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ão de 1988 ainda causa polêmica e intensos debates jurídicos e políticos.
ates está a Constituição Econômica. Este livro trata do papel que a lição | ES o +
de 1988 poderia desempenhar e as possibilidades que ela abriria para 0 nosso | E Di
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covici é Professor Titular de Direito Econômico & Economia Política da Faculdade de Direito da

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de São Paulo (USP). Doutorem Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela Universid
de Ensino, Desenvol vimento e Pesquisa (IDP) e do Programa de b So
(USP). Professor do Instituto Brasileiro
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Julho=Uni nove. Foi Diretor (2015-2018 ) e Presidente do Consel 0 IN Ea
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onal Celso Furtado de Políticas para 0 Desenvolv imento. Advogado e o
(2018-2021) do Centro Internaci
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CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO
2 EDIÇÃO; : :
“G Almedina; 2022: :
AUTOR: Gilberto Bercovict..
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MEDINA, BRASIL: Rodrigo Mentz
EDITORA, JURÍDICA, Mantelia Santos de Castro
- ÉDITOR DE DESENVOLVIMENTO: Aurélio Cesar Nogueira
no ASSISTENTES EDITORIAIS: Esabela Leite e Larissa Nogueira
E ESTAGIÁRIA. 'DE'PRODUÇÃO: Laura Roberti

DIAGRAMAÇÃO! Almedina
“DESIGN. DE CAPA: FBA
Dedicado à memória do professor e amigo
“=: ISBN: 9786556275062
José Tadeu De Chiara (1953-2021),
“ Abril, 2022
com quem tive o privilégio de poder conversar
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) sobre vários dos temas deste livro,
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Bercovici, Gilberto
Constituição econômica e desenvolvimento /
Gilberto Bercovici, -- 2. ed. -- São Paulo :
Almedina, 2022,

ISBN 978-65-5627-506-2

À Constituição - 1988 - Brasil 2. Desenvolvimentoeconômico


3. Direito constitucional - Brasil 4, Direito econômico - Brasil 1, Título.

22101269 CDU-34:33(8])
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Direito econômico 34:33(81)
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990),

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EDITORA: Almedina Brasil


Rua José Maria Lisboa, 860, Conj.13] e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil
www almedina.corm.br
o ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO

- impoe resgatar o potencial crítico do direito econômico e as virtudes de


ua dupla instrumentalidade. Somente um direito econômico apto a inc
dir na acumulação e nos seus pressupostos políticos pode servir de base
-. à construção de um Estado democrático, que afirme a sua soberania eco
-. nômica sem perder de vista a soberania popular.

Capítulo 3
A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

3.1, Algumas premissas para o entendimento da constituição


econômica
“As Constituições elaboradas após o final da Primeira Guerra Mundial têm
q álgumas características comuns, particularmente, a declaração, ao lado dos
* tradicionais direitos individuais, dos chamados direitos sociais, ou direi-
tós de prestação: direitos ligados ao princípio da igualdade material que
«dependem de prestações diretas ou indiretas do Estado para serem usu-
fruídos pelos cidadãos. Estas novas Constituições são consideradas parte
do novo “constitucionalismo social” que se estabelece em boa parte dos
“Estados europeus e alguns americanos! Em torno destas Constituições,
“adjetivadas de sociais, programáticas ou econômicas, vai se dar um intenso
debate teórico e ideológico.
- Para entender o debate em torno destas Constituições, especialmente
em relação à noção de Constituição Econômica”, precisamos estabele-

“Boris MIRKINE-GUETZÉVITCH, Les Nouvelles Tendances du Droit Constitutio


nnel, Paris,
- Marcel-Giard, 1931, pp. 38-43 e 88-90; Paulo BoNavIDES & Paes de ANDRADE, História
* Constitucional do Brasil, 3 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991, pp. 319-327; Antônio Carlos
“WoLKMER, Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil, São Paulo,
Acadêmica, 1989,
“Pp. [7-22e Carlo AmyRANTE, “I] Modelo Costituzionale Weimariano: Bra Razionaliz
zazione,
Eeadership Carismatica e Democrazia” in Silvio GAMBINO (org), Democrazia e Forma di
“Governo; Model Stranierie Riforma Costituzionale, Rimini, 1997, pp. 362-365.
“É Para um debate sobre as várias concepções de Constituição Econômica, vide Eros Roberto
GRAU, À Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), 12º ed., São Paulo,
: Malheiros, 2007, pp. 68-76 e André Ramos TAVARES, Direito Constitucio
nal Econômico, São
Paulo, Método, 2003, pp. 71-86.
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

cer, antes, alguns critérios. Temos plena consciência de que as definiçõ ara. | entendermos a Constituição Econômica, segundo Natalino Irti,
exclusivamente normativas de Constituição não definem seu conceito, st devemos romper com a unidade da Constituição e decompô-la em
essência, que inclui (embora não se limite a eles), na definição de Ferd ja plutalidade de núcleos isclados e autônomos, como propuseram os
nand Lassalle, os célebres fatores reais de poder, ou seja, as forças ativ =liberais. Devemos, sim, concentrar-nos em aplicar a Constituição
que conformam as instituições jurídicas, que, quando colocados em um; amo. uma unidade nos vários campos e áreas específicos, inclusive a eco-
folha de papel (Blatt Papier), se erigem em direito. A grande contribu. oniia. As decisões econômicas devem estar enquadradas na Constitui-
ção de Lassalle foi chamar a atenção para o fato de que as questões cor ão A Constituição Econômica, para Irti, é a Constituição política estatal
titucionais são, também, questões políticas, questões de poder*. Apes: a às relações econômicas? Nesta mesma linha, podemos adotar
disto, não adotaremos a perspectiva de Lassalle neste estudo, bem como gumas das premissas expostas por Washington Peluso Albino de Souza,
de outra obra célebre, o clássico de Charles Beard, escrito em 1913, sobi incipalmente a de entender, assim como Irti e vários outros, a Consti-
a interpretação econômica da Constituição dos Estados Unidos. Beaté jo Econômica como parte integrante, não autônoma ou estanque, da
entende a Constituição norte-americana como expressão dos interess nstituição total. Na sua visão, as Constituições Econômicas caracteri-
econômicos de seus criadores. Embora consideremos este tipo de análi i-se-iam pela presença do econômico no texto constitucional, integrado
fundamental para a compreensão da Constituição Econômica, não n à deológia constitucional. E seria a partir desta presença do econômico
limitaremos a este enfoque. texto constitucional e da ideologia constitucionalmente adotada que
Ainda em torno destas premissas, não utilizaremos a visão, 20 nossó elaboraria a política econômica do Estado*.
entender equivocada, dos autores da escola ordo-liberal de Freiburg. Estes
teóricos entendem que existe uma dualidade entre Constituição da Eco: E Breve pasorama histórico de algumas experiências internacio-
nomia e Constituição do Estado. A Constituição Econômica é entendida ais de constituição econômica
como uma Constituição autônoma à Constituição Política do Estado. Além itas estas considerações iniciais, podemos passar para uma breve análise
da dualidade da Constituição, os ordo-liberais, em um sentido muito pr stórica de algumas experiências modelares de Constituição Econômica,
ximo do de Carl Schmitr”, ainda defendem a necessidade da Constituição dasdo século XX, inseridas no contexto do chamado “constituciona-
Econômica se fundar na decisão da forma pura e fundamental da econo: ismo social”. Desde a célebre Constituição Mexicana de 5 de fevereiro
mia, cujas alternativas se reduzem, para o ordo-liberalismo, à economia 1917, elaborada em Querétaro, incorporaram-se ao debate constitucional
de mercado ou à economia planejada e dirigida, as questões e os conflitos referentes aos direitos sociais e à função social da
topriedade, A Constituição do México deu amplo destaque aos direitos
3 Cf Ferdinand LassaLLE, “Uber Verfassungswesen” in Ferdinand LAssaLLE, Gesamtwerke:
Politische Reden und Schriften, Leipzig, Verlag von Karl Fr. Pfau,, 1907, vol. 1, pp. &-42, 45-46
esl. = Natalino IrTi, L'Ordine Giuridico del Mercato, 4º ed. Roma/Bari, Laterza, 2001, pp. 15-18.
* Ferdinand LAssaLLE, “Uber Verfassungswesen” cit. p. 68. Em sentido contrário, afirmando * Videtambém Franz NEUMANN, “Úber die Voraussetzungen und den Rechtsbegriff einer
que as questões constitucionais são questões do poder, não de poder, vide Konrad Hesse, Di Wirtschaftsverfassung” in Franz NEUMANN, Wirischaft, Staat, Demokratie:
Aufsitze 1930-1954,
normative Kraft der Verfassung, Tibingen, | C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1959, p. 19, “Frankfurt-am-Main, Suhrkamp, 1978, pp. 85-88, Contra a separação entre Constituição
* Charles Austin BEARD, An Economic Intetpreiation ofthe Constitution ofthe United States, New “Econômica e Constituição Política, defendendo a totalidade da ideia de Constituição,
York, Free Press, 1986, “vide, também, Washington Peluso Albino de Souza, Teoria da Constituição Econômica, Belo
$ Vide, por exemplo, Franz Bômm, Wirtschafisordnung und Stacisverfassung, Tubingen,]. C.B “ Hotizome, Del Rey, 2002, pp. 23-24; Vital Mor EIRA, Economia e Constituição: Para o Conceito de
Mohr (Paul Siebeck), 1950, pp. 5-8, 39 e 64-70. “ Constituição Económica, 2º ed., Coimbra, Coimbra Ed., 1979, pp. 173-185; Eros Roberto GRAU,
? Sobre esta semelhança nas concepções de Cari Schmitt e da Escola Ordo-Liberal, vid : A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit. pp. 74-76 e André Ramos TavarEs, Direito
Gilberto BERcOvICI, Constituição e Estado de Exceção Permanente: Atualidade de Weimar, Rio. Constitucional Econômico cit., pp. 82-83.
de Janeiro, Azougue Editorial, 2004, pp. 105-106. É Washington Peluso Albino de Souza, Teoria da Constituição Econômica cit., pp. 22-24.

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À CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA
“CONSTITUIÇÃO ECONOMICA E DESENVOLVIMENTO

dos trabalhadores!, pela primeira vez positivados em nível constituciona Jem econômica de Weimar tinha o claro propósito de buscar a trans-
e, em virtude das reivindicações da Revolução Mexicana que se iniciou e: mação social, dando um papel central aos sindicatos para a execução
1910, deteve-se com muita atenção sobre à função social da propriedade sta tarefa!s. Neste mesmo sentido, Neumann afirmava que os artigos
a reforma agrária”, Apesar de sua importância, sua projeção internacion | ordem éconômica que tratavam da reforma agrária (artigo 155), socia-
foi mais intensa na América Latina”, ção (artigo 156), direito de sindicalização (artigo 159), previdência e
A mais célebre destas novas Constituições, que influenciou as elabor; istência'sociais (artigo 161) e democracia econômica (artigo 165), repre-
das posteriormente, foi a Constituição de Weimar, de 1919. A Constituição atavaima base para a construção do Estado Social de Direito, cujo fim
alemã era dividida em duas partes, uma sobre a Organização do Estad imo era a realização da liberdade social. E esta liberdade social signif-
de
e a outra sobre os Direitos e Deveres dos Alemães. Nesta segunda par va à liberdade dos trabalhadores decidirem por si mesmos o destino
da Constituição estavam prescritos, 20 lado dos direitos individuais, róprio trabalho'*.
direitos sociais, com seções dedicadas à educação e cultura (Bildung un o debate em torno da Lei Fundamental de Bonn, de 1949, foi diverso”.
Schule, artigos 142 a 150)“ e à vida econômica (Das Wirischafisleben, art tores come, por exemplo, Herbert Krúger, defenderam a posição de
gos 151 a 165)”. a Lei Fundamental não tinha, em seu texto, nenhuma decisão econô-
Carlos Miguel Herrera defende a existência de três níveis na ordem eo é Esta visão foi firmada, também, pelo Tribunal Constitucional ale-
ão em úma decisão de 1954, em que a Corte afirmava entender a Lei
nômica da Constituição de Weimar. O primeiro nível seria o dos direit
ndamental, em termos econômicos, como aberta e neutra, cabendo ao
fundamentais sociais e econômicos, como o direito ao trabalho (artigo 163
lador ordinário a tomada de decisões econômicas, A “neutralidade de
a proteção ao trabalho (artigo 157), o direito à assistência social (artigo 16
olitica econômica” da Lei Fundamental (“wirtschafispolitische Neutralitát
e o direito de sindicalização (artigo 159). Outro nível seria o do contro
Grundgesetzes”) implicava, para o Tribunal Constitucional, na liberdade
da ordem econômica capitalista por meio da função social da proprieda
atuação do legislador (Gestaltungsfreiheit des Gesetzgebers)*. Por sua vez,
(artigo 153) e da possibilidade de socialização (artigo 156). Finalmente, 6
tóres da escola ordo-liberal (e alguns juristas, como Carl Nipperdey)
terceiro nível seria o do mecanismo de colaboração entre trabalhadores &
ntaram que a Lei Fundamental previa a chamada “economia social
empregadores por meio dos conselhos (artigo 165). Com esta organização
tos Miguel HERRERA, “Constitution et Social-Démocratie à Weimar: Pour une

