Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/332797374
CITATIONS READS
3 2,265
3 authors, including:
SEE PROFILE
All content following this page was uploaded by Simone Gibran Nogueira on 17 March 2024.
ISBN 978-85-8040-332-9
1. Identidade social 2. Negros - Identidade racial 3. Racismo
4. Preconceitos 4. Psicologia social 5. Religião I. Bento, Maria
Aparecida Silva II. Silveira, Marly de Jesus III. Chinalli, Myriam
IV. Nogueira, Simone Gibran Nogueira
14-0223 CDD 302
Índices para catálogo sistemático:
1. Médicos – biografia – profissão
1. Psicologia social
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
As opiniões expressas neste livro, bem como seu conteúdo, são de responsabilidade de
seus autores, não necessariamente correspondendo ao ponto de vista da editora.
1
Primeira pesquisadora e professora negra a ocupar um lugar de destaque na divulgação e
construção da Psicanálise no Brasil. Desenvolveu a primeira dissertação de mestrado sobre o
tema das relações raciais, no país, sob o título “Atitudes raciais de pretos e mulatos em São
Paulo”. Em sua rica trajetória profissional, integrou a equipe do Projeto Unesco em São Paulo,
coordenado pelos professores Roger Bastide e Florestan Fernandes, e foi fundadora do Instituto
de Psicanálise de Brasília. (Fonte: “Os Segredos de Virginia”: Estudo de atitudes raciais em São
Paulo (1945-1955) — Tese de doutorado de Janaína Damaceno Gomes, USP, 2013.)
1
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada et al. (2001). Retrato das Desigualdades de Gênero
e Raça. Brasília: IPEA. Com a participação de ONU Mulheres, Secretaria de Políticas para as
Mulheres (SPM), Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
Histórico do processo
2
Professora de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde coordena o
Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI), e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas,
onde coordena o Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford. Autora
de vários livros e artigos sobre infância, educação infantil, relações de gênero e raça. Dentre suas
últimas publicações, destacam-se: Criança pequena e desigualdade social no Brasil (2006), A
dívida latino-americana para com a criança pequena (2008), Educação infantil e povos indígenas
no Brasil: apontamentos para um debate (2006).
14
LDB alterada pela Lei 10.639/031 (que obriga o ensino da história e da cul-
tura africana e a afro-brasileira) vem, a partir da pressão do movimento
negro, mobilizando fortemente instâncias institucionais de formação de
professores e gestores, bem como o mercado editorial de livros didáticos e
paradidáticos, ainda que os resultados estejam aquém do esperado e do que
foi definido pelo Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curri-
culares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o En-
sino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana2. Sem dúvida, a política
de promoção da igualdade racial vem se fortalecendo como uma políti-
ca de Estado, e os três poderes vêm legitimando esse processo. O Poder
Executivo criou a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR)3, o Congresso Nacional aprovou o Estatuto da Igualdade Racial4
e a lei de cotas nas universidades5, e o Supremo Tribunal Federal julgou as
cotas raciais, por unanimidade, como constitucionais6.
Esse contexto revela como tem sido intensa e árdua a luta do mo-
vimento negro e quanto essa luta tem mobilizado o Brasil e provocado
respostas de importantes instituições do país. No entanto, a concretização
dessas conquistas explicitadas no cotidiano das instituições brasileiras ain-
da é um desafio a ser vencido.
Não há como negar o fato de que as desigualdades raciais continuam
persistentes e impactando fortemente, em várias dimensões, a situação de
vida de negros e negras brasileiros. O genocídio da juventude negra, ampla-
mente documentado por estudos (Waiselfisz, 2013), os episódios de racismo
que sempre existiram no futebol (Silva & Votre, 2006) mas que hoje estão ga-
nhando visibilidade nas vozes de suas vítimas, a condição de saúde, trabalho e
1
Lei de Diretrizes e Bases alterada pela Lei 10.639/2003 de 9 de janeiro de 2003. Veja em: ‹http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm›.
2
Disponível em: ‹http://www.portaldaigualdade.gov.br/.arquivos/leiafrica.pdf.›
3
A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, criada em março de 2003 pela Medida
Provisória n. 111, convertida na Lei 10.678.
4
O Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288/10, publicado no Diário Oficial de 21 de julho de 2010.
5
A Lei n. 12.711/2012, sancionada em agosto de 2014.
6
No dia 26 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou, por unanimidade, a adoção
de políticas de reserva de vagas para garantir o acesso de negros e indígenas a instituições
de ensino superior em todo o país. O tribunal decidiu que as políticas de cotas raciais nas
universidades estão de acordo com a Constituição e são necessárias para corrigir o histórico de
discriminação racial no Brasil. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário
(RE 597285), com repercussão geral (Santos, 2012).
15
7
IPEA — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística; DIEESE — Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos; LAESER
— Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais.
8
Carta aberta do Prof. Dr. Kabengele Munanga de agradecimento à solidariedade e ao recurso
feito junto à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), através da
16
Reitoria da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), diante da omissão do seu nome
entre os 59 estudiosos beneficiados pela bolsa do programa “Professor Visitante Nacional Sênior
(cfr. Edital 28 de 2013). Publicada em mamapress.wordpress.com em 14 fev. 2014.
17
18
19
20
9
A Sigla LGBT se refere a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. O uso do
termo foi aprovado durante conferência realizada em Brasília, em 2008 (Senado Federal, 2014).
21
10
“Encontro de lideranças negras”, realizado pelo CEERT — Centro de Estudos das Relações de
Trabalho e Desigualdades, com o apoio da Fundação FORD e Baobá — Fundo para Equidade
Racial, em 4 dez. 2013, no Braston Hotel, São Paulo/SP.
22
23
11
Em 2010, a região Norte foi a que apresentou o mais elevado percentual de pessoas que não
frequentavam escola na faixa etária de 6 a 14 anos, tanto em área urbana como na rural. O índice
de abandono no Estado do Pará é quase o dobro do índice do Brasil (Bento; Coelho & Coelho,
2013).
12
Do total de crianças excluídas da escola na faixa de 4 a 6 anos, a maioria é negra, 19,9%. A média
de anos de estudo da população negra é de 6,7 anos, para 8,4 da branca. Entre a população negra
com idade de 15 anos ou mais, há mais que o dobro de analfabetos, 13,4%, enquanto entre a
população branca essa taxa é de 5,9%. Enquanto 70% das crianças brancas concluem o ensino
fundamental, apenas 30% das negras chegam ao final dessa etapa (IPEA, 2010).
13
De fato, apesar dos esforços e avanços para ampliação do sistema de ensino superior, o Brasil
ainda possui um baixo índice de alunos matriculados nesse ciclo de ensino: apenas 5,7 milhões
de alunos em 2006, em um total de 24,2 milhões de brasileiros na faixa etária indicada como a
ideal para cursar esse nível de ensino.
14
Dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que fazem parte do Censo da
Educação Superior 2011 (Inep, 2013).
15
O índice de mortalidade materna em mulheres negras é 7,4 vezes maior do que em mulheres
brancas, de acordo com pesquisa de 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Brasil,
2012).
24
16
Cerca de 3,5 milhões de brasileiros saíram da pobreza em 2012. Atualmente, são cerca de 15,7
milhões de pessoas vivendo na pobreza no Brasil, dos quais 6,53 milhões continuam abaixo da
linha de pobreza (Brasil, 2012).
25
Racismo institucional
26
27
28
já que o país exibe uma grande e rica diversidade humana. Nesse senti-
do, ministérios, secretarias de estado, estatais, empresas privadas, agências
de fomento de pesquisas, procuradorias, tribunais de justiça enfim, todas
as instâncias sociais necessitam de pluralidade em seu quadro de pessoal,
particularmente nos lugares de decisão e comando, bem como precisam
assegurar a perspectiva igualitária em seu cotidiano de ação, tornando vi-
síveis e combatendo os processos viciados que asseguram a perpetuação de
privilégios e as relações de poder monolíticas. A presença negra e feminina,
paritária nos grupos que dirigem os programas, é de fundamental impor-
tância. Não se fala aqui simplesmente da “cara preta”, mas sim da presença
de profissionais negras com poder de decisão, comprometidas com a justiça
racial e capazes de dialogar com a rica diversidade que compõe o movi-
mento negro brasileiro, principal protagonista na luta pela democratização
da sociedade brasileira e nos esforços, nem sempre bem-sucedidos, de hu-
manização de sua elite. E nesse cenário outras discussões deverão ocorrer,
no âmbito do movimento negro. O clientelismo17 e o corporativismo que
vêm marcando as relações partidárias no Brasil com certeza não são o me-
lhor legado que os negros devam incorporar em sua atuação política e ins-
titucional. E, com certeza, como citado anteriormente, um protagonismo
mais efetivo no âmbito das instituições nos provoca a vencer entraves de
grande monta no território da representação política.
Provavelmente uma de nossas tarefas mais prementes diz respeito a
nosso envolvimento na luta pela reforma política. A alteração do quadro no
que tange às relações de poder exige a criação de ferramentas legais e regu-
latórias para lograrmos a ampliação da representação política de negros e
negras nas instâncias municipais, estaduais e federal.
Enfim, a violência extrema que vivemos no caso Claudia Ferreira
Silva, auxiliar de serviços gerais, arrastada por um carro da PM após ser
baleada em um morro do subúrbio do Rio de Janeiro em março de 2014,
nos obrigou a refletir sobre o grande salto que se faz urgente, aqui e agora.
17
Qualquer noção de clientelismo implica troca entre atores de poder desigual. No caso do
clientelismo político, tanto no de representação como no de controle, ou burocrático, para
usar distinção feita por Clapham (1982), o Estado é a parte mais poderosa. É ele quem distribui
benefícios públicos em troca de votos ou de qualquer outro tipo de apoio de que necessite
(Carvalho, 2014).
29
Referências
30
Brasil. (2003) Lei de Diretrizes e Bases alterada pela Lei 10.639/2003 de 9 jan.
2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.
htm>. Acesso em: 4 jun. 2014.
Câmara dos Deputados. (2014) Aprovado projeto que reserva 20% das vagas
em concursos federais para negros. 26 mar. Disponível em: <http://www2.
camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ADMINISTRACAO-PUBLICA/464662-
APROVADO-PROJETO-QUE-RESERVA-20-DAS-VAGAS-EM-CONCURSOS-
FEDERAIS-PARA-NEGROS.html>. Acesso em: 4 jun. 2014.
Carvalho, J. J. de. (2005/2006) O confinamento racial do mundo acadêmico
brasileiro. Revista USP, São Paulo, fev./dez., n. 68, p. 88-103. Disponível em:
<http://www.usp.br/revistausp/68/08-jose-jorge.pdf>. Acesso em: 4 ago. 2012.
Carvalho, J. M. de. (2014) Mandonismo, coronelismo, clientelismo:
uma discussão conceitual. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0011-52581997000200003&script=sci_arttext>. Acesso em 4 jun. 2014.
César, C. (1995) A primeira vista. Disponível em: <http://letras.mus.br/chico-
cesar/43885/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
CLAPHAM, Christopher (ed.). (1982), “Clientelism and the State”, in C. Clapham
(ed.), Private Patronage and Public Power. Political Clientelism in the Modern
State. London, Frances Pinter Publ.
