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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA
LISBOA
2023
I. Resumo
Na cidade de Lisboa é comum ocorrerem inundações, que podem estar associadas à escorrência
de antigos cursos de água que foram impermeabilizados por ação humana, aquando instalação
e urbanização da cidade de Lisboa. Este estudo foi desenvolvido no âmbito da unidade
curricular de Sistemas de Informação Geológica (SIG) e tem como objetivo, com recurso ao
software ArcGIS PRO, entender como as redes de drenagem naturais e a artificialização dos
solos do concelho impactuam na vulnerabilidade da cidade às inundações. Para tal, utilizou-se
o Modelo Digital de Terreno (de resolução de 27 metros) e a Carta de Ocupação de Solos (de
2022) e, com o auxílio das ferramentas de geoprocessamento, projetaram-se as redes de
drenagem naturais (focalizando na bacia hidrográfica de Alcântara e “Chiado”), e criou-se um
modelo simples de vulnerabilidade às inundações, com base em mapas de elevação, de declive,
de acumulação de água e de ocupação do solo extraídos.
Este estudo permitiu concluir que as zonas de maior vulnerabilidade estão associadas às
margens dos cursos de água anteriormente existentes, que foram impermeabilizadas pelo
homem, bem como às zonas mais planas a jusante das linhas de água que alimentam o Rio Tejo.
Também foi possível verificar que infraestruturas importantes, como estações de metro e de
comboio, bem como unidades hospitalares, estão situadas em zonas de maior vulnerabilidade
às inundações.
O presente trabalho tem como objetivo representar a rede de drenagem natural do concelho de
Lisboa, focalizando nas sub-bacias hidrográficas de Alcântara e “Chiado”, e relacionar a
localização das mesmas com os mapas de declive e de acumulação de fluxos, extraídos do
Modelo Digital de Terreno (MDT) da zona metropolitana de Lisboa e, com a Carta de Ocupação
do Solo atualizada em 2022 (COS 2022), elaborar um modelo simplista que defina as zonas de
maior vulnerabilidade às inundações.
Este trabalho também vem também projetar infraestruturas de elevado interesse público (como
hospitais, estações de metro e de comboio) sobre o mapa de vulnerabilidades criado para
discussão dos resultados e critica sobre o ordenamento urbano da cidade de Lisboa.
Alerta-se que os critérios definidos podem não ser os mais adequados, uma vez que apenas
foram consideradas as informações disponibilizadas pelo MDT e COS 2022. Não foi realizado
um trabalho exaustivo quanto à matéria abordada, pois o principal objetivo deste trabalho é a
formação na área de sistemas de informação geológica, utilizando o software ArcGIS PRO.
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2. Enquadramento Geográfico
O concelho de Lisboa situa-se em Portugal, no distrito de Lisboa. Tem cerca de 100 km2, faz
fronteira a sul e este com a zona estuarina do Tejo, a norte com o concelho de Loures, a noroeste
com o concelho de Odivelas, a oeste com o concelho da Amadora e a sudoeste com o concelho
de Oeiras.
Por ser a capital de Portugal, está fortemente urbanizada em toda a sua extensão, com exceção
da Serra de Monsanto.
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3. Enquadramento geomorfológico e drenagem superficial (simplificado)
De acordo com o MDT da zona metropolitana de Lisboa, o concelho de Lisboa apresenta cotas
que variam entre os 2 metros (em zonas proximais ao Rio Tejo) e os 213 metros (na Serra do
Monsanto), apresentando um relevo bastante acidentado, derivado do contraste litológico (e por
consequência de resistências destas formações) existente na região (Figura 2).
A região de Lisboa está assente em duas Bacia Sedimentares (Bacia Cenozóica do Tejo-Sado e
Bacia Lusitânica - restrita ao quadrante SW do concelho), em que a unidade geomorfológica
constituída pelas zonas de maior relevo, associadas aos anticlinais do Monsanto e da Ajuda,
pertencem a unidades incluídas na Bacia Lusitânica. Estas unidades são de natureza
carbonatada, do Cretácico Superior (Cenomaniano) e de natureza Basáltica (do Complexo
Vulcânico de Lisboa) também de idade Cretácica (~72 Ma), sendo estes menos resistentes à
erosão (Vasconcelos, 2011; Pinto, 2020).
Dadas as características destes calcários, a rede de drenagem é mais encaixada,
comparativamente que as restantes litologias, apresentando uma natureza dendrítica, exceto no
núcleo do anticlinal de Monsanto, em que a rede de drenagem é radial (Vasconcelos, 2011).
Quanto aos terrenos pertencentes ao CVL (escoadas lávicas e piroclastos), por serem menos
resistentes à erosão, a alteração destas rochas basálticas promovem quebras de declive.
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As zonas de menor relevo estão associadas às unidades que pertencem à Bacia Cenozóica do
Tejo-Sado, que raramente ultrapassam altitudes de 100-110 metros, existindo uma
predominância de áreas com topos aplanados.
