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moso pela violência com que representava o papel de Otelo.

te emocionante. .. e perigosa. Quan- xonado pela sua amada, sofre todos os horrores da incompre-
ensão amorosa, até que passado muito tempo se separam. Anos
por várias vezes pro-
depois quando se encontra com a sua ex-amada, sofre um
Mais de uma vez ti- choque. Procura recordar tudo o que lhes acontecera, “ordena”
tor. Na minha opinião, a experiência vivida, revê subjetivamente todos os fatos suce-
unciá-lo ao Sindicato dos didos e conclui: “Como pude eu suportá-la durante tantos
anos? Nem sequer era o meu tipo...”.
caóticlãw Eleve ficar claro:. a Proust propõe inteira liberdade subjetiva para ordenar os
emoção “em si”, desordenada
S ;go vale nada. O importante na e fatos passados, as experiências vividas, despojadas precisamen-
emoção é o seu signi-
0. Não podemos falar de emoção te daquilo a que poderíamos chamar vida. Neste sentido, Proust
sem razio ou, ( inver. -
samente, de razio sem emoç tem muito a ver com o teatro stanislawskiano que, de certo
ão:
G uma é o €aos e a outra ma-
modo, também é “memória”.
Há muito de proustiano em Stanislawsky, e vice-versa. O
ator deve ter; durante os ensaios, todo o tempo necessário
A PROCURA DO TEMPO PERDIDO para, fazendo exercícios (especialmente os de memória emo-
tiva), reconquistar o “tempo perdido”, ordenar subjetivamente
s sl:;l::) ãâe Pro[ltst 'ellconvém a experiência da personagem. Mas isso faz-lhe correr o risco
p desenvolver outro conceito
muito útilil nos foi : nessa époc.
poe c de se afastar da experiência viva, quer dizer, da cena e dos
er com o teatro empático queatem quea
stanislawskiano: o conceito outros personagens e seus conflitos, que no teatro devem ser
“procura de tempo | perdido”. É qde mostrados como atuais e não como recordações do passado.
Para Pi 'TOust, nós sóó reconquis-
tamos o tempo perdido (na vida Trabalhei com um ator de imaginação tão rica que inclusive
)
que, enquanto vivemos, não som através da memória. Diguellse imaginava como deviam ser as outras personagens e relacio-
0s capazes de sentir plena
à)srso:uâ;aªgntç uma Zperiéncia, e nava-se com as personagens tal como as via, sem se relacionar
porque não podemos dirigir
€ mTcia
1 , a qual fica com os atores tal como ali se apresentavam... Essa hiper-
sujeita a mil e uma circ i unsting
impo
mr nderáveis. Y A ânci
nossa subjetiv
jetiividade estáa escravizada
à trofia da subjetividade era visível e notável nos atores saídos
é i dade da realidade. - S 9¢ K amamos
tivi bie.
obi
do Acto'rs Studio. Todos pensavam tanto, imaginavam tantas
À ã%íl::.eesmgo ªan:lz;r que não do uma mulher, , tantos
etantos são
s3 os
podemos desfrutar e viver pro- coisas para cada frase, para cada palavra que diziam, que a
s 0 ser quando, , na na procura do t: tempo sua interpretação era extraordinariamente lenta e cheia de ações
:ml;)ercnecs?zt:?;fusr ràa nossa perdiido, a uma
memória. Na realidade objg e atividades laterais e secundárias. Ninguém respondia
ado com coisasas menos essencia tiva (;
is:
is: um ônib
ônib us pergunta sem antes acariciar o copo, coçar a cabeça, respirar
g:).l; psree eit:g::, u:n e]x:{conlm
dificultoso, falta de dinheiro
, in- fundo, assoviar, torcer o pescoço, olhar de soslaio, franzir o
, etc. Mas quando reconquist: sobrolho e então, finalmente, responder que sim ou que não.
i
memória,B0 » o gl
episódio vivivido, : podemos &
ipurifi
Puri ficar esse e Esse tipo de interpretação sobrecarregada de intenções chegava
) e amor AA
de
€ era essencial, e assim re i mesmo ao extremo de mudar o estilo da peça que de realista
perdido, vivé-lo... na mem tornava-se expressionista: o tempo real era o tempo subjetivo
ória: eA ANA
amorI;t:; ssÍãgundo Proust, suce do personagem e não o tempo objetivo da inter-relação de per-
de não só relativamente a um
0, mas a toda a experiên sonagens.
Ppersonagens, Swan, pensa esta ê cia vivivida. Um dos seu:
r completa e loucamente apaí Ao compreender isto, compreendemos igualmente que a
f criagio do ator deve ser, fundamentalmente, a criagdo de in-
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ter-relação com os outros. Antes criávamos lagoas de emoção, Vontade — O conceito fundamemal_para o ator não é a
profundas lagoas emocionais, mas a empatia, a ligação emo-
cional Personagem-espectador,
é necessariamente dinâmica. Um “ser” da personagem mas o “qçerq". Não se dev: perãuàr;t;í
— excesso de proustianismo e de subj
etividade pode levar à ruptu- quem é, mas o que quer. A primeira pergunta po de co EA
ra das relações entre as personag à formação de lagoas de emoção, enquanto a segunda é
ens e a criação de lagoas de
emoção isoladas. Mas nós precisamos
criar rios em movimento
dinâmico, e não a mera exibição da emoção. Teatro
é conflito, vontade = tese
luta, movimento, transformação, e não simples exibição
tados de alma. É verbo, e não simples adjet de es- x
ivo. contra - vontade
Começamos então a dar mais valor ao vontode = tese d
conflito como fonte
de teatralidade: a emoção dialética. E = anfitese ‘ contra -vontade
verificamos que a emo- % = antftese
ção dialética é a forma de “emitir”
o que se poderia chamar
“sub-onda”,
Prótogoare DOMINANTE —
Eu explico: os seres humanos são
zes de “emitir” capa DOMINANTE
muito mais mensagens do que as que
têm consciência de estar
emitindo. E são capazes de receber
muito mais mensagens do
que as que supõem que estão recebend
o. Por isso, a comuni- x
cação entre dois seres humanos
pode dar-se a dois níveis:
consciente ou i.nsconscientemente, quer
dizer, em onda ou em Z8
“sub-onda”, que é toda a comunicação que se processa sem Antogonista [§POM. g
passar pela consciéncia. DOMINANTE
8 s -
Freqiientemente, um ator representa
mesma maneira em dois espetdculos
o mesmo papel da
consecutivos e pode acon-
Nk
g
tecer que, num deles, os espectadores
nhados pela empatia, ¢ no outro não,
sejam totalmente apa-
Por que sucede isso?
At
s & contra-vontade

MÍDIIDA
Porque no segundo caso, a “sub-onda” = = =
do ator transmutia men- e
sagens que nada tinham a ver com 3 ô s antites REE
as que ele transmitia em
onda, isto é, conscientemente. = tese

DAanDIUONh
O que faz com que as mensagens em
onda e em sub-onda
sejam absolutamente idénticas € a concentragio
nunca deve permitir uma mecaniza do ator. Este
ção que o leve a fazer co.sas
sempre iguais enquanto pensa noutra coisa,
deve ser de total e completa entrega A experiéncia teatral
do ator a sua tarefa,
cialmente dinâmica, dialética, conflitual e ponamo'lelat'ral. Mas
a vontade escolhida pelo ator não pode ser'af}:xtrana, ant.es
ESTRUTURA DIALETICA DA INTERPRETACAO serd necessariamente a concretização de uma idéia, a tr_adu?ao
em termos volitivos dessa idéia ou tese. A vontade o 5
Tenho que explicar agora cada um dos idéia: é a concretizagio da idéia. Não basta querer ser fehf
interpretacio
elementos de uma
dialé tica tal como a praticAvamos. em abstrato: é preciso querer algo que nos faça feliz. Nao
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basta querer “poder e glória” em geral: há que, concreta- idéias é o esqueleto. Por isso há que estabelecer qual é a idéia
mente querer matar o Rei Duncan, em circunstâncias muito central da peca (ou do espeticulo) e a partir dai deduzir as
concretas e objetivas. Portanto: IDÉIA = VONTADE CONCRETA idéias centrais de cada personagem, de modo que essas idéias
(em circunstâncias determinadas). centrais se confrontem num todo harménica e conflitual.
Exercer uma vontade significa desejar alguma coisa, a (IDÉIA CENTRAL = TESE X ANT{TESE.)
qual deverá necessariamente ser concreta. Se o ator entra em Ao observar a identidade idéia igua! a vontade como cria-
cena com desejos abstratos de felicidade, amor, poder, etc., dora da emoção, devemos ter em conta que nem todas as idéias
isso de nada lhe servirá. Pelo contrário, terá que objetivamente são teatrais. Ou melhor: sdo teatrais todas as idéias “em si-
querer deitar-se com fulana em circunstâncias concretas para tuação” e não na sua expressdo abstrata. A idéia de que 2 vezes
então ser feliz e amar. É a concreção, a objetividade da meta 2 são 4, por exemplo, pode não ser emocionante. Mas se to-
que faz com que a vontade seja teatral. Todavia, essa meta marmos essa mesma idéia em situagdo, quer dizer, na sua con-
e
essa vontade, devendo ser concretas, devem ao mesmo tempo cregdo dentro de circunsténcias especificas, se a traduzirmos em
possuir um significado transcendente. Não basta que Macbeth termos de vontade, poderemos chegar 4 emogdo. Se se tratar
deseje matar Duncan e herdar a suá posição. A luta entre de uma crianga que procura desesperadamente aprend(:f as
Macbeth e todos os seus adversários não se reduz a lutas primeiras noções de aritmética, a idéia de que 2} vezes 2 siio 4
Psicológicas entre gente que quer disputar o poder. pode ser emocionante como quando Einstein, com intensa von-
Há uma
idéia superior que está em discussão em toda a obra tade e em circunstancias especificas, descobre maravilhado que
e que as
personagens concretizam nas suas vontades: Duncan significa E = mc? é a férmula da transformagao da matéria em energia,
a legalidade feudal, Macbeth o advento da burguesia nascente. coroando ‘“concretamente” toda uma investigagdo cientifica
Um tem o direito pelo nascimento, o outro tem o maquiavé- “abstrata”.
lico direito pelo seu próprio valor. A idéia central desta obra
é a luta entre a burguesia e o feudalismo, e as vontades Em resumo: toda idéia, por mais abstrata que seja, po-
das
personagens concretizam esta idéia central. de ser teatral, sempre que se apresente na sua forma concre-
ta, em circunstincias especificas, em termos de vontade. En-
Da idéia central da obra deduzem-se as idéias centrais de
tdo se estabelecerd a relagdo IDEIA * VONTADE > EMOGAO
cada personagem. Neste caso, a idéia central da personagem,
* FORMA TEATRAL; quer dizer, a idéia abstrata, transfor-
Lady Macbeth, por exemplo, é a afirmação da “virtd”* in- mada em vontade concreta em determinadas circunstincias,
dividual (burguesia) contra os direitos de linhagem. A idéia provocard no ator a emogdo que por si propria ird descobrir
central da personagem deve corresponder ao “objetivo prin- a forma teatral adequada, valida e eficaz para o espectador,
cipal” stanislawskiano: idéia e vontade são uma e a mesma
coisd, a primeira sob a forma O problema do estilo e outras questdes surgem depois. Isto
abstrata e a segunda sob uma deve ficar bem claro: a esséncia da teatralidade é o conflito
aparéncia concreta.
de vontades. Estas vontades devem ser subjetivas e objetivas
Uma vez escolhida a idéia central da obra, deve a mesma a0 mesmo tempo. Estas vontades devem perseguir metas que
ser absolutamente respeitada, para que todas as vontades cres- sejam também subjetivas e objetivas, simultaneamente. Veja-
¢am dentro de uma estrutura rigida de idéias. Esta estrutura de mos dois exemplos: uma luta de boxe é um conflito de vonta-
des: os dois antagonistas sabem perfeitamente o que querem,
sabem como consegui-lo ¢ lutam por isso. No entanto, uma luta
* ViRTÚ — Termo utilizado por
terfstica que possuem certes individuos Maquiav el para designar a carac-
superdotados (referia-se aos bur-
de boxe não é necessariamente teatral. Também
Platio apresenta personagens que exercem
um Diélogo de
gueses) de conquistarem o préprio destino. Espécie de self-made-man com intensidade as
da época... (N. do T.) Suas vontades: pretendem uns convencer os outros das suas

