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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS

APOSTILA

BOTÂNICA NO INVERNO 2021

Organizadores

Laboratório de Fisiologia Vegetal Laboratório de Fitoquímica


Scarlet Santos Monteiro Adriana dos Santos Lopes
Francisco Palmieri Montessi do Amaral
Laboratório de Sistemática Marisia Pannia Esposito
Elton John de Lírio

Professora Responsável
Claudia Maria Furlan

Autores dos capítulos

Aline Possamai Della Henrique Moura Dias


Ana Paula Ferreira Inara Regina Wengratt Mendonça
Andressa Cabral Jessica Nayara Carvalho Francisco
Annelise Frazão João Pedro de Jesus Pereira
Arthur Peixoto Berselli Juliana Cajado Souza Carvalho
Bruno Barçante Ladvocat Cintra Lauana Pereira de Oliveira
Bruno Edson-Chaves Leyde Nayane Nunes dos Santos-Silva
Bruno Viana Navarro Marcos Marchesi da Silva
Caian Souza Gerolamo Marina Câmara Mattos Martins Soldi
Danilo Alvarenga Zavatin Michelle Cristine dos Santos Silva
Dora Takiya Bonadio Nuno Tavares Martins
Elielson Rodrigo Silveira Priscila Andressa Cortez
Elisabeth E. A. Dantas Tölke Raquel Paulini Miranda
Elton John de Lírio Roberto Baptista Pereira Almeida
Emanuelle Lais dos Santos Tamara Machado Matos
Guilherme Medeiros Antar Thiago Lino Silveira

São Paulo
2021

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B748 Botânica no inverno 2021 / Organização Scarlet Santos Monteiro ;
Elton John de Lírio ; Adriana dos Santos Lopes ; Francisco
Palmieri Montessi do Amaral ; Marisia Pannia Esposito ; Cláudia
Maria Furlan -- São Paulo : Instituto de Biociências, Universidade
de São Paulo, 2021.
233 p. : il.

Curso de Extensão do Departamento de Botânica de 2021


ISBN: 978-65-88234-04

1. Botânica (Estudo e Ensino). 2. Biologia Vegetal. 3. Plantas.


I. Monteiro, Scarlet Santos. II. Lírio, Elton John de. III. Lopes, Adriana
dos Santos. IV. Amaral, Francisco Palmieri Montessi do. V. Esposito,
Marisia Pannia. VI. Furlan, Cláudia Maria.

LC: QK45.2

Ficha Catalográfica elaborada por Elisabete da Cruz Neves. CRB-8/6228

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SUMÁRIO

PREFÁCIO, 4

PARTE I – DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO


CAPÍTULO 1: Samambaias e Licófitas, 5
CAPÍTULO 2: Origem, evolução e diversidade das Angiospermas, 25
CAPÍTULO 3: Filogeografia em macroalgas marinhas, 47
CAPÍTULO 4: Caracterização morfológica e ecológica de briófitas, 54
CAPÍTULO 5: Princípios de sistemática, taxonomia e nomenclatura de plantas vasculares, 64

PARTE II – ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO


CAPÍTULO 6: Transporte de água em plantas: da anatomia as funções do xilema, 82
CAPÍTULO 7: Androceu: conceitos básicos acerca da morfologia, anatomia e desenvolvimento, 94
CAPÍTULO 8: Sweet sensations: mecanismo de percepção e controle de açúcares em plantas, 106

PARTE III – RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS


CAPÍTULO 9: Os benefícios dos sistemas agroflorestais para o solo, 119
CAPÍTULO 10: Isótopos estáveis em estudos de Ecofisiologia Vegetal e Dendroclimatologia, 139
CAPÍTULO 11: Atuação e potencialidade da Anatomia Vegetal, 153
CAPÍTULO 12: Da planta ao fármaco: uma abordagem Fitoquímica, 166

PARTE IV – TEMAIS TRANSVERSAIS


CAPÍTULO 13: Ver para crer: abordagens com microscopia de fluorescência no estudo de
interação planta-microrganismo, 187
CAPÍTULO 14: Transcriptômica – do planejamento experimental à análise dos resultados, 201
CAPÍTULO 15: Introdução à Estatística e R básico, 220

3
PREFÁCIO

Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher (1890-1957), o Departamento de


Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo atualmente é referência em nível
internacional de pesquisa e ensino. Possui uma equipe formada por 28 docentes (três aposentados),
os quais estão distribuídos em oito áreas de conhecimento. Apresenta como infraestrutura 11
laboratórios, um herbário com coleção de plantas, algas e madeiras estimado em 300.000 espécimes,
um fitotério com coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e casas de vegetação. Somando-
se ao grande número de pós-graduandos (dentre esses, estrangeiros) e a alta atividade científica dessa
comunidade, a Pós-Graduação de Botânica possui conceito CAPES 7, o conceito máximo em
avaliação de pós-graduações em Botânica do Brasil.
Realizado desde o ano de 2011, o curso de Botânica no Inverno é uma iniciativa dos pós-
graduandos e pós-doutorandos que visa divulgar os trabalhos realizados no Departamento de Botânica
e que possibilita o acolhimento de potenciais alunos e pesquisadores. Na X edição, realizada de forma
remota devido à pandemia de COVID-19, o Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos
de graduação e recém-formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais de diversas subáreas da
Botânica, além de apresentar as atividades realizadas em nossos laboratórios, com o objetivo de
despertar o interesse dos possíveis futuros acadêmicos em projetos de pesquisa do Departamento.
Para a realização do X Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de São Paulo, à
direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de Botânica, à Comissão Coordenadora
do Programa de Pós-Graduação em Botânica e as agências de fomento FAPESP, CAPES e CNPq.

O conteúdo dos capítulos é de responsabilidade dos respectivos autores.

Desejamos a todos um bom curso.


Comissão Organizadora do X Botânica no Inverno

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CAPÍTULO 1

Samambaias e Licófitas
Aline Possamai Della (Universidade de São Paulo)

Nesse capítulo abordaremos alguns aspectos relacionados à evolução, classificação,


reprodução, morfologia, ecologia, distribuição, conservação e importância econômica das licófitas e
samambaias.

Introdução
Licófitas e samambaias são termos que se referem às Plantas vasculares:
correspondem a um grupo
plantas vasculares, que não produzem flores, frutos e sementes, monofilético, que engloba as
as quais, são popularmente conhecidas como samambaias, licófitas, samambaias,
gimnospermas e angiospermas.
avencas e cavalinhas. No ensino básico, elas são São caracterizadas pela fase
tradicionalmente tratadas como “pteridófitas”, no entanto, a esporofítica dominante, com
esporófito ramificado, pela
reunião desses dois grupos de plantas sob o termo “pteridófita” presença de xilema, floema e
é reconhecidamente uma classificação artificial, uma vez que esclerênquima.
nem todas as espécies são derivadas a partir de um mesmo
ancestral comum (ou seja, é um agrupamento parafilético). Grupo monofilético ou clado:
grupo formado pelo ancestral e
Como atualmente um dos critérios para se estabelecer um
todos os descendentes.
grupo biológico é este ser considerado monofilético (em
oposição ao termo parafilético), ou seja, incluir o ancestral
Grupo parafilético ou grado:
comum e todos os descendentes daquela linhagem, o termo grupo formado pelo ancestral e
“pteridófita” encontra-se praticamente em desuso pela parte dos descendentes.

comunidade científica.
A grosso modo, as licófitas se diferenciam pela presença de microfilos (folhas geralmente
pequenas, que apresentam uma nervura central não ramificada, associadas a caules que apresentam
xilema e floema organizados na forma de protostelo – Figuras 1 e 2), e esporângios situados nas axilas
entre folhas e caules, formando os estróbilos (ou cones). Já as samambaias apresentam folhas do tipo
megafilos (geralmente grandes, com nervuras ramificadas, formando uma rede bastante complexa no
tecido laminar, associadas a caules que apresentam sifonostelo, portanto, com medula e lacuna foliar),
e esporângios localizados na face abaxial ou na margem da folha.

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Fig. 1. Esquema dos tipos de folhas, microfilos e megafilos, das licófitas e samambaias, respectivamente. Fonte:
Elaborado por A.P. Della.

Fig. 2. Esquema demonstrando os tipos de cilindro vasculares presentes nas licófitas (protostelo) e nas samambaias
(sifonostelo). Fonte: Elaborado por A.P. Della.

Diversos estudos têm demonstrado que as samambaias são mais aparentadas


filogeneticamente com as espermatófitas (plantas com semente, angiospermas e gimnospermas) do
que com as licófitas. Na Figura 3 podemos constatar que as licófitas foram a primeira linhagem a
divergir das plantas vasculares (isso considerando apenas espécies atuais), e que está linhagem é
grupo irmão do clado (grupo monofilético) das eufilófitas, que é formado pelas samambaias e pelas
espermatófitas (Fig. 4 mostrando imagens de alguns representantes desses grupos de plantas atuais).
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Fig. 3. Esquema simplificado demonstrando as relações filogenéticas dos principais grupos de plantas atuais. O grupo
das briófitas (plantas avasculares) é irmão de todas as plantas vasculares. No clado das vasculares (flecha roxa), o grupo
das licófitas é irmão das eufilófitas (clado representado pela flecha verde). E dentro das eufilófitas temos espermatófitas
(gimnospermas e angiospermas) e as samambaias. Fonte: Elaborado por A.P. Della.

Fig. 4. Representantes dos grupos de plantas vasculares atuais. A: Cycas L. (Cycadaceae, Gimnosperma); B:
Malvaviscus Fabr. (Malvaceae, Angiosperma); C: Serpocaulon A.R. Sm. (Polypodiaceae, Samambaia); D: Cyathea Sm.
(Cyatheaceae, Samambaia). Fotos: A.P. Della.

As eufilófitas são caracterizadas pela presença de protoxilema da raiz exarco, pelas folhas do
tipo megafilo, por feixes vasculares formando sistemas complexos, que apresentam medula
parenquimática (sifonostelo ou eustelo), e pela presença de alguns pares de bases invertidas no DNA
do cloroplasto (sinapomorfia molecular).

Evolução

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A origem das licófitas e samambaias é muito Diversificação: pode ser
antiga. Os primeiros registros fósseis de organismos compreendida como uma taxa que
mede a relação entre taxa de
semelhantes a elas datam de 425 milhões de anos, no especiação e taxa de extinção. Se a
período geológico conhecido como Siluriano. Porém, foi taxa de especiação for maior que a
de extinção haverá uma
supostamente no Carbonífero (a cerca de 360 milhões de diversificação positiva, surgem
anos atrás), que houve uma ampla diversificação e mais espécies do que se extinguem.
irradiação desse grupo, momento em que possivelmente
se tornaram os elementos dominantes nas florestas. Esse período do Siluriano/Carbonífero é
reconhecido como a primeira grande radiação das licófitas e samambaias.
A segunda grande radiação é do
Irradiação ou radiação
Carbonífero/Triássico, até cerca de 245 milhões de anos adaptativa: compreende o
atrás, onde registros fósseis indicam a existência de fenômeno evolutivo pelo qual se
formam, num curto período de
verdadeiras florestas formadas, principalmente, por tempo, várias espécies a partir de
licófitas arbóreas com até 25 metros de altura. Nesse um ancestral comum.

período, as licófitas deviam corresponder a cerca de 50%


das espécies.
Na era Mesozóica tivemos o aparecimento e a
Nicho ecológico: é o conjunto de
irradiação das angiospermas, isso provavelmente condições ambientais e bióticas,
bem como a presença de recursos
promoveu a extinção de muitas linhagens de
que permitem a uma espécie
samambaias e licófitas (derivadas das duas grandes sobreviver num determinado
ambiente.
radiações destacadas acima), assim como de muitas
gimnospermas. Essa extinção ocorreu principalmente
por meio de competição por espaço, nutrientes, luz, etc.
No entanto, ao mesmo tempo que houve extinções de muitas linhagens, ocorreu o surgimento
de outras, como a linhagem de samambaias polipodiódes (que correspondem a ordem Polypodiales,
ver próximo tópico), que acabaram por se diversificar “na sombra das angiospermas” (é a chamada
terceira grande radiação das licófitas e samambaias).
As florestas de angiospermas que foram surgindo, principalmente entre o final da era
Mesozóica e o início da era Cenozóico, eram muito mais diversas que as florestas de gimnospermas
existentes até então. Além disso, tinham diferentes estratos (plantas de dossel, de sub-bosque, etc.),
assim o estabelecimento das angiospermas deve ter proporcionado grande mudanças ambientais, e
o surgimento de novos ecossistemas, bem como de novos nichos ecológicos, potencialmente
ocupáveis pelas samambaias e licófitas. O termo “na sombra das angiospermas” refere-se então, ao
fato de que esses ecossistemas e nichos estarem localizados no interior das florestas, ou seja, na
sombra.
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Hoje as samambaias polipodióides, que se diversificaram principalmente nos últimos 50
milhões de anos, correspondem a cerca de 80% das espécies existentes. Esse grupo de plantas deve
ter se estabelecido, principalmente, sob o dossel florestal (epífitas, rupícolas e terrícolas de sub-
bosque), onde provavelmente havia poucas gimnospermas e angiospermas, ou seja, onde havia menor
competição.
Como visto nos parágrafos acima, as licófitas Fósseis vivos: é uma expressão
e samambaias atuais correspondem a grupos muito utilizada quando organismos de
grupos biológicos atuais são
recentes, ao contrário do que se imaginava morfologicamente muito similares a
antigamente, que elas eram “fósseis vivos” e organismos existentes no registo
fóssil.
remanescentes das linhagens antigas. Deve-se
ressaltar, no entanto, que as cavalinhas (ordem Equisetales), plantas pouco representativas nos
ecossistemas atuais, são muito antigas e mudaram muito pouco (tanto morfologicamente quanto
seu Genoma) desde o Siluriano/Carbonífero, por isso podem ser consideradas como “fósseis
vivos”.

Classificação
A classificação das licófitas e samambaias Filogenia: pode ser compreendida
passou por muitas alterações ao longo do tempo. como a história genealógica de um
grupo de organismos ao longo do
Desde as primeiras classificações baseadas somente tempo, ou pode corresponder a uma
em caracteres morfológicos (tais como: características hipótese de relação
ancestral/descendente. Geralmente
do rizoma, da fronde, a disposição dos soros, a quando empregamos o termo filogenia
presença ou a ausência de indúsio, etc.), as quais, em estamos nos referindo a hipótese,
porque não temos como recuperar a
geral não levam em conta as relações filogenéticas, a história genealógica real dos
classificações que passaram a incorporar dados organismos. Essa hipótese
frequentemente é apresentada na forma
moleculares (as quais, partem de uma filogenia, e de um diagrama (árvore filogenética),
usam o princípio de monofiletismo para o que demonstra as relações de
parentesco.
estabelecimento dos grupos).
O Pteridophyte Phylogeny Group I (PPG I, 2016), a classificação mais recente desses grupos,
corresponde de certa forma um resumo das diversas filogenias, que vem sendo obtidas a partir de
dados moleculares. As licófitas são tradadas como a classe Lycopodiopsida, e as samambaias como
Polypodiopsida (Fig. 5).
Dentro de Lycopodiopsida há três ordens, as quais apresentam 1.338 espécies. A maior ordem
é Selaginellales (com 700 espécies), seguida por Lycopodiales com 388 e Isoëtales com 250. Em
Polypodiopsida há 10 ordens, totalizando 10.578 espécies. Polypodiales é a maior ordem com 8.714

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espécies, seguida por Cyatheales com 713 e Schizaeales com 190. Assim, há atualmente 11.916 de
licófitas e samambaias.

Fig. 5. Esquema simplificado demonstrando as relações filogenéticas das ordens de Lycopodiopsida (licófitas em azul)
e Polypodiopsida (samambaias em vermelho) segundo o PPG I (2016). Entre parênteses o número de espécies de cada
ordem. Fonte: Elaborado por A.P. Della.

Reprodução
Reprodução sexuada
O ciclo de vida das licófitas e samambaias, assim como as demais plantas terrestres, é
diplobionte, ou seja, envolve a alternância de gerações. A geração gametofítica, a qual produz os
gametas, é haplóide (x=n) e efêmera, já a geração esporofítica, que produz os esporos, é diplóide
(x=2n) e de longa duração (Fig. 6).
Apresentaremos agora o ciclo de vida, tomando como exemplo uma samambaia
leptoesporangiada (que corresponde a maioria das samambaias). Na maturidade de um esporófito
(diplóide) são produzidos os soros, que estão localizados, frequentemente, na parte inferior das folhas
(face abaxial). Os soros correspondem ao agrupamento de esporângios, e cada esporângio abriga
numerosos esporos, que por sua vez são células haplóides, formadas por meiose.

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Fig. 6. Ciclo de vida de uma samambaia leptoesporangiada. Fonte: Elaborado por A.P. Della.

Os esporângios são constituídos, geralmente, por uma haste


Prótalo: corpo vegetativo
(porção inferior) e uma cápsula globosa (porção superior). Nessa simples (talo, sem feixes
vasculares) formado após a
cápsula há uma linha de células espessadas em forma de “U”, a
germinação do esporo.
qual chamamos de ânulo. Quando há redução de umidade do Quando desenvolvido
completamente é chamado de
ambiente (seca), as paredes do ânulo se comprimem e acabam
gametófito.
rompendo o esporângio, promovendo, dessa forma, a liberação
dos esporos (os quais são passíveis de serem carregados pelo vento). Num ambiente propício, os
esporos podem germinar e se desenvolver em prótalos, e posteriormente, em gametófitos
(haplóides).
Os esporângios produzem grandes quantidades de esporos, variando de mil a um milhão de
esporos por planta, mas já foram registrados até 1 bilhão. A maioria dos esporos acaba não sendo
levada para localidades muito longe da planta mãe, o que determina uma taxa de germinação baixa,
em função de competição por espaço, nutrientes, etc. Os esporos podem chegar a distâncias maiores,
mas dependem de correntes de vento. A influência dos animais na dispersão de esporos não é tão
comum, quanto na dispersão do pólen nas angiospermas.
Os esporos apresentam tamanho muito reduzido em torno de 0,05 mm, sendo sua forma
bastante variável (tetraédrico, globoso, etc.), bem como sua coloração (verdes, marrons, pretos,
alaranjados, etc.). Na superfície dos esporos pode haver uma série de ornamentações, como espinhos,

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projeções ou prolongamentos, verrugas, tubérculos, etc. Os esporos podem também apresentar
clorofila, sendo verdes quando analisados em microscópio. Geralmente, os esporos com clorofila
apresentam-se viáveis por tempo reduzido no solo (de 2 a 6 semanas), quando comparado com
esporos que não apresentam clorofila (duram em média de meses a anos). Isso porque a clorofila é
rapidamente catabolizada. De forma gera, todas essas características são importantes para a
identificação e taxonomia dos grupos.
Os gametófitos, que por sua vez, são geralmente pequenos, com formato cordiforme e
coloração verde clara (a morfologia do gametófito será vista em detalhes no próximo tópico),
apresentam em sua porção inferior os órgãos sexuais. Os órgãos masculinos são chamados de
anterídios e produzem os anterozoides (gametas masculinos flagelados). Já os órgãos femininos são
chamados de arquegônios e produzem as oosferas (gametas femininos). A água é essencial para a
fecundação, tendo em vista que o anterozóide é flagelado. Os anterozoides das licófitas são
biflagelados, já o das samambaias (assim como de outras eufilófitas que apresentam flagelo) são
multiflagelados.
Os gametófitos podem ser unissexuados (apresentam órgãos sexuais masculinos e femininos
em indivíduos diferentes) ou bissexuados/hermafroditas (apresentam órgãos sexuais masculinos e
femininos num mesmo indivíduo). Quando o anterozóide chega até o arquegônio e fecunda a oosfera,
é gerado o zigoto, iniciando-se assim a fase diplóide. O gametófito permanece vivo até a formação
dos primórdios foliares, e em seguida morre. O zigoto, formado pela fecundação, sofre sucessivas
divisões mitóticas gerando um novo indivíduo (esporófito), que apresenta raízes, caule e folhas, e ao
atingir a maturidade produzirá os esporos.
É extremamente importante aqui ressaltarmos um detalhe que diversos livros texto de botânica
descrevem e enfatizam erroneamente: a autofecundação (quando um gameta masculino fecunda um
gameta feminino do mesmo indivíduo) como a forma mais comum de reprodução do gametófito. Isso
é apresentado tanto em explicações no texto como em figuras. No entanto, a maioria dos eventos de
fecundação que ocorrem nesses grupos é por meio de fecundação cruzada (quando gametas
masculinos fecundam gametas femininos de indivíduos diferentes) gerando maior variabilidade
genética.
Reprodução assexuada
A reprodução assexuada pode ocorrer por meio de apomixia e/ou de propagação vegetativa.
No ciclo de vida de uma samambaia apomítica, há produção de 32 esporos diploides (por meio de
falhas na disjunção dos cromossomos na meiose), ao invés dos 64 esporos haploides formados
normalmente (ciclo de vida não apomítico). Dessa forma, não há fecundação (fusão de gametas), uma
vez que os esporos já são diploides. Estes esporos diplóides germinam e se desenvolvem em
gametófitos menores do que os normais, além disso, esses gametófitos formados não produzem
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gametângios. Então, a partir de uma célula do gametófito há o desenvolvimento de um esporófito,
que apresenta raiz, caule e folhas. O gametófito morre a medida que essa nova plântula se desenvolve.
O esporófito apomítico poderá produzir esporos, também apomíticos, fechando o ciclo.
A apomixia é bastante comum em alguns grupos de samambaias, que vivem em ambientes
onde a água é um fator limitante. Assim, uma alternativa evolutiva “encontrada” por essas plantas foi
a reprodução via apomixia, uma vez que não ocorre reprodução sexuada, não havendo então,
necessidade de água para fecundação.
A propagação vegetativa é uma alternativa mais Gema: corresponde a uma porção do
rápida do que a reprodução sexuada. As plantas corpo da planta onde estão localizadas
as células meristemáticas, ou seja,
(esporófito) produzem gemas, as quais podem estar células indiferenciadas que possuem
localizadas tanto na raque, quanto na lâmina foliar. Essas grande capacidade de multiplicação e
especialização.
gemas se desenvolvem e dão origem a plântulas, que são
clones da planta mãe. Ao tocarem o chão (quando folhas
da planta mãe murcham) e/ou quando se desprendem da planta mãe, tornam-se indivíduos
independentes, sem a necessidade de reprodução sexuada. Os gametófitos também podem apresentar
gemas, as quais podem se desenvolver, segregar e dar origem a um novo gametófito.
Outro fenômeno comum entre as licófitas e samambaias é a hibridização, que consiste no
cruzamento de duas espécies distintas, gerando descendentes com características combinadas de
ambos parentais. A hibridação ocorre quando o anterozóide do gametófito de uma espécie fecunda a
oosfera do gametófito de outra espécie. Identificam-se híbridos com certa facilidade por estes
apresentarem características intermediárias entre os parentais, no entanto, nem sempre são expressas
de forma proporcional. Indivíduos híbridos geralmente apresentam esporos abortados, o quais podem
inclusive ser maiores que os esporos dos parentais. Esporos abortados têm a aparência de uma
“sujeira” sob o microscópio estereoscópico, pois eles são irregulares, enegrecidos e sem forma
definida. Os híbridos são estéreis na maioria dos casos, uma vez que não ocorre o pareamento correto
dos cromossomos provenientes dos diferentes parentais.
A hibridização entre espécies do mesmo gênero é chamada de intragenérica, e é a mais
comum. A hibridação também pode ocorrer entre gêneros diferentes, neste caso é chamada de
hibridação intergenérica. Na nomenclatura botânica, deve-se usar o símbolo × para indicar que um
táxon é um híbrido. Por exemplo: Blechnum × rodriguezii Aguiar et al.
Híbridos podem, no entanto, tornarem-se férteis via fenômenos de duplicação cromossômica.
Como o próprio nome diz, duplicação cromossômica ocorre quando há o surgimento de uma cópia
do cromossomo. Esse processo pode ocorrer naturalmente ou ser induzido em laboratório. Com uma
cópia a mais, ocorrerá o pareamento correto dos cromossomos na divisão celular, sendo assim será
possível a reprodução.
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A duplicação cromossômica está relacionada com outro fenômeno comum em licófitas e
samambaias que é poliploidia. A poliploidia ocorre quando há duplicação do genoma, assim, em
organismos poliploides há mais de um conjunto de cromossomos homólogos numa célula. Haploide
significa que há apenas um conjunto cromossômico, diploide apresenta dois, triploide três, e assim
sucessivamente. Quando ocorre a duplicação de genoma de uma espécie dizemos que houve a
formação de autopoliploides. Se ocorrer a duplicação em indivíduos híbridos, que apresentam dois
ou mais genomas distintos, dizemos que houve a formação de alopoliploides.
A hibridização e a poliploidia são importantes fenômenos quando se estuda a evolução das
samambaias e licófitas. Hoje sabe-se que muitas espécies surgiram via hibridização seguida de
poliploidia.

Morfologia do gametófito e do esporófito


Fase gametofítica
Os gametófitos das licófitas e das samambaias nem sempre são cordiformes, como os livros
didáticos frequentemente ilustram. Eles apresentam diferentes morfologias, cujos tipos morfológicos
são relacionados ao hábitat do esporófito. Os gametófitos cordiformes (Fig. 7) são geralmente anuais
e típicos da maioria das espécies terrestres de Polypodiales. Os gametófitos em forma de fita são
ramificados, perenes, apresentam crescimento indeterminado, alongamento gradual e
desenvolvimento mais lento que o cordiforme. O talo dos gametófitos em forma de fita pode dar
origem a outros indivíduos por meio de reprodução assexuada. Esse tipo de gametófito é encontrado
em epífitas da família Polypodiaceae, Dryopteridaceae, Hymenophyllaceae e Pteridaceae, e em
plantas terrestres pertencentes a Osmundaceae.
Os gametófitos cordiformes, anuais e de crescimento rápido são adaptados para viver em
ambientes com perturbações constantes, como barrancos, que sofrem erosão, e solo com contínuo
acúmulo de serapilheira. Já os gametófitos em forma de fita, perenes e de crescimento lento adaptam-
se a habitats mais maduros e estáveis, como troncos de árvores e cavernas.
Os gametófitos são fotossintetizantes, e/ou micotróficos (obtêm alimento através de
associação com fungos), ou endospóricos (vivem dos nutrientes armazenados no interior do esporo).
Os endospóricos se desenvolvem no interior do esporo, não havendo, portanto, a germinação. Os
gametófitos em geral apresentam duração efêmera (crescimento rápido), mas podem chegar a
sobreviver por anos (perenes com crescimento lento).

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Fig. 7. Gametófito terrícola e cordiforme. Fotos: A.P. Della.

Fase esporofítica
O esporófito da maioria das licófitas e samambaias é perene, ou seja, vive mais do que um
ano. Não sabemos quantos anos a maioria das espécies pode viver, mas há registros de espécies com
32 até 150 anos. Em regiões tropicais as samambaias crescem lentamente, o que significa que podem
levar anos para se reproduzirem sexuadamente. A morfologia do esporófito é bastante variável, e em
geral, licófitas e samambaias apresentam raízes, caule e folhas (também chamadas de frondes).
Contudo, as licófitas e as samambaias possuem diferenças morfológicas entre si (como comentado
anteriormente). As licófitas apresentam microfilos, que são folhas inteiras, geralmente, menores que
1 cm de comprimento, sésseis, com apenas uma nervura, e um esporângio por microfilo (este
localizado na superfície superior do microfilo). Já as samambaias possuem megafilos, que são folhas
simples ou compostas, sésseis ou pecioladas, com várias nervuras, e numerosos esporângios por folha
(geralmente na face inferior da folha).
As folhas das samambaias são divididas em lâmina (porção geralmente verde e expandida) e
pecíolo (porção alongada e cilíndrica), sendo estas partes ausentes nas licófitas (Fig. 8). A lâmina
pode ser inteira ou parcialmente dividia, em graus crescentes de dissecção até uma lâmina totalmente
composta. A lâmina que apresenta alguns lobos e/ou incisões (as quais chegam a nervura central) é
chamada de pinatissecta, se não chegar a nervura central é considerada pinatífida. Se a lâmina é
completamente dividida até a nervura central ela é chamada pinada, onde cada unidade da lâmina é
uma pina e o eixo entre as pinas é a raque. Se a pina é dividida mais uma vez, a lâmina é bipinada, se
esta se divide mais uma vez, é tripinada e assim sucessivamente.
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Fig. 8. Diferentes formas e dissecções das folhas de samambaias. A: folha inteira, simples. B: folha pinatissecta,
simples. C e D: folha pinada, composta. E: folha pinada-pinatífida. F: folha 2-pinada-pinatífida. Fotos: A.P. Della.

As folhas das samambaias nascem enroladas em uma espiral, ou seja, apresentam venação
circinada, e ao longo do tempo vão se desenrolando gradualmente. A folha jovem (enrolada) das
samambaias é chamada de báculo, pela similaridade do báculo (cajado) dos papas da igreja católica.
Lembrando que essa característica foi perdida na linhagem das licófitas.
O formato da folha também pode variar muito entre os grupos, assim como as nervuras das
folhas, as quais são importantes para identificar algumas famílias. As nervuras podem ser: lineares
(livres ao longo de toda lâmina), furcadas (em forma de Y) ou reticuladas (nervuras unem-se em
aréolas).
Na superfície das folhas, pecíolos ou caule pode haver escamas ou tricomas, ambos de origem
epidérmica. As escamas são estruturas laminares com mais de uma célula de espessura e podem ter
formatos e cores variados. Tricomas são formados por uma célula de espessura e também podem
apresentar cores diversas. Escamas e tricomas podem apresentar glândulas secretoras, com as mais
variadas substâncias químicas, as quais auxiliam na proteção contra herbivoria.
Existem dois tipos de esporângio em licófitas e samambaias: o eusporângio e o
leptoesporângio. O eusporângio é formado a partir da divisão de várias células da epiderme da folha,
e o leptoesporângio é originado a partir de uma única célula epidérmica. O eusporângio está presente
nas licófitas e nas ordens Equisetales, Psilotales, Ophioglossales, Marattiales e parte das Osmundales
(dentro de Polypodiopsida). Já o leptoesporângio é encontrado em alguns grupos de Osmundales e
em todas as outras seis ordens de Polypodiopsida, dessa forma, as samambaias leptoesporangiadas
são muito mais numerosas.

16
As folhas podem ser de dois tipos (dimorfas): férteis ou estéreis. As folhas férteis contêm os
soros, conjunto de leptoesporângios, cujo formato e posição são muito importantes para a
identificação dos grupos. Os soros são castanhos quando maduros e podem ter formato arredondado,
cônico, lunar, linear, ou podem ainda recobrir toda a superfície da folha (neste caso o soro é chamado
de acrosticóide). O indúsio é uma membrana epidérmica, frequentemente fina, que recobre parcial ou
totalmente os soros até a maturidade dos esporos, pode estar presente ou ausente, sendo também um
importante caráter taxonômico. O indúsio frequentemente apresenta formato compatível com o soro
(cônico, redondo, em forma de lua, linear, etc.), e tem como função a proteção dos esporângios.
O caule pode ser reptante (quando este é paralelo ao substrato), ou ser ereto (em alguns casos
chegando a formar um “caule” (cáudice) com diâmetro e altura consideráveis, como nas samambaias
arborescentes). Frequentemente, o caule também apresenta escamas e tricomas. As licófitas e
samambaias são plantas herbáceas, uma vez que não apresentam crescimento secundário. São plantas
relativamente pequenas, mas podem chegar a 15 metros, como nas samambaias arborescentes.

Distribuição
As licófitas e samambaias apresentam ampla distribuição geográfica (plantas consideradas
cosmopolitas), ocorrendo desde as tundras geladas, acima do círculo polar ártico, até as florestas
tropicais quentes e úmidas na linha do equador. O número de espécies aumenta no sentido polos para
trópicos (há um gradiente de riqueza), como pode ser visto nesses exemplos: na Groelândia há cerca
de 30 espécies, 100 na Inglaterra, 130 na Flórida, 652 na Guatemala, 1160 na Costa Rica e 1250 no
Equador. Na América do Sul há estimativas de ocorrência de 3500 espécies, e no Brasil 1403, sendo
que grande parte desses táxons, que ocorrem em nosso país, estão na Mata Atlântica e na Amazônia.
Em menor proporção ocorrem nas regiões serranas, nas matas de galeria, nas florestas nebulares e
nas áreas de Cerrado e Caatinga.
Além do maior número de espécies, é na região tropical onde elas apresentam maior
diversidade de formas de vidas, havendo plantas: terrícolas (plantas que nascem e passam todo o
ciclo de vida em contato com o solo), rupícolas (em contato com rochas), epífitas (nunca em contato
com o solo, nascem e passam todo o ciclo de vida em tronco de árvores), hemiepífitas (nascem no
solo, mas crescem subindo em outras plantas, só se reproduzem depois de atingir certa altura) e
aquáticas (todo ciclo de vida flutuando sobre a água).
O calor excessivo pode causar o ressecamento destas plantas, por isso a maioria das espécies
ocorrem em condições microclimáticas de umidade constante, principalmente nas áreas próximas a
cursos de água, como riachos, igarapés e rios. Muitas plantas dessas áreas úmidas são exclusivas
(endêmicas) destes ambientes. No entanto, apesar das licófitas e samambaias atingirem maior
frequência e abundância em florestas úmidas, elas também crescem em habitats secos. Uma das

17
regiões secas no norte do México é considerada como um centro de riqueza e de endemismo de certos
grupos, principalmente, da família Pteridaceae. As plantas que ocorrem nessas áreas secas apresentam
adaptações, tais como reprodução somente assexuada (tendo em vista que a sexuada necessita de
água), além de escamas que absorvem umidade, e capacidade de perda de até 95% da água do corpo,
sem causar danos fisiológicos ao organismo.

Interações com outros seres vivos


Como vimos, as licófitas e samambaias se reproduzem por meio de gametas e esporos, os
quais são dispersos por vento e/ou água, assim o ciclo de vida desses organismos é praticamente
independente de animais, tais como polinizadores e dispersores (que são extremante importante para
angiospermas). Assim temos outros tipos de interação dessas plantas com animais, tais como: o uso
de partes de rizoma e folhas das samambaias por passarinhos na construção de ninhos, sendo que já
foram observados estes animais coletando escamas de Phlebodium (R. Br.) J. Sm. e de Cyathea Sm.,
além de caules de Microgramma C. Presl.
Além disso, o uso de partes de samambaias (rizoma ou folhas) como alimento. Antigamente
se imaginava que as samambaias eram menos consumidas por herbívoros, quando comparadas com
angiospermas, no entanto, estudos mostraram um valor de 5 a 38% de herbivoria, o que é semelhante
ao observado para as plantas com flores. Esses estudos também têm mostrado que muitos herbívoros
são especialistas em samambaias.
É muito comum também a predação de partes de samambaias, como pecíolos e raque, por
mariposas, que são posteriormente colonizadas por formigas, como visto para Acrostichum
danaeifolium Langsd. & Fisch. Também já foi verificado associações mutualísticas entre samambaias
e formigas, onde a planta oferece abrigo, e às vezes alimento, e as formigas protegem as samambaias
contra os predadores.
As samambaias apresentam algumas estratégias visando reduzir a herbivoria e a predação.
Uma dessas estratégias, é conhecida em angiospermas como “atraso verde”, onde a coloração verde
da folha é obtida somente após algumas semanas de desenvolvimento, e não imediatamente ao nascer.
As folhas jovens em geral são muito finas e delicadas quando nascem, bem como apresentam menos
compostos secundários (substâncias tóxicas aos herbívoros), assim são alvos fáceis para os
herbívoros. Dessa forma, sabendo que esses animais são atraídos pela coloração verde, a alteração da
cor para vermelho ou branco em estágios iniciais pode ser uma defesa dessas plantas. No entanto, ter
outra coloração se torna um pouco desvantajoso, uma vez que estas folhas possuem pouca capacidade
de realizar fotossíntese, já que a clorofila (pigmento responsável pela absorção de luz) não está
presente.

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As samambaias e licófitas também apresentam galhas, que são estruturas desenvolvidas num
determinado órgão da planta através de hipertrofia e hiperplasia de tecidos, em resposta ao ataque de
organismos indutores, tais como vírus, bactérias, fungos, nematódeos, ácaros ou insetos. As galhas
sempre foram estudadas em angiospermas, mas nas licófitas e samambaias foram subestimadas. No
entanto, estudos recentes tem demonstrado que as galhas são frequentes nesses grupos, e são causadas
principalmente por insetos.
As samambaias influenciam o estabelecimento de Taninos: são uma das
outras plantas no sub-bosque, uma vez que reduzem o nível defesas químicas mais
importantes das plantas, uma
de iluminação existentes sob a copa em até 32%. O solo onde vez que são antifúngicos,
crescem samambaias, em geral, é mais profundo comparado antibacterianos e antivirais,
atuando também contra
com áreas livres de samambaias, o que pode atuar como uma herbívoros.
barreira mecânica para sementes que alcançam o solo e para
as plântulas emergentes.
Além disso, muitas espécies de samambaias podem apresentar compostos tóxicos, que inibem
o estabelecimento de outras plantas, principalmente, no início da sucessão ecológica, atuando, dessa
forma, no controle da estrutura final do dossel de uma área em regeneração. Apesar de muitas vezes
limitar o crescimento de muitas as espécies nesses estágios iniciais, deve-se destacar que a presença
das samambaias em locais perturbados leva a estabilização e o melhoramento das condições
nutricionais do solo.
As famílias Dryopteridaceae e Dennstaedtiaceae são ricas em metabólitos secundários como
terpenos e fenóis, que são compostos tóxicos para a maioria dos mamíferos. Todas as samambaias
com exceção de Ophioglossales tem capacidade de sintetizar taninos. As samambaias apresentam
associações micorrizicas desde o Paleozoico, com as quais formam uma simbiose especializada na
transferência de nutrientes e carbono orgânico.

Conservação
A diversidade de licófitas e samambaiais, assim como de quase todos os organismos presentes
em florestas tropicais, é fortemente ameaçada pelo desmatamento. As espécies que ocorrem no
interior de florestas maduras dificilmente conseguem sobreviver em ambientes alterados, tais como:
pastagens, plantações, e florestas secundárias. Assim, muitos táxons correm o risco de serem extintos.
Na Mata Atlântica, uma grande ameaça às licófitas e samambaias é a redução e fragmentação
dos ambientes florestais. O uso dos solos, antes ocupados por florestas, é histórico, sendo que hoje a
floresta cobre menos de 10% da área original, que existia antes da chegada dos europeus. Muitas
espécies endêmicas desse ecossistema estão fortemente ameaçadas, pois já sofreram uma drástica

19
redução no tamanho de suas populações. Aqui vale ressaltar que as licófitas e samambaias são muito
sensíveis às alterações microclimáticas, que ocorrem, nas bordas de matas.
Na Amazônia, essas plantas são ameaçadas Endêmico: compreende uma espécie que
pelo desmatamento, executado principalmente ocorre somente em uma determinada área ou
região geográfica. O endemismo é causado por
pelas atividades agropecuárias e de extração de barreiras físicas, climáticas e biológicas que
madeira. Nos últimos anos também houve a delimitam com eficácia a distribuição de uma
espécie ou provocam sua separação do grupo
queima de vários quilômetros de floresta, por meio original.
de ações não naturais (humanas). A fronteira sul
da Amazônia vem sendo fortemente ameaçada nos últimos anos. Diversos estudos realizados na
Amazônia constaram que as licófitas e samambaias são bons indicadores ecológicos, sendo inclusive
importantes para o planejamento da conservação da biodiversidade desse ecossistema.
É importante também destacar que muitas espécies de samambaias foram introduzidas em
áreas que não ocorreriam naturalmente, e tornaram-se “pregas” nessas áreas. Um exemplo é
Lygodium microphyllum (Cav.) R. Br., planta natural da Ásia, que foi introduzida nos Estados Unidos
como ornamental em jardins. Essa planta escapou dos jardins e se dissipou rapidamente pelo país, em
função da grande capacidade de competição e resistência a condições estressantes.

Importância econômica
Diversas espécies de licófitas e samambaias são usadas em todo o mundo, com diferentes
finalidades, por diferentes populações tradicionais. Na China, é muito comum o emprego de espécies
desses grupos na alimentação, sendo consumido tanto folhas e báculos, quanto rizomas. Há estimativa
de que 50 espécies sejam usadas para essa finalidade nesse país. Nos Estados Unidos, frequentemente
consome-se Matteuccia struthiopteris (L.) Tod, principalmente em saladas.
Em regiões tropicais as samambaias e licófitas podem ser usadas como cosméticos
(desodorante), também como tempero, ou mesmo para usos medicinais e na produção de tintas e
fibras. Na Amazônia, elas são usadas principalmente para fins medicinais, havendo registro de uso
de licófitas e samambaias no tratamento de dor de estômago, diarréia, dor de dente, dores no corpo e
nos rins, gripe, cicatrização de feridas, e inclusive para uso veterinário.
A cavalinha (Equisetum L.) é comumente encontrada em casas de produtos naturais para o
emprego de infusões em problemas renais. Antigamente o talo de Equisetum também era usado para
polir panelas em virtude da alta concentração de sílica. O extrato de E. arvense L. tem sido usado a
fabricação de xampu, o qual é usado no tratamento de dermatites seborreicas.

Extrato de Polypodium leucotomos L., planta que cresce nos Andes entre 700 a 2.500 metros
era usada na medicina popular por suas propriedades anti-inflamatórias cutâneas, bem como
fotoprotetoras prevenindo o fotoenvelhecimento. Hoje ainda usamos extratos de P. leucotomos como
20
protetor solar na forma de cápsulas. Selaginella denticulata (L.) Spring. era usada como anti-
helmíntico. Botrychium lumaria (L.) Swartz., segundo os alquimistas, era capaz de coalhar o
mercúrio, além de apresentar propriedades afrodisíacas em gado bovino. Asplenium trichomanes L.
era usado para afecções do baço e do fígado, Asplenium ruta-muraria Michx. para curar problemas
de baço, rins e peito, Asplenium scolopendrium L. como diurético e expectorante, e Lycopodium
clavatum L. para combater catarros e inflamações das vias urinárias. Cyathea medullaris G. Forst,
conhecida na Nova Zelândia como Mamaku, tem ação de ativar os queratinócitos e a divisão celular,
o que reflete no aumento do número de células na derme. Huperzia selago (L.) Bernh é uma planta
muito venenosa para humanos pela sua alta concentração de alcolóides, e para animais tem
capacidade de liberar parasitas. Um alcalóide extraído de Huperzia serrata (Thunb.) Trevis. é usado
no controle da epilepsia.
O gênero Pteridium Gled. ex Scop., que apresenta ampla distribuição mundial, é
frequentemente consumido (principalmente os báculos) por chineses, japoneses e brasileiros (em
Minas Gerais). Contudo, o consumo excessivo de plantas desse gênero aumenta o risco de câncer de
estômago em humanos, e intoxicação no gado.
Samambaias também são utilizadas para fitorremediação, ou seja, para descontaminação de
ambientes naturais, poluídos por substâncias químicas e/ou metais pesados. Pteris vittata L. é uma
espécie com grande potencial fitorremediador. Essa planta usa mecanismos de evasão ou exclusão,
os quais minimizam a incorporação dos metais pela célula. Assim, através de processos de
detoxificação intracelular, compartimentalização ou biotransformação, a planta consegue sobreviver
na presença de elevada concentração do metal.
Recentemente, tem-se discutido o potencial de algumas proteínas extraídas de samambaias
serem usadas no tratamento contra o câncer.
As samambaias também apresentam grande potencial ornamental, sendo as mais utilizadas
em jardinagem e paisagismo as espécies dos gêneros: Adiantum L. (avencas), Cyathea Sm.
(samambaiaçu), Dicksonia L'Hér. (xaxim-bugio), Davallia Sm. (renda-portuguesa), Platycerium
Desv. (chifre-de-veado), Nephrolepis Schott (samambaia-de-metro) e Selaginella P. Beauv.
(erroneamente chamado de musgo). As samambaias aquáticas Salvinia Ség., Azolla Lam.
(samambaia-mosquito) e Marsilea Adans. (trevo-de-quatro-folhas) são usadas em aquários ou em
lagoas. O caule da Dicksonia sellowiana Hook., planta nativa da Mata Atlântica, já foi muito utilizado
como substrato para cultivo de orquídeas, pela capacidade de retenção de água, no entanto, em virtude
da intensa exploração comercial, atualmente essa planta é ameaçada de extinção. As folhas de
Rumohra adiantiformis (G. Forst.) Ching têm sido vendidas há muito tempo para a produção de
arranjos e buquês de flores no Brasil e na África do Sul.

21
A samambaia mais utilizada comercialmente é a Azolla, uma planta pequena, aquática,
flutuante, que se reproduz rapidamente por meio de propagação vegetativa. Plantas desse gênero
possuem simbiose com uma cianobactéria, Anabaena azollae Strasb., que fixa nitrogênio em troca de
proteção e abrigo. Ao longo dos últimos 1000 anos, e até os dias atuais, a Azolla é cultivada em
campos de arroz no sudeste asiático para incremento de nitrogênio nos cultivares. Ela é cultivada nos
campos inundados, onde chega a recobrir toda a superfície e após a drenagem dos campos a
samambaia é retida para ser incorporada ao solo. Posteriormente, o arroz é plantado, dessa forma todo
o nitrogênio será fornecido ao cultivar (através da samambaia) sem a necessidade de adubação
química. O uso da Azolla reduz o número de fertilizantes nitrogenados químicos.
Do ponto de vista nutritivo, as prefoliações (folhas jovens e báculos) são uma ótima fonte de
vitaminas A e C, sendo o conteúdo total de vitaminas muito similar ao conhecido para a batata inglesa.
Nas folhas maduras também se verifica uma grande quantidade de vitaminas A e C. Há grande
quantidade de amido na raque e na lâmina, o qual pode ser utilizado para a produção de farinha, e
posteriormente, para a confecção de pães sem fermento.
As samambaias e licófitas também podem ser usadas como indicadores ecológicos, indicando
contaminação do solo, água e ar, regeneração/restauração de ecossistemas, mudanças climáticas,
integridade ambiental, perturbação, bem como ser usadas como indicadoras para a classificação de
vegetação, solos e ecossistemas.
E a título de curiosidade, grande parte do petróleo e carvão do hemisfério norte é resultado da
decomposição das grandes florestas de licófitas e samambaias do período Carbonífero. Então, de
forma indireta estamos fazendo uso dessas plantas.

Conclusões
Licófitas e samambaias são dois grupos filogeneticamente distintos, que tradicionalmente são
tratadas pelo termo “pteridófita”. São plantas vasculares, que apresentam ciclo de vida diplobionte
(alterância de gerações), com fase esporofítica dominante sobre a gametofítica. Foram grupos
diversos e predominantes em todos os ecossistemas terrestres do período Carbonífero ao Triássico.
Atualmente apresentam cerca de 12 mil espécies, ocorrentes em praticamente todo o globo, sendo,
no entanto, a região tropical a mais diversa. A maioria das espécies de licófitas e samambaias que
vemos atualmente são plantas muito recentes (pertencem a ordem Polypodiales, originadas
principalmente no Cenozóico), as quais apresentam morfologia muito variada, principalmente,
quanto as secções da lâmina foliar. Essa morfologia laminar atrai muita atenção (pela sua beleza), por
isso são plantas muito usadas como ornamentais. Hoje, no entanto, com o desmatamento
descontrolado, queimadas e fragmentação de habitats há um grande risco de muitas dessas espécies
serem extintas, principalmente, plantas endêmicas.

22
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24
CAPÍTULO 2

Origem, evolução e diversidade das Angiospermas


Roberto Baptista Pereira Almeida (Universidade de São Paulo)
Andressa Cabral (Universidade de São Paulo)
Annelise Frazão (Universidade de São Paulo)
Danilo Alvarenga Zavatin (Universidade de São Paulo)
Elton John de Lírio (Universidade de São Paulo)
Guilherme Medeiros Antar (Universidade de São Paulo)

As angiospermas, ou plantas com flores, são a maior parte das plantas atualmente viventes do
nosso planeta. Com cerca de 300 mil espécies, elas são as árvores, arbustos, gramas, cactos,
palmeiras, plantas insetívoras, estão nas florestas, nos jardins e nas plantações, e são as frutas e
verduras que consumimos. Em qualquer lugar em que estejamos, as plantas com flores certamente
estarão por lá.
Se observarmos sua história evolutiva, as angiospermas são um grupo de plantas com
sementes com características que as tornam únicas se comparadas às outras plantas. Essas
características são as sinapomorfias, ou seja, características que evolutivamente são compartilhadas
pelos membros da linhagem, por exemplo: endosperma com dupla fertilização, flores, frutos e
gametófito feminino reduzido. Geralmente quando comemos um fruto carnoso, estamos nos
alimentando do tecido do ovário desenvolvido. Já quando nos alimentamos de uma semente, por
exemplo, a castanha-do-pará, Bertholletia excelsa Bonpl. (Lecythidaceae), estamos nos alimentando
do tecido de reserva resultante do megagametófito feminino fecundado, o endosperma. A flor,
geralmente com perianto, estames e pistilos, apresenta muitas vezes a função de atração de
polinizadores, os quais são atraídos por recursos disponíveis nas flores (por exemplo: néctar, pólen e
óleo) e garantem o transporte de pólen e a reprodução das espécies. O fruto envolvendo a semente
pode fornecer proteção e auxiliar no processo de dispersão.

Ciclo de Vida: Formação das Sementes


Nas Espermatófitas (plantas com sementes), a reprodução tem como objetivo central a
formação da semente, que posteriormente será dispersa e germinada em um ou outro local. Nas
Angiospermas esse processo inicia-se com a formação das células reprodutivas no interior das flores
e depende de uma série de acontecimentos para ser efetivada. Abaixo iremos detalhar a

25
microsporogênese, microgametogênese, megasporogênese, megagametogênese, dupla fecundação e
formação da semente.
As células reprodutivas são formadas a partir da microsporogênese e megasporogênese no
interior da antera e do ovário, respectivamente. A antera, formada inicialmente por uma massa de
células diferenciadas apenas da epiderme, diferencia-se em quatro grupos de células férteis
(esporógenas) rodeadas por células estéreis. As células estéreis desenvolvem-se na parede do saco
polínico e sua camada mais interna (tapete) possui uma função nutritiva para os micrósporos em
desenvolvimento. As esporógenas tornam-se microsporócitos (diploides), os quais sofrem meiose, e
dão origem a uma tétrade de micrósporos (haploides). Finalmente, a microsporogênese se finaliza
com a formação dos micrósporos individuais (grão de pólen). Os grãos de pólen desenvolvem uma
parede externa resistente formada por esporopolenina (exina) e uma interna, formada por celulose e
pectina (intina). A microgametogênese ocorre a partir da mitose do micrósporo uninucleado. Este
processo é responsável por formar a célula do tubo e a célula geradora.
Paralelamente, a megasporogênese ocorre no interior do óvulo (megasporângio), que consiste
de uma haste (funículo) sustentando um núcleo. O núcleo é envolvido por duas camadas
(tegumentos), se expondo em apenas uma pequena região (micrópila). Nas etapas iniciais da
megasporogênese, um único megasporócito (diploide) se origina e, em seguida, sofre meiose,
formando quatro megásporos (haploides). Os três megásporos mais próximos da micrópila se
desintegram, e o mais afastado se desenvolve no megagametófito e inicia seu crescimento. O núcleo
deste megásporo funcional passa por três mitoses consecutivas, e ao final, os oito núcleos se
organizam em dois grupos opostos, um grupo próximo à micrópila e outro oposto, ocorrendo na
região chalazal. Em seguida, um núcleo de cada grupo migra para o centro do megásporo, formando
os núcleos polares. Após este rearranjo, os núcleos da região próxima à micrópila passam a consistir
em uma célula-ovo (oosfera) e duas sinérgides, e do outro lado, as células antípodas. A região que
contém os oito núcleos em sete células denomina-se saco embrionário (gametófito feminino) (Fig.
1).
Após a deiscência das anteras, os grãos de pólen são transportados aos estigmas (polinização),
e em seguida se hidratam ao tocar a superfície estigmática resultando em sua germinação. A
germinação do grão de pólen dá origem ao tubo polínico, o qual é o gametófito masculino.
Comumente esse tubo acessa o óvulo através da micrópila e penetra uma das sinérgides. Em seguida,
um núcleo espermático migra pelo tubo e penetra a oosfera e um segundo se une com a célula central.
Este processo é denominado dupla fecundação, ocorrendo apenas nas angiospermas e em alguns
representantes de Gnetophyta. Nas angiospermas, os dois núcleos polares fundem-se com as células
do megagametófito, um deles une-se com a oosfera formando um zigoto diploide e outro com os
núcleos polares, resultando em um endosperma frequentemente triploide. Finalmente, o zigoto
26
desenvolve-se em embrião, o núcleo primário do endosperma divide-se formando o endosperma, a
parede do ovário e estruturas associadas originam o fruto, e os tegumentos se desenvolvem em
envoltório da semente (Fig. 1).

