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ISSN 1809-6158

VOLUME 11 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2016


VOLUME 11 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2016

Coordenação Geral Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma


Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro
Vânia Gomes Zuim – UFSCar do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento
por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços
Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo
científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas
Conselho Editorial universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências
daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem,
Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP
a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para
Gláucia Maria da Silva – USP|RP
pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de
José de Alencar Simoni – UNICAMP graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento
Marcelo Carneiro Leão – UFRPE deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe­
Mário Sérgio Galhiane – UNESP cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/
Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio
Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada
Robson Fernandes de Farias – UFRN nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali­
Sérgio Melo – UFC zação e otimização do Ensino de Química.
Yassuko Iamamoto – USP

Conselho Ad hoc
Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de
Nidia Franca Roque – UFBA Bibliotecas e Informação PUC-Campinas
Viviani Alves de Lima – UFU
Revista Brasileira de Ensino de Química
Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006
v. 1, n. 1, jun./jun. 2006
rebeq@atomoealinea.com.br
www.atomoealinea.com.br/rebeq Semestral
Publicação científica-educacional
Revisão
1. Química – Periódicos.
Paola Maria Felipe dos Anjos
2. Ciências exatas – Periódicos.
Capa e Editoração Eletrônica
CDD 540
Fabio Diego da Silva

Indexada Índice para Catálogo Sistemático

1. Química 540

A division of the
American Chemical Society Pede-se permuta. - Pide-se cange.
We ask for exchange. - On demande l’echange.
Si sollecita intercambio.
Wir bitten un aurstausch un publikationen.

Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP


CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047
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Sumário
7 Editorial

Artigos

10 Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock


Augusto C. L. Moreira e José R. da Silva

24 Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental


Marluce Teixeira Andrade Queiroz, Leonardo Ramos Paes de Lima, Millor Godoy Sabará,
Mônica Maria Diniz Leão, Camila Costa Amorim e Carolina Andrade Queiroz

32 Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas


de Química Analítica
Amanda Andressa da Silva, Amanda Caroline Pereira, Antonio César Teixeira de Toledo e
Juliano Schimiguel

46 Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando


Materiais Alternativos
Marcelo Moreira Freire e Sebastião Ferreira Fonseca

52 O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em


Química
Aldejaise Cunha de Azevedo, Luiz Fernando Perreira e Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro

60 QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos


Aline de Araújo Silva, Lilian Mamedes dos Santos, Paulo Ricardo Alves da Silva, Leandro S.
de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Jailson Machado Ferreira e Humberto
Gomes

68 Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química:
reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório
Maria Aparecida da Costa e Amanda Laís Nunes Miranda

74 Mãos na Massa: a química na panificação


Thiago Henrique Barnabé Corrêa e Pedro Faria dos Santos Filho
Relatos de Experiência

86 Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na


Modalidade a Distância da UFRN
Jarley Fagner Silva do Nascimento, Alian Paiva de Arruda e Graziele Tavares Malcher

99 História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade


Federal de Sergipe
Erivanildo Lopes da Silva e Nelson Ribas Bejarano

Química Verde

111 Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de


Química
Marilei Casturina Mendes Sandri e Ourides Santin Filho

História da Química

125 O Modelo Atômico de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld


José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias


129 Resenha


131 Normas para Publicação
Contents
7 Editorial

Articles

10 Avoiding Special Functions in the Hartree Fock Method


Augusto C. L. Moreira and José R. da Silva

24 Educational Workshops: water quality index and environmental protection


Marluce Teixeira Andrade Queiroz, Leonardo Ramos Paes de Lima, Millor Godoy Sabará,
Mônica Maria Diniz Leão, Camila Costa Amorim and Carolina Andrade Queiroz

32 Identification and Treatment of Unknown Chemical Residues in Practical Classes of


Analytical Chemistry
Amanda Andressa da Silva, Amanda Caroline Pereira, Antonio César Teixeira de Toledo and
Juliano Schimiguel

46 Vitamin C Detection in Fruits Through Paper Chromatography Using Alternative


Materials
Marcelo Moreira Freire and Sebastião Ferreira Fonseca

52 Teacher Profile in the Perspective of Inclusive Education in Chemistry Degree


Aldejaise Cunha de Azevedo, Luiz Fernando Perreira and Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro

60 QuimKids – creating interest in chemical science and raising citizens


Aline de Araújo Silva, Lilian Mamedes dos Santos, Paulo Ricardo Alves da Silva, Leandro S.
de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Jailson Machado Ferreira and Humberto
Gomes


68 Proposal for a Play Activity with Application of the Lynx Game for Chemistry
Teaching: recognition of the glassware present in the laboratory
Maria Aparecida da Costa and Amanda Laís Nunes Miranda

74 Hands-on: the chemistry involved in panification and bread-making


Thiago Henrique Barnabé Corrêa and Pedro Faria dos Santos Filho
Experiences Account

86 Analysis of Learning Difficulties in Chemistry of Life Classes On-line


Jarley Fagner Silva do Nascimento, Alian Paiva de Arruda and Graziele Tavares Malcher

99 History of Science in Recent Graduation of Chemistry Teachers from Universidade


Federal de Sergipe
Erivanildo Lopes da Silva and Nelson Ribas Bejarano

Green Chemistry

111 Implications of Inserting Green Chemistry in Initial Formation (Graduation) of


Chemistry Teachers
Marilei Casturina Mendes Sandri and Ourides Santin Filho

Chemistry History

125 The Atomic Model of Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld


José Maria F. Bassalo and Robson Fernandes de Farias


129 Review


131 Editorial Standards
Editorial
Vivemos tempos conturbados. Alunos do ensino médio ocupam escolas e impedem
a entrada de professores, com apoio de parte da sociedade e, em muitos casos, de seus
próprios pais; universitários invadem e ocupam reitorias das mais bem-ranqueadas
universidades do país e do mundo, todos com o mesmo argumento: tudo pela melhoria
das condições e da qualidade do ensino. Professores estão sendo ameaçados por
alunos e impedidos de exercer suas atividades ao ponto de se esconderem para atender
os estudantes interessados e cerceados em seu direito de participar das aulas.
Recentemente, no Chile, os universitários se manifestaram por reformas
educacionais mobilizando todo o país; em Berkeley, a universidade parou e, no
México, chegou-se ao absurdo de conflitos violentíssimos, em que as consequências
foram as piores possíveis.
Será que nossos alunos involuíram? Será que os docentes estão perdendo a
habilidade de interagir com as novas gerações? No passado, os professores lidavam
com os estudantes utilizando-se de argumentos e autoridade que hoje não se aplicam.
Os familiares apoiavam os professores e também os tinham como parceiros na educação
das crianças e dos jovens. O respeito e os limites eram mais bem-compreendidos
e os resultados acadêmicos eram muito bons. Formávamos cidadãos para o mundo
e para a sociedade na qual viviam. Mas a realidade, hoje, é diferente; argumentos
de autoridade não se aplicam mais e só desencadeariam problemas mais drásticos e
muito mais sérios. O que fazer então?
Cedo ou tarde, todos teremos de parar e refletir sobre o papel dos professores, do
ensino, das escolas e das universidades. É certo que o aluno que já tivemos no passado,
as aulas que já ministramos e o convívio que já tivemos com estudantes e familiares
não voltam mais. Aquilo faz parte de um passado que, embora prático e eficiente,
foi sendo alterado e só existe na imaginação dos mais antigos. Esta reflexão terá de
convergir para uma série de explicações que as escolas e universidades terão de dar à
sociedade sobre o seu efetivo papel no momento pelo qual passamos. O que estamos
dando de volta para a sociedade como contrapartida de todo o investimento que é
feito no ensino fundamental, médio e superior? Pessoas portadoras de certificados
de conclusão de curso já existem aos milhares e... sobrando. Entretanto, profissionais
qualificados e preparados para nossa realidade são raros; pessoas que saibam respeitar
limites e que estejam buscando o aprimoramento pessoal antes do profissional são
disputadas pelo mercado de trabalho e estão muito bem-escondidas. Os pró-ativos
sumiram!
Na Química, conseguimos desvendar problemas de difícil compreensão, que
exigem a mais elevada capacidade de abstração, ensinamos nossos alunos a executar
complicadas tarefas de laboratório, mas não somos capazes de torná-los cidadãos.
Aparentemente, o ensino pelo ensino já não se justifica mais. Temos de ir adiante
e repensar nossa atividade. Será que nossos critérios de qualidade e excelência
contemplam os anseios da sociedade que nos patrocina? Será que respondemos
às necessidades do setor produtivo, que, no futuro, se tornarão benefícios para a
população? Será que respondemos pelo investimento e confiança que toda a sociedade
deposita sobre nós?
Aparentemente, teremos de nos debruçar sobre muitas questões e encontrar as
melhores respostas e as alternativas mais coerentes que atendam aos anseios desta
nova geração que já nos deu seu cartão de visitas. A universidade, em particular, deve
encontrar o melhor caminho para tal adaptação, que já se faz necessária e, se não for
realizada, certamente gerará uma lacuna que trará consequências ainda mais sérias em
breve. Obviamente, se o encontrarmos, sairemos desta situação muito fortalecidos e
respaldados pela confiança que já detivemos no passado.
A finalidade maior da ReBEQ é contribuir para uma melhoria efetiva do ensino
e ela continua aberta às iniciativas e propostas que contemplem a melhor e mais
abrangente formação de profissionais da Química, a qual os prepare para este mundo/
mercado cada vez mais desafiador.

Coordenação Editorial
Artigos
Articles
Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock
Avoiding Special Functions in the Hartree Fock Method
Augusto C. L. Moreira e José R. da Silva

Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental


Educational Workshops: water quality index and environmental protection
Marluce Teixeira Andrade Queiroz, Leonardo Ramos Paes de Lima, Millor Godoy Sabará, Mônica Maria Diniz
Leão, Camila Costa Amorim e Carolina Andrade Queiroz

Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de


Química Analítica
Identification and Treatment of Unknown Chemical Residues in Practical Classes of Analytical Chemistry
Amanda Andressa da Silva, Amanda Caroline Pereira, Antonio César Teixeira de Toledo e Juliano Schimiguel

Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando


Materiais Alternativos
Vitamin C Detection in Fruits Through Paper Chromatography Using Alternative Materials
Marcelo Moreira Freire e Sebastião Ferreira Fonseca

O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química


Teacher Profile in the Perspective of Inclusive Education in Chemistry Degree
Aldejaise Cunha de Azevedo, Luiz Fernando Perreira e Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro

QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos


QuimKids – creating interest in chemical science and raising citizens
Aline de Araújo Silva, Lilian Mamedes dos Santos, Paulo Ricardo Alves da Silva, Leandro S. de Oliveira,
Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Jailson Machado Ferreira e Humberto Gomes

Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química:
reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório
Proposal for a Play Activity with Application of the Lynx Game for Chemistry Teaching: recognition of the
glassware present in the laboratory
Maria Aparecida da Costa e Amanda Laís Nunes Miranda

Mãos na Massa: a química na panificação


Hands-on: the chemistry involved in panification and bread-making
Thiago Henrique Barnabé Corrêa e Pedro Faria dos Santos Filho
Artigo 01 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 10-23

Evitando Funções Especiais no


Método de Hartree-Fock
Avoiding Special Functions in the Hartree Fock Method
Augusto C. L. Moreira1 e José R. da Silva1

Resumo
Ao se utilizar o método de Hartree-Fock em ‘sistemas reais’, tais como átomos
e moléculas, é bastante comum, por parte dos estudantes, que as atenções sejam
demasiadamente voltadas para as operações matemáticas envolvendo funções espe-
ciais em detrimento de conceitos subjacentes à teoria em si. Este trabalho consiste
em uma tentativa de evitar tais funções e, ao mesmo tempo, manter as ideias cen-
trais do método de Hartree-Fock. Para isso, utilizaremos um sistema-modelo com-
posto por dois elétrons interagentes, confinados em um poço de potencial infinito
unidimensional. Uma vez que o potencial de interação elétron-elétron é modelado
por uma função de delta de Dirac e, como as funções de base são funções trigo-
nométricas (senos), podemos realizar todas as etapas de um ciclo auto-consistente
analiticamente. Além disso, já que a implementação computacional envolve uma
matriz 2x2, o cálculo numérico de autovalores e autovetores também torna-se fácil.
Palavras-chave: Hartree-Fock; Química Quântica; Poços Quânticos.

Abstract
Frequently, the concepts underlying the Hartree-Fock theory lose its scopes because
realistic systems like molecules always requires special mathematical functions.
This work is an attempt to avoid such functions and keep the core ideas of the
Hartree-Fock method. For this purpose we will use a model system composed by
two interactive electrons confined in a one dimensional box. Once the electron-
electron potential interaction is described by a Dirac delta function and the base

1. Núcleo de Ciências Exatas e Inovação Tecnológica (NICIT), Universidade Federal de Pernambuco,


Caruaru – PE, Brasil.
Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

functions are ‘mathematically accessible’ (trigonometric functions) we can carry out all of the steps during a
self consistent cycle analytically. Furthermore, because the computational implementation involves a simple
2x2 matrix, the numerical computation of eigenvalues and
​​ eigenvectors becomes easy too.
Key-words: Hartree-Fock; Quantum Chemistry; Quantum well.

ainda não cursaram disciplinas envolvendo méto-


1  Introdução
dos avançados de resolução de equações diferen-
Em cursos iniciais de mecânica quântica é ciais (como o método de solução em série de potên-
comum a resolução da equação de Schrödinger cia e o método de Frobenius, por exemplo). Tal fato
para elétrons não interagentes confinados em poços torna-se um obstáculo para a aprendizagem desses
quânticos unidimensionais tais como: o poço de métodos na medida em que acabam desviando o
potencial infinito (também chamado de partícula foco dos conceitos subjacentes aos mesmos em
na caixa), o oscilador harmônico, dentre outros. detrimento de operações matemáticas envolvendo
Todavia, na natureza, átomos e moléculas possuem funções especiais.
elétrons interagentes. Paradoxalmente, nos cursos de É inegável a importância que os métodos ab
estrutura da matéria, a sofisticação dos modelos fica initio como o método HF e DFT, por exemplo,
atrelada à complexidade das equações diferenciais, possuem no atual estágio de desenvolvimento da
dando pouca ênfase para sistemas contendo elétrons humanidade. Pode-se dizer, sem receios, que tais
interagentes. Desta forma, sistemas como o átomo métodos constituem os paradigmas que guiam
de hidrogênio que, impreterivelmente, recai em diversos projetos de pesquisa envolvendo siste-
funções especiais (Monte; Ventura, 2011; Levine, mas atômicos e moleculares. Assim, graças aos
2000) como os harmônicos esféricos e os polinô- diversos softwares de química quântica como o
mios de Laguerre são preteridos em detrimento de Gaussian (Frisch et al., 2003), por exemplo, arte-
sistemas que, apesar de não requererem a utilização fatos eletrônicos em nanoescala podem ser teorica-
de funções especiais, contém partículas interagen- mente projetados e posteriormente testados (Juan,
tes. Portanto, métodos para se tratar do problema de 2010). Além disso, vários trabalhos (Arroio et al.,
muitos corpos interagentes, como a aproximação de 2005; Leal et al., 2010) mostram que, do ponto
Hartree-Fock (HF) (Szabo; Ostlund, 1996), a teoria de vista educacional, esses softwares contextu-
do funcional da densidade (DFT do inglês Density alizam o ensino de química quântica auxiliando
Functional Theory) (Robert; Parr, 1989), dentre na assimilação destes conteúdos e tornando-os
outros, ficam relegados a cursos direcionados para significativos. Portanto, dada a importância dos
pesquisadores na área como os de química quântica métodos ab initio, para que as funções especiais
ou física atômica e molecular. Mesmo assim, em não se tornem obstáculos para a aprendizagem dos
tais cursos, a intenção de se tratar “sistemas reais” estudantes, desenvolveremos uma proposta que
como átomos multi-eletrônicos e moléculas, traz evita a utilização de tais funções. Para isso, apli-
consigo a necessidade de lidar com funções espe- caremos o método de Hartree-Fock (HF) em um
ciais e, consequentemente, operações matemáticas sistema-modelo contendo dois elétrons interagen-
demasiadamente complexas para estudantes que tes confinados em um poço de potencial infinito

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 11


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

unidimensional. Existem, na literatura, vários momento, considerar os núcleos fixos. Essa apro-
trabalhos envolvendo o método de Hartree-Fock ximação, crucial em química quântica, deve-se a
em poços quânticos (Thompsona; Alavi, 2005; Born e a Oppenheimer. Como consequência direta
Ryabinkin; Staroverov, 2011). Entretanto, diferen- dela, podemos negligenciar a energia cinética dos
temente desses trabalhos, o objetivo aqui consiste núcleos e considerar a repulsão entre eles como
em desenvolver um modelo didático que evite, em sendo constante. Dessa forma, basta tratar a parte
um primeiro momento, as funções especiais. Vale eletrônica do Hamiltoniano do sistema que é dada
salientar que esta preocupação, também compar- por (Szabo; Ostlund, 1996, p. 43):
tilhada por outros autores (Antunes et al., 1999; n N n n n n n n

Messina, 1999), em que defendem que, diferente- Hel = / T + / / V + / / V = / h^ i h + / / V


i ai ij ij (1)
i=1 a=1 i=1 i=1 j2i i=1 i=1 j1i

mente dos diversos exemplos em livros-textos de


química quântica (Levine, 2000; Szabo; Ostlund, Na equação 1, Ti corresponde à energia ciné-
1996), esses sistemas-modelo têm a vantagem de tica do i-ésimo elétron, Vai a interação do a-ésimo
lidar com funções matemáticas elementares, per- “núcleo” com o i-ésimo elétron e Vij a interação
mitindo que tanto os processos analíticos quanto elétron-elétron. Note que, enquanto o termo h(i)
os numéricos do método HF possam ser realiza- representa a parte do Hamiltoniano eletrônico
dos, sem muitas dificuldades, por estudantes que envolvendo apenas um elétron (energia cinética
não dispõem de um arcabouço teórico referente às mais interação elétron-núcleo), o termo Vij repre-
funções especiais. senta a interação entre dois elétrons. Como os
elétrons são indistinguíveis e a função de onda
total do sistema deve ser antissimétrica, a função
2  Breve digressão sobre o
método de Hartree-Fock (HF) de onda total, Ψ (x1, x2, ..., xn), pode ser represen-
tada por um determinante de Slater, como mostra
O método de HF é um método iterativo capaz a equação a seguir.
de resolver a equação de Schrödinger de forma
aproximada para um sistema de n elétrons intera- χ1^ x h χ2^ x h 1 1 g χn^ x h1

gentes através de um campo autoconsistente (em χ1^ x h χ2^ x h


1 g χn^ x h
Ψ^ x , x , ..., x h =
2 2 2
1 2 n /
inglês, Self Consistence Field – SCF). Existe uma n! h h j h
χ1^ x h χ2^ x h g χn^ x h
vasta literatura envolvendo o método de Hartree- n n n

/ χ1^ x h χ2^ x h gχn^ x h (2)


Fock sob a forma de livros (Levine, 2000; Szabo;
1 2 n

Ostlund, 1996; Alcácer, 2007) e artigos (Antunes et


Na equação 2, χa(xj) representa o a-ésimo spin-
al., 1999; Messina, 1999; Summerfield; Beltrame;
-orbital com i-ésimo elétron alocado no mesmo.
Loeser, 1999). Por tal motivo, faremos apenas
As equações de HF são determinadas através do
um breve sumário das principais equações, pois o
método variacional. A energia total E0 do estado
escopo deste trabalho está no desenvolvimento de
fundamental ( E0 = Ψ Hel Ψ ) para um sis-
um sistema-modelo que evita as funções especiais
tema com n elétrons é um funcional dos spins-
durante algumas etapas do método HF.
-orbitais ( E0 " E0 6" χa ,@) sujeito ao vínculo
Considere um sistema com N núcleos e n elé-
trons interagentes. Uma vez que o movimento dos ( # χ ^ x h χ ^ x h dx − δ
*
a i b i i ab = 6a b @ − δab = 0 ). Pode-se
núcleos é muito mais lento quando comparado ao mostrar (Szabo; Ostlund, 1996) que, ao minimi-
movimento dos elétrons, podemos, num primeiro zarmos o funcional,

12 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

com j-ésimo elétron no spin-orbital χb, ou seja,


I 6" χa ,@ = E0 6" χa ,@ − ^6a b @ − δabh (3)
n n

// ε ba
Vtij jb . Em outras palavras, vemos que o operador
a=1 b=1
de Coulomb representa a interação entre o i-ésimo
em que os coeficientes εba são os multiplicadores elétron com o campo médio gerado pelo j-ésimo
de Lagrange – elementos de uma matriz hermi- elétron, como se este último estivesse distribuído
teana que pode ser diagonalizada mediante uma por todo o espaço. Dito de outra forma, não há
transformação unitária – obtemos uma equação de mais uma interação propriamente dita entre duas
autovalor dada por: partículas, mas sim uma interação entre uma par-
tícula (i-ésimo elétron) e o campo elétrico gerado
ft^ i h χa^ x h = εa χa^ x h
i i (4)
por uma distribuição de carga gerada pelo j-ésimo
onde ft^ i h é chamado de operador de Fock (do elétron no spin-orbital χb. Vale ressaltar, ainda,
i-ésimo elétron) dado por: que, ao substituirmos as interações instantâneas
n
entre os elétrons por valores médios de repulsão
ft^ i h = ht^ i h + / Jt b^ i h − Kb^ i h
t
(5) entre cada elétron e os restantes, as energias cal-
b=1
culadas pelo método de Hartree-Fock apresentam
sendo: um erro inerente à própria aproximação, chamado
de energia de correlação (Dias, 1980). Por fim, o
Jtb^ i h = #χ *
b^ x jh Vtij χb^ x h dτ j (6)
j
operador de troca ( Kt b^ i h ) não possui análogo clás-
sico. Contudo, podemos afirmar que este operador
e relaciona os movimentos dos elétrons localizados
nos spin-orbitais χa e χb, com spins paralelos, bai-
Kt b^ i h = #χ *
b^ x jh Vtij ^/
t ij χb^ x hh dτ j (7)
j
xando a energia, uma vez que esses elétrons ‘se
evitam’ (Ryabinkin; Staroverov, 2011). Assim,
t ij é chamado operador de per-
Na equação 7, / pelo fato do operador de troca depender da quan-
muta (Szabo; Ostlund, 1996) que atua, como o tidade de elétrons do sistema (par ou ímpar), dois
próprio nome sugere, permutando os elétrons nos casos distintos podem surgir: (i) camadas fechadas
spins-orbitais, ou seja: (closed shell), para um sistema com número par
t ij ^χb^ x h χa^ x hh = χb^ x h χa^ x h
/ i j j i (8) de elétrons; e (ii) camadas abertas (open shell),
quando o sistema tiver um número ímpar de elé-
Note agora que ht^ i h, Jtb^ i h e Kt b^ i h são operadores trons. Se o sistema possui camada aberta (open
que atuam apenas no i-ésimo elétron. O operador shell), pode usar-se o método de Hartree-Fock
ht^ i h é comumente chamado de Hamiltoniano de não restrito (UHF), caso contrário, se o sistema
caroço, pois a energia potencial que aparece nele tiver camadas completamente preenchidas, deve-
corresponde à interação elétron núcleo (‘caroço’). mos utilizar o método de Hartree Fock Restrito
Já os operadores Jtb^ i h e Kt b^ i h , apesar de atuarem (RHF). Grosso modo, neste último caso (RHF)
apenas no i-ésimo (operadores monoeletrônicos), a ideia consiste em usar orbitais espaciais dupla-
possuem o j-ésimo elétron alocado no spin orbital mente ocupadas. Assim, podemos “eliminar” os
χb. Tais operadores são chamados de operador de spins e trabalharmos apenas com orbitais espaciais
Coulomb e operador de Troca, respectivamente. de modo que, no caso restrito, o operador de Fock
A expressão para o operador de Coulomb ( Jtb^ i h ) passa a ser escrito como (Szabo; Ostlund, 1996,
permite interpretá-lo como a média de Vtij tomada p. 134):

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 13


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

n/2

ft^ i h = ht^ i h + / 2Jt b^ i h − Kt b^ i h (9) L

/C ϕ .
centradas nos “núcleos”, ou seja: χa =
a
b=1 p p
p=1

Neste trabalho, iremos nos ater à versão restrita Nesta base, pode-se mostrar (Monte; Ventura,
do método (RHF) de modo que, daqui por diante, 2011) que o operador de Fock passa a ser escrito
todas as equações serão concernentes a esta versão. em termos de uma matriz Ft ^ Ft = Ht + Gt h cujos ele-
Sendo χu a^ x h os orbitais espaciais, as soluções das
i
mentos (Fpq) são dados por:
equações de HF consistem em resolver um problema 1
Fpq = H pq + /D rs ;^ pq rsh − ^ pq sqhE = H pq + G pq (10)
de autovalor conforme a equação 4, porém, trocando- rs 2

-se os spins-orbitais por orbitais espaciais ( χa " χu a ).


O mesmo acontece com a energia total do sis-
tema ( ERHF = Hel ) que fica escrita como (Monte;
3  Contribuições de Roothaan e Ventura, 2011):
etapas de um ciclo SCF (Self Consistent Field) 1 L L 1
ERHF = Ht el = / / D pq ^ H pq + Fpqh = Tr " Dt ^ Ht + Ft h, (11)
2 p q 2
Como os operadores Jtb^ i h e Kt b^ i h dependem,
a priori, dos orbitais espaciais χu a , precisamos Nas equações anteriores, Hpq, Spq e Cq corres-
fazer iterações começando por um conjunto de pondem, respectivamente, aos elementos da matriz
spins-orbitais a nossa escolha. Este método é cha- do Hamiltoniano de caroço, da matriz de sobrepo-
mado de método do campo autoconsistente (Self sição (se a base for não ortogonal) e aos elementos
Consistence Field, em inglês) que, grosso modo, de um vetor C, contendo os coeficientes da expan-
consiste em propor, inicialmente, uma solução são das funções de base. Já o termo εa corresponde
aproximada (orbitais espaciais a nossa escolha) ao elemento de uma matriz (diagonal) contendo os
denominada solução de ordem zero. A partir dela, autovalores referentes aos spins-orbitais χ. Além
podemos obter os operadores Jtb^ i h, Kt b^ i h e resolver- disso, os termos (pq|rs) e (pr|sq) representam as
mos as equações de HF com esta “versão inicial” integrais de dois elétrons (Coulomb e Troca, res-
de orbitais espaciais. De posse de um novo con- pectivamente) na base de dimensão L, ou seja:
junto de orbitais espaciais (solução de ordem um)
podemos obter novos operadores Jtb^ i h, Kt b^ i h e assim ^ pq rsh = ## ϕ *
p^ xih ϕq^ x h Vtij ϕ*r^ x h ϕs^ x h dτi dτ j (12)
i j j

sucessivamente até que a solução de ordem O+1


seja igual (ou pelo menos não difira significativa- t t @ ) é chamada de matriz
A matriz D ( Dt = 2CC
mente) da solução de ordem O. densidade, cujos elementos são definidos pelos
Entretanto, mesmo com as aproximações coeficientes da combinação linear das funções de
(campo médio) explicitadas no parágrafo ante- base referentes aos orbitais espaciais (duplamente)
rior, as equações de HF eram bastante comple- ocupados, ou seja:
xas para serem resolvidas de modo sistemático. n/2

Contudo, uma grande contribuição para este D pq = 2 /C C a


p
a*
q (13)
a
problema surgiu com Roothaan (Freitas, 1999;
Schatz; Ratner, 2002), ao propor que os spins- Como consequência direta da ideia de Roothaan
-orbitais pudessem ser escritos como combina- – expansão em uma base de dimensão finita –, a
ções lineares de uma dada base de dimensão L equação de autovalor para o operador de Fock,
– não necessariamente ortogonal –, com funções também passou a ser escrita na forma matricial

14 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

t t = εt SC
FC tt (14) 7. Converter Cu em Ct e calcular uma nova

matriz densidade (D);
Na prática, a equação 14 não é muito conve-
8. Calcular a nova energia total do sistema;
niente, uma vez que ela não possui a forma de
9. Retornar ao 5º item, até que a energia total
uma equação de autovalor. Contudo, definindo
do passo anterior não difira significativa-
as matrizes de transformação (Alcácer, 2007)
mente do passo atual.
Xt = St−1/2 e Yt = St1/2 , vemos que a equação 14 pode
ser escrita como: O restante deste trabalho consiste em apli-
car a versão restrita do método de Hartree-Fock-
u u = εt Cu
FC (15) Roothaan (RHFR) para um sistema-modelo
simples que, conforme dito anteriormente, dife-
=
Onde: Fu Xt= FX e Ct YC
@ t t t t . Este fato possibilitou rentemente dos livros usuais de química quântica
o uso de técnicas de álgebra linear para se obter os (Levine, 2000; Szabo; Ostlund, 1996), não faça
autovalores (εa) e os coeficientes C qa . de funções especiais: duas partículas (elétrons)
Vemos, então, que o conceito de base proposto interagentes confinadas em um poço de potencial
por Roothaan permitiu que o método de Hartree- infinito unidimensional. Para tal, definiremos uma
Fock pudesse ser realizado de modo sistemático, base, um potencial de interação, e detalharemos os
através de códigos computacionais contendo ope- passos do método de RHFR, citados anteriormente.
rações matriciais básicas tais como: diagonaliza-
ção, inversa de uma matriz, autovalores e auto-
4  Desenvolvimento das etapas de um
vetores. Por tal motivo, a formulação matricial ciclo SCF para duas partículas interagentes
decorrente da inserção de funções de base, recebe confinadas em um poço de potencial
o nome de método de Hartree-Fock-Roothaan unidimensional
(HFR). Este método segue os seguintes passos
(Levine, 2000): 4.1 Especificação do sistema
1. Especificar o sistema (poço de potencial, Adotaremos, neste trabalho, um potencial de
átomo, molécula, geometria etc.); interação elétron-elétron do tipo delta de Dirac
2. Calcular as integrais de um e dois elétrons Vt12 = γ δ^ x1 − x2h (Griffiths, 2011). Apesar de
e construir as matrizes Ht , Jt, Kt , St ( St é a alguns autores considerarem este potencial como
matriz de sobreposição com elementos não uma aproximação unidimensional do potencial de
nulos fora da diagonal principal, em caso Coulomb, neste trabalho ele tem caráter puramente
de uma base não ortogonal) etc...; alegórico e facilitador do ponto de vista matemá-
3. Diagonalizar a matriz St (caso a base não tico. As integrais de dois elétrons podem ser facil-
seja ortogonal) e obter as matrizes de mente resolvidas, já que, para a função delta de
transformação Xt e Yt que transformam a Dirac, temos que:
equação 14 na equação 15;
4. Escolher a primeira versão da matriz Dt ; f^ x0h se x0 ! 6xa, xb @
xb

# f^ xh δ^ x − x0h dx = ) (16)
5. Construir a matriz Ft e a matriz Fu ; 0 c.c.
xa
6. Diagonalizar a matriz Fu , para obter os
autovalores e autovetores (novos coefi- Por se tratarem de partículas em uma caixa,
cientes) Cu ; utilizaremos uma base com funções do tipo

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 15


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

2 nπx Para facilitar a implementação computa-


ϕn ^ xh = sen ` j com n = 1, 2; ou seja,
L L cional, iremos arbitrar os seguintes valores:
2 πx 2 2π x L = π / 2 = γ . Logo, de acordo com os resultados
B2 = ' sen ` j, sen c m1 . Por ser
L L L L
da equação 19, vemos que, para uma base contendo
uma base ortonormal, a matriz de sobreposição (S)
possuirá apenas elementos unitários na diagonal apenas dois elementos (n = 1 e n = 2), a matriz Ht
1 0
principal, ou seja, St = It2 , onde It2 é a matriz identi- pode ser escrita como Ht = e o . A seguir, segue
0 4
dade de tamanho 2x2. Uma vez que St = It2 , é fácil
um quadro com as integrais envolvendo dois elé-
=
ver que Fu Ft= e Cu Ct . Além disso, ao restringir a
trons (Quadro 1). Apesar de termos dezesseis
base em dois elementos, o cálculo de autovalores e
integrais, apenas seis delas podem ter valores
autovetores envolverá uma matriz 2x2.
distintos.
4.2 Cálculo das matrizes
4.3 Diagonalização da Matriz Ŝ e construção das
Inicialmente, calcularemos as integrais mais matrizes de transformação X e Ŷ
simples, envolvendo apenas um elétron. Sabemos
Como a base B contém elementos ortogonais, a
que (Griffiths, 2011) o Hamiltoniano do poço
matriz Ŝ é diagonal (Ŝ = Î2) de modo que esta etapa
quadrado infinito é dado por ht^ i h = Tt^ i h + Vt^ i h , onde
do processo torna-se desnecessária.
Vt^ i h e Tt^ i h correspondem ao potencial de interação
elétron-núcleo e a energia cinética do i-ésimo elé- 4.4 A primeira versão da matriz densidade D
tron, respectivamente. Nesse trabalho, atribuire-
A matriz densidade, como vimos, é dada por
mos ao “fundo do poço” uma energia nula, ou seja, t
D = 2ĈĈ†, sendo Ĉ a matriz cujos elementos são
adotaremos Vt^ i h = 0 de modo que a parte monoe-
formados pelos valores dos coeficientes C ap . Em
letrônica do Hamiltoniano do nosso sistema fica
nosso caso, como estamos considerando apenas
definida simplesmente como:
um orbital espacial duplamente ocupado e uma
' d2 1 d2 base contendo dois elementos, Ĉ e Ĉ† podem ser
Tt^ i h = − =− (17)
2m dx 2
2 dx 2 =
escritos como: Ct e=
C11
o e Ct @ ^C11 * C 21 *h ; de modo
C 21
Repare que, na segunda igualdade da equação que a matriz densidade assume a forma:
17, consideramos ' =1 e m = 1 (unidades atômi-
t t @ 2 eC11 C11 * C11 C 21 * o = e D11 D12 o (20)
1 1* 1 1*

cas). Como estamos trabalhando com duas fun- =Dt 2=


CC
C 2 C1 C 2 C 2 D21 D22
ções de base, o operador de um elétron gerará uma
matriz quadrada 2x2 do tipo: Como uma primeira tentativa, arbitraremos a
seguinte combinação linear para o nosso orbital
H11 H12
Ht = e o (18) espacial duplamente ocupado:
H21 H22
2 πx 2 πx
cujos elementos Hpq são dados pela equação seguinte: χu 1 ^ xh = 1 $ sen ` j+0$ sen ` j (21)
L L L L
L
2 n π x1 1 d2 m π x1
Hnm = sin c
# m;− Esin c m dx1 = De acordo com a função anterior temos: C11 = 1
L0 L 2 dx12 L
e C 21 = 0 ; o que resulta em uma “matriz” dos coefi-
^ n πh2 (19)
= * 2L2 n = m C11 1
=
cientes dada por: Ct e= o e o . Para se construir
0 c.c. C 21 0

16 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

Quadro 1.  Integrais de dois elétrons para uma base com três elementos (B = 2 onde: p, q, r, s = 1, 2) e com γ = L. Por
simetria, vemos que apenas seis das dezesseis integrais possuem valores diferentes.
L L

_ pq | r s i =

L2 0
# # sin b p πL x l sin b q πL x l δ_ x - x i sin b r πL x l sin b s πL x l dx dx
1 1
1 2
2 2
1 2
0

L
4γ πx 4γ
_11 | 11i = sin 4 b 1 l dx1 = 2 $ 3 L = 1.5
#
L2 0 L L 8

L
4γ 2 π x1 4γ
_22 | 22i = sin 4 d
# n dx1 = 2 $ 3 L = 1.5
L2 0 L L 8

L
4γ 2 π x1 πx 4γ
_11 | 22i = _22 | 11i = sin 4 d
# n sin 2 b 1 l dx1 = 2 $ L = 1
L2 0 L L L 4

L
4γ 2 π x1 πx 4γ
_12 | 12i = _21 | 21i = _12 | 21i = _ 21 | 12i = sin 2 d
# n sin 2 b 1 l dx1 = 2 $ L = 1
L2 0 L L L 4

L
4γ πx 2 π x1 4γ
_12 | 11i = _21 | 11i = _11 | 12i = _11 | 21i = sin 3 b 1 l sin d
# n dx1 = 2 $ 0 = 0
L2 0 L L L

L
4γ 2 π x1 πx 4γ
_21 | 22i = _12 | 22i = _22 | 21i = _ 22 | 12i = sin 3 d
# n sin b 1 l dx1 = 2 $ 0 = 0
L2 0 L L L

a matriz densidade, devemos nos lembrar de que 1


G11 = D11 ;^11 | 11h − ^11 | 11hE +
ela apenas leva em consideração os orbitais espa- 2
1
ciais ocupados. Logo, temos que: + D12 ;^11 | 21h − ^11 | 21hE +
2
C11 C11 * C11 C 21 * 2 0 1
= e 1 1* 1 1*o e
Dt 2= o (22) + D21 ;^11 | 12h − ^12 | 11hE +
C 2 C1 C 2 C 2 0 0 2
1
+ D22 611 | 22 @ − ^12 | 21h (23)
nossa primeira tentativa para a matriz densidade. 2

Como D12 = D21 = D22 = 0, então, substituindo os


4.5 Construção da Matriz de Fock (F e F)
valores das integrais de Coulomb e troca, obtemos
A matriz de Fock, como vimos, é dada por
3 1 3 3
F = Ht + Gt . As matrizes St e Ht já foram obtidas. G11 = 2 ; − E=
t
(24a)
Falta ainda obter os elementos da matriz Gt que, 2 22 2
por sua vez, podem ser encontrados a partir da Seguindo o mesmo raciocínio para os demais
1
expressão G pq = /
Drs c pq | rs −
2
pr | sq m . elementos, segue que:
rs

De posse dos valores das integrais de Coulomb, 1 1


G12 = D11 ;^12 | 11h − ^11 | 12hE = 2 c0 − 0 m = 0 (24b)
troca, sobreposição, e da matriz densidade, pode- 2 2

mos construir a matriz Gt , elemento por elementos 1 1


G21 = D11 ;^21 | 11h − ^ 21 | 11hE = 2 c0 − 0 m = 0 (24c)
(Gpq). Assim, para G11, temos que: 2 2

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 17


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

1 1 Orbital. A Figura 1 mostra nosso sistema com seus


G22 = D11 ;^ 22 | 11h − ^ 21 | 12hE = 2 c1 − 1 m = 1 (24d)
2 2 dois orbitais espaciais (HOMO e LUMO) e os dois
elétrons ocupando o HOMO.
Portanto, a primeira versão (ordem zero – Gt ^0h )
da matriz de dois elétrons passa a ser escrita como
3/2 0 ∞ ∞
Gt ^0h = e o.
0 1
Finalmente, de posse da matriz Gt ^0h temos con-
dições de construir a matriz de Fock (também de
ELUMO
ordem zero):
EHOMO
1 0 3/2 0 5/2 0
Ft ^0h = Ht + Gt ^0h = e o+e o=e o (25)
0 4 0 1 0 5 0 L x

Conforme dito anteriormente, como a base é Figura 1.  Níveis de energia do sistema após a conver-
gência da energia. O “último” orbital ocupado HOMO
ortonormal, temos que Fu = Ft . com energia EHOMO = 2,5 u.a. e o primeiro orbital
desocupado (virtual) LUMO com energia ELUMO =
5,0 u.a. (u.a. – unidades arbitrárias)
4.6 Determinar os autovalores e autovetores

O próximo passo consiste em determinar os 4.7 Converter C em Ĉ e


autovalores e autovetores da matriz Fu e obter calcular uma nova matriz densidade (D)
novos coeficientes ( Cu ). Como ela já é uma matriz Novamente, como a base é ortonormal, temos
diagonal, é fácil ver que seus autovalores são: que Cu = Ct . Além disso, por estarmos utilizando a
λ1 = 5/2 e λ2 = 5/2. Para λ1 = 5/2 obtemos o auto- versão restrita do método (RHFR), alocamos os
vetor (coeficientes da expansão) = Cu11 1=
e Cu 21 0 . dois elétrons no nível de energia mais baixo. Como
Já para λ2 = 5 obtemos= Cu12 0= e Cu 22 1 . Note que, a matriz densidade é construída levando-se em
por utilizarmos dois elementos na base B, todas as conta apenas orbitais espaciais (duplamente) ocu-
matrizes são de tamanho 2x2. Consequentemente, pados, só os coeficientes dos orbitais ocupados são
têm-se dois autovalores e dois autovetores que, por levados em consideração para o cálculo da nova
sua vez, correspondem a dois níveis de energia e matriz densidade (ordem um). Assim, vemos, que
dois orbitais espaciais nos quais podem ser alo- após o primeiro ciclo iterativo, a nova matriz den-
cados até dois elétrons em cada um deles. Como 2 0
sidade fica: Dt = e o que, coincidentemente,
^1 h

nosso sistema possui apenas dois elétrons, ambos 0 0


serão colocados no orbital espacial de menor ener- corresponde a nossa matriz tentativa (ordem zero).
gia. Por este ser o orbital ocupado com a energia
mais alta – o único neste caso –, ele é denominado
4.8 Calcular a energia total do sistema
HOMO, do inglês Highest Occupied Molecular Conforme visto anteriormente, a ERHF pode ser
Orbital. Já o orbital espacial de maior energia, calculada através da equação 11, resultando em:
por não possuir elétrons, é usualmente chamado
o=e oG3 =
1 2 0 1 0 5/2 0 7
de orbital virtual. Logo, assim como no caso do ERHF = Tr ) e o+e (26)
2 0 0 0 4 0 5 2
HOMO, por ser o orbital virtual de mais baixa
energia (também o único neste caso), é chamado de Aqui, vale salientar que a energia total do sis-
LUMO, do inglês Lowest Unoccupied Molecular tema não corresponde, simplesmente, ao menor

18 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

valor da energia do orbital espacial multiplicado inicial dado para os coeficientes que compõem a
por dois (já que ele é duplamente ocupado). Note matriz densidade. Em outras palavras, o sistema
que, se assim o fosse, estaríamos considerando a converge para o valor mínimo de ERHF. Espera-se
interação elétron-elétron duas vezes. que, quanto mais próximo o chute estiver da
‘solução correta’, menor será o número de itera-
4.9 Retornar ao item cinco, até que a ções realizadas para se chegar nela. Isso foi o que
energia total do passo anterior não difira aconteceu no nosso exemplo: o chute foi certeiro.
significativamente do passo atual Contudo, para que não haja dúvidas acerca da
Neste exemplo em particular, vemos que, afirmação anterior, desenvolvemos um programa
após um ciclo completo, a nova matriz densidade simples (ver material suplementar) em linguagem
(primeira ordem) é idêntica à nossa primeira ten- Octave, que realiza todos os passos (de 1 até 9,
tativa (ordem zero). Em outras palavras, vemos para uma base ortonormal) do método. Essas ite-
que nosso ‘chute’ foi certeiro. Logo, se fossemos rações vão se repetindo até que se obtenham os
adiante com o método, as demais iterações ‘con- autovalores e os autovetores para a energia (ERHF)
vergiriam’ para o mesmo resultado. Assim sendo, mínima. Posteriormente, seguem as Tabelas 1 e 2,
após a etapa 8, podemos encerrar o processo e afir- cada uma contendo um chute inicial distinto para a
mar que este convergiu. matriz densidade de ordem zero. Nas linhas “cada
Talvez, o fato mais intrigante do método do tabela”, colocamos os resultados das matrizes
campo autoconsistente é que o resultado final Dt , εt e Ct , além da energia total (ERHF), para algu-
sempre será o mesmo, não importando o chute mas iterações.

