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PUCSP
PUCSP
SÃO PAULO - SP
2013
Caubói Woody
Banca Examinadora
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Agradecimentos
Resumo
EEsta tese de doutorado, intitulada A Complexa Trama da Pixar: Cinema e Condição
Humana, procura fazer reflexões sobre os filmes produzidos pelo Pixar Animation
Studios no período situado entre 1995 e 2011. Ao todo são analisados 12 filmes, a
saber: Toy Story (Toy Story, 1995); Vida de Inseto (A Bug’s Life, 1998); Toy Story 2
(Toy Story 2, 1999); Monstros S.A (Monsters, Inc., 2001); Procurando Nemo (Finding
Nemo, 2003); Os Incríveis (The Incredibles, 2004); Carros (Cars, 2006); Ratatouille
(Ratatouille, 2007); Wall-E (Wall-E, 2008); Up – Altas Aventuras (Up, 2009); Toy Story
3 (Toy Story 3, 2010) e Carros 2 (Cars 2, 2011). As análises e as reflexões feitas têm
como base e guia de orientação teórica e metodológica o Pensamento Complexo, tal
qual como formulado por Edgar Morin. O objetivo do estudo é ampliar a compreensão
sobre estes filmes, que começaram a ser produzidos em longa escala a partir de 1995,
apresentando-os como veículos de narrativas que ajudam a construir o imaginário
do homem contemporâneo, levando-se em consideração o potencial de onirismo,
duplicação, projeção-identificação e comércio mental que o cinema possui. As análises
e reflexões contidas nesta tese são feitas com base em pensadores de diversos campos
do conhecimento, em uma perspectiva transdisciplinar. Após uma introdução intitulada
Onirismos, a tese se desdobra em três blocos analíticos: em Bravuras, discorremos
sobre os atos bravos ou heroicos de Toy Story, Vida de Inseto, Os Incríveis e Carros.
Em Saberes, dissertaremos sobre visões do conhecimento, memória ou da tecnociência
de Toy Story 2, Monstros S.A., Wall-E e Carros 2. Já em Paroxismos abordamos os
momentos de ápice existentes em filmes como Procurando Nemo, Up – Altas Aventuras,
Toy Story 3 e Ratatouille. Por fim, são apresentadas considerações finais e, como anexo,
ficha técnica dos filmes aqui estudados.
Abstract
TThe present doctoral thesis, entitled The Complex Plot of Pixar: Cinema and the
Human Condition, aims to make reflections on the films produced by Pixar Animation
Studios in the period between 1995 and 2011. In total, 12 films are analyzed: Toy Story,
1995; A Bug’s Life, 1998; Toy Story 2, 1999; Monsters, Inc., 2001; Finding Nemo, 2003;
The Incredibles, 2004; Cars, 2006; Ratatouille, 2007; Wall-E, 2008; Up, 2009; Toy Story
3, 2010 and Cars 2, 2011. The basis and methodological and theoretical orientation
guide of the analyses and reflections is the Complex Thought, as formulated by Edgar
Morin. The study aims to expand the understanding on these films, which began to
be produced in large scale from 1995, introducing them as vehicles of narratives that
help in building the imaginary of the contemporary man, taking into consideration the
potential of onirism, duplication, projection-identification and mental trade that the
cinema presents. The analyses and reflections contained in this thesis are based on
thinkers from several fields of knowledge in a transdisciplinary perspective. After an
introduction entitled Onirisms, the thesis unfolds in three analytical blocks: in Bravery,
we discourse about the brave or heroic acts in Toy Story, A Bug’s Life, The Incredibles
and Cars. In Knowledge, we will discourse about the visions of knowledge, memory
or technoscience of Toy Story 2, Monsters, Inc., Wall-E and Cars 2. In Paroxysms, we
approach the existing apex moments in films such as Finding Nemo, Up, Toy Story
3 and Ratatouille. Finally, we present the final considerations and, as an annex, the
production credits of the films studied herein.
Résumé
11 Onirismos
Eletrônico e Digital 12
Pixar Anination Studios 18
Complexidade e Roteiro 25
29 Bravuras
Toy Story 32
Quem Somos Nós 34
Vida de Inseto 38
A Arte da Guerra 40
Os Incríveis 43
Nós Poderemos Ser Heróis, Apenas Por Um Dia 45
Carros 49
Por Isso eu Corro Demais 51
57 Saberes
Toy Story 2 60
Mnemosine 62
Monstros S. A. 66
Cegueiras do Conhecimento 68
Wall-E 72
Lixo Não Extraordinário 74
Carros 2 78
Pobre Verde 81
87 Paroxismos
Procurando Nemo 90
Mares de Solidariedade 92
Ratatouille 96
Ode aos Ratos 98
Neste contexto, as
transformações provocadas pela
chamada Industrial Cultural
no decorrer do século XX
agregaram novos elementos ao
cinematógrafo, diversificando
sua potencialidade no processo
de construção do imaginário.
Chegamos ao século XXI com
o cenário de uma cultura na
qual a imagem, em especial a
proveniente do audiovisual, é Poster do cinematógrafo Lumiére.
Fonte: www.festival-cannes.fr
elemento preponderante em nossa vida cotidiana.
Uma primeira inferência, por exemplo, pode creditar a Georges Méliès o rótulo
de um dos cineastas inaugurais na estratégia da desconstrução do cânone do cinema
enquanto ilusão da realidade, enquanto reprodução da imagem real.
12
Fotogramas de Méliès. Fonte: www.festival-cannes.fr
13
Ou seja, mesmo quando
tentara nos seus tempos iniciais
em fins do século XIX se impor
como mimesis da realidade (o
trem que vaza a tela ao sair da
estação e assusta a plateia), o
cinema já carregava por inerente
a si o código genético do sonho,
do devaneio, do ilusionismo... do
onirismo.
Mais de século se
passou e neste ínterim teorias,
semiológicas e semióticas, além de
reflexões sobre o cinematógrafo
se sucederam. Movimentos e
opulência, independência e
mercado, blockbusters, Nouvelle
Vague e Cinema Novo. E o
desenvolvimento da já citada
Indústria Cultural possibilitou ao
cinema a expansão da experiência
onírica indissociável desta sétima
arte. Capa do livro O Cinema ou O Homem Imaginário. Fonte: www.relogiodagua.pt
E é no pós II Guerra Mundial, como alerta Morin (1997), que a Indústria Cultural
fez presente de modo intenso sua ação junto no cinema, ampliando o processo de
projeção-identificação de espectadores com as imagens mitológicas emanadas pela
chamada cultura de massa própria do século XX. Com a produção em série de filmes,
a afirmação do happy end enquanto arquétipo e a eleição de homens e mulheres
olimpianos, o cinema se enquadrou nas expectativas do mercado e do consumo.
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Cinema que, ainda para Morin (1970), tal qual o avião, expoente da técnica,
também é expoente da técnica elevando-se à projeção estelar.
Este cinema, cultura de massa como atenta o autor, evoca relações profundas e
referenciais quanto a nossa condição humana. Deparar-se com a(s) história(s) de um
filme significa nos lançar ao território do onírico capaz de revelar nossa natureza íntima
e essencial.
Morin nos alerta para a idéia de que o filme e a experiência fílmica nos duplicam.
O filme e a experiência fazem com que nossa imagem e nossa natureza humana, por
meio da projeção fotogênica do cinema tradicional e ou proporcionada pela computer
graphics nos filmes inteiramente produzidos por computador, contraponham-se e
energizem nossas vivências mais grandiloquentes, ou mais banais, mais memoráveis,
ou mais cotidianas.
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Cinema que, ainda de acordo com Morin (1970), leva o homem à prática de um
comércio mental para com o mundo, inseparável do rito que nos leva à completude
enquanto sapiens demens. Compreender que em sua gênese o filme nos conduz a
esta prática onírica, apresentando-nos sua magia e nos levando ao aflorar de nosso
imaginário, é compreender a sua importância enquanto manifestação da consciência
humana.
Daí ser ele, o cinema, não só objeto como elemento de uma antropologia
capaz de compreender o homem contemporâneo, seu espírito e suas cosmogonias. Tal
compreensão se dá mediante o aporte destes elementos, os filmes, fundamentais na
cultura de massa de nosso século XX e XXI.
16
Eletrônico e Digital
Nas primeiras décadas dos anos 1900, ainda, é que o cinema migra dos espaços
menos nobres dos vaudevilles para os primeiros nickelodeons. O cinema ganha som e
estrutura mais complexa de narração de histórias. Nomes como D. W. Griffith e Serguei
Eisenstein tornam-se, entre outros, pais fundadores da sintaxe do filme, influenciando
de maneira inaugural os debates
sobre montagem e dramaticidade
da narrativa fílmica. O cinema se
consolida enquanto manifestação
cultural com forte presença
no território europeu e norte-
americano, expandindo-se mundo
afora.
Nunes (1996), ao refletir sobre aquilo que denominou relações estéticas no cinema
eletrônico, aponta este processo pelo viés do que ele chama de viragens sígnicas, no
qual a técnica e, sobretudo, a tecnologia associaram-se ao gênio criativo de produtores,
atores e roteiristas rumo à mutação do cinema do fotoquímico para o cinema eletrônico.
Mas é a partir da década de 1990 que o cinema, enfim, será por completo
digitalizado. E muito neste campo se deve ao pioneirismo de um grupo de cientistas da
computação e animadores que se aglutinaram nos Estados Unidos, desenvolvendo há
mais de 40 anos um conjunto de tecnologias que possibilitou a um cinema, chamado
comercialmente de cinema de animação, entre outros nomes, ser capaz de situar um
novo tempo na indústria cinematográfica mundial.
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substituídos por animações computadorizadas. No caso dos atores, as contribuições de
interpretação ficam no campo da dublagem, sendo a corporeidade física um elemento
descartado, de modo único, na indústria do filme.
Até mesmo porque estes filmes não são unicamente assistidos por crianças. O
público adulto tem reiterado interesse nestas produções, sendo também um alvo mirado
pelas indústrias cinematográficas quando de suas realizações.
19
Walt Disney World, já que não havia
interesse da empresa em animações
computadorizadas. Neste meio tempo,
Catmull desenvolvia sua tese de
doutorado, criando ferramentas até
então inigualáveis na busca para que
o computador realizasse animações
de objetos. E os estudos de Catmull o
fizeram, em 1974, assumir a direção do
Computers Graphics Lab do New York
Institute of Technology.
John Lasseter. Fonte: www.forbes.com
Em 1979 Ed Catmull foi convidado por George Lucas para comandar a Lucasfilm´s
Computer Division, grupo formando por cientistas da computação encarregados do
desenvolvimento de soluções para agregar a computação à indústria fílmica. Entre as
metas de George Lucas, além de efeitos especiais, estava a criação de métodos de edição
não lineares de imagens e de áudios na indústria de cinema.
20
e primeiro dos filmes inteiramente computadorizados: o curta-metragem As Aventuras de
André e Wally B (1984).
E foi em 1986 que Jobs comprou a Divisão de Computação Gráfica de George Lucas
por US$ 10 milhões, batizando-a de Pixar. Entre os principais sócios no negócio, dois
já agora ex-funcionários de George Lucas: Ed Catmull e John Lasseter. Estava formado
o trio que faria da companhia o maior produtor de animações computadorizadas do
mundo.