Enriquez, E. (1990) Da Horda ao Estado — psicanálise do vínculo social. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor.
____________. (1997) A organização em análise (F. da Rocha Filho, Trad.).
Petrópolis: Vozes.
Feres Júnior, J. (2012) Inclusão no ensino superior: raça ou renda? Este texto é
uma contribuição do autor ao projeto Grupo Estratégico de Análise da Educação
Superior (GEA-ES), realizado pela FLACSO-Brasil com apoio da Fundação Ford.
Rio de Janeiro.
Fernandes, Sarah (2014). Lobby conservador retira igualdade de gênero do Plano
Nacional de Educação. RBA — Rede Brasil Atual, São Paulo, 22 abr. 2014.
Frankenberg, R. (1995) White woman, race matters: the social construction of
whiteness. Mineapoles: University of Minneasota Press.
Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa — GEMAA. (2014)
Levantamento das políticas de ação afirmativa GEMAA. O impacto da Lei 12.711
sobre as universidades federais. Disponível em: <http://gemaa.iesp.uerj.br/files/
Levantamento_GEMAA_1c.pdf>. Acesso em: 4 jun. 2014.
31
Instituto Ethos. (2010) Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas
do Brasil e suas ações afirmativas. São Paulo: Instituto Ethos.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira — Inep.
(2013) Censo da educação superior: 2011 — resumo técnico. Brasília.
IPEA. (2010) Primeiras análises: situação da educação brasileira: avanços e
problemas. Comunicado nº 66 PNAD 2009.
Jaccoud, L. (Org.) (2009) A construção de uma política de promoção da igualdade
racial: uma análise dos últimos 20 anos. Brasília: Ipea.
Kalckmann, S.; Batista, L. E.; Castro, C. M. de.; Lago, T. D. G. do; Souza, S. R.
de (Org.) (2010) Nascer com equidade: humanização do parto e do nascimento:
questões raciais/cor e de gênero. São Paulo: Instituto de Saúde.
Lordelo, C. (2012) ONG mapeia 129 instituições públicas de ensino superior com
sistema de cotas. Estadão, São Paulo, 5 jan. Disponível em: <http://www.estadao.
com.br/noticias/vidae%2cong-mapeia-129-instituicoes-publicas-de-ensino-
superior-com-sistema-de-cotas%2c819081%2c0.htm>. Acesso em: 4 ago. 2012.
Ministério de Educação e Cultura — MEC (2010). Relatório de Gestão SECAD.
Exercício 2003-2009, Brasília.
Munanga, K. (2014) Carta aberta em agradecimento à solidariedade e ao recurso
feito junto à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior), através da Reitoria da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia), diante da omissão do seu nome entre os 59 estudiosos beneficiados pela
bolsa do programa “Professor Visitante Nacional Sênior” (Edital 28 de 2013).
Disponível em: <mamapress.wordpress.com/2014/02/14>. Acesso em: 4 jun.
2014.
Nunes, R. S. (2005) Nada sobre nós, sem nós — a centralidade da comunicação na
obra de Boaventura de Sousa Santos. São Paulo: Cortez.
Paixão, M.; Rosseto, I.; Montovanele F.; Carvano, L. M. (Orgs.) (2010) Relatório
Anual das Desigualdades Raciais no Brasil: 2009-2010. Rio de Janeiro: Laeser.
Paula, M. de (Org.) (2011) “Nunca antes na história desse país”? Uma balanço das
políticas do governo Lula. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Boll.
Programa Universidade para Todos — Prouni. (2014) Bolsas oferecidas por
ano. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/images/arquivos/pdf/
Representacoes_graficas/bolsas_ofertadas_ano.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2014.
Roediger, D. R. Sobre autobiografia e teoria: uma introdução. (2004) In: V. WARE
(Org.). Branquidade: identidade branca e multiculturalismo. Rio de Janeiro:
Garamond.
32
Rosemberg, F.; Pinto, R. P. (1997) Criança pequena e raça. Textos FCC, nº.13.
Santos, D. (2012) STF decide, por unanimidade, pela constitucionalidade
das cotas raciais. 26 abr. Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/
noticia/2012/04/stf-decide-por-unanimidade-pela-constitucionalidade-das-cotas-
raciais.html. Acesso em: 4 jun. 2014.
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. (2004) Plano Nacional
de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira
e Africana. 10 mar. Disponível em: <http://www.portaldaigualdade.gov.br/.
arquivos/leiafrica.pdf>. Acesso em: 4 jun. 2014.
Senado Federal. (2014) Entenda a sigla LGBT. Disponível em: < http://www12.
senado.gov.br/noticias/entenda-o-assunto/lgbt>. Acesso em: 4 jun. 2014.
SEPPIR. (2011) Relatório Final. Grupo de Trabalho Estatuto da Igualdade Racial,
Brasília.
______. (2012) Programa Nacional de Ações Afirmativas, Brasília.
Silva, C. A. F. da; Votre, S. J. (2006) Racismo no futebol. Rio de Janeiro: HP
Comunicação Editora.
Tavares, Viviane (2014). A sociedade terá de mudar, porque é ela quem autoriza,
hoje, a barbárie policial. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/
blog/2014/01/a-sociedade-tera-de-mudar-porque-e-ela-quem-autoriza-hoje-a-
barbarie-policial/>. Acesso em: 22 maio 2014.
Theodoro, M. (Org.) (2008) As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil:
120 anos após a abolição. Brasília: Ipea.
Titãs (1987). Comida. Disponível em: <http://letras.mus.br/titas/91453/>. Acesso
em: 10 jun. 2014.
Unicef (2012). Acesso, permanência, aprendizagem e conclusão da Educação
Básica na idade certa — Direito de todos e de cada uma das crianças e dos
adolescentes. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Brasília.
Waiselfisz, J. J. (2013) Mapa da violência 2013 — homicídios e juventude no Brasil.
Rio de Janeiro: Cebela.
33
36
37
38
Trabalho e cultura
39
40
41
42
43
subjetividade só pode, então, ser realizado por uma psicologia cujo caráter
ideológico seja assumido, tornando-se crítica da própria psicologia. Esse
objeto, uma vez percebido em suas relações, indica e pede a transformação
das condições sociais que mutilam sua existência. Logo, pede que a psi-
cologia se volte para o questionamento dessas condições. Assim, em vez
de colaborar com a manutenção do que existe só na aparência, buscaria
o entendimento da produção dessa aparência. Além disso, devido à com-
plexidade desse objeto, que remete ao mesmo tempo à universalidade e à
particularidade, é necessário o recurso a categorias de estudos como os da
filosofia e da sociologia.
Em sua discussão sobre o tema da subjetividade, recorrendo aos di-
versos momentos do pensamento marxista, Resende (1992) revela a possi-
bilidade de este debate ganhar maior consistência e concretude se dialogar
com esse pensamento. Faz essa afirmação considerando que suas categorias
de análise permitem elucidar a construção de uma subjetividade que resulta
destroçada, reificada. Afirma que a vida individual, espiritual e subjetiva
será convertida numa abstração quando não for compreendida como uma
manifestação real do conjunto social. Quando despregadas da objetividade
na qual se constituem, as expressões da vida subjetiva nada mais são que
uma nebulosidade abstrata, carente de um objeto real: o reino do irracional
(Resende, 1992, p. 10).
Nessa discussão há uma vinculação dialética nas acepções dos con-
ceitos envolvidos no debate sobre subjetividade e objetividade na cons-
trução do indivíduo e da sociedade. A autonomização da subjetividade
frente à objetividade, do indivíduo em relação à sociedade, está fundada
no suposto de uma relação de externalidade e exclusão entre esses dois
termos, o que permitirá, da mesma forma, autonomizar também a socie-
dade, a objetividade frente ao indivíduo, à subjetividade, como num jogo
de luzes e sombras: entre a atividade luminosa e a passividade obscura,
os termos se chocam. Ora a sociedade está do lado da luz, da atividade,
e o indivíduo se constitui num mero reflexo escurecido e passivo des-
sa luminosidade; ora o indivíduo está no lado apolíneo, portanto uma
independência luminosa frente à passividade obscura da sociedade. A
autonomização desses elementos implica sempre a impossibilidade de
resolução efetiva, a abstração, a fetichização de ambos. Por contraditória
44
Parece claro que a unidade entre essas duas realidades esteja dis-
tante de uma concepção metafísica e dualista da vida espiritual e da
realidade. Fica então difícil concordar com o suposto de um socialismo
positivista que trace uma linha divisória rígida entre a vida subjetiva e
seu objeto social. Esse estudo, então, faz a crítica das análises filiadas de
um lado a uma metafísica e, de outro, ao positivismo, que, negando o
espiritual e o subjetivo no âmbito do pensamento, operam estabelecendo
a primeira, uma coincidência acientífica entre representação e conceito;
45
Considerações finais
46
Referências
47
1
Este artigo não tem a pretensão de apresentar uma proposta pronta e acabada sobre o conceito
de pertencimento étnico-racial, mas busca oferecer uma base sobre a qual futuras reflexões
poderão ser articuladas e desenvolvidas.
2
Utilizo Outro com inicial maiúscula quando pretendo ressaltar a diferença, os outros diferentes de si.
50
3
Utilizo o termo afro-brasileiro, que engloba as categorias pretos e pardos do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatísticas (IBGE).
51
52
de São Paulo no que se refere à identidade. Segundo Ciampa (2003), ela está
intrínseca e eticamente ligada ao processo de humanização.
4
A ciência e as compreensões sobre a realidade são influenciadas pelos seus contextos, portanto
também se metamorfoseiam constantemente. Mas qual o sentido dessa metamorfose? Estou
dialogando com autores de diferentes origens e culturas em busca de construir conhecimentos
e avançar em relação ao que foi produzido. Entretanto, estou justamente comprometida com uma
perspectiva crítica de humanização, a partir da visão de mundo africana, e por esta razão não
posso deixar de ressaltar posturas racistas que estes autores euro-americanos apresentam em
seus trabalhos (Santos, 2002). Suas análises trazem contribuições que podem ser aproveitadas
para realizar um diálogo entre as diferentes perspectivas, entretanto, em vários momentos de suas
obras é possível encontrar posturas baseadas na ideologia da supremacia racial branca. Muitas
vezes quando eles desenvolvem uma análise sobre diferentes povos do mundo usam posturas de
hierarquia racial, denominando Outros povos como primitivos, e, em oposição, referem-se a seus
pares como evoluídos e civilizados. Conforme podemos observar na seguinte passagem em Mead
(1974, p. 157):
Nas mais desenvolvidas, organizadas e complicadas comunidades
sociais humanas — aquelas desenvolvidas pelo homem civilizado
— estas variações de classe ou subgrupos socialmente funcionais
de indivíduos ao qual qualquer indivíduo pertence (e com os outros
membros individuais com os quais ele realmente entra num
conjunto especial de relações sociais) são de dois tipos: classe
social ou subgrupo concreto e classe social ou subgrupo abstrato.
Está implícita nessa passagem que há sociedades humanas que não são tão desenvolvidas,
organizadas e complicadas como a do homem civilizado, sendo que este homem civilizado tem
um lugar espacial e sócio-histórico bem definido, o da sociedade ocidental, moderna, colonial e
branca. Para uma discussão mais aprofundada sobre racismo acadêmico ver Carvalho (2006),
Nobles (2006), Akbar (2004) e Santos (2002).
