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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA

Apostila
A

Organizadores

Laboratório de Fitoquímica
Laboratório de Anatomia Vegetal Adriana dos Santos Lopes - adriana.lopes@usp.br
Arthur Kim Chan - arthur.chan@usp.br Elielson Rodrigo Silveira - elielson.bio@ib.usp.br
Carlos Eduardo V. Raymundo -carlos.raymundo@usp.br Tamara Machado Matos – tamaramm@ib.usp.br
Bianca Betina Betete - betina.betete@usp.br
Laboratório de Sistemática
Ricardo da Silva Ribeiro – rdsribeiro@usp.br

Professora Responsável
Claudia Maria Furlan - furlancm@ib.usp.br

Autores dos Capítulos


Aline Possamai Della - alinedella@usp.br
Andressa Cabral - andressa93cabral@hotmail.com
Annelise Frazão - annelisefrazao@gmail.com
Antônio Azeredo Coutinho Neto - antonioacneto@biologo.bio.br
Bruno Edson-Chaves - bruno.edson@usp.br
Bruno Viana Navarro - bruno_vnavarro@usp.br
Carlos Eduardo Valério Raymundo - carloseduardo.raymundo@gmail.com
Danilo Alvarenga Zavatin - danilozavatin@gmail.com
Elielson Rodrigo Silveira - elielson.bio@ib.usp.br
Elton John de Lírio - lirioeltonj@usp.br
Emanuelle Lais dos Santos - emanuellelais.s@gmail.com
Fernanda Anselmo Moreira - Fernanda.anselmo.moreira@hotmail.com
Fernanda Mendes de Rezende - rezendefmd@gmail.com
Guilherme Medeiros Antar - g236869@dac.unicamp.br
Jéssica Soares de Lima - jessicadelimaa@gmail.com
João Pedro de Jesus Pereira - joao.pedrodejesuspereira@usp.br
Juliana Cajado Souza Carvalho - jucajado@usp.br
Lara Habib Jankovski - lhbjkk@usp.br
Lauana Pereira de Oliveira - lauannaoliveira@hotmail.com
Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva - leydenayane@gmail.com
Lucas Girotto Lagreca da Silva - lucasgirotto@usp.br
Lucas Paradizo Roma - lucas.p.roma@ib.usp.br
Luiza Teixeira Costa - luiza.teixeirac@ib.usp.br
Marina Câmara Mattos Martins Soldi - marinamartins.bio@gmail.com
Milena de Godoy Veiga - milena.veiga@usp.br
Ricardo Silva Batista Vita - ricardovitabotanica@gmail.com
Roberto Baptista Pereira Almeida - robertobaptistapa@usp.br
Tamara Machado Matos - tamaramm@ib.usp.br
Vanessa Sayuri Osaki - osakisayuri@gmail.com
Wilton Ricardo Sala de Carvalho - t nsa a@usp.br

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 1


ic a catalogr ica elaborada pelo ervi o de iblioteca do nstituto de
ioci ncias da , com os dados ornecidos pelos autores.

ot nica no inverno rganiza o rt ur im C an , Carlos


duardo V. aymundo , ianca etina etete , driana dos antos
Lopes , lielson odrigo ilveira , Tamara Mac ado Matos ,
icardo da ilva ibeiro , Claudia Maria urlan -- o aulo
nstituto de ioci ncias, niversidade de o aulo, .

p. il.

- - - -

. ot nica studo e nsino . . n lise Mor ol gica. . iologia


Vegetal. . lantas. . C an, rt ur im. . aymundo, Carlos
duardo V. . etete, ianca etina. V. Lopes, driana dos antos.
V. ilveira, lielson odrigo. V . Matos, Tamara Mac ado. V .
ibeiro, icardo da ilva. V . urlan, Claudia Maria.

LC .
ic a Catalogr ica elaborada por lisabete da Cruz eves. C -

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 2


SUMÁRIO

PREFÁCIO, 4

TEMA 1: Diversidade e Evolução


Capítulo 1: Caracterização morfológica e ecologia de Briófitas, 5-13
Capítulo 2: Samambaias e licófitas: As plantas vasculares sem sementes, 14-40
Capítulo 3: Origem, evolução e diversidade das Angiospermas, 41-63

TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento


Capítulo 4: As citocininas no desenvolvimento vegetal: Correlação com o nitrogênio, 64-74
Capítulo 5: O impacto do nitrogênio no metabolismo ácido das crassuláceas, 75-83
Capítulo 6: A auxina no desenvolvimento vegetal: Respostas nas angiospermas epífitas, 84-101
Capítulo 7: Sinalização e percepção de açúcares em plantas, 102-115
Capítulo 8: Aspectos gerais do desenvolvimento foliar em angiospermas, 116-125
Capítulo 9: Microtomografia para análise de anatomia vegetal em três dimensões, 126-136

TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais


Capítulo 10: Vias de síntese de metabólitos secundários em plantas, 137-151
Capítulo 11: Competição química entre plantas, 152-163
Capítulo 12: Armadura transparente das plantas: Cutícula vegetal – Estrutura,
composição química, importância ecológica e suas aplicações, 164-172
Capítulo 13: Macroalgas como Fonte de Produtos Naturais: Um Oceano de
Oportunidades, 173-193
Capítulo 14: Perspectivas na pesquisa de Plantas Medicinais Brasileiras, 194-209

TEMA 4: Temas Transversais


Capítulo 15: Por uma Botânica mais lúdica, 210-222
Capítulo 16: Fotografia Botânica, 223-249

ÍNDICE DE INSTITUIÇÕES, 250

c nt s cap tu s r sp nsab a s r sp ct s aut r s.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 3


PREFÁCIO

Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher (1890-1957), o


Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-
USP) é atualmente uma referência internacional em pesquisa e ensino. O Programa de
Pós-Graduação em Botânica do IB-USP teve início em 1970, com cursos de Mestrado e
Doutorado. Atualmente, o programa conta com uma equipe de 31 professores, dos quais
dois são seniores, com 75 alunos de pós-graduação distribuídos em oito grandes linhas
que permeiam as mais importantes subáreas do conhecimento em Botânica.
O Departamento de Botânica apresenta como infraestrutura 11 laboratórios,
um herbário com coleção de plantas, algas e madeiras estimado em 300.000
espécimes, um fitotério com coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e
casas de vegetação. Somando-se ao grande número de pós-graduandos (dentre esses,
estrangeiros) e a alta atividade científica dessa comunidade, a Pós-Graduação de
Botânica possui conceito CAPES 7, o conceito máximo em avaliação de pós-
graduação em Botânica do Brasil.
Realizado desde o ano 2011, o curso de Botânica no Inverno é uma iniciativa
de pós-graduandos e pós-doutorandos que visa divulgar o trabalho desenvolvido
no Departamento de Botânica e que possibilita o acolhimento de potenciais
alunos e pesquisadores. Na edição atual, a XI, estamos retornando com aulas teóricas
e práticas sendo presenciais, seguindo todos os protocolos de segurança e
respeitando todos os devidos cuidados contra o vírus da pandemia de COVID-19.
O Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos de graduação e recém-
formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais de diversas subáreas da
Botânica, além de apresentar as atividades realizadas em nossos laboratórios, com o
objetivo de despertar o interesse dos possíveis futuros acadêmicos em projetos de
pesquisa do Departamento.
Para a realização do XI Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de
São Paulo, à direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de
Botânica, à Comissão Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Botânica e aos patrocinadores Sociedade Botânica de São Paulo, Ciencor e Galy.co,
à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico.

Desejamos a todos um bom curso.

Comissão Organizadora do XI Botânica no Inverno

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 1 - Lima et al. 2022

Caracterização morfológica e ecologia de Briófitas

Jéssica Soares de Lima 2


Emanuelle Lais dos Santos 2
Aline Possamai Della 1

Briófitas
O termo artificial “Briófita” denomina três divisões: Marchantiophyta, que
correspondem às Hepáticas, Bryophyta aos Musgos e Anthocerotophyta aos Antóceros.
Constituem o segundo maior grupo de plantas terrestres, estando atrás somente das
angiospermas. No mundo, há cerca de 20.000 espécies sendo 1.610 espécies registradas
no Brasil.

Aspectos gerais
São plantas avasculares, com reprodução sexuada dependente da água.
Apresentam anterozóides flagelados, e reprodução do tipo haplodiplobionte, uma vez que
a geração gametofítica (haplóide) é independente e dominante, enquanto a esporofítica é
efêmera e dependente do gametófito (diplóide) (Fig. 1.1).

Figura 1.1. Ciclo de vida haplodiplobionte. Elaborado por: E. L. dos Santos.

Universidade de São Paulo


Instituto de Pesquisa Ambientais

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 1 - Lima et al. 2022

De modo geral, musgos, hepáticas e antóceros são


formados por estruturas básicas comuns, porém cada
grupo pode apresentar modificações morfológicas. O
esporófito (diplóide) produz os esporos (haplóides),
através de meiose; os esporos quando dispersos podem
encontrar condições adequadas e germinar, dando assim,
origem a um protonema. A partir do protonema inicial se
originam outros gametófitos, os quais apresentam
filídios, caulídios e rizóides (Fig. 1.2). Essas estruturas
são análogas a folhas, caule e raiz, respectivamente,
porém, sem tecidos vasculares.

Reprodução e desenvolvimento
Os gametófitos haplóides, desenvolvem-se a
partir de uma célula apical (não por meio de um
meristema), e produzem os gametângios, chamados de
Anterídios (masculinos) e Arquegônios (femininos), os
quais são os órgãos responsáveis pela produção dos Figura 1.2. Esquema básico
demonstrando a morfologia de
gametas. Os Anterídios e Arquegônios podem se um musgo. Elaborado por: E. L.
desenvolver num mesmo indivíduo (planta monóica), ou dos Santos.
estar em indivíduos separados (planta dioica). Frequentemente, os gametângios
encontram-se envolvidos por filídios (nesse caso chamados de perianto), que promovem
a proteção dessas estruturas. Os filídios que envolvem os gametângios são chamados de
perigônio (masculino) e periquécio (feminino) (Fig. 1.3).
O arquegônio tem forma de garrafa, com uma porção ventral mais larga e uma
porção apical alongada. A porção ventral possui a oosfera (gameta feminino), e na apical
alongada, frequentemente, encontram-se os anterozóides (gameta masculino), que são
produzidos nos anterídios. Quando os anterozóides chegam até a oosfera, ocorre a
fertilização e, consequentemente, a formação de um embrião. A partir de várias divisões
celulares, o embrião se desenvolve em Pé, estrutura que liga gametófito e esporófito e
transfere nutrientes entre estes (visto que em geral o esporófito não é fotossintetizante),
na Cápsula, local onde os esporos são produzidos, e na Seta, que eleva a cápsula acima
do gametófito, para a dispersão dos esporos ser mais efetiva.

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 1 - Lima et al. 2022

Figura 1.3. A: filídios periqueciais no ápice do gametófito de um musgo (Trematodon Michx. sp.). B:
filídios do perianto em uma hepática folhosa (Lejeunea sp). Fotos: E. L. dos Santos.

A reprodução assexuada ocorre em alguns grupos através da fragmentação dos


filídios ou talos, e/ou por propágulos e gemas, como por exemplo, as espécies do gênero
Marchantia, que podem armazenar gemas em conceptáculos, e com a ajuda da água
geram novos indivíduos.

Hábitat e substratos
As briófitas ocorrem em
diversos ambientes, sendo os locais
úmidos os mais adequados para a
sobrevivência destes organismos,
tendo em vista a necessidade de água
para a fecundação. Apesar disso, elas
são amplamente distribuídas no Figura 1.4. Exemplos de substratos das briófitas. Espécies:
A- terrestres, B- epíxilas, C- rupícolas, D- corticícolas, E-
mundo, ocorrem nos pólos, nos epífilas, e F- em materiais introduzidos pelo homem.
Fotos: J. S. de Lima.
trópicos, em ambientes submersos a
desérticos, com exceção apenas do ambiente marinho. Crescem em vários tipos de
substratos (Fig. 1.4), sendo consideradas como terrestres ou terrícolas, epífilas (sobre

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 1 - Lima et al. 2022

folhas), corticícolas (em troncos de árvores), epíxilas (sobre troncos em decomposição),


rupícolas (superfícies rochosas) e em materiais introduzidos pelo homem.

Marchantiophyta – Hepáticas
As hepáticas podem ser
subdivididas em dois grupos morfológicos:
as plantas folhosas e as talosas (Fig. 1.5).
As hepáticas folhosas são caracterizadas
pela ausência da costa (espessamento de
células no centro do talo), pela presença ou
ausência dos anfigastros (filídios
diferenciados na posição ventral dos
Figura 1.5. A - hepática folhosa, B - hepática talosa
ramos) (Fig. 1.6), pelos lóbulos, que podem simples e C - hepática talosa complexa. Fotos: E. L. dos
Santos.
estar ausentes, reduzidos ou de tamanho
variável, e pela presença de rizóides
unicelulares.
As hepáticas talosas, que podem ser
simples ou complexas, não se diferenciam
em filídios, além disso, a costa pode estar
presente ou ausente no talo, os rizóides são
unicelulares, e podem apresentar escamas
pluricelulares ventrais.

Bryophyta – Musgos
Os musgos possuem as estruturas
mais variáveis entre as briófitas, variando na Figura 1.6. Exemplos de diferentes tipos de
anfigastros presentes nas hepáticas folhosas. Foto: J.
forma, no tamanho e na estrutura do S. de Lima.
gametófito (Fig. 1.7). O esporófito apresenta
frequentemente dentes do peristômio e um opérculo, já no gametófito diversas
especializações podem estar presentes, como a costa e as células alares.
Os musgos são artificialmente divididos em acrocárpicos e pleurocárpicos, isto
é, em relação às características do crescimento do gametófito e a posição de surgimento
do esporófito.

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 1 - Lima et al. 2022

Figura 1.7. Diversidade de musgos. Fotos: E. L. dos Santos & J. S. de Lima.

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 1 - Lima et al. 2022

Anthocerotophyta – Antóceros
Os antóceros são talosos e multilobados (Fig. 1.8), possuem células com apenas
um cloroplasto (e geralmente um pirenóide), e rizóides unicelulares com paredes lisas. O
esporófito é persistente, apresenta crescimento contínuo, além de pseudoelatérios, que
são estruturas para dispersão dos esporos e não possuem seta. A ornamentação dos
esporos é bastante variável (visível em microscopia óptica), sendo uma característica
importante para a identificação dos gêneros.

Figura 1.8. Talos (em vermelho) e esporófitos (em branco) de Antóceros. Fotos: E. L. dos Santos & J. S.
de Lima.

Na sequência (Tabela 1.1) encontram-se as principais características


morfológicas, descritas acima, que diferenciam as três divisões.

Tabela 1.1. Descrição comparativa das características morfológicas entre Hepáticas,


Musgos e Antóceros. Fonte: Elaborado pelas autoras.
Hepáticas Musgos Antóceros

Gametófito Folhoso ou taloso Folhoso Taloso e lobulado

Anfigastros Presente Ausentes Ausentes


Rizóides Unicelulares, Pluricelulares, Unicelulares,
hialinos, com coloridos, septados hialinos, sem

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 1 - Lima et al. 2022

Hepáticas Musgos Antóceros

Gametófito Folhoso ou taloso Folhoso Taloso e lobulado

escamas escamas

Oleocorpos Compostos, bem Ausentes ou pouco Simples e pouco


visíveis visíveis visíveis

Esporófito Pé, seta (hialina) e Pé, seta Pé e cápsula


cápsula (fotossintetizante) e
cápsula

Liberação dos Rápida (auxílio de Rápida, através do Gradual (auxílio de


esporos elatérios) peristômio pseudoelatérios)

Papel ecológico das briófitas


As briófitas são classificadas como plantas pioneiras (frequentemente primárias,
ou até secundárias) numa sucessão ecológica. Os tapetes, ou tufos orgânicos, formados
por essas plantas promovem a retenção de umidade, e suas secreções ácidas auxiliam na
quebra das rochas, que posteriormente serão parte do solo. Essas alterações no ambiente
geram um microclima específico, que auxilia no estabelecimento de novas espécies e,
principalmente, na germinação de sementes.
As briófitas também são consideradas indicadores ecológicos da qualidade de
habitat, uma vez que muitos táxons desse grupo são sensíveis a alteração de umidade na
atmosfera. Além disso, outras funções ecológicas destas plantas podem ser citadas, como:
• Evitam a erosão, pois auxiliam na manutenção do balanço hídrico do solo;
• Participam da ciclagem de nutrientes, uma vez que são componentes da biomassa;
• São indicadores ecológicos de mudanças climáticas, uma vez que respondem de forma
rápida e direta a mudanças ambientais;
• Podem ser indicadoras de depósitos minerais, como por exemplo os “musgos do cobre”,
pois estão associados a solos ou rochas com grande concentração deste mineral.
• Além de serem abrigo e alimento para animais, microrganismos e insetos. Exemplo: A
cápsula é fonte de alimento para mamíferos em ambientes de baixa temperatura (gelo).
Para fins comerciais, as briófitas mais empregadas são as pertencentes ao gênero
Sphagnum L., que são usadas em floriculturas como meio de cultivo de outras plantas.
Além de serem empregadas como isolante térmico, em enchimento de camas e

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 1 - Lima et al. 2022

travesseiros, como combustível natural (turfeiras), para filtração de água, e para ação
antisséptica.

Briófitas como plantas medicinais


Alguns estudos apresentam um histórico com várias aplicações das briófitas para
fins medicinais, destacando inclusive a utilização desses organismos como antibióticos.
A hepática Marchantia polymorpha L. já foi utilizada no tratamento de tuberculose
pulmonar e doenças do fígado. Na China, o chá do musgo Sphagnum L. foi empregado
na cura de hemorragia aguda e doenças oculares, e a infusão de Polytrichum commune L.
ex Hedw., ajudava a dissolver cálculos renais e da vesícula. Sphagnol, destilado de turfa,
constituído principalmente de Sphagnum sp., foi reconhecido como sendo útil no
tratamento de diversas doenças da pele, e é recomendado para diminuir o prurido de
picadas de insetos. Os índios do Alasca preparavam pomada para a pele misturando
Sphagnum com sebo ou outra gordura. Nas ilhas inglesas, as populações da zona rural
usavam Sphagnum como bandagem em furúnculos e feridas, o que também foi
empregado nos exércitos durante as guerras Napoleônicas e Franco-prussianas, bem
como por ocasião da guerra Russo-japonesa (nessa última substitui o algodão no curativo
de primeiros socorros). Ainda, nos Estados Unidos, a Cruz Vermelha Americana preparou
500.000 curativos usando musgos. Na Segunda Guerra Mundial, os musgos de turfeiras
também eram empregados como remédios cirúrgicos. Além disso, as briófitas possuem
as seguintes atividades biológicas: citotóxica, antioxidante, anti-inflamatória,
carcinogênica, inibição enzimática, antimicrobianas (antifúngica, antibacteriana,
antiviral), alelopática (inibem o crescimento de raízes e folhas nas plantas de arroz, e o
crescimento de outras plantas vasculares, e promovem a germinação de sementes de
trigo), cardiotônica (aumento do fluxo sanguíneo coronário) e, ainda possuem toxicidade
diante de moluscos e peixes.

Para mais informações sobre as briófitas


Consulte o glossário com os termos associados às briófitas, acessando o site
“http://legacy.tropicos.org/GlossarySearch.aspx?projectid=60”. Esta base de dados foi
desenvolvida pelo Missouri Botanical Garden (E.U.A.), líder global em sistemática
botânica e conservação, e que comprometeu-se em promover os registros das plantas de
todo o mundo. Ainda, o site “https://briofitasdobrasil.blogspot.com/” traz informações

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 12


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 1 - Lima et al. 2022

atuais sobre os trabalhos de briófitas realizados pelos Pesquisadores do Núcleo de


Briologia do Instituto de Pesquisas Ambientais em São Paulo, e divulga novidades nesta
área de estudo.

Referências
Ando, H. & Matsuo, A. 1984. Applied Bryology. Advances in Bryology 2: 133–224.
Briófitas in Flora e Funga do Brasil. 2022. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível
em: <http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB128472>. Acesso em:
26 abr. 2022.
Costa, D.P. & Almeida, J.S.S. 2010. Manual de Briologia. Editora Interciência, Rio de
Janeiro. 207p.
Dachnowski-Stokes, A.P. 1942. Sphagnum moss for use in surgical dressings. The
Scientific Monthly 55: 291–292.
Delgadillo, C. & Cárdenas, A. 1990. Manual de briófitas, Unam 8: 1–135.
Gradstein, S.R.; Churchill, S.P. & Salazar-Allen, N. 2001. Guide to the Bryophytes of
tropical America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1–577.
Fernandez, E.G. & Serrano, A.M.V. 2009. Atividades Biológicas das briófitas. Âmbito
Cultural Edições Ltda. 190p.
Frahm, J.P. 2003. Manual of tropical Bryology. Tropical Bryology 23: 1–196.
Hotson, J.M. 1918. Sphagnum as a surgical dressing. Science 48: 203–208.
Lima, J.S. 2020. Levantamento florístico do Parque Nacional da Serra da Bocaina e
Caracterização de briófitas em troncos em decomposição. Dissertação de Mestrado.
Instituto de Botânica de São Paulo, São Paulo. 101p.
Nichols, G.E. 1920. Sphagnum moss: war substitute for cotton in absorbent surgical
dressings. Smithsonian Inst., Ann. Rep. 1918: 221–234.
Pinheiro, M.D.F.D.S.; Lisboa, R.C.L., & Brazão, R.D.V. 1989. Contribuição ao estudo
de briófitas como fontes de antibióticos. Acta Amazonica 19: 139–145.
Roig, J.T., 1974. Plantas medicinales, aromáticas o venenosas de Cuba. Ciencia y
Técnica, La Habana, 949 pp.
Roque, J. M. 1941. Flora médico guatemalteca. Tipografía Nacional, Guatemala. 187p.
Santos, N.D. 2011. Distribuição espacial de briófitas na floresta Atlântica. Tese de
Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 149p.
Santos, E.L. 2016. Briófitas em Floresta Nebular do Parque Estadual Pico do Marumbi,
Paraná, Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
150p.
The Plant List. Briófitas. Disponível em: <http://www.theplantlist.org/1.1/browse/B/>.
Acesso em: 19 abril 2022.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 13


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022
Samambaias e licófitas: As plantas vasculares sem sementes

Aline Possamai Della 1

Introdução
Licófitas e samambaias são termos que se referem às plantas vasculares, que não
produzem flores, frutos e sementes, as quais, são popularmente conhecidas como
samambaias, avencas, cavalinhas e licopódios. No ensino básico, elas são
tradicionalmente tratadas como “pteridófitas”, no entanto, a reunião desses dois grupos
de plantas sob o termo “pteridófita” é reconhecidamente uma classificação artificial, uma
vez que nem todas as espécies são derivadas a partir de um mesmo ancestral comum (ou
seja, é um agrupamento parafilético - ver Box 1 com os conceitos básicos empregados
durante este capítulo). Como atualmente um dos critérios para se estabelecer um grupo
biológico é este ser considerado monofilético (em oposição ao termo parafilético), ou
seja, incluir o ancestral comum e todos os descendentes daquela linhagem, o termo
“pteridófita” encontra-se praticamente em desuso pela comunidade científica.
A grosso modo, as licófitas se diferenciam pela presença de microfilos (folhas
geralmente pequenas, que apresentam uma nervura central não ramificada, associadas a
caules que apresentam xilema e floema organizados na forma de protostelo – Fig. 2.1 e
2.2), e esporângios situados nas axilas entre folhas e caules, formando os estróbilos (ou
cones). Já as samambaias apresentam folhas do tipo megafilos (geralmente grandes, com
nervuras ramificadas, formando uma rede bastante complexa no tecido laminar, associadas
a caules que apresentam sifonostelo, portanto, com medula e lacuna foliar), e esporângios
localizados na face abaxial ou na margem da folha.

Figura 2.1. Esquema dos tipos


de folhas, microfilos e
megafilos, das licófitas e
samambaias, respectivamente.
Elaborado por: A. P. Della.

Universidade de São Paulo

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 14


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022

Figura 2.2. Esquema demonstrando os tipos de cilindros vasculares presentes nas licófitas (protostelo) e
nas samambaias (sifonostelo). Elaborado por: A. P. Della.

Diversos estudos têm demonstrado que as samambaias são mais aparentadas


filogeneticamente com as espermatófitas (plantas com semente, angiospermas e
gimnospermas) do que com as licófitas. Na igura 2.3 podemos constatar que as licófitas
foram a primeira linhagem a divergir das plantas vasculares (isso considerando apenas
espécies atuais), e que esta linhagem é grupo irmão do clado (grupo monofilético) das
eufilófitas, que é formado pelas samambaias e pelas espermatófitas (Fig. 2.4 mostrando
imagens de alguns representantes desses grupos de plantas atuais).

Figura 2.3. Esquema simplificado demonstrando as relações filogenéticas dos principais grupos de plantas
atuais. O grupo das briófitas (plantas avasculares) é irmão de todas as plantas vasculares. No clado das
vasculares (flecha roxa), o grupo das licófita

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 15


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022

Figura 2.4. Representantes dos grupos de plantas vasculares atuais. A: Araucaria angustifolia (Bertol.)
Kuntze (Araucariaceae, Gimnosperma); B: Lytoneuron ornithopus (Hook.) Yesilyurt (Pteridaceae,
Samambaia); C: Asteraceae (Angiosperma); D: Adiantopsis chlorophylla (Sw.) Fée (Pteridaceae,
Samambaia); E: Abutilon Mill. (Malvaceae, Angiosperma); F: Palhinhaea cernua (L.) Franco & Vasc.
(Lycopodiaceae, Licófita). Fotos: A. P. Della.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 16


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022
As eufilófitas são caracterizadas pela presença de protoxilema da raiz exarco,
pelas folhas do tipo megafilo, por feixes vasculares formando sistemas complexos, que
apresentam medula parenquimática (sifonostelo ou eustelo), e pela presença de alguns
pares de bases invertidas no DNA do cloroplasto (sinapomorfia molecular).

Box 1. Conceitos básicos empregados durante o capítulo


Diversificação: pode ser compreendida como uma taxa que mede a relação entre
especiação e extinção. Se a taxa de especiação for maior que a de extinção haverá uma
diversificação positiva, surgem mais espécies do que se extinguem.
Endêmico: compreende um táxon que ocorre apenas numa determinada área e/ou
região geográfica. O endemismo é causado por barreiras físicas, climáticas e
biológicas, que delimitam com eficácia a distribuição de uma espécie, ou provocam
sua separação de outras.
Filogenia: pode ser compreendida como a história genealógica de um grupo de
organismos ao longo do tempo, ou corresponde a uma hipótese de relação
ancestral/descendente. Geralmente quando empregamos o termo filogenia estamos
nos referindo a hipótese, porque não temos como recuperar a história genealógica real
dos organismos. Essa hipótese frequentemente é apresentada na forma de um
diagrama (árvore filogenética), que demonstra as relações de parentesco.
Fósseis vivos: é uma expressão utilizada quando organismos de grupos biológicos
atuais são morfologicamente muito similares a organismos existentes no registo fóssil.
Gema: corresponde a uma porção do corpo da planta onde estão localizadas as células
meristemáticas, ou seja, células indiferenciadas que possuem grande capacidade de
multiplicação e especialização.
Grupo monofilético ou clado: grupo formado pelo ancestral e todos os descendentes.
Grupo parafilético ou grado: grupo formado pelo ancestral e parte dos descendentes.
Irradiação ou radiação adaptativa: compreende o fenômeno evolutivo pelo qual
se formam, num curto período de tempo, várias espécies a partir de um ancestral
comum.
Nicho ecológico: é o conjunto de condições ambientais e bióticas, bem como a
presença de recursos que permitem uma espécie sobreviver num determinado
ambiente.
Plantas vasculares: correspondem a um grupo monofilético, que engloba as licófitas,
samambaias, gimnospermas e angiospermas. São caracterizadas pela fase esporofítica
dominante, pelo esporófito ramificado, e pela presença de xilema, floema e
esclerênquima.
Prótalo: corpo vegetativo simples (talo, sem feixes vasculares) formado após a
germinação do esporo. Quando desenvolvido completamente é chamado de
gametófito.
Taninos: são uma das defesas químicas mais importantes das plantas, dado que são
antifúngicos, antibacterianos e antivirais, atuando também contra herbívoros.

Evolução
A origem das licófitas e samambaias é muito antiga. Os primeiros registros fósseis
de organismos semelhantes a elas datam de 425 milhões de anos, no período geológico
conhecido como Siluriano. Porém, foi supostamente no Carbonífero (a cerca de 360

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 17


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022
milhões de anos atrás), que houve uma ampla diversificação e irradiação desse grupo,
momento em que possivelmente se tornaram os elementos dominantes nas florestas. Esse
período do Siluriano/Carbonífero é reconhecido como a primeira grande radiação das
licófitas e samambaias.
A segunda grande radiação é do Carbonífero/Triássico, até cerca de 245 milhões
de anos atrás, onde registros fósseis indicam a existência de verdadeiras florestas
formadas, principalmente, por licófitas arbóreas com até 25 metros de altura. Nesse
período, as licófitas deviam corresponder a cerca de 50% das espécies.
Na era Mesozóica tivemos o aparecimento e a irradiação das angiospermas, isso
provavelmente promoveu a extinção de muitas linhagens de samambaias e licófitas
(derivadas das duas grandes radiações destacadas acima), assim como de muitas
gimnospermas. Essas extinções ocorreram principalmente por meio de competição por
espaço, nutrientes, luz, etc.
No entanto, ao mesmo tempo que houve extinções de muitas linhagens, ocorreu
o surgimento de outras, como a linhagem de samambaias polipodiódes (que
correspondem a ordem Polypodiales, ver próximos tópicos), que acabaram por se
diversificar “na sombra das angiospermas” (é a chamada terceira grande radiação das
licófitas e samambaias).
As florestas de angiospermas que foram surgindo, principalmente entre o final
da era Mesozóica e o início da era Cenozóico, eram mais diversas que as florestas de
gimnospermas existentes até então. Além disso, tinham diferentes estratos (plantas de
dossel, de sub-bosque, etc.), assim o estabelecimento das angiospermas deve ter
proporcionado grande mudanças ambientais, e o surgimento de novos ecossistemas,
bem como de novos nichos ecológicos, potencialmente ocupáveis pelas samambaias e
licófitas. O termo “na sombra das angiospermas” refere-se então, ao fato de que esses
ecossistemas e nichos estarem localizados no interior das florestas, ou seja, na sombra.
Hoje as samambaias polipodióides (Ordem Polypodiales), que se diversificaram
principalmente nos últimos 50 milhões de anos, correspondem a cerca de 80% das
espécies existentes. Esse grupo de plantas deve ter se estabelecido, principalmente, sob o
dossel florestal (epífitas, rupícolas e terrícolas de sub-bosque), onde provavelmente havia
poucas gimnospermas e angiospermas, ou seja, onde havia menor competição.
Como visto nos parágrafos acima, as licófitas e samambaias atuais correspondem
a grupos muito recentes, ao contrário do que se imaginava antigamente, que elas eram
“fósseis vivos” e remanescentes das linhagens antigas. Deve-se ressaltar, no entanto, que

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 18


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Capítulo 2 - Della 2022
as cavalinhas (ordem Equisetales), plantas pouco representativas nos ecossistemas atuais,
são muito antigas e mudaram muito pouco (tanto morfologicamente, quanto seu Genoma)
desde o Siluriano/Carbonífero, por isso podem ser consideradas como “fósseis vivos”.

Reprodução
Reprodução sexuada
O ciclo de vida das licófitas e samambaias, assim como as demais plantas
terrestres, é diplobionte, ou seja, envolve a alternância de gerações. A geração
gametofítica, a qual produz os gametas, é haplóide (x=n) e efêmera, já a geração
esporofítica, que produz os esporos, é diplóide (x=2n) e de longa duração (Fig. 2.5).
Apresentaremos agora o ciclo de vida, tomando como exemplo uma samambaia
leptosporangiada (que corresponde a maioria das samambaias). Na maturidade de um
esporófito (diplóide) são produzidos os soros, que estão localizados, frequentemente, na
parte inferior das folhas (face abaxial). Os soros correspondem ao agrupamento de
esporângios, e cada esporângio abriga numerosos esporos, que por sua vez são células
haplóides, formadas por meiose.

Figura 2.5. Ciclo de vida de uma samambaia leptosporangiada. Elaborado por: A. P. Della.

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Capítulo 2 - Della 2022
Os esporângios são constituídos, geralmente, por uma haste (porção inferior) e uma
cápsula globosa (porção superior). Nessa cápsula, há uma linha de células espessadas em
forma de “U”, a qual chamamos de ânulo. Quando há redução de umidade do ambiente
(seca), as paredes do ânulo se comprimem e acabam rompendo o esporângio,
promovendo, dessa forma, a liberação dos esporos (os quais são passíveis de serem
carregados pelo vento). Num ambiente propício, os esporos podem germinar e se
desenvolver em prótalos, e posteriormente, em gametófitos (haplóides).
Os esporângios produzem grandes quantidade de esporos, variando de mil a um
milhão de esporos por planta, mas já foram registrados até 1 bilhão. A maioria dos esporos
acaba não sendo levada para localidades muito longe da planta mãe, o que determina uma
taxa de germinação baixa, em função de competição por espaço, nutrientes, etc. Os
esporos podem chegar a distâncias maiores (o que parece ser muito comum), mas
dependem de correntes de vento. A influência dos animais na dispersão de esporos não é
tão comum, quanto na dispersão do pólen nas angiospermas.
Os esporos apresentam tamanho muito reduzido em torno de 0,05 mm, sendo sua
forma bastante variável (tetraédrico, globoso, etc.), bem como sua coloração (verdes,
marrons, pretos, alaranjados, etc.). Na superfície dos esporos pode haver uma série de
ornamentações, como espinhos, projeções ou prolongamentos, verrugas, tubérculos, etc.
Os esporos podem também apresentar clorofila, sendo verdes quando analisados em
microscópio. Geralmente, os esporos com clorofila apresentam-se viáveis por tempo
reduzido no solo (de 2 a 6 semanas), quando comparado com esporos que não apresentam
clorofila (duram em média de meses a anos). Isso porque a clorofila é rapidamente
catabolizada. De forma geral, todas essas características são importantes para a
identificação e taxonomia dos grupos.
Os gametófitos, que por sua vez, são geralmente pequenos, com formato
cordiforme e coloração verde clara (a morfologia do gametófito será vista em detalhes no
próximo tópico), apresentam em sua porção inferior os órgãos sexuais. Os órgãos
masculinos são chamados de anterídios e produzem os anterozóides (gametas masculinos
flagelados). Já os órgãos femininos são chamados de arquegônios e produzem as oosferas
(gametas femininos). A água é essencial para a fecundação, tendo em vista que o
anterozóide é flagelado. Os anterozoides das licófitas são biflagelados, já o das
samambaias (assim como de outras eufilófitas que apresentam flagelo) são
multiflagelados.

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Capítulo 2 - Della 2022
Os gametófitos podem ser unissexuados (apresentam órgãos sexuais masculinos
e femininos em indivíduos diferentes) ou bissexuados/hermafroditas (apresentam órgãos
sexuais masculinos e femininos num mesmo indivíduo). Quando o anterozóide chega até
o arquegônio e fecunda a oosfera, é gerado o zigoto, iniciando-se assim a fase diplóide.
O gametófito permanece vivo até a formação dos primórdios foliares, e em seguida morre.
O zigoto, formado pela fecundação, sofre sucessivas divisões mitóticas gerando um novo
indivíduo (esporófito), que apresenta raízes, rizoma e folhas, e ao atingir a maturidade
produzirá os esporos.
É extremamente importante aqui ressaltarmos um detalhe que diversos livros texto
de botânica descrevem e enfatizam erroneamente: a autofecundação (quando um gameta
masculino fecunda um gameta feminino do mesmo indivíduo) como a forma mais comum
de reprodução do gametófito. Isso é apresentado tanto em explicações no texto como em
figuras. No entanto, a maioria dos eventos de fecundação, que ocorrem nesses grupos é
por meio de fecundação cruzada (quando gametas masculinos fecundam gametas
femininos de indivíduos diferentes) gerando assim maior variabilidade genética.

Reprodução assexuada
A reprodução assexuada pode ocorrer por meio de apomixia e/ou de propagação
vegetativa. No ciclo de vida de uma samambaia apomítica, há produção de 32 esporos
diploides (por meio de falhas na disjunção dos cromossomos na meiose), ao invés dos 64
esporos haploides formados normalmente (ciclo de vida não apomítico). Dessa forma,
não há fecundação (fusão de gametas), uma vez que os esporos já são diploides. Estes
esporos apomíticos (diplóides) germinam e se desenvolvem em gametófitos menores do
que os normais, além disso, esses eles não produzem gametângios. Então, a partir de uma
célula do gametófito há o desenvolvimento de um esporófito, que apresenta raiz, rizoma
e folhas. O gametófito morre a medida que essa nova plântula se desenvolve. O esporófito
apomítico poderá produzir esporos, também apomíticos, fechando o ciclo.
A apomixia é bastante comum em alguns grupos de samambaias, que vivem em
ambientes onde a água é um fator limitante. Assim, uma alternativa evolutiva “encontrada”
por essas plantas foi a reprodução via apomixia, uma vez que não ocorre reprodução
sexuada, não havendo então, necessidade de água para fecundação.
A propagação vegetativa é uma alternativa mais rápida do que a reprodução
sexuada. As plantas (esporófito) produzem gemas, as quais podem estar localizadas tanto
na raque, quanto na lâmina foliar. Essas gemas se desenvolvem e dão origem a plântulas,

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Capítulo 2 - Della 2022
que são clones da planta mãe. Ao tocarem o chão (quando folhas da planta mãe murcham)
e/ou quando se desprendem da planta mãe (Fig. 2.6), tornam-se indivíduos independentes,
sem a necessidade de reprodução sexuada. Os gametófitos também podem apresentar
gemas, as quais podem se desenvolver, segregar e dar origem a um novo gametófito.
Outro fenômeno comum entre as licófitas e samambaias é a hibridização, que
consiste no cruzamento de duas espécies distintas, gerando descendentes com
características combinadas de ambos parentais. A hibridação ocorre quando o anterozóide
do gametófito de uma espécie fecunda a oosfera do gametófito de outra espécie.
Identificam-se híbridos com certa facilidade por estes apresentarem características
intermediárias entre os parentais, no entanto, nem sempre são expressas de forma
proporcional. Indivíduos híbridos geralmente apresentam esporos abortados, o quais
podem inclusive ser maiores que os esporos dos parentais. Esporos abortados têm a
aparência de uma “sujeira” sob o microscópio estereoscópico, pois eles são irregulares,
enegrecidos e sem forma definida. Os híbridos são estéreis na maioria dos casos, uma vez
que não ocorre o pareamento correto dos cromossomos provenientes dos diferentes
parentais.

Figura 2.6. Imagem de Doryopteris rediviva Fée, onde se pode verificar uma plântula jovem formada a
partir da gema presente na base da fronde. Foto: A. P. Della.

A hibridização entre espécies do mesmo gênero é chamada de intragenérica, e é a


mais comum. A hibridação também pode ocorrer entre gêneros diferentes, neste caso é
chamada de hibridação intergenérica. Na nomenclatura botânica, deve-se usar o símbolo

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× para indicar que um táxon é um híbrido. Por exemplo: Jamesonia × intermedia A. P.
Della & J. Prado.
Híbridos podem, no entanto, tornarem-se férteis via fenômenos de duplicação
cromossômica. Como o próprio nome diz, a duplicação cromossômica ocorre quando há
o surgimento de uma cópia do cromossomo. Esse processo pode ocorrer naturalmente ou
ser induzido em laboratório. Com uma cópia a mais, ocorrerá o pareamento correto dos
cromossomos na divisão celular, sendo assim será possível a reprodução.
A duplicação cromossômica está relacionada com outro fenômeno comum em
licófitas e samambaias que é poliploidia. A poliploidia ocorre quando há duplicação do
genoma, assim, em organismos poliploides há mais de um conjunto de cromossomos
homólogos numa célula. Haploide significa que há apenas um conjunto cromossômico,
diploide apresenta dois, triploide três, e assim sucessivamente. Quando ocorre a
duplicação de genoma de uma espécie dizemos que houve a formação de autopoliploides.
Se ocorrer a duplicação em indivíduos híbridos, que apresentam dois ou mais genomas
distintos, dizemos que houve a formação de alopoliploides.
A hibridização e a poliploidia são importantes fenômenos quando se estuda a
evolução das samambaias e licófitas. Hoje sabe-se que muitas espécies surgiram via
hibridização seguida de poliploidia.

Morfologia do gametófito e do esporófito


Fase gametofítica
Os gametófitos das licófitas e das samambaias nem sempre são cordiformes, como
os livros didáticos frequentemente ilustram. Eles apresentam diferentes morfologias,
cujos tipos morfológicos são relacionados ao hábitat do esporófito. Os gametófitos
cordiformes (Fig. 2.7) são geralmente anuais e típicos da maioria das espécies terrestres
de Polypodiales. Os gametófitos em forma de fita são ramificados, perenes, apresentam
crescimento indeterminado, alongamento gradual e desenvolvimento mais lento que o
cordiforme. O talo dos gametófitos em forma de fita pode dar origem a outros indivíduos
por meio de reprodução assexuada. Esse tipo de gametófito é encontrado em epífitas da
família Polypodiaceae, Dryopteridaceae, Hymenophyllaceae e Pteridaceae, e em plantas
terrestres pertencentes a Osmundaceae.

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Figura 2.7. Gametófito terrícola e cordiforme. Fotos: A. P. Della.

Os gametófitos cordiformes, anuais e de crescimento rápido são adaptados para


viver em ambientes com perturbações constantes, como barrancos, que sofrem erosão, e
solo com contínuo acúmulo de serapilheira. Já os gametófitos em forma de fita, perenes
e de crescimento lento adaptam-se a habitats mais maduros e estáveis, como troncos de
árvores e cavernas.
Os gametófitos são fotossintetizantes, e/ou micotróficos (obtêm alimento através
de associação com fungos), ou endospóricos (vivem dos nutrientes armazenados no
interior do esporo). Os endospóricos se desenvolvem no interior do esporo, não havendo,
portanto, a germinação. Os gametófitos em geral apresentam duração efêmera
(crescimento rápido), mas podem chegar a sobreviver por anos (perenes com crescimento
lento).

Fase esporofítica
O esporófito da maioria das licófitas e samambaias é perene, ou seja, vive mais
do que um ano. Não sabemos quantos anos a maioria das espécies pode viver, mas há
registros de espécies com 32 até 150 anos. Em regiões tropicais as samambaias crescem
lentamente, o que significa que podem levar anos para se reproduzirem sexuadamente. A
morfologia do esporófito é bastante variável, e em geral, licófitas e samambaias
apresentam raízes, caules (frequentemente do tipo rizoma) e folhas (comumente
chamadas de frondes). Contudo, as licófitas e as samambaias possuem diferenças
morfológicas entre si (como comentado anteriormente). As licófitas apresentam

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microfilos, que são folhas inteiras, geralmente, menores que 1 cm de comprimento,
sésseis, com apenas uma nervura, e um esporângio por microfilo (este localizado na
superfície superior do microfilo). Já as samambaias possuem megafilos, que são folhas
simples ou compostas, sésseis ou pecioladas, com várias nervuras, e numerosos
esporângios por folha (geralmente na face inferior da folha).
As folhas das samambaias são divididas em lâmina (porção geralmente verde e
expandida) e pecíolo (porção alongada e cilíndrica), sendo estas partes ausentes nas
licófitas (Fig. 2.8). A lâmina pode ser inteira ou parcialmente dividia, em graus crescentes
de dissecção até uma lâmina totalmente composta. A lâmina que apresenta alguns lobos
e/ou incisões (as quais chegam a nervura central) é chamada de pinatissecta, se não chegar
a nervura central é considerada pinatífida. Se a lâmina é completamente dividida até a
nervura central ela é chamada pinada, onde cada unidade da lâmina é uma pina e o eixo
entre as pinas é a raque. Se a pina é dividida mais uma vez, a lâmina é bipinada, se esta
se divide mais uma vez, é tripinada e assim sucessivamente.
As folhas das samambaias nascem enroladas em uma espiral (isso porque o
meristema é ápical, e não basal como nas angiospermas), ou seja, apresentam venação
circinada, e ao longo do tempo vão se desenrolando gradualmente. A folha jovem
(enrolada) das samambaias é chamada de báculo, pela similaridade do báculo (cajado)
dos papas da igreja católica. Lembrando que essa característica foi perdida na linhagem
das licófitas.
O formato da folha também pode variar muito entre os grupos, assim como as
nervuras das folhas, as quais são importantes para identificar algumas famílias. As
nervuras podem ser: lineares (livres ao longo de toda lâmina), furcadas (em forma de Y)
ou reticuladas (nervuras unem-se em aréolas).
Na superfície das folhas, pecíolos ou rizomas pode haver escamas ou tricomas,
ambos de origem epidérmica. As escamas são estruturas laminares com mais de uma
célula de espessura e podem ter formatos e cores variados. Tricomas são formados por
uma célula de espessura e também podem apresentar cores diversas. Escamas e tricomas
podem apresentar glândulas secretoras, com as mais variadas substâncias químicas, as
quais auxiliam na proteção contra herbivoria.

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Figura 2.8. Diferentes formas e dissecções das frondes de samambaias. A: fronde inteira, simples. B: fronde
pinatissecta, simples. C: fronde pinada, composta. D: fronde pinada-pinatífida. E: fronde 2-pinada-
pinatífida. F: fronde 3-pinada-pinatífida. Fotos: A. P. Della.

Existem dois tipos de esporângios nas licófitas e samambaias: o eusporângio e o


leptosporângio. O eusporângio é formado a partir da divisão de várias células da epiderme

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da folha, e o leptosporângio é originado a partir de uma única célula epidérmica. O
eusporângio está presente nas licófitas e nas ordens Equisetales, Psilotales,
Ophioglossales, Marattiales e parte das Osmundales (dentro de Polypodiopsida). Já o
leptosporângio é encontrado em alguns grupos de Osmundales e em todas as outras seis
ordens de Polypodiopsida, dessa forma, as samambaias leptosporangiadas são muito mais
numerosas.
As folhas podem ser de dois tipos (dimorfas): férteis ou estéreis. As folhas férteis
contêm os soros, conjunto de leptosporângios, cujo formato e posição são muito
importantes para a identificação dos grupos. Os soros são castanhos quando maduros e
podem ter formato arredondado, cônico, lunar, linear, ou podem ainda recobrir toda a
superfície da folha (neste caso o soro é chamado de acrosticóide). O indúsio é uma
membrana epidérmica, frequentemente fina, que recobre parcial ou totalmente os soros
até a maturidade dos esporos, pode estar presente ou ausente, sendo também um
importante caráter taxonômico. O indúsio frequentemente apresenta formato compatível
com o soro (cônico, redondo, em forma de lua, linear, etc.), e tem como função a proteção
dos esporângios.
O caule das samambaias é em sua maioria do tipo rizoma (estrutura que porta as
raízes e frondes, frequentemente se situando, em sua maior parte ou inteiramente, no
interior do substrato), este pode ser reptante (quando este é paralelo ao substrato), ou ser
ereto (cresce verticalmente; em alguns casos chegando a formar um “tronco” (cáudice)
com diâmetro e altura consideráveis, como nas samambaias arborescentes). Há alguns
tipos de caules menos comuns, como o cormo (sólido, curto e mais ou menos globular),
que ocorre em Isoëtaceae, e o turbérculo (estrutura comumente escamosa e globular
presente nos rizomas), presente em algumas Polypodiaceae. Frequentemente, o rizoma
também apresenta escamas e tricomas. As licófitas e samambaias são plantas herbáceas,
uma vez que não apresentam crescimento secundário (por isso o cáudice das samambaias
arborescentes é bem diferente de um tronco de angiosperma, tanto morfologicamente,
quanto anatomicamente). São plantas relativamente pequenas, mas podem chegar a 15
metros, como nas samambaias arborescentes.

Distribuição geográfica
As licófitas e samambaias apresentam ampla distribuição geográfica (plantas
consideradas cosmopolitas), ocorrendo desde as tundras geladas, acima do círculo polar
ártico, até as florestas tropicais, quentes e úmidas, na linha do equador. No entanto, o

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Capítulo 2 - Della 2022
número de espécies aumenta no sentido dos polos para os trópicos (há um gradiente de
riqueza), como pode ser visto nesses exemplos: na Groelândia há cerca de 30 espécies,
100 na Inglaterra, 130 na Flórida, 652 na Guatemala, 1.160 na Costa Rica e 1.250 no
Equador.
As regiões montanhosas (como Andes, e Serras do Mar, Mantiqueira, e Cadeia do
Espinhaço no Brasil) abrigam uma quantidade desproporcional de espécies de
samambaias e licófitas em relação a área que ocupam, o que se acredita ser impulsionado
por fatores ecoclimáticos, como precipitação e especialização edáfica.
Na América do Sul, há estimativas de ocorrência de 3.500 espécies, e no Brasil
1.403. Nosso país abriga um dos centros de endemismo de samambaias e licófitas, este
se localiza nas regiões sul e sudeste. A Mata Atlântica e a Amazônia são os domínios
fitogeográficos mais ricos, apesar disso, deve-se ressaltar que o primeiro domínio abriga
quase o dobro de espécies (941 espécies na Mata Atlântica vs. 574 na Amazônia). Isso se
deve a existência de gradientes altitudinais (de 0 a +2.000 metros de altitude), com
distintas condições ecológicas, que inexistem na Amazônia (é uma área relativamente
plana). Em menor proporção, há espécies que ocorrem nas áreas de Cerrado, Caatinga e
Pampa.
Além do maior número de espécies, é na região tropical onde elas apresentam
maior diversidade de formas de vidas, havendo plantas: terrícolas (plantas que nascem e
passam todo o ciclo de vida em contato com o solo), rupícolas (em contato com rochas),
epífitas (nunca em contato com o solo, nascem e passam todo o ciclo de vida em tronco
de árvores), hemiepífitas (nascem no solo, mas crescem subindo em outras plantas, só se
reproduzem depois de atingir certa altura) e aquáticas (todo ciclo de vida flutuando sobre
a água).
O calor excessivo pode causar o ressecamento destas plantas, por isso a maioria
das espécies ocorrem em condições microclimáticas de umidade constante,
principalmente nas áreas próximas a cursos de água, como riachos, igarapés e rios. As
licófitas e samambaias apresentam mecanismos de controle estomático menos eficientes
do que os das angiospermas, por isso a água é um fator limitante para essas plantas (além
de ser importante para a reprodução sexuada). Assim, muitas plantas que ocorrem em
áreas úmidas são exclusivas (endêmicas) destes ambientes. No entanto, apesar das
licófitas e samambaias atingirem maior frequência e abundância em florestas úmidas, elas
também crescem em habitats secos. Uma das regiões secas no norte do México é
considerada como um centro de riqueza e de endemismo de certos grupos,

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principalmente, da família Pteridaceae. As plantas que ocorrem nessas áreas secas
apresentam adaptações, tais como reprodução somente assexuada (tendo em vista que a
sexuada necessita de água), além de escamas que absorvem umidade, e capacidade de
perda de até 95% da água do corpo, sem causar danos fisiológicos ao organismo.

Classificação
A classificação das licófitas e samambaias passou por muitas alterações ao longo
do tempo. Desde as primeiras classificações baseadas somente em caracteres
morfológicos (tais como: formas do rizoma, da fronde, a disposição dos soros, a presença
ou a ausência de indúsio, etc.), as quais, em geral não levam em conta as relações
filogenéticas, a classificações que passaram a incorporar dados moleculares (as quais,
partem de uma filogenia, e usam o princípio de monofiletismo para o estabelecimento dos
grupos).
O Pteridophyte Phylogeny Group I (PPG I, 2016), a classificação mais recente
desses grupos, corresponde de certa forma um resumo das diversas filogenias, que vem
sendo obtidas a partir de dados moleculares. As licófitas são tradadas como a classe
Lycopodiopsida, e as samambaias como Polypodiopsida (Fig. 2.9).

Figura 2.9. Esquema simplificado demonstrando as relações filogenéticas das ordens de Lycopodiopsida
(licófitas em azul) e Polypodiopsida (samambaias em vermelho) segundo o PPG I (2016). Entre parênteses
o número de espécies de cada ordem. Elaborado por: A. P. Della.

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Dentro de Lycopodiopsida há três ordens, as quais compreendem 1.338 espécies.
A maior delas é Selaginellales (apenas uma família, Selaginellaceae) com 700 espécies,
seguida por Lycopodiales (Lycopodiaceae) com 388, e Isoëtales (Isoëtaceae) com 250.
Em Polypodiopsida (veja Tab. 2.1 com as maiores famílias dessa classe) há 10 ordens,
englobando 10.578 espécies. Dessas ordens, Polypodiales é a maior com 8.714 espécies,
seguida por Cyatheales com 713 e Schizaeales com 190. Assim, há atualmente 11.916
espécies de licófitas e samambaias.

Tabela 2.1 As famílias mais ricas (em números de espécies) da classe Polypodiopsida. Dados
obtidos do PPG I (2016).

