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Deligny
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Deligny
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Coleção Lampejos
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on-1 edições 2020 /Hedra
ier
Fernand Deligny Fernand D
on ny Semente de crápula Semente de
ue
Semente de crápula. Conselhos aos edueadores Jula
que gostariam de cultivá-la Conselhos aos educadores Conselhos aos
adores cultivá-la que gostariam
Fernand Deligny iltivá-la que gostariam de
título original Graine de crapule. Conseils aux éducateurs ayi
voudraient la cultiver - Editions Victor Michon, 1945 primeira
edicão
On-1 ediçöes 2020
N-1EDIÇÕES
R. Fradique Coutinho, 1139
05416-011 São Paulo sr Brasil
Oliyro como imagem dO Mundoéde toda maneira FERNAND DELIGNY nasceu no norte da
França
uma ideis insípida. Na verdade não basta dizer V educador, preferia
em 1913. Conhecido como era
omúitiplo. grito de resto difícil de emitir. Nenhuma autonomear-se poeta e etólogo: "Meu projetO
atividade
nabilicsde tipográfica. lexical ou mesmo sintática escrever". Aescrita é nele uma
sua
serásuficiente para fazê-lo ouvir. E preciso fazer o existencial, o laboratório permanente da
múitiplo. não acrescentando sempre uma dimensão prátíca. Dedica 50 anos da vidaa crianças
autistas.
inadaptadas, delinquentes, psicóticos e
SUDeriDr. mas. aD contrário, oa maneira mais reinventa, em todas
Etólogo designa o meio que ele
simples. Com força de sobriedade, no nível das as suas circunstâncias, para
tentar dar a essas
dimensões de oue se dispöe, sempre n-1 (é em uma
crianças aoportunidade de sobreviver
50mente assim que o uno faz parte do múltiplo. comunidade que exclui ou normaliza.
estandoD sempre subtraido dele). Subtrair o úníco Deligny publicou 15 livros, mais de cem
artigos, fez
da muitíplícidade a ser constituída; escrever a n-1. filmes, fotografou e escreveu milhares de
páginas
inéditas: novelas inacabadas, roteiros, contos,
Gilles Deleuze e Félix Guattari
ensaios infinitamente recomeçados sobre o
humano, a linguagem, o psiquiátrico, a rede, o
aracnídeo; esses dois últimos termos são marcas de
vagabundos
seu glossário. Dois de seus livros, Os
eficazes e Oaracniano, estão publicados pela n-1.
Prefácio publicado com
a reedição de 1960
Este livrinho foi escrito em 1943, editado em
1945. Dez anos depois, me falaram para fazer uma
nova edição. Eu o reli. Indignado,comecei a pre
parar uma crítica rigorosa daquelas pequenas fór
mulas sob o título: Semente de crápula ou o char
latãode boa vontade. Essa autocrítica, relida hoje,
no inverno das Cévennes, me parece bem exces
siva, agressiva, peremptória. Ela ficaráno caixa
de madeira no qual se amontoam, a cada mudança,
páginas e páginas de intenções e relatos que, tal
vez, sejam para mim oque as folhas que caem são
para as árvores.
No entanto, me incomoda deixar que saiam
novos exemplares de Semente de crápula sem di
zer nada. Tenho quinze ou dezesseis anos a mais,
quinze ou dezesseis anos nesse trabalho diário do
qual eu falava alegremente em 1943.
Palavras me vêm, páginas, capítulos, se me
deixo levar.
Este livrinho precisa de um subtítulo que me
situe, agora, em relação ao que escrevi háquinze
anos. Tenho este subtítulo: Semente de crápula ou
o amador de pipas.