Fig. 1. Reprodução em Vellozia sp. (Velloziaceae). Ilustração detalhando a microsporogênese, microgametogênese,


microsporogênese, megasporogênese, dupla fecundação e formação da semente. Fonte: Elaborada por A. Cabral.

Origem
Os primeiros fósseis atribuídos às Angiospermas são grãos de pólen com cerca de 135 milhões
de anos e o primeiro fóssil com todas as partes identificáveis (i.e. folhas, ramos e flores) é estimado
em cerca de 125 milhões de anos, no Cretáceo Inferior, sendo essa planta denominada Archaefructus
sinensis Sun (Fig. 2). Apesar disso, estudos mais recentes utilizando datação molecular de filogenias

27
estimam o surgimento das Angiospermas para períodos anteriores, a partir do Jurássico (anterior a
145 milhões de anos).
No Cretáceo Médio, muitas das principais linhagens de Angiospermas aparecem no registro
fóssil, sendo que mais para o final do Cretáceo ocorreu uma diversificação ainda maior. Nesse
período, as Angiospermas tornaram-se as plantas dominantes em muitos ambientes terrestres. Esse
aumento da diversidade tem evidência no registro fóssil e, além disso, essa diversificação ocorreu
rapidamente, ou seja, muitos registros apareceram após os primeiros fósseis. Esse fato chamou a
atenção de Charles Darwin, quem considerou esse um “mistério abominável”: Como um grupo
poderia ter um aumento tão grande de diversidade em tão pouco tempo? Isso o levou a hipotetizar a
existência de eventos anteriores ao Cretáceo que tenham culminado nesse aumento da diversificação
das plantas com flores, incluindo a hipótese de coevolução com animais polinizadores.
Como as Gimnospermas, as primeiras Angiospermas produzem pólen com uma única abertura
(monoaperturado), como ainda se encontra hoje entre nas Angiospermas Basais e nas
Monocotiledôneas, as Eudicotiledôneas, por sua vez, apresentam um grão de pólen com três aberturas
ou tricolpado, sendo essa uma sinapomorfia desse grupo. Para explicar a morfologia das primeiras
flores, foram formuladas algumas hipóteses, dentre elas a Teoria Pseudantial e a Teoria Euantial ou
Antostrobilar. Na primeira, a hipótese é de que as primeiras flores seriam de tamanho reduzido,
unissexuais (flores masculinas e flores femininas separadas) e anemófilas (polinizadas pelo vento),
enquanto para a segunda hipótese, as flores seriam grandes, hermafroditas e entomófilas (polinizadas
por insetos). Por muito tempo a Teoria Pseudantial era a mais aceita, mas isso mudou recentemente
com um estudo que reconstruiu a possível morfologia da flor do ancestral de todas as Angiospermas.
Neste estudo, foi apresentado que as primeiras flores deviam ser grandes, hermafroditas, com
inúmeras tépalas, estames e carpelos, muito similares às flores das ninféias (Nympheaceae -
Angiospermas Basais), concordando a Teoria Euantial (Fig. 2).

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Fig. 2. As primeiras Angiospermas. A: ilustração e foto do Archaefructus sinensis (modificado de Taylor et al. 2009 e
Erbar 2007). B: Diagrama floral e ilustração esquemática da flor ancestral das Angiospermas. Fonte: Adaptado de
Sauquet et al. 2017.

A flor e suas variações morfológicas


Independente da hipótese que melhor explique como uma flor surgiu, estas,
morfologicamente, podem ser definidas como uma ramo modificado com crescimento determinado
(crescimento que cessa após o aparecimento de uma estrutura específica, diferente de um ramo de
uma árvore, que tem o crescimento indeterminado, pois continua crescendo independente do
desenvolvimento de alguma estrutura específica), contendo 1 ou mais estames (com os gametas
masculinos), coletivamente chamado de androceu e 1 ou mais carpelos (contendo os gametas
femininos e formando 1 ou mais pistilos), coletivamente chamados de gineceu. Podem ser
hermafroditas (flor perfeita), contendo ambos estames e carpelos, ou unissexuadas (flor imperfeita),
contendo somente estames ou carpelos. A maioria contém perianto, ou seja, folhas modificadas na
base desse ramo de crescimento determinado. Essas folhas podem estar dispostas de forma cíclica,
com estruturas mais externas e mais internas em relação às estruturas reprodutivas, ou acíclicas,
quando espiralados no ramo externamente às estruturas reprodutivas. Nas flores cíclicas, as folhas
modificadas mais externas são as sépalas (frequentemente verdes e fotossintéticas), coletivamente
chamadas de cálice; e as mais internas constituem as pétalas (frequentemente coloridas, vistosas e
odoríferas), coletivamente chamadas de corola. Quando essas folhas modificadas não são
diferenciáveis em cálice e corola, sendo numerosas ou não, estas são denominadas individualmente
como tépalas, coletivamente chamadas de perigônio (Fig. 3).

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Fig. 3. Esquema de uma flor e suas partes morfológicas. Fonte: Elaborada por A. Frazão.

Como veremos neste capítulo, a diversidade morfológica das flores é muito grande. A
diversidade de formas, cores, tamanhos, odores, entre outros está associada, possivelmente, à
evolução das Angiospermas em resposta às pressões seletivas de transferência de pólen, a polinização.
A transferência de pólen por animais parece ser uma caraterística já existente no ancestral de todas
as Angiospermas, e além disso, a polinização em outras Espermatófitas é predominantemente
anemófila (polinização pelo vento). Inúmeros mecanismos de polinização mediada por animais
(Zoofilia) surgiram nas diferentes linhagens e podem caracterizar vários grupos de Angiospermas.
No entanto, muitos grupos apresentam flores com tamanhos reduzidos ou até mesmo perda de
estruturas do perianto, essas são frequentemente polinizadas pelo vento ou pela água (Fig. 4).

Diversidade & Hábitos


As angiospermas são o grupo de plantas terrestres com maior riqueza atual, contendo c. 300
mil spp., ou seja, c. 90% de todas as Embriófitas (Fig. 5). Entretanto, essa diversidade ainda não é
completamente conhecida, com c. 2.000 spp. descritas todos os anos, levando a predições de até 400–
450 mil spp. no total. Essa enorme diversidade não é homogêneamente distribuída no planeta, sendo
muito mais concentrada na zona tropical, principalmente na região Neotropical, que compreende o
sul do México, região sul da Flórida nos Estados Unidos da América, a América Central e a América
do Sul. Só no Brasil ocorrem c. 35.500 spp., sendo o país mais biodiverso do mundo para plantas.
Além disso, o Brasil conta com c. 18.800 spp. endêmicas de angiospermas, ou seja, exclusivas do
país, representando c. 55% do endemismo da região Neotropical.

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Fig. 4. Diferenças morfológicas das angiospermas e sua síndrome de polinização. A: Sapromiofilia (polinização por
moscas) Aristolochia gigantea Mart. & Zucc. (Aristolochiaceae). B-C: Ornitofilia (polinização por pássaros) B:
Heliconia rostrata Ruiz & Pav. (Heliconiaceae), C: Salvia guaranitica A.St.-Hil. ex Benth. (Lamiaceae). D:
Anemofilia (polinização pelo vento) Rhynchospora speciosa (Kunth) Boeckeler (Cyperaceae). E-F: Melitofilia
(polinização por abelhas) E: Anemopaegma prostratum DC. (Bignoniaceae), F: Leptostelma maximum D.Don
(Asteraceae). G: Cantarofilia (polinização por besouros) Couroupita guianensis Aubl. (Lecythidaceae). H:
Quiropterofilia (polinização por morcegos) Triania sp. (Solanaceae). Fonte das Fotos: A-G: D. Zavatin, H: N.
Muchhala.

Fig. 5. Diversidade relativa das plantas terrestres (Embriófitas). Fonte: Adaptada de Crepet & Niklas 2009.
31
Box 1: A Genética das Flores
A variação morfológica das flores tem uma assinatura genética associada ao seu desenvolvimento. Ao longo dos
anos, os pesquisadores, por meio de estudos de desenvolvimento e evolução, usando a planta modelo Arabidopsis
thaliana (L.) Heynh., conseguiram compilar um modelo de genes associados ao desenvolvimento das partes
florais, o modelo ABC (Fig. 6). Neste modelo, os genes estão organizados em classes do tipo A, B e C e,
combinados, produzem os quatro principais órgãos florais, as sépalas, pétalas, estames e carpelos. De acordo com
este modelo, sépalas são expressas pela atividade dos genes da classe A; as pétalas pela combinação da atividade
de genes das classes A e B; enquanto os estames pela combinação das classes B e C, e carpelos pela atividade
somente de genes da classe C. Além das atividades desses genes e suas combinações, genes da classe chamada
SEPALLATA são necessários em combinação com aqueles das classes A, B e C para determinar apropriadamente
a identidade dos órgãos florais. Cada um desses genes é expresso em locais específicos no primórdio floral ao
qual determinarão a identidade das peças florais específicas, ou seja, na periferia do primórdio serão expressos os
genes que formarão o cálice, internamente os que formarão das pétalas, e ainda mais internamente, os que
formarão o androceu e gineceu. As diferentes combinações das atividades desses genes trazem uma variação
observada nas flores das Angiospermas. Por isso, estudos que buscam compreender como essas interações
acontecem e qual o é seu resultado, são cruciais para o melhor entendimento da base molecular relacionada à
homologia de estruturas e dos mecanismos de evolução que influenciaram no surgimento dessa alta diversidade
de flores existentes atualmente.

Fig. 6. Esquema do modelo ABC de desenvolvimento das flores. Fonte: Elaborada por A. Frazão.

Muito da alta diversidade de Angiospermas está relacionada a grande variedade de habitats e


hábitos (Fig. 7) que as angiospermas podem ocorrer e apresentar. Quanto aos habitats, as
angiospermas são em sua maioria terrestres, mas também podem ocorrer em ambientes aquáticos,
incluindo também algumas monocotiledôneas marinhas, as quais são conhecidas como gramas-
marinhas. Em ambientes terrestres, elas podem ocorrer sobre rochas (plantas rupícolas), muito
comum nos campos rupestres; sobre outras plantas utilizando outra planta como suporte (epífitas),
como muitas Orquídeas e Bromélias, ou ainda como parasitas, captando água e nutrientes de outras
plantas, como o cipó-chumbo ou a erva-de-passarinho; e em diferentes climas e solos, desde espécies
desérticas, com enorme resistência a seca até duas espécies que ocorrem na Antártida; plantas

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insetívoras, as quais habitam solos pobres e conseguem parte dos seus nutrientes digerindo pequenos
animais.
Quanto ao hábito, as Angiospermas apresentam enorme variação, podendo ser árvores com
até c. 100 metros de altura, como uma espécie de Eucalipto (Myrtaceae), na Tasmânia, até ervas
aquáticas do gênero Wolffia (Lemnaceae) com menos de 1 milímetro; são também arbustos,
escandentes ou eretos; trepadeiras herbáceas ou lenhosas, conhecidas como lianas; arvoretas ou
subarbustos. Ainda, podem ser perenes ou efêmeras, existindo grande quantidade de ervas anuais ou
bianuais que após a floração e frutificação logo perecem.

Fig. 7. Diferentes hábitos e habitats das Angiospermas. A: Terrestre (Ruellia makoyana Hort.Makoy ex Closon,
Acanthaceae). B: Aquático (Nymphaea sp., Nymphaeaceae) C: Rupícola (Acianthera teres (Lindl.) Luer, Orchidaceae)
D: Epífita (Cattleya violacea Berr, Orchidaceae) E: Parasita (Phoradendron quadrangulare (Kunth) Griseb.,
Santalaceae) F: Insetívora (Pinguicula sp., Lentibulariaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.

Filogenia
As Angiospermas foram classificadas classicamente em dois grandes grupos, as
Monocotiledôneas e as Dicotiledôneas, as quais eram caracterizadas, principalmente, pelo número de
cotilédones nas sementes. Atualmente, essa classificação não é mais adotada, dado que, o estado de
caráter “dois cotilédones nas sementes” são compartilhados por todas as Espermatófitas, com exceção
das Monocotiledôneas. Portanto, essa é uma característica simplesiomórfica e o grupo
“Dicotiledôneas” não constitui uma linhagem (ou seja, não é monofilético). A classificação mais atual
das Angiospermas segue o Angiosperm Phylogeny Group IV (APG IV 2016) onde normalmente são
tratadas em quatro grandes grupos: Grado ANA, Magnoliídeas, Monocotiledôneas e
Eudicotiledôneas (Fig.8) e Tabela 1. O posicionamento das ordens Chloranthales e Ceratophyllales
ainda é incerto, pois estes grupos têm aparecido em diferentes posicionamentos em trabalhos recentes.

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Com exceção do Grado ANA, esses três grandes grupos são sustentados por sinapomorfias
moleculares e morfológicas.

Fig. 8. Principais linhagens das Angiospermas: Grado ANA, Magnoliídeas, Monocotiledôneas, Eudicotiledôneas.
Fonte: APG IV 2016, modificado.

O Grado ANA é formado pelas ordens Amborellales, Nymphaeales e Austrobaileyales. Essas


ordens não formam um grupo monofilético e por isso são tratados como grado, ao invés de clado.
Apesar disso, o Grado ANA compartilha algumas características, como, por exemplo, a angiospermia
(fechamento do carpelo em torno do óvulo) predominantemente pela via de secreção (exceção:
Nymphaeaceae e algumas Schisandraceae, antigas Illiciaceae), gametófito feminino com 4 núcleos e
endosperma diploide 2n (com exceção de Amborellales, que apresenta 9 núcleos e endosperma
triploide (3n) (Fig. 9).

Fig. 9. A: Gametófito feminino com 4 núcleos (2 Sinérgides + 1 Oosfera + 1 Núcleo polar) presente em
Austrobaileyales e Nymphaeales. B: Gametófito feminino com 8 núcleos (2 Sinérgides + 1 Oosfera + 2 Núcleos polares
+ 3 Antípodas) presentes em todas as angiospermas com exceção do grado ANA. C: Gametófito feminino com 8
núcleos (3 Sinérgides + 1 Oosfera + 2 Núcleos polares + 3 Antípodas) presentes em Amborellales. Sinérgides:
representados em vermelho; oosfera: representados em amarelo, antípodas: representados em marrom, núcleos polares:
representados em azul. cc: célula central; pn : núcleos polares. Fonte: Friedman & Ryerson 2009, adaptado.

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A ordem Amborellales apresenta uma única família, Amborellaceae, e uma única espécie
Amborella trichopoda Baill. Essa espécie é lenhosa e apresenta somente traqueídes no xilema. Os
indivíduos são dioicos e suas flores unissexuadas, apresentam tépalas espiraladas e o grão de pólen é
monoaperturado. A ordem Nymphaeales apresenta 3 famílias, 6 gêneros e 74 espécie. A família mais
diversa do grupo é Nymphaeaceae com 54 espécies. Essas são amplamente distribuídas e ocorrem
em águas doces (lagos, lagoas e represas). Uma importante representante brasileira dessa família é a
vitória-régia, Victoria amazonica (Poepp.) J.C.Sowerby. Essa família apresenta folhas grandes, flores
polímeras (Fig. 10), não apresenta câmbio e possui endosperma diplóide 2n. A ordem
Austrobaileyales apresenta três famílias, cinco gêneros e 100 espécies. Nessa ordem todas as espécies
apresentam elementos de vaso com placas de perfuração escalariformes. Um representante conhecido
dessa ordem é o Anis estrelado (Illicium verum Hook.f.), da família Illiciaceae.

Fig. 10. A-B: Folhas de Victoria amazonica (Poepp.) J.E.Sowerby. C: Folhas e flores de Nymphaea sp. Fonte: Fotos A,
B: D. Zavatin, C: A. Frazão.

O grupo das Magnoliídeas (Fig. 11) é monofilético e é formado por quatro ordens:
Magnoliales, Laurales, Piperales e Canellales, 20 famílias e cerca de 10.000 espécies. Além disso, é
possível destacar os alcalóides benzilisoquinolínicos como uma possível sinapomorfia do grupo. A
ordem Magnoliales é formada por seis famílias, Annonaceae, Degeneriaceae, Eupomatiaceae,
Himantandraceae, Magnoliaceae e Myristicaceae e cerca de. 2.820 espécies. Além disso, podemos
destacar como características desse grupo os receptáculos alongados, androceu e gineceu
normalmente espiralados, embrião diminuto e endosperma abundante. A ordem Laurales é formada
por sete famílias, Atherospermataceae, Calycanthaceae; Gomortegaceae, Hernandiaceae, Lauraceae,
Monimiaceae e Siparunaceae, compreendendo cerca de 2.800 espécies. Essa ordem pode ser
reconhecida pela presença de nós dos traços foliares unilacunares, folhas opostas e presença de
hipanto. São exemplos de espécies dessa ordem o abacate (Persea americana Mill.) e a canela
(Cinnamomum verum J.Presl.), da família Lauraceae, o boldo chileno (Peumus boldus Molina), da
família Monimiaceae e as espécies ornamentais do gênero Calycanthus L., da família Calycanthaceae.
A ordem Piperales é formada por quatro famílias: Aristolochiaceae, Hydnoraceae, Piperaceae
e Saururaceae e cerca de 4.090 espécies. Essa ordem apresenta como características, um câmbio com
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baixa atividade e folhas cordiformes. São exemplos dessa ordem as espécies de Aristolochia, da
família Aristolochiaceae com suas peculiares flores, popularmente conhecidas como jarrinha, cipó
mil-homens, milome ou papo-de-peru, as espécies ornamentais do gênero Peperomia, da família
Piperaceae e o pari-paroba (Piper umbellatum L.) e a pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), também
da mesma família. A ordem Canellales é formada por duas famílias: Canellaceae e Winteraceae e
cerca de 90 espécies. Esse grupo possui como sinapomorfias estames espirais, tecido transmissor do
tubo polínico bem diferenciado, tegumento externo com apenas duas camadas de células e exotesta
paliçada. Dentre as espécies mais conhecidas do grupo estão a casca-de-anta (Drimys winteri
J.R.Forst. & G.Forst.), utilizada como ornamental e medicinal.

Fig. 11. Diversidade das Magnoliídeas. A - Guatteria sellowiana Schltdl. (Annonaceae). B - Magnolia sp.
(Magnoliaceae) C - Drymis sp. (Winteraceae). D - Mollinedia schottiana (Spreng.) Perkins (Monimiaceae). Fonte:
Fotos A, C, D: D. Zavatin, B: C. Ulloa.

As Monocotiledôneas formam um grupo monofilético, ou seja, compartilham um ancestral


comum exclusivo entre elas. Esse grupo é diverso e apresenta cerca de 60.000 espécies distribuídas
em 11 ordens. Podemos citar a presença de apenas um cotilédone na semente e a presença de corpos
proteicos cuneiformes nos plastídios das células dos elementos crivados do floema, como
sinapomorfias morfológicas do grupo. Além disso, a perda do câmbio vascular é uma característica
marcante do grupo, a qual possibilitou o surgimento de uma série de características diagnósticas para
o grupo, como por exemplo: a venação paralelinérvea, o crescimento por meio de rizomas e a
limitação no número de folhas. Outras características marcantes são as flores trímeras, o pólen
monoaperturado, raízes fasciculadas, bainha na base das folhas, presença de bulbos e o estelo do tipo
atactostelo.
A ordem Asparagales é composta por 14 famílias e cerca de 36.260 espécies. Essa ordem é
caracterizada por possuir fitomelanina na testa da maioria das sementes, com exceção de Orchidaceae.
Essa é a família mais diversa da ordem e de todas as Angiospermas com cerca de 26.000 espécies e
apresenta algumas características diagnósticas como flores ressupinadas, pétala modificada em

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labelo, ginostêmio, pólens agrupados em polínias e raízes do tipo velame (Fig. 12). Podemos destacar
o uso dessa família como planta ornamental, por exemplo o gênero Cattleya Lindl. e a baunilha
(Vanilla spp.), muito usada na culinária.

Fig. 12. Diversidade de Orchidaceae: A - Prosthechea sp. B - Bifrenaria aureofulva (Hook.) Lindl. C - Cattleya
elongata Barb.Rodr. D - Vanda sp. Fonte: Fotos de D. Zavatin.

As ordens Arecales, Commelinales, Poales e Zingiberales são chamadas de Monocotiledôneas


Commelinídeas. Essas plantas apresentam inflorescência com bráctea e corpos de sílica nas folhas e,
majoritariamente, o ovário é súpero e as flores são diclamídeas (com verticilos organizados em cálice
e corola) e heteroclamídeas (cálice a corola diferenciáveis). Além disso, esse grupo é constituído por
30 famílias e cerca de 23.500 espécies. São exemplos de plantas dessas ordens o açaí (Euterpe
oleracea Mart.), da família Arecaceae, a trapoeraba (Commelina benghalensis L.), planta medicinal
da família Commelinaceae, o trigo (Triticum spp.), da família Poaceae e o gengibre (Zingiber
officinale Roscoe) da família Zingiberaceae.
Poales apresenta 14 famílias e 18.875 espécies. Além disso, podemos listar algumas
características da ordem como a perda das ráfides, inflorescências indeterminadas e a presença de
sílica nas células epidérmicas. Suas principais famílias são Bromeliaceae, Cyperaceae e Poaceae (Fig.
13). As espécies de Bromeliaceae podem ser epífitas ou rupícolas, apresentam folhas alternas
espiraladas, serrilhadas, escamas epidérmicas capazes de absorver água e normalmente formam uma
roseta, a qual pode acumular água. Dessa forma, algumas espécies de Bromeliaceae conseguem
sobreviver em ambientes xéricos. Podemos citar o abacaxi (Ananas comosus (L.) Merril) como um
conhecido exemplar dessa família, a qual apresenta cerca de 3.600 espécies. Poaceae apresenta grande
importância econômica por possuir espécies base para a alimentação humana e animal, além de serem
usadas com biocombustíveis, como, por exemplo, o arroz (Oryza sativa L.), o milho (Zea mays L.) e
a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.). A família apresenta cerca de 11.000 espécies
distribuídas em todo o planeta. Algumas características dessas famílias são as folhas dísticas, com
bainha aberta, lígula, presença de um meristema intercalar, que permite que as folhas dessas plantas
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cresçam mesmo após a danificação ou perda do meristema apical, inflorescências organizadas em
espiguetas, com flores pequenas e gineceu com dois estigmas plumosos. Além disso, algumas
espécies apresentam caule do tipo colmo, como os bambus (Bambusoideae).

Fig. 13. A: Dyckia sp. (Bromeliaceae). B: Aechmea bromeliifolia (Rudge) Baker (Bromeliaceae). C: Bulbostylis sp.
(Cyperaceae). D: Gynerium sagittatum (Aubl.) P.Beauv. (Poaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.

A Eudicotiledônea é o grupo mais diverso das Angiospermas compreendendo cerca de


190.000 espécies descritas, o que representa 75% de todas plantas com flores. É um grupo
monofilético sustentado por sinapomorfias moleculares, além de uma sinapomorfia palinológica, a
presença de pólen tricolpado. Dentro das Eudicotiledôneas encontramos algumas das famílias e
ordens com maior diversidade, como por exemplo, Asteraceae, com cerca de 20.000 espécies
descritas, e de maior importância econômica, como, as Fabaceae, que possuem diversas espécies
alimentícias como a ervilha (Pisum sativum L.), a soja (Glycine max (L.) Merr.), o feijão (Phaseolus
vulgaris L.) e o amendoim (Arachis hypogaea L.). As Eudicotiledôneas são divididas principalmente
em dois grupos, as Asterídeas e as Rosídeas, as quais juntamente com as Caryophyllales e algumas
outras ordens formam o grupo das Eudicotiledôneas Núcleo. As Rosídeas são constituídas por 16
ordens e seus representantes podem ser reconhecidos pelo perianto livre, estames em número maior
de pétalas e sépalas, e óvulos bitegumentados e crassinucelados (Fig. 14). As Asterídeas são
constituídas por 14 ordens e caracterizadas pela presença de compostos químicos iridóides (alcalóides
derivados de monoterpenóides), corola gamopétala e óvulo unitegumentados tenuinucelados.
As Caryophyllales são uma ordem com significativa riqueza, compreendendo 34 famílias e
11.600 espécies. A maior parte dos representantes da Ordem são reconhecidos pela presença de
óvulos campilódromos, sementes perispermadas e betalaína (composto químico responsável pela
coloração arroxeada observada nas beterrabas, por exemplo) em oposição a antocianinas presentes
nas outras angiospermas. Dentre as Caryophyllales, destacam-se as famílias Cactaceae, com cerca de
1.900 espécies distribuídas majoritariamente na região neotropical em localidades de clima sazonal
ou desértico, sendo caracterizada pelo caule suculento (cladódio), folhas modificadas em espinhos e

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metabolismo CAM; as Caryophyllaceae, com quase 2.400 espécies.; e Droseraceae, com 110 espécies
de plantas insetívoras, muitas delas amplamente cultivadas (Fig. 15).

Fig. 14. Principais linhagens e ordens das Rosídeas: Malvídeas e Fabídeas. Fonte: APG IV 2016.

Fig. 15. Diversidade de Caryophyllales. A: Pilosocereus sp. (Cactaceae). B: Echinopsis atacamensis (Phil.) H.Friedrich
& G.D.Rowley. C: Schlumbergera russelliana (Hook.) Britton & Rose. D: Drosera spirocalyx Rivadavia & Gonella.
Fontes: Fotos de D. Zavatin.

Dentre as Rosídeas, destacam-se dois grandes grupos: as Fabídeas e as Malvídeas (Fig. 14).
As Malvídeas são compostas por oito ordens, das quais destacam-se as ordens Myrtales, Sapindales,
Brassicales e Malvales. Dentre as Myrtales, a qual possui como provável sinapomorfia a presença de
ovário ínfero, destacam-se as famílias Myrtaceae, com cerca de 5.900 espécies e grande importância
madeireira, devido ao gênero Eucalyptus, e alimentícia, com diversos representantes com frutos
carnosos como a goiaba (Psidium guajava L.), as jabuticabas (Plinia spp.) e a pitanga (Eugenia
uniflora L.); e Melastomataceae, com cerca de 5.000 espécies e enorme representatividade nos
biomas neotropicais. Dentre as Sapindales, as quais possuem em geral interessantes compostos
secundários, destacam-se Rutaceae, a família do limão e da laranja (Citrus spp.) com cerca de 1.900
espécies; Anacardiaceae, a família da manga (Mangifera indica L.) e do caju (Anacardium
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occidentale L.), com cerca de 900 espécies e Sapindaceae, a família do guaraná (Paullinia cupana
Kunth) e da lichia (Litchi chinensis Sonn.), com cerca de 1.900 espécies. Dentre as Brassicales,
geralmente com representantes com compostos secundários glucosinolatos, destaca-se Brassicaceae,
a família do Brócolis, da couve-de-bruxelas, do repolho (diferentes cultivares de Brassica oleracea
L.) e a mostarda (Brassica nigra (L.) W.D.J.Koch), com cerca de 4.000 espécies. E dentre as
Malvales, ordem com sinapomorfias químicas e anatômicas, destaca-se Malvaceae, família do
cacaueiro (Theobroma cacao L.) e do algodão (Gossypium spp.) com cerca de 4.300 espécie (Fig.
16).

Fig. 16. Diversidade das Malvídeas. A: Syzygium malaccense (L.) Merr. & L.M.Perry (Myrtaceae). B: Pilocarpus
pennatifolius Lem. (Rutaceae). C: Anacardium occidentale L. (Anacardiaceae). D: Serjania sp. (Sapindaceae). E:
Ornithogalum caudatum Aiton (Asparagaceae). F: Luehea grandiflora Mart. (Malvaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.

As Fabídeas são compostas por oito ordens, dentre as quais destacam-se as Cucurbitales,
Fabales, Malpighiales e Rosales (Fig. 17). Dentro das Fabídeas, o clado formado por Cucurbitales,
Fabales, Fagales e Malpighiales é reconhecido como Clado Fixador de Nitrogênio, já que congrega
diversos representantes com associação com bactérias nas raízes capazes de fixar nitrogênio,
característica a qual possui enorme importância ecológica e econômica. As Cucurbitales incluem oito
famílias, dentre as quais destacam-se Begoniaceae, com cerca de 1.900 espécies e diversos
representantes ornamentais dentro do gênero Begonia, e Cucurbitaceae, a família do pepino (Cucumis
sativa L.), do melão (Cucumis melo L.) e da melancia (Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai),
com c. 1.000 spp. distribuídas principalmente em regiões tropicais. As Fabales incluem quatro
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famílias, dentre as quais destaca-se Fabaceae, com cerca de 19.500 espécies. e enorme importância
econômica e ecológica, sendo a família mais diversa em uma grande variedade de biomas no planeta.
A ordem Malpighiales, sustentada por dados moleculares, inclui 36 famílias dentre as quais destaca-
se Euphorbiaceae e Malpighiaceae, sendo também significativas Clusiaceae, Chrysobalanaceae,
Erythroxylaceae, Hypericaceae e Passifloraceae. Euphorbiaceae, família caracterizada pela presença
de flores unissexuais, gineceu tricarpelar e presença de látex, possui cerca de 7.000 espécies, entre as
quais encontram-se a seringueira (Hevea brasiliensis (Willd. ex A.Juss.) Müll.Arg.), a mandioca
(Manihot esculenta Crantz) e a mamona (Ricinus communis L.). Malpighiaceae, a família da acerola
(Malpighia glabra L.) é representada por cerca de 1.250 espécies, com grande importância ecológica
em biomas tropicais e subtropicais dos Trópicos, principalmente na América do Sul. E a ordem
Rosales, a qual inclui nove famílias, dentre as quais destaca-se a família Rosaceae. Entre as Rosales,
está incluído também o clado Urticoide, formado pelas famílias Cannabaceae (família da maconha,
também conhecida como cânhamo, Cannabis spp.), Moraceae (família das figueiras, Ficus spp.),
Ulmaceae e Urticaceae (família das urtigas Urtica spp.), o qual é caracterizado por flores unissexuais
reduzidas e polinizadas pelo vento (Fig. 17).

Fig. 17. Diversidade das Fabídeas. A: Trichosanthes cucumerina Buch.-Ham. ex Wall. (Cucurbitaceae). B: Euphorbia
sipolisii N.E.Br. (Euphorbiaceae). C: Malpighia aquifolia L. (Malpighiaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.

As Asterídeas, por sua vez, também são divididas em dois grandes grupos monofiléticos, as
Lamiídeas (ou Asterídeas I) e as Campanulídeas (Asterídeas II) (Fig. 18), sendo o primeiro
caracterizado pela presença de nós unilaculanares, presença de disco nectarífero, flores relativamente
grandes e gamopetalia tardia, enquanto as Campanulídeas são caracterizadas pela gamopetalia
precoce, perda de iridóides (metabólitos secundários que tem como principal função a proteção contra
herbivoria), corola com prefloração valvar, flores reduzidas e sementes com endosperma abundante.
Ainda, dentre as Asterídeas, há Ericales, grupo irmão do clado formado por Lamiídeas e
41
Campanulídeas (Fig. 18), uma ordem com 22 famílias, dentre as quais destacam-se Ericaceae, com
cerca de 4.200 espécies distribuídas principalmente em solos ácidos e regiões temperadas ou
montanhosas, e Theaceae, com com 200 espécies, família da Camellia sinensis (L.) Kuntze, espécie
utilizada para produção do chá-verde, chá-branco, chá-preto, entre outros (Fig. 19).

Fig. 18. Principais linhagens e Ordens das Asterídeas: Campanulídeas e Lamiídeas. Fonte: APG IV 2016, modificado.

Fig. 19. Diversidade das Ericales. A: Laplacea fruticosa (Schrad.) Kobuski (Theaceae). B: Camellia japonica Wall.
(Theaceae). C: Gaylussacia reticulata Mart. ex Meisn. (Ericaceae). Fonte: Fotos de D. Zavatin.

As Lamiídeas são compostas por oito ordens, dentre as quais destacam-se Gentianales,
Lamiales e Solanales (Fig. 18). Gentianales é caracterizada por representantes geralmente com
estípulas, folhas opostas e corola com prefloração imbricativa contorta (na qual cada pétala é
sobreposta e sobrepõe uma outra pétala). Dentre as cinco famílias da ordem, destacam-se
Apocynaceae, com c. 4.600 spp. e distribuição majoritariamente tropical, e Rubiaceae, família do
café (Coffea spp.) com cerca de 13.500 espécies, caracterizada pelas folhas simples, opostas com

42
estípulas interpeciolares e ovário ínfero. Lamiales inclui grande diversidade de espécies, as quais
estão distribuídas em 23–25 famílias caracterizadas por folhas opostas, flores zigomorfas, geralmente
bilabiadas, corola com prefloração imbricativa imbricada, estames em número menor ao número de
pétalas e presença de oligossacarídeos (substituindo o amido). Dentre as famílias da ordem, destacam-
se Acanthaceae, com cerca de 4.300 espécies com diversos representantes cultivados como plantas
ornamentais; Bignoniaceae, a família dos ipês (Tabebuia spp., Handroanthus spp.) e das carobas
(Jacaranda spp.), com cerca de 800 espécie; Lamiaceae, família com diversos representantes com
óleos essências e dessa maneira aromáticos, sendo muito utilizados como condimentos (lavanda,
Lavandula spp., orégano, Origanum vulgare L., manjericão, Ocimum basilicum L., sálvia, Salvia
officinalis L., alecrim, Rosmarinus officinalis L. ou plantas medicinais (e.g. patchouli, Pogostemon
cablin (Blanco) Benth.), com cerca de 7.300 espécies, a maior parte com a corola fortemente
bilabiada; Gesneriaceae, com cerca de 3.400 espécies e diversos representantes cultivados como
plantas ornamentais, como por exemplo o peixinho (Nematanthus spp.); Lentibulariaceae, com cerca
de 350 espécies de plantas com folhas modificadas para a captura de insetos; Scrophulariaceae,
família com cerca de 1.900 espécies e Verbenaceae, com cerca de 1.000 espécies e diversos
representantes ornamentais como o pingo-de-ouro (Duranta erecta L.) ou o camará (Lantana camara
L.). Por fim, a ordem Solanales, caracterizada pela presença de alcalóides tropânicos e composta por
cinco famílias, das quais destacam-se Convolvulaceae, família da batata-doce (Ipomoea batatas (L.)
Lam.), com 1.900 espécies e Solanaceae, família da batata (Solanum tuberosum L.) e do tomate
(Solanum lycopersicum L.), com cerca de 2.300 espécies.
As Campanulídeas são compostas por sete ordens, dentre as quais destacam-se Aquifoliales,
Apiales e Asterales. Aquifoliales inclui cinco famílias, destacando-se Aquifoliaceae, família da erva-
mate (Ilex paraguariensis A.St.-Hil.) com cerca de 500 espécies; Apiales inclui sete famílias,
destacando-se Apiaceae, família de cenoura (Daucus carota L.) com cerca de 3.800 espécies e
Araliaceae, família da cheflera (e.g. Heptapleurum arboricola Hayata) com cerca de 1.500 espécies;
e Asterales, com 11 famílias, das quais destacam-se Asteraceae, caracterizada pelas inflorescências
em capítulos e uma das maiores riquezas de plantas com cerca de 20.000 espécies., incluindo
membros amplamente cultivados como o alface (Lactuca sativa L.) e o girassol (Helianthus annuus
L.) e Campanulaceae, família pantropical com cerca de 2.300 espécies (Fig. 20).

43
Fig. 20. Diversidade das Asterídeas. A - Coffea arabica L. (Rubiaceae). B - Pyrostegia venusta (Ker Gawl.) Miers.
(Bignoniaceae). C - Hyptis comaroides (Briq.) Harley & J.F.B.Pastore. (Lamiaceae). D - Nematanthus sp.
(Gesneriaceae). E - Nicotiana langsdorfii Weinm. (Solanaceae). F - Cichorium intybus L. (Asteraceae). Fonte: Fotos A,
B. E, F: D. Zavatin; C, D: G. Antar.

Tabela 1. Principais características dos grandes grupos: Grado ANA; Magnoliídeas; Monocotiledôneas e
Eudicotiledôneas.

Caráter Grado ANA Magnoliídeas Monocots Rosídeas Asterídeas

grão de pólen monoaperturado monoaperturado monoaperturado tricolpado tricolpado

câmbio presente ou presente (pode ter ausente presente (pode presente (pode ter
ausente baixa atividade) ter baixa baixa atividade)
atividade)

estípulas ausente ausente (pode ter ausente geralmente geralmente


estípula terminal) presentes ausentes

44
gamopetalia ausente ausente geralmente geralmente geralmente
ausente ausente presente

nº de cotilédones 2 2 1 2 2

nervação reticulada reticulada paralelinérvea reticulada reticulada


(ou pinado-
paralelinérvea)

perianto 3-mero ou muitas normalmente 3- majoritariamente geralmente 4-5- geralmente 4-5-


peças (flores mero trímero mero mero
polímeras)

Referências
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Raven, P.H.; Evert, R.F. & Eichhorn, S.E. 1996. Biologia vegetal. 5ª Edição. Guanabara Koogan,
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45
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E.B.; Bull-Hereñu, K.; Carrive, L.; Chartier. M.; Chomicki, G.; Coiro, M.; Cornette, R.; El
Ottra, J.H.L.; Epicoco, C.; Foster, C.S.P.; Jabbour, F.; Haevermans, A.; Haevermans, T.;
Hernández; R.; Little, S.A.; Löfstrand, S.; Luna, J.A.; Massoni. J.; Nadot, S.; Pamperl, S.;
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M.; Wright, I.J.; Aarssen, L.; Bertin, R.I.; Calaminus, A., Govaerts, R.; Hemmings, F.;
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Ordonez, A. 2014. Three keys to the radiation of angiosperms into freezing environments.
Nature, 506 (7486): 89–92.

46
CAPÍTULO 3

Filogeografia em macroalgas marinhas


Nuno Tavares Martins1
1
Laboratório da Algas Marinhas, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo,
Brasil

Filogeografia: o que é?
Filogeografia é uma disciplina relativamente recente, que teve início em 1987. É um campo
de estudo interdisciplinar (integrando diferentes áreas do conhecimento) interessado nos princípios e
processos que governam as distribuições geográficas de linhagem genealógicas. Ou seja, estuda a
variação genética, sua distribuição no espaço e os processos que moldaram a variação genética no
tempo. Dessa forma, busca padrões de estrutura geográfica e similaridade entre estruturas
filogenéticas. O estudo das diferenças genéticas entre populações de uma mesma espécie, nos permite
compreender eventos históricos e espaciais que contribuem nos padrões de fragmentação genética
entre populações e o processo de especiação. Adicionalmente, ao explorar as diferenças e
semelhanças filogeográficas entre múltiplas espécies (filogeografia comparativa) pode-se inferir as
consequências evolutivas de eventos históricos na biota como um todo. Um melhor entendimento das
respostas evolutivas compartilhadas em diferentes táxons fornece uma base sólida para a tomada de
decisões em conservação ambiental.

Box 1: Principais perguntas da Filogeografia


Qual o padrão de distribuição dos organismos?
Qual a contribuição dos fatores bióticos e abióticos na distribuição das
espécies?
Quais características permite uma espécie ocupar uma região, mas não uma
outra?
Como eventos históricos contribuíram para a atual distribuição das
espécies?

Filogeografia está na interseção e preenche lacunas nas disciplinas macro e microevolutivas


(Fig. 1). As disciplinas microevolutivas contribuem principalmente com o conhecimento em
estabilidade, variação populacional e a frequência de alelos. Por outro lado, as disciplinas
macroevolutivas contribuem com os conhecimentos de barreiras geográficas, fósseis e árvores
filogenéticas. A principal ferramenta que faz o elo entre disciplinas micro e macroevolutivas é a
genética molecular, principalmente após o advento de ferramentas biomoleculares, como a PCR.
Posteriormente, um segundo grande salto no conhecimento em filogeografia está ocorrendo
47
atualmente devido ao contínuo avanço em bioinformática. Dessa forma, a partir de dados
moleculares, a filogeografia espera estimar parâmetros como: tamanho efetivo das populações, tempo
de divergência, taxa de mutação e outros. A partir disso, espera-se testar hipóteses acerca das
populações, como contração ou expansão populacional, ocorrência de efeitos gargalo (bottleneck),
ocorrência de seleção balanceadora, subdivisão de populações e outros padrões evolutivos.

Fig. 1: Filogeografia como um esforço integrativo de diferentes disciplinas. Fonte: Esquema elaborado por Martins,
N.T.

Para entender padrões filogeográficos, um bom caminho é investigar e identificar eventos


biogeográficos responsáveis pela presença ou ausência de espécies, assim como identificar processos
que possam ter contribuído para estes padrões. Barreiras geográficas geralmente levam ao isolamento
genético, promovendo diversidade genética e, eventualmente, especiação. Dessa forma, barreiras ao
fluxo gênico são associadas à formação e manutenção de quebras filogeográficas que estão
comumente associadas a barreiras geográficas.

Filogeografia no ambiente marinho


Barreiras geográficas não são facilmente identificadas no ambiente marinho. A principal
explicação se deve ao fato da maioria das espécies marinhas possuírem pelo menos um estágio de
vida planctônico, que pode dispersar por longas distâncias. Apesar disso, eventos geográficos como
falésias, cabos, promontórios e penínsulas, assim como foz de grandes rios, longas extensões de praias
arenosas e correntes marítimas são apontadas como as principais barreiras geográficas no ambiente
marinho.
Além desses, os períodos intermitentes de glaciação e aquecimento, que ocorreram desde o
período do Pleistoceno, bem como seus efeitos sobre processos oceanográficos são considerados os
fatores paleoclimáticos mais importantes na formação de padrões filogeográficos de espécies
48
marinhas. Por exemplo, o período glacial mais recente, atingiu um máximo entre 20.000 e 17.000
anos atrás. Durante este período, o nível do mar diminuiu cerca de 100 metros causando alterações
nas correntes oceânicas, na temperatura dos oceanos, e na extensão da plataforma continental. Estas
alterações causaram mudanças no fluxo gênico entre populações em longas escalas de tempo.

Filogeografia marinha no Brasil


Diversos processos geográficos e oceanográficos são propostos como barreira ao fluxo gênico
ao longo da costa brasileira. Os principais são:
i) Foz de grandes rios (Rio Amazonas, Rio São Francisco, Rio Paraguaçu, Rio Jequitinhonha,
Rio Doce e Rio Paraíba do Sul);
ii) Cadeia de montes submarinos de Vitória e Trindade (Espírito Santo)
iii) A ressurgência sazonal de águas frias em Cabo Frio (Rio de Janeiro);
iv) A praia do Cassino (Rio Grande do Sul) que possui a maior extensão de praia de areia –
substrato não consolidado – do mundo;
v) Divisão da Corrente Sul Equatorial, próximo da latitude 4º S (Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco) – Corrente do Brasil Norte e Corrente do Brasil (ao sul).

A maioria desses processos geográficos e oceanográficos são contemporâneos, ou seja,


ocorrem atualmente. Contudo, a cadeia de montes submarinos de Vitória e Trindade não é uma
barreira ao fluxo gênico atualmente.
Esta região atuou como uma barreira intermitente ao fluxo gênico em glaciações consecutivas
entre 20.000 e 17.000 anos atrás, quando parte desta cadeia esteve emersa, uma vez que o nível do
oceano esteve cerca de 100 metros abaixo do atual. Esta região dividiu a costa brasileira em uma
região quente ao norte, e uma região mais fria ao sul. Isso promoveu diversidade genética e padrões
filogeográficos no passado, que ainda são detectados em muitas espécies atuais. A cadeia de Vitória
e Trindade é um exemplo de uma região que apresenta quebra filogeográfica em diversas espécies,
mesmo não sendo uma barreira geográfica atual. Além disso, é um exemplo de um evento geográfico
passado que explica padrões filogeográficos atuais.

Macroalgas marinhas
As macroalgas marinhas são organismos fotossintetizantes diversos, classificados em três
grandes grupos: macroalgas verdes, vermelhas e pardas (Chlorophyta, Rhodophyta e Phaeophyceae,
respectivamente) com base na pigmentação e na estrutura celular. Elas podem ser encontradas em
quase todos ambientes, do marinho ao salobro, das regiões tropicais (no Equador) às regiões polares.
Macroalgas marinhas são a base ecológica da maioria dos ecossistemas marinhos bentônicos
costeiros. Sua diversidade tem implicações fundamentais para a vida e para os serviços

49
ecossistêmicos marinhos. São importantes produtores primários, atuando no fluxo energético do
sistema marinho. Além de fornecerem habitat, alimentação e abrigo para organismos marinhos e são
berçários para recrutamento de vários organismos.
Macroalgas marinhas são organismos considerados com baixa capacidade de dispersão,
principalmente quando comparadas a outros organismos marinhos. Dessa forma, barreiras
geográficas produzem sinais filogeográficos mais fortes em macroalgas marinhas. Apesar disso,
ainda falta conhecimento sobre a diversidade genética e estrutura de macroalgas quando comparado
a organismos terrestres e animais marinhos. Esta carência de estudos é maior no hemisfério sul do
que no hemisfério norte, e maior ainda no Atlântico Sul em relação ao Pacífico Sul. Nossa falta de
conhecimento sobre a filogeografia de macroalgas compromete decisões sobre conservação de
recursos renováveis marinhos e mitigação de impactos ambientais.
Macroalgas marinhas estão sob ameaça antropogênica, como o aumento de cargas de
nutrientes costeiros que podem favorecer a entrada de espécies invasoras, reduzindo - a longo prazo
- a riqueza de espécies locais. Além disso, o aquecimento do oceano impulsionado por mudanças
climáticas pode alterar a dispersão e o recrutamento, devido a mudanças nas correntes oceânicas e
ressurgências. Ainda, o aumento da temperatura pode promover a expansão da flora tropical para as
regiões temperadas, além da substituição de corais por macroalgas.

Filogeografia em macroalgas marinhas - histórico


O primeiro trabalho filogeográfico de macroalgas marinhas ocorreu em 1994, sete anos após
o início da filogeografia como disciplina. Utilizando o método RAPD (um tipo de PCR), van Oppen
et al. (1994) identificaram que as populações do ártico de Acrosiphonia arcta (Chlorophyta) se
originaram do pacífico oeste, enquanto as populações da Antártica se originaram do Chile (pacífico
leste). Os primeiros trabalhos filogeográficos com Rhodophyta ocorreram no ano seguinte. Um dos
estudos, através do marcador molecular ITS e do espaçador rbcL-S, identificou que Phycodrys rubens
colonizou o Atlântico Norte a partir do pacífico (passando pelo estreito de Bering), entre 3 e 3,5
milhões de anos atrás. Outro trabalho, a partir do método RAPD e de Aloenzimas (método
fenotípico), identificou diferenças genéticas das populações de P. Rubens dentro e fora do mar
Báltico. Já o primeiro trabalho de filogeografia de Phaeophyceae ocorreu em 1997 e compararam o
uso de RAPD e microssatélites em Postelsia palmaeformis ocorrendo no pacífico leste (EUA e
Canadá). Eles identificaram que RAPD é uma boa técnica para identificação de populações em longas
distâncias (16 – 250 km), enquanto que o microssatélite identificou diferenças em curtas distâncias
(<25 m).

50
Box 2: Marcadores moleculares em Filogeografia

Apesar de amplamente utilizados nos primeiros estudos, as técnicas de RAPD e


Aloenzimas foram rapidamente substituídas por outras técnicas.

Num primeiro momento, essas técnicas foram substituídas pelo uso de


microssatélites e fragmentos de DNA.

Atualmente, há um crescente uso de métodos genômicos para Filogeografia.


Contudo, microssatélites e fragmentos de DNA ainda são amplamente utilizados.

Introduções intraespecíficas
Filogeografia também permite a identificação de introduções intraespecíficas. A macroalga
vermelha Polysiphonia harveyi é nativa do Japão, contudo, McIvor et al. (2001) identificaram a
introdução de linhagens que não são nativas nesse país. Ou seja, apesar da espécie ocorrer no Japão,
ocorreu a introdução acidental de linhagens exóticas, uma introdução intraespecífica, que não seria
possível de ser observada sem técnicas moleculares. Apesar de ser uma mesma espécie, essa linhagem
exótica pode ter potencial invasora. Essa espécie também foi identificada introduzida no Atlântico
Norte, Mediterrâneo, Nova Zelândia e Califórnia. Dessa forma, introduções intraespecíficas também
podem ter consequências na biodiversidade local e no ecossistema como um todo. No Brasil, temos
a ocorrência natural da alga parda Colpomenia sinuosa. No entanto, Lee et al. (2013) identificaram a
introdução de uma outra linhagem, oriunda do pacífico, em Búzios, Rio de Janeiro.

Filogeografia de macroalgas no Brasil


O estudo da filogeografia de macroalgas marinhas no Brasil é bastante escasso, sendo que o
primeiro trabalho ocorreu apenas em 2013, com uma macroalga parda (Colpomenia sinuosa).
Contudo, este trabalho coletou em apenas um ponto no Brasil, e o foco do trabalho foi em uma escala
global, e não nos princípios e processos filogeográficos que ocorrem no Brasil. Os primeiros dois
estudos filogeográficos de macroalgas marinhas no Brasil, que de fato discutiram princípios e
processos geográficos na costa brasileira foram publicados em 2019, ambos com Rhodophyta. Ayres-
Ostrock et al. (2019) estudou a distribuição da macroalga vermelha Crassiphycus caudatus ao longo
da costa do Brasil (São Paulo – Ceará) e identificou barreira ao fluxo gênico na cadeia de Vitória e
Trindade. Nauer et al. (2019) estudou a distribuição da macroalga vermelha Hypnea
pseudomusciformis, ao longo da costa brasileira (Rio Grande do Sul – Ceará), incluindo amostras do
Uruguai. Eles identificaram uma barreira geográfica para o fluxo gênico na Praia do Cassino e outra
na cadeia de Vitória e Trindade. Dessa forma, duas populações de Hypnea pseudomusciformis foram
identificadas para o Brasil, e uma para o Uruguai. Esses dois estudos apontam a cadeia de Vitória e

51
Trindade como uma extinta barreira ao fluxo gênico, mas que seus efeitos são observados nas
populações atuais. Apesar de poucos, os estudos apontam que as glaciações que ocorreram cerca de
20,000 anos atrás – e a consequente emersão da cadeia de Vitória e Trindade – parecem ser os
principais eventos que causaram a biodiversidade de macroalgas marinhas observada atualmente.

Observações finais e perspectivas futuras


De forma global, os estudos filogeográficos de macroalgas marinhas tiveram um aumento
bastante acentuado nos últimos anos. Contudo, esse aumento não é observado para a costa brasileira,
sendo limitados à apenas dois até o momento. Por isso, esse campo do conhecimento ainda apresenta
muitas lacunas. Apesar disso, os estudos empíricos têm expandido o nosso conhecimento sobre
macroalgas marinhas, contribuindo para biologia básica, ecologia, conservação, genética, e também
em mudanças climáticas.
Dessa forma, os conhecimentos em filogeografia de macroalgas marinhas, principalmente no
Brasil, são necessários para estabelecer uma base sólida para a tomada de decisões em conservação
ambiental. Apesar de poucos estudos, já podemos observar uma possível distinção da costa brasileira
em duas – ao norte e ao sul da cadeia de Vitória e Trindade. Ampliar o número de estudos, englobando
diferentes pontos de coleta e o uso de outros marcadores são fundamentais para formar uma base
sólida de informações para a conservação do ecossistema marinho.

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Nauer F., Gurgel C.F.D., Ayres-Ostrock L.M. et al. 2019. Phylogeography of the Hypnea musciformis
52
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western Atlantic Ocean. Journal of Phycology 55:676–687.
van Oppen M.J.H., Diekmann O.E., Wiencke C., et al. 1994. Tracking dispersal routes:
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van Oppen M.J.H., Draisma S.G.A., Olsen J.L., Stam W.T. 1995 (a). Multiple trans-Arctic passages
in the red alga Phycodrys rubens: evidence from nuclear rDNA ITS sequences. Marine Biology
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van Oppen M.M.J., Olsen J.L., Stam W.T. 1995 (b). Genetic variation within and among north atlantic
and baltic populations of the benthic alga Phycodrys rubens rhodophyta. European Journal of
Phycology 30:251–260.

53
CAPÍTULO 4

Caracterização morfológica e ecológica de Briófitas


Emanuelle Lais dos Santos (Instituto de Botânica de São Paulo)
Aline Possamai Della (Universidade de São Paulo)

O que são Briófitas?


Briófita é um termo artificial que denomina três divisões: Bryophyta, que corresponde aos
Musgos, Marchantiophyta as Hepáticas, e Anthocerotophyta aos Antoceros. Constituem o segundo
maior grupo de plantas terrestres, estando atrás somente das angiospermas. Segundo The Plant List
(2021) há cerca de 20.000 espécies no mundo, sendo 1.610 espécies registradas no Brasil (Flora do
Brasil, 2020).

Aspectos gerais
São plantas avasculares, com reprodução sexuada dependente da água. Apresentam
anterozóides flagelados, e reprodução do tipo haplodiplobionte, uma vez que a geração gametofítica
(haplóide) é predominante sobre a esporofítica (diplóide) (Fig. 1).

Fig. 1. Ciclo de vida haplodiplobionte. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.

