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Convergência

Agosto, Setembro e Outubro • 2023 • ANO LVIII


Sumário

EDITORIAL ........................................................................................... 5
ARTIGOS ............................................................................................... 9
Vamos cultivar a mística do cuidado com as pessoas e a
Casa Comum, sob inspiração da Trindade?
Ir. Afonso Murad ................................................................. 9
“Quando a gente ama brilha mais que o sol”1:
A mística do cuidado como uma experiência
de ser amado (a) e transbordar amor
Ir. Joilson de Souza Toledo ............................................... 23
Resiliência: um modo de cuidar
Ir. Zirlaide Barreto Mendonça ......................................... 33
A experiência do cuidado em processo de humanização
com Agentes de Pastorais Sociais na Arquidiocese de
Vitória/ES
Ir. Izabete Dal Farra ......................................................... 53
Vida Religiosa Consagrada: uma exegese viva da Palavra
de Deus
Ir. Zuleica Aparecida Silvano .......................................... 65
A Contribuição da “Pequena Via” de Santa Teresinha
do Menino Jesus para a direção espiritual
Ir. Antonieta Vieira da Silva ............................................ 79
Algumas considerações sobre a VRC à luz do magistério
de Papa Francisco
Fr. Edalan Guedes de Andrade ........................................ 89
Artigos

VAMOS CULTIVAR A MÍSTICA DO CUIDADO


COM AS PESSOAS E A CASA COMUM,
SOB INSPIRAÇÃO DA TRINDADE?
Ir. Afonso Murad, FSM1

Resumo: O artigo oferece elementos de reflexão sobre esse ob-


jetivo assumido pela Assembleia da CRB e destinada à VRC no
triênio em vigor. Apresenta as características do cuidado e como
esse se manifesta nas relações comunitárias e na missão, nas op-
ções pessoais e no compromisso por uma sociedade marcada pela
cooperação entre os humanos e o respeito pela Criação de Deus.
Palavras-chave: Cuidado; Mística; Trindade, Vida Religiosa;
Casa Comum.

Introdução
Deus cuida de mim, na sombra
das Suas asas
Eu preciso aprender um pouco
Deus cuida de mim, eu amo a
aqui/ Eu preciso aprender um
Sua casa
pouco ali
E não ando sozinho não estou
Eu preciso aprender mais de
sozinho
Deus/ Porque Ele é quem cuida
Pois sei Deus cuida de mim.
de mim.
Se na vida não tem direção/ E
Se uma porta se fecha aqui/ Ou-
preciso tomar decisão
tras portas se abrem ali
Eu sei que existe alguém que me
Eu preciso aprender mais de
ama/ Ele quer me dar a mão.
Deus/ Porque Ele é quem cuida
Deus cuida de mim
de mim.

1
Irmão Marista. Licenciado em Pedagogia, Bacharel em Filosofia e Doutor em Teologia.
Professor na FAJE (Belo Horizonte). Membro da Equipe de Assessoria Interdisciplinar
da CRB Nacional. Endereço para contato: amurad@marista.edu.br
10 Essa composição, chamada sinônimos: atender, curar, encar-
“Deus cuida de mim” é do autor regar-se, interessar-se, medicar,
VAMOS CULTIVAR A MÍSTICA DO CUIDADO COM AS PESSOAS E A CASA COMUM, SOB INSPIRAÇÃO DA TRINDADE?