=
Tabela 1.  Outra tentativa inicial para construção da matriz densidade de ordem zero =
com C11 1/ 2 e C 21 1/ 2 .
Iteração Matriz D Matriz F Matriz ε ERHF (u.a.)
11 2, 2500 1, 0000 1, 9472 0
n=1 e o e o e o 7,2500
11 1, 0000 5, 2500 0 5, 5528

1, 8320 - 0, 5547 2, 4580 - 0, 5547 2, 3440 0


n=2 e o e o e o 4,2346
- 0, 5547 0, 1679 - 0, 5547 5, 0419 0 5, 1560

1, 9989 - 0, 0454 2, 4996 0, 0569 2, 4983 0


n = 11 e o e o e o 3,5073
- 0, 0454 0, 0010 0, 0569 5, 0004 0 5, 0017

2 0 2, 5 0 2, 5 0
n = 28 e o e o e o 3,5000
0 0 0 5 0 5

=
Tabela 2.  Mais uma tentativa inicial para construção da matriz densidade de ordem zero =
com: C11 3/ 10 e C 21 1/ 10 .
Iteração Matriz D Matriz F Matriz ε ERHF (u.a.)
1, 8000 0, 6000 2, 4500 0, 6000 2, 3182 0
n=1 e o e o e o 4,3700
0, 6000 0, 2000 0, 6000 5, 0500 0 5, 1818

1, 9079 - 0, 4190 2, 4769 - 0, 4190 2, 4098 0


n=2 e o e o e o 3,9078
- 0, 4190 0, 0920 - 0, 4190 5, 0230 0 5, 0902

1, 9999 0, 0012 2, 4999 - 0, 0151 2, 4999 0


n = 16 e o e o e o 3,5008
0, 0012 0 - 0, 0151 5 0 5, 001

2 0 2, 5 0 2, 5 0
n = 25 e o e o e o 3,5000
0 0 0 5 0 5

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 19


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

5  Conclusão o limite-HF, energia de correlação, dentre outros,


podem ser explorados através de um modelo sim-
Através de uma escolha apropriada para o ples no qual estudantes que dispõem de um curso
potencial de interação elétron-elétron, e das fun- básico de cálculo podem realizar todas as etapas
ções de base, o método de Hartree-Fock pôde ser do método sem grandes dificuldades.
implementado utilizando apenas funções matemá-
ticas elementares (senos) que compõem a base a
ser utilizada nas combinações lineares dos orbitais
6  Referências
espaciais do nosso sistema. A solução da equação ALCÁCER, L. Introdução à química quântica compu-
de Schrödinger de uma partícula confinada em um tacional. Lisboa: IST Press: 2007.

poço unidimensional constitui um dos primeiros ANTUNES, A. et al. Método de Hartree-Fock:


dois exemplos analiticamente solúveis. Revista
modelos a serem estudados por alunos em mecâ- Brasileira de Ensino de Física, v. 21, n. 2, 1999.
nica quântica. Este modelo evita técnicas especiais
ARROIO, A. et al. O ensino de química quântica e o
de solução de equações diferenciais e, consequen- computador na perspectiva de projetos. Quim. Nova,
temente, as autofunções obtidas em sua solução v. 28, n. 2, 2005.
não são compostas por funções especiais. Ao se DIAS, J. J. C. T. Química quântica: fundamentos e méto-
evitar a utilização de funções especiais nas etapas dos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.

do método HF, remove-se um obstáculo à apren- FREITAS, L. C. G. Prêmio nobel de química em 1998:
Walter Kohn e John A. Pople. Quim. Nova, v. 22,
dizagem deste importante método para estudantes n. 2, 1999.
que ainda não possuem o conhecimento dessas
FRISCH, M. J. T. et al. Gaussian, v. 3, 2003.
funções. Assim, para este estudante, o foco fica
GRIFFITHS, D. J. Mecânica quântica. São Paulo:
voltado ao método HF como um todo sem que Pearson Prentice Hall, 2011.
haja lacunas decorrentes do processo de resolução
JUAN, E. S. C. C. Molecular electronics: an introduc-
de integrais complicadas. Além disso, nos casos tion to theory and experiment word scientific, Vol. 1.
em que o chute inicial exige muitas iterações até a 2010.

convergência da energia total do sistema, o cálculo LEAL, R. C.; et al. A química quântica na compreensão
de teorias de química orgânica. Quim. Nova, v. 33,
de autovalores e autovetores envolve uma matriz
n. 5, 2010.
2x2 facilitando o desenvolvimento de um pro-
LEVINE, I. N. Quantum chemistry. 5. ed. Prentice Hall:
grama computacional para o método HF. New Jersey, 2000.
Outra vantagem de lidar com funções trigo- MESSINA, M. The Hartree-Fock self-consistent field:
nométricas diz respeito ao número de elementos an allegorical connection using two coupled harmo-
que a base possui e suas consequências. Com uma nic pscillators. Journal of Chemical Education, 76,
1999.
base contendo três elementos, por exemplo, ape-
MONTE, S. A. do; VENTURA, E. A importância do
sar de um número bem maior de integrais a serem
método de Hartree no ensino de química quântica.
resolvidas, elas são familiares aos estudantes que Quim. Nova, v. 34, n. 3, 2011.
possuem um curso básico de cálculo. O mesmo ROBERT, G.; PARR, W. Y. Density functional theory of
não se pode afirmar de uma base composta por atoms and molecules. New York: Oxford University
Press, 1989.
funções especiais onde, neste caso, surgem impre-
terivelmente integrais envolvendo três harmôni- RYABINKIN, I. G.; STAROVEROV, V. N. Accurate
explicitly correlated wave functions for two elec-
cos esféricos, inerentes aos sistemas atômicos e trons in a square. The Journal of Chemical Physics,
moleculares mais ‘reais’. Assim, conceitos como v. 7, 2011.

20 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

SCHATZ, G. C.; RATNER, M. A. Quantum mechanics SZABO, A.; OSTLUND, N. S. Modern quantum che-
in chemistry. New York: Dover, 2002. mistry. Dover: New York, 1996.
SUMMERFIELD, J. H.; BELTRAME, G. S.; LOESER, THOMPSONA, D. C.; ALAVI, A. A comparison of
J. G. A simple model for understanding electron cor- Hartree-Fock and exact diagonalization solutions
relation methods. Journal of Chemical Education, for a model two-electron system. The Joural of
v. 76, 1999. Chemical Physics, v. 7, 2005.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 21


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

ANEXO 1.  Material Suplementar

Programa escrito em linguagem Octave, utilizado para construir as Tabelas 1 e 2 do texto disponível em
http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre. Os comentários do programa estão em
itálico.

% IMPLEMENTAÇÃO DO MÉTODO HARTREE FOCK RESTRITO


%---------------------------------DEFINIÇÕES-----------------------------------------------------
% C(1) E C(2) = COEFICIENTES QUE COMPORÃO A MATRIZ DENSIDADE
% C = MATRIZ DOS COEFICIENTES
% D = MATRIZ DENSIDADE
% H = HAMILTONIANO DE CAROÇO (ENVOLVENDO UM ELÉTRON)
% Gpq = PARTE DO HAMILTONIANO ENVOLVENDO DOIS ELÉTRONS
% F = MATRIZ DE FOCK (F=H+G)
% EANT = ENERGIA CALCULADA NO CICLO AUTOCONSISTENTE ANTERIOR
% E = ENERGIA CALCULADA NO CICLO AUTOCONSISTENTE ATUAL
% Vijkl = INTEGRAIS DE COULOMB E TROCA (TABELA 2 DO TEXTO)
% CICLO = NÚMERO DE CICLOS REALIZADOSDURANTE O PROCESSO
%---------------------------------PROGRAMA-----------------------------------------------------
% AQUI REALIZAMOS O PRIMEIRO CHUTE DOS COEFICIENTE DA MATRIZ DENSIDADE (D)
C=input(‘dê [C(1),C(2)]\n’)
D=2.*(C*C’) % CONSTRUÇÃO DA MATRIZ (D)
% VALORES DAS INTEGRAIS DE COULOMB E TROCA (DISPOSTOS NA TABELA 2 DO TEXTO)
V1111=V2222=3/2;
V1112=V1121=V1211=V2111=0;
V1122=V2211=1;
V1222=V2122=V2212=V2221=0;
V1212=V1221=V2112=V2121=1;
H=[1,0;0 4]; % MATRIZ REFERENTE AOS ELEMENTOS DO HAMILTONIANO DE CAROÇO (UM ELÉTRON) CONFORME A
TABELA 1 NO TEXTO
E=1 % AQUI CONSIDERAMOS A ENERGIA TOTAL DO SISTEMA (E) INICIAL DADO PELA EQUAÇÃO 11 CONSIDERANDO
INICIALMNENTE A MATRIZ DE FOCK COMO SENDO NULA (F = 0)
CICLO=0
do
EANT=E
D1=[D(1,1),D(1,2)]; % PRIMEIRA LINHA DA MATRIZ DENSIDADE
D2=[D(2,1),D(2,2)]; % SEGUNDA LINHA DA MATRIZ DENSIDADE
% DESENVOLVIMENTO DA MATRIZ DE ELEMENTOS Gpq
V1=[V1111-0.5*V1111;V1121-0.5*V1121]; % PARA SIMPLIFICAR OS CÁLCULOS E A LEITURA DO PROGRAMA
SEPARAMOS A EXPRESSÃO DA MATRIZ (G) EM DUAS PARCELAS V1 E V2 PARA G11, V3 E V4 PARA G12 E ASSIM POR
DIANTE.
V2=[V1121-0.5*V1211;V1122-0.5*V1221]
G11=D1*V1+D2*V2;
V3=[V1211-0.5*V1121;V1221-0.5*V1122];
V4=[V1212-0.5*V1212;V1222-0.5*V1222];
G12=D1*V3+D2*V4;
V5=[V2111-0.5*V2111;V2121-0.5*V2121];

22 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

V6=[V2112-0.5*V2211;V2122-0.5*V2221];
G21=D1*V5+D2*V6;
V7=[V2211-0.5*V2112;V2212-0.5*V2122];
V8=[V2221-0.5*V2212;V2222-0.5*V2222];
G22=D1*V7+D2*V8;
Gpq=[G11 G12;G21 G22] % AQUI CONSTRUÍMOS A MATRIZ G PRÓPRIAMENTE DITA
F=H+Gpq %CONSTRUÇÃO DA MATRIZ DE FOCK F
[R M]=eig(F) % AQUI NÓS DIAGONALIZAMOS A MATRIZ DE FOCK OBTENDO OS AUTOVALORES (M) E AUTOVETORES (R)
P=D*(F+H) %AQUI MONTAMOS A MATRIZ P DA QUAL CALCULAREMOS A ENERGIA TOTAL DO SISTEMA, OU SEJA, O
TRAÇO DA MATRIZ P DIVIDIDO PELO FATOR 0.5 CONFORME A EQUAÇÃO 11 DO TEXTO.
E=0.5*(P(1,1)+P(2,2)) % CALCULO DA ENERGIA E (TRAÇO DA MATRIZ P)
K=[R(1,1);R(2,1)] % CÁLCULO DOS NOVOS AUTOVETORES
D=2*(K*K’) % AQUI REALIZAMOS A MONTAGEM DA NOVA MATRIZ DENSIDADE OBTIDA A PARTIR DO CÁLCULO DOS
NOVOS AUTOVETORES (K)
CICLO=CICLO+1
until ((EANT-E)<0.0001) % O CRITÉRIO DE PARADA CONSISTE EM VER SE A DIFERENÇA ENTRE A ENERGIA CALCULADA
NESTE CICLO (E) E A ENERGIA CALCULADA NO CICLO ANTERIOR (EANT) É MENOR QUE 0.0001.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 23


Artigo 02 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 24-31

Oficinas Educativas:
índice de qualidade da água e proteção ambiental
Educational Workshops:
water quality index and environmental protection
Marluce Teixeira Andrade Queiroz1, Leonardo Ramos Paes de Lima1, Millor Godoy Sabará2,
Mônica Maria Diniz Leão3, Camila Costa Amorim4 e Carolina Andrade Queiroz5

Resumo
O trabalho mostra os resultados alcançados em oficinas educativas direcionadas
para o entendimento dos parâmetros relativos à qualidade da água. O público-alvo
constituiu-se em alunos do ensino profissionalizante de escola pública localizada
em Coronel Fabriciano, Minas Gerais, Brasil. Argumentou em favor da educação
sedimentada no contexto socioambiental do indivíduo, como estratégia constru-
tiva, favorecendo a proteção do Ribeirão Caladinho. Para analisar o desempenho
do trabalho, foram aplicados testes em turmas de tratamento (1A e 1C), com ati-
vidades práticas e uma turma controle (1B) que participou apenas das aulas teó-
ricas. A análise dos resultados com Teste “t student” indicou que as diferenças
apresentadas entre as turmas 1B/1A e 1B/1C foram significativas (p < 0,05), já as
diferenças entre 1A/1C não foram significativas (p > 0,05), comprovando que as
turmas com aulas em laboratório alcançaram melhor entendimento. Reconheceu-se
a relevância das atividades práticas no estudo da ciência, facilitando a compreensão
das alterações existentes no mundo e oportunizando a proatividade em relação aos
problemas contemporâneos.
Palavras-chave: Educação; Qualidade da água; Proteção ambiental; Cidadania.

1. Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (Unileste).


2. Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Unidade de João Monlevade.
3. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia
Sanitária e Ambiental.
4. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
5. Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

Abstract
The work presents the results achieved in educational workshops directed towards an understanding of the
parameters relating to water quality. The audience consisted of students in vocational education public
school located in Coronel Fabriciano, Minas Gerais, Brasil. Argued in favor of sedimented education in
socio-environmental context of the individual as a constructive strategy, favoring the protection of Ribeirão
Caladinho. To analyze the work performance tests were applied to treatment groups (1A and 1C), with
practical activities and a control class (1B) that participated only in the lectures. The analysis of the test
results with “student t” indicated that the differences observed between these groups and 1B/1A 1B/1C
were significant (p < 0.05) differences between 1A/1C were no longer significant (p > 0, 05), proving that
students with laboratory classes achieved better understanding. The importance of the practices in the study
of science was recognized by facilitating the understanding of the changes in the world, providing pro-
activity opportunities in relation to contemporary problems.
Key-words: Education; Water quality; Environmental protection; Citizenship.

planeta associa-se, obrigatoriamente, à inclusão da


1  Introdução
formação ambiental no ensino fundamental, médio
A reflexão sobre as práticas sociais, em um e superior. No entanto, as dificuldades encontradas
contexto marcado pela degradação dos recursos se relacionam, dentre outros aspectos, com a estru-
naturais, requer articulação que promova a pro- turação da prática pedagógica e as discrepâncias
dução de sentidos sobre a relevância da educação quanto ao nível de percepção do público-alvo, exi-
ambiental continuada (Echeverría et al., 2012). gindo a busca de metodologias inovadoras e profí-
As demandas atuais exigem que os atores cuas (Gentili, 2012).
sociais apresentem sólida formação cognitiva e Observa-se que o ensino tradicional, abstrato
competências diversas, oportunizando conheci- e compartimentado, não propicia a análise da
mento, formação de habilidades e atitudes que realidade associada à identificação dos agravos
permitam observar, utilizar e, fundamentalmente, ambientais. Além disso, no processo educacional
compreender, ainda que de maneira incipiente, o não se nota a incorporação da temática de uma
acelerado desenvolvimento dessa sociedade tecno- forma interdisciplinar, e apesar das recomenda-
lógica e os impactos negativos associados (Kassab ções oficiais, esta responsabilidade fica restrita,
et al., 2012). geralmente, apenas aos professores de ciências
Assim, o espaço que a educação ocupa na atu- (Gomes et al., 2013). Sendo assim, fica o questio-
alidade é extremamente importante, pois lança luz namento: como sensibilizar e motivar as pessoas
às incertezas que a crise mundial impôs aos seres para o exercício da cidadania em relação ao meio
humanos, propiciando o desenvolvimento de uma ambiente?
mentalidade baseada em fundamentos socioam- A ambivalência nesse percurso exige enfreta-
bientais, nutrindo, em cada indivíduo, o respeito mento árduo e aprimoramentos. Afora esses pro-
pela natureza, e percebendo-se como parte indisso- blemas de base, é preciso buscar alternativas para
ciável do ecossistema (Ferrer et al., 2012). dirimir os dificultadores regionais específicos,
Além disso, diversos estudos pontuam que viabilizando práticas governamentais que possam
qualquer projeção em relação à sustentabilidade do contribuir para a minoração dos efeitos adversos

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 25


Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

da poluição. Cabe aí, a valorização do papel social disso, entender o signficado e construção do IQA,
e político do indivíduo em sua comunidade, com com atividades práticas, promove o envolvimento
destaque para os educadores que não devem se do aluno, oportunizando que o conhecimento seja
limitar apenas em transmitir informações aos edu- construído concretamente, promovendo a mudança
candos, mas capacitados para estimular a refle- conceitual (Possavatz et al., 2014).
xão ética como uma premissa irrefutável (Victor; Desse modo, o objetivo deste trabalho
Gomez, 2013). constituiu-se em apresentar os resultados obtidos
Sendo assim, o ensino deve ser didático, via- na realização de uma Oficina Educativa (OE) extra-
bilizando discussões pertinentes aos três quesitos curricular sobre a referida temática, baseada nas
básicos: tecnologia, qualidade de vida e preser- análises físico-químicas das amostras provenien-
vação ambiental. Nessa premissa são estimula- tes do Ribeirão Caladinho, Coronel Fabriciano, e
das ações para minimizar a degradação do solo, Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba (BHRP),
poluição das águas e contaminação do ar. Dessa Minas Gerais. As atividades foram direcionadas
maneira, desencadeia-se o entendimento da dinâ- para alunos do ensino médio oriundos de escola
mica ambiental e suas repercussões sobre o bem- pública, localizada em Coronel Fabriciano, e apli-
-estar público (Luzzi, 2012). cada por docentes e discentes vinculados aos pro-
Nessa perspectiva, a ação educativa deve jetos de extensão do Centro Universitário do Leste
incorporar diferentes linguagens, informal e cien- de Minas Gerais (Unileste – MG). Inicialmente, em
tífica, oportunizando o entendimento de conceitos sala de aula, foram desenvolvidos os conceitos teó-
científicos fundamentais, tais como a questão do ricos pertinentes ao IQA. Apresentou-se também a
Índice de Qualidade da Água (IQA). Trata-se de estruturação do trabalho e forma de avaliação.
um balizador extremamente importante, desenvol- Segundo Akil et al. (2012), as metodologias
vido para avaliar a água bruta e visando seu uso aplicadas para o desenvolvimento da educação
para o abastecimento público, após tratamento. ambiental devem ser encaradas como um labora-
Os parâmetros utilizados no cálculo do IQA são, tório. Os pesquisadores enfatizam que as práticas
em sua maioria, indicadores de contaminação vivenciadas devem ser disponibilizadas, contri-
causada pelo lançamento de esgotos domésticos. buindo para o enfrentamento dos desafios atuais
Ele apresenta limitações, já que não inclui vários pertinentes à apatia dos discentes, mediante a valo-
parâmetros igualmente significativos, tais como ração dos ensinamentos, explicitando a sua apli-
substâncias tóxicas – ex: metais pesados, pestici- cabilidade em seu cotidiano. Sendo assim, estudar
das, compostos orgânicos –, protozoários patogê- os problemas ambientais regionais favorece abor-
nicos e substâncias que interferem nas proprieda- dagens concretas de mudanças na comunidade
des organolépticas da água (Meireles et al., 2010). que as vivencia (Ireland, 2014). Dessa maneira, a
Entretanto, Güntzel et al. (2012) pontuam que ana- divulgação dos resultados desse estudo oportuniza
lisar os resultados do IQA nos remete ao saber sis- o delineamento de outras ações educacionais
têmico e contextualizado, na medida que leva aos similares, buscando, sobretudo, contribuir para a
questionamentos instigantes entre a relação do uso construção de um saber mais sistêmico e contex-
do corpo aquático com as suas distorções, opor- tualizado, potencializando, entre os atores sociais,
tunizando a interseção entre uma multiplicidade a adoção de uma postura proativa em relação aos
de saberes (científicos e socioambientais). Além problemas ambientais.

26 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

2  Materiais e métodos períodos seco e chuvoso. Os discentes dos subgru-


pos (A,C), além das aulas teóricas, participaram
das coletas e dos procedimentos analíticos; por
2.1 Área de estudo e amostragem
outro lado, o grupo de controle (B) ficou limitado
O município de Coronel Fabriciano possui área às aulas expositivas dialogadas. As amostras de
total de 220 km2 e abriga cerca de 104.000 habi- água foram coletadas em recipientes de vidro de
tantes, 97,8% na zona urbana. A cidade integra a cor âmbar esterilizados. Imediatamente antes da
Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA) coleta os recipientes foram ambientados três vezes
que apresenta economia predominantemente com as águas em estudo. Em seguida, os frascos
industrial, com a presença de siderurgias e de cur- foram mergulhados no rio e virados, lentamente,
tumes, dentre outras fontes poluidoras estacioná- no sentido contra a corrente, até serem completa-
rias (IBGE, 2012). O Ribeirão Caladinho possui mente preenchidos. Os procedimentos de coleta
12 km de extensão e está localizado integralmente envolveram a utilização de luvas para reduzir o
naquela cidade, passando pela região central e risco de contaminação. As amostras foram acon-
desaguando no Rio Piracicaba, um dos principais dicionadas em caixas de isopor, contendo blocos
cursos d’água da Bacia Hidrográfica do Rio Doce de gelo, durante todo o período da campanha. As
– Minas Gerais – BHRD – MG (ANA, 2014). subamostras para cada análise, ou conjunto destas,
Inicialmente, selecionaram-se três pontos de foram separadas em frascos de polietileno, que,
amostragem no Ribeirão Caladinho: nascente (P1); por sua vez, foram identificados e mantidos refri-
região central (P2); e foz (P3). Cabe destacar que, gerados à 4 ºC (APHA, 2005).
no ponto P2, havia um reservatório de acumulação, Os parâmetros mensurados são mostrados
objetivando garantir o abastecimento público, o na Tabela 1. As análises realizadas seguiram os
que contribuía para a formação de um ambiente procedimentos propostos pela American Public
lêntico nesse trecho. Health Association (APHA, 2005).

2.2 Oficinas 2.3 Índice de Qualidade da Água (IQA)


Foram realizadas quatorze oficinas, com Os achados desse estudo foram utilizados para
frequência mensal, no período de julho de 2011 avaliação do Índice de Qualidade da Água (IQA).
a julho de 2012, com o intuito de abranger os Trata-se de um balizador determinado por meio

Tabela 1.  Parâmetros monitorados, métodos de análise, peso atribuído, no IQA.


Parâmetro Método APHA (2005) Peso Atribuído
CT Tubos múltiplos 9221 E 0,15
DBO5 Diluição e incubação por 5 dias 5210 B 0,12
Ptotal Método Vanadomobilídico AT100 0,10
Ntotal Método de Kjeldhall 4500 N-org B 0,10
OD Eletrométrico 4500 H+B 0,17
pH Eletrométrico 4500 O-G
STD Gravimétrico 2540 0,08
Temperatura Termômetro de mercúrio 2550 B 0,10
Turbidez Nefelometria 2130 B 0,08
Fonte:  Agência Nacional das Águas (ANA), 2014.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 27


Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

de resultados de análises das características físi- 3  Resultados e discussão


cas, químicas e biológicas da água, resultantes da
composição de nove parâmetros: coliformes ter-
3.1 Qualidade da água do Ribeirão Caladinho
motolerantes (CT); pH; demanda bioquímica de
oxigênio (DBO5); fósforo total (Ptotal); nitrogênio Verificou-se, in loco, que o Ribeirão Caladinho
total (Ntotal); oxigênio dissolvido (OD); pH; sóli- se encontra em uma bacia sanitariamente despro-
dos totais dissolvidos (STD); temperatura e tur- tegida e sob forte influência das atividades antró-
bidez, sendo atribuídos pesos, respectivamente, picas. O distrito industrial de Coronel Fabriciano
0,17; 0,15; 0,12; 0,10; 0,10; 0,10; 0,10; 0,08 e 0,08 se localiza na região Oeste e ocupa uma área de
(Tabela 2). Os valores de IQA variam de 0 a 100 183.000 m2, abarcando 38 empresas de diferentes
e o nível de qualidade da água é avaliado como segmentos econômicos (Minas Gerais, 2012),
excelente (90 < IQA ≤ 100), bom (70 < IQA ≤ 90), e tornando o curso d’água sujeito à descarga de
médio (50 < IQA ≤ 70), ruim (25 < IQA ≤ 50) e efluentes bastante distintos.
muito ruim 0 < IQA ≤ 25, para o estado de Minas Os dados obtidos indicaram a necessidade de
Gerais (MG), Brasil (ANA, 2014). ações de proteção do manancial, principalmente
em relação à nascente (P1). Nesta região, as ativi-
2.4 Tratamento dos dados dades poluidoras identificadas nos trechos à mon-
A análise das competências e habilidades dos tante dos pontos de amostragem são consonantes
discentes frente aos conteúdos desenvolvidos nas com a pior qualidade da água, sendo constatadas
Oficinas Educativas (OE) foi testada através de evidências de pastio de animais (bovinos, suínos,
teste teórico elaborado por docentes e aplicado equinos, entre outros), disposição inadequada de
por discentes do Centro Universitário do Leste de resíduos sólidos e mata ciliar degradada. Na região
Minas Gerais (Unileste-MG), integrantes dos pro- central P2 e na foz P3 constatamos a disposição
jetos de extensão universitária. Os resultados des- inadequada de resíduos sólidos domiciliares, cons-
tas avaliações foram aferidos e tabulados, levando truções precárias, irrigação de culturas arbóreas,
em consideração as turmas de tratamento (1A e erosão nas margens do ribeirão e crianças em con-
1C), que acompanharam as atividades práticas, e tato direto com a água.
uma turma controle (1B) que participou apenas das O IQA (Figura 1) mostrou relação com o cená-
aulas teóricas. Para verificar a confiabilidade dos rio de degradração no qual se encontra o Ribeirão
resultados, foi aplicado o Teste “t student”. Caladinho. Foram identificados, em média,

80

60
IQA

40
P1
20 P2
P3
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

Amostra

Figura 1.  IQA do Ribeirão Caladinho nos pontos de amostragem (P1, P2 e P3).

28 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

IQA = 67,42 σ ± 0,367 em P1, IQA = 48,24 σ ± dialogada, dentre outras. Destaca-se aí a relevân-
0,448 em P2, IQA = 42,18 σ ± 0,561 em P3. cia da experimentação científica. Silva e Razuck
Verificou-se em P1 que a elevação na concen- (2012) afirmam que as aulas de campo são requi-
tração de coliformes termolerantes representou o sitos essenciais, possibilitando a melhor percepção
maior problema relativo ao IQA (Figura 1), nota- dos discentes sobre o meio ambiente, através de
damente nos períodos com maior índice pluvio- uma explicação mais didática, levando à aprendi-
métrico, associado à criação de animais em seu zagem significativa.
entorno e uso irregular do reservatório pela popu-
lação. Além disso, verificou-se incremento nos 3.2 Avaliação da oficina ambiental
valores da DBO e Turbidez, apresentando correla- A totalidade dos alunos foi submetida à avalia-
ção inversa, siginificativa, com o IQA. O aumento ção em relação à temática do IQA, distribuída em
daquelas variáveis explicitou relação com o efeito três turmas (A, B, C). As turmas de tratamento A
da degradação da mata ciliar. e C participam das atividades práticas, enquanto
Os piores resultados de IQA em P2 e P3 (Figura para a turma B (grupo de controle) as experimen-
1) mostraram relação com a redução da cobertura tações laboratoriais não foram incluídas no plano
vegetal e incremento da antropização que acarre- de aulas, sendo limitadas às exposições dialogadas
tava o lançamento de resídos domésticos no corpo relativas ao conteúdo.
aquático. O estudo não contemplou a influência Os testes consistiram em aplicar provas escri-
da poluição por defensivos agrícolas ou agentes tas com questões fechadas para os grupos (A, B,
químicos específicos, tais como metais pesados; C) com sequência diferenciada, mesmo grau de
todavia, torna plausível inferir-se essa condição, dificuldade e conteúdo. A folha de resposta podia
frente ao desmatamento e a atividades agropecu- ser respondida uma única vez, com uso de caneta,
árias, como precursora de algum grau de poluição isenta de qualquer rasura. As respostas constituí-
nas águas do Ribeirão Caladinho (Assis; Timbó ram um banco de dados, sendo a variável de inte-
Elmiro, 2013). resse o número de acertos, formulando-se duas
O decréscimo do IQA pode ser atribuído às hipóteses:
altas concentrações médias anuais de sólidos dis- • H0: a aprendizagem com ou sem aula prá-
solvidos totais. Vale destacar que a BHRP está tica alcança o mesmo efeito;
inserida, segundo o zoneamento hidrossedimento- • H1: a aprendizagem com inclusão de aulas
lógico do Brasil, nas duas faixas com maiores con- práticas aumentou o número de acertos.
centrações médias anuais de sólidos em suspensão
do país, sendo acima de 150 mg.L-1 e 250 mg.L-1. Após a correção para verificar a confiabilidade
Outro aspecto se relacionou com a precipitação dos resultados, foi aplicado o Teste “t student”,
pluviométrica, cujo ciclo também varia espacial- mostrando que as diferenças apresentadas entre
mente, podendo afetar os teores pertinentes aos as turmas 1B/1A e 1B/1C foram significativas
indicadores físico-químicos nos rios (Meireles et (p < 0,05). Já as diferenças entre 1A/1C não foram
al., 2010). significativas (p > 0,05), o que comprova que as
A composição do IQA e a análise dos resulta- turmas que participaram das atividades práticas
dos foram repassadas para os discentes, com uso alcançaram um melhor nível de entendimento na
de ferramentas didáticas diversas, que incluíram compreensão do IQA. Os dados utilizados estão
atividades práticas, estudo fotográfico, exposição apresentados na Tabela 2.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 29


Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

Tabela 2.  Pontuação dos discentes.


Pontuação Turma B (%) Turma A (%) Turma C (%)
10 ≤ P ≤ 9 8 10,67 32 42,67 30 40
8≤P≤7 9 12 24 33,33 28 37,34
6≤P≤5 28 37,33 10 13,33 9 12
4≤P≤3 14 18,67 9 10,67 7 9,33
2≤P≤0 16 21,33 0 0 1 1,33
Total 75 100 75 100 75 100
5 ≤ P ≤ 10 45 60 66 88 67 89,33
4≤P≤0 30 40 9 12 8 10,67

A estatística descritiva dos resultados mostrou se buscou enfatizar a educação enquanto pro-
que a média de acertos na avaliação dos discentes cesso permanente, cotidiano e coletivo pelo qual
que tiveram aulas práticas na faixa 10 ≤ P ≤ 9 atin- agimos e refletimos, transformando a realidade e
giu para as turmas A e C, respectivamente, 42,67% avançando através da cidania. A atividade se rela-
e 40%, enquanto, para a turma B, apenas 10,67%. cionou com as profundas dicotomias que afetam o
O maior número de acertos para a turma B referiu- homem contemporâneo. Atualmente, é raro que o
-se à faixa 6 ≤ P ≤ 5, que atingiu 37,33% dos parti- indivíduo apresente plena consciência da sua par-
cipantes (Tabela 2). ticipação como um elemento da natureza, posicio-
A formação alcançada expressa a importância nando-se, muitas vezes, como um ser à parte, um
de investigar a concepção de professores em dife- observador, explorador e dominador da mesma,
rentes níveis escolares, com relação ao conceito buscando fundamentar suas ações equivocadas.
que atribuem à experimentação, bem como a rele- Verifica-se aí a premência de uma mudança nessa
vância das aulas práticas, visando à construção do visão de mundo.
conhecimento científico (Lima; Nuñez, 2013). A alta receptividade dos discentes e docentes
Além disso, retrataram a necessidade quanto participantes, e o nível de conscientização atingido,
a interação entre o instituto de ensino superior e explicitado nos resultados, comprovaram que o
escolas do nível fundamental e médio, através do ensino tradicional não é a melhor opção para a for-
desenvolvimento de projetos de extensão universi- mação de uma cultura de proteção do meio ambiente.
tária, aproximando o corpo estudantil e desafiando Isso reforça a necessidade da inclusão de aulas prá-
docentes para repensar suas práticas e concep- ticas nas grades curriculares em todos os níveis.
ções. Os achados indicaram que o estudo prático Certamente, não há dúvidas de que a abordagem
favorece a criticidade com base no entendimento adotada atuou numa frente essencial ao desenvolvi-
técnico-científico (Barrios et al., 2012). mento de uma gestão responsável dos recursos natu-
rais. Destaca-se que o modelo utilizado na Oficina
Ambiental extrapolou os limites da mera transmis-
4  Conclusões
são de conhecimentos, favorecendo a formação da
A proposta da Oficina Ambiental foi promover cidadania responsável nessa sociedade científica e
o entendimento quanto ao IQA e motivar a comu- tecnológica que vivenciamos e aguçou a criticidade
nidade escolar para a gestão proativa em relação dos participantes, contribuindo para direcioná-los na
à proteção das águas superficiais. Sendo assim, valoração do ser humano e seu habitat.

30 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

Reforça-se, também, a primordialidade da GENTILI, P. El dret a l’educació i les dinàmiques


d’exclusió a Amèrica Llatina. Temps d’Educació,
constância pertinente à integração entre institui-
v. 43, p. 31-51, 2012.
ção de pesquisa, escolas de ensino fundamental e
GOMES, M. M.; SELLES, S. E.; LOPES, A. C.
médio e organizações governamentais, buscando Currículo de Ciências: estabilidade e mudança em
relacionar a educação em ciência com os aspectos livros didáticos. Educação e Pesquisa, USP, v. 39,
econômicos e éticos. Constatou-se que há neces- p. 477-492, 2013.

sidade de continuidade e aprofundamento das dis- GÜNTZEL, A. M. et al. Cladocerans from gut con-
tents of fishes associated to macrophytes from
cussões. Ações pontuais perdem em eficácia, já Taquari River Basin, MS, Brazil. Acta Limnologica
que não contribuem satisfatoriamente para a for- Brasiliensia, v. 24, p. 97-102, 2012.
mação de cidadãos críticos. IBGE. Censo Demográfico 2010, Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://
www.ibge.gov.br//>. Acesso em: 1 jun. 2014.
IRELAND, T. D. Learning and education for a better
5  Referências world: the role of social movements. International
Review of Education, v. 40, p. 68, 2014.
ANA – Agência Nacional das Águas. HidroWeb: KASSAB, S. O. et al. Novos surtos populacionais de
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 31


Artigo 03 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 32-45

Identificação e Tratamento de
Resíduos Químicos Desconhecidos em
Aulas Práticas de Química Analítica
Identification and Treatment of Unknown Chemical Residues in
Practical Classes of Analytical Chemistry
Amanda Andressa da Silva1, Amanda Caroline Pereira1,
Antonio César Teixeira de Toledo2 e Juliano Schimiguel3

Resumo
Resíduos químicos são classificados como sendo soluções e/ou reagentes que já
foram utilizados em algum tipo de processo (laboratorial, industrial, análise etc.),
e que não podem ser reutilizados ou descartados sem o tratamento correspondente.
Este artigo tem como objetivo geral a identificação e o tratamento de um resíduo
desconhecido gerado em aulas laboratoriais ministradas em um centro universitá-
rio no interior do estado de São Paulo. O trabalho busca demonstrar quais foram
os melhores métodos de identificação encontrados e qual o melhor tratamento e/ou
descarte do resíduo para que não provoque danos ao meio ambiente e nenhum perigo
à saúde pública.
Palavras-chave: Tratamento; Resíduos químicos; Meio ambiente; Descarte de
resíduo.

Abstract
Chemical residues are referred to as being solutions and/or reagents which have
been used in some kind of process (laboratory, industrial, analysis, and others)

1. Aluna de Engenharia Química, Centro Universitário Anchieta, Jundiaí-SP.


2. Professor Mestre no Centro Universitário Anchieta, Jundiaí-SP.
3. Professor Doutor no Centro Universitário Anchieta, Jundiaí-SP, Universidade Nove de Julho, São
Paulo-SP e Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo-SP.
Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

and can not be reused or discarded without a corresponding treatment. This paper has as main goal the
identification and treatment of an unknown waste generated in laboratory classes in a university in the state
of São Paulo. The paper emphasizes the best methods of identification and focus the best treatment and/or
disposal of waste that does not cause damage to the environment and no danger to public health.
Key-words: Processing; Chemical waste; Environment; Waste discard.

1  Introdução A Ficha de Inventário de Resíduo serve de


suporte para o correto armazenamento e tratamento,
Resíduos químicos podem ser reconhecidos e é principalmente utilizada nas IES, como forma
como sendo soluções e/ou reagentes que já foram de evitar o acúmulo de grandes quantidades de resí-
utilizados em algum tipo de processo, e não podem duos sem identificação armazenados. Nesta ficha há
ser reutilizados ou descartados sem um tratamento dados importantes como tipo de aula ou processo
adequado. utilizado, identificação e quantidades de reagentes
Os decretos estaduais 8.468/1976 e e produtos utilizados, responsável técnico pela aula,
10.755/1997 estabelecem os limites permitidos resíduos prováveis gerados e tratamento indicado
para o descarte de determinadas substâncias em para eliminação ou recuperação do resíduo.
rede de esgoto, e determinam especificações para Quando não há uma Ficha de Inventário de
o descarte correto, tais como, cor, odor, presença Resíduo, ou nenhum tipo de identificação o pro-
de metais, entre outros. cesso de tratamento fica mais difícil e esta identifi-
A CETESB (Companhia de Tecnologia de cação demanda muito tempo, pesquisa e trabalho,
Saneamento Ambiental) apresenta um site com 4
por isso a importância da Ficha de Inventário de
todas as Fichas de Informação de Segurança de Resíduo.
Produtos Químicos – FISPQ. Além da Ficha de Inventário de Resíduo, a
A FISPQ é uma ficha com todos os dados sobre rotulagem é uma forma de evitar o armazenamento
determinado produto químico, ao todo são 16 e/ou descarte inadequado de determinado resí-
seções: identificação de perigos, manuseio e arma- duo. Esta rotulagem pode ser feita de acordo com
zenamento, estabilidade e reatividade, considera- uma classificação elaborada pela NFPA (National
ções sobre tratamento e disposição, entre outras. A Fire Protection Association), que desenvolveu o
FISPQ de determinado produto pode ajudar muito Diagrama de Hommel, em que há quatro divisões
para saber qual o melhor método de descarte. com cores e variações diferentes:
Atualmente diversas IES (Instituições de • Riscos a saúde (azul), com variação de:
Ensino Superior), apresentam um grande problema 4 – letal; 3 – muito perigoso; 2 – perigoso;
com a superlotação de resíduos não identificados. 1 – leve e 0 – material normal.
Este problema poderia ser evitado com uma ade- • Inflamabilidade (vermelho), com varia-
quada identificação tão logo o resíduo seja gerado, ção de: 4 – abaixo de 23 ºC; 3 – abaixo de
e esta identificação pode ser feita por meio de uma 38 ºC; 2 – abaixo de 93 ºC; 1 – acima de
Ficha de Inventário de Resíduo. 93 ºC e 0 – não queima.
• Reatividade (azul), com variação de: 4 –
pode explodir; 3 – pode explodir com cho-
4. <sistemasinter.cetesb.sp.gov.br/produtos/produto_con-
sulta_completa.asp>. que mecânico ou calor; 2 – reação química

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 33


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

violenta; 1 – instável se aquecido e 0 – cio significativo de gestão laboratorial, pela não


estável. necessidade de aquisição de novos produtos, e
• Riscos específicos (branco), com varia- para destinação adequada dos passivos gerados,
ção de: OX – oxidante; ACID – ácido; focando o reaproveitamento.
ALK – álcali (base); COR – corrosivo e No artigo de Tavares e Bendassoli (2005), os
W – não misture com água. mesmos detalham as principais etapas da imple-
mentação do PGRQ-CENA/USP (Programa de
Além do Diagrama de Hommel, um rótulo de Gerenciamento de Resíduos Químicos e Águas
resíduo ainda conta com dados importantes como: Servidas nos Laboratórios de Ensino e Pesquisa do
produto/resíduo principal; produtos secundários; CENA/USP), funcionando como um guia para que
usuário; procedência e data. outras unidades sigam os mesmos passos, dando
O trabalho a seguir demonstra como o pro- ênfase a questão financeira, que fomenta as toma-
cesso de identificação de resíduos sem o auxílio das de decisão. Essa metodologia envolve a gestão
de uma Ficha de Inventário de Resíduo, ou rotu- de resíduos líquidos, gestão de resíduos sólidos e
lagem adequada, pode se tornar trabalhoso. São semissólidos, gestão de resíduos gasosos, e gestão
apresentados também as tratativas corretas para o de águas servidas. Para os autores, além do retorno
tratamento adequado de um resíduo para descarte ambiental, muitos dos procedimentos desenvolvidos
em rede de esgoto sem danos ao meio ambiente, propiciam consideráveis retornos financeiros, o que
bem como propostas para recuperação e reutiliza- em curto prazo compensa o investimento inicial.
ção em alguns casos. Santos et al. (2000), objetivam verificar a via-
Este artigo tem como objetivo geral a identi- bilidade da utilização do resíduo lodo, como maté-
ficação e o tratamento de um resíduo desconhe- ria-prima na produção de componentes cerâmicos
cido gerado em aulas laboratoriais ministradas em para a construção civil. O projeto originou-se
um Centro Universitário no interior do estado de de uma parceria da Universidade com o Serviço
São Paulo (UNIANCHIETA). O trabalho busca Municipal de Água e Esgoto da cidade. No projeto,
demonstrar quais foram os melhores métodos de foram realizadas algumas atividades: estimativa da
identificação encontrados e qual o melhor trata- quantidade de geração de resíduo, caracterização
mento e/ou descarte do resíduo para que não pro- química do resíduo, caracterização mineralógica,
voque danos ao meio ambiente e nenhum perigo a caracterização de resíduos sólidos etc.
saúde pública.
Nos trabalhos de Afonso et al. (2005), buscou-
2  Metodologia
-se relatar os resultados dos estudos de caracteriza-
ção e análise de materiais sem identificação encon- Nas primeiras aulas da disciplina Química
trados em inventários de instituições de ensino e Analítica Qualitativa os alunos realizaram alguns
também de pesquisa. Nesse trabalho, levou-se em experimentos para identificação e separação de
consideração que existia uma grande quantidade grupos de cátions e ânions presentes em soluções
de reagentes, e que após a caracterização, a quan- conhecidas e desconhecidas. Com esse embasa-
tidade de resíduos efetivamente destinada à inci- mento teórico e técnico sobre os procedimentos
neração fosse enormemente reduzida. Segundo os a serem adotados para tais situações, foram apli-
autores, este procedimento representa um exercí- cados esses conhecimentos em uma situação real

34 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

e muito presente em instituições de ensino e na escritos e apresentações orais, facilitando a estru-


indústria, os resíduos químicos em estoque. turação de outros projetos, como por exemplo o
Um componente de avaliação da disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
Química Analítica Qualitativa é a participação dos Os alunos realizaram pesquisa bibliográfica
grupos de laboratório no projeto de identificação, em artigos científicos e em livros, que deveriam
tratamento, reciclagem e reúso de resíduos quí- constar nas referências.
micos de laboratório. Dessa forma os alunos são O desenvolvimento do trabalho deveria con-
convidados a vivenciar situações e problemas que ter uma revisão bibliográfica incluindo defini-
exijam o uso do raciocínio lógico nas pesquisas em ção de resíduos; tipos de resíduos; legislação em
busca de informações, nos registros das atividades vigor; classificação; periculosidade; ficha; rótulo;
e que ajudem a promover a autonomia e a tomada armazenamento; inventário. A Fase 1 consistia na
de decisões. entrega de relatório com a descrição das principais
Com esse projeto foi possível realizar um traba- características do resíduo pesquisado, que permi-
lho teórico e experimental, utilizando os conceitos tiam a identificação dos prováveis componentes
previamente estudados para estimular habilidades e predominantes no frasco. Além da identificação, os
competências do futuro profissional, estabelecidas grupos deveriam pesquisar e apresentar uma meto-
nas Diretrizes Curriculares para os cursos de enge- dologia de tratamento para esse resíduo, e para
nharia, como: realizar trabalhos em grupos; projetar isto deveriam entregar uma ficha de metodologia e
e conduzir experimentos e interpretar resultados; ficha de programação de aula para a solicitação dos
aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, materiais e reagentes. A Fase 2 consistiu na entrega
tecnológicos e instrumentais a engenharia química. dos resultados do tratamento químico realizado.
O projeto da disciplina também estimula a intro- No Quadro 1, elencamos uma caracterização
dução do aluno em pesquisa científica e o desen- preliminar dos resíduos que foram tratados (Jardim,
volvimento de habilidades para organizar trabalhos 1998).