De modo geral, musgos, hepáticas e antóceros são formados por estruturas básicas comuns,
porém cada grupo pode apresentar modificações morfológicas. O esporófito (diplóide) produz os
esporos (haplóides), através de meiose; os esporos quando dispersos podem encontrar condições
54
adequadas e germinar, dando assim, origem a um protonema. A partir do protonema inicial se
originam outros gametófitos, os quais apresentam filídios, caulídios e rizóides (Fig. 2). Essas
estruturas são análogas a folhas, caule e raiz, respectivamente, porém, sem tecidos vasculares.

Fig. 2. Esquema básico demonstrando a morfologia de um musgo. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.

Reprodução e desenvolvimento
Os gametófitos, haplóides, desenvolvem-se a partir de uma célula apical (não por meio de um
meristema), e produzem os gametângios, chamados de Anterídios (masculinos) e Arquegônios
(femininos), os quais são os órgãos responsáveis pela produção dos gametas. Os Anterídios e
Arquegônios podem se desenvolver num mesmo indivíduo (planta monóica), ou estar em indivíduos
separados (planta dioica). Frequentemente, os gametângios encontram-se envolvidos por filídios
(nesse caso chamados de perianto), que promovem a proteção dessas estruturas. Os filídios que
envolvem os gametângios são chamados de perigônio (masculino) e periquécio (feminino) (Fig. 3).
O arquegônio tem forma de garrafa, com uma porção ventral mais larga e uma porção apical
alongada. A porção ventral possui a oosfera (gameta feminino), e na apical alongada, frequentemente,
encontram-se os anterozóides (gameta masculino), que são produzidos nos anterídios. Quando os

55
anterozóides chegam até a oosfera, ocorre a fertilização e, consequentemente, a formação de um
embrião. A partir de várias divisões celulares, o embrião se desenvolve em Pé, estrutura que liga
gametófito e esporófito e transfere nutrientes entre estes (visto que em geral o esporófito não é
fotossintetizante), na Cápsula, local onde os esporos são produzidos, e na Seta, que eleva a cápsula
acima do gametofito, para a dispersão dos esporos ser mais efetiva.

Fig. 3. (A) Filídios periqueciais no ápice do gametófito de um musgo (Trematodon Michx. sp.). (B) Filídios do perianto
em uma hepática folhosa (Lejeunea Lib. sp). Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.

Substratos
As briófitas ocorrem em diversos ambientes, sendo os locais úmidos os mais adequados para
a sobrevivência destes organismos, tendo em vista a necessidade de água para a fecundação. Apesar
disso, elas são amplamente distribuídas no mundo, ocorrendo nos pólos, nos trópicos, e em ambientes
submersos a desérticos. Crescem em vários tipos de substratos (Fig. 4), sendo consideradas como
epifilas (quando crescem sobre folhas), terrestres, corticícolas (em troncos vivos ou em
decomposição), rupícolas (superfícies rochosas) e em materiais introduzidos pelo homem.

56
Fig. 4. Exemplos de substratos das briófitas. Espécies: (A) epífilas, (B) terrestres, (C e D) corticícolas, (E) rupícolas, e
(F) em materiais introduzidos pelo homem. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.

Marchantiophyta – Hepáticas
As hepáticas podem ser subdivididas em dois grupos morfológicos: as plantas folhosas e as
talosas (Fig. 5). As hepáticas folhosas são caracterizadas pela ausência da costa (espessamento de
células no centro do talo), pela presença ou ausência dos anfigastros (filídios diferenciados na posição
ventral dos ramos) (Fig. 6), pelos lóbulos, que podem estar ausentes, reduzidos ou de tamanho
variável, e pela presença de rizóides unicelulares.

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Fig. 5. (A) Hepática folhosa, (B) hepática talosa simples e (C) hepática talosa complexa. Fonte: Elaborada por E.L. dos
Santos.

Fig. 6. Exemplo de anfigastro do tipo bífido. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.

As hepáticas talosas não se diferenciam em filídios, além disso, a costa pode estar presente ou
ausente no talo, os rizóides são unicelulares, e podem apresentar escamas pluricelulares ventrais.

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Anthocerotophyta – Antóceros
Os antóceros são talosos e multilobados (Fig. 7), possuem células com apenas um cloroplasto
(e geralmente um pirenóide), e rizóides unicelulares com paredes lisas. O esporófito é persistente,
apresenta crescimento contínuo, além de pseudoelatérios, que são estruturas para dispersão dos
esporos. A ornamentação dos esporos é bastante variável (visível em microscopia óptica), sendo uma
característica importante para a identificação dos gêneros.

Fig. 7. Talos e esporófitos de Antóceros. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.

Bryophyta – Musgos
Os musgos possuem as estruturas mais variáveis entre as briófitas, variando na forma, no
tamanho e na estrutura do gametófito (Fig. 8). O esporófito apresenta frequentemente dentes do
peristômio e um opérculo, já no gametófito diversas especializações podem estar presentes, como a
costa e as células alares.
Os musgos são artificialmente divididos em acrocárpicos e pleurocárpicos, isto é, em relação
às características do crescimento do gametófito e a posição de surgimento do esporófito.

59
Fig. 8. Diversidade de musgos. Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos.

Tabela descritiva com comparação morfológica entre Hepáticas, Musgos e Antóceros

Hepáticas Musgos Antóceros

Gametófito Folhoso ou taloso Folhoso Taloso e lobulado

Anfigastros Presente Ausentes Ausentes

Rizóides Unicelulares, Pluricelulares, Unicelulares,


hialinos, com coloridos, septados hialinos, sem
escamas escamas

Oleocorpos Compostos, bem Ausentes ou pouco Simples e pouco


visíveis visíveis visíveis

Esporófito Pé, seta (hialina) e Pé, seta Pé e cápsula


cápsula (fotossintetizante) e
cápsula

Liberação dos Rápida (auxílio de Rápida, através do Gradual (auxílio de


esporos elatérios) peristômio pseudoelatérios)

Fonte: Elaborada por E.L. dos Santos

Papel ecológico das briófitas


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As briófitas são classificadas como plantas pioneiras (frequentemente primárias, ou até
secundárias) numa sucessão ecológica. Os tapetes, ou tufos orgânicos, formados por essas plantas
promovem a retenção de umidade, e suas secreções ácidas auxiliam na quebra das rochas, que
posteriormente serão parte do solo. Essas alterações no ambiente geram um microclima específico,
que auxiliam no estabelecimento de novas espécies e, principalmente, na germinação de sementes.
As briófitas também são consideradas indicadores ecológicos da qualidade de habitat, uma
vez que muitos táxons desse grupo são sensíveis a alteração de umidade na atmosfera. Além disso,
outras funções ecológicas destas plantas podem ser citadas, como:
• Evitam a erosão, pois auxiliam na manutenção do balanço hídrico do solo;
• Participam da ciclagem de nutrientes, uma vez que são componentes da biomassa;
• São indicadores ecológicos de mudanças climáticas, uma vez que respondem de forma rápida e
direta a mudanças ambientais;
• Podem ser indicadoras de depósitos minerais, como por exemplo os “musgos do cobre”, pois estão
associados a solos ou rochas com grande concentração deste mineral.
• Além de serem abrigo e alimento para animais, microrganismos e insetos. Exemplo: A cápsula é
fonte de alimento para mamíferos em ambientes de baixa temperatura (gelo).
Para fins comerciais, as briófitas mais empregadas são as pertencentes ao gênero Sphagnum
L., que são usadas em floriculturas como meio de cultivo de outras plantas. Além de serem
empregadas como isolante térmico, em enchimento de camas e travesseiros, como combustível
natural (turfeiras), para filtração de água, e para ação antisséptica.

Briófitas como plantas medicinais


Alguns estudos apresentam um histórico com várias aplicações das briófitas para fins
medicinais, destacando inclusive a utilização desses organismos como antibióticos. A hepática
Marchantia polymorpha L. já foi utilizada no tratamento de tuberculose pulmonar e doenças do
fígado. Na China, o chá do musgo Sphagnum L. foi empregado na cura de hemorragia aguda e
doenças oculares, e a infusão de Polytrichum commune L. ex Hedw., ajudava a dissolver cálculos
renais e da vesícula. Sphagnol, destilado de turfa, constituído principalmente de Sphagnum sp., foi
reconhecido como sendo útil no tratamento de diversas doenças da pele, e é recomendado para
diminuir o prurido de picadas de insetos. Os índios do Alasca preparavam pomada para a pele
misturando Sphagnum com sebo ou outra gordura. Nas ilhas inglesas, as populações da zona rural
usavam Sphagnum como bandagem em furúnculos e feridas, o que também foi empregado nos
exércitos durante as guerras Napoleônicas e Franco-prussianas, bem como por ocasião da guerra
Russo-japonesa (nessa última substitui o algodão no curativo de primeiros socorros). Ainda, nos
Estados Unidos, a Cruz Vermelha Americana preparou 500.000 curativos usando musgos. Na
61
Segunda Guerra Mundial, os musgos de turfeiras também eram empregados como remédios
cirúrgicos. Além disso, as briófitas possuem as seguintes atividades biológicas: citotóxica,
antioxidante, anti-inflamatória, carcinogênica, inibição enzimática, antimicrobianas (antifúngica,
antibacteriana, antiviral), alelopática (inibem o crescimento de raízes e folhas nas plantas de arroz, e
o crescimento de outras plantas vasculares, e promovem a germinação de sementes de trigo),
cardiotônica (aumento do fluxo sanguíneo coronário) e, ainda possuem toxicidade diante de moluscos
e peixes.

Para mais informações sobre as briófitas


Consulte o glossário com os termos associados às briófitas, acessando o site
“http://legacy.tropicos.org/GlossarySearch.aspx?projectid=60”. Esta base de dados foi desenvolvida
pelo Missouri Botanical Garden (E.U.A.), líder global em sistemática botânica e conservação, e que
se comprometeu em promover os registros das plantas de todo o mundo. Ainda, o site
“https://briofitasdobrasil.blogspot.com/” traz informações atuais sobre os trabalhos de briófitas
realizados pelo Núcleo de Briologia, do Instituto de Botânica em São Paulo, e divulga novidades
nesta área de estudo.

Referências
Ando, H. & Matsuo, A. 1984. Applied Bryology. Advances in Bryology 2: 133-224.
Briófitas in Flora do Brasil 2020. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB128472>. Acesso em 19 abril 2021.
Costa, D.P. & Almeida, J. S. S. 2010. Manual de Briologia. Editora Interciência, Rio de Janeiro. 207p.
Dachnowski-Stokes, A. P. 1942. Sphagnum moss for use in surgical dressings. The Scientific
Monthly 55: 291-292.
Delgadillo, C. & Cárdenas, A. 1990. Manual de briófitas. Unam 8: 1-135.
Gradstein, S.R.; Churchill, S.P. & Salazar-Allen, N. 2001. Guide to the Bryophytes of tropical
America. Memoirs of The New York Botanical Garden 86: 1-577.
Fernandez, E.G. & Serrano, A.M.V. 2009. Atividades Biológicas das briófitas. Âmbito Cultural
Edições Ltda. 190p.
Frahm, J.P. 2003. Manual of tropical Bryology. Tropical Bryology 23: 1-196.
Hotson, J. M. 1918. Sphagnum as a surgical dressing. Science 48: 203-208.
Nichols, G. E. 1920. Sphagnum moss: war substitute for cotton in absorbent surgical dressings.
Smithsonian Institution. Annual Report 1918: 221-234.
Pinheiro, M. D. F. D. S.; Lisboa, R. C. L., & Brazão, R. D. V. 1989. Contribuição ao estudo de
briófitas como fontes de antibióticos. Acta Amazonica 19: 139-145.
62
Roig, J.T., 1974. Plantas medicinales, aromáticas o venenosas de Cuba. Ciencia y Técnica, La
Habana. 949p.
Roque, J. M. 1941. Flora médico guatemalteca. Tipografía Nacional, Guatemala. 187p.
Santos, E. L. 2016. Briófitas em Floresta Nebular do Parque Estadual Pico do Marumbi, Paraná,
Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 150p.
Santos, N. D. 2011. Distribuição espacial de briófitas na floresta Atlântica. Tese de Doutorado.
Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 149p.
The Plant List. Briófitas. Disponível em < http://www.theplantlist.org/1.1/browse/B/>. Acesso em 19
abril 2021.

63
CAPÍTULO 5

Princípios de sistemática, taxonomia e nomenclatura de plantas vasculares


Danilo Alvarenga Zavatin (Universidade de São Paulo)
Andressa Cabral (Universidade de São Paulo)
Annelise Frazão (Universidade de São Paulo)
Guilherme Medeiros Antar (Universidade de São Paulo)
Jessica Nayara Carvalho Francisco (Universidade de São Paulo)
Roberto Baptista Pereira Almeida (Universidade de São Paulo)
Elton John de Lírio (Universidade de São Paulo)

Introdução
A sistemática é a ciência que trata da diversidade de organismos, e a interpretação e
relacionamento dessa diversidade biológica existente. Enquanto que a Taxonomia se encarrega de
descrever, nomear e classificar essa biodiversidade, apesar de, alguns autores usarem ambas como
sinônimos. Como forma de organizar essa diversidade, vários sistemas de classificação foram
historicamente propostos, os quais almejam possuir caráter preditivo. Tradicionalmente esses
sistemas foram baseados em similaridades morfológicas, nas quais características reprodutivas, como
flores e frutos, eram majoritariamente utilizadas. Já no final do século XX, metodologias baseadas
em parentesco evolutivo foram incorporadas e uma grande revolução no sistema de classificação das
plantas vasculares vem ocorrendo desde então. Neste capítulo, vamos abordar como se deu a evolução
desses sistemas de classificação até a chegada da sistemática filogenética, paradigma amplamente
aceito atualmente. Ainda, vamos tratar dos princípios e métodos da sistemática e taxonomia,
incluindo explicações sobre os quatro componentes básicos dessas duas ciências: descrição,
identificação, nomenclatura e classificação dos organismos.
A necessidade de classificação e organização da biodiversidade é inerente ao ser humano. Os
primeiros registros de tentativas de classificação de plantas são ainda na Antiguidade, com o filósofo
grego Aristóteles (384-322 a.C) em um sistema baseado na presença ou ausência da estrutura floral;
com Theophrastus (c. 371-286 a.C.), sucessor de Aristóteles, utilizando o hábito das plantas para
classificação (árvores, arbustos, subarbustos e ervas); e com o médico do exército romano Pedanius
Dioscorides (c. 40-90 d.C.), considerado fundador da farmacognosia, que descreveu c. 600 espécies
classificadas por suas propriedades medicinais.
Durante a Idade Média, poucas contribuições foram feitas, sendo os sistemas gregos utilizados
principalmente, até as contribuições de alguns médicos no final desse período, como, por exemplo o

64
italiano Andrea Cesalpino (1519-1603), que elaborou sistemas baseados também nas propriedades
medicinais das plantas e introduziu a prática de uso de ilustrações e descrições morfológicas para
descrição de táxons. Caesalpino foi pioneiro em relacionar a classificação com o método de descrição.
Em seu trabalho De Plantis Libri XVI (1583), ele descreveu 1.500 plantas, organizando-as em 32
grupos, incluindo dois grupos que mantêm os nomes até hoje: Umbelliferae e Compositae. Neste
período o nome das plantas incluía suas características, como exemplo, o maracujá era chamado Flos
Passionis major (grande flor-da-paixão) por florescer próximo à sexta-feira da paixão e possuir flores
maiores do que outras espécies conhecidas na época (atualmente Passiflora edulis Sims). No entanto,
com o rápido aumento do número de diferentes espécies descritas, especialmente com a descoberta
de outros continentes a partir do século XV, esse sistema nomenclatural foi ficando cada vez mais
desafiador, sendo necessário novas palavras para delimitar uma espécie da outra, tornando os nomes
cada vez mais longos. Destaca-se também nesse período os estudos do inglês John Ray (1628-1705),
o primeiro a reconhecer os grupos das monocotiledôneas e dicotiledôneas, tendo descrito 17 mil
espécies e foi o primeiro autor a utilizar uma chave dicotômica para identificar plantas. Ainda, em
1694, o francês Joseph Pitton de Tournefort (1656-1708) propôs o conceito de gêneros, contribuindo
significativamente para aprimorar a estrutura da classificação. O conjunto de contribuições dos
diferentes autores até aqui apoiou o trabalho que viria a se consolidar na sistemática, o Systema
Naturae de Linné, tratado a seguir.

Systema Naturae - Carl von Linné


O sueco Carl von Linné (1707-1778), conhecido como Lineu, em português, publicou em
1735 a obra Systema Naturae, que propunha um novo sistema de classificação. Esse sistema buscou
facilitar a descrição e unificar os diversos e longos nomes atribuídos na época a diferentes grupos de
animais, plantas e minerais. Em relação às plantas, Lineu criou um sistema de classificação com base
no número de estames e estiletes em cada flor e chamou-o de “sistema sexual”. Em seguida,
reconheceu cinco níveis taxonômicos: variedade, espécie, gênero, ordem e classe. Em 1753, Lineu
publicou o Species plantarum sugerindo dissociar o nome de uma planta de sua descrição, o que
chamou de “nomes triviais”, propondo assim, a nomenclatura binomial. O uso da nomenclatura
binomial fixado por Lineu é utilizado até hoje: um sistema em que o nome da espécie é composto
pelo gênero seguido de uma palavra que indica a espécie, o epíteto específico. Como exemplo, antes
do sistema de Lineu, a erva-dos-gatos tinha o nome de Nepeta floribus interrupte spicatus
pedunculatis, e em sua obra, Lineu escreveu “cataria” (associada a gato) chamando atenção para
uma característica marcante da planta. Logo, os botânicos daquele tempo e os que vieram depois,
passaram a chamar a mesma planta de Nepeta cataria L. A aplicabilidade desse novo sistema é

65
melhor dimensionada se entendermos que ele propôs uma organização da biodiversidade em gêneros
e espécies.

Augustin Pyramus de Candolle e o avanço da nomenclatura Botânica


Em 1813, Augustin de Candolle (1778-1841), publicou sua obra Théorie élémentaire de la
Botanique (Teoria elementar da Botânica), fornecendo um conjunto de regras para a nomenclatura de
plantas. No entanto, era clara a necessidade de um sistema internacionalmente reconhecido e aceito
de regras para nomeá-las. Então, Alphonse de Candolle (1806-1893), filho de Augustin de Candolle,
convocou um encontro de botânicos de vários países para apresentar e discutir pontos controversos
de nomenclatura. Foi realizado em 1867 o primeiro Congresso Internacional de Botânica (IBC) em
Paris, o que resultou em uma publicação com recomendações - diferente dos códigos mais recentes,
onde são apresentadas também regras. Um consenso geral sobre regras internacionalmente aceitas
para a nomenclatura de plantas, só foi alcançado em 1930 na reunião do IBC em Cambridge. No
entanto, somente em 1959, no IBC realizado em Estocolmo, essas passaram a se chamar Código
Internacional de Nomenclatura Botânica (ICBN). Hoje, muito bem estabelecido e composto por
vários princípios, regras e recomendações, em 61 artigos, bem como as disposições para a gestão do
Código. O Código, desde então, vem sendo atualizado e renovado a cada seis anos após o Congresso
Internacional de Botânica, de acordo com os avanços da ciência. Em 2011, o nome mudou para
Código Internacional de Nomenclatura para Algas, Fungos e Plantas (ICN) e também abrange os
fósseis desses grupos.

Sistemática, taxonomia e nomenclatura de plantas vasculares: de Darwin ao APG IV


O inglês Charles Darwin (1809-1882), em “A origem das espécies”, consolida as ideias de
descendência com modificação e a seleção natural e por meio dessas, apresenta sua teoria evolutiva,
a qual permite compreender a similaridade entre os organismos. Darwin em sua obra coloca que “o
sistema natural é genealógico em seu arranjo, como uma raça pura. Mas a quantidade de
modificações pelas quais passaram os grupos têm de ser expressa classificando-os sob os chamados
gêneros, subfamílias, famílias, seções, ordens e classes diferentes” (Darwin 1859, pág. 486). Essa
ideia foi fundamental para muitos sistemas de classificação, que buscaram incorporar a história
evolutiva das espécies, por isso, Darwin pode ser considerado um precursor da sistemática evolutiva.
No final da década de 1950 e estabelecida principalmente na década de 60, surge a Fenética,
também conhecida como Taxonomia Numérica, para a qual podemos citar Charles Michener (estado-
unidense, 1918-2015), Robert Sokal (austríaco e estado-unidense, 1926-2012) e Peter Sneath (inglês,
1923-2011) como importantes autores dessa escola. Esta classificava os organismos de acordo com a
similaridade global. A similaridade é expressa pelo fenograma, um diagrama na forma de árvore
66
ramificada que representa os níveis de similaridade entre os táxons. Para a construção de um
fenograma é necessário computar as similaridades ou dissimilaridades dos OTUs (unidades
taxonômicas operacionais; do inglês Operational Taxonomic Units), que são taxa estudados, em uma
matriz de dados, sendo possível usar caracteres binários (e.g. presença e ausência) ou caracteres
contínuos (e.g. tamanho de uma estrutura). Os feneticistas acreditavam que quanto maior a quantidade
de caracteres estudados melhor seria a classificação obtida. Além disso, defendiam que esse método
permitiria analisar grandes quantidades de dados, por meio dos computadores da época, sendo essa
uma das vantagens apontadas em relação aos métodos de classificação anteriores. Além disso, a
fenética apresentava um método explícito, o que tentava se contrapor aos critérios subjetivos,
baseados em poucos caracteres, dos sistemas anteriores. Todavia, a fenética desconsidera as relações
evolutivas entre os organismos, sendo essa uma das críticas feitas a essa escola, uma vez que
considerando apenas semelhanças, não se faz distinção entre homoplasias, plesiomorfias e
homologias (Ver box 1).
A classificação filogenética, diferentemente da Fenética, utiliza-se da teoria evolutiva para
construir suas classificações. Essa escola foi consolidada com base no método proposto pelo biólogo
alemão Willi Hennig (1913-1976) em seu livro Grundzüge einer Theorie der Phylogenetischen
Systematik (Fundamentos da Teoria da Sistemática Filogenética), que revolucionou a forma de pensar
classificação dos organismos. O princípio geral dessa escola é usar as relações evolutivas entre
organismos inferidas em uma filogenia para classificá-los. O método filogenético utiliza as
transformações dos estados de carácter como evidência para a reconstrução da filogenia dos
organismos (Ver box 1). Na cladística as relações ocorrem por meio dos agrupamentos, assumindo a
hipótese de compartilhamento de ancestralidade em comum entre os grupos estudados. A relação
entre esses táxons é sustentada por sinapomorfias, ou seja, compartilhamento de uma apomorfia (Ver
box 1).
A premissa para a reconstrução de uma árvore filogenética é o uso de uma matriz com
caracteres assumidos, a princípio, como homólogos. Homologias são semelhanças observadas entre
organismos de diferentes espécies que têm uma origem única, provenientes da herança a partir de um
ancestral comum. Órgãos homólogos, por exemplo, possuem a mesma origem embrionária e se
desenvolvem de forma semelhante em diferentes espécies. Apesar da mesma origem embrionária,
não necessariamente esses órgãos desempenham a mesma função. Como exemplo nas plantas,
podemos citar as folhas simples de um Plátano (Platanaceae), as folhas compostas de um Pau-Brasil
(Paubrasilia echinata (Lam.) Gagnon, H.C.Lima & G.P.Lewis), as ascídias das Nepenthes
(Nepenthaceae), as folhas em formato de jarro das das Sarracenias (Sarraceniaceae) ou as folhas
modificadas das Dionaeas (Droseraceae): com a função semelhante ou diferente, mas com a mesma
origem embrionária. Nos últimos anos muito tem se avançado na reconstrução de árvores
67
filogenéticas, inclusive com o uso de dados moleculares (sequências de DNA, aloenzimas, proteínas,
cromossomos e até genomas completos). No entanto, os caracteres morfológicos continuam em uso,
seja em matrizes puramente morfológicas, em reconstruções baseadas em evidência total (morfologia
+ dados moleculares), ou para a inclusão de registros fósseis na análise para inferir a idade dos grupos
estudados. Por outro lado, desde a inclusão de sequências de DNA em análises filogenéticas,
principalmente a partir da década de 90 com o desenvolvimento e aumento do uso do método Sanger
de sequenciamento (que tem a capacidade de sequenciar fragmentos de ~500 pb), o uso de dados
moleculares tem se expandido e se tornado mais acessível. Devido a ascensão do uso de caracteres
moleculares em reconstruções filogenéticas e da adesão do uso de filogenias para basear
classificações de plantas e outros organismos, muitas alterações nas circunscrições de ordens, famílias
e gêneros aconteceram nas últimas décadas, e por este motivo, um grupo de pesquisadores propôs um
sistema de classificação, conhecido como Angiosperm Phylogeny Group (ou APG), que teve sua
primeira versão publicada em 1998 e com atualizações em subsequentes (APG II em 2003, APG III
em 2009 e APG IV em 2016).
A partir das duas últimas décadas, técnicas de sequenciamento têm sido aprimoradas
rapidamente e foram introduzidas na sistemática filogenética as técnicas de Next Generation
Sequencing (NGS), com os sequenciamentos de segunda, terceira e quarta geração, que permitem o
sequenciamento DNA em larga escala e até de genomas completos. A partir dessas abordagens,
diferentes iniciativas estão em andamento para reconstrução de árvores com técnicas de NGS, como
o The Open Tree of Life (tree.opentreeoflife.org), o Plant and Fungal Tree of Life (ou PAFTOL
kew.org/science/our-science/projects/plant-and-fungal-trees-of-life), o 1000 Plants (ou 1KP
sites.google.com/a/ualberta.ca/onekp) e o Australian Angiosperm Tree of Life
(genomicsforaustralianplants.com/stage-1-aatol-eoi).

Box 1: Informações que conseguimos obter em uma árvore filogenética


Uma vez que uma hipótese de relacionamento entre diferentes linhagens é inferida, ou seja,
depois que uma árvore filogenética é reconstruída, é possível o reconhecimento de
agrupamentos e confirmações das hipóteses iniciais de homologia para um determinado
grupo estudado. Quando o grupo de estudo ou grupo interno é formado por descendentes que
compartilham um ancestral comum exclusivo entre eles, o chamamos de grupo monofilético
(Fig. 1A). Já quando o agrupamento formado após o teste das hipóteses de homologia é
composto por um ancestral mas nem todos os seus hipotéticos descendentes, chamamos este
de grupo parafilético (Fig. 1B). Por fim, quando o grupo interno forma um agrupamento no
qual apresentam mais de um ancestral, chamamos este de grupo polifilético (Fig. 1C). Esses

68
agrupamentos são, portanto, o resultado das hipóteses de homologia e da possível existência
de um grupo na natureza que seguem a premissa da evolução, a qual assume que todo
organismo compartilha um ancestral em comum e que, aqueles que compartilham um
ancestral comum exclusivo entre eles, compartilhará característica de origem única, ou seja,
apresentam características homólogas. Assim, dentre os três agrupamentos possíveis
mencionados anteriormente, as hipóteses de homologia inicialmente atribuídas a um grupo
só serão confirmadas quando o grupo for monofilético. Numa perspectiva mais atual de
classificação biológica, há um movimento no qual apresenta a tentativa de dar nomes somente
a grupos monofiléticos.

A B C
Fig. 1. Agrupamentos possíveis após a inferência de uma filogenia. (A) grupo monofilético, com
descendentes de um ancestral comum exclusivo entre eles. (B) grupo parafilético, formado por um ancestral,
mas não todos os seus descendentes. (C) grupo polifilético, formado por descendentes de mais de um
ancestral. Os polígonos vermelhos representam grupos que inicialmente foram considerados um grupo
monofilético; nos casos de B e C, a hipótese inicial é descartada e as características compartilhadas por eles
não são homólogas, mas sim homoplasias. Fonte: Elaborada por A. Frazão.

Outras informações que conseguimos extrair de uma filogenia é a de que características


presentes em um grupo de estudo são mais antigas no grupo, ou seja, já estavam presentes
em seu ancestral comum exclusivo, ou surgiu posteriormente na evolução do grupo. Mais
especificamente, após a inferência de uma filogenia, é possível verificar a direção do
surgimento dos estados de um caráter. Por exemplo, você já deve ter ouvido a pergunta, a
princípio ambígua, de o que veio primeiro, o ovo ou a galinha? Ela é a princípio ambígua,
porque é possível saber, numa perspectiva filogenética, qual deles veio primeiro. Quando
olhamos para a filogenia dos Amniota, vemos que o ovo já existia desde que surgiu o
ancestral Amniota e que as galinhas surgiram bem depois na história evolutiva. Assim, os
ovos vieram antes das galinhas naquela pergunta, como dito, a princípio ambígua. Essa ordem
de surgimento de uma característica tem terminologias específicas para nos referirmos.
Quando um estado de caráter já existia no ancestral, o chamamos de plesiomorfia. No caso
do exemplo do ovo e da galinha, o estado de caráter “ter ovo” é plesiomórfico em Amniota

69
(Fig. 2A). Agora, já o estado de caráter “ter pena” é uma novidade em Amniota, já que
somente a linhagem das aves as tem. Essas características, que são novidades evolutivas,
chamamos de apomorfias (Fig. 2A). Agora trazendo esses exemplos para as plantas.
Pensando em Espermatófitas (plantas com sementes), ter semente é uma plesiomorfia, já que
o ancestral de todas elas já apresentava sementes. Já o estado de caráter “ter flor” é uma
apomorfia, já que é uma novidade evolutiva dentre as Espermatófitas, ocorrendo somente nas
angiospermas. A presença de sementes nas Espermatófitas é uma plesiomorfia compartilhada
por todas elas e, por isso, “ter sementes” neste grupo é uma simplesiomorfia (Fig. 2B), ou
seja, uma plesiomorfia compartilhada. Já a presença de flores nas angiospermas é uma
sinapomorfia (Fig. 2B), já que é uma apomorfia compartilhada por todas as plantas com
flores.

Espermatófitas
Angiospermas

A galinha surgiu
aqui, na gamopet
linhagem das floralia
aves
O ovo surgiu no ancestral
de todos Amniota A sementes B

apomorfia plesiomorfia simplesiomorfia sinapomorfia


Fig. 2. Exemplos de evolução de caracteres em filogenias. A: ilustração da filogenia de Amniota. B:
Ilustração da filogenia de Espermatófita. Fonte: Elaborada por A. Frazão.

Você deve estar se perguntando como é que uma filogenia é inferida, quais critérios e
metodologias são possíveis e como elas funcionam. Para ver detalhes sobre isso, veja o
capítulo 10 do livro do VIII Botânica no Inverno (2018).

Herbário e coleta de material botânico


Herbários são museus de plantas prensadas e secas que funcionam como repositórios de dados
de biodiversidade, usados para mapear a distribuição e variação morfológica de plantas (e fungos) no
tempo e no espaço. Existem por volta de 3.500 herbários no mundo, os quais estão concentrados na
América do Norte e na Europa. No Brasil, são listados por volta de 220 herbários, sendo o herbário

70
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com mais de 800.000 amostras, o maior deles, e o herbário do
Museu Nacional, também no Rio de Janeiro e fundado em 1831, o mais antigo deles.
Consultando um herbário é possível reconhecer quais são as entidades vegetais que habitam
determinada região, quando estão presentes e quais são as variações morfológicas intraespecíficas e
interespecíficas, sendo assim a base para estudos monográficos ou florísticos. Entretanto, as funções
de um herbário não se restringem apenas ao trabalho de um taxonomista ou sistemata, sendo
majoritariamente a base para qualquer estudo em botânica. Antes do início de estudos com
fitoquímica, ecologia vegetal, anatomia, etnobotânica, genética, fisiologia vegetal ou qualquer outro
ramo de pesquisa biológica com plantas e fungos é fundamental o depósito de um material testemunho
(voucher) devidamente identificado, para que a referência aos táxons utilizados seja objetiva e
replicável. Além disso, ecólogos, zoólogos, químicos, historiadores, geógrafos, paisagistas,
jardineiros e até artistas também podem utilizar o herbário para a realização de projetos e acesso a
diversos tipos de informação relacionadas às coleções nele presentes.
Para a incorporação de material em herbário o procedimento atualmente utilizado é ainda
similar àquele feito nos séculos XVI, XVII e XVIII, com processo de coleta e desidratação das
plantas, seguida pela montagem e depósito das exsicatas. Após a coleta de ramos com flores ou frutos,
ou de plantas inteiras, quando pequenas, preferencialmente em ambiente natural, esses são
individualizados entre papéis (geralmente jornal) e numerados (nome e número do coletor),
juntamente com anotações referentes à data de coleta, local de coleta (preferencialmente
georreferenciada com GPS), habitat, e uma breve descrição, evidenciando aspectos que serão
perdidos com o processamento do material - principalmente hábito, altura, coloração das estruturas,
presença de exsudatos e cheiros - além de uma identificação taxonômica. Posteriormente, o material
é prensado e então desidratado, em geral em uma estufa de ar quente ou com lâmpadas
incandescentes, com auxílio de papelão e alumínio corrugado para facilitar a passagem de ar quente
entre os espécimes. Após a secagem, o material está pronto para ser fixado (com adesivos ou
costurado) em uma cartolina com a adição de etiqueta contendo os dados registrados em campo. O
resultado final é uma exsicata, a qual pode ser incorporada no herbário e, eventualmente, ter sua
identificação atualizada, o que demonstra o dinamismo de um herbário, o qual, apesar de ser um
museu, é também um repositório dinâmico de informações e pesquisa.
A grande maioria dos herbários está registrado no Index Herbariorum, um catálogo digital
organizado pelo Jardim Botânico de Nova York, que facilita o acesso a informações fundamentais
como: quais são os herbários, onde estão localizados, qual tamanho das coleções, quais suas
especialidades e quem são os curadores.

71
Box 2: O herbário SPF
O herbário da Universidade de São Paulo, chamado pelo acrônimo SPF (Fig. 3 a,b,c), foi
fundado como coleção de plantas vasculares em 1932, na Faculdade de Farmácia, pelo Prof.
Wilson Hoehne, sendo posteriormente transferido para o departamento de Botânica na década
de 1960 e fundido à coleção de algas marinhas do Prof. Aylthon Brandão Joly. Hoje, o
herbário apresenta aproximadamente 250.000 espécimes de plantas vasculares e algas
marinhas (não possui coleção de musgos, hepáticas e antóceros ou algas terrestres ou de água
doce), curadas atualmente pelo Prof. José Rubens Pirani e Profa. Valéria Cassano. Ainda,
juntamente ao SPF, existe a xiloteca Nanuza Luiza de Menezes com uma das mais
importantes coleções de madeira do Brasil, com mais de 6.500 materiais.
Com essa coleção, o SPF é reconhecido como a segunda maior coleção do estado de São
Paulo e está entre as dez maiores do Brasil. A coleção é especializada na flora do estado de
São Paulo e na flora dos campos rupestres da Cadeia do Espinhaço, localizada nas montanhas
de Minas Gerais e Bahia, principalmente impulsionada pelos projetos da Flora da Serra do
Cipó, Flora de Grão-Mogol e Flora da Chapada Diamantina. Entre as famílias, as coleções
mais representativas são aquelas com grande representatividade nessas localidades ou com
as quais os docentes do laboratório são especialistas, destacando-se Annonaceae,
Bignoniaceae, Eriocaulaceae, Picramniaceae, Rutaceae, Simaroubaceae e Velloziaceae. Em
particular, as coleções de Eriocaulaceae e Velloziaceae estão entre as melhores do mundo.
Parte dessa coleção está digitalizada e fotografada com dados disponíveis na plataforma
SpeciesLink (Fig. 3 d,e).

72
Fig. 3. Fotos do herbário SPF. (A) Vista do Edifício Sobre-as-Ondas, na qual o SPF está localizado,
juntamente com o Laboratório de Sistemática, Evolução e Biogeografia de Plantas Vasculares. (B) Vista do
hall de entrada do prédio. (C) Vista da coleção de plantas vasculares do SPF, com armários compactados
deslizantes. (D-E) Exsicatas do herbário SPF disponíveis no Specieslink. Fonte: (A-C) Elaborada por G.M.
Antar; (D-E) Herbário SPF.

Herbários virtuais e base de dados


Previamente ao avanço da internet, todos os estudos taxonômicos dependiam exclusivamente
de visitas pessoais a herbários, o que, por conta do elevado custo de tempo e dinheiro para viagens,
encarecia e aumentava o tempo para a publicação de trabalhos taxonômicos. Isso era especialmente
verdade para estudos taxonômicos com plantas brasileiras, as quais possuem, em sua maior parte,
material tipo depositado em herbários europeus e estadunidenses. Grande parte dessa problemática
foi solucionada com o advento da internet e a possibilidade da digitalização de coleções. Fotos em
alta resolução são capturadas de espécimes da coleção e disponibilizadas em bancos de dados on-line,
as quais, quando disponíveis para sistematas e taxonomistas, facilitam o trabalho. Obviamente o
trabalho com o material em mãos ainda é insubstituível, já que a análise minuciosa de algumas
características morfológicas, como o indumento ou partes florais dissecadas, é apenas possível dessa
maneira.
Para a checagem de imagens de exsicatas on-line, no contexto do Brasil, as plataformas que
se destacam são o SpeciesLink (http://www.splink.org.br/), o Reflora
73
(http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/herbarioVirtual/ConsultaPublicoHVUC/ConsultaPublicoHV
UC.do), o Jabot (http://rb.jbrj.gov.br/v2/consulta.php), o JSTOR Plants (https://plants.jstor.org/) e o
GBIF (https://www.gbif.org/). O SpeciesLink, criado em 2002, administrado pelo Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia (INCT) Herbário Virtual da Flora e dos Fungos desde 2009, disponibiliza
on-line grande parte das coleções de herbários nacionais e internacionais, majoritariamente com
imagens das exsicatas. Além dessa ferramenta, o Herbário Virtual REFLORA e Jabot, iniciativas do
Jardim Botânico do Rio de Janeiro, são outras plataformas que disponibilizam informações de
coleções botânicas, os quais congregam, além de material de herbários brasileiros, materiais tipo
proveniente de resgate de imagens dos espécimes da flora brasileira e das informações a eles
associadas, depositados nos herbários estrangeiros. Para a checagem de tipos, o portal JSTOR Plants
é referência, tornando acessível para todo o mundo (Ver Tópico Tipos Nomenclaturais). E, em um
contexto mundial, a plataforma GBIF é a mais ampla, fornecendo dados de registros para mais de 1
bilhão e 500 milhões de organismos em diferentes grupos. Apesar de representarem um enorme
avanço para pesquisas em sistemática, principalmente em trabalhos de maior escala, com grande
número de dados, esses bancos de dados precisam estar associados a padronização e checagem dos
dados das exsicatas, visando evitar erros ortográficos ou de identificação de táxons, presença de
sinônimos (nomes desatualizados) e georreferenciamento incorreto.
Para a checagem e padronização de nomes, algumas bases de nomes online estão disponíveis,
destacando-se o IPNI (https://www.ipni.org/), o Tropicos (https://www.tropicos.org/home), o World
Checklist of Selected Plant Families (WCSP) (https://wcsp.science.kew.org/home.do), o The Plant
List (http://www.theplantlist.org/) e a Flora do Brasil On-line 2020
(http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/listaBrasil/ConsultaPublicaUC/ConsultaPublicaUC.do. O
IPNI é um banco de dados on-line que reúne todos os nomes publicados, apontando também as obras
originais, o ano de publicação e a autoria das espécies. Apesar de não fornecer informações sobre
quais nomes são aceitos e quais são sinônimos, é uma plataforma fundamental para a aplicação do
código de nomenclatura botânica. Para a checagem dos nomes aceitos, são indicadas as plataformas
Tropicos, do Missouri Botanical Garden, WCSP, do Royal Botanic Garden, Kew, e o The Plant List,
que congrega informações dessas duas e de outras plataformas. Para o contexto de Brasil, apesar
destas plataformas, a melhor opção é a consulta ao portal Flora do Brasil 2020, projeto recentemente
concluído e que permanece em constante atualização, além de listar os nomes aceitos das espécies
nativas, naturalizadas e cultivadas no país, também fornece tratamento taxonômico simplificado para
grande parte dessas, com chaves de identificação, distribuição nos estados brasileiros, habitat e
comentários.

74
Circunscrição de táxons e descrição de um novo táxon
A sistemática moderna busca alcançar uma classificação estável que reflete a história da vida.
Por isso, o uso de filogenias como referência à classificação é uma prática cada vez mais comum.
Porém, os taxonomistas têm buscado nomear os clados monofiléticos sem deixar de seguir a lógica
lineana. Assim, a circunscrição dos táxons segue um padrão de agrupamento que enfatiza afinidades
mais gerais e inclusivas em níveis taxonômicos supraespecíficos (e.g., Classes e Famílias), enquanto
aponta singularidades e diferenças em níveis interespecíficos (e.g., espécies).
Hoje em dia é muito raro descobrir um organismo que não faz parte de um gênero, família ou
uma categoria superior. Portanto, neste tópico trataremos apenas sobre a descrição de espécies
completamente novas para a ciência. Descrever espécies novas é um trabalho fundamental para o
conhecimento das unidades básicas que compõem a biodiversidade. A descoberta de novos táxons e
sua comunicação é uma tarefa urgente frente a crise da perda de biodiversidade e a dificuldade em
acessar informações adequadas para sua compreensão, manejo e conservação. Até o momento, os
botânicos descreveram ca. 374.000 espécies de plantas, das quais aproximadamente 295.383 são
angiospermas. Estimativas apontam que o número de angiospermas deve crescer entre 10 a 20%,
sendo que a metade das espécies a serem descobertas já estão armazenadas em herbários.
Para descrever um táxon novo, o botânico deve justificar, por meio de fontes de evidência,
porquê a planta é diferente de todas as outras espécies já conhecidas. Normalmente, espécies novas
são descobertas durante a preparação de monografias, revisões taxonômicas ou sinopses. À medida
que estudam espécimes coletados em trabalhos de campos ou levantamentos feitos por terceiros e
preservados em coleções científicas, os taxonomistas são capazes de reconhecer variações
morfológicas intraespecíficas e interespecíficas. Tais variações permitem a descoberta de diferenças
significativas entre os espécimes indicando táxons inéditos à ciência. Alternativamente, é comum
encontrar situações no qual espécimes não identificados são coletados em inventários florísticos ou
estudos de flora e descritos mais tarde em colaboração com o taxonomista especialista. Embora exista
a predominância de morfologia comparada na descoberta de novos táxons, os avanços da ciência
taxonômica e a mudança de paradigma nos conceitos sobre a natureza e classificação das espécies
têm permitido a integração de diferentes fontes de dados (e.g., moleculares, ecológicos e fisiológicos)
para sustentar hipóteses de espécies novas.
A descrição e delimitação de uma espécie nova é um exercício comparativo e, portanto, exige
uma revisão mais profunda por referência a outras espécies estreitamente relacionadas. Caso você
não tenha familiaridade com os membros do grupo e após árdua pesquisa na literatura, não encontrou
registros sobre esse potencial “tipo novo” é aconselhável entrar em contato com o taxonomista
especialista. Ele trabalhou para se especializar no grupo e conhece bem a morfologia, evitando cair
em armadilhas como má interpretação de caracteres. Contudo, é possível que o “tipo novo” pertença
75
a uma família ou gênero pouco conhecido e sem nenhum especialista. Neste caso, é exigido uma
maior dedicação visto a necessidade de compilação cuidadosa de todos os nomes publicados no
gênero, consulta a protólogos (obras originais) e tipos nomenclaturais (ver sugestão passo a passo na
Fig. 4).

Fig. 4. Representação esquemática de protocolo de trabalho para reconhecimento de espécies novas em


taxonomia. Fonte: Elaborada por J. N. C. Francisco.

Após se certificar de que o organismo estudado representa uma espécie não descrita, seus
objetivos são o estudo morfológico, a escrita do artigo científico e a comunicação da descoberta
através da publicação científica, respectivamente. Antes de embarcar propriamente na descrição do
organismo é necessário investigar a circunscrição morfológica do táxon através da análise de uma
série de espécimes. O estudo de múltiplos indivíduos garante obter um arcabouço teórico sobre as
faixas de medidas, variações morfológicas e geográficas do táxon. Se possível, acrescente análises
usando outros métodos e dados, principalmente moleculares, como fontes de evidências adicionais.
Dessa maneira, é possível proporcionar maior rigor empírico da hipótese de espécie e estabilidade ao
nome que será designado. Com essas informações em mãos, comece a redigir seu artigo no formato
pedido pela revista científica selecionada à publicação.
76
Alguns requisitos formais são exigidos para descrição de espécies novas. Uma espécie nova
torna-se reconhecida quando o binômio latino ou latinizado, a diagnose ou descrição do táxon escrita
em latim (ou em inglês a partir de 2012) e a designação de um tipo associado ao nome científico é
validamente publicado em revista ou livro científico de grande circulação, de acordo com os
princípios e regras do Código Internacional de Nomenclatura para algas, fungos e plantas. A
nomeação do táxon é parte essencial para sua descrição. Esse nome segue o sistema de nomenclatura
científica de Lineu, portanto, deve ser exclusivo, ou seja, legítimo e composto pelo nome do gênero
mais o epíteto específico. O epíteto geralmente é um adjetivo ou substantivo adjetivado que pode
descrever uma característica da espécie e deve concordar com o gênero gramatical do nome genérico.
Por exemplo, a - feminino; us - masculino; um - neutro: Ipomea incarnata, Clinanthus incarnatus,
Trifolium incarnatum. Em casos em que o epíteto é dado em homenagem a pessoa ou área de
distribuição do táxon, é atribuído ao nome terminações latinas específicas de acordo com diferentes
particularidades. As regras devem ser consultadas com maior detalhe no próprio Código de
Nomenclatura (Art. 30 e 60). Após o binômio da espécie, é escrito os nomes dos autores que
publicaram a descrição original e indicação da categoria do nome como “species nova” ou” sp. nov.”
(a depender do formato de publicação exigido pela revista científica). O nome do autor é abreviado e
deve ser único. Para isso, deve ser realizada uma consulta prévia de nomes de autores de nomes
botânicos no portal do “IPNI”.
A diagnose de um táxon novo é uma declaração curta do conjunto de caracteres diagnósticos
exclusivos que, na opinião de seu autor, distingue o táxon de um ou mais táxons previamente
conhecidos. Geralmente, a comparação é feita entre espécies aparentadas ou que provavelmente serão
confundidas com o novo táxon.
Ex: Pachyptera linearis J.N.C. Franc. & L.G.Lohmann (2018)
Pachyptera linearis é semelhante a Pachyptera kerere, mas pode ser distinguida pela cápsula
linear e achatada (vs. cápsula fusiforme e inflada), linha mediana longitudinal inconspícua em cada
válvula (vs. linha mediana longitudinal visível e elevada em cada válvula), e sementes finas, oblongas
e aladas (vs. sementes espessas, irregularmente circulares, obcordadas e não aladas). (tradução
livre)
A descrição de em táxon contém todas as informações necessárias à circunscrição do
organismo. A descrição deve ser longa o suficiente para cobrir os pontos essenciais e curta o suficiente
para não os obscurecer. Para garantir uma descrição mais concisa é aconselhável estabelecer a
padronização de termos morfológicos e estados de caracteres. Muitas vezes a terminologia adotada é
baseada em trabalhos de referência do próprio grupo vegetal ou literatura especializada. A ordem de
apresentação dos caracteres na descrição segue uma sequência padrão. No geral, em plantas com
flores a sequência inicia com partes subterrâneas, hábito ou forma de crescimento, partes vegetativas
77
e partes reprodutivas, começando pelas flores e terminando pelos frutos e sementes.
O estabelecimento de uma espécie nova deve incluir a designação de um tipo nomenclatural
(há várias categorias de tipo, veremos isso em mais detalhe no próximo tópico). O tipo é portador do
nome publicado e atua como referência permanente ao uso do nome. Na verdade, ele não representa
necessariamente o elemento mais típico ou representativo da espécie. Para fins de tipificação, o
espécime selecionado deve representar o indivíduo inteiro, partes dele ou múltiplos indivíduos
pequenos associados a um único número de coleta. O tipo deve ser depositado e mantido em uma
coleção científica pública como material testemunho. É recomendável informar no artigo o número
de coleta, número de catálogo, informações de localidade e o nome da instituição detentora do
espécime tipo.
Recursos gráficos como ilustrações científicas e imagens de fotografia não são obrigatórios à
publicação, porém representam importantes fontes de informações adicionais que enriquecem a obra.
A ilustração científica pode ser parte integrante da tipificação ou descrição da espécie nova. Ela
ilustra características importantes do táxon. Geralmente, é feita por ilustrador científico profissional
ou pelo próprio descritor. Para ver mais detalhes sobre ilustração científica, veja o capítulo 24 do
livro do VI Botânica no Inverno (2016). Já as imagens de fotografia auxiliam nas descrições ao
permitir colocar o táxon no contexto do seu habitat, exibir imagens de micrografia, etc.

Revisão taxonômica
As revisões taxonômicas são trabalhos completos voltados ao conhecimento taxonômico,
nomenclatural e geográfico de determinado grupo de plantas, incluindo também informações
relevantes sobre fenologia, habitat e ecologia. Atualmente estes trabalhos são geralmente
acompanhados por uma justificativa filogenética para evidenciar o monofiletismo do grupo de estudo,
embora muitas revisões sejam baseadas em grupos delimitados morfologicamente. As revisões
taxonômicas consistem basicamente em descrições morfológicas (às vezes também anatômicas),
diagnoses, chave de identificação, alterações nomenclaturais, distribuição geográfica, comentários
sobre conservação ou proposta de avaliação de risco de extinção e notas taxonômicas sobre cada
espécie do grupo taxonômico. Os botânicos responsáveis por conduzir uma revisão taxonômica
geralmente visitam um grande número de herbários e coleções virtuais para verificar o conceito
morfológico associado aos holótipos (Ver Tópico Floras) e encontrar as variações morfológicas,
geográficas, ambientais e fenológicas para cada espécie. Também são realizadas revisões de
literatura, que devem contar principalmente com a análise das obras originais (opus princeps ou
protólogo), ou seja, publicações que apresentam pela primeira vez um determinado táxon para a
ciência. Muitas destas obras podem ser encontradas de forma digital no website da Biodiversity

78
Heritage Library (BHL; https://www.biodiversitylibrary.org/) ou Botanicus Digital Library
(https://www.botanicus.org/).

Floras
Enquanto as revisões taxonômicas focam-se exclusivamente em linhagens e/ou determinado
grupo taxonômico abrangendo toda a sua distribuição geográfica, as floras baseiam-se em táxons
ocorrentes em áreas com limites políticos ou geográficos pré-determinados. Deste modo, as floras
não irão apresentar todas as variações morfológicas, geográficas, ambientais e fenológicas para as
espécies. Esse tipo de estudo constitui um importante passo para o conhecimento e conservação da
biodiversidade vegetal de determinada área.
Floras têm sido foco de várias iniciativas locais e regionais, como a Flora da Serra do Cipó,
projeto desenvolvido pelo Instituto de Biociências-USP que resultou na publicação de vários
tratamentos taxonômicos no Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo. Em escala nacional,
o projeto Flora do Brasil 2020, integrante do Programa Reflora, apresentou monografias para várias
famílias botânicas ocorrentes no Brasil, que podem ser acessadas de forma on-line
(http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/listaBrasil/ConsultaPublicaUC/ConsultaPublicaUC.do#Cond
icaoTaxonCP). A Flora Neotropica também compreende uma série de monografias, mas que são
publicadas de forma irregular desde 1967 para grupos botânicos ocorrentes na região Neotropical
(região biogeográfica que compreende a América Central, incluindo a parte sul do México e da
península da Baja California, o sul da Florida, todas as ilhas do Caribe e a quase toda América do
Sul). Finalmente, o projeto World Flora Online, é uma iniciativa ao nível global que conta com a
colaboração de várias instituições e organizações internacionais (http://www.worldfloraonline.org).
Este projeto tem como objetivo monografar todos os grupos botânicos, compilando dados de floras e
revisões já publicadas, e gerando novos dados sobre grupos de plantas e regiões pouco conhecidas
em todo mundo.

Código Internacional de Nomenclatura Botânica


O Código Internacional de Nomenclatura Botânica (em inglês International Code of
Botanical Nomenclature, ICBN) é um conjunto de regras e recomendações que conduzem a
atribuição formal da nomenclatura botânica e micológica. O ICBN objetiva assegurar que cada táxon
possua apenas um único nome aceito pela comunidade científica, e para isso, o código apresenta seis
princípios base a serem adotados em trabalhos nomenclaturais:

1. A nomenclatura botânica é independente da nomenclatura zoológica e bacteriológica.


2. A aplicação de nomes de grupos taxonômicos é regida por meio de tipos nomenclaturais (veja
abaixo).

79
3. A nomenclatura dos grupos taxonômicos é baseada na prioridade de publicação.
4. Cada grupo taxonômico deve ter apenas um nome correto, exceto em casos especificados.
5. Os nomes científicos são em latim ou latinizados, independentemente de sua origem.
6. As regras de nomenclatura são retroativas, exceto quando expressamente indicado.

