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OUVIR CONTAR
Textos em História Oral
FGV
EDITORA
0 lugar da história oral: o fascínio do
vivido e as
possibilidades de pesquisa
de Janeiro, de 27
29 de setembro de 2000.
a
oral Também tratei do assunto na conlerëncia "História
biograha", proferida no
e
Congresso
de História Oral,
realizado de 9a 12 de Fronteiras, Migrações e
de Goiás. As
julho de 2002, na cidade de Goiás,
pelas universidades Federale
Culturas.
em
possibilidades
de pesquisa com história oral, arroladas aqui em nove Estaaual
parte desenvolvidas no texto
"História oral na Alemanha: ilens, lot
constiluiçao de um mesmo campo", semelhanças e dessemelhanças na
60 anos em minha
cidade, acabo me identificando com ele, e, eu mesma,
camnhando pelas ruas em meio a bondes e senhores de chapéus.
Esse lascinio do vivido é sem dúvida grande parte responsavel
em
pelo sucesso que a hisiória oral tem
alcançado úllimos anos -
nos
sucesso
que pode ser alestado pelo número
crescente de
cestudiosos "lascinados" pela pesquisadores, prolessores
seminanos de história oral em
metodologia, que frequentam os
congressos e
todo mundo no Brasil o e
A natureza do fascínio
Em muitos casos, a entrevista de história oral nos acena com a chan-
ce, ou ilusão, de suspendermos, um pouco que seja, a impossibilidade de
assistir a um filme contínuo do
passado. Quando isso acontece é porque
nela encontramos a "vivacidade" do passado, a possibilidade de revive-
-lo pela experiência do entrevistado. Não é à toa
que a isso muitos dão o
nome de história (ou memória) "viva".
Mas concordamos todos
que a impossibilidade de restabelecer o
vivido é coisa dada. Não existe filme sem
cortes, edições, mudanças de
cenário. Como em um filme, a entrevista nos
revela pedaços do passado,
encadeados em um sentido no momento em
que sã0 contados e em
que per-
guntamos respeito. Através desses pedaços temos a sensação de que o
a
stica do
M.as reditamos que a principal caracteristica do docun
documento
de historia oral nao consiste no ineditismo de alguma infor
guma informa
(o, nem lampouco no preenchimento de lacunas de a
tenm os arquivos de documentos escritos ou iconográfico
por exemplo. Sua peculiaridade - e a da história oral como
um
todo - decorre de toda uma postura com relação à história e
àr
conliguraçoes socioculiurais, que privilegia a recuperação do
vivido con/orme concebido por quem viveu.2
Alberti, 1990,
p. 5; grilado no
veu ja lazia parte do texto que original. nofórmula
A do "vivido conforme
concebido por quc
Belo Horizonte, em apresentei VI Encontro Estadual de História da ANPUH,
julho de 1988. C
LEv-Srauss, 1971. Antes de
sentaçao pelas quais Lévi-Strauss, Schopenhauer identificou duas formas de
dc
o
sujeito
apreende o mundo: representaço intuitiva, rep
concreta, e a a
chamada
representação
mesmo que o vivido abstrata, também denominada tambet
Sua
e
pensadoo
de Lévi-Strauss "pensado" (Gedachten). va
cardcterizaçao e muito (ambas parecem ser da ordem do ado),mas
ayao aostrata sao semelhante: de acordo com pe
peças de mosaico, Schopenhauer,
como os conceitos dd n
ajustarao a realidade pequenas nca
Se
A
identilicação dessas lormas de
elaboraçaão do real
nder oo lascínio
conprccnder fascínio da história oral. pode ajudara
Onam omo Repetiçoes detalhes que lun-
divisðes inhnitesimais em
e
uma entrevista
lorco obstinacdoe ao mesnmo tempo podem ser parte
impotente de relazer percurso do o
NIdo. Por momenios podemos
ter impressão de que é possivel abolir as
a
1linuidades com o
passado. Ao mesmo
tempo, sabemos que o pas-
Jo so "retorna' airaves de irabalhos de síntese da memória: só é
teeuperar o vivido pelo vies do concebido. E claro que a história oral não possivel
aunica manitestaçao em que se combinam desse modo o
contínuoeo
descontinuo, mas, Como ja havia assinalado no texto citado, ela se
ajusta
Atoda unma postura que valoriza tal combinação.
