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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS

BOTÂNICA NO INVERNO 2019

Organizadores

Laboratório de Anatomia Vegetal Laboratório de Fisiologia Ecológica de


Ellenhise Ribeiro Costa Plantas
Bruno Viana Navarro
Laboratório de Fitoquímica Débora Pagliuso
Juliana Cajado Souza Carvalho Lauana Pereira de Oliveira
Marina Câmara Mattos Martins
Laboratório de Fisiologia Vegetal Laboratório de Sistemática, Evolução e
Marcos Marchesi da Silva Biogeografia de Plantas Vasculares
Eduardo Damasceno Lozano

Professora responsável
Profa. Dra. Cláudia Maria Furlan

Autores dos capítulos

Adriana Grandis Joice Iamara Nogueira


Alexandre Junio Borges Araujo Kelma Cristina de Freitas
Aline Possamai Della Leandro Francisco de Oliveira
Antonio Deusany de Carvalho Junior Luis Carlos Saito
Augusto Giaretta Marcelo Tomé Kubo
Bruno Viana Navarro Mariana Maciel Monteiro
Caian Souza Gerolamo Marília de Freitas Silva
Débora C.C. Leite Marina C.M. Martins
Débora Pagliuso Marta Rodríguez Ruiz
Eduardo Damasceno Lozano Nuno Tavares Martins
Filipe Christian Pikart Paloma Damiana Rosa Cru
Frederico Rocha Rodrigues Alves Pamela Cristina Santan
Gisele Alves Paula Maria Elbl
Henrique Moura Dias Renata Callegari Ferrari
Higor Antonio Domingues Sabrina Gonçalves Raimundo
Israel Lopes da Cunha Neto Ulisses Gonçalves Fernandes
Janaina da Silva Fortirer Vania G. Partida Sedano
Janayne Gagliano Wilton Ricardo Sala de Carvalho

São Paulo
2019

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IX Botânica no Inverno 2019 / Org. Eduardo Damasceno Lozano [et al.]. – São Paulo:
Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, 2019. 238
p. : il.

ISBN Versão online: 978-85-85658-80-9

Inclui bibliografia

1. Biodiversidade e Evolução. 2. Estrututa e Desenvolvimento. 3. Recursos Econômicos


Vegetais. 4. Ensino em Botânica.

VIII Botânica no Inverno 2018.

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PREFÁCIO

Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher, o Departamento de Botânica do


Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo atualmente é referência em nível internacional
de pesquisa e ensino. Possui uma equipe formada por 28 docentes (3 aposentados), os quais estão
distribuídos em 8 áreas de conhecimento. Apresenta como infraestrutura 11 laboratórios, um herbário
com a coleção de plantas vasculares, algas e madeiras estimado em 300.000 espécimes, um fitotério
com uma coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e casas de vegetação. Somando-se ao
grande número de pós-graduandos (dentre esses, estrangeiros) e a alta atividade científica dessa
comunidade, a Pós-Graduação de Botânica possui conceito CAPES 7, o mais alto entre as pós
graduações em botânica do Brasil.
Realizado desde o ano de 2011, o curso de Botânica no Inverno, é uma iniciativa dos pós-
graduandos que visa divulgar os trabalhos realizados no Departamento de Botânica, possibilitando o
acolhimento de potenciais alunos e pesquisadores ao seu corpo discente.
Na IX edição, o Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos de graduação e recém-
formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais de diversas subáreas da botânica, além de
proporcionar a experiência de vivenciarem as atividades realizadas em nossos laboratórios,
despertando o primeiro interesse dos possíveis futuros acadêmicos em projetos de pesquisa do
Departamento.
Para a realização do IX Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de São Paulo, à
direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de Botânica, à Comissão Coordenadora
do Programa de Pós-graduação em Botânica, as agências de fomento FAPESP, CAPES e CNPq.

O conteúdo dos capítulos é de responsabilidade dos respectivos autores.

Desejamos a todos um bom curso.


Comissão Organizadora do IX Botânica no Inverno

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ÍNDICE
PREFÁCIO. ......................................................................................................................................................................06
PARTE I: DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO
Capítulo 1: Mudanças climáticas e os efeitos sobre macroalgas marinhas..........................................................................09
Capítulo 2: Licófitas e Samambaias: evolução, morfologia e ecologia................................................................................15
Capítulo 3: Inovação-chave das Angiospermas: A FLOR...................................................................................................32
Capítulo 4: Inflorescência: Conceitos e organização...........................................................................................................49
Capítulo 5: Evolução floral e ecologia da polinização.........................................................................................................59
Capítulo 6: A Palinologia e suas aplicações para a Taxonomia...........................................................................................74
Capítulo 7: Dendrologia de árvores da Mata Atlântica........................................................................................................86
Capítulo 8: Physcomitrella patens: organismo modelo no estudo de genes de plantas......................................................108

PARTE II: ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO


Capítulo 9: Embriogênese vegetal: construindo uma planta a partir de uma célula...........................................................116
Capítulo 10: Anatomia e desenvolvimento caulinar como subsídio à sistemática das plantas vasculares..........................130
Capítulo 11: Transporte de água em plantas: da anatomia às funções do xilema...............................................................149
Capítulo 12: Introdução à fotobiologia em plantas: luz, fotossíntese e fotorreceptores.....................................................160
Capítulo 13: A Dieta Detox das Plantas.............................................................................................................................171
Capítulo 14: Óxido nítrico como regulador de processos metabólicos em plantas............................................................182

PARTE III: RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS


Capítulo 15: A parede celular: do cafezinho ao etanol celulósico......................................................................................191
Capítulo 16: Rastreio de moléculas bioativas provindas de extratos de plantas.................................................................204
Capítulo 17: Monitorando temperatura e umidade em experimentos com árvores utilizando Internet das Coisas.............222

PARTE IV: ENSINO EM BOTÂNICA


Capítulo 18: A formação de professores seria uma forma de minimizar a Cegueira Botânica?.........................................232

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Parte I

DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO

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CAPÍTULO 1

Mudanças climáticas e os efeitos sobre macroalgas marinhas

Nuno Tavares Martins (Universidade Estadual de São Paulo)


Sabrina Gonçalves Raimundo (Universidade Estadual de São Paulo)

Mudanças climáticas se referem às variações do clima em escala global ao longo do tempo


(ver box 1), podendo ser definida como variações estatisticamente significativas na média do clima
ou sua variabilidade, persistindo por um longo período (tipicamente décadas ou mais). As alterações
climáticas, podem ser causadas por processos naturais, eventos externos ao Planeta Terra (exemplo:
meteoros) ou por alterações antropogênicas. Ou seja, as mudanças climáticas são fenômenos naturais
que ocorrem na Terra. Essas variações abrangem diversas alterações, como mudanças de temperatura,
precipitação, umidade relativa do ar, aumento do nível dos oceanos, derretimento das calotas polares
e outras. Contudo, ao longo das últimas décadas, têm se percebido aumento na velocidade dessas
mudanças, devido às ações antropogênicas desde a Revolução Industrial (principalmente aumento da
atividade industrial, desmatamento e aumento populacional). As mudanças climáticas antropogênicas
referem-se a qualquer mudança no clima causada pelo efeito cumulativo da atividade humana. A
magnitude da mudança climática global antropogênica é atualmente considerada irreversível em
escalas de tempo humanas. Por exemplo, para o ano de 2100 é especulado um aumento de temperatura
média da Terra em 2 a 4C, uma diminuição do pH oceânico de 0,3 até 0,5 e um aumento dos índices
de UV entre 12-17%.

Box 1: Tempo meteorológico x tempo geológico.

Ambos estão dentro do conceito de mudanças climáticas

Tempo geológico: escala de tempo medida em milhões de anos, sendo classificada


em eras geológicas e seus respectivos períodos.

Tempo meteorológico: escala de tempo em horas/dias, mensurado nas últimas décadas.

.
As mudanças climáticas ocorrem tanto no ambiente terrestre quanto marinho. Os oceanos
cobrem 2/3 da Terra, e por isso, absorvem 80% do calor incidente. O que faz com que as linhas de
temperatura nos oceanos (isotermas) migrem mais rápido do que em ambientes terrestres, culminando
em comunidades marinhas inteiras a migrarem mais rapidamente (alterando sua distribuição). O

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aumento da temperatura é um dos principais processos resultantes de mudanças climáticas
antropogênicas no ambiente marinho. Esse aquecimento vem sendo confirmado por dados de
temperatura dos oceanos registrados nos últimos anos. O aumento da temperatura nos oceanos tem
diversas consequências (Fig. 1), como aumento de eventos extremos, alterações nos padrões de
ocorrência de tempestades e secas, aumento da umidade relativa do ar entre outras.

Figura 1. Alguns eventos alterados em consequência do aumento da temperatura nos oceanos.

Dessa forma, o aquecimento global deverá produzir grandes mudanças no ambiente marinho,
como na distribuição e abundância de espécies além de mudança na estrutura de comunidades,
incluindo extinções locais. Macroalgas marinhas são as bases ecológicas da maioria dos ecossistemas
marinhos costeiros e sua diversidade tem implicações fundamentais para a vida e os serviços
ecossistêmicos (ver Box 2) na zona costeira. As macroalgas ocorrem principalmente nas regiões
costeiras, localidade em que está mais susceptível às mudanças, devido à sua proximidade com o
ambiente terrestre. As mudanças climáticas deverão alterar diversas características dessas regiões,
devido às alterações no padrão de ondas, pluviosidade, elevação do nível do mal, diminuição das
faixas de areias, erosão e outros.

Box 2: Serviços ecossistêmicos

São benefícios que podemos obter a partir dos ecossistemas de forma direta ou indireta.
Exemplos: proteção contra desastres, controle da erosão, alimentos, manutenção do
clima, purificação da água, controle de inundações, além do uso recreativo.

Apesar de algumas espécies de macroalgas terem mostrado alta tolerância, ou até mesmo se
beneficiarem de mudanças climáticas, o aumento na temperatura tende a trazer mudanças drásticas
para comunidades bentônicas. Há diversos estudos acerca dos processos ecológicos em macroalgas,
10
contudo, poucos abordam a distribuição de espécies. A temperatura influencia drasticamente
processos biológicos, atuando em diversas escalas (Fig. 2): desde moléculas a biotas inteiras. Os
efeitos da temperatura em reações químicas, estruturas moleculares e fisiologia das algas são bem
documentados, apesar de não tão bem elucidados. Essas lacunas no conhecimento são atribuídas à
grande dificuldade em isolar o fator temperatura de outros em ambiente natural. Em teoria, por efeitos
que ocorrem nos níveis químicos e moleculares, as algas são beneficiadas com o aumento da
temperatura. Contudo, alteração da temperatura pode ser fatal para macroalgas que possuem seu
rendimento máximo próximo ao seu limite fisiológico. O aumento de temperatura observado na
natureza nos dias de hoje pode não evidenciar nenhuma diferença fisiológica nesses indivíduos,
muitas vezes levando a uma falsa interpretação de que toleram tal situação. Por esse motivo,
experimentos laboratoriais se fazem necessários.

Figura 2: Consequências do aumento da temperatura nos oceanos em diversas escalas.

Os oceanos absorvem cerca de um terço (1/3) de todo CO 2 emitido antropologicamente - desde


a revolução industrial. O impacto antropogênico é de tamanha magnitude de forma que é esperada
que a uma diminuição de pH mais significativa ao longo dos próximos séculos do que nos últimos
300 milhões de anos, tendo drásticas consequências para organismos marinhos. A absorção de CO 2
pelos oceanos aumenta a concentração (ver Box 3) de ácido carbônico (HCO−
3 ), o que além de

diminuir o pH, diminui também a disponibilidade dos íons carbonato de cálcio. A maioria das
macroalgas marinhas têm acesso tanto ao CO 2 quanto ao ácido carbônico para conduzir a fotossíntese.
Todavia, algumas macroalgas vermelhas só podem absorver CO 2. Por esses motivos, apesar da
mudança no pH, a maior disponibilidade de carbono tem se mostrado benéfica. No entanto, diversas
macroalgas vermelhas, por não conseguirem absorver o ácido carbônico, a mudança de pH tem se

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mostrado prejudicial. Ainda, muitas macroalgas vermelhas (assim como os corais) possuem parede
celular com carbonato de cálcio, que também tem sua disponibilidade diminuída devido à alteração
do pH.

Box 3: 𝐶𝑂2 + 𝐻2 𝑂 ↔ 𝐻2 𝐶𝑂3

𝐻2 𝐶𝑂3 ↔ 𝐻 + + 𝐻𝐶𝑂3−

𝐻𝐶𝑂3− ↔ 𝐻 + + 𝐶𝑂32−

Até o ano de 2100, é especulado um aumento dos índices de UV entre 12 -17%. A radiação
UV pode afetar as macroalgas marinhas de diversas maneiras, principalmente causando diminuição
da fotossíntese e fixação de CO2. UV-A tem efeitos ambíguos nas macroalgas, podendo ser usado
como fonte de luz para a fotossíntese, direcionando a utilização fotossintética do bicarbonato, tendo
efeito positivo na morfogênese e crescimento de algumas espécies de macroalgas. No entanto, níveis
altos de UV-A podem causar diminuição da fotossíntese, alterar a diversidade e a biomassa da
comunidade bentônica marinha. Por outro lado, UV-B raramente mostra efeito positivo. Podem
causar alterações nas mitocôndrias, cloroplastos e outras organelas, além de aumentar a espessura da
parede celular, reduzir o espaço intracelular e até mesmo alterar os contornos das células e
morfologias.
Como descrito acima, diversas são as mudanças ambientais que atuam concomitantemente
nos organismos e os fatores são de difícil dissociação em estudos controlados. Um exemplo da ação
de diversos fatores é o impacto dos herbívoros sobre as comunidades de macroalgas. Os herbívoros
são agentes estruturantes fundamentais nas comunidades de macroalgas, influenciando, desde a
sobrevivência do indivíduo até a totalidade da biodiversidade. Os resultados das interações entre
plantas e herbívoros dependem das características da alga e do herbívoro, incluindo a palatabilidade
das algas, as taxas de consumo per capita de herbívoros e as taxas de crescimento individual e
populacional e a abundância total de ambos. Fatores abióticos associados à mudança climática são
conhecidos por afetar todos esses atributos. A temperatura pode reduzir as defesas dos herbívoros
enquanto que alterações na disponibilidade de nutrientes alteraram a palatabilidade das algas (além
do carbonato de cálcio, que é uma importante defesa anti-herbívoro). Ainda, apesar do aquecimento
beneficiar algumas populações de herbívoros, a acidificação é geralmente prejudicial para muitos
herbívoros invertebrados, particularmente espécies fortemente calcificadas, tais como ouriços do mar
e moluscos. Dessa forma, as mudanças climáticas também terão efeitos diretos sobre os herbívoros
que por efeito em cascata influenciará nos produtores primários.
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Possíveis respostas fisiológicas de uma espécie e de suas populações podem decorrer de
processos de aclimatação ou adaptação (ver Box 4). Estudos fisiológicos em populações naturais, não
permitem a distinção entre esses processos, pois as variáveis ambientais são distintas e mascaram
possíveis conclusões sobre os efeitos de determinados fatores abióticos. É importante, portanto,
realizar estudos de variação em condições controladas e determinar o padrão de variação fisiológica
em condições laboratoriais em associação com dados de campo. Esses dados devem possibilitar uma
melhor previsão dos efeitos das mudanças climáticas em comunidades marinhas futuras. Todo esse
aspecto promissor mencionado faz com que os estudos acerca da fisiologia e ecologia sejam de
extrema importância para o conhecimento dos ecossistemas marinhos num cenário especulado para
o futuro de aumento de temperatura média dos oceanos.

Box 4: Adaptação e aclimatação de forma extremamente resumida:

Adaptação é alteração no genoma e ocorre ao longo de gerações.

Aclimatação é ajuste fenotípico e ocorre no indivíduo.

Referências
Burrows, M.T.; Schoeman, D.S.; Buckley, L.B.; Moore, P.; Poloczanska, E.S.; Brander, K.M.;
Brown, C.; Bruno, J.F.; Duarte, C. M.; Halpern, B. S.; Holding, J.; Kappel, C. V.; Kiessling,
W.; O’Connor, M. I.; Pandolfi, J. M.; Parmesan, C.; Schwing, F. B.; Sydeman, W. J.;
Richardson, A. J. 2011. The Pace of Shifting Climate in Marine and Terrestrial Ecosystems.
Science 334:652–655.
Cheung, W.W.L.; Lam, V.W.Y.; Sarmiento, J.L.; Kearney, K.; Watson, R.; Pauly, D. 2009.
Projecting global marine biodiversity impacts under climate change scenarios. Fish and
Fisheries 10:235–251.
Field, C.B.; Barros, V.R.; Dokken, D.J.; Mach, K.J.; Mastrandrea, M.D.; Bilir, T.E.; Chatterjee, M.;
Ebi, K.L.; Estrada, Y.O.; Genova, R.C.; Girma, B.; Kissel, E.S.; Levy, A.N.; MacCracken, S.;
Mastrandrea, P.R.; & White, L.L. 2014. Climate Change 2014: Impacts, Adaptation, and
Vulnerability. Part A: Global and Sectoral Aspects. Contribution of Working Group II to the
Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change.
Harley, C.D.G.; Anderson, K.M.; Demes, K.W.; Jorve, J.P.; Kordas, R.L.; Coyle, T.A.; Graham,
M.H. 2012. Effects Of Climate Change On Global Seaweed Communities. Journal of
Phycology 48:1064–1078.

13
Hobday, A.; Alexander, L.V.; Perkins, S.E.; Smale, D.A.; Straub, S.C.; Oliver, E.; Benthuysen, J.A.;
Burrows, M.T.; Donat, M.G.; Feng, M.; Holbrook, N.J.; Moore, P.J.; Scannell, H.A.; Sen
Gupta, A.; Wernberg, T. 2016. A hierarchical approach to defining marine heatwaves.
Progress in Oceanography 141:227-238.
Poloczanska, E.S.; Brown, C.J.; Sydeman, W.J.; Kiessling, W.; Schoeman, D.S.; Moore, P.J.;
Brander, K.; Bruno, J. F.; Buckley, L. B.; Burrows, M.T.; Duarte, C.M.; Halpern, B.S.;
Holding, J.; Kappel, C.V.; O’Connor, M.I.; Pandolfi, J.M.; Parmesan, C.; Thompson, F.S.A.;
& Richardson, A.J. 2013. Global Imprint of Climate Change on Marine Life. Nature Climate
Change 3: 919–25.
Trenberth K.E. 2012. Framing the way to relate climate extremes to climate change. Climatic Change
115:283–290.
Ji, Y.; Xu, Z.; Zou, D.; Gao, K. 2016. Ecophysiological responses of marine macroalgae to climate
change factors. Journal of Applied Phycology 28: 2953-67.

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CAPÍTULO 2
Licófitas e Samambaias: evolução, morfologia e ecologia

Aline Possamai Della (Universidade de São Paulo)

Nesse capítulo abordaremos alguns aspectos relacionados à evolução, classificação,


reprodução, morfologia, ecologia, distribuição, conservação e importância econômica das licófitas e
samambaias.

Introdução
Licófitas e samambaias são termos que se referem à todas
Plantas vasculares:
as plantas vasculares que não produzem sementes, as quais, são correspondem a um grupo
monofilético, que engloba as
popularmente conhecidas como samambaias, avencas e
licófitas, samambaias,
cavalinhas. No ensino básico, elas são tradicionalmente tratadas gimnospermas e angiospermas.
São caracterizadas pela fase
como “pteridófitas”, no entanto, a reunião desses dois grupos de
esporofítica dominante, com
plantas sob o termo “pteridófita” é reconhecidamente uma esporófito ramificado, pela
presença de xilema, floema e
classificação artificial. Isso se dá, pois embora samambaias e
esclerênquima.
licófitas possuam um ancestral comum, o termo não engloba
todas as espécies derivadas desse ancestral, uma vez que não Grupo monofilético ou clado:
grupo formado pelo ancestral e
abrange as plantas com sementes (ou seja, é um agrupamento
todos os descendentes.
parafilético). Como atualmente um dos critérios para se
estabelecer um grupo biológico é este ser considerado Grupo parafilético ou grado:
grupo formado pelo ancestral e
monofilético (em oposição ao termo parafilético), ou seja, incluir
parte dos descendentes.
o ancestral comum e todos os descendentes daquela linhagem, o
termo “pteridófita” encontra-se praticamente em desuso pela comunidade científica.
A grosso modo, as licófitas se diferenciam pela presença de microfilos (folhas geralmente
pequenas, que apresentam uma nervura central não ramificada, associadas a caules que apresentam
xilema e floema organizados na forma de protostelo – Fig. 1 e 2) e esporângios, situados nas axilas
entre folhas e caules. Já as samambaias apresentam folhas do tipo megafilo (geralmente grandes, com
nervuras ramificadas, formando uma rede bastante complexa no tecido laminar, associadas a caules
que apresentam sifonostelo, portanto, com medula e lacuna foliar), e esporângios localizados na face
abaxial ou na margem da folha.

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Figura 1. Esquema dos tipos de folhas, microfilos e megafilos, das licófitas e samambaias, respectivamente. Elaborado
por: A.P. Della

Figura 2. Esquema demonstrando os tipos de cilindro vasculares presentes nas licófitas (protostelo) e nas samambaias
(sifonostelo). Elaborado por: A.P. Della.

Diversos estudos têm demonstrado que as samambaias são mais aparentadas


filogeneticamente com as espermatófitas (plantas com semente, angiospermas e gimnospermas) do
que com as licófitas. Na Figura 3 podemos constatar que as licófitas foram a primeira linhagem a
divergir das plantas vasculares (isso considerando apenas espécies atuais), e que está linhagem é
grupo irmão do clado (grupo monofilético) das eufilófitas, que é formado pelas samambaias e pelas
espermatófitas (Fig. 4 mostrando imagens de alguns representantes desses grupos de plantas atuais).

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Figura 3. Esquema simplificado demonstrando as relações filogenéticas dos principais grupos de plantas atuais. O grupo
das briófitas (plantas avasculares) é irmão de todas as plantas vasculares. No clado das vasculares (flecha roxa), o grupo
das licófitas é irmão das eufilófitas (clado representado pela flecha verde). E dentro das eufilófitas temos espermatófitas
(gimnospermas e angiospermas) e as samambaias. Elaborado por: A.P. Della.

Figura 4. Representantes dos grupos de plantas vasculares atuais. A: Cycas L. (Cycadaceae, Gimnosperma); B:
Malvaviscus Fabr. (Malvaceae, Angiosperma); C: Serpocaulon A.R. Sm. (Polypodiaceae, Samambaia); D: Cyathea Sm.
(Cyatheaceae, Samambaia). Fotos: A.P. Della.

As eufilófitas são caracterizadas pela presença de protoxilema da raiz exarco (ou seja, os
primeiros traqueídes ou elementos de vaso estão dispostos na porção periférica do feixe vascular),
pelas folhas do tipo megafilo, por feixes vasculares formando sistemas complexos que apresentam
medula parenquimática (sifonostelo ou eustelo), e pela presença de 30 kpb duplicadas invertidas no
DNA do cloroplasto.

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Evolução
A origem das licófitas e samambaias é muito antiga. Os primeiros fósseis de organismos
semelhantes a elas datam de 425 milhões de anos, no período geológico conhecido como Siluriano.
Porém foi supostamente no Carbonífero (a cerca de 360 milhões de anos atrás), que houve uma ampla
diversificação e irradiação desse grupo, momento em que possivelmente se tornaram os elementos
dominantes nas florestas. Esse período do Siluriano/Carbonífero é reconhecido como a primeira
grande radiação das licófitas e samambaias.
A segunda grande radiação é do Carbonífero/Triássico, até cerca de 245 milhões de anos atrás,
onde registros fósseis indicam a existência de verdadeiras florestas formadas, principalmente, por
licófitas arbóreas com até 25 metros de altura. Nesse período, as licófitas deviam corresponder a cerca
de 50% das espécies.
Na era Mesozóica tivemos o aparecimento e a irradiação de angiospermas, isso provavelmente
promoveu a extinção de muitas linhagens de samambaias e licófitas (derivadas das duas grandes
radiações destacadas acima), assim como de muitas gimnospermas. No entanto, ao mesmo tempo que
houve extinções de muitas linhagens, ocorreu o surgimento de outras, como a linhagem de
samambaias polipodiódes (correspondem a ordem Polypodiales, ver próximo tópico), que acabaram
por se diversificar “na sombra das angiospermas” (é a chamada terceira grande radiação das licófitas
e samambaias).
As florestas de angiospermas que foram surgindo, principalmente entre o final da era
Mesozóica e o início da era Cenozóico, eram muito mais diversas que as florestas de gimnospermas
existentes até então. Além disso, tinham diferentes estratos (plantas de dossel, de sub-bosque, etc.),
assim o estabelecimento das angiospermas deve ter proporcionado grande mudanças ambientais, e o
surgimento de novos ecossistemas potencialmente ocupáveis pelas samambaias e licófitas.
Hoje as samambaias polipodióides, que se diversificaram principalmente nos últimos 50
milhões de anos, correspondem a cerca de 80% das espécies existentes. Esse grupo de plantas deve
ter se estabelecido, principalmente, sob o dossel florestal, onde provavelmente havia poucas
gimnospermas e angiospermas, ou seja, onde havia menor competição.
Como visto nos parágrafos acima, as licófitas e samambaias atuais correspondem a grupos
muito recentes, ao contrário do que se imaginava antigamente, que elas eram “plantas fósseis” e
remanescentes das linhagens antigas.

Classificação

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A classificação das licófitas e samambaias passou por muitas alterações ao longo do tempo.
Desde as primeiras classificações baseadas somente em caracteres morfológicos (tais como:
características do rizoma, da fronde, a disposição dos soros, a presença ou a ausência de indúsio, etc.),
as quais, em geral não levavam em conta as relações filogenéticas, a classificações que passaram a
incorporar dados moleculares (as quais, partem de uma filogenia, e usam o princípio de
monofiletismo para o estabelecimento dos grupos).
O Pteridophyte Phylogeny Group I (PPG I, 2016), a classificação mais recente desses grupos,
é de certa forma um resumo das diversas filogenias, que vem sendo obtidas a partir de dados
moleculares. As licófitas são tradadas como a classe Lycopodiopsida, e as samambaias como
Polypodiopsida (Fig. 5).
Dentro de Lycopodiopsida há três ordens, as quais apresentam 1.338 espécies. A maior ordem
é Selaginellales (com 700 espécies), seguida por Lycopodiales com 388 e Isoëtales com 250. Em
Polypodiopsida há 10 ordens, totalizando 10.578 espécies. Polypodiales é a maior ordem com 8.714
espécies, seguida por Cyatheales com 713 e Schizaeales com 190. Assim, há atualmente 11.916 de
licófitas e samambaias.

Figura 5. Esquema simplificado demonstrando as relações filogenéticas das ordens de Lycopodiopsida (licófitas em azul)
e Polypodiopsida (samambaias em vermelho) segundo o PPG I (2016). Entre parênteses o número de espécies de cada
ordem. Elaborado por: A.P. Della.

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Reprodução
Reprodução sexuada
O ciclo de vida das licófitas e samambaias, assim como as demais plantas terrestres, é
haplodiplobionte, ou seja, envolve a alternância de gerações. A geração gametofítica, a qual produz
os gametas, é haplóide (x=n) e efêmera, já a geração esporofítica, que produz os esporos, é diplóide
(x=2n) e de longa duração (Fig. 6).
Apresentaremos agora o ciclo de vida, tomando como exemplo uma samambaia
leptoesporangiada (que corresponde a maioria das samambaias). Na maturidade de um esporófito
(diplóide) são produzidos os soros, que estão localizados, frequentemente, na parte inferior das folhas.
Os soros correspondem ao agrupamento de esporângios, os quais contém numerosos esporos, que por
sua vez são células haplóides, formadas por meiose.

Figura 6. Ciclo de vida de uma samambaia leptoesporangiada. Elaborado por: A.P. Della.

Os esporângios são constituídos, geralmente, por uma haste (porção inferior) e uma cápsula
globosa (porção superior). Nessa cápsula há uma linha de células espessadas em forma de “U”, a qual
chamamos de ânulo. Quando há redução de umidade do ambiente (seca), as paredes do ânulo se
comprimem e acabam rompendo o esporângio, promovendo, dessa forma, a liberação dos esporos (os
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quais são passíveis de serem carregados pelo vento). Num ambiente propício, os esporos podem
germinar e se desenvolver em prótalos, e posteriormente em gametófitos (haplóides).
Os esporos são muito pequenos (em torno de 0,05 mm) e são produzidos em grande
quantidade. Geralmente, a produção de esporos varia de mil a um milhão por planta, mas já foram
registrados até 1 bilhão de esporos. A maioria dos esporos acaba não sendo levada para localidades
muito distantes da planta mãe. Distâncias maiores dependem de correntes de vento. Grande parte dos
esporos não possui clorofila, e pode permanecer viável durante vários anos.
Os gametófitos, que por sua vez, são geralmente pequenos, com formato cordiforme e
coloração verde clara (a morfologia do gametófito será vista em detalhes no próximo tópico),
apresentam em sua porção inferior órgãos sexuais. Os órgãos masculinos são chamados de anterídios
e produzem os anterozoides (gametas masculinos flagelados). Já os órgãos femininos são chamados
de arquegônio e produzem as oosferas (gametas femininos). A água é essencial para a fecundação,
tendo em vista que o anterozóide é flagelado. Os anterozoides das licófitas são biflagelados, já o das
samambaias (assim como de outras eufilófitas que apresentam flagelo) são multiflagelados.
Os gametófitos podem ser unissexuados (apresentam órgãos sexuais masculinos e femininos
em indivíduos diferentes) ou bissexuados/hermafroditas (apresentam órgãos sexuais masculinos e
femininos num mesmo indivíduo). Quando o anterozóide chega até o arquegônio e fecunda a oosfera,
é gerado o zigoto, iniciando-se assim a fase diplóide. O gametófito permanece vivo até a formação
dos primórdios foliares, e em seguida morre. O zigoto, formado pela fecundação, sofre sucessivas
divisões mitóticas gerando um novo indivíduo (esporófito), que apresenta raízes, caule e folhas, e ao
atingir a maturidade produzirá os esporos.
É extremamente importante aqui ressaltar um detalhe que diversos livros texto de botânica
descrevem e enfatizam erroneamente: a autofecundação (quando um gameta masculino fecunda um
gameta feminino do mesmo indivíduo) como a forma mais comum de reprodução do gametófito. Isso
é apresentado tanto em explicações no texto como em figuras. No entanto, a maioria dos eventos de
fecundação que ocorrem nesses grupos é por meio de fecundação cruzada (quando gametas
masculinos fecundam gametas femininos de indivíduos diferentes) gerando maior variabilidade
genética.

Reprodução assexuada
A reprodução assexuada pode ocorrer por meio de apomixia e/ou de propagação vegetativa.
No ciclo de vida de uma samambaia apomítica, há produção de 32 esporos diploides (por meio de
falhas na disjunção dos cromossomos na meiose), ao invés dos 64 esporos haploides formados
normalmente (ciclo de vida não apomítico). Dessa forma, não há fecundação (fusão de gametas), uma

21
vez que os esporos já são diploides. Estes esporos diplóides germinam e se desenvolvem em
gametófitos menores do que os normais, além disso, esses gametófitos formados não produzem
gametângios. Então, a partir de uma célula do gametófito há o desenvolvimento de um esporófito,
que apresenta raiz, caule e folhas. O gametófito morre a medida que essa nova plântula se desenvolve.
O esporófito apomítico poderá produzir esporos, também apomíticos, fechando o ciclo.
A propagação vegetativa é uma alternativa mais rápida do que a reprodução sexuada. As
plantas (esporófito) produzem gemas, as quais podem estar localizadas tanto na raque, quanto na
lâmina foliar. Essas gemas se desenvolvem e dão origem a plântulas, que são clones da planta mãe.
Ao tocarem o chão (quando folhas da planta mãe murcham) e/ou quando se desprendem da planta
mãe, tornam-se indivíduos independentes, sem a necessidade de reprodução sexuada. Além das
gemas, partes de um indivíduo podem se desprender e dar origem a novas planta.
Outro fenômeno comum entre as licófitas e samambaias é a hibridização, que consiste no
cruzamento de duas espécies distintas, gerando descendentes com características combinadas de
ambos parentais. A hibridação ocorre quando o anterozóide do gametófito de uma espécie fecunda a
oosfera do gametófito de outra espécie. Identificam-se híbridos com certa facilidade por estes
apresentarem características intermediárias entre os parentais, no entanto, nem sempre são expressas
de forma proporcional. Indivíduos híbridos geralmente apresentam esporos abortados, o quais podem
inclusive ser maiores que os esporos dos parentais. Esporos abortados têm a aparência de uma
“sujeira” sob o microscópio estereoscópico, pois eles são irregulares, enegrecidos e sem forma
definida. Os híbridos são estéreis na maioria dos casos, uma vez que não ocorre o pareamento correto
dos cromossomos provenientes dos diferentes parentais.
A hibridização entre espécies do mesmo gênero é chamada de intragenérica, e é a mais
comum. A hibridação também pode ocorrer entre gêneros diferentes, neste caso é chamada de
hibridação intergenérica. Na nomenclatura botânica, deve-se usar o símbolo × para indicar que um
táxon é um híbrido. Por exemplo: Blechnum × rodriguezii Aguiar, Quintanilla & Amigo.

Morfologia do gametófito e do esporófito


Fase gametofítica
Os gametófitos das licófitas e das samambaias nem sempre são cordiformes, como os livros
didáticos frequentemente ilustram. Eles apresentam diferentes morfologias, cujos tipos morfológicos
são relacionados ao hábitat do esporófito. Os gametófitos cordiformes (Fig. 7) são geralmente anuais
e típicos da maioria das espécies terrestres de Polypodiales. Os gametófitos em forma de fita são
ramificados, perenes, apresentam crescimento indeterminado, alongamento gradual e
desenvolvimento mais lento que o cordiforme. O talo dos gametófitos em forma de fita pode dar

22
origem a outros indivíduos por meio de reprodução assexuada. Esse tipo de gametófito é encontrado
em epífitas da família Polypodiaceae, Dryopteridaceae, Hymenophyllaceae e Pteridaceae, e em
plantas terrestres pertencentes a Osmundaceae.
Os gametófitos cordiformes, anuais e de crescimento rápido são adaptados para viver em
ambientes com perturbações constantes, como barrancos, que sofrem erosão, e solo com contínuo
acúmulo de serapilheira. Já os gametófitos em forma de fita, perenes e de crescimento lento adaptam-
se a habitats mais maduros e estáveis, como troncos de árvores e cavernas.

Figura 7. Gametófito terrícola e cordiforme. Fotos: A.P. Della

Fase esporofítica
O esporófito da maioria das licófitas e samambaias é perene, ou seja, vive mais do que um
ano. Não sabemos quantos anos a maioria das espécies pode viver, mas há registros de espécies com
32 até 150 anos. Em regiões tropicais as samambaias crescem lentamente, o que significa que podem
levar anos para se reproduzirem sexuadamente. A morfologia do esporófito é bastante variável, e em
geral, licófitas e samambaias apresentam raízes, caule e folhas (também chamadas de frondes).
Contudo, as licófitas e as samambaias possuem diferenças morfológicas entre si (como comentado
anteriormente). As licófitas apresentam microfilos, que são folhas inteiras, geralmente, menores que
1 cm de comprimento, sésseis, com apenas uma nervura, e um esporângio por microfilo (este
localizado na superfície superior do microfilo). Já as samambaias possuem megafilos, que são folhas
simples ou compostas, sésseis ou pecioladas, com várias nervuras, e numerosos esporângios por folha
(geralmente na face inferior da folha)

23
As folhas das samambaias são divididas em lâmina (porção geralmente verde e expandida) e
pecíolo (porção alongada e cilíndrica), sendo estas partes ausentes nas licófitas (Fig. 8). A lâmina
pode ser inteira ou parcialmente dividia, em graus crescentes de dissecção até uma lâmina totalmente
composta. A lâmina que apresenta alguns lobos e/ou incisões (as quais chegam a nervura central) é
chamada de pinatissecta, se não chegar a nervura central é considerada pinatífida. Se a lâmina é
completamente dividida até a nervura central ela é chamada pinada, onde cada unidade da lâmina é
uma pina e o eixo entre as pinas é a raque. Se a pina é dividida mais uma vez, a lâmina é bipinada, se
esta se divide mais uma vez, é tripinada e assim sucessivamente.

Figura 8. Diferentes formas e dissecções das folhas de samambaias. A: folha inteira, simples. B: folha pinatissecta,
simples. C e D: folha pinada, composta. E: folha pinada-pinatífida. F: folha 2-pinada-pinatífida. Fotos: A.P. Della.

As folhas das samambaias nascem enroladas em uma espiral, ou seja, apresentam venação
circinada, e ao longo do tempo vão se desenrolando gradualmente. A folha jovem (enrolada) das
samambaias é chamada de báculo, pela similaridade do báculo (cajado) dos papas da igreja católica.
O formato da folha também pode variar muito entre os grupos, assim como as nervuras das
folhas, as quais são importantes para identificar algumas famílias. As nervuras podem ser: lineares
(livres ao longo de toda lâmina), furcadas (em forma de Y) ou reticuladas (nervuras unem-se em
aréolas).
Na superfície das folhas, pecíolos ou caule pode haver escamas ou tricomas, ambos de origem
epidérmica. As escamas são estruturas laminares com mais de uma célula de espessura e podem ter
formatos e cores variados. Tricomas são formados por uma célula de espessura e também podem
apresentar cores diversas. Escamas e tricomas podem apresentar glândulas secretoras, com as mais
variadas substâncias químicas, as quais auxiliam na proteção contra herbivoria.

24
Existem dois tipos de esporângio em licófitas e samambaias: o eusporângio e o
leptoesporângio. O eusporângio é formado a partir da divisão de várias células da epiderme da folha,
e o leptoesporângio é originado a partir de uma única célula epidérmica. O eusporângio está presente
nas licófitas e nas ordens Equisetales, Psilotales, Ophioglossales, Marattiales e parte das Osmundales
(dentro de Polypodiopsida). Já o leptoesporângio é encontrado em alguns grupos de Osmundales e
em todas as outras seis ordens de Polypodiopsida, dessa forma, as samambaias leptoesporangiadas
são muito mais numerosas.
As folhas podem ser de dois tipos (dimorfas): férteis ou estéreis. As folhas férteis contêm o s
soros, conjunto de leptoesporângios, cujo formato e posição são muito importantes para a
identificação dos grupos. Os soros são castanhos quando maduros e podem ter formato arredondado,
cônico, lunar, linear, ou podem ainda recobrir toda a superfície da folha (neste caso o soro é chamado
de acrosticóide). O indúsio é uma membrana epidérmica, frequentemente fina, que recobre parcial ou
totalmente os soros até a maturidade dos esporos, pode estar presente ou ausente, sendo também um
importante caráter taxonômico. O indúsio frequentemente apresenta formato compatível com o soro
(cônico, redondo, em forma de lua, linear, etc.)
O caule pode ser reptante (quando este é paralelo ao substrato), ou ser ereto (em alguns casos
chegando a formar um “caule” com diâmetro e altura consideráveis, como nas samambaias
arborescentes). As licófitas e samambaias são plantas herbáceas, uma vez que não apresentam
crescimento secundário.

Distribuição
As licófitas e samambaias apresentam ampla distribuição geográfica (plantas consideradas
cosmopolitas), ocorrendo desde as tundras geladas, acima do círculo polar ártico, até as florestas
tropicais quentes e úmidas na linha do equador. O número de espécies aumenta no sentido polos para
trópicos (há um gradiente de riqueza), como pode ser visto nesses exemplos: na Groelândia há cerca
de 30 espécies, 100 na Inglaterra, 130 na Flórida, 652 na Guatemala, 1160 na Costa Rica e 1250 no
Equador. Na América do Sul há estimativas de ocorrência de 3500 espécies, e no Brasil 1307, sendo
que grande parte desses táxons, que ocorrem em nosso país, estão na Mata Atlântica e na Amazônia.
Em menor proporção ocorrem nas regiões serranas, nas matas de galeria, nas florestas nebulares e
nas áreas de Cerrado e Caatinga.
Além do maior número de espécies, é na região tropical onde elas apresentam maior
diversidade de formas de vidas, havendo plantas: terrícolas (plantas que nascem e passam todo o
ciclo de vida em contato com o solo), rupícolas (em contato com rochas), epífitas (nunca em contato
com o solo, nascem e passam todo o ciclo de vida em tronco de árvores), hemiepífitas (nascem no

25
solo, mas crescem subindo em outras plantas, só se reproduzem depois de atingir certa altura) e
aquáticas (todo ciclo de vida flutuando sobre a água).
O calor excessivo pode causar o ressecamento destas plantas, por isso a maioria das espécies
ocorrem em condições microclimáticas de umidade constante, principalmente nas áreas próximas a
cursos de água, como riachos, igarapés e rios. Muitas plantas dessas áreas úmidas são exclusivas
(endêmicas) destes ambientes. No entanto, apesar das licófitas e samambaias atingirem maior
frequência e abundância em florestas úmidas, elas também crescem em habitats secos. Uma das
regiões secas no norte do México é considerada como um centro de riqueza e de endemismo de certos
grupos, principalmente, da família Pteridaceae. As plantas que ocorrem nessas áreas secas apresentam
adaptações, tais como reprodução somente assexuada (tendo em vista que a sexuada necessita de
água), além de escamas que absorvem umidade, e capacidade de perda de até 95% da água do corpo,
sem causar danos fisiológicos ao organismo.

Interações com outros seres vivos


Como vimos, as licófitas e samambaias se reproduzem por meio de gametas e esporos, os
quais são dispersos por vento e/ou água, assim o ciclo de vida desses organismos é praticamente
independente de animais, tais como polinizadores e dispersores (que são extremante importante para
angiospermas). Assim temos outros tipos de interação dessas plantas com animais, tais como: o uso
de partes de rizoma e folhas das samambaias por passarinhos na construção de ninhos, sendo que já
foram observados estes animais coletando escamas de Phlebodium (R. Br.) J. Sm. e de Cyathea Sm.,
além de caules de Microgramma C. Presl.
Além disso, o uso de partes de samambaias (rizoma ou folhas) como alimento. Antigamente
se imaginava que as samambaias eram menos consumidas por herbívoros, quando comparadas com
angiospermas, no entanto, estudos mostraram um valor de 5 a 38% de herbivoria, o que é semelhante
ao observado para as plantas com flores. Esses estudos também têm mostrado que muitos herbívoros
são especialistas em samambaias.
É muito comum também a predação de partes de samambaias, como pecíolos e raque, por
mariposas, que são posteriormente colonizadas por formigas, como visto para Acrostichum
danaeifolium Langsd. & Fisch. Também já foi verificado associações mutualísticas entre samambaias
e formigas, onde a planta oferece abrigo, e às vezes alimento, e as formigas protegem as samambaias
contra os predadores.
As samambaias apresentam algumas estratégias visando reduzir a herbivoria e a predação.
Uma dessas estratégias, é conhecida em angiospermas como “atraso verde”, onde a coloração verde
da folha é obtida somente após algumas semanas de desenvolvimento, e não imediatamente ao nascer.

26
As folhas jovens em geral são muito finas e delicadas quando nascem, bem como apresentam menos
compostos secundários (substâncias tóxicas aos herbívoros), assim são alvos fáceis para os
herbívoros. Dessa forma, sabendo que esses animais são atraídos pela coloração verde, a alteração da
cor para vermelho ou branco em estágios inicias pode ser uma defesa dessas plantas. No entanto, ter
outra coloração se torna um pouco desvantajoso, uma vez que estas folhas possuem pouca capacidade
de realizar fotossíntese, já que a clorofila (pigmento responsável pela absorção de luz) não está
presente.
As samambaias influenciam o estabelecimento de outras plantas no sub-bosque, uma vez que
reduzem o nível de iluminação existentes sob a copa em até 32%. O solo onde crescem samambaias,
em geral, é mais profundo comparado com áreas livres de samambaias, o que pode atuar como uma
barreira mecânica para sementes que alcançam o solo e para as plântulas emergentes.
A famílias Dryopteridaceae e Dennstaedtiaceae são Taninos são uma das defesas
ricas em metabólitos secundários como terpenos e fenóis, que químicas mais importantes
são compostos tóxicos para a maioria dos mamíferos. Todas das plantas, uma vez que são
antifúngicos, antibacterianos
samambaias com exceção de Ophioglossales tem capacidade
e antivirais, atuando também
de sintetizar taninos. contra herbívoros.
As samambaias apresentam associações micorrizicas desde o Paleozoico, com as quais
formam uma simbiose especializada na transferência de nutrientes e carbono orgânico.

Conservação
A diversidade de licófitas e samambaiais, assim como de quase todos os organismos presentes
em florestas tropicais, é fortemente ameaçada pelo desmatamento. As espécies que ocorrem no
interior de florestas maduras dificilmente conseguem sobreviver em ambientes alterados, tais como:
pastagens, plantações, e florestas secundárias. Assim, muitos táxons correm o risco de serem extintos.
Na Mata Atlântica, uma grande ameaça às licófitas e samambaias é a redução e fragmentação
dos ambientes florestais. O uso dos solos, antes ocupados por florestas, é histórico, sendo que hoje a
floresta cobre menos de 10% da área original, que existia antes da chegada dos europeus. Muitas
espécies endêmicas desse ecossistema estão fortemente ameaçadas, pois já sofreram uma drástica
redução no tamanho de suas populações. Aqui vale ressaltar que as licófitas e samambaias são muito
sensíveis às alterações microclimáticas, que ocorrem, nas bordas de matas.
Na Amazônia, essas plantas são ameaçadas pelo desmatamento executado principalmente
para atividades agropecuárias e de extração de madeira. A fronteira sul da Amazônia vem sendo
fortemente ameaçada nos últimos anos. Diversos estudos realizados na Amazônia constaram que as

27
licófitas e samambaias são bons indicadores ecológicos, sendo inclusive importantes para o
planejamento da conservação da biodiversidade desse ecossistema.

Importância econômica
Diversas espécies de licófitas e samambaias são usadas em todo o mundo, com diferentes
finalidades, por diferentes populações tradicionais. Na China, é muito comum o emprego de espécies
desses grupos na alimentação, sendo consumido tanto folhas e báculos, quanto rizomas. Há estimativa
de que 50 espécies sejam usadas para essa finalidade nesse país. Em regiões tropicais podem ser
usadas como cosmético (desodorante), também como tempero, ou mesmo para usos medicinais e na
produção de tintas e fibras.
Na Amazônia, elas são usadas principalmente para fins medicinais, havendo registro de uso
de licófitas e samambaias no tratamento de dor de estômago, diarréia, dor de dente, dores no corpo e
nos rins, gripe, cicatrização de feridas, e inclusive para uso veterinário.
A cavalinha (Equisetum L.) é comumente encontrada em casas de produtos naturais para o
emprego de infusões em problemas renais. Antigamente o talo de Equisetum também era usado para
polir panelas em virtude da alta concentração de sílica. O extrato de E. arvense L. tem sido usado a
fabricação de xampu, o qual é usado no tratamento de dermatites seborreicas.
Extrato de Polypodium leucotomos L., planta que cresce nos Andes entre 700 a 2.500 metros
era usada na medicina popular por suas propriedades anti-inflamatórias cutâneas, bem como
fotoprotetoras prevenindo o fotoenvelhecimento. Selaginella denticulata (L.) Spring. era usada como
anti-helmíntico. Botrychium lumaria (L.) Swartz., segundo os alquimistas, era capaz de coalhar o
mercúrio, além de apresentar propriedades afrodisíacas em gado bovino. Asplenium trichomanes L.
era usado para afecções do baço e do fígado, Asplenium ruta-muraria Michx. para curar problemas
de baço, rins e peito, Asplenium scolopendrium L. como diurético e expectorante, e Lycopodium
clavatum L. para combater catarros e inflamações das vias urinárias. Cyathea medullaris G. Forst,
conhecida na Nova Zelândia como Mamaku, tem ação de ativar os queratinócitos e a divisão celular,
o que reflete no aumento do número de células na derme. Huperzia selago (L.) Bernh é uma planta
muito venenosa para humanos pela sua alta concentração de alcolóides, e para animais tem
capacidade de liberar parasitas de qualquer tipo de animal.
O gênero Pteridium Gled. ex Scop., que apresenta ampla distribuição mundial, é
frequentemente consumido (principalmente os báculos) por chineses, japoneses e brasileiros (em
Minas Gerais). Contudo, o consumo excessivo de plantas desse gênero aumenta os riscos de câncer
de estômago em humanos, e intoxicação no gado.

28
Samambaias também são utilizadas para fitorremediação, ou seja, para descontaminação de
ambientes naturais poluídos por substâncias químicas e/ou metais pesados. Pteris vittata L. é uma
espécie com grande potencial fitorremediador. Essa planta usa mecanismos de evasão ou exclusão,
os quais minimizam a incorporação dos metais pela célula. Assim, através de processos de
detoxificação intracelular, compartimentalização ou biotransformação, a planta consegue sobreviver
na presença de elevada concentração do metal.
Recentemente, tem-se discutido o potencial de algumas proteínas extraídas de samambaias
serem usadas no tratamento contra o câncer.
As samambaias também apresentam grande potencial ornamental, sendo as mais utilizadas
em jardinagem e paisagismo as espécies dos gêneros: Adiantum L. (avencas), Cyathea Sm.
(samambaiaçu), Dicksonia L'Hér. (xaxim-bugio), Davallia Sm. (renda-portuguesa), Platycerium
Desv. (chifre-de-veado), Nephrolepis Schott (samambaia-de-metro) e Selaginella P. Beauv.
(erroneamente chamado de musgo). As samambaias aquáticas Salvinia Ség., Azolla Lam.
(samambaia-mosquito) e Marsilea Adans. (trevo-de-quatro-folhas) são usadas em aquários ou em
lagoas. O caule da Dicksonia sellowiana Hook., planta nativa da Mata Atlântica, já foi muito utilizado
como substrato para cultivo de orquídeas pela capacidade de retenção de água, no entanto, em virtude
da intensa exploração comercial, atualmente essa planta é ameaçada de extinção.
A samambaia mais utilizada comercialmente é a Azolla, uma planta pequena, aquática,
flutuante, que se reproduz rapidamente por meio de propagação vegetativa. Plantas desse gênero
possuem simbiose com uma cianobactéria, Anabaena azollae Strasb., que fixa nitrogênio em troca de
proteção e abrigo. Ao longo dos últimos 1000 anos, e até os dias atuais, a Azolla é cultivada em
campos de arroz no sudeste asiático para incremento de nitrogênio nos cultivares. Ela é cultivada nos
campos inundados, onde chega a recobrir toda a superfície e após a drenagem dos campos a
samambaia é retida para ser incorporada ao solo. Posteriormente, o arroz é plantado, dessa forma todo
o nitrogênio será fornecido ao cultivar (através da samambaia) sem a necessidade de adubação
química. O uso da Azolla reduz o número de fertilizantes nitrogenados químicos.
Do ponto de vista nutritivo, as prefoliações são uma ótima fonte de vitaminas A e C. Conteúdo
de vitaminas é similar ao citado para a batata. Nas folhas maduras também se verifica uma grande
quantidade de vitaminas A e C. O amido contido na raque e na lâmina pode ser usado na produção
de farinha, a qual pode ser usada na confecção de pães sem fermento.

