em devoção à santa.
na tupinambá com o homem branco português Ao falecer, em 1583, Catarina deixou templo
misturam episódios históricos, religiosos e in- e terras para os beneditinos. A pintura narra tal
terpretações poéticas, sendo elos fundamentais feito ao espectador, sendo também objeto de de-
para estabelecer uma cronologia em torno de voção. Quem está de joelhos, com as mãos pos-
mitos fundadores de um Brasil colonial: o casal tas em adoração, é uma senhora de olhar tran-
seria o início da nossa árvore genealógica ao quilo. Adornada como uma mulher ocidental,
estabelecer uma ponte entre dois mundos. Da seus traços ancestrais parecem dissolver diante
união formal entre colonizador e colonizado da visão mística. Quem não parece estar ali é
nascia a primeira família brasileira. Antes dis- Guaibimpará, filha de cacique tupinambá, que
so, sob o ponto de vista cristão, pouco, ou quase se converteu ao catolicismo para ser esposa de
nada, poderia existir. Álvares e tornou-se “mãe do Brasil”, como parte
Em dezembro de 1881, durante a Exposição da construção, ao longo de séculos, de uma iden-
de História do Brasil da Biblioteca Nacional, o tidade nacional.
público da cidade do Rio de Janeiro pôde ver de Logo após a exposição da Biblioteca Nacional,
perto as cópias feitas por Ângelo Romão 15 anos em 1882, Melo Moraes Filho doou Visão de Para-
antes – levadas à exposição pelo poeta e histo- guaçu à biblioteca do Exército, criada no ano an-
riógrafo baiano Melo Morais Filho. terior pelo também baiano Franklin Dória, barão
Entre os quadros apresentados na categoria de Loreto. É possível que o quadro já estivesse na
Artística da exposição, estava a pintura religiosa biblioteca quando teve lugar sua instalação so-
Visão de Paraguaçu, abrindo a classe “História” lene, que contou com a presença do imperador
– que cobria o período entre 1500 e 1623. Tratan- D. Pedro II. Em junho de 1925, o então diretor do
do-se, pois, de uma cópia, o tema da pintura se Museu Histórico Nacional, Gustavo Barroso, es-
sobrepunha a questões formais ou mesmo de creveu ao ministro da Guerra solicitando a cessão
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ABAIXO:
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Q
uando procuramos a palavra “bo-
tica” nos dicionários, encontra-
mos diversos significados: desde
lojas de comércio de remédio,
armazém de secos e molhados,
utensílios usados nas farmácias e caixa de medi-
camentos. Nenhuma delas parece ser suficiente
para definir o belíssimo e complexo objeto so-
bre o qual nos debruçaremos aqui. Para além de
suas características físicas, o fascínio que a bo-
tica portátil exerce sobre quem a observa hoje
deve-se também à função para a qual foi criada,
ainda no século XIX.
Sua melhor definição está no verbete “Botica
doméstica” do Dicionário de medicina popular,
de autoria do Dr. Chernowiz, médico polonês
também criador do referido objeto. Além da
descrição pormenorizada dos compartimentos,
recipientes, uma balança e os instrumentos que
compõem a botica portátil, há uma tabela com
todas as substâncias fornecidas, suas quanti-
dades e usos. Assim Chernowiz pretendia não
apenas facilitar o atendimento das moléstias
graves e súbitas, bem como das moléstias mais
corriqueiras nas regiões onde não havia socorro
médico, mas também fornecer aos médicos que
atendiam pacientes em suas casas as substâncias breve carreira clínica no interior daquele país,
necessárias ao ofício. atendendo prioritariamente a população pobre,
Pedro Luiz Napoleão Chernowiz (1812 -1881) resolveu tentar a sorte no Brasil. Ainda estudan-
cursou Medicina na Universidade de Varsóvia, te, mantivera contato com colegas brasileiros
mas, em virtude de sua atuação política, foi for- em Montpellier – na primeira metade do século
çado a emigrar para a França, onde concluiu XIX, era ali e em Coimbra que a maioria dos mé-
seus estudos na tradicional Universidade de dicos do Brasil se formava – e soube por eles da
Montpellier, doutorando-se em 1837. Após uma escassez de médicos no país.
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Além da reduzida quantidade de médicos, Sua atuação foi também marcada por gran-
observa-se ao longo de todo o século XIX a con- de atividade editorial voltada sobretudo para a
centração destes profissionais no Rio de Janei- popularização da arte de curar. Em 1841 publica
ro, sede do Império, e em outras capitais. E mes- a primeira edição do Formulário ou guia mé-
mo nessas áreas urbanas, “a assistência médica dico, destinado à comunidade médica, mas que
oficial era inacessível para quem se encontrava desfrutou de grande receptividade em especial
à margem das confrarias religiosas ou das redes entre os boticários – aqueles que se ocupavam
de clientelismo promovidas pelos membros da da arte de curar em regiões onde praticamente
classe senhorial”.1 inexistiam médicos. O livro contou com deze-
O Dr. Chernowiz desembarcou no Rio de nove edições, sendo a última em 1924. Em 1842,
Janeiro em 1840 com a intenção de permanecer lançava o Dicionário de medicina popular, no
por longo período. Por esse motivo, providen- qual encontramos o verbete sobre a botica por-
ciou com rapidez a validação de seu diploma tátil. Este compêndio, que teria mais oito edi-
junto à Faculdade de Medicina do Rio de Janei- ções, sendo a última datada de 1890, era sem
ro e começou a clinicar. Em seguida, ingressou dúvida voltado para a população leiga, mais
como membro titular da Academia Imperial de ainda para aquela que habitava as vastas áreas
Medicina, o que lhe garantia maior credibilida- rurais do país.
de devido ao grande prestígio que a instituição Desta forma podemos perceber que a botica
desfrutava naquele momento. portátil, cujo exemplar, fabricado em Paris em
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Botica portátil
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M
aria Cambinda pertencia à máscara de madeira dos negros da Irmandade
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto, [...] levada nas pro-
do Rosário dos Pretos de Ouro cissões. O rosto de mulher, esculpido em arte
Preto (INSRPOP). Foi doada, puramente negra, representa Maria Cambinda
em 1928, pelo juiz Odorico [...] as máscaras sempre tiveram grande impor-
Neves a Gustavo Barroso, diretor do Museu His- tância na África, sendo utilizadas não somente
tórico Nacional à época, enquanto este inspe- em festas religiosas como em cerimônias guer-
cionava obras na referida igreja, integrando-a ao reiras, tribais e outras. [...] interessantíssimos o
acervo do MHN. Naquele período, a Irmandade nariz e o penteado”.1
já era dirigida pela comunidade local, não mais Mas qual seria a história de Maria Cambin-
pelos homens negros. da antes de seu aprisionamento na sacristia da
Em duas cartas de Neves a Barroso, Maria igreja e posterior ingresso no MHN? Estudos
Cambinda é nomeada como boneca. Entretanto, sobre os usos de bonecas e máscaras em mani-
nunca mais apareceu nos escritos do Museu. Foi festações luso-afro-brasileiras apontam para
invisibilizada na então Sala Antônio Prado Jú- a hipótese de que Maria Cambinda poderia ter
nior, ao ser exposta no chão, sem denominação sido uma anunciadora de festas. Pois era comum
específica, conforme fotografia que ilustra uma que antes das grandes festas, os ranchos, bandos
reportagem de Barroso. e grupos teatrais saíssem às ruas com diversos
Como “uma máscara de madeira pintada, tipos de representações, dentre elas as chama-
representando uma preta de busto nu, que os das máscaras.
negros da Irmandade de Nossa Senhora do O termo máscara aparece na descrição da
Rosário, em Ouro Preto, usavam durante as primeira grande festa das Minas, o Triunfo Eu-
procissões religiosas”, Maria Cambinda foi carístico, em 1733. Simão Pereira Machado re-
descrita no guia de turismo Rio de Janeiro e lata: “Deu princípio aos festivos dias um bando
seus arredores, de 1939, na menção à Sala Luís por ministério de várias máscaras [...] todos por
Gama, antiga Antônio Prado Júnior. Já Má- diferentes modos anunciaram ao povo a futu-
rio Barata escreveu uma matéria sobre Arte ra solenidade.”2 Um destes bandos poderia ser
Negra na Revista da Semana de 17/05/1941, na o da Cambinda, já que nos livros de registro da
qual comenta: “No [MHN] há uma curiosíssima INSRPOP encontramos grupos similares.
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U
m tambor silenciado, confec- música torna-se diretamente inteligível, trans-
cionado pelos integrantes da Ir- formando-se o instrumento na voz do artista
mandade de Nossa Senhora do sem que este tenha necessidade de articular
Rosário dos Pretos da Cidade de uma só palavra.”1
Ouro Preto, em Minas Gerais, en-
contrava-se encostado no fundo da sacristia da Para Posnansky, a prática tamborileira na
Igreja do Rosário, no início do século XX. forma e desenvolvimento das civilizações afri-
Em 1928, Gustavo Barroso, então diretor do canas remonta aos agricultores da Idade do
Museu Histórico Nacional (MHN), interme- Ferro, que modelavam cerâmicas, talhavam
diou um processo de restauração na referida tambores, teciam panos, fundiam o ferro, forja-
sacristia e entrou em acordo com o Juiz da Ir- vam utensílios. Os tambores são tão ancestrais
mandade, Odorico Neves, solicitando a doação quanto o próprio homem e sempre estiveram
do “Tambor Caxambu” para o seu acervo. presentes nos cultos religiosos e também no
Exemplar único, dar uma definição a este lazer.
objeto é trancá-lo em uma vitrine, quando a
representatividade que ele traz é muito maior “Ligados à tradição, os tambores constituem
que ser apenas uma peça de museu. Para des- um dos grandes livros vivos da África. Alguns
crevê-lo é preciso dialogar com a história, a são oráculos; outros, estações de transmissão;
descendência e vibração que ele emana. outros, gritos de guerra que fazem brotar o he-
Trata-se de um tambor afro-brasileiro. Feito roísmo; outros, ainda, cronistas que registram
nos terreiros de Ouro Preto, Minas Gerais, por as etapas da vida coletiva. Sua linguagem é,
mãos e saberes daqueles que foram traficados fundamentalmente, uma mensagem repleta de
de África e de seus descendentes, carregando história.”2
em sua estética e linguagens a ancestralidade
do Velho Continente. Assim é o tambor “caxambu” da Irmandade
Quando falamos em tambor africano, as de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Ao
referências retornam aos primórdios do cami- avistá-lo, conseguimos pressentir os passos,
nhar da humanidade. Em África, os artefatos desde os daqueles que foram até a mata esco-
musicais têm um lugar de destaque. Por serem lher a árvore, até os dos que o tocaram. Porque
um tambor ritual é múltiplo: transversal, por
“Veículos da história falada, esses instrumentos atravessar vários espaços e não espaços, tem-
são venerados e sagrados. Com efeito, incorpo- pos e atemporalidades; imanente, pois há uma
ram-se ao artista, e seu lugar é tão importante materialidade sagrada em sua confecção, com
na mensagem que, graças às línguas tonais, a madeiras e coros de animais, sacralização com
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N
o arquivo histórico do Museu His- botânica, seção zoológica, seção etnográfica e nar-
tórico Nacional existem diversas rativa, seção geológica e mineralógica, e seção as-
coleções importantíssimas para tronômica e geográfica, chefiadas respectivamente
a história nacional, uma delas é por: Francisco Freire Allemão, Manoel Ferreira
a Coleção José dos Reis Carva- Lagos, Antônio Gonçalves Dias, Guilherme Schüch
lho, composta por 32 ilustrações científicas (15 de Capanema, Giacomo Raja Gabaglia.
aquarelas e 17 desenhos) produzidas durante a Durante o trabalho de campo, o pintor José
Comissão Científica do Império. Esta expedi- dos Reis Carvalho1 assumiu a responsabilidade
ção ocorreu no século XIX, durante o Segundo de documentar, por meio das ilustrações cientí-
Reinado, entre os anos de 1859 e 1861, na região ficas, as características geológicas, mineralógicas,
correspondente à província cearense, e contou zoológicas, etnográficas e botânicas das regiões
com o apoio do imperador Pedro II e patrocínio visitadas. Exímio aquarelista, ele fora discípulo
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. de Jean-Baptiste Debret na Academia Imperial
Também é conhecida pelas denominações: Co- de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde se formou
missão Científica de Exploração do Ceará, Co- no ano de 1824. Era especialista em ilustração bo-
missão Exploradora das Províncias do Norte, tânica e lecionou desenho na Escola da Marinha.
Imperial Comissão Científica, Comissão Cien- A presença de ilustradores científicos nestas
tífica de Exploração e Comissão das Borboletas. viagens era fundamental, pois “o uso do dese-
A formação da Comissão Científica do Império nho e da pintura constituía um suporte técnico
atendeu a finalidades políticas e científicas, e fez imprescindível nas observações de campo”,2 e
parte do “projeto civilizacional” promovido pelo este tipo de imagem tinha como função servir
governo. Entre os motivos para sua realização des- de apoio aos textos e anotações científicas. De-
tacam-se: a intenção de se conhecer as partes terri- talhes como a profundidade, sombra, cor e luz
toriais até então “isoladas”, promovendo a ‘expan- são destacados nas ilustrações científicas como
são para dentro’ do projeto imperial; enriquecer as forma de retratar aquilo que é visto in loco.
coleções de História Natural do Museu Nacional (na As imagens de Reis Carvalho constituem par-
época Museu Imperial e Nacional); fomentar uma te importante da documentação produzida na
ciência genuinamente nacional com a participação expedição e permitem conhecer: o mapeamento
exclusiva de cientistas brasileiros; estimular a idea- geológico, a morfologia das rochas, o processo de
lização de um Brasil comparável às nações euro- erosão e decomposição, os recursos minerais, a
peias; além de interesses econômicos, pois havia a topografia; as espécies de vegetação e animais; a
suspeita da existência de minerais preciosos na re- arquitetura, os artefatos, as tecnologias, as técni-
gião explorada; entre outros objetivos. Era formada cas e os tipos de materiais utilizados; aspectos li-
por cinco seções da área da História Natural: seção gados à indústria, economia, agricultura, cultura,
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queira; as características dos povos indígenas da 2> PORTO ALEGRE, Maria Sylvia. “150 anos depois: na ronda do
tempo”. In: KURY, L. B. (org.). Comissão Científica do Império,
região; comportamentos dos sujeitos etc. 1859-1861. Rio de Janeiro: Adrea Jakobsson, 2009, p. 10-15.
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fragata Amazonas esteve à frente argentino, de Bartolomeu Mitre – e, a partir de
da vitória brasileira na batalha meados de 1864, também do brasileiro.
naval de Riachuelo, na Guerra do Segundo o plano de Solano López, as colunas
Paraguai, e dela restou a roda de invasoras, vitoriosas, levariam à instalação de
leme, hoje pertencente ao acervo governos receptivos aos interesses paraguaios
do Museu Histórico Nacional. Esse timão reali- em Buenos Aires e Montevidéu. O Paraguai teria
zou as manobras ordenadas por Francisco Ma- então melhores condições para definir as fron-
noel Barroso da Silva e que levaram à destruição teiras com o Brasil e a Argentina e poderia utili-
ou fuga das embarcações inimigas. A belonave zar-se do porto de Montevidéu para aprofundar
foi condecorada por Pedro II com a Ordem do sua inserção no comércio internacional.
Cruzeiro, cuja insígnia encontra-se no centro da O sucesso dessa estratégia demandava o do-
roda. mínio do rio Paraná pelos navios paraguaios,
Em novembro de 1864, após aprisionar o na- que dariam suporte às forças invasoras e, para
vio mercante brasileiro Marquês de Olinda, que tanto, era necessário anular a divisão naval bra-
fizera escala em Assunção rumo a Mato Grosso, sileira nesse via fluvial – a Argentina não dispu-
o governante paraguaio Francisco Solano Ló- nha de Marinha de Guerra. Foi então planejado o
pez rompeu relações diplomáticas e entrou em ataque paraguaio aos navios de guerra brasilei-
guerra com o Império do Brasil. ros, na altura da foz do Riachuelo.
Em dezembro de 1864, tropas paraguaias O Paraguai contava com uma Marinha im-
atacaram o Mato Grosso e, em abril do ano se- provisada, composta por embarcações mercan-
guinte, o ditador paraguaio ordenou a invasão tes adaptadas – uma delas, o Marquês de Olinda
da província argentina de Corrientes, o que le- – e apenas um navio de guerra, o Tacuarí, cons-
vou à constituição da Tríplice Aliança entre Ar- truído na Inglaterra. Já a divisão naval brasileira
gentina, Brasil e Uruguai, em 1º de maio de 1865, no rio Paraná era composta por nove embar-
para enfrentá-lo. Em 8 de junho, cerca de 12 mil cações com casco de madeira e grande porte,
soldados paraguaios invadiram o Rio Grande do construídas para a patrulha oceânica. Com ca-
Sul, marchando rio abaixo, pelas margens do rio lado para navegar em águas profundas, tinham
Uruguai, com o objetivo de ingressar no territó- dificuldade em operar em trechos sinuosos ou
rio uruguaio e derrotar as forças brasileiras que estreitos do rio.
ali estavam. Estas tinham viabilizado a troca do Comandava essa divisão o experiente Fran-
poder em Montevidéu: do Partido Blanco, que cisco Manoel Barroso da Silva. Seu navio capitâ-
o ocupava constitucionalmente e que buscara nia, o Amazonas, era o maior da esquadra e mo-
apoio de Solano López, para o Colorado, que vimentava-se usando velas e máquina a vapor,
lutou a guerra civil com o respaldo do governo que girava rodas posicionadas em suas laterais,
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Alexander Gardner
Brazilian Steam Frigate at Navy Yard, 1863 (Fragata Amazonas)
LIBRARY OF CONGRESS, WASHINGTON
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C
ombate Naval do Riachuelo é uma ris; tornou-se, assim, o primeiro brasileiro a ter
pintura a óleo sobre tela, com 8,2 m uma obra em um salão internacional. De volta
de largura e 4,2 m de altura, feita por ao Brasil, foi professor da Academia na cadeira
Victor Meirelles. de Pintura Histórica. Dedicou-se a vários gêne-
Ela retrata um episódio da Guer- ros de pintura: retratos, paisagens – sobretudo
ra do Paraguai, que se prolongou de 1864 até 1870, no final da vida – e pinturas de temas históricos.
na qual a Tríplice Aliança – formada por Brasil, Nessa última categoria, recebeu várias enco-
Argentina e Uruguai – enfrentou o Paraguai, go- mendas do governo imperial, entre as quais o
vernado por Solano Lopez. A batalha em questão Combate Naval do Riachuelo.
ocorreu em 11 de junho de 1865, no rio Paraná, Desde o Renascimento na Itália, período que
junto à foz do afluente Riachuelo, terminando corresponde aos séculos XV e XVI, quando bri-
com a vitória do Brasil, liderado por Francisco Ma- lharam artistas notáveis como Leonardo da Vinci,
noel Barroso da Silva – o Almirante Barroso – e a Rafael e Michelangelo, a pintura histórica era con-
destruição quase completa da esquadra paraguaia.
A obra preservada no MHN é, na verdade, a Victor Meireles
Litografia de Angelo e Robin, 1881
segunda versão da pintura. A primeira foi en-
BIBLIOTECA NACIONAL
comendada pelo Ministro da Marinha, Afonso
Celso de Assis Figueiredo, em 1868. Oito anos
mais tarde, em 1876, foi enviada para a Exposi-
ção Universal de Filadélfia, nos Estados Unidos.
Depois do evento, ficou totalmente deteriora-
da, sem possibilidade de restauração. Em 1883,
o pintor, apoiando-se em esboços e fotografias,
realizou esta segunda versão.
Victor Meirelles de Lima (1832-1903) é um
dos mais brilhantes artistas da segunda metade
do século XIX no Brasil. Foi aluno da Academia
Imperial de Belas Artes, ganhou o Prêmio de
Viagem em 1852 e partiu para a Europa como
pensionista, primeiro em Roma, depois em Pa-
ris. Quase no final de seu pensionato, em 1861,
Meirelles, com base na carta de Pero Vaz de
Caminha, realizou a tela A Primeira Missa no
Brasil, que foi aceita e exposta no Salão de Pa-
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o visitar o Museu His- principalmente ao retrato. Apesar de
tórico Nacional, ser o único artista plástico a com-
um dos objetos bater na guerra, nunca fez pin-
do seu acer- turas históricas como Victor
vo que nos Meirelles (1832-1903) ou Pe-
chama muito a atenção é o dro Américo (1849-1905),
quadro de Pedro II pinta- seus contemporâneos.
do por Delfim da Câmara Na Enciclopédia Itaú
(Magé/RJ,1834-c.1916).Se- Cultural de Artes Visuais
gundo o Dicionário crí- encontramos a informa-
tico da pintura no Brasil, ção de que em 1885 Câ-
Delfim da Câmara, com mara lecionou desenho
apenas 14 anos, ingressou na Escola Politécnica, onde
na Academia Imperial de trabalhou até o fim da vida.
Belas Artes, sendo aluno de Expôs periodicamente re-
Manuel Joaquim de Melo tratos em estúdios e galerias
Corte Real, Costa Miranda e cariocas. Em 1896, ensina no
Corrêa Lima. Obteve vários Ginásio Nacional. Também
prêmios enquanto aluno, Victor Frond nessa década, ministra aulas
como a grande medalha de D. Pedro II, litografia, 1860-1861 no Liceu de Artes e Ofícios
ouro em pintura históri- COLEÇÃO PARTICULAR do Rio de Janeiro, tornando-
ca em 1850. Pleiteou o prêmio de viagem, mas -se membro da Sociedade Promotora das Bellas
perdeu, só ficando atrás de Victor Meirelles. Um Artes, dirigida por Bethencourt da Silva. Em 1896
segundo pleito foi tentado em 1857, também sem foi vice-presidente da Sociedade Artística, Literá-
sucesso, quando deixou a Academia, passando a ria e Científica Bethencourt da Silva. Entre 1896 e
estudar por conta própria. 1899, torna-se major. Leciona até pelo menos 1915,
Aparentemente frustrado em suas ambições quando não se encontram mais notícias suas. Ape-
como artista, transferiu-se para Porto Alegre sar de ter pintado dois retratos do Imperador, ele
pouco antes da Guerra do Paraguai, produzindo teve pouco reconhecimento e morreu provavel-
escassa pintura e alguns trabalhos em cenografia mente em 1916 no Rio de Janeiro.
e gravura. Quando eclodiu o conflito, alistou-se No retrato de Pedro II que está no MHN, Del-
como voluntário do exército da Província. Fin- fim da Câmara o pintou cercado da ciência de que
da a guerra, retornou à Corte em 1870, abrindo o retratado mais gostava: a Astronomia. Lá ele está
um ateliê à rua da Assembleia, 82, dedicando-se representado segurando um livro, em cuja página
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Angelo Agostini
Revista Illustrada n. 317, 1882
COLEÇÃO PARTICULAR
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o entrarmos em museus depa- Segundo a ficha descritiva, a peça foi feita
ramos com objetos que têm sua no século XIX. Logo após a promulgação da lei
legitimidade garantida pelo fato ou algum tempo depois? É curioso notar que,
de estarem ali. Esse valor está as- enquanto há centenas de registros sobre o espa-
sociado a seleções que ratificam a nhol Miguel Navarro y Cañizares, que finalizou
importância anteriormente atribuída a esses ar- em 1878 uma tela também intitulada Alegoria
tefatos ou que os posicionam em sistemas de re- à Lei do Ventre Livre, nenhum registro apare-
levância formulados com novo intuito. Por isso, ce em jornais publicados nas décadas de 1870
o modo como quadros, estátuas e outras peças a 1890 sobre Bressac, sua produção ou atuação
que compõem exposições são apresentados nos nos meios artísticos brasileiros, mesmo incluin-
demanda a prática de uma atitude historiadora do as variações do seu sobrenome. Em catálogos
diante do que vemos. Afinal, tudo o que está ali de arte, inexiste informação adicional acerca do
foi historicamente elaborado no passado e no suposto artista francês e das condições de feitu-
presente. Não existe uma condição natural que ra da obra – única de sua autoria localizada.
explique o destaque. Essas controvérsias, entretanto, não minam o
De perguntas simples às mais complexas, interesse pelo objeto. A maneira como a escultura
tudo cabe: Quem fez? Por quê? Quando? Como? tem feito sentido mobiliza uma série de reflexões
Onde? Em quais circunstâncias? Em que espa- acerca das políticas de memória sobre escravidão,
ços a obra circulou? Que reações suscitou? Que liberdade, pessoas negras e brancas nesta nação
impacto teve ao longo do tempo? Por que este que alcançou o bicentenário de sua independên-
objeto e não outro foi evidenciado? A busca por cia, convivendo com interdições à cidadania da
respostas tende a render interessantes debates. maioria de seu povo por força do racismo.