53
54
5
Para uma discussão mais extensiva sobre ancestralidade africana, ver Oliveira (2005).
55
6
No caso do Brasil, esta política de identidade colonial moderna toma contornos específicos,
gerando o chamado “racismo à brasileira” que é baseado nas ideologias do branqueamento e da
democracia racial e no preconceito de cor (Santos, 2002; Bento & Carone, 2002; Souza, 1983).
7
O valor da xenofilia foi recriado e mantido nas manifestações culturais afro-brasileiras, nas quais
você pode facilmente perceber a presença de pessoas de diferentes idade, gênero, classe social,
escolaridade, origem étnico-racial etc.
8
Nesse sentido, ressalto que apesar das manifestações culturais afro-brasileiras recriarem e
preservarem valores africanos que favorecem processos de humanização, estas práticas sociais
foram geradas a partir do processo moderno de colonização e seus contextos opressivos, portanto,
elas não estão isentas de ambiguidades e contradições, e revelam velhas e novas opressões.
56
57
58
59
60
Referências
61
Mead, G. H. (1974). Mind, Self, and Society: from the standpoint of a social
behaviorist. Chicago: The University of Chicago Press.
Medeiros, P. M. (2009). Raça e Estado democrático: Uma análise sociojurídica
acerca das Ações Afirmativas no Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais). Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de São Carlos,
São Carlos.
Memmi, A. (1977). Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador.
Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Nobles, W. W. (2006). Seeking the sakhu: foundational writings for an African
Psychology. Chicago: Third World Press.
______. (2009). Sakhu Sheti: retomando e reapropriando um foco psicológico
afrocentrado. In Nascimento, E. L. (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem
epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro. Coleção Sankofa: matrizes
africanas da cultura brasileira, n. 4, p. 277-297.
Nogueira, I. B. (1998). Significações do corpo negro. Tese (Doutorado em
Psicologia). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Nogueira, S. G. (2008). Processos educativos da capoeira Angola e construção do
pertencimento étnico-racial. Dissertação (Mestrado em Educação). Departamento
de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.
Oliveira, E. (2005). Filosofia da ancestralidade: corpo e mito na filosofia da
educação brasileira. Tese (Doutorado em Educação). Departamento de Educação,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In
Lander, E. (Org.). A Colonialidade do saber. Eurocentrismo e Ciências Sociais:
Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo Latino-americano de
Ciencias Sociale pp. 227-278.
Santos, G. A. dos (2002). A invenção do ser negro: um percurso das ideias que
naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo: EDUC/FAPESP; Rio de
Janeiro: Pallas.
Schucman, L. V. (2014). Branquitude: a identidade racial branca refletida em
diversos olhares. In: Bento, C.; Siqueira, M.; Nogueira, S. G. (Orgs.). Identidade,
negritude e branquitude: contribuição para a psicologia social no Brasil. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2014.
Silva, P. B. G. E. (2004). Projeto Nacional de Educação na Perspectiva dos negros
brasileiros. In Conselho Nacional de Educação. Conferência do Fórum Brasil de
Educação. Brasília: Conselho Nacional de Educação e Unesco.
62
63
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
menino da oficina de alfabetização”. Segundo ele “não daria para levar, sozi-
nho, trinta e cinco alunos, e que, além do mais, eles deveriam estar unifor-
mizados”. Pesava aos adolescentes do grupo o fato de terem ou não terem o
uniforme, o que era usado, de modo arbitrário, ora para incluí-los em even-
tos cujo significado era negativo, ora para excluí-los em caso de evento cujo
sentido era positivo. Dias depois do evento, a fotografia no mural da escola
divulgou o acontecido na Fundação Zoobotânica, mostrando o professor
Leonardo e a vice-diretora, não com trinta e cinco, mas quinze alunos da
“sétima A”, uniformizados, sendo todos eles brancos.
concepção de Paulo Freire de que o ensino dos conteúdos não pode dar-
-se separado da “[...] formação moral do educando” (Freire, 1996, p. 37).
Investimos em três frentes sistematizadoras do trabalho que se voltavam
para a ação-reflexão-ação das relações raciais: 1) leitura de livros de lite-
ratura com personagens negras; 2) mostra de vídeos; e 3) dinâmicas de
vivência e reflexão.
A primeira frente consistiu na leitura de histórias como Ana e Ana,
de Célia Godoy, Fica comigo, de Georgina Martins, Tranças de Bintou,
de Sylviane Diouf, e Bruna e a galinha d’Angola, de Gercilga de Almeida.
A segunda frente foi a mostra de vídeos que trouxe a discriminação, a
representação de personagens negras e permitia a discussão dessas rela-
ções na escola. Da representação de personagens negras, seguimos com
a discussão e alternativas para enfrentamento discente do preconceito na
escola a partir dos vídeos Vista a minha pele, de Joelzito Araújo, Kiara:
corpo de rainha, da ONG Djumbay, e Sirga: amigos para sempre, de Luc
Besson. E os vídeos produzidos pelos próprios estudantes, que, com to-
dos os problemas técnicos, faziam circular a imagem dos participantes
do grupo. Nas dinâmicas de vivência e reflexão, a terceira frente, os estu-
dantes tiveram a oportunidade de observar, tocar, cheirar e verbalizar a
diferença entre as flores, os grãos de feijão, a pele e a textura do cabelo dos
participantes, além de pintar as flores e suas diferentes colorações diante
dos jardins dos parques da cidade.
Gomes (2007, p. 20, 32) sublinha que o padrão estético negro e o
padrão estético branco são construções sociais e culturais que se opõem,
mas também se complementam. Ela diz que quando nos referimos ao
cabelo do negro com a expressão “cabelo ruim”, revelamos o racismo.
Ver o cabelo do negro como “ruim” e o cabelo do branco como “bom”
expressa o conflito. Na relação entre a inferioridade e a superioridade
expressa pelo cabelo “ruim” do negro e pelo cabelo “bom” do branco,
emerge para essa autora um padrão de beleza real e outro ideal, e ainda
que, no Brasil, o padrão ideal de beleza seja o branco, o padrão real é o
negro e o mestiço.
Por tais motivos, a pedagogia do toque respeitoso era a condição ne-
cessária para que os participantes do grupo investigassem a textura dos
cabelos uns dos outros e comparassem as tonalidades de suas peles e, aos
79
poucos, adotassem uma linguagem mais respeitosa para se referir aos tra-
ços fenotípicos uns dos outros. As oficinas na sala de aula, nos parques, no
Centro Cultural buscavam promover o respeito ao outro, para que tanto a
adolescente branca, a Indiara, como os adolescentes negros saíssem de lá,
orgulhosos de seu pertencimento racial, descobrindo-se sujeito no meio de
outros sujeitos.
Depois de passar o encanto com a brancura e com o dourado do
cabelo de Indiara, Bianca, de modo espontâneo, disse-lhe: “você é bonita,
mas precisa arrumar os dentes”. Não no grupo, mas fora, Indiara esbofeteou
Bianca. Bianca passou a faltar. O grupo ponderou que seria responsabili-
dade de Indiara ter de trazer Bianca de volta aos encontros. A experiência
vivida por Bianca deixou-nos a tarefa essencial de pensar não só na im-
portância de conhecer o processo de construção da negritude, como tam-
bém de conhecer o processo de construção da branquitude para estudantes
brancos, porque uma das causas do sofrimento psicossocial da criança e
do adolescente negros na relação escolar pode ser a presença de posturas e
atitudes racistas, sobretudo vindas das crianças e dos adolescentes brancos.
Antes, nos referimos ao sofrimento psicossocial porque das duas vezes em
que Bianca foi vítima de agressão por Indiara, ela não trouxe o problema
para a coordenação, suportou o sofrimento do seu lugar, “optou” pelo lugar
da não denúncia, e quando voltou, “oferecia” ao grupo o que julgava ter de
bom e bonito, as lentes de contato, ou os “olhos azuis”, que emprestava para
Indiara e as outras meninas “para que experimentassem ter ‘olhos azuis’”
como os seus.
Nessa segunda fase, momento em que puderam estabelecer a co-
municação grupal, eles formaram uma rede de cooperação e comunicação
que favoreceu o planejamento do grupo, quando puderam expressar a si
mesmo e trabalhar a tarefa externa. Cada um assumiu seu nível de escrita,
o que se concretizou, para a maioria deles, enquanto escrita na posição
vertical. Ler e escrever tornaram-se tarefas possíveis à medida que exer-
ciam prerrogativas de cidadania nas oficinas de ritmo, cartão de natal e
rap. Nesse exercício de cidadania, os adolescentes do sexo masculino es-
tabeleceram um diálogo com a escola de origem, que lhes permitiu a mu-
dança na interação e a modificação da imagem com que eram percebidos
inicialmente.
80
O fim desse grupo coincidiu com o final do ano letivo. Na elaboração do luto
grupal foi possível constatar que os participantes já haviam construído uma
reflexão sobre si mais elaborada. Conseguiam expressar seus sentimentos,
falar de seus medos, verbalizar as mudanças vividas e definir seus projetos
de vida. Podiam utilizar o computador, e foi na tela que acompanhamos
as respostas que deram às perguntas: o que vou fazer da minha vida? Para
onde vou caminhar? Os projetos de vida profissional revelavam as escolhas
de serem advogados, veterinários, secretárias, cantores de rap, entretanto,
no processo grupal, eles se conscientizaram de que suas condições escolares
eram, de fato, frágeis e limitadoras; em função disso, puderam verbalizar a
exclusão social vivida e reconhecer a distância social que os separava de seus
projetos profissionais, mas nem por isso lhes foi proibido dizer dos sonhos,
dos desejos, e eles conquistaram um nível de consciência que lhes permitia
pensar e falar de seu contexto e condição social de modo mais crítico.
81
colegas de classe e denunciados pela mãe, não podiam ser vistos por suas
professoras, provavelmente, por não se preocuparem em investigar a dor da
pele negra (ou não) quando ferida.
Professores e professoras brancos(as), como que num “pacto nar-
císico”, sentiam-se ameaçados pela “onda” de estudantes negros, pobres e
mal-vestidos que passaram a ocupar o ambiente da escola “Doralice”. Estes
docentes levavam à coordenação seus temores dos prejuízos que poderiam
ter como não pertencentes ao grupo negro; os meninos negros podiam ti-
rar-lhes os pertences. O preconceito das professoras direcionado ao grupo
de estudantes negros da oficina de alfabetização, a postura da vice-diretora
e da professora delatora adicionados à arbitrariedade do professor Leonar-
do comprovam a relação de poder do grupo de professores e professoras
brancos(as), como determinadora do lugar de submissão e opressão do
grupo negro. Assim, constatamos no teatro da interação cotidiana do gru-
po com a escola, os componentes estudados por Bento (2002): o medo, a
projeção do grupo branco no processo de exclusão, a estigmatização dos
estudantes negros e o pacto do grupo branco, que mais intensamente soli-
citava a cumplicidade de seus membros, em busca de proteção.