9 Jorge CARPIZO, La Constitución Mexicana de 1917, 24 ed., México, Universidad Nacional jodisation” in Carlos Miguel HERRERA (org), Les Juristes de (auche sous la République de
Autónoma de México, 1973, pp. 109-125 e 194-197 e Jorge Sayeg HELÚ, El Constitucionalism Weimar, Paris, Editions Kimé, 2002, pp. 34-35.
“Franz NEUMANN, “Die soziale Bedeutung der Grundrechte in der Weimarer Verfassung”
Social Mexicano: La Integración Constitucional de México (1808-1988), México, Fondo de Cultura
Económica, 1991, pp. 630-638 e 697-699, é nbranz NEUMANN, Wirischaft, Staat, Demokratie cit., pp. 69-73,
“ Jorge CARPIZO, La Constitución Mexicana de 1917 cit., pp. 131145 e Jorge Sayeg HELÚ, Ei deNorbert ReicH, Markt ind Recht: Theorie und Praxis des Wirtschafisrechts in der
Constitucionalismo Social Mexicano cit., pp. 639-648, 662-663 e 665-666. : Esrépublik Deutschland, Neuwied/Darmstadt, Luchterhand, 1977, pp. 75-119; Vital
KEIRA, Economia e Constituição cit., pp. 01-16 e Eras Roberto GRAU, 4 Ordem Econômica
2 Vide Jorge CARPIZO, La Constitución Mexicana de 1917 cit., pp. 369-375.
nu Constituição de 1988 cit., pp. 71-74.
à Vide Gerhard Anscirtrz, Die Verfassung des Deutschem Reichs vom Il. August 1919, reimpi
da 14º ed., Aalen, Scientia Verlag, 1987, pp 658-696 e Christoph GUSY, Dis Weimare
É Herberr KuúcER, Aligemeine Staatslehre, Stuttgart, W. Kohlhammer Verlag, 1964,
Reichsverfassung, Túbingen, JC.B. Mohr (Paul Siebeck), 1997, pp. 331-342. 'p..575-578; Norbert REICH, Markt und Recht cit. pp. 79-8i e 83-86 e Carlo AMIRANTE,
ritii Fondamentali e Sistema Costituzionale nella Repubblica Federale Tedesca: H Regime delle
“ Sobre a ordem econômica na Constituição de Weimar, vide Gerhard AnscnúTz, Di
iberia fra Ordinamento Giurídico e Sistema de! Partiti, Roma, Lerici, 1980, pp. 2784-276.
Verfassungdes Deutschen Reichs vom 1. August 199cit., pp. 697-750; René BRUNET, La Constitutio
Allemande du 11 Aoflt 1919, Paris, Payot, 1921, pp. 265-318; Boris MIRKINE-GUETZÉVITCH specificamente sobre as decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão sobre 2
Sieutralidade econômica” da Lei Fundamental, vide Peter BADURA, “Die Rechtsprechung
Les Nouvelles Tendances du Droit Constitutionnel cit. pp. 41-42 e 90-95; Christoph Gusy, Di
Weimarer Reichsverfassung cit, pp. 342-369 e Gilberto Ber covici, Constituição e Estado di
«des Bindesverfassungsgerichts zu den verfassungsrechtlichen Grenzen wirtschaftspolitischer
Exceção Permanente cit. pp. 39-50. é Gesetzgebung im sozialen Rechtsstaat”, Archiv des dffentlichen Rechts, vol. 92,1967, pp. 384-396.

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CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

de mercado” (soziale Marktwirischafr”), entendendo como tarefa precípu orar até a reunificação do povo alemão (artigo 146). Embora, mesmo
do Estado alemão a garantia da livre concorrência” E a reunificação da Alemanha, a Lei Fundamental tenha permanecido
Ainda sobre a Lei Fundamental, outros autores tentaram reforçar o vi o Constituição alemã, a sua Constituição Econômica permaneceu
social do texto, com a afirmação do “Estado de Prestações” (“Leistungsstaat' plícita. O que há na atualidade é, em virtude do processo de integra-
a partir dos artigos que prevéem a função social da propriedade (artig o europeia, uma maior liberalização das políticas econômicas alemãs”,
14, 2), a possibilidade de socialização (artigo 15) e a chamada “cláusula d
Estado Social” (“Sozialstaatsprinzip” dos artigos 20, 1 e 28, 1)?º. Esta inte A Constituição econômica: novidade do século XRº
pretação procura afirmar os direitos sociais e os direitos de prestação sós esta análise histórica de algumas Constituições Econômicas, a dúvida
inclusive desenvolvendo a ideia do “mínimo existencial? a partir do pri pérmanece é se a Constituição Econômica, que gerou tantes debates
cípio da dignidade da pessoa humana?. loutrina publicista, é uma novidade do século XX. E a resposta a esta
A reserva da Lei Fundamental alemã em explicitar uma Constituiç dagação só pode ser negativa. À Constituição Econômica não é uma
Econômica, talvez, deva-se à tentativa de evitar a repetição do ocorrido ovação do “constitucionalismo social”? do século XX, mas está presente
em torno da Constituição de Weimar, que incorporava os direitos sociais a todas as Constituições, inclusive nas liberais dos séculos XVII e XIX,
as disposições relativas à ordem econômica de maneira bem clara?, comg Durante o liberalismo, a visão predominante exa a da existência de uma
vimos, e do seu próprio caráter de “Constituição provisória”, que deveria; dem econômica natural, fora das esferas jurídica e política, que, em tese,
precisaria ser garantida pela Constituição. No entanto, todas as Consti-
2 Norbert ReicH, Markt und Recht cit., pp. 79-81 e 88-92 e Carlo AmiRANTE, Divilk Í ições liberais possuiam disposições econômicas em seus textos. À Cons-
Fondamentali e Sistema Costituzionale nella Repubblica Federale Tedesca cit., pp. 15-19. Sobre-g
uição: Econômica liberal existia para sancionar o existente, garantindo
“economia social de mercado”, defendida pelo ordo-liberalismo, vide Peter HÁBERLE,
Europiische Verfassungslehre, Baden-Baden, Nomos Verlagsgesellschaft, 2001/2002, pp. 537- 548, fundamentos do sistema econômico liberal, ao prever dispositivos que
bemcomoa narrativa histórica desenvolvida em A. J NICHOLLS, Freedom with Responsibility: Th eservavam a liberdade de comércio, a liberdade de indústria, a liberdade
Social Market Economy in Germany, 1918-1963, Oxford/New York, Oxford University Press, 2006. ntratual e, fundamentalmente, o direito de propriedade”
» Sobre o Sozialstaaisprinzip, vide Konrad Hesse, Grundziige des Verfassungsrechts de
Bundesrepubiik Deutschland, 20º ed., Heidelberg, C.F, Miiller Verlag, 1999, pp. 91-95 e 118-121,
O debate em torno da ideia de Estado Social na Alemanha foi muito intenso na década di Para uma análise do “Direito Constitucional Econômico Europeu”, fundado expressamente
1950, com autores defendendo a incompatibilidade entre Estado Social e Estado de Direite economia de mercado, vide Peter HABERLE, Europitische Verfassungslehre cit., pp. 535-559.
em uma mesma Constituição (Ernst Forsthoff) e outros afirmando a integração possivel € Esta «opção explícita pela economia de mercado e pela livre concorrência tem gerado problemas
necessária do Estado Social de Direito (Wolfgang Abendroth). Vide a coletânea dos principai Has relações entre à União Europeia e as Constituições Econômicas nacionais. Em virtude
artigos deste debate em Ernst ForsTHOEF (org.), Rechtsstaatlichheit und Sozialstacilichkeii, to, segundo Natalino Irti, há a constante desaplicação da Constituição Econômica nacional,
Aufsátze und Essays, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1968, e, ainda, Gilberté embora isto não transforme as diretivas comunitárias em nova Constituição Econômica dos
BercovicI, Constituição e Estado de Exceção Permanente cit., pp. 160-162. “ paises membros da União Europeia. Irti defende a reforma constitucional como meio de
2 Peter HABBRLE, “Leistungsrecht' im sozialen Rechtsstaat” in Peter HABERLE, Verfassun superar este impasse. Cf. Natalino Ixrt, V'Ordine Giurídico del Mercato cit, pp. 21-31 e 97103.
elsófentiicher Prozess - Materialien zu einer Verfassungstheorie der offenen Geselischafi, 3 ed., Berlin, nda sobre as mutações das Constituições Econômicas na Europa geradas pelo processo de
Duncker & Humblot, 1998, pp. 445-466. Vide também Norbert ReicH, Markt
und Rechtcit. ificação comunitária, com uma posição de defesa da Constituição nacional como fator de
pp. 86-88 e 90-92. integração política, vide Miguel Herrera de MiKon, “La Constitución Económica: Desde
2 Vide Ingo Wolfgang SARLET, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 3º ed., Porto Alegre dá Ambigledad a la Integración”, Revista Espafiola de Derecho Constitucional nº 57, setembro/
Livraria do Advogado, 2003, pp. 308 e ss. - dezembro de 1999, pp. 25-33,
= Sobre a interpretação da Lei Fundamental como uma “negação” da Constituição d) É Vital MOREIRA, Economia é Constituição cit., pp. 95-100 e Eros Roberto GRAU, À Ordem
Weimar é para a crítica a esta posição, vide Carlo AMIRANTE, Diritti Fondamentali e Sistem E Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 60-63. Em sentido diverso, Manoel Gonçalves
Costituzionale nella Repubblica Federale Tedesea cit. pp. 70 e 200-208 e Carlo AMIRANTE Ç Ferreira Filho entende as Constituições liberais apenas como Constituições Políticas, embora
“Il Modelo Costituzionale Weimariano: Fra Razionalizzazione, Leadership Carismatica * Pudessem ter algumas normas de “repercussão econômica”. Cf. Manoel Gonçalves FERREIRA
Democrazia” cit. pp. 368-369. o Pilho, Direito Constitucional Econômico, São Paulo, Saraiva, 1990, pp. 3-4 e 32-33. Para outra

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CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

A existência de uma Constituição Econômica nas Constituições liberai te outras, conterem uma expressão formal da Constituição Econô-
pode, ainda, ser demonstrada a partir das disputas travadas na elaborag jca, com uma estruturação mais ou menos sistemática em um capítulo
da primeira Constituição moderna e última Constituição de modelo libe óprio: (a “ordem econômica”). Mas, só esta diferença formal não basta-
ral que ainda permanece em vigor nos dias de hoje: a Constituição norte a para provocar O debate que se travou e se trava em terno da Constitui-
“americana de 1787. Segundo o relato do historiador Forrest McDona ão Econômica.
durante os trabalhos da Convenção da Filadélfia de 1787, travou-se uh
grande polêmica em torno da proposta de cláusula que garantiria a lib A Constituição Econômica e a Constituição Dirigente
dade contratual. Esta cláusula não foi aprovada pelos convencionais. Ni fiferença essencial, que surge a partir do “constitucionalismo social”
entanto, Alexander Hamilton conseguiu inseri-la no texto constitucionã “século XX, e vai marcar o debate sobre a Constituição Econômica, é
norte-americano (em que figura no artigo I, seção 10º) após as votaçõe: atode que as Constituições não pretendem mais receber a estrutura
na segunda semana de setembro de 1787, durante a reelaboração do text conômica existente, mas querem alterá-la. As Constituições positivam
aprovado pela Comissão de Estilo”. A insistência de Hamilton em faze efas e políticas a serem realizadas no domínio econômico e social para
constar da Constituição, à revelia da decisão da própria Convenção Cons tingir certos objetivos. A ordem econômica destas Constituições é “pro-
titucional, a liberdade contratual, um dos instrumentos que tornarar ramática”, hoje diríamos “dirigente”, A Constituição Econômica que
possível o desenvolvimento capitalista nos Estados Unidos nas formas ei dnhecemos surge quando a estrutura econômica se revela problemática,
que este ocorreu, só demonstra a importância da Constituição Econômico dando cai a crença na harmonia pré-estabelecida do mercado. A Consti-
ção Econômica quer uma nova ordem econômica, quer alterar a ordem
mesmo nos textos constitucionais de matriz liberal.
Podemos perceber, portanto, que a Constituição Econômica não é um conômica existente, rejeitando o mito da auto regulação do mercado.
As Constituições Econômicas do século XX buscam a configuração polí-
novidade do século XX. No entanto, o motivo pelo qual ela vai alimenta
cado econômico pelo Estado, Deste modo, a característica essencial da
tantas polêmicas a partir de 1917 e 1919 precisa ser esclarecido. Forma
atual Constituição Econômica, dado que as disposições econômicas sem-
mente, as Constituições do século XX se diferenciam das anteriores pó
'ê existiram nas Constituições, é a previsão de uma ordem econômica
programática, estabelecendo uma Constituição Econômica diretiva”, no
visão que considera a Constituição Econômica como uma inovação introduzida a partir di Bojo de uma Constituição Dirigente”
Primeira Guerra Mundial, com a “politização da economia” e o alargamento da esfera políti
no domínio econômico, vide Kurt BALLERSTEDT, “Rechtsstaat und Wirtschaftslenkung
Archiy des ôffentlichen Rechts, vol. 74, 1948, pp. 129 e 132-139. a Vital MorEIRA, Economia e Constituição cit., pp. 87-95 e LI7-125 e Eros Roberto GRAU,
2 Article I, Section 10: “No state shall enter into any treaty, alliance, or confederation; grant letters 4 Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit, pp. 63-65. Para uma discussão em torno das
afmarque and reprisal; coin money; emit bills of credit; make anything but gold and silver coin a tend relações entre diretrizes econômicas (Wirischafislenkung) constitucianais é Estado de Direito,
in payment of debts; pass any bill of attainder, ex post facto law, or law impairing the obligation ide Kurt BALLERSTEDT, “Rechisstaat und Wirtschaftslenkung” cit., pp. 136-139 e 1477-157.
contracts, or grant any title ofnobility. “Para o conceito de Constituição Dirigente, ou seja, a Constituição que define fins é objetivos
Nostate shall, without the consent of the Congress, lay any imposts or dutieson imporis or exporis, excepl. ata o Estado e a sociedade, vide José Joaquim Gomes CANOTILHO, Constituição Dirigente e
what may be absolutely necessary for executing it's inspection laws: and the nei produce of all duties aná NMriculação do Legislador: Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas,
imposts, laid by any state on imports or exports, shall be for the use of the treasury of the United States; 28 ed, Coimbra, Coimbra Ed., 1994, pp. 12,14, 18-24, 27-30 e 69-71, Para. o problema específico
and al such laws shall be subject to the revision and control of the Congress, : “da Constituição Dirigente no Brasil e para a sua problematização no debate cientifico da
No state shall, without the consent of Congress, lay any duty of tonnage, keep troops, or ships of war in : Teoria da Constituição, vide Gilberto Bercovici, “A Problemática da Constituição Dirigente:
time of peace, enter into anyagreement or compact with another state, or with a foreign power, or engage
“Algumas Considerações sobre o Caso Brasileiro”, Revista de Informação Legislativa nº 142, abril/
in war, unless actually invaded, or in such imminent danger as will not admit of delay” (grifos meusd. “Junho de 1999, pp. 35-51 e Gilberto Bercovici, “A Constituição Dirigente e a Crise da Teoria
da Constituição” in Cláudio Pereira de Souza Neto, Gilberto Bercovici, José Filomeno de
” Forrest MCDONALD, “A Constituição e o Capitalismo Hamiltoniano” in Robert A.
GoLbwIN & William A. ScHAMEBRA (orgs.), A Constituição Norte-Americana, Rio de Janeiro,
“MorEs Filho & Martonio Mont'Alverne Barreto LIMA, Teoria da Constituição: Estudos sobre
Forense Universitária, 1986, pp. 91-98.
“O Lugar da Política no Direito Constitucional, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, pp. 114-120.

