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Meu nome é Marcos, tenho 16 anos e hoje resolvi compartilhar minha história com as

pessoas desta comunidade. Esse conto é verdadeiro, e se você procura caras perfeitos,
musculosos e definidos, sexo selvagem e coisas do tipo, eu lhe aconselho a não ler as linhas
abaixo. Este conto fala de uma paixão sincera entre eu e o meu melhor amigo.
Peço que comentem, dêem sugestões, enfim, me ajudem a evoluir como escritor. Minha
narrativa é um tanto lenta, pois sou extremamente detalhista. Essa história é dividida em
capítulos, portanto, postarei um ou dois capítulos por dia.

Capítulo 1 – Volta às aulas

Dia 30 de janeiro de 2006, meu primeiro dia de aula. Com muito esforço, levantei-me da
cama e caminhei em direção ao chuveiro. Estava exausto, as férias passaram num piscar de
olhos e a minha vontade de voltar à escola era a menor possível, afinal eu sempre estudara
no período da manhã e ao entrar no 1º ano do ensino médio fui obrigado a escolher entre
tarde e noite. Meus antigos amigos escolheram o período noturno e por esse motivo acabei
me afastando deles.
Após um banho demorado, olhei-me no espelho. Devo admitir que era um tanto magro para
um garoto de 15 anos, porém, sempre tive uma barriguinha de dar inveja em várias pessoas.
Tenho os olhos verdes, sou moreno claro e tenho um metro e setenta e seis centímetros de
altura. Assim que terminei de observar minha imagem sonolenta no espelho, penteei meus
cabelos escuros e levemente encaracolados: estava “pronto” para a volta as aulas.
Como de costume, fui de carona com meu pai até os portões da escola. Estava ansioso para
encontrar minha sala e procurar por pessoas conhecidas, porém, tive uma grande decepção:
ao olhar em volta, percebi que estava totalmente cercado por desconhecidos.
-To vendo que esse ano vai ser um saco – falei pra mim mesmo, porém, um pouco alto
demais.
-Mas é claro que não, Marcos! Quando foi que você ficou pessimista desse jeito?
Tomei um pequeno susto e me virei para ver quem estava falando comigo. Fiquei feliz ao
perceber que era Julio, meu amigo desde a segunda série. Nós já fomos muito próximos, a
ponto de irmos um na casa do outro e sairmos com freqüência. Eu mal sabia, mas as coisas
ficariam melhores do que eram antes.
-Julio! Há quanto tempo, cara!
-É verdade, não nos falamos direito desde a sexta série. Mas você viu como são as coisas?
Caímos na mesma sala pela quinta vez!
-Eu já estava pensando que ia ficar isolado nesta sala, até você aparecer. Você viu quantas
pessoas novas tem por aqui?
-Fica frio, é só uma questão de tempo pra ficarmos amigos de todo mundo. Mas agora que
você falou, eu percebi que tem um povinho bem esquisito aqui. Dê uma olhada naquele ali,
no canto da sala, com cara de poucos amigos!
Disfarçadamente, olhei para o garoto que Julio estava apontando: ele estava sentado em
uma carteira próxima à parede, com seu jeito acanhado, o rosto apoiado sobre as mãos e
uma expressão tão sonolenta quanto a minha. Tinha a pele clara, cabelos lisos e muito
escuros e olhos castanho-claros. Devo dizer que, a primeira vista, apenas o observei com
curiosidade, afinal ele realmente tinha cara de poucos amigos.
-É... Ele realmente é... Diferente...
As aulas prosseguiram de uma maneira bastante divertida: os professores se apresentavam,
falavam um pouco do seu método de ensino e, aos poucos, se familiarizavam com a sala.
Havia muitas “panelinhas” e eu fazia parte de uma delas junto com meus amigos: Julio,
Jennifer, Érica e Raul. Jennifer era minha amiga desde o primário, portanto éramos
praticamente inseparáveis. Em apenas poucas aulas, nós cinco nos tornamos melhores
amigos.
Porém, foi durante a primeira aula de português que algo inesperado aconteceu. A
professora pediu para que cada um fizesse uma breve apresentação de si próprio, dizendo
os seus gostos, seus hobbies e coisas do gênero. Logo, já era a minha vez de se apresentar:
-O meu nome é Marcos, tenho quinze anos e até o ano passado estudei no período da
manhã. Eu moro com meus pais e um irmão mais novo aqui na cidade. Adoro ficar até altas
horas na internet, ouvindo música ou assistindo filmes, e curto ir ao shopping com os
amigos sempre que posso...
Foi uma apresentação simples, mas falei apenas o necessário, afinal também sou um pouco
tímido para falar em público. O tempo foi passando e, quando eu menos percebi, o “garoto
estranho” do qual Julio havia comentado estava preste a se apresentar. Instantaneamente, eu
direcionei a ele toda a minha atenção.
-Sou o Daniel, tenho quinze anos... Sou fissurado em O Senhor dos Anéis, Harry Potter e
qualquer coisa relacionada ao Tolkien... Tenho dois irmãos mais velhos do que eu, e meu
objetivo é passar em uma faculdade pública em medicina.
Daniel sempre fora um garoto decidido, e foi exatamente essa impressão que ele passou
para mim. Ele parecia ser um cara muito inteligente, e ainda gostava de O Senhor dos Anéis
e Harry Potter assim como eu. Bem no fundo, surgiu em mim uma estranha vontade de
conhecê-lo melhor. Porém, mesmo estando na mesma sala ele parecia ser muito tímido, e
poderia estranhar se eu começasse a falar com ele de uma hora pra outra. Eu não fazia idéia
de que uma grande amizade poderia acontecer entre a gente.

Capítulo 2 – O segredo

O tempo foi passando e logo já estávamos no mês de Abril. Meu aniversário já havia
chegado, e eu o comemorei em um jantar com minha família e alguns amigos mais
próximos em um restaurante aqui de São Paulo. Jennifer foi uma das convidadas e eu,
como o de costume, dediquei uma atenção toda especial para ela. Conversa vai, conversa
vem, e finalmente algo surpreendente acontece.
-Marcos... Eu estou gostando de uma pessoa...
-Sério Jenny? Mas isso é incrível! Quem é o sortudo?
-Sabe aquele garoto quieto da nossa sala? O nome dele é Daniel.
-O Daniel? Mas você nunca falou com ele! Pra falar a verdade, poucas pessoas na sala
costumam conversar com ele.
-Eu sei que isso parece estranho, mas... É por isso que eu preciso da sua ajuda. Você tem
um jeitinho todo especial de conseguir amizades, eu aposto que você se tornaria amigo do
dele num piscar de olhos.
-Espere um pouco Jenny, eu acho que não entendi direito... Você quer que eu me torne
amigo de um cara que nem conheço apenas por interesse?
-Não Marcos, eu só quero que você arrume um “esquema” pra mim... Você sempre foi tão
bom nessas coisas! Eu seria eternamente grata!
A Jennifer realmente sabe como jogar o seu charme para conseguir o que quer e, mais uma
vez, eu me tornara vítima dele. No final das contas, acabei aceitando e em pouqíssimo
tempo coloquei meu plano em prática: pesquisei muito e consegui descobrir o MSN do
Daniel. Esperei uma, duas, três semanas, e nada dele entrar no MSN. Eu já estava quase
desistindo até que, em certo dia, eu estava entrando na sala quando percebi que ele vinha ao
meu encontro.
-Viu... Você é o Marcos, não é mesmo?
Ele realmente tinha me pego de surpresa. Porém, com a maior calma do mundo, eu abri
minha mochila e fui aos poucos retirando o meu material, sem nem ao menos olhar para
ele.
-Sou eu mesmo.
-Ah ta... É que ontem à noite eu entrei no MSN e vi que um tal de Marcos tinha me
adicionado... Logo, eu imaginei que fosse você mesmo...
Então, ele sabia o meu nome? As coisas estavam melhores do que eu imaginava: eu poderia
me tornar amigo dele facilmente e assim arranjar um esquema entre ele e a minha amiga.
Dessa forma, resolvi dar continuidade ao plano:
-É que você parece ser um cara legal, e nós nunca conversamos durante as aulas... Nós
gostamos até das mesmas coisas!
-Vai dizer que você também gosta do Tolkien? – disse ele, com um sorriso maravilhoso que
eu odiaria admitir, mas era o sorriso mais lindo que eu já tinha visto em toda a minha vida.
De pouco em pouco acabamos nos tornando colegas. Ele passou a entrar mais no MSN e eu
pude reparar que ele respondia as minhas mensagens muito rapidamente, ou seja, ele só
ficava online pra falar comigo. Em uma dessas conversas, ele acabou dizendo que eu tinha
despertado nele a vontade de entrar mais no MSN, afinal ele raramente fazia aquilo, já que
não conversava com muitas pessoas. Logo, eu percebi que tinha chegado a hora de
continuar com o meu plano.
-Daniel, o que você acha da Jenny?
-Ah... Ela é legal... Engraçada...
-Ela é demais, não é mesmo? E ainda por cima é bem bonita, você não acha?
-É... Sim... Ela é bonita...
-Fico imaginando o cara de sorte que namoraria com ela!
-É... Tem que ser um cara de sorte mesmo...
-Sabe Daniel... Eu percebi que ela olha de um jeito diferente pra você... E ela sempre me
disse maravilhas a seu respeito... Pra falar a verdade, quando ela está ao seu lado ela se
transforma em uma pessoa melhor do que o de costume!
-Hum... Você acha?
-Eu não acho, eu tenho certeza! Ela gosta de ti, cara!
-Nossa... Por essa eu não esperava...
-E então cara? O que você vai fazer? Vai perder a chance de ficar com uma “loirassa” como
ela?
Após várias tentativas de desconversar, finalmente o Daniel acabou cedendo. Em uma sexta
feira não teve aula, porém, todos os alunos foram a um clube que fica dentro da escola para
aproveitar aquele dia quente e ensolarado. Eu passei o dia ao lado do Daniel, que parecia
super animado. Ele fazia piadas seguidas uma da outra, me oferecia os lanches que havia
levado e era gentil o tempo todo. Eu não estava percebendo, mas a cada minuto eu reparava
mais e mais no Daniel. Reparava no jeito que ele se espreguiçava ou bocejava de sono,
reparava no modo como ele sorria daquela maneira tão linda. Reparava no modo como ele
me olhava, sempre sorrindo e desviando o olhar assim que eu olhava diretamente em seus
olhos. Aquele dia tinha absolutamente tudo para ser perfeito.
-Marcos – disse, aproximando-se lentamente de mim – Daqui a pouco nós temos que ir
embora, eu acho que vou aproveitar a oportunidade e falar com a Jenny antes que seja
tarde.
Eu havia me esquecido que aquele era o dia no qual ele conversaria com a Jennifer para
pedi-la em namoro.
-Ah é verdade... Vai lá Daniel, eu te dou todo o meu apoio. Estarei torcendo por você!
Daniel sorriu novamente pra mim. Porém, pouco antes de dar-me as costas, eu notei que
aquele sorriso se transformara durante um breve segundo em uma expressão de tristeza.
Uma intrigante suspeita surgiu em mim e, por esse motivo, resolvi espionar a conversa
entre os dois. Eles estavam sentados em frente ao lago. Minutos se passaram e não rolou
nenhum beijo, nenhuma carícia: não aconteceu absolutamente nada. O Daniel parecia muito
sério e, logo após a conversa, pegou suas coisas e foi embora deixando a Jennifer sozinha
no banco após um simples abraço de amizade. Já era um pouco tarde e eu resolvi perguntar
a ela o que tinha acontecido.
-Jenny, o que foi que aconteceu? Ele disse que ia falar com você hoje!
-E falou – disse ela, um tanto abatida.
-Mas e então, o que aconteceu? Ele deu um “fora” em você?
Jennifer baixou levemente a cabeça. Porém, para a minha surpresa, ela me olhou nos olhos
e deu um pequeno sorriso em seguida:
-Mais ou menos. Ele me disse algo que explica tudo.
-Explica o que Jenny? Eu to super confuso, não to entendendo mais nada.
-Fique calmo, Marcos. Eu só vou te contar porque você é um dos meus melhores amigos e
eu confio em você. O Daniel tem um motivo pra não querer ficar comigo...
-Mas... Que motivo é esse?
-Você ainda não entendeu, Marquinhos? O Daniel... Bem... Ele é gay.