Dados encontrados anteriormente em Ziviani (2003, p. 154) de que
meninos negros apresentam um tempo, significativamente, mais longo
que seus pares em níveis iniciais para aprender a ler e a escrever se agre-
gam ao conjunto de dados dessa investigação, comprovando que profes-
sores e professoras controlam o cenário da instituição escolar, como se
não fosse direito dos meninos negros, seguidos pelas meninas negras, a
apropriação do papel de leitores(as) e escritores(as). Por isso, meninos ne-
gros foram encaminhados ao reforço escolar numa proporção três vezes
maior do que meninas. Pesam na relação entre docentes e estudantes as
representações que tanto uns quanto os outros têm de masculinidade e de
feminilidade. E constructos e estigmas acerca do conhecimento produzi-
do pelo estudante negro no ambiente escolar, quando o outro, em geral,
quem nega é o branco, não podem deixar de ser pensados como determi-
nações do grupo branco, que reluta em reconhecer o empoderamento do
grupo de estudantes negros, à medida que se apropriam da leitura e da
escrita, que é quando lhes aumenta a argumentação e o enfrentamento no
universo de contradições apresentadas pela escola.
82
Referências
83
84
86
87
88
essencialismos, haja vista que esses foram utilizados para preterir sujeitos
como homens e mulheres negros fenotípica, cultural e socialmente. E, tal
como Simone de Beauvoir, quando mapeia possíveis comportamentos de
pessoas do sexo feminino, em estratégias de fuga ou acomodação a atitudes
tidas como “tipicamente femininas”, não se refere aos termos negro ou mu-
lher enquanto essência, imutáveis, mas enquanto valores construídos, que
precisam ser constantemente afirmados, e os estereótipos, desconstruídos,
mas em permanente construção.
“Ô meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona!” (Fa-
non, 2008, p. 191). Qualquer extremismo, tanto o essencialista, denunciado
por Fanon, ou a invisibilização ou negação do significado de estar homem
ou mulher, negro e não negro são problemáticos. Numa sociedade em que
o negro, é escravizado por sua inferioridade, o branco é escravizado pela
sua superioridade (Fanon, 2008, p. 26). Esta assertiva não pretende eter-
nizar o racismo, mas mediante algo ainda tão forte quanto raça enquanto
identidade, subjetivação, conforme Éle Semog pontua, nos versos a seguir:
Não é que eu
Seja racista...
Mas existem certas
Coisas
Que só os NEGROS
Entendem. [...]
Não é que eu
Seja racista...
Mas existe uma
História
Que só os NEGROS
Sabem contar
[...] Que poucos podem
Entender (Semog, 2005, p. 91).
89
Amanhã...
Ninguém se atreverá
A me dizer.
“Vai comer na cozinha”...
90
91
Luís Gama, Cruz e Souza e Solano Trindade são os autores negros com os
quais irei dialogar para ampliar o estudo com o cânone, as contranarrati-
vas e subjetividades, diretamente relacionadas à maneira das escritas dos
autores negros supracitados, estarem estereotipados ou (in)visíveis nos li-
vros didáticos.
Luís Gama, poeta, advogado e abolicionista mestiço. “Orfeu de ca-
rapinha”, como se denomina, com sua profissão e militância alforriou mais
de quinhentas pessoas. Afro-descendente, de mãe negra militante, Luísa
Mahin, uma das líderes na Revolução dos Malês ‒ revolução negra em ter-
ras brasileiras no contexto da escravidão, ocorrida na noite do dia 24 para
25 de janeiro de 1835, em que um grupo de africanos escravizados e liber-
tos (malês, de origem muçulmana) ocupou as ruas da cidade de Salvador,
92
93
Tal era a situação vivenciada por Cruz e Souza, poeta negro, nasci-
do em Desterro, atual Florianópolis, filho de pais escravizados, foi criado
pelos senhores de seus pais, tendo, portanto, uma educação burguesa e
branca. Jornalista e militante abolicionista, estreando como poeta aos 24
anos, com a publicação de Tropos e Fantasias. Diante de tal histórico, de
maneira similar ao que ocorreria com outros intelectuais da negritude,
como Senghor e Césaire, pois, apesar de grande inteligência e muito co-
nhecimento da cultura, história, filosofia ocidental, sempre ganhou salá-
rio inferior a de seus colegas brancos, e mesmo tendo sido o precursor
do simbolismo no Brasil, morreu desconhecido e pobre, em 1898. Tal
vivência de exclusão e dor não tinha como não aparecer em sua literatura,
aspecto que ele evidencia em “Emparedado”.
94
Há batidos fortes
de bombos e atabaques em pleno sol
Há gemidos nas palmeiras
soprados pelos ventos...
“Mas por que você pesquisa acerca deste tema?” “Por que literatura negra?”
“Existe classificação em literatura?” Essas são algumas das questões que já
95
Referências
96
cfm?Edicao_Id=171&breadcrumb=1&Artigo_ID=2532&IDCategoria2579&refty
pe=1>. Acesso em: 5 set. 2009.
Fanon, F. (1979). Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
______. (2008). Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA.
Ferreira, M. C. da (1998). Geografia do Coração em África: A Africanidade na
Poética da Negritude de Francisco José Tenreiro. Niterói: UFF. Dissertação
[Mestrado em Literatura Portuguesa].
Figueiredo, Â. (2008). Dialogando com os estudos de gênero e raça. In O. A.
Pinho; L. Sansone. (Org.). Raça: Novas perspectivas antropológicas. Salvador:
EDUFBA, pp. 237-256.
Hernandez, L. L. (2005). África na sala de aula — visita à história contemporânea.
São Paulo: Selo Negro.
Minka, J. C. (1998). In Quilombhoje (Org.). Cadernos Negros: os melhores
poemas. São Paulo: Quilombhoje, p. 74.
Munanga, K. & Gomes, N. L. (2006). Para entender o negro no Brasil de hoje:
história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global.
Ribeiro, E. (2004). Ressurgir das cinzas. In Quilombhoje (Org.). Cadernos Negros
27: poemas afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, p. 63.
Santiago, S. (1998). Democratização no Brasil: 1979-1981 (Cultura versus Arte). In
______. Declínio da arte e ascensão da cultura. Florianópolis: ABRALIC/Letras
Contemporâneas, pp. 11-23.
Semog, É. (2005). Ponto histórico. In L. C. dos Santos (Org.). Antologia da poesia
negra brasileira: o negro em versos. São Paulo: Moderna, p. 91.
Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro
brasileiro em ascensão racial. Rio de Janeiro: Edições Graal.
Trindade, S. (1981). Cantares ao meu povo. Brasília: Ed. Brasiliense.
97
100
101
Métodos
102
Resultados
103
104
Outra paciente, de 42 anos, revela: “Sou nervosa, acho que meu lu-
gar no mundo não existe mais. É coisa ruim. É tremura no corpo, é como
soda cáustica comendo a gente por dentro. Vivo perambulando de médico
em médico”.
Como se percebe, o discurso dito denota a ideia criada em torno da
depressão, conferindo-lhe um caráter de abandono e incertezas. Esse senti-
mento de dúvida, que causa temor e irresignação na vida da mulher depres-
siva, encontra-se estampado em seu discurso, ora quando busca a verdade,
a resposta, a saída do aprisionamento patológico, ora quando encena uma
retórica arraigada de emoções, ficção e mítica.
Os termos ou códigos utilizados pelas pacientes, todavia, denotam
saberes populares inseridos no seu cotidiano. Quando elas afirmam que
a depressão é “como um maracujá”, “como soda cáustica”, na tentativa de
definir a situação de incômodo causada pela depressão, tem-se a associação
entre os dialetos e alegorias regionais com o discurso, funcionando como
mitopráxis, algo que funde a história local numa multidão de símbolos —
alegorias e metáforas —, através da qual a história adquire sentido para os
105
que dela participam, e, por sua vez, oferece ao investigador os sinais para
realizar o exercício interpretativo (Lima, 2003).
Discussão
106
Conclusão
107
108
Referências
109
110
Este artigo tem como objetivo fazer uma breve análise conceitual e históri-
ca sobre os estudos da branquitude. Para isso, primeiramente, apresento os
estudos precursores de Du Bois, Frantz Fanon, Albert Memmi e Guerreiro
Ramos, seguidos de uma abordagem conceitual dos estudos críticos sobre
a branquitude (critical whiteness studies), em que se situam autores como
Steyn, Frankenberg, Roediger, Ware, Bento, entre outros, e por último apre-
sento como a branquitude se apresenta no contexto brasileiro. A revisão
bibliográfica sobre o tema é importante para pensar que a branquitude pre-
cisa ser considerada posição de poder construída na confluência de even-
tos históricos, dependendo do país, região, interesses políticos e época em
que as categorias sociológicas de etnia, cor, cultura e raça se entrecruzam,
colam e se descolam umas das outras conforme a história do local. Con-
tudo, apesar de ser construída sócio-historicamente de formas diferentes
em cada lugar do globo, a tese unificadora de diferentes autores aponta que
a branquitude foi construída como uma posição racial de dominação em
relação a outros grupos racializados, em que sujeitos considerados brancos
obtêm privilégios materiais e simbólicos.
1
Esta revisão dos primeiros estudos sobre branquitude pode ser encontrada com maior
detalhamento na tese de Lourenço Cardoso (2008), o primeiro trabalho a fazer um estudo da arte
sobre branquitude publicado em português; bem como parte deste texto pode ser encontrado
em minha tese de doutorado (Schucman, 2012).
112
113
114
115
116
Este aspecto que tanto Fanon (1980) quanto Memmi (2007) apon-
tam como características das relações entre colonizados e colonizadores,
entre brancos e negros, também foi discutido pioneiramente no Brasil pelo
sociólogo Alberto Guerreiro Ramos (1957), que introduziu pela primeira
vez no Brasil uma perspectiva que aponta as consequências do racismo e da
ideologia do branqueamento para o próprio branco brasileiro.
Guerreiro Ramos, em 1957, publicou no livro Introdução crítica à
sociologia brasileira um artigo intitulado “A patologia social do ‘branco’
brasileiro”, que tem como tese central o fato de que, devido ao racismo e
a um ideal de beleza e estética brancas, a população brasileira produziu
significados positivos à brancura, em contrapartida a significados negati-
vos, estéticos e culturais, relacionados aos negros. Assim, para o autor, a
patologia do “branco” brasileiro consiste em que, apesar de a grande maio-
ria destes ter ascendência miscigenada cultural e biologicamente com os
negros, este é um fator negado por eles. É exatamente por isso que, no título
do artigo, a palavra “branco” aparece entre aspas, pois o autor sustenta que
no Brasil dificilmente existe branco puro, que seria aquele sem nenhuma
mistura cultural ou biológica com o negro e a cultura afro-brasileira. A pa-
tologia então seria o fato de que o branco brasileiro considera vergonhosa
sua ancestralidade e cultura negras, enaltecendo a cultura europeia-branca,
da qual não faz inteiramente parte.
Dentro desta mesma perspectiva, Alberto Guerreiro Ramos também
é precursor em colocar a branquitude e os brancos brasileiros como objeto
de análise sociológica necessária para o entendimento do racismo e das
situações adversas em que os não brancos brasileiros estão expostos:
117
e nacionais sobre branquitude, pois eles são os pioneiros nos estudos que
apontam para análise daqueles que exercem o papel de opressor em socie-
dades estruturalmente desiguais.
