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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DE FILOSOFIA

TAÍSA SELLEN DE SOUZA BEZERRA

Uma etnografia da Praça XV

Niteroi
2017

Este texto pretende comunicar minha experiência de campo, compreendida entre


os 12 de maio a 18 de maio de 2017. Atualmente, o fazer antropológico aliado de uma
antropologia urbana tem se construído de diversas formas e em grande escala. Quando
tratamos da vida citadina, podemos classificá-la agitada, vertiginosa mesmo, ou
monótona e repetitiva, dependendo da adesão ou não dos seus habitantes aos tempos e
espaços vividos, ritmados pelos movimentos incessantes das imagens de cidade que
habitam seus pensamentos em constante mutação. Descrever a cidade, sob um tal ponto
de vista, é conhecê-la.
Para abordarmos a proposta principal deste trabalho, que são as relações,
precisamos analisar os diferentes usos da praça. Elucidar de que forma as pessoas se
apropriam desse espaço público, como se dá a representação de sociabilidades por
diferentes atores sociais (Goffman). Nessa perspectiva que a presente pesquisa procura
se aproximar do objeto aqui exposto. Busco compartilhar as inquietações, dúvidas e
reflexões sobre minhas incursões em campo, bem como apresentar o tema e seus
possíveis aportes teóricos e chaves de interpretação.
...estabelecer, revigorar e exercitar aquelas regras de reconhecimento e lealdade
que garantem a rede básica de sociabilidade.” (Magnani)
Tomei contato com o a praça XV pela primeira vez quando meu pai, ainda mais
nova, resolveu me apresentar o centro do Rio de Janeiro. Todavia, só comecei a
frequentá-la depois dos 18 anos, quando já estava na faculdade e consequentemente
fazia mais esse trajeto. Como moradora de Maricá, Região dos lagos do Rio de Janeiro
achei interessante investigar algo relacionado ao meu ambiente. Assim, movida pelas
discussões em sala de aula, decidi examinar, ter como objeto o meu olhar focado para os
novos significados que as estátuas, as grades e até mesmo as árvores dessa praça
receberam após o surgimento de protestos de movimentos estudantis de diversas
categorizações.
Com o propósito de trabalhar o olhar, tive em mente que o exercício da
observação e da pesquisa vai além das entrevistas. Um ponto importante no
texto Desvendando máscaras sociais, de Alba Zaluar Guimarães que nos aponta a
descoberta de que o ato de ouvir é o ponto chave para obtenção de respostas, sem nem
ao menos se fazer perguntas. Quando soube do trabalho, logo refleti sobre o papel do
antropólogo como ator, no sentido de compor um personagem. Essa criação e
representação de um papel contribui para os avanços da pesquisa. Como por exemplo,
nesse mesmo texto (Desvendando máscaras sociais) em um dado momento, o autor
expõe a sua dificuldade como pesquisador em se integrar verbalmente com a população,
ao passar da experiência, o mesmo foi se adequando e adaptando as formas locais, tanto
verbalmente quanto socialmente. E é notório que essa adaptação promove ferramentas
de interpretações, artisticamente falando. Além de possuir um papel político. Atento
também que essas interpretações provoquem no pesquisador maneiras eficazes de se
distanciar do seu eu, como indivíduo de uma realidade paralela, para se atentar mais a
questões sociais que as observações implicam. Quando o antropólogo estuda grupos
muito próximos a sua realidade o trabalho é muito mais difícil.
A sensação de estranhamento sempre se fez presente nos trabalhos de campo que
fiz até dado momento. Entretanto, quando se trata de lugares que já conhecemos, é
incrível como acontece a produção de novas lentes que criamos diante a busca de tentar
aguçar nossos sentidos além do óbvio, do que já conhecemos naquele espaço. Espaço
esse que durante muito tempo se constituiu como local de passagem, havia tomado
novos sentidos. Me parece que esse processo ganhou uma força nesses últimos anos na
Praça XV, nosso campo de pesquisa que se localiza no Estado do Rio de Janeiro. De
forma que a estética desse espaço, sob uma nova perspectiva nos apresenta uma espécie
de frescor social. Detectamos essa dinâmica nos pequenos detalhes, como cartazes
feministas nas grades que cercam a ALERJ, os adesivos dos coletivos nas estátuas, as
fitas e disquetes pendurados na árvore localizada em frente as ruínas que se encontra no
meio da Praça XV. A relação entre o coletivos e essas alterações. Crianças, casais,
jovens, idosos, que passavam em frente aos cartazes por exemplo, todos com uma
rapidez gigantesca, e pouco se era notado da parte deles além de breves olhares.
Eu e minha parceira caminhamos até a lateral da ALERJ como primeira forma
de observa-la, que se encontra na Rua São José. Resolvemos através que uma rampa que
havia, subi-la para chegar até a varanda da parte da frente. São exatamente 13 degraus,
do alto deles, se observa a avenida movimentada, as grandes portas de ferro fechadas,
com o interior iluminado da ALERJ, uma arquitetura antiga que nos faz pensar o porquê
de cada detalhe, de cada estátua, me senti pequena. Não entendia muito bem o que se
passava na rua olhando dali, mas sentia um desconforto. Depois resolvemos continuar
caminhando pela São José após sairmos da ALERJ. Bares, botecos, cheiro de comida,
pessoas caminhando e ao chegar no final da rua nos deparamos com 2 seguranças que
estavam fechando a mesma. Eram 19:30 e em seus uniformes estava escrito ALERJ.
Perguntamos se eles sempre fechavam aquela rua nesse horário e a resposta foi: sim. O
interessante foi que mesmo que eles fechem todos os dias esse horário, pessoas após o
fechamento, pediam para que deixassem entrar pois seus carros estavam na rua.

