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go

onsel
2e emer
ern

cripula.de las, uma volta para alem


Sementeradas, A e,doscontinue queZune, rOs Uma
primeira pelo ponto
formulinhas,pipa, nada. ceus, LAMPEJOS
COLECAO
pipa
hedraM-4 aforismos de de de
ela talta do
menos, se espaço,
1943, oucor
duasVeremos.vista, sua alegrando, sustente um não
para viva,
comecei propria nao
pipas: nao
nao-set-queatravessa
e
cantigas, iSso que
paradoxos quebre mais o notrovea
não
formu asEntão,armação. ela com
a ventoe osmu
fazer serve nadatombe cinza para nem
cha por um
de
educadores
cultivá-la aos Dsde
Deligny
ariamcrápula
de e nd

je
Deligny
cråpu!)

Deligny
rnai Fe

ha
Ores
Coleção Lampejos
iel
on-1 edições 2020 /Hedra
ier
Fernand Deligny Fernand D
on ny Semente de crápula Semente de
ue
Semente de crápula. Conselhos aos edueadores Jula
que gostariam de cultivá-la Conselhos aos educadores Conselhos aos
adores cultivá-la que gostariam
Fernand Deligny iltivá-la que gostariam de
título original Graine de crapule. Conseils aux éducateurs ayi
voudraient la cultiver - Editions Victor Michon, 1945 primeira
edicão
On-1 ediçöes 2020

traduçã00 Juliana Jardim e Luiz Pimentel


coordenação editorial Peter Pál Pelbart e Ricardo Muniz Fernandee
direção de arte Ricardo Muniz Fernandes
revisão Pedro Taam
revisão técnica da tradução Cicero Oliveira e Juliana Jardim
projeto da coleção/capa Lucas Kröeff
projeto Juliana Jardim e Ensaios ignorantes
desenhos Fernand Deligny (ensaiosignorantes.com)
assistência editorial Paulo Henrique Pompermaier
ISBN 978-65-8109-709-7

colaboração Maxime Godard e Sandra Alvarez de Toledo

Grafia atualizada segundooAcordo Ortográfico da Língua


Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

Direitos reservados em lingua


portuguesa somente para o Brasil

N-1EDIÇÕES
R. Fradique Coutinho, 1139
05416-011 São Paulo sr Brasil
Oliyro como imagem dO Mundoéde toda maneira FERNAND DELIGNY nasceu no norte da
França
uma ideis insípida. Na verdade não basta dizer V educador, preferia
em 1913. Conhecido como era
omúitiplo. grito de resto difícil de emitir. Nenhuma autonomear-se poeta e etólogo: "Meu projetO
atividade
nabilicsde tipográfica. lexical ou mesmo sintática escrever". Aescrita é nele uma
sua
serásuficiente para fazê-lo ouvir. E preciso fazer o existencial, o laboratório permanente da
múitiplo. não acrescentando sempre uma dimensão prátíca. Dedica 50 anos da vidaa crianças
autistas.
inadaptadas, delinquentes, psicóticos e
SUDeriDr. mas. aD contrário, oa maneira mais reinventa, em todas
Etólogo designa o meio que ele
simples. Com força de sobriedade, no nível das as suas circunstâncias, para
tentar dar a essas
dimensões de oue se dispöe, sempre n-1 (é em uma
crianças aoportunidade de sobreviver
50mente assim que o uno faz parte do múltiplo. comunidade que exclui ou normaliza.
estandoD sempre subtraido dele). Subtrair o úníco Deligny publicou 15 livros, mais de cem
artigos, fez
da muitíplícidade a ser constituída; escrever a n-1. filmes, fotografou e escreveu milhares de
páginas
inéditas: novelas inacabadas, roteiros, contos,
Gilles Deleuze e Félix Guattari
ensaios infinitamente recomeçados sobre o
humano, a linguagem, o psiquiátrico, a rede, o
aracnídeo; esses dois últimos termos são marcas de
vagabundos
seu glossário. Dois de seus livros, Os
eficazes e Oaracniano, estão publicados pela n-1.
Prefácio publicado com
a reedição de 1960
Este livrinho foi escrito em 1943, editado em
1945. Dez anos depois, me falaram para fazer uma
nova edição. Eu o reli. Indignado,comecei a pre
parar uma crítica rigorosa daquelas pequenas fór
mulas sob o título: Semente de crápula ou o char
latãode boa vontade. Essa autocrítica, relida hoje,
no inverno das Cévennes, me parece bem exces
siva, agressiva, peremptória. Ela ficaráno caixa
de madeira no qual se amontoam, a cada mudança,
páginas e páginas de intenções e relatos que, tal
vez, sejam para mim oque as folhas que caem são
para as árvores.
No entanto, me incomoda deixar que saiam
novos exemplares de Semente de crápula sem di
zer nada. Tenho quinze ou dezesseis anos a mais,
quinze ou dezesseis anos nesse trabalho diário do
qual eu falava alegremente em 1943.
Palavras me vêm, páginas, capítulos, se me
deixo levar.
Este livrinho precisa de um subtítulo que me
situe, agora, em relação ao que escrevi háquinze
anos. Tenho este subtítulo: Semente de crápula ou
o amador de pipas.
Era uma vez um amador de pipas. Vocês já sa
bem o que éuma pipa em relação às nuvens, aos
pássaros, aos aviðes e satélites; ela nãoé encon
trada na natureza, é possível fazê-la por si mesmo
revislas ou o
a partir de modelos propostos em Aconteceram-me coisas piores. Sempre provo
Ihetos, ouainda inventar novas lormas inspiradas cado por esse rebanho de discursos díspares em
abutre dos Andes
em pipas chinesas ancestrais, no cuja forma eu mesmo havia mexido à vontade, en
atra
ou no avião-caça Mystère IV. Uma pipa não contrei-me àfrente na criação de organismos de
vessaos muros do espaço, nào troveja nem zune. reeducação. Pobre de mim: aí éque se enredam os
falta um não-sci-quê para que ela se sustente no discursos eseus fios. E aique opobre diabo que
vento e continue alegrando, com um ponto de cor segura com a mão direita seu ramo de pequenas
viva, o mais cinza dos céus, ou para que cla Caia e, bandeiras multiformes e multicolores se dáconta
pelo menos, não qucbre nada além de sua própria de que sólhe resta uma das mãos, a outra, para lu
armação. A primeira vista, isso não serve para tar a todo custo, sem muralha nem certeza para se
nada. Veremos. apoiar. Com sorte, uma ou outra dessas fórmulas,
Então, por volta de 1943, comecei afazer uma soltas há muito tempo, não acaba caindo sobre sua
pipa, duas pipas: as formulas, formulinhas, canti cabeça e seus ombros, cegando-o, envolvendo-0
gas, charadas, aforismos e paradoxos de Semente com as tiras de sua rabiola, sobre as quais algu
de crápula. mas palavras estão escritas e ele desprega uma por
Uma pipa, sobretudo se for pequena, éfácil de acaso e a aplica e diz uma palavra em falso como
segurar. Cento e trinta e seis jáé outro assunto: se faz um movimento em falso.
elas arrastam você, ainda que tenha pouco vento, Éisso provavelmente o que eu queria contar
levantariam você, não podemos dizer que acima aos antigos e futuros leitores de Semente de crá
de vocêmesmo e, contudo, acabei sendo um edu pula. Há dois mundos. Aquele das fórmulas, for
cador de renome, levado, pela força e pela graça mulinhas, charadas e parábolas e aquele do que
dessas cento e trinta e seis pequenas pipas, aum acontece a todo momento aqui embaixo com quem
congresso internacional aqui, a uma comissão ali, quer ajudar os outros. Se, uma vez lidas, algumas
e por mais que eu puxasse as cordas, como fazem de minhas palavras estremecem alegremente no
os mergulhadores quando querem voltar a subir, c¿u de algumas memórias, melhor assim: aí está
minhas pipas frequentemente me deixaram mo sua razão de ser. Mas aquele que quiser se servir
fando ali, de onde eu teria querido escapar. delas, aplicá-las de alguma maneira, se daria conta,
10 11
feitas: pedacos d.
ao mesmo tempo, do que são
sobre os do
páginas lidas, coladas e penduradas
lhos maleáveis e leves arrancados de uma espécie Semente de crápula
particular de entusiasmo que surge cada vez que Conselhos aos educadores
um menino me aborda. Que foi mil vezes serrado que gostariam de cultivá-la
derrubado e de cujo tronco nunca param de brotar
rebentos.
Fernand Deligny
janeiro de 1960