Apesar de a maioria dos estudos identificar como característica fun-
damental da branquitude uma posição em que sujeitos de aparência branca
e origem europeia adquirem privilégios simbólicos e materiais quando es-
tão em relação aos não brancos, ou seja, o único aspecto unificador dessa
identidade diz respeito ao privilégio que o grupo branco obtém em uma
sociedade racista, tanto no contexto local quanto no global (Bento & Caro-
ne, 2002; Frankenberg, 1999; Roediger, 2000).
118
2
É unânime, nos estudos sobre branquitude, que sujeitos descendentes de europeus sejam os que
mais ocupam este lugar. No entanto, dependendo da configuração histórica, econômica e social,
outros sujeitos podem ocupar este lugar.
119
Privilégios materiais
120
Privilégios simbólicos
3
Para uma maior descrição qualitativa e quantitativa, ver os dados apresentados em:
<http://www.laeser.ie.ufrj.br/PT/Paginas/relatorio_2007_2008.aspx>.
121
4
A dissertação de Cardoso (2008) apresenta um quadro e análise de todos os trabalhos já
publicados no Brasil desde 1950 sobre o tema da branquitude.
122
Considerações finais
A revisão da literatura sobre branquitude nos faz concluir que esta deve
ser pensada sempre em relação aos jogos de poder em cada lugar do globo,
pois se estrutura na dominação racial. A branquitude se articula a partir de
práticas cotidianas que privilegiam simbólica e materialmente os sujeitos
considerados brancos em cada região do globo, e que, muitas vezes, essas
práticas, são ideologicamente entendidas como norma, e não como uma
especificidade da identidade racial branca.
A identidade racial é sempre algo que define fronteiras entre quem
são uns e quem são outros, portanto só existe em relação a outras. Por isso
são posicionais, relacionais e fluidas, portanto brancos e negros só exis-
tem em relação um a outro, e suas diferenças variam conforme o contexto.
Dessa forma, as identidades raciais precisam ser definidas em relação a sis-
temas políticos, históricos e socioculturais específicos. Os indivíduos e os
grupos sociais não trazem dentro de si uma essência negra ou uma essência
branca, mas essas categorias são significadas e ressignificadas sempre em
123
Referências
124
125
126
128
1
Diferentemente do contrato narcísico, o pacto narcísico é uma aliança inconsciente, patológica e
alienante (Kaës, 2011). Sobre esse conceito, ver também Bento (2002).
130
131
3
Definição de moreno do começo do século passado referida por Freyre: “[...] eufemismo
introduzido depois do advento da República pelos pardos quando falam uns dos outros. O mulato,
o cafuz, o próprio preto uiraúna, são pessoas morenas [...] Um moreno (cafuz) magoado pelo
epíteto afrontoso de negro retorquiu que ‘agora na República não havia mais nem pretos nem
brancos: todos cidadãos’” (Glossário Paraense, Miranda, 1906, citado por Freyre, 1970, p. 48).
132
4
No Brasil, comum e eufemisticamente, o termo moreno serve tanto para o preto, o pardo e o
mulato; entretanto, o autor declarou que o tipo marcadamente brasileiro seria o do moreno mais
claro do que o mulato, o moreno pouco negro ou quase não negro.
133
5
Como exemplo, retomemos novamente a frase: “Há brasileiros ruivos — nordicamente ruivos,
até”, por ampliação podemos dizer: os ruivos têm sangue europeu; logo, são europeus! O
nexo com a ancestralidade europeia está posto, e com ele a possibilidade de o sujeito branco
reconhecer-se e ser reconhecido positivamente como europeu. No caso do negro, a condição de
se reconhecer como moreno seria seu recurso para a conquista de certa cidadania/nacionalidade
brasileira, como apontado na nota 3.
6
Não se trata de dizer que, no tocante às engrenagens racistas, mestiços estejam mais protegidos
ou que sofram menos. Hierarquizar sofrimentos pode ser também uma forma de violência,
mas é importante que fiquemos atentos ao lugar de esbulho racial em que a ideologia do
embranquecimento e o mito da democracia racial lançam o preto. Essas ideologias são alguns
dos mecanismos do racismo, mas não os únicos. O racismo — com todas as suas nuances e
estratégias — atinge a todos os negros (pretos e pretos mestiços).
134
135
136
137
138
Referências
139
140
142
143
144
145
146
147
Método
Participantes
148
Procedimentos1
Resultados e discussão
1
Todos os procedimentos éticos foram adotados seguindo a Resolução no 196 do Conselho
Nacional de Educação (CNE). O projeto foi aprovado no Comitê de Ética na Pesquisa com seres
humanos da Universidade Federal de Sergipe (UFS), sob o registro no CAAE — 0049.0.107.000-06.
149
forte nas crianças quilombolas, sendo que 23 delas (69,7%) usaram cores
escuras para se definir (escuro, preto ou negro). Devemos destacar que, fe-
notipicamente, as crianças indígenas que participaram deste estudo não
são diferentes das crianças negras; pois elas também têm pele escura e ou-
tras características em comum. Não obstante haja um forte reconhecimen-
to da sua pertença étnica, o desejo de branqueamento das crianças ainda
aparece, uma vez que oito delas se definiram como brancas.
Indígenas Quilombolas
0
marrom 1
cinza 1
1
amarelo 0
2
2
escuro 1
preto 17
8
4
negro 2
4
branco 4
5
moreno 12
150
As médias dos dois grupos estão próximas ao valor de 3 (ou seja, “Eu gosto
mais ou menos de ser...”).
Quando as crianças foram questionadas se gostariam de ser diferen-
tes do que são, ou se queriam parecer com alguma criança do outro grupo,
verificou-se que menos da metade não gostariam de ser diferentes (40%).
Os outros 60% gostariam de ser diferentes um pouco (9,2%), mediana-
mente (20%) ou muito diferentes (30,8%). Não houve diferenças significa-
tivas nas respostas das crianças indígenas e quilombolas nesse aspecto, X2
(3, n = 65) = 4.31, p = 0.23.
Desse modo, ainda que digam que gostam de seus grupos de per-
tencimento, as crianças, em sua maioria, gostariam de mudar de grupo;
este desejo de mobilidade não é aleatório. Um teste Qui-Quadrado indicou
que, independentemente da etnia, as crianças gostariam de mudar para se
parecem mais com um modelo branco. Com efeito, mais de 60% das crian-
ças escolheram branco como alvo de identificação. Apenas cinco crianças
quilombolas e seis indígenas querem ser negras ou indígenas (ver Tabe-
la 1). Como observaram Turra e Venturi (1995), Degler (1971) e Harris,
Consorte, Lang e Byrne (1993) em adultos, e França e Monteiro (2002) em
crianças, a ideologia do branqueamento continua tendo muito impacto nas
relações racializadas no Brasil.
151
Etnia das
Teste
crianças O mais bonito é... Total
Qui-Quadrado
pesquisadas
152
(Continuação)
153
8
7
6
5 3.85
2.91 Indígenas
4
Quilombolas
3 3.75
2 2
1 2.12 1.31
0
Branco Indígena Negro
154
Considerações finais
155
Referências
157
158
160
161
162
163
De acordo com Oliveira (2009, p. 49-52) são três os pontos que fazem
parte do direito à cidade: o direito de ir e vir, o direito ao espaço público e o
direito aos serviços e equipamentos públicos. Com base nessa definição, o
que salta aos olhos é que as mulheres negras de Juiz de Fora eram significa-
tivamente prejudicadas nesse exercício. As iabás apontam, sem entremeios,
que a negação do espaço urbano estendia-se para além dos conflitos de classe.
164
165
negros era conhecido como “parte baixa”, e era ali que estavam localizados
os clubes de baile frequentados por mulheres e homens negros — sem ris-
cos de constrangimentos. Um desses clubes, o Elite Clube Mineiro, é apon-
tado pela historiografia, e relatos como o local aonde os homens da elite
juiz-forana iam às noites de quinta-feira “[...] para aprenderem a dançar
com as mulatas e depois exibir os passos com as damas do clube tradicio-
nal”. Outro clube da parte baixa onde era permitida a frequência de negros
e negras era o Quem Pode, Pode, conhecido como “PP”.
Encontramos nos depoimentos algumas estratégias de ressignifica-
ção de espaços, aos quais identificamos como resistência de negritude. Um
exemplo é o fato de encontrarmos referências à Rua Marechal Deodoro, pa-
ralela à primeira, como sendo a rua dos negros. Ao referir-se a essa via, Euá
a aponta como o local onde os negros se sentiam mais à vontade. Segundo
ela, “[...] a Marechal era a concentração dos negros”. Na Rua Marechal, na
primeira metade do século XX, fora aquela onde o comércio era voltado
para os trabalhadores de baixa renda, “[...] geralmente negros e mulatos”.
No período analisado, a rua é resgatada das memórias como sendo o espaço
dos negros de Juiz de Fora e, ainda, curiosamente, a rua é lembrada como
a que concentrava um grande número de comerciantes sírios e libaneses.
Euá se refere à extensão da Rua Marechal como sendo “tudo de turco”, e dá
detalhes, inclusive, da estética das lojas e, alegremente, relembra os pas-
seios pela via. Na conversa com Euá, Oxum e Obá, percebe-se a indignação
quanto à restrição ao direito de ir e vir. Além da busca, e por que não dizer
conquista, de um espaço que conferia pertença e identidade, identificamos
também estratégias de resistência de negritude encontradas pela população
negra juiz-forana.
166
167
168
Referências
169
Segundo Fanon (2008), a ideologia que ignora a cor pode apoiar o racismo
que nega, e a indiferença à cor dá suporte a uma cor específica: o branco.
Tratando-se de identidade negra no Brasil, a afirmação de Fanon deixa
à mostra a contradição da afirmação da negritude: num país em que é
divulgada a não existência de raças distintas, a não existência do racismo,
alguém que se afirma negro estaria assumindo para si toda a responsabili-
dade dessa segmentação racial, já que lhe foi dada a opção de ser mestiço,
que é uma posição mais amena, e, consequentemente, todo o estigma que
é atribuído à população negra. Assim, discorreremos mais especificamen-
te sobre a identidade atrelada ao conceito de negritude, entendendo a afir-
mação a partir do contexto religioso, ao qual pertencem os entrevistados,
quais sejam: o Xangô e a Igreja Universal do Reino de Deus. Isto é, enten-
der como a identidade religiosa influencia a negritude, e vice-versa. Para
tal, fizemos um recorte geográfico abordando o estado de Alagoas como
nosso foco.
No contexto das relações de poder e dominação vividas historica-
mente pelos negros no Brasil e na diáspora, a construção de elos simbólicos
vinculados a uma matriz cultural africana tornou-se primordial na traje-
tória da vida política dos negros brasileiros. Visto que o processo histórico
172
173
174
Métodos
175
Resultados e discussões
Nomenclatura:
1a Geração
Candomblé 1 — Egbômi1 com 22 anos de iniciação e 24 anos de participa-
ção no candomblé.
Candomblé 2 — Egbômi com dezesseis anos de iniciação e 22 anos de par-
ticipação no candomblé.
IURD 1 — Ex-obreiro2 com mais quinze anos de adesão à IURD e dez anos
de batismo.
IURD 2 — Pastor há cinco anos, batizado há dez anos na IURD, frequenta há
quinze anos.