Capítulo 3 – Melhores amigos, enfim

Aquela noite, eu não conseguira dormir. Virava-me e revirava-me na cama, porém não
conseguia parar de pensar no que a Jenny havia me contado. Seria o Daniel mesmo gay, ou
seria apenas uma desculpa para evitar a perca de uma amizade? Aquela dúvida me corroia e
hora ou outra eu me via perdido em pensamentos. O que estava acontecendo comigo?
Os dias se passaram, e o relacionamento entre Jennifer e Daniel estava a cada dia mais
firme. Eu, por outro lado, me afastei um pouco da dupla por me sentir um tanto
incomodado com aquela estranha situação. Passei a conversar mais com outras pessoas da
sala e, aos poucos, já conversava com todos. E foi em uma dessas conversas que eu percebi
que já não era mais o mesmo Marcos de sempre.
Estávamos no auditório, era uma aula vaga e havia umas quinzes pessoas no nosso círculo
de conversa, inclusive o Daniel, que apenas ouvia. O assunto era o mais variado possível,
até que chegou um ponto que eu não esperava: homossexualismo.
-Fala sério, tem um monte de viadinhos nessa escola né?
-Pode crer...
-E eu aposto que estão todos por ae, escondidinhos, com medo de soltar a franga!
-É verdade...
-E você Marcão? Não vai falar nada?
Todos os olhares se voltaram em minha direção. Eu estava um tanto quieto, o que despertou
a curiosidade das pessoas a minha volta. Meus amigos sabem que eu costumo ser bem
sincero, e nunca escondo a minha opinião. Modéstia à parte, essa minha “característica” me
tornava um dos alunos mais respeitados da escola.
-Eu sei por que estão todos escondidos por ae, como você disse. Eles se escondem porque
têm medo, medo de serem taxados por pessoas preconceituosas, que existem aos bandos
por aqui. E infelizmente isso acontece em todos os lugares.
-E você se importaria em ter um amigo gay?
Daniel finalmente falara. Sua voz soou rouca, pois ele ficara quieto durante muito tempo.
Ele olhava intensamente em meus olhos, de uma forma que eu simplesmente não conseguia
retribuir o olhar.
-Mas é claro que não! A opção sexual é apenas um detalhe, isso não deve interferir em uma
amizade ou algo do tipo.
Para a minha surpresa, várias pessoas na roda disseram que concordavam e que não davam
a mínima para a opção sexual das outras pessoas. Em seguida, uma garota começou a
relatar que sua melhor amiga era lésbica e que mesmo assim a amizade entre elas era muito
forte e sincera. Eu nem preciso dizer que várias dúvidas caíram sobre mim por causa do
meu ponto de vista, porém eu não ligava. A minha recompensa por ser sincero estava
apenas começando.
-Marcos – disse Daniel, se aproximando de mim na hora da saída – Eu queria dizer que
fiquei muito feliz com a sua opinião. A Jenny me disse que você já sabe de tudo, mas... eu
queria ter te contado pessoalmente. Desculpe-me, mas você sabe... eu tinha medo da sua
reação.
Para a minha felicidade, estávamos sozinhos na sala, todos os outros alunos haviam se
retirado.
-Fica tranqüilo cara... Apesar de te conhecer a pouco tempo, eu te considero pacas e você
sabe disso. Pra mim, não importa que você seja gay... o que realmente importa é que você
esteja feliz com isso.
Ele abrira um sorriso tão sincero que, por um momento, eu me esqueci que ainda estávamos
na sala de aula. Foi como se todos os meus problemas tivessem desaparecido, e nada mais
importasse. Seus olhos se encheram de lágrimas e, timidamente, ele largou sua mochila a
seus pés e me abraçou com força. Eu retribuí o abraço, dizendo que estava tudo bem e que
não havia nada para se preocupar. Devo admitir que nunca me senti tão feliz em toda a
minha vida.
Daniel recuou, colocou sua mochila novamente nas costas e parou poucos centímetros antes
da porta.
-Cara, eu nem sei o que dizer... Você é o amigo que eu nunca tive.
E abriu outro sorriso, tão sincero quanto o anterior. Eu senti que a partir daquele dia as
coisas ficariam cada vez melhores.

Capítulo 4 – Convite inusitado

Após o ocorrido, Daniel passou a se “enturmar” mais com os meus amigos. O único que
não gostava dele era Julio, que fazia piadinhas infames a seu respeito, porém parecia
amigável quando eu estava por perto. Até hoje eu não sei explicar se eles nunca chegaram a
se gostar, ou se tudo não passou de ciúmes por nossa repentina amizade.
As férias de julho chegaram rápido, e também passaram num piscar de olhos. Daniel passou
o mês inteiro na chácara de sua família, o lugar que ele mais gosta no mundo inteiro e, por
esse motivo, tivemos que nos comunicar por mensagens de celular. Aos poucos fomos nos
conhecendo cada vez mais e, quando as aulas voltaram, recebi um convite inusitado:
-Marcos, você não ta a fim de passar um final de semana na minha casa?
-Mas é claro que sim! Vai ser muito foda!
-Uhum... Pena que nós moramos longe um do outro, senão poderíamos nos ver mais vezes
e não apenas na escola.
-É verdade!
-No próximo final de semana você vai fazer alguma coisa?
-Eu acho que não...
-Então está combinado!
Nunca uma semana demorou tanto pra passar. Eu estava realmente ansioso para conhecer a
casa do Daniel, ver onde ele mora, sua família, ficar mais íntimo com ele. E o tão esperado
dia finalmente chegou: era uma manhã de sábado e eu estava com um pouco de sono. Após
chamar algumas vezes, ele aparece no portão: vestia uma bermuda curtinha, uma camisa de
manga curta e estava descalço. Justo eu que tenho tara por pés! (segredo de Estado, rsrsrs)
Ele me cumprimentou com um breve abraço e me apresentou cada canto de sua casa: era
um local grande, não muito espaçoso, mas aconchegante. Ele dormia no mesmo quarto que
seu irmão mais velho (ele é o caçula de três irmãos), porém este cursa uma faculdade de
publicidade e geralmente dorme em uma república com uns amigos. Após me acomodar,
conheci sua mãe, uma mulher alta com expressão séria, porém muito simpática e atenciosa.
Ficamos um tempo conversando e, quando percebemos, já estava anoitecendo.
-Marcos, você não prefere tomar banho enquanto a minha mãe prepara o jantar?
-Hum, tudo bem! Você me mostra o banheiro?
-Claro, é só me seguir...
Daniel me apresentou o banheiro do seu quarto, o menor banheiro da casa. Tomei uma
ducha rápida e, quando ia me vestir, reparei que havia esquecido o principal: a cueca. Não
tinha escolha, eu deveria ir até o quarto buscá-la. Ao abrir a porta do banheiro, reparei que
o Daniel estava escutando música no computador.
-Nossa, mas que banho rá...
Ele parou para me observar: eu vestia apenas uma toalha, os cabelos molhados e
despenteados, e segurava as roupas dobradas na mão direita. Daniel continuou a me
observar por alguns segundos, mas antes que eu pudesse me sentir desconfortável com a
situação, ele baixou a cabeça levemente, disfarçando.
-Acho... Acho que vou tomar meu banho. Eu não demoro...
Jantamos todos na mesma mesa: eu, Daniel, seus pais e seu irmão do meio, Tiago, uma
figura que eu detestei logo na primeira vez que o vi. Ele fazia piadinhas sem graça o tempo
inteiro, e me olhava torto na maioria das vezes. Aposto que ele me estranhava pelo fato de
eu ser o primeiro amigo do Daniel a dormir na casa deles. Mas vamos esquecer esse
detalhe: após o jantar, fomos para o quarto para decidir o que faríamos em seguida.
-Nós poderíamos assistir algum filme, se você quiser. Meu irmão comprou o DVD do King
Kong, que saiu há pouco tempo. O que você acha, Marcos?
-Por mim está ótimo!
-Certo... Então vamos arrumar as coisas...
Colocamos os colchões um ao lado do outro, preparamos pipocas e levamos algumas latas
de refrigerante para o quarto. Trancamos a porta, deitamos e começamos a assistir ao filme.
Estávamos um tanto distantes um do outro e, para ser sincero, eu não estava prestando a
mínima atenção. Fiquei relembrando da expressão de surpresa do meu amigo quando ele
me viu apenas de toalha na sua frente. Aquilo não saía da minha cabeça... Será que ele...
-Marcos?
-Hum?
-Você se importa se eu sair do colchão e me sentar na cadeira? Está um pouco difícil de
assistir daqui do canto...
-Daqui de onde eu estou dá pra assistir muito bem... Quer que eu troque de lugar com você?
-Mas desse jeito você não vai conseguir assistir ao filme!
-E se você... Deitasse com a cabeça... No meu colo?
Eu não sei de onde eu tirei essa idéia, e quase me repreendi quando vi que o Daniel estava
assustado com a minha proposta.
-Me desculpe Dan, eu não...
-Se você não se importa...
Cuidadosamente, ele colocou o seu travesseiro sobre o meu colo, deitou-se de lado e apoiou
a cabeça sobre o mesmo. Eu realmente não esperava que ele aceitasse a minha proposta
maluca, porém, estava satisfeito. De vez em quando eu me pegava observando o seu rosto,
seus olhos quase se fechando de sono... E em uma dessas vezes, sem querer, alisei os seus
cabelos com as mãos, assim como costumava fazer com as minhas antigas namoradas. Ele
me observou por um tempo, deu um breve sorriso e voltou a assistir ao filme.
Foram quase duas horas maravilhosas onde eu assistia ao Daniel quase dormir em meu
colo. Após o término do filme, porém, ele não saiu daquela posição. Começamos a
conversar sobre a escola e, quando me deparei, estávamos conversando sobre o “segredo”.
-Você e a Jenny são as únicas pessoas que sabem... Eu não contei nem pra Gisele, a minha
melhor amiga, e ela me conhece desde a quinta série.
-Então você não teria contado pra mim, se eu não ficasse sabendo pela Jennifer?
-Mas é claro que contaria! Eu... Eu me sinto diferente quando estou com você. Como se não
houvesse motivos pra existir segredos entre a gente... Eu nunca me senti assim com
nenhuma outra pessoa.
-Eu também não...
Daniel levantou-se, deixando-me ali, deitado, sem entender o que estava acontecendo. Ele
foi em direção a janela, a luz da rua iluminando o seu rosto. Percebi que uma lágrima caiu
de seus olhos: ele estava chorando.
-Eu estou cansado de esconder isso das outras pessoas! Cansado de ser falso com todo
mundo, cansado de saber que ninguém me conhece de verdade, e que nunca vão saber
quem eu realmente sou. Eu queria fugir, desaparecer, mas... Eu não posso! Vou ser
obrigado a fingir pra sempre...
-Mas é claro que não! – eu havia me levantado e agora estávamos frente a frente – Você
não precisa mais esconder, você foi corajoso o suficiente pra contar pra mim e vai ser
corajoso pra contar pra quem mais precisar saber. Basta estar preparado. E quando essa
hora chegar... Você pode ter certeza que eu estarei do seu lado.
-Mas como eu vou ter forças pra isso? Meus pais me ignoram, as pessoas na escola me
odeiam, ninguém gosta de mim de verdade! Ninguém me ama...
-Eu te amo!
Ele me olhou, surpreso. Estava tremendo levemente e seus olhos, cheios de lágrimas.
-Daniel... Por que eu não amaria o meu melhor amigo?

Capítulo 5 – No meio da festa


-Daniel... Por que eu não amaria o meu melhor amigo?
Encaramos-nos durante alguns segundos, segundos que pareciam durar uma eternidade.
Como não houve reação de ambas as partes, levei minha mão em direção ao seu ombro,
porém, Daniel já havia se entregado aos meus braços e me abraçava como nunca havia feito
antes. Ele chorava muito e eu, que não sou de ferro, estava chorando também. Eu temia
pelo futuro do meu amigo, pelo sofrimento e angústia que o preconceito pode causar.
Continuamos abraçados durante muito tempo, chorando baixinho, sem dizer uma única
palavra. Aquele foi um momento tão puro que eu apenas desejava que ele durasse pra
sempre.
Quando nos deitamos, Daniel ainda chorava. Eu o envolvi carinhosamente em meus braços
e comecei a alisar suavemente os seus cabelos lisos. Seu choro aos poucos foi se tornando
em pequenos soluços e, minutos depois, não se ouvia mais nada. Naquela noite nós
dormimos assim, abraçados um ao outro. Acordei na manhã de domingo, e me assustei ao
perceber que Daniel não estava ao meu lado. Desci correndo as escadas e, ao chegar à
cozinha...
-Bom dia, seu preguiçoso! – disse ele, alegremente, enquanto retirava algumas coisas da
geladeira – Eu acordei e os meus pais já tinham saído, por isso resolvi preparar o café da
manhã.
-Que bom... eu estou morrendo de fome...
Após prepararmos tudo, sentamos e começamos a nos servir. Eu ainda estava morrendo de
sono, e o Daniel parecia se divertir com o meu estado lastimável. Também pudera, ele
parecia muito mais elétrico do que o de costume naquela manhã. Conversamos como se
nada tivesse ocorrido na noite anterior e, após o café, eu o ajudei a lavar os talheres
enquanto conversávamos.
-Marcos, daqui a duas semanas é a festa de quinze anos da Maíra. Você foi convidado?
-Ela falou comigo há uns dois dias... E pediu pra eu dançar a valsa com uma amiga dela.
-Sério? E você já sabe o que vai comprar pra ela?
-Pra ser sincero, eu nem tinha pensado nisso...
-Nós podemos ir ao shopping hoje, assim compramos o presente juntos.
-Opa, ótima idéia!
Tomamos um banho rápido (separados infelizmente, rsrsrs), nos trocamos e fomos ao
shopping. Aquela foi uma tarde muito legal, almoçamos no Burguer King e nos divertimos
enquanto explorávamos lojas de roupas, artigos eletrônicos e jogos. Paramos em uma banca
e eu percebi que o Daniel deu uma longa olhada na seção de mangas Yaoi (mangás feitos
para garotas, com relações entre homens). Decidimos comprar um perfume (caro por sinal,
torrei todo o meu dinheiro naquele dia) e seguimos cada um para sua respectiva casa, após
nos despedirmos com um abraço bem apertado.
O tempo foi passando e, logo, já estávamos em setembro, no dia da festa da Maíra. Eu
nunca conversei muito com ela e, pra falar a verdade, nunca soube o porquê de ela ter me
convidado para sua festa. Assim que cheguei, cumprimentei a aniversariante, entreguei o
presente (sem esquecer-me de mencionar o Daniel, é claro) e fui logo procurando os meus
amigos.
-E aí, cara! –disse Julio, enquanto me cumprimentava.
Era uma mesa redonda onde estavam alguns de meus amigos: Zé, Presunto, Raul, Julio e
Heitor. Após alguns minutos de conversa, o Daniel finalmente chega e se reúne ao grupo:
ele estava maravilhoso, vestia uma roupa social-esporte que o deixava ainda mais bonito.
Ele parecia um tanto deslocado, afinal nunca suportou ambientes com muita gente. Se
existe algo que eu não concordo no Daniel é o fato dele não gostar de festas.
-Marcos, Daniel, venham comigo – disse Julio, me puxando pelo braço.
-Pra onde?
-Vocês vão ver... Vamos logo!
Procuramos um caminho no meio daquele amontoado de gente. A música estava alta e a luz
dos refletores atrapalhava um pouco a visão. Finalmente chegamos: Estávamos em um
canto mais isolado do salão, em frente ao local onde eram servidas as bebida. Naquele
momento eu percebi a verdadeira intenção de Julio: aquele era o lugar onde estavam as
garotas mais lindas da festa. Olhei para o Daniel: ele parecia nervoso e tremia bastante.
-Marcos, o que nós estamos fazendo aqui?
Julio encarou Daniel, abismado:
-Como você é lerdo, hein cara?! Estamos aqui pra catar garotas! Ou você quer ficar apenas
conversando e chupando o dedo a festa inteira?
Daniel baixou a cabeça. Ele realmente estava tremendo muito, e escorria suor pela sua
testa. Se o Julio descobrisse que ele era gay, a escola inteira ficaria sabendo em poucos
instantes. Eu precisava proteger o meu amigo de qualquer forma.

