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― Vovozinha
" O anormal [...] é no fundo um monstro cotidiano, um monstro banalizado. O anormal vai
continuar sendo, por muito tempo ainda, algo como um monstro pálido"
Resumo
1 Este projeto desenvolve o seu argumento em torno da forma como lidamos socialmente
com o lugar do corpo mais velho na pornografia. O que movimenta essa investigação parte da
produção de um trabalho para a disciplina de Sociologia do Corpo, onde foram realizadas
observações ao longo de um semestre diante ao Cine Pornô Las Vegas, que se localiza na Rua
Padre Belchior, 254. Essa rua se encontra na região próxima ao Mercado central da cidade de
Belo Horizonte, onde por sua vez há uma grande variedade de motéis, sex shops, cinemas
pornôs e saunas gays. No cine pornô da Rua Padre Belchior há um grande cartaz que anuncia o
show da Vovó tsunami. O fenômeno aqui é discutido a partir da perspectiva teórica que analisa
sexualidades, especialmente a partir de Michel Foucault (1977, 1999) e Judith Butler (2000),
focando no prisma das sexualidades dissidentes, com apoio nas pesquisas desenvolvidas na
coleção Prazeres Dissidentes (2009), organizado por Maria Elvira Diaz e Carlos Eduardo
Figari. Investigaremos através de observação participante e breves entrevistas com os
porteiros, colaboradores do cinema e moradores da rua tratada.
[3] O que motiva o início dessa pesquisa se concentra no despertar da observação do cartaz do
cinema, onde se encontra escrito: “Vovózinha tsunami, a lenda do swing, toda Sexta, a partir
das 17h.”. No cartaz, uma mulher, na faixa dos 40 anos, loira, sentada em uma cadeira com as
pernas abertas e uma roupa sensual. Devido ao fato de que a monogamia é um conceito
bastante novo (por padrões históricos), a História do Swing é muito pesquisada. Estamos
lidando aqui com uma nova perspectiva. Trata-se de um cinema pornô, mas que pelo fato de
seu único e principal show obter uma artista que se auto-intitula “A lenda do Swing”, o local
termina abarcando um público diversificado.
[4] Todos os dias o cine se mantém aberto e há dois porteiros que dividem turnos. E ajudantes,
que não recebem um salário, mas que dividem os turnos e trabalham na portaria por gostarem
do ambiente e conviver nele há muitos anos. O cinema é antigo na rua, tem aproximadamente
35 anos de existência e por se compor tanto ao ambiente, quase passa despercebido devido a
grande movimentação da rua e a dinâmica da cidade. Em frente ao cine, se concentram vários
caminhões e carros de mudança, e do outro lado da rua, lojas e pontos de ônibus. Durante a
semana, de segunda a quinta, funciona como cinema, onde há exibição de filmes gays e filmes
héteros. O espaço se divide em dois, na primeira “sala”, algumas poltronas e uma televisão não
muito grande, onde são exibidos os filmes gays. No segundo, há o triplo da quantidade de
cadeiras, um palco e um telão, onde são exibidos os filmes héteros. Na primeira porta de
entrada, alguns cartazes dos filmes pornôs Héteros. Na porta do cine só há os cartazes dos
filmes héteros, o porteiro 01 é taxativo em responder sobre os cartazes, quando questionado
sobre o porquê de não haver cartazes para os filmes gays também. “Ninguém quer ver foto de
homem pelado” Porteiro 01
3[5] Funciona de 9:00 até as 22:00. Nas sextas, as exibições continuam acontecendo, inclusive
durante o show da Vovózinha Tsunami. Há também um quarto pequeno e com lugares para
sentar, onde as pessoas vão para se masturbar ou praticar outros atos sexuais. Todavia, essas
práticas também acontecem na parte das poltronas concentradas em frente as telas, nos salões.
O espetáculo consiste na Vovó tsunami, juntamente com suas companheiras, explorando o
salão e os espectadores. Elas possuem um camarim próprio, onde minutos antes do show se
preparam, se vestem e conversam.
