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Semestral.
A partir do vol. 1, n. 2 (2000), o subtítulo foi modificado para
Revista de Ciências Jurídicas.
ISSN 1518-1685
CDU 34(05)
3 Editorial
Artigos
5 Estruturas sociais e políticas: problemas de mudança, comunicação e participação
nos sistemas transicionais
Manoel Alexandre C. Belo
RESUMO
O texto busca sistematizar os traços dominantes e comuns que podem ser observados nos
sistemas subdesenvolvidos ou transicionais, especialmente no que concerne à mudança societária
e padrões de comunicação e participação política. Ao final, reporta-se à teoria da democracia
participativa, tomando por base a legislação brasileira.
Palavras-chave: Mudança societária. Comunicação política. Democracia participativa.
ABSTRACT
The text aims systematizing the dominant and common traces which can be observed in the
underdeveloped or transitional systems, especially as far as the societary change and communication
standards and political participation are concerned. In the end, it refers to the theory of participative
democracy, based on Brazilian legislation.
Keywords: Societary change. Political change. Political communication. Participative
democracy.
Manoel Alexandre C. Belo é Mestre em Direito (UFSC). Mestre e Doutor de Estado em Ciência Política
(Universidade de Ciências Sociais de Toulouse, França). Professor Titular da Universidade Potiguar (UnP).
Professor Aposentado da UFPB. Ex-professor visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas
da UFPB. E-mail: alexbelo1@hotmail.com
RESUMO
O presente ensaio aborda a possibilidade de criação do curso de Direito na modalidade a
distância. Adotou-se uma mescla do método analítico com o método comparativo. Avalia-se, de tal
modo, a capacidade de atendimento das diretrizes impostas ao curso de graduação em Direito pelo
sistema de ensino a distância na modalidade semipresencial ou bimodal. As opiniões aqui descritas
não têm o objetivo de defender posições, mas apenas avaliar possibilidades.
Palavras-chave: Direito a distância. Educação. Cidadania.
ABSTRACT
This research is about the possibility of creating a law course in distance mode. It was adopted a
mixture of analytical method with the comparative method. It is estimated the ability to meet the guidelines
imposed to the degree law course by the system of distance learning in the way half attendance
classroom or the semi bimodal. The views here analyzed are not intended to defend positions,
but only to value the possibilities.
Keywords: Law distance. Education. Citizenship.
1 INTROITO
O ensino a distância tem se demonstrado uma ferramenta de construção da cidadania
ao possibilitar o acesso ao ensino de qualidade em regiões que não possuem condições
de oferta regular do ensino presencial. Além disso, possibilita ofertar formação de alta
qualidade com renomadas autoridades cientí cas. Tal é a importância do ensino a distância
que o legislador autorizou sua oferta a todos os níveis de ensino, da educação básica ao
doutoramento.
André Trindade é advogado, Mestre em Direitos Fundamentais, presidente do Instituto de Teoria do Direito, diretor
do Centro de Pesquisa em Ciências Sociais Aplicadas da UNOPAR. E-mail: andre.trindade@unopar.br
1
Trabalho apresentado no VI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Ensino do Direito.
2
CARLINI, Angélica Lucia. In: TAGLIAVINI, João Virgílio (Org.). A superação do positivismo jurídico no ensino do
direito. Araraquara: Junqueira & Marin Editores, 2008, p.212.
3
CARLINI, Angélica Lucia. In: TAGLIAVINI, João Virgílio (Org.). A superação do positivismo jurídico no ensino do
direito. Araraquara: Junqueira & Marin Editores, 2008. p.218.
4
MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.163.
5
BARRETO, Ricardo Menna; LOPES, Ana Paula de Almeida. A virtualização do ensino jurídico. In: TRINDADE,
André. Direito educacional. Curitiba: Juruá, 2007, p.174.
6
VENTURA, Daisy. Ensinar direito. Barueri: Manole, 2004, p.87.
7
BOOTH; COLOMB; WILLIANS. A arte da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes, 200, p.7.
8
CUNHA, Paulo Ferreira. Pedagogia, Poder e Direito: prolegómenos a todo o direito universitário futuro. In:
TRINDADE, André. Direito universitário e educação contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009, p.117.
REFERÊNCIAS
BOOTH; COLOMB; WILLIANS. A arte da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. 2.ed. São Paulo:
Atlas, 2009.
TAGLIAVINI, João Virgílio (Org.). A superação do positivismo jurídico no ensino do
direito. Araraquara: Junqueira & Marin Editores, 2008.
TRINDADE, André. Direito educacional. Curitiba: Juruá, 2007.
______. Direito universitário e educação contemporânea. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009.
VENTURA, Daisy. Ensinar direito. Barueri: Manole, 2004.
RESUMO
O artigo propõe questionar o papel central da instância mercadológica na estrutura de
significação social contemporânea. Para tanto, analisa o fundo constitutivo do pensamento único
de mercado, desde sua montagem dogmática, que assola as relações humanas, e naturalmente se
investe de local de crivo de sentido na formação da realidade. Enfim, perceber como opera esta
dinâmica que faz o mercado funcionar confundindo-se com o espaço puro de poder investido.
Palavras-chave: Filosofia do Direito. Antropologia Dogmática. Psicanálise. Economia de
Mercado.
ABSTRACT
The article considers question the central importance of the capital instance in the significance
structure of social contemporary. For in such a way, it analyzes deep the constituent one of the thought
of capital, since its dogmatic assembly, that devastates the relations human beings, and of course it
invests of place of felt bolter of in the formation of the reality. At last, to perceive as it operates this
dynamics that makes the market to function confusing itself with the pure space of power.
Keywords: Legal Philosophy. Dogmatic Anthropology. Psychoanalysis. Business
Economy.
1 INTRODUÇÃO1
No universo de Jorge Luis Borges – anjo cego do bairro de Palermo – onde sonho
e realidade se complementam e se suportam, encontramos um conto singular, que serve,
Augusto Jobim do Amaral é advogado. Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu (COIMBRA).
Especialista e Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Doutorando em Altos Estudos Contemporâneos (COIMBRA).
Professor de Direito penal, Processo Penal e Criminologia da ESADE (http://www.esade.com.br/web_school/) e
da ULBRA (www.ulbra.br). E-mail: guto_jobim@hotmail.com
1
A temática encontrada no presente trabalho tem versão expandida e aprofundada no nosso “O Zahir de Borges e a
Fantasia Ideológica do Mercado: um estudo de antropologia dogmática”. In: MARCELINO JR., Julio Cesar; VALLE,
Juliano Keller do; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de; CADEMARTORI, Sérgio (orgs.). Direitos Fundamentais,
Economia e Estado: reflexões em tempos de crise. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, pp.37-85.
Direito e DemocraciaDireitoCanoas
e Democracia,
v.11 v.11,n.1
n.1, jan./jun. 2010
p.19-33 jan./jun. 2010 19
para o momento, de espelho sobre nós mesmos. De máximo conteúdo no mínimo de
expressão, como lhe aprazia ser, ali dentro de uma das suas obras primas, El Aleph,
publicado em 1949, encontramos El Zahir:
pensé que no hay moneda que no sea símbolo de las monedas que sin fin
resplandecen en la historia y la fábula. (...) pensé que nada hay menos material
que el dinero, ya que cualquer moneda (una moneda de veinte centavos, digamos)
es, en rigor, un repertorio de futuros posibles. El dinero es abstracto, repetí, el
dinero es tiempo futuro.2
2
Descobre o narrador, o próprio escritor Borges, durante o conto que Zahir em árabe quer dizer notório, visível,
en tal sentido, es uno de los noventa y nueve nombres de Dios; la plebe, en tierras musulmanas, lo dice de «los
seres o cosas que tienen la terrible virtud de ser inolvidables y cuya imagem acaba por enlouquecer a la gente».
Outro testemunho relatado é o do persa Lutf Ali Azur que atestava haver um astrolábio de cobre num colégio em
Shiraz «construido de tal suerte que quien lo miraba una vez no pensaba en otra cosa y así el rey ordenó que lo
arrojaran a lo más profundo del mar, para que los hombres no se olvidaran del universo». BORGES, Jorge Luis.
El Aleph. Primera edición, revisada, en «Biblioteca de autor»: 1997. Decimocuarta reimpresión: 2008. Madrid:
Alianza Editorial, 2008, pp.122-123 e p.127.
3
Há algo que perpassa a postura do artigo de maneira evidente com grande força sobre a qual não se poderia
silenciar: as interfaces entre psicanálise e política. Não se quer retroceder aos primórdios deste tipo de abordagem,
o que seria de difícil genealogia, apenas interessante que haja o afastamento da tediosa crítica padronizada da
aplicação da psicanálise aos processos socioideológicos (seria a velha questão assim formulada: seria legítimo
aplicar noções oriundas do tratamento de indivíduos para entidades coletivas?). O foco é outro. O Social, como
campo de práticas e crenças socialmente alimentadas, não está de maneira alguma noutro registro da experiência
individual, mas é com aquilo mesmo que o sujeito deve propriamente se relacionar. O problema não está, então,
numa mudança de escala, mas repousa no ponto futuro da íntima imbricação a qual o indivíduo terá de experimentar
com uma dimensão minimamente externalizada, ou seja, é elementar que a lacuna entre indivíduo e dimensão
social “impessoal” já está inscrita no próprio indivíduo. Dirá Žižek: o problema é: ´como a ordem sociossimbólica
externa-impessoal de práticas institucionalizadas e crenças deveria se estruturar quando o sujeito tem de manter
sua “sanidade”, seu funcionamento “normal”?´ (...) ´esta ordem “objetiva” da Substância social só existe na medida
em que os indivíduos a tratam como tal, relacionando-se com ela como tal´. ŽIŽEK, Slavoj. A visão em paralaxe.
Tradução de Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2008, p.17.
4
LEGENDRE, Pierre. “Antropologia Dogmatica. Definizione di un Concetto” In: LEGENDRE, Pierre. Il Giurista
Artista Della Ragione (a cura di L. Avitabile, saggio introduttivo di G. B. Ferri). Torino: G. Giappichelli Editore,
2000, pp.79-112.
5
LEGENDRE, Pierre. El Inestimable Objeto de la Transmisión: Estudio sobre el principio genealógico en Occidente
(Lecciones IV). Traducción de Isabel Vericat T. Núñez. Madrid: Siglo Veintiuno Editores, 1996, p.9-11.
6
A formulação clássica (significando estabelecer, regular e ordenar a vida) vai remontar Cícero e Salustiano. Já
sua versão jurídica tem origem no fragmento de Marziano, jurisconsulto do século III, que cita em grego nas suas
Institutiones um trecho de Demóstenes. Esta passagem é conservada e inserida no século VI no Digesto, grande
compilação de fragmentos de diversos autores realizada pelo imperador Justiniano, ordenação que aportou no
medievo um dos pilares do sistema jurídico ocidental. Legendre recupera as palavras, segundo ele próprio confessa,
desde a tradução do Digesto feita pelo jurista humanista Godefroid, do século XVI, que recompõe o classicismo
à fórmula latina: cio che è stato posto insieme nella città, secondo la qual cosa tutti devono vivere. LEGENDRE,
Pierre. “Antropologia Dogmatica. Definizione di un Concetto”, p.110-112.
7
LEGENDRE, Pierre. “Antropologia Dogmatica. Definizione di un Concetto”, p.82.
8
LEGENDRE, Pierre. “Antropologia Dogmatica. Definizione di un Concetto”, p.84.
9
LEGENDRE, Pierre. “Comunicazione Dogmatica (Ermete e la Struttura)” In: LEGENDRE, Pierre. Il Giurista
Artista Della Ragione, p.38.
10
LEGENDRE, Pierre. “Antropologia Dogmatica. Definizione di un Concetto”, p.85, nota11.
11
LEGENDRE, Pierre. “Antropologia Dogmatica. Definizione di un Concetto”, p.88.
12
LEGENDRE, Pierre. “Antropologia Dogmatica. Definizione di un Concetto”, p.89 e 105.
13
LEGENDRE, Pierre. El Inestimable Objeto de la Transmisión: Estudio sobre el principio genealógico en Occidente
(Lecciones), p.36-43.
14
LEGENDRE, Pierre. “Teatralizzazione del mondo. La vibrazione soggettiva delle società” In: LEGENDRE,
Pierre. Della Società Come Testo. Lineamenti di un´Antropologia Dogmatica (a cura di Paolo Heritier). Torino: G.
Giappichelli Editore, 2005, p.45.
15
LEGENDRE, Pierre. “Antropologia Dogmatica. Definizione di un Concetto”, p.91.
16
LEGENDRE, Pierre. “La firma umana: il linguaggio e suoi effetti” In: LEGENDRE, Pierre. Della Società Come
Testo. Lineamenti di un´Antropologia Dogmatica, p.41-44. Tutte le società hanno a che fare con la simbolizzazione
come condizione stessa della vita. Il rapporto dell´uomo al mondo non si riduce a delle operazioni d´informazione,
per la ragione che la logica della raprresentazione, dando al mondo statuto di ´altro immaginale´, iscrive questo
rapporto nella dipendenza dalla divisione concernente il linguaggio. La prensione del mondo non è diretta, passando
per la sua costruzione nella rappresentazione, e ciò fa sì che l´accesso umano all´universo materiale, così
delimitato dall´apprensione animale, non raggiunga l´evidenza delle cose che se sostenuto dal ´far tenere insieme´
costitutivo della mediazione simbolica. Per “enigmatizzazione” bisogna intendere che l´animale parlante riceve,
dalla sua presenza al mondo, l´eco della sua divisione e che sostine, anche su questa scena, l´enigma dell´alterità
(LEGENDRE, Pierre. “La firma umana: il linguaggio e suoi effetti”, p.55). Enigma literalmente no sentido de algo que
se deixa entender/indicar de modo obscuro, em que verdade e engano são complementares e não excludentes.
17
LEGENDRE, Pierre. “Antropologia Dogmatica. Definizione di un Concetto”, p.95.
18
Indubitavelmente, será, pois, a tese permanente no trabalho realizado por Legendre. HERITIER, Paolo.
“Introduzione”. In: LEGENDRE, Pierre. Della Società Come Testo. Lineamenti di un´Antropologia Dogmatica (a
cura di Paolo Heritier). Torino: G. Giappichelli Editore, 2005, p.07.
19
LEGENDRE, Pierre. “La tecno-scienza-economia e il potere di significare” In: LEGENDRE, Pierre. Della Società
Come Texto. Lineamenti di un´Antropologia Dogmatica, p.93.
20
Para isto, há que se ter em vista a importância manifesta da técnica na conjuntura social. Mas não de uma
forma já explorada até a exaustão sobre a sua onipotência, mas desde o viés do seu afrontamento com a
linguagem, desde a lógica da representação. Assim, poderá se pôr: como ela se inscreve dogmaticamente? Ou
seja, importa, sim, perceber que ela se insere socialmente na tensão entre a materialidade do mundo e o reino da
imagem. Assumindo, assim, a técnica como um instrumento – por que não dizer um dispositivo, mais relevante
será discutir sobre se há algo, pois, que su-porta esta instrumentalidade. Lendo Legendre, lo ´strumento´ designa
la prova delle prove (...); esso rinvia al ´potere di stabilire la verità´, di ´significarla´. Intesa così, la tecnica fa fede
(LEGENDRE, Pierre. “La tecno-scienza-economia e il potere di significare”, p.95). Em outras palavras, por via de
consequência, a técnica encontra lugar no sistema de representação – ocupa no estatuto estrutural com relação
ao fundamento – a função de garante. A técnica, assim entendida, tem a ver com o discurso de fé em qualquer
sociedade considerada, pois disposta no local de fiadora da origem, porque insiste metaforicamente em se colocar
na articulação entre o agir e a verdade. Portanto, a técnica assume o relevo de ser como que uma outra parte de
nós mesmos. Empenhamos fé nela porque temos fé em nossa própria imagem. Sob o ponto de vista estrutural, la
tecnica porge all´uomo dell´ultramodernità ´il nuovo Specchio del mondo´ – del ´mondo che porta l´enigma dell´altro
che mi svela (LEGENDRE, Pierre. “La tecno-scienza-economia e il potere di significare”, p.97). A técnica, suma,
é vista como instrumento autenticado da fé na era da tecno-ciência-economia. Já, quanto ao fenômeno científico,
o estudo sobre sua estrutura dogmática vem bem a calhar. Pois, não havendo sociedade desligada da instituição
linguística, não há também saber científico apartado da dimensão normativa de sentido. Nenhuma civilização
escapa da exigência de dar forma ao seu estatuto de interpretação do mundo desde uma ordem hermenêutica
estabelecida. Assim, o homem, ao se interrogar sobre si e o mundo, por meio da ciência, acaba por elaborar uma
inscrição de uma ordem ideal de saber, em que a ciência – investindo unidade à técnica – será dotada, sobretudo,
do poder de significar (a verdade). Ao mesmo tempo, há um poder exercitado sobre a própria relação linguística e
também um poder de fazer saber em que consiste a verdade da norma social. Ademais, será primordial neste foco
entender, tal como hoje sucede, o momento em que este saber interrogar acaba por se converter em pura técnica.