Nascido em San Francisco, em 1955, Steven Paul Jobs era filho adotivo, de pais
adotivos que sequer haviam concluído o nível superior. O próprio Jobs jamais concluiria
o ensino superior. Apaixonado por eletrônica, conheceu ainda estudante um outro jovem
aficionado pela assunto, de nome Steve Wozniak. Juntos, trabalharam em engenhocas
no campo da telefonia e da nascente computação, fundando em 1976, junto a um outro
amigo, a Apple Computer. Entretanto, mesmo fundador, anos depois Jobs foi afastado
da empresa devido a divergências internas. Controverso, até hoje sua história desperta
admiração e polêmica.
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Em 1986 a novata Pixar Animation Studios, então com
44 empregados, finaliza mais um projeto: o filme Luxo Jr.
Luxo Jr. Introduz na iconografia da empresa a imagem da
luminária animada, presente até hoje na abertura de seus
filmes e sua marca icônica referencial. O curta de 2 minutos
traz um pai e seu filho, ambos luminárias. O filho luminária
brinca com uma bola pequena, que fura, murcha e o deixa
triste. Até que uma nova bola, muito maior que a primeira,
aparece para a felicidade da criança e a satisfação do pai
luminária. Até hoje o personagem objeto é o símbolo da
companhia.
Os filmetes da Pixar intitulados Red´s Dream (1987), Tin Toy (1988) e Knick
Knack (1989) também fazem grande sucesso, sendo apresentados em eventos da
SIGGRAPH (Special Interest Group on Graphics and Interactive Techniques). Em
1989 a Pixar também se consolida como desenvolvedora de aplicações próprias para
a produção de animações computadorizadas, lançando o software RenderMan®. A
trajetória da empresa culmina na assinatura em 1991 de um acordo com a Disney, para
que o grande estúdio financie a produção
e distribuição de filmes de animação feitos
exclusivamente por computador.
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A Disney fora intransigente nas negociações. Os termos financeiros
do contrato de 13 páginas eram tão descabidos que, a menos que
o filme fosse um sucesso no nível de “A Pequena Sereia”, os ganhos
da Pixar com o filme seriam insignificantes. A Disney teria o direito
“exclusivamente a seu critério” de “abandonar o filme a qualquer
momento”, mesmo após o início dos trabalhos de produção. Nesse
caso, a Pixar receberia por seu trabalho apenas os custos incorridos
em uma “taxa de desistência” de US$ 350 mil. Embora o contrato
fosse explicitamente um acordo de três filmes, o segundo e o terceiro
seriam escolhidos pela Disney (Price, 2010, p. 108).
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A lista é extensa e em muito extrapola tais títulos, comprovando o empenho da indústria
do filme em avançar neste norte. Mais ainda, mostrando o infindável de possibilidades abertas
à imaginação por este vasto conjunto de produções. Definitivamente, tais filmes são realidades
no atual cenário da produção cinematográfica. E como mostra deste universo, os selecionados
para este estudo foram os produzidos pela fonte do primogênito em sua categoria: a Pixar
Animation Studios.
Doze são estes exemplares, conjunto fiel das obras produzidas pela Pixar entre 1995
e 2012, período no qual se concentra este trabalho: Toy Story (1995); Vida de Inseto (1998);
Toy Story 2 (1999); Monstros S.A (2001); Procurando Nemo (2003); Os Incríveis (2004);
Carros (2006); Ratatouille (2007); Wall-E (2008); Up (2009); Toy Story 3 (2010) e Carros 2
(2011).
O porquê desta seleção reside no fato não somente de a Pixar ser a maior no gênero, mas
também pelo fato de suas produções representarem um conjunto volumoso e significativo neste
campo da cinematografia mundial. Estabelecer ramos e conexões com outros conhecimentos
e levantar a hipótese destes filmes como operadores cognitivos de nosso imaginário é o que se
pretende.
Complexidade e Roteiro
NNeste trabalho buscamos refletir sobre as narrativas apresentadas pelos flmes da Pixar
Animation Studios, em suas tramas e personagem, muitos deles fantásticos, animalizados ou
inanimados, articulando-se como reflexos do atual, em temas que nos remetem à idéia da
polifonia cultural.
Por meio de reflexões acerca dos filmes analisados, pretende-se traçar um quadro que
situe tais animações como retratos de nossa sociedade, consumidora de mensagens emanadas
por estes produtos de uma, há tempos, indústria classificada como cultural. Tais filmes são
fontes de imagens que nos projetam em nosso imaginário, em especial o infantil, mas não
somente deste público uma vez que os adultos se interessam cada vez mais por estes conteúdos.
25
Edgar Morin. Fonte: www.depaginas.es
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princípio hologramático (a parte é inseparável do todo), a fim de que possamos inserir
estas produções em um panorama analítico não reducionista.
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HHomens, brinquedos, insetos e automóveis movidos por ambições, vaidades,
paixões e devaneios. Todos capazes de atos de bravura, devotando-se a eles em meio a
suas tragédias e sentimentos mais íntimos, mais pessoais. Por vezes assumindo o papel
mítico dos heróis, eles são humanizados e demonstram fragilidades, tensões, incertezas.
Mesmo assim, nas histórias que nos contam a intrepidez é marcante. Enfrentam
infortúnios e, cada um a seu modo, ao final, conquistam glórias.
Gestos heroicos? Por vezes, sim. Não obstante Farias (2012), com base nas
reflexões da mitologia de Joseph Campbell em O Herói de Mil Faces (2002), apresente-
nos com mais profundidade considerações sobre o que seriam gestos de heroísmo na
perspectiva do mito. E Farias nos remete aos monomitos propostos pelo mitólogo norte-
americano com inspiração no escritor James Joyce. Com base nesta proposição, as
lendas heroicas seguiriam um roteiro estruturante próprio, adaptando-se assim a cada
narrativa.
Toy Story, por exemplo, apresenta os atos de bravura da dupla Woody e Buzz
Lightyear, aprisionada pelo temível e perverso menino Sid, vivendo ainda por cima a
ameaça de quebra de vínculo com Andy e os outros brinquedos, estes prestes à mudança
de casa. Coragem e determinação por parte da dupla são essenciais para o sucesso da
fuga e o reencontro com Andy, o amado dono, além de com os seus semelhantes, todos
de plástico e borracha. Contudo, questionamentos sobre suas naturezas e descobertas
30
acerca de limitações forçam os bravos protagonistas, Woody e Lightyear, a ressignificarem
suas identidades.
Vida de Inseto também nos faz refletir sobre o ato de bravura de uma formiga
gauche, Flik, um Da Vinci incompreendido que consegue articular o formigueiro para
uma tática de guerrilha nunca antes pensada. Imagética, a estratégia tem raízes na arte
e nos impele a repensar o cenário de conflitos e guerras. Para combater a força bruta e a
arrogância, a inteligência e suavidade de uma trupe de artistas que encenam guerreiros
com a bravura e a doçura da sensibilidade artística. E mais ainda, um questionamento:
até que ponto a geopolítica mundial não está impregnada de encenação e apelo terrorista
unicamente visual?
Por fim, Carros retrata a soberba dos que se pensam bravos e a humildade dos
que realmente bravos são, em um cenário de bravura geograficamente melancólica,
de uma paisagem que sucumbiu diante da mesma bravura, só que voraz e suicida da
indústria, da tecnologia, da modernidade. Pois que Relâmpago McQueen é o herói de
um tempo pós-moderno, uma vez que mesmo sem referencial, pura presunção, fugidio
e egocêntrico, é lúdico e encara a vida como um jogo. Para ele, não há metanarrativa na
Piston Cup. Há unicamente um eterno presente de provas, corridas, velocidade, mídia
e... solidão.
Às histórias e às visões.
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Toy Story
32
Enciumado, Woody arma e faz com que Buzz Lightyear caia da janela da casa de
Andy. Enfurecidos com o ato de traição de Woody, os demais brinquedos hostilizam o
caubói, com razão o responsabilizado pela queda. Woody acompanha Andy e sua mãe,
que saem para um lanche. Buzz consegue alcançá-los. Mas, juntos, os dois brinquedos
se perdem. E o astronauta iludido está com a idéia fixa de encontrar uma nave espacial
para fazer contato com sua base e, assim, poder retornar a sua missão de salvar o
universo. Só que após muita confusão, ambos, caubói e guerreiro intergaláctico, caem
nas mãos do terrível Sid.
E quem é Sid? Trata-se do temível menino vizinho de Andy, conhecido pela sua
relação sádica com seus brinquedos. Woody e Buzz agora estão na mira de torturas,
amputações ou extermínios. Bem ao gosto do malvado Sid.
Mas se Lightyear é capaz de salvar o cosmos, porque não salvar primeiro a ele
próprio e ao amigo caubói? Em busca de fugir da casa de Sid, um voo do astronauta até
o térreo com acesso à rota de fuga é a solução. Buzz se prepara para voar – acreditando
que pode – quando, ocasionalmente, depara-se com a propaganda de si mesmo na
televisão. Que revelação perturbadora e decepcionante!
Não, ele não é sobre humano. Sim, ele tem limitações. Sem acreditar, ele salta
para o voo consagrador de sua verdade. Cai no chão, quebra o braço. Rende-se a sua
fronteira de brinquedo. Consolasse com sua natureza limitada.
33
Buzz não mais combaterá Zurg, o Imperador do Mal, em sua jornada entre
planetas. Woody dividirá seu posto de primeiro brinquedo. Porém unidos, ambos
conseguem reencontrar a todos após uma perseguição que envolve acidentes de carro e
simulações de voo do caubói e do astronauta.
A lição foi dada. No Natal, nova movimentação dos brinquedos, com soldadinhos
de plástico espionando a entrega de presentes camuflados na árvore natalina. Os
brinquedos são abertos, com Woody e Buzz dissimulando uma falta de preocupação
com uma possível nova surpresa em forma de presente.
Surpresa que chega com a informação de que Andy ganhara um cachorro. Pelo
visto, a disputa por afeto e por identidade não cessará na casa.
Então, por ser o primeiro de um gênero, Toy Stoy levanta uma série de questões
que merecem relevância. Porém, uma única cena já bastaria para que um debate intenso
sobre a condição humana fosse empreendido no contexto do filme. Na casa do inimigo
Sid, temendo por suas vidas, Woody e Buzz
intentam fuga. O guerreiro interestelar,
crente em ser um combatente cósmico
contra as desumanidades do malvado
Imperador Zurg, este o articulador de uma
ameaça letal contra todo o universo, tenta
voar.
34
uma gota de advertência em cada senão feito pelo brinquedo mais experiente. O caubói
afirma o que somente todos ali são: simples brinquedos, nada mais. Todavia, Lightyear se
nega a acreditar, porque, para ele, sua condição é de guerreiro interplanetário salvador
das galáxias. E no começo do filme, em uma acrobacia que conta com boa sorte e acaso,
Buzz consegue voar para espantos de todos os demais brinquedos.
Porém Buzz e Woody se perdem e caem nas mãos do terrível Sid. É hora da fuga.
E o boneco astronauta se vê diante de seu duplo fantasmagórico como propaganda.
Lightyear é surpreendido com um comercial de televisão que lhe diz o que ele não
quisera ouvir: ele é um boneco, que não voa de verdade, made in Taiwan e multiplicado
aos milhares, vendido nas melhores lojas do ramo, como a Al’s Toy Barn. Que horror,
que desilusão!
Mas ele não crê, afinal, ele é Buzz Lightyear, vai voar em busca de se conectar com
o Comando Estelar e deixar para trás aquele solo estranho e aterrorizante do planeta
Terra. Ele entoa seu lema de bravura, sobe no corrimão de uma escada para levantar
voo e se lança... ao infinito e além... E a queda da qual se faz vítima é mais que dolorosa,
é emocionalmente traumática. Ele perde seu braço e sua identidade circunstancial de
bravura.