O cine Las Vegas nem sempre foi um cinema pornô. Antigamente, segundo alguns
entrevistados, era um cinema onde passava filmes rodados pelo mercado usual. Pós
década de 1980, onde a pornografia ganhou mais espaço em Belo Horizonte, a região
“baixa” da cidade ganhou autorização da prefeitura para possuir uma gama diversa de
cinemas, saunas e motéis, os quais ainda estão alojados nesta A rotatividade do cinema se
divide, mostrando um maior público de pessoas mais velhas na parte da manhã, e um
público jovem na parte tarde/noite. Segundo o Porteiro 01, houve um tempo em que eles
contratavam strippers, jovens e bonitas para fazer shows. Mas apenas em caráter pontual
porque na maior parte de sua história, o cine Las Vegas funcionou apenas como cinema e
não como casa de shows. A divisão de salas aconteceu em meados da década de 1990,
quando o dono, seu Armando, fez uma sociedade com o dono da Cratos, uma casa de
swing de Belo Horizonte, visando abranger outros públicos meramente por questões
mercadológicas.
Quem paga pelo show da Vovozinha, recebe uma pulseira neon, como elemento de
distinção de quem paga para assistir apenas os filmes. Há diferenças de preço também, onde
quem paga pelo cinema comum, paga 10 reais, e quem paga pra assistir o show, 20 reais. A
Vovózinha possui companheiras que a seguem, onde por vezes ela divide o lucro da noite.
Há companheiras, como a Loba negra, que acompanha a quase dez anos.
O cine Las Vegas e a Cratos, segundo os relatos, são os únicos que aceitam transexuais.
Na Cratos, só nas quartas-feiras e no Cine Las Vegas, todos os dias. No show da
Vovozinha, há a Bia gulosa, Dandara, Loba negra e Scarllet. Companheiras que ajudam
nos shows. A Dandara, é uma mulher trans, que recentemente está fazendo tratamento
hormonal e vai mudar o nome social. A Bia gulosa, Crossdresser(1), Scarllet, também
Crossdresser e a Loba negra, mulher, 60 anos, que a acompanha só no Cine Las Vegas.
“Já passei por muita coisa nessa vida, me descobri mulher trans depois que
comecei a acompanhar a Vovozinha, elas me montavam e descobri meu lado mulher.
Fui expulsa de casa e hoje em dia faço os tratamentos hormonais e vou mudar meu
nome social, é meio desanimador pensar que mesmo eu mudando meu nome, por
vezes podem continuar me tratando como Homem. Eu tenho muita coisa da minha
vida pra falar, daria algumas entrevistas” Dandara
O show no Cine se divide em duas partes. Na primeira parte, as meninas servem o café
da Vovó, onde elas botam café quente na boca e fazem boquete. Uma fila de homens é
formada e eles vão andando com a fila na medida que vão passando pelas meninas.
É de fato, para a maioria deles uma experiência muito nova e diferente. O café pode ser
aplicado em Homens e mulheres, sendo que na situação das mulheres, se faz necessário que ela
se deite. O que foi observado, é que há um número muito maior de homens que freqüentam o
show do que de mulheres mesmo que a existência das mesmas não seja nula. O que nos faz
pensar sobre a dimensão do erotismo trabalhado nas mulheres que frequentam a casa de show,
todavia, com um recorte diante as relações de poder contidas nos laços matrimoniais, uma vez
que em sua maioria, em regra. só vão acompanhadas pelos parceiros. Para a Vovó, é
particularmente mais prazeroso aplicar em homens, mas que não há problema em aplicar em
mulheres.
Casais também freqüentam, porém cada casal possui uma conduta diferente. Como se
cada casal possuísse espécies de contratos diferentes. Cada casal se aventura de formas
diferentes com seus corpos, com o show e o cinema.
“ Tem casais que não deixam o parceiro ou parceira beijar na boca, tem casais que
deixam, tem mulheres que vem aqui pra se aventurarem com outros caras e ficam
com o marido no telefone, contando as etapas, descrevendo as pessoas, até o
marido autorizar ou não”. Vovozinha
Os homens mais velhos que freqüentam, procuram homens mais velhos, e os mais jovens,
procuram também homens mais velhos.