Conclusões
Licófitas e samambaias são dois grupos filogeneticamente distintos, que tradicionalmente são
tratadas pelo termo “pteridófita”. São plantas vasculares, que apresentam ciclo de vida

29
haplodiplobionte, com fase esporofítica dominante sobre a gametofítica. Foram grupos muito
diversos e predominantes em todos os ecossistemas terrestre no período Carbonífero ao Triássico.
Atualmente apresentam cerca de 12 mil espécies, ocorrentes em praticamente todo o globo, sendo,
no entanto, a região tropical a mais diversa. A maioria das espécies de licófitas e samambaias que
vemos atualmente são plantas muito recentes (pertencentes a Polypodiales, que se originaram
principalmente no Cenozóico), as quais apresentam morfologia muito variada, principalmente,
quanto as secções da lâmina foliar. Essa morfologia laminar atrai muita atenção (pela sua beleza), por
isso são plantas muito usadas como ornamentais. Hoje, no entanto, com o desmatamento
descontrolado e a fragmentação de habitats há um grande risco de muitas dessas espécies serem
extintas, principalmente, plantas endêmicas.

Referências
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31
CAPÍTULO 3

Inovação-chave das Angiospermas: A FLOR

Marcelo Tomé Kubo (Universidade de São Paulo)


Mariana Maciel Monteiro (Universidade de São Paulo)
Gisele Alves (Universidade de São Paulo)
Augusto Giaretta (Universidade de São Paulo)

A flor é um ramo caulinar de crescimento determinado que apresenta folhas modificadas,


dispostas em nós próximos ente si (achatamento dos entrenós). Estas folhas modificadas constituem
então os órgãos florais, organizados de maneira geral em quatro verticilos, cada um inserido em um
dos nós do ramo (reduzido a um receptáculo), sustentada ou não por um pedicelo (sésseis). Dois
destes verticilos apresentam estruturas reprodutivas (verticilos férteis) e os outros dois verticilos
apresentam estruturas estéreis (verticilos de proteção). Quando uma flor é dita “completa” (Fig. 1)
(monoclina ou bissexuada), apresenta todos os verticilos (férteis e estéreis). Já a flor “incompleta”
(diclina ou unissexuada) apresenta apenas um dos verticilos férteis. Nos verticilos estéreis, as
estruturas mais externas são denominadas sépalas (usualmente de coloração verde, ou seja, ainda
realizam fotossíntese) e que quando em botão exercem a função de proteção das estruturas mais
internas. Estruturalmente apresentam anatomia similar às folhas.
Mais internamente encontram-se as pétalas, geralmente coloridas e chamativas, que podem
apresentar modificações em sua forma; quando chamativas podem executar a função de atração para
facilitar o evento de polinização. Anatomicamente as pétalas apresentam células denominadas
papilas, que são projeções das células epidérmicas que conferem à pétala um aspecto aveludado, às
vezes brilhante, podendo também produzir e secretar substâncias diversas que atuam na atração do
polinizador.
Os órgãos reprodutivos masculinos (androceu) são representados pelo conjunto de estames,
que também podem variar muito em formato e abrigam os grãos-de-pólen (gametófitos masculinos,
portando dois gametas reduzidos: as células espermáticas). No centro da flor, encontramos os órgãos
reprodutivos femininos (gineceu) que são representados por um ou mais carpelos (folhas
modificadas que se dobraram envolvendo e protegendo os óvulos). Destes carpelos então teremos a
formação do fruto envolvendo a(s) semente(s). A flor é sustentada por um pedicelo (eixo caulinar
que nasce na axila de uma ou mais brácteas) quando completa é denominada pedunculada, mas pode
ser séssil na ausência de pedicelo. Este é claro, um dos tipos básicos de estrutura floral.
32
Figura 1: Constituição básica de uma flor bissexuada (monoclina, completa).
Uma das estratégias marcantes na evolução e diversidade das Angiospermas está no conjunto
de mudanças e adaptações das estruturas florais que potencializaram a relação estrutura floral versus
33
polinizador, selecionando atributos relacionados a um tipo específico de polinizador que permitiram
o amplo sucesso reprodutivo das Angiospermas de uma forma geral [ver capítulo 5 “Evolução floral
e ecologia da polinização” para maiores detalhes].

Perianto
A maioria das flores possui órgãos estéreis agrupados ao seu redor que, em conjunto, recebem
o nome de perianto. Se o cálice for morfologicamente diferente da corola, o conjunto dessas estruturas
é chamado de perianto (ex.: maioria das eudicotiledôneas, onde o cálice é verde e a corola de cores
variadas). Se o cálice for morfologicamente semelhante à corola, esse conjunto recebe o nome de
perigônio. Ex.: Hemerocalis lilioasphodelus L. (Lírio-amarelo, da família Xanthorrhoeaceae).
Observando a variedade de flores presentes nos diferentes grupos, vemos que o perianto assume papel
importante nessa diversificação, por exemplo, na flor de Aristolochia grandiflora Sw. (Papo-de-peru,
Aristolochiaceae), as grandes dimensões florais são devidas principalmente ao perianto, enquanto
num outro extremo temos flores com ausência total de perianto, como em Piperaceae.
Uma característica variável nos diferentes clados de Angiospermas é a filotaxia das peças
florais. No grado ANA (Amborellales+Nymphaeales+Austrobaileyales) e em Magnoliídeas (Fig. 2),
encontramos flores com filotaxia floral tanto espiralada quanto verticilada, enquanto em
monocotiledôneas e na maioria das eudicotiledôneas, a filotaxia espiralada está praticamente ausente.
Apenas em alguns grupos das eudicotiledôneas centrais que possuem muitas peças florais (como
Cactaceae, Fig. 3e) o perianto apresenta filotaxia espiralada. Observando a distribuição desse
caractere na filogenia das Angiospermas vemos que aparentemente, a transição de um tipo de filotaxia
para o outro ocorre diversas vezes durante a evolução, dificultando a inferência de qual deles teria
surgido primeiro na história evolutiva. Apesar disso, podemos ver uma maior presença da filotaxia
espiralada nos ramos mais profundos da filogenia das Angiospermas e uma estabilização para o
padrão verticilado ocorrendo nos grupos com grande grau de sinorganização (fusão de órgãos florais).

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Figura 2: Resumo das relações filogenéticas entre as Angiospermas viventes, segundo APG IV.

Em muitas Angiospermas o perianto apresenta dois verticilos (ciclos) e então é chamado de


diclamídeo. Em geral, a série mais externa (cálice) tem a função de proteção do botão floral enquanto
a mais interna (corola), a de atração do polinizador. Quando apenas um verticilo está presente,
chamamos a flor de monoclamídea. A ausência de ambos os verticilos caracteriza as flores
aclamídeas. Quando a flor é diclamídea e o verticilo mais externo e o mais interno são claramente
diferenciados, chamamos as flores de heteroclamídeas, com sépalas (mais externas) e pétalas (mais
internas). Quando os ciclos não são claramente diferenciados, temos flores homoclamídeas com
tépalas (sépalas e pétalas são semelhantes). Pela distribuição dessas características na filogenia das
Angiospermas vemos que pétalas surgiram, desapareceram e ressurgiram diversas vezes durante a
evolução do grupo. Flores heteroclamídeas são comuns nas eudicotiledôneas centrais, enquanto flores
homoclamídeas são características de Liliales e Asparagales nas monocotiledôneas, por exemplo,
(Fig. 3a-3c). Em alguns casos, como em Nympheaceae, as peças mais externas do perianto tem
características de sépala e vão gradualmente adquirindo características petaloides, o que impede a
clara separação entre cálice e corola (Fig. 3d). A redução ou perda de um dos ciclos ocorreu múltiplas
vezes na história evolutiva das Angiospermas, principalmente da corola. A perda/redução do cálice
parece ocorrer apenas quando a função de proteção do botão foi transferida para outra estrutura

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(pétalas ou profilos), como em Thumbergia (Acanthaceae). As sépalas modificadas e sem a função
de proteção do botão podem assumir a função de dispersão do fruto, como os pappus em Asteraceae.

Figura 3: (a) Perianto homoclamídeo de Scilla peruviana L., Asparagaceae e (b) Amaryllis sp., Amaryllidaceae
(monocotiledôneas); (c) perianto heteroclamídeo em Melastomataceae (eudicotiledônea), as setas de cores diferentes
indicam ciclos distintos; (d) peças múltiplas de Nymphea sp. (Nympheaceae, grado ANA) sem distinção entre ciclos e
(e) flor de Cactaceae (eudicotiledônea) com múltiplas peças e filotaxia espiralada.

A quantidade de peças em cada verticilo do perianto também é de grande valia no estudo das
flores e sua evolução. O merisma, como é chamado esse caractere, pode ser constante em grandes

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grupos, facilitando o rápido reconhecimento deles. Em monocotiledôneas, por exemplo, o perianto
trímero é bem conservado (Fig. 4b), assim como o pentâmero nas eudicotiledôneas centrais (Fig. 4d),
inclusive dando nome a esse grande clado: Pentapetalae. Nas Angiospermas basais, não há tanta
estabilidade no merisma, ocorrendo flores trimeras (Magnolia), as pentâmeras (Lauraceae) e, nas
flores de filotaxia espiralada, o merisma é variável. Nas eudicotiledôneas basais, a dimeria (Fig. 4a)
e a trimeria são as condições mais comuns e a pentameria mais rara (Ranunculaceae).

Figura 4: (a) Merisma dímero em Papaver sp., Papaveraceae; (b) trímero em Pseudotrimezia cathartica (Klatt)
Ravenna, Iridaceae; (c) tetrâmero em Fritzschia erecta Cham. & Schltdl., Melastomataceae; e (d) pentâmero em
Mandevilla tenuifolia (J.C.Mikan) Woodson, Apocynaceae.

Outra característica importante do perianto é sua simetria. Basicamente, podemos classificar


o perianto como possuindo simetria zigomorfa (ou bilateral, com apenas um plano de simetria – Fig.
5a-c), actinomorfa (ou radial, com mais de um plano de simetria – Fig. 5d), ou ser assimétrico
(nenhum plano de simetria – Fig. 5e). A simetria zigomorfa e a assimetria surgiram múltiplas vezes
na evolução das Angiospermas, aparentemente sempre ligadas a uma maior especificidade com o
polinizador. Alguns grupos são caracterizados pela simetria zigomorfa de suas flores, como
Orchidaceae, dentro das monocotiledôneas, e Fabaceae e Lamiales, nas eudicotiledôneas.

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Figura 5: (a) Simetria zigomorfa em Cratylia argentea (Desv.) Kuntze, Fabaceae, (b) Phragmipedium sargentianum
(Rolfe) Rolfe, Orchidaceae e em (c) Pinguicula sp., Lentibulariaceae; (d) simetria actinomorfa de Mandevilla sp.,
Apocynaceae; e (e) flor assimétrica de Qualea multiflora Mart. (Vochysiaceae). As linhas tracejadas indicam o eixo de
simetria.

No botão floral, a posição relativa das peças do perianto pode tomar diferentes configurações.
As peças podem ser sobrepostas (prefloração imbricativa, Fig. 6c), justapostas (prefloração
valvar, Fig. 6b) ou separadas uma das outras (prefloração aberta, Fig. 6a). Em geral, a prefloração
valvar é mais comum no cálice do que na corola. Nas eudicotiledôneas pentâmeras, a condição mais
comum é que as sépalas e tépalas apresentem prefloração imbricativa imbricada (Fig. 6c-1),
enquanto as pétalas sejam, em geral, contortas ou irregulares. Já em monocotiledôneas, é mais comum
que os dois verticilos apresentem o mesmo tipo de prefloração. A prefloração imbricativa contorta
(Fig. 6c-2) é especialmente comum nas Rosídeas Malvídeas e nas Gentianales. Nas Lamiales, com
flores fortemente zigomorfas, a prefloração imbricativa imbricada (Fig. 6c-1) é a mais comum,
seguindo o mesmo padrão bilateral.

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Figura 6: Tipos de prefloração: (a) aberta, (b) valvar e em (c) exemplos de imbricativa (1) imbricada, onde uma das
peças florais é externa às demais; e (2) contorta, onde cada peça floral recobre a próxima e é encoberta pela anterior.

A elaboração e sinorganização do perianto ocorrem geralmente em um contexto mais amplo,


abarcando a flor toda, incluindo os outros verticilos mais internos (androceu e gineceu). A união
entre sépalas (cálice gamossépalo ou sinsépalo) e entre pétalas (corola gamopétala ou simpétala),
porém, é importantíssima na caracterização de grandes grupos, como em Asteridae cujas flores
tubulares, campanuladas e infundibuliformes são formadas pela união congênita das pétalas (os
primórdios florais já aparecem unidos desde o início do desenvolvimento do meristema floral). A
simpetalia pode ocorrer precocemente, quando o tubo se origina antes ou ao mesmo tempo em que
os lobos da corola (como em Campanulales, Asterales, Rubiales), ou tardiamente, quando os lobos
se originam livres e só depois são unidos por fusão meristemática (como em Solanales e Lamiales).
Muitos dos grupos que apresentam gamopetalia também apresentam flores zigomorfas e labiadas ou
com estandarte, como é o caso da ordem Lamiales e de algumas famílias de Solanales, Campanulales
e Fabales. A fusão do perianto como um todo também pode ter função de proteção como em
Eucalyptus (Myrtaceae) onde é formada a caliptra no botão floral.
Devido a toda essa diversidade, o perianto pode desempenhar funções que fogem às típicas.
Ambos os verticilos podem produzir secreções, pré e durante a antese. No primeiro caso, geralmente
com função de proteção do botão e, no segundo, auxiliando na atração de polinizadores com a
produção de néctar, óleos e substâncias voláteis ou por terem tecidos nutritivos que serão consumidos
pelos polinizadores, em geral besouros, como ocorre em Annonaceae. O cálice, por exemplo, pode
auxiliar (ou assumir) a função de atração de polinizadores como em Petrea (Verbenaceae) ou
desempenhar papel importante depois da antese, estando envolvido no desenvolvimento/dispersão do
fruto, como acontece em Dillenia (Dilleniaceae) e em Asteraceae.

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Androceu
O androceu, definido como a parte masculina da flor, apresenta-se em geral nas
monocotiledôneas e eudicotiledôneas com estames organizados em dois verticilos, sendo os estames
do verticilo externo opostos às sépalas e os estames do verticilo interno, opostos às pétalas. Enquanto
a presença de dois verticilos parece ser constante em muitos clados de Angiospermas, o número de
estames em cada verticilo por sua vez, varia constantemente, desde famílias como Annonaceae,
Calophyllaceae (Fig. 7a) e Myrtaceae (Fig. 7b) que apresentam um número amplo de estames em
suas flores, até famílias como Chlroranthaceae e Piperaceae, com um a 3 estames por flor.

Figura 7. Variações morfológicas no androceu. Numerosos estames em flores de (a) Kielmeyera albopunctata Sadii,
Calophyllaceae e de (b) Eugenia astringens Cambess., Myrtaceae. (c) Flor de Pilosocereus arrabidae (Lem.) Byles &
G.D. Rowley, Cactaceae; (d) Estames com anteras voltadas para o interior em Hippeastrum reticulatum (L’Hér) Herb.,
Amaryllidaceae; (e) Estaminódio petaloide (seta) em Ischnosiphon gracilis (Rudge) Körn, Marantaceae; (f) Disco de
estaminódios secretores (seta) na flore feminina de Clusia hilariana Schltdl., Clusiaceae.

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Flores que apresentam um amplo número de estames em geral estão associadas com
polinizadores de grande porte como aves maiores e morcegos, como por exemplo, em algumas
espécies de Cactaceae (Fig. 7c), sendo assim, com a aproximação do animal atraído por odores em
busca do néctar, uma maior quantidade de estames garante uma maior disponibilidade de grãos de
pólen que ficarão aderidos ao corpo do animal durante a visita e serão transferidos para a próxima
flor a ser visitada.
Além da variação no número de estames a morfologia das anteras, região onde os grãos de
pólen são produzidos, também pode variar. De forma geral, as Angiospermas apresentam anteras com
duas tecas laterais, cada uma com dois sacos polínicos e deiscência longitudinal. Entretanto, esse
padrão morfológico apresenta variações influenciadas principalmente pelo tipo de polinização. Em
flores polinizadas por aves, mariposas e morcegos, por exemplo, as anteras são maiores, com o
estômio (região de liberação dos grãos de pólen) voltados para o interior e abertura mais estreita.
Essas características permitem uma maior precisão na liberação dos grãos de pólen diretamente em
partes específicas do polinizador, como bicos e asas, é o caso de flores em Erythrina (Fabaceae),
Melianthus (Meliaceae) e algumas Amaryllidaceae (Fig. 7d). Flores polinizadas por animais maiores
apresentam em geral conectivos mais espessos em suas anteras, o que dificulta a ruptura longitudinal
dessas anteras e requer uma abertura especializada, por valvas por exemplo. Desta forma, acredita-se
que a deiscência valvar tenha sido uma especialização evolutiva para evitar danos à antera pelos
polinizadores maiores. Além disso, em algumas espécies de Lamiaceae, Zingiberaceae e
Acanthaceae, por exemplo, as tecas da antera apresentam modificações e extensões em geral nas suas
bases que funcionam como plataformas que se erguem para expor as anteras quando os grãos de pólen
estão férteis.
A influência das modificações dos estames não está restrita somente à sua morfologia, mas
também no que diz respeito à fertilidade. Alguns estames perdem sua função primária na produção
dos grãos de pólen e passam a ser denominados de estaminódios. Os estaminódios podem não
apresentar uma função secundária, sendo apenas resultado de uma redução progressiva no número de
estames férteis na flor, permanecendo como órgãos rudimentares, como em algumas flores de
Bauhinia (Fabaceae), Lauraceae e em muitas monocotiledôneas. Entretanto, muitas vezes os
estaminódios apresentam uma função secundária, podendo assumir uma morfologia petaloide (Fig.
7e) e até secretora, tendo diversas funções como: evitar a autopolinização (p.e.: Nymphaeaceae), na
atração visual de polinizadores (p.e.: Linaceae) assim como atividade secretora (p.e.: Clusiaceae –
Fig. 7f) e guia de néctar para polinizadores (p.e.: Jacaranda, Bignoniaceae).
As modificações e adaptações dos estames refletem na plasticidade do androceu em resposta
as mudanças externas e evidenciam seu importante papel na evolução das flores.
41
Gineceu
O gineceu, a parte feminina da flor, é considerado a parte mais complexa dos verticilos florais.
É constituído por unidades denominadas carpelos, os quais durante o desenvolvimento da flor se
fundem e fecham os óvulos em seu interior, processo denominado de angiospermia. Na maior parte
das Angiospermas os carpelos são fundidos uns aos outros (sincarpia) e essa fusão se dá desde o
início da sua formação, denominada de fusão congênita. Por outro lado, quando os órgãos florais se
formam separadamente e durante o desenvolvimento eles se fundem, essa fusão é denominada de
fusão pós-gênita.
O gineceu é considerado a parte mais conservativa da flor, com poucas modificações entre os
grupos. Dentre as modificações mais notáveis, está a alteração no número de carpelos em diferentes
grupos: enquanto as monocotiledôneas em geral apresentam três carpelos, as eudicotiledôneas variam
entre dois a cinco carpelos. O fechamento dos carpelos para proteção dos óvulos, a formação e seleção
de tubos polínicos através do tecido transmissor no estilete e a especialização e adaptação do estigma
para recepção e germinação dos grãos de pólen, foram inovações chaves na evolução das
Angiospermas.
Com o fechamento dos carpelos, os mesmos estendem suas paredes verticalmente, formando
um ou mais cilindros denominados estiletes, no ápice dos quais se encontram os estigmas. O número
e comprimento do estilete, assim como sua posição em relação aos estames, refletem os diferentes
mecanismos de polinização das Angiospermas. O estigma (porção receptora do gineceu) varia
constantemente sua morfologia nos diferentes grupos (Fig. 8a-d) em relação ao mecanismo de
polinização e possuem funções essenciais na reprodução das flores como: secreção de substâncias
que induzem ou retraem a germinação dos grãos de pólen e direcionamento do crescimento do tubo
polínico.

Sinorganização
A sinorganização é um processo fundamental no entendimento da complexidade das
estruturas florais, nas quais através de processos de fusão, órgãos de um mesmo verticilo (p. ex. união
dos carpelos – sincarpia) assim como órgãos de diferentes verticilos (p. ex. união de corola e
androceu formando a corona) formam novas estruturas com funções variadas. Esse processo de fusão
se dá por dois mecanismos distintos: fusão congênita (união dos órgãos desde o início do
desenvolvimento) e fusão pós-gênita (órgãos que iniciam o desenvolvimento separados e se fundem
secundariamente).

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Figura 8. Variações morfológicas no gineceu, fusão e modificação de estruturas florais. (a) Estigma elevado (seta) na
flor de Passiflora sp., Passifloraceae; (b) Estigma punctiforme (seta) em flor de Eugenia excelsa O.Berg, Myrtaceae; (c)
Estigmas (seta) em gineceu apocárpico na flor de Unonopsis aurantica Maas & Westra, Annonaceae; (d) Gineceu
fusionado (seta) na flor feminina de Clusia hilariana Schltdl, Clusiaceae. (e) Anteras fusionadas (seta) em flor de Solanum
martii Sendtn., Solanaceae; (f) Corola fusionada em Fridericia subincana (Mart.) L.G.Lohman, Bignoniaceae; (g) Corona
(asterisco) e polinário (seta) em flor de Asclepias curassavica L., Apocynaceae; (h) Polinário de Asclepias currasavica
composto por duas polínias (seta). (i) Tépala modificada (seta) em Eltroplectris calcarata (Sw.) Garay & H.R.Sweet,
Orchidaceae.

Sinorganização entre órgãos do mesmo verticilo


A união entre órgãos do mesmo verticilo pode ocorrer por fusão das peças do gineceu (Fig.
8d), assim como fusão do androceu (Fig. 8e) e perianto, formando um tubo (Fig. 8f). Em geral a união
de peças do mesmo verticilo se dá por fusão pós-gênita e pode ocorrer através da epiderme dos órgãos
em contato, como na formação do tubo da corola em espécies de Apocynaceae, Loranthaceae e
Santalaceae, ou até mesmo através do contato de tricomas e projeções celulares que funcionam como

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um velcro, como no caso das sépalas unidas em espécies de Campanullaceae e Asteraceae. Em
algumas espécies com flores polinizadas por abelhas como em Gentianaceae, Rubiaceae e
Orchidaceae, observa-se frequentemente a fusão pós-gênita das anteras, que forma um cone no qual
a abelha pousa e com sua vibração na flor, os grãos de pólen são transferidos para seu corpo.
Entretanto, a fusão congênita também pode ocorrer entre órgãos do mesmo verticilo, como na
sincarpia, resultado da união dos carpelos desde o início de sua formação.

Sinorganização entre órgãos de verticilos diferentes


A associação entre órgãos de diferentes verticilos resulta em estruturas complexas que se
comportam como um órgão único altamente especializado. A sinorganização entre pétalas e estames
pode ser encontrada em flores de espécies de Rutaceae, por exemplo, assim como flores com
sinorganização entre estames e carpelos nas famílias Orchidaceae e Apocynaceae.
Orchidaceae e Apocynaceae são as famílias das Angiospermas que apresentam as flores mais
complexas, com altas taxas de sinorganização. Em Apocynaceae é possível observar a formação de
três estruturas que são características das flores da família: ginostégio (fusão pós-genital da cabeça
do estilete com as anteras), corona (fusão da corola e androceu) (Fig. 8g) e polinário. Essa
complexidade de estruturas reflete na polinização altamente especializada nessa família, na qual o
polinizador ao buscar o néctar acumulado na corona, retira uma estrutura denominada polinário.
O polinário é constituído por duas polínias (Fig. 8h), nas quais estão agrupados os grãos de
pólen. As polínias são ligadas duas a duas por uma secreção chamada translador. O polinário é então
aderido tanto nas pernas como no aparelho bucal do inseto, que o transporta para próxima flor, onde
as polínias serão inseridas. Todo o mecanismo de atração do polinizador, produção e acúmulo de
néctar, direcionamento do polinizador (guia de néctar), remoção do polinário e inserção das polínias
estão intimamente relacionados com as estruturas florais altamente especializadas formadas através
de processos de sinorganização.
Em Orchidaceae a fusão das estruturas florais ocorre em geral desde o início do
desenvolvimento (congênita) e as flores são reconhecidas por serem monosimétricas e pela
diferenciação de umas das tépalas, que funcionam como um guia de néctar e pouso para o polinizador
(Fig. 8i). Assim como Apocynaceae, as flores e Orchidaceae apresentam fusão entre androceu em
gineceu, no entanto em Orchidaceae essa fusão é congênita, originando o ginostêmio. As duas
famílias apresentam a maior taxa de diversidade de espécies das Angiospermas, evidenciando o papel
dos processos de sinorganização no amplo sucesso reprodutivo dessas espécies.

Hipóteses de origem da flor

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Parafraseando Darwin, o “abominável mistério” sobre a origem da elevada diversidade
observada em angiospermas é um assunto bastante discutido e longe de se alcançar uma resolução
definitiva. Os registros fósseis indicam que ao longo dos processos de mudanças que a Terra sofreu,
diversas linhagens de plantas dominaram a paisagem, principalmente a partir do Devoniano inferior
(400 Milhões de anos atrás - Maa). No Paleozóico (408 a 248 Maa) as licófitas formavam extensas
florestas com plantas de porte arbóreo de mais de 15 m de altura. No entanto, as poucas linhagens de
licófitas que sobreviveram são pequenas plantas de porte herbáceo. Outras linhagens, como as
coníferas, grupo dos pinheiros, foram bastante diversificadas e numerosas durante grande parte do
Mesozóico (248 a 65 Maa), também formando extensas florestas. No entanto, as linhagens atuais
estão distribuídas principalmente nas regiões de clima temperado. Se por um lado existem históricos
a partir de registros fósseis de linhagens que tiveram sua diversificação máxima há milhões de anos
e, posteriormente, uma queda brusca da diversidade restando algumas linhagens atuais, por outro
lado, o momento geológico atual em que vivemos aparentemente é o ponto ótimo de diversificação
das angiospermas. Os prováveis motivos que permitiram uma rápida adaptação às condições
ambientais das angiospermas ainda é assunto de muitas discussões. No entanto, existe um consenso
de que o surgimento da flor teve um papel definitivo para a manutenção e diversificação das
angiospermas.
É fascinante a amplitude morfológica que pode ser constatada nas flores de angiospermas.
Enquanto algumas flores possuem milímetros de comprimento como é o caso de Wolffia angusta
Landolt, uma planta aquática da família da Costela-de-adão e do Copo-de-leite (Araceae) cuja flor é
do tamanho da cabeça de um alfinete, outras como a Rafflesia arnoldii R.Br (Rafflesiaceae), uma
planta parasita de outras plantas, possui uma flor de até 1 metro de diâmetro e pode pesar até 11
quilos. Essas peculiaridades levantam questionamentos: afinal, qual a origem da flor?
É da natureza humana tentar compreender a origem para entender os processos, contudo, o
desafio é alcançar uma conclusão coerente partindo do produto, isto é, o resultado observado hoje.
Se essa lógica for aplicada para a flor, compreender a origem da flor auxiliará como desvendar os
processos evolutivos que resultaram na extraordinária variação morfológica observada atualmente.
Por esse motivo, alguns pensadores tentaram reunir evidências morfológicas de registros fósseis e de
linhagens atuais, integrando conceitos evolutivos, para desenvolver hipóteses sobre a origem da flor.
Uma das primeiras hipóteses que teve ampla aceitação sobre a origem da flor foi a hipótese
Antostrobilar ou Euantial, publicada em 1904. Embora os nomes pareçam um pouco
amedrontadores, eles são bastante intuitivos. Anthos significa flor em grego, portanto, Antostrobilar
significa uma flor associada a um estróbilo, enquanto Euantial significa flor verdadeira (eu). Essa
hipótese está baseada na hipótese de homologia entre as estruturas florais de angiospermas e aquelas

45
encontradas nos estróbilos bissexuais de Bennetitales, um grupo fóssil cujas estruturas reprodutivas
lembram a arquitetura de uma flor hermafrodita de angiosperma. Portanto, de acordo com essa
hipótese, as flores seriam grandes e radialmente simétricas, com estruturas reprodutivas numerosas e
dispostas espiraladamente, estames laminares, carpelos com muitos óvulos e polinizada por besouros.
Autores e defensores dessa teoria acreditavam que flores de Vitória-régia (Nymphaeaceae) e de
Magnólia (Magnoliaceae) representam as formas mais primitivas das plantas atuais.
Uma segunda hipótese, lançada concomitantemente à primeira, denominada hipótese
Pseudantial, sugere que algumas linhagens (Piperales, Chloranthales, Fagales, Casuarinales,
Jugladales e Myricales) reunidas por compartilharem o tipo de inflorescência em forma de espiga
ereta ou pendente (mentilho) teriam flores semelhantes as das primeiras linhagens de Angiospermas.
Esta hipótese defende que as flores unissexuais seriam uma forma condensada e homóloga aos
estróbilos de Gnetales (gimnospermas), enquanto que as flores bissexuais seriam homólogas a flores
unissexuais e simples com internos condensados, portanto, derivados de um tipo de pseudanto. Dessa
maneira, a flor seria nada mais que um estróbilo bissexuado com internós muito curtos. Assim, as
flores seriam pequenas, de simetria bilateral, carpelos com um ou poucos óvulos e polinização pelo
vento.
Mais recentemente, em 1988, outra corrente de pensamento levava em conta hipóteses de
relação entre grupos de angiospermas para inferir sobre as características ancestrais da flor. Dessa
maneira, acreditava-se que os grupos “basais” deveriam reter características que poderiam ser
associadas à “flor ancestral”. Grupos basais como Magnoliaceae, Nymphaeaceae e Winteraceae
possuíam características florais em comum como flores grandes, radialmente simétricas, com muitas
peças florais organizadas espiraladamente, derivadas da modificação de folhas. Estames laminares
sem diferenciação clara entre filete e antera. Gineceu apocárpico (carpelos individualizados), com
muitos carpelos, muitos óvulos por carpelo e polinização por besouros. Por muito tempo, estas
características foram consideradas ancestrais em Angiospermas, porém, o advento de filogenias
moleculares trouxe à tona, novamente, a discussão sobre as características ancestrais das flores.
As primeiras linhagens a divergir, de acordo com hipóteses filogenéticas com base em dados
moleculares, foram Amborellales, Nymphaeales e Austrobaileyales, também conhecidas como grado
ANA. Essas linhagens já haviam sido associadas com a retenção de características ancestrais, porém,
em uma análise mais detalhada, observou-se que algumas características assumidas ancestrais, se
mostravam derivadas. Este é o caso de flores grandes com muitas peças florais de Nymphaeaceae,
que ocorre em grupos derivados e está provavelmente associada à polinização por besouros. Portanto,
as flores atuais de linhagens que divergiram primeiro formam uma miscelânea de características que
mudaram pouco e muito ao longo do tempo. A tarefa de distinguir entre características ditas ancestrais

46
(que mudaram pouco em relação ao ancestral mais recente) e derivadas (que mudaram muito em
relação ao ancestral mais recente) é bastante especulativa, mesmo no período atual em que técnicas
de sequenciamento molecular revolucionaram a maneira de organizar a diversidade de organismos.
No entanto, tentativas menos subjetivas de reconstruir a “flor ancestral” têm sido realizadas.
Uma grande compilação da morfologia de fósseis de estruturas reprodutivas atribuídas às
flores foi realizada com intuito de reconstruir o que seria a flor ancestral. Nesse sentido, a flor foi
dividida em suas partes constituintes e a frequência de cada estado de caráter foi avaliada. A
conclusão é que a “flor ancestral” de Angiospermas provavelmente era bissexuada, com simetria
radial (actinomorfa) com um perianto trímero com mais de 10 peças, com sépalas não diferenciadas
de pétalas (tépalas). O androceu possuía mais de 6 estames disposto em dois ou mais verticilos,
portanto, três estames em cada verticilo. O gineceu possuía ovário súpero, com 6 ou mais carpelos,
apocárpicos (livres), organizados espiraladamente. À primeira vista, a reconstrução da flor se
assemelha a uma magnólia, porém, com peculiaridades especialmente relacionadas com a disposição
das estruturas reprodutivas. Embora essa compilação forneça uma ideia conceitual do que era a flor
ancestral, seus dados devem ser analisados levando em consideração alguns pontos importantes.
Registros fósseis inequívocos indicam Angiospermas vivendo desde o Cretáceo inferior, isto
é, há cerca de 140 Ma. Considerando que o processo de fossilização ocorre casualmente e dentro de
condições bastante específicas de temperatura e pressão, a frequência de fossilização de material
orgânico é muito baixa. Assim, para que um organismo possa ser fossilizado, é provável que ele tenha
sido frequente no ambiente. Portanto, inferir a origem de angiospermas com base em fósseis é pouco
acurado, uma vez que os registros fósseis indicam, provavelmente, o período em que elas já estavam
estabelecidas e bem distribuídas. Se por um lado, o processo de evolução é gradativo, portanto, o
conceito de “flor ancestral” não deve ser considerado como o órgão que deu origem a todas as outras
flores, por outro, características ancestrais podem e devem ser discutidas, trazendo conclusões mais
acuradas acerca da evolução da flor.

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evolution. Cambridge Press.
Sauquet, H., Von Balthazar, M., Magallón, S., Doyle, J.A., Endress, P.K., Bailes, E.J., Barroso De
Morais, E., Bull-Hereñu, K., Carrive, L., Chartier, M., Chomicki, G., Coiro, M., Cornette, R.,
El Ottra, J.H.L., Epicoco, C., Foster, C.S.P., Jabbour, F., Haevermans, A., Haevermans, T.,
Hernández, R., Little, S.A., Löfstrand, S., Luna, J.A., Massoni, J., Nadot, S., Pamperl, S.,
Prieu, C., Reyes, E., Dos Santos, P., Schoonderwoerd, K.M., Sontag, S., Soulebeau, A.,
Staedler, Y., Tschan, G.F., Wing-Sze Leung, A. & Schönenberger, J. (2017) The ancestral
flower of angiosperms and its early diversification. Nature Communications 8: 16047.

48
CAPÍTULO 4

Inflorescência: Conceitos e organização

Augusto Giaretta (Universidade de São Paulo)


Gisele Alves (Universidade de São Paulo)
Mariana Maciel Monteiro (Universidade de São Paulo)
Marcelo Tomé Kubo (Universidade de São Paulo)

As flores, de modo geral, apresentam uma ampla variedade morfológica, o que as torna o
centro de interesse de estudos em biologia comparativa por meio do desenvolvimento, anatomia,
biologia reprodutiva e evolutiva. No entanto, nem sempre as flores se apresentam individualmente.
Quando as flores estão dispostas ao longo de um eixo caulinar, algumas vezes inconspícuo, o conjunto
é denominado inflorescência. Portanto, inflorescência é um termo que remete a um aspecto geral de
organização das flores. As inflorescências marcam a transição do meristema vegetativo para o
reprodutivo por meio de mudanças estruturais e fisiológicas do ápice vegetativo (como aumento da
atividade mitótica, mudanças na dimensão do ápice, tornando-se mais largo) e a apresentação das
flores na inflorescência está intimamente relacionada com o tipo de polinizador e estratégia de
polinização. Em última análise, o padrão arquitetural da inflorescência está associado com a
otimização do processo reprodutivo da planta.
A arquitetura da planta pode ser complexa, porém, para compreender os aspectos tipológicos
da inflorescência é necessário levar em conta que as plantas são organismos modulares cuja
arquitetura tridimensional é construída por processos exógenos e endógenos. Condições ambientais
ou acidentais podem influenciar na arquitetura da planta. A formação arbustiva com troncos tortuosos,
comum no Cerrado, é uma resposta às condições ambientais (p.ex. ocorrência de fogo e baixa
fertilidade do solo), enquanto que processos endógenos são respostas a aspectos intrínsecos e
responsáveis pela manutenção de uma característica associada à determinada planta. Por exemplo,
existem arranjos de crescimento monotômicos, dicotômicos, tricotômicas e assim por diante,
associados às características particulares de cada linhagem. Isso pode ser constatado quando a mesma
espécie apresenta indivíduos com arquiteturas consistentes quando em ambientes muito distintos, por
exemplo, em pleno sol e sombra. Portanto, serão tratados aqui aspectos tipológicos da inflorescência
resultantes de processos endógenos.
O crescimento vegetal e a exploração do recurso espaço disponível se dão por meio de três
processos fundamentais: ramificação, reiteração e alongamento. Tendo em vista que a planta é um
49
organismo modular a arquitetura da inflorescência, em certa medida, será reflexo da sincronia entre
os mesmos processos responsáveis pelo crescimento do corpo vegetal.
A ramificação é a formação de dois ou mais eixos a partir de outro eixo. É um processo
bastante frequente no corpo vegetal e na inflorescência de eudicotiledôneas, enquanto que é menos
frequente no corpo vegetal de monocotiledôneas. No contexto da arquitetura da inflorescência, é um
processo que incide sobre o número de ordens de ramificação observado. Por exemplo, o racemo é
caracterizado por um eixo principal de primeira ordem com um número ilimitado de eixos de até
segunda ordem (Fig. 1). Portanto, o racemo é uma inflorescência com apenas duas ordens de
ramificação. De maneira alternativa, o padrão cimoso de ramificação é formado por um número
ilimitado de ordens, porém, com um número limitado de até dois eixos por ordem (Fig. 1). Desse
modo, o padrão cimoso possui um número de ordens indefinidas atribuindo uma aparência final mais
congesta do que o racemo. Outro tipo de inflorescência é aquele que combina em sua arquitetura o
padrão racemoso e cimoso, denominado tirso (Fig. 1). Os padrões de ramificação racemoso e cimoso
são primários e previsíveis, por isso, podem ser facilmente reconhecidos na natureza.

Figura1. Padrões de ramificação racemoso e cimoso. A representação dos profilos e ferofilos foram ignoradas a fim de
simplificar o conteúdo e ressaltar apenas as ramificações. Os círculos em vermelho representam as flores. Adaptado de
Endress (2010).

Enquanto algumas plantas possuem uma unidade arquitetural consistente que é mantida ao
longo de toda a vida, outras são formadas pela repetição de sua unidade arquitetural (ou parte dela)
durante o seu desenvolvimento. Este processo de repetição de uma unidade arquitetural é denominado

50
reiteração. A reiteração ocorre a partir de um meristema que pode ser estimulado por uma condição
genética ou ambiental, dando origem a estruturas mais complexas. O racemo duplo é resultado de
sucessivos processos de reiteração. No lugar do que seria uma flor em um racemo simples, surge uma
repetição parcial de um racemo simples. De maneira semelhante, o racemo triplo é a reiteração
sucessiva da unidade parcial do racemo. Portanto, a arquitetura resultante é um racemo formado pela
repetição de vários outros racemos. A reiteração é um processo que atribui previsibilidade à
arquitetura da inflorescência, indispensável para a construção de uma classificação consistente e que
possa ser aplicada amplamente. Contudo, alguns tipos de inflorescência carecem de previsibilidade
quanto à repetição do padrão de ramificação como é o caso da panícula. De maneira geral, a panícula
é referida pelo seu aspecto geral cônico, que é compartilhado por uma grande parcela das
inflorescências indeterminadas. Portanto, é uma definição inconsistente, resultado de sua falta de
previsibilidade.
O processo de alongamento é mais relevante no aspecto final da inflorescência e, geralmente,
incide nos entrenós, isto é, a região que liga dois nós consecutivos. Um racemo simples pode ter
diferentes classificações, dependendo do grau e da estrutura que sofreu o alongamento. Um racemo
simples com eixo principal com entrenós muitos curtos confere um aspecto final tão diferente que
recebe outra classificação, sendo denominado de fascículo. No entanto, o alongamento pode incidir
em outras partes da planta. Um racemo simples com pedúnculos florais não desenvolvidos (ou muito
curtos) recebe o nome de espiga, enquanto que aquele com pedúnculos bem desenvolvidos, elevando
as flores à mesma altura é denominado corimbo. Além disso, pode haver processos de alongamento
em entrenós e pedúnculos, concomitantemente. Este é o caso de uma umbela que possui eixo principal
muito curto e pedicelos florais alongados, adquirindo uma forma de guarda-chuva. Tais aspectos
influenciam diretamente na morfologia final como um todo, dificultando a comparação entre os tipos
de inflorescências e por sua vez, levando a confusões no uso de terminologias e classificações.

Ferofilos e profilos: marcadores usados para identificar os padrões de ramificação


Os diferentes padrões de ramificação das inflorescências garantem a exposição das flores e
frutos, tanto em comprimento como em volume, e, para isso, é preciso que os eixos se alonguem e
ramifiquem. Esses processos podem ocorrer das mais variadas formas, entretanto algumas
características são mais estáveis, por exemplo, um eixo recém-formado sempre emergir na axila de
uma estrutura foliar. Sendo assim, essas estruturas foliares são importantes marcadores para
identificar os padrões de ramificação e entender a arquitetura final da inflorescência.
No eixo principal o processo de ramificação ocorre basicamente através da atividade de
meristemas laterais que darão origem aos eixos laterais. Tais meristemas estão localizados na axila

51
de estruturas foliares ao longo do eixo principal denominados ferofilos. Os ferofilos, em geral, se
assemelham a brácteas, no entanto, sua morfologia pode variar desde estruturas similares a folhas
(Fig. 2a) até estruturas hialinas e membranosas.

Figura 2. Morfologia de ferofilos e profilos e. (a) Ferofilos semelhante a folhas em inflorescência de Cyperaceae (seta
branca). (b) Ferofilo semelhante a folha (seta branca) e par de profilos em Myrtaceae (eudicotiledônea) (seta amarela).
(c) Profilo único envolvendo a base do eixo lateral de uma inflorescência de Cyperaceae (monocotiledônea) (seta
amarela).

Eixos laterais emergem, a partir de um eixo principal, nas inserções axilares dos ferofilos.
Dessa maneira, eixos laterais podem se ramificar resultando em inflorescências com muitas ordens
de ramificação. Assim como os eixos laterais se formam na axila dos ferofilos a partir do eixo
principal, as estruturas foliares que precedem a transição entre o arranjo decussado das folhas para a
filotaxia em espiral das flores são denominadas profilos. Os profilos, algumas vezes denominados de
bractéolas, são as primeiras estruturas foliares de um eixo lateral. Nas flores, a posição do profilo
regula a formação das sépalas que, de maneira geral, estão em posição decussada em relação aos
profilos e, consequentemente, dos verticilos mais internos.
52
Se por um lado, em eudicotiledôneas, geralmente, as flores são subtendidas por um ferofilo e
um par de profilos laterais (Fig. 2b), por outro, nas monocotiledôneas é comum a presença de um
ferofilo e apenas um profilo adaxial (Fig. 2c). Apesar de muitas vezes ferofilos e profilos estarem
bem próximos à flor, essas estruturas não são consideradas órgãos florais e em alguns grupos, se
apresentam rudimentares (p.ex. Brassicaceae e Poaceae) ou estão ausentes (p.ex. Araceae e
Alismatales). Em famílias com flores muito reduzidas, como Cyperaceae, a família do papiro, os
profilos são bem desenvolvidos e podem assumir o papel de proteção envolvendo o botão floral, como
observado nas inflorescências femininas do gênero Carex.
Como a morfologia de ferofilos e profilos varia nos diferentes grupos de Angiospermas, as
terminologias podem ser muitas, bem como as definições ambíguas e equivocadas. Por esse motivo,
a característica mais estável e utilizada para interpretação dessas estruturas é a posição que ocupam.

Classificações tipológicas da inflorescência


Existe uma grande variedade terminológica sobre inflorescência e, por esse motivo, é
frequente ocorrer confusões e dúvidas quanto à sua utilização, sobretudo, quanto ao reconhecimento
do tipo de padrão observado. Os principais estudos da morfologia das inflorescências buscam
sintetizar as informações existentes no objetivo de simplificar sua classificação geral, baseando-se
nos três processos fundamentais, isto é, ramificação, reiteração e alongamento. Dessa maneira, as
inflorescências podem ser classificadas em dois padrões de ramificação: racemoso e cimoso. Os
padrões de ramificação racemoso e cimoso são facilmente determinados na natureza, porém, algumas
vezes, esta tarefa pode ser dificultada pela sobreposição entre esses dois padrões, ilustrada por um
eixo com crescimento parcial. Se por um lado, um eixo principal com duas flores laterais pode
representar um padrão cimoso que não expressou eixos de terceira ordem ou ordens superiores, por
outro, pode constituir um padrão racemoso com até duas ordens e que expressou apenas duas
ramificações.
Ao analisar uma inflorescência, tenha em mente que aquele órgão é resultado de uma sincronia
entre os processos de ramificação, reiteração e alongamento, determinantes para o aspecto final da
inflorescência. Compartimentalizar a arquitetura da inflorescência ajudará a reconhecer quais
processos estão envolvidos e qual é a melhor maneira de classificá-la de acordo com a nomenclatura
disponível. Conhecer a arquitetura do corpo vegetal também contribuirá para a construção de um
conceito mais consistente quanto à inflorescência. Dessa maneira, os tipos arquiteturais fundamentais
e mais frequentes são apresentados.

Padrão cimoso de ramificação

53
Dicásio: O ápice da gema principal é substituído por uma flor subtendida por um par de profilos de
onde emerge uma flor em cada axila (Fig. 1), resultado em um arranjo trifloro. A flor mediana
geralmente é prematura em relação às laterais. Eventualmente, sucessivas repetições do padrão de
ramificação cimoso podem gerar uma inflorescência com muitas ordens de ramificação como ocorre
com as begônias, na família Begoniaceae.

Monocásio: A formação de gemas laterais é acompanhada pela formação de uma flor terminal
prematura em relação às outras flores (Fig. 1). A sucessiva repetição desse padrão dá origem às
inflorescências observadas nos lírios (Liliaceae). Esse desenvolvimento pode se dar em lados
alternados do eixo da inflorescência, denominado monocásio helicoidal, ou sempre de um mesmo
lado, portanto, monocásio escorpioide.

Ciátio: São inflorescências formadas por uma flor central feminina, aclamídea e pedicelada, rodeada
por um conjunto de flores masculinas aclamídeas (Fig. 3). Ao redor deste conjunto de estruturas estão
brácteas, geralmente associadas com um ou mais nectários. Esse tipo de inflorescência é comum em
Euphorbiaceae, como visto na coroa-de-cristo.

Padrão racemoso de ramificação


Corimbo: Eixo simples, alongado, Tipo especial de racemo onde várias flores apresentam pedicelos
de tamanhos desiguais, resultando em flores posicionadas ficando todas em um mesmo plano (Fig.
3). Este tipo de disposição é encontrado em algumas Asteraceae, como a Aquiléia.

Espádice: Tipo especial de espiga com eixo muito espessado (Fig. 3), com uma grande e vistosa
bráctea protegendo a base. Típica da família Araceae (antúrios) e Arecaceae (família das palmeiras).

Espiga: Eixo simples, alongado, com entrenós alongados, portando flores laterais sésseis (sem
pedicelo), subtendidas por brácteas (Fig. 3). O milho da família Poaceae, e pimenta-do-reino
(Piperaceae) são exemplos de espigas.

Espigueta: Unidade básica das inflorescências de gramíneas, constituindo uma espiga muito
reduzida, envolvidas por várias brácteas, densamente dispostas.

Fascículo: Um eixo simples, racemo simples com eixo principal com entrenós encurtados, portanto
flores laterais pediceladas, subtendidas por brácteas muito congestas. Comum em Myrtaceae, nas
jabuticabeiras, por exemplo.
54
Capítulo: Inflorescência condensada em que muitas flores ficam dispostas de maneira a formar uma
estrutura que se assemelha a uma única flor (Fig. 3). As flores ficam inseridas em um eixo simples
que se alonga horizontalmente formando uma estrutura achatada como visto nos girassóis e
margaridas, pertencentes à Asteraceae.

Racemo: Eixo simples, com entrenós alongados, portando flores laterais pediceladas, subtendidas
por brácteas (Fig. 1). Muitas famílias apresentam este tipo de inflorescência, como visto na amoreira
(Moraceae). Os racemos também podem repetir suas ramificações duas, três ou até quatro vezes,
formando racemos duplos, triplos (Fig. 4).

Sicônio: Típico de figueiras (Moraceae) é uma inflorescência carnosa cujas flores estão inseridas em
receptáculo côncavo (Fig. 3). Numerosas e pequenas flores estão encerradas nesta concavidade.

Umbela: Eixo simples, muito curto, com várias flores pediceladas, inseridas praticamente no
mesmo nível (Fig. 3) como visto em algumas Amaryllidaceae, nas flores do alho, por exemplo.

Padrão misto de ramificação


Tirso: Eixo principal com padrão primário de ramificação racemoso seguido de ramificações cimosas
nos ápices dos eixos laterais (Fig. 1). Os eixos laterais mais basais possuem maior número de ordens
de ramificações cimosas que tendem a diminuir em direção ao ápice, conferindo uma arquitetura
cônica à inflorescência. Frequente em Melastomataceae.

Padrão incerto de ramificação


Panícula: Duas condições devem ser preenchidas para caracterizar uma panícula: o eixo principal
deve terminar em uma flor, bem como os eixos laterais. Este arranjo carece de previsibilidade quanto
ao padrão de ramificação. Consequentemente, as definições são pouco acuradas e não incorporam
toda a variação observada. A panícula é também comparada com um tirso com as terminações
cimosas depauperadas. Dessa maneira, não é possível atribuir panícula a um padrão racemoso ou
cimoso (Fig. 4). Este tipo de inflorescência é visto na lichia, da família Sapindaceae.

55
Figura 3. Padrões de ramificação racemosos. A representação dos profilos e ferofilos foram ignoradas a
fim de simplificar o conteúdo e ressaltar apenas as ramificações. Os círculos em vermelho representam
as flores.

56
Figura 4. Padrões de inflorescências racemosas compostas. A representação dos profilos e ferofilos foram
ignoradas a fim de simplificar o conteúdo e ressaltar apenas as ramificações. Os círculos em vermelho
representam flores.