Façamos um exercício com a escultura Alego- Embora a placa exalte o imperador, a Lei n.
ria à Lei do Ventre Livre, cuja autoria foi atribuída 2.040 foi promulgada pela princesa Isabel, re-
a A.D. Bressac e está no Museu Histórico Nacional. gente imperial, e se popularizou por meio de
Feita em madeira e gesso, a imagem representa várias expressões. As mais comuns foram: Lei
um menino negro, magro, sorridente, de 8 a 10 do Elemento Servil, por legislar sobre possi-
anos, descalço e vestindo uma tanga. Na mão es- bilidades de emancipação; Lei Rio Branco, em
querda segura uma corrente rompida que prendia referência ao primeiro-ministro que negociou a
o pé do mesmo lado, e na mão direita impõe uma aprovação no Parlamento; e Lei do Ventre Livre,
placa em que as seguintes palavras aparecem mal por considerar ingênuos, isto é, livres, os filhos
distribuídas e desproporcionais: “Honra a D. Pe- de mulheres escravizadas. Isso sem falar em Lei
dro II – lei da emancipação de 28 de setembro de Áurea, epíteto que seria vinculado à lei de 13 de
1871 no ministerio do Vde do Rio Branco”. maio de 1888.
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coleção “Tipos da rua” foi produ- A coleção “Tipos de rua” – como ficou co-
zida pelo artista baiano Erotides nhecida – é composta por dez estatuetas, que va-
Américo de Araújo Lopes, na se- riam entre 17,5 e 20 cm de altura, e como o nome
gunda metade do século XIX. São sugere, representam tipos que eram comuns nas
poucos os dados biográficos sobre ruas das principais cidades do Brasil nas últimas
este artista. Graças aos esforços de compêndio décadas do século XIX. Quatro dessas estatuetas
da Arte Baiana de Manuel Querino, sabe-se que representam homens e as outras seis retratam
Erotides Araújo nasceu em Salvador, em 17 de de- mulheres.
zembro de 1847, e que desde sua meninice havia Dentre as figuras masculinas, todas repre-
apresentado aptidões para as artes, mas a data de sentam homens negros que ganhavam a vida
seu falecimento é desconhecida. Na juventude, nas ruas das cidades. Nelas observamos: um ido-
ele foi discípulo do artista português Beirão, es- so (provavelmente um africano) com um grande
cultor especialista em imagens de cesto na cabeça; um ganhador trans-
Nossa Senhora da Piedade. Graças portando mercadorias pela cidade;
à sua dedicação e talento, em pou- um aguadeiro, carregando água em
co tempo o pupilo aprendeu tudo o potes conhecidos como ‘porrões’;
que mestre tinha a lhe ensinar. Logo e um outro com aparência mais jo-
em seguida, passou pelas mãos de vem, com uma mala na cabeça.
José Rodrigues Nunes, que foi seu Os tipos femininos também re-
professor de desenho. tratam figuras negras igualmente
Essas duas formações foram comuns nas urbes do Brasil Império.
fundamentais para que Erotides São elas: uma mulher jovem (possi-
Araújo se tornasse um artista proe- velmente uma escravizada), vestindo
minente na Bahia do final do sé- um pano da costa nos ombros e car-
culo XIX, cujas obras chegaram a regando uma gamela com mamões
ser vendidas para Portugal e Ingla- e outras frutas; uma senhora mais
terra, como bem pontuou Manuel velha, com roupas simples e descal-
Querino na obra Artistas baianos. ça, carregando uma cesta na cabeça
Sua notoriedade se deu por meio com os peixes que vendia nas ruas;
de suas miniaturas esculpidas em uma vendedora de bananas, calçada
casca de cajazeira, e as dez estatue- e vestida com pano da costa; outra
tas que integram o acervo do Mu- vendedora de frutas, usando um
seu Histórico Nacional estão entre vestido decotado e um pano da cos-
suas obras mais conhecidas. ta cobrindo um dos ombros, usando
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Flávia Figueiredo
A
s pinceladas e imagens numa tela
podem nos revelar mais do que os
estilos dos pintores e movimentos
artísticos. Ao pararmos diante de
uma tela e observarmos, pode-
mos nos deparar com narrativas, impressões e
interpretações diversas, memórias individuais ou
coletivas, registros de uma época, seu cotidiano e
política. Este texto propõe uma leitura crítica da
pintura Domingo de festa na fazenda, entendendo
como primordial a função científica dos museus.
Ao percorrermos as galerias de exposição de
longa duração do Museu Histórico Nacional, um
pequeno quadro pode passar despercebido num
ambiente protagonizado por grandiosas pintu-
ras históricas. Exposto no módulo “Entre mun-
dos”, continuidade do módulo “Portugueses no
mundo”, a tela está bem perto da vitrine de ob-
jetos que dialogam com a cultura afro-brasileira.
A obra, óleo sobre tela, de autoria do artista
austríaco Johann Hans Nobäuer, foi adquirida pelo sileira, instalando-se no Rio de Janeiro. O acervo
MHN no ano de 1942 por meio de compra feita a do MHN possui uma série de pinturas do artista
Tarcísio Pereira Guimarães, em meio a outros que tem como tema a arquitetura colonial.
objetos de tipologias distintas. Chama a atenção o A documentação catalográfica revela que a tela
fato de a obra abordar uma cena de cotidiano dos de Nobäuer já foi exposta antes na sala “Ocaso da
tempos coloniais. Nota-se que a temática das pin- Monarquia”, em 1977. No mesmo dossiê pertencen-
turas muda, mas, ao compararmos as obras, é pos- te ao arquivo da reserva técnica do MHN encontra-
sível perceber o estilo característico do artista. mos a ficha catalográfica do ano de 1989, que apon-
Nobäuer nasceu no ano de 1893, em Viena, ta para a existência de outro título para a pintura
onde diplomou-se pela Escola de Belas Artes, em questão: Festa colonial. Este mesmo registro é
antes de participar da Primeira Guerra Mundial encontrado no processo de entrada no acervo.
como oficial de reserva da cavalaria. Em 1921 che- Diferenças de títulos à parte, a pintura está re-
gou ao Brasil em missão do governo austríaco de pleta de elementos ligados à aristocracia, à escravi-
reconhecimento e pesquisa da fauna e flora bra- zação, ao papel das mulheres e à cultura africana.
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“...esta obra não tem merecimento, senão o de ser o primeiro guia do viajante feito no
país, guia ilustrado de desenhos copiados de fotografias. Ouse esperar que ele seja de
tanta utilidade ao jovem brasileiro, desejoso de instruir-se, como ao estrangeiro que
se dará por satisfeito de levar uma lembrança desta terra admirável...”1
E
stas são palavras do fotógra- estrada União e Indústria. Esse guia foi a
fo franco-alemão Re- primeira publicação com fotografias
vert Henrique Klumb totalmente produzidas e litogra-
(c.1826-c. 1886), que fadas no Brasil. Klumb dedicou
estão no prefácio e presenteou essa primorosa
da obra Doze horas em diligên- obra à imperatriz Teresa Cris-
cia – Guia do viajante de Petró- tina (1822-1889) em 1870:
polis a Juiz de Fora, de 1872,
considerado o primeiro guia “Sou talvez muito presunço-
turístico impresso do Brasil. so ousando oferecer a Vossa
O que muita gente não sabe é Majestade a dedicatória deste
que o original manuscrito des- opúsculo; entretanto ouso es-
se guia, datado de dezembro de perar que Vossa Majestade me
1870, encontra-se preservado no fará a graça insigne de aceitá-
Museu Histórico Nacional (MHN) -la, ainda que não fosse, senão
e é sobre esse documento que fa- para servir de incentivo ao sen-
remos algumas reflexões. Revert Henrique Klumb
timento que me inspirou.”2
Autorretrato, s/d
O guia original é encaderna-
BIBLIOTECA NACIONAL
do com luxuosa capa de couro, Ele era conhecido como o
detalhes dourados, com a coroa e o brasão do fotógrafo preferido da família imperial brasi-
Império do Brasil. As 69 páginas de textos, es- leira. Quem sabe o protegido da Imperatriz? É o
critas em português e francês, descrevendo de- que inferimos de um trecho de sua dedicatória:
talhadamente a viagem, são ilustradas com 20 “No benévolo acolhimento de Vossa Majestade
fotografias em albumina. que já se dignou a fazer tanto por mim...”.3
A versão impressa de 1872 sofreu modifica- O interesse de D. Pedro II (1825-1891) por no-
ções feitas pelo autor: as fotografias passaram a vas descobertas é fundamental para o desenvol-
ser litografadas e ele ainda incluiu outras nove, vimento da fotografia no Brasil e para o apoio aos
além de uma planta do perfil e longitudinal da fotógrafos. Klumb foi professor de fotografia da
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N
ão havia no Rio de Janeiro de ou- óleo, sem autoria registrada. Interessante notar
trora rua mais famosa e borbu- que, diferentemente dos impressos efêmeros,
lhante quanto a rua do Ouvidor. sua dimensão e técnica pretendiam lhe conferir
Desde o século XIX, foi o coração maior perenidade e a reputação de uma pintura,
do comércio de luxo e dos cafés gênero artístico de prestígio. Foi feito para durar
da moda, para onde convergiam os principais e ser admirado.
produtos importados que chegavam ao porto da O letreiro se encontra na seção Cidadania
cidade. Artéria privilegiada ‘para ver e ser vis- no percurso museológico, apresentando a im-
to’, por onde desfilavam as mulheres elegantes, portância do comércio para a economia e a
os intelectuais, profissionais liberais e rapazes cultura na cidade, as transformações dos bens
janotas, além de abrigar as redações dos prin- de consumo e o advento da serialização e dos
cipais jornais cariocas e importantes livrarias. eletrodomésticos que tanto afetaram as tarefas
Nessa via fervilhante, referenciada por Machado cotidianas nos lares.
de Assis, Coelho Neto, Luiz Edmundo, e digna No século XIX e primeiras décadas do século
das memórias de Joaquim Manuel de Macedo, XX, para além das vitrines pejadas de objetos, as
localizava-se um dos mais célebres e longevos lojas tinham por hábito expor toda a mercadoria
estabelecimentos comerciais, a Loja da América que conseguisse ficar à vista, restando muitas
e China, fundada em 1840. vezes pouco espaço para o trânsito dos fregue-
No Almanak Laemmert, pelos anos de 1870, ses. Quantidade e variedade eram fatores im-
era classificada como “Lojas de quinquilharias, portantes e encontrar aquela enorme quantida-
casquinhas, bandejas, bronzes, lustres, lam- de de artefatos era como um parque de diversão
peões, crystaes, cutelarias, bolas para bilhar, para o olhar.
brinquedos etc.”, um típico bazar em que tudo A loja ocupava um prédio de 9 m de frente
se vendia: de máquinas a sabão, de móveis a ve- por 32,35 m de comprimento, com três pavimen-
las, de porcelanas, pratas e cristais a ventarolas, tos e um sótão, desde a reforma de 1917. Possuía
de esculturas a rolos de papel higiênico; de per- no térreo duas portas de entrada, ladeadas por
fumes a desinfetantes e ao indefectível chá. vitrines, três vãos nos pavimentos superiores e
O letreiro, de grandes dimensões (3,37 x 1,74 áreas internas em forma de cruz de malta para
m), foi doado em fins de 2019 ao Museu Histórico garantir iluminação e aeração eficientes. Em
Nacional por Gilda e Tomas Zinner, sob o patro- rara fotografia de seu interior, realizada por
cínio do Instituto Vassouras Cultural, e restaura- Augusto Malta, ao fundo da loja, destacava-se o
do pelo saudoso pintor e professor Claudio Valé- letreiro da empresa. Era o único espaço disponí-
rio (falecido em 2021), que também o guarneceu vel, já que as paredes laterais eram cobertas por
com uma baquete que arremata a tela, pintada a altos armários envidraçados.
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O
óleo sobre tela Retrato de André para evitá-las, o que acabou determinando uma
Rebouças está exposto na linha do virada de posição dos conservadores paulistas e
tempo sobre a abolição no Museu possibilitando a nomeação pela regente de um
Histórico Nacional. É obra de pe- ministério favorável à abolição.
quena dimensão em moldura oval A linha do tempo termina em 13 de maio de
de 48 cm de altura por 40 cm de largura. 1888, informando que nesse dia a lei Áurea foi
A legenda da exposição a ressalta como um assinada pela princesa Isabel. A assinatura foi
dos poucos trabalhos em pintura do escultor Ro- decorrência da aprovação da lei na Câmara e
dolfo Bernadelli (1852-1931) e apresenta uma bre- no Senado imperial na mesma data, sob pressão
ve notícia biográfica do engenheiro abolicionista dos estandartes da confederação abolicionista e
retratado (1838-1898). O quadro está ao lado de de uma multidão nas ruas, o que foi registrado
uma placa de 1910, comemorativa da conquista da por André Rebouças em seu diário. Multidão e
abolição da escravidão no Ceará, pelo movimen- estandartes aparecem registrados na foto, em
to abolicionista, em 1884. As duas imagens estão formato pequeno, da missa campal comemorati-
precedidas por uma grande alegoria da abolição, va de 17 de maio que encerra a série de imagens.
sem data, com a imagem de uma mulher sentada O retrato de André Rebouças é de 1897, se-
no trono e um anjo no céu. São sucedidas por um gundo os documentos da doação, feita por Hen-
imponente retrato a óleo do Barão do Cotegipe, rique Bernadelli, de 35 obras de seu irmão ao
autor de um dos cinco votos no senado imperial MHN, em 1932, em sua maioria, esculturas.
contrários à lei da abolição. Está apresentado Rodolfo Bernadelli, nascido no México e na-
como autor da lei Saraiva-Cotegipe, que eman- turalizado brasileiro, foi escultor e pintor. Seus
cipou os escravizados sexagenários em 1885. Ela pais foram preceptores das princesas imperiais
foi aprovada com indenização de cinco anos de e ele e o irmão estudaram na Academia Impe-
serviço aos senhores, o que adulterava o projeto rial de Bela Artes (AIBA). Completou os estudos
original apresentado pelos abolicionistas e o ga- como pensionista imperial na Itália de onde re-
binete Dantas e estava atrelada a uma legislação tornou, em 1885, no auge da campanha abolicio-
de repressão ao movimento. nista. Participava das conferências organizadas
André Rebouças e Cotegipe eram adversários pela Confederação Abolicionista da qual Rebou-
na política e desafetos na vida. De 1885 a 1888, Co- ças era um dos dirigentes e foi membro entu-
tegipe foi chefe de um gabinete assumidamente siasmado da Associação Abolicionista Artística.
escravista, responsável por três anos de repressão Próximo à família imperial, renunciou à posição
violenta ao abolicionismo e às fugas de escraviza- de professor da Aiba, com a Proclamação da Re-
dos. O gabinete caiu em março de 1888 em meio pública. Pouco tempo depois, foi convidado a
às fugas em massa e à generalização das alforrias voltar ao cargo, no qual desenvolveu o projeto
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que resultou na criação da Academia Nacional e não voltou com vida ao Brasil. Morou dois anos
de Belas Artes – e dela foi diretor por 25 anos. na Europa, viajou por mais dois anos pela África e
Em 1897, André Rebouças se encontrava já estabeleceu-se em 1893 na Ilha da Madeira. Ali foi
bastante doente em Funchal, na Ilha da Madeira, encontrado morto em 1898. Seu corpo foi embal-
onde viria a morrer no ano seguinte. Em 1888, ele samado e retornou ao Rio de Janeiro para os fune-
se reaproximara da família imperial com a que- rais, onde recebeu grandes homenagens.
da do gabinete escravista de Cotegipe no mês de O retrato foi feito por encomenda do enge-
março. Em 1889, Rebouças considerou a queda da nheiro Paulo de Frontin para ser colocado no es-
monarquia uma ação dos interesses escravocratas critório das Docas Pedro II, projetadas e parcial-
contrariados pela abolição sem indenização aos se- mente construídas por Rebouças. André registra
nhores. Partiu com a família imperial para o exílio a homenagem em uma de suas cartas de Funchal.
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O
vaga-lume, chado de Assis inicia um
uma estrela, dos parágrafos sobre a vida
a lua e o sol. de Aires, um dos principais
Estes, pode- personagens da sua obra.
-se dizer, são Um relicário doméstico. Um
os ‘personagens’ do poema museu particular na sala de
“Círculo vicioso”, o segun- visita, para conter “retratos
do que Machado de Assis velhos, mimos de gover-
inseriu no livro Ocidentais. nos e de particulares, um
A trama é a seguinte: o va- leque, uma luva, uma fita e
ga-lume diz que gostaria outras memórias femini-
de ser uma estrela, a estrela nas, medalhas e medalhões,
diz que bom mesmo é ser camafeus...”. E, como não
a lua, a lua diz que nada se poderia deixar de ser, num
compara com o sol, o sol espaço assim composto,
argumenta que o seu bri- “pedaços de ruínas gregas
lho pesa demais e, por isso, Machado de Assis em 1904 e romanas”. Também como
se pergunta: “Por que não ACERVO ARQUIVO NACIONAL, FUNDO
não poderia deixar de ser, a
nasci eu um simples vaga- CORREIO DA MANHÃ
descrição vai em frente sem
-lume? Sobre esse caminho perder a oportunidade de
que não começa nem termina, com volta e sem alguma ironia: “uma infinidade de cousas que
volta ao mesmo tempo, Manuel Bandeira disse não nomeio, para não encher papel”.
que o tema central era “a universal insatisfação Nada pior do que concluir que o autor esta-
dos seres eternamente presos à sua condição”. va transpondo para a ficção a realidade da sua
O que dizer, então, de uma folha contendo o vida. Mas não é difícil mostrar como a existên-
manuscrito assinado do poema “Círculo vicio- cia de relíquias e relicários pessoais estava pre-
so”? Hipótese: nesse manuscrito e em outros lu- sente em seu horizonte, principalmente quan-
gares, Machado de Assis desejava que sua assina- do a idade se tornava mais avançada.
tura resistisse ao tempo. Que chegasse ao futuro, Em agosto de 1905, em carta a Joaquim
por obra de algum círculo virtuoso, pronto para Nabuco, ele disse: “O que a Academia, a seu
vencer a corrosão de cada dia, como ocorre com conselho, me fez ontem, basta de sobra a com-
as relíquias. A palavra-chave é relicário. pensar os esforços da minha vida inteira”.
“Mandou fazer um armário envidraçado, Sentindo o peso da idade e a ausência da espo-
onde meteu as relíquias da vida...” –assim Ma- sa, o que lhe deu tal compensação? Nada mais
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A
n t ô n i o medalha de ouro pelo exce-
Fra n c i s c o lente desempenho. Em se-
Braga, com- guida, iniciou seus estudos
positor, re- de contraponto e harmonia
gente e pro- com o professor Carlos de
fessor, nasceu em 15 de abril Mesquita – propagador da
de 1868 no Rio de Janeiro, e escola francesa de Jules
faleceu em 14 de março de Massenet, Saint-Saëns e
1945, na mesma cidade. Ne- Léo Délibes.
gro, de origem pobre, órfão Em 1887, apresentou
de pai, iniciou sua formação sua Fantasia-Abertura para
musical aos 8 anos de idade, orquestra, na Sociedade
a partir de 1876, no Asilo dos de Concertos Populares
Meninos Desvalidos – insti- – associação idealizada
tuição de educação primária por Carlos Mesquita. Essa
e profissional que oferecia composição foi apresenta-
aulas de música e contava da outras vezes na mesma
também com uma banda, associação, rendendo boas
frequentemente contratada críticas e uma imagem
para realizar apresentações promissora do seu jovem
no município da corte, o que compositor. Em 1888, além
gerava recursos para a insti- do posto de mestre da Ban-
tuição e era uma prática de Autor desconhecido
da do Asilo de Meninos
Francisco Braga em fotografia de divulgação, 1940
iniciação profissional. Desvalidos, Braga tornou-
COLEÇÃO PARTICULAR
Graças à sua grande de- -se também professor da
senvoltura musical, Francisco Braga foi convi- instituição. Em 1889, participou do concurso
dado a integrar a banda, onde ocupou a posição promovido pelo primeiro governo republicano
de contramestre e, mais tarde, de mestre. Já nes- para a escolha de um novo hino nacional. Esse
se período começou a criar suas primeiras com- concurso gerou grande debate e resultou na
posições, o que chamou a atenção do diretor da manutenção daquele que foi composto duran-
instituição, e este o encaminhou para o Imperial te o período imperial e na criação de um Hino
Conservatório de Música, onde se matriculou da República. Foram selecionados para a fase
na classe do professor Antônio Luiz de Moura final do concurso: Leopoldo Miguez, Alberto
e formou-se em clarineta em 1886, recebendo Nepomuceno, Jerônimo de Souza Queirós e
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O
imperador Pedro II tem ampla tauro, a legenda mostra a importância figurati-
representação iconográfica no va dos rasgos. O profissional Juarez Guerra, da
acervo do Museu Histórico Na- Reserva Técnica, contesta sobre o ato ter sido
cional (MHN). Entretanto, desde realizado por espada de militar de alta patente, e
a inauguração do museu em 1922 sim por sabre com lâmina de um gume – devido
uma pintura sem autoria conhecida está em ao esgarçamento dos cortes: a de um gume era
exibição. Trata-se de um quadro decorativo do das baixas patentes, enquanto a de dois gumes
gabinete do Ministério da Guerra, com Pedro II era usada pelas altas patentes.
fardado de marechal. Apesar de não haver deta- Mesmo em outros documentos comprova-se a
lhamento de sua procedência e estado quando importância de manter o quadro com o rosto des-
foi adquirida, seu diferencial está nos rasgos no figurado como símbolo do golpe republicano. Em
rosto do então imperador, manifestando o mar- artigo da museóloga Jenny Dreyfus, a mensagem
co histórico do golpe civil-militar republicano do quadro é exaltada: “Historicamente, este qua-
em 15 de novembro de 1889. dro tem grande valor. Achava-se na sala de honra
Atualmente, o quadro traz pinceladas com do Quartel General, tendo sido rasgado a sabre,
tinta acrílica cinza insinuando os rasgos. Essa pela turbamulta [multidão] exaltada, por ocasião
intervenção foi realizada entre 2002-2003, após da proclamação da República. Conserva bem níti-
uma restauração indevida que retirou os cortes. do o rasgão no rosto e nos bordos da tela.”1
Sem os rasgos, o quadro, então, tornou-se mais Em artigo, Zamorano Bezerra aborda a tra-
uma dentre as tantas representações de Pedro II jetória da tela na instituição e comenta uma res-
do acervo, perdendo seu diferencial e fonte de tauração de 1960: “pode-se supor que entre suas
testemunho histórico. Essa restauração causa prioridades não estavam as ‘marcas históricas’
estranhamento entre funcionários e pesquisa- do ocaso da monarquia”.2
dores: seria uma decisão técnica, alinhada com No entanto, na análise dos relatórios gerais
preceitos de preservação de restituição do origi- de 1959, o relato da equipe de Restauração indi-
nal? A restauração teria se dado devido à dificul- ca que não houve a reconstituição da pintura ao
dade de acesso à documentação antes da digita- seu original: “O quadro de D. Pedro II retalha-
lização do banco de dados na década de 1980? do a golpes de espada no dia 15 de novembro de
Ou haveria razões políticas para que Pedro II 1889, em péssimo estado, foi mandado à restau-
não fosse exposto desfigurado? ração. Esta foi feita respeitando, no entanto, o
Em documentação de 1975, numa fotografia estrago feito pela depredação popular que será
do quadro sem rasgos, consta a legenda: “Reta- marcado de um modo especial.” Portanto, além
lhado a espada e lança no Ministério da Guerra da primeira restauração relatada em 1959, hou-
em 15 de novembro de 1889”. Apesar do res- ve uma segunda que não consta em relatório. Na
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Antônio Lassance
E
ra uma figura histórica distinta, O vocábulo “presidência”, oriundo do latim
elegante e imponente. Ao dar en- praesedere (preceder), já denota o simbolismo
trada em sua aposentadoria, após das mesas. Presidir é tomar assento à mesa pre-
35 anos de serviços prestados, foi cedendo as demais pessoas, ocupando seu cen-
descrita como de 1,60 de altura, tro ou sua ponta, encabeçando-a. Mais que isso,
tom castanho escuro, longas pernas lisas e três presidir é sentar-se para comandar os trabalhos
estrias na parte inferior. Ostentava no peito ou uma cerimônia – a começar, convidando ou
um medalhão, entre outros adereços de estilo convocando quem possa ou deva estar à mesa; a
eclético. Ela recolheu-se em definitivo aos seus palavra; distribuindo privilégios e obrigações.
aposentos no dia 18 de outubro de 1926. Embora É exercer a prerrogativa de mestre de cerimô-
fosse primavera, desfolhava-se o outono político nias diante de um público que participa e legiti-
da Primeira República (1889-1930). ma o ato e testemunha anúncios e decisões.
