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Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 3-16, 2010.

Mudando o coração, a mente e as calças. A Arqueologia Sensorial

José Roberto Pellini*

PELLINI, J.R. Mudando o coração, a mente e as calças. A Arqueologia Sensorial.


Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 3-16, 2010.

Resumo: Como tem apontado Classen (1993, 1997) e Howes (1991, 2006),
estudos etnográficos, históricos e antropológicos têm demonstrado que a
percepção sensorial é uma construção cultural, ou seja, os significados que os
indivíduos atribuem para os aspectos sensoriais são baseados nos modelos
sensoriais adotados socialmente. Sendo assim, cada cultura concebe os sentidos
de maneira diferenciada estabelecendo suas próprias hierarquias sensoriais
(Howes 2006). Neste sentido, o entendimento sensorial do mundo não é
apenas um aspecto fisiológico, mas é culturalmente determinado. Os grupos
humanos reconhecem o aparato sensorial de acordo com seu próprio contexto,
criando e mudando sentidos, criando e alterando hierarquias sensoriais. Nós
aprendemos a ver, ouvir, sentir. Nós aprendemos a observar e não observar.
Neste sentido a Arqueologia Sensorial busca entender a experiência humana a
partir da compreensão de como se dá a relação entre os indivíduos e o mundo
material, partindo do pressuposto de que da mesma maneira que os objetos
suscitam sensibilidades eles são sensíveis aos modelos senso-culturais de um grupo.

Palavras-chave: Arqueologia Sensorial – Percepção – Fenomenologia –


Materialidade.

Percepção é a filosofia do dia a dia,


a ordem não falada pela qual nós vivemos
e sustentamos todos os nossos atos, palavras e pensamentos.
Merleau-Ponty (1962)

1. Mais um devaneio dade de nossas vidas; sobre a infinidade de


situações, caminhos e decisões que enfrentamos

U m dia destes, caminhando às margens


do Araguaia enquanto fazia uma
prospecção, me pus a pensar sobre a complexi-
no dia a dia e como isso afeta nossa relação
com o mundo e com os objetos. Se mal
conseguimos identificar os símbolos que nos
rodeiam quotidianamente, como podemos
ansiar entender os do passado? Por exemplo,
(*) GRIPHUS Consultoria. <jrpellini@yahoo.com.br> você ai sentado, tire por um minuto apenas os

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olhos destas linhas e dê uma olhada na disposi- minha direção e diz: “ .....Você me pede,
ção dos objetos ao seu redor. O computador Homem, que fale de mim mesmo, dentro da
ligado, os livros espalhados, algumas coleções História e estórias que escreverá......vou lhe
de material arqueológico dispostos na mesa, atender Homem, porque você me chamou com
outro tanto entulhado no canto da sala, dois braços de abraçar: o Amor e a Poesia. Mas
cadeiras, mesas, canetas, números de telefone lhe direi poucas das coisas que fascinam os seus
anotados em um pedaço de papel, cadernos irmãos porque as águas de todos os rios vieram
rabiscados da sua última conversa telefônica, de tão longe e nelas as coisas aconteceram há
uma infinidade de fragmentos de cultura tanto tempo que suas lembranças foram
material dispostos de maneira tão corriqueira e guardadas para ninguém. Outros muitos
desinteressada que você nem se dá conta da homens por mim passaram mas nada me
existência de muitos deles no dia a dia. Imagine perguntaram, tão cegos que estavam por
aquele clipe que você já utilizou para tirar miragens além de meus barrancos que nem
grampos de uma carta. Lembra daquela sequer me enxergavam. A nenhum deles falei
borracha que você usa para segurar o material ou falarei, mas conversei com você, Homem, e
arqueológico na hora da foto? E a caneta bic com quem para pra me olhar, quem para pra
que você já utilizou para tantas outras coisas, escutar os acordes regidos pelos ventos, para
menos para escrever, lembra dela? Você é capaz sentir o perfume sutil das sombras e por elas
de dizer com segurança para que utilizou cada caminhar em cuidados de vigília, para quem
um dos objetos na sua sala? O que dizer então pisa livremente em minhas praias juntando as
daqueles objetos há muito perdidos para você? marcas de seus pés às pegadas de animais e
Objetos no fundo da gaveta que por terem riscos de aves ribeirinhas e sobre eles dormir
saído de circulação há tanto tempo mais sob a noite de mistérios.......” (Borges 1986: 24).
parecem cacos cerâmicos enterrados em um Acordo sobressaltado. Parece que tive um
sítio arqueológico. Cada objeto foi e será desmaio. Mas quem era aquele homem? Teria
utilizado e descartado por algum motivo sido apenas um sonho motivado pelo cansaço e
específico sujeito a inúmeras variáveis. Será que pelas minhas inquietudes? Não sei, sei apenas
alguém entrando em sua sala poderia dizer algo que nasceu um desejo de mudança. De mudar
sobre você, sobre suas inquietações, sobre seus nossa prática já tão mecanizada, de mudar
sonhos e frustrações? Será que se alguém nossa relação com os objetos, de mudar nossa
encontrar aquela chave no fundo da gaveta e relação com o passado.
analisar seu contexto e sua constituição será Reconstruir a história das ocupações
capaz de evocar uma memória, um passado humanas não é apenas descrever e sintetizar um
pessoal, um ato distante? Será que você mesmo conhecimento físico expresso por um sítio
se dá conta dos usos e re-usos de todos os arqueológico ou por um perfil estratigráfico,
fragmentos de cultura material que estão mas é, sobretudo, tentar captar as imagens que
dispostos em sua sala? Será que consegue se formaram na retina daqueles que por algum
retratar, descrever ou simplesmente lembrar motivo por ali passaram e ali se estabeleceram.
com detalhes as impressões que teve na reunião Falar da ocupação humana é tentar compreen-
de ontem em sua sala com aquele estagiário chato? der como as paisagens e objetos se formaram
Basta pensarmos em nosso cotidiano para no coração e na mente de cada um dos povos
concluirmos que nossa relação com os objetos é do passado, não de um modo distanciado como
complexa e cheia de variantes. Neste sentido propõe o paradigma científico dos séculos XIX
creio que a reconstrução dos usos e re-usos da e XX, mas de uma forma simbiótica, onde a
cultura material é bastante difícil. natureza não é alheia ou externa ao homem.
Enquanto continuava andando ouvi ao Vivemos hoje um teatro de falas decoradas,
longe um barulho. Em meio às areias brancas de discurso pronto, onde sondagens se mistu-
surgiu um senhor esguio, barba esbranquiçada, ram com perfis estratigráficos, padrões de
pés descalços. Sua voz é forte. Ele caminha na sedimentação se confundem com sistemas de