Capítulo 6 – O erro

-Julio, eu acho que o Dan não está passando bem... Vou levá-lo ao banheiro pra lavar o
rosto, e volto daqui a alguns minutos.
Ele assentiu levemente com a cabeça, parecendo um tanto desconfiado. Eu não dei a
mínima: segurei o Daniel pelo ombro e o levei em direção ao banheiro. Para a minha sorte
não havia ninguém lá: peguei algumas toalhas que estavam sobre o balcão e entreguei para
ele. Alguns minutos se passaram e o Daniel parecia um pouco melhor.
-Marcos... Eu nem sei como agradecer, cara...
-Ih relaxa... Eu sei como são essas coisas, mas fique tranqüilo porque, se depender de mim,
ninguém nessa festa vai desconfiar de você. Quer dizer, pelo menos até você estar pronto
para contar.
-Valeu mesmo. Mas agora eu acho melhor você voltar lá pro salão, caso contrário as outras
pessoas pensarão besteiras a seu respeito.
Olhei mais uma vez para Daniel, sorrindo. Ele retribuiu o sorriso de forma acanhada,
enquanto eu caminhava em direção a porta, deixando-o sozinho no banheiro. A festa estava
no seu auge: a grande maioria dos convidados estavam dançando na pista ao som de música
eletrônica. Olhei em volta e senti uma mão em meu ombro: era Julio, que parecia bastante
irritado:
-Cara, que demora foi essa?
-Foi mal, o Daniel não estava muito bem e...
-Tudo bem, esquece isso. Mas agora você vem comigo: eu tenho uma surpresa pra você!
Eu não estava com um bom pressentimento, afinal o Julio sempre me meteu nas piores
enrascadas. Ele me levou até um grupo de garotas, muito bonitas por sinal. Entre elas eu
pude reconhecer uma: Jennifer. Sou obrigado a admitir: ela estava simplesmente
deslumbrante e atraia olhares de vários garotos na festa. Assim que me viu, ela pulou em
meus braços e me arrastou para a pista de dança.
-Jenny, eu não estou muito a fim de dançar agora, o Dan...
-Deixa o Daniel na dele, você sabe que ele não sabe se divertir em lugares cheios de gente.
Vamos aproveitar a noite do nosso jeito!
E assim eu me deixei levar pelo carisma da Jennifer. Dançamos uma, duas, três músicas e,
em pouco tempo, eu já havia me esquecido de tudo. Estava me divertindo tanto que nem
reparei que havia um garoto isolado em um canto da festa, sozinho, apenas me observando.
-Marcos... Eu precisava te dizer algo... Mas nem sei por onde começar.
Jennifer falou isso enquanto ainda estávamos dançando. Eu, ingênuo, nem prestei muita
atenção.
-Pode falar Jenny, você sabe que sempre pode contar comigo.
-Então eu vou falar... mas não com palavras.
Dizendo isso, Jennifer me puxou pela cintura e me “lascou” um beijo roubado, fazendo
com que todos a nossa volta parassem para ver a cena. Eu estava surpreso e muito confuso,
mas tinha plena consciência de que, se eu parasse, seria ridicularizado por todos. Acabei
cedendo e, enquanto a beijava, ouvi aplausos e gritos das pessoas que estavam observando.
Quando terminamos, Jenny segurou minha mão e me levou para uma das mesas.
-Eu disse que nós íamos aproveitar a noite do nosso jeito!
-Jennifer, espera um pouco... Eu preciso ver se o Dan melhorou, ele estava passando mal
até alguns minutos atrás.
-Ah sim, pode ir. Mas volta logo viu...
Eu corri em disparada para o banheiro, ignorando as pessoas que vinham me dar os
parabéns pelo ocorrido (afinal, a Jennifer é uma das garotas mais bonitas da escola). Abri a
porta e fiquei surpreso ao ver que o Daniel não estava mais lá.
-Está procurando pelo seu amigo? – perguntou Raul, quando me viu parado ao lado da
porta.
-Sim... Você viu o Dan por aí?
-Ele saiu do banheiro e ficou sentado ao lado da pista de dança. Mas alguns minutos atrás
eu o vi indo embora do salão, e tive a impressão de que ele estava chorando. Ele devia estar
realmente mal para sair da festa sem ao menos se despedir da aniversariante.
Senti uma pontada no peito. Era óbvio que o Daniel me vira beijando a Jennifer, e mais
óbvio ainda que ele havia chorado por minha causa. Depois daquilo, eu não consegui mais
aproveitar o final da festa. Despedi-me dos meus amigos e voltei para casa, sentindo a pior
dor de todas: a dor do arrependimento.

Capítulo 7 – A decepção

Passei o domingo inteiro deitado em minha cama, pensativo. De tempo em tempo minha
mãe entrava em meu quarto, sempre atenciosa, me oferecendo comida e tentando aos
poucos quebrar aquela barreira que me cercava. Ela é psicóloga e, além de tudo, é uma
ótima mãe. Porém, eu preferi não me abrir com ninguém. Eu estava confuso, triste,
arrependido e, por mais que eu tentasse pensar em outra coisa, a imagem de Daniel sempre
me vinha à cabeça. Eram quase nove horas da noite quando decidi ligar para ele, afinal
estava decidido a acertar as coisas. Esperei durante muito tempo, mas não obtive respostas:
seria obrigado a me conformar e passar mais uma noite em claro com o peso da culpa sobre
as minhas costas.
No dia seguinte, todos na escola comentavam sobre a festa da Maíra e como havia sido
divertida. Como não estava nem um pouco a fim de conversa, fui direto para a sala de aula
e sentei-me no meu lugar de sempre. Minutos depois, Jennifer adentra a classe seguida por
Érica e Anne, suas grandes amigas, e me cumprimenta com um selinho, o qual eu retribuí
com mau gosto.
-O que foi Marquinhos? Aconteceu alguma coisa?
-Nada – respondi secamente.
-Aposto que você está preocupado com o Dan, não é mesmo? Mas pode ficar tranqüilo: nós
conversamos agora a pouco e ele já está bem melhor. Sabe como é, ele sempre passa mal
em lugares com muita gente!
-Hunf...
-Ai Marcos, o que ta acontecendo hein? Você está tão estranho hoje!
-Eu já disse Jennifer, não foi nada! VÊ SE ME DEIXA EM PAZ!!!
Eu disse aquilo tão alto que todos olharam em minha direção. Tudo o que eu queria no
momento era ficar sozinho e, infelizmente, ninguém parecia percebia isso. A Jenny estava
muito assustada, afinal eu sempre fui um cara tranqüilo e poucas pessoas já me viram
irritado. Ela não disse uma palavra sequer, apenas levantou-se e saiu da sala acompanhada
pela Érica.
Graças ao meu “momento de estresse”, poucas pessoas vieram conversar comigo durante as
aulas. O tempo foi passando, horas, dias, semanas, e quando eu menos esperava uma
amizade tão intensa construída em poucos meses desmanchou-se com essa mesma
facilidade. Já estávamos em novembro, apenas algumas semanas para o término do ano
letivo. As provas finais estavam cada vez mais próximas, e mais da metade da sala corria o
risco de ficar em recuperação. Felizmente, eu nunca precisei me preocupar com notas, pois
estudo regularmente para alcançar o meu tão sonhado objetivo (cursar química na USP ou
na Unicamp). Durante todo aquele tempo o Daniel agiu de uma maneira muito fria comigo,
apenas me cumprimentava e evitava conversar comigo durante as aulas. Eu não o culpo,
afinal eu percebia o quanto ele estava sofrendo. E mesmo contra a minha vontade, a
Jennifer continuava procurando qualquer motivo para me agarrar na frente de todo mundo,
o que só piorava a situação.
Estávamos em plena aula de matemática. O professor passou alguns exercícios para
resolvermos até o final da aula, e pediu que fizéssemos isso tudo em duplas. Eu,
particularmente, não estava muito interessado: comecei a guardar meu material quando, de
repente...
-Marcos... posso fazer a lição com você?
Fiquei estático durante alguns segundos quando percebi quem estava falando comigo.
Daniel estava parado à minha frente, com o rosto corado de vergonha e um sorriso tão fofo
que eu senti vontade de pular em seus braços. Eu senti falta daquele sorriso durante dois
longos meses.
-Claro...
Ele sentou-se ao meu lado e pousou levemente a mochila no chão. Porém, eu percebi que
ele não estava com o caderno de matemática em mãos. Assim como eu, Daniel tinha outros
propósitos em mente.
-Marcos... eu nem sei o que dizer... você deve estar sem entender o porquê de eu ter te
evitado durante todo esse tempo.
-Vamos esquecer tudo isso... pode ser?
-Não, cara, eu te devo explicações... tudo o que eu posso dizer agora é que eu precisava de
um tempo pra organizar a minha mente, pra parar de confundir as coisas. Você tem sido um
amigo que qualquer um gostaria de ter, e eu reconheço isso. Por isso eu queria que você me
perdoasse.
-Por mim você já estava perdoado há muito tempo!
Eu o abracei timidamente e por um breve período de tempo, pois estávamos cercados por
pessoas curiosas e preconceituosas. Logo, começamos a conversar como se nada tivesse
ocorrido e, em poucos dias, já estávamos tão próximos quanto antes. Mas foi em uma
dessas conversas que eu tive uma das maiores decepções do ano passado.
-Marcos... eu acho que estou gostando de alguém...
-Hum? (era horário de intervalo, eu fiquei tão surpreso que consegui engasgar com o suco
que estava tomando)
-Eu to gostando de alguém! De verdade!
-E eu posso saber quem é a pessoa?
-Mas é claro que sim... Você é o meu melhor amigo e deve ser a primeira pessoa a ficar
sabendo.
Após ouvir isso, senti um frio na barriga. Quem seria o cara misterioso pelo qual Daniel
estava apaixonado?
-Fala logo, não enrola!
-Tudo bem... eu estou gostando... errrr... do Fernando!
-O QUÊ??? FALA SÉRIO!!!
Fernando é um cara baixinho (muito baixinho), japonês legítimo, gordinho, cabelos escuros
e muito lisos. Não querendo me gabar, mas ele não tem absolutamente NADA de
interessante! (sim, eu admito, estava morrendo de ciúmes do Dan, rsrsrs). Eu estava
abismado: o que ele tinha que fez o Daniel se apaixonar por ele? Essa pergunta repercutiu
em minha mente durante uma semana inteira, uma semana marcada por tentativas
frustradas de descobrir a verdadeira opção sexual do japa (mistério até os dias de hoje).

Capítulo 8 – Feliz 2007!