12
E Vocêconvive com filhotes de homem numa
S escola, num reformatório, numa colônia de
férias, já conhece a semente de crápula, tal como o
cultivador conhece o cardo, o joio, a papoula oua
nigela, amaldiçoando-os. Suponha agora que você,
curioso cultivador, tenha semeado um campode
joio, de cardo, de nigelaou de papoula. Ao vê-los
sair da terra, vocêsentirá as mesmas angústias que
experimentava ao ver seu trigogerminar. Mas não
se apresse em varrer os celeiros, nem prepare já as
cordas de colheita. A colheita, se colheita houver,
serápara daqui a pouco, para mais tardeou nunca.
Com a diferença de que a semente de crápula é,
ainda assim, a semente de homem.
Áque todos sabem que você cultiva o cardo,
J o joio, a papoula e a nigela, espere para ver
chegarem os cultivadores, de tamancos, bem à
vontade, olhando seu campo e dizendo: "Eis a
nigela, o joio, a papoula e o cardo que infectam
nossos campos, cuidados como ninguém sequer
pensaria em cuidar do trigo". Se gosta que riam
um pouco às suas custas, responda, com os olhos
acredito
para océu eas mãos abertas: "Sim, e
que a colheita será linda. Mas já se sabe que a
semente de crápula é, ainda assim, a semente de
homem. Ou então, você seria mesmo tão louco
quanto parece.
15
aborda cos
STE aqui grita e gesticula. Ihe
E projetossonhos.
e reclamaçòes:aquele ali dorme
Voce pensa: "A tarefaéfåcil;
e

dorme sem
vou despertar o dorminhoco e acalmar o agitado
Mas não consegue, porque e mpossivel, porque
planta
a planta estána semente e a semente já é
Para o agitado, ache um trabalho que ocupará util
mente sua agitaç£o e ensine o dorminhoco a tra
balhar dormindo. Ao fazer isso, você não será tão
forte quanto o bom Deus, mas teráfeito o seu pos
sivel.

POR FAVOR, não conte como poder das pala


E, Vras. Vocêjá ouviu alguma vez um campo
nês conversar com suas beterrabas, um verdureiro
com suas folhas, um viticultor com suas uvas? Eles
fazem o que épreciso para que as plantas cresçam,
esão muito respeitosos com o tempo. Não estou
falando para você da chuva e do vento, mas da
duração necessária para que as coisas se realizem.
Quando resmungam "isso não vai dar certo, épor
que não hánada mais a ser feito. E se você me
disser: "E, mas os filhotes de homem têm orelhas",
eu responderei: Infelizmente.. se esse buraco não
existisse, os adultos não poderiam despejar nele
suas idiotices".

16
roubaram, fu
oCÂ, Com seus botões: "Eles
errantes
giram de casa e vagabundearam:
animais selvagens...
como lobos, sorrateiros como
peito e fazer, man
Por via das dúvidas, vou abrir o
domador.."E vocêos
díbulas cerradas,um olhar de
solícitos e obedientes.
encontra servis, aduladores,
suas
Oferecem-lhe, jáque ésó o que podem dar,
Você pensa:
mãos, seus sorrisos e seus ouvidos.
nos pneus da sua
"Euos conquistei". Os dois furos
aquele
bicicleta são para completar o presente,
julgavam
dom próprio deles, e que provavelmente
ser insuficiente.

procu
EJEITE Os que vêm se oferecer: não vá
R rar os que se afastam de você, e conte os que
ficam. Se só tiver um, comece com esse.

oCÊésevero demais? Eles vão se esconder.


V Não é severo o bastante? Então não vai im
pedi-los de fazer bobagem. Não se preocupe, por
tanto, com a severidade.
19
botões: "Cuidado! trata-se
de
oCÊ, Com seus
V uma luta. Uma vontade - - a minha - Contra

vontades hostis - as deles" E você se prepara


cem
ese excita e perde
seu tempo: vontade eles não
fazer éir lá para a frente
têm. Oque você precisa
objetivo. E pode se
e puxar, puxá-los rumo a um Durante
segurar, pois isso éépesado e escorrega. ocupado
estiver bem
esse tempo, enquanto você
apressando-os na direção da luz e do sol, eles vão
surrupiar peras nos pomares vizinhos. E
preciso,
pois, se posicionar atrás deles, para vigiá-los.
Não .
tendo mais ninguém para segui, eles se dispersam.
E vocêvolta para casa, bastante enojado do seu
novo oficio de pastor.

FOI posto no mundo pela mãe, criado pela


H. tia, depois por uma prima, puseram-no
numa fazenda, os avós tiraram-no de lá, até chegar
avocê, recém-saído da prisão. E você acusa a
sociedade? Quando conhecer H., vocêestarácheio
de indulgència pela mãe, pela tia, pela prima, pelo
fazendeiro, pelo avô e pelo diretor da prisão. Isso
não tira a culpa da sociedade.

EOUENOs azarados? Veremos. Deixe que as


P boas almas caridosas façam cócegas no senti
mentalismo. Você, faça seu trabalho,
20
conhecem todos os métodos de sedução.
E da mão no ombrO até o pontapé em qual
com voz contida.
quer lugar, passando pelo sermão
teve neles,
olhos nos olhos. Pelo efeito que isso já
tente outra coisa.

PRECISO saber o que você quer. Se quer que


É gostem de você, traga balas. Maso
que vier de mãos vazias, vão lhe chamar de
dia em
escroto.
dê-lhes uma corda
Se quiser fazer seu trabalho,
para car
para puxar, madeira para quebrar, sacos
a sua
regar. 0amor viráemseguida, e essa não é
recompensa.

E VOcêchega com os bolsos cheios de brinque


S dos, em uma hora eles os transformarão em
cabeça cheia
madeira quebrada. Se chega com a
de projetos, em três dias eles estarão esgotados.E
os dias têm vinte e quatro horas, as semanas sete
dias, os meses quatro semanas, e os anos doze me
ses. E depois desses, que agora jásabem se divertir
sozinhos, virão outros, que já tomaram gosto pelo
tédio. O casamento éo amor, mas também éa
louça do almoço e do jantar. Não estou dizendo
1Sso para desencorajá-lo, mas para que você mo
dere sua coragem.
23
ECEOSOS e sem esperança, como imaginamo
R. um fim de raça: pacientes e resignados ao ra
dor de umafogueira que lança ainda, por instantes,
um reflexo de sangue
sobre suas bochechas ma
imóveis. Se voca
gras, uma faisca em seus olhos
as ner.
não intervém, nenhum deles descruzará
nas para aproximar a lenha do fogo que se apaga:
se você não intervém, nenhum deles se levantará
para assoprar a brasa.

EMPRE O inverno. Você já viu uma criança


viver? Como um sol de verão que esbanja
tanto calor e claridade, a ponto de alegrar o mar
e inflamar a floresta. Elas são frias, de cor cinza e
lúgubres, eo que às vezes as anima ésimplesmente
uma febre.

oCÊ reconhecerá aquelas que foram criadas


V por uma mulher, as que foram criadas por
velhos, as que cresceram num orfanato e as que
mamaram as muralhas.

