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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO


DO RIO GRANDE DO SUL (UNIJUÍ)
DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO (DHE)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

PENSAMENTO PEDAGÓGICO GEOGRÁFICO E


AUTONOMIA DOCENTE NA RELAÇÃO COM O LIVRO
DIDÁTICO: PERCURSOS PARA A EDUCAÇÃO
GEOGRÁFICA

CARINA COPATTI

Ijuí/RS
Maio, 2019
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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO


DO RIO GRANDE DO SUL (UNIJUÍ)
DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO (DHE)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

CARINA COPATTI

PENSAMENTO PEDAGÓGICO GEOGRÁFICO E


AUTONOMIA DOCENTE NA RELAÇÃO COM O LIVRO
DIDÁTICO: PERCURSOS PARA A EDUCAÇÃO
GEOGRÁFICA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Educação nas Ciências, vinculado ao Departamento
de Humanidades e Educação (DHE) da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial para a obtenção
do título de doutor em Educação nas Ciências. Linha
de Pesquisa: Currículo e formação de professores.
Área de concentração: Formação de professores.

Orientadora: Drª. Helena Copetti Callai.

Ijuí/RS
Maio, 2019
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CARINA COPATTI

PENSAMENTO PEDAGÓGICO GEOGRÁFICO E AUTONOMIA


DOCENTE NA RELAÇÃO COM O LIVRO DIDÁTICO:
PERCURSOS PARA A EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, do Departamento de


Humanidades e Educação (DHE) da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Educação nas
Ciências.

COMISSÃO JULGADORA

Profa. Dra. Helena Copetti Callai


Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

Prof. Dr. José Pedro Boufleuer


Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

Prof. Dr. Walter Frantz


Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

Profª. Drª. Adriana Maria Andreis


Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS Campus Chapecó

Profª. Drª. Lana de Souza Cavalcanti


Universidade Federal de Goiás – UFG

Prof. Dr. Marcelo Garrido Pereira


Universidad Academia de Humanismo Cristiano – UAHC

Local de defesa: Campus da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul,
Ijuí-RS.
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Catalogação na Publicação

C781p
Copatti, Carina.
Pensamento pedagógico geográfico e autonomia docente na
relação com o livro didático: percursos para a educação geográfica /
Carina Copatti. – Ijuí, 2019.
274 f. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do


Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências.

“Orientadora: Dra. Helena Copetti Callai.”

1. Pensamento pedagógico geográfico. 2. Autonomia docente.


3. Livro didático. 4. Educação geográfica. I. Callai, Helena Copetti.
II. Título.
CDU: 37(81)

Ginamara de Oliveira Lima


CRB10/1204
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Dedicatória

Aos professores que, ancorados em uma perspectiva de


educação libertadora, crítica e autônoma, tecem cotidiana e
continuamente, caminhos para transformações sociais e
resistem, em tempos sombrios, aos desmontes e descasos
que perpassam a formação e a atuação docente no Brasil.
Junto-me a vocês!
Somos e seremos sempre resistência!
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AGRADECIMENTOS
A Deus e aos seres de luz, por me possibilitarem trilhar este percurso de doutoramento.
À Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ –, que
forneceu subsídios para minha permanência. Nesta instituição, comprometida com a formação humana,
construí possibilidades de olhar o mundo sob novas perspectivas. Agradeço aos professores do Programa
de Pós-Graduação em Educação nas Ciências pelos ensinamentos e reflexões propostas; aos
funcionários, sempre atentos às necessidades dos acadêmicos; aos colegas, que contribuíram em tantos
momentos, principalmente a Silvana, a Larissa, a Lezita e a Sabrina, companheiras nessa caminhada.
De modo especial dirijo-me à professora Helena, que me conduziu nesta etapa. É uma grande
honra para mim ser sua aluna e conviver contigo, que além de uma profissional de referência no campo
da Geografia e Educação, é ser humano que cria oportunidades para que possamos “voar”! Com afeto,
conduziu-me pelos desafiantes percursos da pesquisa e da escrita. Minha gratidão também pela acolhida
no grupo de Pesquisa EMGCS-UNIJUÍ. Neste grupo encontrei pessoas extremamente comprometidas
com a educação. Nossos encontros, além de possibilitarem avanços individuais e coletivos,
proporcionaram a construção de laços de amizade e carinho recíproco. Se hoje chego ao final desta
etapa, dedico a vocês boa parte disso: Tarcísio, Claudia, Alana, Daniel, Maristela, Alisson, Rudião,
Elmir, Gabriel, Jandha, Martin, Márcia e os demais colegas que por aqui já passaram. Foi gratificante
conviver estes três anos com vocês! Meu especial agradecimento à Alana pela parceria e encorajamento,
à Maristela, pelo olhar atento e pelo constante cuidado, ao Tarcísio pela parceria, amizade e acolhimento,
e à Claudia pelos conselhos sempre tão sábios, pelo entusiasmo e pelo exemplo de superação.
Aos colegas do grupo de Pesquisa Gepes – UPF –, pelo aprendizado que me proporcionam e
pela compreensão em minhas ausências. De modo especial ao professor Altair Fávero, que oportunizou,
ainda em 2013, essa experiência que tem contribuído ao meu aperfeiçoamento profissional e pessoal.
Meu carinhoso agradecimento aos professores que compuseram a banca de qualificação e de
defesa: Adriana Andreis, Lana Cavalcanti, Marcelo Garrido, José Pedro Boufleuer e Walter Frantz, os
quais aceitaram prontamente o convite e, por meio de seus conhecimentos e sua experiência
extremamente valiosa, contribuíram para o aperfeiçoamento da pesquisa.
Meu agradecimento especial aos professores participantes da pesquisa, profissionais da
educação básica de instituições do Rio Grande do Sul e profissionais da educação superior do Brasil e
de países da América do Sul, que contribuíram com suas experiências para que eu pudesse, por meio
delas, refletir e construir esta tese. Ao amigo, professor Pedro Basqueira, que forneceu as coleções de
livros didáticos para a análise. Muitas contribuições de professores foram recebidas ao longo da vida,
cujos desdobramentos abriram portas para novas experiências. Meu agradecimento aos professores
Marcelo Garrido (UAHC-Chile), Andoni Martija Arenas (PUC-Valparaíso/Chile) e à professora Helena,
que pelo convênio internacional, possibilitaram um período de experiência no Chile, em setembro de
2018. Ao Marcelo que me acolheu com afeto e instigou novos olhares sobre os estudos da Geografia, e
ao Andoni pela recepção em Valparaíso e contribuições em vários momentos de nossos diálogos.
Meu agradecimento ao secretário de educação do município de Charrua/RS, Leocir Mesadri, às
coordenadoras pedagógicas Fernanda Cadore e Elsa Fochi, às diretoras das escolas em que atuo, Suzana
e Elaine, e aos colegas professores que compreenderam a necessidade de algumas ausências para o
constante aperfeiçoamento na vida de um professor. Toda essa caminhada valeu a pena com o apoio
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recebido de grande parte da equipe. Meu carinho especial aos meus queridos alunos, que me fazem
constantemente aprender e me desafiar. Sou grata por conviver e aprender com vocês!
Aos queridos amigos que construí na Universidade de Passo Fundo – UPF –, principalmente as
colegas da graduação em Geografia, Andressa Kort e Franciele Embaraque. Nossa parceria e
reciprocidade foi além da formação acadêmica. Sou grata por tê-las como amigas especiais e que fazem
a diferença em minha caminhada. À Andressa, de modo especial, pela constante presença, por me ajudar
e aconselhar em tantos momentos! Agradeço à minha querida amiga e incentivadora, Debora Moreira,
que desde o Mestrado em Educação-UPF tem sido uma grande parceira em tantos projetos e inúmeros
sonhos. Gratidão pela nossa amizade e que possamos construir muitas histórias juntas!
Meu agradecimento aos amigos maravilhosos que a UFFS-Erechim me proporcionou ainda em
2015: Ana Maria Pereira e Robson Paim. Essa caminhada seria muito mais difícil sem vocês comigo,
sem nossas conversas, risos e momentos de desabafo! Cada desafio enfrentado contou com a
participação, o cuidado e o bom humor de vocês. Não posso deixar de mencionar o querido Claudionei
Gengnagel que se juntou ao nosso grupo nos proporcionando aprendizagens, papos sérios e muitas
risadas também! Gratidão pela amizade que temos construído!
Às amigas de Ijuí, Alessandra e Thaís, que me receberam em 2016 com todo carinho, e aos
queridos amigos que fazem meus dias mais felizes, os que vivem próximo e aqueles que estão
geograficamente mais distantes: Regina, Cátia, Ana Paula, Mariane, Marina, Naira, Valquíria,
Deisinara, José Luiz, Bruna, Rosane, André, Luciane, Camila, Josiane M., Ademar, Mauro, Yan, Ígor,
Clair, Denise, Jaqueline, Juliana, Josiane S. Vocês estão sempre presentes, cada um a seu modo, me
fazendo lembrar que há vida para além da escrita da tese. Minha gratidão pelos momentos com vocês!
Meu agradecimento pelas aprendizagens que tive junto aos colegas da Geografia que conheci
em processos de avaliação de livros didáticos. O contato com estes profissionais-pesquisadores, agora
amigos, me inspira e serve, muitas vezes como referência em meus escritos e em minha atuação docente.
Ao Leonardo P. dos Santos que participou de etapas importantes do processo de doutoramento
e, mesmo distante, demonstrou seu olhar atento e seu incentivo, também compartilhando suas
experiências de tornar-se doutor. Minha gratidão pela nossa parceria em tantos momentos!
Meu especial agradecimento aos meus familiares que compreenderam minhas escolhas, deram-me
conselhos e apoio incondicional, sempre com seus corações repletos de amor. Essa caminhada seria muito
mais difícil sem o carinho e auxílio de vocês! Ao cunhado Rudinei e à mana Elizandra, meus incentivadores,
que me impulsionaram a cursar o Doutorado. À cunhada Tinaia e ao mano Ismael, que entenderam as
ausências e vibraram com as conquistas. Minha mãe, Marizete, que enfrentou comigo dias de tempestades e
perigos na longa estrada que percorri, semanalmente, além de fazer toda a diferença em muitos outros
momentos desta caminhada e em todo o percurso da minha existência! Ao meu pai, que, mesmo em outra
dimensão, sempre é referência, é amor e cuidado. Minha gratidão, meu pai, a ti e à nona Elvira por tudo o
que me ensinaram e pelo amor que me dedicaram. Vocês são luz e força em minha caminhada! Aos meus
sobrinhos: Gabriel, Caroline, Milena, Gustavo e Matheus, que, mesmo quando não se expressaram em
palavras, demonstraram afeto e trouxeram as melhores sensações de amor, o que me torna ainda mais forte
e grata pela vida. Ao Affonso Oscar e à Carla, meus maravilhosos afilhados. Amo-os infinitamente!
Por fim, a todos que, de alguma forma, contribuíram para que este percurso fosse trilhado com
persistência e concluído com êxito. A todos vocês meu carinho e minha gratidão!
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Quando o pesquisador iniciante defronta-se com o dilema da


pesquisa, é prisioneiro do desejo de ir além, de criar, de inovar,
de caminhar em direção ao que ainda não é. Porém, como ainda
não sabe quem é, fica impedido de transgredir seus próprios
limites. Entretanto, à medida que vai se apropriando de si mesmo,
sua pesquisa experimenta o gosto pela autêntica descoberta de
sua subjetividade. Como num espelho, vê sua imagem (aquela
que nunca a ele fora revelada) exposta como se não fora sua.
Examina-a em cada detalhe; um ajuste aqui, outro acolá,
aproxima-a da imagem de seus desejos. É todo um processo de
construir-se e, nesse construir-se, aos poucos, revelar-se.
(FAZENDA, 2015, p. 11-12).
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RESUMO

A constituição de um pensamento geográfico de professor é caminho para refletir sobre a formação de


professores de Geografia e a autonomia docente na relação com o livro didático. Alia-se, neste
movimento, linguagem e pensamento como contributos para trazer o pensamento geográfico ao cerne
da tese, considerando suas dimensões acadêmica e escolar. Nesse sentido, a questão central desta
pesquisa procura responder de que maneira os professores constroem o pensamento geográfico, o
compreendem e como essa estrutura contribui, na relação com o livro didático, para a autonomia
docente, visando à Educação Geográfica. Para respondê-la utilizou-se de argumentações em defesa da
tese de que o professor de Geografia, tendo desenvolvido o pensamento geográfico, sustentado em seus
pressupostos e articulado ao conhecimento pedagógico, tende a estabelecer relações com o livro didático
que contribuem para sua efetiva autonomia na construção da Educação Geográfica. Contribuíram a esse
posicionamento a pesquisa bibliográfica e a dimensão empírica, a partir de entrevistas com professores
que atuam na educação superior, referentes à constituição do pensamento geográfico, e com professores
da educação básica, sobre aspectos de formação-ação docente, considerando a estrutura do pensamento
geográfico que constroem e utilizam, a sua relação com o livro didático e o desenvolvimento da
autonomia. A produção dos dados tomou por base a Análise de Conteúdo, sendo interpretados sob o
viés da Teoria Crítica e da Hermenêutica, cujo processo possibilita afirmar que, mesmo não sendo
explicitados determinados elementos do pensamento dos professores de Geografia, existe uma estrutura
básica de pensamento e de raciocínio geográfico que é construída e que precisa ser aperfeiçoada no
decorrer da profissão docente. Se essa estrutura de elementos é organizada pelo professor e manipulada
mentalmente por ele, com clareza e de modo complexo, este tende a desenvolver autonomia ao elaborar
propostas de aulas, ao organizar-se didática e metodologicamente no sentido de adequar suas estratégias
de trabalho, relacionando-as aos aportes teórico-científicos de que dispõe para realizar análises e
interpretações, e também ao estabelecer relações com o currículo, com os alunos e, ainda, com os livros
didáticos, recursos mais utilizados nas escolas brasileiras. Nesse viés, se o professor tem construída essa
estrutura do Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG), tende a criar um modo de pensar que alia
aspectos da dimensão teórico-conceitual e epistemológica aos aportes da dimensão pedagógica, que
possibilitam construir um modo de abordar a Geografia, este que é complexo e, na relação com o livro
didático, permite a contextualização, a argumentação e a significação da Geografia que ensina.

Palavras-chave: Pensamento pedagógico geográfico. Autonomia docente. Livro didático. Educação


geográfica.
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ABSTRACT

The constitution of teacher’s geographic thinking is path towards the reflection on the Geography
teachers’ formation and their autonomy over the textbook. In this motion, language and thought are
allied to approximate the geographic thinking to the core of this thesis, considering both academic and
scholar dimensions. The central issue in this research is to answer how teachers build and comprehend
geographic thinking and how this structured process contributes to their autonomy over the textbook in
Geographic Education. The answer is prospected in argumentations in defense of the thesis that
Geography teachers tend to establish relations with the textbooks in order to build their effective
autonomy for Geographic Education from their own geographic thinking, structured from their
presuppositions and articulated to the pedagogical knowledge. Contributed to this positioning the
bibliographic research as well as the empirical dimension of interviews with college teachers about the
construction of their geographic thinking and also with basic education teachers about aspects of their
formation and action, considering the structure of their own geographic thinking, their relation with
textbooks and their autonomy development process. Data production was based upon content analysis
and interpreted under the bias of Critical Theory and Hermeneutics, from which may be affirmed that
even if certain elements of Geography teacher’s thinking are not explicit, there is a basic structure of
thought and reasoning that needs to be improved in the course of the profession. If this structure is
organized and mentally manipulated with clarity and complexity by the teachers, they tend to develop
autonomy. Teachers’ autonomy is fundamental to elaborate lessons and to organize didactically and
methodologically, in order to adapt work strategies that relate to the theoretical-scientific contributions
they have access for analysis and interpretation, and also to the curriculum, to the students and with the
most used resource in brazilian schools, the textbooks. In this bias, if teachers have the Geographic
Pedagogical Thinking (GPT/PPG) built and structured, they tend to create a way of thinking that merge
aspects of the theoretical-conceptual and epistemological dimension with the pedagogical theoretical
dimension and it can build a complex method to approach Geography in relation to the textbooks that
admits contextualization, argumentation and signification in Geography teaching.

Keywords: Geographic pedagogical thinking. Teacher’s autonomy. Textbook. Geographic education.


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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros


BNCC – Base Nacional Comum Curricular
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CIEE – Centro de Integração Empresa-Escola
CNLD – Comissão Nacional do Livro Didático
COLTED – Comissão do Livro Técnico e Didático
CPC – Conhecimento Pedagógico de Conteúdo
CPG – Conhecimento Pedagógico Geográfico
DCNs – Diretrizes Curriculares Nacionais
DHE – Departamento de Humanidades e Educação
EF – Ensino Fundamental
EJA – Educação de Jovens e Adultos
EM – Ensino Médio
EMGCS – Grupo de Pesquisa Ensino e Metodologia em Geografia e Ciências Sociais
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
GEPES – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INL – Instituto Nacional do Livro
LA – Livro do Aluno
LD – Livro Didático
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
MP – Manual do Professor
N-H-E – Natureza, Homem e Economia
PCK – Pedagogical Content Knowledge
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PGP – Pensamento Geográfico do Professor
PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
PNLEM – Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
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PPG – Pensamento Pedagógico Geográfico


PPGP – Pensamento Pedagógico Geográfico de Professor
PPP – Projeto Político Pedagógico
PNLD – Plano Nacional do Livro Didático
RedLadGeo – Rede Latino Americana de Didática na Geografia
UFFS – Universidade Federal da Fronteira Sul
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
UPF – Universidade de Passo Fundo
USAID – United Stades Agency Internacional Development
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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Obra de arte Terraced City (Toronto + Peru) ..................................................... 29


Figura 2 – Obras de arte "Wild Flower” ............................................................................. 29
Figura 3 – Aspectos do pensamento do professor a serem consideradas nas interpretações... 32
Figura 4 – Pensamento espacial e geográfico inicial, projetado pela mente ......................... 37
Figura 5 – Habilidade espacial e conhecimento espacial ..................................................... 37
Figura 6 – Ilustração dos elementos que constituem o pensamento geográfico .................... 41
Figura 7 – Estrutura do pensamento geográfico .................................................................. 43
Figura 8 – O pensamento geográfico da Geografia moderna ............................................... 49
Figura 9 – Estrutura da Geografia em sua fase de constituição científica ............................ 51
Figura 10 – Esquema fragmentação - reencontro Homem-meio .......................................... 51
Figura 11 – Principais autores (séculos XIX-XX), influências e áreas de pesquisa na Geografia
brasileira ........................................................................................................ 63
Figura 12 – Principais influências na Geografia brasileira .................................................. 64
Figura 13 – Estrutura comum e específica da Geografia escolar e Geografia acadêmica ..... 76
Figura 14 – Relação Pensamento Geográfico-Educação Geográfica ................................... 79
Figura 15 – Esquema dos aspectos que compõe a estrutura do pensamento geográfico do
professor ...................................................................................................... 127
Figura 16 – Posicionamento dos professores de Geografia em relação à formação e atuação
docente ........................................................................................................ 128
Figura 17 – Elementos do livro didático como contributos ao trabalho docente no contexto
escolar ......................................................................................................... 142
Figura 18 – Dimensões da constituição da Educação Geográfica pelo professor ............... 160
Figura 19 – Dimensões que constituem o professor de Geografia ..................................... 175
Figura 20 – Estrutura do Pensamento Pedagógico Geográfico .......................................... 178
Figura 21 – Estrutura de relação Pensamento Pedagógico Geográfico no professor de
Geografia ............................................................................................ 197
Figura 22 – Estrutura da relação PPG-Autonomia Docente-LD-Educação Geográfica ...... 207
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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Principais temas abordados no decorrer da tese e principais autores consultados ..... 24
Quadro 2 – Perguntas semiestruturadas aos professores da educação superior .................... 26
Quadro 3 – História de vida, formação e profissão ............................................................. 28
Quadro 4 – Leitura de imagens ........................................................................................... 28
Quadro 5 – Questões de relação entre imagem e entendimento dos professores da educação
básica ............................................................................................................... 30
Quadro 6 – Domínios do espaço e sua interpretação ........................................................... 38
Quadro 7 – Diferentes compreensões do pensamento espacial ............................................ 40
Quadro 8 – As geografias ao longo do tempo ..................................................................... 45
Quadro 9 – Tendências de pensamento na Geografia Tradicional ....................................... 52
Quadro 10 – Fases da Geografia Moderna .......................................................................... 53
Quadro 11 – Princípios geográficos na Geografia Moderna e princípios lógico-geográficos. 54
Quadro 12 – Estrutura da Geografia Moderna .................................................................... 55
Quadro 13 – Principais influências do pensamento filosófico na Geografia ........................ 58
Quadro 14 – Principais categorias da Geografia ................................................................. 59
Quadro 15 – O pensamento geográfico no Brasil ................................................................ 61
Quadro 16 – Perspectivas do pensamento geográfico no Brasil .......................................... 65
Quadro 17 – Os principais modelos de Geografia no Brasil sob o pensamento setorizado ou de
totalidade ....................................................................................................... 66
Quadro 18 – Principais ações na política do Livro Didático .............................................. 131
Quadro 19 – Fundamentos geográficos na organização dos Livros Didáticos ................... 133
Quadro 20 – Coleções de Geografia PNLD 2017 mais escolhidas .................................... 144
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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE .................................... 230


Anexo 2 – Solicitação de indicação de professores – UFFS .............................................. 233
Anexo 3 – Solicitação de indicação de professores – UFRGS ........................................... 234
Anexo 4 – Solicitação de indicação de professores – UPF ................................................ 235
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LISTA DE APÊNDICES

Apêndice 1 – Quadro síntese sobre o pensamento geográfico dos principais pensadores nas
escolas alemã e francesa ................................................................................................... 236
Apêndice 2 – Quadro síntese sobre as novas tendências do pensamento geográfico no século
XX .................................................................................................... 238
Apêndice 3 – Quadro síntese referente aos métodos científicos e seus desdobramentos na
Geografia .................................................................................................. 241
Apêndice 4 – Quadro sobre os principais conceitos estruturantes na Geografia ................. 242
Apêndice 5 – Quadro síntese do pensamento geográfico segundo professores de Geografia na
educação superior ........................................................................................ 244
Apêndice 6 – Quadro síntese do pensamento geográfico necessário na formação de professores
de Geografia ................................................................................................ 245
Apêndice 7 – Quadro sobre a titulação e experiência docente do grupo de professores
entrevistados ............................................................................................. 247
Apêndice 8 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 1 – Influência
na escolha da profissão .............................................................................. 248
Apêndice 9 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 1 – Inserção
em sala de aula e construir-se professor de Geografia ................................ 249
Apêndice 10 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 1 – Relação
entre conhecimento teórico e conhecimento prático ................................... 251
Apêndice 11 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 1 – Relação
entre geografia acadêmica e geografia escolar ........................................... 252
Apêndice 12 – Síntese da Estrutura do pré-teste com professores da educação básica: momento
2 – leitura do primeiro conjunto de imagens .............................................. 254
Apêndice 13 – Síntese da Estrutura do pré-teste com professores da educação básica: momento
2 – leitura do segundo conjunto de imagens ............................................... 256
Apêndice 14 – Síntese sobre a construção do pensamento geográfico do professor e a definição
de pensamento geográfico ......................................................................... 258
Apêndice 15 – síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 3 –
Influências do LD no pensamento do professor e na autonomia docente .. 260
Apêndice 16 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 3 - Relação
inicial com o LD e o uso dele na prática docente atual ............................... 262
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Apêndice 17 – Síntese da estrutura do pensamento geográfico no Livro Didático (LA e MP) a


partir dos conceitos, princípios e categorias ............................................... 265
Apêndice 18 – Síntese da estrutura do pensamento geográfico no Livro Didático (LA e MP), a
partir das palavras e expressões ................................................................. 266
Apêndice 19 – Síntese da estrutura do pensamento geográfico no Livro Didático (LA e MP), a
partir do método ........................................................................................ 269
Apêndice 20 – Síntese da entrevista com professores da educação básica. Momento 3:
autonomia do professor e livro didático ................................................. 271
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 20

1. PERCURSOS DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO ................................................. 35


1.1 O pensamento geográfico ao longo da história .......................................................... 35
1.2 A constituição do Pensamento Geográfico ................................................................ 41
1.3 Geografia científica e pensamento geográfico ........................................................... 45
1.4 O pensamento geográfico na Geografia escolar ........................................................ 66
1.5 Pensamento geográfico e educação geográfica .......................................................... 71

2. O PENSAMENTO GEOGRÁFICO NO PENSAR DO PROFESSOR E NAS


PROPOSTAS DOS LIVROS DIDÁTICOS ............................................................. 81
2.1 Formação de professores de Geografia ..................................................................... 81
2.2 Construção e compreensão do pensamento geográfico pelo professor ..................... 87
2.3 A força do Livro Didático na constituição do pensamento do professor ................ 130
2.4 O pensamento geográfico no Livro Didático ........................................................... 144
2.5 O livro didático na Geografia Escolar ..................................................................... 155

3. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO GEOGRÁFICO E A AUTONOMIA DOCENTE


PARA A EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA ................................................................... 159
3.1 Percursos para a autonomia do pensamento do professor ..................................... 162
3.2 O pensamento do professor de Geografia e a autonomia para a/na docência ....... 172
3.3 A autonomia docente e o Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG) ................... 179
3.4 O Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG) como possibilidade para além do livro
didático ....................................................................................................................... 184
3.5 O Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG) na/para a Educação Geográfica .... 193
3.6 Confluências entre Pensamento Pedagógico Geográfico – Livro Didático e Autonomia
Docente: tecendo caminhos para a Educação Geográfica ..................................... 198

CONCLUSÕES .............................................................................................................. 209

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 221

ANEXOS ........................................................................................................................ 230

APÊNDICES .................................................................................................................. 236


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INTRODUÇÃO

Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que


precisarás passar, para atravessar o rio da vida –
ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos
sem-número, e pontes, e semideuses que se
oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te
custaria tua própria pessoa: tu te hipotecarias e te
perderias. Existe no mundo um único caminho por
onde tu podes passar. Onde leva? Não perguntes,
segue-o.
(Nietzsche, 2010).

As palavras de Nietzsche (2010) contemplam a dimensão de nossa existência;


expressam, também, o processo de escrita de uma tese e a importância que ela tem na
constituição do pesquisador, por se configurar em um processo que, assim como o percurso da
existência humana, somente pode ser trilhado por aquele que o faz.
A escrita é caminho que se constrói de modo contínuo e processual no decorrer da
trajetória acadêmica. É um longo percurso, marcado por diferentes situações, as quais
contribuem para reordenar, a cada passo dado, o modo de caminhar e a direção a ser tomada.
Essa construção nos transforma no decorrer do processo, na jornada que se faz caminhando em
meio a diferentes contribuições, seja de autores de nossa área de pesquisa, seja de profissionais
que nos amparam e indicam rotas, ou pelas relações pessoais que se entrelaçam neste caminhar.
A construção da trajetória de escrita requer um conjunto de elementos que, articulados,
contribuem ao processo de construir-se e, aos poucos, revelar-se por meio do exercício da
pesquisa, cujo movimento implica caminhar e construir o caminho em direção ao que ainda
não é, condição que conduz esse exercício de aperfeiçoamento pessoal e profissional que
envolve o doutoramento. Esta tese traz implícito o interesse em responder às dúvidas
vivenciadas como professora de Geografia. Desde a Licenciatura, quando inserida no contexto
escolar em estágio supervisionado, percebia a inquietante relação conhecimento acadêmico-
conhecimento escolar e a interação com o livro didático. Que dispositivos, afinal, produzem
essas relações?
No decorrer dos anos, o trabalho como professora de Geografia na rede municipal de
Charrua/RS passou a instigar a busca por respostas às dúvidas que persistiam. Entendia que o
que havia estudado até então ainda era insuficiente diante dos desafios que a educação escolar
nos impõe cotidianamente; isso fez com que, pela pesquisa, ampliasse e aprofundasse as
21

reflexões sobre ensino da Geografia e formação docente, inicialmente no Mestrado em


Educação na UPF, e, posteriormente, no Doutorado em Educação nas Ciências na UNIJUÍ.
Estas questões tornaram-se mais latentes e delinearam a reestruturação do projeto de
pesquisa considerando minha participação em processos avaliativos de coleções didáticas de
Geografia.1 A partir das reflexões sobre o modo como eu interagia com o livro didático, busquei
compreender que elementos embasam o pensamento dos professores de Geografia e que aportes
definem a relação que estabelecem com o livro didático: tornando-o definidor de procedimentos
em sala de aula ou construindo a autonomia docente para a educação geográfica.
A relação com os livros didáticos perpassa minhas inquietações de pesquisadora e as
relações que, desde a infância, construí com estes materiais, quando, nas horas de brincar, junto
ao quadro e o giz, eram minha companhia. Os livros didáticos acompanharam minha formação
desde a aprendizagem das primeiras palavras, quando, ao mudar de escola e perceber minhas
fragilidades de aprendizagem, foi necessário tornar mais fluentes as leituras: juntar aquelas
letrinhas difíceis era o caminho para a aprovação escolar. Estava lá o livro didático sendo levado
de cá para lá, da escola para casa, de casa para a escola... Pouco a pouco, as palavras ganharam
vida e as histórias eternizaram-se em minha memória: lia sobre A Maria Fumaça e sobre a
ovelha Maria que não ia com as outras... estas foram as primeiras histórias que eu pude ler
através dos meus olhos e por intermédio dos livros didáticos.
Os flashes de memória retomam momentos em que o uso dos livros didáticos se inseria
em meu cotidiano quando brincava de ser professora: tomar a lição, fazer a leitura de textos e
imagens dos livros, imaginar cenas e contá-las aos meus “pequenos alunos imaginários”, para
que pudessem, assim como eu, imaginar o mundo que conhecia pelos livros escolares. Essa
brincadeira de criança deixou de ser apenas imaginação para, pouco a pouco, tornar-se real com
a formação acadêmica. A partir do conhecimento poderia entender o mundo, interpretar suas
dinâmicas, dizer das coisas ainda não conhecidas. Isso fez-se presença em meu cotidiano pelas
páginas dos mais diversos tipos de livros, dentre eles os didáticos que chegavam à escola. Essas
experiências entrelaçavam-se ao cotidiano da profissão – a cada nova leitura, novos
questionamentos sobre “ser professora”, contribuindo para aflorar as inquietações que
povoavam minha mente e conduziram ao ingresso no Doutorado no Programa de Pós-
Graduação em Educação nas Ciências da UNIJUÍ.

1
A relação entre professores e livros didáticos tem tomado espaço significativo em minhas pesquisas desde que
constituí a equipe de avaliadores de coleções didáticas de Geografia (PNLD 2017 – anos finais do EF, PNLEM
2018 – Ensino Médio e PNLD 2019 – anos iniciais do EF).
22

Após percorrido este caminho inicial, as possibilidades de ir além daquilo que já


conhecia sobre educação fizeram com que as ideias para a pesquisa gradativamente fossem
construídas, chegando ao tema: O pensamento geográfico na formação-ação do professor de
Geografia e a autonomia docente. Nesse sentido, no desenvolvimento desta tese, intitulada
Pensamento pedagógico geográfico e autonomia docente na relação com o livro didático:
percursos para a educação geográfica, procura-se abordar os aspectos que mantém as relações
entre a formação, a ação do professor de Geografia e a autonomia docente na relação com o
livro didático. Para tanto, a questão central procura responder: De que maneira os professores
constroem o pensamento geográfico, o compreendem, e como essa estrutura contribui, na
relação com o livro didático, para a autonomia docente?
Considera-se como hipótese que as concepções teóricas e metodológicas específicas à
Geografia, tanto em sua vertente acadêmica quanto escolar, compõem a base que sustenta a
formação e a atuação dos professores. Interconectadas ao conhecimento pedagógico, são
essenciais para construir um delineamento daquilo que ampara a profissão professor de
Geografia. As concepções teóricas e metodológicas são parte do pensamento geográfico,
constituído em diferentes momentos históricos a partir das tendências de pensamento formadas
no decorrer da evolução desta ciência. Estes conhecimentos geográficos e pedagógicos se
entrelaçam no sentido de constituir o profissional: seu Pensamento Pedagógico Geográfico.
A partir destas constatações iniciais, justifica-se a necessidade de entender de que modo
o professor de Geografia constrói um pensamento geográfico e o conhecimento que
compreende sua atuação profissional; e de que maneira, na formação e na atuação docente, este
pensamento serve de alicerce para, no contexto escolar, construir autonomia no
desenvolvimento da Educação Geográfica. Poderá contribuir para que profissionais já formados
e aqueles em formação reflitam sobre o modo como se constituem professores e como isso
interfere na relação que estabelecem com diferentes situações da docência: com os alunos, na
elaboração dos planos de aula e na interação com o currículo e com recursos, como o livro
didático, utilizado na grande maioria das escolas do país e que, nesta tese, é considerado objeto
da pesquisa junto ao Pensamento Geográfico.
Diante disso, defende-se que, sem o conhecimento das tradições geográfica e
pedagógica não é possível uma formação sólida, construída, de modo processual, ao longo
da formação do professor de Geografia; isso torna possível, no desenvolvimento
profissional, maior autonomia em relação ao livro didático ou a outros recursos que possa
utilizar.
23

Se não estiverem bem fundamentados esses conhecimentos geográficos e a dimensão


pedagógica, o professor tende a utilizar o livro didático como principal instrumento da aula, ou
como a própria aula, dependendo de como relaciona-se com ele. Assim, muitas vezes deixa de
lado as bases que o constituíram na formação acadêmica, e isso pode gerar dificuldades no
desenvolvimento da autonomia no processo de ensino e aprendizagem. De outro modo, quando
o professor tem clareza sobre os conhecimentos da tradição geográfica e pedagógica, além dos
conteúdos teóricos e demais conhecimentos inerentes à prática de ensino, tem condições de
tomar decisões com mais segurança, seja sobre conteúdos, metodologias, estratégias de ensino,
formas de avaliação, além de realizar a escolha do livro didático e utilizá-lo a partir do
conhecimento construído, não tornando-se refém deste material. Partindo destas considerações,
defendo a tese de que o professor de Geografia, tendo desenvolvido o pensamento geográfico,
sustentado em seus pressupostos e articulado ao conhecimento pedagógico, tende a estabelecer
relações com o livro didático que contribuem para sua efetiva autonomia na construção da
educação geográfica.
No intuito de desenvolver a problemática proposta, o objetivo é refletir sobre como
o professor constrói e compreende o pensamento geográfico e como esse pensamento,
aliado ao pensamento pedagógico, contribui para a autonomia docente na relação com o
livro didático, visando à educação geográfica. Outros objetivos específicos foram
elencados: a) entender como o pensamento geográfico foi constituído e como ele
compreende a formação do professor, a Geografia escolar e o livro didático; b) interpretar
de que modo os professores de Geografia dos anos finais do Ensino Fundamental entendem
o pensamento geográfico e como esse pensamento se relaciona com o conhecimento
pedagógico; c) investigar a influência do livro didático na formação-ação do professor de
Geografia e na Geografia escolar; d) compreender que dimensões contribuem para a
formação do professor de Geografia e sua relação com o pensamento geográfico; e) analisar
como o pensamento pedagógico geográfico contribui para a autonomia docente na relação
com o livro didático, visando à educação geográfica.

Delineamentos metodológicos da pesquisa

O desenvolvimento desta tese segue a abordagem qualitativa e constitui-se de longos


processos de reflexão acerca do tema proposto. Envolve um conjunto de procedimentos que,
alicerçados em um método de pesquisa, conduzem as análises e interpretações no sentido de
contribuir com questões da área da educação e, de modo mais específico, da educação em
24

Geografia. Configura-se a partir da análise de elementos que possibilitam produzir novos


conhecimentos e tecer reflexões acerca de possíveis caminhos que contribuam a pensar o tema
proposto. Utilizou-se como referência o Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Google Acadêmico, mediante os
seguintes conectores: pensamento geográfico e formação de professores, pensamento
geográfico e livro didático, formação de professores e livro didático, obtendo artigos,
dissertações e teses que ampliaram o referencial teórico consultado.
A articulação dos referenciais bibliográficos toma por base autores que contribuem
sobre os principais temas abordados: pensamento geográfico, formação do professor de
Geografia, livro didático, autonomia docente e educação geográfica. Os principais autores
consultados ancoram o posicionamento teórico adotado e contribuem com as questões
propostas no desenvolvimento da pesquisa. Autores da área de Geografia, da epistemologia
desta ciência, do ensino e da formação de professores, são as referências principais.
Também há contribuição de autores que debatem sobre educação, hermenêutica e cidadania.

Quadro 1 – Principais temas abordados no decorrer da tese e principais autores consultados.


Principais temas abordados Principais autores consultados
Manoel C. de Andrade (1992), Rui Moreira (2009, 2012, 2014, 2015), Paul
História da Geografia e Claval (2011, 2015), Yves Lacoste (2016), Eliseu Sposito (2004), Antônio
pensamento geográfico C. Robert Moraes (2002, 2005), Dirce M. Suertegaray (1997, 2005, 2017).
Formação de professores e Dermeval Saviani (2005, 2009), Helena C. Callai (2001, 1995, 2011,
formação de professores de 2013), Mario Osorio Marques (1992, 2003, 2006), Lana de S. Cavalcanti
Geografia (2008, 2010, 2012), Francisco Rodriguez Lestegás (2002).
Livro didático Eliseu Sposito (2004, 2006), Helena C. Callai (2016, 2017).
Autonomia docente Luiz P. Britto (2002), Paulo Freire (2018), José Contreras (2002).
Educação Geográfica Helena Callai (2011, 2013); Sônia Castellar (2005), Pilar Benejam (1997).
Elaboração: Carina Copatti (2018).

Além destes, a pesquisa documental foi utilizada. Fonseca (2002), explica que a
pesquisa documental recorre a fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico,
tais como relatórios, documentos oficiais, cartas, dentre outros. Nesse sentido, foram
consultados documentos oficiais como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores da Educação Básica em Nível Superior (2001), a Lei de Diretrizes e Bases (LDB
9394/96), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), no intuito de buscar suporte às reflexões propostas.
Ademais dessas fontes, foram analisados também livros didáticos de Geografia dos anos
finais do Ensino Fundamental, sendo selecionados três livros didáticos de 9º ano, compostos
25

pelo Livro do Aluno (LA) e Manual do Professor (MP). Como critério de seleção foram
escolhidos os livros de 9º ano das coleções mais adotadas pelas escolas públicas brasileiras,
seguindo as informações fornecidas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação –
FNDE –, por meio de dados divulgados pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD
20172. Essa escolha justifica-se por serem estas as coleções que chegam a um maior número de
alunos e professores. A definição de três coleções de livros didáticos possibilitou uma análise
detalhada de cada um dos livros a partir dos seguintes elementos: texto principal, ilustrações,
atividades, textos complementares, orientações no manual do professor. As informações do
Livro do Aluno (LA) e do Manual do Professor (MP), após analisadas, foram categorizadas, no
intuito de contemplar a interpretação dos dados obtidos, seguindo a Análise de Conteúdo
proposta por Laurence Bardin (2011), publicada originalmente em 1977.
A pesquisa empírica constitui o movimento seguinte, composta por duas fases e
desenvolvida após a apreciação e aceite do projeto pelo Comitê de Ética 3 em Pesquisa, em
trâmites feitos via Plataforma Brasil. A primeira etapa abrange entrevistas semiestruturadas
com professores da educação superior que atuam na formação de professores de Geografia.
Essa etapa teve o intuito de compreender como estes profissionais entendem o pensamento
geográfico e como esse pensamento precisa ser gerido na formação dos professores. Um
primeiro critério de seleção definido foi a experiência na formação de professores de Geografia,
tendo o pensamento geográfico e a educação geográfica como temas que perpassam o trabalho
e campo de pesquisa destes profissionais. Outro critério foi definido a partir da possibilidade
de realizar as entrevistas em um período delimitado, escolhendo, portanto, profissionais
participantes do V Colóquio da Rede Latino Americana de Didática na Geografia – RedLadGeo
–, que ocorreu em junho de 2018 nas cidades de Pirenópolis e Goiânia – Goiás.
Foi definido o total de seis professores e, posteriormente, realizado contato presencial
durante os dias do evento. Nessa oportunidade foram realizadas entrevistas individuais com
cada professor, gravadas em áudio, passando, posteriormente, pela transcrição e interpretação.
Deste total foram entrevistados dois professores de universidades brasileiras e quatro de
universidades da América Latina: Chile, Argentina e Colômbia.

As entrevistas foram realizadas a partir das seguintes questões:

2
Dados disponíveis em: https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-
estatisticos.
3
Número do Parecer: 2.704.242. Título: Livro didático e o professor de Geografia: interações no desenvolvimento
profissional docente, junho/2018.
26

Quadro 2 – Perguntas semiestruturadas aos professores da educação superior


Etapa 1:
1. O que é, na sua compreensão, o pensamento geográfico?
2. Como o pensamento geográfico é/está inserido na formação de professores de Geografia?
Elaboração: Carina Copatti (2018).

As entrevistas têm um caráter exploratório, sendo, neste caso, relativamente


estruturadas, objetivando a obtenção de informações em uma conversa entre o pesquisador e o
entrevistado. Constitui-se de um procedimento pelo qual se busca obter informações a partir
dos relatos dos participantes em relação a um determinado tema, considerando subjetividades
expressas em atitudes, assentimentos e/ou outros elementos. Para realizar as entrevistas parte-
se de certos conhecimentos básicos apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa
e que oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à
medida que se recebem as respostas. Desta forma, o entrevistado participa da pesquisa pelo seu
entendimento e suas experiências (TRIVIÑOS, 1987; PRODANOV; FREITAS, 2013).
A entrevista semiestruturada é composta por questões centrais que podem ser
desdobradas em outras questões secundárias, por isso foi definida como caminho para a
produção de dados necessários à tese, envolvendo duas etapas: a) entrevistas com professores
que atuam na educação superior, mencionada anteriormente; b) entrevistas com professores de
Geografia que atuam na educação escolar, nos anos finais do Ensino Fundamental.
Para a etapa de entrevistas com professores da educação básica, anteriormente ao
contato com os possíveis participantes, foi enviada uma carta de apresentação às instituições
universitárias: Universidade de Passo Fundo – UPF (comunitária/particular), Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (pública) e Universidade Federal da Fronteira Sul
– UFFS (pública), solicitando autorização para que um de seus professores que atua no
ensino de Geografia e formação de professores pudesse indicar profissionais formados em
Licenciatura em Geografia nesta Universidade para participar da pesquisa. Foram
selecionadas estas universidades por constituírem instituições de educação superior
públicas e comunitária, situadas na Região Centro-Norte do Rio Grande do Sul, constituindo
um recorte espacial que possibilita um olhar mais aprofundado para a formação e ação
docente nessa região.
Na pesquisa qualitativa há preocupação com a obtenção dos dados, porém podem
ocorrer alterações inerentes à amostragem. Cooper e Schindler (2003) definem a amostragem
não probabilística como subjetiva e não aleatória, que permite que os pesquisadores selecionem
27

suas observações de forma intencional. Neste caso, sob variáveis não probabilísticas, foi
considerada a participação de um menor número de pessoas, porém com uma variação máxima
de elementos, que permitam estudar as questões centrais em maior profundidade e com maior
detalhamento, contemplando as subjetividades dos participantes. Parte-se de variáveis
específicas, definidas a partir das hipóteses anteriores, construindo questões que compõem a
entrevista semiestruturada.
Como critérios de inclusão e exclusão os profissionais (um de cada universidade)
deveriam atentar que os professores indicados tivessem: a) tempo mínimo de três anos de
docência em Geografia; b) atuação nos anos finais do Ensino Fundamental; c) atuação em
instituições públicas ou particulares de áreas urbanas (cidades grandes, médias, pequenas)
e/ou no campo; d) comprometimento, desde a formação inicial, com sua formação; e) pela
atuação profissional, contribuir para as reflexões propostas. Isso não se constitui como um
tendenciamento da pesquisa, posto que a indicação envolveu diferentes critérios.
As correspondências de solicitação foram enviadas via e-mail, em papel timbrado e
assinada pelos coordenadores de área das referidas universidades, que responderam indicando
5 professores de Geografia formados na respectiva instituição em que atuam, totalizando 15
profissionais indicados. Assim, a partir das indicações, posteriormente à qualificação da tese,
foi estabelecido contato por mensagem eletrônica com os três primeiros nomes de cada uma
das listas de indicação. Isso foi feito por meio de uma carta de apresentação e convite para
participação, que, quando confirmada, cumpriu os seguintes critérios: a) aceite do convite
demonstrando interesse em participar; b) disponibilidade de horários para entrevista. Com base
nesse retorno, foram marcados encontros individuais em local, data e horário previamente
agendados a fim de realizar as entrevistas, que foram gravadas em áudio e vídeo. O aceite dos
nove participantes foi confirmado a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, assinado e retornado via e-mail.
Apesar de receber aceite dos três primeiros professores de cada lista, totalizando nove
docentes, um deles, mesmo tendo confirmado a participação em um primeiro momento, não
demonstrou interesse posteriormente. Desse modo, oito professores participaram: três formados
na UPF, três na UFFS-Erechim e dois formados na UFRGS-Porto Alegre.
A entrevista foi estruturada em três momentos, formulada a partir da realização de dois
pré-testes com dois professores de Geografia que atuam nos anos finais do Ensino Fundamental:
a) questões sobre história de vida, formação e profissão; b) leitura e interpretação de imagens;
c) questões que envolvem interações entre professor de Geografia, livro didático e a autonomia
28

docente. Estes três momentos da etapa de pesquisa empírica são mencionados a seguir e,
posteriormente, explicados individualmente:

Quadro 3 – História de vida, formação e profissão


Momento 1: Trajetória de vida e de profissão
1. Formação acadêmica e inserção na docência (“construir-se” professor de Geografia)?
2. Relação entre conhecimento teórico e conhecimento da prática docente.
3. Relação entre Geografia acadêmica e Geografia escolar.
Elaboração: Carina Copatti (2018).

O segundo momento, denominado “leitura e interpretação de imagens”, 4 é composto


por obras de arte que formam dois conjuntos de imagens.5 Estes conjuntos são interpretados
com base em perguntas-chave para entender como o professor interage com a imagem
observada, e que elementos o fazem pensar a/na Geografia e expressar a sua subjetividade,
possibilitando-nos compreender o pensamento geográfico que emerge.

Quadro 4 – Leitura de imagens


Momento 2: Análise e interpretação de imagens
1. Descrição e análise: observação da imagem e identificação dos elementos estéticos e geográficos
1. Conjunto 1 (imagem a e b)
2. Conjunto 2 (imagem a e b)
2. Comparação e interpretação contextual: interpretação individual e relacional entre as imagens:
3. Utilização da imagem na Geografia: Como utilizaria as imagens? (Que elementos da Geografia/do
pensamento geográfico utiliza para isso?)
Elaboração: Carina Copatti (2018).

Os conjuntos de imagens são apresentados a seguir e identificados com as letras A e B


em cada um dos conjuntos:

4
As imagens representam obras de arte. A seleção centrou-se na busca em sites de artistas que trabalham com arte
abstrata, esta que dispõe de inúmeras possibilidades de interpretação, o que parece mais coerente com o objetivo
de, pela leitura do professor, projetá-lo a algo já internalizado em si, que é o conhecimento da ciência geográfica.
5
Foram selecionadas três obras de arte, no entanto, ressalta-se que uma das obras compõe duas imagens, por isso
é considerada uma obra de arte que pode servir à análise pretendida. As outras duas imagens compõem o segundo
conjunto de imagens. Estes conjuntos foram impressos em folha A4 para a atividade pretendida.
29

Figura 1 – Obra de arte Terraced City (Toronto + Peru)

A B

Fonte: Obra da artista Amy Shackleton.

Figura 2 – Obras de arte "Wild Flower”

A B

Fonte: Obra do artista Parviz Payghamy.

A entrevista envolve, ainda, outras questões semiestruturadas para analisar e


compreender as estruturas expostas nas interpretações dos participantes.
30

Quadro 5 – Questões de relação entre imagem e entendimento dos professores da educação


básica
Momento 3: Interações Professor de Geografia – Livro Didático e a Autonomia Docente
1. A partir da análise das imagens, como considera que se constituiu o conhecimento de Geografia que você
utiliza (o seu pensamento geográfico) como professor de Geografia?
2. Como definiria pensamento geográfico?
3. Existe um pensamento geográfico de professor?
4. Há aspectos aprendidos na formação acadêmica que estruturam o pensamento do professor de Geografia e
sua prática profissional?
5. O pensamento construído pelo professor de Geografia sofre influência do Livro Didático?
6. Como se estabelece sua relação com o Livro Didático?
7. Existe influência do Livro Didático na construção da autonomia do professor de Geografia?
8. A geografia abordada no contexto acadêmico aparece no Livro Didático?
9. Que aspectos são essenciais para desenvolver autonomia no ensino de Geografia?
Elaboração: Carina Copatti (2018).

A leitura de imagens considera a compreensão, interpretação, descrição e decomposição


para apreender a imagem como objeto a reconhecer. Para essa tarefa, há diferentes tipos de
leitura/análise6 (gestáltica, semiológica, iconográfica, estética). Essa diversidade de leituras não
é excludente, podendo-se realizar a leitura de uma imagem pela interpenetração dessas análises,
enriquecendo a interpretação (PILLAR, 1993).
Nesta pesquisa utiliza-se a análise estética a fim de obter os elementos necessários à
produção dos dados pelas entrevistas. Isso envolveu a leitura e a interpretação do conjunto
de elementos das imagens a partir da compreensão subjetiva que emerge de cada
participante. Como procedimento, foi definido como suporte inicial o método de leitura de
imagens de Edmundo B. Feldman (1970), voltado à educação escolar, em quatro estágios7:
descrição, análise, interpretação e julgamento. A Descrição é o estágio de listagem de
objetos e formas contidas na imagem, de modo neutro. A Análise consiste na observação
daquilo que vemos na imagem/obra de arte, em que se estuda a relação de tamanho,
localização das formas, relação cor - textura. A Interpretação é a etapa de significação das

6
A leitura gestáltica envolve a linguagem visual (linha, plano, relevo, textura, volume, cor, luz, dimensão, escala,
proporção). Os elementos são considerados em separado e no todo: forma, equilíbrio, movimento, ritmo,
repetição. A leitura semiótica enfoca os sistemas de símbolos e de signos construídos pelo sujeito como um
texto visual em remissão a outros textos visuais, uma imagem em relação a diferentes autores e épocas. Esta
relação intertextual é um modo de criar, inventar e construir imagens que citam outras imagens. A leitura
iconográfica procura estudar conteúdo temático e significado das obras de arte como distinto de sua forma. A
imagem constitui a representação de algo, que, segundo Pillar (1993) utilizando-se das orientações de Mitchell,
podem ser gráficas (desenhos, pinturas, estátuas), ópticas (geradas pelo espelhamento e projeção), perceptuais
(que nos chegam pelos sentidos e reconhecimento de aparência), mentais (pelos sonhos, memória e ideias) e
verbais (descritas em palavras e sugeridas por metáforas). A leitura estética da imagem considera a
expressividade, o “eterno” e o transitório de uma época no objeto a ser analisado. Por meio da cor, luz e formas,
destaca-se a disposição destas formas no espaço e no modo como os elementos relacionam-se. A leitura estética
utiliza conhecimento e sensibilidade (PILLAR, 1993).
7
Estes estágios são distintos entre si, não necessariamente ordenados, mas interligados. Consideram a importância
da leitura comparada de duas ou mais imagens para aprendizagens mais enriquecedoras (BARBOSA, 1991).
31

fases anteriores, utilizando a subjetividade. O Julgamento é o valor estético da obra, pelo


qual se emite um juízo estético.
Levando em conta a necessidade de uma leitura de imagens voltada às singularidades
da Geografia, procurou-se ir além da análise artística e estética proposta por Feldman (1970),
criando uma metodologia de análise e interpretação denominada Leitura Geo-Imagética8, a qual
consiste em três etapas: 1. Descrição-análise; 2. Comparação-interpretação contextual,
considerando: a) conhecimento geográfico, b) aspectos culturais e subjetivos – a dimensão
estética que aflora em cada sujeito; 3. Utilização da imagem na Geografia.
A Descrição-análise consiste na leitura objetiva da imagem, identificando elementos e
analisando brevemente sua estrutura. Envolve a leitura de símbolos e a disposição de objetos e
de informações observáveis de modo direto, anotadas pelo participante ou descritas oralmente.
A Comparação-interpretação contextual é realizada em dois procedimentos: a) análise
da imagem de modo individual, o que e que mensagem pode ser capturada em seus elementos;
b) comparação de duas ou mais imagens (sejam elas fotografias, desenhos, pinturas, etc.) com
o intuito de verificar que elementos se complementam, que relações se estabelecem entre elas
e que dualidades apresentam, tornando possível novas leituras e o emergir de elementos não
considerados na etapa de descrição. Essa interpretação abarca a subjetividade do sujeito a partir
da dimensão histórico-cultural e do olhar geográfico.
A dimensão estética emerge pelo olhar atento ao que está subentendido, tecendo
relações com o contexto e com a Geografia, seja por um processo indutivo (quando o
pesquisador induz a observar a imagem a partir de determinado tema/aspecto da Geografia) ou
de modo dedutivo (quando o participante estabelece livremente o percurso de observação,
emergindo uma análise subjetiva). De maneira geral, pode-se afirmar que, nessa etapa, o
participante precisa relacionar a imagem, pela leitura subjetiva e apreciação estética, com o
conhecimento geográfico que emerge do seu olhar de profissional (ou de aluno, acadêmico),
cuja pretensão é tornar evidente sua interpretação geográfica. Essa etapa pretende ter o
pensamento construído e demonstrado pelo participante como objeto de análise do pesquisador.
A Utilização da imagem compreende possíveis usos que o participante poderia fazer das
imagens em diferentes situações no seu trabalho cotidiano. A questão centra-se na interpretação
e na contextualização, considerando: a imagem, o contexto de inserção e o conhecimento

8
A Leitura Geo-Imagética leva em consideração a leitura de imagens não somente descrevendo, comparando e
analisando imagens a partir da arte, mas utilizando-as como suporte para pensar a Geografia e sob um olhar
geográfico. Considera-se uma nova metodologia porque contempla etapas que se diferenciam daquelas propostas
originalmente, e apresentam uma finalidade específica, levando em consideração o conhecimento geográfico já
construído pelo sujeito e modos de utilização da imagem na Geografia.
32

geográfico. Essa etapa é direcionada especificamente a pesquisas com professores ou


estudantes de Geografia, como estratégia para identificar, pelas ideias e propostas do
participante, que relações se estabelecem entre os elementos objetivos e subjetivos da imagem
e o conhecimento geográfico, e que relações se instituem com a leitura do mundo proposta
nessa ciência.
Interessa identificar as interpretações que emergem do professor, do pensamento e das
relações que estabelece pela leitura de imagens sob o aporte do conhecimento geográfico. Para
tanto, se faz necessário considerar a estrutura que alicerça o pensamento geográfico do
professor relacionada a diferentes elementos que tendem a surgir de suas reflexões.

Figura 3 – Aspectos do pensamento do professor a serem consideradas nas interpretações

Elaboração: Carina Copatti (2018).

Os dados obtidos foram analisados e interpretados com base na Análise de Conteúdo


proposta por Laurence Bardin (2011), e procuram mostrar aquilo que aparece indiretamente
nas palavras sobre as quais o pesquisador se debruça. Ainda, constitui um conjunto de
técnicas com uma grande disparidade de formas e possibilidades de análise das
comunicações. Na presente tese, isso contribui para a interpretação no intuito de captar o
sentido simbólico, considerando uma interpretação pessoal do pesquisador pela percepção
dos dados a partir do conhecimento teórico e do rigor exigido pela metodologia que o
orienta. Essa metodologia foi utilizada registrando, com base na fala relativamente
espontânea dos entrevistados, todos os processos e intervenções, gerando dados “brutos”,
integralmente transcritos sobre o que ele viveu/sente/pensa sobre determinado
tema/situação. Considera-se a subjetividade, seu sistema de pensamentos, valores,
representações, seus processos cognitivos, emoções, afetividade e o inconsciente
(MORAES, 1999; BARDIN, 2011).
33

Com os dados transcritos integralmente, foi feita a decifração estrutural (compreensão)


de cada entrevista, considerando as características que a difere das demais, às quais o
pesquisador deve ter atenção, pois envolve a dimensão pessoal que, por detrás das palavras,
rege o processo mental do entrevistado. O método para a análise consiste em: 1) pré-análise;
2) exploração do material; 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
A pré-análise tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais.
Compreende a escolha dos documentos para análise, formulação das hipóteses e objetivos e
elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final. Para tanto, utiliza-se: a)
leitura flutuante: contato com os documentos conhecendo-os e deixando-se invadir por
impressões e orientações, definir hipóteses emergentes, projeção de teorias e possível aplicação
de técnicas; b) escolha dos documentos: no caso de entrevistas define-se o que utilizar do
material; c) a formulação das hipóteses e dos objetivos: A afirmação provisória a que nos
propomos verificar recorrendo aos procedimentos de análise, desenvolvendo possíveis
hipóteses; d) A referenciação dos índices e a elaboração de indicadores: corresponde à escolha
de índices em razão das hipóteses, caso elas estejam determinadas, e sua organização em
indicadores; e) A preparação do material: antes da análise o material deve ser
digitado/organizado para servir à exploração e à interpretação (BARDIN, 2011).
A exploração do material refere-se à aplicação das decisões tomadas na fase anterior.
Consiste em operações de codificação, decomposição ou enumeração, em virtude de regras
previamente formuladas. A terceira etapa abarca o tratamento dos resultados obtidos e a
interpretação: o material é codificado, o que corresponde à transformação dos dados brutos do
texto, que, por meio de recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do
conteúdo (BARDIN, 2011). Nessa fase, a partir da codificação, são produzidas categorias.
A classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em
seguida, reagrupamento por analogia, são critérios que levam à construção de categorias. Estas
reúnem elementos agrupados em razão de características comuns, que podem seguir por critério
semântico (categorias temáticas), sintático (verbos/adjetivos), léxico (classificação das palavras
pelo sentido) e expressivo (ex.: classificação situações/expressões) (BARDIN, 2011). A
categorização pode usar processos inversos: fornecendo as categorias e adequando o material a
elas, ou o sistema de categorias resulta da progressiva análise dos elementos, definindo a
denominação apenas no final do processo de categorização. Nesta tese, as categorias foram
definidas após a análise dos dados, a partir da interpretação das informações obtidas: 1. Nas
entrevistas dos professores da educação superior; 2. Nas entrevistas dos professores da
educação básica; 3. Na análise do conteúdo do LA e MP de 9º ano.
34

As análises e interpretações relacionam o contexto da pesquisa empírica com as


reflexões dos autores e bibliografias consultadas, trazendo novos olhares com base na Teoria
Crítica e na Hermenêutica, que alicerçam as reflexões presentes nesta tese. A Teoria Crítica
traz a possibilidade de pensar algo real por uma perspectiva de como deveria ser; para tanto,
parte-se daquilo que é; e o método hermenêutico procura compreender um determinado texto
no sentido de interpretar, tentando encontrar nele a alegoria presente. Sob este viés, a reflexão
crítica acentua a diferença, e o contraste constitui-se, basicamente, como instrumento para
detectar a ruptura do sentido, enquanto a reflexão hermenêutica enfatiza a identidade, buscando
nos muitos sentidos a unidade perdida. Nessa direção, tanto a teoria crítica quanto a
hermenêutica operam por processos reflexivos, complementando-se no entendimento da
realidade (STEIN, 1986; KUHN, 2016), a qual pretende-se abarcar na estrutura a seguir:

O percurso da Tese em capítulos

O primeiro capítulo abrange reflexões sobre o pensamento geográfico, sua estrutura


ao longo da história, a constituição do pensamento geográfico na ciência Geografia e no
componente curricular na escola, e, ainda, como uma perspectiva necessária à educação
geográfica. O segundo capítulo refere-se ao pensamento geográfico do professor, envolvendo
a formação e a prática docente, e como esse pensamento aparece no livro didático de Geografia
e na relação que o professor estabelece com esse material. O terceiro capítulo aborda o
pensamento do professor e a autonomia docente na relação com o livro didático, considerando,
nessa reflexão, as dimensões que constituem o professor de Geografia, o Pensamento
Pedagógico Geográfico (PPG) e a autonomia docente.
Esse percurso delineia caminhos em defesa de que o professor de Geografia, tendo
desenvolvido o modo de pensar e de abordar a Geografia, sustentado em seus pressupostos e
articulado ao conhecimento didático-pedagógico, definido como Pensamento Pedagógico
Geográfico (PPG), tende a estabelecer relações com o livro didático que contribuem para sua
efetiva autonomia e protagonismo, necessários à efetivação de uma educação geográfica.
O Pensamento Pedagógico Geográfico constitui-se como centralidade na relação com o
livro didático na medida em que, construído pelo professor a partir de um aparato de
conhecimentos, habilidades e complexificações que tende a realizar no cotidiano da docência,
cria condições para desenvolver sua autonomia docente e potencializar seu trabalho.
35

1. PERCURSOS DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

O percurso deste capítulo intenta refletir sobre a estrutura do pensamento geográfico em


diferentes fases, bem como abordar a consolidação da Geografia como ciência, sua dimensão
acadêmica (educação superior) e sua dimensão curricular (educação básica). Esse pensamento
que se delineia perpassa toda a estrutura da tese, em um trajeto em que se propõe, também,
refletir sobre a influência do pensamento geográfico na formação-ação do professor de
Geografia e no livro didático, e as aproximações/distanciamentos construídos nessa relação.

1.1 O pensamento geográfico ao longo da História

Pensar é, desde muito tempo, inerente à condição racional dos seres humanos. Pelo
pensamento tecem-se a imaginação, o raciocínio e outras possibilidades de pensar a nós
mesmos, a relação com o outro e o espaço em que habitamos. Pensamento e linguagem
possibilitam ir além da realidade a partir das conexões e complexificações que a mente elabora.
O pensamento, assim como a linguagem, constitui parte do processo de imersão do ser humano
no mundo e de apropriação dos elementos disponíveis para a vivência no espaço em que atua
cotidianamente, denominado “mundo da vida9.” A linguagem produz o humano no homem.
Pela linguagem, imersos em relações com outros sujeitos e o ambiente, os seres
humanos constituem seu pensamento e, consequentemente, isso influencia as formas como
agem e se posicionam em sociedade. Nesse movimento estão imbricadas experiências tecidas
na relação com o espaço geográfico, seja ele o espaço habitado, onde estabelecem relações, ou
o espaço totalizante da superfície terrestre. Ao mesmo tempo, também se constituem no espaço
singular de cada um, do corpo e dos lugares que ocupam e dos quais se utilizam.
Nos diferentes estágios da formação, os seres humanos estabelecem, pela linguagem e
pelo pensamento, as condições de vida, interação e ação sobre o espaço geográfico por meio de
atividades diversas, dentre elas o trabalho. Disso decorrem inúmeras situações e formas de
conceber o espaço geográfico em momentos e épocas distintas e contextos culturais diversos.
A linguagem não é apenas um mecanismo de intercomunicação entre sujeitos, ela
realiza-os enquanto falantes, imprimindo significado ao mundo, pois poder falar significa
comunicar o que pensa e tornar visível algo ausente de modo que também o outro possa vê-lo

9
Husserl utilizou o termo Lebenswelt (mundo da vida), que significa "o mundo permanentemente dado como
efetivo na nossa vida concreta", em contraste com o mundo propriamente científico, no qual a realidade é
analisada a partir dos elementos próprios da ciência corrente (MISSAGGIA, 2018, p. 192).
36

(MARQUES, 2003; GADAMER, 2002). A linguagem permeia a interação entre sujeitos, que
podem convergir em ideias ou divergir de pontos de vista. Assim, “só podemos pensar dentro
de uma linguagem e é justamente o fato de que nosso pensamento habita a linguagem que
constitui o enigma profundo que a linguagem propõe ao pensar” (GADAMER, 2002, p. 176).
O pensamento, do latim pensare: pensar/refletir, abarca diferentes definições10: pode ser
entendido como uma atividade da mente pela qual os seres humanos tematizam objetos ou
tomam decisões sobre a realização de uma ação, ou como atividade intelectual, de raciocínio e
consciência. De modo diferente do conhecimento, que visa a apropriar-se dos dados empíricos
ou conceituais, o pensamento constitui uma atividade intelectual de produção de um saber novo
por meio da reflexão. “É a reflexão do sujeito sobre um objeto, num movimento pelo qual a
matéria-prima que é a experiência é transformada, de algo não-sabido, num saber produzido e
compreendido” (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 192).
Pelo pensamento a espécie humana produz novos saberes e pode avançar na
compreensão do conhecimento, por exemplo sobre o espaço habitado. Nesse sentido, somos
resultado de muitos pensamentos, ações e construções que permitiram à humanidade
desenvolver-se e estruturar-se do modo como a concebemos em suas diversas formas e
singularidades. Nessa construção, imersas no mundo, as diferentes sociedades humanas criaram
distintas formas de pensamento geográfico, de forma não sistematizada, mas que contribuíram
significativamente para inúmeros conhecimentos que foram construídos ao longo do tempo.
Um modo de pensar inerente à condição racional do ser humano é pensar o espaço
ocupado, conhecido e transformado. Esse movimento se faz pelo pensamento e se expressa pela
linguagem desde os povos pré-históricos, quando os seres humanos passaram a observar o
ambiente vivido e as dinâmicas decorrentes tanto da natureza, no seu movimento de
transformação, quanto da interferência humana. Ações como observar o céu, a posição dos
astros, os períodos mais propícios para cada atividade, já indicavam a construção de noções de
espacialidade. Essas certamente foram as primeiras formas do “pensar geográfico”, antes
mesmo de serem assim definidas, o que garantiu que se desenvolvessem ideias geográficas e,
consequentemente, diferentes tipos de Geografia a partir das relações com o espaço
(ANDRADE, 1992; MORAES, 2002).

10
Japiassu e Marcondes (2001, p. 192) explicam que, a partir de Descartes, o pensamento é compreendido com
base nos processos mentais em um sentido amplo. "Sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afirma, que
nega, que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que ama, que odeia, que deseja, que não deseja, que imagina
também e que sente". Outra definição, segundo os autores, advém de Immanuel Kant, que o compreendem como
a atividade intelectual através da qual o espírito humano forma conceitos e formula juízos. Faculdade de julgar.
Pensar é conhecer através de conceitos; Pensar é unir as representações na consciência, é, portanto, julgar.
37

As primeiras relações com o espaço podem ser definidas da seguinte forma:

Figura 4 – Pensamento espacial e geográfico inicial projetado pela mente

Elaboração: Carina Copatti (2018) com base em Claval (2015).

As formas de agir no espaço, pelas necessidades, pelas experiências individuais e


grupais, pela dimensão sociocultural, histórica e subjetiva, em cada grupo, trouxeram as
possibilidades de desenvolver modos comuns e/ou distintos de compreender o espaço
geográfico e de situar-se nessa relação, seja de modo concreto, ao deslocar-se nele e conhecê-
lo, seja pelas abstrações possíveis ao pensá-lo, ampliando a compreensão. Pensar a relação e os
modos de sobreviver no espaço conhecido e avançar para dimensões desconhecidas, foram
procedimentos que exigiram orientação, capacidade de localização e compreensão espacial.
Nossos ancestrais, há muito tempo, usaram essas habilidades para realizar suas
atividades, as quais possibilitaram construir novos conhecimentos. Tuan (1983) afirma que a
habilidade espacial se transforma em conhecimento espacial quando os movimentos e
mudanças de localização podem ser intuídos, podendo ser diferenciadas da seguinte forma:

Figura 5 – Habilidade espacial e conhecimento espacial

Elaboração: Carina Copatti (2018).


38

O conhecimento espacial pode ser interpretado em distintos graus de complexidade,


posto que abarca processos simples de orientação e localização e, ainda, processos mais
complexos que exigem um nível de conhecimento mais estruturado. O conhecimento
espacial avançou a compreensão e a construção do que se constitui e foi denominado como
pensamento espacial. Para Moreira (2012, 2009), pelas práticas de relação no espaço os
saberes espaciais aumentaram a sua eficiência, unindo-se práticas e saberes numa práxis. A
práxis constitui-se quando, pelas ações práticas, a ideia, transformada em teoria, retorna ao
exterior para orientar nossas relações com o mundo, sendo uma combinação prática-teoria
numa interação dialética. A incorporação de práticas e novos saberes à práxis favoreceu
comparações, generalizações e sistematizações do conhecimento empírico, o que contribuiu
para tecer abstrações e obter níveis crescentes de universalidade, cuja consequência é a
transformação da ciência geográfica.
Nesse movimento, ao avançar na conquista da superfície da Terra foram sendo
desenvolvidos modos de pensar mais complexos. Gomes (2017) cita diferentes domínios que
envolvem a interpretação espacial: a) pela subjetividade/sensibilidade; b) pelas
interpretações/classificações; c) pelo conhecimento teórico – a ciência geográfica. As principais
ideias sobre estes domínios são citadas no Quadro 6, com base em Gomes (2017) e Claval
(2015).

Quadro 6 – Domínios do espaço e sua interpretação


Domínios do espaço Interpretação
Domínio do espaço a partir da interação e sensibilidade sobre o espaço vivido e/ou
Pela subjetividade imaginado, sob aspectos que desenvolvemos pela capacidade de situar as coisas e a
nós mesmos no espaço, pelas práticas e habilidades, e também pelas experiências e
subjetividades.
Domínio do espaço pela experiência e compreensão sobre a relação imediata com o
Pelas interpretações espaço vivido/ocupado, podendo se localizar com base nesse conhecimento.
Constituído por grupos que estabeleceram qualificações, classificações, roteiros,
delimitações e localizações no espaço.
Domínio do conhecimento teórico-conceitual que permite a leitura do espaço e sua
interpretação a partir de teorizações e complexificações, indo além das experiências
Pelo conhecimento cotidianas e de experimentos empíricos. Compreende a Geografia como ramo do
teórico conhecimento que se consagra ao estudo e à especulação sobre as causas e formas de
entendimento da dispersão, reunindo inúmeras tradições que tentam responder porquê
da lógica das localizações, seja ela ordenada por elementos naturais ou humanos.
Elaboração: Carina Copatti (2018).

Esses domínios envolvem o pensamento que permeia a existência de todos nós de


maneira coletiva e elementos distintos em cada sujeito e em cada grupo social. Estes aspectos
39

imprimem condições de relação com o espaço a partir do que se entende como pensamento
espacial, que serviu de base, junto a outros aspectos, para o desenvolvimento de diferentes
ciências, dentre elas a Geografia.
O pensamento espacial foi estruturado, mesmo que não assim denominado inicialmente,
quando construídas ideias e teorias para explicar o entendimento das relações de localização,
distâncias e deslocamentos, estendendo-o para além de experimentos empíricos e experiências
cotidianas. Mais adiante, pela sistematização de ideias sobre o recorte da superfície terrestre já
conhecido, sobre o espaço sideral e as compreensões em relação ao uso e às interações
espaciais, foram construídas teorias, contribuindo para que se desenvolvesse e complexificasse
o pensamento espacial11. Juliaz (2017) define o pensamento espacial a partir dos conteúdos e
conceitos geográficos (localização, extensão, condição), das representações (maquetes, mapas,
gráficos) e do raciocínio/pensamento/cognição, cujas habilidades desenvolvidas servem para
compreender a estrutura e a função de um espaço, descrever sua organização e relação com
outros espaços e analisar ordem, relação e padrão dos objetos.
Além do pensamento espacial foi sendo sistematizado e complexificado o pensamento
geográfico, cujas teorizações contribuíram para tecer modos de pensar estruturados
cientificamente. Conforme Callai (2016), o pensamento geográfico requer que se pense a partir
da dimensão espacial do espaço construído. Para isso precisa-se ter conceitos próprios, e esses
conceitos nos fornecem as ferramentas intelectuais para fazer a Geografia e para sustentar esse
modo de pensamento. Nesse sentido, o pensamento geográfico considera a dimensão espacial
e utiliza-se de aportes intelectuais para complexificá-la a partir da leitura espacial que
desenvolve, baseando-se em teorias construídas ao longo do tempo. Miguel González (2016)
distingue pensamento espacial e pensamento geográfico, mas considera-os complementares. O
primeiro está mais ligado a processos cognitivos relacionados com a inteligência espacial,
enquanto o segundo refere-se mais à disciplina geográfica.
Estes modos de pensar espacial e geográfico trazem aportes para desenvolver
raciocínios que se constituem como processos discursivos pelos quais é possível chegar a outras
proposições. Um raciocínio espacial requer a existência de um pensamento espacial por parte
do professor, estabelecendo relações com conhecimentos de localização, dimensão, extensão e
realizando interpretações que contribuam para compreendê-las. Para Curto (2011), o raciocínio

11
São vários discursos, várias representações e reflexões com referência ao espaço ou com referência à superfície
da Terra, que constituem um cabedal de conhecimentos, no qual a Geografia acadêmica vai aparecer como uma
modalidade. Seria uma soberba muito grande dos geógrafos querer que todo o conhecimento desenvolvido pela
humanidade a respeito desses temas fosse encaixado sob o rótulo Geografia exclusivamente. A Geografia é um
discurso específico dentro do campo que se poderia chamar de pensamento espacial (MORAES, 2002).
40

espacial considera o espaço e as operações que podem ser executadas em sua estrutura. Já o
raciocínio geográfico é uma habilidade específica construída, principalmente, com base no
pensamento geográfico, contemplando, além da dimensão de raciocínio espacial, a
possibilidade de tecer relações e interpretações baseadas em distintas teorias/métodos/estruturas
do pensamento geográfico construído. Cavalcanti (2008) compreende o raciocínio geográfico
pelo desenvolvimento dos modos do pensamento geográfico e pela internalização de métodos
e de procedimentos para captar a realidade, tendo consciência de sua espacialidade.
O aprimoramento das ideias espaciais contribuiu para constituir o pensamento espacial
e a estrutura do raciocínio espacial, este que resulta da capacidade de relacionar aspectos de
dimensão espacial a partir das reflexões sobre fenômenos e dinâmicas em diferentes
escalaridades. O pensamento espacial pode ter diferentes interpretações, posto que, além da
compreensão teórica, é entendido como um movimento processual ao longo da existência
humana e da vida de cada sujeito. Dito de outro modo, o pensamento espacial estrutura-se de
modo gradativo, podendo evoluir e complexificar-se ao longo do tempo de acordo com os
estímulos externos (sociais/culturais) e o desenvolvimento de conexões internas pelas
subjetividades e cognição.
Essa capacidade é construída de forma distinta em cada sujeito – alguns tecendo apenas
habilidades simplificadas/superficiais, outros desenvolvendo habilidades que possibilitam o
pensamento espacial mais estruturado. Nem todas as pessoas, porém, desenvolvem, de modo
pleno, estas capacidades, o que pode ser potencializado no contexto escolar no intuito de
contribuir para seu desenvolvimento mais organizado, tornando-se mais complexo. Isso é
possível pelas estruturas cerebrais mobilizadas e pela estrutura teórica, que envolve conceitos,
representações e habilidades de pensamento presentes na Geografia.

Quadro 7 – Diferentes compreensões do pensamento espacial


Pensamento espacial Capacidade humana de interpretar o espaço desencadeando reflexões que, desde a
das sociedades Antiguidade, contribuíram para interagir com o espaço a partir das habilidades,
humanas avançando para o conhecimento espacial e chegando a algumas complexificações
sobre as relações espaciais.
Pensamento espacial Capacidade que desenvolvemos, desde a infância, a partir de estímulos (principalmente
aperfeiçoado na educação escolar), para a estruturação do pensamento em relação ao espaço,
envolvendo habilidades e conhecimentos.
Pensamento espacial Capacidade de pensamento espacial que, pelas teorizações, considera as
teoricamente representações espaciais, conceitos do espaço e o raciocínio/cognição para interpretar
estruturado tanto o espaço vivido quanto projetar ações/intervenções/deslocamentos no espaço em
diferentes escalas e contextos.
Elaboração: Carina Copatti (2018).
41

A Geografia, por meio do seu arcabouço teórico-metodológico, traz à tona o pensamento


espacial não apenas pela dimensão locacional, mas também pelas relações construídas em
diferentes escalas de análise espacial, levando em conta a relação tempo-espaço, a dimensão
cultural e outros elementos que contribuem à compreensão do espaço pelo viés geográfico.
Assim, constitui-se como especificidade da Geografia o desenvolvimento de um pensamento
que não é somente espacial; foi alicerçado inicialmente sobre um recorte do espaço, alargado
para escalas mais amplas e mais complexas, dinâmicas e relacionais, tendo por base ideias,
reflexões e teorizações sobre a relação dos homens com o espaço em que habitam, com outros
grupos e com as formas de agir e transformar o espaço habitado. Essas reflexões serviram de
apoio para o desenvolvimento de um modo de pensar denominado “pensamento geográfico”.

1.2 A constituição do pensamento geográfico

O pensamento geográfico vai além do pensamento espacial, que é um dos seus


componentes, à medida que dele se utiliza como um dos aspectos para a interpretação do
espaço, contribuindo para estabelecer raciocínios espaciais e geográficos. Foi moldando-se pelo
entrelaçamento entre a percepção espacial/pensamento espacial (suas dinâmicas, estrutura e
escalas de análise), pela análise da realidade (das relações que ocorrem no espaço) e pelo
raciocínio geográfico, relacionando-se a partir de determinados parâmetros – modos de
compreensão – que serviram para a interpretação do espaço e das interações que nele são
vivenciadas. Estes aspectos, relacionados entre si e abrangendo o modo de interpretação de cada
autor, contribuíram para formar o arcabouço teórico-conceitual que constitui a Geografia.

Figura 6 – Ilustração dos elementos que constituem o pensamento geográfico

Elaboração: Carina Copatti (2018).


42

A percepção espacial refere-se à interação com o espaço, que requer que se possa
questioná-lo, problematizá-lo e, com ele, interagir de modo consciente. A análise do
contexto/realidade implica relacionar as dimensões do espaço e suas multiescalaridades a partir
do processo de constituição espaço-temporal. O raciocínio/desenvolvimento teórico é a
dimensão que aproxima a percepção espacial e a análise do contexto sob um viés de pensamento
teoricamente fundamentado, que foi sendo construído ao longo do tempo e possibilita análises
e raciocínios geográficos sob um determinado processo de pensamento geográfico.
Esse exercício de construção de um modo de pensar geográfico abarca as ideias e
proposições de diferentes pensadores que, alicerçados em uma dimensão espacial, tecem novas
teorias com base na percepção espacial e nas análises dos diferentes contextos e realidades. Isso
possibilita que construam modos de raciocinar geograficamente que, quando bem-estruturados,
convergem à expansão e aperfeiçoamento do pensamento geográfico. Esse conhecimento
construiu-se pelo raciocínio, que se articula e envolve modos de pensar mais complexos, à
frente do senso comum. Dessa forma, o pensamento geográfico abrange a sistematização de
noções e conhecimentos que permitem interpretar o espaço e compreender relações nele
construídas, para além da habilidade de se orientar e raciocinar sobre ele. Abarca a atividade
intelectual estruturada sobre temas de preocupação com a realidade, buscando a
complexificação pela interpretação científica e pela ciência geográfica, consolidando-se como
o modo de pensamento específico desse campo do conhecimento.
O pensamento geográfico contempla um conjunto de conceitos, categorias, princípios e
métodos que foram sistematizados e constantemente são retomados, debatidos, aceitos ou
refutados no campo científico. Os conceitos e a formulação de teorias a partir das percepções
do espaço, contribuíram para construir concepções pela racionalidade e pela sensibilidade de
cada autor. Em interlocução com esse processo de construção de modos de pensar, foi sendo
construída a ciência geográfica sob teorias que se concatenam a um determinado método,
adequado à análise e interpretação proposta. Nesse sentido, há uma estrutura que vem sendo
tecida ao longo do tempo, na qual se inserem os conhecimentos epistemológicos, teóricos e
metodológicos, que abrangem o todo que denominamos Geografia. Assim, para que fosse
construída a história da ciência Geografia, foi preciso mobilizar o pensamento por meio das
interfaces e proposições de diferentes pesquisadores, que estabeleceram o conhecimento-base
para sua consolidação científica.
Os modos de pensar geográfico, pela complexificação proposta por diferentes autores –
em contextos/tempos distintos e com características subjetivas e intelectuais diversas –
contribuíram, com suas ideias, para que novos conhecimentos surgissem e novos pensadores
43

passassem a refletir sobre estes temas. Cada um a seu modo, mas com influência de ideias e
propostas anteriores, estes pensadores desenvolveram proposições sobre o espaço e o
conhecimento geográfico. Com base nisso, a Geografia traz em sua estrutura aspectos para
compreendê-la em permanente evolução, alicerçada em elementos que a definem como ciência:
– Pela linguagem: contempla as palavras, os termos e as expressões que a definem e que são
específicos da ciência geográfica, e, também, seus conceitos básicos: espaço, paisagem, lugar,
território, região. Envolve ainda os princípios geográficos e as categorias de análise na relação
dinâmica que possibilita reflexões e interpretações. Esse conjunto de elementos, nas diferentes
perspectivas, constituem os aportes à leitura do espaço geográfico.
– Pelo método: abarca a estrutura que sustenta o desenvolvimento do conhecimento teórico e
metodológico da ciência geográfica, utilizada em análises e interpretações sob um
determinado modo de olhar. Santos (1996) considera que, pelo método, é possível a
construção de um sistema intelectual para abordar determinada realidade a partir de um ponto
de vista, que seria a análise espacial. Essa análise constitui uma forma de fragmentação do
todo que possibilite, ao seu término, sua reconstituição. O espaço, para este autor (1988),
compreendido como totalidade, pelo método de análise, pode ser dividido em partes. A
organização do espaço em partes é operada segundo uma variedade de critérios. Essa estrutura
envolve também a escala de análise, que permite a análise geográfica com enfoque dinâmico
e relacional, considerando, para isso, o uso da linguagem cartográfica a fim de visualizar e
consolidar essas relações sob um aporte espacial, tornando possível analisar, interpretar e
compreender os fenômenos geográficos.

Figura 7 – Estrutura do pensamento geográfico

Elaboração: Carina Copatti (2018).


44

Estes elementos em conjunto, baseados na linguagem e no método, constituem-se a


especificidade da Geografia, que a define e delimita como ciência de relação sociedade-
natureza e como ciência de leitura do mundo, a partir da análise do espaço que materializa as
ações dos seres humanos num processo de interação com a natureza. Essa relação é
problematizada numa perspectiva relacional, multiescalar e temporal, envolvendo dinâmicas,
permanências/mudanças que configuram seus estudos. A Geografia, em sua centralidade e nos
seus limites, direciona à análise geográfica, visto que dispõe de elementos para esse processo.
Existem, portanto, elementos que se mantém por serem centrais, pois se constituíram
como base desta ciência, embora, no decorrer do tempo, novas percepções e reflexões
desencadearam reformulações, surgindo outras ideias e teorias que compõem essa ciência. Os
conhecimentos que constituem a Geografia são diversos e possuem raízes históricas distintas,
orientados por certos parâmetros que lhe garantem a condição de ciência social. Nesse sentido,

Un campo de conocimiento puede pensarse como un sistema de relaciones entre


posiciones frente a lo que se considera como “conocimiento”, en este caso,
“geográfico”. Los campos se conforman por los procesos de competencia en su seno,
entre las diferentes posiciones sobre lo que es el objeto de la disciplina, sus
herramientas conceptuales y sus metodologías fundamentales (BENEDETTI, 2017,
p. 20).