Era a mesa da Constituinte de 1891. Um ma- A função de presidente de mesa, sempre es-
jestoso objeto em madeira com muita coisa a di- sencial à condução de assembleias populares e
zer e, certamente, muitos segredos guardados, de trabalhos legislativos, aos poucos foi se desta-
o que suas gavetas vazias evitavam confessar. cando como função executiva. Foi a partir da ex-
A compleição e a topografia da mesa diretora da periência dos Estados Unidos da América, com
Constituinte de 1891 já impunham um recado. a Constituição ratificada naquele país em 1788,
Como uma requintada moldura a enquadrar os que a figura do presidente mudou de patamar.
que eram postos em foco, ocupando a posição O cargo passou a ser reconhecido pelo exercício
central do plenário para obrigatoriamente atrair de outro poder de Estado, com legitimidade e
a atenção de todos, somada à sua visão mais ele- forma de escolha próprias, distintas daquelas do
vada em relação à plateia, este mobiliário trans- Legislativo. Nascia assim o chamado presiden-
formava-se em uma espécie de pedestal. Quem cialismo. Em 1891, nessa mesma mesa, a política
o ocupasse, literalmente, ganhava maior relevo. e o Estado brasileiro estavam sendo reinventa-
A mesa da Constituinte é na verdade um dos. A República, o federalismo e o presiden-
móvel que conjuga uma parte central, mais alta, cialismo já haviam sido proclamados desde o
a duas laterais. O centro estava obviamente re- primeiro decreto de Deodoro da Fonseca, de 15
servado à autoridade mais importante, que pre- de novembro de 1889, mas, verbis, “provisoria-
sidia os trabalhos de discussão e votação. Cola- mente”, até que ocorressem congressos cons-
das a esse tronco estavam, em nível mais baixo tituintes do Brasil e de cada um dos estados da
(1,40 m de altura), duas partes laterais, acopladas federação.
como braços, prontos a auxiliar o presidente da A Constituição Federal iria sacramentar
mesa em suas funções e sob seu comando. as bases da Primeira República, consolidar o
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O
s brasileiros que guier, que os visitantes cor-
quisessem co- riam o risco de contraírem
nhecer o Pano ali a febre amarela. As ima-
rama do Rio de gens, palpáveis e simbólicas,
Janeiro no in- efêmeras ou duradouras, es-
terior de uma rotunda nas petaculares e, por vezes, tão
proximidades da Exposição sombrias, evocavam muitas
Universal de Paris de 1889 histórias...
poderiam fazê-lo sem sair A fotografia de Juan
da própria cidade. A obser- Gutierrez, com outra pers-
vação, em tom de troça, era pectiva, lança o espectador
do escritor português Jayme na vida que pulsa para além
de Séguier: “a moda dos pa- da “perfeita ilusão”. Esco-
noramas está pegando de tal lhendo o nível do mar, o
maneira que dentro em bre- fotógrafo posicionou sua
ve ninguém se incomodará câmera nas Docas do Mer-
em viajar”.1 Na seção “Ver, cado, obra do engenheiro
ouvir e contar” do Jornal Agostinho Victor de Borja
do Commercio, ele sugeria Castro para facilitar a an-
aos leitores que subissem o coragem de embarcações
morro de Santo Antonio e, na movimentada Praia do
de lá, contemplassem a pai- Peixe. O dique e a praia fi-
sagem ao redor, pois “tanto monta ver a tela, cavam diante do principal mercado público da
como o objeto que ela representa”.2 cidade, inaugurado em 1841. Projetado pelo ar-
O local tinha sido o ponto de vista escolhido pe- quiteto francês Grandjean de Montigny, o edi-
los pintores Victor Meirelles de Lima e Henri Lan- fício ganhou novo pavimento e ampliações nos
gerock para a visão panorâmica, em 360º, da capi- anos seguintes, mas não resistiu às exigências
tal do Império. O empreendimento concretizava de “regeneração” e “embelezamento” da capital
uma parceria artística e comercial, inaugurada em federal em princípios do século XX. O Merca-
Bruxelas, em 1888. Chegando ao Rio de Janeiro, a do da Candelária, ou “mercado central”, como
rotunda foi instalada diante do Largo do Paço, local legendou o fotógrafo, só ficaria de pé até 1911.
emblemático da vida política do país, hoje Praça O Morro do Castelo, visto ao fundo, desapare-
XV de Novembro. A “perfeita ilusão” provocada ceria da paisagem carioca pouco depois, aten-
pelo Panorama era tão convincente, ironizava Sé- dendo às mesmas exigências.
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A
área hoje ocupada pelo Museu O impacto provocado pelo atentado ganhou
Histórico Nacional (MHN) é lu- os jornais e revistas da época. Estas últimas, em
gar de referência para a cidade particular, marcadas pela interação entre textos
do Rio de Janeiro enquanto mar- e imagens, consagraram uma fórmula de suces-
co representativo do poder, palco so, promovendo a renovação da cultura visual
de importantes eventos, espaço indissociável no Brasil e a expansão da imprensa como um
do antigo centro urbano. A partir do momen- todo. O fenômeno explica a presença na capital
to em que a cidade se torna sede da monarquia de cerca de 250 oficinas que produziam litogra-
portuguesa, a defesa contra os ataques externos fias, técnica muito utilizada pelos artistas no
determina a construção do Arsenal de Guerra século XIX, transformando o Rio de Janeiro em
ou Arsenal Real. Graças à sua localização estra- um polo de atração para artistas brasileiros e es-
tégica, a área escolhida é aquela junto à Ponta trangeiros – entre eles, Angelo Agostini.
do Calabouço, próxima ao Forte de São Tiago da Agostini é o autor do desenho sobre a tenta-
Misericórdia. No dia 5 de novembro de 1897, a tiva de assassinato do presidente que serviu de
atenção do país se volta para um episódio dra- base para a gravura (70 x 45 cm) em preto e bran-
mático ocorrido no Arsenal de Guerra do Rio de co, produzida em litografia.. Na qualidade de
Janeiro: o atentado contra o Presidente Pruden- registro de um fato histórico em uma narrativa
te de Morais, quando este recepcionava o Gene- quase jornalística, essa imagem também serve à
ral João da Silva Barbosa ao voltar – vitorioso divulgação do ideal republicano.
– da Guerra de Canudos. Naquele momento, a A história de Angelo Agostini (1843-1910)
tensão política marcava a vida da capital. “Não tem início na cidade italiana de Vercelli, onde
seria exagero dizer que a cidade do Rio de Janei- nasceu; ainda criança, sua família se transferiu
ro passou, durante a primeira década republica- para a França; e em 1864, ele se mudou para o
na, pela fase mais turbulenta de sua existência”, Brasil. Para o sucesso do artista contribuiu o fe-
observa o historiador José Murilo de Carvalho. liz cruzamento de múltiplas influências. Graças
Ainda durante o governo Floriano surgem à formação acadêmica francesa, a qualidade da
rupturas no interior do Partido Republicano, produção gráfica de Agostini se manifesta já na
dividido entre os radicais florianistas e a oligar- breve estada em São Paulo, onde colabora, como
quia cafeeira. A eleição, em 15 de novembro de gráfico, em periódicos como o Diabo Coxo e Ca-
1894, de Prudente de Moraes como presidente brião, e vem atingir sua plena expressão no Rio
vem acirrar essa polarização. Representando de Janeiro, para onde se transfere. Nesta cidade,
a vitória da oligarquia cafeeira paulista, sua as- Agostini se destaca como jornalista, repórter
censão marca a passagem do poder das mãos dos e editor, criador e administrador de revistas.
militares às dos civis. É o caso da Revista Ilustrada, fundada por ele
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G
osto de passear pelo passado. Sin- Guerras, festas, revoluções, Woodstock, lá
to-me abduzido pelos deuses astro- estive. Conheci as capitais do mundo... um pou-
nautas a correr por momentos e fa- co do império português.
tos históricos de nossa civilização. E de maneira lúdica, bebi no Beco das Garra-
Não vivi há dez mil anos como Raul fas, até ensinei Elizeth Cardoso a escolher, junto
Seixas, mas estive em vários lugares quando a com Tom e Vinicius, o repertório de Canção do
história teimava em acontecer. E em várias eras, amor demais. Joguei com Garrincha. Vivi dra-
da antiguidade à Bossa Nova. mas e tragédias.
Estive em Pompeia quando a cidade foi afo Na política, escrevi sobre a ascensão e que-
gada por um mar de cinzas vulcânicas. Essa da de vários líderes. Perplexo, vi triunfar uma
sensação, quase concreta, tomou conta de mim nulidade. No mundo real, mergulhei em muitas
quando me sentei numa ruela das ruínas da ci- águas, o que me ajudou a ser mais tolerante.
dade e olhei para o Vesúvio. Escapei das lavas do Mas o que essa longa digressão tem a ver com
vulcão. Mas não de Os últimos dias de Pompeia, a porta do Jornal do Commercio? Bom, se você
do inglês Edward Bulwer-Lytton, publicado pela chegou até aqui, vá até o fim. Por uma analogia
primeira vez em 1834, um livro, um romance fic- singular, concluí que a porta de um jornal é a en-
cional e histórico. trada do conhecimento, da história – ainda que
Adolescente, quase menino, me apaixonei superficial. Foi através dos meios de comuni-
pelo passado. A partir daí, passei a girar o mun- cação, com a hegemonia dos jornais impressos
do imaginário e real. Com os livros, conheci – até o final do século XX, pelo menos – na pro-
a Grécia antiga, a Macedônia de Alexandre, o dução de notícias, que grande parte da popula-
Grande, o Egito, a Pérsia... e entrei vitorioso em ção conheceu outros mundos, mares, religiões,
Roma depois de derrotar Cartago. Participei culturas diversas, guerras e vitórias.
das grandes navegações, pisei no novo conti- Atravessar a porta de um jornal, virtual ou
nente antes de Cabral, ajudei a plantar a cruz fisicamente, é ser apresentado ao mundo, com
lusitana na praia do Marco, no litoral do Rio suas imperfeições, inclusive do próprio jornal.
Grande do Norte. É diferente de entrar em uma livraria, onde
Caminhei com o bruxo do Cosme Velho ten- você pode virar até um especialista com muito
tando confirmar a traição de Capitu, estive com conhecimento específico.
Vargas Llosa na Catedral e percorri as vielas de Sem ter sido abduzido ou estar sonhando,
Cartagena das Índias numa reportagem de Ga- entrei profissionalmente pela primeira vez em
briel García Márquez. Foram muitos episódios um jornal em 1982, há exatos 40 anos. Tinha
antes e depois de cavalgar com D. Sebastião na acabado de concluir a faculdade e carregava a
batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos. arrogância do jovem que quer consertar o mun-
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AO LADO:
Augusto Malta
O Jornal do Comercio na Avenida Rio Branco, em 1941
ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
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O
Álbum da Exposição leções particulares e em instituições.
Nacional de 1908 Suas imagens dizem muito sobre
pertence ao acer- as mudanças ocorridas no cená-
vo do Museu rio urbano, no dia a dia da cida-
Histórico Na- de e sobre os homens, mulhe-
cional (MHN) e apresenta 67 res e crianças que circulavam
fotografias em preto e bran- na então capital da República.
co, de diferentes tamanhos, As fotos de Malta da Ex-
de autoria de Augusto Cesar posição Nacional de 1908,
de Malta Campos, o Augusto que constam do álbum em
Malta. O exemplar integra a Co- questão, são quase todas pano-
leção Miguel Calmon du Pin e râmicas, apresentando a monu-
Almeida (1879-1935), engenhei- mentalidade das construções e
Anônimo
ro e político baiano que, na épo- do próprio espaço ocupado pe-
Retrato de Austo Malta, S.D.
ca em que ocorreu a exposição, ARQUIVO GERAL DA CIDADE
los pavilhões. Preocupado em
era ministro da Viação e Obras DO RIO DE JANEIRO
registrar um número expressi-
Públicas. A coleção que abriga o vo de visitantes ao evento, ele
álbum foi doada por sua viúva, Alice Porciúncula, privilegiou ângulos que permitem ter a noção
em ato de “patriótica doação”, segundo o diretor exata de quem frequentou a exposição, as vesti-
do MHN à época, Gustavo Barroso. 1
mentas, as atividades que ocorriam em meio aos
O álbum é encadernado em capa de couro, códigos de postura que garantiam a ordem inter-
como outros livros da mesma coleção, com ex na e deixava de fora os indesejáveis da sociedade.
libris do próprio Miguel Calmon e fotografias A exposição em 1908 comemorava os cem
coladas em papel, o que nos permite inferir que anos do que seria a inserção definitiva do Brasil
foi organizado pelo fotógrafo e doado a Miguel no mundo “civilizado”, deixando para trás um
Calmon, ou organizado a partir das fotografias passado que, desde as reformas urbanas imple-
de Malta. Tais informações são interessantes já mentadas pelo prefeito Pereira Passos, buscava-
que, embora concebidos de forma diferente da -se apagar, dado que remetiam a um tempo a ser
dos álbuns oficiais das exposições, esses livros superado, o colonial. Com duração de 11 meses,
obedecem também a um desejo de guardar as o evento pretendeu comemorar o fim do Pacto
memórias do evento. Colonial e a consequente Abertura dos Portos.
Malta foi um fotógrafo que associamos imedia- E também inventariar o país, demonstrando
tamente à cidade do Rio de Janeiro. Seus registros o progresso de uma cidade que fora saneada e
estão presentes em revistas, guias, álbuns em co- urbanizada, mesmo que deixando de fora os tra-
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Augusto Malta
Vista da Exposição Nacional de 1908
BIBLIOTECA NACIONAL
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N
o início do século XX, o automó- trial (do aço), as autoridades governamentais,
vel parecia combinar com o Rio integrantes do governo Afonso Pena, não medi-
de Janeiro recém reformado pelo riam esforços para compor o cenário de tão im-
então prefeito Pereira Passos; um portante mostra, o automóvel, não poderia ser
Rio das grandes vias, da avenida esquecido. Eram esperadas para a ocasião visitas
Central, da avenida Beira-mar, do novo cais do de altas personalidades. O então ministro da Re-
porto. Em 1908, a cidade reformada parecia es- lações Exteriores, Barão do Rio Branco, homem
tar pronta para receber e realizar grandes even- considerado de gosto refinado, que havia sido
tos nacionais e internacionais. nosso representante diplomático na Alemanha
O ano era do centenário da Abertura dos Por- (1901-1902), fez com que o governo comprasse
tos, considerado marco inicial no processo da In- daquele país, líder da chamada Revolução do
dependência do Brasil, servindo perfeitamente Aço na Europa, quatro automóveis da marca
de pretexto para comemoração em grande estilo. Protos, modelo 17/35 PS Landaulet, cujo motor
Para isso, as autoridades da época idealizaram a a manivela atingia a velocidade de 80 km por
realização de uma grande Exposição Nacional, hora, rodando 3,3 km por litro de gasolina. Mo-
que teria lugar aos pés do Pão de Açúcar, em mea- delo de linhas elegantes, com capacidade para
dos daquele ano. Pretendia-se que tal Exposição seis passageiros, com carroceria em madeira,
fosse vitrine do progresso do Brasil, tendo o Rio para-lamas em aço, estofamento, capota traseira
como cenário. Importante observar que “a cidade saias laterais em couro manufaturado.
do Rio de Janeiro abre o século XX defrontando- Em 1º de abril de 1908, os automóveis foram
-se com perspectivas extremamente promissoras. encomendados à Motoren-Fabrik protos Gmbh,
Aproveitando-se de seu papel privilegiado considerada, na época, uma das mais famosas
na intermediação dos recursos da economia marcas da Alemanha. Os veículos destinavam-
cafeeira e de sua condição de centro político -se um à Presidência da República, outro ao
do país, a sociedade carioca viu acumular-se no Ministério da Guerra e dois ao Ministério das
seu interior vastos recursos enraizados prin- Relações Exteriores. Findadas as comemora-
cipalmente no comércio e nas finanças, “mas ções, o Barão do Rio Branco passou a usar um
derivando já também para as aplicações indus- dos automóveis do MRE até a sua morte, em 10
triais.”1 A cidade do Rio de Janeiro era, portanto, de fevereiro de 1912 – depois disso, “o automóvel
o maior centro comercial do país, 15º porto do – único dos quatro protos de que atualmente se
comércio mundial, terceiro porto do Continen- tem notícia – foi transferido para a Alfândega da
te Americano.2 E, para mostrar um Rio-cidade- Capital, sendo vendido em 1916 ao Comando da
-capital moderna, que sabia apreciar todos os Brigada Policial da Capital Federal, hoje Polícia
inventos técnicos da segunda revolução indus- Militar do Estado do Rio de Janeiro.”3
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só a carroceria, como também a parte mecânica. Anúncio para os Carros Protos, 1910
LIBRARY OF CONGRESS, WASHINGTON
O objetivo seria colocar o automóvel funcionan-
do novamente. Nessa ocasião, o Museu Histórico
Nacional contava com a Associação dos Amigos oficina em São Paulo, especializada em carros
do MHN, que promoveu campanha para restau- antigos.
ração do Protos, mobilizando associados, consu- A restauração da parte mecânica foi bem-su-
lados, instituições culturais, empresas públicas cedida e, em julho de 1995, o Protos começou a
e privadas. rodar no pátio da Mercedes-Benz. Em novem-
Primeiramente, foi realizado “levantamento bro de 1996, o automóvel retornou ao MHN.
das informações técnicas e históricas do veículo, O Protos como um dos principais exempla-
com consultas ao Deutsches Museum e ao Sie- res da coleção de meios de transporte terrestres
mens Museum, na Alemanha.”6 Constatou-se do MHN pôde ser visto na exposição Do móvel
que haveria possibilidade de recuperação me- ao automóvel, no andar térreo do MHN.
cânica do motor, caso se conseguisse um mag-
neto-distribuidor Bosh (coração do sistema de
ignição do motor). 1> SEVCENKO. N. Literatura como Missão. 3 ed. São Paulo: Brasi-
liense, 1989, p. 27.
2> Idem, ibidem.
“O Museu Amsterdam Sauer envolveu-se no 3> Catálogo da exposição Na velocidade do Protos, 1996, p. 42.
4> Idem, ibidem.
projeto, doando ao Deutsches Museum um mi- 5> Idem, ibidem.
neral brasileiro para completar a sua coleção, 6> Folheto da exposição Na velocidade do Protos, 1996.
7> Idem.
em troca desse magneto, retirado do único outro
exemplar do Protos ainda existente no mundo,
mas sem condições de recuperação mecânica,
pertencente ao acervo do museu alemão.”7
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A
redescoberta do Indústria e Comércio (MAIC) e
Relatório Figuei- cientistas do Museu Nacional,
redo, em 2013, no Rio de Janeiro. Entre os po-
colocou em des- sitivistas, as atividades das Co-
taque o Serviço missões de Linhas Telegráficas
de Proteção aos Índios (SPI), no Mato Grosso tinham dado
mais de cem anos após sua cria- notoriedade ao engenheiro mi-
ção. Resultado de um inquérito litar Cândido Mariano da Silva
no órgão, realizado entre 1967 Rondon.
e 1968, o relatório revelou um Rondon participou dos de-
quadro agudo de corrupção, bates e polêmicas sobre o desti-
omissões e violências pratica- no a ser dado às populações in-
das por agentes do SPI, atingin- dígenas do Brasil, defendendo a
do índios de todas as regiões do sobrevivência física dos índios e
país na década de 1960. a convivência pacífica com eles.
Foi também num contexto Para isso, os indígenas seriam
de violência contra indígenas fixados à terra e estimulados
que surgiu o SPI. Entre as ini- a adotar hábitos “civilizados”.
ciativas que marcaram a pri- Com o trabalho agrícola, contri-
meira década do século XX no buiriam para a produção rural
Brasil, havia a construção de brasileira, fortalecendo um sen-
ferrovias, a localização de imi- Autor desconhecido timento cívico e sua identifica-
grantes e o avanço de frentes O Marechal Cândido Rondon em 1930 ção enquanto brasileiros.
econômicas. Bugreiros assassi- BIBLIOTECA NACIONAL
Essa proposta convergia
nos de índios (“bugres”) atuavam impunemente com os projetos de colonização e povoamento
em vários estados brasileiros e ocorriam con- do MAIC. Rondon foi então nomeado primeiro
frontos entre indígenas e populações regionais. diretor do SPI, criado a 20 de junho de 1910, pelo
Na época, várias publicações divulgaram propos- Decreto nº 8.072. Logo o SPI instituiu uma ma-
tas sobre o que deveria ser feito com esses povos, lha administrativa, constituída a partir de códigos
desde a defesa do seu “extermínio”, até diferentes legais, como o Decreto nº 5.484, de 27 de junho
projetos “civilizatórios”. de 1928. Ao classificar os indígenas em categorias
A origem do SPI se deu a partir de relações – nômades, aldeados, etc. – o decreto formalizou
de alguns adeptos do Apostolado Positivista do uma nova definição legal de índio e tornou essas
Brasil com agentes do Ministério da Agricultura, populações tuteladas do Estado brasileiro.
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O SPI agia para civilizar os índios por meio eram tanto militares positivistas como trabalhado-
da educação formal e de ações cívicas. Foram res rurais sem educação formal. São Paulo, Mato
criadas Inspetorias Regionais, que orientavam o Grosso, Amazonas e Pará foram alguns dos estados
trabalho dos diferentes tipos de postos nas ter- alcançados pelas atividades pacificadoras da insti-
ras dos índios (atração, criação, nacionalização, tuição. Era adotada a técnica de contato difundida
fronteira. etc.). Nos postos, os inspetores do ser- por Rondon, o “namoro”, a oferta de brindes com
viço estabeleciam escolas e estimulavam novas atitudes defensivas, após o que se aguardava a res-
necessidades entre os índios, ensinando técni- posta hostil ou favorável ao contato. Estabelecidas
cas agrícolas e a pecuária. A placa existente na relações de amizade e consolidado o contato, a
exposição do Museu Histórico Nacional (MHN), preocupação voltava-se em garantir a integridade
e que motiva este artigo, foi doada pelo Museu física dos índios e assegurar seu território.
do Índio e identifica a sede da Inspetoria do SPI A história do SPI é marcada pela depopula-
de São Paulo e Sul do Mato Grosso. ção [diminuição da população] indígena após o
Desde sua fundação, o SPI criou frentes de atra- contato, realizado quase sempre sem as condi-
ção e pacificação de povos indígenas. Seus agentes ções sanitárias adequadas, sem assistência mé-
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S
ignificativos, ainda que imprecisos, à horizontalidade de suas relações pessoais e
são os anos da presença judaica no institucionais, sem um poder central, e à sua
Brasil. Eles podem variar de acordo resiliência.
com a contagem escolhida: se desde
o período das Grandes Navegações, Judaica, coleção que testemunha a História | Os
ou por conta da Inquisição na Península Ibéri- imigrantes judeus das diferentes épocas trou-
ca, ou da imigração marroquina, ou em virtude xeram consigo não apenas as particularidades
das perseguições czarista, nazista, comunista… de sua prática religiosa e os usos e costumes de
ou de quando partiram em busca de um futuro seus países de origem, mas também um conjun-
próspero e seguro para si e seus descendentes. to de documentos, livros e objetos com os quais
Judeus, que sempre se movimentaram pelo deram continuidade às suas vidas judaicas. Es-
Velho Mundo, também encontraram seus cami-
nhos rumo ao Novo Mundo.
