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Uma análise de Divertida Mente e Soul: Como as

animações da Pixar têm aproximado o público


infantil e adulto
Brenda Evaristo Reis Santos1
Emilly Mendes Santos2

RESUMO
Conforme o crescente sucesso que os filmes de animação vêm apresentando nas últimas
décadas e seu processo de constante revolução, propõe-se a apresentar uma análise das obras
Divertidamente (2015) e Soul (2020). Partindo da premissa de que este gênero cinematográfico
faz sucesso, não somente com o público-alvo esperado – o infantil –, mas também com o adulto,
o objetivo do presente artigo é compreender as estratégias narrativas e visuais que pretendem
unir imaginários tão distintos. Para tal, a partir de revisão bibliográfica e coleta de dados sobre
os filmes, será compreendida a trajetória de cada obra e de seus momentos mais marcantes,
utilizando como fundamento a perspectiva dos contos de fadas.

Palavras-chave: Filmes de Animação; Crianças; Adultos; Divertida Mente; Soul.

1 INTRODUÇÃO

Considerando os tipos de histórias produzidas pela Pixar Animation Studios3 com as


quais estamos familiarizados, entende-se a existência de um modelo popular de construção de
filmes de animação por computador, que, historicamente, é voltado para o imaginário e universo
infantil. Contudo, a sétima arte4 é uma vertente que está em constante transformação, e que, de
tempos em tempos, se renova. Para Barros5, "o cinema é líder em mudar, e ele vai mudar de
novo". De produções mudas até sagas de campeões de bilheteria superproduzidas, o cinema
permeou por remodelações, e isto não foi diferente tratando-se de produções animadas. Os

1
Discente do curso de Comunicação Social – Rádio, TV e Internet da Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC). E-mail: bersantos.rti@uesc.br
2
Discente do curso de Comunicação Social – Rádio, TV e Internet da Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC). E-mail: emsantos.rti@uesc.br
3
Estúdio de animação por computador americano, fundado em 1976 e com sede na Califórnia.
4
A expressão “sétima arte” vem do “Manifesto das Sete Artes e corresponde ao Cinema.
Disponível em: <https://musicas-e-livros10.webnode.com/manifesto-das-sete-artes/.> Acesso em 30 de
nov. de 2021.
5
Marcos Barros é empresário de Maringá, fundador e presidente do Cinesystem, além de sócio-
fundador do Grupo Marangá de Comunicação (GMC).
filmes de animação notoriamente ganharam mais espaço – das 150 produções com maior
bilheteria na história do cinema, 38 deles são filmes animados, sendo que dois do gênero
representam as 15 maiores bilheterias apontadas6. Ademais, as histórias estão mais presentes
nas salas de produção e contam com maior divulgação e elaboração e melhor recebimento do
público, tornando-se promissoras para a indústria cinematográfica. Em contraposição, Tassara
(2011, p. 10) aponta que, no momento de experimentação pré-cinema, a animação teve pouca
representatividade enquanto gênero, de modo que, a cada 100 filmes, 1 poderia ser identificado
legitimamente como filme de animação.
Nesse viés, entendendo a realidade atual de produção de tais peças audiovisuais, propõe-
se a observar de que forma essas mudanças foram refletidas em filmes renomados dos Estúdios
Pixar, a partir da análise particular de Divertida Mente (2015) e Soul (2020), dirigidas por Pete
Docter. O objetivo do estudo é voltado para a verificação percepcionada de que estes filmes
deixaram de destinar-se exclusivamente ao público infantil, e sim, agora, atrai também jovens
e adultos (FOSSATTI, 2009). Busca-se perceber como os filmes de animação, além de
ganharem mais espaço e possibilidades, também apresentam uma narrativa mais apurada ao
abordarem problemas mais complexos do que os observados em obras do mesmo gênero há
anos atrás. Hohlfeldt declara, no prefácio do livro de Fossatti, que:

Os grandes realizadores se deram conta de que ele [o cinema de animação]


poderia ampliar as possibilidades dos filmes de enredo com personagens alive e
potencializar tramas as mais complexas, criativas e engraçadas possíveis. Mais que isso,
o cinema de animação tornou-se um excelente meio metafórico para se falar dos grandes
problemas da modernidade e da pós-modernidade, como a solidão humana diante das
multidões, ou a necessidade da constituição de personalidades equilibradas em
universos cada vez mais múltiplos, atrativos, mas, ao mesmo tempo, desafiadores
(HOHLFELDT, 2011, p. 08).

Além dos padrões de enredo terem sido alterados, pode-se inferir pelo estudo como as
"lições" tiradas dos filmes estão se distanciando cada vez mais da expectativa do público.
Ainda, a relevância do presente artigo se mostra ao observarmos o maior interesse do
telespectador adulto pelas animações – apesar destas não deixarem de estar presentes na vida
das crianças –, mais um fator a ser considerado.
Com base em referenciais da literatura e na observação empírica das produções de
Divertida Mente e Soul, analisaremos as questões de um ponto de vista analítico-científico,

6
Disponível em: < https://filmow.com/listas/as-1000-maiores-bilheterias-do-cinema-da-
historia-l118200/>. Acesso em 02 de dez. de 2021.
entendendo as ideias motivadoras da criação visual e de enredo destas obras premiadas do
cinema. Para tal, serão considerados aspectos de sua narrativa com base no formato dos contos
de fadas e segundo as ideias de Sheldon Cashdan (2000) – os quatro momentos citados pelo
professor e eleitos como as categorias de análise deste tópico do trabalho, já que correspondem
a instantes cruciais dos filmes que estão suscetíveis à investigação. Ainda, a sua composição
visual e apontamentos do diretor da animação serão observados.