Era uma vez um amador de pipas. Vocês já sa
bem o que éuma pipa em relação às nuvens, aos
pássaros, aos aviðes e satélites; ela nãoé encon
trada na natureza, é possível fazê-la por si mesmo
revislas ou o
a partir de modelos propostos em Aconteceram-me coisas piores. Sempre provo
Ihetos, ouainda inventar novas lormas inspiradas cado por esse rebanho de discursos díspares em
abutre dos Andes
em pipas chinesas ancestrais, no cuja forma eu mesmo havia mexido à vontade, en
atra
ou no avião-caça Mystère IV. Uma pipa não contrei-me àfrente na criação de organismos de
vessaos muros do espaço, nào troveja nem zune. reeducação. Pobre de mim: aí éque se enredam os
falta um não-sci-quê para que ela se sustente no discursos eseus fios. E aique opobre diabo que
vento e continue alegrando, com um ponto de cor segura com a mão direita seu ramo de pequenas
viva, o mais cinza dos céus, ou para que cla Caia e, bandeiras multiformes e multicolores se dáconta
pelo menos, não qucbre nada além de sua própria de que sólhe resta uma das mãos, a outra, para lu
armação. A primeira vista, isso não serve para tar a todo custo, sem muralha nem certeza para se
nada. Veremos. apoiar. Com sorte, uma ou outra dessas fórmulas,
Então, por volta de 1943, comecei afazer uma soltas há muito tempo, não acaba caindo sobre sua
pipa, duas pipas: as formulas, formulinhas, canti cabeça e seus ombros, cegando-o, envolvendo-0
gas, charadas, aforismos e paradoxos de Semente com as tiras de sua rabiola, sobre as quais algu
de crápula. mas palavras estão escritas e ele desprega uma por
Uma pipa, sobretudo se for pequena, éfácil de acaso e a aplica e diz uma palavra em falso como
segurar. Cento e trinta e seis jáé outro assunto: se faz um movimento em falso.
elas arrastam você, ainda que tenha pouco vento, Éisso provavelmente o que eu queria contar
levantariam você, não podemos dizer que acima aos antigos e futuros leitores de Semente de crá
de vocêmesmo e, contudo, acabei sendo um edu pula. Há dois mundos. Aquele das fórmulas, for
cador de renome, levado, pela força e pela graça mulinhas, charadas e parábolas e aquele do que
dessas cento e trinta e seis pequenas pipas, aum acontece a todo momento aqui embaixo com quem
congresso internacional aqui, a uma comissão ali, quer ajudar os outros. Se, uma vez lidas, algumas
e por mais que eu puxasse as cordas, como fazem de minhas palavras estremecem alegremente no
os mergulhadores quando querem voltar a subir, c¿u de algumas memórias, melhor assim: aí está
minhas pipas frequentemente me deixaram mo sua razão de ser. Mas aquele que quiser se servir
fando ali, de onde eu teria querido escapar. delas, aplicá-las de alguma maneira, se daria conta,
10 11
feitas: pedacos d.
ao mesmo tempo, do que são
sobre os do
páginas lidas, coladas e penduradas
lhos maleáveis e leves arrancados de uma espécie Semente de crápula
particular de entusiasmo que surge cada vez que Conselhos aos educadores
um menino me aborda. Que foi mil vezes serrado que gostariam de cultivá-la
derrubado e de cujo tronco nunca param de brotar
rebentos.
Fernand Deligny
janeiro de 1960
12
E Vocêconvive com filhotes de homem numa
S escola, num reformatório, numa colônia de
férias, já conhece a semente de crápula, tal como o
cultivador conhece o cardo, o joio, a papoula oua
nigela, amaldiçoando-os. Suponha agora que você,
curioso cultivador, tenha semeado um campode
joio, de cardo, de nigelaou de papoula. Ao vê-los
sair da terra, vocêsentirá as mesmas angústias que
experimentava ao ver seu trigogerminar. Mas não
se apresse em varrer os celeiros, nem prepare já as
cordas de colheita. A colheita, se colheita houver,
serápara daqui a pouco, para mais tardeou nunca.
Com a diferença de que a semente de crápula é,
ainda assim, a semente de homem.
Áque todos sabem que você cultiva o cardo,
J o joio, a papoula e a nigela, espere para ver
chegarem os cultivadores, de tamancos, bem à
vontade, olhando seu campo e dizendo: "Eis a
nigela, o joio, a papoula e o cardo que infectam
nossos campos, cuidados como ninguém sequer
pensaria em cuidar do trigo". Se gosta que riam
um pouco às suas custas, responda, com os olhos
acredito
para océu eas mãos abertas: "Sim, e
que a colheita será linda. Mas já se sabe que a
semente de crápula é, ainda assim, a semente de
homem. Ou então, você seria mesmo tão louco
quanto parece.
