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Programa eleitoral 2022-2026

A ESQUERDA 8 A/APRENDER 16 B/UM 58


TEM COM A CRISE PROGRAMA
PROGRAMA PANDÉMICA DE
E RESPONDER INVESTIMENTOS
Razões fortes pela 10 PELO PAÍS PARA
transformação do país. RESPONDER
1. RECUPERAR 20 À CRISE
Nem maioria absoluta, 14 OS RENDIMENTOS CLIMÁTICA
nem bloco central. DO TRABALHO
E COMBATER 5. TRANSPORTES 63
Compromissos claros: 14 A PRECARIEDADE PÚBLICOS PARA TODA A
travar a devastação do 1.1. Aumentar o salário 24 GENTE
SNS, recuperar o salário mínimo e o salário médio 5.1. Transformar a 64
médio, justiça para quem 1.2. Combater a 24 mobilidade nas áreas
trabalhou. precariedade e as novas metropolitanas
formas de exploração 5.2. As áreas 66
1.3. Valorizar as pensões 30 metropolitanas não são só
e fazer justiça a quem as grandes cidades
trabalhou 5.3. Transformar a 67
mobilidade em todo o
2. SALVAR O SNS 35 território, sem exclusões
2.1. O SNS é uma 35 5.4. Um plano ferroviário 68
prioridade nacional
2.2. A falta de 36 5.5. Um plano 69
investimento público é a complementar de
predação do privado acessibilidade rodoviária
2.3. O PS falhou ao SNS 39
2.4. Um compromisso 40
para salvar o SNS

3. TRANSFORMAR 50
AS PRESTAÇÕES
SOCIAIS PARA
COMBATER A POBREZA
E O PRECONCEITO

4. UMA MUDANÇA 54
NA POLÍTICA
DE CUIDADOS:
O SERVIÇO NACIONAL
DE CUIDADOS

4
6. DEMOCRATIZAR 70 7. ADAPTAÇÃO 77 C/UMA 92
A ENERGIA PARA DA PRODUÇÃO ECONOMIA
RESPONDER ÀS E DO TERRITÓRIO PELA
ALTERAÇÕES ÀS ALTERAÇÕES IGUALDADE
CLIMÁTICAS E À CLIMÁTICAS
POBREZA ENERGÉTICA 7.1. Proteger a 77 8. RESPONDER 96
6.1. Mais eletricidade 70 biodiversidade e a natureza À EMERGÊNCIA
renovável 7.2. Reconversão industrial 78 NA HABITAÇÃO
6.2. Produção solar 72 para redução de emissões 8.1. Uma política para a 96
descentralizada baseada 7.3. Transformar a 79 habitação
no autoconsumo agricultura e a floresta 8.1.1. 100 mil novos fogos 99
partilhado 7.3.1. Responder aos 79 de habitação pública
6.3. Programa para a 72 incêndios florestais 8.1.2. Recuperar e 101
eficiência energética na 7.3.2. Limitar a produção 80 construir 50 mil fogos
habitação intensiva e superintensiva e para habitação com renda
6.4. Descer a fatura, 74 reduzir os seus impactos condicionada/apoiada
eliminar rendas excessivas 7.3.3. Promover a produção 82 8.1.3. Fechar a porta aos 101
e erradicar a pobreza agroflorestal extensiva e fundos imobiliários
energética multifuncional 8.1.4. Eliminar a Lei 102
6.4.1. Cortar os “lucros 74 7.3.4. Promover políticas 83 Cristas: uma nova lei do
caídos do céu” de territorialização da arrendamento
6.4.2. Novo modelo de 74 produção e do consumo em
mercado elétrico proximidade 9. MEDIDAS FISCAIS 103
6.4.3. Eliminar as rendas 75 7.3.5. Promover o trabalho 84 PARA COMBATER
excessivas profissionalizado e com ABUSOS E PROMOVER
6.4.4. Descida do IVA 75 direitos A IGUALDADE
da eletricidade e do gás 7.4. Defender a água 85 9.1. Justiça e 103
para 6% como recurso ecológico, progressividade fiscal
6.4.5. Consumo mínimo 76 económico e social 9.2. Tributação das 105
garantido nos três meses 7.5. Redução do plástico e 87 grandes empresas e
de inverno eliminação do uso único atividades especulativas
6.5. Criação do 76 7.6. Responder pelos 9.3. Combate à evasão 110
comercializador municipal trabalhadores do mar e pela 88 e à despesa fiscal
de energia biodiversidade marinha injustificada
6.6. Criação do Ministério 76 7.6.1. Proteger a
da Ação Climática biodiversidade marinha 88
7.6.2. Garantir a
sustentabilidade das pescas 89
7.6.3. Combater a
precariedade e proteger os 90
trabalhadores do mar

5
10. RECUPERAR 113 12. GARANTIR A 129 D/A 142
O CONTROLE DE SUSTENTABILIDADE CAPACIDADE
SETORES LUCRATIVOS DAS CONTAS PÚBLICAS ESTRATÉGICA
E ESTRATÉGICOS 12.1. Reduzir a despesa 129 DOS SERVIÇOS
10.1. Uma banca pública 113 em juros da dívida PÚBLICOS
estratégica soberana
10.2. Um programa para a 120 12.2. A dívida detida pelo 133 14. VALORIZAR OS 146
legislatura BCE SERVIÇOS PÚBLICOS
10.2.1. ANA 120 12.3. A negociação das 134 14.1. Ampliar a capacidade 146
10.2.2. CTT 121 regras europeias para o profissional nos serviços
10.2.3. REN 123 défice públicos
10.3. Renacionalização da 123 12.4. Estimular a 134 14.2. Valorizar os 147
EDP e da GALP, objetivos poupança interna trabalhadores e
de soberania económica trabalhadoras da
10.4. Participação 123 13. A DEMOCRACIA 134 Administração Pública
democrática dos CONTRA A CORRUPÇÃO
trabalhadores nas E O CRIME ECONÓMICO 15. ESCOLA PÚBLICA, 148
empresas 13.1. Um combate eficaz 134 PILAR DE IGUALDADE
à corrupção e o crime 15.1. Uma escola inclusiva, 148
11. INVESTIR NA 124 económico moderna e democrática
COESÃO TERRITORIAL 13.2. Tolerância zero aos 137 15.2. Uma proposta para 152
11.1. Serviços públicos e 124 offshores a sustentabilidade da
democracia 13.3. A tecnologia 140 escola pública
11.2. Regiões Autónomas: 126 ao serviço do crime 15.3. Um programa 156
solidariedade e económico de requalificação das
democracia escolas públicas
15.4. Uma rede pública de 156
creches

16. UM SERVIÇO 157


NACIONAL DE JUSTIÇA

6
17. O DIREITO À 160 E/UMA 172 F/GARANTIR 210
CULTURA, ÀS ARTES E SOCIEDADE LÁ FORA O QUE
AO PATRIMÓNIO JUSTA, QUEREMOS
PROGRESSISTA CÁ DENTRO
18. ENSINO SUPERIOR 165 E INCLUSIVA
E INVESTIGAÇÃO 26. UMA POLÍTICA 214
CIENTÍFICA 20. UM PAÍS FEMINISTA 174 EUROPEIA PARA
18.1. Por uma política de 166 DEFENDER O PAÍS
investimento público 21. NÃO DAR TRÉGUAS 183
no Ensino Superior e na AOS PRECONCEITOS E 27. UMA POLÍTICA 216
Ciência À DISCRIMINAÇÃO EXTERNA PARA
18.2. Democratizar as 166 21.1. Combater o racismo 183 DEFENDER A
Instituições de Ensino estrutural DEMOCRACIA E OS
Superior, combater 21.2. Um novo ciclo de 188 DIREITOS HUMANOS
a mercantilização e políticas para a imigração
reverter a precariedade 21.3. Afirmar direitos 191
18.3. Desenvolvimento 170 contra a homofobia e a
científico ao serviço do transfobia
interesse público 21.4. Uma política 193
responsável para as
19. SERVIÇOS 170 drogas, os consumos e o
PÚBLICOS JUNTO álcool
DAS COMUNIDADES 21.5. Despenalizar a 195
EMIGRANTES morte assistida
PORTUGUESAS
22. DIREITOS DAS 195
PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA

23. DEMOCRACIA COM 201


QUALIDADE
23.1. Uma informação 201
séria e democrática
23.2. Participação 203
democrática

24. O DESPORTO COMO 204


MOTOR DE INCLUSÃO
SOCIAL

25. DEFENDER O BEM 206


ESTAR ANIMAL
7
PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

INTRODUÇÃO

A esquerda
tem programa

RAZÕES FORTES PELA


TRANSFORMAÇÃO DO PAÍS

NEM MAIORIA ABSOLUTA, NEM


BLOCO CENTRAL

COMPROMISSOS CLAROS:
TRAVAR DEVASTAÇÃO DO SNS,
RECUPERAR SALÁRIO MÉDIO,
JUSTIÇA PARA
QUEM TRABALHOU
2022
2026

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Foto / Ana Mendes


PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

A esquerda
tem programa

O
Bloco de Esquerda política do ressentimento fará
apresenta-se às o seu caminho. O Bloco é a
eleições de 2022 com esquerda que não fica à espera.
um programa que traduz o
nosso percurso de luta por uma Razões fortes pela
sociedade mais igual, mais livre e transformação do país
mais inclusiva e que é atualizado A política dos pequenos passos
pela experiência recente: o e recuos não será capaz de
balanço do ciclo de austeridade, responder a nenhuma das
da posterior recuperação e urgências e das grandes crises
da legislatura que agora foi dos nossos dias. A crise climática
interrompida, marcada pela exige uma transformação na
estagnação nas principais áreas energia, nos transportes e nos
da vida nacional. Em particular, modos de produção e obriga
face aos efeitos económico- à adaptação do território. O
sociais da crise Covid, revelaram- Bloco propõe metas e avanços
se graves vulnerabilidades claros para a transição climática,
sociais, do mundo do trabalho concretizando e aprofundando
e dos serviços públicos e, a recentemente aprovada Lei
com elas, a permanência de do Clima, e medidas de justiça
impasses políticos que impedem social para a transição climática,
transformações necessárias. À com combate às rendas do setor
saída do momento pandémico, elétrico, empregos para o clima,
a esquerda é responsável a participação da população
por apresentar o seu projeto na construção das soluções, o
transformador, condição de combate à crescente litoralização
abertura de perspetivas e do país e promoção da coesão
mobilização, sem a qual só a territorial.

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2022
2026

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Foto / Ana Mendes
A ESQUERDA PROGRAMA ELEITORAL
TEM PROGRAMA BLOCO DE ESQUERDA

É o reforço da esquerda
que trava a derrapagem
para o pântano político
e para a estagnação
social, e que impõe
compromissos claros que
defendem o país.
A crise da habitação, que apenas médicos, enfermeiros, técnicos
se aprofundou durante a crise e demais trabalhadores exige
pandémica, exige medidas carreiras dignas e a dedicação
de combate determinado à ao serviço público. O Bloco
especulação, uma nova lei do afirma o seu compromisso com
arrendamento e a limitação do a concretização da Lei de Bases
valor das rendas, bem como a da Saúde, no sentido da proposta
construção de parque público de Arnaut e Semedo e não aceita
de habitação, que não se limite à o adiamento dos investimentos
resposta social urgente e garanta fundamentais no SNS. Outros
preços justos na habitação em todo serviços públicos, desde logo
o território. A crise dos salários, a Escola Pública, estão em
com congelamentos com mais situação de rutura. Se nada dos cuidados. Não há oferta
de uma década e desvalorização for feito, e rapidamente, a falta suficiente de estruturas
até dos salários das profissões de profissionais da Educação residenciais, lares ou outras
que exigem mais qualificações, como professores e professoras, respostas qualificadas para
não se ultrapassará sem a educadores e educadoras, bem pessoas idosas e dependentes,
coragem de enfrentar o patronato: como técnicos especializados, o apoio domiciliário é muito
subida do salário mínimo que psicólogos e assistentes limitado, faltam creches e floresce
tire da pobreza quem trabalha operacionais, abrirá a mais grave o negócio privado. É um erro a
e novas leis do trabalho para crise neste serviço público externalização de toda a resposta
combater a precariedade, forçar o essencial. O Bloco apresenta uma social; o Estado tem obrigação
descongelamento dos salários e a proposta para a sustentabilidade de cuidar. Propomos a criação
subida do salário médio. da Escola Pública e um programa de um Serviço Nacional de
O Serviço Nacional de Saúde, para ampliar os serviços públicos Cuidados, com tutela articulada
pressionado pela pandemia e valorizar os seus trabalhadores. da área da segurança social, da
e pela predação do negócio Aprendemos com a pandemia saúde e da educação, que inclua
privado, não sobreviverá sem e as tantas crises que esta estruturas residenciais, como
os seus profissionais. Fixar tornou visíveis, como a crise lares e residências partilhadas ou

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Foto / Nuno Veiga


apoiadas, cuidados continuados, todas as discriminações. O múltiplas discriminações. Lutamos
apoio domiciliário e creches, racismo, a xenofobia, o sexismo, por uma política de migrações
que salvaguarde a autonomia a homofobia e a transfobia solidária, com alternativas e
e promova alternativas à são estruturais e sistémicos, rotas seguras e pelo respeito
institucionalização, que respeite agravam as desigualdades que pelo direito à migração, tanto
o direito à vida independente atingem desproporcionalmente as no quadro nacional como no
das pessoas com deficiência e mulheres, as pessoas racializadas, europeu. Assumimos a recusa
garanta apoio aos cuidadores as pessoas migrantes, as pessoas do Tratado Orçamental Europeu
informais. LGBTI+ e as pessoas com e das suas regras de imposição
Portugal é um país desigual e deficiência e combinam-se criando de austeridade e defendemos
que sofre esse atraso. Queremos formas específicas de exclusão a reestruturação da dívida
o fim da precariedade na ciência no acesso à saúde, ao trabalho pública. Combatemos de forma
e na cultura e garantir o acesso com direitos, à habitação digna, determinada a corrupção, o
da população ao conhecimento à educação de qualidade, entre privilégio e o crime económicos, e
e à arte. Apresentamos um outras. A promoção da igualdade e propomos um novo quadro legal
programa feminista e de luta da emancipação reclama medidas para a criminalização do recurso
contra o preconceito e contra transversais de combate às a offshores.

13
A ESQUERDA PROGRAMA ELEITORAL
TEM PROGRAMA BLOCO DE ESQUERDA

Assente nas razões


Nem maioria absoluta, nem
fortes do seu programa,
bloco central
Quando, em 2019, o Partido
o Bloco assume a
Socialista recusou tocar na
legislação laboral e trabalhar num
abertura de sempre para
acordo com o Bloco de Esquerda,
fez uma viragem política que,
compromissos claros na
além de enterrar a geringonça,
abriu uma rota de aproximação
proteção das pessoas
à direita em diversos domínios,
como se conclui da análise das
contra a estagnação.
votações parlamentares dos
últimos dois anos. Desde então,
a lógica da governação foi a da

1.
maioria absoluta, fosse ela imposta maiorias absolutas como as que
através da chantagem sobre viveu com Cavaco Silva ou José
os partidos de esquerda (que Sócrates. E sabe que uma viragem
acabou por falhar) ou por via de para um bloco central acordado
uma crise política que conduziu formal ou informalmente, só O primeiro é impedir a
a eleições. Esta estratégia traduz pode traduzir-se num regresso desagregação do Serviço
a recusa consistente de medidas à agenda privatizadora, de Nacional de Saúde. O Partido
sociais elementares e propostas degradação dos serviços públicos Socialista governou o SNS
orçamentais que a esquerda vem e de desproteção das pessoas, com uma política de desgaste,
colocando, em respeito pelo seu no trabalho e na pobreza. É o que prolongou a situação de
próprio mandato, como condição reforço da esquerda que trava insuficiência e sobrecarga deixada
de aprovação dos Orçamentos do a derrapagem para o pântano pelo governo. O subinvestimento,
Estado. político e para a estagnação social aliado ao aumento da pressão
Se a maioria absoluta é o plano e que impõe compromissos claros privada sobre os quadros do
A do PS, o seu plano B parece que defendem o país. SNS e à sua exaustão pelo longo
ser um bloco central, formal esforço na resposta à pandemia,
ou informal, como já enunciou Compromissos claros: travar a exige medidas de efeito real, tanto
explicitamente. Essa deriva indica devastação do SNS, recuperar na disponibilidade de efetivos
que, para se manter no poder e o salário médio, justiça para médicos, de enfermagem e outros,
continuar a bloquear as respostas quem trabalhou mas também hospitalares e de
necessárias à drenagem do SNS Assente nas razões fortes do equipamentos. O adiamento dessa
pelos privados ou à estagnação seu programa, o Bloco assume resposta está a atribuir ao negócio
salarial, António Costa estará a abertura de sempre para privado, que faltou à chamada
disponível a sentar-se à mesa compromissos claros na proteção no pior momento da Covid, o
com Rui Rio para entendimentos das pessoas contra a estagnação. mais imerecido dos prémios: a
cujas consequências na vida das Em particular, o Bloco assume substituição do SNS junto de
pessoas só depois de janeiro se objetivos em torno dos quais setores sociais alargados na
poderá conhecer. contribuirá para formar maioria no prestação de um amplo espectro
O país conhece os perigos de Parlamento. de serviços.

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2022
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Foto / Ana Mendes


2.
para obterem mais direitos e prestações não contributivas
melhores salários. e apoios extraordinários, e que
coloque acima do limiar da
pobreza todas as vítimas da
O segundo é terminar a longa
estagnação do salário médio
3. precariedade ou da informalidade
laboral que, por terem tido poucos
em Portugal. Um dos efeitos ou nenhuns descontos ou por
mais notórios da degradação da O terceiro objetivo é a já terem esgotado o subsídio
proteção legal dos trabalhadores, modernização do sistema de de desemprego, se encontram
gravemente acelerada sob a proteção social e a definitiva em grave insegurança - sem
troika, foi a estagnação salarial. remoção das penalizações estigmas e com regras de acesso
O próprio Estado promoveu esse anacrónicas que continuam (nomeadamente na condição de
quadro, ao manter congelados e a ser impostas a um conjunto recursos) que não excluam quem
em perda real todos os salários de reformados pela aplicação necessita.
da sua tabela que não foram do fator de sustentabilidade. A
entretanto absorvidos pelas remoção dessa injustiça tem sido
atualizações do salário mínimo
e ao estimular o outsourcing
apresentada pelo governo, de
forma manipulatória, como uma
4.
em áreas crescentes, com a ameaça ao equilíbrio financeiro
respetiva lógica de compressão da Segurança Social, o que O quarto objetivo é a
salarial e de precarização laboral. é um grosseiro erro. O Bloco concretização da Lei do
Independentemente do valor tem contribuído, com as suas Clima, com passos concretos
de cada uma das alterações à propostas, para o reforço da para a redução das emissões. O
lei laboral que se impõe fazer, sustentabilidade da segurança aumento da rede de transportes
o conjunto de medidas que o social e para o aumento das suas públicos e o caminho para a
Bloco tem defendido teria como receitas. Quanto à modernização gratuitidade dos passes é o
efeito global o aumento das da proteção social, defendemos a primeiro e mais imediato passo
remunerações e da capacidade criação de uma prestação social na transformação da mobilidade e
reivindicativa dos trabalhadores que abranja e unifique as múltiplas transição energética.

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PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Aprender
com a Crise
Pandémica
e Responder
pelo País
RECUPERAR OS RENDIMENTOS
DO TRABALHO E COMBATER
A PRECARIEDADE

SALVAR O SNS

TRANSFORMAR
AS PRESTAÇÕES SOCIAIS PARA
COMBATER A POBREZA E O
PRECONCEITO

UMA MUDANÇA NA POLÍTICA


DE CUIDADOS: O SERVIÇO
NACIONAL DE CUIDADOS
2022
2026

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Foto / Ana Mendes


PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Aprender Com a Crise


Pandémica e Responder
Pelo País

A
O problema
pandemia expôs a falta
de profissionais no
Serviço Nacional de
PRR: um A resposta à crise pandémica
através do Plano de Recuperação
Saúde, a pobreza entre tantos instrumento e Resiliência tardou. Meses
pensionistas, as respostas de propaganda sobre a
insuficientes e degradantes nos importante, chamada bazuca europeia
equipamentos sociais de apoio a
idosos e dependentes, o alastrar
mas limitado culminaram na apresentação
de um plano de recuperação
dos vínculos precários e a prisão e resiliência mais restrito que
dos salários baixos. Esta é a o inicialmente anunciado, e
forma da crise que vivemos em sujeito a condicionalismos e
2022: pobreza no emprego e nos contrapartidas.
salários e pensões, desgaste dos A dimensão do PRR, distribuído
nossos bens comuns, como o pelos anos em que poderá
acesso a médico de família ou ser aplicado, representa
a qualidade dos serviços dos menos de 1,3% do PIB
centros de saúde e hospitais, e português, distribuído a conta-
a insuficiência das respostas do
Estado no cuidado a quem mais
precisa.

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2022
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Foto / José Coelho / Lusa


gotas, acompanhados de ou o subaproveitamento do anunciar a repetição do processo
“recomendações específicas” à equipamento de saúde por de candidatura às Agendas
política económica e social do falta de profissionais no SNS, Mobilizadoras do PRR que se
país com as correspondentes são apenas exemplos do quão veio a provar pouco transparente
pressões para que os Estados- limitado pode ser o impacto do na seleção das empresas
Membros apliquem as mesmas. PRR se não houver escolhas beneficiárias.
As necessidades de investimento políticas mais claras sobre o Transportes, habitação, serviços
público nas áreas estruturantes futuro do investimento público. públicos e combate à pobreza
do país não podem ficar Por outro lado, os mecanismos energética, devem ser as
dependentes de um único de transparência e prestação de prioridades para o investimento
instrumento europeu de contas têm que ser reforçados público em Portugal. Só assim
natureza extraordinária e sujeito para assegurar o escrutínio o país poderá responder aos
a eventuais contrapartidas democrático da aplicação dos efeitos da crise pandémica
(as “recomendações fundos. Na Região Autónoma enquanto constrói uma
específicas”). Os atrasos na dos Açores, por exemplo, o economia mais sustentável e
execução do Ferrovia 2020, Governo deu razão ao Bloco ao justa.

19
A/ APRENDER COM A CRISE PANDÉMICA
E RESPONDER PELO PAÍS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

A solução requer uma resposta estrutural.


A recuperação do SNS,
com a valorização dos seus
O Bloco retoma a sua proposta
para uma prestação social Os cinco
profissionais, das suas carreiras e
salários, associadas a um regime
única, rejeitada pelo governo do
PS no passado, que permitirá
principais
de exclusividade que combata uniformizar, simplificar e alargar problemas
a promiscuidade com o setor
privado e garanta a dedicação ao
a proteção social atualmente
existente, com a preocupação da política
SNS, é a primeira condição para
se sair da pandemia com um país
de combater também o estigma
e o preconceito associado às
salarial em
recuperado. Foi essa a proposta
que o Bloco de Esquerda levou
atuais políticas. É tempo também
de assegurar novas respostas
Portugal
às negociações do Orçamento públicas às necessidades sociais
do Estado para 2022, e que o que o Estado insiste em ignorar
governo recusou. Este programa ou entregar ao setor privado.
reafirma essa prioridade porque O cuidado das pessoas em
sem segurança na saúde a situação de fragilidade não se
democracia vive diminuída. pode limitar ao SNS nem ficar
O aumento do salário mínimo dependente da solidariedade
nacional (SMN) provou ser uma de familiares ou de respostas
política acertada para o país, privadas inacessíveis. O Estado
que foi compatível com a criação tem que alargar a sua rede de
de emprego e a valorização dos serviços públicos aos desafios
rendimentos dos trabalhadores atuais, e por isso propomos a
mais pobres. Mas para além do criação de um Serviço Nacional
SMN coloca-se a necessidade de Cuidados.
de aumentar os salários médios não apenas pela contenção
praticados em Portugal. Porque 1. RECUPERAR OS do salário direto, mas também
os salários não sobem por RENDIMENTOS DO pela redução da duração
decreto, é preciso alterar as TRABALHO E COMBATER e valor das prestações de
leis laborais para o contrato A PRECARIEDADE desemprego, pelos cortes aos
coletivo e o emprego, combater Na legislatura de 2015-2019, a trabalhadores da administração
a condição precária e o abuso. recuperação de rendimentos pública, pelo corte para metade
Também as pensões devem ser cortados pela troika foi o no pagamento do tempo de
valorizadas, para que não sejam cimento dos acordos à esquerda. trabalho suplementar, pela
um fator de pobreza, e devem Pretendeu-se virar a página redução das compensações
ser corrigidas as injustiças que relativamente à estratégia da por despedimento e pela
a direita introduziu ao penalizar direita de desvalorização interna, paralisação da contratação
duplamente a reforma antecipada orientada para o aumento da coletiva. O objetivo de aumentar
de quem já trabalhou durante 40 competitividade externa por o salário médio e combater a
anos. via da “redução dos custos de precariedade impõe que se
O combate à pobreza é uma produção” (nomeadamente revertam essas alterações,
prioridade que não dispensa o salários) e “preços de oferta”. destinadas a desvalorizar o
aumento dos salários e melhores Essa estratégia assente na trabalho, e que se garantam
condições de trabalho, mas que desvalorização salarial passou novos direitos laborais.

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2022
2026

1. Tem aumentado a parte dos


trabalhadores abrangidos
pelo SMN (são cerca de 25% do
3. A distribuição da riqueza
produzida continua a ser
profundamente desigual. A parte
os gestores ganham em média
10 vezes o que ganham os
trabalhadores, desigualdade que
total) e tem diminuído a distância do rendimento nacional que vai vem aumentando. Nalguns casos
entre salários médios e o SMN. para os salários é claramente (Pingo Doce), um trabalhador
A taxa de crescimento dos minoritária: apenas cerca de teria de trabalhar 20 anos a para
salários médios no sector 44,5%, ficando o resto do lado ganhar o mesmo que o gestor da
privado fica em cerca de do capital. A média europeia anda empresa ganha num mês.
metade da evolução do SMN. perto dos 48%. Em Portugal, era

2. Mantém-se a pobreza
assalariada: continuamos
essa a percentagem em 2009. Já
foi mais de 60%. 5. A criação de emprego tem-se
feito sobretudo em setores
caracterizados pela prática
a ter um em cada 10
trabalhadores abaixo do limiar
de pobreza. De acordo com
4. A desigualdade salarial
atravessa a sociedade e é
também interna às empresas. As
de salários inferiores à média
nacional e com emprego precário,
o que induz a estagnação dos
dados do INE, mais de 9,5% mulheres recebem em média salários médios. De acordo com
da população empregada em cerca de 20% menos que os os dados dos Quadros de Pessoal
2020 era considerada pobre homens, se forem considerados (2019), o salário médio de um
(rendimentos líquidos inferiores não apenas os salários (caso em precário é 300 euros abaixo do
a 540 euros mensais). Por outro que a percentagem é de 14,4%), de um trabalhador com contrato
lado, quase 60% dos pobres mas também prémios, subsídios e efetivo (cerca de 1100€ euros
com mais de 18 anos trabalham. horas extra. Em grandes empresas, versus 800€).

Gráfico 1 / A precaridade significa salários baixos e desigualdade entre trabalhadores


Remuneração média mensal base dos trabalhadores por conta de outrem, por tipo de contrato

44,1%
43,6%
43,1%
42,3%
41,6%
41,1%

39,0% 39,3%
37,9%
37,0%
1 242,6€
1 155,0€

1 168,6€

1 195,8€
1 185,2€

1286,8€

1325,3€
1 141,2€

1 177,0€

1 211,2€
840,5€
833,0€

846,4€
829,6€

912,0€
837,4€

951,4€
825,1€

877,4€
827,1€

2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Contratos permanentes Contratos não permanentes Diferença entre permanentes e não permanentes (%)

Fonte: Quadros de Pessoal de 2019. In GEP/ Relatório sobre a retribuição mínima mensal garantida. Novembro de 2021.

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Gráfico 2 / A maior parte da riqueza produzida não vai para 1.1. Aumentar o salário mínimo e o
quem trabalha salário médio
(Evolução do peso relativo das remunerações no PIB.)
Nos últimos anos, o aumento
do salário mínimo nacional tem
50% sido uma política fundamental de
49% recuperação de rendimentos, de
48% dinamização do mercado interno
47% (mais salário significa mais procura)
46% e de introdução de um pouco mais
45% de justiça. O aumento do salário
44% mínimo desmentiu os cenários
43% catastrofistas da direita sobre os
42%
41%
40%
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 As propostas
UE Portugal do Bloco
Fonte: INE, Contas Nacionais. In GEP/MTSS, Relatório sobre a retribuição mínima mensal garantida, novembro
de 2021.

Gráfico 3 / Salário Mínimo Nacional e Taxa de Desemprego (2009-2019)

650 17
15
600
13

550 11
9
500
7
450 5
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Salário mínimo nacional Taxa de desemprego (%)

Fonte: Cadernos do Observatório sobre Crises e Alternativas, n.º 14, Centro de Estudos Sociais, outubro de 2019.

22
2022
2026

impactos negativos que poderia ter na valorização de salários do atual Código de Trabalho, deve
ter no emprego. Pelo contrário, e de rendimentos do trabalho dar-se prioridade à eliminação
constatou-se a existência de uma uma prioridade. Isso passa pela das regras que foram introduzidas
relação entre o aumento do SMN e valorização do salário mínimo, mas pela direita para produzir a
o aumento do emprego: entre 2015 não só. Para recuperar e valorizar desvalorização salarial e que ainda
e 2021, o aumento de 31,7% no SMN os salários médios é preciso uma permanecem na lei, bem como
foi acompanhado de aumento do estratégia para o emprego que das regras que têm incentivado a
emprego e redução do desemprego. não seja assente em setores de substituição de trabalhadores com
Assim, a trajetória de valorização do trabalho precário e combater de direitos por trabalhadores precários
SMN deve ser reforçada ao longo da forma decisiva a precariedade que com salários mais baixos, por via de
próxima legislatura (ver gráfico 3). produz baixos salários. Para isso, e despedimentos seguidos de recurso
Uma política de esquerda deve sem prejuízo da futura substituição ao outsourcing.

▶ Recuperação do salário mínimo abdicarem da compensação a que de referência, nos setores


que, tendo alcançado 705 euros em têm direito; proibição de recurso público e privado, para combater
janeiro de 2022, deve continuar a ao outsourcing para funções as desigualdades salariais. As
aumentar ao longo da legislatura a equivalentes em empresas que empresas que ultrapassem
um ritmo anual de, pelo menos, 10%, fizeram despedimentos; e retoma esse leque serão excluídas de
de forma a diminuir a diferença em do valor das compensações por qualquer apoio público e benefício
relação ao SMN de Espanha; despedimento anteriores ao corte fiscal, bem como excluídas
da troika (30 dias por cada ano da possibilidade de participar
▶ Reversão da “flexibilização” do trabalhado); em arrematações e concursos
trabalho suplementar, acompanhada públicos;
desde 2012 pela redução para ▶ Alteração do quadro legal da
metade da sua remuneração. No negociação coletiva, revogando ▶ Alteração do padrão de
imediato, deve ser revogado o as alterações que reduziram a especialização baseado
corte da troika na majoração capacidade negocial dos sindicatos na desvalorização salarial
das horas extra e recuperado o e bloquearam as atualizações permanente e em setores
descanso compensatório; salariais; assentes no trabalho precário. Os
incentivos para essa mudança
▶ Recuperação dos montantes ▶ Consagração na lei do subsídio não passam pela “redução de
e os períodos de concessão do de alimentação para todos os impostos” sem critério reivindicada
subsídio de desemprego do período trabalhadores e trabalhadoras do pelas confederações patronais
pré-troika. A redução do apoio no privado (o subsídio de alimentação mas sim por políticas de
desemprego funciona como aliado está apenas nos contratos coletivos qualificação, de apoio à inovação,
de uma política de baixos salários; ou individuais), com valor mínimo de crédito às empresas e de
igual ao do setor público (sem redução de custos de contexto
▶ Eliminação da norma que obriga prejuízo de contratos coletivos que (nomeadamente energia)
os trabalhadores, para contestarem estabeleçam um valor superior); orientadas para uma mudança do
despedimentos ilícitos, a ▶ Definição de leques salariais padrão produtivo.

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1.2. Combater a precariedade distribuir o emprego, qualificando sem contrato permanente e


e as novas formas de o país, reduzindo o horário centenas de milhares que
exploração de trabalho e combatendo as trabalham sem contrato (na
Uma governação que responda múltiplas formas de desregulação informalidade absoluta ou com
pelo país tem a obrigação de e prolongamento dos horários e falsos recibos verdes). Os baixos
colocar o emprego no centro de trabalho não pago. Portugal salários condenam as pessoas a
da ação política e de responder continua a ser um país precário: vidas no limiar da pobreza e os
às transformações em curso no cerca de um quarto da população vínculos temporários impedem-
mundo do trabalho. Isso faz-se com contratos precários, dois nas de fazer projetos para o
com políticas capazes de criar e terços da juventude trabalhadora futuro.

A contratação O número de trabalhadores


cobertos pelas convenções
convenções coletivas publicadas
está muito longe dos níveis de
coletiva e a coletivas publicadas em 2020
estava abaixo dos 500 mil. O
2008, altura em que cobria 1,9
milhões de contratos de trabalho.
pandemia: um aumento regular do salário mínimo Enfrentar este problema é uma

problema de deu um impulso à atualização da


contratação coletiva sobretudo em
prioridade (ver gráfico 4).
O facto de as convenções serem

abrangência e setores em que as remunerações


das categorias inferiores da escala
negociadas sob chantagem
patronal , não apenas pela
de conteúdos salarial coincidiam com o salário
mínimo – setores tipicamente
caducidade (entretanto suspensa
temporariamente através de uma
com um elevado número de moratória) mas pela inexistência
trabalhadores e trabalhadoras do princípio do tratamento mais
– o que concorreu para o favorável ao trabalhador, puxa os
aumento da cobertura potencial direitos para baixo. A flexibilidade
das convenções coletivas. do tempo de trabalho e os bancos
Por outro lado, a legislação de de horas são um foco da pressão
2017, facilitando a extensão das patronal acrescida na negociação
convenções coletivas, e o aumento coletiva. O mote está dado ao
claro das portarias de extensão permitir-se que as convenções
emitidas em 2017 e 2018 tiveram tenham disposições inferiores à
impacto na aproximação da lei geral, nomeadamente sobre as
cobertura potencial e real. Só que formas de organizar o trabalho e
a pandemia parece ter voltado a os seus tempos. O desequilíbrio é
paralisar a negociação coletiva, hoje a regra nas relações coletivas
com uma redução substancial de trabalho. A lei deveria, contudo,
em 2020. A abrangência das servir exatamente para impedi-lo.

24
2022
2026

Um quarto dos
trabalhadores têm
trabalho precário,
centenas de milhares Às formas clássicas de
precariedade (contratos a

trabalham sem contrato termo, trabalho temporário,


estágios, falsos recibos verdes),

e dois terços dos jovens junta-se a generalização, em


vários setores, do recurso ao

trabalhadores não têm outsourcing e à externalização


e a introdução do modelo das

contrato permanente. “plataformas”. O trabalho através


das plataformas tem vindo a
operar uma transformação de
grande significado nos modos
de organizar a prestação de
Gráfico 4 / Trabalhadores por conta de outrem potencialmente trabalho, através da automação,
abrangidos por convenções coletivas da conectividade permanente, do
acesso digital aos clientes e da
gestão algorítmica. É um “modelo
de negócio” que pode ser
Número, N.º utilizado em múltiplos sectores,
do transporte de passageiros
2 000 000 às entregas, ou à montagem
de móveis. O debate sobre o
enquadramento do trabalho
1 500 000 através de plataformas digitais
tem ocorrido em todo o mundo,
dando origem a intervenções de
1 000 000 natureza muito diferente, seja
pelas autoridades locais, seja
através de contratação coletiva,
500 000 seja por parte dos tribunais
(com decisões que criam
jurisprudência, nomeadamente
0
relativamente à qualificação da
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
relação contratual), seja por via
de leis gerais aplicáveis a uma
parte das plataformas (como as
Total de convenções coletivas de transportes ou de entregas),
ou ao conjunto dos trabalhadores
que prestam atividade através de
Fonte: Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS/Direção-Geral do Emprego e das plataformas digitais.
Relações do Trabalho (DGERT) Em Portugal, calcula-se que mais
de 10% da população adulta já
prestou algum serviço a partir

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A vaga de despedimentos
em grandes empresas
e bancos foi um
aproveitamento para
substituir trabalhadores
com direitos por
precários.
de uma plataforma digital e entre enquadrados por acordos de
2 a 4% dos trabalhadores tinha
nas plataformas digitais a sua
empresa, contratação coletiva e
direito a uma carreira, por outros 35 horas
principal (ou única) fonte de
rendimento. O país foi tristemente
ocupados por trabalhadores
externos, em outsourcing,
no privado,
pioneiro na aprovação, pelo
PS, PSD e CDS, da “Lei Uber”,
precários, fora dos instrumentos
de contratação coletiva e com
dever de
que consagrou um modelo de salários mais baixos. Ao mesmo desconexão
intermediários, impedindo a
celebração de contrato entre
tempo que estas empresas
perseguem trabalhadores com
e semana
trabalhadores e plataformas
digitais. Mais recentemente, o
muitos anos de casa, cresce o
número dos outsourcings. Na
de 4 dias?
Bloco apresentou um projeto Altice, a contratação recente
de lei para a criação de um de centenas de trabalhadores
contrato de trabalho por conta para a Intelcia é um exemplo
de outrem com as plataformas dessa estratégia. No Santander,
digitais, obrigando à inclusão dos há hoje mais trabalho e o
trabalhadores de plataforma no banco socorre-se de empresas
Código de Trabalho, garantindo de trabalho temporário para
proteção social e eliminando as colmatar os lugares que
figuras do intermediário. Esse extingue, incluindo funções
passo terá de ser dado. permanentes e essenciais. Esta
Por outro lado, a precarização manobra apoia-se nas alterações
faz-se através do recurso que tornaram os despedimentos
aos despedimentos e ao muito mais baratos, apoia-se
outsourcing. Em 2021, a vaga na norma de amordaçamento
de despedimentos em grandes dos trabalhadores que os
empresas e bancos não impede de, uma vez recebida
teve a ver com dificuldades a compensação, exercerem o
económicas, mas sim com o direito legal de contestarem um
aproveitamento do contexto despedimento ilícito e é ainda
pandémico para substituir facilitada pela passividade das
milhares de postos de trabalho autoridades.

26
2022
2026

A experiência portuguesa e que a economia francesa criasse e com uma utilização muitas
internacional relativa à redução 350 mil empregos entre 1997- vezes fraudulenta por parte
do horário de trabalho faculta- 2001, que ela foi acompanhada das empresas) e da “laboração
nos conhecimento suficiente para de uma aceleração dos ganhos contínua” (cujos critérios são
perceber que esta é uma medida de produtividade e que permitiu o totalmente permissivos). São ainda
possível e dá-nos indicações relançamento do diálogo social e necessários sinais fortes, como o
sobre como conduzir um processo uma melhoria na articulação entre que foi dado com a consagração
deste tipo. Se tomássemos como o tempo passado no trabalho e o do dever patronal de desconexão,
referência a experiência francesa tempo consagrado a atividades uma proposta que o Bloco vinha
de 1998, a aplicação das 35 horas pessoais, familiares e associativas. defendendo desde 2017 e que ficou
no setor privado em Portugal Nalguns países, tem vindo a ser consagrada no Código do Trabalho
poderia criar mais de 200 mil testado o modelo de uma semana no final de 2021, suscitando grande
postos de trabalho. É sensato e de 4 dias, reorganizando-se os interesse internacional. Trata-se de
tem de ser feito: mais emprego e tempos de trabalho e os tempos uma disposição original por colocar
mais tempo para viver. sociais. Vários modelos têm estado o ónus da desconexão no patrão e
Em Portugal, a redução para as 40 em cima da mesa, mas uma na empresa e não no trabalhador,
horas, em 1996, permitiu a criação hipótese é a combinação entre a ao contrário das propostas relativas
de 5% de emprego líquido no redução do horário semanal para ao “direito a desligar” noutros
primeiro ano e 3% no segundo. Em 35 horas e a sua concentração países. E é uma norma que vale
França, a aplicação das leis Aubry em 4 dias da semana, libertando para todos os trabalhadores: fora
(a primeira de 1998 e a segunda assim três dias para descanso. do horário de trabalho, é tempo
de 2000) que reduziram o horário No Estado Espanhol decorre um de descanso e a esse tempo de
de trabalho paras as 35 horas, foi projeto piloto para apoiar empresas descanso corresponde um dever
objeto, em 2014, de uma “Comissão que adiram à semana das 32 horas, de abstenção de contactos por
de Inquérito sobre o impacto concentradas em 4 dias. parte da empresa, sob pena
societal, social, económico e A limitação da jornada de trabalho de serem aplicadas contra-
financeiro da redução progressiva faz-se também combatendo os ordenações graves. É uma lei para
do tempo de trabalho”. Essa abusos nas horas extra (muitas contrariar uma verdadeira cultura
Comissão conclui que a redução delas não pagas), o abuso da de “ligação e disponibilidade
do tempo de trabalho decidida figura legal da “isenção de permanente” que existe em alguns
pela lei de 1998 contribuiu para horário” (cada vez mais frequente setores da economia.

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As propostas ▶ Relançamento da
contratação coletiva e do
▶ Regularização dos falsos
recibos verdes, com metas
do Bloco sistema coletivo de relações concretas para obrigar à
laborais, garantindo o fim celebração de contrato a dezenas
da caducidade unilateral dos de milhares de trabalhadores
instrumentos de regulação utilizando a Ação Especial de
coletiva de trabalho, a reposição Reconhecimento do Contrato
do tratamento mais favorável ao de Trabalho (a “Lei contra a
trabalhador (para impedir que Precariedade”) e com a inclusão
os contratos coletivos tenham de um critério de exclusão de
normas piores que as da lei empresas com falsos recibos
geral) e o alargamento dos verdes em qualquer contrato com
mecanismos de arbitragem; o Estado;

▶ Redução do horário de ▶ Reforço da Autoridade para


trabalho para as 35 horas as Condições de Trabalho
e abertura à possibilidade da (ACT), com a contratação de
semana de 4 dias; mais meios (não apenas na
inspeção, mas também como
▶ Combate à desregulação técnicos superiores), dando-lhe
dos horários, com reposição mais poderes (designadamente
do pagamento integral das conferindo título executivo a
horas extra (eliminando o corte algumas das suas decisões),
da troika), limitação e regulação e garantindo o cruzamento de
da utilização da figura da dados entre Autoridade Tributária
“isenção de horário” e da e ACT;
generalização da laboração
contínua; ▶ Aprovação de uma nova
lei de combate ao trabalho
▶ Revogação do alargamento temporário e ao falso
do período experimental para outsourcing, designadamente
jovens à procura do primeiro através de: i) limitação dos
emprego e desempregados fundamentos e da duração
de longa duração, restrição do trabalho temporário a um
da utilização dos contratos máximo de seis meses; ii)
a prazo apenas às situações obrigação de vinculação à
de substituição temporária e empresa utilizadora ao fim de
de pico ou sazonalidade de seis meses; iii) aplicação das
atividade e eliminação das regras e convenções coletivas
exceções legais que permitem a da empresa aos trabalhadores e
sucessão de contratos a termo; às trabalhadoras em outsourcing;

28
2022
2026

iv) possibilidade de quem está sistemáticos; iii) revogando do pai, aumento da licença
em outsourcing optar por ser a norma que impõe que o partilhada, redução de horário
representado pelas organizações recebimento da compensação nos primeiros 3 anos de vida da
da empresa utilizadora do trabalhador vale como criança), e dos direitos de pais e
(nomeadamente poderem eleger presunção de que ele aceita mães de filhos com deficiência,
e ser eleitos para as Comissões o despedimento e não pode doença crónica ou oncológica
de Trabalhadores); v) proibição de contestar a sua licitude; e para acompanhamento de
empresa que extingue posto de pessoa dependente (licenças
trabalho contratar em outsourcing ▶ Reconhecimento de mais para os e as cuidadoras
para funções equivalentes; vi) direitos a quem trabalha informais);
proibição de externalização de por turnos, nomeadamente
funções relativas ao objeto social através de: i) consagração ▶ Aumentar a percentagem
central da empresa; legal da obrigatoriedade de do pagamento do Subsídio
subsídio por turnos; ii) maior de Doença para garantir
▶ Remoção das medidas acompanhamento médico; iii) rendimentos substitutivos dos
da troika da lei laboral: i) definição de pausas e tempos de rendimentos do trabalho no
devolução dos três dias de descanso e fins de semana; iv) período em que os trabalhadores
férias retirados pela direita participação dos trabalhadores se encontram doentes;
(regresso à norma dos 25 e das trabalhadoras na definição
dias, sem depender de das escalas de turnos; v) ▶ Obrigar à celebração de
outro critério); ii) reposição redução dos tempos de trabalho; contratos entre trabalhadores
dos valores do trabalho vi) majoração dos dias de férias; e plataformas digitais, sempre
suplementar e do descanso vii) direito à reforma antecipada que se verifiquem os indícios
compensatório; iv) reposição em proporção do tempo que se de laboralidade adaptados
do valor das compensações trabalhou por turnos; ao trabalho em plataforma,
por despedimento e das regras eliminando também a figura do
anteriores à intervenção da ▶ Reconhecer e enquadrar no intermediário, que foi consagrada
troika, instituindo o princípio Código do Trabalho o trabalho pela “Lei Uber”;
geral de um mês/por cada ano doméstico assalariado
de trabalho prestado (neste e o trabalho profissional ▶ Limitação da utilização
momento, está em 12 dias); associado aos cuidados (apoio abusiva de estágios apoiados
domiciliário, amas de creche pelo IEFP, valorização da sua
▶ Combater os familiar, ajudantes familiares), remuneração e criação da
despedimentos. Além da retoma pondo fim à discriminação que obrigação, pelas empresas, de
das compensações: i) impedindo a lei estabelece e garantindo a integrar pelo menos um em
despedimentos, exceto por mesma proteção social de que cada três estagiários. Reforço
justa causa, em empresas gozam todos os trabalhadores da fiscalização relativa aos
com resultados positivos no por conta de outrem; falsos estágios e à utilização
ano anterior; ii) eliminando o de estágios sucessivos para
despedimento por inadaptação, ▶ Alargar os direitos de ocupar funções permanentes nas
que dá origem a abusos parentalidade (licença inicial empresas.

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1.3. Valorizar as pensões e fazer ambos os cortes nas muito longas Quem se reformou com 40 anos
justiça a quem trabalhou carreiras contributivas (com mais de descontos aos 60 ou mais de
Portugal continua a ter pensões de 46 anos de descontos, reforma idade, mas foi penalizado para
muito baixas, resultantes de a partir dos 60 anos sem cortes), toda a vida por tê-lo feito antes
salários baixos e carreiras nas profissões de desgaste rápido da entrada em vigor das atuais
contributivas débeis, uma (deixou de se aplicar qualquer regras em outubro de 2019. A todas
baixa taxa de substituição de dos cortes) e, mais recentemente, essas pessoas ainda se aplicam
rendimentos na velhice (ou seja, para quem aos 60 anos tenha penalizações injustas e que devem
a maioria das pessoas ganha na uma carreira contributiva de mais terminar.
reforma significativamente menos de 15 anos de descontos com
do que os rendimentos que auferia 80% ou mais de incapacidade
enquanto tinha um emprego) e (reforma sem nenhum dos cortes
uma elevada taxa de pobreza entre
os idosos.
para este subgrupo de pessoas
com deficiência ou incapacidade).
Acabar
Ao mesmo tempo que a idade
da reforma tem vindo a aumentar
Além disso, foi eliminado o fator
de sustentabilidade para quem,
com a dupla
devido às regras que a vinculam aos 60 anos, tenha 40 ou mais penalização
à esperança média de vida (até
2013, a idade legal da reforma
anos de descontos (neste caso,
mantendo o “fator de redução”) e
nas pensões
era fixa: 65 anos; em 2022 será
de 66 anos e 7 meses); o regime
foi criada uma “idade pessoal de
reforma” (reduz-se a idade legal da
é possível e
das reformas antecipadas é de reforma em 4 meses por cada ano sustentável
grande complexidade, com uma de desconto acima dos 40 anos de
miríade de regras diferenciadas, contribuições), à qual não se aplica
algumas das quais provocam nenhum dos cortes, nem fator
legítimas apreensões e grandes de sustentabilidade nem fator de
injustiças relativas que acabam redução.
por descredibilizar o sistema. Se a Restam, contudo, grupos de
regra é que a reforma antecipada trabalhadores a quem continuam
acontece apenas a partir dos 60 a aplicar-se duplos cortes
anos, e é sujeita a dois cortes - o injustificados. Quem começou a
“fator de sustentabilidade” (corte trabalhar criança e se reformou
de 15,5% em 2021) e o “fator de com 46 anos de descontos, hoje
redução” (corte de 0,5% por cada não sofreria qualquer penalização,
mês que falta até à idade legal) mas como pediu a sua pensão
- o facto é que a maioria das antes de 2018, continuará a sofrer,
pensões antecipadas requeridas toda a vida, um duplo corte na
já não se encontra abrangida por pensão. Quem se reformou através
estas regras, enquadrando-se em do regime de desemprego de longa
regimes especiais. Esses regimes duração. Quem teve pensões de
resultam de decisões tomadas desgaste rápido entre 2014 e 2018
entre 2017 e 2020, nomeadamente (antes disso, e depois, corte de
no que diz respeito à eliminação de “sustentabilidade” não se aplica).

30
2022
2026

Portugal continua a ter


pensões muito baixas A sustentabilidade da Segurança

e uma elevada taxa de Social tem de ser analisada


tendo em conta, pelo menos,

pobreza entre idosos. três dimensões distintas. O fator


demográfico (esperança média
de vida, evolução da natalidade
e saldo migratório), os fatores
económicos (crescimento,
criação de emprego e níveis

Quando foi criado em 2008, o “fator de redução” (um corte de Aposentações, estimando na
pelo PS, o chamado “fator de de 6% por cada ano que faltar mesma percentagem (cerca de
sustentabilidade” (FS) aplicava-se para a idade pessoal ou legal de 11% do universo de reformados em
a todas as pensões, porque a idade reforma). Este fator funciona como 2020) e considerando que o valor
da reforma era fixa: 65 anos. O um forte dissuasor das reformas médio mensal destas pensões
chamado “fator de sustentabilidade” antecipadas. Desde 2014, o é mais elevado (1098 euros),
pretendia fazer repercutir o efeito chamado “fator de sustentabilidade” chegamos a um impacto de mais
do aumento da esperança média (adicional ao “fator de redução”) de 5 milhões de euros.
de vida no valor da pensão, porque deixou de ser um elemento Recalcular o valor a 62 mil
o sistema assentava numa idade estruturante do sistema e passou a reformas antecipadas pedidas
legal da reforma fixa. Se a pessoa configurar uma dupla penalização entre 2014 e 2018, que tiveram
quisesse trabalhar para além ilegítima e sem fundamento, mesmo severos cortes que não ocorreriam
dos 65 anos, podia continuar a à luz dos argumentos com que sob as regras atuais, mas que
trabalhar mais uns meses e anulava foi imposto. A mera eliminação permanecem para aquelas pessoas
esse corte. do “fator de sustentabilidade” não perpetuamente, é uma medida
Desde 2013 que não há uma idade elimina o “fator de redução”, não que se aplica a um universo
fixa de reforma, mudando todos mexe na idade móvel da reforma fechado e sempre decrescente, por
os anos. Por outro lado, PSD e nem nas regras de acesso às razões demográficas. Tendo em
CDS alteraram a base a partir pensões antecipadas. conta o valor médio das pensões
da qual se calcula o corte de Aplicada aos pensionistas que antecipadas requeridas nesse
“sustentabilidade”, tomando como requereram a reforma em 2020, a período (que rondará os 500 euros),
referência a diferença com o ano proposta de eliminação do fator de a eliminação deste corte teria um
2000 e não com o ano de 2006, sustentabilidade teria tido como impacto de cerca de 60 milhões,
triplicando o valor do corte. universo 10 mil pessoas. Tendo em descrescendo em cada ano.
Atualmente, os dois grandes conta o valor médio mensal das As duas propostas em conjunto
instrumentos de sustentabilidade pensões da Segurança Social (474 representam, em despesa, menos
do sistema por via do fator euros em 2019), o impacto seria de um terço do valor anual que
demográfico são a “idade móvel de cerca de 11 milhões de euros o adicional do IMI (proposto pelo
de reforma” (que varia em função num ano. Mesmo considerando a Bloco) tem dado de receita à
da esperança média de vida) e aplicação também à Caixa Geral Segurança Social.

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salariais) e os mecanismos de
funcionamento e de financiamento
do próprio sistema (contribuições
Bloco A recuperação de rendimentos
e a criação de emprego permitiu
e diversificação das fontes de
financiamento da segurança
defende e já equilibrar o sistema previdencial
de Segurança Social: a receita
social). Os fatores de desequilíbrio conseguiu de contribuições é hoje superior
da sustentabilidade da Segurança
Social no período da austeridade
reforçar a à despesa com pensões do
sistema previdencial. Mas, além
resultaram das escolhas de
política económica: aumento do
sustentabili- disso, outras propostas do Bloco
têm reforçado a sustentabilidade
desemprego (menos contribuições dade da da Segurança Social trazendo
e mais despesa social),
precariedade (que atira pessoas Segurança mais receita ao sistema.
Só com as receitas que
para fora do sistema), baixos
salários (a que correspondem
Social resultaram do adicional ao IMI
sobre o património de luxo foi
baixas contribuições, incapazes possível reforçar com mais 477
de garantir pensões decentes),
emigração (que levou meio milhão
de pessoas para fora do país
nesse período). As propostas
da direita para a Segurança
Social continuam a ser os cortes viver e maior qualidade de vida.
nas pensões, a compressão da No período entre 2015-2019, foi
proteção social, a descapitalização possível avançar num conjunto
por via de descontos às empresas, de medidas que trouxeram mais
o modelo de baixos salários e a justiça ao sistema de pensões
capitalização de uma parte dos e, simultaneamente, mais fontes
sistemas que deveria migrar para o de financiamento da Segurança
negócio privado. Social, reforçando sobretudo
A recuperação de rendimentos o seu Fundo de Estabilização
e a criação de emprego permitiu Financeira. Mas o equilíbrio
equilibrar o sistema previdencial de do sistema deve passar ainda
Segurança Social. Mas o sistema pelo combate à informalidade e
enfrenta desafios, resultantes precariedade do emprego e pela
nomeadamente das mudanças melhoria dos salários, fatores
da estrutura demográfica e das cruciais para romper o padrão
transformações na estrutura de pensões muito baixas, e pelo
de produção (robotização, aprofundamento da contribuição
aumento de produtividade). Esses das empresas de capital intensivo,
desafios devem ser respondidos não apenas em função do
fazendo reverter os ganhos número de trabalhadores e de
de produtividade e a inovação trabalhadoras, mas também do
tecnológica em mais tempo para seu valor acrescentado líquido.

