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100 objetos do

Museu Histórico
Nacional
1922-2022

HISTÓRIAS
DO BRASIL

Sobrecapa MHN.indd 1 25/11/22 10:17


Adler Homero Fonseca de Castro, Alda Heizer, Aline Montenegro Magalhães, Amanda de Almeida Oliveira, Ana Cristina Audebert Ramos de Oliveira, Ana Flávia Magalhães Pinto, Ana Lourdes Costa, Ana Luce Girão, Ana Paula Cavalcanti Simioni, Ana Virginia
Pinheiro, André Amud Botelho, Andréa Gonçalves Moreira, Angela Cardoso Guedes, Angela de Castro Gomes, Angela Maria Cunha da Motta Telles, Antonio Lassance, Arno Wehling, Bárbara Deslandes Primo, Carina Martins Costa, Carlos Alberto Lombardi Filguei-
ras, Carlos Augusto da Rocha Freire, Carlos Kessel, Charles Steiman, Claudia Inês Parellada, Cláudia Rose Ribeiro da Silva, Daniel Ladanza Forain, Daniel Leb Sasaki, Daniel Palazzi, Daniella GomesAline
dos Santos, ElianeMagalhães,
Montenegro Vieira da Silva, Fabiano Cataldo de Azevedo,
Flávia de Sá Pedreira, Flávia Figueiredo, Flávio Gomes, Flavio Lenz, Francisco Doratioto, Francisco Quartim de Moraes, Francisco Régis Lopes Ramos, Gabriela da Fonseca, Geyzon Bezerra Dantas,André Gilberto
Amud Vieira Garcia, Hebe Mattos, Heloisa Meireles Gesteira,
Botelho,
Hildete Pereira de Melo, Ione PereiraPRODUÇÃO
PRODUÇÃO Couto, Irina Aragão dos Santos, Itan Cruz,
PATROCÍNIO Jacqueline Hermann, Jean Baptista, Jeane Mautoni, Jeferson Rocha, José Neves Bittencourt, José Pessôa, Juliana Barreto
PATROCÍNIO
Farias,Lenzi
Maria Isabel Julio Cezar Neto Dantas, Kedison Guimarães, Lia
Calabre, Luís Jorge Natal, Luiz Henrique Fiaminghi, Maraliz de Castro Vieira Christo, Marcelo Abreu, Maria de Simone Ferreira, Maria do Carmo Rainho, Maria Elizabeth Brea Monteiro, Maria Fernanda e RafaelBicalho,
ZamoranoMaria Inez Turazzi, Maria Isabel Ribeiro Lenzi,
Bezerra
Maria Pace Chiavari, Maria Paula Nascimento Araujo, Marilene Weinhardt, Mario Aizen, Marize Malta, Marli Gaspar Bibas, Martha Abreu, Moema de Bacelar Alves, Moema Vergara, Mônica Salem deO RZayas, G A N I Z Patrícia
AÇÃO Wanzeller, Paula Moura Aranha, Paulo Knauss,
Pedro Belchior, Pedro Colares Heringer, Pedro Karp Vasquez, Pedro Machado Mastrobuono, Piedade Epstein Grinberg, Rafael Zamorano Bezerra, Renata Santos, Robert Pechman, Romney Lima, Rosana Lanzelotte, Rundsthen Nader, Samantha Viz Quadrat, San-
dra Maria Teixeira, Solange Godoy, Solange Palazzi, Sonia Gomes Pereira, Soraya Silveira Simões, Stella-Lizarra, Tat’etu Lengulukenu, Thayane Vicente Vam de Berg, Tony Willian Boita, Valéria Regina Abdalla Farias, Vera Lima, Vera Lucia Bottrel Tostes, Victor
100 objetos do
Villon, Ynaê Lopes dos Santos Adler Homero Fonseca de Castro, Alda Heizer, Aline Montenegro Magalhães, Amanda de Almeida Oliveira, Ana Cristina Audebert Ramos de Oliveira, Ana Flávia Magalhães Pinto, Ana Lourdes Costa, Ana Luce Girão, Ana Paula Ca-
valcanti Simioni, Ana Virginia Pinheiro, André Amud Botelho, Andréa Gonçalves Moreira, Angela Cardoso Guedes, Angela de Castro Gomes, Angela Maria Cunha da Motta Telles, Antonio Lassance, Arno Wehling, Bárbara Deslandes Primo, Carina Martins Costa,
Museu Histórico Nacional
Carlos Alberto Lombardi Filgueiras, Carlos Augusto da Rocha Freire, Carlos Kessel, Charles Steiman, Claudia Inês Parellada, Cláudia Rose Ribeiro da Silva, Daniel Ladanza Forain, Daniel Leb Sasaki, Daniel Palazzi, Daniella Gomes dos Santos, Eliane Vieira da
Silva, Fabiano Cataldo de Azevedo, Flávia de Sá Pedreira, Flávia Figueiredo, Flávio Gomes, Flavio Lenz, Francisco Doratioto, Francisco Quartim de Moraes, Francisco Régis Lopes Ramos, Gabriela da Fonseca, Geyzon Bezerra Dantas, Gilberto Vieira Garcia, Hebe
1922-2022
Mattos, Heloisa Meireles Gesteira, Hildete Pereira de Melo, Ione Pereira Couto, Irina Aragão dos Santos, Itan Cruz, Jacqueline Hermann, Jean Baptista, Jeane Mautoni, Jeferson Rocha, José Neves Bittencourt, José Pessôa, Juliana Barreto Farias, Julio Cezar Neto
Dantas, Kedison Guimarães, Lia Calabre, Luís Jorge Natal, Luiz Henrique Fiaminghi, Maraliz de Castro Vieira Christo, Marcelo Abreu, Maria de Simone Ferreira, Maria do Carmo Rainho, Maria Elizabeth Brea Monteiro, Maria Fernanda Bicalho, Maria Inez Tu-

HISTÓRIASDOBRASIL
razzi, Maria Isabel Ribeiro Lenzi, Maria Pace Chiavari, Maria Paula Nascimento Araujo, Marilene Weinhardt, Mario Aizen, Marize Malta, Marli Gaspar Bibas, Martha Abreu, Moema de Bacelar Alves, Moema Vergara, Mônica Salem de Zayas, Patrícia Wanzeller,

HISTÓRIAS
Paula Moura Aranha, Paulo Knauss, Pedro Belchior, Pedro Colares Heringer, Pedro Karp Vasquez, Pedro Machado Mastrobuono, Piedade Epstein Grinberg, Rafael Zamorano Bezerra, Renata Santos, Robert Pechman, Romney Lima, Rosana Lanzelotte, Rundsthen
Nader, Samantha Viz Quadrat, Sandra Maria Teixeira, Solange Godoy, Solange Palazzi, Sonia Gomes Pereira, Soraya Silveira Simões, Stella-Lizarra, Tat’etu Lengulukenu, Thayane Vicente Vam de Berg, Tony Willian Boita, Valéria Regina Abdalla Farias, Vera Lima,

DO BRASIL
Vera Lucia Bottrel Tostes, Victor Villon, Ynaê Lopes dos Santos Adler Homero Fonseca de Castro, Alda Heizer, Aline Montenegro Magalhães, Amanda de Almeida Oliveira, Ana Cristina Audebert Ramos de Oliveira, Ana Flávia Magalhães Pinto, Ana Lourdes Costa,
Ana Luce Girão, Ana Paula Cavalcanti Simioni, Ana Virginia Pinheiro, André Amud Botelho, Andréa Gonçalves Moreira, Angela Cardoso Guedes, Angela de Castro Gomes, Angela Maria Cunha da Motta Telles, Antonio Lassance, Arno Wehling, Bárbara Deslandes
REALIZAÇÃO
Primo, Carina Martins Costa, Carlos Alberto Lombardi Filgueiras, Carlos Augusto da Rocha Freire, Carlos Kessel, Charles Steiman, Claudia Inês Parellada, Cláudia Rose Ribeiro da Silva, Daniel Ladanza Forain, Daniel Leb Sasaki, Daniel Palazzi, Daniella Gomes
dos Santos, Eliane Vieira da Silva, Fabiano Cataldo de Azevedo, Flávia de Sá Pedreira, Flávia Figueiredo, Flávio Gomes, Flavio Lenz, Francisco Doratioto, Francisco Quartim de Moraes, Francisco Régis Lopes Ramos, Gabriela da Fonseca, Geyzon Bezerra Dantas,

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HISTÓRIASDOBRASIL
100 objetos do
Museu Histórico Nacional
1922-2022

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Ministério do Turismo
Secretaria Especial da Cultura
Instituto Brasileiro de Museus–IBRAM
Instituto Cultural Vale
Associação dos Amigos do MHN
Museu Histórico Nacional

H
A P R E S E N TA M

INICIAIS MHN 2 23/11/22 10:36


Aline Montenegro Magalhães, André Amud Botelho,
Maria Isabel Lenzi e Rafael Zamorano Bezerra
ORGANIZAÇÃO

HISTÓRIASDOBRASIL

100 objetos do
Museu Histórico Nacional
1922-2022
Edição comemorativa dos 100 anos
do Museu Histórico Nacional

INICIAIS MHN 3 23/11/22 10:37


PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA MUSEU HISTÓRICO SETOR DE DINÂMICA CULTURAL 

Jair Messias Bolsonaro NACIONAL André Amud Botelho (chefe)

VICE-PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA DIREÇÃO EXPOSIÇÕES

Antônio Hamilton Martins Fernanda Santana Rabello de Valéria Abdalla, Simone Kimura,


Mourão Castro (substituta) George de Abreu

MINISTÉRIO DO TURISMO ASSESSORIA DE GABINETE EDUCAÇÃO

Carlos Alberto Gomes de Brito Cristiane Oliveira, Maurício Flávio Resende, Lucia da Mata,
Marques Silvana Pinho
SECRETARIA ESPECIAL DE CULTURA

Hélio Ferraz de Oliveira DIVISÃO TÉCNICA PESQUISA 


Diogo Guarnieri Tubbs (chefe Álvaro Marins, Daniele Del Giudice
INSTITUTO BRASILEIRO
DE MUSEUS
substituto) Andrada, Telma Lopes, Patricia Mafra
Pedro Mastrobuono ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
DIVISÃO DE GESTÃO INTERNA 
Geyzon Dantas, Carlos
Zeni Gonzaga dos Santos
Alberto de Oliveira, Elso Silva
(chefe substituta)
Junior, Ronaldo Beaklini,
João Lourenço NÚCLEO DE FINANÇAS  

Lúcia Verônica Trindade (chefe),


SETOR DE GESTÃO DE ACERVOS Marluce Ayres
CONTROLE E REGISTRO DE ACERVOS COMPRAS, CONTRATOS E PATRIMÔNIO 
Fernanda Magalhães Pinto José Pereira Ignácio, Nelson Jorge dos
Santos, Paulo Lage, Pedro Paulo Lima,
ACERVO MUSEOLÓGICO
Reginaldo Martins, Eduardo Granato
Jeanne Mautoni, Juarez Guerra,
Matta, Carlos Henrique Junior, Edilene
Paula Aranha, Pedro Colares
dos Santos, Márcio de Oliveira
Heringer, Luana Xavier
RECURSOS HUMANOS  
ACERVO ARQUIVÍSTICO
Liane Maia de Oliveira
Daniella Gomes dos Santos,
Bárbara Deslandes Primo, GESTÃO DE DOCUMENTOS  
Maria Isabel Lenzi Bianca Mendes, Adilson da Conceição
Silva, José Gomes
ACERVO BIBLIOGRÁFICO

Eliane Vieira da Silva, Gisely SEGURANÇA 


Miranda de Melo, Arionia João Carlos de Oliveira Barreto
Rodrigues da Cunha, Maria (chefe), Luís Antônio Chaves, Carlos
José Ribeiro, Suely Pires, Cidália Alberto Lopes dos Santos, Carlos Tadeu
Ribeiro Pinto, João Baptista Bragança, Jorge
Amado Ribeiro, José Girondi de Pinho,
CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO
DE ACERVOS Luiz Carlos Soares, Moacir Queiroz,
Adriana Bandeira Cordeiro, Ronaldo dos Santos Carvalho, Sérgio
Cláudio Aranha, Maria de Simone Luiz da Costa, Silvio Luiz da Motta
Ferreira, Reinaldo dos Santos Halm,
ESTAGIÁRIOS
Ricardo Carvalho
Bernardo Miranda, Eduarda Knack,
Giselle Bastos, Jéssika Luiza

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MHN_Book 1.indb 4 21/11/22 19:37


PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MHN HISTÓRIAS DO BRASIL COPYDESK

EM 100 OBJETOS Henrique Koifman


RECEPÇÃO E MANUTENÇÃO
DO MUSEU HISTÓRICO e Edumundo Barreiros
Proatividade
NACIONAL REVISÃO DE TEXTO
SERVIÇOS GERAIS E BRIGADA
DE INCÊNDIO ORGANIZADORES Sonia Cardoso / Editare
TransegurTec Aline Montenegro Magalhães IMPRESSÃO
André Amud Botelho Leograf Gráfica
VIGILÂNCIA
Maria Isabel Lenzi
Transegur Rafael Zamorano Bezerra ASSESSORIA DE IMPRENSA

Bia Sampaio / Briefcom


COORDENAÇÃO EDITORIAL

Maria Isabel Lenzi IMAGENS DE ARQUIVO

Acervo Digital Zuzu Angel


PRODUÇÃO EXECUTIVA
Acervo Dorothy Jansson Moretti
ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS Roberto Padilla / Artepadilla Agência Brasil
DO MUSEU HISTÓRICO GERÊNCIA DE PROJETOS
Agência O Globo
NACIONAL Mariana Oscar / Artepadilla Arquivo Geral da Cidade do
Rio de Janeiro
ASSISTENTE DE PROJETOS Arquivo Memória Mst
PRESIDÊNCIA
Maíra Rocha / Artepadilla Arquivo Nacional
Maria Linhares Pinto
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO
Biblioteca do Estado da Baviera
VICE-PRESIDÊNCIA
Patrick Correa / Artepadilla Biblioteca Nacional da França
Rosane Maria Rocha de Carvalho Biblioteca Nacional de Portugal
PROJETO GRÁFICO British Library
DIREÇÃO EXECUTIVA E PESQUISA ICONOGRÁFICA
British Museum
Heleny Pires de Castro Victor Burton
Cabido Metropolitano do
DIREÇÃO ADJUNTA ASSISTENTE DE DESIGN Rio de Janeiro
PRODUÇÃOAdriana Moreno PATROCÍNIO
Cornell University
Maria Elizabeth Banchi Alves
Fundação Biblioteca Nacional
PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA
E TRATAMENTO DE IMAGENS
Fundação Getúlio Vargas
Jaime Acioli Fundação Oswaldo Cruz
Instituto Moreira Salles
FOTOGRAFIA PÁGINA 176 Itaú Cultural
Francisco Moreira da Costa Library of Congress, Washington
Mídia Ninja
FOTOGRAFIA PÁGINA 386
Mosteiro de São Bento da Bahia
Pepe Schettino
Museu da República / Ibram
Museu Paulista
Pinacoteca de São Paulo

PRODUÇÃO PATROCÍNIO

REALIZAÇÃO

INICIAIS MHN REVISTA.indd 5 02/12/22 12:58


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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO URNAS FUNERÁRIAS MARAJOARA


Pedro Machado Mastrobuono Claudia Inês Parellada
13 37

UM CENTENÁRIO, CEM OBJETOS, CEM HISTÓRIAS PEÇA DE ARTILHARIA PORTUGUESA


Aline Montenegro e Fernanda Castro José Neves Bittencourt
15 41

UM CENTENÁRIO DE BONS AMIGOS TACAPE DE TIBIRIÇÁ


Associação dos Amigos do Museu Rafael Zamorano Bezerra
Histórico Nacional 45
17
ESPADA DE EXECUÇÃO
INSTITUCIONAL ICV Paulo Knauss
Instituto Cultural Vale 49
21
MOEDAS OBSIDIONAIS
INTRODUÇÃO Paula Aranha
Os organizadores 53
23
LIVRO DOS FEITOS DE NASSAU
CEM ANOS: MÁQUINA DE FAZER ANDAR, Flávio Gomes
OLHAR E COMEMORAR 57
José Neves Bittencourt
CANHÃO DE LUÍS XIV
27
Adler Homero Fonseca de Castro
63

SEGUNDA BATALHA DE GUARARAPES


Paulo Knauss
67

HISTÓRIA GENEALÓGICA DA CASA


REAL PORTUGUESA
Fabiano Cataldo de Azevedo e
Marli Gaspar Bibas
73

AGULHA DE MAREAR
Heloisa Meireles Gesteira
79
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RETRATO DE D. SEBASTIÃO ESPADA DO CONDE DA BARCA
Jacqueline Hermann Piedade Epstein Grinberg
83 139

SANTINHA MISSIONEIRA GRAVURA DO DESEMBARQUE DE


Jean Tiago Baptista e Tony Boita DONA LEOPOLDINA
87 Solange Godoy11

RETRATO DE D. LUÍS DE VASCONCELOS 143


Maria Fernanda Bicalho
D. JOÃO OUVINDO O PADRE JOSÉ
91
MAURÍCIO AO CRAVO
A PESCA DAS BALEIAS NA BAÍA DE GUANABARA Rosana Lanzelotte
Carlos A. L. Filgueiras 147
97
PEÇA DA COROAÇÃO
ORATÓRIO LAPINHA Pedro Colares Heringer
Daniel Iadanza Forain 151
103
RETRATO DA MARQUESA DE SANTOS
CADEIRINHA DE ARRUAR Vera Lima e Mônica Salem de Zayas
Amanda de Almeida Oliveira11 155
107 ESPADIM MAÇÔNICO

NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO


Victor Villon
159
Julio Cezar Neto Dantas
113 RETRATO DE ANITA GARIBALDI

BOM PASTOR, ESCULTURA EM MARFIM


Flávia Figueiredo
163
Rafael Zamorano Bezerra
117 MEDALHA DA FUNDAÇÃO DO IHGB

ESCULTURAS DOS SANTOS EVANGELISTAS


Arno Wehling
167
José Pessoa
121 CHEGADA DA FRAGATA CONSTITUIÇÃO

RABECA AO RIO DE JANEIRO

Luiz Henrique Fiaminghi Pedro Machado Mastrobuono


127 171

CARIMBO DA REAL BIBLIOTECA DAGUERREÓTIPO DO IMPERADOR

Eliane Silva e Ana Virginia Pinheiro Pedro Karp Vasquez


131 177

MOEDA DO REINO UNIDO DE PORTUGAL, ESTUDO DO QUADRO DA COROAÇÃO

BRASIL E ALGARVES DE D. PEDRO II

Paula Aranha e Pedro Heringer Moema de Bacelar Alves


135 181

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LEQUE COMEMORTIVO DA INDEPENDENCIA COMBATE NAVAL DO RIACHUELO
DO BRASIL Sonia Gomes Pereira
Marcelo Abreu 233
185
RETRADO DE PEDRO II
LETREIRO DA FIRMA PACHECO Moema Vergara e Rundsthen Nader
FERREIRA & CIA. 239
Angela Telles ALEGORIA À LEI VENTRE LIVRE
189
Ana Flávia Magalhães Pinto e Itan Cruz
PULSEIRAS DE PLACAS 243
Juliana Barreto Farias COLEÇÃO “TIPOS DE RUA”
195
Ynaê Lopes dos Santos
RETRATO DE PAULA BRITO 247
Renata Santos DOMINGO DE FESTA NA FAZENDA
199
Flávia Figueiredo
CARTES DE VISITES DE ESCRAVIZADOS 251
Maria Isabel Ribeiro Lenzi DOZE HORAS EM DILIGÊNCIA
203
Daniella Gomes dos Santos
VISÃO DE PARAGUAÇU 255
Geyzon Dantas LETREIRO DA LOJA DA AMÉRICA E CHINA
209
Marize Malta
A BOTICA PORTÁTIL DO DR. CHERNOWIZ 259
Ana Luce Girão Soares de Lima RETRATO DE ANDRÉ REBOUÇAS
213
Hebe Mattos
MARIA CAMBINDA 265
Aline Montenegro Magalhães e MANUSCRITO DE MACHADO DE ASSIS
Solange Palazzi Francisco Régis Lopes Ramos
217
269
O TAMBOR CAXAMBU
BATUTAS DE FRANCISCO BRAGA
Solange Palazzi, Kedison Guimarães, Gilberto Vieira
Daniel Palazzi e Jeferson Rocha 273
221
RETRATO RASGADO DE PEDRO II
COLEÇÃO JOSÉ DOS REIS CARVALHO
Gabriela da Fonseca
Thayane Vicente Vam de Berg 277
225
MESA DA CONSTITUINTE DE 1891
LEME DA FRAGATA AMAZONAS
Antonio Lassance
Francisco Doratioto 281
229

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UMA FOTO DE GUTIERREZ TRANSMISSOR DE RÁDIO DE 1923
Maria Inez Turazzi Lia Calabre
287 337

LITOGRAFIA SOBRE O ATENTADO A CARICATURA DE RIAN


PRUDENTE DE MORAES Bárbara Primo
Maria Pace Chiavari 341
293
CAPACETE DE 1932
PORTA DO JORNAL DO COMMERCIO Francisco Quartim de Moraes
Luiz Jorge Natal 345
297
VESTIDO DE MARIA BONITA
ÁLBUM DA EXPOSIÇÃO NACIONAL DE 1908 Ana Lourdes Costa
Alda Heizer 349
301
CARTEIRA DE TRABALHO
AUTOMÓVEL PROTOS Angela de Castro Gomes
Angela Telles 353
305
VISCONDE DE SABUGOSA
PLACA DO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS Angela Guedes
Carlos Augusto da Rocha Freire 357
309
QUADRO DO ALFERES TIRADENTES
PORTA-ETROG Maraliz de Castro Vieira Christo
Charles Steiman 361
313
BANDEJA DA FEB
TAMBOR DO CONTESTADO Flávia de Sá Pedreira
Marilene Weinhardt 365
317
CARRUAGEM REAL
SELO DE CHIQUINHA GONZAGA Vera Lúcia Bottrel Tostes
Pedro Belchior 369
321
ALEGORIA DO ESTADO DO AMAZONAS
SESSÃO DO CONSELHO DE ESTADO Ana Cristina Audebert Ramos de Oliveira
Ana Paula Cavalcanti Simioni 375
325
TRONCO DO KUARUP
FORTE DO MORRO DO CASTELO Maria Elisabeth Bréa Monteiro
Carlos Kessel 379
329
RELÓGIO DE MESA
BARALHO DA EXPOSIÇÃO DE 1922 Andréa Gonçalves Moreira Bernardes
Patrícia Wanzeller 383
333

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MODELO DE AERONAVE DA PANAIR BONECAS KARAJÁ
Daniel Leb Sasaki Ione Pereira Couto
387 437

PROGRAMA DO SHOW OPINIÃO VIOLÃO DO CAZUZA


Maria Paula Araujo Romney Lima
391 441

ÓCULOS DE ROSE MARIE MURARO UNIFORME DOS GARIS CARIOCAS


Hildete Pereira de Melo Mario Aizen e Robert Pechman
397 445

ROBE DE ANJOS E NUVENS BOMBA SAPO


Maria do Carmo Rainho Sandra Teixeira
401 449

TORTURA CARTEIRA DE GABRIELA LEITE


Samantha Viz Quadrat Flavio Lenz e Soraya Silveira Simões
405 453

COLAR DE LUCY GEISEL CLARINHA, A BONECA COM TRAÇOS DA


Irina Aragão dos Santos SÍNDROME DE DOWN
409 Valéria Regina Abdalla Farias
457
O BATUQUEIRO
Martha Abreu PLACA DA “RUA MARIELLE FRANCO”
413 Carina Martins Costa e Cláudia
Rose Ribeiro da Silva
INDUMENTÁRIA DE IEMANJÁ
461
Tat’etu Lengulukenu
417 MÁSCARA DE PROTEÇÃO
Jeane Mautoni
PROGRAMA DO SHOW POR VIA DAS DÚVIDAS
465
Stella-Lizarra
421
BIOGRAFIAS
CÉDULA CARIMBADA
469
Paula Moura Aranha
425 BIBLIOGRADIA E OUTRAS REFERÊNCIAS
479
PAINEL COLONIZAÇÃO E DEPENDÊNCIA
André Amud Botelho
429

BANDEIRA DO MST
Maria de Simone Ferreira
433

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APRESENTAÇÃO

C
umpriu-me a honraria de prefaciar o por nosso Ordenamento Jurídico, reconhecida por
presente livro que, certamente, será importante elemento de formação da identidade
lido não apenas por notáveis, espe- de nosso povo. As peças do MHN fazem presente os
cialistas em belas-artes, mas também exemplos que vêm do passado, de como o povo bra-
pelo público em geral. Feita tal consta- sileiro, paulatinamente, vence incontáveis dificul-
tação, atrevo-me a afirmar que haverá, após a leitu- dades e percalços de sua linda trajetória. Mas não
ra desta obra, cristalino e amplo consenso de que a é só. Cumpre-nos também salientar que investi-
trajetória do Museu Histórico Nacional (MHN) seja mento em Cultura gera vivências emocionais con-
extremamente fecunda e exitosa, das mais elevadas cordantes e complementares. A diminuição da vio-
– se não a maior – dentre todas as unidades museo- lência passa, obrigatoriamente, pelo enraizamento
lógicas do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), e cultural, por relações sociais pautadas na coopera-
de enorme relevância na fortificação dos alicerces ção e respeito mútuos, por sentimento de comu-
da preservação de bens culturais deste País. nhão que se ancora em esperança coletiva. Onde a
Neste livro, sob o manto de coletânea, apresentado Cultura é enraizada, há maior efetividade do com-
como reunião literária de artigos sobre uma cen- bate à violência, gerando mais paz social. Por meio
tena de obras diferenciadas, escamoteia-se algo muito de nossos museus, conhecemos nosso passado, nas-
maior que, humildemente, espero conseguir anunciar. cendo a sensação de pertencimento, através da arte
Aos especialistas rogo redobrada atenção e de conhecer e apreciar nosso próprio estilo de vida,
serenidade ao analisar esta pequenina mostra do dentre os tantos povos no mundo. Devemos enten-
vigoroso acervo permanente, de elevada impor- der Cultura como um direito, uma possibilidade de
tância artística e cultural. Notar-se-á aqui uma desenvolvimento social. Rivalidades, invejas, ciú-
sucessão de casos concretos que podem sim levar mes, ódio e violência podem ser diluídos por valo-
grande conhecimento a entidades culturais foca- res comuns, adotando relações mais tolerantes, de
das no estudo de temas específicos. Aqueles mais respeito por diferenças e divergências, na medida
familiarizados com catálogos racionais sabem que em que nos reconhecemos como um povo único,
uma única obra pode jogar luz em teorias e fases com identidade própria em nossos hábitos, valo-
inteiras de determinados artistas plásticos. Senti- res e modos similares de ser, sentir e pensar. Nessa
mo-nos, pois, animados a estimular o convênio e linha de ideias, esta iniciativa do MHN é absoluta-
termos de cooperação para que outras instituições mente meritória, reverbera esplêndida como raios
culturais, públicas ou privadas, tenham acesso a in- vivificantes do Sol. Publicação que se traduz em
formações e subsídios, permitindo-lhes desfrutar sobejos de luz em época de sombras.
dos incontáveis tesouros reunidos no MHN.
Ao público em geral, ainda que em apartada sín- ­— Pedro Machado Mastrobuono
tese, cumpre esclarecer que a Cultura é protegida presidente do instituto brasileiro de museus - ibram

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UM CENTENÁRIO, CEM OBJETOS, CEM HISTÓRIAS

S
egundo Achile Mbembe, é funda- laboratório e também fórum, onde são cons-
mental “operar uma crítica do tem- truídos outros passados e conhecidas outras
po e dos artefatos que pretendem memórias. Que histórias os objetos de nosso
ser os substitutos últimos da pró- acervo contam? E que histórias ainda podem
pria substância do tempo” no tra- contar?
balho de construção da memória. O livro que Desejando uma excelente leitura ou via-
ora se apresenta fundamenta-se nessa ope- gem histórica ao passado nacional, pela co-
ração, lançando luz sobre parte do acervo do leção preservada no MHN, agradecemos às
Museu Histórico Nacional (MHN) que, para autoras e aos autores que tornaram esta obra
além de documentos das histórias do Brasil, possível. Não apenas contribuindo para a di-
conta, antes de tudo, a história da própria vulgação de parte do acervo, que conta atual-
instituição centenária. mente com mais de trezentos mil itens, mas,
São cem objetos escolhidos pelos orga- primordialmente, por nos presentear com
nizadores, a partir de pesquisas, consulta à outros olhares, novos saberes que propiciam
equipe técnica, análise de recepção do públi- novos conhecimentos sobre os objetos e so-
co, gostos pessoais, ligação epistemológica, bre as histórias a eles relacionadas.
relação afetiva, etc. Artefatos sobre os quais Agradecemos, também, à equipe do Mu-
escreveram professores, pesquisadores, par- seu e demais colaboradores que tornaram
ceiros, detentores de saberes, funcionários e esta publicação possível. Em especial, deve-
ex-funcionários do MHN, pessoas que, com mos gratidão aos públicos do MHN, por man-
generosidade e competência, compartilham terem essa casa um local da história viva, pul-
seus saberes, estudos e pesquisas. A diversi- sante, e os convidamos para que lancem seus
dade de autoras e autores, assim como a plu- olhares para esses e outros objetos do acervo,
ralidade de temas, perspectivas e tipologia apontando para o que para si representam e
dos itens, estão em sintonia com a prerroga- nos contando também as histórias dos obje-
tiva da escuta e da conexão, o que demonstra tos que ainda estão por vir.
o quanto o museu está aberto ao diálogo e à
participação coletiva, lançando as bases para ­— Aline Montenegro e
a escrita de outras histórias. Fernanda Castro
As páginas que seguem indicam como o diretoras substitutas do mhn

MHN está se colocando no divã, se propon-


do a produzir histórias com os diferentes
segmentos sociais e não mais apenas sobre
ou para a sociedade. Nesse movimento, é

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UM CENTENÁRIO DE BONS AMIGOS

A
Associação dos Amigos do Museu Ao selecionar em seu vasto acervo cem sig-
Histórico Nacional (AAMHN), nificativas peças, entregando a apresentação de
que há 34 anos faz parte da his- cada uma delas a um autor convidado, o corpo
tória da Instituição, não poderia técnico do MHN teve a sensibilidade de ofere-
deixar de integrar as comemora- cer ao público leitor diferentes histórias e me-
ções do centenário de um dos mais importantes mórias nacionais, capazes de evocar lembranças
museus do país, apoiando, entre outras iniciati- carregadas de emoções.
vas, a produção do livro Histórias do Brasil em O livro, de autoria coletiva – corpo técnico,
cem objetos. cem autores e quatro organizadores – represen-

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ta, sobretudo, o esforço de pessoas com grande Ao longo de mais de três décadas, inúmeros
afinidade com o Museu Histórico Nacional reu- foram os amigos que se associaram; muitos se
nidas para viabilizar a obra. tornaram doadores, patrocinadores e integraram
Esse mesmo espírito deu origem, em 1988, os Conselhos da Associação; outros dedicaram
à AAMHN: a partir da reunião de um grupo de seu tempo à Presidência da AAMHN - Henrique
amigos, tendo à frente Henrique Sérgio Gre­gori Sérgio Gregori, Victor Rogerio da Costa, Rober-
e Solange Godoy, surgiu uma associação civil to Paulo Cezar de Andrade, José Luiz Alquéres,
sem fins lucrativos, destinada a promover o apri- Jorge La Saigne de Botton, Guilherme Pfisterer,
moramento e o desenvolvimento das atividades Rosane Maria Rocha de Carvalho (interinamen-
do MHN e contribuir para aproximar cada vez te) e Maria Linhares Pinto – atuando sempre em
mais o público da Instituição. profunda sintonia com a Direção do Museu.

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E, quem tem um Amigo, tem tudo! Quando riais e técnicos para a realização dos objetivos
esses amigos se reúnem em torno de um objetivo do MHN e da própria AAMHN.
comum, a corrente é formada; corrente de elos Para homenagear todos aqueles que se des-
fortes que transformam sonhos em realidade! tacam como “elos fortes” dessa corrente de
Corrente essa sempre presente no cotidiano amigos – pessoas físicas e jurídicas – a AAMHN
do museu, viabilizando a aquisição de acervo; o instituiu em 1990 a Medalha Henrique Sérgio
apoio ao processamento técnico, à conservação Gregori, já concedida a 197 pessoas desde então.
e à restauração de peças do acervo; o apoio à pro- Que os laços que unem o MHN e seu corpo
moção de cursos, seminários e à edição de publi- técnico, a AAMHN e a sociedade civil se estrei-
cações; o aprimoramento do corpo técnico, atra- tem cada vez mais, incentivando sempre que
vés do incentivo aos estudos e a concessão de novos amigos se juntem a essa vigorosa corrente
bolsas de especialização; o incentivo e o apoio à para garantir a integridade, a ampliação, a pre-
realização de exposições com o acervo do pró- servação e a divulgação desse importante patri-
prio museu; a promoção de concertos musicais; mônio nacional – e de importância mundial –
a produção de réplicas do acervo e a promoção que em 2022 comemora seu centenário.
de venda de artigos diversos; a realização de
obras e manutenção do complexo arquitetônico — Associação dos Amigos do Museu
e a arrecadação de recursos financeiros, mate- Histórico Nacional

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M
ais do que a utilidade para a
qual foram produzidos, objetos
podem guardar a memória de
gerações, retratos dos hábitos
da sociedade no passado ou,
ainda, parte da própria história do país.
Em linhas gerais, para a Sociologia, qualquer
coisa produzida por uma pessoa é cultura.
Agora, pense em tudo o que foi produzido em
um século? Chega a ser difícil imaginar o tanto
que passou pelo olhar atento do nosso Museu
Histórico Nacional ao longo de seus cem anos
de história.
Enquanto sociedade, estamos sempre
preocupados em preservar nossa história e
nossa memória, colecionando artefatos. E é
nos museus e, neste caso, nas páginas de suas
publicações, que é possível estabelecer diálogos
entre passado, presente e futuro.
A Histórias do Brasil em 100 objetos
atravessa nosso passado, relembra tendências
de outros tempos e forma um panorama do
desenvolvimento da cultura brasileira.
Que esta iniciativa do Museu Histórico Nacional
traga, a cada capítulo, novas possibilidades de
histórias, reflexões e narrativas para as pessoas.

— Instituto Cultural Vale

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INTRODUÇÃO

“Os objetos são veículos privilegiados para o


pensamento sobre a própria historicidade do ser humano atual.
Afinal, somos criadores e criaturas de artefatos.”
(Francisco Régis Lopes Ramos)

E
ste livro parte da premissa de que cipalmente a partir da cientificização da histó-
os objetos são, ao mesmo tempo, ria no século XIX, que até então esteve no rol
testemunhas e agentes da história. dos gêneros literários, sendo a fronteira entre a
Isso quer dizer que eles podem ser narrativa “fictícia” e a “real” indefinida durante
entendidos como fontes históricas séculos. O postulado da história científica, que
sobre o passado, uma vez que nos permitem buscava uma narrativa objetiva sobre o passa-
fazer interrogações sobre seus usos e obsoles- do, voltou-se para os documentos oficiais e vin-
cências, sobre seus proprietários e usuários, culados às ações de Estado, aqueles nos quais
seus significados culturais e simbólicos, pro- a autenticidade histórica era garantida pelos
cessos de mercantilização, de sacralização e protocolos da burocracia e devidamente cer-
de singularização em coleções. Mas os objetos tificados pela análise diplomática. No entanto,
também são agentes históricos, uma vez que os documentos verbais, escritos, também não
estão inseridos no cotidiano das nossas ações, falam, uma vez que as narrativas que se cons-
condicionados e condicionantes do nosso pró- troem a partir deles são resultado da mobili-
prio processo de nos tornarmos humanos, uma zação das perguntas, seleções, recortes e des-
vez que o ser humano ao mesmo tempo em que taques do historiador. Portanto, uma história
produz objetos é igualmente produzido por com objetos apresentará os mesmos desafios
eles. Os objetos, assim, são elementos funda- narrativos de uma história feita inteiramente
mentais das estratégias e táticas de sobrevivên- com documentos escritos.
cia do dia a dia, bem como expressões mate- A pergunta sobre qual história pode-se
riais dos sistemas culturais. Impossível, ainda, fazer com objetos deve, então, ser refeita da
dissociar os objetos de sua dimensão imaterial. seguinte forma: como podemos contar novas
Todavia, os objetos não falam. Quem fala so- histórias usando objetos, em especial aqueles
mos nós ao mobilizá-los para conhecer, escre- que compõem o acervo museológico do maior
ver e contar histórias. Mas que história pode-se museu de história do país, justamente no ano
fazer com objetos? Sabe-se que o documento do seu primeiro centenário e do bicentená-
escrito, a linguagem verbal, foi durante muito rio da Independência do Brasil? A primeira
tempo a fonte privilegiada do historiador, prin- resposta aponta para a incontornável plurali-

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dade de narrativas nacionais que este acervo nal? A curadoria deve ser entendida em todas
possibilita construir, o que por si justifica o as dimensões da gestão do acervo, o que en-
uso no plural do termo “história”. Isso porque volve necessariamente a coleta, a catalogação,
a dimensão não verbal, imagética e simbólica a conservação e a comunicação.
dos objetos museológicos nos permite fazer, Sendo a comunicação um dos elementos
metodologicamente, inferências e perguntas chave do ciclo curatorial, esse livro torna-se
diferentes daquelas em geral feitas aos docu- uma das expressões das práticas curatoriais
mentos escritos. do próprio MHN, que nos últimos anos vem
Assim sendo, a pluralidade de histórias é incorporando ao seu acervo museológico
o propósito desta obra, desde sua concepção. itens que apontam justamente para a plura-
Não à toa trata-se de um livro de autoria co- lidade das histórias nacionais, em contrapo-
letiva, cuja seleção de objetos do acervo do sição às escolhas curatoriais empreendidas
MHN envolveu todo o corpo técnico da insti- nas primeiras décadas da instituição, quando,
tuição, levando em consideração a variedade sob a influência de seu idealizador e primeiro
de temas, temporalidades e abordagens, bem diretor Gustavo Barroso, privilegiaram as di-
como de tipologia de objetos. O número de mensões estatal, militar, católica e personalis-
autores convidados e sua diversidade intelec- ta da história nacional.
tual também apontam nessa direção: são cer- As abordagens também foram plurais, al-
ca de cem autores, em diálogo com os quatro guns autores preferiram o caminho da biogra-
organizadores. Um livro feito a mais de du- fia cultural das coisas, tal como proposta pela
zentas mãos! antropologia de Igor Kopytoff, em que o objeto
Se, como provoca Beatriz Sarlo, “todo livro – ou as coisas como ele prefere – é analisado
começa como desejo de outro livro”, nosso nos seus trânsitos de valores, usos, mercantili-
projeto se inscreve no que já é uma tradição de zação, e musealização. É o caso da análise em-
livros dedicados às reflexões sobre histórias a preendida por Ana Lourdes Costa, ao exami-
partir dos objetos. O volume que se inicia é nar as dimensões simbólicas e os trânsitos do
inspirado no livro História do Rio de Janeiro vestido de Maria Bonita, célebre personagem
em 45 objetos, organizado por Paulo Knauss, do cangaço brasileiro, ou o texto de Rafael Za-
Isabel Lenzi e Marize Malta, o qual, por sua morano Bezerra, que tratou da circularidade e
vez, foi motivado pela já famosa publicação usos do marfim no Brasil a partir de uma imagi-
do diretor do Museu Britânico Neil McGregor nária do século XVII do Bom Pastor, ou ainda a
História do mundo em 100 objetos. Todavia, abordagem do livro empreendida por Fabiano
diferentemente da obra que nos sugestionou, Cataldo, que estuda as características materiais
nesta que ora apresentamos o leitor encon- do livro impresso. Outros autores, especialistas
trará também documentos bidimensionais, na expressão material de determinadas cultu-
como fotografias, bandeiras, aquarelas, lito- ras, escreveram histórias baseadas também no
grafias, telas e mesmo um manuscrito de Ma- conhecimento especializado nas característi-
chado de Assis. cas físicas dos objetos, como o capítulo do pro-
Essa pluralidade coloca uma segunda fessor Luiz Henrique sobre uma rabeca – até
questão fundamental: como as práticas cura- então tida como “de escravos”, datada do sécu-
toriais do MHN expressam diferentes formas lo XIX – , ou a análise de Paulo Knauss sobre a
de entendimento da própria história nacio- espada de execução da França Antártica.

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Alguns autores elaboraram narrativas ba- novos olhares sobre os objetos aqui destaca-
seadas em sua própria experiência afetiva dos e sobre os sentidos que se desdobram des-
com os objetos selecionados, como é o caso de sas reflexões.
Stella-Lizarra, quando escreve sobre o progra- O resultado do livro correspondeu às ex-
ma do show de Rogéria, Por via das dúvidas. pectativas do projeto editorial, a produção
Do mesmo modo, Tat’etu Lengulukenu no de uma obra comemorativa dos cem anos do
texto sobre a indumentária de Iemanjá evoca Museu Histórico Nacional que evoca dife-
seus saberes e vivências no candomblé. A afei- rentes histórias e memórias nacionais e que
ção também está presente no artigo de Sandra pode ser lido a partir de qualquer capítulo.
Teixeira, ao discorrer sobre a bomba-sapo que Além dos cem capítulos, o livro apresen-
pertenceu a sua casa, oriunda do Museu das ta como avant première um artigo de José
Remoções e incorporada ao acervo do MHN Neves Bitencourt sobre o museu. Justa ho-
em 2018, e que é objeto metonímico dos di- menagem ao aniversariante que preserva os
versos processos de gentrificação dos quais itens aqui apresentados
nossas cidades são vítimas. Agradecemos a todas as autoras e todos
Por fim, porém não menos importante, al- os autores que contribuíram, não apenas
gumas abordagens usaram os itens do acervo com os artigos que aqui serão lidos, mas
selecionados como objetos geradores – usan- que, com sua competência e generosidade,
do aqui a expressão do professor Francisco trouxeram novas informações e produziram
Régis Lopes Ramos – para pensar temas caros conhecimento sobre os objetos aos quais se
à história nacional, como a de Lia Calabre, ao dedicaram para a produção desta obra. As-
analisar a chegada do rádio no Brasil por meio sim, o MHN ainda ganhou de presente outras
de um transmissor da Rádio Sociedade do Rio formas de indexação e catalogação de seu
de Janeiro, uma das primeiras do Brasil, ou acervo, abrindo possibilidades para novos
a de Maria Fernanda Bicalho, ao apresentar olhares e para a produção de outras histórias.
uma reflexão sobre o período do vice-rei Luís Além disso, foram eles que tornaram esta
de Vasconcelos a partir do retrato pintado por obra possível em tão pouco tempo, com suas
Leandro Joaquim. Também Angela de Castro penas, fazendo este livro tão diverso e ofere-
Gomes, por meio de uma carteira de trabalho, cendo ao leitor inúmeros estilos de escrita.
analisa a situação dos trabalhadores no país. Agradecemos imensamente.
Não seremos capazes, no entanto, de apon- Evocar lembranças, como nos ensina o
tar e descrever no espaço dessa introdução saudoso neurocientista Iván Izquierdo, só é
toda a variedade e sofisticação dos modos, possível por meio da mobilização de emo-
abordagens, estratégias textuais e mobiliza- ções, visto que nenhuma lembrança é despro-
ções intelectuais que as autoras e autores do vida de sentimento. Esperamos, assim, que a
livro promovem nas páginas que seguem. leitura deste livro evoque diferentes emoções
O que a leitora e o leitor terão em mãos é um sobre as histórias possíveis de se narrar com o
volume em que historiadores, museólogos, rico acervo do MHN, histórias nacionais que
antropólogos, sociólogos, arquivistas, além de nem sempre são justas e muito menos defini-
especialistas de outras tradições disciplina- tivas. Boa leitura!
res, partem de seus mananciais teóricos para
mobilizar cada um à sua maneira reflexões e — Os organizadores

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CEM ANOS: MÁQUINA DE FAZER ANDAR, OLHAR E COMEMORAR
José Neves Bittencourt

• 1• Rio de Janeiro. A origem desse complexo ar-


quitetônico remonta ao início do século XVII, e

D
agora se reduz aos restos remanescentes, quase
urante quase duas décadas de invisíveis, de uma pequena fortaleza de alvena-
minha vida frequentei, como ria de pedra, o Forte de São Tiago. Junto com o
profissional, as reservas técnicas forte, compõem o conjunto a pequena Casa do
e exposições do Museu Histórico Trem, atarracada edificação colonial, e o impo-
Nacional, cujo centenário agora nente Arsenal de Guerra da Corte e seus anexos
comemoramos. – ambas as edificações têm origem na segunda
Não é novidade dizer que o “Museu Históri- metade do Setecentos.
co” se encontra instalado, desde sua inaugura- A instituição museológica que hoje ocupa
ção, no conjunto de prédios da Ponta do Cala- a quase totalidade do que um dia foi a Ponta do
bouço, parte do Centro Histórico da cidade do Calabouço, possivelmente é até mais conheci-

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da que os prédios que formam o conjunto em a ideia já tinha sido, com entusiasmo, incorpora-
si. Diria que centenas de milhares de pessoas da aos programas institucionais.
têm com o Museu Histórico alguma relação. Uma “coleção de prédios”? Sem problemas...
Os visitantes e usuários não buscam o Forte de o conceito nem era novo. Na primeira metade do
Santiago, a Casa do Trem ou o Arsenal de Guer- século XX tornou-se moda, em museus britâni-
ra – buscam as exposições e serviços do Museu cos, escandinavos e estadunidenses, ditos “ao ar
Histórico; o transeunte, em seus deslocamentos livre”, em geral voltados para a cultura popular,
diários, a pé ou sobre rodas, não passa diante da- a exposição de pequenos prédios, de moradia,
quelas edificações, passa diante das principais de trabalho ou religiosos, deslocados de seus
fachadas do Museu Histórico. Não apenas a mor- contextos originais. A noção de “patrimônio”,
fologia, mas a origem e função daquele conjunto que originou o Iphan, em boa medida se estaca
arquitetônico foram plenamente incorporadas na formação de “coleções” de edificações, pos-
ao acervo institucional. tas assim a salvo das propriedades corrosivas do
Isso porque, conforme se movimentou, ex- tempo e da vida social e econômica. Mas, para
pandiu-se a noção de Museu Histórico. Ao lon- além, o analista conseguiu algo que, antes, difi-
go dos exatos dezessete anos em que transitei cilmente se observou: a percepção dos “prédios”
por lá, o entendimento que tive da instituição como “objetos de museu”. Como fica expresso:
passou por inúmeras metamorfoses, todas in-
corporando alguma coisa. Quase ao fim daquela “Dentre os objetos pertencentes ao Museu
trajetória, comecei a achar atraente a ideia de Histórico Nacional, destacamos o complexo ar-
pensar o Museu – não apenas o MHN, mas qual- quitetônico que abriga a instituição, remontan-
quer museu – como “um objeto”. De reflexão e do suas origens ao nascimento da urbe, acompa-
de estudos. O “conjunto arquitetônico”, como nhando-a de maneira decisiva ao longo de seu
dizíamos na época, teve importante papel nessa crescimento e (...) do Brasil Colônia e Indepen-
metamorfose. dente, com atividades imprescindíveis à defesa e
Em mim, como no resto da equipe de então, a ao desenvolvimento da terra, seja por seu cará-
ideia já estava madura por volta de 1997 ou 1998. ter de fortificação, (...) de arsenal, de fábrica, de
Foi quando, em outra “data cheia”, os 75 anos de ’Palácio‘, de Museu (...)”1 (grifo meu)
fundação, se deu a abertura, pelo Instituto do Pa-
trimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan),
de processo de tombamento, que visava a prote-
ção dos “Prédios do Museu Histórico Nacional
e coleções que ali se abrigam”. Neste processo,
• 2•
particularmente interessante é o fato de que as Sem dúvida alguma, o “complexo arquitetôni-
edificações são propostas como parte integrante co” é um “objeto”, se considerarmos que este
do acervo museológico que albergam. conceito define uma coisa material que pode
A ideia já vinha sendo discutida desde um ser percebida em diversas de suas dimensões
pouco antes, como decorrência das obras que, (textura, peso, coloração, odor, morfologia,
ao longo dos anos 1980, tentaram devolver aos etc.) pelos sentidos, e também contra um fun-
prédios sua “aparência original” (aquela imagi- do, o que o torna um fenômeno. Esse objeto
nada como sendo a que teriam em meados do certamente é material, mas também pode ca-
século XIX). Por volta da metade dos anos 1990, recer de matéria física, pode ser uma coisa

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mental para a qual converge o pensamento, o os museus têm como régua o fato de ser, exata-
sentimento ou a ação. mente, produtos daquelas diversas habilidades
Como em qualquer objeto, os dois aspectos incidindo sobre a esfera material e dela se apro-
se cruzam, interpenetram e se afetam mutua- priando. Criando uma cultura – uma “cultura
mente. E essa dupla dimensão faz com que um material” – ou seja, transformando matéria em
museu também possa se tornar “objeto”, item materialidade. Artefato – arte factus. Palavra-con-
do próprio acervo e objeto de reflexão. Assim, ceito. “Feito com engenho”; “produto do traba-
o Museu de cem anos atrás cabe no acervo e lho”. A palavra é pequena, o conceito, abrangente.
nas exposições do Museu centenário – este Uma agulha, uma moeda, um prato, uma bota,
que vivemos agora. Ou seja, a dimensão (ma- uma adaga, um canhão: todos cabem na palavra e
téria e imaginação) dos objetos incorpora uma no conceito. Mas também cabe algo grande como
terceira: o tempo. Ou, como dizem historiado- o Museu Histórico. Aliás, cabem nele diversos
res e cientistas sociais, a “temporalidade”. Esta Museus Históricos: aquele no nascimento, aquele
compõe as dimensões de todo e qualquer arte- em que fui admitido, há quase quarenta anos, e
fato. Extingue-se este, por qualquer motivo (por este, em seus cem anos. Ou uns postos nos outros,
exemplo, um incêndio), a matéria se esvai, mas tornados um “superartefato”. Afinal, as modernas
o tempo, não. Mesmo extinto em sua natureza ciências sociais já criaram esse conceito: o arte-
física, o objeto continuará sendo, tanto no pen- fato que se estende ao ponto de nos encapsular,
samento individual quanto na interpretação da nos colocar dentro dele – no espaço, no tempo e
sociedade que o plasmou, “novo”, “velho”, “anti- na matéria. E nos fazer andar e olhar dentro dele.
go”, “moderno”. E o que realmente conta é essa E se tais objetos, materiais ou não, vivem em
interpretação do tempo. nós, ao ponto de podermos vê-los um dentro do
É certo que os museus se fazem, ainda hoje, outro, ou sobrepormos um ao outro, isso só pode
com acervos dessa ou daquela categoria, não im- acontecer em função da característica humana
porta se tomados à natureza ou produzidos por que nos faz humanidade: a capacidade de lem-
qualquer das inúmeras habilidades do engenho brar. De trazer ao pensamento coisas que exis-
humano. Por qualquer medida que estabeleça- tem, deixaram de existir ou ainda não existem.
mos, necessariamente, as coleções que povoam Aquilo que é chamado “memória”.

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• 3• mente delimitados e organizados. Os impulsos
não mais prevalecem, ao contrário: são subme-
tidos ao rigor repetitivo e maquinal das fábricas
Há cem anos, mais exatamente na “data magna” e instituições do capitalismo.
da nacionalidade, era inaugurada, na capital da Parte dessas tecnologias de disciplina foram
República, a Exposição do Centenário da Inde- desenvolvidas ao longo do século XIX e não se
pendência do Brasil. O evento viria a ter forte manifestaram vitoriosas desde o início. Uma
influência no Rio de Janeiro, alterando a mor- dessas é a que hoje denominamos “museu pú-
fologia urbana do Centro Histórico da cidade e blico”. Este se desenvolveu, como as exposições,
legando à então capital uma série de novas edi- apropriando-se de uma plataforma já de longa
ficações, além da excitação que, segundo a im- data existente: os “gabinetes de curiosidades”.
prensa, tomou conta da população. Mas existe um ponto em particular que, daqui
As exposições universais eram “escolas” des- por diante, nos interessará, pois continua sendo,
tinadas a ensinar as massas irredentas a “se com- desde então, focal da caracterização dos museus.
portar” nos espaços públicos reformados pelo Como apontou um estudioso, faz poucos anos:
capitalismo. Não se vivia mais, então, no tempo
em que pessoas se reuniam para comer, jogar, “Por toda a Europa, os eruditos moviam-se por
dançar, brigar e, literalmente, fazer do espaço novos espaços. (...) monarcas, cientistas e ama-
lugar de tempo fugaz e em perpétuo e desorde- dores estudavam em ambientes cuja principal
nado movimento. característica (...) era a ausência de livros. Cha-
Na moderna sociedade de então, o tempo é mados ora de museus, ora de gabinete de curio-
racionalizado por máquinas de medição (reló- sidades (...) os novos locais eram preenchidos não
gios), de regulação de acesso (roletas e portas com textos, mas exatamente com o tipo de objetos
mecânicas), por indicações gráficas; por trilhas naturais que [Francis] Bacon tinha proposto que
marcadas que conduziam a espaços rigorosa- aqueles eruditos estudassem.”2 (grifo meu)

Vista da exposição de 1922. Fotografia de Augusto Malta.


COLEÇÃO PARTICULAR

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Exposição Internacional de 1922, realizada para celebrar
o centenário da Independência do Brasil.
THIELE & KOLLIEN/ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES

Ou seja, nesses “lugares” prevaleciam “arte- da desorganização daquelas antigas salas. Expe-
fatos” e “espécimes”, e não mais livros reunindo riência havia: o país seguia a esteira das nações
um conhecimento algo duvidoso. Embora não mais antigas e já tinha montado exposições na-
caiba aqui qualquer aprofundamento a respei- cionais, em 1861, 1873 e 1908, e desejava marcar
to, é preciso frisar que, se nos textos clássicos o presença no cenário internacional como nação
conhecimento adquirido por séculos passou a promissora. As obras de preparação do espaço
se mostrar falho, o exame de objetos materiais urbano escolhido, a construção de edificações
parecia apontar para “a verdade”. Na raiz dessa totalmente novas e a reforma de algumas já exis-
nova racionalidade estavam as coleções dos mu- tentes, todas destinadas a receber os pavilhões
seus. Onde falhavam os textos, os artefatos mos- que constituiriam a Exposição, tomaram cerca
travam-se confiáveis. Não apenas no que dizia de um ano, mas foram encaradas com seriedade
respeito à matéria – identificável através da prá- e tenacidade. Mostrar o estado que a civilização
tica racional da ciência – mas também ao tempo, atingira no país valia o esforço.
visível no desgaste dos artefatos. Os pavilhões foram ocupados pelos quator-
De volta ao século XX, todos os países aspi- ze países que se fizeram representar no evento
ram se tornar confiáveis uns diante dos outros. e por uma seleção de atividades econômicas  e
Por que não seria assim com um país novo, mas técnicas nacionais. A enorme “máquina de fa-
pleno de potencialidades e confiança? Para isso, zer andar e olhar”, tinha todas as suas partes
o método seria montar uma grande feira, um racionalmente planejadas, de modo a incutir no
gabinete gigantesco, não de curiosidades, mas visitante um sistema de imagens que se articula-
de modernidade. E, desnecessário dizer, livre vam para representar o mundo vivido, visível e

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experimentado. Ao cruzar a experiência da visi- Criado pelo Decreto n. 15.596, de 2 de agosto de
ta (“olhar e andar”) com a realidade envolvente, 1922, pelo então presidente da República, Epitácio
surge um terceiro aspecto: “lembrar”. A “come- Pessoa, o Museu Histórico estava destinado a ser inau-
moração”, a exaltação compartilhada. Nesse sis- gurado junto ao “Palácio”, em 12 de outubro de 1922,
tema se incluíam, para além da realidade sensí- pelo próprio presidente. Segundo o Decreto:
vel, aspirações e sonhos individuais e coletivos.
Os brasileiros, fosse na Capital Federal, “Considerando que será da maior conveniência
fosse nas principais cidades e até mesmo nos para o estudo da História Pátria reunir os objetos
rincões mais distantes, precisavam ser ad- a ela relativos que se encontram nos estabeleci-
vertidos disso e, para o fazer, nada melhor do mentos oficiais e concentrá-los em um museu,
que uma enorme máquina cheia de máquinas que os conserve, classifique e exponha ao público,
menores, todas apontando para o estado de e, enriquecido com os obtidos por compra ou por
civilização que o país, mesmo novo, já lograra doação ou legado, contribua, como escola de pa-
alcançar e aspirava estender. Em meio a essa triotismo, para o culto do nosso passado...”3
resplandecente máquina, duas galerias se des-
tacavam: nelas estava instalado o novo Museu Em meio às “grandes indústrias”, a histó-
Histórico Nacional. ria seria uma forma de lembrar aos visitantes

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uma trajetória. Ter história também é uma
condição para a instauração da civilização.
• 4•
E um país novo não é, necessariamente, um
país sem história. A história cumpre o papel Esta seria a função do Museu Histórico, com
de legitimar o projeto político vitorioso, o da suas duas salas iniciais. Não existem registros
República, e frisar que tal projeto não surgira precisos, mas ao longo dos quase onze meses
do nada, era ponto de chegada de uma traje- de sua duração, a Grande Exposição foi visitada
tória. É claro que os sinais dessa trajetória es- por cerca de três milhões de pessoas. Visto que
tavam já espalhados pela cidade, super arte- o Palácio das Grandes Indústrias esteve entre os
fatos que os lembravam e alguns podiam ser eventos mais visitados, não há por que não supor
vistos em praça pública. Outros, acumulados que os visitantes não circulassem entre as relí-
nas salas de algumas pequenas instituições quias que, recolhidas em diversas repartições
pertencentes ao governo, eram artefatos mais públicas, foram reunidas de modo a trazer ao
humildes. Podem ambos, em certas condi- presente a energia do passado. Pelo menos era
ções, ser considerados monumentos. Reu- isso que parecia esperar o advogado e políma-
nidos nas salas de tais instituições mapas da ta Gustavo Dodt Barroso, indicado diretor pelo
trajetória da Nação. próprio Presidente da República.

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Mas se a exposição tinha um tempo de va- da “máquina de lembrar”, junto com os arte-
lidade, o Museu Histórico, não. Era previsto fatos que doavam à instituição.
que permanecesse montado no mesmo lugar Eram objetos “nobres”, cuja nobreza era
após o fechamento da exposição, e que viesse estendida e potencializada pela dos doado-
a ocupar parte do Palácio, após a partida das res. Esse período, que vai até o início dos anos
Grandes Indústrias. O meio século seguinte 1960, é chamado de “época das grandes doa-
marcou, sempre sob a batuta de Barroso – ba- ções” e acabou com uma última “grande doa-
tuta conservadora – expansões e retrações, ção”, de outro Palácio, o do Catete, povoado
algumas, curiosamente, acontecendo ao mes- pelas tristes recordações de uma tentativa de
mo tempo. golpe e do suicídio do presidente Vargas que
Em 1924, o Museu Histórico publica seu o frustrou. O Catete e seu acervo tornaram-se
primeiro catálogo, o que indica a consolida- Museu da República.
ção da instituição, cujos opositores não eram O período que atravessa o restante dos
poucos. O catálogo relaciona, sem maiores anos 1960 e os anos 1970 foi de grande con-
aprofundamentos, milhares de objetos, que tração. Ainda assim, o acervo continuou se
ocupam inúmeras salas do Arsenal de Guerra. expandindo, mesmo que devagar e sem mui-
A máquina se amplia, expandindo o trajeto ta sistemática. Foi a época em que o venerá-
através do qual se desloca o visitante, “men- vel “Pátio da Minerva”, portão principal de
te sobre pernas”,4 que, ao final, será capaz de acesso às exposições, encheu-se de peças de
levar algo dela para onde quer que vá. Afinal, artilharia, algumas remontando às batalhas
objetos materiais, inclusive o museu, captu- da Força Expedicionária Brasileira na Itália,
rados pela memória vão onde vá o visitante doações selecionadas pessoalmente, em mea-
que a encapsula. dos dos anos 1950, pelo comandante, o mare-
As contrações, por outro lado, são ine- chal Mascarenhas de Morais.
vitáveis, visto que o Museu Histórico é peça Em direção ao fim do regime militar, que
de uma máquina maior ainda, a máquina teve sobre o Museu Histórico não pequenos
pública. E, dentro dela, é inevitável que apa- reflexos, novo período de expansão se abre.
reçam aqueles que consideram a instituição Não cabe aqui detalhar, mas o projeto con-
uma dispendiosa inutilidade. Entretanto, ao duzido pelo artista plástico Aloísio Maga-
longo de suas três primeiras décadas de exis- lhães foi bastante bem-sucedido. A proposta
tência, o Museu passou a travar uma espécie consistia, por um lado, em ampla renovação
de “guerra de posição” no interior da máqui- conceitual do campo da cultura e, por outro,
na pública, guerra na qual se beneficiava da em enorme reestruturação administrativa: a
habilidade de Barroso em perceber quando criação da Fundação Nacional Pró-Memória.
devia recuar e avançar e, nesta dança, buscar O objetivo geral: renovar quadros e progra-
posições vantajosas para sua máquina. Bus- mas, reunir recursos e injetá-los numa área
cando alianças contextuais com figuras que desesperadamente carente deles. Os museus
procuravam consolidar seus lugares na his- nacionais geridos pelo então Ministério da
tória nacional, Barroso trocava apoio político Educação e Cultura foram juntados ao grande
por um lugar dessas figuras no trajeto e na projeto de revitalização da cultura, sob a de-
trajetória do Museu Histórico. Nomes ilustres nominação de Programa Nacional de Museus.
tornavam-se objetos do acervo e, assim, peças O PNM abriu a possibilidade de que fossem

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desenvolvidos projetos com a finalidade de Com a segurança da ciência que lhe dá con-
dinamizar as instituições, que passaram a ser sistência e o entusiasmo dos cientistas que a
vistas não mais como repositórios de acervos, conduzem. O Museu Histórico passa, de fato a
mas como instituições integrais, formadas ser Nacional.
por equipes técnico-científicas e de adminis- Chego agora aonde pretendi: ao longo
tração, sistemas de operação e acervos. Neste desse trajeto centenário, o Museu Histórico
momento abre-se um novo panorama museal Nacional foi, e deixou de ser, uma “máquina
no país, e um novo “Museu Histórico” come- de fazer andar, olhar e lembrar”. Sua última
çou a tomar forma. Este projeto foi denomi- metamorfose transformou-o em “laboratório
nado, na época, “Processo de Revitalização”. da história”5 – para usar uma proposição que
Sua abertura deu-se entre 1983 e 1984, e passados quase quarenta anos, ainda me fas-
foi encerrado em 1988, com a inauguração de cina. A “máquina” é agora objeto do acervo,
uma exposição de longa duração, cuja elabo- como perceberam, há anos, os técnicos que
ração foi amparada, por um lado, por ampla- escreveram o parecer de tombamento; objeto
pesquisa sobre a trajetória histórica do país que se tornou alvo da produção de conheci-
e, por outro, por uma revisão aprofundada do mento.
acervo e sua inclusão nessa trajetória. Na oca- O livro que se abre é um dentre os inúme-
sião, foram organizados as reservas técnicas, ros produtos que resultam dessa metamorfo-
os laboratórios de conservação, os sistemas se. A equipe empenhada nele, de sólida for-
de bases de dados e os arquivos institucionais. mação acadêmica, treinamento profissional e
A revisão do acervo considera e perscruta conhecimento institucional, é capaz de ima-
a memória acrescentada aos artefatos que o ginar e propor este e outros projetos assim
constituem e leva o Museu Histórico a abor- complexos. Fazer um acervo de mais de tre-
dar outra dimensão: os universos de objetos zentos mil objetos reduzir-se a uma centena
“não nobres”, para articulá-los à trajetória deles, tornando-os representativos de uma
museal e à história da formação social bra- data magna como esta que começamos a co-
sileira. Desafiados e revigorados pela nova memorar, é tarefa que agora não surpreende
abordagem, antigos objetos foram revistos ninguém que conheça o Museu Histórico Na-
e reincorporados, e novos objetos identifi- cional.
cados e incorporados às coleções. Todos eles
postos sob constante reinterpretação.
Musealidade: a qualidade de estar no mu-
seu como artefato, objeto e fenômeno – ma-
1> ABREU, Gláucia C.; CASTRO, Adler H. F. de. Parecer 014/98 de
terial e convergência do pensamento. Qua- 13 de março de 1998.
lidade que já estava lá, há cem anos, e foi, ao 2> GRAFTON, Anthony; SHELFORD, April; SIRAISI, Nancy. New
worlds, ancient texts: the power of tradition and the shock of dis-
longo das últimas décadas, identificada pelo covery. Cambridge: Harvard University Press, 1995, p. 220.
processo científico. Essa é, talvez, a mais con- 3> BRASIL. Poder Executivo. Decreto n. 15.596, de 2 de agosto de
1922: cria o Museu Histórico Nacional e aprova o seu regulamento.
sistente, duradoura e profícua herança do já 4> BENNETT, Tony. The Birth of the Museum: History, Theory, Po-
nem tão recente “Processo de Revitalização” litics. Oxon; New York: Routledge, 1995, p. 7.

e seus desdobramentos. É seguro afirmar que 5> MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Do teatro da memória ao la-
boratório da História: A exposição museológica e o conhecimen-
a ampla abertura do museu ao Brasil que lhe to histórico. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material.
dá origem, significado e sentido, continua. Nova série, v. 2 (jan-dez 1994), p. 9-42.

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URNAS FUNERÁRIAS MARAJOARAS
Claudia Inês Parellada

N
arrar histórias sobre a rica diver- O povo Marajoara assentava-se junto a gran-
sidade cultural amazônica e en- des lagoas e planícies parcialmente inundadas,
trelaçá-las em diferentes épocas construindo grandes aterros circulares e/ou
e mosaicos ambientais pode nos ovalados, os “tesos” – alguns mais rasos e ou-
possibilitar reflexões sobre os tros maiores, com mais de 10 metros de altura e
processos de ocupação humana da América do 200 metros de comprimento. Nos “tesos” mais
Sul, os quais ultrapassam mais de 15 mil anos, e baixos, havia a concentração de habitações e
como essas evidências foram integradas aos mu- plataformas com áreas de plantio e manejo flo-
seus. Discussões e sínteses sobre a arqueologia restal, bem como tanques para criação de peixes
amazônica podem ser observadas em autores e tartarugas. Nos aterros mais altos, geralmente
como Eduardo Góes Neves e André Prous. sepultavam os mortos em urnas cerâmicas, jun-
As análises de vestígios materiais ao longo to com objetos cerimoniais e utilitários a eles
do tempo, objetos de estudos da arqueologia, pertencentes – como tangas cerâmicas, vasilhas,
ampliam a compreensão de aspectos do coti- adornos, estatuetas, entre outros.
diano e de rituais de grupos sociais que trans- Os dois vasilhames cerâmicos de dimen-
formaram paisagens e elaboraram linguagens sões médias do MHN foram planejados e con-
estéticas impressionantes pela complexidade feccionados para receberem restos mortais
de detalhes. Um exemplo está na cerâmica ce- de um ou mais indivíduos, de gêneros e faixas
rimonial Marajoara, representada aqui por duas etárias variadas, sendo inclusive alguns de-
urnas funerárias policromas que compõem o les cremados. Essas urnas possuíam tampas e
acervo do Museu Histórico Nacional (MHN). acompanhamentos funerários, provavelmente
A ilha do Marajó, atualmente parte do ter- separados após a retirada dos aterros, sendo
ritório do estado do Pará, Amazônia brasileira, parte abandonada em campo ou enviada para
foi ocupada por diversas populações. A fase Ma- outros locais.
rajoara caracteriza os povos que viveram num Uma das urnas Marajoaras do MHN tem con-
período abrangendo especificamente de 400 a torno globular representando uma figura femi-
1.400 anos da nossa era, com uma produção ce- nina, espelhada, e conta com duas faces estiliza-
râmica extensa e decorações singulares. Desde das na parte superior, com nariz e sobrancelhas
o século XVI, muitos viajantes e/ou pesquisa- em relevo, adornos auriculares e grandes olhos
dores, além das comunidades locais, sempre ex- aplicados contornados por pinturas. Em uma
pressaram admiração e buscaram reunir objetos das faces, os apliques foram retirados, talvez em
– particularmente os cerâmicos –, distribuídos épocas mais recentes, quando também pode ter
como coleções distintas em vários museus bra- ocorrido a quebra da extremidade superior jun-
sileiros, americanos e europeus. to com a borda.

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No pescoço do vasi- No passado, vários
lhame, com altura má- tesos na ilha do Marajó
xima de 38 cm e largura foram escavados por
máxima de 34 cm, existe curiosos e/ou por pes-
uma faixa vermelha, quisadores de institui-
delimitando o início do ções nacionais e interna-
bojo, um corpo figura- cionais – especialmente
do com pinturas. Estas durante os séculos XIX
representam contornos e XX – e houve grande
de animais e/ou de par- dispersão dos objetos.
tes deles, como mamí- A biografia de uma urna
feros, aves, peixes e ser- funerária Marajoara do
pentes entre outros. Há Museu Emílio Goeldi, do
também seres híbridos Pará, foi descrita recen-
e/ou sobrenaturais, com temente, em detalhes,
possíveis correlações mi­- no trabalho acadêmico
tológicas pan-amazô- “História de vida de uma
nicas. urna Marajoara: reco-
Os pigmentos, possi- nectando contextos e
velmente óxidos de ferro significados”, de Marcel-
e manganês misturados le Rolim de Souza Lima,
Jean-Baptiste Debret
a aglutinantes, apresen- Momie D’Un Chef Coroados, 1834
Cristiana Barreto e He-
tam-se em linhas e traços, COLEÇÃO PARTICULAR lena Pinto Lima. Ali se
de coloração ver­melha, evidenciam muitos dos
marrom e preta sobre engobo branco e creme. percalços que envolvem a trajetória de materiais
O recipiente, tipo Camutins, “Joanes Pintado”, com estéticas complexas, que acabam sendo des-
possui apliques e pinturas, em composições bi e vinculados dos contextos originais.
tridimensionais, que alternam elementos gráficos Na atualidade, a arte e a cerâmica Marajoa-
geométricos e figurativos. ra e os diferentes estilos decorativos compõem
A outra urna cerâmica Marajoara do MHN parte da identidade amazônica, distanciadas e
tem forma troncônica e borda extrovertida, desconectadas, porém, dos simbolismos e re-
tipo Pacoval Inciso, com o bojo representando presentações das sociedades que as conceberam
também um corpo figurado. Possui incisões em inicialmente. Ao longo do tempo, conforme
linhas em forma de “S” e “Z”, repetidas de modo aponta Cristiane Barreto em seu trabalho “Do
escalonado, além das pinturas em vermelho, res- teso marajoara ao sambódromo: agência e resis-
saltadas por excisões (marcas em relevo, esca- tência de objetos arqueológicos da Amazônia”,
vadas), todas sobre engobo branco. As excisões os objetos arqueológicos podem adquirir dife-
estão alargadas nas extremidades (em ‘S’) com rentes camadas de significados que permeiam
formato de duas ondas. O vasilhame tem altura mostras expositivas, publicações digitais e im-
máxima de 42 cm e largura máxima de 34 cm, pressas, e mesmo as reproduções, em miniatu-
apresentando áreas de perda e manchas na su- ras ou tamanhos naturais, que são comercializa-
perfície externa. das por artesãos e artistas locais.

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PEÇA DE ARTILHARIA PORTUGUESA
José Neves Bittencourt

E
m certo dia do ano de 2011, um Esses pequenos canhões eram feitos para ser
mandado judicial executado pelo instalados em uma espécie de forquilha, que por
Ministério Público Estadual de sua vez era presa na amurada de um navio ou
Minas Gerais, no âmbito de uma muralha de fortaleza. Assim, podia ser rapida-
investigação de crimes ambientais, mente carregado e apontado graças a duas peças
levou à revista uma residência de alto padrão no externas, feitas em ferro forjado: uma, a “câma-
bairro da Pampulha, em Belo Horizonte. Duran- ra”, recebia a carga de pólvora; a outra, a “chave”,
te a ação policial foi feito um achado no mínimo empurrava a primeira até a culatra. O canhão era
inusitado: servindo como vaso de plantas em uma relativamente fácil de apontar porque a forqui-
das áreas de lazer da edificação estava uma rarís- lha permitia que o conjunto girasse 360 graus –
sima peça de artilharia, remontando, talvez, ao daí o nome técnico atualmente convencionado
final do século XV, ou início do XVI. Com pouco – e ele tivesse inclinação de uns 45 graus, para
mais de um metro de comprimento e uns 60 qui- cima ou para baixo (o que era muito útil para
los, fundido em bronze, o pequeno canhão é um acertar homens tentando escalar uma muralha
artefato que remonta aos primórdios da artilharia ou costado). Aceso o pavio, a explosão da carga
e da integração do Brasil ao mundo ibérico. lançava um projétil esférico, de ferro, pesando
O que o tornava bastante peculiar era o fato cerca de 400 gramas, a uns 500 metros, se tan-
de incorporar uma solução que vinha sendo tes- to. O impacto gerava energia suficiente para es-
tada desde o final da Idade Média, ou seja, pra- traçalhar um homem, um cavalo, ou abrir uma
ticamente surgida com o advento da artilharia: pequena brecha no costado de madeira de uma
o carregamento pela culatra (a parte detrás da nau de pequeno porte, do tipo usado na navega-
peça). Tratava-se de uma arma de retrocarga. ção costeira da época.
Tecnicamente, o exemplar de que se trata é de- A peça examinada era propriedade real, pois
nominado “rodízio”, ou seja, uma peça de ar- trazia estampada em sua culatra uma coroa real
tilharia pequena, passível de ser apontada em sobre uma esfera armilar, o que a coloca na li-
qualquer direção. nha de tradição das lutas contra os mouros. Em
As características morfológicas colocam a algum momento, talvez no século XVI ou XVII,
peça na classe das “colubrinas”, canhões longos foi cedido a um particular que investiu seus ca-
e finos, que começaram a ser feitos no século XV. bedais, com o beneplácito e participação reais,
No século seguinte, quando a artilharia naval já na exploração da terra encontrada por Pedro
estava bem separada da terrestre, foram adapta- Álvares Cabral.
dos em navios pelos ingleses. As colubrinas dei- Portugal era, então, uma potência marítima,
xaram de ser feitas no século XVII, o que é forte e a chegada dos portugueses ao Brasil foi uma
indicativo da antiguidade da pequena peça. epopeia naval que teve como personagens na-

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vios e marinheiros de diversas nacionalidades, século seguinte. Ou seja: atravessou o Atlântico
vindos dos Estados europeus que então se orga- como armamento defensivo de alguma peque-
nizavam e centralizavam suas administrações na embarcação, muito provavelmente mercan-
tanto quanto suas capacidades militares. te. Por volta dessa época – o início do século
Na Europa, o artilhamento de navios mer- XVII – o “berço” já era uma peça de artilharia
cantes não era novidade. relegada a funções secundárias. É quase certo
Não apenas esses primeiros “rodízios”, mas que já tenha chegado ao Brasil como armamen-
todos os canhões eram, então, feitos em ferro to obsoleto.
forjado, de modo que diversas peças eram mon- Uma vez no Brasil, deve ter ficado estacado
tadas para formar o canhão. É provável que Por- por algum tempo, até ser incorporado ao equi-
tugal tenha copiado os procedimentos adotados pamento, quem sabe, de um “caravelão” – bar-
pela Liga Hanseática e pelos ingleses apenas no co de pequeno porte que fazia a navegação de
século XV, o que aponta a lentidão da difusão cabotagem no litoral da colônia portuguesa.
das novas tecnologias e práticas militares. En- E, em dado momento, esse pequeno barco mer-
tretanto, também é possível que os portugueses cante certamente naufragou. Surpreendido
tenham copiado uma tecnologia com a qual se por uma mudança súbita no humor do mar, o
depararam em sua expansão pela Ásia – e desco- destino certamente foi direto e cruel: o fundo,
briram, da maneira mais desagradável possível, a pouca profundidade. E assim o “berço” seis-
que alguns povos do Pacífico eram excelentes centista acabou tornando-se parte de um sítio
artífices do ferro e igualmente bons artilheiros. arqueológico.
O fato é que, na segunda metade do século É certo que na época em que provavelmen-
XVI, Portugal já dominava a arte e a técnica de te aconteceu o naufrágio que levou para o fun-
fundir canhões de bronze, e o “berço” que nos do o pequeno canhão, a arqueologia, como a
observa parece ter sido feito antes de 1580, em conhecemos hoje não existia, mas o interesse
função de elementos gráficos nele inscritos. por objetos antigos e seus sítios de jazimento
O “berço” deve ter ido “descansar com os sempre existiu. Esses objetos antigos adquiriam
peixes” provavelmente em algum momento do um aspecto que sempre despertou curiosidade:

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Anônimo
Rodízios, em Livro de armas do Imperador Maximiliano I, 1490-1511. Aquarelas.
BIBLIOTECA DO ESTADO DA BAVIERA

independente de onde estivessem, escondidos em Belo Horizonte, levando consigo as pátinas


ou visíveis, esquecidos ou não, os artefatos iam materiais e simbólicas que o tornavam relíquia
somando aos seus aspectos materiais uma páti- de um passado desaparecido. Soterrados sobre
na. Ou, no caso do pequeno canhão, várias: uma essas pátinas estavam valores que só viriam a
delas formada pelo desgaste físico-químico, público no momento em que, quase por acaso, o
inevitável para uma liga de metal num ambien- “berço” foi descoberto em seu novo lugar de re-
te bastante agressivo; outra, pela formação de pouso – quase tão discreto quanto seu jazigo sub-
camadas de concreção biológica composta por marino. A “pátina do tempo” foi o motivo de sua
organismos que se fixavam e morriam sobre sua apreensão pelas autoridades. A análise da mate-
superfície levemente irregular. E uma terceira rialidade que recobria revelou, e até potenciali-
não era material, mas simbólica. zou, diversos valores – histórico, militar, tecno-
Depois de passar muito tempo jazendo em lógico, arqueológico e documental. Todos esses
algum lugar do litoral que, a certa altura, passou se juntaram para construir o valor simbólico que
a ser “brasileiro”, o pequeno canhão foi parar levou o artefato a se tornar objeto museológico.

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TACAPE DE TIBIRIÇÁ
Rafael Zamorano Bezerra

U
m modo de se escrever história pelos padres José de Anchieta e Leonardo Nu-
com objetos é por meio de sua nes, sendo aliado dos portugueses na fundação
biografia cultural, o que signifi- da vila de São Paulo de Piratininga. O chefe in-
ca historiar seus usos e valores dígena representa o mito romântico do índio
ao longo de uma trajetória. Ao dócil, célula mater da nacionalidade brasileira,
fazermos isso, não estamos escrevendo sobre a na qual as relações entre tupis, jesuítas e heróis
“vida dos objetos”, uma vez que estes são ina- bandeirantes teriam dado origem ao mamelu-
nimados, mas sobre homens que, mediados co adaptado. Esse discurso é reforçado ao lon-
por objetos, agem no mundo. Falaremos sobre go dos anos no MHN, como nos textos de Gus-
o tacape do chefe Martim Afonso Tibiriçá, um tavo Barroso, idealizador do museu:
objeto que nos permite pensar nas diferentes
formas de historicização dos indígenas. “Entre os chefes indígenas que, no amanhecer
O tacape de Tibiriçá foi o primeiro objeto do Brasil […] fizeram causa com os portugueses,
indígena colecionado pela instituição, sendo o o mais ilustre, sem dúvida, aquele à sombra de
único entre os mais de dois mil itens relaciona- cuja fiel amizade devemos o estabelecimento de
dos em seu primeiro Catálogo Geral, de 1924. Piratininga, berço da metrópole paulistana de
Fez parte de uma longa troca de presentes: per- nossos dias. Foi ele o famoso Tibiriçá, […] aliado
tencia a D. Pedro II, que o doou ao general José de Martim Afonso de Souza, cujo nome tomara
Vieira Couto de Magalhães, que o presenteou a ao ser batizado pelos jesuítas. [...] Tibiriçá foi […]
José Vieira Costa Valente, que o doou ao Museu o laço que uniu no mesmo instintivo desejo de
Nacional, daí sendo transferido, em 1922, para o progresso, […], o índio bravio e o aventureiro ci-
Museu Histórico Nacional. vilizado, sob os laços acolhedores, pacificadores
Couto de Magalhães foi membro do Insti- e luminosos da Cruz.” 1
tuto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),
presidente de Províncias no Império e autor de Vamos para janeiro de 1991, quando o taca-
O selvagem. Neste livro, o general elabora uma pe foi exposto na “Vitrine do mês”, em home-
gramática de nheengatu (o tupi moderno, umas nagem à fundação de São Paulo. Na ocasião, o
das línguas-gerais do Brasil nos oitocentos) e objeto foi submetido a uma análise técnica:
destaca a importância de civilizar os índios a
exemplo dos jesuítas, que estudaram suas lín- “[...] Esta peça encontra alguns problemas tópi-
guas para a ação catequizadora, levando o “ín- cos em relação às exposições do destaque do mês.
dio” a mostrar seu valor moral. O presente de [...] O problema maior [...] é o fato da peça não
D. Pedro II a Couto de Magalhães reforça essa apresentar características que nos permitam
visão. Tibiriçá foi convertido ao cristianismo afirmar com certeza se ela pertenceu ao chefe

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Tibiriçá [...]. Esta dúvida lançada pela falta de Em 2006, o MHN inaugurou sua primeira
dados referentes ao histórico da peça até alcan- exposição dedicada exclusivamente à temática
çar as mãos de D. Pedro II […], assim como ao indígena: Oreretama, que significa “nossa ter-
estado da peça, muito bom para madeira e palha ra” em tupi, A mostra apresentou diferentes
conservadas por mais de quatrocentos anos em aspectos da vida indígena, sendo no espaço
condições adversas.”2 dedicado à “Lógica da guerra” expostos arcos,
flechas e tacapes. Das armas, apenas o tacape de
Inicialmente, o tacape estava relacionado ao Tibiriçá foi exposto sozinho numa vitrine com
“amanhecer do Brasil”, apresentado como uma a seguinte legenda:
relíquia da colonização. Em 1991, a proposta foi
utilizá-lo como ponto de referência para se pen- “Consta ter pertencido a Tibiriçá ( -1562), chefe
sar questões históricas. No texto da exposição dos índios guaianases que lutou ao lado dos por-
lia-se: tugueses contra os chefes indígenas que se reuni-
ram na Confederação dos Tamoios (1554-1567). O
“No início da exploração do Brasil os colonos principal motivo da Confederação foi a revolta
se concentravam nas regiões litorâneas. Poucos ante a ação violenta dos portugueses imposta aos
desbravadores ousavam penetrar para o inte- tupinambás.”4
rior desconhecido, destacando-se entre eles os
jesuítas, que visavam à evangelização dos índios Na exposição, o tacape de Tibiriçá foi o úni-
[…]. Apesar de a colonização inicial ter-se dado co objeto associado a um indivíduo. Os demais
com o objetivo de catequizar os índios e de ter foram apresentados apenas com informações
contado com o apoio de chefes como Tibiriçá, como tipologia, material, origem e ano, numa
os portugueses, uma vez firmados na povoação, exposição de caráter atemporal e não linear.
começaram as expedições […] com o objetivo de Ao longo de anos, o tacape de Tibiriçá ga-
escravizar os indígenas, expedições que perdu- nhou diversos sentidos e sua autenticidade
raram até a virtual extinção dos índios em São ou inautenticidade não o desqualifica como
Paulo. Somente no século XIX é que a figura do “objeto histórico”, uma vez que seu valor docu-
índio começa a ser recuperada como um dos mental está em seu papel de mediador entre o
elementos fundadores da nação. O símbolo do
Estado de São Paulo – o braço segurando um ta-
cape – é uma forma de homenagear essa raça, só
agora revalorizada.”3

Nota-se a intenção de problematizar a in-


terpretação romântica da ação dos jesuítas, ao
ser enfatizado o fato de que teriam originado a
escravidão indígena e a sua “virtual extinção”.
Outra preocupação do texto é inserir uma dis-
cussão de cunho historiográfico, ao mencionar
a valorização do índio no debate intelectual do
Segundo Reinado.

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passado colonial e o entendimento dos povos
indígenas na História nacional. O que vincula
todas essas histórias é o peso do discurso co-
lonial com suas formas de silenciamento dos
indígenas. O tacape ora é ícone do “índio ci-
vilizado”, ora do “índio exterminado”, ora do
“índio individualizado” por seus laços com a ci-
vilização, mas isolado dos demais, que estão ge-
neralizados e coletivizados. Com este capítulo,
o MHN abre a possibilidade de mais uma valo-
ração do tacape: pensá-lo como um objeto pelo
qual se pode transcender o discurso colonial
lançando luz sobre a complexidade dos povos
autóctones do Brasil em suas diversas estraté-
gias e táticas de sobrevivência ao colonialismo
ao longo dos séculos.

1> Barroso, Gustavo. O tacape de Tibiriçá. O Cruzeiro, 28/07/1951.


2> MHN. Departamento de Acervo, Reserva Técnica, dossiê n.1608.
3> idem.
4> MHN. Oreretema, legenda de vitrine, 2006.

Capa do livro O selvagem de


Couto de Magalhães, de 1876.
COLEÇÃO PARTICULAR

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ESPADA DE EXECUÇÃO
Paulo Knauss

A
coleção de armaria do Museu o que evidencia o acabamento das partes. O pri-
Histórico Nacional conta com meiro terço é decorado e o que mais chama a
um raro exemplar de espada de atenção é a mensagem na calha central, claman-
execução. Trata-se de um tipo de do em letras maiúsculas “VIVE LA IVSTISSE”,
objeto relacionado às práticas de ou seja, “Viva a Justiça”. Surpreende a combina-
condenação à morte por decapitação. De acor- ção da expressão num francês arcaico, caracte-
do com a organização social europeia da Idade rizado pelo duplo S, onde a moderna ortografia
Média e na Época Moderna, essa espécie de pena emprega a letra C, com a escrita latinizada tro-
era exclusiva da nobreza, pois gente comum, no cando a letra J pelo I. Essa solução sugere ser
mundo ibérico, no caso de pena de morte, era uma espada da época clássica europeia do sécu-
condenada à forca. lo XVII ou XVIII, combinando a língua comum
Pela sua forma, as espadas de execução lem- com a moda da escrita classicizante. A origem da
bram as espadas de prancha, que serviam para espada é indicada também pelo desenho estili-
castigos corporais, no lugar de chicotes, tendo zado de uma flor-de-lis, que identifica a realeza
formato retilíneo e liso, sem ponta e sem corte. francesa.
As espadas de execução se distinguem por se- Ao lado disso, destaca-se uma figura alegó-
rem maiores e mais pesadas, com lâmina mais rica feminina, com uma espada na mão direita
larga, e possuem uma calha central em baixo e uma balança na outra mão. Trata-se de uma
relevo, que serve para fortalecer sua estrutura representação consagrada da Justiça, que no
e tornar a ponta mais pesada para a gravidade caso não está vedada e a balança pende para um
ajudar na força do golpe a ser dado. Esse dese- dos lados, sugerindo que a sentença estava de-
quilíbrio exige maestria no manuseio, resol- finida. Quatro punções de marca de fabricação
vendo o ato em um só movimento. Essas peças completam a identificação da peça. Inscrições e
existem em pouco número, pois tendiam a ser motivos decorativos são comuns nas espadas de
exclusivas de dada jurisdição de Justiça. Por ou- execução existentes nas grandes coleções de ar-
tro lado, costumam ser bem preservadas pelas maria do mundo, assim como em outros tipos de
suas características materiais duradouras e pelo espadas... O que chama a atenção nessa prática
fato de seu uso não impor que sejam afiadas re- é que grande parte das mensagens são redigidas
gularmente. na primeira pessoa, como se as espadas fossem
A espada da coleção do Museu Histórico Na- sujeitos de um diálogo com quem faz uso delas,
cional é uma peça imponente, medindo 112 cm o que é especialmente significativo no caso dos
de cumprimento e 17,7 cm de largura. O punho carrascos.
é de madeira, a guarda de latão em cruzeta e a Conforme correspondência institucional,
lâmina em aço, contrastando a cor dos materiais, o Museu Histórico Nacional recebeu a espada

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de execução em 3 de Villegagnon, área onde
outubro de 1922, por os franceses ergueram
transferência da anti­ o forte de Coligny no
ga diretoria de Biblio­ século XVI, quando fi-
teca, Arquivo e Museu zeram escavações para
da Marinha do Brasil, obras no antigo Quar-
por determinação do tel dos Marinheiros
ministério. A arma fez Nacionais, ins­tituído
parte de um conjunto no século XIX e subs-
com quase 50 peças. tituído no século XX
Nesse caso, não há pela Escola Naval. O
informações comple- texto conclui: “É tudo
mentares que a iden- o que resta do malogro
tifiquem com clareza da França Antártica”.
e nem há menção à A partir de então, po-
sua história ou proce- de-se dizer que a rela-
dência. O certo é que, ção entre a espada de
em 1940, segundo execução e a história
des­crição de Adolpho da disputa colonial en-
Dumans, em artigo tre franceses e portu-
pu­blicado nos Anais gueses na baía de Gua-
do Museu Histórico nabara foi fixada sem
Nicolaes de Bruyn
Nacional, a espada de nenhum dado preciso
Gravura: Justiça, Virtude cardeal, 1648
execução era apresen- COLEÇÃO PARTICULAR
ou argumentação cla-
tada na primeira se- ra. A republicação do
ção da exposição do Museu Histórico Nacional e mesmo artigo em número especial dos Anais do
constava que era do século XVI e “provavelmente Museu Histórico Nacional, comemorativo do quar-
de Villegaignon”, referindo-se ao comandante da to centenário da cidade do Rio de Janeiro de 1965,
empresa colonial da França Antártica que se esta- ratificou a leitura histórica da peça.
beleceu na baía de Guanabara, entre 1555 e 1560, De todo modo, a hipótese de que a espada
provocando a reação portuguesa que levou à con- tenha sido da época da ocupação francesa na
quista da região e à fundação da cidade do Rio de Guanabara levanta a interrogação sobre os mo-
Janeiro, em nome da coroa de Portugal. tivos de sua presença. Considerando que a arma
Dez anos depois do texto de Dumans, nas pá- era usada para condenar nobres à morte, é di-
ginas da revista ilustrada , em sua coluna regular fícil supor que ela tenha tido alguma utilidade,
chamada “Segredos e Revelações da História do sabendo-se que o comandante e cavaleiro da
Brasil”, o diretor do Museu Histórico Nacional, o Ordem de Malta Nicolas Durand de Villegagnon
escritor e acadêmico Gustavo Barroso, publicou recolheu em masmorras da França os tripulan-
artigo que toma a peça como pretexto para tra- tes da primeira expedição, de 1555, enquanto a
tar a história da França Antártica, oferecendo um segunda expedição, de 1557, foi composta de hu-
dado importante sobre sua procedência. Segundo guenotes, seguidores de João Calvino. À parte
o autor, a espada teria sido encontrada na ilha de do comandante, que era cavaleiro da Ordem de

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Malta, não há notícia pelo comandante da
de participação des- colônia francesa por
tacada de fidalgos. manter relações com
O fato é que, no uma mulher indígena
contexto das navega- sem respeitar os sa-
ções da expansão eu- cramentos da Igreja;
ropeia do século XVI, o cronista registra que
há muitos relatos de três franceses foram
condenações à morte. condenados à morte
No caso da expedição por afogamento devi-
espanhola, concebida do às suas convicções
por Fernão de Maga- religiosas. Na memó-
lhães, lançada ao mar ria protestante, os no-
em 1519, de acordo mes de Jean du Bour-
com a crônica de An- André Thevet del, Mathieu Verneuil
Gravura: Ilha de Villegagnon Forte Coligny, 1556
tonio Pigafetta, depois e Pierre Bourdon pas-
BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA
da passagem inaugu- saram a ser celebrados
ral pelo estreito na como mártires ameri-
terra austral, ocorreu um motim que terminou com canos da reforma religiosa.
um de seus líderes condenado a ser esquartejado e A espada de execução, mesmo não tendo ne-
outro a ser apunhalado e, no caso das viagens portu- nhuma participação nos eventos da baía de Gua-
guesas, há registro de enforcamento por insubordi- nabara, não deixa de servir à representação da
nação de tripulantes. violência própria do colonialismo, participando
Na França Antártica, porém, a crônica de épo- da narrativa própria dos museus que têm na cul-
ca de Jean de Léry descreve como um intérpre- tura material seu ponto de referência.
te normando escapou de ser condenado à forca

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MOEDAS OBSIDIONAIS
Paula Aranha

D
urante o domínio do tação representou uma grande mu­
terri­tório pernambu­ dança no meio circulante. Mais tar­
cano pelos neerlande­ de, com a união das coroas ibéricas,
ses (1630-1654), co­ a circulação de moedas hispano-a­
nhe­cidos também pe­- mericanas foi legalizada.
lo termo genérico de “holandeses”, Também por consequência da
foram produzidas moedas de ouro união ibérica, as nações europeias
que nos apresentam indícios de uma inimigas da Espanha assumiram
rápida e marcante passagem da his­ uma posição contrária a Portugal e
tória brasileira. Trata-se das moedas seus domínios, como foi o caso dos
obsidionais, feitas de maneira rudi­ Países Baixos, que estavam em luta
mentar, porém reconhecidas como direta contra a Espanha pela inde­
as primeiras moedas cunhadas em pendência. Durante o conflito, os
solo brasileiro. O termo obsidionais neerlandeses foram proibidos de
diz respeito às moedas cunhadas sob realizar o comércio com o Brasil,
o cerco de exércitos inimigos, com onde mantinham um tradicional
características diferenciadas das moe­­das cor­ negócio baseado no açúcar, que se desgastou pro­
rentes. fundamente.
Por cerca de dois séculos de domínio por- Com a proibição das negociações, os Países
tuguês do território brasileiro, não houve pro­ Baixos se voltaram para o comércio no oceano
dução local de moedas. Sabemos que algumas Índico, criando a Companhia Neerlandesa das
circulavam pelas capitanias hereditárias, mas Índias Orientais, uma bem-sucedida associação
grande parte das negociações utilizava elemen­ de comerciantes, cujo êxito estimulou a fun­
tos abundantes da terra, como novelos de fios dação da Companhia Privilegiada das Índias
de algodão e caixas de açúcar. Assim, as poucas Ocidentais (WIC) que almejava obter o açúcar
moedas portuguesas ficavam restritas a peque­ produzido no nordeste brasileiro, transportá-lo
nos grupos e pouco circulavam. Graças à proxi­ e comercializá-lo. É interessante lembrar que
midade do Brasil com as regiões dominadas pela a capitania de Pernambuco, à época, era consi­
Espanha, moedas hispano-americanas transi­ derada a mais rica do Brasil e, assim, tornou-se
tavam por aqui. Peruleiros, comerciantes da alvo da cobiça da Companhia das Índias Ociden­
América espanhola, atravessavam as fronteiras, tais, a qual elaborou um projeto de ocupação
vindos das regiões das minas de prata, carrega­ daquela região brasileira, efetivamente iniciado
dos com a maior quantidade possível de moedas em 1624, com a invasão de Salvador, então sede
para fazer negócios comerciais. Essa movimen­ dos domínios portugueses nas Américas. A ocu­

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pação durou apenas um ano, mas serviu para uma realidade cada vez mais forte, e a falta de
estimular uma nova tentativa, dessa vez em Per­ numerário foi contornada de forma paliativa
nambuco. Em 1630, Olinda e Recife foram con­ em diversas ocasiões. Em 1644, com a crise fi­
quistadas e ocupadas por tropas neerlandesas, nanceira consolidada, Maurício de Nassau retor­
constituídas por mercenários de várias nacio­ nou para os Países Baixos, ação que encorajou o
nalidades. A recomendação recebida era clara: início da insurreição pernambucana, em junho
retirar o máximo proveito da terra, obtendo a de 1645.
produção de açúcar dos engenhos já existentes, Vendo a companhia em estado de necessida­
e enviar grandes volumes de açúcar para distri­ de e sem moeda em caixa, o conselho da empre­
buição no mercado europeu, não se importando sa deliberou por cunhar moedas próprias, re­
com o futuro da área dominada. gistrando a ideia em suas atas. A concepção era
Maurício de Nassau, o comandante que go­ eficaz no combate à falta de numerário: aprovei­
vernou os domínios holandeses entre 1637 e tar o estoque de ouro da Guiné, na África, cos­
1644, importante articulador político, que esta­ tumeiramente armazenado nos cofres da com­
beleceu administração baseada no incentivo à panhia para ser enviado à Europa em momento
produção de açúcar, às ciências e às artes, ini­ oportuno, e utilizar parte do carregamento para
cialmente levantou o caixa da empresa, nego­ produzir uma quantidade de moedas que co­
ciando engenhos de açúcar abandonados pelos brisse as necessidades daquele momento. Fo­
portugueses que fugiram. ram retirados da carga 360 marcos – cerca de
Para manter a tropa ativa, protegendo os 82,6 quilos de ouro. O conselheiro Pieter Jansen
interesses neerlandeses, a companhia planejou Bas foi encarregado da produção, com equipe
um esquema de pagamentos que, aparente­ cuidadosamente controlada, trabalhando nas
mente, seria perfeito: os soldados seriam pagos etapas de fundição do ouro, transformação em
semanalmente, em moedas correntes dos Paí­ lâminas, corte, pesagem rigorosa, produção dos
ses Baixos. Com seus pagamentos, comprariam cunhos e gravação das moedas.
mantimentos nos armazéns da companhia. As A instrução afirmava que as moedas deve­
moedas seriam recolhidas dos armazéns e de­ riam estampar no anverso, o lado principal, os
positadas no caixa da empresa, e esta, na semana valores de três, seis e doze florins, com mono­
seguinte, as utilizariam para novos pagamentos grama da Empresa GWC– Geoctroyeede Wes­
aos soldados. Contudo, algumas moedas saíram t-Indische Compagnie, dentro de um colar de
do ciclo por diversos fatores, e o principal deles pérolas; no reverso, a palavra ‘Brasil’, grafada
foi o desabastecimento dos armazéns. Com isso, com S, e a indicação de data: “Anno1645”. Foram
soldados buscavam outros locais para comprar estipulados pesos padrões de 7,57 a 7,72 gramas
seus artigos de necessidade e o dinheiro não vol­ para os XII florins, 3,79 a 3,86 gramas para os VI
tava para a empresa, entrando em circulação no Florins e 1,90 a 1,93 gramas para os III Florins.
território brasileiro. A insuficiência e irregula­ Além disso, como forma de avolumar os rendi­
ridade de carregamentos de bens, mantimentos mentos, houve acréscimo de 20% no valor de
e dinheiro vindos da Europa agravavam a situa­ circulação.
ção. Soma-se a tais fatores o medo dos habitan­ A emissão das moedas colaborou para regu­
tes, que escondiam e enterravam suas moedas larizar as finanças da companhia temporaria­
com o intuito de preservá-las, retirando-as, as­ mente. No entanto, em 1646, sob cerco militar
sim, de circulação. A crise monetária se tornou português, por conta da insurreição que se for­

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tificava, a companhia e a população voltaram à mento do movimento luso-brasileiro que cres­
crise financeira agravada, já que cercados não cia com força. Os episódios decisivos para o fim
podiam receber ajuda. A solução foi uma nova do domínio neerlandês em terras brasileiras fo­
emissão nos moldes e valores das moedas de ram as batalhas dos Guararapes, em 1648 e 1649,
1645. A mesma equipe produziu novos cunhos, onde os neerlandeses amargaram dupla derrota.
com a data 1646, utilizando 355 marcos de ouro, Oficialmente, os neerlandeses partiram em
aproximadamente 81,47 quilos do material. Mais 1654, entretanto, as moedas produzidas pela
uma vez, a emissão resolveu questões pontuais companhia permaneceram por aqui e resguar­
da companhia e não possibilitou o enfrenta­ dam a memória do período.