HOVE. Eles vêm se abrigar na sala, pálidos,


C Com os dentes cerrados, pequena humani
dade diante do desastre, desesperados por esse
antiquíssimo cheiro de miséria que sobe deles.
24
depressa, faça-os brincar.
Equiser conhecê-los
deixe os livros de
S DSe quiser ensiná-los a viver,
peguem gosto
lado. Faça-os brincar. Se quiser que Faça-os
amarre à carteira.
pelo trabalho, nâo os
trabalho, taça-os brin
brincar. Se quiser fazer seu
car, jogar, brincar.

Você acredita na efi


Efor professor, foda-se. ins
S cácia da moral dos salmos e, para você, a
primordial. Se vier trabalhar comigo,
trução é algo
com os iletrados.
lIhe darei os diplomados e ficarei colheita.
novo nomomento da
Econversaremos de
ferramenta, maravilhosa, con
A instrução éuma
que
cordo, indispensável, se quiser. Para nós, o
interessa équem se servirá dela.'

peras
ÃO seja tão exigente. Eles roubaram
N para comer. Poderiam ter quebrado
os ga
aque
Ihos sópor prazer. Na escala das más ações,
no entanto,
las que beneficiam realmente soam,
melhor ao ouvido.

1. Por escrúpulo em relação aos professores, Deligny to


desde a primeira
mou a iniciativa de retirar esse aforismo Scara
reedição de Semente de crápula, pelas Editions du
conservaram a ver
bée (1960). As edições Dunod (1998) faltante, assim
são. Optamos por restabelecer o aforismo
L'Arachnéen (2007).
como o fez a publicação nas edições
27
nada com a c0erção. Po. você éa calma sor
oCÊnâo conseguirá AS maiores confusões,
derá, eventualmente, forçá-los a ficaremimó-
resultado a
N ridente. Nas grandes calmarias, você é o
silêncioe, com esse duras vento.
veis e em
você não sairá do lugar.
penas conquistado, tenham sempre essa
Éumjeito paraque eles
não há boa
EVOcê cortar a língua que
mentiu e a mão gme
que
D sensação de escolha, fora da qual
chefe de vontade possível.
S roubou, dentro de alguns dias será
e manetas
um pequeno bando de mudos MAIOR mal que vocêpode lhes causar éé
pro
disso, você pa
meter e não cumprir. Além

Ehoje vocêder um tapa, amanhã terá


que dar gará caro e isso serájustiça.
S. um soco, jàque o tapa não
terásurtido efeito.

E depois de amanhã, um golpe com


cassetete, e NDE estäão, belos rudes delinquentes,
anar
dilace
depois teráque instalar uma câmara de
tortura. quistas, olhos negros, corpos cálidos
reforma vocêverá serão
Acha que estou exagerando? E quantos rados por cicatrizes? Aqueles que
se vocêos va
tórios, no entanto, se enfeitavam com solitárias, glutões e bajuladores, e desmaiarão
as mais desconfortáveis possível, nas quais se jo cinar.
gava a criança castigada, privando-a de comida.
Enquantoestava ali, ela deixava os funcionários EJA SÓ: você dáuma nota de cem a
um fujão
em paz, esperando a morte. Ou seja, o cúmulo da
adaptação social.
V eo manda àestaçãode trem para comprar
ofegante e devolve o
uma passagem. Ele volta
sua
troco. "Reeduquei-o direito?" Três dias depois,
oCÊ sabe cantar, improvisar uma história de cobaia, no meio da noite, desmonta uma janela e
piratas, plantar bananeira, imitar os gritos desaparece por um certo tempo. Espero que diga a
experimentos
dos animais, desenhar nas paredes com um pedaço si mesmo: "Parabéns". Reserve seus
de carvão? Então você terádisciplina. para os ratos brancos.
29
28
oCt acredita que o nmundo se divide em dois
grandes grupos: os que sao honestos en
que nàosào, Eleslhe diråo: os que sao pegOS e os
que nào såo.

você conhece um pouco a aritmética social


Dyocê diz asi mesmo que trinta moleques num
dormitório equivalem a dez vezes três amigos, ou
três vezes dez amigos, ou quinze vezes dois ami
gos. Aqui, infelizmente, trintasão trinta. Trinta
solidões magras, cúmplices e ciumentas.

Mincidente.. Uma forma de evitá-lo. Mil


U formas de desculpá-lo.
E VOcêbrincar de policia, eles brincarão de
S bandidos. Se vocêbrincar de Deus, eles brin
carão de diabos. Se brincar de carcereiro, eles brin
carão de prisioneiros. Se você for você mesmo,
eles ficarão desconcertados.

Molho neles, outro olho no


U ros dias isso daråum pouco decéu.dorNosde cabeça.
primei
30
QUELE que vocë trata como indiferente e dor
A minhoco,elejá reparou com que destreza e com
é capaz de afanar um bolo numa
que vivacidade
confeitaria cheia de clientes? Ele está vivo. Nem
tudo está perdido.

UANDO H. chegou, todo cheio de qualidades,


vocêse perguntou: Mas o que éque ele
vem fazer aqui?" Agora que o conhece, você diz a
simesmo: "O que éque ele poderáfazer láfora?"

QUELE ali éum autêntico crápula; vem do


A presídio, amassado e sujo; seu arquivo está
Me
cheio de relatórios detalhados e reincidências.
nos mal, o trabalho estámeio caminho andado. Na
montanha, melhor subir que descer.

QUANDO chega, se mostra educado, solí


C. cito e honesto: é um ator. Será preciso
ensiná-lo a ser ele mesmno. E, no fim das contas,
com a ajuda do tempo, a se tornar outro.

QUE dava chutes nas canelas, agora dá so


T., cOs na cara. Grande progresso.
33
CHEGA a vocêda prisão pelo roubo de
L. coelho que ele dividiu com a avó. Agradeca
lhe enviado a avó.
àjustiça;poderiam ter
ansi.
ONHECI um que, quando estava muito
C oso para jogar, chegava a desmaiar. Ele
tinha
não
tinha coragem de se conter. Eomesmo que
jogado um machado na mãe quando ela recusou
lhe dar quarenta tostões. Depois de sair "melho
rado"", quis violar a irmãmenor, que não via há
muito tempo.

ava
RA pródigo e avarento, ora audacioso e
medroso, ora mesquinho e desinteressado,
aquele ali só é ele mesmo quando está dormindo.

JÁsabe que a vida não épara ele e, com as


R. mãos nos joelhos, vÁpassarem as horas.

UNCA Se esqueça de olhar se aquele que se


N, nega a andar não tem um prego no sapato.

oCÊOs coloca contra uma parede: você faz


V uma marca poucos milímetros acima de cada
cabeça. Espera que tenham crescido. Labor inces
sante.

34
STEJA presente. sobretudo quando ão stá
E ali.

Eforerm roubar morangos. pante morangos


S no pátio deles.
APAZES de tudo?E seu esse tudo
C
oCÉ Os faz cantar cantos que ziorihcam 2
beleza domundo. Eoque eles buscam ohos
baixos, é uma bituca de cigaro solitária

oCÉlhes propõe jogos de sua juventude e


eles não parecem entender que esses jogos
são mais atrativos que outros.

LES SãO quarenta. Você Ihes pergunta uem


E realmente quer jogar? Vintequadra
e cinco levan
E são os
tam a mão. Você leva todos até a
outros quinze que jogam.

LHE aqueles que ficam nos cantos da sala


de jogos, rejeitados como aqueles meninos
desengonçados nos brinquedos giratórios dos
parques de diversões. Serácustoso para eles ocu
parem seus lugares na eristència
37
oUBARAM quatro torradas. Inquérito rápido
RoOladro é M. Trazem-no até você. "Senhor
eu não farei mais isso, nunca mais, eu juro." EJe
está pålido de aflição,chora e retorce as mos, se
entrega e, se fosse mais forte, teria lavrado Seu
próprio peito. Você balança a cabeça, atento a esse
debate entre a hereditariedade e a boa vontade
nascente. Ele estende três fatias de pão molhadas
em lágrimas: você se emociona. A outra fatia. a
seca. ele a comeráem seguida, bem escondido, à
sua saúde.