15
aborda cos
STE aqui grita e gesticula. Ihe
E projetossonhos.
e reclamaçòes:aquele ali dorme
Voce pensa: "A tarefaéfåcil;
e
dorme sem
vou despertar o dorminhoco e acalmar o agitado
Mas não consegue, porque e mpossivel, porque
planta
a planta estána semente e a semente já é
Para o agitado, ache um trabalho que ocupará util
mente sua agitaç£o e ensine o dorminhoco a tra
balhar dormindo. Ao fazer isso, você não será tão
forte quanto o bom Deus, mas teráfeito o seu pos
sivel.
16
roubaram, fu
oCÂ, Com seus botões: "Eles
errantes
giram de casa e vagabundearam:
animais selvagens...
como lobos, sorrateiros como
peito e fazer, man
Por via das dúvidas, vou abrir o
domador.."E vocêos
díbulas cerradas,um olhar de
solícitos e obedientes.
encontra servis, aduladores,
suas
Oferecem-lhe, jáque ésó o que podem dar,
Você pensa:
mãos, seus sorrisos e seus ouvidos.
nos pneus da sua
"Euos conquistei". Os dois furos
aquele
bicicleta são para completar o presente,
julgavam
dom próprio deles, e que provavelmente
ser insuficiente.
procu
EJEITE Os que vêm se oferecer: não vá
R rar os que se afastam de você, e conte os que
ficam. Se só tiver um, comece com esse.
peras
ÃO seja tão exigente. Eles roubaram
N para comer. Poderiam ter quebrado
os ga
aque
Ihos sópor prazer. Na escala das más ações,
no entanto,
las que beneficiam realmente soam,
melhor ao ouvido.
ava
RA pródigo e avarento, ora audacioso e
medroso, ora mesquinho e desinteressado,
aquele ali só é ele mesmo quando está dormindo.
34
STEJA presente. sobretudo quando ão stá
E ali.
38
STA noite,eles Ihe parecem estranhose são
estranhos uns aos outros; o ambiente está
|Eestranhos
cinzento: caroços num líquido sujo; tudo falhou.
noite com esse peso no coração,
E você passa a
totalmente enojado deles. Na manhã seguinte,
encontra-osfrescos e triunfantes, como um doce
bem-feito.
41
ANEJE Oescotismo com prudência.
M precisam olhar os modelos que você
Eles não
como um sapo olha uma borboleta.
propõe
46 47
EJE e limpe: a maldade é um
micróbio
A prolifera na sombra, na desordem e na que su.
jeira. A água, ofogo, o ar e a luz: é disso que sáo
feitos, em nosso oficio, os milagres.
es
JUSTIÇA. Ou: quando o abstrato se torna
A crivão.
51
Eestiverem trancafiados, tudo o
S pode fazer por eles é que vocÇ
trazer-lhes três broti-
nhos de grama fresca, como faz
aquela velha que
vem dar uma olhada em seus coelhos
bela história, projetos, músicas de
na gaiola:
caminhada..
Mas isso jamais serácarne de primeira.
ÉBRUTAL e
T. suas garras.teimoso. Não se apresse em tirar
Talvez elas sejam suas únicas
qualidades.
É
P." chado.MENTIROSO, H. é
E E., que nãoinsolente,
énada
Z, é debo
vamos fazer com ele? disso, o que
52
menos úteis.
defeitos úteis e outros
Áos
Hi
seus defeitos de ho
Ão hábeis em perceber
longe, como a hiena faz
S mem, farejando-os de
para se empanturrar.
com a carniça,
você já
E as palavras deles não fossem vs,
S estaria morto, com os olhos furados, a língua
azul e as entranhas entregues às moscas (se acredi
tar neles quando estão com raiva). Se as palavras
deles não fossem v«s, eles seriam corajosos, ale
gres e honestos, dedicados e conscientes de sua
indignidade (se acreditar neles quando falam com
você). Vocêainda não está morto e eles ainda são
um pouco crápulas.
mistérioeo
não ligavam muito na véspera. E o
prazer, agora inacessíveis, passaram ao jardim vi
vÍcIo deles estáestampado em seus ros zinho. Dito de outro modo: evite as "interdiçöes"
tos... Olha essas atitudes dissimuladas.." sob pena de ver seu bando se precipitare atraves
Escolha o mais perversO da sua equipe, vista-o sar com prazer as novas barreiras.
como um pequeno-burguês, suba com ele num va
gão de segunda classe e fale com ele como se fosse
seu filho. Se não Ihe disserem "como o
garotinho
ébem-comportado..", éporque sua cara não está
para conversa.