35
Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado
como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A
identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados
ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987).
E definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que
não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós
há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções,
de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde
o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda
estória sobre nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu”
(veja Hall, 1990). A identidade plenamente unificada, completa,
segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que
os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam,
somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos nos identificar — ao menos temporariamente (Hall,
2006, p. 13).
Buzz Lightyear é um super-herói com poderes falsos, mas com coração e gestos
de herói de verdade. E sabemos do que são capazes os super-heróis de verdade, inclusive
com suas ações de benevolência, sempre dispostos a ajudar o próximo. Woody é um bom
moço, que pode até ser bom (e realmente o é), mas sua persona má não se esquiva em
se revelar quando seus interesses – o amor incondicional de Andy – são colocados em
risco, mesmo que minimamente. Assim, a representação de Woody também se mostra
volátil, sendo ele também partícipe deste contexto no qual sujeitos pós modernos são
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impelidos à uma realidade de múltiplas identidades.
Os atos de bravura de Toy Story nos incitam a repensar quem somos. Ou, ao
menos, que identidade expressamos. Todos somos guerreiros interestelares, caubóis... e
também indulgentes... e também malévolos.
Quarto de Andy
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Vida de Inseto
UUma política de defesa circense em armação e fanfarronice.
Flik é um trapalhão. Em tudo se mete, mas tudo o que propõe sai errado. Espécie
de Da Vinci gauche, suas invenções para maximizar a colheita de alimentos são vítimas
de descrédito. Midas ao contrário, tudo o que ele toca vira pó. Até que em um certo dia é
confiada a ele a tarefa de recrutar guerreiros para combater os inimigos do formigueiro.
38
como uma Joaninha macho, um Louva Deus, um Bicho Pau, uma Lagarta, uma Viúva
Negra, uma Borboleta...
Todos artistas sem projeção, atuantes em produções sem glamour, sem dinheiro
e totalmente desconectados do mainstream e do esquema de grandes espetáculos.
Todavia, todos artistas que fazem de suas artes a essência de suas vidas, fazendo da
encenação o objeto primeiro de suas existências.
39
Daí o grupo regressa e depois de uma luta imensa os gafanhotos são expulsos.
Não pelo pássaro fictício, que como todo plano de Flik acaba por naufragar. E sim,
de modo derradeiro quanto ao algoz Hopper, por um pássaro de verdade que faz do
gafanhoto líder comida para passarinhos filhotes.
O formigueiro está liberto mediante uma ação guerreira cênica e visual, que tem
o poder de despertar sentimentos então adormecidos nos corações de todos.
A Arte da Guerra
Em fins de 2012 e início de 2013, o líder norte-coreano Kim Jong-
un recrudesceu para todo o mundo o seu discurso contra os inimigos
do Ocidente, em especial contra os Estados Unidos e seus aliados no
Oriente Médio e demais países da Oceania, Coréia do Sul e Japão. A
ordem do “grande líder” era guerra contra os algozes do povo norte-
coreano.
E restou à imprensa global ironizar veiculando que o único e solitário tiro ouvido
no país de Kim Jong-un fora o deflagrado a fim de iniciar uma maratona. Na mesma
data, nada de exercícios com armas nucleares na televisão do país, e sim imagens de
uma dança tradicional encenada em imenso grupo pela população local.
Também, os exércitos são entidades não mais concretas como nas grandes
guerras do passado e, quando existentes, igualmente se dão à simulação imagética.
Na invasão do Iraque pelos Estados Unidos, aponta-se a existência de até 50.000
40
“soldados” terceirizados a serviço do Pentágono em solo iraquiano, contratados pela
empresa Blackwater (Scahill, 2008). Quantos “artistas de circo” não existiriam entre
estes mercenários alugados para combater na epopeia circense da Guerra ao Terror?
Jean Baudrillard (1997, 2003) é um dos que elenca este caráter de hiper-realidade
aurática concedido aos objetos e transcendente para com as sociedades, também
inseridos e visualizáveis no contexto de guerra. No caso da ameaça à comunidade de
Flik e Atta, a ideologia da defesa deu-se pela espetacularização da brava performance
dos atores circenses, alçados à categoria de bravos guerreiros por seu dotes de caserna,
anedóticos e midiatizáveis na comunidade.
Flik sabia da farsa, mas foi impotente (ou dissimulado) para dissuadi-la a tempo.
Manter o simulacro de bravura e destemor era mais importante, ou necessário, naquele
momento. E Como na ameaça nuclear de Pássaro real no formigueiro
A epifania do ataque liderado por Flik e sua trupe de artistas é essencial para a
harmonização daquele coletivo, aprisionado em uma rotina de espoliação pelos seus
inimigos, porém domesticados e acostumados a este sistema de servidão de modo
não muito diferente ao imposto pelo capitalismo transnacional à quase 7 bilhões de
habitantes do planeta.
Além das questões bélicas, Flik faz o papel de Professor Pardal da comunidade
de formigas. Seu intento, por vezes incompreendido, por vezes mal sucedido por
desastrado, é criar instrumentos para maximizar a produção. Engenhocas bem ou mal
arquitetadas, capazes de otimizar a colheita ou causar desventuras coletivas.
41
Mas não é a racionalidade instrumental de criar novas ferramentas e engenhos
o que vai salvar todas as formigas, da mais plebeia à Rainha- Mãe e a princesa Atta.
O que vai salvar a todos não é nem o acúmulo de produção destinado aos gafanhotos,
muito menos o poder militar do pássaro. Por salvar, leia-se, restituir a vida, aprisionada
ao cotidiano de modo de produção a qual o formigueiro está atrelado, ou condenado,
a viver.
42
Necessário reforçar que o próprio pássaro artificial gigante construído com o
intuito de afugentar os gafanhotos inimigos em uma estratégia de guerra imagética é,
ele mesmo, a grande obra de arte coletiva do formigueiro, espécie de totem para qual
o fazer envolveu todos os integrantes daquele grupo de pertença. Sua conclusão, como
ícone artístico-utilitário é celebrado por todos.
Os Incríveis
CCom sua força descomunal, o Senhor Incrível, ou Beto Pera, tem como rotina
proteger o próximo e salvaguardar o planeta. Ao menos enquanto o Estado a ele isto
permite.
Família Incrível
43
De volta ao suicídio: estilhaçando paredes luxuosas de vidro, Senhor Incrível
salva o homem que se joga de um arranha-céu. Mesmo sendo salvo, o homem reclama
que ficou ferido pela ação do super-herói. Revoltado por não ser aceito como assistente,
Bochecha/Gurincrível acaba por atrapalhar a ação de captura do bandido, levando o
Senhor Incrível a cair com uma bomba sob uma linha de metrô. A explosão arruína por
completo partes dos trilhos e o super-herói faz parar uma locomotiva em alta velocidade,
evitando mortes, todavia ferindo passageiros.
44
Uma misteriosa e sedutora mulher quer contratá-lo para uma missão sigilosa: desativar
uma versão do Omnidroid, robô dotado de inteligência artificial, mortífero e que saíra
do controle em uma sessão de testes feitos em uma ilha isolada.
Helena nota algo de errado e com a ajuda da excêntrica estilista Edna, que
inseriu localizadores de posicionamento global (GPS) nos uniformes de toda a família
Incrível, localiza o marido e parte em seu socorro. Escondidos da mãe, os filhos Violeta
e Flecha seguem juntos. Começa uma grande aventura que terminará com Síndrome
desmascarado e uma Metroville semi-destruída, porém salva pelo poder onipresente
dos super-heróis.
E é a inocência do bebê Zezé quem dá a lição final ao malfeitor Síndrome, uma vez
que mesmo os heróis salvando a cidade e o mundo, caberá aos políticos resolverem os
deles e os nossos destinos, como adverte o agente estatal do Programa de Recolocação.
45
referentes ao poder em diversas esferas, entre elas na dimensão do estado-nação e
também na dos afetos.
O mundo não pode prescindir dos heróis. É fato que eles povoam nosso imaginário
simulando nossas redenções e materializando nossos salvamentos individuais, coletivos,
oníricos ou reais. Mas em Os Incríveis os heróis são punidos justamente em virtude do
dom que possuem e da ação magnânima e heroica que executam. É o Estado Leviatã
como que na concepção de Hobbes (1998) que cerceia o direito de eles, os super-heróis,
realizarem seus atos heroicos.
46
que questionam o modo como foram salvos de um trágico fim, alegando ferimentos
inaceitáveis e dignos de reparação, todos de dolo proporcionalmente muito menor que
as mortes trágicas evitadas pelo herói.
Mas Síndrome quer um pouco mais, que é também promover a desaparição dos
heróis e a banalização dos atos de bravura por meio da multiplicação de armas na
sociedade. Assim todos seriam potenciais heróis e, deste modo e com este paralelismo,
ninguém mais o seria.
47
sonhava em ser herói (sim, porque homem feito o dinheiro lhe proporcionará este status
e este poder). Matar aquele que ele amara e lhe rejeitara, exterminar todos os heróis e
brilhar impassível como estrela solitária de uma constelação heroica dizimada é a meta
do infantilizado senhor das armas.
E, salvando Metroville, salvar o mundo. Mesmo que todo o esforço não garanta
a libertação dos heróis. E somente lhes reserve mais uma remoção a ser empreendida
pelo hobbesiano Programa de Recolocação.
48
Carros Relâmpago
e Sally
Deste modo, os três vencedores terão que correr nova prova, em uma semana,
na Califórnia. O vencedor leva dois prêmios: a taça da Piston Cup e o lugar do semi-
aposentado Rei Strip, na Dinoco.
Com a demissão coletiva de sua equipe, que não suporta sua arrogância,
Relâmpago fica sozinho. Restam sua soberba, o apoio de Mack, caminhão-carreta que o
conduz, e as palavras ausentes de Harve, seu empresário e advogado. Relâmpago não
tem amigos. E a imagem das dezenas de carros velhos e decrépitos que o aguardam
após a corrida no estande de seu patrocinador, a “loção” antiferrugem Rust-eze, causam
repugnância ao moço carro de corrida.
Carros de Radiator Springs
49
Finalizada a prova, rumo à Califórnia. O herói tem pressa de chegar logo ao destino
e assim tentar negociação antecipada com a Dinoco. Mack quer dormir, mas McQueen
sugere prosseguir viagem noite a dentro. Mack cai ao sono ao volante e o caminhão é
alvo de um grupo de jovens arruaceiros. A carreta balança na pista e sem querer provoca
a queda de Relâmpago. O herói está
sozinho perdido e acaba em um lugar
qualquer na lendária Route 66.
No outro dia, em Los Angeles, mistério. Onde estaria Relâmpago McQueen? Esta
pergunta é feita pela imprensa mundial? Mas enquanto o planeta procura pelo herói,
na esquecida Radiator Spring relâmpago é um desconhecido. A cidade sumiu do mapa
com a decadência da estrada mãe dos Estados Unidos. E junto com este sumiço, seus
habitantes desbotaram seus viços.
