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1. A HOSTILIDADE DO DRAGÃO E DAS DUAS BESTAS - cp. 12 e 13.

Estamos novamente no passado, na encarnação de Jesus (12,5). A “mulher” é símbolo


de Israel, de onde vem Jesus (ver Is 66,7-8 para a imagem de Israel dando a luz filhos),
e da igreja, cuja descendência é perseguida pelo dragão (12,17). O “dragão” é Satanás
(12,9), e a “criança” que nasce é Jesus Cristo (12,5 - referência ao Salmo 2 que fala do
Messias).

O dragão quer “devorar o filho da mulher” (v.4). Ou seja, ele queria matar Jesus Cristo
antes que Ele consumasse sua obra na cruz (Ver, nesse sentido, a intenção demoníaca
de Herodes em Mt 2,16-18). Porém não consegue. A criança é arrebatada aos céus por
Deus (v.6), o que significa sua ascensão após a ressurreição. O objetivo destes primeiros
seis versículos, portanto, é mostrar como o diabo foi malsucedido ao tentar destruir o
Senhor Jesus Cristo.

Como conseqüência do que foi dito acima, os versículos 7-12 mostram a expulsão do
diabo do céu que se deu com a encarnação, vida (o que pode ser visto através da vitória
sobre o diabo no deserto - Mt 4, e nos diversos exorcismos), morte e ressurreição de
Jesus (Jo 12,31-32; 16,11). Essa expulsão é apresentada através de uma luta celestial
(vs.6-9). A vitória de Jesus é assumida pelos cristãos (v.11).

A expulsão do diabo já foi mencionada na quinta trombeta (9,1-11) que falava da sua
ação sobre os homens descrentes. Agora sua ira (v.12) se manifesta contra a igreja
(v.13). A mulher (= igreja) foge com “asas de águia” (símbolo de ajuda divina - Ex 19,4)
para o “deserto” (referência à saída do povo do Egito, em direção ao deserto, onde
Deus os dirigiu e protegeu contra o faraó). Como já foi mencionado, esse “um tempo,
tempos, e metade de um tempo” significa todo o período entre a primeira e a segunda
vindas de Jesus Cristo. A “água” que sai da boca do diabo (v.15) significa maldade,
tribulação lançados contra a igreja (Ver sobre o símbolo da água - Sl 32,6; 124,4). Mas a
igreja é salva (v.16). Isto só torna o diabo mais irado, e sua próxima investida será
através da duas bestas (cp.13).

A primeira, a “besta que surge do mar” (13,1) é o império romano (ver 17,3 e 9, onde
menciona-se os “sete montes”, referência explícita à cidade de Roma). O “mar”
representa os poderes que se opõe ao domínio de Deus (Sl 74,13-14; 89,10-11) ou então
significa o “mar Mediterrâneo”, lugar de domínio romano. Em ambos sentidos, mar,
aqui, significa oposição a Deus. A besta que vem do mar é o império romano que se
opõe a Deus e ao seu povo. Estamos agora falando do presente, dos problemas da
comunidade em seus dias diante de Roma.

Por trás deste domínio político, diz João, está o diabo (v.2b). Fica claro que a questão da
oposição de Roma que surge, ou surgirá, não é uma questão política apenas, mas sim
religiosa. É nesse sentido que os cristãos devem entender a situação e se posicionar
diante dela. Se em Rm 13 o imperador é instrumento de Deus, neste capítulo ele é
instrumento do diabo. Como o cristão deve se comportar diante dessas realidades?
A “cabeça ferida de morte que é curada” (v.3), no texto grego é muito parecida com a
afirmação sobre Jesus, que é o “Cordeiro como tinha sido morto” (5,6). A “cabeça”
significa um imperador romano (ver 17,9b). Portanto, há um imperador que arroga o
direito de ocupar a mesma posição de Jesus como ressurreto. Na época havia uma
lenda que dizia que o imperador Nero, morto em 68 d.C., voltaria à vida, e, cria-se, isso
estaria acontecendo. Domiciano era, para o povo, o Nero redivivo! Isso maravilhava
“toda a terra” (v.3b) e trazia “adoração ao dragão e à besta” (v.4). Temos, nestes
versículos, um princípio importante para a manutenção de todo poder político: criar
uma “aura de divinização” em torno de si. Ou seja, apresentar-se como representando
Deus, ou então, divinizando seus heróis. É o que acontece com os Estados Unidos, que
dizem cuidar da democracia de todo o mundo, como país escolhido por Deus, sendo
que, na realidade, trazem opressão. De modo semelhante, o Brasil apresentava o golpe
de estado de 1964 como orientado por Deus para preservar a democracia contra o
“comunismo diabólico”. O Apocalipse nos ajuda a ver por “detrás” dessa máscara. Ver
o quem realmente está agindo. E o que se esconde por detrás dessa fachada é o poder
diabólico que gera violência, sofrimento e derramamento de sangue.