Estas unidades são as mais predominantes e os relevos estão associados às formações terrígenas
da Formação de Benfica (situada na zona deprimida no sopé do Monsanto), à sequência
sedimentar do Miocénico e aos sedimentos mais recentes (Pinto, 2020).
Estas formações cenozoicas são essencialmente constituídas por material detrítico/terrígeno
(conglomerados, areias e argilas), pertencentes ao “Complexo de Benfica” (Paleogénico) e por
areias, argilas e calcários, de diferentes proporções, ricas em fosseis de animais e vegetais (do
Neogénico). As unidades mais recentes são do Pliocénico e Quaternário, e correspondem
essencialmente a sedimentos pouco consolidados, de natureza arenosa ou conglomerática
(Waterways, 2017).
O mapa de declives (Figura 3), gerada a partir do modelo digital de terreno, permite visualizar
que o concelho de lisboa apresenta muitas zonas com declives acentuados (> 18% ou > ~ 32º),
que estão essencialmente associados aos vales de antigas linhas de água que existiam no
concelho de Lisboa e que desaguavam no Tejo.
Verifica-se também a existência de declives acentuados na fronteira entre os concelhos de
Lisboa e Odivelas, que são derivados das colinas da zona histórica (Pinto, 2020)
Os declives menos acentuados (< 2% ou < ~1º), estão associados às zonas de inundação /
margens das linhas de água antigas que atravessavam o concelho.
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A principal linha de água existente na região era a pertencente à bacia de Alcântara, que
apresentavam cursos de água com hierarquias entre 1 e 6 (segundo Horton-Strahler), e que
atravessava as zonas da Amadora, Benfica, Sete Rios, Campolide, até Alcântara.
Nos terrenos de idade miocénica, a rede de drenagem instalou-se nas formações menos
resistentes, evoluindo por fenómenos de erosão diferencial, exibindo também padrões
dendríticos (Pinto, 2020). Nestes terrenos, existe uma outra linha de água importante, que era
pertencente à bacia de Arroios, e que neste trabalho optou-se por denominar de Bacia do
“Chiado”, que apresentava cursos de água com hierarquias entre 1 e 5 - segundo Horton-
Strahler (Figura 4).
Por outro lado, a cidade de Lisboa tem vindo a sofrer alterações significativas na sua rede de
drenagem ao longo de décadas, derivadas da evolução da cidade, com a construção de inúmeras
infraestruturas, que têm tido impacto direto na impermeabilização de terrenos que outrora eram
considerados rurais, impedindo a infiltração das águas em certos locais e aumentando a
acumulação desta noutros locais, contribuindo para a alteração do escoamento de águas, criando
novas redes de drenagem superficiais que se sobrepõem às redes de drenagem naturalmente
estabelecidas, em que a água se irá acumular em zonas mais planas, quando as drenagens
artificiais não são eficazes, originando as inundações que frequentemente acontecem.
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4. Metodologia
As “zonas de inundação” são áreas geográficas que, devido à natureza do solo, às formações
geológicas aflorantes e subjacentes, à morfologia do terreno e à ao fator impermeabilizante das
unidades artificiais que se encontram sobrejacentes ao solo, apresentam condições favoráveis à
ocorrência de escorrência superficial e alagamentos, provocando inundações.
Para delimitação das “Bacias Hidrográficas de Alcântara e do Chiado” e para a avaliação
simplificada da vulnerabilidade de ocorrência de inundações utilizou-se a delimitação do
concelho de Lisboa, em formato vetorial (shapefile), o Modelo Digital de Terreno (MDT) da
região metropolitana de Lisboa, em formato matricial (raster), com resolução 27,75 m e a Carta
de Ocupação do Solo (COS 2022) atualizada em 2022, obtida no portal SNIG
Primeiramente, foi necessário converter a informação matricial para o sistema de coordenadas
ETRS 1989 Portugal TM06, utilizando as ferramentas de geoprocessamento “Project Raster”.
De seguida, para remover as imperfeições/sumidouros existentes no MDT, utilizou-se a
ferramenta de geoprocessamento “Fill”.
Para calcular a direção de escoamento utilizou-se a ferramenta “Flow Direction”, que relaciona
as elevações e depressões das células envolventes (de acordo com a Figura 5) e cria um raster
com o sentido de escoamento provável de um determinado fluxo.
Figura 5 - Ilustração do método de funcionamento da ferramenta "Flow Direction" (retirado de Flow Direction (Spatial Analyst)
ArcGIS PRO)
A acumulação deste fluxo, foi estimada com recurso à ferramenta “Flow Accumulation”, que
com base na direção do fluxo (de acordo com a Figura 6), calculou o que foi acumulado em
cada célula, criando um raster de fluxo acumulado (estimando de uma forma genérica as redes
de drenagem superficial existentes), calculando-se posteriormente as estatísticas (com recurso
à ferramenta “Calculate Statistics”) para o conjunto de dados raster, possibilitando a sua
utilização para a execução das tarefas seguintes.