2 DIVERTIDA MENTE

Divertida Mente (ou Inside Out, no título original), é uma obra dos Estúdios Pixar que teve sua
estreia em 18 de maio de 2015 nos Estados Unidos. Roteirizada por Josh Cooley, Meg LaFauve,
Ronnie Del Carmen e o próprio Pete Docter, o filme levou o Oscar, Globo de Ouro, Prêmios
BAFTA e Critics’ Choice Award de melhor animação, em 2016. Foi altamente bem recebido
pelo público, sendo considerado, até mesmo, o filme mais ambicioso e criativo da Pixar em
muito tempo7.
A temática que o filme Divertidamente aborda é, basicamente, a inteligência emocional
humana. De uma forma criativa, didática e ousada, a narrativa gira em torno da mente da
protagonista Riley e das emoções que controlam a garota de 11 anos: Alegria, Tristeza, Medo,
Raiva e Nojinho (Figura 1). Dito isto, esses sentimentos personificados enfrentam dilemas na
Sala de Controle da mente de Riley a partir de uma reviravolta na vida da garota – quando sua
família decide se mudar de Minnesota para o outro lado do país, em São Francisco, e a
protagonista vê a vida com a qual está acostumada desaparecer diante de tais mudanças bruscas.
Figura 1 – Personagens da mente de Riley

Fonte: Portal Popeek

7
Disponível em: <http://www.guiadasemana.com.br/cinema/noticia/critica-criativo-e-emocionante-
divertida-mente-figura-entre-os-melhores-trabalhos-da-pixar.> Acesso em 02/12/2021.
Cada emoção possui características peculiares e estéticas únicas: A Alegria é brilhante, radiante
e amarela, como uma estrela. Está sempre animada e otimista, pensando constantemente em
soluções. A Nojinho impede que a protagonista se envenene física e socialmente, cuidando de
sua alimentação e vida social. É verde e seu corpo lembra um brócolis, alimento que Riley
odeia. A Raiva é vermelho, quadrado, forte e sempre pega fogo quando Riley se desagrada de
algo. O Medo é responsável pela segurança de Riley, e, portanto, comumente se desespera. É
roxo e lembra um nervo. Por último, mas não menos importante, temos a Tristeza. Ela é azul e
tem formato de gota, como uma lágrima – curiosamente, está sempre chorando e se jogando no
chão. Tristeza encara situações de maneira pessimista e tem facilidade em ouvir o outro e sentir
empatia.
Riley passa por diversas situações corriqueiras em seu dia a dia, como, por exemplo, um teste
para entrar no time de hockey, um jantar com seus pais, uma apresentação na sala de aula.
Quando uma das emoções é ativada em algum momento, o decorrer da situação acontece de
acordo com as características de cada emoção. Essas situações geram memórias de longo prazo,
representadas por esferas que possuem cor correspondente à emoção que dominou o painel de
controle naquele momento (amarelo, azul, verde, roxo ou vermelho). Além disso, o cérebro de
Riley produz “memórias base”: memórias dos momentos mais importantes da sua vida. Cada
memória base é ligada a uma “ilha” correspondente a um aspecto da personalidade da garota: a
ilha do hockey, ilha da bobeira, ilha da família, ilha da honestidade e ilha da amizade.
Dentro do questionamento sobre como os filmes de animação conseguem conjugar suas
temáticas e estratégias para falar tanto ao público jovem quanto ao adulto, sem se tornar muito
infantil ou maduro, escolhemos Divertida Mente como um dos objetos de estudo por tratar-se
de uma produção que parece conjugar essas questões pontualmente. Buscou-se compreender, a
priori, as estratégias narrativas responsáveis pelos estímulos comunicacionais que acionam o
público infantil e adulto. Num segundo momento, a investigação é voltada para a estética visual
que o filme apresenta e porque ela foi elaborada de determinado modo. Para tal, utilizaremos
as ideias dos autores Cashdan, no que tange à constituição narrativa de obras teoricamente
infantis, e Barbara Prado Zerbatto8, que elevou a discussão para o nível psicossocial da análise.
Para atingir a criança, é necessário que seja criada uma atmosfera que a leve a sentir
identificação com o personagem principal – um exemplo disso é a escolha e representação de

8
Especialista em psicologia analítica.
peripécias que uma criança real faria, como comer a casa de doces em João e Maria9. Bettelheim
(2014) afirmou que uma das principais características desse tipo de história é que, mesmo que
ocorram em um universo mágico, transmitem a mensagem de que aventuras podem acontecer
com qualquer pessoa e que esta sempre conquistará seu final feliz. Segundo o autor, esses
contos mostram claramente que o protagonista pode ser qualquer um, como acontece em A Bela
e a Fera10 e em histórias em que a personagem é “uma garota”, sem nome. Cashdan, ainda,
apresenta uma série de eventos que caracterizam histórias infantis de acordo com sua
construção narrativa:
A primeira parte da jornada – a travessia – leva o herói ou heroína a uma terra
diferente, marcada por acontecimentos mágicos e criaturas estranhas. Essa
etapa é seguida por um encontro com uma presença diabólica – uma madrasta
malévola, um ogro assassino, um mago ameaçador ou outra figura com
características de feiticeiro. Na terceira parte da jornada, a conquista, o herói
ou heroína mergulham numa luta de vida ou morte com a bruxa, que leva
inevitavelmente à morte dessa última. A viagem se encerra com uma
celebração: um casamento de gala ou uma reunião de família, em que a vitória
sobre a bruxa é enaltecida e todos vivem felizes para sempre. (CASHDAN,
2000, p. 48, grifos do autor).