“É impressionante, tem um cara que vem aqui que parece até o Reinaldo
Gianiquine, e só pega velho horroroso”.
E porque você acha que os dois públicos procuram pessoas mais velhas? (pergunta
feita pela pesquisadora)
“Acho que no caso dos homens mais velhos, eles se sentem mais seguros com outros
homens mais velhos, e eles tem medo de que os mais novos cobrem. Tem muito
garoto de programa novinho que freqüentam as casas. No caso dos homens mais
novos quererem homens mais velhos, é quase um fetiche”. Ajudante 02
“Eu acho que homens novos como eu vão ao cinema procurar a Vovózinha
pois temos esse desejo de saber como que é ficar com uma mulher mais
experiente”. Mateus, Morador do prédio, possui 30 anos.
A segunda parte do show é protagonizado pela Vovózinha, quando a vovó vai para perto do
palco e os homens, novamente fazem uma fila, onde cada participante passa mais ou menos 3
minutos praticandoo o ato da penetração para dar lugar ao próximo da fila. Quando a fila
acaba, as ajudantes da Vovozinha, continuam o show e ela se retira. No intervalo das 17h até
as 21h, a Vovózinha faz o show 2 vezes. A maior parte do tempo ela fica recepcionando as
pessoas.
O prazer sensorial está em jogo, no show observado a dinâmica do prazer foi exaltada
diversas vezes nas narrativas. A maioria dos participantes, frequentam outras casas de show
durante a semana e já conheciam a Vovózinha e seu show. Há uma sociedade em redes
formalizada para atender as demandas do público no geral.
“Eu sinto muito prazer em ver o show da Vovózinha, você não?! Bom, to indo
embora porque já me satisfiz”. Frequentador 03
Prazeres rápidos e instantâneos ali são construídos. Poderíamos então dizer que a
categoria principal que divide a experiência visual dos vídeos assistidos nas plataformas e na
apresentação no Cinema é apenas a coletividade construída através dos corpos, uma vez que na
segunda parte do show o prazer se torna coletivo, alguns homens observavam as expressões
faciais dos outros. As pessoas que já estavam no cinema antes de começar o show,
permaneceram nas poltronas e assistiram de longe. O prazer, desta forma, vem dos sons, da
quantidade de pessoas que se encontram no local e do que é fornecido no show em si. Nas
grandes cidades brasileiras, encontramos clubes de sexo, casas de swing, cinemas e boates que
são pano de fundo para orgias. Estas por sua vez, valorizam o anonimato e valorizam a
discrição. Por isso a caracterização desses espaços, como o Cine Las Vegas, onde o espaço é
construído e pensado para que a atuação ocorra em lugares com pouca ou nula luz, sempre em
ambientes escuros e na penumbra. Também como uma forma de não identificação dos sujeitos.
Vovózinha e o corpo
“Eu sempre fui assim, gosto de me aventurar, experimentar fantasias, faço por prazer”
- Vovozinha
É com essa frase que a entrevista com a Vovozinha começa. Sheile Gomes, de 47 anos,
conhecida na noite Belorizontina como “Vovózinha tsunami”, divide seu tempo atualmente em
duas casas de show na cidade. É conhecida como Vovózinha, pois possui três netos, que a
mesma cuida. Nas fotos que são usadas como divulgação dos shows, raramente seu nome de
profissão condiz com sua aparência. E esse é o seu maior convite. Segundo ela, há uma certa
curiosidade que ronda a imaginação dos homens quando passam pelo cartaz, lêem seu nome de
profissão e se perguntam “nossa mas ela nem é tão velha assim pra ser chamada de
Vovózinha”. Sua relação com o próprio corpo é de descobertas, experiências de descobertas de
si, e de sua sexualidade. Outro ponto importante em sua trajetória é que ela sempre fez questão
de mostrar sua identidade. Nunca escondeu da família e sempre mostrou o rosto.