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próprias opiniões. Existe aqui também um
conflito de vontades. z4-la, e não apenas ilustra-la. [s'so é importante para quglquíf
Mas também aqui não se trata de teatro. Nem personagem, até para se poder interpretar um Anjo medieval:
a luta de boxe
nem o Diálogo de Platão são teatro. Por há que observar a sua contravontade, a sua hostilidade para
quê? Porque o con-
flito no primeiro caso é exclusivamente objet
ivo e no segundo com Deus. Quanto mais um ardor puder desenvolver a contra-
exclusivam ente subjetivo. Porém, tanto um como
o outro podem vontade mais energicamente aparecÉrá a vonEade. Reparem ‘fqr
ser tornados teatrais. Por exemplo: o lutad
or quer vencer para exemplo em “Romeu e Julieta”: ndo é possivel encontrar dois
provar alguma coisa a alguém — neste caso personagens que mais se amem, que mais se queiram, que me-
o que importa não
são os golpes objetivos mas o significado
desses golpes. O nos contravontade tenham: sdo pura vontgde, são puro amor.
que importa é o que transcende à luta propriam
ente dita. No se- Mesmo assim, analisem a fonte da teat‘rahdade de suas cenas
gundo caso, quero lembrar aquele Diálogo
em que os discí- e verdo que existe sempre conflito; conflito dele_s com os outrols,
pulos tentam convencer Sócrates a fugir e não
aceitar o castigo, deles com eles mesmos, de um com o outro. Vejam por exemplo
a morte. Se vencem os argumentos dos discípulos, Sócrates a cena do rouxinol e da cotovia: ela quer que ele fique, que
não morrerá. Se se impõem as razões de Sócra
tes, este deverá se amem uma vez mais; ele teme por sua vida, quer ir embora;
tomar o veneno e aceitar a morte. Neste Diálo
go, tão filosófico, ela vence; ele quer ficar; agora ela já não quer.
tão subjetivo, reside no entanto um fato objet
ivo importante e
central: a vida de Sócrates. Insisto: se um ator vai representar o papel de Romeu deve
Assim, tanto a luta de boxe como uma discus amar a sua Julieta, mas deve igualmente procurar a sua contra-
são filosófica vontade: Julieta, por mais amorosa que seja, por mais bela,
podem ser tornados “teatrais”,
não deixa de ser, as vezes, uma chatinha, uma menina irritante
Contravontade — Nenhuma emoção é pura, permanen- e boba. O mesmo deve pensar Julieta do seu Romeu. E, po{q:ile
temente idêntica a si mesmh. O que se observa na realidade tém também tais contravontades, devem as \‘mmaflesfl ser ainda
é precisamente o contrario: queremos e não queremos,
e não amamos, temos coragem e não temos. Para amamos mais fortes e deve o amor explodir com maior violéncia entre
que o ator esses dois seres humanos de carne e osso, de vontades e con-
viva verdadeiramente em cena, é necessário que
descubra a travontades.
contravontade de cada uma das suas vontades.
Em alguns
casos, isto é óbvio: Hamlet está permanente
mente a querer
O ator que usa só a vontade acaba ficando com cal: dae
vingar a morte do pai e ao mesmo tempo parvo em cena. Fica igual a si mesmo o tempo todo. Ama,
não quer matar o
tio, quer ser e quer não ser, a vontade e a contravontade re- ama, ama, ama, ama... A gente olha e 14 está aquela cara
velam-se concreta e visivelmente ao espectador. amorosa; cinco minutos depois, a me%maqcara; s;guuqxolte::‘o(;
O mesmo se
passa com Brutus, que quer matar Júlio César segue igual. Quem se interessa em olhg-lf). _0 conflito i i
mas luta inte-
riormente com a sua contravontade, o amor de vontade e contravontade cria a dlnamlcg, cria a teal .
que sente por
Júlio César. Macbeth quer ser rei, mas hesita em assassinar o
lidade da interpretagéio e o ator nunca estard igual a si mesr:r;
seu hóspede. porque estard em permanente movimento para mais ou p:
Noutros casos, a contravontade não é tão aparen menos.
Macbeth parece monomotivada
te: Lady
e sem conflito interior; o Néo se trata de procurar uma vontade contraditéria dt;/n‘-
mesmo sucede com Cássio procurando conve tro da personagem. E muito mais do que isso. Por exemp! o:
ncer Brutus, ou
com Iago em relação a Otelo. Seja, porém, qual não se trata de contrapor a vontade que Iago tem de per:
de
for o grau
evidéncia da contravontade, ela deve existir suadir Otelo a matar Desdômona, ao medo que ele sente que ãe
sempre, deve
ser analisada pelo ator em ensaios especiais, descubra o seu plano. Néo, ndo é isso. Há que p_rocura; to 2
para que este
possa efetivamente viver a personagem, o amor por Otelo que existe em Iago: o seu 6dio também
aprofundi-la e reali-
o) 53
amor. A mesma emoção é dialética, não se trata de duas emo-
ções Dominante — Do conflito interior entre a vontade e a
que se contrapõem. O que não impede que, além da contravontade resulta sempre, externamente, uma dominante,
emoção-ódio (ódio contra amor), coexistam outras: medo, etc.
que é a vontade que se manifesta em conflito com as outras
Mas se também existe o medo, essa mesma emoção — ;nedn
personagens. Por mais que os atores devam procurar todas as
—, essa vontade de ndo fazer, deve ser dialética: assim, exis-
vontades e contravontades nas suas personagens, deverão sem-
tird também a coragem, a vontade de fazer como contranvon-
pre regressar à vontade dominante que é formada pelo conflito
tade E}n termos gráficos vetoriais teríamos algo parecido com
de todas essas vontades. Quando um ator desenvolve, em grau
o seguinte gráfico: extremo, as vontades interiores e não as exterioriza objetiva-
mente, corre o risco de subjetivar demasiado a sua personagem,
coragem tornando-a irreal. Quando um ator se compraz em mostrar a
vida interior da sua personagem, esquecendo-se da realidade
objetiva, quando o conflito entre a vontade e a contravontade
passa a ser para ele mais importante que o conflito personagem-
personagem (quer dizer dominante-dominante) acaba por
apresentar uma autópsia da personagem e não uma persona-
gem viva, real, presente.
O que me parece realmente importante é que o ator
tenha tempo para ensaiar cada uma das suas vontades e con-
travontades isoladamente, a fim de melhor as compreender
e sentir, como um pintor que primeiro escolhe as cores isoladas
e depois as mistura na tela. As vontades (e as idéias a que
respondem, bem como as emoções que ocasionam) são as cores
do ator; ele deve poder conhecé-las, gozé-las, para depois as
usar. Por isso faziamos tantos exercicios de “motivação isola-
da”, “contravontade”, “pausa artificial” “pensamento contrá-
rio”, “circunstancias opostas”, etc., todos tinham por objetivo
proceder a essa andlise. Mas devemos ter sempre presente que
em cada momento há uma dominante que se impõe, mesmo que
se trate de uma personagem tchekoviana, impressionista, feita
de mil pequenas vontades e contravontades. Sem se fortalecer
a dominante, torna-se impossivel estruturar o espetdculo. Por
mais que se voltem para dentro, as personagens vivem para
É importante que os atores trabalhem sempre as suas per- fora. Por isso, a “inter-relagdo” é fundamental.
sonagens em termos de vontade e contravontade: este con- A dominante de cada personagem nas diferentes versoes
flito fará com que o ator esteja sempre vivo, dinâmico em cena,
de uma mesma peca dependerd naturalmente da idéia cen-
sempre em movimento interior; se não houver contravontade, tral que se estabelecer para cada versdo; mas todas as outras
o ator permanecerá sempre idêntico a si mesmo, sempre está- idéias possiveis poderdo igualmente estar contidas, como von-
tico, não teatral.
tades complementares, dentro da personagem.
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Um exemplo esclarecerá o assunto. De que Variação quantitativa e variagio qualitativa — É a pró-
trata a peça
Hamlet? 3 pria ação dramática, o movimento dos conflitos interiores e
De um problema psicolégico familiar ou de um golpe
exteriores. Um conflito é teatral se está em movimento: por
de estado? isso o ator deve distanciar-se voluntária e emocionalmente o
mais possível do ponto de chegada; deve fazer a contrapre-
Qual é a idéia central? paração do que lhe vai suceder, para que a distância a per-
Ernest Jones escreveu um livio sobre Hamlet em que correr seja máxima, e o movimento também máximo. Para que
analisa a incapacidade deste de se decidir a matar o rei Cláudio. Jago tenha por fim coragem de mentir a Otelo, é necessário
Segundo ele, há uma identidade entre Hamlet e Edipo. Hamlet, que a princípio a dominante seja o medo, pois do medo nas-
no seu subconsciente, queria matar o pai e casar com a mae. cerá a coragem, que se fortalecerá: a contravontade (coragem)
Mas é outro homem que precisamente faz essas duas coisas tornar-se-á dominante. Esta mudança, esta variação quanti-
que ele queria fazer. Hamlet identifica-se imediatamente com tativa, torna-se qualitativa.
esse homem, o rei Claudio. Quando descobre que Claudio é
0 assassino de seu pai, quer vingar-se, quer matá-lo. Mas Este era, sumariamente, o esquema utilizado pelos nos-
como fazé-lo? Isso equivaleria a um suicidio. O dever filial de sos atores do Teatro Arena, e estes os seus elementos básicos:
vingar a morte do pai luta contra o medo de matar um Idéia Central da peça determinando a Idéia Central da per-
homem com quem se identificou subconscientemente. E Hamlet sonagem, traduzida esta em termos de vontade que se dialeti-
adia a execucdo todas as vezes que tem oportunidade de jus- zava (vontade e contravontade); do conflito de vontades nas-
tiçá-lo. Entretanto, já no final da tragédia, quando Hamlet des- cia a ação (variação quantitativa e qualitativa). Este era, di-
cobre que a espada com que Laertes o feriu estava envenenada gamos, o Núcleo da personagem, o seu “motor”. À explica-
e que morrerd fatalmente, entdo decide-se a matar Claudio e ção dos exercícios, especialmente os de “aquecimento emocio-
fa-lo sem qualquer hesitagdo, nesse mesmo instante, como se nal”, e os ensaios com e sem texto, vão completar a compre-
pensasse: “ja estou morto, de modo que vou destruir com- ensão do método que utilizávamos. Por outro lado, o nosso
pletamente, nesse homem, o meu outro eu”. método “coringa”, que passou a ser utilizado a partir da mon-
Mas Hamlet tambénr pode ser analisado sob o ponto de tagem de Arena Cónta Zumbi e que se caracteriza principal-
vista do pais e ndo da familia, podendo-se escolher para idéia mente pela socialização das personagens (todos os atores in-
central o golpe de estado planejado por Fortimbras. terpretam todas as personagens, abolindo-se a propriedade pri-
vada das personagens por parte dos atores), está explicado nos
As duas idéias centrais (e há uma infinidade de outras exercícios de “Máscaras e Rituais” e na seqiiéncia dos “Pique-
possiveis) são completamente diferentes. A que for escolhida
Pique”, Os restantes capítulos, nomeadamente o dos “Aqueci-
determinard as idéias centrais de cada personagem e determi-
mentos”, servem indiferentemente para qualquer método ou es-
nard quais serdo as dominantes, as vontades, fazendo por sua tilo de interpretação.
vez com que todas as outras idéias e vontades possiveis apa-
recam como contravontades. O amor de Hamlet por sua mãe Buenos Aires, maio de 1974
pode perfeitamente aparecer numa versio “golpe de estado”
da obra, assim como o ódio do povo aos seus opressores (entre
os quais Cldudio) pode aparecer numa versio psicanalitica.
E importante determinar, a partir da idéia central escolhida,
quais são as dominantes, reduzindo para segundo plano todas
as outras possibilidades, e ndo fazer uma salada de idéias, von-
tades e emogdes.

56 57
pense nas ondas do mar. Devem fazer um som monétono com
a boca durante a massagem.

2. Desce-se o ator, que fica deitado, primeiro de costas e


depois de barriga para baixo. Os restantes atores massa-
p
Jogos e Exercícios geiam-no durante alguns
das mãos, com forca igual,
segundos com movimentos ritmicos
monotonamente, sem improvisagio.
É importante que o ator massageado sinta a mesma pressio
sobre todo o corpo.

3. Rotagdo: com as maos, o ator faz movimentos circulares


na pele do rosto, dos braços, das pernas, de todo o corpo.

4. O ator faz movimentos com os bragos e com cada perna


alternadamente, semelhantes aos movimentos que se fazem
quando se quer sacudir a dgua de cima ou espantar um de-
mônio, enquanto salta sobre a outra perna.
I — AQUECIMENTO FISICO
5. Os atores poem-se em duas filas cada um frente a um com-
panheiro, que lhe massageia o rosto: primeiro com movimentos
em cruz, enérgicos, sobre cada sobrancelha, de cada lado do
culações. Chaplin, o maior mímico, o bailarino, já não pode
nariz, no queixo, no pescogo e sobre os ombros. Depos, suave-
dobrar os joelhos. Assim, são bons todos os exercicios que -
mente, com movimentos circulares, nos mesmos locais.
dividem o corpo nas suas partes, nos seus músculos, e aqueles -
em que se ganha controle cerebral sobre cada músculo e cada
6. Quatro atores ficam diante de outros quatro. Um ator
parte, tarso, metatarso e dedos, cabeça, tórax, pelve, pernas,
vem correndo e joga-se no meio das duas filas. Os atores agar-
braços, face esquerda e direita, etc. ram rapidamente as mãos dos que estdo em sua frente fa-
zendo assim uma cama para o ator que se atirou ao ar. De-
pois, levantam-no acima das suas cabecas e fazem com que o
A. Segiiéncia de massagem e descontrdção
corpo do ator dé voltas; este deve deixar-se manipular com
total confianga. Depois de algumas voltas, os oito atores jo-
1. Um ator, de pé, tenta descontrair-se e deixa-se cair sobre gam o corpo do companheiro para cima e recebem-no embaixo,
oito ou mais atores que o atiram ao ar. O ator deixa-se sus- -
a0 cair. Os atores devem todos se revezar neste exercicio.
pender sem nenhuma reação, e os que o levantam no ar simulam
com as duas mãos o movimento das ondas do mar, movendo
7. Um ator fica no centro de um circulo de companheiros.
constantemente as duas mãos para cima e para baixo. É im- - Fecha os olhos e deixa-se cair para qualquer lado, mantendo
portante que as mãos dos atores de baixo toquem a maior o corpo duro. Os companheiros seguram-no e devolvem-no &
parte possível do corpo do ator que se descontrai e que este )
Posição -central. Ele continua a se deixar cair, para a frente e
58
. EZ
Nota: É importante que o ator ao inspirar retese todos os
para trás, para a direita e para a esquerda e os companheiros
musculos e ao expirar os relaxe. A respiracdo deve ser um
continuam a devolvé-lo & posição central. Os pés do ator não
ato de todo o corpo. Todos os musculos devem reagir à en-
devem sair do centro do círculo, nem o seu corpo deve-se
trada de ar no corpo e a sua expulsdo; como se o ator pudesse
dobrar.
sentir o oxigénio circulando por todo o corpo, através das ar-
térias, e o anidrido carbonico sendo expulso através das veias.
8. Um ator deita-se de costas sobre as costas de um compa-
nheiro que se inclina. O ator deita-se com suas nádegas acima
4. INSPIRAR — lenta e totalmente pela narina direita e expe-
das do companheiro que o sustém. O de baixo começa a subir
rar pela esquerda; depois inverter.
e baixar o corpo, de modo a balangar leve e suavemente o que |
está deitado, que deve sentir-se como boiando nas ondas do 5. CoM VIOLENCIA — depois de ter inspirado lentamente todo
mar. o volume de ar possivel, expulsar todo o ar de jorro pela boca.
O ar produz um som semelhante a um grito agressivo. Fazer
Nota: a massagem deve ser sempre feita por um companheiro, o mesmo expelindo energicamente o ar pelo nariz, depois de
já que significa um sinal de aceitagéo. “Se alguém me cuida ter inspirado o máximo possivel.
é porque me aceita.”
6. INSPIRAR LENTAMENTE — a0 mesmo tempo que se le-
vantam os dois bragos o mais alto possivel e se apóia o corpo
RESPIRACAO (são exercicios vulgarmente utilizados no yoga) na ponta dos pés; depois, também lentamente, expirar enquan-
to se retoma a posição estatica normal e se encolhe o corpo
1. DEITACO DE COSTAS — completamente descontraido: até ocupar o menor espago possivel.
a) O ator pde as maos sobre o abdémen, expele todo o - 7. DECIDIDA E ENERGICAMENTE — inspirar e expirar segundo
ar dos pulmoes e lentamente inspira, enchendo o abdômen até um ritmo predeterminado, que pode ser o do coração, o de
ndo poder mais; expira em seguida; repete lentamente esses . uma musica (com percussio bem audivel) ou um ritmo di-
movimentos diversas vezes; tado por um companheiro.
b) Faz o mesmo com as maos sobre as costelas, enchendo 8. CoM GRANDE RAPIDEZ — 0 ator procura inspirar o méximo
o peito, especialmente a parte de baixo; pratica o exercicio di- de ar possivel e em seguida procura expeli-lo também com a
versas vezes. máxima rapidez.
c) idem, com as mãos sobre os ombros ou para cima, Todo o elenco pode praticar este exercicio com o en-
tentando encher a parte superior dos pulmaes; cenador dando o tempo para expirar e inspirar como se fosse
d) faz as trés respiragdes conjugadamente, sempre pela uma competigio para ver quem consegue “movimentar” maior
ordem anterior. volume de ar nos mesmos segundos.
9. CoM GRANDE LENTIDÃO — o ator inspira e depois, emitin-
2. INCLINADO PARA UMA PAREDE A PEQUENA DISTANCIA — do um som, expira de maneira que esse som se ouga durante o
apoiando-se com as mãos, faz os mesmos movimentos; depois
méximo de tempo possivel.
repete tudo, apoiando-se nos cotovelos.
1C. REsPIRAR PELA Boca — com os dentes cerrados, profun-
3. PARADO EM POSICA0 VERTICAL — o ator faz os mesmos damente, expirando pelo nariz.
| movimentos respiratórios.
61
60
11. PANELA DE PRESSÃO — com as narinas e a boca tapadas
fazer o máximo esforço para expelir o ar. Quando já não se
agiiente mais, destapar o nariz e a boca.

12. Dois grupos de atores: o primeiro grupo canta uma mú-


sica e o segundo grupo acompanha com a respiração, mar-
cando o ritmo com a respiração, inspirando ou expirando. No
começo, as músicas devem ter um andamento mais ou menos
lento, para maior facilidade. Depois, o andamento pode ser
mais rápido. Pode chegar mesmo a ser o Tico-Tico no Fubá,
que é extremamente difícil de acompanhar na respiração rítmi-
ca. Mas, repito, deve sempre comegar com músicas fáceis:
Daniibio Azul por exemplo.

13. Um circulo de atores expira fazendo um ruido (Ah!) e |


deixa-se cair como se estivesse se desinflando, e relaxa-se com-
pletamente sobre o solo.

14. Um ator como que “destapa” o corpo de um companheiro.


como se este fosse um boneco inflado de ar. A parte desta-
pada pode ser o dedo, o joelho, a orelha, etc. O ator “desta-
pado” procede como se estivesse sendo “esvaziado” de ar, ex- 2. Sem mexer o resto do corpo, o ator move o pescoco e a
pira todo o ar e se desinfla simultaneamente, caindo no chao, cabeça para trás, o mais que puder; é sempre conveniente a aju-
como um boneco de borracha vazio. Depois, o companheiro da de um companheiro que, com o seu dedo, indique o movi-
faz movimentos e ruidos de quem estd enchendo o seu corpo mento, que deve ser sempre reto e horizontal.
com uma bomba de ar e o ator vai inspirando a cada golpe e
reinflando-se. 3. O ator move o pescogo para a esquerda, pondo a cabega
sobre o ombro esquerdo, como se fosse um chapéu. O com-
panheiro pode ajudá-lo tocando-lhe na orelha com o dedo.
B. Segiiéncia de horizontais e verticais Para facilitar, o ator pode apertar as mãos em cima da sua
cabeça e tentar tocar o cotovelo com a orelha.
HORIZONTAIS
4. Idem para a direita.
1. O ator, sem mexer o resto do corpo (que deve perma-
necer rigido) move apenas o pescogo e a cabega para a frente; 5. Todos os movimentos anteriores devem ser retos e hori-
um companheiro pode ajudá-lo tocando no seu nariz e logo zontais, isto é, o nariz move-se paralelamente ao solo, sem
afastando o dedo: o nariz deve tentar seguir o dedo até onde curvas. Agora o ator move o pescogo circularmente, tentando
puder, o mais afastado possivel do corpo. O movimento da-se tocar novamente os pontos extremos que tenha alcangado para
no mesmo nivel horizontal. a frente e para trás, para a esquerda e para a direita, em mo-

62 63
vimentos circulares, não retos. É importante que os olhos fi- a cabega move-se “um espaco” para a esquerda ou recua todos
quem olhando fixamente para um ponto, que todo o movimento os espagos (o retrocesso do rolo), retrocesso (um espago para
seja feito pelo pescoço e que a cabeça se mantenha sempre a direita), maidscula (a cabega sobe), tecla vermelha (a ca-
à mesma distância do chão, sem inclinar para baixo ou para bega corre para a esquerda).
cima.
21. MARIONETE — Os atores ficam de frente uns para os
outros em duplas. O que lidera “esculpe” a imagem que deseja
com o corpo do liderado. Quer dizer, ele faz de longe os movi-
mentos necessdrios para que o corpo do liderado assuma as
posigdes que ele deseja. Procede exatamente como um escul-
tor, com a única diferenga de que ndo toca o corpo do com-
panheiro — este, no entanto, deve reagir como se estivesse
sendo tocado.
6, 7, 8, 9, 10. Exatamente o mesmo para o tórax. É im-
portante que o térax se mova integralmente para a frente e 22. MARIONETE — Exatamente o mesmo, com a diferenca
para trés, para a direita e para a esquerda, e que se encha de que o lider esculpe simultaneamente dois, trés ou mais com-
durante a respiragéo. Por isso se aconselha a inspirar quando panheiros, fazendo uma série de esculturas, ou uma escul-
o térax vai para trds, e expirar quando o térax vai para a : tura complexa.
frente; isto é, o contrário do habitual.

11, 12, 13, 14, 15. Exatamente o-mesmo para a pelve. 23. MARIONETE — O mesmo anterior, com a diferenga de que
o lider procede não como um escultor mas como uma pessoa
16. MarIONETE — Um ator pega num companheiro pelo co- | que manobra uma marionete, utilizando os fios. As respostas
larinho da camisa e este deixa cair livremente a cabzga como do liderado devem igualmente ser as de uma marionete e não
uma marionete. O companheiro toca-lhe na cabega, que se as de uma estatua.
deve mover exclusivamente pela força da gravidade.
17. MARIONETE — Idem, cabega e brago direito. As restan- 'VERTICAIS
tes partes do corpo permanecem rigidas. O braço direito e a
cabega devem estar completamente soltos, obedecendo ape- 1. O ator, sentado no chdo com as pernas e os bragos em ân-
nas aos impulsos do companheiro e à forga da gravidade. gulo reto em relagdo ao resto do corpo, divide-o “vertical-
mente” em duas partes, cada uma com um brago, uma perna,
18. MARIONETE — Idem, mais o brago esquerdo. um ombro, metade da cabeca, da pelve e do térax. Assim,
19. MAaRIONETE — “caminha” sobre o traseiro, inclinando primeiro a parte di-
O companheiro pega-lhe pela cintura e
toda a parte superior do corpo do reita do corpo para a frente e depois a parte esquerda, se-
ator se afrouxa, deixan-
do-se cair. parando o mais possivel as duas partes.