Família Ordem N° de gêneros N° de espécies


Dryopteridaceae Polypodiales 26 2115
Polypodiaceae Polypodiales 65 1652
Pteridaceae Polypodiales 53 1211
Thelypteridaceae Polypodiales 30 1034
Aspleniaceae Polypodiales 2 730
Athyriaceae Polypodiales 3 650
Cyatheaceae Cyatheales 3 643
Hymenophyllaceae Hymenophyllales 9 434

Como pode ser visto a partir da Tabela 2.1, as seis famílias mais ricas (em
espécies) de samambaias pertencem a Polypodiales. Essa ordem é caracterizada pelos
leptosporângios geralmente agrupados em soros, sendo a maioria das espécies
homosporadas. Como abriga mais de 8.000 espécies, essa ordem apresenta morfologia
bem variada. A seguir comentarei algumas características das famílias mais ricas.
A família Dryopteridaceae é caracterizada por rizomas eretos a longo-reptantes,
escamosos; pecíolo articulados ou não, com três ou mais feixes vasculares na base;
lâminas simples a 5-pinadas; soros arredondados ou acrosticóides; indúsio ausente ou
presente; e esporos monoletes.
A família Polypodiaceae apresenta rizomas curto a longo-reptantes,
frequentemente com escamas; pecíolo geralmente articulado com o rizoma, formando
filopódios (como pequenos “joelhos” na base dos pecíolos - polypodióides), ou contínuos
e não formando filopódios (grammitidóides); lâminas simples, furcadas, pinatífidas ou
variavelmente divididas a pinadas, raramente 2-pinadas ou mais divididas, glabras,
pubescentes e escamosas; soros arredondados a alongados; sem indúsio; e esporos
monoletes ou triletes.
A família Pteridaceae possui rizomas eretos a reptantes, escamosos ou pilosos;
pecíolos não articulados ao rizoma, com 1 a vários feixes vasculares na base; lâminas
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 30
TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022
simples, ou 1 a 6-pinadas, glabras a pilosas; soros ao longo das nervuras, ou na margem
da pina/pínula protegidos por um falso indúsio (formado pela margem revoluta da
lâmina), ou acrosticóides; e esporos triletes ou monoletes.
A família Thelypteridaceae é caracterizada por rizomas eretos, ou curto a longo-
reptantes, geralmente revestido por escamas pilosas ou glabras; pecíolos não articulados
ao rizoma, na base com dois feixes vasculares em forma de cavalo marinho, que se unem
em um feixe em forma de U na porção distal; lâminas frequentemente 1-pinadas a 1-
pinado-pinatífidas, tricomas aciculares, simples, ramificados ou estrelados, unicelulares
ou pluricelulares presentes em várias partes das frondes; soros sobre as nervuras,
geralmente arredondados, raramente lineares ou oblongos, com ou sem indúsio; e esporos
monoletes.
A família Aspleniaceae apresenta rizomas eretos ou reptantes, geralmente
revestido por escamas clatradas; pecíolos não articulados ao rizoma, com dois feixes
vasculares que geralmente unem-se formando um “X” distalmente; lâminas simples a
várias vezes divididas, geralmente glabrescentes; soros elípticos a alongados, com indúsio
membranáceo a coriáceo, alongado a raramente cupuliforme; e esporos monoletes.
A família Athyriaceae possui rizomas reptantes, eretos ou decumbentes protegidos
por escamas (clatradas) no ápice; pecíolos não articulados ao rizoma, com dois feixes
vasculares dispostos face à face em secção transversal e unindo-se distalmente; lâminas
simples, pinadas ou 1-3-pinado-pinatífidas; soros oblongos, simples, pareados margeando
cada lado de uma vênula, ou forma de J atravessando a vênula de um lado para outro;
indúsio membranáceo ou cartáceo (raro sem indúsio); e esporos monoletes.
A ordem Cyatheales compreende as samambaias arborescentes, popularmente
chamadas de xaxins, aqui no Brasil. Essas plantas apresentam um rizoma ereto, chamado
de cáudice, e uma coroa de frondes no ápice deste. São plantas homosporadas, cujos soros
(na maioria das espécies) são arredondados, podendo ter ou não indúsio. As duas
principais famílias são Cyatheaceae e Dicksoniaceae, com destaque para esta última que
engloba Dicksonia sellowiana (Presl.) Hooker, espécie característica do Brasil, hoje
ameaçada de extinção.
A ordem Hymenophyllales, abriga a família Hymenophyllaceae, conhecidas
mundialmente como as “filmy ferns”. Esse nome deve-se a presença de frondes com 1 a
3 camadas de células e a ausência de estômatos. Nessas plantas homosporadas os soros
são protegidos por indúsio e estão dispostos na margem das frondes, e os esporos são
clorofilados e triletes.

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022
Interações com outros seres vivos
Como visto nas seções acima, as licófitas e samambaias se reproduzem por meio
de gametas e esporos, os quais são dispersos por vento e/ou água, assim o ciclo de vida
desses organismos é praticamente independente de animais, tais como polinizadores e
dispersores (que são extremante importante para angiospermas). Dessa forma, há outros
tipos de interação dessas plantas com animais, tais como: o uso de partes dos rizomas e
folhas das samambaias por passarinhos na construção de ninhos, sendo que já foram
observados estes animais coletando escamas de Phlebodium (R. Br.) J. Sm. e de Cyathea
Sm., além de rizomas de Microgramma C. Presl.
Além disso, há o uso de partes de samambaias (rizomas e folhas, ou até esporos)
como alimento. Antigamente se imaginava que as samambaias eram menos consumidas
por herbívoros, quando comparadas com angiospermas, no entanto, estudos mostraram
um valor de 5 a 35% de herbivoria, o que é semelhante ao observado para as plantas com
flores. Esses estudos também têm mostrado que muitos herbívoros são especialistas em
samambaias. Curiosamente, os dinossauros, durante o Mesozóico, se alimentavam de
samambaias e gimnospermas, que eram os elementos dominantes das paisagens na época.
Já foi verificado associações mutualísticas entre samambaias e formigas, onde a
planta oferece abrigo, e às vezes alimento, e as formigas protegem as samambaias contra
os predadores. Dois exemplos interessantes dessas associações mutualísticas são as
domácias de Lecanopteris crustacea Copel. e os tubérculos do rizoma de Microgramma
brunei (Wercklé ex Christ) Lellinger. De forma geral, muitos hemípteros, lepidópteros e
coléopteros interagem com as samambaias (de distintas famílias), e os maiores atrativos
para esses animais são proteínas, açúcares e água.
Algumas samambaias também apresentam nectários, estes estão presentes em
várias famílias da ordem Polypodiales. Os grupos que apresentam nectários não formam
um clado, ou seja, a presença dessa estrutura é uma novidade evolutiva, que surgiu
diversas vezes, de forma independente. A função dos nectários ainda não está clara, mas
pode estar relacionada com a defesa. Os nectários apresentam morfologia variada, podem
estar localizados em distintas partes da planta (geralmente nas frondes ou nos rizomas), e
secretam açúcares durante a noite, nas folhas jovens. Vários animais consomem a
secreção dos nectários das samambaias.
As samambaias apresentam algumas estratégias visando reduzir a herbivoria e a
predação. Uma dessas estratégias, é conhecida em angiospermas como “atraso verde”,
onde a coloração verde da folha é obtida somente após algumas semanas de

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022
desenvolvimento, e não imediatamente ao nascer (Fig. 2.10). As folhas jovens em geral
são muito finas e delicadas quando nascem, bem como apresentam menos compostos
secundários (substâncias tóxicas aos herbívoros), assim são alvos fáceis para os
herbívoros. Dessa forma, sabendo que esses animais são atraídos pela coloração verde, a
alteração da cor para vermelho ou branco em estágios iniciais pode ser uma defesa dessas
plantas. No entanto, ter outra coloração se torna um pouco desvantajoso, uma vez que
estas folhas possuem pouca capacidade de realizar fotossíntese, já que a clorofila
(pigmento responsável pela absorção de luz) não está presente. Outras defesas/estratégias
são estruturais, tais como a presença de fibras, tricomas e espinhos, ou bioquímicas como
a presença de alcaloides, saponinas, taninos, etc. A famílias Dryopteridaceae e
Dennstaedtiaceae são ricas em metabólitos secundários como terpenos e fenóis, que são
compostos tóxicos para a maioria dos mamíferos. Todas as samambaias com exceção de
Ophioglossales tem capacidade de sintetizar taninos.

Figura 2.10. Indivíduo pertencente à família Blechnaceae, onde se pode verificar as frondes jovens avermelhadas,
estratégia para evitar a herbivoria conhecida como atraso foliar. Foto: A. P. Della.

As samambaias e licófitas também apresentam galhas, que são estruturas


desenvolvidas num determinado órgão da planta através de hipertrofia e hiperplasia de
tecidos, em resposta ao ataque de organismos indutores, tais como vírus, bactérias,
fungos, nematódeos, ácaros ou insetos. As galhas sempre foram estudadas em
angiospermas, mas nas licófitas e samambaias foram subestimadas. No entanto, estudos

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recentes têm demonstrada que as galhas são frequentes nesses grupos, e são causadas
principalmente por insetos.
As samambaias influenciam o estabelecimento de outras plantas no sub-bosque,
uma vez que reduzem o nível de iluminação existentes sob a copa em até 32%. O solo
onde crescem samambaias, em geral, é mais profundo comparado com áreas livres de
samambaias, o que pode atuar como uma barreira mecânica para sementes que alcançam
o solo e para as plântulas emergentes.
Além disso, muitas espécies de samambaias podem apresentar compostos tóxicos,
que inibem o estabelecimento de outras plantas, principalmente, no início da sucessão
ecológica, atuando, dessa forma, no controle da estrutura final do dossel de uma área em
regeneração. Apesar de muitas vezes limitar o crescimento de muitas as espécies nesses
estágios iniciais, deve-se destacar que a presença das samambaias em locais perturbados
leva a estabilização e o melhoramento das condições nutricionais do solo.
As samambaias também apresentam associações simbióticas com fungos, na qual
ambos os organismos são beneficiados (com a transferência de nutrientes e carbono
orgânico), como nas micorrizas. Estima-se que essas plantas tenham associações com os
fungos desde o Paleozoico. Há associações com Glomeromycotas, Ascomycotas e
Basidiomycotas, constituindo ecto e endomicorrizas. Cerca de 80% dos esporófitos das
samambaias apresentam associação facultativa com fungos micorrizicos. Os gametófitos
de Lycopodiaceae, Psilotaceae e Ophioglossaceae apresentam associação obrigatória com
fungos. No entanto, podem existir fungos parasitas que causam danos nos tecidos
vegetais, um exemplo é Taphrina faulliana que infecta específicamente Polystichum
munitum.

Conservação
A diversidade de licófitas e samambaiais, assim como de quase todos os
organismos presentes em florestas tropicais, é fortemente ameaçada pelo desmatamento.
As espécies que ocorrem no interior de florestas maduras dificilmente conseguem
sobreviver em ambientes alterados, tais como: pastagens, plantações, e florestas
secundárias. Assim, muitos táxons correm o risco de serem extintos.
Na Mata Atlântica, uma grande ameaça às licófitas e samambaias é a redução e
fragmentação dos ambientes florestais. O uso dos solos, antes ocupados por florestas, é
histórico, sendo que hoje a floresta cobre menos de 10% da área original, que existia antes
da chegada dos europeus. Muitas espécies endêmicas desse ecossistema estão fortemente

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 34


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022
ameaçadas, pois já sofreram uma drástica redução no tamanho de suas populações. Aqui
vale ressaltar que as licófitas e samambaias são muito sensíveis às alterações
microclimáticas, que ocorrem, nas bordas de matas.
Na Amazônia, essas plantas são ameaçadas pelo desmatamento, executado
principalmente pelas atividades agropecuárias e de extração de madeira. Nos últimos anos
também houve a queima de vários quilômetros de floresta, por meio ações não naturais
(humanas). A fronteira sul da Amazônia vem sendo fortemente ameaçada nos últimos
anos. Diversos estudos realizados na Amazônia constaram que as licófitas e samambaias
são bons indicadores ecológicos, sendo inclusive importantes para o planejamento da
conservação da biodiversidade desse ecossistema.
É importante também destacar que muitas espécies de samambaias foram
introduzidas em áreas que não ocorreriam naturalmente, e tornaram-se “pregas” nessas
áreas. Um exemplo é Lygodium microphyllum (Cav.) R. Br., planta natural de Ásia, que
foi introduzida nos Estados Unidos como ornamental em jardins. Essa planta escapou dos
jardins e se dissipou rapidamente pelo país, em função da grande capacidade de
competição e resistência a condições estressantes.

Importância econômica
Diversas espécies de licófitas e samambaias são usadas em todo o mundo, com
diferentes finalidades, por diferentes populações tradicionais. Na China, é muito comum
o emprego de espécies desses grupos na alimentação, sendo consumido tanto folhas e
báculos, quanto rizomas. Há estimativa de que 50 espécies sejam usadas para essa
finalidade nesse país. Nos Estados Unidos, frequentemente consome-se Matteuccia
struthiopteris (L.) Tod, principalmente em saladas.
Em regiões tropicais as samambaias e licófitas podem ser usadas como cosmético
(desodorante), também como tempero, ou mesmo para usos medicinais e na produção de
tintas e fibras. Na Amazônia, elas são usadas principalmente para fins medicinais,
havendo registro de uso de licófitas e samambaias no tratamento de dor de estômago,
diarréia, dor de dente, dores no corpo e nos rins, gripe, cicatrização de feridas, e inclusive
para uso veterinário.
A cavalinha (Equisetum L.) é comumente encontrada em casas de produtos
naturais para o emprego de infusões em problemas renais. Antigamente o talo de
Equisetum também era usado para polir panelas em virtude da alta concentração de sílica.

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Capítulo 2 - Della 2022
O extrato de E. arvense L. têm sido usado na fabricação de xampu, o qual é usado no
tratamento de dermatites seborreicas.
Extrato de Polypodium leucotomos L., planta que cresce nos Andes entre 700 a
2.500 metros era usada na medicina popular por suas propriedades anti-inflamatórias
cutâneas, bem como fotoprotetoras prevenindo o fotoenvelhecimento. Hoje ainda usamos
extratos de P. leucotomos como protetor solar na forma de cápsulas (protetor solar via
oral). Selaginella denticulata (L.) Spring. era usada como anti-helmíntico. Botrychium
lumaria (L.) Swartz., segundo os alquimistas, era capaz de coalhar o mercúrio, além de
apresentar propriedades afrodisíacas em gado bovino. Asplenium trichomanes L. era
usado para afecções do baço e do fígado, Asplenium ruta-muraria Michx. para curar
problemas de baço, rins e peito, Asplenium scolopendrium L. como diurético e
expectorante, e Lycopodium clavatum L. para combater catarros e inflamações das vias
urinárias. Cyathea medullaris G. Forst, conhecida na Nova Zelândia como Mamaku, tem
ação de ativar os queratinócitos e a divisão celular, o que reflete no aumento do número
de células na derme. Huperzia selago (L.) Bernh é uma planta muito venenosa para
humanos pela sua alta concentração de alcaloides, e para animais tem capacidade de
liberar parasitas. Um alcaloide extraído de Huperzia serrata (Thunb.) Trevis. é usado no
controle da epilepsia.
O gênero Pteridium Gled. ex Scop., que apresenta ampla distribuição mundial, é
frequentemente consumido (principalmente os báculos) por chineses, japoneses e
brasileiros (em Minas Gerais). Contudo, o consumo excessivo de plantas desse gênero
aumenta o risco de câncer de estômago em humanos, e intoxicação no gado.
Samambaias também são utilizadas para fitorremediação, ou seja, para
descontaminação de ambientes naturais, poluídos por substâncias químicas e/ou metais
pesados. Pteris vittata L. é uma espécie com grande potencial fitorremediador. Essa
planta usa mecanismos de evasão ou exclusão, os quais minimizam a incorporação dos
metais pela célula. Assim, através de processos de detoxificação intracelular,
compartimentalização ou biotransformação, a planta consegue sobreviver na presença de
elevada concentração do metal.
Recentemente, tem-se discutido o potencial de algumas proteínas extraídas de
samambaias serem usadas no tratamento contra o câncer. Algumas espécies estudadas
nesse sentido foram: Blechnum Orientale Linn e Pteridium aquilinum (L.) kuhn.
As samambaias também apresentam grande potencial ornamental, sendo as mais
utilizadas em jardinagem e paisagismo as espécies dos gêneros: Adiantum L. (avencas),

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022
Cyathea Sm. (samambaiaçu), Dicksonia L'Hér. (xaxim-bugio), Davallia Sm. (renda-
portuguesa), Platycerium Desv. (chifre-de-veado), Nephrolepis Schott (samambaia-de-
metro) e Selaginella P. Beauv. (erroneamente chamada de musgo). As samambaias
aquáticas Salvinia Ség., Azolla Lam. (samambaia-mosquito) e Marsilea Adans. (trevo-
de-quatro-folhas) são usadas em aquários ou em lagoas. O cáudice da Dicksonia
sellowiana Hook., planta nativa da Mata Atlântica, já foi muito utilizado como substrato
para cultivo de orquídeas, pela capacidade de retenção de água, no entanto, em virtude da
intensa exploração comercial, atualmente essa planta é ameaçada de extinção. As folhas
de Rumohra adiantiformis (G. Forst.) Ching têm sido vendidas há muito tempo para a
produção de arranjos e buquês de flores no Brasil e na África do Sul.
A samambaia mais utilizada comercialmente é a Azolla, uma planta pequena,
aquática, flutuante, que se reproduz rapidamente por meio de propagação vegetativa.
Plantas desse gênero possuem simbiose com uma cianobactéria, Anabaena azollae
Strasb., que fixa nitrogênio em troca de proteção e abrigo. Ao longo dos últimos 1.000
anos, e até os dias atuais, a Azolla é cultivada em campos de arroz no sudeste asiático
para incremento de nitrogênio nos cultivares. Ela é cultivada nos campos inundados, onde
chega a recobrir toda a superfície e após a drenagem dos campos a samambaia é retida
para ser incorporada ao solo. Posteriormente, o arroz é plantado, dessa forma todo o
nitrogênio será fornecido ao cultivar (através da samambaia) sem a necessidade de
adubação química. O uso da Azolla reduz o número de fertilizantes nitrogenados
químicos.
Do ponto de vista nutritivo, as prefoliações (folhas jovens e báculos) são uma
ótima fonte de vitaminas A e C, sendo o conteúdo total de vitaminas muito similar ao
conhecido para a batata inglesa. Nas folhas maduras também se verifica uma grande
quantidade de vitaminas A e C. Há grande quantidade de amido na raque e na lâmina, o
qual pode ser utilizado para a produção de farinha, e posteriormente, para a confecção de
pães sem fermento.
As samambaias e licófitas também podem ser usadas como indicadores
ecológicos, indicando contaminação do solo, água e ar, regeneração/restauração de
ecossistemas, mudanças climáticas, integridade ambiental, perturbação, bem como ser
usadas como indicadoras para a classificação de vegetação, solos e ecossistemas (tal qual,
as espécies indicadoras de estágios sucessionais existentes em diversas resoluções do
CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 37


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 2 - Della 2022
Uma questão importante atualmente é a presença de espécies exóticas e invasoras.
Para as samambaias, pode-se citar a presença de espécies de Lygodium, nativas da África,
Austrália e Ásia, nos Estados Unidos. Essas plantas são consideradas invasoras e ocorrem
preferencialmente em pântanos e clareiras, podendo sufocar a vegetação do sub-bosque e
causar danos a vegetação original.
E a título de curiosidade, grande parte do petróleo e carvão do hemisfério norte é
resultado da decomposição das grandes florestas de licófitas e samambaias do período
Carbonífero. Então, de forma indireta estamos fazendo uso dessas plantas.

Conclusões
Licófitas e samambaias são dois grupos filogeneticamente distintos, que
tradicionalmente são tratadas pelo termo “pteridófita”. São plantas vasculares, que
apresentam ciclo de vida diplobionte (alterância de gerações), com fase esporofítica
dominante sobre a gametofítica. Foram grupos diversos e predominantes em todos os
ecossistemas terrestres do período Carbonífero ao Triássico. Atualmente apresentam
cerca de 12 mil espécies, ocorrentes em praticamente todo o globo, sendo, no entanto, a
região tropical a mais diversa. A maioria das espécies de licófitas e samambaias que
vemos atualmente são plantas muito recentes (pertencem a ordem Polypodiales,
originadas principalmente no Cenozóico), as quais apresentam morfologia muito variada,
principalmente, quanto as secções da lâmina foliar. Essa morfologia laminar atrai muita
atenção (pela sua beleza), por isso são plantas muito usadas como ornamentais. Hoje, no
entanto, com o desmatamento descontrolado, queimadas e fragmentação de habitats há
um grande risco de muitas dessas espécies serem extintas, principalmente, plantas
endêmicas.

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022
Origem, evolução e diversidade das Angiospermas

Roberto Baptista Pereira Almeida 1


Andressa Cabral 1
Annelise Frazão 1
Danilo Alvarenga Zavatin 1
Elton John de Lírio 1
Guilherme Medeiros Antar 1

Angiospermas
As angiospermas, ou plantas com flores, são a maior parte das plantas atualmente
viventes do nosso planeta. Com c. 300 mil spp., elas são as árvores, arbustos, gramas,
cactos, palmeiras, plantas insetívoras, estão nas florestas, nos jardins e nas plantações, e
são as frutas e verduras que consumimos. Em qualquer lugar em que estejamos, as plantas
com flores certamente estarão por lá.
Se observarmos sua história evolutiva, as angiospermas são um grupo de plantas
com sementes com características que as tornam únicas se comparadas às outras plantas.
Essas características são as sinapomorfias, ou seja, características que evolutivamente
são compartilhadas pelos membros da linhagem, por exemplo: endosperma com dupla
fertilização, flores, frutos e gametófito feminino reduzido. Geralmente, quando comemos
um fruto carnoso, estamos nos alimentandos do tecido do ovário desenvolvido. Já quando
nos alimentamos de uma semente, por exemplo, a castanha-do-pará, Bertholletia excelsa
Bonpl. (Lecythidaceae), estamos nos alimentando do tecido de reserva resultante do
megagametófito feminino fecundado, o endosperma. A flor, geralmente com perianto,
estames e pistilos, apresenta muitas vezes a função de atração de polinizadores, os quais
buscam por recursos disponíveis nas flores (p. ex.: néctar, pólen e óleo) e garantem o
transporte de pólen e a reprodução das espécies. O fruto envolvendo a semente pode
fornecer proteção e auxiliar no processo de dispersão.

Ciclo de Vida: Formação das Sementes


Nas Espermatófitas (plantas com sementes), a reprodução tem como objetivo
central a formação da semente, que posteriormente será dispersa e germinada em um ou
outro local. Nas Angiospermas esse processo inicia-se com a formação das células

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TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022
reprodutivas no interior das flores e depende de uma série de acontecimentos para ser
efetivada. Abaixo iremos detalhar a microsporogênese, microgametogênese,
megasporogênese, megagametogênese, dupla fecundação e formação da semente.
As células reprodutivas são formadas a partir da microsporogênese e
megasporogênese no interior da antera e do ovário, respectivamente. A antera, formada
inicialmente por uma massa de células diferenciadas apenas da epiderme, diferencia-se
em quatro grupos de células férteis (esporógenas) rodeadas por células estéreis. As
células estéreis desenvolvem-se na parede do saco polínico e sua camada mais interna
(tapete) possui uma função nutritiva para os micrósporos em desenvolvimento. As
esporógenas tornam-se microsporócitos (diploides), os quais sofrem meiose, e dão
origem a uma tétrade de micrósporos (haploides). Finalmente, a microsporogênese se
finaliza com a formação dos micrósporos individuais (grão de pólen). Os grãos de pólen
desenvolvem uma parede externa resistente formada por esporopolenina (exina) e uma
interna, formada por celulose e pectina (intina). A microgametogênese ocorre a partir
da mitose do micrósporo uninucleado. Este processo é responsável por formar a célula do
tubo e a célula geradora.
Paralelamente, a megasporogênese ocorre no interior do óvulo (megasporângio),
que consiste de uma haste (funículo) sustentando um núcleo. O núcleo é envolvido por
duas camadas (tegumentos), se expondo em apenas uma pequena região (micrópila). Nas
etapas iniciais da megasporogênese, um único megasporócito (diploide) se origina e, em
seguida, sofre meiose, formando quatro megásporos (haploides). Os três megásporos
mais próximos da micrópila se desintegram, e o mais afastado se desenvolve no
megagametófito e inicia seu crescimento. O núcleo deste megásporo funcional passa por
três mitoses consecutivas e, ao final, os oito núcleos se organizam em dois grupos, um
grupo próximo à micrópila e outro na extremidade oposta ou na região calazal. Em
seguida, um núcleo de cada grupo migra para o centro do megásporo, formando os
núcleos polares. Após este rearranjo, os núcleos da região próxima à micrópila passam a
consistir em uma célula-ovo (oosfera) e duas sinérgides, e do outro lado, as células
antípodas. A região que contém os oito núcleos em sete células denomina-se saco
embrionário (gametófito feminino) (Fig. 3.1).

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Figura 3.1. Reprodução em Vellozia sp. (Velloziaceae). Ilustração detalhando a microsporogênese,


microgametogênese, microsporogênese, megasporogênese, dupla fecundação e formação da semente.
(Figura: A. Cabral).

Após a deiscência das anteras, os grãos de pólen são transportados até os estigmas
(polinização), e em seguida se hidratam ao tocar a superfície estigmática resultando em
sua germinação, a qual dá origem ao tubo polínico. Caso a célula geradora não tenha se
dividido isso ocorre nesse momento, formando os dois gametas masculinos. Dessa forma,
o grão de pólen germinado com o núcleo da célula germinativa (célula do tubo) e os dois
gametas constituem o microgametófito maduro (gametófito masculino). Na maioria dos
casos, o tubo acessa o óvulo através da micrópila e penetra uma das sinérgides. Em
seguida, um núcleo espermático migra pelo tubo e penetra a oosfera e um segundo se une
com a célula central. Este processo é denominado dupla fecundação, ocorrendo apenas

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 43


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nas angiospermas e em alguns representantes de Gnetophyta. Nas angiospermas, os dois
núcleos polares fundem-se com as células do megagametófito, um deles une-se com a
oosfera formando um zigoto diploide e outro com os núcleos polares, resultando em um
endosperma frequentemente triploide. Finalmente, o zigoto desenvolve-se em embrião,
o núcleo primário do endosperma divide-se formando o endosperma, a parede do ovário
e estruturas associadas originam o fruto, e os tegumentos se desenvolvem em envoltório
da semente (Fig. 3.1).

Origem
Os primeiros fósseis atribuídos às Angiospermas são grãos de pólen com ca. de
135 milhões de anos e o primeiro fóssil com todas as partes identificáveis (i.e. folhas,
ramos e flores) é estimado em ca. de 125 milhões de anos, no Cretáceo Inferior, sendo
essa planta denominada Archaefructus sinensis Sun (Fig. 3.2). Apesar disso, estudos mais
recentes utilizando datação molecular de filogenias estimam o surgimento das
Angiospermas para períodos anteriores, a partir do Jurássico (anterior a 145 milhões de
anos).
No Cretáceo Médio, muitas das principais linhagens de Angiospermas aparecem
no registro fóssil, sendo que mais para o final do Cretáceo ocorreu uma diversificação
ainda maior. Nesse período, as Angiospermas tornaram-se as plantas dominantes em
muitos ambientes terrestres. Esse aumento da diversidade tem evidência no registro fóssil
e, além disso, essa diversificação ocorreu rapidamente, ou seja, muitos registros
apareceram após os primeiros fósseis. Esse fato chamou a atenção de Charles Darwin,
quem considerou esse um “mistério abominável”: Como um grupo poderia ter um
aumento tão grande de diversidade em tão pouco tempo? Isso o levou a hipotetizar a
existência de eventos anteriores ao Cretáceo que tenham culminado nesse aumento da
diversificação das plantas com flores, incluindo a hipótese de coevolução com animais
polinizadores.
Algumas hipóteses foram formuladas para tentar explicar a morfologia das
primeiras flores, dentre elas a Teoria Pseudantial e a Teoria Euantial ou Antostrobilar. Na
primeira, a hipótese é de que as primeiras flores seriam de tamanho reduzido, unissexuais
(flores masculinas e flores femininas separadas) e anemófilas (polinizadas pelo vento),
enquanto para a segunda hipótese, as flores seriam grandes, hermafroditas e entomófilas
(polinizadas por insetos). Por muito tempo a Teoria Pseudantial era a mais aceita, mas
isso mudou recentemente com um estudo que reconstruiu a possível morfologia da flor

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 44


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do ancestral de todas as Angiospermas. Neste estudo, foi apresentado que as primeiras
flores deviam ser grandes, hermafroditas, com inúmeras tépalas, estames e carpelos,
muito similares às flores das ninféias (Nympheaceae - Angiospermas Basais),
concordando a Teoria Euantial (Fig. 3.2). Além disso, como nas Gimnospermas, as
primeiras Angiospermas produzem pólen com uma única abertura (monoaperturado),
como ainda se encontra hoje entre nas Angiospermas Basais e nas Monocotiledôneas, as
Eudicotiledôneas, por sua vez, apresentam um grão de pólen com três aberturas ou
tricolpado, sendo essa uma sinapomorfia desse grupo.

Figura 3.2. As primeiras Angiospermas. A: ilustração e foto do Archaefructus sinensis (modificado de


Taylor et al. 2009 e Erbar 2007). B: Diagrama floral e ilustração esquemática da flor ancestral das
Angiospermas (adaptado de Sauquet et al. 2017).

A flor e suas variações morfológicas


Independente da hipótese que melhor explique como uma flor surgiu, estas,
morfologicamente, podem ser definidas como uma ramo modificado com crescimento
determinado (crescimento que cessa após o aparecimento de uma estrutura específica,
diferente de um ramo de uma árvore, que tem o crescimento indeterminado, pois continua
crescendo independente do desenvolvimento de alguma estrutura específica), contendo 1
ou mais estames (com o gametófito masculino), coletivamente chamado de androceu e 1
ou mais carpelos (contendo o gametófito femininos e formando 1 ou mais pistilos),
coletivamente chamados de gineceu. Podem ser monóclinas ou hermafroditas (flor
perfeita), contendo ambos estames e carpelos, ou diclinas ou unissexuadas (flor
imperfeita), contendo somente estames ou carpelos. A maioria contém perianto, ou seja,
folhas modificadas na base desse ramo de crescimento determinado. Essas folhas podem

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estar dispostas de forma cíclica, com estruturas mais externas e mais internas em relação
às estruturas reprodutivas, ou acíclicas, quando espiralados no ramo externamente às
estruturas reprodutivas. Nas flores cíclicas, as folhas modificadas mais externas são as
sépalas (frequentemente verdes e fotossintéticas), coletivamente chamadas de cálice; e as
mais internas constituem as pétalas (frequentemente coloridas, vistosas e odoríferas),
coletivamente chamadas de corola. Quando essas folhas modificadas não são
diferenciáveis em cálice e corola, sendo numerosas ou não, estas são denominadas
individualmente como tépalas, coletivamente chamadas de perigônio (Fig. 3.3).

Figura 3.3. Esquema de uma flor e suas partes morfológicas (Fonte: A. Frazão).

Como veremos neste capítulo, a diversidade morfológica das flores é muito


grande. A diversidade de formas, cores, tamanhos, odores, entre outros está associada,
possivelmente, à evolução das Angiospermas em resposta às pressões seletivas de
transferência de pólen, a polinização. A transferência de pólen por animais parece ser uma
caraterística já existente no ancestral de todas as Angiospermas, e além disso, a
polinização em outras Espermatófitas é predominantemente anemófila (polinização pelo
vento). Inúmeros mecanismos de polinização mediada por animais (Zoofilia) surgiram
nas diferentes linhagens e podem caracterizar vários grupos de Angiospermas. No
entanto, muitos grupos apresentam flores com tamanhos reduzidos ou até mesmo perda
de estruturas do perianto, essas são frequentemente polinizadas pelo vento ou pela água
(Fig. 3.4).

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Figura 3.4. Diferenças morfológicas das angiospermas e sua síndrome de polinização. A: Sapromiofilia
(polinização por moscas) Aristolochia gigantea Mart. & Zucc. (Aristolochiaceae). B-C: Ornitofilia
(polinização por pássaros) B: Heliconia rostrata Ruiz & Pav. (Heliconiaceae), C: Salvia guaranitica A.St.-
Hil. ex Benth. (Lamiaceae). D: Anemofilia (polinização pelo vento) Rhynchospora speciosa (Kunth)
Boeckeler (Cyperaceae). E-F: Melitofilia (polinização por abelhas) E: Anemopaegma prostratum DC.
(Bignoniaceae), F: Leptostelma maximum D.Don (Asteraceae). G: Cantarofilia (polinização por besouros)
Couroupita guianensis Aubl. (Lecythidaceae). H: Quiropterofilia (polinização por morcegos) Triania sp.
(Solanaceae). Fotos: A-G Danilo Zavatin, H Nathan Muchhala.

Diversidade & Hábitos


As angiospermas são o grupo de plantas terrestres com maior riqueza atual,
contendo c. 300 mil spp., ou seja, c. 90% de todas as Embriófitas (Fig. 3.5). Entretanto,
essa diversidade ainda não é completamente conhecida, com c. 2.000 spp. descritas todos
os anos, levando a predições de até 400–450 mil spp. no total. Essa enorme diversidade
não é homogêneamente distribuída no planeta, sendo muito mais concentrada na zona
tropical, principalmente na região Neotropical, que compreende ao sul da Flórida nos
Estados Unidos da América, a América Central e a América do Sul. Só no Brasil ocorrem
c. 35.500 spp., sendo o país mais biodiverso do mundo para plantas. Além disso, o Brasil
conta com c. 18.800 spp. endêmicas de angiospermas, ou seja, exclusivas do país,
representando c. 55% do endemismo da região Neotropical.

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Figura 3.5. Diversidade relativa das plantas terrestres (Embriófitas). (adaptada de Crepet & Niklas 2009).

Muito da alta diversidade de Angiospermas está relacionada a grande variedade


de habitats e hábitos (Fig. 3.7) que as angiospermas podem ocorrer e apresentar. Quanto
aos habitats, as angiospermas são em sua maioria terrestres, mas também podem ocorrer
em ambientes aquáticos, incluindo também algumas monocotiledôneas marinhas, as
quais são conhecidas como gramas-marinhas. Em ambientes terrestres, elas podem
ocorrer sobre rochas (plantas rupícolas), muito comum nos campos rupestres; sobre outras
plantas utilizando outra planta como suporte (epífitas), como muitas Orquídeas e
Bromélias, ou ainda como parasitas, captando água e nutrientes de outras plantas, como
o cipó-chumbo ou a erva-de-passarinho; e em diferentes climas e solos, desde espécies
desérticas, com enorme resistência a seca até duas espécies que ocorrem na Antártida;
plantas insetívoras, as quais habitam solos pobres e conseguem parte dos seus nutrientes
digerindo pequenos animais.
Quanto ao hábito, as Angiospermas apresentam enorme variação, podendo ser
árvores com até c. 100 metros de altura, como uma espécie de Eucalipto (Myrtaceae), na
Tasmânia, até ervas aquáticas do gênero Wolffia (Lemnaceae) com menos de 1 milímetro;
são também arbustos, escandentes ou eretos; trepadeiras herbáceas ou lenhosas,
conhecidas como lianas; arvoretas ou subarbustos. Ainda, podem ser perenes ou

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efêmeras, existindo grande quantidade de ervas anuais ou bianuais que após a floração e
frutificação logo perecem.

Box 1: A Genética das Flores


A variação morfológica das flores tem uma assinatura genética associada ao seu
desenvolvimento. Ao longo dos anos, os pesquisadores, por meio de estudos de
desenvolvimento e evolução, usando a planta modelo Arabidopsis thaliana (L.) Heynh.,
conseguiram compilar um modelo de genes associados ao desenvolvimento das partes florais,
o modelo ABC (Fig. 3.6). Neste modelo, os genes estão organizados em classes do tipo A, B
e C e, combinados, produzem os quatro principais órgãos florais, as sépalas, pétalas, estames
e carpelos. De acordo com este modelo, sépalas são expressas pela atividade dos genes da
classe A; as pétalas pela combinação da atividade de genes das classes A e B; enquanto os
estames pela combinação das classes B e C, e carpelos pela atividade somente de genes da
classe C. Além das atividades desses genes e suas combinações, genes da classe chamada
SEPALLATA são necessários em combinação com aqueles das classes A, B e C para
determinar apropriadamente a identidade dos órgãos florais. Cada um desses genes é expresso
em locais específicos no primórdio floral ao qual determinarão a identidade das peças florais
específicas, ou seja, na periferia do primórdio serão expressos os genes que formarão o cálice,
internamente os que formarão das pétalas, e ainda mais internamente, os que formarão o
androceu e gineceu. As diferentes combinações das atividades desses genes trazem uma
variação observada nas flores das Angiospermas. Por isso, estudos que buscam compreender
como essas interações acontecem e qual o é seu resultado, são cruciais para o melhor
entendimento da base molecular relacionada à homologia de estruturas e dos mecanismos de
evolução que influenciaram no surgimento dessa alta diversidade de flores existentes
atualmente.

Figura 3.6. Esquema do modelo ABC de desenvolvimento das flores. (Figura: Annelise Frazão)

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Figura 3.7. Diferentes hábitos e habitats das Angiospermas. A: Terrestre (Ruellia makoyana Hort.Makoy
ex Closon, Acanthaceae). B: Aquático (Nymphaea sp., Nymphaeaceae) C: Rupícola (Acianthera teres
(Lindl.) Luer, Orchidaceae) D: Epífita (Cattleya viola

Filogenia
As Angiospermas foram classificadas classicamente em dois grandes grupos, as
Monocotiledôneas e as Dicotiledôneas, as quais eram caracterizadas, principalmente, pelo
número de cotilédones nas sementes. Atualmente, essa classificação não é mais adotada,
dado que, o estado de caráter “dois cotilédones nas sementes” é compartilhado por todas
as Espermatófitas, com exceção das Monocotiledôneas (Tabela 3.1). Portanto, essa é uma
característica simplesiomórfica e o grupo “Dicotiledôneas” não constitui uma linhagem
(ou seja, não é monofilético). A classificação mais atual das Angiospermas segue o
Angiosperm Phylogeny Group IV (APG IV 2016) onde normalmente são tratadas em
quatro grandes grupos: Grado ANA, Magnoliídeas, Monocotiledôneas e
Eudicotiledôneas (Fig. 3.8). O posicionamento das ordens Chloranthales e
Ceratophyllales ainda é incerto, pois estes grupos têm aparecido em diferentes
posicionamentos em trabalhos recentes. Com exceção do Grado ANA, esses três grandes
grupos são sustentados por sinapomorfias moleculares e morfológicas.
O Grado ANA é formado pelas ordens Amborellales, Nymphaeales e
Austrobaileyales. Essas ordens não formam um grupo monofilético e por isso são tratados
como grado, ao invés de clado. Apesar disso, o Grado ANA compartilha algumas
características, como, por exemplo, a angiospermia (i.e. fechamento do carpelo em torno
do óvulo) predominantemente pela via de secreção (exceção: Nymphaeaceae e algumas
Schisandraceae, antigas Illiciaceae), gametófito feminino com 4 núcleos e endosperma

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diploide 2n (com exceção de Amborellales, que apresenta 9 núcleos e endosperma
triploide 3n) (Fig. 3.9).

Figura 3.8. Principais linhagens das Angiospermas: Grado ANA, Magnoliídeas, Monocotiledôneas,
Eudicotiledôneas (APG IV 2016).

Figura 3.9. A: Gametófito feminino com 4 núcleos (2 Sinérgides + 1 Oosfera + 1 Núcleo polar) presente
em Austrobaileyales e Nymphaeales. B: Gametófito feminino com 8 núcleos (2 Sinérgides + 1 Oosfera +
2 Núcleos polares + 3 Antípodas) presentes em todas as angiospermas com exceção do grado ANA. C:
Gametófito feminino com 8 núcleos (3 Sinérgides + 1 Oosfera + 2 Núcleos polares + 3 Antípodas) presentes
em Amborellales. Sinérgides: representados em vermelho; oosfera: representados em amarelo, antípodas:
representados em marrom, núcleos polares: representados em azul. cc: célula central; pn : núcleos polares.

A ordem Amborellales apresenta uma única família, Amborellaceae, e uma única


espécie Amborella trichopoda Baill. Essa espécie é lenhosa e apresenta somente
traqueídes no xilema. Os indivíduos são dioicos e suas flores são diclinas ou
unissexuadas, apresentam tépalas espiraladas e o grão de pólen é monoaperturado. A
ordem Nymphaeales apresenta 3 famílias, 6 gêneros e 74 spp.. A família mais diversa do
grupo é Nymphaeaceae com 54 spp. Essas são amplamente distribuídas e ocorrem em
águas doces (lagos, lagoas e represas). Uma importante representante brasileira dessa
família é a vitória-régia, Victoria amazonica (Poepp.) J.C.Sowerby. Essa família

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Capítulo 3 - Almeida et al. 2022
apresenta folhas grandes, flores polímeras (Fig. 3.10), não apresenta câmbio e possui
endosperma diplóide 2n. A ordem Austrobaileyales apresenta três famílias, cinco gêneros
e 100 spp. Nessa ordem todas as espécies apresentam elementos de vaso com placas de
perfuração escalariformes. Um representante conhecido dessa ordem é o Anis estrelado
(Illicium verum Hook.f.), da família Illiciaceae.

Figura 3.10. A-B: Folhas de Victoria amazonica (Poepp.) J.E.Sowerby. C: Folhas e flores de Nymphaea sp.
Fotos: A, B Danilo Zavatin, C Annelise Frazão.

O grupo das Magnoliídeas (3.11) é monofilético e é formado por quatro ordens:


Magnoliales, Laurales, Piperales e Canellales, 20 famílias e c. 10.000 spp. Além disso, é
possível destacar os alcalóides benzilisoquinolínicos como uma possível sinapomorfia do
grupo. A ordem Magnoliales é formada por seis famílias, Annonaceae, Degeneriaceae,
Eupomatiaceae, Himantandraceae, Magnoliaceae e Myristicaceae e ca. 2.820 spp. Além
disso, podemos destacar como características desse grupo os receptáculos alongados,
androceu e gineceu normalmente espiralados, embrião diminuto e endosperma
abundante. A ordem Laurales é formada por sete famílias, Atherospermataceae,
Calycanthaceae; Gomortegaceae, Hernandiaceae, Lauraceae, Monimiaceae e
Siparunaceae, compreendendo ca. 2.800 spp. Essa ordem pode ser reconhecida pela
presença de nós dos traços foliares unilacunares, folhas opostas e presença de hipanto.
São exemplos de espécies dessa ordem o abacate (Persea americana Mill.) e a canela
(Cinnamomum verum J.Presl.), da família Lauraceae, o boldo chileno (Peumus boldus
Molina), da família Monimiaceae e as spp. ornamentais do gênero Calycanthus L., da
família Calycanthaceae.
A ordem Piperales é formada por quatro famílias: Aristolochiaceae, Hydnoraceae,
Piperaceae e Saururaceae e c. 4.090 spp. Essa ordem apresenta como características, um
câmbio com baixa atividade e folhas cordiformes. São exemplos dessa ordem as espécies
de Aristolochia, da família Aristolochiaceae com suas peculiares flores, popularmente
conhecidas como jarrinha, cipó mil-homens, milome ou papo-de-peru, as spp.
ornamentais do gênero Peperomia, da família Piperaceae e o pari-paroba (Piper

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umbellatum L.) e a pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), também da mesma família. A
ordem Canellales é formada por duas famílias: Canellaceae e Winteraceae e ca. 90
espécies. Esse grupo possui como sinapomorfias estames espirais, tecido transmissor do
tubo polínico bem diferenciado, tegumento externo com apenas duas camadas de células
e exotesta paliçada. Dentre as espécies mais conhecidas do grupo estão a casca-de-anta
(Drimys winteri J.R.Forst. & G.Forst.), utilizada como ornamental e medicinal.

Figura 3.11. Diversidade das Magnoliídeas. A - Guatteria sellowiana Schltdl. (Annonaceae). B - Magnolia sp.
(Magnoliaceae) C - Drymis sp. (Winteraceae). D - Mollinedia schottiana (Spreng.) Perkins (Monimiaceae). Fotos: A,
C, D Danilo Zavatin, B Carmen Ulloa.

As Monocotiledôneas formam um grupo monofilético, ou seja, compartilham um


ancestral comum exclusivo entre elas. Esse grupo é diverso e apresenta c. 60.000 spp.
distribuídas em 11 ordens (Fig. 3.8). Podemos citar a presença de apenas um cotilédone
nas sementes e a presença de corpos protéicos cuneiformes nos plastídios das células dos
elementos crivados do floema, como sinapomorfias morfológicas do grupo. Além disso,
a perda do câmbio vascular é uma característica marcante do grupo, a qual possibilitou o
surgimento de uma série de características diagnósticas para o grupo, como por exemplo:
a venação paralelinérvea, o crescimento por meio de rizomas e a limitação no número de
folhas. Outras características marcantes são as flores trímeras, o pólen monoaperturado,
raízes fasciculadas, bainha na base das folhas, presença de bulbos e o estelo do tipo
atactostelo.
A ordem Asparagales é composta por 14 famílias e ca. 36.260 spp. Essa ordem é
caracterizada por possuir fitomelanina na testa da maioria das sementes, com exceção de
Orchidaceae. Essa é a família mais diversa da ordem e de todas as Angiospermas com ca.
26.000 spp. e apresenta algumas características diagnósticas como flores ressupinadas,
pétala modificada em labelo, ginostêmio, pólens agrupados em polínias e raízes do tipo
velame (Fig. 3.12). Podemos destacar o uso dessa família como planta ornamental, por
exemplo o gênero Cattleya Lindl. e a baunilha (Vanilla spp.), muito usada na culinária.

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Figura 3.12. Diversidade de Orchidaceae: A - Prosthechea sp. B - Bifrenaria aureofulva (Hook.) Lindl. C - Cattleya
elongata Barb.Rodr. D - Vanda sp. Fotos: Danilo Zavatin.

As ordens Arecales, Commelinales, Poales e Zingiberales são chamadas de


Monocotiledôneas Commelinídeas. Essas plantas apresentam inflorescência com bráctea
e corpos de sílica nas folhas e, majoritariamente, o ovário é súpero e as flores são
diclamídeas (com verticilos organizados em cálice e corola) e heteroclamídeas (cálice a
corola diferenciáveis). Além disso, esse grupo é constituído por 30 famílias e ca. 23.500
spp. São exemplos de plantas dessas ordens o açaí (Euterpe oleracea Mart.), da família
Arecaceae, a trapoeraba (Commelina benghalensis L.), planta medicinal da família
Commelinaceae, o trigo (Triticum spp.), da família Poaceae e o gengibre (Zingiber
officinale Roscoe) da família Zingiberaceae.
Poales apresenta 14 famílias e 18.875 spp. Além disso, podemos listar algumas
características da ordem como a perda das ráfides, inflorescências indeterminadas e a
presença de sílica nas células epidérmicas. Suas principais famílias são Bromeliaceae,
Cyperaceae e Poaceae (Fig. 3.13). As espécies de Bromeliaceae podem ser epífitas ou
rupícolas, apresentam folhas alternas espiraladas, serrilhadas, escamas epidérmicas
capazes de absorver água e normalmente formam uma roseta, a qual pode acumular água.
Dessa forma, algumas spp. de Bromeliaceae conseguem sobreviver em ambientes
xéricos. Podemos citar o abacaxi (Ananas comosus (L.) Merril) como um conhecido
exemplar dessa família, a qual apresenta c. 3.600 spp. Poaceae apresenta grande
importância econômica por possuir espécies base para a alimentação humana e animal,
além de serem usadas com biocombustíveis, como, por exemplo, o arroz (Oryza sativa
L.), o milho (Zea mays L.) e a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.). A família
apresenta c. 11.000 spp. distribuídas em todo o planeta, algumas características dessa
famílias são as folhas dísticas, com bainha aberta, lígula, presença de um meristema

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intercalar, que permite que as folhas dessas plantas cresçam mesmo após a danificação
ou perda do meristema apical, inflorescências organizadas em espiguetas, com flores
pequenas e gineceu com dois estigmas plumosos. Além disso, algumas espécies
apresentam caule do tipo colmo, como os bambus (Bambusoideae).

Figura 3.13. Dyckia sp. (Bromeliaceae). B: Aechmea bromeliifolia (Rudge) Baker (Bromeliaceae). C:
Bulbostylis sp. (Cyperaceae). D: Gynerium sagittatum (Aubl.) P.Beauv. (Poaceae). Fotos: Danilo Zavatin

As Eudicotiledôneas são o grupo mais diverso das Angiospermas


compreendendo c. 190.000 spp. descritas, o que representa 75% de todas plantas com
flores. É um grupo monofilético sustentado por sinapomorfias moleculares, além de uma
sinapomorfia palinológica, a presença de pólen tricolpado. Dentro das Eudicotiledôneas
encontramos algumas das famílias e ordens com maior diversidade, como por exemplo
Asteraceae, com c. 20.000 spp. descritas, e de maior importância econômica, como, as
Fabaceae, que possuem diversas espécies alimentícias como a ervilha (Pisum sativum L.),
a soja (Glycine max (L.) Merr.), o feijão (Phaseolus vulgaris L.) e o amendoim (Arachis
hypogaea L.). As Eudicotiledôneas são divididas principalmente em dois grupos, as
Asterídeas e as Rosídeas, as quais juntamente com as Caryophyllales e algumas outras
ordens formam o grupo das Eudicotiledôneas Núcleares. As Rosídeas são constituídas
por 16 ordens e seus representantes podem ser reconhecidos pelo perianto livre, estames
em número maior que pétalas e sépalas, e óvulos bitegumentados e crassinucelados (Fig.
3.14). As Asterídeas são constituídas por 14 ordens e caracterizadas pela presença de
compostos químicos iridóides (alcalóides derivados de monoterpenóides), corola
gamopétala e óvulo unitegumentados tenuinucelados.
As Caryophyllales são uma ordem com significativa riqueza, compreendendo 34
famílias e 11.600 spp. A maior parte dos representantes da Ordem são reconhecidos pela
presença de óvulos campilódromos, sementes perispermadas e betalaína (composto
químico responsável pela coloração arroxeada observada nas beterrabas, por exemplo)

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 55


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022
em oposição a antocianinas presentes nas outras angiospermas. Dentre as Caryophyllales,
destacam-se as famílias Cactaceae, com c. 1.900 spp. distribuídas majoritariamente na
região neotropical em localidades de clima sazonal ou desértico, sendo caracterizada pelo
caule suculento (cladódio), folhas modificadas em espinhos e metabolismo CAM; as
Caryophyllaceae, com quase 2.400 spp.; e Droseraceae, com 110 spp. de plantas
insetívoras, muitas delas amplamente cultivadas (Fig. 3.15).

Figura 3.14. Principais linhagens e ordens das Rosídeas: Malvídeas e Fabídeas (APG IV 2016).

Figura 3.15 Diversidade de Caryophyllales. A: Pilosocereus sp. (Cactaceae). B: Echinopsis atacamensis (Phil.)
H.Friedrich & G.D.Rowley. C: Schlumbergera russelliana (Hook.) Britton & Rose. D: Drosera spirocalyx Rivadavia
& Gonella. Fotos: Danilo Zavatin.

Dentre as Rosídeas, destacam-se dois grandes grupos: as Fabídeas e as Malvídeas


(Fig. 3.14). As Malvídeas são compostas por oito ordens, das quais destacam-se as ordens
Myrtales, Sapindales, Brassicales e Malvales. Dentre as Myrtales, a qual possui como
provável sinapomorfia a presença de ovário ínfero, destacam-se as famílias Myrtaceae,

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 56


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022
com c. 5.900 spp. e grande importância madeireira, devido ao gênero Eucalyptus, e
alimentícia, com diversos representantes com frutos carnosos como a goiaba (Psidium
guajava L.), as jabuticabas (Plinia spp.) e a pitanga (Eugenia uniflora L.); e
Melastomataceae, com c. 5.000 spp. e enorme representatividade nos biomas
neotropicais. Dentre as Sapindales, as quais possuem em geral interessantes compostos
secundários, destacam-se Rutaceae, a família do limão e da laranja (Citrus spp.) com c.
1.900 spp.; Anacardiaceae, a família da manga (Mangifera indica L.) e do caju
(Anacardium occidentale L.), com c. 900 spp.; e Sapindaceae, a família do guaraná
(Paullinia cupana Kunth) e da lichia (Litchi chinensis Sonn.), com c. 1.900 spp. Dentre
as Brassicales, geralmente com representantes com compostos secundários
glucosinolatos, destaca-se Brassicaceae, a família do Brócolis, da couve-de-bruxelas, do
repolho (diferentes cultivares de Brassica oleracea L.) e a mostarda (Brassica nigra (L.)
W.D.J.Koch), com c. 4.000 spp.. E dentre as Malvales, ordem com sinapomorfias
químicas e anatômicas, destaca-se Malvaceae, família do cacaueiro (Theobroma cacao
L.) e do algodão (Gossypium spp.) com c. 4.300 spp. (Fig. 3.16).