A presença dos judeus no Brasil foi muitas
vezes indesejada e, de certo modo, invalidada,
por questões alheias à forma com que pragma-
ticamente se relacionaram com o país: criando
seus filhos, aprendendo o idioma, incorporan-
do hábitos, fundando instituições para o bem
comum e empresas, viabilizando o presente e
semeando o futuro.
Do escritor judeu austríaco Stefan Zweig
(Viena, 1881 - Petrópolis, 1942) é a expres-
são “Brasil, país do futuro”. Zweig via
na miscigenação das raças e etnias
no Brasil o caminho da tolerân-
cia e integração que inauguraria
uma nova era de convivência hu-
mana. No Brasil e, em especial,
na cidade do Rio de Janeiro nos
séculos XIX e XX, podemos
atribuir a fluida integração
do imigrante judeu à multiet-
nicidade de seus indivíduos,
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O
litígio pela divisa entre os estados va-se João Maria. Receitava mezinhas, benzia,
do Paraná e Santa Catarina foi só dormia ao ar livre, proferia orações e fazia
herança do Império, anterior ao profecias. Desfrutava de grande prestígio, mas
desmembramento da Quinta Co- não aceitava seguidores. Algum tempo depois
marca de São Paulo (1853). Sem de sua última passagem, apareceu o indivíduo
limites precisos ao sul, larga faixa de terra ficou chamado José Maria, que se dizia irmão do mon-
em disputa. Com o advento da República, cada ge já conhecido e venerado. Também promovia
estado reivindicou o que julgava seu direito. Al- curas e rezas, mas permitia seguidores, para os
gumas escaramuças ocorridas na região provo- quais lia as histórias de Carlos Magno e os Doze
caram uma ou outra mobilização de forças esta- Pares de França. Daí a se formar ajuntamento de
duais. Sentenças do Supremo Tribunal Federal pessoas regidas por leis próprias, conforme de-
favoráveis a Santa Catarina foram embargadas terminações de José Maria, foi um passo.
pelo Paraná. O acordo só foi assinado em 1916. Esse grupo, reunido em lugar pertencente a
A chamada Guerra do Contestado, que se esten- Santa Catarina, é visto como protegido do chefe
deu por quatro anos (1912-1916), não se deu pela político local. “Coronel” rival denuncia a situa-
questão territorial, e sim por se ter dispensado ção ao governo estadual, a título de ameaça mo-
tratamento policial a caso social. É preciso abor- narquista. Avisados, José Maria e seus adeptos se
dar as origens da situação. deslocam para campos considerados do Paraná.
Vasta região entre as duas províncias era A movimentação é interpretada em Curitiba
ocupada por latifúndios pastoris e por densa como invasão promovida pelo estado vizinho.
mata de pinheiros, imbuias e erva-mate. Aí vi- A essa gente não interessava se o território
viam pequenos proprietários, agregados e pos- era catarinense ou paranaense. O modo de vida
seiros, que garantiam a subsistência mínima a que estavam condicionados fora abalado com
com a extração de madeira e de erva, e o culti- as iniciativas de modernização que vieram com
vo de pequenas roças. Esses moradores eram a República. Os fatores de maior impacto foram
tolerados pelos “coronéis”, os proprietários de a construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio
largas extensões de terra, detentores do poder Grande do Sul, que recebeu a concessão de 15 km
político. Era o regime que a sociologia designa para ambos os lados da via férrea, e a instalação
como “compadrio”. da Companhia Lumber, serraria de altíssimo po-
A esse caldo cultural acrescentou-se mais tencial, extinguindo os métodos nativos de bene-
um ingrediente, decisivo para os acontecimen- ficiamento da madeira. A colheita da erva-mate
tos que se seguiriam: eventualmente, peregri- também é prejudicada, atingindo de morte o
nos, conhecidos como “monges”, passavam pela extrativismo primitivo. Para esses deserdados
região. O primeiro de que se tem notícia chama- resta entender que a República os expropriara de
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A
obra da musicista Chiquinha
Gonzaga (1847-1935) chega ao
século XXI como símbolo de li-
bertação. Libertação do corpo,
por meio de um modo de dançar
caracteristicamente brasileiro, o maxixe; das
formas, pelas tantas sínteses que operou entre
gêneros europeus e a musicalidade afro-brasi-
leira; e das convenções sociais impostas às mu-
lheres no século XIX – amarras que ela desafiou
na juventude e na vida adulta. Celebrada, ainda
em vida, como a primeira maestrina do Rio de
Janeiro – e talvez do Brasil –, Francisca Edwiges
Neves Gonzaga vivenciou as grandes transfor-
mações da cidade e do país. Testemunhou e ao
mesmo tempo produziu a modernidade cultural
da capital do Império, mais tarde República.
Neta de escravizada, ela chega aos nossos
dias com todas as honras oficiais. Em 1977, ano
do centenário de sua polca Atraente, foi repre-
sentada em um selo comemorativo desenhado
por Martha Pope e produzido pela Casa da Moe-
da do Brasil. O selo integra a coleção Composi-
tores Brasileiros, que inclui os também cariocas
Noel Rosa e Heitor Villa-Lobos. O Dia Nacional
da Música Popular Brasileira é comemorado em
Autor desconhecido
17 de outubro, dia do nascimento de Chiquinha Chiquinha Gonzaga, 1865 circa
– assim como cabe ao aniversário de Villa-Lo- BIBLIOTECA NACIONAL
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E
m 1922 cele- Sessão do Conselho de
brou-se o Cen- Estado foi inicialmente
tenário da In- apresentada na Exposição
dependência de Arte Contemporânea
do Brasil. A e Arte Retrospectiva do
efeméride fomentou en- Centenário da Indepen-
comendas de pinturas de dência, em 1922. A tela in-
obras de arte que repre- tegra o conjunto de obras
sentassem temas relevan- destacadas pela Comissão
tes da história do país. Foi Executiva do Centenário,
no bojo dessas comemora- que tinha como incum-
ções que duas telas – hoje bência selecionar quatro
expostas em importantes obras que versassem so-
museus brasileiros – atri- bre temas relevantes para
buíram protagonismo à a Independência do país.
princesa Leopoldina (Leo- Além da obra de Georgina,
poldine Caroline Josepha foram também escolhidas
von Habsburg-Lothringen; Minha terra, de Helios
Viena, 1797 - Rio de Janei- Seelinger; Primeiros sons
ro, 1826). Uma delas é a Ses- do Hino da Independência,
são do Conselho do Estado, de Augusto Bracet e O pre-
objeto do presente texto. cursor, de Pedro Bruno –
A tela foi elaborada por todas hoje pertencentes ao
pela pintora Georgina de MHN.
Albuquerque (1885 -1962) Retrato de Dona Leopoldina de Habsburgo
Tomando como fonte
e encontra-se no Museu e seus filhos. Domenico Failutti, 1921 o livro História do Brasil,
Histórico Nacional. Já a MUSEU PAULISTA escrito por Rocha Pombo,
outra, intitulada D. Leopol- Georgina de Albuquerque
dina e seus filhos, foi encomendada por Affonso optou por retratar o dia 2 de setembro, quando
Taunay, diretor do Museu Paulista, ao pintor a princesa Leopoldina convocara o Conselho
italiano Domenico Failutti (1872-1923). Embora de Estado, uma vez que D. Pedro encontrava-se
ambas compartilhem o mesmo tema, materiali- em terras paulistas. A futura monarca é figura-
zam visões muito distintas sobre a contribuição da sentada no canto esquerdo da tela, tendo em
da princesa para a história do país. mãos uma carta endereçada ao marido, enquan-
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capital colonial que se transformava em me- da cidade. Ao longo de 1922, as obras foram ace-
trópole moderna. Ao retratar dezenas de cenas leradas e, no final do ano, a fortaleza, as igrejas e
urbanas de um Rio que vivia a sua Belle Époque as casas tinham sido varridas a jatos d’água, e a
– articulando a arquitetura, os meios de trans- lama que desceu pelas encostas foi dar origem
porte e o movimento das ruas e das pessoas –, a um aterro onde, no futuro, seria construído o
em cores vivas e enquadramentos fotográficos, aeroporto Santos Dumont.
tornou-se conhecido como “o pintor da cidade”. Do morro do Castelo sobrou somente uma
E, cem anos depois, este quadro ainda evoca um pequena ladeira de poucos metros, ao lado do
instantâneo apreendido quase que por acaso, Museu Histórico Nacional. Restaram também
ocultando a composição cuidadosa e a maestria fotografias e quadros, como este, evocando algu-
técnica que caracterizam toda a sua obra. ma melancolia no olhar distante da menina de
Vitoriosos os defensores do arrasamento, vestido azul que, como nós, somente observa a
iniciado em 1920, aos poucos as centenas de fa- cena. Seria uma despedida? O próprio Gustavo
mílias que moravam no Morro do Castelo iam Dall’ara, que sabia que o morro desapareceria
sendo convencidas ou forçadas a se mudar, ten- em breve, faleceria em 1923: o Forte do Morro do
do como destino habitações coletivas do Centro Castelo é uma de suas últimas obras.
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A
s exposições universais do século porte foi a Exposição Nacional de 1908, em co-
XIX eram festivais monumen- memoração do Centenário da Abertura dos Por-
tais. Elas apresentavam o “espí- tos brasileiros ao comércio internacional, tendo
rito criador” da modernidade. como objetivo a preparação da participação bra-
Reuniam “as grandes” nações, que sileira na Exposição Internacional de Bruxelas
ostentavam seu poder econômico, assim como sua (1910).1 A terceira grande exposição desse perfil
superioridade sociocultural, exibindo seus feitos em terras brasileiras foi a Exposição Internacio-
técnicos e “ensinando” ao mundo o que era o pro- nal do Centenário da Independência do Brasil.
gresso. O Brasil entrou na “festa” há 160 anos, e não Primeiramente, tratava-se de um evento inter-
saiu mais. nacional, com a participação de quatorze países,
A participação brasileira nessas “vitrines o que exigiu a construção de oito pavilhões para
do progresso” começou em 02 de dezembro de abrigar aproximadamente seis mil expositores.
1861, na Exposição Nacional organizada pela Além de toda logística para viabilizá-lo, inúme-
Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional ros acordos políticos antecederam o evento que
(SAIN), no prédio da Escola Politécnica, no lar- ocorreria num momento histórico delicado: o
go de São Francisco, no Rio de Janeiro. Esse te- fim da Primeira Grande Guerra (1914-1918).
ria sido o “ensaio geral” para The Great Interna- A festividade não se encerraria no fato de ser
tional Exhibition, em Londres (1862). De maior uma celebração ao progresso. Dessa vez, a Expo-
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fletia o espírito da Exposição: a vontade de reno- ternacional do Centenário da Independência do Brasil. Disponível
em: https://atlas.fgv.br/verbetes/exposicao-internacional-do-cen-
vação, que então mobilizava o mundo pós-guerra. tenario-da-independencia-do-brasil. Acesso em 02/02/2022.
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A
clássica imagem de uma enorme tenário da Independência do país, tendo larga
caixa de madeira falante no cen- repercussão na imprensa.
tro da sala representa um tipo de Roquette Pinto foi apoiado por outros mem-
rádio que não existe mais. Essa bros da Academia Brasileira de Ciências e reali-
afirmativa, mais do que referir-se zou uma intensa campanha, inclusive por meio
ao aparelho receptor de rádio, diz respeito à pro- dos seus escritos, pela liberação total da recep-
gramação veiculada pelas emissoras de rádio dos ção das transmissões radiofônicas. E incentivou
anos 1920 a 1960. O rádio criou modas, inovou os o governo a regular, por meio de fiscalização
estilos, inventou práticas cotidianas, estimulou específica, somente as estações transmissoras.
novos tipos de sociabilidade. Ícone de moder- As transmissões deveriam ter caráter exclusiva-
nidade até a década de 1950, o rádio cumpriu mente educativo, servindo ao progresso huma-
um destacado papel social, tanto na vida privada no, à elevação da cultura.
como na vida pública, promovendo um processo A primeira transmissão oficial da Rádio So-
de integração que superava os limites físicos da ciedade do Rio de Janeiro ocorreu em 7 de se-
região e os altos índices de analfabetismo do país. tembro de 1923. Estava criada a PRA-A. Para tal,
A determinação e o espírito pioneiro de Ro- foi utilizado o transmissor de 10 watts que havia
quette Pinto, apoiado pelos membros da Acade- sido ofertado pela Casa Pekan. Era uma estação
mia Brasileira de Ciências, visando à instalação transmissora e receptora, com potência peque-
de uma emissora de rádio no Brasil, cumpriram na mas que podia ser ouvida por todo o Distrito
papel fundamental no início e no desenvolvi- Federal – na época, a cidade do Rio de Janeiro
mento da radiodifusão no país. Em 20 de abril de era a capital do país.
1923, Roquette Pinto e Henrique Morize fundam a Quando a Rádio Sociedade iniciou suas ati-
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A cerimônia vidades, a radiodifusão era ainda um investi-
aconteceu nas instalações da Escola Politécnica mento muito caro. Os aparelhos de escuta eram,
do Largo de São Francisco, em uma reunião da em sua maioria, montados em casa. Os radioa-
Academia Brasileira de Ciências, e teve logo a ade- madores recebiam as peças e seguiam as instru-
são de mais de 300 sócios efetivos e associados. ções de montagem dos famosos rádios de cristal
Foi uma ousadia: a utilização de estações re- de galena (ou simplesmente rádios galena).
ceptoras – como eram chamados os rádios – en- Os primeiros anos de vida do rádio brasileiro
contrava-se restringida, pois o governo temia o estiveram repletos de dificuldades financeiras.
uso político daquele novíssimo meio de comu- A fórmula utilizada, naquele momento, era a da
nicação. A primeira apresentação pública e ofi- formação de uma Rádio Sociedade que previa
cial do rádio no Brasil havia ocorrido em 1922, em seus estatutos a existência de associados com
na Exposição Nacional comemorativa do Cen- obrigação de colaborar com determinada quan-
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N
air de Teffé nasceu no seio de uma Já em terras brasileiras, Nair seria figura re-
típica família aristocrática bra- corrente nos principais eventos sociais e, sob o
sileira e, muito embora tenha vi- pseudônimo de Rian, passaria a retratar as per-
vido os estertores da monarquia, sonagens icônicas dos círculos que frequentava.
tornou-se ícone vanguardista da Seu traço audaz e irônico conquistaria espaço
nossa incipiente República. De “menina prodí- nas principais publicações da época, como A ca-
gio”, cuja educação esmerada refletia o empe- reta, O Malho, Vida Doméstica, Fon-Fon, Revis-
nho e encanto do pai barão, Nair tornar-se-ia ta da Semana, Gazeta de Notícias, entre outras,
Rian, caricaturista de prestígio internacional. e ecoaria, também, em Paris, onde contribuiu
Muito mais do que o apuro dos traços, Rian deli- com as revistas Le Rire, Femina e Excelsior. Já
nearia, por meio de seus pincéis, críticas asserti- em 1912, a jovem artista realizaria uma exposi-
vas e veladas às personagens e cenários políticos ção individual de cerca de cem caricaturas na
de sua época. A jovem artista, cuja vivacidade e sede do Jornal do Commercio, cuja inaugura-
inteligência reverberavam pelos salões cariocas ção contou com a presença do então presidente
e petropolitanos, acabaria por encantar, tam- da República, o Marechal Hermes da Fonseca.
bém, os salões do Catete ao tornar-se primeira- O encontro fortuito que selaria o destino do fu-
-dama, em 1913. turo casal e o pedido de casamento, porém, só
Natural do Rio de Janeiro, Nair passou boa ocorreriam no ano seguinte, em Petrópolis.
parte da infância e adolescência na Europa, O enlace com o presidente traria drásticas
principalmente na Fran- mudanças para a vida de
ça, onde o Barão de Teffé Nair. Além da surpresa
procurou ofertar à filha causada pela rapidez do
“instrução tão aprimorada matrimônio – haja vis-
quanto a que os Reis da Eu- ta a recente viuvez do
ropa costumavam dar aos Marechal –, a diferença
seus herdeiros”.1 E seria de idade entre os noivos
em Paris que travaria seu foi motivo de muitos co-
primeiro contato com a mentários. A jovialidade
pintura em pastel, técnica enérgica da nova primei-
que aprimoraria mais tar- ra-dama, porém, traria
de, no Brasil, sob as orien- um sopro de originalida-
tações dos professores Ro- de para uma capital ainda
dolfo Amoedo e Rodolfo afeita ao conservadorismo
Chambelland. Nair de Teffé, Revista Careta, 1911 circa e aos protocolos herdados
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Q
uando, no dia 9 de julho de 1932, Júlio de Mesquita Filho, dava nas páginas de seu
dezenas de milhares de paulistas jornal o formato desta campanha:
marcharam para o front de batalha, “São Paulo não deve desanimar, o gigantesco es-
a ideia de lutar por uma Constitui- forço que fez não foi estéril. O que se encerrou
ção e por um regime democrático ontem foi um inesperado e melancólico desfale-
era quase consenso entre os combatentes. Entre cimento de algumas tropas, não foi a luta pela
eles, jovem como a maioria (16 anos), es- redenção do Brasil.”1
tava Neddy Quartim de Moraes, meu
avô paterno, que caminhou segu- O slogan recorrente diz que
ro da vitória paulista até que a São Paulo perdeu, mas venceu,
primeira bala furou o capa- afinal a Constituinte foi mar-
cete de um companheiro ao cada. Trata-se de uma propa-
seu lado. O capacete, objeto ganda falsa quando cotejada
comum em uma guerra, re- com as informações básicas
presentava toda a força da sobre o movimento. Que os
indústria paulista mobilizada propagandistas da superio-
para o combate. ridade paulista mintam para
O clima de vitória certa diminuir sua responsabilidade
para São Paulo foi registra- na mortandade podemos com-
do nas cartas enviadas pelos preender, mas é dever do his-
combatentes às suas famílias, toriador reestabelecer os fatos.
M. Langone
que também demonstram o Medalha cunhada em 1932
O primeiro passo, portanto, para
alto grau de censura imposta: COLEÇÃO PARTICULAR debater seriamente o movimen-
o horror, denominador co- to de 1932 é recompor a linha
mum de todas as guerras, não podia aparecer temporal que desaguou nessa guerra civil.
nos relatos. A derrota militar consolidada no dia Nos anos que antecederam a guerra, Getúlio
03 de outubro de 1932 (exatos dois anos após o Vargas havia feito sistemáticas concessões aos
triunfo da Revolução de 30) foi inaceitável para políticos de São Paulo, os quais, ao invés de se
o estado cujos cidadãos, por vezes, sentiam-se acalmarem, tornaram-se cada vez mais belico-
superiores ao resto do país. sos. A primeira grande concessão aos paulistas
Iniciou-se, então, larga campanha midiática foi a retirada de João Alberto de Lins e Barros
para transformar a derrota militar em vitória da interventoria de São Paulo (julho de 1931).
política. No dia 03 de outubro, oficializado o fim Junto vieram as nomeações de interventores
da guerra, o promotor da insurreição paulista, paulistas e civis, o último, Pedro de Toledo, no-
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meado em março de 1932, era tão do agrado da das eleições, símbolo de ruptura com a tradição
oligarquia paulista que seguiu ocupando o car- da Primeira República (Decreto nº 21.076 de
go durante o levante. 24/02/1932). Até mesmo a data em que se inicia-
O governo oriundo da Revolução de 1930 ria a elaboração da Constituinte já estava mar-
também promulgou em 24 de fevereiro de 1932 a cada antes do 9 de julho. O Decreto nº 21.402, de
avançada lei eleitoral que organizava a Constituin- 14/05/1932, fixava que no dia 03 de maio de 1933 se
te. Nela, se destacava a novidade do voto feminino, iniciariam os trabalhos, como de fato aconteceu.
que só foi ter vulto, por exemplo, na Suíça, em 1971. A Constituinte se realizou apesar da guerra
Também é notável a representação classista, tenta- de São Paulo e não por causa dela. Pelo bem da
tiva de aumentar a participação dos trabalhadores História e independentemente de campo políti-
na Constituição. Mesmo com limites, ressaltamos co, esta ordem dos fatos deve ser clara para to-
a ampliação do número de eleitores com a pro- dos os brasileiros. Já antes do início da guerra,
mulgação de um sufrágio quase universal. Vargas explicitava a contradição entre as suas
Entre outros avanços estava a criação de uma recorrentes concessões e a caminhada paulista
Justiça Eleitoral, para que fosse garantida a lisura em direção à guerra:
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“Atendidos que eram, logo se mostravam insatis- O “palácio” que sedia a Assembleia Legislativa
feitos e pediam outra coisa. Queriam a lei eleito- do Estado de São Paulo se chama Nove de julho,
ral – promulguei-a, exigiam interventor ‘civil e data que se tornou feriado. Em todo o estado de
paulista’ para São Paulo – nomeei-o. Mas, ainda São Paulo pululam centros de memória do levan-
não bastava. Tornava-se necessário a marcação te, pequenos museus que acumulam objetos da
da data para as eleições – marquei-a. Continua- guerra. Entre eles, os folhetos, fotos, broches, car-
ram no entanto as censuras e os ataques...”2 tas, pedaços de trincheiras e a famosa matraca. Lá
estão também os capacetes, como este do Museu
A inversão sistemática dos fatos é um expe- Histórico Nacional. O que não sabemos é se os
diente comum nos debates sobre 32. A maioria usuários originais destes capacetes retornaram
dos comentadores afirma que somente depois de da guerra com vida como meu avô, ou sem, como
terminada a guerra teria sido marcada a Consti- seu companheiro de trincheira.
tuinte. Em meu livro coletei uma longa série des-
tes erros, por vezes professados por especialistas. 1> O Estado de São Paulo, 3 de outubro de 1932.
2> Getúlio Vargas, 6 de julho de 1932. In MORAES, Francisco
Hoje, a memória do levante de 1932 é propa- Quartim de. 1932 A História Invertida. São Paulo: Anita Garibaldi,
ganda oficial, nomeia uma série de ruas e escolas. 2018, p. 45.