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descarte, arbustos se confundem com paisa- objetos de pesquisa? Talvez porque como
gens. A própria ciência se tornou nossa prisão e arqueólogos tenhamos nos acostumado a
a desculpa conveniente para não avançarmos registrar e interpretar sítios e artefatos de modo
em nossas divagações. A racionalidade e a muito visual, afinal, nós desenhamos perfis,
pretensa objetividade científica nos impedem tiramos fotos, lemos e escrevemos relatórios,
de voar. Mas o que seria de Ícaro se pensasse realizamos descrições detalhadas de objetos e
apenas racionalmente? Precisamos tentar resgatar sítios. Creio que o problema esteja no fato de
sentimentos, percepções e paisagens a fim de que nossos hábitos como pesquisadores ainda
desenvolver uma arqueologia mais reflexiva tanto estão demasiadamente enraizados nos paradigmas
do ponto de vista teórico quanto metodológico. que sustentam a observação e a descrição como
Sinta-se convidado a atravessar o espelho. Esta métodos objetivos e científicos. Dubord (1995)
será uma viagem rumo ao desconhecido. descreve a emergência do novo mundo da razão
Vamos tomar um chá com o chapeleiro, vamos como um espetáculo em que a experiência foi
lutar ao lado de Pan. Vamos abrir a caixa de substituída pela observação. Mas será que a
Pandora e enfrentar nossos medos. Vamos observação pode substituir a vivência na
sonhar. A promessa é de muitas aventuras. formação do nosso conhecimento?
Imaginemos por exemplo que você está
caminhando durante uma prospeção arqueoló-
2. A percepção é a filosofia do dia a dia gica e ao longe avista um aglomerado de cacos
cerâmicos no chão mas não consegue divisar
Caro leitor, paremos um momento esta exatamente do que se trata. Você se aproxima e
leitura. Olhe novamente sua sala. Os livros observa o conjunto até que sua atenção é
dispostos na estante, as paredes em ângulo reto, direcionada para um objeto específico. Nossa
a coloração branca e ocre do ambiente, a uma ponta de flecha!!!. Neste momento este
cadeira reconfortante no centro, o tapete no objeto se torna seu estímulo de atenção.
qual você tropeça todos os dias, a mesa sempre Quando você repara na ponta de flecha e seu
bagunçada na qual você perdeu o artigo que era entorno imediado, uma imagem bidimensional
para enviar para a editora, a coleção de discos se forma em sua retina. Na sequência esta
da Disney empoeirados e o boneco do Johnny imagem é transformada em sinais elétricos que
Deep vestido de Chapeleiro Louco, ao lado do são levados ao tálamo e projetados simultanea-
computador; ops! Agora me responda para que mente no córtex, rota perceptiva e nas regiões
serve esta sala? Alguns diriam que serve para sub-corticais, rota emocional. Se o mecanismo
estudar, imergir na ciência arqueológica. de avaliação emocional reage ao estímulo, um
Outros diriam que serve para brincar de sinal é enviado às áreas sub-corticais que
playmobil, outros ainda diriam que serve para regulam os estados do corpo. Simultaneamente
tirar uma soneca e fugir da esposa na hora de as informações sensoriais são analisadas no
lavar a louça do jantar. Então me pergunto por córtex e o output pode ser projetado para os
que, mesmo sabendo que objetos, construções, mecanismos de avaliação emocional que
monumentos são criados para serem experi- respondem se a emoção inicial é relevante ou
mentados, utilizados, sentidos, os aspectos da não. Dentro deste processo, a conscientização
experiência, da vivência são deixados de lado de ver a ponta de flecha é chamada pela
quando analisamos um sítio arqueológico ou neurociência de percepção. Ela ocorre quando
uma coleção de objetos arqueológicos? Pergun- os sinais elétricos que representam a imagem
to-me, monumentos, casas, construções eram bidimensional da ponta de flecha são transfor-
criadas para serem experimentadas ou descritas? mados por nosso cérebro em uma experiência
Artefatos eram feitos para serem manuseados de ver a ponta de flecha. Percepção seria a
ou para serem medidos e tabulados? Por mais forma como através dos sentidos as coisas do
que pareça óbvia esta constatação, porque mundo natural e humano chegam a nossa
então continuamos a apenas descrever nossos consciência (Chauí 2000).

