Você está na página 1de 4

Júlia Milaré

Pós Graduação – Práticas Artísticas Contemporâneas


ensaio final ESTUDOS CRÍTICOS |Ana Paula Cohen|

|FRAGMENTOS ARQUEOLÓGICOS|

Pequenos fragmentos formam este ensaio. Uns vislumbram a saída do papel. Outros
permanecerão como texto e ressoarão por algum tempo. Alguns serão esquecidos.

FÓSSIL

Sobre fósseis, de acordo com estudos arqueológicos, não sei dizer muito. Me instiga a
possibilidade daquelas imagens/objetos já terem de fato existido como algo vivo. Mais ainda, me
instiga a forma como estas descobertas são representadas através de estudos que deduzem o
volume, a cor e as vezes até o movimento daquele fóssil. O tempo é mais um dado que move a
curiosidade sobre a influência do fóssil. São tempos que não atravessam o nosso corpo, são
tempos criados dentro de uma ideia do tempo, mas que, só é possível ter a ideia dele a partir dos
indícios da natureza. Fico confusa pensando se há verdade sobre o fóssil. Se não somos nós, os
seres humanos, reprodutores de teorias, nomes e classificações que atropelam um saber não
raciocrático através de carbonos 14. Já, penso os artistas (sem querer dar nome há uma classe e
nem desconsiderando o fato de pertencerem ao grupo dos seres humanos) pessoas que deslocam
este tempo, estas certezas, e remontam os fósseis sem a carga linear da história, do existente,
lidando com o que paira em torno do objeto fóssil.

Sobre fósseis, de acordo com estudos arqueológicos, sei dizer tudo. Me instiga a possibilidade
destas memórias terem de fato um acúmulo de possibilidades. Mais ainda, me instiga a forma
como são pensados através de suas formas, estruturas e analogias com o palpável. O tempo não
importa. O tempo atravessa o nosso corpo, porque tempo é natureza. Fico pensando sobre o fóssil.
Somos nós, os seres humanos, a memória viva do fóssil? São os artistas, os humanos que
representam essas memórias em novos fósseis?
ECO

Eco é onde acontece o dégradé das cores do arco íris. A passagem de uma pra outra na
propagação da luz. Posso também pensar em eco vendo a pintura de Rothko.

O eco é a reflexão de algo. Ali, a fonte de tudo, emite seus ecos e ao gritar, explodir, se propaga
de diversas formas, transformando-se a cada passo, a cada ouvido.

Então, penso nas baleias e sua ecolocalização, a capacidade sensível de detectar a posição e a
distância dos objetos (ou obstáculos) e animais do meio através de emissões ultrassônicas no ar
ou na água, e análise/cronometragem do tempo gasto para essas ondas serem emitidas, refletiram
no algo e voltarem à fonte sobre a forma de eco. Então, inevitavelmente, as redes Wi-Fi me fazem
pensar o quanto a natureza é sofisticada, e quanto o ser humano não é a caverna da natureza
(fonte), por onde as ondas passam e ganham outras dimensões, mas, assim como as baleias,
estes sons retornam para fonte com as mais diversas respostas desta reflexão.

Volto para a luz. Genuinamente aqui escrevo, sem nenhum fim científico, apenas concatenando o
que passa por mim. A ideia da velocidade da luz, também me ocorre como eco. Se, as estrelas
que enxergamos estão há tempos passados de nós, posso pensar neste eco comparado a
reprodução de imagens, e agora digo especificamente do lugar da arte e sua história. As imagens
da arte são como fósseis e como a luz.

MEMÓRIA FAST FOOD

Backup. Palavra do cotidiano significando armazenamento dos arquivos gerados evitando sua
possível perda caso haja algum “tilt” no funcionamento das máquinas, dentre eles documentos,
imagens, áudios, etc. Me incomoda perceber este acúmulo necessário e diário, ao mesmo tempo
me fascina pensar que poderemos recordar de detalhes das nossas memórias através desta
tecnologia. Afinal, a ideia de ter tudo guardado nos faz perder a sensação deste e daquela outra
memória? A certeza de ter tudo disponível e armazenado não destrói a nossa própria capacidade
de armazenar?