As férias chegaram, o ano estava acabando e (para a minha infelicidade) o Daniel


continuou com seu amor platônico, enquanto eu fui obrigado a me conformar aos poucos.
Reatei minha amizade “colorida” com a Jenny, chegamos até a sair juntos algumas vezes,
mas eu fiz questão de que não acontecesse nada de mais. Passei a virada do ano com a
minha família no Guarujá e, poucos dias após ter retornado, eis que o telefone toca.
-Alô?
-Marcos é você? Sou eu, o Dan! Como foi o reveillon?
-Foi ótimo, e o seu?
-Muito bom também. Eu só liguei pra saber se você estava bem... e também porque eu
estou com saudades... (ahhh ele é muito fofo!)
-Hehehe, eu também to morrendo de saudades...
-Viu Marcos... pra falar a verdade eu também tenho uma proposta pra te fazer. Dia onze
(janeiro) eu vou lá pra chácara da minha família. Fale com os seus pais e veja se eles
deixam você ir viajar comigo!
-Você ta falando sério?
-Mas é claro que estou! Vai ser muito foda!
Aquilo era bom demais pra ser verdade: ficar mais de uma semana inteirinha com o Daniel,
em uma chácara no fim do mundo, longe das confusões do dia-a-dia e das pessoas irritantes
da escola. É claro que eu falei com os meus pais naquele mesmo dia. Meu pai disse que não
tinha problema algum, afinal ele conhece os pais do Daniel e sabe que eles são pessoas de
bom caráter. Já a minha mãe adora fazer suspense, e deu a resposta apenas três dias depois
e, felizmente, foi uma resposta afirmativa.
Na véspera da viagem, eu passei a tarde inteira arrumando as malas e escolhendo tudo o
que poderia levar. Peguei alguns livros da Agatha Christie (escritora de suspense, amo os
livros dela), um caderno e um estojo, meu mp4 e alguns objetos de uso pessoal, além de
inúmeras trocas de roupa. No dia seguinte, saí de casa às 21h e às 21h30 eu já estava na
casa do Daniel. Ele deixou minha bagagem na caminhonete e em seguida subimos para o
seu quarto.
-Marcos, nós vamos sair de casa às 3h da madrugada, por isso é bom nós dormimos agora.
São quatro horas de viagem daqui de Barueri até a minha chácara, e nós vamos na
caminhonete junto com os meus pais, minha avó e meu irmão mais velho, o Rafa (a
caminhonete é grande e muito espaçosa, tinha lugar pra todo mundo).
Até parece que nós conseguimos dormir naquela noite. Permanecemos acordados mesmo,
conversando sobre várias coisas. O Dan contou como passou o ano novo, e disse que o
Fernando tinha adicionado ele no MSN. Eu fingi que estava interessando, mas por dentro
sabia que estava morrendo de ciúmes.
-E você, continua saindo com a Jenny?
-Uhum... nós saímos algumas vezes durante as férias...
-E rolou alguma coisa?
Eu fiquei um tanto assustado, afinal era a primeira vez que ele demonstrava interesse nos
meus “relacionamentos”.
-Não... não aconteceu nada...
-Ah... que coisa... ela vive te abraçando, pegando na sua cintura... isso é estranho...
-E por que é estranho?
Eu havia acertado o ponto exato: Daniel ficou estático e ficou levemente corado. Após
alguns segundos olhando para baixo, resolveu responder a pergunta, gaguejando um
pouco...
-É estranho porque...eu não sabia que você dava essa liberdade pra ela.
-Mas eu não preciso dar liberdade nenhuma! Ela só me abraça porque sente vontade.
-Quer dizer que se eu sentisse vontade de te abraçar agora, você não ficaria bravo?
Ele estava ainda mais corado do que antes. Eu, é claro, resolvi me aproveitar da situação:
dei um sorrisinho sacana e fui puxando levemente um travesseiro que estava ao meu lado,
sem ele perceber...
-Mas é claro que não, seu bobo! Assim como eu sei que você não ficaria bravo se eu
fizesse... ISSO!
E acertei o travesseiro em suas costas, fazendo-o cair da cama. Eu comecei a dar risada,
porém, Daniel não dizia nada, apenas olhava para baixo. Ele caiu de costas para mim,
portanto, eu não conseguia ver o seu rosto. Será que eu o tinha machucado?
-Dan... Você está bem?
Eu me ajoelhei ao seu lado, colocando a mão em seu ombro. Aconteceu tudo tão
rapidamente que eu nem percebera que ele havia pego um outro travesseiro e estava prestes
a me acertar em cheio.
-Ahá, te peguei! – e me acertou com força, dando risada em seguida.
-Hey, isso é golpe baixo! Eu estava distraído!
-Essa era a minha intenção!
E assim iniciamos uma verdadeira “guerra” de travesseiros. Ficamos “lutando” durante
quase uma hora e eu acabei nem percebendo que, enquanto se esquivava dos meus ataques,
Daniel se aproveitava da situação. Várias vezes eu o imobilizava segurando-o pelas costas,
e ele apenas se rebatia, sem realmente tentar se soltar. Estávamos nos divertindo tanto que
nem percebemos a mãe do Dan subir as escadas e nos olhar com um ar de reprovação,
justamente quando eu acertava o seu querido filho com um travesseiro.
-Rapazes, vocês deveriam estar dormindo! Mas tudo bem, vocês poderão descansar durante
a viagem. Arrumem essa bagunça e desçam o mais rápido possível!
-Está preparado, Marcos? – perguntou Daniel, enquanto terminava de arrumar o quarto,
com um sorrisinho sarcástico e um ar de súbita felicidade.
-Pode apostar! – respondi, dando-lhe um leve tapinha nas costas.
Entramos todos na caminhonete e iniciamos nossa viagem às 3h da madrugada em direção
a uma chácara no fim do mundo. Eu não fazia idéia de que aquela semana seria, sem
sombra de dúvidas, a melhor semana de toda a minha vida.

Capítulo 9 – “Esqueça”

Eu estava ao lado da janela, ouvindo meu mp4 e observando a paisagem. Daniel, ao meu
lado, tentava dormir enquanto seu irmão, Rafa, estava na outra janela, entrando no seu 7º
sono. As primeiras horas da viagem seguiram de uma forma tranqüila e após duas horas já
havíamos chegado a um restaurante muito bonito na beira da estrada. Descemos e fomos
comer um pouco. Daniel estava morrendo de sono e eu, por outro lado, estava super
agitado. Voltamos ao carro, preparados para mais duas monótonas horas na estrada. E
aquelas horas seriam realmente monótonas, se o Daniel não estivesse com segundas
intenções.
Eu estava com a cabeça apoiada no braço esquerdo, e este, apoiado na janela. Estava quase
dormindo quando, de repente, sinto um leve cutucão no meu outro braço. Eu ignorei,
pensando que fora apenas um “acidente”. Mero engano: ele estava tentado descobrir se eu
realmente dormia. E como eu não abri os olhos, ele decidiu prosseguir com o seu “plano”.
Depois de alguns minutos, percebo que Daniel começou a se acomodar no banco de forma
a ficar o mais próximo possível de mim. Deixou sua perna encostada na minha, assim como
os nossos braços. Logo em seguida, seu braço começa a se mexer e ele segura a minha mão
levemente, e começa a acariciá-la com cuidado. Quando senti a sua mão quente acariciando
a minha, senti uma incontrolável vontade de agarrá-lo ali mesmo. Nem preciso dizer que
estava adorando aquela situação, porém não poderia demonstrar em hipótese alguma, pois
sabia que era perigoso fazer aquilo em um carro lotado de gente. Só me restou torcer para
que ninguém notasse o que estava acontecendo no banco de trás.
Depois de me acariciar por alguns minutos deliciosos, ele decidiu ir ainda mais longe.
Como eu estava usando uma bermuda bem curta, daquelas que nós só usamos em casa
mesmo, ele levantou sua mão e posou-a em minha perna direita, deixando-a ali mesmo. Sua
mão subia e descia, enquanto seus dedos roçavam a minha pele, me fazendo cócegas e ao
mesmo tempo me deixando louco de tanto tesão. Eu me sentia nas nuvens com aquilo tudo.
Acho que ficamos assim por uns quinze minutos, quando sinto sua mão mexer-se
novamente. Ele tocou meus joelhos e começou a subir cada vez mais... aquilo estava me
deixando louco! Mas antes que ele pudesse tocar em mais alguma coisa (hehehe)...
-Daniel, você tem algum problema???
Era a mãe do Dan, e parecia um tanto nervosa. Eu comecei a suar frio, porém continuei
fingindo que estava dormindo. Já ele tirou sua mão instantaneamente e respondeu,
gaguejando:
-O que foi mãe?
-Como você pôde esquecer-se de tomar o seu remédio pra alergia?
Pude ouvir o Daniel suspirando aliviado logo em seguida, e eu também ficara muito mais
tranqüilo em saber que a mãe dele não tinha percebido nada.
-Fica tranqüila mãe, eu tomo assim que a gente chegar.
Após o susto, ele desistira de tentar qualquer coisa, enquanto eu rezava para que ele não
percebesse o volume que se formara em minha bermuda. Depois de certo tempo, eu
“resolvi acordar” e quando menos percebi já estávamos na famosa chácara.
Aquele é um lugar absolutamente perfeito! Ele fica às margens de uma represa, e são vários
terrenos dispostos um ao lado do outro. O terreno da família do Dan era um dos maiores: a
casa ficava ao lado da portaria e logo em seguida, havia uma plantação, uma área pra
churrasco, um pequeno campo de futebol e, finalmente, a represa.
-O nome dessa chácara é “Esqueça” e foi o meu pai quem escolheu esse nome – dizia
Daniel, enquanto retirávamos as bagagens da caminhonete – Acho que ele deu esse nome
porque, quando estamos aqui, nós podemos esquecer tudo: nossos problemas, nossos
professores, nossas provas de fim de ano... qualquer coisa que esteja te perturbando.
-Eu espero que isso funcione mesmo, porque eu estou cheio de problemas...
-Você vai ver... nós vamos nos divertir tanto que você vai se esquecer de tudo rapidinho!
Daniel me olhou com um sorrisinho super malicioso, e foi ajudar o seu pai a guardar as
bagagens. Eu sabia que ele não me convidara apenas por amizade, ele tinha outras
intenções em mente. O que aconteceu com aquele garoto tímido que eu havia conhecido?
Entrei na casa: a sala era bastante espaçosa e bonita, com portas de vidro por todos os
cantos (privacidade zero). A cozinha e a sala de jantar ficavam em um único ambiente, e
um estreito corredor separava os cômodos dos dois quartos e dos banheiros. Eu, o Daniel e
o Rafa nos acomodamos no quarto de hóspedes, onde havia três camas de solteiro e uma de
casal. Confesso que fiquei um pouco desapontado ao perceber que seria praticamente
impossível ter um pouco de privacidade naquele lugar.
-A cama de casal é minha! – exclamou Daniel, jogando-se em cima da cama.
-Fala sério, seu preguiçoso – disse o Rafa, enquanto se acomodava em uma cama encostada
na parede – Não liga não Marcos, você pode ficar nessa cama ao lado da minha.
Vou aproveitar para descrevê-lo: ele tem 21 anos, pele clara, cabelos bem escuros e
desleixados, barba por fazer, olhos castanhos e um corpinho bem legal. Êêê família!!!
Guardei minhas coisas e fomos todos tomar café. Aproveitei aquela oportunidade para
conhecê-lo um pouco mais: ele me contou como é estudar na USP, os professores, a rotina,
os amigos, e deu várias dicas pra hora de prestar o vestibular. Eu estava tão envolvido na
conversa que nem reparei no Daniel e na sua expressão desapontada no outro canto da
mesa: ele estava morrendo de ciúmes. Fizemos várias coisas durante o dia e o Rafa não
desgrudava da gente, o que pra mim não era um problema, pois ele é uma ótima
companhia. Finalmente a noite chegou e, após um jantar farto e um banho quente, fomos
todos dormir, pois a viagem havia sido realmente cansativa. Eu, porém, tinha outros planos
em mente.
Como mencionei anteriormente, eu tenho uma tara incontrolável por pés e, naquela noite,
eu estava morrendo de vontade de tentar algo. Eu sempre fiquei de olho nos pés do Daniel e
confesso que já fiz várias coisas nas vezes em que dormimos juntos, mas eu nunca tinha
reparado como os pés do irmão dele eram simplesmente perfeitos (assim como ele todo, é
claro). E para a minha felicidade eu tinha tirado a sorte grande: a cabeceira da minha cama
dava para os pés da cama do Rafa. E o melhor de tudo: tanto ele quanto o Daniel tinham
tomado um remédio para a alergia antes de dormir, porém, este remédio tem um efeito
colateral: faz a pessoa ter um sono realmente pesado. É, meus caros leitores, a minha noite
estava garantida.
Esperei alguns minutos, até ouvir o Rafa roncar em alto e bom som. Levantei-me e,
sorrateiramente, fui até o interruptor e acendi a luz do quarto, tomando o máximo de
cuidado para não acordar nenhum dos dois. O Daniel também parecia estar dormindo como
uma pedra, por isso fiquei mais aliviado e voltei para a minha cama. Puxei o lençol até
descobrir os seus pés totalmente e ter uma visão maravilhosa daquelas solas branquinhas e
impecáveis bem na minha frente, apenas esperando para serem lambidas.
Resolvi ser mais cauteloso e comecei massageando os seus pés, desde o calcanhar áspero,
passando pela sola macia e quentinha, os dedos, e vez ou outra subindo até os tornozelos.
Fiquei assim durante alguns minutos e, como não houve reação nenhuma, resolvi ser ainda
mais ousado: me aproximei até colar o meu nariz no vão entre os dedos, sentindo aquele
odor tão característico dos pés masculinos. Não agüentei e esfreguei aquele pezão em todo
o meu rosto, beijei cada um dos dedos e, num impulso, lambi freneticamente aquela sola
macia, chupei aquele dedão delicioso até sentir que havia gozado em todo o lençol.
Levantei-me e limpei tudo, peguei o tênis e as meias do Rafael e me tranquei no banheiro
durante o resto da madrugada.

