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INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS
APOSTILA
Organizadores
Professora Responsável
Claudia Maria Furlan
São Paulo
2021
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B748 Botânica no inverno 2021 / Organização Scarlet Santos Monteiro ;
Elton John de Lírio ; Adriana dos Santos Lopes ; Francisco
Palmieri Montessi do Amaral ; Marisia Pannia Esposito ; Cláudia
Maria Furlan -- São Paulo : Instituto de Biociências, Universidade
de São Paulo, 2021.
233 p. : il.
LC: QK45.2
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SUMÁRIO
PREFÁCIO, 4
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PREFÁCIO
4
CAPÍTULO 1
Samambaias e Licófitas
Aline Possamai Della (Universidade de São Paulo)
Introdução
Licófitas e samambaias são termos que se referem às Plantas vasculares:
correspondem a um grupo
plantas vasculares, que não produzem flores, frutos e sementes, monofilético, que engloba as
as quais, são popularmente conhecidas como samambaias, licófitas, samambaias,
gimnospermas e angiospermas.
avencas e cavalinhas. No ensino básico, elas são São caracterizadas pela fase
tradicionalmente tratadas como “pteridófitas”, no entanto, a esporofítica dominante, com
esporófito ramificado, pela
reunião desses dois grupos de plantas sob o termo “pteridófita” presença de xilema, floema e
é reconhecidamente uma classificação artificial, uma vez que esclerênquima.
nem todas as espécies são derivadas a partir de um mesmo
ancestral comum (ou seja, é um agrupamento parafilético). Grupo monofilético ou clado:
grupo formado pelo ancestral e
Como atualmente um dos critérios para se estabelecer um
todos os descendentes.
grupo biológico é este ser considerado monofilético (em
oposição ao termo parafilético), ou seja, incluir o ancestral
Grupo parafilético ou grado:
comum e todos os descendentes daquela linhagem, o termo grupo formado pelo ancestral e
“pteridófita” encontra-se praticamente em desuso pela parte dos descendentes.
comunidade científica.
A grosso modo, as licófitas se diferenciam pela presença de microfilos (folhas geralmente
pequenas, que apresentam uma nervura central não ramificada, associadas a caules que apresentam
xilema e floema organizados na forma de protostelo – Figuras 1 e 2), e esporângios situados nas axilas
entre folhas e caules, formando os estróbilos (ou cones). Já as samambaias apresentam folhas do tipo
megafilos (geralmente grandes, com nervuras ramificadas, formando uma rede bastante complexa no
tecido laminar, associadas a caules que apresentam sifonostelo, portanto, com medula e lacuna foliar),
e esporângios localizados na face abaxial ou na margem da folha.
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Fig. 1. Esquema dos tipos de folhas, microfilos e megafilos, das licófitas e samambaias, respectivamente. Fonte:
Elaborado por A.P. Della.
Fig. 2. Esquema demonstrando os tipos de cilindro vasculares presentes nas licófitas (protostelo) e nas samambaias
(sifonostelo). Fonte: Elaborado por A.P. Della.
Fig. 4. Representantes dos grupos de plantas vasculares atuais. A: Cycas L. (Cycadaceae, Gimnosperma); B:
Malvaviscus Fabr. (Malvaceae, Angiosperma); C: Serpocaulon A.R. Sm. (Polypodiaceae, Samambaia); D: Cyathea Sm.
(Cyatheaceae, Samambaia). Fotos: A.P. Della.
As eufilófitas são caracterizadas pela presença de protoxilema da raiz exarco, pelas folhas do
tipo megafilo, por feixes vasculares formando sistemas complexos, que apresentam medula
parenquimática (sifonostelo ou eustelo), e pela presença de alguns pares de bases invertidas no DNA
do cloroplasto (sinapomorfia molecular).
Evolução
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A origem das licófitas e samambaias é muito Diversificação: pode ser
antiga. Os primeiros registros fósseis de organismos compreendida como uma taxa que
mede a relação entre taxa de
semelhantes a elas datam de 425 milhões de anos, no especiação e taxa de extinção. Se a
período geológico conhecido como Siluriano. Porém, foi taxa de especiação for maior que a
de extinção haverá uma
supostamente no Carbonífero (a cerca de 360 milhões de diversificação positiva, surgem
anos atrás), que houve uma ampla diversificação e mais espécies do que se extinguem.
irradiação desse grupo, momento em que possivelmente
se tornaram os elementos dominantes nas florestas. Esse período do Siluriano/Carbonífero é
reconhecido como a primeira grande radiação das licófitas e samambaias.
A segunda grande radiação é do
Irradiação ou radiação
Carbonífero/Triássico, até cerca de 245 milhões de anos adaptativa: compreende o
atrás, onde registros fósseis indicam a existência de fenômeno evolutivo pelo qual se
formam, num curto período de
verdadeiras florestas formadas, principalmente, por tempo, várias espécies a partir de
licófitas arbóreas com até 25 metros de altura. Nesse um ancestral comum.
Classificação
A classificação das licófitas e samambaias Filogenia: pode ser compreendida
passou por muitas alterações ao longo do tempo. como a história genealógica de um
grupo de organismos ao longo do
Desde as primeiras classificações baseadas somente tempo, ou pode corresponder a uma
em caracteres morfológicos (tais como: características hipótese de relação
ancestral/descendente. Geralmente
do rizoma, da fronde, a disposição dos soros, a quando empregamos o termo filogenia
presença ou a ausência de indúsio, etc.), as quais, em estamos nos referindo a hipótese,
porque não temos como recuperar a
geral não levam em conta as relações filogenéticas, a história genealógica real dos
classificações que passaram a incorporar dados organismos. Essa hipótese
frequentemente é apresentada na forma
moleculares (as quais, partem de uma filogenia, e de um diagrama (árvore filogenética),
usam o princípio de monofiletismo para o que demonstra as relações de
parentesco.
estabelecimento dos grupos).
O Pteridophyte Phylogeny Group I (PPG I, 2016), a classificação mais recente desses grupos,
corresponde de certa forma um resumo das diversas filogenias, que vem sendo obtidas a partir de
dados moleculares. As licófitas são tradadas como a classe Lycopodiopsida, e as samambaias como
Polypodiopsida (Fig. 5).
Dentro de Lycopodiopsida há três ordens, as quais apresentam 1.338 espécies. A maior ordem
é Selaginellales (com 700 espécies), seguida por Lycopodiales com 388 e Isoëtales com 250. Em
Polypodiopsida há 10 ordens, totalizando 10.578 espécies. Polypodiales é a maior ordem com 8.714
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espécies, seguida por Cyatheales com 713 e Schizaeales com 190. Assim, há atualmente 11.916 de
licófitas e samambaias.
Fig. 5. Esquema simplificado demonstrando as relações filogenéticas das ordens de Lycopodiopsida (licófitas em azul)
e Polypodiopsida (samambaias em vermelho) segundo o PPG I (2016). Entre parênteses o número de espécies de cada
ordem. Fonte: Elaborado por A.P. Della.
Reprodução
Reprodução sexuada
O ciclo de vida das licófitas e samambaias, assim como as demais plantas terrestres, é
diplobionte, ou seja, envolve a alternância de gerações. A geração gametofítica, a qual produz os
gametas, é haplóide (x=n) e efêmera, já a geração esporofítica, que produz os esporos, é diplóide
(x=2n) e de longa duração (Fig. 6).
Apresentaremos agora o ciclo de vida, tomando como exemplo uma samambaia
leptoesporangiada (que corresponde a maioria das samambaias). Na maturidade de um esporófito
(diplóide) são produzidos os soros, que estão localizados, frequentemente, na parte inferior das folhas
(face abaxial). Os soros correspondem ao agrupamento de esporângios, e cada esporângio abriga
numerosos esporos, que por sua vez são células haplóides, formadas por meiose.
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Fig. 6. Ciclo de vida de uma samambaia leptoesporangiada. Fonte: Elaborado por A.P. Della.
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projeções ou prolongamentos, verrugas, tubérculos, etc. Os esporos podem também apresentar
clorofila, sendo verdes quando analisados em microscópio. Geralmente, os esporos com clorofila
apresentam-se viáveis por tempo reduzido no solo (de 2 a 6 semanas), quando comparado com
esporos que não apresentam clorofila (duram em média de meses a anos). Isso porque a clorofila é
rapidamente catabolizada. De forma gera, todas essas características são importantes para a
identificação e taxonomia dos grupos.
Os gametófitos, que por sua vez, são geralmente pequenos, com formato cordiforme e
coloração verde clara (a morfologia do gametófito será vista em detalhes no próximo tópico),
apresentam em sua porção inferior os órgãos sexuais. Os órgãos masculinos são chamados de
anterídios e produzem os anterozoides (gametas masculinos flagelados). Já os órgãos femininos são
chamados de arquegônios e produzem as oosferas (gametas femininos). A água é essencial para a
fecundação, tendo em vista que o anterozóide é flagelado. Os anterozoides das licófitas são
biflagelados, já o das samambaias (assim como de outras eufilófitas que apresentam flagelo) são
multiflagelados.
Os gametófitos podem ser unissexuados (apresentam órgãos sexuais masculinos e femininos
em indivíduos diferentes) ou bissexuados/hermafroditas (apresentam órgãos sexuais masculinos e
femininos num mesmo indivíduo). Quando o anterozóide chega até o arquegônio e fecunda a oosfera,
é gerado o zigoto, iniciando-se assim a fase diplóide. O gametófito permanece vivo até a formação
dos primórdios foliares, e em seguida morre. O zigoto, formado pela fecundação, sofre sucessivas
divisões mitóticas gerando um novo indivíduo (esporófito), que apresenta raízes, caule e folhas, e ao
atingir a maturidade produzirá os esporos.
É extremamente importante aqui ressaltarmos um detalhe que diversos livros texto de botânica
descrevem e enfatizam erroneamente: a autofecundação (quando um gameta masculino fecunda um
gameta feminino do mesmo indivíduo) como a forma mais comum de reprodução do gametófito. Isso
é apresentado tanto em explicações no texto como em figuras. No entanto, a maioria dos eventos de
fecundação que ocorrem nesses grupos é por meio de fecundação cruzada (quando gametas
masculinos fecundam gametas femininos de indivíduos diferentes) gerando maior variabilidade
genética.
Reprodução assexuada
A reprodução assexuada pode ocorrer por meio de apomixia e/ou de propagação vegetativa.
No ciclo de vida de uma samambaia apomítica, há produção de 32 esporos diploides (por meio de
falhas na disjunção dos cromossomos na meiose), ao invés dos 64 esporos haploides formados
normalmente (ciclo de vida não apomítico). Dessa forma, não há fecundação (fusão de gametas), uma
vez que os esporos já são diploides. Estes esporos diplóides germinam e se desenvolvem em
gametófitos menores do que os normais, além disso, esses gametófitos formados não produzem
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gametângios. Então, a partir de uma célula do gametófito há o desenvolvimento de um esporófito,
que apresenta raiz, caule e folhas. O gametófito morre a medida que essa nova plântula se desenvolve.
O esporófito apomítico poderá produzir esporos, também apomíticos, fechando o ciclo.
A apomixia é bastante comum em alguns grupos de samambaias, que vivem em ambientes
onde a água é um fator limitante. Assim, uma alternativa evolutiva “encontrada” por essas plantas foi
a reprodução via apomixia, uma vez que não ocorre reprodução sexuada, não havendo então,
necessidade de água para fecundação.
A propagação vegetativa é uma alternativa mais Gema: corresponde a uma porção do
rápida do que a reprodução sexuada. As plantas corpo da planta onde estão localizadas
as células meristemáticas, ou seja,
(esporófito) produzem gemas, as quais podem estar células indiferenciadas que possuem
localizadas tanto na raque, quanto na lâmina foliar. Essas grande capacidade de multiplicação e
especialização.
gemas se desenvolvem e dão origem a plântulas, que são
clones da planta mãe. Ao tocarem o chão (quando folhas
da planta mãe murcham) e/ou quando se desprendem da planta mãe, tornam-se indivíduos
independentes, sem a necessidade de reprodução sexuada. Os gametófitos também podem apresentar
gemas, as quais podem se desenvolver, segregar e dar origem a um novo gametófito.
Outro fenômeno comum entre as licófitas e samambaias é a hibridização, que consiste no
cruzamento de duas espécies distintas, gerando descendentes com características combinadas de
ambos parentais. A hibridação ocorre quando o anterozóide do gametófito de uma espécie fecunda a
oosfera do gametófito de outra espécie. Identificam-se híbridos com certa facilidade por estes
apresentarem características intermediárias entre os parentais, no entanto, nem sempre são expressas
de forma proporcional. Indivíduos híbridos geralmente apresentam esporos abortados, o quais podem
inclusive ser maiores que os esporos dos parentais. Esporos abortados têm a aparência de uma
“sujeira” sob o microscópio estereoscópico, pois eles são irregulares, enegrecidos e sem forma
definida. Os híbridos são estéreis na maioria dos casos, uma vez que não ocorre o pareamento correto
dos cromossomos provenientes dos diferentes parentais.
A hibridização entre espécies do mesmo gênero é chamada de intragenérica, e é a mais
comum. A hibridação também pode ocorrer entre gêneros diferentes, neste caso é chamada de
hibridação intergenérica. Na nomenclatura botânica, deve-se usar o símbolo × para indicar que um
táxon é um híbrido. Por exemplo: Blechnum × rodriguezii Aguiar et al.
Híbridos podem, no entanto, tornarem-se férteis via fenômenos de duplicação cromossômica.
Como o próprio nome diz, duplicação cromossômica ocorre quando há o surgimento de uma cópia
do cromossomo. Esse processo pode ocorrer naturalmente ou ser induzido em laboratório. Com uma
cópia a mais, ocorrerá o pareamento correto dos cromossomos na divisão celular, sendo assim será
possível a reprodução.
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A duplicação cromossômica está relacionada com outro fenômeno comum em licófitas e
samambaias que é poliploidia. A poliploidia ocorre quando há duplicação do genoma, assim, em
organismos poliploides há mais de um conjunto de cromossomos homólogos numa célula. Haploide
significa que há apenas um conjunto cromossômico, diploide apresenta dois, triploide três, e assim
sucessivamente. Quando ocorre a duplicação de genoma de uma espécie dizemos que houve a
formação de autopoliploides. Se ocorrer a duplicação em indivíduos híbridos, que apresentam dois
ou mais genomas distintos, dizemos que houve a formação de alopoliploides.
A hibridização e a poliploidia são importantes fenômenos quando se estuda a evolução das
samambaias e licófitas. Hoje sabe-se que muitas espécies surgiram via hibridização seguida de
poliploidia.
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Fig. 7. Gametófito terrícola e cordiforme. Fotos: A.P. Della.
Fase esporofítica
O esporófito da maioria das licófitas e samambaias é perene, ou seja, vive mais do que um
ano. Não sabemos quantos anos a maioria das espécies pode viver, mas há registros de espécies com
32 até 150 anos. Em regiões tropicais as samambaias crescem lentamente, o que significa que podem
levar anos para se reproduzirem sexuadamente. A morfologia do esporófito é bastante variável, e em
geral, licófitas e samambaias apresentam raízes, caule e folhas (também chamadas de frondes).
Contudo, as licófitas e as samambaias possuem diferenças morfológicas entre si (como comentado
anteriormente). As licófitas apresentam microfilos, que são folhas inteiras, geralmente, menores que
1 cm de comprimento, sésseis, com apenas uma nervura, e um esporângio por microfilo (este
localizado na superfície superior do microfilo). Já as samambaias possuem megafilos, que são folhas
simples ou compostas, sésseis ou pecioladas, com várias nervuras, e numerosos esporângios por folha
(geralmente na face inferior da folha).
As folhas das samambaias são divididas em lâmina (porção geralmente verde e expandida) e
pecíolo (porção alongada e cilíndrica), sendo estas partes ausentes nas licófitas (Fig. 8). A lâmina
pode ser inteira ou parcialmente dividia, em graus crescentes de dissecção até uma lâmina totalmente
composta. A lâmina que apresenta alguns lobos e/ou incisões (as quais chegam a nervura central) é
chamada de pinatissecta, se não chegar a nervura central é considerada pinatífida. Se a lâmina é
completamente dividida até a nervura central ela é chamada pinada, onde cada unidade da lâmina é
uma pina e o eixo entre as pinas é a raque. Se a pina é dividida mais uma vez, a lâmina é bipinada, se
esta se divide mais uma vez, é tripinada e assim sucessivamente.
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Fig. 8. Diferentes formas e dissecções das folhas de samambaias. A: folha inteira, simples. B: folha pinatissecta,
simples. C e D: folha pinada, composta. E: folha pinada-pinatífida. F: folha 2-pinada-pinatífida. Fotos: A.P. Della.
As folhas das samambaias nascem enroladas em uma espiral, ou seja, apresentam venação
circinada, e ao longo do tempo vão se desenrolando gradualmente. A folha jovem (enrolada) das
samambaias é chamada de báculo, pela similaridade do báculo (cajado) dos papas da igreja católica.
Lembrando que essa característica foi perdida na linhagem das licófitas.
O formato da folha também pode variar muito entre os grupos, assim como as nervuras das
folhas, as quais são importantes para identificar algumas famílias. As nervuras podem ser: lineares
(livres ao longo de toda lâmina), furcadas (em forma de Y) ou reticuladas (nervuras unem-se em
aréolas).
Na superfície das folhas, pecíolos ou caule pode haver escamas ou tricomas, ambos de origem
epidérmica. As escamas são estruturas laminares com mais de uma célula de espessura e podem ter
formatos e cores variados. Tricomas são formados por uma célula de espessura e também podem
apresentar cores diversas. Escamas e tricomas podem apresentar glândulas secretoras, com as mais
variadas substâncias químicas, as quais auxiliam na proteção contra herbivoria.
Existem dois tipos de esporângio em licófitas e samambaias: o eusporângio e o
leptoesporângio. O eusporângio é formado a partir da divisão de várias células da epiderme da folha,
e o leptoesporângio é originado a partir de uma única célula epidérmica. O eusporângio está presente
nas licófitas e nas ordens Equisetales, Psilotales, Ophioglossales, Marattiales e parte das Osmundales
(dentro de Polypodiopsida). Já o leptoesporângio é encontrado em alguns grupos de Osmundales e
em todas as outras seis ordens de Polypodiopsida, dessa forma, as samambaias leptoesporangiadas
são muito mais numerosas.
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As folhas podem ser de dois tipos (dimorfas): férteis ou estéreis. As folhas férteis contêm os
soros, conjunto de leptoesporângios, cujo formato e posição são muito importantes para a
identificação dos grupos. Os soros são castanhos quando maduros e podem ter formato arredondado,
cônico, lunar, linear, ou podem ainda recobrir toda a superfície da folha (neste caso o soro é chamado
de acrosticóide). O indúsio é uma membrana epidérmica, frequentemente fina, que recobre parcial ou
totalmente os soros até a maturidade dos esporos, pode estar presente ou ausente, sendo também um
importante caráter taxonômico. O indúsio frequentemente apresenta formato compatível com o soro
(cônico, redondo, em forma de lua, linear, etc.), e tem como função a proteção dos esporângios.
O caule pode ser reptante (quando este é paralelo ao substrato), ou ser ereto (em alguns casos
chegando a formar um “caule” (cáudice) com diâmetro e altura consideráveis, como nas samambaias
arborescentes). Frequentemente, o caule também apresenta escamas e tricomas. As licófitas e
samambaias são plantas herbáceas, uma vez que não apresentam crescimento secundário. São plantas
relativamente pequenas, mas podem chegar a 15 metros, como nas samambaias arborescentes.
Distribuição
As licófitas e samambaias apresentam ampla distribuição geográfica (plantas consideradas
cosmopolitas), ocorrendo desde as tundras geladas, acima do círculo polar ártico, até as florestas
tropicais quentes e úmidas na linha do equador. O número de espécies aumenta no sentido polos para
trópicos (há um gradiente de riqueza), como pode ser visto nesses exemplos: na Groelândia há cerca
de 30 espécies, 100 na Inglaterra, 130 na Flórida, 652 na Guatemala, 1160 na Costa Rica e 1250 no
Equador. Na América do Sul há estimativas de ocorrência de 3500 espécies, e no Brasil 1403, sendo
que grande parte desses táxons, que ocorrem em nosso país, estão na Mata Atlântica e na Amazônia.
Em menor proporção ocorrem nas regiões serranas, nas matas de galeria, nas florestas nebulares e
nas áreas de Cerrado e Caatinga.
Além do maior número de espécies, é na região tropical onde elas apresentam maior
diversidade de formas de vidas, havendo plantas: terrícolas (plantas que nascem e passam todo o
ciclo de vida em contato com o solo), rupícolas (em contato com rochas), epífitas (nunca em contato
com o solo, nascem e passam todo o ciclo de vida em tronco de árvores), hemiepífitas (nascem no
solo, mas crescem subindo em outras plantas, só se reproduzem depois de atingir certa altura) e
aquáticas (todo ciclo de vida flutuando sobre a água).
O calor excessivo pode causar o ressecamento destas plantas, por isso a maioria das espécies
ocorrem em condições microclimáticas de umidade constante, principalmente nas áreas próximas a
cursos de água, como riachos, igarapés e rios. Muitas plantas dessas áreas úmidas são exclusivas
(endêmicas) destes ambientes. No entanto, apesar das licófitas e samambaias atingirem maior
frequência e abundância em florestas úmidas, elas também crescem em habitats secos. Uma das
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regiões secas no norte do México é considerada como um centro de riqueza e de endemismo de certos
grupos, principalmente, da família Pteridaceae. As plantas que ocorrem nessas áreas secas apresentam
adaptações, tais como reprodução somente assexuada (tendo em vista que a sexuada necessita de
água), além de escamas que absorvem umidade, e capacidade de perda de até 95% da água do corpo,
sem causar danos fisiológicos ao organismo.
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As samambaias e licófitas também apresentam galhas, que são estruturas desenvolvidas num
determinado órgão da planta através de hipertrofia e hiperplasia de tecidos, em resposta ao ataque de
organismos indutores, tais como vírus, bactérias, fungos, nematódeos, ácaros ou insetos. As galhas
sempre foram estudadas em angiospermas, mas nas licófitas e samambaias foram subestimadas. No
entanto, estudos recentes tem demonstrado que as galhas são frequentes nesses grupos, e são causadas
principalmente por insetos.
As samambaias influenciam o estabelecimento de Taninos: são uma das
outras plantas no sub-bosque, uma vez que reduzem o nível defesas químicas mais
importantes das plantas, uma
de iluminação existentes sob a copa em até 32%. O solo onde vez que são antifúngicos,
crescem samambaias, em geral, é mais profundo comparado antibacterianos e antivirais,
atuando também contra
com áreas livres de samambaias, o que pode atuar como uma herbívoros.
barreira mecânica para sementes que alcançam o solo e para
as plântulas emergentes.
Além disso, muitas espécies de samambaias podem apresentar compostos tóxicos, que inibem
o estabelecimento de outras plantas, principalmente, no início da sucessão ecológica, atuando, dessa
forma, no controle da estrutura final do dossel de uma área em regeneração. Apesar de muitas vezes
limitar o crescimento de muitas as espécies nesses estágios iniciais, deve-se destacar que a presença
das samambaias em locais perturbados leva a estabilização e o melhoramento das condições
nutricionais do solo.
As famílias Dryopteridaceae e Dennstaedtiaceae são ricas em metabólitos secundários como
terpenos e fenóis, que são compostos tóxicos para a maioria dos mamíferos. Todas as samambaias
com exceção de Ophioglossales tem capacidade de sintetizar taninos. As samambaias apresentam
associações micorrizicas desde o Paleozoico, com as quais formam uma simbiose especializada na
transferência de nutrientes e carbono orgânico.
Conservação
A diversidade de licófitas e samambaiais, assim como de quase todos os organismos presentes
em florestas tropicais, é fortemente ameaçada pelo desmatamento. As espécies que ocorrem no
interior de florestas maduras dificilmente conseguem sobreviver em ambientes alterados, tais como:
pastagens, plantações, e florestas secundárias. Assim, muitos táxons correm o risco de serem extintos.
Na Mata Atlântica, uma grande ameaça às licófitas e samambaias é a redução e fragmentação
dos ambientes florestais. O uso dos solos, antes ocupados por florestas, é histórico, sendo que hoje a
floresta cobre menos de 10% da área original, que existia antes da chegada dos europeus. Muitas
espécies endêmicas desse ecossistema estão fortemente ameaçadas, pois já sofreram uma drástica
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redução no tamanho de suas populações. Aqui vale ressaltar que as licófitas e samambaias são muito
sensíveis às alterações microclimáticas, que ocorrem, nas bordas de matas.
Na Amazônia, essas plantas são ameaçadas Endêmico: compreende uma espécie que
pelo desmatamento, executado principalmente ocorre somente em uma determinada área ou
região geográfica. O endemismo é causado por
pelas atividades agropecuárias e de extração de barreiras físicas, climáticas e biológicas que
madeira. Nos últimos anos também houve a delimitam com eficácia a distribuição de uma
espécie ou provocam sua separação do grupo
queima de vários quilômetros de floresta, por meio original.
de ações não naturais (humanas). A fronteira sul
da Amazônia vem sendo fortemente ameaçada nos últimos anos. Diversos estudos realizados na
Amazônia constaram que as licófitas e samambaias são bons indicadores ecológicos, sendo inclusive
importantes para o planejamento da conservação da biodiversidade desse ecossistema.
É importante também destacar que muitas espécies de samambaias foram introduzidas em
áreas que não ocorreriam naturalmente, e tornaram-se “pregas” nessas áreas. Um exemplo é
Lygodium microphyllum (Cav.) R. Br., planta natural da Ásia, que foi introduzida nos Estados Unidos
como ornamental em jardins. Essa planta escapou dos jardins e se dissipou rapidamente pelo país, em
função da grande capacidade de competição e resistência a condições estressantes.
Importância econômica
Diversas espécies de licófitas e samambaias são usadas em todo o mundo, com diferentes
finalidades, por diferentes populações tradicionais. Na China, é muito comum o emprego de espécies
desses grupos na alimentação, sendo consumido tanto folhas e báculos, quanto rizomas. Há estimativa
de que 50 espécies sejam usadas para essa finalidade nesse país. Nos Estados Unidos, frequentemente
consome-se Matteuccia struthiopteris (L.) Tod, principalmente em saladas.
Em regiões tropicais as samambaias e licófitas podem ser usadas como cosméticos
(desodorante), também como tempero, ou mesmo para usos medicinais e na produção de tintas e
fibras. Na Amazônia, elas são usadas principalmente para fins medicinais, havendo registro de uso
de licófitas e samambaias no tratamento de dor de estômago, diarréia, dor de dente, dores no corpo e
nos rins, gripe, cicatrização de feridas, e inclusive para uso veterinário.
A cavalinha (Equisetum L.) é comumente encontrada em casas de produtos naturais para o
emprego de infusões em problemas renais. Antigamente o talo de Equisetum também era usado para
polir panelas em virtude da alta concentração de sílica. O extrato de E. arvense L. tem sido usado a
fabricação de xampu, o qual é usado no tratamento de dermatites seborreicas.
Extrato de Polypodium leucotomos L., planta que cresce nos Andes entre 700 a 2.500 metros
era usada na medicina popular por suas propriedades anti-inflamatórias cutâneas, bem como
fotoprotetoras prevenindo o fotoenvelhecimento. Hoje ainda usamos extratos de P. leucotomos como
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protetor solar na forma de cápsulas. Selaginella denticulata (L.) Spring. era usada como anti-
helmíntico. Botrychium lumaria (L.) Swartz., segundo os alquimistas, era capaz de coalhar o
mercúrio, além de apresentar propriedades afrodisíacas em gado bovino. Asplenium trichomanes L.
era usado para afecções do baço e do fígado, Asplenium ruta-muraria Michx. para curar problemas
de baço, rins e peito, Asplenium scolopendrium L. como diurético e expectorante, e Lycopodium
clavatum L. para combater catarros e inflamações das vias urinárias. Cyathea medullaris G. Forst,
conhecida na Nova Zelândia como Mamaku, tem ação de ativar os queratinócitos e a divisão celular,
o que reflete no aumento do número de células na derme. Huperzia selago (L.) Bernh é uma planta
muito venenosa para humanos pela sua alta concentração de alcolóides, e para animais tem
capacidade de liberar parasitas. Um alcalóide extraído de Huperzia serrata (Thunb.) Trevis. é usado
no controle da epilepsia.
O gênero Pteridium Gled. ex Scop., que apresenta ampla distribuição mundial, é
frequentemente consumido (principalmente os báculos) por chineses, japoneses e brasileiros (em
Minas Gerais). Contudo, o consumo excessivo de plantas desse gênero aumenta o risco de câncer de
estômago em humanos, e intoxicação no gado.
Samambaias também são utilizadas para fitorremediação, ou seja, para descontaminação de
ambientes naturais, poluídos por substâncias químicas e/ou metais pesados. Pteris vittata L. é uma
espécie com grande potencial fitorremediador. Essa planta usa mecanismos de evasão ou exclusão,
os quais minimizam a incorporação dos metais pela célula. Assim, através de processos de
detoxificação intracelular, compartimentalização ou biotransformação, a planta consegue sobreviver
na presença de elevada concentração do metal.
Recentemente, tem-se discutido o potencial de algumas proteínas extraídas de samambaias
serem usadas no tratamento contra o câncer.
As samambaias também apresentam grande potencial ornamental, sendo as mais utilizadas
em jardinagem e paisagismo as espécies dos gêneros: Adiantum L. (avencas), Cyathea Sm.
(samambaiaçu), Dicksonia L'Hér. (xaxim-bugio), Davallia Sm. (renda-portuguesa), Platycerium
Desv. (chifre-de-veado), Nephrolepis Schott (samambaia-de-metro) e Selaginella P. Beauv.
(erroneamente chamado de musgo). As samambaias aquáticas Salvinia Ség., Azolla Lam.
(samambaia-mosquito) e Marsilea Adans. (trevo-de-quatro-folhas) são usadas em aquários ou em
lagoas. O caule da Dicksonia sellowiana Hook., planta nativa da Mata Atlântica, já foi muito utilizado
como substrato para cultivo de orquídeas, pela capacidade de retenção de água, no entanto, em virtude
da intensa exploração comercial, atualmente essa planta é ameaçada de extinção. As folhas de
Rumohra adiantiformis (G. Forst.) Ching têm sido vendidas há muito tempo para a produção de
arranjos e buquês de flores no Brasil e na África do Sul.
21
A samambaia mais utilizada comercialmente é a Azolla, uma planta pequena, aquática,
flutuante, que se reproduz rapidamente por meio de propagação vegetativa. Plantas desse gênero
possuem simbiose com uma cianobactéria, Anabaena azollae Strasb., que fixa nitrogênio em troca de
proteção e abrigo. Ao longo dos últimos 1000 anos, e até os dias atuais, a Azolla é cultivada em
campos de arroz no sudeste asiático para incremento de nitrogênio nos cultivares. Ela é cultivada nos
campos inundados, onde chega a recobrir toda a superfície e após a drenagem dos campos a
samambaia é retida para ser incorporada ao solo. Posteriormente, o arroz é plantado, dessa forma todo
o nitrogênio será fornecido ao cultivar (através da samambaia) sem a necessidade de adubação
química. O uso da Azolla reduz o número de fertilizantes nitrogenados químicos.
Do ponto de vista nutritivo, as prefoliações (folhas jovens e báculos) são uma ótima fonte de
vitaminas A e C, sendo o conteúdo total de vitaminas muito similar ao conhecido para a batata inglesa.
Nas folhas maduras também se verifica uma grande quantidade de vitaminas A e C. Há grande
quantidade de amido na raque e na lâmina, o qual pode ser utilizado para a produção de farinha, e
posteriormente, para a confecção de pães sem fermento.
As samambaias e licófitas também podem ser usadas como indicadores ecológicos, indicando
contaminação do solo, água e ar, regeneração/restauração de ecossistemas, mudanças climáticas,
integridade ambiental, perturbação, bem como ser usadas como indicadoras para a classificação de
vegetação, solos e ecossistemas.
E a título de curiosidade, grande parte do petróleo e carvão do hemisfério norte é resultado da
decomposição das grandes florestas de licófitas e samambaias do período Carbonífero. Então, de
forma indireta estamos fazendo uso dessas plantas.
Conclusões
Licófitas e samambaias são dois grupos filogeneticamente distintos, que tradicionalmente são
tratadas pelo termo “pteridófita”. São plantas vasculares, que apresentam ciclo de vida diplobionte
(alterância de gerações), com fase esporofítica dominante sobre a gametofítica. Foram grupos
diversos e predominantes em todos os ecossistemas terrestres do período Carbonífero ao Triássico.
Atualmente apresentam cerca de 12 mil espécies, ocorrentes em praticamente todo o globo, sendo,
no entanto, a região tropical a mais diversa. A maioria das espécies de licófitas e samambaias que
vemos atualmente são plantas muito recentes (pertencem a ordem Polypodiales, originadas
principalmente no Cenozóico), as quais apresentam morfologia muito variada, principalmente,
quanto as secções da lâmina foliar. Essa morfologia laminar atrai muita atenção (pela sua beleza), por
isso são plantas muito usadas como ornamentais. Hoje, no entanto, com o desmatamento
descontrolado, queimadas e fragmentação de habitats há um grande risco de muitas dessas espécies
serem extintas, principalmente, plantas endêmicas.