Quadro 1.  Caracterização preliminar dos resíduos que foram tratados no trabalho.
Teste a ser realizado Procedimento a ser seguido
Reatividade com água Adição de uma gota de água e observação de provável formação de chama, geração de gás, ou
qualquer outra reação violenta.
Inflamabilidade Introdução de um bastão de cerâmica no resíduo deixando escorrer o excesso e aproximando de uma
chama.
pH Usar papel indicador ou peagâmetro
Carater Redox É determinado através de dois ensaios em paralelo, em placa de toque: um com KI (agente redutor) +
H2SO4 diluído e outro com KMnO4 (agente oxidante) + H2SO4 diluído.
Presença de halogênios Com um fio de testes de chama limpo e previamente aquecido ao rubro no resíduo, leve à chama e
observe a coloração: o verde indica a presença de Halogênios.
Solubilidade em água Após o ensaio de reatividade, a solubilidade pode ser avaliada facilmente em placa de toque com
poucas gotas.
Presença de sulfetos Na amostra acidulada com HCl, o papel embebido em acetato de chumbo fica enegrecido quando na
presença de sulfetos.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 35


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

3  Estudo de caso os procedimentos foram realizados em capela.


Com a adição de cada um dos reagentes podemos
Como procedimentos preliminares para iden- observar os seguintes resultados: resíduo + ácido
tificação do resíduo, a amostra encontrava-se acético (não houve alterações), resíduo + ácido
inicialmente sem rótulo adequado, dificultando clorídrico (houve solubilidade em ácido clorídrico,
a identificação imediata. A única informação era além da formação de gás), resíduo + ácido sulfú-
que se tratava de um resíduo laboratorial utilizado rico (não houve alterações), resíduo + água régia
em aulas na instituição. O frasco continha cerca de (houve dissolução quando adicionada quantidade
500 mL de resíduo com as seguintes características: correspondente ao resíduo. Posteriormente quando
• Coloração marrom-tijolo quando em adicionado reagente em excesso, o resíduo diluído
repouso, e amarelo amarronzado quando retornou a coloração de origem.
transferido para o tubo de ensaio; A amostra do resíduo tinha uma coloração
• Precipitado cinza-esverdeado; marrom-tijolo, além disso, quando transportada de
• Coloração violeta no fundo da amostra; um recipiente a outro apresentou uma coloração
• Um odor bem parecido com água de cloro violeta. Esta coloração violeta presente no resíduo
foi percebido da amostra. manchou tanto o recipiente de plástico quanto a
pipeta o que nos sugeriu uma suspeita de presença
No ensaio de chama e de inflamabilidade, os de iodo no resíduo analisado.
materiais utilizados foram bastão de cerâmica No caráter redox, o material utilizado foi placa
e bico de Bunsen. No procedimento realizado, o de toque. Os reagentes usados foram: KI + H2SO4
bastão de cerâmica foi umedecido no resíduo, em diluído, e KMnO4 + H2SO4 diluído. No procedi-
seguida colocado sobre a chama do bico de Bunsen mento realizado, em cada uma das placas de toque
e observamos que não ocorreu alteração. foi adicionado uma mistura dos reagentes cor-
Na solubilidade e reatividade com a água, os respondentes e a mesma quantidade do resíduo.
materiais utilizados foram tubo de ensaio, placa de Como resultados obtidos, em nenhum dos dois tes-
toque e água destilada. No procedimento realizado, tes houve alteração.
três gotas do resíduo foram adicionadas em um No caso do pH, o material utilizado foi o peagâ-
tubo de ensaio juntamente com três gotas de água. metro. No procedimento realizado, o eletrôdo foi
O mesmo procedimento foi realizado na placa de mergulhado em uma porção de resíduo e o registro
toque e observamos que não houve nenhum tipo do pH foi de 0,54, caracterizando uma solução em
de alteração, dissolução do precipitado ou indícios meio ácido.
de reação. No caso da presença de sulfetos, o material uti-
No teste de solubilidade com outros solventes, lizado foi papel de filtro. Os reagentes utilizados
os materiais utilizados foram tubos de ensaios e foram: ácido clorídrico e acetato de chumbo. No
capela. Os reagentes foram: ácido acético, ácido procedimento realizado, a amostra foi acidulada
clorídrico, ácido sulfúrico e água régia (mistura com HCl; no caso do resíduo analisado, a amos-
de ácido nítrico e ácido clorídrico). No procedi- tra já encontrava-se ácida. Um pedaço de papel de
mento realizado em cada um dos tubos de ensaio filtro foi embebido em acetato de chumbo e mer-
foram adicionadas algumas gotas do resíduo, pos- gulhado na amostra. Como resultados obtidos, não
teriormente adicionou-se os reagentes citados na observou-se alterações, descartando a presença de
fração de 1:1 (um reagente em cada tubo). Todos sulfetos.

36 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

Como possíveis compostos do resíduo, após Além do Iodeto, Brometo e Cloreto possi-
todos os experimentos realizados com auxilio de velmente presente na amostra, nos atentamos ao
um roteiro de aula, pudemos prever que o resíduo detalhe que no fundo do recipiente havia além da
poderia conter os seguintes compostos: (i) espécies solução violeta um precipitado esverdeado, o que
redutoras e/ou metais nobres (I , Br , S , Fe , Ag e
– – 2– 2+
nos sugeriu uma possível presença de Cromo na
Cu por exemplo) e (ii) metais alcalinos e alcalinos amostra.
terrosos (NH , Al , Zn , Ni , Cr por exemplo).
4+ 3+ 2+ 2+ 3+
No que diz respeito a separação de fases, um
problema encontrado durante o processo de iden-
3.1 Confirmação da composição do resíduo tificação de um resíduo heterogêneo é justamente
Após os testes de identificação da amostra con- a presença de mais de uma fase. Isso porque
cluímos que tratava de um resíduo em meio ácido, determinada substância (íons), pode se encontrar
provavelmente com água de cloro devido ao odor somente em uma das fases e se não for feita a cor-
característico, e com presença de iodo no preci- reta separação, a identificação pode apresentar
pitado devido a coloração violeta marcadas nos erros. No caso em questão, havia um precipitado e
materiais de análise. a fase líquida. O primeiro passo, portanto, antes de
Partindo do principio que havia iodo e água de qualquer procedimento, foi a divisão entre a fase
cloro no resíduo, decidimos procurar aulas labo- sólida e a líquida.
ratoriais, que além de utilizarem estes compostos, Os materiais utilizados foram: tubos de ensaios,
ainda pudessem obter uma solução ‘resíduo’ com as micropipeta e centrifuga. No procedimento reali-
mesmas características que a amostra em questão. zado, o frasco com o resíduo foi agitado, logo em
Durante a pesquisa conseguimos o seguinte seguida foi pipetado cerca de 2,5 mL do resíduo e
experimento realizado e o resultado obtido: colocado no tubo de ensaio. O tubo foi acomodado
na centrífuga e permaneceu lá por cerca de 5 minu-
[...] Oxidação dos íons brometo e iodeto:
Ao adicionar a água de cloro na solução que tos. Logo em seguida o líquido sobrenadante foi
continha íons brometo e íons iodeto, essa solu- transferido para outro tubo de ensaio e registrado
ção adquiriu uma coloração amarela, que é como R1, já o precipitado sólido permaneceu no
característica do cloreto. Mas com a adição do
seu tubo de ensaio de origem e foi denominado C1.
clorofórmio observou-se a formação de três
fases, uma que manteve a cor amarela, outra Este mesmo processo foi realizado mais de uma
(de densidade média) que obteve coloração vez de acordo com as necessidades de uso.
esbranquiçada caracterizando a reação entre os Na identificação do Íon Iodeto6, os materiais
íons brometo e o clorofórmio, e uma terceira
utilizados foram: tubo de ensaio contendo o C1
fase (de maior densidade) que resultou em uma
coloração rósea caracterizando a reação entre o (sólido) e bico de Bunsen. Como reagentes foi
clorofórmio e os íons iodeto. usado o ácido sulfúrico concentrado. No proce-
Oxidação do iodo: dimento realizado, no tubo de ensaio C1 foram
1 – Ao adicionar água de cloro na solução de adicionadas algumas gotas de ácido sulfúrico
iodeto de potássio, essa adquiriu coloração
concentrado, logo em seguida o tubo foi colo-
amarela, característica do cloreto; conforme a
reação abaixo: HClO + 2 KI + 2 HCl → 2 KCl cado em contato com a chama do bico de Bunsen.
+ I2 + H2OHCl [...]5 Como resultados obtidos, durante o aquecimento

5. Oxidação dos íons brometo e iodeto. Disponível em: <http:// 6. “Ácido sulfúrico concentrado: com o iodeto sólido, o iodo é
www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Oxida%C3%A7%C3% liberado; aquecendo, desprendem-se vapores de cor violeta
A3o-Dos-%C3%8Dons-Brometo-e-Iodeto/30812915.html>. [...]” (Vogel, 1981, p. 360).

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 37


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

observou-se a mudança de coloração da solução A reação que ocorreu pode ser descrita:
que se tornou marrom intensa, além da liberação
Cl– + Ag+ → AgCl
de vapores violeta, conforme Figura 1:
Confirmando a presença de íons cloretos.
Segundo Vogel (1981), o método de identificação
do íon Brometo pode ser feito da seguinte maneira:

Água de cloro: a adição gota a gota deste rea-


gente a uma solução de um brometo libera
bromo livre, que colore a solução de vermelho-
-laranja; se adicionarmos dissulfeto de carbono,
clorofórmio ou tetracloreto de carbono (2 mL)
e agitarmos o líquido, o bromo dissolve-se no
solvente e, após um período de repouso, forma-
-se uma solução marrom avermelhada abaixo da
camada aquosa incolor. Com excesso de água
Figura 1.  Coloração da solução – que se tornou marrom
de cloro, o bromo converte-se em monocloreto
forte.
de bromo amarelo ou em ácido hipobromoso
ou ácido brômico incolores, resultando numa
A reação que ocorreu pode ser descrita por: solução amarelo-pálida ou incolor (p. 358).

I–(s) + 2 H2SO4 → I2 + SO2 + H2O + HSO4–(s)


Os materiais utilizados foram: tubo de ensaio
Confirmando a presença de iodetos. contendo o R1 (líquido). Os reagentes usados
No que diz respeito à identificação do Íon foram: clorofórmio e água de cloro. Como proce-
Cloreto , o material utilizado foi o tubo de ensaio
7 dimento realizado, no tubo de ensaio R1, foram
contendo o R1 (líquido). Como reagentes utiliza- adicionadas algumas gotas de água de cloro. Em
mos o nitrato de prata. Como procedimento rea- seguida adicionaram-se algumas gotas de clorofór-
lizado, no tubo de ensaio R1, foram adicionadas mio. O tubo foi agitado por alguns segundos e pos-
algumas gotas da solução de nitrato de prata. Como teriormente deixado em repouso. Como resultados
resultados obtidos, assim que o nitrato de prata foi obtidos, com a adição de água de cloro não houve
adicionado, houve a formação de um precipitado nenhuma alteração visível, porém assim que adi-
branco, conforme Figura 2: cionadas as gotas de clorofórmio, pôde-se notar a
formação de uma fase orgânica, que após agitação
adquiriu coloração alaranjada, conforme Figura 3:

Figura 2.  Precipitado branco, formado a partir da adição


de nitrato de prata.

7. “Solução de nitrato de prata: precipitado branco, floculento,


de cloreto de prata, AgCl, insolúvel em água e em ácido
nítrico diluído [...]” (Vogel, 1981, p. 355). Figura 3.  Tubo com formação de fase orgânica.

38 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

A reação pode ser descrita por: e logo em seguida entrou em contato com a chama.
Nos resultados obtidos, o contato do filamento con-
2 Br– + Cl2↑ → Br2↑ + 2 Cl–
tendo o C1 com a chama do bico de Bunsen resul-
Br2 + Cl2↑ → 2 BrCl tou em uma chama intensa de coloração vermelho
– amarelado, confirmando a presença de Cálcio.
Confirmado a presença de brometos.
Com relação a identificação do Íon Cromo III8
3.2 Tratamento do resíduo
Adicione carbonato de sódio a uma solução de Como havia mais de uma fase no resíduo, o
íons cromo III e verifique a formação de um primeiro passo para o tratamento foi a separação
precipitado verde-acinzentado de hidróxido de
do resíduo sólido (contendo Iodo e Cálcio) e o
cromo III, com borbulhamento de gás carbônico
[...] (Rocha, 1999). resíduo líquido (contendo íons Cloreto, Brometo
e Cromo III). Os materiais utilizados foram: funil
Os materiais utilizados foram: tubo de ensaio de Buchner, bomba a vácuo, anel de vedação,
contendo o R1 (líquido). O reagente foi o carbo- Kitassato e papel de vidro. Após agitação, filtra-
nato de sódio. Como procedimento realizado, no mos o resíduo com o auxilio do funil de Buchner e
tubo de ensaio R1, foram adicionadas algumas após filtragem observamos um sólido presente no
gotas de carbonato de sódio. Após a reação o tubo papel filtro e o resíduo líquido.
foi colocado em repouso. Como resultados obti- De acordo com os testes realizados, no resíduo
dos, assim que adicionado algumas gotas de car- sólido continha iodo e cálcio, muito provavel-
bonato de sódio, pôde-se notar a formação de gás mente como iodeto de cálcio. O iodeto de cálcio
carbônico que enegreceu a solução, após a reação a não apresenta literatura suficiente que nos mostre
solução ficou em repouso e notamos a presença de o tratamento adequado, por isso acabamos por
precipitado verde-acinzentado bem claro. transformá-lo em iodeto de potássio, que con-
A reação pode ser descrita por: forme FISPQ (Ficha de Informação de Segurança
de Produtos Químicos) pode ser descartado em
2 Cr3+(aq) + 3 CO32-(aq) + 3H2O → 2 Cr(OH)3(s) + 3CO2(g)
rede de esgoto depois de um tratamento adequado.
Confirmando a presença de cromo. Antes de realizar qualquer tipo de tratamento fize-
Com relação a identificação do Íon Cálcio , os 9
mos a pesagem e verificamos que havia 1,03 gra-
materiais utilizados foram: tubo de ensaio contendo mas de resíduo sólido de iodo.
o C1 (sólido), bico de Bunsen, fósforos e filamento Como todo o nosso resíduo encontrava-se no
de Platina. O reagente usado foi o ácido clorídrico papel filtro, o mesmo foi colocado em um béquer,
diluído. No procedimento realizado, o filamento e posteriormente adicionado 5 mL de hidróxido
de platina foi imerso primeiro no ácido clorídrico, de potássio. Após esta adição, lavamos o restante
logo em seguida colocado em contato com a chama do papel filtro com água destilada a fim de retirar
(para a limpeza do filamento). Já limpo, o filamento qualquer tipo de resíduo do papel.
foi colocado dentro do tubo contendo o C1 (sólido), Após a lavagem completa, o resíduo líquido
apresentou pH ainda um pouco ácido. Para o ajuste
8. “Solução de carbonato de sódio: precipitado de hidróxido apenas foram adicionadas algumas gotas de hidró-
de cromo (III) [...]” (Vogel, 1981). xido de potássio.
9. Ensaio por via seca – coloração da chama: os compostos
O pH foi ajustado para 7,07 (pH neutro).
voláteis de cálcio conferem uma cor vermelha amarelada à
chama do bico de Bunsen [...] (Vogel, 1981). Conforme Figura 4:

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 39


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

respeitando-se os limites estabelecidos nos


decretos estaduais 8.468/1976 e 10.755/1997.10

Porém no resíduo havia também a presença de


Cromo III, que tem tratamento específico para des-
carte. O tratamento do Cromo III, consistia basica-
mente em adicionar NaOH, a fim de precipitar o
Cromo, e depois por meio de um processo de aque-
Figura 4.  Resíduo líquido. PH ajustado para 7,07 (PH cimento e filtragem separar o cromo e armazená-lo
neutro).
para reutilização.

Após ajustado o pH o resíduo poderia ser des- Sais de Crômio (III): ajustar o pH entre 9-10 com
NaOH 3,0 mol.L–1. Evaporar a solução quase a
cartado na pia. Porém a solução, embora neutra,
secura. Filtrar o precipitado. Verificar se a preci-
encontrava-se com coloração amarelado esbran- pitação foi completa pela adição de uma quanti-
quiçado, por isso foi realizado o tratamento para dade adicional de NaOH ao filtrado. Repetir até
retirada dessa coloração. A eliminação de cor pode não haver mais precipitado. O filtrado deve ser
ser feita por um processo simples com o uso de neutralizado e logo depois despejado no esgoto
comum. O resíduo sólido deve ser guardado em
carvão ativado.
frasco plástico.11
O carvão ativado é utilizado para a purificação
O primeiro passo para o tratamento do resíduo
de produtos, remoção de cores residuais, odo-
res e contaminantes (Mucciacito, 2009). contendo Cromo III foi a precipitação do mesmo
e o reagente utilizado foi o Hidróxido de Sódio.
Os materiais utilizados foram: funil, papel de No procedimento realizado, no resíduo líquido foi
filtro, suporte e garra de filtro e béquer. O rea- adicionado cerca de 70 ml de Hidróxido de Sódio
gente foi carvão ativado em pó. No procedimento a fim de obter um pH entre 9 e 10. A solução foi
realizado, o papel filtro foi acomodado no funil, e deixada em repouso por alguns minutos. Como
em seguida adicionamos à solução uma pequena resultados obtidos, o resíduo líquido estava inicial-
quantidade de carvão ativado em pó. O resíduo mente com uma coloração marrom, e após a adição
foi filtrado lentamente. Como resultados obtidos, de 70 ml de Hidróxido de Sódio notou-se que a
após a filtragem com o carvão ativado, o resíduo solução enegreceu, ficando um verde acinzentado
ficou totalmente incolor, com pH neutro e sem bem escuro. Após a adição do Hidróxido de Sódio,
odor. verificou-se um pH de 9,09 (o ideal para o nosso
Conforme análises realizadas, o resíduo sólido tratamento).
apresentava íons Brometo, Cloreto e Cromo III, Após 10 minutos em repouso percebemos que
além do Cálcio. O Brometo e o Cloreto juntamente ocorreu a precipitação do Cromo. Como ainda
com o Cálcio, podiam ser descartados diretamente haviam muitas partículas em suspensão, a solução
na pia. Conforme citação a seguir:

Soluções aquosas de sais inorgânicos de metais 10. Cartilha de orientação de descarte de resíduo no sistema
FMUSP-HC/USP. Disponível em: <www2.fm.usp.br/gdc/
alcalinos e alcalinos terrosos: NaCl, KCl, CaCl2,
docs/cep_5_grss_2_cartilha.pdf>.
MgCl2, Na2SO4, MgSO4 e tampões PO43–, não
11. Gerenciamento de resíduos químicos – USP. Disponível em:
contaminados com outros produtos, podem <http://www.pcarp.usp.br/pages/lrq/pdf/normas_
ser descartados diretamente na rede de esgoto, gerenciamento.pdf>.

40 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

foi deixada por mais 30 minutos para a completa Como resultados obtidos, adicionou-se hidróxido
precipitação do Cromo. de sódio até que o pH estivesse em 12, porém não
De acordo com o procedimento, além da preci- houve nenhuma alteração ou indícios de precipita-
pitação, é preciso aquecer o resíduo quase à secura, ção; descartando assim a presença de mais Cromo
a fim de restar no recipiente apenas o cromo III, que na solução.
pode ser armazenado para reutilização. Os mate- Após a confirmação de que não havia mais
riais utilizados foram: recipiente com resíduo de cromo na solução, o processo de tratamento foi
Cromo III já precipitado, bico de Bunsen, suporte iniciado. Os materiais utilizados foram: peagâme-
para tela de amianto, tela de amianto e capela. No tro, Funil, Suporte Universal, Garra para funil e
procedimento realizado, o recipiente que já tinha o Papel filtro. Os reagentes foram: Ácido Clorídrico
precipitado de Cromo III, foi aquecido sobre a tela 3 mol/L e Carvão ativado em pó. No procedimento
de amianto. O processo foi realizado em capela. O realizado, como para o processo de confirmação
resíduo foi aquecido por cerca de 4 horas, até que da presença de excesso de Cromo, houve a neces-
estivesse quase seco. sidade de ajustar o pH para 12 com a adição de
Após a secura, a solução foi filtrada, a fim que HCl gota a gota para tornar a solução neutra. Após
separar o cromo do restante da solução. Após a o ajuste do pH para 7, a solução foi filtrada com
filtragem total, obtivemos os resíduos separados, carvão ativado para eliminação da coloração ama-
sendo que no papel filtro encontrava-se o cromo rela. Após a adição de cerca de 5 ml de ácido clo-
já tratado e no Kitassato a solução, conforme a rídrico a solução tornou-se neutra.
Figura 5. Após a neutralização da solução foi feita a fil-
tragem para a eliminação da cor, porém mesmo
filtrando mais de uma vez com carvão ativado a
solução permaneceu amarelada, e com excesso de
água foi clareando, conforme Figura 6.

Figura 5.  Resíduos separados, após filtragem total

A solução filtrada sem Cromo ainda apresen- Figura 6.  Solução se mantendo amarelada, mesmo fil-
tava coloração amarelo esverdeado claro, por isso trando mais de uma vez com carvão ativado
não se tinha certeza de que todo Cromo havia se
depositado no processo de precipitação. Para ter a Mesmo a solução tratada apresentando colora-
certeza de que não havia mais Cromo na solução, o ção, não há indícios de presença de outras substân-
processo de precipitação foi realizado novamente. cias na solução.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 41


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

3.3 Disposição correta dos resíduos imagens do armazenamento adequado podem ser
visualizadas na Figura 7.
Após todos os procedimentos já descritos foi
possível fazer o descarte correto, tanto do resíduo
inicial quanto de outros resíduos gerados durante o
processo de tratamento.
O resíduo sólido como já citado, continha Iodo
e Sódio, após o tratamento adequado apresentava-
-se como solução de iodeto de potássio, incolor,
sem odor e com pH neutro. Este resíduo por não
ter nenhuma característica que pudesse trazer
Figura 7.  Armazenamento adequado do Cromo.
perigo ao meio ambiente e para saúde pública foi
descartado na pia com excesso de água.
Além do resíduo tratado e descartado na rede Durante o processo de recuperação do Cromo
de esgoto, o processo de tratamento do resíduo foram gerados resíduos secundários, sendo eles,
sólido contendo Iodo gerou dois papéis filtros. Um papéis de filtro contendo carvão ativado e a solu-
contendo apenas resíduo de iodeto de potássio, já ção filtrada sem a presença de cromo, provenientes
lavado do processo realizado na adição de KOH, do tratamento já citado. Como os papéis de filtro
e o outro contendo carvão ativado do processo de não apresentavam nenhuma substância contami-
retirada da coloração realizado no processo de eli- nante, puderam ser descartados no lixo comum.
minação da cor. Já a solução filtrada, mesmo com coloração
Ambos os papéis filtros, por não apresentarem não apresenta nenhum indicio de outras substân-
nenhum resíduo tóxico, oxidante, ácido ou que cias, além de estar neutra com pH 7,07. Esta colo-
pudesse causar qualquer dano ao meio ambiente e ração não causa riscos, uma vez que a adição de
a manipulação, após totalmente secos, foram des- água em excesso promove o clareamento grada-
cartados em lixo comum. tivo na solução. Desta forma a solução pôde ser
Como conseguimos recuperar o Cromo no descartada em rede de esgoto em excesso de água.
papel filtro, este papel não foi descartado. O papel
filtro contendo Cromo foi armazenado em um pote 4  Resultados obtidos
de plástico para reutilização em aulas laboratoriais,
já que não havia contaminações. O recipiente foi Os experimentos para identificação, tratamento
identificado para o devido armazenamento, sendo e descarte foram todos bem sucedidos, conforme
recuperados cerca de 2,15 gramas de Cromo. As Quadro 2 e fluxogramas a seguir.

42 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

Quadro 2.  Relação de íons previstos x íons identificados.


Íons Método de identificação Resultado esperado Resultados obtidos Confirmado
Resíduo sólido +
Iodeto Liberação de vapores violeta Liberação de vapores violeta SIM
Ácido sulfúrico concentrado
Resíduo líquido +
Cloreto Precipitado branco Precipitado branco SIM
Solução de nitrato de prata
Solução marrom avermelhada Solução marrom avermelhada
Resíduo líquido +
Brometo abaixo da camada aquosa incolor abaixo da camada aquosa SIM
Clorofórmio e água de cloro
ou amarela amarela
Precipitado verde-acinzentado Precipitado verde-acinzentado
Resíduo líquido +
Cromo III com liberação de com liberação de gás SIM
carbonato de sódio
gás carbônico carbônico
Cálcio Teste de Chama Chama vermelha amarelada Chama vermelha amarelada SIM

Fluxograma 1: Separação de Fases Fluxograma 2: Tratamento Resíduo Sólido

Resíduo
Resíduo sólido no
papel filtro

Filtragem
Lavagem
no funil de
com KOH
Buchner

Resíduo Adição de
Resíduo
sólido no excesso de
líquido
papel filtro água

Descarte do Ajuste de
papel filtro em pH para
lixo comum neutro

Amostra com
coloração
amarela

Filtragem
com carvão
ativado

Descarte do
Resíduo
papel filtro em
tratado
lixo comum

Descarte na
pia em água
corrente

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 43


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

Fluxograma 3: Recuperação Cromo Fluxograma 4: Tratamento e Descarte Solução Filtrada


proveniente da Recuperação do Cromo

Resíduo
líquido Resíduo
líquido

Adição de
70 mL de
Ajuste
NaOH
pH

Enegrecimento Precipitação
Filtragem
da amostra de Cromo III
com carvão
ativado

Precipitação
total de Cromo Descarte do Adição de
III papel filtro em água em
lixo comum excesso

Aquecimento
até quase Descarte na
secura pia em água
corrente

Aspectos após
o aquecimento
por 4 horas

Filtragem em
funil de
Buchner

Solução 2,15 gramas


filtrada para de Cromo
posterior recuperado
tratamento

Cromo
armazenado
em recipiente
identificado

44 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

5  Considerações finais sistemasinter.cetesb.sp.gov.br/produtos/ficha_


completa1.asp?consulta=IODETO%20DE%20
POT%C1SSIO>. Acesso em: 29 set. 2014.
O experimento realizado proporcionou ao
JARDIM, W. F. Gerenciamento de resíduos em
grupo de estudo uma grande experiência de apren-
laboratório de ensino e pesquisa. Química Nova,
dizagem. Vivenciamos que o processo de identi- v. 21, n. 5, p. 671-673, 1998.
ficação de um resíduo desconhecido exige muita MUCCIACITO, J. C. Uso eficiente do carvão ativado
atenção, tempo de pesquisa, e trabalho, por isso a como meio filtrante em processos industriais.
importância de uma Ficha de Resíduos que identi- Revista e Portal Meio Filtrante, ano VIII, n. 39,
jul./ago. 2009. Disponível em: <http://www.
fique todas as substâncias para facilitar os proces- meiofiltrante.com.br/materias_ver.asp?action=de
sos de tratamento e disposição final. talhe&id=502&revista=n39>. Acesso em: 5 out.
2014.
O tratamento e/ou recuperação também exige
muita atenção e às vezes recursos financeiros para OXIDAÇÃO DOS ÍONS BROMETO E IODETO.
Disponível em: <http://www.trabalhosfeitos.
viabilização, além disso, o descarte de qualquer com/ensaios/Oxida%C3%A7%C3%A3o-Dos-
tipo de resíduo precisa de informações sobre limi- %C3%8Dons-Brometo-e-Iodeto/30812915.html>.
Acesso em: 6 set. 2014.
tes para o descarte em rede de esgoto; Quando não
for possível o descarte direto em rede de esgoto ROCHA, W. X. Teste para Cromo III, 1999. Disponível
em: <http://www.reocities.com/Vienna/choir/9201/
são necessárias informações sobre quais os melho- praticas2_quimica_analitica.htm>. Acesso em: 8
res métodos para descarte. set. 2014.
______. Identificação dos íons cloreto, brometo e
iodeto, 1999. Disponível em: <http://www.reocities.
6  Referências com/Vienna/choir/9201/praticas_quimica_analitica.
htm>. Acesso em: 8 set. 2014.
AFONSO, J. C.; SILVEIRA, J. A. da; OLIVEIRA, A.
SANTOS, I. S. S. et al. Caracterização e identificação
S. Análise sistemática de reagentes e resíduos sem
do resíduo: lodo da estação de tratamento do
identificação. Química Nova, v. 28, n. 1, p. 157-165,
município de São Leopoldo. XXVII Congresso
2005.
Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental.
DECRETO N° 8.468/1976. Disponível em <http:// Porto Alegre-RS, ABES, 2000.
www.cetesb.sp.gov.br/Institucional/documentos/
TAVARES, G. A.; BENDASSOLI, J. A. Implantação
Dec8468.pdf>. Acesso em: 9 set. 2014.
de um programa de gerenciamento de resíduos
GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS QUÍMICOS. químicos e águas servidas nos laboratórios de ensino
Normas e procedimentos gerais. Disponível em: de pesquisa no CENA/USP. Química Nova, v. 28,
<http://www.pcarp.usp.br/pages/lrq/pdf/normas_ n. 4, p. 732-738, 2005.
gerenciamento.pdf>. Acesso em: 14 set. 2014.
TOMAZINI, F. M. Cartilha de orientação de descarte
55º CONGRESSO BRASILEIRO DE QUIMICA. de resíduo no sistema FMUSP-HC. Disponível em:
Disponível em: <http://www.abq.org.br/cbq/2015/ <http://www2.fm.usp.br/gdc/docs/cep_5_grss_2_
trabalhos/4/index.html>. Acesso em: 27 jul. 2016. cartilha.pdf>. Acesso em: 14 set. 2014.
IODETO DE POTÁSSIO. Ficha de informação VOGEL, A. I. Química analítica qualitativa. 5. ed. São
de produto químico. Disponível em: <http:// Paulo: MESTRE JOU, 1981.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 45


Artigo 04 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 46-51

Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas


por Cromatografia em Papel Usando
Materiais Alternativos
Vitamin C Detection in Fruits Through Paper Chromatography
Using Alternative Materials
Marcelo Moreira Freire1 e Sebastião Ferreira Fonseca2,3

Resumo
A vitamina C em solução aquosa forma com o íon Fe3+ um complexo de cor azul,
denominado ascorbato de Fe (III). Com base nessa propriedade foi possível detec-
tar a vitamina C em polpas de frutas comerciais por cromatografia em papel. No
experimento foram empregados materiais alternativos acessíveis e de baixo custo,
como tiras de cartolina branca (“placas”) e soluções de etanol combustível/água
(fases móveis). Foi usada como revelador uma solução aquosa de FeCl2/FeCl3
obtida pela reação de uma esponja de lã de aço para limpeza com HCl comercial
(ácido muriático).
Palavras-chave: Cromatografia em papel; Revelador; Vitamina C; Ácido ascórbico.

Abstract
Vitamin C in aqueous solution with Fe3+ ion provides a blue color complex called
Fe(III)-ascorbate. Based on that property it was possible to detect vitamin C in
commercial fruit pulps by paper chromatography. In the experiment were used

1. Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais.


2. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto de Química, Departamento de Química
Orgânica.
3. Os autores agradecem ao Instituto de Química da Unicamp, o incentivo dos grupos de ensino de
química do IQ-Unicamp e ao Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) e a CAPES pelo
apoio financeiro (MMF).
Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

alternative accessible and low cost materials, like stripes of white light pasteboard (“plates”) and combusti-
ble ethanol/water (mobile phases). It was used as developer a FeCl2/FeCl3 aqueous solution obtained by the
reaction of a steel wool sponge for cleaning with commercial HCl (muriatic acid).
Key-words: Paper chromatography; Developer; Vitamin C; Ascorbic acid.

1  Introdução são encontradas e comercializadas in natura em


seus períodos de safra, ou na forma de alimen-
A vitamina C, ou ácido ascórbico, é uma lactona
tos processados como polpas congeladas, geleias
insaturada que possui um sistema eólico peculiar,
e sucos engarrafados. O conteúdo de vitamina C
mostrado na Figura 1. Ela é uma substância hidros-
nesses produtos diminui com o tempo e as condi-
solúvel que desempenha importantes funções no
ções de armazenamento, devido a sua baixa estabi-
metabolismo humano. Ficou bastante conhecida
lidade e fácil degradação em presença de oxigênio,
pela sua capacidade de prevenir o escorbuto e foi
luz ou aumento de temperatura (Oliveira et al.,
isolada, pela primeira vez, em 1928, pelo cientista
2012; Evangelista; Vieites, 2006).
húngaro Szent-Gyorgyi (Fiorucci et al., 2003).
Diversos métodos analíticos podem ser utiliza-
HO dos para detectar a vitamina C. Um dos mais sim-
O
O ples utiliza o descoramento de uma solução de iodo
HO
complexado com amido, onde o iodo é reduzido a
iodeto (Silva et al., 1995). Dentre os métodos cro-
HO OH
matográficos, a cromatografia em papel, embora
Figura 1.  Fórmula estrutural da vitamina C (ácido
ascórbico). menos usada atualmente devido ao advento de
técnicas mais avançadas, é a que apresenta maior
A vitamina C, em solução aquosa, é capaz de simplicidade operacional e menor custo (Ahuja,
atuar como antioxidante em diversos processos 2003), além de favorecer a abordagem de vários
bioquímicos que ocorrem nos seres humanos e, conceitos físico-químicos.
devido a essa propriedade, apresenta um impor- Na cromatografia em papel, a separação dos
tante papel na prevenção de algumas doenças componentes de uma mistura ocorre através da
(Oliveira et al., 2012). Como o organismo humano migração diferencial entre duas fases líquidas, uma
é incapaz de sintetizá-la, a vitamina C deve fazer chamada de fase móvel (líquido que se desloca por
parte da nossa dieta e, normalmente, as frutas e os efeito de capilaridade sobre o papel) e outra deno-
vegetais são suas principais fontes. minada de fase estacionária (água retida no papel)
O teor de vitamina C nas frutas é variável e (Collins et al., 2006). Muitos trabalhos envolvendo
depende de vários fatores: estágio de maturação na a cromatografia em papel, em particular os que
época da colheita, manuseio, condições de estoca- são desenvolvidos para o ensino médio, utilizam
gem e processamento (Oliveira et al., 2012; Barcia a cor das próprias substâncias para visualização
et al., 2010). Diversas frutas (caju, goiaba, acerola, do cromatograma (manchas das substâncias no
manga etc.) apresentam alto teor de vitamina C e papel após o desenvolvimento cromatográfico).

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 47


Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

Entretanto, inúmeros compostos orgânicos são mistura e, em seguida, filtrar em algodão. Transferir
incolores, como a vitamina C, e para sua visualiza- o filtrado para outro frasco de vidro e adicionar
ção é necessário o uso de reveladores. NaCl (duas pontas de espátula de sal de cozinha)
A cromatografia em papel foi utilizada neste para a remoção dos resíduos de água. Filtrar nova-
trabalho para detectar a vitamina C em polpas mente usando pipeta de Pasteur (ou conta-gotas)
comerciais de diferentes frutas, através do uso de com um pequeno chumaço de algodão.
“placas” (tiras) de cartolina branca, soluções de
água/etanol combustível (fases móveis) e solução 2.2.3 Soluções de desenvolvimento
aquosa de FeCl2/FeCl3 – preparada pela reação de Preparar uma solução (10 mL) de etanol com-
HCl comercial com uma esponja de lã de aço para bustível/água (5:1, v/v) e transferir parte dessa
limpeza (Fonseca et al., 2011) – utilizada como solução para um copo de vidro de, aproximada-
revelador, em um experimento desenvolvido com mente, 200 mL (cuba cromatográfica), permitindo
materiais alternativos acessíveis e de baixo custo. a solução ficar com cerca de 0,5 cm de altura.
Tampar a cuba com uma placa pequena de vidro
(ou com um pires transparente). Repetir o mesmo
procedimento com uma solução de etanol combus-
2  Procedimento experimental tível/água (3:1, v/v).

2.1 Preparação das “placas” de cartolina 2.2.4 Solução reveladora (FeCl2/ FeCl3)
Cortar uma folha de cartolina fina branca em Colocar uma esponja de aço para limpeza
“placas” de 8 x 4 cm. Marcar na “placa” (papel (Bombril® ou similar) em um copo de vidro de
cromatográfico), com uma lapiseira, ou lápis de cerca de 200 mL e adicionar, cuidadosamente,
ponta fina, quatro pontos igualmente espaçados 50 mL de uma solução de HCl comercial (ácido
para a aplicação das amostras, a uma altura de 1,5 muriático)/água (1:1). CUIDADO: o ácido muriá-
cm acima da base (3,2 cm) da tira de papel. tico é corrosivo! Usar luvas de borracha e óculos
de segurança. Deixar a mistura reagir durante 30
2.2 Preparação das soluções minutos, agitando ocasionalmente com um bastão
de vidro, com bastante cuidado. Filtrar em seguida
2.2.1 Solução de vitamina C
sobre algodão usando funil comum e diluir o fil-
Macerar um comprimido de vitamina C trado com 50 mL de água destilada. Observações:
(500 mg) em um frasco de vidro com 5-6 mL de (1) maiores quantidades de solução poderão ser
removedor de esmaltes (contendo 50% de ace- preparadas com 1 hora de reação; (2) a solução
tona). Filtrar a mistura usando pipeta de Pasteur, verde clara resultante poderá ficar estocada à tem-
ou conta-gotas, com um pequeno chumaço de peratura ambiente por cerca de 30 dias sem perder
algodão, e transferir o filtrado para outro frasco. sua atividade reveladora.

2.2.2 Soluções dos extratos das polpas de frutas 2.3 Testes da solução reveladora
Colocar em um frasco de vidro duas porções
(pontas de espátula ou palito de sorvete) de polpa de 2.3.1 Solução de vitamina C
fruta (acerola, goiaba ou caju) e 4-5 mL de remove- Colocar em um frasco de vidro 1 mL da solução
dor de esmaltes contendo 50% de acetona. Agitar a de vitamina C, adicionar 5 gotas de uma solução

48 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

aquosa de NaOH a 10% e, em seguida, 2-4 gotas FeCl3. Retirar a “placa”, colocar sobre uma toalha
da solução de FeCl3/FeCl2. O aparecimento de uma de papel e observar o resultado (Figura 3IV). Após
coloração azul escura indicará que o revelador foi a secagem da “placa”, circular as manchas com um
preparado corretamente. lápis. A “placa” revelada poderá ser fotografada
para utilização em futuras discussões.
2.3.2 Vitamina C em “placa” de cartolina
Aplicar a solução de vitamina C em alguns
3  Resultados e discussão
pontos de uma tira de cartolina, imergir a “placa”
na solução de Fe2+/Fe3+ e observar se ocorre o apa- A vitamina C, em presença de íons Fe3+, forma
recimento da cor azul nos pontos de aplicação. o complexo ascorbato de Fe(III) responsável
por uma coloração azul característica (Fornaro;
2.4 Aplicação das amostras
Coichev, 1998; Zümreoglu-Karan, 2006). A for-
Utilizando um capilar de aço – preparado com mação do complexo foi fundamental para a detec-
a retirada do encaixe de plástico de uma agulha de ção da vitamina C nas polpas de frutas comerciais
seringa descartável e posterior limpeza – para cada neste trabalho. A adição da solução reveladora
amostra, aplicar uma pequena quantidade da solu- contendo íons Fe2+/Fe3+, preparada pela reação
ção de vitamina C (padrão para comparação) e de de esponja de lã de aço para limpeza com ácido
cada uma das soluções de polpa em diferentes pon- muriático, HCl comercial (Fonseca et al., 2011), a
tos marcados na “base” da tira de papel (“placa”), uma solução de vitamina C/removedor de esmal-
esperando o solvente evaporar a cada aplicação. tes (contendo 50% de acetona), em meio básico,
É importante que as manchas sejam pequenas e levou ao surgimento de uma cor azul escura, indi-
que tenham aproximadamente o mesmo diâme- cando teste positivo e confirmando a preparação
tro. Após a última aplicação, aguardar cerca de 2 adequada do revelador.
minutos para a evaporação do solvente. Adicionalmente, a formação do complexo ascor-
bato de Fe (III) foi também evidenciada pelo apare-
2.5 Desenvolvimento cromatográfico cimento da cor azul, nos locais de uma tira de car-
Com o auxílio de uma pinça e com cuidado, tolina em que foram feitas aplicações da solução de
colocar a “placa de papel” na cuba cromatográfica vitamina C, quando a tira foi imersa em uma solução
contendo o solvente de desenvolvimento e tam- de FeCl2/FeCl3. Isso indicou que a solução de FeCl2/
par (Figura 3II). Aguardar o desenvolvimento por FeCl3 poderia ser usada como revelador, e a tira de
20 minutos, retirar a “placa”, traçar uma linha na cartolina como “placa”, para a detecção da vitamina
altura que o solvente chegar (linha de chegada da C (ácido ascórbico) em cromatografia em papel.
fase móvel) e deixar secar por cerca de 10 minutos. Evidências prévias indicaram que o complexo
de cor azul (Fornaro; Coichev, 1998; Zümreoglu-
2.6 Revelação Karan, 2006) é formado por duas moléculas de
Após a evaporação do solvente, com auxílio ácido ascórbico para cada íon Fe3+. Considerando
de uma pinça, imergir a “placa de papel” durante o complexo formado em meio básico, uma suges-
alguns segundos na solução reveladora de FeCl2/ tão para sua representação é mostrada na Figura 2.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 49


Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

+ fase móvel (distância percorrida pela fase móvel


O do ponto de aplicação da amostra até a linha de
OH
chegada), DFM. Assim, Rf = DS (cm ou mm)/DFM
O
(cm ou mm).
O- O surgimento de manchas de cor azul escura no
HO
OH teste inicial com o papel cromatográfico e a reve-
2Fe
lação da “placa” com a solução aquosa de FeCl2/
FeCl3, após o desenvolvimento, indicou a presença
Figura 2.  Representação do complexo formado em
meio básico entre o ácido ascórbico e os íons Fe3+ (adap- de vitamina C nos extratos das polpas de frutas
tada de Zümreoglu-Karam, 2006). analisadas. As manchas de cor azul apresentaram
um Rf de cerca de 0,3 (o mesmo Rf encontrado para
Com base nas considerações anteriores, a o padrão) o que evidenciou uma grande interação
detecção da vitamina C foi realizada por dois com a fase estacionária durante o desenvolvimento
critérios: cromatográfico. Isso se deve ao fato da vitamina
a) pela cor do complexo formado na revela- C apresentar vários grupos hidroxila capazes de
ção da placa e; realizar ligações hidrogênio mais efetivas com a
b) pela comparação entre o fator de retarda- fase estacionária (H2O), Collins et al. (2006), do
mento (Rf) de um padrão de vitamina C que com a fase móvel utilizada, CH3CH2OH / H2O
e os Rfs apresentados pelas manchas das (5:1), Figura 3 (IVA). O aumento da concentração
amostras dos extratos analisados. de água na fase móvel levou a uma mudança de
interação e, consequentemente, a um diferente Rf
O fator de retardamento (Rf) foi determinado da vitamina C, Figura 3 (IVB).
pela razão entre a distância percorrida pela subs- Assim, a vitamina C foi detectada nos extratos
tância (centro da mancha) desde o ponto de apli- de polpas de frutas pela cor azul do complexo for-
cação, DS, e a distância percorrida pela frente da mado com os íons Fe3+ no processo de revelação

Figura 3.  Representação esquemática das quatro etapas cromatográficas: (I) aparência inicial da “placa” de papel; (II)
cuba, solvente e “placa”; (III) aparência da “placa” desenvolvida antes da revelação (IV) aparência da “placa” de papel após
a revelação: desenvolvimento em (A) etanol/água (5:1, v/v) e (B) etanol/água (3:1, v/v).