32
2022
2026

milhões de euros nos últimos e 2021. Com estas medidas, receitas de cerca de 300 milhões
3 anos (2018-2020) o Fundo o esgotamento do Fundo de de euros/ano para a Segurança
de Estabilização Financeira da Estabilização Financeira da Social. Persistimos nessa
Segurança Social. Em 2020, Segurança Social foi adiado em proposta, que será fundamental
foram transferidos 304 milhões quase 20 anos. para o futuro do sistema.
para a segurança social por via Por outro lado, o Bloco A este conjunto de medidas
desta proposta do Bloco que se propôs uma outra forma de corresponde um valor muitíssimo
tornou lei. diversificação das fontes de maior de receita do que toda
Mas não só. O Bloco também financiamento da Segurança a despesa das propostas que
apoiou a consignação de uma Social: uma contribuição de o Bloco apresenta para fazer
parte do IRC à Segurança Social, 0,75% sobre o valor acrescentado mais justiça nas pensões.
o que permitiu reforçar o seu das grandes empresas (que As propostas do Bloco
financiamento com 377 milhões exclui todas as micro, pequenas reforçam a segurança social
de euros em cada ano, ou seja, e médias empresas), o que pública e aprofundam a sua
mais de 1000 milhões entre 2019 representaria um acréscimo de sustentabilidade.

Foto / Ana Mendes

33
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BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Alteração das regras de


atualização das pensões,
É uma questão de justiça relativa
para criar condições de igualdade
do Bloco integrando no cálculo os valores face às alterações feitas em 2018,
do crescimento e da inflação, 2019 e 2020, e é uma questão
garantindo que nenhuma pensão de reconhecimento de quem
perde poder de compra de ano trabalhou uma vida, havendo
para ano; inclusive um precedente no OE
2021 e na proposta da Assembleia
▶ Aumento do valor mínimo das Regional dos Açores.
pensões, de modo a garantir que,
independentemente dos apoios ▶ Aprofundamento do conceito
e dos complementos sociais de “idade pessoal da reforma”,
aplicáveis, o valor das pensões para um regime mais justo e
de carreiras contributivas de progressivamente sem cortes. A
20 ou mais anos de descontos idade pessoal deve ser reduzida
fica sempre acima do limiar de face à idade geral em função
pobreza. de carreiras acima dos 40 anos
de descontos, em pelo menos
▶ Eliminação do “fator de um ano por cada ano a mais de
sustentabilidade”. Depois de todas contribuições. Deve ser reduzida
as alterações aprovadas entre 2017 face à idade geral em função do
e 2020 ele já só tem uma aplicação trabalho por turnos em pelo menos
residual (cerca de 10% das pensões seis meses por cada ano de
requeridas). Não faz sentido trabalho nesta modalidade. E deve
manter-se, nomeadamente porque ser reduzida face à idade geral em
o impacto da esperança média função do trabalho realizado com
de vida já foi incorporado noutros elevados grau de incapacidade;
elementos do sistema;
▶ Diversificação das fontes de
▶ Retirada do corte aplicado a financiamento da Segurança
quem se reformou entre 2014 e Social. A contribuição deve ser feita
2018 com elevadas penalizações não apenas em função do número
que não existiriam sob as regras de trabalhadores, mas também
de hoje; do seu valor acrescentado líquido.
A proposta do Bloco é de uma
▶ Recálculo das pensões de contribuição de 0,75% sobre o Valor
quem tem mais de 40 anos Acrescentado Líquido das grandes
de descontos, bem como das empresas, (ou seja, excluindo todas
pensões dos regimes de desgaste as PME, que são a esmagadora
rápido, para eliminar do seu valor o maioria do tecido empresarial
corte do fator de sustentabilidade. português), garantindo mais

34
2022
2026

2. SALVAR O SNS as respostas à população e


justiça no esforço contributivo 2.1. O SNS é uma prioridade responder aos profissionais
entre empresas com muitos A extraordinária resposta que o de saúde. Estes, depois de
trabalhadores e empresas com SNS deu à pandemia deixou claro quase dois anos de pandemia,
poucos trabalhadores mas que a democracia não sobrevive encontram-se exaustos.
grandes lucros; sem ele. Ficou também claro que Há urgências em rotura e
não podemos contar com o setor demissões sucessivas de
▶ Alargamento do acesso ao privado quando está em causa profissionais; há mais utentes
Complemento Solidário para a proteção da saúde de todos. sem médico de família, número
Idosos (CSI), elevando o seu As seguradoras não cobrem que atingiu recentemente
valor de referência e eliminando epidemias e os hospitais privados um milhão; há cada vez mais
definitivamente a norma que fecham portas ou correm a exigir concursos desertos e vagas por
contabiliza os rendimentos dos que o Estado financie as suas ocupar; só de janeiro a setembro
filhos e das filhas para acesso a perdas. de 2021, os profissionais de
esta prestação social; O país precisa agora de recuperar saúde já realizaram o número
todos os cuidados adiados pela recorde de 17 milhões de horas
▶ Reforço do Estatuto emergência sanitária, reforçar extraordinárias.
do Cuidador Informal nas
dimensões seguintes: i)
reconhecimento da prestação
de cuidados informais para
efeitos de pensão de velhice;
ii) concretização do direito ao
descanso e a férias por via
de mais vagas na Rede de Gráfico 5 / Número de utentes sem médico de família
Cuidados Continuados e do
apoio domiciliário acessível
a todas as pessoas que
dele necessitem; iii) redução 1 057 000
do tempo de trabalho e do
trabalho a tempo parcial, com
mecanismos de compensação
dos rendimentos abaixo de 835 658
um determinado patamar 767 135
710 329 730 232
(tomando o valor do SMN 690 232
como base); iv) garantia de
que o subsídio de apoio chega
a todos os cuidadores que
precisam, alterando a condição
de recursos e as regras de
exclusão em função da morada
ou da condição de pensionista.
2016 2017 2018 2019 2020 2021

35
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BLOCO DE ESQUERDA

Gráfico 6 / Número de horas extraordinárias realizadas no SNS


A falta de profissionais leva ao
encerramento ou suspensão de
serviços e ao aumento do tempo
20 318 172
de espera para consultas e
17 364 530 cirurgias; a dificuldade de acesso
ao SNS torna a saúde mais cara
14 520 220
e faz com que os portugueses
11 485 820 sejam dos que mais pagam para
aceder a determinados serviços
(ver gráfico 8).

2.2. A falta de investimento


público é a predação pelo
2018 2019 2020 2021 privado
(previsto) O governo do PS tem-se
recusado a fazer o investimento
que se impõe. Em 2020 deixou
7000 milhões de euros por
executar, valor que podia e devia
ter sido canalizado para, entre
outras coisas, reforçar o SNS. Ao
mesmo tempo, segundo a OCDE,
Gráfico 7 / Vagas por preencher nos concursos para médicos
especialistas a despesa anual em Saúde em
2019 e 2020, período que já inclui
a pandemia, foi menor do que
entre 2015 e 2019.
9 367 168 Medidas inscritas em orçamentos
passados nunca saíram do papel
e investimentos sucessivamente
23 anunciados registam taxas
674 291 de execução baixíssimas
ou nulas. A construção dos
novos hospitais de Barcelos
e do Algarve já constou em
orçamentos anteriores e
desapareceu sem qualquer tipo
de execução; hospitais como
os de Lisboa ou Seixal constam
de orçamentos desde 2016,
SAÚDE ESPECIALIDADES MEDICINA GERAL
mas continuam por adjudicar. A
PÚBLICA HOSPITALARES E FAMILIAR
ampliação do hospital de Beja
ou a maternidade de Coimbra
Vagas preenchidas Vagas por preencher não saíram do papel. Em 2020

36
2022
2026

Gráfico 8 / Gastos em saúde como % das despesas em consumo em 2019

5.8
5.3
4.7 4.8 4.8
4.1 4.1
3.8 3.8 4.0
3.4 3.4 3.4 3.5 3.5 3.6 3.7 3.7 3.7
2.9 2.9 2.9 2.9 3.0 3.1 3.1 3.2
2.5 2.6 2.6 2.7 2.8
2.3 2.4 2.4
2.1 2.3
1.7 1.9 1.9 2.0
1.3
Turquia
Colômbia
Luxemburgo
Eslovénia
França
Nova Zelândia
Polónia
Costa Rica
Eslováquia
República Checa
Países Baixos
Japão
Reino Unido
Irlanda
Islândia
Canadá
EUA
Alemanha
Israel
Austrália
OECD38
Dinamarca
Finlândia
Estónia
Itália
Suécia
Noruega
Espanha
México
Brazil
Áustria
Lituânia
Hungria
Bélgica
Letónia
Rússia
Grécia
Portugal
China
Chile
Coreia
Suiça
estavam previstos 180 milhões foi executado. Em 2021 o cenário Os profissionais continuam a ver
de euros para internalização repetiu-se nesta e noutras áreas, as suas carreiras estagnadas e as
de meios complementares de como na concretização do Plano suas remunerações são das mais
diagnóstico e terapêutica. Nada Nacional de Saúde Mental. baixas da Europa.

Gráfico 9 / Aumento da remuneração de médicos de clínica geral e especialistas


(em percentagem)
10.8

6.8
5.4
4.7
3.2 3.7 3.3
2.4 2.8 2.3 2.7 2.1
1.6 1.8
1.2 1.0 1.4 0.9 1.2 1.1 1.3 1.4
0.7 0.7 0.7

-0.4 -0.1 -0.4 -0.1 -0.5 -0.5 -0.8


-1.2 -0.6 -1.6 -1.6
-2.3 -2.2
Chile Hungria Islândia Estónia Israel Polónia Turquia Espanha França Canadá Áustria México Costa Bélgica Países Reino Eslovénia Austrália Portugal
Rica Baixos Unido

GPs Especialistas

37
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BLOCO DE ESQUERDA

Gráfico 10 / Remuneração de profissionais de enfermagem


(USD PPP, thousands)
100.1

82.1
79.4
67.9 67.4
65.7
58.9 57.7 56.8
56.6 56.4 56.0 55.8
54.6 51.5
48.9 48.1 47.4
42.8 41.4 40.7
40.1 40.0 39.3 39.0 37.9
36.6
32.0 29.4 28.2
27.5 27.3
24.0 23.9 22.8
Luxemburgo
Bélgica
EUA
Austrália
Islândia
Países Baixos
Alemanha
Canadá
Israel
Costa Rica
Noruega
Nova Zelândia
Suiça
Espanha
Irlanda
Chile
OECD34
Reino Unido
Finlândia
França
Japão
Coreia
Eslovénia
Turquia
Itália
Polónia
República Checa
Grécia
México
Estónia
Portugal
Hungria
Letónia
Lituânia
Eslováquia
Gráfico 11 / Gastos do SNS com meios complementares de diagnóstico
Ao mesmo tempo que se
e terapêutica contratados a privados
desinveste nas carreiras do SNS, (em milhões de euros)
aumentam os gastos do Estado
com convenções com o privado
e aumenta a despesa com a
contratação de profissionais
através de empresas de trabalho
temporário. Em 2019, o Estado
financiou 54% da despesa dos 507
hospitais privados e 70% dos
gastos dos laboratórios privados 484,1
473,8
de análises e exames.
Esta recusa tem custos para os 450,1
utentes e para o SNS. Piora-se
439,6
o serviço prestado à população
e desperdiça-se dinheiro que
deveria estar a ser utilizado
para contratar mais profissionais
e investir em equipamentos e
edifícios. 2016 2017 2018 2019 2020

38
2022
2026

Gráfico 12 / Gastos do SNS com a contratação de trabalho temporário


médico mas que continua a permitir a
acumulação de funções entre
público e privado.
Propusemos a autonomia
das instituições do SNS para
contratação de profissionais, mas
130 na sua proposta de orçamento
o Governo excluía da autonomia
118 a contratação de médicos e
apenas a permitia desde que
105 não se aumentasse a despesa
101
98 ou o número de profissionais
permanentes.
Controlada a pandemia, o
momento deve ser o de valorizar
2016 2017 2018 2019 2020 os profissionais do SNS, mas o
PS opôs-se sempre à criação
da carreira de Técnico Auxiliar
de Saúde, a uma carreira de
enfermagem que conte os anos de
serviço e trate por igual Contratos
Individuais de Trabalho e Contratos
de Trabalho em Funções Públicas
Em 2021 o SNS gastará mais um aparelho novo a cada dois ou à abertura de concursos
de 300 milhões de euros em anos, reduzindo ainda a distância para que psicólogos pudessem
horas extraordinárias, valor e o tempo até ao diagnóstico. ingressar na carreira de Técnico
que daria para contratar quase Superior de Saúde. A todos estes
10.000 novos profissionais. 2.3. O PS falhou ao SNS projetos de lei do Bloco, o PS
A Ministra da Saúde admitiu Apesar de este ser o momento votou contra. Mesmo a iniciativa do
no Parlamento que os gastos para fazer do SNS e dos seus Bloco para a revisão da carreira de
com empresas prestadoras profissionais a prioridade do Técnico Superior de Diagnóstico e
de serviços bastariam para país, o governo recusou todas Terapêutica, ainda que aprovada
contratar mais 3500 médicos. as propostas estruturais da com outros partidos, teve no PS o
O mesmo acontece com os esquerda para recuperar a saúde. seu principal opositor.
meios complementares de O Bloco de Esquerda propôs Depois da Nova Lei de Bases
diagnóstico, que custam ao SNS, a criação de um regime é imperativo aprovar um
em convenções, 500 milhões de de exclusividade para os novo Estatuto do SNS. Ora,
euros por ano. Segundo o diretor profissionais do SNS, opcional e o documento proposto pelo
clínico do Centro Hospitalar com incentivos associados; o PS governo é, em muitos aspetos, um
de Setúbal, o dinheiro gasto recusou e contrapôs um regime retrocesso em relação ao caminho
neste centro hospitalar com que não é mais do que um feito entre 2015 e 2019. Ao voltar a
ressonâncias magnéticas feitas aumento do horário do trabalho admitir a gestão privada, abrindo
no exterior bastaria para comprar com aumento de remuneração, portas a que entidades privadas

39
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BLOCO DE ESQUERDA

possam integrar o SNS, ao não estes anos, o peso do SNS em dos 2% do orçamento do SNS.
revogar o decreto que impõe a percentagem do PIB não passou É necessário contrariar esse
municipalização da saúde ou o dos 5,6% e as verbas dedicadas percurso de enfraquecimento e
decreto que permite a criação de a investimento não foram além delapidação.
novas PPP, o Estatuto do SNS
proposto pelo Governo entra
em conflito com a Lei de Bases
aprovada em 2019. O Estatuto
propõe ainda a criação de uma As propostas ▶ Aumento do orçamento do
SNS em percentagem do PIB,
“direção executiva do SNS”, sem
clarificar métodos de nomeação
do Bloco acabando com o subfinanciamento
crónico e proporcionando margem
alheia a interesses político- para um efetivo investimento;
partidários e sem clarificar o
papel da Administração Central ▶ Criação de um plano
do Sistema de Saúde e das plurianual de investimentos
administrações regionais de saúde. associado a uma carta
Nestas e noutras matérias, o nacional de equipamentos
PS foi um travão, um obstáculo de saúde, com dotação
no caminho que é preciso própria, que permita combater
percorrer. É preciso, por isso, outro a obsolescência tecnológica
compromisso com o SNS e pelo pela renovação e aquisiçãoo
SNS. É esse o compromisso do de novos equipamentos, com
Bloco de Esquerda. especial atenção para meios
A lei de bases da Saúde de complementares de diagnóstico
Semedo e Arnaut deixou as e para as infraestruturas,
sementes necessárias para aumentando assim a capacidade
o SNS do futuro, que seja de resposta do SNS;
verdadeiramente universal,
moderno e de excelência. Agora é ▶ Exclusão do SNS da aplicação
necessário concretizar essa lei e da Lei dos Compromissos;
salvar o SNS.
▶ Desburocratização do SNS
2.4. Um compromisso para e otimização do processo de
salvar o SNS modernização tecnológica
Investimento e financiamento. através da unificação e
O SNS não pode estar simplificação dos sistemas de
constantemente subjugado ao informação, colocando hospitais
subfinanciamento ou à falta e cuidados primários em rede - o
de investimento. Segundo o Processo Clínico Único centrado
Conselho de Finanças Públicas, no cidadão, e investindo em
o défice acumulado do SNS plataformas informáticas para
entre 2014 e 2020 foi de quase profissionais e cidadãos.
3000 milhões de euros. Em todos

40
2022
2026

Acesso à saúde. Para melhorar


o acesso à saúde é necessário
eliminar duas barreiras: os
As propostas ▶ Contratação de profissionais
para zonas e serviços onde
tempos de espera e os custos do Bloco as listas de espera são mais
associados. Tempos de espera longas, através de medidas
de meses ou de anos para para captação e fixação:
consultas ou cirurgias dificultam exclusividade, melhoria de
o acesso a cuidados de saúde carreiras profissionais e criação
essenciais às populações. de equipas para recuperação de
Por outro lado, os custos com atividade;
taxas moderadoras, transporte
de utentes, medicamentos ou ▶ Eliminação das taxas
recurso a medicina privada em moderadoras em todos os atos
áreas com reduzida resposta programados, prescritos ou
no SNS são elevados e pesam referenciados, nomeadamente
muito no orçamento mensal exames, consultas e tratamentos
das famílias. Portugal é um em contexto hospitalar;
dos países da OCDE em que
as pessoas mais gastam do ▶ Expansão do regime
seu próprio bolso com custos especial de acesso ao
relacionados com a saúde e onde medicamento para todos
gastos excecionais mais colocam os utentes em condição de
em causa a economia familiar. É insuficiência económica;
inaceitável que existam pessoas
sem acesso aos melhores ▶ Combate ao desperdício
cuidados de saúde por motivos de medicamentos não
financeiros. utilizados, promovendo
programas de reutilização
segura e repensando o actual
formato de comercialização
em embalagens, adotando
mecanismos de unidose.

▶ Concretizar a
transformação do Laboratório
Militar num laboratório
nacional de produção de
medicamentos articulado
com a investigação científica
para melhorar o acesso a
medicamentos e produtos de
saúde.

41
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BLOCO DE ESQUERDA

Cuidados de saúde primários.


Apesar dos ganhos em saúde
e económicos associados às
As propostas ▶ Garantia de um médico e
equipa de saúde familiar para
Unidades de Saúde Familiar, a do Bloco todas as pessoas. Mais do que
generalização deste modelo ficou apenas médicos de família, é
esquecida. Por outro lado, existem necessário garantir a todos o
muitas pessoas sem médico acesso à sua equipa de saúde
de família, tendo esse número familiar:
aumentado para mais de 1 milhão
de pessoas. A pandemia veio ▶ Contratação dos vários
também agravar as dificuldades médicos de família recém-
de acesso já existentes a especializados que não
consultas nos centros de saúde. concorreram aos concursos
Investir nos cuidados primários é lançados pelo SNS;
investir em mais saúde e menos
doença, deslocando o foco do ▶ Aumento do número de
tratamento para a promoção da vagas para formação em
saúde. Medicina Geral e Familiar,
em especial nas regiões mais
carenciadas de médico de
família, como é o caso de
Lisboa e Vale do Tejo;

▶ Captação e contratação de
médicos que não puderam
obter especialidade por
falta de vagas para apoio a
atividades nos Cuidados de
Saúde Primários e posterior
lançamento de concurso
extraordinário para a sua
especialização em Medicina
Geral e Familiar;

▶ Estabelecimento de um
enfermeiro de referência para
cada família e da revisão
do quadro de competências
e atribuições destes
profissionais, permitindo
libertar médicos de família
de algumas funções que

42
2022
2026

os enfermeiros podem de diagnóstico de forma ▶ Redução progressiva da


e têm capacidade para descentralizada e mais perto atribuição de tarefas de
desempenhar; das populações, no âmbito dos rastreio epidemiológico aos
cuidados de saúde primários; médicos de família de forma a
▶ Introdução de Técnicos recuperar cuidados em atraso e
Auxiliares de Saúde nas ▶ Criação de novas Unidades melhorar a resposta atual;
equipas de saúde familiar de Saúde Familiar (USF) e
para apoio aos enfermeiros remoção de qualquer barreira ▶ Desenvolvimento de canais
na prestação de cuidados administrativa (como o caso de comunicação telefónicos
domiciliários em situações de da quotas estabelecidas e eletrónicos eficazes com
menor complexidade; arbitrariamente) para a criação cuidados de saúde primários
ou evolução de USF; para melhorar o acesso à saúde;
▶ Reforço dos cuidados de
saúde primários com todos ▶ Reforço das Unidades ▶ Descentralização dos
os restantes profissionais de Recursos Assistenciais cuidados de saúde de
essenciais para criar equipas Partilhados com mais especialidade (como pediatria,
de saúde familiar (assistentes profissionais e serviços como ginecologia/obstetrícia,
técnicos, operacionais psicologia, nutrição, fisioterapia, oftamologia, dermatologia,
auxiliares e administrativos, terapia ocupacional, podologia, entre outros), situando-os mais
psicólogos, nutricionistas, etc.; próximos das populações;
higienistas orais e assistentes
sociais). ▶ Criação de Gabinetes de ▶ Capacitação dos cuidados
Prevenção e Tratamento de de saúde primários para uma
▶ Redimensionamento dos Ansiedade e Depressão nos resposta eficaz às pessoas em
Agrupamentos de Centros de centros de saúde; condição de vulnerabilidade
Saúde para um máximo de 100 social ou insuficiência
mil utentes nas áreas de grande ▶ Disponibilização de económica, apoiando aquelas
concentração demográfica e 50 cuidados de saúde oral; com múltiplas doenças e
000 nas restantes e garantir- que necessitam de cuidados
lhes autonomia gestionária e ▶ Investimento nas Unidades de saúde frequentes com
administrativa; de Cuidados na Comunidade; programas individuais de
acompanhamento.
▶ Capacitação dos cuidados ▶ Criação centros de
de saúde primários para o diagnóstico e o estreitamento
atendimento urgente por forma da articulação e comunicação
a reduzir a pressão sobre as entre centros de saúde
urgências hospitalares; e os hospitais locais e
estabelecimento de consultorias
▶ Promoção da realização de técnicos hospitalares, em
de análises clínicas e outros cooperação com os hospitais de
meios complementares zona;

43
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BLOCO DE ESQUERDA

Saúde pública. A pandemia


demonstrou que os serviços de
saúde pública são essenciais,
As propostas ▶ Alteração dos rácios previstos
na lei, reforçando o número
mas que Portugal tem poucos do Bloco de médicos e enfermeiros
profissionais e equipas pequenas especialistas em saúde
para um trabalho tão exigente. Na pública e de técnicos de saúde
maioria dos hospitais não existem ambiental com a abertura de
serviços de epidemiologia concursos para preenchimento
hospitalar. É assim urgente dos lugares resultantes da
reforçar os especialistas em aplicação do novo rácio;
saúde pública no SNS.
▶ Alargamento das equipas
de saúde pública, de forma a
nelas incorporar profissionais
com outros conhecimentos e
competências, como, por exemplo,
estatística, informática da saúde,
epidemiologia, ciências sociais e
comportamentais, entre outras;

▶ Lançamento de um concurso
extraordinário para formação
médica especializada em saúde
pública destinado às centenas
de médicos recém-licenciados
que nos últimos anos têm sido
impedidos de frequentar formação
especializada;

▶ Reconhecimento da profissão
de epidemiologista;

▶ Retirada da realização de
juntas médicas da alçada das
unidades de saúde pública,
criando uma resposta específica
para este efeito, e automatizando
o acesso a atestado multiuso
para patologias ou situações
clínicas consideradas altamente
incapacitantes, conforme matriz a
definir pela DGS.

44
2022
2026

O país precisa de
recuperar os cuidados
adiados pela emergência
Gestão pública. Para que a
saúde não seja um negócio, é sanitária, reforçar as
preciso dotar o SNS de todos
os recursos e meios de que respostas à população
necessita, mas também de um
modelo de gestão pública que e responder aos
respeite a sua missão. Para isso
é necessário ultrapassar a lógica
empresarial hoje dominante.
profissionais de saúde.

As propostas ▶ Revogação do decreto-lei


n.º 23/2020, de 22 de maio,
▶ Promoção da autonomia das
instituições e a participação

do Bloco que estabelece as regras para


a celebração de contratos de
dos cidadãos e profissionais,
dando vida e competências
parceria de gestão na área específicas aos Conselhos da
da saúde e abre portas a novas Comunidade;
parcerias público-privado no SNS;
▶ Reavaliação da organização
▶ Integração no SNS dos vertical do SNS e o papel
hospitais que o governo PSD/ das Administrações Regionais
CDS entregou à gestão das de Saúde (ARS), da Direção-
Santas Casas da Misericórdia Geral da Saúde (DGS) e da
(Serpa, Anadia e Fafe); Administração Central do
Sistema de Saúde (ACSS), com
▶ Promoção da gestão definição clara de funções, em
democrática das unidades de proveito de uma organização de
saúde; proximidade e mais matricial;

▶ Modificação do paradigma ▶ Criação dos Sistemas


de financiamento hospitalar Locais de Saúde já previstos na
que tem sido baseado na nova Lei de Bases da Saúde;
produção de atos médicos, sem
objetivos em saúde claramente ▶ Alinhamento da definição
definidos (financiamento de atos do território de intervenção
feitos por outros profissionais e das regiões de Saúde com as
incentivos por equipas), por forma NUT II, de modo a harmonizar
a integrar dimensões associadas o planeamento, a recolha de
a outras classes profissionais e dados em saúde e a articulação
mais componentes de qualidade com as diferentes estruturas de
dos cuidados além da produção; poder local e regional.

45
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BLOCO DE ESQUERDA

Profissionais valorizados. Quem é profissional do SNS


No SNS todos contam: faz parte de um recurso público
desde médicos a assistentes vital e deve sentir-se valorizado
operacionais, passando pelos como tal. Carreira, salário e
enfermeiros, TSDT, técnicos desenvolvimento profissional
superiores de saúde, assistentes são condições para um melhor
técnicos, entre tantos outros. SNS.

As propostas ▶ Definição de uma estratégia


nacional de recursos humanos
▶ Promoção da fixação de
profissionais em regiões
do Bloco do SNS. É preciso estruturar
carreiras e aumentar salários,
carenciadas com melhor
remuneração, apoio no emprego
desenvolver planos de apoio do cônjuge e na escola dos filhos;
à formação profissional e ao
ensino tutelado e melhorar a ▶ Concretização da criação
investigação em saúde para fixar de um registo de profissionais
profissionais. Esta estratégia de saúde e um mapeamento
deve incluir a revisão das grelhas das necessidades de formação
salariais, a revogação do SIADAP (inicial e de aperfeiçoamento ou
dando lugar a um sistema justo especialização) e contratação
de progressões e avaliação de de recursos humanos, para
desempenho; a definição de um quadro de
investimento plurianual baseado
▶ Criação de um regime de nas necessidades reais;
carreira em exclusividade para
os profissionais do SNS que ▶ Reforço do número de vagas
seja atrativo, opcional e com para formação especializada
incentivos associados; dos médicos;

▶ Diversificação e ▶ Cumprimento da legislação


formalização de atividades sobre saúde ocupacional no
dos profissionais do SNS, SNS, de forma a proteger a saúde
através da criação dos estatutos dos trabalhadores;
de profissional-doutorando,
investigador e docente com ▶ Incorporação dos trabalhadores
tempo dedicado a estas de segurança e da limpeza nos
atividades; quadros das instituições.

46
2022
2026

Cuidados paliativos, cuidados A maioria dos hospitais


continuados e hospitalização
domiciliária. Na grande não tem capacidade
maioria dos hospitais ainda
não há equipas ou unidades de internamento em
de internamento de cuidados
paliativos, como prevê a Lei de
Bases. Importa também expandir
cuidados paliativos.
a hospitalização domiciliária e
criar mecanismos para reforçar
o acompanhamento das altas
hospitalares em articulação As propostas ▶ Reforço das redes de
com os CSP, passo fundamental
para reduzir os reinternamentos do Bloco Cuidados Continuados e
de Cuidados Paliativos,
evitáveis. Existem apenas aumentando o número de camas
metade das camas e menos de públicas existentes no país e
metade das equipas comunitárias reforçando tipologias ainda
necessárias. O mesmo nos inexistentes, como é o caso dos
cuidados continuados, entregues cuidados continuados de saúde
ao setor social e privado. A crise mental;
dos lares durante a pandemia
mostrou que o Estado deve ▶ Aumento o financiamento
construir e gerir estruturas para os programas de
de cuidados domiciliários hospitalização domiciliária,
para colmatar a brutal lacuna de forma a cobrir rodo o
de resposta pública, numa território, diminuindo o risco de
articulação entre saúde e infeções adquiridas em contexto
segurança social e no quadro hospitalar e melhorando o
de um Serviço Nacional de conforto dos utentes.
Cuidados.

47
A/ APRENDER COM A CRISE PANDÉMICA
E RESPONDER PELO PAÍS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Saúde Mental. A reforma da


saúde mental previa menos
institucionalização de utentes,
As propostas ▶ Execução do Plano Nacional
de Saúde Mental dotando-o
promovendo a sua integração do Bloco do orçamento necessário,
na comunidade. Quase tudo destacando-se a implementação
continua por fazer: o Plano urgente das equipas de saúde
Nacional de Saúde Mental está mental na comunidade e cuidados
por concretizar e as respostas no domicílio que envolvam os
comunitárias por implementar. utentes, cuidadores e a sua
família;

▶ Reforço das equipas


multidisciplinares de saúde
mental nos cuidados de
saúde primários com aumento
significativo do número de
psicólogos, permitindo uma
resposta imediata para situações
de ansiedade e depressão, entre
outras, impedindo o agravamento
de doenças e evitando
internamentos futuros;

▶ Desenvolvimento de respostas
na área dos Cuidados
Continuados em Saúde Mental
e na área da Autonomização
e Reabilitação Psicossocial da
pessoa com doença mental,
garantindo a inserção na
comunidade e o acesso a uma
vida ativa e autónoma.

INEM. O investimento na Saúde


deve estender-se a todos os As propostas ▶ Contratação de pelo menos
organismos públicos de saúde,
como o INEM. Este instituto é do Bloco 400 trabalhadores para o INEM,
entre técnicos de emergência pré-
fundamental na resposta de hospitalar, enfermeiros, psicólogos
emergência pré-hospitalar, mas e médicos;
tem vivido com enorme défice de
trabalhadores. ▶ Instituição de um concurso
anual de contratação, de forma a
repor os profissionais que tenham
abandonado o Instituto no ano
anterior.

48
2022
2026

Prevenção da doença. O Plano


Nacional de Saúde terminou
em 2020 e o novo ciclo de
As propostas ▶ Reforço da verba do
orçamento do SNS afeta
planeamento, altamente afetado do Bloco à promoção da saúde e
pela pandemia, deverá refletir prevenção da doença, para além
as aprendizagens destes anos dos atuais 1%;
e com a avaliação do que foi
realizado. A promoção da saúde, ▶ Criação de planos com
a prevenção da doença e o medidas concretas e execução
reforço do paradigma de saúde monitorizável mensalmente,
em todas as políticas que alterem nomeadamente re-editar o Plano
os determinantes de saúde de Ação para a Literacia para
são condições essenciais para a Saúde que termina em 2021 e
baixarmos a carga de doença concretizar a Estratégia Nacional
da população e, em simultâneo, para o Envelhecimento Ativo e
aumentar a qualidade de vida em Saudável (ENEAS);
todas as suas fases.
▶ Reforço da prevenção de
novos casos de VIH e de
outras infeções sexualmente
transmissíveis, e aumento da
capacidade de diagnóstico
e tratamento dos casos
existentes: formação de docentes
e profissionais de saúde nas
temáticas da sexualidade,
estímulo à realização do teste
rápido de VIH e outras infeções
sexualmente transmissíveis;
disponibilização da profilaxia
pré-exposição; alargamento da
vacinação contra o HPV a todas
as pessoas até aos 26 anos.

Alterações climáticas. O setor


da saúde é responsável por 4,8%
dos gases com efeito de estufa.
As propostas ▶ Redução das emissões e
da pegada ambiental do setor,
A saúde tem que fazer parte do
esforço de descarbonização e
do Bloco nomeadamente tornando os
hospitais e centros de saúde
combate às alterações climáticas. neutros em carbono até 2027.

49
A/ APRENDER COM A CRISE PANDÉMICA
E RESPONDER PELO PAÍS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

3. TRANSFORMAR AS não tem proteção, a cobertura do recursos que exclui a maioria.


PRESTAÇÕES SOCIAIS PARA subsídio social de desemprego é Hoje mantém-se o triplo recuo
COMBATER A POBREZA E O muito escassa (cerca de 2% do ocorrido no tempo da troika: corte
PRECONCEITO número total de desempregados), no valor da prestação, na duração
A crise mostrou as lacunas continuamos a ter prestações do período de concessão e na
profundas do nosso sistema de de desemprego abaixo do limiar condição de recursos do subsídio
proteção social. Houve centenas de pobreza, o valor mínimo do social. Nenhuma destas medidas
de milhares de pessoas em subsídio de desemprego mantém- foi revertida. O único corte que foi
Portugal que, tendo perdido o seu se abaixo do limiar de pobreza, o eliminado na anterior legislatura
emprego, ficaram sem acesso valor mínimo do subsídio social 2015-2019 foi o de 10% no valor da
a qualquer proteção social. de desemprego (não contributivo) prestação ao fim de 180 dias, além
Para isso contribuem formas muitíssimo abaixo do limiar de de se ter posto fim, por proposta
precárias de emprego que não pobreza. do Bloco, às humilhantes e inúteis
permitem aceder às prestações de Não admira, por isso, que os “apresentações quinzenais”. Na
desemprego, designadamente por desempregados sejam o grupo legislatura 2019-2021, houve uma
inexistência do prazo de garantia mais exposto à pobreza em majoração do valor mínimo do
exigido, o enorme volume de Portugal e o único que diverge da subsídio de desemprego.
trabalho informal (sem proteção tendência nacional de redução À debilidade do subsídio de
social), a debilidade da proteção do risco de pobreza nas últimas desemprego soma-se uma
dos trabalhadores independentes décadas. Entre 2005 e 2018, a degradação das prestações de
e o facto de os subsídios de taxa de risco de pobreza dos combate à pobreza. O Rendimento
desemprego terem sofrido, desde desempregados já tivera um Social de Inserção tem acolhido
2010, alterações na sua cobertura aumento de cinquenta por cento muito poucas vítimas desta crise:
e valor. (de 28% para 42%). Ou seja, o em 2020, aumentou apenas 1,3%
Esta realidade obrigou a que se problema já vinha de trás. Há o seu universo de beneficiários.
criassem três tipos de medidas cerca de uma década, o Governo Os desempregados e os jovens
temporárias. Novas prestações PS (em 2010) fez alterações adultos, o grupo social mais
sociais, limitadas no tempo, como estruturais com enorme impacto vulnerável à pobreza em Portugal,
o “apoio extraordinário para os no subsídio de desemprego: o não têm no RSI uma medida capaz
trabalhadores independentes”. cálculo do valor mínimo e máximo de lhes responder. Além disso, os
Novas regras, também deixou de ter como referência o valores do RSI ficam muito aquém
temporárias, para acesso às Salário Mínimo Nacional, além de do limiar da pobreza: em 2021,
prestações existentes, como a se terem alterado os períodos de a prestação média de RSI foi de
diminuição do prazo de garantia concessão. A Direita, a partir de 119,96 euros por beneficiário, por
do subsídio de desemprego e do 2012, acentuou este caminho. A mês. Desde 2010, as alterações
subsídio social de desemprego e consequência foi uma redução restritivas nas condições de
a prorrogação da sua atribuição. A do tempo de proteção para os acesso e na definição dos
necessidade destas medidas deve trabalhadores, particularmente agregados familiares ditaram
obrigar a esquerda a repensar aqueles com menores carreiras uma degradação da prestação.
profundamente todos os vazios de contributivas. O mesmo Os elementos diferenciadores
proteção social do nosso sistema. aconteceu com o subsídio social da medida, assentes num
Uma parte significativa dos de desemprego, cujo acesso foi compromisso do Estado com
trabalhadores desempregados dificultado por uma condição de um plano de inclusão para cada

50
2022
2026

pessoa, desvaneceram. A tudo, A transformação do sistema de profundas no RSI, é preciso alterar


acresce o estigma social lançado proteção social não se resolve as prestações de desemprego,
sobre a medida. apenas com medidas temporárias, revertendo os cortes no valor e
Também os trabalhadores mas exige alterações de fundo na na duração, é preciso mudar o
independentes são praticamente regulação e proteção do trabalho subsídio social de desemprego e
excluídos da proteção social e no desenho das prestações criar novos patamares de proteção
quando ficam sem atividade. de desemprego. Ninguém sem social que cubram todos os casos
A dimensão do problema ficou emprego ou sem atividade e que que não estão abrangidos pelas
clara quando mais de 200 mil não tenha rendimentos deve ficar prestações de desemprego e pelo
trabalhadores requereram o apoio desprotegido. Nenhuma pessoa RSI, o que implica uma prestação
extraordinário para trabalhadores que trabalhou e descontou deve social nova, de largo espectro,
independentes durante a ter um apoio abaixo do limiar de permanente, e com um fôlego
pandemia. pobreza. É preciso alterações diferente das que existem.

Metade das pessoas em Portugal acordo com os dados disponíveis,


Pobreza: já viveram, em algum momento da Portugal tinha, em 2020, 8209

violação sua vida, uma situação de pobreza.


Portugal continua a ser um dos
pessoas nessa situação, mais
mil do que em 2019. A pandemia
dos direitos países da Europa com maior
pobreza e com maiores níveis de
agravou a situação e apesar da
existência de uma Estratégia
humanos desigualdade. A existência de 1,7 Nacional que foi reativada depois
milhões de cidadãos e cidadãs de ter sido congelada pelo PSD e
(dos quais muitos são crianças e pelo CDS, há um enorme trabalho
jovens) em situação de pobreza a fazer. A erradicação da pobreza
é um facto que ofende o país e tornou-se uma urgência social.
que motiva a ação da esquerda. A O combate à pobreza não é
UNICEF Portuguesa, no relatório apenas uma questão de “apoio
“As crianças e a crise em Portugal” aos pobres” , às crianças ou
revela que 28,6% se encontravam, aos idosos, nem tampouco de
em 2011, em risco de pobreza políticas sociais, mas sim uma
e exclusão social. Em Portugal questão de distribuição primária
as estatísticas registam que ¼ de rendimento, de políticas
da população se encontra num orçamentais, económicas, de
patamar de pobreza e, entre estes, políticas de emprego, de educação,
predomina a população mais de saúde ou de habitação. Uma
velha e reformada. Dentro desta estratégia de erradicação da
realidade multiforme encontra-se pobreza tem por isso que incidir
também o fenómeno das pessoas sobre todas as escolhas que
em situação de sem-abrigo. De fazemos a todos os níveis.

51
A/ APRENDER COM A CRISE PANDÉMICA
E RESPONDER PELO PAÍS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas
do Bloco

52
2022
2026

▶ Reforço do Rendimento ▶ Criação uma nova prestação setoriais – particularmente


Social de Inserção, social que unifique os apoios aquelas que objetivamente terão
aumentando já em 2022 o não contributivos. Numa um potencial impacto sobre
valor de referência do RSI e primeira fase, este “Rendimento a pobreza - sejam aprovadas
diminuição da diferença da Social de Cidadania” deve ser após uma prévia avaliação dos
capitação entre os membros capaz de cobrir os casos que seus impactos na produção,
do agregado. O valor de não estão abrangidos pelas manutenção ou agravamento da
referência deve caminhar para prestações de desemprego e pobreza e da exclusão social;
o IAS e reforçar a componente pelo RSI, nomeadamente os
de integração através do que foram cobertos por apoios ▶ Reforço da Estratégia
acompanhamento e da ação extraordinários (trabalhadores Nacional de Integração das
social e integrando-o, a prazo, independentes, informais, Pessoas Sem-abrigo. Entre
no Rendimento Social de trabalhadores com prazos outras medidas, deve haver
Cidadania; de garantia inferiores a meio um investimento substancial
ano). Numa segunda fase, o num programa nacional de
▶ Reforço das prestações de Rendimento Social de Cidadania “Housing First” (ou Casas
desemprego, designadamente: absorveria o RSI e o Subsídio Primeiro), através do qual, em
i) retomando o salário mínimo Social de Desemprego (duas articulação com os municípios,
nacional como referência do prestações não contributivas, se concedam habitações
valor mínimo do subsídio de isto é, financiadas pelo sem impor condições prévias,
desemprego contributivo (e Orçamento do Estado), fundindo como primeiro passo para o
não o IAS, que ainda por cima assim estes apoios numa nova processo de reintegração. Em
é inferior ao limiar de pobreza); prestação, com um nome menos quatro anos, este programa
ii) aumentando os períodos estigmatizado e com um novo deve dar resposta ao conjunto
de concessão, voltando às impulso. Ela funcionaria como de situações identificadas.
regras de 2009; iii) tornando uma prestação diferencial capaz Deve também ser garantida a
o valor do IAS (438,83€) o de garantir que ninguém fica contratação de profissionais
valor mínimo de referência do abaixo do limiar de pobreza; com formação especializada
subsídio social de desemprego que acompanhem as pessoas,
(atualmente é 80% do IAS no ▶ Subordinação das novas assegurando que o programa
caso do trabalhador considerado políticas públicas à prévia das “Casas Primeiro” tem
isoladamente); mudar a condição avaliação no Parlamento capacidade de sucesso nos
de recursos do subsídio social do seu previsível impacto, seus objetivos;
de desemprego, tomando o positivo ou negativo, sobre a
IAS (e não 80% do IAS) por pobreza e a exclusão social. ▶ Criação de uma estratégia
elemento do agregado o valor É instrumentalmente crucial nacional para a erradicação
de referência para acesso ao que, para além de atacarmos da pobreza e exclusão
subsídio social de desemprego e as consequências sejamos social, garantindo uma ampla
mudar a capitação dos membros capazes de prevenir as causas participação em todas as fases
do agregado; e que, para isso, as políticas do processo.

53
A/ APRENDER COM A CRISE PANDÉMICA
E RESPONDER PELO PAÍS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

4. UMA MUDANÇA NA a taxa de risco de pobreza deste pública. Por outro lado, a
POLÍTICA DE CUIDADOS: grupo geracional, sendo que as escassez de cuidados formais
O SERVIÇO NACIONAL DE mulheres se encontram entre as não é sequer compensada com
CUIDADOS mais atingidas por este flagelo. o reconhecimento do cuidado
A pandemia expôs as várias O nosso país tem, além disso, uma informal e com transferências
dimensões da “crise de cuidados” escassa taxa de cuidados formais: sociais para as famílias: o estatuto
que vivemos. A provisão de menos de 13% dos idosos têm do cuidador informal tem vindo a
cuidados sociais continua a acesso a apoio de profissionais, ser boicotado pelo Governo e não
assentar, em grande medida, seja apoio domiciliário, seja abrange mais do que 900 pessoas
nas famílias e, dentro destas, a apoio institucional (centros de em todo o país, as prestações por
sobrecarregar as mulheres no dia e lares). A rede de cuidados dependência oscilam entre os 105
cuidado de crianças, idosos e continuados não tem mais de 15 e os 190 euros mensais.
pessoas dependentes. mil vagas, num país em que as O modelo de cuidados que temos
Portugal é um dos países mais necessidades ultrapassam muito é injusto, promove a desigualdade
envelhecidos do mundo. No ano a oferta. A despesa pública em e a divisão sexual do trabalho
de 2020, 23% da sua população cuidados de longa duração é e assenta na externalização e
tinha mais de 65 anos de idade, o irrisória: 0,4% do PIB, quando em na precariedade. As respostas
que torna mais urgente a adoção países do norte da Europa, por para a infância, para a velhice
de políticas públicas eficazes a exemplo, é dez vezes mais. 37% e para a dependência são
enfrentar o combate ao isolamento dos mais de 100 mil lugares em protagonizadas pelo setor social
e solidão, bem como a diminuir creche não têm comparticipação privado, financiado por acordos
de cooperação com a Segurança
Social (cerca de 1500 milhões de
euros por ano) e tem vindo a ser

É preciso uma mudança


rejeitado que o Estado disponha
de uma rede pública de creches,

paradigmática. Essa
de respostas para a velhice e a
dependência ou de uma bolsa

transformação no modo
pública de ajudantes familiares
ou assistentes pessoais. Nos

de organizar os cuidados
cuidados continuados, só 2%
da oferta é pública. Em algumas

em Portugal tem várias


tipologias, não há nenhuma
resposta pública, mas sim uma

dimensões: culturais,
parte comparticipada pelo Estado.
Entre as profissionais de cuidados

laborais e económicas.
e do serviço doméstico (em
ambos os casos, cerca de 90%

E deve ser feita a vários


mulheres) a precariedade e os
baixos salários são a norma. A

tempos.
área dos cuidados é das que
mais tem criado emprego, mas
num modelo precário. Ao mesmo

54
2022
2026

Foto / Estela Silva / Lusa


O Bloco propõe que se
responda no imediato
às necessidades do
envelhecimento e à
dependência, reforçando
as respostas sociais.
tempo, grandes multinacionais têm da esquerda. Os modelos de paradigmática. Essa
vindo a organizar-se na Europa resposta que hoje prevalecem, transformação no modo de
para criarem um mercado de assentes na institucionalização organizar os cuidados em Portugal
cuidados, particularmente para das pessoas, na estandardização tem várias dimensões: culturais,
idosos, aproveitando os vazios de procedimentos e na laborais e económicas. E deve ser
da política pública. Criar uma desvalorização da autonomia feita a vários tempos.
resposta a esta lacuna, garantindo de cada um e cada uma O Bloco propõe que se responda
a criação de dezenas de milhares geram sofrimento e têm de ser no imediato às necessidades do
de postos de trabalho com repensados. envelhecimento e à dependência,
direitos, deve ser uma prioridade É preciso uma mudança reforçando as respostas sociais.

55
A/ APRENDER COM A CRISE PANDÉMICA
E RESPONDER PELO PAÍS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Investimento na rede de


serviços de proximidade e de
o Estado celebra acordos de
cooperação;
do Bloco cuidados domiciliários, como
suporte de continuidade das ▶ Exigência de que seja alargado
pessoas nas suas casas e na a todo o território nacional e
comunidade; aplicado integralmente o Estatuto
dos Cuidadores e Cuidadoras
▶ Reforço da comparticipação Informais, reconhecendo o
estatal nos acordos de seu trabalho na prestação de
cooperação com o setor social cuidados;
para valores que acompanhem
a inflação, de forma a cobrirem ▶ Prioridade ao policiamento de
as despesas das mais variadas proximidade que, em articulação
respostas dadas atualmente pelas com as autarquias locais, USF ou
IPSS; Centros de Saúde, permitam a
sinalização de séniores em risco,
▶ Reformulação dos acordos seja de violência, seja de solidão,
de cooperação com o setor seja de pobreza extrema;
social para permitir a adaptação
das respostas sociais às ▶ Criação de um Sistema de
necessidades da população, Telecuidado público articulado
designadamente através de com o SNS;
alargamento de horários de
funcionamento; ▶ Garantia de médico de família
para maiores de 65 anos e
▶ Inspeção regular das Estruturas resposta adequada de cuidados
Residenciais para Pessoas paliativos;
Idosas (Lares) e dos Centros
de Dia, tanto nas condições de ▶ Criação de unidades locais de
segurança como na garantia reabilitação e suporte a pessoas
da qualidade dos cuidados com doenças degenerativas
prestados e adequação de em todas as freguesias ou por
funções dos e das profissionais uniões de freguesia.
que lá trabalham;
O Bloco defende ainda que
▶ Exigência de contrapartidas se repense profundamente a
laborais nos acordos de política pública de provisão de
cooperação com IPSS, cuidados. Para isso, propõe
designadamente a progressiva a criação de um Serviço
uniformização das tabelas Nacional de Cuidados, que
salariais entre setor social e as desenvolva em todo o território
mesmas categorias no setor uma rede de respostas públicas
público, a existência de contratos na área da infância, da velhice, da
estáveis e o não recurso a dependência e da promoção da
falsos recibos verdes por parte autonomia, de caráter universal e
das instituições com as quais tendencialmente gratuito:

56
2022
2026

▶ Este serviço deve começar


pela criação de respostas
públicas nas tipologias que a O Bloco defende
lei já prevê (creches, centros de
dia, centros de noite, estruturas ainda que se repense
residenciais para pessoas
idosas, apoio domiciliário, profundamente a política
centros comunitários, centros de
atividades ocupacionais, unidades pública de provisão de
de cuidados continuados, equipas
de cuidados paliativos, entre cuidados. Para isso,
outros), a partir da identificação
das zonas com maior carência propõe a criação de um
de resposta e da identificação de
imóveis que sejam propriedade Serviço Nacional de
do Estado e que possam ser
utilizados para o efeito; Cuidados.
▶ O Serviço Nacional de
Cuidados deve também promover
a articulação entre os serviços o acesso à rede de cuidados da Vida Independente, que
de saúde e da segurança continuados e o acesso a deve merecer um investimento
social, nomeadamente integrando licenças; robusto);
o apoio domiciliário hoje apoiado
pela Segurança Social com ▶ O Serviço Nacional de ▶ O Serviço Nacional de
a intervenção domiciliária Cuidados deve promover um Cuidados deve prever a
das equipas de cuidados na plano de desinstitucionalização possibilidade de parcerias
comunidade existentes na que passe pela construção e público-público, eliminando
rede de cuidados primários pelo financiamento de novas desde logo a impossibilidade
de saúde. O Serviço Nacional respostas assentes na legal de financiamento direto da
de Cuidados deve promover autonomia das pessoas e na Segurança Social a respostas
também a articulação entre sua associação cooperativa: sociais geridas pelos municípios e
segurança social e educação, modelos de co-habitação e freguesias;
nomeadamente nas respostas à novos formatos de habitação
infância e na concretização da pública com infraestruturas ▶ Numa segunda fase, o Serviço
rede pública de creches; de cuidados (centros de Nacional de Cuidados pode
convívio, lavandarias públicas, paulatinamente internalizar
▶ O Serviço Nacional de espaços para crianças, cozinhas algumas das funções e dos
Cuidados deve tutelar as partilhadas), uma bolsa equipamentos que fazem
respostas aos cuidadores nacional de apoio domiciliário atualmente parte da rede de
e cuidadoras informais, (incluindo cuidados sociais, instituições do setor social,
concretizando todas as de saúde, serviço doméstico como se fez aquando da criação
dimensões em falta no Estatuto e atividades culturais para do Serviço Nacional de Saúde,
dos Cuidadores Informais, pessoas dependentes) e uma dando coerência e planeamento
designadamente o descanso ao bolsa nacional de assistentes a uma rede pública em todo o
cuidador, o apoio domiciliário, pessoais (na linha do modelo território.

57
PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Um Programa
de Investimentos
para Responder
à Crise Climática

TRANSPORTES PÚBLICOS
PARA TODA A GENTE

DEMOCRATIZAR A ENERGIA
PARA RESPONDER ÀS
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E À
POBREZA ENERGÉTICA

ADAPTAÇÃO DA PRODUÇÃO
E DO TERRITÓRIO ÀS
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
2022
2026

/ 59

Foto / Paula Nunes


PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Um programa
de investimentos
para responder
à crise climática

D
O problema o apoio aos países mais pobres
esde que as Nações continuam subjugados ao lóbi
Unidas reconheceram a das indústrias poluentes, à
existência de alterações hipocrisia do “capitalismo verde”
climáticas, nos anos 70, as e ao egoísmo de quem não quer
emissões mundiais praticamente abdicar do seu privilégio.
duplicaram. Em 2015, o Acordo O acordo para travar a
de Paris estabeleceu um desflorestação até 2030
compromisso: a contenção do celebrado na COP26 é o seu
aumento da temperatura global melhor retrato: não é vinculativo
para que não ultrapasse 2.ºC até e vem substituir um outro que
2100, o que requer a redução para tinha 2020 como a data para o fim
metade das emissões de gases da desflorestação. A cimeira do
poluentes até 2030. A ciência clima mostra que o capitalismo
declara-o e a ONU confirma-o: é incapaz de encontrar soluções
o tempo das declarações de para a crise climática que criou.
intenções acabou. Apesar disso, A crise climática agravou-se
a 26ª cimeira global sobre o enquanto os governos mais
clima (COP26), que se seguiu ao poderosos lutam pelas indústrias
relatório internacional que assume poluentes, protegiam a finança
o aquecimento global como predatória e ignoravam os
consequência da ação humana alertas dos cientistas. Essa
e em aceleração, foi incapaz de irresponsabilidade voltou a impor-
avanços efetivos. No momento de se: mesmo se cumpridos os
todas as decisões, os governos objetivos definidos na COP26 (e
mundiais falham aos povos: não são imperativos) a subida
os compromissos necessários da temperatura média poderá
para a descarbonização e para duplicar o objetivo limite de 1,5ºC.

60
2022
2026

61
Foto / Ana Mendes
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Reafirmamos o nosso
programa assente em
políticas de investimento
A solução
Perante este cenário, Portugal

público e de justiça
não pode arrastar o passo ou
ceder à tentação de imputar a

social para combater a


quem já vive com dificuldades o
custo de uma transformação que

emergência climática.
tem que ser sistémica e justa.
Para a emergência climática, o
Bloco de Esquerda reafirma o seu
programa assente em políticas de
investimento público e de justiça
social.
Portugal tem de cumprir a
sua parte. Apresentamos os do transporte público, ferroviário e o combate à produção de
seguintes eixos fundamentais e rodoviário; a adaptação plásticos descartáveis e de uso
para uma transição energética territorial e produtiva às único; a aceleração da transição
que previna a catástrofe alterações climáticas, com uma para as energias renováveis,
e defenda as pessoas: o nova política agrícola e florestal, com foco na produção solar
desenvolvimento e eletrificação a proteção dos recursos hídricos descentralizada.

Lei de bases Portugal juntou-se ao grupo de


países com uma Lei de Bases do
dos movimentos ambientalistas
contra o que antes era um dos
do clima Clima, um compromisso do Bloco
no seu último programa eleitoral.
objetivos do governo. Também
as centrais de produção de
A lei reconhece a situação de eletricidade a partir do carvão não
emergência climática e o país regressarão.
passa a ter metas de mitigação A lei configura um avanço, embora
e data para a neutralidade pudesse ser ainda mais ambiciosa,
climática inscritas na lei, assim como o Bloco propôs. Ainda assim,
como políticas para a mitigação foi possível derrotar a ideia de que
e adaptação. A justiça climática a lei não devia ter metas ou que
é um dos principais objetivos da deveria inscrever o princípio do
lei e dá centralidade à criação poluidor-pagador. O Bloco mantém
de emprego e ao combate à divergências com alguns dos
pobreza energética. A cooperação conteúdos da lei, nomeadamente
internacional e o reconhecimento na manutenção da chamada
do estatuto do refugiado climático fiscalidade verde e nos mercados
são outros pontos importantes. de carbono, que não são solução
A exploração de gás e petróleo e aumentam as desigualdades
ficam interditas, uma grande vitória sociais.