A besta profere blasfêmias, persegue a igreja e a vence, dominando sobre os povos que
a cultuam (v. 6-8). É um tempo de opressão. Nessa hora, é importante crer que, apesar
do sofrimento e da morte, os cristãos já venceram o diabo (12,11-12).

A segunda besta, a que “surge da terra” (13,11-18), representa o poder religioso do


império. Ela “parece cordeiro”, referência a Jesus Cristo, mas fala como “dragão”
(v.11). É a máquina estatal a serviço da adoração do imperador. Possivelmente fala-se
aqui dos sacerdotes dos templos que cultuavam ao imperador e dos altos funcionários
provinciais responsáveis pelo desenvolvimento desse culto (v.12). Mas essa prática só
desenvolveu-se porque havia uma desejo e aspiração do próprio povo. A sociedade o
estimulava (a Ásia Menor foi a região onde tal culto mais desenvolveu-se), e aceitava
de bom grado a idéia de fazer imagens em homenagem ao imperador para cultuá-lo
(v.14). Os cristãos por não adorarem a imagem do imperador, declarando-o Senhor,
eram mortos (v.15).

Esta segunda besta, enquanto manifestação religiosa, opera “sinais”, visto que Satanás
está por trás dela (2Tss 2,9). Ela desenvolve uma identidade profética poderosa,
semelhante a Elias (v.13. Ver 1Rs 18,30-38). Também torna viva a imagem da besta
(v.15a), possível referência aos oráculos que eram proferidos por ela. Assim como os
que adoram a Deus foram marcados (7,3), os adoradores da besta também o são (v.16).
Tal procedimento significa a identificação daqueles que são leais, tanto a Deus, quanto
à besta. Esta caracterização irá definir o destino de cada pessoa no desenrolar do livro.
Assim como a marca de Deus, a marca da besta também era simbólica. Não existe dado
histórico indicando que todos que adoravam ao imperador recebiam uma marca. A
marca consistia na própria lealdade, fosse a Deus ou ao diabo. Portanto, adorar ao
imperador inclinando-se diante de sua estátua, maravilhando-se com seus sinais
prodigiosos, e seguindo suas orientações como se fosse um deus, já constituía um sinal
que haveria de identificar seus praticantes.
Do mesmo modo, o “número da besta” (v.18) não introduz um nome específico, visto
que já sabemos que a besta é o império romano, representado por seu imperador,
Domiciano, mas sim um simbolismo. O número seis, por ser inferior ao sete, número
da perfeição, simboliza exatamente seu oposto, a “imperfeição”. Dizer que o número
da besta é 666, significa dizer que, apesar de toda sua arrogância e poder, o império
romano é imperfeito, até mesmo frágil e que, portanto, é sábio aquele que se mantém
ao lado de Deus.

A imagem das duas bestas é altamente relevante para nós. Muitas vezes, de modo
infantil, temos nos preocupado com o “significado” do número da besta e do seu sinal,
não compreendendo o real sentido disso. Na verdade, tem o sinal da besta aquele que
sente-se fascinado pelo estilo de vida da sociedade; aquele que idolatra uma ideologia,
seja comunista ou capitalista; aquele que coloca um propósito de vida materialista para
si; aquele que se deixa guiar por um Estado totalitário, ou pseudo-democrático, etc.
Todas essas expressões de vida e, na realidade, de fé, quando se tornam senhoras de
nossa vida, nos marcam com o sinal do verdadeiro dirigente de nossos destinos: o
diabo. É por isso que devemos lembrar sempre: a característica deles é 666, ou seja, eles
são imperfeitos! Temos tido discernimento para entender isso???