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O
vestido de possíveis machucados que
Maria Boni- poderiam ser causados pe-
ta – a mais los espinhos da vegetação
conhecida da caatinga e protegiam a
cangaceira pele do sol – são todos ele-
do século XX – e que desde mentos que ajudam a com-
a década de 1970 faz parte por a estética do cangaço,
do acervo do Museu Histó- parte fundamental do es-
rico Nacional (MHN), é cá- tilo de vida escolhido por
qui, enfeitado de soutaches, Maria Bonita quando, desa-
feito de algodão, tecelagem fiando os estatutos sociais
sarja, com palas que dão de sua época, saiu de casa
entendimento de bolsos e e deixou para trás um casa-
tem um zíper frontal, lo- mento, ordenado segundo
calizado onde termina o as regras de seu tempo.
pescoço e começa o colo. Datado da década de
O vocábulo ‘cáqui’, cor 1930, vestiu seu corpo e
usada para camuflagem com ele circulou, sendo
nas caatingas habitadas testemunho de cultura
por Maria Bonita, significa material do período em
poeira ou poeirento; já o que o Brasil vivia os pri-
algodão, utilizado no feitio meiros dez anos da Era
do vestido, é um material Vargas, período que mar-
considerado transpirável, cou grandes transforma-
que ajuda a eliminar o suor Benjamin Abrahão Botto ções sociais no país. En-
do corpo, o que parece Maria Bonita, fotografada em 1936 tre outras conquistas, no
mais aceitável para o tipo FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
campo das lutas históricas
de vida nômade e as características da região por feministas – marcadas pela violência de uma
onde habitou a cangaceira. Com exceção do zíper, sociedade profundamente arraigada em traços
grande novidade para a época, os soutaches, costu- coloniais, racistas, patriarcais e misóginos –, já
rados em formas geométricas, o modelo evasê da contava com a trajetória política de mulheres
saia, de comprimento abaixo dos joelhos, que de- negras no Partido Comunista Brasileiro (PCB).
nota decoro e recato, as mangas compridas – usa- Importante lembrar que, em 1934, Antonieta de
das de forma utilitária para proteger os braços de Barros foi uma das primeiras mulheres eleitas
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C
om capa azul, a Carteira de Trabalho que vivemos nesse início de século XXI. Como
e Previdência Social, ou simples- sabemos e nunca podemos esquecer, o Brasil
mente carteira de trabalho, foi cria- foi uma sociedade escravista durante quatro
da em 1932 e se tornou importante séculos. Isso significa que a maioria absoluta
documento na vida dos trabalhado- dos trabalhadores era escravizada e forçada,
res e trabalhadoras brasileiros. Nela, é anotada pela violência, a fazer todo tipo de trabalho,
uma série de informações sobre quem é seu titu- sem nada receber em troca. Em sociedades es-
lar (nome; local e ano de nascimento; filiação) e cravistas, não existe a ideia de que trabalhado-
sobre onde e em que condições a pessoa está tra- res podem ter algum direito, o que se enraizou
balhando (quem é seu empregador(a); quando nas relações de trabalho livre, relações estas
foi contratado(a); para que função; recebendo que se estabeleceram após a Abolição (1888) e
que valor.) Portanto, reúne tanto dados pessoais a República (1889).
como profissionais, comprovando que quem a Durante a Primeira República (1889-1930),
possui é trabalhador(a), que tem ocupação no os trabalhadores urbanos, mais organizados,
meio urbano ou rural; de caráter permanente lutaram muito para conseguir leis que melho-
ou temporário ou tem atividade profissional por rassem suas condições laborais e até consegui-
conta própria. ram algumas, como a de proteção a acidentes de
A Carteira de Trabalho, com o passar do tem- trabalho. Porém, poucos deles se beneficiavam
po, transformou-se no principal documento e o Estado não dispunha de meios para garantir
que a população trabalhadora utilizava para se sua aplicação, sendo tais leis sistematicamente
identificar e para atestar, diante de quaisquer descumpridas pelo patronato, que se opunha à
autoridades, sua condição de pessoa que lutava sua existência.
para trazer o pão de cada dia para casa e, por isso, É com essa herança de luta dos trabalhado-
tinha valor e merecia todo o respeito concedido res(as) e de algumas iniciativas de legislação
aos cidadãos(ãs) do Brasil. trabalhista, que o Estado após 1930, chefiado por
Mas, por que foi criada essa carteira de tra- Getúlio Vargas, vai ter que lidar. Assim, inter-
balho? E como passou a ter um significado tão nacionalmente, a existência de leis que regula-
compartilhado e valioso para quem trabalha? mentassem o mercado de trabalho urbano (não
Essa é uma história que começa nos anos 1930, o rural) era reconhecida como algo necessário
mas que ainda não tem data para acabar, pois se ao desenvolvimento da indústria de um país, si-
confunde com a luta dos trabalhadores por di- nal de sua modernização socioeconômica. Não
reitos. E essa luta é permanente. Ademais, essa por acaso, na campanha eleitoral de 1930, os dois
é uma longa história, que começa bem antes candidatos à presidência da República tinham,
dos anos 1930, mas que tem tudo a ver com o em seus programas, pontos que contemplavam
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sendo os direitos sociais muito mais conhe- Cartaz para convocação trabalhista
na Esplanada do Castelo, 1937
cidos e vivenciados por essa ampla parcela da
CPDOC / FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
população do que os direitos civis e políticos.
Por isso, a carteira de trabalho passou a ser al- a importância da presença do Estado, instância
mejada por todos(as) trabalhadores(as) (rurais, com poder regulador do mercado de trabalho.
domésticos etc.), desejosos de ter acesso aos A ausência do Estado compromete a vida dos
diretos do trabalho, que acabaram por se tor- trabalhadores(as) do país, no presente e no fu-
nar uma ponta de lança para o acesso a todos turo.
os demais direitos. Os direitos sociais dos assalariados, dos quais
Essa função dos direitos sociais do trabalho a carteira de trabalho é o maior símbolo, foram e
permanece existindo na sociedade brasileira – são estratégicos para a construção da cidadania
garantida pela Constituição de 1988 –, mas esta- no Brasil, porque o homem e a mulher trabalha-
mos recuando desde a chamada Reforma Traba- dor(a) aprenderam a reconhecer sua condição
lhista de 2017. Em nome do aumento de postos de cidadãos, a partir do cotidiano do trabalho e
de trabalho – que não vieram – tal reforma pre- do respeito que a condição de trabalhador deve
carizou novas condições laborais, estimulando a inspirar.
terceirização e, com isso, os beneficiários foram
os patrões, que se desobrigaram de garantir as
condições mínimas de trabalho, o que evidencia
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Angela Guedes
O
sabugo de mi- Essa referência não é
lho que virou aleatória, pois Monteiro
gente, foi es- Lobato foi um grande ati-
quecido entre vista da causa do petróleo
os livros de para o desenvolvimento do
Dona Benta e tornou-se sábio Brasil. É dele a expressão
não há de se sentir descon- até hoje lembrada – “o pe-
fortável no acervo do Museu tróleo é nosso” –, que sim-
Histórico Nacional, cercado boliza a busca pelo ouro
de tantos itens referentes à negro em solo brasileiro.
História do Brasil. Em 1937, o Visconde de
O Visconde de Sabu- Sabugosa encontrou o óleo
gosa, habitante do Sítio do tão cobiçado no subsolo do
Pica-pau Amarelo, é fruto sítio de Dona Benta, saga
da imaginação do escritor, esta desenvolvida no livro
ativista, diretor e produtor O poço do Visconde, déci-
paulista Monteiro Lobato mo volume da série de fic-
(1882-1948). O único item ção para crianças.
Belmonte
pertencente ao Visconde é a Capa de O poço do Visconde, 1937
O Visconde de Sabugosa
sua cartolinha. Ele vivenciou COLEÇÃO PARTICULAR foi ainda tema de diversas
incríveis aventuras no Sítio músicas. Quem não conhe-
na companhia inseparável da bonequinha de ce o refrão de Lenine (“Tá no livro, tá escrito /
pano Emília, das crianças Narizinho e Pedrinho, No sítio do pica-pau / Pedrinho me fez viscon-
da vovó Dona Benta e da Tia Anastásia, entre de / Sabugo de milho intelectual”), ou a letra de
outros curiosos personagens, a maioria liga- João Bosco (“Sábio sabugo / Filho de ninguém /
da aos costumes da roça e às lendas do folclore Espiga de milho / Bobo sabido / Doido varrido /
nacional, como a Cuca e o Saci Pererê. Por ser Nobre de vintém”)?
“consertável” pela tia Anastásia, cabia sempre ao
Visconde as tarefas mais perigosas, além de ser A obra de Monteiro Lobato revolucionou a
o “carregador” oficial da canastrinha da Emília! literatura infantil, inserindo as crianças, desde
E como foi descoberto entre os livros de geo- cedo, no mundo da cultura brasileira, de forma
logia da biblioteca, dedicou-se intensamente a simples e lúdica, através de novos cenários e
essa ciência, tendo participado da busca de pe- personagens especialmente criados para esse
tróleo nas terras de Dona Benta. público.
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André Le Blanc
Capa de A chave do tamanho, 1949
COLEÇÃO PARTICULAR
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O
quadro de José Wasth Rodrigues qual Tiradentes é reconhecido. Em composições
(1891-1957) inovou a iconografia mais complexas, o herói foi retratado sendo pre-
de Tiradentes. Nele vê-se, ao cen- so (Antônio Parreiras, 1914), ouvindo a sentença
tro, o personagem jovem, de pé, (Eduardo de Sá, s/d; c. 1897), respondendo à co-
corpo inteiro, tamanho natural, mutação da pena (Leopoldino de Farias, 1876),
perna direita à frente, rosto voltado para o lado vestindo a alva (Pedro Bruno, cerca de 1922 a
oposto e olhar para cima. Cabelos longos, presos 1927), no patíbulo (Aurélio de Figueiredo, 1893),
atrás, ele traja farda de alferes, da Segunda Com- ou esquartejado (Pedro Américo, 1893).
panhia de Dragões de Minas, composta por cami- Na verdade, Pedro Américo já o represen-
sa branca com gola jabor, colete vermelho, casaca tara em roupas militares, no estudo para a reu
azul com dragonas cor de prata e faixa na cintura. nião dos conjurados, realizado para a série de
Calça amarelada, botas de canhão pretas, esporas cinco quadros proposta sobre a conjuração, que
e meias brancas altas entre as botas e o calção. finalizaria com Tiradentes esquartejado. Assim
A mão direita está estendida ao longo do corpo, como Antônio Parreira, quando o pintou sen-
carregando chapéu armado; a mão esquerda pou- do preso (1914) ou sonhando com a liberdade
sada na espada, tendo ao lado pasta com o mono- (c. 1926). Contudo, ambos o representaram sem
grama de D. Maria I sob a coroa real portuguesa. o conhecimento do uniforme de alferes, apre-
Ao fundo, à direita, há dois cavalos, um mon- sentado por Rodrigues.
tado por outro militar e, mais adiante, o pico do José Wasth Rodrigues, paulista, estudou
Itacolomi, referência a Ouro Preto. Nuvens cin- com Oscar Pereira da Silva e, em 1910, recebeu
zentas avançam em direção a Tiradentes, e este, ajuda do governo de São Paulo para aperfeiçoar-
apreensivo, as olha, como a fitar o próprio des- -se em Paris, retornando em 1914. A partir de
tino. Na parte inferior da tela, uma faixa traz a 1918, dedicou-se ao estudo da história colonial,
inscrição: “Alferes Joaquim José da Silva Xavier. preocupado com a conservação do patrimônio
O ‘Tiradentes’”; necessária para não haver dúvi- artístico. Visando as comemorações do Cente-
das sobre a identidade do personagem. nário da Independência, o Ministério da Guerra
Até aquela data, Tiradentes era representado encomendou-lhe estudos sobre os uniformes
quando de sua execução: envelhecido, barbado, do Exército. Alicerçado em ampla pesquisa, Ro-
cabelos desgrenhados, com alva dos condenados drigues realizou 220 ilustrações, publicadas no
e corda ao pescoço; misto de herói cívico e már- álbum Uniformes do Exército Brasileiro, 1730-
tir cristão. Imagem que – a partir de Aurélio de 1922. Aquarelas e documentação de J. Wasth Ro-
Figueiredo (1884), Décio Villares (1890), Virgí- drigues. Texto organizado por Gustavo Barroso.
lio Cestari (1894), Francisco de Andrade (1926), Gustavo Barroso, fundador e diretor do
e vários outros – tornou-se a iconografia pela MHN, estabeleceu fortes vínculos com Rodri-
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363
A
atuação dos soldados brasilei- “O paladar da alimentação, oferecida nos
ros durante a Segunda Guerra moldes americanos, diferente do nosso ‘feijão
Mundial foi marcada por grande com arroz’, não conseguimos assimilar; o co-
diversidade espacial: das bases zinheiro da nossa Companhia teve de fazer
aéreas e navais em solo nacional feijão-tropeiro – ele era mineiro – e amenizou
até o front da campanha na Itália, além da reta- a situação.”3
guarda. A preocupação com a alimentação das
tropas aquarteladas ou em pleno combate era Por outro lado, todos reconheceram que a
considerada primordial, tanto nos refeitórios das distribuição dos suprimentos nunca foi negli-
bases e hospitais militares, como nas posições da genciada,
linha de frente:
“[...] sempre chegava às mais difíceis posições de
“A alimentação do combatente da FEB [For- combate. E, até por isso, destaco, também, o de-
ça Expedicionária Brasileira] era fornecida sempenho dos motoristas nas estradas congela-
tanto pelo governo brasileiro, quanto pelos das, frio de 23º negativos, com o objetivo de man-
estoques da Intendência Americana [...] A ra- ter em funcionamento a cadeia de suprimento, às
ção militar era principalmente de três tipos: vezes, com um soldado indo à frente da viatura,
fresca, servida nas áreas de retaguarda e pro- fazendo sinais, pra evitar acidentes.”4
ximidade do combate; enlatada, entregue nas
posições da linha de frente; e encaixotada em “No que tange à alimentação, acho que nós não
pequenos volumes, para as ações de combate, temos restrições a fazer. Eu estive na linha de
patrulhas e ataques.”1 frente e nesse ataque a Monte Castelo, no dia
30 [de novembro de 1944], pela madrugada,
Em depoimentos, vários veteranos de guer- debaixo das vistas e dos fogos alemães, che-
ra deixaram registradas suas impressões sobre o gou-me às mãos, para o Pelotão, um cambu-
assunto, alguns tecendo elogios, outros queixan- rão de café quente com pão e manteiga. [...]
do-se da diferença de paladar: No Pelotão havia o fogareiro a gasolina, nós
tínhamos na ração café, cigarro e um papel-
“O apoio logístico quase todo era americano: ci- zinho higiênico. Tão logo estacionávamos, em
garro, chocolate, munição, a alimentação, aque- qualquer situação, a alimentação já passava a
la comida enlatada horrível. Na retaguarda, às ser feita no Pelotão ou na Companhia, quase
vezes, aparecia uma comida quente, nossa, no sempre com comida à brasileira; os ingredien-
período entre dezembro e fevereiro, feita nas tes americanos, mas feita à brasileira por nos-
Companhias por cozinheiros brasileiros.”2 sos cozinheiros.”5
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cês estão sabendo o que é que esse gringo quer?’ Kindle, 2020, p. 85.
2> SOUTO MAIOR, J. Bacharel José Souto Maior. In: MOTTA, Aricil-
‘Não’, ninguém sabia, e ele fazia assim com a des de Moraes (Org.). História oral do Exército na Segunda Guerra
mão [fez o gesto], com o formato da mão ‘eggs, Mundial. V. 2, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001, p. 299.
3> SOUZA, R. Doutor Rigoberto de Souza. In: MOTTA, op. cit., p.
Sergeant, eggs’ – quem diabo ia saber o que era 303.
‘eggs’? Mas foi engraçado, foi muito engraçado... 4> SIQUEIRA, Cleantho Homem de. Capitão Cleantho Homem de
Siqueira. In: MOTTA, op. cit., p. 261.
Tava o Paulo Dias sentado num caixotezinho, que 5> SOUZA, S. Capitão Severino Gomes de. In: MOTTA, op. cit., p.
era exatamente a caixa onde estavam os ovos, aí 246.
6> SIQUEIRA, Cleantho Homem de. Guerreiros potiguares: o Rio
ele levantou e eles disseram ‘eggs, có-có-có...’ Foi Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial. Natal: EDUFRN,
uma gozação, num sabe? Quando ele olhou pra 2001, p. 146.
R
ecebi o convite para escrever so- ternacionais e da Educação e Saúde demonstra
bre um dos objetos pertencentes o interesse que a doação despertou. Em uma
à coleção do Museu Histórico das cartas ao Ministro Gustavo Capanema, de
Nacional e escolhi uma das via- 17 de maio de 1945, Gustavo Barroso, então di-
turas que compõem o acervo da retor do Museu, aponta para a importância da
exposição Do Móvel ao Automóvel. Os mistérios “inegável e alta valia da coleção”. Tanto assim,
que envolvem esse objeto poderiam constar de que cita: ¨que a Diretoria do Museu dos Coches
um livro de suspense, em que o detetive que de Lisboa, um dos mais ricos do mundo na ma-
desvendará a trama chama-se ‘conhecimento de téria, se bateu para que essas viaturas históri-
Heráldica’. cas não deixassem o país”. A correspondência
Entre tantas coleções importantes do acervo, aponta que estavam em bom estado de conser-
destaca-se a dos meios de transportes terrestres, vação, mas necessitavam de ser repintadas para
composta por diferentes tipologias, como coches, recuperar a ¨feição original¨. Dos onze coches,
berlindas e traquitanas que, vindos de Portugal, o governo português não deixou sair um, por se
deram entrada no Museu entre 1947 e 1948. tratar de um coche real.
Os documentos referentes à doação de onze Durante muitos anos, a coleção ficou ex-
coches dos séculos XVIII e início do XIX, ofe- posta na entrada do Museu. Como o local não
recidos ao Embaixador do Brasil em Lisboa, en- era adequado para o controle de luz e umidade,
contram-se no Arquivo Permanente do Museu os coches sofreram danos. Na década de 1980,
Histórico Nacional. Trata-se de cartas, ofícios e o acervo foi levado a galerias protegidas e um
rascunhos sobre a transferência da doação, for- trabalho de conservação evitou a perda total da
mando um dossiê iniciado em 1944 e encerrado coleção. Somente a partir de 1992 foi sendo sis-
em 1948. tematicamente desenvolvido um trabalho de
Os coches pertenciam ao Sr. Joaquim Ferrei- restauração. Os primeiros coches restaurados
ra Alves, proprietário de uma casa funerária em conservaram a pintura fúnebre, respeitando as
Lisboa. Eram alugados para cortejos fúnebres mesmas características que tinha quando che-
de famílias ricas e também dos membros da garam ao Museu.
família real portuguesa. Entre as onze viaturas, Em 2002 teve início a restauração de uma
encontram-se duas citadas como “peças de valor berlinda da segunda metade do século XVIII
histórico para o Brasil”: uma tendo pertencido a e no Laboratório de Conservação e Restaura-
D. João VI e outra à segunda esposa de D. Pedro ção do MHM foi possível observar que, após a
I, a Imperatriz D. Amélia. limpeza do verniz, uma das duas portas deixava
A numerosa correspondência entre o dire- visível a camada original da pintura. Surpreen-
tor do Museu e os Ministérios das Relações In- dentemente, surgiu sob a tinta negra e as ima-
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Anônimo
Gravura: D; João II, Rei de Portugal, 1639
BRITISH MUSEUM
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A
esta altura do livro você já per- dos estados brasileiros e que serviu como mate-
cebeu que temos nos museus rial didático para suas aulas sobre Indumentária
um universo enorme de objetos Histórica na ENBA, a partir de 1949, e em pa-
que podem nos contar histórias lestras e aulas para cursos de teatro, como o do
do mundo. Já pensou quantos Conservatório Nacional de Teatro e o da Casa do
desses objetos foram produzidos e colecionados Estudante do Brasil.
por mulheres ou contam suas histórias? Os desenhos foram feitos com diversas
Quem criou o desenho deste artigo foi uma técnicas: lápis, lápis de cor, caneta, nanquim,
mulher chamada Sophia Jobim Magno de Car- guache, aquarela e apliques de purpurina so-
valho (1904-1968). Colecionadora, museóloga, bre papel. Alguns poucos são como negativos:
professora de indumentária da Escola Nacional desenhos em giz de cera branco ou colorido
de Belas Artes (ENBA), feminista, jornalista, co- sobre cartolina preta. Uns são esboços, outros
lunista de moda e figurinista, ela criou e dirigiu estudos e outros tantos, obras acabadas. Vemos
o Liceu Império (1932), uma escola de corte e desenhos autorais e cópias de livros de história
costura, e o Museu de Indumentária Histórica do vestuário e da moda em escala aumentada,
(1960). Doado ao Museu Histórico Nacional em em papel de tamanhos pequeno e médio ou em
1968, seu legado constitui parte importante do “pranchas” maiores.
acervo da instituição. Ele é composto por cerca Do ponto de vista da descrição formal, que
de 650 trajes e acessórios de indumentária, mais na documentação museológica chamamos de
de 6.600 documentos textuais e iconográficos ‘informação intrínseca’, na Alegoria do estado do
e uma biblioteca com aproximadamente 1.500 Amazonas vemos um desenho a lápis, guache e
itens. Ser uma colecionadora serviu para Sophia purpurina prateada sobre papel, medindo 51 x 34
como estratégia autobiográfica, uma forma de cm, próximo do que hoje é o padrão de uma fo-
resistência ao esquecimento e tentativa de dar lha A2. Presume-se que seja da década de 1940,
sentido à própria vida a partir de um arquiva- pois não está datado.
mento de si. Vemos, centralizada na folha, a figura de
A Alegoria do estado do Amazonas, da qual uma mulher branca, magra, esguia, em pose
falamos aqui, faz parte do conjunto de 600 de- de “manequim”. Sua postura não sugere movi-
senhos que estão no Arquivo Histórico, entre mento, à exceção dos braços que estão abertos,
muitos outros documentos de Sophia, como ligeiramente voltados para baixo, e das mãos
cadernos, álbuns de fotografias, documentos e com unhas pintadas de marrom que, com pouca
cartões de viagens. É nesse conjunto que encon- naturalidade, estão tensionadas com os punhos
tramos a categoria “Figurinos Alegóricos”, que para cima. A mulher olha diretamente para nós.
contém uma série de desenhos de indumentária Seu rosto ovalado possui lábios carnudos pinta-
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dos na cor carmim, olhos pretos, sobrancelhas coberto e a manga longa muito justa vai até o
finas e cabelos preto escuros, volumosos, ondu- punho. O ombro e braço direitos estão desnudos
lados até os ombros. No pescoço traz um colar de e vê-se um bracelete prateado no punho e um
contas vermelhas de cinco voltas. Sem dúvida, o arranjo de penas amarelas, pretas e vermelhas
que mais chama a atenção no desenho é a indu- como uma grande pulseira. Na cabeça vemos o
mentária. O corpo cumpre função de suporte, mesmo arranjo do braço, com uma tiara pratea-
pois foi também utilizado em outros desenhos da cobrindo parte da testa e penas amarelas, pre-
dessa mesma categoria “Figurinos Alegóricos”, tas e vermelhas na sequência, como um grande
em poses muito semelhantes e rostos pratica- e exuberante cocar. O corpo está coberto por um
mente idênticos. A preocupação está na indu- cipó verde acinzentado, que dá voltas no tronco,
mentária, seus atributos e símbolos. começando abaixo do busto e se alongando até
A mulher traja um vestido na cor cinza, justo quase os joelhos. O braço esquerdo especial-
no corpo até a altura dos joelhos e, a partir daí, mente está enrolado com o cipó, que, frouxo,
segue até os pés em ligeiro evasé terminando não causa sensação de estrangulamento ou
em cauda, ornada com vitórias-régias em toda a desconforto. Uma serpente preta com manchas
extremidade. No braço esquerdo, o ombro está amarelas – possivelmente uma salamanta (Epi-
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A
ocupação da região do alto rio grafismos, pinturas corporais – configuram um
Xingu, no Brasil Central, remon- conjunto de expressões que se traduz por uma
ta aos séculos VI-IX e o sistema relativa homogeneidade cultural. Os rituais são
regional encadeado por meio de uma das mais importantes formas de socialida-
trocas, casamentos, rituais e fes- de que alinhavam esse complexo e viabilizam
tas entre diferentes povos indígenas, segundo interações, sendo considerados uma das prin-
o viajante alemão Karl von den Steinen (1940), cipais marcas da condição de “gente xinguana”,
formou-se entre os séculos XVIII e XIX. Esses nas palavras de Antonio Guerreiro.1
povos foram incorporados ao Parque Indíge- Dentre os principais rituais xinguanos des-
na do Xingu, marco do indigenismo do século taca-se o Kuarup. Importante para a consolida-
passado, que estabeleceu novos parâmetros de ção do sistema interétnico da região, o Kuarup
reconhecimento e regularização de terras indí- é uma cerimônia em homenagem aos mortos
genas. O Parque do Xingu foi concebido pelos e, ao mesmo tempo, uma louvação à vida, que
antropólogos Darcy Ribeiro e Eduardo Galvão compreende mitos de criação do mundo, clas-
e pelos sertanistas Villas-Boas, da expedição sificação dos grupos, iniciação das meninas na
Roncador-Xingu, imbuídos de uma visão ron- idade adulta e relações entre as diversas aldeias
doniana – foi José Mariano da Silva Rondon do Parque do Xingu.