12
2a Geração
Candomblé 3 — Ekedi3 com nove anos de Candomblé, porém ainda não for-
malmente iniciada, convive no candomblé desde que nasceu.
Candomblé 4 — Iaô4 com um ano de iniciação no candomblé e três anos e
meio de adesão à religião.
IURD 3 — Obreira5 com cinco anos de batismo na IURD.
IURD 4 — Obreira da IURD há dois anos, batizada há um ano e meio.
5
1
Homem que terminou o período de iniciação de 7 anos no candomblé.
2
Obreiro é o nome dado ao religioso que, além de acompanhar os rituais litúrgicos, faz atividades em prol
da religião, como o proselitismo. Ex-obreiro é alguém que não faz mais tais atividades extra-litúrgicas.
3
Cargo feminino no candomblé com função de atender os orixás quando incorporados nos demais
participantes. Não incorpora.
4
Iniciado no candomblé que entra em transe nos rituais.
5
Obreira é o nome dado ao religioso que, além de acompanhar os rituais litúrgicos, faz atividades
em prol da religião, como o proselitismo.
176
3a Geração
Candomblé 5 — Simpatizante do candomblé, frequenta desde que nasceu,
mas não pretende se iniciar.
Candomblé 6 — Simpatizante do candomblé há um ano, faz consultas e fre-
quenta festas públicas.
IURD 5 — Visitante da IURD há oito meses.
IURD 6 — Visitante da IURD há dois meses.
Primeira geração
177
178
Segunda geração
179
180
Essa afirmação de que gosta do seu cabelo liso, e não dele ruim, indi-
ca a fluidez das posições raciais no Brasil. Situação em que um mestiço pode
ocupar lugares diversos, dependendo de sua capacidade de se transmutar
em moreno, moreno de cabelos “lisos”, cacheados, exceto cabelo “ruim”.
Terceira geração
181
182
Conclusões
183
Referências
184
185
1
Este artigo apresenta um recorte da pesquisa desenvolvida por meio do programa de Iniciação
Científica do Centro Universitário de Lavras e do Trabalho de Conclusão de Curso, intitulada O
papel da Festa de Nossa Senhora do Rosário na construção da identidade dos congadeiros.
188
Procedimentos metodológicos
189
190
191
192
193
194
195
196
tempo pra cá, que os capitão foi batizano, aí parô com isso. Que os padre
nem gostava de celebrá missa pros congadero por conta disso. E dispois,
hoje em dia já tem nas igreja, celebra” (Vicente).
As lacunas ideológicas são percebidas e questionadas pelos conga-
deiros ao perceberem a desvalorização que tais lacunas provocam na repre-
sentação social do negro para a sociedade e para si mesmo, presentes até os
dias atuais: “mas eles confundia né. Que muita gente ainda fala [...]. Hoje ês
ainda fala que a festa do Congado, fala que é festa de preto, que é festa de
ispiritismo, que é macumbaria. Não. Eu num penso isso. (...) Eu danço a fé
na festa, num penso isso não” (Vera).
Ao perceberem a desvalorização de sua identidade e por não se iden-
tificarem com a imagem do negro socialmente estabelecida, os congadei-
ros se voltam para uma identidade cultural que explicita os elementos nos
quais eles possam se reconhecer.
O canto também é uma forma de denunciar o estigma e, ao mesmo
tempo, comunicar com o povo, contando a história dos seus antepassados.
197
Considerações finais
198
199
Referências
200
202
203
A oficina
Infância
204
205
206
lavava, passava, limpava, fazia todo o serviço de casa, e aos homens cabia
fazer todo o serviço do campo. A família não chegava a receber pagamen-
to pelos serviços prestados na fazenda, estando ali “de favor”, sendo quase
uma obrigação prestarem tais serviços. Vê-se a inversão de valores, em que
aquele que trabalha, ao invés de receber pelos serviços prestados, deve ser
agradecido pela oportunidade que recebe. Este parece ser resquício de uma
prática colonial em que, conforme nos demonstra Hasenbalg (2005, p. 37),
“o exame dos vários paradigmas da relacão senhor/escravo é uma medida
parcial na procura da ligação entre escravismo e relacões raciais pós-abo-
lição, na medida em que esses paradigmas se referem à extensão em que o
escravismo produziu, mais ou menos permanentemente, um conjunto de
características sociais, psicológicas e culturais próprias de grupo escravo
e seus descendentes”, de tal forma que homens e mulheres negras muitas
vezes sentem-se devendo favores aos patrões. Quando a dona da fazen-
da veio para Porto Alegre, ela veio junto para auxiliar no cuidado com as
crianças. Chama a atenção nessas relações que, em nenhum momento, o
tipo de vínculos que essas pessoas negras possuem com as pessoas brancas,
proprietárias, é objetivamente definido. Nunca ficam estabelecidos quais
são os afazeres e as regras de trabalho. E, caso um negro questione ou “se
rebele”, é considerado abusivo, desleal ou qualquer um desses qualificado-
res de desconsideração. Os valores constitutivos ocultam a prática da ex-
ploração, e invertem qualquer possibilidade de rompimento, pois negros
e negras que rejeitam a situação de exploração, são considerados rebeldes,
ingratos, senão “traidores”, como se tivessem de ter orgulho em prestar ser-
viços gratuitos e serem gratos por sua servidão.
Escolarização
207
cuidar dos irmãos, e mais tarde fez o supletivo. Essas pessoas depositam na
escola a possibilidade de melhora das condições de vida.
Um entrevistado informa que a escola não era lugar de negros no
Brasil naquela época (referência à década de 1950, aproximadamente).
Os pais, analfabetos e com limitações econômicas, sentiam-se impedi-
dos de encaminhar os filhos à escola. Negro que conseguisse (e ninguém
diz como conseguir) concluir o segundo grau, teria um bom emprego.
Evidente, aquele que ultrapassasse as adversidades, e, mesmo contrário
a tudo e a todos, concluísse o Ensino Médio, teria probabilidade de ad-
quirir um trabalho melhor renumerado. Mas não se diz qual o caminho
que pessoas negras deveriam seguir para romper o estigma social de ex-
clusão racial.
Constroem-se os impeditivos para o desenvolvimento satisfatório do
coletivo negro, quer seja na educação, quer seja no mercado de trabalho.
Aquele ou aquela desse coletivo, que, por uma razão qualquer consiga furar
esse bloqueio, é considerado um exemplo de quem sabe fazer as próprias
oportunidades. Evita-se, dessa forma, o entendimento de que esse caminho
tem sido bloqueado por aqueles que detêm o poder, impedindo a mobili-
dade sociorracial. O conceito de mérito é a estratégia do poder, para, re-
verenciando aquele que fura o bloqueio, impedir que seja visto o quanto
esse bloqueio é socialmente estabelecido e mantido como tal. Quando se
reverencia os que, mesmo na adversidade vencem, se deixa de olhar com
cuidado para as barreiras impeditivas, e, com isso, inverte-se todo o proces-
so em que o que fura é o exemplo da inexistência de impeditivos e discrimi-
natórios. Como se esse “furo” fosse o caminho ideal para a inclusão social
de que tanto se fala. Como se fosse dito: “Viram como é possível? Basta que
se esforcem”.
Invertendo os valores, aquele que, mesmo diante das adversidades,
passa a ser protagonista do próprio sucesso, é apontado como a garantia da
igualdade de oportunidades, isto é, o exemplar da mobilidade sociorracial.
Quando as barreiras são invisíveis, não se pode ter a nitidez do preconceito.
Dessa maneira, as pessoas que não conseguem superar barreiras são vistas
como incapazes do ponto de vista intelectual, que não se esforçam como os
demais. O preço do fracasso é colocado no indivíduo ou no coletivo margi-
nalizado, e não nas estruturas sociais que o impedem.
208
209
estudar para ter um lugar ao sol. Tem que se valorizar; ir à luta, buscando
seus ideais”.
Conclusões
210
211
Referências
212
213
216
217
218
219
Eu até fiz trança para vir para cá, para ficar mais
de acordo, e mais bonita para o seminário.
1
O nome real da integrante foi preservado.
220
221
222
ficarem mais protegidos. Fomos falando, rindo, buscando dar um tom mais
leve, mas sem perder a importância do que estávamos discutindo. A todo o
tempo afirmando que ninguém mora em condições que ferem a dignidade
humana porque simplesmente assim deseja, e que não era justo aceitar o
lugar de culpa, em que o poder público, que seria responsável por prote-
ger a população, estava tentando colocar essas pessoas. Consideramos em
conjunto que, em alguns casos, as pessoas moradoras nessas condições es-
tão tão despontecializadas, sem esperanças, que não veem outro modo de
construir suas vidas.
Lembrei com elas de outras falas que são comuns em situações de
violência, quando, por exemplo, uma mulher é violentada e há uma refe-
rência à roupa que ela estava usando, na alegação que deveria ser provoca-
tiva, entre outros apelos, que deveríamos estar atentas para a culpabilização
da vítima. No trabalho com o grupo, nas diferentes ações, buscava cons-
truir com elas o entendimento que não há justificativa para a violência,
assim como ampliar o entendimento de o que é violência. Podemos avaliar
essa situação, conforme Lancetti (2006, p. 68):
223
Numa tarde fui com elas para o Morro dos Prazeres acompanhar o
resgate das vítimas. Na comunidade, encontramos com famílias que perde-
ram suas casas, e quem não perdeu sofria com os efeitos da enchente, sendo
que alguns eram tão intensos que teriam que deixar suas casas.
Quando saí da comunidade, não conseguia explicar o que sentia. Era
uma sensação de solidão diante de tanto a fazer. Quando acordei, no dia
seguinte, a sensação de solidão me acompanhou. Era uma solidão de não
ter como dividir o que tinha vivido como profissional. Nesse trabalho, com
tantas experiências de sofrimento, seria importante haver a possibilidade
de cuidar desse sentimento, da experiência profissional em grupos ou na
equipe em supervisão, mas, na ausência desses espaços, é um viver sozinho.
Esse trabalho clínico exige a reinvenção tanto da população como dos pro-
fissionais que estão intervindo. A contratransferência acontece com grande
intensidade, e todos necessitam de campo de escoamento.
Durante toda a semana falei por telefone com as mulheres do gru-
po. Em um desses telefonemas, uma integrante do grupo solicitou que
eu falasse com o seu filho, um jovem de 21 anos. Ele acabava de voltar
do enterro da amiga, e dizia não ter palavras para dizer o que estava
sentindo, concordei que não existem mesmo palavras para dar conta de
algumas dores ou emoções. Falamos um pouco, e ele agradeceu, dizendo
que ajudei muito. Agradeceu mais uma vez, dizendo que eu morava em
seu coração, e que estava mais aliviado. Como é possível aliviar? Fiquei
pensando.
Na visita à comunidade, também encontrei com Rosa, a quem já co-
nhecia por ter participado de um projeto anterior da mesma organização.
Após um longo abraço, contou: “[...] perdi todos os meus amigos, meus
filhos perderam todos os amigos, mas ainda estou viva, e da minha casa
só caiu a metade, e irei continuar a viver”. Termina dizendo que era uma
alegria me encontrar mesmo naquelas condições, e me ofereceu um café.