62
2022
67 mil 101 mil
2026
(A8) (A1)
Mafra
V. F. Xira

Loures
67 mil
Sintra 17 mil
(IC19)
(IC17)
5. TRANSPORTES PÚBLICOS
Alcochete
PARA TODA A GENTE 80 mil (A5) Lisboa
A repartição modal das
Montijo
deslocações em Portugal é 31 mil
desequilibrada face à média
Cascais
Barreiro (A12)
da UE27. Segundo dados da
Comissão Europeia (Statistical Seixal
Pocket Book 2021), em 2019,
87% dos passageiros por Km
utilizaram transporte rodoviário
73 mil
individual, 7% recorreram ao (A2)
Setúbal
transporte público rodoviário, 5%
utilizaram o comboio e apenas
1% o Metro ou o Metro Ligeiro
de Superfície. Em contrapartida,
na UE27, a repartição modal
dos passageiros por Km foi,
respetivamente, 82% para o
transporte individual, 9% para o
transporte público rodoviário, 8% Gráfico 13 / Por onde entram os carros em Lisboa
para a ferrovia e 2% para o Metro.
Fonte: Expresso “Saiba por onde entram 370 mil carros todos os dias em Lisboa”
Esta repartição modal, como
uma grande predominância do
automóvel, tanto na UE como
em Portugal, está associada uma
relevância maior dos transportes
e, nesses, do transporte
rodoviário individual, no total das A estratégia de favorecimento percentagem mais de 10 p.p.
emissões de CO2. Em 2019, em do automóvel individual é superior à registada nos
Portugal, 41% das emissões de especialmente visível nas maiores Censos de 2001. Segundo
CO2 tiveram origem no setor dos áreas urbanas, de onde entram um estudo da Câmara
transportes, 30% na indústria e saem milhares de veículos Municipal de Lisboa
da produção de Energia, 21% diariamente. Segundo os Censos de 2018, cerca de 370
na Indústria Transformadora, de 2011, a população da Grande mil carros entravam
3,1% no setor residencial e 4,3% Lisboa gastava em média 52 todos os dias em
serviços/agricultura. Na UE27, minutos a deslocar-se entre casa Lisboa, além dos
a repartição das emissões de e o local de trabalho ou estudo, 160 mil que já estavam
CO2 por setor apontava para sendo o valor correspondente na cidade. As implicações
32,6% nos transportes, 30,3% para o Grande Porto de 42 em termos de emissões
na Energia, 21,2% na Indústria minutos. Em Lisboa, 54% desta de CO2, poluição diversa e
Transformadora, 9,2% no população usava o automóvel desperdício de tempo são
Residencial e 6,4% nos serviços/ como o meio de transporte muito consideráveis (ver
agricultura. para estas deslocações, uma gráfico 13).

63
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Mudar radicalmente o perfil engarrafamentos e deslocações; Oslo, Copenhaga, Bruxelas


da mobilidade, dar primazia ▶ Aumento dos níveis de conforto, e muitas outras cidades
à escolha e utilização do sossego e qualidade de vida vão no sentido de proibir a
transporte coletivo, privilegiando o urbana, particularmente nas zonas circulação da grande maioria
investimento no modo ferroviário dos centros das cidades objeto de dos veículos em áreas centrais
é a proposta fundamental que exclusão do tráfego automóvel; demarcadas. Estão comprovados
o Bloco apresenta, nas áreas ▶ A maior integração funcional os benefícios em termos de
metropolitanas como em todo o entre os centros e as periferias poluição sonora, qualidade do ar,
país. das áreas metropolitanas, redução de emissões de CO2 e
Nas áreas metropolitanas de contribuindo para compensar aproveitamento do tempo.
Lisboa e do Porto reside 44% a pressão imobiliária sobre os Naturalmente, as zonas da “cidade
da população do país, 2,6 centros e para assegurar o direito sem carros” não são socialmente
milhões na AML e 1,6 milhões à cidade da generalidade da aceitáveis sem a prévia criação
na AMP. Dos restantes 5,3 população residente; de alternativas rápidas, seguras
milhões de habitantes, cerca de ▶ Promoção do emprego, em e confortáveis. Em Portugal, esse
4 milhões vivem em cidades. Em particular nos setores dos é o complemento indispensável
todas estas, o direito efetivo à transportes e da construção para à introdução dos passes
mobilidade só pode ser universal estas funções. metropolitanos no âmbito do
com base em transportes públicos programa de redução tarifária em
coletivos. Sem essa transição 5.1. Transformar a mobilidade 2019. De acordo com o Relatório
para uma mobilidade mais coletiva nas áreas metropolitanas Global de Avaliação de Impacto do
e elétrica, nenhuma meta de O Inquérito à Mobilidade nas PART, verificou-se um significativo
descarbonização do país será Áreas Metropolitanas de Lisboa aumento da venda de passes:
cumprida. (AML) e do Porto (AMP) de 2017 mais 25% na Área Metropolitana
São bem conhecidas as vantagens mostra que o automóvel privado de Lisboa, mais 30% na Área
económicas, ambientais e sociais foi utilizado em 68% e 59% das Metropolitana do Porto e
de um programa consistente deslocações, respetivamente. mais 29% em 9 Comunidades
de substituição do recurso Os transportes públicos e/ou Intermunicipais. Também denota,
ao transporte individual por coletivos representaram 16% das por exemplo, que o impacto
transportes públicos de qualidade deslocações na AML e 11% na no trânsito foi importante, com
mas que só se concretizarão se o AMP. As restantes deslocações menos 4,1% de tráfego na Ponte
apoio tarifário for complementado foram feitas a pé ou em modos 25 de Abril ou 1,7% no IC19, e o
por um plano consistente de suaves. Note-se que, no conjunto resultado foi uma diminuição das
investimento na abrangência e das duas áreas metropolitanas, emissões, nomeadamente o NO2
qualidade da oferta para: há cerca de 2,9 milhões de que desceu 20%. O aumento
▶ Redução das emissões de CO2 deslocações/dia: não se pode da procura proporcionado
e poluentes; tratar a gestão da mobilidade pela redução dos preços tem
▶ Redução do consumo de metropolitana desconsiderando as que ter correspondência no
combustíveis, com efeitos suas periferias territoriais. alargamento dos sistemas de
positivos na balança comercial Em diversas partes do mundo, transportes coletivos e das suas
energética e no endividamento muitas cidades têm vindo várias componentes rodoviária,
externo; a abraçar o objetivo de se ferroviária e fluvial nas regiões
▶ Redução do tempo perdido em tornarem “cidades sem carros”. metropolitanas.

64
2022
2026

As propostas ▶ Descarbonização dos modos


de transportes, com soluções
▶ Reforço de verbas do
Fundo Ambiental para compra
do Bloco ferroviárias ao nível dos transportes de bicicletas elétricas e
urbanos, suburbanos e sub- convencionais;
regionais;
▶ Criação de um programa
▶ Aprofundamento da integração público de car sharing nas
modal, horária e tarifária de todos principais cidades portuguesas;
os modos de transporte existentes;
▶ Requalificação das linhas
▶ Redução do custo dos ferroviárias de acesso a Lisboa e
transportes públicos em direção Porto:
à gratuitidade, começando pelos
jovens até aos 18 anos, pessoas ▶ Lisboa: linhas de Cascais,
com 65 ou mais anos e pessoas Sintra, Azambuja, Eixo
com deficiência; Ferroviário N/S e Barreiro/Praias
do Sado;
▶ Redução do preço dos passes
sociais no âmbito do PART; ▶ Porto: linhas de Aveiro, Minho,
Braga, Guimarães e Douro
▶ Criação de zonas centrais de (Caíde/Marco de Canaveses,
grande restrição à circulação Régua);
automóvel nas grandes cidades,
começando por Lisboa e Porto, ▶ Expansão e qualificação das
abrangendo em quatro anos 100 redes de metropolitano:
hectares em Lisboa (Baixa, Chiado e
Avenida da Liberdade) e 40 hectares ▶ Lisboa: a rede de Metro
no Porto (Ribeira, Sé e Aliados) com deve chegar à zona ocidental a
vista a posterior expansão; partir de duas linhas existentes
e continuar a aumentar a sua
▶ Promoção de meios de cobertura territorial:
mobilidade suave:
▶ Extensão da linha amarela
▶ Construção de ciclovias Rato-Estrela-Alcântara com
e sistemas de bicicletas interface de transportes com
partilhadas, com a criação a Linha de Cascais, crucial
de equipas técnicas de apoio para descongestionar o
aos municípios para o seu interface do Cais do Sodré;
planeamento, desenho e
execução, bem como para a ▶ Extensão da linha vermelha
elaboração de um manual de para Campolide - Amoreiras
boas práticas; - C.Ourique - Alvito - Ajuda
- Hosp.S.F.Xavier - Algés,
▶ Alargamento da dedução do construindo em redor da
IVA no IRS às reparações de estação terminal um novo
bicicletas; interface com a CP/Carris/ ▶

65
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Privados à entrada da
cidade em sistema de park
and ride;

▶ Extensão da Linha 5.2. As áreas metropolitanas sar os grandes centros urbanos.


Amarela entre Odivelas- não são só as grandes Uma parte importante das des-
Loures por 4,5km, cidades locações para as cidades de Lis-
contrariando o erro do O projeto de desenvolvimento do boa e Porto faz-se no âmbito das
fechamento da chamada transporte público deve ultrapas- respetivas áreas metropolitanas.
Linha Circular;

▶ Extensão da Linha
Verde entre Telheiras - Av.
Nações Unidas - Bairro
As propostas ▶ Expansão do Metro Sul do
Tejo às fases de desenvolvimento
Padre Cruz - Pontinha,
num total de 3 km.
do Bloco já previstas (Seixal, Barreiro,
Moita) e posterior prolongamento
a Montijo e Alcochete, num total
▶ Porto: alargamento segundo de 40 km;
as linhas previstas no plano de
expansão de 2007: nova linha ▶ Três novas linhas semi-
rosa para a zona ocidental do circulares na Margem norte
Porto/Matosinhos, expansão para veículos ferroviários ligeiros
para Gondomar e Vila d’Este de superfície, de modo a cobrir
(esta última em curso). ligações transversais a norte da
AML:
▶ Renovação e ampliação em
20% da frota de autocarros ▶ Circular Regional Exterior
da Carris (Lisboa) e da STCP de Lisboa, ligando à superfície
(Porto) numa legislatura, o corredor Algés/Est.CP -
contrariando a opção pela Carnaxide - Amadora - Odivelas
aquisição de veículos a diesel - Loures - Sacavém - Gare do
e gás natural, com a aposta Oriente, num total de 30 km;
nos veículos elétricos. A opção
por autocarros elétricos é ▶ Linha de Metro Ligeiro
vantajosa face ao diesel em de Superfície no traçado
cerca de 300 mil euros por do antigo SATU em Oeiras
unidade. Esta redução de custos ligando transversalmente as
pode ultrapassar os 50% com linhas de Cascais e de Sintra
a incorporação dos fundos (Oeiras - Tagus Park - Lagoas
POSEUR; Park - Cacém), num total de
17km;
▶ Construção de novos silos
de estacionamento (10 na ▶ Ligação das linhas de
Grande Lisboa e 7 no Grande Cascais a Sintra ao longo
Porto) nas zonas de confluência do corredor da EN9 e com
com os transportes suburbanos. extensão posterior à Linha
do Oeste na estação CP Mira

66
2022
2026

5.3. Transformar a mobilidade em destino fora dessas áreas. Essa CIM (15% do total do PART) foi
todo o território, sem exclusões realidade não foi abrangida pelo diminuto como os critérios de
Um terço das deslocações pen- Plano de Apoio à Redução Tari- financiamento dos sistemas de
dulares nas áreas metropolitanas fária (PART), que continua a não transportes públicos não respeita-
de Lisboa e do Porto têm origem/ incluir o transporte inter-regional ram a equidade entre territórios e
rodoviário e ferroviário com as populações.
regiões metropolitanas ou entre No Orçamento do Estado para
Comunidades Inter-Municipais 2022, o Governo incluiu uma
Sintra/Meleças, num total (CIM), preterindo quem se deslo- diminuição de verba a alocar ao
de 25 km. ca em torno de cidades de média PART, menos 60 milhões face a
dimensão, do litoral ou do interior. 2021 (198,5 milhões de euros em
▶ Criação de uma nova O Bloco de Esquerda foi o único 2021 vs 138,6 milhões de euros
linha em modo tram-train na partido que apresentou propostas previstos para 2022). Esta opção
AMP na sub-região do Vale nesse sentido, rejeitadas pelo PS. contraria o reforço do caminho de
do Sousa ligando Valongo- Não só o envelope distribuído às descarbonização da economia.
Paredes-Paços de Ferreira-
Lousada-Felgueiras, num total
de 36 km;

▶ Integração e reabilitação
As propostas ▶ Reforço anual das verbas afe-
tas ao PART todos os anos e corre-
do antigo ramal ferroviário do Bloco ção das desigualdades nos critérios
da Trofa. de financiamento;

Este programa de intervenção ▶ Investimento em ligações por


nas duas áreas metropolitanas ferrovia ligeira em zonas com ca-
envolve um investimento racterísticas metropolitanas:
estimado em 4.200 milhões de
euros ao longo de dez anos, ▶ O sistema de Mobilidade do
um esforço anual de cerca Mondego, ligando os muni-
de 420 milhões de euros. cípios de Lousã, Miranda do
Com uma comparticipação Corvo e Coimbra em metro-
por fundos comunitários em politano ligeiro de superfície,
padrões atuais (que poderia num total de 40 km;
ser maior caso o Plano de
Recuperação e Resiliência ▶ O tram-train do Algarve,
tivesse previsto ligações ligando Faro a Portimão, via
ferroviárias), estima-se o custo aeroporto, e as diferentes
orçamental nacional em cerca cidades que se localizam junto
de 170 milhões de euros/ à orla costeira algarvia, num
ano. O decorrente acréscimo total de 63km;
de custos de exploração é
estimado em 100 milhões de ▶ Estas medidas têm um cus-
euros/ano. to de 650M€ em dez anos.

67
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

5.4. Um plano ferroviário ▶ Toda a rede deve estar ele- formas logísticas regionais e
nacional trificada e gerida com recur- fronteiras - por onde circula-
O Plano Ferroviário Nacional so a sistemas automatizados rão os serviços ferroviários;
(PFN) que o Bloco tem vindo a de- de sinalização, controlo e
fender assenta num programa de gestão de tráfego; ▶ Deve estar garantido aos
investimentos públicos ao longo cidadãos com mobilidade
de duas décadas para: ▶ Todas as capitais regio- reduzida pleno acesso à rede
nais ou distritais devem estar ferroviária e às composições
▶ requalificação integral da ligadas por via ferroviária de ferroviárias que nela circulem;
Rede Ferroviária Nacional; modo que permita a multimo-
dalidade no transporte inter- ▶ O peso da quota ferroviá-
▶ reforço e extensão da Rede no e internacional; ria no transporte terrestre de
nos territórios deficitários de pessoas e mercadorias de-
transporte ferroviário; ▶ Devem estar asseguradas verá ser 40% das toneladas-
ligações funcionais entre os -quilómetros transportadas e
▶ reequilíbrio da repartição vários sistemas logísticos 40% dos passageiros-quiló-
modal entre os vários modos de – portos, aeroportos, plata- metros transportados.
transporte;
Tabela 1 / Grandes números do Plano Ferroviário Nacional 2040 face
▶ correção das assimetrias aos previstos nos Planos Ferrovia 2020
e reforço da coesão social e e ao PNI 2030/Ferrovia
territorial.

F2020
Para além dos efeitos positivos na Indicador PFN 2040 Var %
+PNI2030
redução do esforço financeiro do
país no comércio de licenças de Extensão da RFN intervencionada
+1776 km +1950 km +9,8%
emissão de CO2, o PFN contribui- (construção + reabilitação)
rá fortemente para a descarboni- Nova construção de RFN +486 km +1737 km +257%
zação da economia. Custo total dos investimentos (M€) 4 900 M€ 6 500 M€ +33%
No final do período do Plano (até
2040): Nota: valores não incluem as redes ferroviárias ligeiras consideradas no ponto anterior

68
2022
2026

▶ Construção de travessias produção, manutenção e moder-


As propostas ferroviárias em vários pontos nização de material ferroviário

do Bloco do território, suprindo ligações


em falta, começando pela tra-
nas instalações oficinais da CP
no Entroncamento, em Guifões/
vessia exclusivamente ferroviária Matosinhos e no Barreiro, bem
do Tejo. Nesta deverão coexistir como nas outras oficinas da CP
múltiplos serviços ferroviários e instalações da ex-REFER com
de passageiros, assim como de espaço disponível. O objetivo é
mercadorias; a redução da dependência e do
endividamento externo, mas tam-
▶ Reforço do domínio de atua- bém uma estratégia de reindus-
ção de uma empresa pública trialização no setor dos trans-
dedicada à ferrovia, recuperan- portes assente na recuperação
do as capacidades e recursos e aprofundamento de competên-
humanos qualificados indispen- cias e capacidades.
sáveis ao desenvolvimento da
indústria ferroviária em Portugal Este programa inscrito no Plano
que existiram na ex-REFER, Ferroviário Nacional envolve um
ex-EMEF e na CP, como condi- investimento global (infraestru-
ção para o planeamento, projeto tura + material circulante) esti-
e execução do Plano Ferroviário mado em 9000 milhões de euros
Nacional 2040; até 2040, cerca de 450 milhões
de euros/ano, co-financiáveis por
▶ Plano de Modernização e fundos comunitários. O custo or-
Renovação do Material Cir- çamental nacional deste plano de
culante da CP para renovar/ investimentos será de cerca de
modernizar 50% da frota nas 180 milhões de euros/ano. Como
próximas duas décadas: 150 já referido, o acréscimo de custos
novos veículos de tração, requali- de exploração pode representar
ficação dos restantes e aquisição cerca de 100 milhões de euros
de novas composições para o adicionais/ano. Metade desse
serviço Alfa nacional e interna- valor é recuperável nas tarifas,
cional (2500 M€), com recupera- sendo a outra metade suportada
ção de capacidade nacional de pelo Orçamento do Estado.

5.5. Um plano complementar de dos casos, à conclusão de alguns ficos, como o que se verifica na
acessibilidade rodoviária itinerários principais e comple- ponte da Chamusca que torna
O Plano Rodoviário Nacional mentares (ex: IP8, IP3, IC35, IC9, imperativo a construção do troço
(PRN) está quase construído, mas etc) à requalificação de estradas da A13, assim como a ponte que
permanece por fazer cerca de 15% principais que constituem ligações liga a Chamusca à Golegã.
do total da rede rodoviária nacio- internas em falta, ou à solução Apenas a vertente rodoviária de
nal, equivalendo, na maior parte para estrangulamentos especí- fechamento de alguns troços está

69
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

inscrita no PRR, na rubrica dos 6. DEMOCRATIZAR A ENERGIA dos combustíveis fósseis como
chamados “missing links”. No en- PARA RESPONDER fonte de energia primária, uma
tanto, tal não corresponde, nem de ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS fatura de quase 3000 milhões de
perto, às necessidades existentes, E À POBREZA ENERGÉTICA euros anuais.
em especial no interior do país. Portugal é um país marcado pela É, pois, urgente redirecionar o
É também indispensável aprovar pobreza energética, fruto em modelo energético nacional rumo
uma nova estratégia de acessibi- grande parte dos elevados cus- à neutralidade carbónica, anteci-
lidade rodoviária e romper com o tos finais dos combustíveis e da pando de forma socialmente justa
modelo de saque do erário público eletricidade, e pela elevada depen- as metas do Roteiro 2050, sem
e do bolso dos portugueses para dência energética (cerca de 75% comprometer os indicadores de
financiar as rendas milionárias nos últimos 5 anos), o que resulta independência energética.
das parcerias público-privadas. na elevada importação de produ- O foco deve ser direcionado para
Em 2021, a UTAO registava um tos energéticos a preços especu- as formas de produção de energia
aumento dos encargos com PPP, lativos, no aumento dos custos de de fontes renováveis comprovadas
sobretudo rodoviárias, tendo os produção industrial, agrícola e de (solar fotovoltaica, eólica em terra
encargos líquidos aumentado 86 serviços. e no mar, ou energia das ondas),
milhões de euros (+13,8%) no 1º Ao ritmo atual, Portugal falhará bem como a promoção de no-
semestre de 2020, face ao período as metas do PNEC 2030. Ainda vas formas de armazenamento e
homólogo. dependemos em cerca de 70-75% produção de energia, incluindo na
geoenergia, a par de mecanismos
de captura de emissões de CO2 e
da sua reutilização.

As propostas ▶ Antecipação do fim das


PPP rodoviárias, começando
A transição energética tem de ser
realizada promovendo a requalifi-

do Bloco pela eliminação das portagens


para as auto-estradas de
cação planeada dos trabalhadores.

acesso às regiões do interior 6.1. Mais eletricidade renovável


do país ou onde não existam Para fazer face às novas necessi-
alternativas rodoviárias efetivas dades de eletricidade geradas pela
(A22, A23, A24, A25); descarbonização, o Bloco propõe
um aumento de 50% da capaci-
▶ Criação de um novo dade instalada até 2030, median-
modelo de financiamento das te procedimentos que reduzam
infraestruturas rodoviárias custos para os consumidores: 6
que permita concluir as gigawatts adicionais de produção
concessões rodoviárias em solar centralizada, 2 gigawatts
vigor com base numa revisão adicionais de produção solar em
global dos contratos para níveis autoconsumo, 1 gigawatt adicional
aceitáveis; de produção eólica. A instalação e
operação desta nova capacidade
▶ Conclusão da rede gerará mais de 18 mil empregos
rodoviária nacional. diretos. O desenvolvimento da
produção solar em centrais deve

70
2022
2026

É urgente redirecionar
o modelo energético
nacional rumo à
neutralidade carbónica
sem comprometer
excluir megacentrais solares com
excessivos impactos ambientais e

os indicadores de
nas economias locais. O Bloco de
Esquerda continuará ao lado das

independência energética.
populações que se opõem a esse
tipo de empreendimento.

As propostas ▶ O fim da produção termoelétrica


a carvão, já consumado, deve
energia que servem, impedindo
que aquelas constituam uma
do Bloco ser acompanhado de medidas
de industrialização nacional
barreira à entrada destes novos
comercializadores;
na área solar que apoiem a
reconversão profissional dos ▶ Moratória à expansão da
trabalhadores das centrais produção elétrica a partir
encerradas. Igualmente, nos casos de biomassa. É contestada
em que seja adequado, deve internacionalmente a conversão
ser garantido acesso à reforma de centrais a carvão em centrais
antecipada; a biomassa - hipótese já admitida
pelo governo para reconversão
▶ Reforço da produção eólica. da central do Pego. Longe de
Considerando a já elevada assentar principalmente em
penetração desta componente resíduos florestais, a grande
no território, os leilões para produção a biomassa implica
nova capacidade devem ser de fortes perdas de coberto arbóreo.
modesta dimensão. Quanto a A potência a biomassa instalada
futuros projetos de instalação de em Portugal é já amplamente
potência adicional em centrais excedentária - só em 2016-17
eólicas já existentes, a sua foram licenciadas oito grandes
remuneração deverá ser revista centrais, somando 150 MW.
em forte baixa (60% da tarifa As necessidades geradas por
resultante do último leilão para esta produção irão muito além
novas centrais). No seu conjunto, do que a gestão de resíduos
esta nova potência não deverá pode oferecer, potenciando
ultrapassar 1 GW adicional; a expansão de monoculturas
arbóreas para fins energéticos (e
▶ Promoção de cooperativas até projetos hidroelétricos para
comercializadoras de sustentar a sua rega). Ao valorizar
eletricidade, pela definição de economicamente a madeira
garantias bancárias em função da queimada, a procura de biomassa ▶

71
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

6.2. Produção solar 6.3. Programa para a eficiência


pode aumentar o risco de descentralizada baseada no energética na habitação
incêndios. autoconsumo partilhado Os instrumentos públicos de
A produção solar fotovoltaica promoção de eficiência energé-
▶ Limitação aos descentralizada, nas coberturas tica no parque habitacional são
biocombustíveis. A dos edifícios, espelhos de água direcionados, ora à habitação
incorporação obrigatória de ou zonas desaproveitadas, reduz social, ora à classe média e mé-
biocombustíveis no gasóleo emissões e perdas na rede, dia alta através de mecanismos
apresenta diversos efeitos aumentando a eficiência do de comparticipação de investi-
nefastos. Os biocombustíveis sistema e reduzindo os custos mentos ou incentivos fiscais. Os
são produzidos a partir de energéticos do Estado. A prazo, mecanismos de comparticipação
alimentos ou de vegetais que permitirá realizar receitas públi- requerem capacidade financeira
disputam terras aráveis para a cas relevantes para os objetivos para investimentos que as famí-
produção de alimentos ou que da transição energética. lias com rendimentos abaixo dos
são plantados em áreas de
floresta tropical dizimada para
o efeito. Este tipo de produção
pode fazer aumentar o preço
dos alimentos, deslocaliza
populações e é responsável
pela desflorestação. Do ponto
As propostas ▶ Plano para produção de
energia solar fotovoltaica para
de vista das emissões é uma
solução menos eficiente.
do Bloco autoconsumo com o objetivo de
aumentar a capacidade instalada
em 2 GW até 2030 (metade dos
▶ Criação de um sistema quais até 2025), sob dois eixos:
efetivo de recolha de óleo
alimentar usado nos espaços ▶ Lançamento de concursos
urbanos e nos postos de regionais para a instalação
venda de combustível e de sistemas fotovoltaicos
grandes estabelecimentos de em edifícios públicos, com o
restauração. Posteriormente, objetivo de atingir uma po-
o sistema de recolha de tência instalada de 500 MW.
óleos alimentares deverá ser Este programa representa um
aplicado para a revalorização investimento de aproximada-
alternativa destes óleos; mente 450M€ e uma redução
nos consumos destes edifícios
▶ Antecipar a proibição estimada em 80M€/ano (cerca
da incorporação de de 25%).
biocombustíveis produzidos
a partir de óleo de palma ▶ Financiamento de sistemas
para 1 de janeiro de 2022 (a de autoconsumo comunitários,
meta europeia é 2030). sendo o investimento público

72
2022
2026

2000€ mensais não têm capaci-


dade de fazer. Por outro lado, uma
parte significativa destas famílias
vive em regime de arrendamento,
ficando dependente da disponibi-
lidade do senhorio para fazer as
obras.
A execução do Plano Nacional de
Ação para a Eficiência Energética
(PNAEE, 2013) é medíocre (60%
em 2016 e 40% para 2020). Na
agricultura, essa execução é de
0% e no Estado é de entre 10%
e 20%. A recuperação do atraso

amortizado num prazo de no edificado público deverá ser com redução de emissões, pou-
até oito anos pela absorção acompanhada de um aumento da panças substanciais e melhores
de parte das poupanças eficiência energética residencial, condições de habitação.
realizadas pelos utilizado-
res. Os utilizadores conse-
guem assim adoptar estes
sistemas e obter imedia-
tamente uma poupança
Uma boa Em 2017, o Instituto da Habita-
ção e da Reabilitação Urbana
líquida, sem a necessidade medida anunciou a intervenção em
do investimento inicial. O 1600 fogos de 17 bairros so-
objetivo será atingir uma ciais, incluindo “remodelação
potência instalada de 1500 e isolamento das coberturas,
MW, com um investimen- revestimento das fachadas com
to de 1300M€ e taxas de materiais eficientes em termos
rentabilidade para o Estado energéticos, substituição de
superiores a 5%. todas as janelas e respetivas
caixilharias e reparação e bene-
▶ Criação de gabinetes ficiação das áreas comuns dos
à escala municipal para edifícios, nomeadamente esca-
facilitação da agregação de das e redes comuns de água e
cidadãos interessados na eletricidade”, num investimento
formação de sistemas co- total de 16,3 milhões de euros,
munitários de autoconsumo. 10 mil euros/fogo.

73
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Um programa com vista a


massificação da eficiência e
todo o território nacional, ob-
servando condições laborais;
do Bloco conforto térmico no parque
habitacional no valor de 150M€/ ▶ O programa terá um plano
ano. Este programa pretende de formação contínua na área
abranger as famílias em risco de da eficiência energética tanto
pobreza energética, isto é, que para avaliadores como para
combinam uma fatura energéti- empresas construtoras;
ca elevada com um rendimen-
to mensal líquido abaixo dos ▶ O programa deve responder a
2000€/mês. As características famílias com casa própria: finan-
deste programa são: ciamento a 100% de intervenções
com vista a melhorar o conforto
▶ Os investimentos são pagos térmico da habitação (Janelas A+,
e contratados diretamente isolamento, sistemas de aqueci-
pelo Estado; mento/arrefecimento eficientes);

▶ Os investimentos são ▶ a famílias arrendatárias: finan-


sugeridos e avaliados pelo ciamento a intervenções de se-
programa; nhorios em fogos com inquilinos
em situação de pobreza energéti-
▶ O programa define uma ca. Neste regime, a percentagem
rede de pequenas e médias de financiamento dependerá da
empresas instaladoras por duração do contrato.

6.4. Descer a fatura, eliminar as pobreza energética convive com Em particular, são beneficiadas
rendas excessivas e erradicar a uma economia de privilégio no as barragens já existentes à data
pobreza energética setor e com uma tributação injus- de entrada em vigor do mercado
A atribuição automática da tarifa ta em IVA, uma herança da troika de direitos de emissão, em 2005,
social aos agregados elegíveis, que o PS insiste em conservar. e cujos investimentos não con-
fruto da intervenção do Bloco de sideraram estes ganhos fruto de
Esquerda, permitiu que, de 100 mil 6.4.1. Cortar os “lucros caídos regulação posterior.
agregados, se passasse a abran- do céu”
ger 800 mil. Foi um passo impor- Portugal deve acompanhar a 6.4.2. Novo modelo de mercado
tante, mas não suficiente. Portugal recente legislação espanhola com elétrico
ainda é um dos países com maior vista à recuperação dos ganhos Desenhado há duas décadas
taxa de mortalidade no inverno excessivos resultantes de um para rentabilizar o oligopólio saído
e 40% da população em risco modelo de mercado que reflete da privatização do setor elétrico,
de pobreza vive sem condições custos de carbono na remunera- quando predominava a produção
adequadas de conforto térmico. A ção de centrais não emissoras. a partir de fontes fósseis, o atual

74
2022
2026

A pobreza energética
convive com uma
modelo europeu de mercado elé- economia de privilégio
no setor e com uma
trico é conservado por Bruxelas,
apesar dos efeitos catastróficos

tributação injusta em IVA,


do seu desenho marginalista e
dos apelos de vários Estados à

herança da troika que o


sua modificação. Neste desenho,
o preço pago pela eletricidade no

PS insiste em conservar.
mercado grossista não reflete os
custos ambientais e de produção
de cada megawatt-hora (seja este
caro e poluente (como produzido
a gás), seja tendencialmente mais
barato e sustentável (como o pro-
duzido em barragens). Por esse váveis despacháveis (biomassa ou 2) Recuperação dos ganhos
motivo, na atual situação de alta hídrica, por exemplo), mas também indevidos da EDP com a
dos preços do gás e do carbono de serviços de sistema, armaze- titularização de dívida tarifá-
emitido, a eletricidade de origem namento de energia, gestão de ria: estes ganhos, passados e
hídrica é paga em excesso. Este procura, veículos elétricos ligados à futuros, devem ser partilhados
modelo é perverso e insustentável. rede ou tecnologias de conversão com os consumidores (100
Formas de remuneração alternati- de energia renováveis em combus- M€);
vas têm sido estudadas por orga- tíveis. Os atuais mercados de curto 3) Recuperação dos ganhos
nizações de consumidores e am- prazo, com preços variáveis, devem indevidos da EDP com a utili-
bientalistas. O Bloco de Esquerda também ser modificados para zação da central de Sines en-
destaca o conceito de mercado permitir a participação de recursos tre 2017 e o seu encerramento
grossista dual, que traduz uma de gestão de procura e armaze- em 2021 (cerca de 400M€);
divisão do mercado grossista em namento. Esta nova organização 4) Reposição do regime de
dois mercados complementares: o do mercado deve repercutir-se no remuneração dos produtores
mercado elétrico renovável, assen- cálculo das tarifas para os clientes eólicos anterior a 2013 (per-
te em contratos de longo prazo, e finais, assegurando preços mais das para os consumidores até
o mercado de entrega flexível, que baixos e justos. 1000 M€ entre 2021 e 2032).
resolve desvios de produção no
curto e curtíssimo prazo. 6.4.3. Eliminar rendas 6.4.4. Descida do IVA da
O mercado elétrico renovável ofe- excessivas eletricidade e do gás para 6%
rece segurança aos investimentos, O Bloco de Esquerda continuará a A redução da taxa de IVA sobre
devendo fornecer um mix ade- defender a concretização de todas a eletricidade introduzida no final
quado de geração (centralizada e as medidas recomendadas pela de 2020 pelo governo do PS
descentralizada) e de tecnologias Comissão de Inquérito às rendas ficou longe de reverter integral-
(despacháveis e intermitentes). O excessivas pagas aos produtores mente o aumento introduzido sob
mercado de entrega flexível é pro- de eletricidade. A aprovação desse o memorando da troika. A ener-
jetado para prover a necessidades pacote legislativo permite: gia é um bem de primeira ne-
momentâneas da segurança do 1) Recuperação dos ganhos in- cessidade. O Bloco de Esquerda
fornecimento de energia a partir da devidos da EDP com CMEC (510 defende a reposição da taxa de
produção a gás ou de fontes reno- M€ identificados pela ERSE); 6% que vigorou até 2011.

75
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

6.4.5. Consumo mínimo


garantido nos três meses de
inverno
O fornecimento gratuito de 5
KWh/dia às pessoas beneficiárias
da tarifa social garante a proteção
dos segmentos de população em
situação agravada de pobreza,
para quem o desconto da tarifa so-
cial não elimina a severa restrição
do consumo. Esta medida tem um
custo orçamental de 30 milhões de
euros (incluindo a perda de IVA).
Além desta medida, o Bloco pro-
põe outras medidas para robuste-
cer o regime da tarifa social: 6.5. Criação do comercializador 6.6. Criação do Ministério da
municipal de energia Ação Climática
▶ Isenção do pagamento da com- Em 2020, algumas autarquias Para responder aos objetivos des-
ponente fixa da tarifa para famílias iniciaram processos para se te Programa para a Emergência
com muito baixa potência con- constituírem como comercializa- Climática, o Bloco propõe a cria-
tratada. Mais de 100 mil famílias doras de energia renovável (CER). ção do Ministério da Ação Climáti-
abrangidas pela tarifa social têm Na maioria dos casos, foram as ca que tutelará:
ligações à rede de 1.15 kVA. Signifi- autarquias com mais recursos
ca isto que parte das suas neces- financeiros e mais meios técnicos ▶ A supervisão e transformação
sidades energéticas básicas (água e logísticos as que aproveitaram da economia e dos processos
quente, aquecimento, cozinha) esta nova possibilidade aberta produtivos, articulando as pastas
não são satisfeitas com recurso pela legislação. da Agricultura, Florestas, Ambien-
a eletricidade, não beneficiando, te, Indústria, Energia, Transportes
portanto, da tarifa social. Assim, ▶ Programa de apoio às au- e Ordenamento do Território no
sempre que não se trate de agre- tarquias para a sua constitui- sentido da descarbonização e de
gados consumidores de gás de ção como Comercializador de adaptação aos vários cenários de
botija e/ou biomassa, estaremos Energia. Este programa deve alterações climáticas;
perante casos de extrema pobreza contemplar apoios financeiros que
energética; priorizem autarquias com menos ▶ A introdução de uma avaliação
recursos, mas também providen- de impacto climático para todos os
▶ Uniformização dos critérios de ciar assistência técnica e econó- projetos industriais e infraestrutu-
elegibilidade para acesso à tarifa mica no planeamento e lançamen- rais, cujo parecer seja vinculativo;
social do gás natural com a tarifa to das CER. Em contrapartida, o
social de eletricidade; programa deve exigir critérios de ▶ A criação de um sistema de
participação dos cidadãos e de avaliação de emissões de gases
▶ Financiamento pelos comercia- transparência na contratação da com efeito de estufa ao longo do
lizadores dos custos da extensão entidade gestora do autoconsumo ciclo de vida de todos os produtos
da tarifa social ao gás engarrafado. coletivo. importados, de divulgação pública.

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2026

7. ADAPTAÇÃO DA PRODUÇÃO necessárias soluções adequadas falta de investimento e de recursos


E DO TERRITÓRIO ÀS que assegurem a estabilidade e os humanos na proteção e gestão des-
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS direitos das populações. O projeto tas áreas. A proteção destas áreas
A anterior Estratégia Nacional de snmportugal.pt estima em 60 mil garante sumidouros de carbono e a
Adaptação às Alterações Climá- o número de edifícios e em 146 mil preservação da biodiversidade.
ticas (2013) forneceu importante pessoas vulneráveis à subida do A solução do governo foi a delega-
informação acerca de vulnerabi- nível médio do mar só até 2050. ção de competências nas autar-
lidades nacionais, enquanto as Na maior parte dos casos, im- quias num modelo de cogestão
estratégias municipais e intermu- põem-se complexos processos sem transferência de verbas. E,
nicipais desenvolvidas nos últimos sociais de deslocação de comu- neste âmbito, as competências
anos se tornaram exemplos inte- nidades, que devem ser profun- das autarquias estão reduzidas a
ressantes de formulação de política damente participados e mediados aumentar a visitação, criar oferta
pública participativa. em conjunto com as populações, turística e novos produtos. Não têm
A atual intensificação de fenóme- devendo citar-se o caso das demo- qualquer avaliação por critérios
nos climáticos extremos, nomeada- lições nas ilhas barreira do Algarve ambientais. É claro o propósito de
mente incêndios florestais, ondas como exemplo do que não deve desresponsabilizar o Estado cen-
de calor, secas, cheias, tempesta- ser feito: falta de transparência, tral e de que as autarquias façam
des marítimas e terrestres, implica falta de diálogo e repressão social. uma gestão dirigida a obter verbas,
modificações importantes a nível mesmo em situações contrárias ao
de ordenamento do território, estru- 7.1. Proteger a biodiversidade e objetivo de proteção da natureza.
turas de defesa de linhas de costa, a natureza O país comprometeu-se, ao abrigo
recargas com sedimentos para Portugal é na União Europeia o da estratégia europeia para a
combate à erosão costeira e des- país com as áreas protegidas mais biodiversidade 2030, a classificar
locação de populações habitantes degradadas e é o quarto país com como áreas protegidas 30% da
em zonas vulneráveis. mais espécies ameaçadas. A esta sua área terrestre e marinha. Par-
Esta urgência é mais evidente em realidade não são alheias as ati- ticularmente na vertente marinha,
áreas litorais de baixa cota, mais vidades económicas e agrícolas existe ainda uma grande distância
vulneráveis, para as quais são intensivas em áreas protegidas e a para essa meta.

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B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Revogar o modelo de coges-


tão das áreas protegidas;
equipa técnica própria para cada
área protegida;
do Bloco
▶ Aumentar a área e o número ▶ Avaliação da gestão de áreas
de áreas protegidas terrestres protegidas através de entidades
e marinhas; independentes do planeamento e
da gestão;
▶ Rever, regulamentar ou inter-
ditar atividades económicas e ▶ Aquisição pública de terre-
agrícolas intensivas em áreas nos de áreas protegidas quando
protegidas; se destinam exclusivamente ao
cumprimento dos objetivos de
▶ Proibição de nova mineração proteção;
em áreas protegidas;
▶ Criação do “Estatuto da ati-
▶ Aumentar o financiamento e os vista ambiental”, com vista à sua
recursos humanos dedicados proteção por mecanismos legais,
às áreas protegidas; nomeadamente de apoio judicial.

▶ Garantia de um orçamento pró-


prio uma direção executiva e uma

As propostas ▶ Criação da Inspeção-Ge-


ral das Emissões Industriais,
7.2. Reconversão industrial do Bloco responsável pela análise regular
para redução de emissões das principais unidades do país.
Os setores industriais com mais Alcançado o objetivo de corte
elevadas emissões - energia, de emissões, a inspeção será
celulose e cimentos - deverão integrada no IGAMAOT;
passar a ser avaliados com fre-
quência mensal, devendo, duran- ▶ Reconversão da indústria
te a próxima legislatura, reduzir cimenteira com integração
para metade o conjunto das suas de produtos mais ecológicos
emissões - por eletrificação, e sustentáveis, nomeadamen-
aumento de eficiência ou outras te através da incorporação de
opções técnicas. A fiscalização resíduos de construção e demo-
será feita com recurso a um cor- lição, reduzindo as emissões e a
po de especialistas e à inspeção necessidade extrativa.
pública.

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7.3. Transformar a agricultura e em apoios públicos da Política Os problemas de despovoamen-


a floresta Agrícola Comum, disponíveis até to, desertificação e aumento da
Dado o estado atual da agricul- 2027, devem ser imediatamen- área de eucaliptal mantêm-se,
tura portuguesa, os seus cons- te colocados ao serviço desta sendo agravados pela crise
trangimentos socioeconómicos transformação e de forma aberta climática. Acresce que o Estado
e, em especial, a urgência da a todos os agricultores, em vez português detém apenas 3% da
sua transformação em respos- de financiarem rendas históricas propriedade florestal, valor que
ta às alterações climáticas, o de grandes latifundiários do sul compara mal com 58% de média
Bloco de Esquerda propõe um e modelos danosos para o am- da Europa, pelo que prescinde
programa de transição ecoló- biente que contrariam o interesse de instrumentos e de capacida-
gica agroflorestal. Pretende-se público. de para intervenção no território
com este programa garantir a florestal.
transição do atual modelo domi- 7.3.1. Responder aos incêndios A experiência prática, o conheci-
nante, centrado na monocultura florestais mento técnico-científico, a tec-
e no elevado consumo de água Os incêndios rurais são a face nologia e os serviços de apoio
e fatores de produção poluentes, mais visível das alterações climá- à produção agroflorestal estão
para novas agriculturas de menor ticas em Portugal. O ano trági- vocacionados para sistemas
incorporação desses fatores e co de 2017, com muitas vítimas intensivos e de monocultura. É
mais abertas ao conhecimento humanas e animais a lamentar necessário criar condições de
técnico-científico, centradas em e centenas de milhares de hec- base para um processo de tran-
processos ecológicos, com maior tares ardidos, não fez soar os sição para preparar os sistemas
proteção ambiental, mais segu- alarmes certos. A maioria das agroflorestais para as alterações
rança alimentar e melhor qualida- propostas das Comissões Téc- climáticas, fixação das popu-
de de vida para quem nelas tra- nicas e do Observatório Técnico lações e criação de emprego
balha. Os 10 mil milhões de euros Independente ficaram por aplicar. qualificado.

As propostas ▶ Conclusão do Cadastro da


Propriedade Rústica;
e pecuárias cuja atividade
contraria o interesse público
do Bloco ▶ Elaboração de diagnósticos
ou que pela sua dimensão eco-
nómica, não dependem desses
participativos regionais para apoios;
apoiar o delineamento e a gestão
de medidas de apoio financiadas ▶ Redução da área de euca-
pela PAC e respetivo programa lipto no âmbito de um plano de
de transição ecológica agroflo- reflorestação nacional, que recu-
restal, em função das distintas pere áreas ardidas e combata as
necessidades do território; plantas invasoras com espécies
autóctones, para melhor adap-
▶ Fim dos apoios públicos a tação às alterações climáticas e
explorações agroflorestais regulação do ciclo da água;

79
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

7.3.2. Limitar a produção


▶ Capacitação dos peque- temas agroflorestais regionais; intensiva e superintensiva e
nos proprietários florestais ▶ Campos de ensaio públi- reduzir os seus impactos
e das entidades gestoras de cos para a transição ecoló- Os sistemas intensivos apresen-
baldios para a diversificação e gica agroflorestal em todas tam grande produtividade, mas
gestão coletiva da floresta em as regiões agrárias e viveiros colocam muitas vezes a saúde
cenários de alterações climáti- para preservação de espécies pública em risco e podem de-
cas, nomeadamente através do e variedades tradicionais e gradar rapidamente os recursos
apoio às unidades de gestão autóctones; naturais. São menos resistentes
florestal; à seca e, em monocultura de
▶ Criação de um Serviço grande dimensão, mais susce-
▶ Reabilitação dos servi- Nacional de Apoio à Gestão
ços públicos florestais e das de Ecossistemas com repre-
matas nacionais e perímetros sentação em todas as regiões
florestais, com expansão da flo- agrárias;
resta pública em áreas estraté-
gicas para responder a desa-
fios concretos das alterações
▶ Constituição de entidades
independentes e qualifica-
As propostas
climáticas; das para aconselhamento
ao Governo e à Assembleia
do Bloco
▶ Valorização da plantação da República, no acompanha-
de espécies autóctones e mento, avaliação e análise de
respetivos processos de trans- resultados da política pública
formação na proximidade, como agroflorestal, de desenvolvi-
forma de combater o despo- mento rural e de prevenção e
voamento e garantir mais valor combate a incêndios;
e sustentabilidade à produção
florestal; ▶ Revisão e harmonização dos
instrumentos de planeamen-
▶ Reforço dos meios humanos to agroflorestal em função
e tecnológicos do Instituto Na- dos cenários de alterações cli-
cional de Investigação Agrária e máticas previstos e das especi-
Veterinária, das Direções de Re- ficidades de cada região;
gionais de Agricultura e Pescas
e do Instituto de Conservação ▶ Reforço de meios, remu-
da Natureza e Florestas; nerações justas, qualificações
adequadas, carreiras e condi-
▶ Programa nacional de me- ções de trabalho em seguran-
lhoramento de árvores e plan- ça para todos os agentes do
tas adaptadas às alterações Sistema de Gestão Integrada
climáticas, direcionado para sis- de Fogos Rurais.

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2026

Portugal é o país da
tíveis a pragas e doenças. Ape- União Europeia com as
sar do progresso tecnológico, a
aplicação excessiva de muitos áreas protegidas mais
fertilizantes e pesticidas man-
teve-se ao longo das últimas degradadas e é o quarto
décadas, gerando preocupantes
níveis de contaminação em solos país com mais espécies
e recursos hídricos. Além disso,
a sua expansão desregulada está
a destruir património natural e
ameaçadas.
cultural.

▶ Estabelecimento de áreas e qualidade, com estrutura e gestão ▶ Criação do licenciamento


infraestruturas-tampão que adequadas para reduzir o consumo para áreas de produção
garantam a proteção entre as de pesticidas; intensivas com avaliação de
áreas de cultivo e os elementos impacto ambiental obrigatória
a proteger (linhas de água, vias ▶ Promoção dos princípios da a partir de determinada
públicas, habitações); produção integrada garantindo dimensão e acompanhamento
a gestão racional dos recursos técnico do respetivo plano de
▶ Adoção de planos regionais naturais, privilegiando a utilização gestão ecológica e de rotações
de ordenamento e instalação dos mecanismos de regulação culturais;
estabelecendo áreas máximas para natural em substituição de fatores
cada tipologia de cultura agrícola, de produção; ▶ Avaliação de risco
promovendo uma paisagem obrigatória e certificação
agroalimentar heterogénea; ▶ Proibição da aplicação de de coleta e/ou tratamento de
produtos fitofarmacêuticos resíduos poluentes de todas as
▶ Regadios públicos: ajustamento por via aérea e proibição da unidades de produção animal e
do preço da água de rega aos pulverização por jato transportado agroflorestais em que o risco o
custos reais nos regadios públicos; (turbinas) a menos de 250 metros justifique;
de habitações, captações de
▶ Melhoria da monitorização água para consumo humano, ▶ Proibição das implantação
da qualidade das águas culturas biológicas, linhas de água de culturas sem solo,
subterrâneas nos principais navegáveis ou flutuáveis, lagoas e hidropónicas ou em substrato,
aquíferos do país; áreas protegidas; em solos com elevado potencial
agrícola, bem como de estufas
▶ Criação de redes locais de ▶ Proibição de colheitas para produção agrícola em áreas
infraestruturas ecológicas de mecanizadas noturnas; de Reserva Ecológica Nacional.

81
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

7.3.3. Promover a produção


agroflorestal extensiva e
multifuncional
Em consequência das altera-
ções climáticas, prevê-se uma
descida até 30% da produtivi-
dade agrícola, mas a procura
mundial de alimentos vai con-
tinuar a subir. Assim, aumenta
o risco de intensificação das
atuais áreas produtivas. Num
mercado liberalizado, a desvan-
tagem competitiva dos sistemas
agroflorestais extensivos leva a
maior risco de abandono. A res- exige uma alteração de políticas política de desenvolvimento ru-
posta às alterações climáticas agroflorestais a incorporar na ral e em particular do interior.

As propostas ▶ Criação do Banco Público de


Terras exclusivamente dedicado
▶ Identificação das áreas
agrícolas de elevado valor

do Bloco a culturas extensivas e à transição


ecológica agroflorestal;
para preservação de biodi-
versidade com dependência
agrícola, limitando o uso do solo
▶ Criação de uma taxa sobre a a sistemas de produção compa-
produção florestal de cresci- tíveis;
mento rápido e a indústria da
celulose com aplicação de recei- ▶ Promoção da produção ani-
tas no financiamento de serviços mal extensiva de forma com-
de ecossistema florestais com plementar a outras atividades
espécies autóctones; agroflorestais e de ordenamento
do território, garantindo melhor
▶ Criação de apoios públicos qualidade de vida animal e me-
financiados pela PAC e destina- nores impactos ambientais;
dos a serviços de ecossistema,
prestados pela atividade agro- ▶ Apoio a instalação de pe-
florestal com os objectivos de quenos sistemas de regadio
prevenção de incêndios, preserva- de forma a preservar e expan-
ção de biodiversidade, melhoria da dir modelos agrosilvopastoris
fertilidade dos solos e proteção de extensivos em agricultura de
recursos hídricos, com pagamento conservação localizados em ter-
em função de resultados; ritórios mais vulneráveis à seca.

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7.3.4. Promover políticas de Em consequência, os agricultores tradicionais melhor adaptadas às


territorialização da produção e vendem alimentos demasiado condições locais e mais capa-
do consumo em proximidade baratos e os consumidores com- zes de responder às alterações
O crescimento das grandes pram demasiado caro. Por este climáticas. É necessário aumentar
cadeias de transformação e caminho uniformiza-se a oferta de a heterogeneidade da paisagem
distribuição de bens alimentares alimentos e promove-se a agricul- agrícola e alimentar do território
reduz a capacidade de negocia- tura intensiva e de grande dimen- e garantir maior equilíbrio entre a
ção de preços pelos produtores. são. Perdem-se as variedades produção e o consumo.

As propostas ▶ Promoção da produção e do


consumo de bens alimentares
produtores que auferem apoios
públicos;
do Bloco de proximidade e de agricultu-
ras sustentáveis; ▶ Criação da obrigatoriedade de
indicação dos custos de produ-
▶ Rede nacional de hortas ur- ção nos contratos de abasteci-
banas; mento de produtos agroalimen-
tares e do compromisso de que
▶ Melhoria de condições dos o preço de venda lhe é sempre
mercados e feiras municipais, superior;
com áreas sob prioridade à produ-
ção local e sustentável; ▶ Definição de margens máximas
de intermediação dos produtos
▶ Promoção do acesso e demo- agroalimentares.
cratização das organizações de

83
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

7.3.5. Promover o trabalho salariado tem seguido um modelo remuneração, paga à tarefa. A fal-
profissionalizado e com assente em mão-de-obra de baixa ta de competências técnico-cien-
direitos qualificação, sobretudo imigrante, tíficas nas explorações agroflores-
Em Portugal, como em toda a Eu- muitas vezes subcontratada ou tais dificulta medidas de proteção
ropa do sul, o trabalho agrícola as- sem vínculo formal, com reduzida ambiental e de saúde pública.

As propostas
do Bloco

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2026

O trabalho agrícola
assalariado segue
um modelo muito assente
7.4. Defender a água como
em mão de obra
recurso ecológico, económico e
social
com baixa qualificação,
No quadro das alterações climá-
ticas, a ocorrência de secas ou
imigrante e sem vínculo
laboral.
▶ Reforço da atuação da Au- cheias tem cada vez menos caráter intensiva, com maiores impactos
toridade para as Condições excepcional e passa a ser cada vez ambientais em sistemas reversí-
do Trabalho no setor agroflo- mais frequente. veis (flutuação de caudais, erosão,
restal; As grandes obras hidráulicas, ao segurança das populações). Os
longo do século passado, trou- atuais sistemas de gestão, enco-
▶ Criação de um programa de xeram valiosas oportunidades de rajando o aumento da procura de
integração e regularização de desenvolvimento económico e de água, vêm exaurindo os ecossiste-
trabalhadores e trabalhado- melhoria nas condições de vida mas. Com o Plano de Recuperação
ras imigrantes que operam no das populações. Contudo, o uso e Resiliência parece ter voltado a
setor agroflorestal; múltiplo das albufeiras (abaste- vontade de grandes construções
cimento público, rega, lazer) tem hidráulicas, nomeadamente uma
▶ Inclusão do trabalho fami- ficado subordinado à produção vontade de artificialização sem
liar e das condições de traba- energética ou à produção agrícola precedentes do Rio Tejo.
lho assalariado como fatores
de ponderação na atribuição
de apoios públicos, garantindo
maior justiça e equidade social e
territorial;
Mau exemplo A autorização do governo aos
estudos para a expansão em
▶ Criação de cursos pro- no rio Tejo 300 mil hectares da área rega-
fissionais em agroecologia, da no Ribatejo, Oeste e Setúbal
reconhecidos pelo Ministério da com recurso à construção de
Agricultura, direcionados a pes- mais de uma dezena de barra-
soas com competências técni- gens no Tejo e afluentes - um
cas, produtoras e trabalhadoras investimento de 4500 milhões
agroflorestais; de euros quando concluído - é
um triste exemplo. Basta re-
▶ Regulamentação da ativida- cordar a poluição deste rio em
de das pessoas com forma- pleno mês de janeiro de 2018 e
ção em engenharia agrónoma o aumento da cunha salina para
e florestal que garantem apoio montante, para termos ideia da
às diversas explorações agroflo- enormidade ambiental deste
restais e são responsáveis pelos projeto acarinhado pelos gran-
respetivos planos de gestão; des agrários e pela CAP.

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B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

O uso generalizado de
plásticos criou ilhas
compostas de resíduos
de plásticos nos oceanos
Acresce que a extinção do Insti-
tuto da Água e a integração dos

que não param de


seus serviços na Agência Portu-
guesa do Ambiente (APA) re-

crescer.
presentou um retrocesso: menos
autoridade, competência e meios,
administrações de região hidro-
gráfica quase paralisadas.