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Figura 6 - Ilustração do método de cálculo da ferramenta "Flow Accumulation" (retirado de Flow Accumulation (Spatial Analyst)
ArcGIS PRO)
Para a delimitação das duas bacias em estudo (a de Alcântara e do Chiado), foi preciso
primeiramente identificar o “Pour Point” destas, criando duas shapefiles (através da ferramenta
“Create Feature Class”) sob a forma de ponto, e indicando os pontos específicos de exutório,
ou seja, os pontos dos cursos de água onde se dá todo o escoamento superficial gerado no
interior de uma bacia hidrográfica.
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Classe MDT (m) Declive (%) Acumulação (?) Ocupação do Solo
1 > 250 > 18 <10 > 100 (não artificializado)
2 170 – 250 12 - 18 10 – 1.000 < 100 (artificializado)
3 100 – 170 6 - 12 1.000 – 10.000
4 30 – 100 2-6 10.000 – 100.000
5 < 30 <2 > 100.000
Tabela 1 - Parâmetros definidos para o cálculo do mapa de vulnerabilidades, utilizando a ferramenta "Weight Sum"
Por fim, carregou-se as shapefiles que representam a localização dos Hospitais, linhas do Metro
e do Comboio do concelho de Lisboa, sobre o mapa de vulnerabilidades à inundação (Anexo
10 – 12).
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5. Resultados e Discussão
O concelho de Lisboa está inserido dentro de uma enorme bacia hidrográfica, composta por
várias redes drenagem de variadas ordens, de acordo com a classificação de Horton-Strahler.
Neste âmbito, decidiu-se estudar duas das sub-bacias hidrográficas mais representativas do
concelho de Lisboa, a bacia de Alcântara e a do “Chiado”, uma vez que são bacias com alguma
extensão e possuem ordens ≥ 5, de acordo com a classificação de Horton-Strahler, ou seja, são
bacias com probabilidades de originarem inundações sob a forma de cheias, uma vez que
apresentam cursos de água com ordens superiores a 3 (Figura 7, Tabela 2 e Tabela 3).
Densidade
Área Perímetro Cota min. Cota max. Declive min. Declive
Bacia Drenagem
(km2) (km) (m) (m) (%) max. (%)
(km/km2)
Alcântara 41,5 44,6 0 207 0 77 1,37
“Chiado” 6,4 13,9 0 136 0 69 1,36
Tabela 2 - Informação sobre as bacias em estudo
Alcântara 56,98 6
“Chiado” 8,71 5
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As zonas de maior vulnerabilidade à inundação estimadas (Figura 8 e Tabela 4), vão representar
as zonas menos elevadas, de menor declive e de menor escoamento, associadas às redes de
drenagem naturais. Estas zonas, dadas as suas características naturais, são mais suscetíveis de
sofrerem acumulação de água.
Vulnerabilidade Valor
Muito baixa <6
Baixa 6–8
Moderada 8 – 10
Elevada 10 – 12
Muito elevada 12 – 17
Extremamente elevada > 17
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Por forma a verificar a viabilidade deste método, fez-se a comparação com o relatório de Pedro
Oliveira e Catarina Ramos, denominado “Inundações na Cidade de Lisboa durante o século
XX e seus fatores agravantes” do ano de 2002, nomeadamente com os locais onde ocorreram
mais de dois episódios de inundação, entre 1918 e 1998 (Figura 9).
Figura 9 - Locais com mais de 2 episódios de inundação na cidade de Lisboa, entre 1918-19 e 1997-98 (retirado de (Oliveira &
Ramos, 2002) )
De acordo com o mesmo, as zonas mais afetadas distribuem-se pela Frente Ribeirinha, pela
Baixa (estendendo-se pelas Av. Almirante Reis e da Liberdade), por Sete Rios, Benfica, Campo
Grande, Lumiar, Campo Pequeno, Marquês do Pombal (verificar figura anterior).
Estes locais estão diretamente relacionados com as margens das redes de drenagem naturais
que existiam no concelho de Lisboa, que foram modeladas neste trabalho como zonas
vulneráveis à inundação.
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6. Conclusões
O mapa de vulnerabilidades criado permite de uma forma sintética visualizar as zonas de maior
acumulação de água, ou seja, zonas de maior probabilidade de ocorrerem inundações, estando
estas zonas associadas às margens das redes de drenagem naturais, dos antigos canais que
atravessavam o concelho.
Comparando com estudos realizados sobre o tema, consegue-se evidenciar relações diretas
entre as áreas de maior vulnerabilidade e as áreas de inundação que foram estudadas,
viabilizando o modelo simples que foi criado.
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7. Referências Bibliográficas
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