É a “Open Society” propagandeada num discurso sincrético (tecnociência) antilimite em que a completa “des-razão”
imoral encontra-se legitimada pelo agir científico-industrial. Constrói-se um saber divinizado, ininterrogável porque
legitimado de antemão. Reproduz-se uma estrutura de crença fanática, exatamente por quem um dia outorgou-
se o papel de representar a saída das “trevas”; otimismo prometeico absoluto – ode à liberdade científica – que
esquece retumbantemente a experiência de um passado funesto (LEGENDRE, Pierre. “La tecno-scienza-economia
e il potere di significare”, p.100-103).
21
No viés consagrado por Foucault, um dispositivo deve ser visto como uma cadeia de variáveis relacionadas
entre si que vai produzindo determinadas linhas de força e de rupturas. Para entender, resumidamente, deve-se
ter claro três pontos inafastáveis: o dispositivo é uma rede que se estabelece entre elementos heterogêneos
linguísticos e não-linguísticos (discursos, instituições, leis, medidas administrativas, enunciados científicos,
proposições filosóficas etc.); dotado de uma função estratégia que sempre repousa numa relação de poder; e,
sobretudo, resulta de uma imbricação “saber-poder”. São, pois, estratégias de relações de força sustentando tipos
de saber e sendo sustentadas por eles. FOUCAULT, Michel. “Sobre a história da sexualidade” In: FOUCAULT,
Michel. Microfísica do Poder. 16ª ed.. Organização, Introdução e Revisão Técnica de Roberto Machado. São
Paulo: Graal, 1979, pp.244-246.
22
AGAMBEN, Giorgio. Che cos´è un dispositivo? Roma: Nottetempo, 2006, p.15-18.
Dio, quanto al uso essere e alla sua sostanza, è, certamente, uno; ma quanto alla
sua ´oikonomia´, cioè al modo in cui amministra la sua casa, la sua vita e il mondo
che ha creato, egli è, invece, triplice. Come un buon padre può affidare al figlio
lo svolgimento di certe funzioni e di certi compiti, senza perdere per questo il suo
potere e la sua unità, cosí Dio affida a Cristo l´´economia´, l´amministrazione e
il governo della storia degli uomini.23
A oikonomia foi o modo, o dispositivo24 encontrado para que o dogma trinitário fosse
introduzido na fé cristã. A especi cação do signi cante a ligar-se com a encarnação do
Filho (ho anthrōpos tēs oikonomias – o homem da economia), a re-presentar a economia
da redenção – e fundamentalmente da salvação –, en m sua hereditariedade teológica,
pois perde qualquer di culdade de entendimento.
Agora sim, sem dúvida, com extremo ganho qualitativo, podemos avançar pondo
de novo o que se labora permanentemente neste ensaio. Algo de essencial é necessário
não se perder: o cenário da sociedade como assembleia de discurso (Texto). É acerca
da montagem dogmática, mais exatamente sobre a desmontagem dogmática de uma
sociedade que hoje opera via Mercado que nos debruçamos. Se, de uma parte, importa
compreender o peso de Referência do Mercado, em nome d´o qual se organiza o efeito
normativo das práticas sociais atuais, de outra, o horizonte de pensamento aqui lançado
abre espaço para muito além dele e conduz a examinar diuturnamente os modos de
interpretação, os processos de interrogação atinentes ao percurso cultural.
O apanhado feito até o momento não teve outro desejo senão, com o auxílio
da letra de Borges, ampliar incomensuravelmente o horizonte de análise da questão
monetária. Perceber pelo testemunho literário a tamanha abstração religiosa em que se
assenta a técnica econômica. O autor portenho explora brilhantemente, para adiante da
pura positividade econômica, aquilo que se torna primordial frisar, ou seja, a zona de
23
AGAMBEN, Giorgio. Che cos´è un dispositivo?, p.16-17.
24
A terminologia dispositivo, usada a partir da metade dos anos 70 por Foucault, principalmente quando começava
a ocupar-se da governabilidade, salienta Agamben, deve-se muito a Jean Hyppolite (até 1970, antecessor de
Foucault na cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France com nome à época de
História do Pensamento Filosófico) e sua leitura sobre filosofia da história de Hegel, mormente da ideia hegeliana
de positividade, termo que antes, ao invés de dispositivo, utilizava-se Foucault (AGAMBEN, Giorgio. Che cos´è
un dispositivo?, p.08). A positividade era o elemento histórico (con tutto il suo carico di regole, riti e istituzioni che
vengono imposti agli individui da un potere esterno, ma che vengono, per cosí dire, interiorizzati nei sistemi delle
credenze e dei sentimenti. (AGAMBEN, Giorgio. Che cos´è un dispositivo?, p.11), segundo Hyppolite, considerado
por Hegel como obstáculo à liberdade humana, ou seja, na oposição razão versus história, esta deveria ser
reconciliada com aquela. O interesse de Foucault, por óbvio, nunca foi este, mas o de, no que dizia respeito aos
seres viventes e o elemento histórico – toda a carga de instituições, de processos de subjetivação e de regras
que se concretizam nas redes de poder –, investigar os modos concretos em que as positividades ou depois os
dispositivos agem nas relações, nos mecanismos e nos jogos de poder.
25
LEGENDRE, Pierre. “La tecno-scienza-economia e il potere di significare”, p.109.
26
LEGENDRE, Pierre. “La tecno-scienza-economia e il potere di significare”, p.110-111.
27
LEGENDRE, Pierre. “La tecno-scienza-economia e il potere di significare”, p.112.
28
CORDERO, Franco. Che cos´è la giustizia? Roma: Luca Sossela Editore, 2007, p.05.
29
LEGENDRE, Pierre. “La tecno-scienza-economia e il potere di significare”, p.112.
30
LEGENDRE, Pierre. “Comunicazione Dogmatica (Ermete e la Struttura)”, p.75.
31
LEGENDRE, Pierre. “Il principio di delimitazione: lo spazio del mito e il luogo del potere” In: LEGENDRE, Pierre.
Della Società Come Testo. Lineamenti di un´Antropologia Dogmatica, p.187-195.
32
Tema que fazemos coro, ainda que noutro tom, com HERITIER, Paolo. “Introduzione”, p.26.
33
LEGENDRE, Pierre. “Supponendo che una parola o una famiglia di parole siano detestabili” In: LEGENDRE,
Pierre. Della Società Come Testo. Lineamenti di un´Antropologia Dogmatica, p.33.
34
L´interprète n´est pas celui qui adhère sur le mode de la colle adhésive, mais qui s´est montré capable de soutenir
un écart entre lui-même et la Demande absolue du pouvoir. Au-delà de cette simple remarque, se profile la notion
même de normativité: pour qu´il y ait normativitè dans une société, c´est-à-dire pour que s´exerce la fonction
humanisatrice de la légalité, il est nécessaire qu´il y ait «du jeu» entre le sujet et le pouvoir; à défaut de cela, il y
a manipulation pure et simple ou duel à mort, l´instance souveraine ne fonctionnant plus comme tiers logique des
relations juridiques. LEGENDRE, Pierre. Le Désir Politique de Dieu: Etude sur les montages de l´État et du Droit
(Leçons VII). Paris: Fayard, 1988, p.172.
35
Pour l´individu comme pour une organisation, le principe de Raison – la non-folie – se joue précisément par
les grands moyens symboliques, c´est-à-dire par le travail institucionnel des métaphores destinées à imposer la
différenciation d´avec l´Objet absolu – entendez d´abord: d´avec la Demande absolue. On peut être fou de Dieu,
fou Hitler, de Mao, de la Science, de n´importe quel Objet emblématique promu en absolu. Le lien totalitarie n´est
pás un lien, mais un non-lien, un état de fusion avec l´absolu, où la mort elle-même n´est pas représentable –
faute d´avoir accès au vide qu´introduit la dimension structurale de l´énigme –, et les meurtres à tout-va ne sont
qu´un effet dans une conjoncture non pas de dépersonnalisation, mais de dé-métaphorisation du langage et du
support institutionnel de la vie. LEGENDRE, Pierre. Le Désir Politique de Dieu: Etude sur les montages de l´État
et du Droit (Leçons VII), p.174.
36
LEGENDRE, Pierre. “Enigmatizzazione del mondo. L´avvento del saper interrogare” In: LEGENDRE, Pierre.
Della Società Come Testo. Lineamenti di un´Antropologia Dogmatica, p.57.
37
Em seu espetacular “A Doutrina do Choque: a ascensão do capitalismo de desastre”, Naomi Klein chama
de “capitalismo de desastre” diretamente os ataques orquestrados à esfera pública, ocorridos no auge de
acontecimentos catastróficos, e combinados ao fato de que os desastres são tratados como estimulantes
oportunidades de mercado. Escreverá sobre a dita doutrina do choque exatamente fazendo referência à tática
nuclear do capitalismo contemporâneo, a qual a pesquisadora identifica seus termos teóricos já no prefácio de
“Capitalismo e Liberdade” de Milton Friedman: somente uma crise – real ou pressentida – produz mudança
verdadeira. Quando a crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à disposição.
Esta, eu acredito, é a nossa função primordial: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las em
evidência e acessíveis até que o politicamente impossível se torne o politicamente inevitável. KLEIN, Naomi. A
Doutrina do Choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Tradução Vânia Cury. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2008, pp.15-16.
38
LEGENDRE, Pierre. “Enigmatizzazione del mondo. L´avvento del saper interrogare” In: LEGENDRE, Pierre.
Della Società Come Testo. Lineamenti di un´Antropologia Dogmática, p.57.
39
Reprenant la subtile exégèse talmudique autour de: ´qu´est-ce que l´homme?´, qui répond en miroir par un:
l´homme est «qu´est-ce que?», je dirai que la question existentielle, matrice de l´indéfini questionnement du sujet,
ne connaît pas d´autre réponse que le ‹qu´est-ce que?›. Nous partons de cette mise, énigmatique, inépuisable,
dont la nature nous éloigne définitivement de la tentation scientiste de faire de l´interrogation humaine une question
à résoudre, c´est-à dire à dissoudre. LEGENDRE, Pierre. La 901 Conclusion: Étude sur le théâtre de la Raison
(Leçons I). Paris: Fayard, 1998, p.250 e pp.227-297. Resumidamente, ainda em LEGENDRE, Pierre. El Inestimable
Objeto de la Transmisión: Estudio sobre el principio genealógico en Occidente (Lecciones IV), pp.91-98.
40
LEGENDRE, Pierre. “Comunicazione Dogmatica (Ermete e la Struttura)”, p.33.
Walter Benjamin, num curto, porém lapidar texto de 1933, chamado “Experiência e
Pobreza”, vislumbra uma nova forma de miséria derivada do monstruoso desenvolvimento
da técnica. Este profeta de nossa época aduzia que, ao contrário da riqueza de ideias que
o século XX pôde nos oferecer, é a nova barbárie da pobreza de experiências que toma
assento privilegiado. Nossa experiência foi sorrateiramente subtraída pela hipocrisia
vigente e hoje em dia é prova de honradez confessar nossa pobreza. Somos de fato
aquele contemporâneo nu, que o autor descreveu, deitado como um recém-nascido nas
fraldas sujas da época. Não queremos mais a procura por alguma experiência, aspiramos
nos livrar dela, sermos tocado pela realidade é um insuportável trauma radical que uma
vivência pura e decente não pode tolerar. Uma existência transparente (Vattimo) que basta
a si mesma é a nossa condição socialmente adequada a esta cultura do vidro. Escreve
Benjamim, desde Scheerbart, que nada melhor, para modelar indivíduos a sua imagem
41
HERITIER, Paolo. “Introduzione”, p.28.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Che cos´è un dispositivo? Roma: Nottetempo, 2006.
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história
da cultura. Obras Escolhidas Vol. I. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. 7.ed.. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
BORGES, Jorge Luis. El Aleph. Primera edición, revisada, en «Biblioteca de autor»:
1997. Decimocuarta reimpresión: 2008. Madrid: Alianza Editorial, 2008.
KLEIN, Naomi. A Doutrina do Choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Tradução
Vânia Cury. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
LEGENDRE, Pierre. Della Società Come Texto. Lineamenti di un´Antropologia
Dogmática (a cura di Paolo Heritier). Torino: G. Giappichelli Editore, 2005.
______. Il Giurista Artista Della Ragione (a cura di L. Avitabile, saggio introduttivo di
G. B. Ferri). Torino: G. Giappichelli Editore, 2000.
______. La 901 Conclusion: Étude sur le théâtre de la Raison (Leçons I). Paris:
Fayard, 1998.
______. El Inestimable Objeto de la Transmisión: Estudio sobre el principio genealógico
en Occidente (Lecciones IV). Traducción de Isabel Vericat T. Núñez. Madrid: Siglo
Veintiuno Editores, 1996.
______. Le Désir Politique de Dieu: Etude sur les montages de l´État et du Droit (Leçons
VII). Paris: Fayard, 1988.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 16.ed. Organização, Introdução e Revisão
Técnica de Roberto Machado. São Paulo: Graal, 1979.
ŽIŽEK, Slavoj. A visão em paralaxe. Tradução de Maria Beatriz de Medina. São Paulo:
Boitempo, 2008.
42
BENJAMIN, Walter. “Experiência e Pobreza” In: BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios
sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas Vol I. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. 7ª ed.. São Paulo:
Brasiliense, 1994, pp.115-117.
RESUMO
Este artigo aborda a forma como vem sendo tratada a maioria maciça dos textos jurídicos
elaborados em nossa doutrina. Está-se criando uma cultura dos manuais que faz com que nossa
capacidade intelectual seja uma quase cópia de outra personagem que escreveu anteriormente, e
assim sucessivamente. Por esta razão, aborda-se uma nova concepção de textos jurídicos, calcados
na inovação, trazendo de outras áreas exemplos como gráficos, capas e linguagem para fazer com
que os textos jurídicos fiquem menos entediantes e que chamem a atenção do leitor de outras
ciências para o debate jurídico acadêmico.
Palavras-chave: Texto. Jurídico. Entediante. Novas concepções.
ABSTRACT
This article deals with the way has been treated most massive of the legal texts prepared
in our doctrine. We are creating a culture of hand that makes our intellectual capacity is almost a
copy of another character who previously wrote and so forth. For this reason, it approaches a new
conception of legal text, which rely on innovation, bringing examples from other areas as graphics,
covers and language to make the legal texts will be less boring and to draw the reader’s attention
from other sciences to The academic legal debate.
Keywords: Text. Legal. Boring. New concepts.
1 INTRODUÇÃO
Em raras ocasiões o leitor de textos jurídicos se depara com alguma redação que
lhe chame a atenção, quer em artigos quer em livros, e isso não ocorre somente pela falta
de inovação de conteúdo, mas também pelo próprio modo como ele é apresentado àquele
a que se destina a leitura.