As propostas ▶ Devolução da autonomia


financeira e de gestão às Admi-
recursos hídricos e da biodiversi-
dade; cumprir a diretiva europeia
do Bloco nistrações de Região Hidrográfi- sobre nitratos diminuindo a conta-
ca, acabando com a centralização minação das águas e as emissões
na APA. Esta descentralização de metano e compostos de azoto,
deve ser acompanhada da reintro- criando zonas-tampão e medidas
dução de uma Autoridade Nacional de proteção das zonas vulneráveis
da Água para assegurar o cum- (ex: intrusão salina na faixa litoral
primento das medidas dos Planos algarvia);
de Gestão de Região Hidrográfica,
uma mais eficaz monitorização ▶ Diminuição da fragmentação dos
do estado das massas de água e cursos de água removendo barra-
aplicação das políticas de utiliza- gens e açudes, mediante um Plano
dor-pagador e poluidor-pagador; Nacional de Restauração Fluvial
que tenha em conta a recuperação
▶ Mitigação dos efeitos de secas da qualidade da água, dos habitats
e cheias, diminuindo os riscos de e da biodiversidade, bem como
perda de solo e desertificação: objetivos socioeconómicos e de
Planos de Gestão dos Riscos adaptação aos efeitos das altera-
de Inundações, na sequência da ções climáticas (combate à erosão
determinação das áreas de maior costeira potenciada pela retenção
risco, com renaturalização fluvial e de sedimentos nas barragens);
medidas para aumentar a infiltra-
ção, em articulação com os planos ▶ Revisão da Convenção de
de ordenamento florestal e defesa Albufeira para fixação de cau-
contra incêndios; dais mínimos diários proceden-
tes de Espanha (e não apenas
▶ Promoção de culturas menos semanais, trimestrais ou anuais)
exigentes em água e apoio à reflo- e integração de parâmetros de
restação, tendo em conta as metas qualidade da água. Funciona-
climáticas e a conservação dos mento regular e transparente da

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2022
2026

7.5. Redução do plástico material produzido a partir de do-se muito relevante o depósito
e eliminação matérias fósseis potenciou emis- em aterro.
do uso único sões de gases com efeito de Faltam as medidas de início de
A generalização do uso de plás- estufa e a acumulação descon- linha e de responsabilização da
ticos em todas as esferas da trolada de resíduos muito dura- cadeia de produção e distribuição.
produção e do consumo pro- douros. Esse problema atinge o A produção deve obedecer a ne-
moveu formas de uso único e território global, mas também os cessidades sociais e à sustenta-
descartável. Esse recurso a um oceanos, onde há mais de vinte bilidade do planeta, pelo que deve
anos flutuam gigantescas ilhas existir a transição do plástico para
compostas de resíduos plásticos materiais biodegradáveis e do
e que não param de crescer. Em descartável para o permanente/
Comissão para a Aplicação Portugal, o plástico está fora de reutilizável.
e Desenvolvimento da Con- controlo: os resíduos de plástico A estratégia para enfrentar um
venção de Albufeira, entidade reciclados triplicam as quanti- modelo insustentável é a prioridade
obscura no funcionamento e dades introduzidas na cadeia de à redução, o pilar mais esquecido
nos resultados. forma regular. A cadeia não tem dos 3 R. O uso único deve ser ab-
registo e a cobrança de taxas solutamente excecional e dar lugar
▶ Criação de um Plano de não ocorre. As metas de recicla- à reutilização, o que implica ruturas
Gestão da Bacia Hidrográfica gem ficam por cumprir manten- com um modelo insustentável.
do Rio Tejo à escala ibérica,
que estabeleça um calendário
de cumprimento das medi-
das necessárias à melhoria e
manutenção das massas de
As propostas ▶ Redução de embalagens
de bebidas. Até 2024, pelo
água para o estado “bom”, de
montante para jusante, cum-
do Bloco menos metade do produto de
bebidas deve ser colocado
prindo assim a Diretiva Quadro no mercado em embalagens
da Água; reutilizáveis, mediante tara
recuperável. Cabe aos opera-
▶ Garantia da componente dores organizarem um sistema
financeira para a execução de recolha junto dos comerciali-
das medidas previstas no 3º zadores e encaminhamento para
ciclo do Plano de Gestão das reutilização (tara recuperável).
Regiões Hidrográficas tendo O mesmo sistema deverá re-
em conta o cumprimento da ceber embalagens (ex: deter-
DQA/LA; gente, champô) compostas por
materiais reutilizados. As gran-
▶ Garantia, às autarquias, de des superfícies providenciarão
uma linha de financiamento do estruturas para a devolução de
Estado para resgate, pelos mu- embalagens pelos consumido-
nicípios, dos sistemas de água res finais. Os operadores devem
privatizados. ainda garantir a recolha das ▶

87
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

embalagens junto dos locais de ▶ Rede de bebedouros ur- ▶ Incentivos à venda a


restauração que abastecem; banos com água potável para granel em supermercados e
beber e encher cantis, reduzindo mercearias;
▶ Abolição do plástico de uso a procura de água engarrafada;
único. Proibição da dupla emba- ▶ Proteção do mar com a
lagem (ex: copos de iogurte ou ▶ Investimento na recolha substituição de flutuadores e
sacos de cereais embalados sob seletiva de lixo porta a porta, bóias de plástico por mate-
cartão) e do cruzamento de dife- dado ser uma metodologia mais riais biodegradáveis, impedin-
rentes materiais recicláveis (ex: eficaz para a reciclagem que o do que embalagens de plás-
sacos de papel + plástico). Uso modelo único de ecopontos; tico usadas para este efeito
obrigatório de materiais não des- poluam o meio aquático; im-
cartáveis nos grandes eventos; ▶ Criação de novos fluxos de pedir o descarte marítimo das
resíduos, nomeadamente a ge- redes de pesca através da
▶ Promoção da durabilidade neralização da recolha de biorre- promoção de novos produtos
dos produtos, em particular síduos; que as valorizem e que devem
eletrónicos, por alargamento dos ser promovidos. Desenvol-
períodos de garantia seja abso- ▶ Proibição dos microplásti- ver alternativas viáveis aos
luta, seja, em extensão de pe- cos, banindo em 2022 os cos- materiais das atuais redes de
ríodo, por comparticipação dos méticos e produtos de higiene pesca, e apoiando os pesca-
custos de reparação; que os contenham; dores nessa transição.

7.6. Responder pelos O desinvestimento


trabalhadores do mar e pela
biodiversidade marinha no setor da pesca
A pesca sustentável é uma com-
ponente importante da renovação agrava a segurança dos
do setor dos recursos do mar e a
garantia da proteção dos ecossiste-
mas marinhos. Porém, as pescas no
trabalhadores.
país sofrem de décadas de desin- 7.6.1. Defender a biodiversidade miram essa responsabilidade: não
vestimento que colocam em causa marinha existe uma rede de áreas marinhas
a sua sustentabilidade e que agra- Os oceanos enfrentam uma crise protegidas abrangente e eficaz, e
vam a crise ecológica e a seguran- ecológica provocada pelas altera- nunca foram eliminados apoios a
ça dos trabalhadores do mar. Rever- ções climáticas e por atividades um vasto conjunto de atividades
ter a situação passa por apoiar extrativas insustentáveis. Alterar a que provocam graves efeitos na
políticas para a sustentabilidade situação requer a proteção da bio- biodiversidade. A recusa do go-
das pescas e para a proteção da diversidade, criando áreas marinhas verno em aplicar uma moratória
biodiversidade, capazes de garantir protegidas e erradicando atividades à mineração no mar confirma a
rendimentos justos e estabilidade lesivas dos ecossistemas. Mas os tendência de desproteção do meio
aos profissionais da pesca. sucessivos governos nunca assu- marinho no país.

88
2022
2026

7.6.2. Garantir a
As propostas ▶ Criação de uma rede de áreas
marinhas protegidas que garanta
sustentabilidade das pescas
A pesca sustentável requer
do Bloco a preservação da biodiversidade conhecimento científico e mo-
em pelo menos 30 por cento do nitorização dos ecossistemas
mar nacional, dotada de meios que a sustenta. Mas há muito
humanos, financeiros e técnicos que os governos se demitiram
suficientes para a sua gestão, moni- da responsabilidade de garantir
torização e fiscalização; meios adequados e suficientes às
entidades públicas que têm por
▶ Aplicação de uma moratória à missão investigar, monitorizar e
mineração no mar, protegendo os gerir matérias do domínio do mar.
ecossistemas marinhos; A renovação do setor não regis-
ta investimentos substanciais há
▶ Criação de incentivos à utiliza- décadas. Além disso, a gestão
ção de artes de pesca seletivas dos recursos marinhos e a inves-
e, sempre que possível, compostas tigação científica estão direcio-
por materiais biodegradáveis; nadas sobretudo para a pesca
industrial, apesar de cerca de
▶ Eliminação de apoios públicos 80% da frota de pesca nacional
a atividades de pesca lesivas ser de pequena escala. Este viés
para o meio marinho; resulta num grande desconheci-
mento da atividade da maioria da
▶ Restrições à pesca de arrasto, frota de pesca. Melhorar a gestão
a defender pelo governo português passa por aumentar o orçamento
no plano europeu e internacional; e os meios dos Laboratórios do
Estado, aprofundar o conheci-
▶ Minimização das capturas mento científico, reforçar a moni-
acidentais de cetáceos (baleias e torização da atividade de toda a
golfinhos), elasmobrânquios (tuba- frota, bem como criar comissões
rões, raias e quimeras) e espécies de cogestão que possibilitem a
protegidas ou ameaçadas, através gestão partilhada da pesca, ao
da melhoria da seletividade de artes invés da imposição de medidas
de pesca e de restrições à atividade às comunidades piscatórias sem
piscatória em locais ou épocas do que os pescadores tenham uma
ano mais suscetíveis de provocar palavra a dizer sobre os recursos
capturas acidentais; dos quais dependem. Só adap-
tando as possibilidades de pesca
▶ Aplicação de planos de ação aos recursos disponíveis é possí-
para a recuperação e conserva- vel garantir a sustentabilidade das
ção de espécies marinhas protegi- pescarias, a proteção da biodiver-
das ou ameaçadas. sidade e rendimentos justos aos
pescadores.

89
B/ UM PROGRAMA DE INVESTIMENTOS
PARA RESPONDER À CRISE CLIMÁTICA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Apoio à investigação e pre-


servação dos recursos mari-
recuperação e redução de artes
de pesca abandonadas, perdidas
do Bloco nhos, envolvendo administração ou rejeitadas;
central, universidades, institutos
científicos, e associações de pes- ▶ Promoção do consumo de
cadores e de defesa do ambiente; pescado de espécies menos
procuradas e mais abundantes,
▶ Reforço do orçamento e contribuindo para a sustentabilida-
meios dos Laboratórios do de dos recursos marinhos;
Estado que atuam no domínio do
mar; ▶ Promoção da criação de co-
missões de cogestão compostas
▶ Apoio à modernização e des- por associações de pescadores,
carbonização da frota pesquei- organizações sindicais, comuni-
ra nacional; dade científica, governo e outras
entidades ligadas à pesca e à con-
▶ Atribuição de financiamen- servação da biodiversidade, para
to nacional às campanhas de a gestão partilhada dos recursos
monitorização dos recursos marinhos;
pesqueiros;
▶ Revisão da Lei das Bases
▶ Monitorização em tempo real da Política de Ordenamento
da atividade piscatória, adaptan- e Gestão do Espaço Marítimo
do os meios ao tipo e dimensão Nacional: substituição das con-
das embarcações, e garantido a cessões por 50 anos por licenças
proteção da informação recolhida; renováveis atribuídas condicional-
mente; introdução da coexistência
▶ Aplicação de sistemas de de critérios de ponderação de
marcação de artes de pesca, usos, considerando a importância
contribuindo para a identificação, climática do mar.

7.6.3. Combater a precariedade tes em acordos informais, como direitos. Além da precariedade, o
e proteger os trabalhadores do a divisão em partes, ou quinhões, trabalho nas pescas muitas ve-
mar dos proveitos das capturas. A zes não gera rendimentos justos
O universo das pescas no país é informalidade e precariedade do aos pescadores. Não é incomum
heterogéneo, mas a precariedade trabalho nas pescas prejudicam os o preço de venda ao consumidor
das relações laborais é uma ca- pescadores, deixando-os despro- ser mais de dez vezes superior ao
racterística comum no setor. Os tegidos e suscetíveis ao abuso preço de primeira venda. A fixação
vínculos laborais entre armadores patronal. Para contrariar a situação, de preços mínimos e a definição de
e pescadores são frequentemente os apoios públicos ao setor devem margens máximas de intermedia-
desprovidos de contrato ou assen- beneficiar o trabalho estável e com ção responde a estes problemas.

90
2022
2026

As propostas ▶ Atribuição de apoios comu-


nitários e nacionais apenas a
que inclua os princípios da pesca
responsável, da conservação dos
do Bloco beneficiários que garantem que
a mão de obra assalariada é
recursos, do bom estado ambien-
tal do meio marinho, e da ação
assegurada através de contra- climática;
tos de trabalho e sem recurso à
subcontratação; ▶ Promoção da segurança no
trabalho marítimo, enfrentando
▶ Atribuição a sindicatos e de forma sustentável o problema
comissões de trabalhadores o do assoreamento nos portos de
direito a elaboração de parecer pesca onde este ocorre;
prévio, a remeter à Autoridade
para as Condições do Trabalho, ▶ Redução das taxas e emolumen-
que, com base nesse parecer, de- tos do setor das pescas, em parti-
cide sobre medida de majoração cular das pequenas embarcações;
extraordinária de apoios comu-
nitários e nacionais, a atribuir em ▶ Fixação de preços mínimos
função de indicadores concretos de primeira venda do pescado
que comprovem o respeito pela de valor superior aos custos de
legislação laboral; produção;

▶ Criação de um plano nacional ▶ Definição de margens máxi-


de formação profissional para mas de intermediação de pes-
o setor da pesca, em articulação cado, de forma a garantir preços
com os profissionais do setor e justos ao consumidor.

91
PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Uma Economia
pela Igualdade

RESPONDER À EMERGÊNCIA
NA HABITAÇÃO

MEDIDAS FISCAIS PARA


COMBATER ABUSOS E
PROMOVER A IGUALDADE

RECUPERAR O CONTROLE
DE SETORES LUCRATIVOS
E ESTRATÉGICOS E
DEMOCRATIZAR AS EMPRESAS

INVESTIR NA COESÃO
TERRITORIAL

GARANTIR A
SUSTENTABILIDADE DAS
CONTAS PÚBLICAS

A DEMOCRACIA CONTRA
A CORRUPÇÃO E O CRIME
ECONÓMICO
2022
2026

/ 93

Foto / Ana Mendes


PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Uma Economia
pela Igualdade

N
O problema de riqueza e retiraram ao país o
o início dos anos 1980, os uso de bens comuns essenciais
10% mais ricos em Portu- ao seu desenvolvimento econó-
gal detinham 24% de todo mico e produtivo, como é o caso
o rendimento nacional, enquanto dos sistemas de energia ou de
que os 50% mais pobres dividiam comunicações. Em vários casos
25% do rendimento. Em 2018, os identificados tardiamente pelas
50% mais pobres continuavam a autoridades judiciais, evidências
dividir um quarto de todo o ren- de corrupção ou de favorecimento
dimento, mas os 10% mais ricos mostraram o perigo das políticas
tinham passado a obter 30% do destinadas a promover grupos
rendimento. E isto sem contabilizar económicos privados.
ainda, por falta de dados, os efei- Por falta de políticas públicas ade-
tos da pandemia na distribuição quadas, a habitação, em vez de
dos rendimentos e na pobreza. um direito, tornou-se um luxo, com
O sistema de tributação contribuiu o valor das rendas e da compra
decisivamente para aumentar as de casa a disparar à medida da
desigualdades no país ao transferir especulação imobiliária. A energia
para o trabalho e para o consumo doméstica é uma das mais caras
de bens essenciais o peso a carga da Europa, e os combustíveis pe-
fiscal. Enquanto isso, os rendimen- sam na carteira de quem não tem
tos de capital e os altos rendimen- alternativas de transporte público.
tos foram protegidos, e até favo- Por falta de investimentos estru-
recidos, com benefícios fiscais e turais, sacrificados em nome de
sucessivas reduções das taxas de uma abordagem curto-prazista
tributação. às contas públicas, o país perma-
As sucessivas vagas de privatiza- nece refém de uma economia de
ções promoveram a concentração baixos salários; excessivamente

94
2022
2026

95
Foto / Ana Mendes
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

dependente de algumas atividades


económicas, como o turismo ou o
imobiliário, e com grandes dispari-
dades no seu território.

A solução
O Programa Eleitoral do Bloco de
Esquerda apresenta alternativas
realizáveis e prioritárias para trans-
formar o atual modelo económico
desigual. Propomos uma verda-
deira política pública de habitação,
que inclui a oferta pública de habi-
tação, o controle do valor das ren-
das e a proteção dos moradores
face à especulação e os abusos
dos grandes fundos financeiros.
Defendemos propostas de equi-
dade fiscal, como o englobamento,
um novo regime de tributação das
mais-valias imobiliárias, e a tribu-
tação de atividades especulativas
até agora isentas. Apresentamos
um plano para recuperar empresas
estratégicas e lucrativas, a come-
çar pelos CTT e pela REN, e me- tervenção, como a política de juros Agravada pela política liberaliza-
didas concretas para combater a bonificados. Como consequência, dora de PSD e CDS, assistimos
corrupção, o crime económico e o o parque habitacional é hoje quase nos últimos anos a uma aguda
abuso fiscal. Identificamos políticas exclusivamente privado e extrema- crise no setor. Continua o estímulo
para combater as desigualdades mente vulnerável à especulação. à aquisição de casa própria - 75%
regionais e respeitar as regiões
autónomas. Apontamos caminhos
para uma gestão responsável das
contas públicas, para que a dívida
deixe de ser um risco.
O parque O parque habitacional público é
constituído por apenas 120 mil
habitacional alojamentos e representa uns es-
8. RESPONDER À
EMERGÊNCIA NA HABITAÇÃO
público cassos 2% do total de habitações,
quando a média europeia é de 15%.
8.1. Uma política para a A administração central provê ape-
habitação nas 11 mil destes fogos, menos de
Há muito que o investimento metade do que oferece o município
público em habitação foi preterido de Lisboa (cerca de 25 mil).
em favor de formas indiretas de in-

96
2022
2026

habitação com apoio público na sabia: a qualidade da habitação


globalidade do parque habitacio- foi um dos principais fatores para
nal de 2% para 5%, o que repre- se evitar o contágio.Por outro
senta um acréscimo de cerca de lado, enquanto o rendimento do
170.000 fogos” no prazo de oito trabalho pôde ser cortado, as
anos (até 2026). Com este en- rendas e as prestações bancá-
quadramento foram desenhados rias mantiveram-se inalteradas,
programas públicos que visa- apenas sujeitas a um adiamento
rim responder a algumas destas cujos efeitos ainda desconhece-
necessidades, como o “Primeiro mos.
Direito” ou o “Programa de Arren- No entanto, também aqui as
damento Acessível” e tem vindo limitações da intervenção do
a ser anunciada a construção de governo do PS foram evidentes.
um parque público de habitação Ao manter inalterado o valor das
(bastante mais modesto que os rendas e das prestações ban-
valores inicialmente previstos). cárias, ao aprovar um pacote de
Estes programas encontram-se apoios, através do IHRU, que em
atrasados e fragmentados, ba- inúmeros casos nem sequer deu
Foto / Ana Mendes

seados em levantamentos desfa- resposta aos contactos feitos


sados e sem financiamento para pelas pessoas em desespero,
além do previstos no Plano de ficou claro que não estávamos
Recuperação e Resiliência. todas no mesmo barco. Estas
A aprovação da Lei de Bases da limitações ficaram ainda mais ex-
Habitação foi um passo impor- postas quando o próprio Tribunal
tante, que resultou da negociação de Contas concluiu que dos 63,5
do total - que atira o arrendamen- entre a esquerda e o PS, mas, milhões de euros previstos no
to para níveis muito baixos (19%) passados dois anos, ainda pouco PEES o governo apenas gastou
quando comparado com outros saiu do papel por manifesta falta 10 milhões.
países europeus. O parque habita- de vontade política. Por outro O governo manteve, ainda, as
cional destinado ao arrendamento lado, o PS tem-se recusado a ferramentas que têm agravado a
encontra-se sob enorme pres- aprovar propostas que ainda há especulação imobiliária e a inter-
são do turismo e da especulação poucos anos defendia, como o venção financeirizada na habita-
imobiliária. Já a aquisição de casa regresso do prazo mínimo dos ção como as SIGI, os Vistos Gold
através do crédito levou a inúme- contratos de arrendamento a 5 ou ainda o Regime de Residentes
ros incumprimentos, um drama anos (atualmente é de um ano) Não Habituais.
para muitas famílias, para quem as e a eliminação da lei dos contra- Neste quadro o Bloco foi a garan-
dívidas se mantêm mesmo após a tos transitórios inferiores a 1 ano, tia da existência de uma lei contra
entrega de casa ao banco. indevidamente utilizados pelos o assédio imobiliário que sai
Em 2017 o governo apresentou senhorios. agora do papel e da dedicação
um documento diretriz intitulado A pandemia deu uma nova cen- de edificado do Estado (nomea-
“Nova Geração de Políticas de tralidade ao direito a uma casa damente da Defesa) em cidades
Habitação”, que visa, entre outros condigna e a preços dignos. Os como Lisboa e Porto ou Aveiro
objetivos, “aumentar o peso da estudos comprovaram o que já se para respostas habitacionais.

97
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas Concretizar a Lei de Bases da


Habitação:
▶ Uso de instrumentos da política de
solos - posse administrativa - para
do Bloco ▶ Proteção contra os despejos,
conversão de edifícios habitacionais
abandonados em habitação pública;
garantindo alternativa habitacional
e que todos os processos de des- ▶ Onde necessário, construção pú-
pejo são acompanhados de relató- blica de novos alojamentos integra-
rio social, havendo suspensão do dos na malha urbana e evitando a
despejo até estas duas condicio- reprodução de guetos;
nantes serem cumpridas;
▶ Uma Lei do Arrendamento Público
▶ Consagração da “dação em que não permita edificado público
cumprimento”, garantindo que a devoluto e rendas especulativas
entrega da casa ao banco extin- ou alojamento local em edificado
gue a dívida associada; público;

▶ Consagração da impenhorabili- ▶ Aquisição, a preço de auditoria


dade de casa própria e permanen- com interesse público, de edificado
te/morada de família, respondendo público entretanto alienado e que
às pessoas que têm hoje a sua tenha vocação habitacional.
casa penhorada por dívidas infi-
nitamente inferiores ao valor da Impedir o abandono do edificado:
casa;
▶ Criação de estímulos adicionais à
▶ Concretizar a função social da colocação dos alojamentos existen-
propriedade e diferenciar valor de tes no mercado de arrendamento a
propriedade de valor de uso, regu- preços acessíveis;
lando o valor das rendas;
▶ Adequar a manutenção dos alo-
Construir um parque público de jamentos em situação devoluta por
habitação: motivos especulativos.

▶ Priorização da reabilitação urba- ▶ Limitação do Alojamento Local,


na para habitação permanente ou com imposição do licenciamento
arrendamento por tempo indeter- como empreendimento turístico a
minado, incluindo um programa todos os fogos habitacionais dedica-
que envolva a assunção pelo dos exclusivamente a esta atividade;
Estado dos custos da reabilita- imposição de quotas máximas de
ção dos alojamentos quando os alojamento local por zona urbana,
proprietários não queiram ou não impedindo novos licenciamentos em
possam fazê-lo, seguida de co- zonas sobrecarregadas ou limitan-
locação no mercado de arrenda- do-os à substituição de licenciamen-
mento até o valor ser ressarcido; tos anteriores.

98
2022
2026

8.1.1. 100 mil novos fogos de


habitação pública
Propomos um programa desti-
Contas certas Para estimar o custo deste pro-
grama, utilizamos como referência
nado à provisão para arrenda- os custos estimados pelo IHRU
mento de 100 mil alojamentos para a provisão de soluções
adicionais a preços acessíveis de realojamento para as 25.762
(entre 150 e 500 euros por mês, famílias identificadas no contexto
em função das características do Levantamento Nacional das
e necessidades dos agregados Necessidades de Realojamento
familiares). Este plano de investi- Habitacional realizado em Feverei-
mento consolidará os programas ro de 2018 (ver Tabelas em baixo).
e iniciativas existentes, privile-
Tabela 2 / N.º de famílias, por solução de realojamento
giando a solução do arrenda-
mento de longa duração, ado-
tando uma definição consistente Soluções de realojamento Famílias a realojar
do que são “preços acessíveis” e Apoio à família a realojar para adquirir habitação 857
combinando reabilitação públi- Aquisição de novas habitações 1 576
ca de alojamentos existentes, Aquisição e reabilitação de habitações existentes 1 158
construção de novos alojamen-
Arrendamento de habitações 1 075
tos e, se necessário, subsídio ao
arrendamento de alojamentos Construção de novas habitações 6 889
privados. Indemnização sem realojamento 99
Ao incidir prioritariamente sobre Outra 13 336
a reabilitação urbana de prédios Reabilitação de habitações existentes 367
degradados do Estado ou de
Reabilitação de habitações sociais existentes 405
outras entidades públicas (atra-
vés de protocolos com as Mise- Total 25 762
ricórdias ou outras associações)
este programa proporciona uma Tabela 3 / Estimativa dos custos com a solução de arrendamento
renda baixa que torna possível o
regresso de famílias com rendi- Soluções de realojamento Custo anual
mentos baixos e de jovens aos Arrendamento de habitações 192 621 309€
centros das cidades, onde se
Total 192 621 309€
concentram as reabilitações de
habitação.

99
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Propomos uma política


pública de habitação, que
inclui a sua oferta pública,
o controle do valor das
rendas e a proteção
dos moradores face à
especulação.
Tabela 4 / Estimativa dos custos com as restantes soluções
de realojamento Com base nos cálculos indica-
dos acima, o custo estimado do
Custo total das soluções programa que agora propomos
Soluções de realojamento é da ordem de 6 mil milhões de
de realojamento
euros (100 mil alojamentos ×
Apoio à família a realojar para adquirir habitação 124 353 554,03€
60.000 euros = 6 mil milhões de
Aquisição de novas habitações 252 979 767,47€
euros). Dividido pelos quatro anos
Aquisição e reabilitação de habitações existentes 158 553 722,14€ da próxima legislatura, o custo de
Construção de novas habitações 935 471 726,39€ um tal programa terá assim um
Indemnização sem realojamento 6 442 153,54€ impacto orçamental estimado de
1500 milhões de euros anuais ×
Reabilitação de habitações existentes 12 937 000,00€
4 anos, aumentando muito signi-
Reabilitação de habitações sociais existentes 10 710 000,00€ ficativamente a provisão pública
Total 1 501 447 923,56€ de habitação e mitigando consi-
deravelmente as atuais dinâmicas
de exclusão do acesso à habita-
O universo abrangido pelo levan- habitações existentes, construção ção. Se a negociação europeia
tamento do IHRU (famílias em de novas habitações, aquisição permitir uma comparticipação
situação de carência habitacional de novas habitações). Por sim- razoável, este custo direto pode
grave em todo o país) é bastante plificação, consideramos apenas ser substancialmente reduzido.
mais restrito do que aquele que os custos das soluções que não Para além disto, existe a neces-
o programa que aqui propomos o arrendamento de habitações sidade de revisão dos impostos
pretende servir, mas o custo médio pelo Estado, os quais representam sobre o património e respetivos
por família do respetivo realo- custos anuais recorrentes. Temos benefícios fiscais que têm vindo
jamento (cerca de 60 mil euros assim um custo total de 1,5 milhões a promover a especulação ou ati-
por família) constitui um valor de de euros associado à provisão vidades especulativas e que são
referência para o custo estimado de soluções de alojamento para tremendamente valorizadas pela
de um programa que abranja 100 25.762-1.075=24.687 famílias, o que transformação de uso dos solos. É
mil alojamentos e cuja provisão representa o mesmo custo mé- disto exemplo o Imposto Municipal
assente numa combinação seme- dio de cerca de 60 mil euros por sobre Transmissão Onerosa de
lhante de soluções (reabilitação de alojamento. Imóveis, que tem vindo a crescer
em cerca de 20 pontos percen-

100
2022
2026

tuais nos últimos 5 anos. Estes sendo depois alugadas até à re- da população mais desprotegida
valores poderão apoiar a política cuperação do investimento. Desse e promover a inclusão urbana,
municipal de habitação se não fo- modo, os proprietários modestos reforçando assim as condições
rem isentados, bem como poderão ficarão protegidos da pressão das sociais para a escolarização das
refrear os ímpetos especulativos agências financeiras e imobiliá- crianças, para a promoção da
das transações. rias para uma venda precipitada segurança de quem neles habita e
Por outro lado, assumindo uma e recuperarão a sua propriedade para a qualidade de vida de toda a
renda mensal média de 350 euros modernizada. comunidade.
por alojamento, uma vez em pleno
funcionamento o programa gerará 8.1.2. Recuperar e construir 50 8.1.3. Fechar a porta aos fundos
receitas próprias estimadas no mil fogos para habitação com imobiliários
montante de 350 € x 12 meses x renda condicionada/apoiada Os fundos imobiliários são veí-
100 mil alojamentos = 420 milhões Com escassas exceções, a pro- culos de aplicações financeiras
de euros por ano. visão direta pelo Estado (em muito ativos em Portugal nos
O custo orçamental líquido poderá geral definida e aplicada ao nível últimos anos, comprando prédios
ser de cerca de 500 M€ durante das autarquias) tem-se limitado e adquirindo posições. Todos os
cada um dos quatro anos, com principalmente ao segmento da efeitos desta atividade são noci-
uma comparticipação de fundos habitação social de mais baixo vos: aumenta o preço das casas,
de coesão ou PRR a metade, custo e mais baixa qualidade (de criando uma procura inflacionada,
havendo um encaixe líquido de construção, arquitetónica e urba- impede ou dificulta o exercício
420 M€ a partir de então, uma vez nística), levada a cabo no contexto dos direitos dos inquilinos, cria um
realizada a despesa infraestrutural. de programas como o Programa stock de prédios desocupados e
Ou seja, o Estado terá recuperado Especial de Realojamento lançado que só servem como reserva de
todo o seu investimento a partir em 1993, que levou ao realojamen- valor. O Bloco propõe a extinção
do quinto ano do programa (ou um to de cerca de 45 mil famílias. Este dos benefícios fiscais criados para
pouco depois, consoante os juros Programa nunca chegou a estar estes fundos e a punição fiscal
considerados). concluído e manteve lógicas de destas propriedades não coloca-
O programa incluirá ainda a possi- gueto com as quais lidamos ainda das no mercado. Tal como sucede
bilidade de o Estado se substituir hoje. Em 2017, quase 26 mil famí- em outros países, deve ser impos-
a proprietários que não tenham lias viviam em condições precá- to um limite à quantidade de fogos
recursos e cujas casas sejam rias ou indignas. Estes programas detidos por fundos, agências e
recuperadas pelo fundo público, devem responder às carências bancos.

101
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Como a Em 2014, o governo Passos Coe-


lho vendeu a Fidelidade à chinesa
a Ugland House, sede de mais de
20 mil empresas, que ganhou no-
Fidelidade Fosun, que depois revendeu 271 toriedade quando Barack Obama
dos seus prédios ao fundo ameri- o considerou o maior esquema
tramou cano Apollo. Desde essa data, os de evasão fiscal do mundo, e que

os inquilinos moradores destes prédios viram-


-se envolvidos num carrossel de
continua a funcionar.
Estas empresas começaram a
e as inquilinas offshores. Os senhorios nominais
são uma de quatro empresas
enviar cartas de não-renovação
dos contratos, sobretudo aos
portuguesas (Meritpanorama, Fra- inquilinos não abrangidos pelo
grantstrategy, Notablefrequency regime transitório que protege de
e Neptunecategory) que perten- despejo pessoas idosas ou com
cem a outras empresas sediadas deficiência. Ao mesmo tempo,
no Luxemburgo, que por sua vez foram impedidos de exercer direito
pertencem a outras sediadas nas de preferência para a compra das
ilhas Caimão. A cadeia termina suas habitações, quando a Fosun
num edifício neste paraíso fiscal, as vendeu ao grupo Apollo.

8.1.4. Eliminar a Lei Cristas:


uma nova lei do arrendamento
Em 2012, a chamada “Lei Cris- O quarto pilar da política
tas” aumentou exponencialmen-
te os despejos e, acompanhada do Bloco para a habitação
de legislação e benefícios fiscais
de incentivo à especulação imo- é a retirada do quadro legal
biliária – liberalização do aloja-
mento local, vistos gold, regime
fiscal para residentes não habi-
imposto pela Lei Cristas.
tuais, criou a tempestade perfei-
ta para milhares de famílias. Mas
não ficou por aqui. Sem qualquer das casas subiu vertiginosa- imposto pela Lei Cristas, que
investimento público, o governo mente tornando-se proibitivo. O facilitou e promoveu os despejos
do PSD-CDS agravou as rendas governo do PSD e CDS, não só e a insegurança dos inquilinos
sociais e incentivou a prática de não investiu em habitação públi- e das inquilinas. Essa lei deve
assédio no arrendamento priva- ca, como desprotegeu a maioria ser substituída por uma nova
do, colocou o direito à habitação da população que vive do seu lei que promova contratos de
em causa e incentivou a espe- trabalho. longa duração e evite a escalada
culação imobiliária. Em muitas O quarto pilar da política do dos preços. A estabilidade dos
cidades, com especial incidência Bloco para a habitação é por contratos de arrendamento traz
em Lisboa e no Porto, o preço isso a retirada do quadro legal segurança à vida das pessoas.

102
2022
2026

As propostas Concretizar a Lei de Bases da


Habitação:
celebração de novos contratos de
arrendamento e criação de tetos
do Bloco máximo de renda, determinados
▶ Retorno aos 5 anos como pelo Conselho Nacional de Habi-
prazo mínimo dos contratos de tação, acima dos quais uma renda
arrendamento; passa a ser considerada usurária;

▶ Criação de um mecanismo rá- ▶ Reforço do IHRU e criação do


pido e eficaz de reconhecimentos Serviço Nacional de Habitação,
dos contratos orais arrendamento; com orçamento e programação
plurianual consequente, para
▶ Proteção no despejo às pes- aumentar a provisão de habitação
soas idosas; pública.

▶ Limitação imediata do aumen-


to das rendas na renovação ou

9. MEDIDAS FISCAIS -se em três grupos: i) justiça e de riqueza. O relatório apontava


PARA COMBATER ABUSOS progressividade fiscal, com vista a crescente concentração de
E PROMOVER A IGUALDADE ao desagravamento dos impostos riqueza nas últimas décadas,
Um sistema fiscal justo e eficaz no sobre o trabalho e bens essenciais, que supera até a desigualdade
combate à fraude e à evasão fiscal por contrapartida a formas mais de distribuição de rendimentos,
é essencial para dotar o Estado eficazes de taxação das grandes sublinhando o poder de multipli-
dos recursos necessários ao inves- fortunas; ii) tributação das grandes cação da acumulação de riqueza.
timento nos serviços públicos e na empresas e atividades especulati- Para lidar com estes problemas,
criação de emprego. Mas é tam- vas, de forma a reverter o desagra- a OCDE apontava duas formas
bém um poderoso instrumento de vamento fiscal histórico sobre os para aumentar a justiça fiscal: 1)
política económica e redistributiva rendimentos de capital e penalizar uma combinação entre impos-
que pode inverter o atual proces- as atividades puramente especula- tos sobre sucessões e doações
so de concentração de riqueza, tivas, em particular as que afetam e impostos progressivos sobre
aliviando a carga fiscal sobre o o direito habitação; iii) combate à rendimentos de capitais; ou 2) um
trabalho, combatendo o privilégio evasão fiscal e à despesa fiscal imposto sobre a riqueza global.
fiscal das grandes empresas, das injustificada, com a revisão de be- Em maio de 2021, num novo re-
atividades especulativas e das nefícios e regras fiscais abusivas. latório, a OCDE destacava o alto
grandes fortunas. grau de concentração de riqueza,
Portugal precisa de uma reforma 9.1. Justiça e progressividade bem como a distribuição desigual
fiscal que cumpra simultaneamen- fiscal das transferências de riqueza, o
te estes objetivos. As propostas Em abril de 2018 a OCDE publi- que reforça ainda mais a desi-
apresentadas pelo Bloco dividem- cou um estudo sobre tributação gualdade. Segundo este relatório,

103
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

em média, as heranças e doações dos pelas famílias mais pobres doações podem desempenhar um
relatados pelas famílias mais ricas (os 20% mais pobres). A OCDE papel mais importante na aborda-
(os 20% mais ricos) são quase 50 considerava assim que os impos- gem da desigualdade e na melho-
vezes maiores do que os relata- tos sobre herança, propriedade e ria das finanças públicas.

As propostas ▶ Introdução do englobamento


obrigatório dos rendimentos em
▶ Criação de um imposto sobre
doações e heranças, incluindo
do Bloco IRS, acabando com a dualidade património mobiliário ou outras
em que só os rendimentos do formas de ativos líquidos, com va-
trabalho e pensões são taxados lor superior a 1 milhão de euros. A
de forma progressiva, ficando os taxa a aplicar deverá ser de 25%
restantes sujeitos a taxas planas para heranças acima de 2 milhões
que no caso dos rendimentos de euros, e de 16% entre 1 e 2 mi-
prediais e de capitais são de 28%. lhões de euros;
Desta forma, também estes rendi-
mentos passariam a ser tributados ▶ Criação do imposto de solida-
progressivamente, de acordo com riedade sobre as grandes fortu-
o nível de rendimentos do sujeito nas, que incide sobre o património
passivo. Esta medida permite de- global dos sujeitos passivos cuja
sagravar os contribuintes situa- fortuna seja superior a 2000 salá-
dos nos primeiros três escalões rios mínimos nacionais. O imposto
de rendimento e financiar outras estrutura-se da seguinte forma:
opções fiscais mais justas, como a ▶ Valor patrimonial entre 2000
redução das taxas de IVA, nomea- e 2500 salários mínimos nacio-
damente sobre a eletricidade; nais, 0,6%;
▶ Entre 2500 e 4000 salários
▶ Introdução de dois novos esca- mínimos nacionais, 0,8%;
lões da tabela de IRS de forma ▶ Entre 4000 e 8000 salários
a aumentar a progressividade e mínimos nacionais, 1%;
aliviar a carga fiscal sobre os ren- ▶ Mais de 8000 salários míni-
dimentos do trabalho; mos nacionais, 1,2%.

104
2022
2026

Gráfico 14 / Taxas de imposto sobre os lucros


(em percentagem)

46
44
42
40
38
36
34
32
30
28
26
9.2. Tributação das grandes 24
empresas e atividades 22
especulativas
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018
Consolidou-se, ao longo das
últimas décadas, um desequi-
líbrio estrutural nos sistemas High-income Middle-income Low-income OECO Europe
de tributação, em benefício do OECO Non-Europe
capital e das grandes fortunas
e em prejuízo do trabalho e dos Fonte: FMI
consumos básicos. Para além
de contribuir diretamente para o
agravamento das desigualdades
económicas, este enviesamen-
to priva o Estado de recursos Gráfico 15 / Relação entre imposto sobre os lucros e crescimento
económico
essenciais para financiar servi-
ços públicos abrangentes e de 70
qualidade (ver gráfico 14).
Statutory corporate tax rate (%) (1-year tag)

Apesar da retórica que justifica 60


manter os mecanismos de pla-
neamento fiscal agressivo, não 50
existe evidência de uma relação
inversa entre a tributação sobre 40
os lucros e o investimento e o
crescimento económico, pelo 30
contrário (ver gráfico 15).
Justifica-se assim que, sem 20
prejuízo das medidas de carác-
ter internacional para comba- 10
ter a erosão das bases fiscais
e a transferência de lucros, se 0
corrijam aspetos do sistema -4% -2% 0% 2% 4% 6% 8%
fiscal português que promovem
Real GOP Growth
o planeamento fiscal agressivo e
agravam a injustiça fiscal. Fonte: Economic Policy Institute (Corporate tax rates and economic growth since 1947)

105
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

O imposto Em 2019 a EDP anunciou a ven-


da à Engie de seis barragens por
ficou sem efeito, não só porque o
negócio foi antecipado para antes
de selo um valor de 2200 M€. Perante o da entrada em vigor da lei do
negócio, o Parlamento aprovou Orçamento, mas também porque a
que a EDP uma norma no Orçamento do Es- EDP nunca liquidou o imposto de

não pagou tado para 2021 que garantia que


a verba do respectivo imposto de
selo.
Para evitar o pagamento, entre
Selo sobre o valor do trespasse da outras manobras de planeamento
concessão (110M€) fosse entregue fiscal, a EDP montou uma falsa
aos municípios afetados pelas reestruturação: cindiu as barra-
barragens. A disposição legal gens para uma nova empresa

As propostas ▶ Criação de um novo escalão da


derrama estadual para empresas
ou prestação de serviços subja-
centes diretamente a esses utili-
do Bloco com lucros entre 20 milhões e 35
milhões com a taxa de 7%. Este
zadores (serviço de intermediação
online); a transmissão, incluindo
novo escalão permite um pequeno a venda ou cessação, dos dados
aumento do IRC das empresas recolhidos gerados por ativida-
com maiores lucros, que pode ser des realizadas nas interfaces ou
canalizado para o financiamento plataformas digitais (serviços de
dos serviços públicos e da segu- transmissão de dados). A taxa de
rança social; imposto proposta é de 3% e as
condições que obrigam ao paga-
▶ Criação de um imposto sobre a mento do imposto são: que o vo-
prestação de determinados ser- lume de negócios no ano anterior
viços digitais onde a participação tenha superado os 750 milhões de
dos utilizadores e das utilizado- euros; que o montante total das
ras cria valor para as empresas suas receitas provenientes de ser-
prestadoras do serviço. O imposto viços digitais sujeitas ao imposto,
aplica-se a: publicidade dirigida uma vez aplicadas as regras para
a utilizadores e utilizadoras de a definição da base tributável
determinada interface ou platafor- e território nacional, supere 1,5
ma digital (serviço de publicidade milhões de euros. Calcula-se que
online); a disponibilização de inter- a receita assim obtida seja de 60
faces ou plataformas digitais que milhões de euros;
permitam a quem utiliza localizar
outras pessoas e interagir com ▶ Criação de um imposto espe-
elas, facilitando entrega de bens cífico sobre o consumo de bens

106
2022
2026

dentro do grupo EDP e depois todos os elementos do negócio, e te suportado pela EDP sobre as
vendeu as participações sociais tendo mesmo sido alertado para o mais-valias da venda. Finalmente,
dessa nova empresa a uma outra, risco de planeamento fiscal agres- a operação foi ainda isenta de IMT,
a ser fundida na Engie. A empresa sivo, o Governo autorizou a ven- uma vez que a EDP disputou em
alegará que esta é uma reestru- da das concessões sem colocar tribunal arbitral a anterior decisão
turação fiscalmente neutra, em- como condição o cumprimento da Autoridade Tributária de cobrar
bora seja claro que o objetivo da das respetivas obrigações fiscais. IMI e, logo, IMT, sobre as cons-
operação foi apenas a obtenção Para além do imposto de selo, que truções afetas às barragens. Esta
de vantagem fiscal, o que viola o será agora disputado pela Autori- matéria, em particular, deve ser
princípio da neutralidade. dade Tributária, persistem dúvidas clarificada do ponto de vista legal.
Embora tivesse em sua posse relativamente ao IRC efetivamen-

e serviços de luxo, como


são exemplo algumas jóias, O novo O novo modelo estrutura-se da
seguinte forma:
automóveis ou barcos, ou
utilização de campos de golfe.
regime Pessoas Singulares Residentes:
englobamento obrigatório do sal-
A introdução deste imposto
permite uma maior progressi-
de tributação do entre as mais-valias e menos-
-valias. Se antes este saldo era
vidade fiscal; de mais valias considerado em 50%, agora:

▶ Novo regime de tributação imobiliárias ▶ As menos-valias continuam


das mais-valias imobiliárias
para aumentar a progressivi-
em detalhe a ser consideradas em 50% em
todos os casos;
dade e a justiça fiscal;
▶ Cada mais-valia é dividida em
▶ Eliminação da isenção de duas componentes:
IMT para fundos imobiliários;
▶ A mais-valia correspondente
▶ Sujeição das barragens a até metade do valor dos encargos
IMI, quando o seu usufruto e com reabilitação é considerada
titularidade pertençam a uma para englobamento apenas em
entidade privada; 40% do seu valor;

▶ Enquadramento fiscal das ▶ A restante mais valia é consi-


operações com criptomoe- derada numa percentagem cres-
das, nomeadamente ao nível cente quanto menor for o período
das mais-valias em sede de de detenção do imóvel de acordo
IRS. com a seguinte tabela: ▶

107
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Tabela 5 de venda e o valor de compra,


deduzida de despesas inerentes Um regime
Período de detenção
Percentagem
do valor
à compra e venda do imóvel e de
1,5 o valor dos encargos com a
de tributação
do bem imóvel
a considerar valorização do imóvel, comprova- das mais-valias
Até 1 ano
De 1 a 2 anos
75
74
damente realizados nos últimos
doze anos. imobiliárias
De 2 a 3 anos 73 ▶ Este adicional não se aplica
mais justo
De 3 a 4 anos 72 quando o valor de realização seja
reinvestido total ou parcialmente
e eficaz
De 4 a 5 anos 70
até ao fim do 2.º período de tributa-
De 5 a 6 anos 68
ção seguinte.
De 6 a 7 anos 66
De 7 a 8 anos 63 ▶ A taxa aplicável será maior
De 8 a 9 anos 60 quanto menor for o período de
De 9 a 10 anos 57 detenção do imóvel de acordo com
a seguinte tabela:
De 10 a 11 anos 54
De 11 a 12 anos 51 Tabela 6
Superior a 12 anos 50
Período de detenção Taxa
Pessoas Singulares Não Residen- do bem imóvel (percentagem)
tes: as mais-valias são separadas: Até 1 ano 9,0
De 1 a 2 anos 8,5
▶ Ao valor da mais-valia até me-
tade do valor dos encargos com De 2 a 3 anos 8,0
reabilitação, comprovadamente De 3 a 4 anos 7,5
realizados nos últimos 12 anos De 4 a 5 anos 7,0
(arranjos ou obras) é aplicada uma De 5 a 6 anos 6,5
taxa autónoma de 28%.
De 6 a 7 anos 5,5
▶ Ao valor da mais-valia superior a De 7 a 8 anos 4,5
metade do valor dos encargos com De 8 a 9 anos 3,5
reabilitação é aplicada uma taxa De 9 a 10 anos 2,5
autónoma de 33% sobre o valor De 10 a 11 anos 1,5
total da mais valia.
De 11 a 12 anos 0,5
▶ Mantêm-se as isenções legais
em vigor relativas a habitação pró- Fundos Imobiliários: aplicação
pria permanente. do adicional criado em IRC. Se
a venda for feita a um preço que
Empresas: criação de um adicional reflita um lucro até 50% do valor
que incide sobre o ganho apu- investido na valorização do imóvel,
rado pela diferença entre o valor não há lugar a adicional.

108
2022
2026

Exemplo 1 Exemplo 5
Compra: 105 mil €
Compra: 100 mil €
Obras: 50 mil €
Obras: 200 mil €
Venda: 180 mil €
Venda: 2 M€
Passado um ano com mais-valia de 25 mil €
Passado 1 ano com mais-valia de 1,7 M€
IRS*: Atual: 22,5% | Novo modelo: 18%
IRS: Atual*: 24% | Novo modelo*: 35%
* Simulação para particular com IRS
* Simulação para particular com IRS pago no 7.º
pago no 6.º escalão
escalão

Exemplo 2 Exemplo 6
Compra: 105 mil €
Obras: 50 mil € Compra: €1 Milhão
Venda: 255 mil € Não faz obras
Passado um ano com mais-valia de 100 mil € Venda: 1,25 M€
IRS*: Atual: 24% | Novo modelo: 31,8% Passado 1 ano mais-valia de 250 mil €, reinvestindo
* Simulação para particular com IRS pago no 7.º tudo noutro imóvel (ex.: fábrica)
escalão IRC: Atual: 10,5% | Novo modelo: 10,5%

Exemplo 3 Exemplo 7
Compra: 105 mil €
Compra: 400 mil €
Obras: 50 mil €
Obras: 500 mil €
Venda: 255 mil €
Venda: 1,150 M€
Passados onze anos com mais-valia de 88 450€
Passado 1 anos por com mais-valia de 250 mil €
IRS*: Atual: 24% | Novo modelo: 24%
IRC: Atual: 21% | Novo modelo: 21%
* Simulação para particular com IRS pago no 7.º
escalão
Exemplo 8
Exemplo 4 Compra: 400 mil €
Obras: 500 mil €
Compra: 105 mil €
Venda: 1,9 M€
Não faz obras
Empresa vende passado um ano com mais-valia de
Venda: 130 mil €
1 M€
Passado um ano com mais-valia de 25 mil €
IRC: Atual: 21% | Novo modelo: 27,8%
IRS*: Atual: 22,5% | Novo modelo: 33,8%

Exemplo 9
Compra: 400 mil €(fundo imobiliário)
Faz obras de 500 mil €
Vende passado um ano por 1,9 M€ com mais-valia
de 1 M€
IRC: Atual: 0% | IRC novo modelo: 6,8%

109
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Portugal é dos países


da UE que menos investe
9.3. Combate à evasão e à em Investigação
despesa fiscal injustificada
A multiplicação de benefícios & Desenvolvimento.
fiscais contribui para um siste-
ma opaco e injusto. Não ape-
nas porque na maior parte dos
casos a lei privilegia rendimen-
tos mais elevados ou de capi-
tais, mas também porque a sua Tabela 7
utilização requer conhecimento
especializado. Finalmente, nem Benefícios Fiscais 2017 2018 2019 2020 €
sempre é assegurada uma justa
IRC 542 619 785 1 018
ponderação entre a despesa
fiscal associada a um benefí- dos quais
cio fiscal e os seus propósitos SIFIDE2 (F: Governo) 136 253 255 327
sociais e/ou económicos. Dois % do total 25% 41% 33% 32%
exemplos disto mesmo são o SIFIDE2 (F: ANI) 238,7 348 447,2 745,6*
SIFIDE, em IRC, e o regime dos
% do total 44% 56% 57% 73%
residentes não habituais, em
IRS. Em conjunto, estes bene- IRS 987 1057 1349 1478
fícios foram responsáveis por Residentes Não Habituais 494 525 770 847
uma despesa fiscal em 2020 % do total 50% 50% 57% 57%
entre 995 e 1217 M€, consoante
as fontes. *benefício fiscal requerido

110
2022
2026

O negócio O SIFIDE - Sistema de Incentivos seja, o SIFIDE II passou a permitir

do SIFIDE à Investigação e Desenvolvimen-


to Empresarial, que vai agora na
um abate ao imposto sobre os lu-
cros de até 82,5% dos montantes
sua segunda versão, atribui um gastos, não em investimento, mas
crédito fiscal em IRC equivalente em participações em fundos de
a entre 32,5% e 82,5% das des- risco. Apesar da elevada despesa
pesas realizadas pelas empresas fiscal associada ao SIFIDEII, e de
em Investigação e Desenvol- a venda de benefícios fiscais se
vimento (I&D). Para além dos ter tornado num lucrativo ramo
custos diretamente relaciona- de negócio para os fundos de
dos com investigação (pessoal, investimento, o escrutínio dos
equipamentos ou patentes), o reais impactos deste benefício é
benefício fiscal abrange também quase inexistente. Enquanto isso,
a “participação no capital de Portugal é dos países da UE que
instituições de I&D e contributos menos investe em Investigação &
para fundos de investimento”. Ou Desenvolvimento.

Gráfico 16 / Government budget allocations for R&D, 2020


(€ per person)

700
600
500
400
300
200
100
0
Luxemburgo
Dinamarca
Alemanha
Finlândia
Áustria
Suécia
Países Baixos
Bélgica
França
EU
Irlanda
Itália
Grécia
Espanha
Estónia
Républica Checa
Eslovénia
Croácia
Chipre
Portugal
Eslováquia
Lituânia
Malta
Polónia
Letónia
Hungria
Bulgária
Roménia
Noruega

Fonte: Eurostat

111
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Regime dos Considerado internacionalmente


como um exemplo de competi-
Mesmo depois desta alteração,
este regime continua a constituir-
residentes ção fiscal agressiva, o regime do -se como um fator intolerável de
residente não habitual isentava injustiça fiscal em Portugal: a pen-
não habituais as pensões de reforma e outros são anual de um residente por-
rendimentos e tributava a 20% tuguês de 15 mil euros tem uma
os rendimentos provenientes de taxa de tributação efetiva de IRS
“atividades de valor acrescentado”. de cerca de 11,3%, enquanto uma
Face às pressões internacionais pensão de 48 mil euros de um re-
para acabar com a competição sidente não habitual tem uma taxa
fiscal desleal, em 2020 as pen- de 10%. Para além do custo fiscal,
sões passaram a estar sujeitas a que se prevê que atinja os 850
uma tributação autónoma de 10% M€ em 2021, este regime contribui
mantendo-se, no entanto, a isen- para a pressão sobre os preços da
ção para quem se tenha tornado habitação nos centros urbanos.
residente até 31 de março de 2020.

As propostas ▶ Revisão de todo o sistema de


benefícios fiscais, eliminando e
participação em fundos de inves-
timento mobiliário ou sociedades
do Bloco adaptando-os ao efeito preten-
dido, em ponderação com outros
de investimento mobiliário;

instrumentos de política económi- ▶ Revisão dos acordos de dupla


ca e social; tributação com países que isen-
tam o rendimento de tributação,
▶ Fim do regime do residente e.g., Mónaco, alguns cantões da
não habitual; Suíça, Luxemburgo ou outras zonas
fiscalmente privilegiadas para as
▶ Eliminação da isenção de IMI SPGS, tendo em perspetiva a sua
aos imóveis detidos por parti- modificação por via negocial, ou se
dos políticos; tal não for possível, a denúncia de
tais acordos de dupla tributação;
▶ Eliminação da isenção de IMI
aos imóveis detidos por Miseri- ▶ Revisão das regras de tribu-
córdias que não estejam afetos à tação aplicáveis aos grupos
realização dos seus fins estatutários; económicos e, em particular, às
transferências de rendimentos
▶ Eliminação de taxas reduzidas para jurisdições com regimes
sobre rendimentos de unidades de fiscais mais favoráveis ao pla-

112
2022
2026

Na venda do Novo
Banco ao Lone Star: o
10. RECUPERAR O
CONTROLE DE SETORES
Estado ficou com 25%
LUCRATIVOS E
ESTRATÉGICOS
do capital e 75% da
O Bloco tem como prioridade a
recuperação do controlo público
responsabilidade sobre
sobre a banca e sobre empresas
estratégicas nos transportes e
as perdas futuras.
energia. O programa de reversão
das privatizações será adequado
às condições de cada empresa,
negociado com os acionistas no
âmbito de um quadro legal ade-
quado, financiado pela emissão 10.1. Uma banca pública tos especulativos. As impari-
de dívida pública e estendido ao estratégica dades foram, em parte, pagas
longo do tempo necessário para A transformação de um modelo com fundos públicos. Depois de
minimizar os riscos e efeitos. económico que alia a financei- várias transferências a fundo
rização às desigualdades e à perdido no BPN, BPP e no Banif,
destruição ambiental requer o o sistema bancário foi financiado
controlo democrático do sis- pelo Fundo de Resolução que,
tema financeiro. Para isso, a por sua vez, foi financiado pelo
neamento fiscal com vista à propriedade pública é condição Estado, direta e indiretamente
erosão da base tributável; essencial, mas não suficiente. (além do contributo da CGD, as
Ao controlo acionista dos ban- contribuições obrigatórias das
▶ Criação de taxas desa- cos devem corresponder uma outras instituições bancárias são
gravadas de imposto sobre estratégia económica clara para receitas do Estado).
os lucros de fundações e o desenvolvimento do país e Desde 2008, o Estado colocou-
associações sem fins lucrati- uma gestão profissional, limpa e -se assim numa situação de
vos a partir de 15 mil euros de transparente. financiador de última instância
matéria coletável; A fragilidade do atual modelo do capital dos bancos, tendo,
ficou exposta com a crise e a no entanto, abdicado dos seus
▶ Revisão do regime aplicá- derrocada de todos os grandes direitos de gestão e proprieda-
vel ao Centro Internacional negócios alavancados em dívida de. Estas opções desastrosas
de Negócios da Madeira, no pressuposto de uma eterna resultaram também, em larga
limitando e adaptando a atri- valorização dos ativos financei- medida, de pressões europeias,
buição de benefícios fiscais à ros. Para além da destruição de como foi visível na decisão de
efetiva criação de emprego e tecido empresarial das PME, venda do Novo Banco ao fundo
atividade económica, com a muito dependente da procura norte-americano Lone Star: o
aplicação de novos critérios de interna atacada pela austerida- Estado ficou com 25% do capi-
verificação e transparência; de, os bancos foram obrigados tal, e 75% da responsabilidade
a registar nos seus balanços sobre as perdas futuras e tendo
▶ Eliminação do SIFIDE. milhares de milhões de euros ainda abdicado de participar na
de perdas associadas a crédi- administração.