Tipos nomenclaturais
Todos os nomes de espécies ou táxon infraespecífico que conhecemos hoje devem seguir uma
série de requisitos para a sua validação segundo o Código Internacional de Nomenclatura Botânica.
Um destes requisitos se refere ao holótipo, o espécime ou ilustração designado pelo autor na obra
original de descrição deste táxon. O objetivo do holótipo é fixar o nome da espécie, refletindo os
caracteres principais e diagnósticos deste morfotipo em um material botânico específico. Caso o
material selecionado como holótipo possua duplicatas, estes serão denominados isótipos. Já o
lectótipo refere-se ao espécime ou ilustração designada posteriormente à publicação original, quando
o autor não designou o holótipo. Para eleger um lectótipo, deve ser comprovado que o espécime é
oriundo do material original utilizado pelo autor na publicação do nome. Caso o lectótipo possua um
espécime duplicado, este será denominado isolectótipo. Caso o autor não tenha designado o holótipo,
mas tenha citado outros materiais na descrição da espécie, estes serão denominados síntipos.
Qualquer espécime citado na descrição original, desde que este não seja o holótipo, síntipo, lectótipo
ou isótipo, deve ser considerado parátipo. Além destes tipos, existe também o espécime designado
para substituir um holótipo destruído ou desaparecido ou para complementar o holótipo, quando este
não possui características suficientes para a compreensão do conceito de espécie, neótipo e epítipo,
respectivamente. Qualquer material duplicado do neótipo e epítipo constituem o isoneótipo e
isoepítipo, respectivamente.

Referências
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80
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Winston, J.E. & Disney, H. 2000. Describing Species: Practical taxonomic procedure for biologists.
Nature 405 (6787): 619.

81
CAPÍTULO 6

Transporte de água em plantas: da anatomia as funções do xilema


Caian Souza Gerolamo (Universidade de São Paulo)

Breve histórico
As plantas exercem múltiplos serviços ecossistêmicos, entre eles, fornecem matéria prima para
construção, combustíveis, alimentação e contribuem como reguladores das condições ambientais
naturais. Entre os serviços ecossistêmicos de regulação ambiental, as plantas são capazes de
remobilizar a água do solo para a atmosfera, promovendo melhoras nas condições térmicas, aumento
da umidade do ar e contribuindo com a dinâmica de massas de ar no planeta.
Um dos primeiros modelos descritivos do transporte de água por plantas foi fundamentado na
capilaridade, fenômeno físico registrado por Leonardo da Vinci (1452 – 1519) e que ficou mais
conhecido pelo químico irlandês, Robert Boyle (1627 – 1691) em 1660. Tal fenômeno permite que a
água, no interior de um tubo fino, seja transportada a uma certa altura inversamente proporcional ao
diâmetro do tubo devido a tensão superficial1. Na mesma época, Marcello Malpighi (1628 - 1694) e
Nehemiah Grew (1628 - 1711), iniciaram os estudos de anatomia vegetal, descrevendo os tecidos
vasculares, os tipos celulares e propondo modelos de circulação nas plantas, o que viria complementar
o entendimento do transporte vertical de água nas plantas.
Um outro importante cientista da época foi Stephen Hales (1677 – 1761), em seu livro
Vegetable Statics de 1727, foi um dos primeiros a registrar experimentos sobre a capacidade de
condução de água pelas plantas, além de ter descrito a maior demanda de absorção de água pelas
plantas comparado aos animais. Hales também mostrou em experimentos a existência de uma certa
pressão da raiz em algumas plantas, mas que esta pressão, não seria suficiente para transportar água
até as folhas. Além disso, Hales sugeriu a importância da transpiração foliar para o transporte hídrico
e indicou a existência da relação direta do transporte hídrico com o diâmetro dos elementos
condutores.
Com pesquisas mais recentes, nós percebemos que nas raízes das plantas de fato há um influxo
de água ativo (com gasto de energia) após o fechamento dos estômatos (por onde as plantas realizam
as trocas gasosas nas folhas). Esse influxo pode gerar uma pressão positiva na raiz que,
consequentemente, permite a ascensão da água da raiz ao caule até uma certa altura. Uma evidência
da pressão positiva das raízes é a gutação (formação de gotas de água) que visualizamos na margem

1
A força de capilaridade não seria suficiente para transportar água a grandes alturas como é verificado em árvores de
mais de 10 metros de altura, pois os elementos condutores podem variar de ~10 a ~400 µm e com isso a coluna de água
alcançaria no máximo ~1.5 metros de altura para os elementos condutores de 10 µm.

82
foliar de algumas espécies, em condições climáticas favoráveis. As ideias da pressão positiva da raiz
junto com outras hipóteses que tentavam explicar a ascensão da água nas plantas ficou sendo debatida
por décadas. Em 1916, Priestley sugeriu a hipótese da pressão positiva nas raízes como um possível
mecanismo que explicaria por completo o transporte de água nas plantas. Contudo os experimentos
realizados na época refutaram essa hipótese, pois não há evidências que a pressão positiva possa ser
suficiente para o transporte de água a grandes alturas e nem que todas as plantas possam ter pressão
positiva. Além disso, as plantas são capazes de transportar água mesmo sem raízes, como
demonstrado por Hales em experimentos conduzidos em 1727, pois havendo conexão do caule com
água e na outra extremidade ramos com folhas que estejam transpirando, o transporte ascendente é
realizado de maneira passiva.
Em 1891, Strasburger, contemporâneo dos cientistas Irlandeses, Dixon e Joly, que postularam
a teoria aceita até hoje sobre a ascensão da seiva no xilema, em 1894, demostrou que a seiva é
transportada por uma coluna continua de água, da raiz até as folhas, em alguns elementos condutores
do xilema, enquanto que outros elementos condutores transportavam ar. Além disso, em 1893, o
botânico Austríaco, Josef Anton Bohm, um pouco antes de falecer, descreveu que a força entre as
moléculas de água seria suficiente para manter a integridade da coluna de água apesar das tensões
(i.e. pressão negativa) envolvidas no interior dos elementos condutores, sugerindo a existência de
pressões negativas no xilema. Bohm, também indagou a importância da capilaridade no transporte de
água, mas como já discutido (veja nota de rodapé 1), devido ao diâmetro das células condutoras
encontrado nas plantas, esse mecanismo não seria suficiente para explicar o transporte de água nas
plantas.

Mecanismo de condução de água em plantas


Segundo a teoria mais aceita (teoria da tensão e coesão), proposta por Dixon e Joly 1894,
complementada por Dixon em 1914, o transporte de água nas plantas ocorre devido a um gradiente
de pressão negativa (i.e. tensão) criado ao longo do continuo solo-planta-atmosfera que estabelece
uma força de tensão suficiente para que, conjuntamente com a transpiração realizada nas folhas, as
moléculas de água coesas e aderidas no interior dos elementos condutores no xilema, dispostas como
um “cordão”, possam ser puxadas da raiz (zona de menor tensão) para as folhas (zona de maior
tensão). Assim, para cada molécula de água perdida na transpiração, uma molécula adjacente,
presente na coluna de água formada no interior dos elementos condutores, é transportada de forma
passiva pelo gradiente de pressão. Essa força de tensão transmitida ao longo da coluna de água
continua, permite um influxo de água do solo para as raízes. Nas raízes a água é transportada
horizontalmente pelos espaços da parede vegetal das células do córtex (via apoplasto) e por dentro
das células (via simplasto) até chegarem as células condutoras do xilema. Através do xilema, a água
é transportada verticalmente da raiz para o caule e pôr fim do caule para as folhas, que com a
83
transpiração é liberada para a atmosfera (Figura 1).
Além do gradiente de pressão, quando o movimento do soluto é restrito ao movimento da água
(i.e. através das membranas celulares semipermeáveis), a água se move de acordo com o potencial
químico, dado pelo gradiente osmótico. De tal modo, a diferença de potencial osmótico também pode
contribuir com o fluxo de água do solo para as células radiculares ou de uma célula para outra no
interior das plantas. Na ausência de transpiração, as forças do gradiente osmótico determinam o fluxo
de água. De forma resumida, a associação do potencial de pressão e do potencial osmótico determina
o potencial hídrico, que controla o movimento da água nas plantas. O movimento da água é
direcionado passivamente pela diferença de potencial hídrico, indo de potenciais hídricos menos
negativos para os mais negativos (Figura 1).

Fig. 1. Representação do transporte hídrico em plantas com base na teoria de tensão e coesão. Esquema de uma
planta, mostrando a conexão solo 🡪 raiz 🡪 caule 🡪 folha 🡪 atmosfera. A água é transportada pelo tecido xilemático
ao longo desse continuo devido ao gradiente de pressão hídrica estabelecido quando os estômatos (células
especializadas em trocas gasosas) estão abertos e há transpiração foliar e consequentemente as trocas gasosas. Note
os esquemas das secções transversais de uma raiz, caule e folha evidenciando os tecidos descritos na legenda. Na
raiz o transporte radial da água absorvida é feito via simplasto (passando por dentro das células) e apoplasto
(passando apenas pela parede vegetal). Note que a água se mantem aderida e coesa no interior dos elementos
condutores do xilema, devido as propriedades de adesão e coesão das moléculas de água. Fonte: Elaborada por C. S.

84
Gerolamo.

Portanto sabemos que a capilaridade e a pressão positiva da raiz não são mecanismos suficientes para
explicar o transporte de água em plantas, tendo como teoria mais atual o modelo proposto por Dixon
e Joly, que curiosamente foi relatado de maneira independente por Eugen Askenasy (1845- 1903). A
teoria denominada de tensão e coesão parte do princípio de que há uma comunicação no continuo
solo-planta-atmosfera. Essa comunicação entre o solo e a atmosfera é feito através do tecido
responsável pelo transporte de água e sais minerais nas plantas denominado de xilema (Figura 2).
Mais especificamente, a água é conduzida no xilema pelo interior dos elementos condutores
(elementos tranqueais), presentes na raiz, caule e folhas, por diferença de potencial hídrico criado
com a abertura dos estômatos e consequentemente com a transpiração, como já mencionado.

Fig. 2. Modelo do tecido xilemático em seus três planos e dos tipos celulares presentes nesse tecido. (A)
representação dos três planos do xilema secundário de uma planta, note a presença de diferentes tipos celulares,
incluindo elementos condutores, fibras e parênquima. (B) representação dos tipos celulares do xilema secundário.
Note as diferenças das placas de perfuração e da presença de pontoações intervasculares areoladas nos vasos,
traqueídes e algumas fibras (fibrotraqueides). (C) Fotomicroscopia dos planos de vista transversal, longitudinal
tangencial e longitudinal radial do xilema secundário da espécie Handroanthus ochraceus (Bignoniaceae). Fonte:
Elaborada por C. S. Gerolamo.

85
O tecido xilemático
Os elementos condutores do xilema são células mortas na maturidade (sem núcleo entre outras
organelas) com deposição de parede secundária composta majoritariamente por lignina.
Adicionalmente, o xilema, além dos elementos condutores produzido pelas plantas vasculares, é
composto por fibras e células parenquimáticas (radiais e axiais), estruturando esse tecido complexo
que pode ser visto em três dimensões possíveis: transversal, longitudinal tangencial e longitudinal
radial (Figura 2, para mais detalhes ver Ceccantini 2006). As fibras também mortas na maturidade
(exceto fibras septadas e gelatinosas) e as células parenquimáticas, vivas na maturidade, ambas com
deposição de parede secundária lignificada, estruturam a matriz em volta dos elementos condutores
no xilema. Essa composição tecidual (Figura 2B) é estruturada em uma grande diversidade de
arranjos e dimensões dos tipos celulares xilemático nas plantas como um todo, otimizando ou
reduzindo as múltiplas funções que esse tecido exerce como: condução hídrica (elementos
condutores), armazenamento (parênquima) e sustentação mecânica (fibras) (Figura 3).

Fig. 3. Modelo triangular relacionado a anatomia do xilema com as múltiplas funções exercidas nas plantas. Os
tipos celulares com diferentes cores descritas na legenda. Note as diferentes dimensões dos vasos, espessura das
paredes celulares e concentração de parênquima e fibras. Vasos estão relacionados ao ganho em condutividade,
parênquima está relacionado ao transporte radial e armazenamento de substâncias e as fibras são células
responsáveis pela resistência mecânica. Fonte: Elaborada por C. S. Gerolamo.
86
Nas plantas vasculares, os elementos condutores, ou elementos traqueais, podem ser de dois
tipos: traqueídes e elementos de vaso (Figura 2B e Figura 4). As traqueídes presente nas Licófitas,
Monilófitas, Gminospermas e algumas Angiospermas, possuem em seu interior e nas extremidades,
pontoções intervasculares areoladas com uma modificação na membrana da pontoação chamada de
toros e margo (Figura 4B). Essas estruturas são as responsáveis pela comunicação intercelular das
traqueídes. As traqueídes são associadas, concomitantemente, às funções de condução e sustentação
do corpo vegetal. Já os elementos de vaso, presentes na maioria das Angiospermas, apesar de
possuírem pontoaçoes intervasculares areoladas em seu interior, são formadas por placas de
perfuração nas extremidades (Figura 2B e 4C). Sabemos que quando há a associação de vários
elementos de vaso, há a formação de um vaso condutor (Figura 4D), e em suas extremidades, isto é,
nas paredes terminais dos vasos, a comunicação é feita por pares de pontoações intervasculares
(Figuras 4E e F). Assim, a água passa obrigatoriamente pelo lúmen das células, atravessa as placas
de perfuração e, por fim, atravessa os pares de pontoações. Nessas plantas com os três tipos celulares
no xilema, os elementos de vaso são considerados células especializadas na condução, enquanto que
as fibras e as células parenquimáticas são relacionadas, respectivamente, às funções de sustentação e
reserva. Em resumo, independentemente da diversidade anatômica nas plantas, o xilema exerce
múltiplas funções, e entre elas, a de condução é essencial para garantir a hidratação dos tecidos e a
chegada de água para os tecidos fotossintetizantes produzirem matéria orgânica formada na
fotossíntese.

Fig. 4. Representação e detalhes dos elementos condutores: traqueídes e elementos de vaso. (A) Traqueídes
unidas nas extremidades em vista longitudinal e transversal. (B) Detalhe do par de pontoação intervascular areolada
formada entre as duas traqueídes. Note a pontoação intervascular em vista frontal e em secção. A membrana da
pontoação nas traqueídes é diferenciada com a formação do toros e da região envolta do toro chamada de margo. (C)
Esquema do elemento de vaso com detalhes das pontoações intervasculars areoladas. (D) Esquema, em vista
longitudinal, da formação de vasos condutores (junção de elementos de vaso) e da comunicação entre os vasos
condutores pelos pares de pontoações intervasculares areoladas. (E) Vasos adjacentes em vista transversal com detalhe
das pontoações intervasculares no interior. (F) Detalhe das pontoações intervasculares areoladas dos elementos de
vaso. Fonte: Elaborada por C. S. Gerolamo.

87
Eficiência e segurança hídrica

A condução de água nas plantas é dependente de dois importantes fatores: eficiência e


segurança hídrica. A eficiência condutiva é relativa a maior ou menor eficácia de transportar água
com base na área foliar ou área de tecido condutor (xilema) de cada espécie. Já a segurança hídrica é
relacionada a garantia que a agua seja transportada. Para calcular empiricamente a eficiência
condutiva, podemos medir o fluxo de água dado pela diferença de pressão (condutância) em um
segmento caulinar, multiplicar pelo comprimento da amostra e dividir pela área de xilema, inferindo
a condutividade especifica xilemática (Ks). Podemos ainda relacionar a eficiência condutiva com o
potencial de condutividade hídrica estimado, com base na lei de Hagen-Poiseuille, que determina
uma relação direta da condutividade com a quarta potência do raio de cada elemento condutor. Sendo
assim, se os diâmetros relativos a dois vasos são 2 e 4, os volumes relativos ao fluxo de água
transportado, em condições semelhantes, seriam 16 e 256, respectivamente. Alguns modelos foram
propostos para o potencial de condutividade (Kp - Kg.m.Mpa-1.s-1) entre eles a equação 1, descreve
essa relação levando em consideração o diâmetro hidráulico dos vasos (Dh - m) e a frequência dos
vasos (Fv – vasos por mm²) no tecido xilemático.

∗ Kp = %!"#
4
$%&�& . Fv . Dh Equação (1)
*Pw = densidade da água a 20°C (998.2 kg.m-3); η viscosidade da água a 20°C (1.002 10-3 Pa.s-1). Para mais detalhes
consultar Poorter et al. 2010

88
Como o transporte de água é realizado sob tensão (pressões negativas) no interior dos vasos,
é sabido que a água torna-se metaestável, ou seja, ela pode rapidamente mudar de estado físico, sendo
comum a formação de bolhas no interior dos elementos condutores. A formação de bolhas é
denominada cavitação e quando essas bolhas se expandem obstruindo um vaso, os elementos
condutores tornam-se embolisados. A formação de bolhas de ar nos vasos condutores, já é discutida
desde o princípio da fisiologia de plantas (Hales 1727) e sabemos que a formação de bolhas de ar,
obstruindo os elementos condutores é prejudicial para a condutividade e consequentemente para a
sobrevivência das plantas. Quanto maior o estresse hídrico do ambiente maior a propensão de
embolismo nas plantas e menor a garantia que a agua seja transportada. Assim, em áreas muito secas
ou com períodos de congelamento, as plantas são mais propensas ao embolismos. Associado a isso,
quanto mais propensa a formação de embolismos uma espécie é, devido a sua própria estrutura
anatômica menos segura (i. e. mais vulnerável), menos tolerante aos estresses hídricos ambientais.
Uma forma de avaliar a segurança hidráulica das espécies é construindo a curva de
vulnerabilidade proposta por Sperry e colaboradores em 1988, onde se relaciona a porcentagem de
perda de condutividade com o potencial hídrico do xilema. Modelando essa relação, podemos estimar
o potencial hídrico em que a planta perde 50% da sua capacidade de condução, denominado P50, e
com esse parâmetro podemos comparar os indivíduos e as espécies quanto a sua segurança na
condução ou sua vulnerabilidade. Espécies com P50 mais negativos, indicam maior resistência aos
estreses hídricos e espécies com P50 menos negativos são mais vulneráveis ao embolismo, isto é,
menos tolerantes à seca (Figura 5). Outras formas de avaliar a segurança hidráulica e a
vulnerabilidade hídrica em plantas, (e.g. P88 e a margem de segurança) vem sendo explorada, para
mais informação leia as referências bibliográficas.

89
Figura 5. Curva de vulnerabilidade de uma espécie mais tolerante (vermelho) e outra mais vulnerável ao embolismo
(azul). Note que em valores mais negativos a espécie em azul perde mais a capacidade de condução hídrica do que a
espécie de vermelho. Fonte: Elaborada por C. S. Gerolamo.

Relação anatomia, eficiência e segurança hídrica


A eficiência e segurança hídrica está intimamente relacionada com a estrutura anatômica das
plantas, mas o que sabemos até agora? O tecido xilemático como um todo e mais especificamente os
elementos condutores, tanto com relação aos distintos diâmetros, espessura da parede do vaso,
estrutura da pontoação intervascular (principalmente a espessura e porosidade da membrana da
pontoação), são determinantes para a eficiência e segurança hídrica de cada espécie. A relação entre
a eficiência hidráulica e a dimensão dos vasos é confirmada quando comparamos lianas, que possuem
maior dimensão dos vasos, com espécies autossuportantes, resultando em uma maior eficiência na
condução de água pelas lianas. Por outro lado, a segurança hídrica parece ter mais relação com a
espessura da parede do vaso e, principalmente com a estrutura da pontoação intervascular quanto à
espessura e porosidade da membrana da pontoação. No entanto, saber o que determina
anatomicamente a segurança hídrica nas espécies vem sendo explorado mais recentemente e ainda é
uma das grandes lacunas no conhecimento cientifico. Contudo, já é sabido que os outros tipos
celulares no xilema, como: fibras e parênquima axial e radial, contribuem com a eficiência e
segurança na condução: as fibras dando suporte mecânico aos vasos que estão sob forte tensão,
servindo também como suporte mecânico; e o parênquima axial e radial possibilitando o transporte

90
radial, restabelecimento dos vasos embolisados, aumentando a capacitância hídrica, armazenando
nutrientes, água e aumentando a flexibilidade.

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92
CAPÍTULO 7

Androceu: conceitos básicos acerca da morfologia, anatomia e desenvolvimento


Elisabeth E. A. Dantas Tölke (Universidade de São Paulo)

As flores são órgãos complexos exclusivos das Angiospermas, seu surgimento permitiu uma
grande e rápida diversificação dessas plantas nos mais variados ambientes da Terra. Essa
complexidade é atribuída principalmente às formas de organização, morfologia, anatomia e
diferenças no desenvolvimento dos verticilos férteis das flores: o androceu e o gineceu. De maneira
geral, as flores são ramos modificados, formados por verticilos estéreis (cálice e corola) e verticilos
férteis (androceu e gineceu) (Fig. 1 A–D).

Fig. 1. Flores de diferentes espécies de Angiospermas evidenciando os verticilos estéreis (cálice e corola) e os
verticilos férteis (androceu e gineceu). Fonte: Fotos de E.D. Tölke.

Os verticilos estéreis estão relacionados com a proteção dos verticilos férteis, mas também
com a atração de polinizadores. Enquanto que os verticilos férteis possuem principalmente a função
reprodutiva. Neste capítulo você irá aprender os conceitos básicos relacionados à morfologia,
anatomia e desenvolvimento do androceu, e como isto está relacionado com a grande diversidade
floral que observamos nas Angiospermas. Inicialmente faremos uma breve revisão sobre aspectos

93
da morfologia e anatomia do androceu, seguido da apresentação dos diferentes padrões esperados
no seu desenvolvimento, finalizando com uma breve discussão de como essas informações
contribuem para os estudos de sistemática das Angiospermas, trazendo como exemplos trabalhos
desenvolvidos com representantes da flora brasileira.

Estrutura do androceu
O androceu, como os demais órgãos florais, possui funções importantes e, consequentemente,
características que são essenciais para garantir o sucesso reprodutivo da planta. Assim, o androceu
é correspondente a parte masculina da flor, responsável pela produção dos grãos de pólen. Cada
unidade do androceu é denominada de estame, este, por sua vez, é composto de uma haste,
denominada filete, e uma antera, onde são produzidos os grãos de pólen. Na maioria das
Angiospermas, a antera possui quatro sacos polínicos arranjados em duas tecas (Fig. 2).

Fig. 2. Estrutura do androceu. À esquerda é visto um estame, formado por filete e antera. À direita é visto um corte
anatômico transversal da antera, mostrando quatro sacos polínicos organizados em duas tecas. Fonte: Fotos de E.D.
Tölke.

Muitas vezes, além da função reprodutiva, o androceu pode assumir a função de atração de
polinizadores, por apresentar formas vistosas e cores chamativas e contrastantes. Flores que
possuem estames numerosos, por exemplo, são bastante procuradas pelos visitantes florais, como
as flores de espécies de Eugenia (Myrtaceae) ou de Mimosa (Fabaceae) (Fig. 3 A). Por outro lado,
existem aquelas flores em que todos os estames, ou alguns deles, são estéreis, e por vezes são
diminutos ou não possuem grãos de pólen; estes estames são denominados de estaminódios e
94
também podem estar relacionados com a função atrativa de polinizadores (por exemplo, os
estaminódios petaloides de Canna – Cannaceae). Outra função que o androceu pode assumir é na
atração olfativa dos visitantes florais, devido a presença de glândulas que produzem perfumes, os
osmóforos. Ainda é válido citar que em algumas espécies (Decaisnea spp., por exemplo) os estames
estão envolvidos na produção do néctar, oferecendo, portanto, mais um recurso para os
polinizadores.
Apesar de ser considerado menos variável e mais simples que outros órgãos florais, a
diversidade morfológica no androceu é ampla, sendo bastante explorada do ponto de vista
taxonômico. Variações são encontradas, por exemplo, em relação ao número de estames em
comparação com o número de pétalas, sendo, portanto, a flor classificada como oligostêmone
(número de estames menor que o número de pétalas), isostêmone (número de estames igual ao
número de pétalas) (Fig. 3 B), diplostêmone (número de estames duas vezes maior que o número
de pétalas) (Fig. 1 D) e polistêmone (estames numerosos) (Fig. 3 A). Em relação à altura dos
estames, estes podem ser classificados em homodínamos, quando todos possuem a mesma altura,
ou heterodínamos, quando possuem alturas diferentes (Fig, 4 A). Os heterodínamos ainda podem
ser subdivididos em didínamos, quando a flor tem dois estames maiores e dois menores (Fig. 4 A),
ou tetradínamos, quando vemos quatro estames maiores e dois menores.

Fig. 3. Diversidade morfológica do androceu. Exemplos de androcceu polistêmone (A) e androceu isostêmone
(haplostêmone) (B). Fonte: Fotos de E.D. Tölke.

A fusão dos estames também é um evento bastante comum e importante do ponto de vista
morfológico e taxonômico. Os estames podem estar, portanto, completamente livres ou parcial- a
completamente conatos. A conação dos estames é mais comum na região basal dos filetes, muitas
vezes formando tubos estaminais, como em várias das espécies da família Meliaceae. Os estames
podem estar unidos ainda formando feixes, que pode ser único (monoadelfo) (Fig. 4 B), duplo
(diadelfo) ou múltiplo (poliadelfo). No entanto, a conação pode ocorrer também, mais raramente,
nas anteras, formando estruturas visualmente únicas, chamadas de sinânteros (por exemplo,
95
Solanaceae). Os sinânteros podem assumir formas complexas e características de algumas famílias
e/ou gêneros, tendo relação também com o modo de polinização. Adicionalmente podemos citar a
fusão dos estames à outras peças florais, fenômeno este denominado de adnação. A maioria dos
casos em que a adnação está presente, refere-se à fusão dos estames às pétalas, os chamados estames
epipétalos (por exemplo, Bignoniaceae) (Fig. 4 C). No entanto, estruturas bastante complexas
podem surgir quando androceu e gineceu estão adnatos, como nos casos das famílias Orchidaceae
e Apocynaceae (Fig. 4 D–E). Em Orchidaceae os órgãos florais masculinos e femininos,
geralmente, estão fundidos formando uma estrutura única, a coluna ou gimnostêmio, o androceu
aqui fica localizado restritamente no ápice da coluna (Fig. 4 D). Já em Apocynaceae os estames
podem estar justapostos ou adnatos à cabeça do estilete, formando uma estrutura denominada de
ginostégio (Fig. 4 E).

Fig. 4. Diversidade morfológica do androceu. (A) Androceu heterodínamo (didínamo) em Bignoniaceae. (B)
Androceu monoadelfo em Malvaceae. (C) Estame epipétalo em Bignoniaceae. (D) Coluna ou gimnostêmio em
Orchidaceae. (E) Ginostégio em Apocynaceae. Fonte: Fotos de E.D. Tölke.

Na maturidade cada teca da antera se abre ao longo de uma linha de deiscência, o estômio, e
então os grãos de pólen são liberados. Assim, outras características morfológicas importantes do
96
ponto de vista taxonômico são a deiscência das anteras (longitudinal, transversal, poricida e valvar),
a posição da deiscência das anteras (introrsa, latrorsa e extrorsa) e a inserção das anteras nos filetes
(basifixa, adnata, dorsifixa, versátil, divergente e divaricada).
De maneira geral, a antera, na maturidade, é formada por quatro estratos parietais: a epiderme,
o endotécio, a camada média e o tapete (Fig. 5). A epiderme é a camada mais externa da antera,
geralmente uniestratificada, em alguns casos pode conter tricomas (Fig. 6A) e desenvolver faixas
fibrosas como as que aparecem no endotécio. Logo abaixo da epiderme econtra-se o endotécio, que
contém espessamentos fibrosos nas paredes tangenciais internas e nas anticlinais (Fig. 5). Esse
espessamento fibroso tem função na deiscência da antera, provocando uma tensão mecânica na
direção contrária do estômio, o que causa, então a abertura para liberação dos grãos de pólen. As
células que formam o estômio não possuem espessamentos nas paredes, sendo, portanto, uma
estrutura mais frágil e susceptível à tensão imposta pelas células do endotécio. Em raros casos a
deiscência das anteras não depende do endotécio, mas apenas da epiderme. É o caso de espécies de
Miconia (Melastomataceae), em que não há estômio ou qualquer especialização e a ausência de
cutícula revestindo a epiderme é responsável pela abertura para liberação dos grãos de pólen por
meio de uma deiscência poricida.

Fig. 5. Localização dos estratos parietais da antera: epiderme, endotécio, camada média e tapete. Fonte: Ilustração
elaborada por E.D. Tölke.

A camada média encontra-se logo abaixo do endotécio e é formada por um número váriável
de camadas celulares (Fig. 5). O tapete é a camada mais interna, constituído em geral por uma única
camada de células (Fig. 5). O tapete exerce diversas funções, entre elas a nutrição do tecido
esporogênico e dos andrósporos, síntese de esporopolenina para formação da parede dos grãos de

97
pólen, produção dos orbículos (ver definição na Tabela 1), secreção de calase durante a separação
das tétrades ao final da esporogênese, síntese e liberação de materiais sobre o grão de pólen
(Pollenkitt, trifino, enzimas e proteínas de reconhecimento, ver definições na Tabela 1). O tapete
pode se apresentar de diferentes maneiras, sendo conhecidos basicamente três tipos: secretor ou
glandular, ameboidal ou plasmodial e invasivo. No tapete do tipo glandular, uma camada de células
permance circundando o lóculo, podendo ocorrer eliminação de remanescentes do protoplasto
destas células dentro da cavidade locular. No tipo ameboidal as paredes das células do tapete se
dissolvem com posterior fusão dos seus protoplastos, formando uma estrutura multinucleada. Por
fim, no tipo invasivo também há a dissolução das paredes celulares do tapete, porém não há fusão
dos protoplastos. Vale lembrar que as células do tapete não estão presentes na antera deiscente, uma
vez que essas se degeneram após a formação da esporoderme.

Tabela 1. Definições importantes acerca dos materiais liberados pelo tapete.

Termo Definição
Pollenkitt Material lipídico, flavonóides, carotenoides e
produtos da degradação de proteínas do tapete.
Orbículos (Corpúsculos Partículas de forma e tamanho variado,
de Übisch) impregnadas por esporopolenina, que revestem
a superfície interna das células do tapete
secretor.
Trifino Constituído de uma mistura de substâncias
hidrofóbicas, principalmente de natureza
protéica, derivadas da dissolução do tapete.

Em contraste com a antera, a estrutura anatômica do filete é bastante simples, formado por
tecido parenquimático e revestido por epiderme uniestratificada (Fig. 6B). Via de regra, o filete
contém apenas um feixe vascular central, que acompanha toda a sua extensão. O filete pode conter
células produtoras de substâncias, como as células taniníferas encontradas em espécies de
Anacardiaceae, canais que produzem resinas em geral, como as encontradas em espécies de
Clusiaceae, e também podem conter tricomas em sua superfície, características importantes do
ponto de vista taxonômico.

98
Fig. 6. Morfologia e anatomia do androceu. A. Estames recobertos por tricomas. B. Anatomia do filete. Fonte:
Fotos de E.D. Tölke.

Padrões básicos de desenvolvimento


Não somente a morfologia, mas também os padrões de desenvolvimento podem variar
bastante no androceu. Em relação aos padrões de iniciação, três tipos básicos são descritos na
literatura: o padrão helical ou espiralado, o padrão acropétalo (da base para o ápice) e a iniciação
simultânea, esta última é a mais comum entre as angiospermas. A iniciação ainda pode acontecer
de forma centrípeta (de fora para dentro) ou centrífuga (de dentro para fora), sendo facilmente
identificada pelos tamanhos diferentes dos estames (Fig. 7). Normalmente, os estames que surgiram
primeiro estão mais alongados que os que surgem mais tardiamente são mais curtos. Além disso, o
padrão de inciação centrípeto é mais comumente observado entre as angiospermas, de modo geral.

Fig. 7. Padrões básicos de iniciação do androceu. Fonte: Ilustração elaborada por E.D. Tölke.

A posição dos estames em relação à posição das sépalas e pétalas da flor também merece
atenção em termos de desenvolvimento floral. Os primórdios de estames são chamados de
antepétalos quando estão opostos às pétalas, e antesépalos quando estão opostos às sépalas. Em

99
flores com dois verticilos de estames, nos estádios iniciais de desenvolvimento, é possível
determinar com clareza qual dos verticilos surge primeiro e se há mudanças em sua posição ao
longo do desenvolvimento. A observação das posições relativas dos verticilos de estames também
tem importância em estudos relacionados à evolução do androceu em diversos grupos de plantas e
muitas vezes só pode ser precisamente determinado com a ajuda de estudos ontogenéticos. Assim,
os conceitos clássicos de diplostemonia e haplostemonia ganham vários desdobramentos
relacionados também ao desenvolvimento floral (Tabela 2). A diplostemonia clássica é refererida
como a configuração do androceu em que a regra de Hofmeister é observada, dada a perfeita
alternância entre os verticilos de estames e os demais na flor (Weberling, 1989). Assim, há dois
verticilos de estames, em que o verticilo externo é oposto às sépalas e o verticilo interno oposto às
pétalas. Em flores em a posição dos verticilos de estames é o contrário do esperado, é aplicado o
termo obdiplostemonia. No entanto, considerando que nem sempre é possível observar uma
distinção clara entre qual dos verticilos é mais externo ao outro, Endress (2010) propôs que para a
definição da diplo- e da obdiplostemonia deveria-se observar a posição dos carpelos em relação ao
perianto (Tabela 2). A obdiplostemonia pode ainda ser subdividida em obdiplostemonia primária,
quando os estames antepétalos iniciam primeiro e são mais externos que os antessépalos e não
mudam de posição ao longo do desenvolvimento; ou obdiplostemonia secundária, quando os
estames antesépalos surgem primeiro e são mais externos que os antepétalos e mudam de posição
ao longo do desenvolvimento. Daí a importância de se estudar a flor ontogeneticamente a fim de se
determinar precisamente as mudanças ocorridas ao longo do desenvolvimento. Variações também
são esperadas para a haplostemonia, classicamente definida como um único verticilo de estames
oposto às sépalas. No entanto, se este único verticilo de estames encontra-se oposto às pétalas, então
fala-se em obhaplostemonia.

Tabela 2. Conceitos básicos relativos à diplostemonia e obdiplostemonia segundo Ronse De Craene


e Smets (1995) e Endress (2010).

Termo Ronse de Craene e Smets (1995) Endress (2010)


Diplostemonia Configuração do androceu com dois Flores com dois verticilos de estames,
verticilos de estames, com o nos quais os carpelos são
verticilo externo oposto às sépalas, e antessépalos.
o verticilo interno oposto às pétalas.
Obdiplostemonia Configuração do androceu com dois Flores com dois verticilos de estames,
verticilos de estames, com o nos quais os carpelos são antepétalos.

100
verticilo externo oposto às pétalas, e
o verticilo interno oposto às sépalas.

Durante o desenvolvimento do androceu, as anteras então se diferenciam primeiro seguido


do alongamento dos filetes. O início da diferenciação do primórdio estaminal segue um padrão
semelhante ao que ocorre nas pétalas. O primórdio estaminal tem uma esrutura de túnica e corpo,
formada por uma camada unisseriada de protoderme recobrindo o domo (Fig. 8).

Fig. 8. Etapas na diferenciação das anteras. Fonte: Ilustração elaborada por E.D. Tölke.

Inicialmente ocorre o alongamento celular, seguido de divisões periclinais nas camadas L2 e


L3 (eudicotiledôneas) ou L1 e L2 (monocotiledôneas). A seguir ocorrem divisões e aumento no
volume celular das células ao redor com posteriores divisões anticlinais na protoderme. Assim,
incialmente há formação de um tecido fértil e da camada parietal primária (camada estéril
subepidérmica). A camada parietal primária passa então por divisões periclinais, dando origem ao
estrato parietal secundário externo e secundário interno. São esses dois estratos que são origem ao
endotécio, à camada média e ao tapete. Dependendo do grupo de plantas, diferentes tipos de
formação dos estratos parietais podem ocorrer (Tabela 3). O tecido fértil, por sua vez, forma o
arquespório ou tecido esporogênico (Fig. 8), os quais por divisão meiótica formam as células-mãe
de andrósporos, que produzirão os grãos de pólen.

Tabela 3. Tipos de formação dos estratos parietais do esporângio.

Tipo Camada pariental secundária Camada parietal secundária


externa interna
Básico Origina o endotécio e a camada média Origina a camada média interna e o
externa. tapete.
Dicotiledôneo Origina o endotécio e a camada Origina o tapete.
média.
Monocotiledôneo Origina o endotécio. Origina a camada média e o tapete.

101
Reduzido* Origina o endotécio. Origina o tapete.
* No tipo reduzido a camada média é ausente.

Variações na morfologia do androceu e sua relação com a sistemática


Estruturalmente o androceu apresenta características bem conservativas, como já
mencionamos anteriormente. Apesar disso, existe uma infinidade de características anatômicas e
morfológicas que podem ser potencialmente utilizados em estudos voltados para a sistemática e
evolução. Dessa maneira, análises envolvendo grupos de espécies pertencentes a uma mesma
família, ou até mesmo em níveis mais amplos, como as famílias pertencentes à determinadas
ordens, podem revelar sinapomorfias do grupo em questão, bem como diferentes caminhos
evolutivos. Tudo isso, aliado com os estudos de desenvolvimento, nos permite estabelecer quais
características morfológicas ou anatômicas foram importantes nos processos de diversificação.
Uma característica do androceu bem particular e incomum na natureza é representada pelo
androceu contendo anteras poliesporangiadas (com numerosos esporângios), reportada para várias
famílias de Angiospermas, entre elas a família Melastomataceae e Clusiaceae. As anteras
poliesporangiadas podem possuir uma organização ateca, que é encontrada, por exemplo, em
espécies de Clusia (seção Polythecandra, Clusiaceae). As flores dessas espécies apresentam
estames com filetes curtos e grossos e anteras com numerosos lóculos sem organização tecal e
recobertas por resina. Quando as abelhas tentam remover a resina, a antera inteira se desprende do
resto do estame, um mecanismo único. Em contraste, em espécies também de Clusia, porém de
uma seção diferente (seção Cordylandra), os estames apesar de também apresentarem filetes
bastante curtos, têm uma organização tecal nas anteras. Este pequeno exemplo mostra uma grande
diferença na organização das anteras nas duas seções de Clusia, que além de ter importância
sistemática, é um indicatico de que as anteras multiloculadas evoluíram independentemente nestes
dois grupos. As anteras poliesporangiadas, frequentemente, possuem ainda uma organização diteca,
com septos transversais e às vezes também longitudinais de tecido estéril, dividindo os quatro sacos
polínicos em numerosos esporângios. Este tipo de organização é bastante frequente em espécies de
Melastomataceae. Estudos evolutivos que incluem espécies dessa família, indicam que apesar de
seu ancestral comum não possuir anteras poliesporangiadas, a transição para este estado de caráter
ocorreu diversas vezes na família e pode ocorrer sem mudanças nos polinizadores e não é uma
condição exclusisa de espécies polinizadas por zumbido (“buzz-pollination”).
Vale a pena ainda mencionar casos em que ocorre heteranteria, ou seja, quando dois
diferentes tipos de anteras ocorrem na mesma flor. Geralmente um dos tipos é críptico e contém os
grãos de pólen férteis, que serão carregados pelos polinizadores, enquanto que o outro tipo é
visualmente atrativo e contém grãos de pólen férteis ou inférteis, ou até mesmo sua completa
102
ausência. A heteranteria tem se mostrado como uma estratégia eficaz na economia do pólen, pois
embora os dois tipos de anteras possam apresentar alta porcentagem de grãos viáveis, as anteras
visualmente atrativas apresentam significativamente menos grãos de pólen, indicando que a planta
estrategicamente reserva a maior parte do pólen para a reprodução sexuada. Menos comumente,
um terceiro tipo de anteras ainda pode estar presente. A heteranteria é relatada para 12 ordens de
Angiospermas e está filogeneticamente associada à ausência de nectários florais, polinização por
zumbido e enantiostilia (flores em imagem de espelho). Por se apresentar de diferentes formas
(formato, cor e/ou tamanho das anteras), é muito provável que esta característica do androceu tenha
evoluído independentemente ao longo da história das plantas com flores. Este fenômeno pode ser
encontrado em várias das famílias da nossa flora, entre elas Commelinaceae, Solanaceae,
Melastomataceae, Fabaceae e Lecythidaceae.
Variações heterocrônicas podem ser ainda consideradas como o principal mecanismo da
diversidade organizacional do androceu, como o que ocorre por exemplo em espécies de Eugenia
(Myrtaceae). Foi demonstrado que a taxa de desenvolvimento inicial do hipanto afeta o diâmetro
final do receptáculo floral e consequentemente do número de estames formados. Mudanças na
configuração dos estames são considerados de extrema importância, uma vez que podem afetar as
estratégias e o sucesso reprodutivo de várias espécies. Em Myrtaceae, por exemplo, o grande
número de estames nas flores é o principal agente na atração de polinizadores, portanto, alterações
no número de estames podem resultar em variações no modo de polinização. Flores menores com
menos estames sofrem maturação mais rápida da antera, sugerindo que toda a flor pode ter uma
taxa de desenvolvimento mais rápida, com consequências para fenologia de floração.

Referências
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Weberling F. 1989. Morphology of flowers and inflorescences. Cambridge: Cambridge University
Press, 405 p.

104
CAPÍTULO 8

Sweet sensations: mecanismo de percepção e controle de açúcares em plantas


Lauana Pereira de Oliveira (Universidade de São Paulo)
João Pedro de Jesus Pereira (Universidade de São Paulo)
Bruno Viana Navarro (Universidade de São Paulo)
Marina Câmara Mattos Martins Soldi (Universidade de São Paulo)

Introdução
Os açúcares constituem moléculas importantes para o metabolismo dos seres vivos, uma vez
que desempenham um papel essencial nos processos celulares mais intrínsecos. Mudanças sutis em
suas concentrações podem afetar não apenas o estado metabólico, mas também a expressão gênica, o
acúmulo e a mobilização de reservas e crescimento e desenvolvimento. Para organismos
fotossintetizantes, os açúcares ainda possuem um papel mais especial, já que estes são o produto
direto da fotossíntese e necessitam de uma rede de regulação complexa que direcione os mecanismos
de distribuição do carbono entre os órgãos fonte (que disponibilizam e exportam fotoassimilados, ex:
folhas maduras) e dreno (que importam esses fotoassimilados, ex: raízes).
As plantas são organismos sésseis e um fator crucial para seu crescimento e sobrevivência é
sua capacidade de perceber e responder à disponibilidade de recursos, acionando respostas internas,
as quais são influenciadas por fatores ambientais. Esse direcionamento é primordialmente feito à nível
metabólico, por meio de cascatas de sinalização que conectam as diversas camadas de regulação
celular (transcritos, proteínas e metabólitos). Neste contexto, os açúcares atuam como moléculas
sensores da disponibilidade energética celular frente às variações ambientais, condições fisiológicas
intrínsecas e metabolismo celular. Especialmente para a dinâmica entre tecidos fonte e dreno, os
açúcares desempenham um papel de reguladores capazes de alterar a expressão de vários genes de
acordo com seus níveis na planta.
As respostas que determinam quando crescer, assimilar, armazenar nutrientes e reciclar as
reservas são direcionadas por coordenadores centrais do desenvolvimento das plantas. Em eucariotos,
várias redes de sinalização interconectadas, envolvidas na detecção e sinalização de açúcar, percebem
a disponibilidade de nutrientes e direcionam o crescimento e os padrões metabólicos.

Sensores de açúcares em plantas


Na literatura, diferentes tipos de sensores e sinais de açúcares são descritos. Entre eles, as
proteínas quinases Hexokinase, Target of rapamycin e Sucrose non-fermenting- related protein
105
kinase1, além do metabólito trehalose-6-phosphate, conectam os níveis de açúcar à expressão de
genes e modificações pós-traducionais de proteínas relacionados ao metabolismo primário. Nas
seções a seguir, as vias de sinalização e sensoriamento de açúcares em plantas serão descritas e seus
papéis mais característicos serão explorados.

Hexokinase (HXK)
As HXKs são uma classe de enzimas do metabolismo central de açúcares que promovem a
fosforilação de hexoses (açúcares de seis carbonos). A atividade dessa proteína, por sua vez, mostra-
se dependente tanto da coenzima adenosina trifosfato (ATP), para realizar a transferência de fosfato
para açúcares de seis carbonos, bem como do cofator Mg2+. Apesar de fosforilar várias hexoses, o
sítio de ligação da HXK apresenta maior afinidade com moléculas de glicose (Glc) em razão da
melhor estabilização deste substrato pelos resíduos de aminoácido do sítio catalítico.
As hexoses são geralmente fosforiladas em seu último carbono, sendo o produto da reação
indicado pelo seu nome acompanhado do número do carbono fosforilado seguido da palavra fosfato,
por exemplo, glicose-6-fosfato (G6P) (Fig. 1). Do ponto de vista químico, a reação de fosforilação
apresenta diversas vantagens biológicas visto ser um processo exergônico (praticamente irreversível
em condições fisiológicas), possibilita a retenção da molécula de açúcar dentro das células por
impedir sua passagem pela membrana plasmática bem como aumenta a probabilidade de ligação entre
substrato e enzima.

Fig. 1. Atividade de fosforilação da glicose pela hexokinase. Fonte: Elaborada pelos autores.

No reino vegetal o produto direto da fotossíntese são esqueletos de carbono de açúcares que
são prontamente alocados para outros órgãos e tecidos vegetais. Como se deve imaginar, existe
naturalmente uma heterogeneidade quanto a concentração dos diversos tipos de açúcares em
diferentes compartimentos celulares e estas diferenças ficam mais ou menos evidentes dependendo
da etapa de desenvolvimento vegetal bem como dos reflexos das condições ambientais. Frente a isso,

106
há uma complexa rede de sinalização e percepção de açúcares com diversos pontos de regulação,
sendo uma delas a via glicolítica.
A atividade das HXKs é a primeira etapa catalítica à internalização da Glc extracelular de
maneira que se apresenta como um ponto de controle do fluxo de entrada deste açúcar. Do ponto de
vista bioquímico, a G6P é uma molécula chave, podendo ser substrato tanto para a via das pentoses,
síntese de amido, ácidos graxos, nucleotídeos, bem como de parede celular. Muitas abordagens
experimentais demonstraram que a Glc tem um efeito ativo sobre a expressão de diversos genes do
metabolismo de açúcar, principalmente aqueles que codificam fatores de transcrição. Alguns autores
mostraram em seus trabalhos que, quando em altas concentrações de Glc, costuma-se associar a
função do sensor HXK sobre a repressão de genes fotossintéticos em razão do alto custo energético
para manter a maquinaria proteica celular. Consequentemente, há o aumento na taxa de degradação
de amido bem como um aumento na expressão de genes do metabolismo secundário.
Partindo do princípio que a abundância de Glc também é percebida como um alto estado de
nutrientes e energia, a atividade da HXK não afeta apenas a sequência de reações da glicólise, mas
também interfere na via de sinalização do complexo proteico “Target of rapamycin” (TOR). A via
TOR, por sua vez, é induzida pelos intermediários metabólicos da glicólise indicando uma íntima
conexão para com a catálise de hexoses por HXK. Entretanto, estudos avançados ainda são
necessários para elucidar a conexão entre a sinalização Glc pela via glicolítica (dependente da
atividade de HXK) e a via de TOR.

Target of rapamycin (TOR)


Todos os organismos vivos precisam de mecanismos para detectar nutrientes e condições
favoráveis que os permitem crescer e se desenvolver. A TOR é uma proteína quinase que compõe
uma das vias regulatórias mais centrais e conservadas dentre os mecanismos de sensoriamento de
açúcares. Ela conecta o crescimento celular com disponibilidade de nutrientes, status energético e
vias hormonais. Quando essas condições são favoráveis, TOR é ativado e aciona processos que
impulsionam o crescimento enquanto reprime processos catabólicos, mas quando os nutrientes são
limitados ou estresses ambientais estão presentes, o TOR é inativado.
A TOR não age sozinha, ela compõe dois complexos multiproteicos, o TORC1 e TORC2. O
TORC1 é formado pela própria TOR, pela proteína “small lethal with SEC13 protein 8” (LST8) e
pela “regulatory associated protein of TOR” (RAPTOR). Por outro lado, o TORC2 é composto pela
TOR, LST8, “rapamycin insensitive companion of TOR/AVO3” (RICTOR) e “SAPK-interacting
protein 1/AVO1” (SIN1) (Fig. 2). Além das diferenças nos componentes dos complexos, existem
diferenças na sensibilidade à droga rapamicina e nos processos celulares que eles afetam.

107
O TORC1 em leveduras e mamíferos tem sua atividade de fosforilação bloqueada pela
rapamicina, um antibiótico produzido pela bactéria Streptomyces hygroscopicus, causando
interrupção da divisão celular e inibição do crescimento. Para a droga agir, é necessário a formação
de um complexo ternário com TOR e uma segunda proteína de ligação, a “FK506-binding protein
12” (FKBP12). Através dessa inibição, principalmente em leveduras e mamíferos, estudos
demonstraram que quando TORC1 está ativo ele está envolvido com diversos processos conservados
como proliferação celular, tradução de proteínas, ciclo celular e embriogênese. O TORC2 é insensível
à rapamicina e regula processos como sobrevivência celular, metabolismo de glicose, pressão de
turgor e migração celular. A maioria dessas descobertas e o interesse na via TORC foi motivada pelo
fato de que modificações na sua atividade quinase podem causar diferentes tipos de cânceres.
Consequentemente, a rapamicina que atua inibindo a proteína TOR, é utilizada como base nos
tratamentos, como na quimioterapia.

Fig. 2. Complexos proteicos TORC1 com rapamcina (a) e TORC2 (b). Fonte: Elaborada pelos autores.

Devido a sua característica séssil, as plantas tem seu crescimento e desenvolvimento


controlados por redes de sinalização que respondem a sinais endógenos e exógenos e conferem
plasticidade para se ajustar a um ambiente que está sempre mudando. Intensidade de luz,
disponibilidade de nutrientes, fitormônios, patógenos, estresses hídricos e térmicos são alguns dos
inúmeros sinais ou restrições aos quais elas estão sujeitas. E assim como para os outros organismos,
o complexo sinalizador TOR é uma via central que concecta todos esses fatores.
Nestes organismos, até o momento, apenas ortólogos do TORC1 foram identificados. A
ausência dos componentes do TORC2 gerou algumas hipóteses, uma delas é que certos processos
podem ser controlados por outras proteínas não conectadas diretamante a via TOR ou que plantas
podem regular os mesmos processos controlados por TORC2 (como pressão de turgor) através de um
novo complexo de proteínas ainda não descoberto. O que se sabe da sinalização de TORC1 em plantas
está atrás do que ocorre em algas, leveduras e mamíferos, pois, mesmo com os estudos mais recentes
a sua função ainda não foi totalmente elucidada. Um dos motivos para este cenário, é que mutações
que inativam TOR em Arabidopsis thaliana é letal em estágio inicial de desenvolvimento, o que por
108
um lado aponta que TOR desempenha um papel essencial no desenvolvimento do embrião e por outro
dificulta estudos funcionais relacionados a TOR ao longo do desenvolvimento. Além disso, em
plantas, a sensibilidade a rapamicina é alterada somente em concentrações extremamente altas ou
frente à superexpressão heteróloga da FKBP12 de levedura que gera um fenótipo de inibição de
divisão celular e de crescimento. Esta insensibilidade é devido a alterações em aminoácidos da
proteína FKBP12, essenciais para a formação do complexo ternário com a rapamicina e sua
estabilidade.
A manipulação genética de componentes de TORC1 revelou uma ampla gama de mudanças
em genes e metabólitos do metabolismo primário e secundário. Além disso, tratamentos com outros
inibidores mostrou tilacóides estruturalmente alterados, refletindo em alterações na capacidade de
realizar a fotossíntese e consequentemente no seu crescimento. Tomados em conjunto, esses
resultados evidenciam que a via TOR pode influenciar na cascata de sinalização e alterar o
crescimento e desenvolvimento das plantas.
Para determinar quando deve crescer ou não, as plantas possuem uma complexa rede
sinalizadora conectada aos sinais ambientais e a outros fatores. No centro desta rede está a associação
de duas quinases com funções amplamente antagônicas que sensoriam nutrientes e respostas ao
estresse e crescimento: “sucrose-non-fermenting related protein kinase 1” (SnRK1) e TOR. SnRK1
é ativada sob condições de estresse e baixo teor de açúcar e promove estratégias de economia de
energia através da repressão de processos anabólicos que consomem energia e crescimento e TORC
é ativado em resposta à disponibilidade de carbono e nutrientes para promover crescimento. Em A.
thaliana SnRK1 interage com o TORC1 e inibe sua atividade por fosforilação da proteína RAPTOR,
trade-off que contribui com a partição de carbono na planta através de mecanimos moleculares não
totalmente compreendidos.