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LIVRO DOS FEITOS DE NASSAU
PALMARISTAS CONTRA OS EUROPEUS

Flávio Gomes

N
o Brasil, experiências africanas te praticados durante oito anos no Brasil e nou-
vão aparecer em relatos de cro- tras partes sob o governo de Wiesel, Tenente-Ge-
nistas desde o século XVI. No neral de Cavalaria das Províncias-Unidas sob
período colonial, a principal co- o Príncipe de Orange, publicado em Amsterdã,
munidade de fugitivos foi Palma- em 1647, sob encomenda do Conde Maurício de
res, localizada em Alagoas, Pernambuco. Esta- Nassau ao retornar a Holanda em 1644.
beleceu-se no coração econômico do império Sem nunca ter estado aqui, Barléu construiu
português no Atlântico Sul, sendo 1597 a data da um relato substantivo sobre a administração
primeira referência. Os palmaristas ou negros dos holandeses no Brasil, América e partes do
do Palmar – assim denominados na documenta- continente africano, apresentando mapas e ilus-
ção – se organizaram num ambiente ecológico trações diversas. Há indicações de que em seu
complexo. livro, Barléu foi muito influenciado pela obra
Não sabemos quantas expedições foram en- de Guilherme Piso e Jorge Margrave, que esti-
viadas em mais de cem anos da existência dele, veram no Brasil a partir de 1637 visando estudar
até a década de 1740. Mas antes de findar o pri- a fauna e flora e, em, 1648, publicaram Historia
meiro quarto do século XVII novos persona- Naturalis Brasiliae. Mas Barléu constrói um re-
gens entrariam em cena: holandeses invadem e lato de exuberância, fascínio e de enaltecimento
ocupam a Capitania de Pernambuco. Junto com da ocupação holandesa, principalmente durante
as plantações de cana, a reorganização dos enge- o período de Nassau.
nhos, o comércio do açúcar, o controle do tráfico Para falar de Palmares, Barléu se baseia em
atlântico nas feitorias africanas, a organização cronistas e correspondência de holandeses que
arquitetônica de Olinda e a administração das estiveram no Brasil, alguns deles tendo participa-
companhias de comércio, Palmares também de- do de expedições contra o quilombo. Entre eles
mandaria preocupação por parte dos holandeses. destacam-se cartas de Dagelijkse Notulen (1638) e
A única imagem contemporânea de Palma- o relatório de A. van Bullestrae (1642), constando
res foi publicada por Gaspar Barléu. Intelectual também relatos de expedições de Roeloff Baro
do século XVI, seu nome em latim era Caspar em 1644. Há ainda os relatos do capitão e capelão
Barlaeus, nascido (Kaspar van Baarle) em 12 de João Blaer, que chegou ao Brasil, em 1629 e par-
fevereiro de 1584. Com formação em Teologia, ticipou de uma expedição militar a Palmares em
foi professor na Universidade de Leiden e che- 1645. O diário de viagem do Capitão João Blaer
gou a atuar no Ateneu de Amsterdã, considerado foi extraído da coleção Brievem en Papieren uit
o antecessor da Universidade de Amsterdã. Poe- Brasilien, traduzido do holandês por Alfredo de
ta e preocupado com as temáticas da cartografia, Carvalho e publicado na Revista do Instituto Ar-
foi autor do livro História dos feitos recentemen- queológico Pernambucano em 1902.

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Os relatos de Baro e Blaer serviram de base
para as descrições de Barléu e também de
Johannes Nieuhof, agente comercial da Compa-
nhia das Índias Ocidentais que chegou ao Brasil
em 1640. Tendo permanecido por nove anos,
registrou suas experiências de 1640 a 1649 na
obra Memorável viagem marítima e terrestre ao
Brasil, de 1649.
Com base nestes relatos, Barléus começa a
descrever Palmares pelos planos e tentativas
de “destruir os quilombos”, na definição dele
“povoações e comunidades de negros” que
representavam uma “aluvião de salteadores e
escravos fugidos, ligados numa sociedade de
latrocínios e rapinas”. Descrevendo “os Palma-
res grandes e os Palmares pequenos”, Barléus
será generoso em informações cartográficas e
geográficas originais. Suas descrições sobre a
vida em Palmares são únicas para a primeira
metade do século XVII. Contou “seis mil habi-
tantes, vivendo em choças numerosas, mas de
construção ligeira, feitas de ramos de capim”.
No que se refere à economia, havia “produ-
ções da terra” no caso “os frutos das palmeiras,
feijões, batatas doces, mandioca, milho, cana-
-de-açúcar”. Eles faziam duas vezes por ano
“plantio e a colheita do milho”. Os mocambos
eram cercados de rios e matas que forneciam
“peixes com fartura”, além de “carne de ani-
mais silvestres”.
Detalhes interpretativos apareceriam para
a organização de Palmares, pois seus habitan-
tes “imitam a religião dos portugueses, assim
como o seu modo de governar”, onde “presi-
dem os seus sacerdotes, e ao governo os seus
juízes”. Barléus menciona, explicitamente, um
“certo Bartolomeu Lintz” que “vivera entre
eles para ficar-lhes conhecendo os lugares e
o modo de vida”. Comentou sobre as estraté-
gias de defesa e proteção, pois seus habitantes
eram “cautos e suspicazes, examinam por es-
pias se o inimigo se aproxima”. Apareceriam,

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nas descrições já destacadas por Barléus, as es- Palmares” localizado dezenas de quilômetros
truturas internas dos quilombos, como “Velho mais distante. “Este Palmares” ocupava “meia
Palmares” local que “os negros haviam deixa- milha de comprido, a rua, larga duma braça”.
do desde três anos, abandonando-o por ser um Protegidas por “estrepes” suas “casas eram em
sítio muito insalubre e ali morreram muitos número de 220 e no meio delas tinha sido er-
dos seus”. Ocupava um espaço de “meia mi- guida uma igreja, quatro forjas e uma grande
lha de comprido e duas portas; e a rua era da casa de conselho; havia entre os habitantes
largura de uma braça, havendo no centro duas toda sorte de artífices e o seu rei os governava
cisternas; um pátio onde tinha estado a casa com severa justiça, não permitindo feiticei-
do seu rei era presentemente um grande largo ros entre a sua gente e, quando alguns negros
no qual o rei fazia exercício com a sua gente”. fugiam, mandava-lhes crioulos no encalço e,
Eram “cercadas por duas ordens de paliçadas uma vez pegados, eram mortos, de sorte que
por meio de travessões”. Nesta mesma expedi- entre eles reinava o terror, principalmente nos
ção, o escrevente descreve a entrada no “Novo negros de Angola...”.

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É claro que tais descrições não eram tão so- Para além de Palmares, o Brasil Holandês vai
mente fruto de observações. De início destaca- aparecer nas obras dos pintores Frans Post e Al-
-se a preocupação de detalhamento das descri- bert Eckhout, que viveram no Brasil entre 1637
ções. O escrevente – provavelmente – contava e 1644. Post (1612-1680) vai retratar as ambiên-
com outras informações além daquelas que seus cias dos engenhos e o seu entorno, já Eckhout
olhos alcançavam e que podem ter sido fruto de (1610-1666) destacaria as dimensões ambientais
interrogatórios e investigações. – especialmente com frutas. No livro de Barléu
Ressaltar dificuldades, bravuras e grandio- aparece a única imagem contemporânea de um
sidade do inimigo fazia parte do discurso de va- aldeamento de Palmares, na aba de um mapa
lorizar aquela iniciativa e mobilização. Invaria- mais amplo, destacando-se o que seria a estaca
velmente, expedições contra quilombos eram de um posto de observação (natureza militar)
dispendiosas, demandando recursos quase sem- nas proximidades de um rio, sugerindo econo-
pre escassos. Mas nestas descrições há também mia e pescaria.
indicações sobre a cultura material e em especial
sobre a estrutura política interna de Palmares
com um rei, sua moradia própria e atividades.

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CANHÃO DE LUÍS XIV
Adler Homero Fonseca de Castro

E
m 1710, uma frota de corsários fran- dade, ter sido “promovida” ao posto de capitão do
ceses tentou tomar o Rio de Janei- exército, recebendo, inclusive, o soldo do cargo.
ro. Portugal e suas colônias estavam O dia 19 de setembro, até o século XIX, foi man-
em conflito com a França e seus tido como data festiva no Rio de Janeiro, mas,
aliados, por causa da Guerra da Su- adiante, o costume de se celebrar a vitória sobre
cessão Espanhola (1701-1714), e o renome da ci- os franceses despareceu.
dade carioca já tinha se expandido até a Europa. A razão desta introdução é que no Pátio dos
Era o período da grande corrida do ouro, logo Canhões do Museu Histórico Nacional há um
após a descoberta do metal precioso nas Minas belo canhão francês que o fundador da Institui-
Gerais, quando imensas quantias passavam pelo ção, Gustavo Dodt Barroso, acreditava ter sido
Rio de Janeiro, único caminho para seu envio um dos cinco trazidos por Duclerc e capturados
do interior para Portugal. na cidade quando os franceses foram derrotados.
Mil e duzentos franceses comandados por A peça em questão é de bronze e tem gran-
Jean-Françoise Duclerc desembarcaram a alguns des dimensões, com quase três metros de com-
quilômetros da cidade e levaram cinco canhões primento e marcas que podem ser interpretadas
com eles por terra, subindo o maciço da Tijuca e como sendo o seu peso, de 6162 libras, algo per-
caminhando pelas bordas dos pântanos que cer- to de três toneladas, o que é compatível com as
cavam o Rio de Janeiro. Ao atacar a cidade, no dia dimensões do objeto.
18 de setembro, os franceses se aproveitaram Os canhões de bronze, em geral, são
dos muitos erros da defesa organi- muito decorados. Isso em parte por
zada pelo governador do Rio de serem muito dispendiosos, va-
Janeiro, conseguindo entrar lendo o gasto que era feito
na cidade. No dia seguinte para dar-lhes uma aparên-
foram cercados e derrota- cia melhor, em parte por-
dos por tropas formadas que o metal é adequado
por moradores. A vitó- para os trabalhos de
ria foi tão importante moldagem e fundi-
quanto inesperada, ção artística. A arma
sendo atribuída à do Museu Histórico
intervenção divina, Nacional não foge a
isso ao ponto de uma esta norma, tendo
imagem de Santo An- em relevo a face da
tônio, que fica no con- França e os dizeres
vento deste santo na ci- “LVD XIIII D G FR ET

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NAV REX”, abreviatura – ou seja, durante uma ba-
para Ludovicus XIV, Deo talha longa e contestada.
Gratia Franciae et Na- Ele é um canhão de
varre Rex, ou seja, Luís grande porte – na Fran-
XIV, pela graça de Deus, ça, era um tipo de peça
rei da França e de Navar- de artilharia somen-
ra. Também tem os “gol- te usada nas baterias
finhos”, as alças situadas principais de navios de
no topo da peça para que grande porte e, portanto,
ela pudesse ser suspen- incomum – e no final do
sa por um guindaste, na século XVII havia pouco
forma de serpentes en- mais de quatrocentos
trelaçadas – um motivo deles em uso. Isso nos
decorativo incomum em leva a um ponto polêmi-
canhões franceses. Um co, tendo em vista a tra-
fator incomum na arma dição existente no Mu-
é a ausência de inscrições seu Histórico Nacional,
definindo o ano de fundi- de que a peça foi captu-
ção, o arsenal e seu autor. rada de Duclerc: a frota
Também não aparece o francesa que veio para
dístico com os dizeres o Rio de Janeiro não ti-
Ultima Ratio Regum, o Moldes para fabricação de canhões.
nha nenhum navio des-
ENCYCLOPÉDIE DE DIDEROT ET D’ALEMBERT, 1751
“último argumento dos te tipo. Outro problema
reis”, que era uma inscri- PÁGINA 52: para a hipótese do uso da
Robert Nanteuil, Luís XIV, gravura de 1664.
ção padrão nos canhões arma por Duclerc ainda
franceses do período. é relacionado ao tama-
Quanto a uma análise do canhão, nota-se que nho da arma: este tipo de canhão só era usado
ele teve seu “ouvido”, o orifício onde era colocada em navios ou em fortes costeiros, para perfurar
a escorva que permitia o disparo, substituído por os grossos costados das embarcações inimigas.
uma peça de ferro, algo que só era feito quando o Em terra, este canhão era pesado demais para
canhão tinha muito tempo de serviço e o orifício ser facilmente transportado, não podia ser mo-
original estava erodido, impossibilitando o uso do vido de um lado para o outro facilmente e, por-
canhão. Isso é um indicativo de que esta arma, es- tanto, só era empregado em situações em que
pecificamente, foi muito usada, a ponto de precisar não precisava ser deslocado. Não havia um uso
ter substituído o ouvido. Outro sinal de que a arma previsto para este tipo de arma em exércitos
foi muito usada, e isto em combates, é uma pro- em operações e, no Rio de Janeiro, não havia
funda estria que existe no interior do cano, junto à utilidade para este tipo de arma, pois não exis-
boca da arma. Isso é um tipo de dano causado por tiam poderosas fortificações que precisassem
um projétil mal ajustado saindo da arma durante ser demolidas por grandes canhões. No caso
o disparo – mas é um dano que ocorre quando o da invasão de Duclerc, uma expedição que não
canhão está muito aquecido e o metal fica mais trouxera cavalos para puxar canhões tão pesa-
maleável, depois de muitos disparos em sequência dos, tudo isso inviabilizaria seu uso.

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Dessa forma, o somatório das ca- preservado, pois fora “reputado como
racterísticas da peça torna improvável de valor histórico”. Foi enviado para
que ela tenha sido capturada na expe- o Arsenal de Guerra do Rio de Janei-
dição de Duclerc. Qual seria então o ro, para o antigo Museu de Artilharia,
seu passado? Certamente é uma arma uma das organizações que deram ori-
com uma história interessante. Pode- gem ao Museu Histórico Nacional nas
mos perguntar como um canhão comemorações do centenário
francês, usado em um navio da Independência do Brasil.
de grande porte e que partici- A falta de informações con-
pou de, pelo menos, uma longa cretas sobre o canhão talvez o
batalha, foi parar no Rio de Janeiro. torne menos interessante para um
Uma origem mais provável é que seja leigo; romancear uma história sobre
uma arma capturada em combate na combates e uma grande vitória certa-
Europa, por portugueses ou por seus mente serviria para enfatizar a história
aliados ingleses, e depois enviada para de glórias de um país que fazia cem anos
reforçar as defesas do Rio de Janeiro. de independente, em um momento em
De fato, o que nós efetivamente que o nacionalismo era de extrema im-
sabemos sobre a arma é que ela estava portância para a formação dos países.
na Fortaleza de Santa Cruz, em Nite- Passados duzentos anos da Indepen-
rói, 1901. Em julho daquele ano dência, a questão do nacionalismo
o Exército decidiu vender como deixa de ser tão importante, sendo
sucata os antigos canhões do for- mais relevante conhecer a história
te, mas esta arma se livrou de um do país, nem sempre feita de mo-
fim inglório, ou seja, virar “ferro mentos gloriosos em combate, mas
velho”: o ministro do Exército também de longos períodos de paz
decidiu que o canhão deveria ser e de monotonia.

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SEGUNDA BATALHA DE GUARARAPES
Paulo Knauss

A
coleção do Museu Histórico Nacio- destaque dado à imagem de Nossa Senhora com
nal reúne obras significativas da o Menino Jesus no colo, no plano celeste das nu-
história da arte colonial do Brasil. vens, que se destaca no canto superior esquerdo
Nesse conjunto, destaca-se a pintu- do quadro. Ao lado disso, a leitura religiosa se ex-
ra anônima datada de 1758, que re- plicita com clareza no texto da tabuleta sustenta-
presenta a segunda batalha de Guararapes, ocorrida da pela figura de um menino rechonchudo, típica
em 18 de fevereiro de 1649, em Pernambuco. da imaginária católica, no canto inferior direito.
As batalhas de Guararapes de 1648 e 1649 fo- O texto registra que, apesar de os holandeses esta-
ram o ponto alto da resistência à dominação ho- rem trajados “na pompa”, contando com “a glória
landesa no Nordeste do Brasil, dominação esta de seu triunfo”, aquele dia foi de “presságios” de
que se encerrou em 1654, quando as forças ho- “ruína” e de “anúncios” de sua “desditosa sorte”,
landesas abandonaram definitivamente o projeto ressaltando que “os favores da Mãe de Deus”, as-
colonial estabelecido desde 1630, e que a partir de sim como “o divino e soberano impulso” move-
Recife estendeu domínio do Rio Grande do Norte ram os portugueses.
a Sergipe, controlando o comércio da produção O texto é assinado em nome de “Cabos Por-
açucareira da região. tugueses”, dando a pista sobre a origem da tela
A ocupação holandesa no Brasil do século por encomenda de corporativa militar. Completa
XVII foi um capítulo importante da disputa co- o texto uma legenda numerada, que serve para
lonial, que se caracterizava pela transferência indicação de personagens e situações represen-
das rivalidades políticas entre os estados euro- tadas. O que importa destacar é que a represen-
peus para o mundo colonial. As iniciativas co- tação pictórica acompanha a crônica de época,
loniais holandesas se desenvolveram no quadro que valorizava a interpretação providencialista
das lutas de independência das províncias dos dos acontecimentos, destacando o papel decisivo
Países Baixos, declarada em 1581 contra a subor- da ação divina em favor da vitória militar dos lu-
dinação à coroa espanhola. A guerra se estendeu so-brasileiros contra os holandeses, favorecendo
até a paz de Vestfália, em 1648, coincidindo com a causa católica frente à dos reformados. Assim,
a União Ibérica (1580-1640), estabelecida quan- a representação do conflito militar entre portu-
do o rei Felipe II de Espanha herdou a coroa por- gueses e holandeses se confunde com um emba-
tuguesa. A partir daí, Portugal e seu mundo co- te entre católicos e reformados, decorrente das
lonial foram enredados no conflito e a paz entre identidades religiosas do reino de Portugal e da
holandeses e lusos só seria selada pelo Tratado união dos Países Baixos.
de Haia, em 1661. Diante do quadro, o olhar reconhece facil-
A representação da batalha na pintura da cole- mente as duas forças em guerra. À direita, o exér-
ção do MHN tem evidente sentido religioso, pelo cito holandês é caracterizado pela organização

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disciplinada de seus numerosos batalhões orde- representa o santo, ou a virgem, em situação ce-
nados e bem armados. Todos os soldados trajam leste no meio de nuvens. É próprio dos ex-votos
uniformes completos, com meias e sapatos, com- que sejam produzidos por quem foi objeto da
binando com as cores da bandeira que todos os graça para que seja depositado na igreja ou ca-
batalhões exibem. Por sua vez, as forças luso-bra- pela de devoção do santo protetor.
sileiras aparecem esvaziadas em número e desor- A tela do Museu Histórico Nacional, porém,
denadas, sem direção certa, chamando a atenção é datada de 109 anos depois do acontecimento
a falta de estandartes e uniformes, estando todos representado. O quadro perde assim seu sentido
descalços, à exceção dos oficiais de comando. religioso de um ex-voto, ainda que se reconheça
Na parte inferior da composição, que repre- sua fidelidade ao modelo das formas da arte reli-
senta a área depois do alagadiço, identifica-se a giosa. Por outro lado, a representação tampouco
ação dos batalhões de negros e indígenas e seus pode ser definida como pintura histórica, pois
comandantes, que a legenda indica como sendo, o gênero artístico se configura como expressão
respectivamente, o marechal-de-campo Henri- laica, própria do sistema liberal das belas-artes, e
que Dias e o general-de-índios Diogo Pinheiro que, no Brasil, se afirmou apenas no século XIX.
Camarão – que sucedeu o irmão Felipe Camarão O dado curioso é que esse quadro está ba-
depois da morte deste devido aos ferimentos da seado numa construção iconográfica recorrente
primeira batalha de Guararapes, entre 18 e 19 de em torno das batalhas de Guararapes, que tem
abril de 1648. como referência mais antiga os painéis criados
Os chapéus são o elemento que distingue com para a igreja da Irmandade de N. Sra. do Monte
clareza os membros dos dois exércitos. O holan- dos Prazeres de Guararapes, em Jaboatão, Per-
dês é marrom e alto, enquanto os luso-brasileiros nambuco, no fim do século XVIII. A partir do
portam chapéus pretos e baixos. Vale observar mesmo modelo, no início do século seguinte,
que, na ausência de canhões do lado luso-brasi- foi produzido outro conjunto de painéis para a
leiro, distingue-se a participação de clérigos: um Câmara Municipal de Olinda, que hoje integra
com crucifixo e outro com colar de terço na mão. a coleção do Museu do Estado de Pernambuco.
No centro da cena estão representadas as Nessa série, inclui-se ainda a pintura sob o coro
situações mais violentas da batalha. No alto, po- da Igreja de N. Sra. da Conceição dos Militares
de-se ver como os cavalos dos portugueses atro- de Recife.
pelam corpos de holandeses; descendo o olhar, Apesar das semelhanças, há uma grande
nota-se como um soldado atravessa o corpo de interrogação sobre a autoria dessas pinturas –
outro com sua espada; mais embaixo, vê-se o cor- nenhuma delas é assinada. A versão existente
po do coronel e brigadeiro-mor dos holandeses no Museu Histórico Nacional é menor que as
abatido sobre seu cavalo. A cena da morte do sar- anteriores e se trata de pintura a óleo sobre tela
gento-mor Paulo da Cunha, registrada pela legen- e não sobre madeira, como todas as outras. Além
da, é apresentada sem marcas de padecimento. disso, a imagem da virgem e do menino com a
É importante ressaltar que a imagem segue o tabuleta evidencia uma execução diferente da
padrão das pinturas votivas de sentido religioso, cena histórica, fazendo supor a colaboração de
chamadas também de ex-votos, caracterizadas dois pintores. Assim, a construção iconográfica
pela composição tradicional em dois planos: o recorrente aponta para um regime autoral dis-
inferior, em que se representa a situação terre- tinto dos tempos atuais que insiste na individua-
na da graça divina obtida; o superior, em que se lidade da autoria.

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HISTÓRIA GENEALÓGICA DA CASA REAL PORTUGUESA
Fabiano Cataldo de Azevedo
Marli Gaspar Bibas1

E
ste capítulo sobre o livro História mória”, conforme Pierre Nora – neste caso espe-
genealógica da Casa Real Portu- cífico, uma noção da qual discordamos.
guesa, desde sua origem até o pre- Entretanto, o que se propôs foi analisar a
sente com as famílias ilustres, que História genealógica da Casa Real Portuguesa
procedem dos Reys, e dos Serenis- [...] a partir do ponto de vista da cultura mate-
simos Duques de Bragança, justificada como rial, considerando esse livro como um artefato,
instrumentos, e escritores de inviolável fé tem cujos dados colhidos dele podem individualizar
como ponto de partida a pesquisa desenvolvida os exemplares e gerar outras informações com
no trabalho “As marcas de proveniência como significados e representações que vão se expan-
elementos para a construção narrativa da tra- dindo quanto mais nos aprofundamos nas inves-
jetória do exemplar Histoire de l’Origine et des tigações sobre eles.
Premiers Progrès de l’Imprimerie Apesar do conteúdo da obra ser
(1740): da Real Biblioteca à Biblio- algo muito importante no contex-
teca Central da UniRio”.2 Nele se to de uma biblioteca, neste texto
evidencia a importância da análise nosso foco, como bibliotecários,
material do livro para a compreen- é reforçar um conhecimento que
são de momentos históricos ou para não é novo, ou seja, que a informa-
descobrir as possíveis relações so- ção num livro impresso vai além do
ciais e institucionais que um livro – conteúdo, estando igualmente em
como objeto – possui. sua materialidade e na sua própria
Aqui, tratamos do objeto História existência dentro de uma coleção,
genealógica da Casa Real Portugue- como no caso em questão.
sa [...], de Antônio Caetano de Sousa, Nossa base teórica deriva sobre-
com 21 tomos publicados em Lisboa, tudo de uma disciplina do século
entre os anos de 1735 e 1749. XVIII, a Bibliografia Material, que
A presença deste livro no con- pertence à área da Bibliologia, junta-
junto de cem objetos icônicos da co- mente com a Codicologia, o estudo
leção do Museu Histórico Nacional dos documentos manuscritos, códi-
(MHN) poderia ser algo comum se ces (encadernados ou não).
os organizadores estivessem presos A Bibliografia Material, em re-
apenas à perspectiva na fronteira, sumo, se ocupa das características
muito debatida, do “documento- tipográficas (tipo móvel utilizado,
-monumento” de Jacques Le Goff, papel, formato etc.) e das chamadas
ou deste livro como “lugar de me- características extrínsecas, ou seja,

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elementos que foram agregados aos livros após
sua disponibilização para o comércio e que, por
isso, são essenciais para o entendimento da his-
tória social de cada exemplar (carimbos úmidos
ou secos, ex-líbris, dedicatórias, encadernações
etc.).
Appadurai indica que os significados das coi-
sas “estão inscritos em suas formas, seus usos,
suas trajetórias”. É esse movimento no tempo e
no espaço que lhes atribui novos sentidos e fun-
ções, sendo essa dinâmica a substância da “cul-
tura material”.
Os estudos sobre marcas de proveniência,
baseados na metodologia da história do livro e
da bibliografia material indicam que, em alguns
casos, os imbricamentos de uma obra com uma
biblioteca podem ser múltiplos, tanto pelo ca-
minho mais óbvio, ou seja, pela relação do autor,
título e assunto, assim como pelos antigos donos
ou pelo itinerário percorrido por determinados
exemplares.
Em uma apresentação,3 a bibliotecária Elia-
ne Vieira da Silva comenta que já foram identi-
ficados livros com carimbos da Real Bibliotheca
no acervo do MHN. O que não é de se estranhar
porque, com a criação do curso de museologia,
em 1932, há indícios de que, entre outros tipos
de objetos, livros também tenham sido doados
para a formação de seu acervo básico.4
Infelizmente, devido às circunstâncias res-
tritivas que estamos vivendo, não foi possível
fazer uma análise material dos 21 tomos. Contu-
do, este não era o foco no momento, apesar de
destacarmos a importância dessa atividade para
a complementação da história da coleção e da
instituição.
Em um longo trajeto, de quase três séculos,
este grupo de exemplares ganhou outras carac-
terísticas e valores. E é a partir de sua materiali-
dade que poderemos perceber essa transforma-
ção. Na análise minuciosa de cada tomo, página
por página, buscando evidências que possibi-

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litem conjeturar ou confirmar, por exemplo, 1> Com a colaboração de Eliane Vieira da Silva, bibliotecária do
Museu Histórico Nacional.
momentos históricos que abrangem desde os 2> BIBAS, Marli Gaspar. As marcas de proveniência como ele-
meios de circulação até sua função e uso. mentos para a construção narrativa da trajetória do exemplar His-

Acreditamos que este livro representa mais toire de l’Origine et des Premiers Progrès de l’Imprimerie (1740):
da Real Biblioteca à Biblioteca Central da UniRio. Dissertação de
do que uma importante fonte de informação so- mestrado. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio
bre Genealogia. Ele conta a história do próprio de Janeiro: 2019.
3> Os titulares das coleções e as marcas de proveniência biblio-
museu, pois através de diversas peças de seu gráfica no Museu Histórico Nacional. Ciclo de Palestras: As marcas
acervo podemos estabelecer relações com seu de proveniência e a cultura material. [21ª Sessão], 29 out. 2020.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Lu069Wi2_Js
conteúdo impresso e com suas marcas de fabri- 4>SEOANE, Raquel Villagrán Reimão Mello. A reforma de 1944 do
cação, uso ou proveniência. curso de museus – MHN e o perfil do conservador de museus na
era Vargas: os reflexos da política nacionalista e as transforma-
É, portanto, um objeto que reafirma a iden- ções na área dos museus. Dissertação (Mestrado em Museologia
tidade dessa instituição de memória, guardiã e Patrimônio), UniRio/Mast. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:

de importantes elementos da História do Brasil. http://www.unirio.br/ppg- pmus/raquel_villagran_reimao_mello_


seoane.pdf
Por consequência, se conta parte de nossa Histó-
ria, conta também sobre todos nós.

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AGULHA DE MAREAR
Heloisa Meireles Gesteira

A
agulha de marear é conhecida nhada em papel, protegida por vidro. A agulha
como um instrumento náutico propriamente dita e os pinos que prendem o
que auxilia a definir e aprumar o instrumento na caixa são de metal. No interior,
rumo de embarcações, e tornou- cuidadosamente ornamentado, vê-se a rosa dos
-se uma espécie de símbolo das ventos, com os 32 rumos que servem também
grandes navegações ocorridas entre os séculos como indicadores dos ventos, com destaque
XV e XVI. Aqui, trata-se de um objeto específi- para a flor de lis apontando o Norte e mais ou-
co, um instrumento náutico fabricado no século tros sete símbolos que apontam para as direções
XVIII, que apresenta o nome de José Teixeira e principais. Alguns elementos que caracterizam
a indicação de um local, Pernambuco, e que hoje o objeto levam a crer que de fato é uma bússo-
integra o acervo do Museu Histórico Nacional. la portuguesa, e pode mesmo ter sido fabricada
Esse objeto passou a integrar a coleção em em Pernambuco. Um deles verifica-se na forma
1932, após a extinção do Museu Naval, quando de dividir o círculo da borda que representa o
as peças deste último foram transferidas para o horizonte. Marcado de cinco em cinco graus, o
MHN. Não sabemos muito sobre suas origens. círculo subdivide-se em quatro partes de 90° e a
No Inventário do Museu Naval, de 1890, nada marcação se dá da seguinte forma: inicia sempre
consta sobre ele, apenas a menção a bússolas. No com o “0” nos pontos que representam o Norte e
documento de transferência, precisamente a re- o Sul e vai até 90 nos pontos Leste e Oeste. Além
messa de 1932,1 encontra-se o registro idêntico desta convenção, conforme explicado em livros
ao que se lê no processo de entrada de acervo: de marinharia, há as duas janelas laterais, facea-
“bússola com caixa feita por José Teixeira em das, com frestas.
Pernambuco em 1770”. O instrumento foi ava- Em Portugal, como em outros lugares, desde
liado, no ato da transferência, em cinco mil con- o século XVI, a forma de graduar os instrumen-
tos de reis (5.000$000). O valor de cada objeto tos era padronizada para que os dados coletados
foi registrado em folha com timbre do Ministé- nas viagens e em pontos específicos fossem mais
rio da Marinha, indicando “Serviço de Fazenda tarde reunidos e compartilhados entre os cos-
da Armada”, e permite avaliar todo o patrimônio mógrafos e pilotos, ou mesmo na organização
subtraído da Marinha no momento do traslado das informações, como, por exemplo, as tabelas
dos objetos, ou, como referido no documento, da declinação do Sol. Essa forma de divisão está
das relíquias que até o momento pertenciam ao descrita no livro de marinharia como A arte de
Museu Naval.2 navegar, do cosmógrafo Manoel Serrão Pimen-
Fabricado no século XVIII, o objeto é com- tel (1650-1719).3 Depois de sua morte, algumas
posto pela caixa de madeira, ou morteiro, no informações e correções foram atualizadas.
interior da qual vemos a rosa dos ventos dese- Nesta mesma obra, o cosmógrafo assinala que

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uma vantagem do instrumento fabricado em em 1771, uma oficina de reparo e construção de
Portugal em relação àqueles feitos na Holanda e instrumentos. Não é improvável que este José
na França eram justamente as aberturas laterais Teixeira tivesse contato com outros fabricantes
que permitiam o uso por uma só pessoa para re- treinados, uma vez que o instrumento segue o
gistro da declinação do Sol, informação impor- padrão português.
tante para a determinação da latitude. Neste Pesquisas realizadas nos catálogos de exposi-
caso de uso, as frestas laterais do instrumento ções do MHN não indicam a presença deste ob-
deveriam ser posicionadas na direção dos pon- jeto em exposições. Contudo, no momento da es-
tos cardeais Leste-Oeste. crita desse texto, a agulha de marear encontra-se
Ao descrever o objeto, Pimentel assinala os em exibição na exposição intitulada Portugueses
diferentes usos do instrumento: apontar os ru- no Mundo, inaugurada em 2009. Logo que se en-
mos, auxiliar na feitura e ajustes de cartas náuti- tra na sala, vê-se o instrumento que está posicio-
cas, determinar a declinação do Sol em cada dia nado no centro de uma vitrine junto com objetos
do ano. A agulha de marear permitiu, pela expe- que representam os quatro continentes.
riência dos pilotos ao longo das travessias des- A agulha de marear foi deliberadamente po-
de o século XVI, observar a variação magnética sicionada pelos curadores na entrada. Ela tem o
da Terra em lugares e tempos diferentes, justo potencial de levar o visitante para o século XVI,
porque a agulha não aponta exatamente para o período das viagens oceânicas. E mais, faz com
Norte geográfico, mas para os polos magnéticos, que, aos olhos do visitante, a agulha de marear
e esses coincidem em alguns pontos, como no represente, ainda nos dias atuais, a superiori-
caso de uma região na ponta meridional do con- dade técnica dos portugueses à época dos des-
tinente africano conhecida como Cabo das Agu- cobrimentos diante de outros povos. Ela mate-
lhas. O local divide os oceanos Atlântico e Índi- rializa a importância da arte de navegar e dos
co. As leituras do rumo apontado pela agulha no instrumentos de navegação para o domínio dos
momento da observação devem ser corrigidas mares, dos povos e das mercadorias durante a
em função da declinação magnética e da decli- época moderna.
nação do Sol. Apenas nos dias do equinócio, ou
seja, duas vezes por ano, o Sol encontra-se na
eclíptica, o astro nasce e se põe exatamente no
leste e no oeste geográfico. 1> Inventário do Museu Naval, 1890; Acervo do Museu Naval trans-
Até o momento não sabemos muito sobre o ferido para o Museu Histórico Nacional, remessas de 1927 e 1932.
Arquivo da Marinha, OR 234.
fabricante, apenas seu nome, “José Teixeira, em 2> Museu Histórico Nacional. Registro de Entrada de Acervo n.
Pernambuco” conforme assinalado no instru- 18/32. Documentos n.16, n.41 e n. 84. Disponível em: http://doc-
virt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=MHN&pasta=Pro-
mento, ao redor do pino onde a agulha é posicio- cessos%20de%20Entrada%20de%20Acervo\1932&pesq=&pag-
nada no centro da bússola. Existe uma agulha de fis=3237. Acesso em 10/02/2022.

marear fabricada por ele e pertence hoje ao Mu- 3> Manoel Pimentel. A arte de navegar. Roteiros práticos das
viagens e Costa marítima do Brasil, Guiné, Angola, Indias e Ilhas
seu da Marinha em Portugal.4 As últimas déca- Orientais e Ocidentais. Lisboa: Na oficina de Bernardo da Costa
das do século XVIII foram marcadas por trans- de Carvalho, 1699. Disponível em: https://purl.pt/29641/1/index.
html#/8-9/html. Acesso em 21/03/2022.
formações técnicas importantes nas navegações 4> Uma imagem do objeto pode ser consultada pela página da
oceânicas. Do ponto de vista da fabricação de Comissão Cultural da Marinha, Portugal. Disponível em: https://
ccm.marinha.pt/pt/museumarinha_web/colecoes_web/peca-
instrumentos náuticos, existiu no edifício da semdestaque_web/Paginas/agulhamarcarportuguesa.aspx.
Real Fábrica da Cordoaria em Junqueira, criada Acesso em 06/02-2022.

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Manuel Pimentel
Arte de navegar, em
que se ensinão as
regras praticas,...
1762
OFFICINA DE MIGUEL

MANESCAL DA COSTA,

IMPRESSOR DO SANTO

OFFICIO – LISBOA

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RETRATO DE D. SEBASTIÃO
Jacqueline Hermann

P
ossível cópia anônima de gravura A presença de gravuristas formados na esco-
a buril feita pelo gravador francês la flamenga, caso de Debrie, foi também estimu-
Guillaume François Laurent De- lada pelo rei português, principalmente depois
brie em 1737, a partir de desenho da fundação da Academia Real da História Por-
do português Francisco Vieira de tuguesa, em 1720, para a qual foi criada a primei-
Matos (1699-1783). Conhecido como Vieira ra oficina de gravura no reino. O objetivo era re-
Lusitano, Francisco Vieira foi pintor da corte produzir as mais avançadas técnicas de gravura
de D. João V a partir de 1733. O reinado de D. da época, dentre as quais a água forte, técnica
João V foi de expansão das artes em Portugal usada na gravura de D. Sebastião.
e valorização de artistas e escolas estrangeiras, Guilherme Francisco Lourenço Debrie, como
com destaque para a pintura e a escultura ita- seu nome passou a ser grafado em Portugal, foi
liana e francesa e a gravura holandesa, além da dos mais destacados e produtivos burilistas de
arquitetura, com o famoso convento de Mafra, influência francesa e flamenga em Portugal. Não
e de obras de engenharia urbana e monumen- é conhecida a data de seu nascimento. Chegou a
tos públicos. Portugal entre 1730 e 1733, onde permaneceu até
Neste amplo cenário, o pintor Vieira Lusi- cerca de 1761, data de sua última gravura portu-
tano e o gravurista e pintor Debrie integraram guesa, segundo a lista de obras digitalizadas do
um conjunto expressivo de artistas responsá- artista guardada na Biblioteca Nacional de Portu-
veis pelo destaque dado aos retratos de corte, gal – nesta encontramos 53 estampas de Debrie,
expressão artística praticamente inexistente com datas entre 1730 e 1761, podendo-se constatar
em Portugal, segundo investigadores do reina- sua grande produção para a corte portuguesa.
do de D. João V. A grande inspiração da época, e A gravura do rei D. Sebastião não está na lista
não só em Portugal, era a corte francesa de Luís digitalizada da Biblioteca de Portugal, mas pode
XIV, centro da representação do poder real. ser encontrada em diversas obras da época, sen-
Segundo Antônio Filipe Pimentel, o reinado do talvez a primeira delas as Memorias para a
de D. João V conheceu a “invenção do retrato História de Portugal que compreendem o del Rey
de corte”, com destaque para o retrato real, cuja D. Sebastião, do bibliófilo da Academia Real de
imagem deveria ultrapassar a representação História Portuguesa, Diogo Barbosa Machado
individual ou física e expressar um “retrato re- (1682-1772), publicadas entre 1736 e 1751. A gra-
tórico”, “palco” para propaganda panegírica da vura de Debrie aparece já no Tomo I, de 1736,
realeza. D. João V recrutou artistas estrangeiros, publicada na folha que abre o Livro I. A data
dentre os quais o italiano Giorgio Domenico abaixo do retrato, assinado por Debrie, é 1737,
Duprà (1689-1770), seguido pelo francês Pierre- o que causa estranhamento por ser posterior à
-Antoine Quillard (1701-1733). publicação deste primeiro volume.

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Na gravura, o rei D. Sebastião aparece no direta, mas é certo que em Portugal circulavam
centro da imagem, em meio a uma moldura desde o século XVII, e presume-se que por aqui
oval, vestido com armadura, cetro e espada, também eram valorizados.
colar da Ordem de Cristo ao peito, golas de ro- O retrato de D. Sebastião chegou ao Museu
los de favo. A imagem é encimada por Cloto e Histórico Nacional pelas mãos do pintor pau-
Láquesis, parcas que representam o fio da vida lista José Wasth Rodrigues (1891-1957), possi-
e o destino dos homens, faltando a terceira, velmente entre 1930 e 1940. A hipótese aqui é
Átropos, que representaria a morte. É possível que Wasth Rodrigues o tenha encontrado no
indagar se esta ausência indicaria a negação interior de Minas Gerais, nas expedições fei-
da morte do rei na batalha de Alcácer Quibir, tas sob o patrocínio do engenheiro português
cerca de dois séculos antes, base da crença na Ricardo Severo (1869-1940) entre meados das
iminente volta de D. Sebastião e do fenômeno décadas de 1910 e 1920. O objetivo era resgatar
messiânico do sebastianismo. Uma fita ondu- uma arquitetura “brasileira” dispersa pelo inte-
lante traz a legenda latina de Virgílio acima do rior do país, base do estilo neocolonial valori-
retrato do rei: “Vivo equidem, vitem que extre- zado e depois criticado por Rodrigues.
ma per omnia duco” (Vivo certamente e a vida A peça do MHN – um retrato em pequeno
conduzo por todos os extremos). formato (26 x 24 cm), óleo sobre metal (pro-
O gravurista Debrie não estampou retratos vavelmente uma liga de cobre) – é asseme-
de muitos reis, razão da atenção ao retrato de lhada à gravura de 1737, mas com diferenças
D. Sebastião, possivelmente encomendado por importantes: apesar de manter o formato oval
algum dos muitos admiradores do Desejado, do retrato e a gola em favos, não inclui cetro
senão mesmo sebastianistas, hipótese a ser ou espada, não se vê armadura ou o colar da
avaliada. Ordem de Cristo. A fisionomia é mais gra-
Desde pelo menos o século XVI temos no- ve, o rosto mais largo, a calva menor, cabelo,
tícia de que a espera sebastianista havia apor- bigode e cavanhaque mais densos e escuros,
tado no Brasil. Antônio Vieira falou dos sebas- lábios pronunciados. A imagem é de um rei
tianistas na Bahia antes de voltar a Portugal já adulto, parecendo mais velho que o rapaz
em 1641; no século XVIII as menções esparsas da gravura de 1737, ambos bem diferentes do
atestam que a espera sobrevivia, e no XIX di- retrato de 1571 e a partir do qual se consolidou
versos viajantes registraram, pasmos, a pre- uma imagem de “rei menino” associada a D.
sença de sebastianistas pelo interior do Brasil. Sebastião.
Estimulados por D. João VI, no Brasil desde Wasth Rodrigues já havia pintado pelo
1808, estrangeiros em viagens de exploração menos o retrato de um rei, D. João III (1521-
científica deixaram registros insuspeitáveis. 1557), avô de D. Sebastião, e monarca portu-
John Luccock encontrou sebastianistas no Rio guês que deu início à efetiva colonização por-
de Janeiro em 1816; Carl von Martius, na Serra tuguesa do que viria a ser o Brasil. Essa obra
do Caraça, Minas, em 1817, e acreditava serem de 1932 integra o acervo do Museu Paulista e
mais numerosos em Minas Gerais do que em pode indicar o interesse do pintor pela ori-
Portugal. E Ferdinand Denis dedicou um ca- gem portuguesa de parte de nossa história,
pítulo de seu Brésil à “seita dos sebastianistas”, razão da posterior valorização do incerto re-
afirmando que os encontrara em número con- trato de D. Sebastião.
siderável. Não mencionam retratos de forma

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Guilherme Francisco Lourenço Debrie
Retrato de D. Sebastião, 1737. Gravura em buril.
In Memorias para a História de Portugal que compreendem o del Rey D. Sebastião, do bibliófilo da
Academia Real de História Portuguesa, Diogo Barbosa Machado (1682-1772), publicadas entre 1736 e 1751.
LISBOA OCCIDENTAL: NA OFFICINA DE JOSEPH ANTONIO DA SYLVA
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SANTINHA MISSIONEIRA
Jean Tiago Baptista
Tony Boita

Anônimo
Planta de Missão de S. Miguel (detalhe). 1756
BIBLIOTECA NACIONAL

A
s esculturas produzidas nas mis­ outros saberes, foi atribuída às habilidades je­
sões indígeno-jesuíticas  do Para­ suíticas. Em legendas e longos textos explicati­
guai colonial, projeto empreen­ vos, cada museu tratou de denominar tal acervo
dido entre os séculos  XVII e como jesuítico, bem como a ele se reconheceu
XVIII, são historicamente polifô­ apenas estilos artísticos europeus, sobretudo o
nicas. De fato, desde o fim daquela experiência, a Barroco (“barroco jesuítico”). Trata-se, eviden­
imaginária missional tem sido motivo de discus­ temente, de uma leitura eurocêntrica, na qual
são e controvérsia, tal qual temos demonstrado de se atribui aos padres a centralidade e autoria
modo mais detalhado a partir de diversos estudos. daquelas produções em detrimento dos indíge­
Foi somente no século XX que as esculturas nas autores, bem como aos estilos europeus os
missionais passaram a desfrutar de atribuição ar­ ditames estéticos, aquilo que chamamos de “pa­
tística. Quando Lucio Costa, a mando de Rodrigo radigma jesuítico”.
Mello e Franco, passa a projetar o Museu das Mis­ Embora jamais tenha sido superado, o para­
sões, por meio de seu zelador, recolhe a imaginá­ digma jesuítico passou a ser criticado sobretu­
ria que se distribuía pela região. Ao fundar o refe­ do a partir dos anos 1970 mediante abordagens
rido museu há pouco mais de 80 anos, a política etno-históricas. Desses esforços surgem novas
patrimonial brasileira transformava a imaginária nomenclaturas, como “missões jesuíticas-gua­
missional em objeto museológico e de arte. ranis” ou “Barroco Jesuítico-Guarani”. Orienta­
Ao ingressarem nos museus, as obras indí­ das pelo paradigma da mestiçagem, tais propos­
genas sofreram um processo de expropriação tas pressupunham o surgimento de um mundo
de seu significado original como jamais visto. entre dois, muito mais interessado em zonas de
A arte produzida nas missões, assim como seus contato do que de conflito.

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Foi apenas no final do século XX que leitu­ missados em assegurar o ingresso dos demais
ras que pressupunham esforços antropofágicos missionais ao mundo que se abria.
indígenas passaram a ocorrer. Chegou-se a falar Em oposição direta aos homens das oficinas,
que as esculturas missionais desfrutaram de sta­ estavam as pessoas que pertenciam à chusma, a
tus xamânico. Para apoiar esta tese, foram usa­ maioria, de fato, da população missional. Pouco
dos diversos registros jesuíticos sobre episódios afeita às normas morais, vestimentas, posturas, die­
nos quais as esculturas se faziam presentes para tas, confissões, frequência às missas, medicina e ou­
promover curas, combate a pragas em planta­ tras características próprias do que comumente se
ções, batalhas contra inimigos e onde mais fosse considera ser o cotidiano das missões, a chusma era,
necessária alguma intervenção mística. Nossos em boa medida, o motivo de tais produções. De fato,
primeiros estudos sobre o tema partiam deste essa massa distribuída pelas famílias dos caciques e
ponto: as esculturas missionais eram uma ex­ que ocupava as ruas, matas, rios, plantações e outros
pressão da cosmologia indígena inserida na co­ espaços distantes da igreja central, pouco se aproxi­
lônia. Por meio de dados linguísticos coloniais, mava do ideal defendido pelos homens das oficinas
percebia-se que as entidades cristãs haviam – e por isso mesmo era seu público-alvo.
recebido nomes indígenas, como São Miguel No Museu Histórico Nacional, uma delicada
Marangatu, ou simplesmente não haviam sido peça é chamada de Santinha Missioneira. Este
traduzidas, como ocorre com Santa Maria, na­ nome não possui suporte histórico, pois ela pos­
queles tempos conhecida como Ñande Sy, uma sivelmente era reconhecida por uma palavra in­
mulher ou deusa indígena. Contudo, é preciso dígena. Além disso, tal classificação está longe de
apontar que tais traduções não representavam representar a realidade de um todo espiritual das
uma heresia ou indianização da cristandade. Ou missões. Ela é muito mais uma projeção, um de­
seja, chamar São Miguel de Marangatu ou Maria sejo, um projeto, um discurso oficial, uma imagi­
de Ñande Sy era, na maior parte do tempo, um nação produzida por homens indígenas coloniais,
serviço prestado à colonização, jamais contra evidenciando como as noções de gênero ociden­
ela, uma vez que a construção da língua colonial tal estavam a impactar as sociedades indígenas.
foi, de fato, parte do mesmo projeto. Em uma perspectiva dos estudos de gênero,
A chave para escolher um caminho interpre­ se quisermos ter uma visão mais completa daque­
tativo foi localizar os autores das esculturas mis­ la sociedade por meio de obras como a Santinha
sionais. Por meio de ampla pesquisa, encontra­ Missioneira, devemos lê-la como o oposto do que
mos informações seguras sobre o perfil de tais é apresentado. A postura vertical e ereta, as mãos
autores: todos homens (as mulheres estavam cruzadas em postura de oração, as roupas do pes­
proibidas de produzir artes), membros das con­ coço aos pés, as pernas fechadas, os cabelos ali­
gregações religiosas (poderosos agrupamentos nhados e penteados, todas as formas, enfim, que
de controle moral onde se concentrava cerca de ali se vê, estão a se contrapor à nudez, aos cortes
20% da população), possuíam acesso aos jesuítas de cabelo tradicionais, às tatuagens, às pulseiras,
para construção do sistema legal/moral e honra­ aos colares e às posturas não verticais presentes
vam o compromisso de promover discursos so­ na chusma. Somente neste exercício interpreta­
bre como os indígenas deveriam se portar. Dito tivo é que nos aproximaremos da tensão que tal
de outro modo: eram homens indígenas forja­ imaginária, aparentemente inerte e sóbria, guar­
dos na colônia, diretamente vinculados ao pacto da em si enquanto a construção de uma nova no­
colonial e por isso mesmo vivamente compro­ ção de gênero que estava sendo construída.

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Anônimo
Planta de Missão de S. Miguel. 1756
BIBLIOTECA NACIONAL

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RETRATO DE D. LUÍS DE VASCONCELOS
Maria Fernanda Bicalho

Jean-Baptiste Debret
Vista do Largo do Paço Imperial no Rio de Janeiro, c.1830.
BIBLIOTECA NACIONAL

D
istinguindo-se da grande maio- te de estudos de história natural, a chamada
ria dos titulares da Índia e do Casa dos Pássaros. Incentivou as pesquisas de
Brasil, Luís de Vasconcelos e naturalistas, como as do frei José Mariano da
Sousa, vice-rei que exerceu o Conceição Veloso, que, entre 1783 e 1790, che-
ofício de 1779 a 1790 no Rio de fiou expedição botânica pela capitania do Rio
Janeiro, não era proveniente da carreira das de Janeiro com o objetivo de coletar e descre-
armas e não possuía experiência anterior ver a flora fluminense. No campo das letras,
no ultramar. Filho segundo da casa dos con- apoiou a fundação da Sociedade Literária do
des e depois marqueses de Castelo Melhor, Rio de Janeiro, dedicada à discussão e difusão
formou-se como bacharel em cânones pela de temas caros à cultura ilustrada da segunda
Universidade de Coimbra, desempenhando metade do século XVIII.
importantes cargos na magistratura, como de- Luís de Vasconcelos foi, igualmente, um
sembargador da Relação do Porto, da Casa de grande reformador urbano. Interveio em duas
Suplicação e do Desembargo do Paço, e mem- importantes áreas do Rio de Janeiro setecen-
bro do Conselho de Estado. Foi notável incen- tista – o largo do Carmo, situado no coração da
tivador das ciências, da literatura e das artes. urbe colonial, e a lagoa do Boqueirão, perto do
Criou, em 1784, no Rio de Janeiro, um gabine- aqueduto ou arcos da Lapa – deixando clara sua

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intenção de estabelecer o uso do espaço urba-
no coerente com a importância que a cidade
assumia.
Em seu governo, o largo do Carmo – des-
de 1743 local da residência dos governadores
– transformou-se em cenário de edificações-
-símbolos do poder régio e de suas inúmeras
representações. Em 1789 foi calçado e total-
mente remodelado a partir do projeto do en-
genheiro sueco Jacques Funk. Data do mesmo
período a construção do cais à beira-mar e do
chafariz que servia aos moradores e à aguada
de embarcações, com riscado do mestre en-
talhador Valentim da Fonseca e Silva. Próxi-
mo ao aqueduto da Lapa, no sítio da lagoa do
Boqueirão, logo aterrada, Luís de Vasconcelos
construiu um Passeio Público, o primeiro da
América portuguesa. Curiosamente, o Passeio
Público de Lisboa foi erguido em terras per-
tencentes à sua família.
Para além do caráter ilustrado de seu go-
verno e das inúmeras intervenções urbanas,
é interessante discutir a sociabilidade corte-
sã que se desenvolveu em torno da figura do
vice-rei. Gilberto Ferrez cita o relato da curta
permanência, em 1787 no Rio de Janeiro, da ex-
pedição do capitão Arthur Philip, cuja missão
era fundar Sidney, na Austrália. Os ingleses, de
acordo com seu testemunho, foram muito bem
tratados. Embora se dissessem desapontados
com a simplicidade do palácio, pois as duas
salas pelas quais passaram “nada possuíam
de magnífico ou elegante”, essa impressão se
dissiparia na cerimônia de comemoração do
aniversário do príncipe herdeiro de Portugal,
quando Arthur Philip e seus oficiais fizeram a
corte ao vice-rei:

“Fomos recebidos por um oficial que nos con-


duziu à sala das audiências onde Sua Exce-
lência estava debaixo de um dossel, recebendo
os cumprimentos dos oficiais, os maiorais da

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cidade e estrangeiros... Vale perguntar ou
A corte era brilhante, se imaginar se Luís de
tal pode ser dito onde as Vasconcelos e Sousa,
mulheres não compa- já vice-rei no Rio de
recem; isso porém, fui Janeiro, teria enco-
informado, é o costu- mendado o anel com
me aqui. Os cavaleiros o retrato de sua sobe-
presentes estavam ele- rana. Ou se já o tinha
gantemente e ricamen- quando veio para o
te trajados. Os oficiais Brasil (o que invalida a
do exército e da milícia hipótese de que tenha
ainda mais e num estilo sido obra de João de Fi-
e modo que realçavam gueiredo e Bartolomeu
sua elegância. O vice- da Costa). O que tudo
-rei trajava uma túnica indica é que ao se fazer
escarlate guarnecida de retratar por Leandro
largos e ricos galões dou-­ Joaquim, e ao escon-
rados.” 1 der a mão direita sob a
casaca, talvez um cos-
É muito provável tume da época, exibe
que tenha sido com essa de forma contundente,
túnica escarlate guar- por meio do anel, seu
necida de largos e ricos compromisso, sua vas-
galões dourados que Gaspar Frois salagem e sua fidelida-
Luís de Vasconcelos e Gravura: D. Maria I Rainha de Portugal, 1786 de a D. Maria I, a qual,
Sousa se deixou retratar BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA em 1779, incentivou a
por Leandro Joaquim. fundação da Academia
Porém, nesse retrato que hoje compõe o acervo de Ciências de Lisboa, que teve o vice-rei como
do Museu Histórico Nacional, além da túnica membro atuante.
que também aparece adornando o vice-rei em Além do retrato e do detalhe do anel, é tam-
outras pinturas da época, o que mais nos chama bém nos relatos das festas e cerimônias reais
a atenção é o anel exibido na mão esquerda do que podemos encontrar indícios da iniciativa
vice-rei. do vice-rei de desempenhar o papel de con-
No anel vemos a imagem de D. Maria I, obra fidente e de representante máximo no Brasil
provável do gravador João de Figueiredo, que de sua soberana. Não podemos nos esquecer
atuou no Arsenal Real do Exército em Portu- que os finais da década de 1780 foram tempos
gal, e que, em 1782, gravou o retrato da rainha convulsionados por inconfidências, como a mi-
para os camafeus de porcelana produzidos na neira, em 1789. Três anos antes, em 1786, uma
Real Fábrica de Porcelana do Rato, em Lisboa, grande festa foi organizada em comemoração
por Bartolomeu da Costa. De acordo com tes- ao casamento do príncipe D. João e de D. Carlo-
temunhos da época, a porcelana ali trabalhada ta Joaquina. Embora tivesse início no Mosteiro
era tão translúcida como a da China. de São Bento e se desdobrasse em procissões,

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luminárias, saraus e óperas, o vice-rei inovou,
tanto em relação ao tradicional cenário das an-
teriores cerimônias reais – o Largo do Carmo,
a atual Praça XV –, quanto no que diz respeito
à figura central em destaque. O lugar escolhido
para o desfile de carros alegóricos foi o Passeio
Público recém-inaugurado. De acordo com Síl-
via Hunold Lara,

“À diferença das descrições analisadas anterior-


mente, Vasconcelos e Souza destacava-se agora
como figura principal. A ele foram dedicados
os sonetos e décimas de louvor, que exaltavam a
sabedoria, a preeminência e a magnanimidade
do então vice-rei do Estado do Brasil. Nos carros,
seu estandarte apareceu ao lado dos que ostenta-
vam as armas de Portugal e Espanha.”2

Não era qualquer pessoa que, em pleno


Antigo Regime, ostentava estandarte, armas e
signos de distinção, dignidade e nobreza. Tam-
pouco eram aqueles que tinham seus retratos
pintados. O quadro de Luís de Vasconcelos e
Sousa nos diz muito sobre a personagem, o pe-
ríodo e a conjuntura na qual ele viveu e gover-
nou o Brasil. Porém, o se fazer retratar portan-
do o anel com a figura da rainha foi, sobretudo,
um ato político de lealdade e de vassalagem, as-
sim como de defesa do papel de vice-rei como
representante do poder e da autoridade régias,
um alter-ego do rei, ou seja, da rainha. Ao voltar
para Portugal ele receberia, em troca dos servi-
ços prestados e entre outras mercês, o título de
Conde de Figueiró, que portou até sua morte,
em 1809.

1> Apud FERREZ, Gilberto. O Paço da Cidade do Rio de Janeiro.


Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória, 1985, p. 27-28.
2> LARA, S. H. Fragmentos setecentistas. São Paulo: Companhia
das Letras, 2007, p. 71.

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A PESCA DAS BALEIAS NA BAÍA DE GUANABARA
Carlos A. L. Filgueiras

O
Museu Histórico Nacional guarda movimento intelectual do século XVIII. O Ilu-
testemunhos do Iluminismo do minismo pregava a primazia da ciência e suas
século XVIII, como as pinturas aplicações, e um combate à intolerância. As rea-
de Leandro Joaquim (1738-1798) lizações de D. Luís nas ciências são extensas, pa-
com cenas do Rio, e um retrato do trocinando iniciativas no Brasil e em Portugal.
Vice-Rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa (1742- Protegeu personagens e atividades, com refle-
1809), no cargo entre 1779 e 1790. xos até hoje. Um exemplo foi o poeta Silva Alva-
Uma dessas pinturas é A pesca das baleias na renga, natural de Vila Rica – um daqueles poetas
Baía de Guanabara, de 1790. Por isso vamos tra- da segunda metade do século XVIII, muitos dos
tar de seu entorno histórico e cultural. quais participariam da Inconfidência Mineira.
Luís de Vasconcelos e Sousa encabeçou um Silva Alvarenga liderou a Sociedade Literária do
governo no espírito das Luzes, ou Iluminismo, Rio de Janeiro, em 1786, criada como verdadeira

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Louis-Julien Jacottet
Passeio público, Pavilhão octagonal (que abrigava as telas de Leandro Joaquim) 1854
BIBLIOTECA NACIONAL

sociedade científica. Nela, os sócios se reuniam e bra Silva Telles, Elementos de Química, de 1788.
liam comunicações científicas, que eram debati- Vicente Seabra nasceu em Congonhas do Cam-
das. Todos os assuntos eram bem-vindos, exceto po e estudou em Mariana, de onde seguiu para
política ou religião. Nas reuniões pontificaram Coimbra, onde se graduou em medicina e filoso-
figuras como João Manso Pereira, autor de cinco fia natural. Teve carreira notável como professor
livros científicos de química. Outro sócio foi o na universidade, publicando bastante. Seu livro
médico José Pinto de Azeredo, que estudara em de química, o primeiro em língua portuguesa,
Edimburgo e Leiden. Ao ser nomeado para fun- foi dedicado à Sociedade Literária para ser usado
dar uma escola de medicina em Angola, pediu no curso de química que esta pretendia instituir.
para vir antes ao Brasil estudar doenças tropi- Infelizmente, o curso jamais viu a luz, pois, com a
cais. No Rio, apresentou à Sociedade pesquisas substituição do Vice-Rei pelo Conde de Resende,
sobre o ar da cidade. a sorte da Sociedade Literária tomou rumo di-
Todavia, a maior glória da Sociedade foi a de- verso. Com o malogro da Inconfidência Mineira,
dicatória a ela do livro de Vicente Coelho de Sea- cujos membros desfilaram acorrentados pelo Rio,

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e o êxito da Revolução Francesa, as discussões da trução em Vila Rica, em Minas Gerais. O quadro
Sociedade tomaram direção mais política. Isso le- no Museu Histórico Nacional mostra as baleias
vou o Conde de Resende a encarcerar seus mem- sendo mortas e levadas para a Ponta da Areia, em
bros por dois anos, extinguindo-se a Sociedade. Niterói, onde eram esfoladas e seu óleo retirado.
D. Luís de Vasconcelos protegeu dois artistas O primeiro artigo científico de José Bonifácio de
importantes, Valentim da Fonseca e Silva (1745- Andrada e Silva, publicado nas Memórias econô-
1813) e Leandro Joaquim. O primeiro, o Mestre micas da Academia Real das Ciências de Lisboa
Valentim, também foi pioneiro em fundir me- em 1790, dizia respeito a isso. Embora José Boni-
tais e ligas metálicas na colônia. É de sua auto- fácio trate da pesca das baleias em Santa Catarina,
ria o medalhão em bronze até hoje existente no o processo é análogo àquele do Rio. Como Boni-
portão do Passeio Público, criado por D. Luís, e fácio viria a ser o primeiro cientista brasileiro a
que retrata D. Maria I e o Rei-consorte D. Pedro granjear reputação internacional, sobretudo por
III. Mais notáveis são as grandes estátuas em liga seu papel na descoberta do elemento lítio, sua
de chumbo e estanho, representando a ninfa primeira publicação científica merece destaque.
Eco e o caçador Narciso, que se encontram hoje A administração de D. Luís de Vasconcelos
no Jardim Botânico. abarcou outras ações, como a criação da Casa dos
O segundo foi o pintor Leandro Joaquim, que Pássaros, coleção de espécimes de História Natu-
realizou para o Vice-Rei oito paisagens do Rio ral, e precursora do Museu Nacional. Também é
de Janeiro, das quais seis sobrevivem no Museu dele importante medida sanitária de intervenção
Histórico Nacional. A pintura de paisagem, assim urbana, o aterramento da Lagoa do Boqueirão,
como os retratos, constituíam raridades no Bra- próxima aos Arcos da Carioca, anteriormente
sil colonial. Exceções são paisagens do Nordeste fonte de mosquitos e doenças. A Lagoa é tema de
pelos pintores trazidos por Maurício de Nassau outra pintura de Leandro Joaquim.
e as paisagens dos artistas Alexandre Rodrigues D. Luís protegeu o botânico brasileiro frei
Ferreira em sua expedição pelo Brasil entre 1783 José Mariano da Conceição Veloso, autor da Flo-
e 1792, José Codina e José Joaquim Freire. ra Fluminensis. Frei Veloso, nascido em São José
O Museu Histórico Nacional tem seis telas de del Rei como José Veloso Xavier, era primo-ir-
Leandro Joaquim retratando o Rio de Janeiro, mão de Tiradentes, que hoje dá nome à cidade.
das oito encomendadas por D. Luís. Uma delas O Vice-Rei o encarregou de levantar a flora da
tem ligação estreita com a história da ciência no Capitania do Rio de Janeiro, em trabalho de oito
Brasil do século XVIII. Trata-se da que retrata a anos, de 1783 a 1790. Frei Veloso recolheu exten-
pesca das baleias na Baía de Guanabara. No Bra- so material botânico, auxiliado por colegas de
sil colonial havia duas baías com uma frenética batina. Em 1790 ele foi convidado por D. Luís a
pesca dos cetáceos, que até hoje vêm às baías para acompanhá-lo até Portugal, onde o ex-Vice-Rei
ter crias. Nas duas, as baleias foram extintas. São lhe abriu muitas portas. Frei Veloso escreveu
elas as baías de Guanabara e do Desterro, hoje sobre vários assuntos e acabou por dirigir um
Florianópolis. O óleo das baleias era usado nas estabelecimento editorial que publicou dezenas
construções mais opulentas, como igrejas e palá- de obras científicas, a Casa Literária do Arco do
cios. A argamassa utilizada era formada de areia, Cego, em Lisboa. Um número considerável des-
cal e óleo de baleia, um material de construção sas obras era de brasileiros, o que põe em relevo
dos mais caros. Imagine-se o preço do óleo le- mais uma vez a influência de D. Luís nos primór-
vado por burros do Rio de Janeiro para a cons- dios da atividade científica brasileira.

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ORATÓRIO LAPINHA
Daniel Iadanza Forain

O
s oratórios, que já foram objetos Este oratório lapinha, peça única, relíquia da
muito populares no Brasil, eram arte sacra brasileira, foi adquirido pelo Museu
encontrados principalmente  nos Histórico Nacional em 1938, de um importante
ambientes domésticos – das ca- antiquário, o colecionador Francisco Marques
sas mais humildes às residências dos Santos, ex-diretor do Museu Imperial de
mais abastadas. Sua origem remonta aos pri- Petrópolis, membro do Instituto Histórico e
mórdios da Idade Média. O formato do tríptico, Geográfico Brasileiro (IHGB) e do Conselho
de três pinturas em madeira, estruturadas  de Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico
forma que elas se abram nos altares, serviu e Artístico Nacional (Sphan, atual Iphan). Fran-
de  base para que os oratórios portugueses se cisco foi um fundamental intermediário das
desenvolvessem. Chegaram ao Brasil com espí- aquisições do Museu Histórico Nacional, sobre-
rito contrarreformista, quando a Igreja Católica tudo na década de 1930.
fomentou, intensamente, a abundância de ima- Os oratórios lapinha, assim chamados em
gens e objetos religiosos como forma de se man- referência à gruta da Natividade de Jesus Cris-
ter presente no cotidiano dos fiéis e não perder to, derivam das maquinetas portuguesas – tipo
adesão. Assemelham-se, em estrutura, aos ni- de oratório doméstico. Idealizados em Minas
chos e retábulos dos altares das igrejas. Gerais na segunda metade do século XVIII sob
Como peça do mobiliário doméstico colo- as diretrizes artísticas do mobiliário rococó – o
nial brasileiro, não é apenas um patrimônio ar- estilo luso-brasileiro D. José I, que apresenta in-
tístico, mas nos remete aos hábitos dos nossos fluências francesa (Luís XV) e inglesa (Chippen-
antepassados, nossa memória histórica, cultu- dale). A elegância torna-se um fim em si mesmo.
ral e religiosa. Era um centro agregador da fa- Uma encomenda criteriosa e exclusiva, de
mília, representava sua própria tradição. Nele autoria anônima, produzida no final do século
se estabelecia a íntima relação do fiel com os XVIII, possivelmente fruto da oficina ‘sanjoa-
códigos imagéticos e se tornaria artefato in- nense’ (de São João del-Rei, MG), onde encon-
dissociável do fervor religioso do nosso povo. tramos uma talha mais elaborada em relação à
Tinha também função decorativa na organiza- oficina ‘luziense’ (de Santa Luiza, também em
ção interna das residências. As famílias mais Minas), que por tradição fabricava oratórios do
abastadas tinham nessas peças, de requinte e tipo lapinha. Distingue-se da oficina ‘luziense’
luxo, um meio de reconhecimento social, sím- pela coluna torsa, pela profusão decorativa e
bolo de poder e status. Os oratórios particula- pelo maior espaçamento interno com a con-
res eram aconselhados às donzelas de família, figuração triface. Não há documentação que
uma vez que as mantinham preservadas do comprove estas afirmativas sobre as oficinas, no
contato externo. entanto, há um forte indício pela presença dos

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tipos de oratórios nas comunidades específicas, três reis magos, três anjos, o menino Jesus na
além da tradição oral, especialmente entre res- manjedoura, Nossa Senhora, São José, e, su-
tauradores, antiquários e artífices em atividade. postamente, a imagem de uma das parteiras de
Feito de cedro, com 1,50 m por 70 cm de largura, Jesus [Salomé ou Zelemi] – tradição apócrifa,
lembra uma cristaleira. De arremates fitomór- curiosamente, presente em alguns oratórios la-
ficos, possui uma palmeta central de tamanho pinha –, um boi, um burrico e três ovelhas); no
exagerado, característica do estilo. Sua estrutura segundo, três nichos do Evangelho de São Lucas
de madeira, recortada e entalhada, policroma- (a Sagrada Família – contendo a representação
da e dourada, tem faces envidraçadas. Leveza de São José de Botas, que é uma iconografia da
e delicadeza. Curvas e contracurvas, típicas do Fuga para o Egito, muito popular no período co-
rococó. Assente em pés curvos. Neste oratório, lonial em Minas Gerais, Jesus suando sangue no
o valor decorativo sobressai diante do devocio- Jardim de Getsêmani com um anjo que carrega
nal. Provavelmente destinado à sala principal de um cálice, Jesus carregando a própria cruz – não
uma casa para ser visto pelos visitantes, afirmava está visível porque se quebrou e foi colocada
o status social do proprietário. atrás da imagem); no terceiro, a cena do Calvário
Sua raridade pode ser atestada pela grande segundo o Evangelho de São João (Cristo Cruci-
quantidade de imagens (feitas em pedra-sabão), ficado, Nossa Senhora, São João Evangelista, Ma-
pelos seus conjuntos escultóricos representarem ria Madalena, Maria de Cléofas, Maria Salomé,
cenas bíblicas – algo incomum entre os oratórios Nicodemus e José de Arimatéia); e, finalmente,
lapinha – e pelo formato de dezoito nichos, que no pavimento superior, a Ascensão de Cristo, a
difere bastante da habitual configuração de dois Santíssima Trindade e a Ressurreição de Cristo.
pavimentos. Não existe exemplar semelhante em Na face direita do oratório, vê-se uma se-
nenhuma coleção exposta no Brasil. quência do Evangelho de São Mateus: o Chama-
Possui quatro pavimentos frontais: no pri- do de Mateus (Jesus e São Mateus) – interessante
meiro, a cena do presépio (quatro pastores, os observar que aparentemente uma das imagens

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seria de Judas com um saco de dinheiro, mas
diante da presença do resplendor, que é próprio
dos santos, verifica-se que é o evangelista –, Je-
sus com Caifás e o Ancião; Jesus com Pilatos e
dois soldados; Jesus morto e dois guardas; e a
aparição de Jesus ressurreto para os apóstolos.
Na face esquerda, vê-se uma sequência do
Evangelho de São Lucas: a Anunciação (Nossa
Senhora e um anjo); a Visitação (Nossa Senhora
e Santa Isabel); a natividade de São João Batista
(Santa Isabel com São João Batista no colo e uma
raríssima imagem de São Zacarias); a Natividade
(a cena do presépio do nicho inferior se repete,
simplificada pela presença apenas das imagens
da Virgem Maria, de São José, de um boi e de um
burrico); e o Batismo de Jesus (com o próprio
Jesus e São João Batista).
No contexto do Ciclo do Ouro, em Minas
Gerais, floresceram muitas oficinas que produ-
ziram os mais variados tipos de oratórios, reu-
nindo artífices de diferentes habilidades como:
marceneiros, douradores, pintores, escultores
ou santeiros e entalhadores. Não era incomum a
presença de escravos nessas oficinas. A aprendi-
zagem do ofício se dava por herança familiar ou
pela relação mestre-aprendiz.
Adaptando os modelos europeus às nossas
condições materiais e humanas, os oratórios
acompanharam programas estilísticos que fo-
ram desenvolvidos na colônia. Estruturas re-
cheadas de atributos simbólicos revelam a iden-
tidade do nosso povo e as dinâmicas culturais
estabelecidas entre Brasil e Portugal, entre seus
artífices e escolas e, ainda, as eventuais influên-
cias africanas e nativas.

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CADEIRINHA DE ARRUAR
Amanda de Almeida Oliveira

A
cadeirinha de arruar, como o pró- moda. O primeiro derivou-se das francesas, em
prio nome sugere, é como uma estrutura de madeira e formato de caixa, seme-
cadeira de ir às ruas. Esse objeto lhante a uma liteira, com pequenas variações.
não era peça de um mobiliário Esse modelo corresponde aos exemplares do
de interiores como uma cadeira acervo do Museu Histórico Nacional (MHN).
comum, era um meio de transporte urbano, sus- O  segundo modelo era mais leve, e em vez de
tentado por dois homens, para transportar uma caixa de madeira possuía cortinas pendentes de
pessoa sentada. No Brasil, a cadeirinha foi muito uma cúpula; foi o mais utilizado no Brasil, sobre-
utilizada nos séculos XVIII e XIX, mas não só. tudo na Bahia. A cadeirinha de arruar foi sinô-
Havia dois modelos principais de cadeirinhas nimo de requinte nos períodos colonial e impe-
e sua feição variava de acordo com a época e a rial. A princípio, servia aos nobres, senhores de

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engenho, magistrados, párocos e demais senho- seus carregadores como se eles fossem itens do
res notáveis da sociedade. Com base nos diários próprio móvel. E para os mais ricos, a ostenta-
dos estrangeiros, eram as senhoras ricas as que ção não estava apenas em andar na sua adornada
mais se destacavam no uso desse transporte. cadeirinha, estendia-se aos dois carregadores,
De acordo com Barbuy, além de transportar que eram obrigados a usar libré, calças orna-
os seus distintos proprietários, a cadeirinha de mentadas ou calções curtos, coletes, cartolas e
arruar tinha a função de chamar a atenção, tanto até luvas, embora sempre descalços. Assim, tor-
dos transeuntes quanto daqueles que observa- naram-se personagens emblemáticos ou extre-
vam as ruas pelas janelas de suas residências. mamente exóticos nos diários dos estrangeiros
De uso predominantemente urbano, o rico or- que passaram por aqui.
namento das cadeirinhas remetia à origem dos O aparato da cadeirinha foi um dos prin-
seus donos, pois só as famílias mais abastadas as cipais assuntos dos viajantes estrangeiros no
possuíam. Brasil. Ainda que para alguns deles esse meio de
Assim, a cadeirinha tornou-se um símbolo transporte não fosse novidade, a relação entre
que reforçava os aspectos sociais do período os senhores brancos e os escravizados fez desse
escravista, diferenciando aqueles que a carrega- costume algo peculiar, diferente da sua prática
vam daqueles que eram carregados nela. na Europa.
Enquanto os proprietários andavam nas suas A atividade de carregador de cadeirinha
cadeirinhas de arruar no anonimato, exibiam os demonstrava as condições vividas pelos negros

Carlos Julião
Personagens com liteira
BIBLIOTECA NACIONAL

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cativos e pelos negros li- então, que o carregador ha-
bertos, que transportavam via sido aliciado por outro
descalços os seus senhores negro.
ou passageiros em dias de A respeito da represen-
sol ou chuva. Esses traba- tação dessa mão de obra
lhadores se distinguiram escrava, Reis comenta: “o
não apenas por suporta- próprio declínio da escra-
rem o peso nos ombros vidão em Salvador cuidou
daqueles que carregavam, de eliminar uma atividade,
mas também pela habili- a de carregador de cadei-
dade em reduzir, para os ras, que talvez representas-
transportados, o descon- se o mais explícito símbolo
forto do sacolejar provoca- ocupacional da subordina-
do sobretudo por cidades ção negra na cidade”.
acidentadas e de ladeiras Nos primeiros anos da
íngremes como Salvador. década de 1900, com a mo-
Comumente descritos dernização mais consolida-
como ‘carregadores de ca- da do sistema de transporte
deirinha’, nos anúncios de público, a cadeirinha de ar-
jornais baianos podia-se ter ruar parou de circular nas
informações de seu nome, ruas dos grandes centros
descrição física, idade, etnia urbanos do Brasil.
ou região de origem – entre Alberto Henschell A cadeirinha de arruar
os anos de 1812 e 1849 constam Negros escravizados com liteira revela aspectos do cotidiano
as origens jeje, hauçá, nagô, COLEÇÃO PARTICULAR da vida privada e não deve ser
banto, bornu, tapa, mina, mo- compreendida apenas como
çambique e cotocori. Dentre eles predominavam um meio de transporte utilizado entre os sécu-
os de estatura alta e os corpulentos, e poucos deles los XVIII e XIX no Brasil. Ela é símbolo de os-
tinham mais de 40 anos de idade. tentação social para os seus proprietários devi-
Nos anúncios de venda eram descritos como do a todo o aparato de luxo em torno do seu uso
“bonito preto”, “boa figura”, “ótimo preto”, “bom e, por outro lado, a memória da cultura material
carregador”, “sem defeito”, “perfeito”, “sem ví- e imaterial produzida pela escravidão.
cio”, “fiel”, entre outros. Havia ainda anúncios Ao mesmo tempo, sua leitura possibilita en-
de compra de “aparelho de pretos” . tender o lugar ocupado hoje pelo negro na so-
Nos casos de fuga e desaparecimento, eram ciedade, cujo tipo de trabalho desempenhado
descritas detalhadamente as características fí- ainda se assemelha às ocupações exercidas por
sicas: os sinais da nação no rosto e as marcas e seus antepassados escravizados.
cicatrizes no corpo – algumas provavelmente
decorrentes da própria condição de escravos.
Quando escapavam, eram tratados pelos senho-
res como ‘furtados’, pois estes acreditavam que 1> REIS, J. J. De olho no canto: trabalho de rua na Bahia na véspe-
seu escravo não tinha motivos para fugir ou, ra da Abolição. Salvador: Afro-Ásia, n. 24, 2000, p. 210.

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NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
UMA DEVOÇÃO MARIANA NAS ROTAS DO MINÉRIO DO PERÍODO COLONIAL

Julio Cezar Neto Dantas

E
m 1549 chegaram ao nosso territó- versas associações e, à medida que conseguiam
rio os missionários da Companhia angariar recursos e esmolas, construíam seus
de Jesus. Entre os objetivos cons- próprios templos. Segundo Bazin, a administra-
tava integrar em sua catequização ção real “[...] por um édito de 1711, renovado em
os indígenas e colonos. Liderados 1715 e em 1721, proibiu, da maneira mais estrita, a
pelos padres Manoel da Nóbrega e José de An- fundação de qualquer convento e a presença de
chieta, esses missionários permaneceram em qualquer religioso regular na região das Minas”.2
terras brasileiras até serem expulsos dos domí- Neste contexto está a exploração das regiões
nios portugueses, em 1759. ainda desconhecidas do Brasil, por meio das
A iconografia dos três principais santos je- expedições de descobertas de minério e pedras
suítas – Santo Inácio de Loiola, São Francisco preciosas chamadas “bandeiras”, comandadas
Xavier e São Francisco de Bórgia – foi adotada por paulistas, tendo destaque a de Fernão Dias e
como modelo pelos portugueses, embora já ti- Antônio Dias de Oliveira e o Padre Faria Fialho,
vesse sido constituída no início do século XVII que na véspera de São João de 1698 acampou
pelos imaginários de Sevilha.1 E ainda pode ser nas proximidades da atual Ouro Preto. Essas
vista entre as heranças dos colégios do Rio de Ja- instalações ocasionais, intituladas “arraiais”, de-
neiro e da Bahia, e nas aldeias de São Lourenço nominação dada em Portugal aos acampamen-
dos Índios, em Niterói, e em Reritiba, hoje An- tos dos peregrinos próximos aos santuários,
chieta, no Espírito Santo. ocasionariam o surgimento das primeiras vilas
As principais imagens confeccionadas no no período colonial.
Brasil são do final do maneirismo e primeira Como em grande maioria a subtração do mi-
fase da época barroca, destinadas aos retábulos nério após a retirada nas montanhas e nos rios
e, algumas vezes, associadas também às pinturas era considerada mais fácil e com menos desgas-
sacras – o principal elemento de destaque era a tes, a coroa determinou a instalação das Casas de
construção hierática – carregadas de espirituali- Registro ou Barreiras de Fiscalização nas rotas
dade e paz interior direcionando o sentido con- dos caminhos por onde circulava o minério com
templativo por meio da oração. destino às casas de fundição no Rio de Janeiro e
Com a aceleração do processo de povoamen- Portugal. Ao que tudo indica, esse controle fez
to, ordens religiosas se instalaram em diferentes surgir também os bandos irregulares que in-
regiões brasileiras, com seus programas e dire- terceptavam as tropas nesses velhos caminhos,
trizes espirituais: Jesuíta, Beneditino, Francisca- entre eles o de Paraty e das vilas de Nossa Senho-
no e Carmelita. Nas antigas vilas foram erguidas ra de Conceição de Cunha e Santo Antônio de
as primeiras matrizes e igrejas de irmandades Guaratinguetá, ambas em São Paulo, até chegar
religiosas, que inicialmente podiam abrigar di- às vilas de Minas Gerais. Um deles era o de Antô-

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nio Francisco Alves, em Ouro Preto, no caminho imagem, está vinculada às cenas da vida de Ma-
de Minas para o Rio de Janeiro, e que se valia do ria, referência a um dos mistérios “Gloriosos” –
oratório “Vira Saia”, próximo à sua residência, Assunção de Nossa Senhora ao céu, comemora-
como código para a passagem e liberação das ções que ocorrem nos dias 14 e 15 de agosto, com
tropas a serem saqueadas. as procissões de Nossa Senhora da Boa Morte e
O fervor religioso do século XVIII também Nossa Senhora da Assunção. A figura possui seus
fez surgir diversas capelas, inicialmente ergui- braços abertos e elevados, olhar voltado para
das nesses arraiais e vilas e abrigando as primei- cima. A estrutura apresenta toda a movimenta-
ras imagens, produzidas no local e/ou oriundas ção das imagens setecentistas, com bela policro-
de outras regiões, conforme suas tipologias mia sobre douramento abundante em motivos
distintas: a imagem “retabular”, inicialmente de fitomorfos e o panejamento da túnica e do man-
médio porte, passa a grandes dimensões para ser to bem movimentado, assim como do véu que
instalada nos tronos dos retábulos; as imagens cobre a cabeça, deixando ver as madeixas de seu
“processionais”, em madeira entalhada, algumas cabelo sobre os ombros e as costas.
delas também de vestir ou de roca, com porte Consta na documentação da peça registrada
mais leve para seu transporte nas procissões; e nos Anais do Museu Histórico Nacional, de 1943,
as chamadas imagens “narrativas”, que integram como escultura portuguesa datada do século
uma “cena narrada”, a exemplo dos Calvários e XVIII, oriunda da Bahia e ofertada ao Museu
Passos da Paixão. Histórico pelo Sr. José Mariano Filho. Em sua
Quanto às imagens processionais, uma solu- descrição, lê-se: “[...] A imagem é ôca e a parte
ção associada ao alívio de peso e para evitar ra- ôca se comunica com exterior por uma abertu-
chaduras na madeira foi o desbaste em sua face ra, hoje descoberta, mais então oculta por uma
posterior, em forma de caixa retangular fechada cabeça de anjo ou outro qualquer ornato do pe-
por tampa removível que, em certas situações, destal”3 e destaca, ainda, o transporte em seu in-
também servia para guardar valores, joias e ob- terior de joias e moedas através do contrabando,
jetos em metal. ressaltando os ditados populares: “Foi milagre
O inédito na imagem de Nossa Senhora da do Santo do pau oco” e a finalização do destino
Assunção, que integra o acervo do Museu His- da imagem para casa ou capela; “Depois que o
tórico Nacional, é a face de um dos querubins Santo (ou a Santa) entrou na casa do Sr. Fulano,
ser removível. Isso possibilitou o desbaste pelo nunca mais lhe faltou dinheiro”.
interior da peça, tornando-a praticamente oca,
possivelmente para o transporte de minério e 1> Segundo Germain Bazin os imagineiros de Sevilha adotaram o
modelo que apresentava certa rigidez, atitude frontal com o olhar
pedras preciosas durante a viagem, passando distante e contemplativo no sentido de oração.
pelos postos de fiscalização sem pagar os tri- 2> BAZIN, Germain. O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil.
Tradução de Thaisa Murray. Rio de Janeiro/São Paulo: Distribuido-
butos e impostos cobrados em nome da Coroa ra Record, 1971, p. 72.
Portuguesa – intitulados “quinto”. Segundo a 3> Anais do Museu Histórico Nacional, v. 4, 1943, p. 47, fig. 27.

tradição, eram também utilizadas para o trans-


porte de moedas e tesouros destinados a outras
províncias.
O tema da iconografia Mariana em que Nossa
Senhora aparece subindo aos céus ladeada por
anjos e sem o Menino Jesus, como figura nesta

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BOM PASTOR, ESCULTURA EM MARFIM
Rafael Zamorano Bezerra

E
mbora os elefantes não sejam uma gevidade da Carreira das Índias. A viagem entre
espécie animal encontrada nas Lisboa e Goa era demorada e arriscada, consu-
Américas, é significativa a presença mindo vidas e mantimentos. No caminho, mui-
de esculturas lavradas em marfim tas embarcações aportavam nos portos baiano
em coleções de arte e antiguida- e do Rio de Janeiro para reparos. Todavia, para
de no Brasil. Essa presença deve-se ao papel burlar a proibição de comércio direto entre as
ocupado pelo nosso país no Império Colonial colônias e entrepostos portugueses, muitos ca-
Português e à posição estratégica dos portos da pitães mentiam sobre as reais condições das
Bahia e do Rio de Janeiro na chamada Carrei- embarcações e da tripulação e aproveitavam a
ra das Índias, rota dos navios portugueses en- estadia em terras brasileiras para comercializar
tre Lisboa e Goa, centro do Império Português temperos, porcelanas, tecidos e marfim lavrado
no Estado da Índia entre os séculos XVI e XIX. com a população local.
“Estado da Índia” era a expressão que os portu- Até as últimas décadas do século XVI, a
gueses usavam para descrever as regiões entre o maior parte dos produtos asiáticos comerciali-
cabo da Boa Esperança e o golfo Pérsico, de um zados no Brasil entrou à margem da legislação
lado da Ásia – e Japão e Timor, do outro. O litoral portuguesa. Esses produtos deveriam ser envia-
da África oriental incluía-se no termo, uma vez dos para Goa e, de lá, para Lisboa, onde seriam
que, naquela época, a costa Suaíli – da Somália inspecionados pela Casa das Índias, antes de se-
até Sofala – estava estreitamente ligada à Arábia rem colocados à venda nos mercados europeus e
e à Índia do ponto de vista político, cultural e americanos. Em 1664, a Coroa portuguesa abriu
econômico, com comércio milenar envolvendo o porto de Salvador para a Carreira das Índias,
marfim, ouro e homens escravizados. visando dinamizar a economia com o Estado da
A Carreira das Índias foi a primeira rota que Índia em decadência frente à ação holandesa na
vinculou culturalmente os quatro continentes, região. Até então, os objetos lavrados em marfim
ainda que essa integração tenha ocorrido de for- eram comercializados por meio das redes de
ma violenta, com vantagens e desvantagens assi- contrabando e das “liberdades” que marinhei-
métricas entre as regiões. É uma das rotas pelas ros, clérigos e administradores coloniais tinham
quais o capitalismo moderno unificou o mundo para trazer, como parte de seus proventos, caixas
em termos comerciais, e representa bem a talas- com produtos para negociar.
socracia portuguesa, ou seja, um império cuja Jorge Lúzio1 aponta como a conquista e ad-
força se impunha com o controle dos mares. ministração do Império Português foi consti-
As madeiras das florestas da Bahia e do Rio tuída por redes comerciais, unindo Europa,
de Janeiro, além da mão de obra especializada África, Ásia e a América numa dinâmica inten-
de seus estaleiros, foram fundamentais à lon- sa de circularidades econômicas e culturais.

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Vista de Goa em Atlas de Braun e Hogenberg, 1600 | BRITISH LIBRARY

Nesse aspecto, o mar- tequese, o marfim es-­


fim é exemplo do hi- culpido adquire uma
bridismo caracterís­ significação hí­brida,
tico do con­tato entre mesclando caracte-
os portugueses e os rísticas do cato­li­cis-
povos asiáticos, afri­- mo com os senti-
canos e americanos. dos tradicionais que
A importância da pre­ o hinduísmo lhe a-
sença das ordens reli- tribuía.
giosas jun­to aos co- Isto fica evidente
merciantes no con- nos elementos reli-
­tato com a Ásia teste- giosos presentes nas
munha o componen- Anônimo esculturas em mar-
Elefante e seu condutor, Aquarela, Arte popular indiana, 1825
te catequizador da co- fim estilo “bom pas­
BRITISH LIBRARY
lonização, ma­nifesta- tor”, como a que ser-­
do pela ideia de que a Coroa portuguesa teria a ve de mote a este artigo. Representa um sin-
missão de expandir a fé católica no mundo. cretismo de três figuras sagradas: Jesus, Buda
Foi nesta circunstância que, entre os séculos e Krishna. Na Índia, do século XV ao XVIII,
XVI e XVII, iniciou-se a manufatura de escultu- entre os diversos cultos celebrava-se a divinda-
ras católicas em marfim em Goa para a catequese de suprema, Trimurdí, representada com três
das populações da Índia portuguesa. Entretanto, cabeças, significando cada uma delas Brahma,
isso não se deu sem que os artesãos atribuíssem Vishnu e Shiva. Das encarnações de Vishnu,
significados próprios para o que estavam fazen- Krishna é uma das mais populares, também
do. O ato de esculpir possuía um componente de chamada Govinda, que significa pastor. Em sua
sacralidade na cultura hindu e o artesão que es- biografia, consta que Krishna nasceu em Mathu-
culpia uma divindade era tido como aquele que ra, entre Delhi e Agra. Sua mãe, Davaki, era irmã
permitia a sua materialização. O próprio elefante do rei Kamsa, que ordenou a morte do sobrinho,
tinha um significado importante, pois exercia por receio de que este viesse a matá-lo. Por con-
atividades nobres como o transporte de monar- ta disso, Krishna cresceu escondido no campo
cas e representava o deus Ganesha. Com a ca- como um pastor de rebanho. A referência ao

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budismo está presente na postura de êxtase
adotada pelo menino Jesus: olhos fechados, ex-
pressão ausente, dedos apoiados à têmpora, face
sustentada pela mão direita, tal qual, segundo a
tradição, Buddha atingiu a iluminação após 49
dias de meditação à sombra duma figueira. Esses
elementos do budismo e do hinduísmo na re-
presentação do menino Jesus são testemunhos
das estratégias de dominação e resistência cul-
tural, realizadas tanto por colonizadores como
pelos colonizados.
No século XX, esculturas religiosas lavradas
em marfim por artistas de Goa tornaram-se ob-
jetos cobiçados por colecionadores. Nos anos
1940, o orientalismo português, apoiado numa
visão laudatória da colonização lusitana no mun-
do – em especial a partir do luso-tropicalismo de
Gilberto Freyre – vai possibilitar a leitura estilís-
tica desses objetos como indo-portugueses, jus-
tamente pela ênfase nas características híbridas
entre a religiosidade cristã, budista e hindu. Não
obstante, deve-se olhar criticamente o termo ‘in-
do-português’, para assim entendermos melhor
os múltiplos significados atribuídos ao marfim
lavrado, favorecendo o entendimento da cultura
material por uma perspectiva decolonial. Nesse
aspecto, vale seguir as orientações de Vanicleia
Silva Santos que, ao criticar o termo ‘afro-portu-
guês’, propõe o uso do termo ‘marfim africano’,
mesmo em se tratando de marfins lavrados sob a
demanda europeia. No caso das esculturas indo-
-portuguesas, deve-se pensar da mesma forma:
mesmo esculpidas no contexto do contato por-
tuguês com as populações indianas, isto se deu
pelas mãos de indianos, com forte influência de
suas estruturas mentais e culturais nas ações de
resistência contra a violência do colonizador.

1> SILVA, Jorge Lúzio Matos. Sacred ivory: the Portuguese empire


in Índia and the Goa Bahia intra-colonial relations, 17th century -
iconoghraphies, interfaces and circulations. 2011. 170 f. Dissertação
(Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2011.

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ESCULTURAS DOS SANTOS EVANGELISTAS
José Pessoa

A
s belíssimas esculturas em ce- nasceu no início da década de 1740 – pois seu
dro dos evangelistas João e pai faleceu no Brasil em 1744 e, portanto, não
Mateus que se encontram no levou o filho para Portugal. Valentim aprendeu
Museu Histórico Nacional nos seu ofício com outros mestres em Minas Gerais
remetem ao Rio de Janeiro de e no Rio de Janeiro. Sabemos que em 1766, ele
finais do século XVIII e inícios do XIX. Sob o já se encontrava instalado no Rio, pois neste
ponto de vista artístico, é o apogeu do barro- ano ingressou na Irmandade de Nossa Senho-
co-rococó na cidade, marcado pela atuação de ra da Conceição dos Homens Pardos do Rio de
Valentim da Fonseca e Silva, conhecido como Janeiro.
Mestre Valentim. A cidade carioca, na época da chegada de
Apesar da importância de sua obra, muito Valentim, vivia um período de transformação
pouco se sabe sobre a vida deste mestre. Seus devido à riqueza gerada pela atividade do seu
primeiros biógrafos, ainda no século XIX, es- porto no escoamento do ouro e pedras das Mi-
tabeleceram uma narrativa, baseada no depoi- nas e no tráfico de africanos escravizados. Co-
mento de um discípulo de Valentim que afir- merciantes da cidade, organizados em diversas
mara ter ele nascido nas Minas Gerais, filho irmandades, demandavam aos engenheiros
de um português contratador de diamantes militares e artífices riscos para a construção e
com uma negra nativa do Brasil. Ainda crian- decoração das suas igrejas. Os vice-reis, resi-
ça teria acompanhado o pai no regresso deste dindo na cidade desde 1763, procuravam imitar
a Portugal, onde teria aprendido o ofício de Lisboa, mandando instalar chafarizes, crian-
escultor e entalhador. Esta narrativa tem sido do o jardim público e favorecendo a abertura
reproduzida na maioria dos estudos sobre o de novas ruas mais largas e o calçamento dos
artista. No entanto, Nireu Cavalcanti identifi- principais espaços públicos. Valentim será um
cou no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, o grande protagonista dessas transformações,
inventário post-mortem de Mestre Valentim, envolvido com o desenho e execução de chafa-
o que permite corrigir alguns enganos da sua rizes, com as esculturas e o traçado do Passeio
biografia. Público, e com lampadários e talhas rococó de
Em seu testamento, feito cinco dias antes diversas igrejas da cidade.
de falecer, Valentim declarou ter nascido no Em 1779, a Irmandade da Santa Cruz dos
arraial de Gouvêa da Comarca do Serro do Frio Militares decide substituir sua velha capela
das Minas Gerais. Filho natural do português seiscentista por uma nova igreja. O engenheiro
Manuel da Fonseca e Silva, que havia sido te- militar José Custódio de Sá e Faria é o responsá-
soureiro da Intendência dos Diamantes do Ser- vel pelo risco do novo templo. As obras inicia-
ro do Frio, e de Amaltide da Fonseca. Valentim ram-se em 1780 e terminariam em 1811, com a

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igreja consagrada já na dinário Chafariz da Pi-
presença do príncipe râmide, no Terreiro do
regente D.  João. O  ris- Paço, porta de entrada
co de Sá e Faria segue da cidade.
em planta o modelo das Valentim já tinha
igrejas de irmandades mais de 50 anos quan-
do Rio de Janeiro se- do começa a trabalhar
tecentista: nave única, na decoração da Santa
corredores laterais, sa- Cruz dos Militares. Era
cristia e dependências um artista consagrado.
ladeando a capela-mor. Entre 1801 e 1812, ele
Já a erudita solução do executa a talha da ca-
desenho utilizada por pela-mor e dos altares
Sá e Faria na composi- laterais, bem como as
ção da fachada é ino- duas imagens em cedro
vadora para a cidade, dos evangelistas Mateus
baseada no modelo da e João para os nichos da
igreja dos jesuítas em fachada. Neste mesmo
Roma, e das diversas período, ele trabalha
que a sucederam, adap- na decoração da Capela
tando-o ao padrão das das Vitórias na Igreja da
igrejas cariocas da épo- Ordem Terceira de São
ca. A fachada apresenta Marc Ferrez
Francisco de Paula, um
o corpo central corres- Fachada da Igreja de Santa Cruz dos Militares dos mais requintados
pondente à nave mais COLEÇÃO PARTICULAR espaços rococós da ci-
elevado e coroado por dade.
frontão triangular, e os Pouco se sabe da his­
corpos laterais mais baixos, correspondentes tória que cerca as imagens dos evangelistas São
aos corredores laterais, unidos ao corpo cen- Mateus e São João, esculpidas em cedro e
tral por volutas. Quatro nichos ladeiam a por- atribuídas ao Mestre Valentim. Como ele iria
tada central. falecer no início de 1813, é fácil supor que a
A fachada ostenta ainda a superposição de deterioração da saúde do artista deve ter sido
ordens clássicas jônica e coríntia, fato raro nas a causa para terem sido executados apenas
igrejas seiscentistas e setecentistas da cidade. dois evangelistas. Outro aspecto intrigante é
A participação de Valentim na decoração da o porquê executá-las em madeira, já que fica-
igreja de Santa Cruz dos Militares só vai ter riam expostas ao ar livre. Valentim dominava
início a partir de 1801. Enquanto a igreja era tanto as técnicas de fundição do bronze, como
construída, ele estava envolvido com diversos também de esculpir em pedra, como demons-
outros trabalhos tais como a decoração rococó tram as estátuas e decorações executadas por
da Capela do Noviciado da Ordem Terceira do ele nos diversos chafarizes da cidade. Seriam
Carmo, a portada da Igreja de Nossa Senhora as estátuas de cedro um modelo para uma ver-
da Conceição dos Homens Pardos e o extraor- são definitiva de bronze ou pedra? Com o fale-

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Detalhe do Portão do Passeio Público do Rio de Janeiro, obra do Mestre Valentim

cimento do artista os nichos superiores da fa- brada apenas pela dinâmica do panejamento,
chada da igreja foram ocupados pelas imagens pelo movimento na dobra de uma perna e no
em cedro. São Mateus é representado por um girar da cabeça. Deterioradas em função da
velho de barba tendo ao lado uma criança que exposição ao ar livre, foram retiradas na dé-
é associada à genealogia de Cristo. São João cada de 1920 e passaram a integrar a coleção
é retratado na figura de um jovem imberbe, do recém-criado Museu Histórico Nacional.
tendo ao seu lado uma águia, atributo associa- Hoje nos nichos da fachada da Santa Cruz
do a este evangelista. dos Militares temos quatro evangelistas de
Os evangelistas de Mestre Valentim ten- mármore do escultor acadêmico Jean Louis
dem mais para uma composição clássica, que- Despré.