É possível observar estes momentos no filme, mesmo que de forma adaptada. Com base nessa
configuração, analisaremos, ponto a ponto, os aspectos enredísticos que aproximam o público
infantil do adulto em Divertida Mente.

2 CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA

2.1 A travessia
A travessia, como o momento de transição que leva os personagens a um mundo diferente,
acontece quando Alegria e Tristeza são expelidas da Sala de Controle (a parte mais importante
do cérebro de Riley), e levadas para um lugar desconhecido que comporta outros aspectos e
espaços da mente da personagem.
O começo da narrativa, que é desde o momento que Riley nasce até quando atinge sua versão
pré-adolescente, é voltada especificamente para o público infantil. Segundo Pete Docter, a

9
“João e Maria” é uma fábula muito antiga sobre dois irmãos que são abandonados na floresta
pelos pais, pois eles não têm como alimentá-los. As crianças vão parar numa casa construída por doces
de uma bruxa que tenta engordar João para jantá-lo. (CASHDAN, 2000)
10
“A Bela e a Fera” conta a história do casamento arranjado pelo pai de Bela com um monstro
que revela ser educado e gentil, deixando a moça apaixonada. (CORSO; CORSO, 2006)
escolha de cenas que retratassem a vida da personagem como criança foi feita exatamente para
que surtisse um efeito de identificação no público infantil, estratégia tanto falada por Cashdan
(2000) quanto Bettelheim (2014). Mesmo que o momento seja identificado pelo adulto, que
pode se lembrar de momentos da infância, a atmosfera é toda voltada para a criança e muito
mais próxima de seu universo, já que ela se encontra nos primeiros anos de vida. No decorrer
do filme, o ponto chave que inicia a narrativa acontece: a família de Riley se muda e ela se vê
decepcionada com sua nova casa, sua nova cidade, com a distância dos amigos, do hockey e de
tudo que a garota conhece. No momento em que ela e os pais conhecem sua casa nova, os
adultos brigam, Riley se chateia e pensa numa solução para melhorar o clima: chama os pais
para um jogo de hockey improvisado com bolinha de papel (Figura 2 e 3). Aqui, a situação
pode atingir crianças e adultos. Crianças podem se sentir inspiradas pela ideia criativa de Riley,
enquanto adultos podem constranger-se pela percepção infantil de uma situação de discussão
ilustrada, talvez já vivida por eles.
Figura 2 – Pais de Riley discutem

Captura de tela do filme


Figura 3 – Eles brincam de hockey

Captura de tela do filme

Quanto à questão da travessia em si, uma das mais marcantes da narrativa, o momento pode
alcançar mais aos adultos: toda a confusão que deixou o mundo da personagem de cabeça para
baixo é mais relacionável com o adulto, assim como, em geral, todo momento de tensão em si.
No entanto, as especificidades da personagem Alegria acabam atraindo as crianças neste
momento inicial, pois pode ser relacionada com o conceito de heroína – já tão trabalhado em
histórias infantis – que está tentando solucionar o problema e fazer com que Riley retorne ao
seu estado original de plenitude. A solução não foi fácil de aparecer, seguindo a lógica de
Bettelheim (2014), de que a resposta está implícita, mas compreensível.

2.2 O encontro com a presença diabólica


Na narrativa, a presença diabólica é metafórica – trata-se da ideia de Riley perder Tristeza e
Alegria e ter sua personalidade comprometida. O vilão, aqui, é a ameaça de que as coisas
terminem mal para a menina.
Logo após a travessia, este momento é percebido quando Tristeza e Alegria tentam descobrir
onde estão, e logo se dão conta de que a Riley não pode mais sentir alegria. Esse é o instante
que se inicia a aventura narrativa, que, segundo Cashdan (2000), é o que mais atrai as crianças
em histórias infantis, pois está associada ao entretenimento. Os adultos, por sua vez, são levados
a perceber a real problemática do filme e a encarar algumas preocupações: como mudanças são
difíceis para crianças; que as personalidades de seus filhos ou crianças próximas podem mudar,
impulsionadas por algum estímulo; como crianças podem ficar afetadas ao perderem a
felicidade. Ainda, a cena da briga entre Riley e o pai, no jantar, quando comandados pelo Raiva,
mostra às crianças como as circunstâncias podem ficar difíceis quando as pessoas são deixadas
levar pela ira. Mais tarde, o pai tenta se conectar com Riley ao fazer uma brincadeira, mas se
decepciona ao ser tratado com indiferença – o que pode provocar, no adulto, o medo da
concepção de que relacionamentos se abalam. Outro momento, em que a protagonista discute
com a amiga ao se sentir substituída por uma nova amizade, tem potencial de atingir as crianças
em maioria, já que estas passam pelos processos iniciais da construção de alianças e não gostam
de brigar com os amigos – segundo o Referencial Curricular Nacional Para A Educação Infantil,
a criança é um ser social que nasce com capacidades afetivas, emocionais e cognitivas.

