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E D U C A Ç Ã O D E Q U A L I D A D E /// F É D A S N O V A S G E R A Ç Õ E S /// O O I T A V O R E I /// P E R F I L D E U M M A R A T O N I S T A

OUTUBRO 2015
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SINAIS

O OITAVO REI
PARALELOS ENTRE O DRAGÃO E AS BESTAS DE SETE CABEÇAS
APONTAM NOVAS HIPÓTESES PARA OS SÍMBOLOS DE APOCALIPSE 17

Vanderlei Dorneles

N
os anos recentes, os símbolos de Entretanto, a palavra therion também Portanto, o Antigo Testamento ofe-
Apocalipse 17 têm desafiado os é usada como metáfora em profecia. rece um pano de fundo para a figura
intérpretes. A multiplicidade de Ezequiel diz que, no cativeiro, as “ove- da “besta” vista por João.
interpretações, incluindo as lhas” de Israel foram “espalhadas” e se Além da palavra therion, João empre-
de Ranko Stefanovic, Jon Paulien tornaram “pasto para as feras [theria] gou 13 vezes o substantivo grego drákon
e Ekkehardt Müeller, reflete a comple- do campo” (Ez 34:5). Prevendo a restau- (“dragão”) e quatro vezes ophis (“ser-
xidade da visão. ração, ele diz que Deus as congregaria pente”) em referência aos inimigos
As interpretações que identificam a “dos diversos países” (v. 13) e acaba- de Deus.
besta escarlate com Roma papal (Ap 13:1) ria com “a besta ruim [therion] da terra” Curiosamente, a metáfora do dragão
ou o diabo esbarram num problema (v. 25, ARC). Então, garante: “E saberão também é usada em referência ao Egito
claro: por fim (Ap 17:16), a besta escar- que eu sou o Senhor, quando Eu quebrar e Babilônia. Falando do êxodo, o sal-
late odeia e destrói a meretriz. Nesse as varas do jugo e as livrar das mãos dos mista afirmou: “Tu dividiste o mar pela
caso, o papado ou o diabo se levanta- que as escravizam. Já não servirão de tua força; quebrantaste a cabeça dos
riam contra si mesmos. rapina aos gentios, e a besta-fera da terra monstros das águas. Fizeste em peda-
Ver a figura da besta de sete cabeças nunca mais as comerá” (v. 27, 28, ARC). ços as cabeças do leviatã” (Sl 74:13,
a partir do contexto do Antigo Testa- Ezequiel se refere às nações que 14). Nesse texto, o salmista empregou
mento pode nos ajudar a entender o escravizavam Israel com a metáfora de forma intercambiável os termos
enigma. Além disso, a pressuposi- da “besta”. O fim de cativeiro, quando hebraicos tannyin e livyathan (drákon,
ção de que Apocalipse 12, 13 e 17 são Deus quebrasse o “jugo” de servidão, na Septuaginta) em referência ao Egito.
visões paralelas deve ser levada em resultaria na destruição da “besta”. Nos versos 13 e 14, ele usou a palavra
conta. Nos três capítulos, João descreve Isaías também profetizou o fim do hebraica ro’sh, “cabeças”. O fato de as
um símbolo comum: uma fera de sete cativeiro com linguagem paralela: cabeças do monstro serem quebradas pelo
cabeças e dez chifres que se reconfi- “Naquele dia, o Senhor tornará a esten- Senhor faz lembrar a promessa de que o
gura a cada nova visão. der a mão para resgatar o restante do seu Filho da mulher “esmagaria” a cabeça
povo, que for deixado, da Assíria, do da “serpente” (do hebraico nachash
A BESTA NO ANTIGO TESTAMENTO Egito, [...] de Sinar [Babilônia]” (Is 11:11, [Gn 3:15]; ophis, na Septuaginta).
João emprega a palavra grega therion 12; cf. Mq 7:12). Nessas profecias, the- Isaías e Ezequiel também se referi-
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(“besta”) 38 vezes. O termo é usado rion é uma metáfora para o Egito, Assí- ram ao Egito com a figura do tannyin, Fotos: Fotolia e ASN
pela versão grega do Antigo Testa- ria e Babilônia, os inimigos que impu- ou “dragão” (Is 51:9, 10; Ez 29:3; 32:2).
mento para traduzir o hebraico chay, seram o cativeiro ao povo da aliança. Jeremias chamou Babilônia de tannyin
que se refere a animais e feras (ver Gn A palavra therion também é usada para (drákon, na Septuaginta), o qual esma-
1:24; Sl 49:10). os quatro animais de Daniel 7. gou Judá (Jr 51:34, 36, 37).