A Geografia, portanto, enquanto campo de conhecimento da ciência social, teve seus


conhecimentos pensados, aprimorados e frequentemente debatidos pelo constante movimento
do pensamento geográfico. Desse modo, o que se entende por Geografia ou ciência geográfica
envolve pensar na construção teórica do conhecimento com base em um sistema de relações
próprios dessa área científica. Ela, entretanto, não surge no vazio, tendo em vista que abrange
aspectos de distintos modos de pensamento geográfico e de diferentes geografias constituídos
ao longo do tempo, chegando às atuais compreensões que ultrapassam a definição geo (terra) e
grafos (descrição).
Há diversos modos de conceber a Geografia, cujas definições são abordadas no Quadro
a seguir, que tem por base contribuições de vários autores (ANDRADE, 1992; MORAES, 2002;
MOREIRA, 2009; CLAVAL, 2015; LACOSTE, 2016; BENEDETTI, 2017).
45

Quadro 8 – As geografias ao longo do tempo


Conhecimento Deslocamentos, localização, observação dos astros...
Inicial O conhecimento sobre o espaço e as condições naturais de vida serviu ao
(A partir do período desenvolvimento da agricultura e à expansão das áreas de influência de diferentes povos
pré-histórico) e de seus modos de se relacionar e utilizar o espaço ocupado.
Geografia Constitui a forma mais primitiva de conhecimento geográfico: dos modos de viver no
Vernacular lugar habitado pelo povo a partir de suas experiências. Tem por elementos: Espaço
(Popular/espontânea/ vivido = de experiências cotidianas/saber local. Horizonte geográfico = informações de
de senso comum) lugares e da superfície da Terra. Envolve a experiência vivida e a subjetividade.
Geografia de Desenvolvida pela leitura das paisagens e das populações, possibilitou o conhecimento
Estrabão dos povos, espécies e aspectos físicos que compunham peculiaridades de cada lugar.
Geografia dos
Estados Maiores Decidem sobre a localização de investimentos em diferentes espaços.
(Firmas/bancos)
Compreende os conhecimentos obtidos pelos viajantes, naturalistas, militares e cientistas
sobre povos e territórios. Se consolidou no século XIX, evoluindo em duas fases: a
Geografia das primeira (1820-1870) marcada pelas atividades de viajantes e naturalistas acumulando
Sociedades conhecimentos; a segunda (1870-1920) incorporou esses conhecimentos articulando-os
num formato de tratamento metódico e analítico de cunho dominantemente de conquista,
utilizando-o para dominações imperialistas.
Outro viés considera os saberes geográficos técnicos como instrumentos, utilizado, por
exemplo, em mapas para GPS de celulares para uso com diferentes finalidades.
Geografia das Desenvolvimento e atualização das teorias e métodos que dão embasamento à ciência
Universidades geográfica, a partir de estudos sobre a distribuição dos fenômenos físicos, biológicos e
(Científica) humanos na superfície.
Geografia dos Considerada desinteressada e desinteressante, pois se tornou um discurso ideológico cuja
Professores função era mascarar a importância estratégica dos raciocínios centrados no espaço.
Elaboração: Carina Copatti (2018).

Essas diferentes geografias e distintos modos de pensar Geografia compõem o todo que
abarca o conhecimento geográfico. É a Geografia de cunho científico, no entanto, que nos
interessa no decorrer desta tese. Ela vai além das demais formas de pensamento geográfico,
procurando repensá-las e complexificá-las, não rompendo definitivamente com elas. Inclui
diferentes discursos sobre o mundo a partir de múltiplas ideias e perspectivas. Nesse sentido,
toma-se por base o desenvolvimento científico geográfico em diferentes períodos, procurando
compreender as diversidades internas que contribuíram para a construção dos fundamentos
epistemológicos, teóricos e metodológicos, a partir dos seus pensadores/colaboradores.

1.3 Geografia científica e pensamento geográfico

Mesmo já existindo algumas formas de conhecimento geográfico, a sistematização


inicial do que veio a ser a Geografia somente ocorreu com os gregos, principalmente da escola
46

Jônica12, baseados nas experiências acumuladas anteriormente por povos orientais. Assim, entre
os séculos VII e VI a.C., os filósofos gregos procuraram explicar o mundo pela razão, como
formuladores dos primeiros pensamentos sobre a superfície da Terra e o espaço para além dela
– o universo. Consistiam em conhecimento astronômico e de Geometria, indispensáveis,
tempos depois, aos estudos da Terra.
Estes pensadores, em maior ou menor grau, contribuíram para o desenvolvimento das
ideias iniciais do que se tornou, posteriormente, a ciência geográfica. Esse período, no entanto,
sofreu ruptura, uma vez que a Grécia, o Oriente Médio e a bacia do Mediterrâneo foram
tomados pelos romanos entre os séculos II e I a.C. Estes, ao desenvolver seu império, deram
maior ênfase à Geografia descritiva e pragmática, deixando de lado a Geografia matemática e
o espírito filosófico-científico. Seus principais geógrafos, Pompônio Mela e Plínio,
preocupavam-se com a descrição do território, indicando áreas ricas em produtos comerciais,
contribuindo aos anseios de expansão e exploração de territórios, o que ampliou o conhecimento
empírico. As teorias gregas, porém, foram negadas e a imagem do mundo habitado foi
reinterpretada de modo simbólico nos mapas-múndi “T e O”13, sem relação com a realidade
espacial conhecida.
Na Idade Média os árabes retomaram os conhecimentos gregos, quando expandiram os
territórios ocupados por terra e mar. Com o uso do leme, da bússola e a manobra náutica,
puderam avançar o vento, facilitando a navegação pelo oceano Índico e expandido, pelas
guerras, a conquista de vários territórios. Contribuíram nesse período os geógrafos árabes,
dentre eles El Edrisi, Ibn Batouta e Ibn Khaldum (CLAVAL, 2015; ANDRADE, 1992). A
expansão árabe declinou no século XIV, quando expandiu-se o comércio europeu pelo mundo,
marcando a decadência do sistema feudal e a propagação do capitalismo. Estes fatos ampliaram
as relações entre povos a partir das viagens de exploração, que trouxeram mais informações
sobre os territórios, aumentando o interesse pelos conhecimentos geográficos. Os fatos

12
Os principais filósofos da escola Jônica foram Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto
e Heráclito de Éfeso. Embora a Jônia tenha sido o centro da filosofia ocidental, seus filósofos tinham pontos de
vista divergentes e eram considerados aqueles que discursavam sobre a natureza.
13
Os mapas medievais "T e O" originaram-se da descrição do mundo na obra Etymologia de Isidoro de Sevilha.
Este conceito de cartografia medieval representa apenas o hemisfério norte de uma Terra esférica, dedução feita
a partir da projeção da porção habitada do mundo conhecida nos tempos romanos e medievais. Isidoro (570-636
d.C.), bispo de Sevilha, criou o mapa esquemático que tinha o seguinte significado: o “T” representava os três
cursos d'água que dividiam o ecúmero, o Mediterrâneo, que separa a Europa da África; o Nilo, separando a
África da Ásia; e o Don, entre a Ásia e a Europa. O ecúmero teria sido dividido por Noé entre seus três filhos
após o Dilúvio. Além disso, o “T” também simbolizava a cruz e na sua junção estaria localizada Jerusalém,
centro do mundo. Esses mapas, em sua maioria, eram circulares e emoldurados por um grande oceano. (IBGE,
2019. Atlas Escolar Online).
47

descobertos passaram, gradualmente, a ser divulgados com a contribuição da cartografia,


aprimorada à medida que outros conhecimentos eram anexados.
Nesse período, mais especificamente a partir do século XIV, várias áreas da ciência
avançaram. Na Geografia, especificamente, teve destaque a produção de pensadores como
Philipp Clüver (Cluverius) (1580-1622), geógrafo e historiador alemão, com base não apenas
em fontes literárias clássicas, mas também em viagens amplas e inspeções locais, e Bernardo
Varenius (1622-1650), que compreendeu a Geografia como o estudo da Terra inteira,
considerando duas perspectivas: Geografia Geral (análise geral à semelhança de Estrabão) e
Geografia Especial (descrição de regiões de extensões maiores pela corografia e em pequenas
extensões pela topografia (TATHAM, 1959; ANDRADE, 1992; CLAVAL, 2015).
Somente no século XVIII foi iniciada a sistematização do material de observação de
cunho geográfico, a partir de conhecimentos empíricos 14. Apesar, porém, dos avanços, não
houve grande progresso no sentido de formar a Geografia científica, que, segundo Claval
(2015), era ensinada apenas nos colégios católicos ou nas academias protestantes. Houve,
assim, novos progressos com as frequentes viagens de exploração. Nesse período, o
racionalismo, com base nas ideias Iluministas, passou a substituir os mitos presentes na
imaginação social, transformando o campo científico. A Geografia passou, então, a sofrer
influência das ideias, principalmente15, de René Descartes (1596-1650), que havia criado,
no século XV, o método cartesiano (matemático-dedutivo), pelo qual buscava certezas
absolutas partindo da dúvida para chegar aos fundamentos, o qual, mais tarde, Humboldt
expôs no princípio da causalidade.
Nessa fase, marcada por mudanças sociais, políticas e econômicas, a ciência e a razão
constituíram caminho para a explicação dos fatos. A expansão das ciências de observação e
experimentação ampliava conhecimentos empíricos e novas teorias, enquanto os governos
estimularam a criação de sociedades geográficas para patrocinar expedições 16 à procura de
recursos, dando novo alicerce para a Geografia em um período marcado por revoluções17. Essa

14
Conforme Tatham (1959), estes conhecimentos empíricos envolvem: o estudo da botânica, iniciado por John
Ray, e a classificação empírica das plantas de Lineu, em 1935. Posteriormente, Buffon publicou a obra História
Natural dos Animais. Houve progressos na física antropológica com Camper e Blumenbach, e na filosofia
comparativa, com avanços nas pesquisas de Achemwall e Süssmilch sobre estudos estatísticos da população.
Montesquieu e Herder trataram dos efeitos da natureza sobre o homem. Herder, segundo Andrade (1992),
analisou as condições naturais nos vários pontos da superfície terrestre com aspectos deterministas.
15
Galileu Galilei (1564-1642) também foi um dos representantes do Renascimento Científico dos séculos XVI e
XVII, considerado um dos fundadores do método experimental e da ciência moderna. O inglês Francis Bacon
(1561-1626) foi um dos fundadores do método indutivo de investigação científica.
16
As expedições de Charles Darwin, que escreveu a Origem das Espécies, e de Spencer, que desenvolveu o
evolucionismo.
17
Faz referência às revoluções Inglesa e Francesa.
48

realidade vivenciada na Europa alicerçou transformações na Geografia, formando as bases


dessa ciência a partir da Alemanha, que, na época, era marcada pela fragmentação do seu
território, encontrando, assim, no conhecimento científico, a possibilidade de conquistar sua
unificação, o que ocorreu apenas em 1871.
Essa situação contribuiu para se voltar à temática do espaço e de sua divisão, o que fez
com que os conhecimentos geográficos ganhassem, de fato, um caráter mais expressivo, por
volta de 1754, quando a Geografia alemã abriu caminho para o status científico. Esse
movimento constituiu-se em dois sentidos: a Geografia político-estatística, que prosseguiu
metodologicamente a Geografia desde Estrabão (século I), ganhando impulso em Varenius
(século XII), pela sistematização da demarcação territorial, e a Geografia pura, que impulsionou
estudos sobre os limites naturais do território, tema que veio a despontar no final do século XIX
nos estudos de Friedrich Ratzel (MORAES, 2002; MOREIRA, 2009) e serviu de base às
investigações de Immanuel Kant (1724-1804). Nesse período surgem, ainda, contribuições de
Johann Reinhold Forster18 (1729-1798).
Apesar dos avanços pelo pensamento destes autores, não foram realizadas grandes
transformações na Geografia, que, posteriormente, veio a ser sistematizada de modo mais
conciso por outros geógrafos, a iniciar com os precursores da Geografia Moderna: Karl Ritter
(1779-1859) e Alexander Von Humboldt (1779-1859), no século XIX, originando a Geografia
científica e dividindo entre si o papel pioneiro de sua sistematização. Estes pensadores lançaram
bases para definir o objeto e o método da Geografia e utilizaram o método comparativo como
parâmetro e o princípio da corologia para explicar o espaço e suas características.
Ritter revisitou conceitos de geógrafos do século XVIII, sob aportes da Geografia
sistemático-regional, mas pautada no pensamento espaço-todo/região-parte de Kant e da
corologia de Foster. Concebeu como objeto da Geografia comparativa a constituição da
individualidade regional dos recortes da superfície, pela qual demonstrou a importância dos
métodos empíricos e comparativos e o caminho da análise da relação homem-meio 19, tendo
como objetivo o estudo da Terra do ponto de vista antropocêntrico. Procurou relacionar ser
humano e natureza e compreender sua história, indo além de Kant. Distanciou-se da Geografia
pura e avançou para além do caráter taxonômico e descritivo. Definiu como caminho o método

18
Johann R. Forster teve como companheiro de pesquisa seu filho Johann Georg A. Forster (1754-1794). Em uma
de suas publicações, os dois descrevem o relato da viagem e constituem uma rica coleção de objetos de história
natural e de etnografia. Tatham (1959), explica que Joham Georg, o filho, teve menor importância de inovação,
mas foi mais respeitado pela personalidade acessível, eficiência literária e alta qualidade das suas observações.
19
O uso da expressão homem-meio refere-se aos primeiros tempos de consolidação da Geografia. À medida que
avança o tempo utilizam-se outras denominações: humano-natureza e sociedade-natureza.
49

indutivo, pelo qual comparou recortes espaciais para identificar características comuns e chegar
a generalizações; posteriormente, pela comparação, analisa cada área separadamente a fim de
identificar o que é específico a cada uma (TATHAM, 1959; MOREIRA, 2009).
Para Humboldt, a globalidade do planeta era vista a partir da interação entre a esfera
inorgânica, orgânica e humana, holisticamente realizada pela ação intermediadora da esfera
orgânica. Ia do recorte (formação vegetal) ao todo (planeta), de modo a voltar à Geografia
das Plantas como o elo da unidade, entrecortado das paisagens. Desse modo, mesmo com
caminhos distintos, considerando que Humboldt desenvolveu estudos sistemáticos e Ritter
no domínio da Geografia regional, algumas de suas obras tomam aspectos comuns. Ritter
dedicou um volume do Erdkunde à Geografia sistemática, e Humboldt publicou estudos
regionais (TATHAM, 1959; MORAES, 1989; MOREIRA, 2009). Para compreender o
pensamento geográfico, estruturado até então, sistematizam-se as principais ideias a seguir.

Figura 8 – O pensamento geográfico da Geografia moderna

Elaboração: Carina Copatti (2018).


50

Com a morte de Ritter e de Humboldt, ambos no ano de 1859, teve fim uma fase de
intenso desenvolvimento da Geografia, marcando o princípio da crise e da fragmentação do
pensamento científico e filosófico. Isso se efetivou com a redução da influência da filosofia
idealista alemã, emergindo com força o positivismo na Geografia, cujas bases desenvolvem-se
em Auguste Comte (1798-1857).20
Nesse período em que o positivismo se expandiu, a racionalidade impôs-se na ação do
homem sobre a natureza, no domínio de técnicas e na exploração de recursos. Na ciência,
especialmente na Geografia, esse processo foi marcado por antagonismos: fragmentar-se para
estar em dia com o pensamento que se desenvolvia versus recuperar a integralidade de visão do
mundo. Dentre as mudanças, abandona-se o conceito de região, o método comparativo de Ritter
e o caráter espacial da Geografia de Kant, desaparecendo os conceitos e fundamentos que
constituíam o discurso geográfico dos séculos XVIII e XIX. A Geografia estruturou-se, então,
a partir da dualidade física-humana. O modelo matemático da Física clássica foi adequado às
Geografias físicas setoriais, enquanto o modelo da Sociologia-Antropologia teve dificuldades
em se adequar às geografias humanas setoriais, uma vez que os fatos sociais não seguem as leis
das realidades físicas (CLAVAL, 2015; MOREIRA, 2009; 2015; TATHAM, 1959).
Houve resistências em relação à fragmentação do conhecimento científico, tanto de
modo externo ao positivismo, quanto no âmbito interno. Manteve-se, de um lado, a
fragmentação positivista e, de outro, pela influência neokantiana21 com base em Ritter, uma
tentativa de aglutinação em dois grandes campos. Assim, surgiram três características na
Geografia Clássica: 1) a consolidação e ampliação das formas setoriais pela fragmentação
positivista; 2) a reunião formal das geografias setoriais: Geografia Física e Geografia Humana;
3) surgimento de alternativas unitárias: Geografia Regional (tendo a região como unidade
físico-humano) e Geografia da Civilização (La Blache, na França, Friedrich Ratzel, na
Alemanha e March e Sauer, nos Estados Unidos) (MOREIRA, 2009, 2015b).

20
Filósofo francês, considerado fundador do positivismo e da sociologia. Arana (2007), a partir de Comte, define
“positivo” orientando na direção dos fatos observados e suas leis, e “teoria positiva” aquela fundada nos fatos,
sustentada, em última instância, por observação.
21
Corrente filosófica desenvolvida principalmente na Alemanha, do século XIX até os anos 1920 (século XX).
Buscou o retorno aos princípios de Kant, em oposição ao idealismo de Hegel, então predominante, e ao
positivismo.
51

Figura 9 – Estrutura da Geografia em sua fase de constituição científica

Elaboração: Carina Copatti (2018).

Apesar de se constituir como ciência, a Geografia não consolidou o raciocínio


geográfico com base na relação homem-meio, que era seu objeto, mantendo a fragmentação N-
H-E. Isso não se constitui em um problema quando consegue concatenar estas dimensões em
suas abordagens e proposições. A Geografia positivista desse período teve como característica
essa dualidade, expressa da seguinte forma:

Figura 10 – Esquema fragmentação-reencontro Homem-meio

Elaboração: Carina Copatti (2018) com base em Moreira (2015b).

Essa fragmentação está presente na Geografia contemporânea e perpassa tanto sua


estrutura curricular na academia quanto no contexto escolar e nos livros didáticos. Tendo a
Geografia a preocupação com o estudo da conexão/interação entre a natureza e a sociedade,
constitui-se, portanto, em um paradoxo, posto que se consolida desde o século XVIII de modo
52

fragmentado (Geografia física – Geografia humana), separando as dimensões natural e social


(SUERTEGARAY, 2005, 2017). No contexto dessa fragmentação desenvolveram-se
dualidades entre determinismo e possibilismo, concepções que teriam sido um equívoco de
interpretação de Lucien Febvre em resposta às críticas feitas por diferentes sociólogos. Segundo
Claval (2015), Febvre entendeu a Geografia humana como possibilista e não determinista,
compreensão que se espalhou pelo mundo em uma interpretação que não considerou as
dimensões essenciais advindas de Ratzel e de Vidal de La Blache, baseados na análise de
situações, da circulação e da vida de relação.
As tendências mencionadas anteriormente são sistematizadas no Quadro a seguir, com
base em Corrêa (2000b), Oliveira (2003) e Moraes (2005).

Quadro 9 – Tendências de pensamento na Geografia Tradicional


Determinismo Possibilismo Método Regional
As condições naturais determinariam A Geografia foi Considera a integração de fenômenos
o comportamento humano, interpretada como o estudo heterogêneos em uma dada porção da
interferindo na capacidade de da relação homem- superfície da Terra, e não pelas relações
progredir. À Geografia caberia natureza, tendo como ser humano-natureza como as
explicar os fenômenos pela influência objeto a ação do homem na perspectivas determinista e possibilista.
da natureza sobre o desenvolvimento transformação do meio, Focaliza o estudo da individualidade
da humanidade, tendo em vista que a dando o peso da explicação das áreas, cujo resultado não é uma
ação do meio determina a história do à ação e aos fenômenos relação causal ou a paisagem regional,
homem. A ideia do determinismo humanos em uma mas a sua diferenciação própria como
ambiental foi inserida nas ciências perspectiva denominada objeto da Geografia.
sociais para explicar a sociedade como possibilista. Tem base no pensamento da
mediante mecanismos que ocorrem na Nela há a ideia de que o Antiguidade Clássica: Estrabão,
natureza, sob teorias naturalistas meio pode influenciar o Heródoto, Varenius e Kant, Ritter, Von
(Lamarck/Darwin). Essas ideias homem não determinando Richthofen, que utilizou o conceito de
foram defendidas por Spencer, e na sua ação, mas corologia (integração de fenômenos
Geografia por Ratzel, amenizada em possibilitando ações e heterogêneos sobre uma área),
seus escritos pela influência modificações do ser desenvolvido mais tarde por Hettner.
humanista de Ritter, que considerou a humano sobre o meio, É expressa na Geografia Regional, cujo
influência humana sobre o meio. como agente geográfico. objeto é a região como unidade espacial.
Elaboração: Carina Copatti (2018).

A Geografia desse período foi marcada pela sistematização de novos conhecimentos a


partir de Friedrich Ratzel (na Alemanha), que teve foco na Geografia humana e política, e,
posteriormente, com os estudos, principalmente, de Paul Vidal de La Blache, na França,
constituindo diferentes escolas de pensamento 22 : a escola alemã e a escola francesa.
Inicialmente, pelos fundadores e sistematizadores dessa ciência, o pensamento geográfico desse

22
As ideias mais expressivas sobre as escolas de pensamento são delineadas a partir de Tatham (1959), Andrade
(1992), Suertegaray (1997), Moreira (2009, 2012) e Haesbaert, Pereira e Ribeiro (2012), expressas no Apêndice
1 na página 236.
53

campo seguiu sendo construído e consolidado no intuito de descrever e explicar as relações


entre ser humano e natureza, compondo a fase inicial da Geografia, descrita até então. Foi
denominada Geografia Moderna ou Tradicional, cujo caráter, desde o início, esteve ligado às
dinâmicas do espaço, sendo, seus pensadores, levados a construir modos de compreendê-las.
Nesse contexto de efervescência do pensamento geográfico em diferentes frentes,
surgiram concepções direcionadas a questionar as estruturas do desenvolvimento capitalista
vigente e preocupadas com os problemas sociais que emergiam. Esse movimento iniciou com
os idealistas, que imaginavam sociedades mais justas, e, posteriormente, com os pensadores
materialistas, pela crítica da realidade, por meio da qual construíram uma análise dialética das
estruturas da sociedade e de sua evolução, visando a transformações sociais.
Nesse contexto emergiu o Marxismo, a partir das ideias de Karl Marx e o Anarquismo
23
proposto por Eliseé Reclus e Pietr Kropotkin. Apesar, no entanto, de suas ideias
revolucionárias, estas não tiveram muita influência, nessa época, sobre os geógrafos, que
estavam comprometidos com as estruturas de poder de seus países. Foi somente na segunda
metade do século XX que as concepções oriundas do Materialismo histórico e dialético
ganharam notoriedade na Geografia (o que será abordado mais adiante).
As principais etapas tratadas são sintetizadas no Quadro 10, baseado em Moreira (2009).

Quadro 10 – Fases da Geografia Moderna


Primeira fase Segunda fase Terceira fase
Período Da Antiguidade grega ao século 19 Século 19 Final do século 19 e
início do século 20
Característica Não científica Científica Científica
Estrabão: Descreveu paisagens e povos. Humboldt e Ritter: Ratzel:
Ptolomeu: Descrição de paisagens, Procedimento analítico, Considera o território
cosmologia e cartografia. Método comparativo, e desenvolve a teoria
Varenius: Geografia geral e específica. Princípio corográfico, do espaço vital.
Pensadores e Foster: Rigor científico com base no Perspectiva Holista. La Blache:
Procedimentos conhecimento empírico Relação homem-
meio, conceito de
Kant:
Geografia da
Base estrutural teórica a partir do
civilização.
conceito de espaço.
Elaboração: Carina Copatti (2018).

Nesse período, além da necessidade de se estabelecer como ciência, a Geografia teve


como preocupação responder às inquietações vividas e percebidas socialmente. Desse modo,
constituiu os alicerces que fundamentam sua estrutura científica, dentre eles seu objeto, seu

23
Kropotkin aderiu à atividade revolucionária após contato, em suas explorações científicas, com povos que viviam
em condições de vida difíceis. Seu comprometimento com o naturalismo levou-o a admitir o determinismo físico-
natural e étnico na evolução dos povos, embora condenasse discriminações raciais (ANDRADE, 1992).
54

método e seus princípios, denominados princípios geográficos, que atuavam como regras de
procedimento para tratar o objeto, procurando trazer unidade para essa ciência. Os princípios
geográficos estruturados pelos pensadores da Geografia nesse período são citados por Andrade
(1992) como: extensão, analogia, causalidade, conexidade e atividade. Há também outros
princípios, como o princípio de unidade terrestre e de individualidade, além daqueles
considerados como princípios lógicos (lógico-operacionais), mencionados por Moreira
(2015a): localização, distribuição, extensão, distância, posição e escala. Esses princípios são
explicados no Quadro 11.

Quadro 11 – Princípios geográficos na Geografia Moderna e princípios lógico-operacionais


Princípios gerais Autor Característica
Extensão Friedrich Ao estudar um dos fatores geográficos ou uma área, deve-se,
Ratzel inicialmente, localizá-la e estabelecer seus limites, usando os mapas
e o conhecimento direto da área.
Analogia Karl Ritter Delimitada e observada uma área em estudo, ela deveria ser
(Geografia geral) comparada com o que se observa em outras áreas, estabelecendo
semelhanças e diferenças existentes.
Causalidade Alexander von Observados os fatos, deve-se procurar as causas que os
Humboldt determinaram, estabelecendo relação de causa e efeito.
Conexidade Jean Brunhes Fatores físicos e humanos não agem separada e independentemente,
havendo interpenetração na ação dos vários fatores físicos entre si e
ainda dos dois grandes grupos de fatores.
Atividade Jean Brunhes Caráter dinâmico do fato geográfico, posto que o espaço está em
perpétua reorganização e em constante transformação, graças à ação
ininterrupta dos vários fatores.
Unidade terrestre Paul Vidal de A Terra foi compreendida numa visão de conjunto; “a Terra é um
La Blache todo, no qual as partes estão coordenadas”.24
Individualidade Ritter Cada lugar tem uma feição que lhe é própria e que não se reproduz
de modo igual em outro lugar.
Princípios lógicos Aspectos a considerar
Localização
Distribuição Formação da personalidade e do discurso da representação geográfica.
Extensão Análise de fenômenos iniciando pela descrição a partir de um dado recorte espacial.
Distância Estes princípios seriam balizadores para a análise, que deve ser feita a partir do uso das
Posição categorias: paisagem, território e espaço para a leitura geográfica.
Escala
Elaboração: Carina Copatti (2019).

Os princípios lógico-operacionais utilizados na Geografia contribuem, principalmente,


para estabelecer a organização espacial de determinado fenômeno ou situação, enquanto os
princípios geográficos contribuem no sentido de estabelecer relações, complexificando os

24
“Le principe de la Géographie Générale. Annales de Géographie – vol. V”, out. 1895 a set. 1896. Paris: Armand
Colin Editores. Tradução Rogério Haesbaert e Sylvain Souchaud.
55

raciocínios e análises geográficas. Os princípios servem como balizadores à análise e são usados
na leitura do espaço em distintos recortes.
Relacionados aos princípios de análise geográfica, estavam estruturados, nesse período,
o objeto e o método da Geografia Moderna, expostos de modo sintético no Quadro 12,
considerando principalmente as contribuições de Andrade (1992) e Moreira (2015a):

Quadro 12 – Estrutura da Geografia Moderna


Objeto Método Princípios
Escola alemã: Indutivo: Extensão
Ritter: estudo das paisagens a partir de Compara recortes de áreas para identificar (Ratzel)
recortes regionais para compreender a características comuns e chegar à Analogia
superfície terrestre. generalização (do todo/a superfície terrestre (Ritter)
Humboldt: estudo das paisagens a partir – à parte/o recorte regional), retornando ao
Causalidade
da interação entre a esfera inorgânica, todo para vê-lo como um todo diferenciado (Humboldt)
orgânica e humana, holisticamente em áreas.
realizada pela ação intermediadora da Conexidade
esfera orgânica. Dedutivo: (Brunhes)
Do recorte (formação vegetal) ao todo Atividade
Escola Francesa: (planeta), de modo a voltar à Geografia das (Brunhes)
La Blache: Relação homem-meio e
plantas como o elo da unidade, entrecortado Unidade terrestre
estudo das regiões.
das paisagens. (La Blache)
Individualidade
(Ritter)
Elaboração: Carina Copatti (2018), com base em Andrade (1992) e Moreira (2015a).

Apesar, entretanto, de a Geografia estruturar-se sob estas características, no início do


século XX, principalmente, esta passou a ser palco de debates que inquietaram pesquisadores
dessa área. Isso ocorreu principalmente pela busca de reformulações em um contexto marcado
por transformações políticas, econômicas e sociais, como as que envolveram nações em grandes
conflitos durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. Tais acontecimentos, segundo
Suertegaray (1997), exigiram novos posicionamentos ante a complexidade vivida no pós-
guerra. Isso fez com que os geógrafos questionassem seu fazer geográfico, levando à renovação
da Geografia, que esteve vinculada, inicialmente, à necessidade do planejamento dos espaços
destruídos pela guerra e de reconstruir-se, saindo da perspectiva positivista que já não era capaz
de explicar a realidade.
A Geografia foi sendo organizada a partir de diferentes modos de pensar o espaço
geográfico e as situações que tem enfrentado daquele momento até a atualidade, marcada
pela exploração dos recursos naturais, por conflitos, desigualdades socioeconômicas, pelo
avanço do capitalismo, expansão urbana e intensificação dos problemas sociais e
ambientais. Diversos fatores interferiram no modo de perceber e analisar o espaço,
emergindo concepções com enfoques, por vezes, contraditórios. É o caso, por exemplo, da
56

existência em paralelo das concepções Anarquista e Marxista, além de outras, que serão
abordadas mais adiante.
Para compreender os marcos da transição na Geografia é preciso considerar, no início
da segunda metade do século XX, a ampliação da crise do paradigma fragmentário (na
Geografia Tradicional, em suas frentes determinista, possibilista e o método regional). Estas
perspectivas não foram suficientes para explicar, analisar e interpretar os elementos que
compõem a Geografia e tecer provocações no sentido de abranger as relações entre natureza e
sociedade. Surgem sinais de crise nesse contexto, como a crise ambiental25.
A crise da perspectiva tradicional mostrou-se mais intensa a partir de 1970, emergindo
a Geografia Teorética e as novas tendências: crítica, principalmente, baseada no materialismo
histórico e dialética marxista, e a subjetivista (a Geografia da percepção, a Geografia humanista
e a Geografia cultural, além da Geografia histórica, todas com fundo na Geografia de Carl
Sauer), reivindicada, na atualidade, como referência à fenomenologia de Edmundo Husserl e
um ambientalismo de novo tipo, sem uma referência filosófica explícita, mas de forte inspiração
quântica (CHISTOFOLLETI, 1985; MOREIRA, 2009). Há, também, tendências cujas
propostas defendem métodos mais específicos. Dentre elas, emergiu a tendência apoiada em
Foucault, em Edgar Morin e em Mikhail Bakhtin (MORAES, 2002; MOREIRA, 2009),
denominando-se Geografias Pós-Modernas. Estas são expressas no Apêndice 226, formulado
com base em Holzer (1993; 2008), Corrêa (2000a), Moraes (2005), Suertegaray (1997, 2005),
Moreira (2009, 2012), Claval (2015), Capel (1981) e Christofoletti (1976).
A estruturação dessas perspectivas contribuiu para que se consolidassem correntes de
pensamento, indo além e opondo-se às concepções tradicionais até então alicerçadas pelos
geógrafos fundadores e clássicos. Essa diversidade de perspectivas trouxe diferentes rumos para
as interpretações sobre o espaço e as interações nele evidenciadas pelas sociedades humanas,
em um contexto marcado por rápidas e intensas transformações. As distintas perspectivas de
pensamento foram pensadas no constante embate e debate de ideias, cujas críticas e
contestações serviram ao fortalecimento destas tendências e à formação de novos elementos.
No que concerne à tendência fundamentada no marxismo, houve contestações a essa
abordagem, da mesma forma que esta questionou a tendência tradicional e o neopositivismo.

25
Corresponde à crise dos esquemas de arrumação espacial da superfície terrestre então existente pela separação
homem-natureza. Essa crise, pelos avanços dos interesses industriais, foi denunciada, por exemplo, pela
Geografia da civilização (MAX SORRE, 1880-1962), retomando a relação do espaço e da superfície terrestre
(MOREIRA, 2009). Sorre marcou a transição do pensamento naturalista para o ambientalista, com foco nos
aspectos humanos e a distribuição dos fenômenos no espaço, compreendendo o homem como um ser social.
26
O quadro apresenta um breve resumo das novas tendências e pode ser consultado no Apêndice 2, página 238.
57

Estes embates que se estabelecem entre as diferentes perspectivas do pensamento geográfico


dão força e novos arranjos às ideias que ora se fortalecem, ora são questionadas ou repensadas,
fazendo avançar a ciência geográfica em sua proposta de pensar/problematizar a realidade.
À medida que foram desenvolvidos estudos sobre os diversos temas que a Geografia
abrange, foi possível verificar a existência de distintos modos de concebê-la e utilizá-la nas
análises, sob variadas matrizes de pensamento que se consolidaram. Para Suertegaray (2005),
as geografias pós-modernas são as expressões desse movimento, numa filosofia plurifacetada,
contraditória e dialógica; entendem o mundo pela discussão sempre latente entre metafísica e
dialética, ordem/manutenção e movimento/criação, a partir de múltiplas interpretações.

[...] convivemos com perspectivas analíticas Neomarxistas, com perspectivas


Neopositivistas e com perspectivas Fenomenológicas/Hermenêuticas, agora, não se
apresentando como únicas e verdadeiras, mas como visões que permitem, através de
uma atitude dialógica, contribuir para a explicação/compreensão do mundo
contemporâneo. As geografias atuais são múltiplas, adotam múltiplos métodos,
constroem múltiplas visões/leituras, valorizam as singularidades, as identidades.
Porém, a Geografia não se limita ao único, pois ao indicar a necessidade de uma
análise em múltiplas escalas, concebe o local no global, o lugar no mundo, a parte no
todo, o singular no plural, o único no múltiplo (SUERTEGARAY, 2005, p. 38).

Os conflitos e confrontos entres essas tendências acabaram fazendo com que os


pensadores clássicos passassem a ser encarados por alguns autores críticos (radicais ou
marxistas) e pós-modernos como autores de meros estudos classificatórios espaciais, sendo
compreendidos como “pré-críticos”, ocorrendo, assim, a desvalorização da produção originada
pela Geografia Clássica. Embora, no entanto, com fragilidades, foi a partir da Geografia
tradicional que se consolidou o pensamento geográfico científico, cuja estrutura alicerça vários
elementos da Geografia e, na atualidade, embasa inúmeras pesquisas. Diante disso, as distintas
perspectivas epistemológicas que constituem a Geografia são importantes e necessárias à sua
compreensão atual.
Estas tendências tiveram grande influência do pensamento filosófico. Foram,
principalmente, o empirismo inglês, o idealismo alemão, a dialética hegeliana, o positivismo
comtiano e o materialismo histórico marxista que, ao servir de base teórica para o conhecimento
filosófico e científico, possibilitaram a construção de diferentes métodos para a interpretação
da realidade.
O Quadro a seguir expõe as principais influências do pensamento filosófico na
Geografia.
58

Quadro 13 – Principais influências do pensamento filosófico na Geografia


Pensador Período Perspectiva
Immanuel Kant Século XVIII Relação espaço-tempo
René Descartes Século XVIII Racionalismo
Charles Darwin Século XIX Evolucionismo
August Comte Século XIX Positivismo
Georg Hegel Século XIX Idealismo
Karl Marx Século XIX Materialismo histórico
Elaboração: Carina Copatti (2018) com base em Sposito (2004).

O método precisa ser coerente com a teoria, e é fundamental para a construção de um


sistema intelectual que aborde a realidade a partir de um ponto de vista. A teoria constitui-se a
partir do método, definida como um conjunto de conhecimentos, leis e princípios que permitem
a leitura e a interpretação da realidade pelos elementos racionais, a fim de organizar o
conhecimento a partir de uma lógica interna adequada ao método. É necessária coerência entre
teoria e método, possibilitando a leitura das categorias e conceitos explicitados na teoria,
diferenciando-a de outras teorias que tratem do mesmo tema/assunto (SANTOS, 1996, 2004;
SPOSITO, 2004).
As teorias construídas ao longo da constituição da Geografia relacionam-se com alguns
dos principais métodos científicos que, ao serem sistematizados, deram condições para que
fossem possíveis modos próprios de descrever, analisar e interpretar diferentes temas nessa
área. Essa estrutura chega à Geografia acadêmica fornecendo as bases da formação de
professores de Geografia e geógrafos bacharéis; aparece também na Geografia escolar, na
estrutura dos conteúdos escolares e na prática docente; envolve, ainda, a estrutura dos livros
didáticos disponibilizados às escolas. A partir destes métodos podem ser feitos agrupamentos
mais abrangentes das correntes 27 teórico-metodológicas em: empírico-analíticas, crítico-
dialéticas e fenomenológico-hermenêuticas, as quais estão dispostas no Apêndice 3.
Os métodos, no contexto da ciência geográfica, alicerçam os modos de pensar
geograficamente e precisam alicerçar, também, os processos que envolvem análises e
interpretações realizadas por profissionais formados nessa área: licenciados e bacharéis. Nas
pesquisas acadêmicas, na atuação docente em sala de aula e nas produções de livros didáticos,
é mister um método basilar para fazer e ensinar Geografia.
Na academia, as pesquisas de cada uma das subdivisões da Geografia precisam derivar
de um método e, por conseguinte, de uma estrutura teórica a ele atrelada, o que envolve, ainda,
procedimentos metodológicos e analíticos que seguem esse mesmo caminho. As disciplinas

27
As principais características são expostas no quadro do Apêndice 3, página 241.
59

físicas vinculam, de modo mais frequente, aspectos do positivismo e do neopositivismo,


utilizando nas análises o método hipotético-dedutivo. Outras disciplinas, voltadas à Geografia
humana, aproximam-se mais dos métodos dialético e fenomenológico, embora, dependendo do
enfoque da pesquisa, emerja o método hipotético-dedutivo em estudos sobre dados econômicos,
demográficos, de aspectos naturais ou sociais, sob o enfoque da dimensão matemática. O
método dialético, ao propor aproximações entre sociedade e natureza, busca tecer relações
considerando o tempo e as dinâmicas que interferem nessas relações.
Além dos diferentes métodos e suas respectivas teorias, há categorias e conceitos
consolidados como centrais na Geografia. As categorias de análise geográfica são estruturas
que funcionam de maneira ampla, articulando as ideias e os modos de pensar, possibilitando
análises a partir de certos conceitos. Estas podem servir para a definição mais específica de
determinados estudos, seguindo teorias e métodos adequados. As categorias centrais – espaço,
paisagem, território – alicerçam (ou deveriam alicerçar) os conteúdos abordados nos livros
didáticos e na docência em Geografia, uma vez que são essenciais para a compreensão
epistemológica do método e, consequentemente, para a utilização do conhecimento geográfico.
Existem distintas compreensões sobre o que vem a ser Categoria, e são diferentes as
categorias elencadas por diversos pensadores28. Com base em Santos (2004), Haesbaert (2004)
e Moreira (2009), são explicadas brevemente, no quadro a seguir, as principais categorias.

Quadro 14 – Principais categorias da Geografia


Categoria Definição geral
Espaço Categoria universal preenchida por relações permanentes entre elementos lógicos
encontrados por meio da pesquisa do que atravessa o tempo, e não a um tempo dado e
a um dado lugar.
Território O território influencia o recorte espacial pela expressão de poder (pela demarcação no
(Desdobrando-se nas espaço) e pela dimensão simbólica, podendo ser compreendido pelas suas
categorias: região, multiterritorialidades.
lugar, rede).
Paisagem Toma formas distintas pelas diferentes óticas pelas quais é interpretada, indo além da
conceituação usual que compreende tudo o que a visão abarca. Envolve a apreensão de
um recorte espacial em um determinado tempo a partir dos sentidos, levando em conta
as dimensões subjetivas. Considera um amplo conjunto de elementos que a configuram
como categoria essencial na Geografia.
Elaboração: Carina Copatti (2018).

28
Segundo Sposito (2004), em Aristóteles as categorias são diferentes maneiras de afirmar algo de um sujeito. São
elas: sujeito, quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar, situação, ação, paixão, possessão. Para Kant, referem-
se, além do ser, ao conhecer, e são a qualidade, a quantidade, a relação e a modalidade. Além destes, Hegel
compreendeu categoria, segundo Japiassu e Marcondes (1990), como “essências ideais que exprimem os
momentos correspondentes da ideia absoluta, assim como os graus de seu desenvolvimento dialético” e
atualmente segundo estes autores (2001), o termo categoria, frequentemente considerado como sinônimo de
noção ou de conceito, designa, mais adequadamente, a unidade de significação de um discurso epistemológico.
60

As categorias constituem elementos abrangentes que abarcam um processo de


interpretação geográfica. A partir de uma categoria, pode-se depreender diferentes leituras de
qualquer tema que esteja em análise.
Por vezes, na Geografia, categoria e conceito confundem-se, pois algumas categorias,
como espaço, paisagem e território29, são também interpretadas como conceitos. Os conceitos
contêm uma história e identificam-se com seu(s) autor(es), pois são elaborados a partir de uma
referência inicial (científica ou filosófica), com seus elementos internos articulados, que
definem sua consistência pela sua própria constituição; remetem, quando necessário, a outros
conceitos para efeito de comparação ou superação; estes, para Sposito (2004), são
superados/modificados com base nas mudanças das sociedades.
Cada conceito possui um grau de destaque maior ou menor, dependendo de cada uma
das concepções teórico-metodológicas. São considerados ferramentas ou estruturas mentais
que servem para as análises, explicando fenômenos e situações baseados nas ideias de seus
autores. Como construções abstratas, favorecem a compreensão do conhecimento,
avançando para a relação com as teorias do pensamento geográfico, e precisam alicerçar
tanto a formação e o trabalho docente quanto os materiais didáticos específicos dessa
disciplina. Os conceitos principais 30 são: espaço geográfico, paisagem, território, lugar,
região. Por meio deles relaciona-se o contexto e as compreensões teóricas, o que exige
“instrumentos conceituais que tornem possível apreender o máximo dessa espacialidade, da
preocupação de organizar conteúdos buscando a formação de conceitos geográficos”
(CAVALCANTI, 1999, p. 117).
Há distinções na estrutura que compõe a Geografia, com base nas diversas perspectivas
do pensamento geográfico organizado sob um método, suas teorias e elementos principais.
Nesse sentido, o pensamento geográfico resulta dos avanços obtidos pelos pensadores gregos,
clássicos, modernos e pós-modernos. No contexto atual, o pensamento geográfico é
constantemente centro de debates, não existindo uma tendência hegemônica. Emergem, assim,
elementos comuns e outros distintos nas interpretações propostas.
O caminho, mencionado até aqui, influencia a Geografia em terras brasileiras e conduz
os primeiros passos dos geógrafos no país, a partir do método, das teorias, das categorias, dos
conceitos e dos princípios que estruturam essa ciência. Apesar do pensamento geográfico

29
Além destas categorias de espaço, paisagem e território, outras, como lugar, região, natureza, tempo, são também
consideradas.
30
Os principais conceitos da Geografia são sistematizados no Apêndice 4, na página 242.
61

brasileiro partir do conhecimento estruturado mundialmente, já existia no país, anteriormente,


assim como em outros países e regiões do planeta, um modo de pensar o espaço e o desejo de
conhecê-lo.
O Quadro 15 expõe o pensamento estruturado no Brasil sob diferentes bases.

Quadro 15 – O pensamento geográfico no Brasil


Perspectiva Período Descrição
Pensamento Geográfico Desde os primeiros séculos Teve por objetivo, inicialmente, conhecer e
Informal da colonização do Brasil descrever territórios a partir de contribuições de
cronistas, retratistas e romancistas, e explorar
recursos pelas contribuições de viajantes,
naturalistas.
Educação Escolar Ganha ênfase a partir do O objetivo na fase inicial de organização foi
século XIX contribuir para conhecer aspectos do território e
fortalecer o nacionalismo patriótico.
Embora existisse desde os Foi constituída por pensadores que criaram, no
séculos XVIII e XIX (pelos Brasil, a Geografia acadêmica pelo contato com
Acadêmico estudos de autores no a Geografia europeia (principalmente francesa),
exterior), o pensamento pelo conhecimento empírico e o pensamento
geográfico no Brasil só se teórico a ser estruturado. Teve, ainda, influência
Pensamento estrutura no século XIX norteamericana posteriormente.
Geográfico Consolidados a partir da Tem origem a partir da criação de instituições de
Formal Institutos década de 1930. pesquisa, como o IBGE, o Conselho Nacional de
de Geografia e a Associação dos Geógrafos
pesquisa Brasileiros (AGB).
Elaboração: Carina Copatti (2018).

A Geografia no Brasil teve forte cunho empirista e descritivo, influenciado por


diversos grupos que, de alguma forma, foram conhecendo o território. Os serviços de
inspetoria, a elaboração de traçado de marcos geodésicos e a colocação de postes de
instalações telegráficas, também expandiram esse processo, ampliado, posteriormente, com
a multiplicação de periódicos e com as instituições estatístico-geográficas e históricas.
Teve influência, também, de muitos geógrafos brasileiros formados no exterior que
já publicavam escritos de cunho científico, mesmo não existindo uma Geografia
sistematizada no país. Destacaram-se José M. Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco 31,
Raimundo Lopes, Agamenon Magalhães, Mário Augusto T. de Freitas, além de Backauser
e Delgado de Carvalho. A partir da década de 1930, há, também, importantes aportes
oriundos de não geógrafos, como Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Gilberto
Freyre, que contribuíram com seus escritos no intuito de conhecer o território de modo mais
aprofundado (ANDRADE, 1992; MOREIRA, 2014a).

31
Barão do Rio Branco foi um advogado, diplomata, geógrafo e historiador brasileiro.
62

A partir da década de 1930, além de serem criados os primeiros cursos de Geografia


nas universidades, diversas pesquisas foram desenvolvidas nestas instituições pelo IBGE e
pela AGB, sob a influência de pesquisadores estrangeiros. Dentre eles, Pierre Deffontaines,
que veio ao Brasil para colaborar na organização do curso de Geografia na USP, baseando
seu trabalho em Brunhes e Waibel. Posteriormente, trabalharam no país os geógrafos
Emmanuel De Martonne, Pierre Monbeig e Francis Ruellan, em um período cuja maior
influência foi do pensamento geográfico francês, principalmente pelos estudos de La
Blache. O pensamento de Reclus, entretanto, também teve importância, assim como o de
Ratzel. Os pensadores estrangeiros que viveram no Brasil publicaram diversas obras 32 ,
contribuindo para a ampliação do conhecimento geográfico no país (ANDRADE, 1999;
SPOSITO, 2004; MOREIRA, 2014a; 2014b).
A produção intelectual no Brasil expandiu-se com a consolidação de uma comunidade
geográfica local, cuja atuação nas universidades brasileiras tornou possível formar os
professores que faltavam às escolas, além de produzir pesquisa científica. Destacaram-se os
estudos monográficos sobre o território brasileiro voltados ou para o espaço rural ou para o
espaço urbano, além de outras pesquisas nas diferentes subáreas da Geografia física e humana.
Estes modelos contribuíram para a construção do conhecimento nessa área que, no Brasil,
surgiu já como Geografia Moderna. Esse período perpassa, inicialmente, os precursores da
Geografia científica, dos geógrafos chamados “clássicos” e a dos geógrafos “modernos”; esta
última, mais recente, ocorreu na fase de maior produção da Geografia.
A Figura a seguir expõe as principais influências ao pensamento geográfico brasileiro,
as áreas de pesquisa desenvolvidas no contexto da Geografia brasileira e os principais autores
nacionais influentes a partir desse período.

32
Geografia humana do Brasil (Deffontaines); Pioneiros e fazendeiros de São Paulo (Monbeig); Capítulos de
Geografia tropical (Waibel); O escudo brasileiro e dobramentos de fundo (Ruellan).
63

Figura 11 – Principais autores (séculos XIX-XX), influências e áreas de pesquisa na


Geografia brasileira

Elaboração: Carina Copatti (2018).

Além da perspectiva tradicional, surgiram na Geografia brasileira novos debates a partir


da Nova Geografia, de tendência neopositivista, oriunda dos Estados Unidos. As principais
ideias desenvolveram-se na Unesp de Rio Claro, com avanços significativos nas análises
bibliográficas e epistemológicas concernentes à renovação teórica da disciplina. Surgiram,
ainda, as tendências de renovação – as perspectivas críticas, com base, principalmente, na
tendência marxista, e as tendências pós-modernas, em diferentes nuances, seja pela perspectiva
humanística, cultural, da percepção, ambientalista ou outras variações, que ofereceram um
arcabouço teórico e conceitual para os estudos dessa ciência.
64

Num contexto que cada vez mais se tornava complexo, as perspectivas crítica e
humanista-subjetivista ganharam espaço; esta última sob influência inicialmente em Carl Sauer
e, adiante, em Yi Fu Tuan, cujas ideias foram estruturadas com base fenomenológica. Nesse
sentido, no Brasil as tendências de pensamento geográfico foram estruturadas em diferentes
perspectivas, mencionadas na Figura 12, com referência em Andrade (1992) e Moreira (2014a;
2014b).

Figura 12 – Principais influências na Geografia brasileira

Elaboração: Carina Copatti (2018).

Em encontros promovidos pela AGB e por outras entidades, era possível perceber
avanços no pensamento geográfico pelas produções e debates a partir das diferentes
perspectivas, tornando possível a construção de novas ideias, como pela influência de Fred K.
Schaffer, que se utilizou da quantificação, e Yves Lacoste, numa abordagem crítico-
renovadora, que marcam esse período em que novos debates emergem, junto a tomada de
consciência da crise na produção do pensamento geográfico e renovação discursiva, em meados
de 1970 (SPOSITO, 2004; MOREIRA, 2015b).
As últimas décadas do século XX e o início do século XXI trouxeram a marca de outras
tendências – as pós-modernas –, que têm procurado ressignificar o objeto da Geografia – o
espaço –, considerando as dinâmicas atuais, as interações e as transformações sob um viés que
traz, como centralidade, o sujeito. As principais ideias têm como aportes teóricos autores como
Michel Foucault, levando em conta a mudança da sociedade disciplinar, cheia de punições e
vigilâncias, para, atualmente, a sociedade do desempenho, que implica relações sociais. Bertha
Becker, pelas dinâmicas do capital e a reorganização do espaço, e Edward Soja, principalmente
ao debater as Geografias Pós-modernas, defendem um modelo de materialismo histórico e
65

geográfico que repense, de forma radical, a dialética do espaço, o tempo e o ser social. Estes
autores, além de outros não citados, fundamentam pesquisas de diversos geógrafos brasileiros.
As principais perspectivas são abordadas brevemente no Quadro a seguir.

Quadro 16 – Perspectivas do pensamento geográfico no Brasil


Perspectiva Origem Principais ideias Autores brasileiros
Clássica/ Estruturada com base, Traz aspectos da José M. P. Júnior,
Tradicional principalmente, na escola fragmentação da Geografia Raimundo Lopes,
francesa, e menor ênfase na Clássica, com dualidades Agamenon Magalhães,
escola alemã. As principais entre a Geografia física- Everardo Backauser, Mário
influências foram Reclus, La humana e a sistematização de A. T. de Freitas, Delgado
Blache, Brunhes, e os alemães subáreas do conhecimento de Carvalho, J. R. de
Ratzel e Hettner. geográfico. Araújo Filho, Pasquale
Petrone, Aroldo de
Azevedo, Josué de Castro.
Nova Baseia-se na teorética A tendência teorética trouxe José Felizola Diniz,
Geografia norteamericana de J. P. Cole, à Geografia uma perspectiva Antonio Ceron, Pedro
Brian Berry e Fred Schaffer, e baseada na matemática, Geiger, Speridião Faissol,
francesa de André Cholley, quantificando os estudos Antônio Christofoletti,
Jean Tricart, Jacqueline geográficos. Lívia de Oliveira,
Beaujeu-Garnier, Jean Juillard, Alexandre F. Diniz.
Michel Rocheford.
Geografia Baseada no materialismo Centralidade aos estudos do Ariosvaldo Oliveira, Maria
Crítica histórico e na dialética, na espaço, da relação espaço- Adélia de Souza, José W.
Geografia Ativa tempo, da relação dialética Vesentini, Manuel C. de
norteamericana e na Geografia homem-espaço pela Andrade, Milton Santos,
Francesa (de cunho marxista). dimensão do trabalho. Josué de Castro.
Dentre os autores estão
Horacio Capel e Yves Lacoste.
Geografias Autores da filosofia (Lyotard, Procura ir além das meta- Lívia de Oliveira, Oswaldo
Pós- Foucault), filosofia da narrativas, trazendo a Amorim Filho. E, mais
Modernas linguagem (Mikhail Bakhtin) e dinâmica das relações sob a recentemente,
sociologia (Edward Soja). Na dimensão do sujeito, dando- contribuições de autores
geografia, autores como Bertha lhe maior importância e como Rogério Haesbaert.
Becker. Dentre as tendências centralidade nas
está a cultural de Carl Sauer e a interpretações.
humanista, principalmente
com Yi Fu Tuan.
Elaboração: Carina Copatti (2018).

A Geografia brasileira, seguindo a dinâmica geral desta ciência, teve diferentes vieses,
consolidados a partir dos contrapontos que orientam o andamento epistemológico da Geografia
mundial, trazendo a “ambiguidade de ser uma ciência dos homens e dos lugares, uma ciência
da civilização ou da região e uma ciência de integração ou fragmentada numa pulverização
setorial” (MOREIRA, 2014b, p. 13). Essa ciência, inicialmente de integração em âmbito global,
foi setorizada em áreas de investigação, tendo, atualmente, como desafio, estabelecer a estrutura
que reaproxime e supere tais fragmentações.
66

Com base em Moreira (2014b), são citados, no Quadro 17, os principais modelos do
pensamento Geográfico.

Quadro 17 – Os principais modelos de Geografia no Brasil sob o pensamento setorizado ou de


totalidade
Modelos de Setorização Modelos de Totalidade
Modelo Modelo N-H-E: Modelo utilizado em trabalhos que veem o espaço como base dos
Natureza-homem-economia estudos, centrando-se na interação entre os espaços distintos, como
nos modelos neopositivistas e críticos.
Estrutura Utilizada em trabalhos com Abordagem teorética: Abordagem crítica:
estrutura clássica e Aparece em modelos como: Interação técnica-organização
descritiva, pressupondo a Modelo “centro-periferia”: do espaço: ideias de Milton
interação entre homem e Interação e combinação Santos e Maíra Laura Silveira
meio, com uma abordagem desigual entre as áreas (teoria (Brasil, território e sociedade no
ligada à tradição da dos polos de desenvolvimento início do século 21). Interação
superfície terrestre. de François Perroux, trazidos à entre técnica de um dado tempo
Geografia por George e histórico, forma e conteúdo
Rochefort); organizacional do espaço.
Modelo “economia-mundo”: Economia política do espaço:
Centralidade na relação entre Ideias oriundas de Milton
as áreas (ideias de Bertha Santos, Ruy Moreira, Maurício
Becker e Cláudio Egler, pelo de A. Abreu, José W. Vesentini,
conceito “economia-mundo” Ariosvaldo Umbelino de
de E. Wallerstein e F. Braudel). Oliveira e Dirce M. Suertegaray.
Obras Obras de totalidade, a partir de um tema específico:
Geografia da Fome (Josué de Castro)
Os domínios de natureza no Brasil (Azis Ab’Sáber)
Teoria e clima urbano (Carlos Augusto de F. Monteiro)
A Geografia da Amazônia (Bertha Becker)
A natureza do espaço (Milton Santos)
Reflexões sobre teoria e crítica em Geografia (Horieste Gomes)
Geografia e lugar social (Armando Correa da Silva)
Elaboração: Carina Copatti (2018).

Há, portanto, perspectivas que mantêm a setorização da Geografia ainda presente,


enquanto outros procuram integrá-la em seus estudos, embora o façam partindo de um
recortamento. Isso demonstra que a maioria dos geógrafos faz Geografia integrada, mas
partindo de um ponto setorial específico, mantendo-se obras de totalidade empírica e obras de
referência no campo da teoria pura. Falta, ainda, a ousadia de interpretações da integralidade
do espaço, posto que os geógrafos brasileiros investigam partes do país e realizam estudos de
caso extremamente ricos, porém não se aventuram a produzir uma interpretação macro da
sociedade brasileira segundo seu feitio geográfico (OLIVEIRA, 2003; MOREIRA, 2014b).

1.4 O pensamento geográfico na Geografia escolar

Para compreender a inserção da Geografia em âmbito escolar é necessário considerar o


contexto que envolve a educação no Brasil, melhor organizado posteriormente a 1808, quando
67

se iniciam tentativas de organização desse sistema pelo poder público Imperial e pelas
Províncias, o que não ocorreu efetivamente no período anterior, seja pela educação jesuítica
(1549-1759) ou pelo modelo de Aulas Régias, delineado pelo Marquês de Pombal.
Nesse período em que surgem as primeiras tentativas de mudança, gradativamente a
Geografia foi inserida no sistema educacional. Isso ocorreu entre as décadas de 1830 e 1840, quando
avançou a organização da educação no país. Até então a Geografia era vista como um conteúdo à
parte, que servia apenas para conhecer aspectos naturais a partir de fragmentos de autores clássicos,
usados para ensinar estes conteúdos em disciplinas como grego e latim, história e língua nacional.
Os textos enfatizavam a descrição do território, as dimensões e as belezas naturais, sem fazer parte
diretamente do conteúdo (VLACH, 2004; PESSOA, 2007).
A introdução da Geografia na educação escolar brasileira ocorreu oficialmente após a
criação do Colégio Pedro II, em 1837, o que motivou que, anos depois, fosse considerada
matéria obrigatória em outros colégios, uma vez que essa instituição era referência oficial em
educação secundária no país, seguindo o modelo do Programa Escolar francês, cuja estrutura
serviu de base à fundação do Colégio Pedro II. Há, entretanto, um outro contexto, uma vez que,
segundo Albuquerque (2014), em algumas províncias nordestinas, apesar da falta de condições
financeiras para projetos educacionais, já haviam sido criadas escolas secundárias 33 . Isso
ocorreu antes da fundação do Colégio Pedro II, em meio a conflitos entre o centro e as
províncias em relação à constituição do Império. Nesse contexto de conflitos e intensos debates,
estava a Geografia, que, em determinadas províncias, já compunha outras geografias escolares.
Dessa forma, os Liceus podem ter influenciado a constituição do modelo de Geografia escolar
mais do que o próprio colégio Pedro II, porém este, por ter um currículo bem-documentado,
trouxe maior esclarecimento da institucionalização dessa disciplina em âmbito escolar.
A Geografia também esteve presente nas cadeiras isoladas que antecederam a criação
do colégio Pedro II, a exemplo da Paraíba, a partir de 1831, e, ainda, nos cursos preparatórios
ofertados por instituições privadas, que constituíram, também, sistemas de educação na
periferia do território nacional. Após 1832 foi introduzida como disciplina secundária nos
currículos escolares, passando a compor uma das exigências dos exames preparatórios; ou seja,
passou a ter relação com o estabelecimento de um currículo a ser cumprido. Nessa fase, as
escolas privadas e Escolas Normais ofereciam conhecimentos gerais de Geografia, ampliando
a inserção dessa ciência no ensino escolar. Foi em 1837, com a criação do Imperial Colégio

33
Como exemplos o Ateneu, no Rio Grande do Norte, criado em 1835, o Liceu Provincial da Paraíba, em 1831, o
Liceu da Bahia, em 1836, do Ceará em 1844, de Pernambuco em 1871.
68

Pedro II, que a Geografia adquiriu, efetivamente, um status de disciplina autônoma no currículo
escolar oficial brasileiro; no entanto era ensinada uma Geografia descritiva baseada em
nomenclaturas, que não acompanhava os debates científicos e que continha, portanto,
deficiências epistemológicas e metodológicas (VLACH, 2004; SOUZA E PEZZATO, 2010).
Por longo tempo foi essa a estrutura da Geografia, que começou a ser transformada no
país em meados do século XX, sob influência da Geografia de âmbito mundial. Esse período
foi marcado, também, por avanços na estrutura das políticas de educação escolar a partir da
década de 1930. Em 1931 foi realizada a Reforma Educacional Francisco Campos, por meio da
qual a Geografia obteve maior espaço no sistema de ensino, tendo em vista que a ideia do
governo de Getúlio Vargas (1930-1945) era fortalecer o nacionalismo. Foi nesse cenário que
essa ciência, considerada estratégica pelos governos, tornou-se disciplina escolar sob a
perspectiva tradicional, esta que somente foi repensada efetivamente em meados de 1990.
A Geografia, no século XX, estruturada sob a perspectiva tradicional, privilegiava a
descrição, a classificação, a distribuição e a localização das paisagens e dos elementos a partir
de processos baseados na memorização, com forte cunho empirista e descritivo, originados na
fase inicial pelos relatos de viagens pelo território e, posteriormente, pela Geografia francesa.
Essa Geografia não fazia conexão entre ser humano e natureza, compreendendo, de modo
fragmentado, as geografias física e humana e suas especialidades, estruturando-se na
perspectiva N-H-E. Seu papel, na escola, era fornecer informações com base nas descrições do
território. O ensino, nesse período, caracterizava-se pela didática com foco no professor,
considerado detentor do conhecimento e “transmissor” de conteúdos, sob uma pedagogia
tradicional que apresentava limitações na formação, seguindo um conteúdo predominantemente
descritivo, estático e informativo (OLIVEIRA, 2003; AZAMBUJA, 2017), que não contribuía
para a construção de reflexões críticas e, portanto, para a significação do conteúdo.
Nesse sentido, muitos foram os desafios que perpassaram a Geografia, tanto ao se
consolidar como disciplina no currículo escolar quanto em estabelecer o que, de fato, constitui
os conteúdos e a estrutura teórica e metodológica que a fundamenta. No movimento de
construção de ideias referentes à Geografia escolar brasileira, emergiram novos debates sobre
o modo como o ensino era promovido. Uma outra perspectiva que avançou, principalmente no
contexto norteamericano e ganhou espaço em vários países, foi a neopositivista, cuja
centralidade estava na reprodução de propostas pré-estruturadas.
A perspectiva tecnicista perpassou a educação em âmbito geral. Segundo Benejam
(1997), geógrafa espanhola, o modelo tecnicista de aprendizagem segue uma linha pela qual se
interpreta a mente dos alunos, ao nascer, como algo vazio, cujo amadurecimento resulta de
69

conhecimentos obtidos pela influência externa. A didática, nessa perspectiva, se propõe a


ensinar ao aluno um saber validado, confiável e aplicável, centrando interesses em acomodar a
conduta deste ao objetivo pretendido e alcançar a aprendizagem desejada pelo docente.
No Brasil essa perspectiva ganhou espaço no contexto escolar e, atualmente, ainda há
resquícios de uma didática cuja finalidade do aprender baseia-se em técnicas e resultados,
desconsiderando o processo e as subjetividades dos estudantes. Libâneo (1992) explica que a
tendência denominada Liberal Tecnicista subordinou a educação à sociedade, tendo como
função a preparação de recursos humanos, principalmente mão de obra para a indústria. A
sociedade industrial e tecnológica estabelece as metas econômicas, sociais e políticas e a
educação treina nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. Segundo Benejam
(1997), parte da ideia de homogeneidade entre os alunos, quando todos devem responder
positivamente como consequência da eficácia do sistema. Compreende o professor como a
única pessoa que sabe e que sabe fazer. A metodologia “aplicada” deixa pouco espaço para
criar, posto que os objetivos a alcançar são bem-delimitados e os programas de instrução são
sequenciados, propondo comportamentos, habilidades e conceitos de complexidade crescente.
Outras ideias foram consolidadas gradativamente, opondo-se a estes modelos. Isso
ocorreu, também, nas instituições de nível superior posteriormente à ditadura militar, quando
estes debates foram retomados e as discussões convergiram para que se estruturasse, a exemplo
de outros países, novas proposições, tanto no que concerne à dimensão didático-pedagógica
quanto à Geografia, especificamente.
No âmbito pedagógico surge, então, a pedagogia progressista, que tem se manifestado,
segundo Libâneo (1992), em três tendências: a libertadora (pedagogia de Paulo Freire), a
libertária (defensores da autogestão pedagógica), e a crítico-social dos conteúdos (que acentua
a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais). É sob esta última que
muitas pesquisas e perspectivas vêm sendo pensadas no ensino em geral e também no ensino
de Geografia, uma vez que, segundo o autor (1992), essa tendência de conteúdos propõe superar
a pedagogia tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática
social concreta. Sob este viés, a escola atua na mediação entre o individual e o social, exercendo
aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa do aluno (inserido num
contexto de relações sociais). Dessa articulação resulta o saber criticamente reelaborado.
Nesse período, uma Geografia com base nas propostas da Geografia Crítica, para além
da academia, alcança a dimensão escolar, marcando, a partir de então, avanços no modo de
interpretar as relações entre sociedade e natureza e nas formas de propor o processo de ensino
e aprendizagem. Essa tendência crítica amplia-se e se relaciona à expansão das perspectivas
70

pedagógicas de aprendizagem com base nas teorias construtivista e socioconstrutivista,


defendendo a autonomia do aluno a partir da mediação pedagógica do professor e da utilização
de múltiplas linguagens. O aluno precisaria participar da construção do conhecimento,
questionar, refletir, analisar e interpretar, contribuindo com as ideias que emergem na Geografia
crítica, que visa à ação do sujeito na relação com o objeto e o questionamento de situações
sociais, políticas e econômicas que constituem parte da vida das pessoas e devem ser debatidas.
Benejam (1997) afirma que, seguindo o campo da pedagogia, entendeu-se que a escola
não é neutra, cumprindo uma função social e política. Em sua compreensão, em uma escola de
perspectiva crítica o importante seria desenvolver a consciência do aluno sobre seu sistema de
valores, de como refletir criticamente sobre o que pensa, sobre o que quer e pode pensar a partir
de alternativas possíveis. Não teria, portanto, centralidade no comportamento e no
desenvolvimento da personalidade. Essa perspectiva compreende que os pluralismos e conflitos
são necessários ao desenvolvimento do ser humano. A autora (1997) considera a necessidade
de trabalhar em ciências sociais, não apenas no ensino de Geografia, temas como direitos
humanos, desigualdades, discriminação, problemas internacionais, dentre outros. Então, a
didática das ciências sociais percebe não ser suficiente apenas saber como são as coisas, sua
distribuição no espaço e no tempo, mas desvendar intencionalidades e perceber alternativas.
Isso requer aceitar o conflito e propiciar o desenvolvimento da argumentação, ampliando o
papel ativo dos alunos e a visão de futuro a partir do seu compromisso social e político.
Outra perspectiva que chega ao contexto escolar é a Humanista, explicada por Benejam
(1997), que supõe que o desenvolvimento da criança é um conhecimento de construção pessoal
de processo e inato. A autora (1997) considera a existência de estruturas cognitivas que se
desenvolvem com a idade e que são independentes da aprendizagem. Educação, portanto, deve
ir a reboque dos processos de maturação. Neste caso, o esforço educacional concentra-se em
observar a idade, sendo possível propor a aprendizagem do aluno.
O ensino teria, então, propostas flexíveis e criativas, atendendo aos interesses da
diversidade de alunos, que colocaria em movimento seus mecanismos de aprendizagem sob
uma perspectiva humanista. Essa forma de desenvolver o processo educativo, em que diferentes
maneiras de pensar e pontos de vista seriam confrontados, exigiu novos modos de refletir a
aprendizagem e de ensinar, em que o aluno tenha centralidade no processo. A intervenção
docente, para Benejam (1997), parte de motivar a atividade mental do aluno para que queira
pensar, assumindo sua liberdade e responsabilidade pessoal e social. Isso demanda capacidade
de empatia e autonomia do professor, tendo em vista que não quantifica resultados, mas ajusta
necessidades da aprendizagem que o aluno realiza.
71

As perspectivas inovadoras, apesar de seus avanços, principalmente a partir da década


de 1990, ainda constituem-se um desafio na Geografia escolar, posto que está estruturada, em
grande medida, sob aspectos da tendência tradicional. Essas bases são importantes e
necessárias; entretanto, o que é questionável são as maneiras como se estrutura essa forma de
pensar o ensino da Geografia, de modo mnemônico e descritivo, visando, essencialmente, a
“transmitir conhecimentos”. O desafio é construir conhecimentos para questionar, argumentar
e inserir o aluno nas análises, objetivando a aprender com significado.
Algumas mudanças já se delinearam, principalmente em determinadas metodologias de
ensino, mas carecem, ainda, de maior aprofundamento no sentido de inserir novas proposições
no ensino escolar. Considerando a perspectiva crítica e humanista no contexto da educação que
se pretende para o momento presente e o futuro, é imprescindível o olhar atento e
contextualizado do professor, o que demanda conhecer e atuar ante as transformações sociais.
Benejam (1997) salienta que a demonstração da intencionalidade do processo educativo abre
espaço para reformas na formação de professores, tendo por objetivo orientar, a partir do
conhecimento socialmente produzido, valores que devem reger a ação social.
No contexto das ciências sociais, a Geografia, em sua dimensão escolar, refletida sob
um pensamento que tem como aporte a perspectiva crítica, encontra, na relação dialógica com
o espaço geográfico e com outros sujeitos, formas de pensar uma educação significativa que
contribua não apenas para conhecer, mas para atuar no mundo. Isto posto, o papel de conduzir
o processo educativo, feito pelos professores, precisa fortalecer estes aportes para que a
aprendizagem conduza à Educação Geográfica. Esse movimento passa pela formação dos
professores e pela relação entre a teoria acadêmica e a prática escolar desde a formação inicial,
quando lançam-se as primeiras bases para construir o pensamento geográfico. Sob estes aportes,
os primeiros passos são dados pelo professor para a consolidação de uma estrutura de
pensamento que o ampare para suprir os questionamentos dos alunos em aprendizagem.

1.5 Pensamento geográfico e educação geográfica

A ciência geográfica está estruturada de modo fragmentado, conforme sua organização


clássica, compondo o modelo introduzido nos cursos de formação de professores no Brasil. Nos
cursos de educação superior, em universidades e faculdades, mantém-se sob a Geografia geral
e a Geografia sistemática, estudadas em separado, a divisão das disciplinas em Geografia física
e Geografia humana (e em separado a dimensão do ensino). A Geografia física é estudada a
partir das subáreas geomorfologia, geologia e biogeografia; já a Geografia humana pelas
72

subáreas rural, urbana, da indústria, do comércio, econômica e da população. Essas subáreas,


em muitas organizações curriculares, não dialogam entre si, o que precisa ser feito pelos
profissionais que atuam na formação docente, viabilizando que, ao tecer articulações, sejam
compreendidas as interações que abarcam ser humano e sociedade em diálogo e de modo
relacional. A formação de professores sob essa perspectiva, possibilita compreender os
elementos estruturantes comuns a todas as subáreas e quais dimensões comportariam uma
reaproximação que consiga, de fato, superar os distanciamentos internos que perpassam a
Geografia e mantêm separadas, em muitos aspectos, as dimensões social e física.
Esse modelo de organização curricular em subáreas também aparece no currículo da
Geografia escolar, que se mantém estruturado pelo modelo físico-humano, com características
N-H-E, de modo que as análises sobre o sentido que tem essa ciência na relação com a realidade
ficam comprometidas. Nesse contexto, se o conhecimento do professor de Geografia apresenta
fragilidades e o currículo da Geografia escolar é fragmentado, estas poderão comprometer o
processo de ensinar e de fazer a educação geográfica na escola. Isto posto, é importante
compreender a estrutura do que seja essa ciência em suas distintas etapas e dimensões, o que
envolve compreender: 1. O contexto holista inicial; 2. As fragmentações físico-humano; 3. As
tentativas de reaproximação das dimensões humana e física a partir de propostas diversas; 4.
As tendências de pensamento em momentos e contextos históricos distintos; 5. A estrutura de
elementos que envolvem suas distintas fases. Sem essa compreensão é difícil tecer relação com
a Geografia, que se consolida como saber escolar em sua dimensão pedagógica.
A Geografia escolar possui elementos que exigem, além da superação das dualidades
características da ciência, que se leve em consideração a dimensão pedagógica, a qual precisa
também, junto às especificidades de cada área, entrecortar o conhecimento do professor.
Marques (2006, p. 168) entende que os métodos do ensino não podem ser vistos como formas
pré-construídas a que se moldariam os conteúdos. “Importa ver métodos e conteúdos como
construção mútua operatória em processo”, em articulação permanentemente retomada das
práticas e conceitos com que operam e que configuram as metodologias de cada curso, cada
disciplina e cada sala de aula. Diante disso, a forma pedagógica comporta distintos momentos:
quando da ativa inserção no desenvolvimento dos conteúdos próprios de cada ciência em sua
pedagogia constituinte, e também na explicitação de seus próprios conteúdos para a formação
específica do profissional, segundo as intencionalidades de cada curso.
Efetivar esse movimento pedagógico e geográfico requer ter claros os diversos métodos,
teorias e elementos específicos que compõem a Geografia ao longo do tempo e considerar a
forma de construção do conhecimento pelo sujeito, que se efetiva pela aprendizagem. Conforme
73

Pérez Gómez (1992), a teoria e a prática precisam de um corpo de conhecimentos sobre os


processos de aprendizagem que cumpra questões fundamentais que envolvem: a) abarcar as
manifestações, processos e tipos de aprendizagem; e b) ter relação com a realidade, sendo capaz
de explicar não apenas os fenômenos produzidos em laboratório, mas a complexidade da
aprendizagem em aula. É importante, também, segundo o autor (1992), considerar que, além de
diferentes teorias de aprendizagem, com diversos enfoques, existem distintos tipos de
aprendizagem e uma maior pertinência de cada uma das formulações teóricas para cada classe.
As teorias, então, precisam explicar as peculiaridades que identificam e distinguem cada turma,
como as características comuns que justificam sua denominação como “processos de
aprendizagem”. É esta teoria que exige a prática pedagógica, seja para compreender ou orientar
os fenômenos educativos na escola, e envolve, ainda, entender o objeto da Geografia, ainda
controverso, posto que, conforme Sposito (2004), sempre foram variadas as concepções do que
seja o seu objeto.
É necessário, então, identificar o que é comum às duas dimensões – acadêmica e escolar
– e o que é específico a cada uma delas, compreendendo-as em suas especificidades e nas suas
relações, o que exige saber que estrutura do pensamento geográfico contribui para isso. Estas
dimensões constituem áreas de formação humana que aliam aspectos das ciências a que se
conectam; porém o conhecimento escolar conduz à formação dos alunos, por isso sua
singularidade. Assim, os componentes curriculares têm uma constituição própria como
entidades relativamente autônomas ligadas à ciência, mas com objetivos distintos.
A Geografia escolar, um desses componentes, traz a seleção de conteúdos com base na
ciência geográfica. Conforme Cavalcanti (2008, p. 28), “a geografia escolar é o conhecimento
geográfico efetivamente ensinado, efetivamente veiculado, trabalhado em sala de aula”. Mesmo
tendo uma fundamentação na ciência geográfica, sua dimensão escolar diferencia-se por ser
influenciada pelas características inerentes à escola, ao contexto em que ela se insere e às
necessidades sociais dessa instituição em suprir demandas de uma coletividade. Possui, então,
certa autonomia na condução do processo educativo, embora atrelada a ideias que são
pesquisadas na academia. Para Cavalcanti (2012, p. 92), mesmo sem correspondência direta
entre Geografia acadêmica e Geografia escolar, é importante esclarecer relações entre elas:

O conhecimento geográfico escolar é o conhecimento construído pelos professores a


respeito dessa matéria e constitui fundamento básico para a formulação de seu
trabalho docente, embora não suficiente, uma vez que há outros requisitos de
competência pedagógica de professores para a realização desse trabalho. O processo
de construção desse conhecimento pelo professor tem como referências mais diretas,
de um lado, os conhecimentos geográficos acadêmicos, tanto da geografia acadêmica
quanto da didática da geografia, e, de outro, a própria geografia escolar constituída.
74

No processo de formação docente, no contato com a Geografia escolar, ela também


influencia a construção profissional, o que traz a ideia de que o conhecimento geográfico,
ensinado em sala de aula, também constitui um modelo que, na formação de professores na
academia, é considerado, seja para análises, estudos ou para questioná-lo. Ao mesmo tempo em
que ocorre essa influência, a Geografia acadêmica dá legitimidade à Geografia escolar, pois os
cursos de formação de professores formam para a atuação na educação básica. Desse modo,
embora distintas, com características e finalidades próprias, a Geografia acadêmica e a
Geografia escolar são estreitamente relacionadas. Não ocorre, portanto, uma simples
“transposição” da Geografia acadêmica para a escolar, como refere a ideia de transposição
didática de Chevallard (1991). “O que acontece com os conteúdos escolares não se reduz a uma
simples passagem sequencial da ciência para o que é ensinado na universidade e para os livros
didáticos e para o que o professor ensina e o que o aluno aprende” (CALLAI, 2013, p. 50).
A Geografia escolar não é um simples recorte de conteúdos transpostos de maneira
simplificada da Geografia acadêmica para ser “aplicado” aos estudantes. Essa ideia nos remete
às concepções de André Chervel (1990) e Francisco Lestegás (2002), quando defendem a
autonomia das disciplinas escolares em relação às disciplinas acadêmicas, consideradas
espontâneas e originais do próprio sistema escolar. Nesse sentido, Lestegás (2002, p. 184)
afirma que:

[…] la transposición didáctica no permite modelar las operaciones en virtud de las


cuales se genera el conocimiento geográfico escolar. En realidad, se requiere una
inversión del planteamiento: en vez de partir del análisis de los saberes científicos,
como preconiza Chevallard, es preciso remontarse desde los saberes escolares hasta
el proceso de su construcción e institucionalización.

Compreender a especificidade dos conhecimentos escolares tem sido um desafio a ser


enfrentado no intuito de aproximar aquilo que vem sendo estudado na Geografia acadêmica
com o que é específico do contexto escolar. Procurando identificar suas especificidades,
Chervel (1990) assevera que o que caracteriza o ensino de nível superior é que ele transmite
diretamente o saber, enquanto a particularidade das disciplinas escolares consiste em que elas
misturam intimamente conteúdo cultural e formação de espírito da disciplina intelectual, ou
seja, o conhecimento de base científica que chega à sua estrutura a partir de uma dimensão
peculiar e de uma estrutura pedagógica. Diante disso, as afirmações de Lestegás (2002) levam-
nos a concordar que há a construção de uma cultura na escola como lugar de produção de
saberes, com história própria, construída a partir das necessidades da sociedade com relação
aos conhecimentos que precisariam ser transmitidos para as futuras gerações.
75

As disciplinas escolares têm características e objetivos próprios que se conectam a


outros saberes, mas não são inferiores às disciplinas acadêmicas; aliás, estruturaram-se
anteriormente à consolidação das universidades e não estão submetidas a estas. As
disciplinas escolares aliam o embasamento da ciência que lhe é basilar, o instrumento
pedagógico que lhe legitima enquanto área de ensino e a cultura a ser “repassada”, que é
inserida na escola a partir da estrutura social de onde ela emergiu. As disciplinas escolares,
portanto, foram sendo construídas com a escola, como resultado de um processo constituído
histórica e socialmente com uma finalidade própria, singular, que alia a dimensão
pedagógica, sociocultural e a base científica dos conteúdos. Por isso a preocupação com as
suas especificidades e sua autonomia, uma vez que, segundo Marques (2006), não se pode
pensar um professor que não seja competente no domínio técnico-científico da área de
atuação e que não entenda do que ensina.
Conhecer a história da escola, sua constituição social e a história das ideias pedagógicas
que contribuem aos modos de ensinar que esta instituição deve propor à formação dos sujeitos
como cidadãos, são necessidades latentes que têm tanta importância quanto o conhecimento
específico da ciência que o professor irá ensinar. Nem sempre, porém, existe essa clarificação
do que seja cada um desses percursos constituídos ao longo do tempo e que, em âmbito escolar,
se fundem.
Para Andreis (2009), retomar o questionamento sobre o que é a Geografia, qual seu
objeto de investigação, sua importância e para que estudá-la, torna-se relevante para promover
o debate sobre o que se aprende na escola. A autora (2009) defende que o professor precisa
refletir sobre como os conteúdos escolares são elaborados e se estruturam até chegar ao ato
pedagógico de cada aula. Por isso vê a sala de aula como espaço e tempo em que os conceitos
são trazidos pelo educador e dispostos à aprendizagem, levando em conta que é recorrente,
ainda, a ideia de que a Geografia escolar é uma simplificação da acadêmica, e que a prática
difere da teoria; isso justificaria as dificuldades encontradas pelos docentes em relacionar teoria
e prática escolar. Considera-se que precisa estar claro, desde a formação inicial dos professores,
que elementos são o alicerce comum a estas áreas da ciência geográfica e que elementos as
diferenciam, tornando-as peculiares em suas especificidades.
76

Figura 13 – Estrutura comum e específica da Geografia escolar e Geografia acadêmica

Elaboração: Carina Copatti (2018).

Os modelos apresentados apontam para a ideia de que existe um ponto de encontro, ou


seja, uma aproximação a partir daquilo que é comum entre a dimensão acadêmica e escolar,
que parte dos aspectos basilares da ciência geográfica; no entanto a formação de professores na
academia possui uma organização e uma complexificação que a aproxima da ciência de forma
mais direta, como ocorre, também, com a formação de bacharéis, não contemplada no esquema.
A Geografia escolar possui também suas especificidades, que envolvem elementos a serem
considerados pelo professor não apenas ao se inserir nela como docente, mas no contexto da
sua formação, quando essas relações precisam ser levadas em conta.
77

A compreensão das diferenças e dos aspectos comuns a estas geografias objetiva superar
simplificações que abrangem essa interpretação. Isso porque, mesmo no contexto escolar, é a
dimensão do conhecimento teórico da ciência geográfica que fundamenta a prática de ensino
de Geografia, sempre relacionada a outras dimensões específicas da constituição histórica da
escola. Essa dimensão do conhecimento, então, não se mantém como única, pois envolve o
conhecimento pedagógico e a didática necessária à construção do conhecimento, além de outras
dimensões que perpassam o processo de ensino e aprendizagem. A Geografia Escolar, no
sentido de uma Educação Geográfica, precisa ser considerada sob estes aspectos, inserida em
um contexto histórico-social que traz elementos a serem observados. Fica, desse modo, o
desafio de refletir qual estrutura de pensamento geográfico os professores têm construído para
realizar interpretações sob o olhar geográfico e aproximar-se do mundo dos estudantes,
construindo aportes para a Educação Geográfica.
Nesse ponto a didática da Geografia precisa ser pensada. Para esclarecê-la Benejam
(1997), entende que esse processo não considera suficiente chegar a saber como são as
coisas, como se distribuem no espaço ou ocorrem no tempo, por que são assim. E também
não propõe descobrir a intencionalidade dos fatos e tecer possíveis alternativas, que implica
aceitar o conflito e propiciar argumentações entre diversas opções. O interesse por encontrar
políticas alternativas permite dar ao aluno um papel ativo, uma visão de futuro e
desenvolver uma atitude de compromisso sócio-político. Pensando sob essa perspectiva, o
ensino de Geografia precisa ser organizado visando a Educação Geográfica, a partir de um
processo de aprendizagem social e historicamente alicerçado. Desse modo, conforme
Libâneo (2011, p. 95), uma “boa pedagogia da geografia é aquela segundo a qual o aluno
sai das aulas pensando, raciocinando, investigando e atuando com o modo próprio de pensar,
raciocinar, investigar e atuar da geografia”.
Não apenas a especificidade da Geografia requer um modo de olhar e de conduzir a
aprendizagem sob bases mais amplas e complexas. As demais áreas do conhecimento que
constituem a escola também têm este desafio. Existe a possibilidade de relacionar a ciência e
sua teoria, consolidada na formação do professor, com o conhecimento escolar dos conteúdos,
processos e dinâmicas próprios da dimensão pedagógica, tornando possível que novas
propostas sejam construídas a partir da realidade de trabalho dos profissionais que ali atuam.
Há diferentes projetos que trazem essa relação como centralidade de suas pesquisas,
como nos de Estudos Sociais, desenvolvidos em parceria entre a Fundação de Integração,
Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado/Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul (FIDENE/UNIJUÍ, Ijuí), o Centro de Professores do Estado do
78

RS (CPERS), o Sindicato dos professores de Ijuí (Sinpro-Noroeste), a Secretaria Estadual de


Educação e as Secretarias Municipais de Educação da região de Ijuí-RS. O projeto produz, no
contexto de um trabalho de extensão, um conjunto de livros didáticos escritos pelos professores
da escola básica juntamente com o Departamento de Ciências Sociais da UNIJUÍ.
Projetos como esse, que envolvem conhecimento acadêmico e escolar, possibilitam que
os professores reflitam sobre caminhos plausíveis a serem construídos e não no sentido de
apenas repassar aquilo que é produzido por outros. Essa aproximação a partir de projetos
constitui uma possibilidade para contextualizar a dimensão específica do que é geográfico e
suas articulações pedagógicas. Diante disso, considerando o pensamento geográfico que
envolve as dimensões acadêmica e escolar da Geografia em sua estrutura, é possível
compreender os desdobramentos dessa ciência e os pressupostos teóricos e metodológicos que
constituíram base para interpretações do espaço, no passado, e que, atualmente, contribuem
para entender a complexidade do espaço geográfico. Diante das transformações do mundo
contemporâneo, novas leituras de mundo são necessárias, o que requer reflexões sobre que
elementos do pensamento geográfico são basilares à Educação Geográfica.
Compreender a Geografia em suas distintas fases e diferentes faces compõe um primeiro
passo para isso, que abarca entender o que é o pensamento geográfico que perpassa essa ciência.
O pensamento geográfico pode, então, pela sua estrutura de linguagem e método, construída
em diversas fases e contextos, conter elementos essenciais à condução da Educação Geográfica
que se pretende desenvolver em âmbito escolar pelo processo de ensinar e aprender Geografia.
Essa compreensão vai além de construir o conhecimento: requer significá-lo em âmbito
social, pessoal e científico; requer a contextualização desse conhecimento sobre o porquê é
importante compreendê-lo e entender os temas que estruturam esse conhecimento a ser utilizado
no cotidiano da vida. Aspectos da relação pensamento geográfico-educação geográfica são
apresentados no esquema a seguir.
79

Figura 14 – Relação pensamento geográfico-educação geográfica

Elaboração: Carina Copatti (2018).