s2 58
CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

Aoutilizar a expressão “Constituição Dirigente” (Cdirigierende Verfassung mstiruição Dirigente é a proposta de legitimação material da Consti-
Peter Lerche estava acrescentando um novo domínio aos setores trad o pelos fins e tarefas previstos no texto constitucional. Em síntese,
cionais existentes nas Constituições. Em sua opinião, todas as Constitu; egundo Canotilho, o problema da Constituição Dirigente é um problema
ções apresentariam quatro partes: as linhas de direção constitucional; é Jegitimaç ao
dispositivos determinadores de fins, os direitos, garantias e repartição Para a Teoria da Constituição Dirigente, a Constituição não é só garan-
competências estatais e as normas de princípio”. No entanto, as Cons O existente, mas também um programa para o futuro. Ao fornecer
tuições modernas se caracterizariam por possuir, segundo Lerche, ui nhas de atuação para a política, sem substituí-la, destaca a interdepen-
série de diretrizes constitucionais que configuram imposições permané ência entre Estado e sociedade: a Constituição Dirigente é uma Consti-
tes para o legislador. Estas diretrizes são o que ele denomina de “Con. ção estatal e social”. No fundo, a concepção de Constituição Dirigente
tituição Dirigente”, Pelo fato de a “Constituição Dirigente” consist ara Canotilho está ligada à defesa da mudança da realidade pelo direito.
em diretrizes permanentes para o legislador, Lerche vai afirmar que é sentido, o objetivo da Constituição Dirigente é o de dar força e substrato
âmbito da “Constituição Dirigente” que poderia ocorrer a discricionari ídico para a mudança social. A Constituição Dirigente é um programa
dade material do legislador", de ação para a alteração da sociedade”.
A diferença da concepção de “Constituição Dirigente” de Peter Le: “Néste sentido, a Constituição de 1988 é, claramente, uma Constituição
che para a consagrada com a obra de Canotilho torna-se evidente. Lerch Dirigente, como podemos perceber da fixação dos objetivos da República
está preocupado em definir quais normas vinculam o legislador e chega: no seu artigo 3º: “Artigo 3º: Constituem objetivos fundamentais da República
conclusão de que as diretrizes permanentes (a “Constituição Dirigente”) ederitiva do Brasil: E construir uma sociedade livre, justa e solidária; Il - garantir
possibilitariam a discricionariedade material do legislador. Já o conceito senvolvimento nacional; HI - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
Canotilho é muito mais amplo, pois não apenas uma parte da Constituiç s desigualdades sociais e regionais; IV — promover o bem de todos, sem preconcei-
é chamada de dirigente, mas toda ela?) O ponto em comum de ambos os de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
no entanto, é a desconfiança do legislador: ambos desejam encontrar um js princípios constitucionais fundamentais, como o artigo 3º, têm a fun-
meio de vincular, positiva ou negativamente, o legislador à Constituição. ção, entre outras, de identificação do regime constitucional vigente, ou
A proposta de Canotilho é bem mais ambiciosa e profunda que a dé: eja, fazem parte da fórmula política do Estado. A fórmula política indi-
Peter Lerche: seu objetivo é a reconstrução da Teoria da Constituição por idualiza o Estado, pois diz respeito ao tipo de Estado, regime político,
meio de uma Teoria Material da Constituição, concebida também como valores inspiradores do ordenamento, fins do Estado, etc. Também define
teoria social”. A Constituição Dirigente busca racionalizar a política, delimita a identidade da Constituição perante seus cidadãos e a comu-
incorporando uma dimensão materialmente legitimadora, ao estabele-
cer um fundamento constitucional para a política, O núcleo da ideia de “ Estado de Direito: O Problema do Controle Jurídico do Poder, Coimbra, Livraria Almedina, 1990,
. Pp 11113, 138-140,146-150 e 216-218 e Gilberto Bercovici, “A Problemática da Constituição
º Cf PeterLzrcHE, Ubermassund Verfassungsrechi: Zur Binduny des Gesetegebers an die Grundsitre irigente: Algumas Considerações sobre o Caso Brasileiro” cit., pp. 39-40.
der Verhálinismiissigkeit
und der Erforderlichkeit, 2º ed., Goldbach, Keip Verlag, 1999, pp. 61-62; éº José Joaquim Gomes CANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador cit.,
“ Peter LERCHE, Úbermass und Verfassungsrechécit., pp. Vie 64-65, p; 19-24, 157-158 e 380,
2 Peter LeRCHE, Úbermass und Verfassungsrecht cit., pp. 65-77, 86-91 e 325. ' E José Joaquim Gomes CANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador cit,
*& Vide José Joaquim Gomes CANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador cit, Pp:150-153, 166-169, 4353-456. Vide também Gilberto Bercovtci, “A Problemática da
pp. 224-225 e 313, nota 60. - Constituição Dirigente: Algumas Considerações sobre o Caso Brasileiro” cit., pp. 37-39,
* José Joaquim Gomes CANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador cit.; “José Joaquim Gomes CANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador cit,,
pp. 13-14, PP. 4558-459. Sobre a visão da Constituição também como um projeto voltado ao futuro, vide,
* José Joaquim Gomes CANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador cit; : álnda, Ulrich SCHEUNER, “Verfassung” in Ulrich ScHEUNER, Staatsiheorie und Staatsrecht:
pp. 42-49 e 462-471, Sobre esta questão vide, ainda, Cristina QUEIROZ, Os Actos Políticos no Gesampmelte Schriften, Berlin, Duncker & Humbiot, 1978, pp. 173-174.

“a
a
"CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

nidade internacional. Em suma, a fórmula política é a síntese jurídico: nados, o artigo 3º da Constituição de 1988 está voltado para a transfor-
-política dos princípios ideológicos manifestados na Constituição. O que “soda realidade brasileira: é a “cláusula transformadora” que objetiva
contraria a fórmula política afeta a razão de ser da própria Constituição superação do subdesenvolvimento*
Oartigo 3º da Constituição de 1988, além de integrar a fórmula política; Acaracterística essencial das Constituições Econômicas do século XX,
também é, na expressão de Pablo Lucas Verdú, a “cláusula transformador portanto, o seu caráter diretivo ou dirigente. A importância da Consti-
da Constituição. À ideia de “cláusula transformadora” está ligada ao artig ição Econômica, segundo Vital Moreira, é a possibilidade que ela abre de
3º da Constituição italiana de 1947º e ao artigo 9º,2 da Constituição espa analisar a totalidade da formação social, com suas contradições e confli-
nhola de 1978*, Em ambos os casos, a “cláusula transformadora” explicit Ss A Constituição Econômica torna mais clara a ligação da Constituição
o contraste entre a realidade social injusta e a necessidade de eliminá- m a política e com as estruturas sociais e econômicas”,
Deste modo, impedem que a Constituição considerasse realizado o qui
ainda está por se realizar, implicando na obrigação do Estado em promo 5. A estrutura da Constituição Econômica de 1988
ver a transformação da estrutura econômico-social. Os dois dispositivo) Constituição de 1988 tem expressamente uma constituição econômica
constitucionais buscam a igualdade material através da lei, vinculando voltada para a transformação das estruturas sociais, Não se pode ignorar,
Estado a promover meios para garantir uma existência digna para todos To entanto, que as relações econômicas são muito mais uma questão de
À eficácia jurídica destes artigos, assim como a do nosso artigo 3º, nã to (ou seja, vinculadas à constituição econômica material), do que uma
é incompatível com o fato de que, por seu conteúdo, a realização deste questão de direito (ligadas à constituição econômica formal). Seria ilusório
preceitos tenha caráter progressivo e dinâmico e, de certo modo, sempr tetender alterar as regras e a estrutura do poder econômico no sisterna
inacabado. Sua concretização não significa a imediata exigência de pres pitalista por uma norma constitucional. As mudanças radicais são sem-
tação estatal concreta, mas uma atitude positiva, constante e diligente d pre políticas. A constituição econômica referenda juridicamente as mudan-
Estado*. Do mesmo modo que os dispositivos italiano e espanhol men , mas não é responsável por impulsioná-las. É necessário reconhecer os
nites do voluntarismo e do instrumentalismo jurídicos, o que não signi-
“fica desvalorizar o processo constituinte. Coube aos constituintes facili-
* Vezio CRISAFULEI, La Costituzione e fe sue Disposizioni di Princípio, Milano, Giuffrê, 1952
pp. 67-68, 127128 e 151-152; Raúl Canosa UsERA, Interpretación Constitucional y Formula Política, ar, dificultar ou impossibilitar determinadas decisões econômicas, abrir
Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1988, pp. 249-260, 265-270 e 305-310 e Pabh jossibilidades ou fechar portas, mas não instituir uma constituição que,
Lucas VERDÚ, Teoria de la Constitución como Ciencia Cultural, 22 ed, Madrig, Editorial Dykinson OE si só, garantisse as transformações sociais e econômicas pretendidas*,
1998, pp. 50-54.
*º Artigo 3º da Constituição da Itália: “Tutti i cittadini hanno pari dignita sociale e sono egua
davanti alla legge, senza distinzione di sesso, di razza, di lingua, di religione, di opiniont politiche, d = SERA, Interpretación Constitucional y Formula Política cit., pp. 303-305 e Francisco Javier Diaz
condizioni personalhi e sociali. «REVORIO, Valores Superiorese Interpretactón Constitucional, Madrid, Centro de Estudios Políticos
E compito della Repubblica rimuovere gli ostacoli di ordine economico e sociale, che, limitando di fatt = E Constitucionales, 1997, pp. 186-199.
ta liberta e Peguagiianza dei cittadini, impediscono il pieno sviluppo della persona umana e Pegetiv “* Neste sentido, vide Eros Roberto GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cít.,
partecipazione di tutti i lavorator! allorganizzazione política, economica e sociale del Paese”. D. 196-200. Para uma análise mais detida sobre o artigo 3º da Constituição de 1988, vide
* Artigo 9º, 2 da Constituição da Espanha: “Corresponde a los poderes públicos promover la é Gilberro Bercovici, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição, São Paulo, Max Limonad,
condiciones para que la libertady la igualdad
det individuo y de los gruposen que se integra sean reales 2003, pp. 291-302.
efectivas; remover los obstáculos que impidan o dificulten su plenitud y facilitar la participactón de todos. CC Vital MorzIRA, Economia e Constituição
cit., pp. 183-185.
tosciudadanos en la vida política, económica, cultural y social”, É Oscar de Juan AsENJO, La Constitución Económica Espafiola: Iniciativa Económica Pública
“2 Costantino MORTATI, Istituzioni di Diritto Pubblico, 8º ed., Padova, CEDAM, 1969, vo. Versus” Iniciativa Económica Privada en la Constitución Espafiola de 1978, Madrid, Centro de ....-
H, pp. 945-948; Pablo Lucas VERDÚ, Estimativa y Política Constitucionales (Los Valores y lo “Bstudios Constitucionales, 1984, pp. 91-92. Para a crítica ao instrumentalismo jurídico-
Princípios Rectores dei Ordenamiento Constitucional Espafiol), Madrid, Sección de Publicaciones Constitucional, muitas vezes predominante no debate brasileiro sob a Constituição de 1988,
Facultad de Derecho (Universidad Complutense de Madrid), 1984, pp. 190-198; Raúl Canosa:: “vide Gilberto BERCOVICI, “Constituição e Política: Uma Relação Difícil”, Lua Nova — Revista