22
Referências
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24
CAPÍTULO 2
As angiospermas, ou plantas com flores, são a maior parte das plantas atualmente viventes do
nosso planeta. Com cerca de 300 mil espécies, elas são as árvores, arbustos, gramas, cactos,
palmeiras, plantas insetívoras, estão nas florestas, nos jardins e nas plantações, e são as frutas e
verduras que consumimos. Em qualquer lugar em que estejamos, as plantas com flores certamente
estarão por lá.
Se observarmos sua história evolutiva, as angiospermas são um grupo de plantas com
sementes com características que as tornam únicas se comparadas às outras plantas. Essas
características são as sinapomorfias, ou seja, características que evolutivamente são compartilhadas
pelos membros da linhagem, por exemplo: endosperma com dupla fertilização, flores, frutos e
gametófito feminino reduzido. Geralmente quando comemos um fruto carnoso, estamos nos
alimentando do tecido do ovário desenvolvido. Já quando nos alimentamos de uma semente, por
exemplo, a castanha-do-pará, Bertholletia excelsa Bonpl. (Lecythidaceae), estamos nos alimentando
do tecido de reserva resultante do megagametófito feminino fecundado, o endosperma. A flor,
geralmente com perianto, estames e pistilos, apresenta muitas vezes a função de atração de
polinizadores, os quais são atraídos por recursos disponíveis nas flores (por exemplo: néctar, pólen e
óleo) e garantem o transporte de pólen e a reprodução das espécies. O fruto envolvendo a semente
pode fornecer proteção e auxiliar no processo de dispersão.
25
microsporogênese, microgametogênese, megasporogênese, megagametogênese, dupla fecundação e
formação da semente.
As células reprodutivas são formadas a partir da microsporogênese e megasporogênese no
interior da antera e do ovário, respectivamente. A antera, formada inicialmente por uma massa de
células diferenciadas apenas da epiderme, diferencia-se em quatro grupos de células férteis
(esporógenas) rodeadas por células estéreis. As células estéreis desenvolvem-se na parede do saco
polínico e sua camada mais interna (tapete) possui uma função nutritiva para os micrósporos em
desenvolvimento. As esporógenas tornam-se microsporócitos (diploides), os quais sofrem meiose, e
dão origem a uma tétrade de micrósporos (haploides). Finalmente, a microsporogênese se finaliza
com a formação dos micrósporos individuais (grão de pólen). Os grãos de pólen desenvolvem uma
parede externa resistente formada por esporopolenina (exina) e uma interna, formada por celulose e
pectina (intina). A microgametogênese ocorre a partir da mitose do micrósporo uninucleado. Este
processo é responsável por formar a célula do tubo e a célula geradora.
Paralelamente, a megasporogênese ocorre no interior do óvulo (megasporângio), que consiste
de uma haste (funículo) sustentando um núcleo. O núcleo é envolvido por duas camadas
(tegumentos), se expondo em apenas uma pequena região (micrópila). Nas etapas iniciais da
megasporogênese, um único megasporócito (diploide) se origina e, em seguida, sofre meiose,
formando quatro megásporos (haploides). Os três megásporos mais próximos da micrópila se
desintegram, e o mais afastado se desenvolve no megagametófito e inicia seu crescimento. O núcleo
deste megásporo funcional passa por três mitoses consecutivas, e ao final, os oito núcleos se
organizam em dois grupos opostos, um grupo próximo à micrópila e outro oposto, ocorrendo na
região chalazal. Em seguida, um núcleo de cada grupo migra para o centro do megásporo, formando
os núcleos polares. Após este rearranjo, os núcleos da região próxima à micrópila passam a consistir
em uma célula-ovo (oosfera) e duas sinérgides, e do outro lado, as células antípodas. A região que
contém os oito núcleos em sete células denomina-se saco embrionário (gametófito feminino) (Fig.
1).
Após a deiscência das anteras, os grãos de pólen são transportados aos estigmas (polinização),
e em seguida se hidratam ao tocar a superfície estigmática resultando em sua germinação. A
germinação do grão de pólen dá origem ao tubo polínico, o qual é o gametófito masculino.
Comumente esse tubo acessa o óvulo através da micrópila e penetra uma das sinérgides. Em seguida,
um núcleo espermático migra pelo tubo e penetra a oosfera e um segundo se une com a célula central.
Este processo é denominado dupla fecundação, ocorrendo apenas nas angiospermas e em alguns
representantes de Gnetophyta. Nas angiospermas, os dois núcleos polares fundem-se com as células
do megagametófito, um deles une-se com a oosfera formando um zigoto diploide e outro com os
núcleos polares, resultando em um endosperma frequentemente triploide. Finalmente, o zigoto
26
desenvolve-se em embrião, o núcleo primário do endosperma divide-se formando o endosperma, a
parede do ovário e estruturas associadas originam o fruto, e os tegumentos se desenvolvem em
envoltório da semente (Fig. 1).
Origem
Os primeiros fósseis atribuídos às Angiospermas são grãos de pólen com cerca de 135 milhões
de anos e o primeiro fóssil com todas as partes identificáveis (i.e. folhas, ramos e flores) é estimado
em cerca de 125 milhões de anos, no Cretáceo Inferior, sendo essa planta denominada Archaefructus
sinensis Sun (Fig. 2). Apesar disso, estudos mais recentes utilizando datação molecular de filogenias
27
estimam o surgimento das Angiospermas para períodos anteriores, a partir do Jurássico (anterior a
145 milhões de anos).
No Cretáceo Médio, muitas das principais linhagens de Angiospermas aparecem no registro
fóssil, sendo que mais para o final do Cretáceo ocorreu uma diversificação ainda maior. Nesse
período, as Angiospermas tornaram-se as plantas dominantes em muitos ambientes terrestres. Esse
aumento da diversidade tem evidência no registro fóssil e, além disso, essa diversificação ocorreu
rapidamente, ou seja, muitos registros apareceram após os primeiros fósseis. Esse fato chamou a
atenção de Charles Darwin, quem considerou esse um “mistério abominável”: Como um grupo
poderia ter um aumento tão grande de diversidade em tão pouco tempo? Isso o levou a hipotetizar a
existência de eventos anteriores ao Cretáceo que tenham culminado nesse aumento da diversificação
das plantas com flores, incluindo a hipótese de coevolução com animais polinizadores.
Como as Gimnospermas, as primeiras Angiospermas produzem pólen com uma única abertura
(monoaperturado), como ainda se encontra hoje entre nas Angiospermas Basais e nas
Monocotiledôneas, as Eudicotiledôneas, por sua vez, apresentam um grão de pólen com três aberturas
ou tricolpado, sendo essa uma sinapomorfia desse grupo. Para explicar a morfologia das primeiras
flores, foram formuladas algumas hipóteses, dentre elas a Teoria Pseudantial e a Teoria Euantial ou
Antostrobilar. Na primeira, a hipótese é de que as primeiras flores seriam de tamanho reduzido,
unissexuais (flores masculinas e flores femininas separadas) e anemófilas (polinizadas pelo vento),
enquanto para a segunda hipótese, as flores seriam grandes, hermafroditas e entomófilas (polinizadas
por insetos). Por muito tempo a Teoria Pseudantial era a mais aceita, mas isso mudou recentemente
com um estudo que reconstruiu a possível morfologia da flor do ancestral de todas as Angiospermas.
Neste estudo, foi apresentado que as primeiras flores deviam ser grandes, hermafroditas, com
inúmeras tépalas, estames e carpelos, muito similares às flores das ninféias (Nympheaceae -
Angiospermas Basais), concordando a Teoria Euantial (Fig. 2).
28
Fig. 2. As primeiras Angiospermas. A: ilustração e foto do Archaefructus sinensis (modificado de Taylor et al. 2009 e
Erbar 2007). B: Diagrama floral e ilustração esquemática da flor ancestral das Angiospermas. Fonte: Adaptado de
Sauquet et al. 2017.
29
Fig. 3. Esquema de uma flor e suas partes morfológicas. Fonte: Elaborada por A. Frazão.
Como veremos neste capítulo, a diversidade morfológica das flores é muito grande. A
diversidade de formas, cores, tamanhos, odores, entre outros está associada, possivelmente, à
evolução das Angiospermas em resposta às pressões seletivas de transferência de pólen, a polinização.
A transferência de pólen por animais parece ser uma caraterística já existente no ancestral de todas
as Angiospermas, e além disso, a polinização em outras Espermatófitas é predominantemente
anemófila (polinização pelo vento). Inúmeros mecanismos de polinização mediada por animais
(Zoofilia) surgiram nas diferentes linhagens e podem caracterizar vários grupos de Angiospermas.
No entanto, muitos grupos apresentam flores com tamanhos reduzidos ou até mesmo perda de
estruturas do perianto, essas são frequentemente polinizadas pelo vento ou pela água (Fig. 4).
30
Fig. 4. Diferenças morfológicas das angiospermas e sua síndrome de polinização. A: Sapromiofilia (polinização por
moscas) Aristolochia gigantea Mart. & Zucc. (Aristolochiaceae). B-C: Ornitofilia (polinização por pássaros) B:
Heliconia rostrata Ruiz & Pav. (Heliconiaceae), C: Salvia guaranitica A.St.-Hil. ex Benth. (Lamiaceae). D:
Anemofilia (polinização pelo vento) Rhynchospora speciosa (Kunth) Boeckeler (Cyperaceae). E-F: Melitofilia
(polinização por abelhas) E: Anemopaegma prostratum DC. (Bignoniaceae), F: Leptostelma maximum D.Don
(Asteraceae). G: Cantarofilia (polinização por besouros) Couroupita guianensis Aubl. (Lecythidaceae). H:
Quiropterofilia (polinização por morcegos) Triania sp. (Solanaceae). Fonte das Fotos: A-G: D. Zavatin, H: N.
Muchhala.
Fig. 5. Diversidade relativa das plantas terrestres (Embriófitas). Fonte: Adaptada de Crepet & Niklas 2009.
31
Box 1: A Genética das Flores
A variação morfológica das flores tem uma assinatura genética associada ao seu desenvolvimento. Ao longo dos
anos, os pesquisadores, por meio de estudos de desenvolvimento e evolução, usando a planta modelo Arabidopsis
thaliana (L.) Heynh., conseguiram compilar um modelo de genes associados ao desenvolvimento das partes
florais, o modelo ABC (Fig. 6). Neste modelo, os genes estão organizados em classes do tipo A, B e C e,
combinados, produzem os quatro principais órgãos florais, as sépalas, pétalas, estames e carpelos. De acordo com
este modelo, sépalas são expressas pela atividade dos genes da classe A; as pétalas pela combinação da atividade
de genes das classes A e B; enquanto os estames pela combinação das classes B e C, e carpelos pela atividade
somente de genes da classe C. Além das atividades desses genes e suas combinações, genes da classe chamada
SEPALLATA são necessários em combinação com aqueles das classes A, B e C para determinar apropriadamente
a identidade dos órgãos florais. Cada um desses genes é expresso em locais específicos no primórdio floral ao
qual determinarão a identidade das peças florais específicas, ou seja, na periferia do primórdio serão expressos os
genes que formarão o cálice, internamente os que formarão das pétalas, e ainda mais internamente, os que
formarão o androceu e gineceu. As diferentes combinações das atividades desses genes trazem uma variação
observada nas flores das Angiospermas. Por isso, estudos que buscam compreender como essas interações
acontecem e qual o é seu resultado, são cruciais para o melhor entendimento da base molecular relacionada à
homologia de estruturas e dos mecanismos de evolução que influenciaram no surgimento dessa alta diversidade
de flores existentes atualmente.
Fig. 6. Esquema do modelo ABC de desenvolvimento das flores. Fonte: Elaborada por A. Frazão.
32
insetívoras, as quais habitam solos pobres e conseguem parte dos seus nutrientes digerindo pequenos
animais.
Quanto ao hábito, as Angiospermas apresentam enorme variação, podendo ser árvores com
até c. 100 metros de altura, como uma espécie de Eucalipto (Myrtaceae), na Tasmânia, até ervas
aquáticas do gênero Wolffia (Lemnaceae) com menos de 1 milímetro; são também arbustos,
escandentes ou eretos; trepadeiras herbáceas ou lenhosas, conhecidas como lianas; arvoretas ou
subarbustos. Ainda, podem ser perenes ou efêmeras, existindo grande quantidade de ervas anuais ou
bianuais que após a floração e frutificação logo perecem.
Fig. 7. Diferentes hábitos e habitats das Angiospermas. A: Terrestre (Ruellia makoyana Hort.Makoy ex Closon,
Acanthaceae). B: Aquático (Nymphaea sp., Nymphaeaceae) C: Rupícola (Acianthera teres (Lindl.) Luer, Orchidaceae)
D: Epífita (Cattleya violacea Berr, Orchidaceae) E: Parasita (Phoradendron quadrangulare (Kunth) Griseb.,
Santalaceae) F: Insetívora (Pinguicula sp., Lentibulariaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.
Filogenia
As Angiospermas foram classificadas classicamente em dois grandes grupos, as
Monocotiledôneas e as Dicotiledôneas, as quais eram caracterizadas, principalmente, pelo número de
cotilédones nas sementes. Atualmente, essa classificação não é mais adotada, dado que, o estado de
caráter “dois cotilédones nas sementes” são compartilhados por todas as Espermatófitas, com exceção
das Monocotiledôneas. Portanto, essa é uma característica simplesiomórfica e o grupo
“Dicotiledôneas” não constitui uma linhagem (ou seja, não é monofilético). A classificação mais atual
das Angiospermas segue o Angiosperm Phylogeny Group IV (APG IV 2016) onde normalmente são
tratadas em quatro grandes grupos: Grado ANA, Magnoliídeas, Monocotiledôneas e
Eudicotiledôneas (Fig.8) e Tabela 1. O posicionamento das ordens Chloranthales e Ceratophyllales
ainda é incerto, pois estes grupos têm aparecido em diferentes posicionamentos em trabalhos recentes.
33
Com exceção do Grado ANA, esses três grandes grupos são sustentados por sinapomorfias
moleculares e morfológicas.
Fig. 8. Principais linhagens das Angiospermas: Grado ANA, Magnoliídeas, Monocotiledôneas, Eudicotiledôneas.
Fonte: APG IV 2016, modificado.
Fig. 9. A: Gametófito feminino com 4 núcleos (2 Sinérgides + 1 Oosfera + 1 Núcleo polar) presente em
Austrobaileyales e Nymphaeales. B: Gametófito feminino com 8 núcleos (2 Sinérgides + 1 Oosfera + 2 Núcleos polares
+ 3 Antípodas) presentes em todas as angiospermas com exceção do grado ANA. C: Gametófito feminino com 8
núcleos (3 Sinérgides + 1 Oosfera + 2 Núcleos polares + 3 Antípodas) presentes em Amborellales. Sinérgides:
representados em vermelho; oosfera: representados em amarelo, antípodas: representados em marrom, núcleos polares:
representados em azul. cc: célula central; pn : núcleos polares. Fonte: Friedman & Ryerson 2009, adaptado.
34
A ordem Amborellales apresenta uma única família, Amborellaceae, e uma única espécie
Amborella trichopoda Baill. Essa espécie é lenhosa e apresenta somente traqueídes no xilema. Os
indivíduos são dioicos e suas flores unissexuadas, apresentam tépalas espiraladas e o grão de pólen é
monoaperturado. A ordem Nymphaeales apresenta 3 famílias, 6 gêneros e 74 espécie. A família mais
diversa do grupo é Nymphaeaceae com 54 espécies. Essas são amplamente distribuídas e ocorrem
em águas doces (lagos, lagoas e represas). Uma importante representante brasileira dessa família é a
vitória-régia, Victoria amazonica (Poepp.) J.C.Sowerby. Essa família apresenta folhas grandes, flores
polímeras (Fig. 10), não apresenta câmbio e possui endosperma diplóide 2n. A ordem
Austrobaileyales apresenta três famílias, cinco gêneros e 100 espécies. Nessa ordem todas as espécies
apresentam elementos de vaso com placas de perfuração escalariformes. Um representante conhecido
dessa ordem é o Anis estrelado (Illicium verum Hook.f.), da família Illiciaceae.
Fig. 10. A-B: Folhas de Victoria amazonica (Poepp.) J.E.Sowerby. C: Folhas e flores de Nymphaea sp. Fonte: Fotos A,
B: D. Zavatin, C: A. Frazão.
O grupo das Magnoliídeas (Fig. 11) é monofilético e é formado por quatro ordens:
Magnoliales, Laurales, Piperales e Canellales, 20 famílias e cerca de 10.000 espécies. Além disso, é
possível destacar os alcalóides benzilisoquinolínicos como uma possível sinapomorfia do grupo. A
ordem Magnoliales é formada por seis famílias, Annonaceae, Degeneriaceae, Eupomatiaceae,
Himantandraceae, Magnoliaceae e Myristicaceae e cerca de. 2.820 espécies. Além disso, podemos
destacar como características desse grupo os receptáculos alongados, androceu e gineceu
normalmente espiralados, embrião diminuto e endosperma abundante. A ordem Laurales é formada
por sete famílias, Atherospermataceae, Calycanthaceae; Gomortegaceae, Hernandiaceae, Lauraceae,
Monimiaceae e Siparunaceae, compreendendo cerca de 2.800 espécies. Essa ordem pode ser
reconhecida pela presença de nós dos traços foliares unilacunares, folhas opostas e presença de
hipanto. São exemplos de espécies dessa ordem o abacate (Persea americana Mill.) e a canela
(Cinnamomum verum J.Presl.), da família Lauraceae, o boldo chileno (Peumus boldus Molina), da
família Monimiaceae e as espécies ornamentais do gênero Calycanthus L., da família Calycanthaceae.
A ordem Piperales é formada por quatro famílias: Aristolochiaceae, Hydnoraceae, Piperaceae
e Saururaceae e cerca de 4.090 espécies. Essa ordem apresenta como características, um câmbio com
35
baixa atividade e folhas cordiformes. São exemplos dessa ordem as espécies de Aristolochia, da
família Aristolochiaceae com suas peculiares flores, popularmente conhecidas como jarrinha, cipó
mil-homens, milome ou papo-de-peru, as espécies ornamentais do gênero Peperomia, da família
Piperaceae e o pari-paroba (Piper umbellatum L.) e a pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), também
da mesma família. A ordem Canellales é formada por duas famílias: Canellaceae e Winteraceae e
cerca de 90 espécies. Esse grupo possui como sinapomorfias estames espirais, tecido transmissor do
tubo polínico bem diferenciado, tegumento externo com apenas duas camadas de células e exotesta
paliçada. Dentre as espécies mais conhecidas do grupo estão a casca-de-anta (Drimys winteri
J.R.Forst. & G.Forst.), utilizada como ornamental e medicinal.
Fig. 11. Diversidade das Magnoliídeas. A - Guatteria sellowiana Schltdl. (Annonaceae). B - Magnolia sp.
(Magnoliaceae) C - Drymis sp. (Winteraceae). D - Mollinedia schottiana (Spreng.) Perkins (Monimiaceae). Fonte:
Fotos A, C, D: D. Zavatin, B: C. Ulloa.
36
labelo, ginostêmio, pólens agrupados em polínias e raízes do tipo velame (Fig. 12). Podemos destacar
o uso dessa família como planta ornamental, por exemplo o gênero Cattleya Lindl. e a baunilha
(Vanilla spp.), muito usada na culinária.
Fig. 12. Diversidade de Orchidaceae: A - Prosthechea sp. B - Bifrenaria aureofulva (Hook.) Lindl. C - Cattleya
elongata Barb.Rodr. D - Vanda sp. Fonte: Fotos de D. Zavatin.
Fig. 13. A: Dyckia sp. (Bromeliaceae). B: Aechmea bromeliifolia (Rudge) Baker (Bromeliaceae). C: Bulbostylis sp.
(Cyperaceae). D: Gynerium sagittatum (Aubl.) P.Beauv. (Poaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.
38
metabolismo CAM; as Caryophyllaceae, com quase 2.400 espécies.; e Droseraceae, com 110 espécies
de plantas insetívoras, muitas delas amplamente cultivadas (Fig. 15).
Fig. 14. Principais linhagens e ordens das Rosídeas: Malvídeas e Fabídeas. Fonte: APG IV 2016.
Fig. 15. Diversidade de Caryophyllales. A: Pilosocereus sp. (Cactaceae). B: Echinopsis atacamensis (Phil.) H.Friedrich
& G.D.Rowley. C: Schlumbergera russelliana (Hook.) Britton & Rose. D: Drosera spirocalyx Rivadavia & Gonella.
Fontes: Fotos de D. Zavatin.
Dentre as Rosídeas, destacam-se dois grandes grupos: as Fabídeas e as Malvídeas (Fig. 14).
As Malvídeas são compostas por oito ordens, das quais destacam-se as ordens Myrtales, Sapindales,
Brassicales e Malvales. Dentre as Myrtales, a qual possui como provável sinapomorfia a presença de
ovário ínfero, destacam-se as famílias Myrtaceae, com cerca de 5.900 espécies e grande importância
madeireira, devido ao gênero Eucalyptus, e alimentícia, com diversos representantes com frutos
carnosos como a goiaba (Psidium guajava L.), as jabuticabas (Plinia spp.) e a pitanga (Eugenia
uniflora L.); e Melastomataceae, com cerca de 5.000 espécies e enorme representatividade nos
biomas neotropicais. Dentre as Sapindales, as quais possuem em geral interessantes compostos
secundários, destacam-se Rutaceae, a família do limão e da laranja (Citrus spp.) com cerca de 1.900
espécies; Anacardiaceae, a família da manga (Mangifera indica L.) e do caju (Anacardium
39
occidentale L.), com cerca de 900 espécies e Sapindaceae, a família do guaraná (Paullinia cupana
Kunth) e da lichia (Litchi chinensis Sonn.), com cerca de 1.900 espécies. Dentre as Brassicales,
geralmente com representantes com compostos secundários glucosinolatos, destaca-se Brassicaceae,
a família do Brócolis, da couve-de-bruxelas, do repolho (diferentes cultivares de Brassica oleracea
L.) e a mostarda (Brassica nigra (L.) W.D.J.Koch), com cerca de 4.000 espécies. E dentre as
Malvales, ordem com sinapomorfias químicas e anatômicas, destaca-se Malvaceae, família do
cacaueiro (Theobroma cacao L.) e do algodão (Gossypium spp.) com cerca de 4.300 espécie (Fig.
16).
Fig. 16. Diversidade das Malvídeas. A: Syzygium malaccense (L.) Merr. & L.M.Perry (Myrtaceae). B: Pilocarpus
pennatifolius Lem. (Rutaceae). C: Anacardium occidentale L. (Anacardiaceae). D: Serjania sp. (Sapindaceae). E:
Ornithogalum caudatum Aiton (Asparagaceae). F: Luehea grandiflora Mart. (Malvaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.
As Fabídeas são compostas por oito ordens, dentre as quais destacam-se as Cucurbitales,
Fabales, Malpighiales e Rosales (Fig. 17). Dentro das Fabídeas, o clado formado por Cucurbitales,
Fabales, Fagales e Malpighiales é reconhecido como Clado Fixador de Nitrogênio, já que congrega
diversos representantes com associação com bactérias nas raízes capazes de fixar nitrogênio,
característica a qual possui enorme importância ecológica e econômica. As Cucurbitales incluem oito
famílias, dentre as quais destacam-se Begoniaceae, com cerca de 1.900 espécies e diversos
representantes ornamentais dentro do gênero Begonia, e Cucurbitaceae, a família do pepino (Cucumis
sativa L.), do melão (Cucumis melo L.) e da melancia (Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai),
com c. 1.000 spp. distribuídas principalmente em regiões tropicais. As Fabales incluem quatro
40
famílias, dentre as quais destaca-se Fabaceae, com cerca de 19.500 espécies. e enorme importância
econômica e ecológica, sendo a família mais diversa em uma grande variedade de biomas no planeta.
A ordem Malpighiales, sustentada por dados moleculares, inclui 36 famílias dentre as quais destaca-
se Euphorbiaceae e Malpighiaceae, sendo também significativas Clusiaceae, Chrysobalanaceae,
Erythroxylaceae, Hypericaceae e Passifloraceae. Euphorbiaceae, família caracterizada pela presença
de flores unissexuais, gineceu tricarpelar e presença de látex, possui cerca de 7.000 espécies, entre as
quais encontram-se a seringueira (Hevea brasiliensis (Willd. ex A.Juss.) Müll.Arg.), a mandioca
(Manihot esculenta Crantz) e a mamona (Ricinus communis L.). Malpighiaceae, a família da acerola
(Malpighia glabra L.) é representada por cerca de 1.250 espécies, com grande importância ecológica
em biomas tropicais e subtropicais dos Trópicos, principalmente na América do Sul. E a ordem
Rosales, a qual inclui nove famílias, dentre as quais destaca-se a família Rosaceae. Entre as Rosales,
está incluído também o clado Urticoide, formado pelas famílias Cannabaceae (família da maconha,
também conhecida como cânhamo, Cannabis spp.), Moraceae (família das figueiras, Ficus spp.),
Ulmaceae e Urticaceae (família das urtigas Urtica spp.), o qual é caracterizado por flores unissexuais
reduzidas e polinizadas pelo vento (Fig. 17).
Fig. 17. Diversidade das Fabídeas. A: Trichosanthes cucumerina Buch.-Ham. ex Wall. (Cucurbitaceae). B: Euphorbia
sipolisii N.E.Br. (Euphorbiaceae). C: Malpighia aquifolia L. (Malpighiaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.
As Asterídeas, por sua vez, também são divididas em dois grandes grupos monofiléticos, as
Lamiídeas (ou Asterídeas I) e as Campanulídeas (Asterídeas II) (Fig. 18), sendo o primeiro
caracterizado pela presença de nós unilaculanares, presença de disco nectarífero, flores relativamente
grandes e gamopetalia tardia, enquanto as Campanulídeas são caracterizadas pela gamopetalia
precoce, perda de iridóides (metabólitos secundários que tem como principal função a proteção contra
herbivoria), corola com prefloração valvar, flores reduzidas e sementes com endosperma abundante.
Ainda, dentre as Asterídeas, há Ericales, grupo irmão do clado formado por Lamiídeas e
41
Campanulídeas (Fig. 18), uma ordem com 22 famílias, dentre as quais destacam-se Ericaceae, com
cerca de 4.200 espécies distribuídas principalmente em solos ácidos e regiões temperadas ou
montanhosas, e Theaceae, com com 200 espécies, família da Camellia sinensis (L.) Kuntze, espécie
utilizada para produção do chá-verde, chá-branco, chá-preto, entre outros (Fig. 19).
Fig. 18. Principais linhagens e Ordens das Asterídeas: Campanulídeas e Lamiídeas. Fonte: APG IV 2016, modificado.
Fig. 19. Diversidade das Ericales. A: Laplacea fruticosa (Schrad.) Kobuski (Theaceae). B: Camellia japonica Wall.
(Theaceae). C: Gaylussacia reticulata Mart. ex Meisn. (Ericaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.
As Lamiídeas são compostas por oito ordens, dentre as quais destacam-se Gentianales,
Lamiales e Solanales (Fig. 18). Gentianales é caracterizada por representantes geralmente com
estípulas, folhas opostas e corola com prefloração imbricativa contorta (na qual cada pétala é
sobreposta e sobrepõe uma outra pétala). Dentre as cinco famílias da ordem, destacam-se
Apocynaceae, com c. 4.600 spp. e distribuição majoritariamente tropical, e Rubiaceae, família do
café (Coffea spp.) com cerca de 13.500 espécies, caracterizada pelas folhas simples, opostas com
42
estípulas interpeciolares e ovário ínfero. Lamiales inclui grande diversidade de espécies, as quais
estão distribuídas em 23–25 famílias caracterizadas por folhas opostas, flores zigomorfas, geralmente
bilabiadas, corola com prefloração imbricativa imbricada, estames em número menor ao número de
pétalas e presença de oligossacarídeos (substituindo o amido). Dentre as famílias da ordem, destacam-
se Acanthaceae, com cerca de 4.300 espécies com diversos representantes cultivados como plantas
ornamentais; Bignoniaceae, a família dos ipês (Tabebuia spp., Handroanthus spp.) e das carobas
(Jacaranda spp.), com cerca de 800 espécie; Lamiaceae, família com diversos representantes com
óleos essências e dessa maneira aromáticos, sendo muito utilizados como condimentos (lavanda,
Lavandula spp., orégano, Origanum vulgare L., manjericão, Ocimum basilicum L., sálvia, Salvia
officinalis L., alecrim, Rosmarinus officinalis L. ou plantas medicinais (e.g. patchouli, Pogostemon
cablin (Blanco) Benth.), com cerca de 7.300 espécies, a maior parte com a corola fortemente
bilabiada; Gesneriaceae, com cerca de 3.400 espécies e diversos representantes cultivados como
plantas ornamentais, como por exemplo o peixinho (Nematanthus spp.); Lentibulariaceae, com cerca
de 350 espécies de plantas com folhas modificadas para a captura de insetos; Scrophulariaceae,
família com cerca de 1.900 espécies e Verbenaceae, com cerca de 1.000 espécies e diversos
representantes ornamentais como o pingo-de-ouro (Duranta erecta L.) ou o camará (Lantana camara
L.). Por fim, a ordem Solanales, caracterizada pela presença de alcalóides tropânicos e composta por
cinco famílias, das quais destacam-se Convolvulaceae, família da batata-doce (Ipomoea batatas (L.)
Lam.), com 1.900 espécies e Solanaceae, família da batata (Solanum tuberosum L.) e do tomate
(Solanum lycopersicum L.), com cerca de 2.300 espécies.
As Campanulídeas são compostas por sete ordens, dentre as quais destacam-se Aquifoliales,
Apiales e Asterales. Aquifoliales inclui cinco famílias, destacando-se Aquifoliaceae, família da erva-
mate (Ilex paraguariensis A.St.-Hil.) com cerca de 500 espécies; Apiales inclui sete famílias,
destacando-se Apiaceae, família de cenoura (Daucus carota L.) com cerca de 3.800 espécies e
Araliaceae, família da cheflera (e.g. Heptapleurum arboricola Hayata) com cerca de 1.500 espécies;
e Asterales, com 11 famílias, das quais destacam-se Asteraceae, caracterizada pelas inflorescências
em capítulos e uma das maiores riquezas de plantas com cerca de 20.000 espécies., incluindo
membros amplamente cultivados como o alface (Lactuca sativa L.) e o girassol (Helianthus annuus
L.) e Campanulaceae, família pantropical com cerca de 2.300 espécies (Fig. 20).
43
Fig. 20. Diversidade das Asterídeas. A - Coffea arabica L. (Rubiaceae). B - Pyrostegia venusta (Ker Gawl.) Miers.
(Bignoniaceae). C - Hyptis comaroides (Briq.) Harley & J.F.B.Pastore. (Lamiaceae). D - Nematanthus sp.
(Gesneriaceae). E - Nicotiana langsdorfii Weinm. (Solanaceae). F - Cichorium intybus L. (Asteraceae). Fonte: Fotos A,
B. E, F: D. Zavatin; C, D: G. Antar.
Tabela 1. Principais características dos grandes grupos: Grado ANA; Magnoliídeas; Monocotiledôneas e
Eudicotiledôneas.
câmbio presente ou presente (pode ter ausente presente (pode presente (pode ter
ausente baixa atividade) ter baixa baixa atividade)
atividade)
44
gamopetalia ausente ausente geralmente geralmente geralmente
ausente ausente presente
nº de cotilédones 2 2 1 2 2
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46
CAPÍTULO 3
Filogeografia: o que é?
Filogeografia é uma disciplina relativamente recente, que teve início em 1987. É um campo
de estudo interdisciplinar (integrando diferentes áreas do conhecimento) interessado nos princípios e
processos que governam as distribuições geográficas de linhagem genealógicas. Ou seja, estuda a
variação genética, sua distribuição no espaço e os processos que moldaram a variação genética no
tempo. Dessa forma, busca padrões de estrutura geográfica e similaridade entre estruturas
filogenéticas. O estudo das diferenças genéticas entre populações de uma mesma espécie, nos permite
compreender eventos históricos e espaciais que contribuem nos padrões de fragmentação genética
entre populações e o processo de especiação. Adicionalmente, ao explorar as diferenças e
semelhanças filogeográficas entre múltiplas espécies (filogeografia comparativa) pode-se inferir as
consequências evolutivas de eventos históricos na biota como um todo. Um melhor entendimento das
respostas evolutivas compartilhadas em diferentes táxons fornece uma base sólida para a tomada de
decisões em conservação ambiental.
Fig. 1: Filogeografia como um esforço integrativo de diferentes disciplinas. Fonte: Esquema elaborado por Martins,
N.T.
Macroalgas marinhas
As macroalgas marinhas são organismos fotossintetizantes diversos, classificados em três
grandes grupos: macroalgas verdes, vermelhas e pardas (Chlorophyta, Rhodophyta e Phaeophyceae,
respectivamente) com base na pigmentação e na estrutura celular. Elas podem ser encontradas em
quase todos ambientes, do marinho ao salobro, das regiões tropicais (no Equador) às regiões polares.