50 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

das “placas”. Sua identidade foi evidenciada pela BARCIA, M. T.; JACQUES, A. C.; PERTUZATTI,
P. B.; ZAMBIAZI, R. C. Determinação de ácido
comparação direta das alturas das manchas e cor-
ascórbico e tocoferóis em frutas por CLAE. Semina:
respondentes fatores de retenção (Rfs), com os Rfs Ciências Agrárias, v. 31, p. 381-390, 2010.
de um padrão, em solventes de desenvolvimento COLLINS, C. H.; BRAGA, G. L.; BONATO, P. S.
com diferentes concentrações de água e etanol. Fundamentos de cromatografia, Campinas: Editora
da UNICAMP, 2006.
EVANGELISTA, R. M.; VIEITES, R. L. Avaliação da
4  Considerações finais qualidade de polpa de goiaba congelada, comercia-
lizada na cidade de São Paulo. Segurança Alimentar
O experimento mostrou que, apesar da vita- e Nutricional, v. 13, p. 76-81, 2006.
mina C não apresentar coloração quando desenvol- FIORUCCI, A. R.; SOARES, M. H. F. B.;
CAVALHEIRO, E. T. G. A importância da Vitamina
vida em “placa” de papel, foi possível fazer a sua
C na sociedade através dos tempos. Química Nova
revelação com uma solução reveladora contendo na Escola, n. 17, p. 3-7, 2003.
íons Fe2+/Fe3+, preparada com materiais alternati- FONSECA, S. F.; SOUZA, K. S.; SANTOS, M. C.
vos, acessíveis e de baixo custo. Foi também veri- Caracterizando fenóis com um reagente preparado
ficado que a cartolina fina de cor branca apresen- com esponja de lã de aço para limpeza e ácido muri-
ático. Revista Brasileira de Ensino de Química, v. 6,
tou rigidez adequada para que suas tiras pudessem n. 1-2, p. 84-87, 2011.
ser usadas como “placas”, sendo uma alternativa
FORNARO, A.; COICHEV, N. Ácido L-ascórbico:
viável, embora com limitações, para ser utilizada reações de caracterização e de óxido-redução com
em experimentos de introdução à cromatografia alguns íons metálicos de transição. Quim. Nova,
v. 21, p. 642-650, 1998.
em papel.
Entretanto, é importante salientar que a aplica- OLIVEIRA, R. G.; GODOY, H. T.; PRADO, M. A.
Quantificação dos isômeros ácido L-ascórbico e
ção do experimento exigirá uma abordagem prévia ácido D-iso-ascórbico em geleias de frutas por cro-
de tópicos como funções orgânicas, forças intermo- matografia liquida de alta eficiência. Quim. Nova,
v. 35, p. 1020-1024, 2012.
leculares e solubilidade de substâncias orgânicas.
SILVA, S. L. A.; FERREIRA, G. A. L.; SILVA, R. R.
À procura da vitamina C. Química Nova na Escola,
5  Referências n. 2, p. 31-32, 1995.
ZÜMREOGLU-KARAN, B. The coordination che-
AHUJA, S. Chromatography and Separation Science, mistry of Vitamin C: An overview. Coordination
Vol. 4. New York: Academic Press, 2003. Chemistry Reviews, v. 250, p. 2295-2307, 2006.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 51


Artigo 05 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 52-59

O Perfil Docente na Perspectiva da


Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura
em Química
Teacher Profile in the Perspective of Inclusive Education
in Chemistry Degree
Aldejaise Cunha de Azevedo1, Luiz Fernando Perreira1 e
Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro2

Resumo
A Educação Inclusiva é compreendida como uma reestruturação educacional que,
para ocorrer de forma bem-sucedida, necessita que os professores sejam forma-
dos em vertentes de ensino e comunicação diferentes das vertentes tradicionais.
Trata-se da prática de inclusão de todos os alunos, independentemente de suas
deficiências, em sala de aula comum. Neste sentido, é perceptível a necessidade de
se investir na formação (inicial e/ou continuada) de professores, para que estes pos-
sam desenvolver os modelos inclusivos em suas práticas educativas. Desta forma,
procurou-se saber sobre a formação e vivências do corpo docente do Curso de licen-
ciatura em Química do IFRN/Campus Currais Novos, na perspectiva da Educação
Inclusiva. Diante dos dados coletados, foi visto que ainda há um expressivo dis-
tanciamento entre a teoria e a prática nesta vertente. Grande parte dos docentes do
curso, embora não possua grande experiência com Educação Inclusiva, já que não
teve disciplina relacionada à inclusão durante sua graduação ou mesmo no curso de
formação continuada, mostra-se disposta a desenvolver-se nessa perspectiva atual
e necessária que é a Educação Inclusiva.
Palavras-chave: Educação inclusiva; Inclusão; Formação de professores.

1. Licenciada em Química – IFRN – Campus Currais Novos.


2. Doutora em Química – UFC e Professora EBTT – IFRN – Campus Currais Novos.
O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

Abstract
Inclusive Education is understood as an educational restructuring that, to occur successfully, requires teach-
ers be trained in different aspects of teaching and communication of traditional strands. It is the practice of
inclusion of all students, regardless of their disabilities, in the ordinary classroom. In this sense, it is notice-
able the need to invest in training (initial and /or continued) for teachers, so that they can develop inclusive
models in their own educational practices. Thus, we sought to know about the training and experience of the
professors in view of Inclusive Education of the Chemistry degree course in IFRN /Currais Novos Campus.
From the collected data, it was seen that there is still a significant gap between theory and practice in this
regard. Although much of the professors lack great experience with inclusive education, especially because
most of them had not even a discipline during their undergraduate or continuing education course, these
professionals show up willing to develop this current and necessary perspective, which is the Inclusive
Education itself.
Key-words: Inclusive education; Inclusion; Teacher training.

1  Introdução especiais e a atitudes de inclusão que se referem


a outras situações observadas na sociedade. Já no
que se refere à inclusão escolar, Lacerda (2006)
1.1 O contexto da Educação Inclusiva
disserta que esta:
Segundo Mantoan (2006), a síntese da inclusão
escolar é ter, desde o início da vida escolar, todos é vista como um processo dinâmico e gradual,
que pode tomar formas diversas a depender
os alunos inseridos no ensino regular. Tal ver-
das necessidades dos alunos, já que se pressu-
tente de Educação Inclusiva implica em mudan- põe que essa integração/inclusão possibilite, por
ças na perspectiva educacional, haja vista que não exemplo, a construção de processos linguísticos
abrange apenas os alunos portadores de necessida- adequados, de aprendizado de conteúdos aca-
des especiais e os que apresentam dificuldades de dêmicos e de uso social da leitura e da escrita,
sendo o professor responsável por mediar e
aprendizagem, mas todos os demais, para que obte-
incentivar a construção do conhecimento atra-
nham sucesso na corrente educativa geral. Díaz et vés da interação com ele e com os colegas.
al (2009) define que a palavra “inclusão” vem do
latim, do verbo includere e significa “colocar algo Percebe-se que o professor é fundamental nesse
ou alguém dentro de outro espaço”, “entrar num processo e, portanto, convém lembrar um trecho
lugar até então fechado”. É a junção do prefixo in da declaração de Salamanca (UNESCO, 1994):
(dentro) com o verbo clude (cludere), que significa A preparação adequada de todo pessoal da educação
“encerrar, fechar, clausurar”. Os autores ressaltam constitui um fator-chave na promoção do progresso em
ainda que o termo é cada vez mais utilizado não direção às escolas inclusivas (p. 32-33).
apenas para as questões das necessidades espe- Nessa perspectiva, a Portaria nº 1793/1994
ciais, mas também para criar discursos de acessi- (Brasil, 1994) considerou a necessidade de com-
bilidade a quaisquer indivíduos que se encontram plementar os cursos de formação de professores
excluídos de determinados espações e situações. para atuar com pessoas com necessidades espe-
Assim, ao utilizar este termo, é possível referir- ciais. Nesta portaria, inclusive, há a recomendação
-se, especificamente, às pessoas com necessidades da inclusão da disciplina “Aspectos ético-político-

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 53


O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

-educacionais da normalização e integração da lhes permita estabelecer relações entre a sua ação
pessoa portadora de necessidades especiais” nos pedagógica e os pressupostos teóricos subjacentes
currículos dos cursos de Pedagogia, Psicologia a ela, visando constituir novas posturas a respeito
e licenciaturas, e através do Decreto nº 5626, de das necessidades individuais dos alunos.
2005, ocorreu a regulamentação da inclusão da Sant’Ana (2005) também defende a necessidade
disciplina “Libras” no currículo dos cursos de dessa formação voltada para a Educação Inclusiva,
licenciatura (Brasil, 2005, p. 28), visando preparar pois os educadores precisam estar habilitados para
os futuros docentes para o ensino de alunos com atuar de forma competente junto às diferenças e às
necessidades educacionais especiais. As práticas necessidades individuais dos alunos inseridos nos
pedagógicas, fruto da política da inclusão escolar, vários níveis de ensino. Nessa perspectiva, Bueno
inclusive aquelas dos professores de classe regular (1999) defende que, para que o ensino seja de qua-
com alunos com necessidades educacionais espe- lidade para os portadores de necessidades educati-
ciais, ainda são recentes no Brasil. vas especiais, no âmbito de uma educação inclu-
É interessante que estas práticas possam ser siva, dentre muitos aspectos, destacam-se os dois
monitoradas e avaliadas, para que possamos tipos de docentes: professores “generalistas” do
socializar indicadores de sucesso e, também, os ensino regular, com o mínimo de conhecimento e
problemas encontrados com vistas a superá-los. prática sobre os mais variados alunos, e professores
Dentro desta perspectiva, os professores formado- “especialistas” nas diferentes “necessidades educa-
res dos cursos das licenciaturas devem conhecer tivas especiais”, seja ele com o intuito de trabalhar
essa realidade e, neste sentido, este trabalho bus- efetivamente com os alunos ou dar apoio ao traba-
cou analisar os professores formadores do curso lho realizado por professores de classes regulares
de Licenciatura em Química do IFRN Campus que realizem a integração destes alunos.
Currais Novos dentro da perspectiva da Educação No processo de implantação da política de edu-
Inclusiva. cação inclusiva no Brasil são muitos os desafios
encontrados, mas a falta de preparo dos docentes
1.2 Formação de professores e a ganha destaque quando o tema é abordado. Sonza
educação inclusiva
(2013) destaca a necessidade de o professor ter
Segundo defende Benite et al. (2009), no que conhecimento sobre as possibilidades de aprendi-
se refere à inclusão, a educação precisa se modifi- zagem que o aluno portador de necessidades espe-
car, ou, talvez, se reestruturar a partir da formação ciais possui, adequando o currículo à necessidade
de professores, uma vez que os professores são destes, sem que ninguém seja excluído. Assim, a
agentes de primeira ordem no processo de ensino- própria escola tem um papel importante neste sen-
-aprendizagem e, assim, podem contribuir para a tido, uma vez que:
reorganização da escola, viabilizando o acesso e a
O propósito da escola deveria ser o de desen-
permanência de todos nas classes regulares. Dessa volver as inteligências e ajudar as pessoas a
forma, torna-se imprescindível formar o professor atingirem objetivos de ocupação e passatempo
para trabalhar com a diferença. adequados ao seu espectro particular de inte-
Os autores Pereira, Benite e Benite (2011), ligências. As pessoas que são ajudadas a fazer
isso, acredito, se sentem mais engajadas e com-
afirmam que tal formação deve ser pautada em
petentes, e, portanto mais inclinadas a servi-
situações de análise e reflexão sobre suas pró- rem à sociedade de uma maneira construtiva
prias condições de trabalho e experiências, e que (Gardner, 1995).

54 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

Uma escola com essa perspectiva, sem dúvida, Para Peterson (2006), os programas de inclu-
contribuiria para a prática do princípio fundamen- são não podem ser bem-sucedidos em escolas
tal das escolas inclusivas: públicas se ambos, professores da educação geral
e da Educação Especial (os dois “tipos” de profes-
O princípio fundamental das escolas inclusivas
sores citados por Bueno, 1999), não forem capa-
consiste em todos os alunos aprenderem jun-
citados para implementar programas de ensino
tos, sempre que possível, independentemente
das dificuldades e das diferenças que apresen- colaborativo. Nesse sentido, é preciso reconstruir/
tem. Estas escolas devem reconhecer e satis- reformular a formação de professores, pois formá-
fazer as necessidades diversas dos seus alunos, -los é projetar para o futuro, uma vez que esses
adaptando-se aos vários estilos e ritmos de
professores irão continuar formando estudantes
aprendizagem, de modo a garantir um bom nível
de educação para todos, através de currículos
que constituirão a sociedade de amanhã, pois,
adequados, de uma boa organização escolar, de como defende Libâneo (1998), é importante des-
estratégias pedagógicas, de utilização de recur- tacar que, geralmente, a formação recebida pelos
sos e de uma cooperação com as respectivas professores influencia, diretamente, no desenvol-
comunidades. É preciso, portanto, um conjunto
vimento dos alunos.
de apoios e serviços para satisfazer o conjunto
de necessidades especiais dentro da escola.
(UNESCO, 1994, Declaração de Salamanca, 2  Procedimento metodológico
11-12).
No desenvolvimento deste trabalho, apli-
No que se refere à formação docente, consi- camos um questionário aos docentes do Curso
derando a educação especial, as próprias políticas de Licenciatura em Química do IFRN Campus
têm criado mecanismos que buscam inserir o pro- Currais Novos, que foi composto por 9 questões,
fissional neste contexto. Podemos observar, nos das quais 2 abertas e 7 dicotômicas, tendo como
indicadores apresentados em documentos oficiais enfoque a Educação Inclusiva. Neste questioná-
(Brasil, 2008, p. 13-14), que: rio, foram abordadas algumas dimensões, sendo
elas: a experiência dos docentes com a Educação
[...] em 1998, 3,2% possuíam ensino funda-
mental; 51% possuíam ensino médio e 45,7% Inclusiva, o conhecimento sobre inclusão, em
ensino superior. Em 2006, dos 54.625 profes- que se avaliava se o docente cursara na gradua-
sores que atuam na educação especial, 0,62% ção alguma disciplina relacionada à Educação
registraram somente ensino fundamental, 24% Inclusiva ou se cursara algum tipo de formação
registraram ensino médio e 75,2% ensino supe-
continuada que tivesse relação nesse aspecto, bem
rior. Nesse mesmo ano, 77,8% destes profes-
sores declararam ter curso específico nessa área como a sua opinião sobre o comportamento diante
de conhecimento. de uma sala de aula inclusiva etc. O questionário
foi elaborado tomando como base os artigos cien-
A evolução das ações da educação especial tíficos da área.
nos últimos anos se expressa no crescimento do O curso de licenciatura em Química da IES
número de municípios que registram ampliação investigada possui um corpo docente com nove
de matrículas, acessibilidade arquitetônica em professores, sendo 2 deles da área Pedagógica e os
prédios escolares, formação de professores com o outros 7 da área de Química. Todos os 9 professo-
objetivo de assegurar a inclusão do aluno e garan- res participaram da pesquisa proposta por meio da
tir seu acesso e continuidade (Brasil, 2008). aplicação do questionário.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 55


O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

3  Resultados e discussão ocorrido a inclusão de Libras no currículo desses


cursos, o processo de efetivação de tal demanda
O corpo docente da instituição foi analisado ainda ocorre de forma lenta e gradual.
através das respostas ao questionário aplicado, com Quando questionados, “Você participou de
o intuito de obter informações sobre sua formação, algum curso de Formação Continuada?”, 67%
atuação e conhecimento relacionado à Educação dos docentes afirmaram que sim e 33% que não.
Inclusiva. Na primeira questão, que tratava da for- Dentro dessa mesma pergunta, interrogava-se:
mação do professor em nível de graduação, obser- “em caso afirmativo, o curso tinha relação com
vamos que 78% possuem Licenciatura em Química Educação Inclusiva?”. Dos nove professores, 22%
e 22% possuem formação em Pedagogia. Do total responderam que sim e 78% que não.
de 9 professores, 6 são licenciados em Química, 1 Com relação ao tempo que o professor leciona na
é bacharel em Engenharia Agronômica e também é sua área de formação, as respostas, em anos, foram:
licenciado em Química, enquanto 2 são pedagogos. 3 anos e meio (11%); 5 anos (11%); 6 anos (11%); 7
Com relação à pergunta sobre o ano de con- anos (11%); 10 anos (11%); 12 anos (11%); 17 anos
clusão do curso de graduação, obtiveram-se as (11%); 18 anos (11%) e 36 anos (11%).
seguintes respostas: 11% concluíram o curso em Quando questionados se possuíam alguma
1992; 11% em 1999; 23% em 2004; 22% em 2005; experiência com Educação Inclusiva, 4 profes-
11% em 2007; 11% em 2008 e; 11% em 2010. sores (44%) afirmaram que possuíam, enquanto
Quando os professores foram questionados se outros 5 (55%) afirmaram que não têm.
possuíam curso de pós-graduação 100% assinala- Um dos últimos questionamentos foi através
ram que sim. Nessa mesma pergunta, interrogava- de uma pergunta aberta, na qual se questionava:
-se qual a pós-graduação, por isso, as respostas “as novas políticas públicas incentivam a promo-
foram: “mestrado em Ensino de Química”; “mes- ção de aulas inclusivas. Em sua opinião, o que
trado em Físico-química e Doutorando em Fisico­ é Educação Inclusiva?” A respostas de 7 dos 9
‑química”; “mestrado em Ensino de Ciências docentes são bem representadas pelo Docente “B”,
Naturais”; “mestrado”; “mestrado em ensino de cuja resposta foi transcrita a seguir:
ciências naturais e matemática”; “doutorado em
Química”; “doutorado em Química”; “mestrado “É uma perspectiva de educação que tenta
em Educação e doutoranda em Educação” e; “dou- incluir grupos de pessoas, antes margina-
torado em Educação”. lizadas do contexto escolar (por exemplo:
Já na questão, “Você cursou alguma disci- surdos, cegos, down etc.), para conviver
plina, na sua graduação, relacionada à Educação juntamente com os grupos sociais conside-
Inclusiva?”, 67% responderam que não e 33% rados ‘normais’. Creio ainda que a pers-
que sim. Quando comparamos as respostas a estas pectiva da política educacional é conside-
perguntas, observamos que um percentual de rar que todos os grupos podem conviver e
67% dos professores concluíram o curso de 1992 aprender de forma igualitária” (Resposta
a 2005, e que este mesmo percentual não cur- do Docente B).
sou nenhuma disciplina relacionada à Educação
Inclusiva. Embora, desde 1994, tenha sido lançada Segundo Bueno (1999), a inclusão escolar
uma portaria visando complementar os cursos está relacionada a dois aspectos intrinsicamente
de licenciaturas nessa vertente, e em 2005, tenha relacionados:

56 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

• ao direito de acesso e permanência dos particularidades e possibilidades de apren-


alunos portadores de NEEs (Necessidade dizagem. Para isso, é necessário que seja
Educacionais Especiais) nas escolas entendida que a educação escolar é um
regulares; direito de todos e devem ser organizadas
• à necessidade de modificação da estru- políticas públicas que deem conta de aten-
tura física e da organização pedagógica der a esse direito previsto na legislação”
da escola para recepção e inclusão desse (Docente I).
aluno.
A última questão também foi aberta, “Como
Em outras palavras, a Educação Inclusiva reco- você se comportaria numa sala de aula inclusiva?,
nhece as inúmeras diferenças existentes – pesso- ou, melhor, “Dentre outras especificidades, como
ais, linguísticas, culturais, sociais etc. – e propõe a você se comportaria numa sala de aula contendo,
mudança do sistema educacional em suas diversas por exemplo, um aluno cego ou um surdo?”. Para
formas (práticas pedagógicas e estrutura física) essa questão, foram transcritas duas respostas, nas
para incluir a diversidade de forma. quais uma é de um docente que já vivenciou o
Ao analisar as respostas dos docentes do curso ocorrido, e a outra é de um docente que não viven-
de Licenciatura em Química do IFRN Campus ciou, tendo em vista que as outras respostas dos
Currais Novos, percebeu-se que a explicação do docentes são semelhantes a estas duas transcritas
que é Educação Inclusiva não foi apresentada de a seguir.
forma completa por todos os docentes. A maioria
trata a Educação Inclusiva como mera inserção dos “Já vivenciei experiências no ensino supe-
alunos com necessidades especiais em sala de aula rior com alunos deficientes visuais e procu-
comum, com vista a um mesmo tipo de ensino. rei adaptar as atividades para possibilitar
Apenas os docentes “D” e “I” demonstraram ter a participação do aluno, assim como pro-
ideia de que é necessário que se busque as modi- mover a aprendizagem. Ex.: provas eram
ficações, tanto físicas quanto pedagógicas, neces- realizadas oralmente, o aluno tinha um
sárias para que o direito de todos à educação seja programa de leitura e eram disponibiliza-
atendido. dos os textos da disciplina para realização
da leitura do material” (Docente I).
“A educação inclusiva estabelece novos con-
ceitos e adaptações para o funcionamento “A princípio não sei, pois não tenho expe-
de uma instituição educacional, porém, a riência nenhuma com educação inclusiva.
mudança física é apenas um aspecto. A cons- Acredito que teria dificuldades, mas tenta-
cientização dos professores, funcionários e ria usar recursos audiovisuais, já disponí-
do corpo da escola também é discutida na veis e utilizados rotineiramente nas aulas.
educação inclusiva com o intuito de atender Por exemplo: modelos atômicos e molecu-
da melhor forma possível as necessidades de lares” (Docente G).
todos os alunos” (Docente D).
Embora os docentes do IFRN Campus Currais
“É uma educação que procura atender Novos não estejam completamente “aptos” para
às necessidades educacionais do aluno, trabalharem na perspectiva da Educação Inclusiva
tomando como eixo orientador suas – pois 56% afirmaram não ter experiência com

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 57


O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

Educação Inclusiva, especialmente no que con- necessitar de mecanismos que potencializem seu
cerne a deficiências físicas –, é possível perceber- trabalho na perspectiva da Educação Inclusiva.
-se a predisposição deste grupo. Mesmo assim, Afinal, como opina Weiss (2008), o fracasso esco-
torna-se necessário e urgente a capacitação de tais lar é causado por uma conjugação de fatores inter-
profissionais na área de Educação Inclusiva, atra- ligados que impedem o bom desempenho do aluno
vés de cursos de formação continuada, uma vez em sala de aula, inclusive, a atuação inadequada
que eles não tiveram essa formação em seus cursos do educador.
de graduação – 67% dos professores pesquisados
não cursaram disciplinas relacionadas à Educação
4  Considerações finais
Inclusiva –, tanto para lidarem com o contexto que
vier a surgir dentro da sua prática, quanto para Os docentes que atuam no curso de Química
orientarem os licenciandos do curso dentro dela. do IFRN ainda são iniciantes em suas experiências
Na verdade, como a Educação Inclusiva é em Educação Inclusiva – especialmente no que se
relativamente nova, e apenas a partir de 2005 se refere a deficiências físicas –, pois sua maioria não
tornaram obrigatórias disciplinas que a envolvam, vivenciou disciplinas relacionadas em seus cursos
é natural que os docentes dos cursos das licencia- de graduação, nem cursos de formação continuada,
turas não estejam totalmente preparados para tal e apresentam poucas vivências com situações rela-
realidade. Villela-Ribeiro e Benite (2010) observa- cionadas à experiência com Educação Inclusiva.
ram que: Desta forma, torna-se necessário focar nestes pro-
fessores, através de cursos de formação continuada,
Percebe-se que o professor relaciona a educa-
visando ampliar a experiência destes de forma a ser
ção inclusiva apenas com alunos deficientes, e
não a educação voltada para todos os grupos de possível o direcionamento de pesquisas e orienta-
pessoas excluídas da escola. E ainda, relaciona ções pedagógicas dos discentes por eles formados,
o fato da não preparação para educação inclu- melhorando, assim, a formação inicial do professor
siva como consequência de falta de preparo dos formado pelo Curso de Licenciatura em Química
próprios professores formadores.
do IFRN Campus Currais Novos, conforme refor-
Em síntese, çado por Villela-Ribeiro e Benite (2013).

a inclusão depende do trabalho cotidiano dos


professores na sala de aula e do seu sucesso em 5  Referências
garantir que todas as crianças possam participar
BENITE, A. M. C. et al. Formação de professores de
de cada aula e da vida da escola como um todo. ciências em rede social. RBPEC, v. 9, n. 3, 2009.
Os professores, por sua vez, necessitam traba-
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria no 1793 de
lhar em escolas que sejam planejadas e admi-
1994. Brasília: MEC, 1994.
nistradas de acordo com linhas inclusivas e que
sejam apoiadas pelos governantes, pela comuni- BRASIL. Casa Civil. Decreto nº 5626 de 2005.
dade local, pelas autoridades educacionais locais Regulamenta a Lei nº 10.046, de 24 de abril de
2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais
e acima de tudo pelos pais (Mittler, 2003).
– Libras – e o art. 18 da Lei nº 10.098, de dezembro
de 2000. Brasília: Casa Civil, p. 28, 2005.
Não se trata de apenas discutir o tema, é preciso
BUENO, J. G. S. Educação inclusiva: princípios e desa-
trabalhá-lo com aqueles que diretamente fazem a fios. Revista Mediação, n. 1, p. 22-28, 1999.
educação. Este trabalho traça um perfil de profis- BUENO, J. G. Crianças com necessidades educativas
sionais capacitados e que, no entanto, demonstram especiais, política educacional e a formação de

58 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

professores: generalistas ou especialistas. Revista MITTLER, P. Educação inclusiva: contextos sociais.


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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 59


Artigo 06 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 60-67

QuimKids – despertando o interesse pela


ciência química e formando cidadãos
Quimkids – creating interest in chemical science and raising citizens

Aline de Araújo Silva1, Lilian Mamedes dos Santos1, Paulo Ricardo Alves da Silva1,
Leandro S. de Oliveira1, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão1,
Jailson Machado Ferreira1 e Humberto Gomes1

Resumo
O QuimKids trata-se de uma proposta com caráter inovador que objetiva levar
a Ciência de forma dinâmica e interativa a crianças do ensino fundamental I e
II. Realizado anualmente nas escolas de ensino fundamental, busca desenvolver
o interesse por esta área do conhecimento aguçando a curiosidade das crianças
despertando-as para uma consciência científica do ambiente que as cerca, sendo
realizado através de diversas temáticas, dentre elas o meio ambiente, conhecimento
imprescindível que deve ser trabalhado desde cedo nos indivíduos, preparando-
-os para agirem como parte não apenas integrante, mas, principalmente, ativa da
sociedade.
Palavras-chave: QuimKids; Ensino de Química; Formação de cidadãos.

Abstract
The QuimKids is an innovative motion that aims to bring science in a dynamic
and interactive approach to children in elementary school. This activity is under-
taken annually in schools during the month of October, when it is celebrated “the
children’s month”. The purpose of QuimKids is to stimulate the interest of students,
awakening their curiosity in a playful way through practices that sharpen mainly

1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba.


QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

the visual character. In order to develop a scientific understanding of the environment around them, prepar-
ing students to work effectively in society.
Key-words: Quimkids; Chemistry teaching; Raising citizens.

de um curta-metragem sobre meio ambiente e a


1  Introdução
sua degradação, com a finalidade de lhes apresen-
De acordo com Morais (2011), a Ciência, de tar o problema da poluição ambiental; realização
modo geral, é o melhor caminho para se entender de duas atividades específicas em diferentes salas
as transformações que vêm ocorrendo no mundo, de aula: numa sala realizou-se jogos educativos e,
desde as mudanças climáticas e seus impactos na outra, a confecção de brinquedos com material
ambientais até as novas tecnologias eletrônicas reciclado.
que são desenvolvidas a cada dia. Esse fator torna Cada etapa apresentada tem como objetivo
o conhecimento científico o capital mais impor- despertar o interesse da criança pela ciência quí-
tante do mundo civilizado e investir na busca de mica e ajudar a desenvolver uma consciência
novas explicações acerca dos fenômenos é investir cidadã frente à problemática da poluição, mos-
na qualidade de vida da sociedade. trando que existem soluções para tais problemas e
Dessa forma, o Quimkids (Quim: prefixo deri- que elas podem contribuir significativamente para
vado de química e Kids: derivado de brinquedo, a melhoria do meio no qual estão inseridos, aju-
em inglês) em sua essência empírica, busca mostrar dando assim já nos primeiros anos de vida escolar
brincando e abordando temáticas vivenciadas pelo para a formação do caráter cidadão crítico e atu-
aluno, Química elementar para crianças do Ensino ante na sociedade em que se encontra.
Fundamental, levando-as a conhecê-la como uma
ciência que está constantemente presente no seu
2  Fundamentação teórica
cotidiano, a compreender a importância de estudá-
-la e sua relação com o lixo e, impactos ambientais Somos parte de uma sociedade que convive
e as formas como podemos combatê-lo e reduzi-lo. com a supervalorização do conhecimento cientí-
O QuimKids foi planejado e executado pelos fico e com a crescente intervenção da tecnologia
integrantes do Programa de Educação Tutorial no dia a dia e, dessa maneira, não é possível pensar
(PET) Química do Instituto Federal de Educação, na formação de um cidadão crítico à margem do
Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB e sur- saber científico (Brasil, 1997).
giu como uma proposta de transmitir a ciência De acordo com Morais (2011), a educação
química de forma dinâmica e interativa para as científica é, na atualidade, apontada como uma
crianças do Ensino Fundamental, proporcionando área fundamental para o desenvolvimento integral
um primeiro contato na sua formação inicial, que dos alunos, tanto ao nível de funções cognitivas,
consistiu em quatro etapas básicas: realização de como da preparação para a cidadania. É apontada
experimentos com efeitos visuais atrativos, com o também como uma das mais importantes vias de
objetivo de atrair a atenção do público; exibição progresso tecnológico e econômico das sociedades.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 61


QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

Dessa forma, pode-se perceber a importância textos informativos, a organização de informa-


da educação científica para a formação da criança ções por meio de desenhos, tabelas, gráficos,
esquemas e textos, a proposição de suposições,
em seus anos iniciais da escola primária e o quanto
o confronto entre suposições e entre elas e os
é importante que a disciplina seja ensinada com dados obtidos por investigação, a proposição e
eficácia para que o aluno não apresente deficiên- a solução de problemas, são diferentes procedi-
cias educacionais nos anos escolares posteriores. mentos que possibilitam a aprendizagem (Brasil,
Contudo, o ensino de Ciências para as crianças 1997).
do Ensino Fundamental ultimamente vem sendo
Tendo em vista o importante papel que o ensino
algo fortemente discutido no meio educacional, por-
de Ciências desempenha na escola, em 1983, a
que não está acontecendo de modo a proporcionar
UNESCO elencou algumas justificativas para o
o encantamento dos alunos acerca dos fenômenos
estudo dessa disciplina nos currículos escolares
científicos. Dentro desse contexto, estamos diante
(UNESCO apud Harlen, 1994, p. 28-29):
do desafio de criar um sistema educacional que explore
a curiosidade das crianças e mantenha a sua motivação • As ciências podem ajudar as crianças a pensar
para aprender através da vida (Zancan, 2000, p. 6). de maneira lógica sobre os fatos cotidianos e a
Dessa maneira, Zancan (apud Freire et al., 2011) resolver problemas práticos simples.
• As ciências, e suas aplicações tecnológicas,
ainda reforça que o professor tem o desafio de desen-
podem ajudar a melhorar a qualidade de
volver uma educação que aguce a curiosidade das vida das pessoas. As ciências e a tecnologia
crianças e as instigue a buscar explicações científi- são atividades socialmente úteis que espera-
cas para os acontecimentos que cercam sua vivência. mos sejam familiares às crianças. Dado que o
Hayashi, Porfirio e Favetta (apud Bizzo, mundo tende a orientar-se cada vez mais num
sentido científico e tecnológico, é importante
1998, p. 144) complementam que a educação em
que os futuros cidadãos se preparem para
Ciências deve proporcionar aos estudantes a opor- viver nele.
tunidade de desenvolver capacidades que desper- • As ciências podem promover o desenvolvi-
tem a inquietação diante do desconhecido, bus- mento intelectual das crianças.
cando explicações lógicas e razoáveis, levando os • As ciências podem ajudar positivamente as
crianças em outras áreas, especialmente em
alunos a desenvolverem posturas críticas, realizar
linguagem e matemática.
julgamentos e tomar decisões fundamentadas em • Um número expressivo de crianças de muitos
critérios objetivos, baseados em conhecimentos países deixam de estudar ao acabar a escola
compartilhados por uma comunidade escolarizada. primária, sendo esta a única oportunidade de
Com relação aos procedimentos educacionais que dispõem para explorar seu ambiente de
um modo lógico e sistemático.
que facilitam a aprendizagem dos alunos no ensino
• As ciências nas escolas primárias podem ser,
de Ciências, temos que a observação e a experi- realmente, divertidas.
mentação são pontos fundamentais no ensino da
disciplina, porque através da observação o aluno Através dos pontos citados, podemos perceber
reflete sobre o fenômeno ocorrido e desenvolve que o ensino de ciências vai além de simplesmente
teorias a respeito e, através da experimentação, ele possibilitar que a criança compreenda de forma
contempla a teoria científica. lógica o mundo ao seu redor. Além disso, ela é de
A observação, a experimentação, a compara-
fundamental importância para o seu desenvolvi-
ção, o estabelecimento de relações entre fatos mento intelectual, que é essencial para a formação
ou fenômenos e ideias, a leitura e a escrita de da criança, e quando ensinada com o propósito de

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

despertar o encantamento da criança pela ciência, os Parâmetros Curriculares Nacionais (2012), a


ela pode ser realmente divertida. criança, em sua totalidade, é um ser com direitos
que constrói sua realidade através das práticas
2.1 Inclusão no ensino de ciências cotidianas que vivencia e, como qualquer indiví-
Possibilitar a criança que ela perceba a ciên- duo, experimenta, questiona e constrói sentidos
cia como parte integrante do seu cotidiano é um sobre a natureza e a sociedade, produzindo, assim,
desafio, porém, um dos maiores desafios do ensino uma cultura. Portanto, tendo como base as carac-
está pautado em tornar esse ensino inclusivo já terísticas inerentes a essa fase, foram estabelecidos
que conforme Brasil (1988) é dever da família, da os princípios da Educação Infantil.
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao ado- A educação infantil tem, como pilares desta
lescente o direito a Educação, tendo em vista que o modalidade, três princípios básicos conforme o
deficiente é um ser humano como qualquer outro e PCN (2012), sendo os princípios a serem ensina-
o estado tem como dever garantir a este um ensino dos: o Ético, relacionado ao convívio visando ao
de qualidade; porém, o que se tem observado é bem comum e o respeito as diferentes culturas; o
uma forte resistência à inclusão destes no ensino Político, que engloba o desenvolvimento do exercí-
regular. Segundo Sordi (2006), um aspecto impres- cio crítico; e o Estético, que tem como característica
cindível deve ser analisado: nós fazemos parte de o desenvolvimento da criatividade proporcionando
um país capitalista e, portanto, excludente, onde a aos educandos a liberdade de expressão de diferen-
exclusão de pessoas sem nenhum tipo de deficiên- tes manifestações artísticas e culturais, incluindo a
cia é marcante. Portanto, em um país onde pessoas utilização de recursos lúdicos. Portanto, o aspecto
sem nenhuma deficiência são excluídas devido a lúdico como é percebido precisa estar presente
sua condição marginalizada, poderiam se formular desde os primeiros anos de ensino da criança.
apenas leis inclusivas que refletiriam essa exclu- No entanto, como se observa na mesma litera-
são nos demais integrantes da sociedade. O que tura, o lúdico não deve ser utilizado apenas para
se percebe atualmente é que, apesar das políticas divertir, mas para desenvolver um comprome-
de inclusão serem formuladas, muitos ainda são timento com aspectos sociais, como, por exem-
excluídos; assim, se deve repensar o ensino alme- plo, a sustentabilidade do planeta, sendo este um
jando uma inclusão verdadeira, deixando de ser fator relacionado ao ensino de ciências. Portanto,
uma utopia. Para que isso aconteça, os educado- busca-se, através desta ferramenta, proporcionar
res precisam pensar em situações que possibilitem também momentos de reflexão entre as crianças,
meios igualitários e com qualidade de ensino para sendo de fundamental importância a sua utilização
todos. Levando em consideração as contribuições para o ensino de ciências.
do ensino de ciências destacados pela UNESCO,
todos devem ter acesso a este ensino de forma a
3  Metodologia
serem beneficiados.
O QuimKids acontece no mês de outubro, mais
2.2 Atividade lúdica como ferramenta para o precisamente na semana do dia das crianças, sendo
ensino de ciências na educação infantil anteriormente agendado com as escolas com um
A atividade lúdica está sendo amplamente mês de antecedência e, neste período, é feito o
utilizada nos diversos momentos da educa- planejamento das ações a serem desenvolvidas,
ção, incluindo a educação infantil. Conforme como: pesquisa de experimentos, organização das

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

atividades nas salas e a metodologia a ser utilizada »» Piscina de maizena – em um recipiente


na apresentação. As práticas selecionadas são de com tamanho e profundidade adequa-
fácil acesso possibilitando, assim, que os profes- dos foram inseridas água e maizena e
sores destas crianças possam reproduzi-las com imersas nesta ‘’piscina’’ haviam bolas
segurança e praticidade. Tais práticas possuem de gude, as equipes, então, foram divi-
efeitos visuais fascinantes e suas explicações são didas e quem primeiro encontrasse as
realizadas de maneira fácil e coerente, despertando bolas de gude ganharia a competição.
desde cedo nas crianças o interesse pela Ciência. »» Foguete – para este experimento utili-
As atividades do QuimKids foram realizadas zaram-se álcool etílico e uma garrafa
em dois momentos: o primeiro momento, cha- pet; o álcool é adicionado na garrafa
mado de “Mini-Química em Show”, para crianças através de um pequeno orifício e, após
do Fundamental I, compreendendo do maternal à sua agitação, este é derramado e põe-se
alfabetização e, o Fundamental II, que compre- fogo nele com o auxílio de um bastão;
ende do primeiro ao quinto ano. Essa foi uma ati- o resultado é uma enorme pressão que
vidade extra, não tendo sido utilizados materiais impulsiona o foguete para a frente.
de baixo custo e cujo principal objetivo foi des- • Sala de vídeo: as crianças foram colocadas
pertar o interesse das crianças pela ciência. E, no frente a temática do QuimKids através da
segundo momento, foram criadas três salas e cada exibição de um curta metragem, denomi-
uma delas foi designada, respectivamente, por nado “Rua das Tulipas”, mostrando os pro-
Sala de vídeos, Sala de jogos e Sala de reciclagem, blemas enfrentados devido a poluição como
onde foram desenvolvidas as seguintes atividades. também os meios pelos quais decorre. Este
• Mini-Química em Show: Química em momento ganhou o nome de Cinepipoca.
Show é uma atividade realizada pelo grupo • Sala de jogos: após a exibição do vídeo os
em escolas com nível médio, sendo direcio- alunos foram direcionados à sala de jogos,
nado para esses alunos; no entanto, foram elaboradas com materiais alternativos e
realizadas algumas adaptações para a reali- de baixo-custo, tendo por tema a Química
zação do Mini-Química em Show. Para este das Sensações, que consistia dos seguintes
momento, foram selecionados alguns expe- jogos:
rimentos com efeito visual nítido e experi- »» Trilha ambiental – (ou jogo do meio
mentos que possibilitassem também intera- ambiente) – este material consiste em
ção com as crianças, visando chamar a sua um jogo de tabuleiro com enfoque no
atenção e aguçar a sua curiosidade. Nesse descarte de materiais que possibilita aos
momento, foram realizados os seguintes estudantes aprenderem sobre o descarte
experimentos: em lixeiras específicas, de acordo com a
»» A cédula – neste experimento utilizam- característica de cada material, podendo
-se os reagentes álcool isopropílico P.A ser orgânicos, papel, vidro e plástico.
e água; quando imergida na mistura O jogo consiste na utilização de mate-
dos dois e fornecido calor, a cédula riais como o tabuleiro, dado e pinos; o
não entra em combustão devido ao alto dado determina o número de casas que
calor específico da água que protege a o jogador deve andar e se a casa cor-
nota e impede que queime. responder a um lixo, o jogador deverá