56 57
A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO

O capítulo da ordem econômica da Constituição de 1988 (artigos FZ desenvolvimento tecnológico do país (artigos 218 € 219), situados
192) tenta sistematizar os dispositivos relativos à configuração jurídica capítulo da ordem econômica.
a par-
economia e à atuação do Estado na economia, isto é, os preceitos consti gartigos 173 e 175 disciplinam a atividade econômica do Estado
173, setor
cionais que, de um modo ou outro, reclamam a atuação estatal no domir; prestação de atividade econômica em sentido estrito (artigo
os (artigo
econômico, embora estes Lemas não estejam restritos a este capítulo pencialmente dos agentes privados) e dos serviços públic
das empre-
texto constitucional!s. Em sua estrutura”, o capítulo da ordem econômi tor de titularidade estatal), bem como o regime jurídico
fisca-
engloba, no artigo 170 os princípios fundamentais da ordem econômi .statais, O artigo 174 enuncia o Estado como agente regulador,
tratam de
x e planejador da economia. Os demais artigos (178 a 181)
brasileira, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciati ortes, turismo €
tendo por fim assegurar a todos uma existência digna de acordo coma j tores específicos da atividade econômica, como transp
amento favorecido às empresas de pequeno e médio porte.
tiça social. Dentre esses princípios, podem ser destacados, por exemplo mica da Consti-
: lém destes princípios estruturantes, à ordem econô
soberania nacional, a função social da propriedade, a livre concorrênc: no
o de 1988 engloba dispositivos que tratam da ordem econômica
a defesa do consumidor e do meio-ambiente, a redução das desigualdad espaço
aço e da ordem econômica no tempo. A ordem econômica no
sociais e regionais e a busca do pleno emprego. Os artigos 171 a 181 vei
onfigurada nas disposições sobre política urbana (artigos 182 e 183)
sam sobre a estruturação da ordem econômica e sobre o papel do Esta 184 a 190,
no domínio econômico. sobre política agrícola e fundiária e reforma agrária (artigos
econô-
tes artigos versam, essencialmente, sobre a projeção da ordem
O artigo 171, revogado em 1995, tratava da diferenciação entre emprés urais profu ndas
à é seus conflitos no espaço, prevendo reformas estrut
brasileira e empresa brasileira de capital nacional e, juntamente com
organização socioeconômica.
artigo 172 (exigência de um regime jurídico para 0 capital estrangeiro É 29
e O artigo 192 (hoje reformado pela Emenda Constitucional nº 40, de
acordo com os interesses nacionais), são corolários da soberania econômi
aiode 2003) é a projeção da ordem econômica no tempo, ào cuidar do
(artigo 170, 1), assim como os artigos 176 (propriedade estatal do subso ndo
dito e do sistema financeiro. O conflito projeta-se no tempo, diferi
e regime da exploração mineral) e 177 (monopólio estatal do petróleo
sã assez no tempo, pois se define, pelo crédito, como os recursos serão
seus derivados e dos materiais nucleares). Devo ressaltar, inclusive, que te
tribuídos, em suma, quem irá receber recursos no momento presen
derivados da soberania econômica, ainda, os dispositivos relativos à po
em não irá ou quando outros setores terão (ou não) estes recursos.
de Cultura é Política nº 61, 2004, pp. 5-24 e Gilberto BercovicI, “A Constitui
ção Dirigent Estado contemporâneo não pode se limitar a uma atuação mínima, mas
a Constitucionalização de Tudo (ou do Nada)? in Cláudio Pereira de Souza Neto & Dan: é dimensionar seus recursos de maneira à satisfazer o mais amplamente
SARMENTO (coords.), A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e
Aplicaç ssível as necessidades sociais. Neste contexto, o funcionamento do cré-
Específicas, Rio de Janeiro, Lumen Juxis, 2007, pp. 167175.
é ú O, que estende o campo das trocas do presente e dos bens disponíveis
“é Concordo com as afirmações de Eros Grau, para quem a “ordem econômica” não ata. 0 futuro e aos bens a produzir, é essencial como instrumento de dire-
as disposições
conceito jurídico. A “ordem econômica” apenas indica, topologicamente,
que, em seu conjunto, institucionalizam as relações econômicas
no texto constituciondi ão da política econômica tendo em vista a manutenção da atividade eco-
ressaltando-se que nem todas estas disposições estão abrigadas sob o capítulo
da “ordef Mica; o crescimento e a ampliação das oportunidades de emprego*. Por
iva
econômica”, mas espalhadas por todo o texto. CE Exos Roberto GRAU,
À Ordem Econômit
sua importância, a política de crédito no Brasil é de competência exclus
União (artigos 21, VIII e 22, Vil da Constituição). Nunca é demais res-
'
na Constituição de 1988 cit., pp. 60-76 e 87-91.
a, dividido entre os princípio:
* Esta visão estrutural do capítulo da ordem econômic
vista, obviamente, su ltar como os bancos públicos são essenciais para a política monetária,
estruturantes e a ordem econômica no espaço e no tempo, sem perder de
por cham
sistematicidade, foi desenvolvida por Luis Fernando Massonetto, 2 quem agradeço
:
aminha atenção para estas questões. Vide, ainda, Luis Fernando MASSONETTO, “Operaçõe : É Geraldo de Camargo VIDIGAL, Fundamentos do Direito Financeiro, São
Paulo, RT, 1973,
ria-Gen
Urbanas Consorciadas: A Nova Regulação Urbana em Questão”, Revista da Procurado “PP. 38-39, 42-43, 51, 199-203 e 276-277.
do Município de Porto Alegre nº 17, outubro de 2003, pp. 104-10.
59
58
A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA é DESENVOLVIMENTO

tiva econômica
creditícia e fiscal do Estado brasileiro, especialmente no que diz respé atuação do Estado no domínio econômico (a inicia
ão
ao crédito, historicamente instrumentalizado, em sua maior parte,pi ca) está prevista expressamente nos artigos 173 e 175 da Constituiç
intermédio dos bancos públicos, 3. Em ambos os dispositivos, trata-se da prestação de atividade eco-
duas modalidades:
As atividades desenvolvidas no sistema financeiro nacional por pai aica-em sentido amplo pelo Estado, subdividida em
dos bancos públicos são atividade econômica em sentido estrito, visando tação de atividade econômica em sentido estrito (artigo 173) e a pres
consecução de objetivos de política econômica do Estado brasileiro,alé de serviço público (artigo 175)*. E, portanto, essencial compreender
várias concepções
da preservação do mercado e das relações econômicas no Brasil. O Est essupostos teóricos que se encontram por trás das
, assim
brasileiro atua no setor bancário com base na preservação de releva ço público da doutrina brasileira, cuja grande influência
esa.
interesse coletivo (artigo 173, caput da Constituição)”, com a óbvia ex ros debates italiano, espanhol ou português, é de matriz franc
franc eses
ção da emissão de moeda”, que é um serviço público monopolizado p; tá análise, pela sua importância teórica, destacam-se os
a,
Estado (artigos 21, VII; 22, VI e 164, caput da Constituição). Duguit e Maurice Hauriou, cujas teorias são, sem sombra de dúvid
não só
A livre iniciativa não pode ser reduzida, sob pena de uma interpre s presentes na nossa doutrina. Estes autores, no entanto,
ram
ção parcial e equivocada do texto constitucional, à liberdade econômie ssitam ser entendidos no contexto histórico em que desenvolve
plena ou à liberdade de empresa, pois abrange todas as formas de p bra, mas também é necessário que se problematize, tendo em vista o
dução, individuais ou coletivas, como a iniciativa econômica individual al debate sobre os serviços públicos, a adequação destas teorias à nossa
a iniciativa econômica cooperativa (artigos 5º, XVIII e 174, $3º e S4&ºd dade, levando em conta a especificidade da formação histórico-sociai
Constituição) e a própria iniciativa econômica pública (artigos 173 e Estado brasileiro. Duguit e Hauriou representam alternativas ao pen
da Constituição, entre outros). A proteção constitucional à livre iniciatis ento liberal dominante nos meios publicistas franceses e contrapõem-
não se reduz, portanto, à iniciativa econômica privada, como muitos auf incorporação dos conceitos alemães (como o de Estado de Direito
res, equivocadamente, defendem, sustentando uma posição ideológica qi chisstaat, em choque com o État Légal francês) à Teoria do Estado fran-
não encontra fundamento no texto constitucional. ,tarefa então realizada especialmente por Carré de Malberg*.
o
éon Duguir combate, em suas obras, a visão tradicional do Estad
erano, criticando a concepção do Poder Público como uma vontade
º Sobre a importância fundamental dos bancos públicos no sistema financeiro brasileir
com papel central no financiamento do investimento e do crescimento da economia, vil jetiva dos governantes sobre os governados. Para Duguit, 0 Estado não
Barbara STALLINGS & Rogerio STUDART, Finance for Development: Latin America in Comparatf soberano que comanda, mas uma força capaz de criar e gerar serviços
Perspective, Washingion/Santiago, Brookings Institution Press/United Nations - Economi blicos, formando um sistema realista com base na solidariedade social,
Commission for Latin America and the Caribbean, 2006, pp. 230-234. Para o papel do Estado jetivamente imposto a todos os cidadãos. O ponto central é a sua defesa
política de crédito, vide, ainda, Gérard FARJAT, Droit Economique, Paris, PUE, 1971, pp. 2152
5º Sobre a emissão monetária como tarefa estatal, vide Arthur NussBauM, Teoria Jurídica”
Dinero: El Dinero en la Teoria y en la Práctica del Derecho Alemén y Extranjero, Madrid, Libré úbrea clássica distinção da atividade econômica em sentido amplo em atividade econômica
Econômica na
General de Victoriano Suárez, 1929, pp. 48-50; José Tadeu DE CHIARA, Moeda e Ordem Jurid sentido estrito e serviço público, vide Eros Roberto GRAU, A Ordem
nistituição de 1988 cit., pp. 101-1. |
múmeo, São Paulo, Tese de Doutoramento (Faculdade de Direito da USP), 1986, pp. 32:
e Giampiero Dr PLINIO, Diritto Pubblico delPEconomia, Milano, Giuffrê, 1998, pp. 371-3 Raymond CarrÉ DE MALBERG, Contribution à la Théarie Géndrale de PEtat, reimpr.,
255-256 e,
Vide, ainda, embora sob perspectivas distintas, Georg Friedrich KNAPL, Staailiche Theorie dê ati » Centre National de la Recherche Scientifique, 1962, vol. 1, pp. 231243,
francês do final do século XIX e início
Geldes, 4º ed., Múnchen/ Leipzig, Duncker & Humblot, 1923, pp. 20-36 e Eugênio GuDIN, Pecialmente, 488-494, Sobre o debate publicista
Princípios de Economia Monetária, 9º ed, Rio de Janeiro, Agir, 1976, vol. L pp. 25-26 e 215-22
o século XX, travado entre os adeptos das concepções de État Légal e de État de Droii, vide
Sobre o papel essenciai que os bancos emissores possuem na política econômica, vide Otte EJoglle Repor, De !État Legal a VÉtat de Droit: 1ºEvolution des Conceptions de ta Doctrine
Bubliciste Française, 1879-1914, Paris, Economica/Presses Universitaires d'Aix-Marseille, 1992"
PrLEIDERER, “Die Notenbank im System der wirtschaftspolitischen Steuerung” in Josep ionalismo, 3º ed.,
H.KAIsER (org), Planung IH: Mittelund Methoden planender Verwaltung, Baden-Baden, Nomo Gilberto BercovicI, Soberania e Constituição: Para uma Crítica do Constituc
Verlagsgesellschaft, 1968, pp. 409-427, 485 Pánlo, Quartier Latin, 2020, pp. 259-272.