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Segundo Nóbrega (2008), para compreender- possível ver o gume sob as folhas secas? Creio que
mos a percepção, e, por conseguinte nossa relação não. Mas pare e pense. Quando você deparou
com o mundo, primeiro temos de entender o que com a ponta concebeu apenas a porção visivel ou
é sensação. Para Reid (1970) devemos estabelecer a ponta como um todo? Siiiim, pode responder, a
uma diferença entre sensação e percepção. Para o ponta como um todo; mesmo não tendo comple-
autor sensação é o processo de sentir nosso to acesso sensorial à ponta, “Eu” concebi a ponta
mundo através do aparato sensorial, já a percep- de flecha em sua totalidade. Segundo Husserl
ção é o meio pelo qual interpretamos as sensa- (1962) isso se dá porque nossa percepção nos
ções. Merleau-Ponty (1962) foi um dos primeiros a fornece uma completa consciência do objeto,
criticar esta idéia. Para o autor não devemos mesmo que apenas parte do objeto percebido seja
pensar a percepção como sendo construída a dado. O motivo para isto acontecer está enraizado
partir de segmentos separados de dados sensori- no que Hurssel chama de intencionalidade
ais. Em vez de serem componentes elementares da horizonal, ou seja, a consciência do perfil atual do
experiência perceptiva, as sensações são constru- objeto é sempre acompanhado por uma consciên-
ções teóricas. Isto se dá porque percebemos o cia intencional do horizonte do objeto no que se
mundo dentro de uma gestalt, ou seja tem forma e refere aos perfis ausentes (Husserl 1970). Nossa
unidade. Além disso, esquecemos que o objeto consciência transcende o perfil perspectivo da
percebido está sempre contextualizado, não ponta de flecha a fim de apreendê-la. A percepção
apenas pelo seu ambiente físico, mas pelos assim nos fornece um objeto-consciência comple-
interesses particulares de quem percebe, pelas to mesmo que somente parte do objeto seja
ações específicas e ações potenciais em que o intuitivamente dado. Ao mesmo tempo, lhe
observador está envolvido e pelas especificidades pergunto, você conseguiu ver todo o espectro
culturais e históricas envolvendo o observador e eletromagnético refletido pela ponta de flecha?
outros aspectos da experiência que são constituí- Ao tocá-la com sua marshalltown você escutou
dos de diferentes modalidades dos sentidos e das todas as ondas sonoras criadas? Também creio
emoções. Para Chaui (2000) não existe diferença que não, afinal só vemos uma pequena faixa do
entre percepção e sensação. Ambas são a mesma espectro eletromagnético que chamamos de luz,
coisa. Sensações não são propriedades intrínsecas assim como o ouvido humano só reage a estímu-
dos objetos sentidos, mas propriedades da los entre 20 e 200 hertz. Está vendo como as aulas
atividade neurológica que é causada por estímulos de física do colégio estão servindo para alguma
físicos que afetam nossos sentidos. Enquanto coisa? Ao mesmo tempo às vezes vemos menos do
nossa informação sensorial é aproximada, nossa que pensamos ver. Como demonstrou Dennett
percepção é mutável. A mudança ocorre porque (1991), nós somos incapazes de distinguir cores na
mudamos os conceitos que tomam parte de nossa periferia de nosso campo visual. Somente quando
percepção quando, por exemplo, vemos figuras um objeto se aproxima de nosso campo focal é
ambíguas. Se sempre observássemos os objetos que conseguimos perceber as cores. Neste sentido,
como eles são seria impossível explicar a mudança podemos dizer que a percepção não é o conheci-
entre duas diferentes percepções, desde que os mento exaustivo e total do objeto, mas uma
objetos não mudam, mas nossa percepção sim. interpretação sempre provisória e incompleta que
Outro aspecto a se considerar é que vemos se dá a partir de perfis. Segundo Gallagher e
mais e menos do que aquilo que é dado sensorial- Zahavi (2008), os tensionamentos dos perfis
mente, já que os objetos nunca nos são dados em ausentes não se dão apenas com a visão, mas se
sua totalidade. Voltemos à nossa ponta de flecha. estende aos demais sentidos.
Quando estávamos caminhando e deparamos Quando Husserl (1970) considerava o ato
com ela em nossa prospecção, ela estava enterra- intencional consciente frente ao objeto fazia
da, não estava? Você conseguia ver o objeto uma distinção entre intenção simbólica,
inteiro, inclusive a parte posterior que tocava o intensão imaginativa e intenção perceptiva.
solo? Era possivel ver cada um dos detalhes da Para ele não só estas formas de intenção não eram
textura e da coloração da porção enterrada? Era indenpendentes como eram hierarquizadas de

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acordo com sua capacidade de nos oferecer o funcionam conjuntamente com nossa experiên-
objeto de maneira mais direta. Hurssel acredita- cia sinestésica. Para Husserl (1962), a percepção
va que a intenção simbólica era a mais afastada não é independente da dimensão sinestésica,
do objeto original, pois o ato simbólico embora elas trabalham juntas para formar um significa-
seja assentado em uma referência, nos oferece o do completo para o objeto da percepção. Se
objeto de maneira indireta a partir de suas imaginarmos que estamos diante de nosso
representações linguísticas. Já os atos imaginári- perfil estratigráfico, a ideia do perfil está
os, embora tenham um conteúdo mais intuiti- completa e formada, mesmo que alguns perfis
vo, também nos trazem os objetos de modo estejam ausentes. Os perfis ausentes estão
indireto através da imagem. Desta maneira, ligados para um “se” intencional. Se eu me
enquanto os atos simbólicos nos apresentam mover para a direita, se eu me mover para a
nossa ponta de flecha através de um signo esquerda, o novo perfil se torna acessível. Neste
linguístico, os atos imaginários nos oferecem a sentido percepção pressupõe movimento e para
ponta de flecha através de uma representação entender a percepção precisamos entender a
em forma de imagem. A percepção é a única própria intencionalidade de nosso corpo. É por
das intenções que nos oferece a ponta de flecha isso que Husserl dava ao corpo estatuto zero de
diretamente, ou seja, a percepção não nos referência no processo perceptivo, pois a
confronta com signos, fotos ou imagens da percepção depende das habilidades senso-
ponta, mas nos confronta com ela mesma. motoras do observador (Husserl 1970). Percep-
Falar da ponta de flecha, ver a imagem da ção não é algo que acontece em nós ou para
ponta e manusear a ponta, não é segundo nós, mas algo que nós fazemos (Noe 2004).
Hurssel lidar com três pontas de flecha diferen- Desta maneira o que percebemos é assim
tes, mas com três maneiras diferentes de nos determinado também pelo que fazemos, pelo
relacionarmos intencionalmente com ela, cada que somos capazes de fazer ou pelo que estamos
uma mais ou menos distante do objeto original. prontos para fazer.
Para Husserl o ponto central da relação sujeito/ Neste momento, meu amigo Leandro pode
objeto é a consciência. A consciência é sempre estar pensando, enquanto caminha para aliviar
consciência de algo que se manifesta a uma a dor na lombar, sim, ótimo, está tudo lindo,
consciência. É nesta relação que Husserl maravilhoso, o texto está muito engraçadinho,
identifica a base da realidade. Neste sentido o mas como encaramos os estímulos perceptivos,
importante é a vivência, ou como define o a física e a química envolvida na recepção dos
autor, o processo pelo qual tudo que é informa- sinais sensoriais, aquele monte de neurônios e
do pelos sentidos é mudado em uma experiên- neurotransmissores, aquelas vias com nomes
cia de consciência, em um fenômeno que estranhos, os impulsos elétricos, os sistemas
consiste em estar consciente de algo (Cobra neurais? Hummm; difícil; hora de ascender um
2005). A fenomenologia de Husserl busca cigarro e correr. Brincadeira, vamos lá.
revelar o mundo a partir da experiência e não a Segundo Nóbrega (2008), a neurociência
partir do que acreditamos que a experiência tradicional considera que o sistema sensorial é
seja. O mundo real é o mundo percebido, é o formado por fibras aferentes que conduzem o
mundo vivido. estímulo da periferia para o sistema nervoso
Percepção não é uma recepção passiva de central e fibras eferentes que se encarregam de
informações e aqui está o ponto chave: percep- processar as informações e efetuar uma respos-
ção envolve movimento. O que vemos, senti- ta. De acordo com Jarvilehto (1999), é com a
mos é formado e determinado pelo que ajuda dos receptores eferentes que cada organis-
fazemos e o que somos capazes de fazer. É por mo cria seu próprio mundo, simultaneamente
isso que temos dificuldade de imaginar ou objetivo e subjetivo. O autor argumenta que as
descrever situações que requerem movimentos células receptoras não têm como função
que não são habituais para nós (Kaschak e exclusiva a conexão com o sistema nervoso
Glenberg 2000). Nossos órgãos sensoriais central através das fibras aferentes já que se