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

avançar ou retornar até a casa que equi- em questão, ou o alimento, sendo estes
vale às características do material a ser uma maçã e alguns brinquedos. Como
descartado. O jogo acaba quando o pino ambos não precisam da visão como
de um dos componentes da equipe che- auxílio, alguns alunos com deficiência
gar à casa com o nome final. visual presentes puderam participar e
»» Jogo da velha – o jogo da velha é um algumas observações puderam ser feitas
clássico conhecido por muitos; para a através da sua participação. O intuito
confecção deste material foram utiliza- foi, principalmente, mostrar a ligação
dos papelão, cartolina, tinta guache, fita entre a química e as sensações do nosso
adesiva e tampas. O material foi utili- organismo.
zado principalmente para descontração »» Bingo Químico – esse jogo tem como
e também para mostrar como se dá o objetivo possibilitar a interação das
reaproveitamento de alguns materiais crianças com os elementos químicos
que poderiam ser descartados. presentes no cotidiano e identificar em
»» Jogo “a Química das Sensações” – os quais materiais eles podem ser encon-
alimentos ingeridos ou a percepção de trados. Trata-se de uma tabela, em que
alguns objetos estão relacionados com ao invés de números, têm-se elementos
alguns sentidos do nosso corpo, como, químicos, representados por seus sím-
por exemplo, o olfato. Este sentido está bolos e uma imagem de algum mate-
relacionado com a percepção do sabor rial no qual ele pode ser encontrado.
dos alimentos; geralmente, quando este À medida que os elementos vão sendo
sentido está, de alguma forma compro- sorteados pelo mediador do jogo, as
metido, o paladar fica também compro- crianças marcam na tabela e o vencedor
metido. Podemos observar que, quando é aquele que completá-la primeiro.
ficamos resfriados, praticamente não • Sala de reutilização: nesta sala, as crian-
sentimos o gosto dos alimentos por ças foram postas em contato com um con-
não podermos sentir o seu cheiro. O ceito fundamental para a formação de um
tato também pode ser utilizado para cidadão consciente: compreender a impor-
identificar alguns objetos; nos deficien- tância da reutilização de determinados
tes visuais, geralmente, este sentido é materiais para a preservação ambiental.
mais desenvolvido, portanto, o tato, em Após uma breve explanação sobre o tema
alguns momentos, torna-se os olhos do e o despertar do interesse de transformar
deficiente visual. Para este momento, materiais considerados lixo em diversão,
foram utilizados iogurte com corante foi o momento de começar sua confecção.
azul, e os alunos foram levados a tapa- Foram confeccionados três materiais: um
rem o nariz e a sentirem o sabor da bilboquê, um marca-página e um mosaico.
bebida com a finalidade de identifica- »» Bilboquê – esse é um brinquedo antigo
rem-na, explorando, assim, os sentidos constituído por uma esfera de madeira
paladar e olfato. Em outro momento, (ou de forma semelhante) que possui um
os alunos tiveram os olhos vendados e orifício central e é presa por uma corda
solicitou-se que identificassem o objeto numa espécie de suporte. Através do

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

movimento das mãos, esta bola deve ser picados de revistas antigas com variadas
encaixada no suporte. Os materiais uti- cores. A montagem do mosaico consiste
lizados para sua confecção foram: uma basicamente em preencher os espaços
garrafa PET descartável com tampa; do desenho com pequenos pedaços de
jornal antigo; fita adesiva colorida; bar- papel, dando-lhe uma aparência dife-
bante; tesoura e materiais para enfeitar rente, criativa e divertida.
o brinquedo. A garrafa PET é cortada na
altura do gargalo, lembrando uma taci- Durante toda a atividade buscou-se a interação
nha; amassa-se o jornal até formar uma efetiva das crianças, convidando-as a dançarem e
bolinha, com o tamanho aproximado de a participarem das atividades experimentais e das
uma bola de ping pong. Em seguida, ela salas. As explicações foram realizadas de forma
é revestida com durex colorido, para a simples e corrente, propiciando, assim, um melhor
bolinha ficar consistente; corta-se cerca entendimento, além de perceberem que a Ciência
de 30 cm de barbante, sendo que uma está presente em tudo, o que despertou seu inte-
de suas pontas é amarrada na bolinha resse e curiosidade.
e a outra na tampa da garrafa PET; em
seguida, enfeita-se o bilboquê com os 4  Resultados e discussões
materiais que estiverem à disposição.
»» Marca-página – esse objeto é muito útil O conhecimento das ciências é um fator
para as crianças que estão iniciando as imprescindível para que possamos compreender
primeiras leituras, sendo um incentivo os acontecimentos que ocorrem a nossa volta e,
para continuarem a ler as histórias, um atualmente, tem ganhado destaque principal-
marca-página diferente e criativo. Os mente devido à nova formulação dos Parâmetros
materiais utilizados foram: palitos de Curriculares Nacionais que atribuiu, às Ciências
picolé lavados e secos; caneta hidrocor; Naturais, o papel de colaborar para que o homem
pedaços de papel em variados formatos possa entender transformações, tornando-se um
geométricos; cola e tesoura. Cobriu-se indivíduo participativo e parte integrante do uni-
o palito de picolé com um pedaço de verso, capaz de questionar os diferentes modos de
papel colorido retangular; em seguida, intervir na natureza como também compreender as
com um pequeno pedaço de papel com diferentes formas de utilizar os recursos naturais
formato triangular, quadrado ou cir- (Brasil, 1997).
cular, faz-se uma carinha feliz com o A execução do QuimKids consistiu em quatro
auxílio da caneta hidrocor e, logo após, atividades que proporcionaram aos alunos uma
cola-se o mesmo na parte superior do visão da ciência de maneira atraente, divertida,
objeto. integrante e essencial para a sociedade. A reali-
»» Mosaico – essa é uma atividade inte- zação do Mini-Química em Show, com o auxílio
ressante porque se trata de uma técnica de trilhas sonoras, propiciou uma melhor intera-
milenar, utilizada para decoração ou ção e envolvimento dos alunos com a atividade,
registro de fatos e lendas. Os materiais trabalhando as informações químicas passadas de
utilizados foram: desenho impresso maneira prazerosa por estar tratando de percepção
numa folha de papel ofício e papéis e da memória visual e auditiva. Tais características

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

audiovisuais fornecem estratégias para trabalhar -se um resultado eficiente e eficaz, uma vez que
em sala de aula, começando pelo sensorial, pelo se tem o envolvimento e a participação total das
afetivo, antes de falar de conceitos, de teoria. crianças.
A apresentação do curta-metragem possibilitou O foco ambiental do QuimKids foi de grande
o entendimento das contribuições, tanto positivas importância para a formação cidadã dos indiví-
quanto negativas, ao abordar o tema poluição e duos, pois através do Mini-Química em Show, da
degradação do meio ambiente. Após essa conscien- exibição do curta-metragem, dos jogos educacio-
tização, os alunos foram direcionados para a sala de nais e da oficina de reciclagem, buscou-se possi-
jogos e química das sensações onde puderam obser- bilitar que estes se identificassem como parte inte-
var e entender como a química está presente em seu grante da natureza, levando-os a perceberem que
corpo, influenciando cada uma das suas sensações, suas ações eram capazes de modificar o meio no
e se mostrando, inclusive, bastante eficaz para o qual estavam inseridos.
ensino de ciências com alunos deficientes, já que,
em sala, havia um deficiente visual que também
6  Referências
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Na sala reciclagem, as crianças puderam compre- BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil. São Paulo: Ática,
1998.
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se mostrado uma boa prática. Desta maneira, tem- 3-7, São Paulo, 2000.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 67


Artigo 07 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 68-73

Uma Atividade Lúdica com Aplicação


do Jogo Lince para o Ensino de Química:
reconhecimento das vidrarias presentes
no laboratório
Proposal for a Play Activity with Application
of the Lynx Game for Chemistry Teaching:
recognition of the glassware present in the laboratory
Maria Aparecida da Costa1 e
Amanda Laís Nunes Miranda1

Resumo
Atividades envolvendo jogos lúdicos têm sido cada vez mais utilizadas pelos pro-
fessores buscando promover um melhor aprendizado em sala de aula. Este trabalho
teve como objetivo desenvolver um jogo para ajudar no reconhecimento das vidra-
rias presentes no laboratório de química. O jogo possui uma apostila com os nomes
e as figuras das vidrarias, incluindo suas utilizações, um tabuleiro com a figura das
vidrarias e um total de 32 cartas contendo os nomes de cada uma. O jogo, que pode
ser aplicado para alunos do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio, foi confeccionado
com materiais de baixo custo por duas alunas do IFG Campus Itumbiara-GO, do
curso de licenciatura em Química, e que participam do PIBID. Para comprovar a
eficácia da aplicação da atividade, foi aplicado um questionário para que os alunos
pudessem expor suas opiniões sobre o jogo e como o mesmo contribuiu para o
processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Jogos; Ensino; Química.

1. Graduanda em Licenciatura em Química, Instituto Federal de Goiás, Campus Itumbiara-GO.


Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

Abstract
Activities involving educational games have been increasingly used by teachers, looking for a better learning
in the classroom. This study aimed to develop a game for recognition the glass works present in the labora-
tory. The game has a booklet with names and figures of the glassworks and its uses, a board with figures
of glasswares and a total of 32 cards containing the name of the glassworks. The game can be applied to
students of the 1st, 2nd and 3rd year of high school. The game was made with inexpensive materials by two
chemistry students of the IFG Campus Itumbiara-GO participating in the PIBID program. To prove the effec-
tiveness of the implementation of this activity, a questionnaire directed to students was applied so that they
could express their opinions about the game and how it contributed to the process of teaching and learning.
Key-words: Games; Education; Chemical.

Ensino Médio. Ele foi elaborado com a temática


1  Introdução
“vidrarias presentes no laboratório”, com o intuito
Os jogos e atividades lúdicas têm sido uma de que os alunos se familiarizem com as vidrarias
forma alternativa utilizada pelos professores em que se encontram no laboratório e tenham uma
sala de aula, buscando um maior aproveitamento maior facilidade de fixação desses materiais. Foi
do aprendizado, e gerando nos alunos uma motiva- utilizado como material de apoio o jogo lince, que
ção para o desempenho de suas atividades. O uso é um jogo que usa figuras diversificadas, cada inte-
de jogos está descrito nos Parâmetros Curriculares grante deve encontrar uma figura, e também pos-
Nacionais (PCN), pois desenvolve a capacidade sui tabuleiros e cartas.
afetiva e as relações interpessoais, permitindo aos O material confeccionado para a realização do
alunos colocarem-se no ponto de vista do outro, jogo foi elaborado com 32 cartas e 1 tabuleiro; as
refletindo, assim, sobre os seus próprios pensa- cartas possuem o nome das vidrarias e, no tabu-
mentos (Brasil, 1997). leiro, encontram-se suas respectivas figuras. Como
O desenvolvimento de estratégias modernas e parte integrante do jogo, existe uma apostila com
simples, utilizando experimentos, jogos e outros figuras, nomes e utilidades das vidrarias, além de
recursos didáticos, é recomendado para dinamizar algumas normas básicas de segurança que devem
o processo de aprendizagem em Química (Soares ser seguidas no laboratório. Foram elaboradas as
et al., 2003). No momento em que o aluno encara regras e como se deve proceder para a realização
o jogo como uma brincadeira, aprende o conteúdo do jogo, fazendo com que sua aplicação alcance o
sem perceber (Kishimoto, 1994). Segundo Luckesi resultado esperado. Ao final do jogo é aplicado um
(2002), há uma necessidade de se abordar a ques- questionário aos alunos, que busca extrair como
tão das atividades lúdicas de um ponto de vista aquele contribuiu para a aprendizagem, relatando,
interno, ou seja, compreender a experiência lúdica assim, seus pontos positivos e suas limitações.
como uma experiência interna de quem a vivencia. No percurso da criação e da elaboração desse
O presente trabalho teve como proposta o jogo, foi possível perceber e compreender como
desenvolvimento de um jogo, lince química, e é importante o trabalho docente, sua dimensão e
pode ser trabalhado com alunos do 1º ao 3º ano do a necessidade de buscarem-se formas alternativas

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 69


Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

para suas aulas, fazendo com que os alunos criem, O ensino da Química, quando trabalhado somente
em si, uma motivação pelas aulas de Química. Isso de forma teórica, pode dificultar muito a compre-
nos leva a uma busca incessante por alternativas ensão dos alunos. É de fundamental importância
que possam reverter ou modificar nossa realidade; que o professor trabalhe metodologias diferencia-
para tanto, muitos estudos têm sido realizados, das, tornando, assim, a disciplina mais atrativa, e
com o objetivo de encontrar essas alternativas que promovendo um melhor entendimento do determi-
possam melhorar o ensino de Química (Wanderley nado conteúdo que está sendo estudado.
et al., 2005). Sendo assim, segundo Santos (1997), além dos
conhecimentos teóricos, é necessário que o edu-
cador tenha a oportunidade de vivenciar situações
2  Fundamentação teórica lúdicas associadas à aprendizagem escolar, pois
essas experiências poderão facilitar a utilização do
Atividade lúdica é todo e qualquer movimento lúdico na prática docente, tornando esse processo
que tem como objetivo produzir prazer quando de mais natural e significativo.
sua execução, ou seja, divertir o praticante. Se há Portanto, existe uma maior facilidade ao ava-
regras, essa atividade lúdica pode ser considerada liar os alunos com a utilização de jogos, pois estes
um jogo (Soares, 2008). terão uma maior tranquilidade em solucionar os
O adulto que volta a brincar não se torna criança problemas e uma aprendizagem mais satisfatória.
novamente, apenas ele convive, revive e res- É necessário que todos estejam empenhados em
gata com prazer a alegria do brincar, por isso é alcançar resultados positivos e significativos para
importante o resgate desta ludicidade, afim de a educação. Professores, alunos e a comunidade
que se possa transpor essa experiência para o
escolar como um todo, são sujeitos que devem par-
campo da educação, isto é, a presença do jogo
(Friedmann, 1996, p. 14). ticipar ativamente do processo de ensino-aprendi-
zagem, pois se sabe que existem dificuldades, des-
Segundo Kishimoto (1994), o jogo, conside- motivação e pouco incentivo, mas isso não pode
rado um tipo de atividade lúdica, possui duas fun- ser um empecilho na busca para melhorar o ensino
ções: a lúdica e a educativa. Elas devem estar em (Souza; Falconieri, 2006).
equilíbrio, pois se a função lúdica prevalecer, não Os jogos proporcionam ao aluno uma forma
passará de um jogo, e se a função educativa for prazerosa e divertida de estudar, além de ofere-
predominante, será apenas um material didático. cer ao professor uma maneira diferente de avaliar
Os jogos são indicados como um tipo de recurso a assimilação do alunado em relação aos conteú-
didático educativo que pode ser utilizado em dos estudados, de revisar conteúdos ou como um
momentos distintos, como na apresentação de um meio mais dinâmico de fixar o conhecimento, per-
conteúdo, na ilustração de aspectos relevantes ao mitindo a identificação de erros de aprendizagem
conteúdo, como revisão, ou síntese de conceitos (Zanon et al., 2008). Quando as situações lúdicas
importantes, e na avaliação de conteúdos já desen- são criadas pelo professor visando estimular a
volvidos (Cunha, 2004). aprendizagem, revela-se então a dimensão educa-
Segundo os PCNs (Brasil, 1999), a Química não tiva (Szundy, 2005); Soares (2008) defende o uso
deve ser entendida como um conjunto de conhecimen- de atividades lúdicas, dentre elas os jogos didáti-
tos isolados, prontos e acabados, mas sim como uma cos, como ferramentas para auxiliar a construção
construção da mente humana, em contínua mudança. do aprendizado.

70 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

3  Procedimentos metodológicos jogador encontrar a figura que foi sorteada. O jogo


de Lince é um jogo de competição e tem como
O trabalho foi desenvolvido com alunos do 1º, 2º objetivo desenvolver a atenção e a agilidade dos
e 3º anos do Ensino Médio, variando-se o nível de participantes. O jogo lince química pretende, além
conhecimento dos materiais e vidrarias encontradas desses objetivos, proporcionar aos alunos uma
no laboratório. O objetivo é que, com essa técnica, maneira criativa e alternativa de memorizarem as
haja uma contribuição para que os alunos se fami- vidrarias presentes no laboratório.
liarizem com as vidrarias presentes no laboratório. A Figura 1 representa um momento de uma
O jogo é constituído por cartas, contendo o aplicação do jogo, no qual se tem uma carta com o
nome das vidrarias consideradas mais utilizadas no nome de um dos materiais presentes no laboratório
laboratório de Química, um tabuleiro e uma apos- e uma tampinha em cima dele no tabuleiro.
tila de estudo; em cada uma dessas cartas existe
o nome de uma vidraria e, no seu verso, a utili-
zação da mesma. No tabuleiro existem as figuras
das vidrarias que têm os nomes escritos nas cartas.
Uma das regras a ser considerada é o tempo, e a
sala é dividida em grupos, dependendo da quanti-
dade de alunos presentes. Como o jogo foi confec-
cionado com materiais de baixo custo, cada grupo
pode ter um exemplar do mesmo.
Para dar início ao jogo, cada aluno pegará
uma carta que estará dentro de um envelope; após
todos pegarem a carta, eles procuram no tabuleiro
a figura de sua respectiva carta. Assim que todos Figura 1.  Momento de procurar a figura no tabuleiro.
encontrarem a figura, tornarão a pegar outra carta
e a repetir o processo. Os alunos podem usar um Antes da aplicação do jogo é necessário que o
papel para marcar sua pontuação, e assim, quando professor responsável pela atividade utilize a apos-
acabarem todas as cartas, decidirem quem é o ven- tila, que é parte integrante das peças do jogo, pois
cedor. Como prêmio, o professor pode usar bom- a mesma não poderá ser utilizada durante o jogo.
bons e pedir para que eles os distribuam entre si. Nessa apostila se encontram as figuras de todas as
No momento da aplicação do jogo é necessário vidrarias que estão no tabuleiro e suas utilidades;
que o professor esteja atendendo a todos os grupos no final da apostila tem algumas normas básicas de
nas dúvidas que forem surgindo. No final, haverá a segurança de laboratório.
aplicação de um questionário aos alunos para que Após a aplicação do jogo lince química, pode-
expressem suas opiniões sobre o jogo. -se aplicar um questionário aos alunos para verifi-
car se a atividade foi bem-sucedida. O questioná-
4  Resultados e discussões rio a ser aplicado está descrito no Quadro 1.
Espera-se, com a aplicação desse questioná-
O jogo lince química, teve como material de rio, extrair dos alunos as contribuições e limita-
apoio o jogo lince, que é um jogo que possui figu- ções que o jogo proporcionou, procurando, assim,
ras diversificadas e tem como objetivo para cada melhorar sua aplicação. O questionário possui

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 71


Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

Quadro 1.  Questionário a ser aplicado ao se finalizar o jogo.


Perguntas Respostas
1. O jogo auxiliou na fixação do conteúdo, após o mesmo ter
sido exposto?
2. Aprende-se melhor o conteúdo introduzindo-o com jogo?

3. Contribuiu para melhorar os relacionamentos, uma vez que foi


uma atividade desenvolvida em grupo?
4. Auxilia no sentido de tornar a aula mais atrativa?

5. Despertou seu interesse em estudar mais o conteúdo?

6. O jogo aplicado é de fácil compreensão?

7. Trabalhando o conteúdo em grupo foi possível sanar algumas


dificuldades?
8. Atividades com jogos podem ser trabalhadas em outras
disciplinas?
9. Você encontrou alguma dificuldade na realização do jogo?

10. Você possui alguma critica e sugestão sobre a atividade


desenvolvida?

questões somente abertas, pois, assim, podem-se ensino, mas apenas colaboram para que as aulas
extrair outras concepções que podem não estar se tornem mais produtivas e facilitem a aprendiza-
relatadas nas perguntas. gem. Os jogos lúdicos utilizados em sala de aula
devem ser vistos pelo professor como suporte para
suas aulas e motivação aos alunos.
5  Comentários finais
O jogo pode ser uma oportunidade de entro-
6  Referências
samento entre aluno-professor como forma de
enriquecimento e motivação para a aprendiza- BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curri-
gem. É uma atividade em que se reconstroem as culares nacionais. Brasília: MEC; SEMTEC, 1997.
relações sociais e, embora possa ser aplicado com CUNHA, M. B. Jogos no ensino de química: conside-
uma grande variedade de temas, todo ele contri- rações teóricas para sua utilização em sala de aula.
bui, por princípio, ao mesmo conteúdo: a atividade Química Nova Na Escola, v. 34, n. 2, p. 92-98, maio
2012. Disponível em: <http://www.qnesc.sbq.org.
do homem e as relações sociais entre as pessoas br/online/qnesc34_2/07-PE-53-11.pdf>. Acesso em:
(Elkonim, 1998). 12 maio 2014.
Os jogos lúdicos, além de propiciarem aos edu- ELKONIN, D. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins
cadores uma forma alternativa de ministrar seus Fontes, 1998.

conteúdos, contribuem para uma melhor interação FRIEDMAN, A. Brincar, crescer e aprender – o resgate
do jogo infantil. São Paulo: Moderna, 1996.
entre professor e aluno, e uma melhor convivência
KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. São
dos alunos com seus colegas de classe. Paulo: Pioneira, 1994.
É importante esclarecer que as atividades lúdi-
LUCKESI, C. Ludicidade e atividades lúdicas:
cas não substituem os métodos tradicionais de uma abordagem a partir da experiência interna.

72 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

In: PORTO, B. S. (Org.). Ludicidade: o que é www.abq.org.br/cbq/2006/trabalhos2006/13/68-IC-


mesmo isso? Salvador: Universidade Federal da 647-835-13-T1.htm>. Acesso em: 05 dez. 2014.
Bahia, Faculdade de Educação, Programa de Pós-
SZUNDY, P. T. C. A construção do conhecimento do
Graduação em Educação, Gepel, 2002, p. 22-60.
jogo e sobre o jogo: ensino e aprendizagem de LE e
SANTOS, S. M. P. Brinquedoteca: o lúdico em diferen- formação reflexiva. Tese (doutorado em linguística
tes contextos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. aplicada e estudos da linguagem) PUC – São Paulo,
SOARES, M. H. F. B. Jogos e atividades lúdicas no 2005.
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SOARES, M. H. F. B.; OKUMURA, F.; CAVALHEIRO, Resultados preliminares. Resumo do I CNNQ,
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ZANON, D. A. V. et al. Jogo didático Ludo Químico
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 73


Artigo 08 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 74-84

Mãos na Massa:
a química na panificação
Hands-on:
the chemistry involved in panification and bread-making
Thiago Henrique Barnabé Corrêa1 e Pedro Faria dos Santos Filho2

Resumo
Do amassamento ao cozimento, muitos fenômenos químicos podem ser observa-
dos no preparo de pães, o que demonstra uma riqueza conceitual do tema alimentos
quando empregado no ensino de Ciências. Ao explorar a cozinha e os alimentos,
como o pão, a química torna-se uma abordagem global que permeia outras áreas do
saber e ganha sentido no dia a dia do aluno. A fim de apresentar os alimentos como
uma abordagem promissora para o ensino de conceitos de Química, em particular,
explorando a química por trás da panificação, sob os mais diferentes aspectos, desde
a constituição de seus componentes até a sua preparação caseira, este artigo traz inter-
pretações para alguns fenômenos que ocorrem na cozinha, sob a ótica da Química.
Palavras-chave: Química dos alimentos; Fermentação; Ensino de química.

Abstract
From kneading to baking, many chemical phenomena can be observed in the
preparation of bread, which shows a conceptual richness of theme foods when
used in the teaching of science. To explore the cuisine and the food, such as bread,
chemistry becomes a global approach that permeates other areas of knowledge
and makes sense in everyday life of the student. In order to present the food as a

1. Professor do Departamento de Educação em Ciências, Matemática e Tecnologias da Universidade


Federal do Triângulo Mineiro (DECMT/UFTM), Univerdecidade, Uberaba/MG – Brasil.
2. Professor do Departamento de Química Inorgânica da Universidade Estadual de Campinas (IQ/
Unicamp) – Instituto de Química CP 6154.
Mãos na Massa: a química na panificação

promising approach to the teaching of chemistry concepts, in particular exploring the chemistry behind the
bakery, under many different aspects, from the formation of its components to your home preparation, this
article aims to interpret some phenomena in the kitchen from the chemistry perspective.
Key-words: Food chemistry; Fermentation; Chemistry teaching.

cereais de que o homem dispunha, ele percebeu


1  Introdução
que a farinha proveniente do trigo era uma das
Quando estamos cozinhando, dificilmente poucas que, quando misturada à água, fornecia
pensamos na relação da Química com os alimen- uma massa pegajosa e glutinosa, diferentemente
tos, mesmo que estes estejam sofrendo inúmeras do mingau formado a partir de outras farinhas. De
transformações. Ainda que cozinhar não exija um qualquer forma, nem sempre existiu tanta varie-
conhecimento químico avançado, não podemos dade de pão como é encontrada atualmente e esse
negar que esta Ciência pode ser uma grande aliada desenvolvimento só foi possível graças à contri-
no preparo de alimentos e, da mesma forma, nos buição da Química, em especial, aos avanços no
ajudar a interpretar fenômenos e resolver proble- processo de fermentação. Em outras palavras, o
mas do nosso dia a dia. pão é, no sentido técnico da palavra, uma desco-
Segundo Bolaffi (2000), o pão foi um dos berta química.
primeiros alimentos elaborados e relativamente Ainda que a temática pareça trivial, o preparo
transformados pela humanidade, na transição de pães carrega muitos conceitos químicos que
da Pré-história para a História. Popular na nossa podem ser inseridos no ensino desta Ciência, tais
mesa e uma das receitas mais antigas, existente há como ligações químicas, forças intermoleculares,
cerca de seis mil anos, o pão é um dos alimentos reações redox, reações orgânicas e fermentação.
mais consumidos no mundo (Jacob, 2003). De Além disso, ela também contribui para gerar per-
acordo com a Associação Brasileira da Indústria guntas que tornem o processo de ensino e aprendi-
de Panificação e Confeitaria (ABIP), em 2011, o zagem mais interessante, prazeroso e significativo.
consumo brasileiro de pães foi de 33,5 quilos por Normalmente, a maioria das pessoas não se
habitante ao ano, quantia considerada abaixo da questiona por que o pão cresce ou por que sova-
recomendada pela Organização Mundial da Saúde mos a massa durante a sua preparação; ou então,
(OMS), que é de 60 quilos (hab/ano), e pequena se por que será que, com o passar do tempo, o pão
comparada a países vizinhos como o Chile (98 Kg) endurece e a bolacha, feita praticamente dos mes-
e a Argentina (82,5 Kg). mos ingredientes, amolece.
O pão, da maneira que o conhecemos hoje, se A fim de apresentar a cozinha como um labo-
deve ao resultado do desenvolvimento humano no ratório alternativo, que pode ser visto como o local
campo alimentício ao longo do tempo. É muito onde “pôr as mãos na massa” encontra a sua aplica-
provável que, inicialmente, o homem tenha inge- ção mais literal, objetivamos explorar o potencial
rido um mingau constituído de farinha e água, educativo da Química dos Alimentos, promovendo
sendo que esta farinha poderia ser obtida a partir assim a aproximação dos conceitos químicos tra-
dos mais diferentes cereais, que eram moídos para tados no ensino médio ou superior aos fenômenos
produzi-las. Entretanto, dentre toda a variedade de cotidianos, em especial, no preparo de pães.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 75


Mãos na Massa: a química na panificação

2 A Química do pão nosso de cada dia lares que podem se estabelecer entre as cadeias são
ligações hidrogênio, forças de van der Waals, inte-
Mais do que uma mera mistura, a composição rações eletrostáticas e pontes dissulfeto. Algumas
dos ingredientes do pão é a chave para entendermos destas interações são exemplificadas na Figura 1.
as transformações que ocorrem durante a sua prepa-
ração. Basicamente, o processo de preparo do pão se
Cadeia proteica Cadeia proteica
dá em três etapas, que são o amassamento, a fermen- Ligação
NH2
tação ou levedação, e o cozimento; seus principais hidrogênio
CH2 OH O C CH2 CH2
ingredientes são farinha de trigo, água, fermento e
Interação eletrostática
sal. Embora a farinha seja o ingrediente majoritário, CH2 CH2 NH3
+
O
o fermento e o sal são indispensáveis para a forma- C CH2 CH2
O
ção de uma massa mais forte e menos pegajosa, que CH2
CH CH3
se expande antes mesmo do cozimento.
CH3 CH3

CH3 CH CH2

3 A mistura de farinha de trigo CH CH3 H3C CH

e água e o amassamento CH3 CH3


Forças de van der Waals

A farinha de trigo apresenta cerca de 10-12%


de proteínas; estas proteínas, de maneira simplifi-
cada, podem ser divididas em dois grupos predo- Figura 1. Tipos de interações existentes entre cadeias
minantes: albumina e globulina (15%) e gliadina proteicas.

e glutemina (85%). Estes dois grupos de proteínas


é que formarão o glúten na massa do pão. Além As pontes dissulfeto intramoleculares pre-
disso, a farinha apresenta também o amido, consti- sentes na gliadina, ligando fragmentos de uma
tuído de amilose e amilopectina. mesma cadeia, justificam a sua conformação ou
Como a gliadina e a glutemina são as proteínas arranjo “enrolado” e o seu baixo peso molecular
majoritárias presentes na farinha de trigo, é impor- (Figura 2). Por outro lado, na glutenina, as pontes
tante conhecê-las um pouco melhor. Enquanto a dissulfeto ocorrem entre fragmentos de cadeias
gliadina tem massa molar na faixa 25000-100000, diferentes, unindo-as e resultando em um alto
a glutemina apresenta massa molar que pode variar peso molecular e um arranjo mais linear.
de 40000 até milhões. A diferença entre essas pro-
teínas é atribuída às forças intra/intermoleculares
de suas cadeias carbônicas; enquanto na gliadina
predominam as ligações intramoleculares, na S S
glutemina predominam as interações intermo- S S
leculares. Em função desta diferença, a gliadina
apresenta menor massa molar e baixa elastici- S S
dade, enquanto a glutemina apresenta maior massa S S
molar e alta elasticidade.
Devido à natureza dos átomos presentes nas Figura 2. Representação pictórica das pontes dissulfeto
cadeias proteicas, as interações intra/intermolecu- intramoleculares na gliadina.

76 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Mãos na Massa: a química na panificação

Este conjunto de interações intra e intermole- unidades ou aglomerados menores de gliadina e


culares é responsável pela formação de agregados glutenina se misturem.
distintos e estáveis de gliadina e glutenina na fari- Isso significa que, quando misturamos farinha
nha de trigo. Contudo, vale à pena lembrar que, de trigo e água, forma-se uma massa pegajosa que,
em termos de força de interação, as ligações hidro- com o passar do tempo, durante o amassamento,
gênio, bem como as forças de van der Waals, são permanece com o mesmo aspecto pegajoso, mas
mais fracas que ligações covalentes convencionais que, do ponto de vista de interações intermolecu-
nas quais vários núcleos atraem simultaneamente lares entre cadeias proteicas, sofre uma profunda
os mesmos elétrons. Porém, como as cadeias alteração. Durante o amassamento, fornecemos
proteicas são muito grandes, o número de intera- energia mecânica à massa e acabamos por provo-
ções, seja ligação hidrogênio ou forças de van der car a ruptura ou troca das forças intermoleculares
Waals, é muito grande, e isso justifica a estabili- por novas interações entre cadeias de moléculas
dade da estrutura enrolada da gliadina. Da mesma de proteínas diferentes, uma vez que as interações
forma, as longas cadeias da glutenina são unidas continuam sendo do mesmo tipo.
por grande número de interações do tipo ligação Em outras palavras, o amassamento da mistura
hidrogênio e forças de van der Waals, além das de farinha de trigo e água permite que moléculas
pontes dissulfeto entre cadeias vizinhas. de glutemina e gliadina se misturem. Entretanto,
Diferentemente das ligações hidrogênio e das esta mistura não é apenas mecânica, como poderí-
forças de van der Waals, as pontes dissulfeto são amos imaginar inicialmente. Na verdade, quando
formadas a partir da ligação covalente entre dois adicionamos água à farinha, trocamos as ligações
átomos de enxofre de cadeias vizinhas, que as hidrogênio intra ou intermoleculares por ligações
mantém unidas e mais lineares, embora esta não hidrogênio com a água. Ao mesmo tempo, forne-
seja uma ligação covalente tão forte quanto as cemos energia mecânica para romper as intera-
outras presentes na cadeia proteica. Este conjunto ções intermoleculares fracas e separar as cadeias
de interações justifica a estabilidade da farinha de proteicas. Após a separação das cadeias, tanto de
trigo, onde estão presentes os agregados de glia- gliadina quanto de glutemina, o amassamento
dina e glutenina que se formaram quando os grãos permite que elas se misturem e estabeleçam novas
de trigo foram triturados. interações, tanto ligações hidrogênio e forças de
Entretanto, ao se misturar água e farinha de van der Waals, quanto de novas pontes dissul-
trigo, as interações intra/intermoleculares pre- feto em cadeias mais lineares e organizadas de
sentes nos agregados de gliadina e glutenina são glutemina.
alteradas irreversivelmente. As ligações hidro- Esta massa ou mistura, com nova organização
gênio, sejam elas intra ou intermoleculares, são estrutural, recebe o nome de glúten, e esta alte-
substituídas por ligações hidrogênio com as molé- ração organizacional ocorrida na massa é agora
culas de água. Isso faz com que os agregados de irreversível, mesmo eliminando-se a água. As alte-
gliadina e glutenina se separem em fragmentos rações ocorridas ao longo do amassamento podem
menores ou discretos, todos eles interagindo ainda ser representadas, tentativamente, conforme mos-
com a água, ao mesmo tempo em que permite que trado na Figura 3.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 77


Mãos na Massa: a química na panificação

Glutenina as cadeias de proteínas, contribuindo, assim, para a


Glutenina
formação de uma massa mais forte e menos pegajosa.
Nas situações em que consideramos as inte-
rações entre cadeias muito longas, os conceitos
+ energia
de forças intermoleculares devem ser reavaliados
+ H 2O
quanto à sua importância. No caso específico do
Gliadina pão, temos as cadeias de gliadina e glutemina, que
Gluten
Gliadina são muito longas; as interações entre estas cadeias
Figura 3.  Formação de glúten a partir de gliadina e entre si acabam sendo mais fortes que aquelas
glutenina. entre estas cadeias e as moléculas de água, de
maneira que a farinha de trigo não se dissolve na
De acordo com Mizukami, Takeda e Hizukuri água, mas acaba formando uma massa aglutinada
(1999), os grânulos de amido presentes na farinha e pegajosa.
são misturas heterogêneas de duas macromolé- A pequena quantidade de sal de cozinha adi-
culas, amilose (24%) e amilopectina (76%), que cionada à mistura de farinha de trigo e água acaba
diferem no tamanho molecular e no grau de rami- interferindo na elasticidade da massa. Os íons Na+
ficação. A amilose é uma molécula linear formada e Cl– interferem na organização e na maior ou
por unidades de glicose ligadas em a-1,4, apresen- menor aproximação entre as cadeias, principal-
tando pequeno número de ramificações (Buléon et mente as de glutemina.3 De acordo com a intera-
al., 1998); enquanto a amilopectina é uma molé- ção entre os íons e as cadeias, a massa formada a
cula altamente ramificada, também composta de partir da mistura de farinha de trigo e água pode
unidades de glicose ligadas em a-1,4, mas com 5 ser mais ou menos coesa ou pegajosa. Isso quer
a 6% de ligações a-1,6 nos pontos de ramificação dizer que as interações eletrostáticas íon-dipolo
(French, 1984; Lineback, 1984). entre os íons individuais e as cadeias interferem
no empacotamento destas últimas, induzindo o seu
empacotamento e formando o glúten. Isso indica
que o sal adicionado à mistura não serve apenas
para provocar uma sensação de sabor salgado na
mesma, mas sim para ajustar a coesão e a firmeza
da massa.

5  Fermentação
Agora que sabemos a importância de se amas-
sar o pão, estamos prontos para compreender a
segunda etapa do processo: a fermentação, tam-
bém chamada de levedação (do latim levere =
4  O sal na mistura de farinha de trigo e água elevar/tornar leve). O sucesso deste fenômeno

3. É mais ou menos o mesmo efeito provocado pela presença


A presença dos íons sódio e cloreto é indispen-
de íons entre as camadas no grafite, que influenciam na
sável para maior organização e aproximação entre dureza do mesmo.

78 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Mãos na Massa: a química na panificação

químico se deve a dois personagens, o amido, pre- Sabe-se que o desenvolvimento dos levedos é
sente na farinha de trigo, e principal fonte de açú- mais rápido a 35 ºC; entretanto, nesta temperatura,
car, e o fermento biológico, um fungo pertencente metabólitos amargos são gerados, o que tornaria
à família das leveduras chamado Saccharomyces o pão menos atrativo. Dessa maneira, indica-se a
cerevisae. Mesmo em pequena quantidade, e temperatura entre 27 e 35 ºC. É importante dizer
sendo um ser vivo muito simples (unicelular), a que, acima de 45 ºC, a atividade enzimática das
levedura desempenha um grande papel no preparo leveduras começa a baixar devido à desnaturação
de pães. Para se ter uma ideia, 1 grama de fermento das moléculas, além de levar à morte celular. Por
biológico possui aproximadamente 25 bilhões de isso, costuma-se envolver a massa com um pano
Saccharomyces cerevisae. para a manutenção da faixa adequada de tempe-
A mistura de açúcar e alguns microorganismos ratura (This, 2007; Manarini, 2013). Um período
como a levedura é uma combinação perfeita, já entre 40 e 120 minutos é necessário para se atingir
que essa última se alimenta da glicose presente no o limiar da reação de fermentação.
amido que, através da ação de catalisadores bioló- Apesar de não ser comum o emprego do fer-
gicos – enzimas (zimase e invertase) – decompõem mento químico no preparo de pães, qual a diferença
a glicose em álcool etílico e dióxido de carbono em entre o fermento biológico, também chamado de
um processo denominado de fermentação anaeró- fermento de padaria, e o fermento químico (em
bica (na ausência de oxigênio). pó)? Por que devemos armazenar o fermento bio-
lógico na geladeira enquanto o fermento químico
C6H12O6(aq) 2C2H6O(aq) + 2CO2(g)
deve ser conservado em local seco e fresco?
zimase / invertase
glicose etanol dióxido de De acordo com a Resolução nº 38 de 1977 da
carbono
Comissão Nacional de Normas e Padrões para
Fermentação anaeróbica
Alimentos (CNNPA), o fermento químico é defi-
nido como o produto formado de substância ou
Como já afirmamos, o amido é uma mistura de mistura de substâncias químicas que, pela influên-
duas macromoléculas – a amilose e a amilopec- cia do calor e/ou umidade, produz desprendimento
tina – formadas por unidades menores (glicose) gasoso capaz de expandir massas elaboradas com
ligadas entre si. Ao misturarmos a farinha com a farinhas, amidos ou féculas, aumentando-lhes o
água estamos promovendo a quebra das ligações volume e a porosidade. Ainda segundo a referida
entre essas moléculas (hidrólise) e, assim, dispo- resolução, para que um produto seja definido como
nibilizando a glicose no meio para o consumo das fermento químico este deverá atender à seguinte
leveduras. especificação (característica físico-química): 18 g
Descrita na primeira etapa, a sova se torna de fermento químico, deverão libertar (média de 3
muito importante para o processo de fermentação amostras) no mínimo 1450 mL (mil quatrocentos e
uma vez que tem por finalidade misturar os ingre- cinquenta mL) de dióxido de carbono, calculados a
dientes e formar as redes (cadeias) de glúten. São 25°C e 700 mm de Hg (ANVISA, 1977).
essas redes que aprisionam o CO2 liberado pelas De acordo com a ANVISA, na composição dos
leveduras (Manarini, 2013), o qual exerce uma fermentos químicos poderão entrar como compo-
força multidirecional e proporciona a expansão da nentes essenciais as seguintes substâncias ou com-
massa e, consequentemente, o seu crescimento. binação entre elas:

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 79


Mãos na Massa: a química na panificação

Ácido Cítrico Carbonato de Potássio Gluconato de Cálcio


Ácido Fosfórico Citrato de Potássio Glucono delta lactona
Ácido Fumárico Citrato de Sódio Hidrogeno Fosfato de Amônio
Ácido Málico Dihidrogeno Fosfato de Amônio Hidrogeno Fosfato de Cálcio
Ácido Lático Dihidrogeno Fosfato de Cálcio Hidrogeno Fosfato de Potássio
Ácido Tartárico Dihidrogeno Fosfato de Potássio Hidrogeno Fosfato de Sódio
Bicarbonato de Amônio Dihidrogeno Fosfato de Sódio Hidrogeno Tartarato de Potássio
Bicarbonato de Potássio Dihidrogeno Pirofosfato de Cálcio Hidrogeno Tartarato de Sódio
Bicarbonato de Sódio Dihidrogeno Pirofosfato de Potássio Lactato de Cálcio
Carbonato de Amônio Dihidrogeno Pirofosfato de Sódio Sulfato de Cálcio
Carbonato de Cálcio Fosfato duplo de Alumínio e Sódio

Os fermentos químicos são compostos ou 2 H3PO4 + 2 H2O → 2 H3O+ + 2 H2PO4–


misturas de compostos que se apresentam no CO32– + 2 H3O+ → H2CO3 + 2 H2O
estado sólido. Quando são compostos individu- H2CO3 → CO2 + H2O
ais, eles se apresentam no estado sólido à tempe-
ratura ambiente, e devem obedecer a condição de Novamente, este conjunto de transformações
apresentar tanto caráter ácido, quanto básico de poderia ser, simplificadamente, representado pela
Bronsted. Um exemplo disso é o bicarbonato de equação:
sódio (NaHCO3) que, na presença de água, se dis-
2 H3PO4 + CO32– → CO2 + H2O + 2 H2PO4–
socia e sofre as seguintes transformações:
Tomando-se esta última reação como exem-
HCO3– + H2O → CO32– + H3O+
plo, e aplicando-se a definição utilizada pela
HCO3– + H3O+ → H2CO3 + H2O
ANVISA, de que 18 g do fermento devem liberar
H2CO3 → CO2 + H2O
1450 mL de CO2, a 25 ºC e 700 mmHg, temos
Nestas transformações, observamos que o íon que a mistura de ácido fosfórico e carbonato de
HCO3– manifesta tanto o seu caráter ácido quanto o cálcio deve ser constituída de cerca de 70%, em
básico de Bronsted, e este caráter só é manifestado massa, de ácido fosfórico e 30%, em massa, de
em presença de água. Muitas vezes, apenas para faci- carbonato de cálcio. Em outras palavras, para
litar, estas transformações são, simplificadamente, que 18 gramas deste fermento liberem 1450 mL
representadas pela equação a seguir. Entretanto, não (2,40 g) de CO2, a mistura deve ser constituída
podemos perder de vista o conceito de acidez e basi- de 12,54 g (69,66%) de ácido fosfórico e 5,46 g
cidade de Bronsted envolvido na transformação. (30,33%) de carbonato de cálcio. Na verdade, a
definição da ANVISA para o fermento estabelece
2 HCO3– → H2O + CO2 + CO32–
a relação que deve haver entre as quantidades dos
Por outro lado, existem muitas combinações constituintes presentes na mistura utilizada para
entre os compostos citados pela ANVISA, que expandir a massa do pão.
podem ser utilizadas como fermento químico. Por Independentemente da combinação utili-
exemplo, um fermento químico formulado a partir zada, ela deve apresentar um ácido e uma base de
da mistura de ácido fosfórico (H3PO4) e carbonato Bronsted, em que o caráter ácido/base só se mani-
de cálcio (CaCO3), na presença de água, sofre as festa quando se adiciona água ao meio. Isso impõe
seguintes transformações: a condição de que ambos os compostos devem

80 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Mãos na Massa: a química na panificação

ser sólidos à temperatura ambiente e devem ser mico ou biológico, se separe uma pequena amostra
armazenados na ausência de umidade. Isso acon- da massa e a amolde na forma e tamanho de uma
tece porque o caráter ácido/base de Bronsted só bolinha de gude; em seguida, deve-se introduzir
se manifesta na presença de água, ou seja, o ácido essa bolinha de massa em um copo com água.
fosfórico, na ausência de água, não é ácido ou não Observa-se que, ao introduzir a bolinha no copo
tem o seu caráter ácido manifestado porque não com água, ela afunda. Isso indica que ela é mais
existe ali um aceptor de próton. O mesmo pode- densa que a água, ou seja, que ela ocupa o espaço
mos dizer da base de Bronsted. Desta maneira, mais eficientemente que a água.
enquanto a mistura do ácido com base estiver na Continuando, o conhecimento popular orienta
ausência de umidade, ela permanece inalterada e que é ideal esperar que a bolinha de massa flutue
pode ser armazenada por longos períodos. na superfície da água antes de esticá-la e assá-la.
Por outro lado, se a mistura for armazenada Na verdade, durante o tempo que a bolinha se
inadequadamente, ou em local impróprio, que encontra no fundo do copo com água, o ácido e
favoreça a manifestação dos caráteres ácido e a base que constituem o fermento químico estão
básico, os dois componentes da mistura reagirão e reagindo e liberando um gás, normalmente o CO2.
liberarão um gás, tornando a mistura inativa para a À medida que o gás vai sendo liberado, a massa
finalidade para a qual se destinava. vai se expandindo, mas mantendo o mesmo peso,
O conceito ou definição ácido/base de Bronsted ou seja, a mesma massa passa a ocupar um volume
explica ou justifica a aplicação das misturas defini- maior. Desta maneira, com o passar do tempo, o
das pela ANVISA como fermentos químicos. Em gás vai sendo liberado, mas permanece aprisio-
qualquer caso, a base é potencialmente capaz de nado na massa que se expande e vai se tornando
eliminar um gás (CO2 ou NH3), razão pela qual os menos densa. Em outras palavras, a mesma massa
seus íons essenciais nas misturas são carbonato, passa a ocupar um volume maior do que quando
bicarbonato ou amônio. Por outro lado, a grande ela foi colocada para descansar.
maioria dos ácidos empregados nas misturas são Esse aumento de volume da massa vai acon-
orgânicos e/ou fracos, desde que se apresentem tecendo gradativamente, até que a relação entre a
no estado sólido e sejam inertes à temperatura massa de farinha, expressa em gramas, e o volume
ambiente e na ausência de umidade. ocupado pela mesma, expresso em cm3, se torne
O fato de estes ácidos serem fracos justifica a menor do que um, fazendo com que a bolinha boie
prática de que a massa formada a partir da farinha na superfície da água. Isso indica que uma quanti-
de trigo deva ‘descansar’ durante algum tempo, dade suficiente de gás foi liberada e a massa já se
antes de ser esticada. O descanso garante que expandiu o suficiente e está pronta para ser esti-
toda a base seja consumida, eliminando o gás que cada e assada.
expande a massa. Mas, qual o tempo necessário
para que a fermentação esteja concluída?
7  Cozimento
A amilose e a amilopectina, constituintes dos
6  O teste da bolinha
grãos de amido presentes na farinha de trigo, resis-
Para aqueles que estão habituados a fazer pão tem a todas as transformações e procedimentos
caseiro, o conhecimento popular recomenda que, efetuados na massa de farinha de trigo. A amilose
após o amassamento na presença de fermento quí- ainda se encontra dissolvida em água e misturada

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 81


Mãos na Massa: a química na panificação

à massa; como a água evapora durante a cocção, cialmente em meio alcalino com 3 etapas distintas
ela arrasta parte da amilose para a superfície, onde conforme pode ser observado na Figura 4.
ela se recristaliza, tornando-se dura e cristalina. A reação de Maillard se desenvolve numa série
Como a amilose recristalizada se encontra agora de etapas em que ocorre, inicialmente, a formação
na superfície da massa que está sendo cozida, esta da base de Schiff a partir da glicose e um ami-
se torna dura e consistente. noácido. Em seguida, ocorrem rearranjos e algu-
Como já sabemos, é durante a etapa de cozi- mas reações intermediárias, a partir das quais se
mento que o pão adquire duas de suas característi- formam o furfural e o hidroximetilfurfural que,
cas mais apreciadas: a crocância e o aspecto dou- quando polimerizados, originam as melanoidi-
rado. Estes fenômenos são decorrentes da reação nas, compostos químicos responsáveis pelo odor
de Maillard, assim chamada em homenagem ao característico do pão e pela cor dourada da casca
químico francês Louis-Camille Maillard (1878- (Oetterer; Reginato-D’Arce; Spoto, 2006).
1936), o qual descobriu que o calor do forno pro-
voca reação entre proteínas e os açúcares.
Caracterizada pela junção do grupo carbonila
dos açúcares redutores com o grupo amínico das
proteínas, a reação de Maillard ocorre preferen-

Figura 4.  Etapas da reação de Maillard.