Macroalgas marinhas são a base ecológica da maioria dos ecossistemas marinhos bentônicos
costeiros. Sua diversidade tem implicações fundamentais para a vida e para os serviços
49
ecossistêmicos marinhos. São importantes produtores primários, atuando no fluxo energético do
sistema marinho. Além de fornecerem habitat, alimentação e abrigo para organismos marinhos e são
berçários para recrutamento de vários organismos.
Macroalgas marinhas são organismos considerados com baixa capacidade de dispersão,
principalmente quando comparadas a outros organismos marinhos. Dessa forma, barreiras
geográficas produzem sinais filogeográficos mais fortes em macroalgas marinhas. Apesar disso,
ainda falta conhecimento sobre a diversidade genética e estrutura de macroalgas quando comparado
a organismos terrestres e animais marinhos. Esta carência de estudos é maior no hemisfério sul do
que no hemisfério norte, e maior ainda no Atlântico Sul em relação ao Pacífico Sul. Nossa falta de
conhecimento sobre a filogeografia de macroalgas compromete decisões sobre conservação de
recursos renováveis marinhos e mitigação de impactos ambientais.
Macroalgas marinhas estão sob ameaça antropogênica, como o aumento de cargas de
nutrientes costeiros que podem favorecer a entrada de espécies invasoras, reduzindo - a longo prazo
- a riqueza de espécies locais. Além disso, o aquecimento do oceano impulsionado por mudanças
climáticas pode alterar a dispersão e o recrutamento, devido a mudanças nas correntes oceânicas e
ressurgências. Ainda, o aumento da temperatura pode promover a expansão da flora tropical para as
regiões temperadas, além da substituição de corais por macroalgas.
50
Box 2: Marcadores moleculares em Filogeografia
Introduções intraespecíficas
Filogeografia também permite a identificação de introduções intraespecíficas. A macroalga
vermelha Polysiphonia harveyi é nativa do Japão, contudo, McIvor et al. (2001) identificaram a
introdução de linhagens que não são nativas nesse país. Ou seja, apesar da espécie ocorrer no Japão,
ocorreu a introdução acidental de linhagens exóticas, uma introdução intraespecífica, que não seria
possível de ser observada sem técnicas moleculares. Apesar de ser uma mesma espécie, essa linhagem
exótica pode ter potencial invasora. Essa espécie também foi identificada introduzida no Atlântico
Norte, Mediterrâneo, Nova Zelândia e Califórnia. Dessa forma, introduções intraespecíficas também
podem ter consequências na biodiversidade local e no ecossistema como um todo. No Brasil, temos
a ocorrência natural da alga parda Colpomenia sinuosa. No entanto, Lee et al. (2013) identificaram a
introdução de uma outra linhagem, oriunda do pacífico, em Búzios, Rio de Janeiro.
51
Trindade como uma extinta barreira ao fluxo gênico, mas que seus efeitos são observados nas
populações atuais. Apesar de poucos, os estudos apontam que as glaciações que ocorreram cerca de
20,000 anos atrás – e a consequente emersão da cadeia de Vitória e Trindade – parecem ser os
principais eventos que causaram a biodiversidade de macroalgas marinhas observada atualmente.
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53
CAPÍTULO 4
Aspectos gerais
São plantas avasculares, com reprodução sexuada dependente da água. Apresentam
anterozóides flagelados, e reprodução do tipo haplodiplobionte, uma vez que a geração gametofítica
(haplóide) é predominante sobre a esporofítica (diplóide) (Fig. 1).
Fig. 1. Ciclo de vida haplodiplobionte. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.
De modo geral, musgos, hepáticas e antóceros são formados por estruturas básicas comuns,
porém cada grupo pode apresentar modificações morfológicas. O esporófito (diplóide) produz os
esporos (haplóides), através de meiose; os esporos quando dispersos podem encontrar condições
54
adequadas e germinar, dando assim, origem a um protonema. A partir do protonema inicial se
originam outros gametófitos, os quais apresentam filídios, caulídios e rizóides (Fig. 2). Essas
estruturas são análogas a folhas, caule e raiz, respectivamente, porém, sem tecidos vasculares.
Fig. 2. Esquema básico demonstrando a morfologia de um musgo. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.
Reprodução e desenvolvimento
Os gametófitos, haplóides, desenvolvem-se a partir de uma célula apical (não por meio de um
meristema), e produzem os gametângios, chamados de Anterídios (masculinos) e Arquegônios
(femininos), os quais são os órgãos responsáveis pela produção dos gametas. Os Anterídios e
Arquegônios podem se desenvolver num mesmo indivíduo (planta monóica), ou estar em indivíduos
separados (planta dioica). Frequentemente, os gametângios encontram-se envolvidos por filídios
(nesse caso chamados de perianto), que promovem a proteção dessas estruturas. Os filídios que
envolvem os gametângios são chamados de perigônio (masculino) e periquécio (feminino) (Fig. 3).
O arquegônio tem forma de garrafa, com uma porção ventral mais larga e uma porção apical
alongada. A porção ventral possui a oosfera (gameta feminino), e na apical alongada, frequentemente,
encontram-se os anterozóides (gameta masculino), que são produzidos nos anterídios. Quando os
55
anterozóides chegam até a oosfera, ocorre a fertilização e, consequentemente, a formação de um
embrião. A partir de várias divisões celulares, o embrião se desenvolve em Pé, estrutura que liga
gametófito e esporófito e transfere nutrientes entre estes (visto que em geral o esporófito não é
fotossintetizante), na Cápsula, local onde os esporos são produzidos, e na Seta, que eleva a cápsula
acima do gametofito, para a dispersão dos esporos ser mais efetiva.
Fig. 3. (A) Filídios periqueciais no ápice do gametófito de um musgo (Trematodon Michx. sp.). (B) Filídios do perianto
em uma hepática folhosa (Lejeunea Lib. sp). Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.
Substratos
As briófitas ocorrem em diversos ambientes, sendo os locais úmidos os mais adequados para
a sobrevivência destes organismos, tendo em vista a necessidade de água para a fecundação. Apesar
disso, elas são amplamente distribuídas no mundo, ocorrendo nos pólos, nos trópicos, e em ambientes
submersos a desérticos. Crescem em vários tipos de substratos (Fig. 4), sendo consideradas como
epifilas (quando crescem sobre folhas), terrestres, corticícolas (em troncos vivos ou em
decomposição), rupícolas (superfícies rochosas) e em materiais introduzidos pelo homem.
56
Fig. 4. Exemplos de substratos das briófitas. Espécies: (A) epífilas, (B) terrestres, (C e D) corticícolas, (E) rupícolas, e
(F) em materiais introduzidos pelo homem. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.
Marchantiophyta – Hepáticas
As hepáticas podem ser subdivididas em dois grupos morfológicos: as plantas folhosas e as
talosas (Fig. 5). As hepáticas folhosas são caracterizadas pela ausência da costa (espessamento de
células no centro do talo), pela presença ou ausência dos anfigastros (filídios diferenciados na posição
ventral dos ramos) (Fig. 6), pelos lóbulos, que podem estar ausentes, reduzidos ou de tamanho
variável, e pela presença de rizóides unicelulares.
57
Fig. 5. (A) Hepática folhosa, (B) hepática talosa simples e (C) hepática talosa complexa. Fonte: Elaborada por E.L. dos
Santos.
Fig. 6. Exemplo de anfigastro do tipo bífido. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.
As hepáticas talosas não se diferenciam em filídios, além disso, a costa pode estar presente ou
ausente no talo, os rizóides são unicelulares, e podem apresentar escamas pluricelulares ventrais.
58
Anthocerotophyta – Antóceros
Os antóceros são talosos e multilobados (Fig. 7), possuem células com apenas um cloroplasto
(e geralmente um pirenóide), e rizóides unicelulares com paredes lisas. O esporófito é persistente,
apresenta crescimento contínuo, além de pseudoelatérios, que são estruturas para dispersão dos
esporos. A ornamentação dos esporos é bastante variável (visível em microscopia óptica), sendo uma
característica importante para a identificação dos gêneros.
Fig. 7. Talos e esporófitos de Antóceros. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.
Bryophyta – Musgos
Os musgos possuem as estruturas mais variáveis entre as briófitas, variando na forma, no
tamanho e na estrutura do gametófito (Fig. 8). O esporófito apresenta frequentemente dentes do
peristômio e um opérculo, já no gametófito diversas especializações podem estar presentes, como a
costa e as células alares.
Os musgos são artificialmente divididos em acrocárpicos e pleurocárpicos, isto é, em relação
às características do crescimento do gametófito e a posição de surgimento do esporófito.
59
Fig. 8. Diversidade de musgos. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.
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abril 2021.
63
CAPÍTULO 5
Introdução
A sistemática é a ciência que trata da diversidade de organismos, e a interpretação e
relacionamento dessa diversidade biológica existente. Enquanto que a Taxonomia se encarrega de
descrever, nomear e classificar essa biodiversidade, apesar de, alguns autores usarem ambas como
sinônimos. Como forma de organizar essa diversidade, vários sistemas de classificação foram
historicamente propostos, os quais almejam possuir caráter preditivo. Tradicionalmente esses
sistemas foram baseados em similaridades morfológicas, nas quais características reprodutivas, como
flores e frutos, eram majoritariamente utilizadas. Já no final do século XX, metodologias baseadas
em parentesco evolutivo foram incorporadas e uma grande revolução no sistema de classificação das
plantas vasculares vem ocorrendo desde então. Neste capítulo, vamos abordar como se deu a evolução
desses sistemas de classificação até a chegada da sistemática filogenética, paradigma amplamente
aceito atualmente. Ainda, vamos tratar dos princípios e métodos da sistemática e taxonomia,
incluindo explicações sobre os quatro componentes básicos dessas duas ciências: descrição,
identificação, nomenclatura e classificação dos organismos.
A necessidade de classificação e organização da biodiversidade é inerente ao ser humano. Os
primeiros registros de tentativas de classificação de plantas são ainda na Antiguidade, com o filósofo
grego Aristóteles (384-322 a.C) em um sistema baseado na presença ou ausência da estrutura floral;
com Theophrastus (c. 371-286 a.C.), sucessor de Aristóteles, utilizando o hábito das plantas para
classificação (árvores, arbustos, subarbustos e ervas); e com o médico do exército romano Pedanius
Dioscorides (c. 40-90 d.C.), considerado fundador da farmacognosia, que descreveu c. 600 espécies
classificadas por suas propriedades medicinais.
Durante a Idade Média, poucas contribuições foram feitas, sendo os sistemas gregos utilizados
principalmente, até as contribuições de alguns médicos no final desse período, como, por exemplo o
64
italiano Andrea Cesalpino (1519-1603), que elaborou sistemas baseados também nas propriedades
medicinais das plantas e introduziu a prática de uso de ilustrações e descrições morfológicas para
descrição de táxons. Caesalpino foi pioneiro em relacionar a classificação com o método de descrição.
Em seu trabalho De Plantis Libri XVI (1583), ele descreveu 1.500 plantas, organizando-as em 32
grupos, incluindo dois grupos que mantêm os nomes até hoje: Umbelliferae e Compositae. Neste
período o nome das plantas incluía suas características, como exemplo, o maracujá era chamado Flos
Passionis major (grande flor-da-paixão) por florescer próximo à sexta-feira da paixão e possuir flores
maiores do que outras espécies conhecidas na época (atualmente Passiflora edulis Sims). No entanto,
com o rápido aumento do número de diferentes espécies descritas, especialmente com a descoberta
de outros continentes a partir do século XV, esse sistema nomenclatural foi ficando cada vez mais
desafiador, sendo necessário novas palavras para delimitar uma espécie da outra, tornando os nomes
cada vez mais longos. Destaca-se também nesse período os estudos do inglês John Ray (1628-1705),
o primeiro a reconhecer os grupos das monocotiledôneas e dicotiledôneas, tendo descrito 17 mil
espécies e foi o primeiro autor a utilizar uma chave dicotômica para identificar plantas. Ainda, em
1694, o francês Joseph Pitton de Tournefort (1656-1708) propôs o conceito de gêneros, contribuindo
significativamente para aprimorar a estrutura da classificação. O conjunto de contribuições dos
diferentes autores até aqui apoiou o trabalho que viria a se consolidar na sistemática, o Systema
Naturae de Linné, tratado a seguir.
65
melhor dimensionada se entendermos que ele propôs uma organização da biodiversidade em gêneros
e espécies.
68
agrupamentos são, portanto, o resultado das hipóteses de homologia e da possível existência
de um grupo na natureza que seguem a premissa da evolução, a qual assume que todo
organismo compartilha um ancestral em comum e que, aqueles que compartilham um
ancestral comum exclusivo entre eles, compartilhará característica de origem única, ou seja,
apresentam características homólogas. Assim, dentre os três agrupamentos possíveis
mencionados anteriormente, as hipóteses de homologia inicialmente atribuídas a um grupo
só serão confirmadas quando o grupo for monofilético. Numa perspectiva mais atual de
classificação biológica, há um movimento no qual apresenta a tentativa de dar nomes somente
a grupos monofiléticos.
A B C
Fig. 1. Agrupamentos possíveis após a inferência de uma filogenia. (A) grupo monofilético, com
descendentes de um ancestral comum exclusivo entre eles. (B) grupo parafilético, formado por um ancestral,
mas não todos os seus descendentes. (C) grupo polifilético, formado por descendentes de mais de um
ancestral. Os polígonos vermelhos representam grupos que inicialmente foram considerados um grupo
monofilético; nos casos de B e C, a hipótese inicial é descartada e as características compartilhadas por eles
não são homólogas, mas sim homoplasias. Fonte: Elaborada por A. Frazão.
69
(Fig. 2A). Agora, já o estado de caráter “ter pena” é uma novidade em Amniota, já que
somente a linhagem das aves as tem. Essas características, que são novidades evolutivas,
chamamos de apomorfias (Fig. 2A). Agora trazendo esses exemplos para as plantas.
Pensando em Espermatófitas (plantas com sementes), ter semente é uma plesiomorfia, já que
o ancestral de todas elas já apresentava sementes. Já o estado de caráter “ter flor” é uma
apomorfia, já que é uma novidade evolutiva dentre as Espermatófitas, ocorrendo somente nas
angiospermas. A presença de sementes nas Espermatófitas é uma plesiomorfia compartilhada
por todas elas e, por isso, “ter sementes” neste grupo é uma simplesiomorfia (Fig. 2B), ou
seja, uma plesiomorfia compartilhada. Já a presença de flores nas angiospermas é uma
sinapomorfia (Fig. 2B), já que é uma apomorfia compartilhada por todas as plantas com
flores.
Espermatófitas
Angiospermas
A galinha surgiu
aqui, na gamopet
linhagem das floralia
aves
O ovo surgiu no ancestral
de todos Amniota A sementes B
Você deve estar se perguntando como é que uma filogenia é inferida, quais critérios e
metodologias são possíveis e como elas funcionam. Para ver detalhes sobre isso, veja o
capítulo 10 do livro do VIII Botânica no Inverno (2018).
70
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com mais de 800.000 amostras, o maior deles, e o herbário do
Museu Nacional, também no Rio de Janeiro e fundado em 1831, o mais antigo deles.
Consultando um herbário é possível reconhecer quais são as entidades vegetais que habitam
determinada região, quando estão presentes e quais são as variações morfológicas intraespecíficas e
interespecíficas, sendo assim a base para estudos monográficos ou florísticos. Entretanto, as funções
de um herbário não se restringem apenas ao trabalho de um taxonomista ou sistemata, sendo
majoritariamente a base para qualquer estudo em botânica. Antes do início de estudos com
fitoquímica, ecologia vegetal, anatomia, etnobotânica, genética, fisiologia vegetal ou qualquer outro
ramo de pesquisa biológica com plantas e fungos é fundamental o depósito de um material testemunho
(voucher) devidamente identificado, para que a referência aos táxons utilizados seja objetiva e
replicável. Além disso, ecólogos, zoólogos, químicos, historiadores, geógrafos, paisagistas,
jardineiros e até artistas também podem utilizar o herbário para a realização de projetos e acesso a
diversos tipos de informação relacionadas às coleções nele presentes.
Para a incorporação de material em herbário o procedimento atualmente utilizado é ainda
similar àquele feito nos séculos XVI, XVII e XVIII, com processo de coleta e desidratação das
plantas, seguida pela montagem e depósito das exsicatas. Após a coleta de ramos com flores ou frutos,
ou de plantas inteiras, quando pequenas, preferencialmente em ambiente natural, esses são
individualizados entre papéis (geralmente jornal) e numerados (nome e número do coletor),
juntamente com anotações referentes à data de coleta, local de coleta (preferencialmente
georreferenciada com GPS), habitat, e uma breve descrição, evidenciando aspectos que serão
perdidos com o processamento do material - principalmente hábito, altura, coloração das estruturas,
presença de exsudatos e cheiros - além de uma identificação taxonômica. Posteriormente, o material
é prensado e então desidratado, em geral em uma estufa de ar quente ou com lâmpadas
incandescentes, com auxílio de papelão e alumínio corrugado para facilitar a passagem de ar quente
entre os espécimes. Após a secagem, o material está pronto para ser fixado (com adesivos ou
costurado) em uma cartolina com a adição de etiqueta contendo os dados registrados em campo. O
resultado final é uma exsicata, a qual pode ser incorporada no herbário e, eventualmente, ter sua
identificação atualizada, o que demonstra o dinamismo de um herbário, o qual, apesar de ser um
museu, é também um repositório dinâmico de informações e pesquisa.
A grande maioria dos herbários está registrado no Index Herbariorum, um catálogo digital
organizado pelo Jardim Botânico de Nova York, que facilita o acesso a informações fundamentais
como: quais são os herbários, onde estão localizados, qual tamanho das coleções, quais suas
especialidades e quem são os curadores.
71
Box 2: O herbário SPF
O herbário da Universidade de São Paulo, chamado pelo acrônimo SPF (Fig. 3 a,b,c), foi
fundado como coleção de plantas vasculares em 1932, na Faculdade de Farmácia, pelo Prof.
Wilson Hoehne, sendo posteriormente transferido para o departamento de Botânica na década
de 1960 e fundido à coleção de algas marinhas do Prof. Aylthon Brandão Joly. Hoje, o
herbário apresenta aproximadamente 250.000 espécimes de plantas vasculares e algas
marinhas (não possui coleção de musgos, hepáticas e antóceros ou algas terrestres ou de água
doce), curadas atualmente pelo Prof. José Rubens Pirani e Profa. Valéria Cassano. Ainda,
juntamente ao SPF, existe a xiloteca Nanuza Luiza de Menezes com uma das mais
importantes coleções de madeira do Brasil, com mais de 6.500 materiais.
Com essa coleção, o SPF é reconhecido como a segunda maior coleção do estado de São
Paulo e está entre as dez maiores do Brasil. A coleção é especializada na flora do estado de
São Paulo e na flora dos campos rupestres da Cadeia do Espinhaço, localizada nas montanhas
de Minas Gerais e Bahia, principalmente impulsionada pelos projetos da Flora da Serra do
Cipó, Flora de Grão-Mogol e Flora da Chapada Diamantina. Entre as famílias, as coleções
mais representativas são aquelas com grande representatividade nessas localidades ou com
as quais os docentes do laboratório são especialistas, destacando-se Annonaceae,
Bignoniaceae, Eriocaulaceae, Picramniaceae, Rutaceae, Simaroubaceae e Velloziaceae. Em
particular, as coleções de Eriocaulaceae e Velloziaceae estão entre as melhores do mundo.
Parte dessa coleção está digitalizada e fotografada com dados disponíveis na plataforma
SpeciesLink (Fig. 3 d,e).
72
Fig. 3. Fotos do herbário SPF. (A) Vista do Edifício Sobre-as-Ondas, na qual o SPF está localizado,
juntamente com o Laboratório de Sistemática, Evolução e Biogeografia de Plantas Vasculares. (B) Vista do
hall de entrada do prédio. (C) Vista da coleção de plantas vasculares do SPF, com armários compactados
deslizantes. (D-E) Exsicatas do herbário SPF disponíveis no Specieslink. Fonte: (A-C) Elaborada por G.M.
Antar; (D-E) Herbário SPF.
74
Circunscrição de táxons e descrição de um novo táxon
A sistemática moderna busca alcançar uma classificação estável que reflete a história da vida.
Por isso, o uso de filogenias como referência à classificação é uma prática cada vez mais comum.
Porém, os taxonomistas têm buscado nomear os clados monofiléticos sem deixar de seguir a lógica
lineana. Assim, a circunscrição dos táxons segue um padrão de agrupamento que enfatiza afinidades
mais gerais e inclusivas em níveis taxonômicos supraespecíficos (e.g., Classes e Famílias), enquanto
aponta singularidades e diferenças em níveis interespecíficos (e.g., espécies).
Hoje em dia é muito raro descobrir um organismo que não faz parte de um gênero, família ou
uma categoria superior. Portanto, neste tópico trataremos apenas sobre a descrição de espécies
completamente novas para a ciência. Descrever espécies novas é um trabalho fundamental para o
conhecimento das unidades básicas que compõem a biodiversidade. A descoberta de novos táxons e
sua comunicação é uma tarefa urgente frente a crise da perda de biodiversidade e a dificuldade em
acessar informações adequadas para sua compreensão, manejo e conservação. Até o momento, os
botânicos descreveram ca. 374.000 espécies de plantas, das quais aproximadamente 295.383 são
angiospermas. Estimativas apontam que o número de angiospermas deve crescer entre 10 a 20%,
sendo que a metade das espécies a serem descobertas já estão armazenadas em herbários.
Para descrever um táxon novo, o botânico deve justificar, por meio de fontes de evidência,
porquê a planta é diferente de todas as outras espécies já conhecidas. Normalmente, espécies novas
são descobertas durante a preparação de monografias, revisões taxonômicas ou sinopses. À medida
que estudam espécimes coletados em trabalhos de campos ou levantamentos feitos por terceiros e
preservados em coleções científicas, os taxonomistas são capazes de reconhecer variações
morfológicas intraespecíficas e interespecíficas. Tais variações permitem a descoberta de diferenças
significativas entre os espécimes indicando táxons inéditos à ciência. Alternativamente, é comum
encontrar situações no qual espécimes não identificados são coletados em inventários florísticos ou
estudos de flora e descritos mais tarde em colaboração com o taxonomista especialista. Embora exista
a predominância de morfologia comparada na descoberta de novos táxons, os avanços da ciência
taxonômica e a mudança de paradigma nos conceitos sobre a natureza e classificação das espécies
têm permitido a integração de diferentes fontes de dados (e.g., moleculares, ecológicos e fisiológicos)
para sustentar hipóteses de espécies novas.
A descrição e delimitação de uma espécie nova é um exercício comparativo e, portanto, exige
uma revisão mais profunda por referência a outras espécies estreitamente relacionadas. Caso você
não tenha familiaridade com os membros do grupo e após árdua pesquisa na literatura, não encontrou
registros sobre esse potencial “tipo novo” é aconselhável entrar em contato com o taxonomista
especialista. Ele trabalhou para se especializar no grupo e conhece bem a morfologia, evitando cair
em armadilhas como má interpretação de caracteres. Contudo, é possível que o “tipo novo” pertença
75
a uma família ou gênero pouco conhecido e sem nenhum especialista. Neste caso, é exigido uma
maior dedicação visto a necessidade de compilação cuidadosa de todos os nomes publicados no
gênero, consulta a protólogos (obras originais) e tipos nomenclaturais (ver sugestão passo a passo na
Fig. 4).
Após se certificar de que o organismo estudado representa uma espécie não descrita, seus
objetivos são o estudo morfológico, a escrita do artigo científico e a comunicação da descoberta
através da publicação científica, respectivamente. Antes de embarcar propriamente na descrição do
organismo é necessário investigar a circunscrição morfológica do táxon através da análise de uma
série de espécimes. O estudo de múltiplos indivíduos garante obter um arcabouço teórico sobre as
faixas de medidas, variações morfológicas e geográficas do táxon. Se possível, acrescente análises
usando outros métodos e dados, principalmente moleculares, como fontes de evidências adicionais.
Dessa maneira, é possível proporcionar maior rigor empírico da hipótese de espécie e estabilidade ao
nome que será designado. Com essas informações em mãos, comece a redigir seu artigo no formato
pedido pela revista científica selecionada à publicação.
76
Alguns requisitos formais são exigidos para descrição de espécies novas. Uma espécie nova
torna-se reconhecida quando o binômio latino ou latinizado, a diagnose ou descrição do táxon escrita
em latim (ou em inglês a partir de 2012) e a designação de um tipo associado ao nome científico é
validamente publicado em revista ou livro científico de grande circulação, de acordo com os
princípios e regras do Código Internacional de Nomenclatura para algas, fungos e plantas. A
nomeação do táxon é parte essencial para sua descrição. Esse nome segue o sistema de nomenclatura
científica de Lineu, portanto, deve ser exclusivo, ou seja, legítimo e composto pelo nome do gênero
mais o epíteto específico. O epíteto geralmente é um adjetivo ou substantivo adjetivado que pode
descrever uma característica da espécie e deve concordar com o gênero gramatical do nome genérico.
Por exemplo, a - feminino; us - masculino; um - neutro: Ipomea incarnata, Clinanthus incarnatus,
Trifolium incarnatum. Em casos em que o epíteto é dado em homenagem a pessoa ou área de
distribuição do táxon, é atribuído ao nome terminações latinas específicas de acordo com diferentes
particularidades. As regras devem ser consultadas com maior detalhe no próprio Código de
Nomenclatura (Art. 30 e 60). Após o binômio da espécie, é escrito os nomes dos autores que
publicaram a descrição original e indicação da categoria do nome como “species nova” ou” sp. nov.”
(a depender do formato de publicação exigido pela revista científica). O nome do autor é abreviado e
deve ser único. Para isso, deve ser realizada uma consulta prévia de nomes de autores de nomes
botânicos no portal do “IPNI”.
A diagnose de um táxon novo é uma declaração curta do conjunto de caracteres diagnósticos
exclusivos que, na opinião de seu autor, distingue o táxon de um ou mais táxons previamente
conhecidos. Geralmente, a comparação é feita entre espécies aparentadas ou que provavelmente serão
confundidas com o novo táxon.
Ex: Pachyptera linearis J.N.C. Franc. & L.G.Lohmann (2018)
Pachyptera linearis é semelhante a Pachyptera kerere, mas pode ser distinguida pela cápsula
linear e achatada (vs. cápsula fusiforme e inflada), linha mediana longitudinal inconspícua em cada
válvula (vs. linha mediana longitudinal visível e elevada em cada válvula), e sementes finas, oblongas
e aladas (vs. sementes espessas, irregularmente circulares, obcordadas e não aladas). (tradução
livre)
A descrição de em táxon contém todas as informações necessárias à circunscrição do
organismo. A descrição deve ser longa o suficiente para cobrir os pontos essenciais e curta o suficiente
para não os obscurecer. Para garantir uma descrição mais concisa é aconselhável estabelecer a
padronização de termos morfológicos e estados de caracteres. Muitas vezes a terminologia adotada é
baseada em trabalhos de referência do próprio grupo vegetal ou literatura especializada. A ordem de
apresentação dos caracteres na descrição segue uma sequência padrão. No geral, em plantas com
flores a sequência inicia com partes subterrâneas, hábito ou forma de crescimento, partes vegetativas
77
e partes reprodutivas, começando pelas flores e terminando pelos frutos e sementes.
O estabelecimento de uma espécie nova deve incluir a designação de um tipo nomenclatural
(há várias categorias de tipo, veremos isso em mais detalhe no próximo tópico). O tipo é portador do
nome publicado e atua como referência permanente ao uso do nome. Na verdade, ele não representa
necessariamente o elemento mais típico ou representativo da espécie. Para fins de tipificação, o
espécime selecionado deve representar o indivíduo inteiro, partes dele ou múltiplos indivíduos
pequenos associados a um único número de coleta. O tipo deve ser depositado e mantido em uma
coleção científica pública como material testemunho. É recomendável informar no artigo o número
de coleta, número de catálogo, informações de localidade e o nome da instituição detentora do
espécime tipo.
Recursos gráficos como ilustrações científicas e imagens de fotografia não são obrigatórios à
publicação, porém representam importantes fontes de informações adicionais que enriquecem a obra.
A ilustração científica pode ser parte integrante da tipificação ou descrição da espécie nova. Ela
ilustra características importantes do táxon. Geralmente, é feita por ilustrador científico profissional
ou pelo próprio descritor. Para ver mais detalhes sobre ilustração científica, veja o capítulo 24 do
livro do VI Botânica no Inverno (2016). Já as imagens de fotografia auxiliam nas descrições ao
permitir colocar o táxon no contexto do seu habitat, exibir imagens de micrografia, etc.
Revisão taxonômica
As revisões taxonômicas são trabalhos completos voltados ao conhecimento taxonômico,
nomenclatural e geográfico de determinado grupo de plantas, incluindo também informações
relevantes sobre fenologia, habitat e ecologia. Atualmente estes trabalhos são geralmente
acompanhados por uma justificativa filogenética para evidenciar o monofiletismo do grupo de estudo,
embora muitas revisões sejam baseadas em grupos delimitados morfologicamente. As revisões
taxonômicas consistem basicamente em descrições morfológicas (às vezes também anatômicas),
diagnoses, chave de identificação, alterações nomenclaturais, distribuição geográfica, comentários
sobre conservação ou proposta de avaliação de risco de extinção e notas taxonômicas sobre cada
espécie do grupo taxonômico. Os botânicos responsáveis por conduzir uma revisão taxonômica
geralmente visitam um grande número de herbários e coleções virtuais para verificar o conceito
morfológico associado aos holótipos (Ver Tópico Floras) e encontrar as variações morfológicas,
geográficas, ambientais e fenológicas para cada espécie. Também são realizadas revisões de
literatura, que devem contar principalmente com a análise das obras originais (opus princeps ou
protólogo), ou seja, publicações que apresentam pela primeira vez um determinado táxon para a
ciência. Muitas destas obras podem ser encontradas de forma digital no website da Biodiversity
78
Heritage Library (BHL; https://www.biodiversitylibrary.org/) ou Botanicus Digital Library
(https://www.botanicus.org/).
Floras
Enquanto as revisões taxonômicas focam-se exclusivamente em linhagens e/ou determinado
grupo taxonômico abrangendo toda a sua distribuição geográfica, as floras baseiam-se em táxons
ocorrentes em áreas com limites políticos ou geográficos pré-determinados. Deste modo, as floras
não irão apresentar todas as variações morfológicas, geográficas, ambientais e fenológicas para as
espécies. Esse tipo de estudo constitui um importante passo para o conhecimento e conservação da
biodiversidade vegetal de determinada área.
Floras têm sido foco de várias iniciativas locais e regionais, como a Flora da Serra do Cipó,
projeto desenvolvido pelo Instituto de Biociências-USP que resultou na publicação de vários
tratamentos taxonômicos no Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo. Em escala nacional,
o projeto Flora do Brasil 2020, integrante do Programa Reflora, apresentou monografias para várias
famílias botânicas ocorrentes no Brasil, que podem ser acessadas de forma on-line
(http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/listaBrasil/ConsultaPublicaUC/ConsultaPublicaUC.do#Cond
icaoTaxonCP). A Flora Neotropica também compreende uma série de monografias, mas que são
publicadas de forma irregular desde 1967 para grupos botânicos ocorrentes na região Neotropical
(região biogeográfica que compreende a América Central, incluindo a parte sul do México e da
península da Baja California, o sul da Florida, todas as ilhas do Caribe e a quase toda América do
Sul). Finalmente, o projeto World Flora Online, é uma iniciativa ao nível global que conta com a
colaboração de várias instituições e organizações internacionais (http://www.worldfloraonline.org).
Este projeto tem como objetivo monografar todos os grupos botânicos, compilando dados de floras e
revisões já publicadas, e gerando novos dados sobre grupos de plantas e regiões pouco conhecidas
em todo mundo.
79
3. A nomenclatura dos grupos taxonômicos é baseada na prioridade de publicação.
4. Cada grupo taxonômico deve ter apenas um nome correto, exceto em casos especificados.
5. Os nomes científicos são em latim ou latinizados, independentemente de sua origem.
6. As regras de nomenclatura são retroativas, exceto quando expressamente indicado.
Tipos nomenclaturais
Todos os nomes de espécies ou táxon infraespecífico que conhecemos hoje devem seguir uma
série de requisitos para a sua validação segundo o Código Internacional de Nomenclatura Botânica.
Um destes requisitos se refere ao holótipo, o espécime ou ilustração designado pelo autor na obra
original de descrição deste táxon. O objetivo do holótipo é fixar o nome da espécie, refletindo os
caracteres principais e diagnósticos deste morfotipo em um material botânico específico. Caso o
material selecionado como holótipo possua duplicatas, estes serão denominados isótipos. Já o
lectótipo refere-se ao espécime ou ilustração designada posteriormente à publicação original, quando
o autor não designou o holótipo. Para eleger um lectótipo, deve ser comprovado que o espécime é
oriundo do material original utilizado pelo autor na publicação do nome. Caso o lectótipo possua um
espécime duplicado, este será denominado isolectótipo. Caso o autor não tenha designado o holótipo,
mas tenha citado outros materiais na descrição da espécie, estes serão denominados síntipos.
Qualquer espécime citado na descrição original, desde que este não seja o holótipo, síntipo, lectótipo
ou isótipo, deve ser considerado parátipo. Além destes tipos, existe também o espécime designado
para substituir um holótipo destruído ou desaparecido ou para complementar o holótipo, quando este
não possui características suficientes para a compreensão do conceito de espécie, neótipo e epítipo,
respectivamente. Qualquer material duplicado do neótipo e epítipo constituem o isoneótipo e
isoepítipo, respectivamente.