negro e evangélico Kleber Lucas. ocupar-se de, olhar, preocupar-


Interpretada por cristãos de di- -se, responsabilizar-se, tratar de,
ferentes denominações e até por tutelar, velar, vigiar e zelar. Sob
Caetano Veloso (2023), faz eco a forma pronominal, voltado para
de várias frases da espiritualida-
a própria pessoa, “cuidar-se” sig-
de bíblica, como as do Salmo 23
nifica: prevenir-se, evitar os peri-
(Deus, o bom pastor), Salmo 83
(Peregrinação ao templo) e dos gos, embelezar-se, tratar-se etc.
Salmos 61 e 91 (Abrigar-se nas Ao verbo se associam o substan-
asas de Deus). Nela se reconhece tivo “o cuidado”, a interjeição de
que precisamos aprender mais de alerta “cuidado!”, o adjetivo “cui-
Deus, em diversas circunstâncias dadoso” e o advérbio “cuidadosa-
e lugares. Sua melodia nos emba- mente”.
lará, ao refletirmos sobre um dos Quando se fala em “cuidar”
objetivos da Assembleia Geral de vem à mente a imagem de um
CRB, que anuncia: “Promover a
jardineiro que, cotidianamente,
mística do cuidado consigo, com
zela pela horta ou pelo jardim,
as outras pessoas e com a Casa co-
mum sob inspiração da Trindade”. num processo de selecionar as
sementes e mudas, adubar, plan-
A trilha da nossa reflexão será
tar, regar, limpar, podar e colher.
a seguinte: (1) Compreender o
que entendemos por “cuidado” O olhar amoroso é fundamental
a partir de nossa experiência de para garantir a beleza do jardim.
vida; (2) Sinalizar que a recipro- As pessoas provenientes de comu-
cidade do cuidado da Criação; (3) nidades rurais ou ribeirinhas têm
Fundamentar a mística do cuida- o hábito de cuidar de seu entorno
do a partir de alguns textos bíbli- e criam galinhas ou outros ani-
cos e da realidade da Trindade; mais domésticos. E não deixemos
(4) Algumas conclusões abertas, de recordar daquelas que cuidam
de natureza prática. de sua casa. Quanta coisa a fazer
para mantê-la limpa e arrumada:
O cuidado na nossa varrer, passar pano, colocar os ob-
experiência de vida jetos em ordem, lavar as louças...
Cuidar da casa parece uma tare-
Cuidar e cuidado fa interminável. Basta um vento
Normalmente, cuidar signi- com poeira ou a chuva forte, e se
fica “tomar conta de algo ou de deve recomeçar! E se pensamos
alguém”, que corresponde aos ainda no cuidado do lar em re-
lação às pessoas que habitam a O ser humano precisa ser cui- 11
casa, outras tarefas se colocam, dado e é chamado a cuidar, no iní-
como: comprar os alimentos, fazer cio da vida e até a morte. Desde

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a comida, lavar as roupas (pesso- a concepção e durante o período
ais, de cama e banho) e, sobretu- da gravidez, o feto é nutrido atra-
do, cultivar um bom clima de con- vés da placenta da mãe. Recebe
vivência. também afetos e sentimentos de
Pode-se fazer tudo isso como acolhida ou rejeição que influen-
mera obrigação ou manifestação ciarão sua vida futura. O bebê hu-
de carinho e amor, em suma, de mano é um dos seres vivos mais
cuidado. O grande problema é que frágeis que existe. Diferente de
o ser humano adulto, por força do outros mamíferos, o ser humano
hábito, se deixa levar pela rotina, tem poucos instintos e precisa
perde o encanto e faz do seu dia a aprender muito. Cuidados de ali-
dia uma jornada pesada de obri- mentação, vestimenta, limpeza
gações (para si) e de cobranças e educação são imprescindíveis
(para si mesmo e para os outros). para o crescimento integral da
Esse fenômeno acontece tanto nas criança. O adolescente e o jovem,
famílias quanto nas comunidades que já desenvolvem certo grau de
religiosas, com suas característi- autonomia e iniciativa, também
cas específicas. necessitam serem cuidados, para
lidar com as crises de crescimen-
Cuidar de algo ou de alguém
to e consolidar sua opção de vida.
pode ser uma ação isolada, reali-
Uma pessoa adulta deve chegar a
zada ocasionalmente ou em caso
um nível tal de maturidade, que
de urgência. Se a dedicação se
seja capaz de cuidar dos outros.
estende durante longo período, o
As idosas e idosos nas famílias
cuidado se torna um hábito, uma
merecem gratidão, respeito, con-
virtude. Por exemplo: cuidar das
sideração e cuidado físico, men-
co-irmãs/co-irmãos de sua comu-
tal, espiritual e afetivo. E às pes-
nidade religiosa, das plantas de
soas falecidas dedicamos reverên-
sua casa, de sua horta, de seu ca-
cia e memória de seu testemunho
chorro, das amizades que cultiva,
de vida. Para nós, consagradas/
de sua mãe ou pai idosos, de sua
os, o cuidado se combina com a
comunidade-igreja, da obra edu-
ação evangelizadora e a missão,
cativa, pastoral e social onde você
de acordo com nossas aptidões e o
atua. E quem não aprecia quan-
carisma que herdamos de nossos
do é bem cuidado por alguém ou
fundadores e fundadoras.
por uma comunidade? (MURAD,
2022. p.29-31).
12 O envelhecimento da popula- Cuidado de si e dos/as
ção, acrescido aos tratamentos outros/as
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médicos para prolongar a existên- O cuidado consigo mesmo/a, é