6
msramenagueger;

60
"CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO”
A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA
do fim da ideia de dominação (Herrschaft, puissance publique) na Teoria
o público dá-se pelo fato de todo serviço público pressupor a utili-
Estado, substituindo a soberania pelo serviço público como noção fur
os procedimentos do poder público. Utilização esta, no entanto,
mental do direito público. A doutrina de Duguit é teleológica, o Estad. ada pela referência ao próprio serviço público, ou seja, à sua missão
legitima por seus fins. Para Duguit, os governantes monopolizam a fá,
“Esta ligação que Hauriou desenvolve entre poder público e serviço
para organizar e controlar o funcionamento dos serviços públicos. S oo.distingue de Duguit: o peder do Estado detém sua legitimidade
viço público, para Duguit, “cest tout activité dont Paccomplissement doité
dida em que está a serviço do interesse social, mas o Estado só pode
assuré, reglé et contrôlé par les gouvernants, parce que Laccomplissement de ceé serviço do interesse social porque é dotado de poder.
activité est indispensable à la realisation et au développement de Vinterdépenda ra o-estudo do debate clássico francês em torno da concepção de
sociale, et qu elle est de telle nature quelle ne peut être réalisée complêtement que pa o público resta, ainda, mencionar o discípulo de Duguit, Gaston
Vintervention de la force gouvernante”s, ze entende o serviço público como elemento fundamental e deh-
O Estado, para Duguit, não é o soberano, mas o garantidor da in; do direito administrativo, cujo objeto seria formular as regras para
dependência e solidariedade sociais. Os serviços públicos não podem om funcionamento dos serviços públicos”. No entanto, Jêze diverge
interrompidos, sua continuidade é essencial e é uma obrigação imposta 46 ciologismo de Duguit, preferindo adotar a metodologia essencial-
governantes pelo fato de serem governantes, constituindo o fundament e jurídica. Para ele, serviço público está necessariamente ligado à
o limite de seu poder. Segundo Duguit, o poder público é um dever, u -gime jurídico especial, cuja base é a supremacia do interesse geral
função, não um direito dos governantes. Duguit propõe, assim, um regim ico) sobre o interesse particular (privado). Ao buscar a instrumenta-
político fundado na solidariedade social, em que os governantes tém deve ão do exercício do serviço público pelo direito público administrativo,
e obrigações de agir, o que implica na intervenção estatal nos domínios ecg caba abandonando o sentido material de serviço público de Duguit,
nômico e social, A solidariedade social, concretizada por meio dos serviço nitando-se a uma concepção jurídico-formal, Nesta perspectiva, Gaston
públicos, é, na sua visão, a forma mais adequada de legitimidade do Estado” efine serviço público como um procedimento técnico que se traduz
Embora também critique a visão subjetiva preponderante da dom; um regime jurídico peculiar.
nação estatal, ao entender o Estado como uma instituição objetiva, Mau concepção de serviço público dominante na maior parte da doutrina
rice Hauriou vai se diferenciar das concepções de Duguit tanto quant eira é a concepção formal, inspirada em Jêze. Celso Antônio Bandeira
da doutrina tradicional. Hauriou entende o Estado como uma institui Mello, por exemplo, entende a concepção material de serviço público
ção que repousa sobre equilíbrios móveis na sociedade, uma unidade n: ino “extrajurídica”. Para ele, é impossível uma definição não formal de
pluralidade, descrevendo o poder como o resultado da correlação de for: ço público: “Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade
ças dentro do processo social, A articulação entre o poder público e camodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fru-
vel singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a
& Léon DucuIr, Traitéde Droit Constitutionnel, 3º ed,, Paris, B. de Boccard, 1928, S deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de
vol. 2, p. 6
5 Léon Dugurr, Les Transformations du Droit Public, Paris, Éditions La Mémoire Direito Público ? portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restri-
dt Droi
1999, pp. 33-72; Léon Ducurr, Martel de Droit Constitutionnel, 3º ed,, Paris, Ancienne
Librairi Ss especiais? instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema
Fontemoing & Cie Éditeurs, 1918, Pp» 29-30, 67-68 e 71-84; Léon Ducurr,
Leçons de Droi
Public Général, Paris, Éditions La Mémoire du Droit, 2000, pp. 124-152; Léon Dugur
T, Traitédi “Sourcis du Droit: Le Pouvoir, POrdre et la Liberté, edição fac-similar, Caen, Centre de Philosophie
Droit Constitutionnelcit., vol. 1 (1927), pp. 541-551, 603-631, 649-654 e 670-680 e vol. 2 (1928) ilitique et Juridique/Université de Caen, 1990, pp. 89-128.
Pp. 59-107 e 118-142, Para a importância da noção de serviço público na Teoria do Estado É Maurice HAU RIOU, Précis de Droit Administratifet de Droit Public, 10º ed., Paris, Sirey, 1921,
di
Duguit, vide o indispensável estudo de Evelyne PistER-KonCENER, Le Service Public polias.
dans |
Theorie de PÉtat de Léon Duguit, Paris, L.G.D., 1972. “Gaston Jeze, Les Principes Généraux du Droit Administratif, 3º ed., Paris, Marcel Giard
* O estudo clássico do institucionalismo de Hauriou é Maurice HauRIoU, “La
Théori Abraire-Éditeur, 1925, vol. 1, pp. 1-2.
de Pinstitution et de la Fondation (Essai de Vitalisme Social)” ir Maurice HAURIOU,
Au “É Gáston Jbze, Les Principes Généraux du Droit Administratif
cit., 3º ed., 1930, vol. 2, pp. 1-23.

62 63
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

normativo” º, Há dois elementos essenciais em sua concepção de servi concepção material de serviço público, assim, é construída sobre as
público: o substrato material, a prestação de “utilidade ou comodida, 5 de coesão e interdependência sociais, justificando a necessidade da
material fruível diretamente pelos administrados”, e o elemento form ação estatal, direta ou indireta, do serviço público. Para os adeptos
que, para Celso Antônio Bandeira de Mello, é o que caracteriza efeth oncepção material, os serviços públicos podem estar previstos expli-
mente o serviço público. Só é serviço público a prestação submetida a implicitamente no texto constitucional, destacando como elemento
regime de direito público, isto é, ao regime administrativo mental para a caracterização de um serviço público a importância
A concepção formal de serviço público também é a adotada por Ma la atividade econômica, em dado momento histórico, para a coesão
Sylvia Zanella Di Pietro. Na sua definição, serviço público é entendi rdependência sociais*,
“como toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça di aatívidade econômica em sentido estrito (artigo 173, caput da Consti-
tamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretame ) pode ser prestada diretamente pelo Estado em casos de imperativos
às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público". egurança nacional ou relevante interesse coletivo. A atividade eco-
elemento material (“satisfazer concretamente às necessidades coletivas mica cm sentido estrito é prestada, preferencialmente, mas não exclu-
é, novamente, colocado em segundo plano diante do elemento formal ente, pelos agentes econômicos privados, em regime de mercado.
regime jurídico e a atribuição do serviço ao Estado por lei, que, para. stado pode prestar atividade econômica em sentido estrito nas hipóte-
Pietro, caracteriza efetivamente o serviço público” lencadas no caput do artigo 173, concorrendo com os demais agentes
A concepção material de serviço público, na atualidade, é defendi ômicos privados ou monopolizando a atividade. Este artigo define as
entre outros, por Eros Roberto Grau. Partindo da sua classificação do s ses constitucionais para a aruação stricto sensu do Estado no domínio eco-
viço público como espécie da atividade econômica em sentido amplo, q jico, exigindo que esta se dé pela via da legalidade e quando necessá-
compete preferencialmente ao setor público, este autor defende a noç os imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo”,
de serviço público como atividade indispensável à consecução da coesá Constituição de 1988, assim como várias outras constituições contem-
e interdependência sociais. Ao prestar serviço público, o Estado, ou quê; ânicas, não exclui nenhuma forma de intervenção estatal, nem veda ao
atue em seu nome, está acatando ao interesse social. A inspiração da co o atuar em nenhum domínio da atividade econômica. A amplitude
cepção material de serviço público de Eros Grau é proveniente, além
Duguit, da conceituação de administrativista gaúcho Ruy Cirne Lima! a Roberto GRAU, À Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 123-140 « Eros
Também fundado em Duguit, Cirne Lima entende o serviço público cont ELO GRAU, “Constituição e Serviço Público” in Bros Roberto Grau & Willis Santiago
RRA Filho (orgs), Direito Constitucional - Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides, São
“todo o serviço existencial, relativamente à sociedade ou, pelo menos, assim havidi o; Malheiros, 2001, pp. 249-267. Para uma análise crítica deste debate em torno da
num momento dado, que, por isso mesmo, tem de ser prestado aos componente Epdão material de serviço público de Duguit e sua adoção por parte da doutrina publicista
daquela, direta ou indiretamente, pelo Estado ou outra pessoa administrativa leira; vide Lúcia Barbosa Del PiccurA, Léon Duguit e a Noção de Serviço Público: Elementos
a O Debate sobre o Método no Direito Público, mimeo, São Paulo, Faculdade de Direito da USP
s Celso Antônio Bandeira de MELLO, Curso de Direito Administrativo, 20º ed., São Paul sertação de Mestrado), 2008, pp. 9133.
Malheiros, 2006, p. 634. Eros Grau destaca que, nos casos de imperativos de segurança nacional, apenas a União
& Ceiso Antônio Bandeira de MELLO, Curso de Direito Administrativo cit., pp. 633-639. vid dera prestar a atividade econômica em sentido estrito e sob o regime de monopólio
também Celso Antônio Bandeira de MELLO, Natureza e Regime Jurídico das Autarquias, sã niórme os artigos 21, III, 22, KXVIILe 91 da Constituição, que definem a segurança nacional
Paulo, RT, 1968, pp. 167-171 e Celso Antônio Bandeira de MELLO, Prestação de Serviços Públio como Competência exclusiva da União). Já nos casos de relevante interesse coletivo, como o
e Administração Indireta, 2º ed., São Paulo, RT, 1987, pp. 18-27, cito econômico é matéria de competência concorrente entre a União e os demais entes
Maria Sylvia Zanella Di PrETRO, Direito Administrativo, 20º ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 9 : ederação (artigo 24, E da Constituição), qualquer esfera de governo poderá atuar, desde
“ Maria Sylvia Zaneila Di PiETRO, Direito Administrativo cit. pp. 86-92, fue autorizada por lei, nos termos do artigo 173 da Constituição. Cf. Bros Roberto GRAU,
& Ruy Cine LIMA, Princípios de Direito Administrativo, 5º ed., São Paulo, RT, 1982, pp. 81-8 “Ordem Econômica ne Constituição de 1988 cit., pp. 128-129, 277-278 e 281-285. Vide, ainda,
4 Ruy Cirne Lima, Princípios de Direito Administrativo cit,, p. 82. felso Antônio Bandeira de MELLO, Curso de Direito Administrativo cit., p. 189.

64 65
A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA |
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO

maior ou menor desta atuação econômica do Estado é consequênciad mocracia e o capitalismo. A correspondência existe entre a democra-
Dema-
decisões políticas democraticamente legitimadas, não de alguma det é o socialismo, que coincidem e se institucionalizam no Estado
minação constitucional expressa. Mas o Estado deve ter sua iniciativa é tico de Diteiro, que, assim, supera o Estado Social de Direito. O Estado
ca
nômica pública protegida de forma semelhante às das iniciativas privad: nocrático de Direito, para Blías Diaz, deve ter uma estrutura econômi
democra-
cooperativa. À iniciativa econômica pública, obviamente, tem suas esp lista, necessária para a construção atual de uma verdadeira
cificidades, pois é determinada positivamente pela Constituição ou p: No entanto, no caso brasileiro, a interpretação de José Afonso da Silva
lei (assim como a liberdade de iniciativa privada também é limitada 'p rta Expressamente a presença, no texto constitucional de 1988, do
a Consti-
lei) e deve se dar de acordo com o interesse público, ou, mais especifi do Democrático de Direito de conteúdo socialista, embora
do abra perspectivas de transformação social, Para ele, a Constit uição
mente, com os imperativos da segurança nacional ou relevante interes
coletivo (artigo 173 da Constituição).O artigo 173 da Constituição seg 988 não prometeu a transição para O socialismo mediante a democra-
a tradição brasileira inaugurada em 19349, e mantida em 19468, pos econômica e o aprofundamento da democracia participativa”, distan-
bilitando de forma expressa a atuação do Estado no domínio econômii ando-s6; assim, do conceito elaborado por Elas Diaz, mas também longe
inclusive com a hipótese de instituição do monopólio estatal sobre deter adotar a visão dos adeptos do “princípio da subsidiariedade”.
minados setores ou atividades. O artigo 174 da Constituição afirma ser o Estado c agente normativo
A Constituição de 1988 não recepcionou, portanto, apesar da opiniã gulador da atividade econômica, devendo exercer as funções de fisca-
de alguns autores, o chamado “princípio da subsidiariedade"?. Fundé ção; incentivo e planejamento. Este artigo consagra, ainda, a concep-
dos em uma discussão de matriz germânica”, seus defensores chega de que o planejamento deve ser determinante para O setor público e
a equiparar o Estado Democrático de Direito ao “Estado Subsidiário”, licativo para o setor privado”. Uma ressalva, no entanto, deve ser feita: o
que não faz nenhum sentido. Pelo contrário, o espanhol Elias Diaz, c lanejamento é indicativo para o setor privado, mas não à atividade norma-
dor da expressão “Estado Democrático de Direito” parte de pressuposti a e reguladora do Estado, previstas no mesmo artigo T/A, caput da Cons-
absolutamente distintos. A democracia política, segundo Elias Diaz, exig titição. Aliás, não haveria nenhum cabimento na emanação de normas
como base a democracia econômica. Para ele, é impossível compatibiliz: pr parte do Estado que também não se aplicassem aos agentes privados”,
Estado brasileiro, portanto, não pode se limitar a fiscalizar e incentivar
& Artigo LG da Constituição de 1934: “Por motivo de interesse público e autorizada em leiespeci $ agentes econômicos privados. Deve também planejar. O modelo de
a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizaç lanejamento previsto na Constituição de 1988 visa a instituição de um
devidas, conforme o art, 113, nº 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos pode istema de planejamento com grande participação do Peder Legislativo
locais”, inculação do plano ao orçamento e aos fins enunciados no texto cons-
8 Artigo 146 da Constituição de 1946: “A União poderá, mediante lei especial, intervirno domit
econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. À intervenção terá por base o intere
itucional. No texto constitucional, estão estipuladas as bases para um
público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição”,
Elias Diaz, Estado de Derecho y Sociedad Democratica, 9º ed., Madrid, Taurus, 1998, pp. 132-137,
“º vide, por todos, José Alfredo de Oliveira BARACHO, O Princípio da Subsidiariedade: Conce
elvo-e.
e Evolução, Rio de Janeiro, Forense, 1996; Silvia Faber TORRES, O Principio da Subsidiaricdade ng
Direito Público Contemporâneo, Rio de Janeiro, Renovar, 2001 e Floriano de Azevedo MARQUE.
José Afonso da SILVA, “O Estado Democrático de Direito”, Revista da Procuradoria Geral do
átado de São Paulo nº 30, dezembro de 1988, pp. 68-71.
Neto, “Limites à Abrangência e à Intensidade da Regulação Estatal”, Revista de Direito Públici
: ! Para a defesa doutrinária desta concepção, elaborada antes da confecção da Constituição
da Economia nº 1, janeiro/março de 2003, pp. 69-93, RT,
lê boss, vide Eros Roberto GRAU, Planejamento Econômico e Regra Jurídica, São Paulo,
2 O principal autor contemporâneo que anslisa o “princípio da subsidiariedade” na Alernanhi
é Josefisensee, cuja tese foi publicada originariamente em 1968, inspirando desde então bo 1978, pp. 23-24 e 29-31.
parte da doutrina brasileira. Vide Josef IsENsEE, Subsidiaritdisprinaip und Verfassungsrecht: Bin 4 Neste sentido, vide Fábio Konder COMPARATO, “Regime Constitucional do Controle de
: Pregos no Mercado”, Revista de Direito Público nº 97, janeiro/março de 1991, p. 20.
Studie ilber das Regulativ des Verhiilinisses von Staaé und Geseilschaft, 2º ed., Berlin, Duncker &
Humiblor, 2001.
“Bros Roberto GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 307-312,