Um dos textos que recentemente foi estudado para a disciplina de Interpretação
Constitucional e Fundamentos do Direito Público e Privado no doutorado da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob orientação do professor Juarez Freitas,
Marco Félix Jobim é advogado e professor universitário. Especialista, mestre e doutorando em Direito. E-mail:
marco-jobim-rs106247@via-rs.net
1
A expressão é utilizada no contexto de “entediante”.
2
Bruce Ackerman é professor de Direito Constitucional e de Ciência Política na Universidade de Yale. Sua linha
de pensamento é procedimentalista, conforme explana Gisele Cittadino: “Desde a publicação de seus primeiros
trabalhos, Ackerman, assumindo uma posição contrária ao liberalismo de John Rawls e Ronald Dworkin, defende
a ideia de que os direitos fundamentais do cidadão não são direitos substantivos – igualdade ou igual respeito e
consideração – mas procedimentais, pois todos os indivíduos têm o direito básico de participar de um processo
político deliberativo no qual determinam o conteúdo substantivo dos demais direitos fundamentais, da mesma
forma como definem os seus destinatários primordiais: ‘o primeiro, e mais fundamental, é o direito de cada indivíduo
ao reconhecimento dialógico como um cidadão em uma conversação política em desenvolvimento’. É o diálogo
social, portanto, que define o conteúdo substantivo dos direitos fundamentais”. In: ACKERMAN, Bruce. Nós, o
povo soberano: fundamentos do Direito Constitucional. Tradução de Mauro Raposo de Mello. Belo Horizonte:
Del Rey, 2006. p.XV-XVI.
3
Podem-se citar aqui obras como as de Ricardo Aronne: ARONNE, Ricardo. Direito civil-constitucional e teoria
do caos: estudos preliminares. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no
discurso jurídico e outros ensaios de Direito civil-constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. Também
se podem citar aquelas obras destinadas ao novo movimento denominado Direito e Literatura. TRINDADE, André;
SCHWARTZ, Germano. Direito e Literatura: o encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá, 2008.
4
Isso vem sendo discutido paulatinamente pelo professor Doutor Juarez Freitas na disciplina citada de como
deixar os títulos mais chamativos ao leitor, ideia esta agora comprada pelo ora articulista que já tenta, no título,
fazer um que denote este novo foco.
5
MICHEL-KERJAN, Erwann; SLOVIC, Paul. A economia irracional: como tomar decisões certas em tempos de
incertezas. Beatriz Caldas (tradução). Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
6
FRIEDMAN, Thomas L. Quente, plano e lotado: os desafios e oportunidades de um novo mundo. Paulo Afonso
(tradução). Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
7
LEVITT, Stvene D.; DUBNER, Stephen J. Freakonomics: o lado oculto de tudo que nos afeta. Tradução de Regina
Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
8
LEVITT, Steven D., DUBNER, Stephen. Superfreakonomics: o lado oculto do dia a dia. Tradução de Celso da
Cunha Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
9
LOTT, John. Fredomnomics: por que o livre comércio funciona e pode resgatar a economia mundial. Tradução
de Ivan P. F. Santos. São Paulo: Saraiva, 2009.
10
GLADWELL, Malcolm. O ponto de virada. Talita Macedo Rodrigues (tradução); Teresa Carneiro (tradução do
posfácio). Rio de Janeiro: Sextante, 2009.
11
Em outras áreas, como na história, temos: FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Então você pensa que é humano?
Uma breve história da humanidade. Tradução de Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Na sociologia: CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 6.ed. Tradução de Guy Reynaud.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
12
GIAMBIAGI, Fabio; BARROS, Octavio de (Orgs.). Brasil pós-crise: agenda para a próxima década. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009.
13
Já na apresentação da obra, pode-se notar a preocupação: “O livro está dividido em três grandes partes. A
primeira trata, em linhas gerais, das reformas macroeconômicas. Nela, com nove capítulos, o denominador
comum é o destaque à necessidade de que o país se empenhe na aprovação de reformas-chave, tantas
vezes postergadas. No capítulo inicial, Octavio de Barros e Fabio Giambiagi falam de um Brasil pós-crise
que precisa se adaptar às grandes transformações no cenário global, em um contexto no qual os desafios
mudam de natureza. Na sequência, Antonio Delfim Netto apresenta os pontos do que poderia constituir uma
espécie de ‘agenda fiscal’, incluindo a proposta de reduzir a taxa de crescimento das despesas primárias do
governo central à metade da taxa de crescimento do PIB, bem como um conjunto de sugestões destinadas
ao aprimoramento institucional relacionado com a elaboração do orçamento. John H. Welch faz uma leitura
das mudanças no sistema bancário e financeiro global no qual o Brasil está inserido. O capítulo de Octavio
de Barros e Fernando Honorato Barbosa analisa os determinantes do resultado das contas externas do país
e faz um exercício acerca de sua evolução nos próximos anos, apontando para a relação entre o que se
pode esperar do saldo em conta corrente e o comportamento da absorção doméstica. Ernani Teixeira Torres
Filho e Fernanda Puga discutem o desempenho e o cenário do comércio exterior brasileiro, sugerindo o que
poderia vir a ser uma estratégia para as nossas exportações. Os ex-ministros Francisco Dornelles e José
Roberto Afonso apresentam em linhas gerais e conceituais de quais teriam de ser os pontos principais de
uma reestruturação do sistema tributário do país. Fabio Giambiagi expõe o que poderia ser definido como
uma agenda realista de reformas no campo previdenciário. Wilson Ferreira Jr. mostra qual deveria ser a
agenda de curto e de longo prazo do setor elétrico, para evitar que o país sofra com velhos (como em 2001)
ou novos problemas (como a maior poluição da matriz energética). Alexandre Mathias, por sua vez, mesmo
destacando o sucesso do regime, propõe alguns aprimoramentos a serem incorporados as sistema de metas
de inflação”. P. XI.
14
Podem ser citadas as obras de Juarez Freitas que nunca caem na ordinariedade, sempre trazendo inovações
no campo jurídico: FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o Direito fundamental à boa administração pública. 2.ed.
São Paulo: Malheiros, 2009.
This has been the spirit of three collaborations with friends of mine that aim to kick
off a new round of debate over the shape of the citizenship agenda: Voting with
Dollars, with Ian Ayres; Deliberation Day, with Jim Fishkin; and The Stakeholder
Society, with Anne Alstott (all Yale University Press paperbacks). In setting out
three planks for a new citizenship agenda, we tried to rediscover the art of talking
about big ideas in ordinary English, staying clear of Beltway techno-babble. This
is the only way to convince millions of Americans that meaningful citizenship is a
real-world possibility—if they only will take the future into their own hands.15
Isso continua sendo um equívoco nos textos jurídicos, acabando por se tornarem
pernósticos, escrevendo-se muito e falando-se pouco. Com apenas 10 páginas alguém
pode trazer ideias, ao menos discutíveis, para a comunidade jurídica, sem ter o seu texto
de ser tachado de medíocre, entre outros adjetivos pejorativos, pelo número reduzido
de páginas.16
15
www.constitution2020.org.
16
Aliás, digno de nota, a tese de livre-docência onde Virgílio Afonso da Silva sagrou-se vencedor para professor titular
da Universidade de São Paulo tem pouco mais de 150 páginas. AFONSO DA SILVA, Virgílio. A constitucionalização
do Direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2004, mostrando, mais
uma vez, que não precisa falar muito para dizer algo de novo. Ainda, pode-se lembrar de: MITIDIERO, Daniel.
Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009,
que em pouco mais de 140 páginas defendeu tese brilhante de doutoramento perante a Universidade Federal
do Rio Grande do Sul.
17
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e índice. Tradução de Enio Paulo Giachini.
Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2002, p.182. Disse o filósofo
alemão: “A linguagem é, pois, o centro do ser humano, quando considerada no âmbito que só ela consegue
preencher: o âmbito da convivência humana, o âmbito do entendimento, do consenso crescente, tão indispensável
à vida humana como o ar que respiramos”.
18
Exemplo disso pode ser analisado na obra: GARCIA, Márcio; GIAMBIAGI, Fabio. Risco e regulação: por que o
Brasil enfrentou bem a crise e como ela afetou a economia mundial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. No texto de
Ricardo Weiss, denominado de “Fundos de pensão no Brasil: antes e depois da crise de 2008”, pode-se notar a
facilidade com que o profissional de outra área entenda o texto pela forma gráfica imposta pelo autor.
19
Um dos melhores exemplos de que o agradecimento pode e deve ser feito espontaneamente é lido na
obra de Virgílio Afonso da Silva, onde assim faz o autor seus agradecimentos: “A Lennon, McCartney,
Harrison e Starr, a Jagger, Richards, Wyman e Watts, a Page, Plant, Jones e Bonham, a Joey, Johnny, Dee
Dee e Tommy e a todos os outros que me acompanham desde a infância, agradeço as horas intermináveis
de muita música. O mesmo vale para Mingus, Miles, Coltrane e outros, descobertos um pouco mais tarde.
Embora não exista melhor forma de liberar as tensões que antecedem a um concurso do que ouvir Wart Hog
(Ramones), Holidays in the Sun (Sex Pistols) ou Helter Skelter (Beatles) no volume máximo, a elaboração
deste trabalho ocorreu, em seus momentos decisivos, ao som de algo mais suave e quase minimalista: Alina,
do estoiano Arvo Pärt. Em todos os casos, porém, é possível acompanhar Sancho Panza e afirmar: Donde
hay música no puede Haber cosa mala (Miguel de Cervantes, Don Quijote de La Mancha, II, XXXIV)”. In:
AFONSO DA SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros, 2009. p.18.
20
Note-se como, ao fazer a ilação de um filme de ficção com a matéria relacionada à modulação de efeitos,
Eduardo Appio consegue, de forma concisa e exemplificativa, fazer-se entender: APPIO, Eduardo. Controle
difuso de constitucionalidade: modulação dos efeitos, uniformização de jurisprudência e coisa julgada. Curitiba:
Juruá, 2009. “Ao defender a chamada eficácia retroativa das decisões em controle difuso, o Supremo Tribunal
assuma o papel de senhor absoluto do tempo das decisões. Assim como no filme De volta para o futuro, o
personagem vivido nas telas por Michael J. Fox retorna para o passado, para consertá-lo, através de uma
máquina criada por um genial cientista, os Ministros do Supremo embarcarão nesta inusitada viagem no
tempo, retomando discussões já encerradas no passado, com a finalidade de alterar suas consequências. No
filme, o personagem, insatisfeito com o atual estágio de sua vida e com a modesta condição econômica de
sua família, decide voltar para o passado, alterando o curso de sua biografia pessoal (e de seus familiares).
Ao interferir no curso da história, o personagem, de forma inadvertida, produz inúmeras consequências
indesejadas (efeitos colaterais), já que a dinâmica dos acontecimentos futuros acaba por ser totalmente
alterada. A previsão sobre o que supunha iria acontecer no futuro acaba, no filme, converte-se em tormento
para o personagem, já que sua família passa a gozar de alguns benefícios, mas, de outro lado, surgem novos
problemas. O personagem, já ao final do filme, dá-se conta de que, muito embora gozasse de uma situação
privilegiada – pois sabia de antemão, as origens de sua desgraça e como consertá-la – ainda assim não
tinha condições de determinar o final da ‘estória’”. Após, continua o autor ao fazer a ilação final ao STF: “O
Supremo Tribunal Federal, ao modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, na via difusa, também
goza, a exemplo do personagem, de uma posição privilegiada. Conhece as origens dos problemas criados
por centenas ou mesmo milhares de decisões judiciais que não correspondem a sua própria interpretação
constitucional. Ao redesenhar o sistema de controle de constitucionalidade no país, com especial ênfase na
modulação dos efeitos no controle difuso, o Supremo está interferindo no curso de uma ‘estória’ já encerrada
pela força da coisa julgada”. p.34.
21
Em recente obra jurídica publicada em homenagem à professora Elaine Harzheim Macedo, em sua capa, há uma
figura de uma mulher entregando a um homem sentado algo envolto em bandagens. Isso desperta a curiosidade
no leitor que, no prólogo, acha a resposta para aquela capa como sendo parte da mitologia grega onde Reia
entrega uma pedra envolta de bandagens a Cronos, como se fosse seu filho, Zeus, para ser engolido pelo pai
para que, no futuro, não fosse ele destronado pelo seu filho, visão esta que um oráculo teve. JOBIM, Geraldo C.;
TELLINI, Denise Estrela; JOBIM, Marco Félix. Tempestividade e efetividade processual: novos rumos do processo
civil brasileiro. Caxias do Sul: Plenum, 2010.
REFERÊNCIAS
ACKERMAN, Bruce. Nós, o povo soberano: fundamentos do Direito Constitucional.
Tradução de Mauro Raposo de Mello. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
AFONSO DA SILVA, Virgílio. A constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais
nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2004.
______. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:
Malheiros, 2009.
APPIO, Eduardo. Controle difuso de constitucionalidade: modulação dos efeitos,
uniformização de jurisprudência e coisa julgada. Curitiba: Juruá, 2009.
ARONNE, Ricardo. Direito civil-constitucional e teoria do caos: estudos preliminares.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
______. Razão & Caos no discurso jurídico e outros ensaios de Direito civil-constitucional.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. 6.ed. Tradução de
Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
22
Para ver que a mudança de mentes está ao alcance de todos, recomenda-se a obra: GARDNER, Howard. Mentes
que mudam: a arte e a ciência de mudar as nossas ideias e as dos outros. Tradução de Maria Adriana Veríssimo
Veronese. Porto Alegre: Artmed/Bookman, 2005. Em especial da página 27 a 31 e os sete fatores que auxiliam
na mudança da mente, sendo eles: razão, pesquisa, ressonância, redescrições representacionais, recursos e
recompensas, eventos do mundo real e resistências. Também de grande auxílio para a complementação da obra
recomendada é: THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge, o empurrão para a escolha certa: aprimore
suas decisões sobre saúde, riqueza e felicidade. Tradução Marcello Lino. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo verificar como a teoria da reserva do possível vem
sendo utilizada, no Brasil, na efetivação do direito fundamental à saúde. A partir desse pressuposto,
procura verificar as possibilidades de transplante de teorias oriundas de países estrangeiros para a
realidade jurídico-social brasileira. Com isso, intenta demonstrar que o direito à saúde não pode ser
limitado em função de um discurso jurídico que se baseia em uma falácia (a reserva do possível),
preservando-se, assim, o sentido original do texto constitucional.
Palavras-chave: Direito à Saúde. Reserva do Possível. Teoria dos Sistemas Sociais
Autopoiéticos.
The right to health care in Brasil and the reserve of the possible
theory as a fallacy for its effectiveness
ABSTRACT
This paper’s purpose is to check the way the constitutional theory of the “reserve of
the possible” is being implemented in Brazil in regard to the fundamental right to health care.
Based on this, it purports to verify the possibility of transplanting foreign theories to Brazilian
socio-juridical reality. Its aim is to demonstrate that the right to health care cannot be limited
by a juridical discourse based on a fallacy (“the reserve of possible”), thus preserving its
original constitutional meaning.
Keywords: Health Law. Reserve of the Possible. Autopoietic Systems Social Theory.
Germano Schwartz Pós-Doutor em Direito (University of Reading). Doutor em Direito (Unisinos) com estágio
doutoral na Université Paris X – Nanterre (Centre de Theorie du Droit). Professor do Programa de Pós-Graduação
em Direito da ULBRA Canoas. Coordenador do Curso de Direito da ESADE – Laureate International Universities.
Professor do Curso de Direito da Faculdade da Serra Gaúcha. Pesquisador da UnP.
E-mail germano.schwartz@esade.edu.br
Vitor Rieger Teixeira é bacharelando em Direito (ULBRA). Bolsista PIBIC/CNPq.
1
Artigo resultante de pesquisa financiada pelo CNPQ em sede de PIBIC na Universidade Luterana do Brasil.
Originou-se do projeto de pesquisa intitulado “A Teoria do Direito Aplicada aos Direitos Fundamentais: do positivismo
à autopoiese do Direito”, vinculado ao grupo de pesquisa CNPQ “Constitucionalismo e Direitos Fundamentais” e
à linha de pesquisa “Direito do Estado e Direitos Fundamentais” do PPGD-ULBRA/Canoas.