Figura 5. Padrões de inflorescências compostas: Panícula. A representação dos profilos e ferofilos foram
ignoradas a fim de simplificar o conteúdo e ressaltar apenas as ramificações. Os círculos em vermelho
representam flores.

Referências
Endress, P.K. 2010. Disentangling confusions in inflorescence morphology: Patterns and diversity of
reproductive shoot ramification in angiosperm. Journal of Systematics and Evolution 48(4):
225-239.
Gagliardi, K.B., Cordeiro, I. & Demarco, D. 2018. Structure and development of flowers and
inflorescences in Peraceae and Euphorbiaceae and the evolution of pseudantia in
Malpighiales. PLos One 13(10) 1-21.
Prenner, G., Vergara-Silva, F. & Rudall, P.J. 2009. The key role of morphology in modelling
inflorescence architecture. Trends in Plant Science 14(6): 302-309.
Prusinkiewicz, P., Erasmus, Y., Lane, B., Harder, L.D. & Coen, E. 2007. Evolution and development
of inflorescence architectures. Science 316: 1452–1456.

57
Refer Chomicki, G., Coiro, M. & Renner, S.S. (2017) Evolution and ecology of plant architecture:
Integrating insights from the fossil record, extant morphology, developmental genetics and
phylogenies. Annals of Botany 120, 855–891.
Ronse De Craene, L.P. 2010. Floral diagrams: An aid to understanding flower morphology and
evolution. Cambridge Press.
Weberling, F. 1989. Morphology of Flowers and Inflorescences. Front Cover. Cambridge University
Press 405 pages.

58
CAPÍTULO 5

Evolução floral e ecologia da polinização

Pamela Cristina Santana (Universidade de São Paulo)


Joice Iamara-Nogueira (Universidade de São Paulo)

A flor é uma estrutura complexa, tanto do ponto de vista morfológico quanto funcional. Seus
aspectos morfológicos foram trabalhados no capítulo 3 "Inovação-chave das Angiospermas: A
FLOR". Aqui, nós exploraremos as variações nas funções atribuídas para cada órgão no contexto da
polinização. Além disso, iremos aprofundar um pouco em como estas estruturas podem ter evoluído
no contexto da interação e os padrões que foram observados de forma geral na polinização.

Aspectos morfofuncionais e evolutivos da flor no contexto da polinização

A flor é o órgão responsável pela reprodução sexuada das Angiospermas. Diversos estudos
apontam que a variedade de flores encontradas na natureza está diretamente associada a adaptações
relacionadas ao sucesso reprodutivo. No caso das plantas polinizadas por animais, os polinizadores
são considerados os grandes responsáveis pela sua diversificação.
A polinização é o processo pelo qual o grão de pólen é transferido das anteras (órgão
masculino) para o estigma (órgão feminino), permitindo a fecundação dos óvulos presentes nas flores.
Este processo é influenciado por diversos aspectos da flor e existem muitas características das flores
que já foram comprovadas como uma consequência da interação com os polinizadores. Se
observarmos os diversos verticilos e órgãos florais, a começar pelo cálice, verificamos que as sépalas
geralmente não possuem uma função de destaque na polinização. Entretanto, em alguns casos, elas
podem ser atrativas para os polinizadores, principalmente quando possuem glândulas de odor ou são
coloridas e/ou semelhantes às pétalas.
O papel de atração de animais polinizadores é principalmente atribuído à corola. A forma, a
cor e o brilho das pétalas possuem um papel crucial no comportamento dos polinizadores. A presença
de pigmentos no interior das células da epiderme (e.g. carotenóides, antocianinas, flavonoides) é a
grande responsável pela cor das pétalas. Porém, as pétalas possuem células epidérmicas papilosas que
interferem na absorção e reflexão da luz, o que também altera (ou pode alterar) a cor e o brilho. Para
algumas famílias, como as Orchidaceae, as papilas são muito importantes em direcionar o polinizador
na flor.

59
Já em relação ao androceu, no geral, as flores que estão associadas com polinizadores de
grande porte, como aves e morcegos, apresentam um amplo número de estames, como ocorre, por
exemplo, em algumas espécies de Cactaceae. Além disso, acredita-se também que a grande
diversidade morfológica da antera possa estar associada à forma de dispersão dos grãos de pólen.
Estas flores, polinizadas por animais maiores normalmente apresentam conectivos mais espessos em
suas anteras, o que dificulta a sua ruptura longitudinal e requer uma abertura especializada por valvas,
por exemplo. Desta forma, acredita-se que a deiscência valvar tenha sido uma especialização
evolutiva para evitar danos à antera pelos polinizadores maiores. As anteras longas com deiscência
poricida são comuns em espécies polinizadas por abelhas que vibram. Já em flores polinizadas por
aves, mariposas e morcegos, por exemplo, as anteras são maiores, voltadas para o interior e com
abertura mais estreita. Os estaminódios também podem evoluir e assumir uma função junto à
polinização. Em diversos casos, eles podem assumir uma forma petalóide (como no caso das
Iridaceae) ou também atuar como guia de néctar ou até aumentar a quantidade de grãos de pólen
depositados no polinizador (e.g. caso de algumas Jacaranda).
Por fim, a posição do gineceu, ou seja, o
comprimento do estilete e a localização do estigma
em relação aos estames, desempenha um papel
fundamental no processo de polinização (figura 1).
Essa separação espacial é chamada de hercogamia,
quando geralmente o estigma fica acima dos
estames, de forma que o polinizador, quando entra
na flor, deposita o pólen no estigma antes de acessar
o pólen da própria flor. Esta é uma estratégia que Figura 1: Hercogamia é a separação espacial
evita a auto-polinização. Em outros casos, as entre os órgãos masculinos e femininos da flor.
A) O mais comumente encontrado é a
plantas podem apresentar enantiostilia, que é o Hercogamia de Aproximação, onde a parte
feminina se encontra acima da parte masculina.
posicionamento em locais diferentes do estame e do Ou seja, o estigma está acima das anteras. B)
Porém encontra-se também a Hercogamia
estigma em indivíduos diferentes, como no caso da Reversa, onde as anteras estão acima do
estigma.
espécie Chamaecrista rufa (M. Martens & Galeotti)
Britton & Rose (Fabaceae) (figura 2). A planta
também pode apresentar heterostilia, que se caracteriza pela ocorrência de morfos florais com
estruturas sexuais de tamanho e posições distintas. Todos estes são mecanismos complexos que
promovem polinização cruzada e o fluxo gênico.

60
Recompensas ou recursos florais

Ao visitarem as flores, os polinizadores buscam por recursos,


ou seja, lipídeos, proteínas e/ou carboidratos para si ou para sua prole.
Os recursos florais fornecidos pelas plantas são: o pólen, o néctar,
óleos florais e outros menos utilizados pelos polinizadores, como
resinas e tecidos florais. O pólen tem dupla função, pois além de ser
o gameta masculino, ele também pode ser usado como alimento por
insetos (principalmente abelhas), aves e mamíferos. Apesar da
dificuldade em estudar a composição química do pólen, ao que tudo
Figura 2: Enantiostilia é
nome dado quando os órgãos indica, ela é principalmente proteica. As “flores de pólen”, como são
reprodutivos da flor não estão conhecidas, estão presentes em Solanaceae e em diversas famílias, e
dispostos de forma
centralizada, mas sofrem uma normalmente possuem anteras poricidas que são polinizadas por
deflexão que pode ser
recíproca ou não. E em muitos vibração e produzem grandes quantidades de pólen. Uma vez que os
casos ocorre o espelhamento
das flores. A imagem mostra o grãos de pólen usados como recurso são consumidos pelos animais,
caso de Cassia chamaecrista,
onde a antera polinizadora eles não podem mais realizar a função reprodutora. Outra característica
ocorre em algumas flores interessante presente em algumas famílias é a heteranteria, muito
pendendo para a direita e em
outras pendendo para a comum em Melastomataceae, onde ocorre uma distinção topográfica
esquerda.
e/ou morfológica entre os estames produtores do pólen que as abelhas
Foto de Jesson L.K. Para mais
informações, leia Jesson & irão utilizar como recurso e os produtores de pólen para fertilização
Barret, 2003.
(figura 3). Os estames de fertilização geralmente são maiores e
camuflados. O conectivo também pode sofrer alterações para
desempenhar papéis junto à polinização. Ele pode se expandir e formar apêndices, atuando como
recompensa para os visitantes florais na forma de corpos de alimentação.
O néctar consiste em uma variedade de substâncias químicas dissolvidas ou suspensas em
uma solução aquosa, incluindo um dos três açúcares mais comuns (glicose, sacarose e frutose) ou
uma combinação entre eles, aminoácidos, lipídeos e outros compostos. O néctar é secretado pelos
nectários, glândulas que possuem diferentes origens anatômicas e posições. A origem do néctar não
é bem conhecida, mas nectários também são encontrados em linhagens diferentes a das
Angiospermas, como no caso da samambaia Pteridium aquilinum (L.) Kuhn (Dennstaedtiaceae).

61
Figura 3: Heteranteria. (A) Flor de Microlicia cordata (Spreng.) Cham. (Melastomataceae). (B) Esta flor possui dois
tipos de estames. O da direita é o estame de polinização, que possui um conectivo similar a uma antera e anteras não tão
atraentes. Já o estame da esquerda, possui anteras bem atraentes para as abelhas, polinizadoras dessa espécie. Adaptado
de Velloso et al. 2018.

Em Angiospermas, os nectários datam do Cretáceo, podendo ser encontrados nas flores


(nectários florais) ou fora delas (nectários extra-florais). Os nectários florais são relacionados à
polinização, enquanto que os nectários extra-florais são principalmente associados com defesa contra
predadores. O néctar é o principal recurso floral e serve de alimento para uma grande variedade de
animais, como insetos, aves, mamíferos e até mesmo répteis. Além disso, o estudo do néctar tem
importância tanto ecológica como econômica, uma vez que muitas plantas raras e de interesse
econômico utilizam o néctar como recurso para atrair seus polinizadores.
Por fim, algumas plantas produzem óleos em estruturas especiais, denominadas elaióforos.
A origem destas glândulas ocorreu de forma independente em pelo menos 28 vezes e, em algumas
famílias, elas possuem um papel importante para a diversificação do grupo. Os óleos são formados
basicamente por ácidos graxos e são utilizados, juntamente com o pólen, para alimento de larvas de
abelha coletoras de óleo.

Comunicação entre a flor e os polinizadores

Os padrões florais que observamos nas diversas famílias vegetais foram muito influenciados
em sua história evolutiva por um processo interativo entre as plantas e seus polinizadores. Essa
interação é mediada pelo sistema sensorial e cognitivo dos animais. Assim, para que a polinização
seja bem sucedida, as flores precisam sinalizar de forma eficaz a presença dos recursos que possuem.
Principalmente no caso do néctar, em que o desenvolvimento do perianto para a proteção dos órgãos
florais limita a visualização deste recurso. Considerando a importância que os polinizadores possuem
para o sucesso reprodutivo das plantas, estas desenvolveram mecanismos de atração para aumentar
62
as chances de receberem visitas e serem polinizadas. Estes mecanismos envolvem cores, odores,
acústica e sinais que envolvem do conjunto de flores abertas em uma inflorescência, denominada de
display floral.
As habilidades cognitivas dos polinizadores
podem ser preferências inatas ou aprendidas por um
tipo particular de sinal, que pode variar de acordo
com o contexto. Por exemplo, sabe-se que as abelhas
possuem uma preferência inata por flores amarelas.
Neste contexto, algumas plantas mudam a cor da flor
ao longo do tempo (figura. 4). Este fenômeno ocorre
em pelo menos 78 famílias e 253 gêneros nas
Angiospermas. Em alguns casos, essa mudança da
cor floral ocorre com o passar do tempo. Em outros
casos, a mudança da cor ocorre quando a flor é
polinizada. Sabe-se que esse processo ocorre com
muito mais frequência em taxa amplamente
polinizados por insetos. Na maioria dos casos das
Figura 4: Mudança de cor da flor em
espécies polinizadas por insetos, a mudança de cor Quisqualis indica (Combretaceae). A
inflorescência mostra as flores que mudam de
ocorre em pequenas partes da flor, como na base das rosa para vermelhas. Foto de Mr. Guangyu Liu.
Para mais informações, leia Yan et al, 2016.
pétalas. Esta estratégia direciona o polinizador para
as flores que ainda não receberam pólen e aumenta o
sucesso reprodutivo das plantas. Outros canais sensoriais dos polinizadores também foram explorados
pelas plantas, como odores, percepção de formas, entre outros.
Devido ao fato de que os polinizadores serem considerados importantes agentes de seleção
natural e que possuem preferências por certas características florais, eles exercem pressão nos
caracteres da flor, podendo promover seleção convergente em taxa que podem ou não estar
relacionados filogeneticamente. A possibilidade da convergência nas características da flor deu
origem às chamadas síndromes de polinização.

Síndromes de polinização, generalização e especialização

As plantas que não são filogeneticamente relacionadas, mas são polinizadas pelo mesmo
grupo de animais tendem a apresentar convergência em suas características florais, levando à
emergência das síndromes de polinização. As síndromes de polinização são definidas pelo conjunto

63
de atributos florais associados com a atração e utilização do recurso por um grupo específico de
polinizadores. A tabela 1 traz um resumo das síndromes de polinização mais comuns originalmente
propostas.

Tabela 1. Resumo das síndromes de polinização, ou seja, das características florais associadas aos principais grupos de
polinizadores.

Anemofilia Melitofilia Esfingofilia Ornitofilia Quiropterofilia

Agente Vento Abelhas Mariposas Aves Morcegos

Perianto
Formato Campanula,
reduzido ou Disco Tubo Tubo, pincel, goela
da flor pincel
ausente

Vermelho, Branco,
Verde ou Ultravioleta ao
Cor Branco e creme amarelo, laranja, vermelho, verde,
branca amarelo
azul, lilás, branco castanho

Odor Ausente Presente Presente Ausente Presente

Antese - Diurna Noturna Diurna Noturna

Pólen, néctar,
Recurso - Néctar Néctar Néctar
óleo e resinas

Baixo volume e Grande volume Grande volume e


Grande volume e
Néctar - alta e baixa baixa
baixa concentração
concentração concentração concentração

As síndromes de polinização consistem em processos evolutivos em que ocorre


compatibilidade morfológica entre as estruturas florais e o aparelho bucal do polinizador, de forma
que maximize a transferência de pólen. Desta forma, é esperada uma grande especialização nos
sistemas de polinização, o que por muito tempo tem sido considerado um processo crítico para a
especiação e radiação evolutiva das plantas. Um exemplo clássico de extrema especialização em
polinização são as plantas do gênero Yucca (Agavaceae) que são polinizadas por mariposas da família
Prodoxidae. As fêmeas deste gênero coletam o pólen das flores utilizando um aparelho bucal
especializado, carregando esta carga polínica por toda sua vida. A oviposição ocorre dentro da flor,
sendo que a fêmea perfura o óvulo com seu aparelho ovipositor para depositar o ovo. Ao sair da flor,
a mariposa ativamente deposita pólen no estigma para garantir a formação de sementes, que é o
alimento exclusivo das suas larvas. No entanto, ao eclodir, a larva consome apenas uma pequena
porção de sementes, deixando muitas intactas. Desta forma, a reprodução das Yucca e das mariposas
não pode ocorrer uma sem a outra, originando um mutualismo obrigatório entre elas. Outro exemplo
clássico de especialização ocorre entre as vespas parasitas da família Agaonidae e as plantas do
gênero Ficus (Moraceae). A fenologia das plantas coincide com o ciclo de vida da vespa, sendo que
a oviposição das larvas ocorre quando as flores estão receptivas e a liberação dos adultos ocorre
64
quando a flor está produzindo pólen. As fêmeas possuem diversas adaptações morfológicas para
realizar a deposição de ovos e para coletar o pólen. No caso deste sistema, a polinização ocorre tanto
de forma ativa quanto passiva.
Apesar dos exemplos clássicos de especialização nos sistemas de polinização, estudos
recentes apontam que muitas espécies de plantas são visitadas por muitas espécies de animais.
Adicionalmente, a distribuição geográfica de plantas e animais raramente se sobrepõe por completo,
indicando que as interações não são obrigatórias. Para as plantas, a variação temporal na abundância
e/ou eficiência do polinizador pode promover generalização no sistema, principalmente para plantas
com poucos episódios reprodutivos e falta de estágios de vida persistentes, uma vez que a
especialização em um único polinizador pode promover extinção, caso este vetor esteja ausente por
um ou mais anos. Mabea fistulifera Mart. (Euphorbiaceae) é uma árvore que floresce durante
aproximadamente quatro meses no ano e cujas flores produzem néctar e pólen que ficam disponíveis
por 18 horas aos polinizadores. Nesta planta, foi observada uma grande variedade de visitantes florais
que atuam como polinizadores, incluindo morcegos, aves, insetos e mamíferos. Com relação os
polinizadores, um forrageamento eficiente garante maior suprimento energético e tempo livre, o que
traz vantagens reprodutivas. Durante o forrageamento, os polinizadores normalmente encontram uma
diversidade de espécies com flores disponíveis e, caso a quantidade e qualidade do recurso disponível
não seja diferente entre as espécies ou os custos de ir para uma determinada planta são altos, a melhor
estratégia para o polinizador é visitar vários tipos diferentes de flores, tornando-se generalista.
A discussão acerca da especialização versus a generalização dos sistemas de polinização é
longa e há diversos exemplos que suportam uma ou outra ideia, demonstrando a complexidade desta
interação. Algumas teorias foram propostas como alternativas à esta dicotomia com a intenção de
compreender os sistemas de polinização e suas consequências ecológicas e evolutivas. Uma destas
teorias prediz que plantas podem se especializar não somente em um animal ou um grupo de animais
filogeneticamente relacionados, e sim em grupos funcionais. Estes grupos funcionais podem incluir
animais que possuem algumas características ou se comportam de forma similar, que podem gerar
pressões seletivas semelhantes nas flores e que não necessariamente estão filogeneticamente
relacionadas. Um exemplo está na flora de Carlinville, em Illinois, Estados Unidos, em que
primeiramente foi avaliada sob a perspectiva de especialização em espécies e concluiu -se que 91%
das plantas eram visitadas por mais de uma espécie de animal sendo, portanto, generalistas. O mesmo
banco de dados foi analisado posteriormente sob a perspectiva de grupos funcionais e, desta vez,
aproximadamente 75% das espécies de planta exibiam especialização em grupos funcionais.
Populações de polinizadores, especialmente de insetos, muitas vezes flutuam de ano para ano,
bem como a fenologia de populações de plantas pode mudar devido a variações climáticas. Estas

65
mudanças podem alterar os papéis que tanto polinizadores quanto plantas ocupam, modificando seu
comportamento como especialista ou generalista de ano para ano. De fato, a topologia das redes de
interação de uma comunidade na Califórnia, Estados Unidos, variou de ano para ano, ou seja,
polinizadores não interagiram com as mesmas espécies de planta e o papel das espécies envolvidas
variou de especialistas a generalistas no tempo.
A dicotomia entre especialistas e generalistas consiste em uma simplificação de um contínuo
entre plantas polinizadas por diversos animais, desde não relacionados ecológica ou
filogeneticamente até mutualismos obrigatórios. No entanto, há diversos casos complexos na natureza
nos quais a aplicação desta dicotomia se torna complicada. Plantas do gênero Callianthe (antes
classificada como Abutilon, Malvaceae) e a espécie Siphocampylus sulfureos E.Wimm.
(Campanulaceae), apresentam síndromes de polinização intermediária entre morcegos e beija-flores,
e são efetivamente polinizadas pelos dois grupos. Estes animais não podem ser incluídos em um
mesmo grupo funcional, uma vez que exercem pressões seletivas distintas. Além de apresentar
características intermediárias entre as duas síndromes, a espécie Callianthe rufinerva (A. St.Hil.)
Donnel (antes Abutilon rufinerve) apresenta mudanças em sua morfologia floral para se adequar aos
diferentes polinizadores. Durante a noite, as flores apresentam-se totalmente abertas (formato de
tigela) para receber a visita de morcegos; durante o dia, as flores estreitam sua abertura, adotando um
formato de sino para se receber visitas de beija-flores. Ao anoitecer, as flores tornam a abrir, repetindo
estas mudanças durante todo o período em que elas estão disponíveis aos polinizadores (cerca de 30
horas). Casos como estes requerem uma visão diferente do que a proposta pela dicotomia entre
especialistas e generalistas. Provavelmente, as espécies se distribuem em um gradiente onde nos
extremos estão a especialização e a generalização.
A compreensão do grau de especialização ou generalização dos sistemas de polinização tem
implicâncias para a compreensão dos padrões evolutivos e da diversificação que ocorreram e ocorrem
nas Angiospermas. Além disso, a dinâmica ecológica também pode ser influenciada pelo grau de
especialização e generalização, uma vez que a qualidade do pólen transportado pode causar limitação
polínica e afetar o sucesso reprodutivo das plantas. Para a conservação, compreender o grau de
especialização e generalização permite acessar o grau de dependência ecológica entre plantas e
polinizadores, que tem influência tanto para a produção de sementes quanto para a viabilidade das
populações. No entanto, há poucos estudos empíricos que visam determinar o grau de especialização
ou generalização de espécies, o que faz com que a discussão acerca deste assunto, apesar de antiga,
ainda careça de esforços para sua melhor compreensão.

66
Seleção fenotípica mediada por polinizadores e coevolução

A polinização biótica é um fenômeno essencial para a reprodução de cerca de 90% das


espécies de Angiospermas, intervindo no fluxo gênico das plantas e exercendo grande pressão
evolutiva. Desta forma, os polinizadores atuam como agentes de seleção natural sobre as
características florais, o que pode ter influenciado na grande diversificação destas plantas. Entretanto,
apenas recentemente foi possível testar experimentalmente hipóteses adaptativas e quantificar a
intensidade de seleção imposta entre os organismos que estão interagindo. Ao associar a variação no
êxito reprodutivo dos organismos com as diferenças fenotípicas entre os indivíduos de uma
população, acessamos o que chamamos de seleção fenotípica. Aqui no nosso contexto, geralmente,
conseguimos identificar a força, direção e a forma da seleção natural que é aplicada do polinizador
sobre a flor.
A seleção imposta pelos polinizadores ocorre quando há uma variação no sucesso reprodutivo
das plantas zoófílas que está vinculado à presença de alguns caracteres florais que são herdáveis. A
variação no êxito reprodutivo por conta dos polinizadores geralmente ocorre porque: ou i) o
polinizador prefere visitar alguns fenótipos específicos em uma população, ou ii) quando há um ajuste
morfológico que seja preciso entre a flor e o corpo do polinizador.
A intensidade de seleção que um polinizador pode aplicar sobre alguma planta pode ser
afetada por outros fatores também, como por exemplo a dependência que a planta possui para se
reproduzir ou a presença de outros agentes de seleção, não só polinizadores diferentes, como outros
herbívoros ou patógenos, ou até mesmo a estrutura genética por trás daqueles caracteres. Em 1960,
Berg já havia proposto que as plantas que são polinizadas por animais teriam as características florais
mais integradas. Isso significa que existe uma tendência dos caracteres de variarem de forma
conjunta. O que demonstra que o encaixe com o polinizador teve um papel importante na evolução
dessas flores.
No entanto, muitos dos estudos sobre seleção fenotípica de polinizadores olham o efeito da
interação de uma forma unilateral. Contudo, pode ser também que na natureza esteja ocorrendo um
processo coevolutivo, onde as espécies estão agindo entre si como agentes de seleção natural de
forma recíproca. A coevolução ocorrerá sempre que houver variação no desempenho de ambas as
espécies devido à interação e uma variação nas características que mediam a interação que seja
herdável. Darwin, em seu livro, "A origem da espécies", propôs que o longo tubo observado na
orquídea estrela (Angraecum sesquipedale Thouars) seria o resultado de um processo coevolutivo,
apesar de nunca ter utilizado o termo coevolução. Darwin propôs que o longo tubo deveria ter
evoluído devido ao mecanismo de polinização que ela possui e que provavelmente existiria uma

67
mariposa com uma probóscide tão longa quanto o tubo da flor. Atualmente, se sabe que outros agentes
podem ter levado a evolução de longos tubos florais também. Uma possibilidade bem aceita é a troca
de polinizador, proposta por Verne Grant e Ledyard Stebbins na década de 60. Para A. sesquipedale,
no fim dos anos 90, o modelo coevolutivo foi rejeitado principalmente pela descoberta de que a
probóscide da mariposa evoluiu primeiro sobre pressão seletiva de aranhas que ficam acima das
flores. Estas aranhas predam as mariposas e aquelas que possuem probóscides mais longas podem
ficar mais distantes da flor e assim escapam da aranha. Como consequência, as mariposas de
probóscide longa aumentam em frequência e melhoram o desempenho das flores que possuem tubos
longos também, às tornando mais frequentes na população.
Estima-se que a coevolução seja um processo que ocorre muito frequentemente na natureza,
contudo medir coevolução não é uma tarefa trivial. Por muito tempo, assumiu -se que a covariância
entre os caracteres das espécies que interagem era um indicativo de coevolução. Em 2017, Pauw e
colaboradores propuseram um método para testar coevolução entre pares. Eles propõe que
inicialmente deve-se demonstrar que a característica observada como mediadora da interação está
sobre seleção e é o pico adaptativo da outra espécie. Por exemplo, o comprimento do tubo de uma
flor seria o pico adaptativo de uma mariposa. E o comprimento da probóscide de uma mariposa por
sua vez, seria o pico adaptativo da planta. Inicialmente, seria preciso confirmar que ocorre variação
no desempenho da mariposa e na reprodução da flor, de acordo com a variação na característica do
parceiro de interação. Posteriormente, é necessário comprovar que a mudança evolutiva em cada
característica é uma consequência de uma mudança no ambiente seletivo imposto pela interação.
Neste momento, é necessário olhar em um espectro mais amplo, seja filogeneticamente ou
geograficamente.
Para as Angiospermas, no geral, por muito tempo assumiu-se que a diversificação do grupo
teria ocorrido devido a um processo coevolutivo entre os insetos e as flores. Neste caso, especulou -
se que a especialização recíproca ao longo da história evolutiva das plantas e seus polinizadores teria
levado a co-radiação ou co-diversificação. Neste caso, esperaríamos que o padrão macroevolutivo
observado estaria ligado à especialização de ambos os grupos com consequências, em tempo
evolutivo, na cladogênese. Assim, esperava-se que ao relacionar filogenias de grupos que interagem,
poderíamos esperar um padrão espelhado nos momentos de diversificação. Contudo, em 2011,
Ramírez e colaboradores, testaram tal ideia para um grupo de orquídeas especializadas e as abelhas
que polinizam tais orquídeas. Para testar a proposta de co-diversificação, eles utilizaram filogenias
moleculares, relógios moleculares, análises químicas e a teoria de rede. Eles observaram que, apesar
da relação especializada entre as orquídeas e as abelhas, o padrão que se observou entre as filogenias
não foi espelhado. O padrão encontrado foi assincrônico, com a diversificação das orquídeas

68
ocorrendo após a diversificação das abelhas. Neste estudo, os autores propuseram que a diversificação
das angiospermas polinizadas por insetos provavelmente foi facilitada pela exploração de adaptações
já existentes nos insetos pelas plantas.

Mosaico geográfico e biogeografia da polinização

Em espécies vegetais que possuem uma distribuição geográfica ampla, a intensidade da


seleção mediada pelos polinizadores pode variar. Mais do que isso, pode ocorrer da espécie ser
polinizada por diferentes guildas (grupos funcionais) ao longo da sua área de distribuição. Essa
interação distinta para cada região pode gerar um fluxo genético assimétrico, de forma a diferenciar
as subpopulações. A consequência pode ser a formação de um mosaico geográfico. Mimulus lewisii
Pursh e M. cardinalis Douglas ex Benth. são duas espécies pertencentes à família Phrymaceae que
são irmãs, ou seja, partilham um ancestral comum recente. Estas duas espécies são segregadas
geograficamente pela elevação, sendo que há uma faixa intermediária na qual elas coexistem. Nesta
área de simpatria, Schemske e Bradshaw (1999) observaram que M. lewisii é polinizada
exclusivamente por abelhas enquanto que M. cardinalis é polinizada principalmente por beija-flores.
Estes resultados demonstram que os polinizadores contribuíram para a evolução floral e que são
importantes barreiras de isolamento reprodutivo entre estas duas espécies (figura 5).

Figura 5: (A) M. lewisii e seu principal polinizador (C) Bombus vosnesenski Radoszkowski, 1862
e (B) M. cardinalis e seu principal polinizador (D) Calypte anna (Lesson, 1829).
69
Nós também podemos olhar para a distribuição
geográfica e verificar que a ocorrência de padrões nos tipos
de interações não se dá de forma aleatória. Isso indica que
determinadas regiões podem ter favorecido a evolução de
determinadas interações, devido às condições ambientais
que apresentaram ao longo de sua história. Rech e
colaboradores, em 2016, investigaram se havia um direção
latitudinal vinculada à dependência na polinização. Eles
observaram que existe uma maior proporção de plantas que
dependem de fatores bióticos (animais) para serem
polinizadas na região tropical, ao contrário das regiões Figura 6: Padrão geográfico de dependência
na polinização. Os pontos representam
temperadas, que em geral são polinizadas por fatores diferentes comunidades e a proporção de
plantas que são polinizadas por animais.
abióticos (vento e, raramente, água) (figura 6). A Quanto mais escuro o ponto, maior a
quantidade de plantas que dependem de
polinização por vento geralmente evolui em condições de animais para serem polinizadas. Adaptado de
instabilidade, e nas regiões temperadas, o clima é, e foi, Rech et al. (2016).

menos estável. Além disso, em áreas densas e fechadas,


como são os casos das florestas tropicais, a probabilidade do vento transportar pólen para outro
indivíduo da mesma espécie diminui drasticamente, o que diminui as chances dessa característica
evoluir neste ambiente. Um outro ponto curioso é que estas interações podem gerar consequências
em cascata. Nos Neotrópicos, por exemplo, a diversidade de aves e morcegos que polinizam está
correlacionada com a riqueza de plantas das quais estes animais utilizam para se alimentar (se quiser
se aprofundar, leia Fleming, 2005).

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73
CAPÍTULO 6

A Palinologia e suas aplicações para a Taxonomia

Higor Antonio-Domingues (Instituto de Botânica)


Eduardo Damasceno Lozano (Universidade de São Paulo)

Grãos de quê?
O grão de pólen é o microgametófito (gametófito masculino) das “Gimnospermas” e das
Angiospermas. Eles são constituídos basicamente por duas células vivas: a célula vegetativa, que
origina o tubo polínico, e a célula generativa, que sofre mitose e citocinese originando as células
espermáticas que dão origem ao fruto (nas Angiosmermas) e a semente após a fecundação. Os grãos
de pólen apresentam basicamente duas camadas. A camada interna é denominada intina e envolve
inteiramente o conteúdo celular, ela é composta por celulose e pectina. Já a camada externa é
denominada exina e é composta por esporopolenina, que é resistente a ácidos e não faz parte da
fecundação. Esses constituintes básicos estão ilustrados na Figura 1. A exina apresenta algumas
caraterísticas morfológicas como aberturas e ornamentações, que são constantes em uma mesma
planta e em plantas de um mesmo grupo taxonômico. Estas características são muito importantes para
o reconhecimento de táxons.

Figura 1. Constituintes básicos de um grão de pólen. (A) Grão de pólen de Aeschynomene falcata (Poir.) DC. em
microscopia eletrônica de transmissão. (B) Esquema ilustrativo de um grão de pólen contendo as duas camadas que
constituem, a exina (rosa) e a intina (verde), o conteúdo celular (cinza) e os dois núcleos (laranja, amarelo). Não é possível
delimitas as duas células nessa imagem. Barra - 5μm.

74
Histórico
A Palinologia é a ciência que estuda os grãos de pólen das Angiospermas e “Gimnospermas”,
bem como os esporos de samambaias e licófitas. Atualmente esta ciência também abrange o estudo
de outros materiais biológicos que resistem aos tratamentos ácidos empregados nas técnicas
palinológicas, como esporos de “briófitas”, certas algas, fungos microscópicos, cutículas e epiderme
de plantas além de foraminíferos e partes de insetos. O termo Palinologia é originário da palavra grega
παλύνω (= paluno = pó fino, flor de farinha, farinha fina). Esse termo grego, também originou a
palavra latina pollen, sendo posteriormente designado para nomear o pó fino produzido nas anteras
das flores.
Um dos primeiros relatos sobre os grãos de pólen está ligado aos povos Assírios e seus rituais
religiosos. Nesses eventos, as inflorescências das tamareiras masculinas eram balançadas sobre as
tamareiras femininas a fim de fertiliza-las. Pelas esculturas dos Assírios, bem como pelos escritos do
grego Heródoto (485 a.C.–425 a.C.) é perceptível que esses povos já reconheciam a característica
dioica das tamareiras, bem como o papel da polinização e o processo necessário para a produção dos
frutos.
No entanto, até o advento do microscópio ótico no século XVII, não houve progresso com os
estudos dos grãos de pólen. Inicialmente, deslumbrados com a beleza microscópica ainda
desconhecida dos grãos de pólen, os estudiosos do século XVII deixaram ilustrações muitas vezes
artísticas, além de interpretações equivocadas, com poucos avanços dados nesse período.

Palinologia Aplicada
Somente o início do século XX a Palinologia passou de um simples apêndice da sistemática
para uma ciência a parte, principalmente pela descoberta da alergia causada pelos grãos de pólen
(polinose) e o seu reconhecimento como um excelente marcador fóssil. Como ferramenta para os
estudos da história da Terra, a Paleopalinologia se revelou útil para a determinação das posições
estratigráficas das rochas sedimentares pré-quaternárias, principalmente as depositadas em meio
continental. A partir da década de 1940, a Palinologia se firmou como a principal técnica de
reconstituição paleoambiental, tanto do Quaternário (período de 2,6 milhões de anos até os dias
atuais) quanto dos períodos anteriores. As análises palinológicas de sedimentos quaternários,
lacustres, turfosos ou marinhos, também possibilitam realizar interpretações paleoclimáticas a partir
da comparação do espectro polínico encontrado em diferentes níveis estratigráficos. Uma lâmina de
turfeira pode ser observada na Figura 2A. Estas análises Paleobotânicas são também importantes para

75
a bioestratigrafia e a reconstituição paleogeográfica das bacias sedimentares, com particular aplicação
na pesquisa de petróleo.
No século XX, se viu também uma importante aplicação palinológica com uso social e
econômico. A Melissopalinologia tem como enfoque estudar a origem do mel e seus derivados.
Identificando os grãos de pólen nesses produtos é possível conhecer a origem botânica e geográfica
do mel, a sua qualidade, bem como as plantas importantes que constituem o “pasto” apícola.
Determinar a composição dos méis auxilia na obtenção de selos de qualidade para o produto,
possibilitando a sua comercialização e melhora na legislação, além de permear a ideia de preservação
das espécies próximas aos apiários. Uma lâmina de própolis pode ser observada na Figura 2B.

Figura 2. Fotomicrografias de lâminas de Palinologia aplicada. (A) Sedimento fóssil de uma turfeira em Diamantina,
Minas Gerais com grão de pólen de Poaceae no canto inferior direito, juntamente com restos vegetais e elementos
carbonizados. (B) Própolis vermelha da região do Prado, Bahia com grãos de pólen de Tapirira e restos vegetais e ráfides
de palmeiras. Imagens cedidas pela Dra. Cynthia Fernandes Pinto da Luz.

A Aeropalinologia envolve os estudos da chuva polínica e podem subsidiar trabalhos a respeito


das alergias causadas pelos grãos de pólen e da qualidade do ar. Após a antese, as flores liberam uma
grande quantidade de grãos de pólen no ar, principalmente as anemófilas (polinizadas pelo vento).
Essa massa polínica flutuante, pode formar “nuvens” que através do ar podem ser depositadas em
diferentes lugares e períodos ao longo do ano, dependendo de fatores como vento, temperatura e
precipitação. Esses dados subsidiam estudos sobre polinização, interpretações paleoecológicas,
paleovegetacionais e paleoclimáticas, bem como na dinâmica de uma comunidade vegetal da região
e na elaboração de calendários polínicos. Esses calendários são importantes para as pessoas que
sofrem de polinose, uma vez que indicam os períodos mais suscetíveis a crises alérgicas.
As análises palinológicas podem também ser aplicadas em estudos de biologia de polinização.
A presença de pólen em partes do corpo externas e internas de animais é a evidência indireta de um
agente polinizador ou um visitante floral de determinadas espécies vegetais. Então a Palinologia é de
76
extrema importância quando associada com a ecologia da polinização, mesmo que nem sempre isso
possibilite afirmar uma polinização eficiente. De forma conjunta, essas ciências propiciam
informações de interações não registradas de outras maneiras, confirmando o comportamento de
forrageamento e preferências alimentares de insetos, aves e mamíferos.
Outra importante aplicação dessa ciência é na Palinologia Forense. Como muitas plantas
possuem características e certas adaptações a determinados habitats, é possível reconhecer uma
localidade ou tipo de ambiente baseado na identificação de grãos de pólen. Além disso, como a
maioria das plantas possuem uma certa sazonalidade em seu período reprodutivo, também é possível
indicar uma época do ano baseado na presença ou não de grãos de pólen de determinadas espécies. A
partir dessas peculiaridades é possível a utilização da palinologia na resolução de crimes.
Porém, para o uso da Palinologia Aplicada, é necessário o conhecimento da morfologia
polínica. A Palinotaxonomia é a ciência que utiliza a morfologia polínica (ultraescultura e
ultraestrutura da exina), para delimitar tipos polínicos dentro dos diferentes níveis taxonômicos. Para
estes estudos são utilizadas características como: tamanho, forma, unidades polínicas, aberturas
(número, posição, forma, elementos associados) e ornamentação. Com o advento da microscopia
eletrônica de varredura e de transmissão, a elucidação da ultraescultura e da ultraestrutura exibida
pela exina passou também a ter um importante papel na palinologia e suas aplicações. Mais adiante,
serão apresentados as principais metodologias e características morfológicas utilizadas na Taxonomia
e Sistemática das Angiospermas.

Metodologia
O estudo da morfologia polínica pode ser feito a partir da coleta de amostras em plantas vivas
e/ou herborizadas. Estudos deste tipo não podem ser baseados em grãos frescos, uma vez que apenas
a exina é necessária para a avaliação da morfologia polínica e, essa estrutura possui uma capacidade
elástica, que modifica seu formato conforme o grau de hidratação.
Inicialmente os grãos de pólen eram tratados com duas técnicas principais. Uma que desidratava
os grãos para posterior montagem em bálsamo e outra que mantinham os grãos túrgidos para posterior
montagem em gelatina glicerinada. Ambas as técnicas apresentam desvantagens, pois o citoplasma e
as inclusões que se encontram dentro da célula, não são eliminados e fazem sombra sobre a exina
quando observada ao microscópio, impossibilitando análises mais apuradas na ornamentação da exina
e morfologia das aberturas. Os grãos de pólen preparados com esses métodos apresentam-se opacos
ao microscópio e não podem ser examinados em grandes aumentos, além de poderem ser empregados
apenas nos estudos de grãos de pólen frescos. Outros métodos tornam as membranas límpidas e
parcialmente incolores, mas uma parte da elasticidade da membrana permanece.

77
Um método muito usado pelos palinólogos é o tratamento dos grãos de pólen com hidróxido de
potássio (KOH) a 10%, que pode ser aplicado em material atual ou fóssil. O ataque de KOH diluído
não elimina inteiramente a intina e o conteúdo celular. Entretanto, esse método é interessante, pois
envolve uma reação menos agressiva que outros métodos mais vantajosos. Este método é
especialmente indicado para grãos de pólen mais delicados como é o caso de algumas espécies de
Apocynaceae e do gênero Araucaria.
Um ponto importante a ser analisado no momento da escolha da metodologia a ser utilizada é
que quando os grãos de pólen são preparados por métodos diferentes, eles podem apresentar tamanhos
distintos. Dessa forma, os grãos de pólen devem ser todos preparados por somente um método. Tendo
isso em mente, a acetólise é a metodologia que apresenta mais vantagens, pois pode ser empregada
tanto em material fóssil quanto em material atual. Está técnica consiste em reagir à esporopolenina
em meio ácido, para remover simultaneamente a intina e o conteúdo celular, tornando possível a
análise. O tratamento deixa a exina quimicamente estável, o que é muito vantajoso, uma vez que suas
características morfológicas servem para identificação dos grãos de pólen. Assim, a morfologia
polínica pode ser estudada com mais detalhes e as lâminas podem ser incluídas em Palinotecas
(coleções de lâminas permanentes).
Para a microscopia eletrônica de varredura (MEV) os grãos de pólen podem ser montados
diretamente sobre os stubs metálicos (Fig. 3A). A única desvantagem desta técnica é que algumas
espécies possuem pollenkit (cimento polínico) que atrapalha a visualização da morfologia da parede
do grão, sendo necessária a sua remoção. Essa substância serve para manter os grãos de pólen unidos
durante o transporte pelo polinizador, além de evitar a perda de água, bem como a proteção contra
raios UV, dentre outras funções. Sua remoção é feita com uma série alcoólica crescente, ou seja, a
amostra é lavada algumas vezes variando a porcentagem alcoólica a cada lavagem (25%, 50%, 75%,
100%).

Figura 3. Montagem dos grãos de pólen para microscopia eletrônica de varredura. (A) Grãos de pólen montados em stubs
metálicos após a última lavagem em álcool absoluto aguardando a evaporação do álcool dentro de dessecador. (B) Stubs
metalizados com uma camada de ouro com 120 nm de espessura. (C) Microscópio eletrônico de varredura JEOL
JSMIT300LV (Tokyo, Japan), do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Microscopia Eletrônica Aplicada a Agricultura da
Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo.

78
Após a lavagem, os grãos de pólen são alocados sobre os stubs, metalizados com ouro e seguem
para serem fotografados no microscópio eletrônico de varredura. Algumas partes desse processo pode
ser observado na figura 3. Apesar de ser possível utilizar grãos de pólen acetolizados para esse
procedimento, isto não é recomendado, pois alguns elementos podem ser eliminados pelo
processamento ácido.

Para a microscopia eletrônica de transmissão (MET) os grãos de pólen são fixados em solução
de Karnovsky modificado, para melhor preservação das membranas [para 20ml = glutaraldeído 2 %
(0,8ml), paraformaldeído 2% (4ml), cloreto de cálcio 5 mM (5ml) em tampão cacodilato de sódio
0,05 M PH 7,2 (5ml), H 2O (10ml)], lavados em tampão cacodilato de sódio, seguido de pós-fixação
em tetróxido de ósmio, lavados em solução salina e pré corados em acetato de uranila. As amostras
são desidratadas em séries crescentes de acetona (25%, 50%, 75%) e infiltrados em historresina. Os
blocos são então seccionados em ultramicrótomo e as secções ultrafinas obtidas sobre telas de cobre,
contrastadas com acetato de uranila e citrato de chumbo e as imagens fotografadas. Algumas partes
desse processo pode ser observado na figura 4.

Figura 4. Montagem dos grãos de pólen para a microscopia eletrônica de transmissão. (A) Blocos contendo grãos de
pólen já infiltrados em historresina. (B) Contrastação das secções ultrafinas. (C) Grãos de pólen de Poiretia coriifolia
Vogel digitalizadas em MET.

Estratificação da Exina e Ultraestrutura

Já se sabe que os grãos de pólen apresentam duas camadas que os envolve, a intina e a exina.
A intina é composta por celulose e é eliminada nos materiais fósseis e nos tratamentos utilizados para
a preparação de lâminas para a microscopia ótica, não possuindo valor taxonômico. E exina é
composta de esporopolenina, resistente a fossilização e aos tratamentos ácidos. É ela que exibe a
morfologia que permite distinguir e agrupar certos táxons. Em microscopia ótica ela pode ser

79
subdividida, principalmente em duas camadas, sendo a mais interna a nexina e a mais externa a
sexina.
Análises mais acuradas em microscopia eletrônica de transmissão permitem uma
estratificação dessas duas camadas. A nexina pode ser dividida em duas camadas: endexina e foot
layer. A endexina é a mais interna e pode ser caracterizada como contínua ou descontínua, esponjosa
ou compacta ou mesmo completamente ausente. foot layer é a camada mais externa, que pode ser
contínuo, descontínuo ou ausente. A sexina também pode ser dividida em outras duas camadas:
infrateto e teto. O infrateto é a camada mais interna da sexina e pode apresentar estrutura alveolar,
granular, columelar ou estar ausente, e quando presente pode apresentar pollenkitt infratectal. Teto é
a camada mediana, e pode ser eutectado, tectado-perfurado, semi-tectado ou intectado (= atectado,
ausente) e sobre o teto podem ocorrer elementos supratectais e apresentar pollenkitt. A estratificação
da parede do grão de pólen e alguns elementos podem ser observados na figura 5.

Figura 5. Estratificação das camadas dos grãos de pólen. (A) Desenho esquemático da estratificação das camadas dos
grãos de pólen. (B) Desenho esquemático da parede de um grão de pólen tectado perfurado, com infrateto columelado e
80
pollenkitt (pk) infratectal, com presença de elementos supratectais e pollenkitt (pk) supratectal. (C) Desenho esquemático
da parede de um grão de pólen intectado, com presença de pio, báculo, espinho e pollenkitt (pk). (D) Eletromicrografia
de transmissão da parede de grão de pólen de Teprosia egregia Sandwith. (E) Desenho esquemático da parede do grão de
pólen T. egrégia. As cores acompanham as mesmas camadas delimitadas em A, B e C. Barra - 1 μm.

Unidade Polínica, Tamanho, Polaridade e Forma.

Depois da divisão meiótica cada célula mãe se subdivide em quatro células haploides e na
maioria das vezes, essas se separam e cada grãos de pólen fica isolado dos outros. Esses grãos de
pólen que se dispersam isoladamente são denominados mônades, porém, podem ser dispersos em
díades (Podostemaceae), que são grupos de dois, tétrades (Mimosa, Ericaceae), grupo de quatro que
também podem de associar em ditétrades. Grupos com mais de quatro grãos de pólen são
denominados de políades (Inga, Calliandra) e quando ocupam todo o espaço de uma teca recebem o
nome de políneas (Orchidaceae).

Figura 6. Variedades morfopolínicas de unidade polínica e tamanho. (A) Paubrasilia echinata (Lam.) Gagnon, H.C.
Lima & G.P. Lewis, grão de pólen mônade, grande, isopolar. (B) Mimosa pudica L., grão de pólen em tétrade tetraédrica
(o quarto grão de pólen está no foco posterior), pequeno. (C) Mimosa caesalpiniifolia Benth. grão de pólen em políade,
ditétrade, pequeno. (D) Inga vera Willd., grão de pólen em políade, muito grande. (E) Calliandra surinamensis Benth.
grão de pólen em políade, muito grande. Barras – A, C = 10 μm, B = 5 μm, D, E = 20 μm.

81
Os grãos de pólen podem ser classificados de acordo com seu tamanho em muito pequenos
(<10µm), pequenos (10-25µm), médios (25-50µm), grandes (50-100µm), muito grandes (100-
200µm) e gigantes (>200µm), levando em consideração o seu maior eixo. De acordo com sua
polaridade podem ser isopolares quando apresentam as faces proximal e distal iguais, apolares quando
não apresentam polaridade distinta, ou heteropolares quando possuem as faces distal e proximal
distintas, quanto à forma, ornamentação ou sistema apertural. Os grãos de pólen podem apresentar
dois planos de simetria, podendo bilateral quando os eixos equatoriais são diferentes entre si ou radial
quando são iguais. Algumas unidades polínicas e tamanhos dos grãos de pólen podem ser observadas
na figura 6.

Aberturas
As aberturas são importantes locais para a saída do tubo polínico e servem de caminho para a
transferência de água e outras substâncias. Possuem também, função harmomegática que consiste na
acomodação volumétrica do citoplasma em relação as condições ambientais de maior ou menor
hidratação. Essas aberturas podem ser ectoabertuas, quando estão relacionadas a ausência ou
afinamento de uma das camadas da sexina e/ou uma endoabertura, quando está relacionada as
camadas da nexina.
As ectoaberturas podem os colpos ou sulcos, quando são alongadas, e poros quando são
circulares. As endoaberturas podem ser lalongadas, quando alongadas equatorialmente, lolongadas
quando alongadas em direção ao eixo polar ou circulares. Podem também existir combinações de
ectoabertura com endoaberturas, donominadas colporos. Vários tipos de abertura são reconhecidas
baseados na sua forma (colpo, lesura, poro, sulcu), posição (ana-, cata-, zona-, zono-, angulo-), fusão
(sin-, parasin-) e número (mono-, di-, tri-, penta-, poli, ina-). Os termos usados na junção de prefixos
e sufixos são por exemplo: inaperturado, omniaperturado, pseudoaperturado, triaperturado,
sincolporado, zonoaperturado.
A abertura pode apresentar alguns elementos associados, como membrana, margem e
opérculo. Sobre a abertura ocorre uma camada de exina que a cobre, geralmente nexina, com
ornamentações ou lisa. Dependendo do tipo de abertura pode ser denominada membrana do colporo
ou membrana do poro e também coberta total ou parcialmente por um opérculo. A margem é uma
região próxima a ectoabertura que apresenta diferenciação na ornamentação e/ou na espessura da
exina. O opérculo é uma parte delimitada da estrutura da sexina que cobre uma parte da ectoabertura,
podendo também apresentar ornamentação. Algumas aberturas e elementos associados podem ser
observados na figura 7. Grãos de pólen operculados surgiram por diversas vezes, provavelmente

82
devido à similaridade nas pressões ambientais porque na maioria das vezes ocorrem em espécies de
habitats secos (seca anual ou sazonal).

Figura 7. Aberturas e elementos associados. (A) Tephrosia adunca Benth., abertura colporada, com opérculo. (B)
Aeschynomene americana L., grão de pólen 3-parassincolporadas, operculada, os colpos se encontram na área polar que
apresenta uma ilha de sexina. (C) Aeschynomene selloi Vogel, grão de pólen 3-colporado, com opérculo. (D) Xyris teres
L.A.Nilsson, grão de pólen 1-sulcado, ponto operculado. (E) Tephrosia cinerea (L.) Pers., grão de pólen com abertura
colporada, endoabertura lalongada. (F) Aeschynomene brevipes Benth., grão de pólen com abertura colporada,
endoabertura lolongada. Barras – B, C, D = 2 μm, A, F = 5 μm, E = 10 μm.