Fonte:  Oetterer, Reginato-D’Arce e Spoto (2006).

82 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Mãos na Massa: a química na panificação

8  Pães e bolachas: das bolachas. Em geral, bolachas são feitas com


semelhanças e divergências químicas farinha de trigo, açúcar, ovo e manteiga. Devido à
pequena quantidade de água e à existência da gor-
Desejado por sua crocância (casca) e maciez dura, proveniente da manteiga, não ocorre a extra-
(miolo), poucas pessoas resistem a um pão francês ção e/ou dissolução da amilose a partir do amido
quentinho. Contudo, você já deve ter vivenciado durante o amassamento; assim, ela permanece na
a experiência de consumir o mesmo pão no dia sua forma original insolúvel e o biscoito apresenta-
seguinte e encontrá-lo duro. A explicação para esta -se duro. Desta forma, quando o biscoito é exposto
ocorrência tão comum em nossa casa é chamada a um ambiente úmido, a amilose tende a interagir
de retrogradação do amido. com moléculas de água do ambiente, resultando
Durante a etapa de cocção, parte da amilose em um alimento amolecido. Em outras palavras,
presente na farinha de trigo escapa dos grãos de pães e bolachas não são bem “farinhas do mesmo
amido e se dissolve em água, formando um gel saco”.
bastante firme entre os grãos inchados do pão
recém-cozido. Com o passar do tempo, a amilose
9  A Química da cola de farinha de trigo
que não migrou para a superfície durante a cocção
se recristaliza à sua forma original insolúvel, e se Embora não seja comum nos dias de hoje, pro-
torna dura e quebradiça, influenciando na consis- duzir cola caseira à base de farinha de trigo, água e
tência da massa (Tejero, 2004). O mesmo ocorre vinagre é uma tarefa fácil que, provavelmente, pais
quando aquecemos o pão na chapa, pois estamos e avós já fizeram. Mas, como é possível colar com
rompendo as interações da água com a amilose farinha de trigo?
(ligações hidrogênio) e, consequentemente, acele- Como mencionamos, um dos constituintes da
rando sua recristalização. farinha de trigo é uma grande molécula, o amido
Mas, por que alguns tipos de pães demoram (C6H10O5)n, e é graças à propriedade adesiva deste
mais tempo para endurecer, como é o caso do polímero natural que podemos usá-lo na produção
pão de forma? A resposta para tal está na adição de cola caseira.
de substâncias capazes de retardar a retrograda-
ção do amido, como o Estearoil-2-lactil lactato
de sódio, que é capaz de reter a água por sema-
nas (Nabeshima; Hashimoto; El-Dash, 2003).
Isso explica, inclusive, o porquê do pão de forma
embolorar com mais facilidade se comparado ao
pão francês, lembrando que a alta taxa de umidade
é uma condição ideal para a cultura de fungos.
Inversamente ao que ocorre no pão amanhe- O processo de colar consiste, basicamente, em
cido, bolachas perdem a sua firmeza com o tempo, dois princípios, o de adesão e o de coesão. Coesão,
o que as tornam menos apreciadas pelo paladar. quimicamente falando, é quando as moléculas
Contudo, se bolachas e biscoitos são feitos com que constituem a cola estão bem ligadas umas às
farinha de trigo, não seria esperado o mesmo fenô- outras. A adesão, por outro lado, é a interação entre
meno nos pães? Diferentemente destes, a água as moléculas da cola e a superfície do material, que
não está entre os ingredientes básicos do preparo ocorre através de forças de van der Waals.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 83


Mãos na Massa: a química na panificação

Na presença de água, o amido interage pouco mados nesta Ciência ganham sentido no nosso dia
entre si; entretanto, quando aplicada sobre uma a dia.
superfície porosa, a cola, além de permanecer entre
as duas partes que deve colar, também penetra nos
poros existentes na superfície do material. Com o
11  Referências
tempo, a água evapora lentamente, e o polímero, AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA
neste caso o amido, forma um filme polimérico, o SANITÁRIA. Resolução - CNNPA n. 38, de 1977.
Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/anvisa-
qual começa a interagir entre si e com o material legis/resol/38_77.htm>. Acesso em: 15 dez. 2015.
sobre o qual foi aplicado, unindo as duas partes
BOLAFFI, G. A saga da comida. 2. ed. Rio de Janeiro:
através de ligações hidrogênio. Record, 2000.
BULÉON, A. et al. Starch granules: structure and bio-
synthesis – Mini review. International Journal of
10  Conclusão Biological Macromolecules, v. 23, n. 2, p. 85-112,
1998.
Como é possível perceber, desde os ingredien-
CHAGAS, A. P. As ferramentas do químico. Química
tes do pão, até o seu preparo, muita química está Nova na Escola, n. 5, maio 1997.
envolvida neste processo. Ainda que cozinhar seja
FRENCH, D. Organization of starch granules. In:
uma prática ordinária, muitos fenômenos químicos WHISTLER, R. L.; BEMILLER, J. N.; PASCHAL,
relacionados ao preparo dos alimentos passam des- E. F. Starch: chemistry and technology. 2. ed.
London: Academic Press, 1984, p. 183-247.
percebidos, mas podem se tornar objeto de estudo,
JACOB, H. E. Seis mil anos de pão: a civilização humana
inclusive para o ensino de conceitos da Química.
através de seu principal alimento. São Paulo: Nova
Ressaltamos que, para cozinhar, não é preciso Alexandria, 2003.
ter domínio do conhecimento sistematizado da LINEBACK, D. R. The starch granule: organization and
Química, porém, esta atividade nos aproxima de properties. Bakers Digest, v. 58, n. 2, p. 16-21, 1984.
um dos dois aspectos do ofício de um químico: o MANARINI, T. A química da comida saudável. São
aspecto prático de modificar a matéria. Contudo, Paulo: Abril, 2013.
ao cozinharmos, dificilmente, ou nunca, pensa- MIZUKAMI, H.; TAKEDA, Y.; HIZUKIRI, S. The
structure of the hot-water soluble components in
mos sobre os alimentos enquanto matéria e suas
the starch granules of new Japanese rice cultivars.
modificações em termos de átomos e moléculas Carbohydrate Polymers, v. 38, n. 4, p. 329-335, 1999.
(aspecto teórico) (Chagas, 1997), o que de fato NABESHIMA, E. H.; HASHIMOTO, J. M.; EL-DASH,
difere o cozinheiro de um químico. A. A. Efeito da adição de emulsificantes em mas-
sas alimentícias sem glúten produzidas com extru-
Enquanto professores de química, temos
sora termoplástica. Boletim do Centro de Pesquisa
em mãos ferramentas para explicar, à luz desta e Processamento de Alimentos, Curitiba-PR, v. 21,
Ciência, os fenômenos cotidianos que nos cercam, n. 2, p. 223-228, 2003.
sobretudo, os que se passam na cozinha. A riqueza OETTERER, M.; REGINATO-D’ARCE, M. A. B.;
conceitual do tema alimentos e seu potencial edu- SPOTO, M. H. F. Fundamentos de ciência e tecno-
logia de alimentos. Barueri: Manole, 2006.
cativo é um dos caminhos para aproximarmos o
TEJERO, F. Conservación Del pan e la confeitaria.
aluno do conhecimento químico. Ao explorarmos Revista FEVIPAN, n. 15, jun, p. 24-26, 2004.
a cozinha e os alimentos, como o pão, a Química
THIS, H. Um cientista na cozinha. Tradução de Marcos
torna-se, assim, uma abordagem universal que Bagno. 4. ed. São Paulo: Ática, 2013.
permeia outras áreas do saber, em que a corporei- WOLKE, R. L. O que Einstein disse a seu cozinheiro 1:
ficação do conhecimento e dos conceitos amalga- a ciência na cozinha. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

84 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Relatos de Experiência
Experiences Account

Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida


na Modalidade a Distância da UFRN
Analysis of Learning Difficulties in Chemistry of Life Classes On-line
Jarley Fagner Silva do Nascimento, Alian Paiva de Arruda e Graziele Tavares Malcher

História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da


Universidade Federal de Sergipe
History of Science in Recent Graduation of Chemistry Teachers from Universidade Federal de
Sergipe
Erivanildo Lopes da Silva e Nelson Ribas Bejarano
Relato de Experiência 01 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 86-98

Análise das Dificuldades de Aprendizagem na


Disciplina Química da Vida na Modalidade
a Distância da UFRN
Analysis of Learning Difficulties in Chemistry of Life Classes On-line
Jarley Fagner Silva do Nascimento1, Alian Paiva de Arruda1 e
Graziele Tavares Malcher2

Resumo
Na sociedade atual, o uso das chamadas tecnologias da informação e comuni-
cação (TICs) está promovendo uma revolução nas formas de ensinar e aprender
através das modalidades de cursos à distância, especialmente no ensino superior.
Estudos mostram que alunos nesta modalidade apresentam grandes dificuldades
no processo de aprendizagem, principalmente quando tratamos de disciplinas
experimentais e com alto grau de abstração como a Química. O objetivo do pre-
sente trabalho é promover melhorias no processo de ensino e aprendizagem na
disciplina ‘Química da Vida’ ofertada para o curso de licenciatura em Química na
modalidade à distância da UFRN. Para isto foram analisadas provas do semestre
2011.2, com o intuito de identificar quais são as principais dificuldades dos alu-
nos nos aspectos conceituais abordados na disciplina. Com base dessas dificulda-
des foram desenvolvidas vídeoaulas, referentes aos assuntos que geram maiores
dificuldades aos alunos e a sua eficiência foi avaliada mediante o conhecimento
adquirido pelos alunos.
Palavras-chave: Educação à distância; Vídeoaulas; Química; Dificuldades de
aprendizagem.

1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).


2. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

Abstract
In today’s society the use of so-called information technology and communication (ICT), is promoting a
revolution in the forms of teaching and learning through the methods of distance learning courses, especially
in higher education. Studies show that students in this way have great difficulties in the learning process,
especially when dealing with experimental subjects that require high power of abstraction as chemistry.
The goal of this work is to promote improvement in the teaching and learning in the discipline Chemistry of
Life offered for the Bachelor’s Degree in Chemistry in distance UFRN. For this we analyzed evidence of the
semester 2011.2, in order to identify what are the main difficulties of the students on the assessments. That’s
why video lessons related to matters that create the majority of difficulties for students were developed and
evaluated.
Key-words: Distance of education; Video lessons; Chemistry; Learning of difficulties.

promovendo uma revolução nas formas de acesso


1  Introdução
ao ensino e à aprendizagem por meio da Educação
A motivação inicial para realizar este trabalho à distância, expandindo-se cada vez mais, espe-
foi a afinidade pela área de Química Orgânica. Em cialmente no Ensino Superior, possibilitando a for-
segundo lugar foi o baixo número de publicações mação a um número crescente de pessoas (Barbosa
relacionadas à educação à distância em Química, et al., 2007).
o que pode ser explicado devido à EaD ser mul- A EaD oferece uma flexibilidade de adequação
tidisciplinar e não ter pesquisadores que se dedi- das necessidades individuais de estudo e qualifica-
quem exclusivamente às pesquisas relacionadas à ção, o que leva as Instituições de Ensino Superior
Educação à distância. O baixo número de publica- (IES) a agregarem em seus currículos cursos à
ções não condiz com a importância atual dos cur- distância, apoiados em ambientes integrados de
sos de educação à distância, que consiste em uma suporte, que reúnem uma infinidade de recursos
modalidade de ensino que está democratizando o tecnológicos a fim de propiciar a interatividade
acesso ao conhecimento e expandindo as oportuni- entre aluno e professor (Peters, 2001).
dades de trabalho e aprendizagem. O elemento identificador neste trabalho, utili-
Desenvolveu-se este trabalho com base em pes- zado para entender as dificuldades de aprendiza-
quisas realizadas nos polos do ensino à distância, gem apresentadas pelos alunos, foram provas apli-
onde ao conversar com tutores e alunos tentamos cadas no semestre 2011.2 na disciplina Química
entender quais seriam seus principais anseios e da Vida caracterizando-se assim por ser uma disci-
dificuldades. Para compreender melhor como ocor- plina arraigada de conceitos prévios necessários a
ria a interação entre os alunos e o ambiente virtual outros componentes curriculares dessa área.
de aprendizagem, nos vinculamos à Secretaria de Para poder auxiliar os estudantes da EaD,
Educação à Distância (SEDIS) como voluntários. foram gravadas 7 vídeoaulas, sobre os temas que
Na sociedade da era da informação, o uso das geram mais dificuldades, identificados de acordo
chamadas tecnologias de informação e comunica- com provas de semestres anteriores.
ção (TICs) vem gerando uma quebra de paradigma Diante do exposto, este trabalho teve como
em relação ao modelo educacional tradicionalista, objetivo identificar uma estratégia com base nas

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 87


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

dificuldades dos alunos, que favoreça a aprendi- No ensino à distância existe esse problema de
zagem na disciplina Química da Vida, na moda- forma mais agravada ainda, já que os alunos são
lidade à distância, utilizando a vídeoaula como os principais responsáveis pelo processo de apren-
ferramenta para seu alcance. dizagem, o que torna a vídeoaula uma ferramenta
importante.
Moran (2000), afirma que
2  Fundamentação teórica
A televisão e o vídeo partem do concreto, do visí-
2.1 Utilização de vídeoaulas no processo de vel, do imediato, do próximo – daquilo que toca
ensino-aprendizagem todos os sentidos. Mexem com o corpo, com a
pele – nos tocam e “tocamos” os outros, estão
Temos atualmente uma variedade de filmes ao nosso alcance através dos recortes visuais, do
de caráter educativo que podem ser utilizados close, do som estéreo envolvente. Pela TV e pelo
para fins didáticos; se levarmos em conta o obje- vídeo sentimos, experimentamos sensorialmente
o outro, o mundo, nós mesmos... (p. 37).
tivo, tipo de produção e o conteúdo, há diferentes
classificações para os filmes, como: industrial, Um importante papel na utilização dos vídeos é
técnico, cientifico, ocupacional e documentário. minimizar as dificuldades no processo de aprendiza-
No caso dos filmes citados neste trabalho pode- gem, que são manifestadas a partir de respostas que
mos classificá-los como vídeos didáticos, já que não condizem com o comando das questões na avalia-
estão diretamente ligados ao currículo da EaD de ção ou pelo estudante, por não conseguir se expressar
Química. de forma convincente devido ao fato de não ter com-
Nestes filmes didáticos apresentamos aulas preendido bem no material impresso; dessa forma se
que compõem a disciplina Química da Vida, em torna importante conhecer algumas das principais
que são utilizadas animações, projeções de mídia, dificuldades de aprendizagem apresentadas.
lousa e modelos moleculares. A forma pela qual os
alunos da EaD se comunicam com os professores é 2.2 Dificuldades de aprendizagem e erros
através de ambientes virtuais, que são sistemas de
Ao refletir sobre o termo dificuldade, o mesmo
softwares desenvolvidos sobre metodologia peda-
remete a obstáculos, barreiras ou impedimentos que
gógica para auxiliar o professor na promoção do
alguém se depara quando tenta realizar algo que deseja
ensino-aprendizagem virtual ou semipresencial.
executar (Rebelo, 1993).
Diversos estudos mostram que os alunos da
Segundo Fonseca (1976) a dificuldade de
EaD consideram cada vez mais que apenas o mate-
aprendizagem
rial impresso, muitas vezes não é suficiente para
sanar todas as suas necessidades; em virtude disso, é uma desarmonia do desenvolvimento nor-
a utilização das vídeoaulas se torna uma ferra- malmente caracterizada por uma imaturidade
psicomotora que inclui perturbações nos pro-
menta importante para esta modalidade de ensino
cessos receptivos, integrativos e expressivos da
(ABRAEAD, 2008). atividade simbólica (p. 58).
Nélio Parra e Ivone Parra (1985) observam que
Rebelo (1993), indica-nos que as dificulda-
os recursos audiovisuais bem planejados e uti-
des de aprendizagem podem impedir que o aluno
lizados podem despertar de modo superior à
mera exposição, a atenção dos alunos e manter atinja os objetivos propostos, por não aprender os
seu interesse por mais tempo. conteúdos, e levando a reprovações sucessivas que

88 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

podem acarretar o abandono do ambiente escolar. conhecimentos relativos às condições de produção/


Ainda neste sentido, as dificuldades de aprendi- recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens.
zagem podem, também, trazer consequências nos Bardin (2004) enfatiza que a análise de
resultados diretos das avaliações escolares, sendo conteúdo é dividida em três fases: pré-análise,
inferiores àquilo que o aluno desejaria. exploração do material e tratamento dos resul-
Torna-se importante entender que o erro é tados. Na pré-análise deve ser organizado um
decorrente das dificuldades mencionadas nas dife- esquema de trabalho flexível. Na descrição analí-
rentes definições. De acordo com Núñez (2004), tica o material coletado será analisado por meio de
uma leitura “flutuante”, objetivando a elaboração
o erro é uma manifestação externa da dificul-
dade de aprendizagem. Ele é sempre relativo: de categorias. Na última fase, chamada de inter-
é erro em relação a uma referência considerada pretação referencial, as respostas são categoriza-
correta pela área de conhecimento. O erro não das para tornar os dados brutos significativos.
acontece por “azar”, por acaso; ele é resultado Após a identificação dos assuntos que geraram
de uma dificuldade (p. 65).
maiores dificuldades nos alunos, foi feita a seleção
O erro surge a partir das dificuldades apresen- das vídeoaulas que seriam gravadas.
tadas pelo aluno, pois, na perspectiva da teoria Os vídeos foram gravados no estúdio da
histórico-cultural, de Vigotsky (1989), os erros Secretaria de Educação à Distância (SEDIS), e
são parte do processo de apropriação do conte- foram postados no ambiente virtual de aprendi-
údo escolar, sendo uma expressão da relação entre zagem (AVA) no decorrer do semestre de 2012.2,
aquilo que se sabe e aquilo que se procura saber, ou com a disciplina em andamento, sendo liberados
que está definido como referência numa disciplina. para acesso dos alunos de forma gradual, de acordo
com o conteúdo postado na página.
Para entender como esses vídeos poderiam
3  Percurso metodológico
diminuir as dificuldades relacionadas ao processo
Com o intuito de identificar quais são os temas de aprendizagem dos alunos, foram elaboradas lis-
abordados na disciplina Química da Vida que tas de exercícios, a serem aplicadas antes e após o
geram as maiores dificuldades de aprendizagem e acesso dos alunos aos vídeos, com questões que se
o maior número de erros pelos alunos, foram ana- repetiam com o intuito de avaliar a melhor com-
lisadas 100 provas realizadas no semestre 2011.2, preensão dos conceitos por parte dos alunos.
pelos alunos dos polos de Nova Cruz, Macau, Por fim, para avaliar a opinião dos alunos com
Extremoz, Currais Novos (Rio Grande do Norte), relação à qualidade e importância das vídeoaulas
Maceió (Alagoas), Campina Grande (Paraíba) e no processo de aprendizagem, foi elaborado um
Garanhuns (Pernambuco). questionário (Apêndice 1) seguindo as orientações
A análise das provas foi feita com base na meto- de Goode e Hatt (1979, p. 171-236) a ser aplicado
dologia da análise de conteúdo de Bardin (2004, no AVA. Imaginamos que qualquer questionário
p. 41). Segundo esse autor a análise de conteúdo deve ser limitado em sua extensão ou finalidade,
pode ser definida como: Um conjunto de técnicas não devendo exigir mais de 30 minutos para ser
de análise das comunicações visando obter, por completado, além de possuir um agrupamento de
procedimentos sistemáticos e objetivos de des- itens em progressão lógica.
crição do conteúdo das mensagens, indicadores A Figura 1 mostra o fluxograma representativo
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de da metodologia.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 89


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

Aplicação de
Identificação Preparação e
Seleção das ferramentas
das dificuldades apresentação
vídeoaulas para análise da
dos alunos das vídeoaulas
aprendizagem

Figura 1.  Fluxograma representativo da metodologia.

4  Resultados e discussão As Figuras 2 e 3 são referentes ao desempenho dos


alunos na primeira avaliação, e o número de alunos
4.1 Identificações das dificuldades dos alunos
referente a esses percentuais, respectivamente.
Inicialmente, foi feito um levantamento acerca Para um estudo mais detalhado, foram analisa-
das notas dos alunos nas avaliações do semestre das as respostas fornecidas pelos alunos na ques-
2011.2. Iremos focar nossa discussão na primeira tão 1 da primeira avaliação, relacionando a mesma
avaliação, que teve o pior índice entre as demais. com as dificuldades apresentadas pelos alunos.

22

11
8

0 0 0
Alunos Alunos Alunos Alunos Alunos Alunos
com nota com nota com nota com nota com nota com nota
0,0 entre entre entre entre entre
0,1 e 2,0 2,1 e 4,0 4,1 e 6,0 6,1 e 8,0 8,1 e 10,0

Figura 2.  Relação entre o número de alunos e seu desempenho na primeira avaliação de Química da Vida no semestre
de 2011.2

0% - Alunos com nota entre 4,1 e 6,0


0% - Alunos com nota entre 6,1 e 8,0
19% 0% - Alunos com nota entre 8,1 e 10,0
Alunos com nota
entre 2,1 e 4,0 27%
Alunos com nota 0,0

54%
Alunos com nota
entre 0,1 e 2,0

Figura 3.  Desempenho dos alunos na primeira avaliação de Química da Vida no semestre de 2011.2

90 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

4.1.1 Análises da primeira avaliação – Questão 1 d) Visualizar o modelo molecular a partir da


projeção de Newman, e escrever a estru-
A questão que apresentou os maiores índices
tura na projeção (fórmula) de cavalete.
de erros na 1ª avaliação do componente curricular
Química da Vida, está transcrita a seguir.
4.1.3 Conteúdos exigidos
Essa questão envolve conteúdos relacionados
às aulas de nomenclatura de Alcanos e Análise
Conformacional de Alcanos Acíclicos.

4.1.4 Desempenhos dos alunos


O desempenho dos 26 alunos na questão 1
da primeira avaliação do componente curricular
Química da Vida pode ser observado na Tabela 1.

4.1.2 Habilidades exigidas Tabela 1.  Desempenho dos alunos na 1ª avaliação do


componente curricular Química da Vida – Questão 1.
a) Visualizar na projeção de Newman quan-
Notas Alunos (%)
tos carbonos fazem parte da cadeia princi-
Em branco 29,27
pal, e compreender a nomenclatura siste- 0,00 51,50
mática dos Alcanos. 0,01-0,40 11,50
b) Entender que os confôrmeros de menor 0,41-0,80 3,86
0,81-1,20 0,00
energia são aqueles em que os grupos mais
1,21-1,60 3,86
volumosos (neste caso os grupos metila)
estão o mais afastado possível.
c) Entender que os confôrmeros de maior 4.1.5 Expectativas de resposta
energia, são aqueles em que os grupos A expectativa de resposta da questão 1 da pri-
maiores estão o mais próximo possível. meira avaliação encontra-se na Figura 4.

Figura 4.  Expectativa de resposta à questão 1 da primeira avaliação.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 91


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

4.1.6 Erros e dificuldades mais frequentes Nos itens ‘b’ e ‘c’, apesar de não exigir uma
justificativa para escolha, o aluno tem que com-
Os alunos apresentaram grandes dificulda-
preender que quanto mais distantes estivessem os
des para visualizar modelos moleculares em três
grupos maiores, menores seriam as repulsões gera-
dimensões, isso faz com que eles não consigam
das pelas nuvens eletrônicas, acarretando em uma
nomear, muito menos representá-los em diferentes
menor energia para a molécula, levando ao aumento
projeções. Isso foi evidenciado a partir das respos-
da estabilidade da estrutura. De forma contrária, se
tas dos alunos a esta questão.
esses grupos volumosos estivessem próximos tería-
Para exemplificar, foi selecionada uma res-
mos muitas repulsões acarretando um aumento da
posta dada por um aluno que faz parte dos 51,5%
energia potencial da molécula, consequentemente
que não conseguiram pontuar nessa questão
diminuindo sua estabilidade (Bruice, 2009).
(Figura 5).
No item ‘d’ o aluno escreveu a fórmula de
No item ‘a’, o aluno não respondeu correta-
cavalete para a estrutura do 2-metilbutano na
mente a nomenclatura, o que sinaliza dificuldade
forma eclipsada, o que não corresponde à estrutura
em visualizar a estrutura da molécula através da
do confôrmero 4, que se encontra na conformação
projeção de Newman para fornecer a nomencla-
alternada, mais uma vez mostrando dificuldades
tura sistemática correta. Uma possível explicação
em visualizar estruturas moleculares representadas
seria que o aluno tem acesso apenas aos conteúdos
por projeções.
em material impresso, não dispondo de modelos
moleculares em três dimensões para discutir esse
4.2 Acessos às vídeoaulas durante o semestre
conteúdo. Apesar de o aluno perceber que havia
uma ramificação na cadeia (grupo metila), o Após a postagem das vídeoaulas, foi verificado
mesmo nomeou a cadeia principal de forma equi- que houve um número considerável de acesso às
vocada como “Hexagonal”, levando a entender mesmas pelos alunos (Tabela 2), sendo, portanto,
que ele encontrou seis carbonos e na verdade só relevantes para utilização como material comple-
temos quatro carbonos na cadeia principal. mentar ao material já utilizado.

Figura 5.  Resposta que faz parte do grupo que não pontuou na questão.

92 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

Tabela 2.  Número de acesso às vídeoaulas postadas no confôrmeros em projeção de Newman em


AVA.
diferentes ângulos diedrais.
Número de
Vídeoaula
acessos b) Compreender que os grupos metilas por
1. Alcanos acíclicos. 25 serem mais volumosos que os hidrogênios
2. Análise conformacional de alcanos acíclicos. 60 devem estar em planos opostos para que
3. Nomenclatura de cicloalacanos. 36
haja uma menor repulsão estérica entre eles.
4. Análise conformacional de cicloalcanos. 33
5. Alquenos e alquinos. 19
c) Entender que quando os grupos metilas
6. Estereoquímica I. 29 estão na forma eclipsada, ocorre uma ele-
7. Estereoquímica II. 25 vada interação repulsiva, aumentando a
energia da molécula, acarretando a dimi-
Esses valores significam que os alunos aces- nuição da sua estabilidade.
saram mais de uma vez o mesmo vídeo, sendo o
mais acessado o vídeo referente ao tema Análise As Tabelas 3 e 4 são referentes às notas atribu-
conformacional de alcanos acíclicos, mostrando ídas à questão 1 da lista de exercícios antes e após
que os vídeos despertaram o interesse dos alunos. o acesso às vídeoaulas, respectivamente.

4.3 Análise da aprendizagem dos alunos Tabela 3.  Desempenho dos alunos na questão 1 da
que assistiram às vídeoaulas lista de exercícios (valor 0,5 ponto), antes de assistir às
vídeoaulas.
A melhor compreensão dos conceitos por parte
Notas Aluno
dos alunos foi observada após análise das respos- 0,2 A
tas fornecidas pelos mesmos às questões da lista de 0,15 B
exercícios aplicada antes e após o acesso às vídeo- 0,1 C
0,15 E
aulas, conforme transcrita e discutida a seguir:
0,2 G
0,1 H
Questão 01: As formas moleculares temporárias são chamadas
de conformações da molécula e são originadas a partir da rotação 0,1 I
de uma ligação sigma; existem diferentes conformações para
uma mesma molécula e a análise conformacional é responsável
Tabela 4.  Desempenho dos alunos na questão 1 da lista
por analisar a variação de energia que ocorre quando uma
de exercícios (valor 0,5 ponto), após assistir às vídeo-
mesma molécula possui diferentes conformações. Sabendo disso
responda as questões abaixo:
aulas.
a) Forneça as possíveis conformações em projeção de Newman
Notas Aluno
para a molécula de Butano? 0,35 A
b) Qual das conformações é a mais estável? Justifique. 0,15 B
c) Qual das conformações é a menos estável? Justifique. 0,1 C
0,3 E
0,35 G
4.3.1 Conteúdos abordados na questão 0,2 H
0,2 I
• Nomenclatura de alcanos acíclicos;
• Análise conformacional de alcanos acíclicos;
• Projeção de Newman. Observa-se que antes de assistirem às vídeo-
aulas (Tabela 3), nenhum aluno atingiu um nível
4.3.2 Habilidades exigidas em cada item de acerto igual ou superior a 50%, isso pode ser
a) Conseguir visualizar a molécula do butano relacionado à dificuldade de compreensão do
em três dimensões, conhecer os diferentes material impresso. No entanto, após assistirem às

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 93


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

vídeoaulas (Tabela 4), a maior parte dos alunos as respostas dos mesmos ao questionário de pes-
teve melhoria nas notas obtidas nessa questão, quisa de avaliação destas.
tais como os alunos A e G, que tiveram um acerto Num universo de 35 alunos matriculados na dis-
de 70%. Apesar disso, dois alunos permaneceram ciplina, 10 responderam ao questionário mostrado
com a mesma nota (B e C) por terem enviado o no Apêndice 1. Os resultados indicaram que 10%
mesmo arquivo nas duas ocasiões. dos alunos que responderam ao questionário não
O enunciado da questão apresenta clareza, e o assistiram às vídeoaulas. Contudo, os 90% que as
seu grau de dificuldade é pertinente para alunos assistiram manifestaram um elevado grau de satisfa-
que cursam uma graduação em Química. Mesmo ção, ao mesmo tempo em que as consideraram uma
assim, alguns alunos apresentaram dificuldades ferramenta muito importante para o curso na moda-
acertando até 40% da questão. Entretanto, os alu- lidade EAD. Além disso, os resultados também indi-
nos que assistiram às vídeoaulas apresentaram uma caram que todos os alunos que assistiram às vídeo-
evolução com relação ao desempenho na mesma, aulas o fizeram em suas casas, mostrando que esta
como é mostrado nas Tabelas 3 e 4. ferramenta é bastante viável para essa modalidade
de ensino devido à sua flexibilidade no acesso.
4.4 Avaliações das vídeoaulas As respostas às questões subjetivas estão trans-
Após o diagnóstico da aprendizagem dos alu- critas no quadro abaixo, em que os 10 alunos partici-
nos que assistiram as vídeoaulas, foram analisadas pantes desta atividade foram identificados de A até J.

Aluno Pontos positivos sobre as vídeoaulas Melhorias para as vídeoaulas


A Muito boa e bem explicada. Poderia ser feita a cada aula já que o material
impresso é ruim.
B As vídeoaulas se constituem um complemento indispensável do Em branco.
material didático impresso e, portanto, deveriam fazer parte de
todas as aulas do curso.
C Como o curso é à distância as vídeoaulas são muito importantes, Existem alguns links que não abrem completa-
pois esclarecem muitas dúvidas, é como se o professor estivesse mente na página.
dando aulas presenciais.
D Os vídeos são importantes porque nós temos várias explicações Gostaria que tivesse em todos os módulos, já
pelo professor, e naquele momento podemos tirar nossas dúvidas. que não temos professores a todo o momento.
Os vídeos serão sempre de grande valor para
aprendizagem.
E A abordagem no cotidiano. Em branco.
F Ajuda a esclarecer dúvidas que o material impresso nos deixa. Precisam ser postados mais vezes.
G Material de excelente qualidade que atendeu em todos os aspectos Melhor estabilidade e desempenho dos vídeos.
as nossas expectativas, foi bastante proveitoso e ajudou bastante
em nossos estudos.
H O assunto transmitido pelo professor fica mais claro de entender. Um pouco mais de exemplos nos assuntos
abordados.
I Claros e objetivos. Queria melhorias não em relação aos vídeos e sim
ao suporte na página com relação aos fóruns de
discussão.
J Em branco. Em branco.

94 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

Podemos observar que 9 dos 10 alunos que 16 15


responderam as questões subjetivas, demonstra- 14
12
ram satisfação em relação às vídeoaulas. Uma das 10
8
qualidades mais citadas por eles na questão 6 está 8
6
relacionada ao esclarecimento de dúvidas por par- 6
4 2
tes dos vídeos, e a clareza dos mesmos.
2
Com relação à sugestão de melhoria das vídeo- 0
Alunos que Alunos Alunos não Alunos não
aulas, nem todos os alunos responderam à questão; assistiram às aprovados aprovados evadidos
vídeoaulas
porém, a sugestão de que “todas as aulas poderiam
ter um vídeo como suporte” foi a mais citada, con- Figura 8.  Resultado do índice de aprovação dos 15 alu-
nos não evadidos.
firmando ser uma ferramenta bastante proveitosa
no processo de aprendizagem.
25%
Alunos reprovados
4.5 Taxa de sucesso dos alunos que
assistiram às vídeoaulas 75%
Alunos
Foi feita uma análise do índice de aprovação dos aprovados
alunos da disciplina em questão no semestre ava-
liado. Inicialmente foi plotado um gráfico revelando
a relação entre o número de alunos matriculados e Figura 9.  Resultado do índice de aprovação dos 8 alunos
que assistiram as vídeoaulas.
a situação na disciplina (Figura 6). Posteriormente
foram feitas análises comparativas entre todos os
alunos não evadidos (Figura 7), e, somente entre os Considerando apenas os alunos que assisti-
que assistiram às vídeoaulas (Figuras 8 e 9). ram às vídeoaulas, já que o foco do nosso traba-
lho é analisar o quanto esses vídeos vão promo-
40
35 ver melhorias no processo de aprendizagem dos
35
alunos, é possível observar que a taxa de sucesso
30
25 foi significativa, e, como apresentado na Figura 9,
20
20 atingiu um valor de 75%.
15
9
10 6
5 5  Considerações finais
0
Alunos Alunos Alunos não Alunos
matriculados evadidos aprovados aprovados A análise das dificuldades de aprendizagem da
Figura 6.  Relação entre número de alunos matricula- Química pode ser mais simples se levarmos em
dos e a situação na disciplina. consideração que longe de estarem isoladas, existe
uma estreita relação entre a maioria delas (Pozo;
40% Crespo, 1998). É o que podemos constatar ao fazer
60% Alunos
Alunos não aprovados
uma análise sobre as respostas dos alunos e per-
aprovados ceber que grande parte destes apresentam grandes
dificuldades para visualizar estruturas molecula-
res em três dimensões, isso faz com que eles não
Figura 7.  Resultado do índice de aprovação dos 15 alu-
nos não evadidos. consigam nomear, muito menos representá-las

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 95


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

em diferentes projeções. Esta análise se torna Dentre os 15 alunos não evadidos, 40% conse-
relevante, já que visualizar e escrever estruturas guiram alcançar a aprovação ao final da disciplina,
tridimensionais no papel é um conhecimento fun- sendo que destes, apenas oito acessaram todas as
damental para cursar uma disciplina da Química vídeoaulas. Estes obtiveram uma taxa de sucesso
Orgânica. ao final da disciplina que resultou em torno de
Foi possível avaliar que o recurso da vídeo- 75% de aprovação. Isso demonstra que os vídeos
aula é válido na modalidade à distância já que, atuaram como facilitadores no entendimento das
apesar de apenas 8 dos 35 alunos matriculados diferentes projeções e conformações, o que acar-
terem acessado todos os vídeos, estes foram bas- reta na compreensão das estruturas das molécu-
tante visualizados, o que pôde ser evidenciado las. Segundo Vigotsky, toda linguagem evolui na
pela Tabela 2. A confirmação sobre o papel da mesma medida que as estruturas do pensamento
vídeoaula no que diz respeito à complementação evoluem do concreto para o abstrato e vice-versa.
do material impresso pôde ser visualizada no ques- Os vídeos servem de auxílio para os alunos, dimi-
tionário, em que 90% dos alunos consideraram a nuindo em parte as dificuldades em escrever estru-
vídeoaula um importante complemento para o turas tridimensionais no papel. Dessa forma, eles
material impresso. Analisando as respostas dadas são considerados boas ferramentas para o processo
pelos alunos às questões subjetivas do questioná- de aprendizagem dos alunos na modalidade à dis-
rio avaliativo, foi possível perceber que todos que tância, já que, além do que já foi explicitado, os
assistiram às vídeoaulas demonstraram satisfação vídeos criam uma identidade entre o aluno e pro-
em relação a este recurso como material comple- fessor, criando um vínculo afetivo.
mentar, considerando que as mesmas apresenta- Os vídeos mostraram ser uma boa alternativa
vam clareza e objetividade quanto às informações nos dias atuais para dar suporte ao aluno; contudo,
contidas e que as aulas gravadas foram de boa qua- não devemos considerar que os recursos utiliza-
lidade, sendo consideradas um suporte importante, dos nas décadas de 1960 a 1990 são ultrapassados
diante das dificuldades apresentadas pelos alunos ou que não eram viáveis, pois devemos entender
no processo de aprendizagem. que, como afirmam (Dias; Leite, 2010), uma nova
Com relação à análise da aprendizagem dos tecnologia nunca desconsidera ou rejeita as mais
alunos, foi mais evidente a melhoria de rendimento antigas. Diante disso, elas afirmam que a EaD do
entre eles na questão 1 da lista de exercícios, uma passado foi uma espécie de projeto ou experiência
vez que 71,43% dos alunos reelaboraram suas para o atual formato de Educação à Distância.
respostas após assistirem aos vídeos. A questão 1
abordou o tema “análise conformacional de alca-
nos acíclicos” e todos aqueles que reelaboraram 6  Referências
suas respostas obtiveram uma melhoria do rendi-
ABRAEAD. Anuário Brasileiro Estatístico de Educação
mento. Isso pode ser explicado em parte devido Aberta e à Distância. São Paulo: Instituto Monitor,
ao vídeo sobre análise conformacional de alcanos 2004, 2005, 2006, 2007, 2008.
acíclicos ter sido aquele que teve o maior número BARBOSA, D. N. F. et al. Educação à distância no
de visualizações por parte dos alunos (60 acessos). ensino superior: caminhos organizacionais percor-
ridos e suas propostas de formação de professores.
Contudo, todos aqueles que reelaboraram sua res- Revista Digital da CVA, Ricesu, v. 4, n. 16, 2007.
posta tiveram uma melhoria no rendimento, a qual BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa:
foi evidenciada na prova escrita. Edições 70, 2004.

96 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

DIAS, R. A.; LEITE, L. S. Educação à distância: da matemática: o novo ensino médio. Porto Alegre:
legislação ao pedagógico. Rio de Janeiro: Editora Sulina, 2004.
Vozes, 2010.
PARRA, N.; PARRA, I. C. C. Técnicas audiovisuais de
FONSECA. Insucesso escolar: abordagem psicopeda- educação. 5. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,
gógica às dificuldades de aprendizagem. Lisboa: 1985.
Editorial Âncora, 1999. PETERS, O. Didática do ensino à distância. São
GOODE, W. J.; HATT, P. K. K. Métodos em pesquisa Leopoldo: Unisinos, 2003. Petrópolis: Vozes, 1995.
social. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1979. POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. A aprendizagem e o
MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. ensino de ciências. Madrid: Morata, 1998.
A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. São REBELO, J. A. S. Dificuldades da leitura e da escrita em
Paulo: Papirus, 2000. alunos do ensino básico. Rio Tinto: Edições ASA, 1993.
NUÑES I. B.; RAMALHO, B. L. Fundamentos do VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2. ed. São
ensino-aprendizagem das ciências naturais e da Paulo: Martins Fontes, 1989.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 97


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

APÊNDICE 1.  Questionário avaliativo sobre as vídeoaulas

1) Você considera que as vídeoaulas foram ferramentas importantes no processo de ensino e aprendizagem
desta disciplina?
a) Muito importante.
b) Importante.
c) Não interfere nem positivamente nem negativamente.
d) Me atrapalhou no processo de ensino-aprendizagem.
e) Não assisti a nenhuma vídeoaula.