quem estabeleceu, nos primeiros anos do sé- O Kuarup é, também, a etapa final de uma
culo XX, uma visão de respeito pelos indígenas sequência de ritos iniciados após o falecimento
e por sua autonomia enquanto grupos étnicos de uma pessoa e marca o término do luto dos pa-
diferenciados. rentes, indicando a retomada da existência coti-
Implementado em 1961, o Parque do Xingu diana na aldeia e da alegria do viver.
constituiu-se num novo modelo para a demarca- Uma de suas características marcantes é
ção de terras indígenas, ao considerar a intrínse- a rememoração que faz do ato primordial da
ca relação dos índios com os ambientes naturais criação da humanidade, obra da divindade mí-
que habitam, em uma concepção simbiótica da tica Mavutsinin. Em seu texto sobre essa ceri-
necessidade de preservar uma extensa área de mônia na aldeia do Ipavu, do povo Kamayurá,
natureza como forma de garantir a sobrevivência Carmen Junqueira e Vaneska Vitti descrevem a
desses povos e a perpetuação de suas culturas. narrativa mítica do primeiro Kuarup realizado
Nessa região, conhecida como Alto Xingu, por Mavutsinin:
formada pelos rios Coliseu, Culuene e Ronuro,
vive mais de uma dezena de povos indígenas fa- “Com a intenção de devolver a vida aos mortos,
lantes de línguas distintas cujos rituais – assim Mavutsinin fincou os troncos de madeira na al-
como seus objetos, matérias-primas, cantos, deia e os pintou e adornou. Após muitas horas
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U
m simples objeto utilitário como mapas, Pombal reivindicou o aumento da área
o relógio com a estética de Bra- atribuída a Portugal pelo papado. O Tratado de
sília tem o dom de nos evocar Madri de 1751 alterou a antiga linha de Tordesi-
histórias seculares! Nesta peça de lhas e, após isso, Pombal manifestou sua ideia
autoria desconhecida, observa- de transferir a capital para o interior. A primeira
mos a silhueta de um mapa do Brasil estilizado menção ao nome Brasília deu-se durante o Im-
em madeira maciça que recebe um relógio cujo pério, e foi feita por José Bonifácio de Andrada
ponteiro central emerge do local onde estaria e Silva, o Patriarca da Independência. Bonifácio
localizado o novo Distrito Federal, indicando foi uma voz defensora da transferência da capi-
a centralidade da nova capital no território. tal a partir da década de 1820, propondo a cida-
A composição estética mescla uma maquete de com o nome de Brasília, Brasil em latim, em
parcial (madeira-mogno) alusiva às célebres co- algum lugar na latitude 15°, conhecedor que era
lunas do Palácio da Alvorada com uma escultura dos mapas de Colombina.
em bronze representativa da Catedral de Brasí- Era preciso encontrar um sitio ideal para a
lia. É muito significativo este objeto estar entre futura capital, representativa que deveria ser
os selecionados pelo MHN para comemorar o da união nacional, ocupando um espaço novo,
centenário da instituição. vazio, que pudesse unir os brasileiros, trazendo
Transpor a capital de um país requer inúme- desenvolvimento para o centro do país. Somen-
ros preparativos e prospecções prévias. Muitas te após a mudança do regime político brasileiro,
pessoas pensam que a ideia de transferir a capi- já na 1ª República, registra-se na 1ª Constitui-
tal do Brasil nasceu com Juscelino Kubitschek ção Republicana Brasileira (24/02/1891) a de-
em sua campanha presidencial, mas na verdade terminação que diz: “fica pertencente à União,
surgiu muito antes, no século XVIII, como es- no Planalto Central da República, uma zona de
tratégia do Marquês de Pombal de resguardar 14,400 km2, que será oportunamente demarca-
a capital colonial, muito exposta a ataques e in- da, para nela estabelecer-se a futura Capital Fe-
vasões. Entre 1743 e 1753, esteve em missão no deral”. A partir de 1892 foram constituídas pelo
Brasil o cartógrafo italiano Francesco Tosi Co- governo federal várias Comissões Exploradoras
lombina, enviado pelo Marquês de Pombal com do Planalto Central: como a 1ª e a 2ª Missão Cruls
o objetivo de prospectar o território interior, (1892-1895), a Comissão Polli Coelho (1948), a
desenhar mapas delimitando as bacias hidro- Comissão José Pessoa (1953), sendo que esta úl-
gráficas da região central da mais valiosa colônia tima foi intitulada de Comissão de Localização
portuguesa, antevendo a necessidade clássica de da Nova Capital.1 Na campanha presidencial de
um corpo de água potável para o assentamen- Juscelino Kubitschek, em abril de 1955, duran-
to de qualquer povoação. Já de posse de vários te um comício em Jataí (GO), o candidato foi
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“Na loja da Avenida Graça Aranha, expõem-se os tristes trastes da Panair do Brasil. Coisas que
escaparam de acidentes aéreos, para vir sofrer o desastre em terra, com o esfacelamento da companhia,
que serviu a tanta gente por tantos anos. Eu não ia arrematar nada, mas incorporei-me à multidão
de licitantes. Pareceu-me ver um grande avião caído. Com os destroços varejados pelos curiosos. Uns
calculavam com frieza o valor dos lotes. Outros olhavam, desinteressados. (...) E ninguém ali sentia
nada de especial diante do corpo derrotado da Panair, de seus intestinos à mostra. Quase todos teriam
usado suas linhas, comido seus jantares, lido seus jornais brasileiros em Paris,
mas a hora era de liquidação, e não de saudades.”
F
oi com esse relato melancólico que o o valor de seus ativos superava quase três vezes
poeta Carlos Drummond de Andrade o das dívidas. E provara, ainda, que relatórios fal-
estreou sua coluna no Jornal do Bra- sificados haviam sido utilizados para subsidiar a
sil, em 2 de outubro de 1969. A Panair decisão governamental que a extinguiu.
do Brasil, que durante trinta anos fora Nada adiantou. A perseguição aos acionis-
a mais importante e querida companhia aérea tas majoritários, os empresários Celso da Ro-
do país – responsável não apenas pela abertura cha Miranda e Mario Wallace Simonsen – cujo
pioneira de linhas de integração nacional e as poder econômico era malvisto pelos militares,
intercontinentais, mas também pelo desenvolvi- por terem se posicionado a favor da democracia
mento de parte relevante da infraestrutura aero- –, seguia implacável. Incapaz de justificar suas
portuária e de proteção ao voo na América do Sul ações com fatos, a União passou a lançar mão
–– estava definitivamente no chão. de legislação autoritária para obstar qualquer
Os brasileiros viviam os efeitos do Ato Ins- chance de retorno da companhia. Por meio do
titucional no 5, baixado em 13 de dezembro de Decreto nº 57.682, a Aeronáutica tomou posse e
1968 e comumente conhecido como o mais re- administração da Celma, subsidiária integral da
pressivo da ditadura militar – e a Panair, na Jus- Panair e a maior e mais avançada oficina de re-
tiça, enfrentava uma verdadeira via crucis. Já visão de motores de avião em todo o hemisfério
demonstrara, nos autos de sua falência imposta, Sul. Alegou textualmente que a desapropriação
que dispunha de todas as condições técnico- visava o “interesse público e a Segurança Nacio-
-operacionais, financeiras e jurídicas para fun- nal”. No processo, indenizou a “massa falida” em
cionar, quando, em 10 de fevereiro de 1965, sem um décimo do valor do complexo tecnológico.
aviso prévio ou direito de defesa, subtraíram-lhe Em seguida, com o Decreto-lei nº 107, o Es-
o direito de operar linhas aéreas. Apontara, tam- tado se apropriou “de todas as instalações, bens
bém, em documentos de teor incontestável, que e equipamentos de telecomunicações, perten-
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O
programa não saio não”. Misto de
do show espetáculo musical e
Opinião teatral, no show os três
é um do- falavam, declamavam e
cumento cantavam acompanha-
que nos mostra mais do dos pelos músicos João
que o conteúdo de um Jorge Vargas e Dorival
espetáculo musical ca- Caymmi Filho. Algumas
rioca que estreou em 11 semanas após a estreia,
de dezembro de 1964. Nara deixou o espetácu-
Mais do que isso, ele lo e foi substituída por
é um documento his- Maria Bethânia, jovem
tórico que nos fala de cantora baiana, com 18
um evento que reuniu anos. A versão dramá-
intelectuais, artistas e tica de Bethânia can-
músicos de diferentes tando “Carcará, pega,
procedências no que mata e come!” tornou-se
foi considerado a “pri- um dos símbolos do es-
meira resposta cultural petáculo. É importante
da esquerda ao golpe também mencionar a
de 1964”.1 O programa, presença do cinema
com textos e fotos dos artistas que se apresen- novo no show que homenageia, com um trecho
tavam no show, permite que se compreenda de música de Zé Keti, o filme Rio 40 graus, de
o projeto, o contexto e as sensibilidades que Nelson Pereira dos Santos. O refrão “o sertão
nortearam o espetáculo. Buscava-se reunir a vai virar mar e o mar vai virar sertão” do filme
música popular, o samba de morro e a cultura Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Ro-
do campo, representados pelos atores-cantores: cha, também é cantado no espetáculo.
Nara Leão, a “musa da Bossa Nova”, moradora O show Opinião representava uma visão de
de Copacabana; Zé Kéti, sambista da Portela; e cultura e de política que mobilizava intelectuais
o maranhense João do Vale, cantando o homem e artistas de esquerda oriundos do Centro Popu-
do campo. O nome Opinião veio de uma música lar de Cultura da União Nacional dos Estudantes
de Zé Kéti que dizia: “Podem me prender, podem (CPC da UNE). Entre eles, Ferreira Gullar, Tereza
me bater, podem até deixar-me sem comer, que Aragão, João das Neves, Armando Costa, Odu-
eu não mudo de opinião. Daqui do morro eu valdo Vianna Filho e Paulo Pontes (estes três
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Autor desconhecido
Retrato de Zé Kéti em capa
de compacto simples
da gravadora Mokambo, 1964
COLEÇÃO PARTICULAR
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R
ose Marie Gebara nas- para a Editora Vozes, como respon-
ceu no Rio de Janeiro sável pela organização do catálogo
em 11 de novembro de de livros nacionais, e por 17 anos foi
1930, no seio de uma sua editora. Com a convocação do
rica família. Devido a Concílio Vaticano II pelo Papa João
uma infecção nos primeiros dias de XXIII, em 1961, e o sopro novo que
nascida, ficou com apenas cinco por este deu à Igreja Católica, a Vozes
cento de visão em um dos olhos e mudou sua trajetória comercial e
sem nenhuma visão no outro, o que adotou a “teologia da libertação”,
a obrigou a usar óculos desde o pri- perspectiva que transformou a vida
meiro ano de vida. Assim, os “óculos” de Rose Marie Muraro.
foram uma peça inseparável da sua A instalação do regime militar
vida do nascimento até sua morte.1 em 1964, com a quebra da democra-
No entanto, essa deficiência não a cia no Brasil, provocou uma reação
Capa de
abateu. Ela aprendeu a ler no pri- Libertação sexual da mulher
na editora, que se tornou uma voz
meiro dia de aula e os livros foram Editora Vozes, 1970 de denúncias. Rose Marie Muraro
uma de suas paixões. Na adolescên- COLEÇÃO PARTICULAR e Frei Ludovico Gomes de Castro
cia, a morte de seu pai provocou (1909-1992) foram mentores da
uma luta acirrada entre os Gebara pelo controle resistência da casa editorial ao autoritarismo
de sua fortuna e do próspero comércio e indús- militar, agora com a parceria de Frei Leonardo
tria que a família comandava, tendo sua mãe Boff – amizade que a acompanharia pelo resto
sido espoliada na partilha dos bens. da vida. Nesses anos, ela se iniciou na profissão
Rose Marie ingressou nos grupos juvenis de escritora.
da Igreja Católica – Ação Católica Estudantil –, O início do engajamento de Rose Marie
coordenados pelo lendário bispo Dom Helder com o feminismo, ainda que timidamente,
Câmara. Casou-se jovem com Aldo Muraro, em ocorreu em 1970, com a publicação do livro Li-
8 de dezembro de 1951 e, como a lei determi- bertação sexual da mulher, no qual apresentava
nava, tornou-se Rose Marie Muraro. Teve cinco as ideias que as feministas estavam defenden-
filhos e filhas (e, mais tarde, teria 12 netos). Des- do no mundo, mas que, no Brasil às voltas com
quitou-se depois de 23 anos de casamento. o regime militar, eram ainda embrionárias.
Estudou Física e escrevia para jornais estu- Como editora, organizou uma programação
dantis em 1960, quando começou a trabalhar para comemorar os 50 anos da Vozes e con-
na União Católica de Imprensa e na Conferên- vidou a escritora feminista norte-americana
cia Nacional de Bispos do Brasil. Em 1961, foi Betty Friedan (1921-2006) para lançar em nos-
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lo conferido pela União Brasileira de Escritores. ed; Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2009. A primeira edição
foi de 1999.
O Senado Federal reconheceu sua importância 2> MURARO, Rose Marie, Os seis meses em que fui homem. Rio de
na luta pela democracia no Brasil e lhe conferiu, Janeiro: Rosa dos Tempos, 1990. Está na sétima edição.
3> MELO, Hildete Pereira de & THOMÉ, Debora, Mulheres e poder,
em 1999, o Prêmio Teotônio Vilela, nas comemo- histórias, ideias e indicadores. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018,
rações dos 20 anos da anistia no País e, em 2008, (caps. 3 e 7).
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E
xistem muitas maneiras de descre- Examinando a roupa, vemos que se trata de
ver esta roupa. Podemos começar um robe branco, comprido, de mangas longas e
pela semântica, qualificá-la pela botões forrados. Apresenta aplicações de ren-
sua forma e função. Palavra de da ao redor da gola arredondada, nas mangas,
origem francesa, robe designa o nos punhos e em toda a altura da peça, além da
traje usado por homens e mulheres no espaço barra. Uma fita de cetim azul arremata a parte
doméstico, como peça única, ou sobre outra, frontal da gola. A estampa corrida – com a arte
como a camisola ou o pijama. Conforme os impressa em todo o tecido – exibe a figura de
dicionários, o robe também é nomeado como um anjo cor-de-rosa, com asas azuis, auréola
roupão ou penhoar. amarela e nuvens em dois tons de azul (claro
Se nos detivermos nos atributos intrínse- e escuro). O anjo é disposto em diversas posi-
cos deste robe em particular, sua materialida- ções, horizontal e verticalmente, e de cabeça
de, técnicas de fabricação, morfologia, marcas, para baixo. A peça possui algumas manchas
estado de conservação, poderemos inferir em tons de marrom.
sobre um sem-número de esferas de fenôme- A autoria do robe é confirmada por sua
nos – aqui, o objeto se transforma em suporte etiqueta, que indica também o tamanho (42)
de informação. Mas, para tanto, é preciso que e, por informações fornecidas pelo Instituto
operemos com outros suportes de informação, Zuzu Angel1 – o qual conserva em seu acervo
externos ao artefato. uma camisola com a mesma estampa e uma
O processo de doação da peça, feita por Ma- amostra do tecido. As fichas desses dois ob-
ria Aparecida Pasquale, em 2003, fornece jetos informam que o tecido utilizado,
poucas pistas. O objeto é identificado A estilisat Zuzu Angel Polybel (mistura de poliéster e al-
sucintamente: “um robe de algodão, INSTITUTO ZUZU ANGEL godão) foi desenvolvido em uma
Zuzu Angel, anos 70”. Sua ficha parceria entre a Tecelagem
é igualmente sucinta: “Robe de Dona Isabel, de Petrópolis, e
algodão com estamparia de Zuzu Angel. Embora nenhu-
anjinhos e nuvens com deta- ma destas fontes registre
lhes em renda branca e fita de a data de criação da peça,
cetim azul clara.” Ela registra é provável que ela tenha
uma peça de 1,65 cm de altu- integrado a International
ra e 0,66 cm de largura, em Dateline Collection VII –
bom estado de conservação, Contemporary Classic, lan-
indexada apenas como “in- çada no Rio de Janeiro, em
dumentária feminina”.
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A
o longo da história, as artes em ge- - Desenhos, na qual algumas das obras podem ser
ral têm sido um dos caminhos en- compreendidas pela chave da denúncia do que se
contrados para canalizar emoções. passava nos cárceres brasileiros sob o comando
Amor, tristeza, saudade, medo, de militares e das polícias políticas. O momento
raiva são alguns exemplos que convocava a uma reflexão coletiva e pessoal so-
podemos encontrar expressos em músicas, artes bre a experiência ditatorial no país. Desde 1974,
plásticas, literatura, cinema, teatro etc. No caso de o Brasil já se encontrava no processo de transição
experiências traumáticas e compartilhadas por à democracia anunciado pelo general Ernesto
uma mesma sociedade, grupos étnicos ou de gêne- Geisel, o penúltimo presidente da ditadura. No
ro, as artes tiveram ainda maior relevância. Forma- projeto militar, era a chamada “abertura política,
ram canais de resistência, denúncia e compartilha- lenta, gradual e segura”.
mento de situações-limite, e conseguiram muitas Além do mais, o ano de 1978 marcava os dez
vezes nos conectar aos horrores de uma guerra, de anos do Ato Institucional nº 5, o AI-5, que colo-
uma ditadura, de um genocídio. São obras que par- cara o Congresso Nacional em recesso, cassara
tem do protagonismo da experiência pessoal dos políticos, suspendera direitos políticos e civis e
seus próprios artistas ou são resultado das marcas abrira espaço para o período mais violento da di-
do passado traumático no presente. tadura, concentrando o maior número de mortos
Algumas perguntas transitam ao redor des- e desaparecidos dos 21 anos em que os militares
ses momentos históricos e podemos apontar al- permaneceram no poder.
gumas delas: Como transmitir o convívio diário Ao mesmo tempo, víamos em 1978 o cresci-
com a possibilidade da morte? Como representar mento dos movimentos pela anistia política pe-
a dor/culpa do sobrevivente ao ver amigos, com- dindo a volta dos exilados e a liberação dos pre-
panheiros, amores e familiares sendo mortos? sos condenados pela Lei de Segurança Nacional,
Como relatar a experiência da tortura? Como o retorno do próprio movimento estudantil, as
representar o desaparecido político? Como cons- greves do novo sindicalismo no ABC paulista e as
truir o ideal do nunca mais? cada vez mais recorrentes denúncias de violações
O quadro Tortura de Cláudio Valério Teixei- de direitos humanos. Era um período de retoma-
ra é um desses exemplos. O pintor, desenhista, da do espaço público e da própria arena política,
restaurador e crítico de arte tinha apenas 15 anos testando os limites de uma transição que não ti-
quando o golpe de 31 de março de 1964 abriu o nha uma agenda clara sobre a saída dos militares
caminho para a ditadura no Brasil. Foi, portanto, do poder.
um artista formado no período. O quadro, uma O quadro de Claudio Valério reúne três mulhe-
pintura em acrílico, PVA e óleo sobre aglomera- res nuas, duas delas com a cabeça coberta por um
do, foi apresentado ao público na exposição 1978 capuz e as três encontram-se amarradas juntas por
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E
m 15 de março de 1974, em ato so- O governo Geisel foi marcado pelo cresci-
lene no Congresso Nacional, em mento da inflação e aumento da dívida externa
Brasília, foi empossado Presiden- brasileira. E, embora houvesse o discurso pela
te da República o quarto general “descompressão do sistema político”.3 o apare-
de Exército, Ernesto Geisel, dan- lho de repressão atuou livremente no país. Em
do curso à ditadura militar no Brasil. A seguir, 1976, o Brasil passou a fazer parte da Operação
no Palácio do Planalto, após receber a faixa Condor, aliança entre as ditaduras instaladas na
presidencial de seu antecessor general Emilio Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai.
Médici, Geisel assumiu o mandato afirmando Neste acordo, foram firmadas atividades con-
“prosseguir a notável obra de Governo” que deu juntas, além das fronteiras nacionais, de forma
à Nação “inabalável confiança em si mesma”.1 clandestina, abusiva e à margem da lei, com o
Dentre vários convidados, os presidentes gene- objetivo de espionar, perseguir, sequestrar, tor-
rais Augusto Pinochet, do Chile, e Hugo Banzer, turar, assassinar e fazer desaparecer indivíduos
da Bolívia, o civil tutelado pelos militares uru- de oposição aos regimes militares do Cone Sul.
guaios Juan María Bordaberry e Patricia Nixon, As ações coordenadas entre as ditaduras foram
primeira-dama dos EUA, receberam grande marcadas por sangue, violação de Direitos Hu-
atenção da imprensa. manos e terror; e as suas relações de cooperação
A cobertura dos preparativos, da chega- por cordialidades, compadrio e cumplicidade.
da dos convidados e da posse presidencial foi A troca de presentes fortaleceu laços, que, em-
publicada pelo Jornal do Brasil com atmos- bora fosse um “ato com caráter voluntário, apa-
fera festiva e positividade. Versou-se sobre rentemente livre e gratuito”, consolidou o com-
o protocolo seguido à risca, as solenidades e promisso da retribuição e o vínculo “obrigatório
os bastidores e, é claro, sobre as reuniões em e interessado”.4
que foram firmadas alianças e ações por inte- Em 2002, Amália Geisel doou para o Museu
resses mútuos. A estadia desses dirigentes, os Histórico Nacional 215 objetos que pertence-
obséquios e a hospitalidade do novo governo ram aos seus pais – Lucy e Ernesto Geisel. Des-
também foram notados e salientados. Segun- te variado conjunto de peças, destacamos o co-
do o Jornal do Brasil, o ministro da Indústria lar presenteado pelo general Augusto Pinochet
e do Comércio mexicano José Campillo Sainz à Lucy Geisel, por ocasião de sua visita ao país
“levou ao Presidente Geisel uma caixa de prata em 1974.
com suportes de madeira, o único presente”2 O colar é uma larga gargantilha rígida de
na tarde dos cumprimentos oficiais no Palácio prata, metal amarelo (possivelmente latão)5 e 12
do Planalto. Mas, nem todas as dádivas trocadas cabochões6 ovais de lápis-lazúli.7 Foi moldado
na ocasião foram noticiadas. em linha decrescente do centro no colo à nuca.
