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RESUMO
ABSTRACT
We propose the analysis of key moments of two novels by Chimamanda Ngozi Adichie
– Half of a Yellow Sun (2006) and Americanah (2013) – and two short stories – “Jumping
Monkey Hill” (2009) and “The thing around your neck” (2009) – in order to critically
analyze situations in which female characters, in subalternized positions, are seen
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Introdução
Fundamentos da pesquisa
‘Moro em Princeton.’
‘Princeton.’ Aisha ficou em silêncio por um segundo. ‘Você é
estudante?’
‘Eu tinha uma bolsa até pouco tempo atrás’, disse Ifemelu, sabendo
que Aisha não ia saber o que era uma bolsa. Naquele raro momento
em que a mulher pareceu intimidada, Ifemelu sentiu um prazer
perverso. Sim, Princeton. Sim, o tipo de lugar que, para Aisha, só
poderia existir na imaginação [...] (ADICHIE, 2014, p. 23-24).
Voltamos nossa atenção para os estudos culturais pós-coloniais, que agem como
ponto de partida da pesquisa e focam na análise das relações interculturais, além
das relações de poder e dominação desenvolvidas a partir do contato entre grupos de
diferentes origens e práticas. Logo, conceitos como os de Hall (2005), Bhabha (2013)
e Fanon (2008) servem como base para a análise.
Ao discorrer sobre o conceito de cultura nacional, Hall (2005, p. 59) afirma
que: “A maioria das nações consiste de culturas separadas que só foram unificadas por
um longo processo de conquista violenta – isto é, pela supressão forçada da diferença
cultural”. É o caso da Nigéria, por exemplo, país de origem da maioria das personagens
adichieanos, que sofrem com o reflexo de uma unificação violenta1, além dos impactos
culturais do imaginário ocidental quanto à figura do Africano, de forma geral.
1 Após a Segunda Guerra Mundial, com a publicação de novas Constituições, a Nigéria proclamou
sua independência em 1960. No entanto, devido aos anos de colonização e às políticas constituídas
no processo de independência, o país encontrava-se fragmentado por disputas políticas enraizadas
em diferenças étnicas. De acordo com Oliveira (2014), “[...] poucos anos depois da independência, em
1966, dois golpes militares sucessivos ocorreram e, no ano seguinte, eclodiu a Guerra de Biafra, mais
conhecida como Guerra Civil Nigeriana (OLIVEIRA, 2014, p. 230). A Guerra de Biafra “[...] foi o primeiro
conflito de grandes proporções em que os dois lados eram comandados exclusivamente por generais e
oficiais africanos, ainda que ambos contassem com apoio de conselheiros e armamentos das potências
ocidentais. Ao final de quase três anos de combate, o governo federal nigeriano conseguiu derrotar os
secessionistas, pondo fim ao conflito em 1970” (OLIVEIRA, 2014, p. 230-231).
Curt nunca tinha transado com uma negra; ele disse isso para ela
após sua primeira vez, em sua cobertura em Baltimore, jogando a
cabeça num gesto em que caçoava de si mesmo, como se isso fosse
algo que devesse ter feito havia muito tempo, mas que sempre
deixara para depois (ADICHIE, 2014, p. 212).
Ainda de acordo com Beauvoir (2019, p. 44), “Essa situação não é única. É
também a que os negros da América do Norte conhecem, parcialmente integrados numa
civilização que os considera, entretanto, como casta inferior”. Assim, é importante
notar a intersecção da questão de gênero com as questões de raça e/ou etnia nas vidas
das personagens de Adichie, visto que são integrantes de mais de uma minoria social.
Em sua pesquisa sobre a relação das mulheres com raça e classe, Davis (2016)
traça o percurso da mulher negra no contexto estadunidense desde a época da
escravidão até os tempos atuais, de modo a compreender a posição subalterna da
mulher negra na sociedade ocidental. Ao investigar as raízes da posição da mulher
negra nos Estados Unidos, a autora relata a experiência da escravizada nas lavouras
e em outros contextos, em comparação à experiência masculina:
Observa-se, assim, o drama vivido por mulheres negras que se calam frente
aos abusos sofridos por terceiros, visto que a própria sociedade endossa o discurso da
mulher negra como exacerbadamente sexual e promíscua. Assim como o desconforto
em relação ao gênero, que silencia a mulher que não quer ser vista como inconveniente
182 e “problematizadora”, existe também um desconforto em relação à raça, o qual, no
contexto analisado, não cogita a possibilidade de dissociação. Ao discorrer sobre a
própria experiência enquanto mulher negra, hooks sente-se “invisível” em situações
de racismo e misoginia. Para seus colegas, “o racismo que se manifesta nas interações
do dia a dia [...] é apenas um desconforto a ser evitado, não algo a ser confrontado
e desafiado” (hooks, 2019, p. 129). Para Ujunwa, ser complacente com uma situação
de assédio parece o caminho mais fácil para evitar uma situação considerada
desconfortável para o grupo. Entretanto, o silêncio machuca, e a conclusão do conto
é aflitiva, quando narra:
Havia outras coisas que Ujunwa queria dizer, mas não disse. Havia
lágrimas brotando em seus olhos, mas ela não deixou que caíssem.
Estava ansiosa para ligar para a mãe e, enquanto caminhava na
direção de seu bangalô, perguntou-se se este final, num conto,
seria considerado plausível (ADICHIE, 2017, p. 124).
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O apontamento da personagem exterioriza seu desconforto com a situação de
objetivação a qual é forçada a tomar parte, ao mesmo tempo em que suas ações estão
em acordo com o que a posição social de seus pais exige das irmãs. Para Kainene,
posicionar-se estrategicamente em um contexto que a objetifica parece mais vantajoso,
pois assim a mulher talvez possa alcançar seus objetivos de forma mais viável. Uma
estratégia de sobrevivência.
Enquanto isso, Olanna é descrita como a irmã mais insatisfeita com as situações
a que é submetida, mas exibe, simultaneamente, comportamento complacente com
as circunstâncias em que se encontra. Como, por exemplo, no momento em que seus
pais tentam aproximá-la de um pretendente, que é descrito como um dos homens
poderosos que acreditam ter direito a qualquer mulher que escolham como objeto de
admiração, apenas por sua posição influente (THIBES, 2018, p. 68), como a relatada
no excerto a seguir:
Por uns instantes, Olanna não fez nada, o corpo frouxo ao lado
dele. Estava acostumada com isso, com ser agarrada por homens
embebidos em nuvens de direitos, recendendo a colônia, que
presumiam, por serem poderosos e acharem-na bonita, que eles
se pertenciam (ADICHIE, 2008, p. 45, grifo nosso).
Considerações finais
Referências
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Meio sol amarelo. Tradução Beth Vieira. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Hibisco roxo. Tradução Julia Romeu. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Americanah. Tradução Julia Romeu. São Paulo: 185
Companhia das Letras, 2014.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. No seu pescoço. Tradução Julia Romeu. São Paulo:
Companhia das Letras, 2017.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida; tradução Sérgio Milliet.
5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução Heci Regina Candiani. São Paulo:
Boitempo, 2016.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador:
EDUFBA, 2008.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP &
A, 2005.
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Paulo: Elefante, 2019.
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KRISHNAN, Madhu. Abjection and the fetish: Reconsidering the construction of the
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