113
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

O erro da Em 2017, o governo do PS vendeu


75% do Novo Banco ao fundo
pela garantia, o mesmo não se
verifica para os restantes atos de
privatização Lone Star, abdicando de ter uma gestão do banco. Assim, uma vez
posição na gestão do banco. No registadas as perdas associadas
do Novo âmbito desse contrato de venda aquela carteira (4.367 M€ em

Banco foi criada uma garantia de 3900


milhões de euros, que seria acio-
termos acumulados em 2020), a
injeção no Novo Banco pelo Fun-
nada pela combinação de dois do de Resolução foi determinada
mecanismos: as perdas asso- pelas necessidades de capital do
ciadas a uma carteira de ativos banco, que podem ser manipula-
“tóxicos” e as necessidades de das pelas mais variadas escolhas
capital do banco. Nos seus atos de gestão (ver gráfico 17).
de gestão corrente, a administra- O potencial de abuso criado por
ção do Novo Banco (ao serviço este contrato é confirmado pelos
da Lone Star) interfere em ambas litígios entre o Fundo de Reso-
as dimensões, pelo que a venda lução e o Novo Banco relativa-
criou uma situação de conflito mente a verbas indevidamente
de interesses. Ainda que existam imputadas à garantia pública.
alguns mecanismos de verifica- Aos escândalos da alienação de
ção, no caso da gestão da cartei- carteiras de imóveis por valores
ra de ativos diretamente coberta simbólicos ou da incapacidade de

Não foi apenas no Novo Banco. da Comissão Europeia as deci- setor segurador, depois da venda
Os casos recentes do Banif e sões estratégicas sobre a banca da Fidelidade e da Tranquilidade,
mesmo da Caixa Geral de Depó- nacional: o momento da interven- 86% do capital é estrangeiro.
sitos deixam claro que as insti- ção, a sua forma (liquidação ou Esta opção é errada. Por um lado,
tuições europeias têm promovido resolução) e o destino privado do já ficou claro que a banca é um
ativamente um quadro legal que banco de transição. Além disso, bem público e um setor estratégi-
retira soberania aos Estados na- em Portugal, da aplicação des- co demasiado importante para ser
cionais com o objetivo de promo- tas regras resultou, não apenas gerido de acordo com os inte-
ver a privatização e concentração a entrega do sistema bancários resses financeiros dos acionistas
das instituições bancárias a nível aos interesses de curto prazo dos privados. Uma política industrial
internacional. seus acionistas, mas também o orientada para o emprego e para
As novas regras europeias de controlo de 61% da banca na- a conversão energética precisa de
resolução bancária, conjugadas cional por acionistas estrangei- instrumentos financeiros democra-
com o regime das ajudas de Es- ros, em particular por fundos de ticamente controlados e geridos.
tado, transferiram para o BCE e investimento, cuja submissão à lei Esta conclusão é ainda mais grave
para a Direção de Concorrência nacional é mais difícil. No caso do se a banca for dominada por fun-

114
2022
2026

Gráfico 17
cobrança a grandes devedores,
soma-se agora a certeza de que
o Estado não garantiu os meca-
nismos para defender os seus in- 112 3 405
317
teresses no caso do Novo Banco. 1 035
Depois de praticamente esgotada
a garantia pública, o banco volta 1 149
agora aos lucros, antecipando-se
a sua venda a um outro fundo
792
internacional.
A privatização do Novo Banco foi
um erro que o Bloco de Esquerda
procurou evitar desde o primei- Pagamento Pagamento Pagamento Pagamento Em análise Valores totais
ro momento, ao defender que a 2018 2019 2020 2021
utilização de recursos públicos
deveria ser acompanhada da pro- Pagamentos totais: 3 293 018 330,00€
priedade do banco. Essa posição Em análise: 112 000 000,00€
permanece válida e justifica a
intervenção para recuperar o con-
trole público do banco, tal como
proposto neste programa. Fonte: Fundo de Resolução

dos de investimento estrangeiros como serviço público. Para preve- no país e entre 2007 e 2018 fo-
sem ligação ao tecido empresarial nir formas de instrumentalização ram disponibilizados aos bancos
português, nem vocação para uma da banca pública por interesses portugueses 23.800 M€ milhões
gestão de longo-prazo e muito particulares, é necessário garan- em fundos públicos. Esta soma
expostos aos riscos dos mercados tir objetivos estratégicos claros contabiliza valores entretanto
internacionais. e democraticamente discutidos, devolvidos, bem como uma parte
A propriedade pública é, assim, padrões de excelência a nível das dívidas dos bancos ao Estado
uma condição essencial para a comportamental e prudencial e através do Fundo de Resolução,
transformação do sistema bancá- regras firmes de fiscalização e que entretanto atingiu o valor de
rio num fator de desenvolvimento transparência. 4682 M€, mas exclui outras formas
da economia e não de acumu- Para além da questão principal do de apoio. Entre elas estão garan-
lação de desequilíbrios macroe- controlo público da banca, o país tias públicas e, em particular, os
conómicos. É por esta razão que depara-se também agora com a ativos por impostos diferidos, cria-
o Bloco de Esquerda defende fatura da crise, agravada por anos dos ao abrigo do regime especial
o controlo público do sistema de gestão ruinosa dos bancos. De de 2014, que constituem verdadei-
bancário e a sua recuperação acordo com o Banco de Portugal, ras ajudas de Estado à banca.

115
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As contas Para além do financiamento a fundo


perdido ao BPN, no valor de 4915
extraordinária sobre o setor bancá-
rio tem natureza de receita tributá-
do Fundo M€, vendido ao BIC por 40 M€, e ria, apesar de ser depois direciona-
do BANIF, no valor de 2866 M€, da para o Fundo de Resolução. Por
de Resolução vendido ao Santander por 150 M€, outro lado, uma vez que o Fundo
os bancos do sistema devem ainda de Resolução integra o perímetro
ao Estado, por via do Fundo de das administrações públicas, as
Resolução, 6383 M€ por conta das operações de injeção de capital nos
resoluções do BES e do Banif e da bancos pelo Fundo de Resolução
venda do Novo Banco (ver tabela 8). entram para o cálculo do défice.
Independentemente do acordo Em suma, o Fundo de Resolução
de pagamentos entre o Fundo de constituiu-se como um mecanismo
Resolução e o Estado, o Fundo de indireto de intervenção do Estado
Resolução é financiado através de: na banca. As suas necessidades
i) contribuição periódica criada de financiamento são, na realidade,
em 2013, com uma receita de 72 necessidades de financiamento do
M€ em 2020. Estado. Para credibilizar a narrativa
ii) contribuição extraordinária de que a banca um dia pagará este
sobre o setor bancário, com uma empréstimo, a contribuição sobre
receita de 178 M€ em 2020. o setor bancário – que é receita
Ambas as contribuições, suporta- geral do Estado – é desviada para
das pelas instituições financeiras o Fundo de Resolução. Sem esta, o
em Portugal, constituem receita do capital em dívida nunca seria pago
Estado. Em particular, a contribuição dentro do prazo estabelecido.

Tabela 8

Capital em Taxa de Juro


Prazo
Dívida Nominal
Até 2021: 2%
Pela resolução BES 3 900 M€ 2046 Depois de 2022: taxa de financiamento
da República a 5 anos + 0,15%
Até 2020: 1,38%
Pela resolução
352,9 M€ 2046 Depois de 2021: taxa de financiamento
Banif
da República a 5 anos + 0,15%
Até 2021: 2%
Pelo Novo Banco 2 130 M€ 2046 Depois de 2022: taxa de financiamento
da República a 5 anos + 0,15%
Total 4 682 M€ 2046

Fonte: Fundo de Resolução

116
2022
2026

A imaginação Aos gastos associados ao Fundo


de Resolução acresce a dimensão
pelo Estado. Daí o nome de AID
elegíveis.
criativa para dos Ativos por Impostos Diferidos Os AID elegíveis podem: a) ser
(AID). Os AID são ativos que sur- descontados perpetuamente: só
cobrar aos gem pelo facto de existirem regras deduzem ao apuramento do lucro

contribuintes diferentes para a admissão de


perdas por imparidade na contabi-
fiscal se este for positivo, de outra
forma transitam para o ano se-
a conta dos lidade e na fiscalidade, sendo mais
estritas nesta última. Em teoria, a
guinte, por oposição à obrigatorie-
dade dos AID anteriores de entrar
bancos diferença entre estes dois regis- para o apuramento do lucro (ou
tos leva ao pagamento de um IRC prejuízo) fiscal no ano em que são
superior no ano em que a perda se reconhecidos fiscalmente; b) ser
verifica, constituindo-se um AID “reclamados” ao Estado: em caso
que posteriormente poderá ser de- de prejuízo, a instituição pode pe-
duzido no ano da aceitação fiscal dir ao Estado a devolução de AID,
do registo da imparidade (ou nos num montante equivalente à rela-
5 anos seguintes, em caso de pre- ção entre o resultado desse ano e
juízo fiscal). Com a crise financeira, os capitais próprios; c) ser “recla-
o registo de imparidades disparou mados” ao Estado num processo
levando a um crescimento explosi- de liquidação do banco.
vo do stock de AID, que se tornou Em 2016 este regime foi revogado
uma parte substancial dos ativos e mas até então os bancos já tinham
que foi registado como capital dos registado milhares de milhões de
bancos em Portugal. imparidades. Não pagaram IRC
Em 2014, a regulação bancária porque apresentaram prejuízo,
constatou que, dado o enorme mas mesmo assim guardaram o
valor de AID existente nalguns direito de deduzir essas perdas
bancos e a perspetiva negativa de nos seus impostos futuros - para
lucros no médio prazo, não seria sempre. Em 2018, mantinham-se
viável “escoar” o stock de AID e, no balanço dos bancos cerca de
por conseguinte, aqueles valores 3800 M€ de AID elegíveis. Em
poderiam não ser recuperados 2020, os seis maiores bancos do
pelos bancos. Assim, os AID dei- sistema reportavam 3000 M€ que
xariam de contar para os rácios serão utilizados para pedir reem-
de capital dos bancos, colocando bolsos ao Estado ou para deduzir
vários deles em situação de insufi- a impostos sobre lucros futuros.
ciência de capital. São, na verdade, ajudas do Estado
Para resolver o problema, o gover- ao capital destas instituições.
no PSD/CDS conferiu a estes AID Os bancos que mantiveram
direitos especiais que os aproxi- prejuízos ao longo destes anos
mam, de facto, de capital garantido puderam pedir esse dinheiro ao

117
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Estado, ficando este com direitos diferidos em créditos tributários,


de conversão no seu capital, que no montante total de 1.131 M€ por
pode exercer ou vender depois ao seis bancos: CGD, Novo Banco,
próprio banco. Até 30 de junho de Efisa, Haitong Bank, Banif Banco
2020 foram apresentados 19 pe- de Investimentos (Bison Banco de
didos de conversão por impostos Investimentos) e Banif (SA).

Tabela 9

Total
2015 2016 2017 2018
Requerido
CGD 420 575 259 420 575 259
Haitong Bank 586 696 22 855 734 10 057 187 245 900 33 745 517 O Estado
Efisa 216 519 241 183 238 843 129 010 825 555 como
Banif BI 441 921 64 747 54 862 27 588 589 117
Banif AS 35 980 632 53 611 142 89 591 774 acionista
Novo Banco 160 865 993 120 905 689 136 403 199 161 973 806 580 148 688 do Novo
Fonte: Relatórios e Contas dos bancos. banco
Tabela 10

Período Montante
Instituição Financeira Total
Fiscal certificado
CGD 2016 420 575 259 420 575 259
2015 3 080 243
Haitong Bank
2016 11 997 279
15 077 521 As propostas
2015 212 882 do Bloco
2016 241 183
Efisa 821 871
2017 238 796
2018 129 010
2015 441 921
Banif BI 2016 64 747 561 529
2017 54 862
2015 153 555 360
Novo Banco 253 030 212
2016 99 474 852
Total 690 066 393
Fonte: Relatórios e Contas dos bancos.

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2022
2026

O Novo Banco recebeu do do. Este prazo termina em 2022 interesses do Estado, foi aceite
Estado 253 M€ em injeções de (para os direitos com referência pelo governo no processo de pri-
capital por conta de ativos por aos períodos de 2015 e 2016) e vatização do Novo Banco. Ape-
impostos diferidos referentes ao em 2023 (para os direitos com sar disso, uma vez realizadas as
período entre 2015 e 2017, tendo referência a 2017). Caso não o injeções de capital com recursos
pedidos pendentes relativos aos faça, o Estado ficará com uma públicos, o governo deve exer-
anos subsequentes. O Fundo de participação de 5,69% no Novo cer o seu direito de conversão,
Resolução, como acionista do Banco que, no entanto, apenas tornando-se acionista do banco
Novo Banco, dispõe de três anos diluirá a posição do Fundo de e titular de uma parte dos lucros
para se pronunciar quanto ao Resolução no banco, mas não garantidos pela limpeza do ba-
direito de adquirir estes direitos a do acionista Lone Star. Esta lanço com recurso a uma garan-
de conversão atribuídos ao Esta- disposição, altamente lesiva dos tia, também ela, pública.

▶ Criação de instrumentos de ▶ Revisão das leis de resolução Parlamento, com as principais


reforço da propriedade e in- bancária, retomando o Estado linhas orientadoras da atua-
tervenção públicas no sistema poderes soberanos sobre deci- ção da banca pública. Este
bancário, através de: sões relativas à intervenção de programa deve ter em conta a
bancos em situação financeira prioridade do país, que é a sua
▶ Conversão dos AID elegíveis insustentável. Para além das hi- reconversão produtiva, de um
em capital e conversão das póteses de liquidação e resolu- modelo financeirizado e depen-
dívidas ao Fundo de Resolução ção, deve ser previsto o contro- dente para o investimento em
em instrumentos convertíveis lo público correspondente ao mobilidade, eficiência energéti-
em capital, de forma a dotar o capital financiado pelo Estado, ca, e indústria ambientalmente
Estado de direitos de proprie- direta ou indiretamente (através sustentável.
dade e gestão executiva na do Fundo de Resolução);
proporção dos montantes e ▶ Reforço e alargamento da
riscos assumidos com o finan- ▶ Elaboração de um progra- base da contribuição das insti-
ciamento do sistema bancário; ma estratégico, a debater no tuições financeiras.

119
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Proteger os clientes da banca ANA foi assim de 1880 milhões, pagos equivale a 40,2% do valor
As sucessivas alterações de dos quais 700 M€ de passivo da aquisição da ANA. Assim,
taxas, de regras de acesso e de e 1180 M€ de ativos, incluindo a manter-se o mesmo nível de
padrões contratuais têm vindo os dez principais aeroportos do recuperação do investimento,
a prejudicar os depositantes continente e regiões autónomas. no final desta década esse valor
e clientes dos bancos. Para o Nestes termos, esta venda deve estará totalmente recuperado.
Bloco, é essencial preservar as ser classificada como uma ope- Depois disso, a Vinci apenas
regras dos serviços mínimos ração de delapidação do patrimó- terá de pagar uma renda anual
universais, do direito a usar uma nio público e do Tesouro Nacio- de 24 milhões de euros por dez
conta bancária, a receber infor- nal, tomada pelo último governo aeroportos, transformando o ne-
mação fidedigna e compreensível. PSD/CDS. gócio da ANA no mais lucrativo
Pela mesma razão, é fundamental Em apenas oito anos (2013- de todos os negócios do grupo
proteger os clientes de todos os 2020), o valor dos dividendos francês.
abusos e, no caso dos lesados
do BES e do Banif, garantir que
são ressarcidos dos valores a
que têm legalmente direito, no-
meadamente com a agilização A direita promoveu o contrato
dos processos burocráticos junto O erro ruinoso da privatização da ANA.
das instituições de supervisão e
do apoio às situações económi-
do aeroporto Frente à necessidade de cons-
trução de um novo aeroporto, o
cas e sociais mais dramáticas. do Montijo governo do PS apoia a solução
da Vinci – aeroporto no Montijo -,
10.2. Um programa de a solução mais barata e que não
desprivatizações para a envolve qualquer investimento dos
legislatura acionistas, pois está desenhada
10.2.1. ANA para ser paga apenas com as re-
A ANA constitui um dos ativos ceitas aeroportuárias do aeroporto
estratégicos mais valiosos do de Lisboa. A suposta “solução”
país, sendo a entidade responsá- tem graves impactos ambientais
vel por todas as infraestruturas na fauna e na flora da zona de
aeroportuárias nacionais. Até reserva internacional do Tejo e
2012 foi uma empresa públi- identificam-se impactes negativos
ca lucrativa que constituía um ao nível do ruído em zonas densa-
monopólio natural em regime de mente povoadas no Arco Ribei-
exclusividade conferido por lei. rinho Sul, especialmente as que
No final desse ano, foi comprada se situam por baixo do corredor
pelo grupo francês Vinci a troco aéreo de aproximação.
de 3080 M€, dos quais 1200 M€ A solução Montijo carece de es-
correspondem à concessão dos tudo de impacte ambiental, e no
aeroportos por cinquenta anos e final de 2020 o Governo optou por
700 M€ corresponderam a dívida deixar caducar a Declaração de
assumida. O valor da compra da

120
2022
2026

10.2.2. CTT
Os CTT foram, até 2012, uma
empresa pública prestadora
do serviço público universal
de comunicações em todo o
território nacional, com apre-
ciáveis níveis de qualidade e
de rentabilidade. Entre, 2005
e 2012, os Correios realiza-
ram mais de 500 milhões de
euros de lucro para o Estado,
integrando o ranking dos 5
melhores serviços postais da
Europa.
Em 2013-14, o governo do
PSD/CDS vendeu a empresa
a privados por 920 milhões de
Impacte Ambiental de Alcochete, Montijo seria o acesso apenas ro- euros e a partir daí começa-
única opção verdadeiramente es- doviário. Como serão feitos quase ram os problemas para o país.
tudada no século XXI. O governo em exclusivo pela ponte Vasco da Portugal tornou-se o quarto
continua a ceder aos interesses Gama, (gerida em regime de PPP país da União Europeia em
da Vinci, como ficou patente no pela Lusoponte, cujo acionista que o serviço postal universal
Memorando financeiro assinado principal é a Vinci), o governo ofe- é totalmente privado, depois
no início de 2019 e como ficou rece assim de mão beijada mais da Holanda, Malta e Reino
patente na insistência numa opção uma vantagem à multinacional Unido.
claramente má para o futuro do francesa, não cuidando sequer de Em cinco anos, o serviço
setor aeroportuário, do ambiente e garantir uma acessibilidade ferro- postal piorou radicalmente.
das populações. viária ao aeroporto, facto único na Até novembro de 2018, encer-
O Governo lançou já em outu- Europa. raram 69 estações de Cor-
bro de 2021 um concurso público A questão de um novo aeroporto reio e, segundo a ANACOM
internacional para a realização da de Lisboa cuja necessidade está (10/01/2019), “subiu para 33 os
avaliação ambiental estratégica inscrita no próprio contrato de concelhos em Portugal que já
da futura solução aeroportuária de concessão da ANA à Vinci con- não têm estações de correios”.
Lisboa, com previsão de entrega figura-se como uma das razões Em novembro de 2021 reabri-
em 2023. É o momento de olhar substantivas para corrigir o grave rá a última das estações de
novamente para a opção Alcoche- erro estratégico de privatizar a correios encerradas em 2018,
te, cujos dados já nos indicam que ANA. A nacionalização da ANA é mas continua a haver um
seria a opção mais viável, caso não apenas condição para resol- défice de postos de correio,
venha a ser necessário no contex- ver a questão de um novo aero- que tantas vezes funcionam a
to de uma política adequada de porto, como também para respon- expensas do Estado.
transportes e transição climática. der às insuficiências que diversos Com a privatização, o total
O outro risco com a opção de aeroportos já apresentam. de reclamações aumentou
122%, originadas por atrasos,

121
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

extravios, falhas de distribuição


e mau atendimento. Tudo viola-
ções grosseiras do Contrato de
Concessão que já foi prorrogado
por ajuste direto, sem existirem
garantias de melhoramento do
serviço prestado.
Em paralelo foi-se erguendo um
novo banco comercial privado,
que funciona em instalações dos
correios, com trabalhadores dos
correios, com custos de funcio-
namento pagos pelos CTT, num com o apoio do Bloco de Esquer- lamento e a descapitalização dos
inaudito processo de vampiri- da que a decisão foi revertida. CTT e recuperar a empresa pelo
zação empresarial que governo, Além do mais, as pressões sobre controlo público. O governo tar-
Banco de Portugal, Autoridade da os trabalhadores dos CTT con- dou, inexplicavelmente, em tomar
Concorrência e ACT toleram. tinuam, sem aumentos salariais decisões sobre a renegociação
Entretanto o processo de desca- e recurso a trabalho precário, ao da concessão do serviço públi-
pitalização e de assalto aos CTT mesmo tempo que se continuam co universal aos CTT a partir de
pelos privados continua. Para a incumprir índices de qualidade. 2021. Por isso, optou por prorrogar
garantir a remuneração dos acio- A solução da direita é manter o contrato por mais um ano, em
nistas privados, o anterior presi- tudo como está. Nos programas regime de ajuste direto, tendo re-
dente da administração entregou eleitorais de 2009 e 2011, bem tirado competências da ANACOM
dividendos acima dos resultados como no Memorando que assinou no que toca aos indicadores de
líquidos anuais, num total de 338 com a Troika o PS propunha a qualidade do serviço postal uni-
milhões de euros, conseguidos à privatização dos CTT. Em con- versal. Um favor à administração
custa da venda do património e sequência, tem rejeitado várias privada dos CTT, que desde 2016,
da descapitalização da empresa. iniciativas legislativas do Bloco pelo menos, tem falhado pratica-
Como recompensa pelos serviços que visaram travar o desmante- mente todos estes indicadores.
prestados, o anterior presidente
da administração, Francisco La-
cerda, tinha, em 2017, uma remu-
neração anual superior a 900 mil
euros em salários, mas anunciava
As propostas ▶ Nacionalização das ações
representativas do capital
ao mesmo tempo a redução de do Bloco social dos CTT e a realização de
mil efetivos em nome da “susten- uma auditoria independente que
tabilidade futura da empresa”. Já o quantifique todas as ações lesi-
seguinte presidente da adminis- vas do serviço e do erário público
tração dos CTT, João Bento, não tomadas pela gestão privada dos
tem tido uma melhor atuação, ten- CTT, bem como as tomadas pelo
do decidido distribuir dividendos XII Governo constitucional (PSD/
em plena crise pandémica. Foi CDS).
só depois da pressão das ORT e

122
2022
2026

A REN detém
a exclusividade
do transporte em alta 10.3. Desprivatização da

das redes de energia. EDP e da GALP, objetivos de


soberania económica
Perante a urgência climática, a
direita e o PS defendem que as
prioridades e o ritmo da transi-
10.2.3. REN te em alta das redes de energias ção energética continuem subor-
A Redes Energéticas Nacionais, no país. A resposta aos desa- dinados aos interesses privados
S.A. (REN) é a empresa res- fios da penetração da renovável da administração e acionistas da
ponsável pela gestão global do descentralizada, do planeamento EDP e da Galp, grandes benefi-
Sistema Elétrico Nacional e do de rede e da segurança de abas- ciárias do atual modelo energéti-
Sistema Nacional de Gás Natu- tecimento estão hoje em mãos co e de mobilidade.
ral e pela gestão das respetivas da REN, controlada pelo Estado A EDP é uma empresa disputa-
Redes Nacionais de Transporte. chinês, que assim detém o mono- da entre os interesses de longo
Hoje é uma sociedade anónima pólio do transporte de eletricidade prazo da China (posição estra-
de capitais inteiramente privados, e gás natural. É um erro político e tégica no mercado europeu) e
cujos principais acionistas são a um atentado contra a soberania e os interesses de curto prazo
multinacional chinesa State Grid segurança energética deixar este de acionistas e administrações
of China (25%), a Pontegadea monopólio nacional nas mãos de (aumentar ainda mais os divi-
(12%) e Lazard Asset Manage- multinacionais, Estados estran- dendos através da liquidação de
ment (7%). O valor da capitali- geiros, fundos de investimento e ativos em Portugal).
zação bolsista ronda atualmente de capital de risco. É desejável O Estado chinês já encaixou em
1670 milhões. que tal risco desapareça e por dividendos ilíquidos da EDP e
A relevância estratégica desta isso é do interesse estratégico do da REN o equivalente a 70% do
empresa define-se pelo facto de país assumir o controlo pleno da que investiram em 2012. Estes
deter a exclusividade do transpor- operação da REN. riscos devem conduzir à inter-
venção do Estado, com vista
a impedir o desmantelamento
▶ A desprivatização da REN de mais uma grande empresa
As propostas deve iniciar-se pela recupe-
ração dos ativos de planea-
nacional em nome do aumento
dos dividendos a pagar aos e às
do Bloco mento e gestão global do acionistas.
sistema elétrico e de gás A recuperação da EDP e da
natural, os quais devem ser Galp pelo Estado será definida
reunidos num operador de pelo programa nacional de des-
sistema independente sob a privatizações.
forma de empresa pública, tal
como a legislação europeia 10.4. Participação
admite. O valor deste conjun- democrática dos
to de ativos a nacionalizar de trabalhadores nas empresas
imediato rondará os 50 mi- A Constituição portuguesa es-
lhões de euros. tabelece o direito dos trabalha-
dores das empresas públicas a

123
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

elegerem diretamente um repre-


sentante para integrar os conse-
lhos de administração daquelas
Encerramento No século XXI, Portugal viu encer-
rar mais de 6500 serviços públi-
empresas. O Bloco propõe: de serviços cos: 4492 escolas, 1168 juntas de
▶ Intervenção do governo para freguesia, 411 estações de correio,
o cumprimento pelas empresas públicos 249 extensões de saúde, entre
públicas do preceito constitu-
cional em vigor;
no interior muitos outros serviços encerrados
entre 2001 e 2014, de acordo com
▶ Alargamento a todas as mé- o levantamento feito pela Agência
dias, grandes e muito grandes Lusa. Acrescem outros encer-
empresas do direito à eleição ramentos em 2014 e 2015: mais
direta pelos trabalhadores de de 150 repartições de finanças,
um vogal não-executivo para o tribunais (tendo sido reabertos em
Conselho de Administração. parte nesta legislatura) e postos
de correios. Os encerramentos
11. INVESTIR NA COESÃO concentraram-se no interior e
TERRITORIAL norte do país.
11.1. Serviços públicos e Estes encerramentos sucedem-se
democracia a um período de corte de trans-
Durante décadas o país lito- portes coletivos que serviam o
ralizou-se e dividiu-se (AML interior e que se iniciou nos anos
e AMP 60% da população) ao 90 do século passado com a pri-
mesmo tempo que todo o Sul vatização da Rodoviária Nacional
(Alentejo e Algarve interior) era e com o encerramento 30% das
despovoado. linhas férreas do país.
A dimensão urbana do nosso
país é totalmente assimétrica:
o intervalo de variação entre
concelhos vai de 7 700 a 3,7 hab/ O PS e a direita têm defendido a meio ambiente (veja-se o exem-
Km2 e em que 85% das cidades inevitabilidade do encerramento plo das culturas superintensivas
têm menos de 50 mil habitantes. de serviços públicos no interior no Alentejo, os novos projetos de
O movimento de migração da face à perda de população. Em exploração mineira ou o contínuo
população do interior e a sua vez de utilizarem os serviços pú- eucaliptal). Finalmente, iniciaram
concentração no litoral foi acom- blicos como promotores de coe- um processo de descentraliza-
panhado por uma concentração são, aceleram os processos de ção de competências para as
de serviços públicos, retirando despovoamento. A promoção da autarquias e comunidades inter-
capacidade às zonas de mais criação de emprego no interior municipais que, muito embora
baixa densidade populacional e tem-se limitado a propostas de se diga promover a proximidade
concentrando também no litoral benefícios fiscais que se revelam das populações à decisão, sem
o emprego público (e qualifi- inconsequentes. Têm promovido mecanismos de compensação ou
cado). O interior, envelhecido e ainda formas de exploração e legitimação democrática agra-
desabitado, é também o interior financeirização do território que va as desigualdades. Delegar
empobrecido e esquecido. atacam comunidades locais e responsabilidades que devem ser

124
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2026

nacionais e solidárias em municí- anterior legislatura, não passou territorial”, é preciso construir
pios sem escala, recursos huma- de um processo de municipaliza- essa coesão com a organização
nos com densidade técnica e/ou ção de algumas tarefas do Esta- administrativa que lhe dê susten-
recursos financeiros, é condenar do, feito sem os corresponden- tação. A solução não passa por
a população do interior a servi- tes meios financeiros e mesmo medidas pontuais como a criação
ços públicos (da saúde à educa- humanos, sem que daí saiam de Ministérios ou secretarias de
ção) ainda mais frágeis. medidas efetivas de descentrali- estado que se ocupam do interior
O processo de “descentralização zação das políticas públicas. do país, é preciso um pensamen-
para os municípios” iniciado na Não basta falar de “coesão to estrutural e estruturado.

▶ Uma estratégia de valorização de conjugar todas as ferramentas


As propostas do território e das comunidades como forma de potencializar os ins-

do Bloco rurais assente na transformação


agrícola e florestal, do plano fer-
trumentos de produção de informa-
ção que permitam melhores e mais
roviário nacional e da garantia de organizadas tomadas de decisão;
acessibilidades nas situações de
isolamento das comunidades e dos ▶ Autonomia e responsabiliza-
aglomerados populacionais; ção dos serviços públicos na
execução dos seus orçamentos,
▶ Programa de reabertura gra- nomeadamente despesas correntes
dual de serviços públicos nos e preenchimento dos seus qua-
territórios de baixa densidade, dros de pessoal. Dos tribunais aos
acompanhado de incentivos à museus, passando pelas escolas,
fixação de trabalhadores e trabalha- transportes e centros de saúde,
doras do Estado nesses territórios. a necessidade de autorização
O programa deve ser estruturado do Ministério das Finanças para
em colaboração com os municípios todas as despesas e contratações,
e de acordo com a avaliação do seu incluindo substituição de trabalha-
efeito no povoamento do território; dores ou trabalhadoras, provoca
estrangulamentos insustentáveis e
▶ Criação de um modelo de aná- uma degradação dos serviços, que
lise espacial em Sistema de Infor- é particularmente penalizadora nos
mação Geográfica (SIG) à escala territórios mais vulneráveis;
local e regional mas simultanea-
mente inserido numa visão nacional, ▶ Garantia de cobertura de rede
que permita determinar a localiza- móvel, internet e TDT em todo o
ção mais adequada à criação/cons- território nacional, com monitoriza-
trução de qualquer infraestrutura ção permanente pela ANACOM em
através de uma ajustada combina- colaboração com as autarquias e
ção de fatores intervenientes, capaz imposição de perda de licença para ▶

125
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

os operadores que não cum-


pram essa obrigação.

▶ Reversão da fusão de fre-


guesias nos casos em que a
população o deseje através da
aplicação da Lei n.º 39/2021 de
24 de junho, particularmente o
Artigo 25.º (Procedimento espe-
cial, simplificado e transitório);

▶ Cumprimento integral da Lei


das Finanças Locais e revi-
são do montante total das
verbas a transferir para os
municípios e freguesias (com
o reforço do FFF - Fundo de
Financiamento das Freguesias);

▶ Um processo participado,
aberto e democrático com
vista à regionalização. Os
serviços públicos devem estar
adstritos ao nível do Estado
mais ajustado ao seu cumpri-
mento e escrutínio e, em muitos
casos, essa escala é regional.
Assim, é necessário dotar as 11.2. Regiões Autónomas: entre a República e os governos
estruturas intermédias do Esta- solidariedade e democracia regionais.
do de legitimidade democrática. Os custos da insularidade colo- Tem faltado a solidariedade
Os cidadãos e as cidadãs têm cam desafios especiais à coesão orçamental da República para
o direito de eleger os órgãos social e territorial. Segundo os responder às necessidades da
e participar na definição das dados do INE, a população das condição ultraperiférica das
políticas da sua região. A cons- regiões autónomas é a mais ex- regiões autónomas e falta com-
tituição de regiões serve a pro- posta ao risco de pobreza. promisso para os investimentos
moção de políticas de coesão As respostas devem obedecer estratégicos. O aprofundamento
territorial e o escrutínio popular a uma dupla responsabilidade: a das autonomias está ainda refém
do investimento público e de solidariedade nacional e o res- de mecanismos institucionais
políticas económicas com vista peito pela autonomia. Mas com que as menorizam e que lhes re-
a suprir as desigualdades entre demasiada frequência, assiste-se tiram capacidade de decisão em
territórios. a uma total desresponsabilização matérias fundamentais ao seu
com um jogo de passa culpas desenvolvimento.

126
2022
2026

As propostas ▶ Garantia de audição das re-


giões sobre acordos e tratados
▶ A celebração de contratos-
-programa entre a República
do Bloco internacionais e obrigação de e as regiões, no quadro dos
parecer vinculativo regional nas projetos de interesse comum e
matérias que respeitam direta- que visem, entre outras áreas,
mente à região autónoma; reconversão e eficiência energé-
tica, tratamento e reutilização de
▶ Substituição da figura do águas residuais, reciclagem de
representante da República resíduos;
por um órgão autónomo com os
mesmos poderes; ▶ Garantia do direito à mobilida-
de dos residentes nas regiões
▶ Revisão da Lei das Finanças autónomas, com a concretização
Regionais, retirando os constran- do fim do pagamento total e an-
gimentos impostos no período da tecipado das tarifas no acesso ao
troika, garantindo estabilidade e subsídio de mobilidade;
adaptando-a às atuais necessi-
dades, estabelecendo ainda em ▶ Garantia da compensação
sede estatutária condicionantes à financeira por parte da Repú-
revisão da Lei de Finanças Re- blica nas ligações aéreas, com
gionais protegendo assim a sua obrigações de serviço público
estabilidade de maiorias conjun- entre o continente e a região
turais; autónoma dos Açores, e o direi-
to equitativo à mobilidade entre
▶ Apresentação pelo governo todas as ilhas e o continente;
da República, no prazo máximo
de seis meses após a tomada ▶ Aplicação de obrigações de
de posse, do seu programa de serviço público no transporte
investimento nas regiões autó- aéreo de mercadorias e garan-
nomas; tia de distribuição atempada de
correio;
▶ Garantia de controlo, gestão
e investimento públicos nos ▶ Reforço da RTP nas regiões,
cabos submarinos que ligam as garantindo autonomia financeira,
regiões autónomas ao continente; financiamento adequado à rea-
lidade de cada região e capaci-
▶ Nova política para o mar, in- dade de produção própria, bem
cluindo alteração do regime jurídi- como de preservação e promoção
co e investimento na investigação, dos arquivos, com orçamentos
como já descrito; que respondam às obrigações ▶

127
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

de programação no contexto dos sidade dos Açores, tendo em mente daqueles com maior défice
arquipélagos, incluindo mais de- conta a sua insularidade e tripo- ao nível das instalações e meios
legações, profissionalização dos laridade e concretizar o acordo já humanos como a justiça e forças
correspondentes nas ilhas sem firmado entre esta e o governo da de segurança;
delegação, substituição de equi- república;
pamento obsoleto e vinculação ▶ Garantia dos meios necessários
dos e das profissionais em situa- ▶ Garantia de que a ANA pro- com a fiscalização da ZEE;
ção precária. longa a pista do aeroporto da
Horta com vista à melhoria das ▶ Cumprimento do compromis-
Para a Região Autónoma dos condições de operacionalidade; so do governo da república em
Açores, o Bloco propõe ainda: financiar em 85% os prejuízos
▶ Instalação no imediato do causados pelo Furacão Loren-
▶ Fim da presença norte-ame- radar meteorológico da Ter- zo.
ricana na Base das Lajes, com ceira e, no espaço de um ano,
exigência de indemnização para dos radares das Flores e de São Para a Região Autónoma da
reparação de danos sociais e Miguel; Madeira, o Bloco propõe ainda:
ambientais e obrigação de cum-
primento da legislação laboral ▶ Construção do estabele- ▶ Renegociação da dívida da
nacional no período de transição; cimento prisional de Ponta Região ao Estado, permitindo re-
Delgada em local adequado, dução de encargos anuais e dos
▶ Aprofundamento, sistematiza- requalificação do estabelecimento juros totais;
ção, controlo e divulgação de for- prisional da Horta e reforço dos
ma transparente do processo de meios humanos e materiais das ▶ Programa para a melhoria da
requalificação ambiental dos forças de segurança; operacionalidade do Aeroporto
terrenos na Ilha Terceira; da Madeira, incluindo investi-
▶ Pagamento da remuneração mento em meios tecnológicos e
▶ Garantia de duas tripulações complementar a todos os tra- estudo dos ventos;
dos helicópteros da Força Aé- balhadores da administração
rea estacionados nas Lajes que pública central, à semelhança ▶ Reposição da ligação marí-
permitam assegurar evacua- dos trabalhadores da administra- tima regular de passageiros
ções médicas de emergência a ção local e regional; entre a Região e o continente;
todo o tempo;
▶ Cumprimento das obrigações ▶ Concretização da obrigação
▶ No quadro de uma nova política de serviço público de transpor- de financiamento de 50% do
para o mar, constituição no Faial te de carga aérea previstas na Novo Hospital Central da Ma-
de um laboratório do Estado lei e sem aplicação desde 2015; deira;
com estatuto de Instituto Pú-
blico Nacional e no quadro dos ▶ Cumprimento das obriga- ▶ Programa de recuperação dos
projetos de interesse comum; ções do Estado ao nível das serviços públicos da responsa-
condições físicas dos serviços bilidade da República;
▶ Reforço do apoio à Univer- do estado na região, nomeada-

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2022
2026

12. GARANTIR A ligeira redução desde 2020 (135%


▶ Garantia em permanên- SUSTENTABILIDADE DAS do PIB). Entretanto, o défice orça-
cia de helicóptero da Força CONTAS PÚBLICAS mental de 2021 poderá ficar abaixo
Aérea para missões de O Bloco tem como objetivo repor de 4,3% do PIB, previstos pelo go-
resgate e salvamento e para o nível de investimento público de verno na proposta de Orçamento
combate a fogos florestais. 5% do PIB, ou de cerca de 11 mil do Estado para 2022.
milhões, aproximadamente o dobro Mesmo que se mantenham os
▶ Reforço do apoio fi- do previsto, mesmo contando o obstáculos institucionais a uma
nanceiro à Universidade PRR. Demonstramos nesta secção reestruturação de dívida pública
da Madeira, em virtude da como a gestão da dívida públi- negociada a nível europeu, o obje-
insularidade e ultraperiferia ca pode ajudar a financiar esse tivo da política de gestão da dívida
da RAM; montante, bem como o reforço pública deverá ser reduzir a taxa de
das políticas públicas na saúde, juro implícita da dívida pública para
▶ Promoção da gratuitida- no contexto de uma política orça- próximo de 1%, contribuindo para a
de dos transportes públi- mental exigente que responda às melhoria das contas externas e da
cos e reforço dos apoios às necessidades fundamentais. própria sustentabilidade das dívidas
energias verdes, para em- externa e pública. Uma vez atingido
presas e particulares, com o 12.1. Reduzir a despesa em juros esse referencial, deve aumentar-se
objectivo de acelerar a tran- da dívida soberana a maturidade de parte do stock da
sição energética e a descar- A dívida externa é excessiva e um dívida pública, para assim melhorar
bonização; risco para o país. Medida pela po- a sua sustentabilidade.
sição de investimento internacional A margem orçamental libertada
▶ Reforço do apoio à cons- líquido de Portugal, a sua depen- através da redução da despesa
trução de habitação social dência financeira externa era de com juros deve ser utilizada não
e a preços controlados, -208 mil M€, ou -99,5% do PIB, no para gerar saldos orçamentais
atendendo à grave situação segundo trimestre de 2021. primários crescentes, mas para o
habitacional de milhares de Ao mesmo tempo, o juro da dívi- desenvolvimento sustentado do
famílias da Região; da pública pesa excessivamente: país, nomeadamente na política de
mesmo com substanciais redu- transição ambiental, no investimen-
▶ Garantia do cumprimento ções das taxas de juro das novas to, na resposta à crise demográfi-
do princípio da continuidade emissões, em função da política do ca, nomeadamente na política de
territorial, através da con- Banco Central Europeu, Portugal habitação, e na redução da dívida
cretização do subsídio de ainda gastará, em 2022, 5108 mi- externa, aproveitando a possibilida-
mobilidade que permita aos lhões de euros em juros da dívida de de emissão de dívida soberana
madeirenses e porto-santen- soberana, cerca de 2,6% do PIB. É a taxas de juro reais negativas para
ses pagarem apenas os 86€ necessário reduzir essa vulnerabi- substituir stock de dívida cara.
para residentes e 65€ para lidade e essa despesa. No fim do Por outro lado, se a redução do
estudantes. terceiro trimestre de 2021, a dívida peso da dívida pública beneficiará
pública atingia 131,%, ou 272 mil do aumento do crescimento no-
milhões: se o valor for considerado minal da economia portuguesa,
líquido de depósitos das adminis- esse objetivo só é possível através
trações públicas, esse total será de de uma política orçamental não
249 mil milhões. Trata-se de uma restritiva.

129
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

A solução que nos propõem é credores e agências financeiras.


A solução do limitar a ação do Estado português A maturidade residual média da

PS e da direita a ajustamentos ocasionais por via


de operações de troca de títulos,
dívida pública portuguesa é das
maiores da zona euro. Temos, por-
ao mesmo tempo que têm vindo tanto, uma dupla vulnerabilidade
a recomendar a aceitação das ao poder dos credores: uma forte
exigências do FMI e da Comissão componente de dívida de longo
Europeia no sentido de alongar prazo, que foi cara até há pouco
o prazo médio de maturidades tempo e poderá voltar a sê-lo, e
da dívida pública, para assim um stock de dívida elevado em
dar garantias suplementares aos percentagem do PIB.

As medidas que o Bloco apresenta assinou com o Grupo Parlamentar na sequência desse relatório,
já foram discutidas durante a do PS as recomendações do as seguintes políticas, que
vigência do acordo PS-Bloco e relatório do Grupo de Trabalho da constituíram um plano que deve
houve então um compromisso. Em Dívida Pública. O Bloco manteve continuar a ser a agenda de uma
abril de 2017, o Bloco de Esquerda a sua palavra e propôs em 2019, reestruturação da dívida.

130
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As propostas ▶ Medidas de gestão de dívida: ▶ Regras estruturais para a


operação do IGCP:
do Bloco ▶ Redução da dimensão da al-
mofada financeira das adminis- ▶ Obrigatoriedade de apre-
trações públicas, concentrando sentação de cenários alterna-
fundos no Instituto de Gestão tivos ou decisões alternativas
do Crédito Público (IGCP). e apresentação dos cálculos
Utilizar disponibilidades da al- do valor atual líquido das ope-
mofada financeira para reduzir rações de gestão de dívida,
o nível de dívida pública em recorrendo a taxa de desconto
cerca de 10 p.p. do PIB; adequadas;

▶ Aumento do nível de emis- ▶ Impedimento à realização


sões de Bilhetes do Tesouro de emissões de dívida em
para reduzir a maturidade re- moeda estrangeira;
sidual média da dívida pública
portuguesa para menos de 6 ▶ Obrigação de depósito dos
anos; fundos do IGCP no Banco de
Portugal ou no Bank of Inter-
▶ Eliminação do conceito de national Settlements;
provisões para riscos gerais
do Banco de Portugal, através ▶ Definição de um plano de
da alteração do seu plano de contingência para situações
contas do Banco de Portugal; de instabilidade e pânico no
mercado de dívida pública
▶ Compra permanente no português. Em situação de
mercado de dívida do próprio crise financeira, deve vender
Estado a preços mais baixos, ativos estrangeiros (e.g., títulos
manipulando o preço da dívida de dívida pública de países
e assim influenciando a taxa da zona euro ou dívida dos
de juro; EUA) e utilizar os fundos para
recomprar dívida pública a
▶ Manutenção da política ado- desconto.
tada entretanto pelo Banco de
Portugal no sentido de reduzir ▶ Um programa ousado de
as suas provisões e entregar amortização e troca de títulos
ao acionista (Estado), sob a de dívida:
forma de dividendos, os lucros
obtidos com a dívida pública ▶ O Banco de Portugal tem
portuguesa e redistribuídos cerca de 3 500 milhões de
pelo BCE. euros de provisões acumula- ▶

131
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

das. Parte significativa deste outras formas, nomeadamente: rendimentos em 2 228 M€ em


valor, que é excessivo face aos cada ano.
riscos cobertos, deve ser dis- ▶ Tal como apresentada pelo
tribuída ao acionista na forma Grupo de Trabalho da Dívida ▶ Negociação mais ambi-
de dividendos e usada para Pública: redução da taxa de ciosa, que leve em conta a
amortizar dívida pública. juro para 1% e um prazo de recente redução nos juros de
60 anos da dívida detida por dívida pública nos mercados
▶ Reestruturação global da instituições oficiais, com um internacionais: por exemplo
dívida: o Bloco mantém o ob- efeito de abatimento do valor para se alcançar uma redução
jetivo de restruturação de dí- atualizado do stock da dívida de 37,5 pontos percentuais do
vida, através de uma redução em cerca de 52 mil milhões rácio da dívida pública, para
permanente das taxas de juro, de euros e uma redução da 84% do PIB, com uma taxa de
da substituição de títulos ante- despesa em juros em cerca de juro de referência de 0,5% e
riores por novas emissões com 700 M€/ano. Conjugada com um prazo alargado a 90 anos.
juro inferior ou com maturidades as restantes medidas atrás O nível da dívida externa líqui-
diferentes que sejam afetadas a enunciadas, estas propostas da reduzir-se-ia desse modo
longo prazo pela inflação, ou de melhorariam a balança de para 71,6% do PIB.

Como A Islândia nacionalizou em 2008,


no início da crise financeira
capitais e recusar aquele paga-
mento. Para os e as contribuin-
a Islândia internacional, um banco falido,
o Landsbanki. Mas não incluiu
tes islandeses, não fazia sentido
aceitar como dívida pública os
protegeu o seu ramo estrangeiro, Icesa- prejuízos de bancos privados e

o seu povo ve, pelo que muitos depósitos,


em particular de residentes na
sacrificarem-se com um aumen-
to de impostos para pagar a
Holanda e Reino Unido, que conta. Houve então um referen-
tinham utilizado aquele banco do e a população decidiu rejeitar
na expectativa de juros e benefí- o pagamento e não reconhecer
cios elevados, foram perdidos. A aquela dívida.
Holanda e o Reino Unido exigi- A Islândia foi mesmo o único
ram então uma compensação país em que banqueiros foram
para esses depositantes, e o julgados e presos.
primeiro-ministro inglês chegou O Tribunal Europeu recebeu um
mesmo a utilizar a legislação an- apelo dos governos holandês
ti-terrorista para confiscar bens e britânico no sentido de im-
islandeses. por a punição e o pagamento à
Mas a Islândia decidiu usar Islândia e rejeitou-o. Este é um
o controlo de movimentos de exemplo de como o público pode

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2022
2026

rejeitar o pagamento de uma 12.2. A dívida detida pelo BCE chegam à sua maturidade. Essa
dívida privada. Em novembro O BCE e o Banco de Portugal são deveria ser a regra estável dos
de 2018, uma decisão do Tri- detentores de um stock importante procedimentos futuros, mesmo de-
bunal Europeu de Justiça, no de dívida pública e privada portu- pois do fim do programa compras
caso Kuhn, comprovou que guesa, obtida sobretudo no âmbito de títulos, de modo a não reduzir o
um Estado nacional pode, se do programa de compra de ativos stock de dívida soberana nos ban-
necessário, proceder a cor- durante o período do programa cos centrais, por via de venda de
tes unilaterais a dívida que de expansão monetária do BCE títulos, mantendo-se a reciclagem
esteja sob alçada da jurisdi- (2015-2018). Até setembro de 2021, do stock. Essa política suscita forte
ção nacional, sem que seja em termos líquidos, esse stock oposição por parte das autoridades
possível recorrer a tribunais detido pelo BdP e pelo BCE alcan- da Alemanha e de outros governos
internacionais como sede de ça quase 80 mil milhões de euros que pretendem a reinstauração das
resolução do conflito com de dívida pública portuguesa, i.e., regras da austeridade.
os credores. Fica, portan- correspondente a aproximadamen- A não renovação automática deste
to, confirmado que, se uma te 37% do PIB. stock teria efeitos perigosos nos
reestruturação da dívida pú- Apesar de não ter sido anunciada juros a pagar por novas emissões
blica sob jurisdição nacional uma estratégia de longo prazo para de dívida pública. Por isso mesmo,
não é alcançada por acordo, a gestão desta dívida, o BCE tem o Estado português deve proteger
existe o direito legal da sua tomado medidas para que o stock a sua posição e obter um compro-
imposição pelo Estado. seja reposto com novas compras misso de longo prazo de compras
à medida que alguns dos títulos pelo BCE para, pelo menos, alcan-

133
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Cada euro que a


corrupção leva das
contas públicas é um
çar a substituição de títulos entre-
tanto chegados à maturidade. euro cortado ao Estado
12.3. A negociação das regras
europeias para o défice
Social.
Embora um número significativo
de decisores europeus defenda
um simples regresso às regras
orçamentais europeias (que estão os serviços públicos em saúde e 12.4. Estimular a poupança
em vigor, mas foram suspen- habitação, entre outros. interna
sas entre 2020 e 2022 devido à Em todo o caso, mesmo que face À medida que se desenvolve este
pandemia covid-19), continua a a uma decisão continuada para programa económico, assente no
discussão sobre se essas regras não reestruturar as dívidas externa aumento dos salários e pensões e
serão alteradas porque, a apli- e pública de vários estados-mem- do investimento, e com a criação
carem-se, seriam provavelmente bros, se o limiar da dívida vier a de emprego que implica, será pos-
violadas pelo menos pela França, ser fixado em 100% do PIB, nun- sível aumentar a poupança interna.
Itália e Espanha. ca seria aceitável que a regra da Para responder a essa procura,
Das propostas em discussão, des- despesa pública pudesse obrigar o Estado deve lançar uma nova
taca-se a sugestão do Mecanismo os estados-membros a medidas série de Certificados de Aforro e
de Estabilidade e Crescimento, recessivas, como por exemplo do Tesouro com condições melho-
de um limiar máximo da dívida de reduzir a taxa de crescimento da res do que os depósitos a prazo e
100% do PIB e de uma regra de despesa nominal abaixo de +1% produtos concorrentes, para assim
crescimento da despesa pública por ano, como não será aceitável financiar investimentos estraté-
nominal idêntica à tendência de que estratégia de crescimento gicos, ao mesmo tempo que vai
crescimento nominal da econo- nominal da economia seja deter- reduzindo a procura de poupança
mia. Seria uma adaptação face às minada pela autoridade estatística, externa.
atuais regras, que definem seis que está subordinada ao Eurostat.
restrições distintas, três das quais Os governos portugueses, fossem
conferem à Comissão Europeia de direita ou do PS, nunca ques- 13. A DEMOCRACIA CONTRA
uma grande discricionariedade tionaram estas regras, que têm A CORRUPÇÃO E O CRIME
para fixar objetivos distintos para sido destrutivas para a economia e ECONÓMICO
cada Estado-membro. a sociedade, impondo, em particu- 13.1. Um combate eficaz à
Esta alternativa é insuficiente e lar, um predomínio dos interesses corrupção e o crime económico
problemática. Pelo contrário, os do capital alemão. O Bloco de Esquerda é certe-
Estados devem poder gerir a sua Também é imperativo, por razões za de combate eficaz contra
política orçamental de modo a de responsabilidade democrática, a corrupção. As portas girató-
cumprirem os objetivos funda- que termine o regime de pré-a- rias entre o público e o privado
mentais da democracia: responder valiação pela Comissão Europeia devem ser travadas. Cada euro
perante os seus cidadãos no com- das propostas de Orçamento do que a corrupção leva das contas
bate ao desemprego, na promoção Estado dos Estados-membros públicas é um euro cortado ao
de investimento que organize a antes da respetiva apreciação par- Estado Social. É um abuso sobre
transição climática, a reconver- lamentar, no âmbito do designado cada um dos seus cidadãos e
são da indústria e transportes, ou Semestre-Europeu. cidadãs.

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2022
2026

Um partido O Bloco de Esquerda tem


apresentado as suas contas
O mesmo aconteceu quanto
às contas das eleições autár-
com contas anuais e das campanhas eleito- quicas de Lisboa em 2007, das
rais à Entidade das Contas, do eleições europeias de 2009,
certas Tribunal Constitucional, como 2014 e 2019, das eleições le-
é dever de todos os partidos. gislativas de 2009, 2011 e 2019
Tem sido o partido das contas e quanto a todas as contas
certas e muitas vezes o único anuais dos partidos de 2015
partido com assento parlamen- a 2017, os últimos a serem
tar sem multas em várias con- concluídos pela Entidade das
tas anuais e eleitorais. Em 2017 Contas. O Bloco foi dos poucos
(último ano sobre o qual a Enti- partidos (e várias vezes o úni-
dade já concluiu a apreciação) co) cujas contas foram apro-
foi um dos poucos partidos sem vadas sem registo de qualquer
irregularidades registadas. irregularidade.