20. O ator improvisa com estes movimentos bésicos. Por exem- — Depois de ter dado alguns “passos” para a frente, sempre
plo — uma méquina de escrever: as mãos tocam nas teclas e com os bragos e as pernas esticados, o ator recua.

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2. Exatamente o mesmo com o ator deitado no chão, com 3. Alternar movimentos redondos e movimentos retilineos.
os braços e as pernas esticados em linha reta, paralelos ao
corpo. “Corre” para a frente e para trás.

3. Deitado no chão, o ator move-se para a direita e para a


esquerda.

C. Segiiéncia de movimentos retilineos e redondos

1. O ator caminha com movimentos exclusivamente retilineos


de pernas, bragos e cabega, como se fosse um robot. Os mo-
vimentos devem ser bruscos sem ritmos definidos, inespera-
dos, surpreendentes. O movimento pendular dos bragos não
serve porque é circular. Todas as partes do corpo devem mo-
ver-se. Neste caso os atores são quase sempre levados a fazer
os movimentos bruscamente e isso deve ser evitado. Apesar
de retos os movimentos podem ser suaves, delicados. Devem
ser. Os movimentos retos sdo melhor executados se o ator
tiver a consciéncia de que devem ser paralelos as paredes, ou
ao chão, ou ao teto ou a qualquer diagonal da sala.

2. O ator caminha com movimentos redondos (circulares,


ovais, helicoidais, elipticos, etc.) Os bragos rodam enquanto
se movem para a frente e para trds, enquanto sobem e des-
cem; a cabeca deve descrever curvas em relagdo ao chão, su-
bindo e descendo, sem se manter nunca ao mesmo nivel. As
pernas e todo o corpo sobem e descem. O movimento deve ser
continuo, suave, ritmico e lento. Os atores devem repetir di-
Versas vezes os mesmos movimentos, procurando estudar (sen-
tir) todos os muisculos que são ativados e desativados na reali-
zagdo desses movimentos. Só depois de terem bem estudado
(sentido) um movimento é que se deve passar a outro, igual-
mente redondo. £ importante que todo o corpo se ponha em
movimento: cabega, bragos, dedos (que não devem nunca ser
mantidos cerrados), térax, quadris, pernas, pés. O exercicio
A parte superior do corpo descreve movimentos$ Tedondos
deve ser feito suavemente, sem violéncia, com prazer, quase € a parte inferior, da cintura para baixo, retilineos. Após alguns
sensualmente. Não deve doer nunca: deve aquecer. minutos, trocam.
66 67
6. Todas as variações possíveis, com todas as partes do corpo
até que o movimento cessa, quando o formato do corpo sc

'
que o ator tenha conseguido dominar e separar.
parece com o de uma bola. Faz-se depois o mesmo movimento,
mas ao contrario.
7. O ator caminha separando o mais possível todas as partes
do corpo, esticando até ao limite extremo a cabeça, os braços 4,
e as pernas, tentanto sentir a divisão vertical de todo o corpo. / My
Caminha sobre a ponta dos pés com movimentos sempre retos.
f
|

8. Os atores realizam todos os exercícios anteriores em


“marcha atrás”.

D. Jogos e exercicios de aquecimento fisico sem seqiiéncia

1. MUsica E DANÇA — Alguns ritmos, especialmente brasi-


leiros de origem africana, como o samba, a batucada, a ca-
poeira (só com movimentos circulares e quase sempre em
marcha atrás) são excelentes para estimular todos os músculos
do corpo. Também se pode pôr a fita de um gravador numa
velocidade superior aquela em que foi gravada. É importante
que em todos estes exercícios de aquecimento sempre se co-
mece lentamente. Pouco a pouco os exercícios poderão ser
A seguir começa a fazer movimentos circulares, lenta- feitos com maior intensidade. É importante que praticar estes
mente, e a encolher o corpo, aproximando todas as suas partes, exercicios seja gostoso, é importante sentir prazer e nao dor.

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2, Ropa DE RITMO E MOVIMENTO — Os atores formam um cicio enquanto se recita o texto, combinando-o com exercicios
circulo; um deles vai ao centro e executa um movimento qual-
quer, por mais insólito que seja, acompanhado de um som e
de aquecimento emocional.
dentro de um ritmo que ele próprio inventa. Todos os atores
o seguem, tentando reproduzir exatamente os seus movimentos 5. JoGo DE RITMO E MOVIMENTO — Formams-se duas equipes.
e sons, dentro do ritmo. O ator desafia outro, que vai ao cen- A primeira, a um sinal, comega a fazer individualmente todos
tro do circulo e lentamente muda de movimentos, de ritmo os tipos de sons e movimentos ritmicos que lhe ocorrem. Todos
e de‘ som. Todos seguem este segundo ator, que desafia os componentes desse grupo tém 30 segundos para unificar
um
terceiro e assim sucessivamente. os seus movimentos, ritmos e sons. Se ao fim desses 30 se-
gundos o grupo adversario considerar que estdo todos fazendo,
3. RODA DE ANIMAIS — Os atores andam em círculo e len- uniformemente, a mesma coisa, comega a fazer o mesmo que
tamente começam a transformar-se em animais, segundo uma o primeiro grupo fez. Se considerar que nao, denuncia ao juz
seqiiência preestabelecida: macaco, cegonha, canguru, g'rafa,
os que nao estao conformes. Se o juiz estiver de acordo, perdem
cobra, gato, ledo, tigre, etc. A transformagdo comega pelas
e saem os que faziam movimentos irregulares. Mas se o juiz
pernas, depois o tronco, as mãos, a cabeca. a cara e a voz.
não estd de acordo, o primeiro grupo tem o direito de elim.nar
um ator do segundo, a escolha. Uma vez interrompido o jogo.
recomega-se da mesma maneira. Se não se interrompeu (se
nao houve denúncia ao juiz), o segundo grupo começa a imi-
tar o primeiro, tendo também 30 segundos para unificar mo-
vimentos, sons e ritmo.

6. RitMo — Todos os atores iniciam juntos um ritmo, com


a voz, as maos e as pernas; após alguns minutos mudam len-
tamente, até que um ritmo novo se impde e assim sucessiva-

N
mente durante varios minutos. VARIANTE: cada ator faz um
ritmo isoladamente até que todos se unifiquem num único ritmo.
OUTRA VARIANTE: — Todos os atores comegam, a um si-
nal dado, a fazer um ritmo préprio, e também um movimento
que acompanha esse ritmo. Depois de alguns minutos tentam
aproximar-se uns dos outros segundo as afinidades ritmicas.
Os atores com maiores afinidades vão homogeneizando os seus
ritmos até que todo o elenco esteja praticando o mesmo ritmo
e o mesmo movimento. Pode acontecer que isso não suceda.
Nesse caso, não é importante, desde que os grupos formados
4. QUEIMADA — Divide-se o elenco em dois grupos, e com tenham seus ritmos e movimentos bem definidos.
uma bola cada grupo tenta, um de cada vez, tocar em qual-
quer elemento do grupo contrério. O que for tocado, perde e
7. SoM E MoviIMENTO — Um grupo de atores emite com a
retira-se (ou troca de grupo). Costuma-se fazer este exer-
voz um determinado som (que pode ser de animais, folha-
70
71
gem, rua, fébrica) enquanto outro grupo faz movimentos re-
lacionados com os sons, como se fossem a visualização dos
sons: isto é, se o som é miau, a imagem não será necessaria-
mente a de um gato, mas sim a visualização que o ator tem
desse som especial.

8. MARIONETE A DISTÂNCIA — Um ator, a um metro de dis-


tância de outro, faz movimentos como se estivesse tocando o
companheiro. O segundo ator deve realizar todos os movimen-
tos compensatórios como se estivesse sendo efetivamente to-
cado, como se fosse uma marionete obediente: levantar as
mãos, caminhar, baixar a cabeça, levar um muiro no estôma-
go, abrir a boca, deitar a lingua de fora, etc. Exatamente
como se o outro o estivesse a manejar.
b) Futebol, basquetebol, voleibol, etc. — Duas equipes,
9. VARIAÇÕES DA MARIONETE — Tarefas que são realizadas sem utilizar bola, disputam uma partida como se a tivessem.
como se os atores se estivessem tocando mutuamente: O diretor-juiz da partida deve observar se o movimento ima-
ginário da bola coincide com os movimentos reais dos atores,
eliminando os que cometem erros. Qualquer outro desporte co-
letivo pode ser praticado neste tipo de exercicio: pingue-pon-
gue, etc.
c) Cena de amor — Com o casal separado, mas reagindo
imediatamente a cada carinho distante.
d) Tortura — Com torturado = torturadores distantes.

a) Luta de boxe — Os pugilistas lutam sem se tocar.


sentindo e refletindo a violéncia contida nos seus atos.

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e) Farwest — Uma cena completa de farwest, em que
| os atores improvisam vaqueiros, moças que dançam e servem
JA à mesa, pianistas, moços, chefes de polícia, etc., numa clás-
I sica cena de violéncia, com mesas que se derrubam e garrafas
que voam, tudo sem objetos reais e sem que os atores se
toquem.

| f) Estender um cobertor — Sem o cobertor, coordenar


os movimentos. No mesmo gênero: puxar por uma corda
| ’i | grossa, duas equipes, uma de cada lado; puxar por uma rede
ME cheia de peixes do mar; transportar um piano sem o piano;
| virar um automével na rua sem o automével, e assim uma
infinidade de outras variacdes.

g) Os atores dangam em pares; depois se afastam uns


dos outros e continuam dancando como se estivessem ainda
enlacados. E bom que alguns companheiros ajudem, cantaro-
lando a música.

Este tipo de exercícios também pode ser praticado de b) Hipnotismo com as mãos e os pés — Como os an-
outra forma, com o efeito anterior à causa' a dor do murro teriores, com quatro atores, cada um em cada pé e em cada
antes do murro. Estes exercícios são muito úteis para os espe- mão do ator que dirige. Este pode fazer qualquer movimento,
táculos concebidos com o sistema “coringa”. inclusive dangar, cruzar os bragos, dar voltas com o corpo pelo
chdo, saltar, etc.
10. HiPNOTISMO — Um ator põe a mão a poucos centímetros
da cara de outro e este fica como que hipnotizado, devendo 11. GanHa 0 ULTIMO — Uma corrida em camara lenta, em
manter a cara sempre à mesma distância da mão do hipnoti- que ganha o último a chegar. Uma vez comegada a corrida.
zador. Este inicia uma série de movimentos com a mão, para os atores não podem interromper o movimento, mas devem
cima e para baixo, fazendo com que o companheiro faga com fazé-lo o mais lentamente possivel. ‘A distancia das pernas em
o corpo todas as contorções possiveis a fim de manter a mesma cada passo deve ser a maior possivel. Este exercicio, ‘que ne-
distancia. A méo hipnotizadora pode mudar, para fazer, por cessita de grande equilíbrio, estimula todos os m\fi\sculos'do
exemplo, com que o ator hipnotizado seja forcado a passar corpo. O pé deve cruzar pela outra perna sempre por cima
por entre as pernas do hipnotizador. da altura do joelho. É necessario também que, quando o pé
se adianta, o ator não o recolha; pelo contrário, ao adiantar-se,
a) Hipnotismo com as duas mãos — Como o anterior: o pé romperéd o equilibrio do corpo fazendo com que o corpo
— o ator que dirige segurard dois dos seus colegas, um em caia para diante. Deve-se ouvir a patada no chdo. Outra coisa:
cada mão, e poderd fazer todo o tipo de movimentos; s co- os dois pés ndo podem nunca ficar simultaneamente no solo:
legas devem manter invaridvel a distAncia entre os seus na- assim que o pé direito cai, deve subir o esquerdo e vice-versa
rizes e as mãos. — sempre um só pé no chão.
74 75
ator sentado em cima desse pé como se estivesse a escrever;
ombro e cabeça, com o ator em posição vemcal_ em E etel
O ator deve preocupar-se em'desenhar figuras com o
corpo. Podem utilizar-se todas as posições de yoga, mas o ator
deve mudar de posi¢io sempre com a máxima lentiddo.

12. “REVIRAVOLTA DE CARNEIRO” — Dois atores juntam as


costas, agarram-se pelos bragos, e muito lentamente dão uma
“reviravolta de carneiro”, primeiro um, depois o outro, sobre
as costas do companheiro.
13. DaNga DE CosTas — Dois atores juntam as costas e dan-
¢am. Um comanda o movimento, enquanto o outro o segue.
Com ou sem música.
14. RODA MAXIMA E MINIMA — Os atores dão as mãos e
formam uma roda. Depois distanciam-se, com as mãos o mais
16. MENOR SUPERFICIE coM DoIs oU MAIS ATORES — o
agarradas possivel, até que os dedos apenas se toquem, en-
quanto os corpos fazem um mesmo exercício mas com dois ou mais atores em conjunto.
esforgo contrério para se sepa-
rarem. Depois de algum tempo, os atores fazem o contrério e Parte da superfície (a menor possível) deve tocar o corpo
tentam ocupar o menor espaço possivel, juntando-se todos ao do companheiro e apoiar-se nele. Depois 4 a 4, e finalmente
centro. Este exercicio pode ser combinado com um exercicio todo o elenco: todos os atores se tocam, tocando no çhao o
de voz, no qual os atores emitem sons que exprimem os seus menos possível. Neste exercício (como em tgdps os demais exer-
desejos de se tocarem, enquanto se separam, e de se separarem, cicios fisicos) deve ser absolutamente proibido falar, dar su-
enquanto se tocam. gestdes ou fazer pedidos: a comunicagdo deve ser exclusuía-
mente muscular. As pessoas se comunicam através dos mús-
15. A MENOR SUPERFICIE — Cada ator estuda todas as ma- culos: pedem e sugerem, consentem ou recusam, sempre atra-
neiras possiveis de as mais pequenas áreas do seu corpo to- vés dos musculos. Falar, mesmo baixinho, é extrername‘r}te pre-
carem o chão, alternando as possibilidades. Por exemplo: os judicial. Também não se deve procurar fazer {mda heréico. No
pés e as mãos; um pé e uma mão; o traseiro; o peito e um entanto, deve-se procurar fazer todo o possivel. Pode-se até
pé, etc. fazer esculturas de trés niveis. Isso porém, só com absoluta
seguranga. Bste exercicio é melhor praticado em grama ou
É importante que a mudanca de uma posição para outra areia. Devem-se tomar todas as precaugdes: os mais leves
seja o mais lenta possivel a fim de estimular melhor os mús- devem subir de preferéncia sobre os mais fones) e pesacl'os.
culos que intervém. Outras posigdes: apenas um pé, com o Repito: nada de herofsmo, porém, dentro do possivel, tudo!
76 77
barriga para fora, o outro pde-na para dentro, se um se enco-
lhe o outro agigan:a-se, etc.

18. DIVIDIR O MOVIMENTO — Divide-se um movimento con-


tínuo (andar, por exemplo), nas suas partes: primeiro uma
perna; parada; depois o braço; parada; a outra perna; para-
da; etc.

19. DESCOORDENAÇÃO DE MOVIMENTOS COORDENADOS — A


coordenação de movimentos endurece os músculos e determina
a máscara física. Neste exercício, o ator estuda os seus movi-
mentos, descoordenado-os: os braços separados das pernas ao
andar; uma perna com um ritmo diferente da outra; uma mão
gesticulando o contrário da outra; a mão descoordenada da
boca que se abre para receber os alimentos; o dedo que se le-
vanta antes que se abra a boca para pronunciar um discurso;
os bragos fazendo o movimento de equilibrar as pernas que se
cruzam, mas não a0 mesmo tempo, etc.
20. CORRIDA COM As PERNAs CRUZADAS — Dois atores, em
posição horizontal, abracam-se pela cintura e cruzam as per-
nas que se tocam, levantando-as para que ndo se apóiem no
chdo. Depois comecam uma corrida em que cada um deve
considerar o corpo do companheiro como se fosse a sua prop:ia
perna: deve mexer esse corpo como mexeria a sua perna. Nao
se deve saltar, mas sim andar, um ator com a perna direita
e o outro com a esquerda.
21. CoRRIDA DO MONSTRO DE QUATRO PATAS — Os atores,
aos pares, abragam-se corpo a corpo, um de pé e o outro de
cabsga para baixo, de tal maneira que as cabzgas fiquem
abragadas pelas pernas dos companheiros, formando assim uma
figura monstruosa de quatro patas: Inicia-se uma corrida em
que os pares funcionam como rodas.

