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CONSTRUINDO UMA POÉTICA EM PIXELADAS

Memorial de processos artísticos baseado nos estudos do componente Ação Artística I


Lucas Brasil Vaz Amorim
25 de maio de 2021

O ano de 2021 está sendo um processo de continuidade à desconstrução


radical de velhos hábitos que fomos obrigadas/os a tomar desde 2020, em
decorrência da pandemia do SARS COVID-19. Diante de um cenário
sanitário-político caótico, seguimos um dia após o outro, assim como
seguimos as aulas da Universidade Federal da Bahia, no nosso caso, no
Bacharelado Interdisciplinar em Artes. Não poderia começar de modo
diferente, se não realçando a persistência de permanecermos aqui, onde
estamos.

E assim está sendo, nos comunicando através de telas de computadores,


smartphones, tablets… são tantos os suportes digitais. Com isso, o contato
vai se fragmentando em outras coisas fora do abraço, café no pátio, cigarro
antes da aula, conversas no corredor, “nem te conto!”, “ainda bem que você
chegou!”, “hoje não vou poder ficar…”. Agora, são olhos que miram de
maneira estafante para frente, como se o ângulo fosse o mesmo e a
hiper-realidade vai tomando as rédeas da coisa toda. Assim, já não é mais o
sol de 13 horas da tarde que me queima ao correr pela orla em cima da
bicicleta para não chegar atrasado na aula, e sim a blue light e seu beijo
radioativo na minha face.

A partir das experiências no componente Ação Artística I, orientado pela


professora Marise Berta, pude emergir da tela artificial do notebook para a
vida-pesquisa-processo em artes. Dado isso, as provocações que se seguiram
nas aulas foram aguçando a vontade de experimentar na minha pesquisa em
artes determinados pensamentos localizados no aqui e agora, em meio a
atmosfera desse espaço-tempo tão denso. Para isso, foi fundamental
abandonar velhos medos e noções muito fechadas para que pudesse me abrir
enquanto aprendiz e artista-pesquisador.

Neste sentido, nada melhor do que partir do meu primeiro suporte: eu


mesmo - como essa substância encorpada e incorporada, retalhada, cheia de
camadas e de gestos inacabados, como todo corpo é. Tanto que, de maneira
muito interessante, a primeira provocação lançada no curso foi, justamente,
levar uma autorepresentação livre de si mesmo. Daqui começo as pixeladas,
ressaltando que não há uma ordem cronológica de apresentação dos
trabalhos desenvolvidos (e em desenvolvimento) aqui apontados.
A bixa e o ronco do bicho solitário como autoretrato

“Se a boca é o portal que tudo come e tudo passa, o ponto fraco do bicho é
se perder na língua encruzilhastica, que não precisa de dualidades
perversas tão afeitas a ele. O veneno pra morte do bicho estaria em outras
bocas? Talvez me engane. Cada um carrega a boca do mundo, e ela come
sem miséria.”
24.11.2018

Como autoretrato, a resposta foi um texto que fiz em 2018. Naquele


momento, me parecia que nada do que fosse levar como representação
poderia dar conta do meu estado atual. Eu estava em crise com o espelho e
isso me causou um embaraço que não me senti disposto a produzir nada. A
saída foi re-visitar meus processos para poder me reconhecer de novo, já que
o espelho estava tão embaçado.

Eu ainda não sabia, mas era o bicho querendo me corroer novamente. Logo,
não tive coragem de abrir a boca, pois ele podia saltar para fora. O momento
era de náusea, mas é dela que vem o rebuliço. Daí, deu nisso: reencontrando o
bicho para entender a bixa. O bicho vaza do corpo e retorna, porque a bixa é
bicho e tudo mais que for de ser. A bixa está sendo. O processo
começa-termina-começa[...] daqui.

“Pra ontem, quero botar o bicho pra ver bixa.”


“Autoretrato”, 2020.
Distorção em movimento: exercitar o centro

Creio que de todos os conceitos que me auxiliaram a construir os meus


processos, os de “distorção” e “movimento” se justapõem aos outros, pois
sempre me atraiu o deslocamento de sentido, os ruídos, os rabiscos e
estéticas descomprometidas com a ideia de perfeição. Estas são duas noções
que fazem pensar nas rupturas com a linearidade e que traçam linhas tortas
para que façamos escrituras (in)certas.