2.3 A conquista
Essa etapa corresponde ao momento da jornada percorrida pelos sentimentos perdidos de Riley
para retornar à Sala de Controle e conquistar, para a protagonista, seu final feliz. É
compreendida pelo percurso no cérebro da garota, pelas tentativas de Bing Bong (o antigo
amigo imaginário de Riley) e de Alegria de saírem do Lixão das Memórias, do pane no sistema
das outras emoções, e na fuga de ônibus da protagonista.
Uma das passagens mais significativas da obra é o que acontece na Terra da Imaginação. Nela,
são representados diversos elementos fantasiosos do imaginário infantil, como troféus, o mundo
das princesas, um sofá entre lava, o castelo de bolachas, o museu dos ursos de pelúcia e o bosque
das batatas fritas. Esta sequência pode ser visualmente interessante para crianças, ao se verem
contempladas por um universo de elementos criativos, coloridos, mágicos. Ao mesmo tempo,
este ambiente está sendo destruído ao passo que a infância de Riley vai chegando ao fim, o que
pode impactar o público adulto quando este reconhecer as transformações inevitáveis que
ocorrem entre infância, adolescência e maturidade. O diretor, inclusive, alegou que uma das
inspirações para a produção do filme foram as mudanças que ele percebia em sua filha.
Para além disso, a perspectiva mais evidente que os escritores propõem transmitir é a de que o
sentimento da tristeza é importante para nosso crescimento e não deve ser evitada, ou, até
mesmo, ignorada. De acordo com Bárbara Prado Zerbatto, crescemos acreditando que devemos
bloquear sensações como a tristeza. O fato da tentativa de manter Riley o tempo todo feliz, no
filme, ter dado terrivelmente errado, evidencia o quanto, para a psicologia analítica, cada
emoção importa. Alegria e tristeza estão juntas, são inseparáveis e fundamentais, e é importante
que as duas tenham igual destaque. A partir que o desconforto se instala, que a busca pelo outro
se inicia. Somente através de uma delas é possível alcançar a outra.
Quando acolhemos nossas emoções (neste caso, a tristeza), nos tornamos capazes de refletir
sobre nossos medos e nossos erros e, assim, impulsionar transformações importantes. Além
disso, através da aceitação podemos lidar com o problema de frente e atingir maturidade. No
filme, somente a posição empática da Tristeza é que possibilitou com que Bing Bong entrasse
em contato com seu sofrimento para depois continuar seguindo em frente até a próxima estação.
Ele estava cabisbaixo por estar sendo esquecido pela antiga amiga, e, enquanto Alegria não teve
sucesso ao fazer caretas e brincadeiras bobas para tentar fazê-lo superar, a Tristeza soube ouvi-
lo, permitiu que desabafasse e chorasse, até que ele estivesse pronto para seguir em frente.
Outro momento importante foi quando a Alegria, após assistir algumas memórias de Riley,
chora e lamenta que só queria que a Riley fosse feliz e sua lágrima cai em cima de outra
memória, que estava por perto e a Alegria se aproxima desta memória. A princípio a memória
é alegre, e mostra Riley comemorando e rindo com os amigos do time de hockey e com os pais,
mas ao analisar mais detalhadamente, a Alegria percebe que essa memória não começa aí. De
fato, Riley havia perdido o último lance da final de um campeonato de seu time, os “Feras do
Gelo” e a cena que aparece na memória mostra Riley sentada sozinha e cabisbaixa em uma
árvore devido ao ocorrido. Os pais e os amigos do time vieram até ela e a consolaram; como
consequência, a alegria surgiu na cena, e o frame que era inicialmente azul, passa a ser amarelo.
Esse é o momento em que a Alegria de fato entende o quão necessário é que Riley sinta também
sentimentos de tristeza.
Estas situações parecem falar mais aos adultos, vista que a estratégia psicossocial se torna
evidente e a “moral” da história, facilmente identificada pelos mais velhos. Conforme
MONTEIRO (2012, p. 9):
Na atividade clínica, também os filmes se colocam como recursos técnicos de
grande valor; eles nos falam à alma, vão ao recôndito de nós mesmos. Portanto,
são eficazes recursos na ampliação da consciência.

No entanto, por mais que as crianças são sejam contempladas pela consciência em seu estado
mais maduro, Divertida Mente consegue alcançar o intelecto dos pequenos devido a sua
abordagem didática. O roteiro do filme foi construído com a supervisão de neurologistas e
psicólogos que procuraram adaptar as complexas explicações sobre o funcionamento cerebral
para termos e imagens acessíveis a todos os públicos. Desse modo, fica instalada na mente das
crianças, mesmo que de maneira bem primitiva, a ideia de que é ok sentir tristeza.
2.4 A celebração
Trata-se do momento pós recuperação de consciência de Riley, em que ela finalmente acessa
os sentimentos de tristeza, o que tanto precisava, e conversa com os pais. Na celebração, os
sentimentos de Riley trabalham em conjunto e a garota vive momentos felizes no hockey.
Na Sala de Controle há um novo painel personalizado e surgem novas ilhas, as quais refletem
a complexidade da personalidade de uma pré-adolescente. As novidades dialogam com os
adultos, que já estiveram nessa posição e sabem exatamente como é ter novos pensamentos,
conflitos e sensações surgindo dentro de si. O momento também pode servir de alerta para as
crianças, que ficam inclinadas a notar que sua infância pode estar prestes a acabar.
O filme encerra com as cenas felizes de Riley num jogo de hockey, enquanto os pais a assistem,
e o alívio das emoções em seu cérebro: Alegria fala “Riley fez 12 anos, o que pode acontecer?”
e todos parecem satisfeitos. Esse instante é importante para as crianças, que percebem que,
apesar de todo o conflito, as coisas podem acabar bem no final. Bettelheim (2014) alega que o
final feliz dos contos de fadas, marcado pelo “e viveram felizes para sempre”, carrega a ideia
de que é possível a construção de relações duradouras o suficiente para perdurarem para sempre,
o que traz alívio para as crianças. Para os adultos, fica a reflexão acerca de tudo que já assistiram
até aquele ponto, as lições aprendidas e as análises pessoais de cada um.
3 ANÁLISE ESTÉTICA

