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SOUVENIR

Vol. 1

Júlia Milaré
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS

SOUVENIR

Júlia Milaré

São Paulo
2016
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS
PÓS – GRADUAÇÃO LATO SENSU EM PRÁTICAS ARTÍSTICAS CONTEMPORÂNEAS

SOUVENIR

Ensaio apresentado à disciplina Metodologia Científica do curso de


Pós-graduação Lato Sensu em Práticas Artísticas Contemporâneas.

Júlia Milaré

São Paulo
2016
AMENTA
EMENTA

REFERÊNCIAS
EMENTA

“Souvenir” é um ensaio composto por 33 imagens cujas origens se dão na relação da memória humana e da memória virtual, sendo essas imagens retiradas da internet através do site de busca
Google, operação realizada por mim. O ensaio de imagens está acompanhado deste texto, podendo o todo ser considerado como um ensaio, sendo assim, denomino a primeira parte (ensaio de
imagens) com o subtítulo Amenta, e a segunda parte (este texto) como Ementa.
Uma obra intimamente ligada a este ensaio é “Atlas de Mnemosine” de Aby Warburg (1866-1929), um historiador de arte alemão. Mnemosine é a deusa grega da memória. Neste trabalho,
considerado o mais ambicioso projeto de Warburg, o historiador mergulha na tentativa de revelar como as imagens conhecem e produzem pensamento. A obra agrupa 79 painéis, com
aproximadamente 900 imagens ao todo, a maioria fotografias P&B, todas reproduções de obras artísticas como: pintura, escultura, monumentos, edifícios, afrescos, entre outros. Warburg a considerava
como a construção de “uma história da arte sem palavras”. O trabalho foi iniciado em 1924 e considerado “inacabado”, não só pela morte do autor ter ocorrido durante o processo, mas também pela
própria natureza da obra. Souvenir parte da ideia de Warburg no que diz respeito às conexões das imagens pela via da memória e associação.
O “start” de imagens proposto pelo ensaio também acontece a partir do trabalho de Warburg. Fui atrás da primeira prancha do “Atlas de Mnemosine”, e da primeira imagem contida nesta prancha:
forma de um fígado moldado em argila, peça usada para fins didáticos na Babilônia, séc. XIV a.C. O interesse pela primeira imagem dentro do trabalho de Warburg revelou-se neste ensaio como
ponto de partida dentro do que proponho como exercício dos desdobramentos da memória, ou, o que, para mim, poderia suscitar aquela imagem.
O primeiro passo não passa pelo mesmo método usado nos estudos de Warburg. Somente a ideia da imagem inserida no coletivo, da experiência com as imagens reproduzidas, replicadas, criadas
no mundo e suas relações com a memória individual. Sendo assim, a imagem do fígado de argila desdobrou-se em um pensamento para a primeira imagem deste ensaio. Sem pesquisar o porquê
Warburg iniciou suas pranchas de “Atlas de Mnemosine com esta imagem do fígado, resolvi fazer esse exercício, apenas com uma dedução pessoal para levantar a memória que a primeira imagem
do trabalho de Warburg suscitava em mim. Pensei então na carne, no que é vital, nos sentidos e na imagem de um estômago. “Pegar pelo estômago” é uma expressão comum utilizada normalmente
no sentido de algo que te toma através do estômago, normalmente um alimento muito saboroso, inesquecível. No entanto, a expressão “pegar pelo estômago” também pode ser tomada por um
incômodo, náusea, desconforto, botar para fora, ou um sentimento próximo ao que se refere o desejo e prazer de comer aquilo, salivar, fazer o estômago pedir por algo. Neste sentido, a imagem de
um estômago é a primeira imagem que desencadeará a sequência restante.
Como disse anteriormente, uso no processo deste ensaio os mecanismos de busca da internet (plataforma Google). Escrevi “estômago” na busca de imagens e uma série de estômagos apareceu.
Escolhi a imagem que me pegou pelo estômago.
O procedimento após a escolha desta primeira imagem se deu através de dois modos: o primeiro relacionado a ideia da imagem anterior, ou o assunto relacionado a ela direcionando a uma nova
busca. Estômago > drogas transportadas pelo estômago. O segundo modo é a escolha de uma imagem já sugerida pela pesquisa a imagem anterior: Drogas transportadas pelo estômago (bombom)
> drogas apreendidas (“mostruário” de drogas apresentada pela polícia). Além disto, as formas, as cores, texturas, conceitos também são pontos de associação que despertam através da imagem
A (virtual) a memória de uma nova imagem B (interna), culminando na busca da imagem C (virtual), que dada a sequência se tornará a imagem A.