Ornamentação
Os grãos de pólen podem apresentar um relevo com diferentes padrões sobre a exina, como
uma escultura, denominada ornamentação. Essas ornamentações podem ser projeções da exina, como
elementos positivos ou depressões da exina, elementos negativos. Em microscopia ótica, por muito
tempo, muitos grãos de pólen, principalmente de Poaceae, foram considerados com ornamentação
psilada (lisa). Com o advento do microscópio eletrônica de varredura (MEV), foi possível observar a
ultraescultura da exina e a presença de ornamentações. Quando não era possível uma delimitação da
ornamentação com precisão, a ornamentação desses grãos de pólen era denominada de escabrada
[elemento de ornamentação menor que 1μm (micrômetro) em qualquer direção] o que foi refinado
também com o MEV.
Plantas anemófilas apresentam geralmente uma ornamentação mais fina, para que não gere
tanto atrito com o ambiente e seja mais leve para ser carregado pelo vento (quanto maior e mais forte
o elemento, maior o atrito). Já plantas polinizadas por insetos e outros animais, apresentam uma
ornamentação mais elaborada, geralmente com uma grande quantidade de pollenkitt. Os grãos de
83
pólen podem apresentar ornamentação: fossulada, rugulada, areolada, foveolada, perfurada,
retipilada, reticulada, rugulada, equinada, estriada, verrucada, gemada, baculada, clavada, pilada e
padrão Croton. A ornamentação pode ser homogênea pelos grãos de pólen, pode ser diferenciada em
determinados lugares, bem como agrupamentos de tipos ornamentações. Quando apresentam
ornamentações diferentes em regiões distintas dos grãos de pólen, essas partes são descritas
separadamente e quando apresentam agrupamentos de ornamentação numa mesma região, são
descritas em conjunto (estrias + retículos = estriado-recitulado). Para definição e variações da
escultura dos grãos de pólen, consultar: Halbritter et al. (2018), Hesse et al. (2009), Punt et al. (2007).

Referências
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84
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85
CAPÍTULO 7

Dendrologia de Árvores da Mata Atlântica

Ulisses Gonçalves Fernandes (Instituto de Botânica de São Paulo)


Eduardo Damasceno Lozano (Universidade de São Paulo)

Dendrologia
A dendrologia é que o estudo das árvores. Etimologicamente (dendron=árvore + logia=estudo), este
termo pode ser utilizado para todos os estudos relacionados às árvores, mas é amplamente difundido
dentro da botânica como a linha de pesquisa que visa a identificação das espécies arbóreas. Para o
biólogo, a dendrologia nada mais é que uma ferramenta auxiliar nos estudos com botânica, mas para
os engenheiros florestais, trata-se de uma disciplina fundamental.
Em trabalhos e pesquisas em campo, a dendrologia é muito útil quando é necessária uma
identificação rápida e sem a necessidade de uma grande precisão na determinação. Isso ocorre
porque ao contrário da taxonomia tradicional, que é focada nos caracteres reprodutivos, estudos
dendrológicos focam, principalmente, nos caracteres vegetativos.
Nas árvores, características vegetativas como a morfologia do caule e das folhas, nos dão várias
informações úteis para a identificação, o que é menos frequente nas plantas herbáceas.
Neste capítulo nós focaremos principalmente nos caracteres vegetativos. Para mais informações
quanto as características florais, ver os capítulos 3 "Inovação-chave das Angiospermas: A FLOR" e
4 "Inflorescência: Conceitos e organização".

Mata Atlântica
A Mata Atlântica é um bioma brasileiro formado por um mosaico de vegetações, geralmente
florestais, que ocorrem na costa leste, sudeste e sul do Brasil, estendendo-se até o leste do Paraguai
e uma pequena porção da Argentina.
De acordo com o Artigo 2º da Lei nº 11.428/2006, o bioma Mata Atlântica é constituído por
formações florestais e ecossistemas associados definidos como Floresta Ombrófila Densa, Floresta
Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta
Estacional Semidecidual, e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações
de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.
A Mata Atlântica, no território brasileiro, abrangia uma área equivalente a 1.315.460 km² e
estendia-se originalmente ao longo de 17 Estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São
86
Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Alagoas,
Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí) (SOS MATA ATLÂNTICA,
2015).
A Mata Atlântica é uma das áreas mais ricas em biodiversidade do Planeta, com mais de 20 mil
espécies de plantas, sendo 8.000 espécies endêmicas, que ocorrem somente neste bioma
(TABARELLI et al., 2005) e mais de 2.500 espécies de animais vertebrados. É também um dos
biomas mais ameaçadas do Planeta, sendo categorizado com um hotspot de Biodiversidade (Myers
et al. 2000).
Hoje, restam cerca de 8,5 % de remanescentes florestais acima de 100 hectares do que existia
originalmente. Somados todos os fragmentos de floresta nativa acima de três hectares, temos
atualmente 12,5% (SOS MATA ATLÂNTICA, 2015). A Mata Atlântica atualmente é habitada por
quase 72% da população brasileira, são mais de 145 milhões de habitantes em 3.429 municípios,
que correspondem a 61% dos existentes no Brasil (IBGE, 2010). Considerando toda a
biodiversidade, o endemismo e o grau de ameaça da Mata Atlântica.
Devido à grande devastação da Mata Atlântica, em 22 de Dezembro de 2006 foi aprovada a Lei nº
11. 428, a Lei da Mata Atlântica, com o objetivo de proteger e conservar este bioma.

Árvores
As árvores possuem várias definições na literatura, mas em linhas gerais, trata-se de plantas
lenhosas (com crescimento secundário), perenes e com o caule emergindo em um único ramo a
partir do solo. Esta pode parecer uma definição simples, mas comumente gera confusões,
principalmente com os arbustos, que são lenhosos, mas ramificam a partir da base da planta; e com
algumas herbáceas (sem crescimento secundário) de porte arbóreo, como alguns cactos e palmeiras.

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GLOSSÁRIO PARA IDENTIFICAÇÃO DE ÁRVORES DA MATA ATLÂNTICA

Caule
Estrutura intermediária entre as raízes e as folhas. Estruturalmente o caule é sempre dividido em nós
e entre nós. Para a identificação baseada em caracteres vegetativos, pode ser classificado de acordo
com o tipo e suas características:
 Tipo: Os principais tipos de caule encontradas em plantas perenes lenhosas na Mata Atlântica são:
 Estipe: Caule geralmente ereto, não ramificado, mais ou menos cilíndrico, onde as folhas se
concentram no ápice. Esse tipo de caule é comum nas Palmeiras (Arecaceae) em geral, apesar de
não ser uma árvore, são frequentemente encontradas na Mata Atlântica, portanto aqui tratadas (Fig.
1).
 Tronco: Caule lenhoso, podendo ser ereto a contorcido (Fig. 2).

Figura 1. Estipe de Euterpe edulis. Figura 2. Tronco de Myrcia splendens.

 Súber: Camada mais externa do tronco (parte visível da periderme), também chamada de “casca”.
Esta estrutura possui grande variação morfológica, e é muito importante para a identificação das
árvores. O súber pode ser:
 Aculeado: Presença de acúleos, estruturas estas que são projeções epidérmicas, geralmente
pungentes e lignificadas, mas não vascularizadas (Fig. 3).
 Deiscente: Apresentando desprendimento em placas ou de outras formas, podendo ou não deixar
cicatrizes ou depressões (Fig. 4).
 Espinhoso: Apresentando espinhos, estruturas pungentes, lignificadas ou não, mas vascularizadas,
originada a partir de uma gema lateral (Fig. 5).
 Fissurado: Apresentando sulcos longitudinais, geralmente, profundos (Fig. 6).

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 Lenticelado: Apresentando lenticelas, estruturas com formas que variam de circulares a lineares,
com tamanhos variáveis, geralmente proeminentes, que funcionam como canais de aeração para o
tronco (Fig. 7).
 Reticulado: Apresentando fissuras longitudinais e transversais, formando retículos (Fig. 8).
 Com cicatrizes: Quando o súber que apresenta cicatrizes proeminentes que podem ter origem:
 Foliar (Fig. 9).
 Dos ramos (Fig. 10).

Figura 3. Caule com súber aculeado de Ceiba speciosa Figura 4. Caule com súber deiscente de Psidium guajava.

Figura 5. Caule com súber espinhoso de Xylosma sp. Figura 6. Caule com súber fissurado de Moquiniastrum
polymorphum.

Figura 7. Caule com súber lenticelado de Croton Figura 8. Caule com súber reticulado de Cordia
urucurana. trichotoma.

89
Figura 9. Caule com cicatriz de folha de Schizolobium Figura 10. Caule com cicatriz de ramo de Cariniana
parahyba. estrellensis.

 Ramos: Porção mais distal do caule, onde geralmente as folhas estão inseridas. Os ramos podem
ser:
 Lenhosos: Apresenta algum grau de lignificação, formando súber.
 Não lenhosos: Ramo herbáceo que não forma súber.
Os ramos, assim como os troncos, possuem grande variação morfológica, os principais tipos
morfológicos encontrados nas árvores são:
 Aculeado: Apresentando acúleos (Fig. 11).
 Espinhoso: Apresentando espinhos (Fig. 12).
 Cilíndrico: Ramo sem ângulos proeminentes (Fig. 13).
 Quadrangular: Apresentando quatro ângulos proeminentes, mas sem projeções epidérmicas (Fig.
14).
 Lenticelado: Apresentando lenticelas (Fig. 15).
 Alado: Apresentando projeções epidérmicas laminares (Fig. 16).

Filotaxia
Arranjo das folhas ao longo do eixo caulinar. As árvores da Mata Atlântica apresentam filotaxia:
 Oposta: Folhas inseridas uma oposta a outra. Estas podem ser:
 Decussadas ou cruzada: Folhas inseridas em planos diferentes com um ângulo de 90° (Fig. 17).
 Dísticas: Quando as folhas estão inseridas em um mesmo plano (Fig. 18).
 Alterna: Folhas inseridas uma alterna a outra, nunca opostas. Estas podem ser:
 Dística: Quando as folhas estão inseridas em um mesmo plano (Fig. 19).
 Espiralada: Quando as folhas estão inseridas em planos diferentes ao longo dos ramos (Fig.20).
Verticiladas: Três ou mais folhas inseridas no mesmo plano. O número de folhas por nó é
importante para a identificação (Fig. 21).

90
Figura 11. Ramo aculeado de Figura 12. Ramo espinhoso de Figura 13. Ramo cilíndrico de
Erythrina speciosa. Bougainvillea spectabilis. Leptolobium elegans.

Figura 14. Ramo quadrangular de Figura 15. Ramo lenticelado de Figura 16. Ramo alado de Pleroma
Citharexylum myrianthum. Paubrasilia echinata. glandulosum.

Figura 17. Folhas opostas decussadas de Psidium Figura 18. Folha opostas dísticas de Myrcia spendens.
cattleianum.

91
Figura 19. Folhas alternas dísticas de Casearia Figura 20. Folhas alternas espiraladas de Matayba
sylvestris. elaeagnoides.

Figura 21. Folhas verticiladas de Citharexylum myrianthum.


Folha
Estrutura aérea, geralmente laminar, sendo o principal órgão fotossintético das árvores, possui
grande variação morfológica e de coloração. As principais estruturas foliares encontradas nas
árvores da Mata Atlântica são:
 Lâmina: Porção achatada da folha, geralmente responsável pela maior área foliar fotossintética. É o
mesmo que “Limbo”. As lâminas podem ser classificadas quanto à sua simetria em:
 Simétricas: Lâminas com os dois lados iguais, quando divididas em duas partes longitudinalmente
(Fig. 22).
 Assimétricas: Lâminas com os dois lados desiguais quando divididas em duas partes
longitudinalmente (Fig. 23).

 Pecíolo: Estrutura que liga a lâmina foliar ao caule.

92
Figura 22. Folha com lâmina simétrica de Myrcia Figura 23. Folíolo com lâmina assimétrica de Cabralea
splendens. canjerana.

 Raque: Termo utilizado para a nervura central das folhas compostas. Possui tamanhos e formas
diferentes, assim como a Raque, podendo-se aplicar a mesma terminologia para formas. Esta pode
ser:
 Alada: Raque com projeções laminares (Fig.24).
 Cilíndrica: Raque sem projeções laminares ou ângulos proeminentes (Fig. 25).
 Canaliculada: Raque, geralmente cilíndrica, que apresenta um sulco contínuo, formando um
pequeno canal ao longo desta (Fig. 26).

Figura 24. Raque alada em Inga vera. Figura 25. Raque cilíndrica em Senna macranthera.

93
Figura 26. Raque canaliculada em Platypodium elegans.

 Pulvino: Estrutura geralmente intumescida, localizada na base ou no ápice do pecíolo, que dão uma
certa mobilidade à folha (Fig. 27).
 Pulvínulo: Estrutura semelhante ao Pulvino, mas localizada nos folíolos (Fig. 28).

Figura 27. Pulvino de Cecropia pachystachya. Figura 28. Pulvínulo de Handroanthus heptaphyllus.

 Estípula: Estruturas laminares ou fimbriadas, com função geralmente de proteção da gema. As


estípulas podem ser:
 Axilares: Estípulas situadas nas axilas foliares (Fig. 29).
 Apicais: Estípulas situadas nos ápices dos ramos, protegendo a gema apical (Fig. 30).
 Interpeciolares: Estipulas que ocorrem apenas em plantas com folhas opostas, situadas entre os
pecíolos das folhas (Fig. 31).
 Intrapeciolares: Estípulas situadas entre o pecíolo e a gema axilar (Fig. 32).
 Ócrea: estípulas fundidas que, geralmente envolvem o ramo (Fig. 33).
 Estipela: Estrutura semelhante à estípula, mas situada na raque de folhas compostas (Fig. 34).

94
Figura 29. Estípulas axilares de Croton floribundus. Figura 30. Estípula apical de Cecropia pachystachya.

Figura 31. Estípulas interpeciolares em Bathysa Figura 32. Estípula intrapeciolar de Erythroxylum sp.
australis.

Figura 33. Ócrea em Coccoloba alnifolia. Figura 34. Estipelas de Andira fraxinifolia.

As folhas ainda podem ser classificadas em:


 Simples: Lâmina não dividida e folíolos, podendo esta ser inteira (Fig. 35) a profundamente
recortada (Fig. 36).

95
Figura 35. Folha simples inteira de Siparuna guianensis. Figura 36. Folha profundamente recortada de Cecropia
hololeuca.

 Composta: Lâmina dividido em folíolos totalmente independentes. As folhas compostas podem ser:
 Pinada: Folha em forma de pena
 Paripinada: Folha terminando em um número par de folíolos no ápice (Fig. 37).
 Imparipinada: Folha terminando em um número ímpar de folíolos no ápice (Fig. 38).
 Bipinada: Folhas onde os folíolos também são divididos em foliólulos totalmente independentes
(Fig. 39).
 Digitada: Folha onde os folíolos estão inseridos em apenas um ponto na base, formando uma estrura
que lembra uma mão aberta (Fig. 40).
 Bifolioada: Folha dividida em 2 (dois) folíolos (Fig. 41).
 Trifoliolada: Folha dividida em 3 (três) folíolos (Fig. 42).

Figura 37. Folha composta paripinada de Senna Figura 38. Folha composta imparipinada de Schinus
macranthera. terebinthifolia.

96
Figura 39. Folhas compostas bipinadas de Paubrasilia Figura 40. Folha digitada de Handroanthus albus.
echinata.

Figura 41. Folhas bifolioladas de Hymenaea courbaril. Figura 42. Folha trifoliolada de Tabebuia roseoalba.

 Lâmina: As principais formas encontradas nas lâminas foliares e suas variações, nas árvores da
Mata Atlântica, são:

 Elíptica

97
 Oblonga

 Ovada

 Obovada

As lâminas são, geralmente, divididas em ápice, margem e base (Fig. 43), que ainda podem ser
classificadas quanto as suas formas e variações:

98
Base Ápice

Margem

Figura 43. Divisões da lâmina.

 Base

 Margem

99
 Ápice

 Indumento: Cobertura da superfície foliar por tricomas ou outras estruturas. Os tipos de indumento
mais comuns nas árvores da Mata Atlântica são:
 Pubérulo: Superfície coberta por tricomas muito curtos e macios.
 Pubescente: Superfície coberta por tricomas curtos macios, podendo ser mais ou menos denso.
 Hirsuto: Superfície coberta por tricomas longos e rígidos, que não emaranhados.
 Lanuginoso: Superfície coberta por tricomas longos e macios, emaranhados, lembrando lã.
 Tomentoso: Superfície densamente lanosa ou pubescente com tricomas macios e emaranhados.
 Velutino: Superfície coberta por tricomas curtos, muito densos, lembrando veludo.
 Viloso: Superfície coberta por tricomas longos, macios, mas não emaranhados.
 Glanduloso: Superfície coberta por tricomas longos ou curtos, com glândulas nos ápices.
 Estrelado: Superfície coberta por tricomas longos ou curtos ramificados ou com apêndices que
irradiam de um ponto central.
 Escabro: Superfície coberta por tricomas curtos rígidos, dando um aspecto áspero.
 Pulverulento: Superfície coberta por tricomas que se desprendem ou se quebram ao toque.
 Glabro: Superfície desprovida de tricomas.

100
Pubérulo Pubescente Hirsuto Lanuginoso Tomentoso

Velutino Viloso Glanduloso Estrelado Escabro

Pulverulento Glabro

 Consistência: Textura da estrutura em relação ao tato. As principais consistências encontradas são:


 Membranácea: Folha de consistência fina, e bastante maleável.
 Cartácea: Folha de consistência mais rígida, assemelhando-se a um cartão de papel.
 Coriácea: Folha de consistência rígida, pouco maleável.

 Coloração: Variação de coloração das estruturas, que podem ser:


 Concolor: Duas faces com a mesma coloração ou com tonalidades semelhantes (Fig. 44).
 Discolor: Duas faces com colorações diferentes (Fig.45).
 Variegado: A mesma face apresentando cores diferentes, na forma de manchas ou sobre as nervuras
(Fig. 46).
 Cor de folhas jovens: Folha jovens apresentam coloração diferente das folhas maduras devido à alta
concentração de antocianina (Fig. 47).
 Cor de folhas senescentes: Folhas senescentes apresentam coloração diferente devido à perda de
clorofila (Fig. 48).

Figura 44. Folíolos concolores de Platypodium elegans. Figura 45. Folhas discolores de Luehea divaricata.

101
Figura 46. Folhas variegadas de Ruellia makoyana. Figura 47. Folhas jovens avermelhadas de Eugenia
uniflora.

Figura 48. Folhas senescentes alaranjadas de Croton sp.

 Glândulas: Estrutura produtora de substâncias. As glândulas podem ser:


 Maculares ou pontuações translúcidas (Fig. 49).
 Sésseis (Fig. 50).
 Estipitadas (Fig.51).

Figura 49. Pontuações translúcidas na folha de Figura 50. Glândulas sésseis em Alchornea glandulosa.
Hymenaea courbaril.

102
Figura 51. Glândulas estipitadas em Croton urucurana.

 Domácias: São estruturas que permitem o alojamento de animais, geralmente ácaros e formigas. Os
principais tipos encontrados nas árvores da Mata Atlântica são:
 Tufos de pelos: Um aglomerado de tricomas nas axilas das nervuras secundárias com a nervura
primária (Fig. 52).
 Cripta ou domácia membranácea: Uma membrana nas axilas das nervuras secundárias com a
principal, formando uma pequena bolsa (Fig. 53).

Figura 52. Domácias em tufos de pelos de Tabebuia Figura 53. Domácias membranáceas em Miconia
roseoalba. pussiliflora.

 Nervação ou Venação: Forma a qual estão dispostas as nervuras de um órgão vegetal, podendo ser
classificada de várias formas. Os principais tipos de Venação e nervuras encontrados na Mata
Atlântica são:
 Nervura primária (Fig. 54): Nervura de maior calibre, localizada no centro da folha, nas nervuras
pinadas; e irradiando a partir de um único ponto nas nervuras não pinadas.
 Nervura secundária (Fig. 54): Ramificação direta da nervura primária.
 Nervura terciária (Fig. 54): Ramificação direta das nervuras secundárias.
 Nervura coletora (Fig. 54): Nervura que margeia a lâmina, onde forma a conexão entre as nervuras
secundárias. Muito comum na família Myrtaceae.

103
Nervura
secundária
Nervura
Nervura primária
terciária

Nervura
secundária

Nervura Nervura
primária coletora

Figura 54. Principais tipos de venação e nervuras encontrados na Mata Atlântica.

Os principais padrões de venação são:


 Pinada: Nervuras dispostas de forma que se assemelham a uma pena, podem ser classificadas em:
o Camptódroma (Fig. 55): Nervuras secundárias divergem da nervura principal e curvam-se para o
ápice sem alcançar a margem.
o Eucamptódroma (Fig.56): Nervuras secundárias se conectam às suprajacentes via nervuras
terciárias.
o Broquidódroma (Fig. 57): Nervuras secundárias se conectam às suprajacentes formando um arco,
sem alcançar a margem.
o Craspedódroma (Fig. 58): Nervuras secundárias terminam na margem ou em uma nervura marginal,
podendo esta ser coletora ou não.
o Cladódroma (Fig. 59): Nervuras secundárias ramificam-se livremente na porção mais distal
o Reticulódroma (Fig. 60): Nervuras secundárias se ramificam formando um retículo.

104
Figura 55. Venação camptodroma Figura 56. Venação eucamptodroma Figura 57. Venação broquidódroma
de Annona sylvatica. de Nectandra membranacea. de Sorocea hilarii.

Figura 58. Venação craspedódroma Figura 59. Venação cladódroma de Figura 60. Venação reticulódroma
de Davilla sp. Tocoyena bullata. de Erythroxylum campestre.

 Não-pinada: Podem ser classificadas em:


o Acródroma (Fig. 61): Três ou mais nervuras primárias divergindo de um único, convergindo em
arcos sentido ápice.
o Actinódroma (Fig. 62): Três ou mais nervuras primárias partindo de um único ponto.
o Campilódroma (Fig. 63): Múltiplas nervuras primárias divergindo de um único ponto, convergindo
em arcos fortemente recurvados sentido ápice
o Pararelódroma (Fig. 64): Múltiplas nervuras de ordens diferentes divergindo de um único ponto,
percorrendo toda a lâmina em direção ao ápice paralelamente.

105
Figura 61. Venação Figura 62. Venação Figura 63. Venação Figura 64. Venação
acródroma de Tibouchina actinódroma de campilódroma de paralelinódroma de
pulchra. Heliocarpus popayensis. Dioscorea monadelpha. Syagrus romanzoffiana.

Outras características auxiliares para identificação


 Exsudatos: Qualquer substância líquida liberada de ferimentos nas plantas. Os exsudatos variam
muito em relação ao tipo de substância, à viscosidade, à coloração e ao volume liberado após a
lesão. Alguns exemplos de exsudado são observados nas Figuras 65 a 68.
Na Mata Atlântica, as principais famílias de árvores que apresentam exsudato são: Anacardiaceae,
Apocynaceae, Burseraceae, Euphorbiaceae, Calophyllaceae, Clusiaceae, Hypericaceae, Moraceae,
Phyllanthaceae, Sapotaceae e algumas espécies de Fabaceae.

Figura 65. Látex opaco Figura 66. Látex opaco Figura 67. Exsudato Figura 68. Exsudato
branco de Pachystroma amarelado de Clusia resinoso translúcido semitranslúcido de
longifolium. criuva. vermelho de Pterocarpus Pouteria sp.
rohrii.

Referências

106
BRASIL. Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 dez. 2006.
Ellis, B., D. C. Daly, L.J. Hickey, J. D. Mitchell, K. R. Johnson, P. Wilf, and S. L. Wing. 2009.
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Gonçalves, E.G. & Lorenzi, H. 2011. Morfologia vegetal: organografia e dicionário ilustrado de
morfologia das plantas vasculares. 2a ed. Instituto Plantarum de Estudos da Flora, Nova
Odessa. 512p.
Harris, J. G and M. W Harris. 2001. Plant identification terminology: An illustrated glossary. 2 ed.
Spring Lake: Spring Lake Publishing. 216p.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapa da Área de Aplicação da Lei nº 11.428,
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https://ww2.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/mapas_doc6.shtm. Acesso em
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Myers, N., Mittermeier, R. A., Mittermeier, C. G., Fonseca, G. A. B., Kent, J. 2000. Biodiversity
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New York: Harper and Row, New York.
Silva Júnior, M.C.; Soares-Silva, L.H.; Cordeiro, A.O.O.; Munhoz, C.B.R. 2014. Guia do
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for biodiversity conservation in the Brazilian Atlantic Forest. Conservation Biology, n. 19,
p. 695–700.

107
CAPÍTULO 8

Physcomitrella patens: organismo modelo no estudo de genes de plantas

Henrique Moura Dias (Universidade de São Paulo)


Vania G. Partida Sedano (Universidade de São Paulo)

Breve histórico sobre o uso de plantas-modelo em estudos genéticos

Devido à complexidade da vida e a necessidade humana de compreensão de seus processos,


muitas descobertas foram feitas, inclusive a respeito de características universais como a base de
aminoácidos, nucleotídeos e do código genético comum a todos os seres vivos. Tais descobertas
foram possíveis frente à participação de um grande número de pesquisadores e laboratórios, que
permitiu o desenvolvimento de informações e tecnologias acerca de determinadas espécies, processos
ou funções. Estes avanços se baseiam, principalmente, no estudo intensivo de alguns poucos
organismos, os quais denominamos de modelos devido as suas particularidades biológicas.
Embora possa parecer pouco interessante o estudo de uma diversidade relativamente baixa de
seres vivos, muito do que se descobre pode ser aplicado a organismos filogeneticamente relacionados.
Os organismos-modelos contribuíram com os estudos de mecanismos celulares, interação e expressão
de genes, desenvolvimento e hereditariedade. Antes mesmo de se ter consciência da existência de
genes, Gregor Mendel foi o primeiro a realizar estudos com este recurso, utilizando como modelo
Pisum sativum (ervilha). Para tal, três condições importantes foram estabelecidas para o organismo
de estudo: características de diferenciação ao longo das gerações; mecanismo de proteção de pólens
externos e; curto tempo de vida, além da facilidade em manuseio.
Foi a partir desta ideia que, a Arabidopsis thaliana passou a ser comumente empregada como
modelo vegetal para estudos genômicos. Caracterizada pelo seu curto tempo de geração, tamanho
reduzido, adaptabilidade, sistema reprodutivo autógamo, genoma relativamente pequeno e
suscetibilidade à infecção por Agrobacterium tumefaciens, especialmente pelo procedimento “floral
dip” que possibilita a transformação de óvulos sem a necessidade de regeneração de plantas através
de calos, que esta espécie se mostrou um organismo promissor para estudos de biologia vegetal.
Mais tarde, outras espécies vegetais despertaram interesse de pesquisadores, dando início a
uma diversidade maior de estudos com plantas, como por exemplo, o uso de arroz (Oryza sativa) na
genômica comparativa e Nicotiana tabacum na engenharia genética, possibilitando a descoberta de
mecanismos de nucleases (proteínas de ligação de DNA - dedos de zinco, do inglês “zinc finger”),
108
sendo possível agora, de forma confiável, a flexibilização de técnicas para identificação de bases
nitrogenadas únicas de DNA.
Em estudos mais aplicados, a espécie Nicotiana benthamiana tem chamado atenção devido a
sua característica peculiar de propensão a infecções por diversos agentes (bactérias, fungos e,
principalmente, vírus), o uso desta planta-modelo em pesquisas de mecanismos de interação planta-
patógeno possibilitou significativos avanços no entendimento das vias de interação planta-
microrganismos, seja na compreensão ou na formulação biotecnológica, pois este modelo apresenta
alta similaridade à solanáceas de importância agrícola como tomate, batatas, pimentões, tabaco e até
mesmo berinjela.
A domesticação de plantas através da seleção assistida só foi possível ao passo que novas
descobertas genéticas foram feitas com modelos de Solanum lycopersicum (tomate), que em 70 anos
de estudos foi possível mapear molecularmente características morfológicas estabelecidas por
geneticistas clássicos através de QTL (Quantitative Trait Loci) e marcadores RFLP (Restriction
Fragment Length Polymorphisms). Ressaltando a importância de espécies de tomate e batata, para a
criação de mapas moleculares na prospecção de genes, que pouco se sabe a função, mas estão
fortemente relacionados a fenótipos economicamente importantes.
Devido a dificuldade de manuseio, complexidade informacional de genes e genomas das
espécies apresentadas e de muitas outras não citadas como o caso de cana-de-açúcar
(monocotiledônea poliplóide de importância agrícola), bem como a busca por informações ainda sem
respostas para determinados grupos de plantas, que se iniciou dentro das ciências genômicas, a
seleção de modelos vegetais que apresentassem menor complexidade genética e vias metabólicas bem
conservadas entre as plantas, dentre elas podendo ser citadas algumas espécies de musgos.
O musgo Physcomitrella patens apresenta sobretudo, menor complexidade biológica e tem
sido utilizado como organismo modelo desde a década de 20, mas somente nos últimos 15 anos é que
seu emprego como modelo para explorar funções biológicas de plantas tem sido crescente. P. patens,
além de ser facilmente cultivada, passa a maior parte do seu ciclo de vida em um estádio haplóide
(n), permitindo o emprego de técnicas moleculares semelhantes a leveduras e bactérias, possibilitando
a análise genética direta da função de genes em seu fenótipo.

O musgo Physcomitrella patens

Physcomitrella patens pertence à divisão de plantas terrestres Bryophyta, que é um dos


primeiros representantes das plantas terrestres (Embryophyta). Diferentemente da maioria das plantas
terrestres, o ciclo de vida deste musgo consiste de uma geração de gametófitos haplóides

109
multicelulares que alterna com uma geração de esporófitos diplóides morfologicamente distintos,
onde diferentemente das plantas vasculares, a porção dominante do ciclo de vida dos musgos é o
gametófito.
Este ciclo leva apenas cerca de 3 meses e começa com o desenvolvimento de esporos em uma
estrutura filamentosa, o estágio juvenil transitório do gametófito, chamado protonema, que é
composto de dois tipos de células: as células de cloronema com cloroplastos grandes e numerosos
(responsáveis principalmente pela fotossíntese) e as células do caulonema (responsáveis pelo rápido
crescimento). O estágio adulto do gametófito, chamado gametóforo, tem uma estrutura mais
complexa com filóides (semelhante a folhas), caulóides (semelhante a caules) e rizóides (semelhante
a raízes).
A transição do gametófito juvenil para o adulto é iniciada pelas células iniciais do filamento
de protonema que se diferenciam em gemas. A brotação é, portanto, um evento de uma única célula,
bastante estimulado pelo hormônio vegetal citocinina, que promove a divisão celular, conforme a
Figura 1.

Figura 1. O ciclo de vida de Physcomitrella patens. (1) Esporos; (2) germinação de esporos dependente de luz gerando
cloronemas primários; (3) colônia protonemal de 15 dias; (4) cloronema ramificado; (5) células de caulonema
caracterizadas por uma parede celular oblíqua e um pequeno número de cloroplastos; (6) estrutura bidimensional
filamentosa; (7) broto jovem desenvolvido para formar a brotação foliar do gametóforo; (8) gametófito de folhas de musgo
completamente desenvolvido (4 semanas de idade); (9) um arquegônio (estrutura feminina) dissecado de um gametóforo;
(10) dois anterídios (estruturas masculinas) dissecados de um gametóforo; (11) esporófito desenvolvido após a fecundação
da arquegônia pela anterídia, a meiose ocorre levando à formação de esporos (aproximadamente 5.000 esporos por
cápsula). Todo o ciclo pode ser alcançado em condições ideais em menos de 12 semanas.
110
Diferentes musgos e plantas vasculares compartilham processos genéticos e fisiológicos
fundamentais. Portanto, uma boa abordagem para estudar a complexidade das plantas terrestres
superiores é observar as briófitas com seu fenótipo menos complexo. Além do mais, a P. patens é um
ótimo organismo modelo para estudos de genética molecular, uma vez que o tamanho do seu genoma
tem cerca de 470 Mpb (pares de bases) organizado ao longo de 27 cromossomos que é altamente
similar a outras plantas terrestres, tanto no uso do códon quanto na estrutura do exon-intron.
Entre tantas facilidades, a P. patens pode ser cultivada em meios sólidos ou líquidos e
diferentemente do modelo vegetal Arabidopsis, sua temperatura de cultivo pode variar bastante, entre
15 ºC e 26 ºC, embora sejam efetivamente utilizadas temperaturas entre 24 ºC a 26 ºC, onde para
culturas de rotina nota-se crescimento reduzido, porém satisfatório em 15 ºC. Lembrando que técnicas
de transformação de P. patens representa ganho de tempo quando comparado com Arabidopsis (Fig.
2). Além de que, P. patens é a única espécie entre as plantas que possui alta eficiência de “knock-
out” e “knock-in” de genes por recombinação homóloga.

Figura 2. Representação esquemática do fluxo de trabalho para análise de genes em organismos modelo (E. coli, S.
cerevisiae e P. patens). Comparação do tempo requerido em diferentes etapas no processo de análise de diferentes
organismos geneticamente modificados: clonagem; transformação; crescimento do transgênico e; caracterização
fenotípica.

Estudo de função gênica através da genética reversa em P. patens

Sem sombra de dúvida, com o advento do sequenciamento de DNA, muitos genomas


completos ou parciais de plantas foram depositados em bancos de dados. Embora existam diversas
iniciativas para sequenciar os diferentes genomas e transcriptomas vegetais, esta é a primeira etapa
da problemática envolvida no deciframento do código genético. A etapa seguinte é decifrar a função
dos genes e desvendar as complexas interações que governam as redes genéticas. Abordagens globais
111
destinadas a descrever os níveis de conjuntos de genes sob condições experimentais específicas de
expressão (transcriptoma) e os padrões de proteínas encontradas (proteômica) fornecem informações
extremamente valiosas a respeito de processos biológicos específicos.
Sobretudo, desvendar a função e as interações destas proteínas em um contexto celular
também exige não somente habilidade, como também técnicas para introduzir alterações precisas
dentro de componentes específicos. A este respeito, P. patens está pronta para preencher uma lacuna
nas ferramentas que estão atualmente disponíveis para estudar a função de genes e proteínas in vivo.
Modificações altamente precisas e específicas de qualquer sequência do genoma de P. patens
são possíveis de forma direcionada através de técnicas de recombinação homóloga. O silenciamento
ou inserção de genes específicos pode ser feito, respectivamente, por “knock-out” ou “knock-in” com
vetores de direcionamento, conforme Figura 3 devido a alta taxa de recombinação que este organismo
possui se diferenciando entre os outros.

Figura 3. Representação esquemática de Knock-in e Knock-out. Vetor para inserção de gene de interesse em locus
genômico e vetor para deleção de porção de gene ou genes em locus genômico através de recombinação homóloga.

Estudo de caso: função gênica com o modelo P. patens

Para exemplificar o uso da Physcomitrella patens como organismo modelo no estudo de


genes, apresentamos um resumo geral em forma de esquema de um trabalho publicado em 2014 por
Xu e colaboradores, no qual foi determinada a função dos fatores de transcrição da família proteica
NAC (do inglês, Nascent Polypeptide-Associated Complex) da espécie Arabidopsis thaliana na

112
adaptação da planta à terra. Os pontos mencionados a seguir contempla de modo geral os passos
seguidos na metodologia dos autores fazendo uso da planta P. patens.

Figura 4. Workflow da metodologia realizada por Xu e colaboradores durante o estudo dos fatores de transcrição NAC.
Os fatores de transcrição foram superexpressados e silenciados na planta modelo Physcomitrella patenes para o seu
estudo. O resumo apresentado neste esquema, é apenas o referente aos passos envolvendo P. patens.

Referências
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114
Parte II

ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO

115
CAPÍTULO 9

Embriogênese vegetal: construindo uma planta a partir de uma célula

Bruno Viana Navarro (Universidade de São Paulo)


Leandro Francisco de Oliveira (Universidade de São Paulo)
Paula Maria Elbl (Universidade de São Paulo)

Na era da informação, os inúmeros avanços tecnológicos permitiram um refinamento nas


análises, possibilitando um aprofundamento acerca das bases moleculares que determinam os padrões
do desenvolvimento celular. A partir desta semiótica, a biotecnologia vegetal desempenha um
importante papel na sociedade e os ganhos que se podem atingir pelas diversas técnicas presentes na
atualidade tem reflexo sobre a agricultura, a indústria alimentar, a indústria de bioenergia, os
consumidores e ao meio ambiente. Como exemplos das numerosas aplicações da biotecnologia
vegetal, podem ser destacadas a produção de plantas a menores custos, espaço e tempo; assim como
a produção de alimentos com qualidades nutricionais melhoradas, ou com melhores qualidades para
armazenamento, processamento e redução no uso de água, pesticidas e agrotóxicos.
Além das aplicações listadas acima, a biotecnologia vegetal também vem contribuindo para o
desenvolvimento da ciência básica, sobretudo através do auxílio da Biologia de Sistemas.
Atualmente, tem se tornado cada vez mais comum o desenvolvimento de estudos em diferentes níveis
de organização (metabólitos, proteínas, transcritos) para um mesmo indivíduo, gerando conceitos e
princípios que explorem o fenômeno biológico numa escala particular. Porém, a individualização dos
fenômenos pode reduzir a complexidade organizacional que existe entre as diferentes escalas. Neste
contexto, a Biologia de Sistemas emergiu como uma estratégia para integrar um grande número de
dados complexos.
A Biologia de Sistemas é um campo de estudo baseado na interdisciplinaridade que se
concentra em interações complexas dentro de sistemas biológicos, usando uma abordagem holística
para a pesquisa biológica. Essa abordagem considera o fato de que todos os sistemas dentro do
indivíduo estão interconectados através de redes que possuem diferentes hierarquias. Com isso, é
possível construir bases informacionais sólidas sobre os processos biológicos com alto grau de
complexidade. Um dos processos mais complexos existentes é a embriogênese, sendo o
questionamento de como uma única célula é capaz de gerar um organismo inteiro, um dos
questionamentos mais emergentes dos últimos tempos. Para esse tipo de investigação, tem sido
utilizada como estratégia o cultivo de células in vitro. Desde seu início até a atualidade, a cultura de
116
células e tecidos vegetais passou por diferentes descobertas, que envolvem desde a biotecnologia
clássica e também a moderna. Neste contexto, técnicas biotecnológicas utilizando sistemas de
embriogênese vegetal tem sido aplicadas para diferentes objetivos, que vão desde a obtenção de um
modelo referência para estudos básicos em fisiologia, bioquímica, biologia celular e biologia
molecular, até a propagação clonal incluindo a conservação de várias espécies. A seguir serão
discutidos aspectos básicos e aplicados relacionados à embriogênese vegetal.

Embriogênese zigótica
Ao longo da evolução, eventos adaptativos culminaram na conquista do ambiente terrestre
pelas plantas. Os eventos mais expressivos foram a retenção do zigoto nas Embriófitas, e
consequentemente do embrião multicelular em desenvolvimento na planta-mãe; e a formação das
sementes nas Espermatófitas. As sementes surgiram no ancestral comum entre as Gimnospermas e
Angiospermas e apresentaram uma grande vantagem evolutiva já que elas conferem proteção e
armazenamento de alimento que será disponibilizado na germinação. Estes eventos refletiram no ciclo
de vida das espécies, no qual foi estabelecido o processo de embriogênese, uma das etapas mais
fundamentais e de maior grau de complexidade.
Plantas e animais apresentam similaridades na natureza de seu material genético e nos
mecanismos pelos quais a informação genética é processada e utilizada. Porém, diferentemente dos
animais, o processo de embriogênese nas plantas é contínuo, iniciando-se após a fecundação,
estabelecendo o plano básico do corpo vegetal e originando meristemas, que geram órgãos adicionais
no indivíduo adulto. Sendo assim, pode-se afirmar que a embriogênese zigótica nas plantas é um
processo altamente complexo, organizado no espaço e no tempo, com papel central no ciclo de vida
dos vegetais. Nas plantas, a embriogênese pode ocorrer de forma natural, através da fusão dos gametas
com posterior formação do zigoto (embriogênese zigótica), ou então pela via assexuada a partir da
diferenciação do tecido materno em embriões (apomixia gametofítica ou esporofítica).
A embriogênese zigótica é dividida em fases muito bem definidas, porém com
particularidades entre Gimnospermas e Angiospermas. Para tanto, iremos explorar os aspectos
básicos da evolução morfológica durante a embriogênese, destacando as fases que ocorrem neste
processo para Pinus taeda, uma Gimnosperma, e para Arabidopsis thaliana, uma Angiosperma (Fig.
1).

117
Figura 1. Modelo de comparação das etapas do desenvolvimento do embrião em espécies de Gimnosperma (Pinus taeda)
e Angiosperma (Arabidopsis thaliana).

Em P. taeda, a embriogênese zigótica pode ser divida em quatro fases:


1) Proembrionia: constitui todos os estádios anteriores ao alongamento do suspensor primário, da
fertilização até o rompimento da arquegônia pelo pró-embrião, passando pelos estádios de núcleos
livres e celularização;
2) Fase embrionária inicial: é constituído por todos os estádios após o alongamento do suspensor e
antes do estabelecimento dos meristemas;
3) Fase embrionária tardia: na qual a protoderme e o procâmbio são diferenciados e os meristemas
apical e radicular são estabelecidos;
4) Fase de maturação: o desenvolvimento do embrião é finalizado com a completa formação dos
cotilédones e pelo acúmulo de substâncias de reserva (proteínas, lipídios e carboidratos).
Para Angiospermas, a embriogênese zigótica pode ser dividida em duas fases principais:
1) Fase morfogenética: etapa em que o eixo embrionário é estabelecido. Para A. thaliana, a fase
morfogenética inicia-se com o estabelecimento do zigoto, passa pela fase pró-embrionária, onde a
polaridade do embrião é estabelecida, até a etapa de formação de 16 células, seguido dos estádios
globular, de transição e finalizando no estádio cordiforme.
2) Fase de maturação: nesta etapa ocorrem modificações metabólicas que preparam o embrião para
a dessecação, dormência e/ou para obter os nutrientes necessários para a germinação e crescimento

118
inicial. Em A. thaliana, a fase de maturação do embrião segue a partir do estádio torpedo até a
formação do embrião maduro, que após a germinação dará origem a plântula. Nesta fase ocorrem
mudanças tanto no metabolismo do embrião, quanto nos tecidos de suporte da semente.
Como pode ser observada, a etapa final da embriogênese é compartilhada entre
Gimnospermas e Angiospermas. Após a finalização dos cotilédones e formação do tecido de reserva,
a semente está apta para germinar. Contudo, dependendo do tipo de semente (ortodoxa ou
recalcitrante) podem ocorrer variações com relação à diminuição da atividade metabólica e aquisição
da tolerância à dessecação, mediada ou não pelo ácido abscísico (ABA). As sementes ortodoxas são
aquelas que passam pelo processo de dessecação (teores de água menores que 10%) e entram em
dormência após sua completa formação. Assim, estas sementes podem ser armazenadas por longos
períodos. Contrariamente, sementes caracterizadas como recalcitrantes mantem teores de água
suficiente para que seu metabolismo continue ativo, mesmo após sua completa formação. Como
consequência, essas sementes não podem ser mantidas por longos períodos de armazenamento.
Consideráveis modificações na morfogênese ocorrem após a germinação da semente. No
entanto, a fase embrionária é crucial uma vez que durante esta fase são especificados os meristemas
apical e radicular, assim como o padrão morfogenético. As etapas da embriogênese são altamente
organizadas e ininterruptas, características que, somadas à dificuldade da exploração das etapas
iniciais do processo, dificultam a sua manipulação e o seu estudo. Assim, técnicas biotecnológicas
como a embriogênese somática podem atuar como uma estratégia para o estudo e a exploração da
embriogênese zigótica.

Embriogênese somática
A embriogênese somática é um processo análogo à embriogênese zigótica, no qual uma célula
somática ou um grupo de células somáticas dão origem a embriões somáticos, passando pelos estádios
similares à embriogênese zigótica, sendo bipolares, ou seja, apresentam meristemas apicais, do caule
e da raiz.
Este processo é comumente associado à cultura in vitro de tecidos vegetais excisados
(explantes) e inoculados em um meio nutritivo suplementado com reguladores do crescimento
vegetal, embora ela possa ocorrer naturalmente em algumas espécies, como por exemplo, em Paeonia
(dentro de óvulos), Asplenium e Kalanchoe (em folhas). A primeira observação sobre a formação de
embriões somáticos in vitro foi feita em suspensões celulares de Daucus carota em 1958 e, desde
então, uma grande quantidade de espécies vem sendo objeto de estudos para o desenvolvimento de
protocolos de embriogênese somática. Estes protocolos podem ser aplicados em estudos básicos sobre
os processos que regulam a embriogênese, para uso em conjunto com técnicas biotecnológicas ou

119
para produção em larga escala de espécies com interesses variados (econômicos, programas de
melhoramento e conservação).
Para que o processo de embriogênese somática ocorra, é necessário utilizar um explante
apropriado, bem como meio de cultura e condições de cultivos adequados. Os explantes inoculados
são sujeitos a uma desdiferenciação celular sob efeito dos reguladores vegetais, e a uma
rediferenciação que, sob efeitos/condições necessárias, se diferenciam em embriões somáticos.
Diferente dos animais, onde a diferenciação é geralmente irreversível, as células vegetais, mesmo
aquelas altamente diferenciadas, retém a habilidade de regredir a um status meristemático e/ou pouco
diferenciadas. A inerente potencialidade de uma célula vegetal em formar uma planta inteira, é
descrita como totipotencialidade.
Como uma ferramenta de estudo da ciência básica, a embriogênese somática é sem dúvida
uma das mais claras demonstrações da totipotencialidade em células de plantas superiores, obtendo
estruturas embrionárias bipolares em sistemas in vitro. Entretanto, o grau de regressão de uma célula
pode depender de seu status citológico e fisiológico, a exemplo das coníferas, as quais a embriogênese
somática é frequentemente obtida a partir de células embriogênicas imaturas, e com menos
frequência, a partir de células adultas.
A obtenção de embriões somáticos pode ser direta ou indireta (Fig. 2):
 a direta ocorre quando os embriões somáticos se diferenciam diretamente do explante, sem
passar por uma fase de formação de calos;
 a indireta ocorre quando os embriões somáticos se diferenciam após a indução de calos no
explante. Exemplos de embriogênese direta incluem explantes como micrósporos, óvulos e embriões
zigóticos, além da embriogênese secundária, em que o primeiro embrião somático formado falha em
se desenvolver em uma plântula e dá origem a ciclos sucessivos de produção de embriões.
Na embriogênese indireta, os calos formados podem ser embriogênicos ou não-
embriogênicos, os quais podem ser facilmente distinguidos baseados na morfologia e coloração. Calo
embriogênico é composto de massas pró-embriogênicas (MPE), as quais são estruturas celulares que
apresentam uma polarização das células e funções, com células embriogênicas que podem formar o
embrião, e células alongadas que formarão o suspensor do embrião. As MPEs podem ser classificadas
em três tipos (Figura 3):
1) MPE I: um agregado celular composto de uma célula suspensor anexada à uma célula
embrionária;
2) MPE II: similar ao agregado celular, porém possui mais do que uma célula suspensor;
3) MPE III: um amplo cluster de células embrionária e suspensoras, mais soltas do que compacta,
com uma polaridade pouco visível. MPE III é um importante estádio na embriogênese somática

120
inicial, pois nessas estruturas começam a ser formados os embriões somáticos iniciais. Além das
características morfológicas, também é possível triar linhagens celulares com diferentes potenciais
embriogênicos através de caracteres bioquímicos e/ou moleculares.

Figura 2. Modelo de desenvolvimento de embriões somáticos de forma direta (diretamente do explante) e indireta (a
partir de um calo embriogênico).

Figura 3. Esquema demonstrando os diferentes tipos de massas pró-embriogênicas (MPE) e a formação de embrião
somático.

A formação de embriões somáticos in vitro é, na maioria das vezes, proporcionada pela


presença de uma auxina sintética forte no meio de cultura, sendo o ácido diclorofenoxiacético (2,4-
D), em grande parte dos sistemas experimentais, o que mais favorece a reprogramação gênica das
células para que estas se desdiferenciem, durante o período inicial das culturas. Por outro lado, os

121
embriões somáticos só se desenvolvem na presença de baixos níveis de 2,4 -D no meio de cultura ou
na ausência dele.
O processo de embriogênese somática inclui cinco etapas:
1) Indução de culturas embriogênicas: inicia-se pelo cultivo de explantes em um meio de cultura
suplementado ou não com reguladores vegetais do crescimento, principalmente em grandes
quantidades de auxinas (por exemplo, o 2,4-D) e, em algumas vezes, balanceado com citocininas,
dentre elas a benziladeninopurina (BAP). Essa etapa é marcada por uma reprogramação gênica no
tecido do explante, o qual passa a adquirir o potencial embriogênico, mediado por uma cascata de
transdução de sinais promovida pelo efeito dos reguladores de crescimento. Como resultado, uma
série de divisões celulares induzem o crescimento desorganizado ou polarizado do calo. Entretanto,
apenas algumas células do explante primário são competentes para a indução de culturas
embriogênicas, as quais são sensíveis à auxina ou que tem o potencial para ativar os genes envolvidos
na geração de células embriogênicas.
2) Proliferação das culturas embriogênicas: essa etapa compreende a proliferação das células
embriogênicas formadas na etapa anterior e ocorre em meio de cultura semi-sólido (para o cultivo de
calos), ou em meio líquido (suspensões celulares), permitindo sua multiplicação em grande escala. O
meio de cultura para a proliferação das culturas pode ser suplementado com auxinas em baixas
concentrações, ou nas mesmas condições que na etapa de indução, dependendo do sistema. Embora
a auxina seja necessária para a proliferação, ela também inibe o desenvolvimento dos embriões
somáticos. Para que as células continuem em um grau de proliferação celular, sem que ocorra o
desenvolvimento dos embriões, é necessária a transferência dessas células para um meio novo, devido
à depleção nos níveis de auxina. O tempo de cada cultivo, o grau de diferenciação do embrião na
presença de auxina e as concentrações dos reguladores variam em diferentes espécies.
3) Pré-maturação dos embriões somáticos: nesta fase é necessário que a alta taxa de proliferação
celular seja inibida e ocorra um estímulo para a formação dos embriões e o desenvolvimento inicial
destes. Essa transição das MPEs para embriões somáticos deve ser bem compreendida, podendo ser
um fator limitante para o sucesso da embriogênese somática. Por vezes, linhagens celulares podem
apresentar genótipo-dependência e uma incapacidade de se desenvolverem em embriões somáticos,
limitando-se apenas à proliferação celular. Além disso, as auxinas sintéticas, tais como 2,4 -D, que
são promotores da proliferação de culturas embriogênicas, geralmente não são metabolizadas pelas
células da mesma forma como auxinas naturais. Assim, para estimular um maior crescimento dos
embriões somáticos é necessário transferir as culturas embriogênicas para um meio sem auxina por
um determinado período, com a posterior transferência para a etapa de maturação dos embriões. Essa
transição também auxilia na sincronização do desenvolvimento dos embriões somáticos.