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descobriu recentemente que elas também se passado. A percepção vem e escapa a nossa
inter-relacionam com as fibras eferentes. As mente criando outra imagem, tornando-se
conexões podem ocorrer de fora para dentro ou memória. Nesse sentido para Bergson (1990),
no interior do próprio organismo, por meio de quanto mais imediata a percepção mais real ela
sinais elétricos e químicos. As conexões se torna, quanto mais distinto de nosso corpo
eferentes influenciam os órgãos sensoriais na por um intervalo, nunca exprime mais que
medida em que modificam a maneira como o uma ação virtual. Dentro deste universo, a
organismo interpreta os estímulos do ambiente. percepção e as imagens que entram em nosso
Isso significa que a percepção não é um corpo são selecionadas pelo cérebro, ou seja,
processo linear de decodificação de estímulos e toda a percepção passa necessariamente pela
sim, um círculo que envolve o sensório e o nossa escolha. Este processo constitui para
motor não como partes integrantes, mas como Bergson algo inexplicável, “o que você tem a
uma unidade dinâmica (Jarvilehto 1999). Neste explicar, portanto, não é como a percepção
sentido, embora o estímulo exista como nasce, mas como ela se limita, já que ela em seu
estímulo ele assume configurações variadas para direito seria a imagem do todo, mas ela de fato
cada acontecimento. Segundo Nóbrega (2008), se reduz àquilo que interessa a você” (Bergson
a percepção não apenas decodifica estímulos 1990: 28. Tradução nossa).
linearmente, mas reflete a estrutura do nosso No fim, não é a materialidade existir ou
corpo frente ao entorno, em contextos sociais, não, ou como ela existe no mundo o que
culturais e afetivos múltiplos. Segundo Maturana importa, mas a maneira pela qual o conheci-
e Varela (1995), os movimentos, provocam mento acontece, o ato pelo qual a pessoa
modificações no estado do sistema aferente apreende imediatamente o conhecimento de
que, por sua vez, criam novos movimentos. Para alguma coisa. Segundo Kant, nós não podemos
Nóbrega (2000) na concepção tradicional, o conhecer inteiramente as coisas porque nem
movimento é causado por estímulos vindos do todos os sinais que recebemos das coisas são
meio ambiente, dentro do esquema estímulo- aceitos pela mente, assim não podemos conhe-
resposta. Os órgãos dos sentidos e suas fibras cer inteiramente o real. Conhecemos o real
aferentes conduziam o estímulo e o sistema apenas naquilo que a mente pode assimilar,
motor, com suas fibras eferentes, processava e sendo assim conhecemos o perfil estratigráfico
executava a resposta. Na perspectiva da autopoiésis porque na realidade o reconhecemos enquanto
de Maturana e Varela (1995), a relação entre os informação.
sistemas aferente e eferente é modificada, sendo Como temos visto não podemos acreditar
considerada circular e não mais linear. Sendo cegamente naquilo que o mundo nos oferece,
assim, Nóbrega (2008) afirma que a percepção pois no mundo, as essências estão acrescidas de
emerge da motricidade onde o sistema nervoso acidentes enganosos, por isso, é preciso fazer
central tem por função a condução do impulso variar imaginariamente os pontos de vista sobre
e não a elaboração do pensamento. Ainda a essência para fazer aparecer o invariante.
segundo a autora o que desencadeia certa Acredito não exista algo como uma face
resposta reflexa, não é um agente físico- objetiva pura da realidade. No mundo da
químico, é certa forma de excitação da qual o objetividade pura, o homem está ausente. É um
agente físico-químico é a ocasião antes que a mundo árido, só de conceitos. Mas ao mesmo
causa. Quando nos movimentamos, há uma tempo não acredito em uma subjetividade que
circularidade entre os acontecimentos do meio crie ou se imponha absolutamente ao mundo.
ambiente e os acontecimentos no próprio O que efetivamente existe são os múltiplos
corpo, ocorrendo uma nova interpretação aspectos da interação dessas duas dimensões.
desses acontecimentos. Merleau-Ponty (1962) acreditava, ao mesmo
O tempo da percepção é o instante, ou tempo, que a percepção não é apenas individu-
seja, existe no momento em que recebemos a al, ela tem um caráter social, isto porque não
imagem, a partir deste momento já é tempo vivemos sós no mundo. Desta maneira, nossa