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J
eremias batuqueiro é um pequeno formação sobre quando teria deixado de ser
brinquedo, de 25,5 cm, com enorme produzido, Jeremias batuqueiro pode ser locali-
potencial de impacto. Vestido com zado em sites de venda de objetos antigos com
chapéu e terno amarelos, detalhes em altíssimo valor pela sua antiguidade e raridade.
vermelho, ele pode dançar ao som de Alguns dos bonecos visíveis nos sites ainda fun-
uma batucada, pois é movido a corda. O boneco cionam e podemos acompanhar sua dança e ou-
em plástico rígido fazia parte das grandes trans- vir a batucada!2
formações que esse material traria Mas, certamente, o potencial de
à indústria de brinquedos depois da impacto do boneco diz respeito à
Segunda Guerra Mundial. representação caricata de um ho-
O boneco está sobre um tambor mem negro batuqueiro. As feições
de metal colorido, preso a ele por uma e os movimentos do dançarino Je-
haste. O tambor apresenta desenhos remias – figura de riso largo, lábios
de instrumentos musicais e de alguns exagerados, olhos arregalados, gi-
dançarinos. Ao centro, a impressão do rando e mexendo braços e pernas –
contorno dos morros e do mar cario- expressam uma visão estereotipada
cas, com uma palmeira tropical em e risível de duas das mais extraordi-
destaque. A peça do Museu Histórico nárias e modernas invenções da po-
Nacional tem um registro de número pulação negra, o samba e a danças
9049. Produzido na década de 1950 afro-brasileiras.
pela fábrica Estrela, poderosa indús- Atualmente, essas imagens depre
tria de brinquedos, o “batuqueiro” é ciativas e inferiorizadas vêm sendo
uma das versões da dupla de bonecos combatidas em todos os locais pú-
que representava cenas de diversão e blicos, mas nem sempre foi assim.
trabalho de um homem negro. Além Antes, em programas de televisão e
deste, existiu também o “Jeremias espetáculos de teatro, propagandas,
que vai à feira”.1 capas de discos, revistas e jornais não
Não localizei nenhuma menção havia preocupação com a reprodução
à produção, preço ou perfil dos com- de imagens que recriavam visões ra-
pradores deste boneco no site oficial cializadas da população negra. Pelo
da Estrela, nem nos jornais do pe- contrário, insistiam nesse imaginá-
Brinquedo mecânico
ríodo, ou nos poucos estudos sobre “Be-Bop – Jivin› Jigger” rio e silenciavam sobre a beleza e
a história dos brinquedos no Brasil. U.S.A. 1950 o talento das artes negras, ou sobre
Embora também não tenhamos in- COLEÇÃO PARTICULAR a importância da população negra
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N
o dia 25 de junho de 1999, o Museu jogam fora tudo que estava em seu poder; outros
Histórico Nacional (MHN) rece- quebram tudo; alguns colocam tudo dentro de
beu a doação de uma série de ar- uma caixa, encerrando assim sua vida espiritual.
tefatos e roupas da religião de ma- No caso de Zaira Trindade, aconteceu dife-
triz africana, raiz de jeje, de Zaira rente. Ela resolveu doar tudo que lhe pertencia
Trindade. Essa coleção nunca havia sido exposta ao MHN, para que as pessoas tomassem conhe-
no museu por falta de conhecimento sobre a es- cimento do que uma pessoa feita no santo tem
pecificidade dos objetos e por respeito à religião. de ligação com sua casa espiritual.
Em 2018, eu, Rogério Elisiário, Tat’etu Len- Tentei encontrar informações sobre Zaira,
gulukenu, fui procurado por um estimado mas infelizmente não encontrei. Não sei quanto
amigo, Alexandre Ribeiro Neto, o Professor tempo de santo tinha, se chegou a dar as devidas
Alexandre,1 para auxiliar na identificação e clas- obrigações de um, três e sete anos, como tam-
sificação dos itens da coleção. Foi assim que ini- bém não sabemos se ela ainda está viva.
ciei o trabalho de curadoria, junto ao MHN, que Sendo assim, apenas por respeito à pessoa
resultou na exposição de parte dos objetos na Zaira Trindade, que decidiu doar seus perten-
sala “Cidadania”. ces religiosos ao Museu, vou nomear o que foi
Na ocasião, como sou da Nação Angola, di- doado, para que os visitantes possam entender o
rigente espiritual da InzoUnsaba Ria Inkosse, significado de cada objeto.
raiz Kupapa Unsaba, filho de Mam’etu Mabeji, Dentro das minhas pesquisas encontrei in-
expliquei que, na maioria das vezes, essas peças formações de que a raiz jeje tem como segmen-
são despachadas quando a pessoa morre ou não tos: cejahunde, mahi, ijexa, savalu.
deseja mais continuar na religião. Para que isso Como muitos africanos foram trazidos ao
aconteça, existe um ritual, o que Zaira parece ter Brasil como escravizados, eles se misturaram
optado por não fazer. tanto nos navios negreiros, como quando eram
Zaira não forneceu dados suficientes sobre vendidos nos portos do Rio de Janeiro e Salvador.
sua origem espiritual. Apenas citou ser neta es- Para manter uma ligação com a terra natal,
piritual de Zezinho da Boa Viagem, conhecido cada grupo louvava seus deuses da sua forma,
Babalorixá de Nova Iguaçu, filho de Tata Fomo- mas todos permaneciam juntos para orar e dan-
tinho, Jeje Ceja Hunde. Para que não fossem çar para essas entidades espirituais.
cometidos erros ao descrever as peças, procurei Dessa forma, como me relatou o professor
por dotes e mejitós (título de sacerdotes do can- e Babalorixá Silvio d’Oxumarê, o candomblé,
domblé jeje) para auxiliar-me na missão. como conhecemos hoje, se formou no final
Muitas pessoas, ao desistir da religião, pe- do século XVIII e início do XIX, pois, até en-
gam seus pertences e levam a uma cachoeira, ou tão, existiam cerimônias clandestinas nos lo-
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dos Voduns, o mesmo que Orixá para os yorubas, do início ao GT que resultou num trabalho de curadoria comparti-
lhada entre os técnicos do MHN e o Tat’etu Lengulukenu.
e Jinkise para os bantus.
A perseguição contra essa cultura foi inten-
sa e constante. Nossos irmãos lutaram com fé.
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“ B
omba! Bomba! Bomba!” Foi Editado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em
assim que Ibrahim Sued anun- dezembro de 1968, a vida noturna virou alvo da
ciou, em 7 de setembro de 1973, censura. Travestis passaram a ser objeto de uma
a chegada de Rogéria em seu agenda moral que reduziu seu amplo acesso aos
retorno ao Brasil. Não apenas palcos. Pressionada a buscar uma carreira in-
se iniciava uma nova era para o artista travesti ternacional, Rogéria seguiu para a África e, daí,
no país, mas, sobretudo, o fenômeno do traves- rumou para a Europa. Barcelona, sob a ditadura
tismo passava a ser percebido e compreendido de Franco, era pequena para sua arte. Chegando
por novas lentes. Elevada ao Olimpo reservado a Paris em 1970, estreou chez Madame Arthur,
aos grandes artistas, Rogéria, nascida Astolfo célebre cabaret de transformistas. Reconhecida
Barroso Pinto, durante 53 anos de carreira des- de imediato por seu imenso talento – ela canta-
frutou de imenso prestígio por parte de seus va e interpretava como pouquíssimas o faziam –
pares, da crítica e do público. Assumindo-se foi alçada ao mítico cabaret Carrousel. Se Paris
como uma versão teatral e glamourizada de si era a meca mundial das travestis mais lindas do
própria, ela é uma das mais importantes artis- mundo, o Carrousel era seu templo máximo. Em
tas brasileiras. suas tournées, ela conheceu o que havia de mais
Rogéria era estrela antes mesmo de ter exclusivo e refinado. Paris lhe ofereceu o capital
seu nome brilhando nos cartazes de casas social necessário que tão bem a lapidou: domi-
noturnas e teatros do Brasil e do mundo. nou e aperfeiçoou seu irrepreensível sotaque
Ah! Aqueles olhos verdes... Seu inegável ca- francês, conheceu e conviveu com os grandes
risma e espírito de liderança encantavam nomes das artes. A rapidez de raciocínio foi um
amigos, fãs e desconhecidos. Começou de seus maiores aliados. Realizada profissional-
como maquiador na extinta TV Rio e, mente, ela não parecia, porém, satisfeita no pla-
dois meses após o golpe militar em 1964, no pessoal.
estreou com International Set, explodiu Rogéria sentia muita falta de sua mãe, do
em Les Girls. Deslanchou ao abdicar do irmão caçula e do calor fraternal que tanto co-
emprego na televisão. Estrelou espetá nhecera no Brasil. Ainda que o dinheiro con-
culos grandiosos. Virou a vedette da tinuasse a ser um problema, ela, com o rigor e
boate Fred’s, de Carlos Machado, o rei a responsabilidade habituais, enviava parte de
da noite carioca de então. Les Girls fez seus ganhos para a família. Mesmo gozando de
tanto sucesso, que o empresariado logo com- imenso prestígio por parte do patrão e da trou-
preendeu: travestis bonitas e talentosas, muito pe, seus ganhos eram incompatíveis com o sta-
luxo e diversão eram uma mina de ouro. Essa tus que alcançara, tal qual acontecia com mui-
fórmula seria reproduzida por mais de 25 anos. tas de suas colegas. Monsieur Marcel “pagava
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B
oa parte da popula- Esaú e Jacó, cujo original encon-
ção brasileira que tra-se na própria ABL e onde se
viveu no final dos lê: “Viverei com o Catete, o Largo
anos 1980 teve em do Machado, a Praia de Botafo-
suas mãos um exem- go e a do Flamengo, não falo das
plar de cédula semelhante a esta pessoas que lá moram, mas das
de 1 cruzado novo. As décadas ruas, das casas, dos chafarizes e
de 1980 e 90 foram conturba- das lojas. Lá os meus pés andam
das em relação à economia, com por si. Há ali coisas petrificadas e
grandes e rápidas mudanças e o pessoas imortais.”
meio circulante não poderia ser Joaquim Maria Machado de
diferente – também passava por Assis (1839-1908), filho de um
mudanças e precisava se adaptar Machado de Assis, 1907 descendente de negros alfor-
rapidamente. Cada símbolo que ESTÚDIO LUIZ MUSSO & CIA
riados e de uma lavadeira por-
observamos na cédula foi pensa- tuguesa. Negro, cuja imagem
do, elaborado e produzido para que uma men- sofreu um processo de embranquecimento
sagem fosse transmitida. Mas o que essa cédula ao longo do tempo. Foi grande narrador dos
nos conta? Quais são os elementos que nos re- eventos político-sociais de sua época e um dos
metem a momentos importantes do passado? que melhor souberam captar a essência do Rio
A cédula teve seu projeto assinado por Ál- de Janeiro e de seus habitantes. Personagens
varo Alves Martins, e as gravuras do anverso e instigantes como Capitu, Brás Cubas, Rubião,
reverso elaboradas por Zélio Bruno Trindade obras como Quincas Borba, Esaú e Jacó, Dom
e Dalila dos Santos Cerqueira Pinto. Foi fabri- Casmurro e Memorial de Aires são lembradas
cada pela Casa da Moeda e emitida pelo Ban- pelos leitores, dentre os seus dez romances,
co Central do Brasil em 1987 e carimbada em dez peças teatrais, duzentos contos, cinco co-
1989, circulando até 1990. No anverso, o lado letâneas de poemas e sonetos e mais de seis-
principal da cédula, vemos em destaque o bus- centas crônicas. É homenageado anualmente,
to de Machado de Assis em tons predominan- emprestando seu nome ao maior prêmio lite-
temente amarelos e roxos. À direita, um livro rário brasileiro, o Prêmio Machado de Assis,
aberto e uma pena, evidenciando a homena- da ABL, e figura na lista oficial dos Heróis Na-
gem à literatura. À esquerda, a marca da Aca- cionais do Brasil.
demia Brasileira de Letras (ABL), instituição da Machado de Assis frequentava os estabeleci-
qual Machado de Assis foi o primeiro presiden- mentos das principais ruas da cidade do Rio de
te, em 1897. Ao fundo, o trecho manuscrito de Janeiro e uma delas está representada no reverso
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o ano do centenário do Museu Penedo realizou numerosas exposições in-
Histórico Nacional, os visitantes dividuais e coletivas ao longo da carreira. Sua
que finalizam o percurso da ex- arte, como ele mesmo reiterava, possuía um for-
posição de longa duração sobre te sentido de crítica aos processos sociais con-
as histórias brasileiras notarão à temporâneos e históricos brasileiros. Dentre as
sua direita um painel de grande escala – 2,75 m exposições individuais, destacamos Desenhos
de altura e 5,55 m de largura – que reúne uma da série re-tratos, realizada no Museu Histórico
miríade de personagens históricos e ficcionais, Nacional em 1985. Plasticamente, o conjunto
além de símbolos brasileiros e estrangeiros. dos desenhos reunidos na exposição remete a
A obra para a qual chamamos a atenção inti- necessários deslocamentos quanto às perspecti-
tula-se Colonização e dependência e é de autoria vas históricas mais conservadoras e sugere cer-
do artista mineiro Clécio Penedo. Finalizada em tas sínteses e perguntas inesperadas em relação
1987, foi resultado de uma encomenda realizada a personagens e fatos de nossa história.
pelo próprio MHN de uma pintura que pudesse A exposição de 1985 prenunciava alguns dos
ser um marco do processo de reestruturação sentidos do que viria a ser a contribuição de Pe-
institucional por que passava o museu em mea- nedo em Colonização e dependência. O painel
dos da década de 1980. logo se consolidou como um dos principais sím-
A escolha do MHN de uma obra a ser com- bolos de um período em que o museu buscou
posta por Clécio Penedo se justificou por sua já garantir lugar de destaque em seu acervo e em
à época consolidada trajetória artística e termi- suas exposições a representações de segmentos
nou por se mostrar das mais acertadas. Penedo sociais e histórias brasileiras em geral invisibili-
nasceu em Bom Jardim, Minas Gerais, em 1936, zados ou sub-representados.
e faleceu em Volta Redonda, Rio de Janeiro, no E eram suas sínteses peculiares que o MHN
ano de 2004. A maior parte de sua trajetória de mirava com a intenção de contar com uma
vida, no entanto, se deu em Barra Mansa, cidade grande obra de Penedo para abrir a seção dedi-
do interior fluminense. Já sua formação artísti- cada à história colonial na renovada exposição.
ca teve como base, sobretudo, a cidade do Rio Mas, desde o início de sua trajetória no museu,
de Janeiro. Frequentou cursos e oficinas na Es- o painel se revela avesso a planos, enquadra-
cola Nacional de Belas Artes (de 1954 a 1956), no mentos e interpretações mais óbvias. O resul-
Centro de Pesquisa de Artes do Rio de Janeiro, tado do amplo mosaico, dedicado inicialmente
entre os anos de 1973 e 1975, e no Museu de Arte ao sistema colonial, revela também os indícios
Moderna, também na década de 1970, e estudou da resistência e do alcance das lógicas e dos
com artistas como Ivan Serpa, Eduardo Sued e sentidos dos processos de colonização e de de-
Aluizio Carvão. pendência brasileiros, mesmo na contempora-
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E
m 29 de agosto de 1994, o Museu Embora a enxada e a foice no conjunto da
Histórico Nacional (MHN) adquiria doação sejam ferramentas emblemáticas da lida
para o seu acervo uma enxada, uma diária dos trabalhadores rurais, a bandeira sim-
foice e uma bandeira doadas pelo boliza a um só tempo significados como a união,
Movimento dos Trabalhadores Ru- a identidade e as reivindicações prioritárias
rais Sem Terra do Rio Grande do Sul (MST-RS). desse movimento social de massas, amalgaman-
O visitante pôde observar esses objetos tão logo do e incentivando seus integrantes a lutarem
aportaram no museu com o objetivo de compor coletivamente pela terra, pela reforma agrária e
o módulo expositivo de longa duração intitula- por uma sociedade mais justa.
do “Expansão, Ordem e Defesa”. Em 1994, o MST completava uma década de
Desde meados dos anos 1980, o MHN ini- fundação desde o I Encontro Nacional realizado
ciara um processo de revitalização que mirava em janeiro de 1984 na cidade de Cascavel/PR.
sobretudo a reformulação da narrativa institu- O Encontro selou a unificação e a organização
cional através de uma atualização dos conceitos do movimento, que isoladamente vinha lutan-
museológicos e historiográficos em voga no do, desde os anos 1970, pelo acesso à terra e pela
período. O estágio final desta revisão interpreta- reforma agrária, em especial nos estados da re-
tiva sobre a história do Brasil encerrava-se jus- gião Centro-Sul.
tamente com a inauguração, em 1994, da expo- Alguns fatores foram determinantes para
sição citada, que procurou abordar a formação a formalização do MST, destacando-se a meca-
do território nacional desde a Independência nização da lavoura e o estímulo à monocultu-
até aquele momento. ra, que excluíram os pequenos agricultores do
Assim, surgiam expostos os objetos do MST modelo de produção e geraram a migração de
com a finalidade de tratar da “problemática da expressivo contingente populacional para as ci-
fixação do homem ao solo, da qual o movimen- dades – as quais logo enfrentariam o desempre-
to dos sem terra se configura como exemplo”. go –, e para as regiões de colonização na Amazô-
Vitrine versus vitrine, as peças do MST contra- nia, onde a agricultura familiar não prosperou.
punham-se a objetos oriundos de latifúndios, Desta conjuntura formou-se a base social do
desfraldando a desigualdade de raízes co- MST, na qual os agricultores decidem
loniais quanto à distribuição de terras resistir no campo, estabelecer ocupa-
no Brasil. Compunha-se, audacio- ções e, assim, encampar a luta pela
samente, uma narrativa histórica terra em seus lugares de origem.
contrária à lógica dos grandes pro- Por ocasião da exposição, o
prietários de terra, até então hege- MST resistia diante dos rescaldos
mônica no Museu. da crise imposta pelo Governo
Autor desconhecido
Mural executado por ocasião do III Congresso do MST, 1985
ARQUIVO MEMÓRIA MST
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A
s bonecas Karajá transmitem bele- prios Iny – objetos que possuem perspectivas de
za e fascínio. E com essa intenção sujeito. No passado, as bonecas eram de pequena
são feitas. Meu primeiro contato dimensão, não passavam pela queima e retrata-
com essa arte foi em 1986, quando vam a família; eram modeladas sem braços, que
fui estagiar no Museu do Índio e, se resumiam em uma pequena saliência na altu-
para minha surpresa, ali havia prateleiras e prate- ra dos ombros. Os cabelos eram de cera preta e o
leiras de ritxoko, nome dado às bonecas de cerâmi- rosto exibia o círculo, característico dos Iny, en-
ca feitas pelas mulheres do povo indígena Karajá. tão tatuado sobre o osso malar. Essas esculturas
Os Karajá se autodenominam como Iny. São eram brinquedo das crianças e ao mesmo tempo
filiados à família linguística karajá, ou inyrybe, cumpriam a função de socializar os pequenos
do tronco linguístico macro-jê, e estão divididos Iny, pois ilustravam a complexa relação de paren-
em três subgrupos: Iny-Xambioá, Iny-Javaé e tesco e reforçavam os laços afetivos entre os
Iny-Karajá, sendo o inyrybe falado por todos. membros familiares.
Diante disso, nós nos referiremos aos Karajá Esses objetos passam a ser difundidos,
como Iny, habitantes imemoriais da bacia do principalmente, a partir da aldeia Santa Isa-
rio Araguaia, na ilha do Bananal, território bel do Morro que, segundo a documentação
situado no interior do Parque Nacional do do Serviço de Proteção aos Índios, graças
Araguaia, nas fronteiras dos estados de To- a sua proximidade à cidade de São Félix do
cantins, Pará, Mato Grossos e Goiás, e homo- Araguaia, recebia grande fluxo de visitantes
logado em 2006. interessados em conhecer um povo in-
A posse da terra forneceu aos Iny as dígena. Nestas visitas, compravam itens
condições necessárias para preservarem da cultura material dos Iny, incluindo as
aspectos relevantes de seu modo de vida, ritxoko. Castro Faria relata que tais encon-
como o ritual Hetohoky destinado à ini- tros serviram como propulsor de mudan-
ciação dos meninos entre 10 e 12 anos, ças na morfologia das ritxoko e do seu mo-
importante para a manutenção de suas delo de produção.
crenças prescritas desde tempos
imemoriais. Outras políticas pú- “As ritxoko passaram a ser confec-
blicas possibilitaram avançar cionadas em diferentes posturas
na questão da saúde, do direito corporais, ora de pé ora sentadas,
à educação diferenciada e do e começaram a retratar cenas
fortalecimento cultural. do cotidiano da vida karajá.
As ritxoko são singulares Nascia, assim, um novo pa-
porque representam os pró- radigma estilístico na mo-
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dos Karajá nos tempos atuais. 2> Rosani Moreira Leitão. As bonecas de cerâmica iny-karajá e
a pedagogia das ceramistas mestras. In: Tesouros Iny - Karajá
No segundo grupo temático relacionado ao [E-book] / organizador, Manuel Lima Filho. – Goiânia: Cegraf UFG,
imaginário Iny, as ritxoko representam seres 2021, p. 306.
3> Os bens que recebem o Registro têm o título de Patrimônio
que não fazem parte da vida real, mas que ga- Cultural do Brasil e são agrupados em categorias para serem
nham corpo nas mãos das ceramistas que as inscritos em um dos quatro Livros do Registro: o Livro de Re-
gistro dos Saberes; o Livro de Registro das Celebrações; o Livro
modelam a partir das narrativas míticas ou da de Registro das Formas de Expressão; e o Livro de Registro dos
descrição dada pelos pajés em seus transes xa- Lugares.
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O
violão da marca Di Giorgio, fa- ra Márcia Taborda nos conta: “A associação do
bricado em São Paulo em 1978, violão como um instrumento ligado à margi-
pertenceu ao cantor e compositor nalidade e à boemia ocorreu nessa época. Esses
Cazuza e foi doado por sua mãe, críticos questionavam como um instrumento de
Lucinha Araújo, ao MHN, em 2017. malandro podia estar em uma sala de concerto.”3
Composições, melodias e ideias de temas foram O tempo passou e o violão foi conquistan-
dedilhados por Cazuza neste instrumento, que do cada vez mais espaço na música brasileira.
ajuda a contar a história da música brasileira. Nomes como Garoto, Dilermando Reis, Baden
Mas, vamos voltar um pouco no tempo... Powell, Dino Sete Cordas, Rosinha de Valença,
26 de outubro de 1914, o presidente do Brasil, Meira, João Gilberto e Raphael Rabello forma-
Marechal Hermes da Fonseca, ofereceu uma ce- ram escolas de violonistas populares e se torna-
rimônia no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, ram referência para várias gerações. Por mais
para seu corpo diplomático e alguns ilustres. Já que Cazuza não fosse um violonista, o instru-
quase no fim do cerimonial, a esposa do presi- mento sempre fez parte da sua trajetória, prova-
dente, a primeira-dama Nair de Teffé, apresenta velmente ajudando a compor as harmonias de
ao violão a requebrada dança O corta-jaca, de muitas das suas canções.
Chiquinha Gonzaga. É certo que quando a geração do Cazuza
O jornal A Rua, no dia 06/11/1914, não pou- começou a tocar violão a situação era bem di-
pou críticas: “O corta-jaca andou tanto tempo ferente. A partir dos anos 1950, o violão foi, aos
pelos arraiais da pândega e da população que se poucos, se tornando o instrumento mais popu-
desmoralizou por completo.”1 Rui Barbosa, opo- lar do país. Grande parte dessa popularidade foi
sitor do Presidente, também não perdoou e, no construída ao longo da Era do Rádio e, depois,
plenário do Senado Federal, vociferou: “Mas o na Bossa Nova. Para muitos estudiosos, o violão
corta-jaca de que eu ouvira falar há muito tem- ganharia um espaço definitivo na música brasi-
po, que vem a ser ele, Sr. Presidente? É a mais leira a partir do disco Canção do amor demais
grosseira de todas as danças selvagens (...).”2 de Elizeth Cardoso. Sua voz se uniria ao violão
Todo esse espanto era por dois motivos: pri- de João Gilberto.
meiro, porque Nair de Teffé, a primeira-dama Em abril de 1958, enquanto o referido LP de
do país, tocou um tango dentro da sede do go- Elizeth era gravado, nascia Agenor de Miran-
verno da recente República e, segundo, porque da Araújo Neto, mais conhecido como Cazuza.
foi empunhando um violão. O menino Agenor, influenciado pela mãe, Luci-
Andar por aí com violão não era das tarefas nha Araújo, não saía de perto do rádio e cresceu
mais fáceis, não. A chance de parar na delegacia ouvindo Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran e
e ter que se explicar era grande. A pesquisado- o seu ídolo quase homônimo, Angenor de Oli-
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A
cidade do Rio de Janeiro foi fun- (Rua Uruguaiana), um canal de águas ligando as
dada por Estácio de Sá em 1565 lagoas da Ajuda e de Santo Antonio (Largo da
na entrada da barra da baía de Carioca) até a Prainha (Praça Mauá). A vala de-
Guanabara. Em 1567 foi transfe- veria manter livre a circulação da água das la-
rida para o morro do Castelo. goas até ao mar da baía de Guanabara. Por isso
No século XVII, as terras ao norte da cidade ficou proibido jogar nela as imundícies em ge-
e no recôncavo da baía de Guanabara foram cul- ral, como os entulhos, os excrementos ou o lixo.
tivadas, implantando-se nelas a monocultura ca- Essa determinação oficial de 1735 parece ser a
navieira, com seus engenhos dando origem a al- primeira a usar a palavra “lixo”.
guns dos atuais bairros cariocas. O crescimento A transferência da capital da colônia para o
da população e das exportações da cana-de-açú- Rio de Janeiro, em 1763, transformou a cidade na
car levou as autoridades de então a se preocupa- capital do vice-reino do Brasil. Esse fato provo-
rem com a limpeza pública dos logradouros. Na cou uma série de obras de melhoramentos urba-
primeira metade do século XVII, a administra- nos. Entretanto, apesar do crescimento da cidade
ção da cidade determinou que funcionários da e de sua nova categoria política, os dejetos casei-
Câmara fiscalizassem a limpeza das ruas, valas, ros eram colocados em barris e continuaram a ser
pontes e fontes d’água. Não há referências a despejados nas praias, lagoas e até na própria rua.
quem caberia o serviço, mas, foram as primeiras No século XIX, o Rio passou por outras três
informações sobre o assunto. categorias de capital: do Reino Português, do
No século XVIII, o Rio de Janeiro cresceu Império Brasileiro e da República. Para ordenar
devido à descoberta do ouro e das pedras pre- o crescimento da cidade surgiram novas postu-
ciosas nas Minas Gerais. O então pequeno porto ras urbanas na administração pública. A partir
carioca diversificou suas funções ao se tornar o de 1808, com a presença da corte portuguesa
principal exportador da riqueza desse novo ci- na cidade, destacaram-se: o licenciamento para
clo econômico brasileiro. construções, o alinhamento das ruas, a manu-
A partir de 1733, o Rio recebeu diversas obras tenção das fontes de água e a organização do lan-
públicas, mas em relação às então denominadas çamento das imundícies e da varredura das ruas.