22. CORRIDA DO CANGURU — Cada ator abaixa-se agarrando


os tornozelos com as mãos. Comega uma corrida, dando saltos
como os cangurus.
17f. COMPLETAR 0 EsPAÇO Vazio — Dois atores estão frente
a :ente, Um deles mexe-se e o outro completa o “espaço va- 23. CoRRIDA OU BAILE COM UMA MAÇÃ — Aos pares, OS
zio”; se um recua a mão, o outro avança a sua, se um põe a atores seguram uma maçã ou uma bola entre as cabeças; per-

78 79
dem os que a deixarem cair, ganha o primeiro a chegar ou “La vai uma
o último a desistir.
14 vão duas
24. CORRIDA COM PÉS E Mãos — trés pombinhas a voar/ (Aqui não se passa o sapato —
Cada ator pde-se a quatro apenas batem com o sapato em
patas e inicia-se uma corrida (idem em marcha atrás). frente ao companheiro, mas cada
25/ CORRIDA DE PÉS AGARRADOS — um volta com o seu préprio. Só
Cada ator agarra os pró- passa na última.)
prios pés com as próprias mãos e assim corre, primeiro para Uma é minha
frente e depois para trás.
outra é fua
outra é de quem apanhar!” (Mesmo processo.)
26. JoGo DO ALHO — É um jogo portugués. Um
ator (cha-
mado “a mãe”) fica encostado numa parede.
Cinco outros fi-
cam de frente para ele, em fila, e cada um Em geral os sapatos se acumulam diante dos atores que
mete a cabeça
embaixo das pernas do que está em frente, de modo se equivocarem. Esses são eliminados e o circulo diminui. Cada
que fazem
como uma figura de cavalo. O que está mais próxim ator que sair leva consigo o seu sapato, para que fique sempre
o à “mãe”
mete a cabeça embaixo do braço da mãe. Começa igual o número de sapatos e de pessoas.
o jogo quan-
do os demais atores tomam uma certa distância e atiram-se
sobre o cavalo de cinco corpos, procurando 28. Rirmo CoMo DiiLoGo — Formam-se duas equipes, cada
chegar o mais
perto possível da mãe. Cai e ai fica. Corre uma com um lider e comega o jogo. O lider faz um ritmo quatro
o segundo ator e
atira-se e fica também onde cai. Quando vezes, dirigindo-se ao lider adversario, como se es'tivessi: falando
cinco atores tiverem com ele; seus liderados repetem a mesma coisa três vezes.
ja saltado (pode ser que algum tenha caido ao chdo) a mãe
começa a balançar os corpos dos que estdo embaix É entdo a vez do lider adversirio responder com outro ritmo
o a fim de e outro movimento: logo depois da primeira vez os seus lide-
fazer com que os de cima caiam.
Existem muitas variagdes do jogo do alho. Em rados repetem trés vezes mais, como se estivessem respondendo
geral, cada aos liderados da equipe oposta. O ritmo e o movimento devem
corredor avisa gritando “Lá vai alho!” A “mãe”
pode também ser usados como didlogo, como se as pessoas estivessem real-
ordenar qualquer coisa: rindo, chorando, gritand
o, etc. e todos mente falando umas com as outras. Cada frase musical pode
os saltadores devem saltar fazendo o que
manda a mãe. Po- ter a extensão que for, umas longas outras curtas,
dem-se igualmente formar duas equipes umas mais
e ganha a equipe que complexas outras menos.
puder conservar maior numero de
saltadores em cima do
“cavalo ”.
29. Rit™os E Boras — Cada ator imagina uma bola de um
27. RITMO tamanho determinado e de uma matéria determinada. Por exem-
cOM SAPATO — É uma brincadeira infantil muito
útil para coordenar elencos.
Plo: uma bola de pingue-pongue, uma de futebol, uma de ferro,
Os atores sentam-se no chio, em
circulo, cada grande, outra de plástico, etc. Depois imagina o ruído dessa
um com um sapato diante de si e comegam
4 cantar uma música bem conhecida por todos, bola, o seu ritmo: batendo no chão, jogada pra cima, ou con-
marcando bem tra a parede, etc. Depois de praticar cada um com a sua prc’{pri'a
0 ritmo, a cadéncia, e em cada momento
passando o seu sa- bola comegam a trocar as bolas uns com os outros, o que signi-
pato para o companheiro que estd a sua direita, menos em fica trocarem os movimentos que fazem com
certos momentos convencionais. cada bola e o
Por exemplo: titmo de cada uma.
80
81
E. Relacionamento com o mundo exterior da outra fila, cada qual os do ator que está na sua frente,
Depois os atores separam-se e os “cegos” tentardo descobrir,
1. IMAGEM po GRUPO — Cada ator, utilizando os outros ato-
tocando os rostos e as mãos de todos, qual o ator que estava
res, faz uma escultura que pretende refletir a sua opinido acer-
na sua frente.
ca das relagdes dentro do grupo. Aquilo que permanecer cons:
tante em todas as esculturas serd uma espécie de superobjeti-
4. CEGO coM BOMBA — Um ator com os olhos tapados ima-
vidade. Pode-se escolher, cada vez que se faga o exercicio, um
gina que rebentard uma bomba se permanecer mais de um se-
ator para ficar em evidéncia, & volta do qual ficarão todos os gundo em contato com alguém. Os restantes atores rodeiam-no.
outros. O ator em evidência “sentir-se-a” na posição de cada .
Quando toca em alguém, o “cego” deve afastar-se o mais ra-
um dos seus companheiros, assumindo a posição deles em cada d
pidamente possivel. Este exercicio desenvolve extraordinaria-
escultura Exemplo: uma atriz tinha o costume de falar “por mente os sentidos.
cima” dos outros. Esta característica apareceu nas esculturas
que se fizeram dela; depois, ela prépria se pôs no lugar dos
outros para avaliar como eles se sentiam.

2. VARIAÇÕES DA ESCULTURA

A) O ator faz a escultura de um determinado tema (a


sua cidade, o regime político atual, a sua escola ou fábrica,
etc.); seguidamente, deve fazer a escultura de como seria esse
tema idealmente; depois deve fazer a escultura da transição pos- |
sivel entre a primeira imagem (real) e a segunda (ideal)
Todos devem participar na discussdo das imagens da transi
ção, mas sem falar; cada qual fazendo as modificações que
lhe pareçam necessárias na primeira imagem, para que se]í
possível chegar à segunda; deve-se formar uma verdadeir:
assembléia de escultores, sempre sem falar, mostrando as suas
opinides apenas através das imagens propostas.
s i o
B) A um sinal do encenador, cada ator que participa na
escultura é autorizado a executar um gesto e só um: isso faz

a uma imagem ideal determinada, não por um escultor a partir.


do exterior, mas sim por decisdo das proprias “estátuas”; quer
dizer, o préprio complexo de conflitos move-se em direção d |
uma nova estabilidade. Esta variação é a estátua animada. 5. ATMOSFERA DE NEVE — Um ator imagina que a atmosfera
¢ manejável como se fosse de neve e faz uma escultura no ar.
Os outros observam e devem descobrir a natureza do objeto
que foi esculpido. Não se trata dum jogo de mimica: o ator

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deve realmente procurar sentir a atmosfera e as relações entre 8. PERSONAGEM EM TRÂNSITO — Um ou mais atores entram
os músculos do seu corpo e o mundo exterior; se dá uma mar- em cena e realizam certas ações para mostrar de onde vêm,
telada, é necessário que os músculos do seu corpo se estimu- o que fazem e para onde vão. Os outros devem descobrir tudo
lem como se efetivamente tivesse um martelo. Este exercício isso apenas através das ações físicas; vêm da rua, estão numa
pode ser simplificado ou complicado. Simplifica-se, fazendo o sala de espera de um dentista e vão tirar um dente; vêm do
ator realizar movimentos simples com objetos reais, transpor- bar, estão no hall do hotel e vão subir ao quarto; saem de
tar uma cadeira, por exemplo, observando nos seus movimen- suas casas pela manhã, estão no elevador e vão comegar o seu
tos, quais são os músculos estimulados e a natureza do estímu- trabalho num escritório, etc.
lo. Seguidamente, sem o objeto, procurará estimular os mesmos
9. OBSERVAÇÃO — Um ator fixa os seus companheiros duran-
músculos, repetindo a ação. Complica-se o exercício, fazendo-o
te alguns minutos e, depois, de costas ou com os olhos tapados,
coletivamente: um ator faz um objeto com a atmosfera, passa-o
procura descrevê-los com o maior número possível de por-
a um segundo ator que tem de modificá-lo e por sua vez o passa menores: cores, roupas, formas características especiais, etc.
a um terceiro, e assim sucessivamente.
Pode-se, por exemplo, envolver vários atores ao mesmo 10. ATIVIDADES COMPLEMENTARES — Um ator inicia um mo-
tempo numa linha de montagem de um automóvel: um ator vimento qualquer e os outros procuram descobrir qual é essa
prepara as rodas, enquanto os demais preparam outras partes atividade, para então realizarem as atividades complementares.
do automóvel (desde as grandes às pequenas), montando por Exemplo: os movimentos de um árbitro durante um jogo,
fim toúo o automóvel. Dave pôr-se sempre o acento tônico no complementado pelos jogadores defensores e atacantes; um
relacionamento físico com o mundo exterior e não na mímica chofer de táxi complementado pelo passageiro; um padre re-
ou em sinais. zando missa complementado por um acólito e pelos fiéis, etc.

6. INTERRELAÇÃO DE PERSONGENS — Este exercício pode ou 11. DESCOBRIR A ALTERAÇÃO — Duas filas, cada ator frente
não ser mudo. Um ator ificia uma ação. Um segundo ator apro- a outro, observando-se; viram-se de costas um para o outro
xima-se e, através de agdes fisicas visiveis, relaciona-se com e alteram um determinado detalhe nas suas próprias pessoas;
o primeiro de acordo com o papel que escolhe: irmao, pai, tio, voltam a olhar-se e cada um deve descobrir a alteração do
filho, etc. O primeiro ator deve procurar descobrir qual o pa- outro.
pel e estabelecer a inter-relagdo. Seguidamente, entra um ter-
ceiro ator que se relaciona com os dois primeiros, depois um 12. EsTiMULO AS PARTES ADORMECIDAS DE CADA UM — Este
quarto e assim sucessivamente. O primeiro exercicio desta sê exercicio deve ser praticado repetidas vezes, variando sempre
rie deve ser sempre mudo, a fim de desenvolver as relações de as partes adormecidas que devem ser estimuladas. Baseia-se no
cada um com o mundo exterior através dos sentidos e não das fato de cada um de nos ser capaz de sentir, pensar e ser de
palavras. formas infinitamente mais variadas que as que quotidianamente
utilizamos. Certo dia um ator fez o papel de um torturador e
7. DESCOBRIR 0 OBJETO — Com os olhos tapados e as mãos
depois ficou muito preocupado, porque durante o exercicio
para trás, utilizando todas as restantes partes do corpo, o ator sentiu prazer real em torturar. Não se tinha apercebido que era
toca e procura descobrir qual o objeto que se lhe apresenta:
cadeira, lapiseira, copo, folha de papel, flor, etc. Este exercício capaz de sentir prazer em praticar algo insano. Depois com-
estimula intensamente a sensibilidade de todas as partes do cor- preendeu que o comportamento virtuoso tem de ser o resultado
po que se relacionem com o objeto. de uma escolha consciente e livre, e ndo o fruto da incapaci-

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dade de praticar o mal. Uma pessoa pode ser capaz de sentir mo-lo “mecanicamente” porque conhecemos o nosso corpo e os
prazer em torturar, mas não tortura porque escolhe não tor- objetos. Tudo muda se algo acontece a estes ou aqueles.
turar, O homem deve inventar-se a si próprio dentro de uma Por exemplo, se o ator tem uma mão atada as costas,
infinidade de possibilidades e não, pelo contrário, aceitar pas- como poderd pôr a mesa? Se tem apenas um olho ou ne-
sivamente o seu papel porque não pode ser diferente. nhum, ou só uma perna, se apenas pode andar para trds, ou
Nada do que é humano é alheio seja a que for. Todos se os seus dedos se endurecem, como se poderd vestir ou
somos, potencialmente, bons e maus, carinhosos e duros, mu- acariciar a mulher? Todas as imperfei¢oes fisicas ou ambientais
lherengos e homossexuais, covardes e corajosos, etc. Somos provocam o aumento imediato da sensibilidade: os cegos tém
o que escolhemos ser. Os fascistas são condenáveis, não por melhor ouvido, os mudos véem mais longe, etc.
serem capazes de fazer com que o povo morra de fome para
que eles se encham de dinheiro, mas porque escolheram fazê-lo. 14. ALTERNATIVA Do SUPEREGO — Em certa cena um ator
tem um superego, e ambos dialogam com um interlocutor que
Certa atriz, ao descobrir que dentro de si mesma existia - fala ao ator como se fosse este quem diz as coisas do superego;
uma infinidade de seres diferentes, exclamou: “Ah, como eu o ator tem de aceitar como suas as conseqiilncias do que diz
gostaria de ser puta!” Quer dizer, não queria vaguear pelas
o superego. Podem-se também utilizar dois superegos, cada
ruas ou trabalhar para o Hotel Hilton, mas apenas sentir du- qual oferecendo uma alternativa que deve, neste caso, ser es-
rante um exercicio tudo o que pode sentir ou pensar uma puta, colhida pelo ator principal.
a puta que tinha dentro de si mesma como uma possibilidade
“néo”-escolhida, como uma possibilidade adormecida. O exer- 15. CONCENTRAGAO — Estabelecendo um circulo de atengéo,
cicio consiste precisamente em estimular as partes adormecidas os atores devem descobrir o maior nimero possivel de cores,
de cada um para melhor compreender tudo o que é inerente matizes, formas, pormenores. Pode tratar-se de uma mesa,
ao homem. Nao se pede que o ator “altere” a sua personalidade: duma parte do sobrado, da parede, do rosto de um compa-
apenas que conhega as suas possibilidades e, por conseguinte, nheiro, de uma mão, de uma folha branca, etc. O importante
as das personagens que vai interpretar. Certo ator escolheu obe- - é que o ator (que como todo ser humano está habituado a
decer e ser humilhado, coisa que nunca aceitava; outro, transs “sintetizar” a realidade para que nela se possa mover: enlou-
formar-se momentaneamente num importuno que quer saber queceriamos se percebéssemos e registrassemos nas nossas cons-
tudo, que faz as perguntas mais inconvenientes, por exempls ciéncias a infinita variedade de cores e formas que o nosso olho
se o jovem casal que vai para o hotel estd efetivamente casado; é capaz de perceber) se exercite em “analisar” a realidade e
qual das meninas presentes deu um peido, etc. Realmente um
descobri-la nos seus minimos detalhes. Este exercicio pode-se
importuno!
fazer com um ator diante do outro. Cada qual informa o outro
Com vista a favorecer a livre manifestagdo e estimulo das de toda a variedade que conseguiu descobrir no seu rosto. O
caracteristicas adormecidas, o exercicio pode ser feito de for- mesmo se poderd fazer com sons.
ma surrealista: as personagens escolhem livremente o lugar
onde estdo e alteram-no, podendo coexistir dois lugares no 16. SELVAGEM NA CIDADE — Os sentidos funcionam como
mesmo espaço, etc. Também pode, pelo contrario, de acordo seletores ao enviar mensagens ao cérebro. A seleção de esti-
com as circunstancias, ser feito de forma absolutamente rea-
mulos conscientes depende dos rituais de cada sociedade. Di-
lista.
zem que as mdes ndo ouvem o despertador, mas se levantam
13. DIFICULDADES COM o CORPO E COM OBrJETOS — Esta- mal os seus filhos comegam a chorar. No bosque, um passaro
mos acostumados a desempenhar as nossas atividades e fazê- é capaz de ouvir o canto da companheira ainda que a seu lado

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do. O ator que narra não pode interferir, nem fazer correções,
um leão esteja rugindo. Toda a imensa quantidade de estímulos
durante o exercicio. No fim se discutirdo as diferencas. O nar-
visuais e auditivos de uma grande cidade são facilmente sele-
rador terd a oportunidade de comparar as suas reagdes com as
cionados por uma criança que atravessa a rua, mas enlouque-
dos seus companheiros.
ceriam um indio. Este exercício consiste em um ator “fazer”
de índio, o selvagem que não conhece as formas da nossa ci-
19. HA Muitos OBJETos NuM Só OBJETO — Baseia-se na
vilização de “codificar”, de “ordenar” os nossos “dados” e por
frase de Bertolt Brecht de que há muitos objetos num só objeto,
isso “estranha” tudo o que v&, as coisas mais triviais, e não
se a meta final for a revolução; -mas não haverd nenhum
se apercebe do risco contido nas coisas mais perigosas. Pode-se
objeto em nenhum objeto se ndo for essa a meta final. Consiste
fazer o mesmo exercício ao contrário: um “civilizado” metido
em dar um objeto ao elenco para que cada ator descubra uma
nos rituais de uma sociedade chamada “primitiva”; ou qualquer
utilizagdo possivel do mesmo: um pau pode ser uma espingarda,
outra mudanga de uma pessoa ‘“educada” segundo certos ri-
um bastdo, um travão, um cavalo, um guarda-chuva, uma mu-
tuais, que de repente tem de assimilar e processar dados de leta, um elevador, uma ponte, uma colher de caldeirão, um
outros rituais e outras sociedades. Isto é uma coisa vulgaris-
mastro de bandeira, uma barreira, uma 4rvore, um poste de
sima que nos acontece a todos quando viajamos a uma nova
iluminagdo, um torpedo, uma vara de pesca, um remo, um
cidade: enquanto não nos habituamos, podemos maravilhar-nos apito, uma flecha, uma langa, um violino, uma agulha de cos-
com tudo o que nela existe; ao fim de alguns dias já ndo vemos tura, e muitas coisas mais; inclusive um pau.
nem sentimos sequer metade dessas sensagdes.
20. ILUSTRAR UM TEMA — Dé-se um tema: prisão, por exem-
17. ILUSTRAR UMA HISTORIA — Um grupo de atores conta plo. Cada ator avanga e sem que outros quatro o vejam faz
uma histéria, cada um por sua vez, enquanto no palco outro com o corpo a ilustragdo desse tema. Depois, cada um dos
grupo de atores “ilustra” essa histéria, utilizando os seus cor-
quatro vem, cada um de sua vez, e faz a sua prépria ilustra-
pos. Para facilitar nas primeiras vezes os atores devem mostrar
ção, diante dos companheiros que observam. Por exemplo: o
imagens estaticas, imóveis. Posteriormente, devem mostrar uma
primeiro pode ilustrar o tema “prisdo” ficando deitado, lendo;
cena móvel.
outro, olhando por uma janela imagindria; um terceiro jogan-
A histéria pode ser absolutamente surrealista: o que in-
do cartas; um quarto cozinhando; um quinto olhando com rai-
teressa é dar ao grupo atuante uma oportunidade de responder
va para fora. Outro tema: igreja. Pode um fazer-se de padre,
i imediatamente com os seus corpos as propostas que surgem.
outro de sacristdo, outro de noivo, outro de turista, etc.
Por isso é importante que as propostas da histéria incluam
) árvores, animais, vento, ondas do mar, choros, castelos, m2- 21. CoNTAR A Mimica FEITA POR OUTRO — Um ator vai ao
| tralhadoras, tanques de guerra, calor, frio, guerra e paz, flo-
palco e conta, em mimica, uma pequena histéria. Um segundo
resta e cidade, praias e campos, etc. A resposta corporal deve ator observa enquanto que outros trés não podem ver. O se-
| ser imediata e ndo deve ser interrompida: o mesmo ator pode
gundo vai ao palco e reproduz o que viu, enquanto os outros
‘ passar de ledo a bomba que explode, através de uma “meta-
dois ndo véem: só o terceiro. Vai o terceiro e o quarto o obser-
morfose” e não através de um “corte” na interpretagéo dessas
va, mas ndo o quinto. Vai o quarto e o quinto o observa. Fi-
duas coisas dispares.
nalmente vai o quinto ator e reproduz o que viu fazer ao quarto.
18. CONTAR A SUA PROPRIA HISTÓRIA — Um ator conta qual- Compara-se depois com o que fez o primeiro: em geral,.o
quer coisa que realmente lhe aconteceu: ao mesmo tempo os quinto já ndo tem nada mais a ver com o primeiro. Depois,
seus companheiros ilustram a histéria que ele vai desenvolven- pede-se a cada um que diga em voz alta o que foi que preten-

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deu mostrar com a sua mimica. Este exercício é divertidíssimo. (muito sensualmente) procura sentir também que a perna po-
VARIANTE: cada ator que observa tenta corrigir aquilo que de-se levantar. Pouco a pouco, sempre lentamente, vai ven-
viu. Por exemplo: imagina que o ator anterior estava tentando cendo a força de gravidade, vai articulando o seu corpo, vai
mostrar tal coisa, porém que o fazia mal — dispõe-se então - gesticulando, comega a mover-se, a saltar. O exercicio deve ter-
a fazer a mesma coisa, porém bem — eliminando os detalhes - minar aos saltos, num bailado alegre, feliz, vitorioso. O corpo
inúteis e magnificando os mais importantes. quase pode voar.