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ponta de flecha está sempre lá para os outros sentidos são baseados nos modelos adotados e
também, mesmo que esses atores não estejam aceitos socialmente. Cada cultura desta manei-
em cena. Segundo Chauí (2000) e Jacobs ra concebe os sentidos de modo diferenciado,
(2006), nossas experiências culturais influenci- estabelecendo seus próprios modelos e hierar-
am diretamente nossa percepção do mundo na quias sensoriais (Howes 2006). Desta maneira,
medida em que percebemos os objetos no o entendimento sensorial do mundo não seria
mundo não como eles são, mas percebemos apenas um aspecto fisiológico, mas seria
através da mediação entre conceitos pré- culturalmente determinado. Grupos humanos
existentes originários de nossas experiências reconhecem seu aparato sensorial de acordo
culturais. Sendo assim cada imagem do mundo com o contexto cultural no qual estão inseri-
é composta de estímulos que são processados dos, criando e mudando sentidos, criando e
através da experiência pessoal, aprendizado, alterando hierarquias sensoriais (Howes 2006
imaginação, memória etc.. a). Segundo Crary (1990), definidos em termos
Em resumo, a experiência perceptiva não é de capacidades sensoriais, potencialidades meio
determinada apenas pelos estados neuronais, ambientais e significados culturais, os modelos
ela depende das habilidades sensório-motoras sensoriais adotados por uma sociedade assu-
do observador, das possibilidades oferecidas mem conceitos locais que acabam sendo
pelo ambiente e dos condicionamentos da definidos pela tradição e pela prática. Nós
cultura. Entender o processo perceptivo é aprendemos a ver, ouvir, sentir. Nós aprende-
importante na medida em que um indivíduo mos a observar e não observar.
organiza e interpreta as suas impressões Classen (1993) demonstrou que a maioria
sensoriais para atribuir significado ao seu meio, das culturas apresenta um balanço sensorial
ou seja, o comportamento das pessoas é próprio. Enquanto alguns grupos tendem para
baseado na interpretação que fazem da realida- uma igualdade entre os sentidos, outros
de e não na realidade em si. Pela percepção manifestam a primazia de um sentido particular
formam-se imagens que têm significados ou de um grupo de sentidos. Ao mesmo, tempo
diferentes para quem as capta, dependendo de nem todas as sociedades apresentam a mesma
sua cultura, tempo histórico, situação psicológi- divisão aristotélica dos sentidos que o Ociden-
ca, emocional etc.. te. Por exemplo, enquanto os javaneses dividem
seus sentidos em visão, audição, olfato, senti-
mento e fala (Dundes 1981), os Hausa dividem
3. O império dos sentidos os sensos em apenas dois, a visão e o ji, que
representa todos os demais sentidos (Ritchie
Embora no Ocidente estejamos acostuma- 1991). Já os Cashinahua do Peru classificam os
dos a pensar nos sentidos apenas como uma sensos em pele, mão, ouvido, genitália, fígado e
resposta fisiológica dos órgãos sensoriais aos olhos. Segundo Kensinger (1995), os Cashinahua
estímulos emitidos pelo mundo externo, os atribuem o conhecimento do mundo ao
sentidos são algo mais. Eles são habilidades que conhecimento da pele, pois é através da pele
empregamos diariamente na interpretação e que sentimos o calor do sol, a chuva, o vento, a
avaliação do mundo, na mediação entre os floresta etc., por outro lado, o conhecimento
significados e materialidades de nosso entorno. social advém dos ouvidos, do ato de escutar os
Para ver, por exemplo, precisamos mais do que outros indivíduos do grupo.
abrir os olhos para permitir que a luz seja Diferenças nos modelos sensoriais resultam
captada por nossa retina. Para ver, precisamos em diferentes formas de interpretar o mundo.
perceber o que é visto e, assim, dar sentido à É por isso que no mundo ocidental mapeamos
experiência somática (Rodaway 1994). Classen o meio através da visão e os Kaluli de Papua
(1993, 1997) e Howes (1991) defendem que Nova Guiné mapeiam sua paisagem através dos
percepção é uma construção social, ou seja, os sons (van Ede 2009). Já entre os Desana da
significados que os indivíduos atribuem para os Colômbia, o mundo existe essencialmente