Direito e DemocraciaDireitoCanoas
e Democracia,
v.11 v.11,n.1
n.1, jan./jun. 2010
p.43-60 jan./jun. 2010 43
1 INTRODUÇÃO
Desde sua positivação,2 enquanto direito fundamental no Brasil até o presente
momento, pode-se dizer que o direito à saúde passou por várias fases, típicas de sua
jovialidade. Não se pode categorizá-las. Contudo, em função dos debates que seguiram
à sua inclusão no texto constitucional, várias discussões/dúvidas foram resolvidas pelos
Tribunais.
Paradoxalmente, o fato de os Tribunais terem atuado no sentido da preservação do
direito à saúde, ao mesmo tempo em que contribuiu para sua maior efetividade, trouxe
à tona um discurso de que essa mesma “judicialização da saúde” torna, hoje, inviável a
atuação judicial sob pena de ruptura do Sistema Único de Saúde. Mostra da relevância
dessa discussão foi a realização da Audiência Pública, promovida pelo Supremo Tribunal
Federal,3 sobre a temática. A lista dos assuntos debatidos4 girou em torno da legitimidade
da atuação dos magistrados (e de seus limites) na busca da efetivação da saúde por
intermédio do Direito.
Sob o argumento irrefutável de que os direitos sociais necessitam de aportes
nanceiros, a teoria da reserva do possível no direito à saúde assumiu grande espaço
nos debates jurídicos. O propósito do presente artigo centra-se na análise das falácias
construídas para desquali car a necessária intervenção do Judiciário – quando provocado
– na proteção do direito fundamental à saúde.5
2
Para uma análise da evolução histórica da positivação do direito à saúde em solo pátrio, veja-se SCHWARTZ,
Germano. Direito à Saúde : efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001,
p.40 e seguintes.
3
“A Audiência Pública, convocada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Gilmar Mendes,
ouviu 50 especialistas, entre advogados, defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados,
professores, médicos, técnicos de saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde, nos dias 27, 28 e 29 de
abril, e 4, 6 e 7 de maio de 2009”. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processo
AudienciaPublicaSaude. Acessado em 09 de maio de 2009.
4
Foram debatidos, entre outros, os seguintes pontos: (a) Responsabilidade dos entes da federação em matéria
de direito à saúde; (b) Obrigação de o Estado fornecer prestação de saúde prescrita por médico não pertencente
ao quadro do SUS ou sem que o pedido tenha sido feito previamente à Administração Pública; (c) Obrigação de o
Estado custear prestações de saúde não abrangidas pelas políticas públicas existentes; (d) Obrigação de o Estado
disponibilizar medicamentos ou tratamentos experimentais não registrados na ANVISA ou não aconselhados pelos
Protocolos Clínicos do SUS; (e) Obrigação de o Estado fornecer medicamento não licitado e não previsto nas listas
do SUS; (f) Fraudes ao Sistema Único de Saúde. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?se
rvico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=perguntas. Acessado em 30 de maio de 2009.
5
Sobre a saúde enquanto direito fundamental, veja- se a obra de FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito
Fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
6
A Teoria da Argumentação Jurídica é especialmente profícua. Dentre vários autores, reporte-se, especialmente,
ante sua grande repercussão no Direito, à obra de ALEXY, Robert. Teoria de la Argumentacion Juridica. trad.
Manuel Atienza e Isabel Espejo, Centro de estudos Consticionales, Madrid, 1989
7
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2001. p.318.
8
RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p.24.
9
LUHMANN, Niklas. La Ciencia de La Sociedad. Mexico : Iberoamericana, 1996, p.125.
10
LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellshalt. Frankfurt: Suhrkamp, 1997, p.165-170.
11
SCHWARTZ, Germano. O Tratamento Jurídico do Risco no Direito à Saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004,p.186-187.
12
RODRÍGUEZ, Argumentação jurídica, 2005. p.21
[...] Não há unidade de signi cação do termo “falácia”. É comum usá-lo no sentido
de crença, opinião ou juízo falso. [...] Há argumentos que são agrantemente
incorretos e que não têm poder persuasivo algum. Porém, existem outros, de igual
forma incorretos, que podem convencer quando não avaliados com a perspicácia
lógica. Estes últimos são convencionalmente chamados de falácias.13
AZEREDO, Vânia Dutra de (coord.); PIOVESAN, Américo; SARTORI, Carlos Augusto; Hartmann, Mauri; TILLET,
13
14
AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha. Em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de
recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro : Renovar, 2001.
15
Agravo de Instrumento 48. 608-5/4, julgado em 11.02.1998, unânime. TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Des.
Rui Cascaldi. Disponivel em: http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1280378
16
Artigo 12, alínea I: “Todos os alemães têm direito a escolher livremente sua profissão, local de trabalho e seu
centro de formação. O exercício profissional por ser regulado pela lei ou com fundamento em uma lei.”
17
LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006, p.98.
18
SCHWARTZ, Direito à Saúde..., 2001, p.40 e seguintes.
19
Para análise mais completa do assunto, veja-se SCHWARTZ, Germano. O tratamento Jurídico... p.129.
O acórdão, paradigmático, é muito criticado por ter sido a porta aberta para a
“judicialização” sanitária. Gize-se, todavia, que essa não é uma característica exclusiva do
Direito brasileiro. O direito à saúde está presente na maioria dos ordenamentos jurídicos.
O problema não reside, portanto, na positivação ou na possibilidade de o Poder Judiciário
colaborar na efetivação ao direito à saúde. Ele repousa no uso das falácias.
Nessa linha de raciocínio, concorda-se com Barreto,21 quando ele a rma existirem
três falácias políticas22 sobre os direitos humanos (saúde)23 e sociais, que, conjugadas
com o que denominou de falácias teóricas, acabam por excluir os direitos sociais dos
direitos fundamentais.
Essas falácias, em síntese, são argumentos que fazem os direitos sociais perderem
sua característica de “valores supremos da ordem constitucional”. Dentre as falácias
20
RE 271286 AgR / RS – RIO GRANDE DO SUL. AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator Min.
CELSO DE MELLO. Julgamento em 12/09/2000. Segunda Turma. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/
jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=REAgR.SCLA.%20E%20271286.NUME.&base=baseAcordaos
21
BARRETO, Paulo Vicente. Reflexões sobre os direitos Sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org). Direitos
fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003.
22
As falácias políticas apontadas por Barreto são: (a)“os direitos sociais são direitos de segunda ordem”;
(b)“os direitos sociais dependem de uma economia forte”; (c) “o custo dos direitos sociais supera os recursos
orçamentários”.
23
Como direito humano, a saúde está expressa no artigo 25 da Declaração dos Direitos do Homem: “Todo o
homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, (...) em
caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle”. O conteúdo da declaração internacional levou o Brasil, bem como diversos
outros países, a adotar a matéria no texto constitucional como uma obrigação do Estado, conforme preceitua artigo
196 da Constituição Federal, nos seguintes termos: “A saúde é direito de todos e dever do Estado”. Na mesma
senda, o artigo 2º da Lei n.º 8.080/90, dispõe que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o
Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.
[...] Outro argumento falacioso refere-se ao custo dos direitos sociais. Chamada,
também, da falácia da “reserva do possível”, representa um argumento
preponderante no projeto neoliberal contemporâneo. Vestida de uma ilusória
racionalidade, que caracteriza a “reserva do possível” como limite factico à
efetivação dos direitos sociais prestacionais, esse argumento ignora em que medida
o custo é consubstancial a todos os direitos fundamentais.24
24
BARRETO, Reflexões sobre os direitos Sociais... p.120-121.
25
Há uma grande falácia: a própria teoria da reserva do possível. Com ela, reproduzem-se falácias menores.
Revestem a primeira de uma falsa lógica. Esses “pequenos” argumentos falaciosos garantem a existência e a
reprodução da teoria. Caso fossem percebidos, a reserva do possível seria refutada do sistema jurídico.
26
Para maiores detalhamentos sobre os a teoria dos sistemas autopoiéticos no Direito, consulte-se ROCHA,
Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; JEAN, Clan. Instrodução à Teoria do Sistema Autopoiético do Direito.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. Para uma análise especifica da aplicação da teoria dos sistemas no
direito à saúde veja-se SCHWARTZ, O Tratamento Jurídico do Risco no Direito à Saúde, 2004.
27
Fala do especialista Dr. Ingo Sarlet, no discurso realizado em 27 de abril de 2009, contribuindo para a
audiência pública de saúde promovida pelo STF. Disponível para download na íntegra em: http://www.stf.jus.
br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cronograma. Acessado em 30
de maio de 2009.
28
SCHWARTZ, Direito à Saúde..., 2001, p.60 e seguintes.
29
O último informativo da Organização Mundial de Saúde reporta que, em 2006, o gasto com saúde em proporção
ao Produto Interno Bruto no Brasil alcançou 7,5%, enquanto a escala mundial é de 8,7%. A região das Américas
obteve o maior nível de gastos em saúde, correspondente a 12,8% do PIB. Disponível em: http://www.who.int/
whosis/whostat/ES_WHS09_Table7.pdf Acessado em 20 de Maio de 2009.
30
Fala do especialista Dr. Ingo Sarlet, no discurso realizado em 27 de abril de 2009, para a audiência pública de
saúde promovida pelo STF. Disponível para download na íntegra em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.as
p?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cronograma
[...] A interpretação dos direitos sociais não é questão de “lógica jurídica”, mas
de consciência social de um sistema jurídico como um todo. É questionável a
transferência de teorias jurídicas que foram desenvolvidas em países centrais do
chamado “Primeiro Mundo”, com base em realidades culturais, históricas e, acima
de tudo, socioeconômicas completamente diferentes32
31
Tal crítica se encontra em: KRELL, Andreas Joaquim. Direitos Sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha:
os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002.
32
KRELL, Andreas Joaquim. Controle judicial das serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais
sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). A Constituição Concretizada: construindo pontes com o público e o
privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.51.
33
Ibidem. p.53.
LUHMANN. O Paradoxo dos Direitos Humanos e Três Formas de seu Desdobramentos. Traduzido por Ricardo
34
Henrique Arruda de Paula e Paulo Antônio de Menezes Albuquerque. Themis, Fortaleza, v.3, n.1, 2000. p.158.
35
TIMM, Luciano Benetetti. Qual a maneira mais eficiente de prover direitos fundamentais: uma perspectiva de
direito e economia. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.); TIMM, Luciano Benetetti (org.). Direitos Fundamentais:
orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.55-68.
36
AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha. Em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de
recursos e as decisões trágicas. de Janeiro: Renovar, 2001, p.141-142.
37
O princípio está expresso no artigo 198, inciso II, da Constituição Federal e no artigo 7º, inciso II, da Lei
8.080/90.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reserva do possível no direito à saúde consiste em uma teoria embasada por
argumentos falaciosos. Não se trata, por si só, de uma falácia una, mas sim, de uma
reunião de argumentos falhos. Procurou-se evidenciar e atacar alguns dos argumentos
menores que sustentam e permitem a reprodução da grande falácia – a própria teoria –
nos Tribunais brasileiros.
A reserva do possível não expressa argumento tão robusto. Partindo da premissa
de que a tese da escassez de recursos é o ponto de partida para a aplicação da reserva do
possível, visto que se não existissem limites (escassez) não seria preciso de nir aquilo
que é possível, há que se admitir a necessidade da comprovação da ausência de recursos
no caso concreto. Essa comprovação é necessária, em razão da instauração da dúvida
quanto aos limites orçamentários do Estado.
Ainda que comprovada a ausência de recursos e, em entendimento divergente do
posicionamento expressado aqui, se permitido o transplante da aplicação da reserva do
possível ao Brasil, a teoria esbarraria em questão maior: a impossibilidade de limitação
do direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Ocorre que o cidadão já possui esses
direitos como parte de sua fundamentalidade. O ordenamento jurídico não pode negá-los
sob pena de retrocesso social.
Por m, a partir da análise dos sistemas sociais autopoiéticos, ainda que brevemente,
só há um sistema social se ele possuir uma função única. O Direito deve dizer o que é
Direito e o que não é Direito, e faz isso decidindo com base em seus critérios especí cos.
A economia busca a constante manutenção dos pagamentos. Indevido é, portanto, que o
Direito assuma a função do sistema econômico. Caso isso ocorra, haverá dois sistemas
com a mesma funcionaliade e, com isso, a complexidade do sistema social, ao invés de
diminur, restaria acrescida.
38
KRELL, Andreas J. Direitos Sociais e Controle Judicial..., 2002, p.52-53.
RESUMO
O presente estudo faz uma análise da possibilidade jurídica ou não do direito de greve no
serviço público estatutário brasileiro. Parte-se de uma abordagem histórica, conceitual e da natureza
jurídica desse instituto, bem como da negociação coletiva no serviço público, para posteriormente
adentrar ao aspecto das divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema, mormente face
à inexistência de lei específica que regulamente o art. 37, VII, da Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave: Direito de greve. Servidor público. Negociação coletiva.
ABSTRACT
This study is an analysis of legal possibility or not the right to strike in the Brazilian public
service statutory. It starts with a historical, conceptual and legal nature of this institute, and collective
bargaining in public service, later to enter the aspect of doctrinal and jurisprudential divergences,
especially in the absence of specific law to regulate the art. 37, VII, of the Federal Constitution
of 1988.
Keywords: Right to strike. Public servant. Collective bargaining.
1 INTRODUÇÃO
Para estudar algumas questões referentes à greve, são necessárias algumas re exões,
que se pretende trazer à tona ao longo deste artigo. Re exões iniciais como a história
da greve, seu conceito, sua natureza jurídica, a questão das negociações coletivas, para,
posteriormente, enfrentar a temática objeto do estudo, referente à possibilidade jurídica
ou não do direito de greve no setor público estatutário civil, tema bastante discutido no
meio acadêmico, face à inexistência de lei especí ca que regulamente o art. 37, VII, da
Constituição Federal de 1988 – CF/88.
Tal instituto pode ser considerado como uma das mais importantes e complexas
manifestações coletivas produzidas pela sociedade, um fenômeno típico do mundo
moderno, re exo dos desequilíbrios econômicos e da falta de justiça nas relações
laborais.
Marcelo Loeblein dos Santos é Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul. Professor na Faculdade
de Itapiranga/SC. E-mail: marceloloeblein@yahoo.com.br
Rosemari Pedrotti de Ávila é Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul. Professora de Direito do
Trabalho na Faculdade da Serra Gaúcha, RS. E-mail: rose.avila@hotmail.com
2 BREVE HISTÓRICO
No baixo Império Romano, segundo Bezerra Leite (2000), as greves eram
consideradas como um delito, especialmente se organizadas por trabalhadores livres,
sendo objeto de repressão e proibidas as reuniões e a associação de trabalhadores.
No regime das corporações de ofício, antes da Revolução Francesa, os
movimentos dos trabalhadores eram considerados infrações penais graves, segundo
Martins (2001a), mesmo a Lei Le Chapellier, de 1791, proibia toda e qualquer forma
de agrupamento pro ssional que visasse a interesses coletivos. O autor refere ainda
que o Código Penal de Napoleão, de 1810, punia os trabalhadores grevistas com
prisão e multa.
Já na Inglaterra, conforme Martins (2001a), por meio do Combination ACT, de 1799
e 1800, era considerada crime de conspiração contra a Coroa inglesa qualquer coalizão
dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho e melhores salários. Mas
a partir de 1825, na Inglaterra e de 1864, na França, a coalizão dos trabalhadores deixa
de ser considerada crime, porém a greve ainda continuou sendo tipi cada como um
delito penal.
Na lição de Bezerra Leite (2000), todos estes fatos históricos revelam as origens
dos movimentos coletivos, porém juridicamente não podem ser caracterizados como
greve. Na maioria destes movimentos não havia a estrutura moderna das relações de
trabalho, a nal o sistema social se organizava de forma escravista ou servil. A greve
propriamente dita surge com o trabalho assalariado que decorre da Revolução Industrial.