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CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

planejamento democrático, com aumento da transparência e controle 5 oque isto comprometa o princípio da livre concorrência (artigo 170,
o gasto público, ao exigir coerência entre o gasto anual do governo é o «deve ser considerado em conjunto com os demais princípios estru-
nejamento de médio e longo prazos. A grande dificuldade situa-se na “sa ordem econômica constitucional*. O mesmo não se dá no caso
de vontade política para implementar novamente o planejamento est «s vinculados à Administração Pública que prestem atividade eco-
Esta falta de vontade política em planejar é patente no descumprime em sentido estrito, neste caso, submetidos constitucionalmente em
da determinação constitucional de estabelecimento de uma legislação ste ao 'mesmo regime jurídico dos demais agentes econômicos priva-
temática do planejamento, conforme o artigo 174, $1º, que, até hoje, iclusive a submissão às regras concorrenciais, conforme estabelecido
foi elaborada”. igo 173, 64º da Constituição e no artigo 31 da Lei nº 12.529/2011º,
Ao consagrar a livre concorrência como princípio da ordem econôm ontrário da concentração de poder econômico privado, cujo abuso
constitucional, o texto de 1988 atribuiu a titularidade da defesa da. er reprimido (artigo 173, $4º da Constituição), a concentração pode
corrência e da repressão ao abuso do poder econômico à coletividade, éfica quando se trata de constituir um setor estatal forte, capaz de
às empresas, conforme, inclusive, explicita o artigo ɺ, parágrafo únic sentido dos dispositivos constitucionais. Para repensar as bases
Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que dispõe sobre a prevenção tura do Estado brasileiro, não se pode deixar de levar em consi-
a repressão às infrações contra a ordem econômica. A concorrência é ão d questão central da atualidade: a prevalência das instituições
meio, um instrumento de política econômica, não um objetivo da or ocráticas sobre o mercado e a independência política do Estado em
econômica constitucional”, : p ao poder econômico privado, ou seja, anecessidade de o Estado ser
À Lei nº 12.529/201, é expressa, em seu artigo 31, ao determinaí de Yma sólida base de poder econômico próprio”. O fundamento
aplicação às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privad *isão; consubstanciada no texto constitucional vigente, é o de que
mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal. A q e existir um Estado democrático forte sem que sua força também
tão, no entanto, não é tão simples assim. A Lei nº 12.529/20H regula o pliada do ponto de vista econômico, para que ele possa enfrentar
pesto no artigo 173, 44º da Constituição de 1988: “A let reprimir o abuse eresses dos detentores do poder econômico privado,
poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrêni este contexto, pode ser útila concepção de proteção da ordem pública
e ao aumento arbitrário dos lucros”. A legislação que trata da defesa da có mica.A ordem pública econômica, na clássica definição de Farjat,
corrência e da repressão ao abuso do poder econômico se aplica sobre
agentes estatais que atuam no mercado, não sobre agentes estatais q!
implementam políticas públicas sociais, como é o caso dos serviços púb “Eros Roberto GRAU, À Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 166 e 230-212.
e sentido, vide Herbert HovENKAMP?, Antitrust, 3º ed., St. Paul, West Group, 1999,
cos prestados diretamente pelo Estado ou por órgão estatal, ou seja, a É
69-273. Este entendimento, inclusive, é o da Suprema Corte dos Estados Unidos desde
nº 12.529/20M se aplica às pessoas jurídicas de direito público ou privad célebre caso Parker v. Brown, 317 U.S. 341 (1943), decidido em 04 de janeiro de 1943,
mesmo que exercendo monopólio legal, que prestem atividade econômi Har que: “The UL.S. Supreme Court held that the Sherman Act's antitrust laws did not apply to
em sentido estrito (artigo 173), e não serviço público (artigo 175). A pre Etions”, Esta interpretação foi mantida no caso Columbia v. Omni Outdoor Advertising,
tação de serviços públicos pelo Estado, nos termos dos artigos 170 e 175 59 U.5.365 (1991), decidido em 01 de abril de 1991, em que a Suprema Corte entendeu
Herman Act não se aplica em virtude de restrições à concorrência para a realização de
Constituição, é um dever da Administração Pública, dentro da esfera « ficas públicas: “the Court held that the Parker immunity applied directly to local governments if
legalidade, visando a atender da melhor forma possível o interesse públic sction of competition was authorized to implement state policy”,
literatura nacional é omissa a este respeito. A exceção fica a cargo da tese de Alberto
da Rocha Barros, O Poder Econômico do Estado Contemporâneo e seus Reflexos no Direito,
*8 Vide, por todos, Gilberto Bercovici, “Estado, Planejamento é Direito Público no Brai à, São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1953. Na literatura
Contemporâneo” neste volume. langeira, vide, por exemplo, Oscar de Juan AsenJO, La Constitución Económica Espafiola
? Eros Roberto Grau, 4 Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 208-214. Dp.318-323,

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CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

é uma noção funcional, que compreende o conjunto de medidas esta efesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica demons-
que visam a organização e a manutenção das estruturas econômi à está determinação constitucional de acompanhar o processo econóô-
No caso brasileiro, segundo o disposto na Constituição de 1988, a ord ico tâmbém sob o ponto de vista ambiental'*, A previsão constitucional
pública econômica tem como objetivo permitir a atuação estatal é dá meio ambiente está, ainda, associada à concepção de desenvolvimento
agentes econômicos privados no processo de desenvolvimento econômi ntável, que, para Ignacy Sachs, busca harmonizar os objetivos sociais,
Para tanto, a atuação do setor privado e do setor estatal devem convergi nbientais e econômicos do desenvolvimento”, A dimensão ambiental,
e trabalhar em conjunto, visando a consecução do objetivo constituc sim, pode ser somada às demais dimensões do Estado Constitucional,
nal de superação do subdesenvolvimento (artigo 3º, Il da Constituição stituindo o que se chama de “Estado Constitucional Ecológico".
1988), no sentido de rompimento com a situação de dominação extern A soberania econômica está prevista formalmente no artigo 170, 1
interna em que se encontra o país, a partir da transformação das estrul onistituição de 1988, como um princípio da ordem econômica”, No
ras socioeconômicas que possibilitem a integração democrática de toda: anto; a soberania econômica deve ser entendida em conjunto com o
população no processo de desenvolvimento e internalizem os centros go 3º, IL, que declara o desenvolvimento nacional como um dos obje-
decisão econômica, vos da República, e o artigo 219 da Constituição, que integra o mercado
O valor social do trabalho é um dos fundamentos da República (art terno ao patrimônio nacional. Neste contexto, ao incorporar o desenvol-
E, IV) e da ordem econômica constitucional (artigo 170, capui)º?, inserido imento como objetivo da República, compreendendo o desenvolvimento,
no contexto de proposta de estruturação de uma sociedade de bem-es im a eliminação das desigualdades, como a síntese dos objetivos histó-
da Constituição de 1988, Vinculado à valorização do trabalho humano, js nacionais?s, a Constituição de 1988 está voltada para um modelo de
princípio da busca do pleno emprego (artigo 170, VIII) é também, in envolvimento específico, vinculado à experiência histórica brasileira:
retamente, uma garantia para o trabalhador, refletindo efeitos em relaç
ao direito social ao trabalho (artigo 6º da Constituição).
A tutela do meio ambiente, prevista também no artigo 225 da Co José Joaquim Gomes CanoTILHO, “Estado Constitucional Ecológico e Democracia
tituição, é um dever fundamental inscrito na ordem econômica (artig tentada” cit. pp. 499-500. Vide também Fabio NusDEo, “Direito Econômico Ambiental
álindo ParLipeI Jr & Alaôr Caffé ALves (orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental,
170, VDÊ. A Constituição de 1988 busca uma concepção integrada
Wet, Manole, 2008, pp. 717-738. |
meio ambiente, visando a uma proteção global e sistemática. A inserção ide Ignacy SacHs, Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável, 3º ed., Rio de Janeiro,
atamond, 2008, pp. 50-55, 67 e 71-72 e José Eli da VEIGA, Deservolvimento Sustentável:
esafio do Século XXI, 2º ed., Rio de Janeiro, Garamond, 2006, pp. 170-172 e 187-208.
“ Vide Gérard FARJAT, Droit Économique cit., pp. 41-49; Hubert CHARLES, «Peut-On Pati dolfsSreiNBERG, Der dkologische Verfassungsstaai, Prankfurt-am-Main, Suhrkamp, 1998,
d'une Conception Républicaine du Droit Économique Français?» in VVAA, Philosophie 41-48e 396-444€ José Joaquim Gomes CANOTILHO, “Estado Constitucional Ecológico
Dryoitet Droit Ecomomique: Quel Dialogue? — Mélanges en "Honneur de Gérard Farjat, Paris, Éditi Democracia Sustentada” cit, pp. 506-508.
Frison-Roche, 1999, pp. 13-14; M. M. M. SALAH, «Les Transformations de POrdre Pub é “Deyo ressaltar, inclusive, que a soberania, na realidade, não é um princípio, no sentido
Economique vers un Ordre Public Régulatoire?» in VVAA, Philosophie du Droit et Droh um “mandamento de otimização”, como defende a teoria de Robert Alexy. A distinção,
Economique: Quel Dialogue? cit, pp. 262-266 e Paulo Luiz de Toledo Piza, Contrato de Ressegutd Sje amplamente divulgada, entre regras/princípios não é adequada para os dispositivos
Tipologia, Formação e Direito Internacional, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito do Segu istitucionais de natureza organizatória ou procedimental. Em sentido contrário, para
2002, pp. 458-468. tm estudo que reduz a soberania a mero princípio constitucional, vide Arnaud HaquET, Le
“ Fábio Konder Comparato, “Ordem Econômica na Constituição Brasileira de 198 acept de Souveraineté en Droit Constitutionnel Français, Paris, PUF, 2004, pp. 31-155.
Revista de Direito Público nº 93, janeiro/março de 1990, pp. 269-270. -CÉ Fábio Konder ComparaTo, “Um Quadro Institucional para o Desenvolvimento
* Sobre a proteção do meio-ambiente como um dever fundamental, vide José Joaquim Gomé: émocrático” in Hélio JAGUARIBE etal., Brasil, Sociedade Democrática, 2º ed., Rio de Janeiro,
CanNoTILHO, “Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada”. iti Ingo Wolfga. € Olympio, 1986, p. 410 e Francisco de OLIVEIRA, “A Navegação Venturosa” in Francisco
SARLET, (org), Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional GÓLIVEIRA (org), Celso Furtado, coleção Os Grandes Cientistas Sociais, vol. 33, São Paulo,
Comparado, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, pp. 501-502. : tea; 1983, p. 27