(Fotografia da autora)
Seguimos então andando para onde se concentra o "Centro presente", que fica
localizado mais perto das Barcas. Alguns garis perto, senhores sentados nos bancos, o
cheiro da pipoca e do churrasquinho se misturavam dando uma espécie de cor para
aquela parte da praça. Ao mesmo tempo, se você ficasse parado alguns minutos
observando o movimento que a estação Araribóia provocava, notaria a espécie de
maratona olímpica que acontecia sempre logo após o fechamento das catracas. A
estação Paquetá sempre muito vazia, muito também por possuir outra dinâmica. Ao lado
dela, uma rede do Bob's que também não possuía muito movimento no dia. Logo a
direita, dava pra ver o VLT parado devido ao horário. Continuamos então caminhando
pela praça em direção as ruínas. Uma pouco antes, nos deparamos com pessoas tirando
selfie com um "skate gigante" que se encontra no meio do caminho, onde muitos
adolescentes ficam sentados conversando. Me recordo da época na qual um aplicativo
chamado "Pokemón go" virou uma febre, e era exatamente nesse espaço onde se
concentrava todos esses jovens para fazerem grandes círculos e realizarem suas caçadas
através de seus aplicativos. Alguns passos depois chegamos nas ruínas e mais em
específico na árvore que mencionei no início do relato.
A árvore ficava ao lado direito da ruína pra quem olha vindo das Barcas. Não
muito iluminado perto, e também não era tão imponente em tamanho e largura de raízes
como as outras diversas árvores da praça. O mistério das fitas e disquetes pendurados
não descobrimos, mas só de detectá-las já foi ótimo. Partimos então para a estátua. A
estátua do Osório. Reparei que a estátua de Osório está sem as botas de montaria, logo
abaixo painéis fundidos em bronze, nas laterais do pedestal, retratando da guerra que
expressam as violentas batalhas. Mas o mais interessante é o que percebo em seguida.
Abaixo de seu nome, um pixe escrito "sou santa, sou puta, sou filha da luta". Vestígios
de ocupações da UFRJ, PUC RIO, UERJ. Perto do degrau, um manto e um copo de
cachaça. E o cavalo que carrega Osório, inclinado para baixo. Pessoas nos olhavam
como quem pensava "o que essas garotas estão fazendo ali" e a cada segundo que
passava, nosso olhar se transformava. Pegando esse ponto, é Interessante analisar como
as ideias podem vir a ser atores em situações sociais. Roberto Da Matta, em seu livro
Fábula das 3 raças, conclui que quando deixamos por alguma circunstância as ideias
virarem atores, é porque já deixamos de penetrar no mundo social. Podendo assim então
cair no plano das abstrações. Para não fugir dessa perspectiva, resolvi atentar o olhar
para pensar também que essa estátua possui uma longa história com a praça e que boa
parte dela mudou ao longo dos anos. Em 2011, 2012 depois de ter passado por uma
restauração, ela possuía partes de bronze que foram furtadas, havia também uma grade
em volta da obra, que por ordens superiores foram removidas todas as peças restantes,
contudo foi alertado o risco de outras peças serem perdidas, porque os sucessivos furtos
não haviam sido apurados.
Estátua do General Osório