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através das cores, isto porque segundo eles Basso (1985) em seu livro, A Musical View of the
todos os seres vivos possuem seu próprio Universe, relata que para os Kalapalos seus
campo de cores. As cores representam para os copos de cristal não eram vistos e não adquiri-
Desana também a idade, o status, o conheci- am significados por sua função visual, mas sim
mento e o estado emocional dos indivíduos. pelo som que eles emitiam quando tocados.
Entre os Ewe de Gana, o movimento é o As hierarquias sensoriais não são estáticas,
senso mais relevante, desde que como uma elas mudam com as estações com os anos, com
pessoa se move indica seu conhecimento do a idade. No Ocidente, por exemplo, Origen,
meio, sua idade e seu status social dentro da teólogo do século III, sugeria a existência de
comunidade (Geurts 2002). Entre os Suya, sentidos espirituais que permitiam a
quando um caçador recorre ao shamam para transcendência dos fenômenos (Classen 1993).
que lhe ajude a caçar melhor, não é sobre a Segundo a proposição de Origen, os sentidos
visão que o shamam atua e sim sobre o braço, espirituais da memória, instinto, imaginário,
pois para os Suyas, é a precisão tátil que fantasia e senso comum se correlacionavam
determina um bom caçador e não a visão diretamente aos sentidos aristotélicos. Maloney
(Seeger 1975). (1976) demonstrou como nem sempre a visão
Entre os Dongon de Mali, as palavras além foi o sentido mais importante no Ocidente.
de sua natureza invisível têm uma propriedade Segundo o autor na Europa Medieval, era
material maior que o som, ela tem odor, pois muito difundida a crença na visão como algo
para eles sons e cheiros têm vibração e origem maléfico. A visão era associada ao “olho do
comuns. De acordo com as concepções Dogons, mal”. Classen (1998), seguindo a mesma linha,
palavras podem ser classificadas pelo cheiro. demonstrou como a visão era associada à
Assim palavras boas têm cheiro adocicado bruxaria na Idade Média na Europa.
enquanto palavras ruins têm cheiro forte. Ao O conceito que o Ocidente tem da visão
mesmo tempo palavras ruins e impetuosas estão pode muito bem ser representada pela ideia que
associadas à flatulência. temos de fotografia. Em geral, nos bastamos com
Os Ongee das Ilhas Andamon no Pacífico o que é retratado como se a foto fosse um
ordenam o mundo pelo olfato. Para eles o odor retrato fiel da realidade, assim como acreditamos
representa a força vital do universo sendo a que o perfil estratigráfico que desenhamos em
base da identidade social. Já para os Tzotil do campo representa com exatidão absoluta as
México é o calor que representa a força primá- camadas sobrepostas de sedimento. Mas por
ria. Neste caso, a ordem social é determinada exemplo ao observar uma série de fotos de
pelo sensorial térmico, ou seja, quanto mais animais um chefe de uma tribo da Tanzânia
importante dentro da hierarquia social mais recorrentemente olhava na parte de trás das fotos
próximo se está do sol por exemplo. e as considerava incompletas (Classen 1993). O
Se no Ocidente a estética é primariamente chefe esperava na realidade que as fotos mostras-
visual, sendo a beleza apenas aparência, entre sem o que ele conhecia dos animais fotografa-
os Shipibo do Peru, as experiências estéticas dos, ou seja, que eles têm mais de um lado.
envolvem o olfato, a audição e a visão conjunta- Distinções sensoriais podem também
mente (Gebhart-Sayer 1985). Entre os Navajos, determinar diferenciações sociais. Por exemplo,
a experiência estética está associada aos aspectos as mulheres normalmente são vistas com maior
táteis como se vê no ritual da pintura da areia aptidão ao tato, olfato e paladar, o que as torna
(Classen 1993). Segundo a autora, enquanto os inaptas ao trabalho intelectual associado à visão
ocidentais vêm a pintura como objetos visuais, e à audição. Suas tarefas passam a ser limpar,
os Navajos pensam e atuam na dimensão tátil cozinhar e cuidar da família (Classen 1998). Ao
da pintura. Lembremos que na arte ocidental, é mesmo tempo, na Europa Moderna, primitivos
a contemplação que é estimulada, sendo que a eram aqueles associados aos sensos do olfato e
própria técnica da perspectiva busca desligar os do paladar, que eram considerados sensos
demais sentidos em benefício da visão. Ellen menores, ligados ao desejo incontido.

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Modelos sensoriais em vez de privilegiar passagem do mundo florestado para os campos


apenas um dos sensos, podem reunir também, abertos. Para Tilley o mundo caçador coletor
de modo sinestésico, dois ou mais sentidos. dos mesolíticos era o mundo das florestas, do
Houston e Taube (2000) mostraram como a ambiente fechado, do horizonte reduzido.
escrita atuava como meio de comunicação Neste ambiente as zonas de maior visibilidade
sinestésica entre os povos mesoamericanos eram os topos de morro, os pântanos e as áreas
antigos. Segundo os autores, a escrita entre os limite da floresta. O intenso contato com estes
mesoamericanos não era apenas um registro ambientes fazia do cheiro, do tato e do som,
passivo, mas um dispositivo pensado para ser sentidos mais importantes que a visão. O som
falado através da linguagem vocalizada. Ainda do riacho, o cheiro de determinados tipos de
segundo os autores, era possível que os indiví- plantas, o tato das texturas das árvores, tudo
duos olhassem as inscrições nos templos e isso pode ter contribuído para a mobilidade
monumentos e as decodificassem tanto de destes grupos. Estes ambientes eram mais
modo visual quanto de modo auditivo, literal- dinâmicos e os modelos sensoriais provavel-
mente escutando um orador proferir as pala- mente trabalhavam sinestesicamente com a
vras. Ler era como escutar alguém falando, da memória. Ao mesmo tempo, as possibilidades
mesma maneira que parar de ler era como se perceptivas da floresta poderiam ter tido
estivessem interrompendo alguém falando. importantes consequências simbólicas. Durante
Mudanças nos modelos sensoriais resultam o período de transição para o Neolítico as
na reorganização massiva do conhecimento e florestas deram lugar a grandes áreas desmatadas.
das práticas sociais. Dois bons exemplos são a O desmatamento em grande escala permitia
criação do alfabeto e a revolução Neolítica. que a visão passasse a ser o senso dominante
Segundo Macluhan (1962), a invenção do em termos de orientação espacial. Era possível
alfabeto marcou o início da passagem dos agora avistar o horizonte, controlar uma área
modelos sensoriais auditivos para os modelos de grande extensão de terra, admirar os topos
visuais, pois com a invenção da escrita a visão de colina distantes etc.. Tilley acredita que o
passou a ser no mundo ocidental o meio mais desmatamento produzido alterou significativa-
importante para a aquisição de conhecimento, mente os modelos sensoriais das comunidades
processo este que se intensificou com a inven- Neolíticas, pois permitiu a criação de novas
ção da imprensa. Ong (1969) não só defendia experiências perceptivas. Ele vê na instalação
esta ideia como argumentava que esta transfor- de diversos monumentos ao longo dos topos
mação nos modelos sensoriais teve profundos das colinas um exemplo desta mudança de
efeitos sobre a ordem social. Do ponto de vista perspectiva. A experiência da colina sem
cognitivo, segundo o autor, a importância da floresta foi substituída pela experiência dos
visão levou, por exemplo, ao compartilhamento monumentos em áreas altas e abertas.
das ciências e à dominância dos modos de
pensamento objetivos e lineares. Classen (1997)
nos dá uma série de exemplos da diminuição 4. Uma nova maneira de vivenciar nossa
do simbolismo associado aos demais sentidos Arqueologia
durante o império da visão.
Outro exemplo de como a mudança dos Howes e Classen (2009) têm defendido a
modelos sensoriais pode engendrar significati- ideia de que a cultura material incorpora e
vas mudanças na ordem social pode ser vista na expressa os modelos sensoriais de uma dada
interpretação que Tilley (2007) faz da Revolu- sociedade. Isto se daria não apenas na sua
ção Neolítica. Segundo o autor graças à produção, através dos valores e habilidades
mudança dos modelos sensoriais entre o final sensoriais nela envolvidos, mas também nas
do Mesolítico e inicio do Neolítico, todas as qualidades sensoriais que os objetos apresen-
ordens sociais, econômicas e culturais foram tam depois de prontos, com suas formas, cores,
alteradas. Tal mudança teria sido decorrente da estéticas, sons, texturas e no seu consumo, ou