Figura 3.16. Diversidade das Malvídeas. A: Syzygium malaccense (L.) Merr. & L.M.Perry (Myrtaceae). B:
Pilocarpus pennatifolius Lem. (Rutaceae). C: Anacardium occidentale L. (Anacardiaceae). D: Serjania sp.
(Sapindaceae). E: Ornithogalum caudatum Aiton

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 57


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022
As Fabídeas são compostas por oito ordens, dentre as quais destacam-se as
Cucurbitales, Fabales, Malpighiales e Rosales (Fig. 3.18). Dentro das Fabídeas, o clado
formado por Cucurbitales, Fabales, Fagales e Malpighiales é reconhecido como Clado
Fixador de Nitrogênio, já que congrega diversos representantes com associação com
bactérias nas raízes capazes de fixar nitrogênio, característica a qual possui enorme
importância ecológica e econômica. As Cucurbitales incluem oito famílias, dentre as
quais destacam-se Begoniaceae, com c. 1.900 spp. e diversos representantes ornamentais
dentro do gênero Begonia, e Cucurbitaceae, a família do pepino (Cucumis sativa L.), do
melão (Cucumis melo L.) e da melancia (Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai),
com c. 1.000 spp. distribuídas principalmente em regiões tropicais. As Fabales incluem
quatro famílias, dentre as quais destaca-se Fabaceae, com c. 19.500 spp. e enorme
importância econômica e ecológica, sendo a família mais diversa em uma grande
variedade de biomas no planeta. A ordem Malpighiales, sustentada por dados
moleculares, inclui 36 famílias dentre as quais destaca-se Euphorbiaceae e
Malpighiaceae, sendo também significativas Clusiaceae, Chrysobalanaceae,
Erythroxylaceae, Hypericaceae e Passifloraceae. Euphorbiaceae, família caracterizada
pela presença de flores unissexuais, gineceu tricarpelar e presença de látex, possui c.
7.000 spp., entre as quais encontram-se a seringueira (Hevea brasiliensis (Willd. ex
A.Juss.) Müll.Arg.), a mandioca (Manihot esculenta Crantz) e a mamona (Ricinus
communis L.). Malpighiaceae, a família da acerola (Malpighia glabra L.) é representada
por ca. 1.250 spp., com grande importância ecológica em biomas tropicais e subtropicais
dos Trópicos, principalmente na América do Sul. E a ordem Rosales, a qual inclui nove
famílias, dentre as quais destaca-se a família Rosaceae. Entre as Rosales, está incluído
também o clado Urticoide, formado pelas famílias Cannabaceae (família da maconha,
também conhecida como cânhamo, Cannabis spp.), Moraceae (família da figueiras, Ficus
spp.), Ulmaceae e Urticaceae (família das urtigas Urtica spp.), o qual é caracterizado por
flores unissexuais reduzidas e polinizadas pelo vento (Fig. 3.17).
As Asterídeas, por sua vez, também são divididas em dois grandes grupos
monofiléticos, as Lamiídeas (ou Asterídeas I) e as Campanulídeas (Asterídeas II) (Fig.
3.18), sendo o primeiro caracterizado pela presença de nós unilaculanares, presença de
disco nectarífero, flores relativamente grandes e gamopetalia tardia, enquanto as
Campanulídeas são caracterizadas pela gamopetalia precoce, perda de iridóides
(metabólitos secundários que tem como principal função a proteção contra herbivoria),
corola com prefloração valvar, flores reduzidas e sementes com endosperma abundante.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 58


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022

Figura 3.17. Diversidade das Fabídeas. A: Trichosanthes cucumerina Buch.-Ham. ex Wall.


(Cucurbitaceae). B: Euphorbia sipolisii N.E.Br. (Euphorbiaceae). C: Malpighia aquifolia L.
(Malpighiaceae). Fotos: Danilo Zavatin.

Ainda, dentre as Asterídeas, há Ericales, grupo irmão do clado formado por


Lamiídeas e Campanulídeas (Fig. 3.18), uma ordem com 22 famílias, dentre as quais
destacam-se Ericaceae, com c. 4.200 spp. distribuídas principalmente em solos ácidos e
regiões temperadas ou montanhosas, e Theaceae, com c. 200 spp., família da Camellia
sinensis (L.) Kuntze, espécie utilizada para produção do chá-verde, chá-branco, chá-
preto, entre outros (Fig. 3.19).

Figura 3.18. Principais linhagens e Ordens das Asterídeas: Campanulídeas e Lamiídeas (APG IV
2016).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 59


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022

Figura 3.19. Diversidade das Ericales. A: Laplacea fruticosa (Schrad.) Kobuski (Theaceae). B: Camellia
japonica Wall. (Theaceae). C: Gaylussacia reticulata Mart. ex Meisn. (Ericaceae). Fotos: Danilo Zavatin

As Lamiídeas são compostas por oito ordens, dentre as quais destacam-se


Gentianales, Lamiales e Solanales (Fig. 3.18). Gentianales é caracterizada por
representantes geralmente com estípulas, folhas opostas e corola com prefloração
imbricativa contorta (na qual cada pétala é sobreposta e sobrepõe uma outra pétala).
Dentre as cinco famílias da ordem, destacam-se Apocynaceae, com c. 4.600 spp. e
distribuição majoritariamente tropical, e Rubiaceae, família do café (Coffea spp.) com c.
13.500 spp., caracterizada pelas folhas simples, opostas com estípulas interpeciolares e
ovário ínfero. Lamiales inclui grande diversidade de espécies, as quais estão distribuídas
em 23–25 famílias caracterizadas por folhas opostas, flores zigomorfas, geralmente
bilabiadas, corola com prefloração imbricativa imbricada, estames em número menor ao
número de pétalas e presença de oligossacarídeos (substituindo o amido). Dentre as
famílias da ordem, destacam-se Acanthaceae, com c. 4.300 spp. com diversos
representantes cultivados como plantas ornamentais; Bignoniaceae, a família dos ipês
(Tabebuia spp., Handroanthus spp.) e das carobas (Jacaranda spp.), com c. 800 spp.;
Lamiaceae, família com diversos representantes com óleos essências e dessa maneira
aromáticos, sendo muito utilizados como condimentos (e.g. lavanda, Lavandula spp.,
orégano, Origanum vulgare L., manjericão, Ocimum basilicum L., sálvia, Salvia
officinalis L., alecrim, Rosmarinus officinalis L. ou plantas medicinais (e.g. patchouli,
Pogostemon cablin (Blanco) Benth.), com c. 7.300 spp., a maior parte com a corola
fortemente bilabiada; Gesneriaceae, com c. 3.400 spp. e diversos representantes
cultivados como plantas ornamentais, como por exemplo o peixinho (Nematanthus spp.);
Lentibulariaceae, com c. 350 spp. de plantas com folhas modificadas para a captura de
insetos; Scrophulariaceae, família com c. 1.900 spp.; e Verbenaceae, com c. 1.000 spp. e

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 60


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022
diversos representantes ornamentais como o pingo-de-ouro (Duranta erecta L.) ou o
camará (Lantana camara L.). Por fim, a ordem Solanales, caracterizada pela presença de
alcalóides tropânicos e composta por cinco famílias, das quais destacam-se
Convolvulaceae, família da batata-doce (Ipomoea batatas (L.) Lam.), com c. 1.900 spp.
e Solanaceae, família da batata (Solanum tuberosum L.) e do tomate (Solanum
lycopersicum L.), com c. 2.300 spp. (Fig. 3.20).

Figura 3.20. Diversidade das Asterídeas. A - Coffea arabica L. (Rubiaceae). B - Pyrostegia venusta (Ker
Gawl.) Miers. (Bignoniaceae). C - Hyptis comaroides (Briq.) Harley & J.F.B.Pastore. (Lamiaceae). D -
Nematanthus sp. (Gesneriaceae). E - Nicotiana langsdorfii Weinm. (Solanaceae). F - Cichorium intybus L.
(Asteraceae). Fotos: A, B. E, F Danilo Zavatin C, D Guilherme Antar.

As Campanulídeas são compostas por sete ordens, dentre as quais destacam-se


Aquifoliales, Apiales e Asterales. Aquifoliales inclui cinco famílias, destacando-se
Aquifoliaceae, família da erva-mate (Ilex paraguariensis A.St.-Hil.) com c. 500 spp.;
Apiales inclui sete famílias, destacando-se Apiaceae, família de cenoura (Daucus carota
L.) com c. 3.800 spp. e Araliaceae, família da cheflera (e.g. Heptapleurum arboricola
Hayata) com c. 1.500 spp.; e Asterales, com 11 famílias, das quais destacam-se

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 61


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022
Asteraceae, caracterizada pelas inflorescências em capítulos e uma das maiores riquezas
de plantas com ca. 20.000 spp., incluindo membros amplamente cultivados como o alface
(Lactuca sativa L.) e o girassol (Helianthus annuus L.) e Campanulaceae, família
pantropical com c. 2.300 spp. (Fig. 3.20).

Tabela 3.1. Principais características dos grandes grupos: Grado ANA; Magnoliídeas;
Monocotiledôneas e Eudicotiledôneas.
Caráter Grado ANA Magnoliídeas Monocots Rosídeas Asterídeas

grão de pólen monoaperturado monoaperturado monoaperturado tricolpado tricolpado

câmbio presente ou presente (pode ausente presente presente (pode


ausente ter baixa (pode ter ter baixa
atividade) baixa atividade)
atividade)

estípulas ausente ausente (pode ausente geralmente geralmente


ter estípula presentes ausentes
terminal)

gamopetalia ausente ausente geralmente geralmente geralmente


ausente ausente presente

nº de 2 2 1 2 2
cotilédones

nervação reticulada reticulada paralelinérvea reticulada reticulada


(ou pinado-
paralelinérvea)

perianto 3-mero ou normalmente 3- majoritariamente geralmente geralmente 4-


muitas peças mero trímero 4-5-mero 5-mero
(flores
polímeras)

Referências
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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 62


TEMA 1: Diversidade e Evolução
Capítulo 3 - Almeida et al. 2022
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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 63


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022

As citocininas no desenvolvimento vegetal: Correlação com o


nitrogênio
Antônio Azeredo Coutinho Neto 1

História das citocininas


Em 1913 Gottlieb Haberlandt observou que as feridas de batata poderiam ser
cicatrizadas por uso de exsudatos do floema de várias espécies vegetais. A partir destes
estudos abriu-se discussões de que existiria um ou mais fatores que induziram a divisão
celular. Por volta de 1950 os pesquisadores Folke Skoog e seus colaboradores observaram
grande efeito sobre a divisão celular vegetal, do material genético, ácido
desoxirribonucleico (DNA) oriundo de células espermáticas autoclavadas dos peixes
arenques (Clupea harengus L.). No ano de 1955 o pesquisador Carlos Miller isolou uma
substância com alto poder de indução à proliferação celular, essa substância foi chamada
por ele de cinetina. Em conjunto com as auxinas descobertas em 1928 por Went, a cinetina
apresentava alto poder sobre a proliferação celular de várias espécies vegetais. Essa
substância ao ser analisada, descobriu-se que ela derivou de uma adenina (aminopurina),
a 6-furfurilaminopurina (Fig. 4.1).

Figura 4.1. Representação da molécula de cinetina (Adaptado de Taiz e Zeiger, 2006).

Entretanto, a cinetina com atividade sobre a divisão celular de vegetais, como o


tabaco (Nicotiana tabacum) não foi uma substância encontrada, com síntese natural nas
plantas para induzir o efeito como fitohormônio. Essa substância é derivada da
Universidade de São Paulo
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 64
TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022
degradação do DNA, que é uma alteração das ligações químicas do açúcar desoxirribose
da adenosina e converte-se em anel furfuril. Porém a descoberta desta substância serviu
para instigar pesquisadores de que as próprias plantas poderiam ter substâncias
homólogas naturalmente ocorrendo em seus tecidos vegetais. O pesquisador Philip White
desenvolveu alguns meios de cultivo in vitro, dentre os quais utilizava na formulação 10
a 20% de água de coco, junto de auxina, como resultado as plantas cultivadas in vitro
mantinham altas taxas de divisão celular. Então, formavam-se massas celulares
indiferenciadas (calos) com manutenção contínua desde que mantidos os tecidos na
mesma formulação de meio de cultura.

Após alguns anos, em 1973, o pesquisador David Letham descobriu em extrato


do endosperma de milhos verdes (Zea mays) a Zeatina, que demonstrava efeito igual a
cinetina (Fig. 4.2). Ao adicionar a molécula, 6-(4-hidroxi-3-metilbut-2-enilamino) purina,
chamada de zeatina ao meio de cultivo in vitro observou-se grande indução a divisão
celular nas células jovens de vegetais quando em conjunto com auxina.

Figura 4.2. Representação da molécula de zeatina (Adaptado de Taiz e Zeiger, 2006).

Alguns compostos químicos atuam sobre as respostas dos vegetais de forma


semelhante à zeatina que é a citocinina natural encontrada nos vegetais ou à cinetina.
Podem induzir a divisão celular em massas celulares indiferenciadas (calos) junto com
auxinas, induzir a formação de gemas nos calos, retardar a senescência foliar, permitir a
quebra da dominância apical, mobilizar nutrientes, e de forma geral promover alterações

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 65


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022
tanto metabólicas, fisiológicas quanto anatômicas. Alguns compostos foram testados com
efeito de citocininas, e esses que demonstram esses efeitos, podemos chamá-los de
citocininas sintéticas. Dentre os quais destaca-se largamente utilizados em aplicações in
vitro e ex vitro a própria cinetina (KIN) e a benzilaminopurina (BAP) que possuem anel
do tipo purina como as citocinas naturais. Já a substância Thidiazuron (TDZ) é diferente
das citocininas naturais por não apresentar a base adenina (Fig. 4.3).

Figura 4.3. Representação das citocininas que não ocorrem naturalmente em vegetais (Adaptado de Taiz e Zeiger,
2006).

Produção das citocininas


A concentração endógena de citocininas é controlada por síntese das substâncias
do tipo citocininas, reações químicas de redução de cadeias laterais, conjugação, oxidação
e hidrólise da cadeia lateral. A grande maioria das substâncias de citocininas encontram-
se conjugadas às moléculas de açúcares (glicose e ribose). E quando estão nesta forma o
fitohormônio é considerado inativo, pois não induz às respostas no vegetal. Em reações
químicas menos comuns de acontecer, as citocininas endógenas podem estar conjugadas
com aminoácidos. As funções de cada um dos metabólitos envolvidos na conjugação ou
hidrólise das citocininas ainda estão em estudos e são pouco conhecidas. A glicosilação
das citocininas realiza a inativação do fitohormônio, em contrapartida o gene ZM.P60.1
parece ser ligado à ativação das citocininas por meio da hidrólise de gliscosídeos. As
auxinas à depender da concentração inibem o gene ZM.P60.1 e essa inibição parece
mostrar o caminho do balanço hormonal entre auxinas e citocininas. Determinadas
culturas vegetais in vitro crescem apenas a partir da adição ao meio de cultura de
citocininas ribosídicas que são transformadas em citocininas de base livre.
O pesquisador Kakimoto em 2001, observou ao superexpressar o gene AtIPT4 em
massas celulares indiferenciadas de Nicotiana tabacum a regeneração das gemas

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 66


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022
caulinares sem adição de citocininas ao meio de
cultivo. A biossíntese de citocininas foi inicialmente
descrita com mais detalhes para Agrobacterium
tumefaciens, com grande importância para o gene
IPT (responsável por produzir a enzima isopentenil
transferase). Em plantas, ao analisar o genoma do
modelo Arabidopsis foram encontrados nove genes
IPT que seriam capazes de produzir proteínas com
função enzimática relacionada à biossíntese de
citocininas livres. Enquanto as enzimas de bactérias
para a biossíntese de citocininas utilizam
preferencialmente a adenosina monosfosfato (AMP)
as enzimas de plantas parecem utilizar
preferencialmente a adenosina trifosfato (ATP) e a
adenosina difosfato (ADP). Abaixo podemos
observar uma sugestão da via de biossíntese de
Figura 4.4. Síntese de citocininas em
citocininas que gerará a zeatina (Fig. 4.4). plantas (Adaptado de Kerbauy, 2008).

Transporte das citocininas

A maior quantidade de citocininas é produzida em ápices radiculares e


transportada via vasos de xilema para a parte aérea do vegetal, inclusive até os ápices
caulinares. As maiores quantidades de citocininas circulantes nestes vasos de xilema
foram quantificados da substância zeatina ribosídeo (tZR). Já as citocininas encontradas
no floema estão em sua forma glicosídica, se acumulam durante o inverno, em folhas
maduras, em direção a senescência, também chamadas de fontes. Essas folhas fontes,
durante a primavera/verão fornecem assimilados para as folhas jovens que são chamadas
de folhas dreno. Durante a primavera as citocininas seriam hidrolisadas em forma de
bases livres para quebrar a dormência das gemas e retomar o crescimento. Uma das
citocininas comuns e ativas que atuam sobre as gemas apicais é a trans-zeatina (tZ) assim
como é visto no esquema abaixo (Fig. 4.5). Essa citocinina para ser transportada terá
como precursores o ATP, ADP e dimetilalil difosfato (DMAAP) e passará por reações
químicas. Ainda se ressalta a importância da disponibilidade de luz e nitrogênio que
modulam o processo de tZR e tZ.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 67


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022

Figura 4.5. Transporte das citocininas em plantas (Adaptado de Davière e Achard, 2017).

Efeitos das citocininas


As citocininas atuam sobre diversos processos metabólicos, fisiológicos e
anatômicos vegetais, como substâncias altamente envolvidas na divisão celular. Além
deste processo, as citocininas endógenas também estão ligados à senescência, quebra da
dormência das gemas caulinares, mobilização de nutrientes, diferenciação de
cloroplastos, produção das clorofilas, expansão das folhas e entre outros processos nos
vegetais.

Divisão celular in vitro e in vivo


Resultados de alguns trabalhos na literatura demonstram a ação das citocininas
quando ofertadas em meio de cultivo in vitro como indutores do processo de divisão

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 68


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022
celular, principalmente junto de diferentes concentrações de auxinas. Outras pesquisas
demonstram que as citocininas também atuam em condições in vivo, por exemplo,
quando genes de citocinina oxidase são superexpressos, a redução de citocininas
acompanha a queda da taxa de proliferação celular em meristemas apicais caulinares.
Além destes resultados, também foram observados resultados que relacionam o
desenvolvimento do floema no sistema radicular em mutantes para citocininas. Plantas
mutantes em receptores de citocininas não desenvolvem o xilema nas raízes,
provavelmente devido, todas as células se diferenciariam em floema, e não sobram células
para se diferenciarem em xilema. Assim os resultados citados são importantes para
demonstrar a ação das citocininas endógenas na proliferação celular em raízes e
diferenciação celular.

As citocininas no cultivo in vitro e a regeneração celular


Durante o ciclo da divisão celular em condições in vitro para folhas de tabaco
observa-se um aumento na concentração de zeatina ao fim da fase S (mitose) e durante a
fase G1. A conexão entre auxinas e citocininas no controle do ciclo celular tem grandes
indícios correlacionando com o controle de enzimas do tipo quinases dependentes de
ciclinas. Alguns pesquisadores mostram que as citocininas estão envolvidas no aumento
da expressão do gene CYCD3, o qual é codificante de ciclinas tipo D. A superexpressão
do gene CYCD3 levou as células à proliferação celular, sem necessidade de adição de
citocinina ao meio de cultura para indução da proliferação celular.
Explantes vegetais do tipo ápices ou axilas caulinares em cultivo in vitro com a
adição apenas de citocininas ao meio proporcionam o brotamento das gemas. A depender
da espécie vegetal, de concentrações endógenas de fitohormônios, do tecido e das
condições ambientais que a planta doadora do explante se encontrava, a resposta
germinativa das gemas poderá ser positiva ou não. Explantes vegetais, como, por
exemplo, medula caulinar e lâmina foliar e mesmo outros tecidos, quando cultivados in
vitro na presença equivalente de citocininas e auxinas, muitas vezes geram crescimento
de massa celular indiferenciada (calo). Esse tecido do tipo calo quando submetido ao meio
de cultivo in vitro com maior proporção de auxina e menor de citocinina geralmente
formam-se raízes. Uma proporção no sentido contrário, com maior concentração de
citocinina oportuniza a diferenciação do calo em brotos (Fig. 4.6).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 69


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022

Figura 4.6. Relação das citocininas e auxinas na morfogênese vegetal em massa celular indiferenciada in
vitro (calos). Fonte: Elaborada pelo autor.

O efeito da proporção de citocininas e auxinas também é observado na natureza,


por exemplo, na manutenção ou da morfogênese diferenciada de tecidos foliares,
caulinares e radiculares. A formação de uma massa celular indiferenciada em folhas in
vivo é conhecida como galha, estas podem ser induzidas por larvas de insetos, fungos e
bactérias. A infecção de larvas que induzem a produção de citocininas e produção de
tecidos em maior quantidade (tumor vegetal), proporciona para as larvas maiores aportes
nutricionais ao seu desenvolvimento. Em Lantana camara as larvas de dípteros realizam
a indução de galha em folhas assim como é observado na imagem abaixo (Fig. 4.7).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 70


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022

Figura 4.7. Representação do efeito das citocininas endógenas em plantas. A – Planta adulta de Lantana
camara. B – Folhas com galhas ocasionadas por dípteros (Schismatodiplosis lantanae). Fonte: Elaborada
pelo autor.

Os fungos que produzem citocininas e que induzem a proliferação celular também


são beneficiados com maior aporte de nutrientes para a área afetada. Esses fungos também
podem induzir em folhas algo conhecido como ilhas verdes que retardam a senescência
foliar de forma localizada, beneficiando o fungo no aporte nutricional. Entretanto
algumas relações, por exemplo, bactérias que infectam as raízes de plantas leguminosas
(soja), do gênero Rhizobium são benéficas às plantas. As citocininas neste caso são
necessárias para aumento na proliferação celular, gerando maior massa celular, para
abrigar as bactérias e maior fixação do nitrogênio atmosférico indisponível para o uso das
plantas, mas que através das bactérias torna-se disponível ao uso vegetal.

As citocininas e o desenvolvimento das gemas caulinares


Mesmo que o controle das gemas caulinares laterais seja feito principalmente por
auxinas que são mobilizadas a partir da gema apical caulinar, as citocininas demonstram
efeito substancial sobre o desenvolvimento inicial das gemas laterais. A aplicação
exógena de citocininas sobre as gemas laterais induz ao processo inicial de crescimento.
Alguns mutantes com superexpressão de citocininas demonstram maiores taxas de
brotações laterais, tendo até mesmo competição das gemas laterais com o crescimento da
gema caulinar apical.

A senescência foliar
É dito que a senescência é um processo fisiológico controlado de acordo com
alguns fatores, dentre eles, destaca-se a distribuição das citocininas das raízes às folhas.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 71


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022
Cita-se como citocininas principalmente envolvidas na senescência foliar a zeatina
ribosídeo e a diidrozeatina ribosídeo. Plantas de tabaco quiméricas com promotor gênico
especial para ativar o gene IPT durante a senescência, mostraram altos níveis de
citocininas que bloquearam a senescência foliar. E inibiu a expressão gênica posterior de
IPT, assim evitou-se produzir citocininas em excesso nos tecidos foliares. Observou-se
por pesquisadores que ao aplicar citocinina em uma área específica do limbo foliar em
senescência, a região que recebeu a citocinina permanecia verde (Fig. 4.8), enquanto o
restante da folha adquire coloração de senescência (amarela e marrom). A aplicação das
citocininas exógenas no limbo foliar, na área específica, retardou a senescência, então foi
observado, um aumento de produção de RNAs, proteínas e mobilização de nutrientes
dentro do limbo foliar até o local aplicado.

Figura 4.8. Folha tratada com citocinina, representando áreas com retardo à senescência (Adaptado
Kerbauy, 2008).

As citocininas e os efeitos correlacionados a luz


Em cotilédones de plântulas que crescem no escuro e são conhecidas como plantas
estioladas, os precursores (proplastídeos) dos cloroplastos não se desenvolvem em
estioplastos, que não conseguem produzir o pigmento clorofila. Entretanto, caso as
plantas estioladas são submetidas à luz, os estioplastos podem se desenvolver em
cloroplastos e gerar o processo fotossintético adequado. O tratamento de folhas estioladas
com citocininas, posterior iluminação destas folhas, observam-se cloroplastos mais
amplos, maior concentração do pigmento clorofila e enzimas relacionadas à fotossíntese.
O pesquisador Suzuki et al. 2004 observou aumento substancial de citocininas endógenas
em tecidos de Catasetum fimbriatum, nas plantas transferidas para ausência de luz,

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 72


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022
durante a formação de ramos estiolados de meristemas caulinares apicais e laterais. Pode-
se gerar a hipótese de que novos drenos são estabelecidos durante a quebra de dominância
apical do tecido de armazenamento do C. fimbriatum no escuro. Esses resultados mostram
a correlação entre citocininas, respostas fisiológicas e morfológicas a partir de uma
espécie de orquídea que é o C. fimbriatum.

As citocininas e os efeitos no sistema radicular


Ao aplicar citocininas exógenas observa-se controle no crescimento radicular,
assim como acontece em transgênicos no gene IPT responsável no ciclo de citocininas.
As citocininas produzidas de maneira natural, que são as citocininas endógenas, parecem
inibir o crescimento do sistema radicular. Um mutante no receptor de citocininas mostra
um sistema radicular mais longo que plantas não mutantes destes receptores. E as plantas
transgênicas com superexpressão das citocininas oxidases, redutoras da concentração de
citocininas normais, também demonstram sistema radicular maior que plantas selvagens,
não transgênicas.

As citocininas e os efeitos nutricionais


As citocininas estão envolvidas durante a mobilização de nutrientes entre
diferentes partes de um vegetal, seja dentro de uma mesma folha ou de folhas fonte, onde
é produzido ou armazenado, para folhas dreno, local que os nutrientes são utilizados.
Experimentos com nutrientes marcados, por exemplo, o uso de aminoácido marcado no
carbono, o C foi aplicado em folhas de cotilédones de Cucumis sativus (pepino) feito por
14

K. Mothes mostram mobilização ou retenção no local que há aplicação da citocinina do


tipo cinetina.
As citocininas de acordo com alguns pesquisadores poderiam ser ativadoras de
mecanismos enzimáticos do metabolismo de nitrogênio, como, por exemplo, o aumento
de atividade da enzima nitrato redutase. A aplicação do nitrogênio na forma de nitrato
mostra plantas com aumentos de citocininas no sistema radicular e sequencialmente nas
folhas. Em estudos com A. thaliana viu-se maior expressão gênica de AtIPT que é
codificador da enzima isopentenil transferase, chave dos processos de síntese das
citocininas. Assim especificamente, o nitrogênio parece ser um dos nutrientes
moduladores do ciclo deste fitohormônio.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 73


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 4 - Neto 2022
O efeito do nitrogênio no metabolismo de citocininas

Os pesquisadores Pereira, Purgatto e Mercier em 2013 observaram uma


correlação negativa do nitrogênio, entre citocininas (zeatina e isopenteniladenina) com a
atividade da enzima fosfoenolpiruvato carboxilase (PEPC) importante para o
metabolismo ácido das crassuláceas. Entretanto, à uma correlação positiva das citocininas
Zeatina e isopenteniladenina com a atividade da enzima nitrato redutase, chave no
processo de absorção do nitrogênio. Ao testar diferentes fontes de nitrogênio (nitrato,
amônio e ureia) Mercier e seus colaboradores observaram que nitrato possibilita um
aumento no balanço equilibrado de auxinas e citocininas para a espécie Vriesea
philippocoburgii. Já outras fontes como amônio e ureia movimentam a relação na direção
de citocininas e assim inibem o desenvolvimento do sistema radicular de Vriesea
philippocoburgii e Tillandsia pohliana. O balanço hormonal regula o equilíbrio entre
parte aérea e parte radicular das plantas, além disso o próprio nitrogênio parece servir
como regulador dos níveis de citocininas ou mesmo auxinas.

Referências

Buchanan, B. B.; Gruissen, W.; Jones, R. L. 2015. Biochemistry and molecular biology
of plants. 2. ed. American Society of Plants Biologistis.
Davière, J. M.; Achard, P. 2017. Organ communication: Cytokinins on the move. Nature
plants, 3(8):1–2
Kerbauy, G. B. 2008. Fisiologia Vegetal. 2 ed. Guanabara Koogan.
Miller, C. O.; Skoog, F.; Von Saltza, M. H.; Strong, F. M. 1955. Kinetin, a cell division
factor from deoxyribonucleic acid1. Journal of the American Chemical Society,
77(5):1392–1392.
Pereira, P. N.; Purgatto, E.; Mercier, H. 2013. Spatial division of phosphoenolpyruvate
carboxylase and nitrate reductase activity and its regulation by cytokinins in
CAM-induced leaves of Guzmania monostachia (Bromeliaceae). Journal of Plant
Physiology, 170(12):1067–1074
Suzuki, R. M.; Kerbauy, G. B. Zaffari, G. R. 2004. Endogenous hormonal levels and
growth of dark-incubated shoots of Catasetum fimbriatum. Journal Plant
Physiology, 161:929–935.
Taiz, L; Zeiger, E. 2006. Fisiologia Vegetal. 3 ed. Artmed.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 74


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 5 - Neto 2022

O impacto do nitrogênio no metabolismo ácido das crassuláceas

Antônio Azeredo Coutinho Neto 1

A fotossíntese nas plantas é um processo pelo qual a energia física é transformada


em energia química fixada em moléculas com carbonos. A degradação posterior destas
moléculas carbônicas orgânicas, gera energia por meio da respiração nas plantas. E então
através de um aparato fotossintético, compostos simples, como, por exemplo, H2O e CO2
são transformados em [CH2O]n que são os carboidratos. Geralmente no tecido foliar,
algumas células possuem uma organela chamada de cloroplastos que contém o pigmento
clorofila de coloração verde. É nesta organela, por meio da clorofila que a energia
luminosa impulsiona os elétrons à níveis mais altos de energia em uma cadeia
transportadora de elétrons. O gás carbônio e a água são convertidos em carboidratos e
outros assimilados e há liberação de oxigênio para a atmosfera (Fig. 5.1).

Figura 5.1. Representação da reação química da fotossíntese mediada por luz (Adaptado de Taiz e Zeiger,
2006).

Os carboidratos são utilizados por outra organela que é a mitocôndria, a qual


transforma a energia fixada nas ligações carbônicas em moléculas de adenosina trifosfato
(ATP). Além disso, nas reações da mitocôndria, é liberada a nicotinamida adenina
dinucleótido na forma reduzida (NADH), utilizada na transferência de elétrons durante a
fosforilação oxidativa e há consumo de oxigênio neste processo. Enquanto os cloroplastos
proporcionam reações químicas no caminho de baixo nível energético para altos níveis
energéticos armazenados, as mitocôndrias seguem o caminho contrário, de altos níveis
para baixos de potencial de redução (Fig. 5.2).

Universidade de São Paulo

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 75


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 5 - Neto 2022

Figura 5.2. Representação da fotossíntese e respiração celular (Adaptado de Kerbauy, 2008).

A fixação do CO2 é realizada pela enzima ribulose bifosfato carboxilase/oxigenase


(RUBISCO). Essa enzima é considerada como papel central na entrada de carbono para
os organismos vivos na Terra. Como o próprio nome da enzima coloca, existem duas
funções para essa enzima, em uma delas é feita a carboxilação e em outra ela realiza a
oxigenação do substrato, pentose ribulose-1,5-bifosfato (RuBP). Assim, tanto o CO2
quanto o O2 podem se acoplar no sítio ativo da RUBISCO e reagir com RuBP. Na
carboxilação formam-se 2 moléculas de ácidos orgânicos e na oxigenação forma-se
apenas uma molécula. Essa via carboxilativa que gera a produção final de carboidratos,
no qual é regenerado o RuBP chama-se de ciclo Calvin-Benson ou ainda Ciclo
fotossintético C3. Porém quando a RUBISCO atua na sua função oxigenase, forma-se o
fosfoglicerato que é procesado por meio da via C2 ou também conhecida como via
fotorespiratória. Entretanto nessa via fotorespiratória as plantas consomem O2 e perdem
CO2 que já havia sido fixado (Fig. 5.3).

Figura 5.3. Ciclos da fotossíntese, redutiva (C3) e oxidativa (C2) (Adaptado de Kerbauy, 2008).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 76


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 5 - Neto 2022
Como foi visto no esquema acima, o quanto a fotossíntese será eficiente, com base
no exposto até o momento, dependerá dos ciclos C3 e C2 e isso é realmente o que acontece
em muitas espécies de vegetais. Entretanto, a disponibilidade de CO2 ou de O2 disponível
para as funções de carboxilação ou oxigenação da RUBISCO sofrerá influências de
alguns fatores, como, estruturais dos vegetais, fisiológicos e de condições abióticas,
como, por exemplo, a condição nitrogenada. Como maneira de reduzir ou mesmo evitar
completamente a via fotorespiratória ao longo do processo evolutivo, as plantas
desenvolveram algumas estratégias de concentrar o CO2 no sítio da RUBISCO. São
conhecidos e estudados dois tipos de mecanismos concentradores de CO2 em plantas
vasculares. Um deles é o metabolismo C4 e o outro é o metabolismo ácido das
crassuláceas (CAM), no qual ambos são concentradores de CO2 de maneira bioquímica
no sítio da RUBISCO.

No caso das plantas C4 existem duas camadas celulares que são utilizadas durante
a fotossíntese, em que são feitos os ciclos de carboxilação e descarboxilação do CO2. A
primeira camada, mais próxima da atmosfera chamam-se as células do mesófilo e a
segunda camada chamam-se de células da bainha perivascular. Então há divisão espacial
das tarefas executadas nos tecidos. Nas células do mesófilo carboxila-se o ácido
fosfoenolpirúvico (PEP) através da enzima fosfoenolpiruvato carboxilase (PEPC) e
forma-se um ácido orgânico de quatro
carbonos. Este ácido de quatro carbonos é
transportado para as células da bainha
perivascular onde é descarboxilado em CO2 e
mais uma molécula de três carbonos, que volta
as células do mesófilo. O CO2 é então
concentrado no sítio da RUBISCO nas células
da bainha perivascular que produzirá os
carboidratos (Fig. 5.4). Figura 5.4. Ciclo C4 da fotossíntese (Adaptado
de Kerbauy, 2008).

Em algumas outras plantas, como, por


exemplo, aquelas que pertencem à família Crassulaceae, é observado o metabolismo
ácido das crassuláceas (CAM). É importante relatar que o CAM não é encontrado apenas
em plantas da família Crassulaceae, mas também em 26 outras famílias de angispermas,
38 famílias de pteridófitas aquáticas e 2 famílias de gminospermas. Este também é um
mecanismo evolutivo concentrador de CO2. Entretanto diferente do mescanismo C4 que

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 77


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 5 - Neto 2022
a concentração acontece em decorrência de divisão espacial, em plantas CAM a divisão
é temporal. Esse mecanismo CAM é relatado como essencialmente selecionado em
resposta aos ambientes áridos. Ainda algumas plantas também desenvolveram esse
mecanismo pois vivem em ambientes aquáticos com pouco CO2 disponível. Em plantas
terrícolas o CAM oportuniza que as plantas consigam assimilar o CO2 no período noturno,
que a temperatura é menor no ambiente e umidade é maior, assim reduz perdas de água
por transpiração, quando realiza abertura estomática (Fig. 5.5).

Figura 5.5 Separação temporal dos processos do CAM. Fonte: Elaborada pelo autor.

Então as CAM realizam a fixação em grande quantidade de CO2 no período


noturno quando as condições ambientais são melhores para reduzir as perdas de água.
Assim, pode-se dizer que o a carboxilação é noturna, enquanto que a descarboxilação no
sítio da RUBISCO é diurna, quando os estômatos estão fechados. Assim como em plantas
C4 a fixação, que no caso de plantas CAM é notruna, também é feita pela enzima PEPC
que gera o ácido oxaloacético (oxaloacetato). O oxaloacetato (OAA) é metabolizado pela
enzima malato desidrogenase (MDH) em ácido málico (malato). Então ao longo da noite
a ácidez irá aumentando nos tecidos das plantas, que podruzem principalmente o malato
ou ainda em alguns casos o ácido cítrico (citrato), que são armazenados nos vacúolos das

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 78


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 5 - Neto 2022
células. No período diurno com os estômatos fechados o malato ou o citrato saem do
vacúolo e são descarboxilados em CO2 e/ou ao piruvato para serem utilizados pelo ciclo
de Calvin. Este tipo de CAM que ocorre em muitas espécies com o CAM que pode ser
observado abaixo é chamado de CAM clássico (Fig. 5.6).

Figura 5.6. Funcionamento metabolíco do CAM de acordo com o período em 24h (Adaptado de Taiz e
Zeiger, 2006).

Algumas plantas normalmente apresentam o ciclo C3, mas em determinadas


condições ambientais podem ser induzidas ao CAM. Em plantas terrícolas é bem
documentado a indução do CAM por meio de aumento da salinidade, luminosidade e
seca. As plantas que possuem flexibilidade fotossintética para passarem de C3 para o
CAM são conhecidas como plantas CAM-facultativas, ou seja, conseguem ir ao CAM ou
mesmo em alguns casos voltar do CAM à depender das condições ambientais que são
expostas. Em condições muito extremas algumas plantas podem ser induzidas ao CAM
“mais forte”, que destaca-se por um fechamento completo dos estomâtos, nesta situação
não ocorre abertura estomática no período noturno e também no diurno, este é o CAM
idling. Vale ressaltar que existem situações que algumas plantas CAM podem se
comportar como C3 na abertura estomática e estas plantas possuem o CAM chamado de
CAM cycling. Na figura 5.7 abaixo, podemos observar os diferentes tipos de CAM de
acordo com a abertura estomática.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 79


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 5 - Neto 2022

Figura 5.7. Diferentes tipos de fotossínte CAM e a C3 com relação aos parâmetros de abertura estomática,
assimilação do CO2 e variação de ácidos orgânicos (Adaptado de Matiz et al, 2013 e Mioto et al., 2015).

As plantas que vivem em ambientes com alterações das condições ambientais


hídricas, com foco para os períodos de déficits hídricos, normalmente também estão
submetidas à outras variações como alta luminosidade, temperatura e ainda dificuldade
para obtenção de nutrientes. Pois temos que lembrar que os nutrientes são absorvidos do
ambiente normalmente dissolvidos na solução de água. Então podemos dizer que a água
torna-se por muitas vezes o veículo que transporta os nutrientes para dentro dos vegetais.
Em situações que há falta de recursos hídricos as plantas ficam sujeitas também à falta de
nutrientes por muitas vezes. Um exemplo de um ambiente com variação intermitente de
água e consequentemente nutrientes, destaca-se o ambiente epifítico.

Um nutriente muito utilizado em diversos processos vegetais, como a construção


de aminoácidos, proteínas, clorofilas e que no ambiente epifítico está ainda menos
disponível é o nitrogênio. Em situações de seca esse nutriente torna-se ainda mais
limitante ao desenvolvimento vegetal. Pesquisas feitas pelo grupo de Rodrigues et al com
bromélias observaram que o CAM foi potencializado na presença de déficit hídrico e falta
dos nutrientes em geral. A adubação prévia de plantas possibilitava menor atividade de
enzimas do CAM. Mas especificamente a falta de nitrogênio em plantas adultas de
Guzmania monostachia proporcionou alta ativação do CAM ao comparar com à falta de
fósforo ou potássio (Fig. 5.8).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 80


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 5 - Neto 2022

Figura 5.8. Impacto na condição nutricional na atividade de uma das enzimas chaves do CAM de G.
mostachia adulta (Adaptado de Rodrigues et al, 2014).

Além no nitrogênio na solução nutritiva de Knudson, que está na forma de nitrato


de amônio, Rodrigues e seus colaboradores também observaram que diferentes fontes de
nitrogênio separadamente (nitrato, amônio ou ureia) parecem modular o CAM (Fig. 5.9).
Os pesquisadores correlacionam a preferência nutricioal com a maior atividade do CAM
na bromélia G. mostachia adulta que é uma planta CAM-facultativa. Porém ainda outras
questões quando a sinalização do próprio tipo de fonte nitrogenada, deverão ser fontes de
pesquisas futuras na espécie em questão ou outras espécies.

Figura 5.9. Impacto de diferentes fontes de nitrogênio na atividade de PEPC das plantas adultas de G.
mostachia (Adaptado de Rodrigues et al, 2014).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 81


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 5 - Neto 2022
Perspectivas da influência do nitrogênio no CAM
Sabemos que vários locais no mundo terão falta de água, sendo o setor agrícola o
mais ameaçado por alterações climáticas como a escassez hídrica. Conforme o relatório
do IPCC (2021) secas agrícolas são esperadas para os próximos anos, visto possíveis
cenários de aquecimento global. Além disso, a regulação nutricional para maior
produtividade agrícola aliada ao cenário de déficit hídrico será cada vez mais necessária.
Visto que o nitrogênio é o elemento químico mais utilizado por plantas, principalmente
as agriculturáveis que produzem alguma parte comestível, por exemplo, frutos ou
sementes, que necessitam do aporte de carboidratos e proteínas.
As pesquisas que possibilitam maior compreensão do CAM, o qual economiza
maior quantidade de água. E pesquisas sobre o nitrogênio que poderá modular o CAM
são de grande importância para o futuro da agricultura. Já existem pesquisas com a
proposta de ativar o CAM em plantas C3 ou mesmo induzir carcaterísticas do CAM em
plantas não CAM sejam elas C3 ou C4. À exemplo, da planta de interesse para essas
pesquisas, podemos citar o Oryza sativa (arroz) que fornece substâncial alimento aos
seres humanos e que possuí o caminho fotossintético C3. Essas plantas em um futuro
podem ter características CAM induzidas e concomitante ter a sua modulação por fonte
nitrogena, melhorando a produtividade, mesmo em condições adversas hídricas e/ou
nutricionais.

Referências

Buchanan, B.B.; Gruissen, W.; Jones, R.L. 2015. Biochemistry and molecular biology of
plants. 2. ed. American Society of Plants Biologistis.
IPCC. 2021. Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working
Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on
Climate Change [Masson-Delmotte, V., P. Zhai, A. Pirani, S.L. Connors, C. Péan,
S. Berger, N. Caud, Y. Chen, L. Goldfarb, M.I. Gomis, M. Huang, K. Leitzell, E.
Lonnoy, J.B.R. Matthews, T.K. Maycock, T. Waterfield, O. Yelekçi, R. Yu, and
B. Zhou (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and
New York, NY, USA.
Kerbauy, G. B. 2008. Fisiologia Vegetal. 2 ed. Guanabara Koogan.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 82


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 5 - Neto 2022
Matiz, A.; Mioto, P.T.; Mayorga, A.Y.; Freschi, L.; Mercier, H. 2013. CAM
photosynthesis in bromeliads and agaves: what can we learn from these plants?
In: Zvy Dubinsky ed. Photosynthesis: InThec, 91–134.
Mioto, P.T.; Rodrigues, M.A,; Matiz, A.; Mercier, H. 2015. CAM-like traits in C3 plants:
biochemistry and stomatal behavior. In: Lüttge U, Beyschlag W, eds. Progress in
Botany. Progress in Botany 76:195–209.
Rodrigues, M. A.; Freschi, L.; Pereira, P. N.; Mercier, H. 2014. Interactions between
nutrients and crassulacean acid metabolism. In: Progress in botany (pp. 167–186).
Springer, Berlin, Heidelberg.
Taiz, L; Zeiger, E. 2006. Fisiologia Vegetal. 3 ed. Artmed.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 83


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 6 - Neto 2022
A auxina no desenvolvimento vegetal: Respostas nas angiospermas
epífitas

Antônio Azeredo Coutinho Neto 1

História das auxinas


As auxinas estão entre os fitohormônios, assim chamados ou de hormônios
vegetais, pois desencadeiam respostas vegetais em níveis gênicos, metabólicos e
anatômicos. A classe chamada de auxinas foi descrita em evidências iniciais por Charles
Darwin e Francis Darwin em 1880, quando estavam estudando plântulas jovens de alpiste
e a influência da luz unidirecional. Então sugeriram que existiria um sinal que induziria
a movimentação destas plantas em direção a luz. De acordo com o experimento, remover
o ápice do coleóptilo fazia com que a planta deixasse de crescer e não ocorria mais a
movimentação em relação a luz. A sugestão foi que o coleóptilo seria o local à perceber
a luz de alguma forma (Fig. 6.1).

Figura 6.1. Experimento realizado por Charles Darwin e Franscis Darwin (Adaptado de Kerbauy, 2008).

Em 1928 Frits Warmolt Went realizou um experimento semelhante àquele de


Charles Darwin e Francis Darwin, entretanto com modificações que lhe permitiram
descrever uma substância capaz de promover o crescimento das células. Went cortou os
ápices dos coleóptilos e deixou sobre blocos de ágar-ágar. Os blocos foram inseridos
sobre coleóptilos decapitados, que mostraram capacidade de curvar-se novamente, em
relação a capacidade da qual haviam perdido por terem tido seus ápices retirados. O
Universidade de São Paulo
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 84
TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 6 - Neto 2022
pesquisador nomeou essa substância, como auxein, uma palavra do grego que significa
crescer ou aumentar. Ainda concluiu que a auxina seria a responsável pelo fototropismo
positivo, com a curvatura das plântulas de aveia em direção a luz (Fig. 6.2).

Figura 6.2. Experimento realizado por Frits Warmolt Went (Adaptado de Kerbauy, 2008).

Nas plantas são encontradas algumas auxinas que ocorrem naturalmente, ou seja,
são naturais, produzidas por vias bissintéticas dos vegetais. Entretanto também são
produzidas substâncias chamadas de auxinas sintéticas, ou seja, sintetizadas em
laboratórios. É importante que tenhamos conhecimento destas susbtâncias, pois algumas
delas são utilizadas em maior quantidade em laboratório com testes de exposição externo
para indução de organogênese. Além da importância de conhecer sobre as respostas
fisiológicas internas dos vegetais as auxinas naturais. Em laboratórios usa-se com
frequência os naturais, ácido indol-3-acético (AIA) e ácido indolil-3-butírico (AIB), como
sintéticos são utilizados o ácido 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D) e ácido α-
naftalenoacético (α-ANA). Mas vale ressaltar que alguns protocolos de aplicação in vitro
ou ex vitro de auxinas utilizam outras substâncias das listadas na figura abaixo (Fig. 6.3).

Figura 6.3 Auxinas naturais e sintéticas (Adaptado de Kerbauy, 2008).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 85


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 6 - Neto 2022
É importante ressaltar ainda o papel das auxinas sintéticas na agricultura como
herbicidas, promotores da abscisão foliar e de forma positiva para os processos de cultivo,
quando em pequenas concentrações e pequenas exposições como promotores do sistema
radicular. Um exemplo desta última aplicação pode ser observada em brotos de bromélias
sem raízes que são submetidas à água ou há duas concentrações diferentes de AIB (Fig.
6.4).

Figura 6.4. Indução de raízes em bromélia por AIB. Fonte: Elaborada pelo autor.

Produção das auxinas


As auxinas são produzidas primariamente e principalmente em meristemas apicais
caulinares ou radiculares, nas sementes durante a germinação, em meristemas para
cicatrização, folhas jovens, etapas de alguns frutos e em 34 gêneros de fungos.
Explicitando brevemente sobre essa última relação sobre plantas e fungos produtores de
auxinas, ainda é um campo de estudos pouco compreendido. Algumas informações sobre
a relação fúngica são relatadas de acordo com o esquema abaixo (Fig. 6.5).

Figura 6.5. Produção de auxinas por fungos (Adaptado de Fonseca et al., 2018).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 86


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 6 - Neto 2022
A via metabólica que realiza a produção da auxina em fungos ocorre a partir da
molécula do triptofano (Trp), com vias dependentes do Trp e independentes de Trp. A via
com todos seus metabólitos envolvidos ainda está em elucidação, assim como o papel
específico em cada relação estabelecida por uma espécie de fungo e uma espécie de
planta.
Para sintetizar a principal e mais abundante auxina na maioria das plantas existem
três rotas biossintéticas capazes de produzir como produto final o ácido indol-3-acético
(AIA). Todas as rotas partem da molécula de Trp, como aminoácido precursor dos
intermediários que se seguem até o AIA. A principal rota utilizada pela maioria das
plantas é a rota AIP, no centro do esquema abaixo. Também são claras outras rotas
biossintéticas que convertem o Trp em AIA, como a rota TAM ou ainda a rota IAN. É
importante ressaltar que as plantas podem utilizar apenas uma única rota ou uma
combinação de rotas para produzir como produto final o AIA (Fig. 6.6).

Figura 6.6. Vias biossintéticas do ácido indol-3-acético (Adaptado de Taiz e Zeiger, 2006).

Transporte das auxinas


O AIA acumula-se em compartimentos alcalinos, principalmente sendo alocado
nos cloroplastos das células ou ainda no citosol. As auxinas, têm como a maior
concentração dos hormônios endógenos na forma de AIA. Esse é transportado
principalmente em uma única direção, do ápice para a base, chamado de transporte polar

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 87


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 6 - Neto 2022
das auxinas. No ápice caulinar o AIA é
transportado do meristema apical
caulinar em direção aos tecidos e as
folhas mais maduras ou na raiz que o
AIA é levado aos tecidos radiculares
mais maduros, chama-se de transporte
basípeto. Já o transporte que acontece
do ápice radicular em direção ao córtex
radicular chama-se de transporte
acrópeto (Fig. 6.7).
Foi descoberto um mecanismo
de transportadores do AIA em
membranas plasmáticas das células de
Arabidopsis thaliana. Sabe-se que o Figura 6.7. Transporte das auxinas. A – Esquema de plântula com
destaque para o ápice caulinar e ápice radicular. B – Ápice caulinar,
AIA existe na sua forma associada ao com produção do AIA no meristema apical caulinar e transporte
basípeto. C - Ápice radicular, com produção do AIA no meristema
hidrogênio (protonada) que é o AIAH e apical radicular e transporte acrópeto (Adaptado de Kerbauy, 2008).

em sua forma dissociada de hidrogênio


(aniônica) que é o AIA-. Por meio do modelo de
transporte quimiosmótico é descrito que o AIAH
difunde-se passivamente e por meio de proteínas
transportadoras (simporte) para dentro das
células em qualquer direção. Porém a saída do
AIA das células acontece na sua forma aniônica
na região basal das células por meio de proteínas
transportadoras de efluxo (PIN) e esse processo é
impactado por alterações ambientais, como, por
exemplo, a luz e a gravidade (Fig. 6.8).

Efeito das auxinas em angiospermas


O efeito das auxinas dependerá de alguns
fatores, principalmente sua concentração e tecido Figura 6.8. Transporte quimiosmótico do AIA
(Adaptado de Kerbauy, 2008)
que for encontrado. Em alta concentração o efeito
poderá exercer função inibitória e em baixas concentrações a auxina atuará como
promotora. Além disso, o efeito causado por substâncias de auxinas dependerá de outras

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 88


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Capítulo 6 - Neto 2022
moléculas de sinalização. Sejam essas moléculas fitohormônios, como, por exemplo, as
citocininas, largamente registrado na literatura a ação conjunta ou, por exemplo, a
sinalização ocasionada por nitrogênio, que impacta em respostas endógenas de auxinas,
levando à alterações metabólicas e anatômicas. O gradiente de auxinas de ápice para a
base afeta os processos de divisão celular, alongamento caulinar, a dominância apical, o
desenvolvimento embrionário, o processo de cicatrização à lesões e a senescência foliar.

Divisão celular
O AIA que tem sua biossíntese nos tecidos jovens, especialmente em meristemas
apicais (caulinar e radicular), associa-se ao processo de divisão celular e alongamento
celular. Em partes aéreas das plantas, no meristema caulinar o AIA atua em rápidos
crescimentos celulares. Nas raízes o AIA por meio do transporte acrópeto no tecido de
parênquima vascular é importante para a divisão celular do periciclo. De acordo com a
literatura as auxinas em conjunto com as citocininas, promovem a progressão do ciclo
celular por meio da formação de um complexo ativo, chamado de CDK/a-CYC/D3
durante o intervalo da fase G1 para a fase S.

Alongamento e expansão celular


O crescimento dos tecidos poderá ocorrer por aumento do número de células, mas
também por aumento irreverssível do volume celular, que ocorrerá em todas as direções
das três dimensões celulares. Já o alongamento celular, ocorre por aumento da célula em
uma única direção, por exemplo, em comprimento do tecido celular. Determinadas
proteínas receptoras de auxinas podem mobilizar e ativar H+ATPases de membranas
plasmática, que levam à acidificação da parede celular e assim alongamento da célula.
Esse alongamento é explicado como hipótese do crescimento ácido, onde poderá ocorrer
ativação de H+ATPases já existentes ou mesmo a biossíntese de novas H+ATPases na
membrana plasmática. Assim, afrouxar a parede celular que se expande de acordo com
proteínas expansinas, as quais têm dependência do pH. Estas atuam sobre as ligações do
tipo pontes de hidrogênio da celulose e hemeceluloses, que normalmente seriam mais
rígidas. Concomitante ao processo de afrouxamento da parede celular, acontece a entrada
de água nas células, aumentando-as de tamanho.
As auxinas ligadas com o alongamento estão normalmente em concentrações
biossintéticas ótimas, o excesso de concentração do AIA está relacionado com a

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 89


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Capítulo 6 - Neto 2022
biossíntese de etileno, com consequências negativas ao crescimento e alongamento.
Também é descrita uma sinergia de trabalho entre auxinas e os fitohormônios giberelinas
(já descritos em várias espécies e tecidos como responsável pelo alongamento celular).
As auxinas podem promover a biossíntese de precursores das giberelinas, assim na falta
de auxinas, também faltará precursores para produzir giberelinas e realizar o alongamento
celular.