Foto retirada do site http://www.panoramio.com/photo/102824090


Cada aluno que ali se encontrava, realizava o movimento de criar suas próprias
explicações, a partir de suas vivências, tirando suas fotografias com o olhar e mudando
suas lentes, praticando a política de bater um papo e ouvir um som, sentir os cheiros,
realizando o exercício da micro mudança através da troca. O conhecimento do
antropólogo não é neutro, já dizia Roberto Kant de Lima em seu livro A antropologia
da academia. Assim como Mariza Peinano se atenta em seu livro Uma antropologia no
plural, dizer que longe de uma fórmula, essas pesquisas de campo estão inseridas em
um contexto biográfico (do próprio sujeito), político e teórico, e que isso implica na
diferenciação de abordagem dependendo do momento histórico. E que apesar destas
preocupações, se faz presente uma ausência de reflexão sociológica que veja no
pesquisador e no objeto de estudo, atores sociais como situações concretas. Observo a
liquidez de como se é tratado muitas observações, sem levar em conta a realidade
material, apenas abstrações. Aliar o momento histórico, com uma visão antropológica/
social dos sujeitos (pesquisadores) e objetos de estudo é fundamental.
É preciso ter em mente que para construímos todas essas observações, todo esse
olhar antropológico para a cidade, tenhamos o erro como caminho. Todo esse
estranhamento abordado no início deste trabalho se faz necessário para a busca de uma
alteridade. A experiência é a sucessão, o movimento das idéias separáveis à medida que
são diferentes, e diferentes à medida que são separáveis. É preciso partir dessa
experiência, porque ela é a experiência. (DELEUZE, 1968)
No dia 18 de maio, por volta das 21 horas, voltando do ato que aconteceu na
candelária/cinelândia pelas Diretas já, passo pela ALERJ pude constatar que todos os
cartazes que estavam em suas grades, feministas, haviam sumido. Isso me intrigou
bastante e tentando fazer esse processo do antes-agora-depois percebo como o espaço
pode se modificar em períodos curtos. Em relação a estátua de Osório, tudo se
encontrava como antes, ou talvez meu olhar não tenha alcançado além. Dessa vez
cheguei a experimentar o churrasquinho (muito bom por sinal) e novamente observei a
corrida olímpica até as catracas do Araribóia, sentada e alegre por mais uma vez ter
trocado uma lente do meu olhar.
Para concluir este trabalho, deixo um poema extraído do livro “Geografia em poesias:
tempos, espaços, pensamentos..” que representa um pouco o que aprendi com esta
observação, e como mais um lente em meu olhar foi trocada.

“As pedras da cidade falam,

os prédios da cidade falam.

As pontes e fontes, limites e desafios.

cada um tem suas mensagens,

no silêncio falam sim!

As bocas da cidade falam,

os becos da cidade falam.

As praças e preços, os morros e rios,

cada um tem suas mensagens,

no silêncio falam sim!


As frentes da cidade falam,

as frestas da cidade falam,

as festas funerais, os muros e quintais,

cada um tem suas mensagens,

no silêncio falam sim!

Tem que ouvir a cidade,

ler suas falas escondidas nas paisagens,

pensamentos e sentidos da cidade.”

REFERÊNCIAS

● DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia


social: Digressão: A Fábula das Três Raças, ou o Problema do Racismo
à Brasileira.”. 1980.

● GUIMARÃES, Alba Zaluar. Desvendando máscaras sociais,. 3.


ed. Francisco Alves, 1980. 263 p.

● KANT DE LIMA, Roberto . A antropologia da academia: quando os


índios somos nós. Editora Vozes, 2011.

● MAGNANI, José Gulherme. Na metrópole: Textos de Antropologia


Urbana. EDUSP, 1996.

● PEIRANO, Mariza. Uma Antropologia Plural. UNB, 1991

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