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RABECA
CAMINHOS ENCRUZILHADOS DA RABECA NO BRASIL

Luiz Henrique Fiaminghi

I
nstrumentos musicais carregam consigo século XVII, quando os violinos – instrumentos
uma história social mais profunda do que similares, vindos do norte da Itália – chegaram
nos transmite a organologia, ciência que ali, foram rebatizados de rabecas pelos portu-
os estuda. Eles nos transportam a outras gueses, permanecendo assim até finais do sé-
formas de fazer música que não aquelas culo XIX. No confronto com o violino, a nova
que conhecemos atualmente, são emblemas de pérola das cortes, a rabeca mourisca passou a
encontros culturais que ser chamada de rabel ou
podem ser tensos, com arrabil, sobrevivendo em
atritos muitas vezes trági- uma história paralela nas
cos, e que produzem fric- tradições musicais popu-
ções entre musicalidades lares. É provável que esta
díspares. Essas fricções mesma dinâmica tenha
têm como resultado uma sido replicada no Brasil,
língua comum, que não com instrumentos de
é limitada por fronteiras modelo italiano utiliza-
de espaço e tempo. Daí a dos na catequização pelos
importância desta rabeca padres jesuítas e outros,
que se encontra no acer- de formato e fatura di-
vo do MHN, exemplar versificados, construídos
raro de um instrumento pelos artesãos populares,
de corda produzido no com raízes na tradição
Brasil no século XIX. Autor desconhecido
medieval.
Levadas para Portu- Codex Cantigas de Santa Maria A inventividade do
gal pelas mãos de músi- Século XIII artista popular, que trans-
cos árabes que atuaram ESCORIAL, ESPANHA forma os seus modelos de
nas principais cortes da maneira intuitiva e prá-
península no período de ocupação islâmica, as tica, levou o músico/pesquisador e rabequeiro
rabecas são chamadas até hoje de rabab no norte José Eduardo Gramani (1944-1998) a sustentar
da África. Elas estão presentes em formatos va- que as rabecas brasileiras não deveriam ser vistas
riados na iconografia medieval, como no impor- como violinos decaídos, mas como instrumentos
tante códex Cantigas de Santa Maria atribuído potenciais de voz e identidade próprias: “A rabe-
ao Rei Afonso X, o Sábio, de Galícia. As rabecas ca é um instrumento. Não é uma imitação de ins-
estavam tão bem estabelecidas em Portugal no trumento. Não é um violino mal-acabado. Não! A
século de ouro das navegações que, no início do rabeca é outro instrumento”,1 dizia Gramani.

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A rabeca exposta na Sala Uma informação impor-
de Música Brasileira. junta- tante sobre nossa peça, de au-
mente a outros notáveis tes- toria desconhecida, é que ela
temunhos de nossa história é proveniente de Itanhaém,
musical. é um dos itens ana- município do litoral sul do es-
lisados no artigo Os instru- tado de São Paulo, região que
mentos musicais primitivos mantém até hoje tradições
afro-brasileiros no Museu musicais nas quais a rabeca
Histórico Nacional, de Ge- tem papel central, como as
rardo A. de Carvalho.2 Ali, o Folias de Reis, as Folias do Di-
professor Gerardo apresenta vino e o Fandango. As cidades
dados importantes sobre o vizinhas de Iguape e Cananeia
instrumento, destacando seu destacam-se por terem sido
bom estado de conservação e o berço de rabequeiros que
a maestria do músico/artesão tiveram seus trabalhos regis-
que o construiu. A visão do trados por pesquisas com o
autor é, entretanto, orienta- foco nesse instrumento. Desde
da por uma perspectiva eu- o século XVI, com a chegada
rocentrista e positivista que dos colonizadores portugue-
pautava os estudos musico- ses ao local, a cultura caiçara
lógicos daquela época. Como, que surgiu ali de um encontro
por exemplo, quando diz: “É multiétnico se espalhou pelo
de execução tosca, embora litoral até a baía de Paranaguá.
cuidadosa, denotando que o seu fabricante, se Entre outros valores culturais compartilha-
não possuía a técnica perfeita e o instrumental dos, as longas peregrinações entre as comunida-
adequado para tão complexo mister, era dota- des de pescadores e agricultores, feitas todos os
do, contudo, de acurado poder de observação e anos pelos grupos de foliões, estão entre as mais
dono de notável senso de equilíbrio estético. [...] importantes. Ao contrário do que pode parecer à
De qualquer maneira, realizou uma verdadeira primeira vista, as rabecas construídas pelos mú-
cópia do instrumento clássico.” De acordo com sicos caiçaras não são cópias ou arremedos dos
este viés, que olha o instrumento a partir da violinos encontrados nos ambientes urbanos,
ótica da cultura hegemônica e que o considera mas soluções engenhosas de artesãos habilidosos
unicamente pelos parâmetros desta cultura, o no trato com as madeiras locais (caixeta/marupá)
objeto em questão é classificado como “rabeca e na transmissão de uma arte pré-moderna na
de escravo” ou “rabeca de cego”. Uma referên- produção de instrumentos musicais, anteriores
cia à tradição de músicos/cantadores, muitos ao próprio advento do violino. Suas histórias são,
deles cegos, que se acompanhavam na rabeca, portanto, paralelas e não teleológicas, no sentido
esmoleres de feiras – sobretudo no Nordeste, de não terem relação de causa e efeito.
notórios por terem ganhado a vida com sua ati-
vidade musical e poética (Fabião das Queima-
1> GRAMANI, J. E.; GRAMANI, D. (orgs.). Rabeca, o som inespera-
das, Cego Oliveira, Cego Aderaldo, Cego Sinfrô- do. Curitiba, edição do autor, 2002.
nio, entre outros). 2> Anais do Museu Histórico Nacional, v. IX, 1948/58, p. 139-157.

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CARIMBO DA REAL BIBLIOTECA
Eliane Silva e Ana Virgínea Pinheiro

O
carimbo da Real Bibliotheca por- ções, e remetem à soberania real, às conquistas
tuguesa é uma marca que certifica militares de Portugal ou a aspectos religiosos.
o quão precioso é o acervo biblio- O carimbo indica que determinado item
gráfico e documental preservado pertence a uma das coleções que compõem o
nas estantes, armários e mapote- acervo de uma biblioteca. É uma espécie de ta-
cas do Museu Histórico Nacional. tuagem identificadora que se pretende que o
A Real Bibliotheca, amealhada no reinado de livro carregue consigo ao longo de sua vida útil,
D. João V e perdida no terremoto de Lisboa em de mão em mão, de biblioteca em biblioteca. É o
1755, foi reconstruída nos reinados de D. José I, registro de uma história de trânsito, que não im-
de D. Maria I e de D. João VI até 1825, quando, pede que novas marcas de posse ou proprieda-
em estado sobre-excelente como “biblioteca de de sejam colocadas num livro já carimbado, em
rei”, foi comprada pelo governo imperial brasi- sobreposição, a cada nova situação de guarda e
leiro. A “alfaia preciosa da Coroa de Portugal”, uso.
segundo seu Estatuto, publicado em 1821, foi Os carimbos são recursos adotados por bi-
enriquecida com a aquisição de bibliotecas in- bliotecas no processo de tombamento patrimo-
teiras, compradas, doadas, tomadas. nial e podem ser aplicados a tinta ou por pressão
Um carimbo foi delineado para selar de a seco, deixando sinal visível no papel de uma
modo inelutável a propriedade dos livros. O selo folha de rosto e repetido em uma “página-se-
tem a forma oval, centrada pelo brasão de armas gredo”, escolhida estrategicamente – neste caso,
de Portugal, com o escudo coroado e ladeado a propriedade é advertida no livro pelo menos
por florões, encimando a legenda “Da Real Bi- duas vezes. A carimbagem, no entanto, é con-
bliotheca”, inscrita em maiúsculas, na borda da denável por interferir na materialidade origi-
curva inferior. A coroa real fechada, que aparece nal do suporte, redefinindo procedimentos de
no carimbo, foi instituída no reinado de D. Se- conservação que devem ser adequados ao nível
bastião (1557-1578) que, ao trocar o título de Alte- de diluição das tintas ou às cicatrizes do relevo
za pelo de Majestade, substituiu a coroa ducal de característico das marcas a seco.
seu escudo; já os cinco arcos da coroa foram fi- O carimbo da Real Bibliotheca foi imposto
xados por D. João V (1706-1750). O escudo é cen- com tinta de qualidade superior, cujo pigmento
trado por outra forma oval, com cinco escudetes negro de fumo, além de não migrar para páginas
postos em cruz – cada um com cinco besantes opostas, oferece legibilidade perfeita há quase
(peça circular sem marca) – e, circundando esta, três séculos.
sobre bordadura lavrada, há sete castelos – três Os bibliotecários da Real Bibliotheca segui-
de cada lado e um no alto. Cada um destes ele- ram um padrão que é evidenciado pelo exame
mentos tem diferentes significados e interpreta- dos livros carimbados: no verso da folha de rosto

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ou em espaço em branco imediatamente após a o módulo real e a gradação de moedas; obras es-
essa folha, e no final do exemplar, em espaço em timadas em seu gênero com exemplares anota-
branco imediatamente após a última linha de dos por leitores especializados que deram, com
texto. Aplicado deste modo, o carimbo assevera isso, testemunho da recepção cultural e cientí-
a propriedade e indica a condição de completu- fica desses textos. E, ainda, itens de bibliógra-
de do exemplar no momento de sua incorpora- fos e bibliófilos, cujas bibliotecas constituíram
ção aos bens da Coroa. Além disso, o carimbo é o acervo básico-histórico da Real Bibliotheca,
um referencial para estudos prosopográficos, desde Portugal.
que desvelem o pensamento de intelectuais que, O carimbo ressalta o passado monumental
alinhados por sua bibliofilia e interesses de lei- dos livros da Real Bibliotheca e da parte me-
tura, tiveram seus livros conduzidos à biblioteca recidamente distinguida no espaço nobre de
do rei. guarda e pesquisa que lhe foi concedido – a
Os livros assim marcados migraram de Por- igualmente preciosa Biblioteca do Museu His-
tugal para a nova sede da Coroa Portuguesa, no tórico Nacional.
início do século XIX, quando o Príncipe Regen-
te D. João, diante da invasão de Portugal pelo 1> Edições princeps é termo técnico, amplamente praticado na bi-
bliografia. Não se refere à primeira edição de uma obra (que pode
exército de Napoleão Bonaparte, reuniu pessoas ocorrer em qualquer lugar), mas, à primeira vez que uma obra foi

e bens e mudou-se para o Brasil. impressa (no mundo).


2>  Cabinets de feu é termo técnico praticado no colecionismo
O carimbo destaca a presença de parte da de moedas, medalhas, fichas etc. Não há tradução formalizada
Real Bibliotheca no Museu Histórico Nacional e para o português. Diz respeito ao conjunto de objetos de arte que
compõem a coleção, o gabinete particular e de uso privado, de
entrou com o acervo da Secção de Moedas e Me- um colecionador.
dalhas. Também designada como Secção de Nu-
mismatica da Biblioteca Nacional, delineada por
seu diretor e bibliotecário Benjamin Franklin
de Ramiz Galvão, no final do século XIX, foi
transferida para o Museu por força do decre-
to nº 15.596, de 1922. Vieram livros, folhetos e
fascículos de periódicos impressos, gravuras,
papéis manuscritos, moedas, medalhas, selos,
mobiliário.
Na coleção de impressos, há edições prin-
ceps,1 raridades de autores eruditos e pioneiros,
reconhecidos como fundadores da numismática
moderna; obras épicas por introduzirem novos
métodos na classificação de medalhas; textos
fundamentais de sigilografia, epigrafia, metalo-
grafia e ciências afins; catálogos de curiosidades
de todos os gêneros, com ênfase para medalhas,
moedas, selos e livros dos cabinets de feu2 de cé-
lebres colecionadores; livretos de leilões compi-
lados por numismatas de renome. Há, também,
gravuras originais representando, por exemplo,

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MOEDA DO REINO UNIDO DE PORTUGAL,
BRASIL E ALGARVES
Paula Aranha e Pedro Heringer

Á
sia, África, América e Europa. No as armas do Reino do Brasil, incorporando-as ao
início do século XIX, os domínios escudo real já existente, formando assim as Ar-
portugueses eram vastos, distan- mas de Portugal, Brasil e Algarves.
tes e habitados por grupos com Em Portugal, os tipos monetários só passaram
referências culturais totalmente por alterações após a aclamação de D. João VI, em
diferentes. A coroa portuguesa fez da moeda um 1818. Na cunhagem brasileira, uma emissão espe-
canal de comunicação multicontinental e os sím- cial de 1816, formada por somente cinco tipos de
bolos nela adotados tiveram papel de destaque na moedas (20, 40, 960, 4.000 e 6.400 réis) já trazia a
afirmação do Poder Real e na confi- legenda “Reino Unido de Portugal,
guração de um sentimento de uni- Brasil e Algarves”, mas ainda com as
dade entre os territórios. A moeda, armas antigas. Foi apenas em 1818 que
talvez um dos mais cotidianos itens as emissões passaram a representar
da vida urbana, tornou-se o veículo a imagética estabelecida para o novo
ideal para a comunicação da ideolo- Reino, padrão que permaneceria até a
gia da Coroa portuguesa. independência do Brasil, em 1822.
No início do século XIX, após a Para ilustrar os elementos textuais
transferência da corte portuguesa e imagéticos que compõem as moe-
para o Brasil, D. João, ainda como das do Reino Unido, escolhemos uma
Príncipe Regente, alterou as rela- moeda de 640 réis, datada de 1818. A
ções existentes entre as duas re- análise permite perceber duas gran-
giões, elevando o Brasil à categoria des mudanças: a inscrição “Brasil” foi
de Reino, criando o Reino Unido de inserida onde antes apareciam apenas
Portugal, Brasil e Algarves. Esse fei- Portugal e Algarves; e a alteração na ti-
to modificou não apenas a vida coti- tulação de D. João, que figurava antes
diana em terras brasileiras, mas, de como Príncipe Regente e passa a ser
modo geral, de todo o novo reino, apresentado na nova legenda como
pois reconheceu a importância do Rei D. João VI. Para a composição do
Brasil como centro de decisões po- reverso da moeda, observamos a pre-
líticas. No ano seguinte à elevação, sença de três elementos imagéticos
o Príncipe Regente deixou clara que são predominantes no meio cir-
sua intenção de oficializar simboli- culante do período: a Cruz, as Armas
camente a união dos Reinos através Brasão do Reino Unido
do Reino e a Esfera Armilar.
da Carta de Lei emitida em 13 de de Portugal, Brasil e Algarves. O uso da Cruz de Cristo deveu-se
maio de 1816, em que foram criadas WIKIMEDIA COMMONS à forte atuação da Ordem de Cristo

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durante o período da expansão portuguesa. Em gal) e sete castelos na bordadura (representando
reconhecimento às ações da Ordem, D. Duarte o território de Algarves), sobre uma esfera armi-
ordenou que as armadas levassem estandartes lar, encimados por uma coroa real fechada.
com as Armas Reais sobre a Cruz em suas velas e, Para entendermos melhor as mensagens
desse modo, ela tornou-se um símbolo sagrado dos transmitidas pelo poder real através das moedas,
navegantes de Portugal. Assim, quando os portu- é preciso voltar nossa atenção para além dos sím-
gueses chegaram ao que seria o território do Bra- bolos ali constantes e analisarmos as inscrições
sil, trouxeram consigo uma bandeira branca com nas legendas. Em primeiro lugar, observamos
a imagem da cruz vermelha no centro. Durante o que a inscrição “joannes sextus dei gratia portuga-
período de existência do Reino Unido, o mesmo liæ brasiliæ et algarbiorum rex” está presente no
símbolo está presente em muitas emissões, inclu- anverso de todas as moedas do período estudado,
sive no reverso de todas as nossas moedas de prata. à exceção do Cruzado Novo português, popular-
A esfera armilar foi em sua origem um instru- mente conhecido como Pinto. A face principal
mento de astronomia amplamente utilizado nas das moedas da época cumpria o papel de informar
navegações. Trata-se de um complexo sistema de aos cidadãos que “joannes sextus” (D. João VI), por
ilustração do movimento dos astros em que as “dei gratia” (por graça de Deus), era o “rex” (rei) dos
armilas – aros de metal que formam a esfera – in- territórios de “portugaliæ brasiliæ et algarbiorum”
dicam importantes marcos referenciais, como os (Portugal, Brasil e Algarves). A inscrição “subquo
trópicos e o Equador. O início da utilização desse signo nata stabili”, presente no reverso de nosso
instrumento como símbolo remonta ao reinado exemplar, pode ser traduzida como “Sob esse sinal
de D. Manuel I, que o adotou como empresa ou nasceu e permanecerá”. Essa inscrição figurava já
emblema pessoal. Seus sucessores mantiveram nas primeiras moedas cunhadas na Casa da Moeda
o uso da esfera que acabou por tornar-se símbo- da Bahia, que apresentavam a Cruz de Cristo e a
lo nacional de Portugal. Alguns domínios ultra- esfera armilar, reforçando a ideia de que a origem
marinos portugueses foram marcados com este do Brasil está diretamente ligada a Portugal, repre-
elemento e, no Brasil não foi diferente. Desde a sentado por esse símbolo, adotado por D. Manuel,
primeira série de moedas cunhadas entre 1695 e e à Igreja. Em outras palavras, durante as práticas
1702, na Casa da Moeda da Bahia, a esfera armilar comerciais cotidianas, todos os usuários da moeda
é representada sobre uma cruz de Cristo nos re- eram constantemente lembrados da figura da au-
versos de todas as moedas produzidas em prata. O toridade real, da extensão de seus domínios e de
mesmo aconteceu em grande parte da produção sua associação com o poder divino.
monetária de colônias portuguesas do Oriente. Encarar a moeda – sobretudo as anteriores ao
Por fim, as Armas do Reino Unido de Portu- século XX – como um simples instrumento des-
gal, Brasil e Algarves foram criadas logo após a tinado a facilitar a troca comercial é observar um
elevação do Brasil à categoria de reino. A nova mero aspecto utilitário do objeto frente ao amplo
representação formou-se por união das Armas leque de informações ali dispostas. Uma análise
do reino de Portugal e Algarves com as recém- histórica nos permite perceber características
-criadas Armas do Brasil, que tomaram a forma cruciais do contexto sociopolítico do Reino Uni-
de “uma esfera armilar de ouro em um campo do, tais como: a proximidade entre o Estado e a
azul”. As Armas do novo reino ficaram, portanto, Igreja, a necessidade de difusão da imagem do re-
identificadas por um escudo com cinco escude- gente, a escassez das cunhagens e a necessidade
tes no campo (representação original de Portu- de afirmação dos domínios territoriais.

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Debret, Jean-Baptiste
Cerimônia da faustíssima acclamação de S. M. o Senhor D. João VI
BIBLIOTECA NACIONAL

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ESPADA DO CONDE DA BARCA
Piedade Epstein Grinberg

U
m objeto antigo pode nos contar Barca – título nobiliárquico recebido de D. João
várias histórias, instigar mistérios VI em 1815 –, nasceu em Portugal em 1754, veio
e nos transportar a um tempo no para o Brasil em 1808 e faleceu no Rio de Janei-
passado, distante ou não. Se con- ro em 1817.
seguirmos descrevê-lo detalhada- Antes de chegar ao Brasil, como político e di-
mente, podemos definir a época em que foi con- plomata português, culto e poliglota, serviu em
cebido, os materiais empregados e o estado em Haia (Holanda), na França, Alemanha, Dinamar-
que se encontra hoje. E há ainda a possibilidade ca, Suécia e na Rússia, e viajou por várias outras
de nos depararmos com alguma marca exclusiva nações da Europa, representando seu país em
de quem o produziu e de sua função específica. situações por vezes adversas. Cosmopolita e
Mas o que torna uma peça antiga mais intri- pragmático, um homem do Iluminismo, versa-
gante são as possibilidades de revelações de algo do fluentemente em várias línguas, como o fran-
sobre seu proprietário ou o personagem a que cês, o inglês e o italiano, ele teve contato com
se refere e as marcas que podem ter sido ou não importantes intelectuais, filósofos, cientistas e
deixadas por ele. Surgem, então, várias questões políticos nos países em que desempenhou suas
e suspeitas a serem investigadas. funções diplomáticas.
Diante de nós está a espada que pertenceu Ocupou vários cargos importantes na mo-
ao Conde da Barca, um artefato provavelmente narquia portuguesa de 1804 a 1807 – entre eles
procedente de Portugal, do século XVIII, muito o de ministro dos Negócios Estrangeiros e da
antigo, feito em metal, com a bainha em couro. Guerra, quando fez várias reformas e regula-
Sua lâmina é de aço e o punho de prata lavrada, mentações no Exército e nos Arsenais Reais do
em forma de estribo com cruzeta e decoração Exército.
vazada com motivos florais. Como diplomata, trabalhou intensamente
Mas quem foi esse conde? Como ele usaria para Portugal tornar-se um país mais desenvol-
essa espada, uma arma branca de mais de 80 vido, reconhecido e integrado no contexto da
cm? Em alguma guerra? Em grandes feitos his- política externa nas cortes europeias. Sua vida
tóricos e heroicos? Lutas pela liberdade? Para pessoal e pública nos revela um dos mais inte-
sua proteção ou somente como adereço num ressantes e respeitados personagens do início
traje oficial, num uniforme, numa farda ou ves- do século XIX.
timenta de gala? Poderemos ousar dizer que se- Em reconhecimento ao seu empenho exem-
ria um objeto de adorno, decorativo ou recebido plar em resolver impasses e conflitos, recebeu
por algum cargo honorífico? de D. João a Grã-Cruz da Ordem de Christo, na
Eis o “dono” da espada e sua biografia: Antô- Comenda de São Pedro do Sul, e várias honra-
nio de Araújo de Azevedo, primeiro Conde da rias, como a Ordem Militar da Torre e Espada, a

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Ordem de Isabel, a Católi- mo ano, com a publicação
ca de Espanha; a Legião de do primeiro jornal, A Gaze-
Honra de França; Academia ta do Rio de Janeiro.
Real das Ciências de Lisboa, Intelectual e “homem
entre outras. das letras”, trouxe consigo
Podemos supor que a es- a sua biblioteca ou “livra-
pada do então futuro conde ria”, composta por obras de
fizesse parte de algum dos política, geografia, ciências,
seus trajes para ocasiões es- teologia, poesia e teatro,
peciais, que representasse história, mineralogia, artes
um de seus cargos, de acor- e literatura antiga e moder-
do com o que era exigido. na, em várias línguas – a Co-
Naquela época, políticos, leção Araujense, que após
militares, nobres, próspe- sua morte foi comprada por
ros comerciantes e aqueles D. João VI e incorporada à
que desempenhavam certas Biblioteca Régia da Corte
funções usavam fardas, se- do Rio de Janeiro, hoje Fun-
guindo, todos, rígidas regras dação Biblioteca Nacional.
de indumentária. Além dos livros, seu acervo
Infelizmente, não exis- abrigava uma coleção de es-
tem retratos ou imagens de tampas e de mapas, e outra,
Simon Pradier
Antônio de Araújo de Aze- Gravura: Conde da Barca, 1817
de mineralogia.
vedo de corpo inteiro, com BIBLIOTECA NACIONAL
Afastado da política e de
um traje festivo ou oficial, cargos governamentais, foi
tendo uma espada como adereço imprescin- responsável por vários projetos culturais e cien-
dível aos cargos. Seu retrato mais conhecido é tíficos, com o objetivo de tornar o Rio de Janeiro
uma gravura feita em 1804, calcada na pintura a sede do Reino, entre eles a vinda de chineses,
a óleo de Guiseppe Troni de por volta de 1800, em 1810, com a incumbência de ensinar técni-
no qual o então diplomata é apresentado a meio cas para plantação, cultivo e preparo de chá no
corpo e que se encontra no Museu de Arte Anti- Jardim Botânico.
ga de Lisboa. Outra imagem – uma gravura em Ministro de D. João de 1814 a 1817, foi con-
metal de Pradier, do acervo da Fundação Biblio- selheiro de Estado, ministro da Marinha e dos
teca Nacional – mostra apenas seu busto. Domínios Ultramarinos e ministro das Relações
Em 1807, o Conde da Barca torna-se um Exteriores e Negócios Estrangeiros. Nesse pe-
“superministro” de D. João. E, como diplomata ríodo, assinou o decreto de elevação do Brasil a
experiente e ativo, conhecedor e engajado nas Reino Unido ao de Portugal e Algarves. Também
questões políticas externas de Portugal, chega idealizou e possibilitou, com o Marquês de Ma-
ao Brasil com a Família Real em 1808, onde rea- rialva, embaixador de Portugal em Paris, a vinda
liza uma de suas iniciativas mais importantes: de artistas franceses – a Missão Artística Fran-
trazer o prelo e os tipos para a colônia com o cesa –, que chegou ao Rio de Janeiro em 1816.
objetivo de instalar a imprensa em nosso país. A Esse grupo de pintores, gravadores, desenhistas,
Imprensa Régia foi criada por D. João no mes- arquitetos, músicos e vários outros profissionais

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Gregório Francisco de Queirós
Gravura: António de Araújo e Azevedo,
conde da Barca, 1804
BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL

especializados implantou o ensino da arte, ar-


quitetura e afins, constituindo a Real Academia
de Belas Artes, hoje Escola de Belas Artes da
UFRJ, por onde passaram os mais importantes
e notáveis artistas brasileiros, como professores
e alunos.
Apreciar a espada que pertenceu ao Conde
da Barca, esse artefato tão antigo, nos permite
conhecer um pouco da história de uma pes-
soa notável, considerado o melhor ministro de
D. João VI – aquele que muito trabalhou pelo
Brasil, tendo sido “acusado” de ter demonstra-
do mais amor à nossa terra que à terra em que
nasceu.

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GRAVURA DO DESEMBARQUE DE DONA LEOPOLDINA
Solange Godoy

N
uma ensolarada manhã de pri- homem culto e preparado, além de ter porte alti-
mavera, no dia 5 de novembro vo e beleza máscula. Fantasiava também o Brasil
de 1817, desembarca no Rio de como uma terra promissora, de clima ameno e de
Janeiro a arquiduquesa austría- homens íntegros, ainda não corrompidos pela ci-
ca Leopoldina, casada por pro- vilização, os bons selvagens de Rousseau. A escra-
curação com o príncipe português D. Pedro. vidão não foi mencionada e a permanência no Rio
A pompa e circunstância que cercou o não deveria passar de dois anos. Os proble-
evento evidenciou a importância do mas eram de ordem pessoal, deveres e
casamento como uma aliança da compromissos a serem cumpridos.
Áustria com Portugal, sobretu- Carta a sua tia (materna) Ma-
do após a queda de Napoleão ria Amélia:
e o processo de reconstrução
da Europa a partir das forças “Viena, 10 de dezembro
emergentes. O mundo por- 1816, Queridíssima tia,
tuguês era então governado Confesso que o sacrifício que
do Rio de Janeiro, capital devo fazer deixando minha
do Brasil, recém-elevado à família, quem sabe para
categoria de Reino Unido, e sempre, será muito doloroso
o comércio e as riquezas das para mim. Esta aliança dá
colônias escoavam pelo por- muito prazer a meu pai; sepa-
to da cidade, já então aberto às rando-me dele terei o consolo
nações amigas. de saber que me conformei a
D. Leopoldina representava seus anseios, estando convenci-
os interesses da Áustria e havia da de que a providência dirige,
sido instruída para a função Maria Leopoldina da Áustria.
de uma forma particular, o des-
de Estado que realmente vi- Gravura de autor desconhecido, 1890 circa. tino de nossas princesas e de que
ria a exercer num futuro nada COLEÇÃO PARTICULAR obedece a sua vontade quem se
distante. Estudara português, submete aos pais.” 1
história de Portugal e tudo mais que a habilitaria
às novas funções. Era uma criatura romântica, Realizado o casamento por procuração em
capaz de se apaixonar pelo príncipe prometido Viena, na igreja dos Agostinianos, dia 13 de
mesmo antes de ver seu retrato. Acreditara nas in- maio de 1817, iniciaria seu périplo pela Europa,
formações fornecidas pelo diplomata português, de Viena até o porto da Itália onde embarcaria
Marquês de Marialva, de que o príncipe era um para o Brasil.

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Vieram em sua comitiva cientistas, dese- uma tempestade bastante violenta; a entrada do
nhistas e pintores capazes de observar o miste- porto é estreita e acho que nem pena nem pin-
rioso Brasil, tão desconhecido de todos. Decor- cel podem descrever a primeira impressão que
rida a travessia, eis que chega a princesa a seu o paradisíaco Brasil causa a qualquer estran-
destino, que ela mesma descreve e pelo menos geiro; basta dizer-lhe que é a Suíça com o mais
quatro artistas retratam: os pintores Jean-Bap- lindo e suave céu. (…) Toda a frota portuguesa
tiste Debret e Hippolyte Taunay e o gravador e as fortalezas fizeram um canhoneiro tão es-
Pradier – chegados ao Rio com a Missão Artís- trondoso que quase ensurdeci; havia chegado
tica Francesa – e Frühbeck, pintor e ajudante do há cerca de uma hora no porto quando chegou
bibliotecário da comitiva da princesa. toda família real numa galeota magnífica para
Debret e Pradier trabalham a partir da pers- me fazer uma visita; (...) fiquei profundamente
pectiva do baldaquino construído para a che- emocionada com a recepção.2
gada, com o Mosteiro de São Bento ao fundo.
Frühbeck destaca as embarcações, sobretudo D. Leopoldina, mulher romântica, instruí-
a Galeota Real, assim como as numerosas car- da – falava, além do alemão, francês, inglês e,
ruagens disponibilizadas aos convidados reais. com o tempo, português –, nascida numa corte
Já Hippolyte Taunay apresenta a cena tendo ao de padrões requintados de educação e cultura,
fundo a Ilha das Cobras e parte do Mosteiro, conseguira achar objetivos para sua vida de ar-
destacando em primeiro plano a população no quiduquesa. Se a vida afetiva lhe dera muitas
porto, ávida para ver a princesa. perdas como a morte da mãe (1772-1807) e a
O objeto deste capítulo é justamente a separação de sua irmã mais velha Maria Luiza,
gravura que Pradier produziu a partir da pin- que se casara com o imperador da França Na-
tura de Debret, ambos membros da colônia poleão I, a rotina de estudos lhe preenchera e
de artistas francesas que aqui se encontra- enriquecera suas perspectivas.
vam a convite de D. João para a fundação de Pela vasta correspondência por ela dei-
uma Academia de Belas Artes. Gravura rara, xada, podemos avaliar sua infância e adoles-
a buril, retrata a chegada da Princesa Real D. cência, a disciplina rígida, a educação severa
Leopoldina ao Rio de Janeiro. Podemos ob- e abrangente, o conhecimento e gosto pela
servar a presença no evento de toda a família literatura, pela música, pela ciência. Sua ma-
real – D. João VI, D. Carlota, príncipes irmãos turidade, contudo, foi tardia, prevalecia o so-
– e altos dignitários da corte. A cena informa nho imbricado com os deveres, compromissos
a importância do casamento para Portugal e e submissão. Para Leopoldina, a obediência
Áustria. A gravura, com uma tiragem imensa, ao pai era inquestionável, embora não tenha
divulga o acontecimento em todo o mundo, sentido seu apoio nos momentos cruciais que
sendo distribuída também em todos os recan- passou exilada no Brasil, sentindo tremenda
tos do Brasil. insegurança política.
Não bastasse a língua estranha, o clima
São Cristóvão, 8 de novembro de 1817, quente, os insetos, havia também os hábitos da
Querido papai corte fragmentada e pouco refinada no comer,
Com ajuda Divina cheguei muito feliz e saudá- a falta de protocolo e de atividades culturais.
vel ao Rio de Janeiro, após uma travessia de 84 Mas de tudo o que mais chocava era o contato
dias, da qual me despedi no penúltimo dia com e convivência com a escravidão.

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O nascimento dos filhos, as agruras dos par-
tos e a morte dos recém-nascidos contribuí-
ram para a fragilização do seu corpo e espírito;
porém, nada foi mais forte que a presença da
amante Marquesa de Santos, pedra que estilha-
çara seu sonho romântico.
Sua competência e coragem em muito con-
tribuíram para o processo da Independência do
Brasil, mas a decepção afetiva e o tédio de sua vida
sem perspectivas de retorno levaram-na à morte.
“O tédio”, como diz o escritor José Eduardo
Agualusa, “é a perda, pela alma, da capacidade Jean-Baptiste Debret
de se iludir”. Desembarque de Sua Alteza Real, a Archiduqueza
D. Carolina Leopoldina, 1820 circa
BIBLIOTECA NACIONAL
1> KANN, Bettina; LIMA, Patrícia Souza. D. Leopoldina 1797/1826:
cartas de uma imperatriz. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.
2> Idem, ibidem.

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D. JOÃO OUVINDO O PADRE JOSÉ MAURÍCIO AO CRAVO
Rosana Lanzelotte

A
ssim que che- bastante significativa, em
garam ao Rio parte provida pelo próprio
de Janeiro, “real bolsinho”. A corte por-
em 8 de mar- tuguesa se rebelou contra a
ço de 1808, D. escolha, pois o padre sofria
João (1767-1826) e sua comi- do “defeito de cor”. Em res-
tiva se dirigiram à Igreja do posta, D. João outorgou-lhe,
Rosário – a Sé provisória –, no ano seguinte, o hábito
para dar graças pelo sucesso da Ordem de Cristo, reafir-
da transladação da Corte para mando o reconhecimento
as Américas. O Te Deum toca- daquele que foi o principal
do na ocasião era de autoria músico brasileiro daquele
de José Maurício Nunes Gar- período.
cia (1767-1830), ele mesmo à Para os pobres só havia
frente dos músicos e do coro. uma forma de ascender ao
O príncipe regente, que apre- conhecimento: ingressar na
ciava a música sobre todas as carreira religiosa, caminho
artes, ficou agradavelmente Padre José Mauricio Nunes Garcia trilhado por José Maurício
surpreso com a qualidade do Autor anônimo. Séc. XIX / início do séc. XX e outros músicos mestiços
WIKIMEDIA COMMONS
que ouviu. Na colônia tropi- como ele. Aprendeu a tocar
cal, tão distante das metrópoles europeias, re- vários instrumentos, participou de bandas e or-
sidia, pois, um músico de grande valor, que ma- questras, tornou-se grande improvisador com
ravilhou a todos os que assistiram à cerimônia. domínio absoluto sobre o órgão, o cravo, além
De imediato, D. João transferiu a Sé para de excelente compositor. A vocação para o ensi-
a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, mais no o levou a fundar uma “aula pública”, na rua
próxima do Paço, onde habitava, e elevou-a à das Marrecas, na Lapa (Rio de Janeiro), onde le-
dignidade de “Capela Real”, instituição cuja cionou para jovens pobres até o fim da vida.
finalidade era a de prover música e todo o ne-
cessário para a “maior decência e esplendor O instrumento | Seria um cravo o instrumento
do Culto Divino e Glória de Deus”.1 À frente, mostrado na tela? Muito se debateu sobre este
como mestre de capela, o príncipe regente assunto nos meios musicais. O cravo já havia
nomeou José Maurício Nunes Garcia, que caído em desuso no início do século XIX, tendo
ocuparia a posição até a sua morte. D. João sido substituído pelo pianoforte, de cordas
destinou-lhe, como pagamento, uma soma marteladas, como o piano moderno de hoje.

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José Mauricio Nunes Garcia
Abertura da Antífona de Nossa Senhora para
o Tempo Pascoal em ré maior.
CABIDO METROPOLITANO DO RIO DE JANEIRO

O que aparece na tela de Bernardelli poderia de Maurício eram ali tocadas e, em dezembro
tanto ser um cravo quanto um pianoforte. Se a de 1872, numa dessas ocasiões, estava presente
imagem não é conclusiva, a música de José Maurí- o Visconde de Taunay (1843-1899), filho e neto
cio é, pois o título de sua principal obra para tecla- de artistas integrantes da Missão Artística Fran-
do – o Método de pianoforte – não deixa dúvidas. cesa. Tão impressionado ficou com a beleza da
música, que foi indagar sobre o autor. “Pois não
Um encontro imaginário | A data da tela sabe que é do grande José Maurício Nunes Gar-
não é conhecida, porém imagina-se que tenha cia?”, retrucou Bento das Mercês indignado.
sido produzida em fins do século XIX. Nessa Quando Taunay lhe pergunta se a música havia
altura, José Maurício estava esquecido. Quem sido impressa, onde poderia comprá-la, “Im-
não deixava que sua memória se apagasse por pressa! Até hoje não existe uma só música do
completo era Bento das Mercês (1804-1887), nosso José Maurício impressa! Nem uma única!
cantor e arquivista, responsável pela guarda da É assim que o Brasil cuida de suas glórias! Escre-
coleção de manuscritos do compositor perten- ver obras-primas para serem apreciadas apenas
centes à Capela Imperial. Vez por outra, obras pelos cupins e as traças!”2

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Joaquina. O quadro poderia ter sido uma enco-
menda de Taunay a Bernardelli, fato que, no en-
tanto, não está documentado.
Taunay publicou uma série de artigos sobre
o compositor, na Revista Brasileira, entre 1895
e 1896, e no Jornal do Commercio do Rio de
Janeiro, entre 1896 e 1898. Ao mesmo tempo,
solicitou ao compositor Alberto Nepomuceno
(1864-1920), grande amigo dos irmãos Bernar-
delli, a recuperação das partituras das obras de
José Maurício. Entre 1896 e 1899, Nepomuceno
restaurou 11 delas, inclusive a Missa Festiva, to-
cada na inauguração da Igreja da Candelária em
10 de julho de 1898.
Em tempos republicanos, trazer à tona a arte
sublime de um brasileiro, mestiço, que se fez
graças ao próprio esforço, era de ordem.
A preservação da memória era uma preocu-
pação de D. João, que trouxe para o Brasil os
volumes da Biblioteca Real. Dois anos depois,
José Mauricio Nunes Garcia
ordenou a transferência para o Rio da coleção
Abertura do Credo da Missa de São Pedro
de Alcântara em dó maior
pertencente à Real Biblioteca da Ajuda, situa-
CABIDO METROPOLITANO DO RIO DE JANEIRO da no Palácio de mesmo nome. Nesta havia
preciosas obras dos melhores compositores
A partir desta revelação, Taunay se dedicou à portugueses e dos italianos mais apreciados
promoção do compositor e de sua obra. Come- pela corte.
çou por publicar, em 1880, o artigo “Uma glória Coube a José Maurício, enquanto arquivista
desapreciada: o Padre José Maurício”, em que da Capela Real nomeado por D. João, realizar
relata uma história mantida durante décadas na o primeiro inventário de todas as obras em-
tradição oral da família Taunay. Quando o com- pregadas nos cultos litúrgicos. É o embrião do
positor português Marcos Portugal (1762-1830) catálogo do compositor, retomado anos depois
chegou ao Rio, a princesa D. Carlota teria lhe por Bento das Mercês. Este, ao falecer, tinha em
solicitado o juízo sobre o talento de José Maurí- sua posse mais de cem originais manuscritos de
cio. Promovido o encontro, Marcos apresenta ao obras do padre mestre. Graças à intervenção do
padre uma difícil sonata de Joseph Haydn (1732- Visconde de Taunay, a coleção foi adquirida pela
1809), por ele desconhecida, que, após alguma Biblioteca Alberto Nepomuceno e se configura
hesitação, é tocada com maestria. O episódio, hoje como o mais expressivo conjunto de obras
coroado pelo abraço entre os dois colegas, po- de José Maurício.
deria ser o tema da tela de Bernardelli, em que
se observa um ouvinte à direita do padre – Mar- 1> Alvará. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Atos/alv/1808/alv-15-6-1808.html
cos Portugal? –, enquanto a figura feminina em 2> TAUNAY, Afonso d’E. Uma grande glória brasileira: José Maurí-
destaque, à esquerda de D. João, seria D. Carlota cio Nunes Garcia. São Paulo: Melhoramentos, 1930, p. 5, 6.

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PEÇA DA COROAÇÃO
Pedro Colares Heringer

T
oda moeda é um exce­ desde que chegara ao Brasil para
lente ins­tru­men­to para integrar a Missão Artística Francesa,
se aprender história. em 1817. Infelizmente, não há docu­
Elas são feitas de mate­ mentos relativos ao processo cria­
rial duradouro, costu­ tivo empreendido pelo jovem gra­
mam carregar a data de sua produ­ vador, mas é possível inferir que ele
ção e elementos alusivos ao local de tenha se baseado na representação
circulação. Em grande parte das ve­ do imperador adotada nas moedas
zes, esses pequenos e valiosos frag­ napoleônicas, que certamente es­
mentos do passado nos ajudam a tudara em seu período na École des
entender que tipo de mensagem um Beaux-Arts de Paris, onde Napoleão
governo ou governante quer passar é retratado laureado a partir de 1807
ao seu povo e a nações aliadas ou ini­ Ou, ainda, na moeda espanhola, fa­
migas. Mas, no caso da Peça da Coroa­ bricada em grande parte nas colônias
Autor desconhecido
ção, nos deparamos com a evidência da América do Sul, e que acabava por
Moeda de ouro com efigie de
histórica de uma falha de comunica­ Fernando VII, 1820
chegar ao território brasileiro. Neste
ção, em que a mensagem gravada no COLEÇÃO PARTICULAR caso, Fernando VII é representado
metal não era aquela pretendida. portando túnica e trajes militares ao
Para cumprir os ritos programáticos da co­ longo de seu extenso reinado. Tanto a moeda
roação de D. Pedro I como imperador do Bra­ francesa quanto a espanhola representavam seus
sil, em 1822, sessenta e quatro moedas de ouro governantes, Napoleão I (1804-1814) e Fernando
foram cunhadas na Casa da Moeda do Rio de VII (1813-1833), quase sempre de busto nu e por­
Janeiro para serem ofertadas ao Bispo Capelão­ tando coroa de louros, bem como a solução ado­
-mor durante a cerimônia de sagração, realizada tada por Ferrez para a Peça da Coroação.
na Capela Imperial de Nossa Senhora do Monte Ao que tudo indica, essa forma de represen­
do Carmo, no Rio de Janeiro. Essas moedas, com tar o imperador seria usada daquele momento
cunho assinado por Zeferino Ferrez (anverso) em diante nas moedas de 6.400 réis que passa­
e Thomé Joaquim da Silva Veiga (reverso), tra­ riam a circular nas terras do Império. D. Pedro,
ziam representação de D. Pedro I inspirada em entretanto, não ficou nada satisfeito com a ma­
imperadores romanos, de busto nu e portando neira com que havia sido retratado e ordenou a
uma coroa de louros. suspensão imediata das cunhagens – uma nova
Encarregado do desenho do anverso, Zefe­ solução seria adotada nos anos seguintes.
rino Ferrez, então com 25 anos de idade, se en­ Ao invés do busto nu e cabeça laureada, a
contrava diante de um de seus maiores desafios nova série de moedas apresentava o impera­

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Jean-Baptiste Debret
Coroação de Pedro I | BIBLIOTECA NACIONAL

dor portando trajes militares, compondo uma da coroação, foi publicado um decreto imperial
imagem de rei-soldado, disposto a proteger sua que ordenou a substituição da coroa real pela
nação. Foram incluídos, ainda, os termos cons- coroa imperial no escudo de armas brasileiro,
titucionalis e et perpetuus brasiliae defensor, “a fim de corresponder ao grau sublime e glorio­
visando reforçar seu compromisso para com os so, em que se acha constituído este rico e vasto
direitos do povo e afastar qualquer ideia de po­ Continente”.
der absolutista. Foi necessário pouco tempo até que a “falha
Cabe apontar que, apesar de a primeira de comunicação” fosse detectada, controlada e
Constituição brasileira ter sido outorgada pelo resolvida, mas as evidências de sua ocorrência
imperador apenas em 1824, o próprio sermão da continuam a fascinar estudiosos e coleciona­
missa de sagração, proferido pelo Frei Sampaio, dores dois séculos depois. O material, a tiragem
descreve o imperador como “ligado aos inte­ limitada e, principalmente, toda a história por
resses da nação” e “Defensor da Constituição”. trás da Peça da Coroação fazem dessas moedas
Por fim, a representação da coroa que encima ícones da numismática brasileira.
as armas do império no reverso foi atualizada1 à
semelhança daquela usada por D. Pedro durante 1> No mesmo dia da coroação, foi publicado um decreto imperial
que ordenou a substituição da coroa real pela coroa imperial no es-
a cerimônia, propondo uma clara ruptura com cudo de armas brasileiro, “a fim de corresponder ao grau sublime e
a coroa real portuguesa. Assim, no mesmo dia glorioso, em que se acha constituído este rico e vasto Continente”.

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RETRATO DA MARQUESA DE SANTOS
Vera Lima e Mônica Salem de Zayas

N
o fundo, em uma espécie de em segundas núpcias, com o Brigadeiro Rafael
corredor, uma porta oval deixa Tobias de Aguiar. De fato, abundantes atributos
passar uma luz que incide direta- de riqueza foram fixados na tela pelo artista,
mente no piso e em uma cortina com uma condecoração e inúmeras joias.
entreaberta. Uma figura femi- Atribuído a Francisco Pedro do Amaral, uma
nina sentada em primeiro plano sobre fundo vez que não tem assinatura, o quadro foi com-
escuro a meio corpo, com vestido bege, apre- prado em fevereiro de 1920, na cidade de San-
sentando colo e ombros nus e decote enfeitado tana de Parnaíba, região metropolitana de São
com renda branca, que arremata as mangas três Paulo. Consta como “outorgante vendedora” a
quartos, o decote e – com um laço – a cintura senhora Gertrudes Maria de Aguiar, dada como
marcada, terminada pouco abaixo em “v”. So- legítima possuidora, e “outorgado comprador”,
bre o cabelo escuro, encaracolado com cachos Fidel de Miguel, comerciante estabelecido na
na lateral, preso no alto, usa uma tiara e, à es- rua 15 de Novembro, n° 40, cidade de São Paulo.
querda, ornamento em forma de borboleta e Assinou a “escritura” o escrivão de paz e tabelião
aigrette de diamantes. Na orelha esquerda, José Agostinho de Oliveira. O valor do lote foi de
brinco em forma de gota, pérola e diamantes. dois mil reis. O Museu Histórico Nacional com-
Ao pescoço, colar de pérolas de quatro voltas prou o objeto, ainda na década de 1920, quando o
com centro circular e três pingentes em dia- mesmo foi integrado às suas coleções.
mantes. Nas mãos, mitaines em renda abotoa- Francisco Pedro do Amaral foi importan-
das por pedras enfeitadas cada uma por um te artista, arquiteto, cenógrafo, decorador e
laço. Sobre elas, pulseiras em pedras. Os quatro paisagista. Não fez parte daqueles que se opu-
dedos da mão esquerda, apoiada sobre o braço seram aos artistas da Missão Francesa, logo
da cadeira, portam anéis, assim como o dedo ingressando nas aulas de Debret. Após essas
indicador da mão direita, apoiada em sua per- aulas, sua obra se volta para o estilo neoclás-
na direita. Sobre o peito, uma banda na cor rosa sico, deixando de lado as influências coloniais
com faixa branca no centro terminando em antes recebidas. Provavelmente, este retrato
laçarote ao qual se prende o medalhão da Real não seria a primeira pintura feita pelo artista
Ordem de Santa Isabel. para Domitila, já que a casa que foi da Marque-
A mulher retratada, que aparenta já estar sa de Santos no Rio de Janeiro, que hoje abriga
na casa dos 40 anos, é certamente membro da o Museu do Primeiro Reinado, possui pinturas
elite aristocrática da época. Trata-se de uma murais também de Francisco Pedro do Ama-
das poucas representações conhecidas de Do- ral. O quadro em questão retrata a Marquesa
mitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de usando a Ordem de Santa Isabel, uma ordem
Santos, provavelmente quando estava casada, exclusivamente feminina.

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Ordem de Santa Isabel
COLEÇÃO PARTICULAR

A “Real Ordem de Santa Isabel”, tem origem Marquesa de Santos e pessoalmente pela filha
portuguesa e foi instituída em 4 de novembro de D. Pedro I, D. Maria da Glória, que reinaria
de 1801 pelo Príncipe Regente D. João, que mais tarde em Portugal como D. Maria II. Dia
atribuiu o grão mestrado à D. Carlota Joaquina. 4 de abril, aniversário de Maria da Glória, era
A ela pertenceram as damas da família imperial uma das datas consideradas dias de Grande Gala
brasileira. A insígnia desta ordem é uma banda na  corte do Rio de Janeiro, quando comendas,
cor de rosa com listra branca no centro, com títulos e anistias eram distribuídos como parte
um medalhão coroado com a figura de Santa das comemorações. Provavelmente Domitila
Isabel de Portugal dando esmola a um mendigo, e outros agraciados receberam a comenda das
circundada pela legenda latina Pauperum Sola- mãos da ainda menina D. Maria da Glória. Um
tio. A comenda desta ordem foi provavelmente escândalo para a época, pois era sabido, então,
conferida pelo Decreto de 4 de abril de 1827, à que Domitila era a amante de D. Pedro I.

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Todavia, a vida dessa mulher marcou a po-
lítica brasileira quando o país ainda se forma-
va enquanto nação. Domitila foi dama cama-
reira de Dona Leopoldina e recebeu o título
de marquesa em 1826. Viveu na corte por sete
anos, quando teve cinco filhos com Pedro I.
Neste período, assumiu um papel político ao
interferir, em 1825, no Tratado de Paz entre
Portugal e o Brasil, apresentado pelo embai-
xador britânico Charles Stuart,, pelo reconhe-
cimento da independência. Domitila também
promoveu a aproximação entre a elite paulis-
ta e o Imperador.
Depois do segundo matrimônio de Pedro
I, Domitila, de volta a São Paulo, se casou com
Rafael Tobias de Aguiar, com quem teve seis
filhos. Com Rafael viveu vinte e quatro anos
e, depois que ele morreu, ela dedicou a vida
à caridade, protegendo doentes e ajudando
muitos estudantes de Direito do Largo de São
Francisco. A casa em que Domitila viveu na
antiga rua do Carmo, onde outrora festas me-
moráveis eram oferecidas à sociedade, hoje
abriga o Museu da Cidade de São Paulo., na
atual rua Roberto Simonsen, próximo ao Pá-
tio do Colégio.
Domitila de Castro Canto e Melo faleceu
em 3 de novembro de 1867 e está sepultada no
cemitério da Consolação.

AO LADO, ACIMA:

Autor desconhecido
Dona Leopodina, gravura, S.D.
COLEÇÃO PARTICULAR

Autor desconhecido
Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa de Santos.
Fotografia retocada de 1865
BIBLIOTECA NACIONAL

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ESPADIM MAÇÔNICO
Victor Villon

Dom Pedro I
Gravura de 1830 gravada por Pierre Louis Grevedon.

A
COLEÇÃO PARTICULAR

maçonaria é frequentemente vis- que grão-mestre, sabia que o Grande Oriente


ta como uma instituição atuando era dominado, sobretudo, pelos partidários de
ao longo da História, de forma Gonçalves Ledo, o que fez com que fundasse,
secreta, com membros espalha- nas palavras de Otavio Tarquínio de Souza, um
dos em lugares de relevo e com “arremedo de maçonaria”:1 o Apostolado da
uma estratégia em prol de objetivos políticos Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz ou,
específicos. Essa visão de um único projeto de simplesmente, o Apostolado, que iniciou seus
sociedade, compartilhado por todos os maçons, trabalhos em 2 de junho de 1822.
é falaciosa, o que pode ser constatado com a divi- D. Pedro iniciou-se na “maçonaria bonifacia-
são de partidos existente no contexto que ante- na” do Apostolado sob o sugestivo nome de “Rô-
cedeu a própria independência do Brasil. mulo”, primeiro rei mítico de Roma, em 22 de
Ao redor de José Bonifácio agrupavam-se os junho, e viria a se tornar arconte-rei do mesmo
mais conservadores – defensores de uma mo- Apostolado. E habilmente jogava entre as duas
narquia constitucional de caráter mais conser- facções e seria iniciado na maçonaria, na Loja
vador; já ao redor de Joaquim Gonçalves Ledo, Comércio e Artes, em 2 de agosto de 1822, ado-
agrupavam-se aqueles que almejavam uma tando então o nome ritualístico de Guatimozim,
Constituição mais democrática – se possível, que aludia ao último imperador Asteca. É bem
republicana. A dicotomia política faria com que provável que houvesse uma mensagem subli-
a maçonaria se cindisse: José Bonifácio, ainda minar na escolha: o último imperador asteca re-

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bemos que houve uma tentativa empreendida
pelos maçons para que D. Pedro jurasse a Cons-
tituição. Ainda que tenha feito o juramento, fez
ressalvas e proferiu: “Juro defender a Constitui-
ção que está para ser feita, se for digna do Brasil
e de mim”,3 matiz de palavras, mas carregado de
sentidos: Constituição haveria, mas seria aquela
que lhe aprouvesse outorgar.
Gustavo Barroso, em artigo publicado na re-
vista O Cruzeiro, afirma que o conjunto das pe-
ças maçônicas, que teriam pertencido a D. Pedro
I, chegaram às coleções do MHN através de uma
doação de Amélia Machado de Coelho e Castro, a
Viscondessa de Cavalcanti (1853-1946), colecio-
nadora e aristocrata do Segundo Reinado, casada
com Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, o
Visconde de Cavalcanti, e sócia do Instituto His-
tórico e Geográfico de São Paulo. A viscondessa
Faixa Maçônica, tecido, séc. XIX. escreveu um Catálogo das medalhas brasileiras
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL da sua coleção,4 o qual elenca cada um dos itens
da preciosa doação até o último “[...] finíssimo
NA PÁGINA AO LADO

Malhete Maçônico, metal dourado, séc. XIX


espadim de lâmina de Toledo e punho de latão
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL
dourado e filigranado”.5
A única “prova” de que o espadim teria per-
tencido a D. Pedro I é um escrito do próprio pu-
nascia simbolicamente no primeiro imperador nho da viscondessa na doação ao MHN, em 1927,
da América liberta. Em pouquíssimo tempo, em no qual declara que: “Esta insígnia, o avental e a
4 de outubro de 1822, D. Pedro ascendia à quali- espada que tenho, pertenceram ao Imperador
dade de Grão-Mestre do Grande Oriente do Bra- D.  Pedro I quando Grão Mestre da Maçonaria
sil; nessa mesma seção de investidura um dos por ocasião da Independência.”6 Se o escrito
“irmãos” da Maçonaria, Domingos Alves Branco elucida a forma como o espadim adentrou as
Muniz Barreto, teria proposto que deveria “ser coleções do Museu Histórico Nacional, isso é
aclamado imperador do Brasil e não rei”.2 insuficiente para afirmar que pertenceu a D. Pe-
A dubiedade de D. Pedro terminou quando dro I. Como o espadim teria chegado às mãos da
por fim ele percebeu que os anseios mais demo- viscondessa? Gustavo Barroso diz que teria sido
cráticos da Maçonaria ameaçavam seu poder. guardado pelo Visconde de Cavalcanti, mas a
Em 27 de outubro do mesmo ano, encerra as ati- doadora não se refere ao marido. Teria sido um
vidades da referida instituição sob alegação de presente da família Imperial ao casal? Ou teria
uma reestruturação – reestruturação esta que sido adquirido de algum outro colecionador ou
não haveria de ocorrer enquanto reinasse. antiquário? E, caso o espadim não tenha perten-
O receio em relação às tendências de cará- cido a D. Pedro I, por que lhe foi atribuído? Seja
ter mais democrático se faz patente quando sa- como for, é no mínimo intrigante que a Viscon-

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dessa de Cavalcanti, sendo colecionadora de provas históricas para tal atribuição. Seja
experiente, não tenha descrito de forma como for, lembremos que um objeto histó-
mais detalhada como obtivera os objetos rico se faz não somente pelos “feitos e faça-
maçônicos que atribuía ao Imperador. Até nhas” que “presenciou”, mas, igualmente,
o momento, o mistério persiste. pelos mitos, lendas e histórias que lhe foram
Para Maria Laura Ribeiro, o número atribuídos e, sem sombra de dúvida, o es-
trinta e três, um dos símbolos maçônicos padim representa o papel da maçonaria no
que figura sobre o espadim, seria uma pro- turbilhão de ideias e propostas que levaram
va de que esse não poderia ter pertencido à independência do Brasil, assim como a pre-
a D. Pedro I. A autora, que foi chefe da Di- sença da sociedade dita secreta na memória
visão de Arte e Literatura do MHN, explica posterior aos acontecimentos.
que o rito adotado pela loja “Comércio e
Artes”, na qual D. Pedro fora iniciado, era o 1> SOUZA, Otávio Tarquínio de: História dos fundadores do
Império: a vida de D. Pedro I. V. II, t. 2. Brasília: Edições do
adoniramita, que possui treze graus, e que Senado Federal, 2015, p. 372.

o Grande Oriente, por sua vez, teria adota- 2> SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O Império luso-brasileiro
1750-1822. (Nova História da Expansão Portuguesa, v. VIII,
do o Rito Moderno ou Francês, que possui direção de Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques). Lisboa:
sete graus, concluindo assim que “[...] não Editorial Estampa, 1986, p.426.
3> Idem, p.428.
poderia ter pertencido ao imperador e, 4> COSTA, Angelita Maria Rocha Ferrari. A coleção de pin-
sim, a um maçom grau 33 do Rito esco- turas e miniaturas da Viscondessa de Cavalcanti no Museu
Mariano Procópio. Dissertação (Mestrado), Programa de
cês e aceito”,7 visto que esse rito só teria Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
sido instalado no Brasil em 1832, quando Juiz de Fora. Juiz de Fora: UFJF, 2010. Disponível em: ht-

D. Pedro já se encontrava na Europa. tps://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/3021.. Acesso em


11/08/2022.
Enfim, o espadim maçônico pode 5> Idem.

ser atribuído a D. Pedro I, mas, até o mo- 6> RIBEIRO, Maria Laura. Dom Pedro I e a Maçonaria,
Anais do Museu Histórico Nacional, v. XXIII. Rio de Janei-
mento, não há dados convincentes que ro, Museu Histórico Nacional,1972, p. 63.
endossem isso, diríamos mesmo que, 7> Idem, p. 74.

pelo contrário, há uma grande ausência

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RETRATO DE ANITA GARIBALDI
Flávia Figueiredo

A
exposição de longa duração do Na cena aqui descrita, podemos imaginar
Museu Histórico Nacional apre- uma mulher no centro de um combate ou em
senta um circuito narrativo que destaque em meio a um conflito, ou seja, prota-
trata de aspectos relacionados gonizando um momento histórico de luta, papel
à história do Brasil. Um de seus este que era predominantemente masculino.
módulos, denominado “A construção do Es- Seria uma possível leitura diante da imagem,
tado”, expõe objetos relativos ao processo de dentre tantas outras, assim como se poderia su-
construção do Estado nacional a partir de 1822. por a simples representação da Revolta Farrou-
Mostra acervos relacionados a ações políticas e pilha... mas é fato que sua imagem é o destaque
militares de legitimação do Brasil independen- da tela.
te, assim como traz narrativas voltadas para a Ana Maria de Jesus Ribeiro (1821-1849), a
constituição de uma identidade nacional basea- Anita Garibaldi, também conhecida como a
da na figura do monarca e nas forças armadas. “heroína dos dois mundos’’, nasceu em Lagu-
Por consequência, a figura masculina do herói na, Santa Catarina, região sul do Brasil. Filha de
está presente em toda a galeria, através de es- pais humildes, casou-se pela primeira vez aos
culturas, estátuas, pinturas e outros objetos que 14 anos. Em 1839, uniu-se a Giuseppe Garibaldi,
exaltam e reforçam a cultura do patriarcado. influente revolucionário reconhecido interna-
Em meio a esta galeria, uma tela protagonizada cionalmente. Logo após, em 1842, casaram-se.
por uma mulher diverge, quando comparada às E ela se uniu ao revolucionário não somente em
grandes pinturas que representam homens. matrimônio, mas em parceria ativa nas lutas que
A pintura a óleo sobre tela é um retrato no também eram suas.
qual podemos observar em primeiro plano, no É inegável a relevância do italiano Giu-
centro, o busto de uma jovem, cor de pele more- seppe Garibaldi na vida de Anita, como compa-
na, cabelos presos puxados para trás, ondulados, nheiro e na participação da esposa na Revolta
negros, assim como suas sobrancelhas e olhos. Farroupilha, um dos grandes conflitos do pe-
Seu olhar é cansado, as olheiras sobressaem. Ela ríodo regencial. Mas, independentemente de
usa um brinco na orelha esquerda e, no pesco- sua influência, Anita estava na vanguarda de
ço, uma corrente dourada e um lenço amarra- seu tempo, tendo participado de modo ativo
do. O traje destoa das joias, um vestido fechado de combates, defendendo seus ideais. Suas ati-
simples de gola branca. Ao fundo, distante, em tudes e pensamentos contrastavam com o que
outro plano, temos a cena de um combate em se apresentava como ideal para as mulheres
meio a uma paisagem e, à esquerda, destaca-se da época, resumido à reclusão, ao cuidado da
a imagem de um homem a cavalo com um lenço prole e à submissão impostos pela sociedade
vermelho amarrado no pescoço patriarcal e machista.

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Gustave Le Gray Autor desconhecido
Giuseppe Garibaldi, Palermo, julho de 1860 Anita Garibaldi, 1848-1849 circa
COLEÇÃO PARTICULAR COLEÇÃO PARTICULAR

“Na convivência com Garibaldi, durante ape- e viver esta batalha. Mesmo sendo considerada
nas 10 anos, a lagunense revela-se uma mulher nominalmente como heroína desde a Revolta, é
apaixonada, dotada de singular heroísmo, co- comum encontrar referências que a citam como
rajosa, com ideias claras sobre o valor da liber- mera coadjuvante ou como pertencente ao seu
dade e a importância da República, guerreira, companheiro, características da sociedade pa-
audaciosa, enfermeira, mãe dedicada e espírito triarcal opressora que objetifica a mulher:
crítico em todos os desafios enfrentados pelo
companheiro.”1 “Ana Maria de Jesus Ribeiro, Anita na intimida-
de, era, no entanto, casada. Pois abandonou o
Atrelar sua imagem somente como a com- lar e o seguiu por mares e terras até a morte.
panheira de Giuseppe Garibaldi é invisibilizar o O  forte individualismo do aventureiro dela de
papel de Anita como mulher que escolheu estar tal modo se apoderou que a tornou coisa sua,

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trato de Anita, pintura esta que, assim como ou-
tras, foi encomendada ao artista.
A obra esteve na referida exposição de lon-
ga duração em diversos períodos, passando pe-
las salas: circuito histórico - sala 6, antiga sala
D. Pedro I e “Sala Anita Garibaldi: Relíquias
dos Farrapos”, dedicada aos objetos e à pintura
aqui mencionada, ou seja, objetos relacionados
à Revolta Farroupilha, conforme nos revela o
Guia de visitantes do ano de 1955.
A pintura esteve presente em exposições de
curta duração como: Memória compartilhada:
Autor desconhecido retratos na coleção do Museu Histórico Na-
Garibaldi na Itália, levando nos braços cional realizada entre os anos de 2003 e 2005
Anita moribunda, séc. XIX
e Mulheres na coleção do Museu Histórico Na-
LITOGRAFIA COLORIZADA.

MUSEU HISTÓRICO NACIONAL


cional, no ano de 2011. Antes de retornar ao cir-
cuito de exposição de longa duração no ano de
2018, esteve em guarda na Reserva Técnica do
sua criação. Assim o entendeu, tanto que, em museu. Uma oleogravura do Arquivo Histórico
suas Memórias, chama-lhe virgem, como se ao do MHN chamou a atenção durante esta pes-
seu contato e ao seu influxo, houvesse ele toma- quisa, o seu título: Garibaldi na Itália, levando
do alma nova, e, ao mesmo tempo, por efeito nos braços Anita moribunda, não é a narrativa
disso, corpo novo.” 2 que enaltece a mulher, considerada uma heroí-
na, e a luta do movimento das mulheres que
No âmbito do Museu Histórico Nacional, en- atravessa séculos. No entanto, a imagem pode
contramos o registro de compra no ano de 1933 nos trazer outra leitura, na qual a protagonis-
da pintura de autoria do artista Joaquim da Rocha ta em um ambiente de luta majoritariamente
Ferreira, Retrato de Anita Garibaldi. É importan- masculino é uma mulher. Mas é também papel
te destacar o contexto histórico em que a tela foi do museu narrar e reforçar a diversidade e suas
adquirida, um ano após as mulheres conquis- lutas, reconhecer os indivíduos e a inclusão
tarem o direito ao voto no Brasil, o que, mesmo desses, voltando o olhar para a representativi-
com limitações, foi um importante passo do mo- dade de forma mais plural, para discutir pautas
vimento das mulheres no Brasil. e combater preconceitos, trazendo cada vez
Joaquim da Rocha Ferreira (1900-1965), mais o visitante para o museu, para que se sinta
também conhecido como Rocha Ferreira, natu- parte dele.
ral da cidade de São Paulo, formou-se na Escola
Nacional de Belas Artes e no Liceu de Artes e
Ofícios. Foi pintor premiado no Salão Nacional,
1> PEREIRA, Moaçir. Anita Garibaldi revive: na literatura, na cultura
realizou exposições individuais no Rio de Janei- e na economia. São Paulo: Minotauro, 2021, p.14.
ro e em São Paulo no ano de 1941. Pintou muitos 2> BARROSO, Gustavo: O Romance de Anita Garibaldi. O Cru-
zeiro, 1949, p.49. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.
retratos de personalidades da época e paisagens. net/DocReader.aspx?bib=MHN&Pesq=anita%20garibaldi&pag-
Em meio a figuras masculinas da elite, está o re- fis=55772

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MEDALHA DA FUNDAÇÃO DO IHGB
Arno Wehling

A
medalha comemorativa da fun- cias; promover pesquisas sobre os respectivos
dação do Instituto Histórico e temas e afirmar o amálgama nacional sob a
Geográfico Brasileiro (IHGB) é forma de monarquia constitucional e da con-
a confluência de duas situações: tribuição das três etnias formadoras do país,
a criação de uma entidade pa- eram os objetivos do IHGB. Em 1843 seria pre-
raestatal dedicada ao cultivo da História e da miada a monografia de Karl von Martius, que
Memória do país, de um lado, e de uma larga destacou justamente tais aspectos como a con-
tradição iconográfica, por outro. tribuição que o Instituto poderia dar ao país.
A ideia de uma instituição voltada para a A outra vertente que nos conduz à medalha
temática brasileira surgiu na Sociedade Au- do Instituto é a da iconografia medalhística.
xiliadora da Indústria Nacional. Ventilada em Ela vinha do gosto barroco e rococó, revelando
sessão de agosto de 1838, já em 21 de outubro o padrão estético da monarquia absoluta. Em
seguinte instalou-se a nova entidade, presidi- Portugal a produção dessas peças medalhísti-
da pelo Visconde de São Leopoldo, secretaria- cas era executada na Casa da Moeda, o que se
da pelo Cônego Januário da Cunha Barbosa, repetiu no Brasil após a Independência com a
duas figuras importantes do processo de inde- instituição local. No entanto, nas primeiras dé-
pendência do Brasil. cadas do século XIX a estética se transforma-
Entre 1837-1838 foi o período em que mais va, agora sob o impacto da Revolução e do na-
estiveram em risco as instituições criadas com cionalismo. Com isso surgia um novo padrão,
a separação de Portugal. Estavam em jogo a o neoclássico, de que a medalha do IHGB é
estabilidade política e econômica, a forma de exemplo. Continuavam as referências a temas
governo e a própria integridade física do país, da Antiguidade, lidos metaforicamente, mas
com situações concretas de secessão. de modo diferente: deixava de ser de bom tom
Também foram os anos em que se definiu associar a imagem dos governantes dos novos
uma forte reação a tais ameaças, cristalizadas tempos liberais à representação dos impera-
no movimento conservador que teve, ao lado dores romanos, com suas coroas de louros e a
de outros expoentes, o antigo líder liberal alusão à monarquia absoluta.
Bernardo Pereira de Vasconcelos. Entre as Outra preocupação se acrescentava: a de
várias medidas tomadas, deu-se a fundação de sublinhar os elementos nacionais. Na medalha
uma instituição destinada ao estudo e preser- do IHGB isso é evidente quando se representa
vação do que mais tarde se chamaria “identi- a ciência como imagem feminina dotada de
dade nacional”. asas – recurso tradicional à mitologia greco-
Recolher material sobre a história, a geo- -romana, talvez representando a deusa Nike
grafia e a etnografia das diferentes provín- ou Vitória, ou ainda alguma das Musas, às ve-

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zes também apresentadas com asas – utilizan- ciência pacífica]. No reverso há em seis linhas
do um estilete para gravar na montanha mais a inscrição Institum/ Historico geographicum/
conhecida da Corte e do Brasil, o Pão de Açú- in urbe fluminense/ conditum/ die XXI octo-
car, a data de 21 de outubro de 1838, quando se bris/ A.D. MDCCCXXXVIII [Instituto Históri-
fundou o Instituto. co e Geográfico, fundado na cidade fluminen-
A mesma figura possui uma coroa mural, se no dia 21 de outubro de 1838 d.C].
que desde a Idade Média representava a auto- As medalhas foram cunhadas em prata, em
nomia de uma vila ou cidade. A releitura napo- pequena quantidade, e em cobre. As medalhas
leônica do tema fez com que as cidades fossem de cobre pesam 60 gramas e têm 5,1 cm de diâ-
classificadas em primeira e segunda ordem, metro.
com a iconografia respectiva. No caso do Bra- A medalha do IHGB é obra de Zeferino Fer-
sil, à época apenas o Rio de Janeiro – sede da rez, que já elaborara outras peças importantes
Corte e “município neutro” do Império – era da nascente medalhística brasileira, como as da
representado pela coroa mural. Acentuava-se Aclamação de D. João VI e da Coroação de D.
com isso a imagem da centralização do país e Pedro I.
da centralidade de sua então principal institui- A proposta da medalha foi apresentada aos
ção cultural e científica. sócios na sessão de 23 de novembro de 1839.
As inscrições na medalha reforçam seu ca- Projetavam-se 400 medalhas de cobre, no va-
ráter fortemente simbólico, associando poder, lor total de 400 mil réis. Seria feita uma subs-
ciência e centralidade da Corte. No anverso, a crição, com duzentas ações de 2 mil réis cada,
parte superior tem a frase “Auspice Petro Se- de modo que cada associado subscritor ficasse
cundo”, [sob a proteção de Pedro II] e na infe- com duas medalhas por ação. Abriu-se a possi-
rior, “Pacifica scientia occupatio” [ocupado da bilidade de serem cunhadas medalhas de pra-

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ta: o sócio que desejasse poderia As medalhas foram concluídas e
pagar um adicional de 5 mil distribuídas em 1842, mas ainda
e cem réis para ter direito em 8 de março de 1843 Zeferino
aos três exemplares, dois Ferrez dirigiu-se aos “dignís-
de cobre e um de prata. simos senhores membros”
A proposta já conti- do Instituto, requerendo
nha a adesão inicial de lhe fosse pago pelo traba-
15 associados, num to- lho concluído “há mais de
tal de 52 mil e 400 réis. sete meses” a quantia de
Destes, Pedro de Alcân- cem mil réis “convencio-
tara Bellegarde adqui- nada para o serviço objeto
riu duas ações (quatro da impressão das mesmas”.
medalhas de cobre) e mais A medalha do IHGB
a medalha de prata; Manuel tornou-se especialmente
Ferreira Lagos, João do Espíri- co­nhe­cida porque foi incor-
to Santo Cabral e Cândido José de porada como logotipo nos papéis
Araújo Viana, futuro marquês de Sapu- timbrados do Instituto e na capa e folha
caí e futuro presidente do IHGB, adquiriram uma de rosto da Revista, bem como nas demais publi-
ação cada e a medalha de prata. cações saídas sob chancela da instituição.

AO LADO:

Gabriele Rottini
Gravura representando
o bronze romano
“Vitória alada”
1838
COLEÇÃO PARTICULAR

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CHEGADA DA FRAGATA CONSTITUIÇÃO AO RIO DE JANEIRO
Pedro Machado Mastrobuono

D
e há muito, já não acredito em coleção do Museu Histórico Nacional, que tem
coincidências. Além da distin- em seu acervo cerca de 15 pinturas.
ção de redigir o presente artigo, Por certo que houve outras galeotas no Rio
agraciou-me a diretoria do Museu de Janeiro. As mais importantes serviam para
Histórico Nacional com a escolha transportar membros da Família Real na Baía
desta pintura. Exemplo absolutamente perfeito de Guanabara. Seu principal emprego era para
que, apesar de sua qualidade artística, ilustra a levar ou trazer pessoas dos grandes navios oceâ-
maior aptidão de todo museu, em especial o Mu- nicos, que ficavam fundeados no meio da Baía,
seu Histórico Nacional: ser uma janela no tempo mas serviam também para passeios ou para via-
que une presente e passado. gens dentro dessa Baía. Portanto, eram utiliza-
A sincronia tem início em 2 de março de das quando esses membros da Família Real iam
2021, quando a Diretoria do Patrimônio Históri- a Niterói ou a Paquetá.
co e Documentação da Marinha (DPHDM) con- Todavia, o atento leitor, ao demorar o olhar
vida o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) sobre a embarcação lindamente reproduzida
para visitar a Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro, e no canto inferior direito da pintura, logo reco-
conhecer seus projetos culturais. Representan- nhecerá os remadores que ficavam expostos ao
tes do Instituto do Patrimônio Histórico e Ar- tempo. Também lhe é facultado vislumbrar o ca-
tístico Nacional (Iphan), da Secretaria Especial sal no interno do formoso camarim, sendo certo
de Cultura e do Ministério do Turismo também que ela ostenta tiara na cabeça. Dois oficiais, em
estiveram presentes. Saltou aos olhos a visita seus trajes de gala, de pé no convés: um junto ao
técnica ao local que receberá o novíssimo Mu- leme, já o outro de barba branca e condecora-
seu Marítimo do Brasil. Mas a cereja do bolo foi, ções no peito, junto à entrada do camarim.
sem dúvida, ver de perto a recém-restaurada Ga- Eis, pois, a segunda coincidência. Trata-se da
leota Real, embarcação mais antiga preservada Galeota Real retratada em dia de glória.
no Brasil, todinha ornamentada. A mesma que Os registros da Marinha do Brasil trazem
Edoardo de Martino representou em seu óleo luz para a incorporação da fragata Constitui-
sobre tela Chegada da Fragata Constituição ao ção, em agosto de 1826. Este navio foi lançado
Rio de Janeiro. Emocionante. ao mar dos estaleiros de Nova York com o nome
Edoardo de Martino, pintor italiano e oficial de Amazonas, como homenagem ao maior rio
de Marinha, aporta no Brasil em 1868, vindo do brasileiro. Em agosto de 1826, entregue no pra-
Uruguai. Participa das Exposições Gerais da Aca- zo de contrato, a fragata fazia-se de vela para o
demia Imperial das Belas Artes, sendo premiado Brasil, com bandeira e guarnição estaduniden-
com a medalha de ouro em 1871. Sua produção ses. Aportou à Baía de Guanabara na segunda
mais importante das batalhas navais está hoje na quinzena de outubro.

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Por Aviso de 23 de outubro de 1826, substituí- navais, mármores verdes raiados de branco, a
ram-lhe o nome de Amazonas pelo de Isabel Ma- parte baixa de vinhático lustrado com decorações
ria, em honra, muito provavelmente, a D. Isabel douradas e pé de garra, também dourados.”
Maria de Alcântara Brasileira, Duquesa de Goiás,
a primogênita de D. Pedro I com a Marquesa de A mágica persiste, e os impecáveis registros do-
Santos, nascida cinco meses antes, a 24 de maio. cumentais da DPHDM narram, tal como enredo de
Era ministro da Marinha o Marquês de Parana- filme, a cena da tela do Museu Histórico Nacional:
guá. Em consequência da mudança no cenário
político brasileiro, a fragata, por Aviso de 13 de “Para Imediato, tinha sido escolhido o Capitão de
maio de 1831, passou a chamar-se Constituição Fragata Joaquim Marques Lisboa (futuro Almiran-
como uma homenagem à te e Marquês de Taman-
Carta Magna promulgada a daré) que, por motivo
25 de março de 1824. de saúde, foi substituído
Além de registrar com pelo Capitão de Fragata
riqueza de pormenores a Silva Lobão. Nela esta-
confecção desta fragata nos vam embarcados os Pri-
Estados Unidos, sobre a efe- meiros-Tenentes J. M. de
méride retratada na pintu- Oliveira Figueiredo, Luiz
ra, os arquivos da Marinha Caetano de Almeida, Rai-
esclarecem que: “Por esse mundo de Moraes e Valle,
tempo preparava-se a divi- Francisco José de Mello.
são naval que deveria ir a Fundeou no Porto de Ná-
Nápoles a fim de trazer a Im- poles, no dia 22 de maio,
peratriz Dona Teresa Cristi- depois de uma travessia
na Maria, da qual fazia parte de quase oitenta dias.
a fragata Constituição, sob o A seu bordo iam a embai-
comando do Capitão de Mar xada, mordomos, damas
e Guerra José Ignácio Maia.” de honra e camareiras
A respeito dos tipos de mó- da Imperatriz, além da
veis com que foi decorada a famulagem, etc.”
fragata, Morales de Los Rios Antoine Maurin
Teresa-Maria Cristina Imperatriz do Brasil, 1854
Filho cita: O periódico do Rio
COLEÇÃO PARTICULAR
de Janeiro Minerva Bra-
“Dessa maneira, nada estranhável foi que os bar- ziliense, de dezembro de 1843 e de março de 1844,
cos mandados a Nápoles para trazer a Princesa publicou um minucioso relato da viagem escrito
Maria Cristina tivessem as suas câmaras e cama- pelo Capelão Manoel J. Silveira.
rotes preparados em estilo Império. Tudo foi feito
aqui. Na Fragata Constituição estavam os móveis “Pelas 6 horas da tarde de 1º de julho de 1843,
mais luxuosos e interessantes, dentre os quais de- Sua Majestade Dona Teresa Cristina tomou um
vem ser destacados os tremós com grandes espe- escaler brasileiro e dirigiu-se bordo da Consti-
lhos, enquadramento ricamente lavrado e doura- tuição. Ao aproximar-se da Divisão brasileira,
do, atributos imperiais (coroas e cifras), emblemas salvaram os vasos com 21 tiros. Sua Majestade

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subiu a Fragata Constituição e foi recebida pelo No dia 8, era arriado o Pavilhão do Almirante,
seu comandante com todas as honras devidas a desembarcando vários oficiais de sua guarnição.
sua alta hierarquia.” Alguns poucos segundos para recuperar o
fôlego e o ilustre leitor volta de sua viagem no
No dia seguinte, pelas duas horas da madru- tempo, com memórias indeléveis da fragata
gada, suspendiam os três navios brasileiros. Constituição; da viagem da Imperatriz vinda de
A travessia durou dois longos meses e, no dia Nápoles; do então Capitão de Fragata Joaquim
3 de setembro de 1843, pelas cinco horas da tar- Marques Lisboa (futuro Almirante e Marquês de
de, apontava à barra do Rio de Janeiro a fragata Tamandaré); dos remadores da Galeota Real D.
Constituição, sendo recebida debaixo de salvas e João VI... Tudo isso somado traz inafastável sen-
dos maiores regozijos populares. No dia seguin- timento de pertencimento. Nossa história, nossa
te, desembarcou a imperatriz com sua comitiva. Cultura, nossa identidade.

Marc Ferrez
Galeota Real D. João VI, 1899 circa
ARQUIVO NACIONAL

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DAGUERREÓTIPO DO IMPERADOR
Pedro Karp Vasquez

E
sta imagem tem atraído a atenção Unidos era feita ainda por embarcações a vela, o
de diversos estudiosos da história que tornava as viagens longas e arriscadas, de-
da fotografia e do público em geral sestimulando o fluxo contínuo de profissionais.
em virtude do seu caráter singular, Porém, a situação mudou a partir da criação da
verdadeiramente único. Isso por- primeira linha regular de navegação a vapor
que não se conhece nenhum outro retrato de com a Europa, a inglesa Royal Mail Steam Packet
um soberano mostrando a forquilha – o suporte Company, que reduzia o tempo de viagem entre
de cabeça empregado pelos re- o Rio de Janeiro e Southamp-
tratistas fotográficos oitocentis- ton de cem para sessenta dias,
tas para manter seus modelos seguida depois pela Companhia
imóveis durante o longo tempo Luso-Brasileira, que assegura-
de pose então requerido. va a ligação com Portugal, e a
Quando este retrato de Companhia Mista de Navegação
D.  Pedro II foi publicado pela Paquetes a Vapor Marselha–Rio.
primeira vez no livro Dom Pe- Assim, se no ano de 1847 somen-
dro II e a fotografia no Brasil, te três profissionais anunciavam
em 1985, eu especulei não se seus serviços na seção “Daguer-
tratar de uma imagem previs- reótipos e Fotógrafos” do Alma-
ta para visualização final e sim nak Laemmert,1 em 1858 já são
para servir de base para a elabo- onze os estabelecimentos ali ar-
ração de uma efígie esculpida Moeda de cinco mil réis rolados e, em 1862, vinte. No ano
do soberano, para cunhar uma de ouro. 1854 seguinte, 1863, o último a contar
moeda ou medalha comemora- MUSEU HISTÓRICO NACIONAL
com essa rubrica, já eram trinta
tiva. Impressão reforçada com os estúdios anunciados.
o passar do tempo, que me levou à conclusão de A difusão da daguerreotipia no Brasil nem
que ela pode ter sido utilizada para a confecção de longe se compara à dos Estados Unidos, país
das moedas de cinco mil réis de ouro cunhadas no qual este processo encontrou popularidade
entre os anos de 1854 e 1857, pois esse período muito maior do que no próprio país de origem,
se afina com a data desde sempre atribuída ao a França, e também mais duradoura, com estú-
daguerreótipo no Museu Histórico Nacional: dios de daguerreotipia operando até fins do sé-
circa 1855. E o perfil da moeda é claramente se- culo XIX, décadas após o seu desuso no resto do
melhante ao do daguerreótipo em questão. mundo. Todavia, existem aqui pelo menos dois
Na primeira década de prática da daguerreoti- fatos absolutamente singulares no que diz res-
pia no Brasil, a ligação com a Europa e os Estados peito à daguerreotipia: o primeiro foi a apresen-

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tação de um grupo de retratos feitos com este pagou no mês de setembro nova conta para uma
processo na Exposição Geral da Academia Im- série de retratos (de número não determinado)
perial de Belas Artes em 1842, possivelmente em totalizando 404$000.
uma première mundial, já que a maioria dos paí- Morand & Smith foram dois daguerreotipis-
ses demorou a aceitar a fotografia no âmbito das tas estadunidenses associados, que atuaram du-
exposições tradicionais de arte. Detalhe mais rante alguns meses no Salão 52 do segundo andar
interessante e significativo é o fato de que essa do anexo do Hotel Pharoux, conforme anúncio
proeza (atestada pelo Jornal do Commercio em publicado no Jornal do Commercio no dia 23 de
23 de dezembro de 1842) foi realizada por uma dezembro de 1842. Segundo Shirley Silva, eles:
mulher, a Senhora Hipolyte Lavenue, que bem “Fotografaram o imperador D. Pedro II e a sua
pode ter sido a pioneira nesse campo. O casal família no Palácio de São Cristóvão e, em outra
mantinha estúdio à rua do Cano (atual Sete de ocasião, Morand encantou o imperador com o
Setembro) 146, e residia no Hotel Itália, situado daguerreótipo tirado dele e sua comitiva.”2 Tive-
à praça da Constituição (atual praça Tiradentes), ram, portanto, comprovadamente contato com o
transferindo-se em 1845 para Ouro Preto, então imperador em pelo menos duas oportunidades,
capital da província de Minas Gerais. de modo que também podem ser arrolados na
O segundo fato digno de menção foi a con- lista dos possíveis autores do retrato em daguer-
cessão, feita pelo imperador Pedro II, do título de reotipia do MHN.
Fotógrafos da Casa Imperial à dupla de daguer- Apesar dos indícios existentes, eu não ousaria
reotipistas Buvelot & Prat, em 8 de março 1851. atribuir a autoria deste retrato de D. Pedro II a ne-
É lícito especular se Buvelot & Prat não foram os nhuma das duas duplas – Buvelot & Prat, Morand
autores do retrato em daguerreotipia de D. Pedro & Smith –, já que a imagem em questão não se
II pertencente ao MHN, pois os estudos pioneiros encontra montada em um estojo com indicação
de Guilherme Auler, recentemente atualizados do estúdio que a produziu e não existe nenhum
por Andrea Wanderley (da Brasiliana Fotográfi- documento textual ou recibo descritivo para
ca), indicam que a dupla prestou serviços para o atestar a autoria. Todavia, o anonimato do fotó-
imperador em Petrópolis, entre os dias 25 de fe- grafo não retira em nada seu interesse e seu va-
vereiro e 1º de março, e depois entre os dias 9 e 15 lor como um dos mais expressivos exemplos da
de abril de 1851. Se isso ocorreu, o fotógrafo não daguerreotipia no Brasil, da mesma forma que o
foi Abram-Louis Buvelot (1814-1888), também anonimato de centenas de mestres pintores e es-
muito respeitado como pintor, pois ele deixou o cultores góticos em nada comprometem a força e
Rio de Janeiro, voltando ao seu país de origem, a a beleza perenes de suas criações. O que faz deste
Suíça, em junho de 1852. O que não impede, evi- peculiar retrato em daguerreotipia de D. Pedro II
dentemente, que outro profissional da Oficina uma peça fundamental e incontornável para o
Imperial Buvelot & Prat tenha realizado o retra- entendimento dos tempos primevos da história
to de D. Pedro II. Pode ser também que o retrato da fotografia no Brasil.
seja de data anterior, visto que Andrea Wander-
ley indica em sua criteriosa pesquisa que em 30 1> Publicado por Laemmert Editores, o título correto era: Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de
de novembro de 1849 a família imperial pagou a Janeiro. Anuário que permanece até hoje como uma das fontes mais
Buvelot 544 mil réis pela realização de dezenove preciosa para o estudo da prática fotográfica no Brasil imperial.
2> Shirley Silva, “A produção de daguerreótipos no Rio de Janei-
retratos e o fornecimento de vinte estojos para ro (1840-1850)”, tese de mestrado em História da Ciência, para a
daguerreótipos. E, no ano seguinte, D. Pedro II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016, p. 46.

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ESTUDO DO QUADRO DA COROAÇÃO DE D. PEDRO II
Moema de Bacelar Alves

N
o ano de 1958, entrava para Nascido em Rio Pardo, no Rio Grande do
a coleção do Museu Sul, Porto Alegre foi pintor, arquiteto,
Histórico Nacio- escritor, político, jornalista, cari-
nal (MHN), caturista, crítico, historiador e
via compra diplomata. Mudou-se para
feita pelo seu então di- o Rio de Janeiro em 1827
retor, Gustavo Barroso para estudar na Acade-
(1888-1959), o estudo mia Imperial de Belas
para a tela Coroação Artes (Aiba) e tornou-se
de D. Pedro II, de au- discípulo de Jean-Bap-
toria de Manuel de tiste Debret (1768-1848),
Araújo Porto Alegre integrante da Missão
(1806-1879).  Francesa e fundador da
Barroso havia sido o instituição, acompanhan-
primeiro diretor do mu- do-o em sua viagem de retor-
seu, ficando no cargo des- no à França. Viveu na Europa
de sua fundação, em 1922, por seis anos, onde foi aluno
até 1930. Retornou, após de Antoine-Jean Gros (1771-
o intervalo de dois anos, Augusto Off 1835), pintor francês dedica-
para ocupar mais uma vez Manoel de Araujo Porto-Alegre, 1877 do ao gênero histórico. Ao
a posição de diretor até COLEÇÃO PARTICULAR
retornar, em 1837, passou
o ano de sua morte. Ao adquirir a tela para o a ocupar o cargo que havia sido de seu mestre na
museu, a colocou em seu gabinete. O diretor Academia: professor de Pintura Histórica.
entendia ser aquele estudo um documento Com imenso prestígio na corte, passa a ter
iconográfico do evento que consagrou Pe- muitas encomendas, chegando, entre tantas
dro II como imperador do Brasil, daí sua im- funções e distinções, a ser nomeado pintor da
portância em constar do acervo da instituição. Imperial Câmara, em 1840, e a receber o título
Ocorrida a 18 de julho de 1841, a sagração e co- de barão de Santo Ângelo, em 1874. Foi profes-
roação de Pedro II foi uma festa grandiosa, cujos sor do Colégio Pedro II, realizou a decoração
preparativos para a solenidade foram deman- dos festejos do casamento de D. Pedro II com
dados pelo Conselheiro Paulo Barbosa da Silva, dona Teresa Cristina e foi nomeado diretor da
mordomo da Casa Imperial, a Manuel de Araújo Aiba (1854-1857), sendo responsável pela cha-
Porto Alegre, confirmando o grande prestígio de mada Reforma Pedreira, que visava alinhar a
que gozava o artista na corte naquele momento. escola às inovações técnicas do período.

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Por ocasião das comemorações de 1841, imperial o requisitou para fazer, ali, a Junta
além de desenhar as roupas usadas pelo mo- dos Correios. Sem lugar para trabalhar e ainda
narca no ritual de coroação, Porto Alegre pro- sem ajudantes, a teria deixado inacabada.
jetou dois monumentos provisórios: um arco A tela ficou abandonada por décadas no
do triunfo e uma enorme varanda, que teria Paço da Cidade, quando, em 1907, foi enviada
levado sete meses para ficar pronta. Porto Ale- para a então Escola Nacional de Belas Artes,
gre realizou um desenho no qual o “templo da onde ficou algum tempo exposta. Em 1913,
coroação” separava dois pavilhões: o do Ama- Max Fleiuss, secretário do Instituto Histórico
zonas e o do Prata, recuperando, por meio da e Geográfico Brasileiro (IHGB), encontrou-a
arquitetura e ornamentação o que o hino da dobrada no porão da escola e providenciou
coroação mantinha do hino de abdicação de sua transferência para o Instituto, do qual
D. Pedro I, em 1831: Porto Alegre foi sócio honorário, orador e,
ainda, segundo vice-presidente e primeiro-
Da Pátria o grito -secretário. Em 1974, Pedro Calmon, então
Eis que se desata presidente do IHGB, solicita que a equipe do
Do Amazonas Museu Histórico Nacional realize o restauro
Até o Prata da tela, o que ficou sob a liderança de Nicolau
del Negro. Ao fim de sete meses de trabalho,
Os pavilhões foram ricamente decorados e quando estudo e tela final voltaram a se reunir
continham referências a fatos e personagens em um mesmo local, a obra retornou ao IHGB,
da história política do Brasil. Já o trono se des- passando a ocupar seu salão nobre.
tacava ao fim de uma escada. Na tela, sentimos falta de alguns persona-
Mas não aleatoriamente menciono a orna- gens, mas é possível identificar uns poucos
mentação do espaço da coroação. Muito pelo pela existência do estudo pertencente ao MHN.
contrário, entender como o artista a concebeu Nele, vemos o monarca recém-coroado, de pé,
dá sentido, também, à concepção da tela cujo no alto dos degraus que levavam ao trono e cer-
estudo nos traz a esta reflexão. cado por personagens notáveis da corte. De um
Pouco depois da coroação, o mesmo Con- lado, estão o rei de armas, parado no primeiro
selheiro Paulo Barbosa da Silva encomendou degrau e, mais acima, o arcebispo e primaz do
a Porto Alegre a execução de uma tela gran- Brasil, D. Romualdo de Seixas – personagens
diosa que representasse tão importante mo- não finalizados na tela que hoje está no IHGB,
mento para figurar no Paço da Cidade (atual assim como tantos outros da plateia que as-
Paço Imperial). História curiosa tem essa re- sistia à celebração. Do outro lado, ministros e
presentação, que nunca chegou a ser termina- dignitários do Império. Ao centro da tela está o
da por seu idealizador. conselheiro Paulo Barbosa da Silva, de costas,
Segundo o próprio pintor, depois de ter mas com perfil aparecendo e de braços abertos,
que parar e voltar algumas vezes para a con- como se estivesse ordenando a movimentação
fecção da tela devido a outros compromissos da multidão à sua frente, e com o detalhe de fal-
assumidos, ele finalmente não teria consegui- tar-lhe a mão direita.
do terminá-la pois a realizava num edifício na A cena se dá no interior da varanda de
Praça do Comércio, na rua Direita (hoje Pri- sagração e tem, ao fundo, suas galerias. A ar-
meiro de Março). Porém, em 1845 o governo quitetura monumental elaborada pelo artista

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para a ocasião é um destaque na construção gráfica de representação de coroação de reis
da imagem. Percebe-se, ainda, a presença dos e rainhas.
painéis laterais que ornamentavam as men- Além de ser um testemunho da ideia origi-
cionadas galerias e que também foram com- nal da tela que ficou por terminar, ao se tornar
postos por Porto Alegre. No alto, na tribuna, parte do acervo, o estudo para a Coroação de
veem-se, ainda, duas figuras femininas em D. Pedro II proporciona forma, cor e contor-
destaque, as quais, pelas vestes da tela inaca- no ao acontecimento da sagração e coroação
bada, são identificadas como as irmãs do im- do segundo e último imperador do Brasil, tor-
perador, Dona Januária e Dona Francisca. nando-se referência para a cultura visual so-
Assim, com todos os seus contornos e sem bre a nação. E assim, a partir de sua presença
faltar personagens, ainda que sem a precisão no acervo, ela segue aberta a novas leituras e
de detalhes empreendida em um trabalho fi- novos olhares, ampliando o leque de histórias
nal, o estudo de Porto Alegre apresenta o seu possíveis de serem contadas por meio da cole-
olhar sobre o evento, os destaques e recortes ção do museu.
selecionados pelo artista para representar o
acontecimento e nos permite, também, per-
ceber seu diálogo com a longa tradição icono-

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LEQUE COMEMORATIVO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
Marcelo Abreu

D
iz-se que tocar le- comuns. Na face que mais nos in-
vemente o cabelo teressa, uma alegoria precisa da
com o leque fecha- Independência, com D. Pedro I em
do significava pre- destaque – o indício mais importan-
cisamente: não me te para entender como a história do
esqueças ou lembra-te de mim. Na leque se abre na história do Brasil.
linguagem conhecida como “tele- Na coleção do Museu Histórico
grafo de cupido”, leques, chapéus, Nacional, como também em ou-
lenços, sombrinhas e luvas serviam tros museus, há mais de um leque
às mensagens cifradas nos códi- comemorativo. Em exposição, en-
gos do amor, pois era difícil flertar contramos o Leque Comemorativo
de outra maneira em sociedades da Aclamação de D. João VI, rei de
nas quais a moralidade dominante Portugal, Brasil e Algarves (1818) e
vetava, em especial, às mulheres– Edoardo Tofano. o Leque Comemorativo da Chega-
mas também aos homens – ex- Mulher com leque, 1850 circa da do Príncipe Regente ao Rio de
pressar seus desejos abertamente COLEÇÃO PARTICULAR
Janeiro (1812). Há outros leques que
com as palavras ou gestos corporais. O leque era se ligam ao contexto da Independência e cons-
uma extensão do corpo capaz de alcançar os ou- trução do Estado Imperial, como outro Leque
tros, mais ainda a pessoa amada. “Lembre-se de Comemorativo da Independência, de varetas de
mim” podia encerrar o flerte. Porém, o gesto in- marfim, no qual D. Pedro I surge também farda-
sinuava a memória de um encontro, perpetuava do e com as faixas das ordens imperiais, ladeado
o acontecimento amoroso. Por analogia, o que a por um anjo empunhando a bandeira imperial e
presença do Leque Comemorativo da Indepen- de um índio que lhe oferece a coroa, tendo atrás
dência nos faz lembrar? Quais encontros com a uma alegoria da Independência. E outro, de va-
história sua existência e conservação no Museu retas de bronze, alusivo à organização política
Histórico Nacional nos proporciona? Com quais do Império, também figurando miniatura de D.
outros objetos históricos dessa e de outras cole- Pedro I (1824).
ções ele se relaciona? No Museu Imperial, encontram-se duas pe-
O objeto integra uma coleção de 109 leques ças que se relacionam ao nosso objeto: o Leque
produzidos entre os séculos XVIII e XX, mas Comemorativo da Coroação de D. Pedro II (1841)
boa parte deles foi feita e usada no século XIX. e o Leque Comemorativo do Casamento de Dom
Como outros, foi produzido na China, por isso é Pedro II e Dona Teresa Cristina (1842). Seme-
ornamentado com motivos orientais no seu ver- lhante a este último, também do Museu Históri-
so – imagens de pássaros e a flora eram as mais co Nacional, é o Leque Comemorativo das Bodas

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de Ouro de Cristiano Benedito Ottoni (1887) no ristas responsáveis pelas imagens históricas do
qual o casal é representado caminhando em di- leque, provavelmente baseados em Macau. Essas
reção ao túnel grande da Estrada de Ferro D. Pe- devem ter saído de uma gravura de mais ampla
dro II, obra dirigida pelo engenheiro e político circulação, que talvez tenha inspirado a pintura
mineiro. Assim, o uso celebrativo do leque, que em uma tabaqueira pertencente à coleção do Ins-
insinuava a história em meio aos calores cotidia- tituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
nos, parece bastante difundido desde o período Nesse objeto, encontramos a mesma pose, a mes-
joanino, se estendendo pelo século XIX e ultra- ma farda azul, assim como está no Leque Come-
passando a comemoração mais imediatamente morativo do Reconhecimento da Independência
ligada aos personagens da família imperial e sua reproduzido no livro de Stanislaw Herstal. Este,
representação como construtores do Estado. aliás, é quase idêntico ao nosso – a mesma minia-
O leque também se relaciona a outros objetos tura de D. Pedro envolta na frase “Independência
cotidianos que se tornam suportes da lembran- do Brasil Reconhecida” e cercada das províncias
ça, como pratos e outros jogos de porcelana que praticamente na mesma ordem, posto que no
celebravam eventos significativos. Mas chamo a nosso, em função de provável restauro, São Paulo
atenção para alguns itens fundamentais do ima- sumiu para dar lugar ao Paraná!
ginário monárquico mais ou menos contemporâ- Outro objeto significativo para o imaginá-
neos de nosso leque e que ajudam a entender sua rio monárquico se encontra em praça publica:
confecção e emprego. Na coleção do Museu, en- a estátua equestre de D. Pedro I, inaugurada
contramos dois quadros que comemoram ime- em 1862. Aspectos desse monumento e do calor
diatamente o monarca: as imagens de D.  Pedro comemorativo daqueles anos podem nos levar
I pintadas por Henrique José da Silva, em 1825, a imaginar que o leque tenha sido produzido
e por Manoel de Araújo Porto Alegre, em 1826. naquele contexto, e não no Primeiro Reinado,
Neles encontramos a cabeça em meio perfil, as- como nos informa a documentação.
sim como a farda, as faixas e as insígnias. Objetos O monumento é parte do processo de afirma-
importantes, mas que não serviram aos miniatu- ção do Sete de Setembro como data comemora-

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tiva central, o que se intensifica a partir dos anos que o leque de fato data do reconhecimento da
1850. Naquela década, várias sociedades patrió- emancipação em 1824 e 1825.
ticas se organizam na Corte, sendo responsáveis Voltando à sua vida em seus tempos, ele po-
pela relativa popularização da data e imaginação deria também ser associado a outras ocasiões
pública do evento histórico. Muitas senhoras da nas quais a Independência foi imaginada, como
sociedade compunham tais associações. É pos- no teatro de Joaquim Manoel de Macedo e sua
sível, portanto, que tivessem encomendado mais peça Amor e Pátria (1859), drama histórico pro-
de um leque no mesmo modelo do objeto que nos tagonizado por uma ardente patriota e seu noivo
motiva a pensar aqui. E que o tenham feito para a no contexto da emancipação. Não seria estranho
inauguração da estátua, cujas imagens e maquete que, numa encenação da peça, uma das senhoras
já vinham sendo exibidas antes da inauguração. ou moças da sociedade exibissem o leque come-
Quais indícios do leque relacionam os dois morativo.
objetos? Nele figuram os nomes de todas as pro- Essas são divagações que o leque sugere; hipó-
víncias do Império, incluindo a Cisplatina, torna- teses tão leves e efêmeras quanto o vento provoca-
da independente em 1828, dando origem ao Uru- do pelo seu antigo farfalhar. Acredito que, sendo
guai, e o Paraná, que somente se torna província produzido no contexto do reconhecimento ou no
autônoma em 1853. No monumento, encontra- Segundo Reinado, quando poderia ter sido mais
mos o Paraná, mas não vemos a Cisplatina, e en- utilizado, o leque serviu aos códigos do flerte, e
contramos os quatro rios nacionais: Amazonas, como sinal de gosto pela história nacional que se
Madeira, Paraná e São Francisco. As alegorias do afirma contemporaneamente aos eventos fun-
Amazonas e Paraná aparecem diametralmente dadores. Assim, além da historiografia e das bem
opostas nas laterais da estátua equestre, aspecto conhecidas instituições criadas para dar forma à
um pouco diferente das de origem clássica nas história nacional, o objeto nos faz lembrar que a
laterais do leque alusivas ao Amazonas e Rio da história também participava da vida mundana das
Prata, que não figura no monumento. Claro, tais elites que tinham o privilégio de gozá-la na maior
incongruências nos fazem retornar à hipótese de sociedade escravocrata da modernidade.