Diferenciação celular
A concentração de auxinas irá determinar o início da diferenciação celular em
elementos vasculares, como, por exemplo, o xilema, o qual a auxina impacta diretamente
na sua formação de acordo com a difusão do AIA. As auxinas estão presentes durante a
rediferenciação, após uma lesão no tecido. A concentração mais alta de auxinas foi
observada na literatura como promotora da diferenciação de xilema e floema, visto que
baixais concentrações, promovem diferenciação apenas de floema. Acredita-se que
células ao redor da lesão com maior capacidade de transporte basípeto das auxinas se
diferenciam novamente nos elementos de vasos perdidos durante a lesão. O evento de
rediferenciação, postula-se como semelhante ao que acontece para que células
meristemáticas apicais, os quais passam à formar células pró-cambiais e posteriormente
traqueais.
O AIA induz a formação de primórdios radiculares adjacentes aos vasos de
protoxilema em processo de diferenciação. Nesse processo as citocininas quando
trabalham em conjunto em maiores concentrações inibem a formação dos primóridos,
principalmente próximos do meristema apical radicular. Já em menores concentrações de
citocininas e em conjunto comparativo com auxinas em maiores concentrações que
citocininas, haverá formação das raízes laterias ou mesmo raízes adventícias em caules.
O AIA acrópeto que é transportado no sistema radicular na região do estelo é importante
para começar a divisão celular no periciclo e manter o desenvolvimento das células de
raízes laterais formadas.

Essas informações também são importantes para o processo da agricultura


chamado de enxertia, no qual o ápice caulinar decapitado de uma planta é colocado sobre
a base caulinar de outra planta (sem o ápice caulinar original). O ápice enxertado
normalmente tem melhor qualidade genética produtiva ou tem alguma resistência à

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 90


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 6 - Neto 2022
pragas e doenças. A diferenciação celular também é muito relevante na agricultura para
outro processo de produção de mudas por alporquia, que geram-se mudas com raízes a
partir de caules (ramos destacados após produção de raízes). É feito a retirada do tecido
que compõe a casca, que na sua base superior irá diferenciar raízes. A produção de mudas
por estaquia (ramos destacados das plantas, sem raízes), também possui bom
aproveitamento para algumas plantas produzidas comercialmente, como, por exemplo, a
Dracena sanderiana (lucky bamboo) largamente vendida em floriculturas e comércios
com plantas.

Quebra da dominância apical


A quebra da dominância apical esta bem estabelecida como metodologia para
manejo de culturas, por exemplo, frutíferas e árvores de paisagismo. A retirada do ápice
caulinar oportuniza o desenvolvimento das gemas laterais (brotações laterais). Esse fato
ocorre visto que a auxina é produzida em grande parte no meristema apical. Acredita-se
que a concentração biossintética ótima para crescer o meristema apical é maior que para
os meristemas lateriais, quando retira-se o maior fluxo de auxinas (produzido pelo
meristema apical), o menor fluxo de auxinas oportuniza o desenvolvimento das gemas
laterais.
Postula-se que o fitohormônio ácido abscísico (ABA) também relaciona-se
diretamente com a inibição de gemas laterais, trabalhando em conjunto com a
concentração de auxina não ideal para o crescimento das gemas. Além do ABA, a
citocinina também é relacionada com a quebra da dormência das gemas laterias,
induzindo-as ao desenvolvimento em sinergia com menores concentrações de auxinas.
Ao decapitar (retirar com bisturi o ápice caulinar) uma planta de feijão (Phaseolus
vulgaris) veremos o desenvolvimento das gemas laterias em relação à uma planta não
decapitada (controle). Entretanto, se no local do corte que foi usado para decapitar o
feijão, for inserida uma pasta com auxina, neste caso não veremos o desenvolvimento das
gemas laterias (Fig. 6.9).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 91


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Figura 6.9. Dominância apical realizada por AIA em Phaseolus vulgaris. A – Não foi decapitado o ápice
caulinar. B – Ápice caulinar decapitado e no local usada a lanolina sem AIA (gemas laterias desenvolvidas).
C – Ápice caulinar decapitado e no local usada a lanolina com AIA (gemas laterias não desenvolvidas)
(Adaptado de Taiz e Zeiger, 2006).

Desenvolvimento das flores e dos frutos


A auxina geralmente quando aplicada em plantas inibe a formação das flores,
porém caso seja inibido o transporte de auxinas, formam-se flores anormais. Esse fato
sugere que o tranporte de auxinas é necessário para que flores normais sejam formadas.
Em bromélias a aplicação externa de auxinas induz a formação floral, provavelmente
devido a bissíntese de etileno desencadeada nestas plantas, que são sensíveis ao etileno
para indução da floração. No pólen há produção ou reserva de auxinas e giberelinas que
servem como estímulo inicial da formação do fruto.
Ao ser fertilizado o ovário inicia o processo de desenvolvimento e formação das
sementes. Para que o fruto em formação cresça é necessário aporte de auxinas das
sementes, que é proveniente do endosperma e nos estágios subsequentes a principal fonte

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 92


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de biossíntese das auxinas são os embriões em desenvolvimento. Em plantas selvagens
com formação de frutos normais, existe uma correlação íntima entre a formação do tecido
do fruto, por divisão celular e o número de sementes formadas. Já que a principal fonte
de auxina são as sementes, no caso de não ter sementes, poderá ocosionar uma má
formação no fruto. Assim como as auxinas estão ligadas à divisão celular, com aumento
do fruto, também são correlacionadas com o aumento do volume do fruto por expansão
das paredes celulares e consequente aumento do volume de água em frutos carnosos.
Durante o amadurecimento dos frutos, por exemplo, em receptáculos de morangos, ocorre
uma redução nos níveis de auxinas, juntamente com o ABA que é sintetizado.

Abiscisão foliar
A abscisão foliar é importante processo para descartar folhas velhas ou
danificadas, como estratégia de liberar frutos e sementes já prontos para a dispersão. Os
órgãos separam-se da planta por meio de uma pequena região anatômica chamada de zona
de abscisão. No caso das folhas, essa região localiza-se na base do pecíolo que encontra
o caule, anatomicamente as células na zona de abscisão são conhecidas como camada de
abscisão. As células tem menor tamanho que outras células do tecido foliar ou caulinar
próximos e contém conteúdo citoplasmático denso. A sescência foliar ocorre devido a
expansão da camada celular de abscisão foliar, digestão das paredes das células, tornando-
as mais maleáveis e fracas à fraturas (Fig. 6.10).

Figura 6.10. Observação de folha senescente com foco na zona de abscisão foliar. Fonte: Elaborada pelo
autor.

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Observa-se maior concentração de auxinas nas folhas jovens, que normalmente
não estão senescentes, já em folhas mais velhas, a concentração de auxina é mais baixa
ou até mesmo inexistente. Em contra partida em folhas jovens o fitohormônio etileno é
pouco prodruzido e em folhas mais velhas à maior produção assim como maior
responsividade ao etileno. Sugere-se então que maiores fluxos de auxinas transportadas
ao longo da folha impedem o processo de senescência. Enquanto que a redução da auxina
e aumento do etileno, levam a senescência e consequentemente a abscisão foliar (Fig.
6.11).

Figura 6.11. Representação das respostas de auxina e etileno em diferentes idades de folhas (Adaptado de
Kerbauy, 2008).

Efeito das auxinas em epífitas


As auxinas ocasionam variadas respostas nos tecidos vegetais, tanto relacionada
ao estágio vegetativo, quanto no estágio reprodutivo. O clado chamado de angiospermas,
que encontra-se o filo Anthophyta, comumente chamadas de plantas floríferas, abriga a

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 94


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Capítulo 6 - Neto 2022
maior parte das plantas, com cerca de 250.000 espécies conhecidas. Anteriormente foram
descritas algumas alterações relatadas de maneira geral para as angiospermas. Entretanto,
especificamente para uma família muito diversa, dentro do filo Anthophyta, com
aproximadamente 25.000 espécies, em que a maioria das espécies ocupa o ambiente
epifítico, as Orchidaceae. Desta família existem relatos de acordo com a aplicação
exógena ou estudo de auxinas endógenas com respostas variadas aos fitohôrmonios
auxinas isoladas ou em conjunto com as citocininas, de acordo com a tabela .1 abaixo:
Tabela 6.1. Auxinas como promotoras ou inibidoras de respostas em orquídeas (Adaptado de Novak et al.,
2014).
Promotor (P)
Resposta Ou Fitohormônio(s) Referências*
Inibidor (I)
Auxinas (ANA, AIA) +
3,9,13,14,15,16,
Floração P/I citocininas (BAP, TDZ)
21
Auxinas (AIA, 2,4-D, IBA) 12,35
Auxinas (ANA, AIA) +
Germinação P/I Citocininas (BA, kinetina,
8,10,18,35
CW)

Auxinas (AIA, 2,4-D) 17,29


Auxinas (ANA, IBA) +
Formação do
P citocininas (BA, BAP, TDZ,
protocormo 5,19,24,25,36,37
kinetina)

Auxinas (ANA, AIA, 2,4-D) 5,34,29


Formação de calos P Auxinas (2,4-D)+ citocinina
(TDZ) 4,5,20,28

Auxinas (ANA, AIA, 2,4-D,


Embriogenese
I IBA) 5,6,22
somática
Auxinas (ANA, AIA, 2,4-D) 11,19,29
Indução/crescimen Auxinas (ANA) +
P
to de brotos citocininas (BAP, TDZ) 2,7,26,27,33,30

Indução/crescimen
1,23,25,26,31,32
to de raízes P Auxinas (ANA, AIA, IBA)
,
Tricomas P Auxinas (ANA, AIA, 2,4-D) 18,29,38,39
*A lista de referência encontra-se no final do capítulo.

Grande quantidade de espécies epífitas também pode ser encontradas na família


Bromeliaceae, que contém ao todo cerca de 3.352 espécies dentro de 58 gêneros
distribuídos ao longo das zonas tropicais e subtropicais, ao sul dos Estados Unidos até o

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 95


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Capítulo 6 - Neto 2022
Sul do Chile e Argentina, com uma única espécie na África Ocidental. Em bromélias
como Vriesea philippocoburgii e Tillandsia pohliana os pesquisadores Mercier e
colaboradores em 1997 observaram que ofertar nitrogênio na forma de ureia in vitro pode
influenciar positivamente nos níveis de auxinas endógenas. Como já mencionado
anteriormente (Fig. .4), ofertar AIB seja ex vitro ou quando outros pesquisadores
ofertam no meio de cultivo in vitro induz a formação de raízes em brotos de bromélias.
Algumas espécies de bromélias de interesse comercial, podem ser induzidas ao
brotamento em grande quantidade in vitro com presença de auxinas e citocininas. Por
exemplo, Pickens e seus colaboradores induziram brotos adventícios de Tillandsia eizii
a partir de calos, na presença da auxina, ácido 1-naftalenoacético (ANA) + citocinina,
assim, conseguiram formação de maior número de indivíduos, do que obtêm-se por
meio da germinação de sementes.

Efeito das auxinas no cultivo in vitro


As auxinas utilizadas no cultivo in vitro de plantas podem desempenhar variadas
funções, à depender da substância química, com biossíntese natural no metabolismo
vegetal ou aplicação de substância sintética. Além disso, as respostas in vitro dependem
muito da concentração da substância externamente aplicada (no meio de cultura), do tipo
de tecido vegetal (mais ou menos responsivo), da concentração de fitohormônios nos
tecidos e da espécie vegetal que será submetida à determinada concentração de auxina.
Entretanto, pode-se descrever efeitos gerais das auxinas aos quais as substâncias são
frequentemente utilizadas, para enraizamento e indução de calogênese (produção de
massa celular indiferenciada (Fig. 6.12). Para induzir calos em várias culturas, a
concentração da auxina utilizada, normalmente é maior do que para produção de raízes
nas mesmas culturas.

Figura 6.12. Caule de Garcinia humilis. A – Controle (Oxidado). B – Meio de cultivo in vitro com adição
de 2,4-D (formação de calogênese). Fonte: Elaborada pelo autor.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 96


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Capítulo 6 - Neto 2022
Quanto ao uso das auxinas no cultivo in
vitro devemos lembrar que a adição neste tipo de
cultivo será feita em concentrações que variam de
micromolar (µM) à milimolar (mM). Por este
motivo que são feitas soluções concentradas em
agua, também chamadas de soluções estoques, já
que pesar pouquíssimas gramas várias vezes para
cada litro de meio de cultura é inviável. Após
prontas as soluções estoques à depender de qual
auxina será utilizada devem ser armazenadas no
freezer -20 °C ou na geladeira entre 1,5 e 4 °C.
Para dissolver os sólidos das substâncias de Figura 6.13. Contaminação da solução
auxinas, que se comportam como ácidos fracos, estoque por fungos. Fonte: Elaborada pelo
autor.
normalmente usa-se água morna e algumas gotas
de KOH ou NaOH. A solução estoque, que foi mantida na geladeira, deve ser observada
quanto a presença de contaminação. Se notada contaminação, por fungos ou bactérias,
deve-se proceder o descarte e realizar nova solução estoque. Abaixo é possível observar
a contamicação de uma solução por fungos, na qual ve-se a estrutura visível a olho nu do
contaminante (Fig. 6.13).

Considerações gerais

As auxinas são substâncias com muitas possibilidades de respostas vegetais, desde


o processo inicial de germinação, às divisões celulares, as diferenciações celulares ao
longo do crescimento e desenvolvimento vegetal. Atuam em processos da formação de
estruturas germinativas em orquídeas como protocormos, na embriogênese somática,
formação de calos, desenvolvimento de gemas e raízes, de forma indutiva ou ao reprimir
os processos à depender de variados fatores. Sozinhas as em baixas concentrações
possuem um determinado efeito indutivo ao sistema radicular. Já em conjunto com
citocininas, induzem a formação de brotos adventícios em bromélias. Mesmo que a
história sobre as auxinas tenha mais de 100 anos, a beira de 150 anos desde os estudos
iniciais sobre seus efeitos nos vegetais, por ser um grupo de susbtância tão versátil em
resposta metabólicas, fisiológicas e anatômicas, ainda há muito para se compreender
sobre esse fitohormônio. Principalmente em plantas epífitas, como são muitas das
espécies de orquídeas e bromélias.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 97


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Capítulo 6 - Neto 2022
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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 100


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 6 - Neto 2022
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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 101


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
Sinalização e percepção de açúcares em plantas

João Pedro de Jesus Pereira 1


Lauana Pereira de Oliveira 1
Bruno Viana Navarro 1
Marina Câmara Mattos Martins Soldi 1

Introdução
Os açúcares são moléculas presentes no metabolismo dos seres vivos e
desempenham um papel vital nos processos energéticos e de sinalização. Pequenas
variações em suas concentrações podem afetar não apenas o status energético, mas também
o acúmulo e a mobilização de carbono refletindo diretamente na atividade celular. Para
organismos fotossintetizantes, os açúcares são o produto direto da fotossíntese de modo
que uma complexa rede de regulação orquestra a distribuição de carbono entre os órgãos
fonte (que disponibilizam e exportam fotoassimilados, ex: folhas maduras) e os órgãos
dreno (que importam esses fotoassimilados, ex: raízes).
As plantas por sua natureza séssil apresentam uma alta capacidade de perceber e
responder à disponibilidade de recursos no ambiente, sendo um fator crucial para o seu
crescimento e sobrevivência. As respostas são primordialmente feitas à nível metabólico,
por meio de cascatas de sinalização que conectam as diversas camadas de regulação
celular (ex: transcrição, síntese de metabólitos, etc.). Neste contexto, a percepção
integrativa da planta e o manejo dos níveis de açúcares podem servir como um mecanismo
de controle para integrar a resposta biológica a fatores ambientais, homeostase de
nutrientes e estresse por meio do controle de processos anabólicos e catabólicos. Os
açúcares têm a habilidade de conectarem os processos dinâmicos como produção,
transporte, consumo e armazenamento, características que estão ligadas à fisiologia
celular, identidade do órgão e estágios de desenvolvimento.

Sensores de açúcares em plantas


Na literatura, diferentes tipos de sensores e sinais de açúcares são descritos. Entre
eles, as proteínas quinases Hexokinase, Target of rapamycin e Sucrose non-
fermenting- related protein kinase1, além do metabólito trehalose-6-phosphate. Esses,
por sua vez, conseguem conectar os níveis de açúcar à expressão de genes e modificações

Universidade de São Paulo


XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 102
TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
pós-traducionais de proteínas relacionados ao metabolismo primário de modo a controlar
o fluxo de carbono em plantas. Nas seções a seguir, as vias de sinalização e sensoriamento
de açúcares em plantas serão descritas explorando as funções e interconexões de alguns
sinalizadores celulares.

Hexoquinase (HXK)
As HXKs são uma classe de enzimas do metabolismo central de açúcares que
promovem a fosforilação de hexoses (açúcares de seis carbonos). A atividade dessa
proteína, por sua vez, mostra- se dependente tanto da coenzima adenosina trifosfato
(ATP), para realizar a transferência de fosfato para açúcares de seis carbonos, bem como
do cofator Mg2+. Apesar de fosforilar várias hexoses, o sítio de ligação da HXK apresenta
maior afinidade com moléculas de glicose (Glc) em razão da melhor estabilização deste
substrato pelos resíduos de aminoácido do sítio catalítico.
As hexoses são geralmente fosforiladas em seu último carbono, sendo que o produto
da reação é indicado pelo nome do açúcar acompanhado do número do carbono
fosforilado seguido da palavra fosfato,por exemplo, glicose-6-fosfato (G6P) (Fig.7.1). Do
ponto de vista químico, a reação de fosforilação apresenta diversas vantagens biológicas
visto ser um processo exergônico (praticamente irreversível em condições fisiológicas)
que possibilita a retenção da molécula de açúcar dentro das células, visto que impede a
sua passagem pela membrana plasmática, bem como aumenta a probabilidade de ligação
entre o substrato e a enzima.

Figura 7.1. Atividade de fosforilação da glicose pela hexoquinase. Fonte: Elaborada pelos autores.

A atividade das HXKs é a primeira etapa catalítica à internalização da Glc


extracelular de maneira que se apresenta como um ponto de controle do fluxo de entrada
deste açúcar. Do ponto de vista bioquímico, a G6P é uma molécula chave, podendo ser

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 103


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
substrato tanto para a via das pentoses, síntese de amido, ácidos graxos, nucleotídeos, bem
como de parede celular. Muitas abordagens experimentais demonstraram que a Glc tem
um efeito ativo sobre a expressão de diversos genes do metabolismo de açúcar,
principalmente aqueles que codificam fatores de transcrição. Alguns autores mostram em
seus trabalhos que, quando em altas concentrações de Glc, costuma-se associar a função
do sensor HXK sobre a repressão de genes fotossintéticos em razão do alto custo
energético para manter a maquinaria proteica celular. Consequentemente, há o aumento
na taxa de degradação de amido bem como um aumento na expressão de genes do
metabolismo secundário.
No reino vegetal o produto direto da fotossíntese são esqueletos de carbono de
açúcares que são prontamente alocados para outros órgãos e tecidos vegetais. Como se
deve imaginar, existe naturalmente uma heterogeneidade quanto a concentração dos
diversos tipos de açúcares em diferentes compartimentos celulares e estas diferenças
ficam mais ou menos evidentes dependendo da etapa de desenvolvimento vegetal bem
como dos reflexos das condições ambientais. Fisiologicamente, a HXK pode afetar não
apenas os tecidos fotossintéticos, mas também os tecidos dreno em todo o ciclo de vida,
através do cross-talk entre os sinais de nível de glicose em várias vias de sinalização
hormonal, como auxina, citocinina, ácido abscísico, ácido giberélico e brassinosteróide.
Frente a isso, há uma complexa rede de sinalização e percepção de açúcares com diversos
pontos de regulação, sendo uma delas a via glicolítica.
Partindo do princípio que a abundância de Glc também é percebida como um alto
estado de nutriente e energia, a atividade da HXK não afeta apenas a sequência de reações
da glicólise, mas também interfere na via de sinalização do complexo proteico “Target of
rapamycin” (TOR). A via TOR, por sua vez, é induzida pelos intermediários metabólicos
da glicólise indicando uma íntima conexão para com a catálise de hexoses por HXK.
Entretanto, estudos ainda são necessários para elucidar a conexão entre a sinalização Glc
pela via glicolítica (dependente da atividade de HXK) e a via de TOR.

Target of rapamycin (TOR)


Todos os organismos vivos precisam de mecanismos para detectar nutrientes e
condições favoráveis que os permitem crescer e se desenvolver. A proteína TOR é uma
quinase que compõe uma das vias regulatórias mais centrais e conservadas dentre os
mecanismos de sensoriamento de açúcares. Ela conecta o crescimento celular com
disponibilidade de nutrientes, status energético e vias hormonais. Quando essas condições

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 104


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
são favoráveis, TOR é ativado e aciona processos que impulsionam o crescimento
enquanto reprime processos catabólicos, mas quando os nutrientes são limitados ou
estresses ambientais estão presentes, o TOR é inativado.
A proteína TOR não age sozinha, ela compõe dois complexos multiproteicos, o
TORC1 e TORC2. O TORC1 é formado pela própria TOR, pela proteína “small lethal
with SEC13 protein 8” (LST8) e pela “regulatory associated protein of TOR” (RAPTOR).
Por outro lado, o TORC2 é composto pelaTOR, LST8, “rapamycin insensitive companion
of TOR/AVO3” (RICTOR) e “SAPK-interacting protein 1/AVO1” (SIN1) (Fig. 7.2). Além
das diferenças nos componentes dos complexos, existem diferenças na sensibilidade à
droga rapamicina e nos processos celulares que eles afetam.

a) b)
SIN1
LST8 LST8
TOR TOR

RAPTOR RICTOR

Figura 7.2. Complexos proteicos TORC1 com rapamcina (a) e TORC2 (b). Fonte: Elaborada pelos
autores.

O TORC1 em leveduras e mamíferos tem sua atividade de fosforilação bloqueada


pela rapamicina, um antibiótico produzido pela bactéria Streptomyces hygroscopicus,
causando interrupção da divisão celular e inibição do crescimento. Para a droga agir, é
necessário a formação de um complexo ternário com TOR e uma segunda proteína de
ligação, a “FK506-binding protein 12” (FKBP12). Através dessa inibição, principalmente
em leveduras e mamíferos, estudos demonstraram que quando TORC1 está ativo ele está
envolvido com diversos processos conservados como proliferação celular, tradução de
proteínas, ciclo celular e embriogênese. O TORC2 é insensível à rapamicina e regula
processos como sobrevivência celular, metabolismo de glicose, pressão de turgor e
migração celular. A maioria dessas descobertas e o interesse na via TORC foi motivada
pelo fato de que modificações na sua atividade quinase podem causar diferentes tipos de

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 105


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
cânceres. Consequentemente, a rapamicina que atua inibindo a proteína TOR, é utilizada
como base nos tratamentos, como na quimioterapia.
Devido a sua natureza séssil, as plantas têm seu crescimento e desenvolvimento
controlados por redes de sinalização que respondem a sinais endógenos e exógenos e
conferem plasticidade para se ajustar a um ambiente que está sempre mudando.
Intensidade de luz, disponibilidade de nutrientes, fitormônios, patógenos, estresses
hídricos e térmicos são alguns dos inúmeros sinais ou restrições aos quais elas estão
sujeitas. E assim como para os outros organismos,o complexo sinalizador TOR é uma via
central que conecta todos esses fatores.
Nestes organismos, até o momento, apenas ortólogos do TORC1 foram
identificados. A ausência dos componentes do TORC2, que podem ter se desenvolvido
posteriormente durante a evolução de animais e fungos, gerou algumas hipóteses a
respeito dos processos de regulação dessa via como que outras proteínas não conectadas
diretamente a TOR ou que as plantas podem regular os mesmos processos controlados por
TORC2 (como pressão de turgor) através de um novo complexo de proteínas ainda não
descoberto. O que se sabe da sinalização de TORC1 em plantas está atrás do que ocorre em
algas, leveduras e mamíferos, pois, mesmo com os estudos mais recentes a sua função
ainda não foi totalmente elucidada.
Um dos motivos para este cenário, é que as mutações que inativam TOR em
Arabidopsis thaliana mostram-se letais em estágio inicial de desenvolvimento, o que por
um lado aponta que TOR desempenha um papel essencial no desenvolvimento do embrião
e por outro dificulta os seus estudos funcionais. Além disso, em plantas, a sensibilidade a
rapamicina é alterada somente em concentrações extremamente altas ou frente à
superexpressão heteróloga da FKBP12 de levedura que gera um fenótipo de inibição de
divisão celular e de crescimento. Esta insensibilidade é devido a alterações em
aminoácidos da proteína FKBP12, essenciais para a formação do complexo ternário com
a rapamicina e sua estabilidade. Também, tratamentos com outros inibidores revelaram
tilacóides estruturalmente modificados, refletindo em alterações na capacidade de realizar
a fotossíntese e consequentemente no crescimento das plantas. Tomados em conjunto,
esses resultados evidenciam que a via TOR pode influenciar na cascata de sinalização e
alterar o crescimento e desenvolvimento das plantas. Curiosamente, em espécies C4 como
o milho, TOR parece mais sensível à inibição da rapamicina, e possivelmente é causada
pela conservação de sua proteína FKBP12.
Além de TORC1, a “sucrose-non-fermenting related protein kinase 1 (SnRK1),

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 106


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
com funções amplamente opostas, também detecta nutrientes e respostas ao estresse e
crescimento, papéis essenciais para a sobrevivência das plantas. SnRK1 é ativada sob
condições de estresse e baixo teor de açúcar e promove estratégias de economia de energia
através da repressão de processos anabólicos que consomem energia e crescimento e
TORC é ativado em resposta à disponibilidade de carbono e nutrientes para promover
crescimento. Em A. thaliana SnRK1 interage com o TORC1 e inibe sua atividade por
fosforilação da proteína RAPTOR, trade-off que contribui com a partição de carbono na
planta através de mecanismos moleculares não totalmente compreendidos.

Sucrose-non-fermenting related protein kinase 1 (SnRK1)


O crescimento e desenvolvimento das plantas são sustentados por processos como
a fotossíntese, a qual converte luz em energia química na forma de açúcares. Além de
desempenharemum papel metabólico importante, estes mesmos açúcares também atuam
como moléculas sinalizadoras, coordenando a sua própria produção, distribuição e
armazenamento. Como já mencionado, em condições fisiológicas, ambientais e
nutricionais ideais, os mecanismos de percepção e sinalização mediado por açúcares
encontram-se direcionados para respostas anabólicas,principalmente mediados por TOR,
desencadeando cascatas de respostas para o crescimento e desenvolvimento. Contudo, em
condições de estresse, sejam elas determinadas por privação nutricional ou respostas
ambientais adversas, a sinalização mediada por açúcares limita severamenteo crescimento
da planta e/ou a produtividade das cultivares. No centro desta regulação encontra-se a
proteína quinase SnRK1 a qual é o ortólogo em plantas das enzimas “Sucrose non-
fermenting1” (SNF1) de leveduras, e “AMP-activated protein kinase” (AMPK) de
mamíferos. SnRK1 é a quinase antagonista a TOR, as quais ambas agem em balanço,
direcionando respostas metabólicas conjuntamente. A partir de um mecanismo similar à
SNF1 e AMPK, SnRK1 sofre ativação quando os níveis de energia diminuem,
desencadeando grandes mudanças metabólicas e transcricionais que promovem a
tolerância ao estresse e a sobrevivência.
A SnRK1 apresenta uma notável conservação e semelhança estrutural com as
quinases SNF1 e AMPK. Todas essas quinases funcionam como complexos
heterotriméricos (ou seja, possuem três cadeias polipeptídicas), compostos por uma
subunidade α que desempenha papel catalítico (quinase),e duas subunidades regulatórias,
e , ue s o necessárias ara estabilidade, es ecificidade de substrato, localização e
atividade (Fig. 7.3). Além da composição de subunidades do complexo, a SnRK1 também

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 107


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
pode ter sua atividade controlada por regulações proteicas dadas por modificações pós-
traducionais, como fosforilação e ubiquitinação, todas ativadas por respostas ao estresse
energético. Os açúcares também são conhecidos reguladores da SnRK1. Os açúcares
fosforilados “trehalose-6-phosphate” (T6P), G6P e glicose-1-fosfato (G1P) tem um efeito
inibitório na atividadede SnRK1, primordialmente em tecidos juvenis.

Figura 7.3. Sumarização do mecanismo de ação do complexo heterotrimérico SnRK1. O complexo SnRK1 é formado
or uma subunidade catalítica (α) ue desem en a a el de uinase, e duas subunidades regulat rias, e . Sn K1
responde à cenários de estresse e privação nutricional, direcionando respostas, tanto via regulação enzimática como a
partir do controle da transcrição, com a finalidade de inibir o crescimento e desenvolvimento vegetal. Fonte: Elaborada
pelos autores.

Os primeiros trabalhos com SnRK1 sugeriram um papel conservado e ancestral no


controle metabólico através da fosforilação enzimática e regulação da transcrição,
suportado pelos fenótipos de plantas com uma via alterada para SnRK1. Além da regulação
enzimática direta, a SnRK1 também é capaz de controlar a homeostase energética via
reprogramação transcricional, sobretudo agindo sobre fatores de transcrição do tipo bZIP,
os quais interagem com o DNA e regulam processos diversos envolvidos no crescimento
e desenvolvimento vegetal.
Um papel central da SnRK1 envolve a regulação do metabolismo de amido. De
fato, a repressão de SnRK1 diminui o acúmulo de amido em embriões de ervilha em
maturação, enquanto aexpressão de SnRK1 se correlaciona positivamente com o conteúdo
de amido em tubérculos de batata e pólen de cevada. No musgo Physcomitrella patens, a
depleção de SnRK1 prejudica o acúmulo de amido e o crescimento em um ciclo diuturno,
sendo o mutante viável apenas se cultivado sob iluminação constante ou com suprimento
de açúcar exógeno. Em contraste, em A. thaliana, a redução do acúmulo de amido foi
relatada para plantas com superexpressão de SnRK1. Dessa maneira, a depleção total de
SnRK1 é letal em plantas superiores.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 108


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
De forma geral, a SnRK1 parece promover, de um lado a degradação do amido e,
consequentemente, a disponibilidade de carbono nos tecidos fonte (folhas de A. thaliana
e endosperma de sementes de cereais em germinação) e, por outro lado, a síntese de amido
e partição de nutrientes para armazenamentos de longo prazo em tecidos dreno (pólen de
cevada, tubérculos de batata e sementes de ervilha). A base molecular de tal resultado
diferencial da atividade de SnRK1 em diferentes órgãos e tipos de células ainda não foi
esclarecida. É provável que envolva diferenças na composição do complexo SnRK1 e,
consequentemente, diferenças na maneira como é regulado e no controle dos processos
de sinalização em cascata.
A SnRK1 fosforila e inativa várias enzimas ou fatores de transcrição que regulam
processos catabólicos como a sacarose fosfato sintase (SPS), uma enzima envolvida na
biossíntese da sacarose. Além disso, também fosforila a nitrato redutase (NR), enzima
que assimila o nitrogênio utilizado para a biossíntese de aminoácidos. Sendo assim,
muitos dos processos metabólicos regulados pela SnRK1 são altamente relevantes para o
desempenho das plantas em geral, especialmente de culturas agrícolas, em um clima cada
vez mais propenso a variações drásticas. Uma compreensão detalhada de como a SnRK1
opera pode ser essencial para a manipulação direcionada desses processos e,
consequentemente, para o entendimento dos diversos papéis que os sinais de açúcar
desempenham no crescimento e desenvolvimento das plantas.

Trehalose-6-Phosphate (T6P)
Ao contrário dos outros sensores mencionados acima, a T6P é um metabólito
derivado da via do açúcar não redutor trealose que consiste em duas unidades de glicose
que estão presentes em bactérias, archaea, fungos, invertebrados e plantas. Esse açúcar,
por sua vez, desempenha várias funções como açúcar de transporte, osmólito, protetor
contra estresse e reserva.
O metabolismo da trealose parece ser universal no reino vegetal e possui origem
ancestral. Embora existam muitas vias de síntese de trealose, a única encontrada em
plantas envolve a ação coordenada de duas enzimas e o intermediário T6P.
Primeiramente, a trealose fosfato sintase (TPS) catalisa a transferência da glicose da
UDP-glicose para a glicose-6-fosfato produzindo T6P e uridina difosfato (UDP). Então a
trealose fosfato fosfatase (TPP) desfosforila a T6P para formar trealose e fosfato
inorgânico (Fig. 7.4). Ambas enzimas são codificadas por famílias multigênicas. Em A.
thaliana 11 genes (AtTPS1-11) codificam proteínas TPS e 10 genes (AtTPPA-J)

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 109


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
codificam TPP. A maioria das isoformas de TPS apresenta função regulatória ao invés de
catalítica e sua expressão responde rapidamente aos níveis de açúcares e ciclo diuturno.
Em contraste, todas as isoformas de TPP são catalíticas e sua expressão responde
fortemente às mudanças ambientais e estresses abióticos como frio, seca, hipóxia e
disponibilidade de nitrato. A hidrólise de trealose em duas moléculas de glicose ocorre
pela enzima trealase, codificada por um único gene em A. thaliana (AtTRE).

Figura 7.4 Metabolismo de trealose em plantas. Fonte: Elaborada pelos autores.

Os níveis de trealose são geralmente muito baixos para conferir uma contribuição
como açúcar de reserva ou transporte, sendo que estas funções já são realizadas pela
sacarose. Entretanto, o metabolismo de trealose é essencial em plantas, com a perda da
atividade catalítica de TPS sendo letal ao embrião e afetando severamente o crescimento
e desenvolvimento vegetal. A perda de isoformas específicas de TPP também afeta a
morfologia das plantas, assim como a superexpressão constitutiva de TPS ou TPP. Em
conjunto, os fenótipos opostos da modulação da atividade de TPS e TPP em plantas
transgênicas confirmam que tais alterações se devem às mudanças nos níveis de T6P ao
invés da trealose propriamente dita.
Atualmente, a maioria das pesquisas neste tema procuram desvendar a função de
T6P em plantas. Os níveis de T6P mudam de acordo com o conteúdo de sacarose em folhas
ao longo do ciclo diuturno. Assim, este açúcar é considerado tanto um sinalizador dos
níveis de sacarose como um regulador de sua produção, propiciando uma homeostase
similar ao controle da Glc pela insulina no sangue de animais. Os níveis de T6P carregam
consigo a informação sobre o status energético da planta, que em conjunto com outros
sinais endógenos (como fitormônios) e exógenos controlam o desenvolvimento e
crescimento vegetal. A sensibilidade e resposta mediada pela T6P é flexível e ajustada
para atender às demandas de tecidos individuais e estágios de desenvolvimento. Assim,
ao longo das transições do desenvolvimento vegetal o consumo de sacarose e outras

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 110


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
reservas serão diferentes o que leva a direcionado específico frente a fase de
desenvolvimento (germinação da semente, transição juvenil-adulto, floração,
crescimento de novos ramos, produção de sementes, etc). Diversos estudos já confirmam
que a T6P é um fator regulador destas transições.

Conclusões
Embora descritas separadamente, os sensores de açúcares mencionados acima
podem se relacionar diretamente ou indiretamente entre si, com outras vias, com as
varáveis ambientais e formar complexas redes de sinalização que são extremamente
relevantes para o desenvolvimento das plantas. Em levedura, T6P controla a glicólise
inibindo HXK in vitro. Por outro lado, em plantas, nenhuma evidência experimental para
inibição da atividade de HXK por T6P foi relatada até agora. No entanto, como
mencionado na seção de HXK, em plantas ainda são poucos os trabalhos que caracterizam
todos os membros desta família, portanto, não é possível excluir a possibilidade de que
as plantas contenham algumas isoformas de HXK que são sensíveis a T6P. Curiosamente,
algumas interações entre T6P e SnRK1 foram demonstradas. SnRK1 fosforila
diretamente algumas isoformas de TPS e os níveis de T6P podem inibir sua atividade em
tecidos em desenvolvimento. Portanto, SnRK1 é tanto um alvo de T6P quanto um
regulador de sua quantidade nas células vegetais. A manipulação de SnRK1 em A.
thaliana altera a relação sacarose e T6P, influenciando como o conteúdo de sacarose é
traduzido em acúmulo de T6P e modulando o fluxo de carbono para o ciclo do ácido
tricarboxílico. Isso revela que, em condições favoráveis de crescimento, SnRK1
desempenha um papel na homeostase da sacarose, e sua atividade é influenciada por
flutuações de dieta nos níveis de T6P. Essas descobertas expõem importantes interações
entre as vias de açúcar e os sensores e aumentam a complexidade da rede de mecanismos
reguladores que coordenam o crescimento e o metabolismo das plantas.
Em ensaios in vitro, SnRK1 interage com TORC1 e inibe sua atividade pela
fosforilação da proteína RAPTOR, um trade-off que contribui para a partição de carbono
na planta por meio de mecanismos moleculares não totalmente compreendidos. Estudos
sugerem que SnRK1 limita mais diretamente o crescimento e pode estimular a morte
celular mediada por autofagia (possivelmente inibindo TORC1). De modo geral, essas
vias promovem ou inibem o crescimento através de uma rede de sinalização descrita
resumidamente na figura 7.5. As que promovem o crescimento são os sensores de glicose
(HXK), a T6P e o TORC1 enquanto a SnRK1 inibe. HXK está envolvida com sinalização

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 111


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
de hormônios vegetais ao mesmo tempo que a T6P age como um sinal de disponibilidade
de sacarose e também orquestra mudanças no fluxo de carbono alterando a síntese
transitória do amido para compensar a concentração de fotoassimilados e a demanda
energética da planta. TORC1 e SnRK1 atuam de forma antagônica, TORC1 é ativado em
condições favoráveis de disponibilidade de nutrientes, aminoácidos e fatores de
crescimento. Nestas condições TORC1 inativa SnRK1 e estimulará o crescimento. Em
condições de estresses ou de limitações, SnRK1 fica ativa e inibe processos que
demandam energia,como crescimento e desenvolvimento.

Figura 7.5 Visão geral dos mecanismos reguladores de crescimento envolvidos na detecção e sinalização
do status do carbono e suas interações. Fonte: Elaborada pelos autores.

As vias de sinalização mencionadas neste capítulo estão envolvidas em muitos


processos biológicos e interagem com outras vias importantes, características que as
tornam alvo de estratégias de melhoramento. Apesar disso, este campo está apenas

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 112


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 7 - Pereira et al. 2022
começando a ser explorado e certamente muitos pontos que conectam essas vias ao
processo de desenvolvimento e as respostas às questões ambientais nas plantas ainda
precisam ser estudados. Conhecer os mecanismos que sustentam a sinalização e regulação
da HXK, TORC1, SnRK1 e T6P em plantas é essencial para a compreensão das
complexas redes que regulam o crescimento e a forma em que a planta lida com os
estresses. Ressaltamos as implicações do conhecimento destas vias para a melhoria de
culturas no contexto demudanças climáticas (como culturas utilizadas para a produção de
biocombustíveis), tanto quanto para produção de alimentos (resistência a estresses que as
culturas brasileiras enfrentam) promovendo atitudes mais sustentáveis diante do
crescimento populacional.

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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 115


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 8 - Raymundo & Vita 2022
Aspectos gerais do desenvolvimento foliar em angiospermas

Carlos Eduardo Valério Raymundo 1


Ricardo Silva Batista Vita 3

A folha é o órgão vegetal mais variável morfológica e anatomicamente e a sua


organização final é produto da atividade de diferentes regiões de crescimento. Ela está
envolvida em diferentes processos fisiológicos vitais como na fotossíntese, respiração,
transpiração e produção de metabólitos secundários. É também a fonte de hormônios e
outras moléculas de crescimento envolvidos no controle da fotorrecepção,
fotomorfogênese, atividade cambial e floração.
As folhas das angiospermas são definidas como estruturas apendiculares
vascularizadas, iniciadas a partir do Meristema Apical Caulinar (MAC) e que ao longo
da sua história evolutiva, passaram por diferentes modificações e arranjos, com uma
grande diversidade de formas, tamanhos e padrões em diferentes famílias.
Registros fósseis indicam que as folhas evoluíram ao menos duas vezes na
evolução das plantas vasculares, representado por folhas micrófilas em licófitas (por
exemplo, Selaginella e Isoetes) e folhas megafilas em Eufilófitas (samambaias,
gimnospermas e angiospermas).
De acordo com diferentes teorias, os microfilos podem ter evoluído como
protuberâncias laterais originadas no córtex caulinar, com base na Teoria da Enação (Fig.
8.1a). As primeiras plantas tinham um eixo dicotomicamente ramificado sem folhas e
sem distinção entre eixos e megafilos. Diferentemente dos microfilos, os megafilos
possivelmente se originaram a partir de um sistema inteiro de ramos com achatamento
das porções terminais, segundo a Teoria do Teloma (Fig. 8.1b).

Figura 8.1. Ilustrações indicando prováveis passos evolutivos de microfilos e megafilos. A. Teoria da
Enação - Os microfilos se originaram a partir de projeções do eixo principal da planta, chamadas enações.
B. Teoria do Teloma - Os megafilos se originaram a partir da fusão de sistemas de ramos e achatamento
das porções terminais, chamadas teloma.

Universidade de São Paulo Instituto ederal de du a ão i n ia e e nolo ia aiano


XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 116
TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 8 - Raymundo & Vita 2022
Desenvolvimento foliar
O desenvolvimento da folha inicia-se no MAC. O MAC é divido em três zonas
distintas: zona central, zona periférica e zona medular. Adicionalmente, do ponto de vista
histológico ele pode ser subdivido em "Túnica" podendo ser composto por uma ou duas
camadas de células (L1 e L2), e “Corpus” com várias camadas sendo a primeira
denominada L3. Inicialmente, o primórdio foliar se desenvolverá a partir de divisões
periclinais na zona periférica do MAC onde as células da túnica participam da formação
de uma protuberância (Fig. 8.2a, setas pretas).

Figura 8.2. Ilustrações mostrando ápice caulinar. A) Meristema apical caulinar 1) sem protuberância e 2)
divisões periclinais na túnica provocando o surgimento das protuberâncias (setas pretas). B) Meristema
apical caulinar (MAC) de Passilfora herbertiana indicando primórdios foliares (foto: arquivo pessoal
Carlos Eduardo).

Os locais de iniciação do primórdio foliar são determinados pelo acúmulo, e


posterior influxo, de auxinas que resultam do transporte polar mediado por proteínas da
família PINFORMED, transportadoras deste hormônio. Sucessivas divisões periclinais e
anticlinais nessa região resultarão no primórdio foliar, o qual na fase inicial terá seu
crescimento preferencialmente no sentido próximo-distal e depois se expande no sentido
médio-lateral e abaxial-adaxial (Fig. 8.2b). O crescimento diferencial e assimétrico ao
longo desses três eixos leva à diversidade morfológica das folhas.
O primórdio foliar passa por uma fase de crescimento apical, onde é estabelecida
a região correspondente ao pecíolo e à nervura central. O espessamento (abaxial-adaxial),
nesta fase, é dado pela intensa atividade mitótica presente na região adaxial do primórdio,

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 117


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 8 - Raymundo & Vita 2022
denominada meristema adaxial. Normalmente ocorre a instalação do meristema marginal
no limite dos domínios adaxial-abaxial, e através da atividade deste meristema a lâmina
foliar é produzida com seu formato dorsiventral característico.
Abaixo descreveremos detalhadamente os principais mecanismos e formação do
primórdio foliar até sua diferenciação em folha madura. É importante ressaltar que esse
processo é contínuo e a descrição que apresentaremos é meramente didática.

O processo de morfogênese foliar pode ser dividido em três fases:


Iniciação
Morfogênese 1ª
Morfogênese e expansão 2ª

Iniciação
A fase de iniciação começa por divisões periclinais em um pequeno grupo de
células lateralmente situadas em relação ao MAC. É nesta zona periférica do meristema
apical que sucessivas divisões periclinais e anticlinais originam o primórdio foliar, o qual
consiste em uma protoderme, uma região de tecido meristemático fundamental e
procâmbio. O rápido desenvolvimento do primórdio resulta em uma estrutura cônica com
a face adaxial plana ou achatada e uma face abaxial geralmente convexa (Fig. 8.3a).
Desde o primórdio foliar, as folhas achatadas (flat) apresentam uma identidade
adaxial e abaxial, porém quando ocorre a perda desta polarização outros tipos de folha
são formados, a exemplo das folhas cilíndricas. A polaridade adaxial-abaxial é
determinada com base na posição relativa ao MAC. As células próximas ao MAC
diferenciam-se no domínio adaxial, e aquelas distantes do MAC tornam-se o domínio
abaxial, gerando uma folha bifacial (Fig. 8.3a).
Em geral, uma folha adulta e perpendicular ao eixo axial do caule apresenta o
domínio adaxial (superior) da folha consiste em uma epiderme com uma ou mais camadas
de parênquima paliçádico no mesofilo que otimizam a absorção de luz. Na face adaxial
também é possível encontrar estômatos, tricomas e outros anexos epidérmicos. O domínio
abaxial (inferior) da folha consiste em uma epiderme com estômatos e células do
parênquima esponjoso, que além de absorver energia luminosa, participam das trocas
gasosas e da regulação da transpiração, assim como também ocorre no parênquima
paliçádico. A vascularização foliar está alinhada ao longo do eixo adaxial/abaxial, com
tecido do xilema diferenciando adaxialmente e o floema abaxialmente.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 118


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 8 - Raymundo & Vita 2022

Figura 8.3. Ilustração das três fases da morfogênese foliar. A, iniciação da folha. O primórdio da folha
expressa a simetria longitudinal e a simetria dorsiventral (diferenças entre lados adaxial e abaxial). B,
morfogênese primária. Blastozona marginal (sombreado) expressa potencial morfogenético para formar
lâmina, lóbulos e folíolos. Linha superior, vista adaxial da folha; Inferior, vista em corte transversal da
lâmina. C, Expansão e morfogênese secundária. Expansão isométrica e alométrica de lóbulos produzidos
durante a morfogênese primária.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 119


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 8 - Raymundo & Vita 2022
Morfogênese 1ª
A morforgenêse 1ª é o termo utilizado para descrever os processos que
estabelecem a forma básica das folhas durante o estágio inicial de desenvolvimento,
determinando sua simetria e sub-regiões. Nas eudicotiledôneas a morfogênese 1ª é
responsável pela iniciação da lâmina foliar, especificação dos diferentes domínios da
lâmina foliar (nervura central, pecíolo e base foliar) e formação de estruturas marginais
(serração, lobos e folíolos).
A iniciação da lâmina na periferia do primórdio coincide com o crescimento e
espessamento do eixo pecíolo-nervura central, delimitando os domínios da lâmina e
nervura central dentro da porção distal das folhas. Nessa fase ocorre o aumento da
espessura foliar e a lâmina começa a ser formada, resultante da atividade dos meristemas
(blastozonas) apical e marginal (Fig. 8.3b). A continuidade desses meristemas leva à
expansão lateral da lâmina, onde cada metade se estende para cima e em ambos os lados.
E a variação da atividade desses meristemas e do alongamento do primórdio foliar pode
resultar em uma grande diversidade de forma foliar.

Expansão e morfogênese 2ª
A terceira fase da morfogênese foliar, a morfogênese 2ª abrange um período de
tempo muito mais longo e representa um aumento da área superficial e volume através da
expansão e diferenciação celular. Nesta fase será definida a forma final da folha. O padrão
de expansão pode ser isométrico ou alométrico (Fig. 8.3c). O isométrico retém a forma
estabelecida pela morfogênese 1ª, já o alométrico altera essa forma. O restante do
crescimento se dá pela atividade do meristema intercalar e difuso, com um aumento na
área e volume (95% das células). É nessa fase que o tecido do mesofilo e do tecido
vascular é diferenciado, e as margens foliares se desenvolvem.
No processo da morfogênese foliar, diferentes meristemas estão envolvidos no
desenvolvimento e no crescimento das folhas. Eles agem simultaneamente ou
sequencialmente, e são denominados meristema apical, meristema adaxial, meristema em
placa, meristema intercalar e meristema marginal. A variação na forma foliar está
diretamente relacionada com a atividade e duração destes meristemas. Hageman (1996)
adotou a terminologia “Blastozone” como alternativa ao termo “Meristem”, com base no
argumento de que as regiões de crescimento formadoras das folhas são capacitadas à
morfogênese, diferente dos meristemas apicais os quais são capazes de exercer
organogênese.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 120


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 8 - Raymundo & Vita 2022
Meristema apical - O desenvolvimento do primórdio foliar é iniciado a partir do
meristema apical, o qual geralmente apresenta uma atividade de certa duração nas
eudicotiledôneas (Fig. 8.4a).

Meristema intercalar - No geral o crescimento apical das folhas cessa relativamente


cedo durante o desenvolvimento e o crescimento próximo-distal é dado pela atividade do
meristema intercalar. A primeira região a cessar as divisões celulares é a ponta da folha e
por último na sua base (Fig. 4b).

Meristema adaxial - Em folhas de algumas eudicotiledôneas uma faixa de células interna


a epiderme na face adaxial (Fig. 8.4c) sofre divisões periclinais e contribui para o aumento
em espessura das folhas e divisões anticlinais aumentando a área foliar. Esse meristema
também contribui com o crescimento do pecíolo e da nervura central.

Meristema marginal – Região de crescimento localizada entre os limites dos domínios


adaxial-abaxial do eixo foliar (Fig. 8.4c), e podem estar divididos em iniciais marginais
e iniciais submarginais. Este meristema origina parte das camadas de células do mesofilo.
Quando o primórdio de uma folha dorsiventral jovem atinge determinado comprimento,
pequenas protuberâncias aparecem lateralmente em ambos os lados decorrentes da
atividade do meristema marginal. Importante ressaltar que o tamanho e formato da folha
não são necessariamente definidos pela atividade do meristema marginal, mas estão
ligados a processos dependentes e independentes de divisão celular. Desta maneira,
mesmo após o encerramento da atividade do meristema marginal, uma folha pode alterar
sua forma ao longo do desenvolvimento através de crescimento alométrico, ou seja,
expansão celular desigual em diferentes regiões dos órgãos.

Meristema em Placa - Como resultado da atividade do meristema marginal certo número


de camadas das células do mesofilo se estabelecem na lâmina. Essas células tendem a se
dividirem anticlinalmente (perpendicular à superfície), caracterizando o meristema em
placa (Fig. 8.4d), expandindo a lâmina lateralmente. Desta maneira, folhas com diferentes
morfologias surgem como resultados de diferentes padrões de desenvolvimento,
especialmente perceptíveis na atividade do meristema marginal, que pode ser prolongada
resultando em lâminas foliares de diversos padrões, ou mesmo estar ausente, como ocorre
em folhas com morfologias cilíndricas.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 121


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 8 - Raymundo & Vita 2022

Figura 8.4 Representação esquemática da localização dos diferentes meristemas atuando no


desenvolvimento do primórdio foliar. A e B) Seção longitudinal e D) Seção transversal.

Desenvolvimento: Aspectos moleculares


Com o advento das técnicas moleculares e com o uso de plantas modelos,
principalmente Arabidops thaliana (L.) Heynh., permitiu o avanço dos estudos da
morfogênese em nível genético molecular. Atualmente sabe-se que o desenvolvimento
dos primórdios foliares na zona periférica do meristema apical, está relacionada com a
expressão dos genes da classe I KNOTTED1-LIKE HOMEOBOX (KNOXI) para seu
estabelecimento e manutenção.
Vários genes estão envolvidos na dorsiventralidade das folhas que é determinada
de duas formas opostas: adaxialização e abaxialização. Os genes HD-ZIP de classe III
REVOLUTA (REV), PHABULOSA (PHB) e PHAVOLUTA (PHV) são responsáveis
pela adaxialização, enquanto que as famílias de genes KANADI e YABBY são
responsáveis para abaxialização. A expressão gênica também define a formação de folhas
simples e compostas. A diferença entre folhas simples e compostas está relacionada ao

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 122


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 8 - Raymundo & Vita 2022
padrão de expressão de uma família de genes homeobox específicos de plantas, os genes
de KNOX de classe I. Os genes da Classe I KNOX são transcritos no MAC, mas são
especificamente downregulado no primórdio das folhas simples. Por outro lado, os
primórdios da maioria das folhas compostas mantêm a expressão de mRNA dos genes
KNOX de classe I. Estudos observaram que a sobre-expressão do KNOX de classe I no
tomate aumenta a organogênese repetida dos folíolos, resultando em "folhas super-
compostas".

Folhas maduras: Morfologia e anatomia


Como visto anteriormente, a morfologia de uma folha madura é resultado da
atividade de diversos padrões de desenvolvimento. A forma final da folha é definida pelos
padrões de crescimento dorsiventral (DV), médio-lateral (ML) e próximo-distal (PD).
Apesar da grande variação das folhas maduras, a maioria partilha certo número de
atributos, sendo eles:

1- Posição lateral no caule.

2- Padrão de desenvolvimento determinado (às vezes, há caso no qual as folhas


têm um desenvolvimento indeterminado e cresce por toda a vida da planta, a
exemplo das espécies dos gêneros do Monophyllaea e Streptocarpus.

3- Associação com uma gema axilar na face adaxial da base da folha.

4- Posição de sub-regiões ao longo do eixo longitudinal da folha, geralmente


representado por lâmina e base da folha (pecíolo e estípulas se houver).

5- Simetria dorsiventral com achatamento no plano transversal.