122
4) Maturação dos embriões somáticos: promovida pelo cultivo em meio suplementado com ABA e
outros agentes promotores que reduzem o potencial osmótico do meio, tais como maltose,
polietilenoglicol (PEG) ou o próprio agente geleificante do meio. Esta etapa é marcada por grandes
alterações morfológicas e bioquímicas nos embriões somáticos. Os cotilédones se expandem
concomitante com a deposição de compostos de armazenamento, com a repressão de germinação e
aquisição de tolerância à dessecação;
5) Regeneração das plantas: ocorre em meio ausente de reguladores do crescimento. Compreende a
germinação dos embriões somáticos maduros. Embora seja a última etapa do processo, ela depende
das condições previstas nas fases anteriores. Apenas os embriões maduros que apresentem uma
morfologia normal, acúmulo de compostos de reserva suficiente e tenham adquirido tolerância à
dessecação no final da etapa de maturação, se desenvolvem em plantas normais.
As etapas da embriogênese somática estão representadas no esquema da Figura 4.

Figura 4. Esquema demonstrando os diferentes estádios de desenvolvimento da embriogênese somática.

Embora grandes progressos têm sido realizados no desenvolvimento de protocolos de


embriogênese somática, para muitas espécies ainda há dificuldades em obter sucesso em cada etapa,
resultando na ausência de embriões somáticos completos, ou quando estes se formam apresentam
anomalias. Assim, estudos têm sido direcionados para o entendimento dos processos que regulam os
processos de embriogênese nos aspectos bioquímicos, moleculares e fisiológicos, os quais fornecem
um conhecimento aplicável na embriogênese somática, devido à analogia entre os dois sistemas.

123
Aspectos moleculares que controlam a embriogênese
Durante a embriogênese, o zigoto é submetido a uma série de mudanças morfológicas
celulares que estabelecem o padrão morfogenético da planta e os tecidos meristemáticos necessários
para o desenvolvimento pós-embrionário. Um grande número de genes é expresso de forma
coordenada para assegurar que o zigoto unicelular se desenvolva em uma organizada estrutura
multicelular. Além de sua importância fisiológica, a embriogênese zigótica é considerada como
modelo para estudos de desenvolvimento e diferenciação, onde podem ser identificados controles
estritos na expressão de centenas de genes que desencadeiam processos de transcrição, biossíntese e
transporte de hormônios vegetais ao longo do eixo embrionário. Estudos relacionados com o
estabelecimento dos meristemas apical e basal em Gimnospermas e Angiospermas demonstram uma
grande similaridade nas sequências gênicas sugerindo que, apesar das diferenças morfológicas,
citológicas e temporais observadas durante o desenvolvimento embrionário em ambos os grupos, os
principais genes relacionados à embriogênese foram conservados ao longo do processo de evolução.
Embora o zigoto recém-formado contenha informação genética tanto materna quanto paterna,
a atuação da maioria dos genes nos estádios de desenvolvimento da embriogênese inicial e na
formação do endosperma da semente pode depender unicamente da transcrição a partir dos alelos
herdados maternalmente, uma vez que o genoma paterno é inicialmente silenciado.
Durante a embriogênese, a expressão de conjunto de genes ligados à formação do embrião é
controlada por sinais de regulação específicos. A maioria destes sinais é assegurada por genes
homeóticos, que atuam na ativação ou inibição de outros genes que codificam para proteínas de
regulação, desencadeando um efeito cascata. Estes genes homeóticos possuem uma região
denominada homeobox, na qual está inserida a informação para a codificação da alça da proteína que
irá se ligar ao DNA, característico dos fatores de transcrição. O envolvimento de genes homeóticos
na embriogênese foi demonstrado pela primeira vez em mutantes stm de Arabidopsis. STM codifica
um KNOTTED1 (KN1) - proteína do tipo homeodomain que é expressa na região do meristema apical
caulinar durante a embriogênese. Outro exemplo é o gene ATML1, pertencente ao grupo
homeodomain-leucine zipper (HDZip), que são fatores de transcrição expressos especificamente na
célula apical após a primeira divisão do zigoto. Mais tarde, na fase globular, a expressão de ATML1
se restringe a protoderme.
A caracterização da expressão destes genes durante o desenvolvimento do embrião até sua
maturação e da germinação levou à identificação de classes distintas de genes associados ao
desenvolvimento embrionário em Angiospermas, os quais podem ser divididos em cinco classes:

124
 Classe 1: genes expressos constitutivamente, cujo os produtos estão presentes em todas as
fases e tem funções necessárias durante o crescimento normal da planta. Estes genes atuam na
manutenção da polaridade do embrião;
 Classe 2: genes específicos do embrião, cuja expressão é restrita ao embrião propriamente
dito, e cessa antes da germinação;
 Classe 3: genes altamente expressos durante o início embriogênese até a fase cotiledonar;
 Classe 4: genes que codificam proteínas de sementes, expressos durante a expansão de
cotilédones e na maturação da semente. São codificados por famílias multigênicas, representando até
50% do mRNA na fase de maturação.
 Classe 5: genes expressos abundantemente na fase tardia do desenvolvimento embrionário
até a maturação da semente, sendo ativados por ABA ou estresse osmótico. Destacam-se os genes
codificantes de proteínas do tipo LEA (Late Embryogenesis abundant), importantes para proteger as
membranas celulares nos processos de dessecação e dormência da semente.
Para a embriogênese somática, a identificação e caracterização da expressão de genes e
proteínas diretamente envolvidas com o desenvolvimento embrionário são altamente desejáveis, haja
vista que perturbações na expressão destes genes e proteínas podem ser utilizadas como marcadores
da competência celular durante embriogênese. Adicionalmente, a expressão de genes relacionados ao
desenvolvimento embrionário pode ser utilizada para discriminação dos tecidos recalcitrantes
daqueles potencialmente embriogênicos.
A transição das células somáticas para o estado embrionário envolve um processo complexo,
que inclui a desdiferenciação, reativação celular, divisão e reprogramação do metabolismo e
desenvolvimento. Um dos primeiros genes descritos como envolvido na expressão da competência
celular foi o SOMATIC EMBRYOGENESIS RECEPTOR KINASE (SERK), em culturas de D. carota.
Este gene codifica uma proteína transmembrânica com repetições de leucina, que pertence a uma
grande família de quinases receptoras em plantas. Células de cenoura, competentes para a
diferenciação de embriões somáticos expressaram o gene repórter luciferase sobre controle de
elementos regulatórios de DcSERK, demonstrando que este gene é um marcador de células
competentes a diferenciação nestes embriões.
Outra classe de genes muito explorados na embriogênese somática são aqueles envolvidos na
sinalização por ABA, o qual regula direta ou indiretamente a expressão de genes durante a
embriogênese. A família de genes “ABA INSENSITIVE” (ABI) foi relacionada com a tradução do
sinal do ABA durante o desenvolvimento da semente de A. thaliana. Os fatores de transcrição ABI3,
ABI4 e ABI5 regulam as respostas ao ABA durante a embriogênese tardia desta mesma espécie. Uma
alta expressão do gene VIVIPAROUS1 (VP1), um homólogo do gene ABI3, foi relacionado com o

125
desenvolvimento adequado do embrião somático de Picea abies. Da mesma forma, os genes ABI1 e
ABI2 codificam para uma fosfatase do tipo 2C (PP2C) desempenhando um papel crítico na regulação
negativa da transdução do sinal mediado por ABA.
Todos estes exemplos demonstram a estreita relação entre a regulação gênica e os processos
fisiológicos da planta, demonstrando que a investigação destes estudos constitui um fator importante
para a compreensão dos aspectos moleculares que regulam a embriogênese, os quais posteriormente
podem ser aplicados na otimização de protocolos de embriogênese somática e biotecnologia de
sementes.

Aplicações biotecnológicas da embriogênese somática


As ferramentas biotecnológicas, de maneira geral, compreendem a manipulação de
microrganismos, plantas e animais, objetivando a obtenção de processos e produtos de interesse.
Sendo assim, a biotecnologia está associada ao emprego das técnicas modernas de biologia molecular
e celular, envolvendo os conhecimentos de fisiologia, bioquímica e genética.
A cultura de tecidos vegetais é a ciência do crescimento de células vegetais, tecidos ou órgãos
isolados da planta mãe, em meio artificial. Ela inclui técnicas e métodos usados para pesquisa em
muitas disciplinas botânicas e tem vários objetivos práticos. A cultura de tecidos oferece não somente
uma excelente oportunidade para estudar os fatores que induzem a totipotencialidade das células, mas
também permite a investigação de fatores que controlam a diferenciação celular.
Neste aspecto, a embriogênese somática é associada com uma variedade de aplicações, tais
como a obtenção de modelos para estudos em bioquímica e fisiologia básica, aspectos moleculares,
propagação em larga escala e transformação genética, criopreservação de embriões somáticos
integrada com programas de melhoramento, estabelecimento de banco de genes in vitro, conservação
de germoplasma de espécies ameaçadas e propagação clonal em massa de genótipos com alto valor
comercial. Algumas destas aplicações são discutidas a seguir:
1) Estudos básicos da embriogênese: a embriogênese somática se apresenta como uma importante
ferramenta em estudos básicos a respeito dos eventos moleculares e bioquímicos que envolvem o
processo de embriogênese vegetal que, em muitos casos, se torna difícil de explorar em embriões
zigóticos. Devido a sua analogia aos embriões zigóticos, através da embriogênese somática é possível
determinar genes que são regulados durante a formação dos embriões, descrever perfis bioquímicos
que envolvem a embriogênese (como conteúdo de aminoácidos, poliaminas, ácido abscísico, ácido
indolacético, carboidratos, entre outros perfis) e mudanças morfogenéticas que marcam a transição
de cada estágio de desenvolvimento.

126
2) Propagação clonal em larga escala: a embriogênese somática vem sendo aprimorada nas últimas
décadas com o intuito de propiciar uma rápida multiplicação de inúmeras espécies, passando a ser
utilizada não somente como uma técnica de pesquisa, mas com o interesse industrial, devido a sua
aplicação prática em processos de larga escala, além da possibilidade de ampliar a produção via
biorreatores. O uso da embriogênese somática tem forte apelo para espécies arbóreas que demoram a
atingir a maturidade e possuem ciclo longo de produção da semente, ou ainda apresentem alguma
dificuldade de propagação vegetativa por métodos tradicionais. Como exemplo, podemos citar o uso
de embriões somáticos na propagação de espécies do gênero Eucalyptus, em especial às espécies ou
clones de difícil enraizamento. Entre outras espécies lenhosas, a embriogênese somática também é
aplicada na produção de mudas de espécies de Pinus, acácia, Populus, etc. Além das espécies
arbóreas, a embriogênese somática pode ser aplicada intensamente na produção de espécies
ornamentais, como orquídeas, tulipa e lírio, ou na produção de espécies com interesse em bioenergia,
como a cana-de-açúcar, ou ainda de interesse alimentício, como arroz, cenoura, mandioca, entre
outras.
3) Conservação de espécies nativas e ameaçadas: espécies nativas e ameaçadas podem apresentar
dificuldades no armazenamento de sementes e na produção de plantas por métodos convencionais,
seja com propagação vegetativa (ex.: estaquia) ou sexuada (sementes). Como exemplos, podemos
citar espécies que apresentam sementes com aspecto recalcitrante, como a Canela-sassafrás (Ocotea
catharinensis), a imbuia (Ocotea porosa) e o Pinheiro-do-Paraná (Araucaria angustifolia). Outros
estudos em embriogênese somática com espécies nativas incluem a peroba-rosa (Aspidosperma
polyneuron), goiabinha-serrana (Acca sellowiana), Jequitibá-vermelho (Cariniana legalis) e Peroba-
do-campo (Paratecoma peroba).
4) Criopreservação: Os embriões somáticos ou culturas embriogênicas também podem ser
criopreservados, ou seja, conservados em baixas temperaturas, tornando possível o estabelecimento
de bancos de linhagens celulares e germoplasma de interesse, seja econômico ou para preservação.
Este processo permite uma vantagem em relação à propagação convencional, não sendo necessária a
manutenção de culturas em estádios juvenis. Além disso, não requer repicagens periódicas, reduzindo
a possibilidade de variação somaclonal e contaminações, assim como o custo de manutenção das
linhagens embriogênicas. Outra vantagem é a estagnação da capacidade da formação de embriões
somáticos, a qual normalmente é perdida ao longo dos ciclos de repicagem das culturas.
5) Transformação genética: Outra finalidade da embriogênese somática tem sido seu uso em
conjunto com a transformação genética, hibridização somática e variação somaclonal, além de
possibilitar o emprego de técnicas não convencionais de melhoramento. Métodos convencionais de
melhoramento podem apresentar uma série de fatores que limitam sua aplicação, tais como a redução

127
do pool gênico, ligação gênica e a incompatibilidade sexual, além de extensivo período para
transferência de caracteres desejáveis para cultivares de interesse. Para superar tais limitações, o
melhoramento de plantas é conduzido em conjunto com as técnicas de engenharia genética e
metabólica, combinando técnicas de biologia molecular, cultura de tecidos e transferência de genes.
Por meio do fenômeno da totipotência, é possível que plantas transgênicas sejam obtidas de células
originalmente transformadas com o DNA exógeno, possibilitando a formação de um organismo
completo, transmitindo o gene integrado à progênie de forma mendeliana. Para tanto, a regeneração
e obtenção de plântulas transformadas só é realizada por meio da cultura de tecidos, sendo a
embriogênese somática uma importante ferramenta para o sucesso da transformação genética.
6) Sementes sintéticas: A produção de sementes sintéticas é possível graças à embriogênese
somática. As sementes sintéticas ou artificiais consistem em embriões somáticos encapsulados
artificialmente, como uma semente verdadeira, podendo ser semeadas e convertidas em plantas, seja
in vitro ou ex vitro, além de reterem esse potencial até mesmo após seu armazenamento. A produção
de sementes sintéticas constitui uma excelente técnica para propagação de híbridos raros, genótipos
de elite, plantas geneticamente modificadas e plantas raras ou ameaçadas de extinção para os quais
as sementes são muito caras ou não estão disponíveis, com isso oferecendo uma alternativa menos
custosa. Outras vantagens do encapsulamento incluem a facilidade de transporte, uniformidade
genética de plantas e semeadura direta ao solo ou em casa de vegetação. Sementes sintéticas também
podem ser produzidas ao longo do ano, enquanto a maioria das espécies arbóreas produz sementes
em determinados meses.
Em suma, a exploração da embriogênese vegetal aplicada à biotecnologia permite grandes
avanços, tanto para o desenvolvimento da ciência básica como para a ciência aplicada. No campo da
ciência básica, o alto grau de similaridade entre os processos de embriogênese zigótica e somática,
constitui uma estratégia de estudo fundamental para elucidação dos mecanismos que controlam a
formação do embrião, bem como sua manipulação para geração de embriões aptos às novas condições
ambientais. Da mesma forma, em ciência aplicada, o sistema de embriogênese somática permite um
alto grau de automatização, produzindo embriões somáticos uniformes e com pureza genética a
baixos custos por unidade produzida, através da utilização de biorreatores.

Referências
George, E.F.; Hall, M.A.; De Klerk, G-J. 2008. Plant propagation by tissue culture, 3ed. Vol 1. The
Background. Springer, 501p.
Guerra, M.P.; Nodari, R.O. 2006. Apostila de Biotecnologia 1 – Cultura de Tecidos Vegetais. Centro
de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina.

128
Raven, P.H.; Evert, R.F.; Eichhorn, S.E. 2014. Biologia Vegetal, 8ed. Guanabara Koogan, 906p.
Steiner, N.; Santa-Catarina, C.; Andrade, J.B.R.; Balbuena, T.S.; Guerra, M.P.; Handro, W.; Floh,
E.I.S.; Silveira, V. 2008. Araucaria angustifolia Biotechnology. Functional Plant Science and
Biotechnology 2:20-28.
Taiz, L.; Zeiger, E. 2013. Fisiologia Vegetal, 5ed. Artmed. 954p.

129
CAPÍTULO 10

Anatomia e desenvolvimento caulinar como subsídio à sistemática das plantas


vasculares

Israel Lopes da Cunha Neto (Universidade de São Paulo)

Introdução
A sistemática vegetal é um ramo da Botânica que engloba conhecimentos sobre morfologia,
classificação, taxonomia e evolução de plantas. Um dos principais objetivos da sistemática é
reconstruir a história evolutiva dos organismos ou filogenia. Os estudiosos dessa área utilizam várias
metodologias a fim de compreender as relações de parentesco entre os diferentes grupos vegetais,
bem como responder questões sobre adaptação, diversificação e evolução. Para tanto, estudar e
conhecer a diversidade morfológica existente nos vegetais é primordial, e isso só é possível por meio
de investigações quanto à origem, desenvolvimento e estrutura desses caracteres, bem como uma
adequada utilização de dados moleculares a fim de determinar quais os caracteres que descendem de
um ancestral comum (homologia). Afinal, o estudo da filogenia só é possível através do estudo de
caracteres homólogos. Nesse sentido, o uso da morfologia dentro da sistemática permite utilizar suas
informações tanto para inferir a história evolutiva de caracteres individuais, como também inferir as
relações de parentesco entre os grupos de plantas. Nesse capítulo, ênfase será dada ao estudo de
características estruturais e do desenvolvimento do caule, e em como essas informações podem
contribuir para a compreensão da diversidade das plantas. Inicialmente faremos uma breve revisão
sobre aspectos da anatomia do caule e, em seguida, apresentaremos como essas informações podem
contribuir para os estudos da sistemática, incluindo alguns estudos de caso.

O caule: desenvolvimento e estrutura


O caule, como os demais órgãos, detém importantes funções e, consequentemente,
características particulares que são essenciais para o funcionamento da planta. Sustentação da parte
aérea (folhas, flores e frutos), translocação (nutrientes, fotoassimilados e hormônios) e acúmulo de
reservas são algumas dessas funções. Anatomicamente, os caules apresentam uma enorme variedade
de tipos celulares e padrões de organização dos tecidos, o que está diretamente relacionado com o
arranjo do sistema vascular, como veremos a partir de agora.
De maneira geral, o caule é constituído pelo sistema de revestimento, tecido fundamental e
tecidos vasculares. Em estrutura primária, o sistema de revestimento é formado pela epiderme
130
(comumente unisseriada), o sistema fundamental que compreende o córtex (formado
majoritariamente por parênquima, colênquima e, às vezes, esclerênquima) e a medula, enquanto o
sistema vascular (formado por vários tipos celulares) compreende os tecidos vasculares, isto é, xilema
e floema (Fig.1).

co

ep
me

fv

Figura 1. Caule em estrutura primária evidenciando os diferentes tecidos. ep = epiderme; co = córtex; fv = feixe
vascular; me = medula.

Sistema vascular: o conceito de estelo e a estrutura primária – O sistema vascular tem


origem ainda em estágios pós-embrionários, sendo o resultado de uma ação coordenada de genes
guiando uma série de divisões celulares ordenadas para determinação do meristema que forma os
tecidos vasculares, o procâmbio. As células procambiais são originadas no meristema apical caulinar
e são responsáveis pela formação de xilema e floema primários durante os primeiros estágios de
desenvolvimento das plantas.
Em estrutura primária, os tecidos vasculares formados a partir do procâmbio não são dispostos
de maneira aleatória no caule. Ao contrário, esses tecidos apresentam uma organização espacial
diretamente ligado aos processos de divisão e polaridade da célula. À organização dos tecidos
vasculares em estrutura primária dá-se o nome de estelo, um conceito estabelecido por van Tieghem
& Douliot em 1886. O estelo denota o sistema vascular como uma unidade (um cilindro central) no
corpo primário da planta, sendo delimitado externamente pelo periciclo (também formado pelo
procâmbio) e situado internamente à endoderme (camada mais interna do córtex – sistema
fundamental).
Existem diferentes tipos de estelo, sendo os tipos básicos o protostelo e o sifonostelo (Fig.
2A-B). O protostelo se caracteriza por um cilindro sólido e central de tecidos vasculares, mais

131
comumente formado de xilema circundado por um anel de floema (Fig. 2A). O protostelo está
presente em todas as raízes, todos os caules de Licófitas, e.g., Selaginella, Lycopodium e em algumas
linhagens de samambaias, como Psilotum. O sifonostelo, por sua vez, se caracteriza pela presença de
um anel de xilema envolvido por um anel externo de floema (sifonostelo ectoflóico, Fig. 2B), ou por
dois anéis, um externo e outro interno (sifonostelo anfiflóico, Fig. 2C), que delimita uma medula no
centro. Além destes padrões, a classificação de estelo ainda apresenta vários subtipos decorrentes de
pequenas variações no arranjo dos tecidos dentro de cada tipo; dentre esses destacam-se, por exemplo,
o dictiostelo, que seria derivado de divisões do sifonostelo anfiflóico (Fig. 2D), ou o sifonostelo
policíclico em que há mais de um anel de unidades vasculares. Os diferentes padrões de sifonostelo
são encontrados em muitas samambaias.

A B C D

E F

Figura 2. Esquemas dos principais tipos de estelo. A. Protostelo. B. Sifonostelo (ectoflóico), com uma medula no centro (branco).
C. Sifonostelo anfiflóico. D. Dictiostelo. E. Eustelo. F. Atactostelo. Vermelho = xilema; Azul = floema.

No caule das gimnospermas e eudicotiledôneas, o tipo de estelo mais comum é o eustelo, que
é uma variação do sifonostelo (Fig. 2C). O eustelo se caracteriza pela presença de vários feixes
vasculares formando um único anel que delimita uma medula no seu interior (Fig. 1 e Fig. 2C). As
monocotiledôneas, em geral, têm um tipo particular de estelo denominado de atactostelo, com feixes
distribuídos aleatoriamente dentro da medula (Fig. 2D), contudo, essa região também é delimitada
externamente por uma endoderme e periciclo. Uma das variações do eustelo é o eustelo policíclico,

132
observado em algumas Magnoliídeas (Piperales) e Eudicotiledôneas (algumas Caryophyllales,
Melastomataceae), o qual se caracteriza como um eustelo em que há a presença de um ou mais anéis
de feixes vasculares imersos na medula (Fig. 9). Dentro do atactostelo, um tipo de variação é
característico de escapos florais de monocotiledôneas sendo denominado monostelo, no qual cada
feixe do que aparentemente se assemelha a um atactostelo possui sua própria endoderme e periciclo
(sendo todos traços foliares).
Nas eudicotiledôneas, o xilema e floema primários dos caules são comumente arranjados em
feixes vasculares que constituem uma subunidade vascular. Esses feixes podem ser de diversos tipos,
sendo um dos mais comuns o feixe colateral, em que xilema se localiza para o interior e o floema
para o exterior, com uma porção de procâmbio entre os dois tecidos (Fig. 3A). Outros tipos de feixes
possíveis são o bicolateral (floema em ambos os lados do xilema, e.g., Cucurbitaceae), anfivasal
(xilema circundando o floema, e.g., Dracaena) e anficrival (floema circundando o xilema, e.g.,
Polypodiaceae, Monilófitas) (Fig. 3B-C).

A B C

fp
pc

xp

Figura 3. Tipos de feixes vasculares. A. Fotomicrografia de feixe colateral. B. Esquema de feixe anfivasal (xilema em
vermelho envolvendo o floema em azul. C. Esquema de feixe anficrival (floema em azul envolvendo o xilema em vermelho).
fp = floema primário; pc = procâmbio; xp = xilema primário.

Em estrutura primária, o xilema e floema constituindo os feixes vasculares são formados


quase que exclusivamente de parênquima e células condutoras – elementos de vaso e/ou traqueídes
no xilema e elementos de tubo crivado ou células crivadas no floema (Fig. 3A-B) e por fibras. Quando
as fibras estão presentes, elas ocorrem no floema, no xilema ou como fibras pericíclicas.
Tanto o xilema como o floema primário podem ser subdivididos quanto ao estágio de
maturação de suas células em relação ao corpo do vegetal. Assim, o protoxilema é a porção do xilema

133
primário que se forma primeiro em regiões da planta que ainda não completaram seu crescimento, e
por isso podem ser obliterados ou colapsados, enquanto o metaxilema se forma posteriormente após
a diferenciação dos tecidos em sua volta (Fig. 4A-B). Além disso, existe diferença também entre os
tipos de espessamentos da parede dos elementos de vaso quando se compara o proto e metaxilema.
Elementos anelados e helicoidais são observados no protoxilema e elementos escalariformes ou
reticulados são vistos no metaxilema (Fig. 4B). De maneira similar, o protofloema ocorre em regiões
ainda em desenvolvimento, o que pode levar suas células estreitas e pouco conspícuas a se colapsarem
(estirar ou obliterar), enquanto o metafloema se diferencia mais tarde, motivo pelo qual suas células
atingem tamanhos maiores, além de serem também mais numerosas (Fig. 3A). Embora existam
algumas diferenças entre esses dois estágios do xilema e floema primários, a sua distinção nem
sempre é tão simples uma vez que eles estão intimamente conectados formando um contínuo.

A B

Figura 4. Corte transversal (A) e longitudinal radial (B) de um feixe colateral (medular) indicando as regiões
aproximadas de protoxilema (px), metaxilema (mx), procâmbio (pc), metafloema (mf) e protoflema (pf). Asteriscos
preto, vermelho e azul representam vasos com espessamento anelado, escalariforme e reticulado, respectivamente.

Esses são apenas alguns dos detalhes que envolvem a complexidade da estrutura primária do
xilema e floema no caule. E quanto ao crescimento secundário? Quais as principais modificações
observadas no sistema vascular?

Crescimento secundário: o câmbio vascular e a formação da madeira e da casca – Nesta


seção vamos tratar principalmente do caule das eudicotiledôneas e magnoliídeas, anteriormente
denominadas “dicotiledôneas”. O crescimento secundário no caule desse grupo de plantas é resultado,
em sua grande maioria, da presença de um único meristema lateral denominado de câmbio vascular.
A atividade continuada desse meristema é o principal responsável pelo crescimento em espessura dos

134
caules, bem como pela formação da madeira, isto é, xilema secundário, e da casca interna, ou floema
secundário. É importante notar que tal novidade evolutiva possibilitou uma gama de novos padrões
morfológicos dos caules, bem como o surgimento de diferentes hábitos (e.g., arbustos, árvores e
lianas), que deu origem inclusive às grandes florestas repletas de plantas que apresentam crescimento
secundário expressivo.
Embora o câmbio vascular seja considerado uma das apomorfias das lignófitas, grupo que
engloba as pteridospermas (samambaias com sementes – extintas), gimnospermas e angiospermas, a
maneira como esse meristema é estabelecido não é um fenômeno universal dentro do grupo.
Diferenças na formação do câmbio e no desenvolvimento do crescimento secundário é decorrente
tanto de diferenças na organização do sistema primário que envolve o tipo de estelo ou organização
do procâmbio, como da própria atividade do câmbio vascular que pode ser regular ou variante (como
será discutido posteriormente). Por outro lado, também é válido lembrar que na história evolutiva das
angiospermas o câmbio vascular foi perdido nas monocotiledôneas e algumas linhagens de plantas
aquáticas, por exemplo.
Em geral, nas espécies com eustelo (como na maioria das eudicotiledôneas) o câmbio vascular
é formado em parte do procâmbio dos feixes vasculares , o qual origina o câmbio fascicular, e em
parte do parênquima localizado entre os feixes vasculares, que por alguns é interpretado como
periciclo e por outros como córtex, sendo responsável pela formação do câmbio interfascicular (Fig.
5).

cf ci

cf
ci

me
Figura 5. Detalhes da formação do câmbio vascular a partir do câmbio fascicular e interfascicular. cf = câmbio fascicular;
ci = câmbio interfascicular; me = medula.

O câmbio é um meristema secundário constituído por células iniciais fusiformes e iniciais


radiais. As iniciais fusiformes normalmente se dividem periclinalmente (paralelo à superfície do
135
órgão) ou anticlinalmente (perpendicular à superfície do órgão) (Fig. 6A). Enquanto as divisões
periclinais adicionam novas células iniciais ou derivadas, as divisões anticlinais adicionam iniciais
que perpetuam o câmbio vascular na circunferência do caule. As células iniciais fusiformes ao se
dividirem formam uma célula mãe de xilema ou floema, enquanto a outra permanece como uma
inicial (Fig. 6B), desse modo o câmbio vascular (ou zona cambial) surge como um grupo ou fileiras
de células cujas derivadas internas se diferenciam em xilema secundário e as derivadas externas
formam o floema secundário (Fig. 6B). Por sua vez, as iniciais radiais se dividem periclinalmente, ou
também no sentido anticlinal, e assim originam os raios vasculares.
No xilema e floema secundário encontramos três tipos de células, incluindo os elementos
condutores (i.e., elementos de vasos e traqueídes no xilema e elementos de tubo crivado no floema),
parênquima e esclerênquima (e.g., fibras e esclereides). Por essa razão, xilema e floema são
considerados tecidos complexos uma vez que são formados por mais de um tipo celular. Em conjunto
essas células formam o sistema axial caulinar, cujas células estão dispostas com o maior eixo no
sentido vertical da planta (Fig. 7A-D).

Figura 6. Esquema da orientação e planos de divisão câmbio do vascular e suas derivadas divisão.

O caule também apresenta um sistema radial, cujas células apresentam o maior eixo no
sentido perpendicular. Esse sistema é formado pelos raios vasculares que são formados
principalmente de células parenquimáticas e/ou esclerenquimáticas (Fig. 7 A-D).
A produção de xilema e floema secundários no caule dos diferentes grupos de plantas pode
resultar em uma gama de padrões decorrentes da variação na ocorrência e/ou organização dos tipos
celulares. Desse modo, é possível identificar uma série de características que podem ser atribuídas a

136
esses tecidos como, por exemplo: presença ou ausência de camadas de crescimento, porosidade dos
vasos, arranjo, frequência e/ou agrupamento dos elementos de vaso, elementos de tubo crivado,
parênquima ou fibras. Compare, por exemplo, as Figuras 7A-B de uma espécie com a de outra espécie
na Figura 8A. Embora não apresentem muitos detalhes é possível perceber algumas características
distintas entre elas. Na primeira espécie (Fig. 7A-B) podemos destacar as seguintes características:
vasos de grande calibre em arranjo solitário e vasos pequenos formando cadeias radias, parênquima
sem arranjo definido e raios largos no xilema e no floema. Na segunda espécie (Fig. 8A), destacam-
se: vasos grandes em múltiplos 2-3 ou formando pequenas cadeias radiais, parênquima tendendo a
formar faixas (regiões claras) e raios finos. Descrições das características do xilema e floema e
secundário realizadas dessa maneira são muito úteis para a organização da variação e diversidade
anatômica em estudos voltados para a sistemática.

A B C

fs
r r
r
fs ca
D

xs
r
xs

Figura 7. Câmbio vascular e seus produtos, indicando os sistemas axial e radial. A. Vista geral do caule em crescimento
secundário. Note o alargamento do raio na região do floema. B. Zona cambial: as derivadas internas se diferenciam em
xilema secundário e as derivadas externas em floema secundário. Observe também os vasos de grande calibre associados
com vasos pequenos. C. Corte longitudinal tangencial evidenciando o arranjo dos raios vasculares. D. Corte longitudinal
radial, evidenciando os raios vasculares composto de células eretas e quadradas. ca = câmbio; fs = floema secundário; r
= raio; xs = xilema secundário.

137
Padrões anatômicos do caule (variações cambiais)

Como visto anteriormente, os caules das eudicotiledôneas, em geral, apresentam o


crescimento secundário como resultado da atividade de um câmbio vascular que produz xilema para
o interior e floema para o exterior em taxas regulares (Fig. 8A). Esse crescimento que origina
quantidades aproximadamente constantes de xilema e floema secundário resultando em caules com
conformação circular é dito crescimento regular ou usual. Entretanto, entre os diferentes grupos de
plantas existem algumas espécies que apresentam diversas configurações vasculares alternativas, o
que tem sido denominado de variações cambiais (Fig. 8B-D).

A B C D

Figura 8. Padrões anatômicos caulinares. A. Caule regular. B-D. Variações cambiais. B. Xilema interrompido por
cunhas de floema (seta amarela), formado por câmbio único. C. Câmbios sucessivos (múltiplos câmbios). D. Cilindro
vascular composto (múltiplos câmbios).

Variações cambiais são, portanto, arquiteturas caulinares que diferem do padrão regular de
crescimento secundário e que geram uma enorme diversidade anatômica no sistema vascular de
caules (e raízes). Embora ocorra em espécies autossuportantes (i.e., ervas, arbustos e árvores), as
variações cambiais são encontradas principalmente em linhagens de plantas que contém lianas ou
plantas escandentes.
O processo que leva à formação da variação cambial é distinto entre os diferentes padrões
(especialmente quanto à origem), ou mesmo dentro de um mesmo padrão ocorrendo em diferentes
táxons. De maneira geral, as variações cambiais podem ser classificadas em dois grandes grupos: a)
aquelas derivadas de um único câmbio e b) as que se formam com o surgimento de dois ou mais
câmbios. No primeiro caso, as variações cambiais podem incluir a presença de um único câmbio
produzindo caules com conformações irregulares (e.g., Apocynaceae, Fabaceae, Convolvulaceae), ou
um único câmbio com atividade desigual em diferentes porções do caule sem alterar sua conformação
circular (e.g. xilema interrompido por cunhas de floema – Bignoniaceae, Malpighiaceae) (Fig. 8B).

138
Outros tipos de variações dentro desse grupo são o floema interxilemático (e.g., Acanthaceae,
Gentianaceae), floema intraxilemático (e.g., Combretaceae, Convolvulaceae), e os caules em que os
elementos axiais do xilema e floema são divididos por raios muito largos (e.g., Aristolochiaceae). No
segundo caso, a presença de múltiplos câmbios pode ocorrer na forma de câmbios sucessivos, como
em várias plantas em diferentes famílias e ordens (e.g., Menispermaceae, Fabaceae, e várias famílias
dentro de Caryophyllales) (Fig. 8C), ou pela formação de vários câmbios que produzem um caule
compreendendo cilindros vasculares periféricos conectados ao cilindro central. Esses padrões são
notadamente encontrados nos caules compostos (Fig. 8D), cordado ou dividido que são observados
em muitas espécies da família Sapindaceae.
Algumas variações cambiais são específicas de certos táxons, permitindo a identificação dos
seus representantes em diferentes famílias de plantas baseado somente na anatomia do caule. Esse é
o caso, por exemplo, de variações cambiais encontrados em lianas da tribo Paullinieae (Sapindaceae),
ou o padrão de xilema interrompido por cunhas de floema (com suas variações) como encontrado nos
representantes da tribo Bignonieae (Bignoniaceae). Nesse sentido, estudos sobre a diversidade de
variações cambiais em caules de lianas têm se tornado uma interessante fonte de informações
anatômicas como subsídio à sistemática de plantas. Além disso, o estudo das variações cambiais em
um contexto filogenético torna possível conhecer as etapas do desenvolvimento que levaram à
evolução dos diferentes padrões, o que torna possível identificar possíveis processos evolutivos
responsáveis pela geração de tão grande diversidade morfológica. Um exemplo de estudo como esse
foi desenvolvido para lianas da família Bignoniaceae por Pace e colaboradores (2009).
Além das variações cambiais, a anatomia do caule das lianas apresenta diversas características
convergentes, as quais em conjunto têm sido denominadas de síndrome vascular lianescente. Nesse
conceito, as principais características do xilema secundário das lianas são: variações cambiais,
dimorfismo de vasos, isto é, co-ocorrência de vasos de grande calibre associados a vasos de diâmetro
muito pequeno (Fig. 7B), raios altos e largos, os quais são geralmente heterocelulares e maior
frequência de parênquima em detrimento da presença de fibras. Em paralelo, o floema das lianas
também apresenta várias características relacionadas à síndrome lianescente, tais como: elementos de
tubo crivado de maior diâmetro, poros mais largos nas placas crivadas, raios altos e largos (Fig. 7A),
heterogêneos e dimórficos. Esse conjunto de características pode ser observado na maioria das lianas
independente do grupo taxonômico.

139
Como a anatomia pode subsidiar estudos voltados para a taxonomia e filogenia?

Em muitos grupos de plantas, filogenias baseadas em dados moleculares têm resultado em


relações evolutivas (topologias) muito consistentes sobre as quais é possível interpretar a evolução
de caracteres morfológicos. Embora a obtenção de dados moleculares (sequências de DNA) e a
geração de árvores filogenéticas tenha se tornado uma ferramenta fundamental e de mais fácil
obtenção nos últimos anos, a interpretação de caracteres morfológicos em um contexto evolutivo
muitas vezes implica na necessidade de estudos de desenvolvimento e estruturais (anatômicos). Além
disso, a definição de caracteres e estados de caracteres para o estabelecimento de homologias
(hipóteses sob as quais as relações filogenéticas são construídas) é um processo subjetivo e ambíguo
em vários casos, e requer, muitas vezes, uma avaliação da morfologia dos organismos a fim de
estabelecer um contexto evolutivo adequado.
Estruturalmente, os caules apresentam uma variedade de formas e outras características
biomecânicas, o que está diretamente relacionado com a organização interna dos tecidos vegetais.
Diante dessa complexidade, algumas das características mais bem estudadas são aquelas relacionadas
à diversidade no arranjo de células e tecidos compondo o sistema vascular no caule. Existe uma
infinidade de características da madeira (xilema secundário) e da casca (floema secundário +
periderme) que podem ser potencialmente informativos e, portanto, utilizados em estudos voltados
para a sistemática e filogenia. Essa riqueza de informações deve-se, em especial, pela complexidade
desses tecidos, isto é, são tecidos constituídos por diferentes tipos celulares, cujo arranjo, distribuição,
organização e frequência pode ocorrer em diferentes níveis. Dessa maneira, análises mais amplas
envolvendo muitas espécies, ou mesmo um pequeno número de espécies em níveis taxonômicos mais
restritos podem ser decisivos para a compreensão das relações entre clados ou para esclarecer o
caminho evolutivo de tais morfologias.
Quais características podem ser utilizadas? À priori, qualquer característica pode ser
informativa e, portanto, poderá ser utilizada em estudos taxonômicos ou filogenéticos. Entretanto, a
escolha dos caracteres que serão utilizados em uma matriz de dados deve ser realizada à posteriori,
a partir de uma análise detalhada dos táxons em estudo. Quanto mais conhecimento se tem a respeito
da morfologia, estrutura e desenvolvimento, dos táxons a serem investigados, mais fácil e mais
coerente poderemos delimitar os caracteres com os seus respectivos estados de caráter.

140
Estudos de caso

Como já mencionado, estudos abordando a anatomia caulinar podem prestar importantes


informações como subsídio à sistemática vegetal. Exemplos desses estudos podem ser encontrados a
partir de características tanto do sistema primário como secundário. A seguir veremos alguns
exemplos incluindo três situações distintas: a) sistema vascular primário; b) sistema vascular
secundário – variações cambiais; e c) análises de dados morfológicos + dados moleculares.

Sistema vascular primário, tipos de estelo – Imagine que em seu grupo de estudo você encontra duas
espécies dentro de um gênero as quais apresentam distribuição disjunta (uma ocorrendo na América
do Norte e outra ocorrendo na América do Sul, por exemplo). Além disso, os dados morfológicos,
vegetativos e reprodutivos, não são satisfatórios para determinar se elas são a mesma espécie, espécies
distintas ou mesmo se seria uma espécie com duas subespécies. Ao fazer uma análise exploratória da
anatomia do caule você observa que ambas apresentam feixes medulares (eustelo policíclico) (Fig.
9).

A B

Figura 9. Diferenças no número e arranjo dos feixes medulares em duas espécies com eustelo policíclico. A. Espécie
com 8 feixes medulares dispostos em anel. B. Espécie com mais de 20 feixes medulares dispostos em mais de um anel.

Entretanto, em uma análise mais detalhada da anatomia você nota que o número e arranjo dos
feixes medulares é diferente entre os dois táxons. Enquanto um dos táxons apresenta um número de
oito feixes formando um único anel (Fig. 9A), o outro apresenta cerca de 20 feixes arranjados em 2
ou 3 anéis (Fig. 9B). Uma vez constatada a regularidade dessas diferenças, o caráter “ocorrência de
feixes medulares” com seus respectivos estados de caráter poderia ser facilmente utilizado em uma

141
análise sistemática desse grupo. Nesse caso, a análise dos dados provavelmente corroboraria a
hipótese de que os dois táxons são entidades distintas.
Agora, você pode estar imaginando que esse é um exemplo muito simples e que o uso da
anatomia do caule como subsídio aos estudos taxonômicos e filogenéticos seja muito limitado. De
fato, limitações existem. Entretanto, mesmo o uso de informações como foi apresentado
anteriormente podem ser úteis e, na verdade, já foram muito importantes para a sistematização da
diversidade e evolução do sistema vascular entre os grandes grupos de plantas (e.g., “pteridófitas”
[licófitas + monilófitas], gimnospermas e angiospermas).
Sabe-se que, na história evolutiva das plantas vasculares (“pteridófitas” [licófitas +
monilófitas] + gimnospermas + angiospermas), o sifonostelo pode ter surgido como uma
sinapomorfia das eufilófitas (Fig. 10), seguido por uma evolução secundária do sifonostelo policíclico
na ordem Maratiales (Simpson, 2010).
Além disso, enquanto o eustelo teria evoluído como uma apomorfia do sistema vascular
primário nas espermatófitas (gimnospermas + angiospermas), o atactostelo, que é o padrão
encontrado nas monocotiledôneas, também seria considerado uma apomorfia deste grupo (Simpson,
2010). Por outro lado, sabe-se pelo registro fóssil que o protostelo foi o primeiro padrão de estelo
formado nas plantas vasculares, sendo encontrado nas riniófitas (fóssil), e que sua presença, portanto,
em raízes e nas licófitas representa uma simplesiomorfia (Simpson, 2010). A presença de protostelo
em Psilotum (Monilófita), por sua vez, representa uma nova evolução (apomorfia), portanto, é
errôneo referir-se a essas plantas como fósseis vivos.

142
Figura 10. Filogenia das plantas vasculares (traqueófitas). Traços amarelos indicam a evolução dos
caracteres. (Modificado de Simpson, 2010).
Crescimento secundário e variações cambiais – A diversidade nos tipos de variações cambiais em
caules, principalmente caules de lianas, tem oferecido interessantes possibilidades para estudos
anatômicos e de desenvolvimento. Dentre os grupos de lianas contendo variações cambiais, a família
Sapindaceae é uma das mais diversas, quer seja pelo número de arquiteturas caulinares ou pela
complexidade e beleza dos padrões encontrados (Fig. 8B-C). Atualmente, são reconhecidos oito tipos
de variações cambiais nas lianas da família. A grande diversidade de arquiteturas caulinares de
Sapindaceae tem chamado a atenção de botânicos desde o século 19 com os trabalhos de Schenck
(1893), um pesquisador alemão que estudou várias famílias de plantas aqui do Brasil. O incrível
trabalho desse autor foi um dos primeiros a sistematizar a diversidade de variações cambiais para
Sapindaceae. Nessa obra, Schenck reportou a existência de cinco tipos de variações cambiais para
Sapindaceae (caule lobado, composto, cordado, dividido e fissurado). Dentro do tipo cordado, o autor
discute sua ocorrência como um tipo prevalente em espécies do gênero Thinouia, mas ao mesmo
tempo ele menciona algumas espécies de Paullinia que teriam um tipo de variação cambial similar,
mas que, ao mesmo tempo, não se encaixava perfeitamente ao que era observado nas Thinouia. A
distinção entre os tipos de variação cambial presente nessas espécies de Sapindaceae permaneceu
pouco explorado por mais de um século, até que elas foram reestudadas sob uma análise ontogenética
por diferentes autores (Fig. 11). A partir dessas análises foi possível identificar que a variação
presente nas referidas espécies de Paullinia na verdade se trata do padrão denominado ‘câmbios que
é inclusive um dos tipos de variações cambiais mais comuns dentre as linhagens de plantas, ocorrendo
inclusive em gimnospermas (i.e., Gnetum). Além da determinação de mais um padrão de variação
cambial para a família, os estudos recentes também confirmaram que, dentro de Sapindaceae, os
gêneros Paullinia e Serjania são os mais diversos em termos de número de variações cambiais, com
7 e 4, respectivamente, e que Serjania é o único contendo todos os tipos de variação já registrados
para a família. Para a sistemática, Serjania ainda se destaca por ser o único que apresenta espécies
com o padrão ‘cilindro vascular dividido’ (Fig. 11C), que é restrito a um complexo incluindo apenas
oito espécies do gênero.

143
A B C

Figura 11. Variações cambiais em Sapindaceae. A. Cilindro vascular cordado. B. Câmbios sucessivos. C. Cilindro
vascular dividido. Fotos A & C por Robson G. Silva; Foto B retirado de Cunha Neto et al., 2018.

O estudo da variação cambial em lianas da tribo Bignonieae (Bignoniaceae) realizado por


Pace et al. (2009) é um ótimo exemplo de como informações da anatomia e desenvolvimento dos
padrões de crescimento secundário podem ser úteis para compreensão da diversidade e evolução da
morfologia dos caules. Desde muito tempo, as lianas dessa família são reconhecidas por apresentarem
uma arquitetura caulinar conhecida por alguns por formar uma cruz de malta (Fig. 8A). Esse padrão
é denominado de xilema interrompido por cunhas de floema, sendo considerado uma sinapomorfia
para a tribo Bignoniae, que inclui a maioria das lianas da família (Pace et al., 2009). As cunhas de
floema nos representantes de Bignonieae apresentam um tipo básico caracterizado por 4 cunhas
equidistantes, que se alternam às folhas decussadas, e algumas variações desse tipo em que ocorrem
várias cunhas em múltiplos de quatro (Pace et al. 2009). A integração dos dados de ontogenia com a
filogenia do grupo possibilitou caracterizar tanto as mudanças evolutivas desses padrões dentro do
grupo, como também identificar os mecanismos de desenvolvimento que levaram à evolução desses
padrões (Pace et al., 2009).

Anatomia da madeira + reconstruções filogenéticas – No contexto da sistemática moderna – que se


baseia amplamente em métodos moleculares – características morfológicas, incluindo dados
relacionados à anatomia da madeira e da casca, tem sido amplamente utilizadas dentro de um contexto
filogenético (ou molecular). Nesse sentido, duas abordagens principais podem ser identificadas: i)
reconstrução filogenética – em que dados morfológicos (ou anatômicos) podem ser utilização para
reconstruir as relações entre os táxons, e ii) reconstrução de estados de caracteres ancestrais – que
significa plotar os dados morfológicos em uma filogenia a fim de investigar como os caracteres
mudaram dentro grupo (evolução de caracteres). Embora a primeira abordagem tenha sido utilizada
em alguns estudos de anatomia da madeira, sua aplicação é um tanto limitada frente ao potencial dos
dados moleculares disponíveis para atingir os mesmos resultados esperados (reconstrução
filogenética). Esse cenário foi percebido no trabalho de Lens e colaboradores (2007), por exemplo.
Ao tentar reconstruir as relações de parentesco dentro da ordem Ericales usando somente dados de
anatomia da madeira, os autores encontraram topologias conflitantes ou com pouca sustentação.
144
Entretanto, quando a análise foi feita com uma seleção mais refinada dos dados a natômicos (para
retirar informações ambíguas) e estes foram associados aos dados moleculares, eles encontram
topologias muito melhores, inclusive se comparado às análises realizadas somente com os dados
moleculares. Estas inconsistências se devem em parte pela limitação do número de caracteres que
podem ser extraídos da morfologia, e em parte pela ampla quantidade de ruídos dos dados da anatomia
da madeira como consequência da correlação com condições ecológicas ou do hábito das plantas.
Desse modo, fica claro que aquelas características muito sensíveis aos fatores ambientais
podem ser menos informativas para a sistemática, embora a posição onde as amostras são retiradas
no corpo vegetal (e.g., a altura ao longo do caule) também influencie nessas variações. Apesar disso,
é importante destacar que os dados morfológicos são fundamentais para uma interpretação adequada
das relações filogenéticas obtidas somente por meio de dados moleculares e, em verdade, a utilização
do maior número de caracteres diferentes (e.g., morfológicos, ultraestruturais, moleculares) é uma
metodologia adequada e/ou mesmo desejável.
Por outro lado, a segunda abordagem (reconstrução de estados de caracteres ancestrais) tem
sido cada vez mais utilizado na literatura científica, e com grande sucesso. De maneira particular,
essa abordagem permite identificar quando ou quantas vezes em uma filogenia surgiu uma
determinada característica e assim verificar o padrão de evolução dos caracteres dentro do grupo (Fig.
12). Vejamos um exemplo. Na Figura 12, temos a reconstrução dos diferentes tipos de hábito para a
família Nyctaginaceae. Para essa reconstrução, o caráter “hábito” foi otimizado em quatro estados de
caractere, a saber: i) herbáceo/subarbustivo; ii) arbustivo/arbusto-escandente; iii) arbóreo; e iv)
lianescente.

Erva / subarbusto
Arbusto / arbusto-escandente
Liana
Árvore

145
Figura 12. Reconstrução de estados de caracteres ancestrais de hábito para Nyctaginaceae. A filogenia foi reconstruída
com dados moleculares utilizando Inferência Bayesiana, e a evolução dos hábitos foi estimada por Máxima
Verossimilhança.
A reconstrução dos estados de caracteres ancestrais da Figura 12 indica que o ancestral das
Nyctaginaceae tinha hábito arbustivo/arbusto-escandente. Ao longo da evolução, o hábito arbóreo
surgiu pelo menos duas vezes, nas tribos Leucastereae e Pisonieae. O hábito herbáceo surgiu
provavelmente uma vez, no ancestral das tribos Nyctagineae e Colignonieae, enquanto o hábito
lianescente teria surgido múltiplas vezes, incluindo Cryptocarpus, Colignonia, Commicarpus,
Pisoniella e Pisonia. Desse modo, é possível notar que os hábitos encontrados em Nyctaginaceae
representam, na maioria dos casos (e.g., hábito arbóreo, lianescente), evoluções convergentes
(homoplasias), uma vez que surgiram independentemente mais de uma vez na história evolutiva do
grupo.
Adicionalmente ao que foi apresentado anteriormente, quando dados ontogenéticos são
conhecidos, estes também podem ser plotados na filogenia, o que torna possível conhecer as etapas
do desenvolvimento que levaram ao surgimento de determinada estrutura (e.g., um tipo de
parênquima, uma variação cambial). As mudanças impostas à trajetória ontogenética através de
distintos mecanismos de desenvolvimento são responsáveis pela grande diversidade morfológica dos
organismos. Nesse sentido, a interpretação de dados ontogenéticos em um contexto filogenético
permite uma melhor compreensão da diversificação morfológica dos organismos, uma vez que o
desenvolvimento é o processo que resulta nas formas adultas. Nesses casos, além do padrão de
evolução (e.g., homoplasias, reversões, homologias) é possível inferir tanto os processos de
desenvolvimento responsáveis pelas mudanças evolutivas, como também responder perguntas sobre
a diversificação e evolução desses organismos. A disciplina que se dedica ao estudo dos processos
envolvidos na geração de diversidade morfológica dos organismos é conhecida como ‘evolução do
desenvolvimento’ (evo-devo).