O pensamento geográfico compõe alicerce para chegar à Educação Geográfica. Isso


depende do desenvolvimento do raciocínio geográfico e da capacidade de realizar análises
geográficas com propriedade. Entende-se por raciocínio geográfico ter aportes para
caracterizar, identificar e, a partir disso, estabelecer conexões, comparações, aproximações,
construindo entendimentos para debater sobre conhecimentos, fatos e fenômenos da Geografia.
A análise geográfica “exige o suporte teórico que tem em si um conjunto de conceitos, e, para
trabalhar com estes exige-se a clareza do seu significado e do que possam representar no
contexto dos conteúdos tratados” (CALLAI, 2013, p. 58). Além disso, procura construir bases
para um pensamento geográfico estruturado, que conduza os estudantes à Educação Geográfica
que, segundo Castellar (2005), supere aprendizagens repetitivas e arbitrárias e adote práticas de
ensino que invistam nas habilidades: análises, interpretações e aplicações em situações práticas.
Ainda, busca trabalhar a cartografia como metodologia a partir da linguagem cartográfica,
analisar os fenômenos em diferentes escalas e compreender a dimensão ambiental, política e
socioeconômica dos territórios.
A análise geográfica é parte essencial na construção da Educação Geográfica e também
pode resultar desse processo, uma vez que, no ensino e aprendizagem, ao alcançar a Educação
80

Geográfica, pode-se realizar, no cotidiano, mesmo que de modo simplificado, análises


geográficas. Para fazer essas análises é essencial um suporte teórico aliado à conceituação, à
significação e ao contexto, elementos que se articulam para uma educação que possibilite
interpretar e compreender as relações sociedade-natureza a partir das ferramentas que a
Geografia dispõe. Essas ferramentas resultam da estrutura do pensamento geográfico e
compõem as dimensões acadêmica e escolar, os livros didáticos e os professores.
O pensamento geográfico envolve o pensar a partir de uma estrutura (teórico-conceitual,
metodológica, epistemológica), constituindo-se como ferramenta intelectual para ensinar
Geografia. Os professores de Geografia utilizam-se deste conhecimento, ou deveriam se
utilizar, para estabelecer as reflexões, que vão além da dimensão espacial de um fenômeno.
Envolve as concepções que constituímos profissionalmente – que encontra na linguagem
geográfica, no método, nas teorias construídas, enfim, em sua essência como ciência, os
caminhos a seguir no intuito de trabalhar a Geografia em diferentes contextos. “Com isso,
desenvolvem-se as formas de compreensão pelo raciocínio. Então, nós precisamos ter conceitos
próprios e esses conceitos são que nos vão dar as ferramentas intelectuais para fazer a
Geografia, para sustentar esse pensamento geográfico” (CALLAI, 2016, p. 10-11) e,
consequentemente, para construir e consolidar propostas de Educação Geográfica.
Este é o desafio que os professores têm ao utilizar o pensamento geográfico para
construir aprendizagens significativas pela Educação Geográfica, tão necessária e urgente para
interpretar o espaço geográfico e as relações que construímos ao viver e agir cotidianamente no
mundo da vida. Diante disso, compreender e identificar aspectos do pensar do professor,
construídos a partir daquilo que é específico da ciência geográfica e da dimensão pedagógica,
é condição para avançar as reflexões que se pretendem construir no decorrer desta tese.
81

2. O PENSAMENTO GEOGRÁFICO NO PENSAR DO PROFESSOR E NAS


PROPOSTAS DOS LIVROS DIDÁTICOS

No decorrer deste capítulo, o caminho delineado traz aportes para refletir e compreender
o pensamento geográfico construído pelos professores de Geografia e como este pensamento
perpassa os livros didáticos, procurando compreender em que perspectivas professor e livro
didático se relacionam. Nessa caminhada, considera-se que o processo formativo dos
professores precisa conduzi-los à autonomia do pensamento na esperança de ser capaz de guiar
o processo de ensinar Geografia em uma Educação Geográfica.

2.1 Formação de professores de Geografia

A formação de professores de Geografia no Brasil é um processo recente, como ocorreu


com as demais áreas de ensino. Foi iniciado no século XIX e firmado no século XX, com a
fundação de instituições de educação superior a partir de 193034. Até então a formação docente
para o ensino secundário, segundo Marques (2006), baseava-se em improvisação.
Anteriormente à formação específica em Geografia, profissionais de outras áreas e
autodidatas eram contratados para essa tarefa. Na década de 1940, com o Estado Novo, as
Escolas Normais foram transformadas em ensino profissionalizante de modo uniforme no país,
com foco na instrução profissional. Em 1960 foram criadas as Licenciaturas Curtas em Estudos
Sociais, capitaneadas pela forte expansão e mercantilização da educação superior. A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 4.024 de 1961, regulamentou o ensino
escolar e o ensino normal, e no período da Ditadura Militar (1964-1985) reformulou o ensino
superior, alterado para currículo comum nas primeiras séries.
Essa fase, segundo Saviani (2009), estendeu-se até 1971, marcando a organização, a
instalação destes cursos e a desestruturação das Escolas Normais, substituídas, entre 1971
e 1996, pela habilitação específica de Magistério, quando esse processo se tornou
desordenado. Desse modo, a formação de professores e especialistas para o ensino de 1º e
2º Graus implicaria níveis distintos, com elevação progressiva: habilitação específica de 2º
grau para o ensino de 1º grau (1ª a 4ª séries), habilitação específica de 1º grau em nível de

34
Em 1939 foram instituídos cursos de Pedagogia e Licenciatura na Universidade do Brasil e na Universidade de
São Paulo, conduzindo outras instituições de Ensino Superior a adotar a formação de professores para o ensino
de nível secundário e escolas normais. À formação de bacharéis foi acrescido um ano de estudos com disciplinas
da área de educação para a obtenção da Licenciatura, aplicado também ao curso de Pedagogia, considerando o
esquema 3+1: três partes de conhecimento teórico, com a prática ao final do curso (SAVIANI, 2009).
82

Graduação (Licenciatura de curta duração – 3 anos) para o ensino de 1º grau (1ª a 8ª séries)
e habilitação específica (formal) obtida em curso superior de Graduação, correspondente à
Licenciatura Plena (duração de 4 anos) para atuar em todo o ensino de 1º e 2º graus
(BRASIL, 1971; SAVIANI, 2005, 2009).
Nesse período, a Geografia constituía uma área de formação autônoma, o que, pelos
retrocessos da época, foi impossibilitado a partir da unificação dos cursos de formação de
professores de Geografia e História, denominada Estudos Sociais. Tanto a Geografia quanto a
História tiveram sua identidade fragilizada ante a um processo de aniquilamento, o qual foi
criticado por geógrafos e historiadores, pois não haviam reflexões profundas sobre os
fundamentos epistemológicos e metodológicos, o que gerou dificuldades na formação. Essa
formação, segundo Callai (1995, p. 39), tinha por base:

[...] as licenciaturas curtas, para formação do professor de Estudos Sociais, em que o


professor sai habilitado em História ou Geografia, isto é, em Estudos Sociais para o
primeiro grau. Da Licenciatura Curta passaram à Plena e em alguns casos criou-se
também o Bacharelado. Mas a ênfase é dada a partir da formação de um professor
para o primeiro e o segundo graus. A formação pedagógica faz parte do curso em si e
mesmo nas disciplinas específicas, de um modo muito acentuado se tem a
preocupação com o que e como ensinar no primeiro e segundo graus. A estrutura
curricular, respeitadas as exigências do currículo mínimo, os conteúdos das diversas
disciplinas e em certas circunstâncias, inclusive a metodologia de aula é voltada para
a preocupação com o professor (seriam cursos mais de treinamento que de
formação?). Em geral os alunos destas instituições são em sua maioria trabalhadores
e alunos, alguns já em educação.

Com essas mudanças os cursos de formação de professores de Geografia esmaeceram


de sua especificidade contribuinte enquanto modo de pensar o mundo, passando a formar a
partir de um duplo caráter: Bacharel e Licenciatura, esta considerada, a partir de então, um
complemento. As disciplinas destas duas dimensões de formação estabeleceram importâncias
diferentes: no Bacharelado ganharam destaque as disciplinas técnico-científicas, e na
Licenciatura obtiveram ênfase os aspectos pedagógicos. Essa questão diz respeito ao interesse
em formar o bacharel, que teria o “conteúdo”, e a Licenciatura estaria atrelada a ser uma
complementaridade. A dimensão pedagógica deveria perpassar a formação técnica, mas foi
subestimada em nome de saber o conteúdo. Decorre daí a estrutura curricular, de conteúdos e a
própria metodologia dos cursos de formação docente, construídas, mais especificamente, para
a formação técnica e não para a formação do professor. Assim, a formação de professores exigia
a assimilação dos conteúdos e a capacitação para lidar com os métodos mais eficazes, o que
somente foi questionado amplamente a partir da década de 1980, com a reformulação dos cursos
de Licenciatura e Pedagogia (CALLAI, 2005; MARQUES, 1992; SAVIANI, 2009).
83

Nos anos de 1990 um novo modelo de formação em Geografia foi estabelecido em


consonância com a reforma do Ensino Superior no país. Isso foi contemplado pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei nº 9.394/96, que trouxe avanços no sentido
de ampliar a formação de professores e que deveria ter como fundamentos: a) sólida formação
básica dos fundamentos científicos e sociais; b) associação entre teorias e práticas, mediante
estágios supervisionados e capacitação em serviço; c) aproveitamento da formação e
experiências anteriores. A formação docente para atuar na educação básica seria realizada em
nível superior, em curso de Licenciatura Plena em universidades e institutos superiores, ou pela
formação a distância, no intuito de “facilitar” o acesso e a permanência nos cursos de formação.
Apesar de a referida lei enfatizar a necessidade de elo maior entre o papel do professor,
as exigências indicadas para a sua formação e o seu fazer na escola, a LDB não correspondeu
à expectativa de mudanças profundas na formação, tendo em vista que a legislação abriu
espaços para formações aligeiradas, o que pôs em dúvida o compromisso com uma formação
teórico-pedagógica com a necessária qualidade. Nesse sentido, Saviani (2009) afirma que uma
formação mais barata, por meio de cursos de curta duração, se tornou possível ao introduzir
como alternativa os Institutos Superiores de Educação e as Escolas Normais Superiores.
O período entre 1996 e 2006 marca avanços na formação inicial e continuada, a partir
de reformulações ajustadas à LDB. Destacam-se as diretrizes curriculares nacionais para a
formação dos professores, previstas na Lei nº 9.131/1995, com a criação do Conselho Nacional
de Educação (CNE). No início dos anos 2000, orientações gerais foram construídas para
formulação das diretrizes curriculares dos cursos de Graduação. Nos anos subsequentes, foram
criadas diretrizes curriculares para os cursos de Licenciatura, a partir do parecer CNE/CES nº
492/2001. A Resolução CNE/CES nº 14/2002 estabeleceu Diretrizes Curriculares específicas
para cursos de Geografia. Indicava, no artigo 2º, que o projeto pedagógico de formação em
Geografia deveria explicitar: a) O perfil dos formandos nas modalidades Bacharelado,
Licenciatura e profissionalizante; b) As competências e habilidades – gerais e específicas – a
desenvolver; c) A estrutura do curso; d) Os conteúdos básicos e complementares e respectivos
núcleos; e) Os conteúdos definidos para a Educação Básica (nas Licenciaturas); f) O formato
dos estágios; g) As características das atividades complementares; h) As formas de avaliação.
Em 2001 o Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação,
aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores da educação básica
em cursos de nível superior, por meio do Parecer CNE nº 9/2001, da Resolução CNE nº 1/2002
e demais normas de complementação da política de formação docente. As Diretrizes para a
formação de professores foram promulgadas, considerando a necessidade de estágio a partir do
84

início da formação acadêmica, o que, no entanto, não foi cumprido na época. Essa proposta
chegou às instituições em 2018, a partir do Programa de Residência Pedagógica, que resulta da
Política Nacional de Formação de Professores.
Seu objetivo é promover a imersão do licenciando na escola de educação básica a partir
da segunda metade do curso. Essa imersão, ao considerar que dentre as atividades seja realizada
regência de sala de aula e intervenção pedagógica, precisa de maior atenção, tendo em vista que
precisam ser sempre acompanhadas por um professor da área e com orientação da instituição
formadora, o que pode não ocorrer num contexto de precarização da docência. Considerando
os pontos positivos dessa proposta, pode contribuir à formação dos professores e, se bem
estruturada, proporcionar maior aproximação com a escola, não apenas no momento do estágio.
As Diretrizes de formação de professores também se referem aos perfis profissionais,
distinguindo a formação em três tipos: Bacharelado Acadêmico, Bacharelado Profissionalizante
e Licenciatura. Nos cursos de Geografia, a organização curricular seria feita pelos colegiados
das instituições, que poderiam estruturar o curso em quatro níveis de formação (bacharéis,
aplicada-profissional, docentes e pesquisadores) e deveriam indicar sua organização modular
por créditos ou seriada. O curso de Licenciatura deveria ser orientado também pelas Diretrizes
para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica. Sob essas orientações, os
conteúdos básicos e complementares da Geografia organizaram-se em torno de: núcleo
específico (conteúdos do conhecimento geográfico); núcleo complementar (conteúdos para
aquisição de conhecimento geográfico e outros oriundos de outras áreas); núcleo de opções
livres (conteúdos a serem escolhidos pelo próprio aluno). No caso da Licenciatura, deveriam
ser incluídos os conteúdos definidos para a educação básica, as didáticas próprias de cada
conteúdo e as pesquisas que as embasam. Havia, ainda, a inserção dos estágios e atividades
complementares (BRASIL, 2002a).
Mesmo, entretanto, considerando a existência de disciplinas de cunho pedagógico, há,
ainda, lacunas em inúmeras instituições de formação de professores ao relacioná-las às
disciplinas específicas. Em 2006, visando a diminuí-las e propor melhorias, foi estabelecida a
Resolução CNE/CP nº 1/2006 do Conselho Nacional de Educação, propondo: a) Conhecimento
da escola; b) Pesquisa, análise e aplicação dos resultados de investigações de interesse da área
educacional; c) Participação na gestão de processos educativos e na gestão de
sistemas/instituições de ensino. Outras complementações foram feitas na década seguinte,
considerando que, além desses domínios, o professor precisa saber orientar, avaliar e elaborar
propostas, ou seja, interpretar e reconstruir o conhecimento, transpor os saberes específicos de
85

suas áreas e das relações entre elas, na perspectiva da complexidade, e compreender as etapas
de desenvolvimento dos estudantes (BRASIL, 2013).
Um dos desafios da formação de professores em muitos cursos superiores tem sido,
ainda, o de articular efetivamente a dimensão técnica e a dimensão pedagógica, essenciais para
a construção do conhecimento necessário ao trabalho do futuro professor. O conhecimento
técnico, referente aos aspectos teórico-científicos, muitas vezes é o que mais apresenta
fragilidades na docência em Geografia, posto que se estrutura em subáreas fragmentadas e sem
a devida conexão, o que envolve compreender a densa trama de relações que constitui o
pensamento geográfico. Estas relações, por vezes, não são adequadamente tecidas pelos
docentes na academia.
Além dessa dificuldade, encontrada já no início do curso, há o fato de que as disciplinas
pedagógicas, que alicerçam a relação entre o conteúdo acadêmico e o escolar, geralmente são
abordadas apenas no final do curso, representando um quarto do total de horas. Se a formação
docente é específica para o contexto escolar, seria importante compreender o que, a partir da ciência
geográfica e da dimensão pedagógica, é basilar ao ensino dessa ciência na escola. Há, portanto,
inúmeros desafios na formação de professores em um contexto marcado pela fragmentação da
Geografia em diferentes frentes, pela separação entre teoria e prática, pela escassez de relação com
a dimensão pedagógica e, ainda, pela precarização dos processos formativos e pelo contexto
dinâmico do mercado, no qual a educação vem sendo transformada em mercadoria, e as
Licenciaturas forçadas a se reestruturarem nessa dinâmica mercadológica35. Considera-se, também,
a desvalorização salarial e social e as condições de trabalho, dentre outros fatores que inibem uma
formação e ação docente que implique mudanças na educação escolar.
A precarização enfrentada pelos cursos de Licenciatura tem ampliado ainda mais a
necessidade de a Geografia (e seus profissionais) reafirmar a sua importância na educação
escolar brasileira. Há décadas as reflexões em relação à formação e à prática do professor são
realizadas; muito se avançou no sentido de analisar que enfrentamentos precisam ser feitos na
formação-ação dos professores, porém falta, ainda, avançar nos debates sobre as interações
entre o conhecimento geográfico e o conhecimento pedagógico, que possam contribuir para a
construção do profissional professor de Geografia e o desenvolvimento do seu trabalho.

35
Uma preocupação crescente na atualidade diz respeito à expansão dos cursos de formação de professores de modo
pragmático e/ou, ainda, em cursos cuja principal preocupação é uma formação aligeirada. Há diversas propostas nesse
sentido, seja em educação tecnológica, educação a distância ou semipresencial, ofertadas geralmente por centros
universitários e faculdades privadas, mas também por universidades públicas inseridas (ou forçadas a se inserir) nesse
contexto marcado, atualmente, pela racionalidade técnica imposta também à educação superior.
86

Diante destas questões, Callai (2001, p. 139-140) menciona dificuldades recorrentes


entre os professores de Geografia:

Se em determinado momento a Geografia serviu para enaltecer o nacionalismo


patriótico brasileiro (e hoje nós podemos examiná-lo assim), atualmente a maioria dos
professores não consegue perceber a qual interesse está ligada a forma de estruturação
do conhecimento veiculado nas aulas, nos livros, nos textos utilizados. E tem sido um
conhecimento estruturado de tal forma que não permite que se conheça realmente a
realidade que é estudada. Sem falar na fragmentação produzida pela divisão em
disciplinas e no interior delas; no caso da Geografia, a fragmentação acontece de tal
forma que impede o raciocínio lógico capaz de dar conta do objeto que deve tratar.
São questões (físicas) naturais e humanas, são termos de relevo, vegetação, clima,
população, êxodo rural e migrações, estrutura urbana e vida nas cidades,
industrialização e agricultura... estudados como conceitos a-históricos, abstratos,
neutros, sem ligação com a realidade concreta. Embora se queira avançar e no nível
da discussão acadêmica muitas coisas estejam resolvidas, a prática da sala de aula é
ainda hoje assim, extremamente fragmentada em itens sem sentido, isoladamente, e
no conjunto sem o encadeamento que lhe permitisse ter sentido.

Reconhecendo que nenhum curso de formação de professores consegue efetivamente


dar conta de o professor ter e saber o que fazer na escola, essa formação precisa ser consistente:
no conhecimento teórico-científico e na dimensão pedagógica. A formação do docente remete
à pretensão de que o professor saiba conteúdos e compreenda os processos históricos e
científicos que os tornaram relevantes para constar nos currículos, articulados aos processos
pedagógicos de como e porque aprender determinado conteúdo em sala de aula.
O professor precisa ter a percepção de como articular-se dentro de determinada lógica
interna e na relação com outros conteúdos e com o contexto educativo, sem ficar refém de uma
sequência pré-ordenada de conteúdos e procedimentos, protagonizando o que é preciso o aluno
aprender e as condições subjetivas e objetivas de uma sala de aula que remete à dimensão
pedagógica. Com isso, segundo Callai (2001), poderá ter autonomia para conduzir o processo,
e na relação professor-sala de aula pode descortinar o modo como agir e como atuar. Grande
parte dos professores de Geografia, entretanto, não tem conseguido condições objetivas de
definir o que trabalhar, por que trabalhar determinado tema e de que forma trabalhá-lo, e, ainda,
como orientar a aprendizagem para chegar à Educação Geográfica.
Isso envolve situações que vão desde as condições de trabalho e salários, já
mencionadas, até a falta de embasamento teórico, tanto da Geografia quanto dos pressupostos
da educação, evidentes pelas questões pedagógicas e de aprendizagem. “Fica-se então, entre
seguir um livro, de preferência com caderno do professor e sugestões de atividades, ou fazer
uma lista de conteúdos a partir dos programas e provas do vestibular” (CALLAI, 2001, p. 135),
o que gera um processo espontâneo, que tem se tornado geral, cuja afirmativa é de que os
87

docentes não produzem o conhecimento que deveriam produzir, permanecendo, em sua


maioria, reproduzindo conteúdos sem organizar os processos da ação docente.
A dimensão teórico-conceitual da Geografia e a dimensão didático-pedagógica, ao
serem pensadas, levam a planejar os processos de efetivação da aprendizagem e os modos de
aprender dos estudantes; estas dimensões precisam ser contextualizadas sob uma perspectiva
dinâmica e uma contínua ação investigativa, considerando as constantes mudanças que se fazem
necessárias na formação, isso porque somos seres em aprendizagem sempre provisória. O
professor de Geografia precisa, portanto, definir o que entende por ser o conhecimento
geográfico e pedagógico para tecer as bases do que pretende que seja o conhecimento a ser
construído com os estudantes. Segundo Boufleuer (2018):

A formação do professor que saiba conteúdos e compreenda os processos históricos e


científicos que os tornaram relevantes para constarem nos currículos, e articuladas aos
processos pedagógicos de como e por que aprender isso em sala de aula, é posto como
necessário para a autonomia docente. Para tanto, necessita desenvolver a percepção
de como se articula dentro de determinada lógica interna e na relação com outros
aspectos, sem ficar refém de uma sequência pré-ordenada de conteúdos e
procedimentos, protagonizando o que é preciso o aluno aprender e as condições
subjetivas e objetivas de uma sala de aula – o pedagógico.

A relação a ser construída pelo professor, que alia estas dimensões, é complexa e
perpassa, também, a compreensão dos desdobramentos que ocorrem em cada um destes
aspectos. O entendimento dessa trama acontece de distintas formas em cada docente e sob
influência de múltiplos fatores. De qualquer modo, precisa constituir-se como uma necessidade
que possibilite que a docência deste profissional consiga suprir as demandas da educação
escolar a partir do conhecimento nele e por ele construído.
A estrutura da formação docente requer, nesse sentido, partir da relação entre a ciência
geográfica e a dimensão pedagógica que envolve a educação escolar, além de outros aspectos
relevantes à constituição do professor e de seu pensamento. É nessa perspectiva que se
delineiam as proposições que seguem, para compreender de que modo, pela constituição do
pensamento geográfico do professor, pode-se direcionar as relações necessárias a serem
construídas no processo de ensino e aprendizagem.

2.2 Construção e compreensão do pensamento geográfico pelo professor

Se por muito tempo a construção de modelos de docência teve centralidade nos modos
de agir e de conduzir a sala de aula, atualmente outras perspectivas vêm à tona com o propósito
88

de compor um arcabouço que ampara o trabalho docente. A dimensão da construção de um


determinado pensamento é uma dessas perspectivas.
Em determinados modelos de formação de professores, o objetivo principal pautava-se
no domínio de um repertório de competências que seguissem uma estrutura básica de como
desenvolver a aula. Atualmente, a preocupação central é ser capaz de decidir sobre o que é mais
adequado a cada situação. Nesse sentido, o professor necessita compreender esse movimento,
uma vez que “o papel atribuído aos professores oscila entre dois extremos: um em que se vê
reduzido à condição de técnico que toma conhecimento do que foi produzido por especialistas,
e outro que luta pela autonomia intelectual/profissional que o habilite a atuar como agente
ativo/reflexivo” (FIORENTINI; SOUZA JR.; ALVES DE MELO, 2011, p. 310).
A preocupação com a forma como se interpreta a formação de professores perpassa pela
necessidade de reflexão sobre o modo como estes profissionais constroem seu conhecimento.
Entende-se o professor como profissional produtor de conhecimentos, cuja perspectiva perpassa
a ideia de que faz isso a partir de diferentes aspectos. Ele, então, mobiliza uma estrutura de
pensamento para articular determinados conhecimentos que possibilitem desenvolver suas
propostas de trabalho, seja anterior à aula, na interação com os alunos em sala de aula e,
posteriormente, ao avaliar o processo transcorrido.
Diante disso, interessa, na construção desta tese, compreender a constituição de um
pensamento de professor que contribua para que o profissional faça escolhas e consiga
posicionar-se em relação a elas. Isso perpassa pelo pensamento, em uma estrutura que abarca a
dimensão cognitiva, social, histórica e as relações que envolvem o conhecimento em distintas
formas; um modelo de pensamento de professor, como definiu Shulman (2005). Ao procurar
compreender como se constitui esse pensamento de professor, não se menciona o modo como
esse profissional utiliza o pensamento diretamente na prática docente, tema que resultaria em
outra pesquisa, mas compreendê-lo é essencial no sentido de identificar quais conhecimentos
são fundamentais para a construção de bases que possibilitem ao professor realizar seu trabalho.
Para Marcelo García (1992), o que o professor pensa sobre o ensino influencia a sua
maneira de ensinar, e este pensamento constitui um aspecto necessário de ser analisado. Nesse
processo, realiza uma mediação cognitiva, agindo como sujeito racional que toma decisões
durante a realização de sua tarefa profissional para resolver problemas e tomar decisões. É um
sujeito que interage constantemente com o entorno, processa informações sobre as situações de
ensino e pensa continuamente sobre o que fazer no momento do processo educativo. Pérez e
Gimeno (1988), ao abordar distintas investigações sobre a formação de professores e o ensino,
entendem que a atuação do professor se encontra, em grande medida, condicionada por seu
89

pensamento, e este não é um reflexo objetivo e automático da complexidade real; pelo contrário,
é uma construção subjetiva e idiossincrática elaborada junto à história pessoal, em um processo
dialético de acomodação e assimilação nos sucessivos intercâmbios com o meio. Para os autores
(1988, p. 38):

El profesor, cuando se enfrenta a una compleja situación real en la que debe intervenir
crea un modelo mental simplificado y manejable de tal situación, y por lo general, se
compondrá racionalmente respecto a dicho modelo simplificado. Para comprender,
pues, el comportamiento docente del profesor será necesario indagar sus procesos
mentales, los contenidos, métodos y procedimientos tanto de su representación como
de su proposición mental.

As representações dos professores contribuem para identificar os aspectos mais


significativos que emergem na atuação docente e dizem respeito aos seus modos de pensar e
conduzir seu trabalho. Para Pérez e Gimeno (1988), há diferentes modos de pensamento
estudados, dentre eles o pensamento cognitivo, que engloba os processos de planificação e de
pensamento durante a interação em aula, levando em conta as teorias e as crenças. Outra forma
é o pensamento interativo, que constitui um modo que une processos mentais distintos aos que
se constituem no modelo cognitivo. Esse modelo investiga o processamento de informações e
de tomadas de decisão. Além destes, há outros enfoques que têm como caraterísticas as bases
conceituais, o pensamento prático e a socialização do professor.
Cada um destes modos de pensamento traz determinados aportes. O pensamento
interativo, que considera a dimensão cognitiva e envolve o processo de informação e as decisões
do docente, constitui um viés de pesquisa que precisa levar em conta o professor tanto como
produtor de conhecimento quanto como um sujeito social, que toma decisões que precisam estar
amparadas em um conjunto de conhecimentos e sob aspectos que envolvem o contexto. Nesse
sentido, compreende-se que o professor utiliza uma estrutura cognitiva que se concatena a
habilidades, às subjetividades e possibilita que sejam desenvolvidos aspectos que auxiliam a
realizar seu trabalho. Espera-se que, desde a formação inicial, no contato com a realidade e os
conhecimentos inerentes à educação, construa alicerces que garantam, efetivamente, que seu
pensamento de professor seja gradativamente construído, ampliado e complexificado.
Embora afirme-se a importância de compreender como se constitui o pensamento do
professor e como esse pensamento é mobilizado no processo de ensino e aprendizagem escolar,
a intenção é a de entender, de maneira mais direcionada, como os professores de Geografia
compreendem a construção do seu pensamento geográfico de professor e que aspectos
envolvem esse pensamento específico de área utilizado na prática docente.
90

O pensamento de professor começa a ser sistematizado a partir das especificidades dos


estudos concernentes à Geografia, desde o processo inicial, na academia, ao entrar em contato
com conhecimentos do pensamento geográfico, levando em consideração as experiências
pessoais já vivenciadas. O pensamento geográfico construído inicialmente serviu de base para
a ciência geográfica, e foi por ela aprimorado ao longo do tempo. Constitui parâmetro para
reflexões sobre o modo de pensar e fazer Geografia na contemporaneidade. Em distintas épocas,
esse pensamento foi repensado sob diferentes olhares, e construído com base em leituras e
análises das relações humanas no espaço, em seus aspectos naturais, sociais, econômicos,
políticos, que têm contribuído para inúmeras reflexões nesse campo do conhecimento.
Compreender a Geografia como ciência e o pensamento geográfico que a fundamenta,
é condição essencial para desenvolver raciocínios geográficos que envolvem interpretar o
espaço, considerando princípios geográficos como suporte: pensar, debater, tecer relações,
análises, observações considerando a localização, distribuição, extensão, analogia, conexidade,
atividade, dentre outros princípios que contribuem às análises. Estes procedimentos que
envolvem o raciocínio geográfico são parte do arcabouço de conhecimentos dessa ciência, e
compõem também o modo como os professores de Geografia pensam a partir dela. Diante disso,
é importante refletir se, de fato, os professores têm clara a noção do que seja o pensamento
geográfico e como o seu pensamento está alicerçado nessa ciência.
Para entender o pensamento geográfico do professor e como este é construído e
estruturado na formação e na atuação docente, e, ainda, na relação com os livros didáticos,
foram planejadas distintas etapas de pesquisa empírica que consideram a dimensão
compreensiva, esta que, sob o viés da Hermenêutica, entrecortada pela Teoria Crítica, constitui
o caminho para a interpretação. Perpassa a interação com os participantes, possível pela
comunicação que a linguagem ampara, e leva em conta o pensamento construído social e
historicamente nas relações do sujeito no mundo. Nesse sentido, o movimento é de reflexão e
compreensão, perpassando pelo olhar investigativo que permeia a estrutura das análises
apresentadas mais adiante sob uma percepção crítico-hermenêutica.
O primeiro momento da pesquisa empírica abarca entrevistas semiestruturadas com
docentes que atuam na formação de professores de Geografia na educação superior. As
entrevistas foram realizadas em encontros individuais com cada um destes profissionais. Isso
se fez necessário para compreender aspectos sobre pensamento geográfico e formação de
professores de Geografia pela visão de quem forma professores.
O segundo momento envolve as entrevistas semiestruturadas com professores de
Geografia que atuam na Educação Básica, construídas sob dois movimentos. 1. Planejamento
91

de questões a serem trabalhadas com dois professores da educação básica: os professores


foram convidados a participar da pesquisa em uma atividade denominada “pré-teste” das
entrevistas. Os dados dessa atividade geraram um duplo resultado: a) Serviu como subsídio
para organizar as entrevistas a partir de “ensaio e erro”, realimentando a proposta e
possibilitando modificações em algumas das questões do instrumento de pesquisa; b)
Contribuições significativas de conteúdo, proporcionando olhares importantes para a análise e
interpretação que se objetiva por meio da pesquisa com professores. Estes dados, denominados
“pré-testes”, estão inseridos na pesquisa junto às demais entrevistas, realizadas posteriormente.
2. Efetivação da pesquisa empírica com os professores da educação básica: levou em conta
a necessidade de compreender aspectos de como se estrutura o pensamento geográfico destes
profissionais e questões sobre a prática docente e a relação com o livro didático.
As etapas de pesquisa com professores, mais adiante, se entrelaçam à análise dos livros
didáticos de Geografia de 9º ano, com o objetivo de verificar como se estrutura o pensamento
geográfico nestes materiais. A produção dos dados, portanto, está organizada sob diferentes
etapas que, de modos distintos, convergem, posteriormente, à análise e interpretação. Nesse
sentido, a partir deste momento a pesquisa empírica constitui elemento importante para os
desdobramentos do tema, entrecortando as análises teóricas.

O contato com os professores da educação superior: experiências do Brasil e exterior

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas, inicialmente, com professores que


atuam na educação superior na formação de professores de Geografia. Estes profissionais
trabalham em universidades brasileiras e em universidades de países latino-americanos (Chile,
Argentina e Colômbia). Após transcritas, seguindo a sequência de entrevistas e de questões
semiestruturadas, foram analisadas, passando pela decifração estrutural e utilizando como
modelo de categorização a Análise Temática, que, segundo Bardin (2011), permite dividir o
texto em alguns temas principais, que podem ser aperfeiçoados, eventualmente, em subtemas.
Assim, as entrevistas foram decodificadas em frases mais curtas, separando-as por subtemas,
em subdivisões a partir de distintas ideias que surgem em resposta a uma questão. As sínteses
e interpretações inseridas no capítulo 2 e 3 trazem aspectos que emergiram nas entrevistas.
Optou-se por apresentar os quadros referentes às entrevistas no item “Apêndices” e
inserir no corpo da tese uma sistematização daquilo que o quadro apresenta e a interpretação
dos dados originados nas entrevistas. A análise de cada quadro possibilitou construir categorias
e aprofundar a interpretação dos aspectos que emergem como mais significativos em relação à
92

questão em debate. Sendo assim, as interpretações, a partir da pesquisa empírica e análise dos
livros didáticos, têm como intuito atribuir sentido aos elementos que emergem das entrevistas
e dos materiais analisados. Nos percursos apresentados, tecem-se interpretações que
contribuem para compreender sentidos presentes nestes elementos.
Ricoeur (1976, p. 99), ao propor uma análise interpretativa-compreensiva, considerou
que “compreender um texto é seguir o seu movimento do sentido para a referência: do que ele
diz para aquilo de que ela fala”. Compreendê-lo se faz necessário a partir de todo o processo,
para que se possa interpretá-lo, e não apenas a um caso particular de interpretação. A proposta
de interpretação, desenvolvida no decorrer desta tese, constitui-se no conjunto das análises, que
possibilita interpretar seus sentidos e chegar aos elementos comuns e específicos.
Interpreta-se, portanto, para compreender sentidos não compreensíveis pela disposição
simplificada do texto. Por isso a importância da hermenêutica como caminho para identificar
sentidos e significações. Concatena-se a ela a teoria crítica no intuito de trazer aportes para as
interpretações para que seja possível, também, refletir criticamente sobre como estão inseridos
ou podem ser compreendidos no contexto social e histórico.

Pensamento geográfico segundo professores de Geografia na educação superior36

As entrevistas permitem-nos identificar os principais aspectos que delineiam a


percepção dos professores formadores, dizendo dos elementos essenciais para definir o que é
basilar no pensamento geográfico. Um dos elementos é a questão procedimental, que considera
os elementos essenciais para compreender geograficamente. Nesse conjunto estão os conceitos
que são estratégicos, as categorias que são base para as análises e para interpretar os conteúdos
que podem ser trabalhados, e os princípios que possibilitam conduzir as análises sob aportes da
multiescalaridade, temporalidade e das múltiplas relações com a contemporaneidade. Outro
aspecto é seu caráter processual, ou seja, veio sendo constituído ao longo do tempo,
influenciado também por distintas formas de pensar a relação com o espaço.
Desse modo, perpassam as distintas épocas, contextos socioespaciais e as diferentes
instituições que foram sendo constituídas, além do caráter processual que passa pelo
pensamento geográfico do senso comum, que, em determinados aspectos, principalmente com
a transformação das sociedades, também é/foi transformado. Dentre os principais aspectos da
síntese, existe a especificidade desse pensamento que se refere aos aportes construídos para
pensar geograficamente. Este elemento dá condições de, na atuação de geógrafos ou

36
Consultar Apêndice 5, página 244.
93

professores, utilizar desse pensamento para fazer a leitura do espaço geográfico, compreender
a realidade e os distintos contextos e elementos que interferem na relação sociedade-natureza.

O pensamento geográfico segundo os professores entrevistados

Nesta primeira etapa de interpretações, o aspecto central é a compreensão dos


professores da educação superior em relação ao pensamento geográfico e sua estruturação na
Geografia. Nesse momento interessa interpretar os aspectos que se sobressaem nas falas dos
professores, contribuindo para identificar significados sobre pensamento geográfico. Com base
nisso, foram realizadas análises e interpretações que permitem definir as seguintes categorias:
categorias de organização de base do pensamento geográfico científico e categorias de
elementos essenciais da Geografia científica.
Essas duas categorias subdividem-se em subcategorias: A) Categorias de organização
de base do pensamento geográfico científico (subcategorias: O pensamento geográfico como
constituição histórica específica da Geografia; O pensamento geográfico pela interação de
teorias e métodos; O pensamento geográfico como resultado de diferentes estruturas; O
pensamento geográfico como estrutura curricular). B) Categorias de elementos essenciais da
Geografia científica (subcategorias: O pensamento geográfico pelos aspectos específicos da
Geografia; O pensamento geográfico como consciência, habilidade e argumentação).
A) Categorias de organização de base do pensamento geográfico científico: refere-se aos
elementos básicos deste pensamento que foram organizados e sistematizados, construindo e
sendo construídos pela ciência geográfica ao longo do tempo.
– O pensamento geográfico como constituição histórica específica da Geografia: a
interpretação da fala dos professores que atuam na educação superior permite entender que
existe uma construção processual da estrutura da Geografia e do pensamento geográfico nela
introduzido. Há um acúmulo histórico desse conhecimento, que, conforme PU6, surge com
os gregos e resulta na estrutura atual que contempla o pensamento geográfico. Compreende
um movimento processual (PU1), constituído na Geografia ao longo do tempo e que varia
historicamente, e que nunca é estanque.
– O pensamento geográfico pela interação de teorias e métodos: surge nas entrevistas a ideia
de um conhecimento construído a partir da estrutura científica que abarca teorias e métodos
científicos utilizados como caminho para a interpretação. Diferentes professores (PU2, PU3,
PU5) mencionaram as teorias como um elemento bastante significativo, embasando a
Geografia ao longo do tempo a partir do seu acúmulo e definição, que, por vezes, convergem
94

ou divergem em diferentes autores, e também como condição básica para realizar análises e
leituras desde esta ciência. Junto com as teorias aparecem as escolas do pensamento
geográfico como tendências que direcionam um modo de olhar que é específico da Geografia
(PU1, PU4, PU6). Há vários olhares geográficos e diversas formas de realizar análises que
possibilitam desenvolver diferentes teorias. Estas teorias são ligadas às diferentes tendências
do pensamento e, dessa forma, permitem realizar uma leitura sob viés geográfico.
Mencionam também o método, embora com menor ênfase, uma vez que apenas dois
professores (PU2, PU5) o reconhecem como essencial ao pensamento geográfico. O método
é o “óculos” para realizar análises e interpretações, porém nem sempre é considerado.
– O pensamento geográfico como resultado de diferentes estruturas: abrange as estruturas
que constituem e moldam o pensamento geográfico ao longo do tempo, seja pelos
pensadores, pelas escolas, as diferentes instituições que atuam no campo da Geografia e as
universidades. Essas estruturas estão mais visíveis na fala de um dos professores brasileiros
(PU6), que delineia tanto a especificidade de cada uma quanto as relações que podem surgir
entre elas. Pode-se depreender que essas estruturas mencionadas vêm, desde o século XIX,
sendo consolidadas e trazem, cada uma a seu modo, um jeito de pensar e fazer Geografia
que, de alguma forma, se conecta com as demais. Isso inclui, ainda, a especificidade da
Geografia escolar e do currículo construído na educação básica, que, embora tenha muitas
distinções, traz elementos que são da estrutura da ciência geográfica. O mesmo professor
menciona, ainda, o que aparece nos professores de Geografia, que, mesmo distanciados da
ciência geográfica pura, têm em si aspectos do pensamento que envolve essa ciência.
– O pensamento geográfico como estrutura curricular: compreende as
adequações/adaptações da ciência geográfica no âmbito particular dos currículos
acadêmicos e de alguns aspectos do currículo escolar. Aparece na fala de dois professores
(PU1, PU6), porém merece atenção, uma vez que nos leva a pensar que existe uma
especificidade no âmbito acadêmico, assim como há no contexto da geografia escolar, e isso
precisa estar claro, pois a ciência geográfica abarca estes dois vieses em que há diferentes
objetivos e contextos que requerem modos de pensar adequados àquela especificidade.
B) Categorias de elementos essenciais da Geografia científica: abrange determinados
elementos que caracterizam singularidades da Geografia que constituem aspectos desta
ciência.
– O pensamento geográfico pelos aspectos específicos da Geografia: a maioria dos
professores traz à tona a ideia de que há elementos específicos, particulares à Geografia.
Compreende-se como suas especificidades, mencionadas pelos participantes (PU1, PU4,
95

PU5, PU6), os conceitos, os princípios e as categorias, elementos que regem o tipo particular
de interpretação e compreensão das relações ser humano-natureza que a Geografia propõe.
Os conceitos aparecem de maneira mais visível em vários depoimentos; são
considerados como estratégicos, que variam historicamente, e, ainda, como estruturantes dos
conteúdos a serem trabalhados. As categorias são mencionadas, mas apenas por dois
professores. Estes reconhecem-nas como significativas por possibilitarem a realização de
análises e compreensões. Os princípios geográficos foram mencionados apenas por uma
professora (PU5), que os considerou explicativos e operacionais, sendo essenciais à
interpretação geográfica que se pretende realizar, e mencionou alguns deles.
Outros aspectos emergem das falas: a escalaridade e a relação espaço-tempo, citados
por alguns dos professores (PU1, PU3, PU4, PU5). Estes auxiliam-nos a compreender
conceitos, categorias e princípios com base neles, pois não é possível ler o espaço partindo
apenas de um recorte isolado e considerar somente um determinado momento.
– O pensamento geográfico como consciência, habilidade e argumentação: alguns
entrevistados (PU1, PU2, PU3, PU4, PU5) trazem a ideia de que são necessárias habilidades
de leitura e interpretação do espaço. É preciso habilidade e consciência espacial (PU3) que
permite explicações e análises da realidade (PU4, PU5). Para tanto, é necessário entender o
espaço, seu uso e compreender suas funcionalidades (PU2) a partir dele e nas relações que
construímos nele. Nesse movimento é necessário, para um dos professores, analisar as razões
e a evolução dos fenômenos (PU1), os processos e as causas, de modo processual. Apreende,
ainda, a leitura das relações construídas no espaço. Segundo um dos professores (PU2), é
essencial envolver os sentimentos, pois a leitura e interpretação do espaço considera a sua
construção, seu uso, sua apropriação, e constrói-se como resultado a partir do que nele se
faz. A relação com o espaço, individual e social, precisa ser considerada tanto pela razão
quanto pela emoção.
Existe, portanto, uma estrutura construída processualmente na evolução da
Geografia como ciência, que foi sendo tecida por meio de um pensamento sistematizado
que possibilitou a construção de uma estrutura (de escolas de pensamento, de diferentes
modos de pensar e tensionar o conhecimento geográfico, de uma definição de vieses:
acadêmico, institucional, escolar) e de elementos essenciais (teorias, métodos, conceitos,
categorias, princípios, habilidades de leitura-análise, consciência e argumentação). Isso
contribui para que seja possível construir, no professor, um pensamento específico que serve
para interpretar a apropriação do espaço, as relações sociedade-natureza e amparar a
construção da cidadania.
96

Aspectos do pensamento geográfico necessários na formação de professores de


Geografia37

Nesta sistematização são abordados os elementos considerados essenciais pelos


professores formadores para a formação de novos profissionais habilitados a ensinar Geografia.
Mesmo atuando em países distintos, os mesmos, em vários momentos, convergem suas ideias
para determinados aspectos. Trazem também outros elementos que possibilitam pensar o
emaranhado de aspectos que contribuem para formar um professor de Geografia. Dentre os
aspectos entende-se que há os aportes do conhecimento fundamentados por uma comunidade;
neste caso é a dimensão científica que ganha espaço a partir das teorias, métodos e demais
elementos que são utilizados nesta ciência. Um segundo aspecto refere-se aos aportes de um
olhar pedagógico e contextualizado social, espacial e temporalmente. Nesse sentido, há outros
desdobramentos que envolvem entender de educação e entender de sociedade, cujo
conhecimento, então, vai além de saber apenas o que é específico de Geografia. Por fim, outro
aspecto diz da dimensão subjetiva e imaginativa, dos distintos processos que cada sujeito, pelos
estímulos e a relação que constrói com o espaço e o conhecimento, consegue organizar em si.

Significações sobre pensamento geográfico na formação do professor

A interpretação dos sentidos das falas dos entrevistados traz como centralidade a
identificação dos principais aspectos que são necessários para a formação em Geografia. As
significações que emergem dizem muito daquilo que tem sido proposto, em diferentes
universidades de distintos países, como essencial à formação de profissionais nessa área. Nesse
sentido, as categorias elencadas surgem como pontos de integração que sintetizam estas ideias.
São elas: a) Concepção histórica do pensamento geográfico; b) Concepção teórico-
metodológica do pensamento geográfico; c) Concepção pedagógica e geográfica na construção
do pensamento do professor. As mesmas são abordadas a seguir.
a) Concepção histórica do pensamento geográfico: consideram partir da estrutura da
Geografia e da sua consolidação ao longo do tempo como aspecto inicial para pensar o
desdobramento das tendências, que, posteriormente, são tomadas pelo professor para, com
base nos conteúdos, realizar análises e interpretações no ensino escolar (PU3, PU5, PU6).

37
A síntese das entrevistas pode ser consultada no Apêndice 6, na página 245.
97

Para PU6, conhecer o campo dessa ciência, sua evolução e transformação, ajuda a entender
os problemas sociais de cada época e os problemas atuais.
b) Concepção teórico-metodológica do pensamento geográfico: essa ideia perpassa vários
professores (PU1, PU3, PU4, PU5, PU6), que trazem à tona a ideia de considerar as teorias,
os métodos, os conceitos, as categorias, os princípios e as tendências de pensamento
geográfico. Tem destaque o entendimento de que as leituras geográficas precisam envolver
teorias e métodos a partir da construção científica, no sentido não apenas de listar aspectos
que o professor precisa saber, mas que permitam ver os nexos para dar sentido aos conteúdos.
Nesse contexto, engloba a definição de conceitos que estruturam a construção do
conhecimento, sendo o espaço geográfico o conceito central. Os conceitos, assim como as
categorias principais de análise, precisam ser utilizados desde o nível inicial, consolidando
a possibilidade de desenvolver algumas habilidades de leitura e interpretação geográfica.
Isso se efetiva a partir da aprendizagem e da consciência espacial, relacionando posturas
teóricas, tendências que requerem determinado método, que estruturam leituras sob o olhar
geográfico e possibilitam problematizar, investigar e compreender o espaço geográfico.
c) Concepção pedagógica e geográfica na construção do pensamento do professor:
considera a perspectiva relacional entre aspectos do componente geográfico e do
componente pedagógico como base para a compreensão e problematização do mundo.
Envolve a estrutura científica da Geografia como elemento que embasa a relação com a
prática. Considera aspectos sobre como desenvolver estes conhecimentos para responder aos
contextos e realidades diversas, aos problemas encontrados no espaço e nas relações
socialmente vividas. Para tanto, requer: 1. Considerar o mundo vivido/realidade: para
compreender outros espaços, mas isso se faz a partir da definição de um marco teórico (PU2),
de um método que precisa ser compreendido pelos professores em formação para que estes,
no exercício da docência, possam construir caminhos para ensinar. Isso requer uma
problematização a partir de determinadas questões. Envolve, também, partir do que
conhecem e concebem, imaginar outras realidades e reconhecer o mundo em suas
diversidades; 2. Considerar o contexto: definir desde o nível inicial de formação diferenças
a serem compreendidas a partir da interpretação do espaço (PU1). Requer compreender
diversas percepções que levem a interpretar o espaço geográfico, pensar a sociedade, seus
diferentes contextos (PU2) e consolidar habilidades de ler o espaço e ter uma consciência
espacial (PU3). Requer, também, realizar esse movimento a partir de desdobramentos da
ciência (PU5), compreensível pelo movimento dinâmico ao longo do tempo, o que envolve
compreender a função social da Geografia em diferentes momentos e seu papel atual para
98

responder problemas da humanidade (PU6); 3. A dimensão didática: aparece nas falas de


todos os professores, articulando o que é geográfico e o que é pedagógico como um conjunto
indissociável que contribui à formação de professores. As principais evidências emergem
nas seguintes ideias: o conhecimento geográfico precisa ter uma tradução escolar para
formar cidadãos com competência geográfica (PU1), construção de conceitos e categorias
que sirvam, posteriormente, para suas análises e a construção da autonomia (PU2) e que esse
movimento possibilite permear o currículo a partir de intervenções didáticas e metodológicas
que partam de uma fundamentação conceitual que atravesse a mediação didática.
Para tanto, é imprescindível utilizar a investigação (a problematização, segundo PU2)
para significar e recriar na prática não apenas trabalhando conceitos, mas inserindo-os na prática
pedagógica (PU3). A observação de paisagens considerando o componente geográfico e o
componente pedagógico é condição para interpretar a realidade. Para isso, é importante
observar, exercitar com os professores em formação e reflexionar (PU4), desenvolvendo a
análise geográfica que vai orientar, posteriormente, o trabalho em sala de aula, pensando a
formação de cidadãos a partir de determinadas habilidades (PU5). Por fim, tem-se a ideia de
que isso tudo é possível desde que se considerem os nexos da Geografia e as relações sob
dimensões não fragmentadas, para dar sentido ao todo nos conteúdos trabalhados (PU6).
As interpretações possíveis fazem emergir a ideia de autonomia docente, que aparece
nesse contexto tecendo as relações mencionadas anteriormente pelos professores e conduzindo
a dialogar com o currículo e pensar como os conteúdos e temas podem ser trabalhados na
Geografia escolar de cada contexto. Isso tende a auxiliá-los a identificar os elementos essenciais
para a construção do pensamento do professor de Geografia sobre suas especificidades.
É necessário estar claro o delineamento basilar que sustenta a dimensão teórico-
metodológica evoluída ao longo do tempo, considerando suas diversas perspectivas e as
provocações que vêm tecendo ao longo desse percurso, e, ainda, estabelecer o objeto de
investigação e sua problematização, considerando a ciência geográfica e a realidade a ser
investigada. Posteriormente, para construir análises, reporta-nos à definição de princípios
básicos: localização, delimitação, extensão... e princípios operacionais/relacionais: analogia,
conexão, atividade, causalidade..., além da perspectiva da multiescalaridade e
multitemporalidade. Outros elementos são o conceito estruturante, a categoria de análise, o
tema e o conteúdo de estudo. Para tanto, não há como separar aspectos pedagógicos e
geográficos que constituem o caminho para tecer análises, interpretações e discursos
geográficos nos professores, e que, no exercício docente, constituem o movimento que
possibilita ensinar Geografia.
99

Nesse movimento, os professores em formação são instigados a tecer uma teia de


relações entre estes elementos, com a finalidade de compreender a estruturação do seu
pensamento e do seu conhecimento, observando, também, em que posição se colocam ao
propor, aos estudantes de diferentes níveis, a construção de competências geográficas. Para que
isso seja possível, uma linguagem coerente se faz imprescindível na mediação entre as
especificidades da Geografia na interação com a dimensão pedagógica, construindo uma
estrutura que permita desenvolver um pensamento articulado.
A construção destas estruturas não é possível “repassando” conhecimentos e
simplesmente “ensinando e simplificando” aquilo que aprendeu. Dito de outro modo, é
necessário criar propostas envolvendo intervenções didáticas e metodológicas com base em
aspectos conceituais e teóricos que os fundamentem. É o apoio conceitual que alicerça a prática
pedagógica das aulas e, com base na relação com a realidade e os diferentes contextos,
ancorados pela problematização e pelo “reflexionamento”, pode constituir um pensamento
complexo e um “conhecimento poderoso no professor”38. Pode, assim, atuar como protagonista
na construção do conhecimento e construir caminhos para que os estudantes também construam
competências nesse sentido.
Diante disso, compreende-se a formação do pensamento geográfico dos professores
como algo processual, construído sobre a leitura e interpretação das relações sociedade-natureza
de modo relacional, considerando multicausalidades, multiespaço-temporalidades,
multiperspectivas e multiescalaridades, a partir de diferentes maneiras de fazer isso. Leva-se,
então, em conta: a perspectiva da ciência geográfica (perspectivas, teorias, métodos, conceitos,
categorias, princípios), a perspectiva pedagógica, o contexto sociocultural e histórico, a
realidade dos estudantes em formação e suas subjetividades. Estes aspectos constituem o
discurso geográfico necessário à consolidação do pensamento profissional dos professores de
Geografia.

38
A ideia de conhecimento poderoso no professor é construída com base em Young (2016). Ele considera que a
função específica da educação é a de promover o desenvolvimento intelectual dos estudantes, com base no
conhecimento poderoso, intimamente ligado às áreas do conhecimento, nas universidades, e às disciplinas
escolares. Para o autor, as disciplinas escolares – que definem o direito ao conhecimento poderoso para todos os
alunos – respondem a regras acordadas entre os professores especialistas dessas disciplinas sobre o que é
considerado conhecimento válido; tais critérios, que derivam do conhecimento pedagógico dos professores
especialistas das disciplinas e das suas ligações com especialistas dos campos acadêmicos nas universidades,
fornecem acesso ao “melhor” conhecimento que pode ser adquirido por alunos, em diferentes níveis,
assegurando, portanto, a possibilidade de progressão (YOUNG, 2016, p. 27). Com base nessa ideia, a
interpretação de conhecimento poderoso no professor também implica ter por base a dimensão do conhecimento
construído cientificamente em determinada área e apreendido na formação acadêmica, relacionada intimamente
às especificidades da escola, o que gera condições de que o professor desenvolva um pensamento que seja, de
fato, consolidado, robusto e auxilie-o a fazer escolhas e mediar o conhecimento poderoso do estudante.
100

O contato com os professores da educação básica

Interessa-nos a experiência de trabalho dos professores da educação básica para


compreender como estes interpretam o que seja o pensamento geográfico na Geografia e no
professor. Como caminho, utilizam-se entrevistas semiestruturadas com base em três
momentos: 1. Quanto aos aspectos de formação e atuação docente; 2. Leitura Geo-Imagética;
3. Relação entre Pensamento geográfico, livro didático e autonomia docente.

Momento 1: aspectos de formação e atuação dos professores de Geografia

Esse movimento está delineado a partir dos seguintes temas: a) Trajetória de vida e
de formação; b) Escolha da profissão; c) Inserção no ambiente escolar e em sala de aula; d)
Desafios na relação conhecimento teórico e conhecimentos da prática docente; e) Relação
entre geografia acadêmica – geografia escolar. Os oito professores 39 participantes são
nominados como: P1 (professor 1), P2 (professor 2) e, assim, sucessivamente (P3, P4, P5,
P6, P7, P8). Além destes, foram inseridos junto as entrevistas com professores da Educação
Básica, dados obtidos nos pré-testes descritos anteriormente (Pt1= Pré-teste 1; Pt2= Pré-
teste 2). Estes contribuíram, em grande medida, para corrigir rotas, reestruturar o percurso
e redimensionar as questões mais importantes, e trazem contribuições para a análise e para
além do exercício de melhoria do instrumento de pesquisa, dizendo muito do que interessa
à ideia desta tese.
As entrevistas analisadas compõem um modelo de categorização pela Análise
Temática (BARDIN, 2011), dividindo o texto em temas principais e, se necessário, em
subtemas. A decodificação originou frases curtas, separando-as com base nas ideias de cada
questão. Os diálogos viabilizaram a interpretação de elementos que emergiram das
comunicações pelo viés hermenêutico e sob o olhar que a Teoria crítica também possibilita.
Sobre isso, Hermann (2002) enfatiza que, pela Hermenêutica, ao trabalhar com a razão, não
se faz apenas ciência, pois a compreensão é situada num universo mais amplo, não apenas
lógico, mas também histórico.

39
O Apêndice 7 contém informações sobre os professores participantes, e pode ser consultado na página 247.
101

Influências na escolha da profissão 40

Essa sistematização refere-se aos elementos que emergem nas falas dos professores da
educação básica entrevistados ao pensar a escolha da profissão. Estes aspectos consideram a
contribuição da família, de seus professores e da própria necessidade pessoal em relação às
interações com o mundo e o desejo de compreendê-lo. Há também a influência de escolha por
uma Licenciatura, não necessariamente a Geografia, mas no sentido de abrir portas para uma
profissão, que nem sempre foi escolha própria, porém adequada ao contexto e às necessidades
encontradas naquele momento da vida.
Essa condição possibilita-nos olhar os professores considerando a dimensão pessoal,
profissional, social e histórica, cujos aportes aproximam-se para tecer percursos de vida e de
profissão que são peculiares a cada um e, ao mesmo tempo, inseridos em um contexto social
em que a profissão professor de Geografia se encontra. Há, nestes aspectos, uma série de
elementos que influenciam nessa escolha e na forma como compreendem a Geografia e como
entendem e se relacionam com a própria formação acadêmica: tendo-a como uma questão
importante à sua construção de vida, ou como um complemento que lhe garante uma profissão.
Desse modo, com base no quadro inserido no Apêndice 8, emergiram as categorias a partir das
quais foram feitas as interpretações sobre a escolha da profissão.

Escolha pela profissão Professor de Geografia

A interpretação originada das entrevistas permite afirmar que há, entre esses
professores, distintos fatores que influenciaram a escolha pela profissão professor de Geografia
e que ganham visibilidade a partir das entrevistas, cujos elementos mais significativos
compõem as seguintes categorias: a) Sonho/desejo/curiosidade; b) Influência do contexto
social; c) Influência de professores; d) Influência familiar; e) Facilidade de ingresso e
permanência; f) Interesse pela prática. Estas categorias são abordadas a seguir.
a) Sonho/desejo/curiosidade: a curiosidade pelos estudos da realidade vivida e de outros
contextos espaciais em relação ao universo e aos aspectos físicos do planeta, foram alguns
dos motivos da escolha pela profissão. De alguma forma implica sonhos e desejos, embora
não especificados. Quatro professores (Pt1, Pt2, P2, P3) citam a escolha com base nestes
aspectos.

40
O Apêndice 8, que contém as entrevistas, pode ser consultado à página 248.
102

b) Influência do contexto social: representa a motivação em procurar entender a realidade, as


relações sociais, as dinâmicas do planeta e as interações entre as diferentes sociedades. Esse
aspecto foi mencionado pelos professores Pt1, P6, P7.
c) Influência de professores: houve, em alguns casos, incentivo de professores ou a inspiração
em algum professor de Geografia. P1, P2, P5 indicam essa presença marcante de professores,
mesmo em situações em que estes profissionais desenvolviam uma prática mais tradicional.
d) Influência familiar: Pt2, P2, P7 e P8 demonstram a influência de alguns familiares na
escolha. Há familiares atuando como professores, seja em Geografia ou em outras áreas, e
cursando faculdade. Isso também influenciou P2 a formar-se em um curso de Licenciatura,
embora diferente do curso escolhido pela sua irmã.
e) Facilidade de ingresso e permanência: perpassa o relato de dois professores (P4 e P6),
considerando que a Geografia é um curso mais barato e com menor número de candidatos
por vaga. Não se pode deixar de mencionar que isso mostra a desvalorização social da
carreira docente e, por extensão, da Geografia que é ensinada no contexto escolar.
f) Interesse pela prática: aparece no relato de P3 quando menciona que, ao cursar o Magistério
e realizar seu estágio, teve maior afinidade com a área de Geografia, constituída de diferentes
possibilidades de trabalho prático. Assim, entende-se que, independentemente da motivação
da escolha do curso, perpassam dois aspectos essenciais à formação de professores, que dão
sentido à docência: o vivido (na relação no espaço próximo) e o imaginado (a partir da
interpretação do espaço ausente). Considera-se, nesse sentido, a perspectiva de relação do
sujeito consigo, com o outro e com o mundo em diferentes circunstâncias. Tais situações são
mencionadas sob duas dimensões essenciais, que são:

– a dimensão ética: refere-se a uma coerência indispensável à atuação do professor como


sujeito que influencia a educação de outros sujeitos e que, com base na linguagem, constrói
uma forma de comunicação que chega ao sujeito aluno. Por meio da linguagem dialoga com
o aluno e nele pode provocar uma série de sensações que tendem a instigar o desejo por
aprender e por conhecer. Sobre este aspecto, Freire (2018, p. 34) considera que não é possível
pensar os seres humanos longe ou fora da ética, posto que estar longe dela é uma
transgressão. “É por isso que transformar a experiência em puro treinamento técnico é
amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter
formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se
alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar [...]”. Ética e
estética configuram-se, portanto, como duas dimensões que devem andar juntas, pois
decência e boniteza, segundo o autor, precisam caminhar de mãos dadas. Nesse sentido, a
103

ética que orienta a ação docente precisa considerar a estética do encontro com o outro num
processo de aprender juntos.
– a dimensão estética: entendida como uma capacidade que se estabelece pela dimensão do
sensível. Possibilita desempenhar determinadas funções e estabelecer relações a partir da
sensibilidade, imaginação, consciência e razão, para conduzir a percepções mais amplas e a
significações do ser na relação espaço-temporal. Envolve, nesse sentido, a dimensão social,
afetiva, racional, emocional, como estruturas do ser, que estão em constante dinâmica e que
convergem para alargar o olhar do sujeito sobre as relações socioespaciais em diferentes
escalas e sob diferentes vieses (político, social, natural, econômico, cultural).
Isso significa aliar o conhecimento construído pela humanidade ao longo do tempo, as
experiências sociais e subjetivas que o ser humano constrói continuamente no curso da vida, e
as significações desse processo, que implicam ver o mundo sob determinado ângulo, sem
esquecer-se que há diferentes modos de perceber, interpretar e agir em cada sujeito. Essa
estrutura potencializa reflexões sobre um processo educativo que avance para uma
racionalidade estética, combatendo a ideia de educação como o processo de repassar/transmitir
conhecimentos, sob uma racionalidade instrumental/técnica cada vez mais presente nas
sociedades. Sob o viés da dimensão estética, o humano aparece de modo mais significativo,
tanto nas relações quanto nas interpretações e na construção do conhecimento.

O contato com a sala de aula e o construir-se professor de Geografia 41

Dentre os principais aspectos sobre o momento de iniciar a carreira docente e em relação


ao processo de construir-se professor de Geografia, há uma série de aspectos que nos conduzem
a pensar o que perpassa a maioria dos docentes e contribui para as experiências de profissão.
Os principais aspectos inseridos nesta sistematização referem-se àquilo que os professores
vivenciaram de mais expressivo e que envolve sensações positivas e negativas. Há, por certo,
distintas experiências; no entanto o que abrange todas elas é a existência de elementos
específicos à docência e que, de alguma forma, interferem nas relações que constroem com a
docência em suas múltiplas faces.
Grande parte dos entrevistados recorda momentos em que foi necessário repensar
propostas em vista das dificuldades encontradas. Outras situações fizeram com que avançassem
a partir daquilo que percebiam como positivo. Nesse sentido, há um misto de visões sobre a

41
Refere-se ao Apêndice 9, que contém a síntese de entrevistas sobre a inserção em sala de aula e construir-se
professor de Geografia, página 249.
104

docência que se refere não apenas à formação do professor, mas diz muito da realidade em que
este atuou na fase inicial da docência e no modo como conduziu essa experiência.

A construção da profissão professor de Geografia

As interpretações trazem aspectos das experiências vividas pelos professores no


processo de formação e inserção em sala de aula. Os principais desdobramentos são abordados
nas categorias a seguir: a) Inserção no ambiente escolar e em sala de aula (sob aspectos
negativos e sob aspectos positivos); b) Construir-se professor de Geografia (metodologia e
prática; teoria e prática; relação com a escola/realidade; intensidade de estudo); c) Cuidados
dos professores (linguagem; modo de vestir-se e portar-se; responsabilidade;
organização/planejamento); d) Excessos do professor (linguagem acadêmica; estudo pelo livro
didático); e) A formação da identidade do professor.
Essas categorias são abordadas a seguir.
a) Inserção no ambiente escolar e em sala de aula: foi diferente para cada profissional por
existirem distintos aspectos (sociais, individuais, culturais, históricos) que interferem. Pode
ser dividido em duas percepções:
– Sob aspectos negativos: dos onze professores, sete deles (Pt1, Pt2, P1, P3, P4, P5, P6)
mencionaram situações que desencadearam sentimentos e sensações negativas; são elas:
impactante, apavorante, choque, tenebroso, medo, incapacidade, insegurança, transição
difícil, período de adaptação, desafiador, difícil inserção, diferenças entre estágio e atividade
profissional, não tinha experiência para além do estágio, períodos curtos de aula dificultavam
saber como conduzir, passar conteúdo ou aprofundar o conteúdo, tumultuado por não saber
como fazer, inexperiência, exigência maior em escola particular;
– Sob aspectos positivos: quatro professores (P2, P3, P7, P8) mencionaram a inserção como
um aspecto positivo a partir de situações diversas, como o fato de já possuir experiência
anterior, ter segurança daquilo que iria fazer e ter tranquilidade diante da situação. Algumas
expressões que emergiram: tranquilidade, experiência (PIBID, estágio CIEE; Magistério
com estágio longo), desafiar-se, engajamento, professor ativo socialmente, militância
(debates, eventos, AGB), sabia que Geografia queria ensinar e como perceber o mundo, boa
formação pedagógica na academia.
b) Construir-se professor de Geografia: é um processo considerado longo, continuado e com
diferentes aspectos em cada profissional, tendo dificuldades e facilidades. Estas percepções
trazem os seguintes aspectos:
105

– Metodologia e prática: para determinados professores, apenas o estágio não comporta as


necessidades que emergem da docência (Pt2, P1). Não tendo didática nenhuma, também gera
dificuldades em como agir e trabalhar em sala de aula e, ainda, em definir o que do conteúdo
trabalhar (P4, P5, P6). Isso pode trazer à tona, mesmo que inconscientemente, um “modelo”
de condução e construção de aula a partir de suas memórias de aluno. Um dos relatos mostra,
de modo diverso, que teve boa formação pedagógica, permitindo maior segurança em sala de
aula (P8), e outros que já sabiam definir o que é o objetivo da Geografia escolar (P7).
Se não há conhecimento didático e pedagógico bem-estruturado e se não são
disponibilizados referenciais curriculares e amparo da equipe diretiva, o professor tende a
passar por dificuldades e utilizar muito mais os livros didáticos como suporte. Há casos
mencionados, entretanto, que mostram que sequer havia livros didáticos disponíveis para o
trabalho do professor.
– Teoria e prática: alguns dos entrevistados mencionam que a construção do professor se dá
com base no conhecimento da Geografia obtido na universidade (P1, P6) e/ou que tinham essa
dimensão bem-estruturada (Pt2). A Graduação é, então, a base inicial que comporta o trabalho.
Ela precisa, porém, ser aprofundada. Poucos professores mencionaram a teoria como
essencial; aparece a ideia de um aprendizado importante na prática, que dá subsídios ao “como
fazer” (P1, P2). Aparece, também, a ideia de que era confuso saber o que fazer, o que seguir
para trabalhar os conteúdos (P3, P4, P5, P6) e, sob outro aspecto, a ideia de definir objetivos,
organizar o planejamento e refletir constantemente sobre a prática (P2, P7, P8). Não aparece,
todavia, como uma preocupação comum nas falas. Talvez seja esse um dos movimentos mais
importantes e basilares na trajetória docente: estabelecer pontos fundamentais que devem estar
claros e organizados, e que possibilitam pensar a docência pela interação entre teoria e prática.
– Relação com a escola/realidade: essa dimensão perpassa as relações que são vivenciadas e
construídas na escola e em sala de aula. Houve, entre os professores, menção ao cuidado com
o planejamento e organização da aula, que vai além do conteúdo e, por vezes, precisa dar
conta de conflitos sociais, além de mediar e estabelecer condições de convivência entre
estudantes, o que reduz, significativamente, o tempo de conteúdos em sala de aula (P3).
– Intensidade de estudo: mencionam a necessidade de muito estudo, de muita leitura e muito
trabalho na etapa inicial (Pt2, P7). Não houve alusão aos estudos atuais de modo mais
específico, porém alguns entrevistados retomam a ideia da necessidade de constante busca por
informações e conhecimento, e muita organização pelo professor (P1, P2, P6).
c) Cuidados dos professores: refere-se à construção interior e exterior da imagem docente, no
sentido de ter consciência daquilo que precisa ser adaptado, caso julgue necessário.
106

– Linguagem: adaptar a linguagem, atentando para a forma de utilização de termos técnicos


específicos da ciência geográfica, e se isso se faz necessário no contexto escolar (P2 e P3).
Requer, nesse sentido, perceber determinados cuidados para ser compreendido e não acabar
por excluir o aluno, visto que, uma linguagem muito rebuscada tende a impedir a sua
compreensão. Ou, ao utilizar uma linguagem muito superficial e comum, não contribui para
construir novos aportes que ampliem o conhecimento de vocabulário geográfico do aluno.
– Modo de vestir-se e portar-se: há de adaptar-se ao contexto do trabalho com estudantes (P2).
Considera-se, também, a necessidade de atuar de acordo com determinadas regras sociais que
comportam a profissão, a ética profissional e a forma como se apresenta visualmente aos
estudantes, o que requer determinados cuidados.
– Responsabilidade: por ser uma fase de transição do sujeito estudante para o sujeito professor,
é marcada por maior responsabilidade e pela necessidade de conduzir seu trabalho e superar
seus desafios, além de mostrar que é capaz de organizar a estrutura da aula e mediar a
construção do conhecimento dos estudantes. É mencionada por P2.
– Organização/planejamento: ter uma estrutura de organização para que a aula funcione, para
passar segurança do seu trabalho ao aluno (P2). Observar as modificações, o aprimoramento
que ocorre a partir da reflexão contínua sobre a prática. Atenção à metodologia e à didática;
fazer crítica ao uso do LD, uma crítica não no sentido de não o utilizar, mas sabendo como
utilizá-lo (P6).
d) Excessos do professor: refere-se aos aspectos que, desde o início da docência, precisam ser
dosados tendo em vista que perpassam, em grande medida, a qualidade e a pertinência
daquilo que é feito pelo docente no contexto da sala de aula.
– Linguagem acadêmica: P2 relata que não soube, inicialmente, dosar a forma como expor o
conteúdo e estabelecer conexões de modo claro e entendível aos alunos.
– Estudo pelo livro didático: P4 menciona a necessidade inicial de estudar muito e adaptar o
que sabe sobre Geografia àquilo que é preciso ensinar dessa ciência na escola, em diferentes
realidades/situações/contextos. Sem isso muito claro, alguns dos professores utilizaram esse
material como base principal.
e) A formação da identidade do professor: a formação foi identificada pela maioria dos
professores como um movimento contínuo que se estrutura e se consolida com o tempo. O
professor, nesse sentido, nunca está completo (Pt2), pois sua identidade vai sendo construída
aos poucos (P4, P6). Isso significa que a forma de trabalhar também sofre transformação.
Espera-se que ela evolua com o tempo (P6). Assim, a construção profissional é
compreendida em: transição, adaptação e reconhecimento. Ocorre em um movimento que
107

não se completa ao longo da carreira, ou seja, é inacabado e pode ser aperfeiçoado pela
experiência profissional. Pela experiência constrói condições de estabelecer a continuidade
pedagógica, essa que, inicialmente, para Pt2, é feita em planos de aula fechados.
Todas as situações relatadas conduzem à defesa da necessária aproximação entre os
diferentes conhecimentos que os professores precisam ter no decorrer da carreira profissional.
Nesse sentido, a dimensão teórico-metodológica em relação com a dimensão pedagógica a
partir da inserção, ainda na formação acadêmica, em situações de ensino escolar se faz
necessária. Estas dimensões, na relação com o mundo vivido, imaginado e a ser interpretado,
que comportam o objetivo de ensinar Geografia, contribuem para que o profissional interprete
as etapas no decorrer do seu desenvolvimento profissional. É ao refletir sobre si e sua trajetória
que o professor pode pensar a relação com o conhecimento, com o aluno e com a realidade.
A fase de transição remete à relação que ocorre entre o olhar do estudante-futuro
professor e o olhar do professor de Geografia, efetivamente. Nessa relação estão incluídos
conhecimentos, sentimentos, desejos, significações que, mesmo tendo uma estrutura comum,
têm sentidos diferentes para cada sujeito. Este é um processo vivenciado de forma diversa pelos
indivíduos, de acordo com uma série de fatores que envolvem a dimensão emocional, subjetiva,
racional e a construção de conhecimentos de modo singular em cada um.
A fase de adaptação refere-se ao período em que o profissional, já inserido na docência,
estabelece, gradativamente, uma estrutura que comporta aquilo que é essencial ao seu trabalho.
Pondera a relação entre os diferentes conhecimentos basilares ao trabalho do professor, no
entanto, cada profissional constrói e organiza esses elementos do seu modo, sob maior ou menor
importância para cada um, e os utiliza conforme surgem necessidades. Nessa fase estrutura-se
o grau de influência da dimensão teórica e da dimensão prática. Nesse processo, a partir das
metodologias e recursos, vai se organizando também a relação com o livro didático, um dos
componentes mais expressivos que chegam às escolas no Brasil e que servem de apoio aos
alunos. Nessa fase, o professor também vai modelando seu modo de agir, de organizar-se, de
adaptar a linguagem que marca sua atuação docente e a relação com seus alunos e pares.
A fase de reconhecimento envolve maior consciência, trazendo a possibilidade de olhar
para si, para sua atuação, de modo mais amplo e observando tudo aquilo que fez sentido, o que
pode e precisa ser melhorado, o que é essencial ao ensino escolar na área em que atua. Perpassa
a ideia de que, a partir dessa consciência, o professor tem mais condições de transformar-se e
transformar a sua prática, de forma mais clara e objetiva do que fazia anteriormente.
108

Relação conhecimento teórico-conhecimento prático42

As comunicações dos professores relatam distintas dimensões que interferem na relação


entre conhecimento teórico e conhecimento prático. De maneira geral, essa tem sido uma das
maiores dificuldades que perpassam a construção e a condução do processo educativo dos
professores, e não somente na área de Geografia, embora, muitas vezes, isso não seja externado.
Utilizar as entrevistas como suporte para dialogar com os professores, traz a
possibilidade de avançar para compreender o que interfere nessas relações. Estas, quando bem-
conectadas e claras, dão ao professor aporte para a construção de outras possibilidades de forma
mais natural e autônoma. De outro modo, quando as dimensões teórica e prática não foram
abordadas de forma que os professores conseguissem estabelecer aproximações e utilizar-se
com facilidade da relação entre ambas, essas dificuldades emergem e tendem a se manter.
É evidente que sempre existem lacunas a suprir, no entanto, estas não podem ser tão
significativas a ponto de manter uma ruptura tão latente que gere dificuldades no trabalho dos
professores. Esse entendimento é processual para a maioria dos docentes que, inicialmente,
pensavam que transformariam o processo de ensino e aprendizagem escolar. Ao adentrar na
docência, posteriormente, os desafios são inúmeros e inquietam estes profissionais, que
percebem, na prática, as características que o contexto do ensino escolar possui.

Perspectivas da relação entre conhecimento teórico e conhecimento prático

Essa etapa avança na interpretação dos elementos mais significativos que emergem das
falas dos entrevistados sob este aspecto e dizem muito da realidade vivenciada pelos professores
que atuam na educação básica. As categorias construídas são: a) Aspectos da dimensão teórica;
b) Aspectos da dimensão prática; c) Relações/influências teoria-prática no trabalho do
professor; d) Dificuldades e fragilidades na interpretação do conhecimento teórico e prático.
Essas categorias são interpretadas a seguir.
a) Aspectos da dimensão teórica: a teoria aparece, por vezes, como suporte para
fundamentar o trabalho em sala de aula (Pt2, P1, P2, P3, P6, P7, P8). Esse conhecimento
serve para definir o que utilizar em sala de aula, mas a teoria manifesta-se muito menos
na sala de aula do que na academia. Para P7, a teoria amplia visões de mundo e gera

42
O Apêndice 10, página 251, apresenta a síntese das entrevistas sobre a compreensão dos professores quanto à
relação conhecimento teórico-conhecimento prático.
109

maior tolerância no processo educativo. P8 salienta que existe um conhecimento


acumulado, que serve de referencial para o que se faz em sala de aula. Aparece, ainda, a
ideia de que o conhecimento teórico, embora existente e necessário, não foi aprofundado
de modo suficiente na formação acadêmica (Pt1), o que nos leva a refletir sob três
aspectos: se o que ocorre é, de fato, pouco aprofundamento teórico; se há distanciamento
excessivo entre as dimensões teórica e prática, sem a percepção do que é relacional destes
aspectos; se há falta de uma linguagem compreensível dos professores formadores sobre
o que é essencial da teoria para embasar as práticas docentes.
b) Aspectos da dimensão prática: um dos professores entrevistados (P6) deixou claro que
inicialmente considerou a prática mais importante, o que o fez deixar em uma posição menos
meritória a teoria que fundamenta o ensino na escola e na universidade. Com o tempo e a
formação continuada, percebeu a importância dessa relação e da teoria como forma de
sustentação para a prática que desenvolve, estabelecendo conexões. É necessário, então,
refletir sobre em que medida ficam silenciadas situações que contribuem para que, em certo
momento, os professores não saibam definir porque estão realizando determinada prática.
c) Relações/influências teoria-prática no trabalho do professor: existe a ideia de que a
relação entre teoria e prática se constitui como um desafio, e um desafio diário (Pt1). São
necessários estudos anteriores à aula para entender como relacioná-las. Sob esse viés, fica
implícita a ideia de que conhecer o contexto escolar e de sala de aula são condições essenciais
para estabelecer essas relações, a fim de mobilizar o aluno para a aprendizagem. Essas
dimensões são permeadas por distintos níveis de complexidade (P2) e isso precisa ser
compreendido pelo professor, que, geralmente, não é levado a refletir sobre isso desde o
início da sua formação acadêmica (P3). Dentre os aspectos está o modo de desenvolver a
prática e o que constitui a teoria que alimenta a aula que o professor planeja.
Teoria e prática não podem estar distanciadas/desconectadas; existe uma relação entre
elas (P4), embora na escola não seja trabalhada uma fundamentação como se faz na academia
(P3). A relação entre teoria e prática precisa envolver, segundo P4, a teoria acadêmica, escolar
e a realidade. Conforme P5, entretanto, essa relação, mesmo existindo e sendo proposta pelo
professor, nem sempre é possível. A questão refere-se não apenas em pensar a prática como o
fazer algo concreto (maquete, desenho, trabalho de campo, por exemplo), mas é estabelecer
relações de um conhecimento base (teórico), estruturado mentalmente pelo professor a partir
da formação inicial, com um conhecimento construído em sala de aula, na relação com a
realidade e as vivências do aluno. A relação precisa existir para não constituir uma proposta
vaga e desconexa; assim, contribui para propostas que vão além de contemplar apenas
110

determinada atividade de aula e sua execução, levando em conta as articulações e mobilizações


que estão por trás do processo de planejamento das aulas.
d) Dificuldades e fragilidades na interpretação do conhecimento teórico e prático: existem
dificuldades em relacionar conhecimento da teoria e conhecimento da prática, considerados
distintos no ensino da Geografia escolar, o que implica dificuldades quando ocorre a inserção
do professor na docência. Também aparecem obstáculos sobre de que modo relacionar
aspectos metodológicos e o conhecimento da estrutura da educação e da escola. Isso requer,
então, tensionar relações entre as dimensões teórica e prática pelo conhecimento pedagógico.
Outra questão é a dificuldade encontrada na inserção no contexto educacional em razão
dos desafios e lacunas que existem nas escolas, no processo de ensino e aprendizagem e no
modo como se constituem as relações entre professores e alunos. Perpassou no pensamento de
vários professores (Pt1, P1, P2, P3) que a teoria trabalhada na formação inicial mudaria a
prática. Compreende-se que esse tem sido um dos motivos que faz, muitas vezes, estagiários,
ao realizarem suas observações e práticas de estágio, refutarem e questionarem veementemente
o modo de trabalhar dos professores regentes. Esse é um processo necessário de
questionamento, porém precisa ser feito considerando não apenas o que é específico da teoria,
mas relacionando-a à realidade da escola, da prática ali desenvolvida, superando o olhar sob
apenas um aspecto. Há, por certo, dificuldades de perceber o que é próprio da identidade da
escola, seu projeto de ensino e a realidade evidenciada ali, que precisam ser ponderados no
modo como conduzir a prática alicerçada por determinadas teorias.
Para Lestegás (2000), os saberes ensinados como criações originais da escola não
possuem muita relação com os saberes científicos, por terem sidos profundamente
transformados para responder às finalidades que a sociedade atribui às instituições escolares.
Entende-se, no entanto, que, mesmo existindo diferenças latentes entre os saberes escolares,
que se diferem e são autônomos em relação aos saberes acadêmicos, estes são conectados a
partir de um ponto comum que é a ciência base, e precisam interagir a partir de determinados
pontos essenciais para a construção do conhecimento. Nesse sentido, uma necessidade latente
é conhecer de modo aprofundado as especificidades da escola e da dimensão pedagógica que a
envolve, buscando relacionar estes aspectos com a dimensão do conhecimento específico.
Benejam (1997), ao debater sobre o ensino de ciências sociais, considera que a seleção
dos objetivos gerais da educação depende, em grande medida, de situar-se em uma perspectiva
teórica. Essa perspectiva contribui com uma forma de compreensão do mundo, cujos princípios
e conceitos podem ser utilizados no ensino. Há, porém, decisões e argumentações feitas sem
aproximação com a teoria, tomadas como opiniões distanciadas de um marco científico. A
111

consciência de existir e ser necessária uma fundamentação teórico-científica basilar justifica as


intenções e finalidades do processo educativo, o que demanda o conhecimento amplo dos
professores e um posicionamento que legitime suas ações, escolhas e proposições.
Nas falas dos entrevistados, em determinados casos, a teoria ficou a desejar, o que tende,
no processo educativo, a dificultar um trabalho interdisciplinar e relacional que vá além da
fragmentação em “caixinhas”; formato esse que existe, ainda, na estrutura da Geografia
acadêmica, pois estuda-se a geografia física (climatologia, geologia, geomorfologia...) e estuda-
se a geografia humana (demografia, agrária, etc.), muitas vezes sem relação entre elas. Nisso,
aparece o livro didático (P5, P6) como um recurso que, de alguma forma, acaba suprindo ou
diminuindo essas dificuldades encontradas. A partir das lacunas existentes na formação, o livro
didático acaba sendo mais usado pelo professor, situação que será debatida mais adiante.
Diante das diferentes situações que podem ser construídas pelo professor, é
imprescindível pensar que a inserção em sala de aula exige muito estudo e diálogo sobre ser
professor, procurando superar, ao máximo, os desafios e frustrações que têm sido constantes e
acabam por limitar o profissional em determinados momentos.

Relações entre Geografia acadêmica e Geografia escolar43

De modo semelhante à relação entre teoria e prática, que reverbera nos modos de realizar
a práxis docente, as relações entre a Geografia acadêmica e a Geografia escolar também
contribuem na construção de sentidos para o trabalho do professor. Em síntese, as entrevistas
com os professores permitem identificar que existem diferentes concepções sobre estas
dimensões. Há, em alguns relatos, maior facilidade de identificar as distinções e as
aproximações entre a dimensão da Geografia acadêmica e da Geografia escolar, enquanto
outros professores não especificam o que as distancia e o que as aproxima, de fato.
Estas dificuldades aparecem tanto pela escassez de contato com a escola durante a
formação acadêmica, que inviabiliza compreender determinadas situações e os debates que ela
propicia, ou, ainda, pelo distanciamento que existe entre escola e universidade. Esses
distanciamentos ocorrem em distintos aspectos, seja em termos de conteúdo (daquilo ensinado
em cada contexto), em termos de realidade (a escola tem uma função social diferente da
universidade) e em termos de conhecimento (a universidade considera diretamente a produção

43
A síntese das entrevistas com os professores pode ser consultada no Apêndice 11, página 252.
112

do saber científico enquanto a escola atua sob um aporte social e da ciência interligados no
sentido de proporcionar um conhecimento base à formação dos sujeitos).