ESAJEITADOS no jogo como as corujas na luz.
D Rancorosos, birrentos, trapaceiros, mesqui
nhos e avarentos com o próprio fôlego. De resto,
A vaiQUELEse virar.
que é capaz de suar
provavelmente
Quanto àquele que sorri tão
os melhores filhos do mundo. Preferem mascar
fumo e cuspir entre os pés...
gentilmente, nunca faremos dele uma prostituta?
Spais. Eles
demoraram quinze anos e nove
meses para fazer de seu filho o que ele é, e
gostariam que, em três semanas, você fizesse dele
uma criança modelo.
58
você terá"melhorado"
E esses poucos que
mal, você vai
S uma vez fora, comportam-se
precisa ser
pensar que é o resto do mundo que
Tarefa
reeducado. O que não é algo mal pensado.
além de você, e que eram Deuses,
àqual outros
fracassaram en renunciar.
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bem-sucedido.
Ihe consolar. Se vocêfor
P serámais forte que a estupidez.
ÁOS
H latrasheredo-tuberculosos,
e os heredo-infelizes.
os heredo-alcóo
76 77
longa composta por esse enxame de carrilava.Pouco importa: ele estava no fim de seu
villas prove-
nientes do castelo, mas as últimas delas traieto: deveria ir atéa igreja - para que isso? Ele
mais do que casas com uma pequena escadaria
náo eram
estava sermpre mais ou menos vazio, corria, armar-
Ou pequena torre ou um não-sei-qué na
fachada cha engatadana velocidade mais alta, tomado pelo
ou na parte de trás que Ihes
permitia aparecer maldas tempestades, balançava trinta vezes atrás
ao longo dessa avenida do Hipódromo, à enafrente pelo labirintode curvas entre os caste
espera
de qué? de que um dia ocastelo-reboco passasse los secretos eparava no "Canon d'or' parafazer
lentamente diante delas? seu serviço, embarcar seu carregamento de uma
Numextremo da avenida, um canal, o Deûle brava gente, pess0as recém-saidas de suas casas
e suas barcas amigas; no outro, um bom e velho de tijolos: avenidas, ruas de casinhas de tijolos, to
prostíbulo, que deve ter sido uma fazenda: um das iguais, construídas a cada estação do ano: era
bordel; afrente, os campos; aqui, ali, nas árvores, nessascasas que viviam os empregados.
mais alguns "castelos", masesses náoalinhados. Todos "empregados", o bonde cheio, as ruas
colocados ali, em qualquer canto, e uma estrada cheias; um bairro, umacidade de "empregados".
pavimentada que insistia em passar com um bonde Eles tinham a sensação de serem explorados? Pri
que sacudia em todas essas curvas: suas rodas mor vilegiados, éisso oque eram. Havia muitos empre
diam o trilho, seu mastropulava: um bonde não gados de banco, e, entre os empregados de banco,
toi feitopara passar por um caminho que deveria havia alguns que eram do Banco da França: pri
ser traçado por gaivotas preocupadas em voar ao vilegiados em relação àqueles que estavam nos
redor da propriedade privada, em dar voltas, em pequenos bancos; e os empregados dos pequenos
náo morder, em passar por onde podiam, por onde bancos? Privilegiados em relação àqueles que não
tém permissáo de passar: caminho de costume: tinham emprego algum ou em relação ao pessoal
deve-se respeitar os costumes. Frequentemente uniformizado, um rapaz disso ou daquilo: "rapaz",
acontecia de o bondedescarrilar, nervoso, sobre com cinquenta anos? Privilegiados esses "rapa
mutilados
carregado por essas complicaçóes, por essas re zes", pois, em sua maior parte, eram
viravoltas, enlouquecido por essas afetações, por de guerra: a mutilação, mesmo a da guerra, era
mno
esses gracejos que o obrigavam a fazer. Ele des um privilégio? Em relação aos mortos, aos
79
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fazer ouvir
ribundos, evidentemente eram privilegiados
eo desdém involuntário, o desejo de não
pareciam se
brilho doprivilégio podia ser lido em muitos dos suas vozes pelos sujeitos ignóbeis que
rostos: o bonde lotado voltava para a cidade pela conhecer todos entre si. Aliás, os operários rara-
rua Royale: estritamente verdade. mente pegavam bonde, eles iam apé,
e preferiam
Eu era, então, órfão e privilegiado, duplamente, a rua Saint-Andréà rua Royale, paralela e mais
triplamente privilegiado, jå que: meu pai morrera movimentada, oua esplanada, ao longo do canal,
na guerra, mas ele morreu oficial: pequena pensão: ou ainda as muralhas, de bicicleta.