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81
CAPÍTULO 6
Breve histórico
As plantas exercem múltiplos serviços ecossistêmicos, entre eles, fornecem matéria prima para
construção, combustíveis, alimentação e contribuem como reguladores das condições ambientais
naturais. Entre os serviços ecossistêmicos de regulação ambiental, as plantas são capazes de
remobilizar a água do solo para a atmosfera, promovendo melhoras nas condições térmicas, aumento
da umidade do ar e contribuindo com a dinâmica de massas de ar no planeta.
Um dos primeiros modelos descritivos do transporte de água por plantas foi fundamentado na
capilaridade, fenômeno físico registrado por Leonardo da Vinci (1452 – 1519) e que ficou mais
conhecido pelo químico irlandês, Robert Boyle (1627 – 1691) em 1660. Tal fenômeno permite que a
água, no interior de um tubo fino, seja transportada a uma certa altura inversamente proporcional ao
diâmetro do tubo devido a tensão superficial1. Na mesma época, Marcello Malpighi (1628 - 1694) e
Nehemiah Grew (1628 - 1711), iniciaram os estudos de anatomia vegetal, descrevendo os tecidos
vasculares, os tipos celulares e propondo modelos de circulação nas plantas, o que viria complementar
o entendimento do transporte vertical de água nas plantas.
Um outro importante cientista da época foi Stephen Hales (1677 – 1761), em seu livro
Vegetable Statics de 1727, foi um dos primeiros a registrar experimentos sobre a capacidade de
condução de água pelas plantas, além de ter descrito a maior demanda de absorção de água pelas
plantas comparado aos animais. Hales também mostrou em experimentos a existência de uma certa
pressão da raiz em algumas plantas, mas que esta pressão, não seria suficiente para transportar água
até as folhas. Além disso, Hales sugeriu a importância da transpiração foliar para o transporte hídrico
e indicou a existência da relação direta do transporte hídrico com o diâmetro dos elementos
condutores.
Com pesquisas mais recentes, nós percebemos que nas raízes das plantas de fato há um influxo
de água ativo (com gasto de energia) após o fechamento dos estômatos (por onde as plantas realizam
as trocas gasosas nas folhas). Esse influxo pode gerar uma pressão positiva na raiz que,
consequentemente, permite a ascensão da água da raiz ao caule até uma certa altura. Uma evidência
da pressão positiva das raízes é a gutação (formação de gotas de água) que visualizamos na margem
1
A força de capilaridade não seria suficiente para transportar água a grandes alturas como é verificado em árvores de
mais de 10 metros de altura, pois os elementos condutores podem variar de ~10 a ~400 µm e com isso a coluna de água
alcançaria no máximo ~1.5 metros de altura para os elementos condutores de 10 µm.
82
foliar de algumas espécies, em condições climáticas favoráveis. As ideias da pressão positiva da raiz
junto com outras hipóteses que tentavam explicar a ascensão da água nas plantas ficou sendo debatida
por décadas. Em 1916, Priestley sugeriu a hipótese da pressão positiva nas raízes como um possível
mecanismo que explicaria por completo o transporte de água nas plantas. Contudo os experimentos
realizados na época refutaram essa hipótese, pois não há evidências que a pressão positiva possa ser
suficiente para o transporte de água a grandes alturas e nem que todas as plantas possam ter pressão
positiva. Além disso, as plantas são capazes de transportar água mesmo sem raízes, como
demonstrado por Hales em experimentos conduzidos em 1727, pois havendo conexão do caule com
água e na outra extremidade ramos com folhas que estejam transpirando, o transporte ascendente é
realizado de maneira passiva.
Em 1891, Strasburger, contemporâneo dos cientistas Irlandeses, Dixon e Joly, que postularam
a teoria aceita até hoje sobre a ascensão da seiva no xilema, em 1894, demostrou que a seiva é
transportada por uma coluna continua de água, da raiz até as folhas, em alguns elementos condutores
do xilema, enquanto que outros elementos condutores transportavam ar. Além disso, em 1893, o
botânico Austríaco, Josef Anton Bohm, um pouco antes de falecer, descreveu que a força entre as
moléculas de água seria suficiente para manter a integridade da coluna de água apesar das tensões
(i.e. pressão negativa) envolvidas no interior dos elementos condutores, sugerindo a existência de
pressões negativas no xilema. Bohm, também indagou a importância da capilaridade no transporte de
água, mas como já discutido (veja nota de rodapé 1), devido ao diâmetro das células condutoras
encontrado nas plantas, esse mecanismo não seria suficiente para explicar o transporte de água nas
plantas.
Fig. 1. Representação do transporte hídrico em plantas com base na teoria de tensão e coesão. Esquema de uma
planta, mostrando a conexão solo 🡪 raiz 🡪 caule 🡪 folha 🡪 atmosfera. A água é transportada pelo tecido xilemático
ao longo desse continuo devido ao gradiente de pressão hídrica estabelecido quando os estômatos (células
especializadas em trocas gasosas) estão abertos e há transpiração foliar e consequentemente as trocas gasosas. Note
os esquemas das secções transversais de uma raiz, caule e folha evidenciando os tecidos descritos na legenda. Na
raiz o transporte radial da água absorvida é feito via simplasto (passando por dentro das células) e apoplasto
(passando apenas pela parede vegetal). Note que a água se mantem aderida e coesa no interior dos elementos
condutores do xilema, devido as propriedades de adesão e coesão das moléculas de água. Fonte: Elaborada por C. S.
84
Gerolamo.
Portanto sabemos que a capilaridade e a pressão positiva da raiz não são mecanismos suficientes para
explicar o transporte de água em plantas, tendo como teoria mais atual o modelo proposto por Dixon
e Joly, que curiosamente foi relatado de maneira independente por Eugen Askenasy (1845- 1903). A
teoria denominada de tensão e coesão parte do princípio de que há uma comunicação no continuo
solo-planta-atmosfera. Essa comunicação entre o solo e a atmosfera é feito através do tecido
responsável pelo transporte de água e sais minerais nas plantas denominado de xilema (Figura 2).
Mais especificamente, a água é conduzida no xilema pelo interior dos elementos condutores
(elementos tranqueais), presentes na raiz, caule e folhas, por diferença de potencial hídrico criado
com a abertura dos estômatos e consequentemente com a transpiração, como já mencionado.
Fig. 2. Modelo do tecido xilemático em seus três planos e dos tipos celulares presentes nesse tecido. (A)
representação dos três planos do xilema secundário de uma planta, note a presença de diferentes tipos celulares,
incluindo elementos condutores, fibras e parênquima. (B) representação dos tipos celulares do xilema secundário.
Note as diferenças das placas de perfuração e da presença de pontoações intervasculares areoladas nos vasos,
traqueídes e algumas fibras (fibrotraqueides). (C) Fotomicroscopia dos planos de vista transversal, longitudinal
tangencial e longitudinal radial do xilema secundário da espécie Handroanthus ochraceus (Bignoniaceae). Fonte:
Elaborada por C. S. Gerolamo.
85
O tecido xilemático
Os elementos condutores do xilema são células mortas na maturidade (sem núcleo entre outras
organelas) com deposição de parede secundária composta majoritariamente por lignina.
Adicionalmente, o xilema, além dos elementos condutores produzido pelas plantas vasculares, é
composto por fibras e células parenquimáticas (radiais e axiais), estruturando esse tecido complexo
que pode ser visto em três dimensões possíveis: transversal, longitudinal tangencial e longitudinal
radial (Figura 2, para mais detalhes ver Ceccantini 2006). As fibras também mortas na maturidade
(exceto fibras septadas e gelatinosas) e as células parenquimáticas, vivas na maturidade, ambas com
deposição de parede secundária lignificada, estruturam a matriz em volta dos elementos condutores
no xilema. Essa composição tecidual (Figura 2B) é estruturada em uma grande diversidade de
arranjos e dimensões dos tipos celulares xilemático nas plantas como um todo, otimizando ou
reduzindo as múltiplas funções que esse tecido exerce como: condução hídrica (elementos
condutores), armazenamento (parênquima) e sustentação mecânica (fibras) (Figura 3).
Fig. 3. Modelo triangular relacionado a anatomia do xilema com as múltiplas funções exercidas nas plantas. Os
tipos celulares com diferentes cores descritas na legenda. Note as diferentes dimensões dos vasos, espessura das
paredes celulares e concentração de parênquima e fibras. Vasos estão relacionados ao ganho em condutividade,
parênquima está relacionado ao transporte radial e armazenamento de substâncias e as fibras são células
responsáveis pela resistência mecânica. Fonte: Elaborada por C. S. Gerolamo.
86
Nas plantas vasculares, os elementos condutores, ou elementos traqueais, podem ser de dois
tipos: traqueídes e elementos de vaso (Figura 2B e Figura 4). As traqueídes presente nas Licófitas,
Monilófitas, Gminospermas e algumas Angiospermas, possuem em seu interior e nas extremidades,
pontoções intervasculares areoladas com uma modificação na membrana da pontoação chamada de
toros e margo (Figura 4B). Essas estruturas são as responsáveis pela comunicação intercelular das
traqueídes. As traqueídes são associadas, concomitantemente, às funções de condução e sustentação
do corpo vegetal. Já os elementos de vaso, presentes na maioria das Angiospermas, apesar de
possuírem pontoaçoes intervasculares areoladas em seu interior, são formadas por placas de
perfuração nas extremidades (Figura 2B e 4C). Sabemos que quando há a associação de vários
elementos de vaso, há a formação de um vaso condutor (Figura 4D), e em suas extremidades, isto é,
nas paredes terminais dos vasos, a comunicação é feita por pares de pontoações intervasculares
(Figuras 4E e F). Assim, a água passa obrigatoriamente pelo lúmen das células, atravessa as placas
de perfuração e, por fim, atravessa os pares de pontoações. Nessas plantas com os três tipos celulares
no xilema, os elementos de vaso são considerados células especializadas na condução, enquanto que
as fibras e as células parenquimáticas são relacionadas, respectivamente, às funções de sustentação e
reserva. Em resumo, independentemente da diversidade anatômica nas plantas, o xilema exerce
múltiplas funções, e entre elas, a de condução é essencial para garantir a hidratação dos tecidos e a
chegada de água para os tecidos fotossintetizantes produzirem matéria orgânica formada na
fotossíntese.
Fig. 4. Representação e detalhes dos elementos condutores: traqueídes e elementos de vaso. (A) Traqueídes
unidas nas extremidades em vista longitudinal e transversal. (B) Detalhe do par de pontoação intervascular areolada
formada entre as duas traqueídes. Note a pontoação intervascular em vista frontal e em secção. A membrana da
pontoação nas traqueídes é diferenciada com a formação do toros e da região envolta do toro chamada de margo. (C)
Esquema do elemento de vaso com detalhes das pontoações intervasculars areoladas. (D) Esquema, em vista
longitudinal, da formação de vasos condutores (junção de elementos de vaso) e da comunicação entre os vasos
condutores pelos pares de pontoações intervasculares areoladas. (E) Vasos adjacentes em vista transversal com detalhe
das pontoações intervasculares no interior. (F) Detalhe das pontoações intervasculares areoladas dos elementos de
vaso. Fonte: Elaborada por C. S. Gerolamo.
87
Eficiência e segurança hídrica
∗ Kp = %!"#
4
$%&�& . Fv . Dh Equação (1)
*Pw = densidade da água a 20°C (998.2 kg.m-3); η viscosidade da água a 20°C (1.002 10-3 Pa.s-1). Para mais detalhes
consultar Poorter et al. 2010
88
Como o transporte de água é realizado sob tensão (pressões negativas) no interior dos vasos,
é sabido que a água torna-se metaestável, ou seja, ela pode rapidamente mudar de estado físico, sendo
comum a formação de bolhas no interior dos elementos condutores. A formação de bolhas é
denominada cavitação e quando essas bolhas se expandem obstruindo um vaso, os elementos
condutores tornam-se embolisados. A formação de bolhas de ar nos vasos condutores, já é discutida
desde o princípio da fisiologia de plantas (Hales 1727) e sabemos que a formação de bolhas de ar,
obstruindo os elementos condutores é prejudicial para a condutividade e consequentemente para a
sobrevivência das plantas. Quanto maior o estresse hídrico do ambiente maior a propensão de
embolismo nas plantas e menor a garantia que a agua seja transportada. Assim, em áreas muito secas
ou com períodos de congelamento, as plantas são mais propensas ao embolismos. Associado a isso,
quanto mais propensa a formação de embolismos uma espécie é, devido a sua própria estrutura
anatômica menos segura (i. e. mais vulnerável), menos tolerante aos estresses hídricos ambientais.
Uma forma de avaliar a segurança hidráulica das espécies é construindo a curva de
vulnerabilidade proposta por Sperry e colaboradores em 1988, onde se relaciona a porcentagem de
perda de condutividade com o potencial hídrico do xilema. Modelando essa relação, podemos estimar
o potencial hídrico em que a planta perde 50% da sua capacidade de condução, denominado P50, e
com esse parâmetro podemos comparar os indivíduos e as espécies quanto a sua segurança na
condução ou sua vulnerabilidade. Espécies com P50 mais negativos, indicam maior resistência aos
estreses hídricos e espécies com P50 menos negativos são mais vulneráveis ao embolismo, isto é,
menos tolerantes à seca (Figura 5). Outras formas de avaliar a segurança hidráulica e a
vulnerabilidade hídrica em plantas, (e.g. P88 e a margem de segurança) vem sendo explorada, para
mais informação leia as referências bibliográficas.
89
Figura 5. Curva de vulnerabilidade de uma espécie mais tolerante (vermelho) e outra mais vulnerável ao embolismo
(azul). Note que em valores mais negativos a espécie em azul perde mais a capacidade de condução hídrica do que a
espécie de vermelho. Fonte: Elaborada por C. S. Gerolamo.
90
radial, restabelecimento dos vasos embolisados, aumentando a capacitância hídrica, armazenando
nutrientes, água e aumentando a flexibilidade.
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92
CAPÍTULO 7
As flores são órgãos complexos exclusivos das Angiospermas, seu surgimento permitiu uma
grande e rápida diversificação dessas plantas nos mais variados ambientes da Terra. Essa
complexidade é atribuída principalmente às formas de organização, morfologia, anatomia e
diferenças no desenvolvimento dos verticilos férteis das flores: o androceu e o gineceu. De maneira
geral, as flores são ramos modificados, formados por verticilos estéreis (cálice e corola) e verticilos
férteis (androceu e gineceu) (Fig. 1 A–D).
Fig. 1. Flores de diferentes espécies de Angiospermas evidenciando os verticilos estéreis (cálice e corola) e os
verticilos férteis (androceu e gineceu). Fonte: Fotos de E.D. Tölke.
Os verticilos estéreis estão relacionados com a proteção dos verticilos férteis, mas também
com a atração de polinizadores. Enquanto que os verticilos férteis possuem principalmente a função
reprodutiva. Neste capítulo você irá aprender os conceitos básicos relacionados à morfologia,
anatomia e desenvolvimento do androceu, e como isto está relacionado com a grande diversidade
floral que observamos nas Angiospermas. Inicialmente faremos uma breve revisão sobre aspectos
93
da morfologia e anatomia do androceu, seguido da apresentação dos diferentes padrões esperados
no seu desenvolvimento, finalizando com uma breve discussão de como essas informações
contribuem para os estudos de sistemática das Angiospermas, trazendo como exemplos trabalhos
desenvolvidos com representantes da flora brasileira.
Estrutura do androceu
O androceu, como os demais órgãos florais, possui funções importantes e, consequentemente,
características que são essenciais para garantir o sucesso reprodutivo da planta. Assim, o androceu
é correspondente a parte masculina da flor, responsável pela produção dos grãos de pólen. Cada
unidade do androceu é denominada de estame, este, por sua vez, é composto de uma haste,
denominada filete, e uma antera, onde são produzidos os grãos de pólen. Na maioria das
Angiospermas, a antera possui quatro sacos polínicos arranjados em duas tecas (Fig. 2).
Fig. 2. Estrutura do androceu. À esquerda é visto um estame, formado por filete e antera. À direita é visto um corte
anatômico transversal da antera, mostrando quatro sacos polínicos organizados em duas tecas. Fonte: Fotos de E.D.
Tölke.
Muitas vezes, além da função reprodutiva, o androceu pode assumir a função de atração de
polinizadores, por apresentar formas vistosas e cores chamativas e contrastantes. Flores que
possuem estames numerosos, por exemplo, são bastante procuradas pelos visitantes florais, como
as flores de espécies de Eugenia (Myrtaceae) ou de Mimosa (Fabaceae) (Fig. 3 A). Por outro lado,
existem aquelas flores em que todos os estames, ou alguns deles, são estéreis, e por vezes são
diminutos ou não possuem grãos de pólen; estes estames são denominados de estaminódios e
94
também podem estar relacionados com a função atrativa de polinizadores (por exemplo, os
estaminódios petaloides de Canna – Cannaceae). Outra função que o androceu pode assumir é na
atração olfativa dos visitantes florais, devido a presença de glândulas que produzem perfumes, os
osmóforos. Ainda é válido citar que em algumas espécies (Decaisnea spp., por exemplo) os estames
estão envolvidos na produção do néctar, oferecendo, portanto, mais um recurso para os
polinizadores.
Apesar de ser considerado menos variável e mais simples que outros órgãos florais, a
diversidade morfológica no androceu é ampla, sendo bastante explorada do ponto de vista
taxonômico. Variações são encontradas, por exemplo, em relação ao número de estames em
comparação com o número de pétalas, sendo, portanto, a flor classificada como oligostêmone
(número de estames menor que o número de pétalas), isostêmone (número de estames igual ao
número de pétalas) (Fig. 3 B), diplostêmone (número de estames duas vezes maior que o número
de pétalas) (Fig. 1 D) e polistêmone (estames numerosos) (Fig. 3 A). Em relação à altura dos
estames, estes podem ser classificados em homodínamos, quando todos possuem a mesma altura,
ou heterodínamos, quando possuem alturas diferentes (Fig, 4 A). Os heterodínamos ainda podem
ser subdivididos em didínamos, quando a flor tem dois estames maiores e dois menores (Fig. 4 A),
ou tetradínamos, quando vemos quatro estames maiores e dois menores.
Fig. 3. Diversidade morfológica do androceu. Exemplos de androcceu polistêmone (A) e androceu isostêmone
(haplostêmone) (B). Fonte: Fotos de E.D. Tölke.
A fusão dos estames também é um evento bastante comum e importante do ponto de vista
morfológico e taxonômico. Os estames podem estar, portanto, completamente livres ou parcial- a
completamente conatos. A conação dos estames é mais comum na região basal dos filetes, muitas
vezes formando tubos estaminais, como em várias das espécies da família Meliaceae. Os estames
podem estar unidos ainda formando feixes, que pode ser único (monoadelfo) (Fig. 4 B), duplo
(diadelfo) ou múltiplo (poliadelfo). No entanto, a conação pode ocorrer também, mais raramente,
nas anteras, formando estruturas visualmente únicas, chamadas de sinânteros (por exemplo,
95
Solanaceae). Os sinânteros podem assumir formas complexas e características de algumas famílias
e/ou gêneros, tendo relação também com o modo de polinização. Adicionalmente podemos citar a
fusão dos estames à outras peças florais, fenômeno este denominado de adnação. A maioria dos
casos em que a adnação está presente, refere-se à fusão dos estames às pétalas, os chamados estames
epipétalos (por exemplo, Bignoniaceae) (Fig. 4 C). No entanto, estruturas bastante complexas
podem surgir quando androceu e gineceu estão adnatos, como nos casos das famílias Orchidaceae
e Apocynaceae (Fig. 4 D–E). Em Orchidaceae os órgãos florais masculinos e femininos,
geralmente, estão fundidos formando uma estrutura única, a coluna ou gimnostêmio, o androceu
aqui fica localizado restritamente no ápice da coluna (Fig. 4 D). Já em Apocynaceae os estames
podem estar justapostos ou adnatos à cabeça do estilete, formando uma estrutura denominada de
ginostégio (Fig. 4 E).
Fig. 4. Diversidade morfológica do androceu. (A) Androceu heterodínamo (didínamo) em Bignoniaceae. (B)
Androceu monoadelfo em Malvaceae. (C) Estame epipétalo em Bignoniaceae. (D) Coluna ou gimnostêmio em
Orchidaceae. (E) Ginostégio em Apocynaceae. Fonte: Fotos de E.D. Tölke.
Na maturidade cada teca da antera se abre ao longo de uma linha de deiscência, o estômio, e
então os grãos de pólen são liberados. Assim, outras características morfológicas importantes do
96
ponto de vista taxonômico são a deiscência das anteras (longitudinal, transversal, poricida e valvar),
a posição da deiscência das anteras (introrsa, latrorsa e extrorsa) e a inserção das anteras nos filetes
(basifixa, adnata, dorsifixa, versátil, divergente e divaricada).
De maneira geral, a antera, na maturidade, é formada por quatro estratos parietais: a epiderme,
o endotécio, a camada média e o tapete (Fig. 5). A epiderme é a camada mais externa da antera,
geralmente uniestratificada, em alguns casos pode conter tricomas (Fig. 6A) e desenvolver faixas
fibrosas como as que aparecem no endotécio. Logo abaixo da epiderme econtra-se o endotécio, que
contém espessamentos fibrosos nas paredes tangenciais internas e nas anticlinais (Fig. 5). Esse
espessamento fibroso tem função na deiscência da antera, provocando uma tensão mecânica na
direção contrária do estômio, o que causa, então a abertura para liberação dos grãos de pólen. As
células que formam o estômio não possuem espessamentos nas paredes, sendo, portanto, uma
estrutura mais frágil e susceptível à tensão imposta pelas células do endotécio. Em raros casos a
deiscência das anteras não depende do endotécio, mas apenas da epiderme. É o caso de espécies de
Miconia (Melastomataceae), em que não há estômio ou qualquer especialização e a ausência de
cutícula revestindo a epiderme é responsável pela abertura para liberação dos grãos de pólen por
meio de uma deiscência poricida.
Fig. 5. Localização dos estratos parietais da antera: epiderme, endotécio, camada média e tapete. Fonte: Ilustração
elaborada por E.D. Tölke.
A camada média encontra-se logo abaixo do endotécio e é formada por um número váriável
de camadas celulares (Fig. 5). O tapete é a camada mais interna, constituído em geral por uma única
camada de células (Fig. 5). O tapete exerce diversas funções, entre elas a nutrição do tecido
esporogênico e dos andrósporos, síntese de esporopolenina para formação da parede dos grãos de
97
pólen, produção dos orbículos (ver definição na Tabela 1), secreção de calase durante a separação
das tétrades ao final da esporogênese, síntese e liberação de materiais sobre o grão de pólen
(Pollenkitt, trifino, enzimas e proteínas de reconhecimento, ver definições na Tabela 1). O tapete
pode se apresentar de diferentes maneiras, sendo conhecidos basicamente três tipos: secretor ou
glandular, ameboidal ou plasmodial e invasivo. No tapete do tipo glandular, uma camada de células
permance circundando o lóculo, podendo ocorrer eliminação de remanescentes do protoplasto
destas células dentro da cavidade locular. No tipo ameboidal as paredes das células do tapete se
dissolvem com posterior fusão dos seus protoplastos, formando uma estrutura multinucleada. Por
fim, no tipo invasivo também há a dissolução das paredes celulares do tapete, porém não há fusão
dos protoplastos. Vale lembrar que as células do tapete não estão presentes na antera deiscente, uma
vez que essas se degeneram após a formação da esporoderme.
Termo Definição
Pollenkitt Material lipídico, flavonóides, carotenoides e
produtos da degradação de proteínas do tapete.
Orbículos (Corpúsculos Partículas de forma e tamanho variado,
de Übisch) impregnadas por esporopolenina, que revestem
a superfície interna das células do tapete
secretor.
Trifino Constituído de uma mistura de substâncias
hidrofóbicas, principalmente de natureza
protéica, derivadas da dissolução do tapete.
Em contraste com a antera, a estrutura anatômica do filete é bastante simples, formado por
tecido parenquimático e revestido por epiderme uniestratificada (Fig. 6B). Via de regra, o filete
contém apenas um feixe vascular central, que acompanha toda a sua extensão. O filete pode conter
células produtoras de substâncias, como as células taniníferas encontradas em espécies de
Anacardiaceae, canais que produzem resinas em geral, como as encontradas em espécies de
Clusiaceae, e também podem conter tricomas em sua superfície, características importantes do
ponto de vista taxonômico.
98
Fig. 6. Morfologia e anatomia do androceu. A. Estames recobertos por tricomas. B. Anatomia do filete. Fonte:
Fotos de E.D. Tölke.
Fig. 7. Padrões básicos de iniciação do androceu. Fonte: Ilustração elaborada por E.D. Tölke.
A posição dos estames em relação à posição das sépalas e pétalas da flor também merece
atenção em termos de desenvolvimento floral. Os primórdios de estames são chamados de
antepétalos quando estão opostos às pétalas, e antesépalos quando estão opostos às sépalas. Em
99
flores com dois verticilos de estames, nos estádios iniciais de desenvolvimento, é possível
determinar com clareza qual dos verticilos surge primeiro e se há mudanças em sua posição ao
longo do desenvolvimento. A observação das posições relativas dos verticilos de estames também
tem importância em estudos relacionados à evolução do androceu em diversos grupos de plantas e
muitas vezes só pode ser precisamente determinado com a ajuda de estudos ontogenéticos. Assim,
os conceitos clássicos de diplostemonia e haplostemonia ganham vários desdobramentos
relacionados também ao desenvolvimento floral (Tabela 2). A diplostemonia clássica é refererida
como a configuração do androceu em que a regra de Hofmeister é observada, dada a perfeita
alternância entre os verticilos de estames e os demais na flor (Weberling, 1989). Assim, há dois
verticilos de estames, em que o verticilo externo é oposto às sépalas e o verticilo interno oposto às
pétalas. Em flores em a posição dos verticilos de estames é o contrário do esperado, é aplicado o
termo obdiplostemonia. No entanto, considerando que nem sempre é possível observar uma
distinção clara entre qual dos verticilos é mais externo ao outro, Endress (2010) propôs que para a
definição da diplo- e da obdiplostemonia deveria-se observar a posição dos carpelos em relação ao
perianto (Tabela 2). A obdiplostemonia pode ainda ser subdividida em obdiplostemonia primária,
quando os estames antepétalos iniciam primeiro e são mais externos que os antessépalos e não
mudam de posição ao longo do desenvolvimento; ou obdiplostemonia secundária, quando os
estames antesépalos surgem primeiro e são mais externos que os antepétalos e mudam de posição
ao longo do desenvolvimento. Daí a importância de se estudar a flor ontogeneticamente a fim de se
determinar precisamente as mudanças ocorridas ao longo do desenvolvimento. Variações também
são esperadas para a haplostemonia, classicamente definida como um único verticilo de estames
oposto às sépalas. No entanto, se este único verticilo de estames encontra-se oposto às pétalas, então
fala-se em obhaplostemonia.
100
verticilo externo oposto às pétalas, e
o verticilo interno oposto às sépalas.
Fig. 8. Etapas na diferenciação das anteras. Fonte: Ilustração elaborada por E.D. Tölke.
101
Reduzido* Origina o endotécio. Origina o tapete.
* No tipo reduzido a camada média é ausente.
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104
CAPÍTULO 8
Introdução
Os açúcares constituem moléculas importantes para o metabolismo dos seres vivos, uma vez
que desempenham um papel essencial nos processos celulares mais intrínsecos. Mudanças sutis em
suas concentrações podem afetar não apenas o estado metabólico, mas também a expressão gênica, o
acúmulo e a mobilização de reservas e crescimento e desenvolvimento. Para organismos
fotossintetizantes, os açúcares ainda possuem um papel mais especial, já que estes são o produto
direto da fotossíntese e necessitam de uma rede de regulação complexa que direcione os mecanismos
de distribuição do carbono entre os órgãos fonte (que disponibilizam e exportam fotoassimilados, ex:
folhas maduras) e dreno (que importam esses fotoassimilados, ex: raízes).
As plantas são organismos sésseis e um fator crucial para seu crescimento e sobrevivência é
sua capacidade de perceber e responder à disponibilidade de recursos, acionando respostas internas,
as quais são influenciadas por fatores ambientais. Esse direcionamento é primordialmente feito à nível
metabólico, por meio de cascatas de sinalização que conectam as diversas camadas de regulação
celular (transcritos, proteínas e metabólitos). Neste contexto, os açúcares atuam como moléculas
sensores da disponibilidade energética celular frente às variações ambientais, condições fisiológicas
intrínsecas e metabolismo celular. Especialmente para a dinâmica entre tecidos fonte e dreno, os
açúcares desempenham um papel de reguladores capazes de alterar a expressão de vários genes de
acordo com seus níveis na planta.
As respostas que determinam quando crescer, assimilar, armazenar nutrientes e reciclar as
reservas são direcionadas por coordenadores centrais do desenvolvimento das plantas. Em eucariotos,
várias redes de sinalização interconectadas, envolvidas na detecção e sinalização de açúcar, percebem
a disponibilidade de nutrientes e direcionam o crescimento e os padrões metabólicos.
Hexokinase (HXK)
As HXKs são uma classe de enzimas do metabolismo central de açúcares que promovem a
fosforilação de hexoses (açúcares de seis carbonos). A atividade dessa proteína, por sua vez, mostra-
se dependente tanto da coenzima adenosina trifosfato (ATP), para realizar a transferência de fosfato
para açúcares de seis carbonos, bem como do cofator Mg2+. Apesar de fosforilar várias hexoses, o
sítio de ligação da HXK apresenta maior afinidade com moléculas de glicose (Glc) em razão da
melhor estabilização deste substrato pelos resíduos de aminoácido do sítio catalítico.
As hexoses são geralmente fosforiladas em seu último carbono, sendo o produto da reação
indicado pelo seu nome acompanhado do número do carbono fosforilado seguido da palavra fosfato,
por exemplo, glicose-6-fosfato (G6P) (Fig. 1). Do ponto de vista químico, a reação de fosforilação
apresenta diversas vantagens biológicas visto ser um processo exergônico (praticamente irreversível
em condições fisiológicas), possibilita a retenção da molécula de açúcar dentro das células por
impedir sua passagem pela membrana plasmática bem como aumenta a probabilidade de ligação entre
substrato e enzima.
Fig. 1. Atividade de fosforilação da glicose pela hexokinase. Fonte: Elaborada pelos autores.
No reino vegetal o produto direto da fotossíntese são esqueletos de carbono de açúcares que
são prontamente alocados para outros órgãos e tecidos vegetais. Como se deve imaginar, existe
naturalmente uma heterogeneidade quanto a concentração dos diversos tipos de açúcares em
diferentes compartimentos celulares e estas diferenças ficam mais ou menos evidentes dependendo
da etapa de desenvolvimento vegetal bem como dos reflexos das condições ambientais. Frente a isso,
106
há uma complexa rede de sinalização e percepção de açúcares com diversos pontos de regulação,
sendo uma delas a via glicolítica.
A atividade das HXKs é a primeira etapa catalítica à internalização da Glc extracelular de
maneira que se apresenta como um ponto de controle do fluxo de entrada deste açúcar. Do ponto de
vista bioquímico, a G6P é uma molécula chave, podendo ser substrato tanto para a via das pentoses,
síntese de amido, ácidos graxos, nucleotídeos, bem como de parede celular. Muitas abordagens
experimentais demonstraram que a Glc tem um efeito ativo sobre a expressão de diversos genes do
metabolismo de açúcar, principalmente aqueles que codificam fatores de transcrição. Alguns autores
mostraram em seus trabalhos que, quando em altas concentrações de Glc, costuma-se associar a
função do sensor HXK sobre a repressão de genes fotossintéticos em razão do alto custo energético
para manter a maquinaria proteica celular. Consequentemente, há o aumento na taxa de degradação
de amido bem como um aumento na expressão de genes do metabolismo secundário.
Partindo do princípio que a abundância de Glc também é percebida como um alto estado de
nutrientes e energia, a atividade da HXK não afeta apenas a sequência de reações da glicólise, mas
também interfere na via de sinalização do complexo proteico “Target of rapamycin” (TOR). A via
TOR, por sua vez, é induzida pelos intermediários metabólicos da glicólise indicando uma íntima
conexão para com a catálise de hexoses por HXK. Entretanto, estudos avançados ainda são
necessários para elucidar a conexão entre a sinalização Glc pela via glicolítica (dependente da
atividade de HXK) e a via de TOR.
107
O TORC1 em leveduras e mamíferos tem sua atividade de fosforilação bloqueada pela
rapamicina, um antibiótico produzido pela bactéria Streptomyces hygroscopicus, causando
interrupção da divisão celular e inibição do crescimento. Para a droga agir, é necessário a formação
de um complexo ternário com TOR e uma segunda proteína de ligação, a “FK506-binding protein
12” (FKBP12). Através dessa inibição, principalmente em leveduras e mamíferos, estudos
demonstraram que quando TORC1 está ativo ele está envolvido com diversos processos conservados
como proliferação celular, tradução de proteínas, ciclo celular e embriogênese. O TORC2 é insensível
à rapamicina e regula processos como sobrevivência celular, metabolismo de glicose, pressão de
turgor e migração celular. A maioria dessas descobertas e o interesse na via TORC foi motivada pelo
fato de que modificações na sua atividade quinase podem causar diferentes tipos de cânceres.