Vivem de memória. Perderam a
dimensão do futuro. Relâmpago McQueen
McQueen tenta fugir, é recapturado, quase morre de esforço para recapear a rua
que destruíra, e aprende lições de humildade e companheirismo. Mas seus principais
aprendizados serão o sentimental por meio da paixão que passa a sentir por Sally e
do exemplo de simplicidade e partilha que Doc Hudson lhe oferta. Doc, ex-carro de
corrida, ex-tricampeão da Piston Cup, cansado do mundo de celebridade descartável,
transmite-lhe a mensagem de valorização da essência das pessoas e das coisas, o que o
campeão Relâmpago desconhecia.
50
McQueen se envolve com todos. Além de Mate, que se torna seu grande amigo,
ele se aproxima de Flô, dona do posto de gasolina; de Filmore, viúva do fundador da
cidade; de Luigi e Guido, italianos da Casa Della Pneus; e de outros habitantes veículos
como Lizzie e Sargento.
Radiator Spring, fim do mundo, passa ser seu vasto mundo. Lugar de sua
revelação. Seu lugar.
Nos extras de Carros, o próprio John Lasseter, diretor do filme, conta emocionado
que o apelo da história tem forte ligação com suas reminiscências infantis. O pai de
Lasseter era trabalhador do ramo automobilístico e viajava de férias com a família
pelas autoestradas norte-americanas rememorando o típico movimento do pathfinder,
homem que explorou o território dos Estados Unidos em busca de conhecer o interior
prometido da terra do destino manifesto.
A idealização de Radiator
Spring é, desta forma, uma ação
corajosa de denúncia contra o
processo de morte dos lugares,
Carros em corrida
como nos sugere Davis (2007). De
acordo com o autor, na modernidade as cidades eram eldorados, pois que epicentros
da dinâmica econômica e local seguro diante de um campo repleto de perigos, com
ambiente hostil e natureza em estado selvagem e indômito. Porém, hoje, são as cidades
que são os habitats de uma ecologia do medo.
51
final do filme, percebe-se que são as metrópoles os lugares ameaçadores e adversos, e
não as pequenas localidades perdidas, repletas de afetos e solidariedades.
52
de se exercerem globalmente. Elas encarnam o resultado inacessível
do trabalho social, ao arremedar subprodutos deste trabalho que
são magicamente transferidos acima dele como sua finalidade: o
poder e as férias, a decisão e o consumo, que estão no começo e
no fim de um processo indiscutido [...]. O agente do espetáculo
posto em cena como vedeta é o contrário do indivíduo, o inimigo
do indivíduo, tanto em si próprio como, evidentemente, nos outros.
Passando no espetáculo como modelo de identificação, renunciou
a toda a qualidade autônoma, para ele próprio se identificar com a
lei geral da obediência ao curso das coisas. A vedeta do consumo,
mesmo sendo exteriormente a representação de diferentes tipos de
personalidade, mostra cada um destes tipos como tendo igualmente
acesso à totalidade do consumo e encontrando aí, de igual modo, a
sua felicidade (Débord, 2013).
Relâmpago McQueen não somente joga como se joga no jogo da Piston Cup. Claro
que a super exposição de sua imagem, o dinheiro e a tietagem o fascinam. Entretanto, o
que lhe atrai para as pistas não é somente a recompensa material ou narcísica. O que faz
de McQueen um carro de corrida único e por isso vitorioso é a sua completa paixão pelo
ato de correr, exercida por ele em cada prova, curva ou ultrapassagem como um ato de
coragem extrema em enfrentar adversidades e perigos. Para ele, sua vida se resume a
jogar, sendo a prova mais que um desafio, uma vez que é pelo componente lúdico do
ato de correr que ele se faz vivo.
Filmore
53
Está tudo muito bem, mas o que há de realmente divertido no jogo?
Por que razão o bebê grita de prazer? Por que motivo o jogador se
deixa absorver inteiramente por sua paixão? Por que uma multidão
imensa pode ser levada até ao delírio por um jogo de futebol?’
A intensidade do jogo e seu poder de fascinação não podem ser
explicados por análises biológicas. E, contudo, é nessa intensidade,
nessa fascinação, nessa capacidade de excitar que reside a própria
essência e a característica primordial do jogo. O mais simples
raciocínio nos indica que a natureza poderia igualmente ter
oferecido a suas criaturas todas essas úteis funções de descarga de
energia excessiva, de distensão após um esforço, de preparação para
as exigências da vida, de compensação de desejos insatisfeitos etc.,
sob a forma de exercícios e reações puramente mecânicos. Mas não,
ela nos deu a tensão, a alegria e o divertimento do jogo (Huizinga,
2000, pag. 6).
Doc Hudson abandonou o mundo das corridas não por causa de um acidente ou,
ainda, devido à futilidade do universo de espetacularização do circuito Piston. Estas são
as desculpas que o enredo do filme nos apresenta nos limites de sua narrativa ficcional.
O ato de bravura do campeão em abdicar do status de mito das pista se dá muito mais
pela completa perda, para ele, do referencial lúdico próprio dos autódromos.
54
HHá uma linha que por mais que difusa revela uma ligação entre quatro filmes da
Pixar: To Story 2 (1999), Monstros S.A. (2001), Wall-E (2008) e Carros 2 (2011). E esta
linha é a que se estende ao debate dos saberes evocados por estes filmes.
59
Toy Story 2
NNo futuro, pode ser que a paixão de Andy pelo boneco Woody se abrande, sendo
até mesmo o brinquedo jogado na lata do lixo, doado ou vendido como peça de bazar.
Mais adiante na sequência histórica de Toy Story, esta hipótese se confirmará, mas não
como ato de abandono, e sim como amorosa doação.
Mas até lá, o que fazer? Não se render ao tempo que tudo muda e buscar no agora
alternativas no horizonte de um incerto futuro? Ou dobrar-se e se voltar ao passado,
no qual a única certeza é o vivido e acessível pela memória, em especial pela memória
coletiva?
Encontrar esta razão será a difícil escolha do caubói de pano. As marcas do tempo
já se fazem presentes na estrutura do brinquedo preferido do menino. Brinquedo Woody
que, em virtude de um ato de companheirismo – a salvação de um colega Pinguim de
borracha que ruma para ser vendido – se vê igual e acidentalmente colocado à venda,
acabando por ser sequestrado pelo vilão Al McWhiggin.
Mineiro, Jessie e Bala no Alvo vivem, há anos, nas trevas do interior das caixas
guardadas por Al, aguardando a tão esperada chegada do último item da coleção.
Suas vidas são puras lembranças, evocadas por
propagandas, vídeos e peças promocionais da
série televisiva.
60
que Al McWhiggin execute seu plano: vender a coleção, na íntegra, ao museu no Japão
que paga quaisquer valores pelo catálogo histórico que possui bonecos e toda a sorte de
souvenir. Com a ida para o museu, lugar de memória, o grupo será idolatrado, algo que
há tempo nenhuma criança o faz.
Mas com sumiço de Woody os bonecos, liderados pelo astronauta Buzz Lightyear,
saem em seu resgate enquanto Andy passa alguns dias em seu acampamento de férias.
Buzz e os demais identificam o sequestrador e partem em seu encalço. Woody é levado
para a casa de Al e lá ocorre o encontro revelador do caubói com Jessie, Bala no Alvo
e Mineiro.
Woody se descobre, pois constata que fora um astro de televisão. Sua vida de
brinquedo de um dono, por inteiro, ressignifica-se. O passado o convida a um futuro
diferente. E o dilema se define entre voltar para Andy e contrariar seus amigos do
Velho Oeste, ou abdicar do amor do menino e seguir para um retiro em exposição
permanente junto aos seus semelhantes, a despertarem lembranças de gerações de
turistas e visitantes do museu.
Mas no reencontro, Woody faz sua escolha e prefere seguir para o museu e ser
objeto de memória. Ao abraçar a alternativa de ser venerado em uma sala de exibição,
o caubói abre mão de um amanhã incerto e possivelmente descartável, análogo ao que
se passou com Jessie, hoje amarga por ter sido abandonada
há anos por sua ex-dona.
61
Uma perseguição se prolonga até o aeroporto e somente termina com o fim de
Mineiro entregue a uma menina detentora de Barbies, e com o resgate de Jessie, já
dentro do bagageiro do avião que taxia para levantar voo em direção à Ásia.
Woody volta para Andy junto a todos os demais brinquedos, inclusive Jessie
e Bala no Alvo, incorporados à coleção do menino e de sua irmã. Entre a frieza do
estrelato de museu e o calor da temporal paixão infantil, o caubói fez sua escolha. Al
McWhiggin perde sua grande venda e os brinquedos reconquistam suas razões de vida.
Mnemosine
62
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há
memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso
manter aniversários, organizar, pronunciar elogios fúnebres, notariar
atas, porque essas operações não são naturais. (Nora, 1993, p. 13).
O Mineiro convence o caubói. E ele decide partir com os seus de origem: o velho,
o cavalo e a mocinha. Em verdade, Woody, até então, era um ser sem referencial de
memória pessoal e, principalmente, de memória coletiva. Sua vida não se dividia entre
diversos antes e depois. Ela somente se materializou em suas lembranças no momento
posterior de seu desembalar por Andy.
Mas mesmo assim falta ao boneco, justamente, a partilha que nos faz sentirmos
membros de um mesmo grupo e circunscritos no mesmo círculo de recordações grupais,
comunitárias ou societárias, todas
Al McWhiggin travestido de galinha
emancipadoras. Falta-lhe este saber
imprescindível ao ser humano, o
qual só é conhecido pelo caubói no
instante mágico em que ele conhece
a coleção de Al McWhiggin.
Woody parece ter encontrado este amparo ao conhecer o Mineiro, Jessie e Bala
no Alvo.
63
Um homem, para evocar seu próprio passado, tem frequentemente
necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta
a pontos de referência que existem fora dele, e que são fixados pela
sociedade. Mas ainda, o funcionamento da memória individual
não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as
idéias, que o indivíduo não inventou e que emprestou de seu meio
(Halbwachs, 1990, p. 54).
Andy desconhecia por completo esta faculdade. É natural, portanto, que o apelo
de Mineiro, de Jessie e de Bala no Alvo lhe seduza ao lhe proporcionar um intenso
retorno, um mergulho inédito e inesperado em seu passado compartilhado entre os
demais bonecos da série e milhares de pessoas ao redor do mundo. Inclusive no Japão.
64
O tempo em que se dizem os mitos e o tempo em que se cultuam
os mortos também se caracterizam por ser uma composição de
recorrências e analogias. A sua nota principal é a reversibilidade.
Reversibilidade que é estrutural, pois abraça retornos internos.
[...] A reiteração dos movimentos, feita dentro do sujeito, faz com
que este perceba que o que foi pode voltar: com essa percepção
e com o sentimento da simultaneidade que a memória produz
[...] nasce a ideia do tempo reversível. O tempo reversível é,
portanto, uma construção da percepção e da memória: supõe o
tempo como sequência, mas o suprime enquanto o sujeito vive
a simultaneidade. O mito e a música, que trabalham a fundo
a reversibilidade, são “máquinas de abolir o tempo”, na feliz
expressão de Lévi-Strauss (Bosi, 1992, p. 27).
65
Monstros S. A.
UUma crise de energia é iminente e
Monstrópolis tem como principal matriz
energética o grito aterrorizado de crianças,
coletado pelos horripilantes funcionários
da empresa Monstros S.A.. É este grito
que gera energia elétrica e faz toda
a cidade funcionar. Sem ele, que já
se encontra escasso devido a baixa
capacidade atual da infância em
sentir medo, tudo para na cidade em
um apagão energético de trevas e de
caos. Mike e Sulley
Nada mais choca as crianças como antes chocava. E se o temor infantil é cada vez
mais raro, resta buscar formas de amplificá-lo.