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LETREIRO DA FIRMA PACHECO FERREIRA & CIA.
Angela Telles

N
a virada do século XX, o Brasil pronta para ser apresentada ao mundo como vi-
destacava-se na economia mun- trine da vida moderna do Brasil. Não por acaso,
dial com o café. “Em 1850 o Brasil nesse ano, as autoridades conceberam uma Ex-
estava produzindo mais de me- posição Nacional, para comemorar o centenário
tade da produção mundial; em da Abertura dos Portos, considerada o primeiro
1906 produzia quase cinco vezes a produção do passo no processo da Independência do Brasil.
resto do mundo combinado. [...] Assim, a pro- Era esperada para o certame afluência de gran-
dução brasileira ajudou a redefinir a natureza de público e de altas personalidades estrangei-
do mercado de consumo, baixando os preços ras. E foi nesse mesmo ano, num movimentado
do produto suficientemente para que ele alcan- centro comercial da cidade, que ocorreu a inau-
çasse um mercado de massa.”1 O café passou a guração da firma de torrefação de café Pache-
ser “um artigo indissociável do cotidiano das co Ferreira & Cª., fabricante do café Cruzeiro,
sociedades urbanas industriais, cujos ritmos de situada, primeiramente, na rua do Hospício –
trabalho passaram a ser marcados pelo consumo atual Buenos Aires – número 143, e transferida,
da bebida.”2. em 1910, para a av. Marechal Floriano Peixoto,
No início do século XX, a cidade do Rio de 142 – antiga rua Larga. A avenida abrigava casas
Janeiro, então capital do país, viveu um período comerciais, como o famoso Dragão da rua Larga
de intensas transformações em termos políti- (vendia artigos diversos com bom preço), o Pa-
cos, sociais e econômicos. O Rio de Janeiro era o lácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações
principal porto do país, o terceiro de maior movi- Exteriores, e a companhia de iluminação Light.
mentação comercial das Américas e 15º do mun- Por muitas décadas, o Centro foi a região mais
do em volume de comércio. Era por onde o café, importante da cidade, concentrando institui-
nosso principal produto de exportação, saía para ções públicas, consultórios médicos, teatros,
o mundo. “A cidade era o maior centro comercial cinemas e comércio.
do país, sede do Banco do Brasil, da maior Bolsa A marca Cruzeiro de café era uma das mais
de Valores e da maior parte das casas bancárias renomadas do Rio da primeira metade do sé-
nacionais e estrangeiras. Acrescente-se ainda culo XX. Comprova-se tal afirmação no artigo
a esse quadro o fato de essa cidade constituir o “Diplomacia e a política econômica – A políti-
maior centro populacional do país, oferecendo às ca do café”, publicado no Jornal do Commer-
indústrias que ali se instalaram em maior núme- cio (25/12/1930) por J. F. de Barros Pimentel,
ro nesse momento o mais amplo mercado nacio- ministro plenipotenciário do Brasil. No artigo,
nal de consumo e de mão de obra.”3 Pimentel assinalava que estávamos fazendo pro-
Em 1908, a cidade do Rio de Janeiro ganhara paganda equivocada do café brasileiro no exte-
largas avenidas e um novo porto, e parecia estar rior, ao insistir em vincular o produto ao país. Na

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percepção do diplomata, a marca do torrador é
que importava, exemplificando que “no próprio
mercado nosso interno ainda prevalece a marca
do torrador e o café é Cruzeiro, Papagaio e Glo-
bo”. Pimentel estava discordando da opinião do
patrono da diplomacia brasileira, o Barão do Rio
Branco, cuja geração muito havia contribuído
para vincular o nome do Brasil ao café, divulgan-
do o produto em diferentes partes do mundo.
Rio Branco, inclusive, foi nosso representante
na exposição de café, em São Petersburgo, Rús-
sia (1884), ensinando os locais a prepararem e
tomarem nosso cafezinho.
Essas exposições foram organizadas pelo
Centro da Lavoura e Commercio (1882-1884),
organização não governamental que con-
gregava representantes dessas duas classes,
e contribuíram para o aumento da venda do
produto, popularizando o consumo. O diplo-
mata Pimentel, ao citar as firmas de café Pa-
pagaio e Cruzeiro, não percebeu que, na reali-
dade, essas traziam a marca do país de origem:
“Terra dos Papagaios” foi um dos primeiros
apelidos dados ao Brasil, iluminado pelas es-
trelas do Cruzeiro do Sul. Além disso, a arte
da marca café Cruzeiro foi inspirada no globo
azul da bandeira brasileira. O artista que con-
cebeu o desenho substituiu no globo as estre-
las representando os estados do Brasil pelo
Cruzeiro do Sul e, na faixa branca, substituiu
“Ordem e Progresso” pela marca do produto
em letras verdes. Encimando o globo, águia,
em tons de amarelo e verde, simbolizando vi-
são, força e destemor, e circundando-o, ramos
de café, formando coroa, em fundo azul claro.
O letreiro é um exemplar do estilo eclético,
em grande voga no início do século XX. Ele
apresenta, na parte superior, elementos or-
namentais em estilo clássico, como moldura
em linhas retas, enquadrando o par de jarros
com flores. E, na parte inferior, ornamentos
do estilo art nouveau, como moldura em li-

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Anônimo
Rua Marechal Floriano Peixoto, 1893. Cartão postal
COLEÇÃO PARTICULAR

nhas sinuosas sob ornamentos florais, ou seja, tora do café Globo]. A fabricante do café Cruzei-
a moldura também faz parte da concepção or- ro acompanhou as transformações da cidade do
namental, que enquadra as letras pacheco fer- Rio de Janeiro, enquanto capital do país, findan-
reira & cª. em ouro. do quando esta estava prestes a perder seu status
A torrefação de café Pacheco Ferreira & Cª., de centro político e econômico. Com o fim da
nos seus 50 anos de existência, patrocinou pe- companhia, o letreiro foi encaminhado ao Mu-
quenos anúncios em jornais de ampla circulação seu Histórico Nacional, transformando-se em
no Rio, como Correio da Manhã, À Noite, Jornal um objeto documental simbólico da história da
do Commercio, dentre outros. A propaganda do cidade, cuja mola propulsora era o café.
café Cruzeiro também era feita em suas emba-
lagens, bem como em brindes oferecidos aos 1> TOPIK. “As relações entre o Brasil e os Estados Unidos na épo-
ca de Rio Branco”. In: CARDIM, Carlos H. e ALMINO, João (orgs.)
clientes, como lancheiras de lata e na década de Rio Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil. Rio de

1950, o produto era um dos anunciantes na co- Janeiro: EMC, 2002, p. 411.
2> MARQUESE, R. e TOMICH, D. “O Vale do Paraíba escravista e a
nhecida rádio Mayrink Veiga. formação do mercado mundial do café no século XIX”. In: GRIN-
A companhia de torrefação de café Pacheco BERG, Keila e SALLES, Ricardo (Orgs.) O Brasil Imperial, vol. II. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 373.
Ferreira & Cª. foi adquirida no final da década de 3> SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão.3 ed. São Paulo:
1950 pela fábrica de chocolate Bhering [produ- Brasiliense, 1989, p. 27.

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PULSEIRAS DE PLACAS
Juliana Barreto Farias

D
urante quase sete anos, a africana
liberta Rita Maria da Conceição
vendeu frutas, legumes e aves em
duas bancas na Praça do Merca-
do do Rio de Janeiro, principal
centro de abastecimento da cidade ao longo do
século XIX. Procedente da região de Cabinda,
ao norte do rio Zaire, centro-oeste da África,
trabalhava ali junto com seu marido, o também
ex-escravo Antonio José de Santa Rosa, nascido
em Pernambuco. Mas o casal não demorou a
desfazer a união. Cansada de tantos maus-tratos,
ela decidiu abrir uma ação de divórcio na Justi-
ça Eclesiástica do Rio, em 1835.
Por meio desse processo, atualmente deposi-
tado no acervo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, e também de outros documentos preser-
vados no Arquivo Nacional, é possível acompa-
nhar um pouco da trajetória do casal, incluindo
Marc Ferrez
os bens que reuniram quando casados. Nesse Mulher negra da Bahia, 1885 circa
conjunto, destacava-se uma apreciável coleção INSTITUTO MOREIRA SALLES

de joias em ouro e prata, assim avaliadas em 1846:


crioula”, e seu centro de produção ficava em
“Cordões de ouro: 34 mil réis; um par de pulseiras Salvador. Ainda assim, como vimos, elas não
de ouro: 14 mil réis; uma moeda de ouro de 4 mil; eram usadas ou colecionadas apenas pelas mu-
um par de bichas de ouro: 3.200 reis; um par de lheres negras nascidas na Bahia. Tanto no Rio
brincos: 16 mil; um cordão de 10 mil réis; um par de Janeiro, como em outras cidades do Império
de botões para punho de ouro: 10. 200; um par de brasileiro, escravizadas, libertas ou livres de cor,
botões de ouro para colarinho: 2.240; quatro ta- africanas e crioulas, também portavam colares,
lheres de prata completos: 32 mil; duas facas de pulseiras, argolas e outros pequenos adornos em
cabo de prata: 4 mil; [total]: 122.600 réis.”1. ouro, prata e também em coral. Embora não seja
possível precisar quando começaram a ser fabri-
Desde pelo menos o século XVIII, conjun- cadas no país, as marcas de contrastes presentes
tos como esse eram conhecidos como “joias de em boa parte delas permitem atestar que eram

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confeccionadas por ourives objetos plenos de força mística.
baianos e podiam, igualmente, Na cidade de Lagos, na Nigé-
ser comercializadas em outras ria, o deus Olokun, senhor do
províncias. mar, era muito identificado ao
Não sabemos como Rita Ma- uso de contas e conchas. Um
ria da Conceição adquiriu suas de seus nomes de louvação era
joias de ouro e prata no Rio de justamente Senhor das Contas.
Janeiro oitocentista. E tampou- No tabuleiro de adivinhação,
co conseguimos “visualizar” elas representavam riqueza en-
detalhes, formatos ou modelos tre os iorubás, conferindo po-
de seus cordões, botões, brincos der aos objetos ali manejados.
e pulseiras. Possivelmente eram Já em Iwô, também na região
peças similares àquelas que da atual Nigéria, símbolos das
ainda hoje estão em exposição divindades iorubás eram com-
em museus e coleções. Como postos em uma série de peque-
as pulseiras em ouro e prata, nas pencas em ligas de prata.
produzidas na Bahia no século De um jeito ou de outro, os
XIX, que integram o acervo do registros disponíveis raramente
Museu Histórico Nacional. São Alberto Henschel permitem identificar quais mo-
dois exemplares das chamadas Mulher negra da Bahia, 1869 circa delos eram os mais usados, ou
“pulseiras de placas”, compostas INSTITUTO MOREIRA SALLES mesmo os pequenos detalhes
por chapas retangulares de pra- de cada joia. Nos apontamentos
ta, decoradas com motivos fitomorfos (estruturas que fez na Bahia das décadas de 1840 e 1850, o côn-
semelhantes às de plantas) e efígies. Para conectar sul inglês James Wertherll indicou, por exemplo,
essas partes, foram usadas formas cilíndricas em como mulheres negras tinham os braços “cobertos
ouro (também era comum utilizar cilindros de co- de pulseiras de coral e ouro; o pescoço e o peito car-
ral ou pedra colorida encastoados). regados de colares e as mãos de anéis... Um elegan-
Na Bahia, predominavam peças como essas em te pano da Costa é jogado sobre o ombro”. Por vol-
ouro, tendo ao centro figuras femininas e mascu- ta de 1885, “tipos de baianas” bem similares foram
linas, retratos de imperadores e imperatrizes. Ha- retratados no estúdio do fotógrafo Marc Ferrez,
via, por exemplo, muitas pulseiras com efígies de com os turbantes e panos característicos, repletas
D. Pedro II menino, na década de 1830. Para Ana de colares, brincos, penca de balangandãs e muitas
Beatriz Factum, autora de uma tese sobre a “joa- “pulseiras de placas”, tudo em ouro ou prata.
lheira escrava baiana”, quanto à estética, portar Para além de vistosos adornos, essas peças
“membros da família real” era o “padrão da época”, tinham outros significados importantes para es-
e seus significados estariam em consonância com sas mulheres e suas famílias. Era muito comum
um projeto de inserção social de suas usuárias. Por que servissem como “método de poupança”, que
outro lado, como também afirma a pesquisadora, eram oferecidos como garantia ou pagamento
cilindros de coral que conectavam alguns desses efetivo de empréstimos. A historiadora Sheila de
modelos podiam indicar tradições africanas. Castro Faria constatou, em testamentos de africa-
Em muitas regiões da costa ocidental da Áfri- nas forras da Costa da Mina, especialmente no Rio
ca, contas e corais não eram apenas enfeites, mas de Janeiro do século XVIII, que 70% eram pro-

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Balangandã | MUSEU HISTÓRICO NACIONAL

prietárias de objetos de ouro e prata. Em diversos juros baixos. Em 1858, um cordão, uma figa, um
momentos, eles eram usados em redes financei- relicário e uma moeda que pertenciam a Maria
ras que praticamente só envolviam mulheres na Rosa ainda estavam penhorados ali.
condição de credoras ou devedoras. Algumas ve- Essas peças, cujo uso pelas africanas e suas
zes, com penhor das joias mais valiosas e outras descendentes chegou a ser proibido na época
somente através da palavra, já que não havia nos colonial, eram símbolos de prosperidade, prestí-
documentos referências a registros escritos. gio social, clientela numerosa ou mesmo da “boa
Entretanto, na hora de saldar dívidas antigas qualidade” de uma quitandeira. Para cativas e li-
ou angariar crédito, essas transações podiam ser bertas adeptas do candomblé ainda representa-
feitas com homens e mulheres de outras condi- vam proteção e força religiosa. Com seus anéis,
ções sociais, e mesmo algumas instituições. Foi a pulseiras, colares, rosários e enfiaduras de ouro,
situação da preta mina Maria Rosa da Conceição, prata, corais ou contas, muitas mulheres negras
que recorreu ao Monte do Socorro, popularmen- mercadejavam gêneros de primeira necessida-
te conhecido como “casa de prego”, para pegar a de e, ao mesmo tempo, reverenciavam seus deu-
quantia de 120$000 réis. Emprestando dinheiro a ses. Ao valor estético dessas joias de crioulas e
pessoas que não tinham acesso a estabelecimen- africanas, ajuntavam riqueza, estima e axé.
tos bancários, a casa levava como garantia metais
preciosos, brilhantes e outros valores, cobrando 1>  Arquivo Nacional, Vara Cível do RJ, notação 5217, Maço 423, 1846.

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RETRATO DE PAULA BRITO
UM BRASIL QUE NÃO ESTÁ NO RETRATO

Renata Santos

N
o carnaval de 2019, a Estação Pri- e literário da capital do Império, alcançando
meira de Mangueira sagrou-se notoriedade ainda em vida.”2
campeã com a proposta de levar Logo após a morte de Paula Brito, em 15 de
para a avenida histórias que a dezembro de 1861, Moreira de Azevedo, médi-
história não conta. Com seu sam- co e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
ba-enredo História para ninar gente grande, a Brasileiro (IHGB), escreveu um longo e elogio-
Verde e Rosa arrebatou o Sambódromo, e entre so memorial sobre o amigo no Correio Mercan-
as tantas apropriações deste samba que extra- til,3 no qual afirmava ter sido Paula Brito “ex-
polaram a avenida, estava o projeto de exposi- cessivamente modesto (...) nunca conseguiram
ção Tem Mangueira no Museu.1 Embora a ideia tirar-lhe o retrato”.
tenha contado com o apoio muito especial de Acontece que a página de rosto desta edi-
um grupo grande de pessoas, a proposta não foi ção traz um retrato de busto de Paula Brito, em
adiante. Passados três anos dessa experiência, formato oval, extremamente semelhante ao
participar desta coletânea, além de muito me retrato de meio corpo existente no MHN. Tam-
orgulhar, me pareceu uma boa oportunidade bém a imagem impressa no livro traz o nome
de contribuir com a reflexão sobre o papel dos de Paula Brito em forma de assinatura, assim
museus no processo de formação de uma iden- como o retrato do museu. Seria o desenho exis-
tidade nacional considerando o uso do retrato tente no acervo do MHN o original que serviu
como fonte. Salve, pois, o retrato de Francisco de referência para a estampa contida no livro?
de Paula Brito! Acreditamos que sim, inclusive se levamos em
Dar passagem ao retrato de um persona- conta um trecho de uma crônica de Machado
gem mulato, autodidata e descendente de uma de Assis, publicada no jornal O Futuro, em 1º de
família de libertos no âmbito do centenário do janeiro de 1863.
MHN é fruto de um longo processo, que em Após tecer vários comentários sobre o ano
muito boa hora vem contribuir com os esfor- que se iniciava, Machado introduz o assunto:
ços para a afirmação de novas práticas dentro “Passarei a mencionar a inauguração do retrato
dos museus. Paula Brito foi comerciante, li- de Francisco de Paula Brito, na (...) Sociedade
vreiro, tipógrafo, impressor, editor de livros e Petalógica.” Ao mencionar esse texto em sua
de estampas, escritor e tradutor, além de com- tese, Godoi assume tratar-se da inauguração
positor, tendo atuado no espaço da corte do Rio de uma pintura, e avalia que: “Apesar de os re-
de Janeiro entre 1831 e 1861. “Foi por seu tra- gistros serem parcimoniosos neste ponto, tudo
balho e pelos laços de solidariedade que teceu indica que o retrato de Francisco de Paula Brito
durante a vida que Paula Brito converteu-se em que estampava seu livro de poesias (...) foi lito-
uma espécie de catalisador no cenário cultural grafado a partir de um quadro inaugurado na

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sede da Sociedade Petalógica na noite de 15 de
dezembro de 1862”.4
Dada a reconhecida falta de imagens de
Paula Brito, concordamos que é plausível a
hipótese levantada por Godoi de ser o retrato
estampado no livro de poesias de Paula Brito
elaborado a partir do retrato inaugurado na
Petalógica. Contudo, a imagem em questão
não seria uma pintura, mas sim o desenho
preservado no arquivo do MHN, consideran-
do o traço de ambas as imagens ser pratica-
mente o mesmo.
Apesar dos avanços no uso das imagens
como fonte de pesquisa, nos parece que ainda
há muitos aspectos a descoberto em relação
ao papel da imagem gravada na cultura visual
dos oitocentos. Particularmente, foi a ausência
de determinadas informações neste retrato de
Paula Brito que nos fez analisar com uma len-
te de aumento informações que aparecem em
segundo plano nas pesquisas recentes sobre
o personagem, como a trazida no trabalho de
Godoi. O mesmo aconteceu com a informação
sobre a existência de outra imagem “menos co-
M. J. Garnier
nhecida” de Paula Brito, atribuída ao litógrafo Retrato a bico de pena de Paula Brito
Louis Aleixo Boulanger, apresentada entre os BIBLIOTECA NACIONAL

anexos da tese de Bruno Guimarães Martins.


Comparando o retrato pertencente ao acer-
vo do MHN e a litografia atribuída a Boulanger, preender a formação da imagem do homem
temos praticamente dois Paula Britos, dada ilustre, dos principais personagens da história
as diferenças entre as fisionomias, embora se do Brasil e de sua divulgação como exemplo
mantenha a mesma pose e os trajes adequados moral no século XIX”.
à elite de então. Colocados lado a lado, as dife- “Eu quero um Brasil que não está no retra-
renças entre os retratos reforçam a tese sobre to”, reivindica a letra do samba da Verde e Rosa.
a importância da imagem existente no acervo Abrir alas para o retrato de Paula Brito no âmbi-
do MHN. Além disso, com este estudo de caso, to do MHN é sem dúvida um passo importante.
abre-se um espaço para ampliar-se a reflexão Mas é preciso ir além. Se em sua gênese, como
sobre o papel da gravura na composição de afirma Regina Abreu, o MHN “fazia eco” ao pro-
retratos nos oitocentos em um importante diá- jeto iniciado pelo IHGB, “onde o retrato da Na-
logo com a pintura e a fotografia, sobretudo se ção surgia como o desdobramento nos trópicos
consideramos ter sido Boulanger o responsável de uma civilização branca e europeia”,5 no ano
por uma série retratística que possibilita “com- do centenário desta instituição e do bicentená-

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rio da independência do Brasil, é preciso repen-
sar o retrato da Nação como um todo. Como es-
paços privilegiados localizados nos territórios,
os museus têm um importante papel nesse sen-
tido, o de falar aos olhos e aos ouvidos sobre os
diferentes brasis de que se faz um país.
1>  Tem Mangueira no Museu foi um projeto idealizado por mim,
em parceria com equipe do Museu Histórico Nacional, da Estação
Primeira e um grupo especial de colaboradores. Para enfrentar o
desafio de viabilizar a exposição no mesmo ano do desfile, 2019,
a equipe optou por uma estratégia de financiamento coletivo. No
momento da escrita deste artigo, ainda era possível ter acesso
ao site da campanha: https://www.catarse.me/mangueiranomu-
seu?ref=ctrse_explore_pgsearch
2> GODOI, R. Um editor no Império: Francisco de Paula Brito
(1809-1861). Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campi-
nas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2014, p. 2.
3> Correio Mercantil, 28 de fevereiro de 1861, edição 59, p. 2; 02 de
março de 1862, edição 61 e 62, p. 2.
4> “Sem mencionar o autor da pintura, Machado de Assis, por
exemplo, registrou que a cerimônia havia sido ‘simples e modes-
ta’” (GODOI, op. cit., p. 1).
5> ABREU, R. “O paradigma evolucionista e o Museu Histórico
Nacional”. In: Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro,
vol. 27, 1995, p. 12.

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CARTES DE VISITES DE ESCRAVIZADOS
Maria Isabel Lenzi

C
hamamos de carte de visite o pe- os vendedores, os aguadeiros, as quituteiras, as
queno cartão (9,5 x 6 cm) que vendedoras de frutas e legumes, os cesteiros,
servia de suporte a uma fotogra- os que acendiam o gás que iluminava a rua, os
fia, cuja imagem em sais de prata barbeiros, os carregadores de baldes com excre-
era fixada no papel albuminado e mentos (ditos ‘tigres’), os remadores, os cochei-
depois colada a ele. Esse formato de fotografia ros, os músicos, os coveiros... e por aí vai. Entre
se tornou popular a partir da invenção, por Eu- os negros de ganho existia a possibilidade de
gène Disdéri, de uma câmera fotográfica com comprar a alforria, pois o que excedia ao valor
quatro lentes, que produzia simultaneamente da jornada estipulada com o senhor podia ser
oito retratos, reduzindo seu custo. economizado pelo escravizado.
A pequena coleção aqui exposta retratando As cartes de visites também nos informam
escravizados pertenceu ao rei português D. Fer- que muitos desses trabalhadores eram africanos,
nando (1816-1845) e foi doada ao Museu Históri- pois o fotógrafo identifica na legenda as nações
co Nacional (MHN) em 1933 e desde então está de seus retratados. O Brasil teve a escravidão na
sob a guarda desta instituição. O conjunto pas- base da sua produção econômica durante mais
sou por restauração no final da década de 1980, de 300 anos. Escravizaram-se indígenas nos pri-
quando, para melhor conservá-las, as fotografias meiros anos da colonização portuguesa e, mais
foram retiradas das molduras, as quais, porém, tarde, verificou-se que o comércio negreiro era
foram preservadas, pois, além de guardarem a tão ou mais lucrativo do que a transação com o
dedicatória do fotógrafo a D. Fernando, revelam açúcar produzido nos engenhos, onde a mão de
por onde as fotografias passaram antes de virem obra negra era a marca da participação africana
para o museu. na política mercantilista.
Essas cartes de visite podem suscitar algu- O tráfico negreiro, até 1850, é um grande
mas reflexões sobre a história do Brasil. De negócio no Atlântico Sul. Deste modo, os traba-
pronto, saltam aos olhos as imagens dos negros lhadores que perambulavam pelas ruas das ci-
de ganho que circulavam pelo Rio de Janeiro dades portuárias do Brasil eram em sua maioria
prestando diversos serviços para pagar a diária estrangeiros oriundos da África. A exceção fica-
aos seus senhores, bem como para tentar juntar va por conta das cidades da região Norte, onde
algum dinheiro para si. a maior parte dos escravizados era oriunda das
Era a lida desses trabalhadores que se via populações indígenas.
pelas ruas da cidade. Ouviam-se também os A documentação aqui apresentada nos lem-
pregões e os cantos que essas pessoas entoavam bra também um detalhe que muitas vezes é
para amenizar a dor brutal da labuta do dia a esquecido: da escravidão também advinham
dia. Eles faziam de tudo: eram os carregadores, recursos indiretos, pois o comprador de cativos

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pagava imposto ao município podemos ler nas molduras
referente àquela compra e o a dedicatória: “a. s. m. El Rei
senhor que gastara o dinhei- D. Fernando, Christiano Ju-
ro para adquirir pessoas es- nior, rua da Quitanda, 45, 2º
cravizadas possuía uma apó- andar”.
lice de seguro que garantia o Das 24 fotografias esco-
investimento de seu capital. lhidas para esta exposição,
Além disso, tais documentos 12 são de rostos africanos e
nos lembram que imagens de as outras 12 são retratos de
trabalhadores negros eram negros de ganho. No pri-
produzidas por artistas e fo- meiro grupo, Christiano Jr.
tógrafos e vendidas para os não buscava representar a
estrangeiros, sobretudo eu- pessoa em si, mas sua ori-
ropeus, de passagem pelo Rio gem, pois embaixo de cada
de Janeiro. Quem era retra- rosto ele escreveu a nação
tado não recebia por direito ou o porto africano de onde
de imagem, mas seu retrato, a pessoa fora embarcada:
vendido como souvenir dos Mina Nagô, Cabinda, Angola,
trópicos, respondia à deman- Moçambique, Monjolo, Con-
da europeia de consumo do go. Nas outras fotografias, do
exótico e enriquecia algumas Anônimo
mesmo modo, reúne cenas
pessoas. Carte de visite retratando Christiano Jr de trabalho recriadas em
O fotógrafo português MUSEU PAULISTA seu ateliê com o objetivo de
Christiano Jr. aproveitou esse mostrar a atividade, não de
filão e produziu “variada coleção de costumes e representar o indivíduo.
tipos de pretos, coisa muito própria para quem se Vale lembrar que o açoriano Christiano Jr.
retira para a Europa”.1 As fotografias produzidas não foi o único a retratar escravizados para
em seu estúdio, feitas para os estrangeiros, não vender como exotismo aos estrangeiros. Ima-
mostram a paisagem, nem a cidade ou as estra- gens semelhantes também foram comercia-
das, exibem os escravizados. É provável que essas lizadas pelos fotógrafos Marc Ferrez, Alberto
pessoas, ao posarem com seus instrumentos de Henschel, João Goston, Revert Klumb, Georges
trabalho, tenham recebido algum trocado do fo- Leuzinger, Rodolfo Lindermann, Felipe A. Fi-
tógrafo, mas com certeza eram escravizados, pois danza e Augusto Stahl. Fotógrafos estes resi-
os que aparecem de corpo inteiro estão descalços, dentes em diversas regiões do país.
o que marcava sua condição. Mas, antes dos fotógrafos, alguns pintores
Em 1865, Christiano Jr. apresenta “Photogra- e gravadores já retratavam tais trabalhadores
phias de costumes brazileiros” na Exposição In- em cartões aquarelados para vender o exótico
ternacional da cidade do Porto, em Portugal. São ao viajante europeu. As figurinhas de artistas
duas molduras, cada uma com 12 fotografias de como Joaquim Cândido Guillobel, Frederico
escravizados das ruas do Rio de Janeiro. Depois Guilherme Briggs e Joaquim Lopes Cabral Tei-
de expostas, essas 24 imagens foram oferecidas ve comprovam que essa prática é anterior ao
pelo fotógrafo a D. Fernando, rei de Portugal, e advento da fotografia.

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1> Almanaque Laemmert. Apud Gorender, Jacob. A face escrava
da corte imperial brasileira. In Azevedo, Paulo César; Lissovsky,
Maurício. Escravos brasileiros do século XIX na fotografia de Chris-
tiano Jr. São Paulo: Ex Libres, 1988.

ACIMA, À DIREITA:

Anúncio de “Christiano
junior e Pacheco”
in Jornal da tarde,
18 de agosto de 1870
BIBLIOTECA NACIONAL

AO LADO:

Joaquim Candido
Guillobel
Aquarela, 1815
ITAÚ CULTURAL

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VISÃO DE PARAGUAÇU
Geyzon Dantas

S
alvador, Bahia: 1866. O desenhista, autoria: a leitura estética estava encoberta pelo
professor e pintor Ângelo Romão valor histórico do que representava.
recebe a incumbência de realizar có- Visão de Paraguaçu traz à cena Catarina do
pias de pinturas a óleo na sacristia da Brasil, como batizada; ou Catarina Álvares, como
igreja e mosteiro da Graça. Os quadros esposa; ou ainda Catarina Paraguaçu, como pre-
copiados, parte do acervo artístico da instituição feriu frei Santa Rita Durão em seu poema épico
religiosa, relacionavam-se a episódios vividos “Caramuru”. A pintura trata das visões de Para-
por Catarina do Brasil e Diogo Álvares – ou Pa- guaçu com Nossa Senhora da Graça, que teria
raguaçu e Caramuru, como foram inscritos no sido a razão para a construção, ainda no século
imaginário nacional. XVI, de uma ermida – atual igreja da Graça, em
As narrativas sobre a vida da mulher indíge- Salvador – em devoção à santa.
na tupinambá com o homem branco português Ao falecer, em 1583, Catarina deixou templo
misturam episódios históricos, religiosos e in- e terras para os beneditinos. A pintura narra tal
terpretações poéticas, sendo elos fundamentais feito ao espectador, sendo também objeto de de-
para estabelecer uma cronologia em torno de voção. Quem está de joelhos, com as mãos pos-
mitos fundadores de um Brasil colonial: o casal tas em adoração, é uma senhora de olhar tran-
seria o início da nossa árvore genealógica ao quilo. Adornada como uma mulher ocidental,
estabelecer uma ponte entre dois mundos. Da seus traços ancestrais parecem dissolver diante
união formal entre colonizador e colonizado da visão mística. Quem não parece estar ali é
nascia a primeira família brasileira. Antes dis- Guaibimpará, filha de cacique tupinambá, que
so, sob o ponto de vista cristão, pouco, ou quase se converteu ao catolicismo para ser esposa de
nada, poderia existir. Álvares e tornou-se “mãe do Brasil”, como parte
Em dezembro de 1881, durante a Exposição da construção, ao longo de séculos, de uma iden-
de História do Brasil da Biblioteca Nacional, o tidade nacional.
público da cidade do Rio de Janeiro pôde ver de Logo após a exposição da Biblioteca Nacional,
perto as cópias feitas por Ângelo Romão 15 anos em 1882, Melo Moraes Filho doou Visão de Para-
antes – levadas à exposição pelo poeta e histo- guaçu à biblioteca do Exército, criada no ano an-
riógrafo baiano Melo Morais Filho. terior pelo também baiano Franklin Dória, barão
Entre os quadros apresentados na categoria de Loreto. É possível que o quadro já estivesse na
Artística da exposição, estava a pintura religiosa biblioteca quando teve lugar sua instalação so-
Visão de Paraguaçu, abrindo a classe “História” lene, que contou com a presença do imperador
– que cobria o período entre 1500 e 1623. Tratan- D. Pedro II. Em junho de 1925, o então diretor do
do-se, pois, de uma cópia, o tema da pintura se Museu Histórico Nacional, Gustavo Barroso, es-
sobrepunha a questões formais ou mesmo de creveu ao ministro da Guerra solicitando a cessão

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ao museu de “objetos e livros de caráter históri- – módulo expositivo que propõe um percurso
co” da biblioteca do Exército, que se encontrava, pela cultura dos povos originários, antes da che-
naquele ano, em processo de extinção por reso- gada dos portugueses. Ali, Guaibimpará – “mar
lução do próprio ministro. As escolhas do dire- grande” – parecia dar as costas para sua “primei-
tor foram precisas: itens relacionados a figuras ra morada” – “Oreretama”, em tupi – e apontar
proeminentes do Exército; para um ‘outro mar’, ainda
retratos e medalhas de ex- maior que o seu, que esta-
-presidentes, e outros itens ria por vir... “Portugueses
assemelhados. No docu- no mundo” é o próximo
mento, Barroso diz ainda módulo da exposição e o
que os objetos seriam “ca- quadro, ali posto, tornou-
rinhosamente guardados” -se um presságio da fusão
no MHN – criado em 1922, ou do choque iminentes.
durante as celebrações do A pintura copiada por
centenário da Independên- Ângelo Romão em Sal-
cia, no Rio. vador não existe mais. Na
Quatro meses depois, o mesma sacristia da igreja
diretor do museu recebia a da Graça encontra-se, desde
resposta da secretaria de Es- 1871, outra tela: O sonho de
tado da Guerra, com a lista Catarina Paraguaçu, pinta-
do que “o diretor da biblio- da pelo também baiano Ma-
teca do Exército mandava nuel Lopes Rodrigues. Nela,
entregar”. Mas nem todos Paraguaçu é uma mulher
os pedidos foram atendidos. jovem, vestida de branco e
No lugar dos itens que não sem adornos. Suas caracte-
foram enviados, outros fo- rísticas étnicas são visíveis,
ram acrescentados e, entre o fervor de sua devoção é
eles, estava um “quadro de mais intenso e sua figura
Paraguaçu”. Manuel Lopes Rodrigues
preenche grande parte da
Sonho de Catarina Paraguaçu, 1871
Sob o ponto de vista do tela de grandes dimensões.
MOSTEIRO DE SÃO BENTO DA BAHIA
primeiro diretor do MHN, Já não é preciso esclarecer
não havia dúvidas sobre a relevância das figuras quem teria sido Catarina ou sobre sua contribui-
de Paraguaçu e Caramuru para a formação do ção: o mito enfim cristalizou-se, quando nada mais
Brasil como se conhecia. Por mais de uma ocasião, precisou ser dito.
Gustavo Barroso pôde exaltá-los em artigos para O percurso da tela de Ângelo Romão, Visão
a imprensa: ele, o “alienígena”, que veio a ser “pa- de Paraguaçu, é incompleto e sinuoso – por isso
triarca do povoamento” na Bahia; ela, “a moça sel- instigante enquanto objeto que se abre a novos
vagem”, que deu ao Brasil seu primeiro oratório. enlaces. A pintura, que surgiu sob o signo da
Em anos recentes, Visão de Paraguaçu pôde reprodução, desprovida da “aura” inerente às
ser visto na exposição de longa duração do MHN. obras de arte originais, pode, 156 anos depois,
A obra no circuito era também uma ‘visão’, sen- ser admirada como um objeto único, protago-
do a única pintura nas salas de “Oreretama” nista de sua trajetória, a roçar a autenticidade.

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José de Santa Rita Durão
Caramuru: poema épico do
descobrimento da Bahia
LISBOA

ABAIXO:

Caramurú e sua consorte


Paraguaçú, ca. 1550
BIBLIOTECA NACIONAL

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A BOTICA PORTÁTIL DO DR. CHERNOWIZ
Ana Luce Girão Soares de Lima

Q
uando procuramos a palavra “bo-
tica” nos dicionários, encontra-
mos diversos significados: desde
lojas de comércio de remédio,
armazém de secos e molhados,
utensílios usados nas farmácias e caixa de medi-
camentos. Nenhuma delas parece ser suficiente
para definir o belíssimo e complexo objeto so-
bre o qual nos debruçaremos aqui. Para além de
suas características físicas, o fascínio que a bo-
tica portátil exerce sobre quem a observa hoje
deve-se também à função para a qual foi criada,
ainda no século XIX.
Sua melhor definição está no verbete “Botica
doméstica” do Dicionário de medicina popular,
de autoria do Dr. Chernowiz, médico polonês
também criador do referido objeto. Além da
descrição pormenorizada dos compartimentos,
recipientes, uma balança e os instrumentos que
compõem a botica portátil, há uma tabela com
todas as substâncias fornecidas, suas quanti-
dades e usos. Assim Chernowiz pretendia não
apenas facilitar o atendimento das moléstias
graves e súbitas, bem como das moléstias mais
corriqueiras nas regiões onde não havia socorro
médico, mas também fornecer aos médicos que
atendiam pacientes em suas casas as substâncias breve carreira clínica no interior daquele país,
necessárias ao ofício. atendendo prioritariamente a população pobre,
Pedro Luiz Napoleão Chernowiz (1812 -1881) resolveu tentar a sorte no Brasil. Ainda estudan-
cursou Medicina na Universidade de Varsóvia, te, mantivera contato com colegas brasileiros
mas, em virtude de sua atuação política, foi for- em Montpellier – na primeira metade do século
çado a emigrar para a França, onde concluiu XIX, era ali e em Coimbra que a maioria dos mé-
seus estudos na tradicional Universidade de dicos do Brasil se formava – e soube por eles da
Montpellier, doutorando-se em 1837. Após uma escassez de médicos no país.

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Pedro Luiz Napoleão Chernoviz
Formulario e Guia Medica, 1884 | COLEÇÃO PARTICULAR

Além da reduzida quantidade de médicos, Sua atuação foi também marcada por gran-
observa-se ao longo de todo o século XIX a con- de atividade editorial voltada sobretudo para a
centração destes profissionais no Rio de Janei- popularização da arte de curar. Em 1841 publica
ro, sede do Império, e em outras capitais. E mes- a primeira edição do Formulário ou guia mé-
mo nessas áreas urbanas, “a assistência médica dico, destinado à comunidade médica, mas que
oficial era inacessível para quem se encontrava desfrutou de grande receptividade em especial
à margem das confrarias religiosas ou das redes entre os boticários – aqueles que se ocupavam
de clientelismo promovidas pelos membros da da arte de curar em regiões onde praticamente
classe senhorial”.1 inexistiam médicos. O livro contou com deze-
O Dr. Chernowiz desembarcou no Rio de nove edições, sendo a última em 1924. Em 1842,
Janeiro em 1840 com a intenção de permanecer lançava o Dicionário de medicina popular, no
por longo período. Por esse motivo, providen- qual encontramos o verbete sobre a botica por-
ciou com rapidez a validação de seu diploma tátil. Este compêndio, que teria mais oito edi-
junto à Faculdade de Medicina do Rio de Janei- ções, sendo a última datada de 1890, era sem
ro e começou a clinicar. Em seguida, ingressou dúvida voltado para a população leiga, mais
como membro titular da Academia Imperial de ainda para aquela que habitava as vastas áreas
Medicina, o que lhe garantia maior credibilida- rurais do país.
de devido ao grande prestígio que a instituição Desta forma podemos perceber que a botica
desfrutava naquele momento. portátil, cujo exemplar, fabricado em Paris em

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1870 e vendido pelos editores A. Roger e F. Cher- profissão médica, misturava-se a outros objetos,
nowiz por 320 francos, integra o acervo do Mu- como máquina de escrever, capacetes, roupas de
seu Histórico Nacional, era uma parte insepará- balé, que representavam formas de trabalho. Em
vel do Dicionário de medicina popular, presente 2019, como parte do processo de modernização
em diversas fazendas das imensas áreas rurais e requalificação do Museu Histórico Nacional,
brasileiras para prestação de socorro aos feridos e com a chegada de novos objetos ao acervo, a
e doentes. Acompanha a botica uma publicação botica portátil passou a integrar a exposição da
intitulada “Explicação da botica portátil”. Farmácia Teixeira Novaes, por se adequar me-
No Núcleo de Acervo Museológico (Reserva lhor ao conteúdo daquele setor.
Técnica) do MHN encontra-se o documento que A trajetória da botica portátil em duas situa-
indica como origem da botica portátil a Fazenda ções expositivas tão diversas nos leva a refletir
Cachoeira, situada no município de São João da sobre o amplo conjunto de significados que
Boa Vista, interior de São Paulo. Servida pela Es- pode ser atribuído a este objeto/documento. Ou
trada de Ferro Mogiana, esta rica região dedica- seja, o papel de resíduo material de determinada
va-se, entre os séculos XIX e início do XX, quase relação social datada de um período específico
que somente à produção e exportação de café. que um objeto histórico assume após ser des-
Voltando à plataforma Tainacan, ficamos saben- tituído seu valor de uso ao integrar o acervo de
do que a botica foi doada ao Museu em 1989 pela um museu, pode ser considerado apenas como
Diocese de São João da Boa Vista. uma de suas camadas simbólicas. Muitas outras
Segundo o museólogo George Abreu, do Nú- poderão se sobrepor, a depender das opções co-
cleo de Exposições, a botica foi exposta primei- locadas pelos profissionais que lidam com eles e
ramente em 2009, como parte da exposição Ci- pelo público a que se destinam.
dadania em Construção. Localizada em vitrine 1> EDLER, Flávio Coelho; GUIMARÃES, Maria Regina Cotrim.
próxima a vestimentas e utensílios referentes à Chernowiz e a medicina no Império. Inteligência, 23:128 -146. 2003.

Botica portátil

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MARIA CAMBINDA
MÁSCARA, BONECA, ESCULTURA

Aline Montenegro Magalhães e Solange Palazzi

“A incerteza é também a ocasião para que resplandeça


o que uma máscara ou uma vasilha acolhem de mistério e poesia.”
(Nestor Garcia Canclini)

M
aria Cambinda pertencia à máscara de madeira dos negros da Irmandade
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto, [...] levada nas pro-
do Rosário dos Pretos de Ouro cissões. O rosto de mulher, esculpido em arte
Preto (INSRPOP). Foi doada, puramente negra, representa Maria Cambinda
em 1928, pelo juiz Odorico [...] as máscaras sempre tiveram grande impor-
Neves a Gustavo Barroso, diretor do Museu His- tância na África, sendo utilizadas não somente
tórico Nacional à época, enquanto este inspe- em festas religiosas como em cerimônias guer-
cionava obras na referida igreja, integrando-a ao reiras, tribais e outras. [...] interessantíssimos o
acervo do MHN. Naquele período, a Irmandade nariz e o penteado”.1
já era dirigida pela comunidade local, não mais Mas qual seria a história de Maria Cambin-
pelos homens negros. da antes de seu aprisionamento na sacristia da
Em duas cartas de Neves a Barroso, Maria igreja e posterior ingresso no MHN? Estudos
Cambinda é nomeada como boneca. Entretanto, sobre os usos de bonecas e máscaras em mani-
nunca mais apareceu nos escritos do Museu. Foi festações luso-afro-brasileiras apontam para
invisibilizada na então Sala Antônio Prado Jú- a hipótese de que Maria Cambinda poderia ter
nior, ao ser exposta no chão, sem denominação sido uma anunciadora de festas. Pois era comum
específica, conforme fotografia que ilustra uma que antes das grandes festas, os ranchos, bandos
reportagem de Barroso. e grupos teatrais saíssem às ruas com diversos
Como “uma máscara de madeira pintada, tipos de representações, dentre elas as chama-
representando uma preta de busto nu, que os das máscaras.
negros da Irmandade de Nossa Senhora do O termo máscara aparece na descrição da
Rosário, em Ouro Preto, usavam durante as primeira grande festa das Minas, o Triunfo Eu-
procissões religiosas”, Maria Cambinda foi carístico, em 1733. Simão Pereira Machado re-
descrita no guia de turismo Rio de Janeiro e lata: “Deu princípio aos festivos dias um bando
seus arredores, de 1939, na menção à Sala Luís por ministério de várias máscaras [...] todos por
Gama, antiga Antônio Prado Júnior. Já Má- diferentes modos anunciaram ao povo a futu-
rio Barata escreveu uma matéria sobre Arte ra solenidade.”2 Um destes bandos poderia ser
Negra na Revista da Semana de 17/05/1941, na o da Cambinda, já que nos livros de registro da
qual comenta: “No [MHN] há uma curiosíssima INSRPOP encontramos grupos similares.

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É possível que esta máscara ou boneca Nkisis, objetos sagrados de rituais religiosos,
guarde similitude com as de grupos de bumba como os do Congo e de Angola, com os quais
meu boi ou boi bumbá. O rosto é uma escultu- os sacerdotes se comunicavam com os espíri-
ra, e o corpo montado em madeira é coberto tos. Fica a indagação, fortalecida pelos orifí-
de longo e volumoso saiote. No caso da Cam- cios nas orelhas, por onde se poderia pendurar
binda, braços longos e mãos que rodopiam em panos e adornos, assim como a marca do que
torno do corpo, ao som de foliões cantantes pode ser interpretado como uma coroa de es-
e dançantes, interagem com o público. Estes pinhos na cabeça, abaixo do penteado esculpi-
grupos saíam pelas ruas para anunciar even- do que possivelmente a identifica com algum
tos, arrastavam o cortejo para o local da apre- povo da África.
sentação e durante o espetáculo entretinham É fato que Maria Cambinda ainda integra o
as pessoas nos intervalos. Mas também pode- imaginário popular do entorno da Igreja de N.
mos ver a Cambinda animando rodas de sam- Sra. do Rosário como uma assombração. Pois há
ba ou outros ritmos africanos nos terreiros ou relatos de pessoas maiores de 65 anos sobre
no adro das igrejas. como, quando crianças, suas mães amea-
Não podemos esquecer que a Maria Cam- çavam chamar Maria Cambinda caso as
binda foi criada e tinha existência no seio da desobedecessem. Outros contam que ela é
INSRPOP. Daí é provável que ela também a noiva que aparece na torre ou a voz que
tenha tido função de esmolar, arrecadando canta no coro da igreja.
recursos para a festa do Rosário ou para reis No MHN, foi identificada como “deusa
e juízes da irmandade, assim como para da fertilidade” em sua ficha catalográ-
outras necessidades da igreja. Afinal, o fica, atribuição compreensível pelo
custo para pertencer ao Reinado Negro recorte feito na madeira abaixo de seu
era alto. Estes grupos foliões também ventre –provavelmente interpretado
podiam servir de “estado” ou corte do rei como uma vulva gigante, hipérbole
eleito, conforme o livro de Compromisso encontrada em esculturas africanas.
da Irmandade. Entretanto, o buraco parece ter sido
Teria ela função espiritual ou religio- feito para facilitar o ajuste da escultura
sa? Difícil responder. Ela estava guar- ao corpo humano que possivelmente a
dada na sacristia, o que nos leva a crer carregava em cortejos da INSRPOP.
que não pertencia a rituais de terreiro Em 2009, passou a integrar o módu-
porque não encontramos traços que lo “Portugueses no mundo” do circuito
poderiam integrá-la ao candomblé ou expositivo principal do Museu. Como
outras religiões de matriz africana. alegoria do continente africano, foi co-
Marina de Melo e Souza alerta que as locada em uma vitrine reunindo objetos
máscaras também eram comuns nos representativos da Expansão Marítima
rituais mágicos das culturas africanas. Portuguesa entre os séculos XV e XVI. Na
Então, não podemos deixar de legenda constava apenas a informação de
considerar que a imagem poderia ser ser uma escultura do século XIX.
associada a um catitão ou carranca, Ao ser redescoberta como Maria
para espantar maus presságios. Ou Cambinda, a boneca ou máscara abre
guardar alguma semelhança com os portas e janelas para se analisar e com-

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preender a vida de negras e negros que cons-
truíram outras histórias, carentes de serem es-
tudadas e conhecidas. Mais do que uma alegoria,
Maria Cambinda diz muito sobre um modo sin-
gular da prática de devoção à N. Sra. do Rosário.
É parte da história de agentes negras e negros
que atuaram na Irmandade, único local onde se
reuniam coletivamente e também encontravam
assistência à saúde e aos funerais, além da chan-
ce de libertação por meio da ajuda mútua para
compra de alforrias.
Não encontrar informações sobre a Maria
Cambinda nos livros da Irmandade, nem em
outros lugares, até o momento, ou exemplar pa-
recido com ela, diz muito sobre o silenciamento
das referências afro-diaspóricas na nossa his-
tória. Trazê-la para essas páginas é uma forma
de reafirmar a necessidade de reparação com a
memória, sabedoria, tecnologia e o protagonis-
mo do povo que veio de África, na construção de
nosso país.

Ainda há muito a se pesquisar e conhecer so-


bre os mistérios e a poesia de Maria Cambinda.

1> CANCLINI, Nestor Garcia. O patrimônio cultural e a construção


imaginária do nacional. Revista do Iphan, n. 23, 1994, p. 94-115.
2> BARATA, Mário. Arte negra. Revista da Semana, 17/05/1941,
p. 16-17, 34. Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/025909/
per025909_1941_00020.pdf
3> MACHADO, Simão Ferreira. Triunfo Eucarístico, exemplar da
cristandade lusitana em pública exaltação da fé na solene trasla-
dação do Diviníssimo Sacramento da Igreja da Senhora do Rosá-
rio, para um novo templo da Senhora do Pilar em Vila Rica, corte
da Capitania das Minas. In: AVILA, A. Resíduos seiscentistas de
Minas Gerais. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Ge-
rais, 1967, p.129-283

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O TAMBOR CAXAMBU
Daniel Palazzi, Kedison Guimarães, Jeferson Rocha
e Solange Palazzi

U
m tambor silenciado, confec- música torna-se diretamente inteligível, trans-
cionado pelos integrantes da Ir- formando-se o instrumento na voz do artista
mandade de Nossa Senhora do sem que este tenha necessidade de articular
Rosário dos Pretos da Cidade de uma só palavra.”1
Ouro Preto, em Minas Gerais, en-
contrava-se encostado no fundo da sacristia da Para Posnansky, a prática tamborileira na
Igreja do Rosário, no início do século XX. forma e desenvolvimento das civilizações afri-
Em 1928, Gustavo Barroso, então diretor do canas remonta aos agricultores da Idade do
Museu Histórico Nacional (MHN), interme- Ferro, que modelavam cerâmicas, talhavam
diou um processo de restauração na referida tambores, teciam panos, fundiam o ferro, forja-
sacristia e entrou em acordo com o Juiz da Ir- vam utensílios. Os tambores são tão ancestrais
mandade, Odorico Neves, solicitando a doação quanto o próprio homem e sempre estiveram
do “Tambor Caxambu” para o seu acervo. presentes nos cultos religiosos e também no
Exemplar único, dar uma definição a este lazer.
objeto é trancá-lo em uma vitrine, quando a
representatividade que ele traz é muito maior “Ligados à tradição, os tambores constituem
que ser apenas uma peça de museu. Para des- um dos grandes livros vivos da África. Alguns
crevê-lo é preciso dialogar com a história, a são oráculos; outros, estações de transmissão;
descendência e vibração que ele emana. outros, gritos de guerra que fazem brotar o he-
Trata-se de um tambor afro-brasileiro. Feito roísmo; outros, ainda, cronistas que registram
nos terreiros de Ouro Preto, Minas Gerais, por as etapas da vida coletiva. Sua linguagem é,
mãos e saberes daqueles que foram traficados fundamentalmente, uma mensagem repleta de
de África e de seus descendentes, carregando história.”2
em sua estética e linguagens a ancestralidade
do Velho Continente. Assim é o tambor “caxambu” da Irmandade
Quando falamos em tambor africano, as de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Ao
referências retornam aos primórdios do cami- avistá-lo, conseguimos pressentir os passos,
nhar da humanidade. Em África, os artefatos desde os daqueles que foram até a mata esco-
musicais têm um lugar de destaque. Por serem lher a árvore, até os dos que o tocaram. Porque
um tambor ritual é múltiplo: transversal, por
“Veículos da história falada, esses instrumentos atravessar vários espaços e não espaços, tem-
são venerados e sagrados. Com efeito, incorpo- pos e atemporalidades; imanente, pois há uma
ram-se ao artista, e seu lugar é tão importante materialidade sagrada em sua confecção, com
na mensagem que, graças às línguas tonais, a madeiras e coros de animais, sacralização com

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ervas ou sangue animal, para se ter um potente as cerimônias que ensinaram os caminhos do
de axé; transcendente, por acessar divindades; candomblé e da umbanda brasileiros, para que o
e plural, pois possibilita múltiplos significados sagrado seja cultuado até os dias de hoje e os ori-
e experiências ressiginifacados na relação pes- xás e a força da fé possam se manifestar, exalando
soa-comunidade-tambor. ancestralidade e oração.
Com certeza, esta peça ecoou muito mais Mas também pode ter se manifestado no
fora da Igreja do Rosário do que dentro dela, catolicismo, estando no alto do coro da Igreja,
porque é um tambor de terreiro. Muitas mãos em inúmeras missas, em especial as de Nossa
o tocaram, mas não qualquer mão... porque Senhora do Rosário e dos Santos Negros.
apenas os predestinados conseguem realizar a E, provavelmente, batucou nos momentos
conexão. Não estava silenciado na sacristia por festivos, levando som, vida, movimento, axé.
acaso, mas a exigir que apenas as mãos corre- Promovendo o canto e a dança, do adro da Igre-
tas viessem a tocá-lo. Nunca teremos condições ja do Rosário para as ladeiras de Vila Rica. Sem,
de enunciar quantos caminhos percorreu até no entanto, deixar de expressar resistência e
chegar ao MHN. E o museu, abrindo a vitrine luta pelo direito à vida e à liberdade, o que po-
para que o tambor possa continuar ecoando, demos deduzir a partir da frase em letras gar-
não pode definir quais serão os próximos pas-
Anônimo
sos que percorrerá, porque, como sempre aler-
Igreja de nosa Senhora do Rosário, Ouro Prêto
taram os ancestrais, “os tambores da terra têm WIKIMEDIA COMMONS
que ser ouvidos no céu”.
Sobre a forma com que era utilizado, nos
Anais do Museu Histórico Nacional (1944), ele
é associado a peça utilizada nas danças dos ne-
gros, ou referenciado como um atabaque.
O “caxambu” permite ver, através dele, toda
a linhagem dos tambores de Congado. Reme-
te à memória dos Grandes Reinados, como o
de Chico Rei. Um tambor, talvez semelhante
a este, no alto da escadaria da Igreja de Santa
Efigênia, ressoou a força, a ancestralidade e a fé
que nossos congadeiros expressam ainda hoje.
As práticas congadeiras e reinadeiras estão re-
gistradas nos livros da Irmandade de Nossa Se-
nhora do Rosário dos Homens Pretos, desde o
seu nascimento.
Sua descrição como atabaque nos permite
presumir que nosso ancestral, aqui analisado,
foi testemunha e centro energético de força e
religiosidade em Ouro Preto. Que talvez a vibra-
ção do couro e da madeira doados pela natureza,
e produzido como conhecimento, sabedoria e
respeito tenha sussurrado em sinergia, durante

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Arsênio Silva
Congada, fotografia encomendada pelo Emperador Pedro II, 1860
BIBLIOTECA NACIONAL

rafais, desenhadas no corpo do tambor: “Viva o


Brasil e todo o seo valor e viva o nosso impera-
dor” – provavelmente uma referência à aboli-
ção da escravidão.
Este tambor “caxambu” é uma espécie an-
cestral que fala por todos os que tiveram seu
som negligenciado ou esquecido. Peça funda-
mental para contar parte da história do Povo
Negro. Porque o que se criou não foi apenas um
instrumento musical, mas uma conexão, cuja
capacidade de interligar se realiza na sua exis-
tência centenária, até os nossos dias.

1> KI-ZERBO, Joseph. “Metodologia e pré-história da África”. In


História geral da África. Brasília: Unesco, 2010 , v. I, p. XLII.
2> Idem, p. 392.

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COLEÇÃO JOSÉ DOS REIS CARVALHO
Thayane Vicente Vam de Berg

N
o arquivo histórico do Museu His- botânica, seção zoológica, seção etnográfica e nar-
tórico Nacional existem diversas rativa, seção geológica e mineralógica, e seção as-
coleções importantíssimas para tronômica e geográfica, chefiadas respectivamente
a história nacional, uma delas é por: Francisco Freire Allemão, Manoel Ferreira
a Coleção José dos Reis Carva- Lagos, Antônio Gonçalves Dias, Guilherme Schüch
lho, composta por 32 ilustrações científicas (15 de Capanema, Giacomo Raja Gabaglia.
aquarelas e 17 desenhos) produzidas durante a Durante o trabalho de campo, o pintor José
Comissão Científica do Império. Esta expedi- dos Reis Carvalho1 assumiu a responsabilidade
ção ocorreu no século XIX, durante o Segundo de documentar, por meio das ilustrações cientí-
Reinado, entre os anos de 1859 e 1861, na região ficas, as características geológicas, mineralógicas,
correspondente à província cearense, e contou zoológicas, etnográficas e botânicas das regiões
com o apoio do imperador Pedro II e patrocínio visitadas. Exímio aquarelista, ele fora discípulo
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. de Jean-Baptiste Debret na Academia Imperial
Também é conhecida pelas denominações: Co- de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde se formou
missão Científica de Exploração do Ceará, Co- no ano de 1824. Era especialista em ilustração bo-
missão Exploradora das Províncias do Norte, tânica e lecionou desenho na Escola da Marinha.
Imperial Comissão Científica, Comissão Cien- A presença de ilustradores científicos nestas
tífica de Exploração e Comissão das Borboletas. viagens era fundamental, pois “o uso do dese-
A formação da Comissão Científica do Império nho e da pintura constituía um suporte técnico
atendeu a finalidades políticas e científicas, e fez imprescindível nas observações de campo”,2 e
parte do “projeto civilizacional” promovido pelo este tipo de imagem tinha como função servir
governo. Entre os motivos para sua realização des- de apoio aos textos e anotações científicas. De-
tacam-se: a intenção de se conhecer as partes terri- talhes como a profundidade, sombra, cor e luz
toriais até então “isoladas”, promovendo a ‘expan- são destacados nas ilustrações científicas como
são para dentro’ do projeto imperial; enriquecer as forma de retratar aquilo que é visto in loco.
coleções de História Natural do Museu Nacional (na As imagens de Reis Carvalho constituem par-
época Museu Imperial e Nacional); fomentar uma te importante da documentação produzida na
ciência genuinamente nacional com a participação expedição e permitem conhecer: o mapeamento
exclusiva de cientistas brasileiros; estimular a idea- geológico, a morfologia das rochas, o processo de
lização de um Brasil comparável às nações euro- erosão e decomposição, os recursos minerais, a
peias; além de interesses econômicos, pois havia a topografia; as espécies de vegetação e animais; a
suspeita da existência de minerais preciosos na re- arquitetura, os artefatos, as tecnologias, as técni-
gião explorada; entre outros objetivos. Era formada cas e os tipos de materiais utilizados; aspectos li-
por cinco seções da área da História Natural: seção gados à indústria, economia, agricultura, cultura,

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religião, costumes e saberes locais; vestimentas A Comissão Científica do Império é um mar-
da época; o uso dos recursos e adaptações ao cli- co na história da ciência e teve papel relevante
ma do sertão; o cotidiano das pessoas da região; a na afirmação da comunidade científica brasi-
identificação de grupos indígenas etc. leira que, naquele momento, buscava reconhe-
Na coleção do Museu Histórico Nacional, qua- cimento e prestígio social. A Coleção José dos
tro imagens foram encontradas por Gustavo Bar- Reis Carvalho relaciona-se a um contexto his-
roso e incorporadas ao acervo. As 32 ilustrações tórico específico e a importância de sua preser-
da Coleção José dos Reis Carvalho sob a guarda vação não é apenas artística, mas também cien-
do MHN contemplam temáticas que abarcam a tífica, visto que tais documentos são resultantes
arquitetura da cidade de Aracati, e características de um extenso mapeamento da região cearense,
da natureza na região cearense, das localidades: os quais possibilitaram descobertas e pesquisas
Serra do Arerê, Russas, Icó, Jaguaribe-mirim, nas mais diversas áreas do conhecimento.
Freguesia do Riacho do Sangue, entre outras.
Nesta coleção também é possível identificar re- 1> As informações acerca da biografia de Reis Carvalho são por
vezes difíceis de precisar. De acordo com a pesquisadora Maria
gistros de técnicas e materiais utilizados em dife- Sylvia Porto Alegre (2009, p. 14) o artista é niteroiense, mas ou-
rentes tipos de cerca; e tecnologias aplicadas nas tras referências de pesquisa atribuem-no a naturalidade cearen-
se, como por exemplo: o Projeto Brasiliana Iconográfica (https://
construções e utensílios (moinho de vento, paiol www.brasilianaiconografica.art.br/autores/16937/jose-dos-reis-
de pólvora, carroças, casa de pau a pique, curral -carvalho); a Enciclopédia do Itaú Cultural (https://enciclopedia.
itaucultural.org.br/pessoa24320/jose-dos-reis-carvalho); o Portal
feito de carnaúba, redes, cesto de pesca). Além de Brasiliana Fotográfica (https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?ta-
representações de situações cotidianas e etno- g=pintura). Sobre esta situação cabem algumas reflexões: a na-
turalidade cearense pode ter sido atribuída por uma assimilação
gráficas como: a indicação dos locais das missões com a localidade desenhada pelo artista? Caso seja cearense, qual
religiosas do Padre Agostinho; a atividade pes- seria a cidade do seu nascimento?

queira; as características dos povos indígenas da 2> PORTO ALEGRE, Maria Sylvia. “150 anos depois: na ronda do
tempo”. In: KURY, L. B. (org.). Comissão Científica do Império,
região; comportamentos dos sujeitos etc. 1859-1861. Rio de Janeiro: Adrea Jakobsson, 2009, p. 10-15.

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Pescaria com cesto de “mororó”. Quixó, 18 de setembro de 1859.

Igreja Nossa Senhora dos Prazeres, na cidade do Aracati. 06 de setembro de 1859.

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LEME DA FRAGATA AMAZONAS
Francisco Doratioto

A
fragata Amazonas esteve à frente argentino, de Bartolomeu Mitre – e, a partir de
da vitória brasileira na batalha meados de 1864, também do brasileiro.
naval de Riachuelo, na Guerra do Segundo o plano de Solano López, as colunas
Paraguai, e dela restou a roda de invasoras, vitoriosas, levariam à instalação de
leme, hoje pertencente ao acervo governos receptivos aos interesses paraguaios
do Museu Histórico Nacional. Esse timão reali- em Buenos Aires e Montevidéu. O Paraguai teria
zou as manobras ordenadas por Francisco Ma- então melhores condições para definir as fron-
noel Barroso da Silva e que levaram à destruição teiras com o Brasil e a Argentina e poderia utili-
ou fuga das embarcações inimigas. A belonave zar-se do porto de Montevidéu para aprofundar
foi condecorada por Pedro II com a Ordem do sua inserção no comércio internacional.
Cruzeiro, cuja insígnia encontra-se no centro da O sucesso dessa estratégia demandava o do-
roda. mínio do rio Paraná pelos navios paraguaios,
Em novembro de 1864, após aprisionar o na- que dariam suporte às forças invasoras e, para
vio mercante brasileiro Marquês de Olinda, que tanto, era necessário anular a divisão naval bra-
fizera escala em Assunção rumo a Mato Grosso, sileira nesse via fluvial – a Argentina não dispu-
o governante paraguaio Francisco Solano Ló- nha de Marinha de Guerra. Foi então planejado o
pez rompeu relações diplomáticas e entrou em ataque paraguaio aos navios de guerra brasilei-
guerra com o Império do Brasil. ros, na altura da foz do Riachuelo.
Em dezembro de 1864, tropas paraguaias O Paraguai contava com uma Marinha im-
atacaram o Mato Grosso e, em abril do ano se- provisada, composta por embarcações mercan-
guinte, o ditador paraguaio ordenou a invasão tes adaptadas – uma delas, o Marquês de Olinda
da província argentina de Corrientes, o que le- – e apenas um navio de guerra, o Tacuarí, cons-
vou à constituição da Tríplice Aliança entre Ar- truído na Inglaterra. Já a divisão naval brasileira
gentina, Brasil e Uruguai, em 1º de maio de 1865, no rio Paraná era composta por nove embar-
para enfrentá-lo. Em 8 de junho, cerca de 12 mil cações com casco de madeira e grande porte,
soldados paraguaios invadiram o Rio Grande do construídas para a patrulha oceânica. Com ca-
Sul, marchando rio abaixo, pelas margens do rio lado para navegar em águas profundas, tinham
Uruguai, com o objetivo de ingressar no territó- dificuldade em operar em trechos sinuosos ou
rio uruguaio e derrotar as forças brasileiras que estreitos do rio.
ali estavam. Estas tinham viabilizado a troca do Comandava essa divisão o experiente Fran-
poder em Montevidéu: do Partido Blanco, que cisco Manoel Barroso da Silva. Seu navio capitâ-
o ocupava constitucionalmente e que buscara nia, o Amazonas, era o maior da esquadra e mo-
apoio de Solano López, para o Colorado, que vimentava-se usando velas e máquina a vapor,
lutou a guerra civil com o respaldo do governo que girava rodas posicionadas em suas laterais,

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mais vulneráveis a tiros um dos navios suspen-
de canhões do que as hé- deu a navegação para que
lices das demais belona- fosse reparada e retardou
ves brasileiras – mas lhe ainda mais o ataque.
davam maior capacidade A esquadra paraguaia
de manobra. As outras aproximou-se da brasi-
oito belonaves brasileiras leira em plena luz do dia,
– Jequitinhonha, Beberi- e passou por seus navios
bei, Belmonte, Parnaíba, quase imobilizados, pois
Mearim, Araguaí, Igua- as fornalhas ainda não for-­
temi e Ipiranga – eram neciam vapor suficiente.
de tamanhos diferentes Meza não tentou tomá-
e também possuíam pro- -los, pois já perdera o
pulsão mista. efeito surpresa. Do lado
O plano de Solano brasileiro, movimentou-
López não era destruir os -se primeiramente o Bel-
navios brasileiros, mas monte, seguido pelo Je-
sim atacá-los de surpre- quitinhonha e pelos de-
sa, capturando-os. Assim, mais, manobrando em
a ação foi planejada para espaço exíguo, sob tiros
Angelo Agostini
o raiar do sol, quando O Almirante Barroso em retrato publicado
vindos das margens. Lo-
suas caldeiras ainda es- na Revista Ilustrada, 1882 go avistaram a curva com-
tariam sendo acesas para COLEÇÃO PARTICULAR pleta do rio Paraná, na
obter vapor, portanto, altura do lugar conhe-
com pouca capacidade de manobra. As belona- cido como Rincón de Lagraña, onde estavam
ves brasileiras seriam abordadas pelos 500 sol- parados os navios paraguaios. Raciocinando
dados que superlotavam os navios paraguaios que estes voltariam rio acima, Barroso deteve
e renderiam os marinheiros de guarda, domi- a marcha do Amazonas. Houve, porém, dificul-
nariam os conveses e encurralariam as tripu- dade de comunicação e sincronização de mo-
lações, que ainda estariam nos alojamentos. vimentos entre os navios brasileiros, o que ex-
Os paraguaios colocaram 30 canhões e três mil pôs o Jequitinhonha a vários impactos de bala,
soldados nas barrancas próximas do Riachuelo, imobilizando-o. O Belmonte seguiu à frente,
que ficavam acima do nível dos conveses dos mas foi avariado pelos tiros de canhões da bar-
navios. O canal navegável do rio Paraná era ranca e encalhou, para não afundar. O Parnaíba
estreito, o que obrigaria os navios brasileiros a tentou rebocar o Jequitinhonha, mas perdeu o
manobrar bem próximo da margem, sob tiros. leme, imobilizando-se. Barroso colocou-se, en-
Na noite de 10 de junho, a esquadra para- tão, à frente dos outros navios, e sob fogo de ca-
guaia partiu da fortaleza de Humaitá com algum nhões, desceu o rio Paraná até poder manobrar
atraso. Era comandada por Pedro Inácio Meza e e retornar à ponta sul do Rincón de Lagraña,
composta por oito navios rebocando seis peque- com as belonaves brasileiras em coluna.
nas embarcações sem propulsão própria, com Ele encontrou o Jequetinhonha encalhado,
um pequeno canhão. Uma avaria na hélice em sob bombardeio, enquanto três navios para-

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guaios cercavam o Parnaíba, em cujo convés quadra brasileira teve 124 marinheiros mortos
travava-se luta corpo a corpo. Havia duas em- e perdeu o Jequetinhonha. Esse resultado frus-
barcações paraguaias fora de ação e as demais trou os planos de Solano López, e a Marinha
mantinham capacidade de combate; a vitória Imperial, ao bloquear a navegação do Paraguai
inclinava-se para estas. Barroso utilizou-se do para o Atlântico, criou condições para os aliados
tamanho do Amazonas atirando sua proa como passarem à ofensiva.
um aríete contra as embarcações inimigas. Ma- A fragata Amazonas ainda teria quase três
nobra arriscada, mas bem-sucedida: afundou décadas de vida útil. Na Revolta da Armada, em
uma das embarcações e inutilizou outras duas, 1893, ela foi ocupada pelos sublevados e termi-
enquanto os quatro navios inimigos restantes se nou indo a pique a oeste da Ilha das Enxadas,
retiravam. na Baía da Guanabara. Dela foram retiradas al-
Após mais de cinco horas de combates, ca- gumas peças, uma delas, justamente, a roda de
racterizava-se a vitória da força naval brasileira. leme, antes que fosse explodida em 1897, pois
Os atacantes perderam uns dois mil homens, sua estrutura naufragada atrapalhava o canal de
inclusive o comandante Meza, enquanto a es- navegação.

Alexander Gardner
Brazilian Steam Frigate at Navy Yard, 1863 (Fragata Amazonas)
LIBRARY OF CONGRESS, WASHINGTON

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COMBATE NAVAL DO RIACHUELO
Sonia Gomes Pereira

C
ombate Naval do Riachuelo é uma ris; tornou-se, assim, o primeiro brasileiro a ter
pintura a óleo sobre tela, com 8,2 m uma obra em um salão internacional. De volta
de largura e 4,2 m de altura, feita por ao Brasil, foi professor da Academia na cadeira
Victor Meirelles. de Pintura Histórica. Dedicou-se a vários gêne-
Ela retrata um episódio da Guer- ros de pintura: retratos, paisagens – sobretudo
ra do Paraguai, que se prolongou de 1864 até 1870, no final da vida – e pinturas de temas históricos.
na qual a Tríplice Aliança – formada por Brasil, Nessa última categoria, recebeu várias enco-
Argentina e Uruguai – enfrentou o Paraguai, go- mendas do governo imperial, entre as quais o
vernado por Solano Lopez. A batalha em questão Combate Naval do Riachuelo.
ocorreu em 11 de junho de 1865, no rio Paraná, Desde o Renascimento na Itália, período que
junto à foz do afluente Riachuelo, terminando corresponde aos séculos XV e XVI, quando bri-
com a vitória do Brasil, liderado por Francisco Ma- lharam artistas notáveis como Leonardo da Vinci,
noel Barroso da Silva – o Almirante Barroso – e a Rafael e Michelangelo, a pintura histórica era con-
destruição quase completa da esquadra paraguaia.
A obra preservada no MHN é, na verdade, a Victor Meireles
Litografia de Angelo e Robin, 1881
segunda versão da pintura. A primeira foi en-
BIBLIOTECA NACIONAL
comendada pelo Ministro da Marinha, Afonso
Celso de Assis Figueiredo, em 1868. Oito anos
mais tarde, em 1876, foi enviada para a Exposi-
ção Universal de Filadélfia, nos Estados Unidos.
Depois do evento, ficou totalmente deteriora-
da, sem possibilidade de restauração. Em 1883,
o pintor, apoiando-se em esboços e fotografias,
realizou esta segunda versão.
Victor Meirelles de Lima (1832-1903) é um
dos mais brilhantes artistas da segunda metade
do século XIX no Brasil. Foi aluno da Academia
Imperial de Belas Artes, ganhou o Prêmio de
Viagem em 1852 e partiu para a Europa como
pensionista, primeiro em Roma, depois em Pa-
ris. Quase no final de seu pensionato, em 1861,
Meirelles, com base na carta de Pero Vaz de
Caminha, realizou a tela A Primeira Missa no
Brasil, que foi aceita e exposta no Salão de Pa-

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siderada uma das formas ny na Travessa das Belas
mais nobres de arte. Artes (próximo à atual
Aqui no Brasil, a pin- Praça Tiradentes), infe-
tura histórica tornou-se lizmente hoje demolido,
muito importante no sé- existindo apenas seu no-
culo XIX, após a vinda de tável pórtico no Jardim
D. João em 1808. Inicial- Botânico.
mente, teve o objetivo de Para aprimorar e am-
glorificar a figura do mo- pliar os horizontes dos ar-
narca – o próprio D. João tistas nacionais, a Acade-
VI e depois D. Pedro I mia criou nos anos 1840
– e registrar fatos impor- os Prêmios de Viagem a
tantes ligados à monar- Europa e as Exposições
quia, como a chegada da Gerais, muito mais tarde
Princesa Leopoldina, da chamadas de Salões.
Áustria, para o casamen- Nunca é demais des-
to com D. Pedro. Após a tacar a importância des-­
Independência em 1822, ses dois fatos. De um la-
e sobretudo durante do, eles permitiram a in-
o reinado de D. Pedro Almirante Francisco Manuel Barroso da Silva serção de alguns alunos
II, foi um instrumento FOTÓGRAFO DESCONHECIDO de maior destaque no
importante na constru- COLEÇÃO PARTICULAR
ambiente internacio­nal,
ção da imagem da nova possibili­tando que al-
nação, contribuindo para consolidar o poder da guns chegassem à excelência, dentro dos pa-
monarquia, assim como ressaltar a ideia de um drões acadêmicos da época. É o caso de Victor
território imenso e unificado, em que as três raças Meirelles e Pedro Américo, os quais atingiram
conviveriam em harmonia sob a liderança da civi- níveis de qualidade em sua pintura equivalentes
lização ocidental e branca. Assim, fatos da história aos pintores acadêmicos europeus de seu tempo.
do Brasil foram destacados, tanto da história mais Por outro lado, é importante chamar a atenção
antiga, como a guerra para expulsão dos invasores para a importância da exposição do trabalho do
holandeses do Nordeste no século XVII, quanto fa- artista a um público maior e, sobretudo, à crítica
tos então atuais, como a guerra do Paraguai. de arte. Isso já havia ocorrido antes na Europa e
A utilização das artes nesse processo de cons- no século XIX ocorre no Brasil. As Exposições
trução da imagem visual do país foi possível Gerais contribuíram para ampliar o ambiente
graças à atuação da Academia Imperial de Belas artístico, formar o gosto de um público maior e
Artes. A instituição foi criada em 1816, contando propiciar encomendas fora do âmbito do Esta-
com a vinda de professores franceses – Jean-Bap- do, possibilitando maior liberdade para o artista.
tiste Debret, Nicolas Taunay, Grandjean de Mon- Passando agora a olhar com maior cuidado a
tigny, entre outros –, todos emigrados da França tela Batalha do Riachuelo, podemos observar al-
no momento crítico da queda de Napoleão Bo- guns dos pontos aqui indicados. Por exemplo, a
naparte. Mas a entidade só foi definitivamente cena retratada diz respeito aos momentos finais
aberta em 1826, em prédio projetado por Montig- da batalha. Portanto, Victor Meirelles, que foi

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pessoalmente ao local onde o combate aconte-
ceu, escolheu representá-la num momento em
que a vitória do Brasil já estava assegurada, po-
dendo, assim, exaltar a bravura dos combatentes
brasileiros.
Apesar de se tratar de uma batalha, que cer-
tamente se passou com grande movimentação,
a composição da pintura apresenta-se estrutu-
rada de forma equilibrada, destacando quase no
centro a fragata Amazonas com a figura do Al-
mirante Barroso, mas contrapondo nas laterais
as demais embarcações. Embora não haja sime-
tria absoluta, o conjunto se equilibra quando os
barcos da esquerda, em maior número e mais
afastados, opõem-se ao barco maior derrubado
à direita, mais próximo do espectador e ladeado
por várias figuras humanas. O desenho, portan-
to, prevalece nessa composição estruturada se-
gundo os padrões clássicos tradicionais.
A escolha de Victor Meirelles no tratamen-
to expressivo da tela guarda um tom mais con-
tido, não tão dramático como pode ser visto
em outras pinturas de batalha. A maior drama-
ticidade na Batalha do Riachuelo encontra-se
no primeiro plano, em que são representadas
figuras dos paraguaios derrotados com grande
movimentação corporal, alguns semidespidos,
outros quase se afogando nas águas do rio e ou-
tros ainda lutando.
Em contraste com o tom dramático do pri-
meiro plano, está a representação do Almirante
Barroso e dos soldados brasileiros na fragata
central de maneira mais sóbria, já em plena ce-
lebração da vitória.
É essa imagem positiva do Brasil que a tela
Batalha do Riachuelo procura fixar, mostran-
do menos o lado cruel e dramático da guerra
e destacando a imagem de um país heroico e
vitorioso.

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RETRATO DE PEDRO II
Moema Vergara e Rundsthen Nader

A
o visitar o Museu His- principalmente ao retrato. Apesar de
tórico Nacional, ser o único artista plástico a com-
um dos objetos bater na guerra, nunca fez pin-
do seu acer- turas históricas como Victor
vo que nos Meirelles (1832-1903) ou Pe-
chama muito a atenção é o dro Américo (1849-1905),
quadro de Pedro II pinta- seus contemporâneos.
do por Delfim da Câmara Na Enciclopédia Itaú
(Magé/RJ,1834-c.1916).Se- Cultural de Artes Visuais
gundo o Dicionário crí- encontramos a informa-
tico da pintura no Brasil, ção de que em 1885 Câ-
Delfim da Câmara, com mara lecionou desenho
apenas 14 anos, ingressou na Escola Politécnica, onde
na Academia Imperial de trabalhou até o fim da vida.
Belas Artes, sendo aluno de Expôs periodicamente re-
Manuel Joaquim de Melo tratos em estúdios e galerias
Corte Real, Costa Miranda e cariocas. Em 1896, ensina no
Corrêa Lima. Obteve vários Ginásio Nacional. Também
prêmios enquanto aluno, Victor Frond nessa década, ministra aulas
como a grande medalha de D. Pedro II, litografia, 1860-1861 no Liceu de Artes e Ofícios
ouro em pintura históri- COLEÇÃO PARTICULAR do Rio de Janeiro, tornando-
ca em 1850. Pleiteou o prêmio de viagem, mas -se membro da Sociedade Promotora das Bellas
perdeu, só ficando atrás de Victor Meirelles. Um Artes, dirigida por Bethencourt da Silva. Em 1896
segundo pleito foi tentado em 1857, também sem foi vice-presidente da Sociedade Artística, Literá-
sucesso, quando deixou a Academia, passando a ria e Científica Bethencourt da Silva. Entre 1896 e
estudar por conta própria. 1899, torna-se major. Leciona até pelo menos 1915,
Aparentemente frustrado em suas ambições quando não se encontram mais notícias suas. Ape-
como artista, transferiu-se para Porto Alegre sar de ter pintado dois retratos do Imperador, ele
pouco antes da Guerra do Paraguai, produzindo teve pouco reconhecimento e morreu provavel-
escassa pintura e alguns trabalhos em cenografia mente em 1916 no Rio de Janeiro.
e gravura. Quando eclodiu o conflito, alistou-se No retrato de Pedro II que está no MHN, Del-
como voluntário do exército da Província. Fin- fim da Câmara o pintou cercado da ciência de que
da a guerra, retornou à Corte em 1870, abrindo o retratado mais gostava: a Astronomia. Lá ele está
um ateliê à rua da Assembleia, 82, dedicando-se representado segurando um livro, em cuja página

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Augusto Malta
Observatório do Morro do Castelo, 1912
BIBLIOTECA NACIONAL

aberta há o desenho de um telescópio e, ao fundo,


vemos a cúpula de um observatório astronômico.
No momento da celebração do nosso bicentenário
de Independência, este quadro dá algumas infor-
mações importantes do principal regente do sécu-
lo XIX, que governou o país durante quase 50 anos,
período em que se estava buscando lançar as bases
da nacionalidade brasileira.
Pedro II foi um grande incentivador do Im-
perial Observatório do Rio de Janeiro (Iorj), ten-
do inclusive doado alguns de seus instrumentos
para a instituição. Visitava com frequência vá-
rias instituições de ensino e pesquisa no Rio de
Janeiro, entre elas, claro, o Iorj, onde tinha até
um gabinete. Ademais, Pedro II também tinha
seu observatório particular, localizado no pa-
vilhão norte do palácio da Quinta da Boa Vista
– um dos espaços de uso privativo do monarca,
construído em 1862, contendo equipamentos
básicos para a observação dos corpos celestes. afirma que ele se vestia como um imperador de
E ainda desenvolveu estudos sobre eclipses, co- seu tempo, “representante à altura da Casa de
metas, meteoritos, estrelas e vários comentários Bragança”.1
sobre assuntos astronômicos. Quando este quadro estava sendo pinta-
Outro elemento importante a ser notado no do, o Iorj era chefiado pelo astrônomo francês
quadro é sua roupa, a casaca e as calças pretas, Emmanuel Liais, e o grande projeto era a feitura
além do relógio de bolso e as comendas no peito. de mapa do Império do Brasil, pois a astronomia
Ao analisar suas vestimentas, Joana Monteleone é uma ciência fundamental para a produção

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cartográfica. O mapa nacional era de grande
importância, tanto para o desenvolvimento do
país, quanto para o sentimento de nacionalida-
de. Assim, tínhamos um imperador que preferia
ser retratado com livros e instrumentos cientí-
ficos do que com espadas, ou montado em ca-
valos. Nossa interpretação do quadro de Delfim
da Câmara aponta para uma tradição científica
presente nas bases da nacionalidade brasileira,
que foi sendo esquecida pela História. Acredi-
tamos que, ao sublinhar estes aspectos de nossa
memória, contribuímos com uma nação melhor
para as próximas gerações.

1> MONTELEONE, Joana Moraes. D. Pedro II e o império de casa-


ca: os sentidos de poder nos trajes masculinos no Segundo Impé-
rio. Almanack, v. 15, 2017, p. 11.

Angelo Agostini
Revista Illustrada n. 317, 1882
COLEÇÃO PARTICULAR

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ALEGORIA À LEI VENTRE LIVRE
Ana Flávia Magalhães Pinto e Itan Cruz

A
o entrarmos em museus depa- Segundo a ficha descritiva, a peça foi feita
ramos com objetos que têm sua no século XIX. Logo após a promulgação da lei
legitimidade garantida pelo fato ou algum tempo depois? É curioso notar que,
de estarem ali. Esse valor está as- enquanto há centenas de registros sobre o espa-
sociado a seleções que ratificam a nhol Miguel Navarro y Cañizares, que finalizou
importância anteriormente atribuída a esses ar- em 1878 uma tela também intitulada Alegoria
tefatos ou que os posicionam em sistemas de re- à Lei do Ventre Livre, nenhum registro apare-
levância formulados com novo intuito. Por isso, ce em jornais publicados nas décadas de 1870
o modo como quadros, estátuas e outras peças a 1890 sobre Bressac, sua produção ou atuação
que compõem exposições são apresentados nos nos meios artísticos brasileiros, mesmo incluin-
demanda a prática de uma atitude historiadora do as variações do seu sobrenome. Em catálogos
diante do que vemos. Afinal, tudo o que está ali de arte, inexiste informação adicional acerca do
foi historicamente elaborado no passado e no suposto artista francês e das condições de feitu-
presente. Não existe uma condição natural que ra da obra – única de sua autoria localizada.
explique o destaque. Essas controvérsias, entretanto, não minam o
De perguntas simples às mais complexas, interesse pelo objeto. A maneira como a escultura
tudo cabe: Quem fez? Por quê? Quando? Como? tem feito sentido mobiliza uma série de reflexões
Onde? Em quais circunstâncias? Em que espa- acerca das políticas de memória sobre escravidão,
ços a obra circulou? Que reações suscitou? Que liberdade, pessoas negras e brancas nesta nação
impacto teve ao longo do tempo? Por que este que alcançou o bicentenário de sua independên-
objeto e não outro foi evidenciado? A busca por cia, convivendo com interdições à cidadania da
respostas tende a render interessantes debates. maioria de seu povo por força do racismo.
Façamos um exercício com a escultura Alego- Embora a placa exalte o imperador, a Lei n.
ria à Lei do Ventre Livre, cuja autoria foi atribuída 2.040 foi promulgada pela princesa Isabel, re-
a A.D. Bressac e está no Museu Histórico Nacional. gente imperial, e se popularizou por meio de
Feita em madeira e gesso, a imagem representa várias expressões. As mais comuns foram: Lei
um menino negro, magro, sorridente, de 8 a 10 do Elemento Servil, por legislar sobre possi-
anos, descalço e vestindo uma tanga. Na mão es- bilidades de emancipação; Lei Rio Branco, em
querda segura uma corrente rompida que prendia referência ao primeiro-ministro que negociou a
o pé do mesmo lado, e na mão direita impõe uma aprovação no Parlamento; e Lei do Ventre Livre,
placa em que as seguintes palavras aparecem mal por considerar ingênuos, isto é, livres, os filhos
distribuídas e desproporcionais: “Honra a D. Pe- de mulheres escravizadas. Isso sem falar em Lei
dro II – lei da emancipação de 28 de setembro de Áurea, epíteto que seria vinculado à lei de 13 de
1871 no ministerio do Vde do Rio Branco”. maio de 1888.

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A despeito dessa varieda- queles que não fossem inscritos
de, as denominações reduzem no tempo determinado. Entre-
a complexidade das disputas tanto, o maior destaque coube
expressas na legislação. Por justamente à liberdade dos fi-
um lado, encobrem as diversas lhos de mulheres escravizadas.
demandas impostas pela ação Não era a primeira vez que esse
cotidiana de escravizados em expediente era mobilizado em
defesa da liberdade. Por outro, benefício da gestão escravista
há demasiada deferência a um em diversos pontos da América,
único político, dando-lhe a sobretudo para promover uma
forma de herói. Ademais, en- saída controlada para a uni-
dossam a alienação do corpo versalização do trabalho livre.
de mulheres negras em cati- O caso mais recente à época fora
veiro, reduzindo-lhes ao órgão dado pela Lei Moret, de 1870,
reprodutivo, o útero. Por fim, aplicada pela Espanha em Cuba
apagam as ações abolicionis- e Porto Rico.
tas de denúncia da ilegalidade Diante desses dados, vale
da escravidão contra africanos voltar à estátua e perguntar:
desembarcados após a Lei de Por que o autor optou por re-
7 de novembro de 1831, que Marc Ferrez tratar uma figura humana que
abolia o tráfico transatlântico. Quitandeira, 1875 circa se distanciava das mais destaca-
Esse crime afetou ainda filhos INSTITUTO MOREIRA SALLES
das na lei: mães, bebês ou adul-
e netos dessas pessoas. tos com condições de juntar
A contragosto de muitos escravistas, que se economias? É importante frisar que um menino
sentiam violados em seu direito à propriedade e escravizado daquele tamanho não seria automa-
no monopólio da promoção do acesso à liberda- ticamente liberto por força daquela lei. A alguém
de, a legislação formalizava o direito costumeiro como ele, nem mesmo estava garantido o acesso
de trabalhadores escravizados a constituir pe- às primeiras letras, que lhe permitiriam saber o
cúlio. Ou seja, acumular o dinheiro necessário que era dito na placa.
para reivindicar judicialmente a própria liber- Em vez disso, crianças de 8 anos nascidas de-
dade ou a de entes queridos. Revogava também pois de 1871 eram justamente as que poderiam
a reescravização por “ingratidão”, mecanismo ser apartadas das mães, caso escravistas optas-
que precarizava a liberdade dos libertos por tor- sem por “receber do Estado a indenização de
ná-los reféns dos caprichos de ex-senhores. 600 mil réis” ou funcionários do governo deci-
Ao mesmo tempo, o texto instituía o fundo dissem encaminhá-las a instituições filantrópi-
de emancipação, no qual se reuniam quantias de cas. Poderiam ainda seguir prestando serviços
diferentes fontes, em favor da alforria em todo o ao senhor de sua mãe até completarem 21 anos.
país. Também no terreno das instituições do Es- Na contramão de frágeis promessas de reden-
tado, a legislação libertava os “escravos da Nação” ção, a continuidade da escravidão na liberdade
– que estavam a serviço das repartições e outros organizava os destinos de todos os expostos a re-
órgãos públicos – e determinava a matrícula de gimes de dependência e trabalho tutelado. Esse
toda a população cativa, prevendo a liberdade da- tipo de controle frequentemente comprometeu

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Rosa Gauditano/StudioR.
Menino na fonte da Praça da Sé, 1980
FOTOGRAFIA

o respeito à maternidade de mulheres negras e a


estabilidade de suas famílias.
Por fim, é importante dizer que a referida lei
foi aprovada por parlamentares que a viam como
um “mal necessário” e definitivo, evitando me-
didas futuras que ameaçassem o gradual fim da
escravidão. Uma vez aprovada e largamente re-
verenciada como Lei do Ventre Livre, a legislação
passou a ser o foco de variadas homenagens, que
reforçaram a naturalização de graves violências.
Isso talvez explique por que pouco estranhamen-
to nos cause a proximidade do menino negro afir-
mando liberdade e ainda caracterizado de acordo
com o repertório da escravidão e a de outras tan-
tas crianças negras a figurar em cenas atuais de
exploração de trabalho infantil. Algo que não pas-
sa despercebido por artistas negros e antirracis-
tas, como o afro-estadunidense Kehinde Wiley,
em sua releitura justamente da escultura Alego-
ria à Lei do Ventre Livre, de 2009.

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COLEÇÃO “TIPOS DE RUA”
Ynaê Lopes dos Santos

A
coleção “Tipos da rua” foi produ- A coleção “Tipos de rua” – como ficou co-
zida pelo artista baiano Erotides nhecida – é composta por dez estatuetas, que va-
Américo de Araújo Lopes, na se- riam entre 17,5 e 20 cm de altura, e como o nome
gunda metade do século XIX. São sugere, representam tipos que eram comuns nas
poucos os dados biográficos sobre ruas das principais cidades do Brasil nas últimas
este artista. Graças aos esforços de compêndio décadas do século XIX. Quatro dessas estatuetas
da Arte Baiana de Manuel Querino, sabe-se que representam homens e as outras seis retratam
Erotides Araújo nasceu em Salvador, em 17 de de- mulheres.
zembro de 1847, e que desde sua meninice havia Dentre as figuras masculinas, todas repre-
apresentado aptidões para as artes, mas a data de sentam homens negros que ganhavam a vida
seu falecimento é desconhecida. Na juventude, nas ruas das cidades. Nelas observamos: um ido-
ele foi discípulo do artista português Beirão, es- so (provavelmente um africano) com um grande
cultor especialista em imagens de cesto na cabeça; um ganhador trans-
Nossa Senhora da Piedade. Graças portando mercadorias pela cidade;
à sua dedicação e talento, em pou- um aguadeiro, carregando água em
co tempo o pupilo aprendeu tudo o potes conhecidos como ‘porrões’;
que mestre tinha a lhe ensinar. Logo e um outro com aparência mais jo-
em seguida, passou pelas mãos de vem, com uma mala na cabeça.
José Rodrigues Nunes, que foi seu Os tipos femininos também re-
professor de desenho. tratam figuras negras igualmente
Essas duas formações foram comuns nas urbes do Brasil Império.
fundamentais para que Erotides São elas: uma mulher jovem (possi-
Araújo se tornasse um artista proe- velmente uma escravizada), vestindo
minente na Bahia do final do sé- um pano da costa nos ombros e car-
culo XIX, cujas obras chegaram a regando uma gamela com mamões
ser vendidas para Portugal e Ingla- e outras frutas; uma senhora mais
terra, como bem pontuou Manuel velha, com roupas simples e descal-
Querino na obra Artistas baianos. ça, carregando uma cesta na cabeça
Sua notoriedade se deu por meio com os peixes que vendia nas ruas;
de suas miniaturas esculpidas em uma vendedora de bananas, calçada
casca de cajazeira, e as dez estatue- e vestida com pano da costa; outra
tas que integram o acervo do Mu- vendedora de frutas, usando um
seu Histórico Nacional estão entre vestido decotado e um pano da cos-
suas obras mais conhecidas. ta cobrindo um dos ombros, usando

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ainda algumas pulseiras; uma jovem, com muitos das nas primeiras décadas do século XIX. Com
brincos, pulseiras e colares, vestido decotado e o advento da fotografia, esses “tipos negros”
pano da costa cobrindo um dos ombros (esta é a continuaram sendo retratados no Brasil, como
única estatueta que não está envernizada); e uma demonstram as obras de Cristiano Jr. e de Marc
mulher vestida com roupa de domingo, muito or- Ferrez no final do oitocentos.
namentada, com balangandãs. A escolha por retratar os trabalhadores e
Muitos detalhes dessas obras merecem ser trabalhadoras negros das ruas, portanto, não
vistos ao vivo, pois permitem compreender as foi inédita, mas faz parte de uma trajetória im-
capacidades técnicas e artísticas de Erotides portante de artistas brasileiros e de artistas que
Araújo. Todavia, junto com sua excepcional representaram a vida social no Brasil. Essa in-
qualidade, a coleção pode ser considerada como sistência no tema dos “tipos de rua” em nada di-
uma fonte primária riquíssima para a com- minui a obra de Erotides. Muito pelo contrário.
preensão do universo urbano no Brasil escravis- Ao usar sua qualidade artística incontestável, o
ta. O interesse e curiosidade sobre os trabalha- baiano faz das suas estatuetas pequenos convi-
dores negros das cidades chamou a atenção dos tes para a compreensão de aspectos centrais da
artistas desde o setecentos. Temos o exemplo história do Brasil: a interseção entre o mundo
de Carlos Julião para o século XVIII, bem como do trabalho e a questão racial, sobretudo no di-
as conhecidas litogravuras de Debret e Rugen- nâmico espaço urbano da época.

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Junto com os detalhes muito bem explora- ras, chegando a se transformar em mercadoras
dos pelo artista, suas obras contam a vida das de sucesso e prestígio.
“pessoas miúdas” que compuseram grande Por fim, é fundamental pontuar que ao retra-
parte do que se chamou de povo brasileiro. tar com essa riqueza de detalhes as fisionomias,
Também não dever ser tratado como mero as vestimentas, os ornamentos e os apetrechos e
acaso o fato de as dez estatuetas representa- instrumentos de trabalho desses homens e mu-
rem homens e mulheres negros. Eram estes lheres, a obra de Erotides nos convida a olhar
que, na condição de escravizados ou já em com mais atenção para a dinâmica histórica do
liberdade, eram responsáveis pelas mais va- trabalho brasileiro no espaço citadino e a com-
riadas atividades e serviços do mundo urbano. preendê-lo na sua complexidade, permitindo
Eram as mãos e os pés que não deixavam as que possamos enxergar as agências, os conhe-
cidades pararem. cimentos e saberes adquiridos e as estratégias
Vale ressaltar a maior presença de figuras fe- de sobrevivência elaboradas por sujeitos que,
mininas na coleção. Uma série de estudos recen- durante muito tempo, foram vistos mais como
tes tem demonstrado como as mulheres negras parte desse cenário urbano oitocentista, e me-
(livres e escravizadas) tiveram papel fundamen- nos como os atores sociais que foram.
tal na organização do mercado de compra e ven-
da de alimento das principais cidades brasilei-

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DOMINGO DE FESTA NA FAZENDA
LIBERDADE? POSSÍVEIS OLHARES

Flávia Figueiredo

A
s pinceladas e imagens numa tela
podem nos revelar mais do que os
estilos dos pintores e movimentos
artísticos. Ao pararmos diante de
uma tela e observarmos, pode-
mos nos deparar com narrativas, impressões e
interpretações diversas, memórias individuais ou
coletivas, registros de uma época, seu cotidiano e
política. Este texto propõe uma leitura crítica da
pintura Domingo de festa na fazenda, entendendo
como primordial a função científica dos museus.
Ao percorrermos as galerias de exposição de
longa duração do Museu Histórico Nacional, um
pequeno quadro pode passar despercebido num
ambiente protagonizado por grandiosas pintu-
ras históricas. Exposto no módulo “Entre mun-
dos”, continuidade do módulo “Portugueses no
mundo”, a tela está bem perto da vitrine de ob-
jetos que dialogam com a cultura afro-brasileira.
A obra, óleo sobre tela, de autoria do artista
austríaco Johann Hans Nobäuer, foi adquirida pelo sileira, instalando-se no Rio de Janeiro. O acervo
MHN no ano de 1942 por meio de compra feita a do MHN possui uma série de pinturas do artista
Tarcísio Pereira Guimarães, em meio a outros que tem como tema a arquitetura colonial.
objetos de tipologias distintas. Chama a atenção o A documentação catalográfica revela que a tela
fato de a obra abordar uma cena de cotidiano dos de Nobäuer já foi exposta antes na sala “Ocaso da
tempos coloniais. Nota-se que a temática das pin- Monarquia”, em 1977. No mesmo dossiê pertencen-
turas muda, mas, ao compararmos as obras, é pos- te ao arquivo da reserva técnica do MHN encontra-
sível perceber o estilo característico do artista. mos a ficha catalográfica do ano de 1989, que apon-
Nobäuer nasceu no ano de 1893, em Viena, ta para a existência de outro título para a pintura
onde diplomou-se pela Escola de Belas Artes, em questão: Festa colonial. Este mesmo registro é
antes de participar da Primeira Guerra Mundial encontrado no processo de entrada no acervo.
como oficial de reserva da cavalaria. Em 1921 che- Diferenças de títulos à parte, a pintura está re-
gou ao Brasil em missão do governo austríaco de pleta de elementos ligados à aristocracia, à escravi-
reconhecimento e pesquisa da fauna e flora bra- zação, ao papel das mulheres e à cultura africana.