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seja, nos significados que as pessoas atribuem à consideradas juntamente com suas característi-
peça dentro do modelo sensorial vigente. cas tecnológicas. Em um dos seus exemplos o
Como afirmou Howes (2006a), da mesma autor discute como o brilho do quartzo era
maneira que os objetos suscitam sensibilidades um aspecto tangível importante na escolha da
eles são sensíveis aos modelos sensos-culturais matéria prima para algumas sociedades. Jones
de um grupo. e MacGregor (2002) têm sugerido que o uso
Mas, se modelos sensoriais são definidos e de rochas de diferentes litologias e colorações
vivenciados culturalmente, seria possível acessar na construção das passagens das tumbas
os modelos sensoriais de outra cultura, seja ela irlandesas do mesolítico criavam uma estrutu-
do passado ou do presente? Seria possível ra colorida que interferia no direcionamento e
através de objetos, apreender os modelos condução da luz natural para dentro dos
experimentados por outros grupos? Creio que monumentos. Em Clava Cairn, por exemplo,
não totalmente, pois para compreender o o monumento, criado com litologias diferen-
modelo sensorial de outros grupos teríamos tes, foi pensado para reagir diferentemente de
que desaprender nosso próprio modelo acordo com os tipos de luz que incidiam nas
sensorial. paredes. Sendo assim durante o equinócio
Mas a despeito deste impedimento, creio somente determinadas partes do monumento
que o estudo dos aspectos sensoriais pode nos se iluminavam o mesmo acontecendo no
fornecer outras maneiras de ver os objetos do solstício. Os autores concluem que a inter-
passado, ampliando nossa capacidade de relação entre luz, cores e litologias específicas
interpretação. Ingold (2000) salienta que como poderia sugerir performances específicas
parte da experiência perceptiva é aprendida, associadas com significações cosmológicas.
ação e participação com os materiais e paisa- Em relação à audição uma série de arqueó-
gens são essenciais na tentativa de interpretá- logos tem explorado a ideia de soundscapes. Na
los. Sendo assim devemos descrever menos e tentativa de explorar novos sentidos para a
vivenciar mais os objetos. O autor lembra que é paisagem, Scarre e Lawson (2006) trabalharam
a estrutura e a regularidade das atividades com a recriação dos sons cerimoniais da Idade
diárias que nos tornam próximos à experiência do Bronze. De modo similar, Loose (2008)
sensorial do lugar e dos objetos. Ainda segundo explorou os sons dos gritos e sinos em rituais
o autor, pesquisadores na sociedade moderna antigos.
entendem muito pouco sobre a obtenção e Embora menos estudado, o toque mostra
preparo dos materiais tradicionais utilizados no um grande potencial para o entendimento de
passado principalmente no que se referem monumentos e artefatos. Macgregor (1999), por
àqueles que têm pouco uso atualmente. Como exemplo, trabalhou com as bolas de pedra
ressalta Hurcombe (2007), muitos arqueólogos neolíticas a partir da textura do material de
fazem interpretações sobre a cultura material confecção. Cummings (2002) analisou a textura
sem nunca ter experimentado sua produção ou das paredes dos monumentos neolíticos
sua utilização. Segundo a autora isto afeta a ingleses para determinar seu significado. Para a
construção sensorial do objeto e dificulta o autora é essencial considerar não apenas o
entendimento de alguns aspectos da cultura impacto das estruturas ou artefatos acabados,
material. mas como isto poderia ter afetado os atos e
Dos cinco sensos aristotélicos, a visão é o gestos da própria confecção, afinal como
sentido mais explorado tanto na prática aponta Lazzari (2005) seriam os objetos escolhi-
quanto na interpretação arqueológica. No dos por qualidades táteis específicas? Em alguns
campo da arqueologia sensorial os aspectos sítios o sentimento de assimetria foi alcançado
visuais têm sido explorados, por exemplo, na através do uso de diferentes texturas e formas
significância das cores e dos perfis de visibili- das pedras. Desde que a experiência é tanto
dade. Para Whitley et al. (1999), as qualidades subjetiva quanto culturalmente específica, os
sensoriais das matérias primas devem ser construtores dos monumentos parecem ter

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deliberadamente incorporado muitos atributos textos, são fragmentos de uma vivência, de