Considerações finais

Como visto anteriormente, xilema e floema secundários são produtos de um único meristema,
o câmbio vascular. Além de serem tecidos complexos (vários tipos celulares), o xilema e floema
apresentam uma grande diversidade de padrões, o que tem sido útil não somente para o conhecimento
da estrutura interna e funcionamento, mas também para o conhecimento da grande diversidade
morfológica de plantas. Mas, como se deu a evolução do xilema e floema ao longo da história

146
evolutiva dos vegetais? Em verdade, não há um modo único pelo qual um tipo de parênquima, arranjo
dos vasos ou tipos de variação cambial tenham evoluído. O fato é que, as diferenças encontradas nos
tecidos vasculares são resultado não somente de processos evolutivas ou de restrições filogenéticas,
mas também de adaptações aos fatores do ambiente e do hábito das plantas. Assim, se por um lado a
interação entre esses elementos torna a evolução do sistema vascular um fenômeno muito complexo,
por outro lado o estudo dessa diversidade se torna uma atividade ao mesmo tempo intrigante e muito
empolgante aos seus simpatizantes que se dedicam a estudá-la.

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148
CAPÍTULO 11

Transporte de água em plantas: da anatomia às funções do xilema

Caian Souza Gerolamo (Universidade de São Paulo)

Breve histórico
As plantas exercem múltiplos serviços ecossistêmicos, entre eles, fornecem matéria prima para
construção, combustíveis, alimentação e contribuem como reguladores das condições ambientais
naturais. Entre os serviços ecossistêmicos de regulação ambiental, as plantas são capazes de
remobilizar a água do solo para a atmosfera, promovendo melhoras nas condições térmicas, aumento
da umidade do ar e contribuindo com a dinâmica de massas de ar no planeta.
Um dos primeiros modelos descritivos do transporte de água por plantas foi fundamentado na
capilaridade, fenômeno físico registrado por Leonardo da Vinci (1452 – 1519) e que ficou mais
conhecido pelo químico irlandês, Robert Boyle (1627 – 1691) em 1660. Tal fenômeno permite que a
água, no interior de um tubo fino, seja transportada a uma certa altura relativa ao diâmetro do tubo.
No entanto, essa força de capilaridade não seria suficiente para transportar água a grandes alturas
como é verificado em árvores de mais de 10 metros de altura, pois os elementos condutores podem
variar de 10 a 400 µm e com isso a coluna de água alcançaria no máximo 3 metros de altura. Na
mesma época, Nehemiah Grew (1628 - 1711) e Marcello Malpighi (1628 - 1694), iniciaram os
estudos de anatomia vegetal, descrevendo os tecidos vasculares, os tipos celulares e propondo
modelos de circulação nas plantas, o que viria complementar o entendimento do transporte vertical
de água nas plantas.
Stephen Hales (1677 – 1761), em seu livro Vegetable Statics de 1727, foi um dos primeiros a
registrar experimentos sobre a capacidade de condução de água pelas plantas, além de ter descrito a
maior demanda de absorção de água pelas plantas comparado aos animais e ter reconhecido a
existência de pressão da raiz em algumas plantas, mas que esta não é suficiente para transportar água
até as folhas. Além disso, Hales sugeriu a importância da transpiração foliar para o transporte hídrico
e indicou a existência da relação direta do transporte hídrico com o diâmetro dos elementos
condutores.
Nas raízes de algumas plantas, podemos notar que há um influxo de água ativo (com gasto de
energia) após o fechamento dos estômatos, por onde as plantas realizam as trocas gasosas nas folhas,
podendo gerar uma pressão positiva na raiz que permite a ascensão da água da raiz ao caule até uma
certa altura. Uma evidência da pressão positiva das raízes é a gutação (formação de gotas de água)
149
que podemos visualizar na margem foliar de algumas espécies, em condições climáticas favoráveis.
A pressão positiva nas raízes foi sugerida por Priestley em 1916 como um possível mecanismo que
explicaria por completo o transporte de água nas plantas. Contudo os experimentos realizados na
época refutaram essa hipótese, pois não há evidências que a pressão positiva possa ser suficiente para
o transporte de água a grandes alturas e nem que todas as plantas possam ter pressão positiva. Além
disso, as plantas são capazes de transportar água mesmo sem raízes, como demonstrado por Hales em
experimentos conduzidos em 1727, pois havendo conexão do caule com água e na outra extremidade
ramos com folhas que estejam transpirando, o transporte ascendente é realizado de maneira passiva.
Em 1891, Strasburger, contemporâneo dos cientistas Irlandeses, Dixon e Joly, que postularam
a teoria aceita até hoje sobre a ascensão da seiva no xilema, em 1894, demostrou que a seiva é
transportada por uma coluna continua de água, da raiz até as folhas, em alguns elementos condutores
do xilema, enquanto que outros elementos condutores transportavam ar. Além disso, em 1893, o
botânico Austríaco, Josef Anton Bohm, um pouco antes de falecer, descreveu que a força entre as
moléculas de água seria suficiente para manter a integridade da coluna de água apesar das tensões
(i.e. pressão negativa) envolvidas no interior dos elementos condutores, sugerindo a existência de
pressões negativas no xilema. Bohm, também indagou a importância da capilaridade no transporte de
água, mas como já discutido, devido ao diâmetro das células condutoras encontrado nas plantas, esse
mecanismo não seria suficiente para explicar o transporte de água nas plantas.

Mecanismo de condução de água em plantas


Segundo a teoria mais aceita (Teoria da tensão e coesão), proposta por Dixon e Joly (1894),
complementada por Dixon (1914), o transporte de água nas plantas ocorre devido a um gradiente de
pressão negativa (i.e. tensão) criado ao longo do continuo solo-planta-atmosfera que estabelece uma
força de tensão suficiente para que, conjuntamente com a transpiração realizada nas folhas, as
moléculas de água coesas e aderidas no interior dos elementos condutores no xilema, dispostas como
um “cordão”, possam ser puxadas da raiz para as folhas. Assim, para cada molécula de água perdida
na transpiração, uma molécula adjacente, presente na coluna de água formada no interior dos
elementos condutores, é transportada de forma passiva pelo gradiente de pressão. Essa força de tensão
transmitida ao longo da coluna de água contínua, permite um influxo de água do solo para as raízes.
Nas raízes a água é transportada pelos espaços da parede vegetal das células do córtex (via apoplasto)
e por dentro das células (via simplasto) até chegarem às células condutoras do xilema. Através do
xilema, a água é transportada da raiz para o caule e pôr fim do caule para as folhas que, com a
transpiração, é liberada para a atmosfera (Fig. 1).

150
Além do gradiente de pressão, quando o movimento do soluto é restrito ao movimento da água
(i.e. através das membranas celulares semipermeáveis), a água se move de acordo com o potencial
químico, dado pelo gradiente osmótico. De tal modo, a diferença de potencial osmótico também pode
contribuir com o fluxo de água do solo para as células radiculares ou de uma célula para outra. Na
ausência de transpiração, as forças do gradiente osmótico determinam o fluxo de água. De forma
resumida, a associação do potencial de pressão e do potencial osmótico determina o potencial hídrico,
que controla o movimento da água nas plantas, sendo que o movimento da água é direcionado
passivamente pela diferença de potencial hídrico, indo de potenciais hídricos menos negativos para
os mais negativos (Fig. 1).

Figura 1. Representação do transporte hídrico em plantas com base na teoria de tensão e coesão. Esquema de uma planta,
mostrando a conexão solo  raiz  caule  folha  atmosfera. A água é transportada pelo tecido xilemático ao longo
desse contínuo devido ao gradiente de pressão hídrica estabelecido quando os estômatos (células especializadas em trocas
gasosas) estão abertos e há transpiração foliar e consequentemente as trocas gasosas. Note os esquemas das secções
transversais de uma raiz, caule e folha evidenciando os tecidos descritos na legenda. Na raiz o transporte radial da água
absorvida é feito via simplasto (passando por dentro das células) e apoplasto (passando apenas pela parede vegetal). Note
que a água se mantém aderida e coesa no interior dos elementos condutores do xilema, devido às propriedades de adesão
e coesão das moléculas de água.
151
Portanto sabemos que a capilaridade e a pressão positiva da raiz não são mecanismos suficientes
para explicar o transporte de água em plantas, tendo como teoria mais atual o modelo proposto por
Dixon e Joly (1894), que curiosamente foi relatado de maneira independente por Eugen Askenasy
(1845-1903). A teoria denominada de Tensão e coesão parte do princípio de que há uma comunicação
no contínuo solo-planta-atmosfera. Essa comunicação entre o solo e a atmosfera é feito através do
tecido responsável pelo transporte de água e sais minerais nas plantas denominado de xilema (Fig.
2). Mais especificamente, a água é conduzida no xilema pelo interior dos elementos condutores
(elementos tranqueais), presentes na raiz, caule e folhas, por diferença de potencial hídrico criado
com a abertura dos estômatos e consequentemente com a transpiração.

Figura 2. Modelo do tecido xilemático em seus três planos e dos tipos celulares presentes nesse tecido. (A) representação
dos três planos do xilema secundário de uma planta, note a presença de diferentes tipos celulares, incluindo elementos
condutores, fibras e parênquima. (B) representação dos tipos celulares do xilema secundário. Note as diferenças das placas
de perfuração e da presença de pontoações intervasculares areoladas nos vasos, traqueídes e algumas fibras
(fibrotraqueides). (C) Fotomicroscopia dos planos de vista transversal, longitudinal tangencial e longitudinal radial do
xilema secundário da espécie Handroanthus ochraceus (Bignoniaceae).

152
O tecido xilemático
Os elementos condutores do xilema são células mortas na maturidade (sem núcleo entre outras
organelas) com deposição de parede secundária composta majoritariamente por lignina.
Adicionalmente, além dos elementos condutores, o xilema, produzido pelas planta s vasculares, é
composto por fibras e células parenquimáticas (radiais e axiais), estruturando esse tecido complexo
que pode ser visto em três dimensões possíveis: transversal, longitudinal tangencial e longitudinal
radial (Fig. 2). As fibras também mortas na maturidade (exceto fibras septadas e gelatinosas) e as
células parenquimáticas, vivas na maturidade, ambas com deposição de parede secundária lignificada,
estruturam a matriz em volta dos elementos condutores no xilema. Essa composição tecidual (Fig.
2B) é revelada em uma grande diversidade de arranjos e dimensões dos tipos celulares xilemáticos
nas plantas como um todo, otimizando ou reduzindo as múltiplas funções que esse tecido exerce
como: condução hídrica (elementos condutores), armazenamento (parênquima) e sustentação
mecânica (fibras) (Fig. 3).

Figura 3. Modelo triangular relacionado a anatomia do xilema com as múltiplas funções exercidas nas plantas. Os
tipos celulares com diferentes cores descritas na legenda. Note as diferentes dimensões dos vasos, espessura das
paredes celulares e concentração de parênquima e fibras. Vasos estão relacionados ao ganho em condutividade,
parênquima está relacionado ao transporte radial e armazenamento de substâncias e as fibras são células responsáveis
pela resistência mecânica.

153
Nas plantas vasculares, os elementos condutores, ou elementos traqueais, podem ser de dois
tipos: traqueídes e elementos de vaso (Fig. 2B e Fig. 4). As traqueídes presentes nas Licófitas,
Monilófitas, Gminospermas e algumas Angiospermas, possuem em seu interior e nas extremidades,
pontoções intervasculares areoladas com uma modificação na membrana da pontoação chamada de
toros e margo (Fig. 4B), sendo essas estruturas as responsáveis pela comunicação intercelular das
traqueídes. As traqueídes são associadas, concomitantemente, às funções de condução e sustentação
do corpo vegetal. Os elementos de vaso, presentes na maioria das Angiospermas, apesar de possuírem
pontoaçoes intervasculares areoladas em seu interior, são formadas por placas de perfuração nas
extremidades (Fig. 2B e Fig. 4C). Contudo, quando há a associação de vários elementos de vaso, há
a formação de um vaso condutor (Fig. 4D) e em suas extremidades, isto é, nas paredes terminais dos
vasos, a comunicação é feita por pares de pontoações intervasculares (Fig. 4E e Fig. F). Assim, a água
passa obrigatoriamente pelo lume das células, atravessa as placas de perfuração e, por fim, atravessa
os pares de pontoações. Os elementos de vaso são considerados células especializadas na condução,
enquanto que as fibras e as células parenquimáticas são relacionadas, respectivamente, às funções de
sustentação e reserva. Independentemente da diversidade anatômica nas plantas, o xilema exerce
múltiplas funções, e entre elas, a de condução de água em termos de eficiência e segurança hídrica
são essenciais para garantir a hidratação dos tecidos e a produção da matéria orgânica formada na
fotossíntese.

Eficiência e segurança hídrica


A eficiência condutiva é relativa a maior ou menor capacidade de transportar água com base na
área foliar ou área de xilema de cada espécie. Para calcular empiricamente a eficiência condutiva,
podemos medir o fluxo de água dado pela diferença de pressão (condutância) em um segmento
caulinar, multiplicar pelo comprimento da amostra e dividir pela área de xilema, inferindo a
condutividade especifica xilemática (Ks). Podemos ainda relacionar a eficiência condutiva com o
potencial de condutividade hídrica estimado, com base na lei de Hagen-Poiseuille, que determina
uma relação direta da condutividade com a quarta potência do raio de cada elemento condutor. Sendo
assim, se os diâmetros relativos a dois vasos são 2 e 4, os volumes relativos ao fluxo de água
transportado, em condições semelhantes, seriam 16 e 256, respectivamente. Alguns modelos foram
propostos para o potencial de condutividade (Kp - Kg.m.Mpa -1.s-1) entre eles a Equação 1, descreve
essa relação levando em consideração o diâmetro hidráulico dos vasos (D h - m) e a frequência dos
vasos (Fv – vasos por mm²) no tecido xilemático.

154
Figura 4. Representação e detalhes dos elementos condutores: traqueídes e elementos de vaso. (A) Traqueídes unidas
nas extremidades em vista longitudinal e transversal. (B) Detalhe do par de pontoação intervascular areolada formada
entre as duas traqueídes. Note a pontoação intervascular em vista frontal e em secção. A membrana da pontoação nas
traqueídes é diferenciada com a formação dos toros e da região envolta do toro chamada de margo. (C) Esquema do
elemento de vaso com detalhes das pontoações intervasculars areoladas. (D) Esquema, em vista longitudinal, da
formação de vasos condutores (junção de elementos de vaso) e da comunicação entre os vasos condutores pelos pares
de pontoações intervasculares areoladas. (E) Vasos adjacentes em vista transversal com detalhe das pontoações
intervasculares no interior. (F) Detalhe das pontoações intervasculares areoladas dos elementos de vaso.

πpw
∗ Kp = ( ) . Fv . Dh4
128𝞰

Equação (1)
Equação 1: *Pw = densidade da água a 20°C (998.2 kg.m -3); η viscosidade da água a 20°C (1.002
10-3 Pa.s-1). Para mais detalhes consultar Poorter et al. (2010).

Como o transporte de água é realizado sob pressões negativas no interior dos vasos, é sabido
que a água torna-se metaestável, ou seja, ela pode rapidamente mudar de estado físico, sendo comum
a formação de bolhas no interior dos elementos condutores. A formação de bolhas é denominada
cavitação e quando essas bolhas se expandem obstruindo um vaso, os elementos condutores tornam-
se embolisados. A formação de bolhas de ar nos vasos condutores já é discutida desde o princípio da

155
fisiologia de plantas (Hales 1727) e sabemos que a formação de bolhas de ar, obstruindo os elementos
condutores é prejudicial para a condutividade e consequentemente para a sobrevivência das plantas.
Quanto maior o estresse hídrico do ambiente maior a propensão de embolismo nas plantas, assim, em
áreas muito secas ou com períodos de congelamento, as plantas que sobrevivem nesses ambientes são
mais propensas a embolismos. Associado a isso, quanto mais propensa a formação de embolismos
uma espécie é, devido a sua própria estrutura anatômica, menos segura (i. e. mais vulnerável) ao
embolismo é considerada, o que a torna menos tolerante aos estresses hídricos ambientais.
Uma forma de avaliar a segurança hidráulica das espécies é construindo a curva de
vulnerabilidade proposta por Sperry e colaboradores (1988), onde se relaciona a porcentagem de
perda de condutividade com o potencial hídrico do xilema. Modelando essa relação, podemos estimar
o potencial hídrico em que a planta perde 50% da sua capacidade de condução, denominado P50, e
com esse parâmetro podemos comparar os indivíduos e as espécies quanto a sua segurança na
condução ou sua vulnerabilidade. Espécies com P50 mais negativos, indicam maior resistência aos
estreses hídricos e espécies com P50 menos negativos são mais vulneráveis ao embolismo, isto é,
menos tolerantes à seca (Fig. 5).

Figura 5. Curva de vulnerabilidade de uma espécie mais tolerante (vermelho) e outra mais vulnerável ao embolismo
(azul). Note que em valores mais negativos a espécie em azul perde mais a capacidade de condução hídrica do que a
espécie de vermelho.

156
Relação anatomia, eficiência e segurança hídrica
Anatomicamente, os elementos condutores, tanto com relação aos distintos diâmetros,
espessura da parede do vaso, estrutura da pontoação intervascular (principalmente a espessura e
porosidade da membrana da pontoação), são determinantes para a eficiência e segurança hídrica de
cada espécie. A relação entre a eficiência hidráulica e a dimensão dos vasos é confirmada quando
comparamos lianas, que possuem maior dimensão dos vasos, com espécies autossuportantes,
resultando em uma maior eficiência na condução de água pelas lianas. Por outro lado, a segurança
hídrica parece ter mais relação com a espessura da parede do vaso e, principalmente com a estrutura
da pontoação intervascular quanto à espessura e porosidade da membrana da pontoação. No entanto,
saber o que determina anatomicamente a segurança hídrica nas espécies vem sendo explorado mais
recentemente e ainda é uma das grandes lacunas no conhecimento científico. Contudo, já é sabido
que os outros tipos celulares no xilema, como: fibras e parênquima axial e radial, contribuem com a
eficiência e segurança na condução: as fibras dando suporte mecânico aos vasos que estão sob forte
pressão negativa, servindo também como suporte mecânico; e o parênquima axial e radial
possibilitando o transporte radial, restabelecimento dos vasos embolisados, aumentando a
capacitância hídrica, armazenando nutrientes, água e aumentando a flexibilidade.

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CAPÍTULO 12

Introdução à Fotobiologia em Plantas: Luz, Fotossíntese e Fotorreceptores

Frederico Rocha Rodrigues Alves (Universidade de São Paulo)


Filipe Christian Pikart (Universidade de São Paulo)

O Sol, através de uma série de reações nucleares que converte sua massa em energia, irradia
uma imensa quantidade de luz e calor para o espaço. Apenas uma pequena fração dessa energia
luminosa que incidente sobre o planeta Terra é absorvida pelas plantas, convertida e estocada como
energia química pelo processo primário da fotossíntese, iniciando todo o fluxo de energia existente
na biosfera. Estudar os fenômenos biológicos oriundos da interação das plantas com luz é o escopo
da fotobiologia vegetal, compreendendo tópicos em nível atômico até comunidades ecológicas.
Inúmeros processos biológicos são controlados pela radiação solar. Além de ser a fonte
primária de energia para todos os seres vivos como exposto anteriormente, as plantas utilizam a luz
como fonte de informação a respeito do ambiente onde vivem, influenciando aspectos relacionados
ao seu crescimento, desenvolvimento e reprodução.
Neste capítulo, você aprenderá alguns conceitos básicos que lhe permitirão compreender
como a luz afeta as plantas. Para isso, precisaremos inicialmente entender a natureza da luz e suas
propriedades que lhe permite modificar a estrutura de determinadas moléculas responsivas que
culminarão nas respostas vegetais.

Quicker than a ray of light


A luz se comporta tanto como uma onda como uma partícula. Uma das maneiras de
caracterizá-la, portanto, é por seu comprimento de onda (representado por λ), definido como a
distância entre dois pontos sucessivos de uma fase (como dois picos sucessivos de uma onda). A
unidade preferencialmente utilizada em fotobiologia para o comprimento de onda é o nanômetro
(nm), equivalente a 10 -9 m. As regiões de comprimento de onda de maior interesse biológico é o
ultravioleta (UV, < 400 nm), visível (entre 400 e 740 nm) e infravermelho (IR, do inglês infra-red, >
740 nm). O que compreendemos por luz é, portanto, apenas um estreito intervalo do espectro de
radiação eletromagnética capaz de ser percebido pelo olho humano.
Podemos também caracterizar a luz pela sua frequência de oscilação (f, em ciclos/s ou em
Hertz) e por sua velocidade de propagação (v). Estas propriedades estão relacionadas pela equação v
= λf. No vácuo, a velocidade da luz é uma constante (c = 3x108 m/s), entretanto, a passagem da luz

160
por um outro meio que não seja o vácuo, resulta em uma velocidade menor do que c devido ao choque
contra elétrons presentes neste meio e ao fato de que f não se altera.
Devido às suas propriedades de partícula, a luz se comporta como se estivesse dividida
(quantizada) em unidades denominadas fótons. A energia carregada pelo fóton (Eλ) é denominado
quantum (plural = quanta) e pode ser calculada pela equação E λ = h.f, em que h se refere à constante
de Planck (6,626 x 10 -34 J.s). A energia também pode ser descrita em base molar (por mol de fótons)
multiplicando h.f pelo número de Avogadro (6,022 x 10 23). Em um exemplo prático da importância
deste conhecimento, a luz UV (que possui menor comprimento de onda), possui energia maior (471
kJ/mol) do que a contida nas ligações carbono-carbono (348 kJ/mol) ou oxigênio-hidrogênio (463
kJ/mol), derivando daí suas ações mutagênicas ou bactericidas.
A absorção da radiação eletromagnética por um átomo ou molécula leva a um estado mais
energético do mesmo. De acordo com os princípios da fotoquímica, a passagem de um campo
eletromagnético interage com os elétrons de um átomo fazendo com que eles se movam em
ressonância com a onda, a depender de sua orientação e frequência. O aumento de energia de um
elétron em decorrência da absorção de um fóton pode transferir este elétron para uma órbita de maior
energia mais distante do núcleo do átomo ou fazer com que ele se mova mais rapidamente. Em síntese,
a energia luminosa pode causar alterações moleculares conhecidas como foto-isomerizações, ou seja,
mudanças no arranjo espacial das ligações químicas devido à absorção da energia dos fótons. A
quantidade e distribuição das diferentes ligações químicas ao longo de uma molécula e a
disponibilidade de elétrons suscetíveis à ressonância com uma determinada onda eletromagnética é o
que determina a capacidade das substâncias em absorverem luz e em determinados comprimentos de
onda.
A pressão seletiva favoreceu a evolução de sistemas fotoquímicos capazes de utilizar os mais
abundantes comprimentos de onda do espectro visível, evitando os altamente energéticos UV e os
fracos IR. O maior pico de fótons irradiantes sobre a Terra ocorre em 680 nm, coincidindo com o
espectro de absorção da clorofila, favorecendo a fotossíntese, que trataremos a seguir.

Take my hand and walk in the light


Understand it, a fire to ignite
A fotossíntese é um processo foto-bioquímico capaz de utilizar a energia proveniente da
radiação solar para a produção de esqueletos carbônicos consumindo dióxido de carbono (CO 2) e
água. Esse processo é desempenhado por uma infinidade de organismos e nos mais variados
ecossistemas, abrangendo quase todas as plantas e algas, exceto em alguns casos de parasitismo.
A fotossíntese é dividida em duas etapas ou fases, a fase fotoquímica e a fase bioquímica, que

161
acontecem na mesma organela, o cloroplasto, mas em locais diferentes. A primeira ocorre no
tilacoide, sistema interno de membranas do cloroplasto, e a segunda nos espaços internos do
cloroplasto, fora do tilacoide.
Na fase fotoquímica ocorre a transferência da energia presente na luz para moléculas que
apresentam poder redutor (NADPH), possibilitando a conversão da energia da radiação
eletromagnética para reações celulares. Como mencionado anteriormente, as clorofilas são moléculas
capazes de absorver a energia proveniente da luz, levando à excitação de um elétron. O uso desse
elétron para reduzir o NADP + a NADPH é o que caracteriza a transferência de energia. Entretanto,
nos cloroplastos, apenas algumas moléculas de clorofila apresentam essa capacidade de doar elétrons,
sendo encontradas em pares em uma estrutura pigmento-proteica, denominada centro de reação. A
capacidade de doar elétrons é conferida justamente por essa estrutura proteica, fazendo com que a
energia não seja apenas absorvida e posteriormente perdida para o ambiente na forma de calor.
O centro de reação faz parte de uma estrutura conhecida como fotossistema, que é encontrado
nas plantas em dois tipos, o fotossistema I (PSI) e o fotossistema II (PSII, onde PS é a sigla para
fotossistema, do inglês photosystem) e, consequentemente, dois centros de reação, onde ambos fazem
parte de uma cadeia de transporte de elétrons que se dá nos tilacoides. A cadeia de transporte tem
início no centro de reação do PSII com a excitação da clorofila a e a consequente perda de elétron e
redução de um aceptor. Na Figura 1 é possível observar que existem diversos componentes nessa
cadeia de transporte de elétrons e que ao final dessa cadeia de oxidações e reduções, temos a redução
do NADP+ a NADPH.
Para que todo esse processo se repita, é necessária a reposição do elétron doado e isso acontece
pela oxidação da água no PSII, resultando também na formação de prótons H + e oxigênio (O2), esse
último essencial à vida aeróbica. Mas é importante visualizar todas essas etapas de oxidação da água,
transporte de elétrons e redução do NADP+ como processos que acontecem de forma simultânea no
tilacoide, sendo alimentados pelos elétrons doados através da absorção da energia pela clorofila.
Como, mesmo em um dia ensolarado, a concentração de fótons na atmosfera não é tão grande, o
gargalo para esse processo poderia ser justamente a absorção de energia. Nesse ponto, uma estrutura
com função de captar energia tem papel fundamental para que a cadeia de transporte de elétrons não
fique ociosa pela falta de energia. Nos organismos fotossintetizantes, essa função é desempenhada
pelo complexo antena, composto por proteínas e pigmentos e que, em conjunto com a função de
absorção, atua também direcionando a energia até o centro de reação. Além das clorofilas, o complexo
antena possui outros pigmentos, como os carotenoides, o que resulta em um aumento do espectro de
absorção de energia, como por ser visto ilustrado na Figura 2.

162
Figura 1. Esquema do transporte de elétrons que acontece no tilacoide entre o fotossistema II (PSII), passando pelo
fotossistema I (PSI), culminando naa redução do NADP +. PSII*, fotossistema II na forma excitada; Pheo, feofitina; QA
e QB, plastoquinonas; b6f, complexo de citocromos; PC, plastocianina; PSI*, fotossistema I na forma excitada. Acredita-
se que A0 seja uma clorofila e A1 uma quinona. FeSx, FeSa e FeSb, proteínas ferro-sulfurosas; Fd, ferredoxina solúvel;
e FNR, flavoproteína solúvel ferredoxina-NADP redutase.

Figura 2. Espectro de absorção da luz visível dos principais pigmentos encontrados no complexo antena das plantas:
clorofila a e b e carotenoides.

163
Já as proteínas, além de auxiliarem na absorção de energia, apresentam uma função essencial
na organização dos pigmentos antena. O resultado dessa organização pode ser visto através da
disposição no exterior do complexo dos pigmentos que absorvem uma maior quantidade de energia
(carotenoides) e o no interior, os pigmentos que absorvem menor quantidade de energia (clorofila a)
(Fig. 3). A energia absorvida pelos componentes mais externos precisa ser transferida para os
componentes mais internos até chegar ao centro de reação. Essa transferência se dá através do
fenômeno de ressonância indutiva, e caso essa transferência não ocorra, a energia poderá ser perdida
para o ambiente, já que o complexo antena não é capaz de armazená-la. Entretanto, mesmo com a
transferência de energia para um outro componente, ocorre perda para o ambiente, resultando em um
gradiente decrescente na quantidade de energia do exterior para o interior do complexo antena e,
como consequência, gera um sentido único de transferência de energia direcionado para o centro de
reação. Dessa forma, todo o complexo consegue prover uma quantidade maior de energia para o
centro de reação, o que otimiza todo o sistema de transporte de elétrons e de produção de NADPH.

Figura 3. Esquema do complexo antena, onde externamente estão os carotenoides, seguidos das clorofilas b e
posteriormente as clorofilas a. Associado ao complexo antena, está representado o ciclo de excitação (Clo -*), oxidação
(Clo a+) e redução (Clo a-) de uma clorofila a que se dá no centro de reação. A seta indica a existência de um gradiente
decrescente de energia do exterior do complexo antena até o centro de reação.

164
O transporte de elétrons também é responsável pela produção de um potencial eletroquímico
transmembrana formado pelo transporte de prótons H + de um lado do tilacoide para o outro e pela
liberação de prótons provenientes da oxidação da água no PSII, responsável pela reposição de elétrons
da clorofila associada ao centro de reação. O acúmulo de prótons se dá no espaço interno da
membrana do tilacoide, chamado de lúmen, e o potencial eletroquímico formado é utilizado por um
complexo proteico, ATP sintase (ATPase), para a produção de ATP. Na Figura 4 vemos a
representação do transporte de elétrons entre o PSII e o PSI na membrana do tilacoide, com o destaque
para os mecanismos de geração de NADPH e de ATP.

Figura 4. Esquema dos processos de produção de ATP e NADPH associados à cadeia de transporte de elétrons do
tilacoide. A oxidação da água é responsável pela reposição do elétron doado pelo PSII e pela produção de oxigênio e
prótons H+. A cadeia de transporte de elétrons leva ao bombeamento de prótons para o lúmen do tilacoide e em conjunto
com os prótons liberados pela oxidação da água, geram o potencial eletroquímico transmembrana necessário para a
produção de ATP via ATPase. Ao final do transporte de elétrons, tem-se a redução do NADP+ a NADPH.

O PSII também é conhecido como P680, e o PSI como P700, onde os números correspondem
aos comprimentos de onda que esses fotossistemas conseguem absorver com maior eficiência. Essa
diferença entre as clorofilas dos PSII e PSI está associada com a interação do par de moléculas de
clorofila a com as proteínas de cada um dos complexos, alterando propriedades físico-químicas e
direcionando o espectro de absorção para mais próximo do vermelho. Devido a isso, a luz leva à
excitação ao mesmo tempo do PSII e do PSI, gerando a oxidação desses componentes e a necessidade
de reposição dos elétrons doados. No PSII ocorre a reposição do elétron através da oxidação da água,
e no PSI a reposição é feita pelo elétron doado pelo PSII. Situações que levam à uma maior excitação
do PSII em relação ao PSI podem gerar modificações na dinâmica de absorção de energia por parte
dos fotossistemas. Uma resposta conhecida que leva à redução de absorção de energia pelo PSII é o
desligamento do complexo antena do PSII e acoplamento ao PSI. Simultaneamente, outras proteínas
se associam ao PSI, como o citocromo b6f (Fig. 5), formando um complexo que resulta no transporte
cíclico de elétrons, que não leva à produção de NADPH, somente ATP.
165
Figura 5. Representação do transporte linear e do transporte cíclico de elétrons na membrana do tilacoide. No transporte
cíclico, ocorre a formação do complexo proteico entre o PSI e o citocromo b6f e nessa condição, não ocorre a formação
de NADPH.

Percebemos então que a etapa fotoquímica da fotossíntese é um mecanismo complexo


responsável por absorver a energia luminosa e produzir ATP e NADPH, que poderão ser utilizados
em outros processos como na própria fixação de carbono.
A segunda etapa da fotossíntese ocorre nos espaços internos do cloroplasto e fora das
membranas do tilacoide, denominado estroma, e é responsável pela fixação do carbono proveniente
do CO2 resultando na síntese de carboidratos. Na formação de carboidratos serão consumidos
NADPH e ATP, com a consequente formação de NADP + e ADP+Pi, que poderão ser reduzidos
novamente através do transporte de elétrons. Assim, fica demonstrada a importância da luz para a
síntese de compostos energéticos e que serão base para o crescimento e desenvolvimento de não
apenas um organismo, mas todo um ecossistema.

I want to look at life


In the available light
Os sinais luminosos estão entre os mais importantes estímulos ambientais capazes de regular
o desenvolvimento das plantas. Além da quantidade de luz, as plantas monitoram sua qualidade,
periodicidade e direção, fazendo uso dessa informação para modularem diversas respostas
fisiológicas que lhe permitam sobreviver e se adequarem a um ambiente fotodinâmico.
Há diversos exemplos de processos de desenvolvimento de uma planta regulados por luz, como a
germinação de sementes (fotoblastia), alterações morfológicas induzidas pela luz (fotomorfogênese),
alterações no padrão de crescimento em resposta à direção da luz (fototropismo) e respostas
dependentes de mudanças no comprimento do dia (fotoperiodismo) como a floração.
Para converter os sinais provindos da radiação eletromagnética em sinais celulares, as plantas
possuem diversos fotorreceptores, moléculas sensíveis a determinados comprimentos de onda
capazes de absorverem a energia dos fótons, cuja mudança estrutural acarreta em alterações na

166
homeostase celular. Os fotorreceptores possuem um módulo fotossensor, responsável pela absorção
da luz, representado pelo cromóforo, e um módulo efetor que exerce a atividade biológica, por
exemplo, transporte iônico, catálise e/ou interação com outra proteína. De uma maneira geral, as foto-
isomerizações que ocorrem nos cromóforos após a absorção de luz no comprimento de onda adequado
faz com que os fotorreceptores sejam capazes de interagir com fatores de sinalização e/ou transcrição
que levarão à alteração no padrão de expressão de genes relacionados à resposta luminosa.
Em plantas, os principais fotorreceptores conhecidos são: os fitocromos, responsáveis por
respostas de luz vermelha e vermelho-distante (entre 660 e 730 nm) utilizando a fitocromobilina como
cromóforo; os receptores de luz UV-A/azul (entre 320 e 500 nm) criptocromo e fototropina que
utilizam flavina adenina dinucleotídio (FAD) e flavina mononucleotídio, respectivamente, como
cromóforos; e o receptor de luz ultravioleta UVR8, que não possui um cromóforo prostético,
utilizando resíduos de triptofano em sua estrutura para perceber a luz UV-B (Fig. 6). A seguir, vamos
caracterizá-los e entender como atuam nas respostas dependentes de luz.

Figura 6. Representação do espectro de absorção dos fotorreceptores fitocromo, nas formas Fv e Fvd; criptocromos e
fototropinas; e UVR8.

Fitocromos
Os fitocromos são proteínas diméricas interconversíveis entre a forma inativa (FV) e a forma
ativa (FVD ). Ao absorver luz vermelha, F V se converte em F VD, sendo translocado do citosol para o
núcleo, onde atua interagindo com outras proteínas responsáveis por respostas fotodependentes. F VD
é rapidamente convertido para a sua forma inativa por radiação na região do vermelho-distante ou
vagarosamente na ausência de luz.

167
Muitas das respostas ambientais dos fitocromos dependem da percepção da razão entre a luz
vermelha e vermelha-distante. Sob um dossel, por exemplo, há um enriquecimento de luz vermelha-
distante pois a clorofila absorve os fótons dos comprimentos de onda correspondentes ao vermelho.
Dessa forma, através dos fitocromos, as plantas são capazes de regular processos para evitar sombra,
competições entre indivíduos pela luz e germinação de sementes.
Entre as principais proteínas que interagem com os fitocromos em sua forma ativa estão os
sugestivos fatores de transcrição PHYTOCHROME INTERACTING FACTORS (PIFs). As PIFs são
uma família de proteínas que atuam principalmente como reguladores negativos de respostas
fotomorfogênicas como biossíntese de clorofila e alongamento dos hipocótilos. As PIFs promovem
o estiolamento agindo como ativadores de genes induzidos pelo escuro (como alongamento celular)
e também como repressores de genes induzidos pela luz (como biossíntese de clorofila). A forma
ativa dos fitocromos fosforila as PIFs que são degradadas pelo complexo do proteassomo. Dessa
forma, a luz vermelha, agindo por meio da ativação dos fitocromos e da consequente degradação das
PIFs, é capaz de inibir o crescimento das plantas e induzir a produção de clorofila.

Criptocromos
Os criptocromos são fotorreceptores de luz UV-A/azul encontrados em bactérias, fungos,
animais e plantas. No reino vegetal, estão especialmente relacionados com respostas de
desestiolamento e controle fotoperiódico da floração. Após a sua ativação por luz azul, os
criptocromos são capazes de formar um complexo com as proteínas repressoras da fotomorfogênese
COP1 (CONSTITUTIVE PHOTOMORPHOGENESIS 1) e SPA (SUPPRESSOR OF PHYA),
impedindo-as de atuar na degradação de HY5 (ELONGATED HYPOCOTYL 5) e outros fatores de
transcrição promotores da fotomorfogênese. Assim sendo, os criptocromos induzem as respostas de
desestiolamento de plântulas atuando como repressores dos repressores da fotomorfogênese.
Os criptocromos também podem se ligar diretamente a fatores de transcrição como o CIB1
(CRY-INTERACTING bHLH 1), responsável pela indução da expressão de FT (FLOWERING
LOCUS T), regulador positivo da floração. Após a fotoativação, os criptocromos são extensivamente
fosforilados e são degradados pelo proteassomo. Além disso, eles retornam à conformação inativa
minutos após a atenuação do sinal de luz azul.
Interessantemente, as respostas à luz azul possuem duas importantes propriedades temporais:
um período de atraso significativo separa o início do sinal luminoso e a taxa mínima de resposta e
além disso, a resposta persiste por um tempo após à extinção do sinal devido à reversão lenta das
alterações conformacionais de seus fotorreceptores.

168
Fototropinas
As fototropinas são receptores de luz azul presentes em todo o reino vegetal e se localizam na
membrana plasmática. Além de seu papel na regulação de respostas fototrópicas que lhe conferem
seu nome, as fototropinas controlam várias outras respostas à luz azul relacionadas com a otimização
da eficiência fotossintética e promoção do crescimento vegetal, tais como movimento dos
cloroplastos, abertura estomática e expansão foliar.
As fototropinas possuem dois domínios fotossensíveis LOV (LIGHT, OXYGEN AND
VOLTAGE), cada um ligado a um cromóforo mononucleotídio de flavina (FMN). No escuro, a região
N-terminal da proteína se dobra sobre o domínio cinase, inibindo a sua atividade. A absorção de luz
azul pelo FMN desdobra a estrutura da proteína, permitindo a ativação do domínio cinase C-terminal,
necessária para as respostas dependentes da fototropinas.
Tomando como exemplo de atividade regulada pela luz azul a abertura estomática, a ativação
e consequente autofosforilação das fototropinas nas células-guarda leva a uma cadeia de fosforilações
entre proteínas sinalizadoras que culminam na estabilização da bomba de prótons H +/ATPase em seu
estado ativo. A hiperpolarização da membrana resultante do efluxo de H+ aciona a captura de íons
K+, levando a um decréscimo no potencial hídrico no interior das células-guarda, facilitando o influxo
de água e a consequente abertura estomática.

UVR8
Para se prevenir ou se aclimatar aos efeitos citotóxicos da radiação UV-B, as plantas ativam
diversas mudanças por meio do fotorreceptor UVR8 (UV RESISTANCE LOCUS 8) que levam a
adaptações morfológicas e produção de flavonoides para evitar os danos consequentes da exposição
prolongada ao ultravioleta. Além disso, entre outras respostas associadas ao UVR8 se incluem a
sincronização do relógio circadiano e a expansão de folhas e células epidérmicas. O UVR8 carece de
um cromóforo prostético (não-proteico) e se apresentam na forma de dímeros inativos ligados por
pontes salinas entre resíduos de triptofano. Essas ligações são quebradas ao absorverem fótons de
comprimento de onda UV-B, levando à dissociação de dois monômeros funcionalmente ativos.
Os monômeros de UVR8 são capazes de interagir com a proteína COP1 no núcleo e este
complexo regula positivamente a expressão e estabilização da proteína HY5 que se liga diretamente
aos promotores de vários genes responsivos ao UV-B. Após a irradiação por UV-B, os monômeros
são reciclados para o estado basal homodimérico, facilitado pelas proteínas RUP (REPRESSOR OF
UV-B PHOTOMORPHOGENESIS), cuja expressão é induzida pelo próprio UVR8, representando
um mecanismo de feedback negativo.

169
I never knew sunlight could be so violent
A revelation in the light of day
O estudo dos mecanismos pelos quais as plantas respondem à luz possuem impactos além da
esfera botânica. Para finalizar o capítulo, ressaltaremos alguns exemplos de como a pesquisa na área
da fotobiologia vegetal foi capaz de influenciar linhas de pesquisa em modelos animais. Muitas das
proteínas relacionadas na regulação da estabilização ou transdução do sinal luminoso são conservados
entre os seres vivos. Homólogos da proteína COP1 em humanos foram descritas recentemente como
importantes regulares negativos de supressores de tumores humanos.
A descoberta e clonagem da sequência proteica dos criptocromos no modelo vegetal
Arabidopsis permitiu a descoberta dessas proteínas tanto em moscas quanto humanos, onde atuam
como componentes dos relógios circadianos. Suspeita-se que muitas doenças que dependem do
funcionamento do relógio circadiano, como o câncer, são causadas por anomalias na sinalização
dependente de criptocromos. A capacidade de fotorreversão dos fitocromos têm sido empregada na
síntese de fitocromos fluorescentes que podem ser utilizados para a visualização e obtenção de
imagens em órgãos internos de ratos vivos.
Esperamos neste capítulo, termos conseguido ressaltar diversas possibilidades de atuação
relacionadas ao estudo da fotobiologia em plantas. Como vimos, há inúmeras implicações
ecofisiológicas, descobertas moleculares e aplicações físicas e médicas do conhecimento advindo dos
impactos da luz na homeostase vegetal.

Referências
Blankenship, R.E.; 2002. Molecular Mechanisms of Photosynthesis. 1ed. Blackwell Science Ltda,
Oxford. 321p.
Galvão, V.C.; & Fankhauser, C. 2015. Sensing the light environment in plants: photoreceptors ans
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Nobel, P.S. 2009. Physicochemical and Environmental Plant Physiology. 4ed. Academic Press,
Cambridge. 604p.

170
CAPÍTULO 13

A dieta detox das Plantas

Marta Rodriguez Ruiz (Universidade de São Paulo)


Renata Callegari Ferrari (Universidade de São Paulo)

Mito ou Realidade?
Diariamente, quando o assunto é saúde, nos deparamos com cremes para pele, suplementos e
dietas detox especiais que prometem efeitos milagrosos, combatendo radicais livres por conterem
antioxidantes (Fig. 1). Os efeitos variam dentre emagrecimento, prevenção ao câncer e
rejuvenescimento e são sempre associados a uma melhoria na qualidade de vida. Estes efeitos,
definitivamente são uma técnica de marketing, portanto representam mitos e convém consultar
médicos e nutricionistas para melhorar sua saúde, porém o papel fundamental dos antioxidantes e
radicais livres nos organismos vivos, sobretudo nas plantas, é definitivamente uma realidade. As
palavras antioxidante e radicais livres englobam mais do que “uma simples fórmula para a juventude
eterna”, elas representam componentes do metabolismo redox e são especialmente importantes para
as plantas, em que existe produção constante de radicais livres por conta da fotossíntese.
É importante entendermos o papel fundamental das reações de óxido-redução (redox) ao
tratarmos do metabolismo redox, em que ocorrem trocas de elétrons, e do oxigênio, que pode estar
disponível no ambiente celular na forma de diferentes moléculas. Contradizendo a noção geral de que
o oxigênio é essencial para a vida, a expressão “envelhecemos porque oxidamos” nos ajuda a entender
a importância controversa do oxigênio para os organismos vivos. Ao mesmo tempo que a ausência
de oxigênio interrompe a respiração aeróbica, na forma de radicais livres ele possui grande poder
oxidante e constitui as chamadas espécies reativas de oxigênio (ROS, do inglês, reactive oxygen
species).

171
A B

Figura 1. A. Creme para pele anunciando o uso de antioxidantes. B. Imagens retiradas e modificadas de sites explicando
o que são as dietas detox e os antioxidantes, exemplificando como estes termos são comumente encontrados quando o
assunto é saúde. (cima: https://lucianaharfenist.com.br/materias/o-que-e-a-dieta-detox; baixo:
https://saude.abril.com.br/medicina/10-mitos-e-verdades-sobre-os-antioxidantes/). C. Alimentos oxidados e
consequentemente envelhecidos, ilustrando a importância do metabolismo redox para a manutenção da homeostase.

Um aumento da disponibilidade de ROS provoca o chamado “estresse oxidativo”, situação que


sinaliza uma alteração do funcionamento celular e que, se não revertida logo, pode levar à degradação
de células e tecidos. Em humanos, um desbalanço na produção de ROS está relacionado a
enfermidades como a doença de Alzheimer e processos degenerativos e envelhecimento. Nas plantas,
o estresse oxidativo intensificado poderá causar alteração da estrutura de proteínas, lipídeos e até
mesmo do DNA, com a consequente desorganização de membranas e degradação dos demais
componentes celulares. Particularmente, elas apresentam capacidade de se ligar a grupos contendo
enxofre (–SH) que são comumente encontrados em estruturas proteicas.
Desse modo, devem existir mecanismos que ajudam a manter um equilíbrio no metabolismo
redox (Fig. 2). Quando este equilíbrio é quebrado, geralmente o organismo enfrenta o envelhecimento
como consequência dos componentes celulares danificados, assim como situações de estresse e
patologia.

172
Figura 2. Esquema ilustrando o complexo equilíbrio do metabolismo redox, em que a eliminação completa ou a produção
exacerbada de ROS pode interferir na homeostase de um organismo.

Produção e funções das ROS


Uma consequência inevitável do metabolismo aeróbico em seres fotossintetizantes, no qual há
redução completa do oxigênio até a água (Fig. 3), é a formação de ROS. Dentro de condições normais,
as ROS podem ser produzidas em diferentes rotas metabólicas, como por exemplo na fotorrespiração
e durante o combate a microrganismos invasores.
Mais especificamente, os principais produtores de ROS são cloroplastos e mitocôndrias, que
são organelas celulares responsáveis por reações de geração de energia envolvendo trocas de elétrons
e nas quais elétrons despareados podem facilmente ser convertidos a ROS. Peroxissomos também são
fontes de ROS, além de poderem ser formadas por ação de algumas enzimas oxidases em outros
lugares.
ROS podem ser produzidas como consequência de diferentes perturbações ambientais bióticas
e abióticas. As ROS são divididas em radicais, como o ânion superóxido (O 2-), radical hidroxila ( -
OH) e peróxido (ROO-); e não radicais, como peróxido de hidrogênio (H2O2 ), oxigênio singleto ( 1O2)
e ozônio (O3 ).

173
Figura 3. Processo completo de oxidação do oxigênio molecular (O 2) até a formação da água H2O, incluindo todos os
intermediários. O processo em sentido oposto, de oxidação da água, é raro na natureza e realizado quase exclusivamente
pelos organismos fotossintetizantes, sendo estes os principais responsáveis por todo o O2 disponível na atmosfera.

Nas plantas, as principais fontes de formação H 2O2 são a cadeia transportadora de elétrons (do
inglés, electron transfer chain – ETC) em cloroplastos e mitocôndrias, embora o retículo
endoplasmático, a membrana plasmática, a β-oxidação de ácidos graxos, a fotorrespiração e a
NADPH oxidase (NOX) também contribuam para sua formação. Esta molécula é gerada de forma
natural como resposta a diferentes estresses.
Entre as fontes de geração do superóxido (O 2.-) está a enzima xantina oxidase (XOD), envolvida
no metabolismo de purinas e similar à NADH oxidase (NOX) em plantas. Fontes que contribuem na
formação desta ROS são cloroplastos e mitocôndrias. Este ânion é instável em solução aquosa e tem
uma vida curta. Em contrapartida, o oxigênio singleto (1O2), uma das ROS mais tóxicas, pode ser
produzido no fotossistema II, frente a altas intensidades luminosas. O excesso de energia pode ser
transmitido ao O 2 formando-se o 1O2., que por sua vez é capaz de reagir com NO formando
peroxinitrito (ONOO-), potencialmente tóxico por sua alta reatividade. Além disso, quando na
presença de íons metálicos como ferro e cobre, pode ocorrer a formação de radicais hidroxila ( .OH),
que por terem uma vida média extremamente curta, rapidamente reagem com proteínas, ácidos
nucleicos ou lipídeos de membrana e interferindo em sua integridade.
Apesar de sua potencial toxicidade, as ROS desempenham papéis essenciais em diferentes
processos biológicos. Ao mesmo tempo em que provocam o estresse oxidativo, o aumento na
produção de ROS atua como sinal, desencadeando cascatas de sinalização para ativação de respostas
metabólicas. Sendo produzidas em diferentes compartimentos dentro das células, as ROS são capazes
de atravessar membranas biológicas e ser difundidas para lugares relativamente distantes do seu sítio
de produção. Esta capacidade, somada ao fato de que muitas ROS apresentam uma meia vida curta,
tornam-nas sinalizadoras de processos biológicos altamente versáteis e eficazes. Dentre as respostas
que podem ser desencadeadas nas plantas estão a morte celular programada e a ativação de genes de
defesa contra patógenos.

174
A produção de ROS ocorre em situações de infecção por bactérias, vírus e outros patógenos
vegetais. Nestas condições, o microrganismo invasor é “engolfado” por uma vesícula fagocitária que
contém alta concentração interna de ROS, permitindo que o elemento infeccioso seja eliminado. São
também fundamentais em processos de resposta imune, atuando como mensageiros secundários para
ativação de genes de defesa ligados a morte celular programada. Uma vez que ocorre um controle da
proliferação de células infectadas ou defeituosas, processos infecciosos e até mesmo tumores podem
ser contidos.
Assim, as ROS desempenham papel importante na sinalização durante o crescimento e
desenvolvimento, além de indicar alterações ambientais às quais as plantas precisam responder todos
os dias. Associado a isso, é a grande variedade de sistemas antioxidantes presentes nas células
vegetais que permitem regular o conteúdo de ROS o e que garante que elas continuem exercendo seu
papel sinalizador. O principal objetivo dos antioxidantes é justamente manter a produção de ROS em
níveis basais, sendo que eles podem ser divididos em antioxidantes enzimáticos e não enzimáticos.