Mas a ciência, de trajeto tortuoso e incerto, mais uma vez se mostra como
construção e, por este motivo, falha em sua narrativa. Em verdade o riso de uma criança
tem poder energético 10 vezes superior ao seu grito amedrontado.
66
por um aparente descuido uma menina atravessa a porta entrando no universo dos
monstros. O terror se instala na cidade.
Vigilância e controle da CDA que são totalizadores. A cada mero indício de vida
infantil, agentes com pesados artefatos correm em busca de descontaminação dos locais
onde, supostamente, meninos ou a meninas, ou quaisquer objetos por eles ou por elas
tocados, tenham sido encontrados.
67
E fica decretado por Roz que os subterrâneos do caso jamais deverão vir a público.
O jogo inaparente da política, da economia e em especial da ciência deve ficar ocultado
da população.
Cegueiras do Conhecimento
68
engendrada pelo assustador Randall em associação com o leviano presidente da
Monstros S.A., o Sr. Waternoose.
Admitamos que a sucção, uma vez que ameaça a segurança nacional ante a
alardeada extrema letalidade do contato dos monstros com meninos e meninas (todos
armas de destruição em massa), até que merece ser tratada como questão de Estado.
69
E além deste fator ambos foram incapazes
de, por meio de todo o arcabouço tecnocientífico à
disposição na mega empresa, perceberem o sentido
inverso – e errado de todo – da pesquisa científica a
que se dedicavam. Recursos, tempo e pulsões foram
gastas pela dupla em direção oposta ao que seria
efetivo quanto à resolução da crise energética da
cidade.
70
A chegada da menina Boo é o passaporte para esta descoberta feita aos poucos
pela dupla, sem descartar o medo do desconhecido e o potencial complexo da visão de
progresso da ciência e do conhecimento. Sim, porque em Monstros S. A. a mensagem
implícita é de uma irrazoabilidade quanto à idéia de que as crianças contêm algo de
químico-biológico e mortífero em relação à vida monstro.
71
Wall-E
AA humanidade não mais habita o planeta. Tomado pelo lixo, o mundo, quase
se findou. Ilusões do consumo provocados pela mega corporação Buy-n-Large (BnL)
fazem com que no ano de 2805 em toda a superfície terrestre não mais sobreviva nem
um ser vivo sequer.
Aqui, na superfície do globo, o caos não é mais pai da criação.
E é neste ecossistema que uma unidade solitária do robô Waste Allocation Load
Lifter - Earth Class (algo como Levantador de Carga e Distribuição de Dejetos - Classe
Terra), ou Wall-E, “vive”, quase sem fala. Sua rotina é compactar lixo, empilhá-lo, e
repetir este movimento ad infinitum, como em uma alegoria do mito de Sísifo. Em sua
“casa”, lembranças de uma humanidade perdida são evocadas pela máquina por meio
do cinema, com o musical Alô Dolly (1969) de Gene Kelly sendo o veículo de (nossas)
reminiscências enquanto espécie.
Na Terra, na vida e na morada, uma barata e uma planta são as vivas companhias
sobreviventes de Wall-E.
Até que dos céus surge a nave que deixa na terra a robô Eva. E ela é enviada pela
Axiom, veículo interplanetário construído pela BnL, simulacro de habitat que recebeu
todos os humanos após a diáspora da terra sucumbida.
A missão de Eva no planeta sem vida é encontrar um ser vivo, uma planta, objeto
sagrado que ao ser encontrado será a prova de que o ser humano poderá viver mais
uma vez na Terra, quase um milênio depois. Se uma planta nasceu, a fertilidade do solo
se regenerou, não sendo mais inviável uma nova habitação do solo terrestre. Uma nova
humanização, enfim, voltara a ser possível.
Humanização porque na Axiom, controlada por um cérebro artificial tirano e
robô, humanos obesos, sedentários e inebriados por uma vida de ultra consumo e hiper
tecnologia sequer mais andam, sequer mais amam, sequer quase mais vivem. A nave
foi construída pela BnL para ser a morada infalível e universal, catedral do consumo e
da letargia. Sair dela e repovoar a Terra é a pretensão onírica. Um capitão guia a nave
e espera ser como Moisés, protagonista de um novo Êxodo.
Humanidade na Axiom
72
E Wall-E, solitário, já havia
encontrado uma diminuta planta. A
chegada de Eva desperta a paixão humana
Capitão da Axiom
na pequena máquina de compactuar
detritos. Wall-E, pleno de amor e sem
saber, presenteia Eva com a fonte da vida.
A robô entra em epifania, com o símbolo
verde do viver aceso no peito. Enfim,
a Terra será repovoada. Mas para isso
é necessário levar a materialização da
possibilidade de viver para a nave mãe.
Eva é resgatada por um veículo
que a conduz até a Axiom. Louco de amor,
Wall-E se agarra ao equipamento e segue
viagem para se juntar à Eva. Na nave,
o capitão descobre a planta e, enfim,
poderá conduzir a humanidade de volta a
sua morada original. Entretanto, o piloto automático da Axiom, o computador Auto, é
contra o plano e tentará não mais reabitar o planeta.
O capitão se anima com a descoberta, mas Auto ordena que a planta seja roubada.
Wall-E se indigna e luta para preservar tanto a planta, como sua paixão por Eva, que
não compreende os atos do robô. Mas quando ela percebe os planos de Auto, reconcilia-
se com Wall-E. Agora, o robô tem uma aliada.
Antes lançado para fora da Axiom, Wall-E e Eva conseguem voltar para a nave
mãe. A meta é devolver a planta para o capitão, inseri-la no equipamento chamado
holo detector e dar início ao mitológico hiperssalto, mergulho galáxia a dentro rumo ao
planeta Terra.
O capitão da Axiom é pura nostalgia consultando imagens de uma humanidade
que, em sua visão, já passou da hora de se reconstituir. Mas Auto, cérebro eletrônico,
tem não só um plano como se rebela contra o comando humano da nave. O capitão não
consegue mais capitanear, Wall-E e Eva devem ser exterminados e o destino do sapiens
deve ser a inércia high tech possibilitada pelo capital e pelo consumo da BnL.
Uma luta se instaura, com o capitão, consciente de sua tarefa neste decisivo episódio
da humanidade, enfrentando Auto. Padrão da subespécie criada em oitocentos anos de
Axiom – obesos sem movimentos e sem sensibilidade – o capitão surpreendentemente
reage. Enquanto isso, Wall-E é massacrado pelos dispositivos e pelas máquinas sob o
comando de Auto.
No ponto central da Axiom uma batalha é travada. Auto prende Wall-E na entrada
do holo detector. O robô é esmagado, sendo liberto após a ação de Eva. A planta é
lançada ao compartimento. E, assim, a nave começa sua jornada emergente de volta ao
planeta há mais de oito séculos não habitado.
Em solo terrestre, Eva reconstitui Wall-E fisicamente com peças de reposição.
Falta reconstruir a memória, já que o ato de esmagar danificou muito a cognição do
73
único compactador de lixo restante após anos de solidão e completo vazio humano no
planeta. Um gesto de paixão faz soltar uma fagulha elétrica, e a memoria do robô se
reconstitui. Eva e Wall-E, Wall-E e Eva, como em Alô Dolly, poderão enfim viver uma
paixão de cinema.
E aos humanos resta a hercúlea tarefa. Repovoar, reconstruir, humanizar
um mundo por todos desconhecido, que um dia foi dilacerado pelo consumo nada
sustentável.
Wall-E
74
Encontrar uma planta, por mais diminuta que seja, será se deparar com um sinal
sagrado de vida, talvez de religação com divindades, talvez de incitação a uma nova
cosmogonia, ambas capazes de reabilitar a vida humana, animal e vegetal, enfim a vida
plena no planeta.
Eva, a robô por quem Wall-E se apaixona (a sua Barbra Streisand, materialização
imaginária do onirismo oriundo de sua fixação no musical Alô Dolly), terá este papel
messiânico fundamental e precisará de todo o empenho do robô amado para ser a
portadora da mensagem do novo Êxodo.
Mas enquanto isso não ocorre, somente Wall-E e uma barata parecem ter
sobrevivido à desgraça travestida de benesse vendida (e comprada por todos) pela
megacorporação da tecnologia e do varejo chamada Buy-n-Large.
Com a saída integral da população após a ruína do mundo, outra solução
casada com a maximização da cultura de consumo fora ofertada e implementada
(comercializada) pela tirana empresa: a construção de uma nave espacial para abrigar
toda a população global, a ser satisfeita pelos produtos e pelas tecnologias da própria
BnL.
Produtos que
aplacam desejos universais
dos habitantes da nave
chamada Axiom, espécie de
Canaã ultra tecnológica e
informacional, responsável
por manter vivo enquanto
espécie, por cerca de 8 Eva
75
No comando da Axiom está um cérebro eletrônico, autônomo supremo que a tudo
governa, inclusive se rebelando quanto ao líder humano do grupo, o capitão da nave
mãe. A sua natureza orwelliana faz de Auto um opressor. Nem mesmo o comandante
consegue domá-lo. E esta entidade eletrônica algoz tenta barrar o hiperssalto e assim
negar a recolonização do mundo. Tudo em prol da perpetuação da compra e venda sem
fim patrocinado pela BnL, e que nos legou uma terra morta.
Homens, mulheres e robôs foram subjugados e catequisados a uma vida para o
consumo (Bauman, 2008a). A multiplicação das ações de consumo e a conversão dos
cidadãos em consumidores, inclusive com o intricado jogo de auto afirmação embutido
no ato de consumir exige que os sujeitos sejam, também eles, vendáveis. Mais ainda,
tais sujeitos vendáveis nunca devem se dar e nunca se dão por satisfeitos, encontrando
a instância suprema do mercado sempre apta a satisfazê-los com mercadorias.
Paulatinamente, criam-se cada vez mais objetos e necessidades, mesmo que
artificiais, para serem satisfeitas nas lojas, supermercados e sites de e-commerce.
Amplifica-se o ato de comprar e também se cria o fenômeno da obsolescência permanente
dos objetos, com seus descartes e substituições sendo ações de conforto ao egocentrismo
e à exacerbação do desejo de exposição inerente a esta sociedade.
Consumimos muito, não somente de modo irresponsável, como também
hedonista, levando, de acordo com o filme, a Terra ao desaparecimento total da espécie
humana e fazendo o castigo de Sísifo recair sobre o último ser sensível a habitar o
planeta: o coletador e compactador de entulho Wall-E.
O fruto de nosso descarte fez apodrecer o solo e dizimar de homens, mulheres,
animais e plantas. Talvez neste quesito resida um dos grandes saberes apresentados
nesta produção da Pixar. Aquele que nos força a pensar no ato de responsabilidade, e
não de narcísica celebração, que é comprar em excesso e jogar os produtos no lixo.