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Para analisar a pintura podemos partir de
duas temáticas: paisagens naturais e grupos de
pessoas. Acima, vemos a luz solar iluminando
parte da cena, e a magnitude das árvores e gran-
des rochas, ao fundo, revelando um ambiente
que pode ser associado a uma grande fazenda.
Na lateral direita, ao fundo, temos uma peque-
na construção com trabalhadores, o que reforça
essa associação e, na lateral esquerda, vemos
parte de uma construção que se aproxima da ar-
quitetura das casas de fazenda.
Um dos grupos encontra-se bem na frente
desta casa. Trata-se de pessoas brancas em vol-
ta de uma rede de descanso, com vestimentas
completas, com acessórios como chapéus, re-
metendo à elite da época. É flagrante o distan-
ciamento desse grupo em relação aos outros
presentes na cena.
Embaixo, na parte mais sombreada, obser-
vam-se pessoas negras, em grupo ou sozinhas.
Da esquerda para a direita, um escravizado car-
rega o que parece ser parte de um tronco e, logo
em seguida, nos deparamos com uma cena de
destaque: a mulher negra sentada no chão sobre
um pano, segura uma criança branca que a abra-
ça e recebe sua atenção, o que nos remete à figu-
ra da ama de leite, a quem era negado o direito à
maternidade, à convivência com o próprio filho,
para servir e alimentar o bebê de sua senhora,
provavelmente uma das mulheres represen-
tadas na cena de descontração ali na frente da
casa. Afastadas dos filhos, que muitas vezes eram
vendidos ou colocados para adoção, os corpos
das amas de leite eram violados e explorados.
Sua relação com a sinhá, embora de proximida-
de, era também de submissão. A imagem bene-
volente da ama de leite está presente em obras
de arte, mas estas nem sempre representam a si-
tuação à qual estavam submetidas. Era evidente
a negação do direito à maternidade, assim como
a exploração desses corpos – seja sexualmente,
seja como ama de leite e, sobretudo, na condi-

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demais mulheres na cena, ocupam a área mais
iluminada e estão agrupadas interagindo com
homens brancos cuja aparência os vincula a
essa elite. A relação das sinhás com as amas de
leite era, como dissemos, de submissão, e por
vezes de violência, embora a condição da ama-
mentação aproximasse essas mulheres. O que
nos leva à reflexão de que a pintura nos passa
uma ideia de confraternização não condizente
com a realidade.
Outra cena protagonizada por uma mulher
negra no centro da pintura é a da dança. Pode-
mos observar, além da que dança, um momento
de descontração dos negros – uns dançam, ou-
tros cantam, tocam instrumentos, um senhor
fuma cachimbo e todos parecem alegres. Para
além da diversão, esta era uma manifestação
de afirmação de identidade, cultura e resistên-
cia. Canto, dança e percussão fazem parte de
manifestações culturais reconhecidas como
Patrimônio Cultural Brasileiro, tais como o
jongo, do Vale do Paraíba, e o samba, do Re-
côncavo Baiano. Na lateral à direita, montado
ção de força de trabalho. Esta situação convida a a cavalo, vê-se um homem de chapéu, capa, e
uma reflexão a respeito da “liberdade” e da cena portando armas, numa alusão à figura do capi-
de festa retratada na obra. tão do mato, à vigilância constante a que esta-
A relação de amor e carinho da ama de lei- vam submetidos os escravizados nas fazendas.
te com a criança é um dos destaques dessa pin- Sua posição, obstruindo o único caminho que
tura. Assim como as crianças negras em volta, leva para longe da casa-grande, nos lembra que
incluindo um bebê distante da cena da criança mesmo em dia de festa, a liberdade era vigiada.
branca. Despido da roupa e dos cuidados mater- Acima destes, ao fundo, veem-se trabalhadores
nos, testemunha a falta de proteção e o abando- em ação no que poderia ser uma moenda ou
no a que eram relegados os filhos de mulheres mesmo um estábulo. Mal conseguimos enxer-
escravizadas. No mesmo enquadramento, ve- gar o que ocorre com outros grupos de pessoas
mos uma criança sentada no chão, abraçando as negras atrás do tronco e na lateral à direita,
próprias pernas. Embora vestida, também pare- além do próprio vigilante, cujas faces não são
ce carente de atenção. A gravidez não impedia a detalhadas. A cena em meio à natureza, com
continuidade de seus trabalhos e seu leite estava pessoas sorrindo, crianças, música e dança
reservado às crianças brancas, enquanto às ne- pode realmente ser descrita como uma festa
gras eram oferecidas papas. num lindo dia de domingo, mas ao atentarmos
As sinhás, representantes da elite escravo- aos detalhes, nos questionamos: qual liberdade
crata, com vestimentas que as distinguem das é vigiada?

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DOZE HORAS EM DILIGÊNCIA
GUIA DO VIAJANTE DE PETRÓPOLIS A JUIZ DE FORA

Daniella Gomes dos Santos

“...esta obra não tem merecimento, senão o de ser o primeiro guia do viajante feito no
país, guia ilustrado de desenhos copiados de fotografias. Ouse esperar que ele seja de
tanta utilidade ao jovem brasileiro, desejoso de instruir-se, como ao estrangeiro que
se dará por satisfeito de levar uma lembrança desta terra admirável...”1

E
stas são palavras do fotógra- estrada União e Indústria. Esse guia foi a
fo franco-alemão Re- primeira publicação com fotografias
vert Henrique Klumb totalmente produzidas e litogra-
(c.1826-c. 1886), que fadas no Brasil. Klumb dedicou
estão no prefácio e presenteou essa primorosa
da obra Doze horas em diligên- obra à imperatriz Teresa Cris-
cia – Guia do viajante de Petró- tina (1822-1889) em 1870:
polis a Juiz de Fora, de 1872,
considerado o primeiro guia “Sou talvez muito presunço-
turístico impresso do Brasil. so ousando oferecer a Vossa
O que muita gente não sabe é Majestade a dedicatória deste
que o original manuscrito des- opúsculo; entretanto ouso es-
se guia, datado de dezembro de perar que Vossa Majestade me
1870, encontra-se preservado no fará a graça insigne de aceitá-
Museu Histórico Nacional (MHN) -la, ainda que não fosse, senão
e é sobre esse documento que fa- para servir de incentivo ao sen-
remos algumas reflexões. Revert Henrique Klumb
timento que me inspirou.”2
Autorretrato, s/d
O guia original é encaderna-
BIBLIOTECA NACIONAL
do com luxuosa capa de couro, Ele era conhecido como o
detalhes dourados, com a coroa e o brasão do fotógrafo preferido da família imperial brasi-
Império do Brasil. As 69 páginas de textos, es- leira. Quem sabe o protegido da Imperatriz? É o
critas em português e francês, descrevendo de- que inferimos de um trecho de sua dedicatória:
talhadamente a viagem, são ilustradas com 20 “No benévolo acolhimento de Vossa Majestade
fotografias em albumina. que já se dignou a fazer tanto por mim...”.3
A versão impressa de 1872 sofreu modifica- O interesse de D. Pedro II (1825-1891) por no-
ções feitas pelo autor: as fotografias passaram a vas descobertas é fundamental para o desenvol-
ser litografadas e ele ainda incluiu outras nove, vimento da fotografia no Brasil e para o apoio aos
além de uma planta do perfil e longitudinal da fotógrafos. Klumb foi professor de fotografia da

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princesa Isabel (1846-1921), o que deixa ainda mais Inhomirim e Raiz da Serra. A viagem inteira era
evidente sua proximidade com a família imperial. cobrada por três classes: 1ª classe – 8.000 réis; 2ª
Mas vamos ao guia. A União Indústria foi a classe – 6.000 réis; 3ª classe – 4.000 réis. Os es-
primeira estrada pavimentada com macadame no cravizados só poderiam viajar na 3ª classe, assim
país. Fazia a ligação entre a cidade de Petrópolis, como as pessoas que se sujeitassem a retirar o cal-
no estado do Rio de Janeiro, e Juiz de Fora, em çado, o que constantemente acontecia com os tra-
Minas Gerais. Seu construtor, Mariano Procópio balhadores do campo. Destacamos um exemplo
Ferreira Lage (1821-1872), contou com o apoio de valores cobrados na estação de Inhomirim: a 1ª
do imperador D. Pedro II, que esteve presente na classe custava 2.500 réis, a 2ª classe, 1.500 réis, e a
inauguração da moderna estrada, no dia 23 de ju- classe dos descalços 1.000 réis, cerca de R$ 123,00
lho de 1861. (cento e vinte e três reais) atuais (em 2022). Por
Assim, a primeira fotografia do documento esses valores, inferimos que não era uma viagem
manuscrito é um retrato de Mariano Procópio. barata, não era qualquer pessoa que podia pagar a
Klumb incluiu também sete fotografias de paisa- passagem. Pelos valores convertidos, verificamos
gens, cinco de pontes e sete de estações de muda que mesmo o escravizado precisava dispor de
(ao longo do trajeto da viagem, havia 12 estações uma quantia bem razoável.
de muda, ou seja, as paradas para troca dos ani- Klumb descreve toda a viagem com olhos de
mais que puxavam a diligência). ver, destacando com minuciosos detalhes, por
Conforme descrito no guia, a viagem inicia- várias vezes com tom poético. Como ao compa-
va-se no Rio de Janeiro “pelo vapor e a estrada de rar uma cascata com uma preciosa obra de arte,
ferro de Mauá”. Os preços do transporte de pas- o encanto das belas paisagens, a fertilidade do
sageiros para Petrópolis eram cobrados pelo tra- solo, observada nas plantações ao longo do ca-
jeto inteiro ou por estações, que eram três: Mauá, minho. Em determinado momento da narrativa,

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o fotógrafo pede licença aos leitores do guia para 1970 com o apoio do MHN, que ajudou em seu
relatar que na Posse, local da terceira estação de planejamento, pesquisa e organização.
muda, encontra-se uma pequena fazenda cha- O Guia, essa obra tão importante para a his-
mada Saudade, em que ele destaca: “uma pala- tória do turismo do Brasil, faz parte do acervo do
vra que nas línguas estrangeiras é intraduzível”. Arquivo Histórico do MHN desde 1924, quando
E continua a conversa com o leitor, narrando veio transferido do Paço Imperial da Quinta da
que recebeu nesta fazenda uma hospitalidade Boa Vista, atual Museu Nacional, que sofreu um
tão sincera que nunca a esquecerá. terrível incêndio no ano de 2018.
A estrada União e Indústria entrou em de- Convidamos os leitores a passearem por
cadência com a chegada da ferrovia em Juiz de suas páginas e a conhecerem com mais detalhes
Fora, em 1875. E, no século XX, trechos da es- esse documento, que se encontra digitalizado e
trada foram inutilizados e/ou destruídos, com disponível online na base de dados do Arquivo
a construção de uma hidrelétrica na década de Histórico do MHN. Boa viagem!
1950, no município de Alberto Torres, e com a
1>Disponívelem:http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital
construção da rodovia federal radial BR-040, na /div_obrasraras/or1379801/or1379801.pdf.
década de 1980. Das 12 estações de muda, res- Acesso em 18/02/2022.
2> KLUMB, Revert Henry. Doze horas em diligência – guia do via-
tou apenas a oitava, Paraibuna, que atualmente jante de Petrópolis a Juiz de Fora. Rio de Janeiro, 1870, p. 3.
abriga o Museu Rodoviário, criado na década de 3> Idem, ibidem.

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LETREIRO DA LOJA DA AMÉRICA E CHINA
Marize Malta

N
ão havia no Rio de Janeiro de ou- óleo, sem autoria registrada. Interessante notar
trora rua mais famosa e borbu- que, diferentemente dos impressos efêmeros,
lhante quanto a rua do Ouvidor. sua dimensão e técnica pretendiam lhe conferir
Desde o século XIX, foi o coração maior perenidade e a reputação de uma pintura,
do comércio de luxo e dos cafés gênero artístico de prestígio. Foi feito para durar
da moda, para onde convergiam os principais e ser admirado.
produtos importados que chegavam ao porto da O letreiro se encontra na seção Cidadania
cidade. Artéria privilegiada ‘para ver e ser vis- no percurso museológico, apresentando a im-
to’, por onde desfilavam as mulheres elegantes, portância do comércio para a economia e a
os intelectuais, profissionais liberais e rapazes cultura na cidade, as transformações dos bens
janotas, além de abrigar as redações dos prin- de consumo e o advento da serialização e dos
cipais jornais cariocas e importantes livrarias. eletrodomésticos que tanto afetaram as tarefas
Nessa via fervilhante, referenciada por Machado cotidianas nos lares.
de Assis, Coelho Neto, Luiz Edmundo, e digna No século XIX e primeiras décadas do século
das memórias de Joaquim Manuel de Macedo, XX, para além das vitrines pejadas de objetos, as
localizava-se um dos mais célebres e longevos lojas tinham por hábito expor toda a mercadoria
estabelecimentos comerciais, a Loja da América que conseguisse ficar à vista, restando muitas
e China, fundada em 1840. vezes pouco espaço para o trânsito dos fregue-
No Almanak Laemmert, pelos anos de 1870, ses. Quantidade e variedade eram fatores im-
era classificada como “Lojas de quinquilharias, portantes e encontrar aquela enorme quantida-
casquinhas, bandejas, bronzes, lustres, lam- de de artefatos era como um parque de diversão
peões, crystaes, cutelarias, bolas para bilhar, para o olhar.
brinquedos etc.”, um típico bazar em que tudo A loja ocupava um prédio de 9 m de frente
se vendia: de máquinas a sabão, de móveis a ve- por 32,35 m de comprimento, com três pavimen-
las, de porcelanas, pratas e cristais a ventarolas, tos e um sótão, desde a reforma de 1917. Possuía
de esculturas a rolos de papel higiênico; de per- no térreo duas portas de entrada, ladeadas por
fumes a desinfetantes e ao indefectível chá. vitrines, três vãos nos pavimentos superiores e
O letreiro, de grandes dimensões (3,37 x 1,74 áreas internas em forma de cruz de malta para
m), foi doado em fins de 2019 ao Museu Histórico garantir iluminação e aeração eficientes. Em
Nacional por Gilda e Tomas Zinner, sob o patro- rara fotografia de seu interior, realizada por
cínio do Instituto Vassouras Cultural, e restaura- Augusto Malta, ao fundo da loja, destacava-se o
do pelo saudoso pintor e professor Claudio Valé- letreiro da empresa. Era o único espaço disponí-
rio (falecido em 2021), que também o guarneceu vel, já que as paredes laterais eram cobertas por
com uma baquete que arremata a tela, pintada a altos armários envidraçados.

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À época da imagem de Malta, a Casa era diri- veira, que depois se associou a Antônio Mar-
gida por J. R. Camões e Cia., enquanto que o en- celino Carneiro Rocha (Marques & Carneiro),
contrado em exposição no Museu Histórico Na- estando por muitas décadas após o falecimento
cional já registra o comando de Ernesto Pereira de Marques de Oliveira registrado como pro-
e Cia. Ltda. Com um comércio que ultrapassou priedade de Carneiro Rocha & Companhia. Em
seu centenário, era natural que seus donos se seguida, ocupou a liderança comercial Joaquim
sucedessem e os letreiros fossem refeitos. A ico- da Rocha Camões (firmas Camões e Aguiar, de-
nografia, por outro lado, permaneceu pratica- pois J. R. Camões & Comp.). O mais longevo
mente inalterada, construindo uma identidade comerciante deve ter sido Manoel Bernardes
visual inconfundível. da Silva, que iniciou seu vínculo com a loja em
O que mais chama a atenção são as figuras ale- 1887, como empregado (caixeiro), e assumiu
góricas da América e da China – uma índia de lon- o negócio após o falecimento de Camões, em
gos cabelos negros, vestindo cocar, saiote de penas 1926, quando estabeleceu a firma Bernardes da
e manto, coloridos em vermelho, azul e amarelo, Silva & C.
portando arco e flecha; e uma chinesa (que já fora Seis anos após o centenário da loja, em 1946,
homem em letreiros anteriores) com quimono Bernardes da Silva faleceu, assumindo Ernesto
amarelo e vermelho florido, sobreposto a calças Pereira (sócio desde 1943) – que encomendou o
curtas em azul e vermelho, usando sapatilhas pon- letreiro pintado a óleo sobre tela e cuja data só
tudas e com cabelo em coque preso por varetas. pode se situar a partir do momento em que assu-
Elas ladeiam dois brasões centralizados, uma com miu o negócio. Com sucessivos sócios, seus do-
esfera armilar, a outra com dragão, que represen- nos mantiveram o mesmo ramo de negócio de
tam, a partir de elementos de suas bandeiras, o importações, com vários depósitos pela cidade.
império brasileiro e o chinês (dinastia Qing). Sub- Para além das vendas de tantos artigos, a loja
linhando as alegorias, uma moldura volteada em também participava de outras atividades na cida-
vermelho arremata a base do letreiro, com ares art de, realizando doações de peças para premiações
nouveau. É interessante notar que, mesmo após o de concursos, assumindo posto de venda de rifas
advento da República, a estética e a referência do beneficentes e apresentando esporádicas exposi-
Segundo Império se mantiveram. ções artísticas. E para marcar a comemoração do
Na parte superior, o nome da loja se destaca, centenário, “a Loja da América e China fez impri-
com letras retilíneas serifadas, metade em preto, mir uma breve noticia histórica e distribuiu um
metade em vermelho, em disposição ondulada, quadro comemorativo (...)”, como notificou o Jor-
conferindo um dinamismo que poderia remeter nal do Comércio de 6 de junho de 1940.
à ideia de circulação das mercadorias, agilida- Mas, infelizmente, ela não chegou ao seu ses-
de no atendimento e atualidade das ofertas. As quicentenário. Em 18 de abril de 1978, Zózimo
letras maiúsculas são circundadas por linhas do Amaral anunciava no Caderno B do Jornal
ornamentadas, que seguem em linha simples. do Brasil, “Está indo abaixo mais uma pérola da
O término do nome em curva ascendente abre arquitetura carioca do início do século: a Casa
espaço para a inserção da data de fundação do da América e China na Rua do Ouvidor”. Mais
estabelecimento e da identificação da empresa. do que sua arquitetura, era a própria loja que
Logo abaixo, o endereço. finalizava sua epopeia, como tantas outras que
O negócio esteve originalmente sob o co- marcaram o comércio pulsante da cidade do Rio
mando do português Antônio Marques de Oli- de Janeiro.

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Marc Ferrez
Rua do Ouvidor, 1890 circa
BIBLIOTECA NACIONAL

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RETRATO DE ANDRÉ REBOUÇAS
Hebe Mattos

O
óleo sobre tela Retrato de André para evitá-las, o que acabou determinando uma
Rebouças está exposto na linha do virada de posição dos conservadores paulistas e
tempo sobre a abolição no Museu possibilitando a nomeação pela regente de um
Histórico Nacional. É obra de pe- ministério favorável à abolição.
quena dimensão em moldura oval A linha do tempo termina em 13 de maio de
de 48 cm de altura por 40 cm de largura. 1888, informando que nesse dia a lei Áurea foi
A legenda da exposição a ressalta como um assinada pela princesa Isabel. A assinatura foi
dos poucos trabalhos em pintura do escultor Ro- decorrência da aprovação da lei na Câmara e
dolfo Bernadelli (1852-1931) e apresenta uma bre- no Senado imperial na mesma data, sob pressão
ve notícia biográfica do engenheiro abolicionista dos estandartes da confederação abolicionista e
retratado (1838-1898). O quadro está ao lado de de uma multidão nas ruas, o que foi registrado
uma placa de 1910, comemorativa da conquista da por André Rebouças em seu diário. Multidão e
abolição da escravidão no Ceará, pelo movimen- estandartes aparecem registrados na foto, em
to abolicionista, em 1884. As duas imagens estão formato pequeno, da missa campal comemorati-
precedidas por uma grande alegoria da abolição, va de 17 de maio que encerra a série de imagens.
sem data, com a imagem de uma mulher sentada O retrato de André Rebouças é de 1897, se-
no trono e um anjo no céu. São sucedidas por um gundo os documentos da doação, feita por Hen-
imponente retrato a óleo do Barão do Cotegipe, rique Bernadelli, de 35 obras de seu irmão ao
autor de um dos cinco votos no senado imperial MHN, em 1932, em sua maioria, esculturas.
contrários à lei da abolição. Está apresentado Rodolfo Bernadelli, nascido no México e na-
como autor da lei Saraiva-Cotegipe, que eman- turalizado brasileiro, foi escultor e pintor. Seus
cipou os escravizados sexagenários em 1885. Ela pais foram preceptores das princesas imperiais
foi aprovada com indenização de cinco anos de e ele e o irmão estudaram na Academia Impe-
serviço aos senhores, o que adulterava o projeto rial de Bela Artes (AIBA). Completou os estudos
original apresentado pelos abolicionistas e o ga- como pensionista imperial na Itália de onde re-
binete Dantas e estava atrelada a uma legislação tornou, em 1885, no auge da campanha abolicio-
de repressão ao movimento. nista. Participava das conferências organizadas
André Rebouças e Cotegipe eram adversários pela Confederação Abolicionista da qual Rebou-
na política e desafetos na vida. De 1885 a 1888, Co- ças era um dos dirigentes e foi membro entu-
tegipe foi chefe de um gabinete assumidamente siasmado da Associação Abolicionista Artística.
escravista, responsável por três anos de repressão Próximo à família imperial, renunciou à posição
violenta ao abolicionismo e às fugas de escraviza- de professor da Aiba, com a Proclamação da Re-
dos. O gabinete caiu em março de 1888 em meio pública. Pouco tempo depois, foi convidado a
às fugas em massa e à generalização das alforrias voltar ao cargo, no qual desenvolveu o projeto

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Anônimo
Henrique e Rodolpho Bernardelli em 1906
BIBLIOTECA NACIONAL

que resultou na criação da Academia Nacional e não voltou com vida ao Brasil. Morou dois anos
de Belas Artes – e dela foi diretor por 25 anos. na Europa, viajou por mais dois anos pela África e
Em 1897, André Rebouças se encontrava já estabeleceu-se em 1893 na Ilha da Madeira. Ali foi
bastante doente em Funchal, na Ilha da Madeira, encontrado morto em 1898. Seu corpo foi embal-
onde viria a morrer no ano seguinte. Em 1888, ele samado e retornou ao Rio de Janeiro para os fune-
se reaproximara da família imperial com a que- rais, onde recebeu grandes homenagens.
da do gabinete escravista de Cotegipe no mês de O retrato foi feito por encomenda do enge-
março. Em 1889, Rebouças considerou a queda da nheiro Paulo de Frontin para ser colocado no es-
monarquia uma ação dos interesses escravocratas critório das Docas Pedro II, projetadas e parcial-
contrariados pela abolição sem indenização aos se- mente construídas por Rebouças. André registra
nhores. Partiu com a família imperial para o exílio a homenagem em uma de suas cartas de Funchal.

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Marc Ferrez
Docas Dom Pedro II e embracações. 1885 circa
INSTITUTO MOREIRA SALES

A pintura foi feita a partir de uma fotogra-


fia de busto, com o mesmo enquadramento e
vestimenta, inclusive a flor na lapela, símbolo
do abolicionismo, o que sugere que foi feita na
década de 1880. A inflexão da cabeça, o olhar e
em especial a cor da pele, são, porém, diferen-
tes. As duas imagens têm ampla circulação na
internet. O quadro a óleo parece muito maior
em suas versões digitais. No século XIX, quase
sempre as fotografias de homens pretos e par-
dos que integravam a chamada boa sociedade
clareavam seus rostos. Rodolfo Bernadelli des-
fez isso. O André pintado por ele é mais negro  e
desafiante que o da foto e igualmente elegante
e  belo. O pequeno Retrato de André Rebouças
em exposição no MHN perenizou esta imagem. Anônimo
Barão de Cotegipe | MUSEU HISTÓRICO NACIONAL

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MANUSCRITO DE MACHADO DE ASSIS
Francisco Régis Lopes Ramos

O
vaga-lume, chado de Assis inicia um
uma estrela, dos parágrafos sobre a vida
a lua e o sol. de Aires, um dos principais
Estes, pode- personagens da sua obra.
-se dizer, são Um relicário doméstico. Um
os ‘personagens’ do poema museu particular na sala de
“Círculo vicioso”, o segun- visita, para conter “retratos
do que Machado de Assis velhos, mimos de gover-
inseriu no livro Ocidentais. nos e de particulares, um
A trama é a seguinte: o va- leque, uma luva, uma fita e
ga-lume diz que gostaria outras memórias femini-
de ser uma estrela, a estrela nas, medalhas e medalhões,
diz que bom mesmo é ser camafeus...”. E, como não
a lua, a lua diz que nada se poderia deixar de ser, num
compara com o sol, o sol espaço assim composto,
argumenta que o seu bri- “pedaços de ruínas gregas
lho pesa demais e, por isso, Machado de Assis em 1904 e romanas”. Também como
se pergunta: “Por que não ACERVO ARQUIVO NACIONAL, FUNDO
não poderia deixar de ser, a
nasci eu um simples vaga- CORREIO DA MANHÃ
descrição vai em frente sem
-lume? Sobre esse caminho perder a oportunidade de
que não começa nem termina, com volta e sem alguma ironia: “uma infinidade de cousas que
volta ao mesmo tempo, Manuel Bandeira disse não nomeio, para não encher papel”.
que o tema central era “a universal insatisfação Nada pior do que concluir que o autor esta-
dos seres eternamente presos à sua condição”. va transpondo para a ficção a realidade da sua
O que dizer, então, de uma folha contendo o vida. Mas não é difícil mostrar como a existên-
manuscrito assinado do poema “Círculo vicio- cia de relíquias e relicários pessoais estava pre-
so”? Hipótese: nesse manuscrito e em outros lu- sente em seu horizonte, principalmente quan-
gares, Machado de Assis desejava que sua assina- do a idade se tornava mais avançada. 
tura resistisse ao tempo. Que chegasse ao futuro, Em agosto de 1905, em carta a Joaquim
por obra de algum círculo virtuoso, pronto para Nabuco, ele disse: “O que a Academia, a seu
vencer a corrosão de cada dia, como ocorre com conselho, me fez ontem, basta de sobra a com-
as relíquias. A palavra-chave é relicário. pensar os esforços da minha vida inteira”.
“Mandou fazer um armário envidraçado, Sentindo o peso da idade e a ausência da espo-
onde meteu as relíquias da vida...” –assim Ma- sa, o que lhe deu tal compensação? Nada mais

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nada menos do que um pequeno presente que tórico Nacional acrescenta algo diante da lei-
tinha tudo para ser tratado pela posteridade tura do poema em um livro. Esse algo pode ser
como relíquia.  chamado de tempo, com suas manchas e suas
Do exterior, Joaquim Nabuco enviou para marcas inevitáveis. 
Graça Aranha um ramo de “carvalho de Tasso”, Por outro lado, mas da mesma forma que a
dentro de uma caixa, e uma carta pedindo-lhe criatura Aires, o criador Machado de Assis de-
que o presente fosse entregue a Machado de senvolveu uma ética da memória. “Não escre-
Assis em sessão especial da Academia, com um vas tudo, querido amigo”, escreveu Aires em
discurso que ele, Graça Aranha, saberia como seu diário, exatamente no dia do seu aniversá-
fazer. Machado de Assis recebeu a homenagem rio, 17 de outubro de 1888. Além disso, nesse
e guardou. Guardou não em qualquer lugar, mesmo dia, e não por acaso, Aires decidiu atear
como se percebe numa carta pouco depois fogo em uma mala de papéis velhos recém-des-
enviada a Nabuco: “o próprio galho, com a sua coberta, que ele chega a chamar de “inferno de
carta ao Graça, já os tenho na minha sala, em lembranças”.
caixa, abaixo do retrato que V. me mandou de Ao lado de sua obra monumental, consagra-
Londres o ano passado”. da como uma das mais significativas da língua
A caixa estava devidamente preservada. portuguesa, há outra, que é exatamente essa
Mas o sentimento de proximidade da morte fez ética da memória. Para decepção dos caçadores
o presente assumir o que parecia ser sua voca- da vida pessoal, Machado de Assis também fez
ção desde o início: tornar-se relíquia. Em uma uso do fogo e da máxima “não escrevas tudo...”,
das últimas cartas ao amigo Mário de Alencar, de modo a deixar aos vindouros apenas o que
é exatamente o termo ‘relíquia’ que Machado de fato importava: a sua obra, e não a sua vida (a
de Assis usa para se referir ao presente: “Per- sua vida pertenceu a ele e aos próximos – e ele
guntei-lhe há tempos se queria dar destino a não mediu esforços para que assim fosse). Tal-
essa relíquia, quando eu falecesse; agora reno- vez esteja aí o segredo da segunda fase de sua
vo a pergunta”. E dá duas sugestões. Primeira: obra, tão original que é considerada até hoje
“Talvez a Academia consinta em recolher o como incomparável, inclusive incomparável
galho como lembrança...”. Ir para o cuidado de com a primeira fase. Afinal, a partir de Brás
Mário Alencar é a segunda sugestão: “... haverá Cubas, o autor passou a ser outro: transpondo
em sua casa algum recanto correspondente ao as amarras biográficas, o próprio autor se tor-
que sei possuir em seu coração, e onde ele pos- nou ato de criação.
sa recordar-lhe a saudade de um velho amigo
desaparecido.”
Assim como o personagem Aires, Machado
de Assis não foi indiferente à existência das re-
líquias pessoais. O poema manuscrito “Círculo
vicioso”, por outras vias, também acabou se
tornando o que parecia ser seu destino: trans-
mutar-se em pedaço do passado que fez a pos-
teridade reverenciá-lo. Afinal, não há como não
se sentir tocado por essa assinatura ao final da
página. Hoje, vê-la preservada pelo Museu His-

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BATUTAS DE FRANCISCO BRAGA
Gilberto Vieira

A
n t ô n i o medalha de ouro pelo exce-
Fra n c i s c o lente desempenho. Em se-
Braga, com- guida, iniciou seus estudos
positor, re- de contraponto e harmonia
gente e pro- com o professor Carlos de
fessor, nasceu em 15 de abril Mesquita – propagador da
de 1868 no Rio de Janeiro, e escola francesa de Jules
faleceu em 14 de março de Massenet, Saint-Saëns e
1945, na mesma cidade. Ne- Léo Délibes.
gro, de origem pobre, órfão Em 1887, apresentou
de pai, iniciou sua formação sua Fantasia-Abertura para
musical aos 8 anos de idade, orquestra, na Sociedade
a partir de 1876, no Asilo dos de Concertos Populares
Meninos Desvalidos – insti- – associação idealizada
tuição de educação primária por Carlos Mesquita. Essa
e profissional que oferecia composição foi apresenta-
aulas de música e contava da outras vezes na mesma
também com uma banda, associação, rendendo boas
frequentemente contratada críticas e uma imagem
para realizar apresentações promissora do seu jovem
no município da corte, o que compositor. Em 1888, além
gerava recursos para a insti- do posto de mestre da Ban-
tuição e era uma prática de Autor desconhecido
da do Asilo de Meninos
Francisco Braga em fotografia de divulgação, 1940
iniciação profissional. Desvalidos, Braga tornou-
COLEÇÃO PARTICULAR
Graças à sua grande de- -se também professor da
senvoltura musical, Francisco Braga foi convi- instituição. Em 1889, participou do concurso
dado a integrar a banda, onde ocupou a posição promovido pelo primeiro governo republicano
de contramestre e, mais tarde, de mestre. Já nes- para a escolha de um novo hino nacional. Esse
se período começou a criar suas primeiras com- concurso gerou grande debate e resultou na
posições, o que chamou a atenção do diretor da manutenção daquele que foi composto duran-
instituição, e este o encaminhou para o Imperial te o período imperial e na criação de um Hino
Conservatório de Música, onde se matriculou da República. Foram selecionados para a fase
na classe do professor Antônio Luiz de Moura final do concurso: Leopoldo Miguez, Alberto
e formou-se em clarineta em 1886, recebendo Nepomuceno, Jerônimo de Souza Queirós e

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Francisco Braga, que ficou em segundo lugar e foi nomeado professor do Instituto Profissional
recebeu como prêmio uma bolsa para estudar Masculino – nova denominação do asilo onde
na Europa. No Conservatório de Paris, foi admi- passara a infância. Entre 1909 e 1931, atuou como
tido na classe de composição de Jules Massenet. professor e mestre da Banda do Corpo de Mari-
Durante o período parisiense, compôs algumas nheiros e Fuzileiros Navais. Para a inauguração
de suas principais obras, como os poemas sinfô- do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1909,
nicos Paysage (1892) e Cauchemar (1895). Após compôs o poema sinfônico Insônia (1908). Nesse
uma série de viagens realizadas a partir de 1894 teatro, Marabá e Jupira (1898) foram encenados,
pela Suíça, Itália e Alemanha, estabeleceu-se em respectivamente, em 1920 e 1923, sob a regência
Dresden, em 1896, quando assistiu em Bayreuth de Richard Strauss e de Giuseppe Marinuzzi.
a uma encenação do Parsifal de Richard Wag- Como maestro titular das Orquestras da
ner. Nas primeiras décadas da República, as Sociedade de Concertos Sinfônicos, do Teatro
tendências pós-românticas ou impressionistas Municipal e do Instituto Nacional de Música,
francesas e de Wagner e sua “música do futuro” destacou-se também como um dos mais ati-
foram marcantes para certo grupo de composi- vos regentes de seu tempo, exercendo uma das
tores ligados ao Instituto Nacional de Música e funções que, juntamente com a composição, se
ao projeto de modernização da música no Bra- tornou uma das mais notáveis neste ambiente
sil – compositores da geração representativa do musical. Desde o século XIX, diante do aumento
romantismo musical no contexto brasileiro que, do público, das salas de concertos e dos grupos
além de Francisco Braga, incluía Leopoldo Mi- musicais, a regência tornou-se imprescindível.
guez, Alberto Nepomuceno e Henrique Oswald. Muito mais do que a função tradicional de ex-
Sob o impacto da obra wagneriana, Francis- plicitar a marcação do tempo musical com um
co Braga começou a compor ainda na Europa sua bastão, o regente passou a exercer um papel
ópera Jupira, com libreto de Escragnole Doria. próprio como intérprete, desenvolvendo técni-
O conjunto da sua obra contém música dramáti- cas e habilidades específicas, ampliando e apro-
ca, composições para orquestra e para grupos de fundando as possibilidades de compreensão,
câmara, música instrumental e vocal, coros, mú- execução e sensibilidade para com a “grande
sicas sacras e vários hinos. Desse conjunto des- música”. Essa redefinição de papel do maestro
tacam-se o poema sinfônico Marabá (1898), sua integrava projetos que visavam redefinir o pró-
obra orquestral de maior robustez, e o Episódio prio estatuto da música, tentando suplantar sua
Sinfônico (1898), sua obra mais executada. identificação histórica como uma arte manual e
O retorno ao Rio de Janeiro aconteceu em mecânica e afirmar seu valor como uma arte da
1900, ao estrear sua ópera no Teatro Lírico, acla- imaginação e da inteligência e sua importância
mada pelo público e recebida pelos críticos e no desenvolvimento das nações civilizadas.
amigos como referência comparativa a Carlos Assim, as batutas de Braga que integram a
Gomes. Nesse período inicia também a carreira coleção do músico no MHN desde 1945 são ob-
como regente. Em 1902, foi nomeado professor jetos icônicos para se pensar sobre a história
de contraponto, fuga e composição do Instituto da música no Brasil, representando simbolica-
Nacional de Música. Em 1906, compôs o Hino mente a regência de uma trajetória profissional
da Bandeira, com letra de Olavo Bilac, sob enco- e as tensões de um campo cultural e artístico: a
menda do prefeito Pereira Passos e do diretor trajetória de um homem negro, órfão, nascido
de Instrução Pública, Manoel Bonfim. Em 1908, em uma sociedade escravista, que ascendeu no

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campo da música iniciando sua formação em
uma instituição dedicada ao aprendizado pro-
fissional destinado às crianças pobres e que che-
gou a ocupar alguns dos principais espaços ins-
titucionais dedicados à música no país, atuando
como Mestre de Banda, Professor, Compositor e
Regente.
Na construção de uma memória dedicada a
consagrar esse músico destaca-se a existência da
Sala da Música Brasileira no MHN, na década
de 1950, onde eram expostas as relíquias daque-
les considerados fundadores da “grande música”
no Brasil, José Maurício Nunes Garcia e Carlos
Gomes, e também de Francisco Braga.
As duas batutas fazem parte do acervo do
MHN e estão classificadas como instrumentos
de trabalho e equipamentos de artistas/artesãos.
Uma classificação que, por um lado, refere-se a
objetos representativos de uma atividade profis-
sional que se tornou altamente especializada e
passou a ser exercida por músicos reconhecidos
como excepcionalmente qualificados, e que, por
outro, condensa duas categorias historicamen-
te distintas, atreladas às ambiguidades e dis- J. Carlos
putas que atravessam o campo da música e sua Capa para livro de Tapajós Gomes de 1937
hierarquização como atividade do “gênio” e do COLEÇÃO PARTICULAR

intelecto versus atividade manual e mecânica e,


respectivamente, como arte de artistas ou arte
de artesões.

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RETRATO RASGADO DE PEDRO II
Gabriela da Fonseca

O
imperador Pedro II tem ampla tauro, a legenda mostra a importância figurati-
representação iconográfica no va dos rasgos. O profissional Juarez Guerra, da
acervo do Museu Histórico Na- Reserva Técnica, contesta sobre o ato ter sido
cional (MHN). Entretanto, desde realizado por espada de militar de alta patente, e
a inauguração do museu em 1922 sim por sabre com lâmina de um gume – devido
uma pintura sem autoria conhecida está em ao esgarçamento dos cortes: a de um gume era
exibição. Trata-se de um quadro decorativo do das baixas patentes, enquanto a de dois gumes
gabinete do Ministério da Guerra, com Pedro II era usada pelas altas patentes.
fardado de marechal. Apesar de não haver deta- Mesmo em outros documentos comprova-se a
lhamento de sua procedência e estado quando importância de manter o quadro com o rosto des-
foi adquirida, seu diferencial está nos rasgos no figurado como símbolo do golpe republicano. Em
rosto do então imperador, manifestando o mar- artigo da museóloga Jenny Dreyfus, a mensagem
co histórico do golpe civil-militar republicano do quadro é exaltada: “Historicamente, este qua-
em 15 de novembro de 1889. dro tem grande valor. Achava-se na sala de honra
Atualmente, o quadro traz pinceladas com do Quartel General, tendo sido rasgado a sabre,
tinta acrílica cinza insinuando os rasgos. Essa pela turbamulta [multidão] exaltada, por ocasião
intervenção foi realizada entre 2002-2003, após da proclamação da República. Conserva bem níti-
uma restauração indevida que retirou os cortes. do o rasgão no rosto e nos bordos da tela.”1
Sem os rasgos, o quadro, então, tornou-se mais Em artigo, Zamorano Bezerra aborda a tra-
uma dentre as tantas representações de Pedro II jetória da tela na instituição e comenta uma res-
do acervo, perdendo seu diferencial e fonte de tauração de 1960: “pode-se supor que entre suas
testemunho histórico. Essa restauração causa prioridades não estavam as ‘marcas históricas’
estranhamento entre funcionários e pesquisa- do ocaso da monarquia”.2
dores: seria uma decisão técnica, alinhada com No entanto, na análise dos relatórios gerais
preceitos de preservação de restituição do origi- de 1959, o relato da equipe de Restauração indi-
nal? A restauração teria se dado devido à dificul- ca que não houve a reconstituição da pintura ao
dade de acesso à documentação antes da digita- seu original: “O quadro de D. Pedro II retalha-
lização do banco de dados na década de 1980? do a golpes de espada no dia 15 de novembro de
Ou haveria razões políticas para que Pedro II 1889, em péssimo estado, foi mandado à restau-
não fosse exposto desfigurado? ração. Esta foi feita respeitando, no entanto, o
Em documentação de 1975, numa fotografia estrago feito pela depredação popular que será
do quadro sem rasgos, consta a legenda: “Reta- marcado de um modo especial.” Portanto, além
lhado a espada e lança no Ministério da Guerra da primeira restauração relatada em 1959, hou-
em 15 de novembro de 1889”. Apesar do res- ve uma segunda que não consta em relatório. Na

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primeira restauração, compunha a equipe Ruy destacaram. Uma delas trazia a revolta dos re-
Campello e Nicolau Del Negro. Campello se apo- publicanos, como uma humilhação ao poder do
sentou em 1966 e Del Negro deixou de integrar imperador, algo que poderia ser uma motivação
a equipe do museu no final da década de 1980, para sua restauração durante o período da dita-
o que denota que havia ciência da importância dura, na vigência do AI-5, que criminalizava a
do rasgo, assim como a prática de preservá-lo. contestação. Em outra interpretação, seria um
Como, então, o quadro é restaurado ao original? ato simbólico de desagravo pela fuga de Pedro II,
Após o golpe civil-militar de 1964, o MHN uma deserção covarde do generalíssimo. O que
passa a ser gerido por militares. Ainda assim, em possibilitou interpretar com maior afirmação
entrevista com a ex-funcionária Anamaria Rego que o restauro realizado durante a ditadura mi-
de Almeida, a Aninha, ela recorda que em 1969 a litar foi feito para apagar o símbolo histórico e
obra estava exposta com os rasgos no rosto. fundador da república de uma subversão de bai-
Quanto à documentação do período ditatorial, xas patentes à maior autoridade militar.
nota-se a execução de relatórios quantitativos sem De modo complementar, questiona-se o
descrição das intervenções e restaurações pratica- triunfo do 15 de novembro, se era sobre a deposi-
das. Há, somente, a indicação de manutenção dos ção do imperador e continuidade da monarquia
quadros de Pedro II para a exposição itinerante ou a proclamação da República. Ou seja, não seria
Dom Pedro II e sua Época, em 1972, sem detalha- do interesse dos ditadores de 1964 que na história
mento do Gabinete de Restauração. oficial houvesse brechas de subversão na hierar-
Assim, o quadro de Pedro II passa por três in- quia militar que moveriam as estruturas de poder.
tervenções: em 1959, conservando os rasgos; na dé- 1> DREYFUS, Jenny. Dom Pedro II através de sua iconografia.
cada de 1970, apagando os rasgos; e em 2002-2003, Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 4, 1947,

restituindo os rasgos com tinta acrílica cinza. p. 383-442.


2> BEZERRA, Rafael Zamorano. Valor histórico, exposição e res-
Tratar-se-ia, então, de uma restauração por tauração de objetos do acervo do Museu Histórico Nacional. Anais
motivações políticas? Em pesquisa junto ao do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 42, 2010, p. 170.

Núcleo de Educação do MHN, foi aplicada ativi-


dade educativa de consulta aos visitantes sobre Benedito Calixto
as possíveis motivações políticas para o apaga- Proclamação da República, 1893
mento da informação. Duas interpretações se PINACOTECA DE SÃO PAULO

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MESA DA CONSTITUINTE DE 1891
A REPÚBLICA SOBRE A MESA

Antônio Lassance

E
ra uma figura histórica distinta, O vocábulo “presidência”, oriundo do latim
elegante e imponente. Ao dar en- praesedere (preceder), já denota o simbolismo
trada em sua aposentadoria, após das mesas. Presidir é tomar assento à mesa pre-
35 anos de serviços prestados, foi cedendo as demais pessoas, ocupando seu cen-
descrita como de 1,60 de altura, tro ou sua ponta, encabeçando-a. Mais que isso,
tom castanho escuro, longas pernas lisas e três presidir é sentar-se para comandar os trabalhos
estrias na parte inferior. Ostentava no peito ou uma cerimônia – a começar, convidando ou
um medalhão, entre outros adereços de estilo convocando quem possa ou deva estar à mesa; a
eclético. Ela recolheu-se em definitivo aos seus palavra; distribuindo privilégios e obrigações.
aposentos no dia 18 de outubro de 1926. Embora É  exercer a prerrogativa de mestre de cerimô-
fosse primavera, desfolhava-se o outono político nias diante de um público que participa e legiti-
da Primeira República (1889-1930). ma o ato e testemunha anúncios e decisões.
Era a mesa da Constituinte de 1891. Um ma- A função de presidente de mesa, sempre es-
jestoso objeto em madeira com muita coisa a di- sencial à condução de assembleias populares e
zer e, certamente, muitos segredos guardados, de trabalhos legislativos, aos poucos foi se desta-
o que suas gavetas vazias evitavam confessar. cando como função executiva. Foi a partir da ex-
A compleição e a topografia da mesa diretora da periência dos Estados Unidos da América, com
Constituinte de 1891 já impunham um recado. a Constituição ratificada naquele país em 1788,
Como uma requintada moldura a enquadrar os que a figura do presidente mudou de patamar.
que eram postos em foco, ocupando a posição O cargo passou a ser reconhecido pelo exercício
central do plenário para obrigatoriamente atrair de outro poder de Estado, com legitimidade e
a atenção de todos, somada à sua visão mais ele- forma de escolha próprias, distintas daquelas do
vada em relação à plateia, este mobiliário trans- Legislativo. Nascia assim o chamado presiden-
formava-se em uma espécie de pedestal. Quem cialismo. Em 1891, nessa mesma mesa, a política
o ocupasse, literalmente, ganhava maior relevo. e o Estado brasileiro estavam sendo reinventa-
A mesa da Constituinte é na verdade um dos. A República, o federalismo e o presiden-
móvel que conjuga uma parte central, mais alta, cialismo já haviam sido proclamados desde o
a duas laterais. O centro estava obviamente re- primeiro decreto de Deodoro da Fonseca, de 15
servado à autoridade mais importante, que pre- de novembro de 1889, mas, verbis, “provisoria-
sidia os trabalhos de discussão e votação. Cola- mente”, até que ocorressem congressos cons-
das a esse tronco estavam, em nível mais baixo tituintes do Brasil e de cada um dos estados da
(1,40 m de altura), duas partes laterais, acopladas federação.
como braços, prontos a auxiliar o presidente da A Constituição Federal iria sacramentar
mesa em suas funções e sob seu comando. as bases da Primeira República, consolidar o

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poder dos estados, a autonomia do Legislati- após a renúncia de Deodoro da Fonseca. Os pre-
vo e o modelo de Judiciário dual (Justiça dis- sidentes subsequentes, pela primeira vez e até
tinta na União e nos estados), contrariando o 1930, seriam sufragados pelo voto direto de um
projeto de Judiciário unitário defendido por eleitorado exclusivamente masculino, alfabeti-
Deodoro. Outras tantas inovações, estabele- zado e, portanto, minoritário.
cidas antes por decreto, como as próprias a Prudente de Moraes presidiu a Constituinte.
um Estado laico, finalmente ganharam status Nessa condição, foi o primeiro a comandar esta
constitucional pleno. mesa, a toque de caixa, como dizem os relatos.
Dois dias depois de sua promulgação, em Derrotado por Deodoro na disputa pela presi-
fevereiro de 1891, estavam diante dessa mesa dência, em 1891, Moraes eternizou-se no quadro
Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto – dois Compromisso Constitucional, um painel do pin-
militares essenciais à proclamação da Repúbli- tor paraibano Aurélio de Figueiredo.
ca. Ali mesmo eles haviam sido eleitos indireta- Na Constituinte, a mesa ouviu incólume os
mente pelo Congresso. Depois do juramento à discursos que consideravam o voto das mulhe-
Constituição, assinaram, provavelmente sobre res uma proposta imoral, anárquica e tendente a
esta mesa, os termos de posse como presidente
e vice, respectivamente, do primeiro governo
republicano. Floriano Peixoto repetiria o ato
poucos meses depois, ao assumir a presidência,

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aniquilar a família brasileira. Na Câmara, vieram dio da antiga Assembleia Geral (o parlamento
as discussões e leis feitas para reprimir a orga- do Império), popularmente conhecido como
nização sindical, expulsar estrangeiros sumaria- “Cadeia Velha”. O apelido, autoexplicativo, indi-
mente, regular (e não abolir) o trabalho infantil cava que presos ditos comuns e também presos
e censurar a imprensa, mais exatamente aquela políticos estiveram ali, enquanto aguardavam
que defendia trabalhadores, criticava a insensi- julgamento e sentença. O mais famoso deles,
bilidade dos governos e incitava greves. Tiradentes.
Inicialmente uma inquilina do Palácio da O antigo prédio colonial, de triste memó-
Quinta da Boa Vista (antigo Palácio Imperial ria, foi evacuado em 1914 e, em 1922, acabou
e, atualmente, sede do Museu Nacional), onde demolido para dar lugar ao Palácio Tiradentes,
ocorreu a Constituinte de 1891 e a primeira ses- hoje sede da Assembleia Legislativa do Esta-
são legislativa da Primeira República, o móvel do do Rio de Janeiro. Nesse ínterim, a mesa
seguiu a ornar as mesas diretoras da Câmara dos acompanhou a Câmara quando ela abrigou-se
Deputados, aonde quer que ela fosse. O périplo no Palácio Monroe, até a conclusão das obras
começou quando a Câmara foi sediar-se no pré- de sua nova sede. Entre 1922 e 1926, a Câmara
e sua mesa saíram do Monroe para dar lugar ao
Senado, provido de seu próprio mobiliário. Os
deputados rumaram para a Biblioteca Nacio-
nal enquanto esperavam pela inauguração do

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Tiradentes – o que só ocorreria em 6 de maio
de 1926. Naquele período, a mesa já estava des-
tinada a virar peça de museu.
Como sua ficha de entrada no Museu revela,
a mobília havia sido incorporada ao patrimônio
do Ministério da Justiça, pertencente à Cole-
ção Câmara dos Deputados. Portanto, a Câmara
doou-a ao Ministério para que fizesse parte do
acervo do Museu Histórico Nacional.
Em três décadas, a mesa presenciou acordos,
divergências, conchavos e degolas – como era
chamado o processo de indeferimento da diplo-
mação de deputados que, embora eleitos pelos
estados, eram contestados por disputas oligár-
quicas não resolvidas no bico de pena.
Por sobre ela passaram a tramitação e a apro-
vação do Código Civil de 1916, que consagrou
como lei o conservadorismo patriarcal e o in-
dividualismo liberal – uma coalizão que pare-
Bernardelli, Henrique
ce eterna. O Código obrigava a considerar que
Marechal Deodoro da Fonseca, Xilogravura 1890.
“o marido é o chefe da sociedade conjugal”, e a BIBLIOTECA NACIONAL
ele cabia, inclusive, autorizar ou não a mulher a
exercer alguma profissão.
As relações trabalhistas e a proteção social
foram relegadas à decisão individual entre
as partes (patrões e empregados, homens e
mulheres, adultos e crianças), como se esses
fossem de fato plenamente iguais, algo que a
lei e a ordem da época eram pródigas em con-
tradizer. O Código, que já nascia velho, talvez
tenha tido, como sua maior inovação, a grafia
de Brasil (com s, e não com z), resgatando a
versão original da palavra e alinhando-se ao
português de Portugal.
Quando por fim desvencilhou-se dos deba-
tes, encaminhamentos, votações e promulga-
ções parlamentares, a mesa já estava rouca de
tanto ouvir. Hoje cumpre a missão de falar aos
que souberem escutá-la.
Alberto Henschel
Floriano Peixoto em fotografia de 1881.
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Aurélio de Figueiredo
Compromisso Constitucional de 1891. 1896
MUSEU DA REPÚBLICA

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UMA FOTO DE GUTIERREZ
JUAN GUTIRREZ E AS IMAGENS PARA “VER, OUVIR E CONTAR”

Maria Inez Turazzi

O
s brasileiros que guier, que os visitantes cor-
quisessem co- riam o risco de contraírem
nhecer o Pano­ ali a febre amarela. As ima-
rama do Rio de gens, palpáveis e simbólicas,
Janeiro no in- efêmeras ou duradouras, es-
terior de uma rotunda nas petaculares e, por vezes, tão
proximidades da Exposição sombrias, evocavam muitas
Universal de Paris de 1889 histórias...
poderiam fazê-lo sem sair A fotografia de Juan
da própria cidade. A obser- Gutierrez, com outra pers-
vação, em tom de troça, era pectiva, lança o espectador
do escritor português Jayme na vida que pulsa para além
de Séguier: “a moda dos pa- da “perfeita ilusão”. Esco-
noramas está pegando de tal lhendo o nível do mar, o
maneira que dentro em bre- fotógrafo posicionou sua
ve ninguém se incomodará câmera nas Docas do Mer-
em viajar”.1 Na seção “Ver, cado, obra do engenheiro
ouvir e contar” do Jornal Agostinho Victor de Borja
do Commercio, ele sugeria Castro para facilitar a an-
aos leitores que subissem  o coragem de embarcações
morro de Santo Antonio  e, na movimentada Praia do
de lá, contemplassem a pai- Peixe. O dique e a praia fi-
sagem ao redor, pois “tanto monta ver a tela, cavam diante do principal mercado público da
como o objeto que ela representa”.2 cidade, inaugurado em 1841. Projetado pelo ar-
O local tinha sido o ponto de vista escolhido pe- quiteto francês Grandjean de Montigny, o edi-
los pintores Victor Meirelles de Lima e Henri Lan- fício ganhou novo pavimento e ampliações nos
gerock para a visão panorâmica, em 360º, da capi- anos seguintes, mas não resistiu às exigências
tal do Império. O empreendimento concretizava de “regeneração” e “embelezamento” da capital
uma parceria artística e comercial, inaugurada em federal em princípios do século XX. O Merca-
Bruxelas, em 1888. Chegando ao Rio de Janeiro, a do da Candelária, ou “mercado central”, como
rotunda foi instalada diante do Largo do Paço, local legendou o fotógrafo, só ficaria de pé até 1911.
emblemático da vida política do país, hoje Praça O Morro do Castelo, visto ao fundo, desapare-
XV de Novembro. A “perfeita ilusão” provocada ceria da paisagem carioca pouco depois, aten-
pelo Panorama era tão convincente, ironizava Sé- dendo às mesmas exigências.

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Com os novos recursos oferecidos pela fo- Gutierrez solicitou à Junta Comercial do Rio de
tografia dita “instantânea”, a imagem reproduz Janeiro permissão para a abertura de uma nova
o tráfego intenso de embarcações, mercadorias firma, no mesmo endereço, como seu proprietá-
e pessoas nas imediações do mercado. Cestos rio. Exemplares da fotografia aqui reproduzida
de pescado, sacas de grãos, tonéis de cachaça e aparecem ora indicando o nome da empresa, ora
uma profusão de tábuas para a construção naval apenas J. Gutierrez. Um catálogo ilustrado, de
ou civil misturam-se a trabalhadores e trabalha- 1892-1893, traz em destaque o nome do fotógrafo
doras que ganham a vida no porto. O aparente como “sucessor” da Companhia Photographica
sossego dos barcos ali ancorados contrasta com Brazileira e “fornecedor do Governo dos Esta-
o ritmo frenético do movimento de carga e des- dos Unidos do Brasil”. No interior, a descrição e
carga, acompanhado de perto pelo comércio de venda de equipamentos e materiais fotográficos,
gêneros alimentícios nas barracas, quiosques e com diversos formatos, marcas e procedências,
arcadas do velho mercado. Uma imagem que nos destinados aos profissionais e, agora também, aos
faz “ver, ouvir e contar” muitas outras histórias... amadores que se aventuravam na arte fotográfica.
A vida e as atividades conhecidas de Juan Gutierrez produziu vistas e retratos para a
Gutierrez de Padilha (c. 1860-1897), imigrante “boa sociedade” do Império, tendo sido agraciado
de origem hispânica naturalizado brasileiro, se com o título de “Fotógrafo da Família Imperial”,
resumem a uns poucos retratos, algumas deze- em 3 de agosto de 1889. Faria o mesmo com figu-
nas de fotografias e muitas trilhas abertas pela ras emblemáticas do novo regime. Republicano
historiografia.3 Sabe-se que Gutierrez, um dos por convicção e frequentador das rodas intelec-
maiores fotógrafos em atividade no Brasil no tuais da capital, ele participaria de projetos de
século XIX, nasceu em uma das colônias espa- documentação fotográfica comissionados pelo
nholas nas Antilhas, tendo chegado ao Rio de governo federal. Entre 1893 e 1894, registrou a vi-
Janeiro em fins da década de 1880, ao que tudo tória das forças oficiais no desenrolar da Revolta
indica já familiarizado com a prática fotográfi- da Armada, quando revoltosos comandados pelo
ca. Ele não demorou a se estabelecer na cidade, vice-almirante Custódio José de Melo se opuse-
fundando a Photographia União, à Rua da Cario- ram ao governo do presidente Floriano Peixoto.
ca, 114. Na década seguinte, criou a Companhia Essas fotografias são representativas das novas
Photographica Brazileira, em sociedade com estratégias de produção e utilização de registros
proprietários e comerciantes atraídos por um “fidedignos”, realizados in loco, para o conven-
negócio que parecia bastante promissor. cimento público e a construção de memórias.
Instalado no imponente edifício à Rua Gon- Pouco depois, Gutierrez fotografaria as comemo-
çalves Dias, 40, o estabelecimento chegou a ser rações pelo quinto aniversário da Proclamação
considerado “o mais completo da América do da República, ocasião na qual foram produzidos
Sul”, abrigando área de escritório e exposição, álbuns de encadernação luxuosa, em grande for-
salão de pose e laboratório, além de oficinas de mato, com o título Recordações das Festas Nacio­
impressão e retoque. Os elogios publicados no nais. Nesses projetos e comissionamentos, como
Jornal do Commercio, noticiando a inauguração em outras ocasiões, Gutierrez criou fotografias
ocorrida a 1º de janeiro de 1892, reforçaram a re- notáveis que dialogam com a obra de Marc Ferrez
putação do fotógrafo. Mas o empreendimento du- e outros fotógrafos de seu tempo.
rou pouco, como outros negócios atingidos pelo Em 1896, eclodiu um novo conflito armado
Encilhamento. Em 29 de setembro desse ano, que se revelaria ainda mais desafiador para o

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governo da República. A Campanha de Canu-
dos levou Gutierrez até o sertão da Bahia, como
ajudante de ordens do general João da Silva Bar-
bosa, um dos comandantes da quarta expedição
encarregada de derrotar Antônio Conselheiro e
seus seguidores, promovendo também a com-
pleta destruição do arraial de Canudos.  Ferido
mortalmente, Gutierrez faleceu em 28 de junho
de 1897, sem que se conheça o que viu, ouviu e
contou dessa trágica história.

1> [Jayme de Séguier]. Ver, ouvir e contar. Paris, 27 de março de


1889. Folhetim do Jornal do Commercio. Jornal do Commercio,
14 de abril de 1889, p. 1. Disponível em http://memoria.bn.br/do- Capa do álbum “Recordação das festas nacionaes”
creader/DocReader.aspx?bib=364568_07&pagfis=22602 novembro de 1894 | COLEÇÃO PARTICULAR
2> Idem.
3> ERMAKOFF, George. Juan Gutierrez: Imagens do Rio de Janei- ACIMA:
ro 1892-1896. Rio de Janeiro: Contra Capa/Capivara, 2001. Fotografia “Palacio do Itamaraty” no mesmo álbum

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LITOGRAFIA SOBRE O ATENTADO A PRUDENTE DE MORAES
Maria Pace Chiavari

A
área hoje ocupada pelo Museu O impacto provocado pelo atentado ganhou
Histórico Nacional (MHN) é lu- os jornais e revistas da época. Estas últimas, em
gar de referência para a cidade particular, marcadas pela interação entre textos
do Rio de Janeiro enquanto mar- e imagens, consagraram uma fórmula de suces-
co representativo do poder, palco so, promovendo a renovação da cultura visual
de importantes eventos, espaço indissociável no Brasil e a expansão da imprensa como um
do antigo centro urbano. A partir do momen- todo. O fenômeno explica a presença na capital
to em que a cidade se torna sede da monarquia de cerca de 250 oficinas que produziam litogra-
portuguesa, a defesa contra os ataques externos fias, técnica muito utilizada pelos artistas no
determina a construção do Arsenal de Guerra século XIX, transformando o Rio de Janeiro em
ou Arsenal Real. Graças à sua localização estra- um polo de atração para artistas brasileiros e es-
tégica, a área escolhida é aquela junto à Ponta trangeiros – entre eles, Angelo Agostini.
do Calabouço, próxima ao Forte de São Tiago da Agostini é o autor do desenho sobre a tenta-
Misericórdia. No dia 5 de novembro de 1897, a tiva de assassinato do presidente que serviu de
atenção do país se volta para um episódio dra- base para a gravura (70 x 45 cm) em preto e bran-
mático ocorrido no Arsenal de Guerra do Rio de co, produzida em litografia.. Na qualidade de
Janeiro: o atentado contra o Presidente Pruden- registro de um fato histórico em uma narrativa
te de Morais, quando este recepcionava o Gene- quase jornalística, essa imagem também serve à
ral João da Silva Barbosa ao voltar – vitorioso divulgação do ideal republicano.
– da Guerra de Canudos. Naquele momento, a A história de Angelo Agostini (1843-1910)
tensão política marcava a vida da capital. “Não tem início na cidade italiana de Vercelli, onde
seria exagero dizer que a cidade do Rio de Janei- nasceu; ainda criança, sua família se transferiu
ro passou, durante a primeira década republica- para a França; e em 1864, ele se mudou para o
na, pela fase mais turbulenta de sua existência”, Brasil. Para o sucesso do artista contribuiu o fe-
observa o historiador José Murilo de Carvalho. liz cruzamento de múltiplas influências. Graças
Ainda durante o governo Floriano surgem à formação acadêmica francesa, a qualidade da
rupturas no interior do Partido Republicano, produção gráfica de Agostini se manifesta já na
dividido entre os radicais florianistas e a oligar- breve estada em São Paulo, onde colabora, como
quia cafeeira. A eleição, em 15 de novembro de gráfico, em periódicos como o Diabo Coxo e Ca-
1894, de Prudente de Moraes como presidente brião, e vem atingir sua plena expressão no Rio
vem acirrar essa polarização. Representando de Janeiro, para onde se transfere. Nesta cidade,
a vitória da oligarquia cafeeira paulista, sua as- Agostini se destaca como jornalista, repórter
censão marca a passagem do poder das mãos dos e editor, criador e administrador de revistas.
militares às dos civis. É o caso da Revista Ilustrada, fundada por ele

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em 1876. Na capital, o artista encontra espaço Marechal Carlos Machado Bittencourt, Ministro
para expressar seu lado polêmico, combativo da Guerra, posicionado, como escudo, entre o
e irreverente, tornando-se defensor, no último Presidente e o soldado Marcelino Bispo Miran-
período do Império, das ideias abolicionistas e da – este segura o punhal com o qual golpeará
republicanas. Antes de ver se concretizarem os Bittencourt, provocando sua morte.
resultados dessa sua luta, o artista italiano ruma O resultado obtido é um registro quase “foto-
a Paris. Poucos anos depois, uma vez instalada gráfico”, numa narrativa realista, em voga na arte
a República no Brasil, o então ítalo-brasileiro europeia desse período. No Brasil, o uso da foto-
Angelo Agostini desembarca no Rio, onde inau- grafia, nessa época, se limita ainda à reprodução
gura o jornal ilustrado Don Quixote (1895-1906). de vistas e retratos. Para compor as fisionomias
A litografia de Agostini sobre o atentado ao das principais figuras Agostini se vale de fotogra-
presidente Prudente de Moraes foi publicada fias oficiais desses personagens, de maneira que os
como suplemento do Don Quixote. A cenogra- leitores da revista possam identificá-los. No lado
fia do quadro é “acadêmica”, no que se refere à esquerdo, da parte inferior do quadro, é reproduzi-
linguagem adotada em sua composição, e “enfá- do o rito de inumação do cadáver do Marechal Bit-
tica”, quanto ao significado que pretende trans- tencourt, na presença do Presidente da República.
mitir. Para obter este efeito, seu autor opta por Ocupa, entretanto, a quase totalidade dessa faixa a
um detalhado registro histórico, capaz, ora de figuração coletiva, cujo tema é “a saída do Cemi-
dramatizar o evento político, ora de sublimar a tério São João Batista”. A cena se apresenta como
homenagem à vítima. Para compor esses mo- a resposta do Rio de Janeiro ao atentado em uma
mentos distintos, Agostini recorre à construção homenagem à vítima e ao presidente Prudente de
de dois quadros, como dois atos de uma mesma Moraes. Ao retratar o numeroso público, calculado
peça teatral. O atentado ao Presidente Prudente pelo Jornal do Commercio em 30 mil almas, Agos-
de Moraes ocupa a faixa superior, enquanto as tini revela seu lado menos conhecido, de cronista
exéquias do marechal Machado de Bittencourt, e narrador. Isso transparece no olhar que lança so-
a inferior. Ao desenhar o episódio do atentado bre uma sociedade carioca cosmopolita, expressa
no primeiro quadro, o artista registra o momen- nos adereços, chapéus, vestidos ou no gestual das
to depois de a pistola do assassino ter falhado. pessoas à saída do cemitério. O imaginário cívico
Na reconstituição da cena, percebe-se a encontra sua maior valorização nos retratos dos
preocupação de Agostini em fornecer ao leitor três principais protagonistas. À esquerda está po-
os elementos visuais capazes não apenas de fa- sicionado o do coronel Mendes de Moraes; ocupa
cilitar o entendimento do evento como de lhe a parte central da ilustração o retrato do marechal
transmitir a tensão do momento. No centro da Bittencourt. Embaixo, à esquerda, sobre a assina-
faixa destinada ao registro do primeiro episó- tura de Angelo Agostini, é marcante a presença do
dio se destaca a figura do Presidente, seguran- retrato do réu, Marcelino Bispo de Mello.
do com a mão direita o chapéu e estendendo a Como conclusão, pode-se afirmar que essa
esquerda na direção dos ministros que o defen- ilustração, por se tratar do “resultado de uma
dem. Vê-se ao lado dele, no chão, a pistola, in- montagem, consciente ou inconsciente, da his-
dício da primeira tentativa frustrada do soldado. tória, da época, da sociedade que a produziram”
Junto ao Presidente, se destaca, na esquerda, o assume, segundo Jacques Le Goff, o papel de
Coronel Mendes de Moraes, Chefe da Casa Mili- “testemunho suscetível de orientar a história
tar, com a espada na mão. Quase na frente dele, o num ou no outro sentido”.

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PORTA DO JORNAL DO COMMERCIO
Luís Jorge Natal

G
osto de passear pelo passado. Sin- Guerras, festas, revoluções, Woodstock, lá
to-me abduzido pelos deuses astro- estive. Conheci as capitais do mundo... um pou-
nautas a correr por momentos e fa- co do império português.
tos históricos de nossa civilização. E de maneira lúdica, bebi no Beco das Garra-
Não vivi há dez mil anos como Raul fas, até ensinei Elizeth Cardoso a escolher, junto
Seixas, mas estive em vários lugares quando a com Tom e Vinicius, o repertório de Canção do
história teimava em acontecer. E em várias eras, amor demais. Joguei com Garrincha. Vivi dra-
da antiguidade à Bossa Nova.  mas e tragédias. 
Estive em Pompeia quando a cidade foi afo­ Na política, escrevi sobre a ascensão e que-
gada por um mar de cinzas vulcânicas. Essa da de vários líderes. Perplexo, vi triunfar uma
sensação, quase concreta, tomou conta de mim nulidade. No mundo real, mergulhei em muitas
quando me sentei numa ruela das ruínas da ci- águas, o que me ajudou a ser mais tolerante.
dade e olhei para o Vesúvio. Escapei das lavas do Mas o que essa longa digressão tem a ver com
vulcão. Mas não de Os últimos dias de Pompeia, a porta do Jornal do Commercio? Bom, se você
do inglês Edward Bulwer-Lytton, publicado pela chegou até aqui, vá até o fim. Por uma analogia
primeira vez em 1834, um livro, um romance fic- singular, concluí que a porta de um jornal é a en-
cional e histórico.  trada do conhecimento, da história – ainda que
Adolescente, quase menino, me apaixonei superficial. Foi através dos meios de comuni-
pelo passado. A partir daí, passei a girar o mun- cação, com a hegemonia dos jornais impressos
do imaginário e real. Com os livros, conheci – até o final do século XX, pelo menos – na pro-
a Grécia antiga, a Macedônia de Alexandre, o dução de notícias, que grande parte da popula-
Grande, o Egito, a Pérsia... e entrei vitorioso em ção conheceu outros mundos, mares, religiões,
Roma depois de derrotar Cartago. Participei culturas diversas, guerras e vitórias.
das grandes navegações, pisei no novo conti- Atravessar a porta de um jornal, virtual ou
nente antes de Cabral, ajudei a plantar a cruz fisicamente, é ser apresentado ao mundo, com
lusitana na praia do Marco, no litoral do Rio suas imperfeições, inclusive do próprio jornal.
Grande do Norte.  É diferente de entrar em uma livraria, onde
Caminhei com o bruxo do Cosme Velho ten- você pode virar até um especialista com muito
tando confirmar a traição de Capitu, estive com conhecimento específico. 
Vargas Llosa na Catedral e percorri as vielas de Sem ter sido abduzido ou estar sonhando,
Cartagena das Índias numa reportagem de Ga- entrei profissionalmente pela primeira vez em
briel García Márquez. Foram muitos episódios um jornal em 1982, há exatos 40 anos. Tinha
antes e depois de cavalgar com D. Sebastião na acabado de concluir a faculdade e carregava a
batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos.  arrogância do jovem que quer consertar o mun-

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do. Fui então apresentado ao universo da infor-
mação rápida, múltipla e abrangente. 
Portas são emblemáticas, simbólicas, repre-
sentativas. Que o diga a psicanálise. Elas podem
se abrir para a história, ou encerrar parte dela.
Imaginem, então, se pertenceu ao mais antigo
jornal do país, o Jornal do Commercio, que cir-
culou no Rio de Janeiro de 1827 a 2016!
Fico imaginando como deveria ser transpor
as portas de um jornal secular. Mas, com certe-
za, não seria o mesmo que entrar numa agência
bancária ou num mosteiro.
Imagine agora, caro leitor, que o Jornal do
Commercio, muito mais que o Repórter Esso,
foi testemunha e noticiou 189 anos de história!
O  prédio da sede na avenida Rio Branco, no
Rio de Janeiro, então capital do país, chamava a
atenção pelas linhas clássicas, e as grandes por-
tas ganhavam destaque.
O jornal tinha ares europeus: foi fundado por
Pierre René François Plancher de La Noé, editor
de Voltaire e Benjamin Constant, e que deixou
a França em 1824 para se instalar no Brasil. Ti-
pógrafo, trouxe livros, prelos de ferro, caixas de
tipos e outros materiais tipográficos. Quase foi
expulso do país, acusado de ser falsário. Mas pro-
vou sua inocência, tornou-se amigo do impera-
dor e abriu sua gráfica. Logo lançou um pequeno
jornal, que circulou por três anos, seguido logo
pelo Jornal do Commercio. como em preços correntes exatos de importação
Conforme registra o Centro de Pesquisa e e exportação, entrada e saída de embarcações
Documentação (CPDoc) da Fundação Getúlio etc. etc.”
Vargas, “quando, a 1º de outubro desse mesmo
ano, lançou o Jornal do Commercio, Plancher Mas no ano seguinte já começaria a se envol-
restringiu-se aos assuntos comerciais e econô- ver com política, com papel relevante na abdica-
micos”. Com quatro páginas de 21 cm de largura ção de D. Pedro I – o filho deste, D. Pedro II, che-
por 30 cm de altura em nota de 17 linhas, o novo gou a escrever no jornal. Aliás, muitos foram os
órgão informava na primeira página: intelectuais e políticos da época que deixaram
ali sua assinatura, como José Maria da Silva Pa-
“Esta folha exclusivamente dedicada aos senho- ranhos (Barão do Rio Branco), José de Alencar,
res negociantes conterá diariamente tudo o que Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Visconde de Tau-
diz respeito ao comércio, tanto em anúncios, nay e Austregésilo de Athayde. Em cada época,

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outra leva de nomes importantes deixaram ali
sua colaboração.
No entanto, 189 anos não são 189 dias. Durante
estes quase dois séculos o Jornal do Commercio
passou por vários donos, mantendo sempre sua re-
levância política. Em 1959 passou a integrar o Gru-
po Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
Da mesma forma, ocupou diferentes sedes –
o que nos leva de volta à porta. 
Em 1961, o escritor Josué Montello agradecia
a doação ao Museu Histórico Nacional (MHN)
“da grande porta do antigo e tradicional prédio
em que funcionou o Jornal do Commercio”, re-
gistrando ainda que “a dádiva constituirá, real-
mente, um motivo de admiração dos que visita-
rem este Museu”. A carta era dirigida a Elmano
Cardim, da Administradora Rodrigues.
Imponente, ricamente trabalhada, por ela
passaram, durante anos e anos, muitos mais do
que os nomes já citados. Centenas de jornalistas
e políticos, figuras que marcaram época na lite-
ratura, na economia, na política e nos rumos do
Brasil. E que marcaram posição diante de fatos
importantes, em diferentes etapas da vida nacio-
nal, sobretudo os do século XX – da Revolução de
1930 à campanha O Petróleo É Nosso, à Segunda
Guerra Mundial ou o Golpe Militar de 1964.
Mas a carroça da história segue implacável
na estrada. A chegada das novas tecnologias e
a rapidez da informação abalaram a existência
dos jornais impressos. Gigantes foram obriga-
dos a fechar as portas antes abertas para o mun-
do. Hoje, as portas são quase todas virtuais. Mas
continuam com a mesma missão: possibilitar o
acesso ao conhecimento. 

AO LADO:

Primeiro número do Jornal do Commercio


BIBLIOTECA NACIONAL

Augusto Malta
O Jornal do Comercio na Avenida Rio Branco, em 1941
ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

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ÁLBUM DA EXPOSIÇÃO NACIONAL DE 1908
Alda Heizer

O
Álbum da Exposição leções particulares e em instituições.
Nacional de 1908 Suas imagens dizem muito sobre
pertence ao acer- as mudanças ocorridas no cená-
vo do Museu rio urbano, no dia a dia da cida-
Histórico Na- de e sobre os homens, mulhe-
cional (MHN) e apresenta 67 res e crianças que circulavam
fotografias em preto e bran- na então capital da República.
co, de diferentes tamanhos, As fotos de Malta da Ex-
de autoria de Augusto Cesar posição Nacional de 1908,
de Malta Campos, o Augusto que constam do álbum em
Malta. O exemplar integra a Co- questão, são quase todas pano-
leção Miguel Calmon du Pin e râmicas, apresentando a monu-
Almeida (1879-1935), engenhei- mentalidade das construções e
Anônimo
ro e político baiano que, na épo- do próprio espaço ocupado pe-
Retrato de Austo Malta, S.D.
ca em que ocorreu a exposição, ARQUIVO GERAL DA CIDADE
los pavilhões. Preocupado em
era ministro da Viação e Obras DO RIO DE JANEIRO
registrar um número expressi-
Públicas. A coleção que abriga o vo de visitantes ao evento, ele
álbum foi doada por sua viúva, Alice Porciúncula, privilegiou ângulos que permitem ter a noção
em ato de “patriótica doação”, segundo o diretor exata de quem frequentou a exposição, as vesti-
do MHN à época, Gustavo Barroso. 1
mentas, as atividades que ocorriam em meio aos
O álbum é encadernado em capa de couro, códigos de postura que garantiam a ordem inter-
como outros livros da mesma coleção, com ex na e deixava de fora os indesejáveis da sociedade.
libris do próprio Miguel Calmon e fotografias A exposição em 1908 comemorava os cem
coladas em papel, o que nos permite inferir que anos do que seria a inserção definitiva do Brasil
foi organizado pelo fotógrafo e doado a Miguel no mundo “civilizado”, deixando para trás um
Calmon, ou organizado a partir das fotografias passado que, desde as reformas urbanas imple-
de Malta. Tais informações são interessantes já mentadas pelo prefeito Pereira Passos, buscava-
que, embora concebidos de forma diferente da -se apagar, dado que remetiam a um tempo a ser
dos álbuns oficiais das exposições, esses livros superado, o colonial. Com duração de 11 meses,
obedecem também a um desejo de guardar as o evento pretendeu comemorar o fim do Pacto
memórias do evento. Colonial e a consequente Abertura dos Portos.
Malta foi um fotógrafo que associamos imedia- E também inventariar o país, demonstrando
tamente à cidade do Rio de Janeiro. Seus registros o progresso de uma cidade que fora saneada e
estão presentes em revistas, guias, álbuns em co- urbanizada, mesmo que deixando de fora os tra-

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balhadores, os homens e mulheres que não per- artefatos, plantas, livros, fotografias, pinturas es-
tenciam à “boa sociedade” e que foram expulsos culturas e produtos da indústria e do comércio.
do centro urbanizado nos moldes parisienses. As fotos de Malta nos permitem também ver o
Sendo assim, para seus organizadores, a ex- início da ocupação e o traçado do atual bairro ca-
posição fazia uma verdadeira retrospectiva dos rioca da Urca, em 1908, cercado pelo mar e pelos
cem anos de avanços por que tinha passado o monumentos naturais que compõem o Morro
país; do progresso da vida da nação. Ao atraves- do Pão de Açúcar. São imagens que nos apre-
sar o portal de entrada, monumental, o visitan- sentam, ao mesmo tempo, o efêmero das cons-
te podia ver as novidades, como a eletricidade truções, traço característico desses eventos, em
na iluminação de pavilhões à noite, o telégrafo meio a uma natureza exuberante, que até hoje
e as vias férreas. Tudo isso está presente nas fo- atrai milhares de turistas.
tos de Malta. Malta foi um dos fotógrafos que registrou
Um aspecto importante é que esses eventos a exposição e a “documentou”. Suas imagens
atraíam milhares de visitantes, e as imagens pro- estão presentes em registros como cartazes,
duzidas por Malta são preciosas também porque postais, mapas, relatórios, memórias, álbuns,
permitem ver o traçado da exposição, os pavi- fotografias e ilustrações, entre outros, que nos
lhões, a hierarquia da distribuição dos mesmos, o permitem compreender que, mais do que co-
que foi escolhido pelos estados como representa- municar os valores da sociedade que se im-
tivo de seu progresso, entre outros aspectos. punha, possibilitam ampliar a compreensão
Vale frisar que a produção de imagens sobre do que eram esses eventos. O álbum contém o
as exposições se traduz na consagração das rea- resultado da inspiração, valores e objetivos di-
lizações da república que se instalara. Além dis- ferenciados de seu fotógrafo. É parte de uma
so, os espaços ocupados por esses eventos eram coleção familiar que nos remete a histórias en-
monumentais, construídos especialmente para trecruzadas e que têm algo em comum: a von-
tais momentos e abrigavam, além dos pavilhões, tade de lembrar, de celebrar, de organizar e de

Augusto Malta
Vista da Exposição Nacional de 1908
BIBLIOTECA NACIONAL

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traçar um fio condutor de uma memória indi-
vidual que é sempre coletiva. Afinal, são realiza-
das por homens de seu tempo.
Compreender como se constituíram os acer-
vos, o significado das doações e composições dos
mesmos, o porquê de contribuições como a da
viúva de Miguel Calmon e da ênfase em destacar o
homem público em um espaço especial para suas
“coisas”, sem dúvida, é um passo importante para
a reflexão sobre o papel desempenhado por uma
instituição como MHN na constituição de histó-
rias nacionais, especialmente no ano em que se
comemora o centenário de sua criação. O álbum
com as fotografias de Malta é parte da história de
um legado e é um “lugar de memória”, se quiser-
mos olhar para os acervos não somente como
“lugares de guarda”, mas “lugares” de inúmeras
possibilidades de leitura, lembrando e tomando de
empréstimo o que o escritor angolano José Eduar-
do Agualusa afirmou em seu romance O vendedor
de passados: “A memória é uma paisagem contem-
plada de um comboio em movimento.”

1> Correspondência datada de 04 de janeiro de 1936, enviada


pela viúva de Miguel Calmon ao diretor do MHN, Gustavo Barroso,
agradecendo ao Museu por receber os “objetos e relíquias históri-
cas”. O documento citado, além de outros sobre ao assunto, está
depositado no Arquivo do MHN.

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AUTOMÓVEL PROTOS
Angela Telles

N
o início do século XX, o automó- trial (do aço), as autoridades governamentais,
vel parecia combinar com o Rio integrantes do governo Afonso Pena, não medi-
de Janeiro recém reformado pelo riam esforços para compor o cenário de tão im-
então prefeito Pereira Passos; um portante mostra, o automóvel, não poderia ser
Rio das grandes vias, da avenida esquecido. Eram esperadas para a ocasião visitas
Central, da avenida Beira-mar, do novo cais do de altas personalidades. O então ministro da Re-
porto. Em 1908, a cidade reformada parecia es- lações Exteriores, Barão do Rio Branco, homem
tar pronta para receber e realizar grandes even- considerado de gosto refinado, que havia sido
tos nacionais e internacionais. nosso representante diplomático na Alemanha
O ano era do centenário da Abertura dos Por- (1901-1902), fez com que o governo comprasse
tos, considerado marco inicial no processo da In- daquele país, líder da chamada Revolução do
dependência do Brasil, servindo perfeitamente Aço na Europa, quatro automóveis da marca
de pretexto para comemoração em grande estilo. Protos, modelo 17/35 PS Landaulet, cujo motor
Para isso, as autoridades da época idealizaram a a manivela atingia a velocidade de 80 km por
realização de uma grande Exposição Nacional, hora, rodando 3,3 km por litro de gasolina. Mo-
que teria lugar aos pés do Pão de Açúcar, em mea- delo de linhas elegantes, com capacidade para
dos daquele ano. Pretendia-se que tal Exposição seis passageiros, com carroceria em madeira,
fosse vitrine do progresso do Brasil, tendo o Rio para-lamas em aço, estofamento, capota traseira
como cenário. Importante observar que “a cidade saias laterais em couro manufaturado.
do Rio de Janeiro abre o século XX defrontando- Em 1º de abril de 1908, os automóveis foram
-se com perspectivas extremamente promissoras. encomendados à Motoren-Fabrik protos Gmbh,
Aproveitando-se de seu papel privilegiado considerada, na época, uma das mais famosas
na intermediação dos recursos da economia marcas da Alemanha. Os veículos destinavam-
cafeeira e de sua condição de centro político -se um à Presidência da República, outro ao
do país, a sociedade carioca viu acumular-se no Ministério da Guerra e dois ao Ministério das
seu interior vastos recursos enraizados prin- Relações Exteriores. Findadas as comemora-
cipalmente no comércio e nas finanças, “mas ções, o Barão do Rio Branco passou a usar um
derivando já também para as aplicações indus- dos automóveis do MRE até a sua morte, em 10
triais.”1 A cidade do Rio de Janeiro era, portanto, de fevereiro de 1912 – depois disso, “o automóvel
o maior centro comercial do país, 15º porto do – único dos quatro protos de que atualmente se
comércio mundial, terceiro porto do Continen- tem notícia – foi transferido para a Alfândega da
te Americano.2 E, para mostrar um Rio-cidade- Capital, sendo vendido em 1916 ao Comando da
-capital moderna, que sabia apreciar todos os Brigada Policial da Capital Federal, hoje Polícia
inventos técnicos da segunda revolução indus- Militar do Estado do Rio de Janeiro.”3

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Sob os cuidados da Brigada Policial, o pro-
tos era de uso exclusivo do Comandante-Cel
PM Agobar de Oliveira, que zelava por sua boa
conservação, mantendo uma equipe de profis-
sionais exclusivamente para isso. Depois de sua
saída (1918), o protos não recebeu os mesmos
cuidados, sendo desativado seis anos depois,
guardado numa garagem do quartel.4
Em abril de 1925, Gustavo Barroso, então di-
retor e fundador do Museu Histórico Nacional,
solicitou à Brigada Policial a cessão do automó-
vel, que passou a integrar a coleção Museu, em
junho daquele ano.5
Atualmente, no mundo, só existem dois
exemplares do automóvel Protos, um em Mu- Autor desconhecido
nique, na Alemanha (Deutsches Museum) e este Carro Protos na largada da corrida Nova York-Paris, 1908

no Rio, no MHN. O exemplar brasileiro é o único LIBRARY OF CONGRESS, WASHINGTON

com motor em bom estado de conservação, em


ACIMA:
funcionamento, tornando-se um testemunho Anúncio do automóvel Protos
significativo da tecnologia empregada naquele que participou da corrida de 1908.
momento, do início da era do automóvel. VÁRIOS JORNAIS, 1908. WIKIMEDIA COMMONS.

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Com a musealização do automóvel Protos,
a conservação passou a ser de responsabilidade
do corpo técnico do MHN. Na década de 1960,
avaliou-se a necessidade de restauração da car-
roceria, estofamento e lanternagem do automó-
vel. Em 23 de setembro de 1969, um artigo de Al-
cione T. Silva, publicado na Folha Ilustrada com
o título “Um novo Museu Histórico Nacional”,
comprova restauração do Protos, bem como in-
formação do total dos custos, pagos com recur-
sos públicos.
Em 1989, verificou-se a necessidade de nova
restauração do veículo, dessa vez, incluindo não Hans Lindenstaedt

só a carroceria, como também a parte mecânica. Anúncio para os Carros Protos, 1910
LIBRARY OF CONGRESS, WASHINGTON
O objetivo seria colocar o automóvel funcionan-
do novamente. Nessa ocasião, o Museu Histórico
Nacional contava com a Associação dos Amigos oficina em São Paulo, especializada em carros
do MHN, que promoveu campanha para restau- antigos.
ração do Protos, mobilizando associados, consu- A restauração da parte mecânica foi bem-su-
lados, instituições culturais, empresas públicas cedida e, em julho de 1995, o Protos começou a
e privadas. rodar no pátio da Mercedes-Benz. Em novem-
Primeiramente, foi realizado “levantamento bro de 1996, o automóvel retornou ao MHN.
das informações técnicas e históricas do veículo, O Protos como um dos principais exempla-
com consultas ao Deutsches Museum e ao Sie- res da coleção de meios de transporte terrestres
mens Museum, na Alemanha.”6 Constatou-se do MHN pôde ser visto na exposição Do móvel
que haveria possibilidade de recuperação me- ao automóvel, no andar térreo do MHN.
cânica do motor, caso se conseguisse um mag-
neto-distribuidor Bosh (coração do sistema de
ignição do motor). 1> SEVCENKO. N. Literatura como Missão. 3 ed. São Paulo: Brasi-
liense, 1989, p. 27.
2> Idem, ibidem.

“O Museu Amsterdam Sauer envolveu-se no 3> Catálogo da exposição Na velocidade do Protos, 1996, p. 42.
4> Idem, ibidem.
projeto, doando ao Deutsches Museum um mi- 5> Idem, ibidem.
neral brasileiro para completar a sua coleção, 6> Folheto da exposição Na velocidade do Protos, 1996.
7> Idem.
em troca desse magneto, retirado do único outro
exemplar do Protos ainda existente no mundo,
mas sem condições de recuperação mecânica,
pertencente ao acervo do museu alemão.”7

O automóvel Protos foi inteiramente des-


montado, em 1993, e o motor enviado para res-
tauração na Mercedes-Benz no Brasil. A carro-
ceria, em madeira, foi encaminhada para uma

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PLACA DO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS
SPI: UMA HISTÓRIA DE CONFRONTOS

Carlos Augusto da Rocha Freire

A
redescoberta do Indústria e Comércio (MAIC) e
Relatório Figuei- cientistas do Museu Nacional,
redo, em 2013, no Rio de Janeiro. Entre os po-
colocou em des- sitivistas, as atividades das Co-
taque o Serviço missões de Linhas Telegráficas
de Proteção aos Índios (SPI), no Mato Grosso tinham dado
mais de cem anos após sua cria- notoriedade ao engenheiro mi-
ção. Resultado de um inquérito litar Cândido Mariano da Silva
no órgão, realizado entre 1967 Rondon.
e 1968, o relatório revelou um Rondon participou dos de-
quadro agudo de corrupção, bates e polêmicas sobre o desti-
omissões e violências pratica- no a ser dado às populações in-
das por agentes do SPI, atingin- dígenas do Brasil, defendendo a
do índios de todas as regiões do sobrevivência física dos índios e
país na década de 1960. a convivência pacífica com eles.
Foi também num contexto Para isso, os indígenas seriam
de violência contra indígenas fixados à terra e estimulados
que surgiu o SPI. Entre as ini- a adotar hábitos “civilizados”.
ciativas que marcaram a pri- Com o trabalho agrícola, contri-
meira década do século XX no buiriam para a produção rural
Brasil, havia a construção de brasileira, fortalecendo um sen-
ferrovias, a localização de imi- Autor desconhecido timento cívico e sua identifica-
grantes e o avanço de frentes O Marechal Cândido Rondon em 1930 ção enquanto brasileiros.
econômicas. Bugreiros assassi- BIBLIOTECA NACIONAL
Essa proposta convergia
nos de índios (“bugres”) atuavam impunemente com os projetos de colonização e povoamento
em vários estados brasileiros e ocorriam con- do MAIC. Rondon foi então nomeado primeiro
frontos entre indígenas e populações regionais. diretor do SPI, criado a 20 de junho de 1910, pelo
Na época, várias publicações divulgaram propos- Decreto nº 8.072. Logo o SPI instituiu uma ma-
tas sobre o que deveria ser feito com esses povos, lha administrativa, constituída a partir de códigos
desde a defesa do seu “extermínio”, até diferentes legais, como o Decreto nº 5.484, de 27 de junho
projetos “civilizatórios”. de 1928. Ao classificar os indígenas em categorias
A origem do SPI se deu a partir de relações – nômades, aldeados, etc. – o decreto formalizou
de alguns adeptos do Apostolado Positivista do uma nova definição legal de índio e tornou essas
Brasil com agentes do Ministério da Agricultura, populações tuteladas do Estado brasileiro.

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Autor desconhecido
Índios Krahô do Vale do Tocantins, 1955
ARQUIVO NACIONAL

O SPI agia para civilizar os índios por meio eram tanto militares positivistas como trabalhado-
da educação formal e de ações cívicas. Foram res rurais sem educação formal. São Paulo, Mato
criadas Inspetorias Regionais, que orientavam o Grosso, Amazonas e Pará foram alguns dos estados
trabalho dos diferentes tipos de postos nas ter- alcançados pelas atividades pacificadoras da insti-
ras dos índios (atração, criação, nacionalização, tuição. Era adotada a técnica de contato difundida
fronteira. etc.). Nos postos, os inspetores do ser- por Rondon, o “namoro”, a oferta de brindes com
viço estabeleciam escolas e estimulavam novas atitudes defensivas, após o que se aguardava a res-
necessidades entre os índios, ensinando técni- posta hostil ou favorável ao contato. Estabelecidas
cas agrícolas e a pecuária. A placa existente na relações de amizade e consolidado o contato, a
exposição do Museu Histórico Nacional (MHN), preocupação voltava-se em garantir a integridade
e que motiva este artigo, foi doada pelo Museu física dos índios e assegurar seu território.
do Índio e identifica a sede da Inspetoria do SPI A história do SPI é marcada pela depopula-
de São Paulo e Sul do Mato Grosso. ção [diminuição da população] indígena após o
Desde sua fundação, o SPI criou frentes de atra- contato, realizado quase sempre sem as condi-
ção e pacificação de povos indígenas. Seus agentes ções sanitárias adequadas, sem assistência mé-

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dica, levando a fome, doenças e mortandades,
como ocorreu com os índios Gorotire, no Pará,
nas décadas de 1940-1950. Nem sempre o SPI
conseguiu evitar o massacre de nativos, como a
chacina ocorrida entre os Krahô, de Goiás, nos
anos 1940. Da mesma forma, havia longas e tu-
multuadas negociações com os governos esta-
duais, contrários aos interesses desses povos,
com o propósito de garantir a posse de territó-
rios indígenas. Em toda a sua história, as poucas
terras asseguradas a eles pelo SPI eram, em sua
maioria, de tamanho reduzido.
O SPI sempre enfrentou inúmeras contra-
dições. Defendeu a posse de territórios indíge-
nas, mas também realizou remoções e reduziu
terras dessas populações. O respeito às institui-
ções indígenas era negado por práticas educa-
cionais rurais. No entanto, o órgão inovou na
divulgação da cultura indígena ao criar o Mu-
seu do Índio, em 1953, projeto do antropólogo
Darcy Ribeiro. Embora houvesse no quadro
funcional do SPI agentes descompromissados
com o destino dos índios, o órgão garantiu a so-
brevivência de muitos povos e teve momentos
de atuação decisiva em favor destes, a exemplo
da proposta de criação do Parque Indígena do
Xingu, em 1952.
Na década de 1960, o SPI, sempre limita-
do em recursos, enfrentou denúncias graves
sobre sua atuação nas áreas indígenas. Era a
decadência final da instituição, marcada por
uma Comissão Parlamentar de Inquérito no
Congresso Nacional, em 1963, e pela Comissão
de Inquérito do Ministério do Interior, dirigida
pelo Procurador Jáder Figueiredo, a partir de
1967, e que originou o Relatório Figueiredo.
Naquele ano, a crise institucional levou à extin-
ção do SPI e à criação da Fundação Nacional do
Índio (Funai) por meio da Lei nº 5.371, de 05 de Autor desconhecido
dezembro de 1967. Fotografias do SPI, Amazonia, 1929
ARQUIVO NACIONAL

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PORTA-ETROG
Charles Steiman

S
ignificativos, ainda que imprecisos, à horizontalidade de suas relações pessoais e
são os anos da presença judaica no institucionais, sem um poder central, e à sua
Brasil. Eles podem variar de acordo resiliência.
com a contagem escolhida: se desde
o período das Grandes Navegações, Judaica, coleção que testemunha a História | Os
ou por conta da Inquisição na Península Ibéri- imigrantes judeus das diferentes épocas trou-
ca, ou da imigração marroquina, ou em virtude xeram consigo não apenas as particularidades
das perseguições czarista, nazista, comunista… de sua prática religiosa e os usos e costumes de
ou de quando partiram em busca de um futuro seus países de origem, mas também um conjun-
próspero e seguro para si e seus descendentes. to de documentos, livros e objetos com os quais
Judeus, que sempre se movimentaram pelo deram continuidade às suas vidas judaicas. Es-
Velho Mundo, também encontraram seus cami-
nhos rumo ao Novo Mundo.
A presença dos judeus no Brasil foi muitas
vezes indesejada e, de certo modo, invalidada,
por questões alheias à forma com que pragma-
ticamente se relacionaram com o país: criando
seus filhos, aprendendo o idioma, incorporan-
do hábitos, fundando instituições para o bem
comum e empresas, viabilizando o presente e
semeando o futuro.
Do escritor judeu austríaco Stefan Zweig
(Viena, 1881 - Petrópolis, 1942) é a expres-
são “Brasil, país do futuro”. Zweig via
na miscigenação das raças e etnias
no Brasil o caminho da tolerân-
cia e integração que inauguraria
uma nova era de convivência hu-
mana. No Brasil e, em especial,
na cidade do Rio de Janeiro nos
séculos XIX e XX, podemos
atribuir a fluida integração
do imigrante judeu à multiet-
nicidade de seus indivíduos,

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ses objetos de uso ritual ou cotidiano, ligados
intrinsicamente à sua observância da religião
ou dos mandamentos alimentares ou comporta-
mentais, constituem uma coleção denominada
“Judaica” e podem estar ou ser utilizados na si-
nagoga ou no lar.
Na tradição judaica, os elementos simbóli-
cos, comestíveis ou não, e os objetos confec-
cionados para contê-los, preservá-los ou apre-
sentá-los são desprovidos de santidade em si
e servem como instrumentos para a santifica-
ção da criação divina. Os objetos de Judaica –
castiçais, copos, recipientes para especiarias,
candelabros – são como tal categorizados
tanto por terem inscrições em hebraico ou no
idioma da região de sua fabricação, relativas a
um evento religioso ou do ciclo da vida, quan-
to, na ausência de tais características, por sua
proveniência ou histórico de pertencimento.
Em maio de 2022, o Museu Histórico Nacional Johann Eberhard, Citron (Citrus medica), 1800
recebeu da Associação Religiosa Israelita do COLEÇÃO PARTICULAR

Rio de Janeiro (ARI), fundada em 1942 por re-


fugiados judeus alemães do regime nazista, a Etrog, a fruta que sintetiza a integridade do
doação de um “porta-etrog”: objeto usado para caráter | Provavelmente originário do sudeste
acomodar o etrog (fruta da cidreira amarela), asiático, o etrog (Citrus medica) espalhou-se
um dos elementos simbólicos da festividade pela Pérsia e pela Mesopotâmia até a região do
de Sukot, a festa das cabanas. O Museu Histó- Mediterrâneo. Entre os séculos II e III chega à
rico Nacional é hoje um dos primeiros museus região de Calábria, na Itália, como a primeira
sobre a história nacional de um país fora de Is- fruta cítrica no continente europeu, possivel-
rael, quiçá o primeiro, a incluir a imigração e mente trazida do Oriente Médio por judeus.
a presença dos judeus em seu acervo e progra- A fruta é grande, assimétrica na base, e sua
ma institucional. Museus judaicos registram casca, de um amarelo intenso e brilhante, é ex-
e expõem a imigração e a presença judaicas cepcionalmente irregular para uma fruta cítri-
em vários países do mundo. Contudo, os mu- ca. As características do etrog exigidas para o
seus sobre a história nacional não incluem a uso ritual são muitas: a fruta deve apresentar
história dos judeus daquele país em sua nar- um botão de flor na extremidade e sua casca
rativa ou exposição. A entrada do porta-etrog deve ser lisa, sem rugas e sem manchas, e não
no acervo do Museu retrata a inserção da co- apresentar machucado; e deve ser colhida de ár-
munidade judaica no Brasil e celebra a forma vore saudável e que não tenha sido cruzada com
hospitaleira com a qual os judeus foram aqui uma planta cítrica convencional. Além disso, a
recebidos. fruta não deve ser redonda, nem muito elíptica,
e grande suficiente para preencher a mão.

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O etrog é usado simbolicamente na liturgia
da festa de Sukot, que recorda as tendas/caba-
nas (sukot, em hebraico) que os israelitas cons-
truíram e habitaram no deserto do Sinai após a
libertação do Egito (Êxodo). Nessa festa, quatro
espécies vegetais simbolizam, por seu sabor e/
ou aroma ou pela ausência deles, a diversidade
dos indivíduos que formam a comunidade ju-
daica. Uma dessas espécies é o etrog que, por
ter tanto aroma como sabor, é associado à ple-
nitude e à integridade de caráter.
Para salvaguardar a fruta durante os oito
dias da festa, foram e ainda são fabricados ou
adaptados recipientes, seguindo o estilo estéti-
co da época e lugar onde a comunidade judaica
está estabelecida. De prata prensada, repuxada
e cinzelada com motivos florais, o porta-etrog
Castiçais marroquinos, séc. XIX,
do Museu Histórico Nacional é provavelmente utilizados em lares judaicos no Shabat.
de meados do século XX e remete a um estilo MUSEU HISTÓRICO NACIONAL

estético usado desde o século XIX pela Escola


de Artes Bezalel, em Jerusalém. O objeto traz de manhã, ocasião na qual o porta-etrog foi de-
inscrições em hebraico (Levítico 23:40: “Vocês dicado à Sinagoga em sua homenagem, e com a
colherão os frutos da árvore da cidra amarela”) publicação de um boletim especial.
e em português (“No quadragésimo jubileu ra- Dr. Lemle deixou marcas profundas na co-
bínico do Dr. Lemle. Dos cariocas em Israel à munidade judaica brasileira e um legado valoro-
ARI 1-4-1973”), que explicitam seu uso e a oca- so para o judaísmo mundial. Pertenceu à última
sião em que foi dedicado à Sinagoga. geração de rabinos contemporâneos a atuar na
Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial e
veio a tornar-se um dos mais influentes líderes
Grão-rabino dr. Henrique Lemle | O rabino espirituais dos judeus brasileiros.
dr. Lemle (Augsburg, 1909 - Rio de Janeiro, 1978) O novo século impõe desafios novos, mas
assumiu seu primeiro posto como rabino na si- também traz questões rançosas que já deve-
nagoga liberal de Mannheim no dia 1º de abril de riam ter sido superadas: antissemitismo, racis-
1933, dia do boicote a estabelecimentos comer- mo, visões distorcidas sobre pessoas e povos. A
ciais e consultórios médicos de judeus na Ale- visão de Stefan Zweig, a missão do Rabino dr.
manha. Naquela ocasião, sua investidura ocorreu Lemle e as vidas dos muitos imigrantes que
de forma discreta e sem a devida celebração. Ao fizeram do Brasil o seu lar, sintetizados nesse
completar 40 anos de atuação rabínica em 1973, objeto representativo da tradição judaica e da
a ARI, congregação da qual foi cofundador e lí- integração ao país, urgem ser traduzidas em
der espiritual até sua morte, em 1978, rendeu-lhe ações para a retomada de um projeto perene,
honrosas homenagens com serviços religiosos em que conhecimento e entendimento levam
festivos de Shabat, na sexta-feira à noite e sábado à tolerância e à boa convivência.