Sucrose-non-fermenting related protein kinase 1 (SnRK1)


O crescimento e desenvolvimento das plantas são sustentados por processos como a
fotossíntese, a qual converte luz em energia química na forma de açúcares. Além de desempenharem
um papel metabólico importante, estes mesmos açúcares também atuam como moléculas
sinalizadoras, coordenando a sua própria produção, distribuição e armazenamento. Como já
mencionado, em condições fisiológicas, ambientais e nutricionais ideais, os mecanismos de
percepção e sinalização mediado por açúcares encontram-se direcionados para respostas anabólicas,
principalmente mediados por TOR, desencadeando cascatas de respostas para o crescimento e
desenvolvimento. Contudo, em condições de estresse, sejam elas determinadas por privação
nutricional ou respostas ambientais adversas, a sinalização mediada por açúcares limita severamente
o crescimento da planta e/ou a produtividade das cultivares. No centro desta regulação encontra-se a
109
proteína quinase SnRK1 a qual é o ortólogo em plantas das enzimas “Sucrose non-fermenting1”
(SNF1) de leveduras, e “AMP-activated protein kinase” (AMPK) de mamíferos.
A SnRK1 é a quinase antagonista a TOR, as quais ambas agem em balanço, direcionando
respostas metabólicas conjuntamente. A partir de um mecanismo similar à SNF1 e AMPK, SnRK1
sofre ativação quando os níveis de energia diminuem, desencadeando grandes mudanças metabólicas
e transcricionais que promovem a tolerância ao estresse e a sobrevivência.
A SnRK1 apresenta uma notável conservação e semelhança estrutural com as quinases SNF1
e AMPK. Todas essas quinases funcionam como complexos heterotriméricos (ou seja, possuem três
cadeias polipeptídicas), compostos por uma subunidade α que desempenha papel catalítico (quinase),
e duas subunidades regulatórias, β e γ, que são necessárias para estabilidade, especificidade de
substrato, localização e atividade (Fig. 3). Além da composição de subunidades do complexo, a
SnRK1 também pode ter sua atividade controlada por regulações proteicas dadas por modificações
pós-traducionais, como fosforilação e ubiquitinação, todas ativadas por respostas ao estresse
energético. Os açúcares também são conhecidos reguladores da SnRK1. Os açúcares fosforilados
“trehalose-6-phosphate” (T6P), G6P e glicose-1-fosfato (G1P) tem um efeito inibitório na atividade
de SnRK1, primordialmente em tecidos juvenis.
Os primeiros trabalhos com SnRK1 sugeriram um papel conservado e ancestral no controle
metabólico através da fosforilação enzimática e regulação da transcrição, suportado pelos fenótipos
de plantas com uma via alterada para SnRK1. Além da regulação enzimática direta, a SnRK1 também
é capaz de controlar a homeostase energética via reprogramação transcricional, sobretudo agindo
sobre fatores de transcrição do tipo bZIP, os quais interagem com o DNA e regulam processos
diversos envolvidos no crescimento e desenvolvimento vegetal.
Um papel central da SnRK1 envolve a regulação do metabolismo de amido. De fato, a
repressão de SnRK1 diminui o acúmulo de amido em embriões de ervilha em maturação, enquanto a
expressão de SnRK1 se correlaciona positivamente com o conteúdo de amido em tubérculos de batata
e pólen de cevada. No musgo Physcomitrella patens, a depleção de SnRK1 prejudica o acúmulo de
amido e o crescimento em um ciclo diuturno, sendo o mutante viável apenas se cultivado sob
iluminação constante ou com suprimento de açúcar exógeno. Em contraste, em A. thaliana, a redução
do acúmulo de amido foi relatada para plantas com superexpressão de SnRK1. De fato, a depleção
total de SnRK1 é letal em plantas superiores.
De forma geral, a SnRK1 parece promover, de um lado a degradação do amido e,
consequentemente, a disponibilidade de carbono nos tecidos fonte (folhas de A. thaliana e
endosperma de sementes de cereais em germinação) e, por outro lado, a síntese de amido e partição
de nutrientes para armazenamentos de longo prazo em tecidos dreno (pólen de cevada, tubérculos de
batata e sementes de ervilha). A base molecular de tal resultado diferencial da atividade de SnRK1
110
em diferentes órgãos e tipos de células ainda não foi esclarecida, mas é provável que envolva
diferenças na composição do complexo SnRK1 e, consequentemente, diferenças na maneira como é
regulado e ele controla os processos de sinalização em cascata.
Muitos dos processos metabólicos regulados pela SnRK1 são altamente relevantes para o
desempenho das plantas em geral, especialmente de culturas agrícolas, em um clima cada vez mais
propenso a variações drásticas. Uma compreensão detalhada de como a SnRK1 opera pode ser
essencial para a manipulação direcionada desses processos e, consequentemente, para a compreensão
da diversidade de papéis que os sinais de açúcar desempenham no crescimento e desenvolvimento
das plantas.

Fig. 3. Sumarização do mecanismo de ação do complexo heterotrimérico SnRK1. O complexo SnRK1 é formado por
uma subunidade catalítica (α) que desempenha papel de quinase, e duas subunidades regulatórias, β e β γ. A SnRK1
responde à cenários de estresse e privação nutrional, direcionando respostas, tanto via regulação enzimática como a
partir do controle da transcrição, com a finalidade de inibir o crescimento e desenvolvimento vegetal. Fonte: Elaborada
pelos autores.

Trehalose-6-Phosphate (T6P)
Ao contrário dos outros sensores mencionados acima, a T6P é um metabólito derivado da via
do açúcar não redutor trealose, amplamente distribuído em organismos procariotos e eucariotos. O
metabolismo de trealose parece ser universal no reino vegetal e possuiu origem ancestral. Embora
existam muitas vias de síntese de trealose, a única encontrada em plantas envolve a ação coordenada
de duas enzimas e o intermediário T6P. Primeiramente, a trealose fosfato sintase (TPS) catalisa a
transferência da glicose da UDP-glicose para a glicose-6-fosfato produzindo T6P e uridina difosfato
(UDP). Então a trealose fosfato fosfatase (TPP) desfosforila a T6P para formar trealose e fosfato
inorgânico (Fig. 4). Ambas enzimas são codificadas por famílias multigênicas. Em A. thaliana 11
genes (AtTPS1-11) codificam proteínas TPS e 10 genes (AtTPPA-J) codificam TPP. A maioria das
111
isoformas de TPS apresenta função regulatória ao invés de catalítica e sua expressão responde
rapidamente aos níveis de açúcares e ciclo diuturno. Em contraste, todas as isoformas de TPP são
catalíticas e sua expressão responde fortemente às mudanças ambientais e estresses abióticos como
frio, seca, hipóxia e disponibilidade de nitrato. A hidrólise de trealose em duas moléculas de glicose
ocorre pela enzima trealase, codificada por um único gene (AtTRE).

Fig. 4. Metabolismo de trealose em plantas. Fonte: Elaborada pelos autores.

Em algas e plantas não-vasculares, a trealose apresenta uma função importante na


osmoregulação e proteção a estresses abióticos, mas na maioria das plantas superiores sua função
ainda é incerta. Os níveis de trealose são geralmente muito baixos para conferir uma contribuição
como açúcar de reserva ou transporte, sendo que estas funções já são realizadas pela sacarose.
Entretanto, o metabolismo de trealose é essencial em plantas, com a perda da atividade catalítica de
TPS sendo letal ao embrião e afetando severamente o crescimento e desenvolvimento vegetal. A
perda de isoformas específicas de TPP também afeta a morfologia das plantas, assim como a
superexpressão constitutiva de TPS ou TPP. Em conjunto, os fenótipos opostos da modulação da
atividade de TPS e TPP em plantas transgênicas confirmam que tais alterações se devem às mudanças
nos níveis de T6P ao invés da trealose propriamente dita.
Atualmente, a maioria das pesquisas neste tema procura desvendar a função de T6P em
plantas. Os níveis de T6P mudam de acordo e especificamente com o conteúdo de sacarose em folhas
ao longo do ciclo diuturno. Assim, este açúcar é considerado tanto um sinalizador dos níveis de
sacarose como um regulador de sua produção, propiciando uma homeostase similar ao controle da
Glc pela insulina no sangue de animais. Os níveis de T6P propiciam informação sobre o status
metabólico da planta, que integrado a outros sinais endógenos (como fitormônios) e ambientais
controlam o desenvolvimento vegetal. A sensibilidade e resposta mediada pela T6P é flexível e
ajustada para atender às demandas de tecidos individuais e estágios de desenvolvimento. As
transições de desenvolvimento comprometem a planta a uma nova fase de crescimento na qual o
consumo de sacarose e outras reservas será direcionado para um fim específico (germinação da

112
semente, transição juvenil-adulto, floração, crescimento de novos ramos, produção de sementes, etc).
Diversos estudos confirmam que a T6P é um fator regulador destas transições.
O controle temporal e induzido de mudanças nos níveis de T6P em plantas transgênicas
mostrou que seu aumento modifica a partição de fotoassimilados, com menos quantidade de carbono
direcionado à síntese de sacarose e mais carbono utilizado para a síntese de ácidos orgânicos e
aminoácidos. Além disso, estas plantas possuem uma inibição da degradação das reservas de amido
ao longo do período noturno, essencial para manter as atividades metabólicas e o crescimento.
Interessantemente, algumas interações entre T6P e a SnRK1 foram demonstradas. SnRK1
fosforila diretamente algumas isoformas de TPS e os níveis de T6P podem inibir sua atividade em
tecidos em desenvolvimento. Portanto, SnRK1é tanto um alvo da T6P quanto um regulador de sua
quantidade em células vegetais. Tais achados revelam interações importantes entre as vias e sensores
de açúcares e aumentam a complexidade da rede de mecanismos regulatórios que coordenam o
crescimento vegetal e o metabolismo.

Conclusões
Nos últimos anos, uma evolução importante foi feita na identificação de vias reguladoras de
crescimento das plantas. Algumas dessas vias percebem a disponibilidade e sinais metabólicos
derivados dos açúcares e desencadeiam outros processos celulares. Os sensores de açúcares
mencionados acima podem se relacionar diretamente ou indiretamente entre si, com outras vias, com
as varáveis ambientais e formar complexas redes de sinalização que são extremamente relevantes
para o desenvolvimento das plantas.
Essas vias promovem ou inibem o crescimento através de uma rede de sinalização descrita
resumidamente na Figura 5. As que promovem o crescimento são os sensores de glicose (HXK), a
T6P e o TORC1 enquanto a SnRK1 inibe. HXK está envolvida com sinalização de hormônios
vegetais ao mesmo tempo que a T6P age como um sinal de disponibilidade de sacarose e também
orquestra mudanças no fluxo de carbono alterando a síntese transitória do amido para compensar a
concentração de fotoassimilados e a demanda energética da planta. TORC1 e SnRK1 atuam de forma
antagônica, TORC1 é ativado em condições favoráveis de disponibilidade de nutrientes, aminoácidos
e fatores de crescimento. Nestas condições ele age inativando SnRK1 e estimulará o crescimento. Em
condições de estresses ou de limitações, SnRK1 fica ativa e inibe processos que demandam energia,
como crescimento e desenvolvimento.
As vias de sinalização mencionadas neste capítulo estão envolvidas em muitos processos
biológicos e interagem com outras vias importantes, características que as tornam alvo de estratégias
de melhoramento. Apesar disso, este campo está apenas começando a ser explorado e certamente
muitos pontos que conectam essas vias ao processo de desenvolvimento e as respostas às questões
113
ambientais nas plantas ainda precisam ser estudados. Conhecer os mecanismos que sustentam a
sinalização e regulação da HXK, TORC1, SnRK1 e T6P em plantas é essencial para a compreensão
das complexas redes que regulam o crescimento e a forma em que a planta lida com os estresses.
Ressaltamos as implicações do conhecimento destas vias para a melhoria de culturas no contexto de
mudanças climáticas (como culturas utilizadas para a produção de biocombustíveis), tanto quanto
para produção de alimentos (resistência a estresses que as culturas brasileiras enfrentam) promovendo
atitudes mais sustentáveis diante do crescimento populacional.

Fig. 5. Visão geral dos mecanismos reguladores de crescimento envolvidos na detecção e sinalização do status do
carbono e suas interações. Fonte: Elaborada pelos autores.

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117
CAPÍTULO 9

Os benefícios dos Sistemas Agroflorestais para o solo


Marcos Marchesi da Silva (Universidade de São Paulo)
Thiago lino Silveira (Faculdade Tecnológica de Capão Bonito)

Revolução verde
A Revolução Verde foi um processo histórico na agricultura cujo um dos principais objetivos
era trazer maior modernização para esse setor, com elevação produção e erradicação da fome mundial
que teve início marcante após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Segundo Rosa (1998), com o
fim da Segunda Guerra Mundial, muitas indústrias químicas que produziam e abasteciam a indústria
bélica norte-americana começaram a produzir e incentivar o uso de agrotóxico como herbicidas,
fungicidas, inseticidas e fertilizantes químicos na produção agrícola para eliminar fungos, insetos e
ervas daninhas. Neste mesmo período a mecanização no campo ganhava força e a construção e adoção
de maquinário pesado, como tratores, colheitadeiras e implementos agrícolas, estariam presentes na
rotina do campo. O novo modelo de agrícola baseou-se na intensa utilização de sementes melhoradas,
insumos industriais, mecanização e diminuição no ‘‘custo’’ do manejo, além do uso extensivo de
tecnologias no plantio, na irrigação e no gerenciamento da produção, que tinham como objetivo
eliminar a fome no mundo, sendo elaborada a denominada Revolução Verde.
No Brasil, quando foi introduzida a modernização do campo foram criadas políticas públicas
para a adoção do novo modelo por parte dos agricultores. Entre elas, pode-se citar o crédito subsidiado
atrelado à compra de insumos como agrotóxicos, adubos e criação de instituições como a EMBRAPA
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e a EMBRATER (Empresa Brasileiras de Terras)
com intuito de dar suporte para as novas tecnologias. Com isso, houve a criação de órgãos de
pesquisas nacionais e estaduais para dar suporte ao modelo, incentivo ao treinamento no exterior para
professores das faculdades de agronomia e a criação de um serviço de extensão rural para levar a
tecnologia até o agricultor que tivesse condição de manter esse pacote tecnológico.
Para Bacha (2004), o conjunto de políticas que fortaleceram o setor agrícola na década de
1970 começou a ser estruturado ainda no final da década anterior, através da determinação de algumas
medidas governamentais, tendo como instrumento dessa ação a criação de políticas de crédito rural
com preços mínimos, desvalorização cambial, ampliação da rede rodoviária brasileira, além de
investimentos em pesquisa e extensão rural. De acordo com Gonçalves Neto (1997), durante a década
de 60, houve um embate político sobre o modelo de desenvolvimento rural brasileiro sendo alicerçado
sobre dois pilares. O primeiro deles está relacionado com a questão da reforma agrária, sob o

118
argumento de que tal instrumento consentiria aos trabalhadores maior acesso ao fator de produção
terra. O segundo, refere-se a outra linha de análise, da questão que consistia no raciocínio da
modernização da agricultura voltada especialmente para o desenvolvimento do complexo urbano-
industrial por meio do crescimento incremental do quantitativo produtivo, concebido por
investimentos em tecnologia agrícola e efetivado pela adoção do uso de fertilizantes, agrotóxicos,
mecanização e orientação técnica.
A Revolução Verde não resolveu o problema nutricional e muito menos da fome, no Brasil,
foi marcada pelo aumento da concentração fundiária, dependência de sementes modificadas, insumos
e maquinários que inviabilizaram a produção dos pequenos agricultores que não tinham recursos
financeiros ou não estavam inseridos nos atuais moldes de produção. Assim, os pequenos agricultores
começaram a encontrar dificuldade em produzir e muitos acabaram vendendo suas terras e tentando
a vida na cidade. Para Abramovay (2000), as principais razões que levaram ao êxodo rural foram “os
subsídios, os incentivos econômicos e o aparato institucional mobilizado para estimular a adoção de
técnicas produtivas e culturas altamente poupadoras de mão de obra”.
Contudo, os problemas gerados pela modernização da agricultura não se limitam apenas ao
âmbito social e econômico, mas também aos impactos ambientais gerados por tais pacotes
tecnológicos que proporcionaram maior erosão genética, extinção de espécies tantos vegetais como
animais, desmatamento desenfreado para produção agropecuária, erosão do solo, contaminação dos
recursos hídrico e o uso compulsivo de fontes não renováveis. Além disso, Conforme Penteado
(2012), os agricultores ficaram dependentes das multinacionais e, em alguns casos, cada vez mais
endividados na busca de obter todos os aparatos tecnológicos necessários em substituição da mão de
obra e da necessidade de aumentar o uso de agrotóxicos, pois o solo tornou-se cada vez mais pobre
pelo seu uso desordenado e gasto causado pelo manejo da agricultura convencional.

Agricultura convencional e seus malefícios para o meio ambiente


A agricultura no Brasil e no mundo passou por algumas revoluções que iam contra os ciclos
naturais visando a produção em qualquer época do ano e otimizando a mão de obra do trabalhador no
campo. A agricultura convencional que conhecemos nos dias de hoje e suas técnicas produtivas
surgiram ao longo do século XIX, sendo conhecidas como a Segunda revolução agrícola ou em outras
palavras a Revolução Verde, trazendo diversas problemáticas ao meio ambiente, levando a
degradação do meio natural e criando uma situação insustentável.
Contudo, as desmazelas a respeito destas novas práticas começavam a manifestar-se nos
países que adotaram o modo intensivo de cultivo, já sendo as consequências perceptíveis naquela
época, o que não foi diferente no Brasil. O aumento na produção de alimentos estava diretamente
ligado aos impactos ambientais e a redução da biodiversidade, elevando as emissões de gases de
119
efeito estufa (GEE), dependência de combustíveis fósseis, encrostamento e formação de lajes duras
subsuperficiais, aumento da temperatura do solo, erosões e enchentes, lixiviação de fertilizantes,
eutrofização e poluição dos recursos hídricos e emissões de óxido nitroso.
Para Primavesiv (2001), por mais inovador que o modelo implantado pela “Revolução Verde”
pareça ser, que inicialmente elevaram e contribuíram para recordes na produção agrícola e reduziram
a pressão sobre o desmatamento, ao longo do tempo não demonstrou ser um modelo sustentável. O
modelo convencional de agricultura requer um grande consumo de recursos externos, tornando-o
inviável e caro para a agricultura familiar, causando a dependência dos insumos e esgotamentos dos
recursos naturais. De maneira contraditória, os milhões de hectares plantados no Brasil com o modelo
da monocultura e pastagens trouxeram ao país o título de potência mundial na exportação de produtos
agrícolas, mas também, somos os maiores consumidores de agrotóxicos no mundo e infelizmente um
dos líderes de desmatamento.
Em questão da vida humana, estudos apontam que o uso de agrotóxico está gerando diversos
problemas à saúde, algumas doenças como: anomalias congênitas, câncer, doenças mentais,
disfunções na reprodutividade e entre outras anomalias podem ser relacionadas ao consumo de
alimento com veneno, sendo detectado através de amostras sanguíneas e de leite materno, os quais
continham substâncias nocivas à saúde humana.
Antes mesmo da década de 70, discussões em relação entre o meio ambiente e
desenvolvimento já eram feitas, questionando-se se tal modelo de produção por ter caráter predatório
e imediatista seria interessante a longo prazo. Foi a partir daí que começou a se falar em
sustentabilidade. O desenvolvimento sustentável manifestou-se como um modelo capaz de solucionar
os problemas globais, não apenas reduzindo a degradação ambiental, mas também atuando no campo
social, econômico, cultural e político.
Conforme Lago e Pádua (1984), recomenda-se um crescimento econômico controlado que
mitiga os impactos ambientais e que contribua para a equidade social usando tecnologias que
diminuam os impactos negativos ao meio ambiente que estão sendo gerados pela produção agrícola,
para assim, atender as necessidades da geração atual e assegurar os recursos naturais bem como a
saúde dos solos para as próximas gerações.

O sistema solo
O solo é um recurso natural imprescindível para o funcionamento e vida do ecossistema
terrestre, sendo composto em sua maioria por argila, silte, minerais inorgânicos, partículas de areia,
formas estáveis da matéria orgânica vindas da decomposição biótica da vida do solo, a própria biota
composta de insetos, minhocas, bactérias, fungos, algas, nematóides e gases como O2, CO2, N2,
NOx, podendo estes mecanismos variar com sua localização geográfica.
120
Segundo Blum e Santelises (1994), o solo possui algumas funções principais que podem ser
agrupadas, sendo três ecológicas e três ligadas à atividade antrópica. As funções ecológicas incluem:
a) produção de biomassa (alimentos, energia e fibra); b) filtração, tamponamento e transformação da
matéria a fim de proteger o ambiente de substâncias que podem poluir as águas subterrâneas e
alimentos; c) habitat biológico, reserva genética de plantas, animais e organismos que devem ser
protegidos da extinção. Já as finalidades ligadas à atividade antrópicas incluem: a) meio físico para
base de estruturas industriais e atividades sócio-econômicas, habitação, sistema de transportes e
disposição de resíduos; b) fonte de material particulado (areia, argila e minerais) e c) parte da herança
cultural, paleontológica, arqueológica importantes para preservação da história da humanidade.
Larson e Pierce (1994), acrescentam que as relações do solo com à agricultura e meio
ambiente tem como principais funções a de serem um meio físico para o desenvolvimento vegetal e
habitat para animais e microrganismos, bem como regulação do fluxo de água no ambiente e servir
como um mecanismo “tamponante” na atenuação e degradação de compostos químicos prejudiciais
ao meio ambiente.
Portanto, o solo é um recurso natural e sua qualidade pode ser avaliada por indicadores que
têm a sensibilidade de detectar as variações na sua capacidade de funcionar dentro dos limites dos
ecossistemas para sustentação da produtividade biológica, mantendo a qualidade do ar e da água para
promover a saúde humana, de plantas e animais. A qualificação por meio dos atributos do solo não é
simples, pois leva em conta qual foi o uso do solo, bem como as relações físico-químico-biológicas
e suas variações no tempo e no espaço. Podemos qualificar os solos pelo monitoramento de suas
características físicas, químicas e biológicas, sendo recomendado que os atributos ou indicadores
sejam sensíveis às mudanças em médio prazo como por exemplos: densidade, porosidade, estado de
agregação, compactação, conteúdo de matéria orgânica e nível de atividade biológica segundo
Santana e Bahia Filho (1998).
Dentre os aspectos mais importantes para as atividades agrícolas, os indicadores físicos e
químicos de qualidade de solo podem ser qualificados de acordo com a textura, estrutura, resistência
à penetração, profundidade de enraizamento, disponibilidade de água que pode ser absorvida,
percolação ou transmissão da água e sistema de cultivo, podendo esses indicadores estabelecerem
relações diretas com os processos hidrológicos, pela taxa de infiltração, escoamento da superfície do
solo, drenagem e erosão. Outra função essencial está ligada ao suprimento e armazenamento de água,
de nutrientes e de oxigênio no solo, que é afetada diretamente pela quantidade de matéria orgânica e
características biológicas do solo.
As características biológicas constituem informações preciosas na avaliação qualitativa dos
solos, pois os indicadores microbiológicos são mais sensíveis aos impactos causados pelo manejo do
121
solo, quando comparados àqueles de caráter físico ou químico, podendo trazer informações mais
precisas e de qualidade. Estudos mostram que a matéria orgânica, tanto em culturas anuais quanto em
culturas perenes, podem ser indicadores mais sensíveis para caracterizar a qualidade do solo. A maior
fração ativa do solo é composta pela biomassa microbiana que pode ser aumentada com o incremento
de espécies arbóreas, maior quantidade de espécies vegetais, presença de animais que deixam suas
excretas no solo, auxiliando assim no aumento da biomassa e a atividade da microbiota do sistema
solo. A matéria orgânica tem um papel principal na qualidade de vida do solo, uma vez que atua como
fonte de energia para a massa microbiana e nutrientes para as plantas, pois o carbono vindo da matéria
orgânica pode aumentar a troca catiônica no solo induzindo a liberação de nutrientes.
Para que os nutrientes da matéria orgânica fiquem disponíveis para as plantas, é necessário
que antes haja a mineralização da matéria orgânica pelos agentes microbiológicos para que possam
ser liberados e absorvidos os macronutrientes como N, P, S, K, Ca, Mg e também os micronutrientes,
podendo essa liberação de nutrientes provinda da decomposição da matéria orgânica, apresentar de
15 a 80% do P disponível no solo. Além dos nutrientes, o carbono também pode ser introduzido na
quebra da matéria orgânica pelos microorganismos, que através do seu metabolismo podem tanto
produzir quanto sequestrar CO2 da atmosfera e fixar no solo. Logo, aumentar os teores de matéria
orgânica do solo pode reduzir as concentrações de CO2 atmosférico, o que contribui para a mudança
climática a partir do sistema solo-planta ou planta-solo.

Tabela 1. Indicadores físicos, químicos e biológicos de qualidade do solo mais relevantes


(Adaptado de Doran & Parkins, 1994).

Os fluxos de carbono que passam pelo sistema solo são movidos pelo fluxo de compostos
orgânicos, constituído pela matéria vegetal que é adicionada pelas culturas e transformada pela biota
edáfica, resultando na produção de uma sequência de compostos orgânicos com tamanho
122
intermediários, com tempo variável de permanência no solo. Os compostos orgânicos que entram no
sistema solo interagem com os demais componentes para promoção de formação dos agregados no
solo, que resulta na formação de estruturas de tamanho e complexidade diferentes, caracterizando os
distintos níveis de ordem do sistema. Quando o sistema planta-solo permite a possibilidade de maior
entrada de compostos orgânicos para o sistema solo, o mesmo tem melhor condições de se auto
organizar em macroagregados (estruturas complexas, maiores e mais diversificadas) pelo micro e
macro fauna, aumentando a capacidade de reter a energia no sistema solo na forma de carbono. Essa
capacidade de reter energia na forma de carbono na matéria orgânica, possibilita com que o sistema
solo desenvolva maior resistência à erosão hídrica e eólica, melhore a infiltração e retenção de água
no solo, sequestre maior quantidade de carbono, aumente o estoque de nutrientes, melhore a adsorção
e complexação de compostos organicos e inorganicos, favoreça a biota do solo, aumente a ciclagem
dos elementos químicos melhorando a qualidade do solo e proporcionando a esse sistema, a
capacidade de cumprir suas funções e atingir qualidade e vida!
Da mesma forma, quando o sistema solo é pouco alimentado de matéria orgânica, o sistema
se auto-organiza com estruturas menores e mais simples (microagregados), pois a quantidade de
energia e matéria orgânica adicionada não é suficiente para conduzir o sistema a formar estruturas
complexas e maiores. Logo, a relação entre os componentes do sistema não é favorecida,
proporcionando a redução da qualidade do sistema solo e promovendo a desestruturação do solo,
aumentando o risco de erosão hídrica e eólica, proporcionando a maior perda de nutrientes e
compostos orgânicos e inorgânicos pela lixiviação que podem contaminar as águas superficiais e
subterrâneas, diminuir a biota do solo e proporcionar a diminuição da diversidade do sistema solo
tornando-o pobre. Logo, as práticas agronômicas devem sempre priorizar o manejo e conservação a
fim de manter ou melhorar os atributos do solo, diminuindo os impactos gerados pelo modo que a
agricultura convencional e predatória é realizada e aumentando a capacidade do sistema solo em
sustentar a produtividade biológica. Contrapondo as práticas de agricultura convencionais, há
modelos de agricultura mais voltadas a conservação, que vêm demonstrando que há métodos de
plantio cujo a produção de biomassa pode retornar em maior quantidade e qualidade para o sistema
solo, melhorando a qualidade e vida do mesmo e podendo ser equiparado ao solo produzido sob
vegetação natural, se comparado à mesma zona climática.

Agroecologia e Sistemas Agroflorestais


A primeira vez que o termo agroecologia foi cunhado ou descrito numa publicação científica
foi no início da década 20, o qual, especificava o uso da ecologia na agricultura. Somente a partir dos
anos 90, com a colaboração dos movimentos sociais nos Estados Unidos e na América Latina,
incomodados com os impactos ambientais da agricultura industrial, é que a ecologia parou de ser
123
apenas uma disciplina relacionada com os agroecossistemas, passando a ser considerada uma ciência
que considera o papel e a relação de consumidores, empresas, governos e agricultores no sistema
produção de alimento mundial. Segundo Caporal (2008), agroecologia trata-se de uma ciência em
evolução, cujo seu enfoque holístico e complexo contrapõe o paradigma convencional e minimalista
de se enxergar e estudar a realidade dos sistemas.
Brym e Reeve (2016), fizeram uma revisão de literatura e concluíram que agroecologia pode
ser compreendida como:

1) Uma visão minuciosa de pesquisa científica que analisa os impactos da agricultura sobre os
aspectos ecológicos e socioeconômicos;
2) Dá o embasamento metodológico do desenho agrícola se baseando no estudo e observação de
sistemas naturais e usando conhecimentos tradicionais visando teorias agroecológicas;
3) Adaptação das práticas com contextualização do meio, com o objetivo de fazer o sistema tornar-
se mais sustentável;

4) Usando o indivíduo como centro do sistema, tornando-se um movimento sócio-político que atua
na escala de todo sistema agroalimentar.

De acordo Lima e Carmo (2006), a agroecologia tem como principal propósito suavizar os
impactos sociais, econômicos e ambientais gerados pela Revolução Verde, contrariando o modelo de
agricultura convencional e trabalhando com uma perspectiva ecológica. O estudo no campo da
agroecologia, passou a identificar e sugerir manejos sustentáveis para o meio ambiente, reduzindo o
consumo de insumos químicos e práticas intensivas de produção em agroecossistemas. Considerando
as lavouras como um ecossistema que interage com o meio, situações encontradas em outras
vegetações como: ciclos de nutrientes, interações predador/presa, competição, comensalismo e
sucessões ecológicas também ocorrem na lavoura. Isto significa que a agroecologia enfoca as relações
existentes no meio biótico e abiótico, observando as interações do homem baseando-a na cultura,
hábitos e tradições.

Logo, segundo Jalil (2017), há diferentes tipos de agroecossistemas e características como;

- Agricultura de subsistência: cujo a escassez de água é um fator limitante para a produção,


fazendo com que os agricultores familiares produzam apenas no período de chuva, é também
marcado por agricultores com pequenas posses, no período de estiagem os agricultores
buscam alternativas de trabalho para sobreviver, as mulheres acabam admitindo os trabalhos
da roça e cuidados dos animais. Não tem acesso às políticas públicas e sem assistência técnica;

124
- Agricultura familiar agroecológica ou em transição: manejo agroecológico e diversidade de
espécies, é acompanhado por assistência técnica ou tem influência de aprendizado tradicionais
com a terra, mão de obra local, proprietário rurais com pouca posse de terra;
- Agricultura familiar que tende à especialização: agricultura com sistema tradicional de
produção e composto por culturas diversas, não considerado agroecológico, pequena extensão
de terra, mão de obra interna e externa. Possui engenho, casa de farinha, beneficiamento do
produto na própria propriedade, tem acesso ao Pronaf;
- Agricultura especializada: Geralmente está inserida em pequena e média propriedade,
especializada por uma única cultura (cana, mandioca, tomate etc), bem aparada tecnicamente,
uso de insumos químicos agrícolas, mão de obra contratada, acesso a maiores investimentos
do Pronaf.

Logo, os agroecossistemas tem diversas maneiras de serem caracterizadas, bem como serem
mais ou menos sustentáveis.

Reijntjes et al. (1992), descreve que os agroecossistemas com metodologias mais sustentáveis
são aqueles que se baseiam em desenhos com papéis mais ecológicos como;
a) Otimiza a disponibilidade do fluxo balanceado de nutrientes através do aumento da
reciclagem da biomassa;
b) Proporciona aumento das atividades biológicas do solo através do manejo da matéria
orgânica, assegurando assim condições favoráveis de crescimento para as plantas;
c) Através da cobertura vegetal buscam armazenar água melhorando o solo, proporcionando
assim, o manejo do microclima e minimizando as perdas relativas dos fluxos de radiação solar e da
água;
d) Através do tempo e espaço diversificam específica e geneticamente o agroecossistema que
auxilia nos processos e serviços ecológicos chaves, aumentando as interações biológicas e os
sinergismos entre os componentes da biodiversidade.

Com o aumento das pesquisas científicas mais se tem indagado a respeito dos sistemas e
práticas de novos produtos ecossistêmicos como: policultivos, rotação de culturas, manejo integrado
de pragas e doenças, uso de plantas de cobertura e adubação verde, compostagem e adubação
orgânica, sistemas agroflorestais, plantio direto ou de baixo revolvimento do solo e entre outros.
Umas das diferentes formas para produzir e melhorar os solos são os Sistema agroflorestais (SAFs),
apresentando-se como uma ótima ferramenta para produção de alimento e preservação da mata nativa.

125
Os sistemas agroflorestais tornaram-se uma alternativa para agricultura convencional, não
segregando a agricultura familiar, sendo acessível, melhorando as condições físicas do solo ao
contrário da agricultura convencional que depende de insumos externos e máquinas, acarretando em
impactos negativos ao meio ambiente. Já os SAFs são sistemas de utilização do solo com o uso de
espécies perenes lenhosas (árvores, arbustos, palmeiras e bambus) sendo intencionalmente plantadas
e manejadas em associação com cultivos agrícolas e/ou animais. As diferentes espécies são inseridas
no sistema de acordo com seu ciclo de vida, estrutura e papéis que aumentam a biodiversidade,
complexidade com incorporação de maiores agregados do solo, auxiliando significativamente nos
fatores edáficos, físicos, químicos, hídricos e microbiológicos, aumentando a vida do sistema.

Tabela 2. Comparativo entre o SAF e a agricultura convencional (adaptada de Santos,


2016).

Fig. 1. Classificação dos agregados de solo (média) por diferentes tamanhos granulométricos em solos de
Sistemas agroflorestais em diferentes estágios de sucessão (SAFi: SAF inicial, SAFmed : SAF em estágio médio, SAF
ma – SAF em estágio maduro, PAs – pastagem e área controle). Fonte: Pereira, 2020.

126
Fig. 2. Valores médios (n=4) da concentração de Matéria Orgânica (MO) dos solos de Sistemas agroflorestais
em diferentes estágios de sucessão (SAFi: SAF inicial, SAFmed : SAF em estágio médio, SAF ma – SAF em estágio
maduro, PAs – pastagem e área controle) As barras representam o desvio padrão da média (*Médias seguidas da mesma
letra não diferem estatisticamente pelo teste de Tukey a 5% de significância. Fonte: Pereira, 2020.
.
Em outras palavras, a metodologia empregada pelo SAF proporciona uma combinação
profundamente abundante e diversa, mantendo as variedades de espécies em diferentes extratos,
combinada ou não com animais, buscando imitar ou replicar o padrão de sucessão natural encontrado
na natureza. Conforme Peneireiro (2014), os sistemas agroflorestais são encontrados em diferentes
perspectivas, desde de consórcios simples, semelhante a métodos encontrado na monocultura,
priorizando a combinação de espécies para se obter uma excelente produção, mas otimizando
insumos, mão de obra e havendo como base uma espécie florestal em junção com espécies agrícolas
e entre outros como os quintais agroflorestais mais complexos, que tem como base os ensinamentos
da própria floresta. Segundo o Manual da Agrofloresta para Mata Atlântica (2008), os SAFs podem
ser categorizados com o seu uso mais difundido, considerando-se aspectos estruturais e funcionais
como; Sistemas silviagrícolas: descritas pela união de árvores, arbustos e/ou palmeiras com espécies
agrícolas. Por exemplo: o consórcio “café, ingá e louro” ou “pupunha, cupuaçu e castanheira”.

127
Fig. 2. Consórcio café com inga (9x9) e louro-pardo (18x18) (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata
Atlântica, 2008).

Sistemas silvipastoris: descritas pela combinação de árvores, arbustos ou palmeiras com


plantas herbáceas forrageiras e animais.

Fig. 3. Sistema silvipastoril com árvores plantadas em distribuição relativamente uniforme e área de pastagem abaixo
(Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).

Sistemas agrossilvipastoris: descritas pelo manejo de animais em consórcios silviagrícolas.


Como por exemplo: criação de galinhas em agroflorestas ou um quintal com frutíferas, hortaliças e
galinhas.

128
Fig. 4. Quintal com sistema agroflorestal junto com criação de galinhas (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para
Mata Atlântica, 2008).

Podemos também analisar os SAFs pela sua idade distinguindo duas principais divisões
segundo o manual da Agrofloresta para mata atlântica (2008) como; SAFs simultâneos (ou
concomitantes): cujo todos os integrantes foram associados no mesmo período de tempo, durante
todo o ciclo das culturas existentes como o consórcio café, ingá e louro-pardo. Ou, SAFs sequenciais:
cujo os componentes que participam do sistema tem uma relação cronológica, se sucedendo no tempo
como no caso da Capoeira com lavoura branca ou outras culturas.

Fig. 5. Sistema Agroflorestal sequencial com linhas alternadas de roça, capoeira, roça e capoeira (Imagem tirada do
manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).

Segundo o Manual da Agrofloresta para Mata Atlântica (2008), de maneira geral, podemos
ter no SAFs várias espécies que são cultivadas e mantidas, podendo ser classificadas como:
Espécies prioritárias: são culturas anuais, persistentes ou perenes usadas para o alto-consumo,
levando em consideração a soberania alimentar da pessoa que cultiva em relação a diversidade,
qualidade e também para geração da renda.

Espécies anuais: milho, alface, feijão mandioca, hortaliças, etc.


129
Espécies plurianuais ou espécies persistentes: bananeiras, gengibre e etc.

Espécies perenes: morango, bambu, plantas medicinais, batata, cacau, café, inúmeras
frutíferas e etc.

Também podemos citar culturas que tem funções como bioindicadoras que podem indicar
características ácidas e nutricionais do solo, plantas adubadoras que podem fazer simbiose com
bactérias e liberar nutrientes para o solo, bem como, plantas repelentes que ajudam a controlar
determinadas pragas. Além das várias espécies e diversas características e utilidades que as plantas
têm e podem trazer a distribuição dessas espécies também podem ser variadas para compor os
distintos tipos de SAF como:
Distribuição espacial irregular: Às disposições das espécies não seguem um padrão (ex.
espécie arbórea oriunda de regeneração natural) ou habituada a variações ecológicas (tipo de solo,
nível de sombreamento etc.).

Fig. 5. Distribuição espacial misturada (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).

Distribuição espacial uniforme: As disposições das espécies seguem um padrão pré-


determinado de espaçamento, previamente definido para cada espécie.

130
Fig. 6. Distribuição espacial uniforme (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).

Distribuição espacial mista: o padrão encontrado nesta distribuição concilia a distribuição


uniforme com a irregular. Um exemplo é o cultivo de café em SAF. Os cafeeiros seguem um padrão
de disposição e as espécies florestais proveniente de regeneração natural, não tem um padrão definido.

Fig. 7. Distribuição espacial mista (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).

Distribuição espacial em faixas: esse modelo de SAF segue um padrão de plantio pré-
determinado, onde uma faixa abriga espécies de ciclo curto ou porte baixo, e outra de espécies
arbóreas de ciclo médio ou longo.

Fig. 8. Distribuição espacial em faixas (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).

131
Distribuição espacial em “mosaico”: numa mesma área ocupada pelo SAF são realizados
cultivos variáveis, subdividindo a unidade de forma e extensão diferentes, de acordo com a
necessidade de cada cultura. No local é possível encontrar unidades menos sombreadas destinada a
cultivos comerciais que necessitam de mais luz solar e unidades mais sombreadas, destinadas às
espécies perenes comerciais de ciclo longo. Sendo esta distribuição espacial mais biodiversa e mais
rentável ao agricultor.

Fig. 9. Distribuição espacial em “mosaico” (Imagem tirada do manual da Agrofloresta para Mata Atlântica, 2008).

Para Vaz (2001), existem diversos sistemas agroflorestais que possuem uma estrutura
semelhante a encontrada em ecossistemas florestais tropicais, cuja sucessão ecológica está presente.
A sucessão ecológica é observada numa área que teve interferência antrópica, onde o solo é
caracterizado como improdutivo para a agricultura. Se ela passa por pousio, com o passar do tempo,
a própria vegetação, fauna e microrganismo recuperam o solo, tornando-o novamente viável para
produção ao passar das etapas da sucessão (SOUZA, 2014).
A sucessão primária ocorre em ambiente com ausência de vegetação já a sucessão secundária,
refere-se a uma área que existia vegetação e que será recuperada (SOUZA, 2014).
Segundo Peneireiro (2014), os grupos sucessionais baseado nos fundamentos descritos por
Ernst Götsch, requerem exigências das espécies por condições edafoclimática, ciclo de vida e para
que os consórcios estejam completos, são necessárias condições de suma importância para a
funcionalidade e sustentabilidade do sistema, considerando também, as características ecofisiológicas
das espécies, o espaço que cada uma ocupa no extrato do consórcio e identificando as espécies
segundo seus estratos ( baixo, médio, alto e emergente).

Tabela 3. Grupos sucessionais e ciclo de vida (Fonte: LCF- 1581- Recursos Florestais em
propriedade Agrícolas: Sistema agroflorestais).

132
Logo, por mais inovadores e revolucionários que os pacotes tecnológicos implantados pela
Revolução Verde foram, os problemas como a fome e a segurança alimentar apenas serviram de
justificativa para introdução do novo modelo de agricultura mundial, que na verdade não sanou esses
problemas e mostrou-se ser um modelo predatório e segregador. Por mais que os pacotes tecnológicos
tenham auxiliado no aumento da produção e otimização da mão de obra no campo, essas tecnologias
trouxeram grandes consequências negativas nos impactos ambientais, sociais e econômicos. Logo, se
entendermos que houve maior acúmulo de riqueza nas mãos dos grandes fundiários, forçando as
pessoas simples do campo a largarem suas pequenas lavouras e irem para a cidades por não haver
meios de competir com os grandes empresários e assim, novos problemas são gerados como o
processo de favelização, encontrados nos grandes centros urbanos. Já a agroecologia com suas
metodologias, técnicas e manejos sustentáveis tem apresentado resultados positivos para a fauna,
flora e seres humanos, mitigando os processos de degradação do solo, conciliando produção de
alimentos com conservação a partir da análise e observação da própria vegetação, baseando-se nos
conhecimentos dos povos tradicionais e fortalecendo as culturas regionais.
Os SAFs (sistemas agroflorestais) como atividade agroecológica segundo estudos, têm
demonstrado ser uma ótima alternativa para produção agrícola e de regeneração dos ecossistemas,
elevando saúde do solo e das plantas, aumentando a microbiota do solo, melhorando a estrutura,
nutrição, favorecendo a adsorção e complexação de compostos orgânicos e inorgânicos através do
acúmulo de biomassa, ajudando também a amenizar os gases do efeito estufa, preservando a fauna e
flora, acelerando os processos bioquímicos e ciclagem dos elementos químicos, elevando também a
qualidade da água e nutrientes, preservando assim os recursos naturais.

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138
CAPÍTULO 10

Isótopos estáveis em estudos de Ecofisiologia Vegetal e Dendroclimatologia


Bruno Barçante Ladvocat Cintra (Universidade de São Paulo)

Introdução
Isótopos estáveis são uma ferramenta cada vez mais utilizada para se obter informações sobre
o metabolismo e fisiologia vegetal e sua relação com o clima e fatores abióticos do ambiente. Eles
são úteis porque moléculas contendo diferentes isótopos de um mesmo elemento diferem em sua
massa molecular. Isto influencia a velocidade com que as moléculas mudam de estado, se difundem
e reagem quimicamente. Portanto, variações isotópicas vegetais refletem uma série de processos
físicos e biológicos que ocorrem com a água, nutrientes e carbono, desde a sua absorção até a síntese
de tecidos vegetais. A diversidade de processos que podem determinar a composição isotópica em
tecidos vegetais faz com que os isótopos sejam muitas vezes vistos como integradores de estratégias
funcionais das plantas para lidar com condições ambientais variáveis.
Diferentes fatores do ambiente e da planta podem influenciar variações isotópicas de maneira
similar. Por isso, a interpretação de dados isotópicos é muitas vezes desafiadora, e requer uma boa
compreensão da ciência dos isótopos e de como eles são influenciados por processos físicos e
químicos. Quando interpretados corretamente, dados isotópicos podem contribuir para uma visão
diversificada de aspectos ecofisiológicos de plantas, relacionados a processos como a difusão de CO 2
em tecidos do mesófilo foliar, evapotranspiração, reação de carboxilação, metabolismo de reservas e
síntese de tecidos vegetais. O tipo de informação que se pode obter a partir da composição de isótopos
estáveis em tecidos vegetais depende das condições em que as plantas estão crescendo e dos isótopos
que estão sendo analisados. Neste capítulo nós iremos abordar os principais conceitos da ciência dos
isótopos estáveis, como interpretar dados isotópicos que refletem processos ecofisiológicos das
plantas, e as principais aplicações desta ferramenta para estudos ecofisiológicos e áreas relacionadas,
com foco em isótopos estáveis de oxigênio e carbono.

Conceitos básicos de isótopos estáveis


Isótopos são átomos que apresentam o mesmo número de prótons, mas que diferem no número
de nêutrons. Portanto, são átomos de um mesmo elemento, com massa atômica diferente. Isótopos
estáveis existem naturalmente, não decaem e não emitem radiação. Os diferentes isótopos de um
mesmo elemento estão presentes em diferentes proporções nas moléculas que os contém. A razão

139
entre as abundâncias do total de moléculas em uma amostra contendo diferentes isótopos (I) de um
elemento é denominada razão isotópica (R), com
x
R=xI/yI.
Onde os sobrescritos x e y são a massa atômica do isótopo mais raro e mais abundante,
respectivamente. Por exemplo, a razão isotópica de oxigênio é expressa por 18R=18O/16O, sendo 18O
o isótopo mais raro e 16O o isótopo mais abundante. Da mesma forma, razões isotópicas de carbono
e nitrogênio são expressas por 15R e 13R. Geralmente, o isótopo de maior massa apresenta abundância
muito inferior ao isótopo mais comum. Por isso, e também para facilitar padronização de dados e
comparação de análises realizadas em qualquer laboratório, razões isotópicas são geralmente
expressas pela notação (‰)
δxI = (( xRamostra / xRpadrão ) – 1) / 1000
Onde Rpadrão é a razão isotópica em uma substância padrão internacionalmente convencionada.
Por exemplo, para isótopos de oxigênio, o padrão usado em laboratórios do mundo inteiro é água
obtida por evaporação de diversas partes do Oceano e é chamada de Viena Mean Standard Ocean
Water (VSMOW). Para o carbono, o padrão é o Pee Dee Belemnite (PDB) carbonato de cálcio de
conchas fossilizadas de molusco (belemnita) da formação Pee Dee no Sul da Carolina nos EUA. A
notação δ é a mais utilizada para expressar razões isotópicas, e é comum que os padrões utilizados
para o cálculo de delta sejam expressos junto aos valores de δ, como ‰ VSMOW ou ‰ PDB.
Diferentemente da notação R, a notação delta sempre vem acompanhada da notação completa
do isótopo mais pesado, como δ18O, δ13C, e δ15N. Os isótopos de hidrogênio são uma exceção para
esta notação, porque eles possuem notação específica, 1H e 2D. Por isso o delta de isótopos de
hidrogênio é expresso simplesmente por δD.
Razões isotópicas são interessantes pois são um parâmetro mensurável que varia em processos
físicos e químicos. A alteração da razão isotópica em uma substância é chamada de fracionamento.
A alteração de R entre uma substância de origem A (RA) e seu produto B (RB) decorrente de um
fracionamento depende da natureza da reação e é expressa pelo fator de fracionamento αA–B= RA/RB
= (1000 + δA)/(1000+ δB). α geralmente depende da temperatura em que o fracionamento ocorre,
assim como o resultado do fracionamento, isto é, a diferença de R ao final da reação, é chamada de
fator enriquecimento ou empobrecimento isotópico εA–B= (αA-B - 1) x 1000.
O fracionamento isotópico pode ocorrer em equilíbrio (ε*), como um equilíbrio químico, que é
o que acontece quando moléculas contendo diferentes isótopos são trocadas entre as substâncias em
reação até que cada substância atinja um valor constante de δ para cada substância, com uma diferença
εA–B fixa entre elas, a qual depende apenas da temperatura. O fracionamento também pode acontecer
em não-equilíbrio, neste caso sendo chamado de fracionamento cinético (εk). O fracionamento
cinético não resulta em um δ e ε constantes. Em vez disso, o valor δA é progressivamente alterado,
140
geralmente se tornando cada vez mais empobrecido em isótopos pesados que reagem mais
lentamente. Em contrapartida, o valor δ do produto instantâneo B também muda de acordo com o δA.
Se todo o produto da reação for para um mesmo destino, então no caso de uma conversão total de A
para B, o δB final será igual ao δA original. Estes processos estão ilustrados na Figura 1, e são em
seguida exemplificados com os isótopos da água.

Fig. 1. Representação da evolução de δ durante a conversão de uma substância hipotética A em B, com a linha preta
mostrando o δA inicial no início da reação, linha azul mostrando a evolução de δ B inst do produto instantâneo durante a
conversão, e linha vermelha mostrando a evolução de δB acum do produto acumulado, o qual ao atinge um valor igual a
δA inicial com 100% de conversão. Fonte: Kendall & Caldwell (1998), modificado.

Isótopos de oxigênio e hidrogênio na água


Isótopos de oxigênio e hidrogênio na água estão entre os mais aplicados em estudos de
ecofisiogia vegetal, por fornecerem informações sobre o nível de estresse hídrico em que as plantas
se encontram, sobre estratégias de obtenção de água pelas plantas, e sobre a origem da água usada
por elas. Isto é possível porque a mudança de estado da água sempre resulta em fracionamento
isotópico. Moléculas de água contendo isótopos mais leves tendem a evaporar mais rápido, de forma
que uma fonte limitada de água que se evapore parcialmente irá perder mais água com isótopos leves
da água com isótopos mais pesados. Isto faz com que a água que sobra fique mais enriquecida em
isótopos pesados (maior δ), o que chamamos de enriquecimento evaporativo. O enriquecimento
evaporativo é mais evidente quando se considera a relação entre δ18O o δD da água em equilíbrio
isotópico. Em qualquer situação em que a mudança de estado da água tenha ocorrido em equilíbrio,
espera-se que o seu δ18O e o δD co-variam linearmente. Seus valores dependem apenas da temperatura
de evaporação ou condensação, sendo que o δD varia em uma escala aproximadamente 8 vezes maior

141
do que o δ18O. Isto acontece, por exemplo, durante a formação de gotas de água da chuva. Por isso,
em todo o mundo, o δ18O e δD da água da chuva apresentam uma relação linear que é conhecida
como linha meteórica global da água, em que δD = 8.0xδ18O+10. Desvios da linha meteórica da água
ocorrem sempre que a água se evapore em não-equilíbrio, o que geralmente resulta em água com mais
deutério do que esperado, e, portanto, é chamado de excesso de deutério. Este parâmetro é altamente
sensível e amplamente utilizado em estudos ecofisiológicos e hidrológicos em que isótopos que
compõe a água são utilizados.
Por causa do fracionamento de isótopos da água durante a sua mudança de estado, muitas
informações relevantes podem ser obtidas a partir dos isótopos da água durante todo o seu percurso,
desde chuva, rios e outras possíveis fontes de água para as plantas, do solo, do xilema, das folhas, até
a sua participação na síntese de tecidos vegetais. Na folha, por exemplo, a água presente nos
estômatos e outros sítios de evaporação no mesófilo foliar está sujeita a um enriquecimento
evaporativo constante, pois as plantas precisam transpirar para realizar fotossíntese. Em situações de
estresse hídrico as plantas tendem a reduzir a condutância estomática, o que facilita que a difusão da
água com δ elevado pela lamina foliar. Portanto, valores isotópicos da água obtida da folha refletem
a regulação da sua condutância estomática em resposta a condições hídricas limitantes. Esta
informação é útil para se comparar o nível de estresse hídrico entre plantas crescendo em diferentes
em condições de estresse hídrico (Fig. 2).

Fig. 2. A relação linear entre o δ18O e o δD da água em equilíbrio isotópico, chamada de linha meteórica global da água.
Valores isotópicos que se encontrem fora desta linha resultam de fracionamento cinético durante a evaporação da água,
e podem ser representados pelo desvio do valor observado de deutério para o seu valor esperado. Este desvio é
conhecido como excesso de deutério. Fonte: Craig and Gordon, 1965.