70 re:
. CONSTITUIÇÃO
FEUIÇÃO ECONÔMICA
ECON É DESENVOLVIMENTO
To A CONSTITUIÇÃ ÃO ECONÔMICA
E
o modelo nacional-desenvolvimentista*”, A incorporação da superaç 1988 que foi deixado em segundo plano por muito tempo, o artigo 172,
do subdesenvolvimento como objetivo constitucional é fruto da avaliaç ue dispõe sobre o regime jurídico do capital estrangeiro e da remessa de
histórica deste modelo de desenvolvimento durante a redemocratizaç ros para o exterior.
da década de 1980.
Outra manifestação da soberania econômica se dá no controle dos
A soberania econômica é relativa. Como o sistema capitalista mundi
cúirsos naturais estratégicos do país, particularmente os recursos mine-
é um sistema hierarquizado*”, cada país percebe a soberania econômic: is: À Primeira Guerra Mundial chamou a atenção da importância estraté-
seu modo. Na potência hegemônica, por exemplo, o debate sobre sobêr a dos recursos minerais brasileiros, particularmente o ferroe o petróleo.
nia econômica é quase inexistente. Já para os países periféricos, em d
oi a produção de aço, concedida ao industrial Percival Farguhar, da Com-
se compreende o subdesenvolvimento como um fenômeno de domin:
nhia de Aços Itabira”, e a oposição do Governador de Minas Gerais e,
ção, como uma realidade histórico-estrutural, simultânea, e não com go depois, Presidente da República Arthur Bernardes a esta concessão,
uma etapa prévia, ao desenvolvimento”, a questão da soberania econ ue gerou o principal debate sobre a nacionalização dos recursos minerais
mica é fundamental, pois diz respeito à autonomia das decisões de políti E sileiros, culminando na Reforma Constitucional de 1926, que alterou a
econômica e à percepção de suas limitações e constrangimentos inté nstituição de 1891, proibindo a transferência de minas e jazidas minerais
nos e externos. À recente crise financeira internacional”, desde setemb
ecessárias à segurança e defesa nacionais para estrangeiros (nova redação
de 2008, vem demonstrando, inclusive, que a crise econômica é senti
o artigo 72, $17 da Constituição de 1891). A nacionalização do subsolo,
nacionalmente, portanto, as soluções buscadas, em boa parte, são tambéi
as, jazidas minerais e demais fontes energéticas, separando-os da pro-
soluções nacionais. A questão do controle dos fluxos de capitais e a cri edade do solo, deu-se, no entanto, apenas com a Revolução de 1930º8,
financeira internacional reavivaram o debate sobre a soberania econômic “ Durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas foram promulgados o
inclusive, no centro do sistema mundial. No caso brasileiro, há a possibi Código de Minas (Decreto nº 24.642, de 10 de julho de 1934) e o Código
dade de se utilizar mais adequadamente um dispositivo da Constituiçã e Águas (Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934)%, cujos princípios
*? Sobre a incorporação do ideário nacional-desenvolvimentista (e keynesiano) no texto ssenciais, como a nacionalização do subsolo, foram constitucionalizados
Constituição de 1988, vide Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituiç pela Constituição de 1934 e mantidos até o texto da Constituição de 1988
cit, pp. 35-44, 54-67, 291-302 e 3172-315.
* Sobre a hierarquia de moedas no sistéma capitalista mundial, vide Luiz Gonza: & Vide Jobn D. WiRTH, A Política do Desenvolvimento na Era de Vargas, Rio de Janeiro, Fundação
BerLuz29, “Dinheiro e as Transfigurações da Riqueza” in Maria da Conceição TavaRES & “Getúlio Vargas, 1973, pp. 59-72. No Direito Internacional, inclusive, a Resolução nº 1803
José Luis FroRI (orgs., Poder e Dinheiro - Uma Economia Política da Globalização, Petrópol A VII) da Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada em 14 de dezembro de 1962, trata da
Vozes, 1997, pp. 151-193; José Luis Pior, “Estados, Moedas e Desenvolvimento” in José “Soberania Permanente sobre os Recursos Naturais”, declara o direito permanente dos povos
Lu
FIORI (org,), Estados : Moedas no Desenvolvimento das Nações, 3º ed, Petrópolis, Vozes, 2000; das nações sobre seus recursos naturais, que devem ser utilizados para o desenvolvimento
pp. 49-85; Luiz Gonzaga BeLLUZZO, “Finança Global e Ciclos de Expansão” in José Luís acional e o bem-estar social da população (artigo 1º) e entende como contrária ao espírito e
FrorI (org), Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações cit,, pp. 87-17; Carlos Aguiar de. princípios da Carta das Nações Unidas a violação destes direitos soberanos sobre os recursos
MEDEIROS & Franklin SERRANO, “Padrões Monetários Internacionais e Crescimento” in “naturais (artigo 7º). Vide, por todos, Nico SCHRIJVER, Sovereignty Over Natural Resources:
José Luís Frort (org), Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações cit. pp. 19-15; Franklin : Balancing Righis and Duties, reimpr., Cambridge/New York, Cambridge University Press, 2008.
SERRANO, “Relações de Poder e a Política Macroeconômica Americana, de Bretton ** À legislação ordinária será alterada em 1940 (Código de Minas, Decreto-Lei nº 1.985, de
Woods
ao Padrão Dólar Flexível” in José Luís FIORI (org), O Poder Americano, Petrópolis, Vozes; “29 de março de 1940) e 1967 (Código de Mineração, Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro
2004, pp. 179-222 e José Luís Fort, O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações, São Paulo; : de 1967, ainda em vigor, embora com várias modificações). "
Boitempo Editorial, 2007, pp. 13-40, 5 O projeto do Código de Águas foi elaborado, ainda em 1907, por Alfredo Valladão, mas só foi
“* Cf. Celso FURTADO, Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico, 10º ed., Rio de implementado a partir do Governo Provisório, no início da década de 1930. Sobre a elaboração
Janeiro;
Paz e Terra, 2000, pp. 197 e 207, : e conteúdo do Código de Águas, vide Luiz Gustavo Kaercher LOUREIRO, A ndistria Elétrica
? Vide James K. GALBRAITH, The Predator State: How Conservatives Abandoned the Prec Market: “eo Código de Águas: O Regime Jurídico das Empresas de Energia entre a Concesston de Service Public e
and Why Liberais Should Too, New York/London, Free Press, 2008, pp. 126-148. “q Regulation of Public Utilities, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2007, pp. 173-206.

72 73
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA:

(artigos 20, V; 20, VIII; 20, IX e 176). A criação da Companhia Siderú traiu, oque é manifestamente inconstitucional, pois viola os artigos 20,
gica Nacional (Decreto-Lei nº 3.002, de 30 de janeiro de 1941), em Vol 177 da Constituição de 1988”,
Redonda (RJ), como parte da aliança do Brasil com os Estados Unid * Esté modelo de concessões, abandonado na maior parte dos países
durante a Segunda Guerra Mundial, a criação do Conselho Nacional etrolíferos, seria mais apropriado para reservas pequenas ou médias e
Petróleo (Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1928 e Decreto-Lei nº 53 om alto risco exploratório. Com a descoberta das reservas da chamada
de 7 de julho de 1938), sob a direção do General Júlio Caetano Horta Ba gião do “pré-sal”, cujo gigantismo e potencial são significativos, retorna
bosa, e a criação da Companhia Vale do Rio Doce (Decreto-Lei nº 4.35 ebate sobre a soberania econômica e se manifesta a necessidade de um
de 1º de junho de 1942), iniciaram a construção da infraestrutura miner 6 ordenamento jurídico do petróleo, tendo em vista a disputa sobre a
e siderúrgica que possibilitou o processo de industrialização do país. Es ropriação dos recursos a serem obtidos com a sua exploração. A revisão
processo vai ser consolidado com a campanha popular “O Petróleo é Nosso ta legislação deve entender como imperativo que o Estado seja dotado
no início da década de 1950, que culmina com a criação da Petrobrás edi
strumentos aptos para a apropriação dos excedentes gerados por suas
monopólio estatal do petróleo (Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953) n
servas naturais. Reservas estas, aliás, cuja exploração só foi tornada pos-
segundo governo de Getúlio Vargas, que se tornou o grande exemplo d graças ao maciço investimento público, inclusive em tecnologia. Além
empresa estatal brasileira bem sucedida simbólica « economicamente?
to, no “pré-sal” não existe risco exploratório, pois o petróleo já foi encon-
À política brasileira de exploração dos recursos minerais e energéti
o teve sua qualidade atestada. Permanecem apenas os riscos da atívi-
foi desestruturada nos anos 1990, com o processo de privatização, cu
dede extração e comercialização, que variam de acordo com o câmbio
principal polêmica se deu em torno da venda da Companhia Vale do Rá
on o preço do petróleo decidido internacionalmente.
Doce, em 1997, O monopólio estatal do petróleo, por sua vez, foi ma
O petróleo não é, como defendem alguns, uma commodity, mas um
tido pelo artigo 177 da Constituição de 1988. No entanto, com a Emend
ecurso energético escasso e estratégico, vital para o desenvolvimento
nº 9, de 9 de novembro de 1995, este monopólio foi “lexibilizado”, m
não eliminado, ao se introduzir a possibilidade de concessão da explor: é qualquer país”. Não é outro o motivo que legitima o monopólio esta-
exercido, até 1997, diretamente pela Petrobrás. A função da Petrobrás | .
ção do setor petrolífero a empresas privadas, nacionais ou estrangeira
A mudança constitucional foi regulamentada pela Lei nº 9.478, de 6 di 9 é obter lucros ou dividendos para seus acionistas privados, mas atuar |
omo um instrumento da política econômica nacional. Neste sentido, a
agosto de 1997, que revogou a legislação anterior e limitou-se à possib
lidade de concessão da exploração do petróleo, passando a propriedad, pria reestruturação societária da Petrobrás deve ser repensada, sob
éna desta ser reduzida a mera intermediária entre a exploração de um
dos recursos minerais, que, no subsolo, pertencem à União, para quem à
im público e a sua apropriação por uma minoria de acionistas privados,
*é Sobre a siderurgia ea mineração, vide John D, Wixrm, A Política do Desenvolvimento na E nelusive estrangeiros, o que fundamentaria a criação de uma nova esta-
de Vargas cit., pp. 73-109; Francisco Magalhães GOMES, História da Siderurgia no Brasil, Bel à para o “pré-sal”. A legislação do petróleo de 1997, portanto, além de
Horizonte/São Paulo, Itatiaia/EDUSL, 1983, pp. 201-285 e Marta Zorzal e Siva, A Vale Onstitucional, encontra-se totalmente inadequada aos novos desafios,
Rio Doce na Estratégia do Desenvolvimentismo Brasileiro, Vitória, EDUFES, 2004, pp. 134-22,
O embate essencial trata de quem irá se apropriar dos excedentes gera-
Para a política petrolífera, vide Gabriel Con, Petróleo e Nacionalismo, São Paulo, Difel, 196
pp- 181-188; John D, Wit, À Política do Desenvolvimento na Era de Vargas cit., pp. 113-192 Os pela exploração das nossas riquezas minerais: alguns poucos grupos
Edelmira del Carmen Alveal CONTRERAS, Os Desbravadores:A Petrobrásea Construção do Bra tonômicos privados ou a maioria da população”.
Industrial, Rio de Janeiro, Relume-Dumará/ ANPOCS, 1994, Sobre a campanha “O Petróleo
Nosso” e a criação da Petrobrás em 1953, vide Angelissa Azevedo e SiLVA, “A Campanha d Obre este debate, vide Gilberto BercovicI, Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos
Petróleo: Em Busca da Soberania Nacional” in Jorge FERREIRA & Daniel Aarão REIS (orgs Minerais cir., pp. 285-296.
As Esquerdas no Brasil, vol, 2 (Nacionalismo e Reformismo Radical, 1945-1964), pp. 311-333, Vid a Nide Gilberto BercovicI, Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Mineraiscit., pp. 48-53.
ainda, Gilberto Bercovici, Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais, São Paul Sobre este debate, recrudescido recentemente com a aprovação da nova legislação sobre
Quartier Latin, pp. 68-205. Exploração dos recursos petroliferos motivada pela descoberta das jazidas do pré-sal (Lei

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CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO & CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA,

Após mais de vinte anos da promulgação da Constituição de 1988 mstituição alemã de Weimar, embora contivesse decisões políticas
depois de todas as tentativas de interdição do debate público sobre co; amentais sobre a forma de existência política concreta do povo ale-
e para quem desenvolver o país, a soberania econômica está no cé , possufa em seu texto inúmeros compromissos € obscuridades que
das discussões nacionais. O debate público, amplo e democrático sobr o representavam decisão alguma, mas, pelo contrário, cuja decisão havia
utilização dos recursos estratégicos do país não é apenas necessário, adiada. Estes compromissos, denominados “compromissos dilatórios”
trata-se de uma obrigação constitucional, ou seja, cabe apenas ao' pó rischen FormelkompromiB) por Schmitt, fruto das disputas partidá-
brasileiro decidir sobre os rumos do desenvolvimento nacional e sobre s que adiaram a decisão sobre certos temas, apenas gerariam confusão
seu próprio destino. térprete. Afinal, para Carl Schmitt, nestes dispositivos, a única von-
le é à de não ter, provisoriamente, nenhuma vontade naquele assunto,
3.6. A batalha pela Constituição Econômica sendo possível, portanto, interpretar uma vontade inexistente. Estes
A Constituição de 1988, como Constituição Dirigente e podendo ser dl mpromissos dilatórios” representam, na verdade, apenas uma vitória
sificada como Constituição Econômica, incorpora em seu texto o confli Fica obtida por uma coalizão de partidos em um memento favorável, cujo
muitas vezes ignorado por nossa doutrina publicista. Esta incorporação: jetivo é preservar seus interesses particulares contra as variáveis maio-
conflito ao texto constitucional, chamando formalmente a atenção sob s parlamentares, Os “compromissos dilatórios” seriam particularmente
estas questões e determinando a necessidade de se encontrar soluções reeptíveis entre Os direitos fundamentais, cuja garantia seria debilitada
particularmente sensível e perceptível no capítulo da ordem econômica a inscrição de programas de reforma social de interesse de certos par-
Não é à toa que é no capítulo da ordem econômica em que se travara los políticos entre os direitos propriamente ditos'*,
os grandes embates políticos e ideológicos nas discussões da Assembl “lâmbém será na ordem econômica da Constituição que vão ser encon-
Nacional Constituinte! Também não por outro motivo que este capitu adas e denunciadas as “normas programáticas”, noção desenvolvida de
foi o mais desfigurado pelo intenso processo de reformas constitucion aneira mais aprofundada pelo italiano Vezio Crisafulli, a partir do debate
neoliberais levado a cabo desde o Governo de Fernando Henrique Cardo efetivação da Constituição italiana de 1947*. Normas constitucionais
Será justamente na ordem econômica da Constituição que os se rogramáticas são, nas palavras de José Afonso da Silva, “normas constitu-
críticos encontrarão as “contradições” e os chamados “compromiss nais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente,
dilatórios”*, E isto desde o debate da Constituição de Weimar. Já em st determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos
Teoria da Constituição (Verfassungslehre), de 1928, Carl Schmitt afirmava q pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como pro-
Stamas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”,
nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010), vide especialmente, Gilberto BeRcovICI, Direi À concepção de norma programática teve enorme importância na Itália,
Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais cit., pp. 298-361. ão afirmar que os dispositivos sociais da Constituição eram também nor-
vo Eros Roberto GRAU, À Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 158-173, Vid
Mas jurídicas, portanto, poderiam ser aplicadas pelos tribunais nos casos
também Washingtor: Peluso Albino de Souza, Teoria da Constituição Econômica cit. pp. 361-38
li Vide Eros Roberto GRAU, À Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 287-298,
Manoqel Gonçalves FERREIRA Filho, Direito Constitucional Econômico cit., pp. 61-71 e 97-8 “Carl Scumirr, Verfassungsichre cit., pp. 28-36 e 128-129.
Sobre a reação negativa de hoa parte da elite econômica e social brasileira às conquistas d; sá “Os textos clássicos que tratam do assunto são os artigos “Le Norme 'Programmatiche' della
Constituição de 1988, crítica esta exacerbada com a hegemonia do discurso neoliberal, vid Costituzione” in Vezio CRISAFULLI, La Costituzione e le sue Disposizioni di Princípio ci., pp. Sl-
Paulo BonavIDES, Do País Constitucionalao Pais Neocolonial: A Derrubada da Constituição é 8: 83 (publicado, originariamente, na Rtvista Trimestrale di Diritto Pubblico nº 1, janeiro/março de
Recolonização pelo Golpe de Estado Institucional, São Paulo, Malheiros, 1999.
= 1951, pp. 2357-389) e “Lart. 21 della Costituzione e "Equivoco delle Norme 'Programmatiche”
i2 Para o entendimento da Constituição de 1988, especialmente a ordem econômica, com ihidem, pp. 99-11.
contraditória, vide Manoel Gonçalves FERREIRA Filho, Direito Constitucional Econômico ch E José Afonso da SiLva, Aplicabilidade das Normas Constituctonaís, 3 ed. São Paulo, Malheiros,
pp. 72, 80-83 e 98. Vide também José Eduardo Farra, Direito e Economia na Democratização : 1098, p. 138. Vide também Vezio CRISAPULLI, La Costituzione e le sue Disposizioni di Principio
: mt, pp. 53-55,
Brasileira, São Paulo, Malheiros, 1993, pp. 50-59, 91-92, 98-101 e 152155,