2) Se tivesse que atribuir um conceito com relação às vídeoaulas gravadas para a disciplina de Química da Vida,
você as julgaria:
a) Excelente.
b) Ótima.
c) Boa.
d) Regular.
e) Não assisti a nenhuma vídeoaula.

3) Onde você assistiu as vídeoaulas sobre a disciplina Química da Vida?


a) Em casa.
b) No trabalho.
c) No polo.
d) Não assisti a nenhuma vídeoaula.

4) Você achou a linguagem utilizada nas vídeoaulas clara e condizente com o material do ensino à distância?
a) Sim, em todos os aspectos.
b) Apenas em alguns aspectos.
c) Não, em nenhum aspecto.
d) Não assisti a nenhuma vídeoaula.

5) Você considera que as vídeoaulas tiveram papel importante como complemento do material didático?
a) Sim.
b) Não.
c) Complementou apenas em parte.
d) O material e as vídeoaulas não têm nenhuma relação.

6) Cite alguns pontos positivos sobre as vídeoaulas.

7) Cite algumas melhorias para as vídeoaulas.

98 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Relato de Experiência 02 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 99-110

História das Ciências na


Formação Inicial de Professores de Química
da Universidade Federal de Sergipe
History of Science in Recent Graduation of Chemistry Teachers
from Universidade Federal de Sergipe
Erivanildo Lopes da Silva1 e Nelson Ribas Bejarano2

Resumo
Este estudo buscou investigar as contribuições da elaboração e validação de
Sequências de Ensino Aprendizagem (SEA) com base na História da Ciência em
meio a uma intervenção no âmbito da formação inicial de professores. O estudo
foi realizado por meio de um grupo focal de seis estudantes que aceitaram, volun-
tariamente, participar de um ciclo de discussões paralelas às atividades da gradua-
ção sobre os processos de elaboração e aplicação de SEA. Os resultados, relativos
a este grupo, apontam que a maioria deles apresenta compreensão contextual de
aspectos da História das Ciências durante a elaboração e, em partes, na validação
das SEA.
Palavras-chave: Formação de professores; Sequências de ensino-aprendizagem;
História da ciência.

Abstract
This study tried to investigate the contributions of creation and validation of
Teaching Learning Sequences (TLS) with bases on History of Sciences in an appli-
cation in the field of teacher’s graduation. The study was achieved by a focus
group of six students who accepted voluntarily to participate in a discussions cycle

1. Professor do Campus Prof. Alberto Carvalho da Universidade Federal de Sergipe.


2. Professor do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia.
História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

(parallel their activities of graduation) about elaboration and application of TLS process. The results rela-
ted to this group showed that most of their components demonstrated contextual comprehension of History
Sciences aspects during the elaboration and, in part, in validation of TLS.
Key-words: Teachers graduation; Learning teaching skills; History of Science.

uma teoria da prática do professor, pois esta não


1  Introdução
deve ser inventada pela teoria. O que deve ocorrer
Entre vários debates travados sobre a formação é problematizar a prática à luz da teoria, procu-
de professores, um deles destaca a necessidade da rando perceber que esta pode trazer novos elemen-
mudança no paradigma da formação inicial des- tos para aquela; em outras palavras, uma espécie
ses profissionais, sobretudo um modelo que seja de (re)invenção da prática (Sacristán, 2008).
contrário à supremacia técnica. Espera-se que os Nessa perspectiva, os licenciandos podem
formadores de professores tenham criticidade ao refletir sobre suas concepções acerca dos sabe-
adotar premissas dos documentos oficiais (Dias; res docentes, como, por exemplo, sobre os currí-
Lopes, 2003). culos preestabelecidos permeados de ideologias.
Uma alternativa bastante concreta na forma- Maldaner (2000) argumenta que os professores
ção inicial de professores seria a elaboração de refletindo coletivamente poderiam tomar deci-
projetos de intervenção pedagógica, contribuindo sões próprias sobre o tipo e a forma de conteúdos
para a construção da identidade docente no pró- a ensinar, ou seja, encarar as orientações oficiais
prio Estágio Supervisionado, etapa em que esses como referência e não como alicerce.
projetos podem ser implementados (Passerini, Essa atividade reflexiva alimentada, necessa-
2007). Os cursos nas universidades devem pro- riamente, por um aporte teórico estruturante, não
blematizar a elaboração e a aplicação de materiais presume que a teoria venha antes ou que a prá-
instrucionais produzidos pelos próprios licencian- tica deva ser assim, afinal, com essas bases, teo-
dos, futuros professores, fazendo com que o uso de ria e prática devem estar entrelaçadas. Segundo
materiais dessa natureza seja um importante meio Longhini e Nardi (2007), essa forma de conceber
de reflexão da prática docente (Campos, 2001). a atividade reflexiva dá conta de problematizar a
Portanto, são necessárias atividades coletivas na complexidade dos acontecimentos das práticas
produção de materiais didáticos, envolvendo pro- cotidianas em bases teóricas, descartando a pers-
fessores de contextos e lócus diferentes, a fim de pectiva de supremacia da técnica instrumentalista,
possibilitar discussões e reflexões sobre ensino de na qual o professor em formação apenas recebe
Química (Eichler; Del-Pino, 2010). conhecimentos prontos e os aplica no contexto da
É importante salientar que a adoção de mate- sala de aula.
riais didáticos como alternativa de problematizar a Assim, na formação inicial de professores, há
formação de professores não implica em apresentar de se considerar um modelo que contemple um

100 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

processo de reflexão. Nessa perspectiva, é possível em formação durante suas experiências práticas de
alinhar uma abordagem que considere a promoção ensino, representa uma ocasião para investigar o
das Comunidades de Aprendizagens (Mizukami, processo de aprender e ensinar usando elementos
2006; Eraut, 2002). Para Abreu (2013), as de História das Ciências na construção de SEA,
Comunidades de Aprendizagens referentes ao pro- que são elaboradas e validadas durante o estágio
cesso de formação de professores, podem ser opor- supervisionado.
tunidades sistemáticas de aprendizagem de conteú- Nos cursos de formação inicial de professores
dos científicos e pedagógicos a serem trabalhados. para a Educação Básica, verifica-se que as recen-
Dessa forma, as Comunidades de Aprendizagens tes reformas educacionais no Brasil apontam para
podem, então, se configurar em oportunidades a História e Filosofia da Ciência (HFC) como uma
de aprender sobre os conteúdos específicos e os das perspectivas a serem levadas em consideração
conteúdos pedagógicos em um processo que con- nas Diretrizes para a Formação de Professores
sidera as habilidades e conhecimentos individuais, (Brasil, 2010). Uma forma de se apropriar dos
buscando a discussão reflexiva e o crescimento do pressupostos da HFC no âmbito da formação
grupo (Abreu, 2013). docente pode ser abordagem Contextualista de
Neste sentido, pode-se pensar em uma Matthews (1995). Essa orientação está apoiada na
Comunidade de Aprendizagem de Professores ideia de que o Ensino de Ciências informado pela
(CAP) que problematize os múltiplos contextos, História e Filosofia da Ciência propicia um ensino
possibilitando, aos participantes, formas de inter- contextualizado, além de apresentar uma visão
pretar, formular questionamentos e estabelecer mais adequada da natureza da ciência.
argumentos e relações sobre os elementos ineren- Desde o final do século passado, na década de
tes à vivência do ser professor (Mizukami, 2006). 1990, vem se acentuando um discurso no âmbito
A exploração das Sequências de Ensino do Ensino de Ciências do quanto é importante o
Aprendizagem nas Comunidades de Aprendizagem papel da História da Ciência (HC) na construção
permitirá ao grupo o compartilhamento das histó- do conhecimento científico. Em outras palavras,
rias de cada um, fomentar o encorajamento e par- ensinar ciência com base no desenvolvimento da
tilhar identidades sem perder a autonomia de seus própria ciência, buscando estabelecer relações
membros, fazendo com que o grupo possa consi- entre o que existe hoje e o passado (Oki, 2000).
derar, nas reflexões, valores de outros campos e Matthews (1995), um dos mais contunden-
outros grupos periféricos (Schwier, 2002). tes debatedores da relação Ensino de Ciências,
Deste modo, justifica-se, como caminho viá- História e Filosofia da Ciência, afirma que tanto
vel, o desenvolvimento de um projeto orientado de a teoria quanto a prática do ensino de Ciências
materiais didáticos próprios junto aos futuros pro- podem ser enriquecidas pelos aportes advindos
fessores, onde seja problematizado o “ser” profes- da História e Filosofia da Ciência. O autor argu-
sor no contexto da sala de aula e se discuta sobre menta que, tanto a História e a Filosofia, além
questões acerca da Ciência e de fazer Ciência, o da Sociologia da Ciência, ajudam a humanizar a
que implica em um argumento favorável à presença Ciência ao colocar em discussão questões de inte-
da História e Filosofia da Ciência no currículo dos resses pessoais, éticos, culturais e políticos, por
cursos de licenciatura (Pereira; Martins, 2009). exemplo.
Por outro lado, verificar e identificar como A História da Ciência no Ensino de Ciências
essas questões são incorporadas pelos professores possibilita uma alternativa mais elaborada de

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 101


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

conceber Ciência, evitando, assim, aquilo que desenvolvimento cognitivo do aluno por meio de
é considerado uma deficiência no ensino atual, conflitos cognitivos. Essa perspectiva é lembrada
como conceber a Ciência como verdadeira, pronta como sendo a aprendizagem por descoberta (Freire
e acabada, feita por super-humanos acima do bem Jr., 2002).
e do mal (Oki, 2000). Para mudar esse contexto Matthews (1995) destaca que essa é uma alter-
de visões não históricas é necessário modificar nativa temerária, pois, além dos alunos optarem
projetos buscando novas orientações para a prática por suas concepções intuitivas, aspectos de natu-
do professor, assim como novos materiais didá- reza política, econômica e social para ensinar
ticos. Assim, é necessário rever o currículo das Ciência dificilmente são considerados nessa abor-
instituições formadoras de professores, incorpo- dagem. Batista (2007) argumenta que é importante
rando a eles, criticamente, essas questões de HFC que os professores possam analisar seus próprios
(Matthews, 1995). materiais didáticos e que pensem neles como um
No que tange aos livros e manuais didáticos instrumento de superação de ideias não históricas
brasileiros, em geral, até o início dessa década, não no Ensino de Ciências. Matthews (1995), citando
oferecem a devida atenção ao uso da História da Whitaker (1979), afirma que essas ideias configu-
Ciência. Normalmente, apresentam informações ram uma espécie de falsificação da história, ainda
de modo não histórico, linear, que enfatiza os cien- que sejam advindas de uma história genuína.
tistas como heróis (Peduzzi, 2001). O que se tem De encontro a esses enfoques, Matthews
a rigor, nos manuais didáticos, é a apresentação (1995) apresenta a visão contextualista da História
dos cientistas que “deram certo”, deixando de lado da Ciência como favorecedora de uma perspectiva
qualquer debate ou controvérsia histórica que tenha mais crítica de como se faz Ciência e de como ela
ocorrido. Alguns materiais até fazem uma abor- influencia e é influenciada pela sociedade. Dessa
dagem mais detida sobre aspectos históricos do forma, os feitos históricos são tratados como obras
desenvolvimento de Teorias, Princípios e Leis, mas da mente humana, considerando diversos contex-
ainda enfatizam os cientistas que “deram certo”, tos como ético, social, histórico, filosófico e tec-
apresentando, no máximo, alguns poucos nomes nológico, numa clara evidência da existência de
daqueles que não obtiveram êxito (Batista, 2002). debates, controvérsias e rupturas na Ciência.
Há também materiais que tratam a HFC como A elaboração de materiais didáticos por parte
paralelismo ao desenvolvimento dos processos psi- dos professores pode ajudar a explorar elementos
cológicos do estudante, ou seja, a aprendizagem da HC. Contudo, tais materiais pouco problema-
do aluno pode ocorrer de modo similar ao que se tizam como podem se dar as bases de elaboração
desenvolveu a Ciência (Freire Jr., 2002). Matthews desses materiais. Alguns autores apresentam, no
(1995) argumenta que as concepções intuitivas e ensino de Ciências, a utilização de Sequências de
concretas dos estudantes podem sim refletir deter- Ensino Aprendizagem (SEA), do inglês Teaching-
minados estágios históricos do desenvolvimento Learning-Sequences (TLS), como uma possibili-
do conhecimento científico. Todavia, esta forma de dade de aprendizagem mais expressiva de conte-
atrelar HFC no ensino pode trazer muitas compli- údos por parte dos alunos (Méheut; Psillos, 2004;
cações, o que coloca em cheque possíveis avanços. Kabapinar; Leach; Scott, 2004; Méheut, 2005). Há
A discussão dessa abordagem no ensino de um consenso entre os pesquisadores de que as SEA
Ciências está associada ao movimento cogniti- propiciam duas frentes, a da pesquisa e a melhoria
vista da Mudança Conceitual, a qual prevalece do no processo ensino-aprendizagem, usadas como

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ferramentas de pesquisas e/ou inovações (Leach; mente. As análises prévias devem considerar a
Scott, 2002; Méheut; Psillos, 2004; Méheut, 2005). epistemologia dos conceitos científicos envolvi-
Sobre a eficácia das SEA, há argumentos de dos, o trato com as concepções prévias dos alunos,
que esses materiais ajudam a promover um desem- a busca da superação das dificuldades e possíveis
penho melhor dos alunos com relação a outros sub- obstáculos à aprendizagem.
metidos a abordagens mais tradicionais de ensino. A questão psicocognitiva está relacionada à
A tese dos pesquisadores é a de que sequências investigação dos conhecimentos espontâneos dos
curtas ajudam a promover a compreensão concei- alunos, das possíveis concepções alternativas dos
tual dos conhecimentos científicos, pois os alunos estudantes, da análise das situações de ensino e pos-
conseguem estruturar modelos mentais nas expli- síveis aprendizagens. Na didática, devem-se con-
cações sobre o que é abordado (Leach et al., 2005). siderar questões relacionadas ao funcionamento
Méheut e Psillos (2004) e Méheut (2005), apre- da instituição de ensino e ainda se enquadram as
sentam um esquema representativo que considera condições de funcionamento, calendário escolar e
questões de cunhos epistêmicos e pedagógicos. Na projeto político pedagógico, por exemplo. Depois
dimensão epistêmica, leva-se em consideração a dessas etapas, realiza-se a construção do projeto
relação existente entre o mundo material (contex- de intervenção e pesquisa da Engenharia Didática.
tual) e o conhecimento científico (Conceitual). Já Por fim, a fase de experimentação e análise a
a dimensão pedagógica se relaciona mais com a posteriori é o momento de colocar todo o aparato
forma que o professor estabelece o diálogo com didático (SEA) em funcionamento. Nessa etapa de
os alunos, ou seja, leva em consideração a relação análises, visando possíveis correções e reformula-
professor/aluno e aluno/aluno. ções, é importante construir um conjunto de infor-
O modelo de SEA de Méheut ancora-se na mações que venham a ser analisadas e comparadas
metodologia da Engenharia Didática de Artigue com as realizadas a priori, a fim de verificar a efi-
(1996). Essa abordagem caracteriza-se por ser uma cácia da SEA. Ainda que se enfatize a comparação
atividade visando o sucesso escolar na sala de aula. entre grupos com e sem intervenção das sequên-
O que simboliza a Engenharia Didática é a analo- cias, esse modelo de Artigue (1996) valoriza, em
gia ao trabalho de engenheiro, principalmente os sua abordagem, situações-problemas como forma
níveis de macro e microengenharia, sendo o pri- de investigar o desenvolvimento cognitivo dos
meiro nível as variáveis macrodidáticas relativas alunos.
à organização global do projeto de pesquisa, e o A ideia de Reconstrução Educacional também
segundo, as variáveis microdidáticas relaciona- é bastante marcante no trabalho de Méheut (Duit
das às etapas do projeto, o que chama de análise et al., 2012). Essa abordagem caracteriza-se pela
a priori. importância dada ao conteúdo da Ciência, pois
Na Engenharia Didática consideram-se três tem este como início dos estudos e o propósito de
facetas: a epistemológica, a psicocognitiva e a relacioná-los às ideias cotidianas dos alunos com
didática. A epistemológica é caracterizada pelo forte tendência à mudança conceitual, pois o nome
estudo da gênese do conteúdo, problemas rela- se fundamenta na ideia de reconstrução conceitual
cionados ao ensino e aprendizagem dos conceitos por parte do aluno, ou seja, as concepções dos alu-
a serem estudados, e o levantamento do grau de nos são utilizadas no processo de reconstrução do
complexidade dos conceitos a serem abordados conhecimento. Neste modelo, percebe-se visivel-
como, por exemplo, como foi gerado historica- mente a relação mundo material e conhecimento

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 103


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

científico, embora evidencie um pouco mais os Paralelo às disciplinas de Estágio Supervi­


conteúdos da Ciência, pois, a mudança conceitual sionado, seis estudantes aceitaram participar
é a base do modelo. voluntariamente de um ciclo de discussões sobre os
O método parte da busca, na literatura, de con- processos de elaboração e aplicação de SEA con-
teúdos a serem abordados, analisados e, posterior- siderando as tendências do Ensino de Ciências. O
mente, apresentados aos alunos. Após esse levanta- intuito desse grupo era, na forma de Comunidades
mento, investigam-se as concepções dos alunos e de Aprendizagem de Professores, ampliar as dis-
como as experiências servirão de campo de estudo cussões sobre as tendências do ensino de ciências
para contribuir para a reconstrução educacional. Na na elaboração e aplicação das SEA considerando
abordagem dos conteúdos atribui-se importância à os aportes teóricos e o contexto da sala de aula.
História da Ciência, pois se acredita que conhecer a Dessa forma, instituiu-se um GCP visando realizar
epistemologia dos conceitos contribui para encon- discussões mais sistematizadas ao longo de todo o
trar elementos mais eficazes de como ensiná-los. processo de elaboração e aplicação das SEA.
Assim posto, neste artigo, são apresentados Os licenciandos participantes desse grupo
resultados de um projeto de pesquisa que buscou menor, identificados como L1, L2, L3, L4, L5
investigar as contribuições para formação inicial e L6, elaboraram três Sequências de Ensino
de professores do processo de elaboração e vali- Aprendizagem. Os universitários L5 e L6 versa-
dação de Sequências de Ensino Aprendizagem ram sobre a Radioatividade, L1 e L2 trataram a
(SEA), visando contemplar a abordagem contextu- Eletroquímica e L3 e L4 abordaram a parte con-
alista da História da Ciência. Será discutido como ceitual de Termoquímica.
a História da Ciência foi explorada na elaboração As reuniões ocorreram durante os processos de
das SEA assim como os entendimentos que os elaboração e aplicação dos materiais, sendo algu-
graduandos estabeleceram sobre tal tendência ao mas destas escolhidas para a coleta de dados de
passo que debatiam sobre questões relacionadas ao modo mais sistêmico. A metodologia da coleta e a
processo de elaboração e aplicação dos materiais. realização de entrevistas semiestruturadas foram a
forma de grupo focal (Trad, 2009).

2  Metodologia
3  Discussão dos resultados
No segundo semestre de 2011, em quatro dis-
ciplinas de Estágio Supervisionado em Ensino Do processo de elaboração resultaram 25
de Química, realizaram-se estudos teóricos sobre SEA dos 43 acadêmicos, considerando as três dos
Sequências de Ensino Aprendizagem. Foi pedido a licenciandos participantes desse estudo. Antes de
um grupo de licenciandos, 43 estudantes do curso realizar a análise, verificou-se que as SEA pro-
de Licenciatura em Química da Universidade duzidas e aplicadas nas Disciplinas de Estágio
Federal de Sergipe – SE, que confeccionassem Supervisionado apresentavam a estrutura suge-
e aplicassem SEA de acordo com as orientações rida nas orientações pedidas pelos professores
dadas pelos professores formadores com base no formadores, ou seja, todas elas estavam compre-
Projeto Político Pedagógico do curso. Nesse pro- endendo 10 horas/aulas com as atividades des-
cesso, foram consideradas as tendências do Ensino critas detalhadamente (textos, aula expositiva,
de Ciências: cotidiano, interdisciplinaridade e his- questões problematizadoras, vídeo didático, aula
tória da ciência. experimental etc.).

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História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

A discussão com base na análise da tendên- “[...] a gente vai trabalhar a máquina
cia História da Ciência das três SEA produzidas vapor, como ela foi usada no passado, o
é apresentada de acordo com os encontros reali- carvão vai transformar energia térmica
zados. Na primeira reunião do grupo, os futuros em energia mecânica [...] depois a gente
professores, com base em um instrumento, realiza- vai falando dos outros vários tipos de
ram a análise das tendências de ensino Cotidiano, energia [...] Eu creio que mais História da
Interdisciplinaridade e História da Ciência de suas Ciência” (L3).
respectivas SEA. Após isso, o grupo passou às
questões relacionadas com as disposições explo- Quanto à análise da SEA Radioatividade, os
radas nos materiais didáticos, objetivando discutir licenciandos L5 e L6 concluem que a SEA carac-
detidamente as variáveis da dimensão epistemo- teriza-se na abordagem histórica como feito dos

lógica, com base nas duplas que as construíram, cientistas, enfatizando, mais detidamente, a obra

debatendo cada uma das tendências das SEA. de um grande cientista (Peduzzi, 2001).

Nessa reunião, L1 e L2 com base na análise


“O que acontece, a questão [...] um vem na
da SEA Eletroquímica, concluíram que o material
sequência do outro. Um fala uma coisa aí
didático apresentou uma abordagem histórica com
vai lá outro que está de acordo, é meio que
vistas a vangloriar grandes feitos de cientistas. Os
uma sequência [...] Por isso que eu estou
estudantes deixaram transparecer que essa visão
dizendo, pelo que eu li, eu acho também
não é a mais interessante em um material didático.
que eles apresentaram em sequência, mas
L1 é categórico ao afirmar que a SEA apresenta
dai a chegar e concordar eu acho que não.
muito pouco de HC, necessitando reelaborações
Acho que o que acontecia, um pensava,
para alcançar níveis mais elaborados:
um tinha uma ideia, descobria uma coisa
o outro [...] lá em outro projeto, ou até
“No caso que é um texto que tem na sequ-
mesmo, entrando em consenso [...]” (L6).
ência didática, que é sobre pilhas, fala
um pouco sobre Daniel, sobre a pilha de
Uma vez perguntados sobre a possibilidade de
Alessandro Volta. Só isso, mais nada.
se alcançar esse nível mais elaborado de HC na
Muito simples, é muito pouco. Não é dizer SEA, L6 responde prontamente que isso é possível.
que tem história [...] a gente precisa muito
melhorar essa parte aí sobre pilha, que está “Para fazer isso deveria ter um artigo
muito devagar”. mais, assim [...] com esses debates” (L5).

Os licenciandos L3 e L4 argumentam que, na E, ainda, L5 aponta para a necessidade de bus-


SEA elaborada por eles, não há uma abordagem car uma abordagem histórica do desenvolvimento
histórica e, ao serem perguntados sobre como pre- da Radioatividade. Após discussões nesse pri-
tendem abordar a História da Ciência, L3 responde meiro encontro, ficou evidente que os acadêmicos
que irá acrescentar na reformulação da SEA como conceberam ideias mais elaboradas de HC. A ine-
o desenvolvimento da Máquina a Vapor contribui xistência dessa abordagem no conjunto de discipli-
para o entendimento do conceito de energia calo- nas da graduação dificulta, e muito, a elaboração
rífica, enfatizando isso ao afirmar que é necessário de materiais com visões menos triviais de História
mais História da Ciência que Interdisciplinaridade. da Ciência.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 105


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

Após a primeira aplicação do material no con- da teoria do calórico [...] as primeiras


texto da sala de aula e das consequentes discus- ideias de calor, que o corpo tem um fluído
sões sobre possíveis reformulações, realizou-se chamado calórico, que não tinha massa,
o segundo encontro para coleta de dados. Neste não tinha cor [...] discute isso com eles e
momento, ficou evidente que os licenciandos L1 e depois tem a questão perguntando se ele
L2 buscaram a exploração das controvérsias histó- concorda com aquela teoria ou não” (L3).
ricas na reelaboração da SEA Eletroquímica.
“[...] pelo que percebi do questionário se
“[...] inserimos um texto que relata quem eles concordam ou não (com a Teoria do
foi o primeiro cientista a desenvolver a teo- Calórico). Eles concordam em partes, com
ria da salinidade dos oceanos e mares [...] a fórmula eles aceitam, [...] essa fórmula
tem alguns aspectos da teoria [...] que não Qmct [...], mas quando parte pra questão
traz tudo correto [...] Outro ponto, ao intro- do fluído, que esse fluído era o responsável
duzir História, não sei se seria só mera cita- [...] com o aumento da sua temperatura,
ção, mas a questão do desenvolvimento da temperatura do seu corpo, aí eles já não
pilha de Volta e da pilha de Daniel [...] mas concordavam com essa questão” (L4).
nesse momento, como pilhas, a gente tinha
Os acadêmicos falam da importância de trazer
a experimentação para eletrólise” (L2).
os estudos do calórico a fim de provocar choque
“[...] nós estamos pretendendo reproduzir de ideias com o conceito atual de entalpia nas
a pilha de Volta em sala de aula. [...] Se aulas com alunos do Ensino Médio. Cabe ressaltar
pudéssemos obter as pernas de rãs como fez que as controvérsias históricas são defendidas em
Volta, demonstrar o que ele fez [...]” (L1). abordagens na sala de aula e contribuem para des-
mistificar a ideias de cientistas heróis detentores
Como se percebe, L2 afirma haver necessidade do conhecimento (Matthews, 1995; Peduzzi, 2001;
de inserir, na Sequência de Ensino Aprendizagem, Freire Jr., 2002).
os estudos históricos sobre a pilha de Alessandro Tratando dos licenciandos L5 e L6 no segundo
Volta, e L1 deixa a intenção mais latente, quando encontro, percebe-se que L6 argumenta sobre
argumenta sobre a experiência da pilha de Volta e de a importância da existência de um texto na SEA
parte dos estudos de Luigi Galvani, com seus expe- Radioatividade reformulada que traz informações
rimentos com pernas de rã. O uso das controvérsias sobre as contribuições dos cientistas Marie Curie
históricas presume um pouco mais de complexidade e Antoine Henri Becquerel para os estudos sobre
na elaboração de uma SEA e requer uma abordagem radioatividade, ou seja, se percebe, ao menos, a
contextualista (Matthews, 1995; Oki, 2000). tentativa de melhorar sensivelmente a abordagem
Os licenciandos L3 e L4 buscaram acrescentar dos episódios históricos para além da simples cita-
mais elementos históricos na segunda versão da ção de obra de cientistas que lograram êxito histo-
SEA Termoquímica e fazem isso trazendo, para o ricamente (Peduzzi, 2001).
material, a ideia do calórico para abordar o con-
ceito de calor: “[...] vale ressaltar que esse texto, a abor-
dagem dele tem um contexto histórico [...]
“[...] a gente optou por tirar entalpia da enfatizando cada um, a importância da
sequência didática e trabalhar a questão cada um, que foi Marie Curie, Becquerel,

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História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

qual foi a contribuição realmente que cada “A questão foi que a gente tinha dividido
um deu pra questão da radioatividade Roentgen, Becquerel e Marie Curie e tinha
[...]” (L6). colocado Ernest Rutheford antes de tudo
[...] é a ideia agora, falar de Roentgen [...]
A fim de buscar mais elementos nessa direção aproveita e fala de Marie Curie e Becquerel
foi perguntado aos licenciandos L5 e L6 sobre os ao mesmo tempo, nessas duas aulas, por-
avanços da SEA atual em relação à primeira versão que esse vídeo fala de Becquerel também,
e L5 argumenta que a sequência atual traz avanços aí depois fala de [...] Marie Curie aí fala de
em relação à anterior, justificando a abordagem Ernest Rutherford [...] o modelo atômico
do texto que apresenta os episódios históricos de dele, aí então a ideia, por que mudou, aí é
modo não fragmentado. melhor, e quando trabalhar o modelo atô-
mico dá para trabalhar partícula alfa, beta
“[...] a anterior ficou assim um tanto con-
e gama, porque é melhor que trabalhar com
fuso, que justamente isso, que História da
Becquerel, elas se encaixam melhor” (L5).
Ciência, estava utilizando um texto e esse
texto estava sendo fragmentado no decor- A tendência História da Ciência parece ter
rer das aulas. Com relação à História, alcançado níveis mais complexos nos materiais
ficou melhor na questão de que, porque didáticos dos licenciandos, pois ficou evidente
como eu já havia dito esse texto faz uma que as SEA trazem elementos que apresentam a
síntese de toda a História, para posterior- evolução científica dos conceitos da época consi-
mente abordarmos cada detalhe individu- derando-se as mudanças de paradigmas. A desta-
almente, de acordo com cada aula, pra car ainda a SEA Radioatividade, reelaborada pelos
enfatizar melhor essa questão” (L5). licenciandos L5 e L6 que, segundo eles, o material
apresentou elementos da exploração da evolução
Então, L6 é categórico ao afirmar que o mate- científica dos conceitos considerando as mudanças
rial traz as contribuições dos cientistas que apre- de paradigmas do desenvolvimento histórico cien-
sentaram os primeiros trabalhos sobre a radioati- tífico em meio a debates e controvérsias em seus
vidade já citados em falas anteriores. Reforçando contextos extracientíficos (Matthews, 1995; Oki,
a questão das contribuições de cada um dos cien- 2000; Peduzzi, 2001; Freire Jr., 2002).
tistas, apresentam-se as explicações seguintes de O terceiro encontro de discussões para coleta
ambos: de dados buscou investigar nos relatos dos licen-
ciandos, as impressões, os entendimentos e posi-
“[...] na sequência didática anterior todo
cionamentos acerca da HC. Iniciando a análise
esse conteúdo, só que não foi dada a devida
pelos licenciandos L1 e L2, verifica-se que a SEA
atenção a cada um como deveria ter sido
Eletroquímica sofreu uma sensível reformulação
e agora não, nessa reelaboração a gente
em aspectos de HC. Neste sentido, L1 e L2 argu-
tentou sintetizar as aulas, o texto e ten-
mentam essa tendência na primeira SEA elaborada:
tar abordar a contribuição que cada um
deu [...] é o ponto principal, Marie Curie, “[...] a questão da História da Ciência, na
Becquerel [...] que o aluno entenda qual foi primeira fase de elaboração era apenas um
realmente a contribuição de cada um (cien- recorte, seria meramente uma citação, só a
tista) [...]” (L6). teoria sobre a salinidade da água do mar.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 107


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

Já nessa segunda fase de reelaboração, baseado nessa teoria comparando com o


[...] desde a eletricidade até as primeiras atual. [...] a História da Química ela de
ideias sobre Eletroquímica, vamos citando fato não é o principal da sequência [...] a
quais cientistas contribuíram para a for- gente busca falar da História da Química
mação do conceito de eletricidade e, pos- nesse sentido da Teoria do Calórico [...] na
teriormente, as contribuições de Galvani, questão da revolução industrial, as primei-
Volta e Daniel quando a gente trata de ele- ras máquinas a vapores [...]” (L3).
troquímica” (L2).
“Sim, e também o impacto do desenvolvi-
“[...] eu acho que da primeira fase da mento na sociedade e na época também. O
sequência para a segunda fase da sequên- que causou na época” (L4).
cia, creio que avançamos muito, porque a
Percebe-se que, possivelmente, a intenção dos
questão da História está mais nítida nessa
licenciandos L3 e L4 foi suscitar algum debate
segunda, a segunda reelaboração, já na
explorando os episódios históricos em sala de
primeira era algo meramente pra citar e o
aula além de questões científicas. Essa forma de
que poderíamos, tipo diferente seria mais
abordagem tem como ideia central apresentar a
claro se nós trabalhássemos” (L1).
evolução científica dos conceitos considerando-
O acadêmico L1 argumenta que a primeira ver- -se as mudanças de paradigmas (Matthews, 1995;
são estava apenas no campo da citação, nível mais Freire-Jr., 2002).
trivial de História da Ciência, sendo que, na SEA Tratando da análise da História da Ciência dos
reformulada, foram abordadas citações históricas licenciandos L5 e L6, foi perguntado a eles sobre
sobre eletricidade para, então, apresentar as ideias o nível de apropriação que a SEA fez da tendência
sobre Eletroquímica de Alessandro Volta e Luigi e, em reposta, L5 relata que foram alcançados dois
Galvani. Historicamente, é sabido que esses dois níveis, um mais trivial, que remete a simples cita-
cientistas travaram um intenso debate acerca da ção de cientistas, e outro mais complexo, com a
origem da eletricidade, no qual Galvani falava da ideia de controvérsias históricas na abordagem no
origem animal e Volta defendia que esse fenômeno ensino de Ciências (Matthews, 1995). Então, foi
ocorria oriundo de reações com metais (Oki, 2000). perguntado sobre as contribuições dos cientistas
Quando perguntados sobre a busca de mais ele- Marie Curie e Antoine Henri Becquerel, L6 expõe
mentos de História da Química para nova aplica- ter ficado surpresa de saber que Mari e Curie rea-
ção da SEA, L3 relata que o material traz os estu- lizava discussões com seu esposo na época, Pierre
dos sobre a Teoria do Calórico do século XVIII. Curie, sobre os experimentos de Becquerel:
Inqueridos sobre a questão das possíveis contradi- “Eu fiquei mesmo [...] E lá na questão,
ções sobre essa teoria, ele fala da comparação pos- por exemplo, da radiatividade do experi-
sível entre as ideias atuais da quantidade de calor mento que Becquerel fez. Pierre Curie foi
dos materiais e a Teoria do Calórico: do lado do laboratório e chamou Marie
Curie para ver o fenômeno que tinha lá
“Então, ela busca na questão da Teoria do
acontecido” (L6).
Calórico, não é a base da sequência, mas a
gente discute isso também [...] a gente fazia L5 também argumenta sobre as contribuições
um experimento e discutia esse experimento que os trabalhos de William Crookes, sobre os

108 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

raios catódicos no final do século XIX, forneceram patamar da abordagem contextual de História da
para as pesquisas de Joseph John Thomson. Ciência (Matthews, 1995). O que pode justificar de
forma mais evidente a forte intenção de contemplar
“[...] lembrando a intenção de William a abordagem contextual na SEA Radioatividade é a
Crookes, que ele tinha que estudar a natu- fala de L6, pois o licenciando argumenta que exis-
reza elétrica da matéria, ao mesmo tempo tiu também a preocupação com questões sociais na
Thompson também tinha essa intenção. abordagem do material didático.
Que na verdade Thompson fez uso da
ampola de Crookes, justamente para isso. “[...] nas sequências que a gente está
Como era que a gente conseguia relacio- fazendo meio que diferencia [...] a gente
nar, por exemplo, de que forma Thompson está tratando mais de questões sociais,
descobriu a natureza elétrica da matéria, claro que a questão da usina nuclear [...]
que na verdade, quando você aborda mode- apresentei valores na semana passada, da
los atômicos você diz como ele descobriu a questão da usina nuclear, a gente apresen-
natureza elétrica da matéria [...] ele disse tou valores [...]” (L6).
que o átomo era uma esfera maciça com
cargas positivas e negativas, simples assim A partir dessas discussões, com base nas falas,
[...]” (L5). reforça-se a ideia de que a tendência História da
Ciência parece apresentar resultados bastante
É possível inferir aqui a importância que os satisfatórios, pois foram manifestados patamares
licenciandos L5 e L6 atribuíram à História da mais elaborados nos materiais produzidos pelos
Ciência na SEA, ao abordar contribuições históricas licenciandos. Infere-se sobre essa constatação que
que um grupo de cientistas pode oferecer a outros, o materiais mais elaborados do ponto de vista da HC
que é novamente percebido nos comentários: indicam que os licenciandos alcançaram o entendi-
mento dos níveis mais complexos da tendência do
“A questão é que na primeira fase que a gente ensino de Ciências.
aplicou [...] eu acho que não deixou claro
exatamente quais foram as contribuições de
cada um [...] na segunda reformulação, eu 4  Conclusão
acho que isso está ficando claro” (L6).
O caminho escolhido, a elaboração de
“Porque ficou muito solto, [...] Eu não con- Sequências de Ensino Aprendizagem, foi impor-
seguia é ligar um cientista à descoberta de tante para o entendimento de diferentes enfoques
outro cientista [...] nessa segunda etapa [...] de abordagem da História da Ciência no Ensino
a gente criou uma linha, que um fato seria de Ciências.
de partida para outro fato [...] um cientista Os licenciandos do curso de Licenciatura em
fazia uso das ideias de outros cientistas [...] Química da Universidade de Sergipe puderam dis-
por isso que a História, nesse sentido, pra cutir e refletir sobre a produção de material didá-
mim, é muito importante” (L5). tico explorando a História da Ciência em diferentes
momentos de produção e aplicação das SEA. Nesse
Essa forma de conceber a HC é fundamen- sentido, pode-se argumentar que a formação das
tal para que o material didático possa chegar ao Comunidades de Aprendizagens pode contribuir

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 109


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

para a formação docente. Os acadêmicos puderam In: SILVA-FILHO, W. J. D. Epistemologia e Ensino


compreender e explorar, nos materiais didáticos, de Ciências. Salvador: Arcadia, 2002, p. 13-30.

próprios entendimentos dos níveis mais complexos KABAPINAR, F.; LEACH, J.; SCOTT, P. The design
and evaluation of a teaching–learning. International
da tendência do ensino de Ciências como a ideia Journal of Science Education, v. 26, n. 5, p. 635-
de controvérsias históricas na abordagem no ensino 652, 2004.
de Ciências, ou seja, a abordagem em questão pos- LEACH, J.; SCOTT, P. Designing and Evaluating
sibilitou aos futuros professores poderem discutir Science Teaching Sequences: An Approach Drawing
upon the Concept of Learning Demand and a Social
elementos da elaboração e validação de SEA consi-
Constructivist Perspective on Learning. Studies in
derando a visão contextualista de Mattews. Science Education, v. 38, p. 115-142, 2002.
Em contrapartida, os licenciandos, aparente- ______. et al. Designing and evaluating short science
mente por se identificarem com a própria apren- teaching sequences: improving student learning.
dizagem proporcionada pelos aspectos históricos, In: BOERSMA, K. et al. Research and The Quality
of Science Education. Dordrecht: Spring, 2005, p.
não discutiram mais detidamente as questões rela- 209-220.
cionadas ao processo de aplicação das SEA no
MATTHEWS, M. R. História, Filosofia e Ensino de
contexto escolar, não permitindo, assim, debater Ciências: a tendência atual de reaproximação. Cad.
efetivamente as limitações do uso de Sequências Cat. Ens. Fís., v. 12, n. 3, p. 164-214, 1995.
de Ensino Aprendizagem no processo de ensino, o MÉHEUT, M. Teaching learning sequences tools for
que ocorreu com as duas outras tendências discuti- learning and/or research. In: BOERSNA, K. et al.
Research and The Quality of Science Education.
das, Cotidiano e Interdisciplinaridade. Dordrecht: Springer, 2005, p. 195-207.
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5  Referências aims and tools for science education research.
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110 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Química Verde 01 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 p. 111-124

Implicações da Inserção da
Química Verde na Formação Inicial de
Professores de Química
Implications of Inserting Green Chemistry in
Initial Formation (Graduation) of Chemistry Teachers
Marilei Casturina Mendes Sandri1 e Ourides Santin Filho2

RESumo
Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa-ação que buscou promover a
inserção da Química Verde na formação inicial de professores de Química de uma
Instituição de Ensino Superior paranaense e avaliar as implicações conceituais dela
resultantes. Tal inserção ocorreu por meio da realização de sequências didáticas
(SD) elaboradas conforme as orientações de Zabala (1998) e desenvolvidas em
duas etapas, nas disciplinas de Instrumentação para o Ensino de Química I e II. Os
dados da primeira etapa permitiram avaliar as contribuições conceituais das ações
desenvolvidas na SD. A construção dos dados se deu por meio da aplicação de
questionários e elaboração de sínteses pelos acadêmicos. A análise textual discur-
siva empregada sobre o corpus permitiu identificar as concepções iniciais e finais
dos acadêmicos, sobre os temas tratados. Seus conhecimentos prévios demonstra-
ram associações da QV com o ambiente, a sustentabilidade e a prevenção à geração
de resíduos. Essas ideias mostraram-se pertinentes, porém, restritivas ao demons-
trar visões simplistas de ambiente e sustentabilidade, ambas atreladas apenas aos
aspectos ecológicos/preservacionistas. Sendo assim, as respostas iniciais foram
vinculadas à vertente técnica/instrumental da QV (Zuin, 2011). As reflexões pro-
movidas pelas atividades da SD problematizaram o conceito de sustentabilidade e
ambiente e sua relação com a QV, agregando elementos conceituais que permitiram

1. Instituto Federal do Paraná, Colegiado de Química.


2. Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Exatas, Departamento de Química.
a superação do pragmatismo técnico inicialmente associado à QV, e assim permitindo aos acadêmicos vis-
lumbrar compreensões mais abrangentes sobre esse tema.
Palavras-chave: Formação de professores; Química Verde; Educação para a sustentabilidade.

Abstract
This paper presents the results of an action research which aimed to promote the inclusion of Green
Chemistry in the initial training of Chemistry teachers of a Higher Education Institute from Paraná and
evaluate the conceptual implications resulting from it. Such insertion occurred through the realization of
didactic sequences (DS) prepared in accordance with guidelines of Zabala (1998) and developed in two
stages, in Instrumentation disciplines for the Teaching of Chemistry I and II. The data from the first stage
allowed evaluating the conceptual contributions of the actions developed in DS. The construction of the
data was accomplished through the use of questionnaires and preparation of summaries by academics. The
textual discursive analysis of the corpus identified the initial and final views of the academics on the issues
discussed. Their previous knowledge demonstrated GC associations with the environment, sustainability and
preventing the generation of waste. These ideas proved to be relevant, however, restrictive for demonstrating
simplistic visions of environment and sustainability, both linked only to ecological / preservationist aspects.
Thus, the initial answers were related to technical / instrumental aspects of GC (Zuin, 2011). The reflections
promoted by the DS activities discuss the concept of sustainability and the environment and its relationship
with GC, adding conceptual elements which enabled them to overcome the technical pragmatism initially
associated with GC, and thus allowing students envision a more comprehensive understanding on this issue.
Key-words: Teacher training; Green Chemistry; Education for sustainability.