Consequentemente, a rapamicina que atua inibindo a proteína TOR, é utilizada como base nos
tratamentos, como na quimioterapia.
Fig. 2. Complexos proteicos TORC1 com rapamcina (a) e TORC2 (b). Fonte: Elaborada pelos autores.
Fig. 3. Sumarização do mecanismo de ação do complexo heterotrimérico SnRK1. O complexo SnRK1 é formado por
uma subunidade catalítica (α) que desempenha papel de quinase, e duas subunidades regulatórias, β e β γ. A SnRK1
responde à cenários de estresse e privação nutrional, direcionando respostas, tanto via regulação enzimática como a
partir do controle da transcrição, com a finalidade de inibir o crescimento e desenvolvimento vegetal. Fonte: Elaborada
pelos autores.
Trehalose-6-Phosphate (T6P)
Ao contrário dos outros sensores mencionados acima, a T6P é um metabólito derivado da via
do açúcar não redutor trealose, amplamente distribuído em organismos procariotos e eucariotos. O
metabolismo de trealose parece ser universal no reino vegetal e possuiu origem ancestral. Embora
existam muitas vias de síntese de trealose, a única encontrada em plantas envolve a ação coordenada
de duas enzimas e o intermediário T6P. Primeiramente, a trealose fosfato sintase (TPS) catalisa a
transferência da glicose da UDP-glicose para a glicose-6-fosfato produzindo T6P e uridina difosfato
(UDP). Então a trealose fosfato fosfatase (TPP) desfosforila a T6P para formar trealose e fosfato
inorgânico (Fig. 4). Ambas enzimas são codificadas por famílias multigênicas. Em A. thaliana 11
genes (AtTPS1-11) codificam proteínas TPS e 10 genes (AtTPPA-J) codificam TPP. A maioria das
111
isoformas de TPS apresenta função regulatória ao invés de catalítica e sua expressão responde
rapidamente aos níveis de açúcares e ciclo diuturno. Em contraste, todas as isoformas de TPP são
catalíticas e sua expressão responde fortemente às mudanças ambientais e estresses abióticos como
frio, seca, hipóxia e disponibilidade de nitrato. A hidrólise de trealose em duas moléculas de glicose
ocorre pela enzima trealase, codificada por um único gene (AtTRE).
112
semente, transição juvenil-adulto, floração, crescimento de novos ramos, produção de sementes, etc).
Diversos estudos confirmam que a T6P é um fator regulador destas transições.
O controle temporal e induzido de mudanças nos níveis de T6P em plantas transgênicas
mostrou que seu aumento modifica a partição de fotoassimilados, com menos quantidade de carbono
direcionado à síntese de sacarose e mais carbono utilizado para a síntese de ácidos orgânicos e
aminoácidos. Além disso, estas plantas possuem uma inibição da degradação das reservas de amido
ao longo do período noturno, essencial para manter as atividades metabólicas e o crescimento.
Interessantemente, algumas interações entre T6P e a SnRK1 foram demonstradas. SnRK1
fosforila diretamente algumas isoformas de TPS e os níveis de T6P podem inibir sua atividade em
tecidos em desenvolvimento. Portanto, SnRK1é tanto um alvo da T6P quanto um regulador de sua
quantidade em células vegetais. Tais achados revelam interações importantes entre as vias e sensores
de açúcares e aumentam a complexidade da rede de mecanismos regulatórios que coordenam o
crescimento vegetal e o metabolismo.
Conclusões
Nos últimos anos, uma evolução importante foi feita na identificação de vias reguladoras de
crescimento das plantas. Algumas dessas vias percebem a disponibilidade e sinais metabólicos
derivados dos açúcares e desencadeiam outros processos celulares. Os sensores de açúcares
mencionados acima podem se relacionar diretamente ou indiretamente entre si, com outras vias, com
as varáveis ambientais e formar complexas redes de sinalização que são extremamente relevantes
para o desenvolvimento das plantas.
Essas vias promovem ou inibem o crescimento através de uma rede de sinalização descrita
resumidamente na Figura 5. As que promovem o crescimento são os sensores de glicose (HXK), a
T6P e o TORC1 enquanto a SnRK1 inibe. HXK está envolvida com sinalização de hormônios
vegetais ao mesmo tempo que a T6P age como um sinal de disponibilidade de sacarose e também
orquestra mudanças no fluxo de carbono alterando a síntese transitória do amido para compensar a
concentração de fotoassimilados e a demanda energética da planta. TORC1 e SnRK1 atuam de forma
antagônica, TORC1 é ativado em condições favoráveis de disponibilidade de nutrientes, aminoácidos
e fatores de crescimento. Nestas condições ele age inativando SnRK1 e estimulará o crescimento. Em
condições de estresses ou de limitações, SnRK1 fica ativa e inibe processos que demandam energia,
como crescimento e desenvolvimento.
As vias de sinalização mencionadas neste capítulo estão envolvidas em muitos processos
biológicos e interagem com outras vias importantes, características que as tornam alvo de estratégias
de melhoramento. Apesar disso, este campo está apenas começando a ser explorado e certamente
muitos pontos que conectam essas vias ao processo de desenvolvimento e as respostas às questões
113
ambientais nas plantas ainda precisam ser estudados. Conhecer os mecanismos que sustentam a
sinalização e regulação da HXK, TORC1, SnRK1 e T6P em plantas é essencial para a compreensão
das complexas redes que regulam o crescimento e a forma em que a planta lida com os estresses.
Ressaltamos as implicações do conhecimento destas vias para a melhoria de culturas no contexto de
mudanças climáticas (como culturas utilizadas para a produção de biocombustíveis), tanto quanto
para produção de alimentos (resistência a estresses que as culturas brasileiras enfrentam) promovendo
atitudes mais sustentáveis diante do crescimento populacional.
Fig. 5. Visão geral dos mecanismos reguladores de crescimento envolvidos na detecção e sinalização do status do
carbono e suas interações. Fonte: Elaborada pelos autores.
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117
CAPÍTULO 9
Revolução verde
A Revolução Verde foi um processo histórico na agricultura cujo um dos principais objetivos
era trazer maior modernização para esse setor, com elevação produção e erradicação da fome mundial
que teve início marcante após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Segundo Rosa (1998), com o
fim da Segunda Guerra Mundial, muitas indústrias químicas que produziam e abasteciam a indústria
bélica norte-americana começaram a produzir e incentivar o uso de agrotóxico como herbicidas,
fungicidas, inseticidas e fertilizantes químicos na produção agrícola para eliminar fungos, insetos e
ervas daninhas. Neste mesmo período a mecanização no campo ganhava força e a construção e adoção
de maquinário pesado, como tratores, colheitadeiras e implementos agrícolas, estariam presentes na
rotina do campo. O novo modelo de agrícola baseou-se na intensa utilização de sementes melhoradas,
insumos industriais, mecanização e diminuição no ‘‘custo’’ do manejo, além do uso extensivo de
tecnologias no plantio, na irrigação e no gerenciamento da produção, que tinham como objetivo
eliminar a fome no mundo, sendo elaborada a denominada Revolução Verde.
No Brasil, quando foi introduzida a modernização do campo foram criadas políticas públicas
para a adoção do novo modelo por parte dos agricultores. Entre elas, pode-se citar o crédito subsidiado
atrelado à compra de insumos como agrotóxicos, adubos e criação de instituições como a EMBRAPA
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e a EMBRATER (Empresa Brasileiras de Terras)
com intuito de dar suporte para as novas tecnologias. Com isso, houve a criação de órgãos de
pesquisas nacionais e estaduais para dar suporte ao modelo, incentivo ao treinamento no exterior para
professores das faculdades de agronomia e a criação de um serviço de extensão rural para levar a
tecnologia até o agricultor que tivesse condição de manter esse pacote tecnológico.
Para Bacha (2004), o conjunto de políticas que fortaleceram o setor agrícola na década de
1970 começou a ser estruturado ainda no final da década anterior, através da determinação de algumas
medidas governamentais, tendo como instrumento dessa ação a criação de políticas de crédito rural
com preços mínimos, desvalorização cambial, ampliação da rede rodoviária brasileira, além de
investimentos em pesquisa e extensão rural. De acordo com Gonçalves Neto (1997), durante a década
de 60, houve um embate político sobre o modelo de desenvolvimento rural brasileiro sendo alicerçado
sobre dois pilares. O primeiro deles está relacionado com a questão da reforma agrária, sob o
118
argumento de que tal instrumento consentiria aos trabalhadores maior acesso ao fator de produção
terra. O segundo, refere-se a outra linha de análise, da questão que consistia no raciocínio da
modernização da agricultura voltada especialmente para o desenvolvimento do complexo urbano-
industrial por meio do crescimento incremental do quantitativo produtivo, concebido por
investimentos em tecnologia agrícola e efetivado pela adoção do uso de fertilizantes, agrotóxicos,
mecanização e orientação técnica.
A Revolução Verde não resolveu o problema nutricional e muito menos da fome, no Brasil,
foi marcada pelo aumento da concentração fundiária, dependência de sementes modificadas, insumos
e maquinários que inviabilizaram a produção dos pequenos agricultores que não tinham recursos
financeiros ou não estavam inseridos nos atuais moldes de produção. Assim, os pequenos agricultores
começaram a encontrar dificuldade em produzir e muitos acabaram vendendo suas terras e tentando
a vida na cidade. Para Abramovay (2000), as principais razões que levaram ao êxodo rural foram “os
subsídios, os incentivos econômicos e o aparato institucional mobilizado para estimular a adoção de
técnicas produtivas e culturas altamente poupadoras de mão de obra”.
Contudo, os problemas gerados pela modernização da agricultura não se limitam apenas ao
âmbito social e econômico, mas também aos impactos ambientais gerados por tais pacotes
tecnológicos que proporcionaram maior erosão genética, extinção de espécies tantos vegetais como
animais, desmatamento desenfreado para produção agropecuária, erosão do solo, contaminação dos
recursos hídrico e o uso compulsivo de fontes não renováveis. Além disso, Conforme Penteado
(2012), os agricultores ficaram dependentes das multinacionais e, em alguns casos, cada vez mais
endividados na busca de obter todos os aparatos tecnológicos necessários em substituição da mão de
obra e da necessidade de aumentar o uso de agrotóxicos, pois o solo tornou-se cada vez mais pobre
pelo seu uso desordenado e gasto causado pelo manejo da agricultura convencional.
O sistema solo
O solo é um recurso natural imprescindível para o funcionamento e vida do ecossistema
terrestre, sendo composto em sua maioria por argila, silte, minerais inorgânicos, partículas de areia,
formas estáveis da matéria orgânica vindas da decomposição biótica da vida do solo, a própria biota
composta de insetos, minhocas, bactérias, fungos, algas, nematóides e gases como O2, CO2, N2,
NOx, podendo estes mecanismos variar com sua localização geográfica.
120
Segundo Blum e Santelises (1994), o solo possui algumas funções principais que podem ser
agrupadas, sendo três ecológicas e três ligadas à atividade antrópica. As funções ecológicas incluem:
a) produção de biomassa (alimentos, energia e fibra); b) filtração, tamponamento e transformação da
matéria a fim de proteger o ambiente de substâncias que podem poluir as águas subterrâneas e
alimentos; c) habitat biológico, reserva genética de plantas, animais e organismos que devem ser
protegidos da extinção. Já as finalidades ligadas à atividade antrópicas incluem: a) meio físico para
base de estruturas industriais e atividades sócio-econômicas, habitação, sistema de transportes e
disposição de resíduos; b) fonte de material particulado (areia, argila e minerais) e c) parte da herança
cultural, paleontológica, arqueológica importantes para preservação da história da humanidade.
Larson e Pierce (1994), acrescentam que as relações do solo com à agricultura e meio
ambiente tem como principais funções a de serem um meio físico para o desenvolvimento vegetal e
habitat para animais e microrganismos, bem como regulação do fluxo de água no ambiente e servir
como um mecanismo “tamponante” na atenuação e degradação de compostos químicos prejudiciais
ao meio ambiente.
Portanto, o solo é um recurso natural e sua qualidade pode ser avaliada por indicadores que
têm a sensibilidade de detectar as variações na sua capacidade de funcionar dentro dos limites dos
ecossistemas para sustentação da produtividade biológica, mantendo a qualidade do ar e da água para
promover a saúde humana, de plantas e animais. A qualificação por meio dos atributos do solo não é
simples, pois leva em conta qual foi o uso do solo, bem como as relações físico-químico-biológicas
e suas variações no tempo e no espaço. Podemos qualificar os solos pelo monitoramento de suas
características físicas, químicas e biológicas, sendo recomendado que os atributos ou indicadores
sejam sensíveis às mudanças em médio prazo como por exemplos: densidade, porosidade, estado de
agregação, compactação, conteúdo de matéria orgânica e nível de atividade biológica segundo
Santana e Bahia Filho (1998).
Dentre os aspectos mais importantes para as atividades agrícolas, os indicadores físicos e
químicos de qualidade de solo podem ser qualificados de acordo com a textura, estrutura, resistência
à penetração, profundidade de enraizamento, disponibilidade de água que pode ser absorvida,
percolação ou transmissão da água e sistema de cultivo, podendo esses indicadores estabelecerem
relações diretas com os processos hidrológicos, pela taxa de infiltração, escoamento da superfície do
solo, drenagem e erosão. Outra função essencial está ligada ao suprimento e armazenamento de água,
de nutrientes e de oxigênio no solo, que é afetada diretamente pela quantidade de matéria orgânica e
características biológicas do solo.
As características biológicas constituem informações preciosas na avaliação qualitativa dos
solos, pois os indicadores microbiológicos são mais sensíveis aos impactos causados pelo manejo do
121
solo, quando comparados àqueles de caráter físico ou químico, podendo trazer informações mais
precisas e de qualidade. Estudos mostram que a matéria orgânica, tanto em culturas anuais quanto em
culturas perenes, podem ser indicadores mais sensíveis para caracterizar a qualidade do solo. A maior
fração ativa do solo é composta pela biomassa microbiana que pode ser aumentada com o incremento
de espécies arbóreas, maior quantidade de espécies vegetais, presença de animais que deixam suas
excretas no solo, auxiliando assim no aumento da biomassa e a atividade da microbiota do sistema
solo. A matéria orgânica tem um papel principal na qualidade de vida do solo, uma vez que atua como
fonte de energia para a massa microbiana e nutrientes para as plantas, pois o carbono vindo da matéria
orgânica pode aumentar a troca catiônica no solo induzindo a liberação de nutrientes.
Para que os nutrientes da matéria orgânica fiquem disponíveis para as plantas, é necessário
que antes haja a mineralização da matéria orgânica pelos agentes microbiológicos para que possam
ser liberados e absorvidos os macronutrientes como N, P, S, K, Ca, Mg e também os micronutrientes,
podendo essa liberação de nutrientes provinda da decomposição da matéria orgânica, apresentar de
15 a 80% do P disponível no solo. Além dos nutrientes, o carbono também pode ser introduzido na
quebra da matéria orgânica pelos microorganismos, que através do seu metabolismo podem tanto
produzir quanto sequestrar CO2 da atmosfera e fixar no solo. Logo, aumentar os teores de matéria
orgânica do solo pode reduzir as concentrações de CO2 atmosférico, o que contribui para a mudança
climática a partir do sistema solo-planta ou planta-solo.
Os fluxos de carbono que passam pelo sistema solo são movidos pelo fluxo de compostos
orgânicos, constituído pela matéria vegetal que é adicionada pelas culturas e transformada pela biota
edáfica, resultando na produção de uma sequência de compostos orgânicos com tamanho
122
intermediários, com tempo variável de permanência no solo. Os compostos orgânicos que entram no
sistema solo interagem com os demais componentes para promoção de formação dos agregados no
solo, que resulta na formação de estruturas de tamanho e complexidade diferentes, caracterizando os
distintos níveis de ordem do sistema. Quando o sistema planta-solo permite a possibilidade de maior
entrada de compostos orgânicos para o sistema solo, o mesmo tem melhor condições de se auto
organizar em macroagregados (estruturas complexas, maiores e mais diversificadas) pelo micro e
macro fauna, aumentando a capacidade de reter a energia no sistema solo na forma de carbono. Essa
capacidade de reter energia na forma de carbono na matéria orgânica, possibilita com que o sistema
solo desenvolva maior resistência à erosão hídrica e eólica, melhore a infiltração e retenção de água
no solo, sequestre maior quantidade de carbono, aumente o estoque de nutrientes, melhore a adsorção
e complexação de compostos organicos e inorganicos, favoreça a biota do solo, aumente a ciclagem
dos elementos químicos melhorando a qualidade do solo e proporcionando a esse sistema, a
capacidade de cumprir suas funções e atingir qualidade e vida!
Da mesma forma, quando o sistema solo é pouco alimentado de matéria orgânica, o sistema
se auto-organiza com estruturas menores e mais simples (microagregados), pois a quantidade de
energia e matéria orgânica adicionada não é suficiente para conduzir o sistema a formar estruturas
complexas e maiores. Logo, a relação entre os componentes do sistema não é favorecida,
proporcionando a redução da qualidade do sistema solo e promovendo a desestruturação do solo,
aumentando o risco de erosão hídrica e eólica, proporcionando a maior perda de nutrientes e
compostos orgânicos e inorgânicos pela lixiviação que podem contaminar as águas superficiais e
subterrâneas, diminuir a biota do solo e proporcionar a diminuição da diversidade do sistema solo
tornando-o pobre. Logo, as práticas agronômicas devem sempre priorizar o manejo e conservação a
fim de manter ou melhorar os atributos do solo, diminuindo os impactos gerados pelo modo que a
agricultura convencional e predatória é realizada e aumentando a capacidade do sistema solo em
sustentar a produtividade biológica. Contrapondo as práticas de agricultura convencionais, há
modelos de agricultura mais voltadas a conservação, que vêm demonstrando que há métodos de
plantio cujo a produção de biomassa pode retornar em maior quantidade e qualidade para o sistema
solo, melhorando a qualidade e vida do mesmo e podendo ser equiparado ao solo produzido sob
vegetação natural, se comparado à mesma zona climática.
1) Uma visão minuciosa de pesquisa científica que analisa os impactos da agricultura sobre os
aspectos ecológicos e socioeconômicos;
2) Dá o embasamento metodológico do desenho agrícola se baseando no estudo e observação de
sistemas naturais e usando conhecimentos tradicionais visando teorias agroecológicas;
3) Adaptação das práticas com contextualização do meio, com o objetivo de fazer o sistema tornar-
se mais sustentável;
4) Usando o indivíduo como centro do sistema, tornando-se um movimento sócio-político que atua
na escala de todo sistema agroalimentar.
De acordo Lima e Carmo (2006), a agroecologia tem como principal propósito suavizar os
impactos sociais, econômicos e ambientais gerados pela Revolução Verde, contrariando o modelo de
agricultura convencional e trabalhando com uma perspectiva ecológica. O estudo no campo da
agroecologia, passou a identificar e sugerir manejos sustentáveis para o meio ambiente, reduzindo o
consumo de insumos químicos e práticas intensivas de produção em agroecossistemas. Considerando
as lavouras como um ecossistema que interage com o meio, situações encontradas em outras
vegetações como: ciclos de nutrientes, interações predador/presa, competição, comensalismo e
sucessões ecológicas também ocorrem na lavoura. Isto significa que a agroecologia enfoca as relações
existentes no meio biótico e abiótico, observando as interações do homem baseando-a na cultura,
hábitos e tradições.
124
- Agricultura familiar agroecológica ou em transição: manejo agroecológico e diversidade de
espécies, é acompanhado por assistência técnica ou tem influência de aprendizado tradicionais
com a terra, mão de obra local, proprietário rurais com pouca posse de terra;
- Agricultura familiar que tende à especialização: agricultura com sistema tradicional de
produção e composto por culturas diversas, não considerado agroecológico, pequena extensão
de terra, mão de obra interna e externa. Possui engenho, casa de farinha, beneficiamento do
produto na própria propriedade, tem acesso ao Pronaf;
- Agricultura especializada: Geralmente está inserida em pequena e média propriedade,
especializada por uma única cultura (cana, mandioca, tomate etc), bem aparada tecnicamente,
uso de insumos químicos agrícolas, mão de obra contratada, acesso a maiores investimentos
do Pronaf.
Logo, os agroecossistemas tem diversas maneiras de serem caracterizadas, bem como serem
mais ou menos sustentáveis.
Reijntjes et al. (1992), descreve que os agroecossistemas com metodologias mais sustentáveis
são aqueles que se baseiam em desenhos com papéis mais ecológicos como;
a) Otimiza a disponibilidade do fluxo balanceado de nutrientes através do aumento da
reciclagem da biomassa;
b) Proporciona aumento das atividades biológicas do solo através do manejo da matéria
orgânica, assegurando assim condições favoráveis de crescimento para as plantas;
c) Através da cobertura vegetal buscam armazenar água melhorando o solo, proporcionando
assim, o manejo do microclima e minimizando as perdas relativas dos fluxos de radiação solar e da
água;
d) Através do tempo e espaço diversificam específica e geneticamente o agroecossistema que
auxilia nos processos e serviços ecológicos chaves, aumentando as interações biológicas e os
sinergismos entre os componentes da biodiversidade.
Com o aumento das pesquisas científicas mais se tem indagado a respeito dos sistemas e
práticas de novos produtos ecossistêmicos como: policultivos, rotação de culturas, manejo integrado
de pragas e doenças, uso de plantas de cobertura e adubação verde, compostagem e adubação
orgânica, sistemas agroflorestais, plantio direto ou de baixo revolvimento do solo e entre outros.
Umas das diferentes formas para produzir e melhorar os solos são os Sistema agroflorestais (SAFs),
apresentando-se como uma ótima ferramenta para produção de alimento e preservação da mata nativa.
125
Os sistemas agroflorestais tornaram-se uma alternativa para agricultura convencional, não
segregando a agricultura familiar, sendo acessível, melhorando as condições físicas do solo ao
contrário da agricultura convencional que depende de insumos externos e máquinas, acarretando em
impactos negativos ao meio ambiente. Já os SAFs são sistemas de utilização do solo com o uso de
espécies perenes lenhosas (árvores, arbustos, palmeiras e bambus) sendo intencionalmente plantadas
e manejadas em associação com cultivos agrícolas e/ou animais. As diferentes espécies são inseridas
no sistema de acordo com seu ciclo de vida, estrutura e papéis que aumentam a biodiversidade,
complexidade com incorporação de maiores agregados do solo, auxiliando significativamente nos
fatores edáficos, físicos, químicos, hídricos e microbiológicos, aumentando a vida do sistema.
Fig. 1. Classificação dos agregados de solo (média) por diferentes tamanhos granulométricos em solos de
Sistemas agroflorestais em diferentes estágios de sucessão (SAFi: SAF inicial, SAFmed : SAF em estágio médio, SAF
ma – SAF em estágio maduro, PAs – pastagem e área controle). Fonte: Pereira, 2020.
126
Fig. 2. Valores médios (n=4) da concentração de Matéria Orgânica (MO) dos solos de Sistemas agroflorestais
em diferentes estágios de sucessão (SAFi: SAF inicial, SAFmed : SAF em estágio médio, SAF ma – SAF em estágio
maduro, PAs – pastagem e área controle) As barras representam o desvio padrão da média (*Médias seguidas da mesma
letra não diferem estatisticamente pelo teste de Tukey a 5% de significância. Fonte: Pereira, 2020.
.
Em outras palavras, a metodologia empregada pelo SAF proporciona uma combinação
profundamente abundante e diversa, mantendo as variedades de espécies em diferentes extratos,
combinada ou não com animais, buscando imitar ou replicar o padrão de sucessão natural encontrado
na natureza. Conforme Peneireiro (2014), os sistemas agroflorestais são encontrados em diferentes
perspectivas, desde de consórcios simples, semelhante a métodos encontrado na monocultura,
priorizando a combinação de espécies para se obter uma excelente produção, mas otimizando
insumos, mão de obra e havendo como base uma espécie florestal em junção com espécies agrícolas
e entre outros como os quintais agroflorestais mais complexos, que tem como base os ensinamentos
da própria floresta. Segundo o Manual da Agrofloresta para Mata Atlântica (2008), os SAFs podem
ser categorizados com o seu uso mais difundido, considerando-se aspectos estruturais e funcionais
como; Sistemas silviagrícolas: descritas pela união de árvores, arbustos e/ou palmeiras com espécies
agrícolas. Por exemplo: o consórcio “café, ingá e louro” ou “pupunha, cupuaçu e castanheira”.
127
Fig. 2. Consórcio café com inga (9x9) e louro-pardo (18x18) (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata
Atlântica, 2008).
Fig. 3. Sistema silvipastoril com árvores plantadas em distribuição relativamente uniforme e área de pastagem abaixo
(Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).
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Fig. 4. Quintal com sistema agroflorestal junto com criação de galinhas (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para
Mata Atlântica, 2008).
Podemos também analisar os SAFs pela sua idade distinguindo duas principais divisões
segundo o manual da Agrofloresta para mata atlântica (2008) como; SAFs simultâneos (ou
concomitantes): cujo todos os integrantes foram associados no mesmo período de tempo, durante
todo o ciclo das culturas existentes como o consórcio café, ingá e louro-pardo. Ou, SAFs sequenciais:
cujo os componentes que participam do sistema tem uma relação cronológica, se sucedendo no tempo
como no caso da Capoeira com lavoura branca ou outras culturas.
Fig. 5. Sistema Agroflorestal sequencial com linhas alternadas de roça, capoeira, roça e capoeira (Imagem tirada do
manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).
Segundo o Manual da Agrofloresta para Mata Atlântica (2008), de maneira geral, podemos
ter no SAFs várias espécies que são cultivadas e mantidas, podendo ser classificadas como:
Espécies prioritárias: são culturas anuais, persistentes ou perenes usadas para o alto-consumo,
levando em consideração a soberania alimentar da pessoa que cultiva em relação a diversidade,
qualidade e também para geração da renda.
Espécies perenes: morango, bambu, plantas medicinais, batata, cacau, café, inúmeras
frutíferas e etc.
Também podemos citar culturas que tem funções como bioindicadoras que podem indicar
características ácidas e nutricionais do solo, plantas adubadoras que podem fazer simbiose com
bactérias e liberar nutrientes para o solo, bem como, plantas repelentes que ajudam a controlar
determinadas pragas. Além das várias espécies e diversas características e utilidades que as plantas
têm e podem trazer a distribuição dessas espécies também podem ser variadas para compor os
distintos tipos de SAF como:
Distribuição espacial irregular: Às disposições das espécies não seguem um padrão (ex.
espécie arbórea oriunda de regeneração natural) ou habituada a variações ecológicas (tipo de solo,
nível de sombreamento etc.).
Fig. 5. Distribuição espacial misturada (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).
130
Fig. 6. Distribuição espacial uniforme (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).
Fig. 7. Distribuição espacial mista (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).
Distribuição espacial em faixas: esse modelo de SAF segue um padrão de plantio pré-
determinado, onde uma faixa abriga espécies de ciclo curto ou porte baixo, e outra de espécies
arbóreas de ciclo médio ou longo.
Fig. 8. Distribuição espacial em faixas (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).
131
Distribuição espacial em “mosaico”: numa mesma área ocupada pelo SAF são realizados
cultivos variáveis, subdividindo a unidade de forma e extensão diferentes, de acordo com a
necessidade de cada cultura. No local é possível encontrar unidades menos sombreadas destinada a
cultivos comerciais que necessitam de mais luz solar e unidades mais sombreadas, destinadas às
espécies perenes comerciais de ciclo longo. Sendo esta distribuição espacial mais biodiversa e mais
rentável ao agricultor.
Fig. 9. Distribuição espacial em “mosaico” (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).
Para Vaz (2001), existem diversos sistemas agroflorestais que possuem uma estrutura
semelhante a encontrada em ecossistemas florestais tropicais, cuja sucessão ecológica está presente.
A sucessão ecológica é observada numa área que teve interferência antrópica, onde o solo é
caracterizado como improdutivo para a agricultura. Se ela passa por pousio, com o passar do tempo,
a própria vegetação, fauna e microrganismo recuperam o solo, tornando-o novamente viável para
produção ao passar das etapas da sucessão (SOUZA, 2014).
A sucessão primária ocorre em ambiente com ausência de vegetação já a sucessão secundária,
refere-se a uma área que existia vegetação e que será recuperada (SOUZA, 2014).
Segundo Peneireiro (2014), os grupos sucessionais baseado nos fundamentos descritos por
Ernst Götsch, requerem exigências das espécies por condições edafoclimática, ciclo de vida e para
que os consórcios estejam completos, são necessárias condições de suma importância para a
funcionalidade e sustentabilidade do sistema, considerando também, as características ecofisiológicas
das espécies, o espaço que cada uma ocupa no extrato do consórcio e identificando as espécies
segundo seus estratos ( baixo, médio, alto e emergente).
Tabela 3. Grupos sucessionais e ciclo de vida (Fonte: LCF- 1581- Recursos Florestais em
propriedade Agrícolas: Sistema agroflorestais).
132
Logo, por mais inovadores e revolucionários que os pacotes tecnológicos implantados pela
Revolução Verde foram, os problemas como a fome e a segurança alimentar apenas serviram de
justificativa para introdução do novo modelo de agricultura mundial, que na verdade não sanou esses
problemas e mostrou-se ser um modelo predatório e segregador. Por mais que os pacotes tecnológicos
tenham auxiliado no aumento da produção e otimização da mão de obra no campo, essas tecnologias
trouxeram grandes consequências negativas nos impactos ambientais, sociais e econômicos. Logo, se
entendermos que houve maior acúmulo de riqueza nas mãos dos grandes fundiários, forçando as
pessoas simples do campo a largarem suas pequenas lavouras e irem para a cidades por não haver
meios de competir com os grandes empresários e assim, novos problemas são gerados como o
processo de favelização, encontrados nos grandes centros urbanos. Já a agroecologia com suas
metodologias, técnicas e manejos sustentáveis tem apresentado resultados positivos para a fauna,
flora e seres humanos, mitigando os processos de degradação do solo, conciliando produção de
alimentos com conservação a partir da análise e observação da própria vegetação, baseando-se nos
conhecimentos dos povos tradicionais e fortalecendo as culturas regionais.
Os SAFs (sistemas agroflorestais) como atividade agroecológica segundo estudos, têm
demonstrado ser uma ótima alternativa para produção agrícola e de regeneração dos ecossistemas,
elevando saúde do solo e das plantas, aumentando a microbiota do solo, melhorando a estrutura,
nutrição, favorecendo a adsorção e complexação de compostos orgânicos e inorgânicos através do
acúmulo de biomassa, ajudando também a amenizar os gases do efeito estufa, preservando a fauna e
flora, acelerando os processos bioquímicos e ciclagem dos elementos químicos, elevando também a
qualidade da água e nutrientes, preservando assim os recursos naturais.
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138
CAPÍTULO 10
Introdução
Isótopos estáveis são uma ferramenta cada vez mais utilizada para se obter informações sobre
o metabolismo e fisiologia vegetal e sua relação com o clima e fatores abióticos do ambiente. Eles
são úteis porque moléculas contendo diferentes isótopos de um mesmo elemento diferem em sua
massa molecular. Isto influencia a velocidade com que as moléculas mudam de estado, se difundem
e reagem quimicamente. Portanto, variações isotópicas vegetais refletem uma série de processos
físicos e biológicos que ocorrem com a água, nutrientes e carbono, desde a sua absorção até a síntese
de tecidos vegetais. A diversidade de processos que podem determinar a composição isotópica em
tecidos vegetais faz com que os isótopos sejam muitas vezes vistos como integradores de estratégias
funcionais das plantas para lidar com condições ambientais variáveis.
Diferentes fatores do ambiente e da planta podem influenciar variações isotópicas de maneira
similar. Por isso, a interpretação de dados isotópicos é muitas vezes desafiadora, e requer uma boa
compreensão da ciência dos isótopos e de como eles são influenciados por processos físicos e
químicos. Quando interpretados corretamente, dados isotópicos podem contribuir para uma visão
diversificada de aspectos ecofisiológicos de plantas, relacionados a processos como a difusão de CO 2
em tecidos do mesófilo foliar, evapotranspiração, reação de carboxilação, metabolismo de reservas e
síntese de tecidos vegetais. O tipo de informação que se pode obter a partir da composição de isótopos
estáveis em tecidos vegetais depende das condições em que as plantas estão crescendo e dos isótopos
que estão sendo analisados. Neste capítulo nós iremos abordar os principais conceitos da ciência dos
isótopos estáveis, como interpretar dados isotópicos que refletem processos ecofisiológicos das
plantas, e as principais aplicações desta ferramenta para estudos ecofisiológicos e áreas relacionadas,
com foco em isótopos estáveis de oxigênio e carbono.
139
entre as abundâncias do total de moléculas em uma amostra contendo diferentes isótopos (I) de um
elemento é denominada razão isotópica (R), com
x
R=xI/yI.