cia, demandou o desenvolvimen- essencial para qualquer ser hu-
to da profissão do cuidador/a de mano sobreviver e ser feliz, jun-
idosos. O termo foi incorporado tamente com outros elementos
na nossa linguagem, sobretudo que compõem a existência. É um
para as pessoas que têm familia- equívoco compreendê-lo como vi-
res muito idosos com necessida- ver somente para si, cultivar a
des especiais. O cuidado com as vaidade e a autossuficiência, ze-
religiosas/os idosas/os, especial- lar das aparências e querer tirar
mente as que perderam a mobili- vantagem em tudo. Se fosse as-
dade e estão em fase avançada de sim, o autocuidado se transforma-
demência senil e Alzheimer tem ria numa bomba destruidora das
se transformado numa crescente relações. O cuidado de si mesmo
preocupação e ocupação na Vida na Vida Religiosa está pautado e
Religiosa. é delimitado pela nossa opção de
O “cuidado” remete também vida de servir a Deus e aos outros.
àquela atenção especial quando Caso contrário, será um narcisis-
uma pessoa a quem se ama é frágil mo estéril. Cuidar-se é aprender a
ou está doente. Então, consegue- viver com equilíbrio e sabedoria.
-se tempo para colocar-se ao lado Descubra alguns componentes
dela, estar atento/a às suas neces- do autocuidado nessa composição
sidades e manifestar-lhe carinho de Amir Satler e Renato Teixeira
e atenção. Quando a situação se (2023), intitulada “Tocando em
prolonga, torna-se um fardo exi- Frente”. Saboreie a música. Pen-
gente. E, por vezes, uma prova de se na letra.
amor extremo. Seguramente você
conhece algumas pessoas que, du- Ando devagar porque já tive
rante anos a fio, dedicaram-se a pressa
cuidar de pais/mães acamados ou E levo esse sorriso porque já
chorei demais.
de filhos/as com graves deficiên-
Hoje me sinto mais forte, mais
cias físicas e mentais. Nesse pon-
feliz, quem sabe.
to nos confrontamos com o misté- Só levo a certeza de que muito
rio do sofrimento e da dor, como pouco sei
também com a admirável genero- Ou nada sei.
sidade humana. É preciso amor prá poder pulsar
É preciso paz prá poder sorrir
É preciso a chuva para florir. sidade em cada uma de nós, nem 13
Penso que cumprir a vida seja todas as pessoas. E isso torna a
simplesmente vida em comum e o exercício da

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compreender a marcha e ir missão um desafio constante e
tocando em frente. um apelo renovado de conversão.
Como um velho boiadeiro
levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela
A reciprocidade do
longa estrada, Cuidado da Criação
eu vou... Estrada eu sou.
Todo mundo ama um dia. Todo Enquanto habitamos na Terra
mundo chora que o Senhor nos concedeu, preci-
Um dia a gente chega, e no outro samos de ar para respirar, água
vai embora. para beber, alimentos saudáveis,
Cada um de nós compõe a sua solo firme para pisar, um clima
história adequado, matérias-primas para
E cada ser em si carrega o dom transformar em utensílios e equi-
de ser capaz
pamentos, mobília para a casa,
De ser feliz.
meios para combater as doenças
e manter a saúde, energia elétri-
Estamos redescobrindo o valor
ca para a casa e para o local de
do cuidado e da atenção aos ou-
trabalho, espaços para descansar,
tros/as, na vida comunitária e nos
trabalhar e celebrar. Em cada
espaços de missão. Esses se ma-
um desses casos necessitamos do
nifestam de muitos modos, tais
trabalho humano e da natureza,
como o tom das palavras e o jeito
que nos presta inúmeros serviços
de falar, os gestos espontâneos, a
ambientais. Somos humano-de-
gratidão, os “olhos nos olhos”, a
pendentes e eco-dependentes. Ao
empatia de alegrar-se com suas
mesmo tempo precisamos de tan-
alegrias e chorar com suas tris-
ta gente e da natureza e necessi-
tezas, o celebrar suas vitórias e
tamos ajudar a tantos!
ampará-los/as nas derrotas. Para
cuidar das pessoas a quem que- Lentamente, a humanidade
remos bem e que Deus colocou no está tomando consciência que ha-
nosso caminho e receber delas o bita uma “Casa Comum”. Não é o
cuidado amoroso, é necessário lar de um indivíduo e sua família,
desenvolver o encantamento, o e sim de mais de 7.000.000.000
perdão recíproco, a sensibilidade de moradores humanos. Fazem
e a gratidão. Tais qualidades não parte dessa grande Casa um con-
estão presentes na mesma inten- junto de criaturas, que vivem e
14 convivem, dependendo umas das por d’água emanado da Flores-
outras. Uma incontável quanti- ta forma rios voadores que vêm
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dade e tipos de microrganismos da Amazônia e são responsáveis