Significações sobre a Geografia acadêmica e a Geografia escolar

A interpretação que se faz leva em conta os elementos mais significativos entre as


dimensões de formação e atuação docente. Sob as distinções e aproximações básicas há, pelas
interpretações realizadas, um conjunto de categorias que contribui para interpretar o que é mais
significativo para os professores entrevistados. Emergem, nesse sentido, determinados aportes
para compreender estas relações de modo específico e de modo relacional, inseridos nas
seguintes categorias: a) Diferenças/especificidades das dimensões acadêmica e escolar; b)
Aproximações e clareza da relação Geografia acadêmica e Geografia escolar; c) Fragilidades
na compreensão da dimensão acadêmica e escolar; d) Posicionamento do professor em relação
à dimensão acadêmica e escolar. Essas categorias são interpretadas a seguir.
a) Diferenças/especificidades das dimensões acadêmica e escolar: parte dos professores
compreende existirem diferenças entre a Geografia acadêmica e Geografia a escolar, e, por
conseguinte, têm suas especificidades. A Geografia escolar serve à leitura do mundo (P8),
traz um conhecimento mais amplo da sociedade (P3, P4), é adaptada à realidade do aluno
(Pt1) e compreende as vivências também da relação professor-aluno (P1). Já a Geografia
acadêmica é considerada teórica, uma teorização a partir da ciência geográfica. É a
fundamentação (P1, P3). São entendidas como níveis diferentes, com complexidade
diferente, embora não distantes entre si (P2, P4). Outras interpretações (P5, P8) veem existir
um abismo entre elas. P5 considera que sua formação, por ser mais técnica, mesmo sendo
uma Licenciatura, não aprofundou a dimensão pedagógica, tendo aprendido de modo
superficial sobre a área de ensino e, ao chegar na escola, deparou-se com conteúdos
diferentes daquilo que havia estudado. Outro professor (P4) chama a atenção para uma maior
aproximação dos conteúdos de Geografia física e uma menor aproximação dos conteúdos de
Geografia humana, com a qual teve mais dificuldades em sala de aula.
Emergem como elementos a diferença entre a Geografia acadêmica e a Geografia
escolar, esta última considerada, basicamente, a dimensão que insere a realidade do aluno. Suas
diferenças, porém, parecem não ter ficado claras o suficiente, uma vez que também a Geografia
acadêmica forma alunos: os alunos em nível superior que serão professores.
Na formação acadêmica, construída com maior enfoque sob bases teóricas e escassas
reflexões sobre a dinâmica escolar, ocorrem certas dificuldades que levam a pensar situações
113

como a ideia de que determinados temas da Geografia escolar não foram aprendidos na
formação acadêmica (Pt1, P5). Diante disso, entende-se que são contextos diferentes e que,
possivelmente, em algum momento, não foram explorados de modo que esclarecessem a
estrutura do que seja a Geografia acadêmica e a Geografia escolar. Dito isso, essa percepção,
ainda obscura na maioria dos professores, pode constituir uma lacuna que se mantém pela
simplificação destes temas, o que dificulta definir como se estabelece essa relação. Isso faz com
que os aspectos distintos, específicos a cada dimensão da Geografia, e também seus pontos de
aproximação, fossem abordadas de modo insuficiente.
Convém pensar a autonomia construída gradualmente na formação inicial e que
perpassa tanto pela necessidade de incentivos externos (do curso de formação, por exemplo,
oferecendo condições para aprimoramento do raciocínio geográfico e pedagógico) quanto pelos
incentivos internos, pela subjetividade de cada sujeito. Essa ideia surge a partir da afirmação de
um dos professores, que considera que na Graduação faltou incentivo para leituras e a
proposição de trabalhos práticos de campo e de análise, fazendo a relação teoria e prática, o que
leva às dificuldades em ensinar (o conhecimento teórico) ao aluno. Já um outro professor
salienta que a formação teórica foi suficiente. Resta-nos tentar compreender se a dimensão
teórica foi sanada apenas pela universidade ou se o próprio professor, quando acadêmico,
contribuiu para sua formação, pois o mesmo afirma que tomava a iniciativa para leituras e
estudos, ampliando conhecimentos teóricos da Geografia. Constitui-se, portanto, de uma
formação em que diversos fatores precisam convergir e contribuir, dentre eles, também, a
didática do professor formador, cuja função contribui para sanar estas lacunas.
b) Aproximações e clareza da relação Geografia acadêmica-Geografia escolar: há
professores que afirmam sempre tentar aproximá-las (P3, P7), usando a Geografia acadêmica
como referencial (P8) para fundamentar as aulas, o currículo e o conteúdo. Assim, há a
necessidade de ter conhecimento, vontade e utilizar diferentes metodologias, de acordo com
a turma e o conteúdo a abordar. Requer ter clareza da relação entre a Geografia aprendida
na universidade e a Geografia escolar, procurando adaptar, inclusive, a linguagem para não
excluir os alunos e para transformar sua realidade (P2). Supõe, também, aproximação com
os parâmetros curriculares e o conteúdo (P6), o que demanda muito estudo (P4).
A Geografia acadêmica serviria, então, relacionada à escolar, para criar dispositivos a
partir dos quais o estudante construa sua autonomia (P7, P1), ampliando também o olhar do
professor para outras realidades (P7). Essas relações não estão muito claras ainda e requerem
refletir, também, sobre se deveria existir um conhecimento teórico para a formação de bacharéis
em Geografia e outro para professores licenciados (P8). Também não são deixadas claras, na
114

universidade, as especificidades da Geografia acadêmica e da Geografia escolar, e que teoria


embasa o professor em sala de aula. O professor, ao concluir a Graduação, não tem isso claro,
e a universidade não deixa explícito (Pt1, P3). Tendo essa ideia, torna-se mais fácil ensinar na
escola, levando em conta determinado conhecimento teórico, que serve de referência, inclusive,
para questionar o aluno e estimular seu interesse.
Considerando as interpretações dos docentes, podemos identificar diferentes situações:
1. A Geografia acadêmica como um embasamento para a escola, na qual tem de ser adaptada,
porém nem sempre chega ao contexto da Geografia escolar (P1); 2. Não há especificidades da
Geografia escolar; ambas se aproximam (P4); 3. A Geografia escolar aparece como uma cópia
da Geografia acadêmica, mas com maior superficialidade (P4); 4. Ambas sempre têm ligação;
uma forte relação de complementaridade (P4, P6) ou interatividade que precisa, por exemplo,
a partir das pesquisas realizadas na escola pela academia, trazer uma maior aproximação (P1).
Não nos importa questionar qual das afirmações é mais coerente ou mais adequada,
posto que essa questão já foi debatida. Interessa, pois, refletir que estrutura/ou elementos de
cada uma delas possibilita essa afirmação e essa percepção pelos professores, uma vez que,
mesmo tomando um posicionamento, não é explicitado de forma aprofundada. Assim, se não
está clara a estrutura basilar à Geografia acadêmica e à Geografia escolar, estas tendem a
parecer distanciadas, não relacionais, o que interfere na interpretação do professor; o que gera
dificuldades em estabelecer essa relação na prática de ensino, faltando-lhe conhecimento
teórico ou não percebendo como essas relações ocorrem. Ainda, de outro modo, mesmo com o
conhecimento teórico mais aprofundado, permanecem dificuldades para superar essas
dualidades no ensino escolar, seja entre teoria e prática ou na própria estrutura dessa ciência e
do contexto acadêmico, quando não constrói as relações que precisa construir. Convém, nesse
sentido, sob a perspectiva da interação acadêmica-escolar, clarificar os elementos que
contribuem para a construção de relações que a ciência geográfica, enquanto ciência de relação
sociedade-natureza, se propõe a fazer no contexto educativo.
c) Fragilidades na compreensão da dimensão acadêmica e escolar: entender essas relações,
muitas vezes, é difícil. Pode faltar embasamento da Geografia acadêmica (P4), ou não faltar
conteúdo teórico, mas, sim, interdisciplinaridade e transversalidade entre eles, uma vez que
o conhecimento acadêmico é fragmentado (P1, Pt2) e dual (físico-humano). Além dessas
fragmentações, há distanciamento entre professores que têm rivalidades na academia (Pt2).
A universidade, em determinados momentos, não propõe esse contato maior entre essas
dimensões, e o professor imagina que simplesmente fará uma “transposição” para o aluno
daquele conhecimento construído academicamente (P5). Isso gera frustração, culpabilização e
115

constante embate quando atua em sala de aula (P5, P8). Por isso, os professores, na
universidade, precisam aproximar e esclarecer estas dimensões, pois “o óbvio às vezes precisa
ser dito” (P6).
Há fragilidades no ensino acadêmico em diversas instituições por continuar a propor
uma formação fragmentada sob a dualidade Geografia física X Geografia humana e, ainda,
uma dimensão pedagógica anexada ao final. Quando, na formação docente, não há essa
aproximação e uma perspectiva transversal e interdisciplinar, dificulta, posteriormente, que
no ensino escolar essas fragmentações e distanciamentos entre áreas sejam superados. A
estrutura fragmentada dos cursos de formação é fruto da setorização da Geografia de cunho
positivista, o que não configura como um problema em si caso o profissional reconheça essa
organização e consiga estabelecer relações de modo coerente e articulado. Ainda hoje,
entretanto, o modo como formar estes profissionais resulta em dificuldades ao desenvolver
o ensino escolar dessa ciência.
d) Posicionamento do professor em relação às dimensões acadêmica e escolar: diante destas
constatações, emergem algumas ideias do que se considera necessário, que é, em um
primeiro momento, o professor em formação se importar ainda mais, estudar ao longo da
Graduação e não julgar a dimensão pedagógica como descolada e desnecessária, como
ocorreu com P5, por exemplo, no início de sua carreira. Com o tempo, o professor percebe
que vai se modificando e talvez isso ocorra ao notar fragilidades ao iniciar o trabalho em
sala de aula, quando precisa utilizar uma gama de conhecimentos, relacionando a teoria
apreendida na academia e aquilo que desenvolve na prática docente. Assim, ao observar
fragilidades, como fizeram alguns dos entrevistados, foi necessário solicitar ajuda e apoio
aos professores da universidade e aos colegas. Sentir o desconforto originado pelas
dificuldades vivenciadas nessa fase foi algo difícil e que gerou reflexões. A maioria deles,
após anos de experiência, tem percebido esse processo como um problema a ser enfrentado
e, se possível, solucionado ou amenizado, uma vez que há muitos condicionantes que
chegam ao processo educativo.
A maturidade certamente contribui para essas percepções, muito embora as fragilidades
não deveriam ser sentidas de forma tão latente entre a maioria dos professores, que, em muitos
momentos, precisaram “formar-se” a partir de estudo complementar e, em muitas situações, da
leitura de livros e materiais didáticos para tentar “dar conta” daquilo que faltou na formação
inicial. Possivelmente o não esclarecimento e o não questionamento do que seja cada
especificidade e as interações entre os vieses da Geografia, leve a essas lacunas na formação
116

docente, que tem participação tanto da instituição formadora quanto do próprio acadêmico.
Diante disso, é fundamental ter clareza dos elementos que dão aporte à atuação docente.

Momento 2: o pensamento geográfico no professor

Ir além da estrutura da linguagem traz à tona a possibilidade de compreender elementos


que emergem no pensamento explicitado a partir da argumentação. É por este caminho que
trilha-se esta fase, no intuito de compreender como se estrutura o pensamento destes professores
a partir da Leitura Geo-Imagética. A proposta efetiva-se pela leitura de imagens de obras de
arte como forma de interpretar o que emerge desse pensamento, sem conduzir os professores a
uma resposta, deixando-os livres para expor sua forma de relacionar o conhecimento de
Geografia com o contexto da imagem.
As obras de arte possibilitam uma interpretação que se estabelece considerando não
apenas os elementos que o artista pretende trazer à tona, mas a subjetividade humana e o
pensamento do sujeito inserido no mundo, numa historicidade que envolve a tradição. Ela
conduz a uma atividade interpretativa em que diversos elementos emergem e tornam-se
significativos e singulares em cada leitura. A linguagem permite que os entrevistados tornem
acessíveis determinados aspectos do pensamento construído, embora não seja possível acessar
esse pensamento de modo abrangente. Há a clareza de que ocorre um processo de compreensão
destes aspectos pelo pesquisador, que transcreve e organiza as informações no texto.
Neste caso, mesmo sintetizando as informações e categorizando-as, posteriormente,
procura-se manter os termos e expressões utilizados pelos entrevistados. Conforme já
explicitado, foram definidos três momentos na Leitura Geo-Imagética: 1. Descrição e análise;
2. Comparação e interpretação contextual; 3. Utilização da imagem na Geografia (escolar).

Aspectos da leitura e da interpretação de imagens44

Utilizar a leitura de imagens com base em obras de arte de artistas distintos, trouxe a
possibilidade de estimular as subjetividades como aporte para o emergir do pensamento
geográfico dos professores. Sob essa perspectiva, entende-se que ocorre um processo de
interpretação que deixa o profissional mais aberto a imaginar, sem interferências do

44
A sistematização da leitura de imagens (conjunto 1 e conjunto 2) pode ser consultada nos Apêndices 12 e 13,
páginas 254 e 256, respectivamente.
117

pesquisador. Isto posto, emergiram distintas ideias tanto em relação à interpretação das imagens
do conjunto 1 quanto da interpretação das imagens do conjunto 2. Como aspectos, destacaram-
se a linguagem que, por vezes, tem aportes geográficos a partir de expressões, termos e modos
de análise específicos, além de outros aportes de linguagem comum utilizados no cotidiano. Há,
também, determinadas características de análise que empregam conceitos e categorias, embora
a clareza de organização de um modo de proceder geográfico não é explicitado.

Conhecimento e pensamento geográfico que emergem das interpretações

Os modos de analisar as imagens pelos professores possibilitaram perceber


aproximações em diversos aspectos. Alguns trazem peculiaridades a cada um, e possibilitam
pensar os aportes do conhecimento mobilizados na maneira de pensar destes professores e que
contribuem para tecer outras categorias. A categorização das entrevistas permite interpretar as
informações e identificar os elementos mais significativos a partir dos dados dos dois conjuntos
de imagens (conjuntos 1 e 2), compondo interpretações para cada tema analisado.
As categorias e subcategorias construídas são: a) A linguagem geográfica (elementos,
expressões e termos da Geografia nos conjuntos 1 e 2 de imagens); b) O método da Geografia
(nos conjuntos 1 e 2); c) Elementos específicos da Geografia (conteúdos e temas; teoria e
método; conceitos, categorias e princípios). Essas categorias são interpretadas a seguir.
a) A linguagem geográfica: a linguagem compreende expressões, termos, conceitos, categorias
e princípios da Geografia. Neste primeiro item, mantiveram-se apenas as expressões e os
termos. Os conceitos, categorias e princípios são mencionados no item c. Estes aspectos,
portanto, foram analisados separadamente, possibilitando maior aprofundamento.
Emergem da leitura de imagens alguns termos e expressões próprios da Geografia.
Duas situações, entretanto, são evidenciadas. De um lado, há a descrição de elementos de forma
solta, sem estabelecer conexões, como: vegetações, solo, rio, lago... Dessa forma, não explicita
de modo articulado um pensamento que vá além da descrição de elementos e que possibilite
ampliar a estrutura que remeta mais diretamente à linguagem geográfica; de outro, surgem
elementos que são estudados pela Geografia e que, de maneira geral, aparecem de modo mais
articulado em meio às frases, ou se aproximam da linguagem geográfica.
– Elementos: (Conjunto 1): rocha exposta, povoado, acidentes geográficos, paisagem, falésia,
vegetação, solo, relevo. (Conjunto 2): curso hídrico, curso d’água, vegetação rasteira, mata
densa, elevações, depressões.
118

Há, ainda, expressões e termos mais articulados em um pensamento que expressa uma
linguagem geográfica. São eles:
– Expressões: (Conjunto 1): transformação do meio, transformação da natureza, área agrícola
modificada, transformação das paisagens, interferência do homem, processo erosivo,
desgaste do solo, ocupação do espaço, ambiente urbano, ambiente rural, espaço rural, espaço
urbano, área urbana, áreas ambientais de preservação, interação humana no espaço, interação
dos seres humanos com o meio, interação ambiente-sociedade, impactar o ambiente, ação
antrópica, transformação da paisagem. (Conjunto 2): paisagem urbanizada, espaço que foi
modificado, ocupação humana, diferentes formações de solo, distintas formações da crosta
terrestre, transformação do espaço geográfico, aglomerado de casas, interferência do ser
humano no espaço, espaço transformado.
– Termos da Geografia: (Conjunto 1): paisagem natural, paisagem artificial, Geografia
humana, Geografia urbana, Geografia física, espaço geográfico, interação homem-meio,
interação homem-natureza. (Conjunto 2): paisagem natural, aspectos naturais, espaço
natural, meio natural, paisagem urbanizada, elementos naturais e culturais, espaço
geográfico. Os dados obtidos a partir das entrevistas permite-nos afirmar que existe, de
maneira geral, uma linguagem geográfica presente no modo como os professores descrevem,
analisam e interpretam os conjuntos de imagens, embora alguns deles façam um maior
aprofundamento destas interpretações, enquanto outros realizam um processo mais
superficial. Alguns destes termos apresentam características da Geografia crítica e, também,
próprios da Geografia tradicional, como a expressão homem-meio.
b) O método geográfico: compreende a escalaridade, as relações espaço-tempo (espacialidade
e temporalidade) e a linguagem cartográfica.
– Conjunto 1: emerge mais nitidamente a espacialidade e a temporalidade. P5 menciona a ideia
de que “existem diferentes tempos em uma mesma paisagem” e observa o contraste entre o
espaço urbanizado e um menos urbanizado, o que, de certo modo, se aproxima com P6, que
considera a necessidade do estudo das paisagens ao longo do tempo. P7 menciona uma ruptura
sociedade-natureza, duas partes sem relação, ou que tinham relação, mas aparecem de forma
separada, e menciona a natureza “natural” e “tecnificada”. Nessa análise traz a ideia de
velocidade que lembra a dinâmica urbana. Isso também aparece em P8, que vê o “choque do
urbano com algo mais natural”, em detalhes que lembram agitação, velocidade, tempos
diferentes na paisagem, o que remete P5 a recordar a ideia de tempo de Milton Santos (2004).
A dinâmica dos espaços geomorfológicos aparece, ainda, como um dos estudos que P8 faria
a partir das imagens analisadas.
119

– Conjunto 2: novamente tem destaque a espacialidade e a temporalidade. Emerge de modo


mais explícito a ideia de espaço geográfico com ritmos, tempos, transições. Pt1 menciona as
alterações nas áreas observadas, Pt2 os elementos de transformação, que também são
mencionados por P1, P2, P3, P5 e P7, que se referem à sequência desse processo. P6, na
mesma lógica, reporta-se ao espaço transformado e à mudança na paisagem pela interferência
humana, e aparece, de modo mais claro em P8, a ideia de transformação e de organização do
espaço a partir de diferentes ritmos e tempos em que ocorre uma transição.
Mesmo apresentando uma perspectiva de pensamento que estabelece inter-relações que
consideram o olhar crítico dos entrevistados, não são mencionadas relações de escalaridade e
uma linguagem cartográfica. Não aparecem comparações mais abrangentes que estabeleçam
referenciais tanto entre as imagens de cada conjunto quanto em relação a outros espaços que
poderiam vir à tona nessa interpretação.
Determinadas expressões utilizadas pelos professores entrevistados aproximam-se da
definição de um recorte de análise, embora não façam referência diretamente à linguagem
cartográfica que compõe um aspecto significativo para a Geografia. As expressões empregadas
foram: área mais natural, a cidade representa o espaço urbano, interação humana nesse espaço,
as construções vão chegando nessas áreas ambientais de preservação, ocupação desse espaço
por meio da atividade agrícola, área natural, área iniciando transformação, áreas rurais, área
agrícola modificada pelo ser humano.
A estrutura do método de análise que embasa e direciona as interpretações dos
professores também não é explicitada. O método geográfico que serve à Geografia na academia,
seja ele dialético, fenomenológico, hipotético-dedutivo, também é um componente estruturante
que ajuda na composição do olhar geográfico do professor, que torna possível o modo de
conduzir e defender um pensamento e organizar um raciocínio que possa amparar as análises.
Permite, também, mobilizar mentalmente elementos de cunho interpretativo e argumentativo.
Não aparecem, portanto, todos os aspectos que envolvem a estrutura da análise geográfica, que
pode ser desenvolvida a partir do pensamento geográfico do professor.
c) Elementos específicos da Geografia: sobre a possibilidade de desenvolver aulas a partir das
imagens analisadas, várias constatações e interpretações são possíveis:
– Conteúdos e temas: a abordagem dos conteúdos e temas que poderiam abarcar as imagens
surge de modo amplo. Os entrevistados mencionam assuntos possíveis de serem estudados
com base nas imagens, porém sem definir se faz referência a um tema de modo abrangente ou
a um conteúdo curricular específico. Foram mencionados como temas/conteúdos:
urbanização, espaço urbano e rural, impactos no meio ambiente, edificações, questão urbana,
120

relações ser humano-natureza a partir da categoria espaço geográfico e da categoria paisagem,


ação antrópica na modificação da natureza, vida urbana, fluxos, consumismo, valores da vida
humana, primeira e segunda natureza, problemas ambientais, dinâmicas geomorfológicas.
Aparece, ainda, a paisagem como conteúdo, como conceito e categoria a serem utilizados nos
conteúdos (P5, P6). A epistemologia da Geografia emerge como conteúdo e como uma
estrutura que permeia todos os tópicos do ano letivo (Pt2).
– Teoria e método: considera questões que envolvem uma perspectiva relacional, que parte do
ensino do que seja a epistemologia da Geografia, o que é Geografia, para que ela serve, o que
essa ciência trabalha, a “relação ser humano-natureza”, uma retrospectiva do que seja a
Geografia, as categorias e os conceitos. Nas entrevistas, no entanto, não há aprofundamento
sobre as estruturas que perpassam esse processo: teoria e método embasam essa escolha,
elementos importantes para estruturar uma atividade que tenha como intuito promover a
Educação Geográfica. Apenas emerge, em determinado momento, a ideia de utilizar um
“óculos geográfico” (P1) no intuito de realizar interpretações; mas isso não fica claro se faz
referência ao processo de observação das imagens, especificamente, ou no sentido de tomar
como base uma determinada forma de abordagem que a Geografia possibilita.
– Conceitos, categorias e princípios: há, na maioria das falas, a inserção do conceito de
paisagem e espaço geográfico como categorias principais. Não há uma diferenciação explícita
entre categoria e conceito. Optou-se por não questionar isso durante as entrevistas. Alguns
professores trazem o espaço geográfico para realizar análises, o que ocorre também com a
paisagem, mencionada como categoria principal junto ao lugar. Para Pt2, estas são duas
categorias que podem ser confundidas, e explica diferenças e aproximações entre elas que
precisam estar claras no pensamento do professor. Aparecem também como conceitos a serem
trabalhados, o espaço (espaço geográfico, espaço natural, espaço artificial, paisagem
construída), paisagem, lugar, território, região, rede e fronteiras. Fluxo e natureza também são
mencionados, além de Estado e nação. Os conceitos são citados como elementos que podem
ser estudados nas imagens, mas não fica claro se estes atuariam como temas em estudo ou
como conceitos estruturantes em análises do professor. O conceito de paisagem é mencionado
sob o entendimento de recorte espacial que a vista abarca e pela dimensão subjetiva.
Os princípios geográficos que servem às análises pouco são mencionados. Aparece, de
modo geral, a necessidade de “fazer comparações” (P1) e estabelecer “relações entre áreas
diferentes” (P8). Nessa direção, há certas lacunas no sentido de que, apesar de determinados
aspectos sobressaírem nas falas, não são definidos elementos básicos como os princípios
essenciais às análises e interpretações geográficas.
121

Construção do pensamento geográfico do professor e a definição de pensamento


geográfico45

A sistematização traz como principais aportes a dimensão profissional mencionada


pelos professores, a dimensão social e a dimensão subjetiva. Não há, em qualquer formação e
atuação docente, a possibilidade de desconectar estes aspectos, uma vez que o ser humano é
constituído pelas suas vivências, experiências e conhecimentos que constrói na relação com o
outro, com a sociedade e com o espaço.
Recebe, dessa forma, ao longo da vida, diversas influências e, ao construir-se
profissional, neste caso como professor de Geografia, estas tendências dialogam na construção
de si e dos aportes para sua profissão. Há, porém, relevância distinta desta dimensão em cada
sujeito. Ao pensar sobre o próprio pensar e o que seja pensamento geográfico, de alguma forma
estas dimensões perpassam as reflexões dos professores, seja em relação ao pensamento
geográfico da ciência, seja na forma como interpretam suas experiências ao fazer esse
movimento de pensar geograficamente.

O pensamento geográfico no professor e sua definição

Nas interpretações as categorias emergem da organização de pensamento demonstrado


pelos professores, o que tornou possível identificar diferentes dimensões necessárias à sua
constituição. Leva-se em conta, também, como estes profissionais compreendem o que seja
pensamento geográfico. As categorias elencadas são: a) Dimensões profissionais (a ciência
geográfica; a identificação de si e da ciência); b) Dimensões formativas subjetivas/pessoais (a
construção acadêmica; o conhecimento de senso comum); c) Dimensões sociais e o contexto (a
realidade/cotidiano; o contexto). As categorias são abordadas a seguir:
a) Dimensões profissionais: abarca elementos que influenciam na construção de
conhecimentos a partir da formação acadêmica inicial.
– A ciência geográfica: compreende o olhar de profissional em relação a temas que caibam na
Geografia. Envolve pensar como a Geografia estrutura-se como ciência ao longo do tempo,
em diferentes momentos históricos e sob diversas formas (P3). Considera a ciência (sua
estrutura e realidade) para trabalhar conceitos dentro do pensamento, diluindo estes conceitos

45
O Apêndice 14 apresenta a síntese das entrevistas, página 258.
122

ao longo da abordagem dos conteúdos (P5). É pensar, também, a evolução como ciência a
partir de distintas perspectivas das escolas do pensamento, que foram se modificando. Essas
dimensões auxiliam a fazer observações, perceber interações sociedade-natureza. Possibilita
conseguir analisar causas e consequências das relações (P6). Não se refere, portanto, apenas
à ciência geográfica e a ensinar Geografia; é algo mais amplo que surgiu antes disso e que
perpassa outras dimensões de modo diferente (P8). Na Geografia é uma forma de subsidiar o
profissional para fazer as análises (P4). A maioria dos professores traz à tona a consciência de
que a ciência geográfica está imersa no pensamento geográfico que expressam e utilizam no
desenvolvimento de suas reflexões e do seu trabalho. Interpretam as variações e
transformações que são constituintes dessa ciência, como fazem Pt2, P7 e P8.
– A identificação de si e da ciência: percepção da própria formação, indicando a partir de que
perspectiva de pensamento pensa/atua/trabalha, e que estrutura isso abarca na Geografia. O
professor vai ampliando essa construção, aprimorando com o tempo por meio de diferentes
atividades (Pt2, P6). Na prática não é um pensamento definido. Ele aparece no que o professor
utiliza e faz (P3); é, então, um determinado modo de ver o mundo sob certo conhecimento
(P8). Esse pensamento não é especificamente de uma disciplina, mas precisa perpassar o todo
(P5) e serve para compreender a interação ser humano-natureza (P4). Nessa interação constrói
o pensamento (a ciência fornece essa base ao professor). Nesse sentido, a relação da ciência
estudada na academia com a sala de aula ajuda-o a construir-se (P5). Há, então, uma
intencionalidade nesse estudo que permite desenvolver um olhar amplo perante a sociedade
(P6) e que proporciona que promova conhecimentos e também produza-os (P8).
As reflexões realizadas trazem um amplo espectro de ideias do que seja a percepção que
envolve o professor e o conhecimento de Geografia, perpassando, também, pela sensibilidade
pedagógica em diluir, ao ensinar sobre essa ciência, gradativamente, ao longo do processo de
ensinar, os elementos que contribuem para a construção do conhecimento geográfico no aluno.
b) Dimensões formativas subjetivas/pessoais: abrange as percepções de si em relação à
construção do conhecimento que organiza e proporciona no fazer docente.
– A construção acadêmica: ocorre desde o início da graduação com o conhecimento dos
conceitos e com a observação. Para a maioria dos professores a academia é o espaço em que
esse pensamento se consolida (Pt1, Pt2, P4, P5). Essa construção acontece por intermédio de
leituras teóricas e também de materiais didáticos, e pela contribuição dos professores com
base em um modo de conduzir a formação. Também ocorre pela construção de conceitos e
pelo desenvolvimento da capacidade de tecer observações e estabelecer um “olhar clínico”
que embase as análises (Pt2). A pesquisa, a iniciação científica e as leituras acadêmicas são
123

essenciais nesse processo. Essa construção, porém, não ocorre apenas na academia. Nela há
um saber que é sistematizado e validado ao longo do tempo (P7). Fundamentalmente aparece
nas disciplinas acadêmicas, mas de forma compartimentada e subdividida (P8). Sendo assim,
entende-se que, se não ocorrer uma construção de pensamento que consiga, ao mesmo tempo,
integrar e relacionar essas estruturas, gera dificuldades ao professor para fazer isso
posteriormente, no seu trabalho. A percepção de que há uma construção acadêmica essencial,
mas não apenas isso, é importante. Requer continuidade e ser alimentada constantemente a
fim de ampliar o conhecimento do professor e tornar mais significativas as suas proposições.
– O conhecimento de senso comum: considerado aquele que existe em todas as pessoas, de
modo geral. Segundo Pt2, é apreendido instintivamente, iniciado ao se localizar no espaço,
que é um fazer geográfico, aprimorado com o tempo. Não existe apenas um conhecimento da
academia com uma estrutura delimitada, o que se aproxima da interpretação de P7, que
considera que a leitura do espaço pode ser feita por qualquer pessoa, tendo uma visão espacial.
É importante saber que, embora possa existir em todas as pessoas, nem todas elas
conseguem utilizar essa estrutura para ir além de se localizar, estabelecendo relações mais
complexas com o espaço. Isso pode ocorrer pela escassez de momentos de reflexão sobre a
relação com o espaço, e o uso dessas estruturas para além do uso comum e do cotidiano da vida.
c) Dimensões sociais e o contexto: concebidas como conexas e complementares, levam em
conta as interações sociais, seja no espaço vivido localmente ou num contexto mais amplo
de região, estado, país, ou o espaço totalizante, a partir da leitura e interação no mundo.
– A realidade (cotidiano): abarca as dinâmicas cotidianas que se relacionam ao mundo da vida,
das relações e vivências do dia a dia. Aparece de modo pouco expressivo nas falas dos
professores entrevistados. Surge a ideia de um pensamento crítico construído não apenas na
academia, mas também sob influência familiar (Pt1), o que nos leva a pensar que o cotidiano
das relações também pode influenciar determinadas formas de análise e reflexão sobre o
espaço. O contato de vida com o lugar, as experiências que obteve e obtém pelas relações
vivenciadas, também são um fator a ser considerado (Pt2). Outro aspecto refere-se ao estudo
das especificidades da Geografia para interpretar a realidade, os processos, a
forma/organização atual (P6), perspectiva que não desconsidera a ciência na relação com o
mundo da vida, o que pode ser potencializado na relação entre teoria e realidade por meio da
metodologia de trabalho de campo. Essa dimensão envolve um conjunto de coisas construídas
pelas relações com as pessoas, seja no trabalho, na família, na formação, no contato com o
orientador, com aquilo que lemos e entendemos de outras realidades (P7). Ao tecer um
124

pensamento geográfico que fomente leituras de mundo e problematize-as, não é possível


desconsiderar a realidade.
– O contexto: abarca as dimensões social, cultural e histórica que envolvem o profissional.
Advém da cultura do lugar, da forma como se estrutura a sociedade e pelo contexto histórico
que constitui determinadas experiências sociais. Esse aspecto aparece apenas em um
depoimento. P6 compreende que é um conhecimento contextualizado por permitir o olhar
amplo perante a sociedade para ver como as relações acontecem. É interessante pensar essa
questão que perpassa o pensamento da ciência geográfica na academia e na escola. O contexto
está sempre presente, interferindo na construção do conhecimento e nos diferentes modos de
ver, interpretar e atuar no mundo. É uma dimensão pouco evidente, mas que merece ser
compreendida, como faz a Geografia nos estudos sobre as relações dos seres humanos no
espaço geográfico.
Essas percepções que surgem das entrevistas possibilitam perceber determinados
elementos que remetem a um pensamento geográfico no professor. Estes elementos emergem
do posicionamento, da fala, das bases, que permitem evidenciar aspectos que envolvem o
pensamento geográfico. Outros, porém, não são explicitados, o que é comum na linguagem
humana. Esse resultado é compreensível em uma interpretação hermenêutica que não tem como
finalidade obter nos dados empíricos uma verdade irredutível, pronta, absoluta. A pretensão é
justamente conduzir a reflexões que, no momento, se dão dessa forma, mas que em outros
momentos podem ser ressignificadas, servindo para novas interpretações.
Considerando que a compreensão hermenêutica, segundo Hermann (2002, p. 83),
“permite que a educação torne esclarecida para si mesma suas próprias bases de justificação,
por meio do debate a respeito das racionalidades que atuam no fazer pedagógico”, a ideia
de tomar essa postura nas interpretações propostas é, justamente, refletir sobre as
racionalidades que emergem dos profissionais, possibilitando-nos pensar como é construído
e compreendido o pensamento geográfico pelo professor, este pensamento que alicerça as
escolhas que o profissional pode fazer e a forma como conduz, com certa autonomia, a
própria docência. Esse movimento torna possível, ainda, pensar as condições articuladas
pelo fazer pedagógico e pela concepção geográfica, de como proporcionar uma Educação
Geográfica no trabalho docente.
Pensar, entretanto, como o professor constrói o seu próprio pensamento geográfico, é
algo pouco abordado em um contexto de formação que ainda carece de reflexões mais
abrangentes e aprofundadas sobre esse processo. Mesmo considerando estas lacunas, arrisca-se
afirmar que se constituir professor requer complexificar a compreensão de si, da realidade
125

vivida e do contexto, sob a luz dos conhecimentos basilares à ciência geográfica e escolar –
conhecimentos teóricos, metodológicos, pedagógicos e didáticos.
Estes conhecimentos, no exercício da docência, ganham novos significados com o
conhecimento do aluno, da instituição escolar e o da experiência – relacionando-os àquilo que
foi construído social e historicamente ao longo do tempo e que nos permite, na dimensão do
presente, compor um pensamento articulado e “poderoso”. Constituir, portanto, o pensamento,
demanda perpassar por todos estes conhecimentos e, mesmo na relação com o livro didático ou
qualquer outro recurso utilizado no trabalho docente, tê-los como referenciais.

Aspectos do pensamento geográfico e do pensamento geográfico de professor

O pensamento geográfico, na maioria das respostas dos entrevistados, é considerado a


partir da Geografia acadêmica, daquilo que foi estudado no período da Graduação e pela
dimensão teórica, que é oriunda da ciência geográfica e leva em consideração diferentes
tendências/escolas de pensamento que foram construídas ao longo do tempo, cada uma com
aspectos diferenciados, cujas interpretações foram se modificando.
Há uma compartimentação na estrutura acadêmica que envolve a Geografia
sistematizada cientificamente, não simplesmente pelo modo como ela aparece nos currículos
da maioria dos cursos. Questionar como essas disciplinas, separadas em humanas e físicas (e
suas subcategorizações), convergem e são relacionadas pelos professores formadores, é
essencial, pois contribui para construir, nos futuros professores, um pensamento geográfico
dinâmico e complexificado, que consiga tecer relações e conexões entre esses conhecimentos.
Diante disso, o pensamento construído pelos professores tem conseguido avançar além dessa
fragmentação? Em que momentos, na academia, o conhecimento geográfico é analisado sob a
perspectiva de integralidade? Como traduzir o conhecimento construído em disciplinas
fragmentadas numa Geografia escolar dialógica, relacional e contextualizada?
O pensamento geográfico que emerge das falas dos professores entrevistados pode
ser definido a partir de diferentes aspectos. Emerge como um conjunto de elementos que
fundamenta o pensamento do professor e serve para fazer análises e para embasar as
interpretações que faz (P2, P4, P5), posto que, no professor, desenvolve-se um olhar clínico
para realizá-las (Pt2). Esse olhar que o professor constrói não considera apenas o
pensamento geográfico da ciência, mas também um pensamento comum aos seres humanos
que vem sendo construído ao longo do tempo de diferentes formas. Segundo Pt2, é instintivo
e se refere a aspectos mais gerais de localização e relação com o espaço. Esse pensamento
126

não é somente acadêmico, da ciência geográfica institucionalizada, uma vez que todos têm,
de alguma forma, uma visão espacial e um pensamento geográfico, embora não validado
(P7). Aí aparece a diferenciação do pensamento geográfico estruturado na ciência
geográfica, o qual é validado a partir de um conjunto de elementos sistematizados, pensados
e aprimorados ao longo do tempo, que permitem, pela sua interação e interpretação, realizar
análises e interpretações da realidade.
O pensamento geográfico é basilar para a construção do pensamento geográfico de
qualquer professor de Geografia. Comporta um conjunto de elementos obtidos não apenas pelo
viés da Geografia institucionalizada, mas é construído inclusive pelas leituras diversas, pelas
trocas e situações vivenciadas, pelo que internaliza a partir de leituras e meios de conhecer
outras realidades (P2, P4, P7). Vai além do espaço vivido e toma como referência as relações
construídas com o espaço ausente. Nessa dimensão, está a cidadania como aspecto basilar a ser
considerado (P2). O pensamento geográfico do professor possui uma estrutura diversa e serve
às análises que conduzem e instigam os/nos alunos, sob a perspectiva cidadã.
Na prática, segundo P3, o pensamento geográfico não é utilizado direta ou
explicitamente como uma regra em sala de aula, mas o professor pode identificar esse
pensamento da ciência geográfica presente nos materiais que utiliza e na forma como emprega
isso. Esse pensamento é, então, diluído, de acordo com P5, ao longo dos conteúdos e usando
certos conceitos, sob determinada perspectiva, para conduzir o estudo dos conteúdos. Aparece
na prática quando são realizadas leituras e análises. Serve, conforme P6, para entender o objeto
de estudo e para utilizar determinados conceitos com uma intencionalidade, considerando
processos, causas e consequências, essenciais de serem entendidos.
Os professores, provocados a pensar estas questões, deixam explícita, em determinados
momentos, a dificuldade de definir o que seja o pensamento geográfico e o pensamento
construído no professor, trazendo à tona a ideia de que pouco refletem no cotidiano sobre aquilo
que sabem, que fazem e que fundamenta a ação docente e o pensar. Essa ideia se aproxima com
o que P8 explicita sobre o modo como o professor da educação básica é habitualmente visto,
não como produtor de conhecimento. Dessa forma, apenas os pesquisadores (geralmente
professores da academia) são vistos como produtores de conhecimentos geográficos. Interpreta-
se, nesse sentido, que o professor normalmente não é tido como um sujeito que possui um
pensamento geográfico organizado e “poderoso”, capaz de produzir outros pensamentos. Da
mesma forma, há dificuldades em reconhecer que deva existir elementos basilares para análises
e interpretações, que complexifiquem o pensar e as argumentações nele alicerçadas. A partir
127

destas interpretações realizadas, apresenta-se uma estrutura do pensamento geográfico de


professor:

Figura 15 – Esquema dos aspectos que compõem a estrutura do pensamento geográfico do


professor

Elaboração: Carina Copatti (2019).

A estrutura desse pensamento parte do pressuposto de que existe uma especificidade


no pensamento geográfico de professor que se efetiva com base no pensamento, construído
ao longo da vida humana, e de um pensamento geográfico que foi sistematizado na ciência
geográfica, basilar à formação docente na academia. Esse modo de pensar, mencionado no
capítulo 1, foi construído com base na complexificação da relação com o espaço e as
relações nele vivenciadas por diferentes sociedades, possibilitando organizá-lo a partir da
percepção espacial, da análise da realidade e do contexto, a partir do raciocínio e da
teorização. Na ciência geográfica perpassam os raciocínios, as análises e as percepções
embasadas em um conjunto de elementos, com linguagem e método singulares que
constituem a sua essência, dotando-a de aportes para leituras geográficas, seja na academia,
na escola ou em atividades referentes à ação dos profissionais formados nessa área:
bacharéis e licenciados.
128

A ciência geográfica acadêmica traz um aporte de conhecimentos: teóricos,


metodológicos, pedagógicos e didáticos, que possibilitam que o professor construa seus
próprios conhecimentos, relacionando-os dialogicamente às diferentes realidades em que atua
e vive, aos diversos contextos de mundo que precisa compreender, questionar, relacionar e
ensinar aos alunos. Ensinar também sobre contextos de mundo ausente, ou seja, situações que
perpassam sociedades distantes da realidade em que atua e, considerando também o contexto
da escola, suas especificidades, a legislação e todos os constructos sociais que ocorrem nessa
instituição e na comunidade em que está inserida. A dimensão pedagógica que aparece na
formação docente na academia torna possível que, ao articular conhecimentos da Geografia ao
ensinar, o professor contextualize, argumente, signifique e problematize os conhecimentos,
desenvolvendo a Educação Geográfica. Nesses pressupostos, a formação profissional tem os
alicerces para realizar um trabalho de qualidade, sistematizado e planejado pelo docente.
Essa formação serve, também, para que o professor possa, ante as dificuldades e
desafios diários, olhar para si e sua atuação, definindo caminhos a serem trilhados. Com
base nisso, o docente tende a colocar-se como protagonista na construção do conhecimento.
Caso contrário, outras situações podem ocorrer, definindo diferentes posicionamentos do
professor e, até mesmo, interferindo no modo como atua e como utiliza os livros didáticos
e outros recursos.

Figura 16 – Posicionamento dos professores de Geografia em relação à formação e atuação


docente

Elaboração: Carina Copatti (2018).


129

São, portanto, diferentes situações que fazem parte da formação e da atuação dos
professores de Geografia, de acordo com a estrutura dos cursos em que foram formados, com
o modo como os professores formadores conduziram esse processo e na forma como os
professores conduziram sua própria formação. Outra situação refere-se ao contexto
sociocultural de vivência de cada professor, que envolve maior ou menor tempo para estudos,
dentre outros elementos que interferem na formação destes profissionais e que contribuem para
estabelecer determinados posicionamentos, aqui interpretados como as percepções que os
professores têm em relação a sua formação acadêmica. Podem, então, notar fragilidades e
conduzir sob diferentes perspectivas essa consciência construída, ou não percebem fragilidades
ante a uma formação que, de fato, tenha contribuído para a construção do conhecimento
necessário para ser professor de Geografia.
Sendo assim, se é basilar a compreensão, pelo professor, de uma estrutura que alicerça
o seu pensamento, que tem uma dimensão geográfica, é basilar, também, que se utilize dela
para realizar a interpretação de tudo aquilo que venha a contribuir em seu trabalho em sala de
aula. Isto posto, o modo como conduzir a aula, sob que estruturas essenciais e a partir de que
recursos didáticos e metodologias mais apropriadas, são fatores que contribuem
significativamente para a qualidade do processo educativo.
Tendo em vista que não é possível alargar estas reflexões, parte-se, de modo mais
específico, para refletir sobre a relação entre o pensamento geográfico do professor e o livro
didático, recurso mais presente em sala de aula e que, em muitas realidades, é o único material
disponível. Mas, mesmo não sendo o único recurso, muitas vezes acaba sendo utilizado como
um guia, uma vez que apresenta uma estrutura organizada que direciona o professor a
determinado modo de ensinar Geografia.
Perante isso, a preocupação é dupla: remete tanto à construção e utilização do
pensamento geográfico do professor com certa autonomia, quanto à estrutura do livro didático.
Isso porque é também necessário analisar se este material pode dar conta, efetivamente, de
responder às demandas do ensino e da aprendizagem da Geografia escolar. Diante disso,
compreender o livro didático na relação com a construção e compreensão do pensamento
geográfico é um desafio necessário a ser considerado pelos professores de Geografia. Nesse
viés, a forma como estes profissionais relacionam-se com os livros didáticos e sob que estrutura
de pensamento fazem isso, é uma das preocupações no percurso a seguir.
130

2.3 A força do Livro Didático na constituição do pensamento do professor

A inserção do livro didático nessa reflexão leva em conta a presença deste material como
o recurso mais utilizado em sala de aula e que, de alguma forma, durante a carreira docente, é
manuseado pelo professor. Os livros didáticos que existem nas escolas brasileiras resultam de
uma política pública delineada em meados da primeira metade do século XX. Os primeiros
livros didáticos, no entanto, chegaram ao país ainda no século XIX, posto que eram já utilizados
nos sistemas educacionais de outros países desde aquele período.
No Brasil, os primeiros livros, oriundos de Portugal e da França, serviram à formação
de professores que, na época, utilizavam textos, cartas diversas e alguns livros no processo de
ensino. Estes materiais serviram também para divulgar ideias e valores de interesse ao
desenvolvimento do país, principalmente a partir das intenções das elites.
Mesmo mantendo o caráter de orientação aos professores, o livro didático passou a ser
disponibilizado também aos alunos. Conforme Albuquerque (2014) e Teive (2015), com
diferentes formatos, características e conteúdos, os livros didáticos têm ocupado lugar
privilegiado em sala de aula, constituindo uma das fontes disponíveis para adentrar o universo
das práticas escolares. Representa um meio pelo qual a sociedade estabelece o que deve ser
lembrado e o que é realmente importante conhecer em determinado período, ou, ainda, visto
como um produto da sociedade que o fabricou, segundo as relações de forças que detém o
poder, tendo um caráter de difusor de certas visões de mundo.
O livro didático constitui-se desde determinadas concepções e conteúdos construídos a
partir de um “recorte” de conhecimentos disponíveis, em um formato que precisa estar
adequado ao contexto escolar, podendo servir como um suporte de conhecimentos escolares,
como métodos pedagógicos, como veículo de divulgação de valores e como uma mercadoria.
Assume, portanto, diferentes funções, dentre elas, segundo Callai (2013), oportuniza, ao ser
disponibilizado em todo o país, a democratização do acesso ao conhecimento, e, como tal, é
uma poderosa ferramenta para a construção da cidadania. Assim, problematizar sua
permanência nas escolas e sua pertinência no ensino da Geografia se faz necessário, o que
requer considerar, além da inserção destes recursos na escola, o surgimento de políticas públicas
sobre livro didático, que começaram a tomar forma em 1929. A partir desse período, diferentes
ações foram realizadas para disponibilizar estes materiais para alunos e professores.
O Quadro a seguir expõe as principais ações com relação aos livros didáticos:
131

Quadro 18 – Principais ações na política do Livro Didático


Ano Procedimento Objetivo
1929 Criado o Instituto Nacional do Livro (INL). Legislar sobre políticas públicas do livro didático
1938 Criada a Comissão Nacional do Livro Didático Estabelecer critério de controle da produção e
(CNLD). circulação dos livros no país.
1966 Acordo entre o MEC e a Agência Norte- Coordenar a produção e a edição de livros didáticos,
Americana para o Desenvolvimento em parceria, e disponibilizar recursos para a
Internacional (Usaid), criando a Comissão do distribuição de 51 milhões de livros no período de três
Livro Técnico e Didático (Colted). anos.
1970 Com recursos do INL, o MEC criou a coedição Produção nacional de livros didáticos para as escolas.
de livros com as editoras nacionais.
1971 Por meio do INL foi criado o Programa do Gerenciamento de recursos de produção de livros
Livro Didático para o EF (Plidef), que assumiu didáticos.
a administração e o gerenciamento dos Nesse ano ocorreu o fim do convênio MEC/Usaid.
recursos financeiros para a Colted.
1976 A Fundação Nacional do Material Escolar A Fename, criada ainda em 1968, tinha por objetivo
(Fename) foi responsável pela execução do definir as diretrizes para a produção de material
programa do LD, mas, em razão da escassez didático e assegurar sua distribuição.
de recursos, a maioria das escolas municipais
não recebia estes materiais.
1985 Criação do Programa Nacional do Livro Qualificar a produção de livros (A Fundação de
Didático (PNLD). Assistência ao Estudante compraria e distribuiria LDs
com recursos federais. Produção de materiais pela
iniciativa privada; reutilização dos livros por outras
turmas, escolha dos livros pelos professores; controle
de qualidade rigoroso; organização de bancos de livros
didáticos; avaliação de livros didáticos).
1994 Articularam-se os critérios para avaliação do Foram redefinidos alguns dos critérios para avaliação
livro didático pelo MEC/FAE/Unesco. e qualificação dos livros didáticos.
1996 Teve início o processo de avaliação Avaliação da qualidade dos livros do PNLD 1997,
pedagógica dos livros didáticos. com a publicação do primeiro Guia de Livros
Didáticos para os materiais de 1ª a 4ª séries.
2000 Expansão do PNLD. Distribuição de dicionários, livros em braile, materiais
em libras e Atlas Geográfico para as escolas que
possuem EJA e o ensino de 5ª a 8ª séries.
2004 Ampliação do PNLD para o Ensino Médio Distribuição de livros de português e matemática
(PNLEM). para alunos do EM, nas regiões Norte e Nordeste do
país.
2005 Ampliação do PNLEM. Distribuição de livros de português e matemática
para alunos do Ensino Médio, das demais regiões do
país.
2007 Criação do PNLD para a Alfabetização de Distribuição de livros didáticos para turmas de EJA.
Jovens e Adultos (PNLA).
2008 Ampliação do PNLEM para todas as Distribuição de livros didáticos para o Ensino Médio
disciplinas. para todas as disciplinas.
2009 Expansão dos investimentos em livros Reposição de livros para anos iniciais e finais do EF,
didáticos EM e EJA. Resolução 07/2009-Programa Nacional
Publicação de decretos concernentes aos Biblioteca da Escola (PNBE). Resolução 51/2009-
materiais didáticos. PNLD para Educação de Jovens e Adultos (PNLD
EJA). Portaria Normativa MEC 7/2007 – Normas de
conduta da execução dos Programas do Livro.
2010 Decreto 7084/2010 – Dispõe sobre os Revogado
programas de material didático.
2011 Resolução 2/2011 – Sistematização, Distribuir materiais didáticos para os estudantes e
verificação de qualidade e cálculo de multas professores do campo para ensino e aprendizagem de
por não conformidades físicas de materiais forma contextualizada, em consonância com os
didáticos. princípios da política e as diretrizes operacionais da
Resolução 40/2011 – PNLD Campo. educação do campo na educação básica.
132

2012 Resolução 42/2012 – Programa Nacional do Prover as escolas públicas com livros didáticos e
Livro Didático (PNLD) para a educação acervos de obras literárias com base no censo escolar
básica. realizado pelo Inep e participantes do PNLD; o
processo de avaliação, escolha e aquisição de livros
ocorre de forma periódica com base em: a) escolha e
distribuição trienal de livros consumíveis e
reutilizáveis; b) reposição anual dos livros didáticos
consumíveis; c) reposição anual dos LDs reutilizáveis.
2017 Publicado Decreto nº 9099/2017 sobre o Mudanças como: atendimento a escolas comunitárias,
Programa Nacional do Livro e do Material confessionais ou filantrópicas, distribuição anual de
Didático. LDs e obras literárias, obras consumíveis para os anos
iniciais do EF e construídas com base na BNCC.
Elaboração: Carina Copatti (2019).

Atualmente são gastos cada vez mais recursos públicos 46 para avaliar, adquirir e
distribuir as coleções didáticas de todas as áreas do conhecimento, para que sejam
disponibilizadas aos estudantes e professores. Nesse contexto, cada vez mais tem se expandido
a comercialização de livros didáticos, o que envolve maiores valores gastos com as aquisições,
valores que são muito mais expressivos do que o gasto com a formação de qualidade dos
professores para atuação no contexto escolar brasileiro. Diante disso, ganha espaço a ideia de
que seja necessário um bom livro didático e que ele qualifique a aprendizagem escolar. Não são
investidos, porém, valores significativos na formação e qualificação de professores, bem como
na valorização do seu trabalho, o que leva muitos dos professores a considerar a docência como
um complemento; há outros que pensam, até mesmo, em desistir da docência, uma vez que a
formação de professores tem perdido espaço e sentido.
Isso requer debater, de modo mais específico, sobre a força que o livro didático alcança
na educação escolar e perante os desafios da formação-ação docente, que precisa ser valorizada
como uma política pública com investimentos significativos e contínuos. Requer, também,
pensar em como os professores, ao utilizar estes recursos, interagem com ele, e se existe clareza
sobre como podem contribuir e em que medida auxiliar ou dificultar a organização da aula.
Os livros produzidos a partir do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), para a
educação escolar, seguem determinada ordem normativa, e mantêm um padrão a partir das

46
Mesmo, entretanto, que a disponibilidade destes materiais indique acesso a informações que anteriormente não
chegavam às instituições públicas de ensino, esse movimento tornou lucrativa a publicação e a comercialização
de livros didáticos, que seguem um edital específico a partir do qual moldam-se os tipos/formatos de livros
didáticos necessários ao ensino escolar. As empresas que produzem livros didáticos seguem este edital e
precisam cumprir prazos e suprir as demandas que envolvem a qualificação da obra. Esse processo, com prazos
curtos, abrange um grande número de profissionais, o que tem monopolizado, cada vez mais, o processo de
produção entre grandes empresas editoriais. Assim, a indústria editorial de livros didáticos tem ganhado espaço
na produção nacional, chegando a mais da metade da produção de livros no país. São investidos, anualmente,
mais de 1 milhão em recursos na produção de livros didáticos. Em 2011, segundo Mello (2012), o faturamento
da indústria editorial foi de mais de 1 milhão de reais, valor oriundo apenas do governo federal.
133

prescrições definidas com base em um edital de convocação de propostas e de avaliação destas,


baseadas na legislação educacional nacional e nas prescrições curriculares de cada área.
Os livros didáticos de Geografia utilizados nas escolas, mesmo tendo avançado em
distintos aspectos, apresentam, ainda, uma estrutura de conteúdo baseada na Geografia
Moderna, tendência estruturada, gradativamente, entre 1750 até o início do século XX. Foi
nesse período que a Geografia teve definida sua epistemologia, a linguagem geográfica, o
método e os conteúdos (TATHAM, 1959, MOREIRA, 2008). Essa Geografia, já abordada no
capítulo 1, baseou seus fundamentos nos pensadores gregos da Antiguidade, principalmente
Estrabão e Ptolomeu, perpassando, posteriormente, contribuições de Varenius, depois Foster e
Kant, estes últimos avançando na sistematização da Geografia, o que foi aprofundado com
Ritter e Humboldt. Mais adiante ganharam destaque Ratzel e La Blache, ao influenciarem, de
maneira bastante intensa, o pensamento geográfico. Houve também a intervenção de outros
geógrafos e pesquisadores de outras áreas, além de viajantes e exploradores.
Os livros didáticos de Geografia, então, ganharam uma estrutura própria, a qual é
explicada por Couto (2017) em um percurso retrospectivo, exposto no Quadro a seguir.

Quadro 19 – Fundamentos geográficos na organização dos Livros Didáticos


Fundamentos Ideias principais
Corografia A descrição das paisagens e a nomenclatura de lugares.
Cosmografia A relação da Terra com os demais astros como condição da diversidade das paisagens.
Cartografia O registro cartográfico e a utilização de mapas.
Geografia geral (temática ou sistemática) X Geografia especial (regional).
Dualismo Alguns Livros Didáticos organizam-se de forma temática, outros de forma regional, outros
combinando capítulos temáticos e capítulos regionais.
Fragmentação Geografia Física sistemática X Geografia Humana regional.
Geografia Física das paisagens X Geografia Humana do espaço.
Descrição Descrição da natureza por meio da intuição espacial do ser humano, dando origem às ideias
de espaço percebido, experienciado, vivido.
Sequenciação
Sequência N-H-E ou E-H-N na organização dos Livros Didáticos.
fragmentada
Estrutura/ A superfície terrestre como morada dos seres humanos, e a Geografia como o estudo holista
Visão deste mundo natural-humano. A Geografia Humana, Política e o determinismo Geografia.
Elaboração: Carina Copatti (2018).

Os primeiros livros didáticos de Geografia, criados e publicados no Brasil, foram


utilizados no ensino primário. Tiveram destaque as obras Introducção corographica à História
do Brasil, de Pedro d’Alcantara Bellegarde47 (1840), e o Compêndio de Geographia Elementar,

47
Pedro de Alcântara Bellegarde (1807-1864) foi membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
134

de José Saturnino da Costa48 (1836). Antes disso, o sacerdote Manuel Aires de Casal49 (1754-
1821) escreveu o livro Corografia Brasílica (1817), considerado o primeiro de edição
brasileira. Este, porém, consistira em uma obra descritiva, sem base científica.
Tanto os livros didáticos quanto o ensino escolar de Geografia apresentavam inúmeras
lacunas. A Geografia ensinada à época, nas instituições de ensino, era inspirada,
principalmente, nos escritos de Manoel Aires de Casal, com base em descrições. Havia,
também, outros autores que traziam variadas perspectivas, como é o caso de Thomaz Pompeu
de Souza Brasil (1859), que escreveu o Compêndio Elementar de Geographia Geral e Especial
do Brasil, com base em autores da Geografia, revistas científicas e outros materiais (PINA,
2009).
Posteriormente, outros livros de cunho didático foram publicados, tais como os escritos
por autores como Manuel Said Ali Ida50, tendo continuidade com Carlos Miguel Delgado de
Carvalho 51 nos estudos sobre o Brasil a partir de um viés crítico, contrapondo-se à Geografia
de cunho tradicional. Outros autores também contribuíram nesse período e em décadas
posteriores, dentre eles Carlos de Novaes, com a Geographia especial ou Chorographia do
Brazil (1912), Horacio Scrosoppi, que publicou Lições de Chorographia do Brasil (1922), e
Mário da Veiga Cabral (de 1920 a 1965). Outro autor da Geografia Escolar brasileira é Aroldo
de Azevedo, cuja obra didática seguiu o mesmo esquema de análise e de tematização de
Delgado de Carvalho, tendo sido publicada entre as décadas de 1930 e 1970.
A publicação de Delgado de Carvalho trouxe uma perspectiva de renovação da
Geografia de forma mais expressiva, o que não se via em outras coleções que se embasavam
em uma estrutura mnemônica e descritiva, basicamente. Não havia, entretanto, ilustrações em
suas publicações, o que, em outros materiais, já era apreciado e favorecia o interesse pelos
livros. Isso facilitava a compreensão e a visualização de paisagens e de questões cuja descrição
em palavras não permitia a mesma interpretação. Segundo Carvalho (2014), as imagens,
fotografias e desenhos nos livros didáticos serviam para mostrar duas categorias de aspectos: a
natureza exuberante e fornecedora de recursos para o progresso do país, e a conquista da

48
José Saturnino da Costa Pereira (1771-1852) foi engenheiro, militar e político brasileiro. Cursou ciências
matemáticas na Universidade de Coimbra. Foi presidente de província de Mato Grosso e senador do Império do
Brasil. Publicou obras utilizadas no ensino.
49
Manuel Aires de Casal (1754-1821) foi sacerdote, geógrafo e historiador português que viveu durante muitos
anos no Brasil, escrevendo o primeiro livro de edição brasileira, em 1817.
50
Manuel Said Ali Ida (1861-1953) foi um filólogo considerado o maior sintaxista da língua portuguesa. Foi
professor de francês, inglês e geografia. Escreveu o livro Compêndio de Geografia Elementar, em 1905.
51
Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980) foi geógrafo e professor francês radicado no Brasil. Formou-
se em Letras e Ciência Política na França, em Direito na Suíça e em Economia e Política na Grã-Bretanha.
Publicou, em 1913, o livro Geografia do Brasil.
135

modernização, em especial as cidades como monumentos da civilização e as atividades


produtivas modernas. Não havia ilustrações sobre problemas sociais, desigualdades e aspectos
que contribuíssem à leitura crítica e contextualizada do espaço geográfico brasileiro.
Assim, à medida que favoreciam a compreensão, as ilustrações contribuíam à formação
de valores e a interesses políticos do momento que passava o país, inclusive no contexto do
cenário mundial. Essa é uma postura recorrente e que, mesmo na atualidade, expressa modos
de perceber e interpretar o mundo, sem, contudo, explorar de modo abrangente, crítico e
contextualizado os diversos aspectos que envolvem os estudos de Geografia.
Desde sua estruturação inicial, portanto, os livros didáticos trazem implícita uma
intencionalidade política, um modo de interpretar o mundo e as relações nele estabelecidas.
Por isso, não apenas na área da Geografia, mas de outras também, têm ganhado centralidade
diferentes pesquisas 52 e debates sobre a qualidade, os custos e usos destes materiais. Uma
das preocupações destas pesquisas, nas quais nos situamos, é entender como os livros
didáticos podem contribuir ou dificultar o trabalho dos professores, e, ainda, pensar essa
relação a partir do pensamento geográfico do professor, como estrutura que permite
autonomia nessa relação.
Atualmente o livro didático ganha força à medida que são impulsionadas cada vez mais
as produções didáticas e são reduzidos investimentos públicos em formação de professores.
Diante dessas constatações, é necessário compreender como, afinal, acontece a relação entre
livro didático e professor de Geografia, e que fatores são condicionantes para isso, contribuindo
para que haja, entre os docentes, maior ou menor autonomia em relação ao livro didático. Diante
disso, as entrevistas semiestruturadas contribuem, no momento 3 da pesquisa empírica, para a
reflexão sobre as influências do livro didático no trabalho do professor.

Influências do LD no pensamento do professor e na autonomia docente53

No contexto da educação brasileira o livro didático tem relação estreita com a escola,
estando presente na grande maioria das instituições de educação básica, dos anos iniciais

52
Munakata (2012) salienta que os trabalhos acadêmicos brasileiros sobre livro didático publicados nos anos 70 e 80
não passavam de quase 50 títulos. Daquela época em diante o número das pesquisas sobre essa modalidade de material
escolar não parou de crescer: 22 títulos entre 1993 e 1995; 29 em 1996; 26 em 1997; 63 em 1998; 79 em 1999; e 46
em 2000. Entre 2001 e 2011 foram cerca de 800 trabalhos produzidos sobre o livro didático. Esse número tem
aumentado nos últimos anos em virtude da crescente preocupação com a qualidade destes recursos, tanto sobre o
processo de produção, avaliação, qualidade do material gráfico, quanto adequação e atualização do conteúdo, dentre
outras preocupações de que tratam os pesquisadores que se debruçam sobre essa temática.
53
Síntese das entrevistas com os professores – momento 3, no Apêndice 15, página 260.
136

aos anos finais do Ensino Fundamental, na educação infantil mais recentemente, no Ensino
Médio e na Educação de Jovens e Adultos. Diante disso, a síntese das entrevistas demonstra
alguns aspectos que perpassam a influência destes materiais na forma como os professores
compreendem o processo educativo e o realizam.
Há, nesse sentido, diferentes doses dessa influência. Algumas com maior
distanciamento inicial, outras com maior apego ao livro didático. Fica claro, no entanto, que
o distanciamento ou a aproximação do material didático não é elemento suficiente para
mostrar o grau de autonomia do professor. Por isso a importância de debater e refletir sobre
estas relações e identificar se existe autonomia e se esse material potencializa ou fragiliza
o professor em alguma medida. Sabe-se que não é possível mensurar o grau de autonomia
docente, mas pode-se perceber, pelos depoimentos dos professores, como estas relações
ocorrem em cada período (inicial e ao longo do trabalho), no intuito de perceber aspecto s
que influenciam nesta relação e que a transformam ao longo da carreira do professor.

Influências do livro didático na autonomia docente

Nessa interpretação abordam-se as diferentes perspectivas de relação professor-livro


didático, levando em conta tanto a possibilidade de contato na formação inicial quanto as
aproximações e os distanciamentos vivenciados posteriormente. Para tanto, são elencadas as
seguintes categorias: a) O livro didático na inserção profissional (maior influência do livro
didático; menor influência do livro didático; transição); b) O livro didático na prática do
professor (conscientização do professor; construção da autonomia na relação com o livro
didático). As categorias são abordadas a seguir:
a) O livro didático na inserção profissional: refere-se à experiência inicial dos professores
com o livro didático de Geografia no processo de ensino e aprendizagem.
– Maior influência do livro didático: a maioria dos professores afirma ter sofrido
influência do livro didático na experiência inicial em sala de aula e alguns consideram que
essa influência, de algum modo, ocorre sobre o professor. No primeiro momento o
professor é influenciado mesmo estando bem-formado na Graduação, porque, de algum
modo, há contato com esse material (Pt2, P4, P6). Quando há dificuldades em desenvolver
a aula, o livro didático acaba tomando o lugar de base da aula. Outra ideia, segundo P7, é
que se o professor não aprofunda suas pesquisas, o livro didático, bem ou mal, acaba
tomando um espaço maior.
137

– Menor influência do livro didático: P3 explica que, inicialmente, usava o livro didático e
outros recursos, como reportagens de revistas, sempre seguindo o referencial curricular da
escola, pois, a partir desse referencial, de acordo com P6, pode-se construir os planos de aula.
O contato com o livro didático ocorreu ainda na Graduação, pela experiência na escola e na
academia por influência dos professores.
– Transição: no início, segundo P5 e P8, utilizavam mais o livro didático, mas, com o tempo,
esse recurso tem influenciado menos o seu trabalho. Atualmente, para a maioria dos
professores, este material serve como fonte de mapas, gráficos, ilustrações e atividades.
b) O livro didático na prática do professor: intenso uso atual desse recurso ante as
necessidades e contextualizações que chegam às salas de aula onde atuam estes docentes.
– Conscientização do professor: construir e utilizar uma visão crítica torna possível analisar
o livro didático na prática. O professor poderá contestar a metodologia. Este, segundo Pt1,
precisa ter claro que, se não está teoricamente bem-sustentado, este material pode o influenciar
muito mais. Isso ocorre, para Pt2, conforme o professor deixa acontecer. Entende-se que,
realizando leituras, o professor poderá ampliar o conhecimento sobre como interagir com o
material que utiliza. Pode-se interpretar essa consciência sobre diversos aspectos: 1. Livro
didático como suporte: serve como uma base para o trabalho do professor, que realiza
interpretações relacionando o conhecimento da formação com os recursos disponíveis (P3). É
um instrumento para o aprendizado e pode ser utilizado quando outros recursos são limitados
(Pt1); possui uma riqueza visual grande, mas não há um livro perfeito (P3); contribui em
diferentes momentos (P6). 2. Limitações do livro didático: é importante conhecer o livro
didático para poder pensar em criticá-lo; ele é apenas uma ferramenta, serve para leituras
complementares e não pode ser tomado como a aula (Pt2); pode ser positivo e pode ser
negativo, pois pode engessar e deixar o professor acomodado (Pt1, P5). 3. Livro didático
contextualizado: ao utilizar-se dele o professor serve como mediador para adequá-lo ao
currículo escolar, planejando e organizando o conteúdo (P6); cada escola possui uma vivência
e tem determinada realidade e certas particularidades próprias; o material, portanto, não
consegue dar conta disso (P1). Ao trabalhar grandes temas e/ou definir os conteúdos e as
sequências a partir de seu conhecimento, utiliza esse material de forma contextualizada, não
sendo o livro o definidor do que e da forma como irá trabalhar (Pt2, P8).
– Construção da autonomia na relação com o livro didático: essa construção perpassa
por diferentes dimensões: 1. Dimensão profissional: ocorre a partir da Graduação, das
vivências e da formação continuada (P1, P2). Construída com base em eventos, leituras
diversas e interpretações que alicerçam a profissão (P2, P3). A teoria serve como base e
138

vai além do uso do livro didático ou outros materiais. Os professores da academia servem
como referencial (P2). Já P3 considera a experiência da prática fundamental para isso. 2.
Dimensão subjetiva: estudar gera condições de construir a autonomia; conforme
amadurece vai construindo o próprio pensamento e posicionando-se em relação ao livro
didático (P4). A busca por atualização amplia e favorece esse processo. 3. Dimensão
social: conforme o professor atua e desenvolve seu trabalho, consequentemente repercute
nos alunos e em seus comentários. Assim, constrói socialmente sua imagem de professor
em diferentes contextos em que atua. Necessita perceber o aluno e preparar aulas pensando
em cada turma, gostar do que faz, se importar, ter amor pela profissão (P1, P2). Precisa de
atualização constante, considerando a realidade local, o mundo e o conhecimento da
ciência geográfica (P1, P2, P3, P4).

Relação inicial com o LD e o uso dele na prática docente atual54

A relação construída com o livro didático varia de professor para professor e não tem
relação direta com o tempo de formação, mas, sim, com a capacidade de estabelecer uma
relação dialógica, consciente e crítica com este material. Isso requer um certo grau de
amadurecimento que não se baseia na dimensão do tempo-relógio, mas no sentido do tempo de
amadurecimento e esclarecimento de determinados aportes para, ao ler e utilizar um livro
didático, estabelecer conexões com outros aspectos a considerar no processo educativo.

Aspectos da relação professor-livro didático na carreira docente

Diante da complexidade destas questões, a partir das interpretações realizadas entende-


se não ser possível mensurar o grau de aproximação dos docentes entrevistados com o livro
didático que utilizam, mas é possível interpretar aspectos que caracterizam formas de relação
que trazem à tona distintos aspectos, que interferem nessa relação e que têm especificidades em
cada professor. Estes aspectos aparecem nas entrevistas e compõem as seguintes categorias: a)
Características do uso inicial do LD em sala de aula (distanciamento do livro didático;
aproximação com o livro didático; reflexão consciente sobre o livro didático); b) Características

54
A síntese da entrevista com os professores sobre a relação inicial com o LD e o uso dele na prática docente atual,
encontra-se no Apêndice 16, página 262.
139

do uso atual do LD em sala de aula (aproximação com o livro didático; distanciamento do livro
didático; uso questionador). Essas categorias são abordadas a seguir:
a) Características do uso inicial do LD em sala de aula: refere-se às diferentes perspectivas
de interação na fase inicial da docência entre professor e livro didático.
– Distanciamento do livro didático: há relatos de que o livro didático não foi utilizado ou, quando
usado, não influenciou o professor. Dois professores (Pt1, P7) salientam que não utilizaram o livro
inicialmente; um deles afirmando que tinha aversão a ele por ser um recurso tradicional, ou, como
afirma Pt2, que utilizava pouquíssimo esse material. Ainda, outro professor chama a atenção para
o momento do contato inicial com o livro didático, que ocorreu apenas quando iniciou a carreira
docente. Salienta que anteriormente não houve contato, tanto nas aulas da Graduação quanto no
decorrer do estágio de docência. É importante refletir se a presença dos livros didáticos escolares
tem tido a devida importância e, em que medida, a academia está atenta a isso e ao posicionamento
dos professores que se formam para lidar cotidianamente com as dinâmicas da sala de aula e,
consequentemente, com estes recursos.
– Aproximação com o livro didático: a maioria dos professores afirmou ter contato com o
livro didático, seja para observar como estão distribuídos os conteúdos e manter uma
sequência ou para alterá-la, seja para entrar em contato com os conteúdos, com os conceitos,
incluir ou excluir algo, refutar ou aceitar suas proposições (Pt2, P8), e, ainda, como um recurso
complementar que tem ilustrações e atividades que podem ser usadas (P1). Há também o
reconhecimento de que este material serviu para dar segurança; talvez por isso tenha existido
uma “relação de amor” inicialmente com o livro didático (P4). Esse recurso serviu, ainda, para
adequar a linguagem e o modo de estabelecer didaticamente o ritmo da aula (P2). Duas
situações provocam um olhar mais aprofundado sobre a aproximação com este material: 1. A
fragilidade do professor: sob diferentes aspectos (teórico, conceitual, didático, pedagógico).
Essa fragilidade pode dar mais força ao livro didático no processo de ensino e aprendizagem;
2. A fragilidade da escola quanto à organização curricular, de conteúdos, de ritmos e
tempos de aprendizagem: essa situação pode dar força e visibilidade às propostas prontas e
praticamente fechadas, que são encontradas nos materiais didáticos mencionados como
recursos que influenciam o conteúdo e o currículo escolar de modo geral.
– Reflexão consciente sobre o livro didático: apesar de mencionarem, em sua grande maioria,
que os livros didáticos, desde o contato inicial, geram, de alguma forma, uma influência em
seu trabalho, alguns professores explicitam ideias que tornam possível pensar que, a partir do
contato inicial existe, ou deveria existir, uma reflexão consciente sobre o uso e a relação que
se estabelece entre professor e livro didático. A leitura deste material, no intuito de construir
140

a aula, incluir ou excluir alguma informação, alguma proposta, para organizar e conduzir a
aula, para organizar de outra forma os conteúdos e/ou como suporte àquilo que vem
desenvolvendo (Pt2, P3, P5, P6, P8), é a possibilidade de percebê-lo como um aliado, que,
desde o início, precisa ser submetido ao conhecimento do professor, a seu crivo.
b) Características do uso atual do LD em sala de aula: refere-se à utilização atual dos livros
didáticos no cotidiano da docência.
– Aproximação com o livro didático: o livro didático, na maioria dos casos, é um recurso
presente no dia a dia dos professores. Surgem, então, diferentes situações: 1. Uso principal:
a ideia de que o livro didático serve para saber a ordem dos conteúdos a serem trabalhados em
sala de aula (Pt2) é um “norte” para o aluno, pois pode ser o único recurso disponível em casa
(P4, P8) e serve de base para a aula (a apostila, neste caso), uma vez que não há um referencial
curricular (P4). 2. Como complemento: como uma ferramenta para facilitar e dar apoio à aula
(Pt1, P3). O uso depende da realidade e dos recursos existentes na escola. Quanto menos
recursos disponíveis e infraestrutura precária, o livro didático acaba dando maior suporte (P1,
P5), mas não é possível utilizar apenas este material (P6).
– Distanciamento do livro didático: há professores que demonstram menor importância do
livro didático para compor as ideias para as aulas. Perante isso pode-se considerar distintas
situações: 1. Material não dinâmico: utilizá-lo pouco ou de forma menos presente deve-se à
sua proposta de conteúdos “mastigados” e estrutura pacata. O dinamismo deveria ser o forte
do livro didático (P2). 2. Foco em outras referências: a ideia de que há outros materiais que
dialogam com o professor e os alunos, e que o referencial a ser observado com maior ênfase
é a matriz curricular/referencial curricular da escola e/ou do município (P3, P8). 3. Relação
com a realidade próxima: considera a autonomia do professor para estabelecer um
planejamento sobre como proceder e utilizar os diferentes recursos, inclusive o livro didático,
quando necessário. Considera seu uso a partir da realidade e o entorno. Isso efetiva-se com
base em pesquisa, diálogo e pela aproximação com a realidade vivida localmente.
– Uso questionador: um dos professores deixa claro que deve-se fazer diversas análises sobre
o livro didático, e não apenas em período de escolha de novas coleções por intermédio do
PNLD. Afirma que questiona o livro didático utilizando critérios de análise, seleção e uso das
informações (P2). O emprego a partir de um olhar questionador perpassa também P8,
considerando o papel do professor em fazer uma avaliação criteriosa desse material com base
no seu conhecimento.
Tradicionalmente, na sociedade, espera-se que nas escolas os professores utilizem estes
materiais, levando em conta que o conhecimento a ser “transmitido” aos alunos está no livro
141

didático. Essa é uma ideia comum também entre boa parte dos professores e em equipes
diretivas, que, muitas vezes, utilizam a sequência dos livros didáticos como aquela a ser
trabalhada durante o ano letivo. Assim, desconsideram a própria organização curricular que a
escola precisa ter, alicerçada no Projeto Político Pedagógico (PPP) e a relação entre os
conhecimentos específico e pedagógico, que alicerçam os componentes curriculares abordados
na escola. No que concerne à Geografia escolar, o olhar para a ciência geográfica que
fundamenta a dimensão educativa é uma questão basilar.
Sem essa clareza do que seja essencial no delineamento do ensino escolar e, mais
especificamente, do ensino escolar de Geografia, muitos profissionais não questionam as
proposições que utilizam para o ensino. Também, muitas vezes, não indagam as propostas
que o livro didático traz, verificando se é coerente com o que o currículo propõe. Nesse
contexto, é importante a percepção do que sustenta, de fato, a docência, no entrecruzamento
com a realidade, esta que influencia sob diferentes dimensões: 1. A realidade da escola e
da educação (estrutura, contexto, recursos disponíveis, legislação educacional); 2. A
realidade dos estudantes (interesse ou desinteresse pela escola e estudos); 3. A realidade
dos professores, seja de formação e/ou de atuação (qualidade da formação inicial e
continuada, tempo dedicado aos estudos e à preparação das aulas, quantidade de horas de
trabalho em sala de aula e de horas/atividade, recursos ofertados para a construção das
propostas de aulas).
Diante das diferentes situações que interferem no trabalho docente, entende-se que,
mesmo em contextos desafiadores, uma formação de qualidade possibilita um olhar mais
alargado em relação às necessidades dos alunos e, consequentemente, faz com que o professor
retome de sua consciência os conhecimentos que precisa mobilizar no ensino. Sem, no entanto,
uma formação bem-consolidada, ao perceber fragilidades no processo de ensino e
aprendizagem, o professor tende a empregar suportes externos para supri-las. Uma
possibilidade bastante comum é pelo uso do livro didático. Seguindo-o como uma receita,
acredita-se que este garantiria a qualidade do ensino. Nestas situações há dificuldade em
estabelecer autonomia no processo educativo, deixando “nas mãos” do livro a tarefa de definir
como, quando, por que e para que ensinar determinados conteúdos e, ainda, que conteúdos
abordar em sala de aula. Nessa perspectiva, enquanto o livro didático ganha centralidade, o
pensamento do professor não se consolida com autonomia.
A preocupação em pensar a relação do pensamento geográfico do professor com o livro
didático é justamente questionar a ideia de tê-lo como uma receita a ser seguida, posição que
retira dos profissionais professores sua autonomia e seu protagonismo no processo de ensino e
142

aprendizagem, que vai muito além de simplesmente “transmitir” o conteúdo de um livro


didático. Depende do professor utilizar a estrutura do pensamento geográfico que construiu e o
conhecimento complexificado que arquitetou, para tecer relações com o livro didático usando-
o sob um olhar crítico e contextualizado, tendo em vista a análise dos diferentes elementos que
o compõe. Consoante a isso, perpassa a necessidade de perceber se, de fato, esse material pode
contribuir para o ensino na realidade específica em que atua. Para tanto, alguns aspectos são
importantes de serem considerados, como exposto na Figura 17.

Figura 17 – Elementos do livro didático como contributos ao trabalho docente no contexto


escolar

Elaboração: Carina Copatti (2018).

O ensino da Geografia escolar pode ter contribuição de livros didáticos, sem, entretanto,
ser reduzido a isso. Para tanto, determinados aspectos são basilares à compreensão de como
esse material pode contribuir e em que medida. A primeira ideia é a de que existe uma tradição
geográfica construída a partir do século XIX, embora pensada desde os gregos. Essa tradição
relaciona-se com as reflexões contemporâneas, constituindo elemento basilar na ciência e que
precisa perpassar os livros. Além disso, precisa ter uma estrutura diluída de pensamento
geográfico e determinados aspectos da construção do conhecimento de Geografia (os quais
ultrapassam a academia e o contexto escolar: linguagem, conceitos, categorias, princípios
lógico-operacionais, método, teorias, multiescalaridade, espacialidade e temporalidade e uma
coerência interna que seja pedagogicamente viável). Demanda, também um modo peculiar de
propor conhecimentos considerando a didática e as especificidades da escola, desde a legislação
143

que ampara a estrutura do ensino e elementos que remetam à atualização de fenômenos, fatos
e situações que envolvem o mundo em diferentes aspectos e distintas realidades.
Diante disso, o professor pode definir intenções em relação ao livro didático levando
em conta, além do que ensinar, por que ensinar, para quem está ensinando, de que forma ensinar
determinados conteúdos e que perspectiva utiliza para isso. Também, que recursos adota e que
relação estabelece com o currículo escolar. Precisa ter claro o porquê utilizá-lo, em que
momentos e para quê, em conexão com as demais estruturas que convergem para que a aula de
Geografia seja planejada sob bases sólidas e coerentes. A partir daí, tende a estabelecer as
estratégias que empregará para cumprir essas finalidades, atento à linguagem e estrutura do
livro, suas atualizações e lacunas, construindo percursos no ensino que produzam significados.
Se isso não estiver claro, o livro didático ganha mais força. Essa força tem intensidade
proporcional à dependência de recursos, ideias ou elementos criados por outros profissionais e
disponibilizados em diferentes materiais. Tem relação com a insegurança do professor (seja
pela formação recente ou formação incipiente), que o colocam numa posição de dependência
quanto a propostas externas e a seguir como parâmetro os seus conteúdos. Assim, muitas vezes,
define-o como a base curricular para o desenvolvimento das aulas.
À medida que o professor adquire maior experiência, algumas lacunas podem ser
superadas ou diminuídas. Perpassa, nessa relação, a ideia de que, ao ampliar suas percepções
sobre o livro didático, pode expandir o conhecimento e repensar a relação que estabelece com
ele e com o currículo escolar. O currículo tende a ser percebido e analisado como elemento
vivo, não como algo que é imposto a partir da escola ou com base no livro didático. Marques
(2006, p. 69) reconhece que há uma relação indissociável entre currículo e conhecimento, pois
se referem à maneira que se constrói o saber pelos seres humanos. E o currículo não é senão a
processualidade da construção dos conhecimentos em que tudo se concatena no saber como
forma constituinte das experiências vividas.
Há, portanto, o entendimento de que a construção do conhecimento do professor amplia
e complexifica seu pensamento, construindo condições de atuar em conexão com aportes que
permitam significar sua atuação, e também interagir com o currículo escolar, que serve de
aporte para trabalhar conteúdos e construir conhecimentos. Assim, tem condições de definir
modos de interagir com os livros didáticos que utiliza, percebendo se contemplam elementos
que podem auxiliar na construção do conhecimento geográfico a desenvolver. Dentre esses
elementos, há um conjunto que remete ao pensamento geográfico basilar à Geografia acadêmica
e escolar e aos livros didáticos. Assim, analisar qual o pensamento geográfico existente no livro
didático que contribua ao conhecimento de Geografia, é o que se pretende no tópico a seguir.
144

2.4 O pensamento geográfico no Livro Didático

A partir da premissa de que em qualquer lugar somente consegue-se ensinar e estudar


Geografia se for desenvolvido o pensamento geográfico (CALLAI, 2016), parte-se da
afirmação de que tendo o pensamento geográfico estruturado em si o professor terá melhores
condições de desenvolver seu trabalho, desenvolvendo maior autonomia e utilizando o livro
didático nos momentos oportunos, identificando nele lacunas e potencialidades.
Ao construir aportes para refletir sobre o pensamento geográfico do professor na relação
com o livro didático, é mister conhecer e analisar de modo aprofundado a proposta destes
recursos. Dessa forma, a análise do conteúdo do LA e das orientações do MP, propostas nessa
etapa, visa a contribuir ao aprofundamento desta reflexão e torna possível elaborar
argumentações a respeito do livro didático; ainda, interpretar se ele considera ou não o
pensamento geográfico em sua estrutura, e também se contribui para a construção desse
pensamento, objetivando a Educação Geográfica. Nesse sentido, a análise de três coleções
didáticas de 9º ano é utilizada com base nos materiais listados no Quadro a seguir.

Quadro 20 – Coleções de Geografia PNLD 2017 mais escolhidas


Coleção Autor(es) Editora Ed. Exemplares
1º Expedições Melhem Adas; Sergio Adas Moderna 2ª 3.381.582
geográficas55
2º Vontade de Saber56 Neiva Camargo Torrezani FTD 2ª 1.719.260
3º Geografia Espaço e Levon Boligian; Rogério Martinez; Andressa Saraiva 5ª 1.106.252
Vivência57 T. Alves Boligian; Wanessa P. Garcia Vidal
Elaboração: Carina Copatti (2018) a partir de informações do Guia do Livro Didático, PNLD 2017.

