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Brasília, 2022
INTRODUÇÃO
Significado de Dejetos
Me perguntei muitas vezes o que eu estava fazendo, porque tudo aquilo me chamava
a atenção e que tipo de obra eu estava construindo ali. Teria me tornado um artista itinerante?
Estava eu trocando o ateliê pelas ruas e a galeria pelo espaço público? Nada daquilo fazia
sentido naquele momento, mas concordamos que a arte em si, não precisa fazer sentido para
existir. Para começar devo dizer que em meados de 2015, por ser uma pessoa enferma, passei
a frequentar muito o hospital de base (atualmente chamado de IGES). E durante minhas idas
e vindas àquele lugar, encontrei um espaço cheio de dejetos hospitalares. Estes se resumiam a
máquinas de raio-x, cadeiras, mesas e separadores de leito, como também, coisas que eu não
sabia identificar.
Vazio, fotografia, Brasília, 2015.
À primeira vista achei aquilo muito peculiar, entretanto, depois de observar a mesma
cena várias e várias vezes, me dei conta de duas coisas: os objetos ora mudavam de posição,
ora desapareciam e apareciam outro em seu lugar. As seguintes perguntas inundavam a minha
mente: Quem movia aqueles objetos? Porque eles estavam sempre fora de lugar? Prque
aqueles objetos que, à primeira vista, eram considerados utilizáveis estavam ali, naquele
território, jogados à mercê e ao relento? E porque ocupavam aquele exato lugar, à vista de
todos? Passei um ano inteiro tirando fotos daqueles objetos e com o tempo fui percebendo
que aos poucos, eu mesmo estava começando a fazer parte daquele cenário, que com o passar
do ano, tornou-se tão familiar. Eu havia construído uma poética sobre aquele lugar.
Certo dia, em uma das minhas idas e vindas, me deparei com o seguinte cenário:
todos os dejetos haviam sumido. Minha primeira reação foi de espanto. Quem havia tirado
aqueles objetos dali? Depois me veio um sentimento de vazio, como se algo fosse tirado de
mim. Aquele cenário ficaria apenas em minha memória? Fragmentado em fotografias que
não poderiam ser vistas? E para onde iria todas as histórias que eu havia imaginado sobre
aquele lugar? Para onde iriam todas as minhas teorias? Para o limbo? onde iam parar todas as
coisas perdidas? Me dei conta, de ficariam apenas em minha memória.
Definir o que é a memória, porém, não é fácil… {} Os artistas e escritores tentam
invocar seus subterrâneos, aquilo que, mesmo sem sabermos, constitui nosso
substrato imagético e simbólico. Mas o que é a memória para cada um de nós que,
em tempos de excesso de informação, de estilhaçamento de sentidos, experimenta o
fluxo competitivo do cotidiano, a rapidez da vida, como se ela não nos pertencesse?
Como fazemos a experiência coletiva e individual da memória? É possível lembrar?
(Tiburi, 2016)
Lembrei-me então que eram dejetos hospitalares e que, portanto, não deveriam estar
naquele território. Pensando nisso, me veio à mente que eu nunca havia visto aquele cenário
como algo relacionado às questões sociais e que aquilo, uma questão tão óbvia a se tratar,
jamais passou pela minha cabeça. Eu tinha outra visão para com aquele espaço, um olhar
muito particular. Para mim aquilo era uma experiência profunda, na qual eu estava
inteiramente imerso e as fotografias eram apenas frutos desta experiência imersiva.
Durante os anos seguintes continuei a fotografar o espaço que tanto me chamava a
atenção e minha relação com aquele recinto foi se tornando ainda mais profunda. Em 2018
comecei a tirar fotografias das mãos de outros pacientes e a contar a histórias deles em um
livro de artista que construí. Naquele ano eu acabara de perder duas falanges das mãos, deste
modo, como artista, eu estava tentando lidar com o luto por meio destas fotografias, já como
paciente, eu estava questionando o sistema, do porque éramos todos tratados apenas como
CID’S (A CID fornece códigos relativos à classificação de doenças).