(como bactérias, protozoários e por espalhar as chuvas em parte
microalgas), de plantas (desde as do território brasileiro, indo até
gramíneas até as grandes árvores o Uruguai, a Argentina e o Pa-
da Amazônia), de animais (como raguai. Uma Sumaúma, árvore
insetos, peixes, aves e mamíferos) imensa da Amazônia, injeta cerca
e de seres humanos. de até mil litros de água por dia
É maravilhoso perceber que na atmosfera. A Floresta Amazô-
todas as criaturas que habitam nica, de pé, é imprescindível para
nosso Planeta vivem e convivem o Sul e o Sudeste brasileiro, onde
numa imensa teia de relações, são gerados setenta por cento da
pois tudo está interligado. Na lin- riqueza da América Latina (O
guagem da ecologia, isso se chama QUE SÃO..., 2017). O mesmo se
interdependência. Algumas das pode dizer da importância da da
relações de interdependência são captura de carbono pelas árvores,
fáceis de identificar, como a co- que contribuem para combater os
laboração recíproca de abelhas e efeitos danosos do aquecimento
plantas. A abelha precisa do pólen global e da consequente mudança
para alimentar a colmeia e produ- climática.
zir mel. As plantas, por sua vez, Podemos dizer que a Terra cui-
necessitam das abelhas para poli- da de nós, os humanos. Ela nos
nizar as flores, e assim possibilitar oferece o indispensável para vi-
a fecundidade de frutas e grãos. E vermos bem, como o ar, a água,
nós, os humanos, precisamos de a fertilidade do solo, a biodiversi-
ambas. Quando cultivamos a api- dade, os ciclos que regem a tem-
cultura, servimo-nos do trabalho peratura, as chuvas, as corren-
das abelhas e contribuímos para a tes marítimas etc. Essa oferta
fertilidade das plantas. de vida não se destina somente
Outras relações são mais com- aos humanos, mas a todos os ha-
plexas e não se percebe à primei- bitantes da nossa Casa Comum:
ra vista. Por exemplo: contribui- os seres abióticos (água, ar, solo,
ção da Floresta Amazônica para energia) e bióticos (microorganis-
o ciclo de chuvas no sudeste e mos, plantas e animais). Alguns
no sul do Brasil. Estudos recen- ecólogos, como James Lovelock,
tes mostraram a importância do chegam a afirmar que a Terra é
processo de evapotranspiração um superorganismo vivo. No iní-
das árvores amazônicas. O va- cio da Laudato Si se diz que a Ter-
ra é para nós: a casa comum, uma uma presença do Espírito Cria- 15
mãe que nos nutre, uma irmã com dor, uma palavra a ser desvelada.
a qual partilhamos a existência. É o “Evangelho da Criação” (capí-

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Nós mesmos somos parte da Ter- tulo II da Laudato Sì).
ra (LS 1-2)
Recebemos esta Casa Comum Deus cuida de nós
como um presente de Deus: “Do
Senhor é a terra e tudo o que nela A Bíblia está repleta de cita-
existe, o mundo e os que nele vi- ções sobre o cuidado de Deus por
vem” (Sl 24,1). Durante muito nós: tanto o zelo pelo povo eleito,
tempo alimentou-se a ilusão de que é coletivo; quanto o carinho
que devíamos retirar dessa Casa por cada um/a. A Sagrada Escri-
o máximo possível de recursos. tura recorre às imagens afetivas
Não tínhamos consciência de que mais do que aos conceitos. O pro-
o conjunto das criaturas do nosso feta Oséias compara o carinho de
Planeta precisa do nosso cuidado Javé-Deus ao empenho amoroso
para manter o delicado ciclo da da mãe ou do pai com a criança
vida. Por exemplo, se há um ex- pequena, mesmo se essa não reco-
cesso de exploração da pesca e se nheça tal amor:
destroem os igarapés e os man-
Quando meu povo era menino,
guezais, no futuro não haverá eu o amei. Do Egito chamei o
mais peixes e outros seres vivos meu filho; e no entanto, quanto
que habitam rios e mares, e o ci- mais eu chamava, mais eles se
clo do oxigênio ficará debilitado. afastavam de mim, e ofereciam
O cuidado não reside somente na sacrifícios aos ídolos. E não há
dúvida, fui eu que o ensinei a
preservação, mas também na ges-
andar, segurando-o pela mão.
tão sustentável e na regeneração Mas não perceberam que era eu
daquilo que já destruímos, como quem cuidava deles. Eu os atraí
as florestas e as nascentes. Redu- com laços de bondade, com laços
zir os impactos negativos sobre o de amor. Fazia com eles como
ambiente e aumentar os positi- quem levanta até seu rosto uma
criança; para dar-lhes de comer,
vos.
eu me abaixava até eles. (Os
Somos criados por Deus e cha- 11,1-4).
mados a cuidar do mundo que Ele
nos deu. Aí reside a chave da con- Na Bíblia, o cuidado de Deus
versão ecológica. As outras cria- para com as pessoas é tanto pes-
turas não são meras coisas. Em soal quanto coletivo. No contexto
cada uma e no conjunto delas há da Aliança, que é comunitária,
16 está inserido o zelo divino: “Eles e errantes, como ovelhas que não
serão o meu povo, e eu serei o seu têm pastor” (Mt 9,36). Jesus é o
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Deus” (Jr 32,38). Infelizmente, Bom Pastor, que conhece e é co-