As folhas variam em tamanho e forma, e na sua estrutura interna, sendo


tradicionalmente divididas em duas grandes classes morfogenéticas: folhas simples ou
compostas. Folhas simples têm uma única lâmina plana, cujas margens são contínuas e
podem ser lisas (inteiras), lobadas ou serrilhadas. Em folhas compostas típicas de
eudicotiledôneas, as lâminas são compostas de vários apêndices sésseis ou peciolados
regularmente espaçados, chamados de folíolos, que são ligados a uma raque central. Os
folíolos surgem em duas organizações básicas chamadas pinada e palmada.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 123


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 8 - Raymundo & Vita 2022
Anatomicamente as folhas são compostas por três sistemas de tecidos: o sistema
de revestimento, fundamental e vascular. O sistema de revestimento que se diferencia da
protoderme constitui a epiderme, revestindo toda a superfície foliar. O sistema
fundamental se origina do meristema fundamental, constitui o mesofilo da lâmina foliar
e o córtex da nervura mediana. O sistema vascular se origina do procâmbio e constitui os
tecidos vasculares.

Base foliar - A maioria das folhas apresenta uma forma achatada com duas superfícies,
a adaxial (superior) e abaxial (inferior), onde a epiderme é contínua e única em toda a sua
extensão. O número de camada da epiderme pode variar de uni à multisseriada. A
epiderme é caracterizada pela presença de estômatos, tricomas e células especializadas
(células buliformes, litocistos, etc.). Nos primeiros estágios da formação da folha,
projeções laterais da base podem surgir, as estípulas. As estípulas desempenham a função
primordial na proteção dos tecidos meristemáticos e jovens e possuem uma morfologia
variável, podendo ser cilíndricas, simétricas e assimétricas. Em outros casos há o
surgimento de uma estrutura entre a bainha e a lâmina foliar conhecida como lígula,
ocorre principalmente nas gramíneas.

Lâmina foliar- O mesofilo compreende todos os tecidos delimitados pela epiderme e o


sistema vascular da folha. Nesta região está presente o parênquima, um tecido envolvido
principalmente na fotossíntese, além de estar relacionado com a produção de metabólitos
secundários e acúmulo de substâncias. Este tecido geralmente está diferenciado em
parênquima paliçádico e esponjoso. As células do parênquima paliçádico são geralmente
colunares e perpendiculares à epiderme, enquanto as células do parênquima esponjoso
têm formas irregulares. O parênquima paliçádico geralmente está localizado no lado
superior da folha, e o parênquima esponjoso, no lado inferior.

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Waites, R. & Hudson, A. (1995). Phantastica: a gene required for dorsoventrality of
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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 125


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022
Microtomografia para análise de anatomia vegetal em três dimensões

Luiza Teixeira-Costa 5
Milena de Godoy-Veiga 1

Introdução
A anatomia vegetal é uma das disciplinas mais antigas da Botânica. De fato, os
primeiros estudos e publicações contendo diagramas e representações da estrutura interna
do corpo vegetal datam da invenção do primeiro microscópio simples no início do século
XVII. Desde então, essa disciplina tem servido como base para compreensão e ponto de
conexão entre vários outros ramos da Botânica, incluindo biologia molecular, fisiologia,
ecologia e evolução vegetal. Esse papel integrador da anatomia para a Botânica moderna
está centralizado na constante atualização da disciplina, tanto no aspecto teórico, com os
avanços produzidos pela biologia evolutiva do desenvolvimento, por exemplo, quanto em
termos práticos, com a modernização de técnicas e metodologias de investigação.
Um dos principais avanços técnicos em anatomia vegetal nas últimas décadas está
relacionado às metodologias para análise do corpo vegetal em três dimensões. De fato,
desde o surgimento da disciplina de anatomia vegetal e das primeiras observações sob
microscópio ótico, a interpretação do corpo tridimensional das plantas têm sido um
desafio. Diversas técnicas para a interpretação de amostras vegetais em 3D foram e
continuam sendo desenvolvidas. Por um lado, técnicas como a microscopia eletrônica de
varredura e a fotogrametria permitem análises tridimensionais da superfície ou da área
exterior de uma amostra. Entretanto, a reconstrução em três dimensões de estruturas
internas, ou seja, dos tecidos vegetais, permanece em muitos casos como uma fronteira
do conhecimento. Ao nível celular, equipamentos modernos de microscopia eletrônica
são capazes de acoplar a captura de múltiplas imagens ao seccionamento em série de um
pequeno bloco, resultando em uma sequência de imagens que é posteriormente
reconstruída tridimensionalmente através de um processo de renderização.
Para amostras um pouco maiores com alguns centímetros de espessura e
comprimento, o mesmo tipo de técnica pode ser utilizada para a reconstrução
tridimensional a partir de cortes anatômicos (Fig. 9.1a). Nesse tipo de análise, uma
sequência de cortes obtida com uso de um micrótomo rotatório pode ser renderizada em
um objeto tridimensional através do uso de uma série de programas e protocolos digitais

Universidade de São Paulo arvard Universit


XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 126
TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022
de acesso livre. Entretanto, essa técnica ainda é limitada quanto ao tamanho factível da
amostra analisada, uma vez que a eventual perda de alguns cortes anatômicos pode
impossibilitar o alinhamento das imagens sequenciais para posterior reconstrução
tridimensional. Adicionalmente, cortes que apresentem dobras, vincos ou coloração não
uniforme também podem dificultar o processo de alinhamento.
Uma técnica que vem sendo utilizada desde o começo da última década é a
microscopia de fluorescência em lâmina de luz (LSFM, do inglês “light-sheet
fluorescence microscopy”), a qual tem possibilitado a análise anatômica de estruturas
biológicas em tempo real (Fig. 9.1b). Todavia, o uso dessa técnica também está limitado
a materiais pequenos, uma vez que em amostras espessas a captação de imagens de partes
mais internas pode levar a um maior espalhamento (“scattering”) da luz emitida.
Adicionalmente, em amostras vegetais a autofluorescência de moléculas como a clorofila
e a lignina também podem causar dificuldades durante a captação de imagens para a
análise tridimensional através de LSFM.
Para solucionar esses problemas, a microtomografia computadorizada de raios-X
(micro-CT, na sigla em inglês) começou a ser empregada para a análise em três dimensões
e com alta resolução de amostras com diversos tamanhos, desde flores de alguns
centímetros de comprimento, até ramos de árvores ou mesmo pequenas plantas inteiras.
Diferentemente das técnicas mencionadas acima, as quais dependem em grande parte do
seccionamento do material, as imagens de micro-CT são capturadas através de um
escaneamento da amostra (Fig. 9.1c). Essa técnica, desenvolvida originalmente no início
da década de 1970 para análises médicas, permite ainda a visualização de órgãos e
estruturas internas de uma amostra sem a necessidade de procedimentos invasivos,
permitindo que a mesma amostra seja reutilizada em outras análises. Entretanto, é
importante notar que cada técnica tem diferentes características de análise e sua aplicação
depende do tipo de informação que se deseja obter, do tipo de amostra e dos equipamentos
disponíveis (Tab. 9.1). A micro-CT surge como uma metodologia não destrutiva capaz
de analisar materiais grandes, previamente inacessíveis por microscopia de luz. A
metodologia para obtenção de imagens de micro-CT para estudos anatômicos será
discutida a seguir.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 127


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022

Figura 9.1. Comparação entre diferentes metodologias de análise em anatomia vegetal. A: Microscopia de
luz, incluindo as etapas de emblocamento, preparação de cortes anatômicos, montagem e fotografia (ou
escaneamento) das lâminas histológicas. Após esse processo, caso a perda de cortes em uma sequência seja
mínima, as imagens geradas podem ser reconstruídas em um objeto virtual 3D. B: Microscopia de
fluorescência em lâmina de luz, incluindo as etapas de clareamento dos tecidos, escaneamento com uso de
lâminas de luz fluorescente e análise em tempo real em 3D. C: Microtomografia computadorizada de raios-
X (micro-CT), através da qual o escaneamento da amostra gera uma série de projeções que serão
reconstruídas em um objeto virtual 3D. Fonte: BioRender (contrato número: JT23XPR4KA) e L. Teixeira-
Costa.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 128


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022
Tabela 9.1. Comparação entre os métodos de anatomia tradicional com microscopia de luz,
microscopia de fluorescência em lâmina de luz (LSFM) e microtomografia de raios-X para
obtenção de imagens em três dimensões de amostras vegetais.
Microscopia de Microtomografia de
Anatomia tradicional
fluorescência (LSFM) raios-X

~ 10 x 5 x 5 cm
~ 10 x 5 x 5 cm, ~ 100 x 50 x 50 cm ou
Tamanho Limitado pela
Limitado por mais, de acordo com
máximo da capacidade de
equipamentos e tamanho do
amostra penetração da luz em
quantidade de cortes equipamento
cada material

De flores à frutos, e De flores à frutos,


Tipos de De flores à frutos, e
segmentos de caules ou pequenos ramos inteiros
amostras pequenos ramos.
raízes e baquetas de madeira

< 1µm
Com uso de luz
Resolução
> 0.4 µm > 0.2 µm síncrotron e
máxima
magnificação óptica:
100 nm

Seccionar porção da
Seccionar porção da amostra caso Aplicação de contrastes,
amostra, emblocar, necessário, clarificar preparação para evitar
Preparação preparar cortes tecidos, aplicar ressecamento da
seriados, montar marcadores (fluoróforos amostra, montagem em
lâminas, fotografar específicos se suporte
necessário)

Não destrutivo ou semi


Integridade da
Destrutivo destrutivo devido a Não destrutivo
amostra
limitação de tamanho

Análises in Sim, porém com alta


Não Não
vivo dose de radiação

Microtomógrafo
Microscópio de compacto: aprox. R$1
Microscópio ótico:
Equipamento fluorescência em lâmina milhão
aproximadamente
e custos de luz: aprox. Microtomógrafo
R$4.000,00
R$500.000,00 grande: aprox. R$5
milhões

Análise de amostras
Vantagem Baixo custo 4 dimensões grandes; Método não
destrutivo

Técnica destrutiva e Apenas amostras Exposição da amostra à


Desvantagem
demorada pequenas radiação

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 129


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022
Fundamentos da técnica de microtomografia

De forma geral, o equipamento de micro-CT opera através da captura de múltiplas


radiografias, chamadas de projeções, de uma mesma amostra. Para tal, feixes de raios-X
são gerados a partir de uma fonte e transmitidos através da amostra. Em contato com o
material, parte da radiação é atenuada de acordo com as diferenças de densidade da
amostra, enquanto o restante da radiação é captada por um detector (Fig. 9.2a). A seguir,
o suporte no qual a amostra está posicionada, rotaciona uma fração de grau e uma nova
projeção é capturada. O processo se repete até que a amostra seja rotacionada em 180° ou
360°, dependendo do tipo de análise e do equipamento em questão (Fig. 9.2a). Em alguns
microtomógrafos, especialmente os que utilizam baixa dose de raios-X para o
escaneamento de amostras in vivo, é a fonte de raios-X que se movimenta ao redor da
amostra, que se mantém fixa em posição horizontal, de forma semelhante ao que ocorre
em aparelhos de tomografia médica (Fig. 9.2b, c). Em ambos os casos, a série de
projeções é reconstruída em seções transversais, as quais podem ser posteriormente
analisadas na forma de um objeto virtual tridimensional (Fig. 9.2d). Em linhas gerais, esta
última etapa assemelha-se ao processo mencionado anteriormente de reconstrução
tridimensional a partir de cortes anatômicos. Entretanto, a técnica de micro-CT é mais
rápida e eficaz, já que não necessita da etapa de emblocamento e seccionamento do
material.

Assim como outras técnicas de imagem, a micro-CT opera com um compromisso


entre o campo de visão e o tamanho do pixel - ou “voxel”, no caso de objetos virtuais
tridimensionais. Dessa forma, quanto maior e/ou mais volumosa for a amostra, mais
difícil será a realização de escaneamentos e análises em alta resolução. Avanços na
criação de fontes de raio-X de maior energia, como o uso de luz síncrotron, por exemplo,
tem permitido o escaneamento de amostras em resoluções cada vez mais altas.
Equipamentos, como os novos microscópios de raios-X, também buscam preencher essa
lacuna através da combinação entre microtomografia e microscopia. Nesses
equipamentos, lentes objetivas semelhantes às utilizadas em microscópios são acopladas
ao microtomógrafo na posição entre a amostra e detector de raios-X, permitindo a
magnificação óptica adicional com resolução de até 100 nm.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 130


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022

Figura 9.2. Funcionamento da técnica de microtomografia de raios-X. A: Esquema geral de um aparelho


de micro-CT indicando a posição da amostra sobre um suporte giratório localizado entre uma fonte e um
detector de raios-X. B: Esquema de um microtomógrafo com baixa dose de raios-X para análises in vivo.
C: Esquema de tomógrafo médico para comparação; note que a posição horizontal da maca para pacientes
é semelhante à da amostra em B. D: Representação do processo de reconstrução de projeções em seções
transversais, as quais são posteriormente utilizadas para criação de um objeto virtual tridimensional. Fonte:
BioRender (contrato número: JT23XPR4KA) e L. Teixeira-Costa.

Conforme mencionado anteriormente, outra vantagem do método de


microtomografia é a possibilidade de manter a integridade física do material durante todo
o processo de preparo e escaneamento da amostra. Dessa forma é possível utilizar o

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 131


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022
micro-CT como uma etapa inicial da pesquisa, após a qual a mesma amostra pode ser
submetida a análises destrutivas mais detalhadas, como a microscopia eletrônica de
transmissão e a microscopia confocal. O caráter não destrutivo da metodologia de micro-
CT também permite sua aplicação para investigação de amostras raras, como diversos
espécimes em coleções de história natural, incluindo exsicatas de herbário, materiais em
xilotecas e até mesmo macrofósseis.
Adicionalmente, dependendo do material analisado, é possível também incorporar
a dimensão temporal em análises de microtomografia através da realização de vários
escaneamentos da mesma amostra ao longo de um período predeterminado. Desta forma,
é possível capturar alterações ecológicas ou ontogenéticas de uma amostra, resultando em
uma análise em quatro dimensões (três dimensões físicas mais uma dimensão temporal).
Embora a possibilidade de análises in vivo e em 4D sejam grandes vantagens adicionais
da técnica de microtomografia, é importante ressaltar que a dose de raios-X utilizada em
aparelhos de micro-CT costuma ser várias vezes maior do que a utilizada em aparelhos
de tomografia médica, podendo causar dano severo à maquinaria celular da amostra
biológica. Assim, uma amostra submetida ao escaneamento pode tornar-se comprometida
para análises moleculares, isotópicas e/ou químicas.

Preparação de amostras para escaneamento


Independentemente do tipo de material botânico a ser analisado, a etapa de
preparação da amostra é de grande importância para assegurar a maior qualidade do
escaneamento, portanto algumas questões importantes devem ser consideradas. A
primeira diz respeito à quantidade de energia necessária para que os raios-X penetrem
adequadamente através da amostra. Quanto mais volumoso for o material, mais energia
será necessária. Desta forma, é importante conferir a capacidade do equipamento de
micro-CT disponível. Equipamentos desenvolvidos para pesquisa biomédica e
veterinária, por exemplo, durante as quais é invariavelmente necessário manter vivo o
animal analisado, operam com uma dose de raios-X mais baixas do que aparelhos
desenvolvidos para pesquisa em engenharia de materiais. Por outro lado, equipamentos
com doses mais baixas de radiação podem ser mais adequados para análises em 4D, ou
com uso de espécimes in vivo.
Ainda no que diz respeito à interação dos feixes de raios-X com a amostra, outra
questão importante a se considerar é a composição do material analisado. Estruturas ou
tecidos de maior densidade apresentam maior contraste, sendo detectadas mais facilmente

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 132


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022
(Fig. 9.3a). Em contrapartida, quanto mais homogênea for uma amostra em termos de sua
densidade, mais difícil será a distinção entre diferentes estruturas (Fig. 9.37b). Por esse
motivo, o uso de contrastes têm se tornado cada vez mais comum, especialmente na área
da Botânica. Qualquer substância utilizada como contraste deverá conter elementos
químicos de alto número atômico (iodo, ósmio, tungstênio, etc.) para que possam interagir
com os feixes de raios-X. Além disso, o agente contrastante ideal deve permitir a distinção
entre diferentes tecidos através da reação ou absorção de forma não homogênea por
estruturas da amostra. A solução de Lugol, por exemplo, a qual contém iodo em sua
composição, pode ser usada para ressaltar tecidos nos quais ocorre o acúmulo de amido
(Fig. 9.3c). Outra solução comumente utilizada é o ácido fosfotúngstico, a qual contém
tungstênio e é acumulada de forma semi seletiva em estruturas como grãos de pólen e
óvulos, provavelmente devido ao alto conteúdo protéico dessas estruturas (Fig. 9.3d).
Diversos agentes contrastantes têm sido testados em uma ampla gama de materiais
botânicos, incluindo flores, frutos, haustórios de plantas parasitas e caules com diferentes
padrões de vascularização. Estes resultados mostram que não apenas a composição da
substância utilizada, mas também a forma de introdução da solução contrastante na
amostra pode ser selecionada para ressaltar diferentes aspectos do material em análise. O
método mais comumente utilizado consiste em armazenar a amostra e um frasco contendo
a solução contrastante sob vácuo moderado (aproximadamente 10 psi ou 0,7 bar), de
modo a forçar a penetração da solução através da amostra. Essa metodologia costuma ser
útil para realçar as diferenças de densidade do material de forma indiscriminada (Fig.
9.3e). Por outro lado, a mesma solução pode ser perfundida através da amostra, o que
costuma ser de grande utilidade para a marcação de vasos (Fig. 9.3f).
Por fim, um terceiro ponto que deve ser considerado durante a preparação das
amostras é que, independentemente da duração do escaneamento, é imprescindível que a
amostra não se mova durante o processo. Tendo em vista que a amostra é rotacionada
durante o escaneamento, em muitas ocasiões se faz necessário o uso de fitas adesivas e
outros materiais de apoio para fixação da amostra ao suporte (“stage”) do equipamento.
Caso seja necessário a confecção de suportes adicionais, materiais com baixa densidade
são os mais indicados, como isopor ou espuma de floricultura. Adicionalmente, até
mesmo a movimentação ao nível microscópico decorrente, por exemplo, do ressecamento
do material durante o escaneamento, deve ser minimizada.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 133


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022

Figura 9.3. Exemplos de amostras escaneadas com micro-CT. A: Seção transversal do caule de Tipuana
tipu (Fabaceae) exibindo alto contraste entre tecidos da casca e da madeira. B: Seção transversal do caule
de Euphorbia polygona (Euphorbiaceae), uma planta suculenta, com baixo contraste entre os tecidos
lignificados e a matriz parenquimática. C: Seção transversal do caule de E. polygona (Euphorbiaceae)
tratado com solução contendo iodo, usado para realçar estruturas que armazenam amido (setas). D: Seção
transversal do ovário de Aechmea fasciata (Bromeliaceae) tratado com solução contendo tungstênio, usado
para realçar os óvulos. E: Seção transversal do pecíolo de A. brevicollis (Bromeliaceae) tratado sob vácuo
com solução contendo chumbo. F: Objeto tridimensional do caule de Pachira aquatica (Malvaceae) tratado
com solução contendo chumbo através do método de perfusão, utilizado para ressaltar a vascularização de
caule e folhas (setas). Fonte: L. Teixeira-Costa.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 134


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022
Enquanto o dessecamento não é significativo em materiais armazenados a seco,
como amostras de madeira ou macrofósseis, as amostras frescas (recém coletadas) ou
preservadas em meio líquido (fixadores, etanol, etc.) podem sofrer algum nível de
desidratação durante a análise, especialmente em escaneamentos mais longos. Uma
maneira de evitar este tipo de movimentação é envolver a amostra ainda úmida em uma
fina camada de filme plástico. Outra possibilidade é mergulhar a amostra rapidamente em
parafina líquida e aguardar que o revestimento se solidifique.

Escaneamento, reconstrução e análise


A popularização do micro-CT na área de Ciências Biológicas tem sido
acompanhada e impulsionada pela crescente disponibilidade de uma ampla gama de
novos equipamentos para escaneamento. Consequentemente, uma grande variedade de
programas encontra-se disponível tanto para controlar o definir os parâmetros de
escaneamento, quanto para realizar a reconstrução das projeções e análise das imagens
obtidas. Dentre os programas de acesso livre, destacamos opções como ImageJ/Fiji, no
qual é possível processar imagens sequenciais e fazer medições; 3DSlicer, que permite
visualização em três dimensões; e Drishti, que além de permitir visualização em 3D
também realiza a etapa de renderização volumétrica. Alguns programas comerciais
também são distribuídos de forma gratuita. O programa Dragonfly, por exemplo,
comumente associado a microtomógrafos da marca Zeiss, segue atualmente disponível
para a comunidade acadêmica. Programas como CTvox e DataViewer costumam ser
gratuitos para pessoas associadas a instituições que possuem um dos equipamentos da
marca Bruker sem a necessidade de licenças adicionais.
Vários dos programas mencionados acima, bem como outros destinados à análise
de imagens tridimensionais, apresentam uma funcionalidade conhecida como
segmentação virtual, a qual tem se tornado uma ferramenta cada vez mais poderosa para
análise de amostras biológicas em três dimensões. O processo de segmentação envolve o
delineamento de uma parte do volume tridimensional analisado, como diferentes
estruturas de interesse, sendo possível renderizar, medir e analisar tal parte como um
objeto virtual separado. Esta funcionalidade é amplamente utilizada em análises de
animais vertebrados, uma vez que possibilita a segmentação do esqueleto completo ou
em partes, por exemplo, permitindo que tais estruturas sejam renderizadas como
elementos isolados. Na Botânica, o uso de agentes contrastantes tem permitido o uso cada
vez mais amplo desse tipo de análise, uma vez que quanto mais distinta for a densidade

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 135


TEMA 2: Estrutura e Desenvolvimento
Capítulo 9 - Teixeira-Costa & Godoy-Veiga 2022
da estrutura de interesse, mais fácil será o processo de segmentá-la virtualmente. Avanços
na criação de algoritmos para aprendizagem de máquinas (“machine learning”) estão
previstos para facilitar ainda mais os protocolos para segmentação.

Referências
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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 136


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
Vias de síntese de metabólitos secundários em plantas

Fernanda Mendes de Rezende 1


Fernanda Anselmo Moreira 1
Wilton Ricardo Sala de Carvalho

Introdução
O metabolismo vegetal pode ser dividido em primário e secundário. Caracteriza-
se como metabolismo primário os processos comuns e pouco variáveis à grande parte dos
vegetais, e que levam à síntese de carboidratos, proteínas, lipídios e ácidos nucleicos. Tais
sínteses ocorrem por vias conhecidas como glicólise e ciclo de Krebs (ciclo do ácido
carboxílico) que, além de sintetizar intermediários para outras vias metabólicas, geram
energia e poder redutor a partir de reações de oxidorredução de compostos orgânicos.
Além destas vias, pode-se obter energia através da -oxidação de ácidos graxos e
degradação de produtos que não são essenciais para a planta. Esses processos compõem
a unidade fundamental de toda a matéria viva.
A distinção entre metabolismo primário e secundário (ou especial) se dá pelo
conceito de que metabólitos secundários não estão envolvidos em processos geradores de
energia e/ou de constituição do protoplasto. Outro ponto é que os metabólitos secundários
não estão presentes ubiquamente entre as plantas, expressando a individualidade de
famílias, gêneros e, até mesmo, espécies. A característica inerente do metabolismo
secundário é a sua elevada plasticidade genética e diversidade que garante adaptações
flexíveis à mediação de fatores bióticos e abióticos. Apesar do nome, as substâncias
oriundas de vias “secundárias” são vitais para as plantas, atuando como atrativos ou
repelentes de polinizadores, dissuasores de herbivoria, na proteção contra radiação UV e
poluição, estresse hídrico, na sinalização intraespecífica, na alelopatia, dentre outras
funções.
Essas substâncias secundárias são os chamados princípios ativos vegetais
comumente encontrados em diversos produtos e terapias. Mas o que de fato são esses
princípios ativos presentes nos vegetais? São substâncias formadas a partir de produtos
da fotossíntese com a função de defesa para a planta. Para nós, humanos, são essas as
substâncias responsáveis pelo efeito medicinal de uma planta, porém dependendo da dose
administrada, o efeito deixa de ser terapêutico e passa a ser tóxico. O princípio ativo é

Universidade de São Paulo


XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 137
TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
uma mistura de substâncias que proporciona a ação farmacológica e difere de fármaco à
medida que o termo designa uma substância química conhecida e de estrutura química
definida.
Diversas plantas apresentam uso medicinal milenar e nos extratos destas plantas
a ação conjunta ou isolada de certas substâncias é responsável pela atividade biológica.
Este efeito difere de acordo com a dose e pode ser exemplificado com os glicosídeos
cardioativos, encontrados nas espécies Digitalis lanata e Digitalis purpurea
(Scrophulariaceae), quando em pequenas doses são amplamente utilizados para o controle
de problemas relacionados ao baixo débito cardíaco, entretanto, em doses maiores são
tóxicos, paralisando o coração na fase de sístole.
Outro exemplo é o alcaloide tubocurarina, principal constituinte do curare
(Chondrodendron tomentosum, Menispermaceae). Essa substância, embora tenha sido
usada pelos índios para fabricar flechas envenenadas, tem valor medicinal, visto que ela
é um relaxante da musculatura lisa.
Os metabólitos secundários de plantas têm um grande valor agregado do ponto de
vista econômico. Primeiramente, porque de todos os compostos identificados, poucos são
aqueles que são utilizados como drogas, aromatizantes, fragrâncias, inseticidas ou
corantes. De todas as drogas usadas na medicina ocidental cerca de 25% são derivadas de
plantas, quer como uma substância pura (fármaco) ou como derivado de um produto de
síntese natural. Além deste valor econômico real e efetivo, eles também apresentam
grande potencial como modelos para o desenvolvimento de novos medicamentos, uma
vez que a enorme biodiversidade da natureza é uma fonte de recursos para o
desenvolvimento de medicamentos.
Mas como substâncias com propriedades e ações tão diversas são sintetizadas
pelas plantas?
Os metabólitos secundários são muito diversos, mais de 50 mil já foram
identificados em espécies de angiospermas, e são sintetizados em diferentes
compartimentos celulares, por quatro vias de biossíntese, são elas: via do acetato
malonato, do ácido mevalônico (MEV), do metileritritol fosfato (MEP) e do ácido
chiquímico. Através dessas vias são formados os três principais grupos de metabólitos
secundários: terpenos, substâncias fenólicas e substâncias nitrogenadas (Fig. 10.1).
Além destes grupos, também merecem destaque os derivados de ácidos graxos e os
policetídeos aromáticos. Interessantemente, para classificação em cada grupo, as
características estruturais e propriedades químicas são mais importantes do que o

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 138


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
compartilhamento de uma mesma via de síntese. Por exemplo, os alcaloides são
agrupados por apresentarem um caráter básico, conferido pela presença de um ou mais
átomos de nitrogênio, dentro de um ou mais anéis heterocíclicos. As substâncias
fenólicas, por sua vez, são caracterizadas por apresentarem uma hidroxila funcional
ligada a um anel aromático, porém podem ser sintetizadas por vias distintas. Outros
grupos ou subgrupos são baseados na presença de certos tipos de esqueletos básicos em
suas estruturas. Alguns detalhes sobre as rotas biossintéticas, sua importância para a
sobrevivência das plantas e utilização serão expostos a seguir.

Figura 10.1. Esquema geral das vias de biossíntese do metabolismo vegetal secundário (retângulos rosas)
e suas conexões com o metabolismo primário (retângulos vermelhos) – em detalhe os metabólitos primários
(verde) e os secundários (azul). Figura de Moreira, 2015.

Derivados de ácidos graxos


São substâncias sintetizadas pela via do acetato malonato. O início da síntese
ocorre no plastídio, onde serão formados ácidos graxos C16 e C18 a partir da condensação
de unidades de malonil-CoA e acetil-CoA. Essas reações são intermediadas por um
conjunto de enzimas, codificadas por sete genes diferentes, denominado FAS II (type II
Fatty Acid Synthase). Esses ácidos graxos são transportados para o retículo
endoplasmático, onde sofrem diversas reações de alongamento pela ação do complexo
enzimático FAE (Fatty Acid Elongation) formando ácidos graxos de cadeia longa (C20-
C40), precursores dos demais compostos da cera – os derivados de ácidos graxos.
Reações de descarboxilação levam à formação de alcanos, alcoóis secundários e cetonas
(Fig. 10.2).
Ainda é obscura a síntese dos aldeídos, entretanto, acredita-se que possam surgir
de reações enzimáticas com os alcanos ou diretamente pela perda de hidroxilas dos ácidos
graxos. A partir dos ácidos graxos de cadeia longa também podem ser formados, por
reações de redução, os alcoóis primários e os ésteres (Fig. 10.2). Os mecanismos de

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 139


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
transporte dessas substâncias ainda não são claros, podendo ocorrer por proximidade,
vesículas, transportadores específicos e proteínas transportadoras de lipídios.
O papel dessas substâncias para as plantas é de extrema importância, pois são
constituintes da cera cuticular. As ceras são misturas complexas de hidrocarbonetos
alifáticos de cadeia longa com série homóloga (por exemplo, n-alcanos, alcoóis, aldeídos,
ácidos graxos e ésteres) que podem apresentar pequenas quantidades de terpenoides.
Juntamente com a cutina e a suberina, as ceras constituem o conjunto de substâncias
hidrofóbicas que mantêm as superfícies impermeáveis e restringem a perda de água dos
tecidos através da transpiração. Além disto, ao revestir os órgãos aéreos, ela atua como
uma barreira entre o meio interno e externo, conferindo proteção contra os raios UV,
entrada de patógenos e poluição. O surgimento desta camada protetora foi um dos fatores
importantes para a conquista do ambiente terrestre há 400 milhões de anos.

Figura 10.2. Esquema da via acetato malonato – em verde as principais classes formadas. Fonte: Elaborado
pelos autores.

Em algumas espécies, principalmente de Asteraceae e Apiaceae, os ácidos graxos


insaturados podem sofrer sucessivas desnaturações originando os poliacetilenos. Essa
classe de compostos atua como um sistema de defesa contra insetos e herbívoros, além
de atuarem como fitoalexinas (substâncias que combatem a infecção por patógenos
invasores de plantas). A cicutoxina, encontrada na cicuta aquática (Cicuta virosa,
Apiaceae), é um exemplo de poliacetileno tóxico a mamíferos, causando vômitos,
convulsões e paralisia respiratória, podendo levar a morte. O falcarinol, outro
poliacetileno, é encontrado em Falcaris vulgaris (Apiaceae) e causa dermatite quando a
planta é manuseada sem o devido cuidado. Curiosamente, essa substância é encontrada
nas raízes de uma das plantas medicinais mais utilizadas mundialmente, o Ginseng
(Panax ginseng, Araliaceae).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 140


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Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
Dentro do grupo dos derivados de ácidos graxos há as acetogeninas, compostos
C35 e C37 sintetizados a partir de ácidos graxos C32 e C34, no qual, através da adição de
uma molécula de propano-2-ol, há a formação de um anel lactônico que caracteriza as
acetogeninas. Geralmente são encontradas em espécies pertencentes à Magnoliales, mais
comumente nas Annonaceae. Essa classe de substâncias é produzida pelas plantas para
suprimir a alimentação de insetos, além disso, já foi demonstrado que elas apresentam um
grande potencial para a utilização em humanos como substâncias com propriedades
antitumoral, antimicrobiana, anti-helmíntica e antiprotozoário.

Policetídeos aromáticos
Os policetídeos aromáticos também são formados pela via do acetato-malonato.
A partir da cadeia carbônica denominada poli- -cetoéster diversas ciclizações formam os
policetídeos aromáticos (Fig. 10.2). Todas essas reações de biossíntese desses metabólitos
são intermediadas por proteínas homodiméricas, com dois sítios ativos, denominadas
Policetídeos Sintases do tipo III (PKS III).
As diferentes subclasses de policetídeos aromáticos dependem do tipo de
molécula utilizada como iniciadora da extensão da cadeia carbônica pela malonil-CoA.
A seguir são apresentados alguns exemplos dessas subclasses com as suas respectivas
unidades iniciadoras (Fig. 10.3).
Caso a unidade iniciadora seja a acetil-CoA ocorrerá a biossíntese das cromonas
e das antraquinonas. As cromonas possuem ampla distribuição nos diferentes clados do
APG IV, dentre esses compostos pode-se citar a visnagina, encontrada em frutos de Amni
visnaga (Apiaceae), que é utilizada medicinalmente como agente antiasmático. As
antraquinonas possuem uma distribuição mais restrita no APG IV, sendo encontrado nas
Fabaceae, Rhamnaceae, Rubiaceae, Polygonaceae e Xanthorrhoeaceae. Um exemplo
dessas substâncias são as emodinas, encontradas no gênero Cassia. Essas substâncias são
utilizadas medicinalmente como estimuladoras do movimento peristáltico do intestino.
Por outro lado, se a unidade iniciadora for um ácido graxo haverá a biossíntese dos ácidos
anarcádicos. Estes compostos estão presentes em espécies de Anacardiaceae e são
substâncias extremamente alergênicas.
Utilizando como unidade iniciadora o hexanoil-CoA haverá a produção de
canabinoides, que são encontrados em espécies do gênero Cannabis (Cannabaceae) e
possuem diversos efeitos sobre o sistema nervoso central de humanos.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 141


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Capítulo 10 - Rezende et al. 2022

Figura 10.3. Policetídeos aromáticos e seus respectivos precursores, unidades de extensão, vias de síntese,
classes e exemplos. Fonte: Elaborado pelos autores.

Quando o precursor é o benzoil-CoA há a biossíntese das bifenilas,


dibenzofuranos, benzofenonas e xantonas. As bifenilas e dibenzofuranos são
fitoalexinas encontradas em espécies pertencentes às Rosaceae, enquanto as
benzofenonas e xantonas são encontradas em espécies pertencentes às Clusiaceae e
Gentianaceae e possuem um alto potencial antioxidante e antitumoral.
Utilizando como precursor o p-cumaroil-CoA haverá a biossíntese dos
flavonoides e estilbenos, que serão detalhados posteriormente nesse capítulo. As
bifenilas, dibenzofuranos, benzofenonas, xantonas, flavonoides e estilbenos são
consideradas substâncias de biossíntese mista por utilizarem como precursores
compostos provenientes da via do ácido chiquímico (benzoil-CoA e p-cumaroil-CoA) e
sofrerem extensão da cadeia carbônica através da via do acetato-malonato.

Substâncias fenólicas
O grupo das substâncias fenólicas inclui substâncias com ao menos um anel
aromático no qual houve a substituição de ao menos um hidrogênio por um grupo
hidroxila, sendo que estas substâncias podem ser simples ou com diversos graus de

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 142


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polimerização. Podem ocorrer naturalmente na forma livre (agliconas), ligadas a açúcares
(glicosídeos) ou, ainda, ligadas a proteínas, terpenos, entre outros. Ácidos fenólicos,
quinonas, fenilpropanoides, cumarinas, flavonoides e as substâncias poliméricas (taninos
e ligninas) são exemplos de substâncias fenólicas.
A eritrose 4-fosfato e o fosfoenolpiruvato são intermediários glicolíticos que se
unem e sofrem reações que levam a formação do ácido 3-dehidrochiquímico que formará
as estruturas C6-C1. Um exemplo é o ácido gálico que originará a classe dos taninos
hidrolisáveis. Os taninos hidrolisáveis são polímeros de ácido gálico e elágico (dímero
de ácido gálico) esterificados com açúcares. Esses fenólicos são substâncias adstringentes
(precipitam proteínas transformando-as em derivados insolúveis) e essa propriedade é
muito importante na proteção contra herbivoria, uma vez que torna o material vegetal
pouco palatável e com menor valor nutricional.
O ácido 3-dehidrochiquímico formará o ácido chiquímico que após diversas
reações sintetiza os aminoácidos aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano). A
fenilalanina, quando desaminada pela ação da PAL (fenilalanina amônia liase), origina o
ácido cinâmico, o primeiro fenilpropanoide (C6-C3) formado. Os fenilpropanoides
subsequentes podem sofrer diversas alterações mediadas por enzimas que levarão a
formação de outras classes de substâncias fenólicas, como as lignanas e as ligninas. Este
complexo polimérico (lignanas e ligninas) confere rigidez e resistência mecânica à parte
aérea das plantas, característica que conferiu uma melhor sustentação e possibilitou maior
transporte de água e minerais a partir das raízes, permitindo a conquista do ambiente
terrestre.
Para a síntese de flavonoides e estilbenos, substâncias com 15 átomos de carbono,
são combinados esqueletos carbônicos provenientes de duas vias: a via do ácido
chiquímico e a via do acetato-malonato, portanto, são de biossíntese mista (Fig. 10.4).
Após a fenilalanina ser desaminada, hidroxilada e ligada a uma coenzima-A (CoA) ocorre
a formação de uma molécula de coumaroil-CoA. Essa estrutura liga-se a três unidades de
malonil-CoA, levando a formação de uma chalcona, após algumas reações mediadas pela
chalcona sintase – essa é a primeira classe de flavonoides formada. A mesma estrutura
que origina a chalcona sofre uma série de reações mediadas pela estilbeno sintase,
culminando com a formação das diversas substâncias pertencentes à classe dos estilbenos,
dentre elas o resveratrol. A chalcona, por sua vez, pode isomerizar-se em uma flavanona
e a partir dela são formadas as demais classes de flavonoides. Dessa forma, flavonoides

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 143


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são substâncias que possuem, em geral, um esqueleto C6-C3-C6, onde C6-C3 é proveniente
da via do chiquimato e está ligado a um anel C6, proveniente da via do malonato.
As diferentes classes de flavonoides diferem uma das outras devido a pequenas
variações nessa estrutura básica de 15 carbonos. As flavanonas, por exemplo, têm o anel
B ligado ao carbono 2, enquanto que as isoflavonas têm o anel B ligado à posição 3.
Flavonas e flavonóis são muito semelhantes entre si, a única diferença é que os flavonóis
apresentam um grupo hidroxila (OH) na posição 3. As antocianidinas, que são a forma
aglicona e os cromóforos de antocianinas, apresentam um oxigênio catiônico. Por fim, as
proantocianidinas (PAS ou taninos condensados), formadas pelo ramo terminal da via dos
flavonoides, apresentam as mesmas propriedades dos taninos hidrolisáveis, apesar de
serem polímeros de catequinas.
Os flavonoides atuam na proteção dos tecidos vegetais frente à ação mutagênica
dos raios UV e participam da atração de polinizadores e dispersores de sementes.
Antocianinas propiciam uma vasta gama de tonalidades (diferentes tons de vermelho,
púrpura e azul). A diversidade de cores encontrada deve-se primeiramente ao padrão de
hidroxilações, glicosilações, acilações e metilações de suas estruturas básicas, e aliado a
isso, há outros fatores que podem influenciar nas cores encontradas como: copigmentação
(flavonoides, fenilpropanoides, aminoácidos, carotenoides, dentre outros), pH vacuolar e
complexação com metais. Algumas substâncias fenólicas, como fenilpropanoides e
flavonóis, além de atuarem como copigmentos podem conferir a cor branca.
Os processos biossintéticos que levam a formação da fenilalanina ocorrem nos
plastídios e a síntese dos fenilpropanoides e flavonoides prossegue na parte citosólica do
retículo endoplasmático, sendo que essas substâncias são armazenadas nos vacúolos. Elas
também podem ser encontradas em outros compartimentos celulares como parede celular,
núcleo, cloroplastos e, até mesmo, no espaço extracelular dependendo da espécie, do
tecido ou do estágio de desenvolvimento da planta. Os flavonoides são sintetizados
principalmente no citosol, em complexos multienzimáticos ligados às membranas do
retículo endoplasmático (RE), e de lá são transportados para seus destinos subcelulares.
As cumarinas, furanocumarinas e estilbenos, exemplos de classes de
substâncias fenólicas, protegem as plantas contra patógenos (bactérias e fungos) e
herbívoros, além de inibirem a germinação de sementes de plantas adjacentes impedindo
a competição destas pelos mesmos recursos (alelopatia).
As substâncias fenólicas têm recebido crescente atenção por parte da indústria
alimentícia, cosmética e farmacêutica. A elas são atribuídas uma vasta gama de efeitos

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 144


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fisiológicos como: antialérgicos, anti-inflamatórios, antimicrobianos, antitrombóticos,
antioxidantes, cardioprotetores e vasodilatadores. Por estes efeitos, este grupo de
substâncias, as quais estão presentes em altos níveis em frutas e vegetais, são consideradas
benéficas à saúde humana, especialmente pelo potencial antioxidante.

Figura 10.4. Esquema da via de síntese das substâncias fenólicas. Modificado de Moreira (2015).

Terpenos
Os terpenos formam o maior grupo de produtos naturais, apresentando uma grande
diversidade estrutural, com mais de 35 mil substâncias identificadas. Eles são derivados
teóricos do isopreno, uma estrutura de cinco carbonos, e o número dessa unidade presente
na molécula é utilizado como critério de classificação das diferentes classes de terpenos,

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 145


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Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
podendo existir: monoterpenos (C10), sesquiterpenos (C15), diterpenos (C20), triterpenos
(C30), tetraterpenos (C40) e politerpenos (mais de 40 carbonos).
Os terpenos são tidos como derivados teóricos do isopreno pelo fato desta
molécula não estar envolvida na síntese dos terpenos, os precursores são o isopentenil
difosfato (IPP) e o dimetilalil difosfato (DMAPP). A síntese deste grupo de metabólitos
secundários se dá a partir de duas vias, são elas: a do MEV (que tem como precursor
acetil-CoA), que ocorre no citosol, e a do MEP (derivado de intermediários glicolíticos),
uma rota plastidial. Atualmente sabe-se que há uma comunicação entre estas duas vias
podendo haver trocas dos componentes formados por cada uma, assim ambas levarão a
formação do IPP que pode se converter em seu isômero DMAPP.
A ligação do IPP e DMAPP forma o geranildifosfato (GPP), uma molécula de 10
carbonos, a partir da qual são formados os monoterpenos. O GPP pode se ligar a outra
molécula de IPP, formando um composto de 15 carbonos, o farnesil difosfato (FPP),
precursor da maioria dos sesquiterpenos. A adição de outra molécula de IPP ao FPP forma
o geranilgeranil difosfato (GGPP), um composto de 20 carbonos, precursor dos
diterpenos. Por último, dímeros de FPP e GGPP são precursores dos triterpenos (C30) e
tetraterpenos (C40), respectivamente (Fig. 10.5). Cada uma destas classes de terpenos
possui uma ampla gama de funções nas plantas e alguns exemplos serão abordados a
seguir.
Os monoterpenos e os sesquiterpenos são substâncias presentes nos óleos voláteis
e conferem a determinadas plantas seu aroma característico (como as Lamiaceae e
Ocimum sp., por exemplo). Os óleos voláteis também possuem compostos provenientes
de outras vias como, por exemplo, os fenilpropanoides. Os óleos voláteis estão associados
à defesa (repelindo ou atraindo insetos) e sinalização molecular nas plantas, além disso,
exibem atividades antimicrobianas e têm sido amplamente utilizados na indústria
cosmética, farmacêutica e alimentícia.
Há diterpenos essenciais como o fitol, que faz parte de várias moléculas como,
por exemplo, a clorofila, e é um dos mais simples e abundantes diterpenos. Outra
molécula essencial dentro desta classe é a giberelina. As giberelinas compõem um grupo
de hormônios vegetais envolvidos na regulação de diversos processos como o
alongamento celular e a senescência.
No caso dos triterpenos, atividades anticancerígenas foram relatadas para os tipos
ursano, lupano e oleanano, substâncias encontradas em diversas plantas. Os triterpenos
também são frequentemente encontrados na forma de saponinas (do latim: sapo = sabão)

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 146


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Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
que possuem propriedades surfactantes. Limonoides, que são triterpenos modificados,
têm reconhecida atividade inseticida como, por exemplo, no óleo de Neem (Azadirachta
indica, Meliaceae). Triterpenos, tais como, os esteroides sitosterol, estigmasterol e
campesterol, são frequentemente encontrados como parte estrutural da membrana celular.
Esteroides também são de interesse nutricional pela sua capacidade de reduzir os níveis
de colesterol absorvido.
Os carotenoides ou tetraterpenoides (C40) são sintetizados no plastídio via 2-
metileritritol 4-fosfato (MEP). Esses terpenos são substâncias lipossolúveis, amplamente
distribuídas no reino vegetal. Em geral, eles atuam como pigmentos relacionados à
fotoproteção e atração de polinizadores nas plantas, além de serem precursores da
vitamina A cuja deficiência em humanos pode causar problemas de visão. Como
pigmentos conferem colorações amareladas e alaranjadas, e podem coexistir com as
antocianinas resultando assim em tonalidades marrons e bronze.

Figura 10.5. Esquema da síntese de terpenos pelas vias MEV e MEP. Fonte: Elaborado pelos autores.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 147


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Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
Substâncias nitrogenadas
Substâncias nitrogenadas são defesas químicas anti-herbivoria e, quando
pigmentos, atrativos de polinizadores. As quatro classes mais importantes são: alcaloides,
betalaínas, glicosídeos cianogênicos e glucosinolatos. Essas substâncias são formadas
a partir de aminoácidos aromáticos e alifáticos.
Alcaloide é o nome dado a um grupo de substâncias bastante heterogêneo,
predominantemente sintetizado por plantas (dos 27 mil alcaloides conhecidos no
momento, 21 mil são de origem vegetal). Eles têm em comum o caráter alcalino,
conferido pela presença de um ou mais átomos de nitrogênio, e podem ter um ou mais
anéis heterocíclicos. Essa classe de substâncias nitrogenadas é reconhecida pelo seu
amplo espectro de atividades biológicas, por isso correspondem a princípios ativos
comuns em plantas medicinais e tóxicas. Alguns exemplos são a papoula (Papaver
somniferum, Papaveraceae), que contém morfina, codeína e papaverina; o café (Coffea
arabica, Rubiaceae), que contém cafeína; a espécie Chondodendron tomentosum
(Menispermaceae), da qual se extrai o curare, potente relaxante muscular com atividade
anestésica, utilizado como veneno de flecha por indígenas sul-americanos. Outro
alcaloide muito conhecido é a nicotina, presente no fumo (Nicotiana tabacum,
Solanaceae).
Os diferentes tipos de alcaloides são classificados de acordo com o aminoácido
precursor utilizado para a formação de sua estrutura e o anel nitrogenado formado a partir
deste, sendo que os aminoácidos mais comuns são os alifáticos, como a lisina e a ornitina,
e os aromáticos, como a tirosina e o triptofano (Fig. 10.6).
A partir da ornitina são biossintetizados os alcaloides: tropânicos, como a
atropina e a cocaína, cuja distribuição se concentra em espécies pertencentes às
Malpighiales e às Solanales; pirrolidínicos, como a higrina, encontrada em folhas de
coca (Erythroxylum coca, Erythroxylaceae); e pirrolizidínicos, mais comumente
encontrados nas ordens Asparagales, Fabales, Asterales e na família Boraginaceae, que
são compostos hepatotóxicos, portanto, inibidores de herbivoria.
A lisina, por sua vez, é precursora dos alcaloides: quinolizidínicos, substâncias
tóxicas para herbívoros, encontrados em Berberidaceae, Ranunculaceae, Solanaceae e
Fabaceae, como a Lupinus sp., que contém a lupinina; indolizidínicos, comuns em
Fabaceae, possuem alta atividade anti-HIV; e piperidínicos, distribuídos em diversas
famílias do APG IV, algumas substâncias dessa classe são utilizados em preparações para
pessoas que querem parar de fumar, como é o caso da lobenina, encontrada na Lobélia

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 148


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
(Lobelia inflata, Campanulaceae), que estimula os mesmos receptores da nicotina,
simulando o efeito dessa substância.
A partir do triptofano são sintetizados os alcaloides pertencentes às classes dos
quinolínicos, β-carbonílicos, pirroloindólicos, indólicos e pirroloquinolínicos. Dentre
os alcaloides pertencentes a essas classes podemos citar como destaque a vincristina,
extraída da vinca-de-Madagáscar (Catharanthus roseus, Apocynaceae), que é muito
utilizada como agente quimioterápico, principalmente no combate a leucemia.
A tirosina é precursora dos alcaloides pertencentes às classes dos aporfínicos,
tetraidroisoquinolínicos, isoquinolínicos, benziltetraidroisoquinolínicos, morfinanos
e protoberberínicos. Dentre os alcaloides pertencentes a essas classes podemos citar
como destaque aqueles encontrados na papoula, são eles: a morfina, um potente
anestésico; a codeína, utilizada em formulações de xaropes antitussígenos; e a papaverina,
utilizada em medicamentos contra cólicas devido ao seu efeito anestésico da musculatura
lisa.
As betalaínas são alcaloides indólicos que atuam como pigmentos em algumas
espécies de Caryophyllales. Elas conferem colorações de avermelhadas a violetas
(betacianinas) ou de amareladas a tons de laranja (betaxantinas). A presença de
antocianinas e betalaínas são excludentes, não há uma espécie se quer descrita com a
síntese das duas classes.
Glicosídeos cianogênicos possuem um resíduo de açúcar e um grupamento nitrila.
Eles são armazenados em vacúolos e, quando a planta é atacada, são hidrolisados pela
enzima que se encontra no citoplasma gerando cianeto, substância altamente tóxica. A
mandioca (Manihot esculenta, Euphorbiaceae) possui concentrações altas de um
glicosídeo cianogênico chamado linamarina, por isso antes de seu consumo é necessário
um preparo prévio a fim de evitar a intoxicação por esse composto.
Glucosinolatos são substâncias que contêm enxofre, nitrogênio e açúcar em sua
molécula. Eles ocorrem em quase todas as espécies de Brassicaceae e são responsáveis
pelo sabor picante do agrião, rabanete e pelo gosto característico dos brócolis, repolho,
mostarda etc. Quando a planta é atacada, os glucosinolatos são hidrolisados pela enzima
mirosinase, produzindo isotiocianatos e nitrilas que agem na defesa da planta como
toxinas e repelentes contra herbívoros.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 149


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 10 - Rezende et al. 2022

Figura 10.6. Exemplos de classes de alcaloides, seus respectivos precursores, fonte e uso por humanos.
Fonte: Elaborado pelos autores

Referências
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Biology of Plants. Chichester: John Wiley & Sons, 1264p.
Chase, M.W.; Christenhusz, M. J. M.; Fay, M. F.; Byng, J.W.; Judd, W.S.; Soltis, D.E.;
Mabberley, D.J.; Sennikov, A.N.; Soltis, P.S.; Stevens, P.F. (2016). An update of the
Angiosperm Phylogeny Group classification for the orders and families of flowering
plants: APG IV. Botanical Journal of the Linnean Society, v. 181, n. 1, p. 1-20.
Dewick, P.M. (2009). Medicinal Natural Products – A biosynthetic approach. Third
edition. John Wiley and Sons. West Sussex. UK.
Maeda, H & Dudavera, N. (2012). The Shikimate pathway and aromatic amino acid
biosynthesis in plants. Annual reviews of plant biology, v. 63, p. 73-105.
Moreira, F. A. (2015). Perfil da alteração na produção de substâncias fenólicas e
açúcares livres na interação entre Tapirira guianensis Aubl. (Anacardiaceae)
parasitada por Phoradendron crassifolium (Pohl ex DC.) Eichler (Santalaceae).
Dissertação de Mestrado. Instituto de Biociências, São Paulo. Universidade de São
Paulo (Orientadora: Furlan, C. M.).

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Capítulo 10 - Rezende et al. 2022
Simões, C. M. O.; Schenkel, E. P.; Gosmann, G.; Mello, J. C. P.; Mentz, L. A.;
Petrovick, P. R. (Orgs.). (2010). Farmacognosia: da planta ao medicamento. 6 ed.
Porto Alegre: Editora da UFRGS; Florianópolis: Editora da UFSC, 1104p.
Taiz, L. & Zeiger, E. (2010). Plant Physiology. 5ª edição, Artmed, 782p.

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Capítulo 11 - Silva 2022
Competição química entre plantas

Lucas Girotto Lagreca da Silva 1

Neste capítulo será discutido como o metabolismo secundário vegetal pode


impactar o balanço competitivo. Serão abordados alelopatia, de sua definição a seus
principais métodos de ação, as vias de produção e as principais classes de metabólitos
secundários, e por fim as principais metodologias e desafios do trabalho nesta área.