NTESde se indignar, lembre-se daquilo que


A vocêmesmo era capaz quando tinha a idade
deles.

oCÉ diz a si mesmno: "Vou substituir o pai e


a mãe dele". Isso não érazão para vocêse
embebedar todos os dias.

ESCONFIE: aquele que se exibe éo que tem


D vontade de se fazer ver, e, portanto, de se
esconder.

UANDO tudo funciona, échegada a hora de


Começar outra coisa.

38
STA noite,eles Ihe parecem estranhose são
estranhos uns aos outros; o ambiente está
|Eestranhos
cinzento: caroços num líquido sujo; tudo falhou.
noite com esse peso no coração,
E você passa a
totalmente enojado deles. Na manhã seguinte,
encontra-osfrescos e triunfantes, como um doce
bem-feito.

UE preocupação constante, que espantosa


habilidade, que atenção sempre alerta em
evitar o mínimo trabalho! Algo como uma cen
tral elétrica que acionasse um moinho para fumar
cigarros.

Eeles bocejam de boca escancarada enquanto


S lhe escutam contar uma história, tome isso,
se pude, como uma mostra de confiança.

ÃO se trata de que eles adquiram os hábitos


N de um adulto, você, mas do hábito de viver
como todo mundo.

ÃO os ensine a serrar se você não souber


N segurar uma serra; não os ensine a cantar
se você achar chato cantar; não se disponha a
ensiná-los a viver se você não amar a vida.

41
ANEJE Oescotismo com prudência.
M precisam olhar os modelos que você
Eles não
como um sapo olha uma borboleta.
propõe

Ãolhes diga: "Acha que eu? Pode ser que


N você seja um adulto modelo. Você certa
certa-
mente jánão mais é um modelo de criança, Mas
quando se tratar de ter coragem, você deverá ter
por trinta; quando se tratar de ser teimoso, deverá
ser por cinquenta; quando se tratar de rir, precj
sará de alegria para cem pequenos enjoados.

E no coração de um escoteiro dorme um pe


S queno cavaleiro, no coração deles ronca um
pequeno operário.

UANDO Ihe falarem de sua abnegação, espero


que fique muito surpreso. Se não ficar, mude
de profissão.

QUELE que chora sem parar: faça-o lavar a


A sala. Se vocêtiver pena, mude de profissäo.
42
"Oh!
ÃO se deixe levar até oponto de dizer:
N, Jean, vocêtez isSo... como vocême decep
ciona" Se não for verdade, Jean vai se dar
conta
de ace
disso, E, se for verdade, vocêcorre o risco
lerar o ritmo dos delitos, ainda que seja só para
lhe decepcionar. Poisai estᣠum prazer do qual
Jean foi privado desde que deixouos pais.

NCLINAR-SE demais sobre eles é a melhor posi


I cão para receber um chute no traseiro.

RA uma vez um educador que gostava muito


E deles, mas tanto, que fizeram dele um grande
lenço.

Equiser que eles sejam eles mesmos, e vocêsó


S pode querer isso, meta-se no meio deles sem
armas e sem Couraça, sem castigoS nem recom
pensas. Se for atacado, pratique, se estritamente
necessário, o jiu-jitsu, pois tanto essa arte quanto
a maneira de usá-la são fruto do conhecimento do
homem. Digo isso em sentido figurado: estáfora
de questão eles lhe atacarem. Se isso acontecer,
mude de profissão: éque você é baixinho demais,
tem a cara feia ou os pés chatos.
45
esses
ROIBIR VOcêde casthga-los vai lhe obrigar a ÃO acredite que vai encontrar neles
P deixá-los ocupados. N defeitos miraculosos que glorificariam
com uma
museu psicologico. Você vai recolher
nåa imensa quantidade de defeitos que se arras
tam pelasruas. Se você se contentarem colocá-los
EPOIS da incontinência verbal, o castigo é a numaestufa, cuidadosamente etiquetados eemp0
D arma mais cara aos corretores de criancas. eirados todo o mês, eles vão proliferar, crescer e se
Eo mais triste éque as crianças tomam gosto por tornar monstruosos, como vocë quer, e a pequena
esses vícios de gente grande. coleção de anormais espantaráos visitantes.

IGA a si mesmo que a educação começará


D no dia em que o ambiente estiver completa UIDEMOS dos delinquentes e castiguemos os
C tuberculosos. Veremos como uns se tornam
mente livre do mínimo miasma de "ssanção". E as
escassos enquanto os outros se multiplicam.
mais difíceis de desinfetar serão, talvez,as crian
ças.

QUELE aliéteimoso, rebelde e preguiçoso.


s defeitos deles são como pelos: quanto
mais A Ele foge. "Ainda bem: não havia nada a fa
cortamos, mais duros crescem. zer; os porquinhos v«o comê-lo. Dois anos depois,
ele vem lhe ver, vestido confortavelmente, dono de
uma bicicleta comprada com suas próprias econo
mias, com um bom trabalho em mãos. Não fique
Mhábito se arranha, um defeito se desbota; ofendido. Avida tem muito mais experiência que
U não fure o papel. você.

46 47
EJE e limpe: a maldade é um
micróbio
A prolifera na sombra, na desordem e na que su.
jeira. A água, ofogo, o ar e a luz: é disso que sáo
feitos, em nosso oficio, os milagres.

ÃO creia em milagres. Hoje faz sol, o céu


N está azul e o vento, fresco. Eles brincam D

Ouvindo seus gritos alegres, vendo-os correrem


uns atrás dos outros e se dispersarem para se rea
grupar em bandos amigos, vocêos percebe final |DIA
mente confiantes e abertos. Bate as mãos para
aplaudir essa confiança finalmente encontrada e
parachamá-los. Quatro deles fugiram. Prova de
que o sol não tem em vocêeneles o mesmo efeito.

AÇA-OS cantar, rir e dançar; faça-os correr,


F suar, saltar. O resto équestão de prudência e
organização.

ÄO investigue as"historinhas entre eles'


N.segurar firme na escada pela qual você semdes
ceu. Você corre o risCo de se
asfixiar como no
fundo de um poçO.
48
torradade Paul. Então Paul rece-
EAN pegoua
na torrada
beráuma de Jean. Sim, mas Jean de
dara Maurice ootorrão de açúcar que Charles
verá
um porta-penas que Henri ex
ofzera trocar por
ele recebera de Marcel em
torquira de Louis e que
um chute no joelho0 e depois de ameaças
troca de
misteriosas, e o tal Marcel havia
roubado quatro
tinha pegado empres-
bolas de gude de Paul que as
está no fundo do poço,
tadas de Jean. Averdade
longa,
mas a corda com a qual você a puxa étão
chegar àborda
tão longa, quequando a verdade
você estará muito longe para sequer ver a cor dos
cabelos dela.

oCÊperceberá que alguns juízes tomam de


cisões como joalheiros vendem uma aliança.
Um tira a medida do delito tal como o outro tira a
medida do dedo. Tanto um quanto o outro mal se
importam com o resto.

es
JUSTIÇA. Ou: quando o abstrato se torna
A crivão.

51
Eestiverem trancafiados, tudo o
S pode fazer por eles é que vocÇ
trazer-lhes três broti-
nhos de grama fresca, como faz
aquela velha que
vem dar uma olhada em seus coelhos
bela história, projetos, músicas de
na gaiola:
caminhada..
Mas isso jamais serácarne de primeira.

RIE trutas em água suja, elas


pegarão o gosto
de lodo. Crie rs em água clara,
elas pegaro
0 gosto de truta.

ONSTRUIR Ima fortaleza. Trabalho de es


C cravo ou jogo maravilhoso. Tudo está na
forma de fazer.

PILEPTOIDE, deprimido, hipomaníaco... Eisso


E que o médico olha. Seu
refrão, por sua vez,
deve ser: "Vamos brincar de quÇ?"

ÉBRUTAL e
T. suas garras.teimoso. Não se apresse em tirar
Talvez elas sejam suas únicas
qualidades.