sob a influência do individualismo nhecido pelas ovelhas. Vem para
moderno, as igrejas cristãs ressal- que elas tenham vida em abun-
tam a dimensão individual – pri- dância. Reúne e agrega. Dedica-
vada – desse cuidado de Deus, e -se sem limites, a ponto de dar a
ignoram a dimensão comunitária vida por elas (Jo 10,4.10.11.14).
e planetária. O Salmo 23 expressa, de for-
Tomemos a tradicional ima- ma poética, o cuidado de Deus
gem do pastor e das ovelhas. Ela por cada um de nós: “O Senhor é
é primeiramente coletiva, pois se o meu pastor, nada me falta!” (Sl
baseia na aliança de Deus com 23,1). A ovelha recebe do pastor o
seu povo e não em um indivíduo que ela necessita: pastagem com
isolado. Veja Salmo 100,3: “Saiba erva verdejante, água em lugares
(toda a terra) que somente Javé é de repouso, proteção e orientação
Deus. Ele nos fez e a ele pertence- para percorrer trajetos arrisca-
mos, somos seu povo e ovelhas do dos e sombrios e superar ameaças
seu rebanho”. O salmista recorda (GRENZER, 2013, p. 69-89). A ve-
que Deus libertou o povo do Egito, reda traçada pelo Pastor Divino é
“e como ovelhas o conduziu pela a da justiça (v. 3). Ou seja, a opção
mão de Moisés e de Aarão” (Sl do bem, as trilhas da justiça, do
77,16.21). direito e da retidão (Pr 2,9). O cui-
Essa perspectiva comunitária dado de Deus exige de cada um e
e social da fé em Javé faz o pro- de todo o povo, em contrapartida,
feta denunciar os chefes políticos seguir o Seu caminho e viver Seus
e religiosos, que oprimem o povo mandamentos, como se proclama
e exploram os mais fracos em be- em Deuteronômio 30,19: “Escolhe
nefício próprio. Pois a injustiça a Vida!”
social fere a aliança de Deus com A segunda parte do Salmo apre-
seu povo (Ez 34,1-9). Assim como senta Deus como o anfitrião que
Deus é pastor e cuida tão bem de exerce a hospitalidade e convida a
seu povo, os líderes devem ser pessoa para a ceia festiva. Ele pró-
pastores que servem e guiam! prio toma a iniciativa e prepara a
Essa é a lição dos profetas assu- mesa, unge o hóspede com óleo,
mida por Jesus. Nosso Mestre e enche sua taça até transbordar.
Senhor, ao olhar as multidões que Aqui se mostra novamente como
o procuram, “compadeceu-se de- o pessoal e o comunitário cami-
las, porque andavam desgarradas nham juntos na espiritualidade
bíblica. Como Deus preparou uma Livro da Sabedoria afirma: “Tu 17
mesa para seu povo no deserto (Sl amas tudo o que existe, e não des-
78,19.24-27), no caminho “rumo prezas nada do que criaste. Como