Agradeci, e disse que naquele momento eu teria que voltar para a organiza-
ção, mas voltaria para tomar um café.
Nessa situação, ao mesmo tempo em que fiquei feliz por represen-
tar uma possibilidade de alegria para Rosa, não poderia deixar de me
surpreender com sua resiliência e sua generosidade em me oferecer um
café. Essas situações, como em outras que também foram apresentadas em
224
225
226
Referências
Batista, L. E.; Escuder, M. M. & Pereira, J. (2004). A cor da morte: causas de óbito
segundo características de raça no Estado de São Paulo, 1999 a 2001. Revista de
Saúde Pública, v. 38, n. 5, pp. 630-636.
Cabral apoia aborto e diz que favela é fábrica de marginal (25 out. 2007).
Folha de S.Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/
ff2510200701.htm>. Acesso em: 7 abr. 2014.
Carneiro, S. (2003). Ideologia tortuosa. In Racismo contemporâneo. Rio de
Janeiro: Takano.
Carone, I. & Bento, M. A. S. (Orgs.) (2002). Psicologia social do racismo.
Petrópolis: Vozes.
Chagas, A. M. (2010). Comunidade popular, população negra, clínica e política:
um outro olhar. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade Federal
Fluminense, Niterói. Disponível em: <http://www.slab.uff.br/images/Aqruivos/
dissertacoes/2010/2010_d_AndreaChagas.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2014.
Deleuze, Gilles. (1997). Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34.
Deleuze, G & Guattari, F. (1997). Mil platôs — capitalismo e esquizofrenia. v. 3.
São Paulo: Editora 34.
______. (2002). Espinosa — filosofia prática. São Paulo: Escuta.
Dias, O. E. (2003). A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de
janeiro: Imago.
Guattari, F.; Rolnik. (2005). Micropolítica e cartografia do desejo. São Paulo: Vozes.
Guimarães , M. A. C. (2001). A rede de sustentação: um modelo winnicottiano de
intervenção em saúde coletiva. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica). Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
______. & Podkameni, A. B. (jan.-mar. 2008). A rede de sustentação coletiva,
espaço potencial e resgate identitário: projeto mãe-criadeira. Saúde e Sociedade,
v. 17, n. 1, pp. 117-130.
229
230
232
234
235
236
De tal modo que “[...] todas as evidências reunidas até agora indicam que
a academia brasileira de hoje não é lugar para negro” (Carvalho, 2006, p. 87).
Estamos, então, diante de uma discussão que nos remete ao contexto
identitário destes sujeitos que, por terem escassas possibilidades de ascensão
diante dos mecanismos de bloqueio socialmente construídos, mesmo após o
seu ingresso no meio acadêmico, são impelidos a se autoafirmarem perma-
nentemente, num constante processo de enfrentamentos (Santos, 2006).
237
238
239
240
241
242
Referências
243
244
1
Negros e negras serão aqui entendidos como aqueles e aquelas que, na classificação do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são designados por pretos e pardos.
246
A macropolítica
247
A micropolítica
248
249
O que está posto nas relações raciais no Brasil é uma política macro forjada
em um contexto colonialista, no qual o negro é desclassificado pela alteridade
branca, sendo remetido constantemente a uma imagem no plano extensivo,
portanto, fechada em si e apreendida como verdade. As representações que
daí emergem são também fixadas em uma imagem, a exemplo das inúmeras
fotografias de José Christiano Júnior e de Marc Ferrez que retrataram o Brasil
Colonial, em especial a vida dos escravizados. Elas captaram o instante de um
movimento que não cabia em um fotograma, mas nele confinou-se, tendo
sido eternizado e tornado a essência dessa população.
A realidade, o imaginário, a fantasia, neste caso, compõem-se em
uma dinâmica em que uma se alimenta da outra, na formação tanto no que
se refere às representações fixas de negros e de brancos quanto na criação
e na manutenção da disparidade racial entre negros e brancos, face macro-
política das relações raciais no Brasil.
Para Guattari (1990), achatam-se as subjetividades minoritárias, por
possuírem potência suficiente para subverterem a ordem posta: aplana-se o
que pode efetivamente insurgir e desmoronar um regime, uma totalidade.
Isso é perceptivo no Brasil Colonial, em que foi preciso, a todo custo, limar
o corpo e a subjetividade dos africanos e dos negros na tentativa de solapar
a potência presente nos corpos escravizados e a continuidade de uma cul-
tura no exílio. Contudo, atos de revolta, como as fugas para os quilombos,
assassinatos de feitores, senhores e senhoras, abortos voluntários de escra-
vas, foram formas de resistir a esse período (Carneiro, 2005).
Entretanto, o resquício do período escravocrata nas gerações futuras
é o registro traumático impregnado no corpo-memória da população ne-
gra. O que, por sua vez, tem comumente aprisionado o negro ou em uma
identidade modal branca, ou em uma identidade afrocentrada, como for-
mas de lidar com seu corpo negro e a herança negativa da escravidão.
250
corpo; vivem num corpo que é dado por uma imagem que vem via publi-
cidade, via televisão, via cinema” (p. 92). O poder desses veículos opera
tão profundamente que se torna quase imperceptível aos olhares menos
atentos. Como afirma Gil (2004), estamos em um mesmo barco à deriva em
águas turbulentas, coberto por uma densa névoa que não só ofusca a visão
dos tripulantes, como cria novas imagens.
Por sua vez, a negação de pertença racial é uma tentativa de o negro evitar
o contato com a sensação intolerável gerada pela fixação de um modelo úni-
co. Souza (1981) propôs que, ideologicamente, o negro não nasce negro, pois a
imagem negativa construída de si o impossibilita de ser e querer ser reconheci-
do como tal. Origina-se o que essa autora identificou como sendo uma Ferida
Narcísica 2, conceito definido por Freud (1914) em Sobre o Narcisismo: uma
introdução. Contudo, aqui não se tem a intenção de reduzir essa problemática
ao inconsciente, ao Complexo de Édipo e à inveja. Esse inconsciente privado,
familiar, edipiano é historicamente datado, e tem por efeito a produção de culpa,
nesse caso, de ser negro, para que as normas sejam interiorizadas sem questio-
namentos. Assim, o empenho na busca de incorporar elementos que suposta-
mente constituem o ser branco é uma maneira de corresponder a uma imagem
aceita socialmente, ação essa comumente carregada de sofrimentos e traumas.
A busca pelo ideal branco é encampada desde a infância com o so-
frimento por parte das crianças negras que esfregam o corpo com a bucha
até sangrar, no intuito de fazer desaparecer a melanina que as marcam como
negras; que se recusam a ir à creche, e que fracassam na escola devido aos ape-
lidos colocados pelos colegas; que interrogam os pais se, quando crescerem,
irão tornar-se brancas. Como esse projeto não é realizado na infância, ganha
outras ações não menos sofridas na vida adulta, como o uso dos recursos para
alisar o cabelo, para retirar o seu aspecto crespo, as cirurgias plásticas para
a mudança do formato do nariz, os casamentos inter-raciais com objetivos
de ganho secundário e o embranquecimento da prole. Outros recursos mais
subjetivos são também investimentos na busca pelo ideal da representação
2
A expressão “Ferida Narcísica” refere-se a uma desestruturação egoica no momento crucial
na formação da personalidade. Conceito originário da psicanálise, traduz o resultado da inveja
da mulher por ser desprovida do falo, símbolo de poder. Em “As Resistências à Psicanálise”,
Freud afirma que a cicatrização dessa ferida é o sentimento de inferioridade. Souza desloca essa
problemática para a questão racial, entendendo que o negro, mesmo sendo homem, é desprovido
de poder, pois está colocado em oposição ao ideal. Por sua vez o negro tende a canalizar forças
na busca deste ideal.
252
Identidade afrocentrada
3
O conceito de raça, neste artigo, é sustentado pela Sociologia. Esse conceito é entendido como uma
construção social, cultural e simbólica a despeito de um determinado grupo. Portanto, o termo raça
aqui não está ligado à genética, e sim a uma imagem construída socialmente, neste caso, de negros
e de brancos comumente de forma polarizada. As relações raciais são construídas culturalmente.
253
254
255
“Minha ferida existia antes de mim, nasci para encará-la” (Joe Bousquet
citado por Deleuze, 1974, p. 151). A proposta de uma ação micropolítica
não tem a intenção de apaziguar a dor produzida nas relações raciais, nem
tampouco prevenir o trauma. Ao contrário, pretende trabalhar sua ferida de
modo que ganhe forma a potência de criação que foi soterrada pela opressão,
por mergulho cada vez mais intenso nas questões que afetam esse campo.
Um dispositivo micro tende a disparar a força criativa do corpo ne-
gro. Um exemplo disso é o que diz uma entrevistada de Carmo (citado por
ComCiência, 2008).
256
257
Referências
Afropress. (30 abr. 2011). Censo do IBGE 2010 declara que negros são maioria
no país. Disponível em: <http://www.afropress.com/noticiasLer.asp?id=2636>.
Acesso em: 25 jun. 2011.
Carneiro, E. (2005). Antologia do negro brasileiro: de Joaquim Nabuco a Jorge
Amado, os textos mais significativos sobre a presença do negro em nosso país. Rio
de Janeiro: Agir.
Chnaiderman, M. (1996). Racismo, o estranhamente familiar: uma abordagem
psicanalítica. In L. M. Schwarcz; R. S. Queiroz (Orgs.). Raça e diversidade. São
Paulo: Edusp.
Comciência. (7 nov. 2008). Pesquisadores analisam a presença do hip-hop em
escolas públicas paulistanas. Portal MultiRio, Século XXI. Disponível em: <http://
portalmultirio.rio.rj.gov.br/sec21/chave_artigo.asp?cod_artigo=4219>. Acesso
em: 14 jun. 2011.
Costa, J. F. (1989). Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Edições Graal.
Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo: Editora 34.
______. (1974). Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva.
______. (2007). Francis Bacon: A lógica da sensação. Rio de Janeiro: Zahar Editor.
______.; Guattari, F. (1997). Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 5. São Paulo:
Editora 34.
______. (1996). Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34.
Fanon, F. (1983). Pele negra, máscaras brancas. Rio de Janeiro: Fator.
Ferreira, R. F. (2000). Afro-descendente: identidade em construção. São Paulo: Educ.
Gil, J. (2004). Movimento total: o corpo e a dança. São Paulo: Iluminuras.
Freud, Sigmund (1914). Introdução ao racismo. In ______. Introdução ao
narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Trad. Paulo
César de Souza. São Paulo: Compainha das Letras, 2010.
Gomes, N. L. (2001). Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da
diversidade. In E. Cavalleiro (Org.). Racismo e antirracismo na educação
repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, pp. 83-96.
Guattari, F. (1981). Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo:
Brasiliense.
______. (out.-dez. 1990). Sociedade: entrevista com Félix Guattari ‒ A
subjetivação subversiva. Teoria e Debate, n. 12, pp. 60-64.