22. ATORES REMANDO — Duplas, apoiando-se com os pés 2. NASCIMENTO — Parecido ao anterior. Os atores deitam-
uns contra os outros, sentados, agarram-se pelas mãos: um se se não chão e procuram sentir-se como criangas que nascem.
inclina para a frente e o outro para trás, e depois vice-versa. Procuram sentir como a crianga que-pela primeira vez, desor-
denadamente, articula os pés e as mãos, o movimento da ca-
beça, do térax. Procura sentir as articulagdes interiores do cor-
F. Exercicios de sensibilizagdo po e as sensagdes do corpo em contato com as coisas exterio-
res: com o chdo (ver os detalhes da superficie do chdo, as
1. Os atores vdo caminhando em qualquer direção. Depois ranhuras, procurar senti-las), a dureza de um ferro, a bran-
procuram sentir o peso real do seu corpo, e de cada parte do dura de um tecido, os cabelos do companheiro, a aridez do te-
cido da prépria roupa, etc.
seu corpo. Procuram sentir que as mãos são pesadas, que a
cabega pesa e que é necessdrio um grande esforgo para man- )
3. RITUAL MUDO — Os atores realizam rituais bem conhecidos
té-la erguida. As pélpebras são pesadas. A barriga pesa e »
porém só em mimica, procurando analisa-los, exagerando ou
tende a dilatar-se se não nos esforgamos para conté-la. Tudo )
não: casamento, enterro, concerto para piano e orquestra,
pesa no nosso corpo e tudo requer um tremendo esforgo diário
assembléias, etc.
para que possamos estar sentados, de pé, para que possamos Y
caminhar, movermo-nos, gesticular. O ator procura então sen-
NoTA — Nestes exercicios de aquecimento fisico ndo inclui-
tir que tudo vai ficando cada vez mais pesado, mais pesado, mos nenhum acrobdtico porque pensamos que tende a criar
ainda mais pesado e que ele não tem forças para continuar a máscara do “atleta”. Utilizamos apenas exercicios que visam
caminhando, para continuar movendo-se, gesticulando. Pouco a descontrair ou estimular os musculos pouco usados na rotina
a pouco, embora lutando, embora fazendo força, vai sendo ven- didria, ou exercicios que alteram as circunstancias “habituais”,
cido, vai arrastando-se pelo chão. As pernas pesam e ele € que por isso mesmo mecanizam e “ritualizam” o nosso corpo,
atraido com enorme violéncia pela força de gravidade que O 0s nossos movimentos, a nossa sensibilidade e até as nossas
vai atraindo mais e mais e mais. Depois a terra atrai o seu idéias, criando “estruturas” endurecidas de idéias, de musculos,
tórax, atrai o seu rosto, suas palpebras e pouco a pouco ele vai - de movimentos, etc. O ator deve, através de exercicios fisicos,
sendo vencido até ficar totalmente imével sobre o chdo, atraido, destruir estas estruturas e nao substitui-las por outras, com:
“chupado” pela terra. Deve procurar sentir que tudo pesa é por exemplo a do “atleta”. .
que ele já não onde nenhuma resisténcia. Nenhuma mesmo.
Quando chegar a se sentir assim, então, pouco a pouco, muito
lentamente, comega a ver que pode mover um dedo, que tem II — AQUECIMENTO IDEOLOGICO
forga suficiente para mover todos os dedos, até mesmo a mao.
Procura sentir que a mão estd se libertando da forca de gra- 1 O teatro apresenta imagens extraidas da vida social sêgun-
vidade, que o brago pode-se levantar. Sempre muito lentamente do uma ideologia. É importante que o ator não se aliene, por

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2. Dois GRUPOS DE ATORES — cada qual emitindo um som
mais especializada que seja determinada técnica. O ator deve
diferente, procuram forgar o outro grupo a ir atrás do seu som.
ter sempre em mente que atua, que apresenta aos espectadores
imagens da luta social entre as forças reacionárias da: burgue- 3. ATORES COM A MAIOR AREA POsSiVEL dos seus corpos
sia e as forças progressistas das classes trabalhadoras, seja qual contra o chdo, emitem a voz a partir da terra.
for o disfarce com que essa luta apareça na fábula ua obra.
É necessário que o ator tenha sempre presente a missão pro- 4. CoM A CABECA PENDENTE, DEITADOS DE BRUÇOS SOBRE
gressista da sua tarefa, o seu caráter pedagógico, o seu ca- UMA MESA, os atores emitem sons até que o nariz sinta có-
ráter combativo. O teatro é uma arte e uma arma. cegas e se torne impossivel continuar.

1. DEDICATÓRIA — Em muitos espetáculos do Teatro Arena 5. UM ATOR EMITE A SUA Voz DIRIGINDO-A A OUTRO situado
de São Paulo era costume dedicar as sessões a alguém ou a a meio metro de distancia; este segundo ator começa a afastar-se
algum fato. Os atores em cena, perante os espectadores, ofe- um metro, dois, trés, dez. O primeiro tenta ajustar a voz de
reciam o espetáculo. A pessoa ou o fato eram muitas vezes acordo com a distincia. Este exercicio também pode ser feito
suficientes para aquecer ideologicamente o ator pelo que signi- cantando. Assim, do mesmo modo que o olho “foca” natural-
ficavam: um companheiro morto, um dirigente sindical que mente o objeto que se quer ver, também a voz “foca” natural-
até na prisão arengava os presos denunciando a ditadura, etc. mente a pessoa a quem pretende dizer alguma coisa.

2. LEITURA DE JORNAIS — Leitura e discussão dos aconteci- IV — AQUECIMENTO EMOCIONAL


mentos políticos e sociais mais importantes da véspera e expli-”
cação do seu significado por quem mais perceber do assunto. 1/ EMogA0 ABSTRATA — Aqui trata-se de ndo ter nenhuma
Desmistificação da imprensa burguesa. Informação das notícias motivagdo concreta. Os atores fazem uma gindstica puramente
que não aparecem nos jornais. emocional. Comegam por ser muito améveis uns com os outros,
sorridentes e contentes, procurando ver nos outros caracterfs-
3. Evocacio DE UM FATO HisTérRICO — Quando possível, ticas agradaveis. Para eliminar toda a possibilidade de motiva-
evocar um fato histórico que tenha paralelo com a situação na- ção, os atores ndo podem falar com palavras, mas apenas com
cional atual, revelando as características comuns e as diferenças números: 23, 8, 115, etc. Depois comegam a variar quantita-
entre a primeira e a segunda libertação da América Latina. tivamente esse carinho, primeiro a gostarem mais uns dos outros,
depois menos, até que comegam a variar qualitativamente até
4. Lição — Dependendo do grupo e dos seus conhecimentos se odiarem, para finalmente levarem o ódio a tensdo mais violen-
históricos, uma pequena lição ou explicação pode criar o aque- 1. A única regra a respeitar é ndo ameaçar a seguranga fisica
cimento ideológico necessário: por exemplo, explicar a mais- dos outros atores (para que ninguém tenha que se preocupar
em proteger o seu corpo, podendo concentrar-se na emogéo).
valia,
Gradualmente os atores voltam a descobrir as coisas boas de
cada companheiro, pronunciando sempre nimeros e nunca pa-
11l — AQUECIMENTO VOCAL lavras, até regressarem ao mais completo amor.
2. EMOÇÃO ABSTRATA COM ANIMAIs — Variante do exercicio
1. Topos 0s ATORES VIRADOS PARA A PAREDE — a um pal- anterior: os atores partem de uma emoção até chegarem & emo-
mo de distancia, tentam furar a parede com a voz; procuram, ção contréria e voltam à primeira, mas em vez de dizerem nú-
todos a0 mesmo tempo, o mesmo tom.
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meros emitem sons de animais, à vontade de cada um. Este V — JOGOS DE INTEGRACAO DO ELENCO
exercício pode ser feito de duas maneiras: a) o ator age como os
animais; b) o ator age com uma visão “humanizada” do ani- São especialmente indicados quando se inicia um novo
mal, quer dizer, sem perder as suas características humanas. grupo de nao-atores, isto é, operarios ou estudantes. São jogos
Também podem todos os atores agir como um mesmo animal, de salao (e nao exercicios de laboratério) que ajudam as pessoas
ou cada ator como um animal 2 sua escolha. a aceitar a possibilidade de tentar ‘“representar” como no
teatro; ajudam a perder a vergonha.
3. SEGUIR 0 MESTRE EM EMOGAO ABSTRATA — Cinco atores
de cada lado: os dois que se defrontam no meio são os mestres 1. Mimica — É o conhecido jogo “diga isso por mimica”, no
dos quatro que estdo na fila oposta à sua. Comecam uma dis- qual se formam duas equipes. A primeira propõe a um dos ele-
cussão sobre qualquer coisa sem nexo, empregando palavras, mentos da segunda o titulo de um filme, o nome de um po-
números ou sons (as frases não precisam fazer sentido). Todos litico ou uma frase recentemente pronunciada por um dema-
os outros repetem gestos, inflexdes, sons, movimentos do corpo gogo qualquer ou por um politico popular. O elemento do se-
e do rosto, exatamente como os Seus mestres, os quais devem gundo grupo tem que fazer, para os seus companheiros, a mi-
levar as suas emogGes ao extremo e em seguida voltar ao re- mica das frases ou do nome, e estes tém que descobrir o que
pouso e à compreensao. €. Cada ator tem dois minutos para fazer a mimica. Com ato-
res mais experientes, este jogo pode fazer-se dando o tema ou
4. ANIMAIS OU VEGETAIS EM CIRCUNSTANCIAS EMOTIVAS — a idéia central de uma cena (o ator ndo pode fazer nenhuma
Uma palmeira na praia durante um dia de verão; muda o tem- demonstragao Gbvia nem reproduzir qualquer marcação; ape-
DO, aproxima-se uma tempestade, um furacdo: a alegria do nas pode corporizar a idéia central segundo as suas possibili-
verdo dá lugar ao temor de ser destruida e varrida pelas on- dades e imaginagao).
das do mar (os outros atores fazem o vento). Um coelhinho
que brinca com os seus irmaozinhos, e vem a raposa; o coelho 2. JoGo po AssassiNo — Este jogo foi tirado de uma historia
esconde-se até que a raposa vai embora. Um peixe que nada de suspense. No salio de um hotel, com as'Qmunicagéfs‘
todo contente até que morde o anzol. para o exterior completamente cortadas, descobre-se um carta
Em todos estes exercicios de animais, os sons devem ser que diz: “sou um assassino e vou matá-los aitodos", Todns’ os
muito expressivos, isto é, o ser humano dispée de palavras e participantes têm que descobrir o mais rapidamente possível
de conceitos para exprimir as suas emogdes, ao passo que os o assassino (prévia e sec?tameme designado pelo encenador).
animais apenas dispoem de sons, e nio de uma linguagem; O assassino pode, a um Sinal convencionado (que podem ser,
isto faz com que a expressão humana seja pobre em termos por exemplo, dois pequenos toq 0 ombro), matar os outros
sensoriais, ainda que seja infinitamente mais rica em termos depois de um período de 10 minutos durante o qual todos pro-
conceituais. A ator deve, sem perder a sua capacidade con- curam estudar-se e reconhecer-se mutuamente. Os restantes ato-
ceitual de expressdo, dar largas as suas imensas possibilidades tores podem, mediante votação majoritária, ‘l‘matar” os sus-
sensoriais de se exprimir. RITUAL EM QUE TODOS VIRAM ANI- peitos. Este jogo de salão também po# ser feito como exerci-
MAIS — Os atores realizam um ritual qualquer, por mais con- cio de laboratório, quer dizer, com atores criando realmente
vencional que seja: inauguracdo de uma loja bancéria, dis- personagens e desenvolvendo as suas emoções. Neste caso, os
curso de posse do Prefeito, aniversdrio de casamento dos pais, “mortos” não saem de cena, morrem realifente. De quz}lquer
etc. Improvisam mimica e texto. Durante o ritual cada ator forma, a “morte” do que foi assassinado pode ser rápider,
se transforma num animal e prossegue o ritual da mesma ma- pelo contrário, o ator deve esperar uns minutos antes de
neira. “morrer”, para não denunciar o assassino.

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Este tipo de jogo é ótimo para ativar a capacidade de que formam a sua frase feita. É importante que cada ator, ao
percepção do ator. Em geral, os nossos sentidos selecionam o responder, o faça com frases compatíveis com a ideologia que
que vamos conscientizar; o jogo amplia a área de conscienti- julga relacionar-se com a frase que inclui a sua palavra-chave.
zação e cada ator começa a analisar com muito mais porme- Por exemplo: “Só o povo salvará o povo”. Um ator terá a
nor todos os seus companheiros, visto que, potencialmente, palavra “só”, o segundo “o”, o terceiro “povo”, etc. Ninguém
todos são “assassinos”. O encenador pode escolher um assas- sabe quem pertence ao seu grupo: cada qual tem que desco-
sino, vários, ou até nenhum, e assim o suspense mantém-se, brir através da utilização, nas respostas, da palavra que lhe
obrigando a uma tensão e a uma atenção muito maior por coube.
parte de todos.

3.) GUERRILHEIROS E POLICIAIS — É uma variante do anterior. VI — EXERCICIOS DE MASCARAS E RI1UAIS