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TAMBOR DO CONTESTADO
Marilene Weinhardt

O
litígio pela divisa entre os estados va-se João Maria. Receitava mezinhas, benzia,
do Paraná e Santa Catarina foi só dormia ao ar livre, proferia orações e fazia
herança do Império, anterior ao profecias. Desfrutava de grande prestígio, mas
desmembramento da Quinta Co- não aceitava seguidores. Algum tempo depois
marca de São Paulo (1853). Sem de sua última passagem, apareceu o indivíduo
limites precisos ao sul, larga faixa de terra ficou chamado José Maria, que se dizia irmão do mon-
em disputa. Com o advento da República, cada ge já conhecido e venerado. Também promovia
estado reivindicou o que julgava seu direito. Al- curas e rezas, mas permitia seguidores, para os
gumas escaramuças ocorridas na região provo- quais lia as histórias de Carlos Magno e os Doze
caram uma ou outra mobilização de forças esta- Pares de França. Daí a se formar ajuntamento de
duais. Sentenças do Supremo Tribunal Federal pessoas regidas por leis próprias, conforme de-
favoráveis a Santa Catarina foram embargadas terminações de José Maria, foi um passo.
pelo Paraná. O acordo só foi assinado em 1916. Esse grupo, reunido em lugar pertencente a
A chamada Guerra do Contestado, que se esten- Santa Catarina, é visto como protegido do chefe
deu por quatro anos (1912-1916), não se deu pela político local. “Coronel” rival denuncia a situa-
questão territorial, e sim por se ter dispensado ção ao governo estadual, a título de ameaça mo-
tratamento policial a caso social. É preciso abor- narquista. Avisados, José Maria e seus adeptos se
dar as origens da situação. deslocam para campos considerados do Paraná.
Vasta região entre as duas províncias era A movimentação é interpretada em Curitiba
ocupada por latifúndios pastoris e por densa como invasão promovida pelo estado vizinho.
mata de pinheiros, imbuias e erva-mate. Aí vi- A essa gente não interessava se o território
viam pequenos proprietários, agregados e pos- era catarinense ou paranaense. O modo de vida
seiros, que garantiam a subsistência mínima a que estavam condicionados fora abalado com
com a extração de madeira e de erva, e o culti- as iniciativas de modernização que vieram com
vo de pequenas roças. Esses moradores eram a República. Os fatores de maior impacto foram
tolerados pelos “coronéis”, os proprietários de a construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio
largas extensões de terra, detentores do poder Grande do Sul, que recebeu a concessão de 15 km
político. Era o regime que a sociologia designa para ambos os lados da via férrea, e a instalação
como “compadrio”. da Companhia Lumber, serraria de altíssimo po-
A esse caldo cultural acrescentou-se mais tencial, extinguindo os métodos nativos de bene-
um ingrediente, decisivo para os acontecimen- ficiamento da madeira. A colheita da erva-mate
tos que se seguiriam: eventualmente, peregri- também é prejudicada, atingindo de morte o
nos, conhecidos como “monges”, passavam pela extrativismo primitivo. Para esses deserdados
região. O primeiro de que se tem notícia chama- resta entender que a República os expropriara de

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seu modo de vida. Logo, a República era a lei do Com o prolongamento da luta e o acirramen-
diabo, enquanto a Monarquia era a lei de Deus. to da fome, os rebelados se tornaram mais ousa-
Da parte do poder constituído, as proclamações dos no ataque a fazendas e casas de comércio lo-
monárquicas são entendidas como ameaças e cais. Cidades de maior porte foram ameaçadas.
deveriam ser combatidas à força. Nessa altura, mesmo aqueles moradores que até
Com a notícia da dita invasão, um destaca- ali demonstravam solidariedade aos revoltosos,
mento do Regimento de Segurança do Paraná por simpatia ou por medo, passaram a apoiar as
parte de trem para a região. Acasos decorren- forças repressivas. Em dezembro de 1915, o úl-
tes da falta de perícia e de conhecimento da timo grupo de resistentes se dissolveu, e os so-
região, incluindo danificação da metralhadora, breviventes se entregaram. Muitos foram suma-
somados à prática dos caboclos na área, levam à riamente fuzilados. O último chefe, que fugira
derrota das forças legais. Perecem os líderes de sozinho, foi preso em agosto do ano seguinte.
ambos os lados. O primeiro recebe enterro apo- Para se entender como um grupo de serta-
teótico em Curitiba e acirra os ânimos contra os nejos resistiu por tanto tempo à força policial
“fanáticos”, mas é o nome do segundo que conti- de dois estados e do Exército Nacional, à qual
nua atuante. se juntaram contingentes de “vaqueanos”, ho-
Para a lógica moderna, a situação parece con- mens da região a serviço dos “coronéis”, há que
traditória. Como um morto mantém a liderança? se considerar as rivalidades locais, pessoais ou
Convém lembrar que diferentes tempos histó- políticas, e a prepotência das instâncias de po-
ricos convivem no mesmo tempo cronológico. der. No entanto, por mais disputas e equívocos
A interpretação das profecias dos monges pro- da parte das forças militares e da sociedade civil,
movia a crença de que José Maria não morrera, às quais se somou também a Igreja, resistência
apenas “se passara”, bem como todos os outros tão demorada, em condições tão desfavoráveis,
sertanejos vitimados nesta e nas batalhas subse- não é compreensível se não se levar em conta
quentes. Todos estariam integrando o exército a situação dos rebelados. É verdade que não ti-
encantado de São Sebastião, que velava por seus nham nada a perder, mas a preservação da vida
adeptos, e voltariam, assegurando a vitória final. é natural. Na medida em que não acreditavam
Uma menina dizia encontrar-se com José na morte, e sim que apenas “se passavam”, para
Maria e transmitia suas ordens. Estas incluíam logo voltar, não havia mesmo o que temer. A for-
ações individuais e coletivas, estratégias de ça da irmandade estava na coesão, assegurada
resistência e mudanças de local quando havia pela participação diária na “forma”, chamada
óbvio risco de derrota. Multiplicaram-se as au- pelo toque de rústico tambor, ocasião em que
todenominadas “cidades santas”. A organização muitos portavam bandeiras brancas com ima-
funcionava de forma análoga nesses espaços. Os gens da cruz ou de São Sebastião. Não por aca-
videntes intermediários e os chefes foram se so, exemplares desses objetos de culto constam
sucedendo. A palavra de ordem era a igualdade, no acervo do MHN, assegurando a memória de
expressa na máxima “quem tem, mói; quem não mais um “crime da nacionalidade”, na precisa
tem, mói também, e no fim todos serão iguais”. formulação de Euclides da Cunha. As crenças
Os caboclos adotavam tática de guerrilha, mui- milenaristas ressurgem de tempos em tempos,
tas vezes neutralizando a superioridade bélica especialmente quando minguam outras pers-
dos atacantes. pectivas de vida.

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Claro Jansson
Cenas da Guerra do Contestado
ACERVO DOROTHY JANSSON MORETTI

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SELO DE CHIQUINHA GONZAGA
Pedro Belchior

A
obra da musicista Chiquinha
Gonzaga (1847-1935) chega ao
século XXI como símbolo de li-
bertação. Libertação do corpo,
por meio de um modo de dançar
caracteristicamente brasileiro, o maxixe; das
formas, pelas tantas sínteses que operou entre
gêneros europeus e a musicalidade afro-brasi-
leira; e das convenções sociais impostas às mu-
lheres no século XIX – amarras que ela desafiou
na juventude e na vida adulta. Celebrada, ainda
em vida, como a primeira maestrina do Rio de
Janeiro – e talvez do Brasil –, Francisca Edwiges
Neves Gonzaga vivenciou as grandes transfor-
mações da cidade e do país. Testemunhou e ao
mesmo tempo produziu a modernidade cultural
da capital do Império, mais tarde República.
Neta de escravizada, ela chega aos nossos
dias com todas as honras oficiais. Em 1977, ano
do centenário de sua polca Atraente, foi repre-
sentada em um selo comemorativo desenhado
por Martha Pope e produzido pela Casa da Moe-
da do Brasil. O selo integra a coleção Composi-
tores Brasileiros, que inclui os também cariocas
Noel Rosa e Heitor Villa-Lobos. O Dia Nacional
da Música Popular Brasileira é comemorado em
Autor desconhecido
17 de outubro, dia do nascimento de Chiquinha Chiquinha Gonzaga, 1865 circa
– assim como cabe ao aniversário de Villa-Lo- BIBLIOTECA NACIONAL

bos, 5 de março, o marco do Dia Nacional da Mú-


sica Clássica.
Francisca nasceu no seio de uma família abas-
tada e tradicional do Império. O pai, militar, teve
um casamento secreto com Rosa, mulher negra
alforriada, filha de escravizada. Desde pequena,

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Chiquinha aprendeu a ler e fazer cálculos, habi- gem no batuque africano. Chiquinha Gonzaga,
lidades negadas à maioria das mulheres do país. Joaquim Callado, Ernesto Nazareth, Henrique
Com o piano, estabeleceu desde cedo uma re- Alves de Mesquita, Eduardo das Neves e Anacle-
lação de amor: o instrumento a acompanharia to de Medeiros, entre outros ilustres composito-
até os últimos dias. Aos 16 anos, casou-se com o res e filhos diletos da diáspora negra, operavam
empresário Jacinto Ribeiro do Amaral, um dos na virada para o século XX o que, décadas mais
sócios do Barão de Mauá, por arranjo do pai. tarde, Oswald de Andrade e o modernismo pau-
Abandonou o matrimônio ao se apaixonar por lista chamariam de antropofagia cultural. Como
João Batista de Carvalho, com quem viveu por consequência, danças como a valsa, a polca, a
breve tempo. O escândalo rendeu uma ação ju- quadrilha, a mazurca e o schottisch ganharam
dicial de divórcio perpétuo movida pelo marido. linguagem própria no Brasil. Se tais danças, na
Renegada pelo pai, sustentou-se como professora leitura nacionalista, “começaram a chegar ao
de piano em casas particulares e participou do País e se abrasileiraram em contato com o subs-
grupo musical de Joaquim Callado (1848-1880), trato musical negro, gerando os nacionalíssimos
considerado o pai do choro. Com a polca Atraen- choro (música instrumental) e maxixe (música
te (1877), estreou como compositora e, na década de dança)”,1 é certo que essa síntese não se origi-
seguinte, conquistaria os palcos teatrais da cidade nou de um encontro harmonioso de raças, mas
com sua obra musical diversificada. antes da resistência cultural negra e do quadro
Na segunda metade do século XIX, perío- de tensões sociais geradas pela escravidão.
do de consolidação da carreira de Chiquinha Chiquinha teve uma trajetória cuja comple-
Gonzaga, o Brasil passou por intensas transfor- xidade não cabe neste texto. Apaixonou-se, aos
mações. A maior delas foi, sem dúvida, o fim 52 anos, pelo português João Batista Fernandes
da escravidão, pelo qual a compositora e tantos Lage (1883-1961), então com 16, e anos mais tar-
outros músicos, artistas e intelectuais lutaram. de o adotou como filho, assim apresentando-o
A causa abolicionista fez de Chiquinha uma à sociedade. Ele não só a acompanharia pelo
das mais importantes militantes de seu tempo, resto da vida, como ajudaria a reunir cartas,
chegando a vender partituras a fim de angariar programas de concertos, partituras, anotações e
fundos para a Confederação Libertadora. Com recortes de jornais que, mais tarde, formariam
o dinheiro dessas vendas, comprou a alforria do o arquivo pessoal da compositora e maestrina.
músico escravizado José Flauta. Durante décadas, este acervo ficou sob a guar-
O crescente comércio com a Europa propi- da da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais
ciou a importação de instrumentos musicais. (SBAT) – da qual ela foi uma das fundadoras –,
Além do piano – mais caro e pesado –, o violão, até ser adquirido, em 2005, pelo Instituto Mo-
a flauta, o clarinete e o trompete, mais baratos e reira Salles. Tida hoje como um monumento
de fácil transporte, tomaram o país e ajudaram a nacional, Chiquinha Gonzaga se destaca pelo
formar conjuntos e bandas de música. Consolida- poder libertador de sua arte e pelas inegáveis
va-se, aos poucos, a carreira profissional dos mú- contribuições à construção da carreira dos mú-
sicos, da qual Chiquinha é uma das protagonistas. sicos no Brasil.
Músicos negros e pardos, num contínuo
processo de hibridação cultural, processaram 1> VALENÇA, Suetônio Soares. “Polca, lundu, polca-lundu, choro,
maxixe”. In: LOPES, Antonio Herculano (org.). Entre Europa e Áfri-
gêneros europeus com base na musicalidade ca: a invenção do carioca. Rio de Janeiro: Topbooks/Casa de Rui
afro-brasileira, em especial o lundu, com ori- Barbosa, 2000, p. 52-3.

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SESSÃO DO CONSELHO DE ESTADO
Ana Paula Cavalcanti Simioni

E
m 1922 cele- Sessão do Conselho de
­brou-se o Cen-­­­ Estado  foi inicialmente
tenário da In- apresentada na Exposição
dependência de Arte Contemporânea
do Brasil. A e Arte Retrospectiva do
efeméride fomentou en- Centenário da Indepen-
comendas de pinturas de dência, em 1922. A tela in-
obras de arte que repre- tegra o conjunto de obras
sentassem temas relevan- destacadas pela Comissão
tes da história do país. Foi Executiva do Centenário,
no bojo dessas comemora- que tinha como incum-
ções que duas telas – hoje bência selecionar quatro
expostas em importantes obras que versassem so-
museus brasileiros – atri- bre temas relevantes para
buíram protagonismo à a Independência do país.
princesa Leopoldina (Leo- Além da obra de Georgina,
poldine Caroline Josepha foram também escolhidas
von Habsburg-Lothringen; Minha terra, de Helios
Viena, 1797 - Rio de Janei- Seelinger; Primeiros sons
ro, 1826). Uma delas é a Ses- do Hino da Independência,
são do Conselho do Estado, de Augusto Bracet e O pre-
objeto do presente texto. cursor, de Pedro Bruno –
A tela foi elaborada por todas hoje pertencentes ao
pela pintora Georgina de MHN.
Albuquerque (1885  -1962) Retrato de Dona Leopoldina de Habsburgo
Tomando como fonte
e encontra-se no Museu e seus filhos. Domenico Failutti, 1921 o livro História do Brasil,
Histórico Nacional. Já a MUSEU PAULISTA escrito por Rocha Pombo,
outra, intitulada D. Leopol- Georgina de Albuquerque
dina e seus filhos, foi encomendada por Affonso optou por retratar o dia 2 de setembro, quando
Taunay, diretor do Museu Paulista, ao pintor a princesa Leopoldina convocara o Conselho
italiano Domenico Failutti (1872-1923). Embora de Estado, uma vez que D. Pedro encontrava-se
ambas compartilhem o mesmo tema, materiali- em terras paulistas. A futura monarca é figura-
zam visões muito distintas sobre a contribuição da sentada no canto esquerdo da tela, tendo em
da princesa para a história do país. mãos uma carta endereçada ao marido, enquan-

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to volta o olhar para José Bonifácio de Andrada Federação Brasileira para o Progresso Feminino,
e Silva (1763-1838). Considerado um dos men- uma organização de mulheres que, sob a lideran-
tores intelectuais da emancipação do país, Bo- ça de Bertha Lutz, reivindicava, entre outros di-
nifácio é retratado em pé, expondo os fatos que reitos, o do voto feminino. Não se sabe se Georgi-
justificam a decisão tomada pela governante: a na participou diretamente do grupo, mas sua tela
de que é chegada a hora de o país romper com insinua-se como uma contribuição para os ideais
a metrópole. Além dos dois, diversos outros mi- defendidos. Nota-se que, naquele momento, a
nistros compõem a cena. pintora já acumulava um reconhecimento inco-
A imagem diferencia-se da célebre Indepen- mum, sobretudo para uma mulher artista.
dência ou Morte, pintura realizada por Pedro Após ter se formado na Escola Nacional de
Américo de Figueiredo e Melo para o Salão No- Belas Artes, e realizado uma estadia de sucesso
bre do Museu Paulista, considerada emblemáti- em Paris (entre 1906 e 1911) graças à bolsa obtida
ca para a difusão do imaginário nacional sobre o por seu marido, o pintor Lucílio de Albuquer-
“Sete de setembro”. Nela, a Independência ocor- que, Georgina obteve premiações importantes,
re sob a liderança de D. Pedro I. que, às margens como a medalha de ouro em 1919. Em 1920, foi
do rio Ipiranga, em São Paulo, cercado por um a primeira mulher a integrar o júri de pintura
grupo de militares, todos eles com armas em pu- do Salão, e pouco tempo depois tornou-se a pri-
nho, dignamente fardados e montando elegan- meira docente da instituição (da qual será, mais
tes cavalos, declara o país livre de Portugal. Já na tarde, a primeira diretora mulher também, nos
tela de Georgina, a autonomia do país é decidida anos 1950). Como Georgina, diversos membros
dentro de um gabinete, sem ações bélicas, mas desse grupo eram mulheres intelectualizadas, e
sim por meio de reflexões políticas racionais, li- que, a despeito de suas capacidades comprova-
deradas pela princesa. das, não tinham direito ao voto.
Ao atribuir centralidade imagética e políti- Em parte, recusava-se o direito à cidadania
ca a uma mulher, Sessão do Conselho de Estado plena às mulheres por se acreditar que os papéis
se contrapõe também ao lugar secundário e vi- sociais que elas deveriam ocupar eram os de
timizado que as personagens femininas geral- esposas e mães; elas conceberiam e formariam
mente ocupam na arte brasileira. Ela difere do os homens, eles sim, o “futuro” da nação. Esse
imaginário romântico presente em figurações ideal está bem materializado pela já citada pin-
como Moema e/ou Iracema, nos quais os corpos tura encomendada pelo Museu Paulista. Nela, os
femininos simbolizam a submissão dos povos pincéis de Failutti afirmam que a contribuição
originários aos dominadores portugueses. Leo- de Leopoldina para a história do país foi a de ter
poldina não é vítima, mas sujeito da história. Por gerado D. Pedro II, o futuro herdeiro do trono.
outro lado, seu protagonismo é também diverso Interpretação muito diversa e conservadora se
daquele imputado a seu marido, visto como vio- comparada à Sessão do Conselho de Estado, para
lento e viril. Ela, ao contrário, é representada de quem Leopoldina teve papel ativo na Indepen-
modo elegante e sereno. Sua força não é física, dência. Ambas as pinturas evidenciam o quan-
mas intelectual; ela não “dá o grito”, o engendra. to sobre as imagens do passado estavam sendo
Essa interpretação sobre a Princesa Leopol- projetadas questões prementes no presente, tais
dina pode ser compreendida como uma tomada como a do lugar da mulher no Brasil do século
de posição da artista diante de um debate acalora- XX, em seu processo de abertura ambíguo e
do em sua época. Também em 1922 foi fundada a contraditório para a modernidade.

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M. Nogueira da Silva
Lucilio e Georgina de Albuquerque, década de 1910
BIBLIOTECA NACIONAL

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FORTE DO MORRO DO CASTELO
Carlos Kessel

1715 é o ano gravado no frontão


da velha fortaleza de São
Sebastião, no alto do Morro
No ano seguinte, o Morro do Castelo não estaria
mais lá, arrasado para dar lugar a uma grande es-
planada, com edifícios e avenidas que, do antigo
do Castelo, berço da cidade do Rio de Janeiro. A morro, só guardou o nome.
fortaleza é mais antiga e data da época da trans- O arrasamento, muitas vezes planejado, co-
ferência da cidade para a colina, em 1567 – fun- meçara em 1920, por iniciativa do prefeito Carlos
dada dois anos antes aos pés do Pão de Açúcar, o Sampaio. Engenheiro e empresário, ele havia ob-
Rio se mudou para o morro após a derrota im- tido uma concessão para a demolição do morro
posta aos franceses que então haviam se estabe- do Castelo em 1891, mas não conseguira reunir
lecido na entrada da Baía de Guanabara. E logo recursos para levar a empreitada adiante. Três
passou a contar com um forte para defender os décadas depois, como prefeito, concretizaria o
portugueses dos piratas e dos índios. sonho com recursos públicos, em meio a uma po-
O fortim improvisado foi sendo transfor- lêmica que se confundia com a da comemoração
mado em fortaleza imponente. Defendida por dos cem anos da Independência do Brasil.
muralhas e canhões, a madeira foi substituída Dizia-se que o morro atrapalhava a circulação
pela pedra trabalhada, e da aparência quase me- do Centro da cidade, impedia a entrada dos ven-
dieval derivou o nome pelo qual ficou conheci- tos que sopravam do mar, contribuía com a insa-
do o morro – Castelo. Para lá foi levado o marco lubridade do Rio de Janeiro, assolado por epide-
solene que sacramentava a fundação da cidade, mias, e era um lugar de pobreza, sujeira e atraso
e ali foram construídas, ainda no século XVI, a em meio a uma cidade que pretendia ser limpa,
Sé, a Casa de câmara e cadeia, a igreja e o Colégio moderna e bela. Muitos desejavam remover o
dos Jesuítas. No alto da colina também estava o que chamavam de ‘feio cocuruto”, um “pólipo”,
túmulo de Estácio de Sá, fundador da cidade, fa- “enorme quisto” que lembrava um “dente caria-
lecido na batalha contra os franceses. do”. Um símbolo de atraso e pobreza, que não
 A outra data que aparece no quadro se segue deveria figurar na capital federal, recentemente
à assinatura do autor: 1922. Quase quatro sécu- saneada e embelezada nos primeiros anos do sé-
los após a fundação da cidade, a Fortaleza de S. culo XX, com seus edifícios imponentes erguidos
Sebastião havia perdido as funções defensivas e ao longo da Avenida Central – e ainda se dizia
o Morro do Castelo tinha deixado de ser o cen- que, do Teatro Municipal, à beira da nova avenida,
tro administrativo e religioso do Rio de Janeiro. se divisava a encosta empobrecida do Morro do
A cena bucólica representada neste quadro de Castelo, que se mostrava também aos visitantes
Gustavo Dall’ara, que parece desafiar o tempo, que chegavam à cidade pelo mar.
poderia ter sido pintada décadas antes e mos- Muitos eram esperados para conhecer a
tra um mundo que está prestes a desaparecer. exposição internacional que comemoraria o

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Richard Bate
Panorama tomado do terraço da igreja da Glória, 1809, mostrando o morro do Castelo
CORNELL UNIVERSITY

Centenário da Independência, a ser realizada


no sopé do morro, no antigo bairro da Miseri-
córdia. Nos jornais da época, é possível ler os
argumentos dos defensores do arrasamento,
os quais mencionavam a pobreza dos morado-
res do morro do Castelo, as cabras pastando e a
roupa estendida pelas lavadeiras. “É assim que a
capital da Nação quer se mostrar aos visitantes?”
Todos estes elementos fazem parte da cena
retratada por Gustavo Dall’ara. Crianças descalças,
lavadeiras, roupas no varal, uma solitária cabra, um
vendedor, as galinhas e os pintos ciscando, um ve-
lho lampião… As muitas fotografias da época mos-
tram cenas parecidas, personagens que poderiam
estar no quadro “O morro do Castelo era assim”.
O italiano Dall’ara, pintor talentoso que havia M. Nogueira da Silva
chegado ao Rio de Janeiro em 1890, se tornaria Gustavo Giovanni Dall’Ara
conhecido por retratar a metamorfose da velha BIBLIOTECA NACIONAL

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Augusto Malta
Demolição do morro do Castelo | INSTITUTO MOREIRA SALES

capital colonial que se transformava em me- da cidade. Ao longo de 1922, as obras foram ace-
trópole moderna. Ao retratar dezenas de cenas leradas e, no final do ano, a fortaleza, as igrejas e
urbanas de um Rio que vivia a sua Belle Époque as casas tinham sido varridas a jatos d’água, e a
– articulando a arquitetura, os meios de trans- lama que desceu pelas encostas foi dar origem
porte e o movimento das ruas e das pessoas –, a um aterro onde, no futuro, seria construído o
em cores vivas e enquadramentos fotográficos, aeroporto Santos Dumont.
tornou-se conhecido como “o pintor da cidade”. Do morro do Castelo sobrou somente uma
E, cem anos depois, este quadro ainda evoca um pequena ladeira de poucos metros, ao lado do
instantâneo apreendido quase que por acaso, Museu Histórico Nacional. Restaram também
ocultando a composição cuidadosa e a maestria fotografias e quadros, como este, evocando algu-
técnica que caracterizam toda a sua obra. ma melancolia no olhar distante da menina de
Vitoriosos os defensores do arrasamento, vestido azul que, como nós, somente observa a
iniciado em 1920, aos poucos as centenas de fa- cena. Seria uma despedida? O próprio Gustavo
mílias que moravam no Morro do Castelo iam Dall’ara, que sabia que o morro desapareceria
sendo convencidas ou forçadas a se mudar, ten- em breve, faleceria em 1923: o Forte do Morro do
do como destino habitações coletivas do Centro Castelo é uma de suas últimas obras.

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BARALHO DA EXPOSIÇÃO DE 1922
Patrícia Wanzeller

A
s exposições universais do século porte foi a Exposição Nacional de 1908, em co-
XIX eram festivais monumen- memoração do Centenário da Abertura dos Por-
tais. Elas apresentavam o “espí- tos brasileiros ao comércio internacional, tendo
rito criador” da modernidade. como objetivo a preparação da participação bra-
Reuniam “as grandes” nações, que sileira na Exposição Internacional de Bruxelas
ostentavam seu poder econômico, assim como sua (1910).1 A terceira grande exposição desse perfil
superioridade sociocultural, exibindo seus feitos em terras brasileiras foi a Exposição Internacio-
técnicos e “ensinando” ao mundo o que era o pro- nal do Centenário da Independência do Brasil.
gresso. O Brasil entrou na “festa” há 160 anos, e não Primeiramente, tratava-se de um evento inter-
saiu mais. nacional, com a participação de quatorze países,
A participação brasileira nessas “vitrines o que exigiu a construção de oito pavilhões para
do progresso” começou em 02 de dezembro de abrigar aproximadamente seis mil expositores.
1861, na Exposição Nacional organizada pela Além de toda logística para viabilizá-lo, inúme-
Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional ros acordos políticos antecederam o evento que
(SAIN), no prédio da Escola Politécnica, no lar- ocorreria num momento histórico delicado: o
go de São Francisco, no Rio de Janeiro. Esse te- fim da Primeira Grande Guerra (1914-1918).
ria sido o “ensaio geral” para The Great Interna- A festividade não se encerraria no fato de ser
tional Exhibition, em Londres (1862). De maior uma celebração ao progresso. Dessa vez, a Expo-

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Autor desconhecido
Placa Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, produzida pela Câmara Municipal de
Amparo, SP, 1922. Doação o ex-presidente da AAMHN, Guilherme Pfisterer. Forjado e fundido em ferro e bronze.
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL

sição Internacional comemoraria a do Rio de Janeiro, e concluir uma das


independência política de uma nação. etapas da reforma urbana iniciada no
“A realização de uma ‘Exposição Uni- governo Rodrigues Alves (1902-1906) –
versal’ no Rio de Janeiro, então capital que pretendia modernizar e embelezar
federal, destacou-se como a mais ambi- a capital, modificando a imagem que se
ciosa das atividades comemorativas en- tinha do país no exterior – provocou
tão programadas”.2 Caberia ao Estado amplo debate entre os que considera-
brasileiro, portanto, todos os esforços vam o arrasamento um “imperativo
para receber as potências mundiais, tal da modernidade”, e aqueles que viam
como fizeram a Inglaterra, a França e aquele desaparecimento como um ver-
a Bélgica, por exemplo. E demonstrar dadeiro “sacrilégio”. Por outro lado, os
quão merecido, por seu desenvolvi- gastos excessivos, bem como a demo-
mento, era o status de anfitrião desses ra na construção dos prédios (muitos
países numa exposição sobre o progresso. Nesse só concluídos após a inauguração da exposição),
momento, a antiga colônia portuguesa estava lado provocaram ataques contundentes e defesas infla-
a lado com as grandes nações da Europa. madas ao governo de Epitácio Pessoa (1919-1922).
Numerosas obras de preparação com o intuito
de demonstrar a capacidade do anfitrião de reali- “Desde que o Sr. Carlos Sampaio se propoz a effec-
zar empreendimentos excepcionais, mobilizaram tua-lo ou por outra, desde que os primeiros momen-
a população carioca. Entretanto, uma em especial tos em que começaram a surgir noticias a respeito,
causou comoção social: o plano de arrasamento do se vem levantando uma grande discussão sobre o
morro do Castelo, para dar lugar à construção dos caso. Affirmam alguns que, realizando-o o quanto
pavilhões e palácios nacionais e estrangeiros. A antes e jogando com todos os elementos de que dis-
derrubada do Castelo, com a qual Carlos Sampaio poe a engenharia para emprehendimentos dessa
almejava marcar sua passagem pela prefeitura categoria, o prefeito assignalará do modo mais no-

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tavel a sua passagem pelo governo. Contrariando
essa corrente há os amigos da tradição – os fetichis-
tas da formação do Rio, do tumulo do seu fundador,
ligados áquele morro – opostos com todas as forças
á sua demolição, que para elles representa nada
mais, nada menos do que um sacrilégio.”3

Nesse contexto, é possível compreender a


produção de um baralho com imagens do Rio
de Janeiro. Não era muito comum a distribuição
de souvenirs para o público dessas exposições.
A ocasião com maior divulgação ocorreu na Ex-
posição Industrial de Todas as Nações (Londres, tamente durante a inauguração do evento, com o
1851), quando os visitantes ganhavam bebidas for- discurso do presidente.
necidas pelo empreendedor Sr. Schweppes. Na O famoso baralho materializava, sobretudo,
entrada do The Crystal Palace havia uma enorme a ideia de que a história dava conta de transpor o
fonte que, em vez de água, bombeava a eferves- atraso colonial, e que o progresso era uma certeza
cente soda, cuja fama era de revigorar os sistemas inevitável para um país que aspirava ser reconhe-
do corpo. A “Fonte da Juventude”, viria a se tornar cido pelas potências internacionais. Uma ideia
símbolo da marca, e a bebida ganharia, pós-expo- que iria circular entre os populares e se tornaria
sição, o status de The Gentlemen’s Choice, por pas- poderoso instrumento de propaganda política
sar a ser a soda oficial da Coroa britânica. de Epitácio Pessoa e do próprio prefeito, Carlos
Junto aos naipes, 53 imagens de uma cidade Sampaio, amplamente combatidos pela profana-
que configurava os padrões europeus –franceses, ção da “colina sagrada”. Não é possível precisar
fundamentalmente. E no verso, o “herói reden- quantos visitantes, entre os dias 7 de setembro de
tor” da independência: D. Pedro I. Materializava- 1922 e 24 de julho de 1923, receberam ao menos
-se num jogo popular a ideia de promover, para um dos dez mil “brindes” produzidos pelo depu-
um público de 175 mil visitantes, os benefícios do tado federal Francisco Luís da Silva Campos em
projeto de modernização com vistas à construção Ohio (EUA), para “propaganda de nosso país”.4
de uma capital política progressista e distante das
lembranças coloniais de outrora. O souvenir re- 1> MOTTA, Marly. Atlas histórico do Brasil. Verbete: Exposição In-

fletia o espírito da Exposição: a vontade de reno- ternacional do Centenário da Independência do Brasil. Disponível
em: https://atlas.fgv.br/verbetes/exposicao-internacional-do-cen-
vação, que então mobilizava o mundo pós-guerra. tenario-da-independencia-do-brasil. Acesso em 02/02/2022.

O Theatro Municipal, o Palácio da Guanabara, a 2> Idem.


3> Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1920, ano
rua da Assembleia, o Jardim da Glória e outros es- XX, nº 7.847, p. 02.
paços urbanos configuravam as transformações 4> CARNEIRO, Francisco. Carta de doação. Rio de Janeiro; Pro-
cesso de entrada de acervo, 1º de agosto de 1946. Disponível em:
almejadas pelas reformas do início do século http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=MHN&pas-
XX, inspiradas naquela feita em Paris no século ta=&pesq=&pagfis=36422. Acesso em 01/02/2022.

XIX, cuja derradeira etapa foi o “arrasamento” do


Morro do Castelo. Eram imagens de uma Capital
Moderna, com as luzes da eletricidade e a magia
do rádio, cuja primeira transmissão ocorreu jus-

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TRANSMISSOR DE RÁDIO DE 1923
Lia Calabre

A
clássica imagem de uma enorme tenário da Independência do país, tendo larga
caixa de madeira falante no cen- repercussão na imprensa.
tro da sala representa um tipo de Roquette Pinto foi apoiado por outros mem-
rádio que não existe mais. Essa bros da Academia Brasileira de Ciências e reali-
afirmativa, mais do que referir-se zou uma intensa campanha, inclusive por meio
ao aparelho receptor de rádio, diz respeito à pro- dos seus escritos, pela liberação total da recep-
gramação veiculada pelas emissoras de rádio dos ção das transmissões radiofônicas. E incentivou
anos 1920 a 1960. O rádio criou modas, inovou os o governo a regular, por meio de fiscalização
estilos, inventou práticas cotidianas, estimulou específica, somente as estações transmissoras.
novos tipos de sociabilidade. Ícone de moder- As transmissões deveriam ter caráter exclusiva-
nidade até a década de 1950, o rádio cumpriu mente educativo, servindo ao progresso huma-
um destacado papel social, tanto na vida privada no, à elevação da cultura.
como na vida pública, promovendo um processo A primeira transmissão oficial da Rádio So-
de integração que superava os limites físicos da ciedade do Rio de Janeiro ocorreu em 7 de se-
região e os altos índices de analfabetismo do país. tembro de 1923. Estava criada a PRA-A. Para tal,
A determinação e o espírito pioneiro de Ro- foi utilizado o transmissor de 10 watts que havia
quette Pinto, apoiado pelos membros da Acade- sido ofertado pela Casa Pekan. Era uma estação
mia Brasileira de Ciências, visando à instalação transmissora e receptora, com potência peque-
de uma emissora de rádio no Brasil, cumpriram na mas que podia ser ouvida por todo o Distrito
papel fundamental no início e no desenvolvi- Federal – na época, a cidade do Rio de Janeiro
mento da radiodifusão no país. Em 20 de abril de era a capital do país.
1923, Roquette Pinto e Henrique Morize fundam a Quando a Rádio Sociedade iniciou suas ati-
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A cerimônia vidades, a radiodifusão era ainda um investi-
aconteceu nas instalações da Escola Politécnica mento muito caro. Os aparelhos de escuta eram,
do Largo de São Francisco, em uma reunião da em sua maioria, montados em casa. Os radioa-
Academia Brasileira de Ciências, e teve logo a ade- madores recebiam as peças e seguiam as instru-
são de mais de 300 sócios efetivos e associados. ções de montagem dos famosos rádios de cristal
Foi uma ousadia: a utilização de estações re- de galena (ou simplesmente rádios galena).
ceptoras – como eram chamados os rádios – en- Os primeiros anos de vida do rádio brasileiro
contrava-se restringida, pois o governo temia o estiveram repletos de dificuldades financeiras.
uso político daquele novíssimo meio de comu- A  fórmula utilizada, naquele momento, era a da
nicação. A primeira apresentação pública e ofi- formação de uma Rádio Sociedade que previa
cial do rádio no Brasil havia ocorrido em 1922, em seus estatutos a existência de associados com
na Exposição Nacional comemorativa do Cen- obrigação de colaborar com determinada quan-

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tia mensal. A verba arreca- guiu transmitindo sua pro-
dada era a principal, senão ­gramação para além das
a única, fonte de renda das fronteiras do Distrito Fe-
emissoras. Muitas pessoas deral. A emissora mante-
se associavam, mas poucas ve-se em funcionamento
se mantinham pagando as até meados dos anos 1930,
mensalidades. Para a execu- quando um novo decreto do
ção da programação musical, governo determinou que
as rádios sociedades conta- todas as emissoras deve-
vam com empréstimos de riam modernizar e ampliar
discos de seus ouvintes e as- a potência de seus equipa-
sociados (que, em troca, rece- mentos para continuar em
biam agradecimentos no ar) funcionamento. Frente às
e com a apresentação ao vivo dificuldades financeiras pa­
de artistas, sem nenhum tipo ra realizar as atualizações
de remuneração financeira. necessárias, Roquette Pin-
No caso da Rádio Sociedade, to decidiu doar a emissora
por exemplo, Roquette Pinto para o Ministério da Educa-
era o responsável pelo jornal ção e Saúde Pública, na ges-
falado, construído a partir tão do Ministro Gustavo Ca-
Anúncio em Revista do Rádio
das notícias publicadas nos junho 1924 panema. Havia a exigência
jornais impressos, lidas e co- FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ de que ela continuasse a ser
mentadas por ele. utilizada somente para fins
Podemos conjeturar que o desenvolvimento educativos. Após um período de negociações, em
do rádio brasileiro no período anterior à década setembro de 1936 a emissora passou oficialmente
de 1930 foi freado não apenas por razões de or- para a propriedade do Governo Federal.
dem técnica, mas, também, pela turbulenta con- Roquette Pinto era então diretor do Insti-
juntura política. Foi um tempo de instabilidade, tuto Nacional de Cinema Educativo (Ince) e, já
com as revoltas tenentistas, as constantes decla- ciente da importância da radiodifusão para a
rações de Estado de sítio, contexto no qual o rádio história nacional, aproveitou a ocasião em que
poderia vir a se tornar um perigoso veículo de co- o ministro Gustavo Capanema mandou anexar
municação, de divulgação dos acontecimentos e ao Ince as instalações radiotelefônicas da Rádio
de propaganda contra o poder estabelecido. Sociedade do Rio de Janeiro para doar ao Museu
Para evitar qualquer risco, o governo limi- Histórico Nacional a primeira estação transmis-
tou, desde o Decreto 16.657, de 05/11/1924, as so- sora de 10 watts da Rádio Sociedade. Aquele foi
ciedades civis a transmitirem uma programação o equipamento, que aproveitando a antena do
com fins educativos, científicos e artísticos de laboratório de física da Escola Politécnica co-
benefício público, ficando expressamente proi- locou “no ar” pela primeira vez seus sinais em
bida a propagação de notícias internas de cará- 7 de setembro de 1923, transmitindo a leitura da
ter político sem a prévia permissão do governo. carta de D. Leopoldina aconselhando o Príncipe
Com a compra de um transmissor de um qui- Regente, D. Pedro, a proclamar a Independência
lowatt, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro se- do Brasil.

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CARICATURA DE RIAN
Bárbara Primo

N
air de Teffé nasceu no seio de uma Já em terras brasileiras, Nair seria figura re-
típica família aristocrática bra- corrente nos principais eventos sociais e, sob o
sileira e, muito embora tenha vi- pseudônimo de Rian, passaria a retratar as per-
vido os estertores da monarquia, sonagens icônicas dos círculos que frequentava.
tornou-se ícone vanguardista da Seu traço audaz e irônico conquistaria espaço
nossa incipiente República. De “menina prodí- nas principais publicações da época, como A ca-
gio”, cuja educação esmerada refletia o empe- reta, O Malho, Vida Doméstica, Fon-Fon, Revis-
nho e encanto do pai barão, Nair tornar-se-ia ta da Semana, Gazeta de Notícias, entre outras,
Rian, caricaturista de prestígio internacional. e ecoaria, também, em Paris, onde contribuiu
Muito mais do que o apuro dos traços, Rian deli- com as revistas Le Rire, Femina e Excelsior. Já
nearia, por meio de seus pincéis, críticas asserti- em 1912, a jovem artista realizaria uma exposi-
vas e veladas às personagens e cenários políticos ção individual de cerca de cem caricaturas na
de sua época. A jovem artista, cuja vivacidade e sede do Jornal do Commercio, cuja inaugura-
inteligência reverberavam pelos salões cariocas ção contou com a presença do então presidente
e petropolitanos, acabaria por encantar, tam- da República, o Marechal Hermes da Fonseca.
bém, os salões do Catete ao tornar-se primeira- O encontro fortuito que selaria o destino do fu-
-dama, em 1913. turo casal e o pedido de casamento, porém, só
Natural do Rio de Janeiro, Nair passou boa ocorreriam no ano seguinte, em Petrópolis.
parte da infância e adolescência na Europa, O enlace com o presidente traria drásticas
principalmente na Fran- mudanças para a vida de
ça, onde o Barão de Teffé Nair. Além da surpresa
procurou ofertar à filha causada pela rapidez do
“instrução tão aprimorada matrimônio – haja vis-
quanto a que os Reis da Eu- ta a recente viuvez do
ropa costumavam dar aos Marechal –, a diferença
seus herdeiros”.1 E  seria de idade entre os noivos
em Paris que travaria seu foi motivo de muitos co-
primeiro contato com a mentários. A jovialidade
pintura em pastel, técnica enérgica da nova primei-
que aprimoraria mais tar- ra-dama, porém, traria
de, no Brasil, sob as orien- um sopro de originalida-
tações dos professores Ro- de para uma capital ainda
dolfo Amoedo e Rodolfo afeita ao conservadorismo
Chambelland. Nair de Teffé, Revista Careta, 1911 circa e aos protocolos herdados

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do Império. Embora tenha ocupado o Catete por do “café-com-leite” – demonstrava não ser mais
menos de um ano, Nair fez do palácio sua casa capaz de atender aos anseios das lideranças es-
e, ao abrir as portas da residência oficial da pre- taduais, de maneira que os estados alijados da
sidência para o violão, o samba e o maxixe, vis- clássica alternância de indicações entre Minas
lumbrou a potência criativa e vanguardista da Gerais e São Paulo uniram-se em torno de um
arte brasileira. Mais do que isso, ela ousou ques- movimento que ficaria conhecido como “Rea-
tionar o status quo tergiversando o embate po- ção Republicana”. Esta iniciativa, liderada por
lítico e alçou a cultura como porta-voz de uma Nilo Peçanha, aglutinou as elites políticas do Rio
modernidade inadiável. de Janeiro, Rio Grande do
Com o fim do mandato Sul, Bahia, Pernambuco e
presidencial, o casal trans- Distrito Federal em oposi-
fere-se para Petrópolis em ção à candidatura de Artur
busca de refúgio. No car- Bernardes, nome indicado
naval de 1915, porém, Nair pelas oligarquias mineira
sofre um acidente de char- e paulista.
rete que a deixaria com A candidatura de Pe-
sequelas e muitas dores. çanha atrairia, também,
Diante do sofrimento da militares insatisfeitos com
esposa e do crescente cli- a postura civilista adotada
ma de tensão que envolvia por Pessoa e, de certa for-
o cenário político do país, ma, encampada por Ber-
Hermes concorda com um nardes. O apoio dos altos
“exílio voluntário” na Eu- escalões militares à Rea-
ropa para que Nair pudesse ção Republicana, em de-
receber tratamento ade- trimento de uma possível
quado. Em agosto de 1916, candidatura do Marechal
partem para a Suíça. Hermes – como desejava a
O retorno ao Brasil só baixa oficialidade – acabou
aconteceria em novembro por fomentar, ainda mais, a
de 1920, por insistência do frustração e a revolta que
Marechal, às vésperas da ensejariam, pouco depois,
F. Mulnier
crise que se iniciaria com Carte de visite de Nair de Teffé, Paris, S.D.
o surgimento dos movi-
a sucessão presidencial de COLEÇÃO PARTICULAR mentos tenentistas.
Epitácio Pessoa, em 1922. Embora derrotada no
Segundo Maria Cecília S. Forjaz, esta crise assu- pleito de 1922, a candidatura de Nilo Peçanha,
miria dois vieses: um deles diz respeito ao desgas- segundo Cláudia Viscardi, inauguraria uma
te das relações entre as oligarquias dos estados, e nova forma de se fazer política, a partir de cam-
o outro à insatisfação de alguns setores das Forças panhas eleitorais apoiadas em propagandas de
Armadas com seu crescente papel coadjuvante apelo popular e em programas de governo que
nas tomadas de decisões sobre os rumos do país. procuravam contemplar novos atores políticos.
Já no início dos anos 1920, a velha política Nair eternizou a polarização entre os candida-
oligárquica – popularmente conhecida como tos representando-os ornados das insígnias que

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seus apoiadores ostentavam nesta “guerra dos
dois cravos”:2 “bernardistas” portavam cravos
brancos em suas lapelas, ao passo que os “nilis-
tas” exibiam cravos vermelhos, como vemos na
caricatura apresentada neste artigo.
Ao que tudo indica, esta foi uma das últimas
caricaturas feitas por Nair/Rian. Anos mais tar-
de, porém, em 1952, a pedido do amigo Herman
Lima, que estava organizando um livro sobre a
história da caricatura no Brasil, ela refez alguns
de seus trabalhos mais famosos e emblemáti-
cos, “fazendo, como num milagre, surgir exa-
tamente iguais as caricaturas (...)”.3 O Arquivo
Histórico do Museu Histórico Nacional abriga
em seu acervo – sob uma coleção com o nome
da artista – 27 destas caricaturas, entre elas a
que reproduzimos aqui. Como personagem
e testemunha da nossa história, Nair de Teffé
Hermes da Fonseca nos brindou não apenas
com seu talento e senso crítico, mas também
com sua prodigiosa memória.

1> FONSECA, Nair de Teffé Hermes da. A verdade sobre a revolu-


ção de 22. Rio de Janeiro: Portinho Cavalcanti, 1974, p. 15.
2> FONSECA, op. cit., , p. 16.
3> Idem ibidem.

AO LADO, DE CIMA PARA BAIXO:

Capa da revista A illustração n. 110,


por ocasião do casamento de Nair de Teffé
com Hermes da Fonseca
BIBLIOTECA NACIONAL

Caricatura de autoria de Rian


COLEÇÃO PARTICULAR

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CAPACETE DE 1932
Francisco Quartim de Moraes

Q
uando, no dia 9 de julho de 1932, Júlio de Mesquita Filho, dava nas páginas de seu
dezenas de milhares de paulistas jornal o formato desta campanha:
marcharam para o front de batalha, “São Paulo não deve desanimar, o gigantesco es-
a ideia de lutar por uma Constitui- forço que fez não foi estéril. O que se encerrou
ção e por um regime democrático ontem foi um inesperado e melancólico desfale-
era quase consenso entre os combatentes. Entre cimento de algumas tropas, não foi a luta pela
eles, jovem como a maioria (16 anos), es- redenção do Brasil.”1
tava Neddy Quartim de Moraes, meu
avô paterno, que caminhou segu- O slogan recorrente diz que
ro da vitória paulista até que a São Paulo perdeu, mas venceu,
primeira bala furou o capa- afinal a Constituinte foi mar-
cete de um companheiro ao cada. Trata-se de uma propa-
seu lado. O capacete, objeto ganda falsa quando cotejada
comum em uma guerra, re- com as informações básicas
presentava toda a força da sobre o movimento. Que os
indústria paulista mobilizada propagandistas da superio-
para o combate. ridade paulista mintam para
O clima de vitória certa diminuir sua responsabilidade
para São Paulo foi registra- na mortandade podemos com-
do nas cartas enviadas pelos preender, mas é dever do his-
combatentes às suas famílias, toriador reestabelecer os fatos.
M. Langone
que também demonstram o Medalha cunhada em 1932
O primeiro passo, portanto, para
alto grau de censura imposta: COLEÇÃO PARTICULAR debater seriamente o movimen-
o horror, denominador co- to de 1932 é recompor a linha
mum de todas as guerras, não podia aparecer temporal que desaguou nessa guerra civil.
nos relatos. A derrota militar consolidada no dia Nos anos que antecederam a guerra, Getúlio
03 de outubro de 1932 (exatos dois anos após o Vargas havia feito sistemáticas concessões aos
triunfo da Revolução de 30) foi inaceitável para políticos de São Paulo, os quais, ao invés de se
o estado cujos cidadãos, por vezes, sentiam-se acalmarem, tornaram-se cada vez mais belico-
superiores ao resto do país. sos. A primeira grande concessão aos paulistas
Iniciou-se, então, larga campanha midiática foi a retirada de João Alberto de Lins e Barros
para transformar a derrota militar em vitória da interventoria de São Paulo (julho de 1931).
política. No dia 03 de outubro, oficializado o fim Junto vieram as nomeações de interventores
da guerra, o promotor da insurreição paulista, paulistas e civis, o último, Pedro de Toledo, no-

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José Wasth Rodrigues
“Esta he a carta verdadeira da revolução q houve no Estado de São Paulo no ano de MCMXXXII”, 1932
BIBLIOTECA NACIONAL

meado em março de 1932, era tão do agrado da das eleições, símbolo de ruptura com a tradição
oligarquia paulista que seguiu ocupando o car- da Primeira República (Decreto nº  21.076 de
go durante o levante. 24/02/1932). Até mesmo a data em que se inicia-
O governo oriundo da Revolução de 1930 ria a elaboração da Constituinte já estava mar-
também promulgou em 24 de fevereiro de 1932 a cada antes do 9 de julho. O Decreto nº 21.402, de
avançada lei eleitoral que organizava a Constituin- 14/05/1932, fixava que no dia 03 de maio de 1933 se
te. Nela, se destacava a novidade do voto feminino, iniciariam os trabalhos, como de fato aconteceu.
que só foi ter vulto, por exemplo, na Suíça, em 1971. A Constituinte se realizou apesar da guerra
Também é notável a representação classista, tenta- de São Paulo e não por causa dela. Pelo bem da
tiva de aumentar a participação dos trabalhadores História e independentemente de campo políti-
na Constituição. Mesmo com limites, ressaltamos co, esta ordem dos fatos deve ser clara para to-
a ampliação do número de eleitores com a pro- dos os brasileiros. Já antes do início da guerra,
mulgação de um sufrágio quase universal. Vargas explicitava a contradição entre as suas
Entre outros avanços estava a criação de uma recorrentes concessões e a caminhada paulista
Justiça Eleitoral, para que fosse garantida a lisura em direção à guerra:

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Autor desconhecido
Plano de viação de rodagem do estado de São Paulo
BIBLIOTECA NACIONAL

“Atendidos que eram, logo se mostravam insatis- O “palácio” que sedia a Assembleia Legislativa
feitos e pediam outra coisa. Queriam a lei eleito- do Estado de São Paulo se chama Nove de julho,
ral – promulguei-a, exigiam interventor ‘civil e data que se tornou feriado. Em todo o estado de
paulista’ para São Paulo – nomeei-o. Mas, ainda São Paulo pululam centros de memória do levan-
não bastava. Tornava-se necessário a marcação te, pequenos museus que acumulam objetos da
da data para as eleições – marquei-a. Continua- guerra. Entre eles, os folhetos, fotos, broches, car-
ram no entanto as censuras e os ataques...”2 tas, pedaços de trincheiras e a famosa matraca. Lá
estão também os capacetes, como este do Museu
A inversão sistemática dos fatos é um expe- Histórico Nacional. O que não sabemos é se os
diente comum nos debates sobre 32. A maioria usuários originais destes capacetes retornaram
dos comentadores afirma que somente depois de da guerra com vida como meu avô, ou sem, como
terminada a guerra teria sido marcada a Consti- seu companheiro de trincheira.
tuinte. Em meu livro coletei uma longa série des-
tes erros, por vezes professados por especialistas. 1> O Estado de São Paulo, 3 de outubro de 1932.
2> Getúlio Vargas, 6 de julho de 1932. In MORAES, Francisco
Hoje, a memória do levante de 1932 é propa- Quartim de. 1932 A História Invertida. São Paulo: Anita Garibaldi,
ganda oficial, nomeia uma série de ruas e escolas. 2018, p. 45.

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VESTIDO DE MARIA BONITA
Ana Lourdes Costa

O
vestido de possíveis machucados que
Maria Boni- poderiam ser causados pe-
ta – a mais los espinhos da vegetação
conhecida da caatinga e protegiam a
cangaceira pele do sol – são todos ele-
do século XX – e que desde mentos que ajudam a com-
a década de 1970 faz parte por a estética do cangaço,
do acervo do Museu Histó- parte fundamental do es-
rico Nacional (MHN), é cá- tilo de vida escolhido por
qui, enfeitado de soutaches, Maria Bonita quando, desa-
feito de algodão, tecelagem fiando os estatutos sociais
sarja, com palas que dão de sua época, saiu de casa
entendimento de bolsos e e deixou para trás um casa-
tem um zíper frontal, lo- mento, ordenado segundo
calizado onde termina o as regras de seu tempo.
pescoço e começa o colo. Datado da década de
O  vocábulo ‘cáqui’, cor 1930, vestiu seu corpo e
usada para camuflagem com ele circulou, sendo
nas caatingas habitadas testemunho de cultura
por Maria Bonita, significa material do período em
poeira ou poeirento; já o que o Brasil vivia os pri-
algodão, utilizado no feitio meiros dez anos da Era
do vestido, é um material Vargas, período que mar-
considerado transpirável, cou grandes transforma-
que ajuda a eliminar o suor Benjamin Abrahão Botto ções sociais no país. En-
do corpo, o que parece Maria Bonita, fotografada em 1936 tre outras conquistas, no
mais aceitável para o tipo FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
campo das lutas históricas
de vida nômade e as características da região por feministas – marcadas pela violência de uma
onde habitou a cangaceira. Com exceção do zíper, sociedade profundamente arraigada em traços
grande novidade para a época, os soutaches, costu- coloniais, racistas, patriarcais e misóginos –, já
rados em formas geométricas, o modelo evasê da contava com a trajetória política de mulheres
saia, de comprimento abaixo dos joelhos, que de- negras no Partido Comunista Brasileiro (PCB).
nota decoro e recato, as mangas compridas – usa- Importante lembrar que, em 1934, Antonieta de
das de forma utilitária para proteger os braços de Barros foi uma das primeiras mulheres eleitas

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para um cargo político e a primeira mulher ne-
gra a ocupar esse cargo. E o Decreto 21.076 de
1932 instituiu o Código Eleitoral, assegurando o
voto feminino.
Nesse mesmo ano, Maria Bonita, suas com-
panheiras e demais integrantes do cangaço,
passaram pela seca de 1932, rigorosa estiagem
que atingiu parte da região Nordeste, matando
milhares de pessoas de fome, sede e doenças.
Um dos estados mais atingidos foi o Ceará, o que
ocasionou o deslocamento de milhares de pes-
soas para Fortaleza, capital do estado, em busca
de melhores condições de vida. Como resposta,
os governos da época, tanto estadual como fede-
ral, criaram campos de concentração para tentar
impedir que os retirantes da seca chegassem à
capital. Foi também a década em que o país viu
serem estabelecidas duas constituições, a de
1934 e a 1937. Podemos considerar 1932 um ano
marcante aqui neste texto evocado pelo vesti-
do de Maria Bonita, pois foi também quando a
Revolução Constitucionalista eclodiu em São
Paulo, e a exemplo de mulheres combativas e,
igualmente combatidas, personagens da histó-
ria do Brasil, como Dandara dos Palmares, ou
mesmo Maria Stela Sguassábia, que entrou para
a Revolução de 32 ao vestir a farda de um solda-
do desertor e integrar o front de batalha.
As roupas são tipos de memória, como escre-
veu Peter Stallybrass. A esse propósito, voltando
às materialidades do vestido de Maria Bonita, ele
apresenta orifícios causados ainda não se sabe
por que, assim como algumas manchas, que pre-
cisam ser examinadas por testes que as determi-
nem. Essas marcas, memórias físicas deixadas
nesta roupa, provavelmente feitas enquanto
Maria Bonita estava viva, ou mesmo depois de
sua morte, podem apontar para diferentes ca-
minhos percorridos pelo vestido, os quais mu-
daram seus sentidos e valores. Quando o vestia,
era uma roupa usada para ocasiões específicas,
as domingueiras, nome dado às festas organiza-

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Tim Ingold quem apresenta outra versão singu-
lar de entender a trajetória de um objeto: a partir
de fios. Afirma que um objeto não tem um cará-
ter de algo fechado para o mundo exterior, mas
que está no mundo e também contra ele; que
esse mesmo objeto é constituído de nós, e estes
nós, de fios, que deixam rastros. Dessa forma,
podemos pensar numa analogia: que o vestido
de Maria Bonita seja o nó que tece os fios sobre
alguns acontecimentos da história do Brasil na
década de 1930.
Sendo assim, o vestido ao ser escolhido en-
tre tantos objetos musealizados no MHN como
representante da década de 1930 pode dar conta
de outras questões que não somente os macros
acontecimentos históricos aqui apresentados,
mas também de questões que envolvem gênero,
enquanto análise de um sistema opressor que
se impõe sobre corpos femininos, neste caso,
corpos de mulheres cangaceiras, mulheres nor-
destinas e sertanejas que viveram durante esse
período. Ademais, de poder evocar questiona-
das pelo cangaço, porque acontecia aos domin- mentos de como foi a vida dessas mulheres ao
gos, com missa, dança e outros momentos. Logo furarem a bolha de um cangaço constituído a
após seu assassinato, em 1938 – acontecimento partir de valores patriarcais, reflexo, ele mesmo,
que ficou conhecido como Cerco de Angico, fru- de uma sociedade estruturada em códigos so-
to de uma política de perseguição às cangaceiras ciais coloniais, machistas, racistas. Como essas
e aos cangaceiros, imposta pelo governo Vargas mulheres enfrentaram e interferiam aos seus
– o vestido foi desapropriado pelo Aspirante jeitos, na dinâmica do cangaço, e mudaram re-
Francisco Ferreira de Mello e, depois, entregue gras sexistas de um grupo que evitava mulheres.
ao jornalista Melchiades da Rocha. Retirado Explicamos: entre outras coisas, os cangaceiros
sem o consentimento de sua dona, enquanto alegavam que o sexo com mulheres deixava seus
seu corpo sem vida era despojado de seus outros corpos desprotegidos, propiciando, por esse
bens, pode ter simbolizado um troféu de guerra, motivo, serem capturados ou mortos. Ou seja, às
prova do feito, não só do Estado, mas também da mulheres era jogada a culpa pelas “derrotas” dos
“macheza” e “competência” do Aspirante Mello. machos do cangaço.
Depois, o jornalista o presenteou à atriz Nádia Ao se observar a visibilidade das questões
Maria, que o doou ao MHN, quando inserido na de gênero a partir do vestido de Maria Bonita, é
cadeia operatória da musealização, foi ressigni- importante atentar para, entre outras tantas pos-
ficado outras tantas vezes. sibilidades, que o vestido musealizado de Maria
A trajetória social desse vestido é interessan- Bonita é uma potência evocadora de mulheres,
te por muitos vieses. É o antropólogo britânico de corpos femininos inclusive de nossos dias.

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CARTEIRA DE TRABALHO
Angela de Castro Gomes

C
om capa azul, a Carteira de Trabalho que vivemos nesse início de século XXI. Como
e Previdência Social, ou simples- sabemos e nunca podemos esquecer, o Brasil
mente carteira de trabalho, foi cria- foi uma sociedade escravista durante quatro
da em 1932 e se tornou importante séculos. Isso significa que a maioria absoluta
documento na vida dos trabalhado- dos trabalhadores era escravizada e forçada,
res e trabalhadoras brasileiros. Nela, é anotada pela violência, a fazer todo tipo de trabalho,
uma série de informações sobre quem é seu titu- sem nada receber em troca. Em sociedades es-
lar (nome; local e ano de nascimento; filiação) e cravistas, não existe a ideia de que trabalhado-
sobre onde e em que condições a pessoa está tra- res podem ter algum direito, o que se enraizou
balhando (quem é seu empregador(a); quando nas relações de trabalho livre, relações estas
foi contratado(a); para que função; recebendo que se estabeleceram após a Abolição (1888) e
que valor.) Portanto, reúne tanto dados pessoais a República (1889).
como profissionais, comprovando que quem a Durante a Primeira República (1889-1930),
possui é trabalhador(a), que tem ocupação no os trabalhadores urbanos, mais organizados,
meio urbano ou rural; de caráter permanente lutaram muito para conseguir leis que melho-
ou temporário ou tem atividade profissional por rassem suas condições laborais e até consegui-
conta própria. ram algumas, como a de proteção a acidentes de
A Carteira de Trabalho, com o passar do tem- trabalho. Porém, poucos deles se beneficiavam
po, transformou-se no principal documento e o Estado não dispunha de meios para garantir
que a população trabalhadora utilizava para se sua aplicação, sendo tais leis sistematicamente
identificar e para atestar, diante de quaisquer descumpridas pelo patronato, que se opunha à
autoridades, sua condição de pessoa que lutava sua existência.
para trazer o pão de cada dia para casa e, por isso, É com essa herança de luta dos trabalhado-
tinha valor e merecia todo o respeito concedido res(as) e de algumas iniciativas de legislação
aos cidadãos(ãs) do Brasil. trabalhista, que o Estado após 1930, chefiado por
Mas, por que foi criada essa carteira de tra- Getúlio Vargas, vai ter que lidar. Assim, inter-
balho? E como passou a ter um significado tão nacionalmente, a existência de leis que regula-
compartilhado e valioso para quem trabalha? mentassem o mercado de trabalho urbano (não
Essa é uma história que começa nos anos 1930, o rural) era reconhecida como algo necessário
mas que ainda não tem data para acabar, pois se ao desenvolvimento da indústria de um país, si-
confunde com a luta dos trabalhadores por di- nal de sua modernização socioeconômica. Não
reitos. E essa luta é permanente. Ademais, essa por acaso, na campanha eleitoral de 1930, os dois
é uma longa história, que começa bem antes candidatos à presidência da República tinham,
dos anos 1930, mas que tem tudo a ver com o em seus programas, pontos que contemplavam

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tais reivindicações, sendo que o de oposição es- conjunto de leis que regulamentava as condições
pecificava mais o que seu governo faria. de quem trabalhava (horário de oito horas, salá-
Quando a Revolução de 1930 levou Vargas ao rios, férias etc.) e de quem havia deixado de tra-
poder, os trabalhadores de várias cidades festeja- balhar (pensões e aposentadorias), estabelecendo
ram essa mudança, aguardando transformações. que apenas os filiados aos sindicatos oficiais po-
E elas vieram. Em novembro de 1930, foi criado deriam gozar dos benefícios dessa legislação, tão
um Ministério do Trabalho, Indústria e Comér- almejada e demandada e que, por fim, começava
cio, o que indicava a maior importância das ques- a ser efetivada.
tões trabalhistas, mas também sua vinculação aos É nesse momento, em março de 1932, que
interesses da indústria e do comércio. Essa foi a nasce a carteira de trabalho. Ela permitia a iden-
diretriz que orientou as iniciativas que o novo tificação daqueles que estavam no mercado de
ministério passou a ter. De um lado, lançou uma trabalho e nos sindicatos oficiais, podendo re-
nova lei que organizava os trabalhadores em sin- clamar seus direitos e pressionar o patronato a
dicatos oficiais (reconhecidos pelo ministério), obedecer à legislação existente.
impedindo associações independentes, o que ge- Dessa forma, a carteira de trabalho foi um
rou reações. De outro, iniciou a elaboração de um instrumento para estimular a sindicalização ofi-

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cial, ou seja, para aumentar o controle sobre os
trabalhadores e suas organizações, especialmen-
te as que resistiam ao reconhecimento governa-
mental. Mas ela foi também o documento que
garantia aos trabalhadores a cobrança dos novos
direitos trabalhistas e previdenciários, pois po-
diam se dirigir a órgãos de natureza judicial au-
torizados a colocar patrões e trabalhadores face a
face, o que era uma grande novidade.
A carteira de trabalho tinha, assim, uma du-
pla face nos anos 1930/40, sendo cada vez mais
usada para provar a condição de cidadão de di-
reitos sociais em um período como o do Estado
Novo (1937-45) em que os direitos políticos não
existiam e os civis eram muito desrespeitados.
Já durante as décadas da experiência liberal-
-democrática após 1946, quando formalmente
tais direitos voltaram a vigorar, esse documen-
to foi se popularizando e se transformando em
verdadeiro símbolo da condição de cidadania
da população trabalhadora do Brasil.
Vale lembrar que, até a Constituição de
1988, os analfabetos não votavam no Brasil, Autor desconhecido

sendo os direitos sociais muito mais conhe- Cartaz para convocação trabalhista
na Esplanada do Castelo, 1937
cidos e vivenciados por essa ampla parcela da
CPDOC / FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
população do que os direitos civis e políticos.
Por isso, a carteira de trabalho passou a ser al- a importância da presença do Estado, instância
mejada por todos(as) trabalhadores(as) (rurais, com poder regulador do mercado de trabalho.
domésticos etc.), desejosos de ter acesso aos A  ausência do Estado compromete a vida dos
diretos do trabalho, que acabaram por se tor- trabalhadores(as) do país, no presente e no fu-
nar uma ponta de lança para o acesso a todos turo.
os demais direitos. Os direitos sociais dos assalariados, dos quais
Essa função dos direitos sociais do trabalho a carteira de trabalho é o maior símbolo, foram e
permanece existindo na sociedade brasileira – são estratégicos para a construção da cidadania
garantida pela Constituição de 1988 –, mas esta- no Brasil, porque o homem e a mulher trabalha-
mos recuando desde a chamada Reforma Traba- dor(a) aprenderam a reconhecer sua condição
lhista de 2017. Em nome do aumento de postos de cidadãos, a partir do cotidiano do trabalho e
de trabalho – que não vieram – tal reforma pre- do respeito que a condição de trabalhador deve
carizou novas condições laborais, estimulando a inspirar.
terceirização e, com isso, os beneficiários foram
os patrões, que se desobrigaram de garantir as
condições mínimas de trabalho, o que evidencia

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VISCONDE DE SABUGOSA
DA BIBLIOTECA DA DONA BENTA AO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL

Angela Guedes

O
sabugo de mi- Essa referência não é
lho que virou aleatória, pois Monteiro
gente, foi es- Lobato foi um grande ati-
quecido entre vista da causa do petróleo
os livros de para o desenvolvimento do
Dona Benta e tornou-se sábio Brasil. É dele a expressão
não há de se sentir descon- até hoje lembrada – “o pe-
fortável no acervo do Museu tróleo é nosso” –, que sim-
Histórico Nacional, cercado boliza a busca pelo ouro
de tantos itens referentes à negro em solo brasileiro.
História do Brasil. Em 1937, o Visconde de
O Visconde de Sabu- Sabugosa encontrou o óleo
gosa, habitante do Sítio do tão cobiçado no subsolo do
Pica-pau Amarelo, é fruto sítio de Dona Benta, saga
da imaginação do escritor, esta desenvolvida no livro
ativista, diretor e produtor O poço do Visconde, déci-
paulista Monteiro Lobato mo volume da série de fic-
(1882-1948). O único item ção para crianças.
Belmonte
pertencente ao Visconde é a Capa de O poço do Visconde, 1937
O Visconde de Sabugosa
sua cartolinha. Ele vivenciou COLEÇÃO PARTICULAR foi ainda tema de diversas
incríveis aventuras no Sítio músicas. Quem não conhe-
na companhia inseparável da bonequinha de ce o refrão de Lenine (“Tá no livro, tá escrito /
pano Emília, das crianças Narizinho e Pedrinho, No sítio do pica-pau / Pedrinho me fez viscon-
da vovó Dona Benta e da Tia Anastásia, entre de / Sabugo de milho intelectual”), ou a letra de
outros curiosos personagens, a maioria liga- João Bosco (“Sábio sabugo / Filho de ninguém /
da aos costumes da roça e às lendas do folclore Espiga de milho / Bobo sabido / Doido varrido /
nacional, como a Cuca e o Saci Pererê. Por ser Nobre de vintém”)?
“consertável” pela tia Anastásia, cabia sempre ao
Visconde as tarefas mais perigosas, além de ser A obra de Monteiro Lobato revolucionou a
o “carregador” oficial da canastrinha da Emília! literatura infantil, inserindo as crianças, desde
E  como foi descoberto entre os livros de geo- cedo, no mundo da cultura brasileira, de forma
logia da biblioteca, dedicou-se intensamente a simples e lúdica, através de novos cenários e
essa ciência, tendo participado da busca de pe- personagens especialmente criados para esse
tróleo nas terras de Dona Benta. público.

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Em 1920, Lobato sa, produzido pela Grow,
publicou A menina do em 2002.
Narizinho Arrebitado, A incorporação de um
considerado o primei- exemplar desse brinque-
ro livro infantil no Bra- do ao acervo do museu,
sil, apresentando Na- assim como a de outros
rizinho, Emília, Dona baseados em personagens
Benta e Tia Anastácia. do Sítio do Pica-pau Ama-
Lançado por ocasião relo – como fantoches,
do Natal, tornou-se um “agarradinhos”, miniatu-
fenômeno editorial. On­- ras e bonecos – seguiu as
ze anos depois, essa o- diretrizes da Política de
bra foi ampliada e re- Aquisição do Museu His-
publicada sob o título tórico Nacional, datada
de Reinações de Nari- de 1992, que priorizava a
zinho. coleta de brinquedos ca-
São 23 os títulos racterísticos da indústria
relacionados ao Sítio nacional, da cultura brasi-
do Pica-pau Amarelo, leira, da história do Brasil,
escritos entre 1920 e da literatura e do folclore
1947, muitos das quais nacionais.
Monteiro Lobato em fotografia
traduzidos para outros anônima da década de 1930. Esta Política de Aqui-
idiomas, como alemão, COLEÇÃO PARTICULAR sição constatou a ausên-
árabe, espanhol, fran- cia de representatividade
cês, inglês, italiano, japonês, polonês e russo. da criança em suas coleções e propunha, por
Ao longo dos anos, a obra de Monteiro Lo- meio da coleta de brinquedos e de outros itens re-
bato teve inúmeras reedições e sofreu várias lacionados à infância, dar voz a esse segmento so-
adaptações para outras mídias, inclusive uma cial em seu acervo e exposições. Hoje, o Viscon-
série de desenho animado, em 2012. Na década de de Sabugosa, e inúmeros outros brinquedos
de 1940, Reinações de Narizinho serviu de base coletados a partir dessa iniciativa, encontram-se
para um programa infantil de rádio. Nas décadas em exposição de longa duração, justamente a que
seguintes, os personagens do Sítio integraram se refere aos direitos fundamentais do homem
adaptações para a televisão, desde a versão em – “Cidadania em Construção”. A vitrine de brin-
preto e branco na Rede Tupi, em 1952, passando quedos representa o “Direito de Brincar” garan-
pela adaptação para as TVs Cultura, em 1964, e tido a todas as crianças pela legislação brasileira.
Bandeirantes, em 1967, até a primeira versão em O fascínio exercido pelos personagens do Sítio
cores na Rede Globo, em 1977 (no ar até 1986). do Pica-pau Amarelo sobre as crianças – e adultos
Em 2001, a Rede Globo lançou uma nova – foi reconhecido pelo próprio Museu Histórico
adaptação da obra, que permaneceu em cartaz Nacional que, de novembro de 1998 a fevereiro de
até 2007. Essa nova série deu origem a diver- 1999, abrigou a exposição O Mundo Encantado de
sos brinquedos referentes ao Sítio do Pica-pau Monteiro Lobato, uma das mais visitadas mostras
Amarelo, entre os quais o Visconde de Sabugo- realizadas no MHN na década de 1990.

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O Sítio do Pica-pau Amarelo, inspirado no Nada mais justo, portanto, que escolher o
sítio que pertenceu à avó do escritor, em Taubaté Visconde de Sabugosa, “o intelectual contador
(SP) – e que hoje abriga o Museu Histórico e Pe- de histórias”, como o representante da coleção
dagógico Monteiro Lobato –, faz inegavelmente de brinquedos nessa obra que marca o Centená-
parte da cultura e do imaginário de gerações de rio do Museu Histórico Nacional, homenagean-
crianças brasileiras há mais de um século: desde do, ao mesmo tempo, Monteiro Lobato, o pai da
1920 até os nossos dias. literatura infantil brasileira.

André Le Blanc
Capa de A chave do tamanho, 1949
COLEÇÃO PARTICULAR

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QUADRO DO ALFERES TIRADENTES
Maraliz de Castro Vieira Christo

O
quadro de José Wasth Rodrigues qual Tiradentes é reconhecido. Em composições
(1891-1957) inovou a iconografia mais complexas, o herói foi retratado sendo pre-
de Tiradentes. Nele vê-se, ao cen- so (Antônio Parreiras, 1914), ouvindo a sentença
tro, o personagem jovem, de pé, (Eduardo de Sá, s/d; c. 1897), respondendo à co-
corpo inteiro, tamanho natural, mutação da pena (Leopoldino de Farias, 1876),
perna direita à frente, rosto voltado para o lado vestindo a alva (Pedro Bruno, cerca de 1922 a
oposto e olhar para cima. Cabelos longos, presos 1927), no patíbulo (Aurélio de Figueiredo, 1893),
atrás, ele traja farda de alferes, da Segunda Com- ou esquartejado (Pedro Américo, 1893).
panhia de Dragões de Minas, composta por cami- Na verdade, Pedro Américo já o represen-
sa branca com gola jabor, colete vermelho, casaca tara em roupas militares, no estudo para a reu­
azul com dragonas cor de prata e faixa na cintura. nião dos conjurados, realizado para a série de
Calça amarelada, botas de canhão pretas, esporas cinco quadros proposta sobre a conjuração, que
e meias brancas altas entre as botas e o calção. finalizaria com Tiradentes esquartejado. Assim
A mão direita está estendida ao longo do corpo, como Antônio Parreira, quando o pintou sen-
carregando chapéu armado; a mão esquerda pou- do preso (1914) ou sonhando com a liberdade
sada na espada, tendo ao lado pasta com o mono- (c. 1926). Contudo, ambos o representaram sem
grama de D. Maria I sob a coroa real portuguesa. o conhecimento do uniforme de alferes, apre-
Ao fundo, à direita, há dois cavalos, um mon- sentado por Rodrigues.
tado por outro militar e, mais adiante, o pico do José Wasth Rodrigues, paulista, estudou
Itacolomi, referência a Ouro Preto. Nuvens cin- com Oscar Pereira da Silva e, em 1910, recebeu
zentas avançam em direção a Tiradentes, e este, ajuda do governo de São Paulo para aperfeiçoar-
apreensivo, as olha, como a fitar o próprio des- -se em Paris, retornando em 1914. A partir de
tino. Na parte inferior da tela, uma faixa traz a 1918, dedicou-se ao estudo da história colonial,
inscrição: “Alferes Joaquim José da Silva Xavier. preocupado com a conservação do patrimônio
O ‘Tiradentes’”; necessária para não haver dúvi- artístico. Visando as comemorações do Cente-
das sobre a identidade do personagem. nário da Independência, o Ministério da Guerra
Até aquela data, Tiradentes era representado encomendou-lhe estudos sobre os uniformes
quando de sua execução: envelhecido, barbado, do Exército. Alicerçado em ampla pesquisa, Ro-
cabelos desgrenhados, com alva dos condenados drigues realizou 220 ilustrações, publicadas no
e corda ao pescoço; misto de herói cívico e már- álbum Uniformes do Exército Brasileiro, 1730-
tir cristão. Imagem que – a partir de Aurélio de 1922. Aquarelas e documentação de J. Wasth Ro-
Figueiredo (1884), Décio Villares (1890), Virgí- drigues. Texto organizado por Gustavo Barroso.
lio Cestari (1894), Francisco de Andrade (1926), Gustavo Barroso, fundador e diretor do
e vários outros – tornou-se a iconografia pela MHN, estabeleceu fortes vínculos com Rodri-

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gues. Em 1930, solicitou-lhe No “Pavilhão do Mundo Por-
trabalhos sobre Ouro Preto e, tuguês” enaltecia-se o projeto
em 1940, o retrato de Tiraden- civilizatório lusitano. A  come-
tes (consta da ficha da obra no çar pela presença do modelo
MHN, a mesma ter sido com- para uma das esculturas de
prada da Galeria Jorge, mas não Eduardo de Sá, destinadas ao
conseguimos identificar a fonte monumento a Floriano Peixoto,
desta informação). O MHN já RJ, intitulada O evangelho na
havia recebido do Museu Na- selva, no qual se vê, em tamanho
cional de Belas Artes, adquirido natural, Anchieta catequizando
inicialmente pelo governo fe- a índia Nayda. Ao lado da fé, ar-
deral, o quadro de Pedro Bruno, mas foram expostas, incluindo
O precursor, de 1922. Barroso, canhões, mas apontadas para
entretanto, considerava as ima- inimigos externos: franceses e
gens anteriores fantasiosas e a holandeses.
representação do herói como Nessa narrativa conciliató-
alferes mais verossímil, princi- ria, a memória da Conjuração
palmente após as pesquisas de Mineira, uma revolta contra a
Rodrigues sobre os uniformes. metrópole portuguesa, seria in-
A compra fora motivada cômoda. Sintomaticamente, se-
pela necessidade de o Brasil gundo o programa de participa-
par­ticipar das comemorações ção do Brasil nos centenários de
portuguesas referentes aos oi­ Portugal, aprovado por Vargas e
to­centos anos da batalha de divulgado na imprensa, como
Ou­rique (1139), marco de sua no Jornal do Brasil, no Rio de
fundação, e trezentos da Res- Janeiro, em 07/07/1939, a re-
tauração, quando Portugal se ferência à Conjuração Mineira
libertou da Espanha (1640) – estaria iniciando o “Pavilhão
oportunidade para se estreita- do Brasil Independente”. Talvez
rem os laços entre as ditaduras essa alteração cronológica es-
de Getúlio Vargas e Salazar. As clareça mais a escolha de Barro-
Tiradentes
comemorações incluíam gran- so – por representar Tiradentes
Aurelio de Figueiredo
de exposição, da qual o Brasil Martirio de Tiradentes 1893
como alferes, jovem e livre pe-
participaria com duas seções: MUSEU HISTORICO NACIONAL los caminhos de Minas Gerais,
o “Pavilhão do Mundo Portu- mesmo carregando na pasta as
guês” e o “Pavilhão do Brasil Independente”. insígnias daquela que assinaria sua sentença de
Barroso, nomeado por Vargas apesar das diver- morte –, do que seu apego à verossimilhança, à
gências políticas, organizou e dirigiu a monta- pesquisa realizada por José Wasth Rodrigues.
gem dos pavilhões para os quais o MHN enviou A visão do herói mártir condenado, no patíbulo,
cerca de quatrocentos objetos, dentre eles o despedaçado ou não, era uma lembrança muito
Retrato de Tiradentes alferes, como o quadro contundente da violência do domínio colonial,
de Rodrigues se tornou conhecido. que naquele momento se buscava amenizar.

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BANDEJA DA FEB
Flávia de Sá Pedreira

A
atuação dos soldados brasilei- “O paladar da alimentação, oferecida nos
ros durante a Segunda Guerra moldes americanos, diferente do nosso ‘feijão
Mundial foi marcada por grande com arroz’, não conseguimos assimilar; o co-
diversidade espacial: das bases zinheiro da nossa Companhia teve de fazer
aéreas e navais em solo nacional feijão-tropeiro – ele era mineiro – e amenizou
até o front da campanha na Itália, além da reta- a situação.”3
guarda. A preocupação com a alimentação das
tropas aquarteladas ou em pleno combate era Por outro lado, todos reconheceram que a
considerada primordial, tanto nos refeitórios das distribuição dos suprimentos nunca foi negli-
bases e hospitais militares, como nas posições da genciada,
linha de frente:
“[...] sempre chegava às mais difíceis posições de
“A alimentação do combatente da FEB [For- combate. E, até por isso, destaco, também, o de-
ça Expedicionária Brasileira] era fornecida sempenho dos motoristas nas estradas congela-
tanto pelo governo brasileiro, quanto pelos das, frio de 23º negativos, com o objetivo de man-
estoques da Intendência Americana [...] A ra- ter em funcionamento a cadeia de suprimento, às
ção militar era principalmente de três tipos: vezes, com um soldado indo à frente da viatura,
fresca, servida nas áreas de retaguarda e pro- fazendo sinais, pra evitar acidentes.”4
ximidade do combate; enlatada, entregue nas
posições da linha de frente; e encaixotada em “No que tange à alimentação, acho que nós não
pequenos volumes, para as ações de combate, temos restrições a fazer. Eu estive na linha de
patrulhas e ataques.”1 frente e nesse ataque a Monte Castelo, no dia
30 [de novembro de 1944], pela madrugada,
Em depoimentos, vários veteranos de guer- debaixo das vistas e dos fogos alemães, che-
ra deixaram registradas suas impressões sobre o gou-me às mãos, para o Pelotão, um cambu-
assunto, alguns tecendo elogios, outros queixan- rão de café quente com pão e manteiga. [...]
do-se da diferença de paladar: No Pelotão havia o fogareiro a gasolina, nós
tínhamos na ração café, cigarro e um papel-
“O apoio logístico quase todo era americano: ci- zinho higiênico. Tão logo estacionávamos, em
garro, chocolate, munição, a alimentação, aque- qualquer situação, a alimentação já passava a
la comida enlatada horrível. Na retaguarda, às ser feita no Pelotão ou na Companhia, quase
vezes, aparecia uma comida quente, nossa, no sempre com comida à brasileira; os ingredien-
período entre dezembro e fevereiro, feita nas tes americanos, mas feita à brasileira por nos-
Companhias por cozinheiros brasileiros.”2 sos cozinheiros.”5

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Foto cedida por Rigoberto de Souza Júnior, filho do veterano
da FEB Rigoberto de Souza.

O acondicionamento das refeições também agitada. A partir do toque de alvorada, o rebu-


costumava ser diversificado: fazia-se uso da liço naquele grande aglomerado de barracas se
bandeja americana em baquelite nos refeitó- fazia notar à distância. A movimentação entre as
rios das bases militares e nos hospitais de cam- barracas só vinha a cessar quando os homens en-
panha, assim como das marmitas de alumínio, travam em forma para o rancho, que era servido
acompanhadas por talheres, entregues pelo nas próprias subunidades. Obedientes às vozes de
exército americano, dentro de estojos de lona, comando, todos entravam em forma disciplinada-
além de um cantil com capacidade para um li- mente. Sob a direção de um sargento dirigiam-se
tro, também em alumínio. Porém, nem todos os para o rancho, a céu aberto, primeiro para o café
expedicionários que se hospitalizaram durante da manhã, que era consumido, assim como as de-
o conflito bélico chegaram a utilizar a bandeja mais refeições, com pressa e acomodados de qual-
americana. O Capitão Severino Gomes de Sou- quer maneira. Tudo tinha que ser rápido.”6
za, por exemplo, afirmou à autora deste texto ter
comido em pratos, quando ficou internado no Alguns aspectos anedóticos também fize-
hospital de campanha. ram parte daquele cotidiano de guerra. Em seu
Também há relatos sobre o modo como eram exercício de memória, durante uma entrevista
feitas as refeições dos combatentes da FEB: concedida à autora deste texto, o Capitão Clean-
“A vida no acampamento era tremendamente tho Homem de Siqueira afirmou ter conhecido

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o ator Stan Laurel, da famosa dupla O Gordo e o caixa, abriu aquele sorriso, abaixou-se e pegou o
Magro, pois ele era soldado no exército inglês: ovo e disse ‘egg!’ O Sargento pegou e encheu os
capacetes dos dois. E quando ele tirou o capacete,
“Numa ocasião, nós estávamos na retaguarda, todo mundo olhou: ‘É o Magro!’ – foi engraçado,
na barraca do rancho, uma barraca grande, ele passou uma temporada lá com a gente fazen-
passamos lá pra tomar um café com o Sargento do graça, aquelas presepadas do cinema.”
Soares, e ali na barraca estava tudo que ia para
confeccionar o nosso alimento. E nós estávamos Como atestam os depoentes e também as
conversando quando chegam dois soldados in- fotografias da época, a bandeja americana foi
gleses, pedindo, estavam interessados em adqui- mais utilizada nas áreas da retarguarda do que
rir ovos, então chegaram na porta da barraca, no front de batalha.
cumprimentaram a gente e o inglês disse: ‘Ser-
geant, eggs?’ – coisa horrível a gente não saber 1> CAMPIANI, Cesar. 120 objetos que contam a história do Brasil
falar a língua do outro, né? Aí o Soares disse: ‘Vo- na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Livros de Guerra, edição

cês estão sabendo o que é que esse gringo quer?’ Kindle, 2020, p. 85.
2> SOUTO MAIOR, J. Bacharel José Souto Maior. In: MOTTA, Aricil-
‘Não’, ninguém sabia, e ele fazia assim com a des de Moraes (Org.). História oral do Exército na Segunda Guerra

mão [fez o gesto], com o formato da mão ‘eggs, Mundial. V. 2, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001, p. 299.
3> SOUZA, R. Doutor Rigoberto de Souza. In: MOTTA, op. cit., p.
Sergeant, eggs’ – quem diabo ia saber o que era 303.
‘eggs’? Mas foi engraçado, foi muito engraçado... 4> SIQUEIRA, Cleantho Homem de. Capitão Cleantho Homem de
Siqueira. In: MOTTA, op. cit., p. 261.
Tava o Paulo Dias sentado num caixotezinho, que 5> SOUZA, S. Capitão Severino Gomes de. In: MOTTA, op. cit., p.
era exatamente a caixa onde estavam os ovos, aí 246.
6> SIQUEIRA, Cleantho Homem de. Guerreiros potiguares: o Rio
ele levantou e eles disseram ‘eggs, có-có-có...’ Foi Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial. Natal: EDUFRN,
uma gozação, num sabe? Quando ele olhou pra 2001, p. 146.

Foto cedida por Frederico Nicolau, curador do Centro Cultural


Tramplim da Vitória, em Natal-RN.

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CARRUAGEM REAL
Vera Lúcia Bottrel Tostes

R
ecebi o convite para escrever so- ternacionais e da Educação e Saúde demonstra
bre um dos objetos pertencentes o interesse que a doação despertou. Em uma
à coleção do Museu Histórico das cartas ao Ministro Gustavo Capanema, de
Nacional e escolhi uma das via- 17 de maio de 1945, Gustavo Barroso, então di-
turas que compõem o acervo da retor do Museu, aponta para a importância da
exposição Do Móvel ao Automóvel. Os mistérios “inegável e alta valia da coleção”. Tanto assim,
que envolvem esse objeto poderiam constar de que cita: ¨que a Diretoria do Museu dos Coches
um livro de suspense, em que o detetive que de Lisboa, um dos mais ricos do mundo na ma-
desvendará a trama chama-se ‘conhecimento de téria, se bateu para que essas viaturas históri-
Heráldica’. cas não deixassem o país”. A correspondência
Entre tantas coleções importantes do acervo, aponta que estavam em bom estado de conser-
destaca-se a dos meios de transportes terrestres, vação, mas necessitavam de ser repintadas para
composta por diferentes tipologias, como coches, recuperar a ¨feição original¨. Dos onze coches,
berlindas e traquitanas que, vindos de Portugal, o governo português não deixou sair um, por se
deram entrada no Museu entre 1947 e 1948. tratar de um coche real.
Os documentos referentes à doação de onze Durante muitos anos, a coleção ficou ex-
coches dos séculos XVIII e início do XIX, ofe- posta na entrada do Museu. Como o local não
recidos ao Embaixador do Brasil em Lisboa, en- era adequado para o controle de luz e umidade,
contram-se no Arquivo Permanente do Museu os coches sofreram danos. Na década de 1980,
Histórico Nacional. Trata-se de cartas, ofícios e o acervo foi levado a galerias protegidas e um
rascunhos sobre a transferência da doação, for- trabalho de conservação evitou a perda total da
mando um dossiê iniciado em 1944 e encerrado coleção. Somente a partir de 1992 foi sendo sis-
em 1948. tematicamente desenvolvido um trabalho de
Os coches pertenciam ao Sr. Joaquim Ferrei- restauração. Os primeiros coches restaurados
ra Alves, proprietário de uma casa funerária em conservaram a pintura fúnebre, respeitando as
Lisboa. Eram alugados para cortejos fúnebres mesmas características que tinha quando che-
de famílias ricas e também dos membros da garam ao Museu.
família real portuguesa. Entre as onze viaturas, Em 2002 teve início a restauração de uma
encontram-se duas citadas como “peças de valor berlinda da segunda metade do século XVIII
histórico para o Brasil”: uma tendo pertencido a e no Laboratório de Conservação e Restaura-
D. João VI e outra à segunda esposa de D. Pedro ção do MHM foi possível observar que, após a
I, a Imperatriz D. Amélia. limpeza do verniz, uma das duas portas deixava
A numerosa correspondência entre o dire- visível a camada original da pintura. Surpreen-
tor do Museu e os Ministérios das Relações In- dentemente, surgiu sob a tinta negra e as ima-

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gens de ossos e caveira, um brasão encimado Uma das marcas de Diferença é a figura de-
de uma coroa de duque. Iniciou-se, assim, uma nominada lambel, termo derivado do francês e
investigação. que no início do século XIII tornou-se uma for-
Sob a tinta escura, surgiu a cor azul em ma de distinguir os membros da Família Real.
todo o corpo da boleia. E, no centro das portas, Composto de uma travessa com pendentes em
partes dianteiras e traseiras, as Armas Reais de forma de trapézio, assinala que, em Portugal, só
Portugal, com o atributo heráldico conhecido era usado no brasão do príncipe herdeiro.
como lambel, encimado pela coroa de Duque. As Armas nacionais portuguesas têm a mes-
Uma limpeza completa permitiu a leitura do ma representação heráldica desde o reinado de
seguinte Escudo de Armas: D. João II (1481-1495), quando foram fixadas as re-
gras para o seu uso. Foram con-
Campo de prata com cinco es- servadas até os dias atuais, uma
cudetes de azul carregados de vez que a República modificou
cinco besantes de prata postos somente as cores e a bandeira
em cruz. Bordadura de verme- que, de azul e branca, passou
lho carregada de sete castelos para verde e vermelho.
de ouro (Armas de Portugal). Tanto a datação do coche,
Por diferença um lambel de cujas características remetem
prata Encimado pela coroa de à segunda metade do sécu-
Duque. lo XVIII, quanto a do brasão
real português evidenciam
Surpresa! A viatura fúne- que pertenceu a D. José (1761-
bre era uma carruagem real! 1788), primogênito de D. Ma-
Foi o início de uma interes- ria I (1734-1816) rainha de
sante pesquisa envolvendo Portugal e a seu irmão D. João
o conhecimento heráldico e (1767-1826). Com a morte pre-
que forneceria os elementos matura de José, D. João foi
para novas pistas sobre sua elevado à condição de herdei-
procedência. O conhecimen- ro do trono e a berlinda pas-
to da heráldica identificaria o sou a servi-lo. Com a vinda da
objeto que se encontrava há 58 anos no Museu, família real para o Brasil em 1808, a carruagem
classificado como Carro de Cortejo Fúnebre. ficou em Portugal, e como outras, foi adaptada
Heráldica é uma ciência regida por normas para cortejos fúnebres.
que determinam, produzem e estudam os bra- Em visita ao Museu dos Coches, em Lisboa,
sões, interpretando as origens e o significado foi possível conhecer um exemplar que desde
simbólico e social de pessoas, famílias, grupos, os anos 1940 ficara encaixotado na alfânde-
nações e instituições. Com o correr dos séculos ga. A pintura fúnebre com figuras humanas
e a multiplicação de brasões, definiram-se regras em indumentária de carmelitas levou os téc-
para distinguir os símbolos entre os membros de nicos a classificarem a viatura como veículo
uma família. Como não poderia haver na mesma fúnebre, que teria pertencido a um convento.
linhagem dois brasões iguais, surgiram Diferença, No  entanto, a semelhança da decoração com
símbolos que servem para apontar essa distinção. as do Museu Histórico Nacional leva a crer ter

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sido esse o veículo mencionado no início des-
te artigo, detido em 1946 pelo governo portu-
guês, acreditando que fosse a berlinda real.
A descoberta desse brasão transformou o
coche fúnebre em um dos mais importantes
veículos da época em um museu brasileiro.
Podemos supor que se D. João veio para o
Brasil em 1808 e não trouxe a berlinda, pro-
vavelmente aqui já existissem outras viaturas
dignas do príncipe regente. Todavia, o coche
real chegou ao Brasil mais de um século de-
pois e hoje testemunha a competência técnica
e erudição dos especialistas em restauração e
heráldica do Museu Histórico Nacional.

Anônimo
Gravura: D; João II, Rei de Portugal, 1639
BRITISH MUSEUM

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ALEGORIA DO ESTADO DO AMAZONAS
Ana Cristina Audebert Ramos de Oliveira

A
esta altura do livro você já per- dos estados brasileiros e que serviu como mate-
cebeu que temos nos museus rial didático para suas aulas sobre Indumentária
um universo enorme de objetos Histórica na ENBA, a partir de 1949, e em pa-
que podem nos contar histórias lestras e aulas para cursos de teatro, como o do
do mundo. Já pensou quantos Conservatório Nacional de Teatro e o da Casa do
desses objetos foram produzidos e colecionados Estudante do Brasil.
por mulheres ou contam suas histórias? Os desenhos foram feitos com diversas
Quem criou o desenho deste artigo foi uma técnicas: lápis, lápis de cor, caneta, nanquim,
mulher chamada Sophia Jobim Magno de Car- guache, aquarela e apliques de purpurina so-
valho (1904-1968). Colecionadora, museóloga, bre papel. Alguns poucos são como negativos:
professora de indumentária da Escola Nacional desenhos em giz de cera branco ou colorido
de Belas Artes (ENBA), feminista, jornalista, co- sobre cartolina preta. Uns são esboços, outros
lunista de moda e figurinista, ela criou e dirigiu estudos e outros tantos, obras acabadas. Vemos
o Liceu Império (1932), uma escola de corte e desenhos autorais e cópias de livros de história
costura, e o Museu de Indumentária Histórica do vestuário e da moda em escala aumentada,
(1960). Doado ao Museu Histórico Nacional em em papel de tamanhos pequeno e médio ou em
1968, seu legado constitui parte importante do “pranchas” maiores.
acervo da instituição. Ele é composto por cerca Do ponto de vista da descrição formal, que
de 650 trajes e acessórios de indumentária, mais na documentação museológica chamamos de
de 6.600 documentos textuais e iconográficos ‘informação intrínseca’, na Alegoria do estado do
e uma biblioteca com aproximadamente 1.500 Amazonas vemos um desenho a lápis, guache e
itens. Ser uma colecionadora serviu para Sophia purpurina prateada sobre papel, medindo 51 x 34
como estratégia autobiográfica, uma forma de cm, próximo do que hoje é o padrão de uma fo-
resistência ao esquecimento e tentativa de dar lha A2. Presume-se que seja da década de 1940,
sentido à própria vida a partir de um arquiva- pois não está datado.
mento de si. Vemos, centralizada na folha, a figura de
A Alegoria do estado do Amazonas, da qual uma mulher branca, magra, esguia, em pose
falamos aqui, faz parte do conjunto de 600 de- de “manequim”. Sua postura não sugere movi-
senhos que estão no Arquivo Histórico, entre mento, à exceção dos braços que estão abertos,
muitos outros documentos de Sophia, como ligeiramente voltados para baixo, e das mãos
cadernos, álbuns de fotografias, documentos e com unhas pintadas de marrom que, com pouca
cartões de viagens. É nesse conjunto que encon- naturalidade, estão tensionadas com os punhos
tramos a categoria “Figurinos Alegóricos”, que para cima. A mulher olha diretamente para nós.
contém uma série de desenhos de indumentária Seu rosto ovalado possui lábios carnudos pinta-

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Autor desconhecido
Sophia Jobim modelando
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL/COLEÇÃO SOPHIA JOBIM

dos na cor carmim, olhos pretos, sobrancelhas coberto e a manga longa muito justa vai até o
finas e cabelos preto escuros, volumosos, ondu- punho. O ombro e braço direitos estão desnudos
lados até os ombros. No pescoço traz um colar de e vê-se um bracelete prateado no punho e um
contas vermelhas de cinco voltas. Sem dúvida, o arranjo de penas amarelas, pretas e vermelhas
que mais chama a atenção no desenho é a indu- como uma grande pulseira. Na cabeça vemos o
mentária. O corpo cumpre função de suporte, mesmo arranjo do braço, com uma tiara pratea-
pois foi também utilizado em outros desenhos da cobrindo parte da testa e penas amarelas, pre-
dessa mesma categoria “Figurinos Alegóricos”, tas e vermelhas na sequência, como um grande
em poses muito semelhantes e rostos pratica- e exuberante cocar. O corpo está coberto por um
mente idênticos. A preocupação está na indu- cipó verde acinzentado, que dá voltas no tronco,
mentária, seus atributos e símbolos. começando abaixo do busto e se alongando até
A mulher traja um vestido na cor cinza, justo quase os joelhos. O braço esquerdo especial-
no corpo até a altura dos joelhos e, a partir daí, mente está enrolado com o cipó, que, frouxo,
segue até os pés em ligeiro evasé terminando não causa sensação de estrangulamento ou
em cauda, ornada com vitórias-régias em toda a desconforto. Uma serpente preta com manchas
extremidade. No braço esquerdo, o ombro está amarelas – possivelmente uma salamanta (Epi-

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crates cenchria), espécie não venenosa comum de significados convencionais, quando agru-
no Amazonas – envolve sensualmente a mulher. pados têm o potencial de criarem uma alego-
Vemos a cabeça da serpente de lado, com presas ria e, portanto, uma imagem que encarna uma
brancas à mostra, pousada no ombro direito. ideia. A caracterização é dúbia: predominam
O corpo da serpente dá voltas no corpo da mu- elementos naturais (flora e fauna), no corpo
lher e sua cauda alcança a altura dos joelhos, de uma mulher branca, que não traz nenhum
sugerindo harmonia e intimidade entre ambas. traço fenotípico indígena, correspondendo,
Há aqui elementos relevantes, especialmen- ao contrário, ao modelo de elegância do corpo
te aqueles que, na visão da autora, simbolizam o feminino europeu.
estado do Amazonas: a vitória-régia (rio Amazo- O progresso e desenvolvimento trazidos
nas), o cipó (floresta), as penas coloridas (brace- pela extração da borracha marcaram defini-
lete e cocar indígenas), as contas (sementes) e a tivamente a capital Manaus no final do século
serpente (o estado é conhecido como o de maior XIX e início do XX, mas não estão no desenho.
população desses espécimes). Os elementos naturais predominam, ainda que
Vemos que Sophia trouxe elementos da de maneira domada... talvez, ordenados civi-
flora, da fauna e da cultura dos povos originá- lizadamente, trazendo ao mesmo tempo uma
rios indígenas para comporem alguns moti- sensação de integração, exaltação, controle e
vos desse estado e que por serem portadores sensualidade.