55
O livro Expedições Geográficas (LD1) possui 288 páginas no LA e 408 páginas no MP. O LA do 9º é dividido
em oito unidades: Mundo Global: geopolítica e organizações internacionais; Mundo: População e desafios
globais; Europa: diversidade e integração; CEI e a questão energética russa; As grandes economias da Ásia;
Oriente Médio; África: heranças, conflitos e diversidades; Oceania e Regiões Polares. O MP possui três partes:
Pressupostos Teórico-metodológicos; Trabalhando com a Geografia no dia a dia da sala de aula e As orientações
específicas de cada livro. A primeira parte subdivide-se em seis subitens: A Geografia como ciência e suas
implicações no ensino; A abordagem teórico-metodológica da coleção; A prática de ensino da Geografia:
objetivos e orientações; A proposta didático-pedagógica da coleção; A avaliação e Apoiando a formação
continuada do professor. A segunda parte traz apresentação, objetivos e metas para o ano letivo e sugestões
complementares. A última parte é específica.
56
O livro Vontade de Saber (LD2) possui 272 páginas no LA e 384 no MP. O LA possui oito capítulos: Europa
Ocidental; Europa Oriental e o passado socialista; Ásia; Oriente Médio; Oceania e regiões polares; Um mundo
globalizado; A globalização e o mundo atual; Os desafios para um meio ambiente melhor. O MP possui quatro
partes: Orientações gerais, as orientações didáticas e metodológicas de ensino fundamentadas nos pressupostos
teórico-metodológicos da Geografia e Educação e o papel da Geografia na formação dos cidadãos e os processos
de avaliação. Menciona a leitura e a escrita na Educação Básica; Objetivos, comentários e sugestões para cada
ano; Sugestão de leitura e Bibliografia.
57
O livro Geografia Espaço e Vivência (LD3) possui 224 páginas no LA e 351 no MP. O LA tem cinco unidades:
Os Espaços da Globalização; Consumo, Meio Ambiente e Desigualdade no Espaço Mundial; América
Desenvolvida; Europa Desenvolvida e Rússia; Países Desenvolvidos da Bacia do Pacífico e Regiões Polares. O
MP está dividido em duas partes. A primeira contém os mesmos conteúdos do LA e a segunda “Orientações ao
Professor”: Apresentação; Proposta didático-pedagógica; Tecnologia na educação; Atualização profissional;
Conhecendo a Coleção; Orientações e propostas para o trabalho de cada capítulo; Orientações e propostas para
o caderno de temas especiais; Bibliografia.
145

Como critérios de escolha foram eleitas coleções aprovadas no PNLD 2017 para os anos
finais do Ensino Fundamental. Estes livros destinam-se às escolas públicas de todo o território
nacional e foram aquelas que obtiveram maior adesão. O critério de seleção baseou-se nas
coleções mais escolhidas pelas escolas e redes de educação básica e que foram adquiridas pelo
MEC para envio às instituições de ensino públicas que as elegeram. A definição de apenas três
coleções foi em virtude de serem vários exemplares (três LAs e três MPs) analisados em todos
os critérios, e seria mais difícil avaliar as peculiaridades existentes em todas as coleções e
compará-las. A análise é realizada a partir do seguinte roteiro: 1. Descrição da coleção (LA e
MP); 2. A linguagem geográfica; 3. O método no livro didático; 4. Visibilidades do pensamento
geográfico nos livros didáticos; 5. Invisibilidades comuns às coleções didáticas.

O pensamento geográfico no Livro Didático (LA e MP)58

Ao analisar as coleções didáticas, foram considerados os elementos essenciais à


Geografia e se estes, de alguma forma, aparecem nas coleções didáticas. No primeiro momento
das análises foi considerada a linguagem no livro didático, que compreende os conceitos,
categorias e princípios próprios desta ciência. O principal aspecto visível nas três coleções
refere-se aos conceitos, porém estes não são estruturantes da coleção toda, aparecendo mais em
determinados capítulos de cada volume e, principalmente, no volume de 6º ano, quando
introduz o estudo dos conceitos de lugar, paisagem, espaço geográfico, e no 7º ano, ao inserir
região e território. Aparecem, também, algumas categorias e princípios básicos, porém, menos
expressivos e não visíveis em todos os capítulos. Há determinados termos, expressões e
palavras que remetem à linguagem científica da Geografia, que perpassa as três coleções,
embora com peculiaridades em cada uma delas e com distinto grau de utilização.

A linguagem dos livros didáticos de Geografia analisados

Nessa interpretação considera-se a linguagem, o método, as visibilidades e


invisibilidades que as coleções observadas comportam em sua estrutura de Livro do Aluno (LA)
e Manual do Professor (MP). Estes aspectos, ao serem analisados na obra, compõem as
seguintes categorias: a) A linguagem comum aos livros didáticos de Geografia de 9º ano (os
conceitos específicos da Geografia no livro didático de 9º ano; os princípios geográficos no

58
A síntese da análise dos LDs referente à linguagem pode ser obtida nos Apêndices 17 e 18, página 265 e 266,
respectivamente.
146

livro didático de 9º ano; as categorias apresentadas nos livros didáticos de 9º ano); b) Termos,
palavras e expressões (termos de relação/delimitação; termos relacionados aos aspectos físico-
naturais; termos relacionados aos aspectos demográficos; termos relacionados aos aspectos
econômicos; termos relacionados aos aspectos políticos).
a) A linguagem comum aos livros didáticos de Geografia de 9º ano: alguns aspectos são
considerados singulares à ciência geográfica e perpassam sua estrutura, seja em âmbito
acadêmico, institucional, escolar ou nos recursos didáticos. Estes são os conceitos,
categorias, princípios e a linguagem que compreendem elementos específicos e, ainda,
outros comuns às ciências afins à Geografia.
– Os conceitos específicos da Geografia no livro didático de 9º ano: as três coleções trazem,
inserida na proposta do livro didático, a utilização dos conceitos específicos e estruturantes da
Geografia científica. São quatro os conceitos comuns: espaço geográfico, lugar, paisagem e
território. Ainda, duas coleções apresentam a região como o quinto conceito central. O LD 3
menciona como centrais o lugar, a paisagem, o espaço geográfico, o território e os conceitos de
globalização e redes, sem mencionar região. O LD 1 considera os conceitos de paisagem, lugar,
região, espaço natural e espaço geográfico, redes geográficas, território e territorialidade. O LD 2
menciona os conceitos de lugar, região, território, paisagem e espaço geográfico.
As explicações sobre estes conceitos aparecem no manual do professor, alguns deles
utilizando trechos de citações de autores pesquisadores da ciência geográfica, principalmente
das tendências cultural e crítica. Mesmo mencionando-os no Manual do Professor, porém, estes
conceitos não são conceituados no LA em nenhuma das três coleções, o que deixa no ar o
questionamento se os professores que atuam em sala de aula e que utilizam-se dos livros
didáticos observam as orientações do MP (que orientações são essas e que concepção permeia
a definição desse conceito) e se dão ênfase à importância destes conceitos como basilares no
desenvolvimento dos conteúdos da Geografia. Nesse sentido, a ideia é que os conceitos, ao
serem mencionados no livro didático, contribuam para a contextualização do conteúdo em
estudo, construindo no aluno, aportes para o conhecimento desse conceito geográfico. Há,
também, em determinadas coleções, a definição de conceitos secundários, como natureza,
sociedade, fluxos e redes, dentre outros que são significativos para entender a Geografia.
– Os princípios geográficos no livro didático de 9º ano: nenhuma das coleções aprofunda de
modo efetivo os princípios geográficos, mas apresentam alguns inseridos nos objetivos da
Geografia escolar: localizar, descrever, correlacionar, compreender as relações, comparar,
identificar a ação humana ao longo do tempo, porém não definidos como princípios
norteadores. As coleções usam, geralmente de modo implícito, alguns dos princípios em
147

textos, atividades e análise de mapas. Nota-se a analogia, localização, distribuição, conexão.


Os princípios geográficos, portanto, não são definidos como elementos essenciais nos livros
didáticos, o que poderia contribuir ao processo de análise e interpretação próprios da leitura
do espaço geográfico que a Geografia se propõe a fazer. Diante disso, percebe-se que as
coleções não expõem uma sequência para o processo de análise e interpretação que poderia
ser mais bem sistematizada, o que favorece para que os alunos construam parâmetros para a
leitura do espaço, seja em imagens, obras de arte, mapas ou no próprio cotidiano vivido.
Os princípios de localização, distribuição, atividade, conexidade, espacialidade,
analogia, conexão, consenso, conflito, não perpassam de modo explícito e de maneira constante
os conteúdos dos capítulos. Estes poderiam conduzir de forma mais sistemática a construção
do conhecimento geográfico. Cabe, portanto, à formação docente estruturar esse movimento de
leitura e interpretação geográfica estabelecendo ligações que passam, necessariamente, por
estes elementos, podendo trazer mais qualidade às análises feitas pelos professores e alunos.
– As categorias apresentadas nos livros didáticos de 9º ano: as categorias são elementos
menos enfatizados nos livros didáticos. Não são mencionadas de modo claro nos LAs, mas,
de alguma forma, comportam trechos da coleção. O MP, principalmente no LD 3, traz, de
modo mais sistematizado, o movimento de análise que perpassa pela definição de categorias.
Essa coleção utiliza a categoria espaço geográfico, mas de forma mais ampla, inserindo
variações: espaço vivido e espaço geográfico conceitual e diferencial. As demais coleções
usam a categoria de espaço geográfico como central. O lugar aparece como elemento de fundo
na análise, embora não explícito como categoria de força, a exemplo do espaço geográfico.
No MP não há aprofundamento do que se deva considerar ao definir as categorias que
servem à análise geográfica, o que se entende por uma fragilidade das coleções que precisa ser
superada pelo professor em sala de aula.
b) Termos, palavras e expressões: refere-se à estrutura de linguagem dos livros didáticos em
suas especificidades e proximidades. Nos livros de 9º ano das três coleções há linguagem
geográfica que comporta palavras, termos e expressões utilizados nessa ciência e, alguns
deles, também por ciências afins. Existem expressões que aparecem apenas em uma das
coleções, outras são comuns às três, ou pelo menos a duas delas, o que mostra que a
Geografia, no livro didático, apresenta uma linguagem comum à ciência geográfica.
– Termos de relação/delimitação: há, nos três livros, termos que remetem a uma linguagem
geográfica que tem como base a espacialidade dos fenômenos e processos e sua delimitação
e distribuição em determinado espaço. A historicidade do espaço é visível nos livros 1 e 2,
mas ganha maior ênfase no livro 3, assim como as dinâmicas e transformações do espaço que,
148

pelos termos utilizados, são mais complexificados pela linguagem deste LD. A relação
multiescalar é também um elemento importante que emerge nesse material, quando, em
diferentes momentos, traz essa semelhança. Aspectos de área territorial, extensão e influência
são visíveis nas três coleções e contribuem ao raciocínio geográfico e espacial necessário à
compreensão das dinâmicas geográficas. Algumas das expressões visíveis em cada livro
didático são: LD 1: área de influência, concentração espacial, distribuição e localização
geográfica, extensão territorial; LD 2: espaço geográfico vivido, distância, localização,
extensão geográfica; LD 3: construção, transformação e evolução do espaço, organização,
posição, localização, extensão, distribuição espacial, escalaridade.
– Termos relacionados aos aspectos físico-naturais: os principais termos referem-se aos
elementos físicos e naturais, com variações no próprio livro ou entre eles. LD1: Formação
geológica, meio natural, meio físico, limites naturais. LD2: Formações naturais, aspectos
naturais, potencialidades naturais, hábitats naturais, elementos naturais. LD3: fenômenos
naturais, paisagens terrestres, aspectos físicos, fenômenos da natureza, características naturais,
formações rochosas, espaço natural, aspectos naturais, condições naturais, meio natural. Os
termos “meio natural”, “meio físico”, “características naturais”, “formações naturais”,
“elementos naturais” e “aspectos naturais” são os mais comuns referentes à dinâmica físico-
natural do planeta. Estes precisam mediação do professor pois não há explicações no LD.
– Termos relacionados aos aspectos demográficos: as expressões que os caracterizam têm a
ver com a localização/distribuição das áreas de ocupação humana, de concentração, dinâmicas
e fenômenos da estrutura demográfica. LD 1: Concentração populacional, mobilidade urbana,
intervenção e ocupação humana, dinâmica e densidade demográfica; LD 2: concentração
populacional, estrutura demográfica, distribuição da população, ocupação humana, aumento
demográfico, aglomerações urbanas, fenômeno urbano, demandas humanas; LD 3: Densidade
populacional, distribuição populacional, aglomerações urbanas, ocupação territorial,
formação/expansão da rede urbana, fenômeno demográfico, densidade demográfica.
As diferentes expressões contribuem à interpretação geográfica. Isso requer pensar as
dinâmicas populacionais, em contextos diversos, sob a perspectiva espaço-temporal,
multiescalar, de fatores culturais, naturais, políticos e econômicos que influenciam as
aglomerações e vazios demográficos, as migrações, os conflitos, etc.
– Termos relacionados aos aspectos econômicos: LD 1: desigualdades socioeconômicas,
integração econômica, trocas comerciais globalizadas; LD 2: fragmentação da produção,
economia global, competição global, integração econômica regional; LD 3: fragmentação do
processo produtivo, dinâmica dos espaços de globalização, desigualdade no espaço mundial,
149

economia globalizada, acumulação de capital. Estes termos, embora tratem de um mesmo


tema, em geral não são comuns nos LDs.
– Termos relacionados aos aspectos políticos: LD 1: espaço geopolítico, posição estratégica,
conflitos territoriais, apropriação de territórios, integração territorial, desterritorialização; LD
2: Organização territorial da região, domínio do espaço mundial, concessões territoriais; LD
3: Geopolítica do continente, estabilidade política, cenário geopolítico mundial, processo de
expansão territorial, desenvolvimento socioeconômico. O LD 1 traz uma dimensão política
mais aprofundada, utilizando termos e conjunturas que perpassam as dinâmicas destas
relações no espaço geográfico. A complexidade destes termos faz pensar quais significados
eles têm para professores e alunos, estes que, muitas vezes, estudam sozinhos em seus
materiais didáticos. É provocativa essa questão, uma vez que implica no modo como o
professor utiliza esse recurso e contextualiza estas expressões, contribuindo para a
aprendizagem destes termos e do conteúdo.

Sistematização sobre o método59

Identificar a existência de um método nos livros didáticos é necessário, pois representa


os aspectos que contribuem ao direcionamento das formas de analisar determinado fato ou
fenômeno. Leva em consideração uma dimensão teórica, sob uma perspectiva de pensamento
geográfico, um aporte metodológico que perpassa distintas formas de conduzir a proposta
didática, e também os aspectos que permitem articular a dimensão do espaço, a partir da escala
de análise e da relação espaço-temporal, que possibilitam, ao analisar determinado fenômeno,
construir aportes para compreendê-lo geograficamente. Mesmo contemplando estes aspectos,
as coleções ainda apresentam trechos de capítulos desprovidos destes aportes, que poderiam
potencializar a coleção a partir de suas propostas.

O método nos livros de Geografia analisados

As interpretações expõem os aspectos comuns que contribuem a pensar


geograficamente a partir dessa estrutura. Identifica-se, também, as visibilidades e
invisibilidades que contribuem para potencializar ou fragilizar determinada coleção didática.
As categorias definidas são: a) O método comum nos livros didáticos de Geografia de 9º ano

59
A síntese das análises pode ser consultada no Apêndice 19, página 269.
150

(Os aspectos teóricos e metodológicos dos livros didáticos analisados; Espacialidade,


temporalidade e multiescalaridade nos livros didáticos; A linguagem cartográfica nos livros
didáticos); b) Visibilidade do pensamento geográfico nos livros didáticos de 9º ano (O conteúdo
do livro didático; a relação sociedade-natureza; dinâmica dos fenômenos e processos); c)
Invisibilidades e ausências nos Livros Didáticos de Geografia de 9º ano (Definição dos
principais métodos geográficos; definição de princípios geográficos que alicerçam qualquer
análise geográfica; definição conceitual e de categorias).
As categorias são abordadas a seguir.
a) O método comum nos livros didáticos de Geografia de 9º ano: envolve a espacialidade
dos elementos e fenômenos naturais e sociais em distintos períodos, as dinâmicas do espaço
em distintas escalas de análise, as correlações do conhecimento científico geográfico com a
realidade vivida e os problemas contemporâneos. Contempla a definição teórico-
metodológica, a relação espaço-tempo, a escala de análise e a linguagem cartográfica.
– Os aspectos teóricos e metodológicos dos livros didáticos analisados: em relação ao
método e à definição teórica que sustenta cada livro, é possível interpretar que a estrutura do
livro didático considera a distribuição tradicional de conteúdos, mas sob uma perspectiva
crítica de relação e aproximação entre diferentes áreas da Geografia, ainda estudadas de modo
separado. A perspectiva crítica aparece em trechos dos textos, em determinadas atividades e
em análises propostas. Não há, entretanto, uma estrutura bem-explicitada do que seja essencial
à perspectiva crítica de análise e interpretação geográfica.
Observa-se que nenhuma coleção menciona a utilização de um método específico como
caminho para a construção do conhecimento geográfico. O LD 1, no entanto, sugere no MP um
estudo que parte do local para o global. Dito isso, mesmo que essa coleção apresente um
apanhado importante da epistemologia da Geografia, não usa destes elementos para afirmar a
especificidade da Geografia sob esse viés, que a sustenta como ciência e que chega à escola.
Perante isso, nas três coleções, poderia contribuir no sentido de deixar claro, para além da
exposição de conteúdos, como essa estrutura referente ao “óculos geográfico” que se usa,
possibilita desenvolver determinadas ideias que auxiliariam o professor a tomar um
posicionamento que contribua à Educação Geográfica que pretende desenvolver, embora não
deva desconsiderar que o conhecimento geográfico escolar abrange as diferentes perspectivas
da Geografia, uma vez que esse conhecimento tem sido estudado na escola ao longo do tempo.
A menção à Geografia crítica, que é observada nos três livros, mesmo que de modos
diferentes, com maior ou menor ênfase, requer que se pense a estrutura de ensino que alicerça
o modo de olhar, fazer e propor a perspectiva crítica. Não é apenas a necessidade de explicitar
151

no MP, nas atividades e no texto, mas como isso perpassa toda a coleção e o objetivo que tem
neste estudo. A construção do conhecimento, a partir de uma análise que se faz com base em
uma determinada perspectiva, auxilia a construir o olhar analítico sobre o estudo que propõe.
– Espacialidade, temporalidade e multiescalaridade nos livros didáticos: as coleções trazem
esses elementos, embora observa-se que, principalmente o LD 1 e o LD 3, têm maior ênfase
nessa possibilidade, a qual potencializa o olhar geográfico sob determinado tema.
O MP do LD1 sugere um estudo que parte do particular (local) para o geral (global), e
utiliza a temporalidade como um elemento para a compreensão das dinâmicas geográficas. Ela
serve para entender a espacialidade dos fenômenos e as dinâmicas do espaço construído e
transformado ao longo do tempo. Expressões como “historicidade do espaço”, “dinâmica
histórica e geográfica” e “perspectiva histórica de análise”, trazem a dimensão dessa análise,
uma vez que estabelecem relações multiescalares não apenas local e global, considerando o
tempo e o espaço em suas relações. Há, porém, trechos do livro que não fazem todo esse
movimento, tendo em vista a forma descritiva que ainda mantém em determinados capítulos.
Existem avanços significativos no modo como as atividades são propostas, que vem a contribuir
para estabelecer essas relações e ampliar o raciocínio geográfico.
No LD 2 o MP traz como aporte a relação de escalas e a temporalidade como elementos
a serem considerados, muito embora a estrutura do LA não desenvolva de modo contínuo todos
esses aportes e se restrinja mais especificamente às relações local-global. Há trechos dos textos
em que essas relações são mais presentes e as atividades e questões de debate conseguem trazer
mais elementos de relação escalar e da aproximação espaço-tempo. A carência de
multiescalaridade, de modo mais contínuo no decorrer dos capítulos do LA, implica
dificuldades para entender as dinâmicas regionais, nacionais e outras porções não aprofundadas
que, pela relação espaço-temporal, poderia ampliar o raciocínio espacial e geográfico.
No LD 3 a relação espaço-tempo aparece de maneira continuada em diferentes capítulos,
utilizando a distribuição espacial de fenômenos, objetos, processos, e perpassando, geralmente,
a dimensão temporal. Alguns capítulos trazem, de maneira mais dinâmica, as transformações
do espaço nessa relação que abrange mudanças e a construção do espaço pelo ser humano. Em
determinados capítulos não há muita relação de escalas, o que é suprido, geralmente, nas
atividades e na introdução dos capítulos, quando aproxima com a realidade local e nacional.
– A linguagem cartográfica nos livros didáticos: a cartografia configura-se como uma ciência
essencial ao entendimento da espacialidade dos fenômenos e fatos que a Geografia estuda.
Ela favorece a compreensão das dinâmicas e condições relacionais. Por isso a necessidade de
considerá-la na análise que se faz dos livros didáticos. No LD 1, em muitos momentos, os
152

mapas servem para ampliar o acesso às informações, complementado com questões que
conduzem às análises e interpretações geográficas. No entanto nem todos os recursos
cartográficos são utilizados dessa forma; alguns deles apresentam questões complementares,
servindo como um suporte ao texto. No LD 2 há mapas e anamorfoses que exploram as
possibilidades de interpretação, embora não de modo continuamente aprofundado, uma vez
que são muitos os momentos em que os mapas servem apenas para ilustrar o texto, sem uma
sequência de questões. O LD 3 apresenta mapas que favorecem a compreensão das dinâmicas
espaciais, relacionados geralmente a questões que conduzem o processo interpretativo.
Observa-se que, apesar de utilizar os recursos cartográficos, o enfoque mais específico no
conteúdo do texto dá menor visibilidade a questões de leitura cartográfica. Elementos de
localização, delimitação, distribuição espacial e relação, no entanto, são princípios pouco
explorados na leitura cartográfica proposta, o que requer maior cuidado nesse sentido.
b) Visibilidade do pensamento geográfico nos livros didáticos de 9º ano: abarca todos os
aspectos visíveis que possam contribuir ao que se define como pensamento geográfico.
Tecem-se, assim, as seguintes categorias:
– O conteúdo do livro didático: Refere-se tanto ao conteúdo destinado ao aluno quanto ao
professor. São dois vieses que o livro didático precisa levar em conta no sentido de construir
um discurso geográfico que encaminhe a possíveis análises e interpretações. Dentre os
elementos importantes no LD, está a postura crítica a ser tomada nas análises. Esse olhar
crítico possibilita mirar sob vários ângulos determinado fenômeno ou situação. Outro aspecto
é a dimensão cultural, cuja compreensão perpassa pelas múltiplas relações que são
construídas socialmente sob dimensões espaço-temporais. Estes aspectos são basilares para
pensar, refletir e estabelecer relações no intuito de construir um pensamento que contemple
elementos da ciência geográfica. Essa postura alicerça a proposta teórico-metodológica,
embora ainda careça, nos três LDs, de aperfeiçoamento, visto que em diversos momentos
mantêm uma estrutura tradicional, descritiva e mnemônica que não atende a estes quesitos.
– A relação sociedade e natureza: constituem aspectos que, mesmo conceituados de modo
individual, na Geografia, precisam ser pensados e abordados de forma articulada, não
passíveis de compreensão de modo separado. Não são, portanto, duais. Embora não possam
ser compreendidos de modo isolado, nas coleções, em determinados trechos, ainda aparecem
de maneira fragmentada, com pouca aproximação entre o que é físico e o que é considerado
humano. Em outros momentos, em trechos de capítulos principalmente, essa relação já
aparece e se desdobra em termos e expressões que procuram tecer essa conexão, como:
capacidade humana de interferir na transformação do meio natural, integração do espaço
153

geográfico, espaço geográfico vivido, espacialidade, organização do espaço, dentre outros.


Nas atividades e leituras de mapas isso já é mais amplo.
– Dinâmica dos fenômenos e processos: apresenta a ideia de que nada na Geografia pode ser
compreendido em si apenas, de modo isolado e desconectado. É sempre um processo que vem
se constituindo e ganha significados no contexto atual que, também, tendem a ser
transformados continuamente. Comportam essa estrutura alguns termos como:
transformações socioespaciais, transformações territoriais, paisagens intensamente
humanizadas, historicidade do espaço. Além destas, outras expressões trazem a dialogicidade
entre espaço, tempo e escalaridade. Ambas as coleções expõem essa dinâmica implícita em
alguns trechos, e em outros uma linguagem mais aberta a essas dinâmicas, mostrando que a
Geografia é, sem dúvida, uma ciência de relação e de contínuas transformações que precisam
ser interpretadas.
c) Invisibilidades e ausências nos Livros Didáticos de Geografia de 9º ano: compreende
aspectos que, não encontrados nos livros analisados, ou que permanecem subentendidos,
emergem como fragilidades ou lacunas presentes na estrutura desse material em relação ao
que é essencial no pensamento geográfico. Perpassa, nas três coleções, como uma
invisibilidade a não definição do que seja a especificidade da ciência geográfica em âmbito
escolar. Apenas o MP do Livro 1 traz uma definição da Geografia escolar, considerando que
cabe à ciência responder aos problemas da sociedade, e à Geografia escolar cabe responder
a demandas específicas da escola e de seus componentes curriculares. Apesar de a Geografia
acadêmica ser uma fonte básica para a legitimação do saber escolar, a cultura escolar também
desempenha papel no ensino da Geografia, transformando-a em conhecimento geográfico
efetivamente trabalhado em sala de aula (ADAS; ADAS, 2015). Essa definição não expõe
de modo explícito quais elementos são específicos à Geografia escolar, mas menciona o
objetivo da coleção em contribuir para a construção de uma Educação Geográfica, a qual é
explicada a partir de autores pesquisadores da área de ensino de Geografia.
O LD 2 traz uma estrutura mais preocupada com aspectos metodológicos e recursos que
potencializam seu uso em sala de aula, e carece de explicitar o que seja específico da Geografia
escolar. O LD 3, da mesma forma, não menciona, de maneira aprofundada, a especificidade da
Geografia escolar e da Educação Geográfica, mas apresenta a ideia de alfabetização geográfica
como uma possibilidade de formação de um leitor crítico, apresentando, ainda, objetivos a
serem alcançados pelo ensino da Geografia na escola. Esses objetivos, nas três coleções,
baseiam-se nos PCNs de Geografia para o Ensino Fundamental (1998) sem, necessariamente,
deixar claro o que é especialidade da Geografia escolar.
154

O fato é que, existindo uma especificidade do que seja a Geografia escolar e do que
precisa ser construído a partir dela, são necessárias determinadas estruturas que possam mostrar
um possível caminho para a construção do conhecimento. Quando isso não ocorre o próprio
livro didático se exime dessa proposta, que lhe é basilar. Compõe essa estrutura:
– Definição dos principais métodos geográficos: os métodos alicerçam as teorias e, nos livros
didáticos, aparecem de maneira superficial ou não são mencionados. No caso da tendência
crítica que perpassa a maioria das coleções, não apresenta a construção desse modo de olhar
e pensar geograficamente. Diante disso, quais suportes amparam o professor a fazer uma
Geografia crítica potente com o auxílio das propostas do livro didático? Tem-se, então, a ideia
de que o modo como se trata o objeto de estudo exige que exista um método como ponto de
partida para a construção do conhecimento que se pretende. Essa ideia deveria aparecer nestes
livros explicitando ao professor que caminho conduz a proposta do LD.
– Definição de princípios geográficos que alicercem qualquer análise geográfica: os
princípios indicam percursos para interpretar fenômenos, situações e outros aspectos que
envolvem a construção do conhecimento geográfico. São basilares aos procedimentos
analíticos que permitem, pelo viés geográfico, estabelecer critérios que tornem possível
chegar a determinadas conclusões. Pode envolver princípios espaciais e geográficos de
localização, distribuição e extensão, e princípios analíticos que envolvem a complexificação
da análise, possibilitando compreender diferentes relações. São eles: causalidade, conexão,
analogia, atividade, ordem. Para interpretar todo e qualquer conteúdo pelo viés geográfico,
portanto, não é possível apenas enumerar e descrever dados, mencionar uma localização,
inserir certo recurso visual e cartográfico. É imprescindível ter por base determinados
elementos para fazer a análise geográfica e expandir o olhar crítico do aluno. O livro didático
deveria ser um espaço em que estes princípios apareçam para, ao menos, trazer ao professor
uma contribuição daquilo que é primordial em seu trabalho. A atual proposta da BNCC para
os anos finais do Ensino Fundamental (BRASIL, 2017d), resgata os princípios geográficos e,
possivelmente, as próximas coleções didáticas precisem abranger essa proposta.
– Definição conceitual e de categorias: embora as três coleções analisadas apresentem
conceitos estruturantes da Geografia e se baseiem, principalmente, na categoria espaço
geográfico, isso fica mais nítido apenas nos MPs. No LA a definição conceitual não é
trabalhada de modo que se torne visível que a Geografia se baseia, de fato, em determinadas
categorias estruturantes, essenciais à compreensão das dinâmicas socioespaciais. Nesse
sentido, o desdobramento da categoria espaço geográfico, em contextualizações de espaço
amplo (ausente) e do espaço vivido, seriam essenciais em todas as unidades e capítulos.
155

O lugar também precisa ser utilizado como conceito e como categoria, aliado à categoria
“cotidiano”. Segundo Andreis (2013, p. 84), “o cotidiano e o lugar constituem a dimensão
decisiva das aprendizagens que vão sendo construídas pelo sujeito nas interações, uma vez que
neles estão os significantes que constituem (sempre provisoriamente) a singularidade de cada
sujeito desde a infância”. O cotidiano pode trazer a possibilidade de compreender as relações
espaço-temporais contínuas e constantes, que vão além do lugar como espaço de vivência, como
uma dimensão que envolve muitas interações.
Territorialidade também é uma categoria necessária, no intuito de compreender as
influências, as dinâmicas e o poder exercidos sobre determinado território. Territorialidade é
visível no LD 1 e LD 3, em estudos que perpassam, principalmente, relações políticas e
econômicas. Há, ainda, outros aspectos sociais a serem compreendidos a partir dessa categoria.
Haesbaert (2004) traz uma concepção de território sob aporte material e simbólico, tendo
sempre a ver com o poder, seja de dominação efetiva ou apropriação simbólica. A ideia de
territorialidade remete a um espaço em que grupos diversos tecem distintas relações. Para o
autor (2004), a territorialidade incorpora uma dimensão política e também se refere às relações
econômicas e culturais sobre a forma como as pessoas e grupos lidam com determinado espaço
e o significam. Um exemplo é o uso de determinados espaços urbanos por certos grupos em um
período de tempo, enquanto outros grupos o utilizam de outras formas, em outros momentos.
A leitura do espaço sob o viés territorial demanda abarcar também as dinâmicas da vida
cotidiana e das relações construídas nos diferentes lugares a partir das categorias de análise.

2.5 O livro didático na Geografia Escolar

Os livros didáticos de Geografia, mesmo tendo avançado na qualidade e, em grande


medida, no modo como utilizam o pensamento geográfico, mantêm um formato que pouco se
modifica em sua estrutura e linguagem. Baseia-se em uma organização sequencial originada da
Geografia tradicional e que apresenta em todas as coleções um mesmo formato: abertura,
desenvolvimento e atividades. Existe uma compartimentação entre Geografia geral e especial e
dualidades física-humana, cujos conteúdos têm pouca conexão entre si.
Permanece nas coleções, majoritariamente, a descrição de conteúdos e orientações
baseadas, em sua maioria, em um modelo pragmático que “ensina” como o professor deve
proceder, com escassas possibilidades de relacionar a estrutura que constitui o pensamento
geográfico com a proposta de temas e conteúdos e provocar o professor à reflexão. Estes
156

materiais descrevem tipos de fenômenos, além de ter classificações, enumerações e explicações


de fatos, fenômenos e situações que pouco favorecem a interatividade com os alunos.
Oferecem uma estrutura de comunicação textual cuja linguagem apresenta-se, muitas
vezes, de difícil compreensão para os alunos, cujos aportes, em termos e expressões específicos,
de cunho técnico ou teórico/científico, são complexos e direcionados, basicamente, ao
professor. Diante disso, são levados a construir abstrações e nem sempre a aproximar-se da
realidade do aluno, pois mantêm um modo de abordagem que informa, esmiuçadamente,
determinados conteúdos, o que leva-nos a questionar se o livro didático tem sido direcionado
aos estudantes ou pensado basicamente para a construção do conhecimento pelo professor, uma
vez que traz diversos elementos que favorecem a descrição e a explicação, sem ampliar uma
proposta mais dinâmica e problematizadora de aprendizagem dos alunos.
Aportes para análises geográficas mais articuladas não perpassam a maioria das
coleções. Desse modo, pensar em formas como problematizar sobre onde, quando, por que, de
que modo, dentre outras questões que remetem à contextualização, são necessárias nas
propostas dos livros didáticos. Estas coleções didáticas carecem, ainda, de reestruturações que
contemplem a relação sociedade-natureza de modo amplo em todo o livro didático, que
auxiliem os alunos a pensarem geograficamente nessa interação. Diante disso, se o aluno
precisa ser alfabetizado na ciências e letrado geograficamente para construir uma estrutura de
pensamento próprio, o livro didático poderia contribuir com propostas que aliem a compreensão
de peculiaridades de diferentes espaços e as abstrações necessárias no decorrer da formação.
Demanda basear-se em problematizações e intervenções que possam ser tecidas de
modo constante. Esse processo tende a potencializar relações e aprendizagem a partir de
pesquisas e da inserção dos alunos de modo mais enfático nas propostas que apresenta. Nesse
contexto, a linguagem precisa andar entre a dimensão da ciência e do mundo da vida, trazendo
contributos advindos da herança da Geografia tradicional, em conexão com as dinâmicas e
complexificações que as novas perspectivas trazem ao debate.
Existem coleções que, mesmo de modo tímido, já começam a transformar suas
propostas, trazendo maior interação sociedade-natureza e entre aspectos humanos e físicos.
Outras mantêm fragmentos pontuais que fazem tímidas aproximações, as quais precisam ser
potencializadas. Além destes pequenos avanços, várias mudanças mais significativas já são
perceptíveis nos livros didáticos, como a qualidade das ilustrações, tanto no que se refere aos
aspectos visuais quanto pelo seu conteúdo, em relação aos erros conceituais e em respeito aos
aspectos da formação cidadã. Muito ainda é preciso avançar para que estas coleções atendam
as necessidades do ensino da Geografia escolar e não retrocedam nesse movimento.
157

Mesmo existindo uma perspectiva de pensamento geográfico mais aproximada com um


modelo crítico e sob tendências de renovação (cultural, humanística, decolonial), em que a
conscientização, a contextualização e as reflexões são um caminho apontado, há ainda muito
para avançar nessa direção. Nessa perspectiva, importantes questões ganham centralidade na
reflexão sobre a estrutura dos livros didáticos e suas especificidades: A estrutura e organização
do Livro Didático contribui para a construção do pensamento geográfico? O MP e o LA
favorecem o desenvolvimento do pensamento geográfico no contexto de ensino?
Nas coleções analisadas há elementos da ciência geográfica importantes para
desenvolver o conhecimento. Existem elementos do pensamento geográfico que mencionam
aspectos da evolução da Geografia ao longo do tempo (LD 1), principais conceitos e categorias
(LD 1, LD 2 e LD 3). A estrutura do pensamento geográfico, no entanto, não aparece como
centralidade nas coleções e muitos elementos específicos do pensamento geográfico não são
mencionados, como os princípios geográficos lógico-operacionais, os princípios relacionais e
a variedade de categorias geográficas necessárias às análises. Trazem seu foco especificamente
nos conteúdos, estes expostos de modo, muitas vezes, desconexo entre si. Nesse sentido, tecer
relações e interpretações a partir somente do que o livro didático oferece é um desafio, posto
que não articula os elementos de sustentação dessa ciência para promover a leitura, a análise e
a interpretação da realidade e dos fenômenos estudados. As propostas permanecem ainda
estanques, dificultando que somente pela estrutura do livro o aluno seja capaz de compreender
as relações que a Geografia, enquanto ciência e componente curricular, se propõe a fazer.
Entende-se, então, que um livro didático dinâmico, relacional, questionador,
problematizador, poderia contribuir de modo mais efetivo para a construção de habilidades a
partir de elementos que levem os alunos a pensar geograficamente. O modo questionador não
se refere a perguntar sobre conteúdos, mas tratar o conteúdo como proposição para entender o
mundo. Isso também perpassa o MP como um recurso significativo que poderia propor
questionamentos ao professor, tecendo relações, aproximações e experiências que se baseiem,
de modo mais efetivo, na estrutura do pensamento geográfico científico que precisa considerar
no trabalho docente em sala de aula.
Há muitos desafios aos professores, dentre eles construir parâmetros que permitam
potencializar esse recurso nas aulas de Geografia, e não simplesmente seguindo um sistema de
reprodução de seus conteúdos. Para tanto, precisa-se levar em conta os delineamentos que
existem no currículo escolar, na prática dos professores de Geografia, no pensamento destes
professores, nos materiais didáticos e outros recursos, dentre eles o livro didático, e outras tantas
158

ferramentas que contribuem para a construção do conhecimento geográfico, considerando que


este material constitui apenas uma das possibilidades de ensinar a Geografia escolar.
Mais uma vez a função do professor é debatida, posto que, se esse profissional
compreende a complexidade da estrutura de conhecimentos basilares à profissão, tende a
estabelecer uma forma de pensamento poderoso, claro e coerente. Com base nesse pensamento
de professor, inclina a tecer relações que provoquem as análises e raciocínios geográficos, que
são construções necessárias à Educação Geográfica. Do contrário, sem esse pensamento
sistematizado, o livro didático acaba ditando as regras em sala de aula e o modo como o
professor planeja o processo de ensino, passando a ser o manual que guia o professor, define o
currículo e estabelece o que ele pode fazer na prática pedagógica. Nesse sentido, o livro didático
avança para além do seu papel de complemento, tornando-se, por vezes, o próprio currículo
escolar, estabelecendo parâmetros a serem seguidos de como desenvolver o conteúdo, sua
sequência e os procedimentos metodológicos a considerar.
Tendo o livro didático com essa influência, o professor dele se utiliza como norteador
da prática, e o discurso recorrente acaba por considerar que a teoria acadêmica não sustenta a
prática de ensino. O livro didático, além de conduzir a aula, passa, então, a ser instrumento de
formação pelo qual, muitas vezes, o professor aprende sobre a Geografia escolar, aquela na qual
foi formado para ensinar. Quando isso ocorre, esse material define o modo de veiculação dos
conteúdos, os métodos a utilizar para o ensino e a aprendizagem, e define também a linguagem
do professor, tornando-se o principal instrumento da aula.
Essa realidade perpassou a prática dos professores desde o século XIX e permaneceu
até meados do século XX, num contexto em que não existia formação profissional para a
docência em Geografia. Com a instalação de cursos de formação de licenciados em Geografia,
entretanto, não se pode mais conceber que os professores coloquem o material didático como
central. O desafio é estabelecer espaços de diálogo que envolvam a dimensão da formação-ação
docente, a constituição de um pensamento geográfico de professor amparado no pensamento
geográfico científico, e como esse pensamento complexo empodera o professor para a
Educação Geográfica ante a diferentes recursos, como o livro didático. Nessa conjuntura, é
possível que a Educação Geográfica proposta pelo professor contribua à significação de
conhecimentos sobre diferentes situações do mundo da vida e de outros contextos, que estão
conectados e ganham significado sob os aportes da Geografia.
159

3. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO GEOGRÁFICO E A AUTONOMIA DOCENTE


PARA A EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA

O trilhar deste percurso requer aprofundar o debate sobre as dimensões de


conhecimento necessárias para a construção do pensamento geográfico do professor e que
podem contribuir à constituição da autonomia para a docência. Parte-se do pressuposto de
que todo professor precisa da articulação de um conjunto de conhecimentos que possibilite
construir raciocínios e que lhe permita configurar o processo de ensino e aprendizagem. Há
conhecimentos comuns a todas as áreas e aqueles específicos, indispensáveis para um
processo educativo de qualidade pedagógica e em relação à área do conhecimento que o
professor atua. A dimensão pedagógica é inerente a todos os professores e essencial na
relação com a dimensão específica da área de atuação, que comporta aspectos característicos
de um modo de pensar e raciocinar amparado na ciência.
Em relação ao professor de Geografia, considera-se que este profissional não se constitui
de modo pleno sem um pensamento geográfico estruturado em si mesmo. A construção do
pensamento geográfico de professor tem grande relevância no desenvolvimento da autonomia
docente e na condução de processos educativos que possibilitem a Educação Geográfica;
constitui-se como basilar para ensinar Geografia, pois comporta elementos que permitem
construir raciocínios geográficos e, junto à dimensão didático-pedagógica, definir estratégias
para um processo educativo com significado e propósitos claros.
A Educação Geográfica tem um sentido singular no ensino de Geografia. Refere-se à
significação que o conhecimento de Geografia precisa alcançar para proporcionar ao aluno a
compreensão efetiva do conteúdo. Esse aspecto relaciona três dimensões essenciais: ciência-
realidade-processo.
Essa ideia pode ser observada na ilustração a seguir:
160

Figura 18 – Dimensões da constituição da Educação Geográfica pelo professor

Elaboração: Carina Copatti (2019).

A ciência contém os aportes que possibilitam determinado olhar geográfico sobre um


tema, fato ou fenômeno; a realidade é a dimensão da vida, seja pelas vivências pessoais no
espaço próximo ou pelas interações com outras realidades mais distantes; o processo diz do
movimento que o professor, a partir de um modo de abordar pedagógico-geográfico, conduz
provocações e argumentações que possibilitem ao aluno construir aportes para pensar os
estudos geográficos com significação do seu entendimento para a vida. Para desenvolvê-la, é
basilar que o professor se utilize de um conjunto de conhecimentos e de uma estrutura de
pensamento organizada para tecer estas relações e propor ao aluno compreendê-las e aproximá-
las do mundo da vida. Nesse sentido, ser capaz de propor a Educação Geográfica pressupõe que
exista um pensamento geográfico de professor constituído, capaz de significar o movimento da
aula, no intuito de direcionar a uma aprendizagem contextualizada e significativa da Geografia.
O pensamento geográfico estruturado na ciência proporciona aportes para o professor
construir e organizar as intervenções que propõe nas aulas. Esse pensamento geográfico vai
além da dimensão puramente científica e requer que sejam considerados os saberes não
científicos e outros conhecimentos que constituem formas de pensamento geográfico
construídas ao longo do tempo. Estes modos de pensar são: o conhecimento inicial (desde o
período pré-histórico), o conhecimento da Geografia espontânea (Vernacular/popular/de senso
comum), a Geografia dos estados maiores (Firmas/bancos), a Geografia das Sociedades, a
Geografia Científica e a Geografia dos Professores, mencionadas no capítulo 1 (ANDRADE,
1992; MORAES, 2002; MOREIRA, 2009; CLAVAL, 2015; LACOSTE, 2016).
161

Algumas destas formas de pensamento perpassam a vida do aluno a partir dos


conhecimentos até então construídos individual e socialmente, na interação com outros sujeitos
e com o espaço vivido e imaginado, o que não pode ser desprezado pelo professor na construção
de novos conhecimentos e formas de leitura do mundo. O que ocorre é que os alunos ainda não
têm essa estrutura organizada ao chegar à escola, o que se torna uma possibilidade ao construir
e clarificar as tramas de leitura e interpretação do espaço geográfico.
Conforme Boufleuer (2018), quando a criança chega na escola ela, de alguma maneira,
tem uma apreensão intuitiva sobre os vínculos e as relações construídas social e espacialmente,
mas não é uma apreensão temática. Ela já está imersa nessas relações mesmo não as
tematizando. Ela é mediada pela grande tradição humana que, de alguma forma, vai
incorporando. O saber, que é intuitivo, tem um limite; quando ele se torna temático dá um outro
acesso ao mundo, uma espécie de posse do mundo. O saber temático nos permite um
distanciamento crítico-reflexivo; é o potente do conhecimento. Quando podemos pensar
tematicamente sobre as situações da vida, nos potencializamos; e isso acontece na escola.
Para propor esse movimento na escola, é necessário salientar que há um construir
contínuo no professor que perpassa diferentes conhecimentos que viabilizam compor
estratégias, meios e formas de ensinar, que aliem a dimensão teórico-científica, as vivências, as
diferentes dimensões que envolvem as múltiplas sociedades e seus desdobramentos. Essas
conexões, pelo viés pedagógico inerente ao fazer docente, trazem subsídios para que o professor
possa complexificar seu raciocínio e construir as conexões necessárias para instigar modos de
interpretar geograficamente. Constitui, assim, uma possibilidade de envolver os conhecimentos
do professor em um processo a partir do qual as leituras e interpretações sejam construções
pelas quais os alunos participem e, acima de tudo, compreendam, reflitam e signifiquem.
Construir este universo de conhecimentos que complexifiquem o pensamento de
professor é um percurso que este profissional constrói e que tende a ampliar ao longo do tempo,
caso desenvolva aportes para tal processo; isso envolve pensar os desdobramentos da prática
docente e os movimentos de relação com os alunos, tanto no tempo da aula quanto nas fases
anteriores de planejamento e posteriores a ela, ou seja, a avaliação e o novo planejamento. É
mister pensar em como utilizar elementos que contribuam para construir os aportes para, a partir
desse pensamento de professor, organizar o ensino de Geografia e mobilizar modos de
raciocinar sobre os temas que ela aborda.
A Geografia dispõe de “ferramentas” que contribuem para proceder nesse sentido. Estas
ferramentas são os princípios lógico-operacionais (localização, distribuição, extensão,
distância, posição, escala) e os princípios geográficos (extensão, analogia, causalidade,
conexidade e atividade, unidade terrestre, individualidade), amparados em conceitos e
categorias que possibilitam complexificar os conteúdos relacionando-os ao mundo da vida.
162

As relações espaço-temporais e a multiescalaridade também contribuem para toda e


qualquer análise geográfica que se faça. É pertinente, nesse movimento, aliar o pensamento
espacial necessário ao ensino de Geografia às conexões baseadas nos aportes da ciência
geográfica sob um pensamento complexo, o que requer conhecimentos de cunho geográfico e
a dimensão didático-pedagógica. Assim, entende-se que existem diferentes aspectos a
considerar no fazer docente; aspectos que objetivam realizar com os alunos a leitura e a análise
geográfica, o que requer que utilize um modo de pensar e um modo de abordar geográfico. A
intercomunicação do pensar docente, a partir da estrutura sistematizada no pensamento
geográfico científico com o fazer docente, que envolve os modos de abordar o conhecimento
pela dimensão pedagógica, são movimentos imbricados.
Além da inter-relação entre estes aspectos, há a ideia de que a Educação Geográfica é
um constructo necessário no ensino de Geografia que contribui para formar cidadãos para o
mundo da vida e para atuar socialmente a partir de um conhecimento historicamente construído.
É desafio do professor basear-se nestes aportes de pensamento para conduzir à Educação
Geográfica de modo propositivo e problematizador para que faça sentido na vida do aluno.
Pensar sob este viés explicita uma série de questões a serem debatidas que dizem respeito aos
desafios e necessidades da formação do professor de Geografia. Nesta pesquisa, porém, a
proposição é de refletir sobre a autonomia docente, tanto de pensamento quanto de ação, no
sentido de conduzir à Educação Geográfica.
Entende-se que um pensamento sistematizado no professor contribui para a formação
de cidadãos capazes de se utilizar dos conhecimentos geográficos não apenas para entender os
fatos, mas para contribuir com as mudanças sociais necessárias, com autonomia de pensamento,
argumentação e proposição de outros caminhos possíveis.

3.1 Percursos para a autonomia do pensamento do professor

Preocupações com a prática docente tem sido cada vez mais colocadas em debate em
inúmeras pesquisas no país. Também tem sido objeto de estudo os processos de formação de
professores, principalmente nas últimas décadas. Um dos vieses de investigação refere-se à
construção do pensamento de professor – o que influencia na forma como age ao construir-se
como docente e sobre que estrutura de pensamento desenvolve e utiliza nesse processo. Apesar
destes avanços, entretanto, há muito ainda a ser investigado e debatido, seja a partir das
pesquisas e proposições oriundas da academia, seja nos espaços escolares, onde atuam
professores nos mais diversos níveis de ensino.
163

Mesmo com avanços nas pesquisas, mantém-se, em muitos profissionais e fora da esfera
educacional, visões limitadas e questionáveis em relação à profissão de professor. As
afirmações de Gauthier et al. (1998) consideram uma noção bastante comum, em âmbito geral,
de que para ser professor bastaria ter talento, seguir a intuição, ter bom senso, ter experiência
prática e cultura. São ideias comuns ainda na sociedade e inclusive entre grande número de
professores, muitos deles com a opinião de que bastaria o conhecimento de conteúdo para uma
docência de qualidade.
Na Geografia, por muito tempo esteve presente, de modo expressivo, a ideia de que o
conhecimento específico é o requisito central para o ensino dessa ciência e disciplina curricular,
subalternizando o saber pedagógico. Essa concepção é bastante comum e perpassa a formação
de nível superior de diversas instituições, o que nos remete a questionar se o fato de obter um
conhecimento de área basta para atuar em uma sociedade complexa. Uma outra perspectiva é
aquela que muitos professores apresentam de que a dimensão teórica não condiz
necessariamente com a prática docente, o que, em muitas situações, ao longo da docência, acaba
por influenciar o ensino da Geografia escolar, organizado basicamente a partir de um viés
prático, com escasso aporte teórico-científico.
Visões simplificadas e pontuais como essas, que negligenciam outros conhecimentos de
professor, reduzem a atividade docente a um conjunto de procedimentos sequenciais, o que não
contribui para construir habilidades e competências resultantes de um processo desencadeado
pelo conhecimento e construído sob um pensamento complexo; este que possibilita aos
professores dialogarem com outros conhecimentos de modo fluido e constante, sob aportes
geográficos e pedagógicos em conexão contínua.
Fiorentini, Souza Jr. e Alves de Melo (2011) consideram que as questões de ordem
pedagógica eram pouco problematizadas e deixadas à margem no processo formativo de
professores das distintas áreas do conhecimento até por volta de 1970, quando a formação de
professores passou a levar em conta, de modo mais acentuado, aspectos didáticos e
metodológicos. Em 1980 a dimensão sociopolítica dominou o discurso pedagógico e, desde a
década de 1990, ganharam maior relevância as pesquisas com enfoque nos saberes pedagógicos
e epistemológicos relacionados ao conteúdo escolar a ser ensinado.
No Brasil, estas propostas foram timidamente iniciadas na segunda metade do século
XX e, mais recentemente, conquistam maiores espaços, tendo como relevância a práxis
pedagógica, opondo-se às abordagens que procuravam separar a formação técnica e a dimensão
da prática de ensino. Marques (2006) debateu sobre essa questão considerando a dimensão da
práxis como movimento a ser potencializado no sentido de superar a dualidade presente ainda
164

na educação entre teoria e prática. Para o autor (2006), teoria e prática se acham intimamente
relacionadas e autoexigentes numa práxis social/histórica, provocada sempre de novo por
horizontes teóricos que a fazem práxis reflexiva. A reflexão não pode se desvincular das
condições que a possibilitam e de seus esteios empíricos, que são os seus sujeitos reais.
Diante dessas questões, entende-se que são diversos os desafios a serem enfrentados que
se relacionam à formação e à atuação docente, e que se constituem como temas complexos e
urgentes. Estas dimensões precisam ser debatidas tanto a partir da academia, pelos docentes e
professores em formação, quanto pelos professores que atuam na educação básica; entretanto
não as compreendendo apenas sob um ponto de vista, mas articulando seus desdobramentos,
aproximações e lacunas que possibilitam alargar o olhar sobre a formação de professores de
Geografia e sua atuação docente nos mais diversos espaços educativos.
Ampliar espaços de debate e aprofundar o diálogo sobre as dimensões que constituem
o professor, seu desenvolvimento em distintos aspectos e o gerenciamento da profissão docente,
são basilares. Essas questões, por vezes, porém, são negligenciadas e deixadas de lado,
principalmente no contexto da educação escolar. Isso ocorre em situações em que o profissional
professor é reduzido à condição de reprodutor de informações, como técnico que “transmite”
na escola o que foi criado por outros profissionais, sejam eles pesquisadores, professores da
academia, autores de livros didáticos ou outros que disponibilizem ideias ou materiais.
Essas situações têm sido evidenciadas numa perspectiva que se define, segundo Adorno
e Horkheimer (1986, p. 57), como racionalidade técnica, entendida como a racionalidade da
própria dominação. “É o carácter compulsivo da sociedade alienada de si mesma”. Revela-se
na influência da técnica, ampliada na perspectiva da indústria cultural, que levou à padronização
e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema
social. A técnica serviu à padronização social e levou, gradativamente, ao controle dos modos
de pensar e, consequentemente, das formas de agir e atuar em sociedade, influenciando de tal
maneira que amplia, cada vez mais, a massificação da população. Essa massificação não ocorre
apenas sob padrões culturais de moda, consumo e informação, influencia também modos de
pensar e agir que se limitam, cada vez mais, a seguir pensamentos de outrem, sem questioná-
los. É a legitimação do pensamento leviano, da não-reflexão, da negação da possibilidade de
agir autonomamente na construção e condução do próprio pensamento.
A utilização de um modo de pensar consciente e autônomo, como aporte para se inserir,
de fato, em sociedade e atuar diante das demandas sociais que concernem à sociedade, tende a
perder importância. É sob esse teor de alienação das massas que atua a indústria cultural, cujo
propósito leva a diminuir a consciência e, dessa forma, a presença atuante dos sujeitos em
165

questões que são essenciais à evolução de si e da sociedade. A alienação das massas avança
também sobre a educação. Nessa esfera, as formas de construção do conhecimento, que exigem
posicionamento e abertura ao diálogo de maneira comprometida e envolvida com os temas de
debate, são cada vez mais colocadas de lado. Mantém-se, no entanto, o discurso de que a
educação importa e que a formação de qualidade dos professores é necessária. Todavia, o que
se percebe é o agravamento dos problemas da educação brasileira em todos os níveis.
Por trás disso, evidencia-se a presença cada vez mais atuante do capital financeiro
investido nos sistemas de ensino e nos processos de formação docente. No contexto da
racionalidade técnica, o acesso à educação, que seria um direito social e que requer garantias
de qualidade, tem preocupado pelo seu caráter mercadológico. Nesse movimento encontram-se
os cursos de formação de professores, que têm ganhado um viés de reprodução cada vez mais
acentuado nos últimos anos. Nessa conjuntura, o trabalho realizado pelos professores tem sido
concebido como um processo que visa a preparar para o mercado de trabalho a partir do
“repasse” de conhecimentos aos sujeitos de forma pragmática, para que estes, tão logo
formados, sejam lançados ao mercado de trabalho tendo como principal finalidade a produção
de bens e produtos que viabilizem a expansão do capital.
Em muitos cursos as disciplinas e a carga horária têm sido cada vez mais flexibilizadas.
A maioria dos cursos de Licenciatura Curta60 , de Segunda Licenciatura 61 e de Educação a
Distância62, tem este caráter, cujos formatos adequam-se às políticas públicas, pensadas, na
contemporaneidade, a partir das dinâmicas do mercado e do mundo do trabalho, que se coloca
como ordenador da formação. Vive-se, então, em um mundo em que o capital subordina tudo,
e em que tem sido menos presente um modo de pensar e agir alinhado e condizente com as
necessidades de formação para a atuação social. Isso contribuiria para a significação das
experiências humanas e a potencialização de seus processos de argumentação e interpretação
próprios na relação com outros sujeitos, pela ação comunicativa inerente e necessária para a
construção dos sujeitos.
Concebendo o professor como repassador de conhecimentos, o debate de proposições
que o desafia a produzir conhecimentos e assumir protagonismos no cotidiano de trabalho,

60
A Licenciatura curta foi criada a partir da LDB nº 5.692/71, que criou essa modalidade de formação para suprir,
de forma rápida, a demanda por novos professores, formato que foi revogado com a LDB nº 9394/96,
permanecendo apenas os cursos de Licenciatura Plena.
61
Segunda licenciatura é a denominação dos cursos de graduação voltados para pessoas que já têm diploma de
curso superior em algum curso de licenciatura. É uma modalidade cujo tempo de formação é mais curto tendo em
vista que entende-se que vários dos conhecimentos necessários à formação em licenciatura já foram apreendidos.
62
Educação a Distância refere-se a cursos ofertados com base na mediação por tecnologias em que discentes e
docentes não estão fisicamente presentes em um ambiente presencial de ensino e aprendizagem.
166

permanece ocultado. Essa situação é questionável perante as necessidades atuais de uma


formação crítica e integral, que perpasse não apenas a instrumentalização para o trabalho, mas
contribua a formar professores de modo crítico, consciente e sensível para atuar em sociedade.
Isto posto, ante a tantos desafios, uma questão a ser debatida é a construção de conhecimentos
para o protagonismo profissional do professor, ampliando a autonomia docente.
A construção da autonomia de pensamento dos professores tem sido debatida e
complexificada, porém possui ainda inúmeros desafios ao constituir-se como um elemento de
ruptura na presença de um sistema permeado, em grande medida, pela racionalidade técnica.
Diante disso, a defesa que se faz é da necessidade de potencializar, desde os primeiros passos
na formação inicial, a construção de si, do pensamento geográfico do professor e de
conhecimentos que envolvem a profissão docente.
Uma das questões a considerar nesse processo é a importância de “dizer a própria
palavra” e superar o pensamento igual (MARQUES, 1992), o que demanda, do professor,
aprender a tradição que a humanidade construiu ao longo do tempo e, pela linguagem,
transmitiu, que torna possível, sob as bases do passado, compreender a construção do mundo
contemporâneo. Segundo Marques (1992), é preciso considerar que reconstruir a educação que
responda às exigências dos tempos atuais não significa o esquecimento da tradição, mas uma
releitura à luz do presente e do futuro que queremos. Parte do pressuposto de que nenhuma
tradição se esgota em si mesma e requer que, pela dialética da história, refaçam-se os caminhos
andados. Reconstruir não significa ignorar o passado, que continua presente na cultura de cada
ser humano, mas requer que nele atuem novas formas que o introduzam na novidade de outro
momento histórico e outros lugares sociais.
Reflexões sobre a perda do passado são postas também por Arendt (1972), ao considerar
que, com a perda da tradição, perdemos o fio que nos conduziu seguramente pelos vastos
domínios do passado. A perda, no entanto, da permanência e da segurança do mundo, que é
politicamente idêntica à perda da autoridade, não acarreta, necessariamente, a privação da
capacidade de construir, preservar e cuidar de um mundo que precisa sobreviver e permanecer
um lugar adequado à vida para os que vêm após. É nesse sentido que Marques (1992, p. 548)
adverte que “o nosso pensamento deve regressar às origens, num anel interrogativo e crítico.
Senão a estrutura morta continuará a destilar pensamentos petrificantes”.
O pensamento pode ser visto como um processo que ocorre na relação entre mutação e
continuidade. É considerado espaço de construção, reconstrução e metamorfose constante. Sob
suas bases, esclarecidas, debatidas, contextualizadas, pode-se pensar o novo partindo daquilo
que já foi produzido, seja por nós ou por outros que compuseram a sociedade em diferentes
167

tempos e sob distintas perspectivas, que influenciam a forma de pensar atual, seja de modo
individual, coletivo ou no campo de conhecimento em que atuamos.
Em se tratando do processo educativo e dos modos de pensar e conduzir a educação,
Marques (1992) defende os debates sobre o que denomina de paradigmas básicos do saber,
que se sucederam interpenetrados e que continuam operantes, dialeticamente atuantes, sem que,
muitas vezes, tenhamos consciência disso. Estes paradigmas são: a) o Paradigma Ontológico
ou Metafísico; b) o Paradigma Moderno ou da subjetividade da razão individual; e c) o
Paradigma Neomoderno, da linguagem pragmática ou da ação comunicativa, que precisam ser
compreendidos para que se possa interpretar o saber escolar. Estes paradigmas ou
“macromodelos de pensamento” que perpassam o saber escolar, se estabelecem nos professores
e compõem seus modos de compreender a escola e de nela atuar. Também, de algum modo,
aparecem no sujeito que passou pela escola ou que é aluno. O professor, que da mesma forma
transcorreu esse processo de aprendizagem, tece suas primeiras relações com a escola com base
nos paradigmas que influenciam essa instituição e que contribuem à organização que ela
apresenta. Estes paradigmas, então, de algum modo, estão inseridos na educação formal e, de
certa maneira, também na educação não formal dos seres humanos.
Somos herdeiros, conforme Marques (1992), de um modo de pensamento ontológico,
oriundo de duas vertentes que chegam ao mundo ocidental: greco-romana e judaico-cristã. Estas
formas de pensamento conduziram as sociedades aos tempos modernos. Nessa perspectiva, no
paradigma ontológico do ser para sempre posto, educar é inserir o educando na ordem do mundo
e dos homens. Posteriormente, no contexto moderno, teve destaque o paradigma da consciência
individual, que considera que, pelas experiências e projeções, o ser humano cria seu universo
científico e, em separado, seu próprio universo moral, segundo as normas da razão. A
consciência, na representação da relação com objetos, reduz e fragmenta em especialidades
compartimentadas todo seu contexto natural e cultural. É dessa forma que as disciplinas
científicas se estruturaram.
Nessa lógica da funcionalidade, a educação constitui-se como preparação para a vida e
deve moldar-se às exigências postas ao ser humano para produzir ativamente. Os currículos
escolares configuram-se como uma justaposição de disciplinas autossuficientes, em que os
conhecimentos científicos são reduzidos a fragmentos desarticulados, fechados em si mesmos
e incomunicáveis com os demais saberes. Assim, a elaboração cognitiva ocorre em negação às
complexidades do mundo da vida, do engajamento humano e da questão dos valores e da
dimensão política.
168

Esse contexto reflete o surgimento de um novo paradigma, denominado


neomodernidade da ação comunicativa, originado a partir da crise da modernidade 63 , que
ocorreu, segundo Marques (1992, p. 557), especialmente a partir da crise da razão humana, em
um contexto em que “fraturam-se as referências ou linhas de orientação: a razão, a história, o
Estado, o saber das ciências ou o sujeito coletivo não passam agora de ficção”.
A educação, instalada na crise da razão moderna, exige uma reconstrução radical, que
significa a reconstrução da própria razão, centrada na intersubjetividade da livre-comunicação
entre os atores sociais, numa profunda revisão epistêmico-hermenêutica, que visa, na
perspectiva da neomodernidade, ressignificar a noção de conhecimento, percebendo-o agora na
relação entre atores sociais e seus proferimentos, à busca de se entenderem nas relações que
constroem no mundo da vida, sob um modo de linguagem que engloba uma ativa relação de
entendimento entre si (MARQUES, 1992). A educação, então, constitui-se como essencial ao
conduzir as relações interpessoais nas mais distintas situações, seja no cotidiano vivido, seja no
contexto do trabalho e também no pensar sobre si, pois possibilita aprimorar modos de
linguagem que contemplem formas de comunicação propositivas para as relações humanas.

Para dela dar conta, exige-se um outro paradigma das relações entre sujeitos e objetos,
uma outra teoria: a da ação comunicativa, em que a razão se constitui em razão plural,
ou razão das muitas vozes que se enraízam no mundo da vida, acervo culturalmente
transmitido e linguisticamente organizado, de padrões de interpretação em que se
confrontam a hermenêutica, a crítica dialética e a epistemologia. Na linguagem
pragmática do mundo da vida se estabelecem os pressupostos fundantes da razão
dialógica e da trama social, isto é, supõe-se que os falantes se coloquem em posição
de reciprocidade e de simetria, em igualdade de condições e direitos quanto à
inteligibilidade do que dizem e com o respeito à verdade, à veracidade e à retidão
moral. Reconstroem-se, assim, as estruturas simbólicas do mundo da vida na
continuidade dos saberes validados pela argumentação, na estabilização das
solidariedades e na formação de atores sociais responsáveis por suas ações. O já
existente e o novo se entrelaçam nos significados e conteúdos da tradição cultural, na
dimensão do espaço social dos grupos nele integrados e do tempo histórico das
gerações que se sucedem (MARQUES, 1992, p. 559).

Na perspectiva da neomodernidade, a construção do conhecimento e do pensamento dos


professores, necessária à docência, é encarada como um movimento a ser conduzido com base
em relações dialéticas. Esse processo reverbera, seja no cotidiano da vida, na atuação docente,
nas relações que constitui na escola, em possibilidades de trocas, de compreender, analisar e
debater com o outro. Um contato pelo qual possa-se, em diálogo, refletir sobre questões que
perpassam o processo formativo e a atuação docente. Essa perspectiva, nas relações que se
constituem no âmbito da formação inicial, continuada e na comunicação, tanto entre escola e

63
A modernidade é um período que se caracteriza pela ruptura com o pensamento medieval, sendo caracterizada
por uma busca pela ordem e pela autonomia da razão.
169

academia quanto nas aproximações necessárias entre os docentes, constitui-se como desafio e
possibilidade. É, entretanto, bastante recorrente, na maioria dos contextos escolares, um
movimento em que são debatidas situações de aprendizagem, mas não são colocados em pauta
temas como a estrutura que embasa a relação entre pensamento e autonomia do professor. Dito
de outra forma, pouco é debatido sobre que pressupostos estruturam o pensamento destes
profissionais para conduzir a práxis docente.
A comunicação entre escola e universidade tem sido um desafio ainda não superado na
realidade educacional brasileira. Existe um distanciamento muito grande entre estas esferas e
um jogo de forças que serve, em grande medida, para culpabilizar ora a universidade, por não
formar de modo consistente os professores para atuarem nas escolas, ora a escola, por não
conseguir modificar a sua realidade ante a uma sociedade complexa e desigual. A ação
comunicativa requer, nesse entendimento, dialogar de modo contínuo na escola e na relação
escola-universidade, não somente sobre aquilo que tem sido desafiador no fazer docente, mas
pensando para além; dito de outro modo, precisa considerar as estruturas de pensamento e de
conhecimento que os professores têm mobilizado, que os conduzam a melhorar e significar a
escola e as suas aulas. Voltar-se ao contexto escolar, conforme Marcelo García (2005), é
necessário, pois se constitui como espaço para melhorar ou mudar o ensino, e tem influência na
mudança também dos professores.
Entende-se o voltar-se para a escola não apenas no sentido de apontar problemáticas em
relação à aprendizagem dos alunos, ou, ainda, sobre as dificuldades que os professores
encontram no cotidiano de trabalho relacionadas apenas à prática, mas no sentido de tomar
como ponto inicial o esclarecimento e a complexificação dos aspectos basilares para que o
professor, como protagonista, possa olhar para si, para o conhecimento construído e para a
realidade em que atua, e planejar outras estratégias que qualifiquem o processo educativo.
Marques (1992) afirma que a educação assume papel ativo de aprendizagem coletiva e
de potenciação do desenvolvimento cognitivo, prático-moral e expressivo-estético, em que se
assegure o domínio de outras situações a enfrentar no mundo da tradição cultural continuada,
no espaço social do convívio em grupos e no respeito e afirmação das identidades pessoais.
Tendo essa perspectiva como basilar, pode-se refletir sobre como são constituídos os processos
de pensar e abordar geograficamente o ensino escolar pelos professores, considerando os
diferentes saberes construídos historicamente e que de alguma forma estão inseridos na escola
e precisam contribuir para pensar a realidade vivida.
O conhecimento e a compreensão dessas relações inserem-se no entendimento do que
seja geográfico e do que seja pedagógico, que se concatenam no contexto educativo e precisam
170

dispor de determinadas respostas, amparadas em certos modos de pensar. Ter claro


entendimento destes aspectos diz muito sobre a autonomia docente nas formas de pensar
geográfica e pedagogicamente e nos modos de abordar conteúdos para a construção de
conhecimentos. Essa percepção leva-nos a pensar que o olhar do professor precisa considerar
uma complexidade maior do que a sala de aula e aquilo que diretamente se relaciona a ela: a
aprendizagem, o contexto e o conhecimento específico. Para Frantz (2018):

O avanço de conhecimentos e das ciências permitiu muitas conquistas. Entretanto,


grande parte da humanidade ainda está carente de compreensão do seu lugar no
mundo, podendo a partir deles estruturar seus pensamentos e suas interações sociais.
Hoje a humanidade está longe de superar suas contradições sociais e ambientais, isto
é, de rever e reverter sua relação sociedade e natureza. A ciência geográfica pode
revelar isso. A educação geográfica faz falta.

É, portanto, um desafio significar, na formação de professores, o movimento de


afirmação das bases que estrutura a docência, no intuito de contribuir a uma formação que, de
fato, alie conhecimento técnico/teórico e prático, para que faça sentido na vida do aluno e do
próprio professor. Diante disso, manter o papel tradicional de reprodutor de conteúdos a partir
de conhecimentos pensados e produzidos por especialistas, dificulta que o professor que atua
em sala de aula repense as bases do seu próprio pensar e fazer docente. A ideia de que o
professor precisa ser reflexivo, e principalmente um profissional pesquisador, remete a um
processo que sirva para buscar a transformação da educação, pensada a partir da realidade e da
dimensão social, e não apenas refletindo sobre uma educação com base no que é exigido por
outros. Conforme Zeichner (2008, p. 546):

A ligação da reflexão docente com a luta por justiça social significa que, além de
certificar-se que os professores têm o conhecimento de conteúdo e o conhecimento
pedagógico que eles precisam para ensinar, de uma maneira que desenvolva a
compreensão dos estudantes (rejeitando um modelo transmissivo de ensino que
meramente promove a memorização), precisamos nos certificar que os professores
sabem como tomar decisões, no dia-a-dia, que não limitem as chances de vida de seus
alunos; que eles tomem decisões com uma consciência maior das possíveis
consequências políticas que as diferentes escolhas podem ter. [...] Os professores
devem agir com uma clareza política maior sobre quais interesses estão sendo
privilegiados por meio de suas ações cotidianas. Eles podem ser incapazes de mudar
alguns aspectos da situação atual, mas ao menos estão conscientes do que está
acontecendo.

O pensamento profissional e seus desdobramentos precisa dispor de níveis de


consciência social, política e humanamente constituídos, no sentido de utilizar-se da estrutura
de conhecimentos para mobilizar outros suportes que contribuam para transformar o processo
educativo em algo conectado com a sociedade e com as relações nela construídas, sob um viés
de comunicação crítica, consciente e sensível. Além disso, produzir e significar conhecimentos
171

requer determinados “domínios”, a fim de que o trabalho docente se torne autônomo no decorrer
do desenvolvimento profissional. Não basta, portanto, considerar apenas um aspecto
(teórico/técnico, metodológico, pedagógico ou o conhecimento da realidade) com maior ênfase.
Essa ideia pode levar o profissional a pensar que, para ensinar Geografia, bastaria saber
conduzir a aula, controlar a turma, saber explicar os conceitos e desenvolver determinadas
teorias geográficas. Se assim fosse, qualquer pessoa que obtivesse uma formação sob estes
aspectos, mesmo que minimamente, poderia conduzir com êxito o processo educativo. Porém
é complexa a atuação docente, tendo em vista a dinâmica e a interação necessárias entre os
distintos conhecimentos essenciais à docência.
A relação entre as dimensões do conhecimento geográfico e do conhecimento
pedagógico comporta elementos complexos, que tendem a munir o professor de ferramentas
intelectuais capazes de estabelecer meios de significar as relações que tece com o aluno e, junto
a ele, com o mundo. Esse processo leva em conta diferentes perspectivas e possibilidades. As
perspectivas referem-se a pensar e estabelecer caminhos com base em abordagens específicas
da Geografia e da Pedagogia para construir aportes ao ensino em sala de aula. As possibilidades
resultam dessa construção inicial, partindo dos elementos elencados para conduzir com
qualidade o processo de aprendizagem da Geografia. Este é um movimento que não se finda
em si mesmo, e consolida-se sob processos que abarcam dimensões mais abrangentes e
essenciais à formação.
Marques (2006) considera que há três dimensões necessárias à formação que precisam
ser compreendidas como indissociáveis: a dimensão crítico-reflexiva, a dimensão hermenêutica
e a dimensão técnico-operativa da razão estratégico-instrumental. A capacidade crítico-
reflexiva conduz a traçar diretrizes de orientação para a emancipação humana baseadas em
valores e normas consensuais. A dimensão hermenêutica envolve reinterpretar as tradições
sedimentadas na cultura, na linguagem e nas subjetividades de cada um. A dimensão, sob o viés
estratégico-instrumental, refere-se ao modo como as ações se efetivam a partir do
aproveitamento das forças produtivas dos seres humanos. Essas dimensões são construídas
pelos professores a partir de um conhecimento base, que conduz a tecer argumentos não apenas
pensando a própria formação e atuação docente, mas também no sentido de falar sobre e
posicionar-se em relação aos pressupostos que sustentam a formação, seu pensamento e sua
forma de abordar e propor a construção de conhecimentos.
O conhecimento científico constitui o fator que habilita o profissional a ser professor de
determinada área, pois fornece o aparato teórico necessário ao desenvolvimento de outros
conhecimentos. Esse conhecimento ganha significado na intercomunicação com outros que
172

perpassam a educação e com o contexto e o percurso histórico-social tecido pela humanidade


ao longo do tempo. Serve, ainda, como caminho para a construção do pensar e decidir sobre
educação, como afirma Marques (2006), e não a executar servilmente práticas mecânicas que
mantêm, num plano secundário, a formação de professores e as competências para a docência.

3.2 O pensamento do professor de Geografia e a autonomia para a/na docência

No âmbito da Geografia, há a preocupação em como formar profissionais que tenham


claras as dimensões teóricas e epistemológicas que os constituem como professores dessa área
do conhecimento, além de considerar que elementos consolidam o pensamento geográfico deste
profissional, considerando a estrutura que o habilita a ensinar Geografia. Assim, a interação do
pensamento geográfico do professor com a dimensão pedagógica envolve pensar: De que
maneira o conhecimento teórico-científico, próprio da ciência geográfica, se relaciona ao
conhecimento da prática pedagógica e, nesse viés, possibilita estruturar didaticamente outros
conhecimentos?
Essa é uma preocupação que precisa perpassar a formação desde o momento inicial
relacionando as disciplinas específicas e as disciplinas de caráter pedagógico, pois constituem
uma dimensão indissociável no professor. A indissociabilidade destes conhecimentos
possibilita que, na inserção do acadêmico no contexto escolar, na relação entre teoria e prática,
desde o início da formação, perceba os significados que o contexto escolar e a sala de aula têm,
que são distintos de qualquer outro contexto educativo. Demanda, nesse sentido, segundo
Marques (2006), o reconhecimento de que a formação inicial do professor é fundamental para
sua constituição profissional. É a base que legitima sua prática docente numa práxis.
Essa construção começa na formação inicial e configura o modo como se relacionar,
posteriormente, com a estrutura que envolve a profissão Professor de Geografia para estabelecer
autonomia nesse processo. A formação inicial, para Marques (2006), é tempo de intensidade,
de manter-se aberto ao outro, às alteridades e múltiplas possibilidades, aos pontos de vista
múltiplos que aportam outros tantos pontos de vista possíveis. No contexto da formação em
Geografia, essa formação precisa ser pensada e compreendida em suas especificidades, uma
vez que é o momento inicial de o professor construir conhecimentos e a estrutura de pensamento
de âmbito geográfico-científico, tecendo aproximações com outros modos de pensar
construídos desde o início da vida, na escola e no contato com o meio. Gradativamente, vai
aprimorando e sistematizando novos aportes de pensamento na formação continuada.
173

Shulman (2005), um dos precursores das pesquisas sobre saberes docentes, enfatiza que
há determinados conhecimentos que são específicos da formação. Podem ser mencionados
como: conhecimentos do conteúdo específico, conhecimentos dos objetivos, metas e propósitos
educacionais, conhecimento de outros conteúdos, conhecimento pedagógico geral,
conhecimento dos alunos, conhecimento curricular e conhecimento pedagógico do conteúdo.
A categoria “Conhecimento Pedagógico do conteúdo” (CPC), criada por Shulman, por
vezes denominada também de “Conhecimento Didático do Conteúdo”, refere-se à expressão
original “Pedagogical Content Knowledge” (PCK), que ganhou expressividade ao considerar
que não basta apenas uma das dimensões para ensinar em sala de aula; é preciso que convirjam
conhecimentos sob uma base inicial. O CPC, ou PCK, relaciona conteúdo e pedagogia, que
constituem nos professores os elementos que implicam sua forma de conduzir o processo
educativo. Para Shulman (2005), o PCK tem valor especial no conjunto de conhecimentos,
porque permite identificar os corpos de conhecimentos distintivos para o ensino.

[…] la clave para distinguir el conocimiento base para la enseñanza está en la


intersección de la materia y la didáctica, en la capacidad de un docente para trans-
formar su conocimiento de la materia en formas que sean didácticamente impactantes
y aun así adaptables a la variedad que presentan sus alumnos en cuanto a habilidades
y bagajes (SHULMAN, 2005, p. 21).

Esse conhecimento base, que entrelaça conteúdo e didática, pode ser interpretado,
especificamente na Geografia, como Conhecimento Pedagógico Geográfico (CPG), que
envolve a construção da aprendizagem pelo professor de uma visão panorâmica e integrada dos
conteúdos curriculares selecionados para o ensino. “Esse tipo de conhecimento é adquirido pelo
domínio crescente das possibilidades pedagógicas dos próprios conteúdos selecionados pelo
currículo e pelas relações que se podem estabelecer entre eles” (LOPES; PONTUSCHKA,
2015). Decorre, ainda, outra questão, que envolve o domínio qualificado do conteúdo para que
possa compreender as relações internas dos diversos tópicos de ensino, as principais ideias,
conceitos e outros elementos que se relacionam entre si e o modo de serem ensinados. Assim,
para Lopes e Pontuschka (2015), é possível superar a aula de Geografia como espaço de
informações variadas, para possibilitar ao aluno o desenvolvimento de um raciocínio
geográfico. Esse processo demanda conhecer a organização interna da disciplina que ministra,
e, em cada um dos conteúdos que ensina, aquilo que é central e os que são conectados entre si
e que conduzem a outras compreensões, de modo que se estabeleçam relações entre os
conteúdos, unindo unidades aparentemente desconexas.
O CPG possibilita, então, pelo conhecimento do assunto, construir processos e
procedimentos inerentes à prática de ensino destes conteúdos que os ressignifiquem, não tendo
174

uma finalidade em si, mas a relação com o todo e com a realidade. Para além do CPG, mas não
o desconsiderando, entende-se que é importante ir mais além de conhecer profundamente o
conteúdo. É necessário compreender como esse conteúdo constitui-se, sob que perspectivas
teóricas, metodológicas e didático-pedagógicas pode-se tecer percursos para construir novos
conhecimentos.
Nesse sentido, considera-se importante desenvolver um modo de pensamento
geográfico que contribua para interpretar os diferentes contextos e temas em estudo para além
do conjunto de conteúdos. Um modo de pensar em uma abrangência maior, que engloba a
estruturação dos conhecimentos essenciais da ciência de base, a constituição de conteúdos de
ensino, as possibilidades didáticas de ensinar, tendo como aporte as dinâmicas do mundo em
múltiplas dimensões, considerando a relação com os sujeitos aprendentes. Esse pensamento
remete ao Pensamento Geográfico do Professor e estrutura toda forma de conhecimento que
chega, é utilizada e transformada na Geografia que o professor realiza na intercomunicação
contínua com o conhecimento pedagógico, e é expresso pela didática que ele desenvolve no
cotidiano da atuação docente.
A Pedagogia, como ciência da e para a educação, orienta a formulação de objetivos e
meios do processo educativo, e não está desvinculada de questões e demandas sociais, culturais
e políticas. Também não está desvinculada do movimento de construção dos sujeitos, mas se
refere a um modo próprio de contribuir com esse processo. Para Libâneo (2002), o caráter
pedagógico da prática educativa se verifica como ação consciente, intencional e planejada no
processo de formação humana, por intermédio de objetivos e meios postos por critérios
socialmente determinados e que indicam o tipo de ser humano a formar, para qual sociedade e
com que propósitos. O caráter pedagógico vincula-se a opções sociais e políticas referentes ao
papel da educação em um determinado sistema de relações sociais.
A Pedagogia, segundo Marques (2006), constitui o eixo de articulação de todo o sistema
formativo e como núcleo fundante da conexão dos temas, dos enfoques das disciplinas
específicas e das metodologias de cada programa. É a ciência do coletivo dos educadores
empenhados em produzir o entendimento comum acerca das práticas educativas a que se
dedicam e de criticamente refletir de contínuo sobre elas, de maneira original e radical, nos
horizontes de uma racionalidade de muitas vozes e amplas bases: hermenêuticas, crítico-
reflexivas e estratégico-instrumentais, as quais foram mencionadas anteriormente.
O conhecimento didático, para Libâneo (2002), situa-se no conjunto dos conhecimentos
pedagógicos. Constitui-se como uma especificidade, e, mesmo se alicerçando em saberes
produzidos por outras ciências, não é uma simples dedução destes. A didática na Geografia tem
175

uma especificidade, como afirma Cavalcanti (2010, p. 3), pois se propõe a analisar a dinâmica
do ensino a partir de “elementos constitutivos, condições de realização, contextos e sujeitos,
limites e demandas”, no intuito de produzir conhecimento amplo do ensino e dos fundamentos
teóricos e metodológicos da Geografia escolar para a atuação docente consciente e autônoma.
De maneira geral, segundo Libâneo (2002), a Didática estuda o processo de ensino no seu
conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se
relacionam entre si. Possibilita, assim, criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma
aprendizagem significativa e auxilia o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e
da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissional no processo pedagógico.
Pensar a dimensão pedagógica do processo de construção do conhecimento da
Geografia na escola envolve levar em consideração a didática inerente ao ensino dessa ciência,
as demandas, as possibilidades e os desdobramentos que podem ser conduzidos para alcançar
um processo educativo que potencialize as aprendizagens. Nesse caminho, a formação didática
e pedagógica dos professores de Geografia é interpretada como condição para a qualidade do
trabalho docente, que, aliada aos demais conhecimentos e saberes, constrói e consolida a
profissão. Neste grupo de conhecimentos organizam-se diferentes campos (teórico, prático e
subjetivo) e as vivências e experiências desenvolvidas no cotidiano escolar e social.
Tais conhecimentos são variados e podem ser ilustrados da seguinte forma:

Figura 19 – Dimensões que constituem o professor de Geografia

Elaboração: Carina Copatti (2018).


176

Todos estes conhecimentos estruturam a profissão professor de Geografia. O maior


desafio, no entanto, está na articulação a ser consolidada no pensamento do professor e
transposta às suas abordagens referentes aos aspectos do conhecimento específico e
pedagógico. Esse processo precisa considerar a estrutura que envolve a educação escolar,
superando a ênfase dada pelos currículos escolares ao modelo dos conteúdos culturais-
cognitivos, recuperando “a ligação entre os dois aspectos que caracterizam o ato docente, ou
seja, evidenciando os processos didático-pedagógicos pelos quais os conteúdos se tornam
assimiláveis” (SAVIANI, 2009, p. 152). Nesse sentido, o desafio da formação docente é, para
além de construir estes aportes de conhecimentos, ser capaz de estabelecer entre conhecimento
específico e conhecimento pedagógico conexões que convirjam para a construção de um modo
de pensamento complexo, dinâmico e atento para questões que perpassam escola e Geografia.
A ligação pela dimensão pedagógica, segundo Marques (1992), deve ir além de estar a
par das demais dimensões; deve articulá-las entre si e imprimir-lhes o sentido crítico da
emancipação humana. É o conhecimento pedagógico que articula as demais estruturas do
conhecimento, que são: a dimensão técnica, hermenêutica e crítico reflexiva, e a dimensão
educativa, dando-lhe sentido e forma. Nesse contexto, de modo mais específico na Geografia,
Callai (2013) enfatiza a necessidade de que o professor saiba operar com a dimensão técnica e
sua dimensão pedagógica, e que tenha em si essas dimensões, perceba-as e as compreenda, o
que vem a contribuir para que amplie a autonomia tanto no pensar geograficamente quanto no
modo de abordar esse conhecimento em sala de aula.
Ao construir autonomamente o conhecimento, aliando distintas dimensões em seu modo
de pensar e abordar a Geografia, e considerando a realidade e sua problematização ao longo do
processo educativo, o professor amplia as possibilidades de atuar com significado sobre aquilo
que faz. Para que isso seja possível, afirma-se que não há ensino de Geografia eficazmente
realizado sem a dimensão específica do conteúdo geográfico, e, da mesma forma, não há ensino
com base na estrutura do que seja o cerne da Geografia, sem que a dimensão pedagógica realize
essa mediação. Assim, para que essas interações sejam construídas, é imprescindível aliar o
Pensamento Geográfico do Professor ao conhecimento pedagógico inerente à docência, vindo
a consolidar o que denominamos Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG).
O Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG) difere do que se concebe como
Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC) ou PCK, e do Conhecimento Pedagógico
Geográfico (CPG), posto que abarca a estrutura que comporta a ciência geográfica como um
todo e não apenas considera a estrutura de conteúdos concernentes à ciência geográfica
relacionada ao pedagógico. Nessa concepção, outros elementos, como a linguagem geográfica
177

(conceitos, categorias, princípios, expressões...), o método (construção teórico-metodológica,


escalaridade, espacialidade-temporalidade, linguagem cartográfica), a estrutura dos conteúdos
e os temas próprios dessa ciência, são mobilizados em interlocução com a dimensão
pedagógica. O CPC/PCK e o CPG, portanto, constituem-se como um componente importante,
mas que precisa ser ampliado para abarcar outras estruturas que o profissional professor de
Geografia precisa construir a partir do pensamento geográfico e pedagógico.
O PPG abarca tanto as dimensões formativas do professor, pela estrutura cognitiva
interna que mobiliza nos diferentes conhecimentos que constrói, quanto as estruturas de
formação social, que envolvem a percepção daquilo que é social e historicamente construído,
seja na sociedade em que vive e na relação com outras culturas. Perpassa, ainda, a dimensão
subjetiva construída ao longo da vida como suporte à interação com novos conhecimentos
construídos na formação acadêmica, no exercício docente e na interação com outros sujeitos.
Ainda, compreende os elementos pedagógicos que se concatenam nesse processo e que
demandam entender como a aprendizagem acontece, sob que perspectivas isso se efetiva e
como ensinar de modo didaticamente viável e condizente com a perspectiva de Geografia de
que se utiliza. Constitui-se um modo de pensar que parte da relação entre o pensamento
geográfico (basilar a todo profissional formado na área de Geografia), com outros
conhecimentos que se referem à sua especificidade de atuação (neste caso a escola e suas
realidades), com o mundo da vida e com uma estrutura histórica-social-cultural-política que
perpassa a construção do conhecimento proposta pelo professor na escola.
Desenvolver o Pensamento Pedagógico Geográfico é condição que alicerça o professor
para além do conteúdo apreendido na academia e a ser ensinado no contexto escolar. O
Pensamento Pedagógico Geográfico é constituído por meio da estrutura do pensamento
geográfico que consolidou, alimenta e é alimentado pela ciência Geografia, a partir de relações
estabelecidas dialeticamente entre essas dimensões em interação com o conhecimento
pedagógico. Isso contribui para construir um raciocínio geográfico que torna possível
estabelecer análises e interpretações com base na estrutura do que seja inerente à Geografia e
aos modos de aprender.
A interação de elementos que constituem o PPG é ilustrada da Figura a seguir:
178

Figura 20 – Estrutura do Pensamento Pedagógico Geográfico

Elaboração: Carina Copatti (2018).