Onde os sobrescritos x e y são a massa atômica do isótopo mais raro e mais abundante,
respectivamente. Por exemplo, a razão isotópica de oxigênio é expressa por 18R=18O/16O, sendo 18O
o isótopo mais raro e 16O o isótopo mais abundante. Da mesma forma, razões isotópicas de carbono
e nitrogênio são expressas por 15R e 13R. Geralmente, o isótopo de maior massa apresenta abundância
muito inferior ao isótopo mais comum. Por isso, e também para facilitar padronização de dados e
comparação de análises realizadas em qualquer laboratório, razões isotópicas são geralmente
expressas pela notação (‰)
δxI = (( xRamostra / xRpadrão ) – 1) / 1000
Onde Rpadrão é a razão isotópica em uma substância padrão internacionalmente convencionada.
Por exemplo, para isótopos de oxigênio, o padrão usado em laboratórios do mundo inteiro é água
obtida por evaporação de diversas partes do Oceano e é chamada de Viena Mean Standard Ocean
Water (VSMOW). Para o carbono, o padrão é o Pee Dee Belemnite (PDB) carbonato de cálcio de
conchas fossilizadas de molusco (belemnita) da formação Pee Dee no Sul da Carolina nos EUA. A
notação δ é a mais utilizada para expressar razões isotópicas, e é comum que os padrões utilizados
para o cálculo de delta sejam expressos junto aos valores de δ, como ‰ VSMOW ou ‰ PDB.
Diferentemente da notação R, a notação delta sempre vem acompanhada da notação completa
do isótopo mais pesado, como δ18O, δ13C, e δ15N. Os isótopos de hidrogênio são uma exceção para
esta notação, porque eles possuem notação específica, 1H e 2D. Por isso o delta de isótopos de
hidrogênio é expresso simplesmente por δD.
Razões isotópicas são interessantes pois são um parâmetro mensurável que varia em processos
físicos e químicos. A alteração da razão isotópica em uma substância é chamada de fracionamento.
A alteração de R entre uma substância de origem A (RA) e seu produto B (RB) decorrente de um
fracionamento depende da natureza da reação e é expressa pelo fator de fracionamento αA–B= RA/RB
= (1000 + δA)/(1000+ δB). α geralmente depende da temperatura em que o fracionamento ocorre,
assim como o resultado do fracionamento, isto é, a diferença de R ao final da reação, é chamada de
fator enriquecimento ou empobrecimento isotópico εA–B= (αA-B - 1) x 1000.
O fracionamento isotópico pode ocorrer em equilíbrio (ε*), como um equilíbrio químico, que é
o que acontece quando moléculas contendo diferentes isótopos são trocadas entre as substâncias em
reação até que cada substância atinja um valor constante de δ para cada substância, com uma diferença
εA–B fixa entre elas, a qual depende apenas da temperatura. O fracionamento também pode acontecer
em não-equilíbrio, neste caso sendo chamado de fracionamento cinético (εk). O fracionamento
cinético não resulta em um δ e ε constantes. Em vez disso, o valor δA é progressivamente alterado,
140
geralmente se tornando cada vez mais empobrecido em isótopos pesados que reagem mais
lentamente. Em contrapartida, o valor δ do produto instantâneo B também muda de acordo com o δA.
Se todo o produto da reação for para um mesmo destino, então no caso de uma conversão total de A
para B, o δB final será igual ao δA original. Estes processos estão ilustrados na Figura 1, e são em
seguida exemplificados com os isótopos da água.
Fig. 1. Representação da evolução de δ durante a conversão de uma substância hipotética A em B, com a linha preta
mostrando o δA inicial no início da reação, linha azul mostrando a evolução de δ B inst do produto instantâneo durante a
conversão, e linha vermelha mostrando a evolução de δB acum do produto acumulado, o qual ao atinge um valor igual a
δA inicial com 100% de conversão. Fonte: Kendall & Caldwell (1998), modificado.
141
do que o δ18O. Isto acontece, por exemplo, durante a formação de gotas de água da chuva. Por isso,
em todo o mundo, o δ18O e δD da água da chuva apresentam uma relação linear que é conhecida
como linha meteórica global da água, em que δD = 8.0xδ18O+10. Desvios da linha meteórica da água
ocorrem sempre que a água se evapore em não-equilíbrio, o que geralmente resulta em água com mais
deutério do que esperado, e, portanto, é chamado de excesso de deutério. Este parâmetro é altamente
sensível e amplamente utilizado em estudos ecofisiológicos e hidrológicos em que isótopos que
compõe a água são utilizados.
Por causa do fracionamento de isótopos da água durante a sua mudança de estado, muitas
informações relevantes podem ser obtidas a partir dos isótopos da água durante todo o seu percurso,
desde chuva, rios e outras possíveis fontes de água para as plantas, do solo, do xilema, das folhas, até
a sua participação na síntese de tecidos vegetais. Na folha, por exemplo, a água presente nos
estômatos e outros sítios de evaporação no mesófilo foliar está sujeita a um enriquecimento
evaporativo constante, pois as plantas precisam transpirar para realizar fotossíntese. Em situações de
estresse hídrico as plantas tendem a reduzir a condutância estomática, o que facilita que a difusão da
água com δ elevado pela lamina foliar. Portanto, valores isotópicos da água obtida da folha refletem
a regulação da sua condutância estomática em resposta a condições hídricas limitantes. Esta
informação é útil para se comparar o nível de estresse hídrico entre plantas crescendo em diferentes
em condições de estresse hídrico (Fig. 2).
Fig. 2. A relação linear entre o δ18O e o δD da água em equilíbrio isotópico, chamada de linha meteórica global da água.
Valores isotópicos que se encontrem fora desta linha resultam de fracionamento cinético durante a evaporação da água,
e podem ser representados pelo desvio do valor observado de deutério para o seu valor esperado. Este desvio é
conhecido como excesso de deutério. Fonte: Craig and Gordon, 1965.
142
Em condições experimentais, pode-se regar as plantas com a mesma fonte de água, de forma
que toda a variação isotópica da água das folhas seja resultante do seu enriquecimento evaporativo
nos tecidos foliares. Entretanto, para estudos em campo, o uso destas informações também requer
conhecimento sobre a composição isotópica da água utilizada pelas plantas estudadas, que é a base
para toda a variação isotópica da água da folha. Se o δ da água utilizada pelas plantas não for o
mesmo, isto também irá se refletir no δ da água das folhas. Portanto a variação do δ da água usada
pelas plantas deve ser considerada, e isto também abre novas possibilidades para estudos
ecofisiológicos.
Uma forma simples de se comparar a água usada por diferentes plantas é através da análise de
isótopos da água obtida diretamente do xilema. Exceto em situações experimentais particulares, não
se observa fracionamento isotópico da água durante a sua absorção pelas raízes. Portanto o δ da água
do xilema integra a composição isotópica de toda a água absorvida pelas plantas, e pode ser utilizado
para avaliar se a água por plantas diferentes composições isotópicas de oxigênio distintas. De fato, o
δ da água do xilema pode não ser a mesma entre plantas crescendo lado a lado. A principal causa para
essa diferença está na profundidade da qual as plantas obtêm água do solo, a qual está relacionada ao
grau de evaporação da água previamente à sua absorção pelas raízes. Camadas superiores do solo está
mais sujeita a enriquecimento evaporativo, e por isso nos primeiros 10-20cm do solo apresentam
valores de δ mais elevados (ou menos negativos) do que a água da chuva que abastece os solos.
Camadas de solo um pouco mais profundas estão sujeitas a pouca evaporação e, portanto, apresentar
valores de δ mais próximos da chuva.
Por causa do perfil isotópico da água do solo, o δ da água do xilema irá variar entre árvores que
absorvam água de diferentes profundidades do solo. Portanto, uma comparação entre os isótopos da
água do xilema e de diferentes profundidades do solo permite avaliar a profundidade de absorção de
água em nível de indivíduos, e como isto varia em diferentes condições de disponibilidade hídrica.
Este tipo de informação é interessante de um ponto de vista funcional, pois contribui para o
entendimento das estratégias das plantas para lidar com limitações hídricas em diferentes condições
edáficas, climáticas, e impostas por competição. Além disso, a água que permanece em camadas mais
profundas apresenta maior tempo de residência, e tende a se misturar com água de vários eventos de
chuva, e em alguns casos, com o lençol freático.
Por isso, ao se incluir nesta comparação o δ da água da chuva, de rios e do lençol freático pode
fornecer informações sobre a origem da água usada pelas plantas. Tais informações são
ecologicamente interessantes porque nos ajudam a compreender até que ponto os indivíduos de uma
espécie ou população dependem exclusivamente de água da chuva, ou se plantas com raízes mais
profundas seriam capazes de absorver água diretamente do lençol freático. A análise e comparação
de isótopos que compõem a água em estudos ecofisiológicos é um campo de pesquisa em crescimento
143
e que tem gerado resultados interessantes, muitas vezes mostrando que as plantas usam
exclusivamente água da chuva, mesmo quando a água de rios e do lençol freático estão ao alcance
das raízes. Nestes casos, muitos estudos já levantaram a hipótese de que existe uma eco-separação
hidrológica entre a água que é retida nos solos, a qual também é usada pelas plantas, e a água que
percola para o lençol freático e para os rios, com implicações para o ciclo hidrológico global.
Entretanto, existe grande variação entre espécies, localidades e tipo de solo, o que abre muitas
possibilidades de pesquisa nesta área.
Em resumo, existem muitas informações ecológicas, funcionais e hidrológicas que se pode
obter a partir da análise de razões isotópicas na água da chuva, rios, do solo em diferentes
profundidades, do xilema e da folha. O maior potencial é alcançado quando existe a possibilidade de
realizar um monitoramento coletas periódicas, em que a água de todos estes compartimentos é
considerada. Este tipo de estudo contribui para uma visão ampla das estratégias funcionais das plantas
para lidar com condições hídricas limitantes impostas por condição abióticas e bióticas do ambiente
em que se encontram, e para a compreensão destas plantas na participação do ecossistema dentro do
ciclo hidrológico. As possibilidades são ainda maiores quando se considera a análise de isótopos
estáveis em tecidos vegetais, não apenas de oxigênio, mas também de carbono.
144
Fig. 3. Resumo simplificado dos processos que podem levar a variações no sinal isotópico de oxigênio e carbono em
tecidos vegetais. Para uma descrição mais detalhada, ver Cintra et el. (2019).
147
Considerações finais
Em resumo, são diversas as aplicações de isótopos estáveis em estudos ecofisiológicos.
Análises de δ18O d δD na água são úteis para avaliar estratégias de absorção de água pelas plantas,
que são um fator determinante no desempenho e sobrevivência de plantas em gradientes edáficos e
hídricos, e para avaliar o nível de estresse hídrico que diferentes indivíduos se encontram. Em
combinação com informações detalhadas sobre o ambiente e sobre traços funcionais das plantas
apresenta muitas oportunidades de pesquisa. A combinação de análises de δ18O e δ13C na celulose
das folhas também podem fornecer informações relevantes sobre a resposta fisiológica das plantas a
condições ambientais, a variações ambientais em escala sazonal e interanual, e auxiliar na
interpretação de dados isotópicos para realização de reconstruções climáticas em ambientes tropicais,
que também são áreas que vêm crescendo globalmente na ciência.
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152
CAPÍTULO 11
Introdução
Dentre as grandes áreas da Botânica, a Morfologia Vegetal se dedica a estudar a forma e a
estrutura das plantas, podendo ser dividida, de maneira geral e didática, em Morfologia Externa ou
Organografia e Morfologia Interna ou Anatomia. Pode-se então definir a Anatomia Vegetal como o
ramo da Botânica que se dedica ao estudo das estruturas internas dos vegetais, auxiliando a entender
os tipos celulares e a organização e orientação das células e tecidos nos diversos órgãos e durante o
seu desenvolvimento, facilitando assim o entendimento das estruturas morfológicas.
A descoberta da microscopia no final do século XVI pelos irmãos Hans e Zacharias Jansen
impulsionou um novo campo de estudos na área das ciências naturais. Porém, a Anatomia Vegetal só
surge como ciência no século XVII e seu marco é a publicação do livro Micrographia de Robert
Hooke, em 1665, considerada umas das obras-primas da ciência. Nele, Hooke documentou, em uma
de suas notórias observações, o termo “células” para as cavidades das finas fatias de cortiça - um tecido
vegetal - que ele observou utilizando o microscópio de luz. Outros trabalhos que tiveram importantes
contribuições foram Anatome Plantarum, de Marcello Malpighi (1675), que trata a planta como um
sistema que pode ser decomposto do exterior ao interior, trazendo importantes informações sobre a
casca, crescimento do caule, gemas, folhas, estruturas reprodutivas e um tipo especial de estrutura
secretora, o laticífero de espécies do gênero Ficus, e The Anatomy of Vegetables Begun (1672) e
Anatomy of Plants (1682), ambos de Nehemiah Grew, com contribuições nos estudos da madeira,
observando fibras na casca, vasos no lenho, um corpo cortical que perfura o lenho (raios medulares),
e parênquima na região medular, sendo ele o responsável por introduzir o termo parênquima.
Podemos observar que, com a criação e o aperfeiçoamento dos instrumentos específicos para
a observação das estruturas microscópicas, a Anatomia Vegetal ganhou destaque tornando possível o
avanço dessa área de conhecimento nas pesquisas básicas, aplicadas e integrativas. Além das novas
técnicas e recursos que permitiram o surgimento de novas abordagens, a integração da Anatomia
Vegetal com as outras áreas das ciências tem ajudado a resolver problemas cada vez mais complexos.
Neste capítulo, veremos um pouco mais sobre os equipamentos utilizados para analisar as estruturas
internas e algumas das áreas de atuação do anatomista.
153
Os Diferentes Tipos de Microscópio
Parte do avanço nas pesquisas deve-se também ao avanço nas técnicas utilizadas, seja em
relação ao desenvolvimento e adaptação dos protocolos laboratoriais como também pelo
desenvolvimento de equipamentos com tecnologias cada vez mais avançadas (Figura 1). No que se
refere aos equipamentos, o microscópio (do grego mikros: pequeno; skopien: ver/olhar) é fundamental
nos estudos anatômicos, sendo os principais tipos listados abaixo.
Fig. 1. Tipos de microscópios mais usados nos estudos de Anatomia Vegetal, com os respectivos modos de preparação
das amostras e imagens obtidas. (A) Microscópio de Luz (Laboratório de Anatomia Vegetal, Universidade de São
Paulo, São Paulo-SP). (B) Lâminas histológicas com cortes transversais seriados de amostra incluída em parafina
(corados com Azul de Astra e Fucsina). (C) Corte transversal da folha de uma espécie de Lamiaceae, evidenciando a
epiderme e o parênquima clorofiliano (amostra fresca, corte manual, cor natural). (D) Corte transversal do botão floral
de uma espécie de Melastomataceae, evidenciando as pétalas e o estigma central (amostra fixada, inclusão em resina,
corte em micrótomo com 5 μm de espessura, corante Azul de Toluidina). (E) Corte transversal do caule de uma espécie
de Apocynaceae, evidenciando as células do xilema com parede lignificada (amostra fresca, corte manual, fluorescência
155
natural sob iluminação ultravioleta). (F) Microscópio Eletrônico de Varredura (Laboratório de Biologia Celular,
Universidade de Brasília, Brasília-DF). (G) Fragmentos de órgãos vegetais secos, aderidos a suportes metálicos e
cobertos com ouro. (H) Superfície estigmática da flor de uma espécie de Melastomataceae, evidenciando a
micromorfologia da parede das células papilosas. (I) Corte transversal do pecíolo de uma espécie de Malpighiaceae,
evidenciando os grãos de amido no interior das células parenquimáticas. (J) Microscópio Eletrônico de Transmissão
(Centro de Microscopia Eletrônica, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-BA). (K) Fragmentos de órgãos
vegetais incluídos em resina. (L) Cortes transversais ultrafinos obtidos em ultramicrótomo com navalha de diamante.
(M) Grades de cobre com cortes transversais ultrafinos, durante a etapa de contrastação. (N) Corte transversal do grão
de pólen bicelular de uma espécie de Melastomataceae, evidenciando a ultraestrutura da esporoderme e citoplasma
(amostra fixada, inclusão em resina, corte em ultramicrótomo com 70 nm de espessura, contrastantes: acetato de uranila
e citrato de chumbo). Fonte: Elaborada pelos autores.
Fig. 2. Alguns dos campos de atuação da Anatomia Vegetal. Fonte: Elaborada por B. Edson-Chaves.
157
Os caracteres anatômicos têm sido utilizados com grande sucesso nos estudos taxonômicos
em diversas famílias botânicas, especialmente quando as características morfológicas reprodutivas
não estão disponíveis, o que é comum uma vez que em inventários florestais, cerca de 20% das
espécies são encontradas em estágio fértil. Assim, tais caracteres contribuem de forma essencial para
a identificação em diferentes níveis infrafamiliares como subfamílias, tribos, gêneros e espécies. Para
facilitar o reconhecimento das espécies, os caracteres anatômicos constantes e diagnósticos
levantados podem ainda ser utilizados em chaves de identificação, sozinhos ou integrados com os
caracteres morfológicos. Dentre os trabalhos clássicos nesta área podemos citar Systematic Anatomy
of Dicotyledons, de Solereder (1908), Anatomy of the Dicotyledons, de Charles Russell Metcalfe e
Laurence Chalk (1950-1979), Plant Anatomy, de Katherine Esau (1953, 1965), e Anatomy of
Monocotyledons, de Tomlinson (1960-1982). No Brasil, destacamos as inúmeras publicações de
Berta Lange de Morretes (in memorian) e Nanuza Luiza de Menezes, pioneiras nos estudos
anatômicos particularmente das espécies da flora brasileira.
De forma geral, vários autores têm buscado a anatomia como subsídio na identificação de
grupos botânicos mais complexos e é crescente o número de pesquisas realizadas com esse intuito.
Quando uma espécie nova é descoberta, tem sido comum e incentivada a prática de publicar a
descrição anatômica além da morfológica. É cada vez mais comum, também, o uso de dados
morfológicos, anatômicos, moleculares e a combinação deles para um melhor entendimento das
tendências evolutivas e relações filogenéticas entre os diferentes táxons, sendo o conhecimento
anatômico fundamental para a caracterização dos clados e identificação das sinapomorfias que os
sustentam.
O potencial taxonômico da anatomia também se tem mostrado importante para identificar
material fragmentado, especialmente foliares, seja ele proveniente da dieta de herbívoros, de amostras
de plantas medicinais comercializadas, ou de vestígios encontrados em cenas de crimes (ver tópico
de Anatomia aplicada à ciências criminais, mais adiante). No contexto da anatomia da madeira, esta
pode ser usada para auxiliar na identificação de: (i) madeiras de lei, (ii) espécies utilizadas em peças
artísticas e assim permitir a restauração com o mesmo material da madeira original, (iii) madeiras
utilizadas na construção de pontes e construção naval, (iv) das espécies achadas em sítios
arqueológicos, quando estas estão carbonizadas (área conhecida como antracologia) ou não, e (v)
fósseis (paleobotânica).
Fig. 3. Cortes transversais do ápice caulinar de Tetrapterys mucronata Cav. (Malpighiaceae), evidenciando o
desenvolvimento foliar. (A) Fase inicial com a folha em formação ainda conectada ao caule (estrutura arredondada mais
centralizada). (B) Estágio mais avançado do desenvolvimento foliar, evidenciando quatro folhas jovens ao redor do
caule. Fonte: Elaborada por L. N. N. Santos-Silva.
Estudos sobre o desenvolvimento de estruturas vegetais são importantes por exemplo para o
reconhecimento de homologias e, consequentemente, de parentesco filogenético entre grupos
taxonômicos, uma vez que os atributos ontogenéticos tendem a não sofrer efeitos da plasticidade
fenotípica. Além disso, eles auxiliam a definir melhor as estruturas morfológicas, por exemplo: (i)
diferenciação entre a hipoderme e a epiderme múltipla, (ii) definir se uma estrutura tem natureza
estipular ou não, (iii) classificação de frutos, entre outros aspectos.
160
O melhoramento de cultivares com características de interesse envolve a identificação e o
desenvolvimento de técnicas eficientes de propagação dessas características, o que é feito geralmente
por meio de enxertia, cultura de tecidos e cruzamentos artificiais controlados. Nesses casos, o
conhecimento da capacidade proliferativa dos diferentes tecidos vegetais e dos tipos celulares
envolvidos nos mecanismos reprodutivos é essencial. É o que ocorre por exemplo nas plantas
apomíticas, que se reproduzem por meio de sementes formadas assexuadamente, ou seja, sem que
haja fusão entre os gametas masculino e feminino. A produção de sementes viáveis, que garantam a
propagação das espécies com importância econômica é interessante por exemplo quando há limitação
da presença ou atividade dos polinizadores e para viabilizar a fixação de fenótipos de interesse, já que
na ausência de fusão de gametas são gerados indivíduos geneticamente iguais ou muito semelhantes
à planta mãe (clones) sem que se percam as vantagens adaptativas próprias das sementes, como a
proteção durante e após o desenvolvimento e a possibilidade de armazenamento devido à dormência
do embrião.
A microscopia de luz fornece importantes informações fitotécnicas como: espessura da
cutícula e ceras epicuticulares; presença e densidade das células de sílica; características estomáticas;
morfologia e densidade de tricomas; presença de gomas, resinas, látex e mucilagem, presença de
substâncias tóxicas; lignificação dos tecidos; densidade, compactação e espessura da parede das
células do parênquima; presença de suberização interna como reação de defesa contra
microrganismos entre outros aspectos. A análise desses dados pode indicar maior resistência ou
susceptibilidade da planta a patógenos, facilidade ou não na digestibilidade por microorganismos
ruminais, além da resistência da planta a fatores ambientais de modo a compreender melhor as
condições da planta sob condições de estresse biótico e abiótico, visando melhores técnicas de cultivo.
O emprego de técnicas adicionais mais sofisticadas também é comum, como por exemplo a
microanálise, que pode ser obtida no microscópio eletrônico de varredura com detector de energia
dispersiva de raios X (EDS). Essa técnica permite, por exemplo, avaliar o status nutricional das folhas
que são utilizadas na alimentação de rebanhos de corte e leite, por meio da análise qualitativa e
semiquantitativa dos elementos químicos que compõem a amostra vegetal quando sua superfície é
“varrida” pelo equipamento.
e) Histopatologia vegetal
A histopatologia pode ser definida como o estudo dos tecidos vegetais que estão sofrendo um
dano contínuo ao longo do tempo, geralmente associado a um fator biótico, como por exemplo
infecção por vírus, bactérias, parasitas, herbívoros ou fungos (Figura 4). Tais danos interferem nos
processos fisiológicos, alterando características estruturais e bioquímicas, gerando um desempenho
anormal das funções do vegetal.
161
Devido a estas mudanças estruturais, a histopatologia mostra-se como uma área confluente
entre a Anatomia Vegetal e a Fitopatologia, ciência que estuda as doenças dos vegetais. Por meio das
técnicas comumente usadas na Anatomia Vegetal, é possível observar, mesmo em microscopia de
luz, onde e como o patógeno entra no corpo da planta, estudar o ciclo de vida do patógeno, e
identificar as alterações citopatológicas, histopatológicas e organopatológicas. Tais dados permitem
uma melhor compreensão dos mecanismos de interação entre a planta e o patógeno.
Fig. 4. Fungo Prillieuxina winteriana (Pazschke) G. Arnaud (seta) infectando o mesofilo (A) e a face abaxial da
epiderme (B) da folha de Annona muricata L. (graviola). Barra: 50 µm. Fonte: Elaborada por L. N. N. Santos-Silva.
162
vegetais (organização dos tecidos, anéis de crescimento, presença ou ausência de certos tipos
celulares como tricomas, entre outros) pode dar importantes informações sobre a cena do crime,
localização de um suspeito ou vítima, e ser considerada evidência para o julgamento, apoiando um
álibi ou associando o suspeito ao crime.
A coleta é a etapa principal para que haja interferência mínima nas provas e para que elas não
sejam contaminadas e nesse momento, observações mais gerais sobre o ambiente da cena do crime
são importantes, incluindo o hábito das plantas, a ocorrência de espécies exóticas, e os componentes
da serrapilheira. As amostras podem ser coletadas nos locais de crime e transportadas para serem
analisadas e identificadas por especialistas botânicos, utilizando várias técnicas da Anatomia Vegetal.
O primeiro caso em que um crime foi elucidado graças ao auxílio da Anatomia Vegetal foi o
do sequestro e assassinato de Charles Lindbergh Junior (filho do aviador americano Charles
Lindbergh), ocorrido nos Estados Unidos em 1932, cuja elucidação dependeu do especialista em
anatomista de madeira Arthur Koehler. O assassino havia construído a escada utilizada para acessar
o quarto e raptar o bebê com diferentes tipos de madeira, como o abeto (Abies sp.), pinheiro (Pinus
sp.) e bétula (Betula sp.), incluindo peças que se encaixavam perfeitamente em partes faltantes do
assoalho de madeira de seu sótão, onde ele executava serviços de carpintaria. No Brasil, tivemos o
caso que envolveu o assassinato da advogada Mércia Nakashima em 2010: algas encontradas presas
à sola dos sapatos do suspeito foram identificadas microscopicamente pelo botânico Dr. Carlos
Eduardo de Mattos Bicudo (Instituto de Botânica de São Paulo) como pertencentes ao mesmo gênero
que é comum na área onde o corpo foi encontrado, ajudando a encerrar o caso.
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CAPÍTULO 12
166
gregos. Hipócrates (460-377 a.C.), por exemplo, considerado o “pai da medicina” em sua obra Corpus
Hippocraticum, contendo cerca de 70 livros, sugeriu um remédio vegetal para cada doença. Já o
botânico Teofrasto (372-287 a.C.), listou aproximadamente 450 plantas com potencial medicinal que
resultou na incorporação da fitoterapia ao conhecimento médico daquela época e no primeiro herbário
ocidental com detalhes do preparo e prescrição de cada planta, os quais são utilizados até hoje na
medicina tradicional.
O grande marco do início da Era Cristã foi a obra De Matéria Médica (50 d.C) escrita pelo
médico grego Pedanius Dioscorides que compreende a descrição e ilustração de cerca de 600 plantas
para utilização terapêutica. Essa obra foi considerada a principal referência de plantas medicinais para
médicos e farmacêuticos, sendo muito dos nomes atribuídos às espécies vegetais usados na botânica
atual. Entre os principais registros apontados por Dioscorides estão o emprego do ópio também como
veneno e do salgueiro branco (Salix alba L. - Salicaceae), matéria prima vegetal para síntese do ácido
acetilsalicílico, para a dor. Hoje, sabe-se que vários medicamentos descritos por Dioscorides tiveram
sua eficácia comprovada no tratamento de doenças renais, epilepsia, etc., demonstrando a sua valiosa
contribuição na área medicinal.
Com o avanço científico da área química na idade contemporânea (XIX), a fitoterapia
progrediu significativamente possibilitando a análise, identificação e isolamento dos princípios ativos
vegetais que passaram a ser utilizados em substituição aos extratos vegetais. Dentre os principais
acontecimentos que caracterizaram este século pode-se ressaltar, o isolamento do potente analgésico
morfina presente no ópio pelo farmacêutico alemão Serturner em 1803; do antimalárico quinina
obtida da casca de Cinchona sp. pelos químicos franceses Pelletier e Caventou em 1819 e da atropina
usada no tratamento de doenças do sistema nervoso oriunda da beladona (Atropa belladonna L. -
Solanaceae) pelo químico alemão Mein em 1831. Além disso, destaca-se o desenvolvimento do
conceito da homeopatia e investigações da atividade de remédios com a menor dose possível pelo
médico alemão Hahnemann em 1976.
Entretanto, devido ao avanço das técnicas em química orgânica no decorrer da primeira
metade do século XX, houve um notável progresso na elucidação da estrutura química dos fármacos
vegetais contribuindo explicitamente para o conhecimento da composição química das plantas,
permitindo que muitas moléculas isoladas a partir de fontes vegetais se tornassem medicamentos.
167
Fonte: figura dos autores.
165
169
D
Fig. 1. 3-Deoxiantocianidinas encontradas em Fridericia chica (Bignoniaceae). Fonte: Elaborada pelos autores.
Em 2006, no Brasil, com o objetivo de garantir acesso seguro ao uso de plantas medicinais e
fitoterápicos foi criada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Decreto Nº 5.813,
de 22 de junho de 2006). A partir desse estímulo na utilização de fitoterápicos, o Ministério da Saúde
publicou, em 2009, a lista RENISUS, a qual elencou 71 espécies com o objetivo de estimular o
desenvolvimento de pesquisa destas espécies e de sua cadeia produtiva. Tal projeto, abre perspectivas
para o estudo com plantas medicinais, especialmente as citadas anteriormente como provenientes do
saber popular, e pode posicionar um papel de destaque para o país no mercado de fitoterápicos. No
entanto, até o momento, apenas dois fitoterápicos oriundos da flora brasileira estão disponíveis no
mercado, o analgésico e anti-inflamatório Acheflan®, obtido através do óleo essencial de Cordia
verbenacea D.C. (Boraginaceae), e o Melagrião® utilizado no tratamento de tosse e asma
desenvolvido a partir das folhas de Mikania glomerata Spreng. (Asteraceae). Em 2016, a venda no
Brasil desses dois fitoterápicos rendeu um total de 53,9 milhões de reais, demonstrando a importância
de incentivo no desenvolvimento de fitomedicamentos de origem nacional.
Indubitavelmente, há um grande esforço no estudo de plantas de uso tradicionais para o
desenvolvimento de novos medicamentos. No entanto, a compreensão de tendências evolutivas e a
classificação vegetal, aliadas a estudos químicos, também podem contribuir como uma ferramenta
para auxiliar e prever potenciais compostos químicos dentro de um mesmo gênero ou família.
O gênero Narcissus (Amaryllidaceae), por exemplo, foi estudado por esse ponto de vista, uma
vez que uma grande variedade de alcaloides, com até 8 esqueletos distintos, já haviam sido descritos
em diversas espécies desse gênero (Figura 2). Desses, a Galantaina, destacada em rosa, é reportada
como uma substância promissora para tratamento da doença de Alzheimer. Essa doença é
caracterizada por ser neurodegenerativa, por causar perda na função de neutrotransmissores cerebrais,
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D
como a acetilcolina, norodrenalina e serotonina. O tratamento mais comum envolve inibição da
enzima acetilcolinesterase, que apresentou grande eficiência no tratamento clínico dessa doença.
Assim, o estudo com espécies de Narcissus visava utilizar a filogenia para buscar novas
potenciais espécies para o tratamento da doença. Os pesquisadores verificaram que a distribuição da
ocorrência de alcaloides do tipo licorina e galantamina são significativamente restritos pela filogenia,
possibilitando, assim, o uso de dados filogenéticos para prever alcaloides de interesse em espécies
não estudadas, e dessa forma, torná-los alvos de estudos para o desenvolvimento de medicamentos
para o tratamento da doença de Alzheimer.
171
D
Esse estudo não é um caso isolado, uma vez que outros gêneros e famílias têm sido
investigados com o emprego da quimiotaxonomia. O gênero Drosera (Droseraceae), por exemplo,
possui, comprovadamente, sessões que apresentam correlação com a produção de naftoquinonas.
Entre esses, pode-se citar a espécie Drosera capensis L., documentada como produtora de duas
naftoquinonas (Figura 3), as quais possuem atividades antifúngica e antibactericida. Apesar da
distribuição desses compostos estar correlacionada com sua taxonomia, a ocorrência simultânea
desses constituintes possui circunstâncias limitadas.
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D
Fig. 4. Exemplos de jasmonatos produzidos por plantas sob estresse abiótico. Fonte: Elaborada pelos autores.
A relação entre microoorganismos e vegetais também pode ser considerada uma fonte
valiosa para a produção de compostos. Fungos endofíticos isolados das folhas e raízes de
Catharanthus roseus (L.) G. Don (Apocenaceae), por exemplo, foram considerados eliciadores,
responsáveis por aumentar nos calos a produção de alcaloides indólicos, tais como vinblastina e a
ajmalicina (Figura 5). Essas substâncias são utilizadas no tratamento do câncer e controle da
hipertensão, respectivamente, e, em condições normais, acumulam-se em baixas concentrações nessa
planta.
Fig. 5. Exemplos de alcaloides indólicos sintetizados em Catharanthus roseus (Apocenaceae) sob influência de estresse
biótico. Fonte: Elaborada pelos autores.
Assim, todas essas abordagens trazem uma luz para a pesquisa e prospecção de novos fármacos.
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baseado apenas em seu nome popular, um grande risco é enfrentado, uma vez que uma planta pode
receber vários nomes dependendo da região de ocorrência. Um exemplo importante nesse sentido,
são as plantas conhecidas popularmente como “erva-cidreira”. Esse nome popular é usado para uma
diversidade de espécies, como por exemplo Alosia citrodora Paulau (Verbenacee), Lippia alba L.
(Verbenaceae), Melissa officialis L. (Lamiaceae) e Cymbopogus citratus DC Stapf (Poaceae), entre
outras espécies.
A identificação incorreta da planta a ser empregada como fitoterápico pode induzir o usuário
a utilizar uma planta sem o princípio ativo desejado, e em alguns casos, induzi-lo a fazer uso de uma
planta nociva à saúde, podendo ocasionar danos mortais.
Outro exemplo que pode ser citado é uma planta tradicionalmente utilizada no Ceará, chamada
de Jararaca, que é frequentemente confundida por muitos com Dracontium asperum K. Koch.