Capítulo 10 – Estranha atração

Naquela manhã, acordei tão exausto que apenas um demorado banho foi capaz de me
manter acordado. Eram 10h, apenas eu e o Dan tomávamos café na cozinha, pois os seus
pais estavam em algum lugar da chácara e o Rafa geralmente dormia até a hora do almoço.
-Hoje o Rafa não vai nos encher o saco – disse Daniel, enquanto me servia algumas
bolachas – Ele vai ficar na cama até tarde e nós podemos aproveitar pra fazer uma coisa
super legal.
-É mesmo? E o que você pretende fazer?
-Hehehe... você vai ver.
Ele e aquelas piadinhas com duplo sentido. Eu realmente estava pensando besteira, até ele
me levar em um campo aberto, um tanto afastado da chácara, e retirar algumas coisas detrás
de uma árvore.
-Então... você sabe atirar com arco-e-flecha?
Ele tinha em mãos dois arcos enormes, quase do seu tamanho, e uma sacola lotada de
flechas com ponta. Primeiro eu fiquei um tanto assustado, afinal eu nem imaginava que por
trás daquele garoto tímido existisse um instinto assassino (hehehe). Mas por outro lado eu
sempre tive vontade de praticar, embora a minha pontaria não fosse das melhores.
-Eu nunca tentei... e acho melhor nem tentar, a não ser que você queira ver uma flecha
atravessada bem no meio da sua cabeça.
-Ah, deixa de frescura. Eu te ensino.
Cuidadosamente, ele entregou um dos arcos para mim, juntamente com duas flechas. Em
seguida, apoiou uma das flechas no arco que tinha em mãos, puxou a corda com força e
fechou um dos olhos. Após soltar a corda, percebi que ele havia acertado em cheio um
tronco que jazia bem no meio do campo. Um tiro certeiro.
-E então? O que você achou?
A minha expressão incrédula misturada com um pouco de medo serviu como resposta para
aquela pergunta. Após algumas tentativas frutadas (das quais o Daniel morria de rir), eu
estava prestes a desistir.
-Isso não vai dar certo, eu não vou conseguir.
-Hum... você só precisa de um pouco de prática.
Após dizer isso, Daniel se aproxima de mim e me mostra como segurar o arco. Como eu
estava com dificuldades, ele se posicionou bem atrás de mim, segurando ao mesmo tempo a
minha mão e o arco. Estávamos muito próximos e eu sentia como se fosse explodir de tanto
tesão. Aquele corpo quente coladinho ao meu... e não demorou muito tempo para eu
perceber que o Dan estava tão excitado quanto eu.
-Marcos... eu queria que você soubesse que... – Daniel sussurrava no meu ouvido.
Aquele seria o momento ideal para tentar alguma coisa. Isso mesmo, SERIA, pois não foi...
-Olá garotos! Posso saber o que vocês estão fazendo?
-Não, não pode! – retrucou Daniel, afastando-se de mim imediatamente.
Aquela era Bibi, uma das primas do Daniel. Ela tinha 16 anos, cabelos castanho-claros,
olhos azuis e penetrantes, além de uma pele levemente bronzeada. Eu só a conhecia por
fotos até aquele momento e devo dizer que fiquei super encabulado por ela ter nos visto em
um momento tão embaraçoso. Foi realmente difícil disfarçar a minha vergonha.
-Ai Dan, mas que grosseria! E então, você não vai me apresentar o gatinho que está do seu
lado?
-O “gatinho” que está ao meu lado é o Marcos, meu amigo. Marcos, essa é a Bibi, minha
prima intrometida.
Senti um pouco de dó da garota, afinal ele estava deixando bem claro que ela não era bem
vinda. Porém, logo após esse momento “tenso”, passamos a conversar como se nada tivesse
acontecido. Encontrei em Bibi uma fã de carteirinha de Senhor dos Anéis (assim como o
primo), além de uma pessoa calma, super simpática e, ao mesmo tempo, carinhosa e
sincera. Eu reparei no modo como ela se dirigia a mim, sempre educada, perguntava a
minha opinião sobre vários assuntos e me fazia sentir-se bem à vontade. Em apenas alguns
minutos criamos uma “repentina” amizade um pelo outro.
-Marquinhos (quanta intimidade, hein?!) você não quer ir nadar lá na represa? Eu e o Dan
nadamos pelo menos uma vez por dia, é super legal!
-Claro, por mim está ótimo! O que você acha, Dan?
Daniel, diferente de nós, estava silencioso e olhava para o nada, parecendo não prestar a
mínima atenção na nossa conversa. Eu poderia dizer que ele estava apenas “distante”, mas
havia algo estranho: ele estava exatamente da mesma forma como quando eu conversava
com o Rafa durante o café da manhã. Ele estava com ciúmes, mas era um ciúmes muito
mais forte do que o da última vez.
-Primo, você está bem?
-Ahn? – indagou Daniel, que parecia ter “despertado” de um transe - Eu acho que... vou
comer alguma coisa. Isso mesmo... depois eu encontro vocês.
-Tem certeza cara? – eu estava realmente preocupado com ele – Não prefere que eu vá com
você?
-Não precisa Marcos, vai com ela. Não precisa ficar comigo... afinal eu sempre te impeço
de se divertir, não é mesmo?
Aquele tom de voz, eu percebi o quanto ele estava magoado. Mas antes que eu pudesse ao
menos dizer que preferia ficar com ele, Bibi me puxava pelo braço e me levava em direção
à represa. Forçado, eu a segui em meio à trilha com os pensamentos em outro lugar. A
expressão triste do Daniel não saia da minha cabeça, e eu me lembrava de todas as
mancadas que já tinha dado, como da vez em que eu beijara a Jennifer na frente dele.
-Acorda gatinho, nós já chegamos!
A represa era absolutamente enorme, e da margem era possível ver toda a extensão da
chácara. Aquela era uma manhã muito quente, o céu estava aberto e uma brisa suave nos
refrescava: era um dia perfeito para um mergulho. Eu estive tão “avoado” durante todo
aquele tempo que nem reparei que a Bibi já estava totalmente trocada, e apenas me
esperava para entrar na água.
Ficamos nadando durante muito tempo, a água estava geladinha e nenhum de nós sentia a
mínima vontade de sair. Já passava do meio dia e, enquanto nadávamos, aproveitávamos
para conversar sobre vários assuntos. Falamos sobre a escola, livros, Nickelback (uma das
minhas bandas favoritas, e da Bibi também) quando o assunto ficou mais específico:
Daniel.
-Marquinhos... seja sincero comigo... o meu primo é gay, não é mesmo?
Eu ficara surpreso com aquela pergunta tão indiscreta. Porém, precisava manter o segredo a
salvo.
-Fala sério, de onde você tirou uma coisa dessas?
-Teve um dia que eu estava usando o computador lá na casa dele para fazer um trabalho, e
sem querer fechei uma das janelas de pesquisa. Pra economizar tempo, abri o histórico...
mas tive uma bela surpresa: ele estava lotado de sites pornográficos! E gays! Antes que
você possa falar que poderia ter sido um dos irmãos dele, eu já te adianto que não tem
como: eu estava usando o login do próprio Daniel, que ainda por cima é protegido por uma
senha que só ele sabe.
É caros leitores, eu não tive escolha. Ainda mais com uma garota tão esperta quanto a Bibi.
-Hihihi, você não vai falar nada né? Tudo bem, eu sempre soube mesmo, só que eu achava
que ele confiava em mim... Mas pelo menos me conta uma coisa: como vai o namoro de
vocês?
-O QUÊÊÊ??? – aquilo me atingira de uma maneira tão intensa que eu acho que nem uma
pancada na cabeça teria sido mais forte – Você ta louca? Nós não estamos namorando, nem
ficando, e nem nada! Nós somos apenas amigos, e ele divide os segredos dele comigo... O
que pode haver de mais nisso?
-Tudo, meu queridinho! Você pensa que eu não notei o modo como ele olha pra você? O
jeito que ele fica quando você está conversando comigo? Ele é da minha família, eu
percebo isso à distância! O Dan gosta de você, Marquinhos!!
-Hunf, isso é coisa da sua cabeça...
-Ahh, vai dizer que você não gosta dele?!
-Mas é claro que não!!
-Nem um pouquinho?
-NÓS SOMOS AMIGOS PORRA, SERÁ QUE ISSO NÃO ENTRA NA SUA CABEÇA?
É incrível como uma única pessoa tem a capacidade de nos tirar do sério como nunca
ficamos antes. Não foi fácil fazer aquilo, negar a sangue frio o meu sentimento pelo Dan,
quando o que eu mais queria fazer era contar pra Deus e o mundo o que eu estava sentindo.
Saí da represa, largando e minhas roupas ali mesmo e, vestindo apenas uma bermuda, fui
andando sem ao menos prestar atenção para onde estava indo. Eu queria chorar ali mesmo
e, quando me dei conta, estava no meio de um bosque afastado da chácara. Sentei ao lado
de uma árvore e chorei como nunca havia chorado antes. Já estava entardecendo e, ao
longe, eu pude ouvir a voz da Bibi, gritando o meu nome e o do Daniel. Parece que ele
havia desaparecido também. Levantei-me do chão, enquanto o Sol parecia desaparecer no
horizonte, e naquele momento decidi que não poderia mais esconder os meus sentimentos.
Eu estava decido a enfrentar qualquer coisa, mesmo que isso me custasse um preço alto
demais.

Capítulo 11 – Escute o seu coração

O Sol já havia se posto e as primeiras estrelas começavam a surgiu no céu, enquanto eu


caminhava novamente em direção a chácara. Estava decidido a consertar as coisas, queria
falar com o Daniel o mais rápido possível e dizer a ele tudo o que eu estava sentindo. Mas
não demorou muito e eu já havia voltado à realidade: eu o havia machucado muitas vezes.
Eu beijara uma garota na sua frente, eu não correspondera as suas indiretas como ele
esperava, e nem sequer tive coragem de lhe pedir desculpas durante os dois meses que nos
separamos. E se ele não quisesse ficar comigo? A cada passo que eu dava o medo
aumentava de pouco em pouco.
Já estava na porta da sala de estar, e as minhas forças para seguir em frente já estavam se
esvaindo. Foi quando eu notei que havia alguém logo atrás de mim.
-Aha, então você está aí – disse Rafael, cruzando os braços e me encarando com um breve
sorriso – Eu pude ouvir a Bibi andando por aí aos berros, procurando você e o Dan como
uma doida.
-E o seu irmão? Ela já encontrou?
-Sim, ele passou a tarde inteira em algum lugar que ninguém sabe, mas agora ele e a Bibi
estão conversando lá no sótão. Se eu fosse você, subiria lá agora mesmo. Eles devem estar
preocupados.
-Valeu mesmo Rafa, nem sei como agradecer – disse, dando-lhe um leve tapinha nas costas
e esboçando um sorriso forçado.
Rafa retribuiu o sorriso e virou-se, caminhando na direção oposta. Eu entrei na sala de estar
e encarei a escada que levava ao sótão por alguns minutos, recuperando um pouco da minha
coragem. Meu coração batia muito forte e o medo e o desespero me consumiam. Respirei
fundo e subi as escadas, degrau por degrau, e abri aquela porta de madeira do modo mais
silencioso possível, pois não queria que eles notassem a minha presença.
O sótão daquela casa era como um comprido corredor, com vários pilares de madeira que
pareciam desaparecer lá no topo, pois a escuridão não permitia enxergar o teto. Lá no fim
do corredor havia uma única fonte de luz que provinha de uma janela enorme e, logo
abaixo dela, havia uma cama. Daniel estava sentado nela, e sua prima Bibi estava sentada
ao seu lado, no chão. Entre eles havia um rádio e estava tocando uma música que eu
reconheci imediatamente: Listen to your Heart do D.H.T. Aquela é uma música muito
bonita, e eu recomendo a todos vocês escutarem para sentirem melhor o “clima”.
( http://www.youtube.com/watch?v=lWwFXH2NPJE )

“Listen to your heart


When he's calling for you
Listen to your heart
There's nothing else you can do
I don't know where you're going
And I don't know why
But listen to your heart
Before you tell him goodbye”

“Escute seu coração


Quando ele está chamando por ti
Escute seu coração
Não há mais nada que você possa fazer
Eu não sei onde você está indo
E eu não sei o por que
Mas escute seu coração
Antes de lhe dizer adeus”

Nenhum dos dois havia percebido a minha presença, pois a música estava relativamente
alta e eu estava na parte mais mal-iluminada do sótão. Resolvi continuar escondido e me
posicionei logo atrás de um dos pilares de madeira. Quando a música acabou, Daniel
desligou o rádio e levantou levemente a cabeça. Ele estava chorando.
-Primo, me desculpa – dizia Bibi, segurando sua mão enquanto falava – Eu não queria
estragar as coisas entre vocês dois. Eu achei que se falasse com ele eu estaria te ajudando,
eu não esperava que ele fosse agir daquela forma.
Daniel olhava para baixo, com os olhos cheios de lágrima, e soluçava muito enquanto
falava. Ver ele naquela situação me deixava ainda mais triste. Eu queria estar lá com ele,
abraçá-lo, enxugar suas lágrimas e dizer que estava tudo bem. Mas eu não poderia fazer
nada enquanto a Bibi não saísse de lá.
-Eu achava... eu achava que tinha alguma chance, sabe? Ele sempre foi tão atencioso
comigo... sempre se preocupou comigo, sempre me ajudou nas horas em que eu mais
precisei. E do nada você aparece e... estraga tudo!
-Não primo, eu só...
-CALA A BOCA!!! – gritou Daniel, soltando a mão de sua prima com violência – Se você
percebeu que eu gostava dele, o melhor que você poderia ter feito era ficar em silêncio!
Você não entende... ninguém me entende...
-Dan, me desculpa... – Bibi falava com voz de choro, e uma lágrima percorria seu rosto.
-Eu me sinto tão bem quando estou com ele... eu nunca tive um amigo de verdade, eu nunca
tinha gostado de ninguém até ele aparecer. E eu sabia que, mesmo que ele não gostasse de
mim, eu já me sentiria imensamente feliz em ter apenas a amizade dele. Você tem idéia do
que você fez, Bibi? Agora ele não vai mais querer olhar na minha cara, e eu nem sei se vou
ter coragem de falar com ele depois de tudo isso. Eu sou um lixo, sabia...
-Não fala assim Dan, se alguém aqui é um lixo esse alguém sou eu! Olha, eu vou falar com
ele e vou esclarecer as coisas...
-NÃO!!! Você não vai falar nada! Você já estragou muita coisa em apenas um dia, não
quero que você piore ainda mais as coisas.
Bibi levantou-se, enxugando o rosto e caminhando lentamente em direção a porta. Como eu
estava bem escondido, ela não tinha a mínima chance de me ver ali. Pouco antes de abrir a
porta, ela olha para trás e deixa escapar suas últimas palavras antes de ir embora:
-Uma coisa eu posso lhe dizer, Daniel. Mesmo que ele não sinta o mesmo por você, ele
nunca vai conseguir esconder de ninguém a amizade e o carinho que ele sente por você. E
mesmo tendo feito algo errado, eu continuo sendo sua prima e respeito a sua opção. E se
depender de mim, eu vou fazer o possível e o impossível pra que ninguém te machuque.
E assim Bibi deixou Daniel “sozinho” no sótão. Ele estava chorando ainda mais, e ligou o
rádio novamente para tentar se acalmar. Mudou as faixas do CD e parou em outra música, a
música que estava tocando no dia da festa em que eu beijara a Jennifer: Everything da
banda Lifehouse. Também aconselho a ouvir!!! Essa música diz absolutamente tudo o que
eu estava sentindo naquele momento.
(http://www.youtube.com/watch?v=fjDojEOiMcE )

“Find me here,
And speak to me
I want to feel you
I need to hear you
You are the light
That's leading me to the place
Where I find peace.. again

You are the strength


That keeps me walking
You are the hope
That keeps me trusting
You are the life
To my soul
You are my purpose
You're everything

And how can I stand here with you


And not be moved by you?
Would you tell me how could it be any better than this?”

Com o coração acelerado e o corpo tremendo de ansiedade, caminhei lentamente em


direção a cama. Daniel assustou-se ao perceber que eu estava ali, e fez menção de desligar
o rádio.
-Não faça isso – eu disse – Eu gosto dessa música.
Daniel voltou para a cama, parecendo um tanto nervoso. O que ele estaria pensando
naquele momento?