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Isaías visualizava o fim do cativeiro em ‘leviatã’ era uma serpente de sete cabe- mas é também um oitavo rei. Inter-
termos do “dia do Senhor” (Is 2:12; 10:20; ças que lutava contra os deuses e as pretar que a própria besta seja o oitavo
11:11; 34:8), quando “o Senhor castigará forças do bem”, lemos no Comentá- rei (ver Ap 17:11, NVI) deixaria suge-
com a sua dura espada, grande e forte, o rio Bíblico Adventista (v. 4, p. 206). Ao rido que ela não é cada um dos sete
dragão, serpente veloz, e o dragão, ser- empregar a imagem, os profetas não esta- reis anteriores. Isso implica separar a
pente sinuosa, e matará o monstro que vam endossando a mitologia dualista e besta de suas próprias cabeças.
está no mar” (Is 27:1). Aqui, livyathan maniqueísta. Na verdade, eles “desmito- Sendo que o adjetivo ogdoós (oitavo) é
e tannyin (drákon, na Septuaginta) são logizaram os mitos do monstro marinho masculino, ele pode ser relacionado aos
interpretados como a “serpente”, que é ao retratar a vitória do Deus de Israel “reis” (grego basileus, plural masculi-
nachash (ophis, na Septuaginta), termos sobre as forças demoníacas do mal que no). Nesse caso, seria mais natural ver
gregos empregados por João. em diversas manifestações tentavam o “oitavo” como mais um rei/império
Por que o dragão ainda seria destruído destruir o povo de Deus”, diz Alan F. histórico do que como a própria besta,
pelo Senhor, se no êxodo ele já havia Johnson no volume Revelation (p. 524), cujo gênero é neutro (Ap 17:10, 11).
quebrado suas cabeças? A explicação do Expositor’s Bible Commentary. Além disso, a besta não pode “proce-
do anjo de que cada cabeça da besta é João viu que a meretriz estava “mon- der” dos impérios nem ser “um” deles,
um “rei” (Ap 17:9) indica que a besta tada” na besta escarlate (Ap 17:3) e uma vez que é maior do que eles.
de sete cabeças é uma entidade que tem “sentada” nos “sete montes”, que são os O fato de o anjo dizer que cinco reis
sete ou oito vidas. Cada vez que Deus sete impérios (Ap 17:9). O verbo grego já haviam caído, um existia e outros
quebra um poder temporal que oprime usado nesses versículos é kathemai, que dois ainda viriam (v. 10) sugere uma
seu povo, isso equivale à queda de um implica domínio e governo. Esse verbo relação consecutiva e de semelhança
dos sete ou oito reis principais. Isso foi usado por João 14 vezes em referên- entre os oito reis.
ocorre, portanto, diversas vezes ao longo cia a Deus e a Cristo, que se assentam no Se o oitavo rei é semelhante aos sete
do grande conflito. Jon Paulien afirma trono celestial (ver Ap 4:2, 3; 5:1; 7:10, anteriores e sobre ele também a mulher
que “a imagem de uma besta de sete 19:4, 21:5). A meretriz estava “sentada estará montada, esse deve ser também
cabeças representa uma besta que vive, como rainha” (Ap 18:7), naturalmente no um poder político-militar. Como o
morre e torna a viver sete ou oito vezes”. trono dos reis/impérios. A besta escarlate último poder histórico a “carregar” a
Assim, a figura descrita por João como não ostenta diademas, o que sugere que meretriz, ele precisa ser capaz de formu-
um dragão ou uma besta de sete cabeças o poder dos sete reis, no momento enfo- lar decretos e perseguir os dissidentes
parece ser uma reprodução de therion, cado na visão, é exercido pela mulher. da religião falsa em nível global. Assim,
tannin e livyathan bem como de ophis Assim, sete reis/impérios “carre- no clímax do conflito, a meretriz deverá
(a serpente) do Antigo Testamento. garam” a mulher ao longo da história, encontrar outro rei/império com o qual
dando suporte à religião falsa. A meretriz também manterá a mesma relação de
SETE IMPÉRIOS é acusada do sangue de “santos, apósto- prostituição espiritual (Ap 17:2; 18:3).
Nessa perspectiva, os profetas proveem los e profetas” (Ap 18:20). Entretanto, o
a identificação das primeiras entidades poder empregado contra esses mártires O OITAVO REI
referidas pelo anjo: Egito, Assíria e Babi- não é da mulher, mas da besta ou dos Quem seria o oitavo império a dar
lônia. Daniel ampliou essa lista ao acres- reis sobre quem ela domina. suporte à religião falsa, no con-
centar, após Babilônia, a Pérsia, Grécia e Apesar de o dragão e as bestas texto do fim, quando uma nova
Roma como poderes opressores do povo terem sete cabeças que represen- união de Igreja e Estado criará
da aliança (Dn 7:3-7, 11, 17, 19, 23; 8:4). tam sete impérios, o anjo afirmou um regime de intolerância?
O Apocalipse, por sua vez, retrata com que um oitavo “rei” é previsto, como As visões paralelas “reca-
a imagem do dragão (Ap 12) o império se implantado tardiamente na besta. pitulam e ampliam o assunto
romano, e com a figura da besta (Ap 13) “A besta que era e não é, também é
o império dos papas. Nesse caso, resta o ele o oitavo rei, e procede dos sete”
oitavo rei a ser identificado. (Ap 17:11).
A fera de sete cabeças era uma figura O sentido pode ser de que a besta
mitológica. “Na mitologia cananeia, seja cada uma das sete cabeças/reis,