(Araceae) devido sua semelhança morfológica. D. asperum é popularmente utilizada para fins anti-
inflamatórios, porém apesar da semelhança entre as duas espécies, Jararaca é, na verdade, a espécie
Taccarum ulei Engl. & K. Krause (Araceae), uma planta potencialmente venenosa, da mesma tribo
taxonômica da comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia seguine (Jacq.) Schott – Araceae).
Além da correta identificação da espécie vegetal, outro fator limitante para obtenção de seus
princípios ativos é a sazonalidade da coleta do vegetal. Esse cuidado já era observado desde os
primórdios do uso de plantas medicinais. Os carrascos gregos, por exemplo, coletavam suas amostras
do veneno cicuta (Conium maculatum L. - Apiaceae) pela manhã, quando os níveis de coniina são
maiores. Apesar da existência de um controle genético, a expressão na síntese de metabólitos
secundários pode sofrer modificações resultantes da interação de processos bioquímicos, fisiológicos,
ecológicos e evolutivos, podendo ocorrer em diferentes níveis, desde variações ao longo do dia quanto
de acordo com a sazonalidade.
Um dos fatores mais importantes na obtenção de fármacos é a época em que a droga é coletada,
uma vez que a quantidade e, em alguns casos, a natureza dos constituintes ativos não é constante
durante o ano. Diversos autores relatam a influência de variações sazonais no conteúdo de
praticamente todas as classes de metabólitos secundários, como óleos essenciais, lactonas
sesquiterpênicas, ácidos fenólicos, flavonóides, cumarinas, saponinas, alcaloides, taninos, ceras
cuticulares, iridóides, glucosinolatos e glicosídeos cianogênicos.
Alguns exemplos podem ser citados em relação às plantas amplamente utilizadas na
terapêutica e a variação de seus constituintes frente a diferentes pressões sazonais. As folhas de
Digitalis obscura L. (Plantaginaceae) apresentam as menores concentrações de cardenolídeos, como
o lanatosídeo A (Figura 6), na primavera e uma fase de rápido acúmulo no verão. Além disso, as
concentrações de hipericina e pseudo-hipericina na erva de São João (Hypericum perforatum L. -
Hypericaceae), utilizada no tratamento de depressões leves a moderadas, aumentam cerca de três
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D
vezes sua concentração no verão, em relação ao inverno. Nas folhas de Ginkgo biloba L.
(Ginkgoaceae) as concentrações de biflavonoides, como a ginkgetina (Figura 6), constituintes ativos
dos extratos utilizados para tratamento de desordens vasculares periféricas e cerebrais, também
apresentam marcantes variações ao longo do ano.
Fig. 6. Representação das estruturas químicas de lanatosídeo A e ginkgetina. Fonte: Elaborada pelos autores.
A localização geográfica da coleta do material vegetal também pode ser considerada um fator
importante e influenciável na composição química da espécie. Essa relação foi constatada em em
Artemisia annua L. (Asteraceae) proveniente de diferentes regiões da China. Desta planta é extraída
a artemisinina e outros constituintes químicos tais como, o ácido artemisínico, a arteanuína B e a
escopoletina (Figura 7), que contribuem para o efeito antimalárico, além de outras eficácias médicas
comprovadas. Deste modo, foi detectado que os constituintes químicos de A. annua variam
significativamente de acordo com as localizações geográficas, podendo desempenhar um papel
fundamental nas características de eficácia e nos constituintes químicos desta planta.
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Fig. 7. Representação das estruturas químicas dos constituintes de Artemisia annua L. (Asteraceae). Fonte: Elaborada
pelos autores.
Além disso, a ontogenia da planta, bem como os diferentes órgãos vegetais, também são de
considerável importância e podem influenciar não só a quantidade dos metabólitos produzidos, mas
também as proporções relativas de cada componente do extrato. É o caso, por exemplo, das lactonas
sesquiterpênicas produzidas em Arnica montana L. (Asteraceae), consideradas os principais
princípios ativos desta planta utilizada como antiinflamatório. Enquanto plantas jovens acumulam
majoritariamente derivados da helenalina (Figura 8), por outro lado a concentração destes compostos
é reduzida para praticamente zero após aproximadamente seis semanas a partir da formação das
folhas.
Fig. 8. Representação da estrutura química da lactona sesquiterpênica helenalina produzida em Arnica montana L.
(Asteraceae). Fonte: Elaborada pelos autores.
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gênero Taxus que têm sido objeto de inúmeras pesquisas nos últimos anos devido principalmente ser
um forte agente anti-cancerígeno. Esta ação eficiente contra tumores deve-se, sobretudo, à interação
destes compostos com uma proteína específica chamada Tubulina, que é responsável por vários
processos da divisão celular.
Apesar dos resultados promissores do Taxol em relação a sua atividade antitumoral, diversos
fatores são limitantes para sua obtenção de forma natural. Essa substância encontra-se em pequena
quantidade nas cascas de T. brevifolia (± 100 mg/kg de casca seca) e sua extração depende da remoção
completa da planta, ocasionando a morte da espécime. Além disso, Taxus possui lento crescimento e
distribuição restrita, levando anos para que uma nova espécie esteja adequada para a obtenção dessa
substância novamente. Como afirmado acima, devido à escassez de árvores de Taxus, seu lento
crescimento e baixa concentração de Taxol, a obtenção dessa molécula isolada diretamente da planta
é muito limitada, com isso novas formas de obtenção desse importante quimioterápico se faz
necessária. Neste sentido, se destaca a importância de estudos em produtos sintéticos com base em
produtos naturais, sendo que, a possibilidade de modificar a estrutura química das moléculas, de modo
a potencializar suas propriedades farmacodinâmicas ou tornar mais factível sua obtenção, torna a
pesquisa de produtos naturais ou derivados um campo altamente promissor.
Dentre as possibilidades de obtenção e/ou modificação de um fármaco, uma delas é a
semissíntese, que consiste em isolar a molécula de interesse e modificá-la parcialmente por meio de
processos químicos. Para esse caso, podemos citar novamente o ácido acetil salicílico. Este composto
foi desenvolvido a partir da Salicina (Figura 9), porém, devido ao seu caráter altamente ácido, o
principal efeito colateral era fortes dores no estômago. Em vista da solução desse problema, variações
dessa molécula foram obtidas e testadas, chegando à síntese do ácido salicílico (Figura 9), que ganhou
uma série de outros benefícios, como solução para dores de cabeça e articulações, reumatismo e
artrite, embora seu uso ainda ocasionasse desconforto e dores no estômago. Deste modo, um químico
da Bayer, Felix Hoffmann, conseguiu modificar a estrutura dessa molécula de maneira que a tornasse
menos agressiva as paredes estomacais, mantendo suas propriedades benéficas, sendo essa substância
amplamente comercializada atualmente com o nome de ácido acetil salicílico (Figura 9) sendo
popularmente chamada de aspirina.
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Fig. 9. Representação das estruturas químicas da Salicina, do ácido salicílico e do ácido acetil salicílico. Em rosa, o
destaque para a modificação estrutural do composto. Fonte: Elaborada pelos autores.
Outra forma é produzir o composto de maneira totalmente sintética, entretanto essa alternativa
nem sempre é viável. Para entender esse caso, podemos retornar ao caso do Taxol (Paclitaxiel), que
apresenta uma estrutura muito complexa (Figura 10). Apesar de alguns pesquisadores já ressaltarem
o sucesso na síntese total dessa molécula, o que de fato é um grande marco na comunidade científica,
essa substância obtida a partir da síntese total em laboratório não pode ser comercializada devido a
uma série de fatores. O principal ponto que impede sua comercialização é que para adquirir o produto
final, são necessários mais de 20 passos na obtenção da molécula, e o índice de acerto em muitos
desses processos é baixo. Com isso, a síntese total do Taxol é inviável devido ao alto custo de
produção, o que faria com que seu custo comercial tivesse um preço elevado.
Fig. 10. Representação da estrutura química do Taxol. Fonte: Elaborada pelos autores.
Uma outra alternativa, mais recente, consiste em modificar os produtores dos compostos por
meio de engenharia genética. Em alguns casos, essa técnica envolve transferir os genes responsáveis
pelo composto de um organismo para outro, como por exemplo, de uma planta para uma bactéria e/ou
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levedura. A vantagem, nesse caso, é que as bactérias ou leveduras são mais fáceis de cultivar e
crescem mais rapidamente do que as plantas.
Em adicional, é primordial que o produto final passe pelas fases de investigação dos aspectos
de segurança da medicação, como em experimentos em animais. Essa fase é conhecida como etapa
pré-clínica, e tem como objetivo obter informações preliminares sobre a atividade farmacológica do
medicamento. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, mais de 90% das substâncias
estudadas nesta fase são eliminadas devido à toxicidade aos humanos ou ineficiência terapêutica.
Nessa fase, a partir do sucesso do candidato ao fármaco ela está aprovada para ser estudada em seres
humanos.
Por fim, para a prospecção de um medicamento oriundo de produtos naturais ou mesmo
produtos sintéticos, é necessário compreender como esse fármaco irá agir no corpo humano, e essa
etapa de estudos científicos é dividida em quatro fases principais. Na primeira fase o estudo é feito
em um pequeno grupo de pessoas, sem a presença da doença alvo, visando a princípio, investigar
diferentes dosagens do medicamento. Na fase seguinte é realizado um estudo terapêutico piloto para
demonstrar a potencial efetividade do medicamento, sendo que nesse caso, as pessoas voluntárias são
aquelas condicionadas com a doença em enfoque. A terceira etapa é feita em um grande e variado
grupo de pessoas, e o principal objetivo é avaliar e relação de benefício/malefício do medicamento,
contraindicações, efeitos colaterais, dentre outros. Após essa terceira fase, o medicamento está pronto
para ser comercializado, e a partir desse ponto é feita a quarta e última etapa de teste, que compreende
os estudos de vigilância pós comercialização.
Nesse longo caminho, desde a descoberta de uma molécula em um vegetal potencialmente
ativa contra alguma doença até a sua efetiva comercialização visando a cura e/ou tratamento de
alguma enfermidade, muitas substâncias são descartadas e pouquíssimas chegam a se tornar, de fato,
um fármaco e/ou medicamento.
180
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181
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obtido pode não apresentar um desempenho satisfatório. Em muitos casos, esse efeito pode ser
perdido desde o primeiro fracionamento a partir do extrato bruto, indicando que todos, ou a maioria
dos compostos presentes na amostra são fundamentais para um bom resultado.
Muitas indústrias farmacêuticas fazem uso dessa técnica para buscar novos medicamentos,
como por exemplo a Aché, uma das maiores farmacêuticas da América do Sul. Após vários anos de
pesquisa, em 2005 a empresa lançou seu primeiro produto, um anti-inflamatório tópico denominado
Acheflan®. Um fracionamento bioguiado a partir do óleo volátil da erva de baleeira (Cordia
verbenaceae DC. – Boraginaceae) levou a identificação dos princípios ativos que resultou na
atividade anti-inflamatória, sendo que tal efeito foi relacionado a presença de α-humuleno e trans-
cariofileno, dois sesquiterpenos representados na Figura 11 abaixo:
Fig. 11. Sesquiterpenos presentes no óleo volátil da erva de baleeira responsáveis pela atividade anti-inflamatória do
Acheflan®. Fonte: Elaborada pelos autores.
Promissora para a descoberta de novos fármacos, a metabolômica vem sendo apontada por
diversos pesquisadores como uma abordagem capaz de acelerar o processo de identificação de
componentes químicos. Essa técnica correlaciona o perfil químico e de bioatividade de extrato(s) de
planta(s) para orientar o isolamento de compostos. Assim, é possível rapidamente identificar
constituintes já conhecidos (técnica da desreplicação) e apontar alvos para a descoberta de novos
compostos bioativos.
O estudo de folhas de Panax notoginseng (Burkill) F.H.Chen. (Araliaceae), por exemplo,
obteve sucesso para a identificação de um novo composto. As folhas dessa espécie possuem saponinas
do tipo protopanaxadiol em abundância, as quais conferem elevada atividade antitumoral ao extrato.
Um estudo de estrutura-atividade desses compostos demonstrou que a atividade mais pronunciada
estava relacionada a compostos com baixa polaridade (menor número de hidroxilas e açúcares).
182
D
Assim, visando estruturas com essas características, pesquisadores utilizaram o recurso da
metabolômica, obtendo êxito na identificação de um novo constituinte antitumoral.
Apesar de ser uma valiosa ferramenta, a metabolômica exige a utilização de técnicas sensíveis
e bem reprodutíveis, como é o caso de cromatógrafos (Cromatógrafos Líquidos de Ultra/Alta
Perfomance - CLAE ou Cromatógrafos a gás - CG) associados a técnicas espectrométricas (como
espectrometria de massas de alta resolução ou Ressonância Magnética Nuclear), além de
conhecimentos em estatística. Adicionalmente, a alta complexidade das amostras analisadas, a grande
variedade de algoritmos utilizados e a desreplicação e identificação inequívoca de componentes
valem ser ressaltadas como desvantagens na utilização deste método.
Já o isolamento fitoquímico é uma abordagem focada em uma compreensiva caracterização
química do extrato e o isolamento de novos produtos naturais, sem que haja uma avaliação imediata
da bioatividade. Assim, após a desreplicacão, os estudos são focados no isolamento de componentes
químicos, os quais podem ser posteriormente testados para uma série de atividades diferentes.
O isolamento fitoquímico é largamente utilizado na literatura. A investigação de uma
variedade de absinto livre de Tujonas (Artemisia umbelliformis Lam – Asteraceae), por exemplo,
levou a obtenção de uma lactona sesquiterpenica, nomeada como genopolídeo. Posteriormente, esse
composto foi estudado por seus efeitos como anti-inflamatório tópico, apresentando resultados
promissores.
Assim a técnica de isolamento químico pode ser favorável para a melhor compreensão e
caracterização de componentes químicos novos, porém é considerada onerosa, exigindo tempo e
esforços, sem que haja uma garantia de que o composto apresentará alguma atividade biológica
relevante.
Outra estratégia que tem sido reconhecida na identificação de potenciais metabólitos vegetais
bioativos é denominada de "abordagem direcionada ao metabolismo", ou seja, algumas moléculas
podem não estar presentes no material vegetal inicial, mas são sintetizadas como resultado da
transformação metabólica in vivo pelos microrganismos intestinais ou pelo organismo dos mamíferos,
a fim de torná-las farmacologicamente ativas. Por outro lado, a ausência de compostos efetores no
material vegetal de partida tem gerado inúmeros desafios para as estratégias convencionais de
investigações da bioatividade de plantas medicinais tradicionalmente utilizadas.
Como exemplo dessa abordagem pode-se destacar os flavonoides dietéticos. Compreendendo
mais de 10 milhões de flavonoides identificados, geralmente encontrados na natureza como
glicosídeos, esses compostos têm atraído grande interesse devido às evidências crescentes de seus
efeitos benéficos para a saúde humana. Estudos recentes demonstraram que a ingestão regular de
flavonoides está correlacionada com a redução da possibilidade do risco de doenças tais como
Alzheimer, tumorais, inflamatórias, entre outras.
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A ingestão de flavonoides glicosilados por mamíferos leva a formação de suas respectivas
agliconas por meio da ação de enzimas ou da microflora intestinal. Nesse sentido, a biotransformação
pelo organismo e/ou microrganismo desses compostos pode modular suas propriedades biológicas.
O processo de sulfatação e glucuronidação são particularmente importantes a fim de aumentar o peso
e a solubilidade de agliconas polifenólicas e, consecutivamente, sua atividade fisiológica e biológica
no organismo.
Considerando o histórico, os desafios e as estratégias da utilização de plantas para fins
medicinais são notáveis os avanços da pesquisa com essa abordagem em prol da saúde humana. No
entanto, torna-se explícito a necessidade de um maior incentivo científico e tecnológico de qualidade
nesse campo, a fim de contribuir para a prospecção de produtos inovadores proveniente da
biodiversidade vegetal brasileira e, consequentemente, posicionar o Brasil em um papel de maior
destaque no cenário do mercado mundial de fitomedicamentos.
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CAPÍTULO 13
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tivessem dificuldades de compreender a verdadeira natureza de doenças em plantas. Somente quase
dois mil anos depois de Teofrasto, quando houve avanços em abordagens científicas e microscópicas,
que essa natureza começou a ser elucidada.
Fatos importantes na história contribuíram para esses avanços, como o surto de requeima da
batata na Europa. Nativa dos Andes, a batata (Solanum tuberosum) foi introduzida na Europa,
tornando-se em pouco tempo uma das bases alimentares em todo o continente. Durante o século XIX,
extensas áreas de plantio foram acometidas pela doença da requeima da batata, causada pelo oomiceto
Phytophthora infestans, gerando ondas de fome por toda a Irlanda. Esse marco trágico motivou os
cientistas da época a buscarem uma solução. O cientista Miles J. Berkeley, interessado em
compreender a doença na planta, concluiu através de observações microscópicas que o agente causal
era P. infestans, no entanto, essas conclusões não foram rapidamente aceitas. Somente anos mais
tarde, quando Anton de Bary transferiu esporos de plantas doentes para plantas sadias, tornando-as
infectadas e em paralelo, com as descobertas de Louis Pasteur e Robert Koch que resultaram na
publicação do postulado de Koch em 1890, que se iniciou o processo de aceitação da teoria dos germes
e sua relação com doenças.
No mesmo período, o pesquisador Thomas J. Burril (1878) descobriu que uma doença que
afetava pêras e maçãs era causada pela bactéria E. amylovora, e essas descobertas tomaram relevância,
sendo que sua técnica de observação com lâminas, tecidos contaminados e água é até hoje uma das
abordagens mais simples e usadas para detecção de bactérias em tecidos vegetais.
Pouco tempo depois, no ano de 1890, os pesquisadores Martinus Beijerinck e Dmitri
Ivanovsky identificaram através de fotomicrografia, técnica bastante inovadora para a época, o agente
causal do mosaico do tabaco que a princípio fora descrito como uma bactéria atípica, sendo mais tarde
revelado como um vírus. Não menos importante, a nematologia experimental começou em 1850, com
nematóides das galhas que afetam mudas de pepino sendo descritos por Berkeley. Por serem
macroscópicos, os nematóides parasitas de plantas foram identificados e compreendidos mais
rapidamente.
Ao longo dos anos seguintes, foram realizados numerosos avanços no estudo de plantas e
microorganismos, logo, é justo dizer que a fitopatologia surge a partir dessas descobertas,
consolidando-a como uma área de relevância global. Além do mais, em função da constante evolução
de técnicas microscópicas e abordagens moleculares, novas perguntas começaram a ser formuladas,
indo além da simples identificação de agentes microscópicos e agora focando na melhor compreensão
das partes que compõem a interação, tais como: O que está por trás do limiar existente entre uma
interação planta-microrganismos benéfica ou prejudicial? Como as plantas efetivamente se
defendem? Quais são as primeiras modificações celulares em resposta a uma infecção? Para entender
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como a microscopia pode nos ajudar a elucidar parte dessas perguntas, é necessário ter um claro
entendimento de como funciona o sistema imune vegetal, como será apresentado a seguir.
Fig. 1. Modelo zig-zag-zig do mecanismo de funcionamento do sistema imune vegetal. São apresentadas as amplitudes
de defesa vegetal em diferentes estágios de infecção. Moléculas MAMPs ao serem reconhecidas pela célula vegetal,
ativam o sistema imune PTI, que pode ser reprimido pela produção de efetores por parte do patógeno, reduzindo as
defesas da planta, que contra-ataca com a ativação do sistema imune ETI. Dependendo da amplitude de respostas ETI, a
planta pode desencadear uma resposta de hipersensibilidade (HR - hypersensibility response) e/ou sucessivas respostas
ETI. Por Dora Bonadio
Esse reconhecimento por PRRs ativam as defesas da planta quando o sistema é compatível,
resultando em uma resposta desencadeada pelo sistema imune, comumente conhecido como PTI
(pattern (or PRRs) triggered immunity). Em contrapartida, microrganismos potencialmente
patogênicos produzem moléculas e proteínas conhecidas como efetores que suprimem esse
mecanismo de ativação do sistema imune PTI, dando início a um processo na planta denominado
como susceptibilidade desencadeada por efetores (ETS - effector-triggered susceptibility). Nesse
processo, a planta responde com uma segunda onda de sinalização, chamada de ETI (effector
triggered immunity), que é uma imunidade desencadeada por efetores através da expressão de genes
Avr-R (genes de resistência anti-virulência). É possível que durante o processo de infecção, novas
ondas de sinalização ETI possam ocorrer, sendo ativadas por novos conjuntos de efetores e Avr-R.
Figura 2: Espectro da luz visível. A partir de aproximadamente 400 nm (roxo) até aproximadamente 700 nm. Quanto
menor é o comprimento de onda maior é a sua frequência e a energia contida pela luz. Comprimentos de onda maiores
possuem menor frequência e menos energia. Fonte: Dora Bonadio.
Como exemplificado para a GFP (Fig. 3), tanto os comprimentos absorvidos (ou de excitação)
quanto os emitidos, formam um espectro contínuo, que possui maior absorção ou emissão em um
determinado comprimento de onda.
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Fig. 3. Stokes shift da proteína fluorescente GFP. A faixa de absorção (em azul) tem comprimentos de onda maiores que
a de emissão (em verde). Fonte: Dora Bonadio.
Assim, existe um ponto de excitação e emissão máximos para cada material fluorescente, e
que é próprio de cada fluoróforo. Por isso é necessário conhecer as propriedades específicas do
material que se está utilizando. Além disso, já que a emissão é diferente da excitação, é possível filtrar
a imagem de forma a destacar apenas a luz emitida por fluorescência da amostra (da, possivelmente,
refletida pelo material).
Fig. 4. Esquema do funcionamento de um microscópio de epifluorescência: Primeiramente, é necessário que haja uma
fonte de luz (1). Em seguida, a luz deve ser filtrada (2) para permitir que apenas a faixa de luz de excitação do material
atinja a amostra (no exemplo, a luz azul), por um filtro que pode ser trocado a depender do material. Após ser filtrada, a
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luz é direcionada por um espelho dicróico (3) para a amostra. Quando atinge a amostra (4), esta é iluminada e fluoresce
(5) em outro comprimento de onda (no caso, verde). A luz da amostra, tanto nos comprimentos de onda de emissão
quanto de excitação, passa pela objetiva, e novamente por um filtro (6), que deixa passar apenas o espectro da luz
emitida, de forma a selecionar apenas a imagem desejada da amostra. A imagem filtrada então pode ser observada pelo
ocular ou captada por sensores do microscópio (7). Fonte: Dora Bonadio.
Tipos de fluoróforos
Assim, dado o mecanismo de funcionamento da técnica de microscopia, fica evidente a
importância de alguns fatores. O primeiro deles é o fluoróforo. É necessário entender primeiramente
o que se quer destacar na amostra. Pode-se dividir os compostos fluorescentes em autofluorescentes,
ou seja, compostos presentes no material biológico que fluorescem sem nenhuma marcação adicional;
corantes, pequenas moléculas orgânicas que se ligam a determinadas regiões da amostra; proteínas
fluorescentes, que podem ser hibridizadas com proteínas dos organismos ou expressas separadamente;
e anticorpos ligados a pequenas substâncias fluorescentes que se ligam a proteínas específicas da
amostra, o que é chamado de imunofluorescência.
194
D
Autofluorescência
Apesar de não ser um fluoróforo específico, a autofluorescência do material observado é algo
a ser levado em conta. A própria composição vegetal permite a observação de algumas estruturas que
são autofluorescentes, ou seja, quando expostas a determinados comprimentos de onda e observados
sob os filtros certos, emitem luz em determinados comprimentos de onda, destacando-se no material
biológico. Os cloroplastos, por exemplo, possuem autofluorescência a aproximadamente 680 nm, ou
seja, vermelha, devido aos seus pigmentos, como a clorofila e carotenóides. Essa característica dos
cloroplastos pode ser utilizada como referência para a localização da estrutura na célula vegetal.
Porém em alguns casos ela pode atrapalhar a visualização de outros pigmentos que se deseja observar.
Além disso, a fluorescência dos cloroplastos pode ser acessada para identificação de regiões
necróticas nos tecidos, já que a ausência de fluorescência indica a morte celular e a perda de função
dos cloroplastos. No contexto da fitopatologia, essa característica permite acessar regiões da planta
onde ocorreu reação hipersensível (Hypersensitive response, do inglês), que é uma resposta da planta
a infecção por patógenos em que as células sofrem morte celular de forma a impedir o avanço da
infecção para os tecidos vizinhos.
Corantes
Diversos marcadores fluorescentes são utilizados na microscopia de fluorescência, entre eles,
alguns corantes, sendo um dos mais comuns o DAPI (4',6'-diamino-2-fenil-indol), uma pequena
molécula orgânica, que se liga ao DNA, com um pico de absorção na faixa do ultravioleta,
aproximadamente 350 nm, e emissão no azul, aproximadamente 500 nm. Assim, é muito utilizado
para marcação do núcleo celular.
Proteínas fluorescentes
Atualmente diversas proteínas fluorescentes são utilizadas em microscopia de fluorescência.
A proteína fluorescente clássica é a GFP (Green Fluorescent Protein) que foi originalmente isolada
de uma água-viva (Aequorea victoria). Essa proteína possui pico de absorção no ultravioleta
(aproximadamente 400 nm) e de emissão no verde (aproximadamente 500 nm). Após ser sequenciada
e clonada, passou a ser muito utilizada, e diversas variações da proteína foram desenvolvidas,
tornando-a mais estável ou modificando seu pico de absorção e emissão. Diversas variantes dessas
proteínas podem apresentar cores de fluorescência diferentes, como a YFP (Yellow fluorescent
protein) e a CFP (Cyan fluorescent protein).
As proteínas fluorescentes podem ser utilizadas para a visualização de um determinado
microrganismo de interesse na planta. Basta que essa proteína seja clonada na sequência do
195
D
microrganismo de forma que este passe a expressar a proteína e possa ser facilmente identificado por
microscopia. Assim, é possível observar em que regiões do tecido, por exemplo, ele está presente.
Imunofluorescência
Outro tipo de fluoróforos são os utilizados na técnica de imunofluorescência. O princípio é o
mesmo das outras técnicas citadas anteriormente, mas a particularidade é o método pelo qual o alvo
de estudo é marcado com a fluorescência. Nesse caso, o fluoróforo interage com o alvo (geralmente
proteínas celulares) através de um anticorpo. Essa associação pode ser direta, em que o fluoróforo
está conjugado (conectado) ao anticorpo que identifica o alvo (mais precisamente o epítopo), ou
indireta, em que o anticorpo conjugado ao fluoróforo reconhece o anticorpo que identifica o alvo (Fig.
5).
Fig. 5. Comparação dos métodos de imunofluorescência direta e indireta. A principal diferença entre a
imunofluorescência direta e a indireta é que, na primeira, o fluoróforo está conjugado ao anticorpo que reconhece o
epítopo do alvo/antígeno (anticorpo primário) e, na indireta, o anticorpo conjugado ao fluoróforo (anticorpo secundário)
reconhece o anticorpo primário (que reconhece o epítopo do alvo). Fonte: Dora Bonadio.
O caráter específico dos anticorpos possibilita estudos precisos, até mesmo proteínas pouco
expressas dentro de células. A imunofluorescência geralmente é utilizada para marcar estruturas e
componentes celulares. Vale citar que a técnica pode ir além do estudo com microscopia, tendo sido
propostos métodos de detecção de patógenos em campo utilizando kits baseados em
imunofluorescência, como para a detecção de Acidovorax citrulli proposto pela equipe de Zeng em
2017.
Estudos de caso com microscopia
196
D
Um exemplo recente do uso da técnica de microscopia de fluorescência associada a GFP é o
trabalho desenvolvido por Steentjes, publicado este ano, em que são estudados três fungos patogênicos
de cebola, taxonomicamente próximos, mas com diferentes estratégias de colonização.
Separadamente, os fungos foram transformados a fim de expressarem a proteína fluorescente (GFP)
e posteriormente germinados e postos em contato com as plantas hospedeiras. A microscopia de
fluorescência permitiu evidenciar as diferentes estratégias: um patógeno lança suas hifas através dos
estômatos e de paredes anticlinais da epiderme, outro apenas forma massas de hifas sobre a epiderme
da planta, enquanto o terceiro infecta a planta através das raízes, que, após completamente tomadas,
parte para outras partes do vegetal. Ademais, ao infectar uma planta não-suscetível (tomateiro) com
um dos patógenos, foi possível ver, pela perda de fluorescência do tecido fúngico, que o sistema imune
da planta reagiu à infecção, induzindo morte celular das estruturas invasoras, sem afetar as estruturas
externas à planta.
Mas não só de patógenos vivem os estudos com microscopia de fluorescência. Em 2020, Wang
e colaboradores buscaram compreender como uma bactéria (no caso, Bacillus) influenciava
positivamente o crescimento de cana-de-açúcar. E como a interação se dava. Com uma cepa
transformada com GFP, notaram que a interação ocorre principalmente na superfície da raiz, em forma
de agregados de células. Graças a uma investigação mais profunda e às bactérias transformadas, foi
possível observar que também estavam presentes no mesofilo. Outras análises e um ensaio de
crescimento em casa de vegetação mostraram que as bactérias promovem o crescimento através de
uma “fertilização biológica”, com os metabólitos secretados, assim como alguns desses metabólitos
apresentam ação anti-fúngica. Considerando que elas se beneficiam dos exsudatos da cana-de-açúcar,
podemos dizer que é um recrutamento mais do que vantajoso para ambas as partes.
E a técnica não está restrita a microrganismos transformados. Há mais de 30 anos, Wolf e
colaboradores demonstraram o efeito que um vírus (no caso o vírus mosaico do tabaco) possui na
permeabilidade de plasmodesmos. Tal resultado foi possível ao monitorar o transporte de dextranas
(polissacarídeos de alto peso molecular) marcadas com fluoróforos em células de plantas de tabaco
transgênicas (expressando a maquinaria viral que atuava nos plasmodesmos). Ou seja, este é um
exemplo de estudo focado num aspecto específico da interação. Alguns anos mais tarde, em 1995,
Heinlein e colaboradores estudaram mais diretamente o movimento do mesmo vírus (dessa vez
transformado com GFP) dentro de células de uma planta de tabaco e notaram a interação e o
alinhamento dos filamentos formados com a rede de microtúbulos, elucidando o possível método de
transporte do vírus dentro da célula.
Apesar de termos focado na identificação e comportamento dos microrganismos, as técnicas
citadas também auxiliam na compreensão das estratégias de defesa das plantas. Em 2020, o grupo de
Ropitaux, na França, usou, entre outras técnicas, imunofluorescência para estudar e descrever um
197
D
mecanismo celular de defesa de plantas de soja. Investigando tipos específicos de moléculas
secretadas e que compõem células de borda de raiz, o grupo caracterizou a natureza desse sistema de
defesa. Baseando-se nos dados presentes na literatura, foram preparados anticorpos cujos alvos foram
epítopos associados a polissacarídeos e glicoproteínas de parede celular, além de DNA extracelular e
proteína histona H4. Associado a um ensaio a parte, que viu o efeito desses produtos no oomiceto
patogênico Phytophthora parasitica, o grupo concluiu a efetividade dessa complexa “armadilha”
produzida na raiz, tanto como uma barreira física quanto química a patógenos.
Conclusão
Este objetivo deste capítulo foi apresentar a microscopia de fluorescência como uma
ferramenta para o estudo das interações planta-microrganismos, revelando brevemente suas várias
possibilidades de aplicação. Mas o que está contido neste capítulo é apenas uma amostra. Além do
que foi escrito aqui, há uma miríade de estudos já feitos e ainda há trabalhos sendo realizados a fim
de refinar e expandir a tecnologia e a metodologia baseada no que já existe. Então, que esta leitura
tenha servido de convite a uma busca mais profunda nesta técnica, que ainda tem tanto a revelar sobre
o íntimo da relação entre as plantas e os microrganismos.
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200
D
CAPÍTULO 14
1 Transcriptômica
Microarranjo RNA-seq
Alto Baixo
Quantidade de RNA
~1 μg mRNA ~1 ng RNA total
Alta
Intensidade de Trabalho Baixa
(preparação das amostras)
Sequência do
Nenhum obrigatório
Conhecimento Prévio genoma/transcriptoma
(sequência do genoma é útil)
(construção das sondas)
Variantes de splice
Grau de Resolução SNPs e Variantes de splice
(limitado pelo design da sonda)
Sensibilidade da Análise 1 transcrito por mil 1 transcrito por milhão
203
D
conhecido como hibridização. A abundância de um transcrito é determinada pela intensidade de
fluorescência derivada dessa ligação. Essa análise apresenta duas categorias:
1. Análise de matrizes pontilhadas de baixa densidade: são utilizadas sondas longas o que
impede a identificação de eventos de splicing alternativo na amostra. Além disso, utiliza dois
fluoróforos diferentes para marcar amostras de teste e controle (medições são realizadas em
uma mesma matriz) e a abundância relativa é determinada a partir das proporções de
fluorescência.
2. Análise de matrizes de sondas curtas de alta densidade: são utilizadas sondas curtas que
permitem a identificação de eventos de splicing. Utilizam um único fluoróforo, de modo que
cada amostra é hibridizada e analisada quanto a sua abundância de maneira individual.