Plantas são organismos sésseis em constante competição


Competição é a interação entre organismos ou comunidades onde as partes
disputam recursos com disponibilidade limitada. Alimentos, água, demarcação territorial
e seleção sexual são alguns dos focos de competição mais conhecidos e estudados. Estes
são essenciais para a sobrevivência dos organismos e a perpetuação genética das espécies.
Espécies incapazes de competir precisam, ao longo de gerações, se adaptar e se
tornar mais eficientes para elevar sua aptidão. Estas adaptações podem ser tanto novas
características ou comportamentos naturais. Insucesso nestes fatores leva à redução do
número de indivíduos e do pool genético, podendo resultar na extinção da espécie.
Se tratando de plantas, organismos sésseis, fatores como competição e adaptação
são mais específicos. Os principais recursos disputados por plantas são luz, água e
nutrientes do solo como nitrogênio e fósforo. Indivíduos precisam germinar e crescer
rapidamente para ocupar um espaço que permita desenvolvimento radicular para coleta
de nutrientes e água, e desenvolvimento aéreo para captar luz.
Sementes possuem reservas energéticas para a eclosão e para as fases iniciais do
desenvolvimento. Porém, rapidamente estas reservas se esgotam, sendo necessário então
a captação de nutrientes do solo e produção de carboidratos. Desta forma é crucial o
rápido crescimento das raízes, do caule e das folhas. Indivíduos com crescimento mais
lento são prejudicados em relação à indivíduos com crescimento mais rápido, uma vez
que recursos importantes podem estar com disponibilidade limitada.
Em matas densas há grande competição por luminosidade, com a região das copas
completamente ocupada. Indivíduos neste caso competem para crescer mais alto do que
seus vizinhos, tomando para si a incidência de luz e sombreando os outros. Espécies

Universidade de São Paulo


XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 152
TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022
menores ou com crescimento mais lento precisam estar adaptadas a sobreviver com
menor incidência luminosa, uma vez que dificilmente terão fartura deste recurso.
A presença de muitos indivíduos em uma região pode gerar estresse nutricional.
Plantas com sistemas radiculares mais extensos ou mais eficientes conseguem absorver
melhor recursos do solo. A captação de um recurso crucial, porém limitado por indivíduos
mais bem adaptados pode levar à falta deste para seus vizinhos. Este acúmulo de
nutrientes por uma espécie mais eficiente reduz o número de indivíduos próximos,
aumentando ainda mais a disponibilidade deste recurso para si. Esta é conhecida como
teoria da redução de concentração.
Dentre as diversas forma de competição diferentes que ocorrem
concomitantemente iremos destacar uma: a competição química, ou alelopatia.
Indivíduos liberam diferentes classes de metabólitos secundários no ambiente visando
vantagens competitivas para se manter em um ambiente. A seguir iremos destacar quais
são as principais substâncias ativas produzidas por plantas, como elas afetam a
competição, e como podemos medir a ação destes fatores.

O metabolismo vegetal produz moléculas ativas


O principal objeto de estudo dentre os pesquisados de produtos naturais são os
compostos ativos produzidos por plantas. Estes possuem uma variedade de efeitos que
auxiliam na sobrevivência da planta, como defesa contra predação, atração de
polinizadores ou mesmo impedir o desenvolvimento de indivíduos próximos.
Existem diversas classes de fitoquímicos produzidos por plantas. Estas moléculas,
também chamadas de metabólitos secundários, são produzidas através de vias do
metabolismo secundário vegetal (Fig. 11.1). Embora exista grande variedade de
metabólitos secundários, esses são produzidos a partir de poucas estruturas ou blocos de
montagem, originárias do metabolismo primário (Fig. 11.2).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 153


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022

Figura 11.1. Interação entre o metabolismo primário e as principais vias do metabolismo secundário
vegetal. Fonte: Modificado de Taiz & Zeiger (2009).

Figura 11.2. Principais de montagem do metabolismo secundário. Fonte: elaborada por L. Girotto.

Terpenos são formados a partir de unidades de 5 carbonos


Terpenos são moléculas com diversas funções dentro do organismo vegetal.
Grupo de metabólitos com mais de trinta mil moléculas distintas, podem funcionar como
blocos de montagem para moléculas maiores, como os brassinosteroides, classe de
hormônio vegetais. Terpenos também são os principais constituintes dos óleos essenciais

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 154


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022
das plantas e podem agir como sinalizadores para interações ecológicas com plantas e
animais.
Os terpenos são biossintetizados a partir das vias do mevalonato (MEV) e
metileritritol-fosfato (MEP). Embora sejam responsáveis pela produção da mesma classe
de substâncias, estas possuem iniciadores diferentes. Acetil-CoA é a molécula precursora
da via do MEV, via esta que ocorre no citoplasma celular. O ácido pirúvico é o precursor
da via do MEP, que ocorre dentro do cloroplasto.
Todos os terpenos são formados a partir de unidades de cinco carbonos, chamada
também de isopentano (Fig. 11.3). Contudo, estas unidades raramente são encontradas
sob esta forma na natureza. Elas comumente são ligadas por diversas vezes para formar
terpenos maiores, ou participar da formação de moléculas de outras vias. O número de
unidades de isopentano é utilizado para classificar esta classe de moléculas.

Figura 11.3. Exemplos das diferentes classificações de terpenos. Isopentano, estrutura básica de cinco
carbonos acompanhado de quatro moléculas, respectivamente: o monoterpeno S-Limoneno, o diterpeno
ácido abiético, o triterpeno beta-amirina, e o tetraterpeno betacaroteno. Fonte: elaborada por L. Girotto.

Terpenos formados a partir de duas unidades de isopentano já foram considerados


os menores membros desta classe, logo foram utilizados como base para sua
nomenclatura: monoterpenos (Fig. 11.3). Muitas vezes voláteis, estas moléculas
frequentemente compõem os óleos essenciais vegetais. R-limoneno e S-limoneno são

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 155


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022
monoterpenos voláteis responsáveis pelo aroma dos frutos de laranja e limão,
respectivamente. Escaridol é um monoterpeno com ação vermífuga devido à formação de
radicais livres de oxigênio a partir de sua estrutura.
Diterpenos, triterpenos e tetraterpenos são formados por quatro, seis e oito
unidades de isopentano, respectivamente (Fig. 11.3). Taxol é um diterpeno utilizado na
quimioterapia contra cânceres. Fitoesteroides são uma classe de moléculas formadas a
partir de triterpenos, e são responsáveis por diversas funções na planta. Carotenoides são
pigmentos tetraterpenoidais responsáveis pela coloração de diversos alimentos.

Compostos fenólicos são um variado grupo de moléculas aromáticas


Compostos fenólicos são metabólitos com grande variação estrutural, porém
mantêm um anel aromático ligado a um grupo hidroxila, ou são derivados de moléculas
que possuíam essa estrutura (Fig. 11.4). A hidroxila fenólica torna este grupo muito
reativo e suscetível à polimerização em grandes moléculas. Desta forma ou compostos
fenólicos possuem grande variedade em suas funções: componentes estruturais, defesa
contra predação, integrante de aromas e efeito antioxidante.

Figura 11.4. Estrutura básica dos compostos fenólicos, o anel fenólico, seguido de quatro subclasses de
flavonoides: Antocianidinas, catequinas, flavonóis e flavonas. Fonte: elaborada por L. Girotto.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 156


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022
Duas vias do metabolismo secundário dão origem aos compostos fenólicos, a via
do acetato e a via do chiquimato. Iniciada a partir de Acetil-CoA a via do acetato produz
ácidos graxos e diversas moléculas secundárias, dentre elas compostos fenólicos. A via
do chiquimato forma aminoácidos aromáticos e compostos fenólicos a partir de um
intermediário em comum, o ácido chiquímico.
O ácido cinâmico é um intermediário da via do chiquimato que reage com
moléculas da via do acetato para formar um dos mais conhecidos grupos de compostos
fenólicos, os flavonoides. Este grupo de moléculas possuem extensa lista de funções:
defesa contra predação, ação antioxidante, pigmentação, resistência contra seca e
sinalização molecular. Antocianidinas, flavonóis, flavonas e catequinas são alguns dos
subgrupos desta família com mais de seis mil moléculas (Fig. 11.4).

Alcaloides são moléculas nitrogenadas ativas


Muitos dos compostos medicinais utilizados historicamente pela humanidade são
alcaloides. Moléculas nitrogenadas, esta classe de compostos é reconhecida por seus
efeitos ativos em humanos, animais e plantas (Fig. 11.5). A nicotina e a cafeína são
alcaloides conhecidos e utilizados pela humanidade a centenas de anos.
Produzidos por aproximadamente 10% das espécies vegetais, os alcaloides são
produzidos a grandes custos. O alto investimento energético necessário juntamente com
o uso de recursos importantes como o nitrogênio aumenta a especificidade da produção
destas moléculas. Espécies podem produzir alcaloides que não estão restritos ao seu clado
de forma única, ou até mesmo produzir alcaloides exclusivos.
Alcaloides possuem função de defesa contra herbivoria, tese construída sobre a
grande variedade de efeitos que estas substâncias têm em animais. A nicotina e a cafeína
possuem forte ação inseticida mesmo em concentrações baixas. Algumas classes de
pequenos herbívoros se adaptaram para evitar o consumo de espécies vegetais especificas
a fim de evitar a toxicidade de seus metabólitos secundários.
A complexidade de estruturas dos alcaloides muitas vezes extrapola simples
caracterizações, mas alcaloides tendem a ser classificados de acordo com a estrutura
nitrogenada que possuem. Aminoácidos podem sofrer reações de descarboxilação para
doar seu nitrogênio e esqueleto carbônico à formação de alcaloides. O agrupamento destas
moléculas nitrogenadas baseado no aminoácido precursor é comum, devido à baixa
variedade de aminoácidos que participam deste processo. Ornitina, lisina, ácido

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 157


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022
nicotínico, tirosina, triptofano, ácido antranílico e histidina são os representantes deste
grupo.
Uma porção significativa dos alcaloides é formada por reações de transaminação,
recebendo apenas o nitrogênio dos aminoácidos. No caso destes chamados
pseudoalcaloides o restante da estrutura molecular é integrado a partir de intermediários
e produtos do metabolismo secundário. Blocos de montagem formados nas vias do
chiquimato, metileritritol-fosfato, mevalonato e acetato podem ser incorporados nas
estruturas moleculares de alcaloides, dando origem a alcaloides esteroidais, terpenoidais,
entre outros.

Figura 11.5 As estruturas moleculares dos alcaloides cocaína, atropina e cafeína. Fonte: elaborada por L.
Girotto.

Alelopatia é uma forma de competição química entre plantas


Alelopatia é uma interação ecológica definida como o conjunto de efeitos
positivos e negativos que um indivíduo causa em um segundo indivíduo a partir de seus
metabólitos secundários. Embora seja mais proeminentemente estudada em plantas,
alelopatia também é encontrada em algas e fungos.
Moléculas ativas para alelopatia são denominados compostos alelopáticos. Estes
podem ser produzidos por diferentes vias do metabolismo secundário vegetal e pertencer
a diversas classes. Alcaloides são a classe de compostos mais ativa, logo também mais
visada em estudos, mas terpenos, flavonoides e outros compostos fenólicos podem ser
alelopaticamente ativos.
Existem diferentes formas de interação alelopática dependendo da natureza da
molécula e da forma de liberação no ambiente. Compostos secundários produzidos por
plantas influenciam o ambiente no qual eles são liberados por interações positivas ou
nocivas, de forma direta ou indireta através de microrganismos intermediários.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 158


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Capítulo 11 - Silva 2022
Aleloquímicos podem ser liberados no solo de diversas maneiras: lixiviação de
compostos da parte aérea das plantas, esteja essa viva ou morta, decomposição de
estruturas vegetais e liberação de exsudatos da raiz (Fig. 11.6). Estes compostos
alelopáticos podem agir diretamente ao serem absorvidos pelas raízes de organismos
vizinhos, ou indiretamente através da ação de microrganismos.
A microbiota do solo pode interferir na ação de compostos alelopáticos liberados.
Certas configurações de microrganismos no solo podem quebrar, inativar ou decompor
compostos alelopáticos liberados, protegendo espécies vegetais próximas impedindo a
assimilação destes metabólitos. Outras configurações podem ter atividade oposta,
reagindo com metabólitos liberados no solo e ativando ou aumentando sua atividade
fitotóxica.
Arthrobacter sp é um gênero de bactérias que foi isolado do solo de regiões
invadidas por Ageratina adenophora, espécie invasora conhecida. Foi observado que
estas bactérias degradavam os compostos alelopáticos liberados por A. adenophora,
aumentando rapidamente o declínio destes metabólitos no solo. Desta forma Arthrobacter
sp age como defesa contra alelopatia, protegendo espécies locais contra a ação química
da espécie invasora.
Compostos orgânicos voláteis possuem grande potencial sinalizador. Estas
moléculas permitem rápida adaptação de defesa entre órgãos de uma mesma planta ao
serem liberados. Podem também ativar respostas de defesa em organismos próximos, que
ainda não foram sujeitos ao estresse em questão. Experimentos com compostos voláteis
confirmaram também diversos outros efeitos ativos, como atividade antimicrobiana,
inseticida e herbicida.
Beta-terpineol e eugenol são dois compostos voláteis liberados por folhas da
tomateira (Solanum lycopersicum) e apresentaram efeito inibitório sobre o crescimento
de Amaranthus mangostanus, uma espécie tropical. O óleo volátil de Atriplex cana inibiu
fortemente o crescimento de espécies de ervas daninhas comuns em produções de
alimentos orgânicos.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 159


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022

Figura 11.6. Diferentes formas da liberação de compostos alelopáticos no meio ambiente até sua absorção
pela planta alvo. Fonte: elaborada por L. Girotto.

Uma vez absorvidos os aleloquímicos podem ser quebrados e absorvidos, ou terão


efeito ativo sobre a planta. São diversos os pontos de ação, mas é possível destacar os
principais:
• Inibição da divisão celular e da síntese de DNA. Organismos afetados por estes
efeitos tiveram a redução do número de células e do seu crescimento em altura.
• Estresse oxidativo. Espécies reativas de oxigênio são extremamente danosas e sua
presença deve estar sempre controlada. Porém, estas são frequentemente
encontradas em maior concentração após ação alelopática, fator que leva à
degradação de proteínas e morte celular.
• Disrupção da respiração. A fosforilação oxidativa, a formação de CO2 ou mesmo
a atividade da ATPsintase podem ser afetados por aleloquímicos. Isto leva à
redução na produção de metabólitos cruciais para a sobrevivência da planta.
• Efeitos na fotossíntese. Inibição ou dano ao aparato fotossintético e decomposição
acelerada dos pigmentos são os principais efeitos de compostos alelopáticos nesta
via. A redução na produção de energia causada por ter efeitos por toda a planta.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 160


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022
É importante destacar a diferença da produção metabólica secundária de plantas
nativas e plantas exóticas. Espécies que convivem em um mesmo ecossistema a um longo
período podem ter se adaptado para resistir ao compostos alelopáticos liberados por
vizinhos. Contudo, a inserção de uma espécie exótica neste ambiente libera metabólitos
secundários inéditos para as espécies nativas. A chamada teoria “Novel Weapons” diz
que espécies nativas são especialmente suscetíveis aos compostos alelopáticos de
espécies exóticas, portanto alelopatia seria um fator potencializado na invasão biológica
vegetal. Um exemplo prático deste efeito é o caso da Centaurea diffusa, espécie nativa
da Europa. C. diffusa inibiu o crescimento de espécies nativas da América até 70% mais
em relação a espécies europeias.
Existem muitos pontos importantes ao se observar alelopatia, as espécies, os
metabólitos que elas produzem, como eles são liberados e como agem. Por isso é
importante o desenvolvimento de metodologias que explorem estes pontos e possam
responder com confiança as hipóteses estipuladas.

Alelopatia é observada através de ensaios no laboratório e no campo


O trabalho com alelopatia se inicia com a escolha da espécie e da estrutura de
interesse. Pesquisas de literatura apontarão organismos promissores para este trabalho, e
quais de seus órgãos são provavelmente os maiores detentores de compostos alelopáticos.
Estas estruturas são coletadas e utilizadas na produção de extratos vegetais.
Diversos solventes podem ser utilizados na produção de extratos, e dependendo
de sua polaridade diferentes metabólitos serão extraídos. Solventes polares como água e
metanol irão extrair metabólitos mais polares, como alcaloides e compostos fenólicos.
Solves apolares como hexano irão extrair compostos apolares, como ácidos graxos.
Extratos polares geralmente são utilizados devido ao maior conteúdo de metabólitos
secundários ativos encontrados nestes.
Extratos produzidos são testados em bioensaios de germinação. Nestes, sementes
de espécies alvo pré-determinadas são tratadas com diferentes concentrações dos extratos
vegetais. O extrato bruto, juntamente com diluições preparadas, um tratamento controle
positivo e um negativo são adicionados a placas de cultivo sobre as sementes escolhidas.
Desta forma é possível avaliar o desvio que os diferentes tratamentos causarão entre si e
em relação aos controles. Aspectos como germinabilidade, massa e comprimento são
medidos após o período estipulado e comparados com auxílio de ferramentas estatísticas.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 161


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022
Resultados expressivos como inibição da germinação ou do alongamento das
plântulas tornam os extratos promissores para a próxima rodada de experimentos.
Extratos brutos possuem uma grande porção de metabólitos diluídos, então é difícil
apontar os responsáveis pela atividade alelopática observada. Estes extratos são então
fracionados em diferentes partições por meio de extração líquido-líquido e cromatografia
em coluna. Esta partição permite análises mais específicas em busca das moléculas ativas.
Partições geradas a partir do extrato bruto são utilizadas em novos bioensaios de
germinação. Assim é possível apontar especificamente quais são as frações relevantes
para alelopatia. Estas frações podem repetir o ciclo de partição-testagem mais vezes até
próximo à purificação das frações de interesse. Estas amostras são então analisadas
através de cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) ou cromatografia gasosa (GC)
e espectrometria de massas (MS). Por meio destas análises é possível identificar
isoladamente a molécula de interesse, e a correlacionar com o efeito alelopático
observado nos bioensaios de germinação.
Estas metodologias são exemplos de ensaios laboratoriais de alelopatia
comumente utilizados, mas ensaios em campo também são necessários. Resultados
positivos no laboratório muitas vezes não são traduzidos em resultados positivos no
campo. É possível chegar a uma sugestão de efeito alelopático em laboratório, mas sua
comprovação deve ser feita no campo.
Ensaios feitos no campo esbarram em uma série de dificuldades provenientes da
própria natureza deste ambiente. O grande número de variáveis presentes como vento,
incidência solar, precipitação e herbivoria torna difícil quantificar ensaios alelopáticos.
Assim é criada a dificuldade em garantir que quaisquer efeitos observados sejam
realmente resultado de alelopatia, e não de uma combinação de fatores.
É importante dar continuidade a possíveis efeitos alelopáticos observados em
laboratório através de experimentos em campo. Contudo, é necessário resguardo ao
confirmar efeito alelopático devido à interferência de variáveis de difícil quantificação.
Por vezes efeitos inibitórios são causados por déficit hídrico ou incidência solar
insuficiente, e não por efeito de compostos secundários ativos.

Alelopatia pode ser um fator decisivo no balanço competitivo local


Muitas vezes a competição entre espécies de um ambiente está vulnerável a
alterações no balanço competitivo atual, podendo ser pesada para determinado lado por
meio de mudanças no ecossistema. A liberação de metabólitos secundários ativos por

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 162


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 11 - Silva 2022
plantas pode ser um fator decisivo na competição entre plantas, contribuindo para seu
estabelecimento no ambiente ou na captação de recursos. Contudo, são necessárias
metodologias claras e completas para realizar estudos alelopáticos e seguramente
confirmar sua presença e ação.

Referências
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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 163


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 12 - Roma & Carvalho 2022
Armadura transparente das plantas: Cutícula vegetal – Estrutura,
composição química, importância ecológica e suas aplicações

Lucas Paradizo Roma 1


Juliana Cajado Souza Carvalho 1

Cutícula vegetal: Estrutura e composição química


A transição das plantas do ambiente aquático para o ambiente terrestre é, sem
dúvidas, uma das maiores conquistas para o estabelecimento da grande biodiversidade
que nos cerca atualmente. Dentre as adaptações que permitiram essa transição, o
surgimento da cutícula foi essencial, por conferir às plantas uma barreira contra a perda
excessiva d’água e proteção à radiação ultravioleta. A produção dessa estrutura é
registrada em macrofósseis desde as primeiras linhagens de plantas terrestres conhecidas,
que surgiram por volta de 450 milhões de anos atrás.
Pode-se definir a cutícula como uma fina membrana extracelular translúcida e
hidrofóbica, a qual recobre a epiderme das partes aéreas de todas as plantas terrestres,
desde as plantas vasculares como angiospermas, até esporófitos e gametófitos de algumas
briófitas. Ela é a principal interface entre a planta e o meio ambiente ao seu redor,
concedendo a esta estrutura um papel crucial no desenvolvimento e sobrevivência do
indivíduo. Dessa forma, a cutícula apresenta papel fundamental em muitas funções
biológicas vegetais, principalmente por reduzir o risco de dessecação e por conferir
resistência a estresses bióticos e abióticos. Sistematicamente, divide-se a cutícula em dois
principais componentes, um componente polimérico chamado de cutina e outro formado
por diferentes substâncias de caráter apolar, comumente denominadas de ceras
cuticulares.
A cutina e as ceras se combinam de formas diferentes para compor a estrutura
cuticular. Em sua camada mais interna a matriz polimérica da cutina encontra-se
associada a elementos da parede celular e é responsável por aderir a cutícula à epiderme.
Permeado por dentro dessa matriz encontram-se as ceras intracuticulares. Já a camada
mais externa é composta apenas de cera e é denominada de cera epicuticular, que após
serem depositadas formam um grande manto recobrindo toda a extensão da cutícula. As
ceras epicuticulares, dependendo de sua composição química, podem solidificar-se em
diferentes tipos de cristais cerosos. Muitos tipos de morfologia desses cristais são

Universidade de São Paulo

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 164


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 12 - Roma & Carvalho 2022
conhecidos e podem variar desde plaquetas (Fig. 12.1) até diferentes tipos de tubos e
bastonetes.

Figura 12.1. Imagem obtida por microscopia eletrônica de varredura das ceras da superfície abaxial de
folhas de Simarouba versicolor A. St. Hil. com morfologia do tipo plaquetas. Fonte: Imagem realizada
pelos autores.

O polímero da cutina corresponde a maior parte da massa da cutícula e é formado


principalmente por monômeros derivados dos ácidos graxos C16 (ácido palmítico) e C18:1
(ácido oleico). Esses monômeros são oxidados apresentando grupos hidroxi e epóxi no
meio das suas cadeias ou ao lado oposto do ácido graxo funcional, se tornando uma cadeia
interdimensional e rígida. Além disso, outras moléculas também podem encontrar-se
esterificadas na cutina, tal como diácidos e glicerol. Tais características físico-químicas
da cutina conferem à cutícula flexibilidade e resistência mecânica.
Por sua vez, as ceras cuticulares são constituídas por uma mistura de lipídeos
alifáticos de cadeia longa (como ésteres, álcoois, alcanos, ácidos graxos e aldeídos) e
diferentes compostos cíclicos (como terpenos e flavonoides). Essas substâncias
apresentam um papel muito importante na adaptação às variações climáticas sazonais e
até mesmo na proteção contra herbívoros.
A produção dos compostos alifáticos de cadeia longa das ceras cuticulares ocorre
no retículo endoplasmático e tem como precursores ácidos graxos de até 18 carbonos,
sintetizados nos plastídeos. As rotas biossintéticas envolvidas para a produção desses
compostos são coordenadas por diversas enzimas e iniciadas com o alongamento desses

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 165


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 12 - Roma & Carvalho 2022
acils graxos de até 18 carbonos. Esse processo de alongamento dá origem aos acils graxos
de cadeia longa (podendo apresentar até cerca de 40 carbonos), a partir dos quais são
originadas quase todas as classes de compostos alifáticos das ceras. Para tal, duas rotas
biossintéticas são utilizadas, a via de redução do grupo acil, onde são produzidos os
álcoois primários e os ésteres e a via da descarbonilação, onde são produzidos os alcanos,
aldeídos, cetonas e álcoois secundários. Um esquema da biossíntese desses compostos
está disposto na figura 12.2. Posteriormente, por meio de matrizes proteicas de transporte,
todas essas substâncias são transportadas através do citoplasma, membrana plasmática e
parede celular até que cheguem à cutícula.

Figura 12.2. Diagrama com a representação da estrutura cuticular e principais etapas de síntese das
substâncias alifáticas das ceras cuticulares. Os quadros em laranja representam as enzimas envolvidas em
cada etapa. Fonte: Elaborada pelos autores.

Os compostos cíclicos das ceras podem pertencer a diversas classes de substâncias


e tem origem a partir das vias biossintéticas do metabolismo especial vegetal, como a via
do chiquimato, acetato-malonato e mevalonato.
Ao longo de décadas de estudos, inúmeras substâncias já foram identificadas em
ceras. No entanto, é importante salientar que são reportadas diferenças qualitativas e
quantitativas dos compostos químicos encontrados mesmo entre espécies do mesmo
gênero. Cada espécie, ou mesmo populações de uma mesma espécie, podem apresentar

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 166


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 12 - Roma & Carvalho 2022
variações de teor, composição e morfologia cristaloide de suas ceras. Por serem a primeira
barreira entre o ambiente e o interior da planta, a produção dos compostos da cera
cuticular pode variar dependendo das estações do ano e dos estresses bióticos e abióticos
que as cercam. Dentre esses estresses, podemos citar pressão de herbivoria e intensidade
de ventos, luminosidade, umidade, altitude e calor. Ademais, fatores genéticos intrínsecos
também influenciam na composição natural das ceras das plantas, podendo levar a uma
variação de acordo com seus estágios de vida, órgão vegetal e entre diferentes indivíduos
e espécies. Dessa forma, o estudo da cutícula é fundamental para a compreensão da
interação entre planta e ambiente considerando diferentes aspectos ecológicos e
evolutivos, bem como os fatores genéticos que estão relacionados.

Funções e aplicações da cutícula vegetal


Apesar da cutícula apresentar massa bem menor que os órgãos vegetais que ela
recobre, suas propriedades físico-químicas e morfológicas lhe concedem diversas funções
fundamentais para as plantas.
Como mencionado anteriormente, o principal papel atribuído à cutícula é a retenção
de água através da redução da transpiração cuticular, principalmente impedindo a perda
excessiva de água quando os estômatos se encontram fechados. Essa propriedade permite
que as plantas sejam capazes de controlar dinamicamente a troca de vapor d’água por
meio da abertura e fechamento de seus estômatos. As ceras são as grandes responsáveis
por atuar como essa barreira hidrofóbica. Estudos apontam que os compostos da cera,
principalmente os alcanos, em determinadas regiões da cutícula estão organizadas em
uma configuração que forma uma espécie de malha, denominada de zona cristalina, capaz
de reter a passagem das moléculas de água.
Outro papel importantíssimo da cutícula vegetal é atuar como uma barreira,
protegendo os tecidos de radiações ultravioleta (UV). Apesar de continuar importante,
esse papel foi crucial no período de transição das primeiras linhagens de plantas verdes
da água para a terra, uma vez que o ambiente aquático fornecia certa proteção contra as
radiações UV. Nosso planeta é irradiado com grandes quantidades de radiações UV,
dentre elas a radiação UV-A, UV-B e UV-C. A radiação UV-C é refletida pela camada
de ozônio de nossa atmosfera quase que por completo, mas as radiações UV-A e UV-B
são capazes de chegar até a superfície com maior intensidade. Essas radiações UV,
principalmente a UV-B, são muito perigosas para organismos vivos uma vez que podem
penetrar nos tecidos e danificar as moléculas de DNA, lipídeos e proteínas, além de gerar

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 167


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 12 - Roma & Carvalho 2022
espécies reativas de oxigênio e prejudicar o processo de fotossíntese. Dentre as
substâncias cíclicas que podem estar presentes nas ceras cuticulares, as substâncias
fenólicas são bastante efetivas em absorver esses tipos de radiações. As principais
substâncias fenólicas que podem ser encontradas nas ceras são flavonoides
(principalmente agliconas de flavonóis e flavonas, por exemplo a cirsimaritina [Fig.
12.3b]) e derivados do ácido hidroxicinâmico (destacando-se o ácido p-cumárico [Fig.
12.3b]). É muito interessante notar o efeito sinérgico que a presença desses dois tipos de
compostos fenólicos apresenta, uma vez que os flavonoides possuem maior absorção na
faixa da radiação UV-A (315-400 nm) e os ácidos hidroxicinâmicos na faixa da radiação
UV-B (280-315 nm).
A cutícula também apresenta um papel importante na interação da planta com a
biota ao seu redor. Diversos insetos antes de iniciar seu comportamento de herbivoria ou
oviposição, são imediatamente afetados por estímulos provenientes de lipídeos da
superfície da cutícula, que podem encorajá-los ou desestimulá-los. Dentre eles, o tipo da
morfologia das ceras epicuticulares e seu aspecto macroscópico podem atuar como
modificadores desses comportamentos. Por exemplo, foi visto que larvas de Plutella
xylostella L. (Lepidoptera) apresentaram predileção nos comportamentos de herbivoria e
oviposição em folhas de Brassica oleracea L. (Brassicales) com cutículas de aspecto mais
lustroso. Já outras morfologias podem atuar como deterrentes a tais comportamentos por
outras espécies, como foi verificado em mariposas da espécie Cydia pomonella L.
(Lepidoptera) em frutos de pêssego (Prunus pérsica L. Batsch - Rosales). Além disso, a
presença nas ceras de algumas substâncias tóxicas como alguns triterpenos e esteroides,
por exemplo α e β-amirina e epifriedelinol (Figura 12.3c), podem atuar de forma tóxica
como antiherbivóricas, assim como verificado em algumas espécies de plantas
encontradas na caatinga e cerrado brasileiros.

Figura 12.3. Representação de algumas substâncias cíclicas encontradas nas ceras cuticulares. Fonte:
Elaborada pelos autores.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 168


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A cutícula apresenta um efeito de autolimpeza muito importante e extremamente
interessante, denominado de Efeito Lótus. Esse efeito é causado quando o ângulo da água
com a superfície é muito grande (maior que 90°), levando a diminuição de sua aderência.
Isso faz com que sejam formadas gotículas de água que escoam para fora do tecido
evitando seu acúmulo na superfície (Fig. 12.4). Em algumas plantas esse efeito é
claramente visível, como em folhas de couve (B. oleracea). Isso faz com que a superfície
do tecido se mantenha seca de gotículas da chuva ou orvalho, evitando a formação de
colônias de alguns microrganismos, além de remover poeira e outras partículas ao escoar.
Esse efeito despertou a curiosidade de muitos pesquisadores, que passaram a analisar a
superfície das plantas buscando desenvolver materiais superhidrofóbicos biomiméticos
capazes de manter a propriedade de autolimpeza. Um exemplo de um tipo desses
materiais são alguns tecidos especiais, que mesmo quando expostos a água ou outros
líquidos, se mantém secos e limpos.
A barreira que a presença da cutícula promove não se limita em controlar apenas o
fluxo de gases e solutos entre a planta e a atmosfera, mas também atua como uma
armadura contra a penetração de microrganismos patógenos para o interior de seus
tecidos. A cutina é apontada como a maior responsável por tal efeito, pois ela é um
polímero extremamente resistente e difícil de ser digerido. Porém, alguns fungos
patogênicos são capazes de romper a cutícula pela ação combinada entre degradação
enzimática e ruptura mecânica via apressórios infecciosos. Mesmo nesses casos em que
há a ruptura da cutícula, os monômeros resultantes da degradação da cutina podem atuar
auxiliando a disparar uma resposta de defesa e estimular a formação de peróxido de
hidrogênio (H2O2), substância tóxica para microrganismos.

Figura 12.4. Representação do Efeito Lótus. Fonte: Elaborada pelos autores.

A cutícula também desempenha papel importante ao longo do crescimento do


embrião, por atuar como suporte mecânico para o desenvolvimento correto de alguns

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 169


TEMA 3: Recursos Econômicos Vegetais
Capítulo 12 - Roma & Carvalho 2022
tecidos, os impedindo de colapsar. Além disso, é considerada uma barreira primária
essencial para a proteção da plântula quando esta emerge do solo.
O estudo da cutícula não é apenas restrito à compreensão ecológica e evolutiva que
esta estrutura desempenha nas plantas. Outras linhas de pesquisas, por exemplo, buscam
analisar a composição química das ceras cuticulares, bem como sua macroestrutura
cristalóide, para encontrar potenciais marcadores quimiotaxonômicos e morfológicos que
auxiliem na classificação de espécies vegetais. Embora as ceras possam sofrer variações
naturais e adaptativas entre os indivíduos, estudos deste tipo mostraram-se promissores
com espécies de alguns gêneros e famílias, como o perfil de álcoois primários analisados
em espécies de Croton (Malpighiales) ou a distinção da morfologia cristaloide do tipo
grânulos e bastonetes em espécies de subseções de Rosa (Rosales).
Estudos da cutícula de frutos, principalmente nos períodos de amadurecimento e
pós-colheita, também são bastante interessantes e importantes economicamente, uma vez
que a cutícula dos frutos nestes estágios pode interferir na sua qualidade, saúde e no seu
tempo de prateleira. A cutícula nestes períodos tem importante participação nos processos
de perda de água, susceptibilidade a estresses físicos e biológicos e na firmeza do fruto.
O melhor entendimento da estrutura e participação da cutícula dos frutos nos estágios de
colheita e armazenamento pode ajudar a desenvolver novos recursos que reduzam perdas
econômicas no setor da fruticultura.
Muito conhecimento foi adquirido depois de décadas de estudos sobre a cutícula
vegetal, entretanto relativamente poucas espécies foram estudadas. Maior parte dos
estudos se concentra em angiospermas, principalmente em espécies cultivadas (como
couve, repolho e algumas espécies de gramíneas) ou plantas modelos (por exemplo
Arabidopsis thaliana (L.) Henh.). Em espécies selvagens ou em grupos mais basais como
pteridófitas e briófitas, a proporção de trabalhos é menor. Para o futuro, muito ainda
precisa ser estudado para compreendermos melhor como os diferentes aspectos em torno
da cutícula vegetal atua nestas espécies, assim como a possibilidade de prospecção de
novos compostos bioativos que essa estrutura pode conter. Destaca-se, assim, a relevância
do estudo da cutícula para todas as áreas da botânica, como sistemática, fitoquímica e
fisiologia vegetal.

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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 172


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 13 – Jankovski & Osaki 2022

Macroalgas como Fonte de Produtos Naturais: Um Oceano de Oportunidades

Lara Habib Jankovski 1


Vanessa Sayuri Osaki 1

Introdução
Alga é um termo genérico, desprovido de significado taxonômico, que inclui
organismos procariotos e eucariotos que apresentam como características a presença de
Clorofila a, um talo não diferenciado em raiz, caule ou folhas, e hábito
predominantemente aquático. Dentre as algas, alguns filos possuem representantes
denominados de macroalgas, estes apresentam talos macroscópicos, ou seja, são visíveis
a olho nu. As macroalgas incluem diversos organismos, divididos em três categorias: as
algas verdes (Chlorophyta), as algas vermelhas (Rhodophyta) e as algas pardas
(Phaeophyceae) (Fig. 13.1).

Figura 13.1. Exemplos de macroalgas que representam os três grupos de macroalgas. (Fonte: Autor)

As algas são organismos fotossintetizantes e autótrofos de grande relevância como


base da cadeia alimentar, provendo assim toda a biodiversidade das adjacências. Além
disso, são biofiltradoras e biorremediadoras, pois assimilam nutrientes e metais traços
________________________
Universidade de São Paulo
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 173
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 13 – Jankovski & Osaki 2022
dissolvidos na coluna d’água, controlando a disponibilidade de nutrientes e o pH da água,
auxiliando na manutenção do equilíbrio químico do ecossistema marinho. As macroalgas
são reconhecidos bioindicadores, sugerindo alterações nos padrões físico-químicos da
água do mar, resultantes de impactos antrópicos, mudanças climáticas e/ou
meteoceanográficas.

As macroalgas marinhas, que habitam áreas do média e infralitoral, estão


constantemente sendo expostas a fatores ambientais de estresse com condições altamente
variáveis, como a radiação solar, radiação ultravioleta, dessecamento, temperatura,
salinidade e impactos antrópicos. A sua sobrevivência depende de estratégias de
resistência e defesa frente a condições de estresse, podendo gerar alterações em nível
molecular, celular, metabólico ou fisiológico, propiciado pela mudança da condição
externa (ex. fator abiótico ou biótico) e levando a modificações negativas ou positivas no
seu desempenho, aptidão e bem-estar. Isso resulta em uma ampla variedade de
metabólitos que determinam suas características ecológicas e fisiológicas, sendo estes de
grande interesse para a economia.

As pesquisas recentes, têm se concentrado em uma série de novos usos de


macroalgas em uma ampla gama de setores econômicos, como alimentícia, agrícola,
nutracêutica, fitoterápica, cosmecêutica, até usos como bioprodutos. Pensando nisso, o
modelo de produção conhecido como “Bioeconomia Azul” é baseado no uso de recursos
biológicos aquáticos renováveis, como as macroalgas, e tem como objetivo oferecer
soluções para a sustentabilidade destas categorias. Sendo apoiada por avanços científicos
e tecnológicos na caracterização química e técnicas analíticas de novos compostos, bem
como a otimização da triagem para diferentes bioatividades em sistemas de alto
rendimento para o aproveitamento dos resíduos, provenientes de processos de extração
ou transformação. Assim, as macroalgas, como parte da bioeconomia azul, constituem
um recurso biológico renovável que deve ser investigado, valorizado e protegido, para
possibilitar a ampliação da utilização dos serviços e bens ecossistêmicos.

As algas, particularmente as algas marinhas, são um componente importante da


aquicultura global, ligada ao setor alimentício. Segundo a relatório de 2021 da
Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO), apenas no ano
de 2019, o cultivo de algas, medido em peso úmido, contribuiu com quase 30% dos 120
milhões de toneladas da produção mundial de aquicultura, e as algas vermelhas

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 174


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 13 – Jankovski & Osaki 2022
(Rhodophyta) e algas pardas (Phaeophyceae) foram, respectivamente, o segundo e
terceiro maiores grupos de espécies na aquicultura global, apenas menor do que “Carpas,
barbos e outros ciprinídeos”. No Brasil, a produção de biomassa de algal por aquicultura
é baixa, em relação a outros países, como por exemplo, o Chile, que tem uma produção
10 vezes maior. Além disso, o mercado mundial de algas marinhas comerciais é restrito
a alguns países asiáticos, concentrando 99% do total. Os ficocolóides, como alginato,
carragenana e ágar correspondem a 61% da comercialização global de algas, alimentos
(nori e wakame) 3,8%, fertilizantes e aditivos para solo 35% e farmacêuticos,
cosmecêuticos e bioativos cerca de 0,2%. O mercado brasileiro de algas marinhas está
restrito à maricultura de Gracilaria spp., no Nordeste, e Kappaphycus alvarezii, no Rio
de Janeiro e Santa Catarina, sendo relacionadas ao comércio de carragenana.

As algas têm sido utilizadas como alimentos por séculos. Hoje, elas têm recebido
mais e mais atenção devido ao fato de serem consideradas como fontes ricas de produtos
naturais com bioatividades. Além disso, as macroalgas são potenciais fontes de produtos
nutracêuticos, cosmecêuticos e fitoterápicos. Nutracêutico é um termo híbrido de nutrição
com farmacêutico. Um produto nutracêutico caracteriza-se por ser parte de um alimento
que possui propriedades nutricionais benéficas à saúde, incluindo prevenção ou
tratamento de doenças. Um alimento pouco processado ou um suplemento alimentar
podem ser considerados como produtos nutracêuticos se apresentarem benefícios à saúde
além da nutrição.

Já o termo cosmecêutico é um termo para descrever um produto cosmético que


possui um efeito farmacêutico. Assim, produtos cosmecêuticos são produtos cosméticos
com ingredientes biologicamente ativos que possuem benefícios médicos ou
medicamentosos. Hoje, há uma crescente demanda dos consumidores por produtos
ecologicamente corretos, que contenham ingredientes naturais e sem efeitos adversos.

As macroalgas também são utilizadas para produzir diversos biomateriais. Um


dos principais materiais obtidos a partir de macroalgas são os ficocolóides, como o ágar
e a carragena, que possuem ação gelificantes e emulsificantes. Além disso, o agar é usado
como laxante na indústria farmacêutica e como um produto químico para testar a presença
de bactérias. Já a carragenana é utilizada como um ingrediente essencial para manter a
firmeza da pasta de dentes. A partir das macroalgas é possível também fazer biofilmes e
bioplásticos, além de biocombustíveis, como bioetanol.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 175


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 13 – Jankovski & Osaki 2022
Extração
A maioria dos protocolos encontrados na literatura, para a obtenção de produtos
naturais, foi estabelecida para plantas terrestres e poucas são as metodologias de extração
desenvolvidas para algas marinhas, que se constituem de forma diferente. A maioria das
plantas terrestres possuem altos teores de celulose e lignina, o que as torna difíceis de
despolimerizar e extrair, no entanto, as macroalgas marinhas possuem quantidades muito
pequenas de lignina, o que as tornam menos rígidas e facilita a extração e obtenção de
biomoléculas.
Existem diversos métodos extrativos, divididos entre modernos e tradicionais: nos
métodos modernos temos as extrações por fluido supercrítico, extração assistida por
ultrassom, extração enzimática, extração assistida por microondas e extração por fluido
pressurizado. Já nas extrações tradicionais, temos extração por decocção, pelo método
Soxhlet, por percolação, por infusão, por arraste, por vapor d'água e por maceração. O
rendimento da extração (ou seja, a razão de composto extraído pelo peso seco da alga)
pode variar de acordo com o tipo de solvente utilizado, a razão sólido:líquido, o tempo
de extração, a temperatura e a pressão utilizada. Portanto, para obter o máximo de
rendimento é crucial escolher o método de extração mais eficaz para a substância alvo.

A maceração é uma técnica de extração de sólidos amplamente utilizada, com ela


é possível realizar a extração de compostos de alto valor agregado. Isso é possível
selecionando a polaridade do solvente e aplicando calor, pressão e/ou agitação para
aumentar a solubilidade das substâncias de interesse na amostra. O método aplicado com
mais frequência é a extração sólido-líquido que utiliza diversos solventes orgânicos, com
propriedades físico-químicas distintas, conforme mostra o diagrama (Tab. 13.1).

É recomendável utilizar mais de um solvente e com polaridades distintas, onde o


tempo, a temperatura, a razão amostra:solvente e as características químicas e físicas da
amostra sejam considerados como fatores que influenciam no rendimento das extrações.
Além disso, misturas de dois ou mais solventes são comuns na literatura para otimização
da extração de certos compostos, uma vez que estas misturas permitem um maior poder
de eluição. Um exemplo, é a mistura de hexano e acetato de etila (20:1), que tem menor
poder de eluição do que uma mistura de 10:1 dos mesmos solventes.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 176


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 13 – Jankovski & Osaki 2022
Tabela 13.1. Características químicas dos solventes orgânicos mais comuns para extração de
compostos de origem algal. (Fonte: elaborada pelos autores)

Diagrama de Hommel (NFPA


Ponto de Densidad 704)
Solvente Fórmula
ebulição (ºC) e(g/mL) Risco a
Inflamabilidade Reatividade
saúde

Hexano C6H14 69 0.655 2 3 0

Clorofórmio CHCl3 61 1.498 2 0 0


|

Diclorometano CH2Cl2 40 1.327 2 1 0


Polaridade

Acetato de
C4H8O2 77 0.894 1 4 0
etila
Acetona C3H6O 56 0.786 1 3 0
DMSO C2H6SO 189 1.092 2 2 0
Etanol C2H5OH 79 0.789 1 3 0
+

Metanol H OH 65 0.791 3 3 0
Água H2O 100 1.000 - - -

Geralmente, a finalidade do estudo delimita os procedimentos de extração a serem


feitos, por exemplo, extratos ricos em compostos com atividade antioxidante são
constituídos basicamente por terpenos hidroxilados, substâncias fenólicas e
polissacarídeos sulfatados, todos compostos polares. Pensando nisso, a escolha e
direcionamento de compostos alvo, é intrínseco à metodologia utilizada para extração.
Visando otimizar a biomassa algal, obtendo de forma eficiente e sustentável compostos
de valor agregado.

Composição química
As macroalgas apresentam um perfil nutricional de especial interesse, sendo uma
fonte rica de compostos pertencentes a diferentes grupos químicos como polissacarídeos,
proteínas, minerais, pigmentos, compostos fenólicos e lipídios. A composição bioquímica
das algas depende de várias condições abióticas, como sazonalidade, profundidade e
intensidade de luz, disponibilidade e qualidade dos nutrientes, localização na costa,
posição geográfica, salinidade, temperatura, exposição à radiação UV, poluentes e fatores
bióticos, como herbivoria, predação, competição ou ciclo de vida.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 177


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 13 – Jankovski & Osaki 2022
Todos esses fatores podem influenciar a produção de metabólitos secundários que
têm demonstrado uma ampla gama de propriedades biológicas, tais como: atividade anti-
inflamatória, antioxidante, antimicrobiana, antiproliferativa, antiviral, antidiabética,
anticancerígena, neuroprotetora, fotoprotetora, entre outras atividades.

Lipídios
Os lipídios são formados por uma cadeia de ésteres, compostos por três moléculas
de ácidos graxos e uma de glicerol, formando um triglicerídeo. A natureza física de um
triglicerídeo é determinada pelo comprimento das cadeias carbônicas dos ácidos graxos
e pelo seu grau de saturação, sendo uma cadeia chamada de saturada quando não possui
insaturações ou insaturada quando apresenta uma ou mais insaturações. As algas
marinhas apresentam um teor entre 2 a 5% do seu peso seco em lipídios, sendo
encontrados tanto ácidos graxos saturados, como o ácido palmítico e o ácido eicosanoico,
quanto ácidos graxos monoinsaturados, como o ácido oleico, e ácidos graxos poli-
insaturados (PUFAs, do inglês polyunsaturated fatty acids). Dentre os PUFAs, são
encontrados lipídios essenciais das famílias do ômega-3 e ômega-6, como o ácido
linoleico (18:2), o ácido linolênico (18;3), o ácido eicosapentaenoico (EPA 20:5), o ácido
docosapentaenóico (DPA 22:5) e o ácido docosahexaenóico (DHA 22:6) (Tab. 13.2). O
metabolismo humano não consegue sintetizar ácidos graxos insaturados das famílias
ômega 3 e ômega 6, o que torna a ingestão desses ácidos através da alimentação ou
suplementação um fator importante para a saúde humana.
Outra classe de compostos de interesse encontrados nas macroalgas são os lipídios
complexos, como os fosfolipídios (PL) e os glicolipídeos (GL), ambos desempenham um
papel estrutural nos sistemas biológicos das macroalgas, representando os principais
blocos de construção das membranas citoplasmáticas e dos cloroplastos. Além disso, os
lipídios complexos exibem características únicas que não são encontradas em plantas
terrestres, por exemplo, os fosfolipídios marinhos têm melhor biodisponibilidade,
resistência à oxidação e maior teor de PUFAs do que lipídios de outras fontes. Já os
glicolipídeos de algas marinhas contêm PUFAs de cadeia longa (20 ou mais átomos de
carbono) com diversos potenciais de aplicações biotecnológicas. Assim como os PUFAs,
os lipídios complexos tem apresentado várias propriedades bioativas, como antioxidantes,
antitumorais, anti-inflamatórios e antimicrobianos, promovendo aplicações potenciais em
campos farmacêuticos, nutracêuticos e cosmecêuticos.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 178


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 13 – Jankovski & Osaki 2022
Tabela 13.2. Composição dos principais lipídios encontrados em macroalgas (Fonte: elaborada
pelos autores).

Bioatividades
Compostos Grupo
Classe Química Polaridade O B V I C T A F Outros
representantes algal
Ácidos graxos Ácido Palmítico
Todos
saturados Ácido Eicosanoico
Ácidos graxos
monoinsaturados Ácido oleico Todos
(MUFA)
Ácidos graxos
poli-insaturados Ômega 3, 6, 9 Todos Apolar
(PUFAs)
Lipídios Fosfolipídios (PLs) Todos
Complexos Glicolipídios (GLs) Todos
Fucosterol Hepato-
Esteroides Colesterol Todos protetora
Ergosterol
*O – antioxidante; B – antibacteriano; V – antiviral; I – anti-inflamatório; C – anticoagulante; T – antitumoral; A – antialérgico; F –
fotoproteção.

Por fim, vale mencionar os esteróides das macroalgas. Apesar de ser o grupo de
lipídeos menos estudados nas macroalgas, os esteróides possuem grande importância
biológica e são considerados como “moléculas-chave” para manter o estado de fluidez da
membrana plasmática adequada para sua função normal. Nas algas pardas, são
encontrados em maior quantidade os fucosteróis, nas algas verdes os colesteróis e, nas
algas vermelhas, os ergosteróis. Assim como os outros lipídeos, os esteroides também
apresentam bioatividades, como atividade antioxidante e hepatoprotetora.

Para a extração de lipídeos, recomenda-se o uso de misturas de solventes apolares


e polares, como clorofórmio e metanol, em uma razão de 2:1 v/v CHCl3:MeOH. A
extração deve ser polar o suficiente para remover os lipídios associados a outros
componentes, como a parede celular das algas – composta majoritariamente de
carboidratos e, portanto, polares - mas a mistura não pode ser muito polar a ponto de não
solubilizar prontamente todos os triglicerídeos e outros lipídios apolares disponíveis.

Pigmentos
As macroalgas contêm uma grande variedade de pigmentos que absorvem a luz
para a fotossíntese, muitos dos quais não são encontrados em plantas terrestres. As
espécies são caracterizadas por conjuntos específicos de pigmentos. As três classes

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 179


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 13 – Jankovski & Osaki 2022
principais de pigmentos fotossintéticos encontradas em algas são: clorofilas, carotenóides
(carotenos e xantofilas) (Tab. 13.3) e ficobiliproteínas (que serão abordadas no item de
proteínas). Esses compostos são responsáveis pelas variações de cor das macroalgas
durante seus ciclos de crescimento e reprodução, que dependem da quantidade de
pigmentos presentes (clorofilas, carotenóides e seus metabólitos de degradação).

Tabela 13.3. Composição dos principais pigmentos encontrados em macroalgas (Fonte:


elaborada pelos autores).
Bioatividade
Classe Compostos
Grupo algal Polaridade O B V I C T A F Outros
Química representantes
Clorofila a Todos
Clorofila b Verdes
Clorofilas Apolar
Clorofila c1 e c2 Pardas
Clorofila d Vermelhas
α-caroteno Vermelhas Antiobesidade,
Carotenos Apolar
-caroteno Todos anti-angiogênico
Violaxantina Verdes e pardas
Zeaxantina Todos
Xantofila Astaxantina Vermelhas Polar
Vermelhas e
Luteína
verdes
Fucoxantina Pardas

*O – antioxidante; B – antibacteriano; V – antiviral; I – anti-inflamatório; C – anticoagulante; T – antitumoral; A – antialérgico; F –


fotoproteção.

As clorofilas e os carotenóides são moléculas lipossolúveis. As clorofilas,


pigmentos que conferem a cor esverdeada dos vegetais, são um grupo de pigmentos
tetrapirrólicos cíclicos, com um anel de porfirina com um íon magnésio central e
geralmente uma longa cadeia hidrofóbica. Geralmente, a clorofila a é o pigmento
fotossintético mais abundante, enquanto outros são considerados pigmentos acessórios.

Os carotenoides são hidrocarbonetos poliênicos biossintetizados a partir de oito


unidades de isoprenos (tetraterpenos), geralmente apresentando coloração vermelha,
laranja ou amarela e notáveis propriedades antioxidantes. Dentro do grupo dos carotenos,
o -caroteno é o mais representativo e está presente em todas as classes de macroalgas.
As xantofilas contêm oxigênio na forma de grupos hidroxi, epóxi ou oxo. As xantofilas

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 180


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marinhas mais representativas incluem astaxantina e fucoxantina, que também foram
reconhecidas por terem excelente potencial antioxidante.

Proteínas
O teor de proteínas das macroalgas varia de acordo com o grupo algal, a
sazonalidade e o ambiente de crescimento das espécies. De forma geral, as algas pardas
apresentam teores em torno de 3 a 15% do seu peso seco, as algas verdes entre 9 a 26%,
e nas algas vermelhas, o teor de proteínas pode chegar a 47% dependendo da estação do
ano. A principal aplicação do uso de proteínas de macroalgas tem como alvo a nutrição
humana e a alimentação de animais. Dentre as proteínas encontradas nas macroalgas,
temos as lectinas, os aminoácidos do tipo micosporinas (MAAs, do inglês Mycosporine-
like Amino Acid), as ficobiliproteínas e os peptídeos bioativos (Tab. 13.4).
As glicoproteínas são proteínas ligadas a várias cadeias de oligossacarídeos. As
glicoproteínas estão localizadas na parede celular, na superfície da célula, ou livres após
a secreção, e suas funções incluem interações intercelulares e de reconhecimento. As
lectinas são glicoproteínas hidrossolúveis conhecidas por sua alta capacidade de ligação
com carboidratos de alta especificidade e têm sido reportadas por apresentarem atividade
antioxidante, antibacteriano, antiviral, toxicidade, como inibidores de agregação de
plaquetas e auxiliam na detecção de agentes infecciosos, como vírus, bactérias, fungos e
parasitas.

As ficobiliproteínas são proteínas solúveis em água com um papel importante na


fotossíntese das algas vermelhas. Existem quatro divisões principais de ficobiliproteínas
que são agrupadas com base em suas características de cor e absorção: ficoeritrina,
aloficocianina, ficocianina, ficoeritrocianina. A principal aplicação comercial das
ficobiliproteínas é como corantes naturais, sendo a ficocianina usada como pigmento azul
para produtos como chiclete, picolés, confeitaria, refrigerantes, laticínios e wasabi, além
de produtos cosméticos, como batons e delineadores. Além de apresentarem bioatividades
benéficas à saúde como antioxidantes, anti-inflamatórias, antivirais, antitumoral,
neuroprotetores e hepatoprotetoras.

Os MAAs são pequenos metabólitos secundários encontrados majoritariamente


nas algas vermelhas com forte absorção de radiação ultravioleta (UV), assim, os MAAs
são moléculas úteis para proteger as células de processos oxidativos e danos induzidos

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 181


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por raios UV. Dentre os MAAs, os mais comumente encontrados são as palitinas,
asterinas, porfiras e os palitinois.

Tabela 13.44. Composição das principais proteínas encontradas em macroalgas (Fonte: elaborada
pelos autores).