assimétricos diferentes. A textura, a forma, cor, uma percepção.
origem das pedras fornecem diferentes meios
de estabelecer um sentimento de assimetria.
Entrar nas pequenas câmaras deveria ter sido 5. De volta à Terra do Nunca
uma experiência desnorteante. Sem referências
externas, o observador rapidamente perde seu Por que paramos de admirar o nascer do
senso de orientação em relação ao mundo sol, as estrelas e a lua cheia? Por que paramos
externo. Sendo assim, o interior parece ter sido de dar formas às nuvens? Por que paramos de
criado para possibilitar a identificação dos brincar na chuva? Por que paramos de nos
diferentes setores das câmaras. emocionar a cada caco cerâmico encontrado
Um dos sentidos mais difíceis de identifi- em um sítio arqueológico? Para onde foi aquela
car no passado é o olfato. Mesmo assim euforia de cada nova descoberta?
sabemos que o olfato desempenha papel Já é lugar comum atribuir ao ritmo da vida
importante na maneira com que concebemos e moderna nosso distanciamento com o mundo e
interpretamos o mundo. Houston e Taube com aquelas pequenas coisas que dão sentido a
(2000) têm demonstrado a importância dos ela. Sair do lugar comum é na realidade fazer
cheiros entre os mesoamericanos, principal- algo para mudar essa realidade, para acabar
mente no que se refere à comunicação com com essa morte em vida. Diariamente nos
seres extra-sensoriais. Classen et al. (1994) têm esquecemos de tudo aquilo que realmente
demonstrado a associação entre o olfato e as deveria ser mais importante. Nos esquecemos
experiências de memória e emoção. Segundo a de parar para perceber o mundo a nossa volta.
autora, odor, memória e significado são Na arqueologia creio que não é diferente.
elementos inter-relacionados. Segundo Hurcombe O distanciamento que temos dos objetos com
(2007), embora potes de cerâmica estejam mais que trabalhamos, das paisagens e sítios que
associados com fogo e calor do ponto de vista escavamos, se deve em primeiro lugar ao trato
sensorial, é possível que em algumas situações o cotidiano que temos com este universo. Vemos
aroma por eles exalado tenha tido um simbolis- tantos cacos, tantas sondagens, tantos sítios que
mo maior. Sendo assim, não seria estranho estes passam a ser lugar comum. Em segundo
pensar que os potes enterrados nas sepulturas lugar, se deve ao fato de que nossos modelos
poderiam representar percepções mnemônicas sensoriais, baseados na preponderância da
para alimentação ou mesmo para os aromas e visão, determinam um distanciamento dos
paladares associados com o pote. objetos com que lidamos. Segundo Howes
Todos os exemplos acima servem para (2005), no Ocidente concebemos os sensos
nos lembrar que existe mais nos objetos do como recipientes passivos de dados, como
que supõem nossas interpretações. Nosso faculdades naturais. Nossa ordem sensorial nos
modelo sensorial baseado na visão, falha em parece tão natural que temos dificuldade em
acessar a materialidade do passado por uma concebê-la como produto cultural. Somente
falha ontológica e epistemológica simples. quando examinamos os diferentes modelos
Utilizamos um modelo sensorial diferente do sensoriais praticados por outras sosiedades é
que foi utilizado pelas culturas do passado. É que a construção cultural da percepção se torna
neste sentido que Finnegan (2002) sugere clara. Mas como abordamos o estudo sobre
que os objetos não devem ser lidos ou outras culturas a apartir de nosso próprio
simplesmente interpretados, mas vivenciados. modelo sensorial, o conhecimento dos simbo-
Os limites de nossa linguagem não são os lismos associados com os sentidos permanesce
limites de nosso mundo, como diria Howes reduzido. Gosden (2001) tem alertado que para
(2005). Palavras e objetos, discursos e práti- apreciarmos o mundo sensorial dos outros
cas materiais não são as mesmas coisas (Tilley deveríamos desaprender nossa própria educa-
2002). Cacos cerâmicos não são imagens ou ção sensorial, com sua predisposição para o

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Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 3-16, 2010.

visual. Estas abordagens talvez não produzam logo e artefatos, são criados e transformados
respostas definitivas sobre como monumentos e (Jones 2002).
artefatos eram construídos, confeccionados, A mecanização de nossas atividades tirou o
concebidos e utilizados, mas nos encoraja a sentido mais profundo do que fazemos e
reconhecer, a discutir a complexa relação que as tornou a ciência arqueológica enfadonha,
pessoas tinham com seu meio. Isso significa repetitiva e estéril. Quem depois de anos de
atender aos significados codificados em todos carreira ainda tem aquela emoção pueril ao
os sentidos. Essa atenção pode descobrir uma desenterrar um objeto ou ao terminar o nível
riqueza de simbolismo sensorial anteriormente cinco da sondagem? Um caco é só mais um
negligenciada pelos estudiosos e pode revelar caco, uma sondagem é apenas mais uma
hierarquias de valores sensoriais diferentes da sondagem. Mas cada caco é único, cada
ordem visual que dominou o Ocidente (Classen fragmento de lasca é único. Único, pois
1997). representa a vida de alguém que transformou a
Sem pretender ser a resposta para todas as matéria em artefato; único nas experiências e
aflições da Arqueologia, as abordagens fenomeno- sensações que estão por detrás de cada fragmento.
lógicas têm auxiliado na desconstrução das Ao final me despeço de vocês esperando nossa
abordagens dualistas, produto do racionalismo próxima aventura. Deixo apenas um recado:
cartesiano. Tal desconstrução facilita a reconside- lembre-se, podemos ter perdido a nossa inocência,
ração da natureza da materialidade e da relação mas não perderemos nossa fantasia. Esses cacos
entre as pessoas e o mundo material. O cerâmicos que encontramos todos os dias não são
mundo material não é inanimado, ele nos afeta apenas cacos cerâmicos, eles são mágicos. Como
e nos torna quem somos. Sendo assim, nossa nos aconselhou o homem no rio, faça as pergun-
relação com o mundo material, com os macha- tas certas e um mundo maravilhoso pode se
dos, lesmas, enterramentos, passa a ser conside- abrir para você. A vida é uma só, aproveite-a
rada como um diálogo em que ambos, arqueó- bem e faça as perguntas que você deve fazer!

PELLINI, J.R. Changing your heart, your mind and your paints. The Sensorial Archaeology.
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 20: 3-16, 2010.

Abstract: How has pointed Classen (1993, 1997) and Howes (1991, 2006),
ethnographic, historical and anthropological studies have shown that sensory
perception is a cultural construct, or, the meanings that individuals attribute to
the sensory aspects are based on sensory models adopted socially. Thus each
culture sees the senses differently establishing its own sensory hierarchies
(Howes 2006). In this sense, an understanding of the sensory world is not only
a physiological aspect, but it is culturally determined. The groups recognize the
human sensory apparatus in accordance with its own context, creating and
changing senses, creating and altering sensory hierarchies. We learn to see,
hear, feel. We learn to observe and not observe. In this sense the Sensory
Archaeology seeks to understand the human experience through an understanding
of how is the relationship between individuals and the material world, assuming
that is the same way that the objects they raise sensitivities are sensitive to the
sensory models and cultural senses of a group.

Keywords: Sensorial Archaeology – Perception – Phenomenology – Materiality.

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José Roberto Pellini

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