Assim, Bezerra Leite atribui aos movimentos sindicais dos trabalhadores ingleses o
marco inicial da greve.
No Brasil, a greve era vista inicialmente como um delito, depois como uma liberdade
e posteriormente como um direito do trabalhador. Segundo Bezerra Leite (2000), as
Constituições brasileiras de 1891 a 1934 nada trataram sobre a greve, de tal sorte que
ela se concretizava como um fato social tolerado pelo Estado.
O Dec. Lei 1.237, de 02.05.39, que instituiu a justiça do trabalho, previa punições
em caso de greve, desde a suspensão e a despedida por justa causa até a pena
de detenção. O código Penal, de 07.12.40 (arts. 200 e 201), considerava crime
a paralisação do trabalho, na hipótese de perturbação da ordem pública ou se o
movimento fosse contrário aos interesses públicos. (2000, p.15)
O art. 37, VII da CF/88 estende ainda o direito de greve aos servidores públicos
civis, condicionando à edição de uma lei especí ca, que até os dias atuais não foi editada.
Conforme Bezerra Leite (2000), a Emenda Constitucional nº 19, de 1998 alterou a redação
do inciso, cando assim estabelecido o direito de greve ao servidor público civil: “o direito
de greve será exercido nos termos e nos limites de nidos em lei especí ca”.
Atualmente, vigora a Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o exercício
do direito de greve, de ne as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades
inadiáveis da comunidade, e dá outras providências. Entretanto, como refere Martins
(2001b, p.295), a referida lei não trata da ilegalidade da greve e usa o termo abuso de
direito para os casos de inobservância de suas prescrições.
Mais recentemente, com a Emenda Constitucional n.º 45, de 8/12/2004, modi cou-
se a competência de processar e julgar as ações que envolvam o exercício do direito de
greve. Assim, através da reformulação do art. 114 da CF/88, a competência para julgar
tais ações passa a ser da Justiça do Trabalho.
Pode-se analisar a natureza jurídica da greve sob os efeitos que provoca no contrato
de trabalho: suspensão ou interrupção. Há suspensão se não ocorre o pagamento de
salários e nem a contagem do tempo de serviço, e interrupção quando se computa
normalmente o tempo de serviço e há pagamento de salários.
A greve envolve um fato jurídico. Não é uma declaração de vontade, mas um
comportamento do trabalhador. Envolve um direito subjetivo.
A greve é, assim, um direito de coerção visando à solução do con ito coletivo.
(MARTINS, 2001a, p.758)
4 NEGOCIAÇÃO COLETIVA
No direito do trabalho, as relações coletivas são primordiais, pois possuem um
cunho jurídico em que guram como sujeitos os sindicatos, tanto de trabalhadores como
de empregadores, a m de defender os interesses coletivos e não interesses mediatos e
individuais (GASPAR, 1995).
Segundo Maranhão (1993, p.301), as instituições do direito coletivo do
trabalho são
(...) Não sendo possível, portanto, à Administração Pública transigir no que diz
respeito à matéria reserva à lei, segue-se a impossibilidade de a lei assegurar ao
servidor público o direito à negociação coletiva, que compreende acordo entre
sindicatos de empregadores e empregados, ou entre sindicatos de empregados
e empresa e, malogrado o acordo, o direito de ajuizar o dissídio coletivo. E é
justamente isto o que está assegurado no art. 240, alíneas d (negociação coletiva)
e e (ajuizamento coletivo frente à Justiça do Trabalho) da citada Lei 8.112, de
11.12.90.(...). (VELLOSO, 1998, p.567)
Leciona o Ministro Velloso, em sua obra, que a sistemática dos servidores públicos,
regime jurídico, vencimentos e remuneração assentam-se na lei, portanto, “a negociação
coletiva tem por escopo, basicamente, a alteração da remuneração. A remuneração dos
servidores públicos, entretanto, decorre de lei e a sua revisão geral, sem distinção de
índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data (CF,
art. 37, X e XI).” (VELLOSO, 1998, p.566).
A Orientação Jurisprudencial nº 5 da SDC do TST segue a mesma tendência,
inadmitindo dissídios tanto de natureza econômica como de natureza jurídica no âmbito
do setor público,
Pode-se dizer que, no âmbito da Administração Pública, não há como negar que
a mora em regulamentar o inciso VII do art. 37 da CF/88 trouxe inúmeras discussões
doutrinárias e jurisprudenciais. Para Bezerra Leite nessas discussões, há duas correntes
que se destacam
Para a primeira corrente referida por Bezerra Leite, é perfeitamente aplicável, por
analogia, aos servidores públicos, a Lei 7.783/89, enquanto não for editada lei especí ca,
assente na e cácia contida do preceito do art. 37, VII da CF/88.
Sustenta Bezerra Leite (1998) que a greve é elemento essencial da negociação
coletiva; sem direito à negociação coletiva, não há como exercer o direito de greve.
Porém no mundo dos fatos a realidade é outra, pois paradoxalmente, a todo instante há
inúmeras greves nos diversos setores da Administração Pública, que a exercem como meio
de pressão política para que os Poderes Executivo e Legislativo editem ou se abstenham
de editar leis de acordo com o interesse da categoria.
Sendo assim, essa corrente entende que a falta de regulamentação do art. 37, VII
da CF/88 não pode ser motivo de detrimento dos direitos fundamentais dos servidores
públicos à greve.
E esse foi o entendimento que se consolidou no STF, em 2007, por ocasião do
julgamento dos Mandados de Injunção nºs 670, 708 e 712, impetrados pelo Sindicato dos
Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo, pelo Sindicato dos Trabalhadores
em Educação do Município de João Pessoa e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder
Judiciário do Pará, respectivamente.
No julgamento, o STF, por maioria, reconheceu a ausência de norma regulamentadora
do direito de greve dos servidores públicos garantido no art. 37 VII da CF/88, com a
nalidade de que fosse declarada a mora do Congresso Nacional, bem como efetivamente
fosse assegurado o exercício de tal direito. Na sessão, deu provimento aos mandados de
injunção supracitados e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da
Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A greve é um direito de todo trabalhador para defender suas conquistas e de procurar
melhorar as condições em que desempenha suas atividades. Diante disso, não se pode
negar que o servidor público tenha o direito de greve, como preconizado no art. 37,
VII, da CF/88, não podendo a lacuna legislativa ser motivo de detrimento dos direitos
fundamentais desses servidores públicos.
Percebe-se que a CF/88, apesar dos vários avanços em relação ao direito de greve
dos trabalhadores, ainda possui algumas incongruências, especialmente no que tange
ao setor público, a nal as posições que vêm sendo adotadas pelas cortes superioras em
relação ao direito de greve têm sido inadequadas à realidade brasileira. De fato, a greve
no serviço público brasileiro, embora não tenha lei especí ca reguladora exigida pelo
texto constitucional, tem ocorrido com alguma frequência.
A exigência constitucional da edição de uma lei especí ca que regulamente o direito
de greve no serviço público não signi ca que esse direito não deva ser reconhecido a esses
servidores. A edição de lei especí ca pelo Congresso Nacional não poderá negar tal direito
aos servidores públicos e deverá seguir uma visão sistêmica do texto constitucional, de
modo a preservar os direitos fundamentais desses servidores.
E esse foi o entendimento que se consolidou no STF, em 2007, por ocasião do
julgamento dos Mandados de Injunção nºs 670, 708 e 712, impetrados pelo Sindicato dos
Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo, pelo Sindicato dos Trabalhadores
em Educação do Município de João Pessoa e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder
Judiciário do Pará, respectivamente.
Foi nesse norte que o E. STF, por maioria, reconheceu, em boa hora, a ausência de
norma regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos garantido no art. 37
VII da CF/88, declarou a mora do Congresso Nacional, bem como efetivamente assegurou
o exercício de tal direito.
Assim, com o provimento de tais Mandados de Injunção, a solução para a omissão
legislativa é a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber.
Evidentemente, o reconhecimento do direito de greve ao servidor público impõe
limitações. Deverá ser exercido em harmonia com os interesses da coletividade, para
evitar que os direitos de grupos determinados se sobreponham ao Direito Coletivo difuso,
que se refere a toda a comunidade.
RESUMO
O presente artigo se propõe a apresentar que a água potável e de qualidade deve ser
considerada como um direito fundamental para a existência de toda e qualquer forma de vida
existente no planeta, devendo seu acesso ser público e gratuito, considerando-se que qualquer
forma de comercialização, alteração e poluição deste insumo constitui crime contra a humanidade.
Dessa forma, a preocupação com o aumento populacional e com a quantidade e qualidade de água
potável para consumo é crescente, revelando-se a necessidade de se considerar a água como um
direito fundamental compatível com a dignidade da pessoa humana. Para tanto, apresenta-se uma
análise em torno do direito de acesso à água e a problemática da escassez, exploração indevida
e poluição. Em seguida, procura-se apontar os dispositivos jurídicos de proteção dos recursos
hídricos, trazendo-se uma análise crítica sobre a eficiência dos mesmos e abordando a necessidade
de inclusão social como forma de garantia dos mesmos.
Palavras-chave: Água. Direito Ambiental. Direito fundamental. Direito à água.
ABSTRACT
This article aims to provide the drinking water quality should be considered as a
fundamental right to existence of all forms of life existing on the planet, and its access
is free and public, considering that any form of marketing, change and pollution of this
input is a crime against humanity. Thus, the concern with population increase and the
quantity and quality of drinking water for consumption is increasing, revealing the need
to consider water as a fundamental right is compatible with human dignity. It presents
an analysis around the right of access to water and the problem of scarcity, pollution and
improper exploitation. It then attempts to point out the legal provisions for protection of
water resources, bringing a critical analysis on their efficiency and addressing the need
for social inclusion as a guarantee of the same.
Keywords: Water. Environmental law. The right to water.
1 INTRODUÇÃO
A inauguração desse novo milênio veio acompanhada pela conscientização global
de que o processo de desenvolvimento dos países não pode mais ser feito apenas pelo
aspecto econômico e à custa dos recursos naturais. No estágio atual em que vivemos, o
desenvolvimento deve ser almejado de forma sustentável, onde exista a conciliação entre
evolução integral, preservação do meio ambiente e qualidade de vida.
Roberto Ferreira de Macedo é bacharel em Direito pela Universidade Luterana do Brasil, Canoas/RS. E-mail:
roberto_fmacedo@hotmail.com
2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A questão da água, como elemento essencial à vida e sobrevivência dos seres
humanos e animais, insere-se no âmbito do Direito Ambiental, bem como parte dos
direitos fundamentais.
O desembargador Wellington Pacheco Barros de ne assim a água:
A água é uma substância abundante que cobre 2/3 da superfície da Terra, aparentando
ser in nita para a vida humana, vegetal e animal. Em números, pode-se dizer que 71% da
GRÁFICO 1 – Evolução histórica da disponibilidade de água doce por habitante/região (1000 m³).
ÁFRICA 10,00%
ÁSIA 31,60%
EUROPA 7,00%
OCEANIA 5,30%
ANTÁRTIDA 5,00%
4 CRISE DA ÁGUA
Fatores naturais, aumento populacional, poluição provocada por atividades
humanas, consumo excessivo e o alto grau de desperdício de água prejudicam ainda
mais a disponibilidade de água para o uso humano. Conforme ensina Luiz Antonio Timm
Grassi, a crise da água doce pode ser compreendida pelos seguintes fatores:
[...] o que vemos à frente é um mundo onde os recursos não são preservados,
mas acumulados, para aumentar preços e lucros corporativos e onde os con itos
militares podem ocorrer por causa da escassez de água em lugares como o Vale
Mexicano e o Oriente Médio. É um mundo no qual tudo estará à venda. (BARLOW,
2004, p.91)
Nesse mesmo foco, de valor econômico da água e não como recurso natural essencial
do ser humano, no Fórum Mundial da Água, em março de 2000, em Haia, houve um
debate, no qual se questionava se a água deveria ser designada como uma “necessidade”
ou um “direito”. Discutiu-se sobre quem deveria ser o responsável por assegurar às
pessoas o acesso à água: o livre mercado ou o Estado, as corporações ou os governos?
Foi então direcionada a questão para o lado mercantilista, sendo a água considerada
uma “necessidade”, de forma que o setor privado teria o direito e responsabilidade de
[...] ter acesso a água, no entanto, não é uma questão de escolha. Todos precisam
dela. O próprio fato de que ela não pode ser substituída por nada mais, faz
da água um bem básico que não pode ser subordinado a um único princípio
setorial de regulamentação, legitimação e valorização; ela se enquadra nos
princípios do funcionamento da sociedade como um todo. Isso é precisamente
aquilo que se chama de um bem social, um bem comum, básico a qualquer
comunidade humana.
No sentido contrário ao que foi decidido no Fórum Mundial da Água no ano de 2000,
o Comitê das Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Culturais e Sociais considerou
a água “fundamental para a vida e a saúde” (BARLOW, 2004, p.97). O direito humano
à água é indispensável para se chegar a uma vida saudável e com dignidade, sendo um
verdadeiro pré-requisito à realização de todos os outros direitos humanos, saindo daí a
sua fundamentalidade. E, ainda, o mesmo Comitê diz que a água deve ser tratada como
um bem social e cultural, não como um negócio econômico.
[...] o direito à vida é o mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge
como verdadeiro pré-requisito da exigência dos demais direitos consagrados
constitucionalmente. É, por isto, o direito humano mais sagrado, necessário
também para assegurar um nível mínimo de vida, compatível com a dignidade
(TAVARES, 2002, p.387)
Dessa maneira, não basta somente que a população tenha acesso à água doce
permitindo-lhe apenas a continuidade da vida. É necessário mais que o mínimo, que a
água seja potável e fornecida em quantidade su ciente para garantir às pessoas uma vida
compatível com a dignidade humana (VIEGAS, 2005, p.25), direito este consagrado em
[...] note-se a ênfase dada aos recursos hídricos entre os demais recursos ambientais.
Aliás, a mesma Lei também enfatiza as águas ao de nir os recursos ambientais
como sendo: “a atmosfera, as águas interiores, super ciais e subterrâneas, os
estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e
a ora. (MILARÉ, 2000, p.387)
E ainda cabe referir que em 08 de janeiro de 1997 entrou em vigor a Lei Federal
nº 9.433/97, conhecida como a “Lei das Águas”, com a função de instituir a Política
Nacional de Recursos Hídricos e criar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos.
A lei é composta de 57 artigos que traçam a Política Nacional de Recursos Hídricos,
seus fundamentos, objetivos, diretrizes de ação e instrumentos, dando principal ênfase
à outorga e à possível cobrança pelo uso desse recurso, além de especi car quais são
Conforme ensina Paulo Affonso Leme Machado, a “Lei das Águas demarca
concretamente a sustentabilidade dos recursos hídricos em três aspectos: disponibilidade
de água, utilização racional e utilização integrada” (MACHADO, 2000, p.433).
Para Luís Paulo Sirvinskas: “busca-se, além disso, dar uma qualidade de vida
igual, ou melhor, para as futuras gerações, evitando que esses recursos venham a faltar
no futuro” (SIRVINSKAS, 2002, p.136).
Com base no artigo 1º da Lei nº 9.433/97, a Política Nacional de Recursos Hídricos
tem, como fundamentos:
As águas são bens públicos e se classi cam entre aqueles de uso comum do povo,
um bem social. Conforme Paulo Affonso Leme Machado
8 CONCLUSÃO
Ao concluir o presente estudo, são pertinentes algumas considerações sobre esse
importante e fascinante tema.
Apesar de todo o avanço tecnológico, de todo o conhecimento cientí co adquirido
durante séculos de existência, o ser humano, animal racional, não é diferente dos animais
“irracionais”, e nem tão pouco superior a qualquer tipo de vida existente no Planeta
Terra. Estudos cientí cos comprovam que o ser humano pode viver até 28 dias sem a
ingestão de alimentos, mas somente de 3 a 5 dias sem ingerir água.