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à liberdade na terra prometida, se poderia conservar alguma coi-
ele alimenta agora o salmista, em sa se tu não a tivesses chamado à
meio a circunstâncias adversas e existência? Tu, porém, cuidas de
em ambiente hostil” (GRENZER, todos os seres, porque todos per-
2013, p.83). tencem a ti, Senhor, o amante da
Tal perspectiva unificadora (a vida” (Sb 11, 22-26).
pessoa, a comunidade, todos os O cuidado de Deus pelas suas
homens e mulheres), está explíci- criaturas é manifestado de ma-
ta no Salmo 103. O salmista co- neira singular no Salmo 104, que
meça com o eu: “Bendiga a Javé, ó louva a Deus por proteção à Cria-
minha alma, e todo o meu ser ao ção: os céus, o solo, as águas, as
seu nome santo! Bendiga a Javé, montanhas e os bichos. Deus sa-
ó minha alma, e não esqueça ne- cia os animais do campo e as aves.
nhum dos seus benefícios” (v.1-2). O belo ciclo da natureza é uma
Passa então para o tu ou você: manifestação do seu amor para as
“Ele perdoa suas culpas todas, e criaturas. Todos os seres recebem
cura todos os seus males. Ele re- as dádivas divinas. Os humanos
dime da cova a sua vida, e a coroa atuam sobre a natureza através
de amor e compaixão. Ele sacia do seu trabalho de cultivo do solo:
seus anos de bens e sua juven- “Tu fazes brotar relva para o re-
tude se renova, como a da águia” banho, e plantas úteis para o ho-
(v.3-5). Então, o salmista procla- mem. Dos campos ele tira o pão, e
ma a misericórdia de Deus para o vinho que alegra seu coração; o
nós: “Nunca nos trata conforme azeite, que dá brilho ao seu rosto,
os nossos erros, nem nos devolve e o alimento, que lhe dá forças” (v.
segundo as nossas culpas. Como o 14-15). O Espírito de Deus é o se-
céu se ergue por sobre a terra, seu gredo da vida e ele renova a face
amor se levanta por aqueles que da Terra (Sl 104,39).
o temem” (v.10-11). E tal amor se Na Laudato Sì Francisco res-
estende a todos os que são explo- salta que nós humanos fazemos
rados: “Javé faz justiça e defende parte dessa “grande família” das
todos os oprimidos” (v. 6). criaturas. Daí nasce a mística do
Da mesma forma que é grande, cuidado:
Deus é amoroso e cuida de toda a
criação que saiu de suas mãos. O
18 Nós e todos os seres do universo, sa visão de ser humano. Na ótica
sendo criados pelo mesmo Pai, do cuidado, percebemos que ne-
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estamos unidos por laços invi- cessitamos uns dos outros, que a
síveis e formamos uma espécie
vida humana e das outras criatu-
de família universal, uma comu-
nhão sublime que nos impele a
ras está cercada por um mistério
um respeito sagrado, amoroso e amoroso, que nenhum indivíduo
humilde (LS 89). sozinho ou o saber científico pode
alcançar. No dizer de Francisco: o
Francisco mostra que a Trin- mundo, criado segundo o modelo
dade é o fundamento da coopera- divino, é uma trama de relações
ção e das relações de entreajuda que tendem para Deus. No seio
e de cuidado recíproco que unem do universo se encontram inume-
os seres humanos entre si, com ráveis relações constantes que se-
a criação, e com Deus mesmo. A cretamente se entrelaçam, o que
criação inicial do mundo é um nos leva a admirar os múltiplos
gesto comunitário do Deus uno e vínculos que existem entre as
trino. O Pai é a fonte última de criaturas. E também nos incita a
tudo, fundamento amoroso e co- descobrir uma chave da nossa pró-
municativo de todos os seres. O pria realização. A pessoa humana
Filho, em quem tudo foi criado, cresce, amadurece e se santifica
uniu-se a esta terra de forma sin- na medida em que “se relaciona,
gular ao se encarnar. O Espírito, sai de si mesma para viver em co-
vínculo infinito de amor, vive no munhão com Deus, com os outros
coração do universo, animando e e com todas as criaturas”. Assim
suscitando novos caminhos. As- assume na própria existência o di-
sim, o mundo foi criado pelas três namismo trinitário que Deus im-
Pessoas como um único princípio primiu nela. Destarte, “tudo está
divino, e cada uma delas realiza interligado, e isto convida-nos a
esta obra comum segundo sua maturar uma espiritualidade da
identidade (LS 238). solidariedade global que brota do
Crer no Deus único que é comu- mistério da Trindade” (LS 240).
nidade divina implica considerar
que toda a realidade contém em si Conclusões abertas
mesma uma marca propriamente e em tópicos
trinitária, relacional, interdepen-
dente e amorosa. E nos põe o de- * “A essência humana não se
safio de ler toda a realidade em encontra tanto na inteligência,
chave trinitária (LS 239). na liberdade ou na criatividade,
Cultivar a mística do Deus mas basicamente no cuidado”
Trindade modifica também nos- (BOFF, 2002, p.11,14,18), o su-
porte real dessas características. te dos cuidados relacionados à 19
No cuidado acha-se o princípio de dimensão reprodutiva da huma-
um modelo original de conviver, a nidade: gestação e amamentação,