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TRONCO DO KUARUP
Maria Elizabeth Bréa Monteiro

A
ocupação da região do alto rio grafismos, pinturas corporais – configuram um
Xingu, no Brasil Central, remon- conjunto de expressões que se traduz por uma
ta aos séculos VI-IX e o sistema relativa homogeneidade cultural. Os rituais são
regional encadeado por meio de uma das mais importantes formas de socialida-
trocas, casamentos, rituais e fes- de que alinhavam esse complexo e viabilizam
tas entre diferentes povos indígenas, segundo interações, sendo considerados uma das prin-
o viajante alemão Karl von den Steinen (1940), cipais marcas da condição de “gente xinguana”,
formou-se entre os séculos XVIII e XIX. Esses nas palavras de Antonio Guerreiro.1
povos foram incorporados ao Parque Indíge- Dentre os principais rituais xinguanos des-
na do Xingu, marco do indigenismo do século taca-se o Kuarup. Importante para a consolida-
passado, que estabeleceu novos parâmetros de ção do sistema interétnico da região, o Kuarup
reconhecimento e regularização de terras indí- é uma cerimônia em homenagem aos mortos
genas. O Parque do Xingu foi concebido pelos e, ao mesmo tempo, uma louvação à vida, que
antropólogos Darcy Ribeiro e Eduardo Galvão compreende mitos de criação do mundo, clas-
e pelos sertanistas Villas-Boas, da expedição sificação dos grupos, iniciação das meninas na
Roncador-Xingu, imbuídos de uma visão ron- idade adulta e relações entre as diversas aldeias
doniana – foi José Mariano da Silva Rondon do Parque do Xingu.
quem estabeleceu, nos primeiros anos do sé- O Kuarup é, também, a etapa final de uma
culo XX, uma visão de respeito pelos indígenas sequência de ritos iniciados após o falecimento
e por sua autonomia enquanto grupos étnicos de uma pessoa e marca o término do luto dos pa-
diferenciados. rentes, indicando a retomada da existência coti-
Implementado em 1961, o Parque do Xingu diana na aldeia e da alegria do viver.
constituiu-se num novo modelo para a demarca- Uma de suas características marcantes é
ção de terras indígenas, ao considerar a intrínse- a rememoração que faz do ato primordial da
ca relação dos índios com os ambientes naturais criação da humanidade, obra da divindade mí-
que habitam, em uma concepção simbiótica da tica Mavutsinin. Em seu texto sobre essa ceri-
necessidade de preservar uma extensa área de mônia na aldeia do Ipavu, do povo Kamayurá,
natureza como forma de garantir a sobrevivência Carmen Junqueira e Vaneska Vitti descrevem a
desses povos e a perpetuação de suas culturas. narrativa mítica do primeiro Kuarup realizado
Nessa região, conhecida como Alto Xingu, por Mavutsinin:
formada pelos rios Coliseu, Culuene e Ronuro,
vive mais de uma dezena de povos indígenas fa- “Com a intenção de devolver a vida aos mortos,
lantes de línguas distintas cujos rituais – assim Mavutsinin fincou os troncos de madeira na al-
como seus objetos, matérias-primas, cantos, deia e os pintou e adornou. Após muitas horas

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de canto, ele mandou que todos se fechassem em À noite, os familiares dos mortos sentam-
suas casas, permanecendo apenas ele junto aos -se ao redor dos troncos preparados e choram
troncos que começaram então a ganhar forma durante toda a madrugada, enquanto os xamãs
humana. Quando a transformação se comple- tocam seus maracás. Os convidados das aldeias
tou, Mavutsinin mandou que os homens saíssem vizinhas ficam acampados na mata próxima.
das casas para saudar os renascidos, expressan- Ao amanhecer, os anfitriões e os convidados
do alegria e felicidade. Apenas os que tivessem se preparam para o huka-huka, luta cujo nome
tido relação sexual durante a noite não deve- lembra os gritos dos adversários imitando o
riam deixar suas casas para participar da co- rugido da onça. No fim da luta, são retirados os
memoração. Somente um homem permaneceu ornamentos e depois entregues às famílias dos
dentro da casa, mas, vencido pela curiosidade, mortos celebrados, cujas almas são liberadas
saiu para apreciar o espetáculo. No mesmo ins- pelo ato de atirar os troncos no rio.
tante os ressuscitados voltaram a ser troncos de Além das lideranças indígenas, personagens
madeira. Mavutsinin lamentou que seu intento importantes para a história do Xingu foram ho-
de dar vida aos mortos tivesse sido frustrado menageados com o ritual do Kuarup, a exemplo
pela transgressão ritual e lançou uma impreca- dos sertanistas Leonardo, Cláudio e Orlando
ção: ‘De agora em diante, os mortos não conhe- Villas-Boas, do médico Noel Nutels e do antro-
cerão uma nova vida por ocasião da cerimônia pólogo Darcy Ribeiro.
do Kwaryp’, nela serão apenas relembrados e O Kuarup tornou-se o ritual de maior visibi-
homenageados.”2 lidade, atraindo a atenção da sociedade em geral
e de personalidades internacionais. O tronco do
Semanas após a morte, depois de os parentes Kuarup que se encontra no MHN – uma peça
autorizarem a realização do Kuarup, procede- Kamayurá – tem aí a sua origem: o interesse de
-se a construção de uma cerca baixa de madeira um europeu em adquirir um exemplar fez com
(apenap) ao redor da sepultura e a família assu- que Kotoqui Kamayurá o entregasse a um comer-
me o compromisso de armazenar polvilho para ciante para efetuar a transação, que não ocorreu
o beiju, peixe e castanha de pequi. Os prepara- devido à oposição da comunidade xinguana à saí-
tivos para a cerimônia acontecem entre julho e da do tronco do país. A solução encontrada foi a
setembro. Os donos do ritual (os parentes mas- aquisição da peça pela Associação de Amigos do
culinos mais próximos do morto) são os respon- MHN que a doou ao Museu. O tronco kamayu-
sáveis por enviar para as aldeias vizinhas seus rá passou a integrar o acervo do MHN em 1994,
pariat que formalizam o convite para a partici- quando fez parte da exposição de longa duração
pação na cerimônia, reunir e redistribuir todo o Expansão, Ordem e Defesa. Posteriormente, foi
alimento necessário para cada fase do ritual, via- protagonista da exposição Oreretama e, em bre-
bilizar o transporte dos convidados e fornecer ve, participará da exposição “Îandé: aqui estáva-
enfeites para os cantadores. mos, aqui estamos”. E oxalá, aqui permanecerão,
Pela manhã, os troncos são pintados de preto nesta terra que sempre foi deles.
e vermelho e ornados com cocar, braçadeira, jar-
1> GUERREIRO, Antonio. Ancestrais e suas sombras: uma etno-
reteira. Durante a festa, homens portando flau- grafia da chefia Kalapalo e seu ritual mortuário. Campinas: Editora
tas (uruá) vão de casa em casa, em companhia da Unicamp, 2015.
2> JUNQUEIRA, Carmen; VITTI, Vaneska Taciana. O Kwaryp
das adolescentes que saem de seu período de kamaiurá na aldeia de Ipavu. Estudos Avançados 23(65), p.133-147,
reclusão de um ano para iniciarem a vida adulta. jan./abr. 2009. Universidade de São Paulo.

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RELÓGIO DE MESA
Andréa Gonçalves Moreira Bernardes

U
m simples objeto utilitário como mapas, Pombal reivindicou o aumento da área
o relógio com a estética de Bra- atribuída a Portugal pelo papado. O Tratado de
sília tem o dom de nos evocar Madri de 1751 alterou a antiga linha de Tordesi-
histórias seculares! Nesta peça de lhas e, após isso, Pombal manifestou sua ideia
autoria desconhecida, observa- de transferir a capital para o interior. A primeira
mos a silhueta de um mapa do Brasil estilizado menção ao nome Brasília deu-se durante o Im-
em madeira maciça que recebe um relógio cujo pério, e foi feita por José Bonifácio de Andrada
ponteiro central emerge do local onde estaria e Silva, o Patriarca da Independência. Bonifácio
localizado o novo Distrito Federal, indicando foi uma voz defensora da transferência da capi-
a centralidade da nova capital no território. tal a partir da década de 1820, propondo a cida-
A  composição estética mescla uma maquete de com o nome de Brasília, Brasil em latim, em
parcial (madeira-mogno) alusiva às célebres co- algum lugar na latitude 15°, conhecedor que era
lunas do Palácio da Alvorada com uma escultura dos mapas de Colombina.
em bronze representativa da Catedral de Brasí- Era preciso encontrar um sitio ideal para a
lia. É muito significativo este objeto estar entre futura capital, representativa que deveria ser
os selecionados pelo MHN para comemorar o da união nacional, ocupando um espaço novo,
centenário da instituição. vazio, que pudesse unir os brasileiros, trazendo
Transpor a capital de um país requer inúme- desenvolvimento para o centro do país. Somen-
ros preparativos e prospecções prévias. Muitas te após a mudança do regime político brasileiro,
pessoas pensam que a ideia de transferir a capi- já na 1ª República, registra-se na 1ª Constitui-
tal do Brasil nasceu com Juscelino Kubitschek ção Republicana Brasileira (24/02/1891) a de-
em sua campanha presidencial, mas na verdade terminação que diz: “fica pertencente à União,
surgiu muito antes, no século XVIII, como es- no Planalto Central da República, uma zona de
tratégia do Marquês de Pombal de resguardar 14,400  km2, que será oportunamente demarca-
a capital colonial, muito exposta a ataques e in- da, para nela estabelecer-se a futura Capital Fe-
vasões. Entre 1743 e 1753, esteve em missão no deral”. A partir de 1892 foram constituídas pelo
Brasil o cartógrafo italiano Francesco Tosi Co- governo federal várias Comissões Exploradoras
lombina, enviado pelo Marquês de Pombal com do Planalto Central: como a 1ª e a 2ª Missão Cruls
o objetivo de prospectar o território interior, (1892-1895), a Comissão Polli Coelho (1948), a
desenhar mapas delimitando as bacias hidro- Comissão José Pessoa (1953), sendo que esta úl-
gráficas da região central da mais valiosa colônia tima foi intitulada de Comissão de Localização
portuguesa, antevendo a necessidade clássica de da Nova Capital.1 Na campanha presidencial de
um corpo de água potável para o assentamen- Juscelino Kubitschek, em abril de 1955, duran-
to de qualquer povoação. Já de posse de vários te um comício em Jataí (GO), o candidato foi

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inquirido sobre a transferência da capital. Co-
nhecedor que era de todos os estudos prepara-
tórios, Kubitschek respondeu de imediato que
sim e passou a considerar a transferência como
a meta-síntese de seu futuro governo. Nas dire-
trizes para o concurso de projetos para Brasília,
publicadas no Diário Oficial de 20/09/1956,
mencionava-se que a futura capital deveria ser
diferente de qualquer outra cidade, para expres-
sar “a grandeza de uma vontade nacional”.2 De
maneira singela, seria esta também a intenção
deste relógio de mesa.
Esteticamente, há um elemento comum
entre ambas as colunas estruturais de concreto
armado do Palácio da Alvorada e da Catedral:
a curva. Vale lembrar que foi justo pela intro-
dução sistemática deste elemento em sua nova
arquitetura que Oscar Niemeyer, o maior repre-
sentante da arquitetura modernista brasileira,
se propôs a romper com o marasmo a que havia
chegado o chamado international style nas dé-
Fazenda Colubandê.
cadas de 1930 e 1940 com suas repetidas caixas Desenho de Mariana Salomão Alexandre de Oliveira
de vidro. E Niemeyer o faz com o conjunto da (FEVEREIRO/2022)

Pampulha (1940), ponto de partida de sua inova-


ção pela curva. “A curva me atraía. A curva livre
e sensual que a nova técnica sugeria e as velhas laçam no Palácio da Alvorada. A casa-grande da
igrejas barrocas lembravam”.3 Fazenda Colubandê, poderia receber várias re-
Isabella Sousa menciona a relação entre a des em sua ampla varanda. Será que teriam ser-
forma arquitetônica da catedral e seu proces- vido de inspiração a Niemeyer na criação das co-
so construtivo: “entendendo o importante pa- lunas do Palácio da Alvorada? Para Briane Bicca,
pel que a catedral deveria cumprir, Niemeyer “são incontestes as relações entre Colubandê e
criou uma obra escultural, com uma forma o Alvorada, expressão ímpar desse fio que une,
compacta e pura, composta pela repetição de ao longo do tempo, arquiteturas produzidas em
uma série de elementos parabólicos dispostos situações históricas bem distintas”.5
em planta de forma estruturais e unidos por A criação genial das colunas do Palácio da
anéis de concreto”.4 Alvorada que vemos mencionadas neste relógio
Separados por séculos, os dois períodos mais de mesa impactou muitos observadores. Forma
originais dentro do escopo da arquitetura brasi- inovadora celebrada, por exemplo. pelo pensa-
leira vieram a ser justamente o período colonial/ dor francês André Malraux, que ressaltava estas
barroco (século XVI, XVII e XVIII) e o período colunas como “as mais lindas que tinha visto
da arquitetura modernista (século XX), ambos desde as colunas gregas”; consequentemente, se
trazendo à tona inovações criativas que se entre- transformaram em um dos principais símbolos

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da nova cidade. Quando de sua visita oficial a
Brasília, em agosto de 1959, sendo então minis-
tro da Cultura da França, Malraux compreendeu
a transcendência da criação da cidade inventada
por Lúcio Costa, chamando-a de “capital da es-
perança”.
A função principal deste objeto relógio de
mesa era marcar o tempo... mas não um tempo
qualquer e sim os novos tempos de esperança!

1> A História das Comissões de Exploração e Estudo da Região do


Planalto Central do Brasil. Arquivo Público do DF.
2> Brasília. Revista Módulo, n.8, edição especial.. Rio de Janeiro,
julho, 1957. Arquivo Público do DF.
3> NIEMEYER, Oscar As curvas do tempo: Memórias. 2 ed. Rio de
Janeiro: Revan, 1998, p. 94.
4> SOUSA, Isabella Gaspar. Hermenêutica da Catedral Metropoli-
tana de Brasília: arquitetura, experiência e significado. Tese (Dou-
torado), Arquitetura e Urbanismo, FAU/UnB. Brasília, p. 81.
5> BICCA, Briane e BICCA, Paulo (org.).Arquitetura na formação
do Brasil. Brasilia, Unesco/Iphan. 2006.

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MODELO DE AERONAVE DA PANAIR
EMBARQUE PARA A POSTERIDADE

Daniel Leb Sasaki

“Na loja da Avenida Graça Aranha, expõem-se os tristes trastes da Panair do Brasil. Coisas que
escaparam de acidentes aéreos, para vir sofrer o desastre em terra, com o esfacelamento da companhia,
que serviu a tanta gente por tantos anos. Eu não ia arrematar nada, mas incorporei-me à multidão
de licitantes. Pareceu-me ver um grande avião caído. Com os destroços varejados pelos curiosos. Uns
calculavam com frieza o valor dos lotes. Outros olhavam, desinteressados. (...) E ninguém ali sentia
nada de especial diante do corpo derrotado da Panair, de seus intestinos à mostra. Quase todos teriam
usado suas linhas, comido seus jantares, lido seus jornais brasileiros em Paris,
mas a hora era de liquidação, e não de saudades.”

F
oi com esse relato melancólico que o o valor de seus ativos superava quase três vezes
poeta Carlos Drummond de Andrade o das dívidas. E provara, ainda, que relatórios fal-
estreou sua coluna no Jornal do Bra- sificados haviam sido utilizados para subsidiar a
sil, em 2 de outubro de 1969. A Panair decisão governamental que a extinguiu.
do Brasil, que durante trinta anos fora Nada adiantou. A perseguição aos acionis-
a mais importante e querida companhia aérea tas majoritários, os empresários Celso da Ro-
do país – responsável não apenas pela abertura cha Miranda e Mario Wallace Simonsen – cujo
pioneira de linhas de integração nacional e as poder econômico era malvisto pelos militares,
intercontinentais, mas também pelo desenvolvi- por terem se posicionado a favor da democracia
mento de parte relevante da infraestrutura aero- –, seguia implacável. Incapaz de justificar suas
portuária e de proteção ao voo na América do Sul ações com fatos, a União passou a lançar mão
–– estava definitivamente no chão. de legislação autoritária para obstar qualquer
Os brasileiros viviam os efeitos do Ato Ins- chance de retorno da companhia. Por meio do
titucional no 5, baixado em 13 de dezembro de Decreto nº 57.682, a Aeronáutica tomou posse e
1968 e comumente conhecido como o mais re- administração da Celma, subsidiária integral da
pressivo da ditadura militar – e a Panair, na Jus- Panair e a maior e mais avançada oficina de re-
tiça, enfrentava uma verdadeira via crucis. Já visão de motores de avião em todo o hemisfério
demonstrara, nos autos de sua falência imposta, Sul. Alegou textualmente que a desapropriação
que dispunha de todas as condições técnico- visava o “interesse público e a Segurança Nacio-
-operacionais, financeiras e jurídicas para fun- nal”. No processo, indenizou a “massa falida” em
cionar, quando, em 10 de fevereiro de 1965, sem um décimo do valor do complexo tecnológico.
aviso prévio ou direito de defesa, subtraíram-lhe Em seguida, com o Decreto-lei nº 107, o Es-
o direito de operar linhas aéreas. Apontara, tam- tado se apropriou “de todas as instalações, bens
bém, em documentos de teor incontestável, que e equipamentos de telecomunicações, perten-

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centes à Massa Falida de Panair do Brasil S.A.,
desapropriadas pela União e julgadas necessárias
à operação da sociedade”. Argumentava haver
a “necessidade de garantir a segurança e conti-
nuidade das operações da Rede Internacional
do Serviço Móvel Aeronáutico, de apoio às rotas
internacionais que cruzam o espaço aéreo bra-
sileiro”. Além de comprovar a essencialidade da
Panair para o funcionamento do setor aéreo no
continente, cometeu um absurdo jurídico, visto
que, diferentemente da Celma, essa parte do pa-
trimônio sequer tinha autonomia jurídica. Rocha
Miranda registraria: “São cerca de 45 imóveis
onde estavam instaladas as estações de rádio. Ela
[a União] desapropriou as instalações de rádio por
um preço vil (...). O valor da desapropriação equi-
valia, na época, ao valor de duas Kombis”.
Então, naquele 1969, a União entrou numa
era de ataques derradeiros. Baixou o Decreto-lei
no 496, que desapropriou as aeronaves a jato, en-
tão arrendadas à Varig e à Cruzeiro do Sul – as
grandes beneficiadas da liquidação –, manten-
do as cifras mensais por elas pagas em cerca de a falência em concordata suspensiva, visto que
metade da cotação internacional. Depois, atenta já pagara todos os seus credores habilitados, in-
aos movimentos da Panair, que no Judiciário clusive o Estado, promulgou em tempo recorde
impetrou um pedido irrecusável de converter e com aplicação a “casos em curso” o Decreto-lei
no 669, que, cirurgicamente, excluía “do bene-
fício da concordata as empresas que exploram
serviços aéreos ou de infraestrutura aeronáuti-
ca”. A única na situação era a companhia de Si-
monsen e Rocha Miranda. Por fim, pressionou

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o juiz à frente do caso para que se determinasse brindes: cerca de 700 objetos passaram aos cui-
a liquidação de todo o ativo remanescente em dados do Museu Histórico Nacional, que os ca-
apenas noventa dias. dastrou, fotografou e acondicionou. Essa memo-
Essa sanha devastadora promovida contra a rabilia fantástica originou, em 2019, a exposição
Panair do Brasil poderia ter sepultado qualquer Nas asas da Panair, organizada pelo MHN sob a
resquício da empresa. Mas, fenômeno raríssimo curadoria da historiadora Mariza Soares.
no mundo corporativo, os próprios funcionários Um dos itens mais emblemáticos na coleção
garantiram que sua memória fosse preservada. é o modelo de um quadrimotor a pistão Douglas
A partir de 1966, ano seguinte ao fechamento, DC-7C na escala um para 24 (144 cm de compri-
eles passaram a se reunir na semana de 22 de ou- mento). A réplica da aeronave, utilizada pela
tubro, data de aniversário da fundação da antiga companhia em linhas internacionais entre 1957
empregadora, para homenageá-la e honrar seu e 1965, outrora adornou um de seus famosos es-
legado. Sem que haja conotação política explíci- critórios consulares e é tão grande, que a lateral
ta, seu gesto é, também, um ato de resistência; a bombordo foi produzida em plástico trans-
a chamada Família Panair lembra o país, até os parente, para que clientes e pedestres curiosos
dias de hoje, sobre esse caso de violência sem pudessem ver seções de seu interior: cockpit, ca-
precedentes na história do capitalismo nacional. bine de passageiros, galleys, lavatórios. Como a
A partir de 2017, deram outro passo importan- própria Panair, a maquete desperta um fascínio
te: garantiram que as atuais e futuras gerações co- quase inexplicável: a vontade de voltar ao passa-
nheçam, em primeira mão, seu passado de glórias do para ser testemunha do que foi voar naquelas
e luta. Em esforço coordenado por Rodolfo da asas auriverdes, hoje míticas. Essa viagem é im-
Rocha Miranda, filho de Celso, começaram a doar possível. Mas, graças ao Museu Histórico Nacio-
seus acervos pessoais. Folhetos informativos, ca- nal, o embarque mais próximo está garantido.
pas de passagens, etiquetas de bagagem, malas,
uniformes, louças e talheres, maquetes de aviões,

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PROGRAMA DO SHOW OPINIÃO
Maria Paula Araujo

O
programa não saio não”. Misto de
do show espetáculo musical e
Opinião teatral, no show os três
é um do- falavam, declamavam e
cumento cantavam acompanha-
que nos mostra mais do dos pelos músicos João
que o conteúdo de um Jorge Vargas e Dorival
espetáculo musical ca- Caymmi Filho. Algumas
rioca que estreou em 11 semanas após a estreia,
de dezembro de 1964. Nara deixou o espetácu-
Mais do que isso, ele lo e foi substituída por
é um documento his- Maria Bethânia, jovem
tórico que nos fala de cantora baiana, com 18
um evento que reuniu anos. A versão dramá-
intelectuais, artistas e tica de Bethânia can-
músicos de diferentes tando “Carcará, pega,
procedências no que mata e come!” tornou-se
foi considerado a “pri- um dos símbolos do es-
meira resposta cultural petáculo. É importante
da esquerda ao golpe também mencionar a
de 1964”.1 O programa, presença do cinema
com textos e fotos dos artistas que se apresen- novo no show que homenageia, com um trecho
tavam no show, permite que se compreenda de música de Zé Keti, o filme Rio 40 graus, de
o projeto, o contexto e as sensibilidades que Nelson Pereira dos Santos. O refrão “o sertão
nortearam o espetáculo. Buscava-se reunir a vai virar mar e o mar vai virar sertão” do filme
música popular, o samba de morro e a cultura Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Ro-
do campo, representados pelos atores-cantores: cha, também é cantado no espetáculo.
Nara Leão, a “musa da Bossa Nova”, moradora O show Opinião representava uma visão de
de Copacabana; Zé Kéti, sambista da Portela; e cultura e de política que mobilizava intelectuais
o maranhense João do Vale, cantando o homem e artistas de esquerda oriundos do Centro Popu-
do campo. O nome Opinião veio de uma música lar de Cultura da União Nacional dos Estudantes
de Zé Kéti que dizia: “Podem me prender, podem (CPC da UNE). Entre eles, Ferreira Gullar, Tereza
me bater, podem até deixar-me sem comer, que Aragão, João das Neves, Armando Costa, Odu-
eu não mudo de opinião. Daqui do morro eu valdo Vianna Filho e Paulo Pontes (estes três

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últimos assinam o programa). Oduvaldo Vianna instituição ilegal, e todas as atividades do CPC
Filho, o Vianinha, era oriundo do Teatro de Are- foram interrompidas.
na de São Paulo e foi uma referência fundamen- O show Opinião foi a resposta desse gru-
tal para a criação do CPC. po de artistas e intelectuais, oriundos do CPC
É interessante recuperar essa história que e do Teatro de Arena, que buscavam, desde o
nos permite entender melhor o significado do final dos anos 1950 e ao longo da década 1960,
show Opinião. O Teatro de Arena buscava, desde especialmente no decorrer do governo de
o final dos anos 1950, desenvolver uma drama- João Goulart (1961-1964), implementar esta
turgia nacional. A peça Eles não usam black-tie, concepção de uma arte engajada, com uma
de Gianfrancesco Guarnieri, encenada em 1958, estética nacional e popular. O show foi realiza-
foi a expressão dessa do no Rio de Janeiro,
diretriz, norteada por com vários artistas
uma temática nacional cariocas ou residentes
e uma estética popular. no Rio, mas o Teatro de
Mas Vianinha deseja- Arena deu uma contri-
va ir além, na direção buição fundamental
de uma arte explici- para o projeto. Augusto
tamente política. Em Boal veio de São Paulo
1960, veio para o Rio para dirigir o espetá-
de Janeiro e articulou a culo, que se realizou na
criação do CPC. A cria- sede carioca do Arena,
ção do CPC da UNE localizada no “Super
foi um passo radical Shopping Center de
neste projeto: produ- Autor desconhecido Copacabana”, espaço
zir uma arte nacional, João do Vale, Nara Leão e Zé Kéti que depois passou a se
popular e voltada para no show Opinião (1964) chamar Teatro Opi-
a divulgação e propa- nião. Por esta junção
ganda de ideias políticas. A partir de sua criação, de esforços (e de histórias) a capa do Progra-
o CPC passou a reunir estudantes e jovens que ma é uma imagem geométrica na qual duas
tinham projetos de arte, teatro, música, cinema figuras se encaixam e ostentam os nomes
e foi o centro da argumentação acerca do enga- Opinião e Arena.
jamento artístico nos anos 1960. Um debate que O espetáculo era um misto de música, poe-
se alinhava com as discussões que a esquerda sia, representação teatral. Entrevistada pela im-
travava sobre o tema na época, em especial no prensa estrangeira, Nara via o legado do show
Partido Comunista Brasileiro. A arte era, então, Opinião se expressando nas peças Arena conta
vista como um instrumento importante no pro- Zumbi (1965) e Arena conta Tiradentes (1967),
cesso de conscientização popular, de valorização assim como no segundo espetáculo do Grupo
da cultura nacional e de propagação da ideia de Opinião, Liberdade, liberdade de Millôr Fernan-
transformação social. A cultura e arte estavam de des e Flávio Rangel (1965) também uma mistura
mãos dadas com o projeto revolucionário. de textos e música.
O golpe do dia 31 de março de 1964 jogou Além do formato do espetáculo, o cará-
uma pá de cal neste projeto: tornou a UNE uma ter de resistência à ditadura do show Opinião

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repercutiu em outros setores da cultura. Ar-
tistas plásticos como Antônio Dias, Rubens
Gerchman, Hélio Oiticica, Roberto Magalhães,
entre outros, organizaram a mostra Opinião 65
no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de
Janeiro.2
O show Opinião representou uma propos-
ta cultural e uma posição política de esquerda,
características dos anos 1960, marcadas pelas
trajetórias do CPC e do Teatro de Arena, em
diálogo com as teses do PCB sobre o papel da
cultura e a noção de arte engajada. É deste pro-
jeto que nos fala o programa do show.
Opinião era o nome do show, do grupo
de intelectuais e artistas que o idealizou e do
teatro no qual o show aconteceu. O Ato Ins-
titucional n.5, decretado em 13 de dezembro
de 1968, mudou o cenário político brasilei-
ro, iniciando um período de violência brutal
da ditadura. O Grupo Opinião se dispersou.
Edson (fotógrafo)
Alguns de seus integrantes, como Ferreira
Maria Bethânia no show Opinião, 1964
Gullar, foram para o exilio. O Teatro Opinião ARQUIVO NACIONAL
ainda subsistiu por alguns anos. Em 1976, o
dramaturgo e diretor teatral João das Neves,
remanescente do grupo original, montou nos
palcos do Teatro Opinião a peça O último car-
ro, que pode ser considerada o marco final do
Teatro Opinião.

1> NAPOLITANO, Marcos. Coração civil. A vida cultural brasilei-


ra sob o regime militar (1964-1985) – ensaio histórico. São Paulo:
Intermeios/USP. Programa de Pós-Graduação em História Social,
2017.
2> RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro. Artistas da re-
volução, do CPC à era da TV. 2 ed, São Paulo: Unesp, 2014, p. 107.

Autor desconhecido
Retrato de Zé Kéti em capa
de compacto simples
da gravadora Mokambo, 1964
COLEÇÃO PARTICULAR

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ÓCULOS DE ROSE MARIE MURARO
Hildete Pereira de Melo

R
ose Marie Gebara nas- para a Editora Vozes, como respon-
ceu no Rio de Janeiro sável pela organização do catálogo
em 11 de novembro de de livros nacionais, e por 17 anos foi
1930, no seio de uma sua editora. Com a convocação do
rica família. Devido a Concílio Vaticano II pelo Papa João
uma infecção nos primeiros dias de XXIII, em 1961, e o sopro novo que
nascida, ficou com apenas cinco por este deu à Igreja Católica, a Vozes
cento de visão em um dos olhos e mudou sua trajetória comercial e
sem nenhuma visão no outro, o que adotou a “teologia da libertação”,
a obrigou a usar óculos desde o pri- perspectiva que transformou a vida
meiro ano de vida. Assim, os “óculos” de Rose Marie Muraro.
foram uma peça inseparável da sua A instalação do regime militar
vida do nascimento até sua morte.1 em 1964, com a quebra da democra-
No entanto, essa deficiência não a cia no Brasil, provocou uma reação
Capa de
abateu. Ela aprendeu a ler no pri- Libertação sexual da mulher
na editora, que se tornou uma voz
meiro dia de aula e os livros foram Editora Vozes, 1970 de denúncias. Rose Marie Muraro
uma de suas paixões. Na adolescên- COLEÇÃO PARTICULAR e Frei Ludovico Gomes de Castro
cia, a morte de seu pai provocou (1909-1992) foram mentores da
uma luta acirrada entre os Gebara pelo controle resistência da casa editorial ao autoritarismo
de sua fortuna e do próspero comércio e indús- militar, agora com a parceria de Frei Leonardo
tria que a família comandava, tendo sua mãe Boff – amizade que a acompanharia pelo resto
sido espoliada na partilha dos bens. da vida. Nesses anos, ela se iniciou na profissão
Rose Marie ingressou nos grupos juvenis de escritora.
da Igreja Católica – Ação Católica Estudantil –, O início do engajamento de Rose Marie
coordenados pelo lendário bispo Dom Helder com o feminismo, ainda que timidamente,
Câmara. Casou-se jovem com Aldo Muraro, em ocorreu em 1970, com a publicação do livro Li-
8 de dezembro de 1951 e, como a lei determi- bertação sexual da mulher, no qual apresentava
nava, tornou-se Rose Marie Muraro. Teve cinco as ideias que as feministas estavam defenden-
filhos e filhas (e, mais tarde, teria 12 netos). Des- do no mundo, mas que, no Brasil às voltas com
quitou-se depois de 23 anos de casamento. o regime militar, eram ainda embrionárias.
Estudou Física e escrevia para jornais estu- Como editora, organizou uma programação
dantis em 1960, quando começou a trabalhar para comemorar os 50 anos da Vozes e con-
na União Católica de Imprensa e na Conferên- vidou a escritora feminista norte-americana
cia Nacional de Bispos do Brasil. Em 1961, foi Betty Friedan (1921-2006) para lançar em nos-

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Papa João Paulo II. Seu livro, A sexualidade da
mulher brasileira (1983) desagradou a Igre-
ja, mas a gota d’água para seu desligamento,
segundo ela, foi a publicação, em 1985 de Por
uma erótica cristã.
Rose só foi demitida da Vozes em dezembro
de 1986, mas, já sabendo que isso iria aconte-
cer, aceitou o desafio proposto por Darcy Ri-
beiro de levar suas ideias para o Congresso Na-
cional, concorrendo a uma vaga para a Câmara
Federal pelo Partido Democrático Trabalhista
(PDT), liderado por Leonel Brizola. Ficou en-
tre os dez por cento mais votados, mas não se
elegeu e escreveu um livro contando esta ex-
periência: Os seis meses em que fui homem: “Os
homens fazem campanha política com muito
barulho... e as mulheres... fazem muitas coisas
e pouco barulho.”2
Mesmo sem mandato, Rose esteve presente
nos trabalhos constituintes. Ainda em setem-
bro de 1985, fora nomeada como membro efe-
tivo do Conselho Nacional dos Direitos da Mu-
Capa de Mística feminina
Editora Vozes, 1971
lher (CNDM), órgão vinculado ao Ministério da
COLEÇÃO PARTICULAR Justiça e que teve uma atuação significativa na
redação da nova Carta Federal, promulgada em
so país o livro A mística feminina. Publicado 5 de outubro de 1988. A campanha mostrou à
em 1963 nos EUA, esse livro tinha se tornado Rose que a política era um dos espaços mais
um fenômeno de vendas em todo o mundo. Sua importantes para as mulheres furarem a bolha
leitura permitia que as mulheres vocalizassem do poder e, ousadamente, candidatou-se de
suas opressões pelo domínio masculino na so- novo a Deputada Federal em 1994, pela legenda
ciedade conjugal e em suas vidas. Isso levantou do Partido dos Trabalhadores (PT/RJ), mas en-
as vozes femininas e seu ativismo ganhou o frentou outra derrota, confirmando na vida que
mundo. Abraçando as novas ideias, Rose tor- o espaço político que cabia às mulheres ainda
nou-se uma das significativas militantes da era subalterno aos temas públicos, não importa
causa feminista no Brasil. se no Ocidente ou no Oriente.3
Assim, a partir dos anos 1970, ela sempre es- Junto com as sócias Laura Civita, Ruth Es-
teve engajada com o movimento feminista bra- cobar, Neuma Aguiar e a Editora Record, fun-
sileiro. Em 1986, foi demitida da editora, junto dou a Rosa dos Tempos, que entre 1990 e 2000
com Frei Leonardo Boff, e, ao final daquele ano, publicou textos feministas internacionais e na-
acabava também o mandato de Frei Ludovico cionais, muitos dos quais – sem o apoio de uma
na direção da Vozes. As ideias libertárias de- editora inteiramente dedicada ao tema – não te-
fendidas por eles não eram mais toleradas pelo riam chegado ao público brasileiro.

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Autor desconhecido
Rose Marie Muraro em foto de 1970
ARQUIVO NACIONAL

Foi palestrante de universidades nacionais e ganhou o Prêmio Bertha Lutz e a nomeação de


estrangeiras, tais como Harvard e Cornell (EUA). Patrona do Feminismo Brasileiro, honrarias con-
Escreveu mais de 30 livros, com mais de dois feridas também pelo Congresso Nacional.
milhões de exemplares e editou 1.600 títulos. Rose Marie Muraro faleceu na cidade do Rio
Rose Marie Muraro recebeu duas vezes (1990 de Janeiro em 21 de junho de 2014.
e 1999), da revista Desfile, o título de Mulher do
Século, e foi a Intelectual do Ano em 1994, títu- 1> MURARO, Rose Marie, Memórias de uma mulher impossível, 9

lo conferido pela União Brasileira de Escritores. ed; Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2009. A primeira edição
foi de 1999.
O  Senado Federal reconheceu sua importância 2> MURARO, Rose Marie, Os seis meses em que fui homem. Rio de
na luta pela democracia no Brasil e lhe conferiu, Janeiro: Rosa dos Tempos, 1990. Está na sétima edição.
3> MELO, Hildete Pereira de & THOMÉ, Debora, Mulheres e poder,
em 1999, o Prêmio Teotônio Vilela, nas comemo- histórias, ideias e indicadores. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018,
rações dos 20 anos da anistia no País e, em 2008, (caps. 3 e 7).

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ROBE DE ANJOS E NUVENS
Maria do Carmo Rainho

E
xistem muitas maneiras de descre- Examinando a roupa, vemos que se trata de
ver esta roupa. Podemos começar um robe branco, comprido, de mangas longas e
pela semântica, qualificá-la pela botões forrados. Apresenta aplicações de ren-
sua forma e função. Palavra de da ao redor da gola arredondada, nas mangas,
origem francesa, robe designa o nos punhos e em toda a altura da peça, além da
traje usado por homens e mulheres no espaço barra. Uma fita de cetim azul arremata a parte
doméstico, como peça única, ou sobre outra, frontal da gola. A estampa corrida – com a arte
como a camisola ou o pijama. Conforme os impressa em todo o tecido – exibe a figura de
dicionários, o robe também é nomeado como um anjo cor-de-rosa, com asas azuis, auréola
roupão ou penhoar. amarela e nuvens em dois tons de azul (claro
Se nos detivermos nos atributos intrínse- e escuro). O anjo é disposto em diversas posi-
cos deste robe em particular, sua materialida- ções, horizontal e verticalmente, e de cabeça
de, técnicas de fabricação, morfologia, marcas, para baixo. A peça possui algumas manchas
estado de conservação, poderemos inferir em tons de marrom.
sobre um sem-número de esferas de fenôme- A autoria do robe é confirmada por sua
nos – aqui, o objeto se transforma em suporte etiqueta, que indica também o tamanho (42)
de informação. Mas, para tanto, é preciso que e, por informações fornecidas pelo Instituto
operemos com outros suportes de informação, Zuzu Angel1 – o qual conserva em seu acervo
externos ao artefato. uma camisola com a mesma estampa e uma
O processo de doação da peça, feita por Ma- amostra do tecido. As fichas desses dois ob-
ria Aparecida Pasquale, em 2003, fornece jetos informam que o tecido utilizado,
poucas pistas. O objeto é identificado A estilisat Zuzu Angel Polybel (mistura de poliéster e al-
sucintamente: “um robe de algodão, INSTITUTO ZUZU ANGEL godão) foi desenvolvido em uma
Zuzu Angel, anos 70”. Sua ficha parceria entre a Tecelagem
é igualmente sucinta: “Robe de Dona Isabel, de Petrópolis, e
algodão com estamparia de Zuzu Angel. Embora nenhu-
anjinhos e nuvens com deta- ma destas fontes registre
lhes em renda branca e fita de a data de criação da peça,
cetim azul clara.” Ela registra é provável que ela tenha
uma peça de 1,65 cm de altu- integrado a International
ra e 0,66 cm de largura, em Dateline Collection VII –
bom estado de conservação, Contemporary Classic, lan-
indexada apenas como “in- çada no Rio de Janeiro, em
dumentária feminina”.

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julho, e em Nova Angel Jones, inte-
York, em setembro grante do MR-8, or-
de 1974. ganização que luta-
Estudar roupas e, va contra a ditadura
em especial, aquelas militar, havia sido
custodiadas por mu- morto, lançou uma
seus, impõe ir além coleção de moda po-
dos seus aspectos for- lítica. Em 1976 Zuzu
mais. As roupas pos- foi assassinada em
suem uma biografia, um forjado acidente
são objetos com vida de carro no Rio de
própria, presenças Janeiro.
ma­teriais que ativam Os anjos estive-
outras presenças ma- ram presentes em
teriais e imateriais. Foto York numerosas coleções
Pensemos, portanto, Zuzu Angel e seus filhos, década de 1950 da estilista. Elemen-
na capacidade de as ACERVO DIGITAL ZUZU ANGEL
tos que reforçavam
roupas serem permeadas e transformadas tanto por o nome da marca e de sua criadora, apareciam
aqueles que as criaram quanto por aqueles que as dispostos em estampas localizadas ou corridas;
vestiram e como as peças sobreviveram ao uso, ao podiam ocupar um grande espaço na peça ou
armazenamento, ao tempo. Pensemos nas roupas, serem posicionados de forma sutil. A princípio
especialmente, como um tipo de memória, como eram ingênuos, esguios e pareciam flutuar. Mas,
estão poderosamente associadas com o passado. em setembro de 1971, os anjos ganham novas
Nascida em 1921, em Curvelo, Minas Gerais, formas e novos sentidos. Stuart, o filho preso,
Zuleika de Souza Neto trabalhou, inicialmente, torturado e morto naquele ano nas dependên-
como taquígrafa. Entre 1943 e 1960, foi casada cias do Centro de Informações da Segurança da
com o canadense naturalizado norte-america- Aeronáutica (Cisa), no Rio de Janeiro, é o anjo
no, Norman Angel Jones, com quem teve um atacado por canhões, circundado por grades,
filho, Stuart, e duas filhas, Ana Cristina e Hilde- pássaros engaiolados e quepes militares, im-
gard. De 1957 a 1976, passou de costureira a dona presso em vestidos longos e fluidos. A coleção
de boutique e empresária de sucesso. Desde seguinte, intitulada O anjo desamparado, tam-
o início da carreira, fez do nome Zuzu Angel a bém apresentada nos Estados Unidos, em 1972,
sua marca, frequentemente associada ao dese- replica a estética dos desenhos delicados, com
nho de um anjo.2 A partir de 1970, desfilou suas bordados quase infantis, que denunciam a bar-
criações – denominadas International Dateline3 bárie perpetrada pela ditadura militar no Brasil.
– nos Estados Unidos, onde elas foram comer- Nos anos posteriores, os anjos aparecem apazi-
cializadas em lojas como Bergdorf Goodman e guados: em 1973, com os cabelos encaracolados,
Neiman Marcus. As clientes eram mulheres da impressos em variadas combinações de cores,
alta sociedade, artistas internacionais – Kim No- como se integrassem vitrais das igrejas. Em 1974
vak, Joan Crawford – e primeiras-damas, como são os anjos cor-de-rosa, divertidos, de formas
Sarah Kubitschek e Iolanda Costa e Silva. Em arredondadas, dispostos em diferentes posições
1971, após a confirmação de que seu filho Stuart no tecido.

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Inúmeras camadas de significados afluem à
medida que conectamos o robe e sua estampa
de anjos e nuvens à trajetória de sua criadora.
Colocar esta peça em perspectiva nos permite
pensar nas roupas criadas por Zuzu como me-
mórias carregadas de dor, mas, também, como
pontos sobre os quais ela se apoiava para se dis-
tanciar de um presente insuportável.
O anjo onipresente, mais do que moda, era
uma forma de lembrar Stuart e não permitir
que o país se esquecesse dele e da incansável
busca por seu corpo promovida por Zuzu.
A produção das roupas e a aposta no seu uso
amplificavam outras ações, como as corres-
pondências e dossiês cobrando informações
sobre o filho, enviados para as autoridades
brasileiras – os presidentes Médici e Geisel –
e estrangeiras – como o secretário de Estado
norte-americano Henry Kissinger em sua vi-
sita ao Brasil em 1976. As estampas de anjo de
Zuzu evidenciam, também, seu entendimento
de que a criação de moda contém índices de
futuro, que as roupas se projetam no tempo.
Se os documentos podem ser queimados, per-
didos, considerados sigilosos e guardados nos
espaços obscuros dos órgãos de repressão do
aparato militar, as roupas, ao contrário, têm
vida própria, circulam, são usadas inúmeras
vezes. Passadas adiante, sobrevivem, chegam
aos museus e até nós, nos lembrando dos hor-
rores de um tempo tenebroso.

1> Disponível em: https://www.zuzuangel.com.br/ Acesso em 17


de dezembro de 2021.
2> Após o desquite, em 1970, manteve o sobrenome Angel.
3> Nome da linha do fuso horário que divide o globo, usado por
Zuzu para definir uma roupa funcional que poderia ser usada em
qualquer parte do mundo.

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TORTURA
Samantha Viz Quadrat

A
o longo da história, as artes em ge- - Desenhos, na qual algumas das obras podem ser
ral têm sido um dos caminhos en- compreendidas pela chave da denúncia do que se
contrados para canalizar emoções. passava nos cárceres brasileiros sob o comando
Amor, tristeza, saudade, medo, de militares e das polícias políticas. O momento
raiva são alguns exemplos que convocava a uma reflexão coletiva e pessoal so-
podemos encontrar expressos em músicas, artes bre a experiência ditatorial no país. Desde 1974,
plásticas, literatura, cinema, teatro etc. No caso de o Brasil já se encontrava no processo de transição
experiências traumáticas e compartilhadas por à democracia anunciado pelo general Ernesto
uma mesma sociedade, grupos étnicos ou de gêne- Geisel, o penúltimo presidente da ditadura. No
ro, as artes tiveram ainda maior relevância. Forma- projeto militar, era a chamada “abertura política,
ram canais de resistência, denúncia e compartilha- lenta, gradual e segura”.
mento de situações-limite, e conseguiram muitas Além do mais, o ano de 1978 marcava os dez
vezes nos conectar aos horrores de uma guerra, de anos do Ato Institucional nº 5, o AI-5, que colo-
uma ditadura, de um genocídio. São obras que par- cara o Congresso Nacional em recesso, cassara
tem do protagonismo da experiência pessoal dos políticos, suspendera direitos políticos e civis e
seus próprios artistas ou são resultado das marcas abrira espaço para o período mais violento da di-
do passado traumático no presente. tadura, concentrando o maior número de mortos
Algumas perguntas transitam ao redor des- e desaparecidos dos 21 anos em que os militares
ses momentos históricos e podemos apontar al- permaneceram no poder.
gumas delas: Como transmitir o convívio diário Ao mesmo tempo, víamos em 1978 o cresci-
com a possibilidade da morte? Como representar mento dos movimentos pela anistia política pe-
a dor/culpa do sobrevivente ao ver amigos, com- dindo a volta dos exilados e a liberação dos pre-
panheiros, amores e familiares sendo mortos? sos condenados pela Lei de Segurança Nacional,
Como relatar a experiência da tortura? Como o retorno do próprio movimento estudantil, as
representar o desaparecido político? Como cons- greves do novo sindicalismo no ABC paulista e as
truir o ideal do nunca mais? cada vez mais recorrentes denúncias de violações
O quadro Tortura de Cláudio Valério Teixei- de direitos humanos. Era um período de retoma-
ra é um desses exemplos. O pintor, desenhista, da do espaço público e da própria arena política,
restaurador e crítico de arte tinha apenas 15 anos testando os limites de uma transição que não ti-
quando o golpe de 31 de março de 1964 abriu o nha uma agenda clara sobre a saída dos militares
caminho para a ditadura no Brasil. Foi, portanto, do poder.
um artista formado no período. O quadro, uma O quadro de Claudio Valério reúne três mulhe-
pintura em acrílico, PVA e óleo sobre aglomera- res nuas, duas delas com a cabeça coberta por um
do, foi apresentado ao público na exposição 1978 capuz e as três encontram-se amarradas juntas por

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uma corda. Como sabemos, uma das principais ca- Ainda sob a face da violência política de gê-
racterísticas de uma ditadura é a perseguição aos nero, a violação dos corpos era uma possibilidade
diferentes tipos de oposição. No entanto, a violên- constante e real. Muitas vezes eram obrigadas a
cia política em suas diferentes faces – a tortura, o dançar ou desfilar nuas para deleite dos repres-
assassinato, o desaparecimento forçado, o exílio e sores, que tocavam seus corpos e faziam piadas.
a censura – atinge toda a sociedade, mesmo que Nuas durante a tortura, as partes íntimas eram os
alguns setores não se deem conta desse impacto e lugares escolhidos para os choques elétricos, e os
avaliem erroneamente que não foram alvos de ne- estupros, uma forma de poder sobre as mulheres,
nhum dos mecanismos repressivos. eram parte do rol das práticas repressivas. Foram
No caso das mulheres, em especial, essa re- também usadas como cobaias em aulas de tortura
pressão atinge contornos ainda mais traumáticos. e trancafiadas em celas com animais como cobras
Comumente. as mulheres militantes eram vistas jiboias ou jacarés. Podemos, portanto, afirmar
sob a ótica do machismo estrutural da sociedade que eram presas no sentido do encarceramento e
brasileira. Apontadas nos documentos oficiais da presas no sentido da caça.
repressão como ‘fáceis”, “de partido”, “de apare- Assim, o quadro de Claudio Valério expõe a
lho”, “vagabundas”, as mulheres militantes eram fragilidade que atinge particularmente as mulhe-
vistas também como mais capazes de suportar a res nos cárceres. A nudez e o capuz que impede
tortura. Na ótica militar, por conta da capacidade antever o que vai acontecer e de encarar o seu al-
de gestar e das dores do parto, as mulheres são goz são parte desse universo. Ao mesmo tempo,
naturalmente preparadas para sentir dor, por- tudo que elas têm a partir da amarração da corda
tanto, seriam mais fortes durante as sessões. Isso são elas mesmas. Isso implica analisar que os es-
implicava receber os mesmos métodos de tortura paços de repressão eram ao mesmo tempo espa-
aplicados aos homens, como choques elétricos, ços de construção de laços de solidariedade para
espancamentos, queimaduras com cigarros, afo- a sobrevivência e a resistência.
gamentos etc. E, associada à condição feminina, Trata-se, sobretudo, de uma denúncia e do
eram submetidas à violência de gênero, com o uso testemunho de uma época. Canaliza o trauma que
da maternidade e da violência sexual. Os testemu- uma ditadura causa na sociedade. Dos 434 mortos
nhos das sobreviventes apontam que os represso- e desaparecidos políticos no Brasil, cerca de 15%
res usaram seus filhos como forma de “quebrá-las” são mulheres de todas as idades e etnias. Con-
por dentro. Uma das formas de uso da maternida- comitantemente, as mulheres lideraram ações,
de contra as mulheres militantes eram as ameaças como o Movimento Feminino pela Anistia, ou de
de morte aos filhos caso os pais não falassem nada. denúncia pelo que houve com seus maridos e fi-
As mulheres conviviam com o medo constan- lhos, como Zuzu Angel, assassinada em 1976 após
te a tudo que envolvesse uma possível gravidez. denunciar no Brasil e no exterior o desapareci-
No caso das presas grávidas, atormentava pensar mento de seu filho, Stuart Angel, em 1971.
na perda do bebê ou se o mesmo teria sequelas. Dessa forma, ficar frente a frente com o qua-
Ademais, elas conviviam com as dúvidas se po- dro Tortura é um chamamento não apenas para
deriam engravidar por conta do que passaram pensar a memória da ditadura, muitas vezes ne-
no cárcere. Para as recém-mães, a repressão as gada em nosso país, mas também sobre como nos
ameaçava com a separação dos filhos durante o relacionamos com a contínua violência do Esta-
puerpério, quando estavam amamentando, e que do (mesmo que democrático) contra grupos da
elas jamais voltariam a vê-los. sociedade brasileira.

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COLAR DE LUCY GEISEL
Irina Aragão dos Santos

E
m 15 de março de 1974, em ato so- O governo Geisel foi marcado pelo cresci-
lene no Congresso Nacional, em mento da inflação e aumento da dívida externa
Brasília, foi empossado Presiden- brasileira. E, embora houvesse o discurso pela
te da República o quarto general “descompressão do sistema político”.3 o apare-
de Exército, Ernesto Geisel, dan- lho de repressão atuou livremente no país. Em
do curso à ditadura militar no Brasil. A seguir, 1976, o Brasil passou a fazer parte da Operação
no Palácio do Planalto, após receber a faixa Condor, aliança entre as ditaduras instaladas na
presidencial de seu antecessor general Emilio Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai.
Médici, Geisel assumiu o mandato afirmando Neste acordo, foram firmadas atividades con-
“prosseguir a notável obra de Governo” que deu juntas, além das fronteiras nacionais, de forma
à Nação “inabalável confiança em si mesma”.1 clandestina, abusiva e à margem da lei, com o
Dentre vários convidados, os presidentes gene- objetivo de espionar, perseguir, sequestrar, tor-
rais Augusto Pinochet, do Chile, e Hugo Banzer, turar, assassinar e fazer desaparecer indivíduos
da Bolívia, o civil tutelado pelos militares uru- de oposição aos regimes militares do Cone Sul.
guaios Juan María Bordaberry e Patricia Nixon, As ações coordenadas entre as ditaduras foram
primeira-dama dos EUA, receberam grande marcadas por sangue, violação de Direitos Hu-
atenção da imprensa. manos e terror; e as suas relações de cooperação
A cobertura dos preparativos, da chega- por cordialidades, compadrio e cumplicidade.
da dos convidados e da posse presidencial foi A troca de presentes fortaleceu laços, que, em-
publicada pelo Jornal do Brasil com atmos- bora fosse um “ato com caráter voluntário, apa-
fera festiva e positividade. Versou-se sobre rentemente livre e gratuito”, consolidou o com-
o protocolo seguido à risca, as solenidades e promisso da retribuição e o vínculo “obrigatório
os bastidores e, é claro, sobre as reuniões em e interessado”.4
que foram firmadas alianças e ações por inte- Em 2002, Amália Geisel doou para o Museu
resses mútuos. A estadia desses dirigentes, os Histórico Nacional 215 objetos que pertence-
obséquios e a hospitalidade do novo governo ram aos seus pais – Lucy e Ernesto Geisel. Des-
também foram notados e salientados. Segun- te variado conjunto de peças, destacamos o co-
do o Jornal do Brasil, o ministro da Indústria lar presenteado pelo general Augusto Pinochet
e do Comércio mexicano José Campillo Sainz à Lucy Geisel, por ocasião de sua visita ao país
“levou ao Presidente Geisel uma caixa de prata em 1974.
com suportes de madeira, o único presente”2 O colar é uma larga gargantilha rígida de
na tarde dos cumprimentos oficiais no Palácio prata, metal amarelo (possivelmente latão)5 e 12
do Planalto. Mas, nem todas as dádivas trocadas cabochões6 ovais de lápis-lazúli.7 Foi moldado
na ocasião foram noticiadas. em linha decrescente do centro no colo à nuca.

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É formado por sete placas dadas por práticas sociais
chatas de prata, levemen- e coisas que produzem ao
te abauladas, articuladas longo do tempo. Os aspec-
entre si. O centro do colar tos do uso, do valor, do afeto,
é o maior componente da do imaginário e da memó-
peça. Uma faixa, contor- ria lhes são atribuídos no
nada por fio retangular de transcorrer da vida cotidia-
latão, que sugere uma fita na. Qualquer objeto é o que
lisa e brilhante, transpassa a é ou deixa de ser o que é ou
superfície. Nesta, há três ca- passará a ter outro sentido
bochões de lápis-lazúli, cra- conforme transformações
vados à inglesa. Outros três das relações sociais. A razão
cabochões, aplicados sobre de sua existência não é ima-
medalhões pingentes, estão nente à sua construção, ma-
articulados no contorno teriais e usos. Os significa-
inferior do centro do colar. dos e papéis sociais lhe são
Embora a gema8 do pingen- Presidente Geisel e sua esposa Lucy, 1974 determinados, cambiados,
te central seja a menor, sua FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS subtraídos, esquecidos, res-
moldura, decorada com fios significados pelas estrutu-
torcidos e lisos, lhe dá destaque. De cada lado do ras sociais e suas dinâmicas, que transformam,
centro do colar, vem uma sequência em tama- reposicionam ou apagam sentidos.
nho decrescente de três placas, finalizadas por A composição entre elementos que formam
fecho tipo palheta. Ao centro da linha inferior o desenho dos Andes, os materiais nacionais e
das sete placas da gargantilha, há recuo circular o trabalho habilidoso na construção do colar,
que contorna e recebe a articulação dos meda- porém, foram eclipsados por sua biografia. Ter
lhões pingentes. Nas seis placas laterais, formas sido escolhido como objeto para mediar as ama-
triangulares compõem desenho geométrico, bilidades entre ditadores, o esvazia de outros
que nos sugere uma sequência de montanhas conteúdos e sentidos. O colar, que não tem vida,
estilizadas – uma possível referência aos Andes. não detém a potência e o horror das ditaduras
O  efeito da composição é destacado pelo con- militares sul-americanas, não conserva as suas
traste entre as áreas cheias e as vazadas, as áreas intenções ou as funções que lhe foram dadas,
texturizadas em hachuras e as lisas e polidas, a é apenas matéria. Mas, ter o conhecimento das
cor branca e a amarela dos metais, e o azul das circunstâncias em que foi feito o regalo, e das
gemas. A forma, a composição, o uso dos mate- qualidades que não lhe são imanentes, maculam
riais, o acabamento e a montagem da peça reite- sua biografia e interferem no olhar sobre a peça,
ram seu status de artesania em metal. o tornam curioso e até indesejado. Ao ser deslo-
A prata, o cobre e o lápis-lazúli, riquezas da cado do seu tempo e contexto, deslocado de um
terra moldadas pelo trabalho da mão artesã chi- acervo pessoal para uma coleção de museu, ga-
lena em um colar, são parte da cultura material nha nova vida e novo status. Como testemunho
daquele povo. Os objetos reiteram e explicitam histórico e objeto de museu, abre espaço para
humanidade, pois o “mundo social existe por pensar, educar, fazer lembrar e debater nossa ex-
meio do mundo das coisas”.9 Culturas são mol- periência como sociedade.

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1> Geisel assume e garante continuar obra da Revolução. Jornal Madeira; FERRANTE, Maurizio. Metalurgia básica para ourives e
do Brasil. Rio de Janeiro, Ano 83, n. 333, 16 de março de 1974, p. 1. designers. Do metal à joia. São Paulo: Blucher, 2009.
2> Geisel recebe cumprimentos no Palácio durante três horas. 6> SCHUMANN, Walter. Gemas do mundo. 3 ed. Rio de Janeiro:
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, Ano 83, n. 333, 16 de março de Ao Livro Técnico, 1990, p. 62 e 64.
1974, p. 3. 7> Idem, p. 172.
3> SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloísa M. Brasil: uma biogra- 8> IBGM/DNPM. Manual técnico de gemas. 4 ed. Brasília: IBGM/
fia. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 467-197. DNPM, 2009, p. 13.
4> MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac 9> RAMOS, Francisco Régis Lopes. Em nome do objeto: museu,
Naify, 2003, p. 188. memória e ensino de história. Fortaleza: Imprensa Universitária,
5> A partir desta nota, considerarei o latão como o metal amarelo 2020, p. 52.
usado na construção do colar Lucy Geisel. C.f.: KLIAUGA, Andréa

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O BATUQUEIRO
Martha Abreu

J
eremias batuqueiro é um pequeno formação sobre quando teria deixado de ser
brinquedo, de 25,5 cm, com enorme produzido, Jeremias batuqueiro pode ser locali-
potencial de impacto. Vestido com zado em sites de venda de objetos antigos com
chapéu e terno amarelos, detalhes em altíssimo valor pela sua antiguidade e raridade.
vermelho, ele pode dançar ao som de Alguns dos bonecos visíveis nos sites ainda fun-
uma batucada, pois é movido a corda. O boneco cionam e podemos acompanhar sua dança e ou-
em plástico rígido fazia parte das grandes trans- vir a batucada!2
formações que esse material traria Mas, certamente, o potencial de
à indústria de brinquedos depois da impacto do boneco diz respeito à
Segunda Guerra Mundial. representação caricata de um ho-
O boneco está sobre um tambor mem negro batuqueiro. As feições
de metal colorido, preso a ele por uma e os movimentos do dançarino Je-
haste. O tambor apresenta desenhos remias – figura de riso largo, lábios
de instrumentos musicais e de alguns exagerados, olhos arregalados, gi-
dançarinos. Ao centro, a impressão do rando e mexendo braços e pernas –
contorno dos morros e do mar cario- expressam uma visão estereotipada
cas, com uma palmeira tropical em e risível de duas das mais extraordi-
destaque. A peça do Museu Histórico nárias e modernas invenções da po-
Nacional tem um registro de número pulação negra, o samba e a danças
9049. Produzido na década de 1950 afro-brasileiras.
pela fábrica Estrela, poderosa indús- Atualmente, essas imagens depre­
tria de brinquedos, o “batuqueiro” é ciativas e inferiorizadas vêm sendo
uma das versões da dupla de bonecos combatidas em todos os locais pú-
que representava cenas de diversão e blicos, mas nem sempre foi assim.
trabalho de um homem negro. Além Antes, em programas de televisão e
deste, existiu também o “Jeremias espetáculos de teatro, propagandas,
que vai à feira”.1 capas de discos, revistas e jornais não
Não localizei nenhuma menção havia preocupação com a reprodução
à produção, preço ou perfil dos com- de imagens que recriavam visões ra-
pradores deste boneco no site oficial cializadas da população negra. Pelo
da Estrela, nem nos jornais do pe- contrário, insistiam nesse imaginá-
Brinquedo mecânico
ríodo, ou nos poucos estudos sobre “Be-Bop – Jivin› Jigger” rio e silenciavam sobre a beleza e
a história dos brinquedos no Brasil. U.S.A. 1950 o talento das artes negras, ou sobre
Embora também não tenhamos in- COLEÇÃO PARTICULAR a importância da população negra

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em outras atividades profissionais e artísticas.
Com o boneco Jeremias descobrimos que essas
produções imagéticas racistas também estavam
presentes na produção de brinquedos, natura-
lizando-se entre as crianças, brancas ou negras,
um pretenso perfil alegre, ingênuo e descom-
promissado da população negra, representada
por um homem preto, através de um jeito cari-
cato de dançar e produzir batuques.
Até recentemente, tínhamos poucas evidên-
cias da presença no mundo artístico brasileiro
dos blackfaces, artistas brancos com a pele pin-
tada de preto que ridicularizam aspectos da vida
e das expressões culturais da população negra ras no Brasil têm demonstrado o quanto ao sul
nos palcos. Se essas representações da popula- do Equador esta prática racista foi também mui-
ção negra tornaram-se ícones do racismo nos to comum.
Estados Unidos, novas pesquisas de historiado- Com essa informação e com a semelhança
dos traços de Jeremias com outras figuras este-
reotipadas sobre a população negra nos Estados
Unidos, de olhos arregalados e grandes lábios
vermelhos, não foi difícil imaginar que existis-
sem similares por lá. Temos conhecimento, tam-
bém, que diretores da empresa Estrela faziam
frequentes contatos com fábricas norte-ameri-
canas de brinquedos para trazerem novidades
do ramo para o Brasil. De fato, Jeremias batu-
queiro é uma cópia de Be-Bob The Jivin Jigger.
A maior diferença entre ambos é a decoração do
tambor; o som dos batuques é muito próximo,
como podemos notar em vídeo.3
O Brasil dos anos 1950, apesar de versões
mais ufanistas sobre a pretensa democracia ra-
cial, não estava nada distante das visões racistas
que dominavam o imaginário sobre a população
negra no mundo atlântico.

1> E que pode ser visto em: https://anacaldatto.blogspot.com/


2013/06/antigo-boneco-jeremias-vai-feira.html. Acesso em 12/08/2022.
2> Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rsK9uVa-
42Mo. Acesso em 12/08/2022.
3> Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gi1EGS-
JTCnw. Acesso em 12/08/2022.

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INDUMENTÁRIA DE IEMANJÁ
Tat’etu Lengulukenu

N
o dia 25 de junho de 1999, o Museu jogam fora tudo que estava em seu poder; outros
Histórico Nacional (MHN) rece- quebram tudo; alguns colocam tudo dentro de
beu a doação de uma série de ar- uma caixa, encerrando assim sua vida espiritual.
tefatos e roupas da religião de ma- No caso de Zaira Trindade, aconteceu dife-
triz africana, raiz de jeje, de Zaira rente. Ela resolveu doar tudo que lhe pertencia
Trindade. Essa coleção nunca havia sido exposta ao MHN, para que as pessoas tomassem conhe-
no museu por falta de conhecimento sobre a es- cimento do que uma pessoa feita no santo tem
pecificidade dos objetos e por respeito à religião. de ligação com sua casa espiritual.
Em 2018, eu, Rogério Elisiário, Tat’etu Len- Tentei encontrar informações sobre Zaira,
gulukenu, fui procurado por um estimado mas infelizmente não encontrei. Não sei quanto
amigo, Alexandre Ribeiro Neto, o Professor tempo de santo tinha, se chegou a dar as devidas
Alexandre,1 para auxiliar na identificação e clas- obrigações de um, três e sete anos, como tam-
sificação dos itens da coleção. Foi assim que ini- bém não sabemos se ela ainda está viva.
ciei o trabalho de curadoria, junto ao MHN, que Sendo assim, apenas por respeito à pessoa
resultou na exposição de parte dos objetos na Zaira Trindade, que decidiu doar seus perten-
sala “Cidadania”. ces religiosos ao Museu, vou nomear o que foi
Na ocasião, como sou da Nação Angola, di- doado, para que os visitantes possam entender o
rigente espiritual da InzoUnsaba Ria Inkosse, significado de cada objeto.
raiz Kupapa Unsaba, filho de Mam’etu Mabeji, Dentro das minhas pesquisas encontrei in-
expliquei que, na maioria das vezes, essas peças formações de que a raiz jeje tem como segmen-
são despachadas quando a pessoa morre ou não tos: cejahunde, mahi, ijexa, savalu.
deseja mais continuar na religião. Para que isso Como muitos africanos foram trazidos ao
aconteça, existe um ritual, o que Zaira parece ter Brasil como escravizados, eles se misturaram
optado por não fazer. tanto nos navios negreiros, como quando eram
Zaira não forneceu dados suficientes sobre vendidos nos portos do Rio de Janeiro e Salvador.
sua origem espiritual. Apenas citou ser neta es- Para manter uma ligação com a terra natal,
piritual de Zezinho da Boa Viagem, conhecido cada grupo louvava seus deuses da sua forma,
Babalorixá de Nova Iguaçu, filho de Tata Fomo- mas todos permaneciam juntos para orar e dan-
tinho, Jeje Ceja Hunde. Para que não fossem çar para essas entidades espirituais.
cometidos erros ao descrever as peças, procurei Dessa forma, como me relatou o professor
por dotes e mejitós (título de sacerdotes do can- e Babalorixá Silvio d’Oxumarê, o candomblé,
domblé jeje) para auxiliar-me na missão. como conhecemos hoje, se formou no final
Muitas pessoas, ao desistir da religião, pe- do século XVIII e início do XIX, pois, até en-
gam seus pertences e levam a uma cachoeira, ou tão, existiam cerimônias clandestinas nos lo-

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cais de moradia dos chamados ‘curandeiros’ res de engenho viam essas cantorias e danças, a
da época. princípio tivemos o nome de kalundus, até ses-
A organização se deu na Barroquinha, Salva- sões caseiras, de fundo de quintal.
dor, onde vários pretos livres ou escravizados se No Recôncavo baiano, cidades como Ca-
reuniram para, juntos, suportarem tanta injusti- choeiras, São Félix, Muritiba, Mangabeira, Ma-
ça social e/ou moral. Os conhecimentos foram ragogipe, entre outras, têm relevante importân-
aproveitados por todos, pois em suas origens, cia nessa história.
cada estado cultuava uma divindade. Aqui, todos O candomblé Congo Angola, que se tem
colaboraram com seus saberes, e por isso houve notícia ter sido o mais antigo, seria o Terreiro
essa mistura de costumes que conhecemos hoje, Tumbenci, e a sacerdotisa mais famosa a Maria
como diz o Babalorixá Silvio D’Oxumarê. Neném. Já para os lados de Cachoeira, no Re-
Cada época tem suas fases, e o que conhece- côncavo, existiu o candomblé do Bitedo, onde
mos hoje como candomblé demorou um pouco os cultos nagôs e fons se ajudavam mutuamen-
para a chegar à organização litúrgica dos nossos te. Em Salvador, temos informações do can-
dias. “De bagunça de negros”, como os senho- domblé do Bogun, fundado por Ludovina, que

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A  Barroquinha foi o embrião das futuras casas
das nações nagô, keto, efon e ijexa.
A união desses povos criou um modelo li-
túrgico, com suas características individuais,
e quando vemos na sala, no barracão, sabemos
identificar a qual Nação aquele candomblé per-
tence, pela sua língua, pelo toque dos atabaques,
e pelas vestimentas das divindades.
Segundo o doté Luis de Oxum, a divindade
feminina Iemanjá é chamada de aziri tobosi, e
as roupas, como um todo – saia, forro, pano da
costa – são chamadas de avo.
O kele (yoruba) é chamado de gogre, cola-
res feitos com algumas voltas, com as cores
da divindade que representa. São colocados
bem perto da garganta, tipo gargantilha, para
proteger as falas, formar uma aliança com sua
divindade e limitar o neófito a não quebrar ne-
nhuma proibição enquanto estiver cumprindo
seu preceito.
As contas são chamadas de ian ou ianan no
jeje e compõem o que conhecemos como guias
que conectam o devoto aos seus orixás.
O mokan é denominado da mesma forma e
ainda acrescenta tudo o que é de palha: contra-e-
gun (trança de palha da costa usada na parte su-
perior do braço), e umbigueira (trança de palha
também criou os terreiros para os três reis do da costa usada na cintura). São para proteger de
Jeji: Gbessem, Sobo e Azanssu – o terceiro de- qualquer energia negativa que possa atrapalhar
les tem hoje seus cultos no terreiro Huntoloji, o bom caminho do iniciante.
fundado por Gayaku Luiza, na segunda metade Também usam singue (duas tiras de pano
do século XX. branco que se colocam no peito), adê e fila (or-
O povo Bantu chegou aqui já no século XVII, namentação de cabeça de deusas femininas).
e a mistura começou com os índios, que eram os Como pudemos observar, tanto o jeje. os na-
nativos da terra. govodun e o yoruba mantiveram o mesmo voca-
Os povos fon be e sudaneses, que aqui fica- bulário para determinadas coisas.
ram conhecidos como jejis (estrangeiros para o 1> O professor Alexandre participou das duas primeiras rodas de
povo Nagô), trouxeram nas suas mentes o culto conversa com representantes do movimento negro, em 2018, dan-

dos Voduns, o mesmo que Orixá para os yorubas, do início ao GT que resultou num trabalho de curadoria comparti-
lhada entre os técnicos do MHN e o Tat’etu Lengulukenu.
e Jinkise para os bantus.
A perseguição contra essa cultura foi inten-
sa e constante. Nossos irmãos lutaram com fé.

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PROGRAMA DO SHOW POR VIA DAS DÚVIDAS
Stella-Lizarra

“ B
omba! Bomba! Bomba!” Foi Editado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em
assim que Ibrahim Sued anun- dezembro de 1968, a vida noturna virou alvo da
ciou, em 7 de setembro de 1973, censura. Travestis passaram a ser objeto de uma
a chegada de Rogéria em seu agenda moral que reduziu seu amplo acesso aos
retorno ao Brasil. Não apenas palcos. Pressionada a buscar uma carreira in-
se iniciava uma nova era para o artista travesti ternacional, Rogéria seguiu para a África e, daí,
no país, mas, sobretudo, o fenômeno do traves- rumou para a Europa. Barcelona, sob a ditadura
tismo passava a ser percebido e compreendido de Franco, era pequena para sua arte. Chegando
por novas lentes. Elevada ao Olimpo reservado a Paris em 1970, estreou chez Madame Arthur,
aos grandes artistas, Rogéria, nascida Astolfo célebre cabaret de transformistas. Reconhecida
Barroso Pinto, durante 53 anos de carreira des- de imediato por seu imenso talento – ela canta-
frutou de imenso prestígio por parte de seus va e interpretava como pouquíssimas o faziam –
pares, da crítica e do público. Assumindo-se foi alçada ao mítico cabaret Carrousel. Se Paris
como uma versão teatral e glamourizada de si era a meca mundial das travestis mais lindas do
própria, ela é uma das mais importantes artis- mundo, o Carrousel era seu templo máximo. Em
tas brasileiras. suas tournées, ela conheceu o que havia de mais
Rogéria era estrela antes mesmo de ter exclusivo e refinado. Paris lhe ofereceu o capital
seu nome brilhando nos cartazes de casas social necessário que tão bem a lapidou: domi-
noturnas e teatros do Brasil e do mundo. nou e aperfeiçoou seu irrepreensível sotaque
Ah! Aqueles olhos verdes... Seu inegável ca- francês, conheceu e conviveu com os grandes
risma e espírito de liderança encantavam nomes das artes. A rapidez de raciocínio foi um
amigos, fãs e desconhecidos. Começou de seus maiores aliados. Realizada profissional-
como maquiador na extinta TV Rio e, mente, ela não parecia, porém, satisfeita no pla-
dois meses após o golpe militar em 1964, no pessoal.
estreou com International Set, explodiu Rogéria sentia muita falta de sua mãe, do
em Les Girls. Deslanchou ao abdicar do irmão caçula e do calor fraternal que tanto co-
emprego na televisão. Estrelou espetá­ nhecera no Brasil. Ainda que o dinheiro con-
culos grandiosos. Virou a vedette da tinuasse a ser um problema, ela, com o rigor e
boate Fred’s, de Carlos Machado, o rei a responsabilidade habituais, enviava parte de
da noite carioca de então. Les Girls fez seus ganhos para a família. Mesmo gozando de
tanto sucesso, que o empresariado logo com- imenso prestígio por parte do patrão e da trou-
preendeu: travestis bonitas e talentosas, muito pe, seus ganhos eram incompatíveis com o sta-
luxo e diversão eram uma mina de ouro. Essa tus que alcançara, tal qual acontecia com mui-
fórmula seria reproduzida por mais de 25 anos. tas de suas colegas. Monsieur Marcel “pagava

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Mas o show Por via das dúvidas… (ou por
muito mal e ponto”. Aquelas que assim pensas- dúvida das vias) foi censurado antes mesmo da
sem, que usassem de seu prestígio para fazer estreia. Isso serviu para lhe dar ainda mais visibi-
“bicos” e melhorar seus ganhos, dizia o patrão. lidade na imprensa. Em 1973, filas intermináveis
Não era esse o caso de Rogéria. Ela nunca se se formaram na bilheteria do Teatro Princesa
vendeu. Imaginar-se à venda a ofendia. Isabel, em Copacabana. Nas sessões em que o
Pouco antes de seguir em tournée para o censor estava presente, ela seguia o roteiro am-
Cairo, no Egito, ela recebeu de Hugo de Freitas putado. Em sua ausência, obedecia ao roteiro
uma proposta irrecusável: retornar ao Brasil original e o teatro vinha abaixo! Chiquérrima,
para estrelar uma superprodução. Sem pensar fulgurante, sua imagem impressionava. “Rogéria
duas vezes, cumpriu seu contrato naquele país, se entrega em cena”, diziam os críticos em unís-
voltou a Paris, fez as malas, pegou o próximo sono. A canção Viagem, gravada por Marisa Gata
avião e desembarcou no Galeão. Para ela, nada Mansa, era um dos pontos altos do espetáculo.
era mais importante que conviver com sua Durante o show, de maneira sutil e inteligen-
mãe, “ser estrela no meu país”, e ter o carinho te, Rogéria fazia algumas críticas à ditadura, em-
do público. Abrir mão de sua carreira interna- bora fosse total sua consciência de que, apesar
cional não representou qualquer dilema. da dureza do regime, desfrutava de um espaço
Flávio, seu irmão, igualmente maquia- privilegiado. A ela interessava muito mais, como
dor, lembra: “a entrada dela em casa é a foto travesti estrela que era, desafiar a moralidade
mais viva que trago na memória: linda, lou- hipócrita de então do que tocar em questões
ra, cabelos longos, bronzeadíssima, no rosto políticas e, assim, afrontar abertamente os mili-
as icônicas sardas, vestida num safári bran- tares. Era a liberdade sexual que estava em jogo
co. Linda! Estonteante! Inesquecível!” Logo naquele momento, pensava. Não fechar portas
depois de sua chegada, a primeira grande era uma questão central, afirmava. Na televisão,
surpresa: O Pasquim, tabloide que reunia Rogéria sempre citava seu exemplo familiar
grandes nomes do “jornalismo alternativo” – e pedia às mães, em especial, que tivessem um
como Jaguar, Millôr, Ziraldo e Henfil, dentre olhar amoroso para seus filhos e não os discrimi-
outros – agendara uma entrevista explosiva e nassem. Ao longo de sua carreira, nas milhares
lhe daria a capa. de entrevistas que deu, ela calava a boca daque-

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les que sugeriam sua suposta alienação quando
dizia: “sou a maior bandeira do movimento”.
E isso é inegável – sua postura inovadora e in-
teligente foi crucial para desbravar um espaço
que se fechara desde o AI-5.
Eloah, a mãe, foi personagem central em sua
vida. Seu amor incondicional foi decisivo para
seu retorno ao Brasil. Dando-lhe total apoio,
afastando seus medos e inseguranças, foi ela
seu grande alicerce. Coube a Eloah fazê-la reco-
nhecer a importância e sinceridade do público
feminino. As mulheres ficavam fascinadas com
Rogéria, sem jamais se sentirem ameaçadas.
Entre elas não havia um homem em disputa. Ao
contrário, havia uma simbiose absoluta. O  su-
cesso do Por via das dúvidas… foi tanto que ela
pôde comprar o tão almejado apartamento para
Eloah.
Rogéria só conheceu glórias ao longo da
carreira. Do público, recebeu o máximo
carinho. Não surpreende que dissesse
“não tenho história de ‘bicha triste’ para
contar”. Ela, que sempre disse trazer ainda
consigo aquele mesmo garoto que corria à
Rádio Nacional para assistir às maiores can-
toras do país, compreendeu, na maturidade,
a diferença entre o que era ser “uma persona-
lidade” – como Emilinha, seu ídolo na juven-
tude – e ser “uma artista” – no caso, Marlene,
eterna rival da primeira. Mais uma vez, Rogéria
mostrou-se sábia.

Capa do programa da boate “Le Carrousel”


Paris anos 1960
COLECÃO PARTICULAR

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CÉDULA CARIMBADA
Paula Moura Aranha

B
oa parte da popula- Esaú e Jacó, cujo original encon-
ção brasileira que tra-se na própria ABL e onde se
viveu no final dos lê: “Viverei com o Catete, o Largo
anos 1980 teve em do Machado, a Praia de Botafo-
suas mãos um exem- go e a do Flamengo, não falo das
plar de cédula semelhante a esta pessoas que lá moram, mas das
de 1 cruzado novo. As décadas ruas, das casas, dos chafarizes e
de 1980 e 90 foram conturba- das lojas. Lá os meus pés andam
das em relação à economia, com por si. Há ali coisas petrificadas e
grandes e rápidas mudanças e o pessoas imortais.”
meio circulante não poderia ser Joaquim Maria Machado de
diferente – também passava por Assis (1839-1908), filho de um
mudanças e precisava se adaptar Machado de Assis, 1907 descendente de negros alfor-
rapidamente. Cada símbolo que ESTÚDIO LUIZ MUSSO & CIA
riados e de uma lavadeira por-
observamos na cédula foi pensa- tuguesa. Negro, cuja imagem
do, elaborado e produzido para que uma men- sofreu um processo de embranquecimento
sagem fosse transmitida. Mas o que essa cédula ao longo do tempo. Foi grande narrador dos
nos conta? Quais são os elementos que nos re- eventos político-sociais de sua época e um dos
metem a momentos importantes do passado? que melhor souberam captar a essência do Rio
A cédula teve seu projeto assinado por Ál- de Janeiro e de seus habitantes. Personagens
varo Alves Martins, e as gravuras do anverso e instigantes como Capitu, Brás Cubas, Rubião,
reverso elaboradas por Zélio Bruno Trindade obras como Quincas Borba, Esaú e Jacó, Dom
e Dalila dos Santos Cerqueira Pinto. Foi fabri- Casmurro e Memorial de Aires são lembradas
cada pela Casa da Moeda e emitida pelo Ban- pelos leitores, dentre os seus dez romances,
co Central do Brasil em 1987 e carimbada em dez peças teatrais, duzentos contos, cinco co-
1989, circulando até 1990. No anverso, o lado letâneas de poemas e sonetos e mais de seis-
principal da cédula, vemos em destaque o bus- centas crônicas. É homenageado anualmente,
to de Machado de Assis em tons predominan- emprestando seu nome ao maior prêmio lite-
temente amarelos e roxos. À direita, um livro rário brasileiro, o Prêmio Machado de Assis,
aberto e uma pena, evidenciando a homena- da ABL, e figura na lista oficial dos Heróis Na-
gem à literatura. À esquerda, a marca da Aca- cionais do Brasil.
demia Brasileira de Letras (ABL), instituição da Machado de Assis frequentava os estabeleci-
qual Machado de Assis foi o primeiro presiden- mentos das principais ruas da cidade do Rio de
te, em 1897. Ao fundo, o trecho manuscrito de Janeiro e uma delas está representada no reverso

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à direita, a igreja de Santa Cruz dos Militares,
o edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral
e o prédio dos Correios. O comércio era abun-
dante na região e transeuntes circulavam pela
rua juntamente aos bondes e tílburis, veículos
da época. 
Outro elemento nos leva a refletir sobre o
período conturbado em que ela foi emitida: o
carimbo triangular de conversão ou equiva-
lência nos remete a um país diferente daquele
estampado na cédula. Um Brasil que vivia um
momento econômico confuso e que caminha-
va para a hiperinflação. Originalmente, a cédu-
la foi emitida em 1987, com valor facial de mil
cruzados e, em 1989, esse valor foi modificado
em consequência da reforma monetária pro-
movida pelo Plano Verão. O cruzado novo pas-
sou a corresponder a mil cruzados, um corte de
três zeros foi feito e a cédula passou a ter seu
valor corrigido para 1 cruzado novo, estampado
no carimbo. 
O Brasil do final da década de 1980 era re-
cém-saído de um governo militar, em processo
de redemocratização, com uma população que
Marc Ferrez
Postal do início do século XX, retratando a
via o seu poder aquisitivo se esvaindo mês a
Rua Primeiro de Março (antiga Rua Direita). mês e lutando para conseguir manter-se mes-
COLEÇÃO PARTICULAR mo com a inflação, enraizada. A inflação, tão
temida naquele período, caracteriza-se, de
da cédula: a rua Direita, atual Primeiro de Março, forma simplificada, como um aumento persis-
apresentada em imagem baseada em fotografia tente dos preços de bens de consumo e servi-
de 1905, três anos antes de o escritor falecer. Uma ços, resultando numa contínua perda do poder
das principais vias do Rio de Janeiro, ela era um aquisitivo da moeda. Ela atravessou diferentes
prolongamento natural da rua da Misericórdia, a governos e regimes políticos e foi tratada como
primeira da cidade, inicialmente fazendo a liga- um poderoso adversário a ser combatido por
ção entre o morro do Castelo e o de São Bento. meio de diversos planos econômicos, fazendo
Por ela circulava diariamente boa parte da popu- dos trabalhadores as suas maiores vítimas.
lação local, pois o comércio, as irmandades reli- De acordo com os estudiosos da área, de
giosas e os edifícios públicos ali se estabeleceram maneira geral, as causas da hiperinflação que
e, também, devido à proximidade do porto e das atingiu nossa economia estão relacionadas
principais áreas da cidade.  com o aumento dos gastos públicos durante
Na imagem da cédula podemos ver um dos o governo militar, mais precisamente a partir
principais trechos da via. Em primeiro plano, de 1975. Além disso, há outros fatores, como a

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crise internacional do petróleo, em 1973, que Tornou-se um hábito, especialmente para as
fez o custo do barril subir 400% em apenas pessoas mais pobres, fazer compras mensais as-
três meses; o aumento da dívida externa; o sim que recebiam o salário, devido à inseguran-
início do mecanismo da correção monetária, ça, pois os preços dos bens de consumo aumen-
que à época foi vista como solução para a in- tavam em questão de dias, fazia-se, então, um
flação e posteriormente considerada como estoque de alimentos em casa. Ficou registrada
um realimentador da própria inflação; e, por no imaginário coletivo uma figura emblemática
fim, o Produto Interno Bruto (PIB) com baixo da época: o remarcador de preços, que com sua
crescimento. máquina etiquetadora alterava os valores dos
O impacto da inflação no início do gover- produtos disponíveis nos supermercados ao
no de José Sarney (1985-1990) já era sentido longo do dia.
por todos os brasileiros, com média anual su- A cédula carimbada nos sinaliza a realidade
perior aos 200%. A partir daquele momento, de tensão vivida pela população brasileira du-
ela explode e o país tem a experiência da hipe- rante 15 anos com inflação e hiperinflação que
rinflação, que se mantém no governo seguin- acabaram por gerar um custo social alto, com
te, de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e redução dos salários reais e distribuição de
segue até o lançamento do Plano Real, no go- renda desigual.
verno de Itamar Franco (1992-1995). O gover-
no federal usa o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) como o indicador
Máquina etiquetadora
oficial de inflação do Brasil. A maior variação MUSEU HISTÓRICO NACIONAL
mensal desse índice foi em março de 1990:
82,39%. Várias tentativas foram feitas para de-
belar a situação inflacionária neste período,
sendo elas quase sempre malsucedidas. O país
promulgou planos econômicos que previam
diversas medidas, entre elas a mudança da
moeda. Foram seis padrões monetários entre
1980 e 1994 – Cruzeiro, Cruzado, Cruzado
Novo, Cruzeiro, Cruzeiro Real e, finalmente,
Real – e essa troca rápida fazia com que as cé-
dulas fossem reaproveitadas com a utilização
de carimbos, que atualizavam seu valor e o
nome da moeda, como foi o caso da cédula de
Machado de Assis.

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PAINEL COLONIZAÇÃO E DEPENDÊNCIA
André Amud Botelho

N
o ano do centenário do Museu Penedo realizou numerosas exposições in-
Histórico Nacional, os visitantes dividuais e coletivas ao longo da carreira. Sua
que finalizam o percurso da ex- arte, como ele mesmo reiterava, possuía um for-
posição de longa duração sobre te sentido de crítica aos processos sociais con-
as histórias brasileiras notarão à temporâneos e históricos brasileiros. Dentre as
sua direita um painel de grande escala – 2,75 m exposições individuais, destacamos Desenhos
de altura e 5,55 m de largura – que reúne uma da série re-tratos, realizada no Museu Histórico
miríade de personagens históricos e ficcionais, Nacional em 1985. Plasticamente, o conjunto
além de símbolos brasileiros e estrangeiros. dos desenhos reunidos na exposição remete a
A obra para a qual chamamos a atenção inti- necessários deslocamentos quanto às perspecti-
tula-se Colonização e dependência e é de autoria vas históricas mais conservadoras e sugere cer-
do artista mineiro Clécio Penedo. Finalizada em tas sínteses e perguntas inesperadas em relação
1987, foi resultado de uma encomenda realizada a personagens e fatos de nossa história.
pelo próprio MHN de uma pintura que pudesse A exposição de 1985 prenunciava alguns dos
ser um marco do processo de reestruturação sentidos do que viria a ser a contribuição de Pe-
institucional por que passava o museu em mea- nedo em Colonização e dependência. O painel
dos da década de 1980. logo se consolidou como um dos principais sím-
A escolha do MHN de uma obra a ser com- bolos de um período em que o museu buscou
posta por Clécio Penedo se justificou por sua já garantir lugar de destaque em seu acervo e em
à época consolidada trajetória artística e termi- suas exposições a representações de segmentos
nou por se mostrar das mais acertadas. Penedo sociais e histórias brasileiras em geral invisibili-
nasceu em Bom Jardim, Minas Gerais, em 1936, zados ou sub-representados.
e faleceu em Volta Redonda, Rio de Janeiro, no E eram suas sínteses peculiares que o MHN
ano de 2004. A maior parte de sua trajetória de mirava com a intenção de contar com uma
vida, no entanto, se deu em Barra Mansa, cidade grande obra de Penedo para abrir a seção dedi-
do interior fluminense. Já sua formação artísti- cada à história colonial na renovada exposição.
ca teve como base, sobretudo, a cidade do Rio Mas, desde o início de sua trajetória no museu,
de Janeiro. Frequentou cursos e oficinas na Es- o painel se revela avesso a planos, enquadra-
cola Nacional de Belas Artes (de 1954 a 1956), no mentos e interpretações mais óbvias. O resul-
Centro de Pesquisa de Artes do Rio de Janeiro, tado do amplo mosaico, dedicado inicialmente
entre os anos de 1973 e 1975, e no Museu de Arte ao sistema colonial, revela também os indícios
Moderna, também na década de 1970, e estudou da resistência e do alcance das lógicas e dos
com artistas como Ivan Serpa, Eduardo Sued e sentidos dos processos de colonização e de de-
Aluizio Carvão. pendência brasileiros, mesmo na contempora-

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neidade do país, mais precisamente no período da história brasileira e destacam desde processos
em que foi concebido – a segunda metade da como a expansão marítima europeia, com a in-
década de 1980. vasão de terras pelo mundo, até o fenômeno da
Do ponto de vista descritivo, o painel de cultura popular contemporânea. Penedo mobi-
Penedo é uma pintura alegórica realizada em liza os elementos presentes na pintura de modo
técnica de pintura mista de óleo e acrílico sobre a confundir lógicas temporais lineares. Assim,
três chapas com espessura de 10 mm de madeira figuras e personagens que poderíamos associar
aglomerada. A dimensão de 15 m2 é de suas ca- de pronto a determinado período histórico estão
racterísticas mais notáveis. Mas, sem dúvida, o em lugares diferentes do esperado. São os casos
principal elemento da obra de arte é a compo- das referências a Clóvis Bornay, na primeira se-
sição pelo autor de um mosaico formado por ção dedicada ao expansionismo europeu, ou a D.
representações de pessoas, figuras e símbolos Pedro I, naquela dirigida à nossa contemporanei-
como que embaralhados e associados à história dade. Ressalte-se ainda o impacto causado a visi-
nacional. tantes e estudiosos das aproximações incomuns
É possível perceber na obra a existência de propostas pelo artista entre figuras e persona-
três partes que marcam a pintura longitudinal- gens variados. Assim é que se percebe o perfil de
mente. Tais seções representam longos períodos Caetano Veloso encimado pela figura do Tio Pa-

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tinhas, ou a face iluminada de nomes relacionados às velhas
Pelé tocada por mão negra em narrativas de um Brasil com os
carne viva. Os escudos dos po- olhos voltados para a Europa.
pulares clubes Vasco da Gama e A despeito de a própria tra-
Flamengo se confundem com jetória do autor nos possibilitar
os de Portugal e dos Estados contextualizar as elaborações
Unidos da América. que resultam em Colonização
Nesse exercício de múltiplas e dependência, convém atentar-
possibilidades – similar ao de mos para o contexto histórico
um hipotético quebra-cabeças que o país vivia no período. De-
de ares tropicalistas – os visitan- pois de longa ditadura, o Brasil
tes e leitores poderão perceber experimentava seu primeiro
outras inúmeras combinações governo civil eleito ainda indi-
provocadoras. Mas há um ponto retamente e vivia os ares de um
que nos parece central a frisar: processo de redemocratização
o movimento realizado por Pe- que redundaria na Constituição
nedo de inclusão de referências de 1988, e que movimentava
aos símbolos e protagonismos amplos segmentos da socieda-
de homens e mulheres negros e de pela garantia de seus direitos
indígenas na história brasileira. civis, sociais e políticos.
Pode-se ver, assim, a figura de Nos dias atuais, em que o
homem indígena no centro do museu se abre a escutas e diálo-
painel; representações do mui- gos com os variados segmentos
raquitã e de Exu; referência à sociais, é ao painel de Penedo
expressão iorubá Ilê Ayê, cujas que os visitantes retornam de-
traduções possíveis são “casa da pois de tomarem contato com
terra” e “casa de negros”, além as seções da exposição do MHN
de, afinal, ser o nome do famoso dedicada às histórias brasileiras.
bloco do carnaval baiano; desta- Convidamos todos a se deterem
que à figura de mulher negra; a e a montarem a seu modo o que-
centralidade das figuras de Pelé, bra-cabeça sobre a história e a
Zumbi dos Palmares e Raoni sociedade brasileiras que o artis-
Metuktire. ta com sua obra nos apresenta.
Em geral com presença re- Como sugeriu Paulo Leminski
duzida nas representações do em seu Catatau, se Descartes se
museu, sobretudo à época, suas pusesse a pensar o Brasil, passa-
figuras – além do destaque à ria ele mesmo a duvidar da ra-
cultura popular – são aproxima- zão. Mas, se não fizermos, quem
das e confundidas com aqueles mais o fará?

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BANDEIRA DO MST
Maria De Simone Ferreira

E
m 29 de agosto de 1994, o Museu Embora a enxada e a foice no conjunto da
Histórico Nacional (MHN) adquiria doação sejam ferramentas emblemáticas da lida
para o seu acervo uma enxada, uma diária dos trabalhadores rurais, a bandeira sim-
foice e uma bandeira doadas pelo boliza a um só tempo significados como a união,
Movimento dos Trabalhadores Ru- a identidade e as reivindicações prioritárias
rais Sem Terra do Rio Grande do Sul (MST-RS). desse movimento social de massas, amalgaman-
O visitante pôde observar esses objetos tão logo do e incentivando seus integrantes a lutarem
aportaram no museu com o objetivo de compor coletivamente pela terra, pela reforma agrária e
o módulo expositivo de longa duração intitula- por uma sociedade mais justa.
do “Expansão, Ordem e Defesa”. Em 1994, o MST completava uma década de
Desde meados dos anos 1980, o MHN ini- fundação desde o I Encontro Nacional realizado
ciara um processo de revitalização que mirava em janeiro de 1984 na cidade de Cascavel/PR.
sobretudo a reformulação da narrativa institu- O  Encontro selou a unificação e a organização
cional através de uma atualização dos conceitos do movimento, que isoladamente vinha lutan-
museológicos e historiográficos em voga no do, desde os anos 1970, pelo acesso à terra e pela
período. O estágio final desta revisão interpreta- reforma agrária, em especial nos estados da re-
tiva sobre a história do Brasil encerrava-se jus- gião Centro-Sul.
tamente com a inauguração, em 1994, da expo- Alguns fatores foram determinantes para
sição citada, que procurou abordar a formação a formalização do MST, destacando-se a meca-
do território nacional desde a Independência nização da lavoura e o estímulo à monocultu-
até aquele momento. ra, que excluíram os pequenos agricultores do
Assim, surgiam expostos os objetos do MST modelo de produção e geraram a migração de
com a finalidade de tratar da “problemática da expressivo contingente populacional para as ci-
fixação do homem ao solo, da qual o movimen- dades – as quais logo enfrentariam o desempre-
to dos sem terra se configura como exemplo”. go –, e para as regiões de colonização na Amazô-
Vitrine versus vitrine, as peças do MST contra- nia, onde a agricultura familiar não prosperou.
punham-se a objetos oriundos de latifúndios, Desta conjuntura formou-se a base social do
desfraldando a desigualdade de raízes co- MST, na qual os agricultores decidem
loniais quanto à distribuição de terras resistir no campo, estabelecer ocupa-
no Brasil. Compunha-se, audacio- ções e, assim, encampar a luta pela
samente, uma narrativa histórica terra em seus lugares de origem.
contrária à lógica dos grandes pro- Por ocasião da exposição, o
prietários de terra, até então hege- MST resistia diante dos rescaldos
mônica no Museu. da crise imposta pelo Governo

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Collor, que não poupara esforços em reprimir (1987), em Piracicaba/SP, quando, após discus-
com violência o movimento e derrubar as políti- sões ocorridas nacionalmente para definição
cas públicas para a agricultura conquistadas até deste símbolo, a proposta vitoriosa foi aprova-
então. A consolidação política do MST ganhou da e apresentada à militância, acompanhada
terreno com Itamar Franco, ao mesmo tempo do poema “A bandeira do MST”, de autoria de
em que o movimento procurava se legitimar Pedro Tierra.
junto à sociedade. A partir de então, firmaram-se as cores
A enxada, a foice e a bandeira em exposição e seus significados: o vermelho como o san-
como acervo do MHN repercutiam na institui- gue dos trabalhadores e sua luta pela reforma
ção as discussões em pauta na sociedade. O Mu- agrária; o branco como a paz da justiça social;
seu assumia, de forma inédita, uma posição crí- o preto como o luto pelos mortos nessa luta;
tica, se não favorável à agenda do MST, ao menos o verde como a esperança por cada latifúndio
não ratificava uma vez mais o discurso dos lati- conquistado. Quanto aos elementos imagéti-
fundiários. cos, destaca-se o casal de trabalhador e traba-
As origens da bandeira do movimento lhadora, com o facão erguido, antes utilizado
remetem ao III Encontro Nacional do MST com sucesso no cartaz do I Congresso Nacio-

Autor desconhecido
Mural executado por ocasião do III Congresso do MST, 1985
ARQUIVO MEMÓRIA MST

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deira. Podem ser notadas algumas pequenas
diferenças em relação a outras bandeiras do
MST, como a roupa e o chapéu do trabalhador
e o cabelo da trabalhadora, que são represen-
tados com pontilhado preto sobre fundo bran-
co, e o mapa do Brasil, em que consta a Ilha de
Marajó. A bandeira apresenta sujidades e um
pequeno furo, o que sugere ter sido usada pe-
los Sem Terra, e não produzida exclusivamen-
te para a doação.
Essa bandeira foi identificada como de au-
toria de Ademar Levi, integrante do MST-RS e
responsável, no início dos anos 1990, pela pro-
dução das bandeiras em Porto Alegre.
Às vésperas de completar 40 anos de exis-
tência, o MST se consolidou e se organiza hoje
em 24 estados, nas cinco regiões, com 160
cooperativas, 120 agroindústrias, 1.900 asso-
ciações, 400 mil famílias assentadas e, durante
a pandemia da Covid-19, já doou mais de seis
mil toneladas de alimentos. Sua bandeira re-
Cartaz do Primeiro congresso nacional dos presenta a defesa da causa campesina e acom-
trabalhadores rurais sem terra panha as vitórias e as tribulações da conquista
JANEIRO DE 1985
pela terra.
Reconhecida internacionalmente, a bandei-
nal do MST (1985), em Curitiba/PR. O casal ra do MST ultrapassa o simbolismo da terra al-
representa a necessidade de a luta ser reali- mejada ou conquistada; sintetiza e ecoa os valo-
zada indiscriminadamente por homens e mu- res do movimento, como poetizado nas palavras
lheres e suas famílias. Já o facão simboliza a de Pedro Tierra:
ferramenta de trabalho, de luta e de resistên-
cia, e ultrapassa o mapa para indicar o cará- Bandeira da terra,
ter internacionalista do movimento. Por fim, Bandeira da luta,
o mapa do Brasil denota a luta nacional dos Bandeira da vida,
Sem Terra e a necessidade de reforma agrária Bandeira da liberdade!
popular no país. (…)
A bandeira doada ao MHN traz a marca au- E quando a terra retornar
toral do MST-RS: possui formato retangular Aos filhos da terra
em 92 cm de largura por 126 cm de compri- repousará sobre os ombros,
mento. Ao centro do tecido de algodão verme- dos meninos livres
lho, com suas bordas costuradas à máquina, que nos sucederão!!!
encontra-se serigrafado o símbolo do MST, le-
vemente desencontrado em cada face da ban-

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BONECAS KARAJÁ
RETRATOS DO COTIDIANO

Ione Pereira Couto

A
s bonecas Karajá transmitem bele- prios Iny – objetos que possuem perspectivas de
za e fascínio. E com essa intenção sujeito. No passado, as bonecas eram de pequena
são feitas. Meu primeiro contato dimensão, não passavam pela queima e retrata-
com essa arte foi em 1986, quando vam a família; eram modeladas sem braços, que
fui estagiar no Museu do Índio e, se resumiam em uma pequena saliência na altu-
para minha surpresa, ali havia prateleiras e prate- ra dos ombros. Os cabelos eram de cera preta e o
leiras de ritxoko, nome dado às bonecas de cerâmi- rosto exibia o círculo, característico dos Iny, en-
ca feitas pelas mulheres do povo indígena Karajá. tão tatuado sobre o osso malar. Essas esculturas
Os Karajá se autodenominam como Iny. São eram brinquedo das crianças e ao mesmo tempo
filiados à família linguística karajá, ou inyrybe, cumpriam a função de socializar os pequenos
do tronco linguístico macro-jê, e estão divididos Iny, pois ilustravam a complexa relação de paren-
em três subgrupos: Iny-Xambioá, Iny-Javaé e tesco e reforçavam os laços afetivos entre os
Iny-Karajá, sendo o inyrybe falado por todos. membros familiares.
Diante disso, nós nos referiremos aos Karajá Esses objetos passam a ser difundidos,
como Iny, habitantes imemoriais da bacia do principalmente, a partir da aldeia Santa Isa-
rio Araguaia, na ilha do Bananal, território bel do Morro que, segundo a documentação
situado no interior do Parque Nacional do do Serviço de Proteção aos Índios, graças
Araguaia, nas fronteiras dos estados de To- a sua proximidade à cidade de São Félix do
cantins, Pará, Mato Grossos e Goiás, e homo- Araguaia, recebia grande fluxo de visitantes
logado em 2006. interessados em conhecer um povo in-
A posse da terra forneceu aos Iny as dígena. Nestas visitas, compravam itens
condições necessárias para preservarem da cultura material dos Iny, incluindo as
aspectos relevantes de seu modo de vida, ritxoko. Castro Faria relata que tais encon-
como o ritual Hetohoky destinado à ini- tros serviram como propulsor de mudan-
ciação dos meninos entre 10 e 12 anos, ças na morfologia das ritxoko e do seu mo-
importante para a manutenção de suas delo de produção.
crenças prescritas desde tempos
imemoriais. Outras políticas pú- “As ritxoko passaram a ser confec-
blicas possibilitaram avançar cionadas em diferentes posturas
na questão da saúde, do direito corporais, ora de pé ora sentadas,
à educação diferenciada e do e começaram a retratar cenas
fortalecimento cultural. do cotidiano da vida karajá.
As ritxoko são singulares Nascia, assim, um novo pa-
porque representam os pró- radigma estilístico na mo-

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delagem figurativa karajá, denominada pelas mânicos, exemplificadas pela figura de kubele
próprias ceramistas como wijina bede ritxoko, ou com sua mulher veado e de kboi, personagem do
seja, bonecas dos tempos atuais.” 1 mundo subaquático Iny.
Hoje as bonecas passam pela queima, pela As ritxoko são criação artística porque mesmo
ampliação das dimensões e dos temas. Os cabe- respeitando padrões preestabelecidos para sua
los de cera passaram a ser de argila, dando-lhes produção, nas mãos das oleiras elas recebem sua
realismo. marca, ação que as retira da ordem do artesana-
Chang Whan as divide em dois grupos temá- to, da produção em série, e as insere na categoria
ticos: a vida dos Iny e o imaginário Iny. O pri- da arte. Sobre isso Rosani Leitão coloca:
meiro é representado pela pessoa Iny, com sua
pintura corporal e adornos característicos. Se “não existe uma forma única de fazer Ritxoko.
mulher, apresenta-se de tanga, brincos de penas Cada ceramista procede conforme as proprieda-
e cabelos longos de argila. Há uma característica des do barro, as peculiaridades de seu processo
comum entre as figuras femininas, atuais e an- de aprendizagem, o conhecimento acumulado
tigas: uma protuberância, discreta, na altura do sobre as matérias-primas, o domínio das técnicas
ventre, denominada hãwky iweryky (barriga de e as suas habilidades artísticas e criativas, que
mulher). Whan explica “que tal característica mesmo operando a partir de padrões cultural-
constitui-se como um dos elementos sígnicos mente adquiridos, conferem características sin-
mais inequívocos e tacitamente consolidados gulares às suas peças, que permitem, em muitos
entre as ceramistas karajá, sendo invariavel- casos, a identificação da autoria das mesmas.” 2
mente modeladas nas figuras que representam
seres do sexo feminino”. Peças com ausência Para mensuramos a importância desta arte, em
deste traço indicam, geralmente, representa- 2012, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artís-
ções masculinas, sendo que as representações tico Nacional reconheceu a boneca Karajá como
de ambos os sexos exibem colares e jarreteiras patrimônio cultural imaterial nacional, através
de fios de algodão. de dois registros: ritxoko: expressão artística e
No grupo “A vida dos Iny” estão as cenas co- cosmológica do povo Karajá, inscrito em For-
tidianas em que as ritxoko representam mu- mas de Expressão, Saberes e Práticas Associa-
lheres pilando, ralando mandioca, cozinhando, das ao Modo de Fazer Bonecas Karajá, e no livro
carregando alimentos e filhos, parturientes, etc. dos Saberes.3 Diante disso, resta-nos agradecer,
Whan chama a atenção para a inexistência de em especial às mulheres Iny, a oportunidade de
elementos exógenos à cultura Iny representa- apreciar uma arte que a todos emociona.
dos nas ritxoko mesmo no contexto de uma con-
tínua e crescente incorporação de numerosos 1> Chang Whan. Iny: Karajá, Rio de Janeiro: Museu do Índio/Funai,
itens do consumo globalizado na vida cotidiana 2012, p. 58.

dos Karajá nos tempos atuais. 2> Rosani Moreira Leitão. As bonecas de cerâmica iny-karajá e
a pedagogia das ceramistas mestras. In: Tesouros Iny - Karajá
No segundo grupo temático relacionado ao [E-book] / organizador, Manuel Lima Filho. – Goiânia: Cegraf UFG,
imaginário Iny, as ritxoko representam seres 2021, p. 306.
3> Os bens que recebem o Registro têm o título de Patrimônio
que não fazem parte da vida real, mas que ga- Cultural do Brasil e são agrupados em categorias para serem
nham corpo nas mãos das ceramistas que as inscritos em um dos quatro Livros do Registro: o Livro de Re-
gistro dos Saberes; o Livro de Registro das Celebrações; o Livro
modelam a partir das narrativas míticas ou da de Registro das Formas de Expressão; e o Livro de Registro dos
descrição dada pelos pajés em seus transes xa- Lugares.