Sobre a composição como um todo, Dondis diz que:


O processo de composição é o passo mais crucial na solução dos problemas visuais. Os
resultados das decisões compositivas determinam o objetivo e o significado da
manifestação visual e têm fortes implicações com relação ao que é recebido pelo
espectador. [...] Não há regras absolutas: o que existe é um alto grau de compreensão
do que vai acontecer em termos de significado, se fizermos determinadas ordenações
das partes que nos permitam organizar e orquestrar os meios visuais. Muitos dos
critérios para o entendimento do significado na forma visual, o potencial sintático da
estrutura do alfabetismo visual, decorrem da investigação do processo da percepção
humana. (DONDIS, 2007, p. 29).

Em termos visuais, o filme se dedica bastante em formar uma diferença clara entre ambiente
humano e mental. De acordo com o diretor de fotografia da Pixar, Patrick Lin, quando a cena é
focada no ambiente externo e em seres humanos, o filme adquire uma estética neutra, com cores
acinzentadas, menos elementos em cena, recursos mais sutis e voltados para o público adulto,
num universo mais amadurecido. Já nos momentos centrados nas emoções, a aposta é em uma
estética bastante colorida e em uma atmosfera vibrante, altamente dinâmica e criativa, o que
inclui elementos bizarros da imaginação infantil.
Figura 4 – Mundo externo e maduro

Captura de tela do filme

Figura 5 – Mundo interno e vibrante


Captura de tela do filme

Esses contrastes são pensados justamente para atrair ambos os públicos, infantil e adulto.
Enquanto o adulto se vê representado por uma estética mais realista e humana, a criança se
diverte com o apelo visual construído pelas mentes brilhantes da Pixar.
Lin também discorre sobre a progressão de escala11 do filme. Nesse ponto, a diferença no
tamanho do mundo interno e externo se alterna à medida em que a história avança. Para
diferenciar a percepção de escala dos diferentes espaços, Lin e sua equipe usaram
enquadramento, composição e fortes linhas horizontais e verticais para criar a impressão de
espaços abertos e fechados, respectivamente. No início do filme, Riley está crescendo em
Minnesota; é uma fase feliz e equilibrada. Desse modo, mundo dela é aberto e vasto. Essas
cenas são marcadas por fortes linha horizontais, enquanto shots longos mostram Riley rodeada
por muito espaço. No entanto, com a mudança para São Francisco, o mundo dela se torna mais
comprimido, urbano e fechado: linhas verticais estruturam esses ambientes. À medida que a
intensidade emocional da narrativa aumenta, essa estratégia de composição vertical também
aumenta, comprimindo-a em compartimentos cada vez menores até atingir o clímax no ônibus,
quando Riley está completamente sozinha.

11
A progressão de escala é o tamanho como o mundo é representado a partir do ponto de vista
de um personagem.
Figura 6 – Mundo amplo

Captura de tela do filme

Figura 7 – Mundo comprimido

Captura de tela do filme

Esse estilo de shot longo parece cativar, majoritariamente, as crianças, que têm mais tendência
à fascinação por mundos grandes e abertos. Os adultos, por sua vez, se veem identificados pelo
mundo urbano que se consolida na narrativa; as perspectivas fechadas fazem parte do dia a dia
exaustivo de trabalho e de cuidado com a casa.
Quanto à construção visual dos personagens: A cor amarelo da Alegria tende a chamar atenção
principalmente das crianças, que são atraídas pelas personagens mais dinâmicas e com cores
mais chamativas. O seu vestido é verde claro, cor que remete à esperança e amizade, de acordo
com A Psicologia das Cores. Pelo seu visual e movimento (colorido e animado), a Alegria se
destaca bastante entre as crianças, que podem ver nela a principal imagem do filme (o que induz
a crer que as crianças aprendem junto com Alegria durante a história). Por outro lado, ela usa
trajes simples durante todo o seu trajeto e que podem refletir sua personalidade pura e singela;
esses detalhes, muitas vezes, são mais percebidos pelos adultos, que prestam mais atenção às
nuances e minúcias, como a diferença entre este personagem e outros. Assim, a ideia da imagem
de Nojinho remeter a um brócolis, de Medo a um nervo, de Raiva a um tijolo e de Tristeza a
uma gota são mais percebidos pelo público adulto, mas encantam as crianças pela diversidade
visual.
Estas análises revelam como a produção visual pode passar mensagens à audiência a que se
destina, de forma que detalhes como a forma dos personagens, o enquadramento da cena ou as
cores dos elementos cênicos afetam diretamente no recebimento da história.