‘imundícies’, a população se livrava delas nas Dessa maneira, o morador foi obrigado a manter
praias da baía, nas lagoas e nos rios. Na mes- limpas as testadas de suas casas.
ma época, houve a primeira intenção oficial de Quanto à limpeza pública, apesar da presen-
criar um serviço de limpeza pública no qual os ça dos fiscais nomeados pela Câmara da Cidade,
funcionários limpavam os “monturos”, com ainda havia problemas, pois estes se queixavam
pagamento feito pelos moradores, sob pena de de que o povo continuava a fazer despejos nos
cadeia. A seguir surgiu a preocupação com a vala lugares já limpos. Alguns locais eram próprios
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N
o dia 18 de maio de 2017, Dia In- No início da década de 1990, são feitos pela
ternacional dos Museus, o Mu- Secretaria de Habitação e pelo Governo do Es-
seu Histórico Nacional (MHN) tado na Vila Autódromo dois assentamentos
realizou uma cerimônia na qual de famílias removidas da Comunidade Cardo-
recebeu do Museu das Remo- so Fontes e da Cidade de Deus. A própria Vila,
ções, para serem incorporadas ao seu acervo, entretanto, também é ameaçada de remoção
duas camisetas, sendo uma com o logotipo pela especulação imobiliária. Com a chegada
da Vila Autódromo e outra com o do próprio dos Jogos Olímpicos e de todo o investimento
Museu das Remoções. Além destas, recebeu 14 financeiro gerado pelas Parcerias Público-
outras peças coletadas nos escombros da Vila -privadas, a remoção torna-se uma realidade.
Autódromo no período de remoção pelo qual Esse período representou para a cidade do
passou a comunidade na época da preparação Rio de Janeiro um marco na história das re-
dos Jogos Olímpicos, realizados na cidade do moções.
Rio de Janeiro em 2016.
Farei uma breve abordagem sobre uma “São 22.059 famílias já removidas na cidade do
dessas peças doadas, denominada “bomba Rio de Janeiro, totalizando cerca de 77.206 pes-
sapo”, e espero conseguir expressar o que soas, entre 2009 e 2015, conforme dados apre-
essa peça representa e qual a sua importância sentados pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em
como um elemento de memória desta histó- julho de 2015. Outras dezenas de comunidades
ria. Para contextualizar, começo com um bre- permanecem sob ameaça de remoção.”1
ve relato sobre a história da Vila Autódromo e
de sua resistência, da qual nasceu o Museu das Na Vila Autódromo, centenas de famílias
Remoções. foram deslocadas e, na luta contra a remo-
A Comunidade Vila Autódromo tem sua ção, a comunidade realizou uma série de ati-
origem na década de 1960, como uma colônia vidades culturais e educativas, que ficaram
de pescadores às margens da Lagoa de Jacare- conhecidas como “Movimento Ocupa Vila
paguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Na dé- Autódromo”, tendo por finalidade manter o
cada de 1970, é construído ao lado da colônia território ocupado, dar visibilidade e forta-
o Autódromo de Jacarepaguá. A comunidade lecer a resistência. Como parte deste movi-
acolhe famílias de operários desta e de outras mento, aconteceram lançamentos de livros e
construções da região e passa a ser conhecida visitas guiadas pelo território, entre estas as
como Vila Autódromo. Com a expansão ur- de professores que levavam seus alunos e rea-
bana da região, na década de 1980, ocorrem lizavam aulas abertas. Nessas aulas, refletiam
muitas remoções em comunidades próximas. sobre a história do desenvolvimento urbano
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da cidade do Rio de Janeiro e sua origem na museológico. Algumas destas peças foram
escravidão, com seus portos e navios negrei- doadas para o MHN no ano seguinte, cada uma
ros trazendo centenas de milhares de pessoas com uma memória particular desta história de
escravizadas que depois seriam despejadas resistência, que se tornaria uma referência na
nas ruas sem nenhuma política pública de re- luta contra as remoções.
paração social. Uma das peças doadas foi a “bomba sapo”,
Foram realizados festivais culturais, com muito utilizada pela comunidade antes da re-
música, teatro, capoeira, projeção de filmes, moção. É um tipo de bomba de drenagem, que
exposições, palhaçaria, fanfarras, oficina de trabalha submersa com a finalidade de sugar a
perna de pau, grafite etc. A arte e a cultura água. Seu motor possui uma proteção para evi-
eram combustíveis para os moradores resisti- tar o contato com a água e o motivo pelo qual era
rem. No dia 18 de maio de 2016, inaugura-se o tão utilizada é o fato de a comunidade nunca ter
Museu das Remoções, como um instrumento sido atendida em seus pedidos por saneamento
de luta e resistência e do desejo de não ver a básico. O sistema de esgoto das casas era por
história se perder. Na ocasião, são coletados sumidouro e, de tempos em tempos, era neces-
alguns elementos dos escombros da Vila para sário fazer sua limpeza, o que frequentemente
serem preservados e comporem um acervo incluía o emprego desta bomba.
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Autor desconhecido
Projeto Céu aberto
AGÊNCIA BRASIL
A
carteira é tipo. Mas trazia um ele-
um obje- mento particularíssimo,
to histori- raro, talvez único em
camente relação às demais car-
situado. teiras que andam por-
Feito para ser portátil e tando por aí. A carteira
individual, ela guarda do- de Gabriela continha
cumentos de identidade um nome: Patrícia. Era
do portador, tal como uma carteira certeira,
registrada pelo Estado, a carteira de Gabriela,
e a qualquer momento com um outro nome pi-
podemos ser solicitados a rografado. Os amigos de
comprovar quem somos Gabriela podiam identi-
com os números que nos ficar a sua carteira. Coi-
são atribuídos em nos- sa rara, apresentando
sa existência civil. Leva tal propriedade – um
também cartões – essa nome qualquer, gravado
espécie de passe livre fei- no couro –, tornou-se
to de plástico, exigido nas objeto reconhecido em
aduanas comerciais que um circuito afetivo que
permitem ou impedem lhe conferia absoluta
nosso trânsito pelo mun- segurança. De mesa em
do – e dinheiro – papel- mesa, de bar em bar, a
-moeda, caraminguá, ou- carteira de Gabriela che-
Gabriela Leite
trora metal vilipendiado O GLOBO
gou assim ao seu atual
pela sua função de tornar destino. Na vitrine do
equivalentes e monetizáveis todos os valores do Museu Histórico Nacional, a carteira da prostitu-
planeta. Trata-se, portanto, de objeto pensado para ta Gabriela é iluminada por sua própria história,
acomodar no bolso de uma calça jeans tudo o que que se inicia reclamando o reconhecimento do
uma pessoa precisa para enfrentar o mar alto das sexo pago como um trabalho.
ruas da cidade, atravessar fronteiras, ir além e, ain- Pois da batalha na Boca do Lixo paulistana,
da, ter condições de retorno. passando pela Zona Boêmia de Belo Horizonte,
A carteira de Gabriela continha todos os do- chegando à antiga Vila Mimosa, no Rio, e daí
cumentos e valores dignos de um objeto desse para o mundo, Gabriela Leite iniciou uma luta
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A
boneca Clarinha foi adquirida em menor escala e, por conseguinte, tais dife-
pelo Museu Histórico Nacional renças são menos percebidas pelas crianças.
no mesmo ano de sua produção, A campanha “Cadê nossa boneca?”, da organi-
isto é, em 2007, e desde então zação Avante/Educação e Mobilização Social,
passou a integrar o módulo Cida- de Salvador (BA), apontou a ausência de repre-
dania, da exposição de longa duração do museu, sentatividade negra entre as bonecas por meio
juntamente com outros brinquedos dos séculos de um levantamento realizado em 2020: dos
XX e XXI. Nesse núcleo, um dos objetivos é in- 1.093 tipos de bonecas de fabricantes afiliados à
dicar o ato de brincar como direito da criança, a Associação Brasileira da Indústria de Brinque-
partir da aprovação do Estatuto da Criança e do dos, apenas setenta eram negras, ou seja, cerca
Adolescente, em 1990. de 6% do total.
A coleção de brinquedos do museu ultrapas- Se os brinquedos proporcionam aprendiza-
sa setecentos itens e teve seu início mais efetivo dos sobre si e sobre o mundo, que universo é
a partir da década de 1980 por meio de doações esse que não representa a diversidade humana
de miniaturas militares, segundo apontou An- em sua totalidade? Como perceber o outro?
gela Guedes, ex-assessora de comunicação do E quem não se vê representado nas bonecas,
Museu e uma das principais responsáveis pela como as crianças negras, obesas e com defi-
formação dessa coleção. ciência? A percepção de si e do outro pode ser
Jogos de tabuleiro, quebra-cabeças, video- afetada pela ausência de diversidade no uni-
games, robôs, pipas, piões, pega-varetas, carri- verso dos brinquedos.
nhos, bolas, pelúcias, miniaturas de mobiliário, Na formação da coleção de brinquedos, o
bonecos e bonecas de diferentes épocas fazem Museu Histórico Nacional tem buscado con-
parte do acervo e encantam as crianças de todas templar a diversidade de bonecas existentes,
as idades que visitam a exposição, tenham elas sejam artesanais ou industrializadas. Fazem
zero ou cem anos. Os brinquedos nos remetem parte do acervo exemplares de bonecas de
às doces lembranças e a uma fase da vida sem pano do interior do Maranhão, negras, com
preocupações; no entanto, sua ludicidade é es- deficiência e “de propósito” – estas últimas são
sencial para a formação humana, na medida em bonecas terapêuticas e representam crianças
que, por meio deles, “as crianças constroem co- em tratamento de câncer, cardiopatias, renais e
nhecimentos sobre si, sobre os outros, sobre o com fissura palatina.
mundo e sobre os relacionamentos”.1 Dando continuidade à proposta, em 2007, a
Embora encontremos, hoje, maior varieda- equipe do Museu Histórico Nacional estabele-
de de bonecas com diferenças significativas em ceu contato com a Walbert Indústria e Comér-
seus corpos, esses exemplares são produzidos cio e solicitou, como doação, um exemplar da
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M
arielle Franco era mulher, ne- As placas de ruas são alvo de disputa e atenção
gra, favelada, lésbica, socióloga, por parte do poder público e dos movimentos so-
mãe, pesquisadora e defen- ciais. Nomear as ruas é responsabilidade das Câ-
sora incansável dos direitos maras Municipais e ocupa centralidade nas ações
humanos. Foi eleita vereadora legislativas por envolver homenagens, memórias
em 2016, pelo Partido Socialismo e Liberdade e redes de sociabilidade. “Nomear lugares é im-
(PSOL), com a quinta maior votação do municí- pregná-los de cultura e poder”.1
pio do Rio de Janeiro. Filha de Marinete da Silva Isquerdo defende a importância das topo-
e Antonio Francisco Neto, foi catequista da Igreja nímias, que confirmam “a tese de que a história
Nossa Senhora dos Navegantes na favela da Maré; das palavras caminha muito próxima à história
estudou Ciências Sociais na PUC-Rio; fez mestra- de vida do grupo que delas faz uso”,2 o que torna
do em Administração Pública na UFF. fundamental a análise da disputa de
Ela e seu motorista, Anderson fatores linguísticos, étnicos,
Gomes, foram brutalmente exe- socioculturais, históricos e
cutados no dia 14 de março políticos que a nomea-
de 2018 no Centro da cida- ção em homenagem
de, o que desencadeou à vereadora corpo-
inúmeros atos em sua rifica nas ruas da
memória. Um deles, cidade.
que gerou várias A placa pos-
e diferentes rea- sui duas ver-
ções, foi a criação sões: a primei-
da placa da Rua ra, produzi-
Marielle Franco. da em 20
Marcia Foletto
Marielle Franco
AGÊNCIA O GLOBO
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A memória social tem uma dinâmica que es- a lugares e pessoas que a gente jamais imaginava.
capa, ao menos parcialmente, das investidas do É, sem dúvida, uma potência de demonstração de
poder político, conforme demonstrado pela vida memória, de sonho, de legado muito grande”.6
social do artefato. Mais do que registrar a topo- A placa da “Rua Marielle Franco” é memória,
nímia do extermínio de Marielle Franco, a placa é denúncia, é apelo ao não esquecimento! Sua
indica uma ampla adesão subjetiva, política e ins- potência simbólica ultrapassa sua frágil mate-
titucional às lutas que a vereadora representava; rialidade e nos convida à permanente e inquie-
uma resposta ao brutal e covarde assassinato, que tante busca por JUSTIÇA.
ainda (2022) não foi completamente elucidado.
A retirada da placa da exposição permanente 1> CLAVAL, P. A Geografia cultural. 2. ed. Florianópolis: EDUSC,
do MHN, por motivos políticos, não implica sua 2001, p. 202.
2> ISQUERDO, Aparecida Negri. O nome do município: um estudo
eliminação do acervo da instituição, tampouco etnolinguístico e sócio-histórico na toponímia sul-mato-grossen-
impede questionamentos e reflexões sobre as dis- se. Revista prolíngua, v. 2, n. 2, 2008, p. 36.
putas no campo da memória e dos museus: a quem 3> Também chamado de ‘vaquinha online’ e ‘financiamento co-
letivo’. Trata-se de uma forma de arrecadação de dinheiro pela
interessa “ocultar” a memória dessa mulher? Por Internet.
que um objeto “comum” provoca reações tão in- 4> Flashmob é uma mobilização repentina de pessoas, organiza-
da através da Internet.
flamadas? Quem mandou matar Marielle? 5> BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Pau-
Para Anielle Franco, irmã de Marielle e dire- lo: Hucitec, 1981, p. 35.
6> FRANCO, Anielle. Entrevista sobre a placa “Marielle Franco,
tora executiva do Instituto Marielle Franco, “a mediada pela Professora Pâmella Passos. Whatsapp. 9 de março
placa se tornou um símbolo (...). Ela tem chegado de 2022, 17:07. Quatro áudios de WhatsApp.
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A
té o ano de 2020, existiam 33 No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, o
máscaras na coleção do Museu primeiro caso confirmado da doença ocorreu
Histórico Nacional, abrangendo em 23 de janeiro de 2020 e o primeiro óbito foi
máscaras mortuárias, rituais, de registrado no dia 17 de março de 2020. Até maio
teatro, de esgrima, contra gases de 2022, segundo o painel Covid,2 foram confir-
e de uso profissional (EPI, equipamento de pro- mados 30.868.945 casos da doença, com um sal-
teção individual). No final daquele ano, foram do de 666.248 mortes.
incorporadas ao acervo seis máscaras de prote- O uso de máscaras como forma de proteção
ção que testemunham a memória de um trágico individual contra o contágio por doenças trans-
acontecimento: a pandemia da síndrome respi- missíveis não é original na história da humani-
ratória aguda conhecida por Covid-19, causada dade. Desde a Antiguidade que as máscaras são
pelo novo coronavírus. utilizadas com propósito de proteção. Em tum-
Destas máscaras, cinco são manufaturadas bas persas do século IV aC foram encontradas
artesanalmente em tecido, sendo três de uso figuras humanas dispondo de um pano cobrin-
adulto e duas de uso infantil, com figuras dos do a boca e o nariz e, conforme o testemunho de
personagens de história em quadrinhos e de de- Marco Polo, na China do século XIII os servos
senho animado – do Batman e da Minnie; entre eram obrigados a usar lenços cobrindo o rosto
as outras, duas são confeccionadas em tecido não para evitar que seus hálitos comprometessem o
tecido (TNT), de uso cirúrgico simples, mas uma sabor da comida do Imperador.
delas, além da proteção contra a Covid 19, traz um No século IV, durante a epidemia de peste bu-
recado à sociedade. A mensagem “Vidas negras bônica, o uso da máscara como forma de proteção
importam!” estampada no tecido nos faz lembrar foi amplamente disseminado, sobretudo entre
que, durante a pandemia, a população negra foi aqueles que cuidavam dos doentes. Naquela épo-
a mais afetada pelos adoecimentos e óbitos por ca, as máscaras assemelhavam-se a um bico de
Covid-19 no Brasil, continuando a tradição de de- pássaro com dois orifícios onde eram colocadas
sigualdade racial herdada dos tempos coloniais. ervas aromáticas para bloquear os miasmas for-
O uso deste tipo de proteção foi uma das mados por maus odores, que se acreditava serem
formas de se evitar o contágio pelo novo coro- a causa da transmissão de doenças.
navírus, cujo primeiro caso foi registrado em Em 1918, outra pandemia assolou o mundo,
Wuhan, China, em 17 de novembro de 2019.1 A ceifando cerca de 50 milhões de vidas: a gripe
partir daí, a doença se disseminou com tama- espanhola. Numa época em que a microbiologia
nha rapidez pelo mundo que, em 11 de março de ainda engatinhava e os antibióticos não exis-
2020, a Organização Mundial de Saúde (OMC) tiam (a penicilina só foi descoberta por Alexan-
declarou estado de pandemia. der Fleming em 1921), uma das formas de redu-
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PFF2. Este fato expressa a própria evolução do 13/03 2020. Disponível em: https://www.scmp.com/news/china/
society/article/3074991/coronavirus-chinas-first-confirmed-covi-
conhecimento sobre a Covid-19 que se deu nes- d-19-case-traced-back/ Acesso em 21/01/2022.
te curto período de tempo e que possibilitou, 2> BRASIL. Ministério da Saúde. Painel Coronavírus. Disponível
em: https://covid.saude.gov.br/ Acesso em 21/01/2022.
inclusive, a produção em massa de vacinas por 3> BRITO, Clay. 10 máscaras de proteção luxuosas que você
vários laboratórios. Infelizmente, a irrespon- não vai acreditar que existe. Glamour. Globo.com. 17 de setem-
bro de 2020. Disponível em: https://glamour.globo.com/moda/
sabilidade de uns, a ignorância de outros e a noticia/2020/09/10-mascaras-de-protecao-luxuosas-que-voce-
desigualdade social acabaram afastando muitas -nao-vai-acreditar-que-existem.ght/ Acesso em 21/01/2022.
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ADLER HOMERO FONSECA DE CASTRO AMANDA DE ALMEIDA OLIVEIRA ANA LOURDES COSTA Historiadora e
Historiador, mestre e doutor em Mestra em Museologia pelo museóloga, mestre em Museologia
História, pesquisador associado Programa de Pós-Graduação em e Patrimônio pela UniRio / Mast.
do Centro de Pesquisa em História Museologia da Universidade Profissional de museus, iniciou
Militar do Exército (CEPHiMEx), sócio Federal da Bahia (PPGMuseu/ a carreira no Museu Histórico
emérito do Instituto de Geografia e Ufba). Bacharela em Museologia Nacional, quando teve seu primeiro
História Militar do Brasil (IGHMB), pela Ufba, atualmente é museóloga contato com o vestido de Maria
pesquisador e Coordenador Geral do Instituto Brasileiro de Museus Bonita. É professora de História
de Reconhecimento e Identificação (Ibram) e coordena a implantação e adora roupas e suas trajetórias
do Instituto do Patrimônio Histórico da Projeto Tainacan, no âmbito do sociais. É pesquisadora do Grupo de
e Artístico Nacional (Iphan) e Programa Acervo em Rede. Atua nas Pesquisa Indumentária e Moda em
professor do Mestrado Profissional áreas de documentação em museus Museus (GPIMM/Ibram/CNPq).
em preservação do Patrimônio e gestão e difusão de acervos
do Iphan. digitais. ANA LUCE GIRÃO Pesquisadora
do Departamento de Arquivo
ALDA HEIZER Historiadora do ANA CRISTINA AUDEBERT RAMOS DE e Documentação e docente do
Instituto de Pesquisas Jardim OLIVEIRA Bacharel em Museologia Programa de Pós-Graduação
Botânico (JBRJ), onde desenvolve pela UniRio, mestre em História em Preservação de Gestão do
estudos sobre expedições, coleções, da Cultura pela PUC-Rio e doutora Patrimônio Cultural das Ciência e
museus e jardins botânicos. em Museologia e Patrimônio pela da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/
Professora do Programa de Pós- UniRio /Mast. É professora adjunta Fiocruz. Atua na área de História e
Graduação do Patrimônio/Casa no Departamento de Museologia da Memória, enfocando a história das
de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e Universidade Federal de Ouro Preto instituições científicas, os arquivos
PPGP/Biodiversidade em Unidades (Ufop). de cientistas e a preservação de
de Conservação (ENBT/JBRJ). acervos das ciências e da saúde.
ANA FLÁVIA MAGALHÃES PINTO
ALINE MONTENEGRO MAGALHÃES Professora do Departamento ANA PAULA CAVALCANTI SIMIONI
Historiadora com mestrado e de História da Universidade de Professora do Instituto de Estudos
doutorado em História Social Brasília (UnB) e doutora em História Brasileiros da Universidade de São
(PPGHIS/UFRJ). Bolsista de pós- pela Universidade Estadual de Paulo. É autora de Profissão artista:
doutorado sênior do CNPq em Campinas (Unicamp). É autora pintoras e escultoras acadêmicas
Museologia (PPGPMUS/UniRio- de Escritos de liberdade: literatos brasileiras (1884-1922) (2008, Edusp,
Mast), entre 2018 e 2020. Foi negros, racismo e cidadania no reimpressão em 2019).
pesquisadora no Museu Histórico Brasil oitocentista (2018). Integra
Nacional por mais de vinte anos, a Rede de Historiadoras Negras e ANA VIRGINIA PINHEIRO
instituição que dirigiu entre fevereiro Historiadores Negros (RHN) e o Bibliotecária e documentalista,
e julho de 2022. Atualmente é GT Emancipações e Pós-Abolição mestre em Administração Pública
docente no Museu Paulista da da Associação Nacional de pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Universidade de São Paulo. História (Anpuh). Trabalhou na Fundação Biblioteca
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Adriana Moreno
Álvaro Marins
Cláudio Figueiredo
Fernando Antônio Gadelha da Trindade
Juarez Guerra
Núbia Melhem Santos
Patrícia Wanzeller
Paulo Knauss
Ruth Beatriz Calceira de Andrade
Sarah Fassa Benchetrit
Valéria Castro Alves
Vânia Bonelli
em 1817.
ISBN: 978-65-88035-10-8