76
Consumidores plenos não ficam melindrados por destinarem algo
para o lixo; ils (et elles, bien sûr) ne regrettent rien. Como regra,
aceitam a vida curta das coisas e sua morte predeterminada com
equanimidade, muitas vezes com um prazer disfarçado, mas às
vezes com a alegria incontida da comemoração de uma vitória. Os
mais capazes e sagazes adeptos da arte consumista sabem que se
livrar de coisas que ultrapassaram sua data de vencimento (leia-
se: desfrutabilidade) é um evento a se regozijar. Para os mestres
dessa arte, o valor de cada objeto e de todos eles está tanto em suas
virtudes como em suas limitações. As falhas já conhecidas e aquelas
a serem (inevitavelmente) reveladas graças a sua predeterminada
e preordenada obsolescência (ou envelhecimento “moral”, para
distinguir do envelhecimento físico, na terminologia de Karl Marx)
prometem uma renovação e um rejuvenescimento iminentes,
novas aventuras, novas sensações, novas alegrias. Numa sociedade
de consumidores, a perfeição (se tal noção ainda se sustenta) só
pode ser uma qualidade coletiva da massa, de uma multiplicidade
de objetos de desejo; o prolongado ímpeto da perfeição agora
requer menos o aperfeiçoamento das coisas do que sua rápida e
profusa circulação. E assim, permitam-me repetir, uma sociedade de
consumo só pode ser uma sociedade do excesso e da extravagância
– e, portanto, da redundância e do desperdício pródigo (Bauman,
2008a, p. 112).
A sociedade global pagou muito caro por esta abundância e por esta extravagância.
Mas graças a Wall-E e a Eva (como Adão e Eva no Gênesis) e ao que restou de consciência
e sensibilidade humanas no capitão da Axiom, o hiperssalto foi possível e a reconquista
do planeta tornou-se realidade.
Que não tenhamos o mesmo destino. Que aprendamos com estes saberes.
Wall-E e Eva
77
Carros 2
UUma intriga internacional que tem como pano de fundo a necessária utilização
em escala global das chamadas energias limpas amarra o enredo de Carros 2. Um vilão,
o mega empresário Miles Eixo de Roda, promove um campeonato de corridas para
publicizar o uso do novo combustível renovável por ele desenvolvido, chamado de
Allinol.
Mas antes uma ação de espionagem britânica está em curso. O agente inglês Finn
McMissile descobre em alto mar um conjunto imenso de plataformas de petróleo, nas
quais o temível Professor Zündapp faz experimentos, sob salvaguardas de um grupo
de carros velhos, pobres e de modelos fora do ano, todos movidos à gasolina comum.
McMissile é descoberto, consegue fugir ao modo James Bond 007, mas não desvenda
o mistério.
Em Tóquio, está para ocorrer a primeira prova do World Grand Prix de Miles Eixo
de Roda, com todos os carros movidos a Allinol, combustível ambientalmente sustentável,
não derivado de petróleo. Relâmpago McQueen, ainda arrogante, envergonha-se com o
comportamento espontâneo, atrapalhado e caipira de um Mate sem riqueza financeira
78
e sem modos refinados, que se deslumbra com o universo milionário e midiático das
corridas de automóvel cometendo inúmeras gafes.
E será em Tóquio, na primeira corrida do World Grand Prix, que o agente inglês
McMissile e sua assistente Holley buscarão pistas sobre os planos malignos do Professor
Zündapp. Um espião norte-americano entregará uma pista valiosa à dupla. Porém, há
um equívoco e ambos se deparam com o atrapalhado Mate, pensando ser ele o agente
da CIA ou do FBI, ali infiltrado na prova de corridas disfarçado de membro da equipe
de Relâmpago McQueen.
Holley passa instruções por fone de ouvido a Mate, que já enamorado dela se
confunde e reproduz as falas no microfone conectado ao campeão Relâmpago. McQueen
ouve as instruções, toma as atitudes erradas
e perde aprova. Raivoso discute com o Mate
que, humilhado, tenta voltar para a sua
Radiator Springs.
Nesta busca por elucidar a trama ordinária os agentes secretos McMissile, Holley,
e também Mate, percorrem Paris, localidades na Itália e, por fim, Londres. Enquanto
isso os carros de corrida que participam do World Gran Prix e são movidos a Allinol
explodem sem explicação durante as provas.
O que ocorre é que estes corredores são vítimas de sabotagem pelos criminosos
orientados por Zündapp. Nas primeiras cenas do filme, McMissile identifica um artefato
similar a uma câmera, que é um emissor de raios capaz fazer o Allinol dos carros de
corridas entrar em combustão e, assim, explodir.
No meio da confusão,
Relâmpago McQueen vence uma
disputa sobre Francesco Bernoulli,
acirrando a competição entre
ambos. Mas a mesmo tempo em que
comemora a conquista, o campeão
79
sente falta do amigo caminhão reboque. Mate, involuntariamente, está envolvido na
investigação sigilosa, estando prestes a protagonizar o seu desfecho.
Após a prova vencida por Relâmpago e que teve Bernoulli como segundo colocado,
na qual todos os carros ou explodiram sabotados, ou se envolveram em acidentes, o
uso do combustível limpo Allinol é por demais criticado devido a um possível risco de
explosão próprio e desconhecido em seu uso.
Relâmpago entra na
lista de morte da quadrilha de
Zündapp. Mas a tentativa de
matá-lo por meio da explosão
do Allinol durante a corrida
em Londres fracassa. A esta
Carro velho a serviço da trama de Zündapp e Miles Eixo de Roda
altura, os espiões – McMissile,
Holley e o neófito Mate, foram
presos pelo bando do gangster e amarrados às engrenagens do Big Ben. E como os
criminosos sabem que um McQueen cheio de remorso irá ao encontro de Mate, a saída
para eliminar Relâmpago foi acoplar uma bomba ao caminhão reboque que deverá
explodir e matar o campeão.
Os espiões se libertam e prendem Zündapp. Mas ele não sabe desarmar a bomba,
desarmável por comando de voz e que não reconhece o tom do Professor. Ora, quem
é então o malfeitor e qual é o plano em curso? Quem descobre é Mate, que revela o
verdadeiro vilão da história: o empresário Miles Eixo de Roda. E a meta dele seria
desacreditar mundialmente as tecnologias limpas mediante o fracasso proposital do
Allinol.
80
Pobre Verde
81
seria condenável porque anti-ética, mas
seria lucrativa diante do fato de que a
grande maioria dos automóveis “vivos”
imprescindiam e imprescindem de
gasolina e diesel para sobreviver.
Por quê?
82
O plano de Miles Eixo de Roda inicialmente dá certo porque conta com o auxílio de um
coletivo de carros velhos, prestes à aposentadoria, com escassez de peças de reposição,
que se une ao mal magnata a fim de realizar trapaças, mas também, no fundo, em
defesa de seus “direitos à alimentação”.
Espião por acaso, Mate detém um conhecimento precioso, o qual nem Finn
McMissile, nem Holley, possuem. Mate é um destes carros velhos consumidores de
gasolina e diesel, que seriam vitimados caso o Allinol imperasse como combustível
totalizante. E por ser um carro velho, além de ser um reboque, ele é especialista em carros
obsoletos e suas peças de reposição. Este saber que falta a dupla de espiões, fruto de
uma inata sensibilidade social vivida
por analogia pelo caminhão caipira
– reconhecer-se em seu semelhante
– é fundamental para o sucesso da
investigação transnacional.
A supracitada Conferência
das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável,
Rio+20, ocorrida em junho de 2012
na capital fluminense, colocava a
questão da erradicação da pobreza como um dos eixos de destaque para os debates do
evento e para o futuro da sociedade.
83
oportunidades de complementaridade e de sinergia com outros
esforços internacionais, englobando atividades e programas
para atender às diferentes realidades de países desenvolvidos e
em desenvolvimento. É importante relembrar que a redução das
desigualdades – em nível nacional e internacional – é fundamental
para a plena realização do desenvolvimento sustentável no mundo
(Rio + 2013).
84
85
PPor paroxismo compreende-se o ápice de uma sensação, de um sentimento, de um
episódio. O paroxismo é o momento do mais alto degrau de determinada experiência,
por vezes imprevisível, por vezes multifacetado perante nossas vidas.
88
havia efetivado em vida e enquanto homem jovem com a esposa agora morta, que é
conhecer o Paraíso das Cachoeiras, na Venezuela, e realizar o sonho de infância. Russell,
o menino carente de afeto paterno, não escapa deste momento de inflexão, recebendo
a aventura de acompanhar Carl – e salvar a ave Narceja, aspecto científico-político da
narrativa – como passaporte para um novo tempo de relação filial.
Situações limite nas quais o possível se extrapola para que o impossível se faça
realidade ao menos na tela e nos ajude a compreender nosso mundo. Procurando Nemo
(2003), Ratatouille (2007), Up – Altas Aventuras (2009) e Toy Story 3 (2010) revelam-
se como narrativas nas quais as situações parecem se exacerbar ao máximo, e ao se
exacerbarem revelam a necessidade de desenvolvermos uma ética da compreensão
própria ao contemporâneo.
Uma compreensão que admita, frente aos paroxismos que o contemporâneo nos
impõe, o impossível de se compreender da forma como tradicionalmente aprendemos o
que deve ser a compreensão.
Às histórias e às visões.
89
Procurando Nemo
UUma fábula de superação encobre a crítica relação entre pai e filho.
Marlin é um peixe viúvo. Um ataque de um peixe predador matou sua esposa,
Coral, e todas as centenas de ovas que o casal possuía. Restou apenas uma: Nemo,
que nasceu defeituoso de uma nadadeira, e que seria por toda a sua vida alvo da
superproteção do pai.
O filho foi desautorizado na frente dos amigos de escola e como prova de sua
independência perante o pai nadou para domínios até então desconhecidos. E foi neste
momento que o pior aconteceu. O nadador escolheu justamente Nemo como ornamento
para seu aquário de consultório.
Uma única inscrição nos óculos de natação do dentista é a pista para que o
reencontro e o resgate ocorram. E a mensagem de um pai aguerrido em busca do filho,
mitológica, difunde-se por todo o mar, sendo compartilhada por todos os seres da cadeia
marinha.
Dory e Marlin
90
Nemo está sem saída, trancafiado em entre quatro paredes de vidro, recebendo
a solidariedade de seus novos amigos de cárcere: Gill, um mourisco, líder do grupo;
Bloat, um baiacu; Peach, uma estrela do mar; Jacques, um camarão ávido por limpeza,
Gurgle, um peixe Royal, e outros seres aquáticos muito amistosos.
Dory, aliás, com brilho próprio exerce o contraponto do pai atormentado. Sua
leveza sinaliza a incerteza do destino e as incontáveis contingências da vida, repleta de
desrazões, reviravoltas, redimensionamentos Tubarão ameaça a dupla
O pai suporta todas as vicissitudes de uma jornada sem roteiro, com destino, mas
sem conclusões sobre como e sobre o que encontrará no ponto final.
Já liberto das mãos do dentista, contando para isso com um plano meticuloso
criado por Gill e apoiado pelo grupo do aquário, Nemo ainda precisa provar para o pai
sua independência.
E é isso o que ele faz ao se doar para a salvação coletiva de um grupo de peixes
presos em uma rede pesqueira, com firmeza, principalmente ajudando a liderar o
imenso grupo de peixes resistentes ao cativeiro.
Com o retorno ao habitat natural, um novo tempo se inicia para filho e para pai.
91
Mares de Solidariedade
92
e a dele. O inimigo é produzido por cegueira às vezes unilateral, mas
que se torna recíproca quando respondemos com uma inimizade que
nos torna igualmente hostis. É verdade que os egocentrismos e os
etnocentrismos, que suscitaram e não cessam de suscitar inimigos,
são estruturas inalteráveis da individualidade e da subjetividade,
mas, assim como essa estrutura comporta um princípio de exclusão
no eu, ela comporta um princípio de inclusão num nós, e o problema
chave da realização da humanidade é ampliar o nós, abraçar, na
relação matri-patriótica terrestre, todo ego alter e reconhecer nele
um alter ego, isto é, um irmão humano (Morin, 2003a, p. 167-168).