142
Em condições experimentais, pode-se regar as plantas com a mesma fonte de água, de forma
que toda a variação isotópica da água das folhas seja resultante do seu enriquecimento evaporativo
nos tecidos foliares. Entretanto, para estudos em campo, o uso destas informações também requer
conhecimento sobre a composição isotópica da água utilizada pelas plantas estudadas, que é a base
para toda a variação isotópica da água da folha. Se o δ da água utilizada pelas plantas não for o
mesmo, isto também irá se refletir no δ da água das folhas. Portanto a variação do δ da água usada
pelas plantas deve ser considerada, e isto também abre novas possibilidades para estudos
ecofisiológicos.
Uma forma simples de se comparar a água usada por diferentes plantas é através da análise de
isótopos da água obtida diretamente do xilema. Exceto em situações experimentais particulares, não
se observa fracionamento isotópico da água durante a sua absorção pelas raízes. Portanto o δ da água
do xilema integra a composição isotópica de toda a água absorvida pelas plantas, e pode ser utilizado
para avaliar se a água por plantas diferentes composições isotópicas de oxigênio distintas. De fato, o
δ da água do xilema pode não ser a mesma entre plantas crescendo lado a lado. A principal causa para
essa diferença está na profundidade da qual as plantas obtêm água do solo, a qual está relacionada ao
grau de evaporação da água previamente à sua absorção pelas raízes. Camadas superiores do solo está
mais sujeita a enriquecimento evaporativo, e por isso nos primeiros 10-20cm do solo apresentam
valores de δ mais elevados (ou menos negativos) do que a água da chuva que abastece os solos.
Camadas de solo um pouco mais profundas estão sujeitas a pouca evaporação e, portanto, apresentar
valores de δ mais próximos da chuva.
Por causa do perfil isotópico da água do solo, o δ da água do xilema irá variar entre árvores que
absorvam água de diferentes profundidades do solo. Portanto, uma comparação entre os isótopos da
água do xilema e de diferentes profundidades do solo permite avaliar a profundidade de absorção de
água em nível de indivíduos, e como isto varia em diferentes condições de disponibilidade hídrica.
Este tipo de informação é interessante de um ponto de vista funcional, pois contribui para o
entendimento das estratégias das plantas para lidar com limitações hídricas em diferentes condições
edáficas, climáticas, e impostas por competição. Além disso, a água que permanece em camadas mais
profundas apresenta maior tempo de residência, e tende a se misturar com água de vários eventos de
chuva, e em alguns casos, com o lençol freático.
Por isso, ao se incluir nesta comparação o δ da água da chuva, de rios e do lençol freático pode
fornecer informações sobre a origem da água usada pelas plantas. Tais informações são
ecologicamente interessantes porque nos ajudam a compreender até que ponto os indivíduos de uma
espécie ou população dependem exclusivamente de água da chuva, ou se plantas com raízes mais
profundas seriam capazes de absorver água diretamente do lençol freático. A análise e comparação
de isótopos que compõem a água em estudos ecofisiológicos é um campo de pesquisa em crescimento
143
e que tem gerado resultados interessantes, muitas vezes mostrando que as plantas usam
exclusivamente água da chuva, mesmo quando a água de rios e do lençol freático estão ao alcance
das raízes. Nestes casos, muitos estudos já levantaram a hipótese de que existe uma eco-separação
hidrológica entre a água que é retida nos solos, a qual também é usada pelas plantas, e a água que
percola para o lençol freático e para os rios, com implicações para o ciclo hidrológico global.
Entretanto, existe grande variação entre espécies, localidades e tipo de solo, o que abre muitas
possibilidades de pesquisa nesta área.
Em resumo, existem muitas informações ecológicas, funcionais e hidrológicas que se pode
obter a partir da análise de razões isotópicas na água da chuva, rios, do solo em diferentes
profundidades, do xilema e da folha. O maior potencial é alcançado quando existe a possibilidade de
realizar um monitoramento coletas periódicas, em que a água de todos estes compartimentos é
considerada. Este tipo de estudo contribui para uma visão ampla das estratégias funcionais das plantas
para lidar com condições hídricas limitantes impostas por condição abióticas e bióticas do ambiente
em que se encontram, e para a compreensão destas plantas na participação do ecossistema dentro do
ciclo hidrológico. As possibilidades são ainda maiores quando se considera a análise de isótopos
estáveis em tecidos vegetais, não apenas de oxigênio, mas também de carbono.

Isótopos de oxigênio e carbono na celulose de tecidos vegetais


Isótopos de oxigênio na celulose das folhas das plantas refletem diretamente o δ18O da água da
folha. Isto acontece porque durante sua produção de foto assimilados, o seu oxigênio se equilibra
isotopicamente com a água presente nas células. Por isso o δ18O da celulose das folhas reflete o
enriquecimento evaporativo do δ18O da água da folha, o qual tem como base o δ18O da água do solo
absorvida pelas raízes. Como o enriquecimento evaporativo da água da folha reflete a transpiração,
e esta é regulada pelo controle estomático, o δ18O da celulose das tende a refletir também a
condutância estomática das folhas durante a sua formação (Fig. 3). Por isso o δ 18O da celulose das
folhas poderia ser utilizado como uma forma rápida para comparar a condição de estresse hídrico de
indivíduos de uma mesma espécie crescendo em condições ambientais distintas. Porém, a
possibilidade de que os diferentes indivíduos utilizem água com diferente δ18O torna esta abordagem
complicada. Conforme descrito na seção anterior, uma possível solução para isso seria combinar o
δ18O da celulose com o δ18O da água de diferentes compartimentos – xilema, folha, solo e fontes de
água. Esta abordagem é ideal e promove um panorama completo do potencial de utilização de δ 18O
em ecofisiologia. Porém para estudos de campo nem sempre isto é possível, pelo custo e pela
dificuldade de acesso a algumas localidades. Por isso existem poucos estudos de campo tão
completos.

144
Fig. 3. Resumo simplificado dos processos que podem levar a variações no sinal isotópico de oxigênio e carbono em
tecidos vegetais. Para uma descrição mais detalhada, ver Cintra et el. (2019).

Para avaliar a condição de estresse hídrico de indivíduos crescendo em condições ambientais


distintas, isótopos de carbono (δ13C) na celulose das folhas também podem ser úteis. Isto é possível
porque, por processos completamente distintos do δ18O, variações de δ13C também refletem a
condutância estomática das folhas (Figura 3). O δ13C da celulose das folhas é determinado pelo δ13C
do CO2 intracelular, e pela reação de carboxilação da Rubisco que consome preferencialmente 12CO2,
o que causa um fracionamento de aproximadamente 27 ‰ CO2 intracelular para plantas C3, ou 13 ‰
12
para plantas C4. Este consumo preferencial pelo CO2 é chamado de discriminação da Rubisco.
Como o CO2 da folha é limitado, o fechamento dos estômatos resulta em seu consumo, diminuição
da concentração de CO2 intracelular, diminuição da discriminação pela Rubisco e fracionamento
segundo o mesmo padrão ilustrado na Figura 1. Como resultado, quanto mais limitada for a
condutância estomática das folhas, maior será a o δ13C dos açúcares produzidos pela fotossíntese e
pela celulose produzida a partir deles. Entretanto, o δ13C da celulose das folhas também pode ser
influenciado pela taxa de assimilação, que pode acelerar o consumo do 12CO2 dentro das folhas, ou
uso de reservas de carboidratos não estruturais. Ambos podem confundir a interpretação do δ13C, e
atrapalhar o seu uso para avaliar variações na condutância estomática.
Uma alternativa que oferece uma comparação rápida da condição de estresse hídrico de
diferentes indivíduos pode ser encontrada na análise da co-variação δ18O e δ13C nas mesmas amostras
de celulose. Quando há co-variação do δ13C e o δ18O da celulose de diversas amostras de folha, quase
145
certamente o principal determinante das razões isotópicas são diferenças na condutância estomática
durante a produção da celulose das folhas. Esta abordagem de duplo-isótopo também tem utilidade
quando realizada em amostras de celulose da madeira de uma mesma árvore. Em uma escala fina,
uma forte correlação da variação radial de δ13C e δ18O na celulose da madeira revela ciclos isotópicos
associados a resposta estomática variação do clima anual (Cintra et al., 2019). Quando a correlação é
fraca, significa que outros fatores podem estar influenciando a variação de cada isótopo. Portanto,
esta abordagem chamada de duplo isótopo serve para avaliar como diferentes condições ambientais
relacionadas a fertilidade e estrutura do solo, competição e luminosidade influenciam a resposta das
árvores a variações climáticas sazonais. Estas informações também servem como uma forma de
avaliar como interpretar separadamente o δ18O e o δ13C de espécies ou indivíduos diferentes, o que
tem valor para realizar estudos com um alcance temporal mais longo, na escala de décadas ou séculos,
a depender da idade das árvores.
Uma das possibilidades de estudo com alcance temporal longo é a avaliação dos efeitos da
fertilização de CO2 sobre a eficiência intrínseca do uso da água das árvores, a qual é um tema de
grande relevância, pois influencia a forma com que as florestas participam dos ciclos de carbono e
hidrológico. Além disso, como os isótopos de carbono estão diretamente relacionados à produtividade
e a resistência ao estresse hídrico, eles muitas vezes são considerados como um integrador de traços
funcionais. Uma outra possibilidade é a aplicação de δ18O estudos de anéis de crescimento e
dendroclimatologia, que é também um campo de pesquisa crescente, por oferecer reconstruções
climáticas de qualidade mais alta do que normalmente se obtém com a dendrocronologia clássica.

Isótopos de oxigênio em estudos de dendroclimatologia


Estudos de dendroclimatologia foram por muito tempo restritos a regiões de clima temperado,
onde as árvores formam anéis de crescimento anuais em resposta a ampla variação anual de
temperatura. Em florestas tropicais, pensava-se que as árvores não formavam anéis de crescimento
anuais, devido à ausência de sazonalidade expressiva de temperatura. Entretanto, há mais de um
século se sabe que as árvores tropicais podem formar anéis de crescimento anuais em resposta à
sazonalidade de precipitação e que o desenvolvimento de séries temporais de largura de anéis de
crescimento (dendrocronologia) pode ser realizado para reconstruções climáticas. Entretanto, seu uso
não é sem percalços.
O desenvolvimento de dendrocronologias requer uma boa sincronização entre séries temporais
de largura de anéis de crescimento, o que depende de que a resposta das árvores a variações climáticas
seja forte o suficiente para influenciar o seu crescimento em escala populacional. Isto nem sempre
acontece para todas espécies de árvores tropicais que formam anéis de crescimento anual. Por isso,
após um grande esforço de cientistas em demostrar que árvores tropicais formam anéis de crescimento
146
anuais através de diversas técnicas como feridas cambiais e análises de carbono, existe um esforço
adicional em demostrar que suas séries de anéis de crescimento podem ser sincronizadas. É nesse
aspecto que o emprego de análises de isótopos estáveis tem ganhado bastante espaço nos estudos de
dendroclimatologia.
Em um primeiro momento, isótopos estáveis de carbono foram o principal alvo de estudos de
dendrocronologia. Como o δ13C varia, pelo menos em parte, em função da resposta das plantas a
condições de umidade, séries temporais de δ13C em anéis de crescimento foram utilizadas como
proxies para a variação do clima local. Entretanto, talvez pela influência da remobilização de
carboidratos, ou pela ausência de uma resposta estomática forte o suficiente, nem sempre análises de
δ13C em árvores tropicais cumpria este propósito. O foco da atenção da dendroclimatologia
posteriormente foi direcionado para as análises de δ18O em anéis de crescimento, que em um primeiro
momento foram descritas com um proxy inovador para variações de temperatura em florestas
temperadas. Nos trópicos, e particularmente na América do Sul, isótopos de oxigênio em anéis de
crescimento apenas começaram a ser usados recentemente, há menos de 20 anos, embora análises de
isótopos de oxigênio na água de geleiras e espeleotemas de cavernas já fossem usadas para
reconstruções climáticas anteriormente.
Diferente do δ13C, análises de δ18O para reconstruções climáticas são particularmente
interessantes quando são pouco influenciadas pela condutância estomática, quando refletem
principalmente sinais climáticos que têm sua origem no δ18O da água da chuva. Em regiões de clima
temperado, o δ18O da água da chuva reflete principalmente a temperatura de fracionamento em
equilíbrio durante a formação de chuva. Nos trópicos, o principal fator determinante do δ18O da água
da chuva é a quantidade de chuvas, e o progressivo empobrecimento isotópico da água de nuvens a
cada evento de chuva durante suas trajetórias pelo continente, como no processo descrito na Figura
1. Por isso, quando o δ18O de anéis de reflete o δ18O da água da chuva, contém um sinal climático
que reflete a soma de toda a precipitação durante o transporte de umidade desde a costa continental
com o oceano, até o sítio de estudo onde se encontram as árvores. Este tipo de dado é de alta relevância
para reconstruções climáticas, e permite a sua combinação com outros proxies que também refletem
o sinal isotópico de oxigênio da água, como espeleotemas de cavernas ou geleiras. Além disso, a
coerência deste tipo de sinal isotópico entre árvores é muito mais forte do que se encontra com dados
de largura de anéis de crescimento. Enquanto 30-50 séries de anéis de árvores tropicais de uma mesma
espécie são necessários para se construir uma dendrocronologia de largura de anéis, apenas 5-10
árvores são necessárias para realizar uma reconstrução climática com base em isótopos de oxigênio.
Isto torna a construção destas cronologias mais factíveis, visto que nem sempre é fácil encontrar
muitas árvores de uma mesma espécie em ambientes altamente diversos como florestas tropicais.

147
Considerações finais
Em resumo, são diversas as aplicações de isótopos estáveis em estudos ecofisiológicos.
Análises de δ18O d δD na água são úteis para avaliar estratégias de absorção de água pelas plantas,
que são um fator determinante no desempenho e sobrevivência de plantas em gradientes edáficos e
hídricos, e para avaliar o nível de estresse hídrico que diferentes indivíduos se encontram. Em
combinação com informações detalhadas sobre o ambiente e sobre traços funcionais das plantas
apresenta muitas oportunidades de pesquisa. A combinação de análises de δ18O e δ13C na celulose
das folhas também podem fornecer informações relevantes sobre a resposta fisiológica das plantas a
condições ambientais, a variações ambientais em escala sazonal e interanual, e auxiliar na
interpretação de dados isotópicos para realização de reconstruções climáticas em ambientes tropicais,
que também são áreas que vêm crescendo globalmente na ciência.

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152
CAPÍTULO 11

Atuação e potencialidades da Anatomia Vegetal

Bruno Edson-Chaves (Universidade de São Paulo)


Leyde Nayane Nunes dos Santos-Silva (Universidade de São Paulo)
Priscila Andressa Cortez (Universidade de São Paulo)

Introdução
Dentre as grandes áreas da Botânica, a Morfologia Vegetal se dedica a estudar a forma e a
estrutura das plantas, podendo ser dividida, de maneira geral e didática, em Morfologia Externa ou
Organografia e Morfologia Interna ou Anatomia. Pode-se então definir a Anatomia Vegetal como o
ramo da Botânica que se dedica ao estudo das estruturas internas dos vegetais, auxiliando a entender
os tipos celulares e a organização e orientação das células e tecidos nos diversos órgãos e durante o
seu desenvolvimento, facilitando assim o entendimento das estruturas morfológicas.
A descoberta da microscopia no final do século XVI pelos irmãos Hans e Zacharias Jansen
impulsionou um novo campo de estudos na área das ciências naturais. Porém, a Anatomia Vegetal só
surge como ciência no século XVII e seu marco é a publicação do livro Micrographia de Robert
Hooke, em 1665, considerada umas das obras-primas da ciência. Nele, Hooke documentou, em uma
de suas notórias observações, o termo “células” para as cavidades das finas fatias de cortiça - um tecido
vegetal - que ele observou utilizando o microscópio de luz. Outros trabalhos que tiveram importantes
contribuições foram Anatome Plantarum, de Marcello Malpighi (1675), que trata a planta como um
sistema que pode ser decomposto do exterior ao interior, trazendo importantes informações sobre a
casca, crescimento do caule, gemas, folhas, estruturas reprodutivas e um tipo especial de estrutura
secretora, o laticífero de espécies do gênero Ficus, e The Anatomy of Vegetables Begun (1672) e
Anatomy of Plants (1682), ambos de Nehemiah Grew, com contribuições nos estudos da madeira,
observando fibras na casca, vasos no lenho, um corpo cortical que perfura o lenho (raios medulares),
e parênquima na região medular, sendo ele o responsável por introduzir o termo parênquima.
Podemos observar que, com a criação e o aperfeiçoamento dos instrumentos específicos para
a observação das estruturas microscópicas, a Anatomia Vegetal ganhou destaque tornando possível o
avanço dessa área de conhecimento nas pesquisas básicas, aplicadas e integrativas. Além das novas
técnicas e recursos que permitiram o surgimento de novas abordagens, a integração da Anatomia
Vegetal com as outras áreas das ciências tem ajudado a resolver problemas cada vez mais complexos.
Neste capítulo, veremos um pouco mais sobre os equipamentos utilizados para analisar as estruturas
internas e algumas das áreas de atuação do anatomista.
153
Os Diferentes Tipos de Microscópio
Parte do avanço nas pesquisas deve-se também ao avanço nas técnicas utilizadas, seja em
relação ao desenvolvimento e adaptação dos protocolos laboratoriais como também pelo
desenvolvimento de equipamentos com tecnologias cada vez mais avançadas (Figura 1). No que se
refere aos equipamentos, o microscópio (do grego mikros: pequeno; skopien: ver/olhar) é fundamental
nos estudos anatômicos, sendo os principais tipos listados abaixo.

a) Microscópio de Luz, Fotônico ou Óptico - Figuras 1A a 1E


O Microscópio de Luz é o tipo mais utilizado nos estudos anatômicos. Nele, uma fonte
luminosa e um sistema de lentes oculares e objetivas permitem a formação de uma imagem ampliada
e com alta resolução da estrutura de interesse, geralmente com aumento de cerca de 1.000 vezes.
Alguns microscópios de luz podem ser equipados adicionalmente com sistemas de contraste de fase,
polarização da luz e iluminação fluorescente, o que o torna bastante versátil. A amostra é constituída
geralmente por cortes transversais, longitudinais ou paradérmicos, que são depositados sobre lâminas
de vidro e cobertos por lamínula. A lâmina é então posicionada no microscópio de modo que o feixe
de luz atravesse a amostra, permitindo a observação de tecidos e células isoladas, além de estruturas
como parede, núcleo e cloroplasto. Dependendo dos objetivos do estudo, as amostras são observadas
a fresco ou após serem submetidas a técnicas específicas de fixação, desidratação e inclusão em resina
plástica ou parafina. Em ambos os casos, os cortes precisam ser suficientemente finos para serem
atravessados pela luz, e podem ser obtidos manualmente, utilizando uma lâmina de aço, ou em
aparelhos específicos chamados micrótomos, equipados com navalhas de aço, vidro ou tungstênio.
Os cortes podem ser observados quanto a coloração natural ou após a utilização de corantes que
permitem aumentar o contraste das estruturas e identificar inclusive a composição química de
algumas delas, como a parede celular (por exemplo Safranina, Azul de Astra, Azul de Toluidina) ou
o conteúdo citoplasmático (Reagente de Lugol, Cloreto Férrico, Sudan Black B, entre outros). A
coloração é uma etapa essencial dos estudos anatômicos, tornando possível diferenciar os tecidos e
visualizar com mais detalhes as estruturas de interesse, constituindo o que é conhecido como
histoquímica vegetal. Além da observação, os microscópios de luz geralmente possuem câmeras
fotográficas, atualmente digitais em sua grande maioria, que permitem obter imagens bidimensionais
coloridas.

b) Microscópio Eletrônico de Varredura - Figuras 1F a 1I


O Microscópio Eletrônico de Varredura é utilizado para responder questões mais específicas
nos estudos anatômicos, pois depende de equipamentos e reagentes mais caros e, em sua maioria,
com mais riscos à segurança humana e ambiental. Nele, um feixe de elétrons e um sistema de lentes
154
magnéticas e detectores permitem a formação de uma imagem ampliada e com alta resolução da
estrutura de interesse, geralmente com aumento de cerca de 100.000 vezes. Os elétrons são
produzidos pelo aquecimento de um filamento metálico (geralmente tungstênio) e percorrem o
interior de uma coluna vertical mantida sob vácuo, até atingirem a superfície da amostra, gerando
sinais que são captados por detectores de vários tipos. As imagens obtidas nesse tipo de microscópio
são superficiais, em escala de cinza, e possuem aspecto tridimensional. O processamento da maioria
das amostras vegetais envolve as etapas de fixação, desidratação e secagem ao ponto crítico em
equipamento específico. As amostras secas são então coladas em suportes metálicos, pulverizadas
com ouro e posicionadas no microscópio. É possível, por exemplo, observar os detalhes do padrão de
ornamentação da cutícula foliar e da exina dos grãos de pólen, além da textura e profundidade de
estruturas que são imperceptíveis quando analisadas no Microscópio de Luz. Alguns microscópios
eletrônicos de varredura possuem adicionalmente um detector de espectroscopia por energia
dispersiva (EDS), que permite, além da imagem, determinar qualitativamente a composição química
da amostra, uma técnica denominada microanálise.

Fig. 1. Tipos de microscópios mais usados nos estudos de Anatomia Vegetal, com os respectivos modos de preparação
das amostras e imagens obtidas. (A) Microscópio de Luz (Laboratório de Anatomia Vegetal, Universidade de São
Paulo, São Paulo-SP). (B) Lâminas histológicas com cortes transversais seriados de amostra incluída em parafina
(corados com Azul de Astra e Fucsina). (C) Corte transversal da folha de uma espécie de Lamiaceae, evidenciando a
epiderme e o parênquima clorofiliano (amostra fresca, corte manual, cor natural). (D) Corte transversal do botão floral
de uma espécie de Melastomataceae, evidenciando as pétalas e o estigma central (amostra fixada, inclusão em resina,
corte em micrótomo com 5 μm de espessura, corante Azul de Toluidina). (E) Corte transversal do caule de uma espécie
de Apocynaceae, evidenciando as células do xilema com parede lignificada (amostra fresca, corte manual, fluorescência
155
natural sob iluminação ultravioleta). (F) Microscópio Eletrônico de Varredura (Laboratório de Biologia Celular,
Universidade de Brasília, Brasília-DF). (G) Fragmentos de órgãos vegetais secos, aderidos a suportes metálicos e
cobertos com ouro. (H) Superfície estigmática da flor de uma espécie de Melastomataceae, evidenciando a
micromorfologia da parede das células papilosas. (I) Corte transversal do pecíolo de uma espécie de Malpighiaceae,
evidenciando os grãos de amido no interior das células parenquimáticas. (J) Microscópio Eletrônico de Transmissão
(Centro de Microscopia Eletrônica, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-BA). (K) Fragmentos de órgãos
vegetais incluídos em resina. (L) Cortes transversais ultrafinos obtidos em ultramicrótomo com navalha de diamante.
(M) Grades de cobre com cortes transversais ultrafinos, durante a etapa de contrastação. (N) Corte transversal do grão
de pólen bicelular de uma espécie de Melastomataceae, evidenciando a ultraestrutura da esporoderme e citoplasma
(amostra fixada, inclusão em resina, corte em ultramicrótomo com 70 nm de espessura, contrastantes: acetato de uranila
e citrato de chumbo). Fonte: Elaborada pelos autores.

c) Microscópio Eletrônico de Transmissão - Figuras 1J a 1N


O Microscópio Eletrônico de Transmissão também é utilizado para responder questões
pontuais nos estudos anatômicos já que o processamento da amostra demanda mais tempo, treino e
depende de equipamentos e reagentes com alto custo e toxicidade. Esse tipo de microscópio é
constituído basicamente por um filamento metálico, geralmente de tungstênio, e por um conjunto de
lentes magnéticas e dispositivos de abertura, posicionados no interior de uma coluna vertical com
sistema de vácuo. O filamento é aquecido, produzindo elétrons que percorrem a coluna e atravessam
a amostra, o que permite a formação de uma imagem ampliada e com alta resolução da estrutura de
interesse, com aumento de até cerca de 300.000 vezes. O processamento das amostras vegetais
envolve geralmente as etapas de fixação, pós-fixação, desidratação e inclusão em resina, o que
permite a obtenção de cortes ultrafinos, geralmente com 70 a 90 nm de espessura, o que só é possível
utilizando um micrótomo especial equipado com navalha de vidro ou diamante. Os cortes são
depositados em telas metálicas, geralmente de cobre, que são contrastadas com soluções contendo os
elementos químicos urânio e chumbo, e posicionadas no microscópio. É possível, por exemplo,
observar a estratificação da parede e a organização do citoesqueleto, além dos detalhes das organelas
como as cristas das mitocôndrias, que são imperceptíveis quando analisadas no Microscópio de Luz.
Alguns microscópios eletrônicos de transmissão possuem adicionalmente alguns componentes típicos
do microscópio eletrônico de varredura, o que permite análises quantitativas ainda mais refinadas.

d) Microscópio Confocal de Varredura a Laser


O Microscópio Confocal vem sendo cada vez mais utilizado nos estudos anatômicos por
permitir a observação tridimensional das estruturas, a localização celular de moléculas e a análise de
processos fisiológicos e ontogenéticos em amostras vivas. Ele é constituído, basicamente, por um
sistema de lasers que operam em diferentes comprimentos de onda de excitação, um orifício de
abertura (“pinhole”) cujo diâmetro pode ser aumentado ou diminuído, e detectores. O laser interage
156
com a amostra ponto a ponto, permitindo a obtenção de uma série de imagens bidimensionais de alta
definição de toda a espessura da amostra, o que é conhecido como secionamento óptico ou virtual.
Essas imagens podem ser analisadas isoladamente ou, mais comumente, de forma agrupada na
reconstrução tridimensional da estrutura de interesse. O processamento das amostras depende
necessariamente do uso de fluorocromos, utilizados para marcar estruturas ou compostos de interesse,
exceto nos casos de fluorescência natural, como por exemplo nas paredes celulares lignificadas e na
exina dos grãos de pólen.

Anatomia Vegetal como ciência aplicada


Com o passar do tempo, a Anatomia Vegetal como ciência aplicada se tornou cada vez mais
fascinante e fundamental na compreensão e conservação da diversidade vegetal. Ela se conecta com
diversas especialidades, incluindo a taxonomia, fisiologia, paleontologia, ecologia vegetal e filogenia,
sendo componente curricular tanto na educação básica quanto nos cursos superiores da área
ambiental, agrárias e da saúde, como por exemplo Ciências Biológicas, Agronomia, Farmácia, e
Ciência Florestal. Além da sua inquestionável importância como ciência pura, demonstrada nos
trabalhos com foco mais técnico e descritivo, cujo objetivo principal é revelar a estrutura ainda
desconhecida dos tecidos, seu desenvolvimento e distribuição no corpo da planta, muitos estudos
recentes têm sido conduzidos com uma abordagem mais aplicada e integrativa (Figura 2). Assim, a
Anatomia Vegetal tem auxiliado cada vez mais a resolver questões complexas nas pesquisas e no
ensino da Botânica, atraindo a atenção de jovens pesquisadores que muito têm contribuído para o
recente impulsionamento da área.

Fig. 2. Alguns dos campos de atuação da Anatomia Vegetal. Fonte: Elaborada por B. Edson-Chaves.

a) Anatomia aplicada à taxonomia e evolução

157
Os caracteres anatômicos têm sido utilizados com grande sucesso nos estudos taxonômicos
em diversas famílias botânicas, especialmente quando as características morfológicas reprodutivas
não estão disponíveis, o que é comum uma vez que em inventários florestais, cerca de 20% das
espécies são encontradas em estágio fértil. Assim, tais caracteres contribuem de forma essencial para
a identificação em diferentes níveis infrafamiliares como subfamílias, tribos, gêneros e espécies. Para
facilitar o reconhecimento das espécies, os caracteres anatômicos constantes e diagnósticos
levantados podem ainda ser utilizados em chaves de identificação, sozinhos ou integrados com os
caracteres morfológicos. Dentre os trabalhos clássicos nesta área podemos citar Systematic Anatomy
of Dicotyledons, de Solereder (1908), Anatomy of the Dicotyledons, de Charles Russell Metcalfe e
Laurence Chalk (1950-1979), Plant Anatomy, de Katherine Esau (1953, 1965), e Anatomy of
Monocotyledons, de Tomlinson (1960-1982). No Brasil, destacamos as inúmeras publicações de
Berta Lange de Morretes (in memorian) e Nanuza Luiza de Menezes, pioneiras nos estudos
anatômicos particularmente das espécies da flora brasileira.
De forma geral, vários autores têm buscado a anatomia como subsídio na identificação de
grupos botânicos mais complexos e é crescente o número de pesquisas realizadas com esse intuito.
Quando uma espécie nova é descoberta, tem sido comum e incentivada a prática de publicar a
descrição anatômica além da morfológica. É cada vez mais comum, também, o uso de dados
morfológicos, anatômicos, moleculares e a combinação deles para um melhor entendimento das
tendências evolutivas e relações filogenéticas entre os diferentes táxons, sendo o conhecimento
anatômico fundamental para a caracterização dos clados e identificação das sinapomorfias que os
sustentam.
O potencial taxonômico da anatomia também se tem mostrado importante para identificar
material fragmentado, especialmente foliares, seja ele proveniente da dieta de herbívoros, de amostras
de plantas medicinais comercializadas, ou de vestígios encontrados em cenas de crimes (ver tópico
de Anatomia aplicada à ciências criminais, mais adiante). No contexto da anatomia da madeira, esta
pode ser usada para auxiliar na identificação de: (i) madeiras de lei, (ii) espécies utilizadas em peças
artísticas e assim permitir a restauração com o mesmo material da madeira original, (iii) madeiras
utilizadas na construção de pontes e construção naval, (iv) das espécies achadas em sítios
arqueológicos, quando estas estão carbonizadas (área conhecida como antracologia) ou não, e (v)
fósseis (paleobotânica).

b) Anatomia aplicada ao desenvolvimento vegetal (ou anatomia ontogenética)


Para estudar o desenvolvimento dos órgãos vegetais o uso da anatomia é essencial, pois ela
permite observar as características estruturais dos órgãos e tecidos e as suas modificações desde o seu
estabelecimento até a fase adulta. Considerando que as plantas são formadas por fitômeros e apresenta
158
crescimento contínuo devido a ação dos meristemas, a partir de cortes seriados pode-se observar como
uma pequena massa de células vai se desenvolvendo e se diferenciando em novos tecidos e, de acordo
com o objetivo do trabalho, pode-se ver como se forma uma determinada estrutura. Na Figura 3, é
possível observar cortes transversais do ápice caulinar de Tetrapterys mucronata Cav.
(Malpighiaceae), espécie com filotaxia oposta cruzada, em duas fases de desenvolvimento. Nesta
espécie, o desenvolvimento se dá de forma assíncrona, ou seja, cada folha se forma em um tempo
diferente.
.

Fig. 3. Cortes transversais do ápice caulinar de Tetrapterys mucronata Cav. (Malpighiaceae), evidenciando o
desenvolvimento foliar. (A) Fase inicial com a folha em formação ainda conectada ao caule (estrutura arredondada mais
centralizada). (B) Estágio mais avançado do desenvolvimento foliar, evidenciando quatro folhas jovens ao redor do
caule. Fonte: Elaborada por L. N. N. Santos-Silva.

Estudos sobre o desenvolvimento de estruturas vegetais são importantes por exemplo para o
reconhecimento de homologias e, consequentemente, de parentesco filogenético entre grupos
taxonômicos, uma vez que os atributos ontogenéticos tendem a não sofrer efeitos da plasticidade
fenotípica. Além disso, eles auxiliam a definir melhor as estruturas morfológicas, por exemplo: (i)
diferenciação entre a hipoderme e a epiderme múltipla, (ii) definir se uma estrutura tem natureza
estipular ou não, (iii) classificação de frutos, entre outros aspectos.

c) Anatomia ecológica e fisiológica


A anatomia ecológica identifica como os fatores ambientais influenciam as características
fenotípicas das plantas, sendo definida como a relação entre as peculiaridades da estrutura interna do
vegetal e o ambiente. Ou seja, busca entender os mecanismos adaptativos que permitem às plantas
sobreviverem frente às variações ambientais em que estão submetidas. Estas variações podem ocorrer
em espaços de tempo considerados curto (atuando na variação fenotípica) ou longo (atuando durante
159
o processo evolutivo). Entre os fatores ambientais mais estudados podemos citar a sazonalidade,
luminosidade, salinidade, alagamento/hipoxia, disponibilidade hídrica, umidade, diferentes tipos de
solo, latitude, altitude, poluição, radiação, toxicidade por metais pesados, herbicidas e gases tóxicos.
Contudo, é um desafio estabelecer com segurança se as alterações observadas são, de fato,
devido às interferências ambientais e verdadeiramente adaptativas, ou se são controladas
geneticamente. Nesse sentido, é importante destacar que diferentemente do aspecto taxonômico, em
que são avaliados principalmente os caracteres diagnósticos qualitativos, para a Anatomia Ecológica
as análises quantitativas são fundamentais. Assim, são realizadas medições sistematizadas nas células
e tecidos, seguidas da aplicação de testes estatísticos para verificar se os fatores ambientais estão
interferindo ou não nos parâmetros estruturais. Em ambientes naturais é comum que mais de um fator
ambiental possa estar atuando nas plantas, o que deve ser levado em conta nos estudos com esse
enfoque, sendo recomendável utilizar análises estatísticas multivariadas.
Dos órgãos vegetais a folha é a que exibe características mais plásticas, refletindo mais
facilmente as interferências ambientais, o que justifica o maior foco das pesquisas de anatomia
ecológica em estruturas foliares. Contudo, as características do caule, especialmente em crescimento
secundário, e da raiz também podem apresentar importantes informações ecológicas.
Considerando que variações anatômicas adaptativas refletem variações nos processos
fisiológicos (o contrário também é válido), frequentemente a anatomia ecológica está associada à
anatomia fisiológica, o que é às vezes chamada de anatomia ecofisiológica. Nela, busca-se estudar as
possíveis relações entre a estrutura e função dos tecidos vegetais com as atividades fisiológicas das
plantas, especialmente aquelas ligadas à fotossíntese, absorção de água e translocação de substâncias
pelo floema. Tais estudos, além de auxiliar na compreensão da resiliência vegetal, podem ser
utilizados para identificar como as espécies vegetais irão responder às mudanças climáticas.

d) Anatomia vegetal no contexto da produção vegetal


A Anatomia Vegetal tem papel de destaque também no campo da Agronomia, Fitotecnia e
Ciências Veterinárias. O conhecimento sobre as características estruturais dos órgãos e tecidos
vegetais é imprescindível para avaliar, dentre outros aspectos, (i) alterações provocadas quando as
plantas são submetidas a tratamentos com substâncias químicas defensivas ou nutritivas, visando
minimizar o uso de agrotóxicos, (ii) resistência estrutural dos vegetais à microorganismos e insetos,
(iii) sucesso da propagação vegetativa, uma importante técnica que depende da regeneração dos
tecidos vegetais, (iv) qualidade das plantas forrageiras, (v) identificação da dieta de animais
herbívoros, e (vi) qualidade de frutos e sementes, visando, por exemplo, observar modificações
estruturais que podem comprometer a sua maturação ou armazenamento.

160
O melhoramento de cultivares com características de interesse envolve a identificação e o
desenvolvimento de técnicas eficientes de propagação dessas características, o que é feito geralmente
por meio de enxertia, cultura de tecidos e cruzamentos artificiais controlados. Nesses casos, o
conhecimento da capacidade proliferativa dos diferentes tecidos vegetais e dos tipos celulares
envolvidos nos mecanismos reprodutivos é essencial. É o que ocorre por exemplo nas plantas
apomíticas, que se reproduzem por meio de sementes formadas assexuadamente, ou seja, sem que
haja fusão entre os gametas masculino e feminino. A produção de sementes viáveis, que garantam a
propagação das espécies com importância econômica é interessante por exemplo quando há limitação
da presença ou atividade dos polinizadores e para viabilizar a fixação de fenótipos de interesse, já que
na ausência de fusão de gametas são gerados indivíduos geneticamente iguais ou muito semelhantes
à planta mãe (clones) sem que se percam as vantagens adaptativas próprias das sementes, como a
proteção durante e após o desenvolvimento e a possibilidade de armazenamento devido à dormência
do embrião.
A microscopia de luz fornece importantes informações fitotécnicas como: espessura da
cutícula e ceras epicuticulares; presença e densidade das células de sílica; características estomáticas;
morfologia e densidade de tricomas; presença de gomas, resinas, látex e mucilagem, presença de
substâncias tóxicas; lignificação dos tecidos; densidade, compactação e espessura da parede das
células do parênquima; presença de suberização interna como reação de defesa contra
microrganismos entre outros aspectos. A análise desses dados pode indicar maior resistência ou
susceptibilidade da planta a patógenos, facilidade ou não na digestibilidade por microorganismos
ruminais, além da resistência da planta a fatores ambientais de modo a compreender melhor as
condições da planta sob condições de estresse biótico e abiótico, visando melhores técnicas de cultivo.
O emprego de técnicas adicionais mais sofisticadas também é comum, como por exemplo a
microanálise, que pode ser obtida no microscópio eletrônico de varredura com detector de energia
dispersiva de raios X (EDS). Essa técnica permite, por exemplo, avaliar o status nutricional das folhas
que são utilizadas na alimentação de rebanhos de corte e leite, por meio da análise qualitativa e
semiquantitativa dos elementos químicos que compõem a amostra vegetal quando sua superfície é
“varrida” pelo equipamento.

e) Histopatologia vegetal
A histopatologia pode ser definida como o estudo dos tecidos vegetais que estão sofrendo um
dano contínuo ao longo do tempo, geralmente associado a um fator biótico, como por exemplo
infecção por vírus, bactérias, parasitas, herbívoros ou fungos (Figura 4). Tais danos interferem nos
processos fisiológicos, alterando características estruturais e bioquímicas, gerando um desempenho
anormal das funções do vegetal.
161
Devido a estas mudanças estruturais, a histopatologia mostra-se como uma área confluente
entre a Anatomia Vegetal e a Fitopatologia, ciência que estuda as doenças dos vegetais. Por meio das
técnicas comumente usadas na Anatomia Vegetal, é possível observar, mesmo em microscopia de
luz, onde e como o patógeno entra no corpo da planta, estudar o ciclo de vida do patógeno, e
identificar as alterações citopatológicas, histopatológicas e organopatológicas. Tais dados permitem
uma melhor compreensão dos mecanismos de interação entre a planta e o patógeno.

Fig. 4. Fungo Prillieuxina winteriana (Pazschke) G. Arnaud (seta) infectando o mesofilo (A) e a face abaxial da
epiderme (B) da folha de Annona muricata L. (graviola). Barra: 50 µm. Fonte: Elaborada por L. N. N. Santos-Silva.

Além disso, a aplicação combinada das técnicas de microscopia de luz, histoquímica e


microscopia eletrônica de transmissão dos tecidos infectados permite por exemplo avaliar as
características químicas, estruturais e ultraestruturais em cultivares resistentes e susceptíveis às
doenças causadas por fungos e bactérias patogênicas. Tais informações são de grande importância
para direcionar os estudos moleculares, por exemplo, na descrição dos mecanismos genéticos
envolvidos e na sua manipulação para fins econômicos.

f) Anatomia associada às ciências criminais


A Botânica Forense, incluindo aqui a Palinologia Forense, constitui de princípios e técnicas
que utilizam vestígios de origem vegetal, in natura ou processados (fragmentos de madeira, folhas,
raízes, grãos de pólen, esporos e outras estruturas vegetais) encontrados em cenas de crime ou em
suspeitos para elucidar casos criminais.
É reconhecida como subárea da Botânica desde 1900 e, embora às vezes seja subutilizada,
desde 1930 vem sendo cada vez mais aplicada em casos de: tráfico de drogas, extração ilegal de
madeiras, identificação de drogas vegetais, falsificação de mel e investigações criminais, incluindo
assasinatos ou mortes acidentais. Isso ocorre porque a interpretação das especificidades dos materiais

162
vegetais (organização dos tecidos, anéis de crescimento, presença ou ausência de certos tipos
celulares como tricomas, entre outros) pode dar importantes informações sobre a cena do crime,
localização de um suspeito ou vítima, e ser considerada evidência para o julgamento, apoiando um
álibi ou associando o suspeito ao crime.
A coleta é a etapa principal para que haja interferência mínima nas provas e para que elas não
sejam contaminadas e nesse momento, observações mais gerais sobre o ambiente da cena do crime
são importantes, incluindo o hábito das plantas, a ocorrência de espécies exóticas, e os componentes
da serrapilheira. As amostras podem ser coletadas nos locais de crime e transportadas para serem
analisadas e identificadas por especialistas botânicos, utilizando várias técnicas da Anatomia Vegetal.
O primeiro caso em que um crime foi elucidado graças ao auxílio da Anatomia Vegetal foi o
do sequestro e assassinato de Charles Lindbergh Junior (filho do aviador americano Charles
Lindbergh), ocorrido nos Estados Unidos em 1932, cuja elucidação dependeu do especialista em
anatomista de madeira Arthur Koehler. O assassino havia construído a escada utilizada para acessar
o quarto e raptar o bebê com diferentes tipos de madeira, como o abeto (Abies sp.), pinheiro (Pinus
sp.) e bétula (Betula sp.), incluindo peças que se encaixavam perfeitamente em partes faltantes do
assoalho de madeira de seu sótão, onde ele executava serviços de carpintaria. No Brasil, tivemos o
caso que envolveu o assassinato da advogada Mércia Nakashima em 2010: algas encontradas presas
à sola dos sapatos do suspeito foram identificadas microscopicamente pelo botânico Dr. Carlos
Eduardo de Mattos Bicudo (Instituto de Botânica de São Paulo) como pertencentes ao mesmo gênero
que é comum na área onde o corpo foi encontrado, ajudando a encerrar o caso.

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165
CAPÍTULO 12

Da planta ao fármaco: uma abordagem fitoquímica


Elielson Rodrigo Silveira (Universidade de São Paulo)
Juliana Cajado Souza Carvalho (Universidade de São Paulo)
Tamara Machado Matos (Universidade de São Paulo)

O capítulo tem como principal objetivo contextualizar a pesquisa e estudo da prospecção de


novos fármacos a partir de plantas. Por ser um tema multidisciplinar, diversos termos, destacados em
negrito, foram esquematizados para melhor compreensão do leitor. Ao final de cada item, os temas
destacados encontram-se sintetizados em figuras.

Breve histórico e conceitos de plantas medicinais


A utilização de plantas medicinais é considerada uma das mais remotas formas de prática
terapêutica para tratamento, cura e prevenção de doenças pela humanidade. O homem primitivo
dependia exclusivamente da natureza para sua sobrevivência e a origem do conhecimento sobre o
emprego de plantas como remédios baseou-se na experiência e observações cotidianas, características
que constituem o saber empírico.
Após o surgimento da escrita, as antigas civilizações iniciaram a compilação e o arquivo das
descobertas de propriedades benéficas ou nocivas das plantas. Acredita-se que a primeira descrição
de plantas para fins medicinais foi registrada na obra Chinesa Pen Ts’ao (2.800 a.C.) de Shen Nung,
a qual menciona o emprego de uma ampla diversidade de plantas medicinais e os procedimentos para
a obtenção de drogas vegetais. Também as escritas em cuneiforme por povos da Mesopotâmia (2600
a.C) relatam a utilização, por exemplo, da Mirra (Commiphora sp. - Burseraceae) e do alcaçuz
(Glycyrrhiza glabra L. - Fabaceae) como anti-inflamatórios. Por volta de 2.300 a.C, as expedições de
diferentes povos contribuíram na descoberta de extratos, produtos naturais e derivados de origem
vegetal. Nesse período, sabe-se que árabes, gregos e romanos já classificavam os medicamentos a
partir de plantas medicinais. Além disso, importantes tratados médicos foram criados com base nas
propriedades medicinais das plantas. Dentre esses, pode-se destacar o Charaka descrito na Índia,
desenvolvido a partir do sistema medicinal denominado Ayurveda, e o Papiro de Ebers escrito no
Egito (1.550 a.C), que relata entre outros usos, o do ópio extraído da papoula (Papaver somniferum
L. - Papaveraceae) como sedativo e do óleo de rícino (Ricinus communis L. - Euphorbiaceae) e de
hortelã pimenta (Mentha piperita L. - Lamiaceae) para finalidades digestivas. Vale ressaltar que
importantes informações sobre o uso de plantas medicinais também foram compiladas por filósofos

166
gregos. Hipócrates (460-377 a.C.), por exemplo, considerado o “pai da medicina” em sua obra Corpus
Hippocraticum, contendo cerca de 70 livros, sugeriu um remédio vegetal para cada doença. Já o
botânico Teofrasto (372-287 a.C.), listou aproximadamente 450 plantas com potencial medicinal que
resultou na incorporação da fitoterapia ao conhecimento médico daquela época e no primeiro herbário
ocidental com detalhes do preparo e prescrição de cada planta, os quais são utilizados até hoje na
medicina tradicional.
O grande marco do início da Era Cristã foi a obra De Matéria Médica (50 d.C) escrita pelo
médico grego Pedanius Dioscorides que compreende a descrição e ilustração de cerca de 600 plantas
para utilização terapêutica. Essa obra foi considerada a principal referência de plantas medicinais para
médicos e farmacêuticos, sendo muito dos nomes atribuídos às espécies vegetais usados na botânica
atual. Entre os principais registros apontados por Dioscorides estão o emprego do ópio também como
veneno e do salgueiro branco (Salix alba L. - Salicaceae), matéria prima vegetal para síntese do ácido
acetilsalicílico, para a dor. Hoje, sabe-se que vários medicamentos descritos por Dioscorides tiveram
sua eficácia comprovada no tratamento de doenças renais, epilepsia, etc., demonstrando a sua valiosa
contribuição na área medicinal.
Com o avanço científico da área química na idade contemporânea (XIX), a fitoterapia
progrediu significativamente possibilitando a análise, identificação e isolamento dos princípios ativos
vegetais que passaram a ser utilizados em substituição aos extratos vegetais. Dentre os principais
acontecimentos que caracterizaram este século pode-se ressaltar, o isolamento do potente analgésico
morfina presente no ópio pelo farmacêutico alemão Serturner em 1803; do antimalárico quinina
obtida da casca de Cinchona sp. pelos químicos franceses Pelletier e Caventou em 1819 e da atropina
usada no tratamento de doenças do sistema nervoso oriunda da beladona (Atropa belladonna L. -
Solanaceae) pelo químico alemão Mein em 1831. Além disso, destaca-se o desenvolvimento do
conceito da homeopatia e investigações da atividade de remédios com a menor dose possível pelo
médico alemão Hahnemann em 1976.
Entretanto, devido ao avanço das técnicas em química orgânica no decorrer da primeira
metade do século XX, houve um notável progresso na elucidação da estrutura química dos fármacos
vegetais contribuindo explicitamente para o conhecimento da composição química das plantas,
permitindo que muitas moléculas isoladas a partir de fontes vegetais se tornassem medicamentos.

167
Fonte: figura dos autores.

165

Fonte: Elaborada pelos autores.


D
Rastreamento de fontes vegetais para produção de medicamentos
Nas últimas 4 décadas, a FDA (Food and Drug Administration) aprovou 1.881 novas
moléculas para serem utilizadas como medicamentos. Dessas, 23,5% provêm de produtos naturais e
seus derivados, o que indica grande importância desta fonte para descoberta e desenvolvimento de
novos medicamentos. Comparados com moléculas de origem sintética, os compostos provenientes de
origem natural possuem estruturas químicas mais complexas, com variedade de esqueletos, alta massa
molecular, além de diversas características químicas desejáveis para o aproveitamento em múltiplas
bioatividades. Dentre os produtos naturais, as plantas possuem um notável papel em pesquisas com
esta abordagem, devido a extensa variedade de vias metabólicas, proporcionando uma vasta gama de
componentes.
Conforme descrito anteriormente, o emprego de plantas como uma fonte rica para tratamento
de patologias é tradicionalmente utilizado há muito tempo. Ainda assim, para a escolha de uma fonte
vegetal diversas características podem ser levadas em consideração como a etnobotânica, a
quimiotaxonomia, a função ecológica e a interação planta-ambiente.
A etnobotânica é a área de pesquisa que investiga a relação entre povos, culturas e plantas,
com o objetivo de registrar o saber tradicional do uso da flora por populações. No Brasil, diversos
grupos étnicos utilizam plantas para o tratamento de doenças e, portanto, são potenciais fontes para
descoberta de novos medicamentos. É o caso, por exemplo, da liana popularmente chamada de
crajiru, pariri ou cipó-cruz (Fridericia chica (Bonpl.) L.G.Lohmann. - Bignoniaceae) de ampla
ocorrência nacional, mas comumente empregada por tribos indígenas amazônicas para o tratamento
de feridas, inflamações, cólicas, anemia e infecções de pele e que, devido aos seus extratos
avermelhados, também é usada como tintura em rituais. Diversos estudos comprovaram a eficácia do
extrato desta espécie como anti-inflamatório, antiproliferativo e antifúngico. Estudos fitoquímicos
comprovaram a presença de 3-deoxiantocianidinas (Figura 1), as quais proporcionam a coloração do
extrato e representam um importante papel na bioatividade desse vegetal. Devido a larga utilização
dessa espécie no Brasil, esta encontra-se na Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao
Sistema Único de Saúde (RENISUS).

169
D

Fig. 1. 3-Deoxiantocianidinas encontradas em Fridericia chica (Bignoniaceae). Fonte: Elaborada pelos autores.

Em 2006, no Brasil, com o objetivo de garantir acesso seguro ao uso de plantas medicinais e
fitoterápicos foi criada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Decreto Nº 5.813,
de 22 de junho de 2006). A partir desse estímulo na utilização de fitoterápicos, o Ministério da Saúde
publicou, em 2009, a lista RENISUS, a qual elencou 71 espécies com o objetivo de estimular o
desenvolvimento de pesquisa destas espécies e de sua cadeia produtiva. Tal projeto, abre perspectivas
para o estudo com plantas medicinais, especialmente as citadas anteriormente como provenientes do
saber popular, e pode posicionar um papel de destaque para o país no mercado de fitoterápicos. No
entanto, até o momento, apenas dois fitoterápicos oriundos da flora brasileira estão disponíveis no
mercado, o analgésico e anti-inflamatório Acheflan®, obtido através do óleo essencial de Cordia
verbenacea D.C. (Boraginaceae), e o Melagrião® utilizado no tratamento de tosse e asma
desenvolvido a partir das folhas de Mikania glomerata Spreng. (Asteraceae). Em 2016, a venda no
Brasil desses dois fitoterápicos rendeu um total de 53,9 milhões de reais, demonstrando a importância
de incentivo no desenvolvimento de fitomedicamentos de origem nacional.
Indubitavelmente, há um grande esforço no estudo de plantas de uso tradicionais para o
desenvolvimento de novos medicamentos. No entanto, a compreensão de tendências evolutivas e a
classificação vegetal, aliadas a estudos químicos, também podem contribuir como uma ferramenta
para auxiliar e prever potenciais compostos químicos dentro de um mesmo gênero ou família.
O gênero Narcissus (Amaryllidaceae), por exemplo, foi estudado por esse ponto de vista, uma
vez que uma grande variedade de alcaloides, com até 8 esqueletos distintos, já haviam sido descritos
em diversas espécies desse gênero (Figura 2). Desses, a Galantaina, destacada em rosa, é reportada
como uma substância promissora para tratamento da doença de Alzheimer. Essa doença é
caracterizada por ser neurodegenerativa, por causar perda na função de neutrotransmissores cerebrais,
170
D
como a acetilcolina, norodrenalina e serotonina. O tratamento mais comum envolve inibição da
enzima acetilcolinesterase, que apresentou grande eficiência no tratamento clínico dessa doença.

Fig. 2. Alcaloides encontrados em Narcissus (Amaryllidaceae). Fonte: Elaborada pelos autores.

Assim, o estudo com espécies de Narcissus visava utilizar a filogenia para buscar novas
potenciais espécies para o tratamento da doença. Os pesquisadores verificaram que a distribuição da
ocorrência de alcaloides do tipo licorina e galantamina são significativamente restritos pela filogenia,
possibilitando, assim, o uso de dados filogenéticos para prever alcaloides de interesse em espécies
não estudadas, e dessa forma, torná-los alvos de estudos para o desenvolvimento de medicamentos
para o tratamento da doença de Alzheimer.

171
D
Esse estudo não é um caso isolado, uma vez que outros gêneros e famílias têm sido
investigados com o emprego da quimiotaxonomia. O gênero Drosera (Droseraceae), por exemplo,
possui, comprovadamente, sessões que apresentam correlação com a produção de naftoquinonas.
Entre esses, pode-se citar a espécie Drosera capensis L., documentada como produtora de duas
naftoquinonas (Figura 3), as quais possuem atividades antifúngica e antibactericida. Apesar da
distribuição desses compostos estar correlacionada com sua taxonomia, a ocorrência simultânea
desses constituintes possui circunstâncias limitadas.

Fig. 3. Naftoquinonas produzidas no gênero Drosera. Fonte: Elaborada pelos autores.

Na literatura da ordem Caryophyllales, a produção de naftoquinona está relacionada com


funções ecológicas, tais como a carnivoria. Nesse sentido, estudos com espécies de Drosera
apontaram que a síntese desses compostos é induzida e localizada nas folhas sendo uma resposta para
a captura de insetos. Assim como demonstrado para as plantas carnívoras, a verificação da função
ecológica em outras espécies pode ser um ponto essencial para a maior produção de compostos
desejados para a área farmacológica.
Por fim, a prospecção de novas drogas também pode ocorrer pela investigação da interação
planta-ambiente. É bem relatado na literatura que as vias biosintéticas de plantas podem ser alteradas
ou favorecidas a partir de uma modificação nas características bióticas ou abióticas. O aquecimento
global e a deterioração da camada de ozônio têm causado fatores de estresse para as plantas, como o
aumento da temperatura e radiação UV, e alterações nos padrões de precipitação que refletem, por
exemplo, na maior incidência de secas. Em resposta a essas condições, as plantas induzem a produção
de diversas substâncias como, por exemplo, os jasmonatos (Figura 4), considerados hormônios de
estresse em plantas. O potencial biológico dos jasmonatos é amplamente descrito em literatura, sendo
sinalizado como importantes agentes anticâncer tanto in vivo quanto in vitro.