Pela distorção, caminhei sem perceber. Fui optando por exagerar as formas,
extrapolar as cores nas obras, representar de cabeça para baixo. Fui abusando
das duplas exposições, dos reverbs, dos glitch e ruídos, algo que parece estar
muito próximo do campo de interesse que fui me situando no processo, a
videoarte.

Por movimento, entendi que é esta palavra polissêmica repleta do “fazer


sentido”. Seja na arte clássica, moderna ou contemporânea, o artista parece
gostar mais das curvas da estrada do que do próprio destino em si. É difícil
compreender isso com os olhos do nosso tempo quando olhamos para trás.
Contudo, na arte e na vida, nada se abandona, mas sim se recria, pois o corpo
quando faz a curva coloca um pé para trás, outro para frente e mantém a
coluna no meio a todo custo.

Tenho encontrado esse equilíbrio no rabisco e na distorção como fuga de um


realismo que decepa nossa capacidade de imagear.
Frames do vídeo Exercitando o Centro (2021).
Frame do gif Ameaça (2021).
Leve me leve, me lave e leva tudo o que sufoca

Falar de leveza num momento como esse é agir em fuga. Quando o mundo
está sem ar, o que nos faz flutuar é sempre vindo. Perante aos conflitos
subjetivos e objetivos que me perpassaram, trocar com as minhas colegas
sobre nossas potências micropolíticas foi essencial para arrematar essas
costuras afetivas e compreender que, apesar do sufoco, o ar nos encontra.

O ar me remete prontamente à Iansã, orixá dos ventos, deusa


borboleta-búfalo, a força da delicadeza. Esta deidade é responsável pela
condução dos espíritos ao plano espiritual, transitando entre mundos e
sendo íntima da morte. Astuta, ela soube roubar segredos que lhe trouxeram
vantagens na hora de guerrear nos contraritmos de sua jornada arquetípica.
Por isso, Oyá representa o movimento que não cessa e a renovação. Iansã é os
“novos ares”.

Apesar de, em alguns momentos, insistir no caminho da denúncia na


produção das minhas obras, entendi que é possível elaborar narrativas de
forma menos literal, a partir da fabulação, construindo por meio da leveza
tanto um processo quanto um produto final que, por vezes, soa mais
impactante do que algo mais direto ao ponto. Fui com o vento e assumi as
contradições.

Todavia, não só o elemento vento nos remete à leveza perspicaz, uma vez que
a fluidez das águas e a dança do fogo orientam os nossos sentidos por vias
flutuantes e por vezes inexploradas, tendo filosofias e psicologias que se
debruçam sobre o poder destes elementos.
Frame do videopoema Leve! (2021).
Frame do vídeo Pluriverso (2021).
Frame dos gifs Experimentos com a luz I; Experimentos com a luz II (2021).
Pixeladas finais

O processo de desenvolver minha poética durante o componente abriu um


leque de possibilidades e me foi possível ir para muitos lugares. Uma dessas
reflexões foi, a partir da videoarte, pensar não só nas obras que são feitas
nesse contexto de materialidade virtual, sobretudo no momento presente, o
qual vivemos imersas/os nas virtualidades. Dessa forma, comecei a pensar
nos pixels como essa unidade de medida presente neste nosso tempo
saturado de imagens.

Produzir intervenções em imagens não mais é um fazer exclusivo de artistas


(se algum dia assim o foi). Atualmente, as redes sociais se alimentam cada
vez mais de filtros que oferecem opções de manipulações para os seus
usuários, modificando rostos como a prática de deep face, os filtros do
instagram etc.

Portanto, decidi brincar com imagens de arquivo ou produzidas


exclusivamente para os vídeos que foram feitos de maneira que atingisse
modulações mais próximas do que vinha absorvendo durante o semestre, de
leituras a impressões do cotidiano. A ideia era não se comprometer tanto com
a estética do real e aproveitar os códigos binários para direcionar um
processo de vazão de ideias do momento-agora.

O editor de vídeo foi a plataforma que mais utilizei. Logo, ter contato com
discussões sobre a montagem nas artes só corroborou os meus processos na
videoarte. Apesar de ter realizado montagens mais intuitivas, ter contato
com a discussão possibilitou pensar em novos arranjos linguísticos e na
produção de sentido a partir desse conceito amplo, que passa do cinema às
artes plásticas.
Este memorial foi realizado
para a componente HACA04 -
Ação Artística I, ministrado
pela prof. Marise Berta.

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