Este procedimento revela a fragilidade do modo de operar pela ideia do acesso à uma memória resgatada unicamente pelo cérebro humano e sentidos. É parte da ideia deste processo que a
busca feita através de um mecanismo da internet revele a ação de uma memória fast food, onde a nova Mnemosine é o Google, a deusa da memória da contemporaneidade, lidando com a memória
na instância humana e mecânica, coletiva e individual. “Escolha” é uma palavra importante neste procedimento, pois também denuncia a condição de seleção desta memória.

Adiantei o procedimento que constrói este ensaio, porém antes do início pela busca de imagens houve o questionamento, o objeto em questão para a reflexão posta. Há algum tempo penso sobre
as relações entre memória, imagem e a relação destas com a materialidade, o objeto. Em algumas pesquisas realizadas para trabalhos visuais, há o interesse pelo assunto kitsch. O kitsch pode ser
trabalhado e pensado através de diversas camadas filosóficas e estéticas. O kitsch, até hoje, é difícil de ser definido, recebendo, inclusive, uma classificação por graus. De acordo com Celeste
Olalquiaga1 o kitsch pode ser classificado em três graus, afirmados pela caótica justaposição de imagens e de épocas, a qual cultura urbana contemporânea é comparável à realidade de um altar,
onde, a lógica da organização é tudo menos homogênea, a saturação visual é obrigatória e a esfera pessoal é definida como um pastiche de imagens fragmentadas vinda da cultura popular. O
primeiro grau se dá através de um processo por osmose, que resulta da coleta e posse de objetos ainda imbuídos do valor de uso; no segundo grau, pelo consumo da nostalgia transformada em
bens de consumo; e no terceiro grau, canibalizando tanto o primeiro como o segundo grau e os reciclando num produto híbrido que permite uma simulação da experiência perdida (pg. 73-86).

Dentro do universo kitsch está inserido o souvenir. A palavra, de origem francesa, vem do latim “subvenire”, significa: que resgata, reaviva a memória, lembrança. A palavra souvenir foi incorporada
na língua portuguesa (entre outras línguas, principalmente por países onde a influência francesa), sendo um estrangeirismo, e seu significado é atribuído a um objeto característico de um lugar que
se vende como lembrança. Este objeto é considerado kitsch (podendo encaixar-se no segundo e terceiro grau) pois possui características como: reprodução miniaturizada, uso da imagem reproduzida
aplicada à um objeto (pratos, canecas, ímãs, com imagens do Cristo Redentor – RJ, ou qualquer ícone do lugar que se insere), ou seja, qualquer artigo que faça referência a algo, ou algum lugar por
meio de reproduções (talvez aqui até possa utilizar a palavra “releituras”) bidimensionais, ou tridimensionais.

Portanto, no exercício deste ensaio, a sequência das imagens é tratada como este objeto de lembranças, sendo o seu lugar de origem a minha memória que também é embaçada pela origem da
memória eletrônica da qual é retirada, sendo essa memória o lugar comum, onde todos depositam suas imagens ligadas à suas diferentes culturas.

1
OLALQUIAGA, Celeste. Megalópolis: sensibilidades culturais contemporâneas. São Paulo, Studio Nobel, 1998.
Este ensaio não se encerra aqui, à medida que a memória também não se encerra. Assim como “Atlas de Mnemosine”, a produção de “Souvenir” só acaba quando o corpo de ativação morre. No
entanto, questiono-me se o trabalho acaba, afinal, é um souvenir de mim, é cápsula de memória, morte eternizada. É o tangível do momento já intangível. Lembrança. O que se leva do outro. A
saudade é o souvenir desmaterializado. O souvenir é a matéria da saudade.
REFERÊNCIAS

BAUDRILLARD, Jean. A arte da desaparição. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.

_______________. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’água, 1991.

MOLES, Abraham A. O Kitsch: a arte da felicidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007.

OLALQUIAGA, Celeste. MegalópolIs: sensibilidades culturais contemporâneas. São Paulo, Studio Nobel, 1998.

RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2012.

Revista Carta n°2, 2011, pg. 30-15. Publicação impressa que o Museu Reina Sofía edita com periodicidade anual.

http://www.poiesis.uff.br/PDF/poiesis17/Poiesis_17_EDI_Mnemosyne.pdf

http://anpap.org.br/anais/2007/2007/artigos/011.pdf

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