Para compreender o que envolve o PPG é necessário considerar teorias, conceitos e


proposições que abarcam a ciência geográfica em suas diferentes dimensões – acadêmica e
escolar –, perpassando pelas suas especificidades e aproximações, que constituem o
conhecimento inicial aliado à dimensão pedagógica e subjetiva, tanto de si quanto dos sujeitos
com quem se relacionam no processo educativo, e juntas compõem a base para que este
profissional desenvolva sua autonomia e conduza os estudantes à Educação Geográfica.
O PPG pode ser pensando, então, a partir dos elementos que o professor precisa
mobilizar e utilizar ao desenvolver raciocínios e análises geográficas. Esse modo de pensar é
usado em diferentes situações, seja para abordar um conteúdo escolar, para analisar
determinado fenômeno que tenha ocorrido, ao esclarecer um fato, seja em sala de aula ou em
outros contextos. É empregado, ainda, para construir relações entre distintos aspectos ao
desenvolver um raciocínio. Nesse processo, pode aproximar distintas realidades e diversas
escalaridades, considerando a dimensão temporal e espacial, localizando, delimitando e, sob
estes aspectos, estabelecendo uma ação comunicativa que não se encerra em si mesma.
Pensar sobre o PPG do professor manifestado, por exemplo, em uma atividade realizada
a campo, tende a mobilizar um aparato de conhecimentos estruturados para raciocinar de modo
que as análises geográficas que realiza e que instiga nos estudantes consiga, de fato, amparar-
se na ciência geográfica moldada pedagogicamente para aquele grupo, naquele determinado
contexto e para aquela finalidade específica: construir o conhecimento do aluno sobre um tema
e determinado conteúdo em estudo. Para essa construção, entende-se que o professor,
previamente, terá pensado nas estratégias necessárias para conduzir essa atividade. É, no
entanto, no decorrer da atividade que vai percebendo os momentos em que precisa intervir,
lançar as perguntas previamente elaboradas, debater sobre determinado aspecto observado,
mobilizar os alunos a pensar as relações que ocorrem nesse recorte espacial e que tenham
relação com outros contextos, considerando, nesse sentido, as múltiplas escalaridades que
podem ser mencionadas e a dimensão espaço-temporal, que permite pensar o espaço em
diferentes momentos e sob distintas influências (naturais, sociais, culturais, econômicas).
179

O professor mobiliza um pensamento espacial que localiza, delimita, leva a perceber a


extensão, e, nesse movimento, precisa ter aportes de cunho teórico que forneçam subsídios para
ir além de uma análise de senso comum. É esse pensamento que o professor mobiliza que dispõe
de ferramentas para que tenha autonomia ao conduzir estes momentos no processo educativo.
Os aportes teóricos para constituir raciocínios geográficos perpassam, então, pela definição que
o professor faz a partir de uma determinada perspectiva de pensamento geográfico (ou da
mistura de perspectivas). Para analisar esse recorte espacial estudado em atividade de campo,
ele precisa mobilizar conceitos estruturantes (lugar, região, território, paisagem), categorias (o
espaço geográfico, a paisagem, o território, o lugar, o cotidiano) e os princípios a partir dos
quais pode conduzir as análises sobre determinado tema em estudo (conexão, analogia,
atividade, ordem).
A construção desse pensamento deveria ser um movimento inerente a todo professor de
Geografia, entretanto há situações em que o PPG não é sistematizado de maneira a mobilizá-lo
a realizar todas essas conexões. Isso pode mantê-lo excessivamente preso a determinados
recursos, como os livros, outros materiais didáticos ou outras ferramentas utilizadas para suprir
lacunas que possam trazer dificuldades para a construção do conhecimento geográfico. O PPG,
portanto, ao ser debatido, tanto na formação de professores na educação superior quanto no
contexto de atuação escolar, leva a abrir espaços para que, pela ação comunicativa, os docentes
reflitam sobre os aportes que amparam o seu trabalho. Em diálogo, estes profissionais podem
utilizar esse pensamento a fim de identificar possíveis lacunas e propor para si e para sua
atuação docente novas possibilidades de avançar na relação entre o que é específico da
dimensão pedagógica e da dimensão geográfica, que os auxiliem a ampliar sua autonomia e o
protagonismo na docência que realizam.
Protagonizar a condução do ato educativo para adentrar o conhecimento construído pela
humanidade ao longo do tempo e, a partir dele, construir novos conhecimentos sob o viés do
pensamento geográfico científico, tende a contribuir para fortalecer nos docentes a visibilidade
de si como sujeitos ativos, cujo pensamento é ferramenta essencial para atuar socialmente.

3.3 A autonomia docente e o Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG)

A relação que se estabelece entre autonomia docente e Pensamento Pedagógico


Geográfico se expressa pela ideia de que quanto mais bem estruturado e clarificado esse
pensamento estiver, maior será a possibilidade de que o professor, na prática de ensino, conduza
esse processo e estabeleça objetivos, estratégias e mudanças de rota, para atender às
180

necessidades dos alunos e daquilo que pretende desenvolver em sala de aula. A ideia é que o
professor, tendo um PPG organizado, consegue não apenas pensar de forma mais clara sobre
aquilo que ensina, mas também em relação a como e o que mobiliza para realizar esse processo.
A autonomia pode ser interpretada sob diferentes vieses e envolve tanto a dimensão
subjetiva do desenvolvimento humano quanto as interações sociais e as construções que são
realizadas no contexto profissional. Freire (2018, p. 105) considera que

Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de


repente, aos 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia,
enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data
marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em
experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em
experiências respeitosas da liberdade.

Referindo-se à construção da autonomia dos estudantes, guiada no contexto escolar pelo


professor, Freire (2018) salienta que ninguém é autônomo primeiro para depois tomar decisões,
e define a autonomia como um movimento processual, que vai se constituindo na experiência
de inúmeras decisões que vão sendo tomadas. O modo como tomamos decisões ao longo da
vida, seja em âmbito pessoal ou profissional, tende a sofrer modificações nesse percurso. Da
mesma maneira como ocorre com a autonomia da criança ao aprender, também o professor, ao
construir-se como docente, vai alicerçando e dando forma à sua autonomia, entrecortada por
diferentes dimensões essenciais nesse processo. A autonomia, segundo Freire (2018), requer
atenção do professor fazendo a travessia entre a heteronomia para a autonomia dos alunos, o
que exige que construa o caminho a partir da sua própria autonomia docente. Desenvolver a
autonomia envolve construir a “professoralidade” que dimensiona o protagonismo do professor.
A construção da autonomia no contexto pedagógico perpassa, então, tanto o
envolvimento do professor quanto as condições de inserção do aluno nesse movimento, dando-
lhe liberdade e responsabilidades. Pensando a mediação do professor para isso, é mister afirmar
que precisa, de fato, existir autonomia construída no professor, tanto como sujeito em suas
dimensões humanas, quanto no que se refere à formação docente. Essa autonomia é
desenvolvida em um contínuo processo construído desde o início da formação do profissional,
quando começa o percurso de construção de conhecimentos e de modos de pensar que
sustentam a ação docente e as escolhas que faz.
Nessa interpretação, a autonomia docente vai além da atividade de conduzir uma
formação com base em procedimentos e técnicas obtidas pela “transmissão” de conhecimentos
na academia, e sobre o conhecimento da ciência e da dimensão pedagógica. Compreende a
construção intelectual, contextual e subjetiva para consolidar uma formação profissional crítica
181

e reflexiva, que possa criar condições efetivas de exercê-la. Há exigência, na construção dessa
estrutura processualmente delineada, de uma capacidade de complexificação que envolve a
relação dos conhecimentos construídos e pensados pelo professor com uma dimensão mais
ampla, que é a leitura do mundo em contextos e situações diversas.
Britto (2002) interpreta a autonomia docente como uma ação em que os professores e
alunos, envolvidos no processo pedagógico, possam efetivamente tomar decisões e agir com
independência. Não constitui um aspecto individual e abstrato. É um fator político-social e
supõe um conjunto de condições de exercício profissional. Entende-se que nessa estrutura existe
uma dimensão subjetiva a ser considerada, própria do sujeito, que se refere à predisposição a
pensar, problematizar e complexificar as dimensões que o conduzem à autonomia; é sempre
tecida na relação que o sujeito constrói com o outro, com a sociedade, nas relações vivenciadas
no contexto em que atua, e, de modo mais amplo, também na conexão com espaços ausentes e
com as situações que ocorrem nestes espaços.
Nessa direção, Marcelo García (2005) expõe diferentes formas de desenvolvimento dos
professores ao longo da carreira: a) Desenvolvimento pedagógico e aperfeiçoamento do ensino
do professor mediante atividades centradas em determinadas áreas do currículo, em
competências instrucionais ou de gestão da classe; b) Conhecimento e compreensão de si
mesmo, que pretende conseguir que o professor tenha uma imagem equilibrada e de
autorrealização; c) Desenvolvimento profissional dos professores (cognitivo), de aquisição de
conhecimentos e aperfeiçoamento de estratégias de processamento de informação por parte dos
professores; d) Desenvolvimento teórico, baseado na reflexão do professor sobre sua prática
docente. Assim, para além de construir determinado conjunto de conhecimentos, é mister um
processo de desenvolvimento que possibilite que o professor continuamente reflita sobre eles.
Debater e consolidar estas dimensões requer construir possibilidades de avanços e de
mudanças a partir da escola, como espaço em que também ocorre a formação dos professores.
O contexto atual, permeado pela racionalidade técnica, entretanto, perpassa também o ofício
professoral. Diante disso, segundo Contreras (2002), debater sobre a profissionalidade requer
uma ampla gama de questões, haja vista que o discurso e a prática docente vêm sendo
conduzidos no sentido de uma aplicação técnica de conhecimentos, em que o professor apenas
executa um planejamento externo a partir de soluções instrumentais. Assim, situações que cada
vez mais direcionam os docentes a modelos prontos de aula, de avaliação e de condução desse
processo, desafiam esse movimento. Da mesma forma, um outro desafio é a construção de
espaços de diálogo entre docentes que contribuam à autonomia e ao protagonismo ante a um
processo que se amplia, no Brasil, em torno da proletarização do trabalho dos professores.
182

Esse processo, que tem ocorrido em diversos países, dificulta a autonomia docente.
Nesse sentido, conforme Contreras (2002), o trabalho docente tem sido levado a uma subtração
progressiva de qualidades, processo em que ocorre a perda de controle sobre seu trabalho; isso
porque, ao precarizar a formação docente e tratá-la como um modo de trabalho que se realiza
apenas pela transmissão de conhecimentos construídos por outrem, os docentes perdem espaços
de ação efetiva e de reflexão sobre seu trabalho e o propósito da educação que realizam. Diante
disso, é necessário, na docência, em todas as suas etapas e processos, refletir criticamente sobre
o trabalho, as visões de mundo e experiências construídas, o que poderá não apenas trazer
elementos para falar sobre a atuação docente, mas ampliar a autonomia, tendo em si as bases
para a docência e não um pensamento sustentado por outros profissionais.
A formação tomaria como parâmetro, segundo Contreras (2002), o domínio técnico a
partir dos saberes teóricos aliado à compreensão da prática educativa como compromisso social,
processo em que diversas relações são construídas. Esse caminho dá forma ao movimento
processual de construção da identidade docente, que perpassa as experiências de aprendizagem,
as trocas, os diálogos com os pares e conduz à gradativa ampliação da autonomia. No que
concerne especificamente à Geografia, Garrido (2005, p. 142-143), entende que:

En la construcción siempre riesgosa de nuestro conocimiento y de nuestra identidad


profesional-pedagógico-geográfica, las posibilidades de establecer una reflexión
sobre los mecanismos de aprendizaje en el contexto de la construcción de proyecto de
sujeto, son siempre amplias. El aprendizaje se instala como construcción de
significados, en tanto se amplían las capacidades para estructurar la experiencia en
torno a una meta cognitiva. No hay aprendizaje, sin significados, pero tampoco hay
aprendizaje sin una meta sobre el conocimiento. Es justamente en este sentido, que
aparece como prioritario el aprendizaje del espacio, en tanto remite a metas cognitivas
que el individuo considera necesarias para la construcción de su subjetividad. El
aprendizaje es visto en relación a cada una de las vivencias, y por tanto se supera la
idea del cumplimiento de logros en función del desarrollo biológico. Los estadios de
aprendizaje se encuentran situados, y su progresión ha sido estancada cuando se ha
intentado dinamizarla en base a la no autonomía.

O desenvolvimento da autonomia ocorre em um processo gradativo que não está


totalmente consolidado ao final da formação acadêmica inicial, ou seja, ao final dos cursos de
Graduação. A autonomia constitui um movimento orientado a partir da necessidade da
construção de conhecimentos e dos objetivos definidos para o processo educativo. É uma
trajetória que se constrói no continuum da vida e é um movimento consciente sobre a
incompletude do ser, sobre a constante caminhada que envolve a profissão professor e que
demanda espaço para experiências e para diálogos na interação com o conhecimento produzido.
É, portanto, um processo inacabado e que se constitui sempre na interação, seja com outros
183

sujeitos, com o conhecimento, com o ambiente e, também, com as indagações que o professor
se faz no cotidiano de suas tarefas educativas.
A abertura, ao olhar para si e sua atuação, com olhos de profissional atento, vigilante,
em constante busca por melhorias na condução da profissão, e ciente dos avanços que obtém
ao longo deste percurso, é um caminho para seu aperfeiçoamento. Nesse entendimento, o
professor constitui-se um sujeito interativo, ultrapassando o simples repasse de informações em
sala de aula, pela capacidade de decidir o que utilizar em aula e de produzir conhecimentos a
partir daquilo que sabe e do conteúdo curricular. Com base nisso, o professor não pode perder
de vista que existem distintas fases nesse processo. Marcelo García (2005) considera que o
objetivo de qualquer estratégia que pretenda proporcionar a reflexão consiste em desenvolver
nos professores competências metacognitivas que permitam conhecer, analisar, avaliar e
questionar sua própria prática, assim como os substratos éticos e de valor a ela subjacentes.
Estas dimensões precisam ser compreendidas de modo aprofundado em suas
complexidades pelos professores, tendo em vista que se relacionam à subjetividade, mas que
perpassam, principalmente, um conjunto de conhecimentos que se estrutura sob uma base
teórico-conceitual e pedagógica que compõe o pensamento complexo de que se utiliza para
realizar o seu trabalho, mediando o conhecimento de outros sujeitos. Nas considerações de
Garrido (2005, p. 141):

[...] cabría destacar que el sujeto intenta, diferencialmente construir subjetividad y


establecerse como sujeto autónomo, tarea un tanto compleja si se asume que la
relación pedagógica se manifiesta como un acto asimétrico, de intereses superpuestos
y con protagonistas diversos. Con todo ello, la experiencia compleja o total (ver la
similitud con el concepto de trama de Paulo Freire), o de modo específico, la
experiencia espacial se encuentra íntimamente relacionada con la efectividad del
proyecto de construcción de sujeto y es un acto, la mayor parte de las veces, con
objetivos transformativos que no deben seguir siendo desconocidos por los enseñantes
en su labor pedagógica.

Construir-se como sujeito autônomo e enquanto profissional é, portanto, uma


necessidade que perpassa o pensamento do professor, exercendo seu papel de protagonista e
intelectual a partir de um aporte geográfico. Essa construção torna possível escolher consciente
e autonomamente os recursos, as estratégias e os desdobramentos que pode fazer na prática de
ensino, em sala de aula, tendo um olhar mais complexo e organizado para, nesse movimento,
perceber em que situações agir de determinada forma e que recursos utilizar para isso.
A construção de aportes para o Pensamento Pedagógico Geográfico de Professor
(PPGP), a partir dos elementos até então mencionados, tende a conduzir o profissional a
estabelecer, de modo mais consistente, o seu trabalho e ampliar sua autonomia em relação a um
modo de pensar, que não descarte outras contribuições, mas que se constitua como um modo
184

de pensamento poderoso, alicerçado e capaz de embasar os raciocínios que mobiliza ao ensinar


Geografia. Ainda, contribui para construir um modo de abordar a Geografia na relação com o
conteúdo e com as análises que precisa propor aos alunos no processo educativo.
O PPG, então, tem relação com a autonomia na medida em que dispõe de condições
para o empoderamento do profissional docente para protagonizar, para transformar e atuar de
modo significativo em sala de aula. Isto posto, ante a um contexto em que o ensino de Geografia
é desafiado a transformar-se, utilizar o PPG como passo fundamental no sentido de tecer novos
rumos à Educação Geográfica, possibilita pensar outros aspectos geralmente negligenciados na
formação dos professores de Geografia, os quais, muitas vezes, dão ênfase maior à abordagem
metodológica, deixando outras dimensões menos evidentes.
A construção da autonomia de pensamento, de abordagem e procedimentos que os
professores de Geografia precisam fazer, parte da relação entre a dimensão subjetiva, de querer
fazer e de perceber lacunas, com a dimensão profissional que, em um primeiro momento, são
as dimensões que se aproximam na formação inicial. Mais adiante, outras dimensões que
perpassam a escola, o contexto, a sociedade e as legislações que aportam a educação brasileira,
vão sendo inseridas nesse movimento de construção do profissional professor. Estas passam a
fazer parte de uma etapa importante e essencial que diz do momento em que é preciso tocar
nestes assuntos, perceber como os professores têm notado estas dimensões e que espaço estas
ocupam na construção da professoralidade. A autonomia docente, portanto, sob um olhar
acurado e amparado pelo PPG de professor, tende a ganhar maior notoriedade e servir, na
Educação Geográfica, para direcionar percursos para qualificar o ensino de Geografia.

3.4 O Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG) como possibilidade para além do livro
didático

Ao considerar a afirmação de que o Pensamento Pedagógico Geográfico contribui para


a construção da autonomia docente, logo pode-se afirmar também que esse modo de pensar,
que torna o professor mais autônomo e mais protagonista do fazer docente, o conduz para um
formato de relação com o livro didático que tende a ser mais questionador e consciente das
propostas deste material. Compreende-se, é claro, que essa relação tende a ser mais autônoma
também no contato com outros recursos, como textos complementares de revistas, sites,
atividades, vídeos, filmes, ou outros materiais que possa utilizar no planejamento das aulas. A
ênfase no livro didático, no entanto, leva em conta a presença deste material na escola como
185

uma política pública que, há mais de 80 anos, existe no país, embora a ampliação da distribuição
de coleções didáticas para todos os níveis de ensino seja mais recente.
É evidente que existem distintos modos de se relacionar com os materiais didáticos,
conforme já mencionado no segundo capítulo. Em um contexto como o atual, em que os livros
didáticos têm ganhado espaço e investimentos ainda maiores, entretanto, importa estabelecer
espaços de debate nas escolas e nos cursos superiores de formação docente para abordar,
também, a presença e a influência dos livros didáticos na prática educativa. Há, nesse sentido,
um jogo de forças: de um lado, a defesa de seguir um livro didático, de outro, a autonomia do
professor em definir aquilo que deva ser utilizado como recurso e ensinado em sala de aula.
O livro didático, em muitas realidades, é um material supérfluo e, por vezes,
desnecessário perante a quantidade de recursos e possibilidades disponibilizadas ao professor.
Em outras realidades, é o único recurso que chega e ao qual as crianças e jovens têm acesso
durante a vida escolar e, muitas vezes, durante toda a sua trajetória de vida. Assim, debater
sobre a importância da presença dos livros didáticos em sala de aula não nos cabe nesse
momento, embora considera-se pertinente que isso seja uma constante no contexto escolar,
levando-se em conta desde os usos, custos e procedimentos referentes aos livros didáticos e as
diversas realidades sociais, culturais e econômicas do país, que envolvem distinções no uso
destes materiais.
Diante disso, os desdobramentos da utilização dos livros didáticos são múltiplos e
requerem, portanto, ir além de pensar em que medida esse material é usado. Debater sobre os
aportes empregados pelos professores sobre aquilo que pensam e conhecem para estabelecer
relações com esse material didático, seja para escolher uma coleção didática ou pelo modo
como utilizam essa coleção, pode contribuir no processo de ensino e aprendizagem.
O livro didático pode ser um recurso pedagógico importante quando o professor
consegue fazer escolhas tendo um objetivo específico a ser alcançado, seguindo determinados
parâmetros e estabelecendo conexões entre conhecimentos que viabilizem um processo
educativo bem-delineado. Há, perante isso, muito a ser debatido sobre como ensinar uma
Geografia que relacione, questione e responda as dúvidas que emergem no cotidiano da vida
sem utilizar, como único caminho, a proposta que o livro didático apresenta. Na docência, o
desafio dos professores é propor um processo de aprendizagem que contemple diferentes
suportes e conhecimentos essenciais à dinâmica da aula e, mais do que isso, que possam
explicitar o motivo de suas escolhas para desenvolver esse processo, sem desconsiderar as
orientações curriculares que perpassam esse seguimento.
186

Debater a utilização dos livros didáticos a partir das inquietações que se apresentam aos
professores, tende a contribuir para ir além de aulas comuns, baseadas em ideias oriundas
somente de outros sujeitos e repassadas adiante, por vezes sem uma conexão efetiva com o
mundo da vida. O constante desafio perpassa pelo conhecimento dessa ciência, ricamente
produzido ao longo do tempo e da evolução humana no mundo, aliado à dimensão da
aprendizagem. Nessa direção, assumir como caminho o Pensamento Pedagógico Geográfico
(PPG) leva a transformar o conhecimento construído no professor em algo que seja
contextualizado e tenha significado na dimensão educativa, para que possa estabelecer
caminhos para chegar à Educação Geográfica com autonomia nesse processo e na relação com
o livro didático consultado.
Sob a perspectiva da autonomia docente com aporte no Pensamento Pedagógico
Geográfico de Professor, procura-se perceber os elementos que emergem e contribuem à
autonomia do docente na relação com o livro didático. Nesse exercício, a pesquisa empírica
favorece o diálogo com os participantes, momento em que se procura interpretar aspectos da
compreensão que têm esses professores que atuam na educação básica sobre as relações entre
autonomia docente e livro didático. Assim, busca-se perceber, nas falas, os desdobramentos da
relação que estabelecem com este material.

A construção da autonomia pelo olhar do professor64

São inúmeros os desdobramentos sobre a autonomia do professor que resultam das


entrevistas com os professores de Geografia da educação básica sobre aspectos que emergem
do entendimento da relação entre autonomia docente e livro didático. Nota-se, na maioria dos
professores, um movimento processual de construção tanto da autonomia quanto da consciência
dessa autonomia, que envolve distintos elementos, muitos deles expressos nas falas. Interpreta-
se que a autonomia pode ser potencializada pela consciência de que ela é necessária e, num
movimento dialógico, possibilita refletir sobre ela e contextualizá-la no âmbito da docência.
Considerar a autonomia docente na relação que o profissional estabelece com distintos
conhecimentos, com o contexto escolar, a realidade vivida e o material didático disponível, são
questões complexas. Interpretá-las a partir das experiências dos docentes constitui-se como um

64
A síntese das entrevistas que abordam a construção da autonomia do professor pode ser acessada no Apêndice
20, página 271.
187

passo importante para debater questões essenciais na docência em Geografia ao articular


Pensamento Pedagógico Geográfico de Professor e livro didático.

Significações sobre a construção da autonomia do professor

As interpretações evidenciam que existem diferentes relações que os professores


estabelecem com os livros didáticos. Surgem, então, nas falas dos professores, distintas
possibilidades de interpretar seu modo de pensar a autonomia que desenvolvem nessa relação.
Nesse sentido, as categorias elencadas se aproximam dos seguintes itens: a) A influência da
formação e da atuação na construção da autonomia docente (A construção da autonomia
docente pela relação teoria-prática; A construção da autonomia docente pela formação
continuada; A construção da autonomia docente é processual); b) A construção da autonomia
docente sob influências da estrutura escolar (a relação dialógica na construção da autonomia
docente; infraestrutura e recursos didáticos); c) A dimensão subjetiva e social na construção da
autonomia docente (a construção da autonomia docente pela constante vigilância; a construção
da autonomia influenciada pelos contextos histórico, social e cultural); d) Dimensão relacional
entre o Pedagógico e o pensamento Geográfico (relação pensamento pedagógico e geográfico).
Estas dimensões são analisadas nas categorias a seguir:
a) A influência da formação e da atuação na construção da autonomia docente: refere-se
ao modo como a formação inicial e a inserção em sala de aula contribuem para a construção
da autonomia do professor de Geografia.
– A construção da autonomia docente pela relação teoria-prática: esse aspecto é
compreendido de modo diverso pelos professores entrevistados e aparece nas falas de vários
deles. Perpassa o entendimento de que o conhecimento teórico é base para construir e
reconstruir o olhar do professor constantemente (P1, P3, P5, P8). A possibilidade de crítica
sobre seu próprio trabalho demanda, então, um ponto de partida que advém do conhecimento
construído durante a formação acadêmica inicial. Segundo P2, ela serve de base e,
posteriormente, o professor vai complementando-a, mas é importante lembrar que ele sai
“licenciado” da academia, com um conjunto de conhecimentos base que lhe dão maior
segurança e suporte para pensar e organizar assuntos de modo diferenciado. Se forma
professor, no entanto, à medida que vivencia a sala de aula, tencionando e relacionando as
diversas dimensões e os distintos conhecimentos inerentes à práxis docente.
Quando essas dimensões não estão bem-estruturadas ou não são refletidas pelo
professor, ocorrem situações que dificultam o trabalho docente e a construção da autonomia: 1.
188

Fragilidade quanto ao conhecimento teórico: Pt1 menciona que faltou estímulo a leituras e
maior embasamento teórico, e isso pode ter dificultado seu trabalho no início da docência. 2. A
fragilidade da dimensão pedagógica: aparece em relação aos aspectos pedagógicos; o como
ocorre a aprendizagem. 3. A fragilidade da dimensão metodológica: quando um professor
considera que não ocorreu, na Graduação, um aprofundamento sobre determinadas questões de
como desenvolver as aulas no contexto escolar (Pt2). É uma dimensão também mencionada por
P3 em relação à didática e à metodologia, que são construções. P7 considera que existem
diferenças em cada professor em relação às expectativas da sala de aula e, nesse sentido, por
vezes o foco centra-se em pôr em prática a partir de determinadas metodologias, trazendo
inovação, mas sem considerar quais os alicerces dessas escolhas. Então, o professor, às vezes,
se perde, não identificando esses elementos essenciais. Nesse processo, vai testando para
construir um trabalho de qualidade, mas nem sempre constrói argumentação para explicar a
finalidade disso e porque age dessa forma no exercício docente.
Essa interpretação evidencia a autonomia no sentido de interpretar, analisar e dialogar
com o livro didático. Isso emerge ao desenvolver e estruturar o conteúdo a partir da autonomia
do pensamento. Pt2 menciona essa autonomia ao organizar os conteúdos a partir de grandes
temas, estabelecendo relações que considera mais coerentes, sem seguir a distribuição
fragmentada de conteúdos do livro didático. Na maioria dos livros o estudo dos conteúdos
organiza-se por continentes (e sua setorização em aspectos físicos, humanos e econômicos).
Alguns apresentam-se estruturados a partir da divisão entre países subdesenvolvidos e países
desenvolvidos (e sua setorização em aspectos físicos, humanos e econômicos). Pt2 apresenta
seu ponto de vista sobre os autores de livros didáticos identificando sua perspectiva de
pensamento. Esse interesse que demonstra pelo conhecimento dos livros didáticos e pelo viés
de pensamento de seus autores, tende a contribuir para que o professor, na prática docente,
relacione o conhecimento científico acadêmico a partir das tendências de pensamento
geográfico, com a dimensão escolar para tecer relações que contribuam às escolhas que faz e,
nesse sentido, para a relação com os livros didáticos que usa.
Quando o professor não relaciona aspectos da formação acadêmico-teórica e da prática
que vai construindo no exercício da docência, a tendência é demonstrar maior dificuldade de
compreender as tramas que conduzem a um processo educativo de qualidade. Nesse contexto,
sua autonomia fica fragilizada e surgem dificuldades ao definir o que e como proceder em sala
de aula e em relação ao livro didático. Além destes aspectos, é necessário considerar que a
prática dá certa medida às ações do professor. Para Pt2, a prática docente permite perceber que
cada aluno significa e dá sentido de modo singular ao que aprende, portanto o professor precisa
189

saber se colocar no lugar do outro. A prática direciona o processo, e pelo andamento da aula se
desenvolvem as adaptações, uma vez que a aula, segundo Pt2, é matéria em movimento.
– A construção da autonomia docente pela formação continuada: a Graduação apenas,
mesmo sendo essencial, não consegue sozinha expandir e alargar o olhar do professor. É dessa
forma que alguns destes compreendem a autonomia. A formação continuada é mencionada a
partir de investimentos em eventos e cursos de formação de professores (P1, P5, P6), e
também pela ideia de se manter informado e ser pesquisador, indo além de projetos básicos,
aprofundando reflexões que avancem além do exercício prático realizado na escola.
– A construção da autonomia docente é processual: traz a ideia de que a autonomia vai sendo
construída ao longo do tempo (P2), embora possa ter diferentes tempos em cada sujeito; alguns
saem mais autônomos da academia, enquanto outros demoram mais tempo nessa construção,
desenvolvendo níveis diferentes de segurança no trabalho que desenvolvem (P3). Pode-se
destacar que a maturidade surge como elemento importante: 1. Maturidade a partir do
conhecimento construído; e 2. Maturidade desde a segurança do que desenvolve em aula. A
segurança requer pensar tanto no sentido de construir novas possibilidades quanto de, a partir
de experiências, construir mais segurança e adquirir maturidade nesse movimento sempre
constante. O professor nunca sai “pronto” da academia, muito embora devam existir condições
mínimas para que realize um trabalho de qualidade e coerente desde a inserção em sala de
aula como docente. Essa maturidade do professor refere-se a entendimentos que consegue
construir e complexificar no contexto da formação inicial e continuada. Não se refere ao tempo
absoluto, uma vez que se remete a um conjunto de conhecimentos que perpassa, em grande
medida, a dimensão subjetiva de cada sujeito em formação.
b) A construção da autonomia docente sob influências da estrutura escolar: perpassa
aspectos que envolvem a escola e que, de certo modo, influenciam o professor no processo
de condução do ensino e da aprendizagem.
– A relação dialógica na construção da autonomia docente: tecer diálogos com a equipe de
coordenação e direção da escola e o diálogo com os colegas de área e de outras áreas é um
dos elementos que contribui para a autonomia docente, segundo P7. Isso traz à tona a ideia de
que o trabalho docente não é um processo fragmentado e que se realiza apenas em sala de aula
entre professor e alunos. Nesse sentido, expor ideias, pedir e fazer sugestões e solicitar
feedback, podem constituir oportunidades de desenvolvimento conjunto, embora deva-se
levar em conta que, em algumas situações, como relatou P5, ao considerar que há contextos
em que a coordenação não dialoga com o professor, pode dificultar a autonomia no trabalho
e no planejamento. Mesmo com dificuldades, toda tentativa é válida e precisa ser feita.
190

– Infraestrutura e recursos didáticos: a autonomia do professor requer a disponibilidade de


recursos físicos, de infraestrutura e recursos didáticos (P5, P8). Torna possível que o professor
construa materiais para o seu trabalho; em situações em que isso não existe, dificulta mais o
trabalho docente. Nesse conjunto, considera-se, também, o tempo disponível para
planejamento, que envolve: 1. Desenvolvimento de ideias e construção de possibilidades; 2.
Leituras e interação com outros professores; 3. Produzir com qualidade e criatividade
(materiais, aulas, projetos, etc.). Essa estrutura, a partir das ideias de P8, mostra que a
autonomia docente depende da estrutura que a escola dispõe não apenas de espaço e recursos,
mas de um ambiente receptivo e motivador para que o professor esteja em constante
movimento.
c) A dimensão subjetiva e social na construção da autonomia docente: refere-se a aspectos
que influenciam na autonomia do professor a partir da sua subjetividade e das relações que
constrói socialmente.
– A construção da autonomia docente pela constante vigilância: essa dimensão envolve
perceber que a docência exige constante atualização. O estudo precisa ser contínuo, pois a
Geografia é dinâmica e o processo de construção da autonomia é individual (Pt2, P2, P3).
Uma ideia é que o professor construa sua postura e determinado conjunto de atitudes. Pode
ceder em alguns pontos, posto que a aula é flexível, mas sempre atento à postura, que se difere
do aluno (Pt2). Perpassa essa dimensão a paixão (P1), o gostar e se sentir bem naquilo que faz
e naquele ambiente (P6); ainda, ter vontade de melhorar e aperfeiçoar seu trabalho (P5).
Iniciativa e organização são duas ideias que convergem para que o professor possa construir
caminhos no exercício da docência. Isso, segundo P6, contribui para criar a sua identidade.
– A construção da autonomia influenciada pelos contextos histórico, social e cultural: perpassa
o entendimento de que o trabalho do professor é constantemente influenciado por fatores externos
a ele, dentre eles o contexto em que atua. Em uma situação de indisciplina, por exemplo, ou em
situações em que o professor é constantemente desafiado ou impossibilitado de desenvolver seu
trabalho, tornando-se mediador de conflitos, há um reflexo da estrutura social que interfere no
desenvolvimento dessa autonomia em relação à condução da aula e à definição e execução de
etapas, que fica comprometida. Isso aparece no relato de P3. Pt1 considera importante a relação
de confiança entre escola e família no trabalho do professor. Também envolve o grau de liberdade
que o professor tem para tomar iniciativa ou decisões no contexto em que atua (P4) em relação ao
que consegue desenvolver naquela realidade, não podendo esquecer do sentido da educação, que
serve para compreender diferentes contextos (Pt2). A construção da autonomia tem relação com
as vivências de mundo que o professor adquire, conforme menciona P3, e que vão além da
191

formação acadêmica. Pode-se considerar as leituras que alguns professores realizam e a inserção
em contextos e situações diversas.
d) Relação Pedagógico-Geográfico: envolve as percepções mobilizadas a partir do
pensamento geográfico do professor aliado à dimensão pedagógica, como elemento central
para tecer aproximações, mencionar inquietações e construir argumentações que contribuam
para justificar as relações entre a autonomia de professor e o livro didático. Essa estrutura,
construída pelo professor, compreende as bases para explicar e explicitar o que emerge de
geográfico de suas interpretações subjetivas.
P1 considera a relação que inicia na Graduação e se expande na formação continuada e na
preparação do que precisa ser trabalhado em sala de aula, ou seja, a relação do conhecimento
específico da Geografia com o conhecimento pedagógico e didático do que deve ser feito. Envolve,
nesse sentido, a teorização sobre aquilo que apreendeu e que alicerça o professor na relação com as
vivências práticas e a interação com os sujeitos. Essa teorização remete ao pensamento geográfico,
embora não tenha sido mencionado pelo professor. Em P6 aparece a necessidade de o professor ser
pesquisador como uma dimensão fundamental, tanto em relação ao conhecimento específico quanto
ao como o ser humano aprende, o que envolve o pedagógico.
P8 apresenta diferentes ideias que contribuem a pensar a autonomia docente nessa
perspectiva de inter-relação contínua geográfico-pedagógica. Salienta que uma boa
formação faz valer-se de um conhecimento (teórico, geográfico) para pensar e mencionar o
livro didático (se relacionar com ele), e contribui para refletir sobre a prática, o que produz
em sala de aula, como faz esse trabalho e o que precisa para produzir conteúdo para a
Geografia escolar. O professor demonstra, ao relacionar estes aspectos, que essa clareza não
existia inicialmente, uma vez que não tinha discernimento sobre o que é o currículo e o que
é a Geografia escolar. Não lhe servia apenas ter a clareza do marco teórico que utiliza para
suas abordagens, para suas reflexões e para estruturar seus materiais. Precisava
compreender de que forma a escola se organiza, como “funciona” a Geografia escolar e sob
que aspectos. Salienta que isso foi construído aos poucos.
Perpassando todos os relatos e as ideias do que seja autonomia docente, pode-se
perceber que a autonomia não se constitui apenas sob aspectos teóricos na formação inicial e
de seu aperfeiçoamento na formação continuada; ela requer sempre um movimento relacional
da teorização que parte destas esferas, sempre permeadas pela busca, pela pesquisa, pela leitura
para além da academia, com as interações possíveis com o contexto da escola, os pares, os
alunos, a estrutura disponível, condições que possam ampliá-la, seja de modo subjetivo ou sob
aspectos profissionais. Tudo isso, porém, passa pela forma como o professor reflete, pensa,
192

organiza e prioriza sua profissão; parte do pressuposto que é preciso “abrir-se” à docência,
investigar, sanar as próprias dúvidas, argumentar sobre suas escolhas e finalidades.
A preocupação maior é que grande parte dos docentes trazem consigo esses
questionamentos e nem todos têm essa clareza do que seja a Geografia escolar, do que comporta
o currículo, do que seja essencial ensinar a partir de determinado suporte científico e de que
forma fazê-lo no cotidiano da sala de aula, que é permeado por dificuldades e desafios. Nesse
sentido, a construção da autonomia tende a ser uma constante entre os docentes, refletindo sobre
a sua própria construção profissional com centralidade em suprir as dificuldades e dúvidas que
têm em relação a temas que necessitam maior esclarecimento.
Pensar sobre o pensamento do professor e sobre as bases que fundamentam sua
docência, é essencial para que se estabeleça, de modo claro e coerente, aquilo que constitui seu
referencial de trabalho, seja ao desenvolver propostas de trabalho, como uma aula de campo,
análise de mapas ou de determinados fenômenos, seja ao se relacionar com o livro didático e
com ele dialogar ante as necessidades da realidade em que atua. Parece uma ideia comum
abordar os livros didáticos, tendo em vista que fazem parte das escolas e estão, em muitas
realidades, integrados às dinâmicas das aulas de forma tão intensa que acabam por se tornar
centralidade. É essa a questão a ser debatida a partir dos professores, uma vez que é pela
autonomia de pensamento e de ação que o profissional pode, na intercomunicação com outros
professores ou na indagação sobre o planejamento do seu trabalho, perceber em que medida
este recurso tem sido utilizado. Essa questão certamente põe o livro didático como foco da
análise, mas não como o elemento de onde emergem propostas e ideias a serem seguidas; pelo
contrário, é o pensamento do professor que deve indagar e investigar o livro didático como um
objeto a ser conhecido, antes mesmo de ser utilizado com os estudantes.
Indagar o papel do livro didático, seja pela sua função colaborativa ou sua função
formativa do alunado, pelo seu papel de propositor de propostas didático-pedagógicas ou seu
papel de recurso complementar, é uma necessidade permanente e latente entre os professores,
assumindo como centralidade a sua formação profissional como suporte para responder a estas
indagações. Investigar o livro didático é, portanto, função do professor. Para assim proceder,
reitera-se a defesa de colocar o Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG) em evidência como
o sustentáculo que possibilita construir condições de o professor dizer a própria palavra, e, para
além disso, saber porque assim diz, o que contribui para que pense dessa maneira e aja da forma
como age em sala de aula, e porque utiliza-se dos suportes e estratégias que emprega.
193

3.5 O Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG) na/para a Educação Geográfica

Aproximar Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG) e Educação Geográfica sob o


viés da autonomia docente, traz a ideia de que, no ensino de Geografia, o professor precisa
assumir espaço importante na mobilização de conhecimentos a serem construídos, utilizando-
se de um modo de pensar e abordar geograficamente constituído, que contribui para a
aprendizagem e o protagonismo dos alunos. O Pensamento Pedagógico Geográfico contribui
ao desenvolvimento do raciocínio geográfico, capaz de organizar os elementos no pensamento
do professor para conduzir a análise geográfica. Esse modo de pensar construído permite
mobilizar mentalmente aportes que possibilitam raciocinar e conduzir o processo educativo que
é essencial para análises e interpretações nesta ciência.
Habilidades relacionam-se às capacidades que podem ser desenvolvidas pelo ser
humano. Podem ser desenvolvidas a partir do estímulo que exige a utilização de mecanismos
do cérebro para exercer determinada atividade/função. Quando relacionadas à dimensão
cognitiva, têm relação com os processos de aprendizagem e também com a memorização. Para
desenvolvê-las, não é suficiente, entretanto, que sejam memorizadas, mas que sejam
apreendidas e utilizadas na construção de novos conhecimentos. Essas habilidades na Geografia
relacionam-se aos processos de observar determinado fenômeno, descrever situações,
elementos ou qualquer aspecto relevante na análise, identificar distintas características,
comparar elementos, recortes espaciais ou situações, associar fatores, reconhecer diferenças e
semelhanças que possibilitem estabelecer um raciocínio e relacionar distintos fenômenos ou
situações que ocorrem no espaço.
Construir essas habilidades possibilita ter aportes para realizar análises geográficas. Na
Geografia utiliza-se, nesse processo, descrição, localização, delimitação de fenômenos e
situações, perpassando pela compreensão com base em relações entre sociedade e natureza e da
vida humana no espaço em diferentes dimensões, multiescalaridades e multitemporalidades em
constante dinâmica e conexão.
No contexto escolar, o Pensamento Pedagógico Geográfico mobilizado pelo professor
dispõe de um modo de pensar e abordar dessa área do conhecimento, contribuindo, em
diferentes sentidos, para construir saberes na escola: a) É a continuidade da tradição dos
conhecimentos produzidos ao longo do tempo e que se considera necessária às futuras gerações;
b) Compreende uma forma de conhecimento que possibilita pensar espacial (de modo concreto)
e geograficamente (sob aportes da ciência, considerando as interações do espaço vivido e o
194

espaço ausente, imaginado e subjetivo); c) Dispõe de informações sobre o mundo e permite


refletir e problematizar sobre diferentes sociedades, situações e fenômenos.
A Geografia, também em âmbito escolar, é capaz de gerar conhecimentos e tem no
professor a centralidade na condução desse processo, que pode levar a transformar os sujeitos
e as sociedades em relação aos conhecimentos espaciais (referentes de modo mais específico a
determinado recorte espacial e suas interpretações) e geográficos (considerando o espaço e as
múltiplas interpretações possíveis a partir da Geografia). A dimensão do conhecimento
geográfico científico traz contribuições, mas precisa também se relacionar a outros aspectos
que contribuem para a construção de novas proposições que possibilitem desenvolver um modo
de pensar geograficamente. Este tem sido um desafio do trabalho dos professores na formação
dos sujeitos para atuar no mundo.
Nas palavras de Martija e Silva (2013), a posição da Geografia como disciplina
científica, capaz de gerar conhecimento útil para a sociedade, tem direta relação com a
alfabetização científica dos habitantes de um país ou região. Dessa forma, pessoas capazes de
compreender os fenômenos do ponto de vista geográfico e alfabetizados geograficamente,
contribuem a uma melhor apropriação das problemáticas do território vivido, sendo este um
propósito fundamental da Educação Geográfica.
Para construir conhecimentos com os alunos e conduzi-los à alfabetização geográfica
para agir e interagir socialmente, o professor é quem mobiliza e articula, inicialmente, as
possibilidades de leitura e compreensão do mundo e das relações sociais nele vivenciadas.
Emprega, para isso, a Geografia construída ao longo do tempo, contextualizando-a no sentido
de formar cidadãos críticos e atuantes em um mundo em constantes transformações, a partir do
que se convém denominar como Educação Geográfica. Conforme Callai (2013), a Educação
Geográfica refere-se ao aspecto crítico de como fazer o ensino de Geografia – conteúdo
específico de uma matéria de ensino curricular e de uma ciência que se constitui como tal para
compreender a sociedade a partir da análise espacial. É essa criticidade que permite ao aluno
um olhar de cidadão sobre si e a sociedade em que convive e a partir da qual se relaciona com
o mundo. Requer, também, ir além de um simples ensinar. “A Educação Geográfica considera
importante conhecer o mundo e obter e organizar os conhecimentos para entender a lógica do
que acontece” (CALLAI, 2013, p. 44-45).
Constitui-se de um processo que vai além de definir como e para que ensinar, exigindo,
conforme aponta a autora (2011b), posturas que avancem da simples transmissão de
conhecimentos na escola. Compreende, então, o movimento cognitivo do professor a partir do
conhecimento sustentado em pensar e planejar processos que precisam ser mobilizadas para, no
195

contexto educativo, em sala de aula, construir com os estudantes esse processo de aprendizagem
específico na relação com a realidade vivida. Isso é de extrema importância, tendo em vista
que, conforme salienta Callai (2016, p. 11), “se nós não conseguirmos entender o pensamento
geográfico nós vamos ficar repetindo e fragmentando o ensinar”, o que demanda ter subsídios
para construir os processos pelos quais conduzir essa educação significativa e diferenciada.
Pressupõe, então, uma construção didaticamente conduzida sob o ideal não apenas de
localização espacial, da dimensão concreta que nos insere no espaço, mas considerando as
abstrações, subjetividades e complexidades do pensamento em situar-se espacialmente no
mundo, em compreender o mundo vivido e as confluências e divergências que perpassam
também os espaços ausentes.
Com eles pode-se estabelecer, dialogicamente, inter-relações e complexificações ao
abordar diferentes temas sob um olhar geográfico. A partir desse conhecimento, pode-se ensinar
e aprender geograficamente todo e qualquer conteúdo, seja ele a partir de uma proposta do livro
didático ou de outros materiais que o professor puder utilizar. Poderá situá-lo no espaço,
mencionar diferentes escalas de análise, localizar sua área de abrangência, problematizá-lo a
partir das interpretações dos estudantes e complexificá-lo desde determinadas perguntas – Por
quê? Como? Para quê? De que maneira? Sob que aspectos e perspectivas? – utilizando
linguagem e método geográfico para compor as conexões necessárias. Chegar a esse nível
demanda considerar o processo da aprendizagem pelo desenvolvimento cognitivo, construído
na relação com o contexto histórico-social.
Partindo do desenvolvimento cognitivo, o professor estabelece objetivos e metas para o
ensino escolar coerentes com cada etapa, complexificando o processo à medida em que se
avançam as etapas. Nesse sentido, também são ampliadas as construções teórico-conceituais na
relação com o espaço vivido, as dinâmicas do mundo, das conexões e das localizações.
Conforme Garrido (2005), aprender a localização em um nível mais aprofundado compreende
o conhecimento da posição como um passo inicial que visa a níveis mais complexos, buscando
desenvolver um conhecimento situado e contextualizado. Conforme o autor (2005, p. 139-140):

En dichas aportaciones se refleja además, el carácter condicionante de la


configuración espacial. El espacio es resultado de una construcción de experiencia, al
mismo tiempo que condiciona la dinámica posterior de la misma. El objeto de la
geografía, se reafirma en lo significativo al mismo tiempo que en lo histórico; se
amplía en su sentido material al mismo tiempo que mental; se potencia en lo fijo y en
lo dinámico; se educa en relación a si mismo y a los demás.

O espaço constrói-se e se transforma dando condições de que seja pensada a dimensão


das relações como possibilidade de ler o mundo em constante interação. É um processo
196

necessário de reflexões sobre o conhecer de Geografia pelas informações do passado e do


presente, além de considerar o conhecimento sobre educação e a dimensão humana das relações
social e cognitivamente construídas, as quais constituem aspectos que o professor precisa
utilizar como parâmetros para o pensar e o abordar na prática educativa.
Desse modo, o professor, ao organizar a forma como ensina, emprega seu pensamento
e suas formas de interagir. O pensamento é mobilizado para tomar decisões e para conduzir um
processo de ensino que não pode basear-se única e exclusivamente pela dimensão prática, pela
experiência e pela simples ação reflexiva. Pensar a Educação Geográfica é, necessariamente,
um movimento que se utiliza de um emaranhado de conhecimentos que contribui ao
empoderamento do professor; isso efetiva-se a partir da relação entre a dimensão teórico-
científica, histórico-social, política, cultural e subjetiva, que, na relação com o espaço e com os
sujeitos, comporta significações ao professor e à forma como organiza e constitui seu
pensamento.
Este profissional, ao ensinar Geografia, tendo essa noção, poderá refletir criticamente e
saber explicar o processo de ensino em suas diferentes etapas e, também, quais resultados
pretende obter pela forma como educa geograficamente. Dito isso, reitera-se a ideia de que o
Pensamento Pedagógico Geográfico pode conduzir e potencializar a Educação Geográfica, esta
que é o objetivo do trabalho do professor de Geografia e que precisa constituir caminho na
relação autônoma e protagonista deste profissional com o livro didático.
Nesse processo, ao mediar a formação dos alunos, o professor faz uso de conhecimentos
e concepções que lhe possibilitem desempenhar suas funções, o que envolve pensar, antes disso,
em como ocorre a formação do professor-cidadão, cuja dimensão, segundo Suertegaray (1995)
abarca: 1. O conhecimento teórico e metodológico: considera o conteúdo e o modo como ele
precisa ser ensinado; 2. O conhecimento pedagógico: compreende a estrutura de
procedimentos e decisões de como desenvolver a aula, no intuito de favorecer a construção do
conhecimento do estudante; 3. A educação geográfica e cidadã: demanda proporcionar aos
estudantes que, a partir da sala de aula, desenvolvam a leitura e a compreensão do espaço e das
dinâmicas do mundo. Considera-se, ainda, como um quarto elemento: 4. O contexto em que
se inserem: as dinâmicas socioculturais e históricas, que envolvem viver e compreender os
ritmos e as diversidades presentes na sociedade. Com base nessa estrutura, considera-se que o
primeiro elemento, definido pela dimensão do conhecimento do conteúdo, mencionado pela
autora, deva ser reinterpretado, adequando a ela a dimensão do Pensamento Geográfico do
Professor, este que, aliado ao segundo elemento, abarca o Pensamento Pedagógico Geográfico,
e, relacionado aos demais aspectos, compreende a seguinte estrutura:
197

Figura 21 – Estrutura de relação Pensamento Pedagógico Geográfico no professor de


Geografia

Elaboração: Carina Copatti (2018).

O professor, constituído pela estrutura do pensamento pedagógico geográfico, pode


construir modos de raciocinar que subsidiam as análises geográficas que faz e, mais do que
isso, é uma estrutura que possibilita que relacione a ciência por ele apreendida com as dinâmicas
do espaço geográfico no qual as sociedades atuam na relação com a natureza. É por este aporte
que observa e medeia as interações no sentido de auxiliar a construção da Educação Geográfica
com os estudantes, não apenas como um processo de aprendizagem geográfica significativa,
mas considerando o agir e o atuar no mundo de modo efetivo, numa perspectiva cidadã. Para
tanto, não lhe basta apenas a estrutura geográfica e pedagógica, precisa da dimensão cognitiva
mais ampla (de legislação, de aprendizagem, de currículo, de estrutura educacional), aliada às
dimensões histórico-cultural e subjetiva, que são condicionantes para pensar um processo
educativo que seja significativo ao docente, em primeiro lugar, para poder conduzi-lo ao
trabalhar em sala de aula.
Essa estrutura é basilar ao planejamento que o professor pode construir a partir das
dimensões cognitiva, contextual, pedagógica e subjetiva, mobilizando mentalmente sua
organização de pensamento geográfico para definir como conduzir a Educação Geográfica de
modo dialógico, pelo raciocínio e análise geográfica. Não basta, nesse sentido, ter um
pensamento poderoso e complexo estruturado, posto que essa estrutura, mesmo bem-
consolidada, pode não garantir um processo em que se tenha êxito na construção de raciocínios
198

e análises geográficas claras e coerentes com a realidade ou o contexto observado. Nesse


sentido, o emaranhado que comporta a formação docente é complexo e dinâmico, o que requer
constante aperfeiçoamento do professor e o cuidado em refletir sobre estes aspectos, seja
pensando seu trabalho individualmente, seja pensando esse trabalho no sentido da aproximação
com outros profissionais.
Refletir e complexificar a estrutura de conhecimentos do professor, permite que se
perceba como ele realiza mentalmente a organização e a utilização destes elementos para
desenvolver um processo educativo que redimensione o ensino de Geografia no sentido da
Educação Geográfica. Esse movimento constitui-se na relação contínua e dialética entre o
pensamento e o modo de abordar geograficamente. Não há um jeito coerente de abordagem, de
proceder no ensino, sem que haja uma estrutura de pensamento estabelecida. Da mesma
maneira, não há um pensamento organizado sem que se considere a forma como abordar e como
possibilitar a construção de novos conhecimentos. Pensamento e procedimento, nesse sentido,
se relacionam e potencializam a Educação Geografia.
Considera-se que há três movimentos ou três ações que se desdobram no processo
educativo e que comportam os elementos anteriormente mencionados. Estes procedimentos são
considerados essenciais a todo professor e em todo processo de pensamento e abordagem
geográfica. São eles: contextualização – argumentação – significação - problematização,
cuja relação dialógica possibilita ao professor um movimento potente para desenvolver seu
trabalho. Estes movimentos serão abordadas no tópico a seguir.

3.6 Confluências entre Pensamento Pedagógico Geográfico-Livro Didático e Autonomia


Docente: tecendo caminhos para a Educação Geográfica

Com base na afirmação de que pelo pensamento geográfico construído os professores


têm a possibilidade de desenvolver a Educação Geográfica, procura-se ir além da ideia de que
os professores constroem conhecimento geográfico por meio do livro didático. Entende-se que
é o Pensamento Pedagógico Geográfico construído pelo professor que dispõe de elementos para
que este profissional construa meios para empregar este material como um suporte, com
condições de analisá-lo e dele se utilizar de modo coerente e quando necessário no ensino em
sala de aula. Essa perspectiva parte do entendimento de que a autonomia docente, ao ser
gradualmente construída pelo professor, tende a desenvolver a estrutura necessária para criar e
conduzir a Educação Geográfica a partir do seu pensar e abordar geográficos. Para tanto, há
199

uma série de conhecimentos que implica esse processo, o que já foi mencionado, mas retoma-
se no sentido de tecer amarrações que o percurso trilhado requer.
A estrutura que se entende como basilar a todo profissional que atua na área de
Geografia, parte de um conhecimento específico – o Pensamento Geográfico –, constituído e
sistematizado ao longo do tempo e que possui uma linguagem própria, um método de
interpretação e ferramentas intelectuais e materiais específicos próprios, que envolvem distintas
perspectivas teóricas, além de conceitos, categorias e princípios que servem, aos profissionais,
professores ou bacharéis, para construir um Pensamento Geográfico próprio, com base na
dimensão científica, que nos professores tem suas peculiaridades pela questão pedagógica.
Esse pensamento, pela intercomunicação com outros aportes, como a dimensão didática
e pedagógica que sustenta o processo de ensinar e de aprender, comporta um modelo específico
de pensamento do professor: o Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG), que compõe o que
é essencial para que ocorra não apenas a construção do conhecimento a partir do que foi
historicamente construído pela humanidade, mas como ambiente de interação social, quando se
constroem as possibilidades de debater sobre o espaço geográfico e pensar o mundo e as
relações sob o viés da cidadania e da emancipação humana. Pensamento e ação constituem-se
em conexão e diálogo permanente no professor.
É nesse caminho que se estabelece a perspectiva da Educação Geográfica como
possibilidade de proposição e de questionamentos e diálogos capazes de construir
conhecimentos e desenvolver um pensamento organizado, compreendo-o sob um olhar
geográfico que possibilite interagir socialmente e educar geograficamente. Dito isso, entende-
se que essas compreensões precisam ser ampliadas para pensar de forma mais aprofundada e
de modo complexo sobre as bases que alicerçam a profissão professor de Geografia, que o
preparam, basicamente, para que seja mediador da construção de modos de pensar nos sujeitos
que atuarão socialmente como cidadãos, conscientes e engajados. Pensando nessa dinâmica que
perpassa a formação e a atuação docente, é pertinente uma questão levantada por Martija e Silva
(2013) referente à qual Geografia se ensina e se aprende. Dentre as ideias destes autores, uma
delas nos chama a atenção ao considerar a necessidade de gerar conhecimentos e iniciativas que
convirjam ao desenvolvimento de sujeitos alfabetizados geograficamente, que possam transitar
com uma compreensão sistêmica do mundo, e que seja possível diferenciar escalas de
problemas e níveis de impacto de fenômenos da mais ampla natureza.
Para chegar a esse ponto, retoma-se a ideia de que é importante utilizar os aportes do
PPG para responder às demandas que surgem a partir das problemáticas evidenciadas
socialmente. A Geografia, ensinada e apreendida ao longo do tempo, de algum modo, torna os
200

professores responsáveis por responder a essas problemáticas. Nesse sentido, ao pensar qual
Geografia é trabalhada em sala de aula com os alunos, a partir dos elementos que foram sendo
consolidados desde a formação docente inicial, considera-se necessário refletir se o profissional
constrói e utiliza a estrutura do Pensamento Pedagógico Geográfico e se, por meio dela, conduz
o ensinar com autonomia.
A consciência desse processo, embora já mencionada, retorna no sentido de argumentar
a sua importância, que é social, política e estética, para mensurar a forma como construir seu
modo de ensinar Geografia. Surge, então, uma dimensão crítico-reflexiva que exige que o
docente olhe para esse processo de modo a identificar como pensa tais questões e como as
organiza, no sentido de uma abordagem geográfica que considera também a forma de agir no
cotidiano da vida. Para qualquer tema ou conteúdo a desenvolver em Geografia há uma
infinidade de caminhos a serem construídos, que precisam se servir de um aparato que é
construído geográfica e pedagogicamente, amplamente mencionados até aqui.
A intercomunicação, construída a partir destas dimensões, diz muito do pensamento do
professor e da maneira como organiza o raciocínio geográfico para conduzir análises
geográficas que faz e que propõe aos alunos. Dessa forma, defende-se que o Pensamento
Pedagógico Geográfico (PPG) é a dimensão que torna possível tensionar, aproximar, relacionar,
(re)contextualizar, ou seja, construir novas interpretações sobre determinada informação ou,
ainda, sobre um recurso que está ali, disponibilizado ao aluno e ao professor – o livro didático.
A relação entre o PPG e o livro didático demanda entender com que objetivo o professor
pretende utilizá-lo e que conhecimentos quer construir a partir dele, respondendo algumas
questões basilares: a) que tema pretende trabalhar; b) qual é o conteúdo em estudo; c) qual é a
organização curricular estabelecida pelo PPP; d) que perspectiva de pensamento adota no
desenvolvimento das reflexões que propõe; e) que conceitos e categorias geográficas mobiliza
neste estudo; f) que princípio(s) contribuem às análises geográficas que pretende construir em
aula; g) que método constitui o suporte para a argumentação teórica que desenvolve,
relacionando um conhecimento cientificamente construído com a realidade vivida; h) que
caminhos percorre didaticamente para instigar, nos estudantes, a construção de conhecimentos
e sua complexificação.
A interação do pensamento do professor com o livro didático também precisa levar em
consideração a dimensão histórica e política deste recurso didático imerso na política
educacional brasileira, tomada por inúmeras lacunas e desafios a serem enfrentados. Não se
pode ignorar a legislação, que direciona os percursos da educação no país e que, em grande
medida, contribui para moldar determinadas condições da docência e dos livros didáticos.
201

As fragilidades desses aspectos contribuíram para a construção de discursos sociais que


perpassam a educação em seus mais distintos âmbitos, seja na academia ou na escola, onde
reproduzem-se essas ideias, mesmo que, por vezes, não intencionais. Diante disso, alguns
questionamentos são necessários: Como os professores têm formado seu conhecimento diante
do discurso socialmente construído que põe sobre a educação e sobre estes profissionais um
certo grau de responsabilidade e de culpabilidade pelos problemas educacionais? Como têm
sido compreendidos os livros didáticos nessa relação em que o pensamento de professor e,
consequentemente, a ação docente, tem sido colocados em pauta?
A produção de discursos por parte da sociedade e de muitos professores tem sido um
dos pontos a serem analisados em relação à docência e ao uso do livro didático. Diante dos
desafios enfrentados, há sempre possibilidades a serem construídas e planejadas no intuito de
melhorar e potencializar aquilo que vem sendo feito e a forma como conduzir debates sobre as
interações, aproximações e tensões que perpassam o pensamento do professor e o livro didático.
Com base nos aportes do PPG em suas múltiplas dimensões, entende-se que construir relações
com o livro didático, sob um olhar acurado, contribui para definir os delineamentos que este
recurso pode proporcionar à aprendizagem de Geografia.
Essa interação não se efetiva sozinha, haja vista que se baseia na interpretação
geográfica dos temas e conteúdos destes materiais (e que pode ser realizado sob qualquer outro
recurso didático) que contribuem para a acepção destes no ensino que realiza. Como fazer essas
interpretações parte de quatro procedimentos essenciais a serem realizados pelo professor: A
contextualização, a argumentação, a significação e a problematização do conhecimento
geográfico, que são entendidos como um caminho possível no sentido de pôr em prática o PPG
a partir de um movimento de autonomia do professor em relação aos suportes que utiliza para
ensinar Geografia, seja o livro didático ou qualquer outro recurso. Assim, ao conduzir o
processo educativo que desenvolve, tende a construí-lo sob o propósito de uma Educação
Geográfica que venha a contribuir com os alunos na formação para a cidadania e a construção
consciente de seu pensamento. A análise dos livros didáticos possibilita pensar o PPG a partir
da autonomia docente para ensinar, o que envolve, então, tais movimentos.
– A contextualização refere-se ao emprego do conhecimento construído pelo professor para
analisar o conteúdo que pretende construir. Pode-se considerar a análise geográfica (análise
do espaço, dos fenômenos e acontecimentos sociais) relacionada com o contexto em que
vivem, sua cultura, condições e desigualdades sociais e econômicas, e com as dinâmicas
naturais e sociais que se relacionam também com outros contextos em múltiplas
escalaridades. Esta estrutura concatena-se com o conteúdo proposto pelo livro e outras
202

fontes, no sentido de construir aportes para a aula de forma a aproximar-se da realidade dos
alunos, com os quais este professor tende a desenvolver na aula relação com outros espaços,
tempos e sociedades.
Além disso, é importante levar em conta a cultura que é uma produção humana no
mundo num processo de contínua (re)construção. Para Marques (2006), enquanto sujeito que
aprende e constituído pelo que aprende, o ser humano não pode desvincular o que faz no mundo
daquilo que faz de si mesmo. Na articulação dessas duas instâncias – o eu e o mundo – incide
a capacidade de reflexão, isto é, a posse de seu saber sobre si mesmo e seu mundo. Sob essa
perspectiva, o livro didático por si só não comporta estas relações, mas pode ajudar a
compreender diferentes contextos, no qual o viés reflexivo pode ser ampliado. Contextualizar
determinado acontecimento, fato ou processo, demanda levar em conta um emaranhado
complexo de elementos de cunho social e político, que constitui cada ser humano e sua inserção
em uma sociedade, cujos desdobramentos seguem uma construção histórica e culturalmente
organizada. Assim, o pensamento do professor, ao ser continuamente mobilizado, tende a
organizar propostas que aglutinem estes aspectos no ensinar Geografia.
– A argumentação propõe estabelecer relações com base no raciocínio geográfico do
professor, que contém elementos para essa análise a partir de conceitos, categorias, método
e princípios que possa utilizar na relação com o livro didático e com a leitura do mundo. O
ser humano constrói no mundo a capacidade de argumentação, e, conforme Marques (1993,
p. 74), “somente o discurso do melhor argumento fornece a força emancipatória ao saber
que se constrói na livre e desimpedida participação de todos os interessados na validação das
práticas e teorias”. Esse processo é pautado pela capacidade de refletir sobre aquilo que
aprendeu e pelo qual pode tecer novos posicionamentos e novas possibilidades de
argumentação com base no conhecimento. É a constituição da profissionalidade docente.
Argumentar, nesse sentido, se efetiva pelos entrelaçamentos de diferentes dimensões que o
professor usa para mobilizar conhecimentos, em um processo no qual aprende e se constitui
a partir daquilo que aprende na relação com o outro.
Esse professor passa, então, a empregar o conhecimento construído para conduzir a
docência e, segundo Boufleuer (2018), auxiliar o aluno para que possa passar da apreensão
intuitiva dos espaços e das interações para uma apreensão temática, refletida, que permite tomar
distanciamento e perceber que essas relações todas foram constituídas no tempo histórico em
razão de determinadas relações e poderiam, a princípio, ser compreendidas de forma diferente.
Assim, compreende-se que há um pensamento temático construído; o professor constrói um
saber refletido em sua historicidade e todos esses aspectos, que vamos chamar de geográficos,
203

podem ajudar o aluno a fazer essa passagem. Se o professor apenas utiliza moldes prontos, se
ele não tem dentro de si essa capacidade compreensiva-interpretativa, vai repetir e ter grandes
dificuldades, o que dificulta a construção de argumentações.
Sob este viés, pode também questionar o conhecimento já existente tecendo outros
olhares e modos de pensar em relação a ele. Conforme Benejam (1999, p. 24-25),

La relatividad del propio conocimiento y de las interpretaciones sociales demanda la


capacidad de comunicar, de compartir y contrastar las propias justificaciones con las
justificaciones de los compañeros, del profesor o profesora o de determinados autores
para poner a prueba el conocimiento. Este diálogo se basa en la capacidad de dudar y
en la posibilidad de convencer y de ser convencido. La relación dialéctica se expresa
a través del discurso argumentativo que implica una actitud crítica y alternativa y que
es propio de los debates.

A argumentação pode se constituir como um movimento poderoso do professor para


conduzir o processo educativo. Para além da construção de argumentações pelo professor, é
essencial, ainda, que promova esse processo nos alunos. A lógica da argumentação constitui-se
possibilidade para que exponham suas compreensões, estabeleçam relações e complementações
e participem como sujeitos nos diálogos propostos a partir da análise geográfica, seja em relação
ao espaço vivido, ao espaço ausente e, ainda, sobre os temas que tem contato no livro didático.
A significação requer que sejam realizadas, pelas análises possíveis a partir de
elementos geográficos e elementos pedagógicos, as interpretações e adaptações do
conhecimento, reconstruindo-os e tecendo, pelo PPG do professor, elementos para construir
novos conhecimentos relacionados ao contexto, à dimensão cultural e subjetiva dos estudantes
e às implicações que envolvem forjar as bases para a cidadania a partir da Educação Geográfica.
Há, assim, diferentes sentidos e significados que perpassam esse processo. Um desses vieses
tem relação com o conteúdo dos livros didáticos, o qual não pode simplesmente ser abordado
em sala de aula sem que ocorra uma significação proposta pelo professor. Para tanto, o docente
parte dos conhecimentos geográficos e pedagógicos que estabelecem uma trama de elementos
a serem considerados como suporte à aprendizagem do aluno. Para significar o conteúdo deste
material, precisa-se de um conhecimento aprofundado dele sob diferentes fontes, a leitura dos
materiais utilizados na escola e a problematização a ser proposta em sala de aula.
Estas esferas são entrecortadas pelo reconhecimento que o professor precisa construir a
si e sua professoralidade, perpassando pela identificação do que o ampara por estes caminhos,
daquilo que o alicerça como docente, do que é basilar no contexto educacional em que atua,
ancorado não somente na legislação e nos aportes histórico-culturais, mas na dimensão ético-
estética, essencial às relações humanas. Sob este aspecto, é importante definir o que pretende
desenvolver na Geografia escolar. Como processo que mobiliza distintas dimensões do ser
204

humano, a consciência do professor tende a incorporar a docência como uma construção social,
a partir da qual pode construir formas de agir, pensar, atuar e se relacionar em sociedade e em
relação a fatos e fenômenos observados ou vivenciados no cotidiano. Nesse processo, os
professores podem atuar de forma política e socialmente comprometida, inclusive sob um
posicionamento ante a problemas, injustiças e desigualdades.
É essencial que nesse processo aproximem-se as diferentes dimensões que perpassam a
educação: técnica, hermenêutica e crítico-reflexiva, mencionadas por Marques (2006), no
sentido de tecer as amarras que a formação humana e cidadã requer, estabelecendo relações que
não estejam condicionadas a uma proposta didático-pedagógica pronta, como ocorre nas
propostas dos livros didáticos, os quais, sozinhos não contemplam a construção do pensamento
do aluno de modo articulado. Nesse sentido, partir da perspectiva da ação comunicativa entre
os sujeitos, pelo debate de ideias e a participação democrática nas ações coletivas, desde suas
expressões subjetivas, constitui-se caminho e desafio à autonomia docente.
Essa autonomia leva a educar geograficamente pela aproximação, complementaridade
e indissociabilidade entre teoria e prática, cuja relação, quando construída e compreendida pelo
professor, traz aportes para a práxis docente. Estes aportes tendem a suprir demandas
relacionadas ao modo como refletir sobre o mundo e a realidade. Para Marques (2006):

Ao assumir o exercício autônomo da profissão, o profissional não interrompe seu


período de formação, antes o retoma em novas bases, em desafios outros e em nível
de mais estreita vinculação entre prática e teoria. A construção da experiência (o novo
nome da formação) sob o primado das práticas circunstanciadas não pode ser apenas
um processo de desconstrução de saberes e habilidades implícitas, mas deve colocar-
se na mediação da aprendizagem teórica, da tematização e do questionamento dos
problemas recorrentes e das soluções já dadas (p. 57-58).

Todas as significações que o professor consegue construir ao longo do tempo têm uma
dimensão social, temporal e histórica que se transforma e precisa ser significada, sustentada sob
bases que possibilitem pensar esse processo. Ter consciência do seu papel enquanto profissional
e como cidadão ganha um significado importante nesse sentido. Nesse viés, Marques (2006, p.
60) argumenta que todo professor precisa ser um profissional especializado em educação em
sua totalidade, para que possa “conduzir o inteiro processo educativo: do pensar ao agir e fazer
e avaliar, dispensando-se os chamados ‘especialistas’ enviados de fora: supervisores,
inspetores, fiscais, etc.” Todo profissional professor tem essa tarefa, essencial e necessária no
contexto atual, em que cada vez mais se põe à prova o exercício da docência.
A consciência da sua constituição profissional, sob os aportes até então mencionados,
contribui, ainda, para pensar a problematização necessária no fazer docente.
205

A Problematização se origina de inquietações que visam tanto a busca de respostas


àquilo que o próprio professor pretende investigar, conhecer e compreender, quanto pelas
propostas que cria para incentivar os alunos à investigação. Esse processo constitui-se como fio
condutor pelo qual pode-se planejar uma pesquisa utilizando da articulação de distintos aspectos
para desenvolvê-la. Problematizar um determinado fato, fenômeno ou até mesmo um conteúdo,
um conceito ou uma ilustração apresentada pelo livro didático serve como caminho à
construção de argumentações que visem responder, da melhor forma encontrada até então, à
questão proposta.
Como um movimento de construção da autonomia do professor e também como
resultado do desenvolvimento da autonomia na docência, a problematização tende a auxiliar o
professor, no seu planejamento, a pensar a intensidade e a intencionalidade das propostas que
faz aos alunos sobre determinado conteúdo/tema. O modo de pensar e a abordagem geográfica
se articulam ao propor problematizações, isso porque ao complexificar dada situação, o
professor se utiliza de aportes do pensamento e de uma forma de abordar a Geografia que podem
instigar também os alunos a refletir e a querer problematizar fatos, situações, fenômenos que
ocorrem no espaço geográfico.
No que concerne aos professores de Geografia, é importante considerar suas
contribuições em um mundo em constantes e rápidas transformações. O aporte de
conhecimentos que desenvolve no ensino escolar possibilita construir processos de significação
das relações dos seres humanos com o espaço geográfico em multiescalaridades e sob
multitemporalidades. Ao planejar sua atuação profissional, o professor constrói também sua
identidade e autonomia docente, e tem a tarefa de constantemente retomar o pensamento
geográfico, o conhecimento pedagógico e os elementos que se relacionam à docência para
complexificá-los, problematizá-los e perceber que direção tem tomado ao desenvolver seu
trabalho e na comunicação com outros sujeitos com quem constrói a aprendizagem.
Contextualizar, argumentar, significar e problematizar, seja o livro didático ou qualquer
outro recurso utilizado pelo professor para construir conhecimentos geográficos, desafia-nos a
refletir sobre como tem-se efetivado um pensamento geográfico poderoso e complexo que
consiga estabelecer relações entre a dimensão teórico-científica e as inúmeras dimensões
inerentes à construção da profissão professor, ao mesmo tempo em que se desdobra para
conduzir para a significação por parte dos sujeitos envolvidos.
Por meio das entrevistas foi possível conhecer e interpretar diferentes modos de pensar
e abordar a Geografia, os quais emergiram dos professores participantes e foram comunicados
pela linguagem. Estas experiências possibilitaram construir percursos que nos levam, neste
206

ponto, a pensar a dimensão educativa que perpassa todo o processo que se refere à abertura ao
outro. Os envolvidos no processo de educar, segundo Hermann (2002), precisam estar sempre
abertos e dispostos a aprender com o outro. Isso pode ser conduzido a partir da pesquisa, do
constante aperfeiçoamento e, ainda, pelas relações construídas no fazer docente.
A educação, para Marques (2006), na qualidade de fenômeno extremamente complexo,
vivo, histórico e conjuntural, exige uma racionalidade de dimensões plenas, isto é, na dimensão
cognitivo-instrumental, na dimensão prática, ético-normativa e na dimensão estético-subjetiva
da vida cultural. Essa racionalidade pode ser alcançada a partir do profundo entendimento da
profissionalização docente e da importância de um processo formativo amparado na
integralidade do ser. Esse caminho, para ser construído, precisa levar em conta as variadas
dimensões do conhecimento e do ser humano, pois as relações construídas pelos distintos
sujeitos vivendo em sociedade não se constituem apenas de modo social, mas carregam
afetividades, processos históricos, características sócio-culturais, aspectos emocionais, os quais
muitas vezes não são considerados na construção do conhecimento das ciências.
Para construir conhecimentos sob uma racionalidade plena, não se pode pensar a
Geografia desvinculada da ampla dimensão do mundo e da conexão entre os sujeitos, suas
sociedades, seus espaços de vivência, seus mundos, por vezes tão distintos. Há, diante disso,
uma gama de elementos a serem considerados pelo professor para que, no movimento de
ensinar sob um olhar geográfico, consiga abarcar e significar estes aspectos de modo relacional.
A relação de intercomunicação entre o viés pedagógico, considerado a totalidade da
docência (MARQUES, 2006), e o viés geográfico, constituem um conhecimento embasado
teoricamente, consolidado em uma nova estrutura, adaptada e especificamente construída na
dimensão escolar, que precisa ser entendida pelos docentes. Frente a isso, existem
peculiaridades próprias do ensino que demandam considerar as fases de aprendizagem, os
processos de aprender e as formas pelas quais construir o conhecimento, sob um viés
tradicional, crítico e hermenêutico, que favorecem a construção de caminhos pelos quais a
ciência geográfica seja realmente ensinada na educação básica.
Pela dimensão do Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG), junto a outros aspectos
necessários para entender a dinâmica do processo educativo, é possível que o professor construa
proposições sob alicerces bem delineados e, nas situações práticas, como na relação com o livro
didático, planeje o percurso a construir no sentido de estabelecer significação para o processo
de ensino e aprendizagem da Geografia, chegando, com autonomia, à Educação Geográfica.
Essa ideia é representada no esquema a seguir:
207

Figura 22 – Estrutura da relação PPG-Autonomia Docente-LD-Educação Geográfica

Elaboração: Carina Copatti (2019).

Para tecer relações o professor utiliza a estrutura do Pensamento Pedagógico


Geográfico, que serve como sustentação tanto para sistematizar um pensamento geográfico de
professor, organizado e amparado epistemologicamente, quanto para desenvolver, na prática,
em qualquer tema ou conteúdo que venha a propor com os alunos, um modo autônomo de
pensamento geográfico e abordagem geográfica, sustentado sob uma dimensão crítico-
hermenêutica que possibilite, na comunicação educativa, propor raciocínios e modos de pensar
geográficos para realizar leituras e análises contextualizadas, relacionais e problematizadoras.
Nesse sentido, sua autonomia docente, construída nestes aportes, gera condições de
interagir com segurança em relação ao livro didático, identificando em que, de fato, este
material pode contribuir no desenvolvimento da sua proposta educativa. Isto posto, e
considerando todo o arcabouço de elementos que convergem ao ensino escolar da Geografia,
208

pode conduzir contextualizações, argumentações, problematizações e novas significações a


partir das possibilidades que constrói dialogicamente no exercício da docência.
É nesse movimento que a autonomia docente é concebida como essencial e como
caminho para uma Educação Geográfica que, efetivamente, exista e seja possível em sala de
aula. Isso tende a contribuir para que os alunos também aprimorem seu olhar e seu pensamento
geográfico para dialogar com o espaço, analisar fenômenos e fatos que nele ocorrem.
Ao tensionar a relação entre Geografia acadêmica e Geografia escolar na constituição
do professor, ao propor relações entre conhecimento teórico e prático e compreender as
interpretações que os professores fazem sobre pensamento geográfico, autonomia docente e
livro didático, é possível clarificar as interações destes elementos que contribuem para o
trabalho deste profissional. Tem importância, assim, a ação comunicativa com outros
professores, dialogando, problematizando e complexificando a formação, a ação, os avanços
obtidos e àquilo que se pretende, ainda, aperfeiçoar.
Esse direcionamento, perpassando diferentes dimensões, tende a construir no professor
um olhar alargado, contextualizado, consciente e crítico, tanto sobre as práticas de ensino
quanto sobre a forma como, no contexto educativo, constrói possibilidades de trabalho
colaborativo e interdisciplinar. Considerar essas relações envolve pensar muito mais do que
um conjunto de conteúdos a abordar, mas também as questões de ordem normativa, as
prescrições curriculares, os aportes do planejamento da escola e àquilo que, como professor,
precisa levar em conta no ato educativo.
É preciso avançar, compreender, significar, para que, na profissão professor de
Geografia, consiga-se construir percursos que levem a desenvolver a cidadania e a Educação
Geográfica como potentes âncoras à compreensão do mundo. O PPG, portanto, tende a ser o
elemento norteador a toda e qualquer atuação docente, sempre utilizado numa relação próxima,
aprofundada e baseada na contextualização, seja na relação com as legislações que amparam o
trabalho docente, nos direcionamentos próprios de cada contexto escolar, no currículo, na
realidade dos estudantes que fazem a mediação que ele precisa considerar no contato com o
livro didático – ponderando, reavaliando, problematizando, reorganizando os aportes tomados
de seu pensamento na relação com os desdobramentos que surgem dessas relações.
Nesse sentido, o PPG possibilita ampliar a autonomia e o protagonismo docente para
que, na prática pedagógica, em interação com o livro didático ou com outros recursos, o
professor construa caminhos para, efetivamente, desenvolver a Educação Geográfica com os
alunos e contribuir para que estruturem o seu próprio pensamento geográfico.
209

CONCLUSÕES

É que ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem


aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender
a fazer a refazer, a retocar o sonho por causa do qual a
gente se pôs a caminhar.
(FREIRE, 1992).