Não se pode negar, que o tema “Meio Ambiente” está em voga, ou na vanguarda,
como dizem alguns. Isso é salutar e visto com bons olhos por toda a sociedade. Espera-
se, que assim como outros temas tido como importantes, que a preocupação ambiental
não seja tema “da moda”.
A dinâmica do Direito na questão ambiental, e em particular, no que diz respeito à
água, tem sido ágil no Brasil. Ao mesmo tempo em que se dispõe de uma legislação que
parece adequada e aparelhada, com a criação de uma política e de órgãos competentes,
a realidade demonstra a necessidade de uma ação educativa, que busque criar uma
consciência coletiva de cultura prevencionista e preservacionista.
A Lei nº 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos é precisa
ao considerar a água um bem de domínio público, e que está sujeita à outorga do órgão
administrativo competente, concedendo-se apenas o direito de uso, com a exigência
do dever de proteção. Lembra-se que outorga não signi ca alienação, mas sim uma
concessão sob determinadas condições.
A Agência Nacional de Águas (ANA), incumbida da gestão do Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos como autarquia em regime especial, signi ca
um avanço capaz de garantir a implementação de uma política nacional, bem como a
organização de um sistema nacional de informações sobre recursos hídricos.
A importância da instituição dos instrumentos de outorga e cobrança nas políticas
de recursos hídricos no âmbito nacional e estadual, cujos propósitos principais são a
racionalização, conscientização e multiplicidade de usos da água.
A cobrança do uso dos recursos hídricos dá ao usuário a real indicação de seu
valor como um bem, além de incentivar o seu uso racional, coibindo o desperdício.
É também uma forma de obter recursos nanceiros para os programas e intervenções
RESUMO
A sumarização procedimental representa técnica de ajustar o processo às especificidades
do direito material, visando à justa composição do conflito. Experiências pretéritas não devem ser
negligenciadas, podendo mostrar-se úteis na construção de novos mecanismos hábeis a produzir
uma prestação jurisdicional efetiva e tempestiva. A secular tendência de encaminhar o processo à
ordinariedade tende, periodicamente, a se fazer presente nos textos legislativos, revestidos do manto
de reformas, seduzindo os operadores do direito em nome de uma simplicidade que, na essência,
é e sempre será estranha ao processo, ainda que não o seja ao procedimento.
Palavras-chave: Sumarização procedimental. Técnicas de sumarização. Ordinariedade.
Textos legislativos.
ABSTRACT
The shortening of the duration of litigation procedures represents a technique of adjusting
the litigation to the specificities of substantive law with the purpose of getting a fair resolution.
Previous experiences should not be ignored and could be found useful when creating mechanisms
to enable a more effective and timely adjudication. The trend of filling lawsuits in ordinary courts
tends to be periodically seen in legislation, covered by amendments, enticing legal professionals
by arousing a simplicity that is essentially not connected to the litigation process even though it
is related to the procedures.
Keywords: Shorten duration of litigation. Techniques of shortening. Ordinariness.
Legislation.
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS
A ordinarização que inspira o processo pátrio foi e continua sendo o obstáculo, senão
principal, mais arraigado nas práticas forenses a ser vencido na construção de um novo
paradigma de processo. De quatro ordens distintas são as alternativas que se revelam hábeis
a produzir um processo que cumpra função jurisdicional construtiva, divorciando-se do
padrão herdado da velha ordem. A primeira, que nos interessa mais de perto neste trabalho,
envolve técnicas procedimentais comprometidas com a sumarização, que tanto pode atuar
no plano formal do processo como no da atividade cognitiva. Comporta experiências já
Elaine Harzheim Macedo é Doutora em Direito pela UNISINOS, Mestre em Direito pela PUCRS. Professora do
Curso de Graduação e Pós-Graduação lato sensu da ULBRA. Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul.
2 SUMARIZAÇÃO DO PROCESSO
O vocábulo sumarização, no universo processual, pode traduzir dois aspectos
distintos do processo, ambos relativos a questões de técnica processual, se angularizada a
questão sob a ótica de dinâmica do processo e de suas características de instrumentalidade.
Na primeira acepção, a sumarização refere-se ao procedimento ou forma que o processo
adquire, esgotando-se no plano processual, irrelevante a natureza do direito material
tutelado. Sua utilidade está voltada, essencialmente, para a pouca expressão econômica
ou menor complexidade fática do con ito de interesses. Cuida-se de técnica processual
stricto sensu, na medida em que sua adoção modi ca os atos processuais que compõem
o iter procedimental e sua tramitação, sem lhes alterar a essência. É conhecida como
sumarização formal, resolvendo-se pela maior simplicidade e dispensa de requisitos
na prática de certos atos processuais; pela observância, em maior grau, da oralidade;
pela redução de prazos; pela concentração de atos, apenas para citar algumas previsões
legislativas dessa alternativa.
Los medios de una simple aceleración formal del procedimiento, por su origen,
estructura y fines, son tan diferentes de los aplicados para obtener un proceso
sumario (restringiendo su contenido material a través de una limitación de los
derechos de las partes con respecto a los medios de defensa), que el colocar a
unos y a otros unidos como iguales enfrente del proceso declarativo ordinario,
es científicamente imposible. Las pautas de “sumariedad” – evitaremos de
aquí en adelante en lo posible esta equívoca palabra en cuanto referencia a los
procedimientos plenarios rápidos – son perfectamente diversas en ambos grupos
de tipos; no se trata de dos subgrupos yuxtapuestos bajo la denominación común
de “juicios sumarios”; pues esta “sumariedad”, en los plenarios rápidos es
simplemente de carácter formal, en tanto que en los sumarios propiamente dichos,
tiene carácter material. De otra parte, por su finalidad, como hemos dicho, los
Tais palavras, mesmo escritas sob a ótica da Constituição pretérita, em nada vêm
diminuídas frente ao pacto de 1988, ao contrário, ganham maior relevância, considerando
a hierarquia que os direitos fundamentais do homem alcançaram, entre os quais o próprio
devido processo legal, a desa ar o jurista e o intérprete na adoção, pelo processo, da carga
de cognição adequada ao direito material em jogo.
Para que o processo possa, realmente, tutelar os direitos é necessário que a ação seja
pensada na perspectiva de direito material. Se o processo objetiva tornar efetivo
o direito material, o resultado da ação processual deve corresponder exatamente
àquilo que se veri caria se a ação de direito material (= o agir) pudesse ser realizada.
A ação processual, em outras palavras, deve ser uma espécie de realização da ação
privada, ou seja, da ação que foi proibida quando o Estado assumiu o monopólio
da jurisdição. (1999, p.206)
Trata-se de orientação que resgata o princípio até então estabelecido pelo art. 85, do
Código Civil revogado, o que não signi ca comprometimento com a teoria civilista da
ação, porque o direito a rmado, sob cuja ótica deve ser interpretada a predita disposição,
reclama, como sempre reclamará, de um reconhecimento, de um acertamento, implícita
esta atividade judicial em qualquer pronunciamento, por maior ou menor extensão que
possa ter. Entre o que se a rma e o que se passa a ter como existente há um percurso que
os liados à posição doutrinária aqui defendida não negam, ao contrário, rea rmam.
A substancialidade que se pretende carregar para o processo não tem o condão
de transformar a relação processual em relação de direito material ou mesmo em ação
material, correspondendo a planos distintos, que se sobrepõem de forma paralela, jamais se
interligando, isso é, sem operar entre os mesmos uma simbiose. Dizendo de outro modo,
o processo, para que se torne efetivo, deve guardar correspondência ao direito material
perseguido pela parte que se sentiu lesada e porque lhe foi retirado o poder de autotutela. E
No basta concebir las normas de derecho fundamental sólo como reglas o sólo como
principios. Un modelo adecuado al respecto se obtiene cuando a las disposiciones
iusfundamentales se adscriben tanto reglas como principios. Ambas pueden reunirse
en una norma de derecho fundamental con carácter doble (1993, p.138)
1
Exemplo dessa situação o inciso LXVII do art. 5º da CF: “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável
pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
2
Sobre o sentido da expressão constitucional direito líquido e certo, importante lição vem de Costa Manso, em
voto magistral proferido em 1936, venia concessa daqueles que defendem que a expressão liquidez e certeza
está qualificando o direito positivo em abstrato, conforme cita Celso Agrícola Barbi, em sua obra monográfica Do
mandado de segurança (1980: 88-81): “O remédio judiciário não foi criado para a defesa da lei em tese. Quem
requer o mandado defende o ‘seu direito’, isto é, o direito subjetivo reconhecido ou protegido pela lei. O direito
subjetivo, o direito da parte, é constituído por uma relação entre a lei e o fato. A lei, porém, é sempre certa e
incontestável. A ninguém é lícito ignorá-la, e com o silêncio, a obscuridade, a indecisão dela não se exime o juiz
de sentenciar ou despachar (Código Civil, art. 5º, da Introdução). Só se exige prova do direito estrangeiro ou de
outra localidade, e isso mesmo se não for notoriamente conhecido. O fato é que o peticionário deve tornar certo e
incontestável, para obter mandado de segurança. O direito será declarado e aplicado pelo juiz, que lançará mão
dos processos de interpretação estabelecidos pela ciência para esclarecer os textos obscuros ou harmonizar os
contraditórios. Seria absurdo admitir se declare o juiz incapaz de resolver ‘de plano’ um litígio, sob o pretexto de
haver preceitos legais esparsos, complexos ou de inteligência difícil ou duvidosa. Desde, pois, que o fato seja
certo e incontestável, resolverá o juiz a questão de direito, por mais intrincada e difícil que se apresente, para
conceder ou denegar o mandado de segurança”.
A ação de mandado de segurança, como vimos pelo que acaba de ser dito, é uma
ação mandamental, criada pelo direito brasileiro, sem similar em outros sistemas
jurídicos, por meio do qual todo aquele que se vê ofendido, ou ameaçado de sê-lo,
em seus direitos, por ato arbitrário de uma autoridade pública, seja porque esse
comportamento do agente con gure uma ilegalidade, seja por caracterizar um abuso
de poder, obterá uma sentença ordenando a imediata cessação do ato impugnado
através da ação e, sujeitando o responsável, em caso de desobediência, a processo
e condenação criminal, ou a outras consequências punitivas. (1990 (II), p.269)
3 O tema foi por nós explorado mais detalhadamente na obra Do procedimento monitório (1998).
4
Através do Ato do Presidente do Senado Federal nº 379, de 2009, foi constituída comissão de juristas destinada
a elaborar Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil, cujo texto foi entregue ao Senado Federal em data de
8 de junho de 2010.
5
Arts. 277/285 do Anteprojeto.
6
Para aprofundamento do tema, remete-se o leitor a MACEDO, Elaine Harzheim. Penhora on line: uma proposta
de concretização da jurisdição executiva. Execução civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro
Júnior. Coord. Ernane Fidélis dos Santos...[et all]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 465-475.
7
Anteprojeto, art. 312: “É lícita a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda
que entre eles não haja conexão.” ...”§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento,
será admitida a cumulação, se o autor empregar o procedimento comum e for este adequado à pretensão”.
8
Anteprojeto, art. 337: “É lícito ao réu, na contestação, formular pedido contraposto para manifestar pretensão
própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa, hipótese em que o autor será intimado, na
pessoa do seu advogado, para responder a ele no prazo de quinze dias”.
5 À GUISA DE CONCLUSÃO
A sumarização do processo representa milenar discussão envolvendo a efetividade e
tempestividade da prestação jurisdicional, desdobrando-se em inúmeras facetas distintas,
tanto no âmbito formal como no material.
Percorrer o passado não é perda de tempo. É conscientizar e valorar conquistas e
avanços, é construir o futuro sem repetir erros pretéritos.
Seu debate, portanto, se deu no antes, mas persiste se dando no agora e certamente
se dará no depois. Experiências levadas a exaustivas práticas no cotidiano forense e
consagradas em textos legislativos não podem ser simplesmente ignoradas, como se
vazias de conteúdo ou de pragmatismo.
É relativamente fácil formatar textos legislativos, principalmente tratando-se de
regras processuais, e lançá-los aos leões como um prato novo, apetitoso e diferente. Não
se pode dizer o mesmo da construção de institutos que se eternizam, não apenas por
estarem contemplados na lei, mas porque chegando às práticas forenses, já a rmaram
sua utilidade e sua funcionalidade na prestação jurisdicional.
Que a sumarização do processo não seja velada sob o manto de uma ilusionista
simpli cação procedimental que, no seu gênesis, está alimentada pela ordinariedade, tão
nefasta à prestação jurisdicional concreta.
Não se pode olvidar que a simplicidade pode e deve alimentar as formas
procedimentais, mas o processo, como espaço de construção do direito do caso concreto,
não é e jamais será simples.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Versión castellana: Ernesto
Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de processo civil. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris Ed., 1987,1990, v. I-II.
______. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997.
RESUMO
O presente trabalho aborda a crise do processo penal na sociedade contemporânea a partir
de seus pressupostos epistemológicos para, então, apresentar a Justiça Restaurativa como uma
alternativa concreta para o sistema de justiça criminal brasileiro.
Palavras-chave: Processo penal. Justiça Restaurativa.
ABSTRACT
The present paper addresses the crisis of penal procedure in the contemporary society from
its epistemological basis to, then, present the Restorative Justice as a real alternative to the Brazilian
criminal justice system.
Keywords: Penal procedure. Restorative Justice.
1 INTRODUÇÃO
Desde que tivemos contato com as lições de Luigi Ferrajoli, começamos a pensar o
processo penal não como um simples meio para aplicar o direito penal e punir os cidadãos
acusados da prática de um delito, mas, antes disso, como um instrumento imprescindível
para a aplicação dessa punição, como o caminho necessário a ser percorrido quando se
pretende acusar, condenar e punir alguém.
No entanto, estruturado em pressupostos modernos, nasceu fadado ao fracasso, uma
vez que tais pressupostos estão ancorados epistemologicamente na Idade Média. Como
se tentará demonstrar, uma “troca de embalagem” foi realizada, e as coisas continuam
exatamente como sempre foram. E essa crise aponta, necessariamente, para novos
pensamentos e novos caminhos. Se não foi possível produzir os efeitos desejados com
a atual estrutura processual penal, o que nos impede de pensar em alternativas? Nada,
entretanto, deverá ser colocado em prática antes de uma longa e séria discussão com os
interessados: quanto a isso, concordamos com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho:1 não
é possível brincar com a liberdade dos cidadãos.
1
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Manifesto Contra os Juizados Especiais Criminais, pp.4-5.
Daniel Achutti é advogado criminalista. Mestre e Doutorando em Ciências Criminais (PUCRS). Professor de
Direito Penal na FACOS. Professor Convidado da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS. Conselheiro do
Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA). Membro da Comissão de Mediação e Práticas Restaurativas da OAB/
RS. E-mail: dachutti@terra.com.br
2
GAUER, Ruth Maria Chittó. A Construção do Estado-Nação no Brasil: a contribuição dos egressos de Coimbra,
p.101.
3
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. Um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental, p.25.
4
CARVALHO, Salo de. Criminologia e Transdisciplinaridade, pp.311 e 312, respectivamente.
5
GAUER, Ruth. A Construção do Estado-Nação no Brasil: a contribuição dos egressos de Coimbra, p.102.
6
Note-se que o termo Estado, aqui, não deve ser conceituado da mesma forma como o é hoje, em virtude da
separação temporal de mais de quinze séculos entre os séculos IV e XXI.
7
BATISTA, Nilo. Matrizes Ibéricas do Direito Penal Brasileiro – I, pp.169-173.
8
Na esteira de Ruth GAUER, vale referir que “a obra de Descartes é aqui lembrada, pois foi incentivadora da
criação de um sujeito racional, pensante, consciente, o centro do conhecimento, o chamado sujeito cartesiano.”
(In: O Reino da Estupidez e o Reino da Razão, pp.139-140).
9
BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno. Vol. I, p.67.
10
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física, p.50.
11
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física, p.50.
12
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física, p.25.