Nesses mesmos anos, durante as minhas internações (que não foram poucas) comecei
a habitar camadas e mais camadas daquele lugar. Voltei-me novamente aos resíduos daquele
lugar, por um fascínio que jamais me abandonou e percebo, hj com a maturidade que tenho,
que minha relação com aquele lugar me faz sempre para o mesmo ponto de partida: os
resíduos e toda a estrutura daquele lugar.
Este que ficava lotado durante o dia e inabitado durante a noite. Eu caminhava por
aquele lugar durante a madrugada, no vazio, sem pessoas ou barulhos que pudessem reter a
minha atenção. Ali, era somente eu e o longo espaço vazio que, para mim, ansiava para ser
visto. Não há de se negar que havia ali uma relação, entre o espaço e o eu. Minhas mãos
passeavam por aquelas paredes enquanto os meus olhos iam e viam. Agora, não eram apenas
dejetos que me chamavam a atenção, era todo aquele espaço público. Todo o morfo,
ranhuras, paredes desgastadas, pisos quebrados no chão, era brilhante perceber a
deterioração, mas também havia uma perda ali, de um lugar que nunca será o mesmo.
OBJETIVO GERAL
Imerso no processo e curioso pelo resultado que irá advir, obtive a ideia de fazer um
caderno de artista sobre minha experiência como artista itinerante. Considero que o meu
processo tenha sido e ainda é uma viagem em um espaço público, que nunca fecha as suas
portas. Que é adentrado por todas as pessoas, independente de cor ou raça, que se modifica a
cada ano. Dejetos hospitalares, morfo, ranhuras são o tema principal desta pesquisa. A
pergunta que move este projeto de mestrado é, há beleza na deterioração? Qual a linha
limítrofe do que é obra de arte ou não?
A transcrição de 15 anos de uma profunda relação entre o espaço e o eu. No primeiro
momento utilizarei o livro de artista para esta narrativa, neste irá conter relatos, fotografias,
teorias, reflexões e pequenos fragmentos retirados daquele cenário. Um caderno que contém
uma intensa poética, que se compromete em se tornar uma representação rica desta
experiência. No segundo momento deste projeto, irei trabalhar as fotografias para apresenta-
la em uma exposição, sendo está um tríptico que represente o começo, meio e fim. 2
fotografias sem nenhuma modificação serão apresentadas para o público, onde cada
observador terá sua reflexão sobre estas. Por último, uma sobreposição das duas obras, para
tornar esta última obra irreconhecível.
Objetivos específicos:
REVISÃO DE LITERATURA
METODOLOGIA
Durante muito tempo a pesquisa qualitativa tem sido utilizada como base para
diversas pesquisas sociais. O campo das artes visuais tem se voltado também à pesquisa
qualitativa, mas além de trabalhar com estudos de caso, investigação participativa, e
entrevistas narrativas, as artes utiliza-se de outra metodologia, uma mais sensível, que propõe
colocar em evidência o potencial da obra de arte, evidenciando seus seus sentidos e suas
múltiplas aprendizagens. A chamamos de pesquisa ou investigação com base nas artes, no
campo das artes visuais.
Escolhi trabalhar com o caderno de artista por já ter uma extensa experiência em fazer
cadernos ( estagiei no LEME durante minha graduação). Desta forma proponho fazer um
caderno de artista imersivo, que retrate minha relação com este espaço durante todos estes
anos. Será um pequeno deleite desta preciosidade, a narrativa acerca do espaço público e sua
degradação, da relação EU x ESPAÇO e das modificações que o lugar sofreu e ainda sofre
durante os anos. Pretendo transcrever minhas impressões do espaço e de minha relação com
ele e fazer descrições detalhadas do lugar. As fotografias serão resultado deste processo,
portanto, haverá uma conclusão teórica deste projeto e também uma imagética.
Este será uma obra que traz uma carga a se pensar. O olhar do artista em relação ao
espaço, o espaço e sua relação com as pessoas que o habitam e não podemos fugir do tema
central, a degradação do espaço e sua apresentação como arte e também como uma crítica
social.
Me perguntei se toda aquela vivência poderia ocupar um lugar dentro das artes
visuais. E se sim, qual era o seu espaço? Qual visão os observadores teriam das fotografias
que são fruto desta experiência. Existem vários questionamentos, tais como, se à primeira
vista os observadores que tiverem contato com o resultado desta experiência notariam que as
fotografias se tratavam de dejetos hospitalares. Se aquilo lhes traria um sentimento de repulsa
e indignação. Se as diversas opinioẽs e olhares sob a obra mudariam, caso soubessem do que
se tratavam de antemão aquelas fotografias.