“ Apenas meus netos não sabem ainda pois não possuem idade, mas quando
tiverem logo vão saber”. Vovózinha
Diferente de outras pessoas do ramo por exemplo, a Loba negra, que usa seu “nome de
guerra” e prefere não ser identificada, nem pelo nome nem através de imagens, assim como os
porteiros entrevistados. Quando perguntada sobre a vida pessoal, Vovózinha respondeu que
mesmo com sua vida exposta, não passa por muitas situações de constrangimento. A maioria
de seus ensaios fotográficos são realizados em lugares públicos, seja a noite ou de dia.
“Certa vez ela fez um ensaio pelada no supermercado EPA de contagem, ela
parou o supermercado". - Loba negra
Durante a sua preparação no camarim, vestiu um vestido e um salto 15. Suas tatuagens
parecem compor sua auto estima. As mesmas se concentram em regiões íntimas e ajudam a
compor seu corpo, de certa forma que nas gravações em vídeo e nas fotos, elas aparecem. A
Vovózinha possui um blog pessoal, onde divulga algumas fotos e vídeos. Alguns deles estão
disponíveis em sites como Xvideos. Há perfis em contas de sexo, atendimentos virtuais e sua
conta do facebook ela também se identifica como Vovózinha Tsunami. Segundo ela, por
denúncias, ficou um bom tempo fora do ar, mas já retornou. Sua vida pública e privada, nessa
perspectiva, se misturam. Mas quando se trata de seus relacionamentos afetivos, já passou por
5 casamentos, dentre eles, apenas um foi com uma pessoa do meio. Como a internet possibilita
um acesso mais fácil a pessoas que estão em outros continentes, a Vovózinha, que utiliza o
meio virtual também como ferramenta de seu trabalho, não escapa disso. Segundo seus relatos,
diversas pessoas de outros países já vieram procurá-la, algumas até com propostas de
casamento. Outras, paralisavam, ao encontrá-la pessoalmente. A pornografia nesse cenário se
constitui como novas formas de se relacionar nas redes, que precisam ser analisadas uma vez
que notamos sua produção diretamente na sociedade.
“Quando eu era mais nova, tinha muitos contatos, conhecia muita gente,
muitos policiais, uma vez, um delegado que me ajudou a fugir de uma
pessoa, depois desse episódio, larguei o mundo das drogas..” Vovózinha
Considerações finais
Foi reservado um recorte no presente artigo apenas diante a pornografia como práticas
eróticas dos sujeitos. Procurou-se entender com essa pesquisa como A Vovózinha Tsunami
entra na lógica de um corpo mais velho no mercado da pornografia, swing, shows. Percebeu-se
que na maior parte dos discursos analisados presentes, houve uma distinção entre a categoria
do nome profissional, e a Vovózinha como mulher. Nesse artigo, em uma primeira parte,
caracterizamos o Cine Las Vegas e como funciona o show. Logo depois, reservamos um tempo
para focar na questão da Vovózinha, onde procurou-se entender sua relação com seu próprio
corpo e a produção e interação dos corpos através da apresentação do show, onde houve uma
breve reflexão diante as relações de poder, focando nas relações intergeracionais e as de
gênero. Percebemos que a relação da Vovózinha com o próprio corpo demonstra uma
segurança e cuidado de si. Entretanto, há muito material que cabe ser analisado diante da
prática do show em si, relações que por vezes passam pelo trabalho do invisível, do não dito,
do não pronunciado. Tratamos de zonas de conflito, disputas e produções de discursos.
Trabalhar as narrativas neste presente trabalho foi uma forma de enxergarmos as relações
políticas e sociais dos discursos.
Se faz necessário um trabalho mais extenso para que se possa verificar a fundo as
representações dessas narrativas e como na vida cotidiana elas são reproduzidas. Em quais
contextos históricos elas se encaixam e se perpetuam.
Bibliografia
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: Louro,
Autêntica, 2000
FIGARI, C. e DÍAZBENÍTEZ, M. E. (Ed.). “Butler: a abjeção e seu esgotamento”. Prazeres