É
P." chado.MENTIROSO, H. é
E E., que nãoinsolente,
énada
Z, é debo
vamos fazer com ele? disso, o que
52
menos úteis.
defeitos úteis e outros
Áos
Hi

seus defeitos de ho
Ão hábeis em perceber
longe, como a hiena faz
S mem, farejando-os de
para se empanturrar.
com a carniça,

você já
E as palavras deles não fossem vs,
S estaria morto, com os olhos furados, a língua
azul e as entranhas entregues às moscas (se acredi
tar neles quando estão com raiva). Se as palavras
deles não fossem v«s, eles seriam corajosos, ale
gres e honestos, dedicados e conscientes de sua
indignidade (se acreditar neles quando falam com
você). Vocêainda não está morto e eles ainda são
um pouco crápulas.

OBRETUDO, não tente saber o que falam de


S você entre eles. Eles ficam com vontade de
sair andando quando lhe veem chegar? Eis seu
trabalho.
55
OMO estão sujos e encardidos, você oredor de um jardim imenso, onde as
cri
C que talvez seja o caso de fazer
pensa
uma A ancas brincavam entre a relva alta e os
bos
lavagem da qual eles sairão honestos e grande ques misteriosos, alguém
colocou uma barreira.
corajosos.
Prepare sempre escovas, sabao, agua, vento e sol primeiro menino que a avistou chamou 0s outros
Então, dia após dia, vocêvai habituá-los a se lava através
que, interrompendo o jogo, vieram olhar,
das barras, o resto de um mundo para o qual eles
rem a SI meSmos.

mistérioeo
não ligavam muito na véspera. E o
prazer, agora inacessíveis, passaram ao jardim vi
vÍcIo deles estáestampado em seus ros zinho. Dito de outro modo: evite as "interdiçöes"
tos... Olha essas atitudes dissimuladas.." sob pena de ver seu bando se precipitare atraves
Escolha o mais perversO da sua equipe, vista-o sar com prazer as novas barreiras.
como um pequeno-burguês, suba com ele num va
gão de segunda classe e fale com ele como se fosse
seu filho. Se não Ihe disserem "como o
garotinho
ébem-comportado..", éporque sua cara não está
para conversa.
ESAJEITADOS no jogo como as corujas na luz.
D Rancorosos, birrentos, trapaceiros, mesqui
nhos e avarentos com o próprio fôlego. De resto,
A vaiQUELEse virar.
que é capaz de suar
provavelmente
Quanto àquele que sorri tão
os melhores filhos do mundo. Preferem mascar
fumo e cuspir entre os pés...
gentilmente, nunca faremos dele uma prostituta?

LGUNS estão na beira da


A um honestidade como
convalescente
seu quartocheira à
está na beira da
planície: ESCONFIE das soluções imediatas: não adi
cido.
doença, mas, ali, ele está aque D anta nada ligar uma lamparina de gás na
corrente elétrica.
56
57
intoxicados por quinze anos de vida
LES estão
E num ambiente imundo? Não
têm nenhum
gosto por aquilo que éésadio, honesto,
humano?
Seu trabalho éjustamente o de tornar-lhes
assi-
milável aquilo de que eles se desviam, de saber
apresentar-lhes aquilo de que necessitam e de que
aue
não gostam muito: esforço cotidiano, jogos de re.
gras, luz natural, água fresca, grandes e alegres
tapas nas costas dos leais companheiros.

oCÊaprenderá que roubar habilidosamente


V está ao alcance do mais besta.
oCÊ reconhecerá entre eles a ostra, a carpa,
o boi, a hiena e o cavalo. Você se irritaria
contra uma ostra?

OUPE Suas raivas para os momentos de soli


P dão e, depois,cuidadosamente, transforme-as
em energia.

Spais. Eles
demoraram quinze anos e nove
meses para fazer de seu filho o que ele é, e
gostariam que, em três semanas, você fizesse dele
uma criança modelo.
58
você terá"melhorado"
E esses poucos que
mal, você vai
S uma vez fora, comportam-se
precisa ser
pensar que é o resto do mundo que
Tarefa
reeducado. O que não é algo mal pensado.
além de você, e que eram Deuses,
àqual outros
fracassaram en renunciar.

ANTENHA-OS Vivos. Se a vida para eles é


M roubar, provocar, destruir, procure simples
verbos objetos
os in
diretos ou
mente para esses
diretos que farão sua força, imperceptivelmente,
derivar para atos louváveis e úteis.

EU primeiro éobediente. Meu segundo é


M obediente. Meu terceiro é obediente. Meu
quarto é perverso. E meu todo éum belo bando
de trombadinhas.

LE tem medo dos cães. Tem horror àchuva.


E Tem pavor do vento. Sempre está com frio e
fica inquieto quando a comida atrasa cinco minu
tos. E um pequeno vagabundo.

UE a Sua simpatia por aqueles que, dentre


eles, se pareçam com você, não lhe impeça
de compreender os outros.
4
61
ocÉ perde dinheiro. T. encontra dois
V e os guarda. V. encontra cinco francos
francos elhe
devolve. E eu digo que você tera problemas com V

ÃO acredite que aquele que rouba de


N um para
dar para os outros estáperto da "saída. Se
Você se misturar com a estética e a moral
pura,
seráum perigoso egoísta enão estáfazendo o seu
trabalho.

UE Sejam como todo mundo* - e Deus sabe


como é feio o mundo - aí está, aí estáseu
ideal.

LES vão lhe surpreender: apesar de tudo, bem


E mais próximos de Pasteur do que da ostra.

Ão os largue antes que tenham tirado


N de bom que poderiam do
tudo
ambiente que você
criou. Mas quando estiverem bastante
veis, tenha pressa para se separar confortá
deles. Para ter
um
exemplo a dar para os outros, você se arrisca
a deixar
apodrecer os mais belos frutos da sua co
lheita.

62
bem-sucedido.
Ihe consolar. Se vocêfor
P serámais forte que a estupidez.

RA uma vez um burro, adulto háalguns anos e


E mestre-escola profissional, que batia constan
jovens cordeiros porque suas orelhas
temente nos
não cresciam rápido o suficiente. Ao seu lado, um
velho gerânio ensinava às jovens violetas como
elas deveriam enrubescer. Seguindo o mesmno tra
balho, um velho melro ensinava a duas jovens co
rujas os segredos para cantar bem. E esse centro
de reeducação era célebre n0 mundo inteiro pela
excelência de seus métodos, mas não pela eficácia
dos resultados obtidos.

RA uma vez um coração de criança povo


uado de boas intenções, vivas, discretas e um
pouco disformes, como um povoado de anões
numa floresta antiga. Um adulto que passou en
toava com a voz grave bons conselhos e lições
de moral. Só de ouvir seus nomes arrotados por
aquela vOz sonora, todos os anõezinhos morreram
de medo. Adultos, sejam menos barulhentos.
65
mais ter, perto das crianças
SPERE Orande cansaço que te chegará, Dur ALVEZ Valesse
presidiários adornados com
E noite, junto com a ânsia de restolegar, como velhos
Ttítulo de educadores em vez de certas "almas" de
infelizes,
fazem os cavalos, e com odesejo de andar na o afastar o vício,
dire- vontade. Pois, se uns podem
ção do horizonte até a regiáo das crianças sás, no- boa honesta.
bres e harmoniosas, gordinhas e bronzeadas pelo outros podem afastar a vida
Os
sol. No dia seguinte, você estaráno trabalho uma
hora mais cedo que de costume, como um modo
de se desculpar.
cômodos. Opai estásem
IVEM Nove em dois
V pre doente e a mãe sempre esperando
O mais velho está detido
outro
por mendi
irmãozinho.
MA Vaca pariu um bezerro de cinco patas. O lhe dáum sermão.
U
fazendeiro, toda vez que passava pelo está
bulo, dava quatro ou cinco pauladas na pata ex
gar. Ele lhe foi confiado. Você
luvas de pele
Você também poderia oferecer ao pai de marfim.
alicate
tra. A faZendeira queria mandar o bezerro ao ca de um animal raro e, à mãe, um
tecismo, para que aprendesse que ter uma pata a
mais era um defeito muito feio. A filha mais velha
trazia suas amigas que explodiam de rir ou faziam
cara de nojo. Assim fazem zigue - zigue - za as sardinhazinha que não sa
casas de educaçáo! RA uma vez uma
E bia nadar. Colocaram-na dentro de uma lata,
outras duas. Com muito cui
bem apertada, entre
pouco de azeite. Como
dado, adicionou-se um
Ela envelheceu três
PAI dele já passou oito estavafeliz a sardinhazinha!
anos na prisão; a ninguém nunca mais
måe, dois anos no hospital, e anos. Abriram a lata. Mas
esse tratava de uma sardi
exigente ainda queria que a sociedadepequeno tentou faz-la nadar. Pois se
conta dele. tomasse nhazinha e não de uma criança delinquente.
66
67
MA nação que tolera as favelas,
U.c¿u aberto, as salas
salas de aula
OS
esgotos ea
que ousa castigar os jovens superlotadas
delinquentes me faz
pensar naquela velha bêbada que
seus filhos durante toda a
semana vomitava sobre
e que
o menorzinho, sem
querer, num domingo, porgue
ele tinha babado em seu avental.
esbofeteou