O elenco divide-se em dois grupos, um de guerrilheiros e outro
de policiais. Todos incógnitos viajam num veiculo que se avaria 1. SEGUIR 0 MESTRE — Um ator comega a falar e a mover-se
na estrada. As personagens não se conhecem, mas todos sa- naturalmente e todos os outros procuram captar e reproduzir
bem que dentro do veiculo há exclusivamente policiais e guer-
a sua mdscara. É importante não fazer a caricatura, mas sim
rilheiros. O exercicio consiste em procurar descobrir quais são
reproduzir a força interior que leva o ator a ser como é. Os
os amigos e quais os inimigos e “matar” por meio de um sinal
atores imitam o “mestre”, mas no sentido que The dá Aristó-
convencionade. O exercicio termina quando apenas ficam “vi-
teles: imitar ndo é copiar as aparéncias, mas reproduzir as
vos” os componentes de um dos grupos. Neste exercicio, a
forgas criadoras internas que produzem essas gparlêx!cias. Um
imaginagdo desempenha um papel importante, assim como a
ator, por exemplo, tinha como característica mais visível a sua
observagao: é importante que cada ator (seja de que grupo for)
extrema loquacidade; na realidade tratava-se de um tímido, de
imagine uma histéria convincente para se mostrar aos seus um inseguro que procurava segurança falando incessantemeqte,
amigos tal como realmente é e aos seus inimigos como se fosse
pois tinha medo que os outros o atacassem. O ator deve criar
um deles. É permitida a formação de grupos e a divisdo, de este medo que leva à loquacidade. Além disso, deve tentar
tal forma que não se ponham todos a falar com todos, mas descobrir os rituais sociais que o outro desenvolvia na vida
que se gerem interrogatérios isolados, “mortos” isolados, etc. e o que levaram a ser vítima desse medo. O núcleo da mz'?scara
O exercicio pode atingir um alto grau de violéncia emocional e
é sempre uma necessidade social determinada pelos rituais.
ideologica; há que criar ndo só “personagens” em geral, mas
também personagens combatentes e personagens repressivos. 2. SEGUIR Dois MESTRES QUE SE METAMORFOSEIAM — Dois
Há que justificar as posigdes antagnicas. atores começam a conversar ou a discutir; cada um tem a sua
equipe de “seguidores”, que começam a imitar ou a criar as
4. FRasE FEITA — Pensa-se em duas ou mais frases feitas, máscaras dos mestres, cada grupo o seu. Ao-fim de alguns mi-
refrões, ditos populares, frases recentes de algum dirigente ou
nutos, os dois mestres começam a metamorfosear-se um no outro,
demagogo. Cada ator recebe uma palavra de cada uma dessas
quer dizer, cada mestre começa a imitar o outro, de modo que
frases. Durante o jogo, cada ator deve responder as perguntas
os seguidores de um também passarão a imitar os do outro.
que lhe fazem os outros, encontrando sempre maneira de in-
cluir na resposta a sua palavra-chave. Estabelecem-se várias
conversagdes ou uma só. O jogo acaba quando um grupo de 3. RoTacio DE MAscaras — Cinco atores falam, movem-se
atores consegue descobrir todos os que possuem as palavras e observam-se. Passados alguns minutos o encenador pronun-
cia o nome de um deles e todos os outros comegam a imitar
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8. LEVAR A MASCARA A0 EXTREMO E ANULA-LA — O ator,
a sua máscara; mais alguns minutos e o encenador diz o nome
uma vez consciente da sua máscara, afirma cada elemento da
do segundo ator e todos mudam para a máscara deste, e assim
mesma, levando-o ao extremo, levando a máscara à sua forma
sucessivamente.
mais exagerada. Depois, lentamente, comega a anuld-la, as-
4. RECONHECIMENTO DE MAscara — Cinco atores falam e sumindo para cada elemento a caracteristica oposta à habitual.
movem-se livremente. Outros cinco observam. Ao fim de al-
9. SEGUIR 0 MESTRE NA SUA PROPRIA MÁSCARA — Certo ator
guns minutos, cada um dos observadores tira a sorte um pa-
pelzinho com o nome de um dos cinco primeiros. Os obser- encontra dificuldades em extremar a sua máscara ou em anu-
vadores avancam e cada um comega a imitar a mascara do lar alguns elementos dela. Colocam-se ao seu lado outros quatro
ator que lhe saiu. Os primeiros tém que descobrir quem imita atores; ele comeca a falar e os outros seguem o “mestre”.
as suas máscaras. Quando as cinco mascaras estiverem unificadas, os quatro ato-
res comegam a mudar para o oposto e o mestre deve-se trans-
5. UNIFICAÇÃO DE MAscaras — Um grupo de atores, estando formar logo em seguidor dos outros quatro novos mestres.
a conversar, procura sem prévia combinação imitar a méscara | Um ator extremamente tímido conseguiu gritar e prague-
de um deles, até que todos estejam imitando o mesmo e que jar com violência, coisa que nunca fazia. Certa atriz era inca-
este se aperceba disso. paz de revelar a sua crueldade. Formaram-se dois grupos: o
6. Criacho COLETIVA DE UMA MAscara — Um grupo de ato- primeiro, de três pessoas, começou a agredir e a humilhar o
res conversa e movimenta-se. O primeiro introduz, durante a segundo, também de três pessoas, uma das quais era a referi-
conversa, uma caracteristica qualquer da sua maneira de andar, da atriz. Após violenta humilhação e provocação, a um sinal
ou de falar, ou um vicio de pensamento, ou uma idéia fixa. do encenador, a situação inverte-se, os humilhados passam a
Todos os outros procuram descobrir essa caracteristica e re- humilhar. A atriz, auxiliada pelos seus dois companheiros, ex-
produzi-la. Quando todos estiverem unificados nessa primeira travasou toda a crueldade que tinha dentro de si, tapada pela
caracteristica, o segundo ator junta à primeira uma segunda ca- sua máscara. À situação foi tão violenta que a atriz ia ficando
racteristica, que deve igualmente ser assumida por todos os com um complexo de culpa. O exercício terminou com um jogo
outros e somada à primeira. Depois o terceiro, e assim suces- infantil no qual os seis participaram
física e alegremente.
sivamente até ao final, em que todos os atores estardo a inter-
: Exisle sempre o perigo de este tipo de exercícios, violando
pretar a mesma méscara criada coletivamente. a intimidade do ator, produzir resultados doentios. Os exerci-
cios de !ab_oralório não devem ter um sentido terapêutico, nem
7. SoMA DE MASCARAS Pede-se a um ator que, sem perder
nenhuma das caracteristicas da sua prépria méscara, nenhum dçvÉm Prejudicar a saúde do ator. Terminar um exercício de
dos seus elementos, lhes junte uma ou mais caracteristicas (ele- vm!encm emocional dentro de um “clima psicolégico” pode ser
perigoso; há que finalizá-lo num clima de jogo fisico. Em Cuba os
mentos) da méscara de um companheiro. Como seria Fulano
m_telecluais cortam cana: isso é importante para que as pessoas
se, além de tudo aquilo que é, tivesse a violéncia de Beltrano?
Ou se este ator forte e agressivo tivesse a timidez de outro, sem nao se alheiem da produgdo e da realidade. Também é impor-
tante que os problemas “psicológicos” sejam enquadrados no
perder a agressividade e a força? Pode-se fazer uma infinidade
de combinagoes juntando elementos à máscara ou trocando-o0s ambito mais geral da realidade exterior, fisica e social.
reciprocamente entre dois ou mais atores. Também se pode
que seja a “soma” de todos os integrantes 10. MUDANÇA DE MÁSCARA — Um ator fala e move-se natu-
fazer uma méscara
ralmente. Os outros mostram como véem a sua mascara e como
do grupo, utilizando o elemento mais caracteristico de cada um.

98 99
gostariam de mudá-la. Indicam cada elemento da máscara e 13. SEPARAÇÃO DE MÁSCARA, RITUAL E MoTIVAÇÃO — Os ato-
o ator anula esse elemento ou modifica-o, transformando, se- res ensaiam separadamente estes três elementos e a seguir jun-
gundo o critério dos companheiros, suavidade em violência, tam-nos. Num exercício certa atriz contou a história da sua fa-
movimentos indecisos em decididos, voz grave em voz aguda, etc. milia depois da morte do pai: todos se reuniram para festejar
os anos da mãe e durante a festa discutiram problemas relati-
11, INTERCAMBIO DE MÁSCARAS — Um ritual típico de um vos & heranca, porque todos queriam conseguir mais dinheiro
homem que leva uma jovem ao seu apartamento pela primeira que os outros. Primeiro ensaiou-se o ritual do aniversirio e
vez, com intenções óbvias. Ele comporta-se (especialmente o as suas agOes: chegada dos filhos, presentes à mãe, sentar à
latino) como o “macho” que a vai conquistar, e ela como a mesa, brindes com champanhe, cantar o “parabéns a vocé”,
“coisinha linda” que vai ser conquistada. Ações típicas deste tirar fotografias, despedida carinhosa. Repetem várias vezes o
ritual: ouvir música, mostrar o apartamento, tomar qualquer ritual para depois serem capazes de reproduzir toda a ação nos
coisa, etc. seus minimos detalhes: como se levanta o copo, como -se bebe,
Em todas as ações a jovem atua com a máscara de “de- como anda cada um, quanto tempo demora a tirar a fotografia,
sejada”. Seguidamente, mantendo todas as ações do ritual, os etc. Em seguida, sentados e de preferéncia com os olhos fe-
dois atores mudam de máscara: ele, sem deixar de ser o ho- chados, os atores discutem violentamente as suas “motivações”,
mem, comporta-se como o “desejado”; ela, sem deixar a sua atribuindo-se mutuamente as culpas do fracasso econdmico da
condição de mulher, comporta-se como a agressiva conquista- fabrica, exigindo uns aos outros compensagdes pecunidrias, re-
dora, quer dizer, com a máscara habitual do “machismo” la- velando acusações antigas, lavando com turbuléncia toda a
tino. roupa suja. Numa terceira fase, escolhe-se a méscara de um
dos participantes, neste caso a atriz que contou a histéria, e
Outro exemplo: um trabalhador que vai pedir aumento
todos a imitam. A atriz por acaso estava gravida, de modo que
de ordenado ao patrão numa sociedade fortemente explorado-
todos agiram como mulheres grévidas (inclusive os homens).
ra, com as ações correspondentes a este ritual: tirar o chapéu,
Finalmente, juntam-se os trés elementos: as violentas motiva-
perguntar-lhe pela saúde da familia, explicar-lhe como subiu
ções econOmicas, o 6dio mortal uns aos outros, € o uso ex-
o custo de vida, etc. Seguidamente, sem deixar de ser o patrao,
clusivo da mascara reprimida da atriz; os atores desenvolvem
o ator assume a máscara do trabalhador, e este, sem deixar de
novamente o ritual feliz e risonho do aniversirio da mãe. A
o ser, assume a do patrão.
todo momento a motivação explode contra a máscara e ambas
Uma infinidade de relações pode ser investigada e escla- contra a rigidez do ritual, revelando-se auténomos os trés ele-
recida com este exercício: pai-filho, professor-aluno, tortura- mentos.
dor-torturado, sargento-soldado, latifundiário-camponês, etc.

12. SUBSTITUICAO DA MÁSCARA — Serve para revelar o cará-


ter econômico de determinadas relações. Em certas regiões da
América Latina o clero é muito progressista, mas noutras é
terrivelmente reacionário. Estabelecem-se as máscaras determi-
nadas pelos rituais de dependência do camponês em relação ao
latifundiário. Seguidamente, estabelecem-se as máscaras dos ri-
tuais da confissão de um fiel a um sacerdote. Depois, manten-
do o ritual de uma disputa econômica, os atores usam as
mascaras do sacerdote (latifundiário) e do fiel (camponês).

100
No mesmo exercício também se pode escolher, não a más- uma realidade econdmica: quem vai dar o dinheiro para ali-
cara para todos, mas sim determinada máscara para cada um: mentar mais uma boca, se o que emprenhou a filha fugiu?
a do “general gorila” para o irmão mais velho que não quer Trata-se de uma moral economicamente determinada: o bur-
dar explicações sobre a maneira de gerir a fábrica; a da “bur-
gués pode ser bom porque tem dinheiro. As mogas de Copa-
guesia nacional” para a mãe com toda a sua aparência de po-
cabana ndo tém preconceitos sexuais; ao contrário, as que vi-
der e a sua incapacidade real; a do “camponês” para a filha
vem nos morros da mesma Copacabana tém-nos. As das praias
mais nova, explorada, ctc.
tém dinheiro, as de cima são empregadas domésticas.
14. SUBSTITUIÇÃO DE UM CONJUNTO DE MÁSCARAS POR OUTRO
DE CLASSE SOCIAL DIFERENTE — Quando era pequena, uma
atriz foi chamada de Buenos Aires, onde vivia com a sua mãe,
por seu pai que ha umcano vivia no Rio de Janeiro. O pai
dizia na carta que as duas, mae e filha, iam mudar-se para o
Rio, e que fosse primeiro a filha ver a cidade, o apartamento,
etc. Quando a menina chegou ao Rio, o pai contou-lhe a ver-
dade: estava casado com outra mulher e queria que fosse a
filha a contar isso à mãe. A menina aceitou esta missão, ainda
que nao lhe agradasse, e voltou para Buenos Aires. As trés
|
personagens eram ricas e podiam dar-se ao luxo de fazer via-
gens internacionais e hospedar-se em bons hotéis. A mae não
tinha problemas econdmicos. Faz-se o exercicio normalmente
e depois substituem-se as mdscaras; o pai é um operdrio que
vive com a mulher numa casa miserdvel dum bairro de Buenos
Aires; a mãe e a filha vivem em Córdoba; a filha deixa o em-
prego para visitar o pai em Buenos Aires.
15. EXTREMAR TOTALMENTE A MASCARA — A mascara im-
Neste exercicio-especifico, o pai-operdrio ndo consegue
pde-se sobre o ser social, mas dentro da méscara a vida con-
evitar que a filha-criada o convenga a trazer também a mae
tinua, Extremar totalmente a máscara consiste em fazer com
para Buenos Aires e a instald-la noutra casa até arranjar um
que ela invada totalmente o ser humano, até eliminar todo e
novo emprego. A abnegagdo é, no primeiro caso, fruto do seu
qualquer sinal de vida. A parte “humana” do operério é ina-
poder econdmico: mae e filha podiam dar-se ao luxo de per-
dequada para o trabalho mecénico que tem de realizar; assim,
doar ao pai.
o operério será tanto mais eficiente quanto menos humano for
Outro exemplo: um pai burgués é informado pela filha e quanto mais se converter num autémato. O ator experimenta
de que estd grávida dum rapaz que desapareceu. O pai mos- no seu corpo, com os movimentos que cada operario deve fazer,
tra-se bom, compreensivo e ajuda a filha em tudo o que é o dominio progressivo da máscara até à morte do operario.
preciso. Substituem-se as mascaras pelas de proletdrio: o pai Exemplos: a costureira que acaba por coser o seu proprio
expulsa a filha de casa. Esta moral rigida é determinada por corpo; o sacerdote cuja bondade imposta pelos rituais lhe tira

102 103
0 corpo, o peso e a carne, transformando-o num anjo sem sexo, personagem. Também se pode fazer esta roda com a visão ritmi-
sem fisionomia própria, medieval, pré-renascentista, sem indi- ca que o elenco tenha de uma personagem, de um ator que
vidualidade; a prostituta que se transforma em puro corpo em fica na “berlinda” no meio do circulo: cada um dos atores
movimento, etc. entra no circulo, isoladamente, e mostra a sua versão ritmica
enquanto todos o seguem, com o ator que estd na “berlinda”
16. TROCA DE ATORES DENTRO DE UM RITUAL QUE CONTINUA
sempre no meio. Este exercicio funciona especialmente em cer-
— Um par inicia uma cena qualquer e estabelece as suas más-
tos paises ritmicos (por exemplo no Brasil) mas pode fun-
caras para o ritual correspondente que vão apresentar. Após
alguns minutos, um segundo ator substitui o primeiro, manten- cionar potencialmente em qualquer pais. Cada ator tem uma
do a sua máscara e continuando o ritual. Uma segunda atriz visão ética da sua personagem, mas deve ter também uma
substitui a primeira, depois um terceiro ator substitui o segundo, visdo ritmica da pulsação da mesma. Depois de seguir o com-
e assim sucessivamente. É importante a absoluta continuidade panheiro na sua visao ritmica diferente, o ator na “berlinda”
de motivações, máscaras e rituais. regressa lentamente A sua própria visdo ritmica isolada, e a
seguir acompanhado por outro ator; de novo vai passando len-
17. Joco DAS PROFISSÕES — Os atores escrevem num papel- tamente a uma nova visão ritmica da sua personagem.
zinho uma profissão, ofício ou ocupação: operário metalúr-
gico, dentista, padre, sargento, motorista, pugilista, etc. Mistu- 20. RODA DE MASCARAS EM CIRCUNSTANCIAS DIFERENTES —
ram-se os papéis e cada ator tira um. Começam a improvisar Entra um ator para o centro da roda; seguidamente entra um
a profissão que lhes calhou sem falar dela, apenas mostrando companheiro e mostra como julga que seria a sua mascara
a versão que têm dela. Após uns 15 minutos de improvisação noutras circunstancias: enraivecido, feliz, nervoso, etc. O ator
(a cena passa-se na prisao depois de uma operação policial na “berlinda” tem que segui-los um a um.
de rua ou numa fila de onibus, ou em qualquer outra parte)
cada ator procura descobrir a profissio dos demais: se acertar, 21. COMODIDADE E RIDÍCULO — Numa roda de ritmo e mo-
sai do jogo aquele que foi descoberto e ganham pontos os dois; vimento, um ator vai para o centro e faz todos os movimentos
se ndo, sai do jogo o que ndo acertou e perde pontos o que e ritmos que sejam “cômodos” e “naturais”; entra um com-
nao foi descoberto. panheiro e fá-lo mudar para o que lhe parecer mais incomodo
e antinatural: o ator na “berlinda” e os da roda seguem-no.
18. Joco DOS ANIMAIS — O mesmo que no anterior, com a O companheiro sai e o ator do centro regressa aos movimentos
diferenca que se escrevem nos papeizinhos nomes de animais
comodos; entra um segundo ator e fá-lo mudar novamente.
e nao nomes de profissdes. Pode-se fazer este exercicio de
duas maneiras: ou adotando o comportamento tipico do ani- A comodidade é, muitas vezes, uma defesa contra o ri-
mal, ou apenas a “personalidade” do animal, quer dizer, a diculo além de ser mecanizadora.
impressão humanizada que cada um pode ter do animal que
lhe coube. Também se podem pôr nos papeizinhos os nomes 22. VÁRIOS ATOREs SOBRE 0 PALCO — Os que estdo na parte
do macho e da fémea de um mesmo animal; os atores pro- de baixo inventam uma história que os que estdo no palco
curam ao fim de 10 minutos o seu par. Não é necessdrio que representam com mimica. Os que estdo embaixo discutem,
saiam “fémeas” as mogas e “machos” aos rapazes. falam; os de cima só se mexem.

19. Roba DO RITMO DA PERSONAGEM — A mesma roda do 23. JoGo DE PaPEls COMPLEMENTARES — Variante do jogo
ritmo, mas com a visdo ritmica que cada um possa ter da sua das profissdes, com a diferenca de que nos pequenos papeis

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estão profissões ou papéis sociais complementares: professor- na nossa casa?”. A amiga dizia-lhe: “é para teu préprio bem...
aluno, marido-mulher, padre-fiel, médico-doente, polícia-ladrão, vem conosco”. Mas a jovem estava decidida a ficar, e não se
operário-burguês, etc. deixar reprimir, e assim foi.
O mesmo para o caso de Buenos Aires: o rapaz decidiu
ficar na casa até que todos os outros tivessem ido embora;
VII — QUEBRA DA REPRESSÃO a festa acabou mais cedo, mas não houve repressão.