4 SOUL

Uma das maiores forças no cinema reside, tanto na tecnologia e abordagem visual, quanto no
seu valor simbólico. Segundo o psicanalista Erich Fromm (1963), o homem tem necessidades
existenciais além de ser portador de paixões que se vinculam ao seu eu. Umas dessas
necessidades é a estimulação e estrutura do caráter. Sendo assim, Soul, como um filme que fala
sobre a inquietude da alma humana, tende a atrair o público para a sua temática existencialista
e ao mesmo tempo emocioná-los com a construção narrativa e visual.
A mais recente animação dos estúdios Pixar (2020), tinha o objetivo de ser lançado nos
cinemas, porém, com o imprevisto da pandemia e isolamento social, foi lançado na mais nova
plataforma de streaming Disney+. A narrativa se passa em torno de Joe, um professor de música
que não vive da forma como queria e que, por fim, consegue uma grande oportunidade que
poderá mudar a sua vida. A primeira identificação que o público terá com o protagonista é pelo
fato de ser um adulto que, assim como muitos, tinha um sonho e ainda persiste para alcançá-lo.
A situação de Joe é similar ao que a vida adulta oferece – se conformar com um emprego estável
e aceitar a realidade da vida que nem sempre se consegue o que deseja ou continuar sendo um
idealista em busca de um sonho.
Já que Soul apresenta um tema mais profundo que busca encontrar o sentido da vida, como
dialogar a temática do filme com o público infantil? Os animadores, dirigidos por Pete Docter,
decidem criar dois universos, a vida e o pré-vida. A experiência que o público terá nesses dois
universos são diferentes, tanto na construção narrativa, quanto no visual. Para melhor
compreensão, essa análise será dividida em duas partes, a primeira será utilizada a mesma
fundamentação teórica proposta por Cashdan (2000) sobre a construção narrativa dos contos e
a sua influência na história de Soul. A segunda será a análise estética envolvendo a direção de
fotografia e direção artística do filme e como elas complementam o objetivo de conquistar o
público infantil e adulto.
4 A CONSTRUÇÃO NARRATIVA

Os contos de fadas é uma tradição folclórica contada e recontada para crianças na intenção de
ensiná-las alguma lição ou princípio moral. Da mesma forma, esses contos foram adaptados
para o cinema de animação trazendo em si um encanto tanto pela história quanto pela construção
visual. Como vimos, Cashdan (2000) ao estudar sobre contos, analisa as características que
estruturam a sua narrativa. Segundo ele, as histórias se dividem nas quatro etapas já conhecidas:
A travessia, a viagem ao mundo mágico; o encontro com uma presença diabólica ou um
obstáculo a ser vencido; a dificuldade a ser superada; a conquista; e a celebração da recompensa.
Seguindo essa linha de raciocínio, existem características presentes no roteiro de Soul que
reafirmam essa estrutura, porém, o enredo, na animação, é adaptado para uma versão mais
madura, a fim de se dirigir a um público heterogêneo.
A animação da Pixar começa com um arranjo musical de Jazz revelando ao público que Soul,
além de ter uma temática atraente, também possui uma trilha sonora arrepiante. Essa forma de
iniciar o filme coopera para a apresentação do protagonista e o seu sonho. Joe é um professor
de música que sobrevive dando aulas para crianças que não demonstram o mesmo interesse que
ele tem pela música. A princípio, o filme vai demonstrando, pelas expressões do protagonista,
que ele não se faz satisfeito com a própria vida. A estratégia narrativa presente no início da obra
é fazer com que o público se aproxime cada vez mais da realidade do personagem – isso é
demonstrado pelas preocupações da vida adulta.

4.1 A travessia
Ainda no início do filme, o protagonista Joe recebe a ligação de um antigo aluno e consegue a
oportunidade de tocar com a Dorothea Williams, prestigiada cantora de Jazz. Em seu
entusiasmo displicente, o professor acaba caindo em um bueiro que o leva a morte. Ao perceber
que está indo para o além, Joe se recusa a morrer e acidentalmente vai parar no pré-vida; é nesse
universo que a temática se torna mais leve e acessível para o público infantil.
A travessia, momento descrito por Cashdan (2000) se torna presente em Soul a partir do
instante em que o personagem Joe é levado para um outro universo com seres mágicos. Esse
universo é apresentado como o pré-vida, lugar onde as almas são formadas antes de irem para
a Terra. Nesse cenário, o personagem observa que, a cada alma, é atribuída uma personalidade.
Pete Docter comenta como surgiu essa ideia: “No momento em que meus filhos nasceram, eles
já pareciam ter uma personalidade específica, e o filme é um aprofundamento nesse conceito”.
Além de uma personalidade formada, cada alma é acompanhada por um mentor para descobrir
a sua missão, e só então, poderão ir para a Terra. Esse é um momento, na narrativa, em que Soul
vai entregando ao espectador valores simbólicos da vida. Cada alma possui um vazio que
precisa ser preenchido e esse vazio só é preenchido depois que cada uma delas descobre a sua
missão na Terra. Dessa forma, a estratégia narrativa é direcionada primeiramente ao público
adulto, para com quem promove uma identificação.
Ainda nesse cenário, o protagonista Joe conhece a 22, a alma infantil e irritante para qual será
mentor. Pete Docter encontra um ponto interessante para seguir a narrativa que também é
utilizado em outras animações suas: a contraposição dos personagens. Em Divertida Mente
(2015), o filme é marcado pelo percurso de duas emoções que são essenciais na vida da
personagem Riley, a Alegria e a Tristeza. De forma similar, Soul se encontra com duas almas
que são opostas – enquanto Joe se recusa a morrer, 22 é uma alma que se recusa a viver. Por
mais profundo e poético que seja a situação, o diretor decide levar a caminhada dessas duas
almas de forma leve. Os diálogos entre o Joe e a 22 são construídos com um humor pastelão
que consegue alegrar o público infantil e com piadas inteligentes e referências de figuras
históricas como Madre Tereza de Calcutá, Abraham Lincoln e Maria Antonieta, que conseguem
conquistar o público adulto.
Figura 8 – Joe e 22