ÁOS
H latrasheredo-tuberculosos,
e os heredo-infelizes.
os heredo-alcóo

Átrês fios que


H o individual, o deveriam ser tecidos juntos:
familiar, o social. Mas o fa
miliar estáum pouco podre, osocial está cheio de
nós. Então, tecemos somente o
individual. E nos
surpreendemos não ter feito nada além de um
de
trabalho de costura, artificial e frágil.

LGUNS dos que fazem esse


A nosso trabalho
creem em Deus; outros têm fé
nas pessoas.
68
trinta anos da sua
UANDO Voce tiver passado
vida aperteiçoando sutis métodos psico-pe
diatricos, médico-pedagógicos, psicanalo-pedotéc
aposentadoria você pepegará
nicos, na véspera da discretamente,
uma boa banana de dinamites e,
favela. E, em
explodirá alguns quarteirões numa
um segundo. vocêterá
feito mais trabalho do que
em trnta anOs.

Epor tão pouco vocêestá desenganado da


S profissão, não suba em nosso barco, porque
nosso combustível é o fracasso cotidiano, nossas
velas se inflam de zombarias e trabalhamos duro
para trazer ao porto uns arenques muito pequenos,
quando tínhamospartido para pescar a baleia.

UM oficio de crianças, é um oficio de após


É tolo, um oficio de ajustador, ou melhor, de
passadeira. E as pregas estão grudadas no corpo e
noespírito das crianças, sobre as quais pesou, com
sociedade de adultos
toda sua massa inerte, uma
bastante indiferentes.
71
Prefácio escrito para a
reedição de 1955, não
publicado àépoca
auténticas villas-pequenos-castelos
Agora, em 1955, uma semnana apoS outra. rm assim: villas,
dos lados de uma avenida vizinha
pedido chega: dois Semente de crápula aqui, dois em
cada um
que aquela ave
Semente de crápula acolá... Ora, não há m¡is Se- de 1um hipódromo: pode-se dizer
mente de crápula. Deve-se reeditá-lo? nida era a espinha, a coluna
vertebral do lugar.
Não faço ídeia: nunca vi,
Por doze anos, trabalhei. Meu oficio de ed,. Quemvvivia ali dentro?
COm meus próprios olhos, nada entrar
nem sair
cador e eu não nos separamos. A mensagem dis.
e que eram
paratada de 1943, com suas facetas talhadas em dali. Havia árvores que conhecia bem
paradoxos, me irritaria se eu a lesse vinda de im minha única companhia quando pegava aquela
outro. Mas, já que ela ainda flutua e que, aqui e avenida. Agora, quando vejo tudo aquilo com
uma es
acolá, jovenseducadores ainda querem lé-la, por maís distância, sei que havia um castelo,
que não retomá-la, corrigi-la, a fim de encurtar em pécie de castelo, que se chamava crépi [reboco], e
construção, cas
um dia a estrada daqueles que querem sair dos re eu achava que era seu nome de
pugnantes redemoinhos ideológicosem que estão telo-reboco, como diríamos castelo-pontudo.' Na
presos, primeiramente, aqueles e aquelas cuja ta verdade, Crépi erao sobrenome de um grande em
refa cotidiana consiste em cuidar de crianças que presário têxtil, e tudo parecia indicar que aquele
não nasceram deles. imponente castelo, de tão safado, havia procriado
algumas
"Pequeno-burgues..", eis-me entregue ao meu e gerado uma centena de villas-castels,
lugar (gostaria de poder escrever "meu lugar de retorcidas, tortas como solteironas que andam
então") eu, o educador que se queria, ainda assim, cheias de frescura; as outras, bem burguesas, far
conservado,
revolucionário. tas, limpas e satisfeitas em seu parque
notável
Pequeno-burguês... A tribo é numerosa e habitadas por algum chefe ou subchefe ou
muito diversa. Pequeno-burguês de origem? Por colaboracionista; portanto, uma avenida muito
acaso sofri por ser um explorado? Nunca: sempre
"reboco"; chapeau
tive a sensaçáo de ser um privilegiado. Orfão de 1. A palavra crépi se traduz por
-pointu éotipo de chapéucom a forma pontiaguda. Cha
guerra, sim, mas órfão de oficial, e o bairro onde soam de modo parecido. Em
peau e chateauUx em Francês próprio, e, portanto, é
cresci, em Lambersart, perto de Lille, era tão pe sequida, crépi aparece como nome ao ouvir a palavra à
refere
a essa confusão que o autor se
queno-burguês quanto um bairro pode ser. Ele era época.