1. Um ator procura recordar um momento da sua vida em 3. Na terceira fase do exercício os atores trocam de papéis, in-
que haja sentido uma intensa repressão. terpretando precisamente o contrário: a negra interpretava o
Na Universidade de Nova Iorque, uma atriz negra re- papel da loura que a tinha impedido de tomar o sorvete, e
cordou ter ido visitar a sua família na Geórgia, um estado do vice-versa; o pai da jovem era o xerife, e vice-versa; o rapaz
sul onde há uma tremenda repressão racial. A jovem era de judeu era o que mais se empenhava em afastá-lo, e vice-versa;
Nova lorque, onde quase não existe tal problema e ao ir (na e assim com todos os outros.
Geórgia) tomar um sorvete com a prima, não lhe permitiram Neste exercício costumam acontecer coisas interessantes.
fazê-lo junto aos outros fregueses; deixavam-na comprá-lo e pa- Por exemplo: quando o rapaz judeu fez o papel de repressor,
gá-lo, mas tinha que ir comê-lo longe dali; se negros e brancos fê-lo melhor do que qualquer dos que o haviam feito anterior-
pudessem tomar sorvetes juntos, como seria possível contê-los mente, porque conhecia muito bem o seu opressor, muito me-
nas outras atividades sociais? lhor do que os atores católicos ou ateus, que nunca tinham
Em Buenos Aires, um rapaz recordou ter sido convidado sentido essa forma de repressão; quando o rapaz católico fez
para uma festa; quando os companheiros perceberam que era de judeu, fê-lo com total e imensa sinceridade, sem nenhuma
judeu, pediram-lhe que se fosse embora. defesa (quase se poderia dizer, melhor que o próprio judeu).
O exercício faz-se em três fases. Na primeira, procura-se Mas não: o rapaz judeu estava tão habituado a essa e a outras
reproduzir o fato acontecido, tal como sucedeu, sem acrescen- formas de repressão racial que já tinha desenvolvido formas de
tar nem tirar nada, com grande abundância de pormenores. defesa, como o cinismo; assim, quando foi expulso da festa,
Nos dois casos citados, os protagonistas tentaram oferecer al- já sabia como responder, ao passo que o rapaz católico (quando
guma resistência, mas esta foi vencida pelas outras personagens. fez de judeu) ficou totalmente indefeso, ignorando o que se
passava. Um dos negros, que interpretava um amigo da moça
2. Na segunda fase do exercício, o protagonista não aceita a negra, fugia quando o xerife o ameaçava com o revólver; pelo
repressão. Sabemos que, quando se dá uma repressão seja de contrário, na terceira fase do exercício, um branco que repre-
que tipo for, é porque conta com o apoio da vítima. Se o sentava o seu papel enfrentava o xerife. O negro esclareceu o
homem amar mais a liberdade que a vida, jamais o oprimirão: fato: “claro, porque você é branco e disso não se pode esque-
o mais que poderão fazer é matá-lo. Oprimem-nos porque es- cer, nem sequer durante o exercício; sobre você não dispara-
tamos dispostos a fazer concessões, a aceitar a repressão em riam... sobre mim, sim”.
troca de continuarmos a viver.
Nesta segunda parte, a negra não aceitava a repressão e 4. CONFISSÕES DO REPRESSOR — Nos exercícios de quebra de
queria tomar o sorvete ali mesmo, ao lado das louras. Imedia- repressão, o ator assume sempre um belo e simpático papel:
tamente se montou contra ela todo o sistema repressivo, in- € a vítima da violência e não o causador dela. Por isso é neces-
cluindo os seus próprios parentes: o pai dizia-lhe: “porque sério que o mesmo exercício seja feito, nas suas restantes fases,
queres tomar o sorvete aqui e não conosco, que te estimamos, mas pedindo-se ao ator que recorde um momento da sua vida

106 107

o
em que atuou não como reprimido mas como repressor: na quadrando os problemas individuais dentro da érea mais am-
terceira fase ele não se verá como o seu algoz mas sim como pla da vida social, politica e econdmica.
a sua vitima.
EXEMPLO DE IMPROVISAGAO (em mimica ou falada)
VIII — EXERCICIOS GERAIS SEM TEXTO
Roteiro para improvisagdo: O macaco mal educado. Este
1. IMPROVISAGAO — É o exercício convencional que consis- roteiro baseia-se numa histéria que realmente aconteceu em
te em improvisar uma cena a partir de alguns elementos ini- certo pais. Existe documento a tal respeito.
ciais. Os atores que participam devem aceitar como verda-
deiros os dados oferecidos pelos outros durante a improvisação. 1. Um militar, oficial superior, passeia com a sua digna
Deve-se procurar completar a improvisação com novos dados esposa, os filhos e a fiel criada. É domingo, tarde de sol. De-
que os companheiros vão inventando. Em nenhum momento se cidem visitar o jardim zoolégico.
pode rejeitar como verdade concreta a imaginação dos compa-
nheiros. 2. Passeiam diante das jaulas e as suas atitudes e rostos
Para evitar que a improvisação caia numa “lagoa emocio- devem denunciar o animal que estdo contemplando: elefante,
‘nal” e para que seja sempre dinâmica, é necessário que os ledo, crocodilo, zebra, passarinhos, peixes, rinocerontes, came-
lo, etc. Y
atores ponham em funcionamento o seu “motor”, quer dizer,
uma vontade dominante que é o resultado de uma luta entre, 3. Divertem-se muito diante da jaula dos macacos. De
pelo menos, uma vontade e uma contravontade, a qual deter- a tragédia: um macaco muito desavergonhado mas-
repente,
mina um conflito interno, subjetivo; é necessdrio que essa do- turba-se diante da digna senhora, dos dignos filhos e da fiel
minante se choque com as dominantes dos demais participan- criada do oficial graduado. Panico moral. Indeciséo. Vergonha.
tes, de modo a formar um conflito externo, objetivo; finalmen- Que fazer?
te, é necessario que esse sistema conflituoso se mova quantita-
tivamente e qualitativamente. Não basta que uma personagem 4. O oficial graduado puxa do revélver e honradamente
odeie sempre e cada vez mais; além disso, deve transmutar esse dispara contra o macaco, que morre imediatamente. Indigna-
6dio em culpa, ou em amor, ou seja no que for. A variação ção de alguns, aplausos de outros. A digna senhora desmaia
puramente quantitativa é muito menos teatral do que a que vem lentamente, dando tempo aos outros para a socorrerem.
acompanhada por uma verdadeira variação qualitativa.
5. Vem o diretor do jardim zoolégico, alertado pelo tiro.
Também é necessario distinguir sempre a vontade (que
pode ser o resultado de uma psicologia caprichosa) da neces- Vé-se forcado a inculpar o oficial graduado pela morte do ma-
caco masturbador. Um policial toma nota da identidade do ofi-
sidade social. As vontades sobre que interessa trabalhar sdo,
cial e todos se retiram.
sobretudo, as que exprimem, no campo da psicologia indivi-
dual, alguma necessidade social. A vontade é a necessidade.
6. No tribunal — O fiscal defende o macaco e o seu di-
Além disso também interessam as vontades contra as necessi- reito inaliendvel de se reger pelos seus instintos e não por leis
dades: “eu quero mas não devo”. e convengdes humanas.
Os termo$ para as improvisagdes devem ser procurados
(especialmente nos grupos de teatro popular) nos jornais do 7. O advogado de defesa alega que o mat_:aoo‘violou o
dia, a fim de facilitar a discussdo ideol6gica e politica, en- direito inaliendvel do oficial graduado de se' divertir com à

108 109
família, numa tarde de domingo cheia de sol. Segundo a de- 3. INTERROGATÓRIO — Vai um ator para a “berlinda” e todo
fesa, 0 macacn não possuia a minima educação necessária para o elenco o interroga sobre a sua personagem, sobre o que pen-
pertencer ao jardim zoológico de uma cidade civilizada como sa das outras personagens e sobre as circunstâncias da obra.
a nossa, de tão arraigadas tradições cristãs. Fala dos grandes Realiza-se o exercício como se se tratasse de um julgamento
próceres históricos do país, dos seus cientistas e letrados, da da personagem (com a imaginação e as emoções).
Academia das Letras, etc., e até de alguns animais exemplares,
em especial os importados, que dão mostras de educação avan- 4. HISTÓRIA CONTADA POR MuITOS ATORES — Um ator co-
meça uma história que é continuada por um segundo ator,
çada: o flamingo, as araras, etc.
seguindo-se um terceiro, até que todo o elenco tenha contado
essa história, cada qual um pedaço. A par disso, outro grupo
8. O juiz decide absolver o oficial graduado, por entre
de atores pode fazer a mímica da história que está sendo con-
os vivas dos presentes; além disso sentencia uma pesada pena
para todos os outros macacos da mesma jaula, considerados tada.
cúmplices do macaco assassinado, já que nada fizeram para 5. MUDANÇA DE HISTÓRIA — Uma obra teatral conta uma
impedir imediatamente o nefando crime da masturbação. Fi- história, quer dizer, conta o que acontece; mas a obra con-
cam todos condenados a severíssimas aulas de boas maneiras, tém também em si própria a negação do que acontece, ou
a cargo dos mais enérgicos veterinários. seja, o que não acontece. Para que os atores tenham presentes
todas as possibilidades de coisas que podiam ter acontecido
9,
Sorridentes e felizes, com a consciência tranqiila, saen) mas não aconteceram, convém ensaiar cenas que não aconte-
todos do tribunal: foi feita justiça! ceram: como teria sido o casamento de Hamlet e Ofélia, como
Otelo teria perdoado a Desdémona, como Edipo teria perce-
2. CâMARA Escura — Um ator num local mais ou menos bido que ndo tivera culpa nenhuma e se teria separado amis-
escuro, com um gravador ao lado, senta-se e fecha os olhos. tosamente da sua mae-esposa, como um governo militar teria de-
Outro ator, ou o encenador, começa a dar-lhe ordens, infor- cidido libertar o seu povo do imperialismo, como o povo bra-
mando-o onde se encontra: em tal rua. O ator deve imaginar sileiro teria sido feliz sob a ditadura, etc.
a dita rua e descrevê-la nos seus mínimos detalhes, incluindo A fantasia não tem limites. É sempre bom que o ator
a roupa que tem vestida nesse momento e a cara das pessoas saiba o que poderia ter acontecido; assim interpretard mais
que passam. O encenador ordena então, por exemplo, que ele vigorosamente o que realmente aconteceu.
entre num restaurante (o ator continua a falar e descreve o
empregado, as cadeiras, as pessoas que comem, etc.), que se 6. TROCA DE PAPÉIS — Para que todo o elenco possa contri-
sente e procure roubar a carteira de um gordo que I¢ distraida-
buir para a criagdo de todas as personagens (ainda que ndo se
mente o jornal. Isto é um exercício de imaginação, que tam- utilize o sistema “coringa” e que cada ator interprete uma
bém deve libertar a emoção do ator. Neste caso, o ator, depois só personagem durante toda a obra). Ensaiam-se as cenas com
de comer durante alguns minutos e descrever na perfeição o os atores interpretando personagens diferentes da qual lhes
aroma e o sabor da comida, foi ao banheiro, não conseguiu cabe (cada ator a personagem de um outro). Assim, cada qual
roubar, pagou a conta e desatou a correr pela rua com medo pode dar a sua versdo das demais personagens e estudar as
do ato que não tinha sido cometido. Depois de o exercício versdes que os outros atores lhe dão da sua.
acabar, o ator escuta tudo o que ele próprio disse, ou procura
7. UMA Frase DITA POR MuiTos ATORES — Cada ator pro-
pela segunda vez recriar toda a ação e percorrer novamente
as emoções. nuncia uma palavra de uma lonza frase previamente escolhida,
111
110
o ator cair numa tristeza imdvel, ou alegria, ou seja o
procurando dar-lhe a inflexão que a palavra teria se a frase fazem
fosse dita por uma só pessoa. Para facilitar o trabalho, um que for, mas sem o constante fluir da idéia). E isso serve para
a frase da maneira que estruturar a cena em fungdo da agdo principal, posto que os
ator pode, no princípio, dizer toda
mais lhe agradar, e todos os outros tent:cdo imitá-lo, pronun- pensamentos devem referir-se a essa ação principal que decor-
ciando cada um uma só palavra. re. Além disso, este exercicio serve para o ator preparar O
subtexto.

1X — ENSAIOS DE MOTIVAÇÃO COM TEXTO 2. MOTIVAÇÃO ISOLADA — Muitas vezes torna-se dificil para o
ator manejar a complexidade de uma motivagao, como para
1. COMENTARIOS — O pensamento nunca deixa de fluir: uma um pintor se pode tornar dificil utilizar todas as cores da pa-
pessoa estd sempre a pensar. A comunicacdo do ator com o leta a0 mesmo tempo.
espectador d4-se a dois niveis: onda e sub-onda. Quer dizer, A mctivagdo isolada consisté em ensaiar separadamente
o ser humano é capaz de transmitir, e é capaz de receber muito
as componentes de uma motivacao, pelo menos em trés fases:
mais do que aquilo que é capaz de ter consciéncia de estar
primeiro a vontade, depois a contravontade e finalmente a
transmitindo, e é capaz de receber muito mais do que aquilo
dominante. Por exemplo: Hamlet quer-se matar mas também
que é capaz de ter consciéncia de estar recebendo. Quando quer viver. Ensaia-se primeisa a vontade de se matar (elimi-
duas pessoas se amam, compreendem-no muito antes de o di-
nando qualquer desejo de continuar a viver, isolando comple-
zerem uma à outra; antes de pedir aumento de salario, o ope-
tamente essa componente da motivação), e em seguida en-
Tário já sabe se o patrdo vai condescender ou não: percebe-o de viver (eliminando qualquer desejo
saia-se s6 a componente
através da sub-onda. De igual modo, o ator comunica a nivel
de morrer). Finalmente ensaia-se a dominante, quer dizer, a
do consciente pelas palayras que pronuncia, pelos gestos que
faz, pelos movimentos, etc. Mas também comunica através da mativagdo completa. Isto ajuda o ator a manejar cada compo-
sub-onda, pelos pensamentos que “emite”. Quando aquilo que o nente e a integra-la depois na totalidade. A interpretagdo da
ator pensa está em desacordo com o que diz e faz (quando há de- dominante será tanto mais dialética quanto maior for o do-
sacordo entre onda e sub-onda) produz-se no receptor-especta- minio do ator sobre a vontade e a contravontade.
dor a mesma interferéncia que se produz no radio: o especta-
dor recebe uma informação juntamente com outra contradi- 3. EmocAo PURIFICADA — Acontece com as emogdes o mes-
nunca
téria e nao pode registrar as duas. Se o ator, enquanto repre- mo que com a motivação. Na realidade, as emoções
experime ntar o “ódio puro”, o “amor
senta, pensa em coisas que nada tém u ver com a sua atuação, são puras, nunca se pode
numa
tal pensamento será transmitido ao espectador do mesmo puro”, etc. Mas isto é uma necessidade para o ator
de criação da persona gem. Ensaia-s e uma cena dando a
modo que a sua voz. fase
todos os atores apenas uma emoção básica pura (as duas emo-
. O ensaio de comentério consiste em fazer com que todos ntam
ções principais são o amor e o ódio). Os atores represe
os atores que não falam digam em voz baixa os seus pensa- um ódio violento e terrível
mentos, enquanto o que nesse momento tem a palavra diz o primeiro só com ódio, exprimindo
mesma
texto em voz alta. Assim, todos os atores falarão durante todo em cada frase e em cada gesto. Depois representa-se a
o con-
o tempo, explicando os seus pensamentos e dando uma certa cena só com amor. Escolhem-se para cada cena, segundo
flito específico que apresente, as emoções mais cunveniçnges:
dinfmica à sua atuagdo (porque o pensamento estard sempre medo, ou características
impaciência, nervosismo, desinteresse,
em movimento, em relação direta com o que acontece no palco, a mesquinhez, etc..
evitando-se deste modo as “lagoas de emocdo” estaticas que morais como a coragem, a covardia,
113
112

K
Existe também um tipo de ensaio chamado “a que o pa- fazer uma pausa artificial antes de falar, durante o qual o
riu!” no qual o ator acrescenta esta frase no fim de cada ora- ator pensa (ou diz) um resumo do que o seu interlocutor
ção do texto. acaba de dizer. Inclui assim, na sua ação, as ações dos outros,
evita o isolamento subjetivo e integra-se na estrutura conflitual
4. PAUSA ARTIFICIAL — A repetição das mesmas palavras e geral.
dos mesmos movimentos durante os ensaios e durante as repre-
sentações tende a criar um efeito hipnótico sobre o ator, que 7. INTERROGAÇÃO — É uma variante da pausa artificial, em
o fará sentir e perceber mais fracamente o que diz e faz, e que o ator se interroga sobre o que ouviu e sobre o que vai
por conseqiiéncia transmitir isso mais debilmente. O ensaio de dizer ou fazer, e especula com as diferentes possibilidades.
pausa artificial consiste em ndo permitir que o ator fale ime- Assim, a escolha do ator serd determinadq gela dúvida, por
diatamente, ou faca imediatamente o que tem que fazer, mas um conjunto de possibilidades e opções, eliminando-se o me-
que, pelo contrário, faga uma pausa artificial de 5, 10 ou mais canicismo.
segundos. O ator perde assim o apoio mecanico que o ritmo lhe
dava, perde a seguranga “estrutural” do espeticulo, e a sua 8. NECESSIDADE CONTRA VONTADE — Muitas vezes a “von-
atenção e sensibilidade voltam a despertar. A pausa artificial tade” da personagem não faz mais que exprimir em termos
pode ser preenchida com qualquer tipo de pensamento. individuais uma necessidade social. A necessidade social toma
corpo e individualiza-se numa “psicologia”. A qete}'minapte &
5. PENSAMENTO CONTRARIO — É um exercicio de pausa ar- a função social da personagem e nao a sua_ldxoàSmcrasgar p
tificial, durante o qual o ator pensa em fazer ou dizer exata- papa “quer” que Galileu responda às acusações da,Ifquuslçau
mente o contrério do que fará ou dird. Sabendo o que vai dizer, simplesmente porque é o papa. À guerra de genocldlq contra
o ator tende a não incluir a possibilidade de deixar de o dizer, o heróico povo do Vietname foi conduzida por três pr_eslden:tes:
ou a possibilidade de dizer o contrdrio do que dir4, ou ainda Kennedy, Johnson e Nixon. Três características pslcológlcals,
de incluir dialeticamente o contrério do que diz naquilo que mas uma só função social: presidente do imperialismo andró-
realmente diz. O ator tende a dizer só o que as palavras signi- fobo. A personagem “acredita” na ação que, por “necessida-
ficam, sem incluir as suas conotacdes particulares. No ensaio de”, deve empreender. Mas também se pode dar o caso de a
do pensamento contrdrio (que é também um ensaio da possivel vontade individual entrar em conflito com a necessidade social.
ação contrdria) o ator primeiro pensa e sente exatamente o Neste ensaio o ator procura sentir, compreender e demonstrar
contrdrio do que dird a seguir, assim o seu texto e a sua ação que todas as suas ações são determinadas com antecedêncie_x re-
incluirão todos os matizes possiveis de variantes. Quando Romeu lativamente a tudo o que ele possa ou não ‘“querer”. Ensa.la-sf
diz a Julieta que a ama, deve antes disso sentir a imensa a oposição entre o “querer” e o “dever”, entre o _“eu quero
irritação que lhe provoca o fato de ela não o deixar ir-se em- e o “eu tenho que. . .”. Fá-lo, ainda que não o queira fazer.
bora, pondo assim a sua vida em perigo. Antes de matar Des-
démona, Otelo deve sentir um profundo desejo de fazer amor 9. VELOCIDADE — Ensaio também chamado “de dois toqges“,
com ela. que é um exercicio tipico do futebol brasileiro. _Nenhum joga-
dor pode manter o controle da bola mails que dois toques. Não
}iedvle
6. REPETICAO DA DEIXA — O fato de ouvir muitas vezes outro pode paré-la e, depois de tocá-la no maximo duas vezes,
ator que diz sempre as mesmas palavras resulta também hipno- passé-la a um companheiro. Este ensaio é especxawlme:lte indi-
'stanisla-
tico: j4 não se ouve, já ndo se entende, já ndo se compreende cado para atores como os argentinos, de formação
o que o outro diz. O ensaio de repetição da deixa consiste em através do Actor's Studio: atores que desenvolv em a
wskiana”

114 115
subjetividade em grau extremo e permitem que a subjetividade temente” todas as palavras do seu texto, procurando transmi-
se transforme em realidade, mostrando ao espectador não uma ti-las com o seu conteddo através da sub-onda. É indispensd-
realidade objetiva mas sim a sua visão subjetiva dessa reali- vel uma violenta concentragdo. Deve-se evitar que este ensaio
dade. Este processo transforma o realismo em expressionismo: se transforme num ensaio de “mimica”: não se pode acres-
a realidade é vista através de. alguém. Alguns atores fazem centar nenhum gesto ou movimento para ajudar o companheiro
pausas muito longas para dizer “bom dia”. Estas torrentes de a descobrir em que ponto do didlogo se vai; não se trata de
subjetividade (cada qual tem a sua) impedem a estruturação um jogo, mas de um exercicio de laboratdrio: o ator tem que
das ações, pois cada ator procura impor a sua visão pessoal transmitir efetivamente através da sub-onda.
sobre a realidade. No exercicio de velocidade o ator deve, no Quando os atores fazem bem este exercicio, os resultados
mais curto espago de tempo e com a maior violéncia emocional sdo sensacionais. Houve casos em que foram admitidos especta-
e clareza de idéias possivel, fazer com que a agdo se desen- dores na sala durante um ensaio mudo, realizando-se em se-
role com grande rapidez. guida um debate: os espectadores puderam discutir perfeita-
mente a obra sem sentir a falta do didlogo; tinham visto teatro.
10. AnTEs E DEPOIs — Trata-se de meros ensaios de impro- Em espetdculos concebidos com o sistema “coringa”, o
visacdo sobre o que se teria passado antes da entrada em cena
ensaio mudo é indispensével para evitar que as mdscaras se
de cada ator e aquilo que se iria passar a seguir, a fim de dar
continuidade à ação e fazer com que o ator entre em cena convertam em clichés, sfmbolos ou sinais. O ensaio mudo ajuda
“aquecido”. a “stanislawskianizar” as méscaras.