CONCLUSÃO

Os capítulos 12 a 14 cobrem, como as seções anteriores, o passado, presente e futuro. O


passado, é lembrado em função da incapacidade do diabo para matar Jesus o que,
conseqüentemente, introduz o presente, ao apresentá-lo perseguindo a igreja, tendo
como instrumento o império romano. Já o futuro mostra o outro lado da realidade ao
declarar que aqueles que hoje perseguem, no futuro, através do juízo de Deus, serão
perseguidos. Devemos lembrar através destes capítulos que, diante dessas realidades, é
impossível ficar passivo. Ou se tem a marca de Deus, ou da besta. Novamente João é
radical.

DOIS TEXTOS EM PARTICULAR

Examinaremos mais precisamente Ap 12,1-17 e 20,1-10.


Ap 12,1-17

Este capítulo sintetiza toda a história da Igreja sob a forma de luta entre a Mulher e o Dragão,
figuras paralelas às da Mulher e da serpente em Gn 3,15. Em poucas palavras, este trecho
apresenta uma Mulher gloriosa e dolorida ao mesmo tempo. Está para dar à luz um filho que
um monstruoso Dragão espreita para abocanhá-lo. A Mulher gera seu Filho, que tem os traços
do Messias; Ele escapa ao Dragão e é arrebatado aos céus. Dá-se então uma batalha entre
Miguel com seus anjos e o Dragão; este acaba sendo projetado do céu sobre a terra, onde
procura abater a Mulher-Mãe, perseguindo-a de diversos modos. Todavia o próprio Deus se
encarrega de defender a Mulher no deserto durante os três anos e meio ou os 42 meses ou os
1260 dias de sua existência.

Vendo que nada pode contra essa figura grandiosa, a Serpente antiga atira-se contra os demais
filhos da Mulher, tentando perdê-los. Que significa este capítulo? Está claro que o Dragão
representa Satanás, aquele que é "mentiroso e homicida desde o início" (cf. Jo 8,44).

Quanto à Mulher, não pode ser identificada com algum personagem individual, mas é a
Mulher que perpassa toda a história da salvação. Com efeito; já à primeira Eva (= Mãe dos
vivos ou da vida) Deus prometeu um nobre papel na obra da Redenção. A primeira Eva (= Mãe
da Vida) se prolongou na Filha de Sion (o povo de Israel, do qual nasceu o Messias); a filha de
Sion culminou na segunda Eva, Maria SS., que teve a graça de ser pessoalmente a Mãe de
Redentor; por isto em Ap 12,1s a Mulher é gloriosa como Maria, mas dolorida como o povo de
Israel. A maternidade de Maria continua na da Santa Mãe Igreja; esta tem a garantia da
incolumidade (cf. Mt 16,18) que Cristo lhe prometeu, mas os filhos que ela gera nas águas do
Batismo estão sujeitos a ser atingidos pela sanha do Dragão, que age neste mundo como um
Adversário já vencido, mas cioso de arrebanham os incautos que lhe dêem ouvidos (S.
Agostinho diz que o demônio é um cão acorrentado; pode ladrar, fazendo muito barulho, mas
só morde a quem se lhe chegue perto). Por último, a Mulher-Mãe, que exerce sua
maternidade por toda a história da salvação, se consumará na Jerusalém celeste, a Esposa do
Cordeiro (Ap 21 s).

A batalha entre Miguel e o Dragão não corresponde à queda original dos anjos, mas significa
plasticamente a derrota de Satanás, vencido quando Cristo venceu a morte por sua
Ressurreição e Ascensão. Deus lhe permite tentar os homens nestes séculos da história da
Igreja, com um fim providencial, ou seja, a fim de provar e consolidar a fidelidade dos mesmos.
Satanás só age por permissão de Deus. A duração de 1260 dias ou 3 e 1/2 anos que a Mulher
passa no deserto, não designa cronologia, mas tem valor simbólico. Com efeito, 3 e 1/2 anos,
42 meses e 1260 dias são termos equivalentes entre si; correspondem à metade de 7 anos.
Ora, sendo 7 o símbolo da totalidade, da perfeição e, por conseguinte, da bonança, a metade
de 7 vem a ser o símbolo do inacabamento e da dor. Portanto, 3"z anos (e as expressões
equivalentes em meses e dias) no Apocalipse designam toda a história da Igreja na medida em
que é algo de ainda não rematado ou na medida em que é luta penosa entre a primeira e a
segunda vinda de Cristo, no deserto deste mundo.

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