“Me encontre aqui,


e fale comigo
Eu quero te sentir
Eu preciso te ouvir
Você é a luz
que está me guiando para o lugar
onde encontrarei paz... novamente

Você é a força
que me faz andar
Você é a esperança
que me faz confiar
Você é a vida
pra minha alma
Você é meu propósito
Você é tudo

E como eu poderia ficar aqui com você


e não me comover com você?
Você poderia me dizer como isso poderia ficar melhor?”

Sentei-me na cama, ao seu lado, e fixei meu olhar no chão durante alguns segundos, apenas
ouvindo a música. Estava tentando juntar as palavras certas para falar, pois eu tinha tanta
coisa para dizer que não sabia ao menos como começar.
-Olha Daniel, eu...
-Não precisa dizer nada, Marcos. Eu ouvi a sua conversa com a Bibi lá na represa, você não
precisa se explicar. Eu que tenho que te pedir desculpas, a Bibi não fez por mal, ela é meio
louca mesmo...
-Então você quer dizer que ela estava errada? Que você não sente absolutamente nada por
mim?
Ele baixou a cabeça lentamente, desviando o olhar, e ficou durante alguns segundos em
silêncio. Logo depois, ele me olhou diretamente nos olhos, aquele olhos castanhos e cheios
de lágrimas fixos aos meus, e disse baixinho:
-E você acha mesmo que eu não sinto nada?
-Eu não sei... Eu quero ouvir de você.
-Eu... eu sempre gostei de você...
Era justamente aquilo que eu queria ouvir. Eu nem acreditava que estava ali, ao lado do
Daniel, presenciando o momento que eu mais ansiei desde que o vi pela primeira vez na
sala de aula.
-E por que você nunca me disse nada?
-Nunca na minha vida eu arriscaria perder uma amizade como a sua. Você é o melhor
amigo que eu já tive e é a pessoa mais importante pra mim.
-Daniel... nós prometemos confiar sempre um no outro, lembra?
-Mas eu não podia contar pra você! Eu sei que você nunca gostou de mim... ou melhor...
você sempre me viu como mais um dos seus amigos...
Realmente, eu nunca tinha demonstrado diretamente que o amava. Acho que nunca tive
coragem para tanto e, assim como ele, tinha medo de perder aquela amizade tão intensa.
-E como você pode dizer isso com tanta certeza?
-Marcos, eu te vi beijando a Jennifer! Por que você acha que eu fiquei quase dois meses
sem ter coragem de falar com você, com medo de fazer alguma besteira? Eu sabia que se eu
te desse um simples “oi”, acabaria chorando e perderia a sua amizade pra sempre. Eu fiquei
dois meses sem dormir a noite pensando em você!
Daniel falava rápido, com convicção, e sua voz chorosa me torturava ainda mais.
-E o Fernando? Você disse que gostava dele, lembra?
-Eu só queria ver a sua reação, ver como você reagiria se soubesse que eu estava gostando
de alguém. Quando eu contei, percebi que você tinha ficado com um pouco de ciúmes, mas
depois você começou a me ajudar a ficar com ele, e então eu percebi que você não sentia
nada por mim.
-Bom... pra começar, a Jennifer me beijou a força! Eu não gosto dela, tanto que depois
daquele dia nós nunca mais ficamos juntos! Eu me senti um lixo após ter feito o que fiz, um
lixo por ter magoado a pessoa que eu mais gosto no mundo inteiro.
Daniel abriu a boca, prestes a dizer algo, porém calou-se logo em seguida. Ele estava me
olhando nos olhos novamente, aqueles olhos lindos e aquela expressão triste que, aos
poucos, ia se transformando em uma expressão de dúvida.
-Calma, eu não estou entendendo...
-Não, você entendeu certo!! Será que você não percebe que eu também te amo, porra?
Mesmo soltando um palavrão, aquele foi o momento mais mágico que já presenciei. Daniel,
que estava sentado ao meu lado da cama, agora já não chorava mais. Ele estava sorrindo,
com aquele sorriso lindo que tem a incrível capacidade de comover todos a sua volta. A
música ainda tocava e, quando chegou no refrão, Daniel cantou baixinho, enquanto sorria e
me olhava intensamente nos olhos.
-Would you tell me how could it be any better than this?
(Você poderia me dizer como isso poderia ficar melhor?)
Eu me sentei ainda mais perto dele, e peguei em sua mão enquanto mantinha meu olhar
fixo no dele. Fomos nos aproximando lentamente, e logo eu já conseguia sentir o seu
perfume maravilhoso. Com cuidado, coloquei minha outra mão em torno do seu pescoço, e
logo já estávamos muito próximos. Fechei os olhos e durante alguns minutos já não havia
mais distância entre nós. Assim que nossos lábios se tocaram, eu já havia me entregado ao
melhor beijo de toda a minha vida.

Capítulo 12 – A promessa

Sabe aquele beijo perfeito, onde o momento parece ser o ideal, o tempo parece parar e você
sente que tudo conspira a seu favor? Foi exatamente assim que eu me senti quando beijei o
Dan pela primeira vez. O calor de seu corpo, nossas línguas se entrelaçando lentamente,
movidas pelo sentimento puro que unia um ao outro. Eu estava nas nuvens, e nenhum outro
beijo havia me deixado daquele jeito. Sem falar que aquele era o primeiro beijo do Dan, o
que me deixava ainda mais feliz e confiante.
Começamos em um ritmo lento e, enquanto beijávamos, eu passava a minha mão
levemente por seus cabelos lisos. Conforme íamos acelerando, eu passava a minha mão por
todo o seu corpo, desde o seu rosto, descendo pelo seu peito, sua cintura, e aproveitei para
dar um pequeno beliscão em sua bunda, ao que ele respondeu com um gemido que me
deixou excitado na hora. Agora, éramos movidos pela paixão.
Daniel levantou-se e me deitou na cama com todo o cuidado, isso tudo enquanto ainda nos
beijávamos intensamente. Como eu estava até a pouco na represa, vestia apenas uma
bermuda de banho, enquanto ele vestia uma bermuda e uma regata que o deixava ainda
mais sexy. Agora, ambos já estavam menos nervosos e, por esse motivo, começamos a nos
soltar mais. Daniel agora beijava o meu pescoço e alisava a minha barriga lentamente. Sua
mão quente me tocando era a melhor sensação do mundo. Enquanto fazia isso, sussurrava
no meu ouvido:
-Eu sempre quis tocar nessa sua barriguinha perfeita...
-E eu sempre quis ter você todinho pra mim!
Ele sorriu novamente, mas dessa vez não era um simples sorriso de felicidade. Era um
sorriso malicioso, e tanto eu quanto ele queríamos aproveitar o máximo daquele momento.
Beijamos-nos novamente, enquanto tocávamos um ao outro. Eu aproveitei para retirar a sua
camiseta, aos poucos. Tudo poderia ter sido perfeito, e teria sido, se não fossemos
interrompidos por uma certa pessoa.
-Daniel? Você está aí em cima?
Eu quase caí da cama tamanho o susto que levei. Daniel levantou-se rapidamente,
respondendo às pressas:
-Estou sim, mãe. O que você quer?
-O Marcos está aí com você? Eu ouvi a Bibi procurando por vocês dois e fiquei
preocupada!
-Não precisa se preocupar mãe, ele está aqui em cima comigo. Nós estamos... ouvindo
música! – e me lançou uma expressão sarcástica, e eu tive que me controlar para segurar o
riso.
-Então desçam logo, o jantar já está quase pronto.
Eu estava radiante de felicidade, e pude perceber que o Dan também estava. Descemos
juntos e eu fui imediatamente para o banheiro, tomei um banho rápido e troquei de roupa.
Quando cheguei à cozinha, me deparei com uma verdadeira multidão esperando pelo jantar:
havia no mínimo umas nove pessoas. E entre elas, pelo menos quatro que eu não conhecia.
-Ah Marcos, deixa eu te apresentar o Cláudio e sua família – disse a mãe do Dan, a dona
Marli, me levando em direção a um homem gordo, com uma expressão gentil e um pedaço
de guardanapo grudado no canto da boca – Eles são antigos amigos do meu esposo, e
apareceram de surpresa pra se hospedar aqui! Não é maravilhoso?
-Oh, com certeza... (pensamento interno: todos os palavrões possíveis)
-Ah, mas nós temos um pequeno probleminha! Como eles estão em um número grande,
terão que dormir no quarto onde você, o Dan e o Rafa estão dormindo agora. Tudo bem se
vocês dormirem no sótão?
-Ahhh, nem pensar! – exclamou Rafa, indignado – Só tem uma cama no sótão, e eu não vou
dormir em um colchão! Imagina a quantidade de bichinhos que passam por ali... argh, isso
é um pesadelo!
-Para de frescura Rafa, você pode dormir na cama. Eu e o Marcos dormimos no colchão
sem nenhum problema – Daniel lançou-me uma piscadela quase imperceptível, a qual eu
retribuí com um singelo sorriso.
Dona Marli passou o resto da noite dizendo o quanto o seu filho era generoso e, para limpar
um pouco a má impressão que os novos “hóspedes” tiveram do Rafa, foi logo dizendo que
ele estava fazendo publicidade na USP. Eu não falei nada durante o jantar, pois não
conseguia parar de olhar para o Daniel, que me retribuía os olhares sempre que podia, mas
sem gerar maiores suspeitas. Assim que terminamos de comer, eu ajudei a dona Marli a
lavar a louça (sim meus caros leitores, eu sou um garoto prendado, rsrsrs) e ajudei o Rafa a
levar as nossas bagagens para o sótão. Arrumamos tudo e fomos dormir, pois estávamos
todos cansados.
Eu já estava quase pegando no sono, quando sinto o Daniel me cutucando por trás.
-O que foi Dan? – perguntei baixinho, para não acordar o Rafa.
-Vem comigo... rápido!
Levantamos e descemos as escadas sem fazer o menor ruído. Eu apenas o acompanhava e
perguntava-me para onde estávamos indo. Daniel abriu a porta e correu para fora, em
direção a um pequeno jardim que ficava bem no meio da chácara. Quando chegamos, ele
ficou apenas me observando, sem dizer uma palavra sequer. Já passava da meia noite, mas,
apesar disso, não estava tão escuro quanto deveria. De onde vinha toda aquela luz?
-Dan, o que nós estamos fazendo aqui?
-Olha pra cima.
Esbocei uma expressão de “fala sério”, porém, resolvi cooperar e olhei para cima. Devo
admitir que quase caí no chão de tanta surpresa: eu finalmente entendera porque aquela
noite parecia “iluminada”. Aquele era o céu mais lindo que eu já tinha visto em toda a
minha vida. Como não havia nuvens, era possível ver tantas estrelas que eu tinha a
impressão de que elas poderiam despencar de lá do alto e cair bem em cima de nossas
cabeças. Eu, que moro em Osasco, nunca tinha visto uma noite tão estrelada como aquela e,
como a chácara ficava praticamente no fim do mundo, a visão era a mais bonita possível.
Eu não resisti, puxei o Dan pela cintura e o beijei ali mesmo. Como aquela era uma noite
agradável, Daniel voltou para a casa, pegou algumas toalhas, um repelente (contra os
insetos) e ficamos ali, deitados, abraçados um ao outro enquanto observávamos as estrelas
no céu.
-É Marcos... e pensar que as férias já estão acabando...
-É verdade...
-Sabe... antes eu tinha medo que as pessoas descobrissem que eu era gay, tinha medo da
reação delas e dos amigos que eu perderia por causa disso. Mas agora eu temo por você
também! Eu não quero que você sofra por minha causa...
-Hey Dan, para com isso cara! Eu te amo, você sabe disso, e nós dois vamos enfrentar isso
juntos. Pra mim os outros não importam, o que realmente importa é o que sentimos um pelo
outro.
-Aii Marcos, você não entende! Eu deixei você desse jeito! Você é um cara bonito, tem que
encontrar uma esposa, se casar, ter filhos, não pode ficar perdendo seu tempo comigo.
-E você acha que estarmos juntos é uma perca de tempo? Depois de todo esse tempo que
você ficou sofrendo por minha causa, você ainda acha isso?
Ficamos em silêncio durante alguns minutos, pois não queríamos ter uma razão para
discutirmos pela primeira vez. Eu sempre tive MUITO medo de discutir com o Dan, talvez
pelo mesmo medo de acabar com o carinho e a amizade entre nós. Passado algum tempo,
ele apóia a sua cabeça em meu peito e, nesse exato momento, passa uma estrela cadente
(com o céu “limpo” daquele jeito, ver estrelas cadentes era algo muito freqüente por lá.
Quem mora no interior sabe disso).
-Olhe, Dan, uma estrela cadente!
-Eu vi... o que foi que você pediu?
-Ahh, não posso dizer... se eu disser, o desejo não se realiza.
-Vai Marcos, por favor!!
-Aiai, tudo bem... eu pedi que o professor de geografia sofra um acidente e não dê aula
nunca mais!
-Hehehe... você sabe o que foi que eu pedi?
-Não sei não... o que foi?
-Eu pedi que esse momento durasse pra sempre...
Mesmo com o meu sarcasmo inapropriado, aquela foi uma das coisas mais fofas que eu já
ouvi. Nem preciso dizer que nos beijamos novamente, mas dessa vez, foi por muito e muito
tempo, sem ninguém pra nos interromper.
-Dan, eu quero que você me prometa uma coisa.
-O que foi, Marcos?
-Promete que nós vamos continuar juntos, independentemente do que aconteça?
-Nossa, mas por que você está me pedindo isso? Eu nunca vou deixar você!
-Só me promete isso, por favor. Eu preciso me sentir mais seguro.
-Tudo bem Marcos... eu prometo.
Daniel estranhara o meu pedido, também, não era pra menos. Eu estava com um estranho
pressentimento, e precisava me sentir mais tranqüilo consigo mesmo. Após essa estranha
conversa, continuei a observar as estrelas e, depois de algum tempo, tudo foi se apagando
ao meu redor. Naquela noite, eu e o Dan dormimos ao ar livre, sob a luz das estrelas. Eu me
sentia realizado por dentro... porém, nem imaginava que grandes barreiras iriam surgir no
nosso caminho.