A caminhada que se finda nestas páginas constituiu um percurso de inúmeras


transformações, viabilizadas pelo diálogo com distintos sujeitos, que contribuíram para a
construção de aportes para pensar o tema proposto nesta tese.
Dialogar é, sem dúvida, uma das mais ricas experiências humanas. Poder falar
daquilo que se pensa e sobre aquilo que se percebe em relação a diferentes situações,
fenômenos e acontecimentos, tem sido uma construção rica e potencializadora do humano.
No contexto educacional, constitui um caminho que comporta, na interação dialógica, a
possibilidade de construir conhecimentos, pensamentos e formas de olhar ao ouvir o outro
e problematizar tais relações.
A condição de utilizar a linguagem como interlocutora de diálogos e de estruturas
de pensamento foi um movimento construído nos percursos desta tese. As significações
construídas aproximam a dimensão de formação e a jornada na docência. Tecem-se entre
elas as tramas do pensamento e da linguagem sob a luz do pensar dos sujeitos, tão abertos
e dispostos a refletir sobre o que é seu e, ao mesmo tempo, nosso: um modo de pensar
geográfico.
Afirma-se, a partir disso, que existe um pensamento geográfico de professor construído
e que esse pensamento precisa ser relacional e complexo, um pensamento poderoso de professor
definido, em nosso entendimento, como Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG). Afinal, o
que dele é basilar e que o “empodera” e contribui à sua autonomia para dialogar com diferentes
situações, fatos, fenômenos e recursos, como o livro didático? Essa questão, certamente,
perpassou todo o percurso desta tese e constitui-se como um desafio a ser enfrentado nesse
movimento que encaminha-se à conclusão.
A questão basilar foi tentar responder de que maneira os professores constroem o
pensamento geográfico, o compreendem, e como essa estrutura contribui, na relação com o
210

livro didático, para a autonomia docente. Considera-se, inicialmente, que as concepções


teóricas e metodológicas que compõem a ciência geográfica são basilares à formação e à
atuação dos professores, junto ao conhecimento didático-pedagógico que abarca as dinâmicas
dos modos de proceder para que, de fato, os sujeitos aprendam.
O processo de estruturação e sistematização da Geografia possibilita que, na atualidade,
existam concepções teóricas e metodológicas diversas, constituindo uma forma de pensamento
específica dessa ciência; essa estrutura envolve um conjunto de elementos que constituem a
linguagem (conceitos, categorias, princípios) e o método (multiescalaridade, espacialidade-
temporalidade, linguagem cartográfica), os quais contribuem para a construção de um
pensamento no professor.
Os conhecimentos pedagógicos e geográficos formam no professor algo que não é
apenas um pensamento geográfico de professor, mas um modo de pensar peculiar, que se
denominou Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG). Esse pensamento, além de sustentar
um modo de pensar geograficamente se refere a um modo de abordar geograficamente. Sob
essa perspectiva, ao longo deste percurso buscou-se, a partir das bibliografias consultadas e da
pesquisa documental e empírica, refletir sobre como o professor constrói e compreende o
pensamento geográfico e como esse pensamento, aliado ao pensamento pedagógico, contribui
para a autonomia docente na relação com o livro didático, visando à Educação Geográfica.
Compreender como o pensamento geográfico perpassa o modo de pensar dos
professores foi um movimento proposto a partir de entrevistas, compostas por uma etapa de
questões e outra de análise de imagens, denominada Leitura Geo-Imagética, cujos dados foram
interpretados a partir da Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2011). Interpretar o
pensamento, porém, não se fez em sua totalidade, mesmo considerando diversos aspectos.
Nesse sentido, optou-se pela compreensão hermenêutica sob um viés estético; isso porque cada
sujeito, pela linguagem e argumentações que faz, exprime aquilo que é possível naquele
momento, com base no seu modo de pensar e de observar.
Pela compreensão hermenêutica procurou-se analisar aspectos que perpassaram as falas
dos entrevistados e que dizem muito do “ser professor de Geografia”, aliando a isso a teoria
crítica como um modo de reflexão sobre as ideias, na tentativa de interpretar as relações
observadas e contextualizar os fenômenos, sugerindo outras possibilidades que podem emergir
dessas relações. Desse modo, os aspectos mais significativos que surgiram das entrevistas com
professores da educação básica e do contexto acadêmico abarcam um complexo conjunto de
conhecimentos a serem considerados tanto na construção de um pensamento geográfico quanto
para compreendê-lo e utilizá-lo com autonomia na Educação Geográfica.
211

Sobre como constroem o pensamento geográfico, os professores da educação superior


entendem que há um processo histórico que contempla teorias e métodos, diferentes estruturas
e perspectivas de pensamento, e, aparece, também, de alguma forma no currículo escolar e num
modo de pensar específico da escola. O pensamento geográfico abarca aspectos específicos da
Geografia científica, além da consciência, das habilidades e da argumentação, que são modos
constituídos ao longo do tempo. Surgiram como elementos essenciais para a construção do
pensamento: uma concepção histórica, teórico-metodológica, epistemológica, pedagógica,
didática, entrecortada pela compreensão do contexto e da relação entre o mundo vivido e as
multiescalaridades e multitemporalidades que precisam ser levadas em conta e interpretadas na
formação de novos professores de Geografia.
A construção do pensamento geográfico de professor, entre os docentes da educação
básica, perpassa um conjunto de elementos que vai desde os aportes teóricos, metodológicos
e pedagógicos às influências de ser professor e de conhecer sobre o mundo e as diferentes
realidades. Essa construção, para alguns professores, possui fragilidades, e isso relaciona -
se, em grande medida, ao modo como ocorreu a formação inicial, considerada o fator
preponderante para o desenvolvimento da autonomia docente. Nesse sentido, percebe-se
que quanto maior o distanciamento entre o contexto acadêmico e escolar, observável nas
dificuldades de identificar as especificidades de cada uma e seus pontos de aproximação,
maior é a complexidade de tecer reflexões que relacionam o discurso teórico e prático.
Isso reverbera nas dificuldades que a grande maioria dos professores enfrentou ao
adentrar em sala de aula, sentindo medo, frustração e passando por um período de muitas
dificuldades na adaptação. A adaptação da linguagem, do planejamento e, principalmente, de
buscar aportes para compreender o que, de fato, precisa ser ensinado na Geografia escolar,
muitas vezes não está claro no momento de inserir-se na docência. É importante considerar,
frente a isso, que existe uma forma de construção de conhecimento geográfico na academia e
uma forma de construção de conhecimento no contexto escolar, e que, tanto os professores da
academia precisam mediar a relação entre a ciência base e a formação do professor para a
prática, quanto o professor de educação básica relacionar o conhecimento científico com o
escolar para construir com os alunos a dimensão cidadã e as estruturas para pensar
geograficamente e construir a Educação Geográfica. Ter clara a dimensão acadêmica, a
dimensão escolar e a mediação pedagógica são atributos essenciais que, pela trama destes
conhecimentos construídos pelo professor, trazem aportes ao seu trabalho.
No entanto, ainda existem muitas fragilidades e certo distanciamento entre o modo de
pensar e o modo de abordar geográfico. Essa fragilidade aparece em determinados momentos,
212

quando a relação entre a dimensão teórico-conceitual, específica da Geografia, não está


devidamente articulada à dimensão didático-pedagógica que se relaciona à forma como o
professor conduz a ação docente e as abordagens que pretende desenvolver.
Essa dimensão, que envolve a relação entre formação e atuação docente, pode ser
debatida a partir do modo como, na universidade, os professores formadores conduzem o
processo educativo e a relação entre academia e escola, necessária desde o momento inicial da
Graduação. Constitui-se como uma das lacunas que existem, ainda, entre universidade e escola.
Nesse sentido, pensar a aproximação destas dimensões é um caminho para conduzir o professor
a uma maior autonomia nas diferentes etapas e situações que perpassam a atividade docente.
Pelas entrevistas com os professores que atuam na educação básica foi possível
identificar que, entre os profissionais que tecem estas relações de modo mais amplo e complexo,
teve destaque como pontos positivos a relação entre teoria e prática, o aprofundamento de
estudos e leituras, a relação entre a metodologia e a prática de ensino e a possibilidade de
conhecer com antecedência a escola e a realidade; isso possibilita pensar a aproximação entre
teoria e prática pela dimensão da práxis educativa, que precisa ser iniciada e contextualizada
desde a academia, na relação com o contexto escolar.
Desde a formação inicial, a construção de um pensamento geográfico de professor em
interconexão com a dimensão pedagógica é basilar. É importante salientar, entretanto, que a
qualidade da formação acadêmica, mesmo dizendo muito de como o professor constrói
condições de alargar o olhar, não é suficiente em si mesma para desenvolver autonomia, posto
que existem outros conhecimentos e dimensões que precisam andar interligados à dimensão
técnica, teórica e epistemológica: são os diversos aspectos de caráter pedagógico que envolvem
conhecimento didático, pedagógico, da realidade da escola, da legislação, dos processos de
aprendizagem, do contexto, dentre outros. Estes conhecimentos não podem ser compreendidos
como indissociáveis.
Nas entrevistas não houve menção a todos estes aspectos, mas alguns deles, como o
conhecimento de conteúdo, pedagógico e curricular, aparecem como aspectos importantes.
Estes merecem ser debatidos, tendo em vista os desafios existentes tanto em relação à
compreensão das especificidades da Geografia escolar e de seus conteúdos, quanto ao pensar
como se constitui a dimensão pedagógica no processo educativo escolar; e, ainda, qual é o
currículo que permeia a escola, o qual precisa ser conhecido em profundidade pelo professor.
Há, entre os professores da educação básica, a ideia de que a autonomia docente depende
muito mais de aspectos que envolvem a construção do conhecimento sob diversos vieses
(formação teórica, participação em cursos e eventos, pesquisa, leitura complementar), do que o
213

próprio tempo de docência medida em anos. Sendo assim, estar em sala de aula por muito tempo
não é fator determinante para uma efetiva autonomia de pensamento e de procedimentos de
abordagem geográfica. O tempo de experiência prática é essencial para a formação docente e
para definir a forma como organizará seu modo de ser professor. Esse tempo de experiência,
porém, não se basta por si só, pois não fundamenta sozinho as ações do docente, posto que a
prática pela prática não se sustenta, assim como não se sustenta em si mesmo o “gostar de dar
aulas” ou o “gostar de crianças”; isso se justifica pois uma intencionalidade (ou um sentimento,
por exemplo), não é capaz de definir como o professor irá trabalhar e os resultados que poderá
alcançar, ou seja, a qualidade que poderá alcançar no processo educativo.
A construção da autonomia docente constitui-se como um processo que depende
também das dimensões ética e estética, que são pressupostos para uma maior qualidade daquilo
que se dispõe a fazer, e da busca por resultados que vão além das habilidades espaciais e
geográficas a desenvolver. Perpassa, então, pela construção de aportes que sustentem um olhar
humanizado para as questões geográficas e pedagógicas que se propõe a debater na relação
entre o conhecimento sistematizado e a sua contextualização no mundo da vida.
Nesse sentido, construir-se professor remete a uma dimensão teórico-metodológica,
pedagógica, a subjetividades, a questões social e historicamente construídas, a valores éticos e
estéticos necessários ao processo de educar; se constitui de modo processual, sempre inacabado,
que se faz com base em diversos conhecimentos, estes sempre articulados, precisando ser
reorganizados e complexificados pelo professor. Por isso a importância de, no desenvolvimento
docente, construir aportes para compreender as diferentes fases: transição, adaptação e
reconhecimento na docência e sobre a docência.
O professor tem uma dimensão do ser, de constituir-se como sujeito que não percebe o
mundo como algo dado, mas como um processo de interação historicamente construído em
meio a múltiplas possibilidades. Este profissional, que se constrói como sujeito, carrega dentro
de si toda uma tradição, mas precisa aperfeiçoar-se e complexificar os entendimentos que
constrói na relação com o mundo e com os conhecimentos geográficos que comportam sua
função docente. Com base nestes conhecimentos que constituem em si um pensamento
complexo de professor, este não precisa pensar previamente sobre que resposta dar às
indagações do aluno, ou tecer anotações sobre determinada explicação em relação a um fato ou
fenômeno. Ele é capaz de construir em si essas possibilidades sempre que isso se fizer
necessário e, à medida que é constituído pelo pensar geográfico, saberá conduzir a sua aula
independentemente da sequência do livro didático.
214

É possível afirmar que a percepção dos diferentes elementos e conhecimentos que o


professor constrói tende a desenvolver maior autonomia, tanto em relação a um pensamento
sistematizado, quanto em relação ao movimento de ensinar. Isso reverbera na consolidação de
um pensamento poderoso de professor que se desdobra entre as demandas que a Educação
Geográfica requer. Nesse sentido, a inserção docente em um período mais longo e de modo
problematizado desde a formação inicial, contribui efetivamente para construir aportes de
relação entre estes contextos e potencializar a autonomia ao inserir-se em sala de aula.
Quanto à estrutura do pensamento dos professores, que contempla um pensamento
geográfico, a leitura de imagens tornou possível identificar que os docentes possuem um modo
de pensar geográfico, alguns de forma mais sintetizada, trazendo de maneira explícita um
conjunto de expressões, conceitos, categorias e argumentações específicas dessa ciência.
As análises, entretanto, também trazem informações que permitem identificar que não
há, em grande parte delas, a definição de um arcabouço de princípios e de formas de
procedimentos que sistematizem e tragam a noção de como essas análises são realizadas de
acordo com cada nível de aprendizagem. Outro elemento pouco aparente é a noção de teoria e
método que perpassa os docentes, uma vez que as análises partem de procedimentos geralmente
de aporte metodológico de como realizar as interpretações, porém sem considerar sob que viés
isso pode ser feito. Apesar disso, há professores que realizam um modo de teorização embasado
em determinadas tendências de pensamento geográfico – crítica e cultural – no sentido de
explicitar a utilização de determinados conceitos e procedimentos nesse processo. A relação
entre teoria e método, portanto, constitui-se como uma fragilidade em muitos professores e o
discurso presente, em alguns momentos, se aproxima das abordagens dos livros didáticos.
Sobre como compreendem o pensamento geográfico, os professores mencionam a
ciência base – a Geografia – como um dos elementos, além de uma construção acadêmica aliada
a uma dimensão de saber comum, relacionado ao cotidiano e ao contexto. Eles possibilitam
também pensar estas relações que precisam construir na caminhada da docência, perpassando
pela dimensão profissional, social e subjetiva, que constitui sua identidade de professor e que
são aspectos para refletirmos sobre a existência de um Pensamento Pedagógico Geográfico de
Professor (PPG), que sustenta essa identidade.
Sob estas bases entende-se a relação com o livro didático. Foi possível perceber a
ocorrência de diferentes relações com os livros didáticos de acordo com a forma de pensamento
de cada professor. Alguns tiveram maior proximidade inicial em razão da insegurança sobre a
prática docente; insegurança quanto aos ritmos e tempos de aprendizagem ou sobre a teoria para
215

fundamentar os conteúdos e sua estrutura. Outros, questionando-o e substituindo-o pela sua


organização pessoal, muitas vezes baseada exclusivamente sob aportes teóricos da academia.
Diante disso, a construção da dimensão pedagógica, que perpassa a relação entre o
pensamento do professor e o livro didático, foi uma das dificuldades que, com o tempo e a
experiência, possibilitou, entre os professores, transformar essas relações e agir de modo
diferente em relação a esse material. Alguns encontraram novos elementos para avaliar o livro
didático, estabelecendo critérios e usos; outros deixaram-no como um suporte pouco
significativo, utilizando-se de outros recursos no preparo das aulas. Nota-se que, ao
problematizar o livro didático, alguns docentes conseguem trazer à tona mais elementos para
justificar suas escolhas e seus modos de proceder.
Considera-se, então, que quanto mais se conhece o livro didático no processo de
formação inicial, complexificando essa relação, mais condições de agir autonomamente em
relação a ele tem o professor. O caminho pode ser não a simples negação ao livro didático, mas
a construção de um conjunto de elementos a serem considerados pelo professor para que, ao
analisar esse material, identifique suas potencialidades e suas lacunas. Isso também pode tornar
possível melhorar essa relação percebendo em que momentos e sob que argumentos o livro
didático pode tornar-se um aliado na aprendizagem geográfica. Para tanto, precisa considerar
os seus conhecimentos de professor para analisar a proposta didática deste material, seja em
textos, nos aspectos teórico-metodológicos que apresenta no MP e no LA, o suporte de
atividades, os textos complementares ou, ainda, analisando se contribuem para pensar a
realidade da escola, da educação dos alunos e das dinâmicas espaciais em distintos espaços,
tempos e contextos.
Considera-se, portanto, que a força do livro didático é proporcional à intensidade de
dependência que o docente tem em relação a outras bases ou ao seu próprio pensamento. Se o
professor se mantém sustentado nos recursos didáticos, isso pode ser resultado de uma formação
incipiente ou deve-se à formação recente, que ainda não supre as demandas que o tempo de
experiência e complexificação do fazer docente proporciona ao construir percepções mais
aprofundadas entre o conhecimento curricular, teórico, de experiência, da escola, do aluno, do
conteúdo. Esse aspecto precisa ser considerado pelas instituições de educação superior que
formam os docentes, dispondo maior atenção para conhecer o livro didático, sob um olhar
relacional entre os aportes da Geografia acadêmica, que embasa a formação inicial, e a
Geografia escolar, onde a prática se efetiva. É nesse contexto que as articulações do Pensamento
Pedagógico Geográfico de Professor precisam ser colocadas a serviço da construção do
conhecimento, na relação com recursos como o livro didático.
216

Outro aspecto que chama a atenção são os casos de professores que, embora não tendo
uma formação continuada formal em cursos de pós-graduação, demonstram um pensamento
geográfico complexo que expõe, de modo claro, as potencialidades/fragilidades dos livros
didáticos sob uma argumentação embasada teoricamente. Nesse sentido, a universidade precisa
atentar à formação inicial para que fiquem claros os aspectos de relação teoria e prática. Estas
potencializam o processo educativo e servem para problematizar o livro didático. O professor,
quando sustenta suas escolhas e sua forma de trabalho sob bases claras de pensamento, tem a
possibilidade de agir como protagonista do seu trabalho. Esse protagonismo se expressa em
distintos momentos e resulta em autonomia docente e em maior possibilidade de viabilizar a
construção da autonomia docente nos alunos. É nessa dimensão que ocorre a defesa do
desenvolvimento do PPG como suporte para a autonomia docente, fazendo com que, no seu
trabalho, não seja dependente das propostas oferecidas pelo livro didático.
A dependência em relação ao livro didático, quando existe, precisa ser superada, uma
vez que as propostas didáticas, embora melhor estruturadas atualmente, mantêm lacunas no que
concerne, por exemplo, à sequência fragmentada dos conteúdos, à insuficiência da abordagem
de conceitos, a seus significados, à insuficiência com relação à análise geográfica e às
possibilidades de análise a partir de princípios e categorias da Geografia.
Outra lacuna dos livros didáticos é com referência à linguagem complexa ao nível
escolar e ao desenvolvimento cognitivo dos alunos, posto que a maioria das coleções apresenta,
de modo geral, uma linguagem rebuscada, complexa e inacessível à compreensão clara pelos
estudantes. Isso não se refere especificamente aos termos e expressões utilizadas, que são
específicas da área, mas à forma de linguagem empregada que não proporciona possibilidades
mais atraentes e dinâmicas para a construção do conhecimento.
Diante disso, mais uma vez afirma-se a necessidade de o professor superar um modelo
de ensino que se baseie em propostas elaboradas por outros profissionais e construa, a partir do
seu pensamento pedagógico geográfico de professor, aportes para dizer a própria palavra,
utilizando-se da tradição para tecer novos conhecimentos sob o seu modo de pensar
geograficamente e de conduzir para o saber. Nesse sentido, precisa dominar a linguagem e
argumentar a partir dela na relação com o mundo e com os alunos, possibilitando construir a
Educação Geográfica.
A partir da noção de autonomia docente, entra em cena a ideia do potencial do professor
em relação ao livro didático. Sem essa autonomia, ele é incapaz de protagonizar e fica no
mesmo patamar que o aluno, submetido a um ordenamento de conteúdos sem relação entre si e
sem possibilitar uma aprendizagem significativa. A autonomia constitui-se, portanto, pela
217

construção processual dos conhecimentos para a docência, mas, também, relacionada à


subjetividade e à dimensão histórico-cultural, ética, estética e política, que se relacionam a fim
de tecer as tramas que o professor, como profissional do ensino, precisa desenvolver e aprimorar
continuamente, sob uma racionalidade que comporte a dimensão técnica, hermenêutica e
crítico-social.
A autonomia quanto às demandas do trabalho docente e em relação ao livro didático é
essencial em um contexto em que cada vez mais estes recursos têm ganhado espaço e, como
pode-se constatar, não apresentam uma estrutura completa e articulada que consiga, sozinha,
dar conta das necessidades da docência. Diante disso, espera-se um professor maior que o livro
didático, que o compreenda, que entenda da relação teoria-prática, de currículo, de processos e
etapas de aprendizagem para que possa criticar o livro didático e/ou complementá-lo quando
necessário. Em tempos complexos como a atualidade, o PPG do professor precisa ter
centralidade no processo de construção e condução da aula de Geografia na relação com
distintas dimensões a serem construídas por ele.
O pensamento constituído a partir do aporte acadêmico dos conceitos, categorias,
princípios, de teorias e métodos da ciência geográfica, possibilita, no âmbito escolar, pela
intercomunicação com os aspectos pedagógicos, compor um arcabouço que torne possível, ao
professor, utilizar esse pensar ao raciocinar, ao problematizar e ao construir propostas
geograficamente delimitadas. A estrutura pedagógico-geográfica é basilar ao professor e não se
pode esperar que, se houverem lacunas na sua formação-ação, estas sejam supridas pelos livros
didáticos, tendo em vista que estes materiais não comportam de modo relacional e
complexificado toda essa gama de demandas que somente o professor, com base no Pensamento
Pedagógico Geográfico (PPG), é capaz de construir.
Os aspectos que compõem o pensamento geográfico de professor trazem a
possibilidade de debater as dinâmicas da docência e os percursos que cada professor
construiu e que, de modo singular, constituem a sua identidade docente e a sua
professoralidade. A perspectiva do Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG) vai além e
dispõe de possibilidades para que os professores reflitam sobre o modo como se constituem
professores e como ensinam; ainda, sobre quais estruturas são manipuladas mentalmente
para que complexifiquem seu pensar a partir de elementos basilares que, em interação, sob
um processo contextualizado, (res)significado e, desde a argumentação, têm novos sentidos
e constituem, também, novos conhecimentos.
Nessa direção, defende-se que, a partir de um Pensamento Pedagógico Geográfico
(PPG) bem consolidado e compreendido pelo profissional, este tem condições de
218

potencializar a autonomia docente, tecendo um pensamento poderoso de professor, seja na


relação com os alunos, seja ao interagir com o currículo, com os conteúdos, ao construir
propostas de aulas, e, principalmente, ao usar o livro didático, analisando suas propostas,
delimitando espaços e modos de utilizá-lo.
Por isso a defesa da tese de que o professor de Geografia, tendo desenvolvido o
pensamento geográfico, sustentado em seus pressupostos e articulado ao conhecimento
pedagógico, tende a estabelecer relações com o livro didático que contribuem para sua efetiva
autonomia na construção da Educação Geográfica. Isso porque o Pensamento Pedagógico
Geográfico (PPG) supera o livro didático e potencializa que o professor atue como sujeito
pensante naquilo que propõe em sala de aula, de modo a construir, repensar e complexificar a
relação entre as dimensões do conhecimento e a forma de utilizá-las, com intencionalidade e
organização adequada.
Sob estes aportes, pode-se efetivar, a partir da contextualização, da argumentação, da
significação e da problematização, possibilidades de construir percursos para refletir sobre os
modos de pensar e de abordar que o professor utiliza ao ensinar Geografia. Esse movimento
permite complexificar as relações que o professor constrói com o livro didático, levando em
conta diferentes aspectos que a docência, num processo de interação humana, não pode
desconsiderar: a dimensão humana, subjetiva, social, ética, estética e cidadã que comporta o
processo educativo e as relações construídas a partir das experiências em sociedade.
No contexto de um mundo de incertezas, é necessário pensar em outras formas de
construir possibilidades de mudança na educação. Então, a ciência geográfica, inserida como
uma das áreas que compõem o currículo escolar, possibilita uma leitura espacial do mundo
tecendo relações, aproximações e rupturas que não podem ser desconsideradas ao interpretar o
espaço geográfico e as relações nele construídas. Essa ciência depende, em grande medida, da
atuação dos docentes que, tanto na educação superior quanto na educação básica, propõem
novos olhares diante das interações com o mundo e a dimensão espacial. Percebe-se que, ao
ampliar o olhar geográfico para as significações que emergem em distintos tempos e
escalaridades, ao ampliar o capital cultural, compreende-se, de modo mais articulado, o sentido
da vida, as crenças, os comportamentos e as possibilidades de atuar autonomamente num
contexto em que a Educação Geográfica, cada vez mais, torna-se necessária.
Pensar estas questões envolve o papel do profissional professor que, pela constituição
de um Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG), tem aportes para proporcionar modos de
olhar que levem a dimensão humana e cidadã ao debate, não desconsiderando que constitui uma
219

forma de olhar o mundo e que precisa ser relacionada a outras áreas do conhecimento e
continuamente contextualizada.
O olhar geográfico do professor precisa considerar, também, a lógica da acumulação e
concentração de capital como debates a serem feitos perante a dimensão de construção e
significação das sociedades em suas diversidades e distinções. Isso leva a uma maior
compreensão dos fatos e fenômenos que, no mundo da vida, têm seus valores na construção do
humano. Diante disso, permanece o desafio aos docentes em considerar as leituras que realiza
do espaço geográfico a partir de um pensamento geográfico que vem sendo construído ao longo
do tempo e que possibilita tecer articulações multitemporais e multiescalares.
O professor de Geografia, ao problematizar o mundo sob o olhar geográfico, tende a
levar em conta aquilo que o sujeito aprendente sabe, pensa e imagina, possibilitando que, pela
ação comunicativa, ambos participem da construção do conhecimento de forma significativa,
como responsáveis pelas dinâmicas do espaço geográfico e de modo a construir uma forma de
pensamento poderoso para atuar e agir no mundo.
Há, na atualidade, discursos produzidos cujas ideias tratam da fragilização e da
culpabilização dos docentes diante de todos os desafios e problemas da educação. Fazendo
frente a esse processo, é fundamental, entre os professores de Geografia, a construção de um
PPG alicerçado em conhecimentos e dimensões que convirjam à ação comunicativa e à
possibilidade de os professores dizerem a própria palavra. Essa construção possibilita atuar
social e politicamente nas tomadas de decisão que lhe digam respeito como profissional que
constrói conhecimentos e lida com a dimensão socioespacial.
A construção do PPG de professor constitui-se, também, como percurso a ser trilhado
para a significação da docência e da autonomia construída na relação com o currículo, com os
processos de ensinar e, principalmente, com relação ao livro didático que, cada vez mais, chega
aos contextos escolares. Para tanto, permanece o desafio, indo além desta pesquisa, de
compreender, de forma mais aprofundada, os processos e mecanismos para a construção do
Pensamento Geográfico. Esse percurso pretende analisar e compreender como o professor
processa e utiliza informações, fatos e fenômenos geográficos e sob que aportes a dimensão
geográfico-pedagógica ampara esse processo e contribui para que, ao longo do tempo, o
professor construa autonomia e atue de modo coerente e eficaz para promover a Educação
Geográfica.
Permanece, assim, a ideia de que o PPG potencializa, complexifica e empodera o
professor no exercício da docência, diante das necessidades e dos desafios que perpassam a
educação escolar e, especificamente, a geográfica. Isso porque, ao desenvolver um modo de
220

pensar e de abordar a Geografia, o professor tende a estabelecer relações com o livro didático
que contribuem para a autonomia necessária à efetivação da Educação Geográfica. Essa
afirmação comprova-se pela pesquisa e se mantém como uma necessidade tanto aos professores
que já atuam no ensino de Geografia, quanto àqueles que estão se formando na academia, em
universidades públicas e privadas. A contribuição empírica, nas diversas fases (tanto com
professores formadores quanto com professores da educação básica), confirma estes
pressupostos na medida em que traz elementos significativos para pensar a formação e a ação
docente na construção da autonomia de pensamento em relação ao livro didático.
Esse movimento de pesquisa permitiu “mostrar” uma realidade que pode ser, de certa
forma, restrita do ponto de vista das amostras feitas, mas que dizem muito das inquietações,
dos avanços e dos desafios que ainda perpassam a formação e a prática docente em Geografia.
Desse modo, à luz dos teóricos, pôde-se perceber os limites e possibilidades do ser professor
de Geografia de uma forma importante, se não para generalizar de modo absoluto, para
contribuir com o “estado do conhecimento da questão”. Isto posto, a construção do conceito de
Pensamento Pedagógico Geográfico (PPG), que resulta das reflexões sobre a dimensão teórica
e empírica, e pela clarificação das aproximações e distinções entre Geografia acadêmica-
Geografia escolar, trouxe elementos significativos que possibilitaram debater sobre o ser e o
construir-se professor.
Refletir sobre o pensamento poderoso e complexo de professor – o PPG – e o papel dele
ante às dinâmicas da educação e, especificamente, diante da necessidade de uma Educação
Geográfica, constitui-se como um movimento de construção contínua. Essa construção precisa
sempre ser pensada e planejada numa perspectiva de autonomia docente, a qual considera o
protagonismo que o professor precisa exercer e o empoderamento desse profissional, o qual
permite, na atuação docente, interagir com o aluno, com o currículo, com a legislação
educacional, com a realidade em que atua, com o livro didático e outros recursos disponíveis.
Os profissionais professores, no movimento de problematização pelo PPG, tendem a
tecer caminhos a fim de contribuir para a qualidade que um processo educativo escolar
pressupõe, no sentido da construção da cidadania dos sujeitos inseridos no mundo. Diante dos
desafios que persistem no exercício da docência, permanece o convite aos professores para que
repensem sua formação e dialoguem sobre a atuação docente, considerando os aspectos que
fundamentam o seu Pensamento Pedagógico Geográfico de Professor.
Espera-se, portanto, que as reflexões propostas na tese sejam apenas o primeiro passo
do percurso de investigação sobre o Pensamento Pedagógico Geográfico de Professor e que,
mais adiante, nessa jornada, outros tantos caminhos sejam possíveis de serem construídos.
221

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230

ANEXOS

Anexo 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE


231
232
233

Anexo 2 – Solicitação de indicação de professores – UFFS


234

Anexo 3 – Solicitação de indicação de professores – UFRGS


235

Anexo 4 – Solicitação de indicação de professores – UPF


236

APÊNDICES

Apêndice 1 – Quadro síntese sobre o pensamento geográfico dos principais pensadores nas escolas alemã e francesa
Escola de pensamento Principais Pensadores Principais Ideias
Sua geografia setorial utilizou o positivismo organicista de Spencer (1820-1903), referendado no evolucionismo
de Darwin (1809-1882). Organizou, pelo modelo sistemático, o estudo dos aspectos da superfície terrestre
relacionados ao ser humano, a partir de viagens, contatando a realidade. Formulou leis gerais para explicar a
Escola Alemã Ratzel relação humana com o meio natural, indicando diferenças entre povos e civilizações que resultariam deste
relacionamento.
Essas relações serviram aos estudos sobre o Estado, admitindo-o a partir da ideia de um território dominado por
uma sociedade organizada. A importância do Estado se daria pelo poder exercido sobre determinado espaço e
pela capacidade de expansão, desenvolvendo a Teoria do Espaço Vital, que serviu como ferramenta de apoio para
a expansão territorial da Alemanha.
Desenvolveu a Geografia política na fronteira com Antropologia e Sociologia. Ratzel manteve a fragmentação da
Geografia, sob dois aspectos: Geografia humana (sistemática e não regional), e do ponto de vista de Darwin,
vendo o ser humano como uma espécie animal e não como elemento social, considerando-o produto final da
evolução, moldado pelas forças do meio (físicas) e somente vencendo ao adapta-se a elas.
J. J. Élisée Reclus Compreendeu a Geografia física e a Geografia humana de modo aproximado, ou seja, não separando-as,
(1830-1905) procurando analisar os fatos e fenômenos em interação, dedicando-se à descrição e ilustração cartográfica.
Sistematizou a escola francesa de Geografia com base em Ritter, mas estabelecendo diálogo com a Sociologia e
Paul Vidal de La Blache a Antropologia de Durkheim65. Abordou a Geografia humana, regional e política sob reflexões, descrições e
(1845-1918) observações que realizou em diferentes territórios. Em suas obras traz a dinâmica das transformações espaço-
Escola Francesa temporais das paisagens e as relações entre os aspectos heterogêneos que integram a composição de uma
paisagem, considerando como caminho a observação, a relação ser humano-natureza.
Sua ideia de Geografia humana se difere66 da antropogeografia de Ratzel, mas não a desconsidera. Para La Blache,
a Geografia humana tem a mesma origem da Geografia botânica e zoológica, das quais obtém o método análogo,
considerando a complexidade que envolve a terra e o homem.
Levou em conta as formas de civilização, repartidas geograficamente, agrupando-as, classificando-as e
subdividindo-as. Esses procedimentos metodológicos, comuns nas ciências naturais, encontraram problemas na
Geografia humana. Isto posto, defendeu a composição de estudos analíticos67 e de monografias onde as relações

65
Émile Durkheim foi fundador da "Escola Francesa de Sociologia", constituiu a Sociologia Moderna, ao lado de Max Weber e foi um dos responsáveis por tornar a sociologia
uma disciplina acadêmica.
66
Os escritos de La Blache não desconsideram as contribuições de Ratzel, apesar de suas diferenças, visto que é com base inicial no pensamento alemão que se constroem as
ideias da Geografia na França. Os dois autores diferem no que tange à relação que se estabelece pelo homem no ambiente.
67
Para La Blache, a uma ciência de observação se faz necessário: 1. Uma visão de conjunto; 2. Enumerações completas; 3. Agrupar, classificar, comparar. Este processo,
aplicado às pesquisas sobre a Geografia, poderia promover uma compreensão geral da configuração do globo terrestre, obtendo uma visão real da humanidade, do mundo
237

entre as condições geográficas e os fatos sociais seriam aproximados sobre um campo delimitado. Interessa à
Geografia humana, determinar o sítio e a extensão topográficos, extraindo relações. Para tanto, deveria considerar:
posição, aspectos físicos e extensão.
Como princípio de classificação definiu o gênero de vida, considerando as peculiaridades sociais/culturais de
determinada região, a qual, por suas características pode mudar a fisionomia de uma área, uma vez que “a ação
do homem se faz sentir desde que sua mão se armou de um instrumento”68. O estudo das paisagens das diferentes
civilizações na relação do homem com o seu meio envolve a geografia das civilizações69 valorizada em grandes
compêndios, mas inferiorizada diante da Geografia regional.
Utiliza a ideia de unidade terrestre, considerando que nada se explica isoladamente e de modo estanque. É
necessário apreender as analogias, conduzidas pela generalidade das leis terrestres, não dando ênfase demasiada
ao todo ou às partes. Nesse sentido, a unidade terrestre seria alcançada por comparações (a partir de Humboldt).
Utilizou também ideias de Ritter.
Elaboração: Carina Copatti (2019).

vegetal e animal. La Blache trouxe também avanços no aperfeiçoamento metodológico, a partir do questionamento sobre o processo como o homem foi capaz de superar a
natureza tornando habitável boa parte da superfície, abarcando seis elementos: a) Correlação, encadeamento, articulação entre as partes e o todo; b) Comparações sociológicas,
geográficas e históricas para compreender passado e presente; c) Trabalhos de campo/observação direta, cartografia e pesquisas em arquivos, além dos saberes populares; d)
a natureza como fonte de inspiração. Totalidade, dinamismo, coordenação e estabilidade/mudança (métodos das ciências naturais); e) Interdisciplinaridade – transita pela
ecologia, geologia, etnografia, sociologia e história. Pregava unidade das ciências; f) Presença da tradição alemã – Humboldt, Ritter, Ratzel, também Peschel (menos usado);
g) Vai do território ao homem e retorna ao território. Esse processo metodológico influenciou diversos geógrafos posteriormente, chegando ao Brasil décadas depois (VIDAL
VIDAIS, 2012).
68
Em Os gêneros de vida na geografia humana – primeiro artigo, 1911.
69
Princípios de Geografia Humana, obra póstuma de 1922.
238

Apêndice 2 – Quadro síntese sobre as novas tendências do pensamento geográfico no século XX


Tendência Época/Local Principais autores Método Principais ideias

Nova Geografia A partir da década de 1950 Retomou ideias do Círculo de Viena 72 pelas Utilização do método Considera a lógica da distribuição e
Teorética/ (Pós início da guerra fria), reflexões de autores como Fred K. Schaefer hipotético-dedutivo, localização dos fenômenos no espaço pela
Quantitativa70 principalmente na Inglaterra, (1953), criticando a concepção regional- baseando-se no empirismo abordagem pragmática. Admite o espaço
Neopositivista Estados Unidos e Suécia. historicista de estudo das diferenças, propondo a lógico e na linguagem como relativo e a organização espacial - os
Nos Estados Unidos marca o compreensão das regularidades. matemático-quantitativa. arranjos geométricos do espaço - como
período até 1960, pela Diferentes teorias serviram para tecer hipóteses: Não propôs teorias objeto, propondo a análise a partir de
Geografia analítica, com Teoria do Estado Isolado (Von Thünen, 1826); geográficas abrangentes, métodos quantitativos, do uso de técnicas
destaque para os Teoria das Localidades Centrais (Christaller, 1933, não rompeu o pensamento estatísticas, tomando o computador como
levantamentos de dados71 e o Lösh, Weber); Teoria Centro-Periferia tradicional, declinando a instrumento e o conteúdo matemático como
ambientalismo, considerado (Friedmann), Teoria dos Polos de partir dos anos de 1970. objeto de alcance do conhecimento.
um naturalismo de cunho Desenvolvimento (F. Perroux). Principalmente a Geografia física nesse
mecanicista que dita os Entre 1950 e 1960, Edward Ullman e Jean período sofreu influência, conservando um
rumos iniciais da Geografia Gottman (a partir de Thünnen, Christaller, Lösh e caráter monográfico e ideográfico com base
naquele país. Weber) abordaram a distribuição das atividades nos recortes regionais e na vertente
econômicas e seu dinamismo, aproximando holística, através das quais surgiu a
Geografia e Matemática ao estudar os movimentos interpretação do ambiente natural como
e fluxos, com base em Ratzel e La Blache sobre sistema integrado de vários elementos,
circulação. Outros autores foram Willian Bunge denominada Geossistema73.
(1962) e David Harvey (1966).

70
Estes termos não podem ser utilizados como sinônimos, pois a expressão “Geografia quantitativa” serve a qualquer tendência da Geografia, seja nova ou antiga, definindo
apenas o seu instrumento utilizado para a quantificação, pela aplicação intensiva das técnicas estatísticas e matemáticas nas análises geográficas. Já a denominação “Geografia
teorética” considera o aspecto teórico e metodológico, que envolve toda a análise quantitativa e engloba os processos de abstração necessários às etapas da metodologia
científica e da explicação (SANTOS, 2004; CHRISTOFOLETTI, 1976).
71
É necessário explicitar que a geografia norteamericana tem seu início no final do século XIX, a partir de geólogos que realizavam levantamento de dados sobre o território,
em nome de órgãos estatais. Powel e Gilbert são dois destes autores. Ainda, Davis formula teoria sobre o modelado do relevo de base genética e evolucionista, “teoria do ciclo
geomorfológico”. Além destes destaca-se Ellen Semple (que foi aluna de Ratzel) e Ellswortth Huntington.
72
Nome como ficou conhecido um grupo de filósofos que se juntou informalmente na Universidade de Viena (1922 a 1936), sob a coordenação de Moritz Schlick. Seu sistema
filosófico ficou conhecido como o "Positivismo Lógico" ou ainda Empirismo Lógico ou Neopositivismo.
73
A teoria dos sistemas implica na reordenação de fluxos, pela organização das partes, visando a funcionalidade pelo equilíbrio do todo. Esse conceito aparece na segunda
metade do século XX, baseado no Neopositivismo, e, buscando superar a fragmentação entre Geografia física e humana, o que não se efetivou, de fato. (MORAES, 1987;
SANTOS, 2004; SUERTEGARAY, 2005; 2017).
239

Geografia Crítica Na segunda metade do século A tendência Radical vinculou-se às ideias da Utiliza-se do método Reflete criticamente sobre a realidade
Radical XX, na Europa (França, Geografia Ativa de Pierre George (França), pelo dialético, em que os social, compreendendo o mundo na
Marxista principalmente, pela estudo das formas de organização da sociedade. geógrafos desempenham perspectiva da totalidade. O sentido da
Geografia Radical, 1960), Nos Estados Unidos a Geografia Radical surge da um papel importante, indo história dá o tom holista do pensamento
posteriormente nos Estados Geografia da Denúncia, pensando o planejamento além da neutralidade até marxista, considerando a história social do
Unidos, expandindo-se pelo estatal. Ampliada ao aderir o Materialismo então presente na ciência homem como o salto de qualidade dialético
mundo, sendo fortalecida na Histórico de Karl Marx, incorporando a dialética geográfica, e considerando do desenvolvimento da sua história natural,
década de 1970. de Hegel (1970). Essas ideias partem do criticismo aspectos políticos e sociais um processo realizado através do trabalho.
de Kant (século XVIII) e do romantismo de que interferem nas A Geografia denominada “crítica” procurou
Schelling (século XIX), por intermédio de Ritter, transformações da ir além da descrição das paisagens, levando
Humboldt e Reclus. sociedade. em conta as relações entre espaço e
Os geógrafos marxistas franceses retomaram Nessa perspectiva, a sociedade, considerando o espaço como
ideias de La Blache através de Max Sorre (1930), denominação crítica se resultado da ação humana num processo
cujas ideias foram continuadas por Pierre George deve por assumirem esta dinâmico, sem separar homem e natureza,
(1902-2005), ampliando a renovação da Geografia posição com compromisso, sujeito e objeto, compreendidos de modo
na França junto a seus ex alunos Bernard Kayser, sem esconder-se sob falsas dialético.
Raymond Guglielmo e, principalmente, Yves neutralidades. As temáticas do Marxismo e da renovação
Lacoste. Outros autores foram Jean Tricart e Jean da Geografia se aproximaram, o que levou
Drech (1950). à ideia de que o marxismo é a base
A partir de 1970 expandem-se as tendências filosófica, política e ideológica da
marxistas, destacando-se a produção de David renovação, o que não é verdadeiro, visto que
Harvey (em sua nova fase) e Edward Soja (Estados não há apenas pensadores marxistas na
Unidos), Milton Santos e Armando C. da Silva perspectiva da Geografia Crítica74.
(Brasil), Massimo Quaini (Itália), Henri Lefebvre
(França).
Geografias Surge das transformações do Surge nos Estados Unidos com Carl Sauer (1889- Utiliza-se do método As perspectivas pós-modernas surgem
77
Pós-modernas: pensamento na Europa, 1975) (início do século XX) e posteriormente fenomenológico como uma nova forma de interpretação das
Humanistas (principalmente França e Richard Hartshorne 75 (1899-1992), baseado em (Edmundo Hussell, final do transformações do mundo no contexto
Subjetivistas Alemanha), e na América Hettner. século XIX), chegando à atual. Trazem diferentes ideias, conceitos e
(Estados Unidos). Geografia em 1970, porém modos de interpretação que se inserem na

74
Segundo Andrade (1999), nas décadas de 1980 e 1990, havia um grupo mais ortodoxo que procurava adaptar o pensamento de Marx ao contexto atual. Outros utilizavam esse
pensamento em função da práxis, aplicando um marxismo dinâmico e verdadeiramente dialético, levando em conta também a Dialética da Natureza de Engels e ideias de
geógrafos franceses como Pierre George, Jean Tricart, Yves Lacoste e Michel Rochefort.
75
Hartshorne mostra a presença epistemológica da filosofia alemã oitocentista no pensamento geográfico, via Ritter e Humboldt, e traz essa relação ao Romantismo do século
XIX e à filosofia neokantiana do começo do século XX, na qual Hettner deita suas raízes (MOREIRA, 2014a).
77
Partem da tendência Fenomenológica a Geografia da percepção77 (CORRÊA, 2000a), a Geografia humanista, a Geografia cultural e também a Geografia histórica77, que
constituem versões derivadas das matrizes norte-americanas de Sauer, aprofundadas por Lowenthal (1960) e dimensionadas por Yi-fu Tuan (1970), pela fenomenologia.
240

No início de 1960 um ex-aluno de Sauer, David não como uma Geografia, seja ao abordar as
Lowenthal, inicia a renovação dessa tendência, fenomenologia das transformações na cultura, na sociedade,
compondo as bases da Geografia Humanista76, sob essências, mas como uma nos modos de interagir, em questões de
influência da Geografia cultural, histórica e fenomenologia existencial, classe, gênero, diversidades, a partir da
comportamental (anglo saxã), e da Geografia mais próxima da filosofia contestação de concepções que envolvem
comportamental (psicologia e semiologia de Maurice Merleau- temas que eram considerados gerais na
francesa), apoiando-se, também nas tendências Ponty. Modernidade, como a concepção de ordem,
filosóficas do idealismo, fenomenologia, sociedade, sujeito, verdade, dentre outros
existencialismo, hermenêutica. aspectos que ganham atualmente novas
Yi-Fu Tuan também se destaca pelos estudos de interpretações, desconstruindo os discursos
perspectiva humanista, buscando, pela percepção totalizantes, as verdades absolutas,
subjetiva. considerando que a construção do sujeito
Na Europa há outras pesquisas que se destacaram está sempre no devir.
pelos estudos de cunho histórico, humanista e
cultural, avançando a partir da década de 1980.
A partir de 1990 a Geografia Humanista avançou,
distanciando-se em parte, da Fenomenologia
Clássica, e aproximando-se do existencialismo, do
marxismo. Incorporou as representações e seus
significados pela compreensão hermenêutica.
Outra perspectiva desenvolvida no final da década
de 1990 surge de Michel Dear, numa concepção
pós-moderna.
Além destas perspectivas contribuem à Geografia
autores como Michel Foucault, crítico da
modernidade, mas considerado por muitos como
um autor de perspectiva pós-moderna ou pós-
estruturalista.
Elaboração: Carina Copatti (2019).

76
A perspectiva foi denominada como uma nova Geografia Cultural ou Geografia Fenomenológica (título de Edward Relph, 1971), Geografia da Percepção, Geografia
Humanística ou, enfim, Geografia Humanista (HOLZER, 1993; 2008).
241

Apêndice 3 – Quadro síntese referente aos métodos científicos e seus desdobramentos na Geografia
Método Autor Perspectiva Na Geografia Na Geografia acadêmica Na Geografia Escolar
O empírico é essencial para produzir Utilizado em pesquisas para “coletar” O modelo teórico-metodológico embasa
Reneé Segue rigor matemático e informação. Utiliza modelos para isso dados que possibilitem análises e conteúdos, por exemplo, que trazem
Hipotético
-dedutivo

Descartes razão. com neutralidade do cientista. O interpretações. Podem se referir aos quantificação de populações, comparações entre
(1596- espaço é um plano sem rugosidades dados quantitativos de uma amostra de países, regionalizações do espaço em que apenas
1650) Sujeito < Objeto sobre o qual as atividades são população, serviços ou análises de aspectos naturais e/ou econômicos são
analisadas por variáveis pré- aspectos naturais, com distanciamento considerados; ainda, conteúdos cuja proposta
O real é descrito por meio de concebidas. Centra-se no objeto, tendo do pesquisador em relação ao descreve e apresenta dados que pouco se
hipóteses e dedução. natureza e homem separados. objeto/fenômeno. relacionam com os sujeitos, enfatizando
abordagens quantitativas dos dados.
Apreensão a partir da Valorização subjetiva do território e Na Geografia é utilizado em pesquisas No ensino fundamental, a estrutura curricular traz
Husserl experiência do sujeito. apreensão do significado do lugar, que envolvem estudos de diferentes temas sobre lugar, paisagem, diversidades
(1859- como construções que se constituem a culturas, situações em que a culturais em que a fenomenologia aparece.
Fenomenológico-

1938); Sujeito > Objeto partir do sujeito. Nas pesquisas abordagem exige maior participação Estudo sobre lugar (6º ano), considera a dimensão
hermenêutico

fenomenológico-hermenêuticas a do sujeito como centralidade. A subjetiva de modo mais explícito. É visível,


Maurice A fenomenologia propõe o síntese da relação sujeito-objeto utilização de entrevistas, pesquisa também, ao abordar as vivências culturais de
Merleau retorno às coisas mesmas. A ocorre no ato de reflexão. Utiliza a etnográfica, pesquisa participante, diferentes povos, nos estudos da formação da
hermenêutica propõe a interação de todos os elementos da geralmente contribuem para pensar população brasileira (7º ano). Outros trechos de
Ponty
interpretação. realidade, com uma visão dinâmica e um problema científico a partir do livros didáticos também trazem possibilidade de
(1908-
racional, o homem considerado como método fenomenológico. construção de conhecimentos sob este método,
1961)
natureza pensante. embora não claramente exposto nestes materiais.
Hegel Refutação do senso comum, Os pesquisadores confrontam Nas pesquisas acadêmicas a escolha A realidade é vista pela visão crítica em que o
Dialético

(1770- levando-as à contradição, opiniões buscando um ponto de vista por essa perspectiva baseia-se em sujeito interage com o objeto.
1831) buscando a verdade78. Estágios mais amplo 79 . Em Geografia o reflexões críticas sobre o espaço, Alguns conteúdos trazem de modo amplo: sobre
do conhecimento: Tese- Materialismo Dialético baseia-se em considerando-o a partir das dinâmicas problemas ambientais, globalização, conflitos
Antítese-Síntese. a) Karl Marx. Nas pesquisas crítico- que envolvem as relações sociais e a mundiais, ou quando trazem a dimensão humana
transformação da quantidade dialéticas o processo cognitivo centra- temporalidade. Pode-se utilizar, à mais presente. Nos livros didáticos esses aspectos
em qualidade e vice-versa; se na relação sujeito-objeto, numa priori, dados quantitativos, no entanto, aparecem em questionamentos na introdução de
b) unidade e interpretação dos visão dinâmica e conflitiva da isso desencadeia, pela leitura capítulos ou em atividades que inserem o aluno
contrários; realidade, considerando a natureza e a qualitativa da realidade, análises e nas problematizações que realiza. No entanto, há
c) negação da negação. sociedade como partes de um mesmo reflexões que avançam a partir de uma capítulos em que não é visível essa proposta.
Sujeito  Objeto movimento. problematização.
Elaboração: Carina Copatti (2019).

78
Japiassu e Marcondes (2001).
79
Henry Lefebvre (1983).
242

Apêndice 4 – Quadro sobre os principais conceitos estruturantes na Geografia


Conceitos Autores/perspectivas Conceitos na Geografia científica Os conceitos na Geografia Escolar
A concepção inicial “superfície Kant: Espaço como fundamento das percepções exteriores, como condição de ocorrência dos É geralmente inserido nos estudos a
terrestre” (Foster e Kant), passa fenômenos. As relações ocorrem no espaço e a partir do espaço. partir da definição de espaço
Espaço ao conceito de espaço, com Perspectiva tradicional: porção específica da superfície, identificada como natureza ou modo geográfico e perpassa vários temas
maior presença na geografia particular como o homem imprime suas marcas, com referência à localização, ou pela compreensão em e conteúdos, envolvendo a escala de
crítica, estruturando-se como diferentes escalas. Não é um conceito chave. análise e elementos de
espaço geográfico, em Perspectiva neopositivista: espaço como um conceito importante, e menor importância a outros temporalidade para compreender
diferentes escalas conceitos, utilizando-se de procedimentos e técnicas estatísticas. suas transformações.
(local/regional/nacional/ Perspectiva crítica: pela análise marxista, aparece de modo mais explícito, considerado decisivo à
global). estruturação de uma totalidade, compreendida em escalas local-global, como produto da ação humana,
socialmente produzido (ocupado e continuamente transformado).
Perspectiva humanista: concebido de várias formas, pelas singularidades, subjetividade, e não pela
compreensão universal e ou das particularidades.
Aparece nos escritos de La Perspectiva tradicional: Ligada a aspectos naturais, posteriormente tida como resultado das relações Abrange, geralmente, diversos
Blache, embora já se homem/natureza. Ganhou um caráter científico e mais complexo com aspectos da realidade objetiva temas e conteúdos de estudo no
Paisagem configurasse anteriormente em dos homens que a povoam e das relações que tecem com o meio. No início do século XX os geógrafos currículo e no livro didático.
autores como, por exemplo, priorizaram as paisagens rurais e atualmente interessam-se mais pelo estudo das paisagens urbanas. Considera os elementos naturais e
Foster, que compreendeu o Perspectiva crítica: paisagem concebida como um conceito operacional para analisar o espaço sociais que se diferem em cada
estudo sistemático e descritivo geográfico sob uma dimensão, qual seja o da conjunção de elementos naturais e tecnificados, espaço e de acordo com as
das paisagens. socioeconômicos e culturais. As diferenciações da paisagem se originam na/da atuação humana, de suas sociedades, suas culturas e seus
necessidades, agindo sobre o meio natural, transformando-o de modo diverso no decorrer do tempo e modos de vida.
de acordo com as condições de cada sociedade, considerando o visível e as sensações.
Perspectiva humanista: a paisagem como produto da ação do homem ao longo do tempo, constituída
de valores, crenças e a dimensão simbólica, a experiência individual, sem desconsiderar questões
sociais, sob hipóteses mais realistas e rigorosas. Atualmente, duas tendências tem maior preocupação:
a) foco nas relações entre elementos naturais e ação antrópica = sistêmica/geossistêmica (Soctchava,
1960), e, posteriormente, recortes espaciais e escala de análise); b) a cultura humana (paisagem cultural,
pela relação ser humano-lugar), considerando a vertente fenomenológica. (Bertrand).
Ganha maior destaque a partir Perspectiva tradicional: Território interpretado a partir de duas concepções: a) Naturalista - sentido Tem uma dimensão política bem
da expansão alemã quando são físico como algo inerente ao próprio homem, pela necessidade de recursos para sobrevivência; b) explícita nos conteúdos curriculares
Território tratados os limites naturais dos Ligação natural com a terra - interpretação pelos sentidos e a sensibilidade humana, valorizando a e nos livros didáticos, tendo ênfase
territórios. ligação afetiva do homem com seu espaço, ligada ao indivíduo, à territorialidade, e conotação política. na definição territorial de países e
Com Ratzel ganha maior Perspectiva crítica: Território como elemento que condiciona as relações de produção. a) Redes de estados, principalmente. Aspectos
visibilidade, a partir do informação - disseminação de informações em frações de tempo, rompendo distâncias e fronteiras, sobre territorialidades,
conceito de espaço vital. mudando de tamanho dependendo do domínio tecnológico de um grupo/nação, mudando a multiterritorialidades, dimensões
Atualmente é tema de configuração geográfica; b) Retorna ao indivíduo e ao cotidiano como formas de apreensão das simbólicas e subjetivas que
diferentes tendências, dentre dimensões territoriais e da capacidade de projetar a liberdade como meio de satisfação individual. perpassam as relações construídas
243

elas a geografia crítica e Perspectivas pós-modernas: Território interpretado pelos usos que dele se faz, não apenas pela que envolvem o território ficam
algumas tendências pós- materialidade. Constitui-se de modo complexo, por diferentes relações, principalmente no que concerne menos evidentes.
modernas. ao domínio da técnica e desenvolvimento de relações construídas por influência de fatores que chegam
ao nível global. Os modos de interpretação: tendência etnocêntrica (produção humana), pela perspectiva
política (controle, pela relação com o Estado e as fronteiras materiais), ou priorizando o território como
fruto de uma apropriação simbólica (identidades territoriais com seus espaços vividos). Ainda, como
produto das relações desiguais de forças (domínio político-econômico e apropriação simbólica, em três
perspectivas: Política, cultural e econômica).
Ganha maior significação pela Perspectiva tradicional: considerou as características naturais e culturais próprias de uma determinada Elaborado a partir do espaço
perspectiva cultural, embora já área, relacionada especificamente com a localização no espaço. próximo (espaço vivido)
Lugar fosse considerado por autores Perspectiva crítica: envolvem conflitos e disputas, compreendendo o lugar pelos fatores econômicos, brevemente conceituado. Comporta
como Varenius (Geografia políticos e sociais, com base no espaço local. Nessa direção, considerando que cada sujeito se situa num a moradia, a rua, o bairro, a cidade,
geral-particular), tratando das espaço, o lugar permite pensar as relações no nível do cotidiano em relação aos conflitos do mundo outros espaços nos quais
regiões e lugares. moderno, colocando-se enquanto parcela do espaço. O lugar envolve as localidades, os elementos interagimos, sejam praças, a escola
construídos no cotidiano em interface com as relações que se produzem e reproduzem socialmente de ou outros lugares em que
modo constante em diferentes escalas do espaço. convivemos.
Perspectiva humanista/cultural: lugar como conceito-chave (espaço vivido), correspondendo ao
espaço em que a vida acontece, carregando significados e afetividade, ou também pela aversão ao lugar.
Assim como o conceito de Perspectiva tradicional: diferentes concepções: região natural, recorte espacial, região geográfica, Pressupõe, tanto no currículo
lugar, a região toma parte dos parcela da superfície da Terra definida a partir de escalas territoriais diversificadas resultante da escolar, quanto na estrutura dos
Região estudos de Varenius. Também combinação de áreas com base nos aspectos naturais e de localização. livros didáticos, principalmente
foi tema de estudo de autores Perspectiva neopositivista: conjunto de lugares onde as diferenças internas são menores que a aspectos que envolvem a
como Hartshorne (a partir de existente entre eles e outros lugares, tornando-se um meio, que a partir de diferentes critérios geraria conceituação com base política,
Kant, Humboldt e Ritter), e outros produtos. Definem-se regiões homogêneas com variáveis estruturantes medidas estatisticamente, com definição baseada nas
Hettner. Mas ganhou maior e as regiões funcionais, referindo-se às múltiplas relações no recorte espacial internamente diferenciado. regularidades, em aspectos de
centralidade com La Blache, Perspectiva crítica: ganha novas interpretações pela atuação do capital nas dinâmicas e diferenciações diferenciação, utilizando
quando aborda os Gêneros de do espaço, divisão territorial do trabalho, processo de acumulação capitalista. Se constitui pelas comparações entre espaços distintos
Vida na França e menciona as dinâmicas do espaço, aliada à dimensão histórico-social não isoladas entre si. de um mesmo território.
regiões geográficas. Perspectiva humanista: a região é vista como um produto real, construído dentro de um quadro de
solidariedade territorial. Para ser compreendida seria preciso vivê-la, refutando a regionalização e a
análise regional como classificação a partir de critérios externos à vida regional.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
244

Apêndice 5 – Quadro síntese do pensamento geográfico segundo professores de Geografia na educação superior
Quadro A
Prof. País Elementos principais do pensamento geográfico
PU1 Argentina -Se constrói como processo;
-Tem base em conceitos estratégicos da geografia;
-Tem concepções diferentes: Concepção acadêmica diferente da concepção escolar;
-Se estabelece como categorias para realizar análises;
-Princípios explicativos: (multiescalaridade, processo/causa, contemporaneidade);
-Se estrutura em diferentes perspectivas de pensamento.
PU2 Colômbia -Tem base na relação espaço-tempo;
-Tem base nos objetos presentes no espaço e seu uso;
-Envolve razão, paixão e sentimento;
-Imaginar espaços e formas de aprendizagem para pensar geograficamente;
-Imaginar a funcionalidade do espaço;
-Precisa definir teoria e método.
PU3 Colômbia -Há aspectos específicos da Geografia para ler a realidade, para a formação cidadã;
-Envolve o acúmulo de teorias, a construção de argumentação;
-Envolve pensar teorias sobretudo contemporâneas para conversar com a realidade;
-Envolve habilidades de ler o espaço: observação, explicação, argumentação para formar a consciência espacial específica da Geografia;
-Envolve a escalaridade para desenvolver a formação cidadã.
PU4 Chile -Constitui um tipo particular de pensamento específico da Geografia;
-Se faz em parte pelo pensamento espacial, mas vai além, envolve explicações a partir da estrutura geográfica, as análises de razões e evoluções dos
fenômenos. Parte-se do pensamento espacial, utilizando elementos particulares da Geografia e as relações;
-Traz entendimento do espaço pela relação que se estabelece no espaço;
-Considerar conceitos que estruturam o conteúdo a ensinar, estabelecendo caminhos para saber por que, para que e outras perguntas necessárias.
PU5 Brasil -É uma forma específica de analisar a realidade, específico da Geografia;
-Considera a realidade a partir de conceitos específicos que variam historicamente;
-São diferentes teorias, cada autor escreve e entende de uma forma e existem diferentes métodos.
- Utiliza-se os conceitos principais como categorias para realizar a análise;
- Há ferramentas para analisar a realidade, e como proceder envolve princípios operativos: localização, descrição, localização, jogo de escala geográfica.
PU6 Brasil -Tem dois sentidos: a) herança histórica (desde os gregos) e que atualmente utilizamos para nossas análises; b) resultado de diferentes estruturas:
pensadores, escolas de pensamento, instituições (universidade, escola e sociedades de Geografia) que passam a interferir na construção do pensamento
geográfico, principalmente sob influência da universidade; - Esse pensamento está: a) na estrutura curricular (da universidade e em alguns aspectos no
currículo escolar); b) em algumas práticas dos professores da educação básica; - Envolve as tendências, os conceitos, as categorias da Geografia.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
245

Apêndice 6 – Quadro síntese do pensamento geográfico necessário na formação de professores de Geografia


Quadro B
Prof. País Elementos para desenvolver o pensamento geográfico nos professores
PU1 Argentina -Construir gradativamente a partir de um processo;
-Trabalhar com os alunos incluindo desde o nível inicial, representações do espaço;
-Gradualmente construir conceitos que são estruturantes da disciplina como geografia acadêmica e com tradução escolar;
-Não estamos formando geógrafos, mas cidadãos com competências geográficas, pela construção do pensamento geográfico;
-Ter claro os conceitos estruturantes e como fazer as traduções necessárias para que os alunos construam as categorias que poderão depois permitir que
pensem e incorporem uma dimensão espacial às suas práticas cotidianas;
-O conceito de espaço geográfico é central e há muitas maneiras de ir aproximando os alunos da construção desse conceito e de princípios explicativos, que
conhecemos como a construção social do espaço - multicausalidade, tempo histórico, multiperspectivas;
-Baseamo-nos nas distintas opções e modos de olhar para que os alunos interpretem as perspectivas de análise, sob a agenda política e social contemporânea;
-Construir a autonomia suficiente para que dialoguem com o currículo tendo as ferramentas para pensar as melhores opções de conteúdos e temas para o
ensino em diferentes dimensões socioculturais, para uma educação de qualidade para todos.
PU2 Colômbia -Não apenas ensinar Geografia, mas ciências sociais, a partir da concepção e interpretação do espaço geográfico;
-Pensar a aula envolve a sociedade, o contexto destes alunos, para pensar geograficamente, muitos não sabem e nunca foram ensinados a pensar
geograficamente;
-Partir do mundo vivido, da fenomenologia, daquilo que conhecem e concebem, para conhecer outros espaços a partir de diferentes linguagens, como a
literatura;
-A imaginação de outros espaços também auxilia a aprender, para ensinar também. Mas há limitantes, alguns conhecem o mundo, outros são humildes e
vivem com mais intensidade o espaço;
- Utilizamos a razão como marco teórico. Se não há um marco teórico não há um método (um caminho). “Qual é o melhor caminho para aprender? Onde
queremos ir com o método? O que queremos ensinar? Isso é base para ensinar para que os alunos aprendam, estabelecendo estratégias para alcançar os
objetivos”;
-É preciso contextualizar, a partir de pequenos problemas, das concepções de pensar a partir do pensamento destes estudantes.
PU3 Colômbia -Envolve habilidades para interpretar o espaço a partir do pensamento geográfico que desenvolve a aprendizagem e a consciência espacial;
-As posturas teóricas emergentes, as novas leituras do espaço são possíveis pelas novas leituras, pelas quais se explica o contexto contemporâneo que, pela
perspectiva crítica, dão muitas luzes à Geografia. A partir disso podemos pensar como levar essas novas posturas teóricas para o plano de formação dos
professores;
-Não é tanto dar nome à tendência, mas materializá-la, colocá-la para conversar com os problemas que existem nos territórios. Uma possibilidade é
apresentar problematizações espaciais em aula, a partir de investigações, estabelecendo meios de ler a paisagem, ou o meio geográfico, a ser protagonista;
-As tendências requerem um método, com possibilidade para novas leituras e discursos;
-Essas novas leituras podem permear um currículo que envolva intervenções didáticas, metodológicas, tornando a Geografia essa integração de diferentes
aspectos pelo âmbito conceitual, a partir de diferentes leituras dos lugares, dos espaços específicos dotados de identidades e de afetos, considerando espaços
mais amplos, a perspectiva da escalaridade, do local-global e vice versa;
-Trabalhamos a fundamentação conceitual como o primeiro componente que atravessa a mediação didática, as estratégias que empregamos;
246

-Apostamos na investigação como fundamental no processo formativo. As novas leituras permeando os métodos considera não apenas simplesmente a
listagem de informações para aprender, mas informações para significar e recriar;
-Mas há limitações, seja pelas novas linguagens que chegam para formar os professores, visto que há concepções técnicas (cartografia, geomorfologia).
-Não é apenas trabalhar a evolução do conceito e sua aplicação, mas considerá-lo na prática pedagógica nas aulas.
PU4 Chile -O processo de observação é fundamental, para refletir e, no contexto da sala de aula, problematizar a partir de perguntas/questões.
-Temos que ensinar a observar uma paisagem geográfica e como ensinar. “São alunos pequenos ou grandes? De escola rural ou urbana? Para isso há uma
combinação geográfica – vamos trabalhar o conceito de paisagem, pela observação, elege um tema, uma categoria de análise (paisagem), aparece o
componente geográfico: paisagem, e o componente pedagógico: a observação”.
-É preciso aprender a observar a paisagem, não apenas conceituá-la, e para isso é preciso aprender observar com os estudantes... a partir da observação,
exercitando, e depois reflexionar sobre o que aprenderam. A terceira etapa é pensar como ensinar no mundo real, ou seja, como estes utilizarão esse
conhecimento ao ensinar na escola.
PU5 Brasil -Um professor de Geografia precisa ter essa forma de pensar (o pensamento geográfico), específico dessa realidade, a partir do desdobramento dessa
formação.
-Envolve os conceitos científicos incorporados na sua concepção científica, os princípios, as grandes teorias que fundamentam seu conhecimento (a história
da construção do seu conhecimento específico para realizar a análise), o método de análise pelos conceitos, princípios e teorias, para desenvolver o
pensamento geográfico como profissional dessa área.
-Adquirindo a capacidade de analisar geograficamente ele vai orientar a atividade de sala de aula para que os alunos também aprendam a pensar
geograficamente, não da mesma maneira, porque a especialidade do cidadão não é pensar geograficamente, mas algumas habilidades são necessárias.
- Começa pelo questionamento sobre o objeto (a realidade). Faz isso a partir de algumas perguntas (onde, por que nesse lugar, como é esse lugar), usa o
princípio da localização, da descrição, do jogo de escalar.
- A partir disso pode orientar o conteúdo, desenvolvendo o método do pensamento.
PU6 Brasil -Na formação do professor e do geógrafo primeiro é necessário conhecer o campo da ciência. A Geografia transformada em um discurso organizado, tentou
responder problemas da humanidade. A Geografia capta algo que é fundamental para a humanidade, um discurso clássico que tenta dar conta da sociedade, que
precisa ser preservada, que se transforma com o avanço da história, mas que tem que permanecer como algo que capta a dinâmica da sociedade. Isso significa
saber a função social da Geografia na origem e ao longo do tempo ao responder problemas da humanidade.
- O professor precisa distinguir os conflitos entre as tendências, para fazer escolhas mais conscientes para ele, vendo a evolução das tendências, que não
são apenas escolhas pessoais, mas se refere a que sociedade e que escola se quer.
- As tendências não se constituem apenas por si só, mas pelos confrontos com outras tendências, elas convivem e embora haja uma mais hegemônica, elas
contribuem entre si, mas no confronto, e assim se recompõem, o que faz todas avançarem.
- Para cada tendência se constrói o discurso geográfico como um todo, que tem a ver com os conceitos, a metodologia, como entra o espaço, o território, a
região, o mapa, os elementos naturais, culturais, humanos da dinâmica do espaço geográfico.
- A ideia da tendência permite ver os nexos fundamentais que permitem dar um sentido para todos os conteúdos para não escorregar e ficar apenas em uma
parte, em um aspecto apenas, compreendendo a dimensão ampla (geral).
Elaboração: Carina Copatti (2019)
247
Apêndice 7 – Quadro sobre a titulação e experiência docente do grupo de professores entrevistados
Prof. Gên. Formação Formação pós-graduação Tempo Atuação
Pré-teste
Pt1 F Magistério e licenciatura - Especialização em educação 7 anos Atuação desde 2011, sempre com ensino médio na rede estadual.
Geografia (UPF, 2009) ambiental
Pt2 M Geografia (UPF, 2009). 6 anos Atuação desde 2012, inicialmente com ensino médio na rede estadual e
-
posteriormente com turmas de E.F. e EJA na rede municipal.
Participantes
P1 M Geografia - licenciatura e Especialização em gestão escolar 11 anos Atua desde 2007 na rede municipal, em escola urbana e escola do campo
bacharelado (UPF, 2006). Mestrando em Educação e atuou durante 5 anos na rede pública estadual.
P2 F Geografia - licenciatura e Especialização em educação 9 anos Atuou em escola particular (2009-2012) e posteriormente em uma rede
bacharelado (UPF, 2007). socioambiental. municipal (2012-2015), também teve uma curta experiência na rede de
educação superior privada e atualmente trabalha na rede pública estadual
P3 F Geografia – licenciatura e Especialização em educação 15 anos Professora de anos iniciais na rede estadual (há 15 anos)
bacharelado (UPF, 2005). socioambiental Professora de Geografia na rede municipal, anos finais do EF (8 anos)
P4 F Geografia – licenciatura Mestrado em Geografia. 6 anos Atua em sala de aula desde 2012. Atualmente trabalha em duas
UFFS (Erechim, 2014). Cursando especialização instituições particulares e iniciou a carreira em escola pública.
P5 F Geografia - licenciatura Mestrado em Geografia 5 anos Iniciou como professora contratada pelo Estado (2013-2015) com alunos
(UFFS, 2014). Doutoranda em Geografia do E.F. Posteriormente assumiu concurso em um instituto federal onde
atua com ensino médio técnico.
P6 F Geografia - licenciatura Especialização em educação 3 anos Participou de pesquisa na graduação como bolsista de projeto de
(UFFS, 2015). interdisciplinar extensão e PIBIC, e bolsista voluntária (Fapergs) Geologia. Atua como
Mestranda em educação profissional professora no Colégio Marista desde 2015 (E.F. - anos finais e E.M).