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representada em Apocalipse 13 pela
O Antigo Testamento oferece um pano de fundo para cooperação entre a besta de dois chi-
fres e a primeira besta, e em Apocalipse
a figura da “besta” descrita no Apocalipse 17 pela mulher (poder religioso) mon-
tada na besta (poder político-militar).
já apresentado”, acrescentando “deta- Mundo que apoiará a primeira em per- Ao descrever a segunda besta, João
lhes ausentes no relato anterior”, como seguir os que não têm a marca da besta. disse ter visto “outra besta emergir da
explica William Johnsson no Tratado Nessa aliança entre as duas bestas, elas terra” (Ap 13:11). Apesar de uma pare-
de Teologia Adventista (p. 886, 887). passam a representar a mesma entidade cer leopardo e a outra cordeiro, ele não
Se as visões do dragão e das duas bestas já retratada nas ações do dragão contra usa o adjetivo heterós (“outro”, mas dife-
(Ap 12, 13 e 17) são paralelas assim como o remanescente (12:17). rente). De fato, a segunda besta repete o
Daniel 2, 7 e 8, então elas devem cobrir Apocalipse 17: A besta escarlate fenômeno observado na sétima cabeça:
em linhas gerais o mesmo período his- (v. 9-10) representa cinco impérios já a união de Igreja cristã e Estado, sendo
tórico, com as mesmas entidades, sendo caídos no tempo de João, o que exis- ela mesma definida em termos de uma
visões cumulativas e interdependentes. tia (Roma imperial) e o sétimo que “imagem da besta”. A expressão usada
Nesse caso, em Apocalipse 12, a ainda viria (Roma papal). Entretanto, por João, allo therion (13:11), indica
visão trata do conflito entre Cristo e ela também representa um oitavo (v. 8), que a segunda besta é da mesma natu-
Satanás desde a cruz até a crise final, um último poder consecutivo aos sete reza da primeira.
com a perseguição ao remanescente. anteriores, sobre o qual a meretriz estará Sendo que as cabeças da besta escar-
Mas há um foco específico, em que o montada na crise final. Nisso, ela pode late de Apocalipse 17 representam sete
dragão é símbolo do império romano; representar o mesmo poder retratado reis/impérios mundiais (Egito, Assíria,
ou seja, o destaque seria a atuação da pela besta de dois chifres. Babilônia, Pérsia, Grécia, Roma e Roma
sexta cabeça. Em Apocalipse 13:1-10, papal), o oitavo rei pode ser, portanto,
o período histórico enfocado é a Idade COOPERAÇÃO o mesmo poder representado pela besta
Média, com a atuação da sétima cabeça, Uma relação de cooperação é destacada de dois chifres em Apocalipse 13:11.
que altera a lei de Deus (ver Ap 13:10; entre os dois últimos reis. No clímax do O anjo diz que a besta escarlate
14:12). Quando essa cabeça é ferida, a conflito, a besta de dois chifres faz uma (poder político-militar), apoiada pelos
besta cessa de atuar (13:3). Em Apo- imagem à primeira besta e restaura sua dez reis, por fim, destruirá a mere-
calipse 17, com a mulher montada na ferida (13:14); nisso, a segunda besta se triz (poder religioso). No desfecho do