Demasiadas vezes o interesse de impedimentos e incompatibi- da União Europeia. Para além do


público tem ficado refém de inte- lidades, travando exigências de mais, os Vistos Gold representam
resses privados. Privatizações de maior transparência e publicidade uma política de duplicidade ina-
empresas estratégicas, parcerias de património e rendimentos de ceitável em matéria de imigração,
público-privado, concursos feitos políticos. estendendo uma passadeira ver-
à medida de um determinado pri- O PS e a direita uniram-se tam- melha às pessoas imigrantes ricas
vado, os poderes ocultos dos “do- bém para impedir a eliminação dos enquanto os e as imigrantes po-
nos disto tudo” num sistema finan- Vistos Gold, proposta pelo Bloco. bres são condenadas a um limbo
ceiro sempre salvo com dinheiros Assim se mostraram complacen- jurídico e a um calvário burocrático
públicos, são exemplos que têm tes com a manutenção de uma de meses ou anos.
saído caros ao país. Apesar de figura que, para além de alimentar O Bloco de Esquerda considera o
algumas alterações na legislação a mais intensa especulação imo- combate à corrupção uma priori-
de combate à corrupção, há muito biliária, está associada a práticas dade. A corrupção mina as bases
que ficou por fazer. de corrupção e branqueamento de da confiança num Estado de Direi-
O PS e a direita uniram-se contra capitais, o que tem sido repetida- to. A transparência é a defesa que
as mudanças de fundo de que o mente denunciado por instituições qualifica e protege a democracia.
país precisava, impedindo o alar- internacionais credíveis. A Co- A exclusividade no mandato dos
gamento do período de nojo para missão Europeia e o Parlamento deputados é a certeza da verda-
ex-governantes ou a exclusividade Europeu recomendaram que esta deira separação entre interesses
dos deputados e deputadas, re- medida fosse afastada da ordem públicos e privados no poder
jeitando um regime mais apertado jurídica dos Estados membros legislativo.

135
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Criminalização do enriqueci-


mento injustificado, com con-
desde membros do Governo, con-
sultores e consultoras ou peritos
do Bloco fisco dos bens obtidos por esse e peritas do Estado, deputados e
meio. A riqueza sem origem clara deputadas e responsáveis de ga-
e acumulada abusivamente deve binetes ministeriais. Quem decide
ser taxada a 100%; no país tem que declarar o seu
património. Quem não deve, não
▶ Fiscalização do património e teme: essas declarações devem
dos rendimentos dos titulares estar acessíveis à população;
de cargos políticos e dos altos
cargos do Estado por uma Enti- ▶ Alargamento para seis anos
dade para a Transparência, com do período em que os e as
os recursos necessários para a sua ex-governantes não podem ser
tarefa e que tem urgentemente de contratados por empresas do
entrar em funcionamento. Se há setor que tutelaram, asseguran-
património não declarado, é crime. do um período de nojo que proteja
Se há enriquecimento despropor- os interesses públicos;
cionado, é comunicado ao Ministé-
rio Público para investigação; ▶ Recuperação dos direitos
sobre mais-valias urbanísticas
▶ Reforço significativo dos criadas por ação do Estado,
meios humanos, financeiros e designadamente pela classificação
logísticos ao dispor da Entida- administrativa de terrenos rurais,
de de Contas e Financiamento com a subsequente autorização
Políticos, para evitar a prescrição para edificar;
dos processos de apreciação das
contas dos partidos políticos e ▶ Reforço dos meios ao dis-
das campanhas eleitorais; por da polícia de investigação
criminal. O reforço da capacidade
▶ Reforço dos meios e pes- da investigação é tão importante
soal da Autoridade Tributária e quanto a existência das ferramen-
Aduaneira e da Polícia Judiciá- tas legais para barrar o caminho
ria afetos ao combate à evasão ao capitalismo criminal;
fiscal e à criminalidade económi-
co-financeira. ▶ Eliminação dos vistos gold da
ordem jurídica portuguesa;
▶ Total transparência de quem
é eleito e dos altos cargos do ▶ Criação de uma entidade ins-
Estado, alargando a lista de res- petiva para as autarquias locais
ponsáveis públicos com a obriga- para a promoção da transparência
ção de declarar o seu património, e o combate à corrupção.

136
2022
2026

13.2. Tolerância zero aos Suíça, Luxemburgo e Reino Uni- jurisdições, que promovem uma
offshores do - a que se juntam a Irlanda, os corrida para o fundo em impos-
Depois de muitos outras revela- EUA (Delaware e Nevada), Hong tos e impedem padrões mínimos
ções mediáticas, como a suscita- Kong ou Singapura, e também o de decência financeira. Ao invés
da pela investigação jornalística Panamá e as conhecidas ilhas Cai- de promover o investimento ou
aos Panamá Papers, os Pandora mão, Jersey, Virgens Britânicas ou o emprego, como às vezes é
Leaks voltaram a revelar como os Bahamas. Cada um destes países sugerido, os offshores criam uma
offshores estão no centro do crime ou regiões cumpre uma função economia de opacidade e desi-
financeiro. Com base em milhões específica, especializando-se em gualdade. Às grandes empresas
de documentos associados a diferentes serviços oferecidos pela e detentores de fortunas indivi-
14 empresas especializadas em rede offshore, que funciona por duais é assim concedido o privi-
offshores, a investigação revela centros geográficos. Se a Suíça, légio de escaparem às normas e
como líderes mundiais, celebrida- por exemplo, é exímia na proteção leis que, por questões de justiça
des e criminosos utilizam estes do segredo bancário, o Luxem- ou de segurança, se aplicam
serviços para ocultar a origem das burgo facilita a criação de veículos a todas as restantes pessoas.
as suas fortunas, para fugirem aos financeiros, e a Holanda oferece O resultado é a facilitação de
impostos, para evitarem perguntas vantagens fiscais às empresas eu- atividades ilegais ou abusivas, a
incómodas ou até mesmo escapa- ropeias. Hong Kong serve o capital descredibilização dos sistema de
rem à justiça. chinês, e as Bahamas ou o Belize justiça, o agravamento das desi-
Ainda que estejam associadas a são tipicamente utilizados por cri- gualdades e a perda de impor-
ilhas paradisíacas, metade do mer- minosos internacionais. tantes recursos financeiros que
cado offshore é detido por apenas Nenhuma razão é boa para financiam os serviços públicos e
quatro países europeus - Holanda, justificar a existência destas o desenvolvimento económico.

137
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Os líderes A recente fuga de informação


associada com o caso Pando-
dono de propriedades luxuosas
na Riviera Francesa no valor de
mundiais ra Papers mostra ainda como a 22 milhões de euros, adquiridas

utilizam elite política está ligada ao cri-


me económico, contornando as
através de offshores. Tony Blair,
antigo primeiro-ministro do Reino

offshores respectivas autoridades fiscais


ao mesmo tempo que acumula ri-
Unido - que enquanto concorria
à liderança do Partido Trabalhista
queza em paraísos offshore. O rei denunciava o sistema offshore
da Jordânia deterá 70 milhões de - terá adquirido um edifício em
libras em propriedade imobiliária Londres a uma companhia offsho-
luxuosa no Reino Unido e Esta- re de um ministro do Bahrain por
dos Unidos, adquiridas através 7,6 milhões de euros, evitando o
de veículos offshore enquanto pagamento dos impostos devi-
aplica um programa autoritário dos. Em Portugal, a utilização de
de austeridade no seu país que offshores surgiu associada a to-
recebeu 650 milhões de libras dos os grandes escândalos finan-
em ajuda humanitária nos últimos ceiros: no desvio de fundos do
cinco anos. O primeiro-ministro da BPN, na operação para valorizar
Républica Checa, eleito com uma artificialmente as ações do BCP,
propaganda populista anti-cor- nos crimes do BES e na fuga à
rupção e crime económico, será justiça de João Rendeiro.

138
2022
2026

O preço dos Segundo o Relatório “Estado


Atual da Justiça Fiscal” para o ano
perdem mais receita de impostos
para offshores - cerca de 245 mil
offshores de 2021, foi estimada uma perda milhões - os países em desenvol-
fiscal em todo o mundo de 427 mil vimento sofrem impactos despro-
milhões, entre ocultação de ativos porcionais com a evasão fiscal,
e fluxos de renda em paraísos onde a receita tributária é urgen-
fiscais e a evasão fiscal por parte temente necessária. No contexto
de empresas multinacionais, que atual da grave crise pandémica e
utilizam as redes transnacionais reduzido acesso à vacinação da
para contornar as legislações Covid-19 por países em desen-
nacionais a que estariam sujei- volvimento, o relatório estima que
tas. No caso português, as per- por cada segundo que passa, os
das anuais foram estimadas em mais ricos privam em impostos o
880M€. equivalente para vacinar comple-
Os países em desenvolvimento tamente um milhar de pessoas.
perdem entre 70 a 120 mil mi- É que ao mesmo tempo que os
lhões de euros em receitas fiscais paraísos fiscais arrecadam um
anuais transferidas por multina- euro em receita, estima-se que
cionais para offshores. Embora os governos por todo o mundo
sejam os países mais ricos que percam mais de seis.

Até agora, as principais me-


didas de combate à utilização
de offshores dizem respeito
As A ONU recomenda a criação de
uma taxa tributária mínima global
à sua utilização para efeitos recomendações e a realização de uma Conven-
fiscais. A OCDE, que integra
os principais centros offshore
da ONU ção da ONU sobre Tributação,
estabelecendo uma alternativa
do mundo, centrou-se em duas às regras tributárias da OCDE
grandes medidas que, sendo – que à data têm promovido os
importantes, estão muito longe interesses das grandes elites e o
de resolver o problema. O CRS crescimento do sistema financei-
- Common Reporting Stan- ro sombra.
dards visa criar mecanismos
de troca de informações entre
países, mas apresenta falhas
importantes na celeridade e rias das grandes empresas, embora para uma taxa mínima de 15% para
qualidade da informação troca- tenha trazido alguma transparência, as multinacionais confirma uma
da. O BEPS - Base Erosion and não foi eficaz no combate ao pla- estratégia de mínimos que acabará
Profit Shifting, que visa comba- neamento fiscal agressivo. Embora por ter uma aplicação muito diferen-
ter a erosão das bases tributá- importante, a proposta da OCDE te dos objetivos declarados.

139
C/ UMA ECONOMIA
PELA IGUALDADE
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Ainda que nenhum país possa adotar um quadro legal de tole- 13.3. A tecnologia
declarar de forma unilateral o rância mínima ao recurso a estas ao serviço do crime
fim dos offshores, Portugal pode jurisdições. económico
Se as contas offshore e o
sistema financeiro sombra
têm estado tipicamente liga-

As propostas ▶ Revisão da lista de offshores


para que esta reflita a verdadeira
dos ao crime económico e ao
financiamento de atividades

do Bloco natureza destas jurisdições e pos-


sa servir de referência a políticas
criminosas, o recente desen-
volvimento de novas formas
de combate à corrupção, ao crime de novos ativos digitais
económico e ao abuso fiscal; - nomeadamente as cripto-
moedas - vieram abrir novas
▶ Criminalização do recurso a possibilidades a estas ativi-
serviços prestados por enti- dades. A explosão de ativos
dades situadas em territórios como a Bitcoin, construídos
offshore; para garantir o anonimato
dos seus utilizadores, serve
▶ Exclusão do acesso aos o propósito da especulação
apoios públicos e contratação financeira mas também tem
com o Estado a empresas que estado ligada a atividades
sejam direta ou indiretamente ilícitas de branqueamento de
participadas, detenham participa- capitais, financiamento do
ções diretas ou indiretas ou sejam terrorismo e outras atividades
beneficiárias últimas de entidades criminosas, principalmente as
offshore; que decorrem em transações
na dark web.
▶ Obrigatoriedade de publica- Ainda que os registos de
ção do organograma completo várias criptomoedas sejam
e detalhado das entidades coleti- abertos para os utilizado-
vas que se enquadrem no âmbito res do sistema, a verdadeira
de ação da Unidade dos Grandes identidade por detrás de
Contribuintes. Este organograma cada pseudónimo é difícil de
deve incluir a estrutura acionista, descobrir e requer técnicas
bem como todas as participações avançadas por parte das
detidas, indicando todas relações autoridades de investigação.
diretas ou indiretas com entidades Essa tarefa pode ainda ser
offshore; dificultada quando estes crip-
toativos são especificamente
▶ Defesa da criação de um registo configurados para escon-
internacional dos beneficiários efe- derem informações sobre
tivos das sociedades offshore. transações e utilizadores (as
“moedas privadas”). Existem

140
2022
2026

A explosão de ativos
como a Bitcoin
ainda, neste universo digital, sites
serve o propósito da
que, a troco de uma comissão,
misturam grandes quantidades de
especulação financeira
criptomoedas, confundindo o seu
rasto (as “misturadoras” ou “blen-
mas também tem estado
ders”).
Num relatório submetido ao
ligada a atividades
Parlamento britânico em 2018,
a jornalista do Financial Times
criminosas.
Izabella Kaminska e o analista
Martin Walker, concluem que as
“criptomoedas e outros ativos
evoluíram de dinheiro fictício de
entusiastas para uma ferramenta As propostas ▶ Criação de um sistema de re-
porte obrigatório dos montantes
de apoio à atividade criminosa
[e daí] para uma ferramenta para
do Bloco detidos em criptomoedas, bem
como de todas as transações
especulação/jogo e evasão fiscal. efetuadas, quer de conversão em
Em nenhum momento, elas tive- moeda corrente como de aqui-
ram uma adesão significativa no sição de bens/serviços ou de
mundo real.” outros ativos digitais;
A rápida adaptação do crime à
tecnologia torna necessária a cria- ▶ Tributação das operações com
ção de mecanismos de controlo criptoativos, nomeadamente
e supervisão, de forma a impedir das suas mais-valias, até agora
o uso das criptomoedas de forma isentas.
abusiva e ilegal.

141
PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

A Capacidade
Estratégica
Ados
Capacidade
Serviços
Estratégica
Públicos
dos Serviços
Públicos
VALORIZAR OS SERVIÇOS
PÚBLICOS

ESCOLA PÚBLICA,
PILAR DE IGUALDADE

UM SERVIÇO NACIONAL
DE JUSTIÇA

O DIREITO À CULTURA,
ÀS ARTES E AO PATRIMÓNIO

ENSINO SUPERIOR
E INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

SERVIÇOS PÚBLICOS
JUNTO DAS COMUNIDADES
PALAVRAS-CHAVE
EMIGRANTES PORTUGUESAS
DO CAPÍTULO
2022
2026

/ 143
PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

A Capacidade
Estratégica
dos Serviços
Públicos

F
O problema A solução
altam funcionários públicos Um Estado justo e eficiente re-
em quase todos os serviços quer a contratação de funcionários
que garantem o funciona- públicos que garantam a resposta
mento do país e a qualidade da do Estado em todas as áreas e
nossa democracia. Durante mais a valorização dos seus salários e
uma década, governos do PSD/ carreiras. Robustecer e ampliar os
CDS, mas também os do PS, serviços públicos é a prioridade
impuseram uma regra de não do Bloco de Esquerda: uma escola
substituição dos trabalhadores com a melhor educação para todas
que saiam dos quadros do Estado. as crianças e jovens, sem exce-
Simultaneamente, os salários da ções ou propinas que são mecanis-
função pública foram congelados, mos de promoção das desigualda-
mantendo-se uma política de bai- des; um serviço nacional de justiça
xos salários nos primeiros esca- que seja acessível e que garanta a
lões da tabela, entretanto ultrapas- segurança mais básica de toda a
sados pelo aumento dos salários população; uma cultura que multi-
mínimos. O resultado desta políti- plique a acessibilidade, a criação e
ca deliberada de desinvestimento a fruição em todas as suas ativi-
é a escassez de trabalhadores e dades, um investimento sério na
trabalhadoras, com a perda de ciência e no Ensino Superior. São
capacidade do Estado para atrair estas as condições estratégicas
profissionais qualificados e para para uma sociedade mais justa e
responder em áreas chave. uma economia mais sustentável.

144
2022
2026

145
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

14. VALORIZAR OS SERVIÇOS


PÚBLICOS
14.1. Ampliar a capacidade
profissional nos serviços
públicos
Há dois défices nos serviços públi-
cos essenciais: a falta de pessoal
qualificado e a falta de investimen-
to para melhorar a sua capacidade.
Só para manter os atuais quadros
de pessoal, é preciso compensar
todos os anos a saída de 20 mil
efetivos, que são muitas vezes as
pessoas mais experientes e qualifi-
cadas na função pública, conside-
rando as restrições que imperaram
ao longo do período da troika e
mesmo antes dele. No passado,
os governos impuseram a regra
de uma entrada por duas saídas e,
As propostas ▶ Contratação de 20 mil pes-
soas para a função pública por
além disso, promoveram a emigra-
ção em algumas profissões (enfer-
do Bloco ano durante a próxima legislatura
para compensar quem, entretanto,
magem, por exemplo). A degrada- sai por reforma ou outra razão;
ção dos serviços foi acelerada.
Se são precisas mais pessoas na ▶ Reforço dos serviços essen-
enfermagem, para as técnicas de ciais com mais 10 mil contratos
diagnóstico, para a medicina, para por ano.
a segurança nas escolas e para a Garante-se assim a estabilida-
educação pré-primária ou outros de dos quadros de pessoal e
níveis, são precisos mais funcio- acrescentam-se dez mil jovens
nários públicos. Só a demagogia qualificados para responder às
mais básica permite pedir melho- necessidades dos serviços públi-
res serviços e promover ao mes- cos estratégicos, em particular na
mo tempo o discurso contra quem saúde, educação e reconversão
trabalha na função pública. energética. Desses, 18 mil são
necessários no Serviço Nacional
14.2. Valorizar os trabalhadores de Saúde, na enfermagem, técni-
e trabalhadoras da cas de diagnóstico e terapêutica,
Administração Pública especialidades médicas, auxiliares
Apesar do descongelamento de e pessoal administrativo. Salvar o
carreiras e do aumento do sa- SNS implica pessoal e investimen-
lário de entrada na carreira de to à altura da sua obrigação.
assistente operacional para 705

146
2022
2026

Gráfico 18 / Perda acumulada de poder de compra nos salários da


Função Pública
(valores em euros)

Assistente Operacional, 4.ª


Assistente Operacional, 6.ª
Assistente Operacional, 8.ª
Assistente Técnico, 1.ª
Assistente Técnico, 4.ª
Assistente Técnico, 9.ª
Diplomata (Adido)
Diplomata (Conselheiro), 1.ª
Diplomata (Embaixador), 1ª
Diplomata (Embaixador), 3.ª
Docente Universitário ass., 1.ª
Docente Universitário aux., 1.ª
Docente Universitário aux. agreg., 1.ª
Docente Universitário cat., 1.ª
Docente Universitário cat., 4.ª
Educ./Prof. Básico/Sec., 1.ª
Educ./Prof. Básico/Sec., 5.ª
Educ./Prof. Básico/Sec., 10.ª
euros em 2022, quem trabalha na Enfermeiro, 1.ª
função pública não recuperou o Enfermeiro, 5.ª
seu poder de compra. À exceção Enfermeiro, 11.ª
Guarda da GNR, 1.ª
dos rendimentos mais baixos, que Guarda da GNR, 4.ª
tiveram um aumento de 1% em Guarda da GNR, 8.ª
2020, a função pública foi aumen- Sargento da GNR, 1.ª
Sargento da GNR, 4.ª
tada apenas para compensar a Sargento da GNR, 2.ª
inflação dos anos de 2019 e 2021. Oficial da GNR, 1.ª
Mantém-se assim a perda de Oficial da GNR, 4.ª
Oficial da GNR, 2.ª
poder de compra acumulada ao
Agente da PSP, 1.ª
longo de uma década de conge- Agente da PSP, 4.ª
lamento. Em 2020, os salários da Agente da PSP, 8.ª
função pública eram, em regra, Oficial da PSP, 1.ª
Oficial da PSP, 2.ª
10% inferiores aos de 2010 (ver Oficial da PSP, 4.ª
gráfico 18). Técnico Superior, 2.ª
Para além das questões salariais, Técnico Superior, 7.ª
Técnico Superior, 14.ª
a valorização dos funcionários Médico Assistente (35h), 1.ª
públicos exige que se revisite a Médico Assistente (35h), 5.ª
organização das suas carreiras. Médico Ass. Graduado (35h), 4.ª
Médico Ass. Grad. Sén. (35h), 4.ª
Um técnico superior da Adminis-
Médico Assistente (42h), 1.ª
tração Pública pode demorar mais Médico Assistente (42h), 5.ª
de cem anos a chegar ao topo da Médico Assistente Grad. (42h), 4.ª
carreira; um assistente operacio- Médico Ass. Grad. Sén. (42h), 4.ª
nal pode ter décadas de serviço -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
e ganhar o mesmo do que um
recém contratado; e um assistente Fonte: Expresso, Função pública está a perder até €647/mês com congelamento dos salários.

147
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

O combate às
desigualdades é a
principal tarefa da Escola
Pública nos próximos 15. ESCOLA PÚBLICA, PILAR
DE IGUALDADE

anos. 15.1. Uma escola inclusiva,


moderna e democrática
A pandemia revelou um substrato
de desigualdade no sistema educa-
técnico já pouca diferença vê na lhadoras em muitos setores da tivo português. Com a suspensão
valorização da sua formação. Esta Administração Pública sobrecar- do ensino presencial, associada a
desvalorização das carreiras da rega os e as restantes e pres- longos períodos de confinamento,
Função Pública, agravada pelo de- siona a qualidade dos serviços a falta de recursos e de preparação
saparecimento de muitas carreiras públicos. para o ensino remoto de emergên-
especiais, é um dos maiores fato- Para cumprir direitos fundamen- cia marcaram quase dois anos de
res de desmotivação e dificuldade tais como a proteção social, a perdas de aprendizagens, pertur-
de atração dos melhores profissio- saúde e a educação são ne- bações sócio emocionais e uma
nais para o serviço público. cessários serviços públicos de limitação do desenvolvimento das
A par dessa desvalorização, a fal- qualidade com trabalhadores capacidades sociais.
ta de trabalhadores e de traba- valorizados e qualificados. À falta de computadores, de uma
cobertura nacional de internet
rápida e de orientações pedagó-
gicas uniformes somaram-se as
As propostas ▶ Revisão da especialidade
e diferenciação funcional
dificuldades de um corpo docen-
te envelhecido e cansado e de
do Bloco das carreiras bem como contexto sócio-familiares desfa-
da tabela remuneratória da vorecidos. Foram tempos eficazes
Administração Pública para para mostrar como as condições
recuperar proporcionalidade e de origem, a literacia das famílias,
justiça; a qualidade da habitação, e tantos
outros fatores sócio-económicos
▶ Aumento salarial anual determinam o sucesso escolar. A
mínimo ajustado à inflação pandemia arrasou a tese neoli-
e aumentos reais no quadro beral da meritocracia aplicada à
da valorização da Administra- educação.
ção e serviços públicos e nas O Estudo do CNE “Efeitos da
condições enunciadas ante- pandemia COVID-19 na educa-
riormente; ção: Desigualdades e medidas de
equidade” refere que há “unanimi-
▶ Revogação do SIADAP e o dade nos diversos estudos e do-
seu sistema de quotas e pro- cumentos consultados, nacionais
moção da sua substituição e internacionais” sobre o “agrava-
por um verdadeiro sistema mento das desigualdades que, por
de avaliação que permita a sua, vez, se tornaram mais visíveis
justa progressão na carreira. e atingiram mais alunos e famílias”.
Incluindo a recuperação de apren-

148
2022
2026

Gráfico 19 / Despesas com Educação, Saúde e pensões de velhice em


dizagens mas ultrapassando-a, % do PIB
o combate às desigualdades é a
principal tarefa da Escola Pública
nos próximos anos. O maior risco
na prossecução desse objetivo
é o desinvestimento em políticas
de educação. O recente “Relatório
Panorâmico sobre Demografia e 1975 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050 2060 2070
Educação” do Tribunal de Contas Educação 2,1% 3,1% 3,7% 4,8% 4,8% 3,9% 5,8% 4,0% 4,2% 4,1% 4,1%
dá o risco como certo e mostra
Pensões 1,2% 2,4% 2,9% 3,5% 5,1% 12,7% 14,2% 14,4% 12,6% 10,5% 9,5%
como a tendência tem sido de
redução das despesas que pas- Saúde 0,4% 2,8% 3,1% 4,2% 5,4% 5,4% 6,3% 6,8% 7,2% 7,4% 7,3%
saram de 4,8% do PIB, em 2000,
Fonte: Tribunal de Contas
para 3,9%, em 2020, e estima-
-se que decresçam para 3,8%
em 2030. A UNESCO e a OCDE como a democratização do mo- las com mais pessoal técnico,
recomendam que o valor seja de delo de gestão, a reversão dos nomeadamente profissionais da
6%. Em Portugal já chegou aos mega-agrupamentos e atribuição psicologia, terapeutas, mediado-
4% no início do século XXI e, neste de autonomia às escolas, a revisão res e mediadoras, animadores e
momento, está em valores seme- dos programas e do modelo de animadoras culturais, tutores e
lhantes aos da década de oitenta avaliação ou a revisão do regime tutoras, entre outras pessoas, para
do século XX (ver gráfico 19). de recrutamento e mobilidade trabalharem em conjunto com to-
O aumento exponencial do in- dos docentes. O novo decreto de das as comunidades e com todos
vestimento em educação tem de inclusão veio também evidenciar os alunos e alunas, tendo ou não
ser acompanhado de mudanças a necessidade reforçar as esco- diversidade funcional.
profundas nas políticas públicas
de educação. O sistema educativo
em Portugal tornou-se numa man- A escola tem que adotar modelos
ta de retalhos, avulsa e incoerente, Gestão de gestão e funcionamento demo-
marcado pela agenda neoliberal e
pela escassez de recursos.
Democrática cráticos, revogando a legislação
antidemocrática que subsiste no
Concluída a reversão de algumas
medidas da direita, o governo do
das Escolas tempo de Maria de Lurdes Rodri-
gues e Nuno Crato. A revogação
PS resistiu às mudanças neces- da legislação sobre gestão escolar
sárias, tanto de política educativa e estatuto do aluno, entre outras, é
como de investimento, como a vin- uma prioridade do Bloco de Es-
culação extraordinária de mais de querda. Defendemos um modelo
7000 professores e professoras, a com maior participação de alunos,
diminuição do número de alunos e professores e funcionários, e onde
alunas por turma ou a gratuitidade não sejam esquecidos os encarre-
dos manuais escolares. gados de educação e toda a comu-
Ficaram por tomar, por recusa nidade em que a escola se insere.
do PS, medidas tão importantes

149
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Mesmo perante as exigências diversidade cultural e de capaci- das. No primeiro ciclo observamos
da pandemia, os investimentos dades, e que promova o sucesso e uma das médias mais altas da Eu-
foram sendo feitos a conta gotas a participação de todas as crian- ropa de horas passadas em con-
e dependentes de financiamentos ças e jovens. texto de sala de aula dos alunos.
europeus, como os 400 milhões Isso será impossível sem a partici- A este debate tem de ser asso-
de euros de fundos europeus para pação de docentes e não docen- ciado o debate sobre a formação
recursos digitais. Ainda assim, os tes na organização da escola, sem contínua específica de docentes
computadores, tal como a contra- um processo de reforma curricular deste ciclo de ensino.
tação de assistentes operacionais, participado por toda a comunida- A escola que prepara para o futu-
chegou tarde e insuficiente. Por de educativa, sem a valorização ro não é compatível com modelos
outro lado, o anunciado reforço de de todo pessoal que trabalha na pedagógicos antiquados, expo-
docentes não chega para as ne- Escola e o respeito pelos e pelas sitivos, decorrentes do elevado
cessidades de uma Escola Pública estudantes. Até as tentativas de número de alunos por turma e da
com escassez crónica de pro- implementar práticas pedagógicas necessidade de formar e treinar
fessores, sobretudo em algumas inovadoras, como o programa de para exames anacrónicos. Há ain-
disciplinas. autonomia e flexibilidade curricular da um longo caminho pela frente
Pede-se hoje à Escola quase tudo e a introdução de aprendizagens até a escola pública conseguir eli-
e não se pode exigir menos: que essenciais, esbarram na conti- minar o abandono escolar, baixar
seja espaço de aprendizagem para nuidade de programas extensos as taxas de retenção e assegurar
a cidadania, para a liberdade, para e obsoletos, metas curriculares a possibilidade de terminar a es-
os conhecimentos técnicos e cien- inalcançáveis, um modelo de colaridade obrigatória garantindo
tíficos atuais, para a cultura, a arte avaliação obcecado por exames e igualdade de oportunidades e
e o desporto e que garanta condi- na desarticulação entre os novos frequência para que a sua conclu-
ções de igualdade. Não há escola modelos desejados e a ausência são seja uma realidade em toda a
inclusiva sem uma política educati- de alterações significativas na sociedade. Se os manuais esco-
va que trabalhe esse objetivo. formação de professores. lares gratuitos foram um primeiro
Uma verdadeira educação inclusi- É necessário ainda abrir o debate passo, é necessário, agora, refor-
va passa, entre outros aspetos, por sobre a organização por ciclos. çar a ação social escolar e dotar
uma educação antirracista, uma Portugal tem o primeiro ciclo mais as escolas e todos os alunos e
educação sexual sem preconcei- curto da Europa, decorrente de alunas com as melhores condi-
tos, uma educação laica, aberta à lógicas anacrónicas e desatualiza- ções de aprendizagem possíveis.

150
2022
2026

Gráfico 20 / População por nível de escolaridade (2000-2020)


É imprescindível acabar com os
exames em todos os ciclos de
ensino e separar a conclusão do 100%
secundário do acesso à universi- 12% 21%
80%
dade (ver gráfico 20). 15%
Por fim, não pode haver educa- 60% 24%
19%
ção inclusiva que não responda
à persistência do analfabetismo 40% 14% 20%
e das baixas taxas de escolari- 10%
zação em Portugal. Há ainda 500 20% 29%
20%
mil pessoas analfabetas no país,
0% 11% 3%
sobretudo nos meios rurais e entre
as mulheres. Do mesmo modo, no 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
quadro da Educação Permanente
e do direito à escolaridade, é fun-
damental assegurar que os adul- Superior Secundário e pós-secundário Básico - 3.º ciclo
tos que abandonaram a escola
Básico - 2.º ciclo Básico - 1.º ciclo
precocemente tenham a possibili-
dade de completar os 12 anos de
escolaridade. Fonte: INE

As propostas ▶ Abertura de um processo de


reforma curricular e revisão de
processo de transição digital;

do Bloco programas, com a participação de ▶ Gratuitidade de equipamen-


professores e professoras, estudan- tos informáticos e de acesso a
tes, academia e organizações da rede de internet;
sociedade civil mais relevantes em
cada área, envolvendo o ensino su- ▶ Reforço da ação social es-
perior para assegurar a necessária colar e materiais pedagógicos
reforma na formação de docentes; adaptados e diferenciados para
alunos e alunas com necessida-
▶ Revisão da organização dos des educativas especiais;
ciclos e do calendário escolar;
▶ Valorização do ensino profis-
▶ Revisão do estatuto do aluno sional com garantia de ensino
e da aluna para valorizar partici- unificado até 9º ano;
pação e direitos;
▶ Alargamento do ensino arti-
▶ Inclusão da desmaterializa- culado e das respostas públicas
ção dos manuais escolares no de ensino artístico; ▶

151
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

▶ Reforço das respostas de dos vínculos dos profissionais; lização com base na autonomia
educação inclusiva nas esco- das escolas;
las, com contratação direta de ▶ Gestão pública das cantinas
terapeutas e técnicos e técnicas escolares com produção local ▶ Recuperação de um modelo
especializados e alargamento e circuitos curtos de abasteci- de gestão democrático e fim
da rede de unidades de ensino mento; dos mega-agrupamentos;
estruturado e multideficiência;
▶ Revisão da portaria de rá- ▶ Criação, na escola pública, de
▶ Revisão do modelo de Ati- cios, recuperação da especi- cursos pós-laborais dirigidos
vidades de Enriquecimento ficidade funcional do pessoal aos adultos que pretendam me-
Curricular (AEC), Componen- não docente, revisão da tabela lhorar a sua escolaridade;
tes de Apoio à Família (CAF) salarial das carreiras de assis-
e Atividades de Animação de tente operacional e assistente ▶ Adoção de uma estratégia
Apoio à Família (AAF) de modo técnico; descentralizada de erradica-
a valorizar as atividades lúdicas, ção do analfabetismo, com
combatendo a sua excessiva ▶ Reversão da municipalização especial foco na população mais
curricularização e a precariedade e novo modelo de descentra- distante da rede escolar pública.

15.2. Uma proposta para a Gráfico 21 / Distribuição dos docentes (%) por grupo etário
sustentabilidade da escola e nível de ensino (2019/2020)
pública
Todos os anos a falta de profes-
3.º ciclo do Ensino 1,2 9,7 35,3 53,8
sores na escola pública faz-se
Básico e Ensino Sec.
sentir com mais força e mais
cedo. Este é um problema com 1,9 9,5 32,0 56,7
2.º ciclo do Ensino
causas identificadas: a combina-
Básico
ção do envelhecimento, da pre-
cariedade e da desvalorização da 1,5 13,4 43,8 41,3
1.º ciclo do Ensino
carreira docente. No ano letivo
Básico
2021/22, passado o primeiro mês
de aulas já faltavam 691 profes-
3,4 16,0 26,0 54,7
Educação pré-escolar
sores nas escolas de todo o país
e Alemão e Latim eram as únicas 0 20 40 60 80 100
disciplinas em que não havia alu-
nos sem docente.
A percentagem de docentes do
< 30 anos 30-39 anos 40-49 anos ≥ 50 anos
3º ciclo do ensino básico e ensi-
no secundário com menos de 30
anos? É de 1,2%. O alerta parte Fonte: Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Perfil do Docente 2019/2020

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2022
2026

De acordo com a OCDE,


Portugal é dos países
em que menos jovens
da OCDE, que afirma que a clas-
se docente portuguesa é uma das
dizem querer vir a ser
mais velhas de todos os países
integrantes desta organização
professores.
internacional.
Quase metade do universo do-
cente tem mais de 50 anos. Altos de dois mil docentes, o número A desvalorização da carreira
níveis de envelhecimento já sig- mais elevado desde 2013. Até docente dá-se de muitas for-
nificam um custo acrescido para 2030, podem sair quase 60%. À mas, sobretudo na contagem do
o sistema educativo. A idade é o desvalorização sistemática da tempo de serviço e nos entraves
principal fator de afastamento de carreira docente corresponde a às progressões na carreira. Na
docentes das salas de aula por diminuição do número de estu- sequência das apreciações parla-
motivo de doença. Em Portugal, já dantes interessados nos cursos mentares apresentadas por vários
são cerca de 12 mil (ver gráfico 21). que formam para o ensino. De partidos, a direita recuou e o blo-
A curto prazo, este problema será acordo com a OCDE, Portugal é co central impediu a recuperação
o maior desafio para a organiza- dos países em que menos jovens da carreira dos professores e das
ção do nosso sistema educativo. dizem querer vir a ser professores professoras.
Em 2020, reformaram-se cerca e professoras. Uma das formas mais graves de
desvalorizar a carreira docente é
condenar os jovens professores
acabados de chegar às escolas a
uma vida de precariedade e bai-
Gráfico 22 / Distribuição dos docentes (%) por vínculo contratual xos salários. Sem qualquer apoio
e nível de ensino (2019/2020) para deslocações, muitos dos ho-
Ensino público do Ministério da Educação rários que agora ficam por preen-
cher nas escolas obrigariam estes
3.º ciclo do Ensino 77,6 22,4 docentes a “pagar para trabalhar”
Básico e Ensino Sec. Portugal é alvo de um procedi-
mento de infração por parte da
2.º ciclo do Ensino 82,7 17,3 Comissão Europeia por incum-
Básico primento da diretiva UE relativa à
não discriminação na contratação
86,7 13,3
1.º ciclo do Ensino a termo de professores nas es-
Básico colas públicas. De acordo com a
86,5 13,5 Comissão, a lei portuguesa prevê
Educação pré-escolar condições de emprego menos fa-
voráveis para os professores con-
0 20 40 60 80 100 tratados a termo que trabalham
nas escolas públicas portugue-
sas do que para os professores
Do quadro Contratados permanentes, nomeadamente em
termos de salário e antiguidade
Fonte: Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Perfil do Docente 2019/2020 (ver gráfico 22).

153
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Valorizar Anos de promessas do PS sobre


estudos e planos não deram em
progressão na carreira, com eli-
minação das vagas de acesso
a carreira nada. É necessária uma negocia- aos 5º e 7º escalões;
ção séria com os representantes
docente dos docentes para encontrar novas 3. Alteração dos intervalos
medidas de valorização da carreira. horários e mais direitos para os
Estas são cinco das mais urgentes: horários incompletos;

1. Programa de vinculação ex- 4. Redução geográfica dos


traordinária de docentes precá- Quadros de Zona Pedagógica;
rios e alteração da norma travão;
5. Criação de um regime de
2. Respeito pela graduação compensação a docentes des-
profissional e pelo direito à locados.

O envelhecimento da classe do- na formação inicial e no regres- do Corpo Docente, que permitirá
cente representa um risco para so de professores e professoras a substituição voluntária de do-
a sustentabilidade da Escola precários que abandonaram o centes com mais longas carrei-
Pública e é um fator negativo sistema com o acesso à apo- ras contributivas por jovens no
para o desenvolvimento econó- sentação antecipada. Assim, início da carreira, com benefícios
mico do país. A única forma de o Bloco propõe um Programa para um sistema educativo mais
o evitar é combinar uma aposta Especial de Rejuvenescimento inovador (ver tabela 11).

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2022
2026

Tabela 11 / Distribuição dos docentes, por grupo etário, natureza do estabelecimento de ensino e nível de
ensino (2016/2017)

Grupo etário e
Total < 30 anos 30-39 anos 40-49 anos ≥ 50 anos
natureza
Privado Privado Privado Privado Privado
Dependente do

Dependente do

Dependente do

Dependente do
Independente

Independente

Independente

Independente

Independente
Dependente
Público

Público

Público

Público

Público
do Estado

Nível de ensino
Estado

Estado

Estado

Estado
Educadores de
8 133 3 854 2 874 13 157 366 343 1 324 1 239 1 743 1 661 759 6 034 712 510
infância
Docentes do 1.º ciclo
24 435 379 2 468 16 29 260 5 432 221 1 350 9 689 87 482 9 298 42 376
do ensino básico
Docentes do 2.º
ciclo do ensino 19 398 872 1 722 118 24 108 2 366 260 727 6 643 300 528 10 271 288 359
básico
Docentes do 3.º
ciclo do ensino
básico 63 473 2 654 4 364 290 53 188 8 389 848 1 760 24 552 1 107 1 472 30 242 646 944
e do ensino se-
cundário

Fonte: Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Perfil do Docente 2019/2020.

Tabela 12 / Docentes em exercício de funções nos ensinos básico


e secundário, por ciclo de estudos e grupo etário,
no Continente (2000/01, 2019/20)

3.º Ciclo
Ciclo e ano letivo 1.º Ciclo 2.º Ciclo
e Secundário
Grupo etário 2000/01 2019/20 2000/01 2019/20 2000/01 2019/20
Total 36 722 27 548 33 222 21 716 81 724 71 862
< 30 anos 5 759 409 4 665 403 16 697 840
30-39 anos 8 108 3 697 9 089 2 053 29 867 6 994
40-49 anos 15 202 12 061 11 339 6 950 22 898 25 344
≥ 50 anos 7 653 11 381 8 129 12 310 12 262 38 684

Fonte: Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, dados atualizados setembro 2021

155
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Regime temporário de an-


tecipação da aposentação
▶ Incentivo à contratação e vin-
culação dos docentes contrata-
do Bloco das professoras e professores dos e contratadas. Desta forma
com idade próxima da reforma é possível preparar a renovação
(medida de adesão voluntária e geracional a uma década, evitando
que deve incluir a possibilidade de a saída abrupta de quase metade
reconversão de tempo de serviço do corpo docente e acautelando a
ainda não contabilizado em ante- entrada atempada de novos pro-
cipação da reforma); fessores e professoras.

15.3. Um programa de de milhares de alunos e alunas, 15.4. Uma rede pública de


requalificação das escolas docentes e trabalhadores e tra- creches
públicas balhadoras, assim como a quali- A Carta Social de 2019, salienta
O parque escolar português dade da educação em Portugal. “uma insatisfatória cobertura mé-
coloca em causa a qualidade da As despesas de capital cor- dia das respostas e equipamentos
educação. Cerca de um terço das respondem a menos de 2% do sociais para a 1ª infância, o que
escolas secundárias públicas (173 orçamento total da educação, no caso das creches não abran-
de um total de 526) foram reno- o que deixa muito pouco para ge metade das necessidades
vadas, mas a falta de recursos as obras necessárias. É neces- (48,4%). Esta é uma das razões
financeiros deu origem ao atraso sário um plano de investimento para ser tão caro inscrever uma
ou à suspensão do investimento a quatro anos, com calendário criança na creche, às vezes mais
previsto nas restantes. Muitas e prioridades definidas. Sem do que numa universidade pri-
das escolas secundárias e a projetos de luxo, a cada escola vada. Mesmo quando se trata de
maioria das escolas básicas não deve ser dada autonomia para creches com acordos com a Se-
tiveram as intervenções necessá- identificar as suas necessidades gurança Social, o valor das men-
rias ao longo dos anos (um terço de requalificação e manutenção salidades pode representar meta-
do total, segundo a Comissão dos edifícios escolares. de do salário médio. Este quadro
Europeia). O congelamento de
todas as obras durante o último
governo só agravou a situação.
Frio e calor, chuva dentro das
As propostas ▶ Adoção de um programa de
requalificação dos edifícios
salas de aulas, falta de condições
ou ausência de refeitórios e pavi-
do Bloco escolares.

lhões desportivos, coberturas de


fibrocimento e degradação geral
dos espaços, tudo isso perturba
o normal funcionamento de uma
escola. Estão em causa a higiene,
a segurança, as condições de
trabalho e o conforto de centenas

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2022
2026

limita o acesso das famílias à


resposta e ignora que a criança
é um sujeito de direitos desde
que nasce. O custo das creches
relaciona-se com duas opções
erradas: não incluir as creches no
sistema educativo, mas no campo
da ação social, pelo que a oferta
está nas mãos do setor privado e
no setor social (IPSS) financiado
através de acordos de coopera- que a frequência da creche deve 16. UM SERVIÇO NACIONAL
ção com a Segurança Social; e “ser universal, de modo a que as DE JUSTIÇA
percepcionar as creches como famílias disponham de serviços Uma política de acesso ao Direito
assistência às famílias e não no de alta qualidade a quem entregar de muito reduzida ambição tor-
quadro dos direitos da infância, o os seus filhos, serviços esses que na a Justiça num bem de acesso
que contribui para desresponsa- devem estar geograficamente pró- reservado a quem tem meios para
bilizar o Estado. A Recomendação ximos da respetiva residência ou custear advogados ou advogadas
nº 3/2011 do CNE sobre “A educa- local de trabalho” (2ª recomenda- e diligências processuais.
ção dos 0 aos 3 anos” considera ção). E, no mesmo sentido, defen- Os seis anos de governação do
que a concretização do direito de que “o Ministério da Educação PS na área da Justiça mostraram
das crianças à creche é “um fator deve assumir progressivamente uma inequívoca falta de vontade
de igualdade de oportunidades, uma responsabilização pela tutela política para romper com este es-
de inclusão e coesão social”. O da educação da faixa etária dos tado de coisas. Sobrou em fascínio
mesmo documento sustenta 0-3” (3ª recomendação). pela digitalização o que faltou em
determinação política para corrigir
um sistema de Justiça que dificulta
a defesa dos direitos das pessoas
As propostas ▶ Inclusão das creches no
sistema educativo;
com mais baixos rendimentos.
Em vez de adotar o acesso uni-
do Bloco versal como prioridade absoluta,
▶ Criação de uma rede na- a direita e o PS têm privilegiado
cional de creches públicas a tese de que o espaço para um
com cobertura universal a serviço público de Justiça é resi-
integrar no Serviço Nacional dual e que a Justiça é, por defini-
de Cuidados; ção, cara e que, por isso, deve ser
paga. A degradação de infraestru-
▶ Contabilização do tempo turas, o desrespeito pela dignida-
de serviço dos Educadores de profissional de quem trabalha
de Infância afetos às cre- nos tribunais, com destaque para
ches para todos os efeitos os/as oficiais de justiça e os/as
do Estatuto da Carreira trabalhadores/as dos registos e
Docente. notariado e, em geral, a uma ina-
ceitável seletividade material da

157
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Justiça são um legado crítico da acima das médias europeias, o de reforço dos quadros de profis-
governação do PS. governo nada fez para qualificar sionais para a década 2017-2027.
Esta degradação estende-se às o parque prisional e para conferir É preciso traduzir também na
condições do sistema penitenciá- centralidade à reinserção social, Justiça a centralidade dos ser-
rio. Confrontado com uma taxa de deixando na gaveta o relatório viços públicos de que se faz o
encarceramento e uma duração por si mesmo elaborado com uma nosso modelo constitucional de
média das penas de prisão muito programação de intervenções e democracia.

As propostas ▶ Elaboração de uma Lei de


Bases da Justiça que consagre
rem uma melhor defesa dos seus
interesses;
do Bloco um Serviço Nacional de Justiça
assente nos princípios da gratui- ▶ Revisão da tabela de honorá-
tidade no acesso, da proximidade rios dos/as profissionais afetos/
dos serviços de justiça, orientação as ao sistema de acesso ao
do sistema de execução de penas direito e aos tribunais. Depois
pelo primado dos direitos humanos de um congelamento que durou
e da ressocialização, e dignificação 17 anos, a atualização operada em
das carreiras dos/as profissionais 2020 de acordo com os critérios
do sistema de Justiça; da lei concretizou-se num aumento
do valor da unidade de referência
▶ Redução generalizada das usada para o cálculo das remu-
taxas e custas processuais, nerações em oito cêntimos. Este
nomeadamente, isenção de custas aumento é uma verdadeira afronta
em ações por acidente de trabalho, ao trabalho destes/as profissionais
fim das custas de parte em proces- na defesa dos direitos das pes-
sos de trabalho, alargamento da soas mais vulneráveis. O Bloco de
capacidade jurídica das comissões Esquerda bater-se-á pela urgente
de trabalhadores em empresas adoção de uma nova tabela de
com mais de 250 trabalhadores, honorários dos/as advogados/as
incluindo isenção de custas para pelos serviços prestados no âmbito
defesa dos interesses individuais e do sistema de acesso ao Direito
coletivos dos trabalhadores; e aos tribunais, sustentada numa
nova base de cálculo e alterando
▶ Criação de um programa nacio- os montantes devidos pelos dife-
nal de formação para advogados rentes atos processuais praticados
inscritos na área do acesso ao nesse contexto;
Direito e aos tribunais, permitin-
do que os serviços prestados aos ▶ Integração da Caixa de Previ-
cidadãos e às cidadãs tenham dência dos Advogados e Soli-
uma melhor qualidade e assegu- citadores na Segurança Social.

158
2022
2026

A advocacia obteve uma vitória O Bloco de Esquerda continuará categorias; do preenchimento inte-
histórica no referendo que abriu a a opor-se, como já o fez, a esta gral dos lugares vagos e da regula-
porta à possibilidade de os advo- medida; mentação do acesso ao regime de
gados descontarem para a Se- pré-aposentação;
gurança Social, em vez de serem ▶ Dignificação do sistema de
forçados a manter-se numa CPAS execução de penas, criando ▶ Dotação do Instituto de Re-
que não lhes garante a devida condições para que a reinserção gistos e Notariado dos meios
proteção social e perpetua um sis- social deixe de ser desvalorizada e humanos indispensáveis para a
tema injusto. Essa vitória deu força retomando a dinâmica interrompi- garantia de um serviço público
à proposta do Bloco de Esquerda da de aplicação de penas alterna- de qualidade. A inexistência de
de integrar a CPAS na Seguran- tivas à de prisão para a pequena concursos externos há mais de 20
ça Social. A rejeição da proposta criminalidade; requalificando o anos e o aumento progressivo de
do Bloco pelos votos contrários parque penitenciário e proceden- responsabilidades ao longo dos
de PS, PSD, CDS e IL clarifica do à contratação dos profissionais anos degradaram a capacidade
quem defende o quê. O Bloco de necessários, nos termos assumi- de responder adequadamente aos
Esquerda continuará a bater-se dos no Relatório “Olhar o futuro cidadãos e aos requisitos de segu-
para que a CPAS seja integrada na para guiar a ação presente – 2017- rança jurídica na área dos registos
Segurança Social, com a garantia 2027”; pondo fim ao entendimento e notariado. O Bloco de Esquerda
de que quem descontou durante das prisões como offshores de bater-se-á pela urgente abertura
toda uma vida para a CPAS não é legalidade, fazendo cumprir direitos de recrutamento externo, pela revi-
prejudicado; tão básicos como o apoio jurídico são do sistema remuneratório, pela
aos reclusos, a instalação em celas regulamentação em falta da adap-
▶ Recusa das restrições impos- individuais dignas ou a saúde em tação do SIADAP e dos prémios
tas pela Ordem dos Advogados todas as suas valências; de desempenho e produtividade e
no acesso à profissão. A decisão pela atualização urgente dos meios
da ordem de fazer depender o ▶ Respeito dos direitos dos técnicos afetos a este serviço;
acesso à profissão de advogado oficiais de justiça, através da
do grau de mestre revela uma inclusão do suplemento de recu- ▶ Na jurisdição de família e me-
orientação restritiva que, sendo peração processual nos 14 meses nores:
errada em si mesma, é agravada de vencimento, com efeitos a 1 de ▶ Criação de um corpo de
pela evidente carga de discrimina- janeiro de 2021; da abertura de peritos (pediatras, psicólogos,
ção socioeconómica que envolve. concursos para acesso a todas as psiquiatras, técnicos de serviço ▶

159
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

social) nos quadros per- 17. O DIREITO À CULTURA, ÀS insuficientes e as redes de so-
manentes dos tribunais de ARTES E AO PATRIMÓNIO lidariedade entre trabalhadores
família; A cultura foi um dos setores mais foram (e são) essenciais.
afetados pela pandemia, com as O Estatuto dos Profissionais da
▶ Formação específica dos medidas sanitárias a impedirem Cultura, aprovado pelo governo
magistrados; ou condicionarem fortemente ati- sem debate parlamentar e com
vidades ao longo do tempo. Com um simulacro de diálogo com as
▶ Revisão dos trâmites a paragem - e num ambiente cró- organizações do setor, não dá
dos processos penais que nico de desregulação laboral e garantias de uma mudança signi-
envolvam menores, no fragilidade das políticas públicas ficativa. Faltam mecanismos de
sentido de evitar repetição - milhares de trabalhadores fica- imposição do cumprimento da le-
de atos em sede cível (que ram sem trabalho e , em tantos gislação laboral, de promoção do
penalizam duplamente as casos sem acesso ao subsídio contrato de trabalho e combate
vítimas obrigadas a reviver de desemprego ou mesmo aos aos falsos recibos verdes, e um
as situações); apoios extraordinários criados regime de proteção no desem-
neste período. A quebra de re- prego abrangente e adequado às
▶ Criação de secções da ceitas das instituições culturais - especificidades do setor.
família e da criança nos das artes ao património - pôs em A desregulação laboral e a des-
tribunais superiores. causa tarefas básicas de manu- proteção social dos trabalhado-
tenção e ditou mesmo encerra- res é um dos problemas estrutu-
▶ Criação de um julgado de mentos definitivos. Os programas rais do setor cultural, mas não o
paz por município, ou por lançados pelo governo durante a único. Nos últimos vinte anos, as
agrupamento de municípios, pandemia, e em resposta à força políticas públicas para a Cul-
cuja população seja igual ou reivindicativa sem precedentes tura sofreram uma estagnação,
superior a 50 mil habitantes. de um sector em desespero, tanto orçamental como teórica,
revelaram-se desadequados e com as suas atividades nuclea-

Foto / Ana Mendes

160
2022
2026

A cultura foi um dos


setores mais afetados
pela pandemia com
res - património, arqueologia e
artes - convertidas em adereço as medidas sanitárias
promocional da iniciativa turística
e imobiliária. Faltaram políticas a condicionarem
públicas de democratização ao
acesso à cultura, do património à fortemente atividades ao
criação artística, e agravou-se a
mercantilização e concentração
da produção, edição e distribui-
longo do tempo.
ção (controlo do mercado livreiro
pelas grandes editoras, salas de
cinema sob monopólio da NOS, ao património classificado agora titativo nas políticas públicas,
ausência de salas públicas com concessionado. A exceção foi o perfeitamente possível mas que
dimensão e características téc- lançamento do Museu Nacional não se concretizou. É significati-
nicas para concertos). O extenso Resistência e Liberdade, no Forte vo que, nos últimos seis anos, os
património português classifica- de Peniche, salvo pela indignação únicos avanços na democratiza-
do pela UNESCO como Patrimó- pública com o projeto de trans- ção cultural do país tenham sido
nio Cultural Mundial, seja material formação em unidade hoteleira. A alcançados no período 2015-
ou imaterial, está sem a devida atualização de sistemas de inven- 2019 e por proposta do Bloco de
monitorização e o Ministério da tário e arquivo, a promoção da in- Esquerda: aumento da oferta em
Cultura não desenvolveu planos vestigação ou o trabalho em rede sinal aberto da Televisão Digital
específicos para a sua preser- dos equipamentos culturais foram Terrestre, redução do IVA para
vação. No Programa Revive, o pura e simplesmente esquecidos. espetáculos e criação da Rede de
Ministério da Cultura assumiu-se Os acordos do PS com os par- Teatros e Cineteatros. Esta rede,
como sucursal do Ministério da tidos de esquerda em 2015 cria- uma proposta em que o Bloco de
Economia para a política turísti- ram enorme expectativa no setor Esquerda insistiu durante mais
ca, fazendo letra morta da Lei de cultural quanto a um projeto de de uma década, começa agora a
Bases do Património Cultural, ab- recuperação, muito necessário, fazer caminho.
dicando de garantias de acesso e a um salto qualitativo e quan- A reabertura de espaços ou o fim
das limitações que foram impos-
tas a atividades culturais, por si
só, não resolvem os problemas

O Estatuto A proteção social que o gover-


no definiu no Estatuto dos Pro-
que a pandemia tornou mais visí-
veis. A desregulação laboral e a
dos fissionais da Cultura fica muito
aquém das expectativas e das
desvalorização das profissões do
setor mantêm-se e a fragilidade
Profissionais necessidades. Ao contrário do económica das instituições agra-

da Cultura prometido, o novo apoio no


desemprego exclui uma parte
vou-se. Estamos, assim, perante
uma dupla responsabilidade nas
importante dos trabalhadores políticas públicas para a cultura:
e não responde à condição recuperar da crise pandémica
intermitente. e responder pelos problemas
estruturais.

161
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas
do Bloco

Foto / Ana Mendes

1% para Portugal investe em Cultura

a Cultura! metade da média europeia


e a pandemia expôs com
violência os efeitos do subfi-
nanciamento da Cultura: tra-
balhadores com salários de
miséria e condenados à mais
absoluta precariedade. A exi-
gência de 1% para a Cultura
não impõe um valor absoluto
de investimento, mas a es-
colha sobre a distribuição da
riqueza do país.

O Ministério da Cultura limitou-se Esta ausência de resposta e de


à gestão corrente de recursos estratégia produziu mobilizações
mínimos, cujas cativações impe- que saíram às ruas. O Bloco de
diram que as pequenas melho- Esquerda dialoga com essas mo-
rias aprovadas em sucessivos bilizações e avança um programa
orçamentos vissem a luz do dia. que lhes responde.