Passemos agora a dois paradigmas de nossa cultura nos quais a
historia oral encontra sustentação, tão "infiltrados" em nosso modo de ver
mundo que nem nos damos conta de sua existência: o modo de pensar
hermenêutico e a ideia do individuo enquanto valor.
hunanas se bascavam na o u . .
cieCs
as
Cxplicaçào, cnquunto estudar o pAssado.
I1s l o r i i s de
intlucnit deesiva
Dilthey teve
as condiçOCs históricas de seu
temas e
aconteeimcintos apAee
lacionam
Para comprecndcr
o homen, dizia, é lee
as cartas e os
escritos de Lutero e de seus
VIvencio religioso com
o
uma energia e
contemporane
força tais que hoje em dia settam
impossíveis."
Ora, podemos dizer que a
oral e postura envolvida com a
ns
ria
gernuinamente hermenêutica: o
que fascina numa entrevi
Ver, a
respeito da
hermenéutica de Dilthey,
"Entwurle zur
e
Alberti, 1996.
Kritik der
Diluhey, 1959-1962, VIl, historischen Vernunft"
Tbid., p. 214. p. 191.
v.
("Esboços para a c
a critica da razao histor
19
O lugar da história Oral
hrsti e
Knatial prévio, que nos coloque na posição de um leitor
d epoca No caso de enurevistas de história oral, ele também requer
A tespeito do valor de documento das entrevistas de histora oral, ver os capitulos seguintes
deste livro. Sobre os riscos de um relativismo exacerbado na herimeneutica, ver Alberti, 1996.
20 Ouvir contar
SoDre essa
discussão, ver Duarte, 1983; Dumont,
Ver Bourdieu, 1996. 1966 e 1983, e Castro & aujo 1977
Au
O lugar da história oral 21
10A
respeito desse papel central da biogralia em relaçaoa propria história, escreveu Luiz Fernando
Duarte: "A vida de cada sujeito passa a ser medida na inha da tlecha lcdo0 tempo linear| e passa a
História" (Duarte, 1983, p. 37).
microtempo lundamental...
a
S t uir um
2 Ouvir contar
totalizador-
r,
entre
a c e n t u a d a m e n t e
história oral é
O
da
campo
trabalham
conscientenente na elaboracão
entrevistadores
VIstado e
O eslorço e muito mais conch-.
projetos de signihcação do passado."
do que
desconstrutivistavezes ouvimos, com eleito
(inumeras
Possibilidades de pesquisa
Reconhecer os paradigmas que estão na base do sucesso da história
oral não implica renunciar a sua capacidade de ampliar o conhecimen-
to sobre o passado. Ao contrário, saber em que lugar nos situamos ao
trabalhar com determinada metodologia ajuda a melhor aproveitar seu
potencial. A ideia de fundo aqui é: história oral não é solução para tudo;
convém ter claro onde ela pode ser úil e delimitar sobre o que vale a
pena perguntar.
Uma das principais vantagens da história oral deriva justamente do
fascinio do vivido. A experiencia histórica do entrevistado torna o passado
nais concreto, sendo, por isso, atraente na divulgação do conhecimento.