172
D

Fig. 4. Exemplos de jasmonatos produzidos por plantas sob estresse abiótico. Fonte: Elaborada pelos autores.

A relação entre microoorganismos e vegetais também pode ser considerada uma fonte
valiosa para a produção de compostos. Fungos endofíticos isolados das folhas e raízes de
Catharanthus roseus (L.) G. Don (Apocenaceae), por exemplo, foram considerados eliciadores,
responsáveis por aumentar nos calos a produção de alcaloides indólicos, tais como vinblastina e a
ajmalicina (Figura 5). Essas substâncias são utilizadas no tratamento do câncer e controle da
hipertensão, respectivamente, e, em condições normais, acumulam-se em baixas concentrações nessa
planta.

Fig. 5. Exemplos de alcaloides indólicos sintetizados em Catharanthus roseus (Apocenaceae) sob influência de estresse
biótico. Fonte: Elaborada pelos autores.

Assim, todas essas abordagens trazem uma luz para a pesquisa e prospecção de novos fármacos.

173
D

Fonte: Elaborada pelos autores.

Limitações para utilização de fontes vegetais como fármaco


Apesar das abordagens descritas anteriormente em relação à busca por novos fármacos, há
diversas limitações para garantir sua aplicação. Tais restringências podem variar desde a correta
identificação da espécie, sazonalidade e localização da coleta do vegetal, ontogenia da planta,
rendimento de massa de extrato e/ou princípio ativo, para seguir com a pesquisa e sucesso nos
aspectos de segurança da medicação.
No campo das plantas medicinais, a correta identificação da espécie a ser estudada é um dos
passos mais importantes para prosseguir com qualquer investigação. Qualquer trabalho, quer seja na
área de etnobotânica, etnofarmacologia, farmacologia, farmacognosia, fitoquímica, agronomia ou
biotecnologia, para que mereça confiabilidade, deve assegurar que as espécies vegetais investigadas
sejam corretamente identificadas, e depositadas no herbário de alguma instituição. Para tanto, alguns
passos primordiais devem ser seguidos, tais como a colaboração com um pesquisador da área de
taxonomia para auxiliar na coleta, herborização, identificação e registro da espécie vegetal.
Nomes populares para espécies vegetais, por serem regionais, não recebem importância em
trabalhos científicos, entretanto podem contribuir em trabalhos etnobotânicos, podendo dar indícios
do uso tradicional de determinada espécie. Entretanto, quando se faz uso de uma planta medicinal

174
D
baseado apenas em seu nome popular, um grande risco é enfrentado, uma vez que uma planta pode
receber vários nomes dependendo da região de ocorrência. Um exemplo importante nesse sentido,
são as plantas conhecidas popularmente como “erva-cidreira”. Esse nome popular é usado para uma
diversidade de espécies, como por exemplo Alosia citrodora Paulau (Verbenacee), Lippia alba L.
(Verbenaceae), Melissa officialis L. (Lamiaceae) e Cymbopogus citratus DC Stapf (Poaceae), entre
outras espécies.
A identificação incorreta da planta a ser empregada como fitoterápico pode induzir o usuário
a utilizar uma planta sem o princípio ativo desejado, e em alguns casos, induzi-lo a fazer uso de uma
planta nociva à saúde, podendo ocasionar danos mortais.
Outro exemplo que pode ser citado é uma planta tradicionalmente utilizada no Ceará, chamada
de Jararaca, que é frequentemente confundida por muitos com Dracontium asperum K. Koch.
(Araceae) devido sua semelhança morfológica. D. asperum é popularmente utilizada para fins anti-
inflamatórios, porém apesar da semelhança entre as duas espécies, Jararaca é, na verdade, a espécie
Taccarum ulei Engl. & K. Krause (Araceae), uma planta potencialmente venenosa, da mesma tribo
taxonômica da comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia seguine (Jacq.) Schott – Araceae).
Além da correta identificação da espécie vegetal, outro fator limitante para obtenção de seus
princípios ativos é a sazonalidade da coleta do vegetal. Esse cuidado já era observado desde os
primórdios do uso de plantas medicinais. Os carrascos gregos, por exemplo, coletavam suas amostras
do veneno cicuta (Conium maculatum L. - Apiaceae) pela manhã, quando os níveis de coniina são
maiores. Apesar da existência de um controle genético, a expressão na síntese de metabólitos
secundários pode sofrer modificações resultantes da interação de processos bioquímicos, fisiológicos,
ecológicos e evolutivos, podendo ocorrer em diferentes níveis, desde variações ao longo do dia quanto
de acordo com a sazonalidade.
Um dos fatores mais importantes na obtenção de fármacos é a época em que a droga é coletada,
uma vez que a quantidade e, em alguns casos, a natureza dos constituintes ativos não é constante
durante o ano. Diversos autores relatam a influência de variações sazonais no conteúdo de
praticamente todas as classes de metabólitos secundários, como óleos essenciais, lactonas
sesquiterpênicas, ácidos fenólicos, flavonóides, cumarinas, saponinas, alcaloides, taninos, ceras
cuticulares, iridóides, glucosinolatos e glicosídeos cianogênicos.
Alguns exemplos podem ser citados em relação às plantas amplamente utilizadas na
terapêutica e a variação de seus constituintes frente a diferentes pressões sazonais. As folhas de
Digitalis obscura L. (Plantaginaceae) apresentam as menores concentrações de cardenolídeos, como
o lanatosídeo A (Figura 6), na primavera e uma fase de rápido acúmulo no verão. Além disso, as
concentrações de hipericina e pseudo-hipericina na erva de São João (Hypericum perforatum L. -
Hypericaceae), utilizada no tratamento de depressões leves a moderadas, aumentam cerca de três
175
D
vezes sua concentração no verão, em relação ao inverno. Nas folhas de Ginkgo biloba L.
(Ginkgoaceae) as concentrações de biflavonoides, como a ginkgetina (Figura 6), constituintes ativos
dos extratos utilizados para tratamento de desordens vasculares periféricas e cerebrais, também
apresentam marcantes variações ao longo do ano.

Fig. 6. Representação das estruturas químicas de lanatosídeo A e ginkgetina. Fonte: Elaborada pelos autores.

A localização geográfica da coleta do material vegetal também pode ser considerada um fator
importante e influenciável na composição química da espécie. Essa relação foi constatada em em
Artemisia annua L. (Asteraceae) proveniente de diferentes regiões da China. Desta planta é extraída
a artemisinina e outros constituintes químicos tais como, o ácido artemisínico, a arteanuína B e a
escopoletina (Figura 7), que contribuem para o efeito antimalárico, além de outras eficácias médicas
comprovadas. Deste modo, foi detectado que os constituintes químicos de A. annua variam
significativamente de acordo com as localizações geográficas, podendo desempenhar um papel
fundamental nas características de eficácia e nos constituintes químicos desta planta.

176
D

Fig. 7. Representação das estruturas químicas dos constituintes de Artemisia annua L. (Asteraceae). Fonte: Elaborada
pelos autores.

Além disso, a ontogenia da planta, bem como os diferentes órgãos vegetais, também são de
considerável importância e podem influenciar não só a quantidade dos metabólitos produzidos, mas
também as proporções relativas de cada componente do extrato. É o caso, por exemplo, das lactonas
sesquiterpênicas produzidas em Arnica montana L. (Asteraceae), consideradas os principais
princípios ativos desta planta utilizada como antiinflamatório. Enquanto plantas jovens acumulam
majoritariamente derivados da helenalina (Figura 8), por outro lado a concentração destes compostos
é reduzida para praticamente zero após aproximadamente seis semanas a partir da formação das
folhas.

Fig. 8. Representação da estrutura química da lactona sesquiterpênica helenalina produzida em Arnica montana L.
(Asteraceae). Fonte: Elaborada pelos autores.

Outro ponto que merece destaque em relação a obtenção de fármacos, é o rendimento


necessário para que a sua produção e comercialização em larga escala seja viável. Para
compreendermos a importância desse aspecto, podemos buscar entender o caso do Taxol, que é uma
substância isolada a partir da casca do Taxus brevifolia Nutt (Taxaceae), e de outras espécies do

177
D
gênero Taxus que têm sido objeto de inúmeras pesquisas nos últimos anos devido principalmente ser
um forte agente anti-cancerígeno. Esta ação eficiente contra tumores deve-se, sobretudo, à interação
destes compostos com uma proteína específica chamada Tubulina, que é responsável por vários
processos da divisão celular.
Apesar dos resultados promissores do Taxol em relação a sua atividade antitumoral, diversos
fatores são limitantes para sua obtenção de forma natural. Essa substância encontra-se em pequena
quantidade nas cascas de T. brevifolia (± 100 mg/kg de casca seca) e sua extração depende da remoção
completa da planta, ocasionando a morte da espécime. Além disso, Taxus possui lento crescimento e
distribuição restrita, levando anos para que uma nova espécie esteja adequada para a obtenção dessa
substância novamente. Como afirmado acima, devido à escassez de árvores de Taxus, seu lento
crescimento e baixa concentração de Taxol, a obtenção dessa molécula isolada diretamente da planta
é muito limitada, com isso novas formas de obtenção desse importante quimioterápico se faz
necessária. Neste sentido, se destaca a importância de estudos em produtos sintéticos com base em
produtos naturais, sendo que, a possibilidade de modificar a estrutura química das moléculas, de modo
a potencializar suas propriedades farmacodinâmicas ou tornar mais factível sua obtenção, torna a
pesquisa de produtos naturais ou derivados um campo altamente promissor.
Dentre as possibilidades de obtenção e/ou modificação de um fármaco, uma delas é a
semissíntese, que consiste em isolar a molécula de interesse e modificá-la parcialmente por meio de
processos químicos. Para esse caso, podemos citar novamente o ácido acetil salicílico. Este composto
foi desenvolvido a partir da Salicina (Figura 9), porém, devido ao seu caráter altamente ácido, o
principal efeito colateral era fortes dores no estômago. Em vista da solução desse problema, variações
dessa molécula foram obtidas e testadas, chegando à síntese do ácido salicílico (Figura 9), que ganhou
uma série de outros benefícios, como solução para dores de cabeça e articulações, reumatismo e
artrite, embora seu uso ainda ocasionasse desconforto e dores no estômago. Deste modo, um químico
da Bayer, Felix Hoffmann, conseguiu modificar a estrutura dessa molécula de maneira que a tornasse
menos agressiva as paredes estomacais, mantendo suas propriedades benéficas, sendo essa substância
amplamente comercializada atualmente com o nome de ácido acetil salicílico (Figura 9) sendo
popularmente chamada de aspirina.

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D

Fig. 9. Representação das estruturas químicas da Salicina, do ácido salicílico e do ácido acetil salicílico. Em rosa, o
destaque para a modificação estrutural do composto. Fonte: Elaborada pelos autores.

Outra forma é produzir o composto de maneira totalmente sintética, entretanto essa alternativa
nem sempre é viável. Para entender esse caso, podemos retornar ao caso do Taxol (Paclitaxiel), que
apresenta uma estrutura muito complexa (Figura 10). Apesar de alguns pesquisadores já ressaltarem
o sucesso na síntese total dessa molécula, o que de fato é um grande marco na comunidade científica,
essa substância obtida a partir da síntese total em laboratório não pode ser comercializada devido a
uma série de fatores. O principal ponto que impede sua comercialização é que para adquirir o produto
final, são necessários mais de 20 passos na obtenção da molécula, e o índice de acerto em muitos
desses processos é baixo. Com isso, a síntese total do Taxol é inviável devido ao alto custo de
produção, o que faria com que seu custo comercial tivesse um preço elevado.

Fig. 10. Representação da estrutura química do Taxol. Fonte: Elaborada pelos autores.

Uma outra alternativa, mais recente, consiste em modificar os produtores dos compostos por
meio de engenharia genética. Em alguns casos, essa técnica envolve transferir os genes responsáveis
pelo composto de um organismo para outro, como por exemplo, de uma planta para uma bactéria e/ou

179
D
levedura. A vantagem, nesse caso, é que as bactérias ou leveduras são mais fáceis de cultivar e
crescem mais rapidamente do que as plantas.
Em adicional, é primordial que o produto final passe pelas fases de investigação dos aspectos
de segurança da medicação, como em experimentos em animais. Essa fase é conhecida como etapa
pré-clínica, e tem como objetivo obter informações preliminares sobre a atividade farmacológica do
medicamento. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, mais de 90% das substâncias
estudadas nesta fase são eliminadas devido à toxicidade aos humanos ou ineficiência terapêutica.
Nessa fase, a partir do sucesso do candidato ao fármaco ela está aprovada para ser estudada em seres
humanos.
Por fim, para a prospecção de um medicamento oriundo de produtos naturais ou mesmo
produtos sintéticos, é necessário compreender como esse fármaco irá agir no corpo humano, e essa
etapa de estudos científicos é dividida em quatro fases principais. Na primeira fase o estudo é feito
em um pequeno grupo de pessoas, sem a presença da doença alvo, visando a princípio, investigar
diferentes dosagens do medicamento. Na fase seguinte é realizado um estudo terapêutico piloto para
demonstrar a potencial efetividade do medicamento, sendo que nesse caso, as pessoas voluntárias são
aquelas condicionadas com a doença em enfoque. A terceira etapa é feita em um grande e variado
grupo de pessoas, e o principal objetivo é avaliar e relação de benefício/malefício do medicamento,
contraindicações, efeitos colaterais, dentre outros. Após essa terceira fase, o medicamento está pronto
para ser comercializado, e a partir desse ponto é feita a quarta e última etapa de teste, que compreende
os estudos de vigilância pós comercialização.
Nesse longo caminho, desde a descoberta de uma molécula em um vegetal potencialmente
ativa contra alguma doença até a sua efetiva comercialização visando a cura e/ou tratamento de
alguma enfermidade, muitas substâncias são descartadas e pouquíssimas chegam a se tornar, de fato,
um fármaco e/ou medicamento.

180
D

Fonte: Elaborada pelos autores.

Potenciais estratégias na obtenção de medicamentos naturais


Apesar das dificuldades apontadas anteriormente, a pesquisa para novos medicamentos de
origem natural é de grande relevância e, por isso, pesquisadores da área buscam cada vez mais
aprimorar as técnicas e criar estratégias para facilitar a busca por compostos bioativos. Atualmente,
cinco estratégias podem ser citadas como as principais na realização desses estudos, são elas: estudo
bioguiado, estudo bioguiado com sinergia, metabolômica, isolamento fitoquímico e "abordagem
direcionada ao metabolismo"
O estudo bioguiado tem por objetivo monitorar a atividade biológica de interesse, aumentando
as chances de isolar um composto com elevado potencial biológico, ou obter um grupo de substâncias
ativas. Neste caso, o ensaio biológico acontece de forma concomitante a diversas técnicas de
separação cromatográficas, e o fracionamento segue com as frações que se demonstrarem mais ativas,
até chegar a um composto puro.
Entretanto, a alta atividade biológica de um extrato bruto, ou uma fração, pode ser resultado
de vários compostos com atividade baixa ou moderada. Esses compostos, quando presente no mesmo
extrato, podem agir de forma sinérgica potencializando o efeito biológico da amostra, sendo essa
estratégia denominada de estudo bioguiado com sinergia. Neste caso, o fracionamento/isolamento
pode romper essa interação, resultando em um declínio da atividade biológica, e o composto isolado

181
D
obtido pode não apresentar um desempenho satisfatório. Em muitos casos, esse efeito pode ser
perdido desde o primeiro fracionamento a partir do extrato bruto, indicando que todos, ou a maioria
dos compostos presentes na amostra são fundamentais para um bom resultado.
Muitas indústrias farmacêuticas fazem uso dessa técnica para buscar novos medicamentos,
como por exemplo a Aché, uma das maiores farmacêuticas da América do Sul. Após vários anos de
pesquisa, em 2005 a empresa lançou seu primeiro produto, um anti-inflamatório tópico denominado
Acheflan®. Um fracionamento bioguiado a partir do óleo volátil da erva de baleeira (Cordia
verbenaceae DC. – Boraginaceae) levou a identificação dos princípios ativos que resultou na
atividade anti-inflamatória, sendo que tal efeito foi relacionado a presença de α-humuleno e trans-
cariofileno, dois sesquiterpenos representados na Figura 11 abaixo:

Fig. 11. Sesquiterpenos presentes no óleo volátil da erva de baleeira responsáveis pela atividade anti-inflamatória do
Acheflan®. Fonte: Elaborada pelos autores.

Promissora para a descoberta de novos fármacos, a metabolômica vem sendo apontada por
diversos pesquisadores como uma abordagem capaz de acelerar o processo de identificação de
componentes químicos. Essa técnica correlaciona o perfil químico e de bioatividade de extrato(s) de
planta(s) para orientar o isolamento de compostos. Assim, é possível rapidamente identificar
constituintes já conhecidos (técnica da desreplicação) e apontar alvos para a descoberta de novos
compostos bioativos.
O estudo de folhas de Panax notoginseng (Burkill) F.H.Chen. (Araliaceae), por exemplo,
obteve sucesso para a identificação de um novo composto. As folhas dessa espécie possuem saponinas
do tipo protopanaxadiol em abundância, as quais conferem elevada atividade antitumoral ao extrato.
Um estudo de estrutura-atividade desses compostos demonstrou que a atividade mais pronunciada
estava relacionada a compostos com baixa polaridade (menor número de hidroxilas e açúcares).

182
D
Assim, visando estruturas com essas características, pesquisadores utilizaram o recurso da
metabolômica, obtendo êxito na identificação de um novo constituinte antitumoral.
Apesar de ser uma valiosa ferramenta, a metabolômica exige a utilização de técnicas sensíveis
e bem reprodutíveis, como é o caso de cromatógrafos (Cromatógrafos Líquidos de Ultra/Alta
Perfomance - CLAE ou Cromatógrafos a gás - CG) associados a técnicas espectrométricas (como
espectrometria de massas de alta resolução ou Ressonância Magnética Nuclear), além de
conhecimentos em estatística. Adicionalmente, a alta complexidade das amostras analisadas, a grande
variedade de algoritmos utilizados e a desreplicação e identificação inequívoca de componentes
valem ser ressaltadas como desvantagens na utilização deste método.
Já o isolamento fitoquímico é uma abordagem focada em uma compreensiva caracterização
química do extrato e o isolamento de novos produtos naturais, sem que haja uma avaliação imediata
da bioatividade. Assim, após a desreplicacão, os estudos são focados no isolamento de componentes
químicos, os quais podem ser posteriormente testados para uma série de atividades diferentes.
O isolamento fitoquímico é largamente utilizado na literatura. A investigação de uma
variedade de absinto livre de Tujonas (Artemisia umbelliformis Lam – Asteraceae), por exemplo,
levou a obtenção de uma lactona sesquiterpenica, nomeada como genopolídeo. Posteriormente, esse
composto foi estudado por seus efeitos como anti-inflamatório tópico, apresentando resultados
promissores.
Assim a técnica de isolamento químico pode ser favorável para a melhor compreensão e
caracterização de componentes químicos novos, porém é considerada onerosa, exigindo tempo e
esforços, sem que haja uma garantia de que o composto apresentará alguma atividade biológica
relevante.
Outra estratégia que tem sido reconhecida na identificação de potenciais metabólitos vegetais
bioativos é denominada de "abordagem direcionada ao metabolismo", ou seja, algumas moléculas
podem não estar presentes no material vegetal inicial, mas são sintetizadas como resultado da
transformação metabólica in vivo pelos microrganismos intestinais ou pelo organismo dos mamíferos,
a fim de torná-las farmacologicamente ativas. Por outro lado, a ausência de compostos efetores no
material vegetal de partida tem gerado inúmeros desafios para as estratégias convencionais de
investigações da bioatividade de plantas medicinais tradicionalmente utilizadas.
Como exemplo dessa abordagem pode-se destacar os flavonoides dietéticos. Compreendendo
mais de 10 milhões de flavonoides identificados, geralmente encontrados na natureza como
glicosídeos, esses compostos têm atraído grande interesse devido às evidências crescentes de seus
efeitos benéficos para a saúde humana. Estudos recentes demonstraram que a ingestão regular de
flavonoides está correlacionada com a redução da possibilidade do risco de doenças tais como
Alzheimer, tumorais, inflamatórias, entre outras.
183
D
A ingestão de flavonoides glicosilados por mamíferos leva a formação de suas respectivas
agliconas por meio da ação de enzimas ou da microflora intestinal. Nesse sentido, a biotransformação
pelo organismo e/ou microrganismo desses compostos pode modular suas propriedades biológicas.
O processo de sulfatação e glucuronidação são particularmente importantes a fim de aumentar o peso
e a solubilidade de agliconas polifenólicas e, consecutivamente, sua atividade fisiológica e biológica
no organismo.
Considerando o histórico, os desafios e as estratégias da utilização de plantas para fins
medicinais são notáveis os avanços da pesquisa com essa abordagem em prol da saúde humana. No
entanto, torna-se explícito a necessidade de um maior incentivo científico e tecnológico de qualidade
nesse campo, a fim de contribuir para a prospecção de produtos inovadores proveniente da
biodiversidade vegetal brasileira e, consequentemente, posicionar o Brasil em um papel de maior
destaque no cenário do mercado mundial de fitomedicamentos.

Fonte: Elaborada pelos autores.

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186
D
CAPÍTULO 13

Ver para crer: abordagens com microscopia de fluorescência no estudo de


interação planta-microrganismo
Arthur Peixoto Berselli (Universidade de São Paulo)
Dora Takiya Bonadio (Universidade de São Paulo)
Henrique Moura Dias (Universidade de São Paulo)

Plantas não estão sozinhas


Plantas estão constantemente em contato com microrganismos, sejam eles representantes dos
mais diversos grupos como bactérias, fungos, oomicetos, vírus, algas ou até mesmo nematódeos,
dentre os quais, alguns possuem capacidade de causar doenças, sendo classificados assim como
fitopatogênicos. Apesar da associação de microrganismos a doenças seja recorrente, esse fenômeno
ocorre como uma exceção na natureza, no qual plantas em sua maioria tendem a ser resistentes a uma
parcela significativa desses microrganismos. Dada sua relevância na segurança alimentar global, a
importância da interação entre plantas e microrganismos é amplamente conhecida. Destaca-se o viés
prejudicial, envolvendo organismos patogênicos. No entanto, diversos organismos compõem o
microambiente do solo e das partes aéreas de uma planta e têm grande influência sobre sua fisiologia
e morfoanatomia vegetal, como o caso particular da associação de fungos, bactérias e raízes formando
um ambiente complexo como a rizosfera (ambiente das raízes). Embora muito se tenha avançado
sobre a biologia de plantas agrícolas em resposta a infecções e sobre a natureza de alguns
fitopatógenos, questões ainda permanecem em aberto. Neste capítulo será apresentada a importância
da microscopia no campo da interação planta-microrganismo, com ênfase na técnica de microscopia
de fluorescência como possível ferramenta de investigação dessa interação.

Avanços sobre lâminas e lentes


Evidências demonstram que a interação entre plantas e microrganismos já ocorria há cerca de
450 milhões de anos, dirigindo a evolução de plantas terrestres. Contudo, não existe consenso a
respeito das primeiras impressões da relação planta-microrganismo sob o olhar humano. Registros
antigos que datam 1.500 a.C, já descreviam doenças e seus impactos, além de estratégias para lidar
com essas adversidades. Exemplo disso são as escrituras do filósofo grego Teofrasto, com
observações sobre a susceptibilidade a doenças e como variava entre espécies de plantas, até mesmo
sobre como surtos de doenças em planícies são mais severos do que em encostas. Apesar das
observações astutas, a natureza microscópica da maioria dos patógenos fez com que cientistas antigos

187
D
tivessem dificuldades de compreender a verdadeira natureza de doenças em plantas. Somente quase
dois mil anos depois de Teofrasto, quando houve avanços em abordagens científicas e microscópicas,
que essa natureza começou a ser elucidada.
Fatos importantes na história contribuíram para esses avanços, como o surto de requeima da
batata na Europa. Nativa dos Andes, a batata (Solanum tuberosum) foi introduzida na Europa,
tornando-se em pouco tempo uma das bases alimentares em todo o continente. Durante o século XIX,
extensas áreas de plantio foram acometidas pela doença da requeima da batata, causada pelo oomiceto
Phytophthora infestans, gerando ondas de fome por toda a Irlanda. Esse marco trágico motivou os
cientistas da época a buscarem uma solução. O cientista Miles J. Berkeley, interessado em
compreender a doença na planta, concluiu através de observações microscópicas que o agente causal
era P. infestans, no entanto, essas conclusões não foram rapidamente aceitas. Somente anos mais
tarde, quando Anton de Bary transferiu esporos de plantas doentes para plantas sadias, tornando-as
infectadas e em paralelo, com as descobertas de Louis Pasteur e Robert Koch que resultaram na
publicação do postulado de Koch em 1890, que se iniciou o processo de aceitação da teoria dos germes
e sua relação com doenças.
No mesmo período, o pesquisador Thomas J. Burril (1878) descobriu que uma doença que
afetava pêras e maçãs era causada pela bactéria E. amylovora, e essas descobertas tomaram relevância,
sendo que sua técnica de observação com lâminas, tecidos contaminados e água é até hoje uma das
abordagens mais simples e usadas para detecção de bactérias em tecidos vegetais.
Pouco tempo depois, no ano de 1890, os pesquisadores Martinus Beijerinck e Dmitri
Ivanovsky identificaram através de fotomicrografia, técnica bastante inovadora para a época, o agente
causal do mosaico do tabaco que a princípio fora descrito como uma bactéria atípica, sendo mais tarde
revelado como um vírus. Não menos importante, a nematologia experimental começou em 1850, com
nematóides das galhas que afetam mudas de pepino sendo descritos por Berkeley. Por serem
macroscópicos, os nematóides parasitas de plantas foram identificados e compreendidos mais
rapidamente.
Ao longo dos anos seguintes, foram realizados numerosos avanços no estudo de plantas e
microorganismos, logo, é justo dizer que a fitopatologia surge a partir dessas descobertas,
consolidando-a como uma área de relevância global. Além do mais, em função da constante evolução
de técnicas microscópicas e abordagens moleculares, novas perguntas começaram a ser formuladas,
indo além da simples identificação de agentes microscópicos e agora focando na melhor compreensão
das partes que compõem a interação, tais como: O que está por trás do limiar existente entre uma
interação planta-microrganismos benéfica ou prejudicial? Como as plantas efetivamente se
defendem? Quais são as primeiras modificações celulares em resposta a uma infecção? Para entender

188
D
como a microscopia pode nos ajudar a elucidar parte dessas perguntas, é necessário ter um claro
entendimento de como funciona o sistema imune vegetal, como será apresentado a seguir.

Plantas contra-atacam e até mesmo manipulam!


Com um complexo sistema imune, a relação das plantas com os patógenos pode tomar vias
fascinantes. Possuidoras de receptores capazes de discriminar entre sinais (padrões moleculares) de
herbívoros, patógenos e outros microrganismos, as plantas conseguem responder especificamente a
cada uma dessas interações, e de maneiras distintas!
Algumas particularidades dessas interações já foram estudadas. Por exemplo, em resposta a
um inseto herbívoro, as plantas podem produzir sinais voláteis que atraem o predador do mesmo. Ou
então, quando em contato com bactérias benéficas na rizosfera, têm um incentivo à sua imunidade,
ficando mais preparadas para combater patógenos. Recentemente, foi observado e proposto um
mecanismo que explora essa relação com bactérias benéficas, em que os sinais oriundos de um ataque
de patógenos gera a produção de exsudatos (substâncias produzidas pelas plantas e liberadas na
rizosfera) que atraem bactérias benéficas. Tais bactérias produzem sinais próprios que incentivam e
ativam uma resposta imune sistêmica na planta, auxiliando no combate à infecção.
Seguindo essa linha, existem diversas relações benéficas entre plantas e microorganismos.
Entre elas podem ser citadas, de forma geral, o auxílio na fixação de nitrogênio a partir de associação
com bactérias, absorção de fósforo pelas raízes e produção de fitormônios que promovem o
crescimento das plantas. Bactérias endofíticas também compõem um complexo sistema que pode
conferir proteção contra outros organismos patogênicos, quando associadas a plantas numa relação
simbiótica.
O acúmulo de conhecimentos acerca dos aspectos relacionados à interação planta-
microrganismos só foram possíveis graças a observações-chave de uma força tarefa de cientistas em
todo o mundo, levando à compreensão de mecanismos fundamentais sobre o sistema imune vegetal.
Para discutirmos metodologias de microscopia de fluorescência nesse contexto, é necessário um claro
entendimento de componentes do sistema imune, que serão apresentados a seguir.
Independente da relação benéfica ou prejudicial que um microrganismo pode ter ao entrar em
contato com uma planta, por trás existe um complexo sistema de reconhecimento e sinalização da
planta e, posteriormente, durante a interação entre ambos. Esse processo tem sido mais bem elucidado
por pouco mais de 30 anos, conhecido assim como sistema imune vegetal. A interação entre os
organismos pode ser representada por um modelo “zig-zag-zig”, proposto por Dangl e Jones. Muitos
microrganismos carregam moléculas nas quais denominamos de padrões moleculares associados à
microrganismos ou MAMPs (do inglês, - microbe-associated molecular patterns). Essas moléculas
microbianas são componentes que podem ser reconhecidos por receptores de reconhecimento de
189
D
padrões ou PRRs (do inglês, - pattern recognition receptors) localizados na membrana celular vegetal.
Essa é a primeira cascata de sinalização do sistema imune vegetal, da qual é conhecida uma amplitude
de defesa baixa (Fig. 1).

Fig. 1. Modelo zig-zag-zig do mecanismo de funcionamento do sistema imune vegetal. São apresentadas as amplitudes
de defesa vegetal em diferentes estágios de infecção. Moléculas MAMPs ao serem reconhecidas pela célula vegetal,
ativam o sistema imune PTI, que pode ser reprimido pela produção de efetores por parte do patógeno, reduzindo as
defesas da planta, que contra-ataca com a ativação do sistema imune ETI. Dependendo da amplitude de respostas ETI, a
planta pode desencadear uma resposta de hipersensibilidade (HR - hypersensibility response) e/ou sucessivas respostas
ETI. Por Dora Bonadio

Esse reconhecimento por PRRs ativam as defesas da planta quando o sistema é compatível,
resultando em uma resposta desencadeada pelo sistema imune, comumente conhecido como PTI
(pattern (or PRRs) triggered immunity). Em contrapartida, microrganismos potencialmente
patogênicos produzem moléculas e proteínas conhecidas como efetores que suprimem esse
mecanismo de ativação do sistema imune PTI, dando início a um processo na planta denominado
como susceptibilidade desencadeada por efetores (ETS - effector-triggered susceptibility). Nesse
processo, a planta responde com uma segunda onda de sinalização, chamada de ETI (effector
triggered immunity), que é uma imunidade desencadeada por efetores através da expressão de genes
Avr-R (genes de resistência anti-virulência). É possível que durante o processo de infecção, novas
ondas de sinalização ETI possam ocorrer, sendo ativadas por novos conjuntos de efetores e Avr-R.

Tão longe, tão perto: unindo microscopia à bioquímica


Desde Leeuwenhoek e suas primeiras observações em microscópios, foi descoberto um
universo novo a ser explorado. A microscopia revela uma nova dimensão de estudo, seja qual for a
área. No caso da interação entre plantas e microorganismos, tal técnica possibilita uma visão mais
190
D
“intimista” entre os participantes. Aliada a outras análises, como fitoquímicas e as famosas ômicas, a
microscopia traz um sentido espacial e biológico aos resultados obtidos. Exemplo disso é o trabalho
feito em 2014 por Mensi e colaboradores, em que canas-de-açúcar foram infectadas com patógenos
(Xanthomonas albilineans) transformados para expressar uma proteína fluorescente. Sob o
microscópio confocal, foi possível confirmar que o tecido primário de colonização do patógeno é a
lacuna do protoxilema e que, em contraponto ao estabelecido na literatura até o momento, que sugeria
que o ambiente de colonização por esse organismo era apenas esse tecido, sob as condições
apropriadas (principalmente o entupimento das lacunas do protoxilema), a bactéria também é capaz
de colonizar os tecidos adjacentes. Assim, além de gerar belas imagens, a microscopia permite um
vislumbre próximo da situação in vivo dessas interações.
As trocas de sinais entre plantas e microrganismos iniciam antes mesmo de qualquer contato.
A rizosfera em particular é um ambiente onde ocorrem longas e extensas comunicações químicas
entre organismos. Além do mais, um número representativo de genes de resistência (R) são
encontrados no citoplasma, no qual sugere que podem ocorrer translocações de efetores de patógenos
para a célula vegetal. Essas vias são extensivamente estudadas e pouco compreendidas. Isso tem
chamado atenção de fitopatologistas, levando-os a abraçar o campo da transferência de energia de
ressonância de fluorescência (FRET - fluorescence resonance energy transfer) em conjunto com
técnicas de complementação de fluorescência bimolecular (BiFC - bimolecular fluorescence
complementation) para testar hipóteses de ETI em plantas.
Atualmente, o “Maravilhoso Mundo da Microscopia” conta com inúmeras técnicas
disponíveis, uma mais inventiva do que a outra, que vão muito além da clássica microscopia de luz.
Para citar algumas dessas técnicas, temos a DIC (Contraste de Interferência Diferencial), a LSFM
(Microscopia de Fluorescência por Folha de Luz), a Microscopia Multifoton, a Microscopia de
Contraste de Fase, a de Luz Polarizada, a de Super Resolução e a Estereomicroscopia (as famosas
lupas). Este capítulo foca nas aplicações da microscopia de fluorescência e, quando oportuno, da
confocal, que geralmente aparecem juntas em trabalhos científicos além de metodologias que
recrutam essas poderosas ferramentas.

Microscopia de fluorescência para leigos


Entre as diversas técnicas utilizadas de microscopia, podemos destacar a microscopia de
fluorescência. Essa técnica possui a vantagem de proporcionar uma grande precisão de alvo, como
proteínas específicas, compartimentos e estruturas celulares, que possuem fluorescência própria ou
que podem ser marcados com pigmentos ou proteínas hibridizadas com proteínas fluorescentes.
Para entender do que se trata a técnica, é necessário entender o que significa fluorescência e
seus princípios físicos. A fluorescência é um fenômeno em que um determinado material, devido às
191
D
suas propriedades, é capaz de absorver a energia da luz de um determinado comprimento de onda, e
reemiti-la em um comprimento de onda diferente. Ao receber uma emissão de luz, as moléculas
atingem um estado de excitação em que seus elétrons passam para um estado de maior energia,
absorvendo a energia dos fótons. Logo em seguida, os elétrons retornam ao seu estado inicial,
emitindo uma quantidade de energia no processo. Essa emissão se dá na forma de luz, produzindo um
espectro de luz, que é diferente da inicial devido a uma perda de energia natural do processo. Portanto,
a fluorescência necessita de uma fonte de luz para ocorrer, se diferenciando de reações químicas que
produzem luz própria. Vale destacar que a emissão do material fluorescente é geralmente em um
comprimento maior de luz do que a emitida sobre a amostra, ou seja, a energia emitida é menor do
que a absorvida. A esse fenômeno é dado o nome de “Stokes Shift”, do inglês. Sendo assim, diversos
pigmentos e proteínas fluorescentes, chamados de fluoróforos, possuem excitação na faixa do UV e
do azul, já que sua emissão ocorre na faixa da luz visível (Fig. 2), o que facilita a sua observação em
microscopia.

Figura 2: Espectro da luz visível. A partir de aproximadamente 400 nm (roxo) até aproximadamente 700 nm. Quanto
menor é o comprimento de onda maior é a sua frequência e a energia contida pela luz. Comprimentos de onda maiores
possuem menor frequência e menos energia. Fonte: Dora Bonadio.

Como exemplificado para a GFP (Fig. 3), tanto os comprimentos absorvidos (ou de excitação)
quanto os emitidos, formam um espectro contínuo, que possui maior absorção ou emissão em um
determinado comprimento de onda.

192
D

Fig. 3. Stokes shift da proteína fluorescente GFP. A faixa de absorção (em azul) tem comprimentos de onda maiores que
a de emissão (em verde). Fonte: Dora Bonadio.

Assim, existe um ponto de excitação e emissão máximos para cada material fluorescente, e
que é próprio de cada fluoróforo. Por isso é necessário conhecer as propriedades específicas do
material que se está utilizando. Além disso, já que a emissão é diferente da excitação, é possível filtrar
a imagem de forma a destacar apenas a luz emitida por fluorescência da amostra (da, possivelmente,
refletida pelo material).

A partir do mecanismo de fluorescência pode-se entender como a microscopia de


fluorescência deve operar. A Figura 4 esquematiza de forma simplificada como é o funcionamento de
um microscópio de fluorescência.

Fig. 4. Esquema do funcionamento de um microscópio de epifluorescência: Primeiramente, é necessário que haja uma
fonte de luz (1). Em seguida, a luz deve ser filtrada (2) para permitir que apenas a faixa de luz de excitação do material
atinja a amostra (no exemplo, a luz azul), por um filtro que pode ser trocado a depender do material. Após ser filtrada, a
193
D

luz é direcionada por um espelho dicróico (3) para a amostra. Quando atinge a amostra (4), esta é iluminada e fluoresce
(5) em outro comprimento de onda (no caso, verde). A luz da amostra, tanto nos comprimentos de onda de emissão
quanto de excitação, passa pela objetiva, e novamente por um filtro (6), que deixa passar apenas o espectro da luz
emitida, de forma a selecionar apenas a imagem desejada da amostra. A imagem filtrada então pode ser observada pelo
ocular ou captada por sensores do microscópio (7). Fonte: Dora Bonadio.

O bom emprego da microscopia de fluorescência requer o conhecimento de componentes


essenciais, como os fluoróforos que serão apresentados a seguir:

Tipos de fluoróforos
Assim, dado o mecanismo de funcionamento da técnica de microscopia, fica evidente a
importância de alguns fatores. O primeiro deles é o fluoróforo. É necessário entender primeiramente
o que se quer destacar na amostra. Pode-se dividir os compostos fluorescentes em autofluorescentes,
ou seja, compostos presentes no material biológico que fluorescem sem nenhuma marcação adicional;
corantes, pequenas moléculas orgânicas que se ligam a determinadas regiões da amostra; proteínas
fluorescentes, que podem ser hibridizadas com proteínas dos organismos ou expressas separadamente;
e anticorpos ligados a pequenas substâncias fluorescentes que se ligam a proteínas específicas da
amostra, o que é chamado de imunofluorescência.

194
D
Autofluorescência
Apesar de não ser um fluoróforo específico, a autofluorescência do material observado é algo
a ser levado em conta. A própria composição vegetal permite a observação de algumas estruturas que
são autofluorescentes, ou seja, quando expostas a determinados comprimentos de onda e observados
sob os filtros certos, emitem luz em determinados comprimentos de onda, destacando-se no material
biológico. Os cloroplastos, por exemplo, possuem autofluorescência a aproximadamente 680 nm, ou
seja, vermelha, devido aos seus pigmentos, como a clorofila e carotenóides. Essa característica dos
cloroplastos pode ser utilizada como referência para a localização da estrutura na célula vegetal.
Porém em alguns casos ela pode atrapalhar a visualização de outros pigmentos que se deseja observar.
Além disso, a fluorescência dos cloroplastos pode ser acessada para identificação de regiões
necróticas nos tecidos, já que a ausência de fluorescência indica a morte celular e a perda de função
dos cloroplastos. No contexto da fitopatologia, essa característica permite acessar regiões da planta
onde ocorreu reação hipersensível (Hypersensitive response, do inglês), que é uma resposta da planta
a infecção por patógenos em que as células sofrem morte celular de forma a impedir o avanço da
infecção para os tecidos vizinhos.

Corantes
Diversos marcadores fluorescentes são utilizados na microscopia de fluorescência, entre eles,
alguns corantes, sendo um dos mais comuns o DAPI (4',6'-diamino-2-fenil-indol), uma pequena
molécula orgânica, que se liga ao DNA, com um pico de absorção na faixa do ultravioleta,
aproximadamente 350 nm, e emissão no azul, aproximadamente 500 nm. Assim, é muito utilizado
para marcação do núcleo celular.

Proteínas fluorescentes
Atualmente diversas proteínas fluorescentes são utilizadas em microscopia de fluorescência.
A proteína fluorescente clássica é a GFP (Green Fluorescent Protein) que foi originalmente isolada
de uma água-viva (Aequorea victoria). Essa proteína possui pico de absorção no ultravioleta
(aproximadamente 400 nm) e de emissão no verde (aproximadamente 500 nm). Após ser sequenciada
e clonada, passou a ser muito utilizada, e diversas variações da proteína foram desenvolvidas,
tornando-a mais estável ou modificando seu pico de absorção e emissão. Diversas variantes dessas
proteínas podem apresentar cores de fluorescência diferentes, como a YFP (Yellow fluorescent
protein) e a CFP (Cyan fluorescent protein).
As proteínas fluorescentes podem ser utilizadas para a visualização de um determinado
microrganismo de interesse na planta. Basta que essa proteína seja clonada na sequência do

195
D
microrganismo de forma que este passe a expressar a proteína e possa ser facilmente identificado por
microscopia. Assim, é possível observar em que regiões do tecido, por exemplo, ele está presente.

Imunofluorescência
Outro tipo de fluoróforos são os utilizados na técnica de imunofluorescência. O princípio é o
mesmo das outras técnicas citadas anteriormente, mas a particularidade é o método pelo qual o alvo
de estudo é marcado com a fluorescência. Nesse caso, o fluoróforo interage com o alvo (geralmente
proteínas celulares) através de um anticorpo. Essa associação pode ser direta, em que o fluoróforo
está conjugado (conectado) ao anticorpo que identifica o alvo (mais precisamente o epítopo), ou
indireta, em que o anticorpo conjugado ao fluoróforo reconhece o anticorpo que identifica o alvo (Fig.
5).

Fig. 5. Comparação dos métodos de imunofluorescência direta e indireta. A principal diferença entre a
imunofluorescência direta e a indireta é que, na primeira, o fluoróforo está conjugado ao anticorpo que reconhece o
epítopo do alvo/antígeno (anticorpo primário) e, na indireta, o anticorpo conjugado ao fluoróforo (anticorpo secundário)
reconhece o anticorpo primário (que reconhece o epítopo do alvo). Fonte: Dora Bonadio.

O caráter específico dos anticorpos possibilita estudos precisos, até mesmo proteínas pouco
expressas dentro de células. A imunofluorescência geralmente é utilizada para marcar estruturas e
componentes celulares. Vale citar que a técnica pode ir além do estudo com microscopia, tendo sido
propostos métodos de detecção de patógenos em campo utilizando kits baseados em
imunofluorescência, como para a detecção de Acidovorax citrulli proposto pela equipe de Zeng em
2017.
Estudos de caso com microscopia

196
D
Um exemplo recente do uso da técnica de microscopia de fluorescência associada a GFP é o
trabalho desenvolvido por Steentjes, publicado este ano, em que são estudados três fungos patogênicos
de cebola, taxonomicamente próximos, mas com diferentes estratégias de colonização.
Separadamente, os fungos foram transformados a fim de expressarem a proteína fluorescente (GFP)
e posteriormente germinados e postos em contato com as plantas hospedeiras. A microscopia de
fluorescência permitiu evidenciar as diferentes estratégias: um patógeno lança suas hifas através dos
estômatos e de paredes anticlinais da epiderme, outro apenas forma massas de hifas sobre a epiderme
da planta, enquanto o terceiro infecta a planta através das raízes, que, após completamente tomadas,
parte para outras partes do vegetal. Ademais, ao infectar uma planta não-suscetível (tomateiro) com
um dos patógenos, foi possível ver, pela perda de fluorescência do tecido fúngico, que o sistema imune
da planta reagiu à infecção, induzindo morte celular das estruturas invasoras, sem afetar as estruturas
externas à planta.
Mas não só de patógenos vivem os estudos com microscopia de fluorescência. Em 2020, Wang
e colaboradores buscaram compreender como uma bactéria (no caso, Bacillus) influenciava
positivamente o crescimento de cana-de-açúcar. E como a interação se dava. Com uma cepa
transformada com GFP, notaram que a interação ocorre principalmente na superfície da raiz, em forma
de agregados de células. Graças a uma investigação mais profunda e às bactérias transformadas, foi
possível observar que também estavam presentes no mesofilo. Outras análises e um ensaio de
crescimento em casa de vegetação mostraram que as bactérias promovem o crescimento através de
uma “fertilização biológica”, com os metabólitos secretados, assim como alguns desses metabólitos
apresentam ação anti-fúngica. Considerando que elas se beneficiam dos exsudatos da cana-de-açúcar,
podemos dizer que é um recrutamento mais do que vantajoso para ambas as partes.
E a técnica não está restrita a microrganismos transformados. Há mais de 30 anos, Wolf e
colaboradores demonstraram o efeito que um vírus (no caso o vírus mosaico do tabaco) possui na
permeabilidade de plasmodesmos. Tal resultado foi possível ao monitorar o transporte de dextranas
(polissacarídeos de alto peso molecular) marcadas com fluoróforos em células de plantas de tabaco
transgênicas (expressando a maquinaria viral que atuava nos plasmodesmos). Ou seja, este é um
exemplo de estudo focado num aspecto específico da interação. Alguns anos mais tarde, em 1995,
Heinlein e colaboradores estudaram mais diretamente o movimento do mesmo vírus (dessa vez
transformado com GFP) dentro de células de uma planta de tabaco e notaram a interação e o
alinhamento dos filamentos formados com a rede de microtúbulos, elucidando o possível método de
transporte do vírus dentro da célula.
Apesar de termos focado na identificação e comportamento dos microrganismos, as técnicas
citadas também auxiliam na compreensão das estratégias de defesa das plantas. Em 2020, o grupo de
Ropitaux, na França, usou, entre outras técnicas, imunofluorescência para estudar e descrever um
197
D
mecanismo celular de defesa de plantas de soja. Investigando tipos específicos de moléculas
secretadas e que compõem células de borda de raiz, o grupo caracterizou a natureza desse sistema de
defesa. Baseando-se nos dados presentes na literatura, foram preparados anticorpos cujos alvos foram
epítopos associados a polissacarídeos e glicoproteínas de parede celular, além de DNA extracelular e
proteína histona H4. Associado a um ensaio a parte, que viu o efeito desses produtos no oomiceto
patogênico Phytophthora parasitica, o grupo concluiu a efetividade dessa complexa “armadilha”
produzida na raiz, tanto como uma barreira física quanto química a patógenos.

Conclusão
Este objetivo deste capítulo foi apresentar a microscopia de fluorescência como uma
ferramenta para o estudo das interações planta-microrganismos, revelando brevemente suas várias
possibilidades de aplicação. Mas o que está contido neste capítulo é apenas uma amostra. Além do
que foi escrito aqui, há uma miríade de estudos já feitos e ainda há trabalhos sendo realizados a fim
de refinar e expandir a tecnologia e a metodologia baseada no que já existe. Então, que esta leitura
tenha servido de convite a uma busca mais profunda nesta técnica, que ainda tem tanto a revelar sobre
o íntimo da relação entre as plantas e os microrganismos.

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200
D
CAPÍTULO 14

Transcriptômica – do Planejamento Experimental à Análise dos Resultados


Raquel Paulini Miranda (Universidade de São Paulo)
Henrique Moura Dias (Universidade de São Paulo)

1 Transcriptômica

A transcriptômica consiste no estudo do conjunto de RNAs (RNAs mensageiros, RNAs


ribossômicos, RNAs transportadores, microRNAs entre outros) presentes em um dado organismo sob
condições específicas, isto é, corresponde ao conjunto de transcritos presentes em uma amostra
coletada em condições pré-determinadas, como se fosse um retrato daquela condição. Essa análise
apresenta grande importância científica por retratar o perfil de expressão gênica de um organismo em
condições contrastantes (controle e situação específica), possibilitando o entendimento dos efeitos
biológicos causados por alterações ambientais e fatores externos inseridos na análise, como por
exemplo, a infecção por um patógeno ou parasita, mudanças nutricionais, restrição hídrica e outros
tipos de estresse.
As primeiras análises de transcriptômica foram realizadas na década de 1990 através do estudo
de marcadores de sequências expressas (EST, do inglês, Expressed Sequence Tag) - método eficiente
que foi amplamente utilizado na determinação do conteúdo gênico de um organismo sem a
necessidade do sequenciamento prévio de seu genoma. Ainda na década de 90, mas especificamente
em 1995, surge a primeira metodologia de análise transcriptômica baseada em sequenciamento, a
Análise Serial da Expressão Gênica (SAGE, do inglês, Serial Analysis of Gene Expression). Nessa
técnica, sequências curtas de genes transcritos eram recuperadas de maneira aleatória, concatenadas,
clonadas e sequenciadas, permitindo a quantificação da expressão de genes conhecidos.
Apesar dos inúmeros avanços dessa área, a evolução dos estudos de transcriptômica se deu a
partir do desenvolvimento de novas metodologias de análise, tais como a análise de hibridização e o
sequenciamento de alto rendimento, métodos que forneciam maiores informações sobre as sequências
estudadas - estrutura dos transcritos, variantes de splice, etc. Entre as novas técnicas de
transcriptômica duas apresentam relevância até os dias atuais:
1. Análise de Microarranjos: técnica que utiliza fluorescência e sondas de nucleotídeos para
determinar a abundância de um conjunto específico e conhecido de transcritos.
2. Análise de RNA-seq: técnica que utiliza o sequenciamento de alto rendimento, NGS (do
inglês, Next-Generation Sequencing), para evidenciar a presença de transcritos em uma
amostra biológica e quantificar sua abundância.
201
D
O aperfeiçoamento e disseminação dessas tecnologias culminou com o início da chamada Era
Transcriptômica, período caracterizado pelo aumento no número de estudos de expressão gênica.
Essa realidade, trouxe à luz novos conhecimentos acerca da biologia dos organismos, a função dos
genes estudados, bem como de seus mecanismos regulatórios.

2 Passo a Passo dos Experimentos de Transcriptômica (Expressão Diferencial de Genes)

2.1 Planejamento Experimental

O planejamento experimental consiste em uma técnica de organização utilizada para definir


os parâmetros de um experimento, visando sempre a maior precisão estatística com o menor custo
possível. É considerado o processo mais importante na análise de expressão diferencial de genes,
sendo responsável por resultados mais confiáveis e economias de dinheiro e tempo.
Nessa etapa da análise, os parâmetros do experimento são determinados, levando-se em
consideração a estrutura computacional existente, as abordagens bioinformáticas que serão utilizadas,
bem como algumas características gerais do organismo que será estudado, tais como disponibilidade
e complexidade do genoma, qualidade da montagem e nível de anotação. Baseado nesses fatores é
possível estabelecer a pergunta biológica a ser respondida, as hipóteses associadas a ela, além das
características gerais do experimento, como amostras que serão coletadas (tecido, tempo e/ou
condições específicas), número de réplicas biológicas, estratégia de análise da abundância (RNA-seq
ou microarranjo) e, no caso do RNA-seq, profundidade do sequenciamento.

2.2 Coleta e Processamento das Amostras


A coleta de dados biológicos é realizada de acordo com o desenho experimental delineado na
etapa anterior (Item 2.1). Nessa fase da análise, todas as réplicas biológicas (repetições), de cada uma
das condições pré-estabelecidas, são coletadas e mantidas em condições de congelamento (-80 ºC)
até a etapa de processamento do RNA total - processo de recuperação de moléculas de RNA
mensageiro (mRNA), RNA ribossômico (rRNA), RNA transportador (tRNA), microRNA e outros.
Com as amostras coletadas, inicia-se a etapa de isolamento das sequências de RNA, que inclui
o rompimento mecânico das células ou tecidos, a neutralização das enzimas de degradação de RNA
(RNases), a remoção das moléculas indesejáveis (organelas, proteínas, moléculas de DNA e outras
biomoléculas), seguido da concentração do RNA via precipitação. Ademais, o RNA isolado pode ser
enriquecido para moléculas de mRNA, já que o extrato total apresenta cerca de 98% de sua
composição formada por rRNA. Metodologias novas de isolamento de RNAs específicos também
têm sido realizadas e aprimoradas ao longo dos anos, por exemplo quando se tem interesse em estudar
miRNAs.
202
D
A última etapa do processamento consiste na conversão das sequências de RNA a sequências
de cDNA (DNA complementar, do inglês, complementary DNA) por meio da transcrição reversa in
vitro - síntese de cadeias de DNA a partir de um molde fita simples de RNA em uma reação catalisada
pela enzima transcriptase reversa.

2.3 Estratégias de Análise de Abundância de Transcritos


Entre as estratégias de detecção de abundância de transcritos, duas são amplamente utilizadas
até os dias atuais: análise de microarranjos e análise de RNA-seq. A definição da melhor estratégia é
realizada durante o planejamento experimental e leva em consideração informações, como:
características da técnica, nível de conhecimento prévio existente a respeito do organismo estudado
(possui genoma montado, genes com sequências conhecidas), a quantidade de RNA disponível para
análise, bem como, o grau de resolução e sensibilidade que se deseja obter (Tabela 1).