11. TRANSFERANCIA DE EMOGAO. — É um ensaio bastante me- 13. CAMARA LENTA — O ator tem necessariamente um ponto
cânico e fastidioso, mas que pode dar bons resultados em caso de vista subjetivo quando interpreta uma personagem, e vâ- a
de bloqueios inexplicaveis. Conta-se que um ator transmitia um obra e as outras personagens segundo esse ponto de vista subje-
medo terrivel da morte quando encostava o revélver à cabega tivo. Por isso convém que os primeiros ensaios se fagam sem
e ficava na dúvida se se havia de matar ou nio. A “meméria que os atores saibam que papéis vao representar. Fm contra-
emotiva” especial desse ator consistia em pensar como era ter- partida, o encenador, tem que ver a obra e o espetdculo na to-
rivel tomar um banho de chuveiro frio no inverno. O ator fa- talidade, na sua objetividade. Este conflito entre a subjetiwdadp
zia uma original transferéncia de emogdo que vencia o blo- do ator e a necessaria objetividade do encenador sacrifica mui-
queio da sua incapacidade de sentir a morte iminente. Uma tas vezes a possivel riqueza criadora do ator. Uma cena pode
outra atriz jamais sentira um orgasmo e, para conseguir sentir precisar de uma determinada “velocidade” que impede o len-
toda a felicidade e repouso da sua personagem após uma bela to desenvolvimento de uma personagem. O ensaio de camara
noite, recorria, com a ajuda da sua memoéria emotiva, a um lenta resolve este problema e dá ao ator todo o tempo de que
dia de sol nas praias de Itapoa, Bahia, tomando um sorvete carece para desenvolver todas as agdes, transicoes e movi-
de coco. Estas transferéncias de emoção ndo são desonestas
mentos que sinta vontade de realizar, e depois de os desenvz_)l—
ver será mais fácil condensd-los. Este exercicio deve ser feito
pois ajudam o ator a sentir e a mostrar uma emogdo a par-
tir de outra: a água fria no inverno tem algo de mortal, alternadamente com o de velocidade.
assim como um sorvete nas praias quentes de Itapoa tem algo
| de orgásmico. ( pro-
14, SENSORIAL — Variante do de câmara lenta. O ator
os estimul os exterior es, entrand o
12. Mupo — Este é o ensaio da sub-onda por exceléncia. O cura abrir os sentidos a todos
l, sensual e até sexual com o mundo exte-
ator tem de respeitar toda a marcação e ritmo, e pensar “for- em relagdo sensoria
117
116
rior. Há gente que até o amor faz mecanicamente, de forma que não é dito e os movimentos que não são feitos. Pqt issP
não-sensual. Pelo contrário o ator até uma fórmula matemática este exercício representa um perigo para oOs atores de imagi-
deve enunciar de forma sensual, isto é, “esteticamente”. nação demasiado fértil, capazes de fantasmrel_n a atuação dlos
invisiveis ao ponto de projetarem sobre e1e§ imagens que eles
15. ME1A-Voz — O esforço físico necessário para emitir a voz, préprios criam, passando a representar com imagens e nao com
para fazer um movimento, para ampliar uma expressão de realidades. Estes atores devem compreender que “teatralidade
maneira a chegar a um grande auditório (por exemplo quando é interagdo.
se representa ao ar livre para milhares de espectadores, por
entre os quais circulam cães e outros animais), pode freqiien- 19. EXAGERO — ‘Os atores exageram todas as emogdes, mo-
ul-
temente fazer com que o ator perca a riqueza de pensamento vimentos, conflitos, etc., sempre d~emr0 do rumo certq mas
ou emoção de determinada trapassando o limite aceitdvel . Não se trata de substlct‘u !r uma
cena. O ensaio a meia-voz é útil
para revitalizar essas cenas, permitindo que toda a energia do coisa por outra, mas apenas de exagerar: quando se o eladexa-
ator se concentre no essencial e não na potência gera-se o 6dio, quando se ama exagera-se o amor, quando se
da voz: faz
com que o ator se ouça a si próprio e se perceba. grita exagera-se o grito, etc. Para 'encomrar a focagem cou'et:ê
do microscépio, o cientista não vai focando pouco a pouco at
16. CIRCUNSTANCIAS OPOSTAS — Serve para romper com toda chegar ao ponto necessério, mas \fltta;{assa—o e depois, ctãm
a estruturação determinada pelo conhecimento antecipado do maior seguranga, volta atrés até enconua-lo..Também a medi-
ator daquilo que vai dizer, ouvir ou fazer. O ator habitua-se da correta da representação se encontra depois de a haver exa-
a andar passivamente em cena sem sequer perceber o que se gerado e não antes.
passa. Para evitar isto, obriga-se o ator a representar a cena
em circunstâncias opostas àquelas em que normalmente a re-
presenta. Por exemplo: uma cena de grande violência deve ser
representada com muita suavidade; o ator deve transmitir o
mesmo conteúdo sem usar as mesmas palavras; ou se altera to-
talmente a marcação; ou se representa uma cena naturalista,
cheia de objetos, apenas com palayras, sem objetos; ou se re-
presenta um texto de Lope de maneira naturalista, ou vice-ver-
sa. As circunstâncias opostas podem referir-se ao cenário, ao
texto, às motivações ou a qualquer outro elemento.

17. MUDANÇA DE' GÊNERO — Variante do anterior, em que se


determina uma variação do “gênero” do espetáculo: circo, ca-
ricatura Jos teatros “oficiais”, naturalismo, teleteatro melodra- u:
mético, farsa, etc. 20. ENsalo LIVRE — Permite-se 20 ator fazer tudo o queds1f
vontade de fazer, de alterar os movu_nenms, o texto, tu o'ue
18. PERSONAGEM INVISÍVEL — Representa-se uma cena evi- sua única limitação é a seguranga ffsica dos Ol.ltl'ºs, para qnc
denciando um ou mais atores, para obrigar os outros a eviden- possam por sua vez criar sem med?..Este ensaio l;zsma—:enãº
n;a e
ciá-los e a ouvi-los. Estranhamente, muitos atores conseguem fato de grande parte da criagdo artistica ser racional,
r_ado, .um' ator quc;e :smbele-
uma percepção mais nítida dos companheiros quando não os toda, Sempre aparece algo inespe
vêem. Deste modo os atores são forçados a imaginar o diálogo levar por sensações de momento, irracionais, nao p :

118 119
cidas. Podem-se conseguir muitos matizes
23. TROCA DE PERSONAGENS — Para um melhor conhecimen-
com este ensaio li-
bertador. Quando o ator se torna inseguro sobre o que farão to de todas as personagens, faz-se um ensaio trocando os atores
os outros, isto incita-o a criar e a observar. e as suas personagens (especialmente dentro de uma mesma
Este ensaio pode
ser perigoso se for praticado relação: marido-mulher, pai-filho, patrão-operário, etc.). Os
antes de estarem definidas as
coordenadas básicas e racionais, fundamento atores não têm que decorar o texto dos outros, só têm que dar
da idéia do es-
petáculo. a idéia geral, o conteúdo do papel.

21. RECONHECIMENTO — Consiste em o ator realizar todas as 24. RITMO DE CENAs — Num ensaio com o texto verdadeiro,
ações e dizer todos os textos, não os atores inventam um ritmo que lhes pareça conveniente para
no presente, aqui e agora,
mas prevendo o que fará no futuro. Como se estivesse pensando cada cena, e começam a representar dentro desse ritmo. O
sempre: “direi isto, farei isto, mas ndo agora”. Reconhecem-se ritmo deve mudar quando munda o conteúdo da cena. Não se
primeiro os caminhos que se V3o percorrer, mas sem os viver, trata de cantar o texto, mas de dizê-lo ritmicamente. Este exer-
simplesmente reconhecendo-os. cício facilita a integração do elenco e a estruturação objetiva
das “subje
22. CaRICATURA — Pode conseguir-se de duas maneiras: ou
o préprio ator ridiculariza a sua int rpretagdo, ou fi-lo um 25. RELIGIOSO — Uma cena é representada como se fosse uma
companheiro. Bergson diz que uma pessoa se ri do seu préprio missa, com profunda religiosidade; cada detalhe adquire enor-
~atomatismo e da sua propria rigidez. Quando se faz a cari- me importância, torna-se magnífico. É a perfeita antítese do
catura de alguém, o que provoca o riso é o que há de surpre- ensaio “deixa andar”.
endente no comportamento automatizado co caricaturado. Se
0 ator puder ver, através da caricatura, o que é que está auto- 26. ANALOGIA — Para desenvolver mais livremente a imagi-
matizado na sua própria interpretação, facilmente poderá al- nação, os atores decidem improvisar uma “analogia” da cena
terar e revitalizar o seu trabalho. que devem ensaiar. Por exemplo, se se trata de ensaiar uma
cena sobre a repressdo fascista da policia, nada melhor do
que fazer uma improvisagdo “analégica” com a repressdo nazi
sobre os judeus na Alemanha hitleriana, ou com a policia de
Wallace contra os negros do Alabama.

X — SEQUENCIA E ENSAIOS “PIQUE-PIQUE”

Estes ensaios servem principalmente para desenvolver a ra-


pidez dos atores, a sua capacidade de mudanca brusca de emo-
ção ou de personagem, dando-lhe uma maior flexibilidade fi-
sica, mental e emocional, maior concentragdo e atencao. Quan-
to mais dificeis são as condições para o trabalho do ator, mais
rico se torna o seu desenvolvimento. Estes ensaios são abso-
lutamente necessários para os espetdculos que utilizem o sis-
tema “coringa”.
121
nas quais esteja necessariamente um ator designado para a
1. PIQUE-PIQUE SIMPLES — Todos os atores contra a parede.
O encenador ou um ator diz uma frase qualquer do texto e “berlinda”. Serve para concentrar a eficdcia do exercicio sobre
indica uma maneira de representar a cena: a caricatura, com determinado ator que tenha qualquer dificuldade especial.
ódio, com amor, com exagero, etc. Imediatamente todos os
4. PIQUE-PIQUE Taca-TACA PING-PONG — É uma variante
atores que participam na cena que inclui aquela frase correm
e colocam-se nas posições que ocupam quando essa frase é que aumenta a dificuldade. Nos exercicios anteriores, os atores
dita; iniciam a ação a partir dessa frase, com a motivação so- passam de uma cena para a seguinte sem regressarem as ante-
riores. Na variante pingue-pongue, se o ator ndo tiver texto na
licitada. Ao fim de alguns minutos, um segundo ator diz outra
cena principal (a dltima) deve fazer pingue-pongue para uma
frase e outra motivação. Imediatamente se interrompe a ação
da cena que se estava representando e começa-se, sem perda das cenas em que a personagem que encarna tt?nha texto ou uma
de tempo, a segunda cena requerida, colocando-se logo os ato- ação física importante a realizar. Este exercício é um constante
Tes nas posições que ocupam quando essa segunda frase é dita; pingue-pongue de atores através das cenas. Cada ator, ao'saltfu'
de uma cena para a outra, deve iniciar bruscamente a motivação
e sempre desta forma com várias frases e motivações.
solicitada: amor, ódio, etc. O ator tem assim a possibilidade de
2. PIQUE-PIQUE TACA-TACA — Exatamente igual ao anterior, experimentar cinco cenas e cinco maneiras de fazi-las. Estes
com a diferença que os atores que entram na primeira cena, saltos devem ter a velocidade de uma bola de pingue-pongue.
A fim de obrigar a aumentar a concentração, este exerci-
mas não na segunda, continuam interpretando a primeira, ao
cio pode ser complementado com uma música que nada tenha
mesmo tempo e no mesmo lugar em que se interpreta a se-
gunda. Como podeeacontecer que alguns atores da primeira
a ver com as cenas.
cena tenham tido que ir fazer a segunda, os que se mantêm
na primeira também fazem o exercício da personagem invisível.
Ao fim de alguns minutos, um terceiro ator pronuncia uma ter-
ceira frase e uma terceira motivação: todos os atores que estão
em cena começam imediatamente, a partir dessa frase, a re-
presentar da maneira requerida pelo terceiro ator. Os atores
que estão na primeira ou na segunda cena, mas não na terceira,
continuam nas suas respectivas cenas, com personagens invi-
siveis se necessário. Deste modo estarão sendo interpretadas
três cenas simultâneas, de três maneiras diferentes. O número
máximo é de cinco cenas sobrepostas. Quando uma cena aca-
ba, os atores prosseguem com a cena seguinte. Quando for o
caso da última cena da obra, recomecam a primeira. Uma vez
iniciada uma cena, ndo podem passar a outra cena todos os
atores: deve ficar pelo menos um em cada cena (sendo todos
os outros personagens invisiveis), de modo que no fim haverá
cinco cenas simultineas, cada uma com pelo menos um ator.

3. PIQUE-PIQUE TACA-TACA NA BERLINDA — É uma variante


na qual todas as frases pronunciadas devem pertencer a cenas
223
122
tanto havia que aprender e cr
a solução óbvia era aprender ci
do — ou criar aprendendo. E essa —
constante criação/aprendizado pas-
sou a ser a tônica do trabalho de
Augusto Boal, e é a que extravasa
dos livros por ele publicados.
200 EXERCÍCIOS E JOGOS PA-
RA O ATOR E O NÃO-ATOR COM
VONTADE DE DIZER ALGO ATRA-
VÉS DO TEATRO é o terceiro livro
de uma série que começa com Tea-
tro do Oprimido (também publica-
do pela CIVILIZAÇÃO BRASILEI-
RA), onde já se define a idéia de
transformar o espectador em ser
ativo, em protagonista do fenôme-
no teatral. Segue-se Técnicas latino-
americanas de teatro popular, onde
são demonstradas e debatidas as for-
mas pelas quais o povo passa a uti-
lizar o teatro em proveito préprio.
Finalmente, este livro completa o
ciclo, sistematizando todos os exer-
cicios utilizados pelo Teatro de Are-
na entre 1956 e 1971, oferecendo
métodos de importdncia inestimé-
vel para o ator profissional, mas
que, fundamentalmente, servem ao
homem comum como meio de de-
sentorpecer o corpo e a mente dos
condicionamentos impostos pela vi-
da atual. Para que o teatro volte a
ser um bem comum a todos, prati-
cavel por quem quer que deseje de
alguma forma exercé-lo, mesmo que
néo-profissionalmente, mas como
f 2 Impresso em off-set por forma de expressdo coletiva dos
| i EDITORA SANTUARIO
it E Rua Pe. Claro Monteiro, 342 mais legitimos anseios de expressão
1 Aparecida - São Paulo e libertação. 3
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com filmes fornecidos pelo editor.
EpITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
200 EXERCÍCIOS E/JOGOS PARA O
ATOR E O NÃO-ATOR COM VON-
TADE DE DIZER ALGO ATRAVÉS
DO TEATRO

& —
é o novo livro de uma série que comeca com
Teatro do Oprimido, ja publicado por esta Editora.

AUGUSTO BOAL - -

— um dos nomes mais importantes do teatro atual,


dentro e fora do Brasil — sistematiza aqui todos
os exercícios utilizados pelo Teatro de Arena de
São Paulo entre 1956 e 1971, oferecendo exercícios
práticos da maior importância, não só para o ator
profissional, mas também para o homem comum,
como meio de desentorpecer o corpo e a mente é
dos condicionamentos da vida atual e de ter acesso
a essa elevada forma de expressão coletiva que é
o Teatro.

Mais um lançamento de categoria da


CIVILIZAGAO BRASILEIRA

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