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ser assumido como a base de um educação das crianças, alimen-
novo pacto social entre os povos, e tação e limpeza da casa. Cons-
de respeito com tudo o que existe tituem as principais cuidadoras
e vive. O cuidado se torna assim dos doentes, idosos e pessoas fra-
o eixo que reúne aquelas carac- gilizadas. Também são as prin-
terísticas fundamentais para re- cipais cultivadoras de verduras,
lações humanizadoras na comu- legumes, grãos, frutas e flores de
nidade religiosa, na Igreja e na forma artesanal e agroecológica.
sociedade. Portanto, quando se discorre so-
* O cuidado de si mesma/o é bre o cuidado como atitude hu-
uma descoberta relativamente mana básica, deve-se reconhecer
recente na Vida Consagrada. Até a contribuição imprescindível das
o Concílio Vaticano II se acentu- mulheres, e aprender com elas.
ava não somente a dedicação e a Isso se aplica também à Vida Re-
renúncia (que são valores positi- ligiosa feminina, que se destaca
vos), mas também a negação das nas práticas de cuidado especial-
subjetividades e a mortificação mente com os mais necessitados,
(castigar o corpo ou submetê-lo a os invisibilizados e subalterni-
uma disciplina férrea). Hoje re- zados. Tal atitude das mulheres
conhecemos a importância pes- questiona os homens consagrados
soal de cuidar da saúde e dos e as posturas dominadoras do pa-
sentimentos, viver com leveza e triarcado. Todos devemos incorpo-
avançar no autoconhecimento. rar o cuidado nas relações inter-
Isso se contrapõe tanto à rigidez pessoais e na missão, e valorizar
e a exigência demasiada consigo a contribuição das mulheres na
mesma/o, quanto à autosufienci- cultura do cuidado.
ência e à absolutização dos inte- * Há que se evitar as “patolo-
resses meramente individuais. gias do cuidado”, como o paterna-
* O ecofeminismo mostrou que lismo, a superproteção, a redução
as mulheres, em resposta aos con- drástica da liberdade das pesso-
textos culturais de longo tempo, as em nome da prevenção contra
se consolidaram como as princi- eventuais perigos. Cuidar inclui a
pais cuidadoras dos humanos e promoção do protagonismo e uma
da natureza (PULEO, 2011; DÍAZ dose calculada de riscos. Ao mes-
ESTEVES, 2019; SHIVA e MIES, mo tempo que se acolhe, estimula
2016). Elas assumem grande par- o crescimento. Favorece o desen-
20 volvimento das potencialidades espiritualidade ecológica é um si-
em vista do serviço ao Reino de nal renovador do Espírito Santo,
VAMOS CULTIVAR A MÍSTICA DO CUIDADO COM AS PESSOAS E A CASA COMUM, SOB INSPIRAÇÃO DA TRINDADE?

Deus. Apela à generosidade e a que amplia nossa experiência de


romper a “casca do ovo” do indi- Deus, conectando-nos com toda
vidualismo. Com relação às novas a criação. Desejamos que haja
gerações, em especial, o segredo avanços visíveis nos próximos
consiste em “ser cuidada/o para anos.
aprender a cuidar”. * Na Fratelli Tutti o Papa
* Cuidar das pessoas ido- Francisco apela a reconstruir
sas consagradas, especialmente o mundo ferido, semelhante ao
aquelas que perderam as capa- Bom Samaritano. Assim, ho-
cidades físicas e mentais básicas mens e mulheres assumem como
é um exercício de caridade e de própria a fragilidade dos outros.
gratidão. No entanto, é preciso Não excluem, fazem-se próximos,
descobrir alternativas, para que levantam e reabilitam os caídos,
os poucos membros jovens e de promovem o protagonismo de pes-
meia idade dos nossos institutos soas (FT 67,69,79), especialmente
estejam dedicados mais à missão as que vivem nas periferias so-
do que à assistência aos doentes ciais e existenciais. Ao responder
graves. Isso exige um acurado a esse apelo, devemos multiplicar
discernimento e a busca de alter- as lideranças leigas que atuam
nativas criativas, nas equipes de em favor da humanidade e da
Animação e Governo. Casa Comum e ampliar as parce-
* O cuidado com a Casa Co- rias colaborativas, como sinaliza
mum ainda não é significativo em a proposta do Pacto Educativo
grande parte das nossas comuni- Global.
dades e congregações religiosas. *Cada um/a de nós, em diferen-
Não consta nos nossos objetivos e tes graus, tem sentimentos e ati-
metas mensuráveis, definidos em tudes de cuidado com os outros e
capítulos e assembleias. Há pou- se deixa tocar pelo amor de Deus,
cas práticas reais que estimulem que cuida de suas criaturas. E
um estilo de vida sustentável e como somos luz e sombra, tam-
a adoção de políticas ambientais bém manifestamos o descuido, a
em nossas obras e espaços pas- indiferença, o descaso e o abando-
torais. Ora, a questão ecológica no às pessoas e à Terra. Por isso,
não é mais algo opcional. Tornou- o cuidado se torna um ideal a al-
-se uma urgência para a huma- cançar, um motivo de conversão e
nidade. Além disso, o cultivo de de crescimento espiritual.
* Francisco nos aponta atitu- Será um meio concreto de crescer 21
des e posturas de vida que tra- no cuidado aos outros e difundir a
duzem o cuidado, nas relações cultura do saber cuidar.