Me veio em mente uma citação de Sandra Rey, quando diz que é preciso lembrar que
toda obra de arte é uma resposta singular a um estímulo e que é próprio da arte em geral
propor ou apresentar um ponto de vista diferenciado, ou uma visão de mundo particular,
através da constituição de linguagens.
“A linguagem alimenta-se da subjetividade e da vivência do artista, ao mesmo
tempo em que reafirma ou coloca em discussão questões oriundas da própria arte e
da cultura. Já os conceitos emergem, então, dos procedimentos, da maneira de
trabalhar. Uma vez pinçados das condutas instauradoras da obra, balizam a pesquisa
teórica. ( Brites. Tessler. 2002)
Os conceitos abordados pelo viés da teoria não podem ser meras ilustrações do
trabalho acabado e sim evidenciar no processo de instauração da obra, uma junção entre obra
e campo de conhecimento específico e/ou interdisciplinar .O trabalho teórico traz à luz o que
não fica visível na obra de arte.
A pesquisa em poéticas visuais apóia-se no conjunto de estudos que abordam a obra
do ponto de vista de sua instauração, no modo de existência da obra se fazendo. O objetivo
deste projeto não se constitui pelo conjunto de efeitos de uma obra percebida, não é a obra
acabada, nem a obra por fazer: é a obra se fazendo. A Poética leva em conta a constituição de
significados a partir de como a obra é feita.
A pesquisa em artes visuais deve ser realizada com toda seriedade, mas nesta
prevalece o prazer da descoberta, pois é a criação que faz avançar a pesquisa.
Existirão obstáculos inerentes a ela, mas devemos ter confiança, pois a experiência
acaba nos mostrando que, quanto mais obstáculos, melhor é a obra e mais relevante
é a pesquisa. Um termômetro para sabermos se estamos trilhando o bom caminho é
uma espécie de entusiasmo e alegria que toma o artista-pesquisador diante das
descobertas e da abertura semântica que é mobilizada pelo processo de criação e
pela pesquisa.
PLANO DE TRABALHO
EXTERNO ATELIÊ
EXTERNO LAR
CRONOGRAMA
JUSTIFICATIVA DE CONEXÃO
Christus Nobrega
Comecei a tirar fotografia no meu primeiro semestre como aluno das artes visuais da
UnB. Em 2014 aprendi a fazer cadernos na aula de materiais em arte, nesta permaneci por 4
anos como monitor. Foi neste momento que comecei a me interessar pelo caderno de artista e
o quão profundo esta obra pode ser. Em 2016 comecei a fazer cadernos de artista, para lidar
com luto das minhas mãos ( os dedos começaram a ficar tortos e as articulações começaram a
calcificar), então o caderno de artista foi a minha forma de lidar com a realidade.
Quando pensei em fazer este projeto vi que o professor Christus e olhei suas obras,
percebi que de certo modo estavam ligadas, pois o artista também trabalha com cadernos de
artista, sua experiência em trabalhar com livros de viagem, território, ficção, memoria,
história e lugar. Acredito muito que como existe semelhanças entre nossas poéticas, há muito
a agregar ao meu projeto de artista.
Karina dias
Conheci a Karina quando ela participou da minha banca do TCC, sendo uma das
docentes a avalia-lo. Meu TCC trazia outra temática, mas em algum momento de nossa
conversa, falei sobre as fotografias dos dejetos hospitalares abandonado no estacionamento e
em como isto me fascinava. De onde vinham? para onde iam? Quem os mudava de lugar?
Contei sobre todo o processo desde o momento que comecei até aquele momento. A
Karina que me fez perceber que havia potencialidades neste trabalho me incentivou a seguir
em frente. Não foi uma surpresa para mim quando vi que a poética da professora era similar à
minha, ao tratar sobre lugar e deslocamento, lugar e modos de imaginação, poéticas da
paisagem e processos de produção. Acredito que existe similaridade em nossos trabalhos e
que por isso, Karina seria uma ótima professora para me ensinar e acompanhar.
BIBLIOGRAFIA