P7 F Licenciatura em Geografia Especialização em ensino 23 anos Experiência em rede municipal-ensino fundamental e EJA. Foi
(UFRGS, 1991). Mestrado e Doutorado em Geografia professora na Universidade de Caxias do Sul (UCS), onde trabalhou com
prática de ensino e geografia do Brasil.
P8 F Geografia-licenciatura e Mestrado em Geografia 12 anos Professora voluntária/cursinho popular (2 anos durante a graduação).
bacharelado (UFRGS, 2008), Doutoranda em Geografia Atuou em rede municipal e rede particular (E.F. e E.M.); curso pré-
com graduação sanduíche. vestibular (E.M.-Escola Militar). Docente na rede federal (IF
Catarinense), redistribuída para o Colégio de Aplicação (EF, desde
2015).
Elaboração: Carina Copatti (2018).
248
Apêndice 8 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 1 – Influência na escolha da profissão
Prof. Influência na escolha da profissão
Pré-teste
Pt1 Sonho de infância, influência do contexto social, curiosidade.
Pt2 Desejo desde a infância, influência familiar, curiosidade.
Entrevistados
P1 Mesmo oriundo de escola tradicional, teve professores que o encantaram. Exemplos de professores que trouxeram prática tradicional e construtivista.
P2 Teve influência de sua irmã, que escolheu cursar história e a professora, para não estudar com a irmã, optou pela geografia, ciência afim.
Na apresentação do curso, antes do vestibular, ouviu de uma professora da universidade sobre as viagens, estudo das rochas, os trabalhos de campo na Geografia.
Lembrança da infância, do sítio da avó, que tinha açude, barragem, gostava dos aspectos naturais.
P3 Sempre quis ser professora (cursar alguma licenciatura).
O interesse pela geografia surgiu no estágio do magistério com uma turma de quarta série, devido às possibilidades práticas.
P4 Tinha como objetivo fazer pedagogia.
Optou pela geografia por ser menos disputada no vestibular.
P5 Foi um professor de geografia que influenciou e incentivou. Tinha interesse pela astronomia, geologia e geomorfologia.
P6 Gostava de agronomia, de questões ligadas ao ambiental e, por ser mais cara, optou pela geografia para entender a realidade.
A questão da licenciatura veio depois, com projeto de extensão, oficinas com alunos do 6º ano em escola de periferia.
Interesse em mudar a realidade. Não foi um sonho de criança.
Foi algo que foi sendo construído a partir das vivências que teve na graduação e na vida.
P7 Vontade de fazer faculdade.
Incentivo da família, tinha parentes que já cursavam educação superior.
Primeiro vestibular para agronomia, não passou. Cursando filosofia descobriu o espaço e, a partir daí, a geografia, quando optou por mudar de curso.
P8 Primeiro vestibular para odontologia. Mas desejava fazer alguma licenciatura, com influência familiar.
Pensou em cursar letras, mas escolheu a geografia e não sabe a razão. A geografia que estudou, por ser tradicional, não a influenciou.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
249
Apêndice 9 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 1 – Inserção em sala de aula e construir-se professor de Geografia
Prof. Inserção em sala de aula e construir-se professor de Geografia
Pré-teste
Pt1 Medo de errar; sensação de incapacidade; Insegurança na afirmação profissional na prática. Transição difícil na inserção à docência. Período de adaptação e
reconhecimento.
Pt2 Difícil inserção, principalmente pela diferença do estágio (com plano de aula fechado) da experiência docente onde pela experiência desenvolve a continuidade
pedagógica.
Tinha conhecimento teórico da graduação. Faltou conteúdo de metodologia e prática de ensino na faculdade, só o estágio no final do curso não dá segurança.
O professor vai se constituindo ao longo da carreira, e nunca está totalmente completo.
Se construiu professor um pouco em sala de aula e um pouco no meio acadêmico, porque estudava e lia muito.
Entrevistados
P1 O processo impacta. A graduação dá os caminhos, mas vai se constituindo com o tempo. Graduação é a base, mas não teve experiência em sala de aula nessa fase.
Ao se formar foi tendo as experiências e vivências. Contato com alunos, sua bagagem sociocultural. Contato com diferentes realidades.
Formação continuada em cursos, estudando, fazendo fóruns... construção do currículo.
Construiu-se através da escola, consultando o projeto político pedagógico, os planos de trabalho, o que os outros professores que me antecederam tinham construído.
P2 Facilidade a partir das práticas do curso bacharel-licenciatura, com muitas práticas e aplicação da teoria.
Iniciou como bolsista Propet (programa da universidade), dava aula e era professora titular da própria turma, mesmo ainda não formada.
Era uma menina, pouco se diferenciava dos alunos. Estava no 5º semestre da graduação. Precisava estudar.
Nas primeiras aulas utilizou linguagem acadêmica, muito rebuscada, os alunos não compreendiam.
Passou a estudar pelo livro didático, que era um conteúdo mais mastigado. Tinha um montão de livros para estudar.
O respaldo dos alunos a fez entender que estava conseguindo ser compreensível e ensinar.
Precisou adaptar a forma como se vestia. Precisava mostrar-se uma pessoa mais responsável.
Se constitui professora pelas experiências em sala de aula. Nunca estamos formados totalmente. Onde chegamos estamos nos construindo professores.
Os alunos percebem a forma e o tipo de organização de cada professor. Se chegar meio atrapalhado eles não respeitam.
P3 Foi muito tranquilo assumir geografia porque tinha experiência de 7 anos no magistério, onde na formação teve 6 meses de estágio em escola.
Percebia dificuldade no tempo de aula, períodos curtos. Tem a opção de passar o conteúdo ou trabalhar o conteúdo (em um período), então o tempo é curto.
Alunos têm dificuldade porque a geografia trabalha com muitos termos técnicos. A geografia tem uma linguagem que é muito própria, os alunos chegam sem esse
conhecimento.
Tem que trabalhar muito isso e tem todos os conflitos sociais.
Tem dias que você não trabalha 30% do que você planeja. O planejamento (início de aula, desenvolvimento e conclusão) não funciona.
P4 Oportunidade de trabalhar por contrato (pelo CIEE) desde o 6º semestre da graduação
Insegurança em assumir. Sem experiência.
Não sabia se ia gostar da sala de aula. Desafio para ver como é que era a sala de aula. Se encontrou em sala de aula.
Se constituiu professora de geografia aos poucos, como toda carreira profissional.
No primeiro momento não tinha didática nenhuma, não sabia o que ia fazer com os alunos, não tinha contato anterior com o livro didático, nada.
Alguns conteúdos tinha visto na universidade, mas eu não sabia o que estava no cronograma.
Não sabia como era na sala de aula, se deveria seguir os conteúdos, que tipo de conteúdo que tinha o livro didático...
Precisou alterar a voz, mostrar que era a professora nova na turma agitada.
Apresentação, trajetória, expectativa dos alunos sobre geografia e a professora nova. Tinha uma perspectiva com eles e objetivo.
250
No primeiro dia teve contato com LD. Aos poucos olhou os temas e construiu as aulas. Não teve acesso ao currículo e nem orientação do que deveria fazer durante o
ano.
Usando o livro didático mesmo, vendo os conteúdos, estudando o que a gente já tinha visto. Tinha que estudar muito.
Pedia auxílio aos professores da Universidade.
Construção, aos poucos, mas sempre norteada a partir dos conteúdos do livro didático. Orientação para seguir os livros didáticos.
Orientações de como falar e como se portar, nenhuma orientação sobre conteúdo da formação do professor e sobre o conhecimento.
P5 Docência a nível estadual, inicialmente. Assumir diferentes disciplinas no estado. Orientada a assumir mesmo sem formação
Apavoramento inicial. Estava ainda aprendendo a dar aula, havia feito somente o primeiro estágio. Depois foi diferente, tinha um pouco mais de prática.
Olha o material e questiona o que e como trabalhava no início. Adaptações e modificações. Aprimoramento. Questiona a si e a forma de trabalhar os conteúdos também.
P6 Início é tenebroso. Ensino particular exige bastante.
Foi com a cara e a coragem, com aquilo que eu estava aprendendo na universidade (estava no último semestre).
Ao longo do tempo foi construindo a identidade de professora, e continua construindo sua identidade. Do início até agora a evolução foi enorme.
Dificuldades de entender no início: de quando e onde aprofundar. Desenvolver a aula no início.
Cuidado de não apenas usar o livro didático, mas perceber a importância que ele tem.
Existe uma crítica muito forte sobre o livro, mas se souber usar ele, pode auxiliar, mas é muitas vezes a única fonte de acesso ao conhecimento dos alunos da escola.
Atenção às metodologias, à didática. Quais recursos utilizar e como.
No início é mais tumultuado. Foi bastante trabalho. Foi uma construção.
É um processo de reflexão sobre a prática, se foi boa, não foi, modificar. Olhar para o aluno. Processo de reflexão com eles.
A graduação dá um caminho, é uma base e a partir dessa base vai construindo. Mas aprende muito dando aula e dentro da escola.
Não tinha maturidade para entender isso na graduação. Dando aula percebeu.
P7 Se formou em licenciatura depois fez bacharelado e aí foi para a sala de aula.
Participada de encontros da AGB; discussões sobre a importância do acesso ao mercado de trabalho, sobre o ensino e a visão do professor como militante.
Participava bem ativamente, engajamento. Facilitou para começar dar aula de geografia.
No início estuda um monte e faz uma superaula.
Tinha muita certeza de que geografia que queria ensinar. Que consigam perceber o mundo de tal forma... Tinha isso claro.
Na prática isso vai sendo meio atropelado no início, às vezes dá certo ou pode dar errado.
P8 Foi depois da graduação. Foi tranquilo, pois tinha experiência em pré-vestibular, onde aprendeu em termos pedagógicos e em conteúdos.
Teve uma boa formação pedagógica na graduação. Mas há sempre deficiências e falhas.
Contato com a escola somente no final, no estágio. Poucas observações na escola.
Os desafios foram se colocando. Foi mudando de acordo com o tempo e com as experiências nas instituições.
Trabalhar com EJA foi mais difícil. Não se sentia preparada. Não tinha leitura suficiente. Era outro tempo. Não sabia como proceder. Se sentia perdida. A experiência
não foi boa. Foi um choque muito maior do que ensino fundamental e ensino médio, onde sabia como conduzir e sentia-se melhor preparada.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
251
Apêndice 10 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 1 – Relação entre conhecimento teórico e conhecimento prático
Prof. Relação entre conhecimento teórico e conhecimento prático
Pré-teste
Pt1 Desafio diário. Ideia era que a teoria mudaria a prática de ensino escolar. Mas a teoria ficou a desejar. Dificuldades do contexto educacional brasileiro.
Faltou incentivo a leituras, trabalhos práticos, trabalhos de campo, de análise, fazendo a relação da teoria e da prática.
Pt2 Muita dificuldade inicial. O conhecimento teórico é algo que tu precisa saber - o que é alguma coisa, - como se colocar em alguma coisa, mas a prática te ensina muito
mais.
Conhecimento escolar: dificuldade na questão de como a educação está estruturada, como uma escola está estruturada, como os docentes estão lá dentro e se veem lá
dentro. Dificuldades do contexto educacional brasileiro (contextos diferentes: estrutura da escola pública e privada).
Problema entre teoria e prática, mas precisa da teoria para saber que recursos utilizar.
Entrevistados
P1 A graduação tem as caixinhas muito compartimentadas, muito fragmentadas. Para fazer um trabalho de interdisciplinaridade com os colegas isso fica difícil.
Se apega às questões específicas e na sala de aula precisa adequar ao projeto da escola, à realidade do aluno e fazer relação teoria com a prática.
A teoria é muito importante, não existe a prática sem a teoria, e vice versa. Precisa teoria para colocar em prática, mas adequar de acordo com a vivência, a escola, o aluno.
Fazer um estudo antes para poder trabalhar isso e como técnica para mobilizar o aluno, que participe e interaja.
Dificuldades porque na graduação você quer colocar em prática tudo que você aprendeu. Na prática muita coisa acaba não dando certo e precisa modificar.
P2 É a mesma coisa, mas há diferença na complexidade. O professor precisa ter essa noção, desde o início, para aprofundar a complexidade do ensino de geografia.
Sai da Universidade achando que vai conseguir aplicar na escola o que aprendeu.
P3 A teoria te dá o suporte, mas na sala de aula não é exatamente aquilo que trabalhou na academia.
Faz relação da parte mais teórica que “aplica em sala de aula”: clima, relevo... aspectos físicos. Mas todas elas de certa forma fundamentam a aula.
Na sala de aula trabalha menos isso, não trabalha diretamente com essa fundamentação. Pressuposto que é algo fundamental sobre o conhecimento, é a base da geografia.
Essencial para não só passar o conteúdo, mas explicar o porquê daquilo ali. Então não é a mesma coisa, mas está conectado.
P4 Procura fazer essa interação da teoria com a prática. Facilitar a compreensão. Mostrar que a Geografia não é só teoria e nem só aquilo que vimos em sala de aula na
(prática)
Tem relação, mas não tem essa percepção. Então eu acabo fazendo a ligação da teoria da escola com a teoria aprendida na universidade, como é a realidade dos alunos,
então acaba sempre relacionando, ajustando. Tem relação, se não se torna vago aquilo que você está explicando e quer que entendam.
P5 Tenta aliar a teoria e a prática. Não é possível em toda aula, em todo conteúdo.
Tem condições de fazer coisas diferentes, fazer uma aula mais dinâmica. Já teve época que eu não conseguia, ficava refém do material que eu trabalhava. Tinha o livro
didático.
Uma escola proibia o uso do livro didático e não tinha outro apoio. “Como fazer eu pelo menos tentar aliar conteúdos?”. Alguns conteúdos ainda tem que estudar.
O que mais alia teoria e a prática é o trabalho de campo, depende de ter uma organização.
P6 Achava mais importante a prática. Hoje, estudando, entende que a base mesmo é a teoria. Precisa embasamento teórico. Alguém estudou, pesquisou e busca algo destas questões.
Para desenvolver a prática em sala de aula tem uma teoria por trás que a explica e auxilia a interpretar e perceber qual é a maneira melhor possível para aplicá-la.
Prática e teoria uma complementa a outra. Fazer prática sem uma teoria não é viável.
P7 O conhecimento teórico amplia visões/olhares de mundo e das diferentes situações.
Mais tolerante com os alunos, visão mais abrangente de conseguir se aproximar. Eles contam muitas coisas.
P8 Deveria acontecer mais. Acostumar alunos a ler esse tipo de material. Determinados trechos selecionados, contextualizados e explicados, ultrapassa qualquer opinião.
Existe um conhecimento acumulado. É um referencial para conduzir que tipo de perspectiva você vai adotar em sala de aula.
Livro paradidático e algumas coletâneas de livros trazem teoria e prática mais aproximada. No começo da docência fica perdido para achar referencial do que utilizar.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
252
Apêndice 11 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 1 – Relação entre geografia acadêmica e geografia escolar
Prof. Relação entre geografia acadêmica e geografia escolar
Pré-teste
Pt1 São extremamente diferentes. A geografia escolar tem que se adaptar à realidade do aluno.
É bem difícil, na faculdade não tinha ideia disso. A universidade não te dá essa noção. Alguns temas na geografia escolar lembra ter aprendido.
A teoria serve de base para a geografia escolar, mas tem que adaptar muito. Dificuldade em ensinar aquilo (do conhecimento teórico) para que o aluno aprenda.
Pt2 Não faltou conteúdo, apenas em algumas disciplinas de certos professores.
Talvez falte alguma coisa na questão da interdisciplinaridade e da transversalidade do ensino. A universidade não faz interdisciplinaridade.
O ensino acadêmico é fragmentado tanto internamente (na dualidade geografia física e humana) quanto entre as disciplinas.
A formação de grupos e a rivalidade entre professores na universidade dificulta muito mais isso.
Entrevistados
P1 A geografia acadêmica tem bastante teorização. Os cursos de geografia em várias instituições devem passar por um processo de readequação.
Ter universidade junto com a escola, fazer a pesquisa, trazer esses dados para fazer reformulação de conteúdos, dos cursos e relacione com a vivência das escolas e alunos.
As universidades tem um tripé: o ensino, a pesquisa e a extensão. Tem que ter uma relação e dar retorno.
Ter interatividade universidade-escola para não sofrer esse impacto quando sai da graduação e vai para a sala de aula.
A geografia escolar considera as vivências do professor com seus alunos e vivências deles. É referência em sala de aula, não apenas a teoria para entender determinado
conteúdo.
A geografia acadêmica é aquela que vai estar teorizando, mas muitas vezes ela não vai à escola e muitas vezes ela não chega na geografia escolar.
Tem que estar relacionado junto para ter interesse. Envolver. Tem que questionar o aluno, indagar o aluno, fazer com que ele pergunte. Construir junto. Hoje muitas vezes
os alunos não perguntam. Na realidade o aluno às vezes vai com dúvida para casa.
Na interdisciplinaridade a gente como professor de geografia muitas vezes encontra dificuldade com os pares porque eles não se comunicam.
O próprio componente curricular está separado, nós geografia, ciências humanas, natureza, matemática, linguagens. Aí tem dificuldades para trabalhar com os colegas.
P2 O conhecimento da faculdade não está distante, o nível é bem diferente, bem superficial na escola pública. Na escola privada você pode aprofundar mais.
Importante adaptar para o aluno, para a realidade dele, referenciar no cotidiano os aprendizados. Fez reformulação curricular para relacionar mais físico e humano.
A linguagem é muito importante, básica. Tem a linguagem para incluir ou para excluir, então a linguagem é básica.
Ter essa capacidade, o conhecimento, a vontade, não tem uma metodologia específica apenas, pode ter várias. Metodologia você vai construindo de acordo com a turma
e o conteúdo. O conteúdo você vai adaptando, e o material quanto mais material, mais atenção.
P3 Serve como fundamentação. São dois níveis diferentes e tem propostas diferentes. Não é igual. O currículo muda porque são públicos diferentes, são objetivos diferentes.
A geografia acadêmica você vai aprofundando ela, você tem um conhecimento mais específico que você depois vai trabalhar em sala de aula.
A geografia do ensino básico comporta um conhecimento amplo de sociedade. Não faz distinção entre elas. Não parou para pensar o que é escolar ou acadêmico.
Vê relação entre elas ao usar muito o que aprendeu na faculdade para fundamentar o trabalho em aula. Ás vezes recorda explicações de professores, relaciona com a aula.
O que não trabalha especificamente é o pensamento geográfico, escolas da geografia, ou pensar ela é humana ou não. Mas serve de base ao professor.
A geografia é um campo complexo, muito vasto, muito grande e ela abre muitos leques, mas ao mesmo tempo todos eles se relacionam.
Você não pode separar em caixinhas, em algum momento ela se encontra.
P4 Não vê algo específico da geografia escolar. É cópia daquilo que a gente vê na universidade, que aprende na academia. Com algumas coisas superficiais. Sempre tem essa
ligação, não tem nada que seja só escolar, ela está ligada à geografia acadêmica.
Na geografia física dos livros didáticos os temas eram muito mais parecidos com o conteúdo na universidade. Mas mais fáceis.
A parte da geografia humana, da geopolítica sentiu muita dificuldade e ainda sente. Agente não trabalhou muito isso na academia.
Bastante dificuldade porque algo faltou de embasamento na academia, teve geopolítica de modo mais específico, então tem que ir atrás, aprender. Tem que estudar mais.
P5 Ás vezes tem um abismo entre elas. Teve formação mais técnica. Poucas disciplinas na área de ensino de Geografia. Foi didática, os estágios e teorias de aprendizagem.
253
A Geografia escolar não é uma cópia da geografia acadêmica. Talvez tivesse pensado inicialmente que fosse isso. Queria fazer na escola discussão mais aprofundada.
Tentava não conseguia na escola. Ficava frustrada. Parecia que tinha que repetir tudo o que aprendeu. Talvez tenha uma parcela de culpa no processo de aprender a ser
professora.
Ter um jeito diferente para trabalhar com as crianças e os jovens, adaptar a cada etapa.
Pesquisava em geografia agrária, tinha preconceito com as disciplinas de ensino. Estava na aula de “corpo presente”, não chamava atenção.
Chega na sala de aula e tem muitos conteúdos que não viu na graduação. Até hoje tem que ler muito para dar aula.
Não culpa a universidade, pois poderia ter se importado mais. E a universidade propor contato maior com a realidade para além do estágio.
Pediu ajuda para os professores, converso muito com os colegas para ver como que é o olhar deles. Troca de ideias. Foi modificando, vendo o que é importante e o que
não é.
P6 Não existe uma diferença, elas se complementam. A relação é forte. Muitas coisas que tinha na graduação utiliza em sala de aula. Busca na memória o que usar, recordando
professores, aproximando hoje da escola. Utiliza trechos curtos de livros para debater. Na academia parece que falta o saber perceber.
O que faltou não foi a geografia, mas a forma como os professores da academia trabalhavam isso. Como trabalhava na academia não percebi relação com o conteúdo
escolar.
Talvez faltou maturidade para entender aquilo. E a gente amadurece, vai percebendo essas relações de forma mais concreta. Na academia o óbvio também precisa ser dito.
Trabalha determinado assunto tem que aproximar com os parâmetros curriculares, dos conteúdos. Que conteúdos se trabalha dentro da geografia na escola.
P7 Tem diferença, mas por ter trabalhado na universidade um tempo grande procurava sempre fazer essa aproximação acadêmica e conceitual com a prática.
Tendo essa referência mais acadêmica você vai fazer uma geografia que não seja aquela do bê-á-bá, aquela geografia tradicional, não para formar o aluno para ser
autônomo, para se posicionar... de construir autonomia com alunos.
A academia é fundamental, mesmo que você não vai discutir as teorias dos acadêmicos direto na escola, se não tiver isso simplesmente vai reproduzir.
A Geografia escolar ampliou o olhar, sem ela jamais teria conhecido outras realidades, de sair de dentro da escola. Só na academia, sem os alunos não conseguiria acessar
essas pessoas dessa forma. Seria outra pessoa.
P8 Começou no cursinho, não tinha uma reflexão tão presente. No início fazia reprodução daquilo que vivenciava na graduação ou mesclando com aquele conhecimento.
Isso foi se transformando aos poucos, se modificando com o tempo a partir das reflexões. Vê constante embate de como transformar conhecimentos acadêmicos para
escolar.
Existe uma diferença grande do que tem na academia e na escola. Não tem clareza se precisa um conhecimento na graduação para bacharéis e outro para professores
licenciados. Os professores da graduação também vão se modificando e trazendo outras propostas, não chegou a uma conclusão do que seria mais adequado.
Busca referências acadêmicas para trabalhar em sala de aula, adequar o que está propondo enquanto currículo e conteúdo. Precisa escolher o currículo e colocar os alunos
nele.
Não está formando um geógrafo, alguém que precisa deter o mesmo saber que o professor aprendeu. É uma geografia escolar do cotidiano, questões de vida como cidadão.
Pensar a densidade desse conhecimento, ir além da superficialidade, mas respeitar o limite cognitivo e interesses individuais, culturais.
A Geografia escolar fundamenta uma leitura de mundo mais ampla que talvez a geografia acadêmica devido às especificidades não consegue fazer.
O aluno precisa ter contato cotidiano com o espaço local e relacionar com o conhecimento acumulado. Fazer leitura de mundo, ser uma geo mais palatável para esse
estudante.
Na graduação existe um conteúdo Y X Z que deve ser trabalhado. Na escola esse conteúdo tem uma diferença gigantesca, não pode ser trabalhado aquilo separado.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
254
Apêndice 12 – Síntese da Estrutura do pré-teste com professores da educação básica: momento 2 – leitura do primeiro conjunto de imagens
Prof. Leitura Geo-Imagética
Pré-teste
Conj. 1 Descrição e análise: Comparação e interpretação: Utilização na geografia escolar:
Pt1 A: campo (meio natural/vegetação), transformação A relação é a constante interação homem – natureza. Usaria no conteúdo de urbanização e sobre
desse meio, construção de habitações na área Desde o surgimento do homem, há essa constante relação, transformação das paisagens.
natural. B: área agrícola, rocha exposta, processo seja ela positiva ou negativa. Há uma área que sofreu
erosivo, desgaste do solo, há construção civil transformações impactantes, mudanças de algum
próxima ao rio, que parece estar secando. Área processo: urbanização, desmatamento.
natural e reflorestada.
Pt2 A: elementos da natureza. Paisagens rurais. Mas há Há uma evidente transformação das paisagens. Mas não Conteúdo de epistemologia, sobre o que é geografia,
transformação da natureza. Tem um tipo de relevo uma completa modificação da natureza. para que serve, suas categorias. As principais são
e uma floresta densa. São paisagens diferentes. A primeira tem pouca paisagem, território, lugar. Ainda: Conceito de região,
B: pastagem. Há também rio, lago. Desmatamento, interferência do homem e a segunda tem interferência estado, nação, redes, fronteiras. Dá para trabalhar
tem cor de terra. Área iniciando transformação. maior porque há um povoado um pouco maior, mas com durante todo o ano letivo. A paisagem é importante.
Árvores, mata ciliar, rio, áreas rurais. Envolve elementos naturais também. Paisagem e lugar são fáceis de confundir, porque a
paisagem pode estar ligada a questão simbólica,
paisagem artificial e a paisagem natural. Essa São paisagens, dentro do conceito geográfico, daquilo que
memória. Se modificam, podem estar numa figura e
paisagem artificial não é tão impactante como uma a vista abarca, daquilo que a vista está alcançando. Por ser
representar sentimento. Mas o lugar também não está?
grande cidade, mas há modificação com campos uma gravura simbólica está ligada com a questão da
Então as categorias elas podem em um certo ponto se
rurais, área agrícola modificada pelo ser humano. memória.
confundir.
Entrevistados
Conj.1 Descrição e análise: Comparação e interpretação: Utilização na geografia escolar:
P1 A: cidade, o dia-a-dia, ao fundo montanha, Paisagem onde ocorreu modificação no espaço natural No início do ano retrospectiva e sondagem. Sobre
pessoas, o agito da cidade. Envolve geografia para esse espaço geográfico. A ação humana modificou espaço natural e espaço modificado, o espaço
urbana e humana. Mar junto com a cidade. uma menos, a outra mais. geográfico. Várias interpretações, projeção de imagens
B: a parte da geografia física, montanhas, planícies Ocupação dos espaços, as construções vão chegando naturais e geográficas. Fazer comparações para
com culturas, cultivo. O ocupação desse espaço nessas áreas ambientais de preservação, nesse caso as descrever e falar sobre isso. Colocar o óculos geográfico
por meio da atividade agrícola. cidades cada vez mais próximas ao mar. para que olhem tudo, vejam tudo.
P2 A: ambiente urbano, prédios, dinâmica das ruas, Interação humana nesse espaço. Um mais natural, outro Trabalharia a transformação do espaço. Conceito de
fluxo intenso da cidade, ideia de movimento, modificado. É a forma mais pura de geografia- a interação espaço geográfico, de lugar, de espaço natural e
dinâmica, ambiente vivo, populações se dos seres humanos com o meio. Fazem parte da interação artificial. Plantação agrícola, organização industrial,
movimentarem. entre o ambiente e a sociedade. organização das sociedades a partir do uso. Saída da
B: parece ambiente rural, relevos, cultivos, tem os Elas se completam, embora possa distinguir que tem um população do campo para a cidade, associando que há
terraços. Embora tenha alguns elementos urbanos. ambiente mais urbano e outro mais rural. ocupação muito menor do que a outra área mais
urbanizada.
P3 A: prédios, construções. Parecem duas imagens, mas há uma sequência, um Trabalharia sobre paisagem, a interação do ser humano
B: formas de relevo: morros e montanhas. complemento. Alterações que fazemos na natureza, no com a natureza, o que a Geografia trabalha. A forma de
Acidentes geográficos ao fundo. meio ambiente, e imaginar como seria essa paisagem sem impactar o meio ambiente, transformar de acordo com
Parece ter uma onda, mar.
255
as construções, como que ocorrem modificações e como nossos objetivos como ser humano. Abre um leque...
podem impactar esse espaço. tipo de edificação, fazer uma leitura da questão urbana.
P4 A: espaço urbano, e formas de relevo contrastando Talvez este cenário lembre o espaço geográfico, a sua Trabalharia a categoria paisagem e dentro da categoria
com a paisagem. transformação. O conceito de paisagem com várias espaço geográfico, seria as duas categorias. E a relação
B: paisagem mais preservada, formas de relevo, interpretações dos elementos. entre o ser humano e a natureza.
vegetação, dando continuidade do espaço urbano.
P5 A: faz parte de uma mesma. É mais moderna, mais Tem relação entre si. Lembra Milton Santos, a ideia de Trabalhar os diferentes tempos na paisagem. O conteúdo
contemporâneo. Área urbana com prédios. que existem diferentes tempos numa mesma paisagem. de paisagem. Não tem trabalhado muito ele, pois na
B: encontro entre área urbana e rural. Não é bem Tempo mais rápido e mais lento. Provocação sobre o ementa dos cursos não aparece paisagem como conteúdo
rural, é mais preservada, tem terraços de plantio e urbanizado junto com o outro, que não é bem o rural. É separado, mas pode trabalhar o conceito de paisagem em
a montanha. uma área mais natural. várias aulas.
P6 A: prédios, uma cidade, rua asfaltada, avenida. A cidade representa o espaço urbano e a modificação dela Sobre espaço urbano, a ação antrópica na modificação
B: solo, o verde pode estar relacionado à por meio da ação humana. Tem um túnel, ação antrópica da paisagem. Como que o ser humano transforma a
vegetação. O azul pode ser chuva. Tem montanha do ser humano que modificou a natureza, transformou os paisagem. A constituição da paisagem, conceito de
ou túnel. Uma cachoeira. Tem continuidade de aspectos naturais, a paisagem. A transformação da paisagem e a transformação da paisagem ao longo do
uma para outra. paisagem pela interferência da ação do homem. tempo. Nos conteúdos em todos os anos.
P7 A: traz ruptura entre sociedade-natureza. O Algo de humanidade construído, uma sociedade quase Trabalharia natureza, a velocidade da transformação da
vermelho parece cidade, mais cosmopolita. Cidade pós-moderna e a outra tem uma natureza, tem linhas retas. natureza, a natureza “natural” cada vez mais reduzida. E
grande, letreiros, por baixo parece montanhas, um É uma pintura que talvez traga uma natureza mais natureza bastante tecnificada. A questão da vida urbana,
substrato mais natural dando sustentação. modificada. Não tem pessoas, lembra velocidade. essa vida de rapidez, de velocidade, consumo
B: Tem uma parte mais verde, mais amarelo, exagerado, onde as pessoas são fundamentais, mas elas
montanha. não participam, construção de valores da vida urbana.
P8 A: centro urbano, o choque com algo mais rural. A primeira passa a ideia de agitação velocidade e a Trabalharia espaço urbano e rural, processo de formação
Céu azul, respeita o que é vegetação que continua segunda de calmaria, o ritmo mais lento. Tem oposição, urbano (dialético, agitação, fluxo) e a calmaria do outro
sendo verde. A primeira eu posso ver essas contrapondo um ao outro. A ideia de tempo diferente, a lado. Conceito de fluxo. Primeira e segunda natureza,
questões de verde. Tem uma imagem mais escura, partir de Milton Santos tempo lento, de opacos e numa compreensão para tentar provocar o limite entre
parece uma praia ou uma falésia. luminosos. elas, a percepção. Trabalhar problema ambiental e
B: Tem terraço. Tem um trem no trilho, um túnel. encontro de duas áreas diferentes, as dinâmicas dos
Algumas modificações. Se pensar no natural pode aspectos de geomorfologia.
ver uma linha de praia.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
256
Apêndice 13 – Síntese da Estrutura do pré-teste com professores da educação básica: momento 2 – leitura do segundo conjunto de imagens
Prof. Leitura Geo-Imagética
Pré-teste
Conj. Descrição e análise: Comparação e interpretação: Utilização na geografia escolar:
2
Pt1 A: construções de edifícios (faz parte da área urbana). Interação do homem/construção no meio natural em Aula sobre espaço geográfico e paisagens. Usaria
B: áreas montanhosas ou de planalto, com neve, árvores, espaços inóspitos, alteração destas áreas para o para chamar a atenção ao olhar crítico. O que pode
plantação, área agrícola. desenvolvimento humano. Conjunto dos elementos representar aos olhos de cada um? Interação homem
naturais e culturais. Alteração humana. Que o homem – natureza: o que significa? Qual o papel de ambas?
se adapta, altera lugares até então não habitáveis, ele
usa a natureza como meio de desenvolvimento.
Pt2 A: Paisagem urbanizada, uma cidade provavelmente As duas gravuras se complementam. Tem elementos Poderia utilizar em três conteúdos:
litorânea, tem prédio. Trapiche, escada que desce até a naturais (água, a montanha, a geleira) e elementos de 1. Na epistemologia da geografia, dos conceitos.
água (oceano, mar ou lago). transformação, que é uma urbanização bem intensa. 2. Sobre urbanização: se a paisagem é urbanizada, se
B: montanha, geleira. Paisagem de lugar de clima há uma cidade, construção do ser humano. 3. Sobre
temperado ou polar do hemisfério norte. Provavelmente impactos ambientais, porque uma urbanização em
uma paisagem Europeia. uma área natural causa impactos ambientais grandes.
Entrevistados
Conj.2 Descrição e análise: Comparação e interpretação: Utilização na geografia escolar:
P1 A: vegetação, mata ciliar, rio cortando o relevo, curso Se relaciona com a transformação. Tem áreas pouco Utilizaria sobre uso e ocupação do solo, deste
hídrico com pouca vegetação, lago. Foi modificado pelo transformadas e áreas já desmatadas, já modificadas. espaço, e a relação do ser humano com a natureza.
ser humano, não é a sua composição natural. Ondulações Relação do homem com a natureza, relacionar com
do relevo e algumas culturas com interferência do homem. isso a agricultura, preservação e desmatamento. Não
B: Área de vegetação e culturas. Estrada, construções, apenas em um conteúdo, mas em vários. Na
ação humana, curso hídrico sem mata ciliar. Residências geografia física, humana, urbana. Um vasto leque de
e campo de futebol, desmatado. possibilidades de explorar com os alunos.
P2 A: Espaço natural. O posicionamento alinhado das Há uma sequência, de uma transformação do espaço Poderia trabalhar sobre a transformação do espaço,
árvores, plantadas. natural, com elementos naturais totalmente... e vai tinha um espaço natural, foi transformado a partir das
B: Espaço que foi modificado, feito cultivo. Tem cultivos sendo transformado em espaço geográfico com a culturas e novos elementos. Sobre agropecuária,
e pequenos capões, e o surgimento da cidade. Inicia a interação humana. transformação do espaço rural e do mundo urbano e
transformação, a ocupação humana. Não é todo usado suas primeiras ocupações. Não só em uma aula, em
para cultivo. Dá a ideia de diferentes formações de solo, um capítulo de trabalho. Trabalhar conceitos
das diferentes formações da crosta terrestre. fundamentais: território, lugar, espaço geográfico.
P3 A: vegetação ao fundo, um lago, um curso d’água. Há uma transformação no espaço geográfico. Trabalharia em aula sobre paisagem, como vê a
Vegetação rasteira ou uma mata mais densa, caules paisagem, como vai transformando os elementos.
B: Lembra cultivos agrícolas, um povoado, capões de Elementos naturais de uma paisagem não natural e a
mato entre as plantações, elevações e depressões no paisagem natural. Os campos de cultivo que tem
terreno. elementos naturais em uma paisagem não natural.
P4 A: aspectos naturais. Elementos naturais: vegetação, curso As duas apresentam aspectos humanizados, mais na Utilizaria para trabalhar a relação campo-cidade,
d'água. B: alguns aspectos naturais, porém mais segunda que apresenta uma parte do espaço em que há espaço urbano e espaço rural, características de cada
modificados. Vegetação, plantações no espaço usado na construções.
257
agricultura. O espaço com construções, uma cidade, um um deles, as características mais modificadas, outras
espaço mais modificado. mais preservadas.
P5 A: uma cerca/propriedade privada. Área de plantio, As duas imagens lembram espaço rural. Mostra Utilizaria nos conteúdos de geografia agrária, de
muitas cores e próximo a cerca uma pastagem e mais diferentes cores com diferentes culturas. Um espaço biomas, os agravantes da ocupação do cerrado, os
acima uma lagoa ou lago. Tem vegetação. B: Um rio, vila transformado na maioria dos elementos. problemas do agronegócio como um todo.
mais ao fundo, povoado, áreas com poucas árvores. Área “Nunca trabalhei com imagens assim. Acho que
de monocultura. Pode ser soja, trigo. Avanço da seria bem interessante para a construção do
monocultura e desmatamento. Tem árvores, um capão de pensamento geográfico”.
mato.
P6 A: lago, vegetação, que tem algumas áreas de preservação Ideia de espaço urbano, mudança da paisagem, a Trabalhar o conceito de paisagem, a mudança das
e o solo, as plantações. interferência do ser humano no espaço que tem paisagens ao longo do tempo e talvez sobre espaço
B: casas, terra, solo, árvores, o céu ao longo do horizonte. aspectos naturais, mas que tem interferência da ação urbano e rural. Poderia se trabalhar espaço rural e
Plantações, áreas verdes, outras amarelas de plantações. antrópica. As casas, produção, plantações. urbano, embora pareça uma pequena vila,
Rio, aglomerado de casas, não um espaço urbano, parece aglomerado de casas. Interferências na paisagem e
uma vila. encaixar ao longo dos conteúdos.
P7 A: um campo com alguns arbustos, com cores pouco Transformação no espaço geográfico, de problemas Trabalhar a transformação no espaço geográfico
naturais, referência ao interior da Terra. Um vilarejo ou ambientais, catástrofes, que mudam a natureza dado pelas tecnologias, pelas técnicas, os países
uma cidade pequenininha, um rio com poucos elementos “natural”. Ao mesmo tempo pensar que mesmo que altamente tecnificados. Industrialização. Sociedades
da natureza. O rio laranja (sonho ou catástrofe). tudo esteja transformado nós precisamos da natureza, que tem um espaço quase totalmente construído pelo
B: Árvores de copas coloridas, ideia de campo, de boa parte do que precisamos é retirado da natureza, já ser humano. A produção de alimentos. A geografia
plantação, com linhas retilíneas embaixo. Parece umas hipermodificada. Um espaço de beleza na imagem. A urbana, aglomerado urbano, moradias nas cidades. A
ondinhas amarelas e verde, são cores pouco presentes transformação do espaço pode não ser algo que fira geografia física, sobre o interior da Terra. Poderia
numa paisagem natural. esteticamente, ela pode ser bonita. trabalhar espaços de lazer. O lago lilás se está
contaminado é um espaço proibido. O céu lilás sem
sol, talvez seja uma transformação. Como será se o
sol não conseguir penetrar nas camadas da Terra?
P8 A: campo, vila, cidade, algumas mudanças. Tem umas Conteúdo mais evidente é espaço geográfico, e todas Crítica mais contundente ao agrário, ao monocultivo.
tonalidades, muito mais frias, transpassando por agitação as questões relacionadas a isso. Início de organização, Esse rural é necessariamente a tranquilidade? num
passando por tranquilidade de estar anoitecendo, nos tons ritmos, tempos dessa transição e problemas sentido filosófico, a busca de um ideal? As
escuros. ambientais. Sobre estudos latino-americanos a partir apropriações e transformações do espaço estão
B: Tem plantações, áreas verdes. Monocultura de árvores, de quando eu vou trabalhar cidades, a própria evidentes nas formações de paisagem. O conceito de
silvicultura ao redor do lago. Mais abaixo há troncos ou interpretação do que é ou não originário. paisagem além daquilo que a vista abarca, de modo
plantação (forrageira baixa). tradicional. Na definição de transformação do
espaço trabalharia relações, movimento/agitação.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
258
Apêndice 14 – Síntese sobre a construção do pensamento geográfico do professor e a definição de pensamento geográfico
Prof. A construção do pensamento geográfico do professor e a definição de pensamento geográfico
Pré-teste
Pt1 Baseada na construção de valores e formação acadêmica, uma construção crítica, da Geografia crítica, que contesta a ação do homem sobre o seu meio. Claro que alguns
professores, alguns bem limitados traziam essa visão crítica para a gente. E uma construção crítica a partir do contexto familiar.
O pensamento geográfico vai além da sala de aula. Possibilita ao professor refletir sobre o mundo e analisar criticamente as mudanças, positivas ou não, naturais ou
antrópicas. É um pensamento que possibilita olhar o meio com carinho e preocupação, que me torna cidadão ativo no mundo e não apenas um espectador.
Pt2 Dois pontos da construção do pensamento: a) a construção acadêmica que ela se dá no início da faculdade com o conhecimento dos conceitos e com a observação. Natural
em qualquer ciência. b) Conhecimento de senso comum. Que ele está no instinto. Tu aprende se localizar: instinto primitivo: a localização, isso é um fazer geográfico. A
construção do pensamento vai se aprimorando com o tempo claro. Eu tenho dois contatos: é o contato de vida com o lugar e o meu contato com a ciência geográfica do
cotidiano da escola, o meu olhar clínico sobre assuntos de política, de assuntos que caibam na geografia.
Entrevistados
P1 Ocorre em um processo, considera a formação inicial, continuada e a relação com a vivência, com a realidade em que atua.
P2 Pensamento geográfico é aquilo que os professores aplicam na interpretação dos fatos. A forma como analisam o meio parte do pensamento geográfico, pois leva em
consideração as vivências, crenças e como encaram a cidadania. Existe um pensamento geográfico de professor e ele é mais complexo que a visão que o estudante vai ter
do meio. O professor não é um ser neutro, e nem existe neutralidade, porque somos resultado de experiências. Então, cada professor tem sua própria forma de analisar os
fatos, a partir daquilo que aprendeu, vivenciou e vivencia na sua trajetória acadêmica.
P3 Trabalhou como bolsista, sobre pensamento geográfico. É pensar a geografia, como se caracteriza em cada momento. Evolução pensada e construída ao longo do tempo.
Tem diferentes períodos históricos com as diferenças na geografia. A evolução do pensamento, como foi pensado em cada momento e como o ser humano construiu e usou
a geografia em cada momento histórico desde que foi reconhecida como uma ciência. É ver a forma como se faz o conhecimento geográfico em cada época. Precisa das
diferentes escolas da geografia para explicar as demais. Então ela foi mudando e conseguimos ver o pensamento geográfico em diferentes momentos, de diferentes formas.
Na prática você não fica fazendo separação, mas quando prepara um material de aula é muito nítido isso, de alguma forma utiliza essas escolas, e vê como se relacionam.
Mas não é uma coisa explícita para o aluno. Está no material que você está trabalhando, te dá a base.
P4 O pensamento geográfico vem a partir da leitura, a parte teórica, associada com a prática. É isso que dá embasamento para fazer análises. O que contribui é a leitura
acadêmica, a leitura fora da academia, a leitura no geral, inclusive acadêmica como base. E aí outra, às vezes estudando também o próprio material didático que a gente
recebe, associando ao acadêmico. O pensamento geográfico do professor é compreender a interação entre o ser humano e a natureza. Estaria nessa lógica de buscar
compreender o que o ser humano faz no ambiente onde ele vive, no espaço natural, como interage. A partir dessa interação constrói o pensamento geográfico.
P5 Pensamento geográfico talvez entre nessa linha da geografia enquanto ciência, como que ela foi evoluindo, o determinismo, o possibilismo, a geografia crítica mais
recentemente. Saber como que ela foi se modificando, deixando de ser uma mera descrição e tentando inserir sempre o homem. Atrelando o homem e as relações sociais, o
avanço das interpretações na relação com a natureza. É o estudo da própria geografia. O professor tem um pensamento geográfico, embora não determine, não se especifica
os elementos, não denomina como pensamento geográfico. Não é como uma disciplina na graduação (exemplo: história do pensamento geográfico), que a gente tem na
formação. Por exemplo, a evolução do conceito de natureza abordado em sala de aula. Não falamos do histórico, mas inserimos elementos de modo diluído na sala de aula
através do que os alunos vivenciam. O professor considerando isso e a realidade vai delineando esses conhecimentos, construindo conceitos que estariam dentro do
pensamento geográfico (paisagem, natureza, território, lugar), inserindo nas necessidades de cada conteúdo. Antes dando uma aula sobre território, atualmente inserindo
gradativamente esses conceitos dentro da evolução do pensamento geográfico, ao longo das aulas, diluindo aos poucos, de modo crítico. O que contribuiu para fazer isso
foram os professores, que contribuíram na formação do pensamento de professor, o trabalho de pesquisa, produzindo desde a iniciação científica, as leituras, fundamentais
principalmente na graduação, e a experiência de sala de aula, que vai ajudando a aprimorar, reconstruir.
P6 Desde o início da graduação já começa a parte da geografia física, olhar para essa questão das paisagens, da mudança delas, da interferência, a ideia da relação sociedade-
natureza que ao longo do tempo vai sendo construída, primeiro na exploração dos recursos naturais depois de outras formas de ocupação, das mudanças ao longo do tempo
em diferentes espaços, entendendo o objeto de estudo, o conceito. A geografia é muito complexa... Vemos tudo, mas nada tão aprofundado, mas vai muito além do que
259
outras áreas veem. O pensamento geográfico é mais ou menos assim. A Geografia estuda o espaço geográfico, não o espaço pelo espaço, o estudo pelas relações, como isso
se organizou, como processo, até a forma atual, a realidade. A Geografia nos proporciona esse olhar amplo perante a sociedade para ver como essas relações acontecem,
desde o meio natural até o processo que se dá, as causas e as consequências dessas relações. Isso foi sendo construído ao longo do tempo dentro da graduação, nos trabalhos
de campo, não só em sala de aula, na teoria, relacionando com a realidade.
P7 O pensamento geográfico é aquele pensamento que não é só da academia. Você faz uma leitura do espaço, pode ser tanto numa pessoa que nunca estudou Geografia. Tem
uma visão espacial. Então é um pensamento, todo mundo pensa alguma coisa porque está no espaço. O pensamento geográfico também é o pensamento das pessoas sobre
o espaço no seu cotidiano. E aí então a pessoa tem um saber geográfico e o professor de geografia também tem. Todo mundo vai ter um pensamento geográfico, mas alguns
são mais validados do que outros. Não é só academia mas ela também contribui. O pensamento é um conjunto de coisas, pelas trocas com outras pessoas ao longo do
trabalho, da formação, na família, com os orientadores, das coisas que a gente escuta dos alunos, do que dizem ou não dizem para nós, das coisas que lemos de outras áreas,
sobre um espaço distante, nos filmes de outros países, das artes, da poesia, do cinema, da literatura que aproximam de realidades mais distantes.
P8 É fundamentalmente construída a partir das disciplinas da graduação, com uma compartimentação que permanece e aparece muito na divisão e subcategorização da
geografia. O pensamento geográfico é uma capacidade de ver o mundo a partir de determinados conhecimentos. Existem vários conhecimentos que podem subsidiar, a
forma como determinados conhecimentos vão possibilitar chegar a determinadas conclusões a partir do pensar e pensar o que é o pensamento geográfico. Talvez pensamento
geográfico não seja o ensino em si de geografia, existem em uma quantidade de conhecimentos que podem me levar à geografia, porque o pensamento geográfico é muito
mais amplo do que a Geografia que conhecemos enquanto ciência. O pensamento geográfico vem a muito mais tempo do que a Geografia científica, é maior do que a
própria geografia institucionalizada.
Na escola procuramos fomentar esse tipo de pensamento com experiências mais objetivas, como professor de geografia. Enquanto o ser humano se pensa geograficamente,
tem determinadas capacidades, determinados conhecimentos.
O professor é um promotor de conhecimentos e um produtor de conhecimento, mas não se fala isso, não se tem atribuído aos professores, apenas aos professores da academia,
se valoriza muito mais os pesquisadores, mas os professores de geografia possuem a capacidade de construir conhecimento geográfico.
Elaboração: Carina Copatti (2019)
260

Apêndice 15 – síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 3 – Influências do LD no pensamento do professor e na
autonomia docente
Prof. Influências do LD no pensamento do professor e na autonomia docente
Pré-teste
Pt1 Se o professor tem uma visão crítica ele pode contestar aquela metodologia. Alguns não usam livro didático. Eu o vejo como um instrumento de aprendizado.
Recursos limitados em escola estadual - acaba usando o LD sim, e ele pode influenciar de uma maneira positiva quanto numa maneira negativa.
Se é um professor que ele não tem uma criticidade, que ele não tem um embasamento teórico ele pode se deixar influenciar.
Pt2 O livro influencia porque é uma ferramenta. Mas depende de cada professor se ele vai se deixar influenciar muito ou se vai se deixar influenciar pouco. Mas influencia o
pensamento, tem alguns textos interessantíssimos sobre geografia, principalmente aquelas leituras complementares com a opinião crítica de outros autores. Influencia
bastante nesse ponto, mas não no sentido daquela velha tradição de tornar a aula como livro.
Se quer saber que conteúdos são dados no terceiro ano do ensino médio, pega o livro didático, mas pouquíssimo utiliza o livro didático para perguntas.
Começa a olhar as coleções e não gosta de como elas estão estruturadas, como os conteúdos estão estruturados. Trabalho com grandes temas, não com conteúdos prontos.
“A definição dos conteúdos do livro não vai influenciar na forma como você trabalha na escola, eu estruturo os conteúdos... trabalho com grandes temas”.
Entrevistados
P1 O pensamento teve um processo na graduação, vivências e o processo de formação continuada. Para ter essa bagagem houve uma construção: graduação, vivências e as
realidades, e o processo de formação continuada. É um processo constante de aprendizagem, todo dia aprende algo novo.
O primeiro contato com o LD foi na graduação: estágios supervisionados pelos professores do curso, visitas à escola, observações, trazendo questões para os professores
de estágio, análise dos livros didáticos. Mas o livro didático ele dá uma base e dessa base você interpreta. Se pegar só um autor/editora, vai engessar muito. Ele tem que
ser um suporte, não pode seguir fielmente, porque nas vivências, realidades, cada escola tem sua particularidade. É através de estudo do livro didático que vai perceber
como interagir.
P2 Vai dar autonomia ao professor: todas as formas de estudo (palestras, livros, artigos científicos, que são mais dinâmicos, ou livros de vários autores, capítulos), conhecer
novos conteúdos, se atualizar. É um processo, tem que ter para as aulas um caderno e trocar todo ano. Construído com muita leitura e participando de eventos de geografia
que dá noção de mundo geográfico maior, com indicação de leituras de outras pessoas são os maiores alicerces da formação. A leitura de livros, de artigos, artigos
científicos são os que vão fazer a diferença. Aprende-se sempre estudando. Tem que estudar muito, não dá para parar no tempo. Disso então eu acrescentaria na minha
lista os professores, que nos dão as primeiras referências, para extrapolar para aquilo que temos mais interesse porque não tem como estudar tudo aprofundado. Professor
gostar do que ele faz. Dar aula de geografia por amor. Os alunos querem que o professor os veja, que pensou aquela aula para ele. Vai contando para o outro. Se constrói
e vai construindo a imagem.
Para desenvolver autonomia o professor tem que estudar... estudo, estudo. Vai trabalhar com educação tem que gostar de estudar. Tem que ter estudo.
P3 Trabalhar com a geografia é ensinar os alunos a lerem o espaço onde vivem, então o espaço se torna um objeto para explorar com eles, vai enxergar um elemento geográfico.
Entender e conhecer espaços. O conhecimento e a leitura do espaço pelo professor. Procurar recursos para as aulas é muito a prática de sala de aula. Se o professor tem
esse conhecimento geográfico ele vê em coisas do dia a dia onde a geografia está presente, em diferentes momentos, em pequenas coisas... isso é muito da experiência do
dia a dia.
Pautar a partir do que gostaria de ter entendido enquanto aluno. O que vai permitir fazer dessa forma é o conhecimento acadêmico, mas usar isso como recurso, sem ficar
só na leitura básica do livro. É a fundamentação que nos dá a forma como trabalhar.
No início do trabalho no município não usou diretamente o livro didático, usou uma reportagem, adaptou com colegas interdisciplinarmente.
261

A geografia não é só passar conceitos e não sair daquilo, porque muitas vezes se não tem a fundamentação teórica da geografia acadêmica vai trabalhar com aquele
conceito no livro mas não vai explorar para além daquilo. O conhecimento te embasa e permite dar conta de explicar um fenômeno. Então tem aquela relação da referência
na geografia da formação e com os recursos, procurar fazer diferentes leituras geográficas com diferentes materiais geográficos.
P4 No primeiro momento o professor é influenciado por aquilo que o LD traz. Conforme vai amadurecendo vai também construindo o próprio pensamento, pode discordar
daquilo que o livro traz, como os conceitos gerais, como pode concordar parcialmente ou concordar totalmente.
Porque por mais que saia com uma bagagem excelente da academia acaba sempre dando uma olhada naquele material didático para ver o que aproveitar e o que descartar.
Ao longo da trajetória construiu o próprio conceito pelo próprio pensamento, pode estar embasado no livro didático e na academia ou não, vai depender de cada profissional.
A maior parte dos conceitos construí com embasamento no livro didático e no decorrer eu fui vendo, comparando com o que eu aprendi na academia, fazendo uma crítica
em cima disso, uma crítica construtiva de você formar um outro pensamento, um outro conceito.
Para construir isso envolve a busca pelo próprio conhecimento, tem que estar sempre atualizado, estar se atualizando. Isso ajuda a construir a autonomia, tem que buscar
o máximo de atualização, por leitura, participando de cursos, congressos, não só da realidade que vive, mas daquilo que acontece no mundo acadêmico, na área da
geografia.
P5 No início utilizava mais o livro, hoje utiliza como um complemento. Usa para atividades, mapas, ilustrações, gosta dessa coleção pela relação interdisciplinar. Tem trechos
de textos que tem relação com a graduação. Aziz Ab'Saber, Jurandyr Ross são alguns autores mencionados em trechos complementares, atividades.
No ano passado não usou livro didático pois quando chegou na escola tinha uma coleção que eu não gostou por ser muito simplificado. Mapas, imagens e algumas
atividades. O livro pode interferir. Ele serve tanto para o bem quanto para o mal. Pode auxiliar muito na aula, dependendo do livro. Tem diversas visões de mundo nos
livros didáticos e ele também pode engessar. Se não cuidar ele pode deixar meio que “acomodado”, porque acontece nas escolas, e esse era seu medo e era o medo da
diretora que queria evitar o uso. Só que em alguns casos é o único recurso didático disponível.
P6 O livro didático ele pode sim influenciar e ele contribui, mas você precisa mediar essa influência. Quando iniciou teve bastante dificuldade e ele foi uma base, foi guiando.
Em algumas escolas a única forma de contato para o aluno estudar é o livro. Então por mais que ele tenha só aquele livro ele vai aprender algo e isso é o mais importante.
Ele tá ali, ele precisa ser usado, pode usar, mas tem que pensar em criticá-lo. Não é só porque tem que ser usado, mas porque ele traz muitas informações que contribuem
com a aula: imagens, mapas, alguns que você não consegue encontrar no Google. Você pode explorar muito mais. Não o vê como vilão.
O professor tem que mediar, fazer interpretação desse livro e ver como você pode usar como base nesse processo, explorar e fazer uma boa aula.
Na escola particular usa livro e tem as matrizes curriculares. A base é a matriz curricular e organiza o plano conforme quer. Não precisa seguir os capítulos do livro. A
escola tem uma base curricular, então desmembramos esses conteúdos conforme o livro didático. Quando vai ser adquirido o livro na escola olha para aquele livro e para
as matrizes curriculares para que eu possa seguir na escola. Faz o planejamento e organiza os conteúdos que você vai trabalhar. Sempre teve autonomia na escola, não
autonomia “liberal” de fazer qualquer coisa. Há um Regimento que deve ser seguido, orienta a ter duas provas, então isso te engessa.
P7 Quando o professor não tem uma pesquisa fora para tematizar as aulas quem organiza é o livro didático, porque bem ou mal ele traz a base curricular, e faz essa relação
com a sala de aula. Usa basicamente mapas, gráficos, imagens do LD. É uma coleção rica e estruturada, mas os alunos têm dificuldades de entender o vocabulário.
P8 Os livros já tiveram uma participação muito mais importante nas aulas, hoje é mais pontual para ver mapa, imagem, alguma atividade. Mas considera que o livro que mais
teria contribuído inicialmente não foi livro didático, foi o livro “para ensinar geografia”, de João Rua. Ele é dividido por temáticas, tem diferentes textos e uma série de
atividades. O livro didático não dá importância para determinados assuntos, então você utiliza outras coisas. Mas em muitas realidades é o único material que os alunos
têm contato.
As experiências em instituições públicas tiveram a presença do livro didático; ele tem que estar acessível, é um direito do aluno de escola pública, e é uma luta de tantos
anos. O livro didático não influencia o seu pensamento na construção dos conteúdos que vai trabalhar. Faz ao contrário, uso o livro didático a partir do que quer trabalhar.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
262

Apêndice 16 – Síntese da entrevista com professores da educação básica: momento 3 - Relação inicial com o LD e o uso dele na prática docente
atual
Prof. Relação inicial com o LD e o uso dele na prática docente atual
Pré-teste
Pt1 No início via o LD não como uma ferramenta. Hoje em dia o vê como ferramenta principalmente de apoio. a) Facilitar: Para ver contrastes e semelhanças entre
paisagens.... Visto de modo positivo, mas esse livro tem que ser muito bem trabalhado. b) Dar apoio: mapa, imagem, mostrar um fenômeno. Linguagem adequada,
não apenas teoria. Aluno olhar o LD e saber fazer a comparação, a assimilação do conteúdo. c) Dificultar: pelo modo que aborda teorias, conceitos que não se estendam
à realidade. Ter linguagem clara e relação entre situações de lugares diferentes. Alunos não interpretar o LD, copiam e colam, sem ler e analisar, usam a decoreba.
Alunos às vezes não sabem ver o livro como um instrumento de conhecimento... Professor fazer a relação no LD – teoria – imagem – mapa. O professor traz a teoria
mostra onde se aplica naquela imagem, naquele mapa.
Pt2 No começo utilizava menos o LD, quase 0% livro, montava os conteúdos. Só olhava o sumário para ver que tema era, ia diretamente na internet pesquisar. Hoje tem
utilizado um pouco mais o livro para que não fique uma coisa estranha ao aluno, no armário guardado, ou em casa. Tem aula que utiliza 5% do livro, outra 50%.
Entrevistados
P1 Usa LD como suporte. Considera como base a graduação, a teorização. Só o livro didático, sozinho, não vai ajudar. Temos que fazer um estudo sobre os autores dos
livros didáticos. Aquele conteúdo tem que ser conhecido, se pode utilizar esse livro ou não, trazer música, poesia, questões que os alunos tragam da sua realidade. O
professor interage com diferentes sujeitos e tem que construir não apoiado só no livro ou se utilizando apenas do livro didático como uma bengala, como se fosse te
dar tudo.
Dentro das nossas realidades da escola do interior muitas vezes não tem acesso à internet então o livro didático traz imagens, mapas, as figuras para fazer a relação
com o conteúdo que está trabalhando naquele momento.
P2 Seu conteúdo se formou a partir da influência que teve na universidade e não no livro. Mas o LD ensinou a ter uma linguagem mais acessível, a transformar a linguagem
mais rebuscada para que o aluno compreenda, então influenciou seu pensamento nesse sentido. Mas não seu pensamento no sentido de que, muitas vezes desde o início
questionou o conhecimento do livro e questiona até hoje. No grupo de estudos faziam análise de LDs e incomodava textos e exercícios que não fazia sentido. Não
tinha aprendido aquilo daquela forma. Às vezes combate o que o livro traz, e considera isso ruim porque precisa tempo para ler e confirmar. Estabeleceu critérios para
escolher o LD: Ele “não tem que trazer conteúdo de geografia porque se não nem precisaria do Professor”. Tem que ter: imagens (nítidas, grandes), muitos mapas,
texto complementar para ampliar temas.
Ainda não encontrou o livro perfeito, porque às vezes focam no conteúdo e esquecem de ter o que é mais importante: ser ferramenta para o professor. O conteúdo o
professor tem, ele precisa ter as ferramentas, os mapas, as imagens.... O professor não precisa que o livro explique, isso o professor tem que explicar, se organizar no
seu esquema, no seu material e utilizar o livro para essa interpretação. Por isso não usa ele como base de conteúdo. Queria que o livro fosse mais dinâmico, ele muito
pacato.
No nível fundamental os professores usam mais os textos para fazer leitura, treinar oralidade. Mas o texto complementar auxiliaria a oralidade, não precisaria de um
livro com todo conteúdo mastigado. Então para fazer resumo do material do texto não teria porque ter professor em sala de aula.
P3 Inicialmente o livro auxiliava, não era o principal pois conseguia usar outros recursos como referência.
Usa livro didático em pública, mas não como um guia do início ao fim, como recurso para construir esquema da aula. Usa textos ou o capítulo, mas pesquisa outras
formas.
Às vezes usa alguns temas do livro didático, pensa algum projeto, adapta a maneira de trabalhar com os alunos, com temas e dentro do teu conteúdo, do teu currículo,
onde encaixar. Seguindo o referencial vai analisando onde pode colocar no planejamento do que é específico da disciplina, relacionado com a realidade. O trabalho é
263

sempre baseado no referencial, mas tem assuntos que não tem no referencial municipal. Não foge de algumas coisas que são tradicionais, que precisa da explicação,
de uma parte teórica para fundamentar, então às vezes os livros didáticos trazem algumas contribuições, mas precisa complementar. Nenhum livro é perfeito, tem
coisas faltando, alguns têm explicações demais, outras explicações não tão importantes. Os livros didáticos trazem uma riqueza de imagem visual fantástica que pode
ser utilizado.
P4 O primeiro contato foi uma relação de amor com o livro didático. Se esquecesse se sentia incompleta, mas em virtude da insegurança que eu tinha, não por falta de
bagagem. Não estava formada, ainda faltava alguma coisa, então o livro passou muita segurança lá no início.
Por mais que tinha todo o planejamento organizado, mesmo assim a segurança era ter um livro didático. Com o passar do tempo essa relação acabou se esfriando. Usa
apostila porque é um norte para os alunos. Dela vê os temas, porque o planejamento se baseia nesses conteúdos, usa seus mapas, imagens, mas a explicação não se dá
pela apostila, mas pelo meu conhecimento do professor.
Segue os conteúdos da apostila porque não tem conteúdos específicos no referencial dessa escola particular. Mas pode variar a ordem dos capítulos. Quem estrutura o
plano de ensino inicial é o professor com base na apostila. A apostila mais facilita do que dificulta. Há mapas, imagens, figuras. Nem sempre você tem multimídia
para projetar imagem, ou imagem impressa com colorido de qualidade, então facilita. Contribui para construir e desconstruir alguns conceitos, ideias que eles trazem
já pré-construídas. Usa outros materiais, sites Infoescola, Escola Brasil, pesquisa, livros da graduação, revistas, usa esses materiais quando acha que o assunto não está
completo na apostila.
P5 Na graduação teve apenas uma atividade que era analisar o livro didático, os pontos positivos e negativos. Não usou livro didático no estágio.
Na sala de aula na primeira escola usava muito para dar aula de história porque não tinha domínio do conteúdo. Estudava pelo LD, era o suporte.
Na primeira escola que atuou não tinha projetor, só uma TV muito pequena. O LD era suporte principal.
Em outra escola os livros não eram permitidos. Chegavam e eram trancados pela diretora em uma sala. A realidade era de periferia, alunos carentes de tudo e não tinha
nada diferente para mostrar, e a realidade precária. Nem a biblioteca podiam acessar, revistas tinham poucas, geralmente eram as que alguém doava. A diretora fazia
mestrado em educação na época, era engajada com projeto, inclusive projetos da universidade. “Ela entendeu errado o uso do livro”. Tem professor que realmente usa
o livro didático como uma Bíblia, todo dia. Só que não era o caso nessa escola, ali precisava dele como suporte. Nessa escola não foi oferecido nada, nem os conteúdos
programáticos.
Na geografia usava outras coisas para complementar pois tinha mais domínio, o livro seria mais para usar nos exercícios, mapas e imagens. Pegava emprestado
materiais na universidade, como cartas topográficas. Levava imagens de satélite.
Na realidade atual tem biblioteca bem equipada, projetor, laboratório. Usa Google Drive e acompanha a pesquisa dos alunos. Usa o Google Earth, imagens de satélite.
P6 Considera que o professor parte dele no início, mas não pode ficar somente nele. “Eu acho que todo mundo que iniciou vai olhar para o livro didático. Acho que isso
é algo que se a pessoa disser “não, eu não olhei” não sei... porque é o guia que nós temos”.
Sempre teve autonomia para organizar o planejamento, a forma como proceder e como utilizar o livro didático. Olha primeiro para a matriz curricular quando é para
escolher o livro didático. Então foi adequando o livro a partir do que a escola precisa. Dependendo a instituição ela dá autonomia.
P7 Quando começou a dar aula no Estado brigava muito mais com os livros didáticos porque eles eram de uma geografia mais tradicional.
Depois no município praticamente não usava o livro didático porque o planejamento era pesquisado com alunos e a comunidade a partir de tema gerador. Criava os
conceitos e aulas. Mas quando não tem o conhecimento para alimentar o currículo, não consegue fazer isso. Se não tem esse movimento de escola para buscar essas
possibilidades tu não vai fazer essa organização. Se não pesquisa o entorno você utiliza só o livro didático, embora o livro didático ele tem novos conteúdos e de uma
certa forma atualiza reflexões mais contemporâneas. Mantém no início uma estrutura do conteúdo e no final, geralmente, uma discussão mais contemporânea.
P8 Ainda na primeira experiência com o LD já escolhia e excluía o que achava inadequado. Em uma aula percebeu claramente que precisava ter autonomia em relação
ao livro, pois haviam termos complexos, sem sentido para o aluno. Não usava como guia, mas como precisou escolher coleções inteiras, ás vezes considera os livros
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inadequados. A professora não usa ele como referência. O professor precisa influenciar o livro também, é uma troca. E ele precisa fazer sentido dentro da proposta
do professor.
O texto do livro didático influencia o conteúdo e o currículo das escolas. Tem vários artigos, dissertações e teses que falam sobre isso.
Mesmo que seja um LD enciclopédico às vezes é uma das únicas ferramentas de estudo do aluno em casa. Mas vários só abrem o livro por uma curiosidade ou por
aquilo que o professor pede. Então é preciso planejamento. Depende da aula ele é uma referência de conhecimento extremamente válido. Nem todo mundo tem internet,
por exemplo.
Nos lugares que trabalhou vivenciou diferentes situações: a) existiam currículos que obedeciam os PCN; b) algumas escolas viam o currículo como uma cópia do livro
didático “do fulano” do início ao fim, em outros os conteúdos programáticos; c) Teve uma em que propôs alteração curricular de alguns conteúdos, em diálogo com
um colega, o que não foi aceito porque os alunos estavam “acostumados” e o livro, comprado pelos pais para ser usado, não poderia ser utilizado em determinados
conteúdos após a mudança. Isso acabava endurecendo o currículo; d) na realidade em que atua atualmente o livro didático não influencia o currículo. O currículo é
diverso ao LD. Os conteúdos são procurados de outra forma. Tem na escola uma organização que determinada equipe faz, e os professores tem liberdade de propor e
autonomia, espaços de debate dentro das instituições de como gostaria de fazer isso. A organização curricular é fundamental para perceber cada local com a sua
especificidade.
É um grupo de fatores que faz com que não tenha que seguir o LD e possa, como profissional, determinar o que naquele momento é mais adequado. É perceber. O
problema não é usar o livro, mas usar sempre ele. Não vê problema do LD ser produzido a nível nacional, a questão é o papel do professor para fazer essa leitura do
que pode usar e acrescentar nesse material. Também o professor tem que decidir entre “vencer o conteúdo” ou trabalhar aquilo que amplia o conhecimento e é mais
importante naquela realidade.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
265

Apêndice 17 – Síntese da estrutura do pensamento geográfico no Livro Didático (LA e MP) a partir dos conceitos, princípios e categorias
Livro Conceitos Princípios Categorias
São mencionados e explicados no MP: Paisagem (com base em Não indica o uso de princípios geográficos no MP. Espaço geográfico
Milton Santos), Lugar (descrito sem citação de autor), Região (em No LA, a localização e extensão são usadas principalmente Espaço
LD 1 um pequeno apanhado de informações com base em Milton Santos); em descrições no texto e na análise de mapas. Território
Espaço natural e espaço geográfico (a partir de explicação, sem A conexidade e a analogia aparecem nos textos explicativos, Lugar
citação de autor); Território e territorialidade, Redes geográficas. principalmente, mas não há a menção de que sejam princípios
No LA os conceitos: Paisagem natural, Paisagem geográfica, geográficos a serem utilizados para a análise geográfica.
Regiões e Comunidades, Lugar, Fluxo, Território, Fronteiras,
Cidadania plena, Inteligência geográfica, Educação geográfica,
são visíveis e envolvem aspectos para além dos conceitos
estruturantes, trazem outros relacionais.
No MP menciona os conceitos de Lugar, Paisagem, Região, Os princípios não são citados no MP e LA. Localização e Espaço geográfico
Território, Espaço geográfico, Área e Limite, como mais distribuição aparecem na análise de mapas. A analogia Área
LD 2 significativos. Estes aparecem em diversos momentos no LA, perpassa relações entre áreas utilizadas para exemplificação,
embora não conceituados, como é feito no MP. mas sem serem assim denominadas.
Conceitos estruturantes: Espaço Geográfico; Lugar, Território, No MP não menciona diretamente a utilização dos princípios O conceito de Espaço geográfico
Região, Paisagem. Conceitos Secundários: Fluxos, Redes, geográficos, mas considera a necessidade do estudo da é estruturante a partir de duas
Sociedade, Natureza, Cultura, Trabalho, Técnicas, Tecnologias, espacialidade dos fenômenos sociais e naturais em perspectivas:
LD 3 Globalização. No MP menciona os conceitos estruturantes e outros interação. Ao longo do LA, aparecem termos como -espaço vivido
necessários. Traz uma tabela com os principais conceitos (espaço localização, distribuição, a conexidade dos fenômenos, a - espaço geográfico conceitual e
geográfico, paisagem, lugar, território, globalização e rede). espacialidade, analogia, que são aspectos mais visíveis. diferencial
Apresenta o conceito e explicação mais aprofundada de alguns
deles. Menciona, ainda, o Espaço absoluto e relacional,
Territorialidade e Exercício de poder. E no LA: espaço
geográfico, lugar, espaço, paisagem e território.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
266

Apêndice 18 – Síntese da estrutura do pensamento geográfico no Livro Didático (LA e MP), a partir das palavras e expressões
Palavras e expressões
LD Espacialidade; Historicidade do espaço; Área e localização geográfica; Distribuição espacial; Concentração espacial; Território ultramarino; Organização
1 do espaço; Extensão territorial; Expansão territorial; Área de influência; Fronteiras nacionais; Escala reduzida; Contrastes socioespaciais; Horizonte
geográfico.
LD Distâncias geográficas; Localização geográfica; Configuração territorial; Organização territorial; Grande extensão territorial; Transformações territoriais;
2 Disputas territoriais; Territórios nacionais; Moderno espaço geográfico; Espaço geográfico mundial; Espaço geográfico vivido; Extensas áreas;
Localização das áreas; Organização do espaço agrário; Representações cartográficas; Redução da superfície; Pensar globalmente e agir localmente;
Pontos do globo.
LD Proporcionalidade; Representação do espaço tridimensional; Expressão/Alfabetização/Linguagem cartográfica; Ocupação territorial; Larga escala/Grande
3 escala; Extensão/Escala planetária; Realidade socioespacial; Conhecimento geográfico; Estudo da espacialidade dos fenômenos sociais e naturais; Espaço
Termos de global; Território contínuo; Limite/Extensão/dimensão territorial; Distribuição espacial; Localização de uma região na superfície terrestre; Localização no
interpretação espaço terrestre/geográfica/posição geográfica; Localização de fenômenos; Pontos distantes do território; Extensas áreas da superfície terrestre; Condições
naturais e históricas; Relação da sociedade com o meio ambiente; Degradação ambiental e social; Modernização do espaço agrário;
Ocupação/transformação/aproveitamento/integração do espaço geográfico; Regiões habitadas e transformadas pela ação humana; Evolução das
interferências humanas no espaço em escala local, regional ou global; Modificações no espaço; Intervenção da sociedade; Capacidade humana de interferir
na transformação do meio natural; Paisagens intensamente humanizadas; Integração entre os territórios dos países dessa região; Dinâmicas naturais e sociais;
Realidade socioespacial; Processos e fenômenos que nos cercam, naturais ou sociais; Relações de espaço e tempo na configuração territorial; Processo de
expansão territorial; Transformação da sociedade; Forma de ocupação territorial; Evolução da ação antrópica; Organização/Construção do espaço
geográfico; Organização interna de um território; Modificação/Transformações nas paisagens e no espaço geográfico; Dinâmica global/do espaço
mundial/dos espaços de globalização; Consolidação de espaços interligados pela globalização; Espaço geográfico mundial integrado por redes e fluxos;
LD Formação geológica recente; Arcos e cadeias vulcânicas; Fenômenos vulcânicos; Planícies aluviais; Recursos naturais; Instabilidade geológica; Altas
1 latitudes; Escudo paleoclimático; Consciência socioecológica; Formação e processos geológicos; Massas continentais; Soerguimento do relevo; Processos
erosivos/erosão eólica; Fenômenos paleoclimáticos e biológicos; Movimento descendente; Correntes ascendentes e descendentes de magma; Correntes de
convecção; Fenômenos geológicos: vulcanismo, terremotos, dobramentos e falhas; Assoreamento de rios; Amplitude térmica anual; Afloramento de água;
Deposição e dispersão de sedimentos/sedimentação; Adversidades naturais; Vertentes da cordilheira; Massas de ar úmidas ascendentes; Chuvas orográficas
nas planícies litorâneas da fachada oriental; Isolamento geográfico; Rochas cristalinas do pré-cambriano; Cadeias de montanhas; Limites, condições e meio
natural; Limites, obstáculos e meio físico; Alterações de composição química das águas dos oceanos; Confluência de cursos d’água; Vias naturais de
circulação; Tráfego fluvial.
LD Faixa montanhosa do território/terrenos montanhosos/acidentados/regiões de maiores altitudes; Elevadas latitudes; Condições inóspitas; Circulação da
Aspectos 2 atmosfera terrestre; Massas continentais e oceânicas; Disponibilidade de recursos naturais; Conhecimento do mundo natural;
físico- Problemas/impactos/degradação ambiental; Degradação dos recursos naturais; Degradação dos solos; Paisagem degradada; Processos erosivos/de erosão;
naturais Controle dos recursos hídricos; Aspectos/Potencialidades naturais; Prevenção e conservação de ambientes polares; Intervenção humana na natureza;
Equilíbrio natural; Formações naturais diversificadas; Terrenos/países/porções insulares; Massa continental; Planície costeira/formada por sedimentos;
Encontros de placas tectônicas; Atividade vulcânica/origem vulcânica; Massas de ar úmidas; Terrenos antigos e desgastados; Baixas profundidades das
267

águas costeiras dos litorais tropicais; Dinâmica climática própria; Variações sazonais; Vegetação adaptada; Elevada pluviosidade; Precipitações
abundantes/torrenciais; Precipitações atmosféricas; Faixa árida/desértica; Curvatura terrestre/superfície terrestre; Baixa incidência dos raios solares nessas
áreas de elevada latitude; Convenção humana; Superfície/plataforma continental; Habitats naturais; Paleoclimatologia; Dinâmica ecológica do planeta;
Unidades/eras geológicas; Fatores/elementos/aspectos naturais
LD Dimensão do fenômeno (natural ou social); Aspectos físicos do território; Altas camadas da atmosfera; Polos geográficos; Fenômenos naturais/da natureza;
3 Características naturais do espaço geográfico; Aspectos/recursos naturais dos territórios; Barreiras físicas/naturais; Condições naturais; Meio natural; Litoral
extremamente recortado; Latitudes elevadas; Mapas físicos/hipsométricos; Perfil topográfico; Declividade do terreno; Relevo arredondado e altitudes
modestas/Maciços antigos; Dobramentos modernos geologicamente recentes/cadeias montanhosas/Conjunto montanhoso/relevo montanhoso/ Montanhas
vulcânicas; Território montanhoso; Formações rochosas; Elevadas altitudes/cotas de altitude/variações altimétricas do relevo; Processos geológicos de
formação; Eras geológicas recentes; Aspectos físico-geológicos; Fisicamente instáveis; Pontos de tensão geológica; Deslocamento das placas litosféricas;
Movimento de placas tectônicas; Dinâmica/atividade tectônica; Terremotos/abalos sísmicos/falhas geológicas/Eventos tectônicos no território/Erupções
vulcânicas/ Rocha vulcânica/Fenômenos vulcânicos/Vulcanismo; Formações coralíneas dos atóis; Recursos fósseis da região; Processos geológicos de
formação do relevo; Processo erosivo desde eras geológicas remotas; Formações rochosas esculpidas pela erosão; Intensa ação erosiva das intempéries
climáticas; Deposição de sedimentos; Desgastados pelo processo erosivo; Barreiras para a baixa umidade; Maritimidade/continentalidade; Penetração das
frentes frias; Fenômeno/Umidade atmosférica(o); Latitudes subtropicais às latitudes polares; Grandes amplitudes térmicas/período de variação da
temperatura; Índices de precipitação/chuvas torrenciais; Extensa rede hidrográfica; Lagos naturais; Perda de massa das camadas de gelo; Áreas
costeiras/Litoral recortado; Resfriamento das águas continentais; Áreas de vegetação nativa; Ecossistemas complexos; Espaço natural, Aspectos naturais;
Assoreamento dos rios; Evolução das dunas; Degelo das calotas polares; Fragilização dos solos; Colapso do ambiente marinho.
LD Crescimento, densidade e transição demográfica; Política e dinâmica demográfica; Concentração populacional; Fluxos migratórios intracontinentais;
1 Aglomerações populacionais; Aglomerações urbanas; Mobilidade urbana; Fixação e ocupação humana; Intervenção humana; Ação antrópica; Conflitos
étnicos.
LD Ocupação humana/ de territórios; Região intensamente ocupada; Estrutura/transição demográfica; Distribuição da população pelo território; Distribuição
2 dos assentamentos humanos; Concentração populacional; Extensas áreas ocupadas; Demandas humanas; Intensos conflitos étnicos; Disparidade de renda;
Envelhecimento acelerado; Crescimento populacional; Crescimento/aumento demográfico; Expansão/explosão demográfica; Vazios demográficos;
Deslocamento populacional; Migração/migrações forçadas; Identidade cultural e religiosa; Migrações clandestinas internacionais; Áreas urbanizadas;
Aspectos Metrópoles conurbadas; Periferia de grandes centros urbanos; Fenômeno urbano/espaço urbano; Aglomeração/concentração urbana; Infraestrutura urbana;
demográficos Intenso processo de urbanização mundial; Megacidades e cidades globais; Fluxos globais; Conexão global dos lugares; Globalização cultural; Cultura local;
Dinâmica global; Culturas nacionais; Valores culturais.
LD Densidade/Distribuição populacional; Migrações/Imigração/Emigração; Migrações internacionais; Fluxos internacionais; Movimentos/correntes
3 migratórias; Evasão populacional; Emigrar/imigrar; Ocupação e povoamento do país; Limitações impostas pelo meio natural à ocupação do território;
Degradação do espaço urbano; Formas de ocupação; Áreas metropolitanas/Área urbana/espaço urbano; Paisagens urbanas; Aglomerações/centros urbanos;
Crescimento/fenômeno/densidade demográfica(o); Densamente povoado; Metrópoles/Megalópoles/Grandes cidades/cidades globais; Formação/expansão
da rede urbana; Urbanização/manchas urbanas; Grandes aglomerações urbano-industriais; Rede urbana bastante densa e complexa; Conurbação;
Planejamento urbano; Processo de industrialização e urbanização; Desigualdades sociais; Índice de desenvolvimento humano; Estado de bem estar social;
Condição socioeconômica; Organização do espaço agrário; Minorias nacionais; Composição étnica; Identidade cultural; Conflitos étnico-religiosos.
268

LD Integração econômica; Colapso socioeconômico; Desigualdades socioeconômicas espaciais; Espaços de elevada industrialização; Trocas comerciais
1 globalizadas; Processo de internacionalização; Fluxos mundiais de produção; Espaços periféricos; Domínio político-econômico do Estado; Posição
periférica na economia; Importância estratégica geopolítica e econômica no cenário mundial; Conjunto geoeconômico.
LD Cenário econômico e geopolítico mundial; Período técnico-científico-informacional; Áreas mais industrializadas; Intercambio econômico e sociocultural;
2 Integração dos mercados globais; Integração econômica regional; Mundialização da economia; Mundialização do capitalismo; Livre circulação de capital;
Liberação do comércio internacional; Liberação do fluxo de capitais; Abertura dos mercados; Transações comerciais de escala global; Economia global;
Expansão da economia; Potencialidades econômicas; Desenvolvimento socioeconômico elevado; Processo de industrialização; Competição global Sanções
Aspectos nas relações internacionais; Conflitos de ordem econômica; Fragmentação dos processos produtivos; Fragmentação da produção; Disparidades econômicas
econômicos e tecnológicas; Concentração de riquezas; Países desenvolvidos e subdesenvolvidos industrializados; Exploração econômica dos recursos energéticos e
naturais; Consequências ambientais da exploração econômica.
LD Hegemonia econômica atual; Fragmentação do processo produtivo; Desigualdade de renda e consumo; Desigualdade no espaço mundial; Dinâmica dos
3 espaços de globalização; Desigualdade na distribuição de fluxos; Convergência/dispersão/distribuição dos fluxos; Acumulação do capital; Acumulação
capitalista; Estabilização da economia mundial; Barreiras alfandegárias; Sanções econômicas e embargos comerciais; Supremacia econômica;
Superpotência mundial; Produção mundial atual; Economia globalizada; Globalização econômica; Potencialidades dos recursos minerais e energéticos;
Exploração das florestas; Distribuição da matriz energética; Bloco econômico regional; Estagnação do ritmo de crescimento econômico; Ascenção
econômica; Potência econômica; Indicadores socioeconômicos; Abertura dos mercados; Dinâmica das atividades econômicas; Áreas de grande dinamismo
econômico; Modernização do campo; Dinamismo econômico; Aglomerações industriais; Desenvolvimento socioeconômico; Exploração da terra; Colônias
de exploração; Colônias de povoamento; Integração do território.
LD Motivações geopolíticas; Espaço geopolítico; Posição estratégica; Conflitos territoriais; Instabilidade político-social; Cenário político-econômico
1 internacional; Importância estratégica geopolítica e econômica no cenário mundial; Desigualdades regionais; Dinâmica histórica e geográfica (MP);
Fronteiras políticas artificiais (MP); Deflagração de conflitos de poder; Apropriação de territórios; Integração territorial; Desterritorialização.
Aspectos LD Posição estratégica; Concessões territoriais; Conflitos regionais; Ofensiva militar; Poderio militar; Aumento do território dominado; Domínio do espaço
políticos 2 mundial; Organização territorial da região; Conflitos étnicos e políticos; Ascensão de regimes totalitários.
LD Potência hegemônica mundial; Soberania política das nações; Soberania desse território; Estabilidade política; Cenário econômico e geopolítico mundial;
3 Política econômica externa protecionista; Geopolítica do continente; Intervenções militares; Regimes político-ideológicos; Grupos separatistas; Fronteiras
políticas; Área internacional; Integração do espaço territorial; Poder de influência.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
269

Apêndice 19 – Síntese da estrutura do pensamento geográfico no Livro Didático (LA e MP), a partir do método
MÉTODO
LD Tendência teórica/pensamento Espacialidade/Temporalidade Escala de análise Linguagem cartográfica
Apresenta, no MP, um apanhado da evolução No MP sugere relação espacialidade e MP cita a multiescalaridade para Utiliza, em muitos momentos
do pensamento geográfico ao longo do tempo, temporalidade. desenvolver raciocínios espaciais como os mapas para ampliar o acesso
mas não deixa bem claro a opção por uma No LA há em vários trechos que faz a “articulação dialética entre as diferentes às informações inserindo
LD tendência teórico-metodológica específica. menção à temporalidade como elemento escalas de análise durante o tratamento de algumas questões de debate
1 Mas é perceptível a opção pela geografia crítica importante para compreender a conteúdos e temas”. Faz relação de para os mapas, embora por
pela forma como estrutura as atividades, os espacialidade dos fenômenos e as acontecimentos distantes com a situação vezes não apresentem questões
debates, pelos conceitos utilizados, que partem dinâmicas do espaço. Apresenta os termos vivida no país e localmente. Sugere partir que poderiam ampliar a leitura
da tendência crítica e humanista, mesmo sem “historicidade do espaço”, “dinâmica do particular para o geral. No LA aparece e análise geográfica por parte
deixar bem clara essa definição no livro histórica e geográfica” e “perspectiva local-global, global-local. Perpassa, por dos estudantes.
didático. histórica de análise”. vezes, a escala nacional e regional.
MP não apresenta uma estrutura que permita Perpassa as definições do MP, mas no Menciona apenas as relações local-global. Traz nos mapas e anamorfoses,
compreender a constituição da ciência decorrer do livro, descritivo e explicativo, Não direciona para vários interpretações embora explore pouco, visto
geográfica. Não aborda a evolução da geografia isso não aparece de modo mais estruturado multiescalares. que usa mapas por vezes
como ciência e seu viés escolar. Em alguns e aprofundado. Implica, então, em dificuldades para apenas para ilustrar. Não há
LD trechos menciona a tendência crítica necessária entender as dinâmicas regionais, sequência de questões para
2 ao conhecimento do estudante. Entretanto, nacionais e outras porções não analisar estes recursos.
nenhum autor é referenciado para embasar esta aprofundadas.
ideia. Em atividades, questões de debate e em
determinadas atividades é possível perceber
relações com a geografia crítica. Isso ocorre
também em relação aos conceitos estruturantes,
mencionados a partir de autores de perspectiva
crítica e também da perspectiva cultural.
270

A perspectiva crítica é mais aparente em É mencionado desde o início, explicitando, MP menciona que as diferentes dinâmicas Utilizada o uso de mapas e, em
trechos dos textos, em atividades, questões para em vários momentos, a distribuição sociais e naturais são estudadas em alguns momentos, com
debate e também nos conceitos mencionados espacial de fenômenos, objetos, processos, conjunto e em diferentes escalas imagens de satélite, que
pelo viés principalmente crítico. e geralmente trazendo a dimensão temporal. geográficas: local, regional, nacional, favorecem estabelecer
Porém, não se posiciona efetivamente em Envolve alguns capítulos de maneira mais mundial. No LA isso é mais significativo relações. Quando utilizados
LD relação a uma perspectiva mais específica e dinâmica, principalmente na unidade 1 na unidade 1 sobre espaço geográfico e trazem, geralmente, questões
3 também não apresenta um apanhado das sobre a evolução da construção do espaço relaciona com a realidade. No LA, que favorecem a análise e a
tendências que embasam a geografia. geográfico e das transformações atuais; e principalmente na abertura, pela análise interpretação, geralmente
pouca visibilidade em capítulos que das ilustrações e questões que propõe, contendo duas questões. Há, no
contemplam a divisão em continentes. consegue relacionar com a realidade local entanto, determinados trechos
ou outras escalas, embora em outros em que seria necessário utilizar
capítulos isso ocorre com menor ênfase. mais esses recursos.
Elaboração: Carina Copatti (2019).
271

Apêndice 20 – Síntese da entrevista com professores da educação básica. Momento 3: autonomia do professor e livro didático
Prof. A construção da autonomia do professor
Pré-teste
Pt1 Contribui tanto a escola, o ambiente de trabalho, quanto a sociedade, acreditando e estando unidas no sentido de auxiliar o professor e não se contrapondo. Precisa ser
realizado um trabalho em equipe onde família e sociedade compreendam o papel do professor como mediador do conhecimento. E propiciar um ambiente onde o professor
poderá, pelo conhecimento dele, trabalhar na construção de cidadãos críticos para o mundo e para a vida.
Pt2 A Metodologia deveria ter sido mais bem trabalhada na graduação. Não sentiu dificuldades na questão de conteúdo, mas sim na questão metodológica, de ensino, de
ferramentas, as questões pedagógicas. Sobre didática teve uma disciplina apenas. Mas isso é muito relativo de acadêmico para acadêmico, uns saem com mais dificuldades.
A relação com a ciência é muito subjetiva.
Para ser professor tem que ter um feeling. Não é qualquer um que pode ser não. Tem que estar muito atualizado, precisa se colocar no lugar do outro muitas vezes, precisa
saber que você é um profissional adulto, e ele é a criança. É uma postura, tem que ter uma certa postura com os seus estudantes, com as pessoas com quem você vai trabalhar,
com quem você vai escolarizar. O estudante precisa aprender, gosta de contextualizar coisas, significações. Isso já deveria ser uma preocupação da educação porque o
sentido se perde durante um tempo. Tenta sempre prestar atenção nisso.
Tem autonomia. Nada te impede de você ceder em alguns pontos. A aula não é uma coisa dura, rígida, ela é flexível. “Tem uma fala do Deleuze, um autor pós-moderno,
ele fala o que é uma aula: aula é matéria em movimento. Ela não vai fazer sentido para o estudante do começo ao fim, nem mesmo todos os estudantes vão ter o mesmo
sentido sobre a aula, nem mesmo os estudantes terão sentido no minuto 5 ou minuto 10. Do minutos 5 ao minuto 10 fez sentido pro Joãozinho, do minuto 20 ao 45 fez para
Mariazinha, do minuto 12 ao 18 fez para o Pablo. É matéria em movimento, não vai ser uma coisa igual, por isso a prova tem sido muito questionada”.
Entrevistados
P1 Considera a graduação, a formação continuada e essa preparação, pois “o aluno tem que ter o melhor de mim e eu tenho que dar o melhor de mim para o meu aluno”. Tem
que ter organização, fazer uma mobilização, trazer poesia, texto, motivar. A partir disso construir com ele. Trabalhar o conteúdo e explicar aquilo que precisa saber.
A formação acontece em toda a caminhada do professor, o que vai fazer com que o professor tenha essa autonomia: a teorização, as vivências junto com a prática, a interação
com todos os sujeitos. A paixão vai te alimentando, ela não te deixa estagnado, parado no tempo. A Teoria. A geografia crítica, uma geografia robusta, para que ela ocorra
há uma caminhada do professor, é com isso que o professor vai se constituindo e vai se ver construindo, tem que ter um olhar construído e reconstruído, constantemente. O
processo de formação continuada é um viés para alcançar os objetivos dentro do plano de ensino, plano de trabalho, processo ensino-aprendizagem.
Muitas vezes a gente não conhece inicialmente a realidade, não sai preparado para trabalhar... e eu vou me deparar com aquela realidade. Se tivesse esse contato inicial
poderia conhecer mais das escolas e não levar aquele choque que eu tive no início. Claro que por mais que você tenha uma vivência sempre vai ter aquele frio na barriga,
porque tu não conhece aquela realidade, vai aprendendo todo o tempo.
Aproximar teoria e prática, não é um processo fácil, mas deve ser feito porque só assim a gente vai ter um resultado final positivo lá na frente ao preparar o aluno.
P2 Demora o período dos 3 anos, o período do estágio probatório para sentir que domina o que o está trabalhando, mas nunca dominamos por completo.
Na geografia tem que estar estudando toda hora. É muito dinâmica, mas tendo as bases depois consegue ir buscando as informações e ir complementando com os materiais,
com as informações, e pelo fato da geografia ser dinâmica tem muita coisa que dá para utilizar. Depois vai agregando, surge outra informação, vai atualizar.
P3 A autonomia é um processo muito individual. Cada um tem seu tempo. A formação fornece a licenciatura, mas se torna professor na medida que está em sala de aula, até
então é um licenciado.
A primeira coisa é a formação. Tem que entender daquilo que vai trabalhar. Se está trabalhando fora da área tem que buscar, ter fundamentação para as perguntas que surjam
para pelo menos ter habilitação. O professor não vai saber tudo, mas tem que dar conta de um determinado conteúdo de um componente curricular.
O processo de se tornar professor também é muito individual, alguns saem com bastante autonomia por experiências vividas da sua própria vivência de como ver o mundo,
envolve a maturidade. Até mesmo a licenciatura é uma formação e ela não te dá um padrão etário e então tem alguns com mais maturidade. A maturidade não é só sobre o
conhecimento, mas a maturidade referente à segurança naquilo que vai fazer. A segurança vem com a maturidade de você conseguir desenvolver essas experiências. Vê
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estagiários que são muito inseguros e outros que conseguem tem maturidade maior, e maior autonomia no que faz. Ás vezes não é falta de competência, é pela forma de ser.
É muito bom sair da licenciatura com essa autonomia. Ou pode ir adquirindo quando tem mais firmeza em sala de aula, com o tempo, é bastante subjetivo, alguns saem
mais autônomos, outros são mais inseguros. A sala de aula te torna professor porque vai aprendendo ali todo dia.
O objetivo é que o conhecimento base dê maior segurança, maior autonomia, dá suporte para não ficar preso a um determinado material. Fornece um conhecimento para
pensar, para organizar aquele assunto, aquele conteúdo e desenvolvê-lo. Tem que estar seguro daquilo que tu vai desenvolver. É segurança que não deixa teu trabalho
desandar. Quando tem uma fundamentação, conhecimento sobre aquilo você vai abordar dentro do teu conhecimento o aluno vai perguntar você sabe responder.
A autonomia de como trabalhar e enxergar Geografia é o conhecimento teórico da formação acadêmica que vai dar. Vai fazer uma leitura, perceber elementos com um olhar
geográfico de forma diferente de quem é de outra área. A didática e a metodologia são de cada professor, cada um trabalha de um jeito.
“Outra questão essencial é justamente descobrir uma forma de envolver o aluno. Hoje você prepara um material maravilhoso e bate muito na questão da indisciplina. Ás
vezes prepara o material e dependendo da turma você não consegue desenvolver o trabalho de qualidade e às vezes não é por falta de conhecimento do professor, ou falta
de vontade de pensar ou de trabalhar aquilo. Mas é o todo da sociedade que chega na sala de aula. Quando tem muitos conflitos, você não consegue desenvolver a aula,
acaba sendo gestor de convivência social, de como fazer aquele grupo social conviver, se respeitar e muitas ver vezes o trabalho de qualidade acaba se tornando secundário”.
Considera também a falta de recursos para a escola. Algo que é básico: o número de cópias de xérox. Um trabalho de qualidade requer recursos básicos.
P4 Depende muito de como sai da instituição e de que instituição (academia) e onde trabalha (escola). Quando está em escola pública não tem muita autonomia. Algumas
coisas tem que seguir o que a coordenação e a direção dizem, tanto nas aulas quanto em tudo o que faz precisa do aval da direção, não tem tanta autonomia para mudar
capítulos, inverter. (Quando tentou fazer isso na escola pública foi barrada porque disseram que os alunos já estavam acostumados com a sequência das páginas do livro
didático). Na escola particular consegue se organizar de acordo com o seu conhecimento, pode inverter os capítulos, é “dono da sua aula e faz como quiser”, é muito cobrado
o diferencial, que você ensine de forma diferenciada. Isso dá mais autonomia. Estudo e leituras estão no planejamento.
P5 Para ter autonomia tem que fazer cursos, tem que ter investimento. Tem que ter o acesso a recursos, além de vontade. “Isso não é ter autonomia, você chega vai preparar
uma aula diferente, para explorar determinado conteúdo, mas você não tem cópias, que era o que acontecia na escola pública, cópia só para prova e algum trabalho”. Tem
que ter investimento do Estado em educação. Precisa ter sala de aula adequada, tem que ter laboratório. Sem recursos é mais difícil fazer. E recursos didáticos para poder
trabalhar.
Ter autonomia para fazer uma leitura, o professor precisa pesquisar. Estar envolvido em projetos (que geralmente na educação pública básica não vai além de projetos e
pesquisas mais superficiais, embora muito importantes. O que há de diferente às vezes é o PIBID).
Participar de eventos de formação dos professores.
“Às vezes a gente vai construindo a prática docente e não para muito para refletir sobre isso”.
P6 A escola pode te proporcionar autonomia. Mas desde o início procurava a coordenação para ter um feedback, para ter segurança daquilo que estava fazendo e dentro do
planejamento. Organizou os próprios conteúdos, pensando a forma que iria fazer a prática, construir o caminho de onde chegar naquele ano com cada turma.
Com o tempo vai criando autonomia e é por parte do professor. Vai construindo a identidade, isso envolve a questão de ser pesquisador como fundamental. Quanto mais
desenvolve pesquisa está estudando. Estudar sempre, estar buscando, analisando, lendo, se manter atualizado. Mas devido à correria nem sempre os professores conseguem
fazer isso o tempo todo. Precisa se informar o máximo que puder.
O livro é importante, mas usa outros recursos, explora ele mas tem autonomia de buscar outras coisas e fazer relação daquilo que busca com aquilo que está ali.
Tem que gostar e se sentir bem no ambiente de trabalho.
Quando surge uma discussão na sala de aula entender aquilo, promover debate.
Pensar e entender o processo de aprendizagem pelo aluno faz o professor se manter na ativa. Trabalhamos com seres humanos, precisamos entender como aquele ser humano
aprende. Buscar, dentro das especializações além do conhecimento específico do que estuda a geografia, o conhecimento de como se aprende, para o que você fala faça
sentido para o estudante, não apenas para a prova, mas para a vida.
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“São questões fundamentais para se tornar um bom professor. A partir disso vai vendo que constrói a autonomia e que quanto mais você aprende, mais vai tendo segurança
naquilo que você está fazendo. E você sabe o caminho que você vai seguir, isso fortalece a autonomia de saber o que você quer, o que é melhor para o aluno, e ter argumentos
para afirmar isso, que é muito importante”. Para isso considera cada conteúdo, dependendo do conteúdo.
P7 Quando chega na escola acha que vai fazer isso, aquilo e às vezes aquela prática os alunos não veem significado. “Mas aquilo tem um significado, é relevante mas quando
pratica às vezes você se perde, coisas legais se perdem e são questionáveis”. Quando se insere na prática pensa muito na inovação, “mas aí começa a ver algumas coisas
que foram feitas na geografia tradicional, os alunos também aprendiam”. Tem horas que faz coisas que são tradicionais e que os alunos adoram e aprendem, outras vezes
usa outras estratégias. A partir disso pode desenvolver a autonomia e trabalho de qualidade.
Não pode desistir dos alunos, embora ás vezes dê vontade. Tem que pensar no aluno mesmo quando está um pouco para baixo, pois assumiu um compromisso com as
pessoas, com os alunos. Aquele é o lugar onde que se tem contato com um conhecimento mais científico e provavelmente muitos dos alunos só passarão por isso na escola.
“Então alguma coisa que eles vão ter de geografia e de compreensão sobre o mundo é na aula de geografia. Isso é importante, o meu trabalho importante”.
P8 Primeiro de tudo o professor precisa de tempo. Se tem 40 horas em sala de aula isso dificulta qualquer processo que venha desenvolvendo. É um movimento de ideias que
precisa tempo: de pensar, de ler e conversar com os colegas. Produzir com qualidade e criatividade. E por mais que fuja do livro didático é preciso pensar e mencionar.
Necessita de uma boa formação docente para fazer o professor valer-se do conhecimento e daquele livro, assim ele vai questionar determinadas passagens, o que ele julga
naquele momento adequado.
Outra coisa é a capacidade de produzir seus próprios materiais, para isso tem que ter infraestrutura básica. Com isso pode produzir um material didático que não é só fazer
um recorte de um texto. É produzir conteúdo para a geografia escolar, estar predisposto a muita coisa, tem que ser estar aberto a abordar determinado assunto.
No início usava mais o livro, “talvez o início foi justamente por isso: não saber o que era a geografia escolar, o que era o currículo escolar, não saber o que é o conteúdo
escolar da geografia escolar. Então apesar de ter a formação sobre geografia, a definição das áreas da geografia, que é o marco teórico, a questão de como isso seria na
escola foi a maior dificuldade. Não sabia qual era o objetivo da aula, qual era o objetivo da proposição curricular que estava fazendo. Com os ataques temos sofrido
atualmente é preciso pensar sobre delimitar esses espaços. Precisamos estudar o que propor, qual é o objetivo. Há várias mudanças, mas o que precisa trabalhar com os
alunos da escola. Esse era o maior motivo de uso do livro didático. Não era falta de vontade, tinha tempo de estudar, estava motivada, mas materialmente não sabia o que
propor. O problema era o que propor, não era problema de metodologia. Teve sólida formação nesse sentido, mas talvez saber porque ensinar isso, qual era o saber, qual
era a terminalidade, ter clareza. Isso vai se moldando no trajeto e vai aparecendo aos poucos. Às vezes não faz sentido para o aluno e também não faz sentido para o
professor. A gente reproduz porque não refletiu sobre aquilo. Isso teria sido fundamental”. Precisou pensar sobre o que é importante no IF, numa outra dinâmica do currículo
e de organização.
A geografia que tentou praticar sempre foi uma renovação, a geografia crítica. Há muito tempo definiu esse caminho e menciona que está clara a sua postura, que se
aproximava de referenciais nessa perspectiva. Mas nos últimos anos teve uma mudança de perspectiva, procurando responder algumas dúvidas que tinha e que a teoria que
utilizava não respondia. Apesar de utilizar muitos autores nessa perspectiva foi mudando ao trabalhar a geografia do contexto latino-americano, que abriu espaço para outras
formas de pensar, pela perspectiva decolonial.
Consegue olhar para o conteúdo, mas trabalhar de forma diferente do que trabalhava antes, mudando a postura, com pequenas trocas. “Então, não há problema se eu vou
trabalhar geografia regional ou setorial, eu posso trabalhar américa Latina, posso trabalhar agrária, entre outras. O problema não é o conteúdo, mas é abordagem do conteúdo
para fazer sentido para eles nesse momento. É uma perspectiva teórica que eu vou ter que ligar, é a minha visão de mundo para trabalhar as minhas aulas. Então propor
leituras que tencionam o conhecimento que a gente tem sobre determinado conteúdo. Eu posso trabalhar um mapa que existe, eu posso trabalhar outras formas de questões
e eu posso trabalhar com o livro didático, mas eu modifico a minha postura, então a minha postura de uns três anos para cá ela é muito mais definida”.
A perspectiva teórica vem sendo modificada e a estrutura metodológica ainda não tem transformado tanto, teve uma boa formação nesse sentido.
Está consciente do que precisa fazer. Procura fazer revisão não dos conteúdos, mas das abordagens, isso desde 2016, com novas leituras e planejamento
Elaboração: Carina Copatti (2019).
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Que as dificuldades não nos impessam de caminhar,


Que os desafios não apaguem nosso sonhar,
Que o encantamento pela docência seja contínuo em nosso educar,
E que existam sempre espaços para partilhar,
Para resistir,
Para existir,
Para transformar.
Carina Copatti, 2019.

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