13
GAUER, Ruth. Conhecimento e Aceleração (mito, verdade e tempo), p.1.
14
SOUZA, Ricardo Timm de. Ética como Fundamento: uma introdução à ética contemporânea, p.34.
15
Citamos como exemplo o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42), que dispõe:
“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais
de direito.”
16
As palavras totalidade e desagregação foram parafraseadas do trabalho de SOUZA, Ricardo Timm de. Totalidade
e Desagregação: sobre as fronteiras do pensamento e suas alternativas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.
17
FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas, p.70; BATISTA, Nilo. Matrizes Ibéricas do Direito Penal
Brasileiro – I, p.234.
18
FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas, p.70.
19
CARVALHO, Salo de. Criminologia e Transdisciplinaridade, p.316.
20
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a bricolage de significantes, p.32.
21
“Por possuir as ‘chaves do céu’, o Papa acomete o poder de julgamento a seus bispos, já que é detentor da
‘geração da palavra divina’ e seu avalista. A artimanha se completa porque ele assume o papel do ‘Ausente’,
possuidor de qualidades plenas.” A seguir, o autor continua: “Os guardiães, os pastores, enfim, os ‘juristas de
ofício’ logo irão cercar as possibilidades interpretativas, garantindo por suas autoridades o verdadeiro sentido do
texto, porque deles se afastar, lembre-se, é pecado. (...) O Direito, por seus especialistas, pretende possuir as
chaves do céu e da produção de subjetividade, os únicos a revelar a palavra do Outro. (...) Resultado disso são os
discursos jurídicos com pretensão de plenitude, que vendem a ideia de respostas corretas e seguras, promentendo
a ilusão da segurança jurídica...” (ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a bricolage de significantes, pp.28
e 32-33, respectivamente).
22
GROSSI, Paolo. Mitologias Jurídicas da Modernidade, p.15. Segue o autor: “Mas são muitos os problemas
evitados, as interrogações que não se quis pôr, assim como é muito fácil sentir-se satisfeito ao contemplar um
mundo povoado por figuras abstratas, projetadas por uma lanterna mágica muito bem manobrada.” (GROSSI,
Paolo. Mitologias Jurídicas..., p.15.).
23
Sobre o amor à Lei, conferir LEGENDRE, Pierre. O Amor do Censor: ensaio sobre a ordem dogmática.
24
Importante mencionar a diferenciação entre eficiência e efetividade, realizada por Jacinto Coutinho (In: Efetividade
do Processo Penal e Golpe de Cena: um problema às reformas processuais, pp.145-146): enquanto a primeira está
ligada aos meios utilizados para alcançar o resultado desejado, a segunda vincula-se aos fins visados. Para Gilberto
Thums, “sustenta o professor Jacinto que a eficiência, aliada ao tempo, pode ser sinônimo de exclusão de direitos
ou garantias. Esta observação é precisa, visto que os recentes movimentos nos Estados Unidos encaminham-se
para, em nome da pseudoeficiência no combate ao terrorismo, suprimir direitos e garantias individuais (THUMS,
Gilberto. Sistemas Processuais Penais, p.43) Nesse sentido, o Patriot Act, editado logo em seguida aos ataques
de 11 de setembro de 2001 e, mais recentemente, o Military Comission Act, são exemplares, uma vez que, neste
último, o procedimento secreto e até a tortura são autorizados para a malfadada busca da verdade. Sempre em
nome da segurança da nação, ou para o bem da pátria...
25
Na esteira de Salo de Carvalho, lembramos Jorge de Figueiredo Dias, que pode ser considerado o carro-chefe
dessa ode ao direito penal, quando menciona que “se cabe ao direito penal proteger os principais bens jurídicos da
humanidade, como poderia eximir-se do enfrentamento de (possíveis) ações que colocam em risco o seu futuro?
Como deixaria de atuar em situações limite que ameaçam as gerações vindouras?” (In: O direito penal entre a
‘sociedade industrial’ e a ‘sociedade do risco’, p.58. Apud CARVALHO, Salo de. A Ferida Narcísica do Direito Penal
(primeiras observações sobre as (dis)funções do controle penal na sociedade contemporânea), p.200). Vale citar
a crítica de Carvalho: “... a potência da fala tende a cegar o prolator, impedindo-o de perceber suas limitações e
sua real capacidade de ação. O sonho narcísico de resolução das grandes questões da civilização, tutelando a
Humanidade de sua própria extinção, ao mesmo tempo em que entorpece o pensamento jurídico-penal, ofusca a
realidade, fornecendo elementos irreais para anamnese e, consequentemente, prognose. (...) Uma dupla falência
na criticada sistemática do direito penal é gerada. À ineficácia desnudada pelas ciências sociais do controle
penal nas demandas relativas aos direitos liberais e sociais é agregada uma nova expectativa (tutela dos direitos
transindividuais). O resultado parece anunciado: inefetividade operacional decorrente da falta de novos mecanismos
para enfrentar novos problemas. Todavia, a narcose retórica impede o dar-se conta do problema, criando outra
crise, desta vez na própria estrutura genealógica do direito penal liberal, pois, ao ser flexibilizada para alcançar
os novos fins, acaba por aumentar a ineficácia primeira. Neste quadro, o discurso penal fica perdido, estagnado
em uma crise circular.” (In: A Ferida Narcísica do Direito Penal (primeiras observações sobre as (dis)funções do
controle penal na sociedade contemporânea), p.200).
26
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal..., p.54.
Nota-se que o processo penal, para o autor, teria uma nalidade protetiva dos
acusados da prática de delitos, que não podem ser penalizados antes de serem processados.
Não seria possível, portanto, efetivar-se a punibilidade de um acusado sem que, prévia
e formalmente, tenha sido ele levado a julgamento. E mais: tal julgamento não pode ser
realizado sem a observância dos instrumentos de proteção dos acusados – traduzindo:
dos direitos e das garantias individuais, que, no caso brasileiro, podem ser encontradas
na Constituição da República.
No entanto, embora o Código de Processo Penal brasileiro deva ser, necessariamente,
compatibilizado com a Constituição, o que se percebe, na prática, é não só um enorme
desrespeito pela Constituição por parte das regras do CPP, como também uma considerável
não aplicação das regras constitucionais por parte dos juízes (em primeiro e em segundo
graus, e também nos Tribunais Políticos). E partindo de uma leitura constitucional do
processo penal, entendemos o mesmo como um espaço democrático de debates (acusação
e defesa) e julgamento a que tem direito de ser submetido todo cidadão acusado da prática
de um crime: trata-se, portanto, de um instrumento a serviço do cidadão (direito subjetivo)
frente ao poder punitivo do Estado, e não de um método cienti camente legitimado para
se correr atrás da verdade.
“... nas ciências sociais, notadamente nas jurídicas, o homem é arrogante, petulante, audacioso (soberbo) e ao
28
mesmo tempo temerário, ao afirmar que busca a verdade real absoluta no processo penal.” (THUMS, Gilberto.
Segundo Norbert Elias, “As correções trazidas por Einstein para o conceito
newtoniano de tempo ilustram essa mutabilidade da ideia na era moderna. Einstein mostrou
que a representação newtoniana de um tempo único e uniforme, através de toda a extensão
do universo físico, não era sustentável”.36 Ao dizer que é impossível ao “observador
estabelecer a ordem temporal dos acontecimentos no espaço (...) – põe em dúvida o caráter
absoluto do tempo e do espaço”,37 rompendo incisivamente com a cosmovisão moderna:
“o tempo no mundo, ao tornar-se incerto, torna-se, por consequência, diferente do tempo
das ciências modernas, onde era de nido pela possibilidade de de nir leis universais e
eternas da natureza”.38
Desde então, pensar o tempo como um fator absoluto, universalmente válido, tornou-
se complicado, ocasionando importante ruptura com o modelo cosmológico newtoniano,
em que o tempo era o mesmo para todos. “Em outras palavras, a teoria da relatividade sela
o m do conceito de tempo absoluto!”,39 a rma Stephen William Hawking, considerado
por muitos o sucessor de Galileu, Newton e Einstein.
A história (e qualquer outra ciência) não pode mais ser produzida partindo da ideia
de que irá relatar exatamente a “verdade” do que ocorreu naquele espaço-tempo pretérito,
sendo forçada a assumir que resgatará apenas um fragmento do fato, a partir dos pontos
de vista dos historiadores (e nas demais ciências, têm-se juristas, psicólogos, etc.). Tal
consequência revela-se fundamental para o processo penal, quando a “pequena história”
do con ito em jogo40 não pode mais ser resgatada integralmente, como se fosse um mero
objeto à espera de seus sujeitos.
E não podemos deixar de mencionar, ainda, o que foi percebido por Werner
Heisenberg em 1926: o princípio da incerteza. Conforme Hawking,
35
GAUER, Ruth. O Reino da Estupidez..., pp.174-175.
36
ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo, p.35.
37
GAUER, Ruth. Conhecimento e Aceleração (mito, verdade e tempo), p.6.
38
GAUER, Ruth. Conhecimento e Aceleração..., p.6.
39
HAWKING, Stephen William. Uma Breve História do Tempo: do big bang aos buracos negros, p.44.
40
Nesse sentido, conferir PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da Prova no Jogo Processual Penal: o atuar dos
sujeitos e a construção da sentença. São Paulo: IBCCRIM, 2007.
Em termos mais próximos à realidade, percebe-se que não seria possível prever
as consequências de nossas ações. “O princípio da incerteza teve profundas implicações
na forma de percepção do mundo que, mesmo ultrapassados cinquenta anos, ainda
não foram completamente examinadas pelos lósofos e se mantêm na pauta de muitas
controvérsias”.42
Nesse sentido, não há mais que se falar em previsibilidade de resultados,
possibilidade de êxito e/ou derrota, etc.: o que há são probabilidades, e essas não são
passíveis de previsibilidade ou determinação. Para Hawking,
41
HAWKING, Stephen William. Uma Breve História do Tempo..., p.87.
42
HAWKING, Stephen William. Uma Breve História do Tempo , p.87.
43
HAWKING, Stephen William. Uma Breve História do Tempo..., pp.87-88.
44
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-Feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.
45
CARVALHO, Salo de. Criminologia e Transdisciplinaridade, p.311.
46
Esclarecedor é o que Morin traz em nota de rodapé: “O pensamento que recorta, isola, permite que especialistas e
experts tenham ótimo desempenho em seus compartimentos, e cooperem eficazmente nos setores não complexos
de conhecimento, notadamente, os que concernem ao funcionamento das máquinas artificiais; mas a lógica a que
eles obedecem, estende à sociedade e às relações humanas os constrangimentos e os mecanismos inumanos
da máquina artificial e sua visão determinista, mecanicista, quantitativa, formalista; e ignora, oculta ou dilui tudo
que é subjetivo, afetivo, livre, criador” (MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-Feita, p.15.).
47
“(...) a simplicidade das leis constitui uma simplificação arbitrária da realidade que nos confina a um horizonte
mínimo para além do qual outros conhecimentos da natureza, provavelmente mais ricos e com mais interesse
humano, ficam por conhecer.” (SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente..., p.72.).
48
“... o homem das ciências naturais a cada dia busca desvendar novos horizontes, eis que se encontra diante de
desafios constantes, enquanto o homem das ciências jurídicas ainda não acordou para os ‘novos tempos’. O Direito,
como ciência social, apesar da necessidade de acompanhar a evolução da sociedade e de seus fenômenos que
exigem normatização, não consegue cumprir o seu papel, manifestando exagerado apego ao conservadorismo,
refletido nas leis e nas decisões dos tribunais.” (THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais, p.8).
49
In: Criminologia e Transdisciplinaridade, p.311.
O que se percebe dessa narrativa é a absoluta falta de atenção para com aquilo que
os envolvidos diretos no con ito possuem e que pode (ou não) ser útil para o deslinde da
causa. O olhar descon ado do cientista o impede de transcender a barreira da modernidade
e, portanto, o iluminado não pode deixar o irracional participar do diálogo: impossível
dar voz àqueles que não têm luz, os envolvidos, pois estes não possuem o afastamento
necessário para não deixar as suas doces e desmedidas emoções atrapalharem a sua
dura e quadrada Razão. Não é de se estranhar que todo aquele que tenta ultrapassar essa
barreira – em qualquer área do conhecimento – é tratado como um poeta, como um artista,
como um teólogo, ou ainda como um “sonhador”, e sempre de forma pejorativa, pois a
rigorosa Razão não admite esse tipo de posicionamento.
Apesar da narrativa demonstrar o pensamento de um acusado, pode-se dizer
que, muito mais do que esse, as vítimas nos processos penais, quando não são mortas,
igualmente não possuem fala. E quando são chamadas a falar no processo penal, são
consideradas como meras informantes, pois o seu “lado emotivo” estaria interferindo
o seu “lado racional” e, certamente, irão querer vingança contra os acusados: seria a
emoção (novamente) se sobrepondo à Razão... Como modernos que somos, isso não é
possível de se admitir, por óbvio.
50
CAMUS, Albert. O Estrangeiro, p.102.
Como conciliar o ato de justiça, que deve sempre concernir a uma singularidade,
indivíduos, grupos, existências insubstituíveis, o outro ou eu como outro, numa
situação única, com a regra, a norma, o valor ou o imperativo de justiça, que têm
necessariamente uma forma geral, mesmo que essa generalidade prescreva uma
aplicação que é, cada vez, singular?
(Jacques Derrida, in Força de Lei)
51
JACCOULD, Mylène. Princípios, Tendências..., p.4.
52
ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça, p.198.
53
AZEVEDO, André Gomma. O Componente Mediação Vítima-Ofensor..., p.6.
54
Conferir ACHUTTI, Daniel. Modelos Contemporâneos de Justiça Criminal. Justiça Terapêutica, Instantânea e
Restaurativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
Vale citar novamente Melo, que sintetiza os motivos que demonstram, efetivamente,
a emergência de um novo paradigma processual, a partir da Justiça Restaurativa, para o
enfrentamento dos con itos criminais: primeiramente, ela oportuniza uma outra percepção
da relação entre o indivíduo e a sociedade “no que concerne ao poder: contra uma visão
vertical na de nição do que é justo, ela dá vazão a um acertamento horizontal e pluralista
daquilo que pode ser considerado justo pelos envolvidos numa situação con itiva”; em
segundo lugar, salienta que a justiça restaurativa foca “na singularidade daqueles que estão
em relação e nos valores que a presidem, abrindo-se, com isso, àquilo que leva ao con ito”;
em terceiro lugar, se o foco está mais voltado para a relação do que para a resposta punitiva
estatal, o próprio con ito e a tensão relacional adquirem outro estatuto, “não mais como
aquilo que há de ser rechaçado, apagado, aniquilado, mas sim como aquilo que há de ser
trabalhado, laborado, potencializado naquilo que pode ter de positivo, para além de uma
expressão gauche, com contornos destrutivos”; em quarto lugar, “contra um modelo centrado
no acertamento de contas meramente com o passado, a justiça restaurativa permite uma outra
relação com o tempo, atenta também aos termos em que hão de se acertar os envolvidos
no presente à vista do porvir”; e, em quinto lugar, “este modelo aponta para o rompimento
dos limites colocados pelo direito liberal, abrindo-nos, para além do interpessoal, a uma
percepção social dos problemas colocados nas situações con itivas”.56
Para Antoine Garapon, a justiça restaurativa57 proporciona um verdadeiro
“deslocamento do centro de gravidade da justiça”, pois “atribui um rosto novo à justiça:
reconstruir a relação no que ela tem de mais concreto. Tem como vizinhos homens de
carne e osso, não a lei!”58 Com a quebra da centralidade da justiça criminal no acusado,
a vítima passa a ter papel fundamental neste novo cenário, de forma a intimar “o direito
penal a reorganizar-se”: “quando nos concentramos na vítima e já não no autor, a malvadez
como vontade má deixa de ser central, o que exerce uma in uência considerável sobre
o sentido da pena. Esta já não pode pretender apontar uma intenção culpada.”59 Ainda
segundo Garapon,
55
MELO, Eduardo Rezende. Justiça Restaurativa e seus Desafios Histórico-Culturais..., p.11.