Marlin empreende sua busca e nela se depara com inúmeros perigos e ameaças.
Mas uma rede de solidariedade se
forma em seu entorno, colaborando
para que ele alcance seu objetivo.
Peixes, animais marinhos e até não
marinhos dão sua cota de colaboração
para com o gesto heroico do pai
envolto em sofreguidão e, mesmo
assim, em esperança.
93
Nemo preso no
aqauário em Sidney
Mas para além de Marlin e Nemo, há um outro personagem que merece destaque
na trama. E este é caso do peixe fêmea Dory. Portadora de amnésia anterógrada, Dory
não se lembra dos acontecimentos recentes, esquecendo-se do que dissera ou fizera
minutos antes. Além deste distúrbio, o peixe apresenta leve carga de autismo, mesmo
que por vezes meio às avessas, já que Dory tem dificuldade em se comunicar em virtude
dos excessos de suas falas e da rapidez e desconexão de seu raciocínio.
Dory será a companheira de Marlin na viagem sem roteiro fixo rumo a resgatar
Nemo. E quantos momentos de apuros Dory proporciona a Marlin, devido as confusões
que faz a dupla de meter. E quanto momentos de doçura, sabedoria e orientação Dory
proporciona a Marlin devido as inconstâncias e incompreensões que seu comportamento
tido como anormal leva a dupla se salvar. Em Procurando Nemo, Dory, irracional, louca,
94
descomedida, é o contraponto de Marlin, centrado, dono da razão, cartesiano.
Tão solitária quanto o peixe pai, Dory se associa a Marlin fazendo-o redescobrir
forças e quebrar barreiras que traumas anteriores lhe impediam de romper. Unir-se
a criaturas tão diferentes de si em busca de um objetivo pessoal, e ver este objetivo
pessoal ganhar em uma espiral solidária a adesão do cosmos marinho, demonstram a
viabilidade e a necessidade da união dos seres. Sejam homens, sejam peixes.
Dory
95
Ratatouille
Rémy é um rato que sonha em ser chef. Linguini é um jovem órfão que não
sonha. Gusteau foi um grand chef que, como grandes homens da história, quis mostrar
em vida que nosso desejo é alcançável, sempre. “Qualquer um pode cozinhar” diz a
fala e o livro de Gusteau, inclusive o ratinho do interior da França que na infância foi
farejador de veneno a evitar a morte coletiva dos seus. E ser chef é o sonho que Rémy
perseguirá, com sucesso.
Linguini é filho de Gusteau, mas não sabe disso. Sua mãe morre e lhe indica para
o atual chef do Gusteau’s, o mal caráter e ganancioso Skinner, cuja maior preocupação
é transformar a imagem do grand chef morto em uma marca vulgar e mercenária de
congelados. Linguini ganha um emprego de faxineiro no restaurante e, ao desgraçar
Luminoso do restaurante Gusteau’s, em Paris
96
uma sopa, é salvo pelo rato Rémy, que assiste a desventura do rapaz desengonçado.
Como bom gourmet, Rémy acresce ingredientes à panela e cria uma nova sopa ultra
elogiada no restaurante, sendo esta façanha creditada à Linguini.
Skinner descobre a filiação de Linguini e tenta sabotá-lo de todo modo, mas Rémy
atrapalha o plano do inescrupoloso de herdar o restaurante na condição de sous chef.
Gusteau tem herdeiro e o rato descobre o seu testamento. Linguini passa de empregado
a dono do lugar. Ele ganha fama, se une a Colette, mas renega o ratinho.
Eis que Anton Ego, que havia rebaixado o Gusteau’s, resolve desafiar o novo
jovem chef. Mas Rémy e Liguini se desentenderam desde que, sentindo-se esnobado,
Rémy permite um saque à dispensa do restaurante por parte de toda a sua comunidade
de ratos. E agora, o que fazer? O mais temido e mal amado crítico gastronômico do país
está, impiedoso e sádico, à mesa do jantar. Mesmo brigado e perseguido por Skinner,
Rémy se rende a sua paixão pela cozinha e vai em ajuda de Linguini.
97
O que de melhor oferecer a Anton Ego: uma ratatouille. Prato simplório de
legumes do interior do país. E ao dar a primeira garfada na comida despretenciosa,
rancheira, rústica provençal, uma tormenta devassa o crítico com lembranças de sua
mãe, de sua infância, de uma felicidade irrefutável.
O crítico não acredita naquele gosto inigualável. Quer conhecer o chef, o que
Linguini e Colette só deixam acontecer no final quando a apresentam Rémy a um
Anton Ego satisfeito e atônito. Integralmente
desconcertado.
Um estranhamento
inicial marca todo o percurso
de Ratatouille (2007). E este
estranhamento primeiro se dá
pela linguagem. Constatação
importante, pois no universo
de filmes da Pixar, em geral,
humanos, demais animais e
seres inanimados ou até mesmo imaginários compartilham o código verbal do idioma.
Todos falam e tem suas falas compartilhadas entre si. Porém, isto não acontece entre
Rémy, rato verdadeiramente chef, e Linguini, falsário acidental da haute cuisine.
98
para que ambos alcancem seus objetivos e vivenciem seus instantes de irreversibilidade:
Rémy se tornar um chef de verdade e Linguini se converter em chef farsante, contudo
verossímel.
O antagonismo de Rémy é
essencial para a vida de Linguini.
E vice-versa. Com este estranhamento inerente à Rémy e Linguini, potencializado não
só pelo uso do idioma (no filme o rato pai de Rémy, Jango, é voz sempre contrária ao
homo sapiens), mas que é infinitamente maior porque se refere à condição de seres vivos
habitantes do planeta, Ratatouille nos leva a pensar no paroxismo de compreender,
enfim, a vida na Terra (Morin, 2011). Antagonismo que desemboca no final da história,
quando o restaurante é salvo por uma rataria em comunhão, que solene com seus
esforços coletivos e solidários, junto a humanos, faz com que Anton Ego se delicie com
a melhor ratatouille de toda a sua vida.
O crítico perverso – e por isso temível, e por isso fascinante – vive sua epifania
da forma mais inesperada que é provar a ratatouille materna produzida por um chef
desconhecido, que minutos depois se revelará como um simples, asqueroso e desprezível
roedor. A mãe, a infância, a casa de outrora, a sensação de segurança, prazer, redenção
e completude que um amor materno pode proporcionar afloram de tal maneira que
mudam o destino do crítico, em definitivo.
O paroxismo toca de tal forma Anton Ego que ele refaz sua vida, revê sua função
de crítico, faz uma afirmação da necessidade de aceitar o diferente e, sobretudo, o
100
novo. Rémy, o rato chef, é elemento secreto e implícito no texto que o jornalista publica
no dia seguinte à revelação e à reminiscência que ele vive no Gusteau’s. De certo,
para o crítico acostumado à deferência, e à solidão, aquele momento inigualável o fez
repensar sua existência. Exercício materializado na página do jornal. Confiram a crítica
escrita por Ego e veiculada na imprensa no dia posterior a sua experiência gastronômica
indescritível:
101
Up – Altas Aventuras
UUm amor de vida inteira que justifica a Carl e Ellie
Um amor de vida inteira que, por construção conjunta da vida a dois, despreza
as altas aventuras em prol da segurança material, representada pelo cofre sempre
esvaziado para o custeio das necessidades diárias. Até que chega a velhice. E na hora
de concretizar o sonho registrado desde a infância no álbum dos desbravadores juvenis,
a amada falece. Carl compra a passagem para a tão esperada visita ao Paraíso das
Cachoeiras, mas já é tarde demais. O bilhete fica inválido, pois Ellie morreu.
Posto o conflito, Carl se decide pela missão de vida em defesa da quase extinta
e ameaçada ave Narceja, abandonado a casa que carregara no local desejado, e se
lançando por inteiro na luta contra a famigerada sanha do antigo ídolo Charles Muntz.
E o menino ingênuo Russell se torna um auxiliar importante nesta missão.
Um amor de vida inteira que, por uma contingência, vê seus planos alterados.
No embate entre Carl Fredericksen e Charles Muntz, o vendedor de balões vence. A
ave se vê livre para viver e se multiplicar no Paraíso das Cachoeiras. A casa do casal,
solitária, ficará fincada no solo do Paraíso como registro da missão cumprida, mesmo
que com atraso de décadas e de vidas, porém jamais sem paixão, e com restos de
remorso acumulados pelo tempo perdido.
103
O ranzinza vendedor de balões, viúvo após um amor de vida inteira, vai, aos
poucos, reaprendendo a sentir. Volta a sorrir e passa seus dias a brincar com Russell,
seu filho não concebido, mas vivente por obra do acaso, por força de uma grande e alta
aventura.
A vida com Ellie ganha sentido, mesmo que paradoxalmente sem a presença física
de Ellie. Carl Fredericksen já é outro. O passado não mais lhe pesa e o futuro, o devir,
o aguarda com um amor de vida inteira que não morreu, mas que, sim, transmutou-se.
Carregar a casa nas costas, mesmo que suspensa em balões de gás, é a metáfora
que referencia o paroxismo de Carl Fredricksen. Ante a iminência do asilo e a presença
já duradoura da viuvez e da solidão, sobra-lhe o gesto derradeiro de voar com a casa e
as lembranças de Ellie rumo ao distante e quase inacessível Paraíso das Cachoeiras, na
Venezuela.
Dupla com a Narceja no Paraíso das Cachoeiras
Salvar a Narceja,
ave em extinção e fruto
da cobiça de quase uma
vida inteira por parte de
um ex-ídolo de infância, é
a tarefa repentina a que se
dedicam Carl Fredricksen
e Russell após uma viagem
jamais pensada em termos
de formato ao seu destino
final, o território idílico
venezuelano.
104
de Carl para com Ellie, seja de Carl para com
Russell, reciprocamente nos dois casos.
Mas retornemos ao grande paroxismo do amor. Um homem que ama sua esposa
no limite de uma aventura sem precedentes a fim de realizar o grande sonho que
remonta à infância, compartilhado ainda e desde que compunham um casal infantil.
Um filho que ama seu pai, mesmo diante de sua repetida e permanente ausência.
O amor que parece nos faltar, que falta a Carl após o falecimento de Ellie, que
falta a Russell pela omissão do pai ausente, e que também falta a um Charles Muntz
recluso e vivente no ostracismo ao lado de cães e vestígios melancólicos de um saudoso
tempo de glória, é um dos principais fios condutores desta história amorosa.
O filho que não nasceu, a reforma da casa que nunca se findou, a viagem que
jamais aconteceu, o cofre sempre pronto a ser esvaziado para uma compra repentina.
Consumo e busca do bem estar que, em longo prazo, trouxeram a impotência da não
realização de uma viagem e o fantasma da solidão ao idoso intolerante, que em um
gesto exacerbado e paroxístico de revolta e de bravura – de amor – faz da casa um balão
para realizar a vontade de uma vida, deixada como herança pela companheira morta.
106
estímulo a proteger, alimentar, abrigar; e também à carícia, ao afago
e ao mimo, ou a — ciumentamente — guardar, cercar, encarcerar.
Amar significa estar a serviço, colocar-se à disposição, aguardar
a ordem. Mas também pode significar expropriar e assumir a
responsabilidade. Domínio mediante renúncia, sacrifício resultando
em exaltação. O amor é irmão xifópago da sede de poder — nenhum
dos dois sobreviveria à separação (Bauman, 2004, p. 24).