CONVERGÊNCIA • ANO LVIII • Nº 542 • AGOSTO • SETEMBRO E OUTUBRO DE 2023


entre as pessoas. Isso vale para Enfim, cultivar a mística do
a Vida Comunitária e para nos- cuidado significa “deixar a música
sa missão. Dentre elas, destaca- do Evangelho vibrar nas nossas
mos aqui: a ternura (FT 194), o entranhas”. Com essa sintonia,
diálogo em busca de consenso e desenvolvemos a alegria que brota
da ação conjunta (FT 198, 204, da compaixão, a ternura que nasce
206), a amabilidade e delicadeza da confiança em Deus e a capacida-
(FT 224); manter viva a memória de de reconstruir as relações (FT
em defesa das vítimas (FT 226s, 277). Ao mesmo tempo, tal mística
246-249), aumentar a proximida- nos impulsiona a renunciar à lógi-
de e a amizade com os pobres (FT ca dominante do individualismo,
234), praticar o perdão (FT 236), da indiferença e da competição. E
assumir os conflitos inevitáveis aderir à outra lógica: a de sonhar,
e buscar a reconciliação (FT 240, pensar, orar e atuar em vista de
244). Que tal assumir algumas uma sociedade diferente, interde-
dessas atitudes no seu Projeto de pendente, corresponsável pela fa-
Vida Pessoal, no Projeto de Vida mília humana (FT 127, 165, 166)
da Comunidade e no planejamen- e pela nossa Casa Comum (LS 67,
to da instituição onde você atua? 69, 116, 131).

Para conversar em comunidade


1 Escute a música “Deus cuida de mim”. Está disponível na inter-
net. Compare com o ítem 2 do artigo. Conte alguma experiência
de vida na qual você se sentiu cuidada por Deus.
2 Escute a música “Tocando em frente”, de Amir Satler, disponível
na Internet. O que ela revela sobre o cuidado de si e dos outros?
3 Releia as conclusões abertas. Compartilhe o que você julgou
mais importante para cultivar a mística do cuidado.
22 Referências
VAMOS CULTIVAR A MÍSTICA DO CUIDADO COM AS PESSOAS E A CASA COMUM, SOB INSPIRAÇÃO DA TRINDADE?

BOFF, Leonardo. Saber cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra, 8.


ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
DÍAZ ESTÉVEZ, A. Ecofeminismo: poniendo el cuidado en el centro. ENE
Revista de Enfermería, Madrid, v. 13, n. 4, [s/n], dez 2019.
FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti. Carta Encíclica sobre a fraternidade e a
amizade social. São Paulo: Paulinas, 2020.
FRANCISCO, Papa. Laudato Sí. Carta Encíclica sobre o cuidado da Casa
Comum. São Paulo: Paulinas, 2015.
GRENZER, M., FERNANDES, L.A; Dança ó Terra! Interpretando os Sal-
mos. São Paulo: Paulinas, 2013.
MURAD, Afondo. Janelas abertas. Fé cristã e ecologia integral. São Paulo:
Paulinas, 2022.
O QUE SÃO os rios voadores que distribuem as águas da Amazônia. BBC
News Brasil, 1 de setembro de 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/
portuguese/brasil-41118902 Acesso em: 29 jul. 2023.
PULEO, A. H. Ecofeminismo para otro mundo posible: feminismos. Ma-
drid: Cátedra, 2011.
SATLER, Almir; TEIXEIRA, Renato. Tocando em frente. Disponível em:
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SHIVA, V.; MIES, M. Ecofeminismo: teoría, crítica y perspectivas. Madrid:
Icaria, 2016.
VELOSO, Caetano; KLEBER, Lucas. Deus cuida de mim. Disponível em: ht-
tps://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=vLxy2E5oD2Q. Acesso em:
29 jul. 2023.

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