besta escarlate, o foco parece ser a rela- coloca a serviço da primeira. A besta conflito, a proclamação final das três
ção entre Igreja e Estado, e o contexto escarlate “carrega” (17:7) a meretriz mensagens angélicas no alto clamor
histórico específico seria o clímax esca- na qual esta está “montada” (v. 3). (Ap 14:6-10; 18:1-3) provocará o desmas-
tológico, com a atuação do oitavo rei. A besta de dois chifres lidera os que caramento da meretriz e contribuirá
Dispondo as visões em paralelo, “habitam na terra” (13:14) ou os “reis para sua queda, cujo clímax se da-
quanto às entidades representadas pelo do mundo inteiro” (16:14) contra Deus rá na sexta praga (ver Ap 16:12; 17:15).
dragão e as bestas, temos a seguinte e seu povo no Armagedom. A besta Portanto, as nações outrora unidas
configuração: escarlate lidera os “reis” da Terra em em favor da Babilônia não só deixa-
Apocalipse 12: O dragão persegue sua investida contra o Cordeiro na rão de apoiá-la, mas se voltarão con-
a mulher pura e Cristo (v. 4); nisso, ele peleja final (17:14). tra ela para destruí-la (17:16). Dentre
representa especificamente Roma impe- Assim, nessas visões, é prevista uma as nações seduzidas pela meretriz,
rial. Mas ele também persegue a mulher coalizão de poderes seculares, a serem a mais forte é aquela representada pela
por 1.260 anos (12:6, 14) e, assim, repre- liderados, segundo o cenário de Apo- besta de dois chifres, que lidera toda
senta também Roma papal. No tempo do calipse 13, pela besta de dois chifres a coalizão política do fim do tempo.
fim, ele persegue o remanescente (12:17); e, segundo Apocalipse 17, pela besta Esse poder político-militar parece pre-
e, nisso, representa ainda o mesmo poder escarlate na fase do oitavo rei. encher os requisitos do “oitavo rei”.
da besta de dois chifres (13:15-17). O oitavo rei, portanto, deverá ser um A despeito da tribulação resultante
Apocalipse 13: A besta recebe o trono aliado do sétimo em prover o poder da emergência desse poder, a profecia
do dragão (Ap 13:2), isto é, ela sucede político-militar que este perdeu no garante que os “eleitos e fiéis” vencerão
Roma imperial, e persegue os santos por fim da Idade Média. João diz que a juntamente com o Cordeiro (Ap 17:14).
1.260 anos (13:5); assim, ela representa segunda besta “faz que a terra e os Esse quadro bíblico permite, assim,
Roma papal. Mas, no fim do tempo, ela que nela habitam adorem a primeira ter uma visão mais clara desses sím-
ganha um aliado, a besta de dois chifres besta” (Ap 13:12). Assim, uma relação bolos do Apocalipse.
que emerge da “terra” (13:11), onde a de cooperação entre os dois últimos reis
mulher pura fora socorrida após os 1.260 já estava estabelecida em Apocalipse VANDERLEI DORNELES é redator-chefe associado
anos (12:16). Assim, a segunda besta 13. Tal relação é possível pela união da Casa Publicadora Brasileira e autor do livro
representa um poder político do Novo da Igreja com o Estado. Essa união é O Último Império

38 R e v i s t a A d v e n t i s t a // Outubro 2015

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