162
2022
2026

▶ Alteração do Estatuto dos com apoio à retoma de atividade bliotecas e arquivos nacionais),
Profissionais da Cultura, com de micro e pequenas empresas e das orquestras regionais e das
medidas concretas para a pro- de associações, agentes e produ- entidades privadas que contra-
moção de contratos dos trabalho tores, salas de espetáculos e ou- tualizam serviço público com o
e combate à precariedade - em tros espaços culturais de pequena Estado; concursos, protocolos e
especial ao falso trabalho autóno- dimensão, incluindo apoio à regu- financiamento em prazos com-
mo - , mais apoio à reconversão larização de contratos de trabalho patíveis com a programação;
nas profissões de desgaste rápido e à recontratação de trabalhado- transparência e simplificação dos
e universalização do acesso à res da cultura que se viram for- respetivos procedimentos;
proteção social na intermitência; çados a procurar outra atividade
desde o início da pandemia; ▶ Revisão da tutela dos mu-
▶ Programa de combate ao tra- seus, património classificado e
balho informal, com responsabi- ▶ Inscrição no Orçamento do património arqueológico, com-
lização das entidades patronais e Estado a dotação de 1% do PIB batendo o gigantismo da DGPC,
possibilidade de reconstituição de para a Cultura; e efetivar a aplicação da Lei da
carreiras contributivas; Autonomia e Monumentos;
▶ Criação de uma Lei de Bases
▶ Vinculação dos trabalhado- da Cultura que redefina o papel ▶ Recuperação dos laborató-
res precários dos organismos do Estado na democratização rios de conservação e restau-
públicos e autonomia de con- e universalização dos serviços ro, dotando-os dos meios neces-
tratação das instituições públicas públicos de Cultura, reorganizan- sários e salvaguardando o saber
para preenchimento dos lugares do legislação e reativando e redes acumulado durante décadas
de quadro vazios; existentes, como a Lei Quadro nesta área;
dos Museus Portugueses, a Lei
▶ Garantia do cumprimento da de Bases do Património Cultural, a ▶ Definição de estratégias dife-
legislação laboral, nomeada- Rede Nacional de Bibliotecas e a renciadas para os usos de inte-
mente a celebração de contratos Rede de Teatros e Cineteatros; resse público do Património;
de trabalho, nos protocolos e pro-
gramas de financiamento público ▶ Reativação do Observatório ▶ Promoção dos Arquivos
a instituições e projetos culturais; das Atividades Culturais como Nacionais, com garantias de
organismo do Ministério da Cul- autonomia, meios adequados e
▶ Criação de uma plataforma tura e redefinição do Conselho política de novas incorporações
online com recursos e mate- Nacional de Cultura como local de para a Torre do Tombo e para o
riais úteis aos trabalhadores da pensamento estratégico das políti- Arquivo Nacional das Imagens
cultura, como legislação laboral, cas públicas de cultura, nomeada- em Movimento e com a concreti-
informação sobre proteção social mente garantindo a autonomia da zação do Arquivo do Som;
e fiscalidade, minutas de contra- secção de património e extinguin-
tos, documentos de boas práticas do a secção de tauromaquia; ▶ Programa de salvamen-
e contactos úteis; to e valorização de arquivos
▶ Financiamento plurianual e inventários do Património
▶ Programa excepcional de dos equipamentos públicos Cultural Português material e
recuperação do tecido cultural (museus, teatros nacionais, bi- imaterial;

163
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

▶ Criação de um Observatório com as fundações financiadas buidoras cujo modelo de ne-


de Monitorização do patri- (Serralves, Casa da Música, Mu- gócio assenta nos conteúdos
mónio português classificado seu Berardo, entre outras); culturais, incluindo quotas para
como Cultural da Humanidade, a produção musical e audiovi-
composta maioritariamente por ▶ Aumento significativo e di- sual portuguesa independente,
entidades não governamentais; versificação do financiamento fim da taxa da cópia privada,
à criação artística e aos proje- promoção da organização cole-
▶ Identificação, classificação tos de difusão da criação artís- tiva dos direitos dos autores, ar-
e promoção dos sítios re- tica, considerando redes de pro- tistas e intérpretes, sem prejuízo
presentativos do Património gramação e áreas que têm sido da decisão individual sobre a
Cultural Imaterial da Humani- marginalizadas nos programas de disponibilização das suas obras;
dade, incluindo linhas de apoio financiamento (literatura, música
a artesãos, casas de fado, sedes e artes plásticas, entre outras); ▶ Imposição de mecanismos de
da prática coletiva do cante alen- novas linhas de financiamento justa retribuição aos autores,
tejano e outras coletividades que (artistas jovens, projetos artísticos artistas e intérpretes na trans-
mantêm vivo o património imate- nas escolas, entre outras); me- posição das directivas relativas
rial classificado; canismos de coesão territorial na a direitos de autor e direitos co-
distribuição do financiamento; nexos em streaming e no Merca-
▶ Reforço dos meios da Rede do Único Digital;
Nacional de Bibliotecas Pú- ▶ Aumento progressivo da li-
blicas, da Rede Nacional de nha de financiamento à progra- ▶ Assunção da RTP como
Bibliotecas Escolares e das mação dos equipamentos da parceiro privilegiado da cul-
bibliotecas de investigação Rede de Teatros e Cineteatros tura, com reforço dos meios e
(Biblioteca Nacional, Biblioteca Portugueses e criação de outras obrigações da rádio e televisão
da Ajuda, Biblioteca da Acade- linhas de financiamento asso- públicas na produção e difusão
mia das Ciências, entre outras), ciadas à RTCP, para formação culturais. Articulação entre o
garantindo quadros de pessoal e profissional, aquisição de equipa- Arquivo da RTP e a Cinema-
políticas de aquisições e sensibi- mentos, medidas de sustentabili- teca/ANIM para o acesso dos
lização de públicos adequados à dade energética, entre outras. criadores aos arquivos e para a
sua missão; criação de um arquivo de som e
▶ No cinema e audiovisual, a imagem da produção artística;
▶ Revisão da Lei do Preço Fixo par com o reforço do financia-
do Livro, combatendo a con- mento, combate ao monopólio ▶ Promoção da presença
centração do mercado livreiro na distribuição, criando uma das artes na vida pública e
e promovendo mecanismos de entidade pública de distribuição na Escola, defesa do ensino e
apoio a livrarias e editoras inde- que permita estruturar o acesso práticas artísticas, promoção
pendentes; de cineteatros públicos e cine- da literacia da leitura e outras,
clubes à produção cinematográfi- incluindo a literacia para a ima-
▶ Definição da missão do ca nacional e internacional; gem e novos media, reforço de
Fundo de Fomento Cultural e políticas culturais de proximida-
estabelecimento de mecanismo ▶ Criação de novas obriga- de através de contratos locais
de transparência nos protocolos ções para operadoras e distri- de parceria entre equipamentos

164
2022
2026

culturais, sociais, escolas e


outros;

▶ Promoção da produção
e fruição da cultura: pre-
sença de produção nacional
na web, com disponibili-
zação gratuita de todas as
obras nacionais em domínio
público, descriminalização
da partilha não comercial,
programa estratégico para
arquivos, definição de crité-
rios de coleção, preservação,
documentação, digitalização
e acesso público;

▶ Criação de um plano de
visibilização, fomento e
mediação dirigido a mani-
festações culturais de comu-
nidades minoritárias; 18. ENSINO SUPERIOR E público anémico e manifestamente
INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA insuficiente, optando frequente-
▶ Garantia do acesso pleno A produção de conhecimento mente por preterir ciência funda-
a pessoas com diversidade através da ciência, a sua dissemi- mental por ciência aplicada de du-
funcional a equipamentos nação e partilha são instrumentos vidosa qualidade centrada numa
culturais, apoio à interpreta- essenciais para a luta contra o visão utilitarista da ciência como
ção em língua gestual por- obscurantismo e a ignorância em mero instrumento económico e as-
tuguesa nos espetáculos ao geral, que põem em causa não só sente na ideia simplista e redutora
vivo e à produção de versões a compreensão e resolução das de que crescimento económico é
em braille ou em áudio dos presentes emergências ambien- sinónimo de qualidade de vida.
materiais impressos; tais, sanitárias e sociais, mas São assim urgentes políticas que
também a maneira como perspe- revertam esta situação e que
▶ Política de preços que tivamos e lidamos com potenciais garantam a execução de objetivos
garanta o direito de aces- desafios e crises futuras. definidos após reflexão profunda e
so aos equipamentos cul- Assiste-se atualmente a uma discussão alargada, e que viabili-
turais: programas de acesso rápida e preocupante erosão da zem e consolidem infraestruturas
livre para estudantes, de- confiança do público na evidência de investigação científica e a for-
sempregados e reformados, científica e a uma degradação sis- mação e manutenção de traba-
bilhetes de família a preços témica da governança da ciência, lhadores qualificados que dentro
acessíveis e dias de acesso frequentemente sem estratégias do sistema científico nacional
gratuito. informadas e de difícil aplicação, promovam efetivamente a criação
sustentadas por um investimento de conhecimento e inovação, a

165
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

A despesa em Portugal
com o Ensino Superior é
de tal forma limitada que
não atinge 1,5 do PIB.

defesa dos valores imateriais da em Ciência, mas dois terços desse défice democrático, transformou o
ciência e da cultura científica e, di- valor dependem de investimen- Ensino Superior numa fábrica de
reta e indiretamente o aumento da to privado e são incertos. Esta gente precária: falsos bolseiros e
prosperidade, saúde, segurança e inversão do papel do Estado na bolseiras, docentes contratados
bem estar de todos os cidadãos. garantia de investimento públi- e contratadas de semestre em
co num setor tão fundamental é semestre para assegurar tarefas
18.1. Por uma política de justamente aquilo que o Bloco se permanentes, uso e abuso da
investimento público no Ensino propõe alterar. figura de “docente convidado ou
Superior e na Ciência convidada” para evitar a aber-
Na última década, as instituições 18.2. Democratizar as tura de concursos para lugar de
de Ensino Superior e todo o setor Instituições de Ensino Superior, carreira são apenas alguns exem-
sofreram uma quebra de cerca de combater a mercantilização e plos do estado de degradação
um terço no seu financiamento, reverter a precariedade que o setor atingiu. A abertura
conduzindo-as a uma política de O Regime Jurídico das Instituições do Processo de Regularização
gestão de curto prazo e de so- de Ensino Superior (RJIES) intro- Extraordinária de Vínculos Labo-
brevivência, baseada na procura duziu uma lógica mercantil no fun- rais Precários na Administração
de receitas próprias - propinas, cionamento do sistema, patente na Pública (PREVPAP) trouxe luzes
contratos com empresas privadas, entrada para os Conselhos Gerais sobre a dimensão da precariedade
taxas e emolumentos. A despesa dos representantes dos principais na investigação e no ensino supe-
em Portugal com o Ensino Supe- grupos económicos, ao mesmo rior. No entanto, quer o PREVPAP
rior é de tal forma limitada que não tempo que remeteu para um nível quer a Lei 57/2017 têm tido uma
atinge 1,5 do PIB. A pressão para quase simbólico a democracia aplicação muito limitada, tendo
as instituições de Ensino Superior na gestão da academia. O RJIES esbarrado na oposição de muitos
procurarem financiamento próprio estabeleceu ainda uma hierarquia reitores e na inação do governo.
implica uma transformação brutal inaceitável entre universidades Durante a pandemia, o aumento
na natureza da sua gestão e do do mesmo sistema, introduzindo do assédio laboral e a maior con-
próprio fim do Ensino Superior incentivos financeiros em função centração de poder nos reitores
Público enquanto serviço público. das escolhas de modelo de gestão e presidentes dos politécnicos
Os objetivos traçados pelo atual e condicionando, por essa via, a tornaram ainda mais desigual esta
ministro não são animadores. Nos autonomia das instituições. relação que, na verdade, deveria
seus cálculos, Portugal deverá A empresarialização da gestão pautar-se por um respeito profis-
alcançar a meta dos 3% do PIB académica, combinada com o sional e académico entre pares.

166
2022
2026

Por um novo Desde meados da década de 90, as escolas privadas tenham trans-

modelo com a introdução dos Exames


Nacionais do Ensino Secundário e
formado o ensino secundário numa
mera preparação para estas provas,

de acesso a extinção das provas de ingresso,


foi atribuída ao ensino secundário
desvalorizando outros aspectos,
como a educação para a cidadania,
ao ensino uma responsabilidade que, à partida,
não deveria ser sua: a seleção dos
a educação para a saúde e o traba-
lho de projeto. É necessário lançar
superior alunos que entram no ensino supe- os alicerces para um debate alarga-
rior. A competição desenfreada pelos do que promova um novo modelo de
melhores lugares nos rankings, acesso, o fim dos exames nacionais
medidos apenas pelo desempenho e novos instrumentos de aferição de
nos exames nacionais, fez com que conhecimentos e competências.

O Programa de Estímulo ao Empre- go científico, nem de potenciar o empresarialização da gestão acadé-


go Científico, a decorrer nos últimos impacto da investigação científica mica fosse instrumentalizada para
dois períodos legislativos, falhou os no ensino superior. Pelo contrário, facilitar a precariedade, e agudizou
seus principais objetivos, não tendo alargou o fosso entre a Ciência e o défice democrático nas institui-
sido capaz de reforçar o empre- o Ensino Superior, permitiu que a ções de Ensino Superior.

O PREVPAP A abertura do Processo de Re-


gularização Extraordinária de
nas 10% tiveram parecer positivo.
De igual modo, é de prever que o
na Ciência Vínculos Laborais Precários na
Administração Pública (PREVPAP)
número de contratados sem termo
no final do processo que decor-
expôs claramente a dimensão reu ao abrigo da norma transitória
deste problema – na área da Ciên- do Decreto-Lei n.º 57/2016 será
cia foram recebidos 3200 pedidos também reduzido, em função do
para regularização de docentes mesmo tipo de obstáculos ao re-
e investigadores, dos quais ape- conhecimento do seu vínculo.

167
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

A oposição de muitos reitores e a privatização do enquadramento sivo e sustentado do financiamento


inação do governo têm sido fato- contratual do trabalho docente e de plurianual contratualizado com as
res críticos para o falhanço destes investigação. instituições de ensino superior e
programas, sobrepondo-se com Ao longo dos últimos seis anos, fi- ciência, o combate à precariedade
frequência à aplicação da lei e cou claro que apenas as restrições será sempre uma batalha perdida.
contribuindo para a manutenção ao acesso a financiamento contri- É também imperativo promover
sistemática de falsos bolseiros e buíram com sucesso para impor os uma revisão articulada dos esta-
bolseiras, docentes contratados contratos de trabalho como víncu- tutos de carreira de investigação
e contratadas de semestre em lo normal para o trabalho científico. e docência, de modo a permitir
semestre para assegurar tarefas É, portanto, nestas medidas que uma maior compatibilização entre
permanentes, e uso abusivo da devemos apostar. A obrigatorieda- ambos, revendo também os me-
figura de “docente convidado ou de de cumprir uma percentagem canismos de progressão de forma
convidada” para evitar a abertura crescente de investigadores nos justa, transparente e abrangente, e
de concursos para lugares de car- quadros para acesso a financia- pondo fim ao recurso a legislação
reira. A estes problemas soma-se mento, parece ser o caminho. No avulsa para benefício apenas de
ainda uma tendência crescente de entanto, sem um aumento progres- alguns.

As propostas ▶ Atingir, na próxima legislatura,


3% do PIB em investimento em
tuitidade da frequência do ensino
superior público em 2023;

do Bloco ciência e investigação, finan-


ciamento esse maioritariamente ▶ Redução do valor das propi-
público e que reequilibre a rela- nas de mestrados e doutora-
ção de investimento em ciência mentos: a curto prazo, através
básica e ciência aplicada; da fixação de um teto máximo
nacional não superior aos va-
▶ Financiamento público lores praticados de bolsas de
plurianual contratualizado ação social (no caso do 2 ciclo)
com as instituições de ensino e, a médio prazo, aplicando o
superior, laboratórios e cen- mesmo mecanismo faseado rela-
tros de investigação, com a tivo às propinas de licenciatura;
contrapartida de um mecanismo
avaliativo sobre implementação ▶ Revisão do Estatuto do Es-
de políticas na melhoria da ação tudante Internacional, propon-
social escolar e do combate à do um modelo solidário de apoio
precariedade; a estudantes oriundos da CPLP,
otimização da relação entre
▶ Eliminação das propinas de estudante/instituição de ensino
licenciatura através de um plano superior/serviços do estado por-
de redução faseado da propina tuguês e programas de combate
máxima, de forma a atingir gra- ao racismo e à xenofobia;

168
2022
2026

No que respeita ao sistema cientí-


fico nacional, os últimos seis anos
provaram que o funcionamento da
Fundação para a Ciência e a Tec-
nologia (FCT) é pautado por uma
burocratização estrutural que, aliada
à falta de meios e pessoal técnico,
deixa o setor numa imprevisibilidade
e atrasos constantes. O aumento do
orçamento para a ciência, proposto
neste Programa, deverá ser exe-
cutado com rigor e acompanhado
de uma avaliação consequente dos
programas de investimento anterio-
res. Também o funcionamento da
FCT carece de reavaliação.

▶ Plano Nacional com fundos ▶ Revisão dos estatutos das ▶ Revogação do Estatuto
públicos para o alargamento da carreiras docentes com de- de Bolseiro de Investigação
rede de residências estudan- finição de critérios claros de Científica e obrigatoriedade
tis e revisão do regulamento avaliação de desempenho e de contratação de investigado-
de bolsas com reformulação da regras justas de progressão; res e investigadoras ao abri-
fórmula de cálculo e definição de go do Estatuto da Carreira de
um calendário certo e regular para ▶ Valorização do Ensino Investigação Científica através
a transferência das bolsas; Superior Politécnico, aprofun- de um rácio mínimo de pes-
dando o seu financiamento e soal na carreira para aceder
▶ Revisão do Regime Jurídi- os mecanismos de ação social, a financiamento estatal e/ou
co das Instituições de Ensino garantindo efetivamente a pos- comunitário;
Superior, recuperando o princípio sibilidade destas instituições
da participação paritária entre ministrarem doutoramentos e ▶ Regulamentação das Car-
corpos e de género nos órgãos reforçando a sua capacidade na reira de Docente no Ensino
de gestão e o princípio da eleição área da investigação científica; Superior Privado, em nego-
do ou da reitora/presidente por ciação com as organizações
um colégio eleitoral alargado e ▶ Alteração do modelo de representativas da classe;
representativo; funcionamento da FCT, atra-
vés da contratação de pessoal ▶ Alargamento dos Centros
▶ Discussão sobre um Novo especializado, um modelo de de Ciência Viva no país, apro-
Modelo de Acesso ao Ensino governança que garanta mais ximando este programa da
Superior e o fim dos exames autonomia na decisão e melhor realidade educativa, social e
nacionais; ligação com o setor científico; cultural desses territórios.

169
D/ A CAPACIDADE ESTRATÉGICA
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

18.3. Desenvolvimento Deve-se assim procurar pro- 19. SERVIÇOS PÚBLICOS


científico ao serviço do mover as formas de tecnologia JUNTO DAS COMUNIDADES
interesse público aberta e que sejam regidas por EMIGRANTES PORTUGUESAS
Dado o papel do conhecimento princípios de espírito crítico e A redução drástica do número de
científico e tecnológico nos mais utilidade pública. Este esforço consulados e dos seus recursos
variados aspectos da sociedade, deve contribuir também para ca- operada no governo PSD/CDS dei-
o Estado deve assumir um papel pacitar as respostas dos servi- xou abandonadas as pessoas que
decisivo no desenvolvimento das ços públicos e reforçar a relação emigraram de Portugal. Os consula-
políticas para o Conhecimento e entre os decisores políticos e os dos perderam qualquer capacidade
garantir a sua democratização. cidadãos. de diplomacia económica ou cultu-

As propostas ▶ Apoio de projetos que desen-


volvam conhecimento científico
Superior, os seus Laborató-
rios e Centros de Investigação

do Bloco com utilidade pública em tecno-


logias de licença aberta copyleft
e os restantes serviços da
Administração Pública, para
ou, em alguns casos, copycenter; promover a sua modernização e
o desincentivo à contratação de
▶ Utilização preferencial, nos serviços privados de consultoria;
serviços públicos, de tecnolo- criação de Pactos de Investiga-
gias abertas; ção e Desenvolvimento orienta-
dos para a valorização científica
▶ Desenvolvimento da ligação e tecnológica da Administração
entre as Instituições de Ensino Pública.

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2026

ral e não respondem sequer às mais fundamentais como passaporte e que frequentam este ensino. O Blo-
básicas formalidades administrati- Cartão de Cidadão ou por resposta co propôs a reversão desta propina
vas. Os seus trabalhadores sofrem em processos da segurança social. criada no período da Troika, mas o
a pressão de afluxo de solicitações O ensino da língua portuguesa para PS votou contra.
a que não conseguem responder e crianças de segunda geração tam- Apesar de iniciativas bem sucedidas
que não foram – e em muitos casos, bém sofreu limitações: foi reduzido do Bloco na criação do recensea-
nem podem ser - resolvidas pela em termos territoriais e passou a ser mento eleitoral automático na área de
digitalização dos serviços. Hoje, pago através da chamada “propina”. residência do emigrante e do voto ter
as e os emigrantes portugueses A introdução da propina fez cair passado a ser gratuito, a participação
esperam meses por documentos para metade o número de crianças eleitoral é reduzida e complicada.

As propostas ▶ Alargamento da rede consular; ▶ Reforço dos meios da Segu-

do Bloco ▶ Reforço dos serviços consula-


rança Social para garantir o atem-
pado pagamento das reformas e
res, com mais recursos humanos e pensões aos portugueses e portu-
reforço do número, tipo e qualidade guesas residentes no estrangeiro;
dos serviços disponíveis online e
por telemóvel. Este reforço deve ▶ Fim das “propinas” no ensino
ser acompanhado de uma nova do português no estrangeiro;
capacidade de diplomacia cultu-
ral e económica, rentabilizando o ▶ Aprofundamento da missão e
investimento nessas infraestruturas reforço dos recursos do Instituto
físicas, digitais e equipas para pro- Camões e da RTP Internacional;
mover sinergias com as câmaras
de comércio, os institutos Camões ▶ Criação de programas e dis-
e outras instituições de promoção positivos de apoio a projetos
da internacionalização da cultura culturais e sociais nos territórios
portuguesa; da emigração, que facilitem a
preservação e transmissão da cul-
▶ Aumento das assembleias tura, língua e história portuguesa e
eleitorais nos consulados para que permitam criar pontes com os
exercício do voto presencial e re- territórios de acolhimento e comba-
forço do uso do voto postal; ter o isolamento das comunidades
portuguesas;
▶ Teste de voto eletrónico à
distância, com a participação de ▶ Ponderação das necessidades
especialistas de segurança das das comunidades emigrantes nas
Universidades portuguesas, utili- decisões estratégicas das empre-
zação de código aberto, e amplo sas públicas, nomeadamente a
escrutínio público; TAP e a Caixa Geral de Depósitos.

171
PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Uma Sociedade
Justa, Progressista
e Inclusiva

UM PAÍS FEMINISTA

NÃO DAR TRÉGUAS


AOS PRECONCEITOS
E À DISCRIMINAÇÃO

DIREITOS DAS PESSOAS


COM DEFICIÊNCIA

DEMOCRACIA
COM QUALIDADE

O DESPORTO COMO MOTOR


DE INCLUSÃO SOCIAL

PALAVRAS-CHAVE
DEFENDER O BEM ESTAR
DOANIMAL
CAPÍTULO
2022
2026

/ 173

Foto / Ana Mendes


PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Uma Sociedade
Justa,
Progressista
e Inclusiva

O
O problema Portugal é atravessado por muitas
discurso que menoriza fronteiras internas que impedem
as mulheres e as práticas que se concretizem os princípios
sociais que as condenam da igualdade e respeito por todas
à dupla jornada de trabalho, à as pessoas, sem exceção.
desigualdade salarial e à pobre-
za reforçam-se mutuamente no A solução
preconceito e no abuso. Um velho O Bloco de Esquerda bate-se por
racismo sistémico que se mani- uma agenda feminista que afirme
festa de muitas formas, desde a a igualdade plena entre homens
saudade colonial até à violência e mulheres. Enfrentamos o racis-
contra comunidades racializadas, mo, que destrói a vida social e
que enfrentam inúmeras discri- combatemos todas as formas de
minações no seu quotidiano, do discriminação. À política do ódio e
acesso ao trabalho à violência desinformação da extrema-direita
policial. Uma política de imigra- contrapomos uma cultura de res-
ção que, embora envolta num peito, uma democracia informada
discurso de tolerância e aco- e a garantia de direitos iguais,
lhimento, nega aos migrantes e sem exceções. Contra a violência
refugiados direitos essenciais. e o desrespeito por todas as for-
A discriminação que permanece mas de vida, apresentamos ainda
contra a comunidade LGBTQI, medidas concretas para defender
apesar das conquistas legais dos o bem-estar animal.
últimos anos. A invisibilidade das
pessoas com deficiência, das 20. UM PAÍS FEMINISTA
suas dificuldades quotidianas e As mulheres são exploradas na
do seu direito à autonomia. To- desigualdade salarial e no traba-
das estas realidade provam que lho doméstico e oprimidas por

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2026

175
Foto / Ana Mendes
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

várias violências de género. São


também quem se levanta contra
todas as desigualdades. Uma
sociedade mais livre e mais justa
tem de ser feminista!

Direitos 14 anos após a aprovação da Lei


n.º 16/2007, que descriminalizou
dade de cumprimento dos pra-
zos legais». Do mesmo modo, o
sexuais e o aborto a pedido da mulher e
estabeleceu novos prazos para
período de reflexão não inferior
a três dias a que a lei obriga
reprodutivos a exclusão de ilicitude da inter- é, não apenas um atestado de
rupção voluntária da gravidez, menoridade intelectual passa-
é necessário olhar para a sua do às mulheres, mas também
aplicação, para perceber as suas um instrumento que dificulta o
fragilidades e propor as altera- cumprimento dos prazos legais
ções necessárias. e, por isso, deve ser suprimido
A objeção de consciência é hoje da lei. As dificuldades que en-
reconhecida como um entrave à frenta o Serviço Nacional de
aplicação da lei. A situação tor- Saúde repercutem-se também
na-se mais grave, por vezes inul- na aplicação da lei do aborto, por
trapassável, quando saímos dos isso entendemos ser necessário
grandes centros urbanos para descentralizar o acesso a este
territórios mais despovoados e procedimento, desafogando, por
com menor oferta de serviços de um lado, os hospitais e facili-
saúde, nomeadamente públicos. tando, por outro lado, o acesso
O Estado português tem obriga- ao cumprimento de um direito,
ção legal de garantir que a obje- não apenas às cidadãs nacio-
ção de consciência não funciona nais, mas também às mulheres
como uma barreira ao aborto migrantes. Os centros de saúde
legal, impedindo as mulheres de e as unidades de saúde familiar
usufruir de um serviço ao qual podem ser parte desta resposta,
têm direito, dando cumprimento nomeadamente no que ao aborto
ao estabelecido na lei (artigo 4, médico diz respeito. São institui-
n.º 1), designadamente «assegu- ções mais próximas das pes-
rar que do exercício do direito soas, o que permite desde logo
de objeção de consciência dos esbater dificuldades – culturais e
médicos e demais profissionais económicas – no acesso à saúde
de saúde não resulte inviabili- sexual e reprodutiva.

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2026

Foto / Ana Mendes Erradicar O problema: em 2014, a Organi-


zação Mundial de Saúde (OMS)
a Violência alertou para o drama de “muitas
mulheres [que] sofrem abusos,
Obstétrica desrespeito e maus-tratos durante
o parto nas instituições de saúde”,
afirmando que esse tratamento
viola os “direitos das mulheres ao
Em todas as crises, a situação cuidado respeitoso, mas também
das mulheres é um barómetro da ameaça o direito à vida, à saúde,
situação social. A crise pandémica à integridade física e à não-discri-
e socioeconómica que atravessa- minação”.
mos nos últimos dois anos é disso A violência obstétrica é uma rea-
exemplo. Com a crise foram mulhe- lidade pela qual muitas mulheres
res quem sofreu o primeiro impacto passam sem sequer a identificar
do desemprego e da precariedade. como uma violação dos seus di-
As trabalhadoras informais, nomea- reitos. No entanto, o isolamento, a
damente no setor das limpezas, prática de atos médicos sem con-
perderam parte ou a totalidade dos sentimento informado, os abusos
seus rendimentos, numa situação físicos, psicológicos e verbais, a
agravada pela falta de proteção so- negação de anestesia, de acom-
cial. A carga do trabalho não-pago panhamento ou de respeito pelas
dos cuidados sobre as mulheres escolhas da mulher no momento
aumentou. Nos serviços conside- do parto são uma experiência
rados essenciais, muitas mulheres comum.
da população mais pobre, mulheres Em 2015, a Associação Portugue-
racializadas, mulheres das co- sa pelos Direitos da Mulher na
munidades imigrantes tiveram de Gravidez e no Parto publicou um
continuar a trabalhar e a arriscar as relatório sobre as “Experiências
suas vidas sem a devida compen- de Parto em Portugal” no qual
sação salarial e sem condições de 1468 mulheres (43% da amostra)
habitação e transportes públicos. afirmam não ter tido o parto que
A violência de género também queriam. Estando em causa não
se agravou. No estudo da Escola a ocorrência de situações inespe-
Nacional de Saúde Pública (VD@ radas, mas a “perda de controlo
COVID19), 15% dos participantes sobre o processo do parto”. Tudo
reportaram que houve violência devia começar com a prestação
doméstica em sua casa e 34% de todas as informações necessá-
das pessoas inquiridas que foram rias a uma decisão sobre o próprio
vítimas de violência doméstica de- parto, no entanto, 43,3% declaram
clararam tratar-se de uma primeira que não receberam “informação ▶
agressão.

177
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

sobre algumas das suas opções cia obstétrica como a manobra de tomia em Portugal acima dos 70%.
possíveis no trabalho de parto e Kristeller, a episiotomia de rotina, Entretanto, o Consórcio Português
parto” e 44% não foram consul- e o escandalosamente chamado de Dados Obstétricos, compos-
tadas sobre as intervenções às “ponto do marido”. to por serviços de 13 hospitais,
quais foram sujeitas. Impõe-se uma chamada de aten- registou uma taxa de episiotomia
Apesar de recentes alterações ção particular para a episiotomia na ordem dos 25% em partos va-
positivas, a lei está longe de se (corte no períneo, área muscu- ginais (próxima da preconizada a
traduzir numa mudança efetiva no lar entre a vagina e o ânus, para nível das recomendações interna-
combate à violência obstétrica. De ampliar o canal), que tem sido cionais) e 63% em partos instru-
tal modo que, em maio de 2021, desaconselhada pela OMS como mentados. Sendo de salientar que
uma ampla maioria na Assem- prática de rotina. Dados do Euro- faltam dados mais globais e mais
bleia da República aprovou uma -Peristat e do Observatório Por- completos sobre o parto e o cum-
recomendação ao Governo para a tuguês dos Sistemas de Saúde, primento dos direitos na gravidez
eliminação de práticas de violên- apontam para uma taxa de episio- e no parto.

Tabela 13 / Mulheres assassinadas entre 2004 e 2020

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 Total
40 34 36 22 46 29 44 27 42 38 45 30 22 20 28 31 35 569

Ano após ano, os números da A marca de género na violência violências. Sendo de referir a
violência contra as mulheres con- sobressai também nos crimes situação particularmente preo-
tinuam a envergonhar o país. De contra a liberdade e a autodeter- cupante das mulheres trans. O
acordo com o Relatório Anual de minação sexual, conforme de- Trans Murder Monitoring regis-
Segurança Interna (RASI 2021) monstra o RASI 2021. Nos crimes tou a nível mundial 350 pessoas
mais recente, a violência doméstica de violação, 99% dos arguidos trans assassinadas em 2019,
contra cônjuge ou situação análoga, são homens e 92% das vítimas 98% das quais do género femini-
apesar de ter diminuído em 2020 são mulheres. Nos casos de abu- no, 50% imigrantes.
face ao ano anterior, continuou a so sexual de menores, 93% dos Em Portugal, desde que foi cria-
ser o crime mais participado em arguidos são homens e as suas do o Observatório de Mulheres
Portugal, representando 85% das vítimas correspondem a 80% de Assassinadas (UMAR) há registo
mais de 27 mil queixas por violên- raparigas e 23% de rapazes. de 569 mortes (2004-2020). Só
cia doméstica. Do total de vítimas Acresce que as mulheres mais em em 2020 registaram-se 35
de violência doméstica, 75% são pobres, as mulheres lésbicas, mulheres assassinadas, tendo
mulheres e raparigas, enquanto bissexuais e trans, as pessoas sido 19 vítimas de femicídio em
81% dos denunciados são homens. não-binárias, as pessoas racia- contexto de relações de intimi-
A estes registos faltam todos os lizadas e as pessoas com de- dade e 16 mulheres assassina-
casos que ficaram em silêncio. ficiência são alvo de múltiplas das noutros contextos.

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2022
2026

Gráfico 23 / Femicídios nas relações de intimidade entre 2004 e 2020

40 38 37

31 31 32 31
28
25 25
23 23
20 19 19
14 14

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Fonte: Relatório Anual 2020 do Observatório de Mulheres Assassinadas - UMAR

A desigualdade salarial entre Tabela 14 / Diferença salarial entre homens e mulheres em regime de
trabalho a tempo inteiro, 2019
homens e mulheres é outra das
consequências da sociedade
patriarcal. Em 2021, o Dia Europeu
da Igualdade Salarial foi come- Média de ganhos Média (H) Média (M) GPG simples GPG ajustado
morado a 10 de novembro, data Ganho mensal 1 268,76€ 1 043,78€ 17,73% 21,97%
a partir da qual, simbolicamen- Ganho por hora 7.40€ 6.19€ 16,29% 20,69%
te, as mulheres deixaram de ser
pagas, devido à diferença salarial.
É como se trabalhassem gratuita- Fonte: Projeto “Os benefícios sociais e económicos da igualdade salarial entre mulheres e homens”, ISEG/CEMA-
mente o resto do ano. PRE/CESIS 2021
É um facto que as mulheres estão
mais representadas em profis-
sões com salários mais baixos,
mas isso está bem longe de
explicar 85% da diferença salarial. remuneratória entre mulheres e nibilização de mais informação,
Essa desigualdade faz-se sentir homens por trabalho igual ficou abrangência de todos os empre-
de forma mais aguda entre as ainda longe do desejável. É ne- gadores, prazos mais apertados
mais velhas: das 162 mil pessoas cessário avaliar o impacto de uma para as empresas resolverem a
abrangidas pelo complemento so- lei cuja aplicação se limitava nos situação, reforço da fiscalização
lidário para idosos em 2021, 70% primeiros três anos às empresas e das penalizações por incumpri-
são mulheres. com mais de 250 trabalhadores. mento da igualdade salarial (ver
A aprovação da lei da igualdade E revê-la no sentido da dispo- tabela 14 e gráfico 24).

179
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Gráfico 24 / Diferença salarial média entre homens e mulheres

18,7% 18,0% 17,9%


14,0%
15,8%

1 069,00€
993,80€

997,40€
977,60€
876,80€

840,30€

920,00€
801,80€

816,20€
712,70€

2007 2010 2013 2016 2019

Além de serem quem tem os salá-


Homens Mulheres
rios mais baixos, as mulheres têm
em média 4 horas e 17 minutos
de trabalho não pago relacionado
Fonte: CIG GEP/MTSS/Quadro de Pessoal | Eurostat com a família, ao passo que os ho-
mens cumprem em média apenas
2h37. Somando a média das horas
Gráfico 25 / Percentagem de mulheres que recebem o salário mínimo despendidas no trabalho domés-
nacional tico e nas tarefas de cuidado, a
jornada diária média de trabalho
de uma mulher é de 12h23.
35% Acresce que, apesar de a lei pro-
teger quem falta ao trabalho para,
30%
por exemplo, prestar assistência
25% à família, a desigualdade persis-
te por via do salário indireto. As
20% mulheres faltam mais e trabalham
menos para além do horário, não
15% apenas porque tradicionalmente
10% as tarefas de assistência a ascen-
dentes e descendentes são sua
5% responsabilidade, mas também
porque 85% das famílias mono-
abr. 2017 out. 2017 abr. 2018 out. 2018 abr. 2019 parentais são femininas, e isso
reflete-se no seu salário real (ver
gráfico 25).
Homens Mulheres Homens+Mulheres A Greve Feminista Internacional
introduziu no debate político a ideia
Fonte: Inquérito aos Ganhos e à Duração do Trabalho abril de 2019 - MTSSS de “greve social”, que coloca no

180
2022
2026

Gráfico 26 / A dupla jornada das mulheres

Trabalho Tarefas Total


de Cuidado Domésticas
Foto / Ana Mendes

Homens Mulheres Trabalho não pago


Mulheres
centro a vida concreta das mu-
Tarefas domésticas
lheres, diferenciando “trabalho” de
“emprego” e estendendo-o aos tra- Cuidado dos filhos
balhos invisibilizados dos cuidados
+ 4h por dia que os homens
e domésticos. Uma reorganização
social dos cuidados, que tem de
Fonte: Heloísa Perista, Ana Cardoso, Ana Brázia, Manuel Abrantes, Pedro Perista. Os usos do tempo de homens
passar pela promoção da partilha,
e de mulheres em portugal. 2016. Lisboa: CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social. Disponível em:
em termos de género, dos cuida-
http://cite.gov.pt/asstscite/downloads/publics/INUT_livro_digital.pdf
dos informais, combatendo a divi-
são sexual que existe. Passa ainda
pela formalização de cuidados,
através de um Serviço Nacional de
Cuidados, como o Bloco propõe.
As profissões e atividades exerci-
Agir sobre As mulheres e as pessoas
trans e não binárias são mais
das maioritariamente por mulheres a pobreza vulneráveis à pobreza e exclu-
são as mais desvalorizadas sala-
rial e socialmente. É necessário menstrual são social. A falta de acesso a
bens de necessidade básica
olhar para o trabalho doméstico como os produtos de saúde
e de cuidados para se perce- menstrual concorrem para o
ber a sobrecarga do quotidiano aprofundamento dessa ex-
das mulheres. Se o trabalho não clusão. O acesso a produtos
reconhecido e desvalorizado das de saúde menstrual é muitas
mulheres na esfera privada col- vezes dificultado pelo preço e
mata as lacunas do Estado Social, também pela vergonha de falar
deve considerar-se esse trabalho abertamente sobre menstrua-
na definição das regras das pen- ção, o que tem consequências
sões, sob pena de ser perpetuado psicológicas, sociais e de
o ciclo de precariedade e pobreza saúde.
femininas (ver gráfico 26).

181
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Reforço da regra da paridade


na constituição de listas para a
tribunais com competência mista
para esse efeito.
do Bloco Assembleia da República (50%);
▶ Combate à violência obstétri-
▶ Alargamento da fiscalização ca através da criação de legislação
da desigualdade salarial a todas mais eficaz e de uma Comissão
as entidades empregadoras e criar Nacional para a Promoção do Par-
sanções para as empresas que não to Respeitado;
corrigirem a situação;
▶ Reforço do acesso a produtos
▶ Modificação da natureza do de recolha menstrual através da
crime de violação para crime sua distribuição gratuita em cen-
público; tros de saúde e em escolas;

▶ Tipificação do crime de assé- ▶ Criação de uma rede de cuida-


dio sexual, em conformidade com dos contracetivos nas escolas,
a Convenção de Istambul; em parceria com associações e
centros de saúde, incluindo a distri-
▶ Reforço do apoio às vítimas no buição de preservativos e produtos
decurso dos processos judiciais, de saúde menstrual, e prosseguin-
nomeadamente através de ordens do a consagração de um espaço
de interdição, de emergência, de curricular de educação sexual;
restrição ou de proteção, de modo
a afastar os agressores e não as ▶ Criação da Comissão Nacional
vítimas; para os Direitos na Gravidez e no
Parto, que assegure a produção de
▶ Reforço do apoio às vítimas de relatórios com dados oficiais e de
violência doméstica, nomeada- campanhas de informação contra a
mente através do aprofundamento de violência obstétrica e pelos direitos
direitos no trabalho, acesso à habita- na gravidez e no parto;
ção, educação e segurança social;
▶ Promoção da educação se-
▶ Reconhecimento de que as xual, da formação de profissio-
crianças que são testemunhas de nais de saúde e do reforço do
violência são profundamente afeta- respeito pelo plano de nascimento;
das por ela, o que impõe a ava-
liação da atribuição do estatuto ▶ Reforço da proibição de prá-
de vítima e a obrigatoriedade ticas médicas desnecessárias
de articulação entre a jurisdição e/ou não consentidas, como a
criminal e a jurisdição de família episiotomia de rotina, que são de-
e menores, incluindo a criação de claradas inadequadas por organi-

182
2022
2026

21. NÃO DAR TRÉGUAS dos seus direitos fundamentais.


zações internacionais; AOS PRECONCEITOS E À Um grande número de pessoas que
DISCRIMINAÇÃO vive em Portugal é diretamente afe-
▶ Instalação de um ponto fo- 21.1. Combater o racismo tada por manifestações iníquas de
cal sobre IVG e planeamento estrutural racismo e discriminação com base
familiar em cada agrupamen- Em Portugal a fragilidade das políti- nas suas características étnico-ra-
to de centros de saúde, como cas públicas de efetivo combate ciais ou nacionalidade, num exercí-
forma de aumentar o acesso à à discriminação racial é flagrante, cio de alteridade e humilhação que
informação; apesar da crescente visibilidade afeta a dignidade, as oportunidades,
que a discussão sobre o racismo a prosperidade, o bem-estar e, mui-
▶ Alteração à Lei n.º 16/2007, tem conquistado, resultante, em tas vezes, a segurança.
que descriminalizou o abor- grande medida, da luta das organi- Esta realidade foi exposta e am-
to a pedido da mulher, tendo zações antirracistas. pliada pela crise social e económi-
como princípios orientadores: Persistem na sociedade e nas ca provocada pela pandemia de
instituições preocupantes manifes- covid-19. As pessoas racializadas
▶ O consenso internacional tações de um racismo estrutural foram desproporcionalmente afeta-
sobre prazos de exclusão de enraizado que priva as pessoas das pelo desemprego, pela perda
ilicitude da interrupção vo- afrodescendentes, ciganas e de de rendimentos e de direitos de
luntária da gravidez a pedido outras comunidades racializadas trabalho.
da mulher e por razões de
doença fetal;

▶ As legislações que, desde Os dados do último Euro-


2007, têm sido aprovadas em Dados pean Social Survey (ESS) de
diversos países, sustentadas
nos direitos humanos e em
de um 2018/2019 revelam que 62%
dos portugueses manifestam
princípios pró-escolha; inquérito racismo. As 1055 pessoas que
responderam ao inquérito con-
▶ O princípio da igualdade sobre racismo cordando com pelo menos uma
no acesso à saúde, indepen- das crenças de racismo cultu-
dentemente da nacionalida- ral (crença de que há culturas
de e da zona do território em muito melhores do que outras)
que residam as mulheres; ou de racismo biológico (cren-
ça de que há raças ou grupos
▶ O fim da obrigatoriedade étnicos que nasceram menos
do período de reflexão; inteligentes e/ou menos tra-
balhadores). Um em cada três
▶ A descentralização da portugueses concorda com
prática do aborto médico, todas as crenças em racismo
alargando-a para os centros biológico e cultural (32%). Ape-
de saúde e para as unidades nas 11% da população discorda
de saúde familiar. de todas crenças racistas.

183
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Queixas A investigação realizada no


âmbito do projeto COMBAT
por racismo pelo Centro de Estudos So-
ciais da Universidade de
arquivadas Coimbra revela que, entre
2006 e 2016, cerca de 80%
dos processos instaurados
pela Comissão pela Igualda-
de e Contra a Discriminação
Racial (CICDR) na sequência
de queixas feitas por discrimi-
nação foram arquivados, uma
significativa parte dos quais
por prescrição (22%).

O racismo mata. É isso que provam


os brutais assassinatos com motiva-
ções racistas de Alcindo Monteiro,
no dia 10 de junho de 1995, e Bruno
Candé Marques, em julho de 2020.
Violência Num relatório divulgado em
2019, o Comité para a Preven-
Por outro lado, persistem os casos policial ção da Tortura do Conselho
de violência policial contra pessoas da Europa (CPT) reportou
afrodescendentes e ciganas que que a violência policial e os
muitas vezes redundam em impu- maus tratos nas prisões são
nidade dos infratores. As pessoas frequentes em Portugal e que
racializadas são mais paradas e as pessoas afrodescenden-
identificadas pela polícia, num pro- tes, nacionais ou estrangeiras,
cesso de criminalização e controlo estão mais expostas a essas
dos corpos negros. As agressões a violações de direitos huma-
vários moradores da Cova da Moura nos. A Amnistia Internacional
na esquadra de Alfragide em 2015, Portugal tem também alertado
à família Coxi em janeiro de 2019 para o problema.
no Bairro da Jamaica e a Cláudia De acordo com dados da
Simões em janeiro de 2020 por um Inspeção-Geral da Adminis-
agente da PSP na Amadora, são tração Interna (IGAI), em 2020
alguns dos casos mais recentes registaram-se 1073 queixas
e mediatizados de uma violência contra a atuação das forças de
policial que resultou em mais de dez segurança, verificando-se uma
jovens negros mortos pelas forças subida de cerca de 12% entre
policiais desde o início deste século, 2019 e 2020.
quase sempre de forma impune.

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2026

Foto / Ana Mendes


Empurradas para a periferia dos em profissões qualificadas e so- Na educação, persistem práticas
centros urbanos ou para os arre- bre-representação em profissões como a existência de turmas exclu-
dores das localidades do interior, menos valorizadas socialmente e sivamente constituídas por alunas e
as comunidades racializadas, com pior remuneração. alunos ciganos, afrodescendentes
sobretudo negras e ciganas, são Que tudo isto seja acompanhado ou descendentes de migrantes,
desproporcionalmente afetadas por de uma taxa de encarceramen- taxas mais elevadas de retenção
processos de segregação territorial to das comunidades racializadas no ensino básico e secundário e
que as tornam mais vulneráveis claramente superior à média é um de encaminhamento para cursos
ao isolamento, à exclusão social, à retrato cru da realidade do racismo profissionais para estudantes nacio-
precariedade habitacional, à falta estrutural. nais dos países africanos de língua
ou dificuldade de acesso a serviços
públicos de qualidade (transportes,
educação, saúde, respostas sociais,
etc.), a violentos processos de des-
pejo e demolição das suas casas
Racismo, Dados do INE mostram-nos
que os trabalhadores e as tra-
e à criminalização dos territórios
que habitam, estigmatizados como
precariedade balhadoras racializados estão
três vezes mais representadas
“bairros problemáticos” e sujeitos a e desemprego em profissões menos quali-
um permanente estado de exceção. ficadas, e para esse tipo de
A estas expressões de discrimina- profissões recebem em média
ção a que as comunidades racia- menos de 103 euros mensais,
lizadas estão sujeitas acresce, de ao passo que enfrentam taxas
forma evidente, a maior precarieda- de desemprego duas vezes
de laboral, taxas mais elevadas de mais altas.
desemprego, a sub-representação

185
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

oficial portuguesa, condicionando


a frequência do ensino superior, ao
qual esses alunos e alunas acedem
As propostas ▶ Criação de um organismo au-
tónomo na administração pú-
cinco vezes menos do que os e do Bloco blica responsável por, para além
as estudantes com nacionalidade de executar medidas políticas
portuguesa. A isto acresce a qua- transversais, desenhar progra-
se total ausência de docentes e mas específicos em função das
dirigentes escolares pertencentes a necessidades e áreas de inter-
grupos racializados e a inexistência venção no combate às desigual-
de programas de ensino multilingue dades étnico-raciais, do acesso
que incluam as línguas das comu- ao emprego público à frequência
nidades de origem, bem como a do Ensino Superior, no qual este-
persistência de uma visão eurocên- jam representadas organizações
trica nos currículos e nos manuais das comunidades racializadas, de
escolares, que frequentemente imigrantes e antirracistas;
perpetua estereótipos e invisibiliza o
conhecimento produzido e reprodu- ▶ Formação específica das
zido por sujeitos racializados. forças de segurança contra o
Desmantelar o edifício que sustenta racismo, prevenção e combate
o racismo é um imperativo de um a práticas de perfilamento racial
projeto socialista do século XXI e re- e apuramento rigoroso dos fac-
quer, desde logo, o reconhecimento tos em situações reportadas de
de que ele existe e se intersecta, violência policial com contornos
mas não se confunde, com outros racistas;
fatores de exclusão e de desigual-
dade. É preciso conhecermos a ▶ Alocação do financiamento
sua natureza, os seus processos, afeto aos Contratos Locais de
os seus efeitos, as suas múltiplas Segurança, em vigor em bairros
manifestações, a sua relação com com forte presença de comuni-
outras categorias de opressão com dades racializadas, a programas
as quais concorre para produzir que tenham em vista a redução da
desigualdades. vulnerabilidade social, a promoção
O Bloco confere centralidade às da empregabilidade e o combate à
políticas de promoção de igual- discriminação racial, abandonando
dade e de combate ao racismo. É o paradigma de intervenção assen-
tempo de romper com o estado te na criminalização dos bairros;
de negação face ao racismo e ao
discurso de ódio. O racismo ins- ▶ Fim dos despejos e demo-
titucional deve envergonhar um lições forçados em territórios
Estado de Direito que tantas vezes com forte presença de pessoas
se vangloria das suas políticas de e comunidades africanas, afro-
“integração”. O nosso compromisso descendentes e ciganas, sem
é combatê-lo.

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2022
2026

a existência de uma alternativa ção étnico-racial da população e ▶ A formação e contratação de


de habitação digna; conhecer melhor a discriminação e mediadores e mediadoras esco-
desigualdade com base na origem lares oriundos das comunidades
▶ Medidas legislativas e inspe- ou pertença étnico-racial existen- racializadas mais representadas
tivas especiais para proteção tes na sociedade portuguesa; localmente;
dos direitos laborais e combate
à precariedade e exploração ▶ Realização de um estudo na- ▶ Fim das turmas e escolas
laboral nos setores de atividade cional, de natureza abrangente segregadas e do desproporcio-
em que pessoas provenientes e transversal, sobre discrimina- nal encaminhamento de alunos e
das comunidades racializadas, ção racial, em articulação com as alunas do ensino básico das co-
em especial as mulheres, estão organizações antirracistas e repre- munidades racializadas para vias
desproporcionalmente presentes sentativas das diversas comunida- profissionalizantes;
(trabalho doméstico assalariado, des racializadas;
serviços de limpeza e cuidadoras); ▶ Criação de um contingente es-
▶ Constituição de um Observa- pecial para candidatos e candi-
▶ Medidas de ação afirmativa tório de Combate ao Racismo e datas das comunidades racia-
para promoção da igualdade à Xenofobia, para realização de lizadas no Concurso Nacional
e de combate à discriminação estudos e recolha, análise e difu- de Acesso e Ingresso no Ensino
racial no domínio laboral, no- são de informação sobre racismo, Superior;
meadamente ao abrigo do artigo discriminação racial e xenofobia;
27.º do Código de Trabalho, como ▶ Adoção de um Plano Nacional
forma de assegurar o acesso e ▶ Concretização de programas de Ação para implementação da
representatividade nos vários de formação para docentes e Década Internacional dos Afro-
setores de atividade, em particu- outros agentes educativos para descendentes (2015-2024);
lar no setor público, de pessoas promoção da igualdade racial e
racializadas; valorização da história, línguas e ▶ Criação de equipamentos que
culturas das comunidades migran- ajudem a difundir um conheci-
▶ Criação de Gabinetes de tes e racializadas mais representa- mento mais completo e rigoroso
Inserção Profissional, como das, nomeadamente afrodescen- da história do país, designada-
estrutura de apoio ao emprego em dentes e Roma/ciganas; mente da escravatura, do colonia-
territórios economicamente desfa- lismo; e do contributo de outros
vorecidos com forte presença de ▶ Abertura dos manuais e ou- povos e comunidades para a so-
comunidades racializadas; tros materiais escolares a novas ciedade e a cultura portuguesas;
correntes problematizadoras
▶ Alteração do Código Penal, no dos legados históricos e cultu- ▶ Desenvolvimento de um pro-
sentido de abranger práticas de dis- rais, no quadro de um processo cesso participado de revisão
criminação racial atualmente cober- de revisão curricular mais amplo; crítica das políticas de memória
tas pelo regime contraordenacional; nacional, através da criação e
▶ Oferta de ensino bilíngue nas apoio a equipamentos e progra-
▶ Realização de inquérito que línguas mais utilizadas em cada mas culturais que promovam uma
permita caracterizar a composi- comunidade escolar; visão de(s)colonial da História e da

187
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

cultura e incluam perspetivas


e contributos de comunidades
historicamente discriminadas e
da recontextualização históri-
ca dos equipamentos e luga-
res de memória existentes;

▶ Criação de uma linha de


financiamento para apoio a
organizações antirracistas e
representativas das comunida-
des racializadas;

▶ Inclusão, no desenvolvimen-
to de todas estas medidas,
da participação direta de
organizações antirracistas e
representativas das comuni-
dades racializadas.

21.2. Um novo ciclo de políticas


para a imigração
Em sintonia com a hipocrisia euro-
peia – portas fechadas à imigração
legal, janelas escancaradas às
máfias – responsável pela prolife-
ração de fenómenos classificados A luta dos e das imigrantes na rua o ano com mais pessoas migran-
pela ONU e pela OIT na categoria e a pressão junto do parlamento tes na História do País, Portugal
de “escravatura no século XXI”, o foram decisivas para reverter al- continua a ser um dos países com
saldo da política migratória é um guns obstáculos, tendo a iniciativa menos população migrante na Eu-
desastre: dezenas de milhar de imi- legislativa para o efeito sido assu- ropa e o oitavo valor mais baixo da
grantes a trabalharem sem docu- mida pelo Bloco. União Europeia.
mentos, sem contratos e por vezes O relatório sobre os Indicadores de Contudo Portugal mantém um
sem receberem salários na íntegra, Integração de Imigração referentes défice muito elevado face às co-
apesar de muitos e muitas descon- ao ano de 2019 publicados pelo munidades imigrantes que dão um
tarem há anos para a Segurança Observatório das Migrações (OM) contributo inestimável na econo-
Social. assinala que em 2019 residiam em mia (são contribuintes líquidos da
A situação agravou-se nesta legis- Portugal 590.348 cidadãos estran- segurança social), na demografia e
latura, com o bloqueio dos proces- geiros, o ano com mais imigrantes na construção de uma sociedade
sos de regularização e o acentuar na história do país, representando mais diversa e plural, ainda marca-
de práticas arbitrárias e discricio- apenas 5,7% do total de residentes da por desigualdades e exclusões,
nárias do SEF. do país. Embora este tenha sido pelo racismo e xenofobia.