Fonte: Pinterest
4.2 O encontro com uma figura diabólica
O encontro com uma figura diabólica descrito por Cashdan (2000) é interpretado em
Soul como a morte. É essa a presença perigosa que o personagem Joe enfrenta na narrativa, é a
tentativa de escapar desse perigo que o leva acidentalmente ao pré-vida e é nesse percurso que
o personagem irá se encontrar. Terry, a contadora desse universo, faz um processo de busca
quando percebe que uma alma havia escapado do além vida, mas a antagonista passa longe de
ser o principal problema do Joe.
Na tentativa de voltar para a Terra, a 22 leva o Joe a um lugar misterioso que é intitulado
como o universo entre o físico e o espiritual. Nesse lugar, se encontram almas perdidas e
“elevadas” em uma viagem astral. Esse pode ser considerado o momento mais maduro no filme
por falar a respeito de um problema moderno. Essas almas estão perdidas pois se tornaram
obcecadas e não conseguem se livrar de suas obsessões. Essa parte no filme consegue criar uma
proximidade com a realidade e dialogar com os problemas da sociedade moderna ou pós-
moderna.

Figura 9 – As almas perdidas

Fonte: Site Cinéfilo Em Série

Após um ritual feito por um hippie no universo entre o físico e o espiritual, a 22 e o Joe retornam
para a Terra, mas ambos foram encarnados em corpos diferentes. Nessa parte da narrativa, a 22
se torna presente no corpo do Joe. De acordo com a teoria de Cashdan (2000), esse momento
se torna a dificuldade a ser superada.

4.3 A conquista
Quebrando um pouco a linha tênue, assim como em Divertida Mente a conquista no filme não
se dá pela destruição da figura diabólica como é descrito por Cashdan (2000) nos contos, mas
pela superação de um problema que é não saber o sentido da vida.
Chegando ao clímax do filme, Joe finalmente consegue o que tanto queria, tocar Jazz no Half
Note Club junto a Dorothea Williams. Nesse momento, a construção visual no clube é marcada
por uma forte presença do vermelho representando a paixão. A iluminação com tom amarelo
faz o público sentir o calor e a emoção no ambiente. Ao sair do clube, Joe agora se depara com
uma outra sensação. “O que fazemos agora?” “Retornamos e fazemos tudo de novo” "Esperei
tanto por esse momento, pensei que seria diferente" (Soul, 2020). A frustração é a chave para
se chegar à conquista descrita por Cashdan; para isso, o diretor escolhe uma construção
narrativa e visual acompanhada por flashbacks que entregam ao público a lição ou moral da
história, característica presente no conto. “E se admirar o céu for a minha missão? Ou andar?
Eu sou incrível andando” e a revira volta se dá pela revelação de que não existe propósito, a
missão não era o que Joe imaginava e atribuía a sua vida. Esse momento é importante para
analisar o quanto a recente animação do Docter revela as mudanças de enredo nos filmes de
animação que a princípio tinha como foco o público infantil. Há uma maturidade na história de
Soul e ao mesmo tempo uma suavidade a fim de conquistar um público heterogêneo. Nisso,
também se afirma o que foi descrito por Cademartori (1986) sobre os recentes contos:

Por meio dessas narrativas curtas, o leitor ou ouvinte deverá assimilar ensinamentos
religiosos, éticos e, até mesmo, sobre sexualidade, constituindo “uma arte moralizante
através de uma literatura pedagógica”
(CADEMARTORI, 1986, p. 36).

4.4 A celebração

A celebração proposta por Cashdan é presente na mudança de expressão do protagonista, a


construção visual consegue assimilar esse objetivo de forma mais impactante.