Capítulo 13 – Olá, meu nome é Gisele

Os últimos dias na chácara foram maravilhosos, mesmo com os hóspedes inesperados e os


raros momentos de privacidade que eu tive com o Dan. Ele acabou “reatando” a sua
amizade com a Bibi e, a partir daquele momento, passamos a fazer tudo juntos: nadar na
represa, praticar arco-e-flecha, jogar RPG com o Rafa, além de muitas outras coisas.
Quando fomos embora, eu percebi que sentiria falta daquele lugar maravilhoso. Agora eu
entendia porque o Daniel me falava tão bem daquele lugar. A única lembrança que eu levei
de lá foi um cachorrinho de pelúcia que a Bibi me entregara logo após a nossa despedida.
Voltei para a minha casa com apenas uma semana restante para o início das aulas, e ainda
não havia comprado os materiais e os livros necessários. Combinei com o Dan de nos
encontrarmos em uma papelaria aqui de Osasco, e assim fizemos. Passamos uma tarde
inteira comprando os materiais, escolhendo a mochila nova, os fichários, e ainda
aproveitamos para namorar um pouco. É claro que nós agíamos da maneira mais discreta
possível, pois várias pessoas da escola também faziam compras naquela papelaria e o risco
de sermos vistos era sempre grande. Após tomarmos sorvete juntos e nos lambuzarmos por
completo (fizemos uma “guerrinha de sorvetes”), nos despedimos e seguimos cada um para
a sua respectiva casa.
Porém, ainda faltava comprar os livros. A mãe do Dan já tinha comprado os dele e, para
não gerar maiores suspeitas, combinamos que eu compraria os livros sozinho. Minha mãe
deixou o dinheiro e a lista de tudo o que deveria ser comprado em cima da mesa e, assim,
eu segui em direção a livraria. Aquela é a mais freqüentada livraria daqui de Osasco e, por
esse motivo, eu sabia que encontrar alguém da escola por lá era simplesmente inevitável.
Caminhei por entre aquele amontoado de estantes à procura dos livros de física, quando
percebi que havia uma garota parada ao lado da sessão de mangas. E ela estava olhando pra
mim! Fingi que não tinha reparado, porém, observava-a de canto de olho, sem que ela
reparasse. Eu conhecia aquela garota de algum lugar! Ela era alta (apenas alguns
centímetros mais baixa que eu), um pouco “cheinha”, tinha os cabelos pretos e
desgrenhados, pele clara, e uma roupa tão colorida que a fazia parecer ter saído daqueles
animes que assistimos na televisão. Dei outra olhada na lista e voltei a procurar os livros e,
quando menos percebo, ela já estava ao meu lado.
-Oi! – disse ela, com um jeito meigo e um grande sorriso no rosto.
Eu apenas a observei durante alguns segundos, pensando “eu te conheço?”. Porém, mantive
a minha educação e a cumprimentei normalmente.
-Érrrr... oi?!
-Ahh, eu acho que você não deve estar lembrado de mim. Deixe eu me apresentar melhor:
olá, meu nome é Gisele. Eu sou amiga do Dan!
Hum, finalmente a ficha caíra e eu lembrara quem era aquela garota... era a mesma garota
com quem o Daniel passava os seus solitários intervalos desde a quinta série. Eu já a tinha
visto algumas vezes, e já chegamos a conversar uma única vez. Porém, eu já tinha me
esquecido completamente. Fiquei morrendo de vergonha.
-Me desculpe, eu sou meio lerdo pra essas coisas, mas agora já estou lembrado de quem
você é...
-Isso é ótimo! Aliás, eu estava doida pra perguntar: como foi a viagem pra chácara?
Fiquei estático. Como ela sabia que eu tinha passado as férias por lá?
-Espera um pouco, como você sabe que eu fui pra chácara?
-Ora essa, o Dan me conta tudo, queridinho! Aliás, ele fala muito sobre você.
“Correção, o Dan te conta QUASE tudo”, comecei a pensar, “afinal eu lembro quando ele
me disse que eu e a Jenny éramos as únicas pessoas que sabiam do segredo. E agora, a Bibi
também sabe. Mas... ele deixou bem claro que não teve coragem de contar nem pra melhor
amiga!”.
-Sabe, eu estava louquinha pra conversar com você! Eu fiquei tão pasma quando ele me
disse sobre... você sabe... o “segredo”. E eu fiquei ainda mais pasma quando ele disse que
você, um cara que ele conheceu há apenas um ano, já sabia antes mesmo de mim, a melhor
amiga dele! Vê se tem cabimento uma coisa dessas...
-Espera, é muita informação pra minha cabeça! Como assim, você sabe a respeito do
“segredo”? Até onde eu estou informado, as únicas pessoas que sabiam disso...
-As notícias voam, lindinho! – Gisele não perdia o seu jeito meigo de falar, mesmo em uma
situação tão delicada quanto aquela – O Dan me contou tudo assim que vocês voltaram da
chácara.
Fiquei em choque.
-Como assim... ele te contou “tudo”?
-Sim... e me contou sobre você também!
Fiquei em choque ²²²
-Sobre “mim”?
-Mas é claro! Ele me disse o quanto você é especial, que você é um ótimo amigo e que o
ajudou muito nessa fase tão difícil que ele está enfrentando. E também disse que, se não
fosse por você, ele não teria reunido coragem suficiente para contar pra mim e pra quem
mais fosse necessário.
Respirei, aliviado. Apesar de Gisele aparentar ser uma pessoa confiável, eu não estava
preparado para que mais pessoas soubessem a respeito do meu relacionamento com o Dan.
Tudo parecia muito “novo” para mim e às vezes nem eu acreditava em tudo o que estava
acontecendo. Eu só acreditava quando estava com o Daniel e, com aquele sorriso, ele fazia
o tempo parar... e parecia que quando estávamos juntos nada mais importava.
Enquanto comprávamos os livros juntos, passamos a conversar sobre outros assuntos.
Gisele mostrou-se uma pessoa simpática, atenciosa, bem humorada e, além de tudo, era
uma ótima companhia. Apesar de não ser tão bonita, ela tem um gosto excepcional: lê tudo
o que encontra pela frente, desde livros de auto-ajuda até verdadeiras sagas como As
Crônicas de Nárnia (sua série de livros favorita).
Em uma hora, eu já tinha comprado todos os livros da lista, assim como Gisele.
Aproveitamos para dar algumas voltas em um shopping que ficava ao lado da livraria, pois
assim poderíamos nos conhecer melhor. Comprei uma casquinha para nós dois, e nos
sentamos na praça de alimentação.
-...e Gravitation é um dos melhores mangás que eu já li, e parece que vai sair aqui no Brasil
em julho!
-E você vai comprar, não é mesmo, Gisele?
-Mas é claro que sim! E faço questão de ter a coleção completa!
-(risos)...
-Sabe, Marcos-sama... quando o Daniel-kun me contou que era gay, eu fiquei um tanto
assustada... mas agora eu já estou aceitando isso tudo com a maior naturalidade!
-Mas é assim mesmo, Gisele, com o tempo você começa a se acostumar... afinal, nós temos
que apoiá-lo independentemente da situação.
-É verdade. Mas eu fico imaginando como ele conseguirá se livrar de todas as garotas que
gostam dele!
-Como assim?
-Oras bolas Marcos-sama, mesmo sendo um garoto você deve admitir que o Dan é um cara
muito bonito. E, apesar do jeito fechado dele, eu sei de várias garotas que vêem além
daquela cara de poucos amigos e acabam tendo uma “quedinha” por ele. Aiai... elas vão
ficar tão decepcionadas!
Confesso que, naquele momento, senti uma pontada de ciúmes. Embora eu soubesse que o
Dan nunca me trocaria por uma garota, nada o impediria de tornar-se amigo delas. Eu
comecei a imaginá-lo no intervalo, cercado por amigos falsos que ele cultivaria apenas para
continuar com as aparências e manter o segredo a salvo. Resolvi parar de pensar nisso, ou
então, poderia ficar louco. Estava tudo perfeito entre e a gente, e pensar de forma negativa
poderia atrair coisas ruins para nós dois.
Depois de passar um dia super legal ao lado da Gisele, voltei para casa, arrumei o material
e deitei na cama. O dia seguinte seria o primeiro dia de aula. Quem diria, finalmente estava
iniciando o segundo ano do ensino médio. Com tantas coisas em mente, não consegui
dormir um minuto sequer. Não pela ansiedade de voltar para a escola, mas sim pelo mesmo
mau pressentimento que apenas aumenta dia após dia. Levantei-me no dia seguinte
morrendo de cansaço e, sonolento, percebi que havia uma nova mensagem no meu celular,
de um número não identificado. Abri a mensagem e não acreditei no que vi. Derrubei o
celular no chão e sentei-me na cama, trêmulo. No visor do aparelho, era possível ler as
seguintes palavras:

“Tem medo de pesadelos? O seu está apenas começando”

Capítulo 14 – Um problema chamado Rayssa

Tem medo de pesadelos? O seu está apenas começando...