ele tinha metido na minha cabeça (ele, ou minha O bonde era um privilégio que me deixava tão
måe, ou os dois) o que era preciso para passar no desconfortável quanto os outros privilégios que eu
liceu
exame das bolsas de estudo: bolsista; aluno do devia suportar: órfão, inteligente, aluno do
bem
liceu: privilegiado em relação aos do primário e etc. "Pequeno-burguês", abandone a tribo! É
a0s aprendizes. isso o que tentei fazer, mas imagine só! a tribo, nós
Privilegiado. Não hádúvida. a temos na cabeça: e, no entanto, fui procurar tra
Privilegiado, agarre-se aos seus privilégios, balho bem longe, não na direção dessas distâncias
como um acrobata nauseado ao seu trapézio. geográticas que só me atiçaram por meio de uma
Os operários me pareciam sérios, e cheiravam imaginação muito conscientemente gratuita, mas
como homens de uma outra raça: eles tinham, no em pleno asilo de alienados. Um asilo, é muito
bonde, uma presença desajeitada e rude. Maca longe, é uma ilha.
Cões de trabalho, sapatos, suas roupas, suas ferra Antes, quando tinha vinte anos, já havia ten
mentas: sobre a plataforma cheia de seres de pele tado deixar a tribo. Havia me filiado ao Partido
påida, estavam entorpecidos, muitas vezes pen comunista: um localvermelho, rua de Paris. Um
sativos e, na hora de descer, se membro
homem estava ali, constantemente: umn
com um sinal de cabeça: no meiocumprimentavam permanente? Para mim, ele era como o guardião
dessa gente, eles
deviam ter medo de seu sotaque, mas eu via de bobo
ali um de uma tradição. Era melhor não se fazer
naquele lugar. Ele e nós, não pesávamos o mesmo
2.0 liceu era e continua éramos quatro ou cinco estu
cesa de sendo a instituicão escolar fran peso. Nós, porque
educaço
nível de ensino nãosecundária. Na época de Deligny, este
era obrigatório. dantes usando a mesma insígnia. Ele e nós não
80 81
ela é muito am
tínhamos a mesma densidade: tratávamos de es- Éimpossível deixar a sua tribo,
tar àalturaquando iamos pegar os folhetos ou Estána luz acima do canal.
Ou os pla, estápor toda parte. cansam nas
cartazes para distribuir. mulheres se
cobre o canal. Homens e
puxá-las, os braços ba
Os cartazes. Ali estavam, uma centena, dobra barcas ou no caminho, para
curvados para
dos em cima de uma mesa do local, carcomida: lançando, um passO atrás do outro,
grisalhos, longos,
havia uma tapeçaria rosa empoeirada pelo pó de baixo: uma mulher com cabelos
com cabelos grisalhos
gesso que saia por entre os rasgos: parecia as bo que pendem, uma mulher mu-
chechas maquiadas de uma velha: os cartazes,eu soZinha uma barca. Estou com essa
que puxXa o canal?
devia pensar que com um cartaz (mas qual?, quais lher ou com a luz que se choca contra
estou com a mulher,
teriam sido sua cor e seu desenho e suas palavras? Trata-se mesmo de un oð":
ela porque não se deixa
Eu não sabia),um determinado cartaz que o Par eu desç para puxar com
velha puxar sozinha, mas não verei mais a
tidodeveria ter encontrado que, uma vez com esse uma
a luz; azar!, a luz,
cartaz colado por toda parte, a cidade, algumas luz: deve-se escolher: a velha ou
homem "escolhe o
horas mais tarde, teria entrado em comoção, todo escolho a luz: por acaso um
ar? Necessita dele.