Nossa memória certamente passou por transformações com o advento das novas tecnologias de
informação e comunicação. Talvez seja cada vez mais comum que o espaço virtual esteja repleto
de informações e nosso cérebro seja poupado de guardar memórias. Isso não é bom, ou ruim,
apenas uma nova maneira de lidar com isso. O homem sempre guardou memórias externas ao
seu cérebro, seja em livros, objetos, paredes, fotos, e por aí vai. O que me incomoda talvez, seja
o fato da memória tornar-se impalpável.

O sabor de um alimento fast food, a experiência do momento de comer um hambúrguer em dez


minutos numa praça de alimentação com muita gente, muito barulho, muita informação, será
diferente do sabor e experiência do alimento preparado em casa e servido para a família na mesa,
ou de um restaurante italiano à luz de velas. A memória ao alimento.

O que talvez esteja tentando pensar é onde essa nova memória rápida “pega” de fato no nosso
corpo cheio de fluidos e sensações. Claro, não é toda memória que tem esse poder, mas talvez
aqui persista um medo de que logo “o alimento não tenha mais sabor nenhum” e tudo bem.

Penso na carne, no que é vital. então a expressão “pegar pelo estômago” é cara a esta reflexão.

“Pegar pelo estômago” é uma expressão comum utilizada normalmente no sentido de algo que te
toma através do estômago, normalmente um alimento muito saboroso, inesquecível. No entanto,
a expressão “pegar pelo estômago” também pode ser tomada por um incômodo, náusea,
desconforto, botar para fora, ou um sentimento próximo ao que se refere o desejo e prazer de
comer aquilo, salivar.

Memória: eco do tempo. Acumula através dos receptores dos sentidos do corpo. É armazenada
por um movimento presente. Quando acionada projeta seu arquivo transmutado.

SOUVENIR

A saudade é o souvenir desmaterializado. O souvenir é a matéria da saudade.

Quando se tem saudade, se sente falta de algo, ou alguém. Souvenir é lembrança, mais
especificamente uma lembrança de viagem.

O objeto de lembrança pode ativar a saudade ou amenizá-la. Aquele camafeu com a foto de seu
pai e sua mãe já foi a saudade de sua mãe ao ver seu pai partir para outro país. Agora, ele é a
lembrança que te traz saudade dos dois.

Comprei um imã de geladeira das pirâmides do Egito para, de alguma forma, guardar a lembrança
daquele lugar. É verdade que toda vez que olho para ele na geladeira da minha casa sinto
saudades de lá. Esta saudade repara minhas memórias do lugar, os cheiros, as sensações de
estar num país totalmente diferente, e esta memória é como um souvenir interno.
COR DE BURRO QUANDO FOGE

Curioso é saber que a expressão “cor de burro quando foge” está, na verdade, errada. A expressão
correta é “corro de burro quando foge”, pois o animal enraivecido e solto causa problemas para
quem está em volta. No entanto, a expressão tomou outra forma e permanece, com outro
significado, até hoje. O importante é que existe realmente o sentido que parece não fazer sentido,
mas usa-se mesmo assim.

Penso em produzir a “cor de burro quando foge”. Teoricamente é uma cor indefinida, daquelas
que não conseguimos nomear. Popularmente é uma cor cinza-amarronzada, nem cá, nem lá. Mas
no âmago desta expressão, há produção de imagem: a de um burro fugindo, do vazio que fica
depois que ele some do espaço.

Como produzir “cor de burro quando foge”?

Amarre o burro em uma corda frouxa. Aguarde.

MÚSICA CHICLETE

É como uma gravura. Saiu da sua matriz, entrou pelo meu ouvido e se repete em minha mente.

Mora em minha memória há dias e atrapalha a vizinhança de pensamentos. Agora ela toca, mas
me deixa escrever. Nunca pensei nas palavras da música, seu sentido foi totalmente apagado pela
melodia insistente.

Minhoca de ouvido, anda por aqui se contorcendo. Parece que só cresce e se enrola com tudo
que há aqui dentro. Coceira cerebral.

Ad infinitum, sem limite, sem cessar. Memória forçada.

Você também pode gostar