56
MELO, Eduardo Rezende. Justiça Restaurativa e seus Desafios Histórico-Culturais..., p.7.
57
Na tradução portuguesa, o termo justiça restaurativa foi traduzido como justiça reconstrutiva. Em inglês, restorative
justice. O autor prefere a tradução “reconstrutiva” à “restaurativa” em virtude da ideia de busca de reconstrução de
uma relação destruída, por um lado, e pelo espírito no qual ela deve fazer-se, por outro, no sentido de originar-se
da noção de “construtivo”. Ainda, salienta que o adjetivo “restauradora” traz consigo a noção de “um retorno ao
idêntico que (...) não está conforme a ambição desta forma de justiça.” (cf. nota n.1, p.250) Não desconhecemos
essa diferença, mas, para não utilizar dois termos distintos, utilizaremos o termo mais conhecido, qual seja,
justiça restaurativa.
58
GARAPON, Antoine. Punir em Democracia. E a justiça será, pp.253 e 251.
59
GARAPON, Antoine. Punir em Democracia..., pp.255 e 257.
60
GARAPON, Antoine. Punir em Democracia..., p.262.
61
SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão do
crime, p.10.
62
PALLAMOLLA, Raffaella. Justiça Resturativa: da teoria à prática, p.54.
63
WALGRAVE, Lode. WALGRAVE, Lode. Restorative Justice, Self-interest and Responsible Citizenship, p.11.
The measurement of harm: physical, material, and mental, will likely become the
central component of social reaction to crime. The primary aims of such a response
will be redress, reparation and compensation. My guess is that the arbitrary
distinction between crimes and civil torts will disappear and that the artificial
boundaries that have been erected over the years between criminal courts and
civil courts will be removed.64
A superação das fronteiras artificiais entre as cortes cíveis e criminais, como refere
Fattah, somente poderão ocorrer caso haja um novo olhar sobre a própria classi cação
das condutas danosas – de ilícitos penais para outro tipo de ilícito, precipuamente o civil.
Tal superação permitiria, se bem estruturada, constituir-se em um freio à rotulação do
ofensor como delinquente; resultar em uma decisão menos danosa individual e socialmente
(diminuiria drasticamente as possibilidades de uma pessoa ser enviada à prisão); e, ainda,
desencadear, ao nal, não mais em meras sentenças condenatórias como respostas ao
crime, mas em ações coletivas voltadas para a reparação do dano causado.
A Justiça Restaurativa pretende, como se percebe, apoiar-se “no princípio de uma
rede nição do crime. O crime não é mais concebido como uma violação contra o estado
ou como uma transgressão a uma norma jurídica, mas como um evento causador de
prejuízos e consequências”,65 focando a atenção na possível solução do problema através
do diálogo entre as partes (direta ou indiretamente envolvidas: agressor, vítima, amigos,
parentes, pessoas importantes para as partes, etc.). A infração, então, deixa de ser um mero
tipo penal violado e passa a ser vista como advinda de um contexto bem mais amplo, de
origens obscuras e complexas, e não de uma mera relação de causa e efeito.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Jacques Derrida, “o direito não é a justiça. O direito é o elemento do
cálculo, é justo que haja um direito, mas a justiça é incalculável, ela exige que se calcule
o incalculável (...).” Continua o autor
64
FATTAH, E. Victimology: past, present and future, p.42.
65
JACCOULD, Mylène. Princípios, Tendências..., p.7.
66
DERRIDA, Jacques. Força de Lei, pp.30 e 44-45.
67
GARAPON, Antoine. Punir em Democracia..., p.261.
68
BECKER, Howard S. Outsiders, p.25.
69
Conferir SOUZA, Ricardo Timm de. Ética como Fundamento. Uma introdução à ética contemporânea.
REFERÊNCIAS
ACHUTTI, Daniel. Modelos Contemporâneos de Justiça Criminal. Justiça Terapêutica,
Instantânea e Restaurativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
AZEVEDO, André Gomma. O Componente Mediação Vítima-Ofensor na Justiça
Restaurativa: uma breve apresentação de uma inovação epistemológica na autocomposição
70
GARAPON, Antoine. Punir em Democracia..., p.269.
71
GARAPON, Antoine. Punir em Democracia..., p.313.
72
GARAPON, Antoine. Punir em Democracia..., p.318.
73
GARAPON, Antoine. Punir em Democracia..., p.313.
1
No ano de 1978, Porto Alegre foi palco de um crime político que teve repercussão internacional, praticado por
policiais gaúchos e que passou a ser conhecido como o “Sequestro dos uruguaios”. O documento ora publicado
é a sentença criminal, da lavra do Dr. Moacir Danilo Roij Rodrigues, proferida no processo crime que 4 policiais
responderam, como incursos em artigos da Lei 4.898/65, representando importante peça jurídica da história
daqueles difíceis tempos em que a democracia e as garantias da cidadania não eram respeitadas (nota da
editora).
Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego
ou função pública, de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente e sem
remuneração.
Quando o abuso for cometido por agente da autoridade policial, civil ou militar,
de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não
poder o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da
culpa, por prazo de um a cinco anos.
Basta, em conclusão, que seja funcionário público, ou exerça, mesmo que temporária
e não remuneradamente, uma função pública:
O conceito de funcionário público deve ser, assim, ligado à noção ampla de “função
pública”. Este o critério prevalente.
N. HUNGRIA, in Comentários, IX/400/403.
Resta, por m, a preliminar de ausência de justa causa, para a ação penal, por
não terem sido ou vidas as vítimas, na fase judicial. Quer a defesa que, com o advento
da lei 5249, de 09.02.67, a ação penal, por crime de abuso de autoridade, passou de
pública condicionada à pública pura.
Não havendo representação, com a expressa e cabal manifestação do ofendido
ao fato e aos que o praticaram, sua inquirição é requisito essencial à ação. Inexistente,
nulo o feito.
Com a vênia que me merece a gura ilustre do Dr. Lia Pires, com o respeito
que tenho por sua sabedoria jurídica, não compartilho de seu ponto de vista. Não
vejo necessidade em se tomar o depoimento do ofendido. Consequentemente, não há
nulidade.
Como bem salientou sua excelência, trata-se aqui de uma ação pública. E, como
tal, há uma duplicidade de sujeitos passivos: o Estado e o cidadão. Surgida a notícia do
delito, concomitante ou separadamente poderão agir. Alias, o poderá é uma faculdade
deste. Para aquele há uma imperatividade.
BILAC PINTO, autor do projeto de lei que se transformou na 4898, assim
justi cava sua iniciativa:
DO MÉRITO
Cumpre examinar, por primeiro, a ocorrência, a existência do fato, após a sua
tipicidade e, nalmente, a autoria.
Lilian Elvira Celiberti Rosas de Casariego e seus dois lhos, Camilo e Francesca,
com oito e três anos, respectivamente, ingressaram em território brasileiro, via Rio de
Janeiro, em 17.10.78, chegando a Porto Alegre no mesmo dia, em viagem aérea. Isto
está provado pela certidão de s. 33 da Polícia Federal.
Ainda nesse dia teria procurado o cidadão Jaime Plavinik, a m de alugar
um imóvel por ele administrado, já que pretendia permanecer três meses aqui. No
dia imediato, ou seja, 18.10.78, celebrou contrato de locação, passando a ocupar o
apartamento 110, bloco 3, da rua Botafogo, 621. Fazia-se acompanhar de seus dois
lhos e de um rapaz de aproximadamente 30 anos, falando em espanhol.
O prazo do contrato era de três meses e o locativo mensal de Cr$. 5.000,00 e,
como consta no documento rmado entre Jaime e Lilian, aquele recebeu uma caução
de Cr$ 5.000,00. Trinta e dois dias após, isto é, a 20.11.78, cerca das 12 horas, na
residência de Jaime este recebe a visita de um rapaz, de mais ou menos vinte e cinco
anos que, apressado, entrega-lhe um envelope contendo um bilhete de Lilian e as chaves
do apartamento, dizendo-se emissário dela.
Estes fatos estão devidamente comprovados, através dos depoimentos de Jaime
Plavinik, do contrato de locação e do mencionado bilhete, todos nos autos. A rma o
administrador que, logo após o recebimento do bilhete, foi ao apartamento, onde achou
as roupas do dormitório do casal fora do lugar, com o lençol e o cobertor jogados ao
chão.
Observou muito lixo, em um saco de papel, circunstância que causou estranheza,
pois normalmente os detritos eram colocados na lixeira. Na cozinha encontrou louças,
com restos de comida, que não tinham sido lavadas. Cerca de cinco tampas de luz
estavam fora de lugar. E a caução de Cr$ 5.000,00 jamais foi reclamada.
Luiz Cláudio Fontoura da Cunha, chefe da sucursal da Revista Veja, em Porto
Alegre, declara que estava em seu local de trabalho quando, por volta das 11 horas do
dia 17.11.78, recebeu um telefonema de são Paulo, de uma pessoa do sexo masculino,
Para a perícia elaborada pelo perito da Justiça do Trabalho mais material padrão
foi-lhe fornecido, como consta de seu relatório. Dessa forma pode o perito realizar a
tarefa, que já fora iniciada, no inquérito da Polícia Federal. Deu-se ele por satisfeito
com os elementos de que dispunha. E ofereceu inestimável colaboração à Justiça.
Só para o Instituto de Criminalística, da Polícia Gaúcha, e que os documentos a
serem periciados, em especial o material padrão, não foram su cientes, pois consta à
s. 705/706 uma exigência de “um ditado, uma cópia e de quinze a vinte assinaturas
colhidas em papel com características físicas semelhantes a do papel sobre o qual foi
composto o bilhete incriminado e com o objeto escritor de natureza esfereográ ca,
abastecido com tinta de coloração azul.”
Repita-se, a própria Polícia federal, com menos elementos, ao menos tentou
colaborar com a Justiça e se não pode concluir com segurança, ao proceder o exame
constatou muitas divergências.
Porem, não e só a perícia que demonstrou não ter Lilian escrito nem assinado o
bilhete, o que prova que alguém o fez por ela. Aliás, se os nossos policiais denunciados
não falam e não escrevem em língua espanhola, como a rmam, fortalece-se a crença,
(ou a certeza?) da participação conjunta de brasileiros e uruguaios em tão deprimente
empreitada.
Há outra prova documental, talvez mais forte e pouco observada. Com efeito,
no dia 23 de outubro de 1978, Francesca e Camilo começaram a frequentar as turmas
maternal e jardim, respectivamente, do Jardim de Infância Cisne Branco, localizado à
Avenida Getúlio Vargas, nº 908. Pelas folhas de presença das crianças, que se encontram
de s. 53 a 56 assistiram ininterruptamente as aulas até o dia 10 de novembro de 1978,
uma sexta-feira. Considerando-se que no sábado não há expediente nos colégios, via de
regra, deveriam ter retornado dia 13, uma segunda-feira. Mas não voltaram mais.
O conceito de uma Nação entre as demais também decorre da forma com que ela
trata os outros nacionais, que eventualmente dela se socorram, especialmente quando se
trata de convicções políticas.
Narrou Luiz Cláudio que em certa ocasião ao chegarem na sucursal da “Veja”, Lilian
e Universindo disseram-lhe do encantamento com a liberdade vigente no Brasil. Será que
hoje, com tudo e depois de tudo, conservarão eles a mesma imagem de nossa pátria?
Vale a pena transcrever aqui trecho da carta que o Senador Wilson Ferreira
Aldunate, candidato à Presidência do Uruguai, enviou ao Presidente da Argentina, onde
se encontrava, momentos antes de buscar asilo em outra embaixada, ameaçado que estava
de ser preso em Buenos Aires e deportado para o Uruguai, que se encontra à s. 193/207
do VoI. I da CPI da Assembléia Legislativa:
Pois bem, admitido o fato e a sua tipicidade, necessário que se perquira sobre a
autoria. Quatro são os denunciados. Necessário o exame da prova em relação a cada um.
Comecemos indagando sobre os elementos que se encontravam no apartamento de Lilian
naquela tarde do dia 17.11.78, de acordo com as descrições feitas pelos jornalistas.
Luiz Cláudio Cunha, depondo pela primeira vez, na Polícia Federal, à s. 16/19,
informa:
O elemento que parecia ser o chefe da equipe era de cor branca, magro, cerca
de 1,74m de altura, cabelos ruivos, bigodes espesso e comprido, trajando roupa
esporte.
O outro, com estatura de 1,70m, aproximadamente, possuía cabelos castanho
escuros, curto, muito forte, até musculoso, cor branca. Depondo novamente na
Polícia Federal, referindo-se sobre o que presumia ser chefe, dizia ser magro,
Declara que entre os presentes havia uma pessoa alta, forte, cabelos curtos
– pixaim – roupa esporte, sem barba e sem bigode e que identi ca como Orandir
Lucas, conhecido como Didi Pedalada, que foi identi cado através de uma foto de
arquivo (166).
Depondo na CPI da Assembléia Legislativa e referindo-se outra vez ao líder do
grupo, a pessoa evidentemente que comandava, que o calçou com a arma, declara-o
de altura mediana, entre 1,70m a 1,75m, cerca de 30 anos, cor branca, cabelos lisos de
cor entre castanho e ruivo, repartido do lado, bigodes longos, caindo sobre os lábios,
sem barba, trajando roupa esporte. O segundo elemento, o que exclamou “uma baita
fria, cara”, reconhecia como Didi ( s. 26).
Ao ser ouvido na sindicância da Polícia Estadual, à s. 226 do apenso I, da SSP,
descreve o chefe da equipe como magro, branco, altura entre um metro e setenta e
dois a um metro e setenta e quatro com cabelos relativamente longos, entre castanho
e ruivo, sem barba, bigodes longos passando da linha da boca. O outro reconhecera
como Orandir.
Em seu depoimento em juízo, à s. 1159, dá o primeiro, já reconhecido
o cialmente pelos dois jornalistas, como João Augusto da Rosa. Volta novamente a
apontar Orandir como o que apontou a arma para seu companheiro Scalco.
João Batista Scalco Pereira ouvido pela Polícia Federal, pela primeira vez,
à s. 20, descreveu o líder como homem de estatura média, cabelos claros, de
bigode, pele clara, bem vestido, falando português, com, entradas laterais no
cabelo, nariz a lado. O segundo tinha cor morena, bem escura, cabelos ondulados
de cor castanha.
Reinquirido na Polícia federal, à s. 190, reitera que o homem que apontou
a arma para seu colega Luiz Cláudio, tinha cerca de 1,75m, bigodes passando da
borda da boca, cor branca e cabelos lisos. O outro, o que lhe colocara a arma próximo
ao rosto, era moreno escuro, com altura entre 1,75m a 1,80m, cabelos pretos e
enroladinhos.
Esta descrição Scalco reiterou quando prestou depoimento à CPI da Assembléia
Legislativa, às folhas 222, na Sindicância da SSP – s. 274 – e em juízo, no auto de
reconhecimento de João Augusto e novamente no depoimento ( s.1162).
Efetivamente, requereu o Ministério Público, a realização de um reconhecimento,
o que foi feito, observadas as formalidades devidas, oportunidade em que Scalco e
Cunha reconheceram, sem hesitação, a João Augusto da Rosa, como o elemento líder
do grupo na casa de Lilian ( s.948/95l).
O hoje brilhante Juiz de Alçada, dr. Ruy Rosado de Aguiar, em voto que proferiu
no Conselho Superior de Polícia, examinando a participação de Orandir no evento,
demonstrou toda convicção dizendo:
Acontece, porém, que uma perícia solicita da por esta Comissão e realizada nas
segundas vias das passagens vendidas pela Rodoviária de Bagé, concluiu pela
a rmação de que, no mesmo dia em que Osvaldo Lima e Patrocínio Acosta
informam ter viajado quatro passageiros, cujos nomes e identidades guram
na lista de passageiros de s. 123 dos autos do processo, somente viajou um
passageiro.