76 77
longa composta por esse enxame de carrilava.Pouco importa: ele estava no fim de seu
villas prove-
nientes do castelo, mas as últimas delas traieto: deveria ir atéa igreja - para que isso? Ele
mais do que casas com uma pequena escadaria
náo eram
estava sermpre mais ou menos vazio, corria, armar-
Ou pequena torre ou um não-sei-qué na
fachada cha engatadana velocidade mais alta, tomado pelo
ou na parte de trás que Ihes
permitia aparecer maldas tempestades, balançava trinta vezes atrás
ao longo dessa avenida do Hipódromo, à enafrente pelo labirintode curvas entre os caste
espera
de qué? de que um dia ocastelo-reboco passasse los secretos eparava no "Canon d'or' parafazer
lentamente diante delas? seu serviço, embarcar seu carregamento de uma
Numextremo da avenida, um canal, o Deûle brava gente, pess0as recém-saidas de suas casas
e suas barcas amigas; no outro, um bom e velho de tijolos: avenidas, ruas de casinhas de tijolos, to
prostíbulo, que deve ter sido uma fazenda: um das iguais, construídas a cada estação do ano: era
bordel; afrente, os campos; aqui, ali, nas árvores, nessascasas que viviam os empregados.
mais alguns "castelos", masesses náoalinhados. Todos "empregados", o bonde cheio, as ruas
colocados ali, em qualquer canto, e uma estrada cheias; um bairro, umacidade de "empregados".
pavimentada que insistia em passar com um bonde Eles tinham a sensação de serem explorados? Pri
que sacudia em todas essas curvas: suas rodas mor vilegiados, éisso oque eram. Havia muitos empre
diam o trilho, seu mastropulava: um bonde não gados de banco, e, entre os empregados de banco,
toi feitopara passar por um caminho que deveria havia alguns que eram do Banco da França: pri
ser traçado por gaivotas preocupadas em voar ao vilegiados em relação àqueles que estavam nos
redor da propriedade privada, em dar voltas, em pequenos bancos; e os empregados dos pequenos
náo morder, em passar por onde podiam, por onde bancos? Privilegiados em relação àqueles que não
tém permissáo de passar: caminho de costume: tinham emprego algum ou em relação ao pessoal
deve-se respeitar os costumes. Frequentemente uniformizado, um rapaz disso ou daquilo: "rapaz",
acontecia de o bondedescarrilar, nervoso, sobre com cinquenta anos? Privilegiados esses "rapa
mutilados
carregado por essas complicaçóes, por essas re zes", pois, em sua maior parte, eram
viravoltas, enlouquecido por essas afetações, por de guerra: a mutilação, mesmo a da guerra, era
mno
esses gracejos que o obrigavam a fazer. Ele des um privilégio? Em relação aos mortos, aos
79
78
fazer ouvir
ribundos, evidentemente eram privilegiados
eo desdém involuntário, o desejo de não
pareciam se
brilho doprivilégio podia ser lido em muitos dos suas vozes pelos sujeitos ignóbeis que
rostos: o bonde lotado voltava para a cidade pela conhecer todos entre si. Aliás, os operários rara-
rua Royale: estritamente verdade. mente pegavam bonde, eles iam apé,
e preferiam
Eu era, então, órfão e privilegiado, duplamente, a rua Saint-Andréà rua Royale, paralela e mais
triplamente privilegiado, jå que: meu pai morrera movimentada, oua esplanada, ao longo do canal,
na guerra, mas ele morreu oficial: pequena pensão: ou ainda as muralhas, de bicicleta.
ele tinha metido na minha cabeça (ele, ou minha O bonde era um privilégio que me deixava tão
måe, ou os dois) o que era preciso para passar no desconfortável quanto os outros privilégios que eu
liceu
exame das bolsas de estudo: bolsista; aluno do devia suportar: órfão, inteligente, aluno do
bem
liceu: privilegiado em relação aos do primário e etc. "Pequeno-burguês", abandone a tribo! É
a0s aprendizes. isso o que tentei fazer, mas imagine só! a tribo, nós
Privilegiado. Não hádúvida. a temos na cabeça: e, no entanto, fui procurar tra
Privilegiado, agarre-se aos seus privilégios, balho bem longe, não na direção dessas distâncias
como um acrobata nauseado ao seu trapézio. geográticas que só me atiçaram por meio de uma
Os operários me pareciam sérios, e cheiravam imaginação muito conscientemente gratuita, mas
como homens de uma outra raça: eles tinham, no em pleno asilo de alienados. Um asilo, é muito
bonde, uma presença desajeitada e rude. Maca longe, é uma ilha.
Cões de trabalho, sapatos, suas roupas, suas ferra Antes, quando tinha vinte anos, já havia ten
mentas: sobre a plataforma cheia de seres de pele tado deixar a tribo. Havia me filiado ao Partido
påida, estavam entorpecidos, muitas vezes pen comunista: um localvermelho, rua de Paris. Um
sativos e, na hora de descer, se membro
homem estava ali, constantemente: umn
com um sinal de cabeça: no meiocumprimentavam permanente? Para mim, ele era como o guardião
dessa gente, eles
deviam ter medo de seu sotaque, mas eu via de bobo
ali um de uma tradição. Era melhor não se fazer
naquele lugar. Ele e nós, não pesávamos o mesmo
2.0 liceu era e continua éramos quatro ou cinco estu
cesa de sendo a instituicão escolar fran peso. Nós, porque
educaço
nível de ensino nãosecundária. Na época de Deligny, este
era obrigatório. dantes usando a mesma insígnia. Ele e nós não
80 81
ela é muito am
tínhamos a mesma densidade: tratávamos de es- Éimpossível deixar a sua tribo,
tar àalturaquando iamos pegar os folhetos ou Estána luz acima do canal.
Ou os pla, estápor toda parte. cansam nas
cartazes para distribuir. mulheres se
cobre o canal. Homens e
puxá-las, os braços ba
Os cartazes. Ali estavam, uma centena, dobra barcas ou no caminho, para
curvados para
dos em cima de uma mesa do local, carcomida: lançando, um passO atrás do outro,
grisalhos, longos,
havia uma tapeçaria rosa empoeirada pelo pó de baixo: uma mulher com cabelos
com cabelos grisalhos
gesso que saia por entre os rasgos: parecia as bo que pendem, uma mulher mu-
chechas maquiadas de uma velha: os cartazes,eu soZinha uma barca. Estou com essa
que puxXa o canal?
devia pensar que com um cartaz (mas qual?, quais lher ou com a luz que se choca contra
estou com a mulher,
teriam sido sua cor e seu desenho e suas palavras? Trata-se mesmo de un oð":
ela porque não se deixa
Eu não sabia),um determinado cartaz que o Par eu desç para puxar com
velha puxar sozinha, mas não verei mais a
tidodeveria ter encontrado que, uma vez com esse uma
a luz; azar!, a luz,
cartaz colado por toda parte, a cidade, algumas luz: deve-se escolher: a velha ou
homem "escolhe o
horas mais tarde, teria entrado em comoção, todo escolho a luz: por acaso um
ar? Necessita dele.
mundo em marcha, todo mundo exceto alguns me
está na imensa
drosos, e, esse cartaz, nãoo arrancávamos nunca. A tribo estápor toda parte:
homens, um ruivo,
lamos colar nossos cartazes e, uma vez feito biblioteca universitária na qual
estavam ali para nos
otrabalho, voltávamos a passar na frente deles um negro alto, um velho,
moleques: homens
para v-los: eram humildes, apesar da violência adiantar os livros, para nós, os
guerra e não
das palavras de ordem e, quanto a mim, não estava feitos, que haviam participado da
homens têm que fazer
seguro de estar no meu direito de colar aqueles sei quê, tudo o que alguns tudo o
visivelmente feitose
cartazes nos muros: qual era, no fundo, essa briga antes de se tornarem
que se arrastava tanto? Os comunistas estavam que tinham que
fazer. Nesse caso, tratava-se de
vocês tinham que ler:
na cidade como um caroÇo numna fruta e eu
era de servir a vocês os livros que
num restaurante, e
carne, não da mesma massa da qual são feitos os estavam ali como garçonetes
vontade de ler. Usavam
comunistas. isso acabava com qualquer estilhaço
recebido um
camisas cinzas. Um deve ter
83
82
de asilo: havia
granada na cara, um dia, entre 1914 e 1918. Entretanto, trabalhei muito neste
homem
parecia que ele usava uma máscara participadoda guerra e de tudo o que um
ele lhe estendia o livro pedido como desanimada:
co um mendigo deve fazer para parecer um homem feito. Havia
estende o folheto do horóscopo ouo pacote de caracteropatas, um entre
um, entre os grandes
envelopes que ele finge estar vendendo. E era separava, que andava,
oscem dos que eu não me
nessa biblioteca que alguém teria que aprender? outro;
inclinado para frente, um passo depois do
A tribo estava nos bares nos mesmo,
quais todos os contudo, ele não puxava nada além de si
que sentiam que sobravam no mundo se faziam mesmo caminho de terra.
e eu estava com ele, n0
ASSIM, a
companhia durante todo o dia. A tribo estava na corredor de asilo; ajudava-o e via, AINDA
literatura, outra luz que eu devorava com 0s olhos: plena luz do céu.
a literatura me falava de tudo. Estava acima da Mas a tribo épotente: ela era, no próprio crâ
vida dos homens, como a luz acima do canal e, ao nio de meu estranho companheiro, nos seus gestos
ter que escolher entre viver ou ler, tínhamos que
dificeis e fragmentados de falso-trabalhador.
Semente de
escolher ler, jáque não sabíamos Oque viver. Quando tomei nota das frases de
A tribo estava então por toda parte. Para aban para quem anotei? Para ninguém: e isso
crápula,
de fazer
doná-la, era preciso ir longe. também era coisa da tribo: uma maneira
Lá. Oasilo.' 1940. A guerra. 1941. Oasilo bolhas na luz que banha os canais e os campos e
fundo, ficaàsua
ao longo de anos. Havia encontrado um oficio: as praias enquanto o homem, no
educador. 1943: escrevo Semente de crápula, o própria pena.
tentaram, partir
qual, seis anos mais tarde, me proponho criticar. E parti, como muitos outros
Semente de crápula foi lido por alguns milhares de os Asilos, par
para o Taiti, para o Evereste ou para
educadoras e educadores em busca de seu oficio: é deixar o homem:
tir para deixar sua tribo, isso
mais desgra
cinquenta páginas, todas nutridas pelo leite da ainda que se parta para viver com os
malvados, os
tribo pequeno-burguesa. çados, os tortos, oS que babam, os
menos, OS mancos estão
mancOs: uma mais, um a
menos.
pouco se fodenmdo, oumais ou
3. Manicômio.