1  Introdução
históricas que fazem parte do processo de forma-
No contexto nacional atual, o prenúncio de gran- ção docente.
des reformas educacionais, tais como a implantação O saber docente, conforme Tardiff (2002), é
da Base Nacional Comum para a Educação Básica social, e isso implica dizer que esses saberes são
e as novas Diretrizes Curriculares para os cursos de moldados pelas transformações sociais, que aca-
licenciatura, reacende os debates e reflexões sobre a bam por imprimir novas demandas para o ensino e
formação inicial e continuada de professores, con- por consequência à formação dos professores.
siderando seu papel fundamental e estratégico na O desenvolvimento científico e tecnológico
concretização de propostas que buscam a elevação assistido, principalmente a partir da metade do
da qualidade da educação em nosso país. século XX, e suas implicações sociais e ambien-
Os desafios que se infligem sobre a formação tais nem sempre benéficas, trouxeram para a edu-
de professores são quantitativos e qualitativos e cação científica a tarefa de tornar o conhecimento
requerem, portanto, suprir a carência de profissio- científico instrumento para a prática social funda-
nais oportunizando-lhes as reflexões acerca das mentada, responsável, crítica e transformadora e
dimensões epistemológicas, sociais, políticas e promover a educação para a sustentabilidade.

112 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

Assim, vemos surgir também, como demanda 2  A Química Verde


formativa dos cursos de formação de professores,
a necessidade de formar profissionais que este- O nascimento da QV em 1991, é atribuído
jam preparados para questionar as relações entre a ao lançamento do programa intitulado “Rotas
Ciência e a Tecnologia e a esfera social e promover Sintéticas Alternativas para Prevenção de
a alfabetização científica (AC) necessária para o Poluição” pela agência ambiental estadunidense
alcance das mudanças anteriormente apontadas. EPA (Environmental Protection Agency), e que ao
Para tanto, Acevedo Díaz e colaboradores ser expandido em 1993, ganhou a denominação
(2003), enfatizam a importância do enfoque CTSA Química Verde (Anastas; Kirchhoff, 2002).
na formação de professores de ciências, como meio O conceito de Química Verde foi apresentado
de promover a reflexão e oportunizar práticas didá- por Anastas e Werner em 1998, e pode ser definido
ticas inovadoras na Educação Básica. Mesquita et como o desenho, o desenvolvimento e a aplicação de
al. (2013) reitera essa asserção, ao tratar especifi- produtos e processos químicos para reduzir ou elimi-
camente das licenciaturas em Química, tendo em nar o uso e a geração de substâncias nocivas à saúde e
vista as implicações desta ciência no contexto do ao ambiente. Esta proposta se apoia sobre 12 prin-
desenvolvimento científico-tecnológico atual. cípios, também apresentados por esses autores
A necessidade de uma revolução na formação (Anastas; Werner, 1998).
de profissionais no campo da Química também De acordo com Machado (2011), a emersão
é apontada por Pinto e colaboradores (2009), os da QV foi impulsionada pelo desenvolvimento de
quais indicam como possíveis caminhos para esse certo número de atividades no âmbito da Indústria
processo, como uma maior proximidade entre as Química que condu­ziram a novas atitudes e con-
Ciências Naturais e a Educação, a construção de ceitos na década de 1980, no contexto da conso-
novos currículos e estruturas de ensino e aprendi- lidação do ambientalismo moderno. Essas ações
zagem bem como a introdução, de forma transver- são elencadas por Machado (2011) numa ordem
sal, dos princípios da Química Verde, da sustenta- cronológica, sendo elas:
bilidade e da atuação responsável. 1. Prevenção da Poluição (P2);
No contexto específico da formação de profes- 2. Minimização de resíduos;
sores, a Química Verde (QV) surge como possibi- 3. Processos com mais segurança inerente;
lidade de difundir uma nova racionalidade para as 4. Cuidado Responsável;
atividades químicas, pensada sob uma perspectiva 5. Design para o Ambiente;
abrangente e crítica, que engloba a compreensão 6. Ecologia industrial.
das relações sistêmicas da Química com a socie-
dade, o ambiente, a tecnologia, a economia e a Ao longo dos seus 25 anos de existência, a difu-
política, tendo por base uma postura ética, e assim são dos princípios da Química Verde, no âmbito
fundamentar práticas docentes coerentes com a acadêmico e industrial mundial, tem se mostrado
perspectiva da AC. ascendente e promissora, conforme aponta o
Dessa forma, o presente artigo trata sobre a número crescente de trabalhos que anualmente são
inserção da QV na formação inicial de professo- publicados sob essa nova vertente (Farias; Fávaro,
res de Química de uma instituição de ensino supe- 2011).
rior paranaense e as implicações conceituais dela Tratando do contexto brasileiro, Sanseverino
resultantes. (2003) informa que os princípios da QV só

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 113


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

começaram a ser difundidos no meio acadê- (QUIVES), a qual defende que esta nova aborda-
mico, governamental e industrial no início deste gem da Química deverá embutir, nos jovens cien-
século. Quanto à difusão dessa proposta no país, tistas, as competências éticas e práticas requeridas
Leal e Marques (2008) apontam alguns projetos para reorientar a tecnologia química no sentido da
de pesquisa e a divisão de Química Ambiental da Sustentabilidade. Para isso o autor propõe inserir
Sociedade Brasileira de Química, como importan- os princípios da QV em todos os níveis educacio-
tes contribuintes diretos ou indiretos para o desen- nais, exemplificando sua necessidade, possibilida-
volvimento da QV em instituições de ensino, pes- des e vantagens de aplicação.
quisa e extensão. Também Vilches e Perez (2002) defendem que
Percebe-se, por meio do exposto, que a QV tar- a QV passe a fazer parte dos cursos de formação
dou a chegar ao Brasil, comparado com a data de profissional, visando difundir essa nova proposta
seu nascimento nos EUA. Nota-se, porém, que as e levar a cabo essa nova racionalidade tanto no
tentativas de difusão e incorporação de seus pres- âmbito da indústria, quanto na Educação Básica,
supostos são crescentes, a notar pelo surgimento colaborando em várias frentes para o desafio de
de grupos de pesquisa destinados a investigações um futuro sustentável.
nesse campo, e pelos ensejos governamentais de Apesar dos reiterados apelos para que a QV
incluí-los nos planejamentos de desenvolvimento componha os currículos de formação profissional, e
sustentável do país. os reconhecidos esforços para que esta proposta se
Contudo, ao avaliarmos o âmbito educacional, viabilize nos cursos de graduação e pós-graduação
percebemos a incipiência de grupos de pesquisa e em nível mundial, encontramos na literatura nacio-
trabalhos acadêmicos dedicados a avaliar, propor nal indícios de que essas propostas ainda não atin-
e inserir a QV nos currículos e na prática da sala giram sua plenitude, embora sejam promissoras.
de aula, nos diferentes níveis educacionais, con- Antonin et al. (2011) consideram que a difu-
trariando o que defende Anastas e Kirchoff (2002) são dos princípios da QV nos cursos superiores de
– pioneiros da QV no contexto estadunidense – ao Química no Brasil, mesmo que em sua dimensão
afirmarem que estudantes de todos os níveis devem instrumental, ainda é incipiente. O quadro não é
ser introduzidos na filosofia e prática da Química Verde diferente na formação de professores de Química,
(p. 691) para assim caminharmos em direção aos onde os princípios da QV ainda são pouco
desafios da sustentabilidade. difundidos (Rollof, 2011).
Todavia, Zuin (2011) faz o alerta de que o sim-
ples “esverdeamento” do currículo não garante,
3  A QV e a formação profissional
por si só, uma formação capaz de modificar por
Tanto no cenário internacional quanto nacional meio de conhecimentos e ferramentas tecnocien-
muitas vozes se somam para reivindicar a inser- tíficas o modelo atual de profissionalização para o
ção dos princípios da QV nos cursos de formação enfrentamento da crise ambiental contemporânea.
profissional em Química, em nível de graduação e Isso, certamente, remete à necessidade de inserir
pós-graduação (Vilches; Perez, 2010; Prado, 2003; de forma transversal os princípios da QV, ou seja,
Machado, 2004, 2011; Marques et al., 2007, 2013; permeá-los em diferentes disciplinas e práticas
Zuin, 2011). metodológicas, oportunizando-lhes um caráter
Machado (2004) cita a Declaração de Tóquio teórico, prático e vivencial de forma problemati-
(2003), sobre Química Verde e Sustentável zada, contextualizada e crítica.

114 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

Assim, consideramos justas as solicitações de em Química, com vistas a atingir transformações


inserção da QV na formação profissional de todos conceituais (saber), procedimentais (saber fazer) e
os segmentos da Química: engenheiros quími- atitudinais (saber ser), referentes aos temas.
cos, químicos bacharéis e licenciados, e defende- Conforme Thiollent (2002) a PA é um método
mos que a inserção desse tema é especialmente de pesquisa que congrega objetivos de ação e de
importante na formação de futuros professores, conhecimento, ou seja, mediante a PA objetiva-
porque estes podem ser não apenas praticantes -se obter conhecimentos que possam alimentar os
de tais princípios, mas também agentes dissemi- debates e reflexões na área de estudo em questão,
nadores dos mesmos e de discussões capazes de e ainda promover a transformação dos sujeitos
fomentar na Educação Básica a formação cidadã, envolvidos na pesquisa em relação ao problema
crítica, responsável e comprometida com um diagnosticado.
mundo no qual emerge e urge a necessidade de A PA prevê que sejam desenvolvidas ações que
sustentabilidade. permitam encaminhar os sujeitos à transformação
Nesse sentido, compreendemos que os pro- pretendida. Sendo assim, optou-se por elaborar e
fessores de Química precisam de suporte teó- aplicar sequências didáticas apoiadas na proposta
rico-metodológico, pois conforme Anastas e de Zabala (1998). Esse autor ancora-se no cons-
KIrchhooff (2002, p. 689) trutivismo de Vygotsky e Ausubel e propõe a ela-
boração de SD que favoreçam interações entre os
Educadores precisam de ferramentas apropria-
sujeitos, e promovam o aprendizado conceitual,
das, treinamento e materiais para integrar efe-
tivamente a Química Verde em seu ensino e na procedimental e atitudinal.
pesquisa (p. 689). Compreendendo que as transformações preten-
didas almejavam que os sujeitos aprendessem não
Sendo assim, este trabalho se propôs a inserir somente os conceitos referentes ao enfoque CTSA
a QV na formação didático-pedagógica de profes- e à QV, mas pudessem aplicá-los em outros con-
sores de Química, mais especificamente, nas disci- textos e fazer juízos de valor tomando por base tais
plinas de Instrumentação para o ensino de Química conhecimentos, a proposta se mostrou adequada
e avaliar as implicações formativas decorrentes para esta pesquisa.
dessa ação. Neste artigo trataremos da SD sobre QV, a
qual foi elaborada e aplicada em duas etapas,
envolvendo duas disciplinas da grade curricular
4  Metodologia
do curso, a saber: Instrumentação do Ensino de
O trabalho aqui apresentado faz parte de uma Química I e II, ofertadas no 4º e no 6º período, res-
pesquisa-ação (PA) mais ampla, realizada junto aos pectivamente. Cada etapa necessitou de 12 aulas
acadêmicos do curso de Licenciatura em Química para ser realizada. Neste trabalho serão apresen-
do Instituto Federal do Paraná – campus Palmas, tados e analisados os dados referentes à primeira
que buscou inserir o enfoque CTSA e a QV na etapa da SD, Quadro 1, e o foco de análise se
formação didático-pedagógica dos licenciandos deterá ao aspecto conceitual.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 115


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

Quadro 1.  Ações desenvolvidas na primeira etapa da SD sobre QV.


Dia Ações desenvolvidas
1º dia – 2 aulas a) Levantamento de ideias prévias dos acadêmicos acerca da concepção de QV mediante questionário
individual;*
b) Levantamento de concepções prévias sobre Sustentabilidade;
c) Aula expositiva dialogada, trazendo como provocação inicial o debate sobre “Onda verde” (propagan-
das, produtos, empresas, selos intitulados verdes) veiculada pela mídia e a sua intencionalidade de ven-
der a ideia de sustentabilidade;
d) Revisão das concepções iniciais;
2º dia – 2 aulas e) Tratamento de forma dialogada acerca do tema sustentabilidade: origem; definições; princípios-chave;
desenvolvimento sustentável; “economicização do mundo” (Leff, 2010); Lei-limite da Natureza – Entropia
(Cechin, 2010) e Paradigma Cartesiano e Complexo (Morin, 2011);
f ) Finalização com o vídeo “Um novo paradigma”;
g) Atividade em grupo de revisão das respostas iniciais sobre QV e sustentabilidade;
h) Entrega de material de apoio: “As bases morais da química verde” (Gaie, 2002);
3º dia – 2 aulas i) Aula expositiva dialogada sobre os Princípios da QV
j) Retomada das relações CTSA;
k) Discussão acerca da relação da Química para o DS;
4º dia – 2 aulas l) QV no ensino de Química: formação docente e Educação Básica;
m) Trabalho em grupo para reanálise das respostas iniciais sobre QV e sustentabilidade; elaboração de sín-
teses pessoais sobre os conteúdos trabalhados e socialização;
5º e 6º dias – 4 aulas n) Formulação de planos de aula experimentais com vistas à inserção dos enfoques explorados na SD.
* Ação realizada na aula anterior ao início da SD.

Participaram dessa etapa 19 acadêmicos regu- vos ou finalidades que se tem em relação ao apren-
larmente matriculados, que foram identificados dizado dos alunos. No caso de uma perspectiva
de A1 a A19, a fim de preservar suas identidades. construtivista de ensino, Zabala (1998) chama a
Porém, apenas 14 alunos foram assíduos a todas as atenção para que os conteúdos abordados não sejam
aulas desta SD e, portanto, a análise de deu sobre apenas de caráter conceitual ou fatual e, valendo-se
os dados produzidos por esses sujeitos. Os dados de Coll (1986), solicita que também os conteúdos
foram obtidos por meio de questionários para procedimentais e atitudinais sejam explorados.
levantamento de ideias prévias e das sínteses finais Embora congreguemos dos ensinamentos de
elaboradas individualmente pelos acadêmicos. Zabala (1998), que afirma que as tipologias do
A análise dos dados se deu mediante a aplica- conhecimento constituem faces diferentes de um
ção da Análise Textual Discursiva (ATD), proposta mesmo poliedro e que as linhas que as separam são
por Moraes e Galiazzi (2011). Esse método de muito sutis e confusas, dificultando sua separa-
análise prevê as etapas de unitarização, categori- ção no momento do ensino, entendemos também,
zação e elaboração dos metatextos, que permitem segundo esse autor, que a estratégia de diferencia-
captar a nova compreensão que emerge do contato ção ganha sentido a partir da análise da aprendizagem
intenso com o corpus de análise. (p. 40). Por isso, neste trabalho a análise se deterá
aos conhecimentos conceituais.
Ao tratar da aprendizagem conceitual, Zabala
5  Resultados e discussão (1998) situa o conceito de forma bastante ampla,
podendo ser entendido desde sua forma estrita,
5.1 O panorama inicial
como por exemplo, o conceito de mamífero, den-
Zabala (1998) afirma que as atividades de uma sidade, romantismo etc., ou ainda, de maneira
SD devem ser elaboradas de acordo com os objeti- mais abrangente, à compreensão e construção

116 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

pessoal que se origina quando novos conteúdos “A química que defende o meio ambiente.
de aprendizagem se relacionam substantivamente [...]” (A19).
com os conhecimentos prévios e que permitem
Essa relação é também encontrada na litera-
assim a utilização desse conceito para a interpre-
tura. Machado (2004) situa a QV como sendo a
tação, conhecimento de situações ou construção
Química para o ambiente, em distinção da Química
de outras ideias. É sob essa última definição que
do ambiente associada à Geoquímica e da Química
realizamos a análise do corpus, buscando identifi-
no ambiente, associada à Química Ambiental. Para
car as concepções iniciais e finais dos licenciandos
esse autor a QV suscita a
acerca do tema QV.
A primeira atividade da SD, descrita no [...] proteção do ambiente por parte de quem
Quadro 1, consistiu, portanto, na aplicação de um pratica a química – procura que esta seja realizada
de modo a conservar o ambiente, por exemplo,
questionário que permitiu levantar as concepções
com limitação ou, preferivelmente, impedimento
iniciais desses sujeitos acerca dessa temática. da dispersão de poluentes e contaminantes tóxi-
A identificação dessas concepções é essencial cos por parte da Química Industrial e atividades a
quando se considera que os indivíduos não são jusante (Machado, 2004, p. 59).
desprovidos de conhecimento, mas que trazem
Porém, há que se notar que ao falar de
consigo concepções arraigadas em seu processo
“ambiente” os acadêmicos o associam apenas ao
formativo e vivencial, as quais podem se cons-
meio físico natural (seres vivos, mares, rios, lagos,
tituir em obstáculo ao aprendizado, quando não
atmosfera), como denota a fala de A3:
devidamente consideradas.
Mediante a aplicação da ATD sobre as respos- “A QV é a preocupação com o ambiente
tas obtidas, foi possível identificar três categorias, e a sociedade, pois busca por menos resí-
como demonstrado no Quadro 2. É importante duos colocados ao alcance dos seres vivos,
salientar que algumas falas enquadraram-se em menos contaminação nos mares, rios e
mais de uma categoria. lagos”.
Da análise sobre o corpus, depreendeu-se que
Posicionamentos como estes indicam visões
os acadêmicos estabelecem relações da QV com
naturalistas/preservacionistas de meio ambiente,
três aspectos marcantes: meio ambiente, sustenta-
nas quais considera-se apenas uma de suas mui-
bilidade e resíduos.
tas dimensões, tornando reduzida também a pers-
Como apontado no Quadro 2, 10 (dez) acadê-
pectiva de compreensão da QV, pois ao tomar o
micos estabelecem a relação da QV com o meio
ambiente somente em sua dimensão natural, a QV
ambiente, como demonstram as falas:
passa a corresponder tão somente a uma ferra-
“Uma química preocupada com o ambiente menta de ordem instrumental, que pode evitar ou
[...]” (A16). amenizar danos.

Quadro 2.  Categorias das respostas iniciais dos acadêmicos sobre QV.
Unidades de Significado Número de Alunos
Categoria 1 – Protetora do ambiente Natureza/Ambiente 10
Categoria 2 – Promotora de sustentabilidade Sustentabilidade 7
Categoria 3 – Redutora de resíduos Prevenção/Resíduos 8

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 117


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

Ao manter-se sobre essa compreensão, os aca- Assim, com o passar do tempo, alguns termos
dêmicos podem incorrer em uma tendência que ainda pouco compreendidos são incorporados e
usados sem que as pessoas sintam a necessidade
Tozzoni-Reis (2008) chamou de cognoscente. O
de se perguntarem o que eles significam. Viram
sujeito cognoscente percebe a relação homem- chavões, portanto (p. 4).
-natureza mediada pelos conhecimentos científi-
cos, em que a intervenção predatória do homem O termo sustentabilidade parece se encaixar
pode ser modificada pelo avanço científico e nessa situação, pois é um termo relativamente novo
tecnológico, ou seja, sob essa visão se crê que o que ganhou rápida projeção, veiculação e adesão,
avanço científico e tecnológico trará as soluções sem haver, contudo, aprofundamento sobre seus
para os danos já causados ao ambiente e permitirá propósitos e princípios, por parte da população.
avançar em desenvolvimento, sem danificá-lo. Assim, julgou-se importante e necessário apro-
Concepções como estas fundamentam posicio- fundar as investigações sobre tais concepções, o
namentos salvacionistas em relação à ciência e à que foi realizado por meio da atividade b, descrita
tecnologia, e reducionistas em relação ao ambiente no Quadro 1. A análise permitiu identificar o meio
e sua complexidade. Ignora-se, sob essa concepção, ambiente como principal elemento associado à
os aspectos éticos, morais, políticos e econômicos sustentabilidade, seguido da ideia de durabilidade
que podem interferir na relação sociedade-natureza e e autonomia.
também no desenvolvimento científico-tecnológico.
Quadro 3.  Categorias presentes nas concepções pré-
Da análise depreende-se, portanto, que apesar vias dos acadêmicos sobre sustentabilidade.
da relação apontada pelos acadêmicos, entre QV Categorias Nº de Alunos
e meio ambiente ser pertinente, suas compreen- a) Sustentabilidade relacionada ao meio
12
ambiente.
sões reducionistas sobre “ambiente”, acabam por
b) Sustentabilidade relacionada a algo
restringir também a compreensão de QV, a qual durável, que se automantém, perene, in- 8
mantém-se presa ao aspecto técnico. dependente.

Na segunda categoria, identificaram-se 8 (oito)


acadêmicos que indicaram a relação entre QV e De acordo com o Quadro 3, a visão predo-
Sustentabilidade, como demonstram as falas: minante de sustentabilidade entre os acadêmicos
(12 sujeitos) corresponde somente ao seu aspecto
“A QV mostra mais caminhos para um
ambiental, reforçando, inclusive, o entendimento
mundo sustentável” (A5).
ecológico/preservacionista deste. Sob essa com-
“Uma química sustentável. A QV vem
preensão a sustentabilidade está associada a
como aliada e pondo em prática a susten-
um melhor tratamento das questões ambientais,
tabilidade, [...]” (A10).
porém, corresponde somente à busca pela reme-
Porém, por meio das falas dos acadêmicos não diação ambiental, reciclagem, reaproveitamento
foi possível identificar que compreensões esses etc., como denota a fala:
indivíduos tinham sobre sustentabilidade. Para
“Tudo o que deixa o mundo mais ecologi-
esses sujeitos, o termo se autodefine, não sendo
camente correto, desde prevenção, reapro-
necessário detalhá-lo, descrevê-lo ou defini-lo.
veitamento e conscientização” (A13).
Conforme Paula e Lima (2007), novas expres-
sões podem suscitar o sentimento de apego ao que Essas concepções revelam um pensamento
é novo, seja por curiosidade ou simples modismo. associado às campanhas midiáticas que comu-

118 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

mente relacionam a sustentabilidade a compor- des químicas, embora ainda se reporte ao seu trata-
tamentos e produtos “ambientalmente corretos mento, como nos indica a fala de A9:
ou amigáveis”. Além disso, Fonseca e Bursztyn
“A QV vem para dar uma nova consciência
(2007) se valem da teoria de Bordieu (1983) para
para uma redução de resíduos e uma pre-
explicar que a sustentabilidade tornou-se um capi-
ocupação de como eles são descartados”.
tal simbólico que expressa certo comprometi-
mento ambiental e que, pelo poder econômico ou A ideia de evitar ou diminuir a geração de resí-
cultural que tal capital representa, é usado como duos recobra pressupostos como a Prevenção à
apoio discursivo a ações “pró-ambiente” (Fonseca; Poluição e a Minimização de Resíduos, que cons-
Bursztyn, 2007). taram como princípios fundantes da QV (Machado,
Assim, o termo sustentabilidade torna-se um 2011). Para esse autor, a relação da QV com a pre-
marketing ou um slogan que autoanuncia compro- venção à geração de resíduos e com o ambiente
metimento ambiental. Essa concepção de sustenta- é intrínseca, pois a QV surgiu como resposta aos
bilidade, associada à QV, pode conduzir a posturas problemas ambientais decorrentes da crescente
nas quais também esta se torna um slogan propa- produção de resíduos pela indústria química.
gandístico, como chama atenção Zuin (2011): Entendemos, porém, que restringir a QV à
minimização de resíduos lhe imputa muitas outras
O slogan propagandístico que pode vir asso- facetas, ao mesmo tempo que reduz à perspectiva
ciado à Química Verde, e é espetacularmente
técnica. Assim, a partir da análise das concepções
difundido pelos canais de divulgação, não esti-
mula mais discussão, reflexão e posicionamen-
iniciais dos acadêmicos, é possível inferir que
tos críticos do conceito e seus usos, pois ele se estes sujeitos possuíam concepções pertinentes
realiza como imagem autossustentável (p. 33). sobre a QV, relacionando a esta o cuidado com o
ambiente, a busca pela sustentabilidade ou ainda a
Na categoria 3, identificou-se a relação da QV redução de resíduos nas práticas químicas.
com a prevenção à geração de resíduos, como ilus- Porém, ao averiguar mais profundamente suas
tra a fala: concepções sobre ambiente e sustentabilidade,
ambas reduzidas ao meio ambiente natural/eco-
“Diminuir a emissão de poluidores ou
lógico, assevera-se que as concepções iniciais
diminuir a quantidade de resíduos em
podem ser consideradas reducionistas, retroali-
nosso ambiente” (A11).
mentando a ideia de sustentabilidade como solu-
Como chamam atenção Machado (2011) e ção tecnicamente intermediária entre exploração
Zuin e colaboradores (2015), o foco da QV não e conservação (Tozzoni-Reis, 2008) e a QV como
está no gerenciamento e tratamento de resíduos, ou “meio” para viabilizá-la, ao menos no campo da
ainda na remediação ambiental. Seu foco principal Química.
está na ação preventiva, que pode ter como uma Zuin (2011) ressalta que há duas vertentes na
das suas consequências benéficas a diminuição da Química Verde. Segundo a autora
geração de resíduos.
Em relação ao desenvolvimento sustentável e à
Portanto, a ideia de prevenção, suscitada pelos
Educação, há na Química Verde, uma concepção
acadêmicos que compuseram essa categoria, nos que defende, quase exclusivamente por meio de
parece pertinente, pois demonstra uma nova forma “praticas e técnicas ambientalmente corretas”
de pensar nos problemas decorrentes das ativida- injetar comportamentos nos estudantes. Já outra

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 119


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

concepção apregoa que por meio da produção A primeira categoria foi denominada ‘incre-
ressignificada – baseada em novas racionalidades mento às concepções iniciais’ porque segundo
que levem em conta a sustentabilidade socioam-
nosso julgamento, os discursos que nela se enqua-
biental e suas implicações éticas –, de aparatos
científicos e tecnológicos menos impactantes aos
dram não demonstram abandono das concepções
seres vivos e ao meio, há a possibilidades de se iniciais, notadamente relevantes, mas referem-se
engendrar processos formativos críticos e eman- a visões mais complexas destas e, ao nosso ver,
cipatórios, que solicitam a participação efetiva do mais adequadas para estabelecer o diálogo entre
indivíduo, que pensa e sente, para a construção
as vertentes técnica e abrangente da QV. Como
do bem coletivo (p. 78).
apontado, 12 (doze) acadêmicos passaram a con-
Sendo assim, as concepções prévias dos aca- siderar outras dimensões, além da ambiental, tor-
dêmicos, embora pertinentes, foram entendidas nando suas compreensões mais abrangentes sobre
como estando presas à vertente técnica/instru- os temas tratados, como demonstra a fala:
mental. Todavia, como apontado por essa mesma
“Sustentabilidade assim como QV não está
autora as vertentes conceituais da QV não são
relacionada apenas ao meio ambiente,
estanques em si e podem dialogar e rever-se conti-
mas sim a todos os parâmetros: sociedade,
nuamente. Dessa forma, o desenvolvimento da SD
política, ambiente e economia” (A7).
procurou problematizar as concepções iniciais dos
acadêmicos, focando principalmente na discussão Igualmente, as concepções de ambiente e sus-
acerca do ambiente e da sustentabilidade, a fim de tentabilidade tornaram-se mais abrangentes, como
propiciar concepções que coloquem em diálogo as demonstram as falas de A2 e A6:
vertentes conceituais descritas.
“No início a visão de preservação da
natureza era não jogar lixo, plantar árvo-
res etc., [...] mas a natureza também está
6  As transformações alcançadas
interligada ao social, tecnologia, ciência,
Considerando a síntese individual redigida ambiente. É uma cadeia [...]” (A2).
pelos acadêmicos ao final da SD, foi possível
“Sustentabilidade é muito maior que somen-
averiguar em que medida as concepções iniciais
-te reciclagem e menos poluição [...]” (A6).
sobre QV e Sustentabilidade foram modificadas.
A análise desses dados possibilitou a identificação Nesse sentido, tendo havido uma ampliação
de apenas duas categorias, uma que demonstra a da compreensão de ambiente e sustentabilidade,
ampliação das concepções iniciais e a outra que compreende-se que também a concepção de QV
indica sua permanência, como mostra o Quadro 4. encaminhou-se para a vertente mais abrangente.

Quadro 4.  Categorias para as concepções finais sobre QV e sustentabilidade.


Unidades de Significado Nº de Alunos
Categoria 1 – Incremento às • Rompimento com visões restritas de ambiente; 12
concepções iniciais • Consideração de outras dimensões além da ambiental e noção de inter­
‑relação entre as dimensões consideradas;
• Crítica ao modelo desenvolvimentista;
• Noção de responsabilidade intergerações e justiça social.
Categoria 2 – Permanência • Relações com: ambiente/resíduo 2
concepções iniciais

120 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

As falas dos acadêmicos também indicam crí- novos elementos ofertados pela professora e pelos
ticas ao modelo econômico, e apontam o consu- interlocutores teóricos, num movimento que per-
mismo e a busca pelo desenvolvimento a qualquer mite atualizar seus esquemas, compará-los com o
custo como os principais problemas para alcançar que é novo, identificar semelhanças e diferenças
a sustentabilidade. Nesse sentido, compreendem e integrá-las aos seus esquemas iniciais (Zabala,
também as limitações da QV, pois compreendem 1998). Assim, ao reler suas respostas iniciais e
que esta pode contribuir com a sustentabilidade, tecer a síntese pessoal, a maioria dos acadêmicos
mas não dar conta de toda sua problemática, como (12) se autoavaliou percebendo concepções restri-
aponta A9: tas ou incompletas sobre QV e Sustentabilidade,
como indicam as falas:
“A QV é uma auxiliadora no processo de
um mundo sustentável. Portanto, existe a “A minha visão inicial de QV estava
Química Verde dentro da sustentabilidade, somente relacionada com o ambiente até
que por sua vez se encontra dentro de um porque na mídia e nas escolas onde estudei
novo paradigma. [...] não se trata da grande o foco era preservação apenas para o meio
solução como muitos pensam”. ambiente e o não poluir [...]” (A7).
Reconhecer as limitações da QV e da própria Inicialmente, o pensamento sobre QV e
proposta de sustentabilidade é algo importante, sustentabilidade era um tanto restrito, [...]
conforme nos aponta Marques et al. (2013). Assim, Pensava-se mais em reutilização, recicla-
aprofundar o entendimento sobre essa nova filoso- gem para que diminuísse o impacto sobre
fia dentro da Química pode favorecer posiciona- o meio ambiente” (A9).
mentos mais fundamentados, que não se polarizam
em uma visão salvacionista da Ciência – na qual Nesse sentido, destaca-se a importância das
a QV pode ser vista como tábua de salvação às atividades de revisão propostas na SD, pois
degradações ambientais – nem sob a visão fatalista
[...] a estrutura cognitiva dos indivíduos está
que atribui à conta das atividades químicas, princi- configurada em uma rede de esquemas de
palmente as industriais, a culpa por danos ambien- conhecimento e [...] a situação de aprendizagem
tais e sociais. pode ser concebida como um processo de com-
paração, de revisão e construção de esquemas
Os acadêmicos ainda manifestaram a respon-
de conhecimento (Zabala, 1998, p. 37).
sabilidade intergerações e necessidade de bem-
-estar e justiça social, como elementos da susten- Além disso, destaca-se a importância dos tra-
tabilidade e compromissos dos químicos verdes. balhos e discussões em grupo, que são caracterís-
Corroborando, Brasil (2012) considera que esses ticas das propostas construtivistas de ensino, e que
elementos são alguns dos princípios-chave para a permitem o confronto, o debate e a reestruturação
sustentabilidade, a qual comporta muitas dimen- conceitual mediada pela interação com o outro.
sões e deve assegurar no mínimo a inter-relação eco- Por fim, através da análise dos novos discursos
lógica, econômica e social (p. 12). é possível inferir que as atividades desenvolvidas
É importante ressaltar que no decorrer da SD na SD possibilitaram a ampliação da concepção
os acadêmicos tiveram a oportunidade de rever e técnica/instrumental – inicialmente imperante –
reestruturar suas respostas seguidas vezes, con- para uma concepção abrangente e crítica, na qual a
frontando seus conhecimentos iniciais com os QV é compreendida em sua relação sinérgica com

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 121


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

a sustentabilidade socioambiental, para tornar-se, de alguns princípios da QV, sem haver, contudo,
de fato, uma nova racionalidade para as atividades transformações mais profundas, que envolvem
químicas. necessariamente uma nova forma de conceber as
Há que se destacar, porém, que as questões éti- relações sociedade-natureza.
cas referentes a sustentabilidade e a QV não foram Destaca-se nesse ínterim, a possibilidade de
mencionados por nenhum acadêmico. Sendo a QV ser trabalhada nas disciplinas de Prática
assim, identifica-se uma possível lacuna a ser como Componente Curricular (PCC) – tal como a
sanada nas próximas intervenções, para que cada Instrumentação para o Ensino de Química – que
vez mais os acadêmicos possam atualizar seus por seu caráter de buscar aliar os conhecimen-
esquemas mentais, burilando suas compreensões. tos pedagógicos e específicos podem ajudar a
fundamentar práticas docentes mais adequadas,
nas quais a QV respaldada em sua vertente mais
7  Considerações finais
abrangente pode colaborar para que o educadores
A incipiência da QV nos cursos de formação assumam e impulsionem o compromisso com a
inicial e seu pouco alcance na Educação Básica ser- educação para a sustentabilidade (Vilches; Perez,
viram de motivação para a realização da pesquisa- 2011; Burmeiser; Rusch; Eilks, 2012).
-ação aqui apresentada. A inserção desta corrente Defende-se por fim, que os cursos de formação
na formação de professores de Química é por nós de professores de Química incorporem a QV em
compreendida como uma forma de viabilizá-la seus currículos tendo por base:
também no ensino de Química, auxiliando proces- • as relações CTSA;
sos de AC e educação para a sustentabilidade. • as bases morais da QV;
Os resultados mostraram que apesar de já • sua relação com a sustentabilidade socio-
conhecerem os princípios da QV, as concepções ambiental;
iniciais dos acadêmicos, embora pertinentes, • seus pressupostos como uma nova raciona-
foram encerradas somente em sua dimensão téc- lidade para a atuação química; e
nica. Assim, é possível depreender dos estudos • suas potencialidades para uma educação
realizados, a importância de a inserção dos prin- ambiental crítica, para assim fomentar prá-
cípios da QV não ser pontual ou restrita apenas às ticas docentes sensíveis às demandas atuais
disciplinas específicas do curso, que pouco susci- da educação.
tam momentos de reflexão e aprofundamentos teó-
ricos mais abrangentes sobre essa nova racionali-
8  Referências
dade no campo da Química.
Considera-se, portanto, que a QV deve fazer ACEVEDO DIAZ, J. A. et al. Papel de la educación
CTS en una alfabetizacióncientífica y tecnológica
parte do currículo formativo dos cursos de Química para todas las personas. Revista Electrónica de
numa perspectiva que ultrapasse sua dimensão Enseñanza de las Ciencias, v. 2, n. 2, p. 80-111,
técnica instrumental e proporcione as reflexões 2003.

necessárias para esta se tornar uma nova racionali- ANASTAS, P. T.; WARNER, J. C. Green chemistry:
theory and pratice. New York: Oxford University
dade dentro da prática química e da ação docente. Press, 1998.
Não basta apenas “inocular” comportamentos
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verdes nos acadêmicos, como sugerem Pinto et and future challenges of green chemistry. Acc.
al. (2008), pois nesse caso poderá haver a prática Chem. Res., v. 35, n. 9, p. 686-694, jun. 2002.

122 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 123


História da Química 01 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 | p. 125-128

O Modelo Atômico de
Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld
The Atomic Model of Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld
José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

Os grandes êxitos do modelo quântico do átomo formulado pelo físico dina-


marquês Niels Hendrik Bohr (1885-1962; PNF, 1922), em 19131, foram: a estabi-
lização da eletrosfera do modelo “planetário” atômico proposto pelo físico neo-
zelandês Barão Ernest Rutherford (1871-1937; PNQ, 1908), de 19112; a dedução
da fórmula empírica de Balmer-Rydberg (1885/1890) [ν = c R (1/n2 – 1/m2), com
m = n + 1, n + 2, ...], com a constante de Rydberg R, usada pelos espectroscopis-
tas, escrita em termos da massa de repouso m e da carga elétrica e do elétron, da
constante de Planckh e da carga Z do núcleo (número atômico) Rutherfordiano
(R = 2 π2 m e4 Z2 / c h3); e a obtenção da expressão para a energia E [em elétron-
volts (eV): E = -13,6/n2, com n = 1, 2, ...] dos elétrons em suas órbitas circulares.
Apesar dos êxitos descritos, o modelo Bohriano não foi capaz de explicar
alguns resultados experimentais então conhecidos. Dentre eles, encontravam-se:
as séries de Pickering, registradas no trabalho escrito, em 18963, pelo físico e
astrônomo norte-americano Edward Charles Pickering (1846-1919), no qual des-
creveu as experiências que realizou com o espectro de raias de algumas estrelas,
entre elas a ς – Puppis, raias essas que apresentavam um aspecto curioso: elas
praticamente coincidiam com as séries de Balmer, apenas de maneira alternada,
isto é, a primeira série de Balmer (Hα) praticamente coincidia com a primeira

1. Philosophical Magazine (v. 26, p. 1, 476 e 857).


2. Proceedings of the Manchester Literary and Philosophical Society (v. 55, p. 18); Philosophical
Magazine (v. 5, p. 576; v. 21, p. 669).
3. Astrophysical Journal (v. 4, p. 369).
O Modelo Atômico de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld

série de Pickering; no entanto, a segunda de Balmer (Hβ) só correspondia à terceira


de Pickering, e assim sucessivamente [registre-se que essas séries foram redesco-
bertas pelo físico inglês Alfred Fowler (1868-1940), em 19124, usando uma mis-
tura de hidrogênio (H) com hélio (He)]. A separação (“split”) das linhas espectrais
ópticas do hidrogênio (H), quer pelo uso de espectroscópios de alta resolução – a
chamada estrutura fina –, como observado pelo físico germano-norte-americano
Albert Abraham Michelson (1852-1931; PNF, 1907) e pelo químico e físico norte-
-americano Edward Williams Morley (1838-1923), em 18875; quer pela ação de
um campo magnético, como foi percebido pelo físico holandês Pieter Zeeman
(1865-1943; PNF, 1902), em 18966, – o conhecido efeito Zeeman –, ou então pela
ação de um campo elétrico, observação essa realizada pelo físico alemão Johannes
Stark (1874-1957; PNF, 1919), em 19137, – o denominado efeito Stark. Acrescido
a isso tudo, existia a limitação das órbitas circulares do modelo Bohriano.
Em vista das dificuldades do modelo Bohriano, algumas modificações foram
então consideradas para contorná-las. Assim, em 19158, o próprio Bohr introduziu
correções relativísticas à massa do elétron para poder explicar a ‘estrutura fina’
do H. Nesse mesmo ano, 1915, os físicos, o alemão Arnold Johannes Wilhelm
Sommerfeld (1868-1951)9, o japonês Jun Ishiwara (1881-1947)10, e o inglês
William Wilson (1875-1965)11, apresentaram uma extensão do modelo Bohriano a
mais um grau de liberdade dos elétrons em suas órbitas.
Essa extensão, conhecida como o modelo de Bohr-Ishiwara-Wilson-
Sommerfeld é traduzida pela regra de quantização: # pi dqi = ni h , onde qi e pi são,
respectivamente, as coordenadas e os momentos canonicamente conjugados dos
elétrons, ni são números inteiros positivos, i são os graus de liberdade dos movi-
mentos elípticos eletrônicos, e a integral se estende aos períodos correspondentes
às coordenadas.
Ainda em 191512, Sommerfeld formulou uma teoria relativista de átomos de
um-elétron, obtendo a seguinte expressão para a energia (W) do elétron em sua
órbita:

α2 Z 2 1 nφ
;1 + c + m + ... E
Z 2 Rh
W =−
n 2 n 4 nr

4. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (v. 73, p. 62).


5. Philosophical Magazine (v. 24, p. 463).
6. Verhandlungen der Physikalische Gesellschaft zu Berlin (v. 7, p. 128).
7. Sitzungsberichte Königlich Preussische Akademie der Wissenchaften zu Berlin (v. 40, p. 932).
8. Philosophical Magazine (v. 29, p. 332; v. 30, p. 394).
9. Sitzungsberichte Bayerischen Akademie Wissenschaften zu München (p. 425).
10. Tokyo Sugaku Buturi-gakkakiwi Kizi (v. 8, p. 106).
11. Philosophical Magazine (v. 29, p. 795).
12. Sitzungsberichte der Bayerischen Akademie der Wissenschaften zu München (p. 459).

126 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


O Modelo Atômico de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld

onde n = nr + nφ, sendo nr e nφ, respectivamente, os números quânticos radial e


azimutal, nr / n = b / a, sendo a e b, respectivamente, os eixos maior e menor da órbita
elíptica do elétron. Aliás, foi a partir desse artigo que α recebeu a denominação de
constante de estrutura fina porque a expressão permitia explicar alguns resultados
experimentais relacionados com a estrutura fina das linhas espectrais do hidrogê-
nio, observada por Michelson e Morley, e do hélio (série de Pickering-Fowler),
conforme já registramos. Note-se que Bohr já havia demonstrado, em seu famoso
trabalho de 1913, que essa série era devida ao hélio ionizado, pois bastaria fazer
Z = 2 na expressão que deduziu para R, para explicar a alternância dessa série com
a de Balmer.

Bohr

Em 1916, o físico russo-norte-americano Paul Sophus Epstein (1883-1966)13 e


o astrônomo alemão Karl Schwarzchild (1873-1916)14, em trabalhos independentes,
apresentaram uma explicação do efeito Stark usando os resultados do modelo de
Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld. Ainda em 1916, e usando esses mesmos resul-
tados, o físico e químico holandês Petrus Joseph Wilhelm Debye (1884-1966; PNQ,
1936)15 e Sommerfeld16, em trabalhos independentes, explicaram o efeito Zeeman.

Sommerfeld

13. Physikalische Zeitschrift (v. 17, p. 148 e 313); Annalen der Physik (v. 50, p. 489).
14. Sitzungsberichte der Bayerischen Akademie der Wissenschaften zu Berlin (p. 548).
15. Physikalische Zeitschrift (v. 17, p. 507); Nachrichten Königlich Gesellschaft der Wissenchaften zu
Göttingen (p. 142).
16. Physikalische Zeitschrift (v. 17, p. 491); Annales de Physique Leipzig (v. 51, p. 1 e 125).

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 127


O Modelo Atômico de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld

É interessante registrar que, nesses trabalhos, Sommerfeld propôs um terceiro


número quântico m, posteriormente conhecido como número quântico espacial,
ao lado dos números quânticos nr e nφ, que havia proposto em 1915. Esse novo
número quântico determinava a posição das órbitas do elétron em relação à direção
do campo magnético Hv e, de tal modo, que o co-seno do ângulo θ entre a direção
desse campo e a normal do plano da órbita era dado por: cos θ = m / nφ. Ora, como
m e nφ são números inteiros, os valores discretos assumidos por θ indicavam que os
planos das órbitas eram quantizados, fato esse que ficou conhecido como princípio
da quantização do espaço.

128 Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Cromatografia Líquida Moderna: HPLC / CLAE
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que está presente em praticamente todas as áreas do
conhecimento científico e tecnológico modernos: da
petroquímica ao controle de qualidade de fármacos; do
estudo da composição química da atmosfera de outros
planetas à avaliação de resíduos indesejáveis em alimentos; do doping em esportes à
contaminação ambiental; da proteômica ao “teste do pezinho” em recém-nascidos,
além de em muitos outros âmbitos.
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