Antioxidantes enzimáticos
São antioxidantes enzimáticos: a superóxido dismutase (SOD), a catalase (CAT), a família das
peroxidases, enzimas do ciclo ascorbato-glutationa (AsA-GSH) como a ascorbato peroxidase (APX),
monohidroascorbato redutase (MDAR), dehidroascorbato redutase (DAR) e glutationa redutase
(GR). Estas enzimas atuam em diferentes compartimentos subcelulares, respondendo conjuntamente
quando a célula está sob estresse oxidativo.
 Superóxido Dismutase (SOD)
As SODs são consideradas o sistema enzimático antioxidante muito eficaz, visto que são as
primeiras a reagir frente a alta toxicidade do radical superóxido. Enquanto catalases e algumas
peroxidases se encarregam de eliminar o H 2O2, as SODs são as únicas responsáveis por eliminar
superóxido. As SODs são uma classe de metaloenzimas e podem constituir diferentes isoformas de
acordo com o metal localizado em seu centro ativo. Com base nisso e no compartimento celular em
que se localizam, três tipos de SODs podem ser diferenciadas: as que contém cobre (CuZn-SOD),
manganês (Mn-SOD) e ferro (Fe-SOD).
O número e tipo de SODs varia em função da espécie, órgão, estágio de crescimento e as
condições ambientais. A sobre-expressão das SODs e o aumento de sua atividade estão geralmente
relacionados com a defesa nas plantas frente ao estresse oxidativo gerado tanto por fatores abióticos
quando bióticos.

175
 Catalase (CAT)
É uma hemoproteína localizada exclusivamente nos peroxissomos e é encarregada de eliminar
o H2O2 gerado como consequência de seu próprio metabolismo ou derivado de outros processos
celulares, principalmente a fotorrespiração.
 Guaiacol peroxidase (GPX)
Pertence ao amplo grupo das peroxidases. É uma hemoproteína que se contra amplamente
distribuída em animais, plantas e microrganismos. Pode estar localizada nos vacúolos, paredes
celulares e no citosol. Entre os processos em que pode atuar encontram-se a lignificação da parede
celular primária e a biossíntese de etileno.
 Ciclo Ascorbato-Glutationa (AsA-GSH)
Este ciclo conta com a atuação de quatro enzimas (listadas abaixo) e também pode ser
conhecido como ciclo de Foyer-Halliwell-Asada. Ele é um dos principais sistemas antioxidantes
exclusivo das plantas, se encarregando de metabolizar o H 2O2 e podendo ocorrer em ao menos quatro
compartimentos celulares: o citosol, os cloroplastos, os peroxissomos e as mitocôndrias. Para seu
funcionamento correto, é necessária a presença de NADPH para proporcionar poder redutor.
o Ascorbato peroxidase (APX)
Esta é a primeira enzima do ciclo AsA-GSH, reduzindo o H 2O2 a H 2O ao utilizar o ascorbato
(AsA) como substrato redutor e gerando monodehidroascorbato (MDHA). É uma hemoperoxidase
cujo número e distribuição variam de acordo com a espécie vegetal, sendo considerada uma das
enzimas mais amplamente distribuídas nas células vegetais e ressaltando seu importante papel no
metabolismo vegetal. Tem maior afinidade por H 2O2 do que em comparação à catalase, sendo
particularmente útil em situações de estresse oxidativo por luz, alta temperatura ou intoxicação por
metais pesados.
o Monodehidroascorbato redutase (MDAR)
Esta enzima catalisa a redução de MDA a AsA usando NAD(P)H como doador de elétrons. Nos
cloroplastos, desempenha uma função dupla, onde regenera AsA na presença de MDA e também atua
na fotorredução de O2 a O2.- quando não há MDA como substrato. Desse modo, o fato de o MDA ser
produzido em situações de estresse induz a atividade da MDAR, principalmente frente à alta
intensidade luminosa, contaminação por metais pesados ou alta incidência de radiação UV-B.
o Dehidroascorbato redutase (DAR)
É a enzima chave do ciclo AsA-GSH, pois atua mantendo adequados os níveis de AsA e atua
como oxidante. Catalisa a redução de dehidroascorbato (DHA) a AsA usando a glutationa reduzida.
É ativada frente a vários estresses, como por salinidade, déficit hídrico, excesso de gás ozônio, etc.
o Glutationa redutase (GR)

176
Encarregada de catalisar a redução da glutationa oxidada (GSSG) a glutationa reduzida (GSH),
utilizando NADPH como doador de elétrons. Também atua frente a uma grande variedade de agentes
estressantes.

Antioxidantes não-enzimáticos
 Ácido ascórbico ou ascorbato
O ácido ascórbico reforça a ideia de que antioxidantes são geralmente associados à saúde em
humanos, visto que esta molécula é também conhecida como a vitamina C. É um dos antioxidantes
não-enzimáticos mais importantes nas plantas e não é sintetizado por humanos, sendo assimilado
através da ingestão de alimentos vegetais. A concentração de ascorbato nas plantas varia entre
espécies, entre os indivíduos de uma mesma espécie e até mesmo entre tecidos. Pode ser encontrado
sob a forma reduzida, DHA, mas também na forma oxidada, como MDA.
 Glutationa (GSH)
É um tripeptídeo de baixo peso molecular constituído por glutamato (Glu), cisteína (Cys) e
glicina (Gly), sendo representado pela fórmula γ-Glu-Cys-Gly. Se encontra distribuído em diferentes
compartimentos subcelulares, assim como no ciclo AsA-GSH, no citosol, cloroplastos, mitocôndria
e peroxissomos, mas também no núcleo e na região apoplástica. Está presente principalmente em sua
forma reduzida (GSH) com um grupo tiol livre, embora também se encontre na sua forma oxidada
(GSSG), constituída por duas moléculas idênticas e unidas por uma ponte dissulfeto. Na presença de
cisteína, a reatividade química e a elevada solubilidade em água do grupo tiol confere à GSH torna-a
um metabólito essencial ao crescimento, desenvolvimento e respostas à estresses.
 Carotenoides
Tanto os carotenoides quanto as xantofilas são moléculas lipossolúveis sintetizadas em plantas
e microrganismos e capazes de desintoxicá-los de vários tipos de ROS, protegendo as membranas
fotossintéticas do estresse oxidativo. Nas plantas, se localizam principalmente nos tilacoides. Como
antioxidantes, são capazes de eliminar oxigênio singleto e dissipar o excesso de energia da clorofila
excitada, protegendo assim a célula de possíveis danos oxidativos. São também precursores de
macronutrientes como o retinol o e a vitamina A, participando de mais de uma rota metabólica.
Atuam como moléculas sinal durante o desenvolvimento e em resposta a estresses bióticos e
abióticos. Durante uma situação de estresse, à medida em que os cloroplastos se transformam em
cromoplastos, ocorre uma diminuição na quantidade de clorofila e um aumento na quantidade de
carotenoides, dando uma coloração avermelhada ou amarelada às folhas. Em frutos e flores,
carotenoides também são responsáveis pelos tons de amarelo-alaranjados e cumprem o propósito de
atrair agentes polinizadores e dispersores de frutos.

177
 Flavonoides
O termo “flavonoides” provém do latim com significado “amarelo” e identifica um grupo de
mais de 1.500 metabólitos secundários diferentes descritos em plantas, às vezes sendo designados
como “vitamina P”. Correspondem a compostos bioativos que apresentam grande capacidade
antioxidante, sendo capaz de neutralizar radicais livres tanto em animais como em plantas, sendo
também recomendada sua ingestão em dietas e associados a boa saúde. Nas plantas, se localizam
principalmente nos vacúolos e cloroplastos, podendo atuar como bactericidas.

Integrando as respostas do metabolismo redox ao estresse hídrico


Tal como apresentado, o metabolismo redox envolve a produção e eliminação de ROS,
incluindo também outros grupos de moléculas não discutidas aqui, como por exemplo, as espécies
reativas de nitrogênio (RNS). Visando ilustrar quão dinâmico e versátil esse sistema ocorre na
natureza, iremos entender discutir algumas respostas que ocorrem quando a planta se encontra sob
estresse hídrico.
O estresse hídrico ocorre em situação de baixa disponibilidade hídrica no solo e é um dos
maiores problemas enfrentados na agricultura, visto que diminui o crescimento e a produção vegetal.
Projeções climáticas para os próximos 50 anos apontam para uma tendência em aumentar a
temperatura em várias regiões do globo, tornando alguns lugares nos trópicos extremamente áridos e
promovendo o chamado processo de savanização, onde regiões de mata úmida se tornariam secos se
e mudariam sua composição vegetal. Do ponto de vista agronômico, isso irá provocar um maior
consumo de água para manutenção da produção agrícola, além de incentivar o desenvolvimento de
cultivares cada vez mais resistentes à seca. É dentro deste contexto que diferentes grupos de pesquisa
internacionais vem buscando melhorias genéticas visando aumentar a resistência de espécies
amplamente consumidas e que são extremamente sensíveis à seca. Um exemplo desse tipo de
iniciativa é a bioengenharia do arroz pelo projeto C4 Rice. Esta pesquisa visa inserir a fotossíntese C 4
no arroz, uma planta C3 que é cultivada em solo alagado, o que tornaria seu metabolismo mais
eficiente, visto que plantas C4 crescem sob alta irradiância luminosa e em regiões com menor
disponibilidade hídrica. Este é apenas um dos inúmeros projetos de biogengenheria vegetal que tem
como alvo diferentes etapas metabólicas que interferem na sensibilidade à seca nas plantas.
Um dos principais medidores do status hídrico da planta é o conteúdo relativo de água (CRA),
calculado com base na quantidade real de água existente na planta, a quantidade que a planta seria
capaz de armazenar e a massa seca dos tecidos vegetais. O CRA é medido em porcentagem, sendo
que valores entre 100 e 70% indicam uma condição bem hidratada, 70-40% indicam um estresse de
suave a moderado, 40-20% indicam um estresse severo, e com menos de 20% a maioria das plantas

178
é levada à morte, pois danos irreparáveis acometem as estruturas proteicas e membranas celulares e
há interrupção de processos metabólicos vitais. Uma exceção fascinante a esta regra é a espécie
Craterostigma plantagineum, que é conhecida como planta da ressurreição por atingir menos de 20%
de CRA em suas folhas, exibindo um fenótipo de desidratação intensa, mas restaurando seu
metabolismo fotossintético e fenótipo normais conforme disponibilidade hídrica é normalizada.
Os organismos vegetais possuem vários mecanismos para percepção e sinalização do déficit
hídrico que podem ser ativados através de rotas dependentes ou independentes do hormônio ácido
abscísico (ABA), mas que não serão discutidos em detalhe aqui. A partir da percepção, uma das
primeiras consequências é o fechamento estomático para evitar a perda de água por
evapotranspiração. Entretanto, a saída de água é diretamente ligada à entrada de gás carbônico (CO 2)
nas folhas para sua utilização nas reações fotossintéticas. Desse modo, com os estômatos fechados, a
proporção entre gás carbônico e oxigênio dentro das folhas é alterada, já que o CO 2 continua a ser
consumido na fotossíntese. Uma maior disponibilidade de O 2 aumentará a taxa de fotorrespiração,
processo metabólico que envolve gasto energético e produção de H 2O2 nos peroxissomos. Neste caso,
é a enzima CAT que atua como agente antioxidante.
A menor disponibilidade de CO2 para assimilar a energia produzida nos fotossistemas e maior
disponibilidade de O2 provocam a formação de ROS como o oxigênio singleto e H 2O2 nos
cloroplastos. Essas moléculas podem reagir com lipídeos de membrana, danificando estas estruturas,
mas ao mesmo tempo formando malondialdeído (MDA), sinalizando uma situação de estresse
oxidativo. Isso irá ativar diferentes sistemas antioxidantes em diferentes níveis de regulação, tal como
em nível transcricional, onde ocorrerá a transcrição de genes de enzimas como APX, CAT, GPX,
MDAR e DAR para atuar nos diferentes compartimentos celulares. O excesso de energia também é
dissipado pelos carotenoides e flavonoides ou transferido para a ETC de mitocôndrias, sendo que essa
via também ocorre em condições normais de disponibilidade hídrica. Essa via em específico também
poderá eventualmente se tornar saturada e iniciar a produção de ROS, contando com a atuação do
sistema antioxidante para não ocorrerem danos nas mitocôndrias. Em nível pós-traducional, os
diferentes tipos de SODs com seus respectivos metais variados são ativadas pela crescente produção
de ROS e irão atuar retroativamente na normalização destes níveis.
Estes são apenas alguns dos mecanismos redox que atuam em situações de estresse hídrico nas
plantas (Fig. 4), e que já foram comprovados desempenhar importante papel em espécies tolerantes à
seca. Uma das principais diferenças entre plantas sensíveis e tolerantes à seca é que as plantas
sensíveis ativam seu metabolismo redox à medida que ocorre a sinalização do déficit hídrico e
confiam mais no sistema dependente de glutationa. No caso da planta da ressurreição, que é
extremamente tolerante à seca, os sistemas redox se mantêm ativos o tempo todo, de tal modo que

179
conforme o estresse se intensifica, a planta já possui um mecanismo de defesa protegendo sua
maquinaria celular e prevenindo danos. Além disso, ela se utiliza mais do sistema dependente de
ascorbato, o ciclo Asa-GSH. Associado a isso, foi visto que a concentração de substâncias chamadas
solutos compatíveis, em grande parte compostos por açúcares como a trealose, sacarose e rafinose, é
maior em plantas tolerantes à seca. Esses compostos promovem a proteção de estruturas proteicas,
estabilizam as membranas celulares e sequestram ROS.

Figura 4. Respostas do metabolismo redox frente ao estresse hídrico. Representação gráfica de uma planta utilizando o
Pokémon Bellsprout, cuja morfologia se assemelha muito a uma planta, submetida a alta intensidade luminosa, déficit
hídrico e alta temperatura, gerando uma situação de estresse hídrico. As etapas e abreviações desse processo encontram-
se descritas no texto.

180
Considerações finais
A partir do exposto acima, concluímos que as plantas apresentam um sistema versátil e
complexo para promover sua desintoxicação por radicais livres, um processo que tomamos a
liberdade de comparar grosseiramente à uma dieta detox. Seu metabolismo redox atua em diferentes
compartimentos celulares e tecidos, utilizando sistemas enzimáticos e não-enzimáticos para
promover uma condição detox de equilíbrio em condições normais e, principalmente, frente a diversos
tipos de estresse. O estresse hídrico é um dos casos em que o balanço redox é altamente modulado e
requer ampla atuação dos sistemas antioxidantes para eliminação das ROS. Ademais, entendendo o
papel das ROS e dos antioxidantes para a homeostase em organismos vegetais, é possível imaginar a
importância do metabolismo redox em organismos animais.

Referências
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Estimating Water Deficits In Leaves. Australian Journal of Biological Sciences 15(3) 413 –
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6 ed., Artmed, São Paulo, 2017. 858 p.
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and Future Challenges. Science (80- ) 336: 1671–1672.

181
CAPÍTULO 14

Óxido nítrico como regulador de processos metabólicos em plantas

Alexandre Junio Borges Araujo (Universidade de São Paulo)

Óxido nítrico
Em 1998, os farmacologistas Robert F. Furchgott, Ferid Murad e Louis J. Ignarro foram
agraciados com o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina devido as descobertas da influência do
óxido nítrico (ON) na vasodilatação e na ativação da via de transdução do GMP cíclico. Esse fato
casou grande impacto em muitas áreas da biologia, que culminou em explosão de estudos sobre a
influência do ON em diversas vias metabólicas, principalmente sua relação com as espécies reativas
de oxigênio (ROS) (Del Castello, 2019).
O óxido nítrico ou monóxido de nitrogênio (MW=30,006g/mol) é um radical livre gasoso
altamente reativo que apresenta um elétron desemparelhado (2p-π), e por consequência, possui uma
vida muito curta em sistemas biológicos. Essa molécula é capaz tanto de receber elétrons, formando
o cátion NO+, quanto doar, formando o ânion nitroxil (NO -). O ON está presente no interior das
células em baixa concentração, onde é capaz de reagir com diversos grupos moleculares, como tióis,
proteínas, lipídeos, nucleotídeos, cofatores enzimáticos e diversas ROS, principalmente com o
superóxido (O 2º-), formando o peroxinitrito (ONOO -). Juntamente com a s-nitrosoglutathiona
(GSNO), o radical de dióxido de nitrogênio (NO ²), peroxinitrito (ONOO -), cátion nitrosil (NO+) e o
trióxido de dinitrogênio (N²O ³) e outras espécies derivadas, o ON compõe o grupo de espécies reativas
de nitrogênio (RNS).
Eventos abióticos, como descargas elétricas, vulcanismo, combustão de automotores, entre
outros, podem dar origem ao ON. Além disso, há a produção por origem biológica, resultante do
metabolismo. Atualmente se conhece sete rotas redutoras e oxidativas de biossíntese de ON. Em
mamíferos foram identificadas três isoformas de enzimas que na presença de O 2 são capazes de
produzir ON, as óxido nítrico sintases (NOS; EC 1.14.13.39). A NOS são capazes de converter de L -
arginina em L-citrulina e ON através de diversas reações que envolvem vários cofatores e agentes
redutores. A isoforma óxido nítrico sintases endotelial (eNOS) é a principal responsável pela
produção de ON que atua na regulação vascular, enquanto a óxido nítrico sintases neuronal (nNOS)
é a mais ativa na produção em tecidos muscululares esqueléticos.
Em plantas não foi identificado nenhuma sintase de óxido nítrico, mas a produção desse radical
se dá por ação de outras enzimas e por reações não enzimáticas. Em condição de hipóxia (baixa taxa
182
de oxigênio no ar) e acidez, o nitrato (NO2-) e o nitrito (NO3-) são convertidos em NO- pela nitrato e
nitrito redutase, respectivamente. Na revisão de Del Castello et al. (2019), é mostrado como as taxas
intracelulares de óxido nítrico dependem diretamente da sua produção primária e secundária, bem
como da absorção, armazenamento e eliminação de diferentes formas da molécula.

Figura 1. Balanço do óxido nítrico na célula. A entrada do ON na cadeia metabólica se dá principalmente pela a ação das
enzimas nitrato e nitrito redutases, e a ação de enzimas semelhantes a óxido nítrico sintases de mamíferos. Em condição
de hipóxia e em pH ácido, há a formação de nitrito que entra no sistema. A célula é capaz de armazenar o ON na forma
de glutationa s-nitrosilada (GSNO), de tiols nitrosilados (SNO), e no complexos dinitrosil-ferro (DNICs). A eliminação
do ON se dá tanto da forma de sequestro, por átomos de ferro, superóxido ou dissulfeto, quanto pela forma de transporte,
pelos DNICs, GSNO, cisteína nitrosilada (CysNO), e na forma de nitrito e nitrato.

Em plantas, há evidências que o NO atua como sinalizador em diversos processos fisiológicos


incluindo, germinação, crescimento da raiz, fechamento dos estômatos, respostas adaptativas aos
estresses biótico e abiótico, e na embriogênese somática. Esses processos podem são regulados por
várias vias de ação do ON, principalmente relacionado a o seu efeito antioxidante e sua capacidade
de modificar proteínas.

Óxido nítrico e se efeito antioxidante


As espécies reativas de oxigênio são importantes sinalizadores celulares quando em baixa
concentração, mas em contrapartida, em níveis altos, causam uma série de prejuízos aos componentes
celulares, por exemplo, nas membranas e na clorofila, danos aos ácidos nucleicos e proteínas. Esses
processos acabam levando à morte celular. Diversos estudos mostraram que há uma dualidade na
183
ação do ON em relação às ROS, que pode ser protetor ou danoso à célula. O ON tem um grande efeito
antioxidante em várias vias metabólicas. Em um trabalho com tomateiros, demonstrou que o dano ao
tecido vegetal causado pelo H2O2 acumulado após a remoção de um fruto é reduzido na presença de
doadores de ON. Laxalt et al. (1997) também mostrou que o ON minimiza os efeitos das ROS,
protegendo moléculas de clorofila do dano oxidativo e Paris et al. (2007) que o ON é produzido em
folhas de batatas após um ferimento e que essa molécula é necessária para o via de cicatrização.
Os herbicidas Diquat e Paraquat causam uma superprodução de O 2º- no cloroplasto, levando
a planta à deficiência na produção de glicose e a morte. Plantas tratadas com ON foi capaz de inibir
parcialmente algumas dessas lesões, como quebra de clorofila, proteína e RNA, além de impedir a
necroses e a desfolhação. Em células de aleurona de cevada tratadas com ácido giberélico (GA), o
ON e o antioxidante butil hidroxi tolueno (BHT) tiveram ações semelhantes eliminando espécies
oxidativas e assim prologando a vida das células.
Outra ação estudada muito importante do ON é o aumento da tolerância em plântulas e folhas
de trigo sob estresse hídrico, onde a interação do ON com o O 2º- ou com o lipídeo hidroperoxil,
impediu a peroxidação lipídica, um efeito do estresse oxidativo danoso à membrana, promovido pela
indisponibilidade de água. Durante um estresse por altas concentrações de sais, as plantas passam por
um processo “burst” oxidativo, onde a concentração de ROS é drasticamente aumentada. Nessa
situação, de acordo com os resultados de Zhao et al. (2004), em Phragmites communis, o ON aumenta
a atividade de PM H + ATPase que aumenta a concentração entre K + em relação à NA+, aumentando
o potencial antioxidante dentro da célula. Além disso, Innocenti et al. (2007), em Medicago
truncatula, mostrou que o ON induz a produção de glutationa reduzida (GSH), que é uma das
principais vias antioxidantes das células.
Durante o “burst” oxidativo, a células também ativa mecanismos enzimáticos para conter os
danos causados pelas ROS, geralmente esses mecanismos são mediados pelo hormônio de estresse
ácido abscísico (ABA), que promove a alta expressão de enzimas antioxidantes, como a superóxido
dismutase (SOD) que catalisa a dismutação do superóxido em oxigênio e peróxido de hidrogênio, a
Catalase (CAT) que catalise a reação do peróxido de hidrogênio em água e oxigênio, e a ascorbato
peroxidase (APX) que utiliza o ascorbato como substrato para catalisar a reação do peróxido de
hidrogênio, para água. Quando tratado com um sequestrado de ON, o efeito do ABA é anulado,
mostrando que essa via depende da ação desse radical. Esses resultados demonstraram que não
somente o ON atua diretamente eliminando espécies reativas de oxigênio como ativa outros
mecanismos intrínsecos às células para tal ação, aumentando a capacidade das plantas de se adaptar
a condições adversas.

184
Ação do óxido nítrico como modificador pós traducional
Os principais efeitos do ON em organismos biológicos, ignorando os efeitos antioxidantes, se
dão por modificações proteicas. Atualmente se conhece três processos, a nitração da tirosina, a
nitrosilação de compostos metálicos e a s-nitrosilação de cisteína.
A nitração de tirosina é um processo irreversível onde há a ligação de um NO 2 com o
aminoácido tirosina. Vale destacar que outros aminoácidos como cisteína, metionina, triptofano
também podem sofrer nitração, mas como a maioria dos estudos identifique a tirosina como alvo,
daremos enfoque nessa reação. Esse processo é mediado pelo ONOO -, que é capaz de oxidar o anel
aromático da tirosina na posição 3’. Foram identificadas vias secundárias que podem participar da
nitração, porém, com a baixa importância biológica. A nitração de aminoácidos geralmente ocorre
quando a célula está passando por um estresse nitrosativo, podendo alterar a estrutura e a atividade
de muitas proteínas.

NO2

NO + O2º- ONOO-

Figura 2. Nitração da tirosina (3-nitrotirosina)

A S-nitrosilação é uma modificação pós-traducional que consiste na ligação covalente


reversível de um radical ON no grupo tiol do aminoácido cisteína, que regula a atividade, localização,
estabilidade e interação de muitas proteínas. Essa reação pode acontecer de diversas maneiras, o ON
pode reagir com o NO2, formando N2O3 , que depois é oxida o grupo tiol; os grupos metálicos de
proteínas, como ferro e cobre são capazes de sequestrar o ON e depois oxidar tióis; e a forma mais
comum que é a trans-nitrosilação, quando um tiol nitrosilados transfere o ON para outro tiol. A
identificação de proteínas S-nitrosiladas é comumente isolada utilizando o método de substituição
com biotina, onde há a conversão de resíduos –SNO em grupos biotinilados, o que permite uma
análise proteômica.
Compostos metálicos também podem sofrer nitrosilação, como o ferro de proteínas hemes. Essa
reação pode ser reversível, se o ON reagir com o ferro férrico (FE III) ou irreversível se interagir com
o ferro ferroso (FE II). No caso da reação reversível, o metal nitrosilados pode oxidar um tiol, dando
origem a um s-nitrositiol.

185
NO2 + NO N2O3

Nitrosilação via metal

NO

Figura 3. S-nitrosilação via trans-nitrosilação e via metálica. c. Nitrosilação de grupos metálicos.

A s-nitrosilação está envolvida em várias vias, por exemplo, durante a reposta de


hipersensibilidade, a s-nitrosilação regula algumas proteínas que estão relacionadas às respostas
antioxidantes e a sinalização, como a peroxiredoxina e a Ascorbato peroxidase (APX). Além disso, a
NADPH oxidase s-nitrosilada aparentemente possui uma redução na produção de ROS. Também foi
identificado que a s-nitrosilação de fatores de transcrição regula a ativação de genes de defesa da
planta e germinação de sementes e na indução de genes responsivos à auxina. Em peroxissomos o
ON inibi dá a ação da catalase e a glicolato oxidase. Além desses, outros trabalhos demonstram a
importância da s-nitrosilação para inibir ou ativar proteínas que estão envolvidos com vários
processos celulares. Todos os estudos mostrados aqui e muitos outros não citados mostram a
importância do óxido nítrico em diversas vias metabólicas, independente da forma de ação, o que
justifica a quantidade de estudos relacionados a entender os processos no qual ele está envolvido.

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189
Parte III

RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS

190
CAPÍTULO 15

A parede celular: do cafezinho ao etanol celulósico

Adriana Grandis (Universidade de São Paulo)


Débora Pagliuso (Universidade de São Paulo)
Marina C. M. Martins (Universidade de São Paulo)
Débora C.C. Leite (Universidade de São Paulo)

Atualmente muito se discute sobre a qualidade de vida e consumismo, e o que isto influência
na sustentabilidade do planeta. Em todas as cadeias produtivas, de materiais e principalmente de
energia, têm se buscado formas de empregar “produtos verdes”. Esses produtos nada mais são do que
materiais recicláveis e biodegradáveis que poluem menos, ou ainda, que retornam para o sistema via
ciclo do carbono, evitando o uso dos derivados fósseis. As plantas são a matéria prima desses
“produtos verdes” utilizados principalmente na alimentação, geração de calor, vestimenta, moradia,
cosméticos, fármacos e materiais. Além disso, após diversas evidências científicas sobre o
aquecimento global e a necessidade de reduzir as emissões de CO2 na atmosfera, tem se discutido
muito sobre como as plantas podem ser utilizadas para mitigar os efeitos resultantes das mudanças
climáticas e também a ampliação de seu uso como fonte energética em substituição ao petróleo. Estes
são dois gargalos a serem resolvidos pela sociedade atual e que afetam diretamente a economia global.
Na Idade da Pedra, no período do Paleolítico, a biomassa já era utilizada pelos primeiros
hominídeos para gerar energia através do fogo. A energia proveniente da queima da biomassa foi a
maior responsável pela sobrevivência e pelo grau de desenvolvimento da humanidade, principalmente
pelo cozimento de alimentos, que por sua vez, contribuiu para o desenvolvimento cerebral devido a
maior disponibilidade de nutrientes. Desde então ninguém sabia ainda que a maior parte desta
biomassa era composta por uma estrutura chamada parede celular.
O uso da biomassa para a produção de calor e luz foi suficiente
Sugestão de Leitura:
somente até a Revolução Industrial. Nesse período, a demanda por
Pegando Fogo: Por que
madeira aumentou tanto que, no final do século XVII, já havia escassez
cozinhar nos tornou
desse insumo na Europa, tal era o seu consumo para os processos humanos?
por Wrangham, R. 2009
industriais. A partir desse momento, buscaram-se novas fontes de
obtenção de energia de recursos não provenientes de biomassa (carvão mineral e petróleo). A energia
provida dos combustíveis fósseis passou a ser a mais utilizada representando cerca de 80% da oferta

191
total mundial. No entanto, dados recentes apontam que em constante produção e consumo, as reservas
de petróleo disponíveis durarão cerca de 41 anos, as de gás natural 64 anos e as de carvão 155 anos.
Estes fatos juntamente com o cenário atual de mudanças climáticas globais, retomaram, no
século XXI, a busca por fontes alternativas de energia geradas a partir da parede celular (biomassa)
para produzir energia limpa e renovável. Exemplos de sucesso são a geração de energia elétrica
(gaseificação, pirólise etc), e a produção de combustíveis líquidos (box 1).

Box 1. Gerações dos combustíveis líquidos.

É preciso mencionar que a parede celular está em qualquer produto de origem vegetal, desde
as nossas roupas (produtos) até na nossa alimentação como o famoso cafezinho no café da manhã ou
depois do almoço.

192
A grande maioria das pessoas não
imagina que ao beber café está consumindo
polissacarídeos de parede celular, e que
dependendo da sua composição e modo de
extração pode estar obtendo um café
naturalmente adocicado e encorpado ou saboroso
e com um belíssimo aroma. O primeiro caso
(adocicado e encorpado), é característico do café
expresso, enquanto que o café em coador de papel
tradicional ou cafeteira elétrica possui maior
aroma e sabor. Mas qual a relação da parede
celular com a qualidade do café? Na verdade, fora
o prazer que depende da sensibilidade de cada
um, o modo de preparo tem muita influência no tipo de açúcar que será extraído, desde a torrefação,
passando pela moagem e técnica de extração do café. A bebida mais
consumida no Brasil é composta principalmente de açúcares de parede
celular chegando à 60% de açúcares que não são calóricos, como a
galactose, a manose e a arabinose, que dão um toque adocicado ao café.
Boa parte desses açúcares é encontrada no café na forma de cadeias
longas, os polissacarídeos – galactomananos e
arabinogalactanos – que não são aproveitados pelo sistema digestivo, mas ajudam a reduzir a absorção
de colesterol. O café expresso feito com água pressurizada até 130°C extrai cerca de 3,5 vezes mais
açúcares, proteínas e lipídeos que a cafeteira elétrica e 1,8 mais que o coador de papel. Portanto, o
café expresso é mais concentrado em extrativos e possui menos polissacarídeos íntegros, devido à
alta temperatura que contribui com a quebra dos polissacarídeos à monossacarídeos. Essa maior
concentração de monossacarídeos que resulta em uma bebida mais encorpada. Por causa do tempo
maior de filtragem e da menor temperatura da água, o café de coador preserva mais as moléculas e
contém mais açúcares livres do que polissacarídeos que o café expresso. O tempo de filtragem é mais
decisivo que a temperatura para extrair os dois tipos de açúcares (livres e em cadeia). Devido ao fato
do método de coador de papel ficar extraindo por mais tempo (cerca de 17 minutos), obteve-se uma
extração de 60% mais polissacarídeos por grama de pó que a cafeteira. Vem daí o sabor suave desse
café, o que fica retido no coador ou nas máquinas de café são açúcares, principalmente mananos, que

193
também podem ser utilizados para outros fins como geração de biomassa e muitas vezes adubação de
plantas.
O homem sempre utilizou as plantas biotecnologicamente a favor do seu conforto, mesmo
sem saber ao certo suas diferenças em composição. A parede celular das plantas é uma estrutura
complexa formando polímeros interligados que circundam as células vegetais e na sua maioria são
polissacarídeos (box 2) que podem ser agrupados em três classes: celulose, hemiceluloses e pectinas.

Box 2. Definição carboidratos, monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos.

Os polissacarídeos são formados por distintas combinação e arranjos de açúcares simples


(monossacarídeos), apresentados na Figura 1. Vale ressaltar que embora existam 20 açúcares distintos
que podem ser encontrados nas paredes celulares de plantas, apenas três classes (celulose,
hemiceluloses e pectinas) com composições específicas são encontrados. Isso demonstra que existe
um código para a síntese dos polissacarídeos de parede.

194
Figura 1. Monossacarídeos que compõem a parede celular vegetal. Adaptado de O´Neill; York (2003) -The composition
and structure of plant primary cell walls. In: The Plant Cell Wall. Annual Plant Reviews. Blackwell Publishing-CRCR
PRESS, vol. 8. Cp.1. p. 3

Os polissacarídeos que compõem a parede celular são usualmente descritos seguindo o


modelo de McCann & Roberts (1991), em que a porção interna é constituída por microfibrilas de
celulose, as quais hemiceluloses e compostos fenólicos estão aderidos, e essa unidade está imersa em
uma matriz péctica. Os polissacarídeos interagem entre si e estão covalentemente ligados (figura 2).
A celulose, polissacarídeo mais abundante das paredes, é um polímero linear composto de
unidades glicose unidas por ligações glicosídicas β-1,4. Na natureza a
celulose é primordialmente cristalina. Essa cristalinidade se deve a Sugestão de Leitura:

organização paralela e antiparalela das cadeias de glicose, que por sua vez Cápitulo 2: A parede
celular por Carpita et al.
confere resistência à tração, ataques enzimáticos e à solvatação, como em Bioquímica e
também estão envolvidas na flexibilidade e alongamento das células. Biologia Molecular de
plantas, ed. Buchanan et
al. (2015).

195
Lamela Média

Pectinas

Lignina
Microfibrilas de
Celulose
Hemiceluloses
Membrana Plasmática
Citosol
Figura 2. Estrutura da parede celular vegetal.

As hemiceluloses compreendem uma classe de polissacarídeos heterogêneos, os quais podem


ser mananos, xilanos, xiloglucanos ou glucanos. No caso dos mananos, sua cadeia principal é
constituída de manose unidas na posição β-1,4 por ligações glicosídicas que quando ramificadas
podem formar três subclasses: glucomananos (manose e glicose), galactomananos (manose e
galactose) e galactoglucomananos (manose, galactose e glicose). Os mananos são responsáveis por
conferir certa rigidez a parede celular, podem atuar como tecido de reserva em sementes, e
industrialmente podem ser empregados como gelificante e estabilizantes em alimentos. Os xilanos
apresentam cadeias principais de xilose, as quais podem ser interrompidas por ácidos glucurônico,
arabinose e acetil para formar glucuronoxilano, arabinoxilano e glucuronoarabinoxilano. Tais
polímeros são importantes no desenvolvimento de tecidos, sustentação e força do vegetal, e também
podem ser polímeros de reserva em grãos de cereais. Na indústria, assim como os mananos, podem
ser usados como gelificantes, mas também podem ser usados como aditivos de farinhas e como anti-
carcinogênico na farmacêutica.
Já os xiloglucanos são polímeros de unidades repetidas de glicose, a qual pode ser ramificada
com xilose, ou galactose ou arabinose. A galactose ainda pode ser substituída por fucose. Geralmente
existem sequências tetras ou penta (oligossacarídeos) repetidas em certo padrão, o qual confere uma
significância tanto funcional como taxonômica. Os xiloglucanos estão envolvidos no alongamento
celular, coordenam a disposição de celulose e também podem servir como reserva. Industrialmente
podem estar envolvidos na indústria alimentícia e farmacêutica como carreador de substâncias e no
tratamento de úlceras. Por fim, os glucanos de ligação mista, também chamados de β-glucanos, são

196
cadeias de glicose unidas por ligações β-1,4 e β-1,3 presentes em gramíneas. Os β-glucanos tem se
mostrado eficientes na redução dos níveis de colesterol e açúcar do sangue.
Como já mencionado, a celulose e hemicelulose interagem entre si e estão imersas em pectinas
que dão fluidez para a parede. As pectinas são polissacarídeos solúveis ricos em ácidos galacturônicos
(GalA) a formar cinco subclasses: homogalacturonanos, ramnogalacturonanos do tipo I,
ramnogalacturonanos do tipo II, xilogalacturonanos e apiogalacturonanos.
Os homogalacturonanos são as pectinas mais simples, formados de cadeias de ácidos
galacturônicos unidos por ligações glicosídicas α-1,4 podendo ser metil ou acetilesterificados. Os
ramnogalacturonanos do tipo I são dissacarídeos repetidos de ácido galacturônicos e ramnose, em
que a cada vinte e cinco unidades de ácidos galacturônicos ocorre uma interrupção da cadeia principal
por ramnose. A ramnose por sua vez, pode ramificar esse açúcar com cadeias laterais de galactano
(galactose) e arabinogalactano (galactose, arabinose e fucose). Enquanto que os ramnogalacturonanos
do tipo II (RG-II) são os polissacarídeos de parede mais complexos por apresentarem 11 açúcares
pouco convencionais distribuídos em quatro cadeias laterais com 22 ligações glicosídicas. Os
xilogalacturonanos são formados de cadeias de ácidos galacturônicos ramificadas com xilose,
enquanto os apiogalacturonanos por apiose.
De forma geral, as pectinas estão envolvidas na morfogênese, adesão, elongação celular,
desenvolvimento do tubo polínico, hidratação de sementes, abscisão foliar e desenvolvimento de
frutos. Também são responsáveis pela resistência, força e suporte da célula pelo fato de ditar a
porosidade, carga superficial, pH e balanço de íons das paredes celulares. Industrialmente as pectinas
são empregadas como géis, estabilizantes e anti-oxidantes na indústria de cosméticos, alimentos e
bebidas, na saúde humana como redutor de níveis colesterol e glicose, anticancerígenos,
estimuladores da resposta imune, calmantes para dor, redutor de incidência a doenças cardíacas,
inibidor da atividade lipase, como também são exploradas como veículos de drogas.
As três classes de polissacarídeos celulose, hemiceluloses e pectinas têm características e
estruturas próprias, permitindo assim, o desenvolvimento do vegetal. Normalmente a proporção
desses polissacarídeos na parede está entre 80 a 90%, sendo o restante proteínas e compostos
fenólicos (principalmente a lignina). As proteínas da parede celular podem ser do tipo estrutural
(proteínas com grande teor de glicina e prolina) ou enzimas que correspondem a menos de 10% da
parede.
As paredes celulares são classificadas em primárias e secundárias. As paredes primárias são
as que permitem o crescimento do vegetal, portanto não apresentam tanta resistência mecânica. Já as
paredes secundárias são formadas sobre as parede primária pela deposição de celulose, hemicelulose
e/ou lignina em tecidos maduros. Ademais, são mais espessas e apresentam menor teor de água

197
quando comparadas com a parede primária, conferindo rigidez, delimitando a célula e protegendo o
material vegetal contra patógenos.
Ainda, a composição e proporção entre os domínios proteínas, celulose-hemicelulose e
pectinas da parede celular primária as classificam em tipos. Gibeaut & Carpita (1993) propuseram
uma separação das paredes celulares da planta em dois grupos. Paredes do tipo I são típicas de
eudicotiledôneas (e algumas monocotiledôneas), sendo que estas plantas possuem como principal
hemicelulose o xiloglucano e também maior proporção de pectinas.
Nas paredes do tipo II (características de monocotiledôneas gramíneas - Poaceae ou
Gramineae) são encontradas menores proporções de pectinas e predominância de arabinoxilanos e β -
glucano como polímeros hemicelulósicos. Essas duas hemiceluloses entrelaçadas se associam
fortemente com a microfibrila de celulose e formam parte do esqueleto da parede, o qual mantém a
integridade do tecido. Outra diferença encontrada nas paredes destas gramíneas é a presença de
compostos aromáticos em paredes ainda não-lignificadas. Estes compostos aromáticos estão
presentes principalmente na forma de ácido ferúlico e interligam os arabinoxilanos na parede celular,
cessando o crescimento e reduzindo a acessibilidade de hidrolases de patógenos na parede celular.
Ainda foi descoberta em samambaias outro tipo de parede celular. Essa foi nomeada como do tipo
III, onde a principal hemicelulose é o manano e o conteúdo de pectinas também é reduzido.

198
Box 3. Composição monomérica dos polissacarídeos de parede celular.

199
Portanto, a parede celular é uma estrutura de polissacarídeos complexa formado por distintos
açúcares entrelaçados (ver figura 2 e box 3) a desempenhar resistência mecânica, proteção, adesão
celular, como também são responsáveis pela limitação do tamanho e volume celular, controle da
condução de água e soluto, e consequentemente essas estruturas determinam a relação entre pressão
de turgor e volume. Isso porque as paredes celulares vegetais evoluíram para criar resistência ao
ataque bioquímico por organismos vivos, uma vez que são a primeira barreira entre as células e o
ambiente. Desta maneira, a parede celular vegetal é um material extremamente recalcitrante à
digestão enzimática, dificultando a liberação dos seus açúcares.
Pela grande disponibilidade da parede celular (por estarem em todas as células de uma planta
e consequentemente em todos resíduos agroindustriais) e de seus açúcares, a viabilidade desse
material para diversos fins necessita de desenvolvimento de tecnologias eficientes e eficazes para a
bioconversão dos polissacarídeos e aplicação biotecnológica dos mesmos.
Diversos estudos fisiológicos mostram que em diversas situações as paredes Sugestão de Leitura:

celulares são eficientemente degradadas por seus próprios sistemas Using natural Plant
Cell Wall degradation
enzimáticos, oferecendo assim oportunidades para compreender os mechanisms to
improve second
mecanismos de controle desse processo para futuras aplicações. generation bioethanol
por Grandis et al.
Levando em conta a necessidade de reduzir as emissões de carbono para
(2014).
conter as mudanças climáticas, torna-se essencial o emprego da biotecnologia a fim de substituir os
derivados do petróleo, sendo que o emprego da biomassa para geração de energia bem como o plantio
de árvores, poderão contribuir nessa mitigação.

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203
CAPÍTULO 16

Rastreio de moléculas bioativas provindas de extratos de plantas

Janayne Gagliano (Universidade de São Paulo)


Wilton Ricardo Sala de Carvalho (Universidade de São Paulo)

Por séculos a humanidade tem recorrido à natureza para a cura e tratamento de diversos males.
As plantas em particular, têm sido utilizadas para fins terapêuticos desde os primórdios das
civilizações. Como grandes exemplos podemos citar o livro “Prescrições para 52 doenças”, escrito
durante a Dinastia Han na China, cujo conteúdo trazia a descrição de 208 plantas para o tratamento
de diversas doenças, dentre elas, a utilização e os benefícios da Artemisia annua para o tratamento de
“febres”. Já no Egito, os papiros de Ebers que descreviam a utilização de diversos medicamentos
baseados em plantas, tendo em seu conteúdo as propriedades sedativas do ópio (Papaver
somniferum), digestivas do rícino (Ricinus communis), da alcaravia (Carum carvi) e da hortelã
pimenta (Mentha piperita). Na Índia, um tratado médico com mais de 500 plantas denominado
Caraka, baseado na medicina Ayurvédica. E por fim, o livro De Materia Medica escrito pelo grego
Pendamius Dioscorides, que trazia a descrição de cerca de 600 plantas para uso terapêutico, este
último certamente foi um dos mais importantes, perdurando por muitos séculos.
Já no séc. XVII passou-se a reconhecer que as propriedades medicinais das plantas estavam
relacionadas a "princípios ativos", contidos no interior dos órgãos vegetais. O termo princípio ativo
persiste até os dias atuais, com o significado de uma mistura de componentes que contém as
substâncias responsáveis pela ação medicinal. Cada substância isolada, presente entre os princípios
ativos, com a sua estrutura claramente definida, constitui um fármaco.
Estudos sobre a composição das plantas, com o intuito de elucidar os “princípios ativos”
iniciaram-se um século depois, em meados do século XVIII. Contudo, esses estudos eram muito
rudimentares e desprovidos de qualquer eficácia quanto aos objetivos pretendidos, claramente porque
não se tinham conhecimentos necessários na época para tal. Com a introdução da fase científica da
química se deu início a etapa de real extração dos princípios ativos e análise dos seus componentes.
O primeiro fármaco obtido de plantas foi a morfina, que foi isolada a primeira vez em 1816.
Contudo, a sua estrutura foi elucidada somente em 1925. Durante a primeira metade do século XX,
houve um notável progresso nas análises das plantas para a determinação das estruturas dos fármacos.
Porém, foi somente após a segunda metade do século que se observou uma verdadeira explosão em
termos do conhecimento da composição química das plantas. Isso ocorreu devido aos enormes

204
progressos conseguidos no campo da química orgânica chamada química de produtos naturais, que
foi beneficiada pela introdução de algumas técnicas que abreviaram e facilitaram as etapas de
isolamento e determinação estrutural de um fármaco.
Os produtos naturais, até os dias atuais, representam uma fonte de descobrimento de novas
drogas. Segundo um levantamento realizado por Newman & Cragg (2016), nos últimos 34 anos foram
aprovados 1.562 novos fármacos, sendo que 26% deles provêm de produtos naturais e/ou derivados.
Esses dados mostram a importância e potencial dos produtos naturais para o tratamento de diversas
doenças.

Metabólitos secundários ou produtos naturais

Através da utilização da energia solar, as plantas possuem a capacidade de converter água e


dióxido de carbono em energia química, por meio de um processo de transformação conhecido como
fotossíntese. A partir desse processo, se inicia uma cascata de reações metabólicas das quais serão
sintetizados todos os compostos orgânicos. Alguns desses metabólitos são macromoléculas que estão
presentes em todos os organismos vivos, como os carboidratos, ácidos nucleicos, proteínas, lipídeos,
e são substâncias envolvidas na geração de energia e constituição do protoplasto. Porém, existe outro
grupo de substâncias sintetizado pelos vegetais que possui distribuição restrita entre os grupos
taxonômicos, o grupo dos metabólitos secundários ou especiais, ou ainda, produtos naturais. Essas
substâncias estão diretamente envolvidas na comunicação desses organismos com o meio exterior, na
proteção e defesa frente a fatores de estresse biótico e abiótico.
Embora exista uma grande diversidade estrutural entre os produtos naturais, essas substâncias
podem ser classificadas de forma geral, em três grandes grupos, de acordo com as suas semelhanças
estruturais e propriedades químicas: substâncias fenólicas, terpenoides e substâncias nitrogenadas
(Fig.1).

Figura 3. Exemplos de: (A) substância nitrogenada; (B) terpenoide; (C) substância fenólica.

205
Os metabólitos secundários são sintetizados através de quatro vias metabólicas distintas,
sendo elas, a via do ácido chiquímico e do acetato malonato, que sintetizam as substâncias fenólicas,
e as vias do acetato mevalonato e do metileritritol fosfato, que sintetizam os terpenoides. As
substâncias nitrogenadas têm como precursores aminoácidos aromáticos provindos da via do ácido
chiquímico, aminoácidos alifáticos provenientes do metabolismo primário, entre outros precursores
nitrogenados.
Todas essas classes de produtos naturais são sintetizadas a partir de produtos e/ou subprodutos
do metabolismo primário vegetal. A Acetil-CoA, que é um produto da via glicolítica, desempenha
um papel importante para a formação dos terpenoides, substâncias fenólicas e nitrogenadas. Para a
síntese dos terpenoides, três moléculas de Acetil-CoA serão precursoras na via do acetato mevalonato
(MEV), a qual ocorre no citoplasma das células. Já, a outra via envolvida na síntese dos terpenoides
é a via do metileritritol fosfato (MEP), que ocorre nos cloroplastos, sendo restrita aos organismos
fotossintetizantes, e tem como precursores as moléculas de piruvato e o gliceraldeído 3-fosfato,
substâncias intermediárias da via glicolítica. Contudo, ambas as vias sintetizarão o isopentenil
difosfato (IPP) e o seu isômero dimetilalil difosfato (DMAPP), que são as unidades pentacarbonadas
ativas na formação dos terpenoides. Essas unidades se condensam formando as diferentes classes de
terpenoides, como os monoterpenos, sesquiterpenos, triterpenos, diterpenos e tetraterpenos.
Já a principal via para a síntese de substâncias fenólicas, em plantas, é a via do ácido
chiquímico, que tem como precursores a molécula de fosfoenolpiruvato, proveniente da via
glicolítica, e a eritrose 4-fosfato, provinda do ciclo das pentoses fosfato. Esses intermediários se
condensam formando o primeiro intermediário carboxílico, o ácido 3-dehidroquínico, precursor do
ácido 3-dehidrochiquímico. A partir da formação deste intermediário é que serão sintetizados o ácido
gálico, o ácido protocateico e por sua vez o ácido chiquímico. Do ácido gálico teremos a sua
polimerização com açúcares, originando os taninos hidrolisáveis. O ácido chiquímico por sua vez,
após uma série de reações, levará à síntese dos aminoácidos aromáticos fenilalanina, tirosina e
triptofano. A fenilalanina é um precursor importante para a formação da maior parte das substâncias
fenólicas, pois a partir de sua desaminação são sintetizadas várias classes de substâncias fenólicas
como os fenilpropanoides, os lignoides, as ligninas e as cumarinas.
Como dito anteriormente, as substâncias fenólicas são sintetizadas por duas vias distintas, a
outra é a via do acetato malonato, que em plantas é importante quando combinada com outras vias.
A síntese de substâncias fenólicas por essa via se dá pela condensação de três moléculas de Acetil -
CoA ao 4-cumaroil-CoA, proveniente da via do chiquimato, e essa junção dará origem às chalconas
e aos estilbenos, que são substâncias fenólicas de biossíntese mista. Das chalconas serão sintetizadas
todas as outras classes de flavonoides, como as flavanonas, flavonas, dihidroflavonóis, flavonóis,

206
catequinas, taninos condensados e antocianinas. Vale ressaltar que a via do acetato malonato também
é importante para a síntese de ácidos graxos e outras substâncias graxas que comporão as ceras
cuticulares nos vegetais.
Os aminoácidos aromáticos sintetizados através da via do ácido chiquímico são muito
importantes para a síntese de substâncias nitrogenadas, assim como os aminoácidos alifáticos, os
quais são produzidos pela via do ácido tricarboxílico. As substâncias nitrogenadas estão divididas em
diferentes classes, sendo elas os alcaloides, os glucosinolatos e os glicosídeos cianogênicos. A maior
classe de nitrogenados é a de alcaloides e esses são divididos em diferentes grupos de acordo com o
seu precursor.
Os metabólitos secundários possuem enorme valor agregado, pois são utilizados em diversos
segmentos da indústria: como para a fabricação de fármacos, na indústria têxtil, cosmética, agrícola,
dentre outros.