Quando bem aproveitada, a história oral tem, pois, um elevado potenclal
de ensinamento do
passado, porque fascina com a experiência do out
Esse mérito retorça a
responsabilidadeeo rigor de quem colhe, interpic
e divulga entrevistas.
una
elaboração consciente uma tentativa de dar sentido a experiência fragmentada (Velho, 9
e
Aqui penso
especificamente em movimentos opostos aos do
JTan a partir de lins do
século XIX mais paradigma nere ados de
acentuadamente
e
no século X, as
pos-odernos", que tem autores como Friedrich Nietzsche, Jacques vet
e
de história oral
quando os resultados puderem efetivamente responder a
mesmo
capazes de faze-lo.
entrevistas já realizadas são esses se procu-
de inlormação ou conhecimento que
E que tipo
ram em uma entrevista? Qual sua especihcidade? Sem pretender esgotar
de pesquisa em que a história oral pode
o rol, vejamos alguns campos
ser úil.
permite reconstituir
entrevista de história oral
I. História do cotidiano. Uma outro
geralmente não estão registrados em
observaçOCs
interCSSantes. Em imeiro lugar, reconstituir
primeiro recon
algumas
nmuito lacil, diz cle, porque geralmente as De.
o cotidiano no é
evidentes
pessoas
das açoes nao muito obvias
ou
se lembram mais
Através de
entrevistas de história
de relação, tormas de oral, é
possível reconstituir redes
bem como
socialização e canais de
ingresso na carreira,
investigar estilos
politicos especificos
grupos, 7 a
individuos e
e
investigações sobre o esprit de corps dos funcionários e sobre as rela-
ções entre diferentes gerações de trabalhadores." As entrevistas
podem
também ajudar a esclarecer o conteúdo, a organizaçãoe as lacurnas de
arquivos existentes nas instituições.20
6. Biografias. A história oral pode auxiliar na reconstituição de trajetórias
de vida de pessoas cuja biografia se deseja estudar.
7. História de experiências. Entrevistas de história oral podem ser usadas
no estudo da forma como pessoas ou grupos etetuaram e elaboraram
experiências, incluindo situações de aprendizado e decisõesestratégicas
Essa noção é particularmente desenvolvida em textos alemâes, onde
recebe o nome de Erfahrungsgeschichte ("história de experiência"), e
aparece em combinação com a ideia de mudança de perspectiva (Pers-
pektivenwechsel). Em linhas gerais, essas noções signihcam o seguinte:
o passado
entender comw CssOsCBup0s CXpermentaram a
interpretaçoes generalizantes de determir
possivel questionar
ontecimentos e conjunturas. Um estudo de nistoria oral sobre uma
"mudança de perspectiva".
8. Registro de
tradições culturais. Entrevistas de história oral transmitenm
tradiçoes culturais, que vão surgindo à medida
que o entrevistado
delas se lembra:
histórias, canções, poemas, provérbios, modos ae
lalar de um
grupo, reminiscências sobre antepassados e sobre tet
ritórios, inlormações transmitidas de
de um
geração em geração ou dente
mesmo
clara
grupo profissional etc. Há autores que tazem
u
distinção entre
tradição oral e história oral. A primeira incu
Tla narrativas
sobre o passado universalmente
conhecidas em u
Cultura, enquanto o
testemunho ou a entrevista de história
ora
VerCarrido, 1992/1993, p.
"
40-41
Niethanmer, 1985, e
Zimmermann, T992.
O lugar da história oral 11
Essa é, por
exemplo, opinião
a de Davicd Henige, resumida e comentada por Cohen, 1989.
Essa posição delendida por Cohen, 1989, Cruikshank,
é e
T996. Sobre o tea, ver tanbem
lonkin, 1992.
Vver Pollak, 1989e
*"
1992.
Ver, por exemplo, a analise de Alessandro Portelli sobre a istoria da memoria de um massacre
Ocorrido em 1944 na ltalia (Portelli, 1996). Sobre a histora de memorias, ver ainda
1996
Rousso.
e
1997. E sobre questoes relativas ao processo dde conslit de memorias, ver o
uiçao capitulo
2 deste livro.
28 Ouvir contar
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