Cego em sua devoção por Ellie, contra tudo e contra todos Carl não se curva,
fazendo a casa subir pelos ares, inclusive de início tendo renegado um gesto inocente
e nobre de amor ao próximo empreendido pelo menino Russell. A intenção do garoto
é somente praticar uma boa causa ajudando um velhinho. Quem sabe de posse do
produto de uma ação benevolente o escoteiro não conquistasse o mínimo que fosse do
amor do pai mais que distante. Mas Carl é indiferente à oferta de Russell e a união da
dupla se consolida no acaso da casa que sob aos céus de maneira jamais pensada, a não
ser por seu dono.
107
Os filhos estão entre as aquisições mais caras que o consumidor
médio pode fazer ao longo de toda a sua vida. Em termos puramente
monetários, eles custam mais do que um carro luxuoso do ano, uma
volta ao mundo em um cruzeiro ou até mesmo uma mansão. Pior
ainda, o custo total tende a crescer com o tempo, e seu volume
não pode ser fixado de antemão nem estimado com algum grau
de certeza. Num mundo que não oferece mais planos de carreira e
empregos estáveis, assinar um contrato de hipoteca com prestações
de valor desconhecido, a serem pagas por um tempo indefinido,
significa, para pessoas que saem de um projeto para o outro
e ganham a vida nessas mudanças, expor-se a um nível de risco
atipicamente elevado e a uma fonte prolífica de ansiedade e medo.
É provável que se pense duas vezes antes de assinar, e que, quanto
Charles Muntz mais se pense, mais se tornem óbvios os riscos envolvidos (Bauman,
2004, p. 59).
Carl demonstra seu amor por Ellie a sua maneira. Assim como também, a sua
maneira, Russel estabelece um vínculo de amor com Carl, que acaba por se tornar
recíproco uma vez que Fredricksen acaba por assumir o lugar do pai do escoteiro
no final do filme. Carl e Russel, de modos distintos, mostram que o amor no mundo
contemporâneo ainda pode remanescer de variadas formas.
Toy Story 3
AAndy vive seu ritual de passagem. A vida adulta, ou o que se considera como ela,
aguarda-o. Hora de ir à faculdade. E deixar sua coleção afetiva e material de brinquedos
para trás.
108
gratidão. Os demais, entre eles o astronauta Buzz Lightyear, ficarão submersos no
mar de memórias a serem lançadas no sótão da casa do menino. Ao infinito e além,
literalmente.
Na creche, todos são recebidos de modo fraterno pelo urso de pelúcia Lotso. E que
recepção! Sunnyside é o local perfeito para brinquedos, em especial para brinquedos
rejeitados por seus donos, que é como os brinquedos de Andy se sentem. E Sunnyside
é paradisíaca porque na creche jamais faltam crianças. E crianças sempre dispostas
ao brincar quase ininterrupto. Além de tudo, no local o acolhimento do ursinho Lotso
maravilha a todos.
109
Antes desta terrível e dolorosa descoberta, Woody avisa que deixará Sunnyside
em fidelidade a Andy, regressando para casa em busca de seu dono. Todos os demais
brinquedos desdenham do caubói. O sentimento é de que Woody, único escolhido de
Andy, abandonara os demais. E o caubói, à procura do menino, foge de Sunnyside e
acaba parando na casa da pequena Bonnie, filha da diretora da creche.
110
Ao saber da verdade, Bebê joga Lotso na lata do lixo, local no qual por sobre a
tampa os bonecos do bem enfrentam o grupo de brinquedos opressores. Mas para salvar
um outro brinquedo, Woody acaba sendo puxado para dentro da lata, levando todos os
demais brinquedos a entrarem no container. E o caminhão de lixo recolhe todos, rumo
à incineração.
Lotso vira enfeite de caminhão de lixo. Andy ruma para ser adulto. Woody e Buzz
Lightyear voltam a ser brinquedos em seus eternos retornos.
111
A despedida é emocionante. A decisão de Andy em dar também o boneco do
caubói à pequena Bonnie ocorre depois de Woody ter optado por ficar com os demais
brinquedos, não seguindo com o agora rapaz para a faculdade. Assim, o gesto de
amizade e desapego é bilateral. A amizade é superior e sobreviverá para sempre, por
sobre todas as coisas.
De fato, uma amizade. A união de Andy e Woody não é ameaçada nem pelo
apelo tecno fake de Buzz Lightyear, nem pela iminência da ida do agora rapaz ao ensino
superior, rompendo a barreira e a proteção doméstica representada pelo lar. Andy e
Woody são e serão sempre amigos inseparáveis.
Lembremo-nos de que é curioso notar que o pai de Andy é figura obscura na saga
de Toy Story. Ele jamais aparece, e ao mesmo tempo não são feitas menções a esta figura
masculina. Talvez a imagem viril de Woody projete no menino-homem a idealização do
pai ausente e, por isso, ele a carregará para sempre dentro de si.
E amizade é o que faz de uma dupla uma unicidade. Agamben (2009) avança
nesta trilha de pensamento. Ao discorrer sobre a figura do amigo, o filósofo afirma, com
base em referências como escritos filosóficos e aristotélicos além de impressões sobre
pintura, que um amigo não é somente um outro com qual compartilhamos preferências,
sentimentos, sensações... Um amigo é mais que isso.
112
Nessa sensação de existir insiste uma outra sensação, especificamente
humana, que tem a forma de um com-sentir (synaisthanestha) a
existência do amigo. A amizade é a instância desse com-sentimento
da existência do amigo no sentimento a existência própria. Mas isso
significa que a amizade tem um estatuto ontológico e, ao mesmo
tempo, político. A sensação do ser é, de fato, já sempre dividida e
com-dividida, e a amizade nomeia essa condivisão [...]. O amigo
não é um outro eu, mas uma alteridade imanente na ‘mesmidade’,
um torna-se outro do mesmo. No ponto em que percebo a minha
existência como doce, a minha sensação é atravessada por um com-
sentir que a desloca e deporta para o amigo, para o outro mesmo.
A amizade é essa des-subjetivação no coração mesmo da sensação
mais íntima de si [...]. Os amigos não condividem algo (um
nascimento, uma lei, um lugar, um gosto): eles são com-divididos
pela experiência da amizade. A amizade é a condivisão que precede
toda divisão, porque aquilo que há para repartir é o próprio fato de
existir, a própria vida (AGAMBEN, 2009, p. 92).
113
Lotso em Sunnyside
sendo únicos até na hora da morte após a traição de Lotso e a quase incineração no
aterro sanitário. A cena é forte: as mãos de todos se unem. Se é para morrer, que
morramos juntos, unidos, únicos e nossa comunhão fraterna.
Enquanto há vida plena na casa de Andy, e por isso nela há a marca subjetiva
própria aos lugares de pertencimento, na creche ocorre fenômeno análogo aos dos
lugares de passagem, fluxo e fugacidade referenciados por Augé.
114
Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico,
um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como
relacional, nem como histórico definirá um não-lugar. A hipótese
aqui defendida é a de que a supermodernidade é produtora de não-
lugares, isto é, de espaços que não são em si lugares antropológicos
e que, contrariamente à modernidade baudelairiana, não integram
os lugares antigos: estes, repertoriados, classificados e promovidos
a ‘lugares de memória’, ocupam aí um lugar circunscrito e específico
(AUGÉ, 1994, p.73).
Mais que isso, as imagens do filme mostram a creche como cárcere, convertida em
seus períodos de inatividade em campo de concentração logo após a saída das crianças,
em especial no período da noite. De espaço de brincadeira, diversão e principalmente
amizade, esta última o sentimento que a saga de Toy Story prega dever haver entre os
brinquedos e seus donos, Sunnyside à noite se converte em um ambiente hostil, sombrio
e aterrorizador. Tanto que fugir dele se torna meta do grupo. Tanto que a missão de
libertá-los ganha o ímpeto de Woody e de todos os brinquedos.
115
Palavras Finais
A trama complexa da Pixar nos sugere o repensar da condição humana. Os
personagens que nela se enredam revelam a polifonia do contemporâneo. Suas histórias,
suas vidas e suas ações nos colocam a necessidade de religarmos nossos saberes.
Toy Story (1995); Vida de Inseto (1998); Toy Story 2 (1999); Monstros S.A
(2001); Procurando Nemo (2003); Os Incríveis (2004); Carros (2006); Ratatouille
(2007); Wall-E (2008); Up (2009); Toy Story 3 (2010) e Carros 2 (2011), além das
demais produções deste estúdio, guardam a magia e o poder de projeção-duplicação do
cinema.
Cinema que durante todo o século XX tornou-se um dos operadores simbólicos
de nosso imaginário.
116
Neste sentido, é essencial que as Ciências Sociais estejam mais abertas não
somente para estes filmes, como em especial para os campos da sociabilidade ainda
pouco explorados.
O cinema “tradicional”, como sugere Stam (2003), já possui um acumulado de
estudos que o reconhece como refinado e complexo elemento da cultura. Cabe a nós
a tarefa de começar a enxergar o cinema dito de “animação” de estúdios como a Pixar
neste mesmo horizonte.
Ao infinito e além, como o lema de Buzz Lightyear. Esta é a direção que estes
filmes parecem nos conduzir.
117
118
AGAMBEN, Giorgio. O que é o Contemporâneo. E Outros Ensaios. Tradução de
Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2009.
_____________. A Guerra do Golfo não Terá Lugar. In: Guerra Virtual, Guerra Real
- Reflexão sobre o Conflito no Golfo. Lisboa: Passagens, 1991.
119
BOSI, Alfredo. O Tempo e os Tempos. In: NOVAES, Adauto (org.). Tempo e História.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
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Toy Story Procurando Nemo Wall-E
Vida de Inseto Os Incríveis Up – Altas Aventuras
Toy Story 2 Carros Toy Story 3
Monstros S.A. Ratatouille Carros 2
Anexos
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Toy Story
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Vida
de
Inseto
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Toy Story 2
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Monstros
S.A.
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Procurando
Nemo
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Os
Incríveis
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Carros
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Ratatouille
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Wall-E
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Up – Altas
Aventuras
Nome Original: Up
Direção: Brad Bird
Roteiro: Bob Peterson, Brad Bird, Emily Cook, Jan Pinkava, Jim Capobianco, Kathy Greenberg
Elenco: Andrea Boerries, Brad Bird, Brad Garrett, Brad Lewis, Brian Dennehy, Ian Holm, Jack Bird, Jake
Steinfeld, James Remar, Janeane Garofalo, John Ratzenberger, Julius Callahan, Lindsey Collins, Lori
Richardsonna versão brasileira de: Samara Felippo, Lou Romano, Marco Boerries, Patton Oswalt, Peter
O’Toole, Peter Sohn, Stéphane Roux, Teddy Newton, Thiago Fragoso, Thomas Keller, Tony Fucile, Will
Arnett
Produção: Brad Lewis
Trilha Sonora: Michael Giacchino
Duração: 110 min.
Ano: 2007
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estúdio: Pixar Animation Studios / Walt Disney Pictures
Classificação: Livre
Informação complementar: Vozes na versão original de: Ian Holm, Brian Dennehy, Peter O’Toole, Brad
Garrett. Vozes na versão brasileira de: Samara Felippo, Thiago Fragoso
Fonte: http://www.cineclick.com.br/ratatouille
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Toy Story 3
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Carros 2
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