Tabela 1. Informações analisadas durante a seleção da melhor estratégia de análise de abundância


de transcritos.

Microarranjo RNA-seq

Alto Baixo
Quantidade de RNA
~1 μg mRNA ~1 ng RNA total
Alta
Intensidade de Trabalho Baixa
(preparação das amostras)
Sequência do
Nenhum obrigatório
Conhecimento Prévio genoma/transcriptoma
(sequência do genoma é útil)
(construção das sondas)
Variantes de splice
Grau de Resolução SNPs e Variantes de splice
(limitado pelo design da sonda)
Sensibilidade da Análise 1 transcrito por mil 1 transcrito por milhão

Fonte: Informações obtidas na revisão publicada por Illumina 2011.

Na análise de microarranjos, sequências nucleotídicas específicas (sondas) são fixadas em uma


matriz e “misturadas” com as moléculas alvo marcadas com fluoróforos (transcritos), processo

203
D
conhecido como hibridização. A abundância de um transcrito é determinada pela intensidade de
fluorescência derivada dessa ligação. Essa análise apresenta duas categorias:

1. Análise de matrizes pontilhadas de baixa densidade: são utilizadas sondas longas o que
impede a identificação de eventos de splicing alternativo na amostra. Além disso, utiliza dois
fluoróforos diferentes para marcar amostras de teste e controle (medições são realizadas em
uma mesma matriz) e a abundância relativa é determinada a partir das proporções de
fluorescência.
2. Análise de matrizes de sondas curtas de alta densidade: são utilizadas sondas curtas que
permitem a identificação de eventos de splicing. Utilizam um único fluoróforo, de modo que
cada amostra é hibridizada e analisada quanto a sua abundância de maneira individual.

Já a análise de RNA-seq consiste em uma metodologia de sequenciamento de alto rendimento


que permite capturar e quantificar a presença de diferentes moléculas de RNA existentes em uma
amostra (mRNA, tRNA, miRNA, smallRNA, ncRNA, etc). Ademais, a análise fornece informações
sobre transcritos alternativos, modificações pós-transcricionais, fusões gênicas, mutações e SNPs (do
inglês, Single-Nucleotide Polymorphism). Dentre as principais estratégias de sequenciamento de alto
rendimento utilizadas na atualidade em análises de RNA-seq, podemos citar: short-read cDNA, long-
read cDNA e long-read RNA.

Tabela 2. Características das principais estratégias de sequenciamento de alto rendimento utilizadas


na atualidade.

Short-read cDNA Long-read cDNA Long-read RNA

Molécula Sequenciada DNA DNA RNA

Illumina PacBio
Plataforma Oxford Nanopore
Ion Torrent Oxford Nanopore
Alto Médio a Baixo Baixo
Rendimento Corrida
20-30 milhões 0,5 – 10 milhões 0,5 – 1 milhão
Tamanho Sequências 200 pb 1 – 50 Kpb 1 – 50 Kpb

Qualidade Sequências Alta Média Média

Preparo das Amostras

Qualidade RNA Degradado Sem degradação Sem degradação

204
D
Transcrição Reversa Sim Sim Não

PCR Sim Sim Não

Seleção Tamanho Sim Sim Sim

Métodos de Análise

Complexidade Complexos Simplificados Simplificados

Softwares
Grande diversidade Poucos Poucos
Disponíveis

Outras Informações
Descoberta isoformas;
Expressão
Descoberta isoformas Montagem
diferencial;
e transcritos transcriptoma;
Pequenos RNAs;
Aplicações fusionados; Detecção modificações
Interação RNA-
Montagem de bases no RNA;
proteína;
transcriptoma Estimação
Outras análises
comprimento da poli-A
Descoberta de
transcritos;
Expressão diferencial Expressão diferencial
Limitações Detecção e
de genes de genes
quantificação de
isoformas

Arquivo de Saída FASTQ FAST5 | FASTQ FAST5 | FASTQ

Fonte: Informações obtidas na revisão publicada por Stark et al 2019.

Nas próximas seções deste capítulo, iremos descrever as principais ferramentas de análise
para o estudo da expressão diferencial de genes (DGE, do inglês, differential gene expression) quando
se utiliza a estratégia short-read cDNA RNA-seq para determinação da abundância de transcritos.

3 Principais Metodologias para Análise de Dados de RNA-seq

Experimentos de RNA-seq geram um considerável volume de dados, os quais precisam ser


processados para obtenção de informações biológicas relevantes. A análise dos dados é realizada a
partir de um conjunto de ferramentas e softwares de bioinformática, os quais variam dependendo do

205
D
projeto experimental e objetivos. A análise pode ser dividida em duas etapas: controle de qualidade
e análise da expressão diferencial de genes, etapa que apresenta até cinco fases de processamento.

3.1 Controle de Qualidade

Apesar da alta qualidade das leituras, erros de identificação das bases podem ocorrer durante
o processo de sequenciamento. Para um melhor resultado, antes do início dos estudos de expressão
diferencial de genes, os dados brutos devem ser analisados quanto a sua qualidade, isto é, devem ser
verificados quanto a precisão das bases, conteúdo GC esperado, presença de sequências adaptadoras
(sequências específicas usadas pelas plataformas de sequenciamento para iniciar a amplificação das
leituras) e taxa de duplicação dentro da amostra (evidencia possíveis contaminações com rRNA).
Na atualidade, o controle de qualidade das sequências pode ser realizado por meio da
ferramenta FastQC, software com interface gráfica que possibilita a identificação e marcação para
remoção de anormalidades existentes nas leituras (Figura 1).

Fig. 1. Resultado do controle de qualidade de um experimento de RNA-seq com FastQC. Qualidade das sequências por
base analisada - fornece a distribuição da pontuação de qualidade em todas as bases em cada posição nas leituras. Fonte:
Disponível em: <https://www.bioinformatics.babraham.ac.uk/projects/fastqc/>. Acesso: 17 fev. 2021.

3.2 Análise de Expressão Diferencial de Genes (DGE)

Atualmente, o conjunto de ferramentas e abordagens computacionais aplicadas na análise de


DGE são muito variáveis e impactam de maneira significativa nas conclusões biológicas. A escolha
do melhor protocolo de análise computacional dependerá da pergunta biológica a ser explorada, do
conjunto de dados analisado, bem como dos recursos computacionais disponíveis no momento.
206
D
A análise computacional se subdivide em cinco fases de processamento: alinhamento,
montagem (etapa opcional), quantificação, normalização e modelagem estatística. Cada fase pode ser
efetuada por meio de uma série de ferramentas específicas e com características próprias,
possibilitando a análise dos dados sob diferentes perspectivas. As fases de análise e algumas das
principais ferramentas utilizadas em cada fase de processamento podem ser observadas na Figura 2.

Fig. 2. Principais ferramentas aplicadas na análise de DGE subdivididas em duas metodologias de análise. Metodologia
A: alinhador HISAT utiliza um genoma de referência para mapear leituras em posições específicas do genoma - na
ausência de referência, usa-se a ferramenta StringTie para montagem de um transcriptoma modelo -, em seguida, essas
leituras são quantificadas pela ferramenta HTSeq-count. Após a normalização, método incorporado na ferramenta de
modelagem, a expressão dos genes é modelada utilizando DESeq2, gerando ao final uma lista de genes
diferencialmente expressos. Metodologia B: a ferramenta Salmon, que não executa alinhamento, monta o transcriptoma
e quantifica a abundância dos transcritos em uma única etapa. A saída dessa ferramenta é convertida em estimativas de
contagem pela ferramenta tximport que são usadas pelo software DESeq2 para criar uma lista de genes diferencialmente
expressos. Fonte: Autores 2021 - adaptado da revisão publicada por Stark et al 2019.

De modo geral, a análise de DGE inicia-se com o mapeamento das leituras brutas, geradas
por uma plataforma de sequenciamento, sob um genoma ou transcriptoma de referência - na ausência
de arquivos referência, executa-se a etapa opcional de montagem, a qual utiliza o conjunto de dados
207
D
brutos para criar um transcriptoma modelo. Em seguida, as leituras associadas a cada gene ou
transcrito são quantificadas gerando uma matriz de expressão, a qual é submetida a um processo de
normalização dos dados para remoção de diferenças técnicas. Por fim, os dados são submetidos a
modelagem estatística de grupos, visando a identificação do conjunto de genes diferencialmente
expressos. Nos tópicos seguintes, descreveremos em maiores detalhes as duas metodologias de
análise de DGE.

3.2.1 Metodologia A - HISAT | StringTie | HTSeq | DESeq2

Ao término do sequenciamento, as leituras obtidas são aplicadas em um processo denominado


mapeamento - análise executada pelo software HISAT - o qual posiciona as leituras sob um genoma
de referência, convertendo a informação de similaridade de sequência em coordenadas genômicas.
Para isso, o software identifica alinhamentos perfeitos com no mínimo 28 nucleotídeos e os estende
até o primeiro mismatch (do inglês, não correspondência); cada alinhamento realizado aceita no
máximo três mismatches, fato que garante a identificação da expressão de alelos ou sequências pouco
variáveis. Todos os alinhamentos identificados são reportados, facilitando a identificação de
sequências repetitivas dentro dos genomas - leituras mapeadas em mais de uma região.
Em alguns casos específicos, principalmente quando os organismos analisados não possuem
genomas referência, é necessário a execução de uma etapa adicional denominada montagem. Essa
etapa é realizada com o software StringTie, o qual utiliza os resultados do sequenciamento e dados
genômicos disponíveis (genomas de referência de espécies próximas) para criar um transcriptoma de
referência - identificação dos exons de um gene, além de suas possíveis isoformas. Nessa análise, as
leituras são inicialmente agrupadas e aplicadas em um processo de montagem de novo (sem o uso de
um arquivo referência), gerando as “super-leituras”. Em seguida, as “super-leituras” são mapeadas
no genoma de referência e usadas na construção de grafos de splicing alternativo - os caminhos
identificados representam os genes e suas isoformas. Ao final, a ferramenta disponibiliza um arquivo
contendo os genes e isoformas identificadas, o qual é usado como referência para o mapeamento.
Após o mapeamento, é necessário realizar a contagem das leituras mapeadas em cada gene,
processo realizado com o software HTseq-count a partir do arquivo de mapeamento e de dados de
anotação (arquivo que contém as coordenadas de todos os genes preditos em um genoma). Para isso,
o número de leituras, mapeadas de maneira não ambígua, que se sobrepõem a cada base da sequência
de referência é contada e armazenada em uma matriz. Em seguida, o software usa o arquivo de
anotação para determinar quantas leituras sobrepõem as regiões codificadoras (genes), criando a

208
D
tabela de contagem - é gerado um arquivo para cada amostra do experimento, no qual as linhas
representam os genes e a coluna representa o valor absoluto de leituras mapeadas no mesmo.
Por fim, os valores obtidos na tabela de contagem são normalizados e aplicados na construção
do modelo estatístico, o qual é responsável por estabelecer diferenças quantitativas entre condições
de um experimento - análise executada pela ferramenta DESeq2. Para tanto, o software cria uma
matriz de contagem a partir dos dados das tabelas de contagem - concatena todas as informações, de
modo que as linhas continuem representando os genes, enquanto as colunas representam os valores
normalizados das contagens (uma coluna para cada amostra de cada condição). A matriz é então
aplicada em um conjunto de análises Bayesianas resultando na construção do modelo estatístico e
determinação dos genes diferencialmente expressos.

3.2.2 Metodologia B - Salmon | tximport | DESeq2

Essa metodologia é baseada no software Salmon, ferramenta para análise de transcriptomas “livre”
de alinhamento, a qual associa de maneira direta as leituras obtidas no sequenciamento com seus
respectivos transcritos, sem a necessidade de uma etapa de quantificação separada. Para isso o
software utiliza um processamento em três etapas: iniciando com um modelo de mapeamento leve, o
qual associa as leituras a possíveis transcritos de origem, seguido por uma etapa de processamento
online, na qual são estimadas as taxas iniciais de expressão dos genes e os parâmetros do modelo, e
uma etapa de processamento offline, a qual é usada para refinar as estimativas de expressão.
Após as três etapas de processamento, o software gera as tabelas de contagem normalizadas, as quais
são aplicadas na construção do modelo estatístico através da ferramenta DESeq2 (processo descrito
no item 3.2.1 deste capítulo).

4 RNASeq no Estudo de Plantas

As metodologias de análise de DGE propostas nesse capítulo podem ser executadas de


maneira direta por meio de linhas de comandos via terminal Linux ou através de plataformas
computacionais online com interface gráfica como o Galaxy (https://galaxyproject.org/). Os
exemplos a seguir foram delineados para análises com interface gráfica, todos executados na
plataforma Galaxy Europe (https://usegalaxy.eu/). Os dados do projeto de transcriptoma usado nos
exemplos podem ser encontrados na base de dados SRA (do inglês, Sequence Reads Archive) do
NCBI (do inglês, National Center for Biotechnology Information) com código de identificação
PRJNA576004 (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/). Informações do experimento são apresentadas na
Tabela 3. Os conjuntos de dados do genoma de referência da espécie Physcomitrium patens usado

209
D
neste tutorial podem ser encontrados no banco de dados do Phytozome v13 (https://phytozome-
next.jgi.doe.gov/).

Tabela 3: Informações do experimento de RNA-seq e IDs das amostras e BioProjeto. Dados


publicados por Elzanati, Mouzeyar e Roche (2020).

BioProject Run Tratamento


SRR10235460 Controle_1hr_protonema
SRR10235461 Controle_1hr_protonema
PRJNA576004
SRR10235476 Temperatura_37°_1hr_protonema
SRR10235477 Temperatura_37°_1hr_protonema

A seguir serão apresentadas etapas de manipulação dos dados na plataforma Galaxy que são
comuns às duas metodologias de análise que serão abordadas neste capítulo.

4.1 Passo a passo na plataforma Galaxy Europe

4.1.1 Obtenção e triagem dos dados

No canto superior esquerdo do painel de ferramentas (Figura 3) há um ícone para “upload”


de arquivos para o Galaxy. Ao abrir a ferramenta de carregamento de arquivos será disponibilizada
uma janela, na qual é possível enviar os arquivos diretamente do computador. Nessa etapa é feito o
upload dos arquivos de referência do genoma e anotação, além da lista de corridas do experimento
de RNA-seq (Figura 3).

210
D
Fig. 3. Esquema de obtenção dos dados e etapas para download dos datasets de RNA-seq na interface da plataforma
Galaxy Europe. Fonte: Elaborada pelos autores.

Após realizado o upload dos dados de referência, será necessário baixar o conjunto de datasets
do experimento de RNAseq. A aquisição desses dados pode ser feita pelo download na máquina local
e posterior upload como já mencionado. No entanto, a possibilidade de aquisição dos datasets pela
interface Galaxy se mostra mais segura, rápida e menos trabalhosa. Ao selecionar na barra lateral
esquerda a opção “Get Data”, será apresentada formas de aquisição dos dados, com a opção
“Download and extract reads in FASTA/Q” (Figura 3) é possível realizar o download dos dados a
partir de uma lista com o código de identificação dos datasets depositados no NCBI. Desta forma é
necessário identificar o formato da lista selecionando a opção “List of SRA accession, one per line”,
em seguida, selecione a lista com o código de identificação dos datasets depositados no NCBI e
execute a função. Essa etapa pode levar de 2 a 5 horas dependendo do tamanho do dataset.
A etapa de triagem e controle de qualidade tem um peso relativamente importante e implica
em uma série de consequências como foi apresentado anteriormente. Na barra de ferramentas
localizada na barra lateral esquerda, é possível selecionar a ferramenta FASTQC, onde será feita a
leitura das informações do sequenciamento, conforme Figura 4.

Fig. 4. Passo a passo para execução da ferramenta FastQC na plataforma Galaxy Europe. I) seleção dos dados de RNA-
seq e II) execução. Fonte: Elaborada pelos autores.

211
D
Uma vez feita a checagem de parâmetros estatísticos é possível, quando necessário, remover
sequências de baixa qualidade e adaptadores. A ferramenta Trim Galore! realiza essa etapa de limpeza
de forma automática, é necessário somente identificar o formato dos datasets (Figura 5). Esse
processo tem duração de aproximadamente 45 min a 2 horas.

Fig. 5. Passo a passo para execução da ferramenta Trim Galore! na plataforma Galaxy Europe. I) seleção dos dados de
RNA-seq e II) execução. Fonte: Elaborada pelos autores.

A partir dos dados revisados conforme passos anteriores, é realizada a análise em si. Como já
mencionado, duas abordagens são possíveis dependendo da pergunta biológica e arcabouço de
informações acerca do organismo estudado. Selecionamos um experimento de estresse a calor em
Physcomitrium patens para ilustrar as metodologias propostas, a escolha desse organismo se deve
principalmente pela sua natureza modelo em estudos de plantas.

4.1.2 Metodologia A - HISAT | StringTie | HTSeq

Atualmente a ferramenta disponível na plataforma Galaxy é o HISAT2. É importante ressaltar


que o pipeline de análise com essa ferramenta necessita do arquivo referência FASTA para
mapeamento dos reads e posterior contagem com base no arquivo de anotação GFF (aquisição desses
dados descrita no item 4 deste capítulo).
212
D
O mapeador HISAT2 pode ser selecionado na barra ferramenta, onde o primeiro input
requerido é a seleção do genoma de referência, selecionando a opção “Use a genome from history”
automaticamente é apresentada uma lista de arquivos FASTA presente na coleção de dados, selecione
o genoma de referência. A seguir, é necessário definir o tipo de biblioteca, ou seja, se a leitura dos
dados de RNAseq são paired ou single-end (essa informação é obtida durante a aquisição dos dados,
geralmente detalhado no artigo de referência), feito isso selecione os dados output do Trim Galore!
(aqueles processados anteriormente). Sempre que possível, selecione a opção “Print alignment
summary to a file” para obter uma estatística resumida do mapeamento dos reads, em seguida execute
a ferramenta. Todos os demais parâmetros são utilizados no padrão da ferramenta (Figura 6).

Fig. 6. Passo a passo para execução da ferramenta Hisat2 na plataforma Galaxy Europe. I) seleção do genoma de
referência; II) seleção dos dados de RNA-seq trimados com Trim Galore!; III) impressão do resumo do alinhamento e;
IV) execução. Fonte: Elaborada pelos autores.

Para visualizar o conteúdo destes resultados, basta clicar no ícone representado por um olho
no canto superior direito de cada arquivo. O arquivo mapping_summary, por exemplo, é um relatório
do número de sequências mapeadas e o dentre os arquivos produzidos pelo HISAT2. O arquivo mais
importante é o alignment_reads (formato BAM), que contém todas as informações de alinhamento
das sequências dos arquivos no genoma de referência.

213
D
A identificação e contagem de genes e transcritos é realizada por meio da evidência de
alinhamento dos reads com a ferramenta HTseq-count. O primeiro parâmetro a ser configurado no
HTseq-count é a seleção do arquivo input no formato BAM (Figura 7). Como já foi realizado o
mapeamento com o HISAT2, será apresentado somente os arquivos output da ferramenta. A seguir,
todas as opções serão mantidas como padrão, com exceção da seleção da anotação de referência, que
será a mesma obtida no item 4 para o organismo em estudo e da “Feature type”, onde é necessário
selecionar a característica de interesse baseada na anotação. Nesse tutorial, usaremos a leitura de
genes selecionando a feature “gene” identificados por “Name”, é possível quantificar nesse passo,
somente éxons, transcritos etc. Para visualizar o conteúdo destes resultados, basta clicar no ícone
representado por um olho no canto superior direito de cada arquivo.

Fig. 7. Seleção de parâmetros do htseq-count na plataforma Galaxy Europe. I) seleção do arquivo de mapeamento; II)
seleção da anotação de referência; III) definição das features para contagem e; IV) execução. Fonte: Elaborada pelos
autores.

4.1.3. Metodologia B - Salmon | tximport

A ferramenta Salmon quant, diferente do HISAT2, possui uma dinâmica de funcionamento


diferente, uma vez que não é baseado em um alinhamento completo (ver item 3.2.2), necessita na
verdade de um arquivo de sequências do transcriptoma (ver item 4) para determinar a quantificação
de transcritos baseado em um alinhamento “livre” por indexação. O primeiro parâmetro requerido
pela ferramenta é a seleção do modo de quantificação “Reads”, em seguida, é feita a seleção do

214
D
transcriptoma de referência, por fim, a seleção dos dados de sequenciamento (o mesmo obtido com
Trim Galore!), conforme Figura 8.

Fig. 8. Passo a passo da seleção de parâmetros do Salmon quant na plataforma Galaxy Europe. I) seleção do modo da
ferramenta e do transcriptoma de referência; II) seleção do transcriptoma de referência; III) definição da característica
da biblioteca de RNA-seq e dados. Fonte: Elaborada pelos autores.

O output do Salmon é uma tabela com valores normalizados de expressão em TPM


(Transcript per million). Para visualizar os dados, basta clicar no ícone representado por um olho no
canto superior direito de cada arquivo. Embora o valor de TPM já determine o perfil de expressão
dos genes, as ferramentas atuais (DESEq2, edgeR, Limma etc) para análise de expressão diferencial
necessitam de dados de entrada não normalizados. Para tal, a ferramenta tximport converte os valores
de expressão TPM em contagem. A ferramenta possui quatro parâmetros importantes que devem ser
ajustados, iniciando pela seleção do arquivo output de contagem do Salmon, em seguida a
identificação da origem dos dados e informação da localização dos Gene IDs no arquivo de contagem
selecionando “Name”, conforme Figura 9.

215
D

Fig. 9. Passo a passo para execução da ferramenta tximport na plataforma Galaxy Europe. I) seleção dos arquivos de
contagem Salmon; II) definição da estrutura do arquivo; III) identificação do arquivo com ID dos genes; IV)
Identificação da coluna contendo os Ids e; V) execução. Fonte: Elaborada pelos autores.

4.1.4. Análise da expressão diferencial

Nas etapas anteriores, tanto para Metodologia A quanto a Metodologia B, o processo


desenvolvido gerou uma tabela de contagem para cada amostra. Essas serão utilizadas no
processamento dos dados para determinação da expressão diferencial de genes entre controle e
tratamento.
Nesta etapa iremos efetuar o cálculo para identificação de expressão diferencial entre as
amostras com a ferramenta DESeq2, que podem ser analisadas com o output final para qualquer uma
das metodologias. A ferramenta DESeq2 permite incorporar vários fatores na análise. No nosso caso,
temos apenas um fator, que chamamos de Condições. Isso ocorre porque estamos tentando encontrar
genes que são expressos diferencialmente entre duas condições (controle x calor). A primeira
condição será o primeiro nível de fator, enquanto a condição 2 será o segundo nível de fator. Aqui, a
entrada para este primeiro nível de fator é definida como um conjunto de dados output do htseq-count.
Isso produzirá um arquivo de saída conforme mostrado abaixo (Tabela 4).

Tabela 4. Exemplo de arquivo de saída do DESeq2 e seus parâmetros estatísticos. As colunas são:
(1) identificador de gene, (2) médias das contagens normalizadas, (3) logaritmo (base 2) da
216
D
mudança de dobra, (4) a estimativa de erro padrão para a mudança de dobra log2 estimativa, (5)
estatística do teste de Wald, (6) valor p para a significância estatística desta mudança e (7) valor p
ajustado para testes múltiplos com o procedimento de Benjamini-Hochberg que controla a taxa de
falso positivo (FDR).

Além da lista de genes, a ferramenta DESeq2 produz um resumo gráfico com resultados
estatísticos. Inclui vários gráficos que podem ser usados para avaliar a qualidade do experimento. O
histograma de valores p abaixo mostra que nessas amostras existem um valor p significativo. Já o
gráfico MA mostra a relação entre a alteração da expressão (M) e a força média da expressão (A),
além de mostrar os genes com valor de p-ajustado <0,1 que estão em vermelho (há apenas um tal
gene nesta amostra na parte inferior do gráfico). A Análise de Componentes Principais (PCA) mostra
a separação entre a Condição 1 e 2. Este tipo de gráfico é útil para visualizar o efeito geral das
covariáveis experimentais e efeitos de lote (cada réplica é representada graficamente como um ponto
de dados individual) (Figura 10).

Fig. 10. Gráficos de saída gerados pela ferramenta DESeq2. A) Histograma com valores de p; B) gráfico MA para
valores de log fold change (variação da expressão entre condições 1 e 2) e; C) gráfico de componentes principais.
Fonte: Elaborada pelos autores.

Conclusão

O conjunto de ferramentas apresentadas nesse capítulo nos permite identificar genes e


transcritos diferencialmente expressos entre amostras de RNA-seq através de duas abordagens
217
D
distintas que tem se aprimorado ao passo que novas tecnologias e conjuntos de informações são
geradas. Além do mais, a plataforma Galaxy mantém atualizações de ferramentas regularmente, de
forma transparente ao usuário. O Galaxy também possibilita maior facilidade na visualização de
tabelas e gráficos com sua interface gráfica, o que o torna uma alternativa atraente para iniciantes na
era da bioinformática.

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219
D
CAPÍTULO 15

Introdução à estatística e R básico


Inara Regina Wengratt Mendonça - (Universidade de São Paulo)
Ana Paula Ferreira - (Universidade Estadual de Campinas)
Michelle Cristine dos Santos Silva - (Universidade de São Paulo)

A estatística é uma ciência que coleta informações (dados) para obter conclusões a partir delas
e tomar decisões sobre as incertezas. A estatística pode ser dividida em descritiva ou
inferencial/indutiva. A primeira tem por objetivo descrever os dados amostrais (usando tabelas,
gráficos, medidas de posição, medidas de tendência central, medidas de dispersão). Já a segunda retira
informações e conclusões a partir dos dados amostrais, utilizando testes de hipótese. Hipótese é uma
suposição/proposição baseada em observações, e ela pode ser corroborada ou não de acordo com os
resultados obtidos dos dados coletados. Em estatística, a hipótese é dividida em nula e alternativa, a
hipótese nula (H0) é a que será testada, e ela pressupõe que as diferenças observadas entre os
conjuntos de dados são meramente ao acaso. Quando as diferenças são muito grandes para serem ao
acaso, H0 é rejeitada, e temos então a hipótese alternativa (H1). Em estatística, sempre realizamos
testes que buscam rejeitar nossa hipótese de trabalho e não comprová-la.
A bioestatística utiliza as ferramentas da estatística para análise de dados em contextos
relacionados às ciências biológicas e/ou área da saúde. Por exemplo, vamos pensar em um cenário
hipotético no qual a prefeitura de uma cidade pretende expandir um porto já existente. Uma equipe
técnica foi chamada para avaliar possíveis impactos e liberar a obra. No entanto, os biólogos
acreditam que essa expansão irá afetar a biota em volta do local e querem embargar a obra. Para isso,
os biólogos precisam coletar dados que os permitam demonstrar que a obra causará um impacto na
região e por isso não pode ser autorizada. Dados são informações sobre um objeto de interesse (ex:
parâmetro, população, indivíduo). A partir dos dados coletados, os biólogos utilizam de ferramentas
da bioestatística inferencial, executando testes de hipóteses para a tomada de decisões sobre a
necessidade de embargar ou não a obra de ampliação do porto. Testes de hipóteses são procedimentos
estatísticos que permitem ao pesquisador aceitar ou rejeitar a hipótese nula (H0). Como os dados são
fundamentais para as conclusões, eles precisam ser obtidos de maneira correta utilizando um
delineamento amostral adequado conforme veremos na seção “Delineamento Amostral”.
Alguns conceitos são fundamentais na bioestatística, como o conceito de amostra e variáveis.
A amostra é um subconjunto extraído da nossa população-alvo (que inclui todo o grupo de indivíduos
e objetos (por exemplo, pessoas, árvores, animais) que queremos estudar. Para estudar a população

220
D
de interesse, os pesquisadores medem um conjunto de características (por exemplo, idade, tamanho,
peso, sobrevivência) que podem auxiliar na resolução da nossa pergunta. Essas características, cujos
valores podem mudar de um membro da população para outro, são as chamadas variáveis. Na
bioestatística, as variáveis são características ou atributos analisados na nossa amostra de interesse.
Elas podem ser divididas em categóricas (sem magnitude numérica) e numéricas (medidas com escala
numérica). As variáveis categóricas podem ser: nominal (quando não tem ordenação hierárquica:
sexo, população, espécie) ou ordinal (quando a ordem importa para os dados: intensidade, estágio de
vida). As variáveis numéricas, por sua vez, são divididas em contínuas (número infinito entre dois
valores: massa, altura, temperatura, comprimento) e discretas (unidades indivisíveis: número de
mutações, número de árvores, número de espécies). As variáveis também podem ser classificadas
como variáveis resposta, quando são o foco principal do nosso estudo, ou variáveis preditoras, quando
elas podem explicar ou predizer o resultado/resposta que encontramos. Por exemplo, se vamos
analisar o efeito da temperatura na taxa de fotossíntese das plantas, então a temperatura é nossa
variável preditora, pois ela pode explicar ou predizer nossos resultados. Já a taxa de fotossíntese é
nossa variável resposta, pois é o resultado do nosso interesse.

Delineamento amostral
Para a análise estatística ser representativa da realidade biológica, são necessários alguns
cuidados na obtenção dos dados, como comentado na seção acima. Pensamos naquela máxima
estatística “os dados não mentem”, mas sabemos quem coletou os dados? Como os dados foram
coletados? Por isso é tão importante o delineamento amostral, pois ele garante a confiabilidade dos
dados e dos resultados. Alguns pesquisadores negligenciam o cuidado com a amostragem por
julgarem que é uma parte mais fácil do processo científico. No entanto, caso os dados sejam obtidos
de maneira equivocada, não existe análise estatística que possa corrigir esse problema. Portanto, um
delineamento amostral claro e bem estruturado deve ser pensado e planejado antes de conduzir um
experimento ou a amostragem em campo. Uma boa maneira de obter os dados de maneira correta é
fazer uma coleta/experimento piloto, para identificar todos os possíveis problemas na amostragem e
corrigi-los na coleta de dados oficial do projeto. Porém, como nem sempre o pesquisador tem tempo
e dinheiro para isso, ele pode procurar trabalhos semelhantes ao que ele pretende fazer e verificar o
que os outros autores estão fazendo. Além disso, conhecer a história natural do grupo trabalhado é
fundamental para coletar os dados de maneira mais adequada.
Um bom desenho amostral precisa englobar a independência das amostras, tamanho amostral,
replicação, aleatorização e planejamento de custos e infraestrutura. A independência das amostras é
uma premissa fundamental para a maioria dos testes estatísticos. Uma boa amostragem produz
réplicas independentes, isto é, uma amostra não tem influência sobre as outras (nem temporalmente,
221
D
nem espacialmente). Para isso é importante fazer a alocação correta das amostras no tempo e no
espaço. Nos perguntamos: Quando coletar? Onde coletar? A resposta correta é que “depende da sua
pergunta”. Os dados devem ser coletados a fim de responder a sua pergunta sem tornar as amostras
dependentes. Se queremos avaliar o efeito da sazonalidade na biomassa das algas, então precisamos
coletar no local de ocorrência da nossa espécie de alga de interesse (ex: praia ou costão rochoso) e ao
longo das diferentes estações do ano (efeito sazonal). Quando as amostras não são independentes
entre si, temos uma pseudoreplicagem dos nossos dados. Esse evento é preocupante, uma vez que
não é possível obter toda a variabilidade existente entre os dados, e essa baixa variabilidade aumenta
a probabilidade de o teste estatístico cometer erros. Outro fator importante para um bom desenho
amostral é o tamanho amostral. Esse tamanho é uma parte do nosso universo amostral, sendo
obrigatoriamente menor do que ele. O universo amostral é um conjunto teórico que engloba, por
exemplo, toda a população humana, ou todas as praias do mundo. Como é inviável financeiramente
e consome muito tempo trabalhar com o universo amostral, coletamos apenas um conjunto de
amostras capazes de representar este universo. Para estimarmos o tamanho adequado da amostragem,
devemos considerar o tamanho do organismo de estudo e a sua distribuição (agregada, dispersa ou
uniforme). Organismos que ocorrem de maneira dispersa pela paisagem, precisam de um esforço
amostral maior, aumentando o tamanho amostral, enquanto organismos que se distribuem de maneira
uniforme não necessitam de um tamanho amostral tão grande para englobá-los.
Uma replicação adequada dos dados é fundamental, uma vez que os sistemas biológicos são
inerentemente variáveis. Portanto, o número de amostras (chamado de n amostral) precisa ser capaz
de englobar toda essa variabilidade. Para isso, não podemos utilizar um n amostral muito pequeno,
pois não seria representativo dessa diversidade. No geral, um maior número de réplicas representa
uma redução no erro amostral, o que aumenta o poder do teste estatístico. Isso pode ser explicado
pelo Teorema do Limite Central, que diz que quando o n amostral for grande, a distribuição dos dados
terá uma tendência de distribuição em torno da média, formando uma curva em formato de sino, a
chamada distribuição normal. No entanto, não podemos amostrar toda a população de nosso
interesse, por questões logísticas, financeiras e ecológicas. Nesse sentido, o n amostral ideal é aquele
capaz de englobar essa variabilidade, e seja viável para o pesquisador. Não existe um número mágico,
mas alguns autores sugerem a “Regra dos 10”, ou seja, pelo menos 10 réplicas da sua unidade
amostral ou experimental. No entanto, nem sempre é possível e necessário obter esse número de
réplicas. Conhecer previamente seu sistema de estudo e seus dados é fundamental para determinar o
número de réplicas necessárias. Se a variabilidade entre os dados for pequena, não é necessário um
número de amostras tão grande. No entanto, é sempre importante garantir que o n amostral seja
suficiente, pois uma baixa replicação pode gerar resultados estatísticos equivocados, como efeitos ou
relações que não existem.
222
D
O poder do teste é a capacidade da análise estatística não cometer erros, como o erro do tipo
I e o erro do tipo II. O erro do tipo I acontece quando rejeitamos a hipótese nula (Ho), mas ela é
verdadeira. O erro do tipo II ocorre quando aceitamos a hipótese nula, mas ela é falsa, o chamado
“falso positivo”. Esse erro é bastante preocupante ecologicamente quando estudamos o efeito de
algum tratamento ou estressor ambiental sobre uma população ou comunidade. Nesse caso, com a
presença do erro do tipo II, concluiríamos que esse tratamento/estressor ambiental/poluente não tem
efeito sobre a população ou comunidade alvo, mas na verdade esse efeito existe. Voltando ao exemplo
anterior da ampliação do porto, um erro do tipo II, significa que a ampliação do porto causaria um
efeito negativo na biota do local, mas os biólogos não conseguiram identificar esse efeito pela
presença do erro na análise. A consequência direta seria a autorização para a obra da ampliação do
porto. É importante ressaltar, que cabe ao pesquisador avaliar dentro do seu universo de pesquisa,
qual erro é mais grave de ocorrer e deve ser evitado.
A aleatorização das amostras na hora da coleta ou experimento, minimiza as variáveis de
confusão. Portanto, as réplicas devem ser obtidas aleatoriamente para garantir uma amostra
apropriada da população. Isso garante que nossas estimativas de parâmetros são imparciais e nossos
resultados são confiáveis. Por fim, um planejamento de custos e infraestrutura é fundamental em um
delineamento amostral para evitar que os dados não sejam obtidos de maneira correta ou faltem dados,
devido à falta de recursos monetários ou infraestrutura adequada no local da coleta dos dados (campo,
laboratório, escritório). Resumindo: Um bom desenho experimental é fundamental para uma
amostragem correta dos dados, o que permite uma análise estatística adequada. Para isso, é importante
garantirmos que as amostras sejam independentes e apresentam tamanho, número de réplicas e forma
de coleta adequadas. A melhor forma de planejar sua amostragem é conhecendo a história natural do
seu organismo de estudo e sempre retomar a PERGUNTA que seu trabalho se propôs em responder,
pois ela deve nortear todas as decisões sobre o processo da coleta de dados.

Estatística descritiva
A coleta de dados é um dos primeiros passos para obtenção de resultados em um estudo
científico. No entanto, o volume de dados coletados (chamados de “dados brutos”), é muito extenso.
Por isso, o pesquisador usa métricas para sumarizar esse conjunto de dados, utilizando a chamada
estatística descritiva. Essas métricas podem ser medidas de posição ou medidas de dispersão. As
medidas de posição ilustram a localização dos dados, geralmente baseados em uma tendência central,
e incluem a média, mediana e moda. As medidas de dispersão descrevem o quanto os dados são
variáveis entre si, incluindo a variância, desvio padrão e o erro padrão. Para compreender melhor
cada parâmetro, vamos utilizar os conjuntos de dados hipotéticos A, B e C abaixo.

223
D
Conjunto A: 2,2,7,9,11,11,11,16,17,20
Conjunto B: 0,1,1,2,3,4,5,6,6
Conjunto C: 2,6,7,11,14,19,26,31,34,37

Média - é a soma de todas as observações dividida pelo número total de dados


∑ 𝑥𝑖
𝑥=
𝑛

Cálculo das médias:


Conjunto A: (2+2+7+9+11+11+11+16+17+20)/10= 10,6
Conjunto B: (0+1+1+2+3+4+5+6+6)/9= 3,11
Conjunto C: (2+6+7+11+14+19+26+31+34+37)/10= 18,7

Mediana - é o valor que divide o conjunto de dados ao meio (valor central em observações ordenadas
crescentes ou decrescentes). Caso a quantidade de valores for ímpar, a mediana é exatamente o
número localizado no meio da lista. Se a quantidade de valores ordenados for par, a mediana é
calculada como a média dos dois valores centrais

Cálculo das medianas:


Conjunto A: 2,2,7,9,11,11,11,16,17,20 = 11
Conjunto B: 0,1,1,2,3,4,5,6,6 = 3
Conjunto C: 2,6,7,11,14,19,26,31,34,37 = resolução a seguir:

No caso do conjunto C, como temos dois valores centrais, para estimar a mediana é necessário
calcular a média entre eles = (14+19)/2 =16,5

Moda - é o valor mais frequente na amostragem. Caso nenhum valor se repita na sua amostragem de
dados, não teremos moda. Caso dois valores apareçam com a mesma frequência, então teremos uma
amostra bimodal.

Cálculo da moda:
Conjunto A: 2,2,7,9,11,11,11,16,17,20 = 11
Conjunto B: 0,1,1,2,3,4,5,6,6 = bimodal 1 e 6
Conjunto C: 2,6,7,11,14,19,26,31,34,37 = não tem moda

224
D
Variância (S²) - mostra o quanto um conjunto de dados se distancia da média. Uma pequena variância
indica que os valores amostrados são próximos da média, já uma grande variância indica que os
nossos dados apresentam valores muito discrepantes em relação a média.
S²= ∑(x-xmédia)2/n

Cálculo da variância:
Conjunto A: ((2-10,6)² + (2-10,6)² + (7-10,6)² + (9-10,6)² + (11-10,6)² + (11-10,6)² + (11-10,6)² +
(16-10,6)² + (17-10,6)² + (20-10,6)²)/10 = 32,24
Conjunto B: ((0-3,11)² + (1-3,11)² + (1-3,11)² + (2-3,11)² + (3-3,11)² + (4-3,11)² + (5-3,11)² + (6-
3,11)² + (6-3,11)²)/9 = 4,54
Conjunto C: ((2-18,7)² + (6-18,7)² + (7-18,7)² + (11-18,7)² + (14-18,7)² + (19-18,7)² + (26-18,7)² +
(31-18,7)² + (34-18,7)² + (37-18,7)²)/10 = 143,21

Desvio Padrão (DP) - calculado pela raiz quadrada da variância


Desvio padrão= √S²

Cálculo do desvio padrão:


Conjunto A: √(32,24 ) = 5,68
Conjunto B: √(4,54 ) = 2,13
Conjunto C: √(143,21 ) = 11,97

Erro padrão (EP) - calculado pela razão entre o desvio padrão e a raiz quadrada do n amostral. O
erro padrão mostra o grau de incerteza em relação as médias calculadas. Ao combinarmos a média
com o erro padrão, obtemos o intervalo de confiança.
Erro padrão = DP/ √n

Cálculo do erro padrão:


Conjunto A: 5,68/√10 = 1,79
Conjunto B: 2,13√9 = 0,71
Conjunto C: 11,97√10 = 3,79

Tipos de análise
As análises estatísticas podem ser divididas em univariadas ou multivariadas. O primeiro
grupo é utilizado quando se tem apenas uma variável resposta, e uma ou mais variáveis preditoras. Já

225
D
as análises multivariadas são utilizadas quando temos duas ou mais variáveis respostas e uma ou mais
variáveis preditoras.

Exemplos de análises univariadas


Regressão Linear - Utilizada quando possuímos uma variável contínua como preditora e a
variável resposta também é contínua. Por exemplo, vamos considerar que avaliamos a taxa de
crescimento de uma planta em razão da temperatura. Nesse teste possuímos um coeficiente de
determinação chamado R², que nos mostra o quanto os dados se ajustaram à reta (quanto mais
próximo a 1 mais “lineares” estão nossos dados). Ou seja, quanto mais a temperatura aumenta, maior
é a taxa de crescimento da planta.
Teste T - O teste T é utilizado quando possuímos uma variável preditora categórica com 2
níveis. A resposta dele nos diz se as médias são diferentes entre os grupos. É um teste de hipótese, e
a hipótese padrão é que as médias não são diferentes entre os grupos.
Anova (Análise de Variância) - utilizada quando temos uma variável resposta contínua e uma
ou mais variáveis preditoras categóricas. Verifica se a média entre os grupos dos tratamentos são
iguais através de uma análise de variância. A hipótese nula (H0) é que a média das populações são
iguais, ou seja, não tem efeito de nenhum tratamento.

Exemplos de análises multivariadas


Permanova (Análise de Variância Permutacional) - este teste compartilha algumas
semelhanças com a Anova, porém é utilizado quando há mais de uma variável resposta. Em ecologia
é comumente utilizado em estudos de comunidade.
Ordenações multivariadas - As ordenações são técnicas que nos permitem visualizar e
compreender a distribuição das amostras utilizando de um espaço multidimensional. As ordenações
são comumente apresentadas juntamente com um teste estatístico multivariado. Exemplo: Análise de
Coordenadas Principais (PCoA na sigla em inglês).
Simper (Análise da porcentagem da similaridade) - Essa análise é usada para reconhecer as
espécies/indivíduos que são responsáveis pela formação dos grupos. Isso é realizado a partir da
avaliação de quais espécies estão presentes em cada grupo e como estão contribuindo para a
similaridade entre eles. Por exemplo, determinar se “a amostra A é mais semelhante à amostra B do
que a amostra C”. Para isso é necessário verificar os padrões da comunidade por meio de agrupamento
e ordenação de amostras e posteriormente, identificar as principais espécies responsáveis pelo
agrupamento das amostras.
Premissas

226
D
Todos os testes estatísticos têm premissas que precisam ser atendidas para a obtenção de
resultados válidos. Caso as premissas não sejam atendidas, os resultados não representarão a
realidade. Compete ao pesquisador verificar as premissas e selecionar o teste estatístico mais
adequado para as características do seu conjunto de dados e para o teste de hipótese proposto. Cada
teste estatístico é baseado em um conjunto próprio de premissas, mas 3 delas são mais comumente
requisitadas, são elas: independência amostral, homogeneidade de variâncias e normalidade dos
dados. Quando os dados violam as premissas é necessário utilizar de testes chamados não-
paramétricos, como por exemplo, o famoso teste de Kruskal-Wallis utilizado na ausência de
distribuição normal dos resíduos.
Independência amostral - É a ausência de influência de uma amostra nas demais amostras
coletadas. A independência é uma das premissas mais importantes para testes de hipóteses, e é
definida pelo pesquisador durante o planejamento de delineamento amostral. Um exemplo de
independência amostral é medir a concentração de nutrientes de diferentes plantas em um
determinado momento, e um exemplo de dependência é medir a concentração dos nutrientes de uma
mesma planta antes e após adição de fertilizantes.
Homogeneidade de variâncias - Para comparar dois grupos de dados, por exemplo
concentração de açúcar de duas variedades de laranja, é necessário que a variância dos dados dos dois
grupos seja similar. Quando há homogeneidade de variâncias os dados são considerados
homocedásticos e na ausência são chamados de heterocedásticos. Não existem muitos testes
alternativos para dados heterocedásticos, entretanto, em alguns casos, esta premissa pode ser atingida
ao aumentar o número amostral.
Distribuição normal - Dados coletados em eventos da natureza tendem a formar uma
simetria em torno de um valor médio, por exemplo, os tomateiros produzem em média 10 tomates
por ano, mas alguns poucos tomateiros produzirão 3 e outros 17 tomates. Este padrão de distribuição
é essencial para calcular a probabilidade de eventos extremos serem identificados na natureza, como
a probabilidade de um tomateiro produzir 30 tomates. Apesar de a distribuição normal ser a mais
comum, esta não é a única, alguns eventos na natureza podem apresentar distribuição de dados
binomial, uniforme, de Poisson entre outras. Portanto, antes de realizar qualquer teste estatístico, é
preciso verificar qual o tipo de distribuição dos dados obtidos.

Softwares para análise estatística


Como pudemos perceber, os testes estatísticos utilizam de cálculos complexos e a utilização
de softwares específicos facilita e agiliza o processo de análise de dados. Existe uma ampla gama de
softwares robustos e versáteis, entre os mais utilizados temos o Statistica e o Primer, porém ambos
são softwares privativos, e sua utilização depende de pagamento de licença. Uma alternativa a esses
227
D
softwares pagos, que podem ter alto curso, é a utilização de softwares livres como o R que vem se
tornando muito popular pois é extremamente versátil. A linguagem R foi desenvolvida para o fim de
análises estatísticas e ela disponibiliza de algumas interfaces que tornam sua utilização mais amigável
para iniciantes, como por exemplo o RStudio.

Histórico do R
A linguagem R é uma linguagem de programação “open-source”, ou seja, com a licença livre.
De forma prática, ela pode ser utilizada por qualquer pessoa sem a necessidade de pagamento de taxas
ou mensalidades, como ocorre com outros softwares utilizados para este fim. Esta linguagem foi
desenvolvida em 1996 por Ross Ihaka e Robert Gentleman, os autores deram esse nome para que a
influência do S (linguagem S) seja notada e para celebrar os próprios esforços. Desenvolvida para
uso em análises estatísticas, a linguagem é derivada de outras duas linguagens, S e Scheme, ele possui
uma linguagem de alto nível, ou seja, mais próxima da linguagem utilizada pelos humanos e mais
distante da linguagem binária.
Tornou-se uma linguagem popular por ser “aberta” e capaz de realizar vários tipos de análises,
desde estatística básica até sensoriamento remoto e processamento de imagens, por exemplo. Para
que o R seja capaz de ter todo esse poder, ele conta com uma comunidade de usuários muito ativa,
que auxiliam com tutoriais e sugestões de implementação de códigos no core. Além disso, como se
trata de uma linguagem aberta, é possível que qualquer pessoa interessada crie pacotes com códigos
específicos e disponibilize estes códigos no repositório do R. Hoje em dia, temos mais de 17 mil
pacotes disponíveis. Exemplos destes são o “Vegan”, voltado para análises ecológicas, o “ggplot”
voltado para a confecção de gráficos e o “APE” para análises filogenéticas.

Guia rápido para uso do R


Após a instalação do R, recomendamos a instalação do RStudio. O RStudio traz uma interface
mais amigável, e facilita o processo de aprendizado. A interface é divindade em 4 janelas principais,
como pode ser visto na Figura 1. A janela da esquerda superior é onde os scripts serão escritos,
editados e executados. A janela da esquerda inferior é aonde o R retorna os resultados dos comandos
executados, nesta janela não é possível realizar edições de comandos já executados. As janelas da
direita nos permitem conferir os objetos criados, importar arquivos, instalar pacotes, visualizar
imagens produzidas entre outras funções.

228
D

Fig.1. Interface do R.Studio. Fonte: Captura de tela por Mendonça, IRW.

Os comandos apresentados a seguir podem ser inseridos no R para teste. Após escrever o
comando no RStudio pressione Ctrl+Enter em qualquer lugar da linha para executar a linha de
comando. Se estiver usando o R nativo, utilizar o comando Ctrl+R no final da linha de comando.
Verifique e preste atenção em tudo que o R retorna após a execução destes comandos.

R script funciona como calculadora simples:


5+5
10-6
60/3
7*3

Crie objetos usando os símbolos “<-” ou “=”, após criado, digite apenas o nome do objeto
para ver o resultado:

Comandos executados Retorno do R


> Valor <- 5
> Valor
Valor <- 5
[1] 5
Valor
> Numeros = 13
Numeros = 13
> Numeros
Numeros
[1] 13

Para colocar múltiplos valores dentro de um objeto é preciso concatenar com “c”. Estes
objetos podem ser aplicados em diversos cálculos:

Valores <- c(5, 7 ,10, 11, 14)


Numeros = c(13, 67, 4, 23, 78)

Cada objeto é único, e em caso de repetição de nomes de objetos, o primeiro será sobrescrito,
e apenas o último gerado será reconhecido pelo R. No exemplo acima, Numeros = 13 não mais existe
pois foi substituído por Numeros = c(13, 67, 4, 23, 78):
229
D

Os objetos criados podem ser utilizados para os mais diversos tipos de cálculos como
multiplicação "*", soma "sum()" e média "mean()":

Valores*Numeros
sum(Valores)
mean(Numeros)

O R é sensível a letras maiúsculas e símbolos, portanto, ao executar um comando com o nome


um objeto errado, um alerta irá aparecer na janela de retorno do R informando que o objeto não foi
identificado:

> mean(numeros)
Error in mean(numeros) : objeto 'numeros' não encontrado
> mean(Números)
Error in mean(Números) : objeto 'Números' não encontrado

Leia atentamente os erros e alertas que o R retorna. Estes costumam ser informativos, e a correção
é essencial para dar procedimento às análises.

Adicione comentários ao seu script usando “#”. Boas práticas de programação incluem manter
o script organizado e comentado, para que em utilizações e consultas posteriores seja possível
identificar rapidamente quais as funções utilizadas.

#Objeto “Valores” contém dados de temperatura


Valores <- c(5, 7 ,10, 11, 14, 5)
Numeros = c(13, 67, 4, 23, 78) #n de golfinhos avistados/dia

As funções podem ser aninhadas e o resultado final pode ser salvo em um novo objeto:
Porcentagem <- Valores*100/sum(Valores)
Porcentagem #Executar o objeto e verificar resultado na janela de retorno do R

Para criar objetos com caracteres é necessário utilizar aspas duplas ou simples:
Praias <- c( "Praia Sul", "Praia Central", "Praia Norte")
Organismos = c('peixe','tartaruga','caranguejo','alga')

O R dispõe de manuais completos para todas as funções disponíveis. Seguem três exemplos
de como acessar esses manuais para a função mean:

help(mean)
?mean
mean #com o cursor em mean pressione F1

Pacotes R são extensão de linguagem de programação essenciais e precisam ser instalados:

install.packages("vegan") #instalar pacote “vegan”

230
D
Por fim, porém não menos importante, tanto o R quanto os pacotes utilizados devem ser
citados, e as informações necessárias para a citação podem ser obtidas diretamente no R:

citation () #Retorna as informações necessária para citar o R


citation (package = "vegan") #Citar pacote “vegan” instalado

“We have invested a lot of time and effort in creating R, please cite it when using it for data analysis.”
by R Core Team (2020).

Guia básico de funções:

ls() = lista os objetos criados


rm() = remove objeto
sum() = soma
mean() = média
median() = mediana
max()= valor máximo
min() = valor mínimo
length() = quantidade de itens
sort() = organizar em ordem crescente
sd() = desvio padrão
sqrt() = raiz
sample() = sorteia aleatoriamente um item
mode() = tipo do objeto
srt() = sumário do objeto

Referências

Anderson, M. J. 2001. A new method for non-parametric multivariate analysis of variance. Austral
Ecology 26:1, 32–46.
Clarke, K R. 1993. Non-parametric multivariate analyses of changes in community structure. Austral
Ecology 18: 117-143.
Fisher, R. A. 1925. Statistical Methods for Research Workers. Rothamsted: Oliver and Boyd, vol. 13,
1ª edição.
Gottelli, N J; Ellison, A M. 2011. Princípios de Estatística Em Ecologia. Artmed Editora SA, Porto
Alegre, 2ª edição.
Ihaka, R., & Gentleman, R. 1996. R: A Language for Data Analysis and Graphics. Journal of
Computational and Graphical Statistics 5(3): 299–314.

231
D
Quinn, G P; Keough, M J. 2002. Experimental design and data analysis for biologists. Cambridge
University Press, Cambridge, United Kingdom, 1ª edição.
R Core Team. 2020. R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for
Statistical Computing, Vienna, Austria. Disponível em: https://www.R-project.org/.
Shahbaba, B. 2011. Biostatistics with R: An introduction to statistics through biological data. Springer
Science & Business Media, 1ª edição.
Underwood, A. J. 1996. Experiments in Ecology. Cambridge University Press.

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