Rastreio de moléculas bioativas provindas de extratos vegetais

Ensaio é um conjunto de procedimentos laboratoriais de investigação analítica utilizada para


avaliar quantitativamente e qualitativamente a atividade de uma determinada amostra frente a algum
alvo. Dentre os tipos diferentes de ensaios nós temos os denominados ensaios in vivo, que são aqueles
realizados em organismos vivos; e os ensaios in vitro, que são aqueles realizados em equipamentos
laboratoriais, como placas de petri e microplacas. Geralmente os ensaios in vitro são realizados
preliminarmente, como uma triagem de amostras potencias, para posteriormente se seguir em ensaios
com modelos animais.
O objetivo deste capítulo é dar um panorama geral dos principais ensaios utilizados para
rastreio de moléculas com potencial medicinal provindas de extratos de plantas. Para tanto, neste
capítulo abordaremos alguns dos principais ensaios in vitro utilizados para avaliar o potencial
antioxidante, antimicrobiano, anti-HIV e antiproliferativo de extratos e/ou produtos naturais; e
falaremos brevemente sobre alguns ensaios in vivo que utilizam Zebrafish para rastreio de moléculas
bioativas.

Ensaios antioxidantes in vitro

Umas das primeiras abordagens para rastreio de moléculas bioativas provindas de misturas
complexas, como é o caso de extratos vegetais, são os ensaios antioxidantes.

207
Oxidação é a conversão de uma substância química em um derivado com menor número de
elétrons, portanto, é a perda de um ou mais elétrons para outra substância e o procedimento inverso
é considerado como redução. A transferência de elétrons é um dos processos químicos fundamentais
para a sobrevivência das células. Contudo, esse mecanismo gera a produção de radicais livres e outras
espécies reativas de oxigênio (ERO) que podem, quando em excesso, resultar em dano oxidativo.
As espécies reativas de oxigênio (ERO) e espécies reativas de nitrogênio (ERN) são átomos
ou moléculas produzidos continuamente durante os processos metabólicos e atuam como mediadores
para a transferência de elétrons em várias reações bioquímicas, como as envolvidas nos processos de
fotossíntese e respiração, por exemplo. São moléculas quimicamente instáveis e são altamente
reativas, algumas delas apresentam elétrons desemparelhados em sua última camada, e participam
das reações de oxirredução. Para atingir a estabilidade, essas espécies reativas tendem a se associar
rapidamente a outras moléculas de carga positiva, e com isso podem danificar células sadias do
organismo.
As principais fontes de espécies reativas são as organelas citoplasmáticas que metabolizam
oxigênio, nitrogênio e cloro, gerando grande quantidade de metabólitos, sendo a mitocôndria a
principal geradora de espécies reativas por meio da cadeia transportadora de elétrons. Contudo, sabe-
se que vários fatores externos podem causar estresse oxidativo, tais como a poluição, o ta bagismo, a
dieta inadequada, os exercícios físicos realizados de forma extrema, dentre outros.
Como visto, as espécies reativas são produzidas naturalmente pelos organismos vivos,
desempenham funções extremamente importantes ao metabolismo, pois possibilitam a geração de
energia por intermédio da cadeia transportadora de elétrons, propiciam a fertilização do óvulo, além
de participarem também na ativação de genes e mecanismos de defesa durante os processos
infecciosos. Porém, a produção excessiva dessas moléculas pode conduzir a danos oxidativos, tais
como danos ao DNA, proteínas, organelas celulares (como mitocôndrias) e membranas, provocando
alterações na estrutura e funções celulares e, dessa forma, se encontra envolvida em diversas
patologias.
Para manter o balanço de espécies reativas, os organismos vivos produzem substâncias que
são capazes de regenerar ou prevenir os danos oxidativos, exercendo seu papel como antioxidante. O
termo antioxidante pode ser definido como qualquer substância que, presente em menores
concentrações que as do substrato oxidável, sejam capazes de atrasar ou inibir a oxidação deste de
maneira eficaz. Tais substâncias podem agir diretamente neutralizando a ação dessas espécies
reativas, ou indiretamente, participando dos sistemas enzimáticos com tal capacidade.
Esse sistema antioxidante é usualmente dividido em dois: o enzimático, que inclui as enzimas
superóxido dismutase, catalase, ascorbato peroxidase e glutationa peroxidase, e o não enzimático,

208
que é constituído por grande variedade de substâncias antioxidantes, que, nos animais, podem ter
origem endógena, ou provir de fonte dietética como as vitaminas, minerais e as substâncias fenólicas.
Evidências demonstram que as Espécies Reativas de Oxigênio (EROs) e de Nitrogênio
(ERNs), associadas com baixos níveis de vitaminas A, C, E e de enzimas que capturam e eliminam
essas espécies, causam um aumento no estresse oxidativo do corpo humano, culminando com o
surgimento de diversas doenças degenerativas associadas ao envelhecimento, como câncer, doenças
cardiovasculares, catarata, declínio do sistema imune e disfunções cerebrais.
Atualmente existem diversos ensaios in vitro que são utilizados para determinar o potencial
antioxidante de determinada amostra, falaremos um pouco sobre eles a seguir.

- Ensaio antirradicalar de sequestro do radical DPPH (1,1-difenil-2-picril-hidrazil)

Este é um ensaio amplamente utilizado por ser considerado um método rápido, prático e com
boa estabilidade. A molécula de DPPH é um radical livre sintético estável que possui coloração
violeta. Este ensaio permite analisar a capacidade que determinada substância tem em transferir
elétrons ou doar átomos de Hidrogênio para estabilizar o radical livre, fazendo com que o radical
DPPH, que possui uma coloração roxa com absorção máxima em 515 nm, adquira uma coloração
amarelada quando reduzido a hidrazina (Fig. 2). A atividade é dada pela perda da absorbância em 515
nm, quanto maior a perda, maior será a atividade antirradicalar da amostra. O ponto negativo deste
ensaio é o uso de um radical sintético, ou seja, que não é produzido no nosso organismo.

Figura 2. Reação de estabilização do Radical DPPH frente a um composto doador de hidrogênio. Adaptado de Texeira
et. al. 2013.

- Teste antirradicalar de sequestro do radical ABTS (2,2’-azino-bis-3-etilbenzotiazolina-6-


ácido sulfônico)

209
O ensaio ABTS segue um princípio semelhante ao do DPPH, no qual um radical sintético é
usado para medir a capacidade que uma determinada amostra tem em estabilizar o radical livre através
da transferência de elétrons, da doação de átomos de hidrogênio ou até mesmo através da combina ção
dos dois mecanismos. O ABTS, quando na sua forma radicalar, possui uma coloração azul/verde com
absorção máxima em 734 nm, a partir do momento em que é estabilizado, perde a coloração se
tornando incolor (Fig. 3), dessa forma a sua atividade é fornecida pela perda de absorção em 734 nm,
quanto maior a perda, mais ativa é a amostra. Assim como no DPPH, este ensaio utiliza um radical
sintético, não presente no nosso organismo.

Figura 3. Reação de estabilização do Radical ABTS•+ frente a um composto doador de elétrons. Adaptado de Rufino et.
al. 2007.

- Atividade Quelante de Ferro

O ensaio Quelante de Ferro analisa a capacidade de determinada amostra em formar quelatos


com íons Ferro. Essa propriedade é importante, pois os íons metálicos, quando em excesso no nosso
organismo, causam efeitos deletérios através da capacidade de transferirem elétrons para moléculas
não radicalares, assim intermediando a formação de muitas espécies reativas de oxigênio (ERO’s).
Ao serem quelados, eles não ficam mais disponíveis para a consequente produção de radicais livres.
As fontes mais comumente usadas de íon ferroso são o sulfato ferroso e a ferrozina. Quando o íon
está presente, a Ferrozina possui uma coloração avermelhada com absorbância máxima em 562 nm,
ao perder o íon para alguma substância quelante ocorre a perda da coloração e consequentemente a
perda da absorbância em 562 nm, com isso a atividade é dada pela perda de absorção, quanto maior
a perda, mais eficiente é a amostra (Fig. 4).

210
Figura 4. Reação de quelação do íon Ferro presente na ferrozine por uma molécula de quercetina.
- FRAP (Ferric Reducing Antioxidant Power)

O ensaio Redutor do íon Fe3+ a Fe2+, também conhecido como FRAP, analisa a capacidade
que determinada amostra tem de transferir elétrons reduzindo íons metálicos ou radicais livres,
medindo assim a sua capacidade redutora. Para esse teste utiliza-se um complexo incolor de TPTZ
com íon Fe3+, que ao ser reduzido a Fe2+ ganha uma coloração azul intensa com absorção máxima em
593 nm, portanto, a atividade redutora de determinada amostra é proporcional ao ganho de absorção,
quanto maior o ganho, mais eficiente é a amostra (Fig. 5).

Figura 5. Reação da atividade redutora do íon Fe3+ a íon Fe2+. Adaptado de Kesic et. al. 2015.

- ORAC (Oxygen Radiance Absorbance Capacity)

Outra metodologia que tem sido muito utilizada atualmente é o método ORAC. Esse ensaio é
baseado na capacidade que o radical peroxila, gerado pela decomposição térmica do 2,2’-azobis (2-

211
Metilpropionamidina) dihidrocloridrico (AAPH), tem em oxidar a fluoresceína, capturando um
hidrogênio da sua estrutura, fazendo com que ela perca a capacidade de emitir fluorescência ao longo
de um determinado tempo.
Ao ser adicionada uma amostra antioxidante, ela irá doar hidrogênios aos radicais peroxilas
de forma a estabilizá-los e impedir que oxidem a fluoresceína, mantendo a emissão de fluorescência
por um período maior de tempo, de forma que quanto maior esse período, maior a atividade
antioxidante de determinada amostra.
As vantagens deste ensaio são de que o mesmo simula as condições presentes no nosso
organismo, como a temperatura em 37ºC, a presença de oxigênio para a formação do radical peroxíla,
e o próprio radical que é uma espécie reativa de oxigênio existente no nosso organismo.

- TBARS (Thiobarbituric Acid Reactive Substance)

Esse ensaio é baseado na capacidade que determinada amostra possui em proteger os lipídios
da reação em cadeia de peroxidação lipídica. Essa reação tem início quando um determinado radical
livre abstrai um Hidrogênio de um lipídio, fazendo com que ele mesmo se torne um radical, após o
qual formará o radical peroxila através da incorporação de uma molécula de oxigênio. Esse radical
continua sendo reativo e para se estabilizar irá abstrair um hidrogênio de outro lipídio, reiniciando o
ciclo de peroxidação e formando hidroperóxidos que são decompostos em diversos produtos, entre
eles o malonaldeido (MDA). Ao se adicionar ácido tiobarbitúrico (TBA) no meio em que ocorreu
peroxidação lipídica ele irá reagir com o MDA e formará um composto de coloração roxa com
absorbância máxima em 535 nm (Fig. 6), portanto, quanto menor a absorbância nesse comprimento
de onda, menor foi a formação de MDA e, consequentemente, maior o potencial antioxidante da
amostra em proteger contra a peroxidação lipídica.

212
Figura 6. Reação de peroxidação lipídica de um ácido graxo e consequente reação com ácido tiobarbitúrico,
caracterizando o teste de TBARS. Adaptado de Antolovich et. al. 2002.
Ensaios antibacterianos in vitro

Desde a descoberta da penicilina em 1928, os produtos naturais têm sido alvo de inúmeras
pesquisas para avaliar sua aplicação frente a diversos microrganismos. Contudo, a popularidade dos
antibióticos levou rapidamente ao uso excessivo desses medicamentos pelas populações, com isso,
os antibióticos estão perdendo a sua eficácia conforme os microrganismos patogênicos se adaptam,
tornando esses patógenos cada vez mais resistentes aos antibióticos disponíveis atualmente no
mercado.
Essa resistência dos microrganismos aos antibióticos tem elevado o interesse na pesquisa e
desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos. Nesse sentido, os produtos naturais são
considerados uma fonte fundamental de nova diversidade química e são componentes importantes
para a indústria farmacêutica atual. Nos últimos 34 anos, cerca de 140 novos fármacos com ação
antibacteriana foram aprovados para uso medicinal, sendo 82 deles provenientes de produtos naturais.
Para o uso como potenciais antibióticos se procuram substâncias que ajam em diversas etapas
do ciclo de reprodução da bactéria ou do microorganismo, como inibidores da síntese de ácidos
nucleicos (Quinolonas), inibidores da síntese de proteínas (Macrolídeos), inibidores da RNA
polimerase (Rifamicina), inibidores da síntese normal da parede celular (Penicilinas) e disruptores da
membrana plasmática (Polimixinas).

213
No processo de triagem de novos agentes antimicrobianos, vários ensaios biológicos in vitro
são aplicados, utilizando diferentes metodologias. Dentre elas, podemos citar o método de redução
da resazurina, e os métodos de diluição em ágar ou em caldo, que são metodologias amplamente
utilizadas.

- Ensaio da redução da resazurina

Esse ensaio consiste na aplicação da resazurina, um pigmento azul intenso, em uma cultura
de células bacterianas que irão reduzi-lo metabolicamente, através de enzimas mitocondriais, em
resofurina, um composto rosa que emite fluorescência em 590 nm ao ser excitado em um
comprimento de onda de 560 nm, quanto maior o número de bactérias vivas na cultura, maior será a
emissão de fluorescência (Fig. 7).

Figura 7. Redução da resazurina na presença de bactérias metabolicamente ativas. Adaptado de Riss et. al. 2015.

Ao se adicionar uma amostra com potencial antibacteriano ao meio de cultura, após um breve
período de incubação, se não houver a conversão da resazurina em resofurina, consequentemente não
haverá detecção de fluorescência em 590 nm, será possível inferir que aquela amostra exerceu um
efeito tóxico para a bactéria testada.
O ponto negativo desse ensaio se deve ao fato de que resazurina é um composto tóxico que
pode causar alterações metabólicas nas bactérias, dessa forma, a fim de se evitar resultado falso
positivo, não é recomendável a incubação por um período maior que 4 horas.
Em equipamentos que não conseguem realizar leituras de fluorescência há a alternativa de se
avaliar a redução da resazurina através da leitura de absorbância, contudo, será uma avaliação menos
precisa do que por fluorescência.

214
- Ensaio de diluição em caldo

Outro ensaio antibacteriano comumente utilizado é o de microdiluição em caldo. Neste ensaio


é realizada previamente uma leitura da absorbância do meio de cultura com a bactéria a ser testada
em 595 nm. Com essa leitura inicial é possível estimar a quantidade de bactérias, através da turdidez
do meio. Após a leitura inicial, a amostra a ser testada é adicionada e incubada por um determinado
período.
Após o período de incubação com a amostra, é realizada novamente a leitura de absorbância
em 595 nm, se o valor de absorbância aumentar indica que a amostra não teve efeito, pois o número
de bactérias naquele determinado poço aumentou, se a leitura continuar com o mesmo valor de
absorbância significa que o número de bactérias continuou o mesmo, demonstrando que a amostra
pode ter exercido um efeito bacteriostático (impediu a proliferação das bactérias) ou bactericida
(matou as bactérias), apenas com essa análise não é possível destinguir entre ambos os mecanimos.
Contudo, é possível acrescentar a resazurina após a leitura da absorbância, se os poços
ficarem rosa indica que houve a redução metabólica em resofurina, portanto, a amostra teve efeito
bacteriostático, ou se continuar azul a amostra teve efeito bactericida.

Ensaio anti-HIV in vitro

A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), conhecida popularmente pela sua sigla


em inglês, AIDS, é uma doença causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) que
compromete o funcionamento do sistema imunológico, deixando-o vulnerável ao ataque de
microrganismos como bactérias e outros vírus, parasitas e também à proliferação de células
cancerígenas. Com o progressivo comprometimento do sistema imunológico, o corpo humano torna-
se cada vez mais susceptível a doenças oportunistas.
Os vírus no geral podem ser divididos em classes distintas de acordo com o seu material
genético, os que consistem de DNA e aqueles cujo material genético consiste de RNA, como é o caso
do HIV. Os vírus de RNA são chamados retrovírus e o seu processo de reprodução é um pouco mais
complexo que o dos vírus compostos de DNA. Fora da célula, o HIV é conhecido como vírion e é
circundado por um envelope protetor, a cápside, que também envolve uma determinada quantidade
de proteínas virais e material genético, contendo toda a informação necessária para a criação de novos
vírus.

215
O ciclo de reprodução do HIV se inicia quando o vírus se liga a um receptor celular,
geralmente o T CD4+, por meio de sua proteína específica; o vírus então se funde à membrana celular
e o conteúdo da cápside é liberado no citoplasma celular. No citoplasma, a enzima viral transcriptase
reversa, catalisa a produção de uma cópia de DNA a partir do RNA do vírus HIV. A cópia de DNA
viral é então transportada ao núcleo celular onde uma segunda enzima viral chamada integrase,
catalisa a incorporação do DNA viral ao material genético do hospedeiro. A expressão subsequente
dos genes virais resulta na transcrição do RNA a partir do DNA do HIV e na tradução das proteínas
virais. As proteínas virais recém-formadas são produzidas na forma de precursores de poliproteínas,
que são longas unidades compostas de enzimas virais e proteínas estruturais. As poliproteínas e o
RNA viral migram para a superfície da célula onde ficam incorporados aos novos vírus formando a
camada externa viral. Porém, os vírus recém-formados não são infectantes sem a ação de uma terceira
classe de enzimas virais, as proteases, que processam as poliproteínas virais em proteínas e enzimas
estruturais funcionais.
Existem diferentes estratégias terapêuticas para o tratamento da infecção por HIV, todas elas
relacionadas com as etapas do ciclo de replicação viral. Para tanto, os agentes antivirais são testados
frente à inibição de algumas enzimas chaves do processo, como as enzimas trascriptase reversa,
protease e integrase, além de inibidores da fusão viral.

- Ensaio inibidor de transcriptase reversa

Este ensaio avalia a capacidade da amostra em inibir a ação da enzima transcriptase reversa,
uma enzima chave na replicação do vírus, como visto anteriormente.
Neste ensaio a ezima transcriptase reversa sintetiza DNA a partir de um iniciador, utilizando
nucleotídeos marcados com digoxigenina e com biotina. O DNA marcado recém-sintetizado se liga,
através da biotina, à estreptavidina presente na parede dos poços da microplaca. Ao adicionar um
anticorpo de digoxigenina conjugado com peroxidase ele se liga ao DNA preso na parede e acaba por
reagir com o ABTS adicionado, produzindo um produto com coloração verde intensa com
absorbância máxima em 490 nm.
Ao ser adicionado uma amostra com a capacidade de inibir a ação desta enzima,
consequentemente o DNA marcado não será sintetizado, com isso não haverá a formação do
complexo com o conjugado do anticorpo de digoxigenina com a peroxidase, contudo, não ocorrerá a
reação com o ABTS e a consequente formação da cor verde. Portanto, quanto menor a absorbância
do meio, maior a atividade inibidora de transcriptase reversa da amostra testada.

216
Ensaio antiproliferativo in vitro

O câncer é definido como uma série de alterações genéticas e epigenéticas em células, fazendo
com que elas se tornem anormais, percam a sua função, se multipliquem e se propaguem
descontroladamente. Essas células podem invadir a corrente sanguínea, sendo transportadas a locais
distantes, originando novos tumores em um processo conhecido como metástase.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 8,2 milhões de pessoas morrem
de câncer todos os anos. Este número tende a aumentar, pois é previsto que nas próximas 2 décadas
este número suba em 70%. Existem mais de 100 tipos diferentes de câncer, sendo que para os homens
o mais comum é o de pulmão e para as mulheres o de mama, e cada um desses possui um tratamento
específico, por isso há a necessidade de se pesquisar novas substâncias que possam agir em diferentes
etapas do ciclo de multiplicação celular destas células defeituosas.

- Ensaio de redução dos Sais de Tetrazolium

Esse ensaio se baseia na incubação de algum sal de tetrazolium (MTT, MTS, XTT e WTS-1)
com uma cultura de células tumorais (mama, pulmão, útero, próstata, etc.), quando as células estão
vivas o sal de tetrazolium é metabolicamente reduzido, através da ação de enzimas mitocondriais, em
um composto cromogênico, o Formazan. Com isso é possível medir a absorbância, sendo esta
proporcional ao número de células vivas no meio de cultura (Fig. 8). A cor emitida pelo formazan
dependerá de qual sal de tetrazolium foi usado no teste, portanto, o comprimento de onda no qual será
analisado o ensaio será diferente para cada um dos tipos.
Ao ser adicionada uma amostra com potencial antiproliferativo (citotóxica para determinada
linhagem de célula tumoral), haverá a morte celular e consequentemente não ocorrerá à conversão do
sal de tetrazolium em formazan, não produzindo cor. Portanto, quanto menor a absorbância medida,
maior a atividade de determinada amostra.
Assim como a resazurina, os sais de tetrazolium são tóxicos, não podendo ficar incubados por
um período maior do que 4 horas, pois poderá alterar o metabolismo das células, causando um
resultado falso positivo.

217
Figura 8. Redução do MTT (3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazolium) na presença de células tumorais
metabolicamente ativas. Adaptado de Riss et. al. 2015.

Ensaios in vivo utilizando Zebrafish (Danio rerio)

O uso de modelos animais também se faz muito importante na busca de novos fármacos, um
dos modelos que tem sido muito utilizado na investigação de diferentes doenças é o peixe zebrafish
(Danio rerio).
O zebrafish é peixe teleósteo de água doce, originário do sul da Ásia. No Brasil, é conhecido
popularmente por “paulistinha” ou peixe-zebra, é uma espécie muito utilizada em aquarismo. O
zebrafish apresenta inúmeras vantagens de uso em pesquisas científicas por ser de tamanho pequeno,
fácil cultivo, baixo custo de manutenção, reprodução rápida, além de possuir embriões transparentes
e desenvolvimento rápido, indo de zigoto a larva em apenas 72 horas após a fecundação. Sendo uma
grande vantagem em estudos de desenvolvimento.
Além do mais, já existem diversas ferramentas desenvolvidas que descrevem atributos
importantes da biologia desta espécie, a embriogênese do zebrafish já e bem descrita e definida. Uma
das ferramentas mais importantes foi a conclusão do sequenciamento do seu genoma. Tal estudo
demonstrou que 71% dos genes que codificam proteínas no genoma humano são relacionados a genes
encontrados no genoma do zebrafish, e que destes, 84% dos genes conhecidos por serem associados
à doenças humanas possuem um gene relacionado em zebrafish.
O zebrafish é uma espécie de grande atrativo para o estudo da função cerebral, através da
análise comportamental. Desde as fases iniciais do desenvolvimento das larvas até a fase adulta esta

218
espécie já apresenta um repertório comportamental bem estabelecido. O zebrafish é capaz de
apresentar comportamento de escape logo apos a eclosão, além da atividade locomotora da larva
também servir como indício válido de alterações comportamentais. O indivíduo adulto exibe
comportamento mais complexo, sendo descritas respostas relacionadas a comportamentos de
ansiedade, agressividade, interação social, bem como aprendizado e memória.
Todas estas características contribuem para a ascensão do zebrafish no cenário da pesquisa
cientifica básica. No decorrer deste capítulo citaremos alguns exemplos de ensaio citotóxico e do uso
do repertório comportamental do zebrafish para estudos farmacológicos.

- Avaliação do efeito citotóxico e teratogênico em embriões

Nesta análise, os embriões logo após fertilização são expostos a amostra a ser testada, e um
acompanhamento diário do desenvolvimento do animal é feito avaliando a taxa de sobrevivência e as
possíveis alteraçãos nos padrões morfológicos. Com isso é possível avaliar se a amostra apresentou
um efeito citotóxico, matando os animais, ou se ela possui efeito teratogênico, causando má formação
nos mesmos. Esta análise é realizada com o auxílio de uma lupa, para melhor visualização do
desenvolvimento do embrião.

- Ensaio de atividade locomotora das larvas

No teste de atividade locomotora, as larvas são dispostas de maneira individual em


microplacas transparentes de até 96 poços, preenchidas com a amostra a ser testada. As larvas têm
seu comportamento registrado em vídeo durante um determinado período de tempo. O vídeo é
analisado em software específico contendo ferramentas de rastreamento de locomoção. O repertório
comportamental das larvas submetidas à amostra é comparado com o tratamento controle, se houver
diferença estatística significativa entre os tratamentos é possível inferir efeito neurotóxico da amostra
analisada.

- Ensaio comportamental de esquiva inibitória em adultos

Para a realização deste ensaio é utilizado um pequeno tanque dividido ao meio em dois
compartimentos, claro e escuro, por uma barreira divisória. O lado definido como claro tem as paredes
laterais, fundo e seu lado da divisória revestido por adesivos brancos. O lado definido como escuro

219
recebe o mesmo revestimento, porém na cor preta. O compartimento escuro contem dois eletrodos
ligados que geram um pequeno choque (Fig. 9).

Figura 9. Figura esquemática do amparato para o ensaio de esquiva inibitória.

Neste ensaio os animais são submetidos individualmente a sessões de treino e teste. Nas duas
sessões, o animal é colocado no compartimento claro enquanto a barreira divisória está fechada. Após
um período de familiarização ao ambiente, a divisória é elevada permitindo que o animal nade até o
compartimento escuro (pelo qual tem preferência). Na sessão de treino, assim que o animal passa
completamente para o lado escuro do tanque, ele recebe um choque durante 5 segundos. Após este
treino, o peixe é colocado de volta em seu aquário de moradia. A sessão de teste ocorre 24 horas após
o treino, quando são realizados os mesmos procedimentos, porém sem a indução de choque. O tempo
que o animal demora a passar do lado claro, onde foi colocado, para o lado escuro, após a abertura da
barreira é cronometrado nas sessões de treino e teste. A latência de passagem do animal para o lado
escuro na sessão de teste é utilizada como indíce de retenção de memória.
Este ensaio é comumente utilizado para avaliar o efeito de um possível fármaco sobre a
memória, pois para o desenvolvimento desta metodologia os animais são tratados com a amostra de
interesse antes da sessão de teste. Posteriormente esses animais são tratados com um composto
indutor de déficit de memória, normalmente se usa a escopolamina. Se o tempo de latência de
passagem (claro-escuro) dos animais tratados com a amostra for maior que o do controle, é possível
inferir que a amostra testada exerceu um efeito protetor de memória, anulando o efeito da
escopolamina.
Este ensaio permite também avaliar a capacidade de reversão de memória de uma amostra,
invertendo a ordem dos tratamentos: primeiro os animais são tratados com escopolamina e
posteriormente tratados com a amostra antes da sessão de teste, assim é possível analisar se a amostra
possui capacidade de reverter o efeito da escopolamina.

220
Referências
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Virtual Quimica 5(3): 450-513.
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221
CAPÍTULO 17

Monitorando temperatura e umidade em experimentos com árvores utilizando


Internet das Coisas

Antonio Deusany de Carvalho Junior (Universidade de São Paulo)


Janaina da Silva Fortirer (Universidade de São Paulo)

Monitorar as mudanças ambientais é importante para elaborar modelos que simulem as


respostas das árvores à seca e elevada temperatura. Tais mudanças ambientais podem ocorrer em
pequenos espaços de tempo ou apresentar variações inconstantes dependendo do local onde a árvore
se encontre, o que ocasiona na existência de microclimas que podem ter uma relação direta com a
saúde das árvores e de outras entidades do ambiente. A fim de realizar modelagens mais precisas faz-
se necessário obter ao longo do tempo uma maior quantidade de dados referentes à árvore em si e a
outras variáveis do ambiente. Esse monitoramento pode ser feito tanto por pessoas presentes no local,
quanto por sensoriamento automatizado.
Diversas tecnologias surgiram ao longo dos anos a fim de evitar que pesquisadores tivessem
a necessidade de estar no local o tempo inteiro para monitorar seus experimentos. Os sensores
eletrônicos juntos aos coletores de dados (data loggers) digitais tornaram-se populares e passaram a
ser comumente utilizados em todo o mundo. Nesse caso, é possível colocar sensores de vários tipos
para coletar informações de tempos em tempos, sendo essas informações salvas nos coletores de
dados que ficam próximos à área monitorada. Em alguns casos, é possível acessar esses dados em
tempo real ou através de sistemas online, mas na grande maioria das vezes o acesso é feito
semanalmente e manualmente devido ao alto custo para realização da coleta daquela forma. Além
disso, dependendo do sensor, o custo total para o monitoramento de uma simples árvore torna -se
inviável em muitos projetos, o que incentiva o uso de soluções mais em conta que seguem a linha de
Hardware Livre e Internet das Coisas para a resolução do mesmo problema.
Sensores feitos com Hardware Livre são distribuídos por meio de esquemas de circuito e
montagem que fazem uso de componentes que são encontrados à venda no mercado, comumente com
baixo custo, e que permitem a criação e até a modificação dos sensores em alguns casos sem muito
trabalho. O Software dos sensores também é distribuído de forma livre na maioria dos casos o facilita
o avanço da ideia do "Faça você mesmo" (do inglês Do it yourself - DIY). O foco principal é que os
sensores sejam construídos por pessoas que não são especialistas na área e que não dispõem de

222
laboratórios e ferramentas de alto custo, favorecendo a disseminação e evolução dos projetos mais
rapidamente e por meio de um maior número de pessoas.
Com a tendência de se conectar tudo o que existe à Internet, surgiu a área de Internet das
Coisas (do inglês Internet of Things - IoT) onde diversas soluções são apresentadas para efetivar esta
interconexão. Desde carros, geladeiras, e até brinquedos podem ser conectados à Internet e acessados
remotamente para monitoramento ou simples avaliação de seu estado atual. No caso dos sensores, ter
a possibilidade de acessar os dados a qualquer momento e descarregar todos os dados coletados
referentes a certo período sem a necessidade de estar presente no mesmo ambiente de monitoramento
traz diversas vantagens para pesquisadores de todas as áreas. A Internet das Coisas vem a ser uma
opção para essa atividade, tendo em vista a facilidade para integração com Hardware e Software
Livres e também com diversos outros sistemas fazendo uso de plataformas online. Além disso, na
grande maioria dos sistemas é possível realizar a coleta dos dados através de linguagens de
programação já usualmente conhecidas no meio dos bioinformatas, como R e Python.
Foi por meio desses conceitos que surgiu o projeto Internet of Trees (IoTrees) que visa a
criação de sensores para monitoramento de árvores remotamente como alternativa para soluções do
mercado que custam milhares de dólares. A divulgação inicial do projeto se realizou por meio da
Revista Brasileira de Computação, no seu volume 37 de 2018. Este projeto se fundamentou em muitas
alternativas disponíveis no meio científico, mas buscou principalmente facilitar a construção do
produto final por um maior número de pessoas. Após vários meses de concepção e experimentação,
a versão inicial do kit de monitoramento completo foi finalizada e resultou em um artigo publicado
no NCA 2018 e está melhor descrita no site do projeto (http://interscity.org/software/internet-of-
trees/). No entanto, verificou-se ao longo do projeto que muitas pesquisas poderiam fazer uso de uma
versão minimal do kit, e neste caso foi proposto uma estação de monitoramento compacta que faz
uso dos mesmo conceitos do kit completo, mas que foca em poucas variáveis do ambiente e facilita
ainda mais sua instalação.
A estação de monitoramento IoTrees aqui apresentada possibilita o monitoramento em tempo
real de variáveis, como temperatura do ambiente, temperatura do solo, umidade relativa do ambiente
e umidade do solo. Os sensores utilizados na estação de monitoramento são descritos na tabela 1 e
suas imagens são apresentadas da Figura 1. A estação é desenvolvida com o NodeMCU, plataforma
de Hardware Aberto que permite a conexão de vários sensores e também facilita o envio dos dados
de tais sensores para a Internet. O esquema de montagem da estação é apresentado na Figura 2. Apesar
de serem apresentados apenas quatro sensores, há a possibilidade de integração com diversos outros,
ou de substituição destes. No entanto, para certas alterações há a necessidade de conhecimento de

223
programação na linguagem C para ajustes no software que se encontra disponível online
(https://github.com/deusanyjunior/IoTreesSensingTS).

Tabela 1. Descrição dos sensores da estação IoTrees.

Sensor Descrição Características

DHT22 Sensor digital para ● Modelo: AM2302


monitoramento de ● Tensão de operação: 3-5VDC (5,5VDC máximo)
temperatura e umidade ● Faixa de medição de umidade: 0 a 100% UR
relativa do ar. ● Faixa de medição de temperatura: -40º a +80ºC
● Corrente: 2,5mA max durante uso, em stand by de
100uA a 150 uA
● Precisão de umidade de medição: ± 2,0% UR
● Precisão de medição de temperatura: ± 0,5 ºC
● Resolução: 0,1
● Tempo de resposta: 2s

DS18B20 Sensor digital para ● Modelo: DS18B20


monitoramento de ● Tensão de operação: 3,0 V – 5,5 V
temperatura. Versão ● Faixa de medição de temperatura: -55°C a +125°C
encapsulada à prova d'água. ● Precisão: ±0.5°C entre -10°C e +85°C
● Ponta de aço inoxidável
● Dimensão ponta de aço: 6 x 50mm
● Dimensão do cabo: 100cm

Capacitive Soil Sensor analógio capacitivo ● Tensão de Operação: 3,3 V


Moisture Sensor para monitoramento de ● Saída Analógica (0 a 3 V)
umidade do solo. ● Fácil instalação
● Dimensões: 22 mm × 102 mm x 7 mm
● Comprimento Cabo: 20 cm

(a) (b) (c)

Figura 1. Sensores utilizados na estação IoTrees: (a) DHT22, (b) DS18B20, e (c) Capacitive Soil Moisture Sensor.

224
Figura 2. Esquema de montagem da estação IoTrees.

Os dados coletados pela estação são processados automaticamente e enviados para a Internet.
No caso deste projeto, a plataforma escolhida para coleta e monitoramento dos dados foi a
ThingSpeak (https://thingspeak.com/). Esta plataforma foi selecionada por facilitar a criação de
gráficos e análises, além facilitar a análise para usuários do Matlab. Os dados coletados podem ser
baixados nos formatos CSV, Json e XML para análise em outros programas e linguagens, como
Microsoft Excel, R e Python. Um exemplo da visualização de dados disponível pela plataforma pode
ser visto na Figura 3. O acesso à plataforma ThingSpeak requer cadastro de usuário e apenas os
responsáveis pelo canal de coleta de dados podem baixar os dados completos da coleta e podem
também definir se o painel de visualização dos dados será público ou privado. A plataforma está
disponível para uso de forma gratuita para fins não comerciais e pequenos projetos que enviem menos
do que 3 milhões de dados por ano, ou aproximadamente 8.200 amostras por dia. Para outros casos,
faz-se necessária a assinatura de planos pagos.
Os sensores podem ser instalados em experimentos controlados, em que há a necessidade de
monitoramento das condições ambientais. Também podem ser instalados em pesquisas de campo,
como em árvores urbanas ou em florestas. Em trabalhos de campo, em geral, o monitoramento
ambiental ocorre por coleta em base de dados de meteorologia e utilizam a Média Anual de
Temperatura (MAT). Porém, muitas vezes, esses dados não representam os valores reais a uma
225
determinada região, o que pode causar erros na interpretação dos resultados. Então, possuir um
monitoramento em tempo real das condições ambientais possibilita maior grau de inferência e
interpretação dos dados obtidos na pesquisa das respostas das árvores às mudanças ambientais.

Figura 3. Visualização de dados coletados por meio da plataforma ThingSpeak.

Para montagem da estação IoTrees é preciso seguir alguns passos descritos abaixo:
1. Realizar a compra dos componentes aqui descritos. O preço dos componentes podem
ser vistos na Tabela 2;
2. Seguir o esquema de montagem apresentado na Figura 2;
3. Baixar o programa Arduino IDE para seu sistema operacional a partir do site
https://www.arduino.cc/en/Main/Software;
4. Realizar a instalação do ESP32 no Arduino IDE adicionando a linha
"https://dl.espressif.com/dl/package_esp32_index.json" na área de URLs para
gerenciamento de placas das preferências do Arduino IDE, e procurar pela placa no
Gerenciador de Placas que se encontra no Menu Ferramentas;
5. Realizar o download do código do projeto que se encontra no site
https://github.com/deusanyjunior/IoTreesSensingTS;

226
6. Realizar cadastro no site ThingSpeak.com para criar um canal e adquirir as chaves
para envio de dados;
7. Abrir com o Arduino IDE o código baixado no item 5, adicionar no arquivo "keys.h"
as chaves do ThingSpeak e da rede WiFi disponível;
8. Conectar a placa NodeMCU no computador/notebook utilizado cabo
USB/MicroUSB;
9. Escolher no Arduino IDE a porta correta onde a placa está conectada e definir a placa
como ESP-12 no menu Ferramentas;
10. Subir o código.

Após a montagem, basta acessar o canal criado no ThingSpeak e verificar os dados sendo
coletados em tempo real. A Figura 4 apresenta uma estação realizando coleta de dados em uma muda
de árvore Tipuana Tipu.

Tabela 2. Preço dos componentes da estação IoTrees. Valores consultados no site https://www.filipeflop.com.

Componente Preço em Reais (R$)

DHT22 44,90

DS18B20 18,90

Capacitive Soil Moisture Sensor 35,90

NodeMCU 40,90

Mini Protoboard 7,90

Resistor 10k Ohms 2,40

TOTAL 150,90

227
Figura 4. Estação IoTrees instalada em uma Tipuana Tipu, coletando dados em tempo real e enviando para o
ThingSpeak.

Análise de modelos preditivos de fluxo de seiva em Manga (Mangifera indica) com utilização
dos dados do monitoramento de temperatura e umidade relativa do ar

O fluxo de seiva é obtido a partir da velocidade de dissipação do calor, área do caule e o


coeficiente da área condutora do xilema. Com os valores de fluxo de seiva é possível estimar a
transpiração de uma árvore, o quanto de água está sendo absorvida e liberada para o ambiente. Esse
dado é importante para verificar se a planta está perdendo muita água e se precisa ser irrigada. No
entanto, o fluxo de seiva pode ser influenciado por diversos fatores abióticos, como temperatura,
umidade relativa do ar e umidade do solo.
O monitoramento com sensores possibilita uma análise mais acurada das condições
microclimáticas (temperatura, umidade relativa do ar e umidade do solo), fornecendo dados para
auxiliar no planejamento e gestão de pesquisas com monitoramento das plantas. Além de fornecer
dados para desenvolver modelos preditivos das respostas fisiológicas das plantas às mudanças
ambientais (Fig. 5 e 6).
No Brasil, cerca de 72% dos recursos hídricos são destinados à agricultura, na irrigação.
Porém, a maior parte dessa água é mal utilizada, o que gera desperdício desse recurso. Então, utilizar
a Internet das Coisas com o monitoramento em tempo real das condições climáticas e automatizar um
sistema de irrigação de acordo com os valores obtidos pelo monitoramento da transpiração poderia
tornar o sistema de irrigação mais eficaz.

228
(A) (B)
Figura 5: (A) Fluxo de seiva de uma muda de manga (Mangifera indica) em relação à temperatura. (B) Relação positiva
do fluxo de seiva e temperatura. À medida que a temperatura aumenta, o fluxo de seiva também aumenta (R 2 = 0.716).

(A) (B)

Figura 6: (A) Fluxo de seiva de Mangifera indica em relação a umidade relativa do ar. (B) Relação negativa do fluxo
de seiva e umidade. A medida que a umidade aumenta, o fluxo de seiva diminui (R 2 = 0.6979).

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umidade-e-temperatura-am2302-dht22/. Acesso em 30 de abril de 2019.
Site com detalhes técnicos sobre o sensor DS18B20. https://www.filipeflop.com/produto/sensor-de-
temperatura-ds18b20-a-prova-dagua/. Acesso em 30 de abril de 2019.
Site com detalhes técnicos sobre o sensor Capacitive Soil Moisture Sensor.
https://www.filipeflop.com/produto/sensor-capacitivo-de-umidade-do-solo/. Acesso em 30
de abril de 2019.
Site com detalhes sobre o NodeMCU. https://www.filipeflop.com/produto/modulo-wifi-esp8266-
nodemcu-esp-12/. Acesso em 30 de abril de 2019.
Site com detalhes sobre a mini protoboard. https://www.filipeflop.com/produto/mini-protoboard-
170-pontos/. Acesso em 30 de abril de 2019.
Site com detalhes sobre o resistor de 10k Ohms. https://www.filipeflop.com/produto/resistor-
10k%CF%89-14w-x20-unidades/. Acesso em 30 de abril de 2019.
UNESCO. Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos
Hídricos. 2015. Disponível em:
<http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/SC/images/WWDR2015Execut
iveSummary_POR_web.pdf>. Acesso em 30 de abril de 2019.

230
Parte IV

ENSINO EM BOTÂNICA

231
CAPÍTULO 18

A formação de professores seria uma forma de minimizar a Cegueira Botânica?

Kelma Cristina de Freitas (Universidade de São Paulo)


Luis Carlos Saito (Universidade de São Paulo)
Marília de Freitas Silva (Universidade de São Paulo)
Paloma Damiana Rosa Cruz (Universidade de São Paulo)

Cegueira Botânica e o Ensino de Botânica


O termo Cegueira Botânica foi apresentado por Wandersee e Schussler (2002). Eles criaram
o termo e o definiram como: a) a incapacidade de reconhecer a importância das plantas na biosfera e
no nosso cotidiano; b) a dificuldade em perceber os aspectos estéticos e biológicos exclusivos das
plantas; c) achar que as plantas são seres inferiores aos animais, portanto, não merecedores de atenção
equivalente.
Para os pesquisadores, a Cegueira Botânica tem origens diversas nos seres humanos, ela pode
ocorrer por motivos fisiológicos, ou seja, a dificuldade dos seres humanos processarem a imagem de
uma planta até pelo fato do ser humano considerar os vegetais espécies de menor importância. Existe
também a visão de Hershey (2002), dizendo que em vez da cegueira botânica, a verdadeira causa da
antipatia pela botânica e do pouco interesse das pessoas por aspectos de biologia vegetal seria a
combinação de negligência botânica e zoocentrismo (maior interesse por mostrar exemplos com
animais tanto no ensino formal, como na mídia). Esses dois pontos de vista se sobrepõem, e o que
percebemos é que existe uma “invisibilização” dos vegetais no cotidiano da maior parte dos
estudantes.
Em seu artigo apresentado em 2016, Salatino e Buckeridge trazem um exemplo interessante
sobre a Cegueira Botânica. Os autores utilizam como exemplo a imagem da savana africana e afirmam
que ao apresentarem essa imagem para pessoas provavelmente elas reconheceriam animais como as
girafas, hipopótamos, rinocerontes e zebras, porém, teriam dificuldade em apontar as plantas mesmo
sendo destaque na imagem.
Uma forma que acreditamos ser possível para minimizar essa invisibilização das plantas, seria
aprimorar o ensino de botânica nas escolas, sendo assim, a formação dos professores de Biologia é
essencial. O ensino de Botânica desenvolvido no Brasil é, em sua grande parte, feito por meio de
listas de nomes científicos e de palavras totalmente isoladas da realidade, usadas para definir
conceitos que possivelmente nem ao menos podem ser compreendidos pelos estudantes e pelos
232
professores. O Ensino de Botânica, assim como o de outras disciplinas, é reprodutivo, com ênfase na
repetição e não no questionamento. O professor, na maioria das escolas, é a principal fonte de
informação, e eles podem apresentar aos alunos os conhecimentos que acumulou de forma não-
problematizada e descontextualizada do ambiente que os cerca.
Acreditamos, dessa forma, que o ensino de conteúdos relacionados à botânica é importante,
pois sem eles os estudantes não possuem plena formação em ciências, de forma a se constituir como
cidadãos e poderem fazer parte ativa nas tomadas de decisões da sociedade, como por exemplo, no
debate atual sobre preservação ambiental e uso de alimentos transgênicos em grande escala.

Formação de Professores
A história da formação docente no Brasil tem início a partir das escolas de ensino mútuo, onde
a formação era baseada somente em ensinar as primeiras letras e instrução do método. Esta concepção
foi proposta no final do século XIX com a criação das Escolas Normais, que correspondem ao nível
secundário e posteriormente ao ensino médio, a partir do século XX.
No século XXI ocorre a formação dos professores nas áreas disciplinares e a separação
formativa entre professores polivalentes (Educação Infantil, Ensino Fundamental I e EJA) e
professores especialistas (Ensino Fundamental II, Ensino Médio e EJA). A formação era concebida
com um estilo sócio-histórico, com o objetivo de formar um profissional com caráter amplo, capaz
de compreender a realidade do seu tempo e que construa uma consciência crítica que lhe permite
transformar o ambiente escolar onde está inserido. Porém, os cursos de formação de especialistas, as
licenciaturas, tanto em relação a sua institucionalização como em relação ao seu currículo, vem sendo
alvos de discussões. Gatti (2010) aponta que alguns estudos de décadas atrás demonstram problemas
nos propósitos formativos atribuídos às licenciaturas.
Com toda essa transformação ocorrendo na educação e na formação docente espera-se que as
pesquisas ao redor desses temas cresçam, no entanto, Nunes (2001) aponta que apesar do número de
publicações entre os anos de 90 e 96 terem aumentado exponencialmente, o número de trabalhos
relacionados a formação de professor não acompanharam esse crescimento, mesmo após publicações
importantes na área como os de Shulman (1986) e Grossman (1989). Outro dado importante trazido
pelo autor, é que do total de trabalhos publicados sobre formação de professor, 76% está relacionado
com a formação inicial do docente, reforçando a relevância do tema. Esse mesmo processo acontece
no Brasil, a partir dos anos 90 as pesquisas permeiam a prática do professor em sala de aula, os saberes
epistemológicos e pedagógicos, que antes desse período não eram valorizados. Já em 2017, Guess-
Newsome relata que ainda existem poucos estudos que relacionam a formação do professor com o
desenvolvimento profissional.

233
Para Flores (2010) e Grossman (1989), a formação do professor ocorre muitos anos antes dos
licenciados ingressarem no ensino superior, pois eles são os únicos futuros profissionais que já tem
uma vivência no local de trabalho antes mesmo de se tornarem professores, sendo assim, suas crenças
e ideias sobre ensino são influenciadas por essa trajetória escolar. Essa experiência afeta os
licenciados de formas diferentes, o que muitas vezes trazem a esses futuros professores a sensação
que os cursos de formação irão lhe proporcionar uma receita de como ensinar.
Contudo, ensinar implica em vários fatores que vão desde conhecimentos técnicos, como a
reflexão da prática educativa, a percepção do contexto, o conhecimento do conteúdo entre outros,
assim se faz necessário que os estudantes futuros professores desenvolvam compreensões sobre o
processo de ensino e aprendizagem e que os formadores de professores não ignorem as experiências
e ideias prévias dos licenciados, outro fato relevante é que em muitos cursos de licenciatura cabe aos
estudantes a tarefa de integrar a teoria com a prática, sendo importante que o curso explore as
maneiras pelas quais as disciplinas podem ser integradas.
Gaia et al. (2007) e Nóvoa (1997) afirmam que cada professor constrói sua identidade como
educador baseando-se nas características pessoais e nos percursos profissionais, que tanto o curso de
formação inicial quanto o complementar tem um papel importante na construção de identidade. É
importante perceber que o conhecimento do professor é algo específico, sendo formado a partir de
um conjunto de saberes e experiências, que se inicia durante a sua vida escola, toma consciência no
processo de formação e vai sendo construído e consolidado ao longo de sua carreira.
Pesquisadores como Shulman e Grossman buscaram compreender quais são os conhecimentos
básicos de um professor e como eles se relacionam, a fim de entenderem como esses conhecimentos
são construídos.
O nosso grupo de pesquisa, Botânica na Educação (Boted), realiza uma série de pesquisas
sobre os conhecimentos base dos professores de Biologia acerca do conteúdo de Botânica e como
esses conhecimentos contribuem de forma positiva para a formação do professor de Biologia.

Conhecimentos Base Docente


A profissão docente, como todas as profissões, possui uma série de conhecimentos necessários
para caracterizá-la como tal. Lee Shulman separa o conhecimento dos professores inicialmente em
três categorias: I) Conhecimento do conteúdo específico (Subject matter content knowledge); II)
Conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK, do inglês Pedagogical content knowledge); e III)
Conhecimento do currículo (Curricular knowledge).
Sobre o conhecimento do conteúdo específico, Shulman (1986), se refere a organização do
conteúdo na mente do professor, o autor acredita que para cada disciplina a forma de discutir o

234
conhecimento do conteúdo é diferente. No caso do professor de biologia, o autor afirma que há
diversas formas de organizar uma disciplina, com enfoques diferentes. Cabe ao professor reconhecer
esses enfoques diferentes de organização juntamente com as bases pedagógicas de forma que
compreenda o motivo pelo qual um tópico é central em um determinado momento e o mesmo tópico
pode ser considerado periférico em outro momento.
A categoria Conhecimento Pedagógico do Conteúdo, ou PCK, relaciona-se com
conhecimento do conteúdo para o ensino, conhecimento este que o professor expressa a partir da
utilização de analogias, ilustrações, exemplos, explicações entre outros, ou seja, a forma como
representar o conteúdo de forma que se torne compreensível para outras pessoas. É importante
também que os professores sejam capazes de compreender as concepções dos estudantes para que
eles possam auxiliá-los caso ocorra equívocos.
O conhecimento curricular é importante pois é nessa categoria que está inserido o
conhecimento sobre os programas destinados ao ensino e as diretrizes para cada nível escolar. Além
disso, o conhecimento do currículo está relacionado ao currículo horizontal (habilidade do professor
relacionar os tópicos das aulas) e ao currículo vertical (tópicos que serão ensinados ao longo do
curso).
Em 1987, Shulman apresenta o número dessas categorias de conhecimentos básicos de um
professor, e lista sete categorias principais:
1. Conhecimento do conteúdo;
2. Conhecimento pedagógico geral;
3. Conhecimento curricular;
4. Conhecimento pedagógico do conteúdo;
5. Conhecimento dos aprendizes e suas características;
6. Conhecimento do contexto educativo;
7. Conhecimento dos fins, propósitos e valores educacionais e suas bases filosóficas e históricas.
Dessa forma Shulman desenvolve categorias mais específicas sobre o conhecimentos dos
professores. Goes (2014) relata que além de categorizar os sete tipos de conhecimentos básicos de
um professor, Shulman propõe um modelo para representar o processo que ocorre durante a atuação
docente, pois o autor acredita na importância da experiência no desenvolvimento profissional do
professor.
O PCK se manifesta na prática da sala de aula, e esta prática sofre influência tanto pelo
conhecimento de um conteúdo específico quanto pelo conhecimento do currículo e pelo contexto.
Ao identificar, acessar e compreender mais profundamente o PCK é possível ampliar a compreensão
do que podemos chamar de “bom professor”, bem como estudar a melhor forma de desenvolver tal

235
qualidade (KIND, 2009).

Referências
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