mundo em marcha, todo mundo exceto alguns me
está na imensa
drosos, e, esse cartaz, nãoo arrancávamos nunca. A tribo estápor toda parte:
homens, um ruivo,
lamos colar nossos cartazes e, uma vez feito biblioteca universitária na qual
estavam ali para nos
otrabalho, voltávamos a passar na frente deles um negro alto, um velho,
moleques: homens
para v-los: eram humildes, apesar da violência adiantar os livros, para nós, os
guerra e não
das palavras de ordem e, quanto a mim, não estava feitos, que haviam participado da
homens têm que fazer
seguro de estar no meu direito de colar aqueles sei quê, tudo o que alguns tudo o
visivelmente feitose
cartazes nos muros: qual era, no fundo, essa briga antes de se tornarem
que se arrastava tanto? Os comunistas estavam que tinham que
fazer. Nesse caso, tratava-se de
vocês tinham que ler:
na cidade como um caroÇo numna fruta e eu
era de servir a vocês os livros que
num restaurante, e
carne, não da mesma massa da qual são feitos os estavam ali como garçonetes
vontade de ler. Usavam
comunistas. isso acabava com qualquer estilhaço
recebido um
camisas cinzas. Um deve ter
83
82
de asilo: havia
granada na cara, um dia, entre 1914 e 1918. Entretanto, trabalhei muito neste
homem
parecia que ele usava uma máscara participadoda guerra e de tudo o que um
ele lhe estendia o livro pedido como desanimada:
co um mendigo deve fazer para parecer um homem feito. Havia
estende o folheto do horóscopo ouo pacote de caracteropatas, um entre
um, entre os grandes
envelopes que ele finge estar vendendo. E era separava, que andava,
oscem dos que eu não me
nessa biblioteca que alguém teria que aprender? outro;
inclinado para frente, um passo depois do
A tribo estava nos bares nos mesmo,
quais todos os contudo, ele não puxava nada além de si
que sentiam que sobravam no mundo se faziam mesmo caminho de terra.
e eu estava com ele, n0
ASSIM, a
companhia durante todo o dia. A tribo estava na corredor de asilo; ajudava-o e via, AINDA
literatura, outra luz que eu devorava com 0s olhos: plena luz do céu.
a literatura me falava de tudo. Estava acima da Mas a tribo épotente: ela era, no próprio crâ
vida dos homens, como a luz acima do canal e, ao nio de meu estranho companheiro, nos seus gestos
ter que escolher entre viver ou ler, tínhamos que
dificeis e fragmentados de falso-trabalhador.
Semente de
escolher ler, jáque não sabíamos Oque viver. Quando tomei nota das frases de
A tribo estava então por toda parte. Para aban para quem anotei? Para ninguém: e isso
crápula,
de fazer
doná-la, era preciso ir longe. também era coisa da tribo: uma maneira
Lá. Oasilo.' 1940. A guerra. 1941. Oasilo bolhas na luz que banha os canais e os campos e
fundo, ficaàsua
ao longo de anos. Havia encontrado um oficio: as praias enquanto o homem, no
educador. 1943: escrevo Semente de crápula, o própria pena.
tentaram, partir
qual, seis anos mais tarde, me proponho criticar. E parti, como muitos outros
Semente de crápula foi lido por alguns milhares de os Asilos, par
para o Taiti, para o Evereste ou para
educadoras e educadores em busca de seu oficio: é deixar o homem:
tir para deixar sua tribo, isso
mais desgra
cinquenta páginas, todas nutridas pelo leite da ainda que se parta para viver com os
malvados, os
tribo pequeno-burguesa. çados, os tortos, oS que babam, os
menos, OS mancos estão
mancOs: uma mais, um a
menos.
pouco se fodenmdo, oumais ou
3. Manicômio.
84 85
Não se deve abandonar Os outros. Não se
de abandonar sua ampla esutil tribo trata
pequeno-bur-.
Deve-se estar com esses que
guesa.
trabalham
para convencer de que chegou a hora de mudar de Sobre a tradução!
ponto de vista. Deve-se dizer. Deve-se cortar,
com
os dentes se necessário, as amarras que
prendem
suas barracas nos lugares desgastados, em plena
fome moral.
Desta vez, pelo menos, sei para quem escrevo:
para o leitor de Semente de crápula editado em
1945.
93
M-4 + hedra
ediças