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VIOLÃO DO CAZUZA
Romney Lima

O
violão da marca Di Giorgio, fa- ra Márcia Taborda nos conta: “A associação do
bricado em São Paulo em 1978, violão como um instrumento ligado à margi-
pertenceu ao cantor e compositor nalidade e à boemia ocorreu nessa época. Esses
Cazuza e foi doado por sua mãe, críticos questionavam como um instrumento de
Lucinha Araújo, ao MHN, em 2017. malandro podia estar em uma sala de concerto.”3
Composições, melodias e ideias de temas foram O tempo passou e o violão foi conquistan-
dedilhados por Cazuza neste instrumento, que do cada vez mais espaço na música brasileira.
ajuda a contar a história da música brasileira. Nomes como Garoto, Dilermando Reis, Baden
Mas, vamos voltar um pouco no tempo... Powell, Dino Sete Cordas, Rosinha de Valença,
26 de outubro de 1914, o presidente do Brasil, Meira, João Gilberto e Raphael Rabello forma-
Marechal Hermes da Fonseca, ofereceu uma ce- ram escolas de violonistas populares e se torna-
rimônia no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, ram referência para várias gerações. Por mais
para seu corpo diplomático e alguns ilustres. Já que Cazuza não fosse um violonista, o instru-
quase no fim do cerimonial, a esposa do presi- mento sempre fez parte da sua trajetória, prova-
dente, a primeira-dama Nair de Teffé, apresenta velmente ajudando a compor as harmonias de
ao violão a requebrada dança O corta-jaca, de muitas das suas canções.
Chiquinha Gonzaga. É certo que quando a geração do Cazuza
O jornal A Rua, no dia 06/11/1914, não pou- começou a tocar violão a situação era bem di-
pou críticas: “O corta-jaca andou tanto tempo ferente. A partir dos anos 1950, o violão foi, aos
pelos arraiais da pândega e da população que se poucos, se tornando o instrumento mais popu-
desmoralizou por completo.”1 Rui Barbosa, opo- lar do país. Grande parte dessa popularidade foi
sitor do Presidente, também não perdoou e, no construída ao longo da Era do Rádio e, depois,
plenário do Senado Federal, vociferou: “Mas o na Bossa Nova. Para muitos estudiosos, o violão
corta-jaca de que eu ouvira falar há muito tem- ganharia um espaço definitivo na música brasi-
po, que vem a ser ele, Sr. Presidente? É  a mais leira a partir do disco Canção do amor demais
grosseira de todas as danças selvagens (...).”2 de Elizeth Cardoso. Sua voz se uniria ao violão
Todo esse espanto era por dois motivos: pri- de João Gilberto.
meiro, porque Nair de Teffé, a primeira-dama Em abril de 1958, enquanto o referido LP de
do país, tocou um tango dentro da sede do go- Elizeth era gravado, nascia Agenor de Miran-
verno da recente República e, segundo, porque da Araújo Neto, mais conhecido como Cazuza.
foi empunhando um violão. O menino Agenor, influenciado pela mãe, Luci-
Andar por aí com violão não era das tarefas nha Araújo, não saía de perto do rádio e cresceu
mais fáceis, não. A chance de parar na delegacia ouvindo Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran e
e ter que se explicar era grande. A pesquisado- o seu ídolo quase homônimo, Angenor de Oli-

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veira, o Cartola: “Eu sou letrista de rock por aca- tações mais importantes da banda. Uma multi-
so. Se houvesse pintado um grupo de samba, em dão cantou os sucessos da banda. Cazuza, com
vez do Barão Vermelho, eu estaria compondo uma faixa amarela na cabeça, encerrou o show
sambas.”4 Convivendo no meio musical desde cantando Pro dia nascer feliz e falou para o pú-
pequeno, afinal seu pai, João Araújo, era produ- blico: “Que o dia nasça lindo para todo mundo
tor da gravadora Som Livre, Cazuza, aos 23 anos, amanhã. Com um Brasil novo, com a rapaziada
entrou para uma banda de rock, que já contava esperta”,6 numa clara alusão ao recente aconte-
com Guto Goffi na bateria, Maurício Barros no cimento de uma República que renascia depois
teclado, Dé no baixo e Frejat na guitarra. Com a de 21 anos.
chegada do novo vocalista, estava criada a ban- Mas, o ano de 1985 também marcou a pre-
da que marcaria as próximas gerações, o Barão coce saída de Cazuza do Barão, para uma bem-
Vermelho. -sucedida carreira solo, com muitos sucessos
No ano seguinte, em 1982, a banda lançou emplacados e cinco discos lançados, entre eles
seu primeiro álbum Barão Vermelho, produzido Exagerado (1985), Ideologia (1988) e Burguesia
por Ezequiel Neves e Guto Graça Melo. Cazuza (1989).
assina as 13 faixas. O enorme sucesso alcançado Em 1987, Cazuza descobre que foi infectado
com Todo amor que houver nessa vida (com Fre- pela Aids e, entre internações e tratamentos,
jat) deu à banda o necessário para continuar na produziu como nunca e falou de sua condição
estrada. No ano seguinte foi lançado o segundo em canções: “Senhoras e senhores, trago boas
álbum da banda, Barão Vermelho 2. Dessa vez, novas. Eu vi a cara da morte e ela estava viva (...)
das 11 faixas Cazuza faz parceria em nove, sendo Direi milhares de metáforas rimadas e farei das
uma delas Pro dia nascer feliz (com Frejat), um tripas coração do medo, minha oração. Pra não
dos maiores sucessos da banda. Mas a consagra- sei que Deus ‘H’ da hora da partida. Na hora da
ção do Barão veio nos dois anos seguintes. partida a tiros de vamos pra vida. Então, vamos
Em 1984, o grande álbum da banda Maior pra vida.”7
abandonado faturou o disco de ouro com cem “Desde pequeno eu sonhava ser cantor, me
mil cópias vendidas. No LP, Cazuza assina as ouvir cantando no rádio.”8 E foi o que aconte-
11 faixas e consolida sua parceria com Roberto ceu ao longo dos anos 1980 até nos deixar, aos 32
Frejat. Além da faixa-título, o disco emplacou anos, em julho de 1990.
Bete Balanço e Por que a gente é assim? Cazuza
definiu dessa forma o terceiro álbum, em depoi-
1> Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.as-
mento ao jornalista Alfredo Ribeiro, na Folha de px?bib=23immub.br6403&pagfis=415
São Paulo: “o disco tem toda uma temática de 2> Disponível em: https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/
pdf/Anais_Republica/1914/1914%20Livro%207.pdf
vida, boêmia e fossa (...). Um dia, ainda chamo 3> TABORDA, Márcia. Apud. MOTTA, Débora. A identidade musi-
o Nelson Gonçalves para cantar uma música do cal brasileira nas curvas de um violão. Disponível em: http://www.

Barão. Se isso chocar algum roqueiro, é sinal faperj.br/?id=3564.2.0. Acesso: 22/12/2021.


4> ARAÚJO, Lucinha e ECHEVERRIA, Regina. Cazuza: só as mães
que ele precisa se libertar desse trauma.”5 são felizes. Rio de Janeiro. Globo, 2014, p. 142.
Em 15 de janeiro de 1985, logo após o colégio 5> Disponível em: https://acervo.folha.com.br/leitor.do?nume-
ro=8889&keyword=Cazuza&anchor=4203533&origem=bus-
eleitoral escolher Tancredo Neves como novo ca&originURL=&pd=43244ef95dfb8ee8ec3ed7c18d94dfbb
presidente do Brasil, pondo fim à ditadura ci- 6> Show do Barão Vermelho. Rock In Rio. Rio de Janeiro, 1985.
7> Boas Novas. Cazuza: Ideologia. Rio de Janeiro: Philips, 1988.
vil-militar, o Barão Vermelho subia no palco do LP (43 min.)
Rock in Rio para a primeira das duas apresen- 8> ARAÚJO, Lucinha, op cit., p..132.

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UNIFORME DOS GARIS CARIOCAS
Mario Aizen e Robert Pechman1

A
cidade do Rio de Janeiro foi fun- (Rua Uruguaiana), um canal de águas ligando as
dada por Estácio de Sá em 1565 lagoas da Ajuda e de Santo Antonio (Largo da
na entrada da barra da baía de Carioca) até a Prainha (Praça Mauá). A vala de-
Guanabara. Em 1567 foi transfe- veria manter livre a circulação da água das la-
rida para o morro do Castelo. goas até ao mar da baía de Guanabara. Por isso
No século XVII, as terras ao norte da cidade ficou proibido jogar nela as imundícies em ge-
e no recôncavo da baía de Guanabara foram cul- ral, como os entulhos, os excrementos ou o lixo.
tivadas, implantando-se nelas a monocultura ca- Essa determinação oficial de 1735 parece ser a
navieira, com seus engenhos dando origem a al- primeira a usar a palavra “lixo”.
guns dos atuais bairros cariocas. O crescimento A transferência da capital da colônia para o
da população e das exportações da cana-de-açú- Rio de Janeiro, em 1763, transformou a cidade na
car levou as autoridades de então a se preocupa- capital do vice-reino do Brasil. Esse fato provo-
rem com a limpeza pública dos logradouros. Na cou uma série de obras de melhoramentos urba-
primeira metade do século XVII, a administra- nos. Entretanto, apesar do crescimento da cidade
ção da cidade determinou que funcionários da e de sua nova categoria política, os dejetos casei-
Câmara fiscalizassem a limpeza das ruas, valas, ros eram colocados em barris e continuaram a ser
pontes e fontes d’água. Não há referências a despejados nas praias, lagoas e até na própria rua.
quem caberia o serviço, mas, foram as primeiras No século XIX, o Rio passou por outras três
informações sobre o assunto. categorias de capital: do Reino Português, do
No século XVIII, o Rio de Janeiro cresceu Império Brasileiro e da República. Para ordenar
devido à descoberta do ouro e das pedras pre- o crescimento da cidade surgiram novas postu-
ciosas nas Minas Gerais. O então pequeno porto ras urbanas na administração pública. A partir
carioca diversificou suas funções ao se tornar o de 1808, com a presença da corte portuguesa
principal exportador da riqueza desse novo ci- na cidade, destacaram-se: o licenciamento para
clo econômico brasileiro. construções, o alinhamento das ruas, a manu-
A partir de 1733, o Rio recebeu diversas obras tenção das fontes de água e a organização do lan-
públicas, mas em relação às então denominadas çamento das imundícies e da varredura das ruas.
‘imundícies’, a população se livrava delas nas Dessa maneira, o morador foi obrigado a manter
praias da baía, nas lagoas e nos rios. Na mes- limpas as testadas de suas casas.
ma época, houve a primeira intenção oficial de Quanto à limpeza pública, apesar da presen-
criar um serviço de limpeza pública no qual os ça dos fiscais nomeados pela Câmara da Cidade,
funcionários limpavam os “monturos”, com ainda havia problemas, pois estes se queixavam
pagamento feito pelos moradores, sob pena de de que o povo continuava a fazer despejos nos
cadeia. A seguir surgiu a preocupação com a vala lugares já limpos. Alguns locais eram próprios

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para fazer o lançamento do lixo e dos excremen-
tos: as praias, o aterrado do Mangue e o Campo
de Santana. Fora da cidade os dejetos eram en-
terrados em covas cobertas com terra. Em 1830 a
Câmara Municipal publicou uma postura dirigi-
da à limpeza das ruas. Entre outras providências
bastante detalhadas, apenas um parágrafo da le-
gislação referia-se a escravos ou criados como a
mão de obra que faria o transporte e o depósito
das imundícies. Eram usados para esse serviço
os escravos libertos e os presos condenados. Os
artistas estrangeiros que retrataram a paisagem e
os costumes do Rio no século XIX mostraram es-
cravos limpando as ruas ou carregando na cabeça
os tonéis com lixo ou com dejetos fecais. Estes es-
cravos eram denominados popularmente de ‘ti-
gres’, pois, as matérias fecais vazavam dos tonéis
e deixavam marcas parecidas com listras, sobre a
pele negra, semelhantes ao pelo do animal. Esse
tema aparece de modo recorrente na iconografia
carioca pelas mãos de Debret, Guilhobel e Briggs.
A partir de 1850, o governo imperial passou a
coordenar os serviços de limpeza urbana na capital
contratando empresas particulares para explorar a
limpeza pública e o recolhimento das matérias fe-
cais. Várias firmas se apresentaram, mas a maioria
não tinha condições técnicas e financeiras para
exercer um serviço público de tal importância.
Em 1864 realizou-se a separação definitiva
entre os serviços de recolhimento de lixo e do
tratamento e despejo do esgotamento da cidade.
Para este último foi contratada uma empresa in-
glesa, a The Rio de Janeiro City Improvements
Company. Desde então. o serviço de limpeza ur-
bana refere-se exclusivamente ao lixo.
A partir de 1876 os serviços de limpeza ur-
bana mudariam outra vez no Rio de Janeiro e
um nome ficaria marcado na história da cidade
e de seus habitantes. Neste ano, o Ministério dos
Negócios do Império assinou contrato com o ci-
dadão francês Aleixo Gary para a execução dos
serviços de limpeza e irrigação da cidade. Gary

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estava estabelecido no Rio de Janeiro como co-
merciante desde o final da década de 1850 e os
serviços provisórios de limpeza urbana presta-
dos por sua empresa foram bem feitos e apro-
vados, o que levou um jornal da época a afirmar
que “chegaremos a ter asseio na capital do Impé-
rio”. A atuação da empresa de Gary foi mantida
até o início do regime republicano, em 1891.
A partir de 1893, a recém-criada Prefeitura
do Distrito Federal introduziu um novo órgão
dedicado a limpeza da cidade, a Inspetoria de
Limpeza Pública e Particular. As denominações
e a divisão de serviços na administração pública
passaram por várias fases, podendo ser destaca-
dos o Departamento de Limpeza Urbana, entre
1940 e 1973, e depois da fusão do estado do Rio de
Janeiro com o da Guanabara, com a criação do
município do Rio de Janeiro, em 1975, a Compa-
nhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb).
Antes, em 1930, há referências documenta-
das aos operários da coleta, mas, popularmente,
os nomes gari ou lixeiro ainda predominavam
entre os cariocas. Essa denominação, originária
de um sobrenome familiar francês, tornou-se
um brasileirismo no idioma português do Bra-
sil, comprovado num cartão de boas festas de
1912, onde o poema de “saudações festivas” é as-
sinado pelo “vosso humilde Lixeiro”.
A história de um uniforme para os garis só está
documentada a partir da década de 1930, quando é
instituída em caráter oficial uma roupa fornecida
pela Prefeitura com a finalidade de identificar o
operário da coleta. Seu trabalho nas vias públicas,
exposto ao trânsito e às mudanças de temperatura
e do clima, tornaram o gari e seu uniforme laranja
uma figura popular e querida do carioca.
1> Os autores registram o agradecimento ao arquiteto Alberto Ta-
veira, por suas contribuições ao texto.

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BOMBA SAPO
Sandra Teixeira

N
o dia 18 de maio de 2017, Dia In- No início da década de 1990, são feitos pela
ternacional dos Museus, o Mu- Secretaria de Habitação e pelo Governo do Es-
seu Histórico Nacional (MHN) tado na Vila Autódromo dois assentamentos
realizou uma cerimônia na qual de famílias removidas da Comunidade Cardo-
recebeu do Museu das Remo- so Fontes e da Cidade de Deus. A própria Vila,
ções, para serem incorporadas ao seu acervo, entretanto, também é ameaçada de remoção
duas camisetas, sendo uma com o logotipo pela especulação imobiliária. Com a chegada
da Vila Autódromo e outra com o do próprio dos Jogos Olímpicos e de todo o investimento
Museu das Remoções. Além destas, recebeu 14 financeiro gerado pelas Parcerias Público-
outras peças coletadas nos escombros da Vila -privadas, a remoção torna-se uma realidade.
Autódromo no período de remoção pelo qual Esse período representou para a cidade do
passou a comunidade na época da preparação Rio de Janeiro um marco na história das re-
dos Jogos Olímpicos, realizados na cidade do moções.
Rio de Janeiro em 2016.
Farei uma breve abordagem sobre uma “São 22.059 famílias já removidas na cidade do
dessas peças doadas, denominada “bomba Rio de Janeiro, totalizando cerca de 77.206 pes-
sapo”, e espero conseguir expressar o que soas, entre 2009 e 2015, conforme dados apre-
essa peça representa e qual a sua importância sentados pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em
como um elemento de memória desta histó- julho de 2015. Outras dezenas de comunidades
ria. Para contextualizar, começo com um bre- permanecem sob ameaça de remoção.”1
ve relato sobre a história da Vila Autódromo e
de sua resistência, da qual nasceu o Museu das Na Vila Autódromo, centenas de famílias
Remoções. foram deslocadas e, na luta contra a remo-
A Comunidade Vila Autódromo tem sua ção, a comunidade realizou uma série de ati-
origem na década de 1960, como uma colônia vidades culturais e educativas, que ficaram
de pescadores às margens da Lagoa de Jacare- conhecidas como “Movimento Ocupa Vila
paguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Na dé- Autódromo”, tendo por finalidade manter o
cada de 1970, é construído ao lado da colônia território ocupado, dar visibilidade e forta-
o Autódromo de Jacarepaguá. A comunidade lecer a resistência. Como parte deste movi-
acolhe famílias de operários desta e de outras mento, aconteceram lançamentos de livros e
construções da região e passa a ser conhecida visitas guiadas pelo território, entre estas as
como Vila Autódromo. Com a expansão ur- de professores que levavam seus alunos e rea-
bana da região, na década de 1980, ocorrem lizavam aulas abertas. Nessas aulas, refletiam
muitas remoções em comunidades próximas. sobre a história do desenvolvimento urbano

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Akemi Nitahara
Mural na Vila autódromo
AGÊNCIA BRASIL

da cidade do Rio de Janeiro e sua origem na museológico. Algumas destas peças foram
escravidão, com seus portos e navios negrei- doadas para o MHN no ano seguinte, cada uma
ros trazendo centenas de milhares de pessoas com uma memória particular desta história de
escravizadas que depois seriam despejadas resistência, que se tornaria uma referência na
nas ruas sem nenhuma política pública de re- luta contra as remoções.
paração social. Uma das peças doadas foi a “bomba sapo”,
Foram realizados festivais culturais, com muito utilizada pela comunidade antes da re-
música, teatro, capoeira, projeção de filmes, moção. É um tipo de bomba de drenagem, que
exposições, palhaçaria, fanfarras, oficina de trabalha submersa com a finalidade de sugar a
perna de pau, grafite etc. A arte e a cultura água. Seu motor possui uma proteção para evi-
eram combustíveis para os moradores resisti- tar o contato com a água e o motivo pelo qual era
rem. No dia 18 de maio de 2016, inaugura-se o tão utilizada é o fato de a comunidade nunca ter
Museu das Remoções, como um instrumento sido atendida em seus pedidos por saneamento
de luta e resistência e do desejo de não ver a básico. O sistema de esgoto das casas era por
história se perder. Na ocasião, são coletados sumidouro e, de tempos em tempos, era neces-
alguns elementos dos escombros da Vila para sário fazer sua limpeza, o que frequentemente
serem preservados e comporem um acervo incluía o emprego desta bomba.

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Ao ser encontrada em meio aos escom- A remoção destruiu o sistema sanitário e
bros, este foi o motivo que a levou a ser reco- todos os espaços construídos através de mu-
lhida para o acervo cultural e histórico da Vila tirões. Desmatou, destruiu famílias e muitas
Autódromo. Através desta peça, percebemos vidas se perderam. Apenas vinte núcleos fa-
como era o sistema sanitário desenvolvido miliares conseguiram resistir e permanecer
pelos moradores no processo de autoconstru- no território, impedindo a perda de mais uma
ção da comunidade, movida pela necessidade Área de Especial Interesse Social (AEIS) e for-
de solucionar problemas elementares, e com talecendo o sentimento de que é possível lutar
a preocupação em agredir o mínimo possível por nossos direitos e tê-los respeitados.
a natureza – representando, assim, alguns de
seus valores culturais. Esta peça nos remete, 1> DOSSIÊ Megaeventos e Direitos Humanos no Rio de Janei-
ro. Publicado pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas
ainda, a parcerias históricas e fundamentais do Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: https://br.boell.org/pt-
feitas ao longo dos anos com instituições como -br/2015/12/10/dossie-rio-olimpiadas-2016-os-jogos-da-exclusao,
p 20. Acesso em 16/02/2022.
a Fiocruz, que desenvolveu com a comunida-
de o Projeto Experimental de Fossa Verde, no
qual a água de esgoto era devolvida ao ambien-
te, já tratada em fossas, sem risco de contami-
nação do solo.

Autor desconhecido
Projeto Céu aberto
AGÊNCIA BRASIL

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CARTEIRA DE GABRIELA LEITE
Flavio Lenz e Soraya Silveira Simões

A
carteira é tipo. Mas trazia um ele-
um obje- mento particularíssimo,
to histori- raro, talvez único em
camente relação às demais car-
situado. teiras que andam por-
Feito para ser portátil e tando por aí. A carteira
individual, ela guarda do- de Gabriela continha
cumentos de identidade um nome: Patrícia. Era
do portador, tal como uma carteira certeira,
registrada pelo Estado, a carteira de Gabriela,
e a qualquer momento com um outro nome pi-
podemos ser solicitados a rografado. Os amigos de
comprovar quem somos Gabriela podiam identi-
com os números que nos ficar a sua carteira. Coi-
são atribuídos em nos- sa rara, apresentando
sa existência civil. Leva tal propriedade – um
também cartões – essa nome qualquer, gravado
espécie de passe livre fei- no couro –, tornou-se
to de plástico, exigido nas objeto reconhecido em
aduanas comerciais que um circuito afetivo que
permitem ou impedem lhe conferia absoluta
nosso trânsito pelo mun- segurança. De mesa em
do – e dinheiro – papel- mesa, de bar em bar, a
-moeda, caraminguá, ou- carteira de Gabriela che-
Gabriela Leite
trora metal vilipendiado O GLOBO
gou assim ao seu atual
pela sua função de tornar destino. Na vitrine do
equivalentes e monetizáveis todos os valores do Museu Histórico Nacional, a carteira da prostitu-
planeta. Trata-se, portanto, de objeto pensado para ta Gabriela é iluminada por sua própria história,
acomodar no bolso de uma calça jeans tudo o que que se inicia reclamando o reconhecimento do
uma pessoa precisa para enfrentar o mar alto das sexo pago como um trabalho.
ruas da cidade, atravessar fronteiras, ir além e, ain- Pois da batalha na Boca do Lixo paulistana,
da, ter condições de retorno. passando pela Zona Boêmia de Belo Horizonte,
A carteira de Gabriela continha todos os do- chegando à antiga Vila Mimosa, no Rio, e daí
cumentos e valores dignos de um objeto desse para o mundo, Gabriela Leite iniciou uma luta

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por direitos – à saúde, sexuais, laborais, econô- A luta continua, para alcançar a total descri-
micos, civis, ambientais –, por todos os direitos minalização do trabalho sexual. Porque o caduco
humanos das suas colegas prostitutas. Código Penal criminaliza a relação de trabalho e
De passeata na São Paulo que atacava e ma- o empresariamento da atividade, favorecendo o
tava prostitutas e travestis, ainda na ditadura, ao controle da prostituição por máfias e prejudican-
I Encontro Nacional de Prostitutas, no Rio, em do as trabalhadoras, legais por essência. Aprove-
1987. E muito mais, como a criação do jornal -se, pois, o projeto de lei Gabriela Leite!
Beijo da rua, da ONG Davida – Prostituição, Di- A história de Gabriela é sobretudo de uma
reitos Civis, Saúde (hoje Coletivo Puta Davida) enorme humanidade e sua carteira é espelho
e da marca Daspu, Gabriela abriu as portas para disso. Do (outro) nome gravado à pintura ma-
dialogar e gritar ao mundo que prostituição é nual das flores e a costura também manual, é
parte da sociedade. Para isso deu rasteira no es- objeto marcado por pressões e impressões hu-
tigma, saiu do gueto. Foi a “puta que fala”, convo- manas, destinado a ser manuseado, preenchido,
cou suas colegas a também mostrarem o rosto, esvaziado, revirado de ansiedade e expectativa,
encontrando grandes parceiras de luta, como a trazendo sentimentos tão humanos como ale-
cofundadora da Rede Brasileira de Prostitutas, gria e decepção.
Lourdes Barreto. Objeto que se apresentou à Gabriela na Vila
Seu sonho ela mesma explicitou: Mimosa do Estácio, onde a prostituta que gosta-
va da palavra (e de ser) puta batalhou nos anos
“Sempre acreditei e sonhei com o movimento 1980. Era muito prático, segundo ela, porque
transpondo barreiras e atingindo a sociedade podia ser facilmente enfiado na cintura de seu
inteira. [...] Uma organização revolucionária “collant preto de guerra”2 para que carregasse li-
sempre tem que se lembrar que seu alvo não é vremente o maço de cigarros que sempre levava
fazer com que seus partidários escutem as con- em uma das mãos, com o isqueiro ou a caixa de
vincentes palestras de líderes especialistas, mas fósforos, deixando a outra mão livre para o que
conseguir fazê-los falar por si mesmos, para que desse e quem viesse: o copo de cerveja, o riscar
alcancem [...] o lugar da participação política. do fósforo, a indicação da casa onde batalhava, o
Quando minhas amigas putas estavam lá desfi- gesto de puta comunicadora, ou, lógico, o conta-
lando [pela Daspu] lindas e altivas, sem vergo- to direto com a própria carteira.
nha de ser puta, elas estavam falando por si mes- De fato, Gabriela menciona uma carteira e
mas e sendo políticas, extremamente políticas seu modo de usar. Foi quando, ao começar a ba-
revolucionárias.”1 talhar no Rio, ganhou “dicas de trabalho” de uma
colega que viria a ser “a melhor amiga de todos
Seu trabalho de mais de três décadas resul- os tempos”.
tou na criação de associações em todo o país; na
participação no movimento de luta contra o es- “’Leve sua carteira sempre com você e, quando
tigma e de combate a Aids; no reconhecimento entrar no quarto com um homem, a coloque de-
da prostituição como uma das 600 ocupações baixo da cama, ao alcance de suas mãos’, disse
brasileiras, tal como figura na Classificação Bra- a ela Vera. Que completou: ‘Faça o programa,
sileira de Ocupações/MTE, de 2002; e na pre- pegue o combinado e saia com ele [o freguês] do
sença, enfim, das vozes das prostitutas nos mais quarto, enrolada na toalha, com a carteira na
variados debates públicos em nosso país. mão, e só aí vá se lavar’.”3

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Quem sabe, aliás, não foi Vera quem deu a 1> LEITE, Gabriela. Coluna da Gabi. Beijo da rua, Rio de Janeiro,

Gabriela a carteira de Patrícia? nov./dez. 2005.


2> LEITE, G. Filha, mãe, avó e puta: a história de uma mulher que
Com essas e outras histórias, queremos pro- decidiu ser prostituta. Rio de Janeiro, Objetiva, 2009.
duzir sentidos para manter vivo este objeto e 3> LEITE, Gabriela. Coluna da Gabi. Beijo da rua, Rio de Janeiro,
nov./dez. 2005.
essa história – tão vivos quanto as mãos pelas
quais passou, os corações que tocou, as expe-
riências humanas que acompanhou. E que si-
gam agora e aqui. É o que esperamos.

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CLARINHA, A BONECA COM TRAÇOS DA SÍNDROME DE DOWN
Valéria Regina Abdalla Farias

A
boneca Clarinha foi adquirida em menor escala e, por conseguinte, tais dife-
pelo Museu Histórico Nacional renças são menos percebidas pelas crianças.
no mesmo ano de sua produção, A campanha “Cadê nossa boneca?”, da organi-
isto é, em 2007, e desde então zação Avante/Educação e Mobilização Social,
passou a integrar o módulo Cida- de Salvador (BA), apontou a ausência de repre-
dania, da exposição de longa duração do museu, sentatividade negra entre as bonecas por meio
juntamente com outros brinquedos dos séculos de um levantamento realizado em 2020: dos
XX e XXI. Nesse núcleo, um dos objetivos é in- 1.093 tipos de bonecas de fabricantes afiliados à
dicar o ato de brincar como direito da criança, a Associação Brasileira da Indústria de Brinque-
partir da aprovação do Estatuto da Criança e do dos, apenas setenta eram negras, ou seja, cerca
Adolescente, em 1990. de 6% do total. 
A coleção de brinquedos do museu ultrapas- Se os brinquedos proporcionam aprendiza-
sa setecentos itens e teve seu início mais efetivo dos sobre si e sobre o mundo, que universo é
a partir da década de 1980 por meio de doações esse que não representa a diversidade humana
de miniaturas militares, segundo apontou An- em sua totalidade? Como perceber o outro?
gela Guedes, ex-assessora de comunicação do E quem não se vê representado nas bonecas,
Museu e uma das principais responsáveis pela como as crianças negras, obesas e com defi-
formação dessa coleção. ciência? A percepção de si e do outro pode ser
Jogos de tabuleiro, quebra-cabeças, video- afetada pela ausência de diversidade no uni-
games, robôs, pipas, piões, pega-varetas, carri- verso dos brinquedos.
nhos, bolas, pelúcias, miniaturas de mobiliário, Na formação da coleção de brinquedos, o
bonecos e bonecas de diferentes épocas fazem Museu Histórico Nacional tem buscado con-
parte do acervo e encantam as crianças de todas templar a diversidade de bonecas existentes,
as idades que visitam a exposição, tenham elas sejam artesanais ou industrializadas. Fazem
zero ou cem anos. Os brinquedos nos remetem parte do acervo exemplares de bonecas de
às doces lembranças e a uma fase da vida sem pano do interior do Maranhão, negras, com
preocupações; no entanto, sua ludicidade é es- deficiência e “de propósito” – estas últimas são
sencial para a formação humana, na medida em bonecas terapêuticas e representam crianças
que, por meio deles, “as crianças constroem co- em tratamento de câncer, cardiopatias, renais e
nhecimentos sobre si, sobre os outros, sobre o com fissura palatina. 
mundo e sobre os relacionamentos”.1 Dando continuidade à proposta, em 2007, a
Embora encontremos, hoje, maior varieda- equipe do Museu Histórico Nacional estabele-
de de bonecas com diferenças significativas em ceu contato com a Walbert Indústria e Comér-
seus corpos, esses exemplares são produzidos cio e solicitou, como doação, um exemplar da

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Clarinha – a primeira boneca com traços da
síndrome de Down produzida no país. A bo-
neca foi inspirada na personagem de mesmo
nome da novela Páginas da vida, exibida pela
Rede Globo de Televisão, entre 2006 e 2007. No
folhetim, Clara, interpretada por Joana Mocar-
zel – atriz com síndrome de Down –, foi rejeita-
da pela avó materna e adotada pela médica que
realizou o parto de sua mãe, que veio a óbito
logo após dar à luz.
O “projeto Clarinha” teve início em 2005,
antes mesmo de a novela ganhar as telas,
quando duas mães de crianças com Down
buscavam fabricantes de brinquedos para
produção, em escala industrial, de bonecas
que contemplassem esses indivíduos. Após te-
rem recebido inúmeras respostas negativas, a
Walbert Indústria e Comércio aceitou desen-
volver o projeto. Nessa empreitada, as mães
recorreram ao Instituto Meta Social, respon-
sável pela campanha “Ser diferente é normal”
e que prestava consultoria para a Rede Globo
por ocasião da novela. 
A turma da Clarinha é uma coleção com-
posta por seis bonecas – duas são negras – e
um boneco, cada qual com suas caracterís-
ticas individuais, porém apresentam uma
semelhança: os olhos puxados. A boneca Cla-
rinha tem um vestido com um cata-vento co-
lorido bordado no peito, símbolo do Instituto
Meta Social.
Com a popularidade da novela, a pauta da
inclusão social ganhou projeção e chegou a
ser abordada, no Rio de Janeiro, pelo Grêmio
Recreativo Escola de Samba Império Serrano
naquele ano de 2007, com o enredo Ser diferen-
te é normal: o Império Serrano faz a diferença
no carnaval, com Jack Vasconcelos como car-
navalesco.
Brinquedos relacionados a programas de
televisão e filmes tendem a estar disponíveis
no mercado pelo tempo que durar a exposição

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na mídia de suas fontes. Assim aconteceu com a
boneca Clarinha, que não é mais vista nas prate-
leiras das grandes lojas.
A Declaração Internacional de Direitos Hu-
manos, em 1948, já afirmava que todas as pes-
soas são iguais em dignidade e direitos. Entre-
tanto, apesar de avanços ocorridos referentes
às pessoas com deficiência, ainda nos dias de
hoje barreiras comunicacionais, físicas e atitu-
dinais impedem que essas pessoas participem
da sociedade em igualdade de condições que as
demais. 
Ao longo do tempo, os indivíduos com de-
ficiência estiveram à margem da sociedade e
fora do convívio social; viveram escondidos
em instituições de assistência ou em suas
casas. No século XIX, surgiram, no Brasil, as
primeiras iniciativas com foco no atendimen-
to às pessoas com deficiência. Nesse período,
a deficiência intelectual era compreendida
como forma de loucura e buscava-se tratá-
-la nos espaços conhecidos como hospícios.
Durante a primeira metade do século XX, a
sociedade civil esteve à frente da criação de
instituições de assistência destinadas à defi- Assim, em consonância com o modelo so-
ciência intelectual, por meio dos movimentos cial da deficiência, através da boneca Clarinha,
pestalozziano e apaeano. o Museu Histórico Nacional tem potencial para
Na década de 1970, teve início a mudança de proporcionar a reflexão sobre a acessibilidade
paradigma em relação às pessoas com deficiên- dos espaços culturais, protagonismo e repre-
cia, inicialmente nos Estados Unidos e Reino sentatividade das pessoas com deficiência na so-
Unido, mas que se estendeu para outras partes ciedade e deficiência como parte da diversidade
do mundo, passando do modelo médico para o humana, a fim de contribuir para uma sociedade
social. O primeiro considerava as pessoas com mais justa.
deficiência incapazes, e acreditava que esses
indivíduos – juntamente com suas famílias – 1> MARQUES, Circe Mara. Bonecas com deficiência: práticas pe-
dagógicas na educação infantil. 1º Seminário Luso-Brasileiro de
eram os responsáveis pela própria adaptação Educação Inclusiva: o ensino e a aprendizagem em discussão.
e integração ao meio social. Já o segundo, ca- Porto Alegre: EDIPUCRS, 2017, p. 276.

racterizado por ser um movimento das pessoas


com deficiência, entende a sociedade como
responsável pelas suas mudanças estruturais
para que ocorra, de fato, a inclusão dos indiví-
duos em questão.

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PLACA DA “RUA MARIELLE FRANCO”
Carina Martins Costa e Cláudia Rose Ribeiro da Silva

M
arielle Franco era mulher, ne- As placas de ruas são alvo de disputa e atenção
gra, favelada, lésbica, socióloga, por parte do poder público e dos movimentos so-
mãe, pesquisadora e defen- ciais. Nomear as ruas é responsabilidade das Câ-
sora incansável dos direitos maras Municipais e ocupa centralidade nas ações
humanos. Foi eleita vereadora legislativas por envolver homenagens, memórias
em 2016, pelo Partido Socialismo e Liberdade e redes de sociabilidade. “Nomear lugares é im-
(PSOL), com a quinta maior votação do municí- pregná-los de cultura e poder”.1
pio do Rio de Janeiro. Filha de Marinete da Silva Isquerdo defende a importância das topo-
e Antonio Francisco Neto, foi catequista da Igreja nímias, que confirmam “a tese de que a história
Nossa Senhora dos Navegantes na favela da Maré; das palavras caminha muito próxima à história
estudou Ciências Sociais na PUC-Rio; fez mestra- de vida do grupo que delas faz uso”,2 o que torna
do em Administração Pública na UFF. fundamental a análise da disputa de
Ela e seu motorista, Anderson fatores linguísticos, étnicos,
Gomes, foram brutalmente exe- socioculturais, históricos e
cutados no dia 14 de março políticos que a nomea-
de 2018 no Centro da cida- ção em homenagem
de, o que desencadeou à vereadora corpo-
inúmeros atos em sua rifica nas ruas da
memória. Um deles, cidade.
que gerou várias A placa pos-­
e diferentes rea- sui duas ver-
ções, foi a criação sões: a primei-
da placa da Rua ra, produzi-
Marielle Franco. da em 20

Marcia Foletto
Marielle Franco
AGÊNCIA O GLOBO

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de março de 2018, segue o padrão do município O filósofo Mikhail Bakhtin nos alerta que “os
do Rio de Janeiro. Em primeiro plano, sob fundo signos só podem aparecer em um terreno inte-
azul, o nome da rua e breve descrição. Abaixo, uma rindividual”.5 É necessário, portanto, o estímulo
faixa branca com os números dos quarteirões e do e a produção de interações para que a linguagem
CEP. Nesta versão, o texto informa: “(1979-2018) e o pensamento sejam mobilizados.
Vereadora, defensora de Direitos Humanos e das É possível perceber um esforço em dispo-
minorias, covardemente assassinada no dia 14 de nibilizar gratuitamente a arte da placa para re-
março de 2018”. O número do CEP indica a rua produções, como nos sites do Instituto Marielle
Joaquim Palhares, local do extermínio. A placa Franco, do PSOL e da campanha supracitada de
foi colocada na Cinelândia como um ato popular financiamento coletivo. Da mesma forma, há
de homenagem. Meses depois, foi retirada de lá e iniciativas para preservação da memória digital,
quebrada propositalmente por candidatos a depu- tais como a página “Ruas de Marielle Franco”,
tado estadual e a governador em ato de campanha que mapeia e documenta, de forma colaborati-
eleitoral, sob alegação de não ser oficial. Logo foi va, a presença das placas e artes urbanas em todo
reproduzida em gráficas de todo país, o que ense- o Brasil.
jou apropriações privadas e públicas. Ao menos dois museus incorporaram a placa
Esta versão da placa foi utilizada no ato de a seus acervos: o Museu Histórico Nacional e o
14 de outubro de 2018, derivado da campanha Museu da Maré, ambos no Rio de Janeiro.
de crowdfunding3 “Eles rasgam uma, nós fa- A exposição do Museu Histórico Nacional,
zemos cem”, produzida pelo jornal Sensacio- Cidadania em Construção, abrigou a placa na se-
nalista. A  campanha de desagravo atingiu sua ção temática sobre direitos políticos. O módulo
meta em 20 minutos e reuniu doadores(as) de traz um texto sobre a definição e historicidade
todo o país. O ato foi planejado como um flash- do direito político no Brasil, bem como uma
mob,4 no qual os participantes desenharam o urna eletrônica, reforçando a premissa de que
nome “Marielle” com as mil placas produzidas, “na democracia, o voto é o principal meio de
em frente ao Palácio Pedro Ernesto, na Cine- exercício deste direito”. Diversos cartazes, pan-
lândia, sede da Câmara dos Vereadores do Rio fletos e santinhos de campanhas políticas com-
de Janeiro. Esta foi a versão doada ao Museu põem o painel. A placa indiciava o trabalho de
Histórico Nacional, como consta na ficha de memória em relação à tentativa de apagamento
documentação museológica, categorizada na de Marielle da história republicana, possibili-
classe “Objetos cerimoniais”, subclasse “Obje- tando a reflexão sobre a violência e a fragilidade
tos comemorativos”. do Estado democrático de direito no Brasil.
A segunda versão da placa é a oficial, inau- Na exposição do Museu da Maré, a placa está
gurada pelo prefeito Eduardo Paes no dia 14 de inserida em uma narrativa museográfica sobre
março de 2021, três anos após o extermínio da a trajetória de Marielle, respeitando o pedido
vereadora. Tem os mesmos dados do nome e da- de seu pai para que as pessoas pudessem co-
tas de nascimento e morte, contudo, a descrição nhecer sua filha e não apenas a vereadora. Por
se altera para “Mulher negra, favelada, LGBT e isso, tal narrativa privilegia a construção de
defensora dos direitos humanos”. Abaixo, na se- vínculos afetivos com o território da favela, já
ção branca, os dizeres “Brutalmente assassinada que é exposta no “Tempo do Cotidiano”, próxi-
em 14 de março de 2018 por lutar por uma socie- ma à instalação da “vendinha” de seu avô, seu
dade mais justa”. Francisco.

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Marielle Franco
FOTÓGRAFO: BERNARDO GUERREIRO / MIDIA NINJA

A memória social tem uma dinâmica que es- a lugares e pessoas que a gente jamais imaginava.
capa, ao menos parcialmente, das investidas do É, sem dúvida, uma potência de demonstração de
poder político, conforme demonstrado pela vida memória, de sonho, de legado muito grande”.6
social do artefato. Mais do que registrar a topo- A placa da “Rua Marielle Franco” é memória,
nímia do extermínio de Marielle Franco, a placa é denúncia, é apelo ao não esquecimento! Sua
indica uma ampla adesão subjetiva, política e ins- potência simbólica ultrapassa sua frágil mate-
titucional às lutas que a vereadora representava; rialidade e nos convida à permanente e inquie-
uma resposta ao brutal e covarde assassinato, que tante busca por JUSTIÇA.
ainda (2022) não foi completamente elucidado.
A retirada da placa da exposição permanente 1> CLAVAL, P. A Geografia cultural. 2. ed. Florianópolis: EDUSC,
do MHN, por motivos políticos, não implica sua 2001, p. 202.
2> ISQUERDO, Aparecida Negri. O nome do município: um estudo
eliminação do acervo da instituição, tampouco etnolinguístico e sócio-histórico na toponímia sul-mato-grossen-
impede questionamentos e reflexões sobre as dis- se. Revista prolíngua, v. 2, n. 2, 2008, p. 36.

putas no campo da memória e dos museus: a quem 3> Também chamado de ‘vaquinha online’ e ‘financiamento co-
letivo’. Trata-se de uma forma de arrecadação de dinheiro pela
interessa “ocultar” a memória dessa mulher? Por Internet.
que um objeto “comum” provoca reações tão in- 4> Flashmob é uma mobilização repentina de pessoas, organiza-
da através da Internet.
flamadas? Quem mandou matar Marielle? 5> BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Pau-
Para Anielle Franco, irmã de Marielle e dire- lo: Hucitec, 1981, p. 35.
6> FRANCO, Anielle. Entrevista sobre a placa “Marielle Franco,
tora executiva do Instituto Marielle Franco, “a mediada pela Professora Pâmella Passos. Whatsapp. 9 de março
placa se tornou um símbolo (...). Ela tem chegado de 2022, 17:07. Quatro áudios de WhatsApp.

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MÁSCARA DE PROTEÇÃO
Jeanne Mautoni

A
té o ano de 2020, existiam 33 No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, o
máscaras na coleção do Museu primeiro caso confirmado da doença ocorreu
Histórico Nacional, abrangendo em 23 de janeiro de 2020 e o primeiro óbito foi
máscaras mortuárias, rituais, de registrado no dia 17 de março de 2020. Até maio
teatro, de esgrima, contra gases de 2022, segundo o painel Covid,2 foram confir-
e de uso profissional (EPI, equipamento de pro- mados 30.868.945 casos da doença, com um sal-
teção individual). No final daquele ano, foram do de 666.248 mortes.
incorporadas ao acervo seis máscaras de prote- O uso de máscaras como forma de proteção
ção que testemunham a memória de um trágico individual contra o contágio por doenças trans-
acontecimento: a pandemia da síndrome respi- missíveis não é original na história da humani-
ratória aguda conhecida por Covid-19, causada dade. Desde a Antiguidade que as máscaras são
pelo novo coronavírus. utilizadas com propósito de proteção. Em tum-
Destas máscaras, cinco são manufaturadas bas persas do século IV aC foram encontradas
artesanalmente em tecido, sendo três de uso figuras humanas dispondo de um pano cobrin-
adulto e duas de uso infantil, com figuras dos do a boca e o nariz e, conforme o testemunho de
personagens de história em quadrinhos e de de- Marco Polo, na China do século XIII os servos
senho animado – do Batman e da Minnie; entre eram obrigados a usar lenços cobrindo o rosto
as outras, duas são confeccionadas em tecido não para evitar que seus hálitos comprometessem o
tecido (TNT), de uso cirúrgico simples, mas uma sabor da comida do Imperador.
delas, além da proteção contra a Covid 19, traz um No século IV, durante a epidemia de peste bu-
recado à sociedade. A mensagem “Vidas negras bônica, o uso da máscara como forma de proteção
importam!” estampada no tecido nos faz lembrar foi amplamente disseminado, sobretudo entre
que, durante a pandemia, a população negra foi aqueles que cuidavam dos doentes. Naquela épo-
a mais afetada pelos adoecimentos e óbitos por ca, as máscaras assemelhavam-se a um bico de
Covid-19 no Brasil, continuando a tradição de de- pássaro com dois orifícios onde eram colocadas
sigualdade racial herdada dos tempos coloniais. ervas aromáticas para bloquear os miasmas for-
O uso deste tipo de proteção foi uma das mados por maus odores, que se acreditava serem
formas de se evitar o contágio pelo novo coro- a causa da transmissão de doenças.
navírus, cujo primeiro caso foi registrado em Em 1918, outra pandemia assolou o mundo,
Wuhan, China, em 17 de novembro de 2019.1 A ceifando cerca de 50 milhões de vidas: a gripe
partir daí, a doença se disseminou com tama- espanhola. Numa época em que a microbiologia
nha rapidez pelo mundo que, em 11 de março de ainda engatinhava e os antibióticos não exis-
2020, a Organização Mundial de Saúde (OMC) tiam (a penicilina só foi descoberta por Alexan-
declarou estado de pandemia. der Fleming em 1921), uma das formas de redu-

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zir o contágio foi o uso obrigatório de máscaras. pessoas usando máscaras no queixo, caídas pela
No entanto, havia quem não acreditasse em sua orelha, na testa, cobrindo apenas a boca.
eficácia. Uma Liga Antimáscara chegou a ser Com o passar dos meses, diversos tipos de
fundada em São Francisco (EUA) em 1919, no máscaras começaram a ser fabricados em dife-
ápice da pandemia. Utilizando-se do argumento rentes materiais, cores e estampas. Grandes gri-
de violação dos direitos civis, esta liga chegou a fes como Off-White, Louis Vuitton e Burberry,
reunir cerca de duas mil pessoas em um protes- entre outras, criaram peças confeccionadas com
to realizado naquele ano. cristais, pérolas e até diamantes. A máscara de
Na pandemia da Covid-19, os rostos cobertos maior valor – 1,5 milhão de dólares (cerca de oito
pelas máscaras de proteção foram o símbolo do milhões de reais) – foi criada por Ivel, joalheiro
impacto causado pelas mudanças de hábitos e israelense, que utilizou 50 gramas de ouro 18
comportamentos provocadas pela necessida- quilates puro e 3.600 diamantes para confeccio-
de de controlar o contágio. Seu uso tornou-se ná-la.3
rotina de parcelas expressivas da população Ainda que seja uma prática eficaz de prote-
mundial. Segundo as recomendações das auto- ção individual, o uso da máscara foi desprezado
ridades médicas, a máscara de proteção deveria por parte da população, que preferiu acredi-
cobrir o nariz e a boca e ser presa de forma se- tar em campanhas de desinformação e teorias
gura às orelhas para minimizar os espaços entre conspiratórias sobre a origem dos vírus e as
a face e a máscara. No entanto, foi comum ver vacinas contra a Covid-19. Esse descrédito foi

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disseminado até mesmo por chefes de Estado, pessoas das vacinas, o que fez com que as másca-
por meio de fake news, alimentando movimen- ras, de pano, TNT, ou N95 ainda continuassem a
tos negacionistas de recusa à vacinação e ao uso ser nossas grandes aliadas na luta contra a doen-
da máscara. Tendo como referência a pandemia ça. É possível também que com o tempo outras
da “Espanhola” em 1919, pode-se dizer que há máscaras venham a se juntar ao acervo do MHN,
inúmeras semelhanças entre a reação à pande- representando novos rumos na história da pan-
mia há mais de cem anos e o sentimento atual de demia. Oxalá que estas próximas máscaras se-
parte da população mundial. jam de tipo festivo, que irão comemorar o fim da
As máscaras de pano e de tecido cirúrgico pandemia num grande carnaval, tal como foi o
simples, como essas que agora fazem parte do de 1919, o primeiro depois da Gripe Espanhola.
acervo do MHN, foram mais tarde ultrapassadas 1> MA, Josephine. Coronavirus: China’s first confirmed Covid-19
quanto à eficácia pelas máscaras de tipo N95 ou case traced back to November 17. South China Morning Post.

PFF2. Este fato expressa a própria evolução do 13/03 2020. Disponível em: https://www.scmp.com/news/china/
society/article/3074991/coronavirus-chinas-first-confirmed-covi-
conhecimento sobre a Covid-19 que se deu nes- d-19-case-traced-back/ Acesso em 21/01/2022.
te curto período de tempo e que possibilitou, 2> BRASIL. Ministério da Saúde. Painel Coronavírus. Disponível
em: https://covid.saude.gov.br/ Acesso em 21/01/2022.
inclusive, a produção em massa de vacinas por 3> BRITO, Clay. 10 máscaras de proteção luxuosas que você
vários laboratórios. Infelizmente, a irrespon- não vai acreditar que existe. Glamour. Globo.com. 17 de setem-
bro de 2020. Disponível em: https://glamour.globo.com/moda/
sabilidade de uns, a ignorância de outros e a noticia/2020/09/10-mascaras-de-protecao-luxuosas-que-voce-
desigualdade social acabaram afastando muitas -nao-vai-acreditar-que-existem.ght/ Acesso em 21/01/2022.

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BIOGRAFIAS

ADLER HOMERO FONSECA DE CASTRO  AMANDA DE ALMEIDA OLIVEIRA  ANA LOURDES COSTA Historiadora e
Historiador, mestre e doutor em Mestra em Museologia pelo museóloga, mestre em Museologia
História, pesquisador associado Programa de Pós-Graduação em e Patrimônio pela UniRio / Mast.
do Centro de Pesquisa em História Museologia da Universidade Profissional de museus, iniciou
Militar do Exército (CEPHiMEx), sócio Federal da Bahia (PPGMuseu/ a carreira no Museu Histórico
emérito do Instituto de Geografia e Ufba). Bacharela em Museologia Nacional, quando teve seu primeiro
História Militar do Brasil (IGHMB), pela Ufba, atualmente é museóloga contato com o vestido de Maria
pesquisador e Coordenador Geral do Instituto Brasileiro de Museus Bonita. É professora de História
de Reconhecimento e Identificação (Ibram) e coordena a implantação e adora roupas e suas trajetórias
do Instituto do Patrimônio Histórico da Projeto Tainacan, no âmbito do sociais. É pesquisadora do Grupo de
e Artístico Nacional (Iphan) e Programa Acervo em Rede. Atua nas Pesquisa Indumentária e Moda em
professor do Mestrado Profissional áreas de documentação em museus Museus (GPIMM/Ibram/CNPq).
em preservação do Patrimônio e gestão e difusão de acervos
do Iphan. digitais. ANA LUCE GIRÃO Pesquisadora
do Departamento de Arquivo
ALDA HEIZER Historiadora do ANA CRISTINA AUDEBERT RAMOS DE e Documentação e docente do
Instituto de Pesquisas Jardim OLIVEIRA Bacharel em Museologia Programa de Pós-Graduação
Botânico (JBRJ), onde desenvolve pela UniRio, mestre em História em Preservação de Gestão do
estudos sobre expedições, coleções, da Cultura pela PUC-Rio e doutora Patrimônio Cultural das Ciência e
museus e jardins botânicos. em Museologia e Patrimônio pela da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/
Professora do Programa de Pós- UniRio /Mast. É professora adjunta Fiocruz. Atua na área de História e
Graduação do Patrimônio/Casa no Departamento de Museologia da Memória, enfocando a história das
de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e Universidade Federal de Ouro Preto instituições científicas, os arquivos
PPGP/Biodiversidade em Unidades (Ufop). de cientistas e a preservação de
de Conservação (ENBT/JBRJ). acervos das ciências e da saúde.
ANA FLÁVIA MAGALHÃES PINTO 
ALINE MONTENEGRO MAGALHÃES  Professora do Departamento ANA PAULA CAVALCANTI SIMIONI 
Historiadora com mestrado e de História da Universidade de Professora do Instituto de Estudos
doutorado em História Social Brasília (UnB) e doutora em História Brasileiros da Universidade de São
(PPGHIS/UFRJ). Bolsista de pós- pela Universidade Estadual de Paulo. É autora de Profissão artista:
doutorado sênior do CNPq em Campinas (Unicamp). É autora pintoras e escultoras acadêmicas
Museologia (PPGPMUS/UniRio- de Escritos de liberdade: literatos brasileiras (1884-1922) (2008, Edusp,
Mast), entre 2018 e 2020. Foi negros, racismo e cidadania no reimpressão em 2019).
pesquisadora no Museu Histórico Brasil oitocentista (2018). Integra
Nacional por mais de vinte anos, a Rede de Historiadoras Negras e ANA VIRGINIA PINHEIRO 
instituição que dirigiu entre fevereiro Historiadores Negros (RHN) e o Bibliotecária e documentalista,
e julho de 2022. Atualmente é GT Emancipações e Pós-Abolição mestre em Administração Pública
docente no Museu Paulista da da Associação Nacional de pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Universidade de São Paulo. História (Anpuh). Trabalhou na Fundação Biblioteca

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Nacional por 38 anos (1982-2020), Janeiro (ECO/UFRJ). Foi assessora livro Federalismo à brasileira (Ipea,
sendo dezesseis deles como chefe de Comunicação do Museu 2012), entre outros.
e curadora de obras raras (2004- Histórico Nacional de 1990 a 2016.
2020). Leciona História do Livro “Brinquedo enquanto fonte de ARNO WEHLING Professor titular
e das Bibliotecas na Escola de informação museológica” foi o da Universidade Federal do
Biblioteconomia da Universidade tema de sua tese de doutorado. Rio de Janeiro e emérito da
Federal do Estado do Rio de Janeiro Participou da formação da coleção Universidade Federal do Estado do
(UniRio ) desde 1987. de brinquedos do Museu Histórico Rio de Janeiro. Professor visitante
Nacional. das Universidades de Lisboa e
ANDRÉ AMUD BOTELHO Graduado Portucalense. Membro da Academia
em Ciências Sociais e mestre em ANGELA DE CASTRO GOMES Mestra Brasileira de Letras e do Instituto
Antropologia pela Universidade e doutora em Ciência Política pelo Histórico e Geográfico Brasileiro.
Federal Fluminense, e doutor em Instituto Universitário de Pesquisas Pesquisador e autor de trabalhos
História, Política e Bens Culturais do Rio de Janeiro (Iuperj), professora nas áreas de Teoria da História/
pela Escola de Ciências Sociais titular de História do Brasil da Historiografia e História do Direito
da Fundação Getúlio Vargas. É Universidade Federal Fluminense e das Instituições.
técnico em assuntos culturais – (UFF), professora Emérita do Centro
Antropologia do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Documentação BÁRBARA DESLANDES PRIMO 
de Museus, e pesquisador do (CPDoc) da Fundação Getúlio Mestra em História Social pela
Núcleo de Pesquisa do Museu Vargas, pesquisadora emérita pela Universidade Federal Fluminense
Histórico Nacional. Possui trabalhos Fundação de Amparo à Pesquisa (UFF) e graduada em História
relacionados ao pensamento social do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Arquivologia pela mesma
brasileiro, museus e patrimônio. do Programa de Pós-Graduação em instituição. Foi responsável pelo
História da Universidade Federal setor de pesquisa do Museu
ANDRÉA GONÇALVES MOREIRA  do Estado do Rio de Janeiro (PPGH/ Palácio Rio Negro (Petrópolis/RJ)
Historiadora, mestre em UniRio) e professora do Mestrado e do Museu de Arqueologia de
Arquitetura e Urbanismo pela Profissional de História. Itaipu (Niterói/RJ). Hoje, atua como
Universidade de Brasília (UnB) historiadora no Arquivo Histórico
e doutoranda pelo Programa ANGELA MARIA CUNHA DA MOTTA do Museu Histórico Nacional.
de Pós-Graduação em História TELLES Diretora da biblioteca do
do Centro de Desenvolvimento Real Gabinete Português de Leitura CARINA MARTINS COSTA Professora
Sustentável (PPGHIS/CDS/UnB). e integrante do Polo de Pesquisas associada do Departamento
É professora adjunta em dois Luso-Brasileiras (PPLB). É museóloga de Arquitetura e Urbanismo da
Centros Universitários: Centro de (1973, Museu Histórico Nacional), Universidade do Estado do Rio de
Ensino Unificado de Brasília (Ceub) mestre (2000) e doutora (2007) Janeiro (Uerj), doutora em História,
e Instituto de Educação Superior em História Social pelo Instituto Política e Bens Culturais pela
de Brasília (Iesb), nas cadeiras de de Filosofia e Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-
Teoria e História da Arquitetura e Universidade Federal do Rio de CPDoc) e cofundadora do blog
Urbanismo e Estética e História da Janeiro (IFCS/UFRJ). É parecerista “Exporvisões: miradas afetivas
Arte, áreas em que pesquisa. dos Anais do Museu Histórico sobre museus, patrimônio e afins”.
Nacional e membro do Conselho
ANGELA CARDOSO GUEDES Graduada Internacional de Museus (Icom). CARLOS ALBERTO LOMBARDI
em Comunicação Social, com grau FILGUEIRAS 
de mestre e doutora em Ciência ANTONIO LASSANCE Historiador Formou-se em Engenharia Química
da Informação pelo Instituto e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de
Brasileiro de Informação Científica pela Universidade de Brasília. Minas Gerais (UFMG), doutorou-
e Tecnológica (Ibict) em convênio Pesquisador do Instituto de se em Química pela Universidade
com a Escola de Comunicação da Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de Maryland (EUA) e fez pós-
Universidade Federal do Rio de é autor e um dos organizadores do doutorado em Cambridge (Reino

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Unido). Foi professor visitante da H&H é ressaltar a contribuição DANIEL PALAZZI Jornalista e Ogan
em Coimbra (Portugal) e em cultural, científica e econômica da Casa de Candomblé Orun Ilê
outras universidades. Trabalhou desses imigrantes na sociedade que Axé Ayra Igbona de Conselheiro
simultaneamente como pesquisador os acolheu. Lafaiete/MG.
em Química e em História das
Ciências, tanto na UFMG como na CLAUDIA INÊS PARELLADA  DANIELLA GOMES DOS SANTOS 
UFRJ. Tem grande número de artigos Arqueóloga, coordenadora do Arquivista responsável pelo arquivo
e livros publicados. É professor Departamento de Arqueologia do histórico do Museu Histórico
emérito da UFMG e pesquisador Museu Paranaense e docente do Nacional desde 2011. Atuou, de 2005
emérito do CNPq. Programa de Pós-Graduação em a 2010, no arquivo da Fundação
Antropologia e Arqueologia da Getúlio Vargas.
CARLOS AUGUSTO DA ROCHA FREIRE  Universidade Federal do Paraná
Doutor em Antropologia Social pelo (UFPR). Doutora em Arqueologia ELIANE VIEIRA DA SILVA Bibliotecária
Museu Nacional/UFRJ. Pesquisador pela USP (2006). Mestre em e documentalista, especialista
aposentado e ex-coordenador de Antropologia Social pela UFPR em Ciência da Informação pelo
divulgação científica do Museu do (1997) e geóloga pela UFPR (1987). Instituto Brasileiro de Informação
Índio, é autor de três livros sobre em Ciência e Tecnologia (Ibict/
o Serviço de Proteção ao Índio CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA  UFRJ). Trabalha no Museu Histórico
(SPI) e organizador da coletânea Professora de História da rede Nacional há 39 anos, sendo 32 deles
Memória do SPI: textos, imagens pública do município do Rio de como responsável pela biblioteca.
e documentos sobre o Serviço de Janeiro. É mestre em Bens Culturais Representa o Museu e integra a
Proteção aos Índios (1910-1967). e Projetos Sociais (FGV/CPDoc) e Rede de Bibliotecas e Centros de
cofundadora do Centro de Estudos Informação em Arte (Redarte/RJ) e a
CARLOS KESSEL Historiador e Ações Solidárias da Maré (CEASM) Rede de Bibliotecas do Ibram.
e diplomata. Graduou-se em e do Museu da Maré.
Arquitetura pela UFRJ e tem FABIANO CATALDO DE AZEVEDO 
mestrado e doutorado em História DANIEL IADANZA FORAIN Mestrando Doutor em História (Uerj), mestre
Social pela mesma instituição. É em História da Arte na Universidade em Memória Social (UniRio) e
professor do Instituto Rio Branco do Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). bacharel em Biblioteconomia
Ministério das Relações Exteriores, É pesquisador especialista em Arte (UniRio). É professor adjunto do
pesquisador do Polo de Pesquisas Sacra. Graduado em Artes Visuais Departamento de Documentação e
Luso-Brasileiras do Real Gabinete na Uerj. Informação do Instituto de Ciência
Português de Leitura e investigador da Informação da Universidade
do Centro de Estudos Internacionais DANIEL LEB SASAKI Formado em Federal da Bahia (Ufba).
do Instituto Universitário de Lisboa Jornalismo pela PUC-Campinas,
(ISCTE-IUL). publicou Pouso forçado, seu FLÁVIA DE SÁ PEDREIRA Graduada e
primeiro livro. A obra foi finalista mestre em História pela Universidade
CHARLES STEIMAN Diretor da do Prêmio Jabuti. Com reportagens de Brasília (UnB, 1993), doutora em
Heritage & History. Com sede em em IstoÉ Dinheiro, Exame, Época História Social pela Universidade
Zurique, a H&H é uma instituição Negócios e Pequenas Empresas & Estadual de Campinas (Unicamp,
de pesquisa histórica e produção Grandes Negócios. Também liderou 2004) e professora do Departamento
editorial especializada no registro as atividades de comunicação de História da Universidade Federal
de eventos pessoais e comunitários com a imprensa nas companhias do Rio Grande do Norte (UFRN), tendo
das diferentes populações judias Gol/Varig, Avianca e United publicado Chiclete eu misturo com
europeias de língua alemã que Airlines (esta, no Brasil). No banana: carnaval e cotidiano de guerra
emigraram para o Brasil durante mercado audiovisual, participou em Natal, 1920-1945 (EDUFRN, 2012),
o século XX, em decorrência da das pesquisas e roteiros dos e organizado a coletânea Nordeste
perseguição do regime nacional- documentários Panair do Brasil e do Brasil na II Guerra Mundial
socialista. Uma tarefa fundamental Mario Wallace Simonsen. (Ideia, 2021).

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FLÁVIA FIGUEIREDO Museóloga, em 2016. Publicou o livro 1932: (PPGE/UFRJ). Pesquisador colaborador
servidora do Museu Histórico A história invertida (2018, Anita e pós-doutorando do Centro de
Nacional onde chefia o Setor de Garibaldi). Atualmente está em Estudos de Sociologia e Estética
Dinâmica Cultural – que abrange vias de defender seu doutorado no Musical (Cesem) da Universidade
os Núcleos de Pesquisa, Educação mesmo programa e universidade. Nova de Lisboa. Professor do Instituto
e Exposição – pelos quais também Federal Fluminense, licenciado em
é responsável. Atualmente é FRANCISCO RÉGIS LOPES RAMOS  Música (UniRio), bacharel em História
mestranda do Programa de Professor titular do Departamento (UFRJ) e músico.
Pós-graduação em Memória e de História da Universidade Federal
Acervos pela Fundação Casa de Rui do Ceará. Na mesma Universidade HEBE MATTOS Titular Livre na
Barbosa, onde pesquisa exposições, é professor do Programa de Pós- Universidade Federal de Juiz
memória, acervos, museus e Graduação em História, orientando de Fora (UFJF) e professora do
representação feminina. dissertações de mestrado e teses de Programa de Pós-graduação em
doutorado. Atualmente é pesquisador História da Universidade Federal
FLÁVIO GOMES Historiador e doutor do CNPq e desenvolve estudos no Fluminense e da UFJF. Autora,
em História pela Universidade âmbito das relações entre ficção, entre outros textos, dos livros Ao
Estadual de Campinas (Unicamp). cultura material e historiografia. Sul da História, Das cores do
Atua como professor permanente silêncio, escravidão e cidadania
nos programas de pós-graduação GABRIELA DA FONSECA Bacharela e no Brasil monárquico, Memórias
no Instituto de História da UFRJ. licenciada em História (Instituto do cativeiro e codiretora dos
É professor colaborador do de História/UFRJ, 2013), com filmes documentários Passados
programa de pós-graduação em especialização lato sensu em presentes do Laboratório de História
História da Universidade Federal da Educação Museal pelo Instituto Oral de Imagem (LABHOI/UFF/UFJF). 
Bahia (Ufba). Tem publicado livros, Superior de Educação do Rio de
coletâneas e artigos em periódicos Janeiro (Iserj/Ibram/Faetec, 2016) HELOISA MEIRELES GESTEIRA 
nacionais e estrangeiros, atuando e mestrado em Memória Social no Pesquisadora titular do Museu
nas áreas de Brasil colonial e pós- Programa de Pós-Graduação em de Astronomia e Ciências Afins,
colonial, escravidão, Amazônia, Memória Social da Universidade professora do Programa de
fronteiras, campesinato e pós- Federal do Estado do Rio de Janeiro Pós-Graduação em História da
emancipação. (PPGMS/UniRio, 2019). Pesquisa Universidade Federal do Estado do
vandalismo e patrimônio em Rio de Janeiro, professora adjunta
FLAVIO LENZ Jornalista e mestre em decorrência da atuação como da Pontifícia Universidade Católica
Comunicação (Uerj), editor do Beijo educadora museal, produtora do Rio de Janeiro e professora
da rua e cofundador da Davida e da cultural e professora de História. do Mestrado Profissional em
Daspu. Foi colega e companheiro de Preservação de Acervos de Ciência
Gabriela Leite. GEYZON BEZERRA DANTAS Jornalista e e Tecnologia (PPACT/Mast).
mestre em Letras pela Universidade
FRANCISCO DORATIOTO   Professor Federal da Paraíba, pesquisador, HILDETE PEREIRA DE MELO Doutora
nos cursos de graduação e analista de comunicação do em Economia e professora
pós-graduação em História da Instituto Brasileiro de Museus associada da Universidade
Universidade de Brasília (UnB) e e, desde 2018, responsável pela Federal Fluminense. É autora
autor de livros e artigos acadêmicos Assessoria de Comunicação do de livros, capítulos e artigos em
sobre a política brasileira em Museu Histórico Nacional. Também desenvolvimento econômico,
relação ao Rio da Prata. conhecido por Zonda Bez. economia de gênero e história das
mulheres. Foi membro efetivo do
FRANCISCO QUARTIM DE MORAES  GILBERTO VIEIRA GARCIA Doutor Conselho Nacional dos Direitos da
Formou-se em História pela USP, em Educação pelo Programa de Mulher e participou de muitas das
onde concluiu seu mestrado no Pós-Graduação em Educação da lutas narradas neste livro, junto
Programa de História Econômica Universidade Federal do Rio de Janeiro com Rose Marie Muraro.

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IONE PEREIRA COUTO Doutora em University, Montreal, Canadá), onde Contemporânea na Universidade
Museologia. Foi responsável pela também foi professor visitante, do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
reserva técnica do Museu do Índio doutor e mestre em História e no curso de Museologia da
até 2020. Ibero-americana e bacharel Universidade Federal de Ouro Preto
e licenciado em História pela (Ufop).
IRINA ARAGÃO DOS SANTOS  Pontifícia Universidade Católica
Pós-doutora em História da Ciência do Rio Grande do Sul (PUC-RS). JOSÉ PESSÔA Professor titular do
e Tecnologia (Museu de Astronomia Atualmente é professor associado Departamento de Arquitetura e da
e Ciências Afins/Mast); doutora e II da Universidade Federal de Goiás Pós-Graduação em Arquitetura e
mestre em História Comparada (UFG), onde atua no bacharelado Urbanismo da Universidade Federal
(Instituto de História / UFRJ); em Museologia, no Programa de Fluminense. É pesquisador do
mestre em Design pela PUC-Rio e Pós-Graduação em História (PPGH) CNPq e Cientista do Nosso Estado,
bacharel em História (IFCS/UFRJ) e e no Programa de Pós-graduação Fundação de Amparo à Pesquisa do
em Desenho Industrial (EBA/UFRJ). em Antropologia Social (PPGAS). Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
É professora no curso de graduação
em Desenho Industrial (PUC-Rio). JEANE MAUTONI Museóloga na JULIANA BARRETO FARIAS Professora
Tem interesse na reflexão sobre reserva técnica do Museu Histórico adjunta na Universidade da
cultura material e história, no Nacional. Trabalhou no Museu da Integração Internacional da
objeto como resultado e mediador Casa de Oswaldo Cruz, foi curadora Lusofonia Afro-brasileira (Unilab)
das relações sociais. assistente no Boca Raton Museum e do Programa de Mestrado em
of Art (Boca Raton, EUA) e vice- Estudos Africanos, Culturas Negras
ITAN CRUZ Doutorando em História diretora do Las Olas Art Center e Povos Indígenas (PPGEAFIN), da
Social pela Universidade Federal (Ft. Lauderdale, EUA). No Ibram, Universidade do Estado da Bahia
da Bahia (Ufba), mestre em atuou no Museu Casa Geyer e (Uneb). Doutora em História Social
História Social pela Universidade no Departamento de Processos pela Universidade de São Paulo
Federal Fluminense (UFF). Integra Museais. (USP), fez estágio pós--doutoral em
a Rede de Historiadoras Negras História da África na Universidade
e Historiadores Negros (RHN). JEFERSON ROCHA Professor, músico de Lisboa.
Dedica-se a pesquisas sobre Brasil e contramestre da Banda do Rosário.
Império, História da Bahia Império, É Ogã do Ilê Axé Ofá Logunedé de JULIO CEZAR NETO DANTAS Arquiteto
História Social das Elites, História Cachoeira do Campo em Ouro Preto/ e urbanista, formado pela
Social da Escravidão e História MG. Faculdade Integrada do Instituto
Social da Política. Metodista Bennett e museólogo
JOSÉ NEVES BITTENCOURT  formado pela Escola de Museologia
JACQUELINE HERMANN Professora Historiador, mestre e doutor pela da Universidade do Rio de Janeiro
titular de História da Universidade Universidade Federal Fluminense (UniRio, 1987). É especialista
Federal do Rio de Janeiro. Estudiosa (UFF). Pesquisador do Instituto do em História da Arte Sacra pela
do sebastianismo português, é Patrimônio Histórico e Artístico Faculdade do Mosteiro de São
autora, dentre outros, de No Reino Nacional (Iphan), lotado na Bento, Rio de Janeiro. É mestre
do Desejado. A construção do 13ª Superintendência Regional. Foi e doutor em Museologia e
sebastianismo em Portugal, séculos pesquisador no Museu Histórico Patrimônio, Programa de Pós-
XVI e XVII (Companhia das Letras, Nacional por 18 anos, onde atuou Graduação em Museologia e
1998) e o O rei da América: notas também como editor dos Anais Patrimônio (PPG-PMUS).
sobre a aclamação tardia de D. João do Museu Histórico Nacional.
VI no Brasil (Topoi, 2007). Foi Coordenador Técnico do KEDISON GUIMARÃES Agente
Museu Histórico Abílio Barreto e cultural, capitão do moçambique
JEAN BAPTISTA Pós-doutor pelo pesquisador no Museu de Artes Nossa Senhora do Rosário e Santa
Institute for Gender, Sexuality e Ofícios, em Belo Horizonte. Efigênia e Reinadeiro da Associação
and Feminist Studies (IGSF-McGill Foi professor de História dos Amigos do Reinado de Nossa

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Senhora do Rosário e Santa Efigênia estágio pós-doutoral no México e especialização em Ecologia Humana
de Ouro Preto/MG. na Espanha. É membro do Comitê pela Fundação Oswaldo Cruz e em
Brasileiro de História da Arte Políticas Públicas pela Coppe/UFRJ.
LIA CALABRE Doutora em História (CBHA) e pesquisadora do CNPq. Pesquisadora do Arquivo Nacional,
pela Universidade Federal foi coordenadora da Coordenação
Fluminense (UFF), professora do MARCELO ABREU Professor da de Pesquisa e Difusão do Acervo
Programa de Pós-Graduação em Universidade Federal de Ouro Preto (2007-2017), supervisora técnica
Memória e Acervos da Fundação (Ufop). Há bastante tempo atua nas da área de Pesquisa, membro
Casa de Rui Barbosa (PPGMA-FCRB) áreas de ensino de História, História do Comitê Brasil do Programa
e do Programa de Pós-Graduação da Historiografia e História das Memória do Mundo da Unesco e da
em Cultura e Territorialidades Comemorações. Na relação entre Comissão Permanente de Arquivos
(PPCULT-UFF). Foi pesquisadora estes campos, vem pesquisando as Privados do Conselho Nacional de
adjunta da FCRB, chefe do setor formas de popularização da História Arquivos. 
de políticas culturais (2002-2019). que caracterizam as historicidades
É autora de A era do rádio, políticas democráticas. MARIA FERNANDA BICALHO Professora
culturais no Brasil: Dos anos 1930 titular no Departamento e no
ao século XXI (FGV, 2009) e Escritos MARIA DE SIMONE FERREIRA  Programa de Pós-graduação em
sobre políticas culturais (FCRB, 2019), Museóloga pela Universidade História da Universidade Federal
entre outros. Federal do Estado do Rio de Janeiro Fluminense, bolsista do CNPq e da
(UniRio), especialista em Patrimônio Faperj, cujas bolsas permitiram a
LUÍS JORGE NATAL Potiguar, pelo Programa de Especialização pesquisa para a confecção do texto.
jornalista, botafoguense, ex- em Patrimônio (PEP/Iphan-Unesco),
professor de História. Curioso. mestre e doutora em História pela MARIA INEZ TURAZZI Historiadora,
Atualmente, trabalha também com PUC-Rio. Foi diretora do Museu doutora em arquitetura e
marketing político. de Arqueologia de Itaipu/Ibram urbanismo pela Universidade de
(2009-2012). Desde 2012, atua na São Paulo e autora de diversos
LUIZ HENRIQUE FIAMINGHI Professor Reserva Técnica do Museu Histórico artigos e livros, publicados no
associado da Universidade Estadual Nacional/Ibram, dedicando-se à Brasil e no exterior. É atualmente
de Santa Catarina (Udesc). Doutor documentação, à digitalização e à professora colaboradora do
em Música pela Unicamp, é pesquisa de acervo. Programa de Pós-Graduação em
diretor musical do grupo Anima e História e do Laboratório de História
coordenador do grupo de pesquisa MARIA DO CARMO RAINHO  Oral e Imagem da Universidade
A Vez e a Voz da Rabeca. Como Historiadora, doutora em História Federal Fluminense. Entre 1984
intérprete e pesquisador, atua nas (UFF) e mestra em História Social e 2014, trabalhou no Instituto do
áreas de música antiga, violino da Cultura (PUC-Rio). Pesquisadora Patrimônio Histórico e Artístico
barroco, rabecas, tradição oral do Arquivo Nacional, atuando na Nacional e no Instituto Brasileiro de
brasileira e rítmica. difusão dos acervos institucionais, Museus. É também consultora ad-
é curadora de exposições e autora, hoc e bolsista de produtividade do
MARALIZ DE CASTRO VIEIRA CHRISTO  entre outros, dos livros A cidade e CNPq, além de membro do Comitê
Professora Titular de História a moda (2002) e Moda e revolução Brasileiro de História da Arte e do
da Arte da Universidade Federal nos anos 1960 (2014). Conselho Internacional de Museus
de Juiz de Fora (UFJF). Doutora (Icom Brasil).
pela Universidade Estadual de MARIA ELIZABETH BREA MONTEIRO 
Campinas (Unicamp), foi bolsista Antropóloga e mestre em História MARIA ISABEL RIBEIRO LENZI 
da Foundation Getty, junto ao Política pela Uerj. Tem pós- Doutora em História Social pela
Institut National d’Histoire de l’Art graduação em Desenvolvimento UFF, organizadora do livro O Porto
de Paris (2003-2004). Recebeu Agrícola na Universidade e a cidade, o Rio de Janeiro de 1565 a
o Grande Prêmio Capes de Tese Federal Rural do Rio de Janeiro 1919, prêmio Jabuti em 2006, e do
Florestan Fernandes, em 2006. Fez e Antropologia na PUC-SP, com livro História do Rio de Janeiro em

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45 objetos. Atualmente trabalha Urbano e Regional. É pesquisador como pesquisadora no Museu de
no arquivo histórico do Museu e autor de artigos e livros sobre a Arte Moderna do Rio de Janeiro
Histórico Nacional. História Regional, Formação Urbana (MAM-RJ) e como professora
e Proteção ao Patrimônio Cultural contratada no Instituto de
MARIA PACE CHIAVARI Graduada da Cidade do Rio de Janeiro. Aplicação Fernando Rodrigues da
em Arquitetura pela Università Silveira da Universidade do Estado
degli Studi di Firenze (Itália) e MARIZE MALTA Professora associada do Rio de Janeiro (CAp-Uerj).
com Doutorado em Urbanismo da Escola de Belas Artes da
da Universidade Federal do Rio Universidade Federal do Rio de MOEMA VERGARA Pesquisadora
de Janeiro (Prourb-UFRJ), tem se Janeiro (UFRJ). Fez pós-doutorado titular do Museu de Astronomia
dedicado a pesquisas sobre a cidade no Artis, Universidade de Lisboa e Ciências Afins, vinculada ao
do Rio de Janeiro do século XIX e (bolsa Capes). É doutora em História Ministério da Ciência, Tecnologia e
início do século XX, sobre artistas, (UFF), e mestre em História da Arte Inovações (Mast/MCTI).
construtores e arquitetos italianos (UFRJ). Coordenadora do Setor de
no Brasil, além de fotografia e Memória e Patrimônio da EBA-UFRJ MÔNICA SALEM DE ZAYAS Museóloga,
história urbana. Publicou, entre (Museu D. João VI, Arquivo Histórico com especialidade em História
outros, Rio de Janeiro: preservação e Biblioteca de Obras Raras). do Brasil. Fez estágio voluntário
e modernidade (Sextante, 1998); Pesquisadora PQ-2 do CNPq, é uma no Museu Histórico Nacional e
“Busto de Pereira Passos”, in História das organizadoras do livro História prestou serviços no mesmo Museu
do Rio de Janeiro em 45 objetos, do Rio de Janeiro em 45 objetos, e no Museu Imperial de Petrópolis.
organizado por P. Knauss, I. Lenzi e entre outros. É auxiliar em restauração de
M. Malta (FGV/Jauá, 2019). papel e atualmente trabalha em
MARLI GASPAR BIBAS Bacharel em restauração de papel em ateliê
MARIA PAULA NASCIMENTO ARAUJO  Biblioteconomia pela Universidade próprio.
Professora titular de História Federal do Estado do Rio de
Contemporânea da Universidade Janeiro (UniRio), com interesse PATRÍCIA WANZELLER Historiadora
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nas áreas relacionadas à memória, do Ministério da Defesa. Possui
onde integra o Programa de Pós- patrimônio e cultura. Também graduação em História pela
graduação em História Social e o atua profissionalmente como Universidade Federal do Rio
Mestrado Profissional em Ensino diagramadora, principalmente, de Janeiro (UFRJ), doutorado
de História. Coordena o Núcleo de produtos editoriais impressos em História das Ciências, das
de História Oral e Memória do (livros, revistas e jornais). Técnicas e Epistemologia pela
Laboratório de Estudos do Tempo UFRJ e pós-doutorado pelo Museu
Presente (Instituto de História/UFRJ). MARTHA ABREU Professora titular de Astronomia e Ciências Afins
do Programa de Pós–graduação (Mast). É autora do livro Sociedade
MARILENE WEINHARDT Doutora em História da Universidade Auxiliadora da Indústria Nacional:
em Letras (USP, 1994) e professora Federal Fluminense (PPGH/UFF), o templo carioca de Palas Atena
titular de Literatura Brasileira na pesquisadora do CNPq e autora de (Firjan, 2019). É especialista em
Universidade Federal do Paraná, diversos trabalhos sobre cultura História da Ciência no Rio de
aposentada. Docente do Programa popular, música negra e racismo. Janeiro (século XIX) e História
de Pós-Graduação em Letras, nesta Seu último livro, Da senzala ao Militar (século XIX).
última instituição e pesquisadora palco: Canções escravas e racismo
do CNPq, nível 1C. É autora de nas Américas (1870-1930), foi PAULA MOURA ARANHA Graduada
Mesmos crimes, outros discursos? publicado pela Editora da Unicamp em Museologia pela Universidade
Algumas narrativas sobre o em 2017. Federal do Estado do Rio de Janeiro
Contestado (Editora da UFPR, 2000). (UniRio), especialista em História
MOEMA DE BACELAR ALVES Doutora da Arte e Arquitetura no Brasil pela
MARIO AIZEN Cientista social, com em História pela Universidade Pontifícia Universidade Católica do
especialização em Planejamento Federal Fluminense (UFF), trabalha Rio de Janeiro (PUC-Rio) e mestre

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em História pela Universidade do Sorbonne, é mestre em Ciência como pesquisadora e curadora em
Estado do Rio de Janeiro (Uerj). da Arte pela Universidade Federal diversas instituições particulares
Atualmente é museóloga do Museu Fluminense. Foi responsável pela e públicas sobre arte, artistas e
Histórico Nacional, vinculado ao criação do Instituto Nacional da arquitetura com especial atenção
Instituto Brasileiro de Museus Fotografia da Funarte, assim como aos séculos XIX, XX e XXI.
(Ibram) e responsável pelo núcleo do Departamento de Fotografia,
de Numismática do mesmo museu. Vídeo & Novas Tecnologias do RAFAEL ZAMORANO BEZERRA Bacharel
Museu de Arte Moderna (MAM-RJ). em História, mestre em Ciência
PAULO KNAUSS Doutor em História, É membro titular do IHGB, do IHG Política (2006) e doutor em
professor do Departamento de de Niterói e do Pen Clube do Brasil. História Social (2014). É historiador
História da Universidade Federal no Sítio Roberto Burle Marx
Fluminense, ex-diretor do Museu PEDRO MACHADO MASTROBUONO  (SRBM-Iphan). Foi editor dos Anais
Histórico Nacional (2015-2020). Advogado especializado em direitos do Museu Histórico Nacional de
Sócio titular do Instituto Histórico autorais. Graduou-se nos cursos 2006 a 2021. Atua como professor
e Geográfico Brasileiro (IHGB), de Storiadell’Arte Italiana e de permanente do Mestrado
atualmente responsável pelo Letteratura Italiana pelo Instituto Profissional em Preservação e
museu da instituição. Italiano di Cultura, órgão ligado Gestão do Patrimônio Cultural das
ao governo da Itália. É vencedor Ciências e da Saúde (COC/Fiocruz)
PEDRO BELCHIOR Mestre e doutor do prêmio Arruda Alvim de Direito e como professor do Mestrado
em História pela Universidade Processual Civil e membro fundador Profissional em Ensino de História
Federal Fluminense (UFF), é chefe do Instituto Alfredo Volpi de Arte (ProfHistória/UniRio).
da divisão técnica do Museu Moderna, que cuida do acervo e
Villa-Lobos (Instituto Brasileiro da divulgação das obras do pintor RENATA SANTOS Doutora e
de Museus/Ibram), onde trabalha modernista ítalo-brasileiro. Foi vice- mestre em História Social pela
desde 2006. É autor de Tristes -presidente da Comissão Especial UFRJ, graduada em História pela
subúrbios: literatura, cidade e de Direito às Artes da Ordem mesma instituição. É responsável
memória em Lima Barreto (Eduff, dos Advogados do Brasil (OAB/ pelo Contemporânea, escritório
2017) e coautor de Nova fase da lua: SP), bem como membro efetivo de projetos socioculturais e
escultores populares de Pernambuco da Comissão de Infraestrutura, de governança participativa.
(Caleidoscópio, 2012). Logística e Sustentabilidade da OAB. Coordenadora do Fórum Cidade,
É presidente do Instituto Brasileiro Favela e Patrimônio em cogestão
PEDRO COLARES HERINGER Bacharel de Museus (Ibram) desde março de com o Museu de Favela e
em Museologia pela Universidade 2020. pesquisadora de pós-doutorado
Federal do Estado do Rio de Janeiro do Laboratório de Cidades
e mestre em Arqueologia pelo PIEDADE EPSTEIN GRINBERG Pós- Inteligentes do Instituto Coppead
Museu Nacional/UFRJ. Atua no -graduada em História da Arte de Administração da UFRJ.
Instituto Brasileiro de Museus há e Arquitetura no Brasil PUC-Rio
onze anos, onde exerceu o cargo de e mestre em História e Crítica ROBERT PECHMAN Historiador e
direção do Museu de Arqueologia da Arte, na Escola de Belas Artes doutor em História pela Unicamp.
de Itaipu. Atualmente integra o (EBA-UFRJ). Foi diretora do Solar Tem várias obras e artigos
Núcleo de Numismática do Museu Grandjean de Montigny, do Museu publicados, destacando-se o estudo
Histórico Nacional. Universitário da PUC-Rio (1993 a sobre o Rio de Janeiro intitulado:
2018). Publicou diversos capítulos “Cidades estreitamente vigiadas.
PEDRO KARP VASQUEZ Escritor, em livros, revistas, catálogos de O detetive e o urbanista”.
fotógrafo e curador, autor de trinta exposições e livros como Bruno
livros, entre os quais figuram: Dom Giorgi 1905-1993, Di Cavalcanti: ROMNEY LIMA Mestrando em
Pedro II e a fotografia no Brasil e um mestre além do cavalete; Sergio História Social da Cultura na PUC-
o Dicionário técnico da fotografia Camargo, construtor de ideias, entre Rio, pós-graduado em História e
clássica. Formado em Cinema pela muitos outros. Atualmente atua Cultura Africanas e Afro-brasileiras

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pelo Instituto de Pesquisa e SOLANGE GODOY Museóloga e mestre e pesquisadora em temas de
Memória Pretos Novos (IPN), em História Social da Cultura pela Saúde, Sexualidade, Gênero e
bacharel e licenciado em História PUC-Rio. Dirigiu o Museu de Arte Direitos Humanos. Investiga as
pela UFRJ. Professor de História da Moderna de Resende, o Museu questões ligadas à história da
rede básica de ensino, é um dos do Primeiro Reinado e o Museu transexualidade no Brasil e na
criadores do podcast Na cadência Histórico Nacional. Lecionou no Europa nas décadas de 1950 a 1990.
da História, uma das seções do curso de Museologia da UniRio
projeto “Exporvisões: miradas por dez anos e foi conselheira da TAT’ETU LENGULUKENU Iniciou sua
afetivas sobre museus, patrimônios Fundação Vitae de apoio à cultura. vida religiosa com os ensinamentos
e afins”. de umbanda da Sra. Carmélia
SOLANGE PALAZZI Professora, Thomaz Senra (Mãe Carmélia/
ROSANA LANZELOTTE Musicista e historiadora e mestre em Educação. in memoriam) e do Sr. Antônio
pesquisadora. Gravou premiados Estudiosa da Cultura e História Carlos (Pai Toninho de Exu).
álbuns e é a autora do livro do Povo Negro, é madrinha dos Posteriormente, sua iniciação
Música secreta (2009), dedicado à Congados de Nossa Senhora do no Candomblé foi realizada por
trajetória do compositor Sigismund Rosário e São Benedito, e Nossa Mam’etu Mabeji no Kupapa Unsaba
Neukomm no Brasil. Idealizou Senhora das Graças. É irmã da (Bate Folha, Rio de Janeiro) onde
o portal Musica Brasilis para a Irmandade de Nossa Senhora do também recebeu sua dijina, e
disponibilidade de partituras Rosário dos Pretos de Ouro Preto/MG. após cumprir o período de noviço,
de música brasileira. Recebeu a o cargo de Tat’etu ria Inkisse. É
comenda Chevalier des Arts et des SONIA GOMES PEREIRA Historiadora zelador da Inzo Unsaba Ria Inkosse,
Lettres, outorgada em 2006 pelo da arte e museóloga. É professora terreiro localizado em Paraíba do
Governo francês. titular da Escola de Museologia da Sul/RJ e reconhecido como mestre
UniRio e professora titular emérita em Cultura Popular e Medicina
RUNDSTHEN NADER Astrônomo e da Escola de Belas Artes da UFRJ. Alternativa pelo Prêmio Culturas
vice-diretor do Observatório do Tem-se dedicado ao estudo da arte Populares.
Valongo da Universidade Federal do brasileira do século XIX e início
Rio de Janeiro (OV/UFRJ). do XX, com ênfase nos temas: THAYANE VICENTE VAM DE BERG 
formação do artista, academia, Doutoranda em Memória Social
SAMANTHA VIZ QUADRAT  colecionismo e historiografia. pela Universidade Federal do
Professora de História da América Estado do Rio de Janeiro (PPGMS/
Contemporânea da Universidade SORAYA SILVEIRA SIMÕES  UniRio). É mestra em Gestão de
Federal Fluminense, onde também Antropóloga, professora Documentos e Arquivos pelo
atua no Laboratório de História Oral do Instituto de Pesquisa e Programa de Pós-Graduação em
e Imagem (Labhoi). É especialista Planejamento Urbano e Regional Gestão de Documentos e Arquivos
em temas de memória, ditadura e da Universidade Federal do Rio de (PPGARQ/UniRio). Pós-graduada
transição à democracia, violência Janeiro (Ippur/UFRJ) e pesquisadora em Preservação de Acervos pelo
política e direitos humanos na do Laboratório de Etnografia Museu de Astronomia e Ciências
América Latina. É bolsista de Metropolitana (LeMetro) do Afins (Mast), e em História do
produtividade do CNPq desde 2013. Instituto de Filosofia e Ciências Brasil pela Universidade Federal
Sociais (IFCS/UFRJ). Foi membro de Fluminense (UFF). É pesquisadora
SANDRA MARIA TEIXEIRA Graduanda Davida e amiga de Gabriela Leite. no Laboratório Multidimensional
em História pela Universidade do de Estudos em Preservação de
estado do Rio de Janeiro, é guia STELLA-LIZARRA Bacharel em Documentos Arquivísticos (Lab.
de turismo e atriz. Moradora da Direito (PUC-Rio), com ênfase em PDA/UniRio).
Vila Autódromo, participou da Relações Internacionais (IRI/PUC-
resistência contra as remoções e é Rio). Doutora em Saúde Pública TONY WILLIAN BOITA Doutorando
uma das fundadoras do Museu das pela Escola Nacional de Saúde em Comunicação e mestre em
Remoções. Pública (ENSP/Fiocruz). É professora Antropologia Social e bacharel

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em Museologia pela Universidade com Edson Nery da Fonseca
Federal de Goiás. É diretor do (Vermelho Marinho, 2010).
Museu das Bandeiras, Museu de
Arte Sacra da Boa Morte e Museu YNAÊ LOPES DOS SANTOS Doutora
Casa da Princesa (Ibram/MTur). em História Social pela USP e
professora adjunta no Instituto de
VALÉRIA REGINA ABDALLA FARIAS  História da UFF. Realiza Pesquisa
Possui graduação em Museologia na aérea de História da América,
pela Universidade Federal da com ênfase em Escravidão Moderna
Bahia (Ufba, 2005) e Mestrado e Relações Étnico-raciais nas
em Comunicação Acessível pelo Américas, atuando principalmente
Instituto Politécnico de Leiria (2021). nos seguintes temas: escravidão,
Atualmente é museóloga no Núcleo América ibérica, formação dos
de Exposições do Museu Histórico Estados nacionais, cidades
Nacional. Já atuou no Núcleo de escravistas, relações étnico-raciais
Educação da mesma instituição, e ensino de História. Atualmente
onde iniciou trabalho na área da faz parte do Comitê Executivo do
acessibilidade. BRASA e é uma das editoras da
Revista Tempo, da Universidade
VERA LIMA Museóloga, especialista Federal Fluminense.
em museus e Educação pela
UniRio. Atuou no Museu Histórico
Nacional por mais de trinta anos,
destacando-se como curadora
da coleção de indumentária.
Foi professora de moda da
Universidade Cândido Mendes e da
Universidade Estácio de Sá (ambas
no Rio de Janeiro). Assinou várias
exposições e artigos nos Anais do
Museu Histórico Nacional sobre o
tema.

VERA LUCIA BOTTREL TOSTES 


Museóloga, mestre em História
Social e professora de Heráldica e
Sigilografia da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
Dirigiu o Museu Histórico Nacional
(1994-2014). É membro de diversos
Conselhos e Academias de História
e de Heráldica no Brasil e no
exterior. Autora de livros e artigos
sobre museologia e heráldica.

VICTOR VILLON Mestre e doutor em


História pela PUC-Rio, é autor de
O mundo português que Gilberto
Freyre criou – seguido de diálogos

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H I S T Ó R I A S D O B R A S I L E M 1 0 0 O B J E TO S

492

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AGRADECIMENTOS

Adriana Moreno
Álvaro Marins
Cláudio Figueiredo
Fernando Antônio Gadelha da Trindade
Juarez Guerra
Núbia Melhem Santos
Patrícia Wanzeller
Paulo Knauss
Ruth Beatriz Calceira de Andrade
Sarah Fassa Benchetrit
Valéria Castro Alves
Vânia Bonelli

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este livro foi editado

na primavera de 2022, na cidade de


são sebastião do rio de janeiro .

foram usados tipos didot ,

criados por firmin didot

em 1817.

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H673 Histórias do Brasil: 100 objetos do Museu Histórico Nacional, 1922-2022 /
Aline Montenegro Magalhães, org. et al. Rio de Janeiro: Museu
Histórico Nacional, 2022.
496 p. : il.; 21 cm.

Edição comemorativa dos 100 anos do Museu Histórico Nacional, 1922-2022.

ISBN: 978-65-88035-10-8

1.Museu Histórico Nacional (Rio de Janeiro, RJ) – Acervo Museológico.


I. Magalhães, Aline Montenegro. II. Botelho, André Amud. III. Lenzi, Maria
Isabel. IV. Bezerra, Rafael Zamorano.

CDD 981

103. 100 objetos_Biografias_23-11.indd 29 23/11/22 13:09

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