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2022
2026

Em 2019 as pessoas
migrantes residentes em
Portugal contribuíram
oito vezes mais do
que receberam para a
Segurança Social.
As pessoas migrantes estão sua força de trabalho e a determi-
sujeitas a maior precariedade e nação de conquistar uma vida dig-
exploração laboral. Estão sobre na, estende-se o tempo exasperan-
representadas nas profissões te de espera por um atendimento
menos qualificadas, nos grupos no SEF, a permanência interminá-
profissionais de base associados vel em condição irregular, excluídos
à construção, indústria e transpor- dos apoios e proteção social e nas
tes. Nestas profissões têm salários margens da inclusão e pertença à
mais baixos, maior risco de sinis- sociedade, tornadas cidadãos de
tralidade laboral, são mais afetados segunda categoria.
pelo desemprego e beneficiam Para os e as imigrantes ricos, que
menos do subsídio de desemprego, tenham 500 mil euros para com-
enfrentando assim maior risco de prar habitação de luxo, estende-se
pobreza e exclusão social. a passadeira vermelha dos vistos
Um país, dois sistemas – bem se gold, com inteira complacência
poderia sintetizar assim o modo com a corrupção e o branquea-
como Portugal se relaciona com mento de capitais a que podem es-
os e as imigrantes: para os e as tar associados; ou são concedidos
imigrantes que aqui chegam com a benefícios fiscais como o regime
fiscal para residentes não habituais.
Por outro lado, o compromisso de
acolhimento de pessoas em situa-
ção de refúgio e requerentes de
asilo não tem sido acompanhado
de uma política de acolhimento se-
As pessoas Em 2019 as pessoas migrantes
residentes em Portugal contri-
riamente programada, o que resulta
em frustração e desapontamento
migrantes buíram oito vezes mais do que dos e das requerentes de proteção

dão muito receberam para a segurança


social. Os estrangeiros repre-
internacional em Portugal.
Depois do final do programa de
mais ao sentam 8,5% dos contribuintes
e a sua contribuição para o
acolhimento, as pessoas em si-
tuação de refúgio e requerentes
Estado do sistema de Segurança Social de asilo enfrentam dificuldades no

que recebem traduziu-se num saldo positivo


de 884 milhões de euros.
acesso à saúde, ao apoio social, à
aprendizagem da língua, à habita-
ção e a um trabalho digno.

189
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As políticas O Relatório Estatístico do Asilo


2021, publicado pelo Observatório
mento foram encaminhadas para
apoios sociais, tendo apenas 12%
de acolhimento das Migrações, conclui que uma sido consideradas autónomas
parte importante das pessoas ter- para prosseguir a sua vida em
falham minou o programa de acolhimento Portugal.
sem ter emprego ou motivação É preciso iniciar um novo ciclo
para procurar ativamente emprego, de políticas de imigração e asilo,
sem domínio da língua portugue- abertas à diversidade e promo-
sa e com dificuldades no acesso toras de uma cidadania plena, no
à habitação. O mesmo relatório contexto de políticas sociais, edu-
revela que 77% das pessoas que cativas e culturais que promovam
concluíram o programa de acolhi- uma integração inclusiva.

As propostas ▶ Uma nova Lei de Imigração que ▶ Projetos de ensino bilingue e da

do Bloco integre as sucessivas alterações


positivas à atual Lei 23/2007 numa
transformação de equipamentos
escolares em espaços cosmopo-
nova filosofia humanista e aberta ao litas de horário alargado, abertos
mundo, em rutura com as orienta- à vida cultural das comunidades;
ções da “Europa fortaleza”;
▶ Adaptação e incremento do
▶ O reconhecimento do direi- programa “Português Língua de
to de voto a todas as pessoas Acolhimento” de modo a garantir
titulares de autorização de uma oferta contínua e intensa de
residência em Portugal, inde- português com diferentes níveis que
pendentemente da existência ou permita uma aprendizagem da lín-
não de acordos de reciprocidade gua portuguesa em ambiente formal
com os países de origem (atual- desde o início da permanência em
mente, além dos membros da UE, Portugal para pessoas migrantes e
estes acordos abrangem uma refugiadas;
dúzia de países e só nas eleições
autárquicas; destes, apenas os e ▶ Criação de um modelo de aco-
as nacionais do Brasil e de Cabo lhimento que potencie o acesso
Verde podem adquirir capacidade e a estabilidade habitacional dos
eleitoral passiva, ao fim de dois refugiados, através de uma política
anos); de programação do parque habi-

190
2022
2026

21.3. Afirmar direitos contra a


homofobia e a transfobia
tacional para primeiro acolhimento migrantes e requerentes de A pandemia expôs a situação de
de refugiados e refugiadas e para a asilo e beneficiários de proteção vulnerabilidade das pessoas que
progressiva autonomização pessoal internacional; têm menos acesso aos serviços
e familiar; públicos, nomeadamente das que
▶ Revogação do regime de são discriminadas nesse acesso
▶ Formação contínua dos téc- Autorização de Residência em razão da sua orientação sexual,
nicos da segurança social, das para Atividade de Investi- identidade de género, expressão de
finanças e das juntas de freguesia mento (“vistos gold”) e do género ou características sexuais.
sobre temas relacionados com as regime fiscal de residentes não O relatório das Nações Unidas
migrações e o asilo, assim como habituais e outros benefícios sobre o impacto do COVID-19 nos
a divulgação regular de informação fiscais; direitos humanos das pessoas
disponível sobre o tema, com recur- LGBT reitera que estas pessoas
so a folhetos informativos; ▶ Acompanhamento e fisca- são sujeitas a impactos acrescidos
lização da criação e funcio- no que toca ao acesso à saúde,
▶ Criação de uma linha de finan- namento da Agência Portu- estigmatização e discriminação,
ciamento para apoio a organiza- guesa para as Migrações e violência doméstica e acesso ao
ções de pessoas migrantes e em Asilo (APMA) que irá executar mercado de trabalho, instando os
situação de refúgio; as atribuições em matéria decisores políticos, entre outras
administrativa relativamente a ações, a garantir que as medidas
▶ Plano de monitorização da cidadãos estrangeiros anterior- destinadas a minorar os efeitos
saúde em populações vulnerá- mente atribuídas ao do Serviço da pandemia considerem a parti-
veis, nomeadamente pessoas de Estrangeiros e Fronteiras. cular vulnerabilidade das pessoas
LGBTI.

191
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Igualdade A discriminação devido à orienta-


ção sexual na dádiva de sangue
passando pela prática continuada
de discriminação sem fundamen-
na dádiva de homens gays e bissexuais teve to legal, até à expressa proibição
finalmente o seu fim este ano. da discriminação. O percurso
de sangue Esta vitória, para a qual participa- feito é demonstrativo de como a
ram as pessoas que denunciaram perseverança na construção de
a discriminação que eram alvo, os uma sociedade mais justa e mais
ativistas e as associações LGB- igual para todas as pessoas é
TQI, foi o resultado de um per- recompensado, se não desistir-
curso longo e tortuoso: desde a mos nem baixarmos os braços.
existência de uma previsão legal Por isso dizemos, sim é sempre
que injustamente discriminava, possível!

▶ Criação de uma lei quadro


Em Portugal, o bullying homofó- As propostas para a promoção do exercício
bico e transfóbico ainda é uma
realidade, nas escolas e na socie-
do Bloco à autodeterminação da identi-
dade de género, expressão de
dade; e o acesso ao trabalho, aos género e do direito à proteção
serviços públicos e ao usufruto das características sexuais, de-
do espaço público continua a ser finindo um conjunto de princípios
negado e dificultado às pessoas a adotar por entidades públicas e
LGBTQI. Por exemplo, segundo privadas nas áreas da educação,
o relatório da FRA 2020 – A long da saúde, do trabalho, da habi-
way to go for LGBTI equality, 57% tação e da proteção social, bem
dos casais do mesmo sexo em como a criação de procedimen-
Portugal evitam dar a mão em tos de prevenção e denúncia de
público. Apesar da Comissão Eu- atos de violência contra pessoas
ropeia ter apresentado a primeira LGBTQI;
estratégia da UE para a igualdade
das pessoas lésbicas, gays, bis- ▶ Realização de inquérito
sexuais, trans, intersexo e queer, nacional sobre a diversidade
não devemos adiar medidas de populacional portuguesa, com
combate contra a discriminação, enfoque na orientação sexual,
medidas de proteção e segurança identidade de género, expres-
que possibilitem avançar na cons- são de género e características
trução de uma sociedade mais sexuais, identificando as suas
inclusiva.

192
2022
2026

21.4. Uma política


responsável para as drogas,
os consumos e o álcool
A descriminalização do con-
sumo das drogas foi um passo
decisivo no sentido de uma
política correta de abordagem
aos consumos, mas permane-
cem na lei inaceitáveis para-
doxos proibicionistas. Está
na hora de rever e alargar a
agenda desta política, rumo
a um modelo baseado na
regulação e no respeito pelos
direitos humanos. As pessoas
que consomem drogas devem
ser respeitadas na sua auto-
nomia e a sua discriminação,
nos serviços de saúde ou
condições de vida e problemas blica com competências na área no sistema judicial deve ser
sociais específicos. Só conhe- LGBTQI; combatida com eficácia. Ao
cendo a realidade é possível o fazê-lo estaremos a defender
desenho de políticas públicas de ▶ Criação de uma rede nacional alguns dos cidadãos e cida-
combate à discriminação; de centros de referência LGBT- dãs mais vulneráveis e a criar
QI nos principais centros urbanos, melhores condições de saúde
▶ Criminalização das chamadas a construir e gerir em parceria pública. É fundamental incluir
“terapias” de conversão, práti- com autarquias e associações/ as pessoas que usam drogas
cas de tortura infligidas sobre pes- ativistas; nas decisões políticas que
soas LGBTQI, por razões ligadas à lhes digam respeito, através
sua orientação sexual, expressão ▶ Adaptação de procedimentos das suas associações, coleti-
de género, identidade de género e formulários da Administração vos e representantes.
ou às suas características sexuais; Pública à realidade portugue- A imposição de mudanças
sa, na sua diversidade sexual e de comportamento é ineficaz
▶ Proteção das crianças e dos familiar; e inaceitável. Está provado
jovens, bem como do pessoal que o maior impacto benéfico
docente e não docente LGBTQI ▶ Reconhecimento legal de sobre o uso de drogas está
nas escolas; identidades LGBTQI como associado a programas que
fundamento para atribuição de se concentram na informação,
▶ Criação da lei de reconheci- asilo e proteção; no contexto social (incluin-
mento das organizações não do escola ou família) e que
governamentais LGBTQI; ▶ Efetivo acesso à saúde pelas abordam outras questões que
▶ Criação de uma entidade pú- pessoas trans e não binárias. não necessariamente o uso
de drogas.

193
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Criação de um programa


nacional de salas de consumo
zando formação às equipas que
acompanham crianças, jovens e
do Bloco assistido nos territórios onde se famílias, utilizando programas de
justifique; promoção de competências vali-
dados e de eficácia comprovada.
▶ Reforço dos serviços de “dru-
g-checking” para proteção de ▶ Distribuição alargada de
consumidores e consumidoras, naloxona a consumidores, fami-
prevenção de riscos e avaliação liares e equipas de Redução de
de padrões de consumo; Riscos e Minimização de Danos
(RRMD), de forma a permitir
▶ Reforço da rede de mediado- intervenção em situações de
res e mediadoras e promover overdose;
a capacidade de resposta de
quem consome; ▶ Implementação de programas-
-piloto de prescrição de heroína
▶ Regulação legal da canábis sob controlo médico, à seme-
para uso pessoal por parte de lhança de países como a Dina-
pessoas adultas; marca, a Alemanha ou o Reino
Unido.
▶ Redução da espera para
tratamentos e disponibilização ▶ Transformação do atual mo-
de recursos para adaptação das delo de intervenção na área
equipas de tratamento a novos das dependências construindo,
públicos e novos consumos; em alternativa, um modelo que
integre as vertentes da preven-
▶ Limitação à publicidade e ção, da dissuasão, da redução
marketing que promova be- de riscos, do tratamento e da
bidas alcoólicas em festivais reinserção e que permita uma
culturais ou eventos desportivos; articulação entre a coordenação,
o planeamento e a intervenção
▶ Reinvestimento em progra- desenvolvida no terreno, impe-
mas de inserção profissional dindo a fragmentação de res-
para pessoas com percursos de postas;
dependência, com acompanha-
mento especializado; ▶ Financiamento a 100% os
projetos de Redução de Ris-
▶ Desenvolvimento de li- cos e Minimização de Danos,
nhas orientadoras na área permitindo ainda que estes
da prevenção adaptadas a tenham uma duração superior a
realidades locais, disponibili- 24 meses.

194
2022
2026

21.5. Despenalizar a morte o Bloco de Esquerda esteve na pletar o processo legislativo até à
assistida primeira linha desse trabalho que aprovação definitiva da lei.
Dando voz a uma luta de déca- resultou numa aprovação por lar-
das, o Bloco de Esquerda este- ga maioria da nova versão da lei. 22. DIREITOS DAS PESSOAS
ve na primeira linha da luta por A devolução à Assembleia da COM DEFICIÊNCIA
uma lei que despenalize a morte República por Marcelo Rebelo de Em seis meses de pandemia a
assistida em Portugal. No progra- Sousa a nova versão da lei, que já taxa de desemprego das pessoas
ma eleitoral que apresentámos integrava a resposta às questões com deficiência voltou aos ní-
ao país em 2018 assumimos o suscitadas pelo Tribunal Consti- veis de 2016. Este aumento, que
compromisso de apresentar uma tucional, mostra à evidência que se reflete na subida do número
proposta de despenalização da o Presidente da República se de pessoas em busca de novo
morte assistida nos mesmos constituiu numa força de bloqueio emprego ou desempregadas há
termos da que havíamos apresen- à decisão da maioria do parla- mais de 12 meses, está relacio-
tado em 2018. Assim fizemos e a mento e da opinião da maioria da nado com a situação de preca-
aprovação, em fevereiro de 2020, sociedade portuguesa. O Bloco riedade laboral destes trabalha-
das propostas do Bloco e de ou- de Esquerda não esmorecerá dores. Quando não se convertem
tros partidos, abriu caminho para diante desta persistente oposição em desemprego, os estágios de
uma lei tolerante e rigorosa que de Belém à adoção de uma lei de inserção dão origem a contratos a
não obriga ninguém e que res- respeito por todas as pessoas e prazo sem estabilidade de longo
peita a decisão de cada pessoa. assume o compromisso de com- prazo.
Chamámos-lhe Lei João Semedo,
porque o país inteiro reconhece o
seu papel determinante na mobili-
zação de saber, de sensibilidades
Gráfico 27 / Desemprego na população com deficiência
e de apoio político e parlamentar
para dotar Portugal de uma lei
progressista e de grande huma- 14 000
nismo sobre esta matéria. 13 183 12 911 13 270
12 000 12 135 12 027 ▲10%
Por iniciativa do Presidente da
República, o Tribunal Constitucio-
10 000
nal pronunciou-se pela incons-
titucionalidade da lei aprovada 8 000 7 645 7 261
pelo parlamento. Mas, rejeitando 7 048
6 570 6 395
a tese ultraconservadora de uma 6 000
inconstitucionalidade absoluta por 6 222
4 000 5 538 5 650 5 545 5 632
alegada violação do direito à vida,
o Tribunal declarou expressamen-
2016 2017 2018 2019 Jan-Jun
te que o direito à vida não implica
(2020)
uma obrigação de viver e exigiu
apenas que se especificasse me-
Homens Mulheres Homens+Mulheres
lhor um dos conceitos fundamen-
tais usados na lei. Foi isso que o
parlamento fez e, uma vez mais, Fonte: IEFP

195
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Foto / Ana Mendes


Estudo Com o encerramento de equipa-
mentos de apoio social na área
fisioterapia (57%), terapia da fala
(47%), terapia ocupacional (62%),
“Deficiência da deficiência em março de 2020,
40% dos/as inquiridos/as res-
consultas médicas (52,8%) e cui-
dados de enfermagem (45%).
e Covid-19 ponderam que lhes foram retira- Na área da educação, as solu-

em Portugal dos apoios ou serviços. O inqué-


rito mostra que, em muitos casos,
ções disponibilizadas aos estu-
dantes com deficiência - durante
2020” estes apoios e serviços foram
retomados apenas parcialmente
o período de confinamento e
desconfinamento - também fo-
ao longo de 2020: Centros de ram avaliadas de forma negativa.
Atividades Ocupacionais (46%),

Gráfico 28 / Taxa de abandono escolar nos jovens com deficiência


Para além dos efeitos da pande-
mia, permanecem outras discri- 35%
minações estruturais no acesso 32,0
a serviços essenciais, como a 30%
educação, que se traduzem em
níveis de pobreza inaceitáveis 25%
entre as pessoas com deficiên- 21,9
20%
cia. Segundo o relatório Pessoas
16,4
com Deficiência em Portugal - 15%
Indicadores de Direitos Humanos 12,4
2020, em Portugal, a taxa média 10%
de abandono escolar dos jovens
5%
com deficiência é mais elevada
que na União Europeia e muito 0%
superior à dos jovens sem defi-
Jovens Jovens Jovens Jovens
ciência. Relativamente aos indi-
com deficiência sem deficiência com deficiência sem deficiência
cadores de pobreza, ainda que
(18-24) (18-24) (18-29) (18-29)
Portugal se situe abaixo da média
europeia, o risco de pobreza ou Média Portugal Média UE-27
exclusão atinge 33% das pessoas
com deficiência grave. Fonte: EU-SILC 2018

196
2022
2026

Gráfico 29 / Risco de pobreza e exclusão entre pessoas com deficiência

35% 32,8

30% 29,1
27,1 28,1

25%
18,1 17,9
20% 18,3

15%
10%
5%
0%
Sem Deficiência Deficiência Mulheres Homens Mulheres Homens
deficiência moderada grave com deficiência com deficiência sem deficiência sem deficiência

Média Portugal Média UE-27

Fonte: EU-SILC 2018

Apoios O subsídio por assistência de ter-


ceira pessoa que é atribuído para
O complemento por dependên-
cia é atribuído aos pensionistas e
insuficientes compensar o acréscimo de encar-
gos familiares resultantes da situa-
beneficiários da Prestação Social
para a Inclusão que se encontram
para ção de dependência das crianças numa situação de dependência e

combater a e jovens com bonificação por


deficiência do abono de família, e
que precisam da ajuda de outra
pessoa para satisfazer as neces-
pobreza que necessitem pelo menos de 6
horas diárias de acompanhamen-
sidades básicas da vida quoti-
diana, tem um valor que depende
to por uma terceira pessoa, tem do tipo de pensão que recebem
o valor de 110,41 euros mensais. (contributiva ou não) e do grau de
Significa uma compensação de 60 dependência (acamado ou não).
cêntimos por hora a quem presta Esse valor oscila entre os 95,31 e
esse apoio. os 190,61 euros.

197
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
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BLOCO DE ESQUERDA

Esta realidade mostra um país em Tanto a direita como o PS perpe- restringiu o financiamento de
que o discurso sobre os direitos tuam essas políticas. O governo tal forma que é impossível os
humanos é frequentemente pouco do PS entregou os projetos-pi- utilizadores e utilizadoras de
mais que isso mesmo. A focagem loto de assistência pessoal/vida assistência pessoal mais depen-
assistencialista e institucionaliza- independente às IPSS, em vez de dentes terem o número de horas
dora das políticas é parte desse reforçar a organização autónoma de assistência que necessitam e
problema. das pessoas com deficiência, e que a lei prevê.

Uma Estar institucionalizado significa


a perda da capacidade de de-
6000 pessoas adultas com de-
ficiência institucionalizadas em
alternativa cisão sobre a vida. Uma pessoa
institucionalizada não escolhe o
Lares Residenciais. Para além
destas, muitas outras, mesmo
à instituciona- que come, não determina as ro- jovens, encontram-se internadas

lização tinas diárias, não tem privacida-


de ou direito à intimidade. Estar
em Lares de Idosos por falta de
alternativas.
institucionalizado significa pres- As obrigações que o Estado
cindir de direitos consagrados português assumiu ao ratificar a
na Convenção sobre os Direitos Convenção sobre os Direitos das
das Pessoas com Deficiência Pessoas com Deficiência não
(CDPD), ratificada pelo Estado estão a ser cumpridas.
Português em 2009. É urgente a elaboração de um
Em Portugal existem mais de plano de desinstitucionalização.

Foto / Vida Independente / Nuno Fox / Lusa

198
2022
2026

Estar institucionalizado
É mais que tempo de abandonar
definitivamente as políticas assis-
significa a perda da
tencialistas e institucionalizadoras
que têm sido dominantes e pro-
capacidade de decisão
mover uma política baseada nos
direitos humanos, que crie todas
sobre a vida.
as condições necessárias ao cum-
primento do que está estabelecido
na Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência.

As propostas ▶ Realização de um inquérito ▶ Disponibilidade e plena

do Bloco nacional de caracterização só-


cio-demográfica da população
acessibilidade aos serviços,
tais como educação e forma-
com deficiência; ção profissional, emprego e
habitação.
▶ Criação de um programa de
desinstitucionalização, subordi- ▶ Alteração do sistema de ava-
nado aos seguintes princípios: liação do grau de incapacidade
que determina o acesso a apoios
▶ Desenvolvimento e imple- sociais e benefícios fiscais. O
mentação de serviços locais atual atestado médico de inca-
individualizados e de elevada pacidade multiuso é anacrónico
qualidade, destinados, em es- e em 2016 o Comité dos Direitos
pecial, a evitar a institucionali- das Pessoas com Deficiência das
zação; Nações Unidas recomendou a
sua revisão;
▶ Reversão do processo de
institucionalização pela condi- ▶ Criação de uma prestação
ção de deficiência; social para a autogestão da
Vida Independente com base
▶ Transferência faseada dos re- na avaliação da execução dos
cursos destinados às instituições projetos-piloto, que deve prever o
residenciais de longa duração direito à atribuição da assistência
para novos serviços, com vista à necessária, a escolha de quem
sua viabilidade a longo prazo; presta a Assistência Pessoal, bem
como a autonomia na gestão des-
▶ Implementação de um sis- sa relação de assistência; Criação
tema de assistência pessoal e regulamentação da profissão de
individualizada; Assistente Pessoal;

199
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BLOCO DE ESQUERDA

▶ Revisão da PSI para alterar as aprendizagem da Língua Ges- ▶ Introdução do Direito a 150h
regras de acesso e condição de tual Portuguesa para todos; anuais de Interpretação de
recursos de modo a não incluir os Língua Gestual Portuguesa no
rendimentos de familiares para a ▶ Reforço da áudio descrição, código do trabalho;
capitação do beneficiário; alargar legendagem e interpretação de
acesso a todas as pessoas com Língua Gestual Portuguesa dos ▶ Financiamento para a adap-
60% ou mais de incapacidade; e conteúdos audiovisuais; tação e eliminação de barreiras
fazer convergir progressivamente o arquitetonicas em habitações;
valor da PSI para adultos em idade ▶ Promoção do reconhecimento
ativa com o valor do salário míni- da Língua Gestual Portuguesa ▶ Alargamento para 100% do
mo; como idioma oficial do Estado financiamento em regime de
português; crédito bonificado à habitação
▶ Aumento do Complemento por e criação de um contingente
dependência e do Subsídio por ▶ Criação de condições para para pessoas com deficiência
assistência de terceira pessoa; a inclusão de estudantes com na oferta pública de habitação a
necessidades educativas espe- custos controlados;
▶ Alargamento da antecipação ciais no ensino superior através
da idade pessoal de reforma e da garantia de verbas para as ▶ Garantia de financiamento
majoração dos dias de férias instituições de ensino superior para público à adaptação de barrei-
para pessoas com deficiência, garantir recursos especializados, ras arquitetónicas e urbanísti-
em função do grau de capacidade; materiais pedagógicos, alojamen- cas dos espaços públicos, com
tos adaptados e assistência pes- a fiscalização do cumprimento do
▶ Simplificação e reforço do sis- soal; Decreto Lei 163/06, cujo prazo
tema de atribuição de produtos terminou em 2017;
de apoio, com vista à sua gratuiti- ▶ Criação de condições para o
dade, e estabelecimento de prazos efetivo cumprimento do Regime ▶ Adaptação das infraestrutu-
para o financiamento e a entrega do Maior Acompanhado, nomea- ras de transportes e respetivo
dos mesmos; damente através da criação de material circulante; atribuição do
um sistema de apoio à tomada de Passe Social a preço reduzido para
▶ Sensibilização da comunidade decisão por pessoas com deficiên- pessoas com grau de incapacida-
médica para os direitos sexuais cia, e da formação de magistrados de superior a 60%; e atribuição de
e reprodutivos das pessoas com e demais profissionais da Justiça título de transporte gratuito para
deficiência, nomeadamente na sobre os direitos tutelados na Con- Assistentes Pessoais e Cuidadores
pré- concepção, na procriação me- venção dos Direitos das Pessoas informais quando a acompanhar a
dicamente assistida, na gravidez, com Deficiência; pessoa com deficiência;
no parto, no nascimento, no pós-
-parto e na interrupção voluntária ▶ Cumprimento da legislação ▶ Generalização do Balcão da
da gravidez; de quotas de emprego e alar- Inclusão a todos os Municípios,
gamento do novo regime para mediante apoio da Administração
▶ Reforço da Educação Bilín- o teletrabalho às pessoas com Central às autarquias para a sua
gue para os alunos Surdos e da deficiência; instalação.

200
2022
2026

Foto / Eduardo Costa


23. DEMOCRACIA COM exercício do direito a informar e a cado digital. Há zonas cinzentas
QUALIDADE ser informado, por um lado, e a sua e a imensidão de portas por abrir
23.1. Uma informação séria e independência da comunicação para novas realidades não têm
democrática social face aos poderes político e despertado o interesse de quem
Num tempo em que os populis- económico, por outro. legisla para criar pelo menos um
mos se organizam na sombra das O combate por uma informa- conjunto mínimo de normas de
campanhas de desinformação, a ção séria e democrática passa caráter ético, dando margem para
clareza de um jornalismo sério e também pela consideração dos o aparecimento de esquemas de
rigoroso é fundamental para a sal- direitos digitais como direitos hu- manipulação de dados e de vonta-
vaguarda da própria democracia. manos. A preocupação de quem des ou para a proliferação de fake
A primeira obrigação do Estado é legisla relativamente aos direitos news através de redes e platafor-
garantir que o serviço público é, digitais tem sido dominada apenas mas sociais.
em todas as suas vertentes, uma pela perspetiva do mercado e dos Posicionamo-nos do lado da
referência na comunicação social. interesses económicos envolvi- defesa dos direitos digitais, con-
Esta é uma expectativa legítima do dos. Pelo contrário, a garantia dos tra a introdução da censura neste
público que lê, vê e ouve o serviço direitos digitais enquanto direitos espaço de liberdade, e não em
público, mas também de todas as humanos ou a proteção eficaz oposição aos direitos autorais. De
pessoas que o pagam e dos e das dos dados pessoais têm sido facto, uma verdadeira e justa de-
profissionais que o asseguram. A ativamente postas em causa. Em fesa destes direitos, que também
crise no setor estende-se, porém, certos casos criam-se conflitos defendemos e respeitamos, não
à generalidade dos órgãos de co- entre direitos digitais e outros di- fica acautelada por normas como
municação social, com expressão reitos mas apenas para daí, e mais a do referido artigo 13.º, que visam
numa brutal quebra de vendas e uma vez, obter vantagens para os unicamente proteger e beneficiar
receitas publicitárias, na escassez grandes interesses económicos a grande indústria editorial. Conti-
de recursos ou na precariedade e não para os verdadeiros deten- nuaremos a bater-nos pela defesa
das suas redações. Ao Estado tores dos direitos, como é o caso da neutralidade da internet, por
exige-se uma intervenção com da recente polémica em torno do uma internet enquanto um espaço
vista a assegurar, na esfera das artigo 13.º, entre outros, da diretiva liberdade e ao qual todos e todas
suas competências, condições de sobre direitos de autor no mer- possam aceder de forma igual.

201
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas Melhorar a autonomia dos meios


de comunicação social face aos
crédito e fiscais) e permita o ensaio
de novas formas de produção jorna-
do Bloco anunciantes: lística independentes do oligopólio.

▶ Programa para a atribuição de Reforço do serviços públicos de


uma assinatura digital gratuita de informação:
imprensa generalista a todos os
estudantes do 12º ano e do ensino ▶ À importância da agência Lusa
superior; deve corresponder o adequado
financiamento, que considere um
▶ Eliminação de IVA nas assinatu- reforço da indemnização compensa-
ras comerciais; tória e o seu atempado pagamento.

▶ Redução dos custos com a dis- ▶ Superação do crónico subfinan-


tribuição: Reposição do porte pago ciamento da RTP, a par de uma
como forma de apoio à distribuição, revisão do modelo de gestão que
particularmente relevante para a extinga o Conselho Geral Inde-
imprensa local e regional; pendente e garanta transparência
e responsabilidade na escolha da
▶ Fomento dos géneros jornalísti- administração;
cos diminuídos sob o peso da crise
(investigação jornalística, grande ▶ Criação de um imposto sobre os
reportagem, etc): bolsas estatais, di- gigantes digitais, conhecido como
rigidas a empresas de media, media “Imposto Google”, que contribua
comunitários, novos projetos e pro- para a sustentabilidade da comuni-
fissionais individuais - sob decisão cação social nacional e local, tribu-
de júris plurais e independentes; tando os seus rendimentos obtidos
em território nacional;
Combate à concentração dos meios
de comunicação social: Democratizar o acesso à internet:

▶ Reintrodução de limites à concen- ▶ Serviço de internet universal


tração de órgãos de comunicação a custos muito reduzidos e com
social regionais e locais; volume e velocidade que evitem
a infoexclusão. A tarifa social da
▶ Criação de um fundo público de internet decidida pelo governo junto
financiamento de risco para estímu- dos operadores privados é limitada a
lo à criação de novos media, que agregados com carência económi-
mitigue as dificuldades comerciais ca, sem identificação automática no
do seu arranque (instalações, for- momento da adesão (dependente de
mas de apoio técnico, condições de requerimento) e com volume e velo-

202
2022
2026

cidades que são apenas metade


dos recomendados pela entidade
reguladora do setor, a Anacom.

▶ Neutralidade e liberdade
de expressão na Internet.
Nenhuma censura pode ser
tolerada, nenhuma filtragem de
conteúdos em estabelecimen-
tos públicos, sejam bibliotecas
públicas, académicas, de inves-
tigação ou arquivos sejam ou-
tros postos públicos de acesso.
Os filtros já instalados deverão
ser removidos;

▶ Fim dos mecanismos anti-


cópia (DRM) e defesa do direito
à cópia privada; fim da criminali-
zação da partilha de conteúdos
para fins não comerciais;

▶ Promoção do uso de
Repositórios Abertos para a
produção científica e de apren-
dizagem.

▶ Produção científica fi-


nanciada com dinheiros
públicos deve ser aí depo-
sitada, como contrapartida
obrigatória e como forma de
divulgação;
23.2. Participação safio que a sociedade portuguesa
▶ O software criado ou democrática nos coloca passa por defender a
comprado com dinheiro O sistema democrático português memória destas conquistas atra-
dos contribuintes deve ser é herdeiro das lutas populares vés do seu aprofundamento. Por
software livre ou de código que há mais de quatro décadas isso, a resposta da esquerda só
aberto, permitindo a reutili- derrubaram a ditadura fascista do pode passar pela democratização
zação pelas várias entidades Estado Novo e abriram caminho à da democracia portuguesa e pela
da Administração Pública. construção de um país mais justo, qualificação das ferramentas de
solidário e inclusivo. Hoje, o de- participação cidadã.

203
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

As propostas ▶ Atribuir o direito de voto a


partir dos 16 anos de idade;
da República, dos executivos
das autarquias locais e das
do Bloco entidades intermunicipais que
▶ Redução de 20 mil para 7500 exerçam o cargo em regime de
as assinaturas necessárias permanência;
para a apresentação de uma
Iniciativas Legislativa de Cida- ▶ Reforço das competências
dãos à Assembleia da República, fiscalizadoras das Assembleias
e de 7500 para 4000 para a Municipais, designadamente a
apresentação de uma petição; moção de censura ao executivo
com caráter vinculativo;
▶ Redução de 60 mil para 40
mil as assinaturas necessá- ▶ Recusa de alterações à lei
rias para a apresentação de eleitoral que distorçam a pro-
uma Iniciativa de Referendo de porcionalidade e a representati-
Cidadãos à Assembleia da Repú- vidade do voto;
blica;
▶ Reposição do modelo dos
▶ Tornar obrigatório o regime debates quinzenais essenciais
de exclusividade dos deputa- à função de escrutínio da ativida-
dos e deputadas à Assembleia de do Governo.

24. O DESPORTO COMO


MOTOR DE INCLUSÃO SOCIAL
O direito à atividade desportiva
consta da Constituição da Repú-
blica Portuguesa e, por isso, apre-
senta-se como um dos pilares das
obrigações do Estado para com
os cidadãos e cidadãs. O despor-
to é um instrumento de inclusão
social e só pode ser olhado como
um serviço que o Estado, através
de vertentes diferentes – Sistema
educativo, movimento associativo
de base, alta competição, lazer
- deve proporcionar a todas as
pessoas, independentemente da
sua idade, condição social, territo-
rial, económica.
Em Portugal, o investimento públi-

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2022
2026

co em desporto ronda os 52 euros A sustentabilidade das instituições mente num momento de crise, ser
por habitante, muito abaixo da que promovem a prática desportiva escamoteados.
média da europeia, que se situa está a ser posta em causa. O papel A par das matérias orçamentais, o
nos 108 euros por habitante. Esse deste setor na coesão territorial Bloco reafirma o seu compromisso
baixo investimento crónico deve e no combate ao abandono das para a busca de respostas fortes
ser contrabalançado na resposta zonas de baixa densidade popula- no combate a todas as manifesta-
à crise. A pandemia da Covid-19 cional é indiscutível. A par disso, os ções de violência e ódio patentes
provocada pelo novo coronavírus escalões de formação têm desem- nos espetáculos desportivos, tal
SARS-COV-2 tornou-se não ape- penhado uma função de combate como está apostado em defen-
nas uma crise da saúde pública, ao abandono escolar, pedagogia de der os direitos laborais de todos
mas também uma crise socioeco- trabalho em grupo, desenvolvimen- os atletas e agentes sociais en-
nómica que afeta os mais variados to físico saudável e fortalecimento volvidos. O papel inclusivo e de
setores. O setor do desporto é um da saúde mental. Os impactos promoção da igualdade no Des-
dos mais afetados, dada a para- positivos nas políticas públicas e porto deve ser encarado como um
gem longa a que a maioria das no bem-estar da população são objetivo social e uma regra para o
modalidades está sujeita. evidentes e não podem, principal- seu funcionamento.

As propostas ▶ Criação de um Fundo de


Apoio ao Desporto, com es-
disciplina de Educação Física e
dos seus docentes no universo
do Bloco pecial enfoque no movimento do debate das políticas públicas
associativo de base e nos clubes para o setor;
de formação;
▶ Combate à violência no
▶ Capacitação do Desporto desporto, apostando numa
Escolar e dos seus Docentes, metodologia de corresponsabili-
através do aumento da dotação zação dos clubes desportivos e
para o programa, modernização das respetivas SAD em relação
dos espaços de atividade física ao fenómeno em causa, crian-
nas escolas públicas e apoios do um regime de transparência
aos docentes de Educação Física entre grupos organizados de
responsáveis pelo programa; adeptos e os respetivos clubes,
e ainda reforçando do ponto de
▶ Inclusão do Conselho Na- vista orçamental e de pessoal o
cional de Associações de Instituto Português do Desporto
Profissionais de Educação e da Juventude e as autoridades
Física e Desporto e da Socie- competentes na matéria;
dade Portuguesa de Educação
Física no Conselho Nacional ▶ Aumento gradual das bolsas
do Desporto, por outro lado, para atletas olímpicos e para-
de forma a reforçar do papel da límpicos.

205
E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

Foto / Ana Mendes


25. DEFENDER O BEM ESTAR plano legal que ainda não resol- animais, seja na alimentação,
ANIMAL veram, no entanto, um grande no entretenimento, na investiga-
Nos últimos anos têm-se regis- atraso legislativo e de fiscaliza- ção, no contexto pedagógico ou
tado alguns avanços das polí- ção em relação à forma como como companheiros do quoti-
ticas de bem-estar animal no hoje a sociedade considera os diano.

O que já Desde 2009 que algumas das pro-


postas do Bloco foram alcançadas,
jurídico dos animais em 2017 –
deixando de os considerar como
conseguimos nomeadamente a fusão das bases
de dados de registos de animais
coisas e atribuindo-lhes um esta-
tuto jurídico próprio, assim como
de companhia, a obrigação de o reforço da criminalização dos
microchip em cães e gatos, o fim maus tratos a animais domésticos
da exploração de animais selva- ou ainda a proibição de explo-
gens em circos, a implementação ração de animais selvagens nos
da obrigatoriedade de esterilização circos, foram lutas ganhas pelos
de todos os animais adotados nos movimentos de defesa do bem-
Centro de Recolha Oficiais e a -estar animal que se alcançaram
definição legal dos maus tratos a só nesta legislatura. O contributo
animais de companhia. Também as do Bloco de Esquerda para estas
mudanças operadas no estatuto vitórias foi decisivo.

206
2022
2026

Apesar de avanços importantes, ram em políticas transformadoras sem condições. Já o episódio da


as soluções consagradas em lei para a garantia do Bem-estar matança na Torre Bela demons-
ficaram muito aquém do que o animal. O que ocorreu nos incên- trou a brutal ausência do Estado
movimento social e o Bloco de dios de Santo Tirso não garantiu na autorização e fiscalização das
Esquerda pretendiam. Algumas a inclusão dos animais nos pla- atividades cinegéticas e o de-
medidas, como a mudança do nos de prevenção e de combate sajuste destas práticas no que
ministério da agricultura para a incêndios, nem um levantamen- concerne à conservação.
o do ambiente dos animais de to rigoroso - que ficou prometido Ainda muito está por fazer e
companhia, foram jogadas ilusó- - dos centros de recolha oficial e na produção legislativa. A atual
rias que ainda não se concretiza- espaços de associações com e representação na Assembleia da

Foto / Roberto Huczek / Unsplash

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E/ UMA SOCIEDADE JUSTA,
PROGRESSISTA E INCLUSIVA
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

República ainda não acompa-


nha os avanços reclamados pela
maioria da sociedade. Estes en-
As propostas ▶ Aprofundamento da legisla-
ção sobre maus tratos a ani-
traves tomaram expressão mais do Bloco mais, que inclua animais para fins
visível no debate do Orçamen- de exploração agrícola, pecuária,
to do Estado de 2019 sobre os agroindustrial ou para fins de es-
privilégios fiscais concedidos às petáculo comercial;
touradas e aos toureiros, nas dis-
cussões sobre a violência e falta ▶ Criação de uma Rede de
de condições médico-veterinárias Centros de Recolha Oficial que
e de saúde pública do transporte abranja todos os municípios e
de animais vivos para países fora que atenda às necessidades de
da União Europeia. Nestas dis- esterilização de animais errantes,
cussões, predomina no Partido assilvestrados e de companhia;
Socialista um conservadorismo
que oscila entre uma representa- ▶ Criação de abrigos preparados
ção agressiva dos lobbies tau- para receber animais domésti-
romáquicos e agropecuários e cos e selvagens, impedindo que,
uma reserva de princípio contra por falta de espaços, seja dada
o reconhecimento dos avanços a guarda dos animais a quem os
científicos e sociais de respeito maltratou ou negligenciou;
pelos animais. O Bloco de Es-
querda defende medidas que de- ▶ Inclusão das associações de
vem envolver toda a comunidade proteção de animais na lei do
na garantia do respeito por todos mecenato, tal como já acontece
os animais e na reivindicação de com organizações de defesa do
modelos de soberania alimentar ambiente e outras;
e de repúdio de perpetuação de
práticas de violência. ▶ Garantia da presença nos
O Bloco de Esquerda reforça o matadouros de profissionais de
seu compromisso para com as medicina veterinária e número
políticas de bem-estar animal. suficiente para a devida fiscali-
Fazemo-lo integrando a luta pelo zação de trabalhadores e traba-
respeito do bem-estar animal lhadoras por volume e tipo de
numa visão anticapitalista mais animais;
ampla, isto é, uma construção
que combate a exploração e as ▶ Substituição do transporte de
relações de dominação a todas animais vivos por transporte em
as escalas, nomeadamente a frio dentro do espaço europeu e
violência e objetificação com em todas as viagens de longo cur-
que a indústria e as políticas, na so superiores a 8 horas, conforme
sua grande maioria, encaram os disposições europeias;
animais.

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2022
2026

▶ Valorização da Comissão ▶ Reconversão de praças de tou- continental e promoção de medi-


Nacional para a proteção de ros fixas com pouca ou nenhuma das que fomentem presas silves-
animais utilizados para fins cien- utilização em espaços culturais; tres do lobo-ibérico;
tíficos e implementação de medi-
das de redução de utilização de ▶ Antecipação da proibição de ▶ Reforço do quadro de trabalha-
animais para fins científicos; espetáculos de circo com ani- dores no setor da conservação do
mais, promovendo a entrega ICNF;
▶ Preparar a estrutura da voluntária;
proteção civil alargando o seu ▶ Eliminação dos apoios públi- ▶ Restrição e fiscalização dos
domínio de atuação ao planea- cos, diretos e indiretos, a eventos repovoamentos de exemplares de
mento de soluções de emer- tauromáquicos e a outros espetá- espécies cinegéticas em territó-
gência, visando a busca, o sal- culos que submetam os animais a rio nacional e promover censos
vamento, a prestação de socorro sofrimento físico ou psíquico; anuais de todas as espécies cine-
e de assistência, bem como a géticas;
evacuação, alojamento e abaste- ▶ Proibição da participação de
cimento dos animais; outros cães em corridas competi- ▶ Proibir prática de tiro a animais
tivas de galgos. criados em cativeiro para servirem
▶ Consagração a figura do ani- de alvo em campos de treino de
mal comunitário e admitir a sua Atividades cinegéticas: caça e eventos de tiro.
alimentação e permanência em
locais próprios e em articulação ▶ Atribuição em exclusividade ▶ Classificação como terrenos não
com os serviços veterinários e de ao Instituto da Conservação da cinegéticos os terrenos murados
limpeza pública, garantindo igual- Natureza e Florestas (ICNF) das ou «cercões»;
mente – para este e outros efeitos competências no âmbito dos pro-
– veterinário municipal a tempo cedimentos administrativos que ▶ Criação de áreas mínimas obri-
inteiro em cada município. autorizam atividades cinegéticas; gatórias de refúgio em todas as
zonas de caça.
▶ Programa de acesso a cui- ▶ Reforço da proteção de espécies
dados veterinários dos animais em vias de extinção e suspensão
de companhia de tutores com da caça de espécies ameaçadas
baixos rendimentos, com apoio ou quase ameaçadas ou ainda com
orçamental específico às faculda- estatuto desconhecido;
des de veterinária e veterinários
municipais para a prestação des- ▶ Proibição da posse, utilização e
ses cuidados. comercialização de instrumentos
usados exclusivamente para cap-
Espetáculos com animais: tura ilegal de aves selvagens não
cinegéticas;
▶ Interdição do trabalho de meno-
res em todas as atividades tauro- ▶ Expansão das áreas de incidên-
máquicas, mesmo que amadoras; cia do PACLobo a todo o território

209
PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Garantir
Lá Fora
o que Queremos
Cá Dentro

UMA POLÍTICA EUROPEIA


PARA DEFENDER O PAÍS

UMA POLÍTICA EXTERNA


PARA DEFENDER
PALAVRAS-CHAVE
A DEMOCRACIA
DO CAPÍTULO
E OS DIREITOS HUMANOS
2022
2026

/ 211

Foto / Ana Mendes


PROGRAMA BLOCO
ELEITORAL DE ESQUERDA

Uma Sociedade
Justa,
Progressista
e Inclusiva

P
O problema operam no país.
Por demasiado tempo, os Outros compromissos interna-
diversos governos aceita- cionais agravam estas depen-
ram um princípio implacá- dências, como a participação na
vel: as regras da Comissão Euro- NATO que, malgrado o seu fra-
peia, da tecnocracia europeia, ou casso no Afeganistão, continua a
das principais potências como o prolongar os interesses imperiais
da Alemanha, são indiscutíveis e da Casa Branca e dos seus po-
imperativas em Portugal. Assim, deres satelizados, e até promove
apesar de promessas sucessivas estratégias de tensão em todo o
e sempre violadas, nunca houve mundo.
um referendo sobre a adesão à
UE, ao euro ou aos tratados que A solução
têm transformado a relação de O Bloco de Esquerda defende
soberania com as instituições como prioridade a desvinculação
europeias. A decisão parlamentar do Tratado Orçamental e a recu-
sobre matérias essenciais da vida sa da União Bancária, de modo a
nacional, como os Orçamentos retomar a capacidade de decisão
de Estado, normas fiscais ou de autónoma sobre investimento e
gestão de empresas e programas sobre a gestão do sistema ban-
públicos, é submetida a vigilância cário e financeiro, manifestando
ou até a autorização prévia por a sua insubmissão em relação às
parte de autoridades de Bruxe- regras do euro.
las e Estrasburgo. O Banco de Uma política externa assente nos
Portugal tornou-se uma agência direitos humanos e na solidarie-
do BCE e o governo português dade implica igualmente a rejei-
perdeu a capacidade de decidir ção da participação na NATO e
sobre os principais bancos que nas suas operações militares.

212
2022
2026

213
F/ GARANTIR LÁ FORA O QUE
QUEREMOS CÁ DENTRO
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

A capacidade de concretizar as
propostas que aqui apresentamos
joga-se na robustez do movimento
popular, na relação de forças re-
sultante das eleições e no enfren-
tamento determinado dos cons-
trangimentos externos resultantes
de alinhamentos que têm roubado
ao país a possibilidade de fazer
escolhas em favor dos e das de-
baixo. Uma esquerda de confiança
é também aquela que desafia os
cânones da política externa para
garantir lá fora o que queremos cá
dentro. Isso faz-se em dois planos:
na política europeia e na política desta dívida. A dívida pública serviços públicos e o investimen-
externa mais vasta. portuguesa, que estava contro- to. O problema destas respostas é
lada em 50% do PIB antes da que amarram o país a um per-
26. UMA POLÍTICA EUROPEIA entrada no Euro e começou a curso de subdesenvolvimento e
PARA DEFENDER O PAÍS crescer paulatinamente devido à divergência. A estagnação eco-
A entrada na União Económica e estagnação económica dos anos nómica agrava os problemas de
Monetária alterou por completo que se seguiram, disparou para endividamento público. O colapso
as regras e os instrumentos das 130% graças à recessão provoca- do investimento agrava a depen-
políticas económicas nacionais. da pela crise financeira e, subse- dência externa.
Com o desaparecimento das quentemente, pelo programa de A alternativa da esquerda parte
políticas monetária e cambial, ajustamento da troika. A redução do problema do fundo da nossa
os desequilíbrios entre Estados- dos últimos anos ficou a dever-se inserção na União Económica
-membros dispararam com exce- à criação de emprego resultante e Monetária. A única estratégia
dentes correntes crescentes nas da reversão de uma parte das sustentável é uma política que
economias do centro e défices políticas da troika. A expressão investe nos setores determinantes
também crescentes na periferia. “Crise das dívidas soberanas” ou para a nossa dependência exter-
O endividamento externo de Por- “dívidas públicas” é por isso um na, retendo os as trabalhadoras
tugal, medido pela sua Posição de equívoco. e trabalhadores qualificados que
Investimento Internacional Líquida A resposta da direita é simples e estão a abandonar o país. A tran-
(PIIL) começou a aumentar ainda foi cristalizada na formulação de sição energética, os transportes
durante o processo de conver- Passos Coelho: “Só saímos da coletivos, a reabilitação urbana
gência nominal e não parou de crise empobrecendo.” A resposta e eficiência energética, a política
crescer até 2014. Entre 1996 e ao endividamento externo seria a para a agricultura e distribuição
2014, a PIIL em percentagem do compressão dos salários impos- juntam-se à libertação do Estado
PIB aumentou de 13% para 119% ta através da desregulação das Social dos setores rentistas para
do PIB, nove vezes mais. relações de trabalho. A resposta responder ao problema da dívida
A crise financeira provocou a ao endividamento público seria a na sua raiz: o atraso económico e
nacionalização de uma parte compressão da despesa com os o ciclo da dependência.

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2022
2026

As propostas ▶ Autonomia total do país na


tomada de decisões sobre o sis-
do Bloco tema financeiro, incluindo proces-
sos de nacionalização, recapitaliza-
ção, resgate, resolução ou venda;

▶ Eliminação das regras do


mercado interno que condicio-
nam a possibilidade de decisões
soberanas sobre política in-
dustrial dos Estados-membros,
nomeadamente no que diz respeito
a políticas de compras públicas,
motivadas pelo desenvolvimento
Na resposta à pandemia, a União de setores estratégicos ou imple-
Europeia chegou com atraso aos mentação de circuitos curtos;
apoios necessários para defesa
da economia e do emprego e com ▶ Definição de um limiar mínimo
valores muito mais baixos quan- para a tributação dos rendimen-
do comparados com os pacotes tos de capital em todos os Esta-
financeiros de outros blocos eco- dos-membros e territórios da União
nómicos. As regras de défice e da Europeia;
dívida, coletes de forças que os
Tratados impõem aos países, re- ▶ Exclusão da comparticipação
gressarão rapidamente a vigorar, nacional associada aos fun-
atrasando a retoma económica dos comunitários do cálculo do
que se deseja. E foi com o receio défice, bem como do investimento
desta ameaça que o Governo de público associado a serviços públi-
António Costa, sempre procuran- cos essenciais e cumprimento das
do ser um bom aluno europeu, metas ambientais;
colocou Portugal como um dos
países com menor investimento ▶ Desvinculação do país do Tra-
público para enfrentar os efeitos tado Orçamental, na sequência
nefastos da pandemia. É preciso do chumbo recente da sua trans-
libertar o investimento público posição para direito comunitário;
destas amarras que nos atrasam.
Mantemos o projeto de uma ▶ Inversão das prioridades da
Europa de democracia, liberdade política monetária, na medida em
e solidariedade. É esse compro- que se mantenha o atual quadro
misso que impõe a insubmissão institucional, colocando a promo-
à União Europeia dos tratados e ção do pleno emprego como obje- ▶
das regras do euro.

215
F/ GARANTIR LÁ FORA O QUE
QUEREMOS CÁ DENTRO
PROGRAMA ELEITORAL
BLOCO DE ESQUERDA

tivo primário do Banco Central


Europeu;

▶ Reforço da política de coe-


são, seja através de recursos
próprios assentes na tributação
de rendimentos de capital, seja
através do aumento das contri-
buições, e da sua capacidade
redistributiva;

▶ Definição de padrões de
proteção laboral, social e
ambiental em todo o espaço
europeu, que trave a corrida
para o fundo nos direitos e na
sustentabilidade, e imposição
desses padrões em quaisquer
acordos comerciais com países
ou regiões terceiras.

27. UMA POLÍTICA EXTERNA Portugal, mais que tudo, definem Por outro lado, os acordos de co-
PARA DEFENDER A um espaço político para as esco- mércio livre promovidos pela União
DEMOCRACIA E OS DIREITOS lhas internas. E, a esse respeito, Europeia na relação com outros
HUMANOS o governo do PS significou a países e blocos comerciais foram
De todas as políticas de que se manutenção do status quo, com entusiasticamente aceites pelo
faz a política em Portugal, a polí- um alinhamento com dinâmicas governo português que desconsi-
tica externa é porventura aquela internacionais contrárias ao que derou as elevadas consequências
em que o consenso centrista se a Constituição define como papel económicas, sociais e ambientais
afigura mais blindado. O argu- que o país deve assumir nas rela- que a sua ratificação implica para a
mento de que se trata de uma ções internacionais. Manteve-se sociedade portuguesa.
“política de Estado” e que, por também o seguidismo em relação Ora, este é um tempo em que
isso, deve estar imune às mudan- à NATO: a aceitação de aumentos os tambores da guerra soam de
ças de política interna é o álibi de despesa com a defesa, com novo com intensidade. Um tempo
com que se perpetua o grande a qual o governo português se em que os EUA mantêm o apoio
consenso do bloco central: uma comprometeu junto das institui- à política agressiva e colonial de
soma da sacralização da disci- ções europeias e da NATO, choca Israel e das petro-ditaduras como
plina da NATO com uma leitura abertamente com a insuficiência a Arábia Saudita, ao mesmo
mercadocêntrica (e, por isso, de recursos para políticas de in- tempo que ao povo da Palestina
desvitalizada) da Europa. vestimento e de qualificação dos continua a ser vedado o cumpri-
Os alinhamentos externos de serviços públicos. mento do seu direito fundamental

216
2022
2026

As propostas ▶ Saída de Portugal da NATO


e defesa do desarmamento ne-
do Bloco gociado multilateral, rejeitando
todos os cenários de aproxima-
ção à formação de um exército
europeu;

▶ Conversão da Base das


Lajes num aeroporto plena-
mente civil, exigindo aos EUA
as indemnizações devidas pelos
danos ambientais e sociais cau-
sados;
Foto / Ana Mendes

▶ Reforço dos compromis-


sos de acolhimento de pes-
soas refugiadas e migrantes
e denúncia do acordo entre a
União Europeia e a Turquia;

▶ Defesa nos fóruns inter-


nacionais relevantes da or-
à constituição como Estado. E no ganização do referendo de
Pacífico, com a guerra comercial autodeterminação do Sahara
entre China e Estados Unidos, Ocidental sob a égide das Na-
vemos o crescimento de novas ções Unidas;
ameaças a um projeto de paz glo-
bal. São evidentes os sinais de cri- ▶ Reforço da dotação orça-
se do multilateralismo e da ordem mental para a ajuda pública
internacional de equilíbrio, nego- ao desenvolvimento (APD)
ciação e respeito pela igualdade para os 0,7% do Rendimento
soberana que a Carta das Nações Nacional Bruto que constituem
Unidas consagra. Este é, por tudo a meta internacional reafirmada
isto, um tempo que convoca as em diversas ocasiões e subor-
forças progressistas a reafirmar dinação da afetação da APD e
o seu compromisso com a paz a cooperação internacional para
e a cooperação internacionais, o o desenvolvimento portuguesas
respeito pelo primado dos direitos a critérios de necessidade e
humanos e a assumir com clareza solidariedade ao invés de inte-
que não pode haver alinhamen- resses securitários, comerciais
tos com potências externas que e económicos.
façam perigar esse compromisso.

217
O Bloco de Esquerda apresenta-se às
eleições de 2022 com um programa
que traduz o nosso percurso de luta
por uma sociedade mais igual, mais
livre e mais inclusiva e que é atualizado
pela experiência recente: o balanço
do ciclo da austeridade, da posterior
recuperação e da legislatura que
agora foi interrompida, marcada pela
estagnação nas principais áreas da vida
nacional. Em particular, face aos efeitos
económico-sociais da crise Covid,
revelaram-se graves vulnerabilidades
sociais, do mundo do trabalho e
dos serviços públicos e, com elas, a
permanência de impasses políticos que
impedem transformações necessárias.

À saída do momento pandémico, a


esquerda é responsável por apresentar
o seu projeto transformador, condição
de abertura de perspetivas e
mobilização, sem a qual só a política do
ressentimento fará o seu caminho.

O Bloco é a esquerda
que não fica à espera.

@blocodeesquerda

@blocodeesquerdaoficial

@blocodeesquerdaoficial

bloco_de_esquerda

esquerda_net

adere.bloco.org @blocodeesquerdaoficial

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