Bioatividades
Compostos Grupo
Classe química Polaridade O B V I C T A F Outros
representantes algal
Inibição de
Glicoproteínas Lectinas Todos agregação de
plaquetas
anti-hipertensivas,
antitrombóticas,
Peptídeos Glu-Asp-Arg- hipocolesterolêmicas,
Todos
bioativos Leu-Lys-Pro opioides, ligação
mineral, supressão
Polar do apetite
Aminoácidos Palitina,
tipo asterina, porfira- Vermelhas Fotoestabilizadores
micosporinas 334, palitinol
Corantes naturais,
Ficoeritrina,
neuroprotetoras, anti-
Aloficocianina,
Ficobiliproteínas Vermelhas hepatotoxicidade,
Ficocianina,
antidiabético, anti-
Ficoeritrocianina
hipertensivo
*O – antioxidante; B – antibacteriano; V – antiviral; I – anti-inflamatório; C – anticoagulante; T – antitumoral; A – antialérgico; F –
fotoproteção.

Peptídeos bioativos são sequências particulares de aminoácidos que podem ter


benefícios fisiológicos adicionais para a saúde além de seu valor nutricional básico. Estes
peptídeos são tipicamente entre 2 e 30 aminoácidos em comprimento e podem ser inativos
dentro das proteínas parentais, mas podem ser liberados através de fermentação ou
hidrólise. Diversos peptídeos e aminoácidos livres têm sido relatados por apresentarem
atividades como antibióticos, inibidores de enzimas, fotoproteção, além de atividade
citotóxica contra diversas células tumorais. Diversos autores sugerem a utilização das
macroalgas como fontes para a produção de biopeptídeos naturais, representando uma
alternativa à produção sintética dessas moléculas.

Para a obtenção de proteínas, peptídeos e aminoácidos, recomenda-se fazer uma


extração por maceração aquosa, uma vez que a maioria das proteínas apresentam
propriedades hidrofílicas. Essas extrações podem variar de 20 minutos, a um ou vários
dias de extração. No entanto, extrações muito demoradas podem degradar parcialmente

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 182


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as proteínas por proteases ou pela incidência luminosa. Para preservar as propriedades
proteicas e suas conformações, a extração pode ser conduzida na escuridão, a baixa
temperatura (4°C), em uma atmosfera protegida, usando um tampão aquoso ou utilizando
inibidores de protease. Além da extração aquosa, um segundo passo para melhorar a
extração de proteínas é fazer uma extração alcalina. As extrações alcalinas costumam
extrair menos de 20% do total de proteínas, mas quando realizadas após a extração
aquosa, permitem acessar proteínas complexadas a parede celular a partir da hidrólise das
cadeias carbônicas e, assim, auxiliam na obtenção tanto de proteínas de parede, quanto
das proteínas intracelulares.

Por fim, um fator importante que precisa ser considerado com relação às proteínas
é a sua qualidade. A qualidade das proteínas depende de dois fatores: 1) digestibilidade,
que está relacionado com a capacidade do corpo de absorver o nutriente que foi ingerido;
e 2) disponibilidade de aminoácidos essenciais. As proteínas de fontes animais são,
geralmente, consideradas como proteínas completas, pois são uma rica fonte de
aminoácidos essenciais que o corpo humano é incapaz de biossíntetizar. Por outro lado,
as proteínas vegetais são muitas vezes consideradas uma fonte de proteínas incompleta,
pois comumente não possuem um ou mais dos aminoácidos essenciais e são tipicamente
mais difíceis de digerir do que proteínas animais, isso porque, normalmente, estão
associadas a polissacarídeos insolúveis (fibras), o que dificulta sua digestibilidade.
Mesmo assim, as proteínas de fontes vegetais ainda podem ser consideradas como uma
fonte de proteína viável, a falta de um ou outro aminoácido essencial pode ser resolvida
com uma dieta variada de proteínas vegetais, por exemplo.

Carboidratos
As algas marinhas produzem polissacarídeos geralmente como produtos de
armazenamento e como parte de suas paredes celulares. Dentro deste último, essas
macromoléculas são encontradas tanto na parede fibrilar quanto na matriz intercelular,
geralmente em conjunto com outros biopolímeros. Polissacarídeos de relevância
industrial e biomédica foram isolados de algas vermelhas (carragenanas, agaranas etc.),
algas pardas (alginatos, fucoidanos, etc.) e algas verdes (ulvanas, xilanas, galactanas, etc).
Cada um desses polissacarídeos têm uma estrutura química definida, que pode variar entre
as espécies, estágios de vida, habitat e até procedimentos de extração.
No entanto, alguns polissacarídeos não possuem atividade biológica suficiente
para aplicações cosméticas, alimentícias ou nutracêuticas. A degradação (geralmente,

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 183


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hidrólise) e a modificação química (fosforilação, sulfatação, entre outras) de
polissacarídeos demonstraram aumentar suas atividades biológicas. Em termos gerais, um
maior grau de polimerização e sulfatação desses polissacarídeos está relacionado a uma
maior extensão de suas bioatividades, embora também possa impactar suas propriedades
hidrocoloides (Tab. 13.5).

Tabela 13.5. Composição dos principais carboidratos encontrados em macroalgas (Fonte:


elaborada pelos autores).

Bioatividades
Compostos Grupo
Classe química Polaridade O B V I C T A F Outros
representantes algal
Bioetanol,
nanoceluloses,
celulose
Celulose Todos
microcristalina,
carboximetilcelulos
e e bioplástico
Ulvanas
Xilanas
Verdes
Mananas
Galactanas
Agaranas Antitrombóticos
Polissacarídeos Carragenanas Polar
Amido Florídeo
Vermelhas
Porfiranas
Glucanas
Manitol
Fucanas
Nanotecnologia
Fucoidanos terapêutica,
Perdas antitrombóticos
Laminarina
Alginato Anti-hipertensivo
*O – antioxidante; B – antibacteriano; V – antiviral; I – anti-inflamatório; C – anticoagulante; T – antitumoral; A – antialérgico; F –
fotoproteção.

Os polissacarídeos de algas vermelhas, como a maioria dos polissacarídeos


sulfatados de algas marinhas, possuem muitas propriedades biológicas, incluindo
anticoagulante, antitrombótico, anti-inflamatório, antitumoral e antiviral, entre outros
(Tab. 5). Essas propriedades derivam de sua carga negativa e de sua semelhança com os
glicosaminoglicanos (GAGs) presentes nas membranas celulares dos mamíferos. A
atividade antiviral é atribuída à capacidade dos polissacarídeos sulfatados de impedir a

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 184


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adesão e/ou penetração do vírus na célula, pois interferem na interação entre o vírus e os
GAGs. A atividade antitumoral desses polissacarídeos pode estar relacionada à
desestabilização da interação dos GAGs da célula tumoral e as proteínas da matriz
extracelular. A atividade anticoagulante pode ser atribuída à semelhança dos
polissacarídeos sulfatados com a heparina.

Vitaminas
Vitaminas são compostos orgânicos essenciais necessários para o corpo humano
para diferentes processos químicos e fisiológicos, porém não podem ser sintetizadas por
humanos ou apenas em quantidades limitadas e, portanto, devem ser obtidas a partir da
dieta. Embora as vitaminas sejam necessárias apenas em quantidades muito pequenas,
elas são essenciais para o bom funcionamento do corpo. A deficiência de vitaminas pode
ser causada não apenas pela ingestão insuficiente de alimentos ricos em vitaminas, mas
também por má absorção ou utilização inadequada de suplementos.
As vitaminas são comumente classificadas em dois grupos de acordo com sua
solubilidade: vitaminas solúveis em água, como as vitaminas do complexo B, como B1,
B2, B3, B6, B9 e B12, e a vitamina C, também conhecida como ácido ascórbico; e
vitaminas solúveis em gordura, como as vitaminas A, D, E e K (Tab. 13.6).

Tabela 6. Principais vitaminas encontradas em macroalgas (Fonte: elaborada pelos autores).

Bioatividades
Classe Grupo
Compostos representantes Polaridade O B V I C T A F
química algal
Vitamina A (Retinol), D
Lipossolúvel (Colecalciferol e ergocalciferol), Todos Apolar
E (Tocoferol), K (Filoquinona)
Vitamina B1 (Tiamina), B2
(Riboflavina), B3 (Ácido
nicotínico), B6 (piridoxina), B9
Hidrossolúvel Todos Polar
(ácido fólico), B12
(Cobalamina), C (ácido
ascórbico)
*O – antioxidante; B – antibacteriano; V – antiviral; I – anti-inflamatório; C – anticoagulante; T – antitumoral; A – antialérgico; F –
fotoproteção.

As vitaminas mais comuns entre as macroalgas são a tiamina (B1), riboflavina


(B2), a cobalamina (B12), o ácido ascórbico (C), o tocoferol (E) e o retinol (A). As
macroalgas são uma das poucas fontes vegetais de vitamina B12. Certas algas contêm

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 185


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grandes quantidades de vitaminas com atividade antioxidante, como as vitaminas A, C e
E, assim como, podem apresentar outros benefícios para a saúde, como diminuição da
pressão arterial, prevenção de doenças cardiovasculares ou redução do risco de câncer.

Minerais

As algas contêm muitos micro e macro elementos em sua composição, como Na,
K, Mg, Fe, Zn, Mn e Cu (Tab. 13.7), podendo conter porcentagens significativas que
variam de 8 a 40%. Como esses organismos têm fortes capacidades de bioabsorção e
bioacumulativas, seu conteúdo mineral pode ser 10 a 100 vezes maior do que plantas
terrestres. O teor de cinzas de certas algas marinhas pode atingir até 40% do peso seco,
embora seus níveis sejam comumente muito variáveis, dependendo de suas características
morfológicas, condições ambientais e localização geográfica. Apesar dessa variabilidade,
o acúmulo de magnésio (Mg), e principalmente ferro (Fe), parece ser prevalente em
Chlorophyta, enquanto Rhodophyta e Phaeophyceae acumulam maiores concentrações
de manganês (Mn) e iodo (I), respectivamente.

Tabela 13.7. Principais minerais encontrados em macroalgas (Fonte: elaborada pelos


autores).
Bioatividades
Compostos Grupo
Classe Química Polaridade O B V I C T A F
representantes algal
Sódio (Na), Potássio (K),
Magnésio (Mg), Fósforo
Macroelementos Todos
(P), Cálcio (Ca), Enxofre
(S), Cloro (Cl) Polar
Manganês, Iodo, Ferro,
Microelementos
Cobalto, Niquel, Selenio, Todos
(elementos traço)
Zinco

*O – antioxidante; B – antibacteriano; V – antiviral; I – anti-inflamatório; C – anticoagulante; T – antitumoral; A – antialérgico; F –


fotoproteção.

Além disso, os metais estão envolvidos diretamente nos mecanismos


antioxidativos. Os íons ferro e cobre são muito ativos em reações de óxido-redução, o que
os capacitam como potentes catalisadores das reações de geração de radicais livres. A
participação desses metais se dá, especialmente, por meio das reações de Fenton e Haber-
Weiss. A primeira diz respeito à geração de radical OH-, por meio da reação do peróxido
de hidrogênio (H2O2) com os íons em questão, ao passo que, na segunda, estes íons

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 186


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catalisam a reação entre o H2O2 e o radical O2+, a fim de gerar, da mesma forma, o radical
OH-. O acúmulo de metais pesados em um sistema biológico propicia a catálise de reações
que culminam na geração de espécies reativas de oxigênio, e ainda pode exercer
influência sobre os mecanismos de defesa antioxidante, sobretudo o enzimático.

Seu valioso conteúdo mineral lhes confere grande potencial de aplicação na


indústria alimentícia como novos ingredientes para o desenvolvimento de inúmeros
produtos alimentícios funcionais. De fato, muitos estudos já mostraram que as algas
marinhas podem ser usadas como substitutos do cloreto de sódio (NaCl) em alimentos
comuns, aumentando a concentração de elementos muitas vezes deficientes na população
européia. Embora as macroalgas sejam ricas em minerais nutricionalmente importantes,
pouco se sabe sobre sua biodisponibilidade, sendo necessária para determinar o risco de
toxicidade. As macroalgas também podem acumular grandes quantidades de elementos
tóxicos, e a alta nos níveis de arsênio, chumbo, cádmio em algumas espécies podem
limitar seu uso na alimentação.

Substâncias Fenólicas

Compostos fenólicos ou polifenólicos também são produtos do metabolismo


secundário de algas e compreendem um grande e diversificado grupo de compostos
químicos, consistindo de um grupo hidroxila (-OH) diretamente ligado a um grupo
hidrocarboneto aromático. Estruturalmente, os compostos fenólicos presentes nas
macroalgas variam desde moléculas simples, como ácidos fenólicos ou flavonóides, até
estruturas poliméricas mais complexas de florotaninos (Tab. 13.8).

Os ácidos fenólicos são compostos bioativos envolvidos em diversas funções,


incluindo absorção de nutrientes, síntese de proteínas, atividade enzimática e fotossíntese.
Estes estão regularmente ligados a outras moléculas, como carboidratos simples e/ou
complexos, ácidos orgânicos e outras moléculas bioativas, como flavonóides ou
terpenóides. Esses compostos são formados por um único anel fenólico e pelo menos um
grupo ácido carboxílico funcional, e geralmente são classificados de acordo com o
número de carbonos na cadeia, que está ligada ao anel fenólico. Em algas marinhas,
existem alguns estudos que comprovaram a sua presença. No entanto, esses estudos são
escassos e focam principalmente na caracterização fenólica sem nenhuma bioatividade
estudada.

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Tabela 13.8. Composição das principais substâncias fenólicas encontradas em macroalgas
(Fonte: elaborada pelos autores).
Bioatividades
Classe Compostos Grupo
Polaridade O B V I C T A F Outros
química representantes algal
Taninos Verdes e
ácido gálico
Fenólicos Vermelhas
Florotaninos Pardas
Fenólicos
Bromofenol Todos
halogenados
Fenilpropanoide Todas
Terpenoides
meroditerpenóides Pardas Antimalárica
fenólicos
Diterpenos e Anti-
Vermelhas
sesquiterpenos Polar helmíntica
Flavonas,
Flavanonas,
Flavonoides Antocianidinas, Todos
Catequinas,
Isoflavonas
Ácidos Ácidos
Todos
fenólicos hidroxicinanamicos
Ácidos
Pardas
hidroxibenzoicos

*O – antioxidante; B – antibacteriano; V – antiviral; I – anti-inflamatório; C – anticoagulante; T – antitumoral; A – antialérgico; F –


fotoproteção.

De todos os metabólitos fenólicos de algas marinhas, a atenção principal tem sido


focada nos taninos devido às suas interessantes propriedades bioativas. Os florotaninos
podem ser encontrados no interior da célula em vesículas denominadas fisódios, que se
localizam tanto na periferia da célula quanto nas regiões perinucleares, onde são
formados. Os florotaninos são oligômeros do floroglucinol, restrito às algas marrons,
onde exercem funções como metabólitos primários e secundários. A unidade monomérica
de florotaninos, floroglucinol, é assumida como sendo formada através da via acetato-
malonato (policetídeo), no aparelho de Golgi. Assim como outros fenóis, os florotaninos
têm fortes efeitos antioxidantes, especialmente floroglucinol, eckol e dieckol. Além
disso, essas moléculas revelaram eficácia na proteção do DNA contra o peróxido [T12] de
hidrogênio, que induz danos oxidativos.

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Os bromofenóis são metabólitos secundários com funções ecológicas, como
defesa química e dissuasão, com estudos revelando uma ampla variedade de atividades
ecológicas benéficas. Eles são comuns a todos os principais grupos de algas. Com relação
aos bromofenóis nota-se que os estudos se concentram principalmente no isolamento e
caracterização de compostos, mas dão menos atenção às atividades biológicas.

Os flavonóides são compostos fenólicos estruturalmente caracterizados por


oxigênio heterocíclico ligado a dois anéis aromáticos, que podem então variar de acordo
com o grau de hidrogenação. Existem muitos estudos sobre o conteúdo de flavonóides
em plantas terrestres, mas estudos de conteúdo de flavonóides em algas são escassos.
Alguns estudos relatam que as algas marinhas são uma rica fonte de catequinas e outros
flavonóides. Flavonóides como catequina, quercitina e hesperidina, entre outros, foram
detectados em várias espécies de Chlorophyta, Rhodophyta e Phaeophyceae. A partir dos
estudos recentes utilizando várias espécies de algas marinhas, os dados obtidos suportam
a presença dos compostos flavonóides, com várias técnicas de extração, e estes extratos
possuem atividade antioxidante positivamente correlacionados com a concentração de
flavonóides.

Terpenóides fenólicos foram detectados e caracterizados em algas marrons e


vermelhas. Os terpenóides fenólicos de algas marrons têm sido caracterizados
principalmente como meroditerpenóides, que são divididos em plastoquinonas,
cromanóis e cromenos, e são encontrados quase exclusivamente na família de algas
pardas Sargassaceae. Diterpenos e sesquiterpenos foram identificados e isolados em algas
vermelhas da família Rhodomelaceae.

Lacunas, Desafios e Perspectivas futuras


As macroalgas são promissoras fontes renováveis que integram princípios e
finalidades da bioeconomia azul. Embora as algas marinhas sejam usadas principalmente
para o consumo humano, a biomassa algal oferece uma grande variedade de compostos
valiosos, como lipídios, pigmentos, proteínas, carboidratos, vitaminas, minerais e
substâncias fenólicas. Devido aos potenciais bioativos desses compostos, eles podem ser
utilizados em todos os tipos de setores econômicos, sejam eles, na indústria alimentícia,

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 189


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Capítulo 13 – Jankovski & Osaki 2022
agrícola, no desenvolvimento de cosméticos, fármacos e como fonte de biocombustíveis
e biomateriais (Fig. 13.2).

Figura 13.2. Esquema geral dos principais compostos presentes em macroalgas e sua utilização como
recursos renováveis, inseridos na economia circular sustentável que integra os princípios da bioeconomia
azul. (Fonte: autor)

Diversas aplicações são possíveis com extratos de algas produzidos por diferentes
métodos. A escolha do método apropriado depende da natureza prevista do(s)
composto(s) bioativo(s) esperado(s). Vale ressaltar a importância de desenvolver métodos
de aproveitamento de resíduos pós-extração, como por exemplo, o seu uso como
fertilizantes e ração.

As macroalgas estão se transformando em uma das fontes naturais mais atraentes


para a obtenção de compostos de alto valor agregado, tendo um alto potencial para o
desenvolvimento de novos produtos terapêuticos. Elas apresentam vantagens sobre outras

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 190


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fontes de compostos bioativos devido ao seu custo, viabilidade e processos de produção
ambientalmente amigáveis. No entanto, os métodos de extração precisam ser otimizados
para serem mais ecológicos e econômicos.

Embora a maior parte da produção de algas marinhas na Ásia Oriental seja


consumida diretamente pela indústria alimentícia, as pessoas fora da Ásia geralmente têm
pouca exposição ou preferência ao consumo de algas marinhas. Como visto, a
versatilidade e variedade nutricional de muitas algas marinhas sugerem que elas podem
ser utilizadas em uma ampla gama de produtos alimentícios, adicionando oportunidades
saudáveis, de baixa caloria e nutrientes para fabricantes e distribuidores de alimentos. No
entanto, a demanda por essas aplicações permanece baixa, apesar do valor nutricional e
dos benefícios para a saúde.

O desenvolvimento de novos produtos a partir de macroalgas envolve muitas


etapas, que são impulsionadas por novos mercados e demandas dos consumidores, mas
requer investimentos significativos. Um investimento financeiro considerável e um
compromisso de longo prazo da indústria são necessários para conduzir testes e
desenvolvimentos futuros. Como por exemplo, nas áreas de nutracêuticos, cosmecêuticos
e para o desenvolvimento de novos medicamentos. Outro obstáculo é o longo processo
de aprovação das agências de segurança relevantes, garantindo a segurança do
consumidor e os padrões de produtos e comercialização.

Além disso, o setor público deve criar um ambiente propício para facilitar o
desenvolvimento do cultivo de algas, tornando-o prioridade, uma vez que poucas espécies
são cultivadas e muitos compostos são obtidos a partir de bancos naturais, podendo afetar
o equilíbrio ecológico dos ecossistemas marinhos. Infelizmentos, o cultivo ilegal tem se
tornado uma prática comum em países com regulamentações e sistema de fiscalização
falhos, que pode inclusive culminar no cultivo de espécies invasoras, deteriorando os
ecossitemas locais. Assim, é preciso oferecer medidas ou projetos efetivos para seu
licenciamento, apoio financeiro e outros mecanismos para ajudar a recompensar o setor
por seus benefícios ambientais e serviços ecossistêmicos.

Vale ressaltar que é preciso integrar os conhecimentos das funções biológicas dos
compostos à ecologia química que eles desempenham. A compreensão dos mecanismos
bioquímicos e fisiológicos apoiarão o desenvolvimento de uma bioeconomia sustentável.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 191


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Além disso, esse conhecimento poderá guiar novos estudos macroecológicos frente às
mudanças climáticas, fornecendo uma ferramenta para proteção e valoração das
macroalgas.

Na busca por produtos naturais, considerando a disponibilidade de biomassa algal,


onde o cultivo dos organismos de origem ou abordagens genéticas não são viáveis, a
engenharia metabólica ou genética tem se tornado cada vez mais promissoras, bem como
a metabolômica e a transcriptômica, que são áreas de estudo recentes, no campo da
ficologia, para a identificação e biossíntese de compostos.

Pensando nisso, destaca-se a necessidade do desenvolvimento do conhecimento


ficológico na área da bioinformática para a integração de dados já publicados sobre o
conhecimento químico e ecológico das algas. Embora menor, em comparação com as
plantas terrestres, a metanálise destes resultados, podem revelar uma riqueza química
ainda maior, sugerindo caminhos bioquímicos complexos e mecanismos adaptativos, que
prometem aumentar o potencial comercial previsto para o desenvolvimento de produtos
naturais.

Pode-se concluir que, considerando a grande diversidade química das macroalgas


e suas propriedades bioativas, estas podem fornecer respostas importantes para vários
desafios globais, como energia limpa e renovável, produção de alimentos, nutracêuticos
e fármacos. Portanto, o conhecimento gerado a partir do estudo das algas, além da
perspectiva exploratória, deve atender um aspecto mais amplo, sendo fundamental para a
valorização dos recursos marinhos e agregar aos serviços ecossistêmicos.

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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 193


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
Perspectivas na pesquisa de Plantas Medicinais Brasileiras

Juliana Cajado Souza Carvalho 1


Elielson Rodrigo Silveira 1
Tamara Machado Matos 1

Contextualização do tema
A utilização de plantas medicinais é considerada uma das mais remotas formas de
prática terapêutica para tratamento, cura e prevenção de doenças pela humanidade.
Mesmo com diversos adventos de modernização e industrialização, principalmente no
setor farmacêutico, o uso de plantas medicinais continua possuindo relevante importância
econômica, especialmente em países em desenvolvimento. Segundo estimativas da
Organização Mundial de Saúde (OMS), entre 65-80% da população desses países
depende exclusivamente de plantas medicinais para cuidados básicos de saúde, o qual é
mais acessível se comparado aos serviços modernos de saúde.
No Brasil, por exemplo, em 2006 a Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos (Decreto Nº 5.813, de 22 de junho de 2006) com o objetivo de garantir
acesso seguro ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos foi criada. A partir desse
estímulo na utilização de fitoterápicos, o Ministério da Saúde publicou, em 2009, a lista
RENISUS, a qual elencou 71 espécies com o objetivo de estimular o desenvolvimento de
pesquisa destas espécies e de sua cadeia produtiva. Tal projeto, abre perspectivas para o
estudo com plantas medicinais, impulsionando o mercado de fitoterápicos no país.
São notáveis os avanços da pesquisa focada no estudo de plantas medicinais em
prol da saúde humana ao redor do mundo. A descoberta de novos medicamentos vem
sendo impulsionada, sendo que nas últimas 4 décadas, 1,881 novas moléculas foram
aprovadas pela FDA (Food and Drug Administration) para serem utilizadas como
medicamentos. Dessas, 23,5% provêm de produtos naturais e seus derivados, o que indica
grande importância desta fonte para descoberta e desenvolvimento de novos
medicamentos. Comparados com moléculas de origem sintética, os compostos
provenientes de origem natural possuem estruturas químicas mais complexas, com
variedade de esqueletos, alta massa molecular, além de diversas características químicas
desejáveis para o aproveitamento em múltiplas bioatividades.
O Brasil compreende uma vasta biodiversidade, sendo considerado um dos 17
países megadiversos do mundo. Tal característica pode ser atribuída a variedade e
Universidade de São Paulo
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 194
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
diversidade de biomas vegetais pertencentes ao território brasileiro, compreendendo
biomas como Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga, Floresta Atlântica e Pampa. No
entanto, até o momento, apenas dois fitoterápicos oriundos da flora brasileira estão
disponíveis no mercado, o analgésico e anti-inflamatório Acheflan®, obtido através do
óleo essencial de Cordia verbenacea D.C. (Boraginaceae), e o Melagrião® utilizado no
tratamento de tosse e asma, desenvolvido a partir das folhas de Mikania glomerata
Spreng. (Asteraceae). Em 2016, a venda no Brasil desses dois fitoterápicos rendeu um
total de 53,9 milhões de reais, demonstrando a importância de incentivo no
desenvolvimento de fitomedicamentos de origem nacional.
Assim, torna-se cada vez mais explícito a necessidade de um maior incentivo
científico e tecnológico de qualidade nesse campo, a fim de contribuir para a prospecção
de produtos inovadores proveniente da biodiversidade vegetal brasileira e,
consequentemente, posicionar o Brasil em um papel de maior destaque no cenário do
mercado mundial de fitomedicamentos. Dessa forma, o capítulo foi organizado de modo
a abordar as principais estratégias e desafios utilizados na área de fitoquímica, destacando
o importante papel de plantas brasileiras nesses estudos.

Estratégias para o estudo fitoquímico


O emprego de plantas como uma fonte rica para tratamento de patologias é
tradicionalmente utilizado há muito tempo. O homem primitivo dependia exclusivamente
da natureza para sua sobrevivência e a origem do conhecimento sobre o emprego de
plantas como remédios baseou-se na experiência e observações cotidianas, características
que constituem o saber empírico. Atualmente, a escolha de uma fonte vegetal diversas
características podem ser levadas em consideração como a etnobotânica, a
quimiotaxonomia, a ecologia e a interação planta-ambiente.
A etnobotânica é a área de pesquisa que investiga a relação entre povos, culturas
e plantas, com o objetivo de registrar o saber tradicional do uso da flora por populações.
No Brasil, diversos grupos étnicos utilizam plantas para o tratamento de doenças e,
portanto, são potenciais fontes para descoberta de novos medicamentos. É o caso, por
exemplo, da liana popularmente chamada de crajiru, pariri ou cipó-cruz (Fridericia chica
(Bonpl.) L.G.Lohmann. - Bignoniaceae) de ampla ocorrência nacional, mas comumente
empregada por tribos indígenas amazônicas para o tratamento de feridas, inflamações,
cólicas, anemia e infecções de pele e que, devido aos seus extratos avermelhados, também
é usada como tintura em rituais. Diversos estudos comprovaram a eficácia do extrato
desta espécie como anti-inflamatório, antiproliferativo e antifúngico. Estudos
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 195
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
fitoquímicos comprovaram a presença de 3-deoxiantocianidinas (Fig. 14.1), as quais
proporcionam a coloração do extrato e representam um importante papel na bioatividade
desse vegetal. Devido a larga utilização dessa espécie no Brasil, esta encontra-se na
Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao Sistema Único de Saúde
(RENISUS).

Figura 14.1. 3-Deoxiantocianidinas encontradas em F. chica. Fonte: Elaborado pelos autores.

Indubitavelmente, há um grande esforço no estudo de plantas de uso tradicionais


para o desenvolvimento de novos medicamentos. No entanto, a compreensão de
tendências evolutivas e a classificação vegetal, aliadas a estudos químicos, também
podem contribuir como uma ferramenta para auxiliar e prever potenciais compostos
químicos dentro de um mesmo gênero ou família conhecida.
Como exemplo, é possível citar os diterpenos nor-cassanos que tem sua ocorrência
restrita ao gênero Caesalpinia L. (Fabaceae). Estudos em espécies do gênero relatam uma
grande variedade de novos compostos, com atividades antiplasmódicas, antiproliferativa,
antiviral e antibacteriana (Fig. 14.2). Visto a possibilidade de descoberta de compostos
bioativos do gênero, Caesalpinia echinata Lam. foi investigada sob o ponto de vista
fitoquímico e desta foram isolados 14 novos diterpenenoides e duas y-spiro lactonas, as
quais apresentaram potente atividade anti-inflamatória. C. echinata é também
popularmente conhecida como Pau-Brasil, e possui um importante papel histórico no
Brasil, especialmente no período da colonização.
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 196
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022

Figura 14.2. Exemplo de diterpenos nor-cassanos isolados de Caesalpinia echinata. Fonte: Elaborado pelos
autores.

Um grupo vegetal que certamente desperta muito interesse e curiosidade são as


plantas carnívoras, sendo que o Brasil se destaca por ser o segundo país no mundo em
número dessas espécies da ordem Caryophyllales, ficando atrás somente da Austrália. Na
literatura da ordem Caryophyllales, a produção de naftoquinona está relacionada com
funções ecológicas, tais como a carnivoria. Nesse sentido, estudos com espécies de
Drosera apontaram que a síntese desses compostos é induzida e localizada nas folhas
sendo uma resposta para a captura de insetos. Assim como demonstrado para as plantas
carnívoras, a verificação da função ecológica em outras espécies pode ser um ponto
essencial para a maior produção de compostos desejados para a área farmacológica.
Por fim, a prospecção de novas drogas também pode ocorrer pela investigação
da interação planta-ambiente. É bem relatado na literatura que as vias biosintéticas de
plantas podem ser alteradas ou favorecidas a partir de uma modificação nas características
bióticas ou abióticas. O aquecimento global e a deterioração da camada de ozônio têm
causado fatores de estresse para as plantas, como o aumento da temperatura e radiação
ultravioleta, e alterações nos padrões de precipitação que refletem, por exemplo, na maior
incidência de secas. Em resposta a essas condições, as plantas podem induzir suas vias
metabólicas à produção de compostos químicos de interesse farmacológico. Como
exemplo, é possível citar Alternanthera sessilis (L.) R. B., Alternanthera brasiliana (L.)
Kuntze, também conhecidas como orelha-de-macaco e carrapichinho, respectivamente,
que possuem uma importância social e econômica no Brasil. O estudo dessas espécies
demonstrou que a exposição à radiação UV-B induz a resposta de defesa dessas plantas,
elevando a quantidade de betacianinas, betaxantinas e flavonoides. Essas substâncias
estão relacionadas em estudos antitumorais e antioxidantes e o aumento na sua produção
é interessante para uso farmacológico.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 197


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
A relação entre microrganismos e vegetais também pode ser considerada uma
fonte valiosa para a produção de compostos. É o caso, por exemplo, de fungos endofíticos
isolados das folhas e raízes de Tabebuia aurea (Silva Manso) Benth. & Hook.f. ex
S.Moore, os quais produzem lapachol (Fig. 14.3), uma naftoquinona com alto potencial
biológico. Essa planta, também conhecida como Ipê-Amarelo do cerrado, uma
Bignoniaceae, é utilizada no Brasil como um importante anti-inflamatório e contra
influenza.
Lapachol foi primeiramente isolada das
cascas de tronco de outra espécie da família,
Handroanthus impetiginosus, também conhecido
como ipê roxo ou pau-d'arco. Diversos estudos
comprovam a bioatividade desse composto, sendo já
testados e comprovados seus efeitos antimetástico, Figura 14.3. Estrutura química do
anti-inflamatório, anticoagulante, antifúngico e lapachol. Fonte: Elaborado pelos autores.
antibiótico, leishmanicida, moluscicida e antiparasitário. Além disso, estudos
comprovaram e eficiência desse composto como um potencial antitumoral, porém seus
efeitos colaterais impedem o seu uso como fármaco. Mesmo assim, pesquisadores
buscam sintetizar análogos do lapachol para mimetizar seu potencial farmacológico e
reduzir seus efeitos colaterais.
Todas essas abordagens trazem uma luz para a pesquisa e prospecção de novos
fármacos a partir de plantas brasileiras.

Desafios nos estudos fitoquímicos


Apesar das abordagens descritas anteriormente em relação à busca por novos
fármacos, há diversas limitações para garantir sua aplicação. Tais restringências podem
variar desde a correta identificação da espécie, localização do vegetal, obtenção de massa
de extrato e/ou princípio ativo, para seguir com a pesquisa e sucesso nas etapas de teste
clínico.
No campo das plantas medicinais, a correta identificação da espécie a ser estudada
é um dos passos mais importantes para prosseguir com qualquer investigação. Qualquer
trabalho, quer seja na área de etnobotânica, etnofarmacologia, farmacologia,
farmacognosia, fitoquímica, agronomia ou biotecnologia, para que mereça
confiabilidade, deve assegurar que as espécies vegetais investigadas sejam corretamente
identificadas, e depositadas no herbário de alguma instituição. Para tanto, alguns passos
primordiais devem ser seguidos, tais como a colaboração com um pesquisador da área de
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 198
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
taxonomia para auxiliar na coleta, herborização, identificação e registro da espécie
vegetal.
Nomes populares para espécies vegetais, por serem regionais, não recebem
importância em trabalhos científicos, entretanto podem contribuir em trabalhos
etnobotânicos, podendo dar indícios do uso tradicional de determinada espécie.
Entretanto, quando se faz uso de uma planta medicinal baseado apenas em seu nome
popular, um grande risco é enfrentado, uma vez que uma planta pode receber vários
nomes dependendo da região de ocorrência. Um exemplo importante nesse sentido, são
as plantas conhecidas popularmente como “erva-cidreira” utilizadas para fins calmante,
relaxante e analgésico, com distribuição geográfica abrangente no Brasil Esse nome
popular é usado para uma diversidade de espécies, como por exemplo Alosia citrodora
Paulau (Verbenacee), Lippia alba L. (Verbenaceae), Melissa officialis (Lamiaceae) e
Cymbopogus citratus DC Stapf (Poaceae), entre outras espécies.
A identificação incorreta da planta a ser empregada como fitoterápico pode
induzir o usuário a utilizar uma planta sem o princípio ativo desejado, e em alguns casos,
induzi-lo a fazer uso de uma planta nociva à saúde, podendo ocasionar danos mortais.
Outro exemplo que pode ser citado é uma planta tradicionalmente utilizada no
Ceará, chamada de Jararaca, que é frequentemente confundida por muitos com
Dracontium asperum K. Koch. (Araceae) devido sua semelhança morfológica. D.
asperum é popularmente utilizada para fins anti-inflamatórios, porém apesar da
semelhança entre as duas espécies, Jararaca é, na verdade, a espécie Taccarum ulei
(Araceae), uma planta potencialmente venenosa, da mesma tribo taxonômica da comigo-
ninguém-pode (Dieffenbachia seguine (Jacq.) Schott – Araceae).
Além da correta identificação da espécie vegetal, outro fator limitante para
obtenção de seus princípios ativos é o local e/ou época da coleta. Esse cuidado já era
observado desde os primórdios do uso de plantas medicinais. Os carrascos gregos, por
exemplo, coletavam suas amostras do veneno cicuta (Conium maculatum L. - Apiaceae)
pela manhã, quando os níveis de coniina são maiores. No Brasil essa planta ocorre na
região sul e sudeste sendo comumente utilizada por povos indígenas. Apesar da existência
de um controle genético, a expressão na síntese de metabólitos secundários pode sofrer
modificações resultantes da interação de processos bioquímicos, fisiológicos, ecológicos
e evolutivos, podendo ocorrer em diferentes níveis, desde variações de distribuição
geográfica, ao longo do dia e de acordo com a sazonalidade.
Um dos fatores mais importantes na obtenção de fármacos é a época em que a
droga é coletada, uma vez que a quantidade e, em alguns casos, a natureza dos
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 199
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
constituintes ativos não é constante durante o ano. Diversos autores relatam a influência
de variações sazonais no conteúdo de praticamente todas as classes de metabólitos
secundários, como óleos essenciais, lactonas sesquiterpênicas, ácidos fenólicos,
flavonóides, cumarinas, saponinas, alcaloides, taninos, ceras cuticulares, iridóides,
glucosinolatos e glicosídeos cianogênicos.
Alguns exemplos podem ser citados em relação às plantas também ocorrentes em
território brasileiro amplamente utilizadas na terapêutica e a variação de seus
constituintes frente a diferentes pressões sazonais. As folhas de Digitalis obscura L.
(Plantaginaceae) apresentam as menores concentrações de cardenolídeos, como o
lanatosídeo A (Fig. 14.4), na primavera e uma fase de rápido acúmulo no verão. Além
disso, as concentrações de hipericina e pseudo-hipericina na erva de São João (Hypericum
perforatum L. - Hypericaceae), utilizada no tratamento de depressões leves a moderadas,
aumentam cerca de três vezes sua concentração no verão, em relação ao inverno. Nas
folhas de Ginkgo biloba L. (Ginkgoaceae) as concentrações de biflavonoides, como a
ginkgetina (Fig. 14.4), constituintes ativos dos extratos utilizados para tratamento de
desordens vasculares periféricas e cerebrais, também apresentam marcantes variações ao
longo do ano.

Figura 14.4. Representação das estruturas químicas de lanatosídeo A e ginkgetina. Fonte: Elaborado pelos
autores.

Além disso, a ontogenia da planta, bem como os diferentes órgãos vegetais,


também são de considerável importância e podem influenciar não só a quantidade dos
metabólitos produzidos, mas também as proporções relativas de cada componente do
extrato. É o caso, por exemplo, das lactonas sesquiterpênicas produzidas em Arnica
montana L. (Asteraceae), consideradas os principais princípios ativos desta planta
utilizada como anti-inflamatório, distribuída geograficamente nas regiões do nordeste,
centro-oeste e sudeste do Brasil. Enquanto plantas jovens acumulam majoritariamente

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 200


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
derivados da helenalina, por outro lado a concentração destes compostos é reduzida para
praticamente zero após aproximadamente seis semanas a partir da formação das folhas.
Outro ponto que merece destaque em relação a obtenção de fármacos, é o
rendimento necessário para que a sua produção e comercialização em larga escala seja
viável.
Para compreendermos a importância desse aspecto, podemos buscar entender o
caso do Taxol, que é uma substância isolada a partir da casca do Taxus brevifolia Nutt
(Taxaceae), e de outras espécies do gênero Taxus que têm sido objeto de inúmeras
pesquisas nos últimos anos devido principalmente ser um forte agente anti-cancerígeno.
Esta ação eficiente contra tumores deve-se, sobretudo, à interação destes compostos com
uma proteína específica chamada Tubulina, que é responsável por vários processos da
divisão celular.
Apesar dos resultados promissores do Taxol em relação a sua atividade
antitumoral, diversos fatores são limitantes para sua obtenção de forma natural. Essa
substância encontra-se em pequena quantidade nas cascas de T. brevifolia (± 100 mg/kg
de casca seca) e sua extração depende da remoção completa da planta, ocasionando a
morte do espécime. Além disso, Taxus possui lento crescimento e distribuição restrita,
levando anos para que uma nova espécie esteja adequada para a obtenção dessa substância
novamente. Como afirmado acima, devido à escassez de árvores de Taxus, seu lento
crescimento e baixa concentração de Taxol, a obtenção dessa molécula isolada
diretamente da planta é muito limitada, com isso novas formas de obtenção desse
importante quimioterápico se faz necessária. Neste sentido, se destaca a importância de
estudos em produtos sintéticos com base em produtos naturais, sendo que, a possibilidade
de modificar a estrutura química das moléculas, de modo a potencializar suas
propriedades farmacodinâmicas ou tornar mais factível sua obtenção, torna a pesquisa de
produtos naturais ou derivados um campo altamente promissor.
Dentre as possibilidades de obtenção e/ou modificação de um fármaco, uma delas
é a semissíntese, que consiste em isolar a molécula de interesse e modificá-la
parcialmente por meio de processos químicos. Para esse caso, podemos citar novamente
o ácido acetil salicílico. Este composto foi desenvolvido a partir da Salicina (Fig. 14.5),
porém, devido ao seu caráter altamente ácido, o principal efeito colateral era fortes dores
no estômago. Em vista da solução desse problema, variações dessa molécula foram
obtidas e testadas, chegando à síntese do ácido salicílico (Fig. 14.5), que ganhou uma
série de outros benefícios, como solução para dores de cabeça e articulações, reumatismo
e artrite, embora seu uso ainda ocasionasse desconforto e dores no estômago. Deste modo,
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 201
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
um químico da Bayer, Felix Hoffmann, conseguiu modificar a estrutura dessa molécula
de maneira que a tornasse menos agressiva as paredes estomacais, mantendo suas
propriedades benéficas, sendo essa substância amplamente comercializada atualmente
com o nome de ácido acetil salicílico (Fig. 14.5) e popularmente chamada de aspirina.

Figura 14.5. Representação das estruturas químicas da Salicina, do ácido salicílico e do ácido acetil
salicílico. Em rosa, o destaque para a modificação estrutural do composto. Fonte: Elaborado pelos autores.

Outra forma é produzir o composto de maneira totalmente sintética, entretanto


essa alternativa nem sempre é viável. Para entender esse caso, podemos retornar ao caso
do Taxol (Paclitaxiel), que apresenta uma estrutura muito complexa (Fig. 14.6). Apesar
de alguns pesquisadores já ressaltarem o sucesso na síntese total dessa molécula, o que
de fato é um grande marco na comunidade científica, essa substância obtida a partir da
síntese total em laboratório não pode ser comercializada devido a uma série de fatores. O
principal ponto que impede sua comercialização é que para adquirir o produto final, são
necessários mais de 20 passos na obtenção da molécula, e o índice de acerto em muitos
desses processos é baixo. Com isso, a
síntese total do Taxol é inviável devido ao
alto custo de produção, o que faria com que
seu custo comercial tivesse um preço
elevado.
Uma outra alternativa, mais
recente, consiste em modificar os
Figura 14.6. Representação da estrutura química do produtores dos compostos por meio de
Taxol. Fonte: Elaborado pelos autores.
engenharia genética. Em alguns casos, essa
técnica envolve transferir os genes responsáveis pelo composto de um organismo para
outro, como por exemplo, de uma planta para uma bactéria e/ou levedura. A vantagem,
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 202
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
nesse caso, é que as bactérias ou leveduras são mais fáceis de cultivar e crescem mais
rapidamente do que as plantas.
Em adicional, é primordial que o produto final passe pelas fases de investigação
dos aspectos de segurança da medicação, como em experimentos em animais. Essa fase
é conhecida como etapa pré-clínica, e tem como objetivo obter informações preliminares
sobre a atividade farmacológica do medicamento. Segundo a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, mais de 90% das substâncias estudadas nesta fase são eliminadas
devido à toxicidade aos humanos ou ineficiência terapêutica. Nessa fase, a partir do
sucesso do candidato ao fármaco ela está aprovada para ser estudada em seres humanos.
Por fim, para a prospecção de um medicamento oriundo de produtos naturais ou
mesmo produtos sintéticos, é necessário compreender como esse fármaco irá agir no
corpo humano, e essa etapa de estudos científicos é dividida em quatro fases principais.
Na primeira fase o estudo é feito em um pequeno grupo de pessoas, sem a presença da
doença alvo, visando a princípio, investigar diferentes dosagens do medicamento. Na fase
seguinte é realizado um estudo terapêutico piloto para demonstrar a potencial efetividade
do medicamento, sendo que nesse caso, as pessoas voluntárias são aquelas condicionadas
com a doença em enfoque. A terceira etapa é feita em um grande e variado grupo de
pessoas, e o principal objetivo é avaliar e relação de benefício/malefício do medicamento,
contraindicações, efeitos colaterais, dentre outros. Após essa terceira fase, o medicamento
está pronto para ser comercializado, e a partir desse ponto é feita a quarta e última etapa
de teste, que compreende os estudos de vigilância pós comercialização.
Nesse longo caminho, desde a descoberta de uma molécula em um vegetal
potencialmente ativa contra alguma doença até a sua efetiva comercialização visando a
cura e/ou tratamento de alguma enfermidade, muitas substâncias são descartadas e
pouquíssimas chegam a se tornar, de fato, um fármaco e/ou medicamento.

Potenciais estratégias na obtenção de medicamentos naturais


Apesar das dificuldades apontadas anteriormente, a pesquisa para novos
medicamentos de origem natural é de grande relevância e, por isso, pesquisadores da área
buscam cada vez mais aprimorar as técnicas e criar estratégias para facilitar a busca por
compostos bioativos. Atualmente, cinco estratégias podem ser citadas como as principais
na realização desses estudos, são elas: estudo bioguiado, estudo bioguiado com sinergia,
metabolômica, isolamento fitoquímico e "abordagem direcionada ao metabolismo".
O estudo bioguiado tem por objetivo monitorar a atividade biológica de interesse,
aumentando as chances de isolar um composto com elevado potencial biológico, ou obter
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 203
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
um grupo de substâncias ativas. Neste caso, o ensaio biológico acontece de forma
concomitante a diversas técnicas de separação cromatográficas, e o fracionamento segue
com as frações que se demonstrarem mais ativas, até chegar a um composto puro.

Entretanto, a alta atividade biológica de um extrato bruto, ou uma fração, pode ser
resultado de vários compostos com atividade baixa ou moderada. Esses compostos,
quando presente no mesmo extrato, podem agir de forma sinérgica potencializando o
efeito biológico da amostra, sendo essa estratégia denominada de estudo bioguiado com
sinergia. Neste caso, o fracionamento/isolamento pode romper essa interação, resultando
em um declínio da atividade biológica, e o composto isolado obtido pode não apresentar
um desempenho satisfatório. Em muitos casos, esse efeito pode ser perdido desde o
primeiro fracionamento a partir do extrato bruto, indicando que todos, ou a maioria dos
compostos presentes na amostra são fundamentais para um bom resultado.

Muitas indústrias farmacêuticas fazem uso dessa técnica para buscar novos
medicamentos, como por exemplo a Aché, uma das maiores farmacêuticas da América
do Sul. Após vários anos de pesquisa, em 2005 a empresa lançou seu primeiro produto,
um anti-inflamatório tópico denominado Acheflan®. Um fracionamento bioguiado a
partir do óleo volátil da erva de baleeira (Cordia verbenaceae DC. – Boraginaceae) levou
a identificação dos princípios ativos que resultou na atividade anti-inflamatória, sendo
ue tal efeito foi relacionado a resen a de α-humuleno e trans-cariofileno, dois
sesquiterpenos representados na figura 14.7.

Figura 14.7. Sesquiterpenos presentes no óleo volátil da erva de baleeira responsáveis pela atividade anti-
inflamatória do Acheflan®. Fonte: Elaborado pelos autores.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 204


TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
Promissora para a descoberta de novos fármacos, a metabolômica vem sendo
apontada por diversos pesquisadores como uma abordagem capaz de acelerar o processo
de identificação de componentes químicos. Essa técnica correlaciona o perfil químico e
de bioatividade de extrato(s) de planta(s) para orientar o isolamento de compostos. Assim,
é possível rapidamente identificar constituintes já conhecidos (técnica da desreplicação)
e apontar alvos para a descoberta de novos compostos bioativos.
Por exemplo, temos o estudo envolvendo folhas de Connarus suberos Planch.,
espécie amplamente distribuída no cerrado brasileiro, e apontada como potencial
leshimanicida. Assim, foram utilizados dados espectrométricos, aliados a estatística, para
guiar o isolamento de substâncias responsáveis pela atividade biológica.
Desse estudo, encontrou-se uma novo neoflavonoide, assim como dois
pteurocarpanos (Fig. 1 . ), sendo os 3 compostos ativos para atividade antileshimania.

Figura 14.8. Compostos identificados em Connarus suberos. Fonte: Elaborado pelos autores.

Apesar de ser uma valiosa ferramenta, a metabolômica exige a utilização de


técnicas de alto valor agregado, que são sensíveis e bem reprodutíveis, como é o caso de
cromatógrafos (Cromatógrafos Líquidos de Ultra/Alta Perfomance - CLAE ou
Cromatógrafos a gás - CG) associados a técnicas espectrométricas (como espectrometria
de massas de alta resolução ou Ressonância Magnética Nuclear), além de conhecimentos
em estatística. Adicionalmente, a alta complexidade das amostras analisadas, a grande
variedade de algoritmos utilizados e a desreplicação e identificação inequívoca de
componentes valem ser ressaltadas como desvantagens na utilização deste método.
Já o isolamento fitoquímico é uma abordagem focada em uma compreensiva
caracterização química do extrato e o isolamento de novos produtos naturais, sem que
haja uma avaliação imediata da bioatividade. Assim, após a desreplicacão, os estudos são
focados no isolamento de componentes químicos, os quais podem ser posteriormente
testados para uma série de atividades diferentes.
O isolamento fitoquímico é largamente utilizado na literatura. A espécie
Dodonaea viscosa Jacquin, também conhecida como vassoura-vermelha, por exemplo, é
um arbusto frequentemente encontrado pela costa brasileira e é amplamente utilizada
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 205
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
tradicionalmente no Brasil para tratar reumatismo, entre outras doenças. As partes aéreas
dessa planta foram extraídas com etanol e procedimentos de isolamento foram
empregados, obtendo-se três novos diterpenos do tipo lábdano (Fig. 14.9). Após isoladas,
essas substâncias foram testadas para atividade anti herpes.

Figura 14.9. Compostos identificados em D. viscosa Fonte: Elaborado pelos autores.

Outra planta da medicina tradicional, Hypericum brasiliense Choisy, encontrada


principalmente no sul e no sudeste brasileiro, e utilizada para o tratamento de doenças
inflamatórias foi estudada a partir do extrato de folhas e flores. A partir de técnicas de
isolamento e identificação, os pesquisadores identificaram 3 novos floroglucionois (Fig.
14.10), os quais testaram positivamente para teste de atividade antibacteriana contra
Bacillus subtilis.

Figura 14.10. Compostos identificados em H. brasiliense Fonte: Elaborado pelos autores.

Assim a técnica de isolamento químico pode ser favorável para a melhor


compreensão e caracterização de componentes químicos novos, porém é considerada
onerosa, exigindo tempo e esforços, sem que haja uma garantia de que o composto
apresentará alguma atividade biológica relevante.
Outra estratégia que tem sido reconhecida na identificação de potenciais
metabólitos vegetais bioativos é denominada de "abordagem direcionada ao
metabolismo", ou seja, algumas moléculas podem não estar presentes no material vegetal
inicial, mas são sintetizadas como resultado da transformação metabólica in vivo pelos
microrganismos intestinais ou pelo organismo dos mamíferos, a fim de torná-las
farmacologicamente ativas. Por outro lado, a ausência de compostos efetores no material
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 206
TEMA 3: Recursos Econômicos
Capítulo 14 - Carvalho et al. 2022
vegetal de partida tem gerado inúmeros desafios para as estratégias convencionais de
investigações da bioatividade de plantas medicinais tradicionalmente utilizadas.
Como exemplo dessa abordagem pode-se destacar os flavonoides dietéticos.
Compreendendo mais de 10 milhões de flavonoides identificados, geralmente
encontrados na natureza como glicosídeos, esses compostos têm atraído grande interesse
devido às evidências crescentes de seus efeitos benéficos para a saúde humana. Estudos
recentes demonstraram que a ingestão regular de flavonoides está correlacionada com a
redução da possibilidade do risco de doenças tais como Alzheimer, tumorais,
inflamatórias, entre outras.
A ingestão de flavonoides glicosilados por mamíferos leva a formação de suas
respectivas agliconas por meio da ação de enzimas ou da microflora intestinal. Nesse
sentido, a biotransformação pelo organismo e/ou microrganismo desses compostos pode
modular suas propriedades biológicas. O processo de sulfatação e glucuronidação são
particularmente importantes a fim de aumentar o peso e a solubilidade de agliconas
polifenólicas e, consecutivamente, sua atividade fisiológica e biológica no organismo.
Considerando o histórico, os desafios e as estratégias da utilização de plantas para
fins medicinais são notáveis os avanços da pesquisa com essa abordagem em prol da
saúde humana. No entanto, torna-se explícito a necessidade de um maior incentivo
científico e tecnológico de qualidade nesse campo, a fim de contribuir para a prospecção
de produtos inovadores proveniente da biodiversidade vegetal brasileira e,
consequentemente, posicionar o Brasil em um papel de maior destaque no cenário do
mercado mundial de fitomedicamentos.