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“CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO “A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

concretos. As ideias de Crisafulli tiveram enorme repercussão e sucê ja Teoria “autossuficiente” da Constituição. Ou seja, criou-se uma Teoria
no Brasilis, No entanto, sua aplicação prática, tanto na Itália como Constituição tão poderosa, que a Constituição, por si só, resolve todos
Brasil, foi decepcionante. Norma programática passou a ser sinônimo problemas. O instrumentalismo constitucional é, desta forma, favore-
norma que não tem qualquer valor concreto, contrariando as intenções. , ido acredita-se que é possível mudar a sociedade, transformar a reali-
seus divulgadores”. Toda norma incômoda passou a ser classificada có de apenas com os dispositivos constitucionais. Consequentemente, o
“programática”, bloqueando, na prática, a efetividade da Constituiçã stado ea política são ignorados, deixados de lado. A Teoria da Constitui-
especialmente, da Constituição Econômica e dos direitos sociais!” ão Dirigente é uma Teoria da Constituição sem Teoria do Estado e sem
A batalha ideológica em torno da Constituição de 1988 é cada vez mi olítica!!, E é justamente por meio da política e do Estado que a Consti-
acirradal?, As críticas conservadoras todas podem ser solucionadas, f ção vai ser concretizada.
malmente, por uma hermenêutica constitucional leal à Constituição!! M mbora sua juridicidade seja essencial, a Constituição não pode ser
só isto não basta. Para resistir às críticas e tentativas de enfraquecime: tendida isoladamente, sem ligações com a teoria social, a história, a
e desfiguração da Constituição de 1988 é necessário sair do instrume conomia e, especialmente, a política!ê. A Constituição real e a Consti-
talismo constitucional a que fomos jogados pela adoção exageradame uição normativa estão em constante contato, em relação de coordenação.
acrítica da Teoria da Constituição Dirigente, que é uma Teoria da Co ndicionam-se, mas não dependem, pura e simplesmente, uma da outra.
tituição autocentrada em si mesma. À Teoria da Constituição Dirigent Constituição não é apenas uma “folha de papel”, não está desvinculada
a realidade histórica concreta, mas, também, não é simplesmente con-
“6% Devemos destacar o texto pioneiro de José Horácio Meirelles TEIXEIRA, Curso de Direi cionada por ela. Em face da Constituição real, a Constituição jurídica
Constitucional, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991, pp. 295-362 e a tese clássica de Jos jossui significado próprio!*.
Afonso da STLVA, Aplicabilidade das Normas Constitucionais cit., pp. 135-164, Vide também Paul
BoONAVvIDES, Curso de Direito Constitucional, 7º ed., São Paulo, Malheiros, 1998, pp. 210-22:
s funções da Constituição podem ser sintetizadas, para Hans Peter
Eu mesmo, equivocadamente, já utilizei a concepção de “norma programática” na análise di ichneider, em três dimensões: a dimensão democrática (formação da uni-
Constituição de 1988, vide Gilberto BercovicI, “A Problemática da Constituição Dirigent
Algumas Considerações sobre o Caso Brasileiro” cit,, pp. 36 e 43-44. é Vide nossa intervenção na Mesa Redonda das Jornadas sobre a Constituição Dirigente
“* Vide Vezio CRISAFULLI, La Costituzione e le sue Disposizioni di Principio cit., p. 101. Canotilho, transcrita no livro Jacinto Nelson de Miranda CouTINHO (org), Canotilho
WE Vezio CRISAFULLI, La Costituzione e le sue Disposizioni di Principio cit., p. 105. Constituição Dirigente, Rio de Janeiro, Renovar, 2002, pp. 77- 79 e Lenio Luiz STRECK,
“2 Neste sentido, entendendo a ordem econômica da Constituição de 1988 como ineficaz “Jurisdição Constitucional e Hermenêutica cit., pp. 133-145 e 836-837, Devemos ressaltar, no
inefetiva por estar recheada de normas programíáticas, vide Manoel Gonçalves FERREIR entanto, que Canctilho define a Constituição como “estatuto jurídico do político” eafirma que
Filho, Direito Constitucional Econômico cit., pp. 75-78 e 86 e José Eduardo FARIA, Direito a Constituição Dirigente pressupõe um Estado intervencionista ativo. CÍ. José Joaquim Gomes
Economia na Democratização Brasileira cit., pp. 91-92, 98-10] e 152-155. :ANOTILHO, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador
cil., pp. 79 e 390-392. Entretanto,
“º Para o entendimento de que a Constituição de 1988 é a principal responsável pela cris estas considerações não afetam substancialmente a contestação levantada da falta de uma Teoria
brasileira de governabilidade, vide Manoel Gongalves FERREIRA Filho, Constituição “do Estado e da falta de maiores considerações a respeito da política na Teoria da Constituição
Governabilidade: Ensaio sobre a (In)governabilidade Brasileira, São Paulo, Saraiva, 1995, pp. Dirigente, Para uma revisão posterior de alguns destes posicionamentos, vide José Joaquim
19-23, 34-38, 55-56, 61-66 e 142, Vide também José Eduardo FARIA, Direito e Economia nã ômes CANOTILHO, Direito Constitucionate Teoria da Constituição, 7º ed., Coimbra, Livraria
Democratização Brasileira cit., pp. 10-30. “Almedina, 2004, pp. 1345-1346 e 1436-1437, José Joaquim Gomes CANOTILHO, “Prefácio”
!U Sobre a hermenêutica e a metódica jurídicas leais à Constituição, vide Friedrich MULLER ih José Joaquim Gomes CANOTILHO, Constituição Dirigentee Vinculação do Legislador cit., 2º ed,
Juristische Methodik, 7º ed., Berlin, Duncker & Humblot, 1997, pp, 12-13, 287-289 e 327-32! p. XIILXV e XXIILXXVI e José Joaquim Gomes CANOTILHO, “O Estado Adjetivado e a
Vide também Paulo Ricardo ScHIER, Filtragem Constitucional: Construindo uma Nova Dogmátic “Teoria da Constituição”, Interesse Público nº 17, janeirofevereiro de 2003, pp. 13-24.
Jurítica, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, pp. 95-100, Esta hermenêutica pod “é Hans Peter SCHNEIDER, “La Constitución - Función y Estructura” in Hans Peter
se fundar tanto na proposta de aplicação dos princípios da ambigiiidade e da economicidad (SCHNEIDER, Democracia y Constitución, Madrid, Centro de Estudias Constitucionales, 1991,
em harmonia com a ideologia constitucional, como propõe Washington Albino Peluso d: PD.390 43.
Souza. Vide Washington Peluso Albino de Souza, Teoria da Constituição Econômica cit * Konrad Hessz, Die normative Kraft der Verfassung cit., pp. 8-12 é 17-19, Vide também Paulo
pp. 297-359 e 379-382. “BonaviDEs, Curso de Direito Constitucional cit., pp. 1600-162,

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"CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

dade política!!, a dimensão liberal (coordenação e limitação do pod erania estatal e soberania popular'?”. Fortalecer o Estado brasileiro
estatal) e a dimensão social (configuração social das condições de vida peração do subdesenvolvimento, neste sentido, é também fortalecer
Todas estas funções são interligadas, condicionando-se mutuamente! a pão dizer instaurar) o regime republicano e democrático da sobe-
O significado da Constituição, portanto, não se esgota na regulação é nia popular no Brasil.
procedimentos de decisão e de governo, nem tem por finalidade criar um “Ea reestruturação deste Estado que possa superar o subdesenvolvi-
integração alheia a qualquer conflito. Nenhuma de suas funções pod nto passa por um projeto nacional que, no nosso entender, tem seus
ser entendida isoladamente ou abseolutizada. Mas, fundamentalment damentos previstos na Constituição de 1988, À Constituição de 1988
Constituição, como afirmou Hans Peter Schneider, é direito político: sim, O pressuposto essencial para a retomada da discussão de um pro-
sobre e para o político!” to nacional de desenvolvimento. Afinal, segundo Peter Háberle, a Cons-
Este é um dos grandes problemas dos estudos jurídicos e constituc lição é a expressão também de certo grau de desenvolvimento cultural,
nais do Brasil na atualidade: a falta de uma reflexão mais aprofunda m meio de auto representação própria de todo um povo, espelho de sua
sobre o Estado! É necessário que os juristas retomem a pesquisa sobre altura e fundamento de suas esperanças”,
Estado, voltem a se preocupar com uma Teoria do Estado. Isto se reves
de maior importância no caso do Estado brasileiro, que, além de tud.
é subdesenvolvido. Conhecer, assim, os obstáculos à atuação do Estad
brasileiro e buscar alternativas para superá-los é fundamental, em nos
opinião, na (reestruturação deste Estado para a promoção do desenvo
vimento. E, em uma democracia, o ponto fundamental é entender o pow
como o sujeito da soberania!”, ou seja, há uma completa identificação ent

“8 A busca da unidade pela Constituição não pode ser simplificada: o consenso é resultado
conflitos e compromissos com diferentes opiniões e interesses. O Direito Constitucional é ú;
direito de compromisso e conflito. É neste sentido que se devem repercutir os pressupostóg:
processuais sobre a interpretação material da Constituição. Vide Konrad Hesse, Grundzil
des Verjassungsrechis der Bundesrepublik Deutschland cit., pp. 5-6 e Peter HÁBERLE, ,Die offe
Gesellschaft der Verfassungsinterpreten - Ein Beitrag zur pluralistischen und ,prozessualé
Verfassungsinterpretation” in Peter HABERLE, Verfassungals ôfentlicher Prozesscit., pp. 77-78;
“e Hans Peter SCHNEIDER, “La Constitución - Función y Estructura” cit, pp. 39 e 44-47,
*” Hans Peter SCHNEIDER, “La Constitución - Función y Estructura” cit., pp. 39-43, Vide;
emum sentido próximo, Pablo Lucas VER DÚ, Curso de Derecho Político, 2º ed., reimpr, Madri
Tecnos, 1992, vol. 1, pp. 37-4] e 49-60 e Friedrich MULLER, Juristische Methodik cit, pp. 3
89, 174 e 209-211.
“êº Vide, especialmente, as críticas e sugestões para uma teoria latino-americana do Estadé
de José Luís Fror1, “Para uma Crítica da Teoria Latino-Americana do Estado” in José Luís
FIORI, Em Busca do Dissenso Perdido: Ensaios Críticos sobre a Festejada Crise do Estado, Rio de
Janeiro, Insighr, 1995, pp. 33-37.
1º Vide Hermann HexLer, Die Sowveritnitit: Ein Beitrag zur Theorie des Staats- und Volkerrechis
in Hermann HELLER, Gesampmelte Schriften, 2º ed., Túbingen, J.C,B. Mohr (Paul Siebeck), o, “Staatsund Volessonverânitat
sind identifiziert” in Flermann HELLER, Die Souverânitit
cit. p. 99.
1992, vol. 2, pp. 95-99. Vide também Olivier BEAUD, La Puissance de "Éitat, Paris, PUF, 1994, ft Peter HasERLE, Perfassungslehre
ais Kulturwissenschaft, 2º ed, Berlin, Duncker & Humblot,
pp. 24-25 e 201. : 19og, pp. 83-90,

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