258
259
262
Novas raízes-referências
263
264
265
266
267
269
Conclusão
270
Referências
271
273
É interessante notar que quando nos deparamos com estudos sobre o nosso
país e a sua história, uma questão apresenta-se insistentemente: a sua ima-
gem foi e ainda é construída como um ícone da diferença. O Brasil é o local
de expressão por excelência desse acontecimento em suas mais variadas
formas e manifestações. A questão da diferença foi tema recorrente aos co-
lonizadores europeus, inclusive os portugueses. O exotismo da nossa terra
e de seu habitante nativo, o indígena, anunciava o contraste com os ares
“civilizados” do Velho Mundo. Com a chegada do escravo africano (negro)
em nosso país, essa questão só se acentuou, permitindo a construção de
estratégias que definissem as condições necessárias para a aceitação de sua
presença em nosso solo. Essas estratégias produziram imagens e modos de
ser que transitaram de sua definição como exótico para uma ideia por vezes
romantizada ou alegórica da figura do negro (Marcílio, 2002, p. 10). Se em
um primeiro momento o escravo negro pôde ser visto por uma ótica “po-
sitiva”, uma vez que ele era pensado como necessário e até mesmo perce-
bido como integrado ao funcionamento de uma ordem escravocrata então
vigente no país, não tardaria para o forjamento de sua imagem como um
“elemento perigoso”, a partir do prenúncio da Abolição e da redefinição da
organização da sociedade brasileira (Schwarcz, 2001, p. 224). E esta última
276
277
278
determinado momento histórico. O mesmo ocorre com o conceito de “cor”, que apesar de ter um
forte marcador físico (características fenotípicas), funcionando dessa maneira como “categoria
empírica”, está sujeito a definições ambíguas e subjetivas. Segundo Guimarães isso ocorre por
“falta de uma regra precisa de descendência racial” no Brasil, tal como ocorre nos Estados
Unidos (Guimarães, 2005, p. 104). Ainda segundo este mesmo autor, a “cor” “é uma categoria
‘nativa’ (emic) e significa mais que pigmentação da pele”, já que está vinculada fortemente
com a efetivação de uma hierarquia social, com uma estratificação socioeconômica e com uma
estratificação de poder e prestígio social (Guimarães, 2005, p. 103-104). Consideramos pensar
o emprego do conceito de raça (e seus derivados) no Brasil como o resultado de uma série de
ideias e práticas discursivas produtoras de um “solo fértil” (discurso racializado), e que resultam
na produção de campos não discursivos (ações, comportamentos explícitos ou implícitos etc.),
geradores de sua permanência e insistência como mecanismo definidor de um sujeito e de uma
história. Pensar a raça de tal maneira é uma tentativa de evitar o modelo de bipolarização das
relações sociais, e que costumeiramente estão submetidas a um discurso “racial” essencialista.
3
Na cultura afro-brasileira de cultos religiosos existe a figura do “cavalo” que representa o lugar do
“médium enquanto veículo dos Orixás” (Velho, 1977, p. 159), e que faz parte do fenômeno ritual da
possessão ou “incorporação” de um “santo” ou entidade africana (orixá). Essas entidades “descem”
279
e a partir daí se apresentam ou se fazem representar no mundo “real”, e por isso produzindo efeitos
reais.
280
281
282
283
Essa diferença entre as raças, que foi comentada várias vezes por
Nina Rodrigues, seria constitutiva de uma base legal e científica que apon-
tava para a inconsistência jurídica de definir como criminosos indivíduos
diferenciados, já que alguns mais inferiores que outros. Caberia ao perito
assinalar o absurdo e a inconsistência presente na tentativa de tratar dife-
rentes (inferioridade natural) como iguais, indivíduos incapazes de terem
a consciência plena de seus atos. Essa questão se insere nas clássicas di-
vergências que definiam o campo da Escola Positiva do Direito Penal e da
chamada Escola “Clássica” de Direito, e que tipo de ordenamento jurídico
seria o mais adequado para a sociedade (Moutinho, 2003; Carrara, 1998;
Ribeiro, 1995; Fry, 1985).
Seria no espaço das exceções que os discursos psi encontrariam
lugar para questionar o alcance do julgamento do juiz quanto ao estado
psíquico do acusado e da sua incapacidade para avaliar o seu grau de peri-
culosidade. É o uso que o indivíduo faz de sua liberdade interiorizada ou do
284
seu descontrole (loucura) sobre ela que será colocado por esses médicos-
-legistas e psiquiatras como um problema social que precisa de uma urgen-
te solução e que cabe ao especialista.
4
Serpa Júnior aponta que a etimologia dessas palavras tem origem em genus, generis,
significando raça, em uma “acepção ainda vaga, ampla, onde as noções mais recentes de
raça, linhagem e espécie ainda não estão delimitadas”. Conclui sua análise afirmando que os
termos degenerescência e degeneração foram usados frequentemente como sinônimos, entre
os séculos XIX e XX, nos dicionários médicos da época (Serpa Júnior, 1998, p. 29-30). Carrara
(1998, p. 81) também cita a sinonímia entre as duas palavras mas apresenta outros argumentos
para a origem das palavras. Tomaremos a liberdade de usá-los em nosso trabalho também como
sinônimos, dando preferência ao uso da palavra degenerescência para contrapormos o nosso
texto ao dos autores da “Escola”, que utilizaram o termo mais comum degeneração.
285
286
287
sua convicção que não se pode ignorar o “problema negro” como afeito ao
campo científico, problema que ele torna visível? Não foi definindo esse
elemento negro como um parâmetro científico que se tornou uma vez pos-
sível criar um valor definitivo para a produção de graus de normalidade,
que “[...] têm em si mesmos um papel de classificação, de hierarquização e
de distribuição de lugares” (Foucault, 1996, p. 164)? E não é esse o campo
de debate que Nina Rodrigues inaugurou de maneira “original”, ao partir
de um “sistema de igualdade formal”, pressuposto pelo novo modelo de ci-
dadania recém-inventada, e estabelecer toda uma “gradação das diferenças
individuais” em As raças humanas ou em Os africanos no Brasil? Já não se
trataria da elaboração de um modelo normativo que vemos se delinear nes-
ses primeiros momentos republicanos, e que torna a lógica racializadora
capaz até mesmo de funcionar como princípio de justiça social? Sabemos
que atribuir o estatuto de originalidade ao trabalho de Nina Rodrigues é
polêmico e, portanto, passível de inúmeras interpretações, principalmente
se usarmos os parâmetros da atualidade. Contudo, não podemos esque-
cer que os argumentos de Nina Rodrigues foram em grande parte aceitos
por seus pares, e em alguns momentos até considerados à frente de seu
tempo. Não queremos com isso simplesmente validar suas afirmações, mas
só apontar que elas não eram totalmente contrárias à lógica de sua época
(Corrêa, 1998; Moutinho, 2003). Elas, portanto, trazem indícios sobre as
pretensões de verdade que certos modelos de ciência almejam alcançar.
O caminho aberto por essa lógica normativa permitiu a intensifica-
ção de um discurso racializado e não simplesmente racial. Por isso os “discí-
pulos” de Nina podem abandonar o modelo científico do “mestre”, acusado
posteriormente de racial, mas não abandonam as estratégias de controle
permitidas pelos usos possíveis que uma hierarquia racial pode garantir.
Não é mais explicitamente de raça que se fala, mas de enquadramentos pos-
síveis pelo recurso normativo que sirva como medida para o lugar (racial)
pertinente a cada brasileiro, e que se impõe como uma ausência-presença
condicionada (dependente dos efeitos que ela possa produzir no sujeito).
Sua “visibilidade” ou “invisibilidade” depende de uma série de fatores que
entram no cálculo da definição do grau de racialização do indivíduo.
A construção de um discurso racializado produz, nos indivíduos
passíveis de sua objetivação, uma visibilidade obrigatória. A raça dos
288
indivíduos só se torna “visível” quando estes são capturados por essa rede
discursiva que define o seu lugar nessa ordem econômica de assujeitamen-
to. O indivíduo é aquilo que é em consequência dos usos (condutas) que faz
das estratégias de visibilidade ou invisibilidade produzidas pela sua relação
com essa norma racializadora.
Seu resultado, por esses critérios, pode ser considerado “positivo” ou
“negativo”, muito em decorrência das estratégias de controle e liberdade que
se efetivarem nesse contexto social. Esse discurso permite a produção de um
espaço limite cujas bordas são muito instáveis (“todos são virtualmente ne-
gros”) e ao mesmo tempo precisas (“sabemos quem é negro, e por isso torna-
-se possível a aplicação de ações afirmativas”). Isso depende mais da maneira
como operamos essas relações sociais que estão em jogo do que de uma ve-
racidade factual e naturalizadora. Na verdade, essas estratégias racializadoras
sempre produziram soluções arriscadas em nossa sociedade. Acreditamos
que as discutir permite produzir um novo olhar sobre a nossa sociedade.
Referências
289
292
293
294
em que tratará da aliança selada pelos irmãos para a morte do pai primor-
dial, que transforma o pai em totem; e O mal-estar na civilização, que nos
lembrará da renúncia à satisfação direta dos fins pulsionais como exigência
para a constituição do sistema psíquico e da civilização.
Pichon-Rivière começou a trabalhar com grupos à medida que
observava a influência do grupo familiar em seus pacientes. Sua práti-
ca psiquiátrica esteve subsidiada principalmente pela psicanálise e pela
psicologia social. Para o autor, o objeto de formação do psicanalista de-
via instrumentalizar o sujeito para uma prática de transformação de si,
dos outros e do contexto em que estão inseridos. Defendia ainda a ideia
de que aprendizagem é sinônimo de mudança, na medida em que deve
haver uma relação dialética entre sujeito e objeto, e não uma visão unila-
teral, estereotipada e cristalizada.
Dessa forma, a técnica de grupo operativo consistiu em um trabalho
com grupos cujo objetivo era promover um processo de aprendizagem para
os sujeitos envolvidos. Aprender em grupo significava conviver com uma
leitura crítica da realidade, uma atitude investigadora, uma abertura para
as dúvidas e para as novas inquietações.
Na concepção de funcionamento grupal de Kaës, da escola francesa
de psicanálise, há elementos do conceito de porta-voz de Pichon-Rivière.
Kaës reconheceu o parentesco entre os conceitos, mas devemos atentar
para o que seu conceito de funções fóricas apresentou de único. Atuando
no negativo, portanto, no campo do inconsciente, as funções fóricas operam
nas modalidades de organização e de funcionamento psíquico, bem como
nas determinações dos discursos no âmbito grupal e social, em fenômenos
intersubjetivos e coletivos. O modelo de aparelho psíquico grupal proposto
por Kaës sustentou-se no duplo vértice — grupal e intersubjetivo — cons-
tituído e amparado pelas relações interpessoais, que se dão no âmbito da
historicidade e da política.
A primeira distinção entre Pichon-Rivière e Kaës foi uma ques-
tão de nomenclatura. Kaës subdividiu a categoria de funções fóricas em
porta-ideais, porta-sonhos, porta-voz (porte-parole), porta-sintoma etc. Já
Pichon-Rivière não operou esse tipo de distinção; seu conceito de porta-voz
possui a mesma extensão das partições que o conceito de funções fóricas de
Kaës: abarca a fala, os sonhos, os sintomas etc.
297
298
299
Considerações finais
300
Referências
301
Organizadoras editoriais
Angela Barbosa Cardoso Loureiro de Mello
Myriam Chinalli
304
306
307
308
309
Myriam Chinalli
310
Tassia do Nascimento
311