Illumina PacBio
Plataforma Oxford Nanopore
Ion Torrent Oxford Nanopore
Alto Médio a Baixo Baixo
Rendimento Corrida
20-30 milhões 0,5 – 10 milhões 0,5 – 1 milhão
Tamanho Sequências 200 pb 1 – 50 Kpb 1 – 50 Kpb
204
D
Transcrição Reversa Sim Sim Não
Métodos de Análise
Softwares
Grande diversidade Poucos Poucos
Disponíveis
Outras Informações
Descoberta isoformas;
Expressão
Descoberta isoformas Montagem
diferencial;
e transcritos transcriptoma;
Pequenos RNAs;
Aplicações fusionados; Detecção modificações
Interação RNA-
Montagem de bases no RNA;
proteína;
transcriptoma Estimação
Outras análises
comprimento da poli-A
Descoberta de
transcritos;
Expressão diferencial Expressão diferencial
Limitações Detecção e
de genes de genes
quantificação de
isoformas
Nas próximas seções deste capítulo, iremos descrever as principais ferramentas de análise
para o estudo da expressão diferencial de genes (DGE, do inglês, differential gene expression) quando
se utiliza a estratégia short-read cDNA RNA-seq para determinação da abundância de transcritos.
205
D
projeto experimental e objetivos. A análise pode ser dividida em duas etapas: controle de qualidade
e análise da expressão diferencial de genes, etapa que apresenta até cinco fases de processamento.
Apesar da alta qualidade das leituras, erros de identificação das bases podem ocorrer durante
o processo de sequenciamento. Para um melhor resultado, antes do início dos estudos de expressão
diferencial de genes, os dados brutos devem ser analisados quanto a sua qualidade, isto é, devem ser
verificados quanto a precisão das bases, conteúdo GC esperado, presença de sequências adaptadoras
(sequências específicas usadas pelas plataformas de sequenciamento para iniciar a amplificação das
leituras) e taxa de duplicação dentro da amostra (evidencia possíveis contaminações com rRNA).
Na atualidade, o controle de qualidade das sequências pode ser realizado por meio da
ferramenta FastQC, software com interface gráfica que possibilita a identificação e marcação para
remoção de anormalidades existentes nas leituras (Figura 1).
Fig. 1. Resultado do controle de qualidade de um experimento de RNA-seq com FastQC. Qualidade das sequências por
base analisada - fornece a distribuição da pontuação de qualidade em todas as bases em cada posição nas leituras. Fonte:
Disponível em: <https://www.bioinformatics.babraham.ac.uk/projects/fastqc/>. Acesso: 17 fev. 2021.
Fig. 2. Principais ferramentas aplicadas na análise de DGE subdivididas em duas metodologias de análise. Metodologia
A: alinhador HISAT utiliza um genoma de referência para mapear leituras em posições específicas do genoma - na
ausência de referência, usa-se a ferramenta StringTie para montagem de um transcriptoma modelo -, em seguida, essas
leituras são quantificadas pela ferramenta HTSeq-count. Após a normalização, método incorporado na ferramenta de
modelagem, a expressão dos genes é modelada utilizando DESeq2, gerando ao final uma lista de genes
diferencialmente expressos. Metodologia B: a ferramenta Salmon, que não executa alinhamento, monta o transcriptoma
e quantifica a abundância dos transcritos em uma única etapa. A saída dessa ferramenta é convertida em estimativas de
contagem pela ferramenta tximport que são usadas pelo software DESeq2 para criar uma lista de genes diferencialmente
expressos. Fonte: Autores 2021 - adaptado da revisão publicada por Stark et al 2019.
De modo geral, a análise de DGE inicia-se com o mapeamento das leituras brutas, geradas
por uma plataforma de sequenciamento, sob um genoma ou transcriptoma de referência - na ausência
de arquivos referência, executa-se a etapa opcional de montagem, a qual utiliza o conjunto de dados
207
D
brutos para criar um transcriptoma modelo. Em seguida, as leituras associadas a cada gene ou
transcrito são quantificadas gerando uma matriz de expressão, a qual é submetida a um processo de
normalização dos dados para remoção de diferenças técnicas. Por fim, os dados são submetidos a
modelagem estatística de grupos, visando a identificação do conjunto de genes diferencialmente
expressos. Nos tópicos seguintes, descreveremos em maiores detalhes as duas metodologias de
análise de DGE.
208
D
tabela de contagem - é gerado um arquivo para cada amostra do experimento, no qual as linhas
representam os genes e a coluna representa o valor absoluto de leituras mapeadas no mesmo.
Por fim, os valores obtidos na tabela de contagem são normalizados e aplicados na construção
do modelo estatístico, o qual é responsável por estabelecer diferenças quantitativas entre condições
de um experimento - análise executada pela ferramenta DESeq2. Para tanto, o software cria uma
matriz de contagem a partir dos dados das tabelas de contagem - concatena todas as informações, de
modo que as linhas continuem representando os genes, enquanto as colunas representam os valores
normalizados das contagens (uma coluna para cada amostra de cada condição). A matriz é então
aplicada em um conjunto de análises Bayesianas resultando na construção do modelo estatístico e
determinação dos genes diferencialmente expressos.
Essa metodologia é baseada no software Salmon, ferramenta para análise de transcriptomas “livre”
de alinhamento, a qual associa de maneira direta as leituras obtidas no sequenciamento com seus
respectivos transcritos, sem a necessidade de uma etapa de quantificação separada. Para isso o
software utiliza um processamento em três etapas: iniciando com um modelo de mapeamento leve, o
qual associa as leituras a possíveis transcritos de origem, seguido por uma etapa de processamento
online, na qual são estimadas as taxas iniciais de expressão dos genes e os parâmetros do modelo, e
uma etapa de processamento offline, a qual é usada para refinar as estimativas de expressão.
Após as três etapas de processamento, o software gera as tabelas de contagem normalizadas, as quais
são aplicadas na construção do modelo estatístico através da ferramenta DESeq2 (processo descrito
no item 3.2.1 deste capítulo).
209
D
neste tutorial podem ser encontrados no banco de dados do Phytozome v13 (https://phytozome-
next.jgi.doe.gov/).
A seguir serão apresentadas etapas de manipulação dos dados na plataforma Galaxy que são
comuns às duas metodologias de análise que serão abordadas neste capítulo.
210
D
Fig. 3. Esquema de obtenção dos dados e etapas para download dos datasets de RNA-seq na interface da plataforma
Galaxy Europe. Fonte: Elaborada pelos autores.
Após realizado o upload dos dados de referência, será necessário baixar o conjunto de datasets
do experimento de RNAseq. A aquisição desses dados pode ser feita pelo download na máquina local
e posterior upload como já mencionado. No entanto, a possibilidade de aquisição dos datasets pela
interface Galaxy se mostra mais segura, rápida e menos trabalhosa. Ao selecionar na barra lateral
esquerda a opção “Get Data”, será apresentada formas de aquisição dos dados, com a opção
“Download and extract reads in FASTA/Q” (Figura 3) é possível realizar o download dos dados a
partir de uma lista com o código de identificação dos datasets depositados no NCBI. Desta forma é
necessário identificar o formato da lista selecionando a opção “List of SRA accession, one per line”,
em seguida, selecione a lista com o código de identificação dos datasets depositados no NCBI e
execute a função. Essa etapa pode levar de 2 a 5 horas dependendo do tamanho do dataset.
A etapa de triagem e controle de qualidade tem um peso relativamente importante e implica
em uma série de consequências como foi apresentado anteriormente. Na barra de ferramentas
localizada na barra lateral esquerda, é possível selecionar a ferramenta FASTQC, onde será feita a
leitura das informações do sequenciamento, conforme Figura 4.
Fig. 4. Passo a passo para execução da ferramenta FastQC na plataforma Galaxy Europe. I) seleção dos dados de RNA-
seq e II) execução. Fonte: Elaborada pelos autores.
211
D
Uma vez feita a checagem de parâmetros estatísticos é possível, quando necessário, remover
sequências de baixa qualidade e adaptadores. A ferramenta Trim Galore! realiza essa etapa de limpeza
de forma automática, é necessário somente identificar o formato dos datasets (Figura 5). Esse
processo tem duração de aproximadamente 45 min a 2 horas.
Fig. 5. Passo a passo para execução da ferramenta Trim Galore! na plataforma Galaxy Europe. I) seleção dos dados de
RNA-seq e II) execução. Fonte: Elaborada pelos autores.
A partir dos dados revisados conforme passos anteriores, é realizada a análise em si. Como já
mencionado, duas abordagens são possíveis dependendo da pergunta biológica e arcabouço de
informações acerca do organismo estudado. Selecionamos um experimento de estresse a calor em
Physcomitrium patens para ilustrar as metodologias propostas, a escolha desse organismo se deve
principalmente pela sua natureza modelo em estudos de plantas.
Fig. 6. Passo a passo para execução da ferramenta Hisat2 na plataforma Galaxy Europe. I) seleção do genoma de
referência; II) seleção dos dados de RNA-seq trimados com Trim Galore!; III) impressão do resumo do alinhamento e;
IV) execução. Fonte: Elaborada pelos autores.
Para visualizar o conteúdo destes resultados, basta clicar no ícone representado por um olho
no canto superior direito de cada arquivo. O arquivo mapping_summary, por exemplo, é um relatório
do número de sequências mapeadas e o dentre os arquivos produzidos pelo HISAT2. O arquivo mais
importante é o alignment_reads (formato BAM), que contém todas as informações de alinhamento
das sequências dos arquivos no genoma de referência.
213
D
A identificação e contagem de genes e transcritos é realizada por meio da evidência de
alinhamento dos reads com a ferramenta HTseq-count. O primeiro parâmetro a ser configurado no
HTseq-count é a seleção do arquivo input no formato BAM (Figura 7). Como já foi realizado o
mapeamento com o HISAT2, será apresentado somente os arquivos output da ferramenta. A seguir,
todas as opções serão mantidas como padrão, com exceção da seleção da anotação de referência, que
será a mesma obtida no item 4 para o organismo em estudo e da “Feature type”, onde é necessário
selecionar a característica de interesse baseada na anotação. Nesse tutorial, usaremos a leitura de
genes selecionando a feature “gene” identificados por “Name”, é possível quantificar nesse passo,
somente éxons, transcritos etc. Para visualizar o conteúdo destes resultados, basta clicar no ícone
representado por um olho no canto superior direito de cada arquivo.
Fig. 7. Seleção de parâmetros do htseq-count na plataforma Galaxy Europe. I) seleção do arquivo de mapeamento; II)
seleção da anotação de referência; III) definição das features para contagem e; IV) execução. Fonte: Elaborada pelos
autores.
214
D
transcriptoma de referência, por fim, a seleção dos dados de sequenciamento (o mesmo obtido com
Trim Galore!), conforme Figura 8.
Fig. 8. Passo a passo da seleção de parâmetros do Salmon quant na plataforma Galaxy Europe. I) seleção do modo da
ferramenta e do transcriptoma de referência; II) seleção do transcriptoma de referência; III) definição da característica
da biblioteca de RNA-seq e dados. Fonte: Elaborada pelos autores.
215
D
Fig. 9. Passo a passo para execução da ferramenta tximport na plataforma Galaxy Europe. I) seleção dos arquivos de
contagem Salmon; II) definição da estrutura do arquivo; III) identificação do arquivo com ID dos genes; IV)
Identificação da coluna contendo os Ids e; V) execução. Fonte: Elaborada pelos autores.
Tabela 4. Exemplo de arquivo de saída do DESeq2 e seus parâmetros estatísticos. As colunas são:
(1) identificador de gene, (2) médias das contagens normalizadas, (3) logaritmo (base 2) da
216
D
mudança de dobra, (4) a estimativa de erro padrão para a mudança de dobra log2 estimativa, (5)
estatística do teste de Wald, (6) valor p para a significância estatística desta mudança e (7) valor p
ajustado para testes múltiplos com o procedimento de Benjamini-Hochberg que controla a taxa de
falso positivo (FDR).
Além da lista de genes, a ferramenta DESeq2 produz um resumo gráfico com resultados
estatísticos. Inclui vários gráficos que podem ser usados para avaliar a qualidade do experimento. O
histograma de valores p abaixo mostra que nessas amostras existem um valor p significativo. Já o
gráfico MA mostra a relação entre a alteração da expressão (M) e a força média da expressão (A),
além de mostrar os genes com valor de p-ajustado <0,1 que estão em vermelho (há apenas um tal
gene nesta amostra na parte inferior do gráfico). A Análise de Componentes Principais (PCA) mostra
a separação entre a Condição 1 e 2. Este tipo de gráfico é útil para visualizar o efeito geral das
covariáveis experimentais e efeitos de lote (cada réplica é representada graficamente como um ponto
de dados individual) (Figura 10).
Fig. 10. Gráficos de saída gerados pela ferramenta DESeq2. A) Histograma com valores de p; B) gráfico MA para
valores de log fold change (variação da expressão entre condições 1 e 2) e; C) gráfico de componentes principais.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Conclusão
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219
D
CAPÍTULO 15
A estatística é uma ciência que coleta informações (dados) para obter conclusões a partir delas
e tomar decisões sobre as incertezas. A estatística pode ser dividida em descritiva ou
inferencial/indutiva. A primeira tem por objetivo descrever os dados amostrais (usando tabelas,
gráficos, medidas de posição, medidas de tendência central, medidas de dispersão). Já a segunda retira
informações e conclusões a partir dos dados amostrais, utilizando testes de hipótese. Hipótese é uma
suposição/proposição baseada em observações, e ela pode ser corroborada ou não de acordo com os
resultados obtidos dos dados coletados. Em estatística, a hipótese é dividida em nula e alternativa, a
hipótese nula (H0) é a que será testada, e ela pressupõe que as diferenças observadas entre os
conjuntos de dados são meramente ao acaso. Quando as diferenças são muito grandes para serem ao
acaso, H0 é rejeitada, e temos então a hipótese alternativa (H1). Em estatística, sempre realizamos
testes que buscam rejeitar nossa hipótese de trabalho e não comprová-la.
A bioestatística utiliza as ferramentas da estatística para análise de dados em contextos
relacionados às ciências biológicas e/ou área da saúde. Por exemplo, vamos pensar em um cenário
hipotético no qual a prefeitura de uma cidade pretende expandir um porto já existente. Uma equipe
técnica foi chamada para avaliar possíveis impactos e liberar a obra. No entanto, os biólogos
acreditam que essa expansão irá afetar a biota em volta do local e querem embargar a obra. Para isso,
os biólogos precisam coletar dados que os permitam demonstrar que a obra causará um impacto na
região e por isso não pode ser autorizada. Dados são informações sobre um objeto de interesse (ex:
parâmetro, população, indivíduo). A partir dos dados coletados, os biólogos utilizam de ferramentas
da bioestatística inferencial, executando testes de hipóteses para a tomada de decisões sobre a
necessidade de embargar ou não a obra de ampliação do porto. Testes de hipóteses são procedimentos
estatísticos que permitem ao pesquisador aceitar ou rejeitar a hipótese nula (H0). Como os dados são
fundamentais para as conclusões, eles precisam ser obtidos de maneira correta utilizando um
delineamento amostral adequado conforme veremos na seção “Delineamento Amostral”.
Alguns conceitos são fundamentais na bioestatística, como o conceito de amostra e variáveis.
A amostra é um subconjunto extraído da nossa população-alvo (que inclui todo o grupo de indivíduos
e objetos (por exemplo, pessoas, árvores, animais) que queremos estudar. Para estudar a população
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de interesse, os pesquisadores medem um conjunto de características (por exemplo, idade, tamanho,
peso, sobrevivência) que podem auxiliar na resolução da nossa pergunta. Essas características, cujos
valores podem mudar de um membro da população para outro, são as chamadas variáveis. Na
bioestatística, as variáveis são características ou atributos analisados na nossa amostra de interesse.
Elas podem ser divididas em categóricas (sem magnitude numérica) e numéricas (medidas com escala
numérica). As variáveis categóricas podem ser: nominal (quando não tem ordenação hierárquica:
sexo, população, espécie) ou ordinal (quando a ordem importa para os dados: intensidade, estágio de
vida). As variáveis numéricas, por sua vez, são divididas em contínuas (número infinito entre dois
valores: massa, altura, temperatura, comprimento) e discretas (unidades indivisíveis: número de
mutações, número de árvores, número de espécies). As variáveis também podem ser classificadas
como variáveis resposta, quando são o foco principal do nosso estudo, ou variáveis preditoras, quando
elas podem explicar ou predizer o resultado/resposta que encontramos. Por exemplo, se vamos
analisar o efeito da temperatura na taxa de fotossíntese das plantas, então a temperatura é nossa
variável preditora, pois ela pode explicar ou predizer nossos resultados. Já a taxa de fotossíntese é
nossa variável resposta, pois é o resultado do nosso interesse.
Delineamento amostral
Para a análise estatística ser representativa da realidade biológica, são necessários alguns
cuidados na obtenção dos dados, como comentado na seção acima. Pensamos naquela máxima
estatística “os dados não mentem”, mas sabemos quem coletou os dados? Como os dados foram
coletados? Por isso é tão importante o delineamento amostral, pois ele garante a confiabilidade dos
dados e dos resultados. Alguns pesquisadores negligenciam o cuidado com a amostragem por
julgarem que é uma parte mais fácil do processo científico. No entanto, caso os dados sejam obtidos
de maneira equivocada, não existe análise estatística que possa corrigir esse problema. Portanto, um
delineamento amostral claro e bem estruturado deve ser pensado e planejado antes de conduzir um
experimento ou a amostragem em campo. Uma boa maneira de obter os dados de maneira correta é
fazer uma coleta/experimento piloto, para identificar todos os possíveis problemas na amostragem e
corrigi-los na coleta de dados oficial do projeto. Porém, como nem sempre o pesquisador tem tempo
e dinheiro para isso, ele pode procurar trabalhos semelhantes ao que ele pretende fazer e verificar o
que os outros autores estão fazendo. Além disso, conhecer a história natural do grupo trabalhado é
fundamental para coletar os dados de maneira mais adequada.
Um bom desenho amostral precisa englobar a independência das amostras, tamanho amostral,
replicação, aleatorização e planejamento de custos e infraestrutura. A independência das amostras é
uma premissa fundamental para a maioria dos testes estatísticos. Uma boa amostragem produz
réplicas independentes, isto é, uma amostra não tem influência sobre as outras (nem temporalmente,
221
D
nem espacialmente). Para isso é importante fazer a alocação correta das amostras no tempo e no
espaço. Nos perguntamos: Quando coletar? Onde coletar? A resposta correta é que “depende da sua
pergunta”. Os dados devem ser coletados a fim de responder a sua pergunta sem tornar as amostras
dependentes. Se queremos avaliar o efeito da sazonalidade na biomassa das algas, então precisamos
coletar no local de ocorrência da nossa espécie de alga de interesse (ex: praia ou costão rochoso) e ao
longo das diferentes estações do ano (efeito sazonal). Quando as amostras não são independentes
entre si, temos uma pseudoreplicagem dos nossos dados. Esse evento é preocupante, uma vez que
não é possível obter toda a variabilidade existente entre os dados, e essa baixa variabilidade aumenta
a probabilidade de o teste estatístico cometer erros. Outro fator importante para um bom desenho
amostral é o tamanho amostral. Esse tamanho é uma parte do nosso universo amostral, sendo
obrigatoriamente menor do que ele. O universo amostral é um conjunto teórico que engloba, por
exemplo, toda a população humana, ou todas as praias do mundo. Como é inviável financeiramente
e consome muito tempo trabalhar com o universo amostral, coletamos apenas um conjunto de
amostras capazes de representar este universo. Para estimarmos o tamanho adequado da amostragem,
devemos considerar o tamanho do organismo de estudo e a sua distribuição (agregada, dispersa ou
uniforme). Organismos que ocorrem de maneira dispersa pela paisagem, precisam de um esforço
amostral maior, aumentando o tamanho amostral, enquanto organismos que se distribuem de maneira
uniforme não necessitam de um tamanho amostral tão grande para englobá-los.
Uma replicação adequada dos dados é fundamental, uma vez que os sistemas biológicos são
inerentemente variáveis. Portanto, o número de amostras (chamado de n amostral) precisa ser capaz
de englobar toda essa variabilidade. Para isso, não podemos utilizar um n amostral muito pequeno,
pois não seria representativo dessa diversidade. No geral, um maior número de réplicas representa
uma redução no erro amostral, o que aumenta o poder do teste estatístico. Isso pode ser explicado
pelo Teorema do Limite Central, que diz que quando o n amostral for grande, a distribuição dos dados
terá uma tendência de distribuição em torno da média, formando uma curva em formato de sino, a
chamada distribuição normal. No entanto, não podemos amostrar toda a população de nosso
interesse, por questões logísticas, financeiras e ecológicas. Nesse sentido, o n amostral ideal é aquele
capaz de englobar essa variabilidade, e seja viável para o pesquisador. Não existe um número mágico,
mas alguns autores sugerem a “Regra dos 10”, ou seja, pelo menos 10 réplicas da sua unidade
amostral ou experimental. No entanto, nem sempre é possível e necessário obter esse número de
réplicas. Conhecer previamente seu sistema de estudo e seus dados é fundamental para determinar o
número de réplicas necessárias. Se a variabilidade entre os dados for pequena, não é necessário um
número de amostras tão grande. No entanto, é sempre importante garantir que o n amostral seja
suficiente, pois uma baixa replicação pode gerar resultados estatísticos equivocados, como efeitos ou
relações que não existem.
222
D
O poder do teste é a capacidade da análise estatística não cometer erros, como o erro do tipo
I e o erro do tipo II. O erro do tipo I acontece quando rejeitamos a hipótese nula (Ho), mas ela é
verdadeira. O erro do tipo II ocorre quando aceitamos a hipótese nula, mas ela é falsa, o chamado
“falso positivo”. Esse erro é bastante preocupante ecologicamente quando estudamos o efeito de
algum tratamento ou estressor ambiental sobre uma população ou comunidade. Nesse caso, com a
presença do erro do tipo II, concluiríamos que esse tratamento/estressor ambiental/poluente não tem
efeito sobre a população ou comunidade alvo, mas na verdade esse efeito existe. Voltando ao exemplo
anterior da ampliação do porto, um erro do tipo II, significa que a ampliação do porto causaria um
efeito negativo na biota do local, mas os biólogos não conseguiram identificar esse efeito pela
presença do erro na análise. A consequência direta seria a autorização para a obra da ampliação do
porto. É importante ressaltar, que cabe ao pesquisador avaliar dentro do seu universo de pesquisa,
qual erro é mais grave de ocorrer e deve ser evitado.
A aleatorização das amostras na hora da coleta ou experimento, minimiza as variáveis de
confusão. Portanto, as réplicas devem ser obtidas aleatoriamente para garantir uma amostra
apropriada da população. Isso garante que nossas estimativas de parâmetros são imparciais e nossos
resultados são confiáveis. Por fim, um planejamento de custos e infraestrutura é fundamental em um
delineamento amostral para evitar que os dados não sejam obtidos de maneira correta ou faltem dados,
devido à falta de recursos monetários ou infraestrutura adequada no local da coleta dos dados (campo,
laboratório, escritório). Resumindo: Um bom desenho experimental é fundamental para uma
amostragem correta dos dados, o que permite uma análise estatística adequada. Para isso, é importante
garantirmos que as amostras sejam independentes e apresentam tamanho, número de réplicas e forma
de coleta adequadas. A melhor forma de planejar sua amostragem é conhecendo a história natural do
seu organismo de estudo e sempre retomar a PERGUNTA que seu trabalho se propôs em responder,
pois ela deve nortear todas as decisões sobre o processo da coleta de dados.
Estatística descritiva
A coleta de dados é um dos primeiros passos para obtenção de resultados em um estudo
científico. No entanto, o volume de dados coletados (chamados de “dados brutos”), é muito extenso.
Por isso, o pesquisador usa métricas para sumarizar esse conjunto de dados, utilizando a chamada
estatística descritiva. Essas métricas podem ser medidas de posição ou medidas de dispersão. As
medidas de posição ilustram a localização dos dados, geralmente baseados em uma tendência central,
e incluem a média, mediana e moda. As medidas de dispersão descrevem o quanto os dados são
variáveis entre si, incluindo a variância, desvio padrão e o erro padrão. Para compreender melhor
cada parâmetro, vamos utilizar os conjuntos de dados hipotéticos A, B e C abaixo.
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Conjunto A: 2,2,7,9,11,11,11,16,17,20
Conjunto B: 0,1,1,2,3,4,5,6,6
Conjunto C: 2,6,7,11,14,19,26,31,34,37
Mediana - é o valor que divide o conjunto de dados ao meio (valor central em observações ordenadas
crescentes ou decrescentes). Caso a quantidade de valores for ímpar, a mediana é exatamente o
número localizado no meio da lista. Se a quantidade de valores ordenados for par, a mediana é
calculada como a média dos dois valores centrais
No caso do conjunto C, como temos dois valores centrais, para estimar a mediana é necessário
calcular a média entre eles = (14+19)/2 =16,5
Moda - é o valor mais frequente na amostragem. Caso nenhum valor se repita na sua amostragem de
dados, não teremos moda. Caso dois valores apareçam com a mesma frequência, então teremos uma
amostra bimodal.
Cálculo da moda:
Conjunto A: 2,2,7,9,11,11,11,16,17,20 = 11
Conjunto B: 0,1,1,2,3,4,5,6,6 = bimodal 1 e 6
Conjunto C: 2,6,7,11,14,19,26,31,34,37 = não tem moda
224
D
Variância (S²) - mostra o quanto um conjunto de dados se distancia da média. Uma pequena variância
indica que os valores amostrados são próximos da média, já uma grande variância indica que os
nossos dados apresentam valores muito discrepantes em relação a média.
S²= ∑(x-xmédia)2/n
Cálculo da variância:
Conjunto A: ((2-10,6)² + (2-10,6)² + (7-10,6)² + (9-10,6)² + (11-10,6)² + (11-10,6)² + (11-10,6)² +
(16-10,6)² + (17-10,6)² + (20-10,6)²)/10 = 32,24
Conjunto B: ((0-3,11)² + (1-3,11)² + (1-3,11)² + (2-3,11)² + (3-3,11)² + (4-3,11)² + (5-3,11)² + (6-
3,11)² + (6-3,11)²)/9 = 4,54
Conjunto C: ((2-18,7)² + (6-18,7)² + (7-18,7)² + (11-18,7)² + (14-18,7)² + (19-18,7)² + (26-18,7)² +
(31-18,7)² + (34-18,7)² + (37-18,7)²)/10 = 143,21
Erro padrão (EP) - calculado pela razão entre o desvio padrão e a raiz quadrada do n amostral. O
erro padrão mostra o grau de incerteza em relação as médias calculadas. Ao combinarmos a média
com o erro padrão, obtemos o intervalo de confiança.
Erro padrão = DP/ √n
Tipos de análise
As análises estatísticas podem ser divididas em univariadas ou multivariadas. O primeiro
grupo é utilizado quando se tem apenas uma variável resposta, e uma ou mais variáveis preditoras. Já
225
D
as análises multivariadas são utilizadas quando temos duas ou mais variáveis respostas e uma ou mais
variáveis preditoras.
226
D
Todos os testes estatísticos têm premissas que precisam ser atendidas para a obtenção de
resultados válidos. Caso as premissas não sejam atendidas, os resultados não representarão a
realidade. Compete ao pesquisador verificar as premissas e selecionar o teste estatístico mais
adequado para as características do seu conjunto de dados e para o teste de hipótese proposto. Cada
teste estatístico é baseado em um conjunto próprio de premissas, mas 3 delas são mais comumente
requisitadas, são elas: independência amostral, homogeneidade de variâncias e normalidade dos
dados. Quando os dados violam as premissas é necessário utilizar de testes chamados não-
paramétricos, como por exemplo, o famoso teste de Kruskal-Wallis utilizado na ausência de
distribuição normal dos resíduos.
Independência amostral - É a ausência de influência de uma amostra nas demais amostras
coletadas. A independência é uma das premissas mais importantes para testes de hipóteses, e é
definida pelo pesquisador durante o planejamento de delineamento amostral. Um exemplo de
independência amostral é medir a concentração de nutrientes de diferentes plantas em um
determinado momento, e um exemplo de dependência é medir a concentração dos nutrientes de uma
mesma planta antes e após adição de fertilizantes.
Homogeneidade de variâncias - Para comparar dois grupos de dados, por exemplo
concentração de açúcar de duas variedades de laranja, é necessário que a variância dos dados dos dois
grupos seja similar. Quando há homogeneidade de variâncias os dados são considerados
homocedásticos e na ausência são chamados de heterocedásticos. Não existem muitos testes
alternativos para dados heterocedásticos, entretanto, em alguns casos, esta premissa pode ser atingida
ao aumentar o número amostral.
Distribuição normal - Dados coletados em eventos da natureza tendem a formar uma
simetria em torno de um valor médio, por exemplo, os tomateiros produzem em média 10 tomates
por ano, mas alguns poucos tomateiros produzirão 3 e outros 17 tomates. Este padrão de distribuição
é essencial para calcular a probabilidade de eventos extremos serem identificados na natureza, como
a probabilidade de um tomateiro produzir 30 tomates. Apesar de a distribuição normal ser a mais
comum, esta não é a única, alguns eventos na natureza podem apresentar distribuição de dados
binomial, uniforme, de Poisson entre outras. Portanto, antes de realizar qualquer teste estatístico, é
preciso verificar qual o tipo de distribuição dos dados obtidos.
Histórico do R
A linguagem R é uma linguagem de programação “open-source”, ou seja, com a licença livre.
De forma prática, ela pode ser utilizada por qualquer pessoa sem a necessidade de pagamento de taxas
ou mensalidades, como ocorre com outros softwares utilizados para este fim. Esta linguagem foi
desenvolvida em 1996 por Ross Ihaka e Robert Gentleman, os autores deram esse nome para que a
influência do S (linguagem S) seja notada e para celebrar os próprios esforços. Desenvolvida para
uso em análises estatísticas, a linguagem é derivada de outras duas linguagens, S e Scheme, ele possui
uma linguagem de alto nível, ou seja, mais próxima da linguagem utilizada pelos humanos e mais
distante da linguagem binária.
Tornou-se uma linguagem popular por ser “aberta” e capaz de realizar vários tipos de análises,
desde estatística básica até sensoriamento remoto e processamento de imagens, por exemplo. Para
que o R seja capaz de ter todo esse poder, ele conta com uma comunidade de usuários muito ativa,
que auxiliam com tutoriais e sugestões de implementação de códigos no core. Além disso, como se
trata de uma linguagem aberta, é possível que qualquer pessoa interessada crie pacotes com códigos
específicos e disponibilize estes códigos no repositório do R. Hoje em dia, temos mais de 17 mil
pacotes disponíveis. Exemplos destes são o “Vegan”, voltado para análises ecológicas, o “ggplot”
voltado para a confecção de gráficos e o “APE” para análises filogenéticas.
228
D
Os comandos apresentados a seguir podem ser inseridos no R para teste. Após escrever o
comando no RStudio pressione Ctrl+Enter em qualquer lugar da linha para executar a linha de
comando. Se estiver usando o R nativo, utilizar o comando Ctrl+R no final da linha de comando.
Verifique e preste atenção em tudo que o R retorna após a execução destes comandos.
Crie objetos usando os símbolos “<-” ou “=”, após criado, digite apenas o nome do objeto
para ver o resultado:
Para colocar múltiplos valores dentro de um objeto é preciso concatenar com “c”. Estes
objetos podem ser aplicados em diversos cálculos:
Cada objeto é único, e em caso de repetição de nomes de objetos, o primeiro será sobrescrito,
e apenas o último gerado será reconhecido pelo R. No exemplo acima, Numeros = 13 não mais existe
pois foi substituído por Numeros = c(13, 67, 4, 23, 78):
229
D
Os objetos criados podem ser utilizados para os mais diversos tipos de cálculos como
multiplicação "*", soma "sum()" e média "mean()":
Valores*Numeros
sum(Valores)
mean(Numeros)
> mean(numeros)
Error in mean(numeros) : objeto 'numeros' não encontrado
> mean(Números)
Error in mean(Números) : objeto 'Números' não encontrado
Leia atentamente os erros e alertas que o R retorna. Estes costumam ser informativos, e a correção
é essencial para dar procedimento às análises.
Adicione comentários ao seu script usando “#”. Boas práticas de programação incluem manter
o script organizado e comentado, para que em utilizações e consultas posteriores seja possível
identificar rapidamente quais as funções utilizadas.
As funções podem ser aninhadas e o resultado final pode ser salvo em um novo objeto:
Porcentagem <- Valores*100/sum(Valores)
Porcentagem #Executar o objeto e verificar resultado na janela de retorno do R
Para criar objetos com caracteres é necessário utilizar aspas duplas ou simples:
Praias <- c( "Praia Sul", "Praia Central", "Praia Norte")
Organismos = c('peixe','tartaruga','caranguejo','alga')
O R dispõe de manuais completos para todas as funções disponíveis. Seguem três exemplos
de como acessar esses manuais para a função mean:
help(mean)
?mean
mean #com o cursor em mean pressione F1
230
D
Por fim, porém não menos importante, tanto o R quanto os pacotes utilizados devem ser
citados, e as informações necessárias para a citação podem ser obtidas diretamente no R:
“We have invested a lot of time and effort in creating R, please cite it when using it for data analysis.”
by R Core Team (2020).
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