5 ANÁLISE ESTÉTICA

O realismo e a maturidade de Soul se encontram não somente no roteiro, como também na


estética do filme. Chega a ser surpreendente os detalhes no movimento dos personagens e a
representação das ruas de Nova York em gráficos 3D. Essa escolha na construção gráfica é
essencial para aproximar o público adulto: o espectador, ao visualizar, tem uma representação
que tende a imitar o real, o que pode facilitar a adesão do público com a temática do filme.
A aparência visual, segundo Haake (2009), segue três momentos: definição do modelo básico,
propriedades físicas e estilo gráfico. Em outro universo que o protagonista é posto, o pré-vida,
encontram-se criaturas classificadas como “conselheiras” que se apresentam aos humanos de
forma simplista. Sem se comprometer com qualquer crença religiosa, Soul consegue apresentar
essas criaturas e o antes da vida com leveza para as crianças a partir de linhas e traços
minimalistas. Nesse momento da vida, o público é retirado do realismo em gráficos 3D e das
cores vivas presentes nas ruas de Nova York e é colocado em uma outra atmosfera. A paleta de
cores não é mais vibrante como na vida, mas nesse universo os olhos do público descansam
pelas cores azul e rosa em tons pasteis trazendo um ar etéreo e místico.
A direção de fotografia e arte em Soul é uma camada que não fica de fora do mágico e
emocional que o filme transmite. A “viagem” que os personagens fazem que os levam para o
espaço entre o físico e o espiritual é marcado por uma tonalidade de azul, cor bem presente no
filme, envolto de um tom violeta. Eva Heller (2014), em seu livro A Psicologia Das Cores,
relaciona o azul como a cor da simpatia e harmonia e o violeta a cor da magia. Nessa
perspectiva, a junção das duas cores gera uma harmonia e consegue dialogar com o que é
proposto, uma viagem.

Seja qual for a intenção narrativa da cena – agradar, emocionar, chocar,


impressionar – é preciso sempre levar em conta a experiência visual do
espectador, considerando se ele irá ver algo que conhece, ou não. É importante
considerar se, no mundo pessoal de imagens, existem certos pontos de contato
entre o espectador e a projeção, para que a experiência narrativa tenha êxito,
surpreendendo ou convencendo. (MACHADO, L., 2011, p. 41)

A celebração, em relação a construção visual, presente na cena final de Soul é marcado por
uma iluminação saturada que complementa com o impacto da narrativa. Dondis diz que
“Quanto mais intensa ou saturada for a coloração de um objeto ou acontecimento visual, mais
carregado estará de expressão e emoção.” (2007, p. 66). Seguindo essa linha de pensamento, a
iluminação presente na cena final de Soul consegue fechar com a lição de vida que é transmitida
pelo filme, a expressão do personagem e a iluminação revelam ao público que Joe se torna mais
vivo a partir do momento que ele descobre o sentido da vida, que é viver cada segundo presente.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, dissertamos sobre como os recentes filmes de animação do Pete Docter
têm atraído um público heterogêneo, ao invés de ter como foco o público infantil. Para sustentar
a tese, fez-se necessária a realização de pesquisas para uma abordagem teórica da análise da
estrutura narrativa de ambos os filmes Divertida Mente (2015) e Soul (2020). Nesse viés, foi
analisado também os elementos na construção visual que dialogam com os dois públicos. Os
aspectos visuais no filme foram analisados como um complemento para o impacto narrativo da
história.
Na análise do filme Soul, a contextualização do conto baseado em Cashdan (2000) foi
um instrumento essencial para a análise da estrutura narrativa do filme. Esse método foi
utilizado com o objetivo de interligar as semelhanças dessas características ainda presentes na
narrativa de animação. O procedimento também foi empregue devido à observação de que as
animações da Disney possuem características similares ao conto; com a parceria entre os
estúdios Pixar, foi observado que mesmo com um enredo maduro, o filme possuía um percurso
similar descrito pelo teórico. Uma outra motivação é por estes também possuírem um papel
importante na construção de caráter ético e moral direcionados às crianças.
Da mesma maneira se propôs a análise de Divertida Mente. Mesmo que, a princípio, o
filme aparente ser destinado para a infância, a obra se mostra relevante tanto para adultos quanto
para crianças por contar com múltiplas camadas de interpretação. Considerando que a ideia do
filme foi baseada na intenção de compreender melhor o crescimento e as mudanças durante a
fase pueril, como Docter afirma, pode-se supor que ele, de fato, não é somente dirigido a elas,
mas também aos adultos que convivem com elas. Portanto, foi um dos objetos de estudo levado
em consideração nessa análise.
É possível concluir através das teorias e obras estudadas, o quanto as produções da
Walt Disney e sua parceria com a Pixar foram essenciais para o desenvolvimento de muitos
aspectos no cinema de animação, tanto na tecnologia, quanto na abordagem visual e narrativa.
As mais recentes produções têm sido um meio para dialogar sobre os problemas da
modernidade e pós-modernidade. Dessa forma, esse gênero cinematográfico tem conquistado
um público mais abrangente através de temáticas maduras e da suavidade ao também falar com
o público infantil.
REFERÊNCIAS

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influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus, 2000. 317p.
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2007. 236 p.
HELLER, Eva. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão. 1ª edição.
São Paulo: Gustavo Gili, 2013.
MACHADO, Ludmila Ayres. Design e Linguagem Cinematográfica: narrativa visual e
projeto. São Paulo: Blucher, 2011. 136 p.
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2013. Disponível em:
<https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=https://ubq.org.br/2013/07/15/o-
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nas releituras teatrais de contos maravilhosos. In: Revista Digital do Programa de Pós-
Graduação em Letras da PUCRS, 2, 2010, Porto Alegre – RS. Artigo. P. 1-10. Disponível em:
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e Pixar Animation Studios, 2020. Serviço de streaming Disney+ (100min).
DIVERTIDA MENTE. Direção: Pete Docter. Produção: Jonas Rivera. Califórnia, EUA: Walt
Disney Pictures e Pixar Animation Studios, 2015. Serviço de streaming Disney+ (94min).
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