84 85
Não se deve abandonar Os outros. Não se
de abandonar sua ampla esutil tribo trata
pequeno-bur-.
Deve-se estar com esses que
guesa.
trabalham
para convencer de que chegou a hora de mudar de Sobre a tradução!
ponto de vista. Deve-se dizer. Deve-se cortar,
com
os dentes se necessário, as amarras que
prendem
suas barracas nos lugares desgastados, em plena
fome moral.
Desta vez, pelo menos, sei para quem escrevo:
para o leitor de Semente de crápula editado em
1945.

Convid0-0s, este ano, para perseguirem nas


frases das quais gostaram naquele momento, o
hábil pequeno-burguês educador, que, manejando
como umn malabarista suas próprias contradições,
elaborou-as em paradoxos.. et cætera... Charlatão
de boa vontade.

1. Parte deste e do texto da contracapa foi escrita com


base em textos de Sandra Alvarez de Toledo presentes
nos livros Euvres (L'Arachnéen, 2007) e Permitir, trazar,
ver (MACBA, 2009).
86
Os aforismos de Semente de crápula. Conselhos
a0s educadores que gostariam de cultivá-la são o
resultado das primeiras tentativas de Deligny. Ele
passa os primeiros 20 anos de atuação profissional
entre escolas especiais, instituições médico-peda
gógicas e hospitais psiquiátricos. Durante a Se
gunda Guerra, une operáriose membros da Resis
tência em uma rede de ajuda mútua, alojada em
edificios destruídos ouabandonados nos bairros
populares. Aproxima, assim, pela prática, educa
dores diplomados,de origem pequeno-burguesa,
do meio social dos delinquentes.
Semente de crápula foi escrito em 1943 e pu
blicado em 1945, numa edição que esgota rapida
mente.
Por ocasião de um primeiro projeto de reedi
ção em 1955, Deligny redige um prefácio intitu
lado "Semente de crápula ou ocharlatão de boa
vontade. Autocrítica de um educador". Mas a re
edição, que só aparece em 1960, é publicada com
um outro prefácio no qual o autor vislumbra novo
título para o livro: "Semente de crápula ou o ama
dor de pipas" (a palavra "amateur" ressoa também
com "amante). "Por volta de 1943, eu me pus a
fazer uma pipa, duas pipas: as fórmulas, formuli
nhas, cantigas, charadas, aforismos e paradoxos
de Semente de crápula" Deligny havia iniciado,
89
uns anos antes da reedição, sua Franco
conhecida tenta. recepção da antiga colônia psiquiátrica de
tiva/experimentação/invenção com autistas, que da Rocha, e ler os conselhos junto com o público.
durará atésua morte em 1996. Deligny acolhe au Havia, então, um objetivo de migrar o texto do
pa
tistas sem intenção de curá-los, e fala do Nenhum problema:
autismo pel para o espaço e para a voz.
sem ser psiquiatra. tradução em
eram conselhos. Porém, fixar essa
O projeto de nossa tradução dos aforismos de livro seria projeto mais ousado, pois
nossas tra
Semente de crápula origina-se em uma prática. A duções, atéentão, vinham desejando soar
textos
partir da lógica do amante/amador temos tradu públicos,
entre a solidão e o comum de encontros
zido textos diversos. de autores consagrados a des palavras.
para agir a partir da proximidade com as
conhecidos, dentro de uma ação chamada Ensaios An-l se animou, pois algo de nossas posições in
ignorantes, que realizamos nos últimos 9anos. Ju teressou àeditora. Não foi fácil. Deligny nomeou
ou
liana conheceu Deligny em 2012 vendo filmes, ma esses aforismos conselhos, cantigas, charadas,
Ainda que ele
pas, traços, como visitante numa mostra de arte, seja, algo que se pode dizer com voz.
e ficou, desde então, entre textos dele no origi tenha sido um escritor impressionante, optamos
nal francès e em tradução espanhola (não havia de sua prá
por manter ecos dessa voz (advinda
francês,
nada traduzido em português). Tres anos depois, tica) nos aforismos em português. Ele era
língua. Ele es
propôs leituras coletivas de alguns textos de De esperamos que dêpara escutar sua
escute
ligny e foi aí que Luiz se aproximou. Começamos crevia a partir da prática. Esperamos que se
sua tentativa
a ler entre francês e espanhol, vertendo já para aqui algo da ação de Deligny. Em
intenção.
nossa língua, de um jeito ignorante (em aliança de asilo, o agir étambém desprovido de
aproximar do livro,
com Joseph Jacotot): por comparação. Podemos Nós dois intencionamos nos
ler, traduzir, entender e dar a ler. Em leitura-tradução-ama
2019, 0s vigilantes em relação a uma
Agora, na
Ensaios ignorantes foram convidados pela curado dora/amante queo escutasse de perto.
nossa tentativa
ria de Artes Visuais para criar algo
dentro de um língua de chegada, esperamos que
D'Hoest, Maxime
festival no complexo hospitalar do Juquery. Deci brote. Agradecemos a Florelle
Toledo.
dinos traduzir os 134 - Deligny Godard e Sandra Alvarez de
menciona 136 - juliana jardim e Luiz Pimentel
aforismos do livro para ocupar o espaço que foi a
90 91
ideia desta coleção Lampejos foi criar. para cada
A
capa, um alfabeto diferente desenhado pelo
artista waldomiro Mugrelise. Entremear a
singularidade dos textos de cada autor à invenção
aráfica de um outro léxico e outra sintaxe.

"Todos os viajantes confirmaram: transformar o


teclado do computador em mecanismo de fazer
desenhos éa melhor solução para este projeto. A
invenção de um dispositivo composicional além do
léxico, quero dizer, anterior ao léxico, farå oleitor
percorrer léguas de insensatas cacofonias, de
confusões verbais e repetições que correspondem
a idioma algum,por dialetal ou rudimentar que
seja. A incoerência (inocorrência?) da palavra
resulta em potencialidade gráfica infinita, um
campo ilimitado para o desenho. Lucas compõe as
capas a partir da tipologiafornecida por
Waldomiro. Eu me visto de Waldomiro, diz ele. Ser
meio para nenhum fim. As linhas caóticas da mão
são capturadas e organizadas em um sistema que
produz composições queo artista nunca criaria.
Imagemétexto, como bem sabemos. Os livros, por
diversos que sejam, constam de elementos iguais:
alfabeto."
oespaço, oponto, a virgula, as letras do
Leopardo Feline

93
M-4 + hedra
ediças

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com


ISBD

D353s Deligny, Fernand


Semente de crápula: conselhos aos educadores que gostariam de
cultivá-la / Fernand Deligny ; traduzido por Juliana Jardim, Luiz
Pimentel. -São Paulo, SP : N-1 edições, 2020.
94 p.:il.;llcm xl8cm.

Tradução de: Graine de crapule. Conseils aux educateurs qui


voudraient la cultiver
ISBN: 978-65-81097-09-7

1. Filosofia. 2. Educação. I. Jardim, Juliana. II. Pimentel, Luiz. III.


Titulo.

2020-2224 CDD 100


CDU 1

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva -


CRB-8/9410
Indice para catálogo sistemático:
1. Filosofia 100
2. Filosofia 1

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