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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 209


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022

Por uma Botânica mais lúdica

Bruno Edson-Chaves 1
Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva 4

Introdução
A Botânica é uma das áreas da Biologia mais abrangente, além do estudo das
plantas, nos mais diversos aspectos (foco principal de estudo), frequentemente nos cursos
de graduação. Também contempla conteúdos de Fungos e Algas. É uma das áreas mais
antigas e estruturais da Biologia, cujos conhecimentos auxiliam o aluno, e porque não
dizer cidadão, a entender e superar os desafios da época atual como: compreensão da
diversidade vegetal, urbanização, poluição atmosférica, escassez de alimentos, saúde
pública, biorremediação de áreas degradadas, entre outras; além de fazer conexões com
diversas outras disciplinas como, por exemplo, geografia, história, sociologia,
meteorologia, ecologia e farmacologia.
Apesar de grande importância é comum os conteúdos de Botânica serem
ministrados: (i) de modo descontextualizado, com uma aparente falta de aplicabilidade
desses conhecimentos na vida cotidiana do discente, (ii) utilizando frequentemente
nomenclaturas técnicas e focando na memorização de conceitos, (iii) de modo
fragmentado e desvinculados de outros conteúdos da Botânica e da própria Biologia, e
(iv) desprovido do seu papel histórico na construção do conhecimento biológico. O
conjunto dessas características acaba gerando falta de interesse, daí serem,
frequentemente, preteridos por grande parte dos estudantes, agravando cada vez mais a
cegueira Botânica.
Em virtude desta problemática, observa-se que o ensino de Botânica deve ir além
dos aspectos teóricos apontados nas aulas e da simples utilização de informações
presentes nos livros didáticos. Sobre este ponto de vista, é comum observar na literatura
o incentivo de estratégias didáticas que complementem o ensino tradicional, como o caso
das metodologias ativas que fogem do pragmatismo da aula expositiva e que possibilitem
vias de ensino-aprendizagem mais atraentes, despertando a autonomia, curiosidade e
compreensão dos conceitos pelos alunos.
Tais metodologias focam no protagonismo e independência dos alunos, permitindo
diversas formas de interação, e cuja construção do conhecimento ocorre de acordo com
suas experiências individuais para aprender a interpretar as informações, preparando-o e
Universidade de São Paulo Se retaria stadual de nsino SP
XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 210
TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022
aproximando-o da vida real. Paralelamente, também permitem despertar e manter o
interesse sobre os conteúdos ministrados, além de lhes proporcionem competências e
habilidades para resolver problemas cotidianos.
O uso de metodologias ativas vem sendo cada vez mais difundidas e se tornando
mais frequente nos últimos anos, especialmente após o período de ensino remoto. De
modo que muitos autores se detiveram em descrever diversos tipos de metodologias que
auxiliam no protagonismo estudantil, dentre as quais pode-se destacar: (i) jogos e
atividades gamificadas, (ii) estratégias de microaprendizagem, e (iii) estratégias artísticas.

A Botânica por meio de jogos e atividades gamificadas


Os jogos didáticos tornam o aprendizado mais dinâmico, interdisciplinar e
prazeroso, permitindo o desenvolvimento de pensamentos complexos de modo a facilitar
a assimilação dos conteúdos de Botânica, além de auxiliar os aspectos afetivos e sociais.
Podem ser classificados de diversas formas: (i) quanto ao uso – revisão, síntese dos
conteúdos ou mesmo de modo avaliativo, (ii) quanto ao tipo – cartas, tabuleiro ou outro
tipo, (iii) dinâmica do jogo - colaborativo ou competitivo, (iii) quanto ao número de
integrantes - de modo individual ou em grupo, (iv) quanto a produção – elaborado pelos
próprios alunos ou pelo professor. Todavia, independentemente do tipo de jogo utilizado,
é importante que o professor deve entender a dinâmica de uma aula com o uso de jogos e
conduza o aluno à reflexão sobre a causa dos acertos e erros ao longo do processo, de
modo que ele tome consciência do conceito trabalhado.
Preparar jogos educativos, seja uma adaptação de um já existente ou a criação de
um jogo novo, além dos aspectos lúdicos, é necessário desenvolver uma dinâmica com
regras claras e fáceis, além de ser adequado ao tempo de sala de aula. No contexto do
ensino de Botânica, pode ter perguntas relacionadas a diversos temas (morfologia externa,
anatomia, fisiologia, taxonomia, aspectos reprodutivos etc.) ou cuja resolução precisa ter
entendimento do conteúdo. E ao final do jogo, independente de vencedores ou perdedores
o jogo sirva como um momento lúdico para aprender sem pressão, de modo leve e natural.
No caso de atividades gamificadas, utiliza-se elementos de jogo para alterar a forma
que o conteúdo é ministrado, criando uma dinâmica em uma atividade pedagógica (não
necessariamente é para uma aula, pode ser para um conteúdo específico ou grupo de
assuntos). Tal atividade deve apresentar objetivos pedagógicos (revisar, auxiliar a
memorizar, avaliar etc.) e metas claras (p. ex. alcançar 50 pontos, encontrar determinadas
cartas etc.) de modo a engajar e motivar os alunos a aprender.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 211


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022
Aspecto prático – Jogo: labirinto móvel
O jogo labirinto móvel é composto por quatro cartelas iniciais (Fig. 15.1a), 16
cartelas de labirinto, cujos alguns exemplos estão nas cartelas da figura 15.1b, quatro
cartelas finais (Fig. 15.1c) e um conjunto de chaves diversas, cuja cada chave é dividida
em cinco partes, totalizando 25 peças de chaves (Fig. 15.1d).

Figura 15.1. Materiais do jogo Labirinto móvel. A. Cartelas iniciais; B. Cartelas gerais do labirinto; C.
Cartelas finais; D. 25 peças de chave, essas peças são individualizadas e colocados em um saco. A
movimentação dos jogadores ocorre nas casas brancas e amarelas, as casas de cor cinzas são paredes que
devem ser contornadas. Fonte: imagem elaborada pelos autores para este material.

Para o jogo, os jogadores são divididos em 4 equipes, cada equipe coloca a sua
cartela inicial na mesa, com o seu jogador em uma estrela. Essas cartelas devem ser
conectadas pelas portas (paredes de cor marrom). Em cada rodada o jogador lança o dado

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 212


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022
e anda, a seu critério, o número de casas que der no dado, caso caia em uma casa amarela,
ele deve responder uma pergunta de Botânica, caso acerte, puxa de um saco uma peça de
chave, caso erre, não recebe a peça de chave. Vale ressaltar que cada equipe tem um
minuto para responder à pergunta. Após uma rodada é adicionada mais duas cartelas de
labirinto, de modo que as portas de cada cartela fiquem uma na frente da outra. A decisão
de onde serão adicionadas as novas cartelas de labirinto será da turma.
Após colocar todas as cartelas de labirinto (duas a duas), após oito rodadas, serão
adicionadas as quatro cartelas de saída ao mesmo tempo, tomando o cuidado para que as
portas fiquem conectadas as demais cartelas do jogo. Para sair do labirinto, o jogador tem
que ir atrás de umas das saídas (marcada com um triângulo) na cartela de saída e abrir a
porta de saída com a chave de cor correspondente. Para tanto, ele tem que juntar as cinco
peças dessa chave que foi ganhando ao longo do jogo por responder corretamente as
perguntas. Caso o jogador não tenha todas as peças da mesma chave, ele tem que andar
pelo labirinto respondendo perguntas de botânica até ter as cinco peças da mesma cor de
uma das portas de saída. Descartando peças: caso o jogador possua 10 peças, ele pode
descartar cinco peças de volta ao saco e tentar tirar mais uma peça.

A Botânica por meio de estratégias de microaprendizagem


As estratégias de microaprendizagem focam em apresentar conteúdos dinâmicos
e acessíveis, em um curto tempo (por volta de 2 a 7 minutos), o que facilita a produção
do conteúdo e que frequentemente podem ser acessados de qualquer lugar. E embora seja
baseada no conceito de aprendizagem individual, deve ser facilmente evitada podendo ser
desenvolvido por meio de trabalhos em duplas ou em grupos. Independentemente do tipo
de metodologia usada (p. ex. Podcasts, PechaKucha, Discurso de elevador, vídeos de
curta duração etc.) é certo que tem que focar em pontos específicos do conteúdo de modo
a gerar uma melhor compreensão e aumentar a retenção de informações.
Caso o professor leve para a sala algum recurso que foque na microaprendizagem,
sempre é bom contextualizá-lo de modo a envolver os discentes no assunto abordado.
Tais técnicas podem servir como uma ferramenta de revisão ou, até mesmo, no processo
de avaliação, como é o caso do one minute paper em que o aluno tem o tempo de um
minuto para responder uma questão ou informar o que mais chamou a atenção de um
determinado assunto.
A utilizar no ensino de Botânica, deve utilizar uma linguagem acessível de modo
a cativar o aluno que está executando a atividade e o interlocutor para a compreensão do

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 213


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022
conteúdo. Ao mesmo tempo, deve-se, sempre que possível, relacionar o conteúdo a uma
situação cotidiana, este aspecto mais prático facilita a aprendizagem e dá mais
significância ao assunto estudado.
Dado a natureza curta das atividades, estas podem ser desenvolvidos mais de uma
vez ao longo do conteúdo e com mais de um tipo de estratégia de microaprendizagem.
Ao final, estes materiais produzidos (pelo docente e/ou discente) podem ficar disponíveis
em um repositório para ser facilmente para os demais alunos.

Aspecto prático – Pecha Kucha (PK)


O PK é uma estratégia que foca em uma explicação com uso de fotografias. Tem
como base a utilização de 20 fotografias (que pode ser colocado em slides de Power
Point), cuja explicação de cada slide deve ter 20 segundos, totalizando uma apresentação
de 6min40seg de apresentação (Fig. 15.2). Esta apresentação pode ser feita pelo docente
e ser apresentada a turma para gerar uma discussão posterior ou pelos próprios alunos.

Figura 15.2. Exemplos de Slides para o PK com o foco sobre a “importância da Botânica”. Fonte: fotos
retiradas do Google.

Para um bom PK é interessante que no slide inicial ocorra uma breve apresentação
do tema, com algo que desperte a atenção do interlocutor. Nos slides seguintes
contextualizar o tema historicamente e ir detalhando os assuntos que pretende apresentar.
Nos slides finais mostrar possibilidades e desdobramentos práticos do assunto
apresentado, por fim concluir com uma reflexão sobre o tema.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 214


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022
A Botânica por meio de estratégias artísticas

A arte já é apontada como uma ferramenta de ensino desde o período grego, sendo
defendido por vários filósofos, como Platão e Aristóteles, que a arte era parte da educação.
No contexto educacional, a arte proporciona: (i) o autoconhecimento, (ii) a reflexão e
memorização de conceitos, (iii) experiências sensoriais diversas permitindo uma nova
forma de observar a natureza, (iv) o aprendizado tanto do ponto de vista cultural como
informativo, (v) contextualização dos assuntos, (vi) valorização dos aspectos culturais e
a própria identidade do sujeito, e (vii) o desenvolvimento da imaginação e a criatividade.
Dentre as atividades artísticas podem-se destacar: teatro, cinema, música/paródias,
vídeos em Stopmotion, histórias em quadrinhos, cordéis, desenhos, narração de histórias,
pinturas e fotografias. Porém, independente da linguagem utilizada (p. ex. visual, musical
e cênica), é possibilitada por meio de um baixo custo, uma significativa e enriquecedora
troca de experiência e produção do conhecimento. Além disso, pode ser aplicado em
qualquer nível de ensino e, até mesmo, em alunos com deficiência.
Trabalhos envolvendo arte podem ser realizados de modo individual ou em equipe,
sendo sempre recomendado este último. Contudo, é necessário que a equipe esteja em
sintonia e que as funções de cada membro estejam muito claras. O fazer arte dentro de
um contexto de ensino de Botânica ao mesmo tempo em que foge da reprodução da aula
teórica tradicional, agrega na formação docente/discente pois permite o desenvolvimento
de habilidades interpessoais, assim como também permite uma construção do conteúdo
junto com os alunos de uma forma diversificada, promovendo a motivação, entusiasmo e
encantamento no aprender Botânica.

Aspecto prático – O teatro no ensino de Botânica


Ao elaborar uma peça de teatro, é importante deixar claro os personagens, com
descrições sobre sua idade (criança, adolescente, adulto, idoso), forma de falar (se for o
caso), figurino, acessórios, além do cenário. A peça é dividida em cenas e atos, onde a
primeira é o momento em que há a interação dos atores no palco, muda-se de cena quando
entra ou sai algum personagem; já a segunda corresponde a uma ação em um determinado
espaço, logo, muda-se o ato quando muda-se o cenário.
Na introdução da cena é importante colocar o nome dos personagens que irão atuar
e os efeitos sonoros (se existir), neste caso recomenda-se utilizar músicas ou efeitos
sonoros de acesso livre como os existentes no site https://uppbeat.io/, veja o exemplo:

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 215


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022
Cena 1
Personagens: Candidato 1 (Ipê roxo), Candidato 2 (Trigo), Apresentador
(Araucária)
Música de introdução: War (Hartzmann), disponível em
https://uppbeat.io/browse/music/ironic-dramatic. (tocar a música até 1 minuto e
depois ir abaixando o volume lentamente).

A cena começa assim que a música começa a tocar. O apresentador entra em cena
e se dirige ao púlpito central, assim que chega, ele agradece ao público abrindo os braços.
Neste momento entra pela direita o Ipê amarelo e pela esquerda o trigo, eles vão para
frente do apresentador, apertam as mãos e se dirigem para seus púlpitos, assim que eles
chegam aos seus lugares a música vai abaixando de volume até não poder mais ser ouvida.

ARAUCÁRIA:
Senhoras e senhores, boa noite, a todos!
A Tropical TV abre agora o debate aos candidatos para a presidência da Floresta com
transmissão ao vivo pelo canal da tropical TV no YouTube. Desde já gostaria de
agradecer a presença dos candidatos aqui presentes. Handroanthus impetiginosus, o ipê
roxo do PNB - Partido Nativo Brasileiro, e Triticum aestivum, o trigo do PA - Partido
Alimentício. O debate da Floresta TV apresenta pergunta de 40 segundos e resposta será
de 1min e 30seg e a réplica será dada em 1 minuto, mesmo tempo para tréplica. O
candidato se sentir ofendido, poderá solicitar direito de resposta de até 30 segundos assim
que o outro terminar de falar. As perguntas serão feitas por meio de sorteio realizado
previamente. Deste modo a primeira pergunta será sobre infraestrutura e será feita pelo
candidato Ipê roxo.

IPÊ ROXO:
Obrigado Sr. Araucária. Caro Trigo, considerando a importância da Floresta,
como você, que é uma monocotiledônea e não apresenta crescimento secundário, irá
desenvolver a infraestrutura deste país?

TRIGO:
Esta pergunta é muito interessante e pertinente! É comumente citado que nós, por
sermos monocotiledôneas não apresentamos crescimento secundário, todavia,

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 216


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022
apresentamos adaptações importantes para o crescimento. O meristema intercalar
encontrado no grupo das gramíneas, o qual faço parte, é um bom exemplo disso. Todavia,
contamos também com um grupo de palmeiras arbóreas fundamentais para a
sobrevivência da floresta: Açaí, Palmito Juçara e Tucumã. Elas apresentam um
crescimento em espessura do tipo difuso, mas dependendo da espécie de palmeira também
ocorre mecanismo do crescimento secundário com a presença de uma faixa
meristemática, demonstrando grande papel na infraestrutura da comunidade da floresta.
Além disso, não é só de árvore que vive a floresta! As herbáceas desempenham papel
fundamental no ecossistema!

IPÊ ROXO:
Apesar de seus exemplos serem pertinentes, as Eudicotiledôneas compreendem
cerca de 75% das angiospermas e dominam a região da Floresta, tanto do aspecto arbóreo
como herbáceo. As árvores do nosso grupo contribuem significativamente para a
biomassa vegetal. Além disso, o tronco, devido ao seu crescimento simpodial, pode
suportar uma quantidade maior de epífitas que os estipes das palmeiras e colmos dos
bambus e outras gramíneas. Nossa copa frondosa permite o sombreamento da floresta e
as raízes profundas evitam a erosão. De modo que somos mais eficazes no que se refere
a infraestrutura da floresta.

E assim a peça continuaria agregando conhecimento técnico-científico através da


narrativa. É importante mencionar que o conteúdo não deve ser apresentado com um
personagem que sabe tudo e que vai passando o conceito, mas sim que os personagens se
envolvam com o conteúdo, proporcionando assim uma aprendizagem efetiva. O teatro
promove o desenvolvimento de competências socioemocionais como, trabalho em
equipe, autoconfiança, liderança, comunicação e outros. E mesmo que o aluno não atue
diretamente como ator da peça, pode atuar na escrita do roteiro ou nos bastidores (p. ex.
sonoplantia, iluminação, narração) da peça.
No caso da utilização de roteiros teatrais para alunos com deficiência auditiva, este
pode ser adaptado como nos filmes mudo de Charles Chaplin, onde a peça será
interpretada por atores e as falas dos personagens são projetadas em uma tela ao fundo.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 217


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022
Aspecto prático – tirinha
As tirinhas utilizam dois códigos de linguagem: código visual e código verbal,
sendo uma forma lúdica, prática e criativa de se trabalhar os conteúdos. Este recurso foca
na objetividade da informação e ao mesmo tempo faz com que o aluno tenha interesse na
realização da atividade. Considerando que, frequentemente, apresenta um aspecto
cômico, também torna mais divertida a forma como o conteúdo será trabalho, estimula a
criatividade dos alunos e o despertar do interesse pelo conteúdo. Podendo ser utilizada
para introduzir ou fechar um assunto.
Apresenta como etapas fundamentais a separação dos assuntos a serem estudados,
realizar leitura e a discussão dos textos em equipe, pensar na ideia central que será
abordada, na elaboração dos personagens, no cenário e no roteiro.
Para a confecção das tirinhas o aluno pode realizar a mão através de desenhos e/ou
pinturas, assim como também pode utilizar ferramentas digitais como alguns sites
específicos para produção, como o Storyboardthat (disponível em:
https://www.storyboardthat.com/pt), Canva (disponível em:
https://www.canva.com/pt_br/) e o aplicativo Comika (disponível em:
https://pt.apkshki.com/app/comika) (Fig. 15.3).

Figura 15.3. Tirinha comentando sobre a diversidade floral produzida pelo Comika. Imagem produzida para
este material. Fonte: Autoria pessoal.

Considerações gerais
De um modo geral, existem várias formas por onde se pode trabalhar os conteúdos
da Botânica por meio da ludicidade e que desperta o interesse dos alunos. Trazer questões,
observações para a aula e apresentar aos alunos as mais diversas formas de se trabalhar o
conteúdo, pode deixar o ensino mais leve e tornar a aprendizagem cada vez mais
prazerosa e a disciplina de Botânica menos assustadora.
Utilizar metodologias lúdicas faz com que o aluno se aproprie do conhecimento de
modo muito mais robusto e que contextualiza a sua realidade. A importância desses tipos

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 218


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 15 – Edson-Chaves & Silva 2022
de metodologias deve ser compartilhada com os estudantes de modo que eles entendam
que habilidades dentro das competências socioemocionais serão desenvolvidas.
Um educador deve, além de transmitir os conteúdos teóricos, ser criativo de
forma a qualificar cada vez mais os educandos para o mercado, fortalecendo seus pontos
fortes e incentivando-os a serem questionadores. A instrução não é somente na sala de
aula, é fazer com que o discente pesquise mais, busque soluções criativas, desenvolva
competências e habilidades necessárias para a profissão que está se qualificando e
trazendo alternativas de ensino que não se resumem apenas a lousa e caneta.
Vale ressaltar que ao longo das atividades propostas espera-se que o aluno tenha
suporte do professor ou monitor da disciplina para minimizar as dificuldades que possam
encontrar para realizar o trabalho. Não se deve esquecer também a finalidade da atividade
e em como ela deve ser avaliada para saber se a aprendizagem foi efetiva.

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XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 222


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Fotografia Botânica

Danilo Alvarenga Zavatin 1

A Fotografia é o processo de transmissão de imagens por exposição de luz sobre


uma superfície fotossensível. Através do tempo, essa superfície que traduz a luz foi se
inovando até o desenvolvimento da atual fotografia digital.
A Fotografia é uma das escolas da arte e demanda tempo de aperfeiçoamento,
investimento e paciência no aprendizado, o fotógrafo é o profissional que faz a fotografia.
Fazer a fotografia é bastante diferente de “tirar” uma foto. Hoje, com a diversidade e
acessibilidade de equipamentos, qualquer pessoa pode olhar para um objeto e “tirar” uma
foto. Entretanto, fazer a fotografia vai muito além do simples clicar no botão. Fazer
fotografia é clicar com os olhos, não os dedos, imaginando a realidade num plano 2D, é
reinventar a realidade e apresenta-la com a alma de quem vê.
Mesmo que as técnicas e manuais ensinem um padrão, cada fotografia produzida
por um profissional contém um cunho pessoal intransferível e de valor único. Existe vasto
material nos canais online que ensinam como comprar e operar os equipamentos, aulas
de fotografia avançada e técnicas muito interessantes para fazer o básico bem feito,
contudo, não existe ainda material consistente para o desenvolvimento da fotografia
botânica.
A fotografia botânica apresenta melhor resultado com objetivas (lentes) macro,
devido ao tamanho das partes florais, essas lentes são capazes de capturar detalhes muito
pequenos e ampliá-los em uma realidade aumentada bastante interessante, contudo é
possível produzir fotos de qualidade com diversas outras objetivas.
Quando pensamos em fotografar plantas, pode ser bastante diferente fotografar a
planta em um estúdio, em um vaso, jardim ou em campo, cada qual com seu nível de
desafio. Esse capítulo objetiva ajudar aos profissionais, aspirantes, fotógrafos e botânicos
na produção de fotos de plantas em campo, considerando os desafios encontrados. O leitor
poderá utilizar qualquer câmera DSLR (Digital Single Lens Reflex ou de forma simples,
as câmeras que possibilitam a troca da objetiva) de qualquer fabricante.

Universidade de São Paulo


XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 223
TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Equipamentos utilizados para o desenvolvimento desse capítulo

Na tabela 16.1, é apresentado os equipamentos utilizados para o desenvolvimento desse


capítulo.
Tabela 1 . . Equipamentos utilizados no desenvolvimento desse capítulo. Fonte: Elaborado pelo
autor.
Equipamento Fabricante Modelo
Câmera Canon DSLR
Objetiva Canon 18-55 mm
Objetiva Canon 18-135 mm
Objetiva Canon 100 mm
Flash externo Canon MR14ex

Guia de ética profissional

Direito autoral
• Cada fotografia é um trabalho autoral, ou seja, não pode ser copiada,
compartilhada ou utilizada sem a autorização do profissional.
• Se o fotógrafo compartilhou o trabalho em redes sociais e você deseja
compartilhar, sempre faça menção ao autor.
• Nunca faça print do trabalho e edite qualquer item, ainda que alterada, a imagem
continua sendo plágio.

Modo automático x Modo manual

Utilizar a câmera no Modo manual é sempre bom para quem adquiriu


recentemente o equipamento e quer fotografar rapidamente. Na botânica, o modo
automático pode ser bom para fotografar em campo, quando se está em expedição com
mais pessoas e precisa de certa agilidade, permitindo assim apontar e disparar. Contudo,
se buscamos uma fotografia mais técnica aos olhos do botânico, o modo automático não
reconhece detalhes importantes das plantas.

Principais funções na câmera


Abaixo (Fig. 16.1) é apresentado os botões e principais funções da câmera no
Modo Manual. Cada modelo ou fabricante pode ter botões em posições diferentes, mas
as funções são iguais, recomendo assim que verifique o manual de instruções do seu

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 224


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

equipamento para entender onde está cada botão de cada função, ou ainda, procure um
tutorial online que explique especificamente a parte física do seu modelo.
A câmera dispõe de diversos outros botões e funções que não serão tratadas aqui,
mantendo apenas as funções essenciais para a fotografia manual.

Figura 16.1 Botões com as funções básicas de uma câmera para fotografia em Modo Manual. Autor da Imagem:
Danilo Zavatin.

Modo Manual
Após selecionar o Modo Manual (A) e verificar que a câmera está nesse modo
(C), certifique-se de que a dioptria (E) está de acordo com seu grau de visão. A dioptria
é um botão de rolagem onde o fotógrafo, olhando no visor óptico, ao rolar o botão vai
ajustando a nitidez do foco de acordo com seu grau de visão. Ao rolar o botão, o fotógrafo
vai perceber um desfoque do campo de visão, até encontrar o campo de visão

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 225


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

completamente focado. Esse botão é devido a diferença na visão de cada pessoa, sendo
útil para ajustar o grau, como a função dos óculos.

Exposição
O fotômetro (Fig. 16.2) é o responsável por informar o Valor de Exposição (EV)
de uma foto, antes mesmo dela ser produzida. O EV é uma unidade de medida universal
utilizada na fotografia, em escala exponencial com valores negativos e positivos. A cada
EV a quantidade de luz dobra, ou seja, se o fotômetro estiver marcando o EV em 1, ao
ajustarmos as configurações e o EV mudar para 2, não é apenas um ponto de luz que
aumentou, mas sim, dobrou em relação a quantidade de luz anterior; e assim
respectivamente para valores negativos onde há a redução de luz.

Figura 16.2. O fotômetro em valores negativos e positivos, ampliado na barra cinza.


Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Sendo assim, a Exposição é o valor que mostra o quanto a cena a fotografar está
exposta a luz. É a exposição que informa se a foto, está sub-exposta (mais escura), bem
exposta ou superexposta (mais clara) (Fig. 16.3).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 226


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Figura 16.3. Fotografia de Lecythis pisonis. Da esquerda para direita: valor negativo do fotômetro gera
uma foto sub-exposta, valor centralizado ou neutro do fotômetro gera foto bem exposta e valor positivo
do fotômetro gera foto superexposta. Autor da Imagem: Danilo Zavatin.

Os três pilares da fotografia manual


Para usar o modo manual e entender bem o que está sendo feito para produzir uma
foto, lembre-se da premissa: fotografia é luz!
No modo manual é o fotógrafo quem controla a exposição de luz até o resultado
final, no modo manual, os três pilares da fotografia são: obturador (e o ajuste de sua
velocidade), diafragma (e sua abertura) e ISO (e sua sensibilidade à luz) (Fig. 16.4).

Figura 16.4. No visor ótico, é possível verificar os valores que representam o ajuste feito para o obturador,
diafragma e ISO. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 227


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Obturador
O obturador (Fig. 16.5) é uma peça que fica na câmera. Esse elemento fica fechado
permanentemente para proteger o sensor e abre para efetuar a foto. O obturador controla
por quanto tempo a luz passará até o sensor. A escala do obturador é expressa em fração
de segundos ou segundos inteiros (Fig. 16.6) e é o fotógrafo quem define a velocidade.
Essa velocidade também é chamada de tempo de exposição.
Por exemplo, em 1/1000 significa que o obturador vai se abrir por 1 milésimo de
segundo, o que é muito rápido. Já 1/100, significa que a velocidade é de 1 centésimo de
segundo, que é mais lento do que a velocidade anterior. É possível fotografar mais
devagar, com velocidade de 1 , , 10 ou 1 segundos inteiros.
Além de controlar a luz, a velocidade do obturador traz como resultado imagens
de assuntos rápidos que foram congelados ou de assuntos rápidos que se deseja capturar
o caminho desse movimento e gerar um borrão proposital na imagem (Fig. 7). Na
botânica, se usa apenas tempo de exposição mais curto (velocidades mais rápidas) para
obter imagem da planta estática no ambiente perturbado por vento (Fig. 8). Geralmente,
a partir de 1/125 é possível manter estática a imagem de plantas que estejam sobre ação
de vento leve e a partir de 1/250 de vento moderado.

Figura 5. Obturador na câmera. À Esquerda, o obturador está aberto, sendo possível ver o sensor de
recepção de luz. À direita, o obturador está fechado. Autor da imagem: Sony.jp.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 228


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Figura 16.6. Escala em terços de pontos de EV. A partir de 1/125 é possível congelar imagem de plantas
sob ação de vento leve e a partir de 1/250 sob vento moderado a forte. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Figura 16.7. A velocidade do obturador define o tempo de exposição à luz e os efeitos de borrão ou
captura do caminho percorrido por um objeto ou o efeito de congelamento de um objeto em movimento.
(A) Tribo indígena em Manaus fazendo ritual: o tempo de exposição mais longo (velocidade do obturador
mais lenta), na foto utilizado em 1/60, não foi suficiente para congelar a imagem, gerando um efeito
de borrão. (B) Esponja de aço queimando: o tempo de exposição mais longo (velocidade do obturador
mais lenta), na foto utilizado em 8 segundos, foi o suficiente para capturar todo o movimento das faíscas
de luz, desde sua saída da esponja de aço, seu caminho percorrido, até tocar o chão. (C, D) Criança
brincando na chuva: o tempo de exposição mais curto (velocidade do obturador mais rápido), nas fotos
utilizado em 1/800 e 1/640, foi o suficiente para congelar a imagem dos movimentos da criança e da
água. (E) Morcego se alimentando: o tempo de exposição mais curto (velocidade do obturador mais
rápido), na foto utilizado em 1/2000, foi o suficiente para congelar a imagem do morcego voando.
Autor das imagens: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 229


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Figura 16.8. Thunbergia grandiflora. A velocidade do obturador percebida na botânica. (A) O tempo de
exposição mais longo (velocidade do obturador mais lenta), na foto utilizado em 1/30, não foi suficiente
para congelar o movimento da planta trepidando ao vento. (B) O tempo de exposição mais curto (velocidade
do obturador mais rápido), na foto utilizado em 1/250, foi suficiente para congelar o movimento da planta
trepidando ao vento. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Diafragma
O diafragma é uma peça que fica na objetiva e controla a quantidade de luz que
entra até o sensor (Fig. 16.9). Cada objetiva possui um valor de abertura do diafragma
diferente. Na câmera, o diafragma é representado pelo f. Além do controle da luz junto a
outras configurações, o diafragma define a profundidade de campo da foto. Na botânica,
quando não dominamos bem o uso do diafragma, acontece pontos de desfoque em uma
flor (como exemplo), com pontos focados e pontos desfocados na imagem (Fig. 16.9).
Entender o diafragma é muito importante para colocar todas as partes da flor em foco.
Além disso, o diafragma é responsável por desfocar o fundo da imagem.

Figura 16.9. A esquerda é possível ver o diafragma da objetiva em seu fechamento máximo permitindo a
passagem de luz apenas pelo orifício central. A direita, Barbacenia spectabilis com pontos de foco e
desfoque. As linhas brancas mostram partes da flor que ficaram desfocadas enquanto a amarela, em foco.
Autor da Imagem: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 230


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

No diafragma (Fig. 16.10), os valores maiores representam diafragmas mais


fechados, como em f 32 em seu fechamento máximo. Os valores menores representam
diafragma mais aberto, como em f 1.4 em sua abertura máxima. Quanto mais aberto o
diafragma, menor será a profundidade de campo e quanto mais fechado, maior (Fig.
16.11).

Figura 16.10. Da esquerda para direita. O valor mais alto de f representa diafragma mais fechado e como
resultado, maior profundidade de campo na foto. Conforme o valor de f é reduzido, o diafragma vai se
abrindo e como resultado, menor profundidade de campo na foto. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Figura 16.11. Da esquerda para direita. Hibiscus sp. Quanto mais fechado o diafragma, maior a
profundidade de campo, como em f 22 é possível ver mais nitidamente o solo atrás da flor. Quanto mais
fechado o diafragma, menor a profundidade de campo, como em f 1.4 onde o solo está bastante desfocado.
Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Fatores além do diafragma que alteram a profundidade de campo

Morfologia da planta
Cada planta possui morfologia específica, portanto ao fotografar é preciso analisar
a morfologia da planta, a luz do ambiente e o objetivo da profundidade de campo: mostrar
mais detalhes, ou esconder algo com desfoque por exemplo. No exemplo abaixo (Fig.
16.12) as plantas estavam no mesmo ambiente, ou seja, com as mesmas condições de luz;
após o ajuste das configurações para a luz adequada, o fotógrafo manteve a abertura do
diafragma igual para as três plantas: f 2.8.
Apesar do ambiente ter a mesma luz e o diafragma ter sido usado igual para as
três fotos, o resultado foi diferente. Isso ocorreu devido a morfologia. Para entender como
trabalhar o diafragma de acordo com a morfologia, é preciso entender que a flor é um

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 231


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

assunto tridimensional. Se o diafragma resulta a profundidade de campo, precisamos


entender quão profunda é a morfologia da planta fotografada, ou quão tridimensional é.
Na figura 16.12, a imagem A e B correspondem as Bromélias. Grande parte das
Bromélias possuem morfologia em roseta. Nas fotos em vista frontal ao plano das rosetas,
ao utilizar a abertura f 2.8 (diafragma mais aberto e profundidade de campo menor) foi
capturado apenas a parte frontal da inflorescência, desfocando as demais partes da
inflorescência. Em C, em Delphinium elatium, usar a abertura f 2.8 capturou toda a
inflorescência em foco e desfocou o fundo. Esse resultado é consequência da morfologia
das plantas, se pudéssemos medir uma escala tridimensional, poderíamos certamente
afirmar que as plantas A e B são muito mais tridimensionais que a planta C.

Figura 16.12. (A, B). Bromélias. (C) Delphinium elatium. Todas as fotos foram feitas no
mesmo lugar, sob mesma condição de luz e mesmo valor de diafragma, mas com
resultados diferentes. Autor da imagem: Danilo Zavatin
Se desejamos focar toda a inflorescência das Bromélias, o ideal é fechar mais o
diafragma (Fig. 16.13).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 232


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Figura 16.13. Bromélia. Para obter foco em todas as partes da inflorescência é preciso considerar a
morfologia tridimensional da planta: quanto mais tridimensional a planta, é necessário maior profundidade
de campo (= diafragma mais fechado). Na imagem, as linhas amarelas representam possíveis ajustes no
diafragma para que as demais partes pudessem ter sido focadas. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Distância focal
Quanto menor a distância focal da objetiva em relação a planta, maior será a
profundidade de campo ou quanto maior a distância focal da objetiva, menor a
profundidade de campo (Fig. 16.14).

Figura 16.14. Vitex polygama. Da esquerda para direita. Com a objetiva em 35 mm se obtém maior
profundidade de campo com mais informações dentro da foto e desfoque médio do plano de fundo. Em 55
mm, há menor profundidade de campo com menos informações dentro da foto e desfoque moderado do
plano de fundo. Em 100 mm, há a menor profundidade de campo, com menos informação dentro da foto
(apenas uma flor) e desfoque severo do plano de fundo. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 233


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Distância do objeto
A distância em que o fotógrafo está do objeto também altera a profundidade de
campo. Quanto mais próximo a planta, menor será a profundidade de campo e quanto
mais distante da planta, maior a profundidade de campo (Fig. 16.15). Como exemplo
nessa imagem, ao fotografar Justicia riparia sob mesma condição de luz, mesma abertura
do diafragma e mesma distância
focal, obteve-se resultado diferente
devido à distância do fotógrafo em
relação a planta.

Figura 16.15. Justicia riparia. Em mesma


condição de luz, mesma configuração de
diafragma e mesma distância focal obteve-se
resultados diferentes entre (A) e (B). A única
coisa que mudou de uma imagem para outra
foi a posição do fotógrafo: em (A) mais
próximo a flor e em (B) mais distante.

Tabela de equilíbrio da profundidade de campo

Para conseguir menor profundidade de campo, combine:


(Fig. 16.16)
• Diafragma mais aberto.
• Maior distância focal.
• Mais próximo ao objeto.
Para conseguir maior profundidade de campo, combine:
(Fig. 16.17)
• Diafragma mais fechado.
• Menor distância focal.
• Mais distante do objeto.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 234


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Figura 16.16. Petrea subserrata. Parâmetros na foto: diafragma f 2.8, distância focal em 65 mm e distância
do objeto de 1 metro. Resultado: menor profundidade de campo. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Figura 16.17. Petrea subserrata. Parâmetros na foto: diafragma f 22, distância focal em 100 mm e distância
do objeto de 2 metros. Resultado: maior profundidade de campo. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 235


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

ISO
O ISO (Fig. 16.18) é a medida que indica a sensibilidade do sensor da câmera à
luz do ambiente, ou seja, quanto maior o valor do ISO, maior sensibilidade à luz, e quanto
menor o valor do ISO, menos luz é percebida pelo sensor. A cada vez que o ISO é
aumentado, a sensibilidade do sensor a luz dobra em relação a luz percebida
anteriormente (ver Fig. 16.1 e 16.4 para entender onde a informação do ISO fica
disponível na câmera). O ISO reflete diretamente na qualidade da foto: quanto menor o
ISO, mais qualidade a foto terá e quanto maior o ISO, menor a qualidade.

Figura 18. Escala de ISO. Quanto menor o valor do ISO, menos sensível à luz está o sensor da câmera e
resultará em foto de maior qualidade. Quanto maior o ISSO, mais sensível à luz está o sensor da câmera e
resultará em foto de menor qualidade. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Veremos a diferença entre fotos feitas com ISO baixo e ISO alto. Na figura 16.19,
a Barbacenia spectabilis foi fotografada com ISO 100, ou seja, pouco sensível a luz e
com preservação de maior qualidade da imagem. Entretanto, olhando a imagem à
distância nem sempre é possível perceber a dimensão de sua qualidade, mas ao ampliar,
é notável a preservação de detalhes em alta qualidade (Fig. 16.20). Quando fotografamos
com o ISO alto, como na Figura 16.21, com Siphocampylus nitidus fotografado em ISO
3200, apesar da imagem mais ampliada mostrar com clareza a foto, ao ampliar, percebe-
se o ruído e consequente perda da qualidade da imagem, visível na Figura 16.22.

Figura 16.19. Barbacenia spectabilis. Utilizou-se ISO 100, pouco sensível à luz, mas com preservação da
qualidade da imagem. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 236


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Figura 16.20. Barbacenia spectabilis. Em ampliação, é possível ver os detalhes das glândulas do escapo
floral.

Figura 16.21. Siphocampylus nitidus. Utilizou-se ISO 3200, muito sensível a luz, mas com perda na
qualidade da imagem. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 237


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Figura 16.22. Siphocampylus nitidus. Em ampliação é possível ver granulação da imagem por perda de
qualidade. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Resumo
Fotografia é luz!
É preciso entender as configurações e parâmetros para o aproveitamento da luz
em diferentes ambientes, sejam eles muito escuros ou claros.
Obturador
Controla por quanto tempo a luz vai entrar até o sensor. É ele que define o
movimento de arraste ou congelamento de uma imagem.
Diafragma
Controla a quantidade de luz que vai entrar até o sensor. É ele que define a
profundidade de campo de uma imagem.
ISO
Controla a sensibilidade à luz. É ele que define a qualidade da imagem.

Triângulo de Exposição
Já entendemos que os três pilares da fotografia são: o obturador, diafragma e o
ISO. A velocidade do obturador, na botânica é sempre utilizado em uma velocidade que
consiga congelar qualquer sinal de trepidação da planta, mas afinal, por que as vezes se
usa velocidade mais baixa? Se ao fotografar uma planta com diafragma mais aberto,

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 238


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

desfoca o fundo e realça a planta, por que usar o diafragma mais fechado? Se o ISO mais
baixo garante a qualidade da imagem, por que usar ISO baixo e perder a qualidade?

A resposta é: compensação de luz!

Quando estamos em um ambiente com condições desfavoráveis, como pouca luz


ou muito vento, precisamos de mais ajustes para conseguir uma boa foto. Ambientes
severamente sombreados como as florestas, são desafiadores para produzir uma imagem
em pouca luz. Já em áreas abertas, como o Cerrado ou áreas litorâneas, pode haver luz
em excesso, mas muito ruído provocado pelo vento.
O triângulo de exposição (Fig. 16.23) é um triângulo de prioridade de cena, ou
seja, diante de um desafio no ambiente, o triângulo de exposição auxilia na ordem e
prioridade das configurações que devem ser alteradas na câmera na tentativa de obter a
melhor foto. Diante de cenários desfavoráveis, priorize alterar as configurações da câmera
na ordem do triângulo: 1, 2 e 3.

Figura 16.23. Triângulo de exposição. Para realizar os ajustes de compensação de luminosidade deve-se
seguir a prioridade de ajustes (1-2-3) a fim de obter uma imagem equilibrada em condições desfavoráveis.
Autor da imagem: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 239


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Cenários possíveis para ajuste de configurações:

Pouca luz no ambiente


Se o ambiente for muito sombreado e com luz baixa, a prioridade de mudança que
deve ser feita é na velocidade do obturador (1). Tente ajustar aos poucos e verifique se o
valor do fotômetro se iguala em 0 (ou neutro). Se ainda assim o fotômetro indica que foto
ficará sub-exposta, tente reduzir mais a velocidade. Perceba o limite aceitável entre
reduzir a velocidade e não tremer a foto, geralmente próximo da velocidade 1/100 é o
limite para não trepidar.
Se mesmo com a velocidade do obturador baixa, ainda não há luz suficiente para
zerar o fotômetro, a próxima prioridade de ajuste é a abertura do diafragma (2). Vá
abrindo o diafragma gradativamente a fim de conseguir o ajuste de cena. Fotografe e veja
se a profundidade de campo ficou boa. Caso a profundidade de campo não esteja boa ou
existem pontos desfocados na planta, é preciso fechar um pouco mais o diafragma para
trabalhar no limiar dele.
Se mesmo com a velocidade do obturador baixa, o diafragma mais aberto (dentro
do limiar), a imagem ainda não possui luz suficiente, a prioridade de mudança que deve
ser feita é o ISO (3). Vá subindo o valor do ISO aos poucos e veja em qual valor do ISO
o fotômetro zerou (lembre-se que ao subir o valor do ISO, dobra a sensibilidade do sensor
à luz).
Perceba que a ordem dos ajustes segue o triângulo de exposição a fim de garantir a
maior qualidade possível da imagem, o ISO só é alterado após tentativa de todas as
configurações anteriores.

Muita luz no ambiente


Se o ambiente for muito iluminado, como é comum no Cerrado, lembre-se de
começar seus ajustes com ISO 100, ou seja, se o ambiente já fornece muita luz basta
deixar o sensor pouco sensível a luz e a qualidade máxima da imagem será preservada.
Nesse cenário, priorize aumentar a velocidade do obturador (1) a um valor onde
consiga zerar o fotômetro. Se ainda assim o fotômetro indica que a imagem ficará
superexposta, feche gradativamente o diafragma (2) e será possível uma imagem
equilibrada. Nesse cenário, o ISO (3) permanece sempre em 100 pois se o ambiente é
claro, em nenhuma hipótese será necessário aumentar o ISO e deixar o sensor mais
sensível a recepção de luz.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 240


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Vento
Se o ambiente estiver com vento ao ponto de trepidar a planta, a prioridade de
ajuste é a velocidade do obturador (1). Nesse caso, quanto mais rápido a velocidade do
obturador, melhor será o congelamento da imagem. Se aumentar a velocidade representa
luz entrando por menos tempo e o fotômetro indicar imagem subexposta, tente equilibrar
uma velocidade do obturador no limiar, onde seja possível congelar a imagem sem deixar
a imagem escura. Se mesmo assim, ainda não foi possível o ajuste, basta seguir a lógica
do triângulo de exposição e ajustar a abertura do diafragma (2) e o ISO (3) se necessário.

Exposição por cor da flor


Flores claras e flores escuras demandam um entendimento de um recurso
adicional do fotômetro. Ao efetuar a foto de uma flor clara com as configurações
ajustadas, o fotômetro zerado ou neutro, a foto ficará superexposta, mesmo com o
fotômetro indicando que teria exposição equilibrada. O inverso ocorre com flores escuras:
ao efetuar a foto de uma flor escura com as configurações ajustadas, o fotômetro zerado
ou neutro, a foto ficará subexposta.
Para resolver esse
problema, na flor clara será
preciso ajustar e aceitar o
fotômetro informando meio
ponto ou um ponto inteiro
abaixo do valor de zero (-1) e
para a flor escura é preciso
ajustar e aceitar o fotômetro
informando meio ponto ou um
ponto inteiro acima de zero
(+1) (Fig. 16.24).
Figura .24. a ro e lus li ustrinus. r s c aras pr c sa u t tr n at p s a
pr pr a c r a r r tr a u trar u a sup r p s . Aristolo ia i antea. r s scuras
pr c sa u t tr p s t p s a pr pr a c r a r abs r r a u trar u a
sub p s . ut r a a an a at n.

Foco
Para entender o que o fotógrafo quer que seja fotografado a câmera busca
contraste na cena. Sem contraste, muitas vezes a objetiva fica buscando, escutamos o
motor da câmera se esforçando, mas mesmo apertando o botão para disparar, a câmera

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 241


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

sequer aceita registrar a foto. Isso acontece quando a cena não oferece contraste suficiente
e a câmera não entendeu qual assunto é importante. O contraste é relativamente fácil de
resolver, seja mudando a posição do fotógrafo, a posição da planta ou adicionando algum
recurso simples, como um tecido preto (Fig. 16.25). Na botânica, os principais problemas
de contraste são: contraste de cores semelhantes entre a planta fotografada e o fundo e
contraste de formato da planta fotografada semelhante ao formato do fundo (Fig.16. 26).

Figura 16.25. Exemplo de problemas típicos de contraste em plantas. (A) Planta verde com fundo verde
causado por vegetação ao fundo. (B) Adicionando um tecido preto ao fundo, mudando a posição da foto ou
mudando a posição da planta, cria-se o contraste. (C) Planta alva com fundo alvo (contra o céu ou solo
claro). (D) Adicionando um tecido preto ao fundo, mudando a posição da foto ou mudando a posição da
planta, cria-se o contraste. (E) Flores escuras em ambiente escuro. (F) Mudando a posição do fotógrafo, da
planta ou adicionando tecido claro ao fundo, cria-se o contraste. (G) Falta de contraste por forma. Planta
herbácea ou arbustiva à frente de outras plantas herbáceas ou arbustivas. (H) Removendo a planta e
posicionando em um local sem plantas ao fundo, ou adicionando um tecido preto, cria-se o contraste. Autor
da imagem: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 242


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Figura 16.26. Típicos problemas na botânica para se obter foco por falta de contraste. (A) Roupala montana.
Problema de contraste de cor e forma. (B) Bomarea edulis. Problema de contraste de forma. (C) Mucuna
pruriens. Problema de contraste de cor. (D) Austroeupatorium inulaefolium. Problema de contraste de cor.
Autor da imagem: Danilo Zavatin.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 243


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Fundo infinito
O fundo infinito (Fig. 16.27) é uma técnica bastante útil e de muita qualidade
estética para uso na botânica. A técnica precisa do uso do flash, mesmo o flash que já
vem na câmera é suficiente. Os principais ajustes para o sucesso dessa técnica são: a
posição da flor a fotografar, o ajuste das configurações e o uso do flash.

Figura 16.27. Musa sp. O fundo infinito retira toda a cena atrás da planta, realçando sua percepção em
detalhes. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

As configurações recomendadas para iniciar são:

• Velocidade do obturador: 1/200 ou mais alta.


• Diafragma mais fechado: f 14 ou maior.
• ISO em valor baixo: 100.
• Ativar o flash.

Fotografe durante o dia, de preferência de manhã ou pela tarde. Fique em uma


posição que garanta que não há nada próximo atrás da flor. Com as configurações
ajustadas, bata a foto. (Fig. 16.28).

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 244


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Figura 16.28. Paubrasilia echinata. Com as configurações pré-ajustadas, ao fazer a foto, o flash disparará
sobre a flor e atrás dela não haverá conteúdo para retornar a câmera, produzindo o fundo infinito. Autor da
imagem: Danilo Zavatin.

Se o fundo não ficar totalmente preto, ajuste as configurações seguindo a ordem


do triângulo de exposição (Fig. 16.23). Para um fundo infinito mais homogêneo, é
importante pensar que o flash oferece uma quantidade de luz significativa à flor, nesse
caso, não queremos iluminar o ambiente que a flor está, nem resolver problemas
relacionados a cena; o interesse é registrar apenas a flor, por isso é interessante iniciar
com uma fotografia ultrarrápida, com a velocidade do obturador em 1/200 ou ainda
chegando até 1/2000, a depender dos ajustes necessários.
Já o diafragma mais fechado (f 14 por exemplo) funciona melhor em fotos de
plantas com flash pois não nos interessa mais pensar na profundidade de campo se a ideia
é não ter profundidade nenhuma visível na foto. O diafragma mais fechado produz o efeito
de focar melhor os detalhes da planta, enquanto que o diafragma mais aberto cria pontos
de desfoque nas plantas (Fig. 16.29), mesmo com flash. O ISO deve ser mantido em 100
pois se o flash dispara uma quantidade grande de luz sobre a flor, devemos manter o
sensor da câmera pouco sensível a captação dessa luz. Se o resultado final apresentar
pontos desfocados indesejados, é preciso fechar o diafragma ou tomar mais distância da
flor (ver tópico: tabela de equilíbrio
da profundidade de campo).

Figura 16.29. Bixa orellana. Em (A) o


resultado apresentou vários pontos de
desfoque. Ao fechar o diafragma, em (B) o
problema foi resolvido.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 245


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Se o fundo da imagem
revelar elementos indesejados sendo
capturados, o fotógrafo pode mudar
de posição, remover o que está
gerando esse ruído ou mudar a
posição da flor (Fig. 16.30).

Figura 16.30. arba enia s e tabilis.


arbac n a sp ctab s. r a ar a t a
c ra captur u ru a ta a
un . arba enia s e tabilis.
t ra u u p s n t a
r n a a p s as p ta as ntr
sc h u u a p s n a ta
a un sta a a s stant . p sar
h r n c up r t . arba enia
s e tabilis. t ra nt r u a
ta u sta a a un n t u a
p s as p ta as a a a
s a. ta a un a u
nc u s br a r u pass u n
nc ntr u n r a para r t rnar
c ra r t rnan un n n t . ut r
a a an a at n.

Fundo infinito e simetria floral


Para conseguir resultado promissor no fundo infinito é preciso entender a simetria
tridimensional da planta fotografada (ver mais informações sobre tridimensionalidade na
Fig. 16.13). O ideal é forjar a menor profundidade de campo possível diretamente na
planta, ou seja, tentar reduzir o padrão 3D da planta para um padrão mais próximo do 2D.
Na figura 16.31, analisamos a dificuldade em conseguir um fundo infinito.
A planta fotografada possui muita tridimensionalidade sendo possível dividir
imaginariamente seu comprimento em três planos (3D). Ao fotografar, a luz do flash
primeiro incidiu na estrutura do primeiro plano e gerou sombra nas demais partes dos

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 246


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

outros planos, até gerar uma sombra no plano de fundo. Além disso, como as estruturas
florais estavam em planos diferentes, a abertura do diafragma não conseguiu focar em
três planos diferentes de profundidade, focando apenas em um plano e deixando os
demais desfocados.

Figura 16.31. Oxalis triangularis. Devido a tridimensionalidade da planta, é possível traçar três planos
imaginários. O flash (linha amarela) incidiu no primeiro plano e gerou sombra nos demais. Na imagem à
direita, as setas amarelas indicam os pontos de sombra indesejados. É possível ver sombra também no
escapo floral posterior, gerado pela posição das flores em primeiro plano. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Para resolver a tridimensionalidade


das plantas e conseguir um bom fundo
infinito, basta mudar a posição da fotografia,
garantindo que não há muita informação que
gere diferentes planos atrás da flor (Fig.
16.32).

Figura 16.32. (A, B) Acacia farnesiana. (C,


D) Struthanthus martianus. (A, B) Acacia
farnesiana. Devido aos ramos atrás da flor, não foi
possível obter fundo infinito. Ao mudar a posição do
fotógrafo, sem os ramos atrás, obteve-se o
resultado esperado. (C, D) Struthanthus martianus.
Devido ao ramo atrás da flor, não foi possível
obter fundo infinito. Ao mudar a posição do
fotógrafo, sem o ramo atrás, obteve-se o r su ta
sp ra . ut r a a an a at n.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 247


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

Fundo infinito em campo


Em campo pode ser mais difícil obter o fundo infinito devido a quantidade de
elementos que existem dentro de uma floresta ou no campo, tornando desafiador a tarefa
de não ter nada atrás da planta a fotografar. Dois desafios clássicos em campo são: a
vegetação atrás da planta desejada (Fig. 16.33), e que não pode ser removida, ou um fundo
próximo, como um tronco de suporte a uma planta epífita; ou ainda um barranco onde
tenha essa planta (Fig. 16.34).

Figura 16.33. Manettia gracilis. A vegetação atrás da planta comprometeu o fundo infinito. Autor da
imagem: Danilo Zavatin.

Figura 16.34. Schlumbergera russeliana. O barranco atrás da planta comprometeu o fundo infinito. Autor
da imagem: Danilo Zavatin.

Em campo, a solução mais viável é o uso do tecido preto, fosco e que não amasse.
O tecido pode ser colocado mais distante da planta ou mesmo como suporte da própria
planta. Caso seja colocado mais distante da planta, o fundo infinito será produzido. Se o
tecido preto for utilizado como suporte, há a vantagem de “modelar” o formato da planta,

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 248


TEMA 4: Temas Transversais
Capítulo 16 – Zavatin 2022

abrindo suas folhas e ajustando esteticamente a disposição das partes, sem que as folhas
fiquem sobrepostas, realçando as flores, contudo a trama do tecido será registrada, sendo
necessário edição em software para remover a trama e preservar o fundo preto (Fig.
16.35).
Outra opção boa é um papel preto fosco, especialmente para partes menores como
as flores. O papel não tem trama à ser capturado pela câmera, mas também demandará
edição para remover a textura de fundo. Em campo, o papel não é útil devido ao desgaste.

Figura 16.35. (A, B) Cariniana estrellensis. (C, D) Nymphaea rubra. Plantas colocadas sobre tecido e
com fundo editado posteriormente. Autor da imagem: Danilo Zavatin.

Resumo do fundo infinito

• Sempre demanda uso de flash.


• O ajuste de configurações deve ser feito antes e testado até obter melhor resultado.
• Não pode ter nada atrás da planta fotografada.
• Pode-se utilizar tecido ou papel preto, mas será necessária a edição posterior para
remover a trama ou textura.

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 249


ÍNDICE DE INSTITUIÇÕES
1. Universidade de São Paulo
2. Instituto de Pesquisas Ambientais
3. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano
4. Secretaria Estadual de Ensino-SP
5. Harvard University

XI BOTÂNICA NO INVERNO – 2022 250

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