...apenas começando...
-O que foi, garotão? Você parece meio pálido, tem comido direito ultimamente?
Meu pai dirigia o carro e falava comigo ao mesmo tempo, tomando o máximo de cuidado
para não desviar a atenção da pista. Mais alguns minutos e eu estaria na escola, iniciando o
meu primeiro dia de aula. Porém, aquela maldita mensagem não saía da minha cabeça por
um minuto sequer.
-Fica frio pai, eu estou bem.
Olhei através da janela do carro as pessoas andando pela rua. Crianças correndo, jovens e
adultos conversando na calçada... dentre tantas pessoas que existem nesse mundo afora, eu
não poderia ser a única pessoa que estava passando por uma situação daquelas. Eu não fazia
a mínima se as outras pessoas descobrissem a meu respeito, afinal, eu só tinha olhos e
pensamentos pro Dan. Eu me preocupava com o futuro dele, tinha medo de que ele sofresse
e, acima de tudo, tinha medo de perdê-lo para sempre. Aqueles tinham sido os melhores
dias da minha vida, e eu não arriscaria essa felicidade por nada no mundo. Uma felicidade
que, ao mesmo tempo em que poderia comover alguns, também geraria inveja em algumas
pessoas desprovidas de sentimento. Pessoas que fariam de tudo para ver o Daniel longe de
mim.
Mas afinal de contas era fim de férias, primeiro dia de aula, e eu precisava entrar no clima
para não encontrar meus amigos e decepcioná-los com o meu estado melancólico. Estava
tocando uma música do Coldplay no rádio, porém essa banda consegue me deixar pra baixo
mesmo nos meus melhores dias (nada contra a banda, mas eu precisava ouvir algo mais
“alegre”). Mudei pra uma estação de techno e deixei lá mesmo. Eu estava disposto a ouvir
qualquer coisa que me fizesse esquecer aquela estranha mensagem anônima.
Peguei um trânsito absurdo no meio do caminho e, graças a uma força divina, ainda
consegui chegar meia hora antes de o sinal bater. Logo de cara eu me lembrei do mesmo
primeira dia de aula há um ano, quando eu pensava que aquele seria apenas mais um ano
chato, em uma escola chata com alunos chatos e professores piores ainda. Quem diria... eu
estava totalmente errado. Mas também pudera, na presença do Dan até mesmo as medonhas
aulas de síntese protéica tornavam-se momentos prazerosos e divertidos.
Subi as escadas lentamente, um pouco ansioso para reencontrar os amigos, reencontrar o
Dan (hehehe) e colocar os assuntos em dia. Ao chegar ao pátio, encontrei a lista das salas e
resolvi verificar se todos estavam ali mesmo, ou se tinha acontecido algum imprevisto que
acarretara na troca de vários alunos. Para a minha sorte, apenas três pessoas foram trocadas
(apenas conhecidos), além de dois alunos que foram transferidos de outra escola.
-Aiii, eu não acredito!!
Foi tudo tão rápido que eu demorei a perceber o que estava acontecendo. Alguém havia
“voado” em meu pescoço e, naquele momento, me abraçava tão forte que eu mal conseguia
me desvencilhar. Após um minuto de abraço apertado, percebi que era Jennifer, com um
sorriso radiante e um aparelho na boca.
-Isso tudo foi pra me mostrar o aparelho novo, não é mesmo? – perguntei, enquanto fingia
não ter reparado em todas as pessoas que agora olhavam em a nossa direção, abismadas.
-Claro que não, bobinho, eu estava morrendo de saudades! Eu não consegui falar com você
durante o mês de janeiro inteirinho! Onde você estava, seu sumido?
-Ele estava viajando comigo.
Daniel vinha do corredor acompanhado por Gisele. Ela, como o de costume, trazia os seus
mangás pervertidos na mão direita e, no rosto, uma expressão sonolenta e pouco motivada.
Já Daniel sorria discretamente. Da última vez que nos vimos, combinamos que agiríamos
“normalmente” na escola, para não levantarmos suspeitas e, dessa forma, manter o segredo
a salvo de pessoas preconceituosas. Agora, eram quatro pessoas conversando no meio do
pátio. Uma roda de verdadeiros amigos.
-Aiii, jura? – perguntou Jenny, demonstrando interesse – E pra onde vocês foram?
-Fomos pra chácara da família do Dan, que fica à beira de uma represa. Ficamos uma
semana por lá.
-Eu já ouvi o Dan comentando sobre lá e realmente parece ser um lugar muito legal. Eu,
assim como vocês, passei o mês inteirinho viajando, estou super cansada...
-E eu estou mais ainda – disse Gisele, que apenas ouvia até aquele momento – Passei o mês
de janeiro fazendo os serviços de casa e, nas horas vagas, aproveitei pra escrever as minhas
fanfics!
-Fanfics? – perguntou Jenny – O que é isso?
-Fanfic é uma espécie de “conto” criado pelo fã de uma história, onde ele escreve usando os
personagens dessa mesma história e cria acontecimentos de acordo com a sua imaginação.
Eu, por exemplo, adoro escrever fanfics sobre Harry Potter e Gravitation.
-Aposto que elas são tão pervertidas quanto os mangas que você lê – comentou Daniel,
fazendo todos rirem e deixando Gisele tão vermelha quanto as paredes do pátio.
Após algum tempo, mais pessoas já tinham se unido a “gangue”. Julio chegou,
acompanhado de sua mais nova namorada, Thayse, e logo mais vieram Raul, Érica e Anne.
Conversamos sobre as férias, as festas que estavam por vir, e sobre o ano agitado que
teríamos pela frente. Quando olhei para o lado vi Daniel conversando com Heitor, um dos
seus grandes amigos, e fiquei com vontade de ir lá só para saber o que eles estavam
conversando. Isso durou pouco tempo, pois logo eu me lembrara que precisava manter a
discrição. Eu nunca fui muito ciumento, mas a mensagem que eu recebera naquela manhã
tinha mexido comigo. Resolvi não contar nada para o Dan, pois ele já tinha muitas
preocupações em mente.
O sinal bateu e seguimos todos para a nossa sala, exceto Gisele e Heitor, que estudam em
uma sala ao lado da nossa. Eu me lembro que conversávamos animadamente sobre Naruto
quando, lá no fim do corredor, eu encontro a última pessoa que gostaria de ver naquele dia.
Seu nome? Rayssa, ou como diz o Julio, a VMM: Vesga Maléfica do Mal.
Sim, ela é estrábica, mas se fosse apenas por isso eu não a trataria mal. O problema é que
ela é a criatura mais repugnante, egoísta e irritando do mundo inteiro! Nunca foi de minha
índole ter inimigos, porém ela, Rayssa, conseguira esta façanha. Ela tem os cabelos
levemente encaracolados, castanhos (atualmente loiros), lentes cor de mel, pele clara e um
jeito típico de quem adora marcar presença: fala alto, grita com todos a sua volta, canta
Chitãozinho & Xororó no meio da aula, tira notas baixas e, ainda, prejudica todos que
sentam ao seu lado. Nem preciso dizer que ela é uma das pessoas mais odiadas da sala.
E, com tantas pessoas para descarregar a sua fúria, ela foi escolher justamente a mim. Nem
eu mesmo sei o motivo para tanto ódio, embora algumas pessoas digam que ela nutre uma
estranha paixonite pela minha pessoa. Eu não duvido: ela já deve ter gostado de todos os
garotos da escola e, pra variar, foi rejeitada por todos também. Mas apresentações à parte,
vamos voltar ao que interessa: assim como eu a vi, ela também me vira chegando. Percebi
que ela sorrira maliciosamente e foi andando em minha direção, pé ante pé, como se
estivesse desfilando em uma passarela de moda. Logo atrás dela vinha Maíra, uma de suas
poucas amigas (pra quem não se lembra, Maíra era a aniversariante da festa na qual eu
beijara a Jennifer).
-Ora ora, olhem só quem voltou: o Marcos-sabe-tudo e os seus cachorrinhos!
-A única “cadela” que eu estou vendo por aqui você! – respondeu Jennifer, que parecia
realmente ofendida.
-Calminha querida, eu não estou falando com você! Voltando ao assunto Marcos, você
gostou da minha mensagem? Eu a escrevi com todo o carinho, especialmente pra você.
Então foi ela, Rayssa, quem me enviara aquela mensagem-ameaça e me deixara assustado
durante todo aquele tempo. Como eu não tinha pensado antes? Aquela era uma atitude
típica de uma pessoa como ela.
-Então foi você quem fez aquela brincadeira sem-graça, não é mesmo? Como você
conseguiu o número do meu celular?
-Isso não é da sua conta, e quem disse que era uma brincadeira? Eu vou transformar esse
seu ano em um pesadelo de verdade, e sabe por quê? Because when I see you cry, it makes
me smile! (porque quando eu te vejo chorar, isso me faz sorrir)
Ela disse isso com a pior pronúncia que eu já ouvira, tanto que demorei um bom tempo para
entender o que ela tinha dito. Ela achava que estava arrasando, porém nem mesmo a Maíra
achava um pingo de graça naquilo tudo.
-Vai se preparando, queridinho... Aliás, soube que ano passado você deu “uns pegas” em
umas putinhas necessitadas por aí. Eu fico imaginando o tipo de garota que ficaria com
você.
-Qualquer garota decente, ou seja, qualquer garota que não seja igual a você! – retrucou
Jennifer, morrendo de ódio – Depois dessa eu até vou sair, não quero me irritar por pouca
coisa!
Jenny entrou na classe, enquanto Rayssa apenas a observava com um ar de “vitória”. Eu já
estava de saco cheio daquilo, e acompanhei o Julio e o Daniel até o final do corredor para
entrar na sala de aula. Já estava quase entrando, quando pude ouvir Rayssa gritar e chamar
a atenção de todos que estavam por perto:
-Queridinho, tenha modos! Tem alguém falando com você!
-Além da Maíra eu não estou vendo mais ninguém aqui. Só esse monte de lixo que atende
pelo nome de “Rayssa”.
Maíra sorrira disfarçadamente. Entrei na sala, ouvindo o som dos aplausos das pessoas que
assistiam a cena. Zoar a Rayssa era um dos passatempos preferidos da galera e, apesar de
ser algo “errado”, eu não fazia a mínima pro que ela sentia a meu respeito. Ela pedia por
isso. Escolhi uma carteira logo atrás do Dan, e aproveitei para cumprimentar todos que
estavam na sala. Apesar de tudo, eu me sentia bem consigo mesmo. A Rayssa podia fazer
qualquer coisa que eu não me deixaria abalar: só o fato de eu estar com o Dan já era
suficiente para me fazer feliz pelo resto de minha vida.

Capítulo 15 - Traição

Três semanas de aulas passaram num piscar de olhos, e finalmente o Carnaval começara:
teríamos mais uma semana de folga para aproveitar e se preparar para as incessantes provas
de início de bimestre. A Rayssa realmente não estava mentindo quando disse que
transformaria o meu ano em um completo pesadelo e, embora tentasse, ela sempre
fracassava e nunca conseguia me atingir diretamente. Suas tentativas furadas de me
humilhar na frente da sala inteira nunca funcionavam e, aos poucos, eu fui aprendendo a
suportar aquela situação. Porém, havia apenas uma coisa que me intrigava naquele
momento.
Maíra, por algum motivo desconhecido, acabou se distanciando muito de Rayssa durante
aquelas três semanas. Eu reparei que, às vezes, no meio da aula, ela me encarava
timidamente, como se quisesse dizer alguma coisa. Nas poucas vezes que nos
encontrávamos sozinhos no corredor, ela apenas me perguntava como iam as coisas, se eu
viajaria no Carnaval, e se eu pensava em estudar para as provas que estavam prestes a
começar. Em seus olhos, porém, era possível ver uma expressão triste e solitária. Maíra
poderia ser uma das garotas mais populares da escola, se não fosse por sua estranha
amizade com a Rayssa.
Por outro lado, o meu relacionamento com o Dan melhorava dia após dia. Várias vezes ele
dizia para a sua mãe que dormiria na casa de sua tia (que mora próxima a escola), apenas
para sairmos durante a noite. Geralmente nós íamos a um parque arborizado que ficava
próximo a um shopping e, apesar de parecer perigoso, era um lugar muito calmo e bastante
bonito, perfeito para quem quer namorar sem correr o risco de ser interrompido. Nossa
relação na escola era meramente profissional, o que garantia nossa segurança e nos deixava
livres da especulação dos curiosos. Em uma dessas noites que nos encontramos no parque,
eu tive a impressão de ter visto alguém com o uniforme da escola caminhando por entre as
árvores.
-Deve ter sido a sua imaginação - dizia o Dan, enquanto ouvíamos música ao lado de uma
árvore alta e frondosa - Está muito escuro aqui e, mesmo que tenham nos visto, não teriam
nos reconhecido logo de cara.
-Eu ainda acho que é melhor não arriscar. A partir de amanhã nós podemos nos encontrar
em outro lugar.
-Você quer dizer só daqui a duas semanas. Esqueceu que amanhã começa o carnaval?
-Hum, é verdade... você vai pra chácara de novo?
-Eu ainda não sei, Marcos, mas eu acho que sim... eu queria muito que você fosse comigo,
mas acho melhor não dar motivos pros meus pais pensarem besteiras. Eu viajo pra lá direto,
oportunidades não vão faltar.
-É, tem razão... mas eu tenho quase certeza de que alguém nos viu...
Passei a semana do Carnaval em casa, e me comuniquei com o Dan através de mensagens
de celular. Como não havia nada de mais interessante para se fazer, aproveitei para ir ao
shopping um dia antes de retornarem as aulas (todos estavam viajando, acabei indo sozinho
mesmo). Depois de ficar um bom tempo observando as lojas, resolvi dar uma passadinha na
praça de alimentação. Estava comprando uma casquinha, quando percebo que havia duas
pessoas discutindo ao meu lado.
Reconheci uma delas logo de cara: Maíra, e o rapaz com quem ela discutia deveria ser o seu
namorado. Eu o conhecia apenas de vista: era um cara alto, musculoso e metido que só ele,
porém, não me lembro o seu nome. Eles discutiam tão alto que eu nem precisaria estar ao
lado deles para ouvir a discussão:
-Me desculpa amore, eu não queria ter feito isso...
-Não queria ter feito, mas fez! Você é o cara mais burro que eu já vi na minha vida! Só
mesmo um tapado acharia que poderia me trair bem debaixo do meu nariz! E ainda... e
ainda com a minha melhor amiga!
-Não aconteceu nada amore, aquela louca da sua amiga me agarrou e...
-Cala a boca! Quando um não quer, dois não fazem! E eu sempre reparei no modo que você
olhava pra ela, você acha que eu não percebi?
-Isso é paranóia...
-Paranóia o caramba!! Seu... seu galinha! Aposto que essa não foi a primeira vez, não é
mesmo? Eu me lembro daquelas mensagens que eu encontrei no seu celular, daquela
piranha chamada Bárbara... você é tão burro que até esqueceu de apagar!
-Olha aqui amore, isso é tudo um mal entendido...
E assim a discussão se prolongou por quase meia hora. Eu já tinha terminado a minha
casquinha e estava apenas observando a cena, escondido, quando vejo o namorado da
Maíra dar um berro e largar ela sozinha bem ali, na praça de alimentação, e ir em direção a
saída do shopping. Ela o observou ir embora durante alguns minutos e, assim que ele entrou
no elevador, ela sentou-se em uma das cadeiras e começou a chorar baixinho. Tenho que
admitir que aquilo tinha mexido comigo: resolvi sentar-me ao seu lado e conversar com ela,
para entender o que estava acontecendo e consolá-la. Ela ficou um tanto assustada quando
me viu, porém, enxugou as lágrimas e falou com uma voz esganiçada e melancólica:
-Marcos... eu não esperava te encontrar por aqui...
-Nem eu... o seu namorado é um canalha, não é mesmo?
Maíra sorriu desastrosamente, enquanto abria a sua bolsa e pegava um espelho para ver a
sua maquiagem borrada.
-Você ouviu tudo?
-Peguei o bonde andando, mas deu pra entender algumas coisas...
-Eu sabia que isso ia acontecer, mais cedo ao mais tarde. Eu já suspeitava disso a um bom
tempo, mas nunca tinha juntado coragem pra investigar mais a respeito. Mas o que
realmente me deixa chateada é que eu não consigo encontrar motivos pra ela ter feito isso...
-Espera um pouco... você disse “ela”?
-Sim! Ela, a garota com quem meu namorado me traiu... ela era minha melhor amiga...
-Fala sério, foi a Rayssa quem fez isso com você?
Maíra assentiu timidamente, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas novamente. Ela
retirou um pequeno lenço de sua bolsa e começou a secá-los, enquanto eu me arrependia de
ter ido até lá conversar com ela.
-Você sempre teve razão, Marcos...
-Como assim?
-Você sempre soube que a Rayssa não prestava. Apesar de eu ver todos os dias o modo
como ela implica com você, eu nunca tinha parado pra pensar sobre isso...
-Maíra, você era amiga dela... você sabe por que ela faz isso comigo? Por que ela me trata
dessa maneira?
-Eu sempre perguntei isso pra ela, mas confesso que nunca consegui uma resposta
convincente. Sabe, eu já cheguei a pensar que ela gostasse de você... até descobrir que...
-Até descobrir o quê?
Ela calou-se subitamente, como se lembrasse de algo que nunca poderia mencionar. Após
me fazer um sinal negativo com a cabeça e desviar o olhar para a mesa ao lado, eu percebi
o que estava acontecendo.
-Você prometeu não dizer nada, não é mesmo? Ah, qual é Maíra, depois de tudo isso que a
Rayssa fez você ainda consegue pensar em guardar os segredos dela?
-É Marcos, você tem razão...
-Então me diz... o que foi que você descobriu?
-Bem... uma noite eu dormi lá na casa da Rayssa e, quando abri o guarda-roupa dela,
encontrei um monte de fotos suas e do Daniel. Ela me disse que no começo do ano passado
ela chegou a gostar de você, porém, depois do que aconteceu na minha festa de 15 anos, ela
ficou com muito ódio...
-Mas ela sempre me tratou mal, até mesmo antes da sua festa! Mas pensando bem, depois
disso, ela ficou ainda pior, se é que isso é possível...
-Eu acho que ela te tratava mal apenas pra chamar a sua atenção, mas depois de ver você
beijando a Jennifer ela ficou com ódio de verdade. E agora, ela finalmente resolveu sacudir
a poeira... e mudou de alvo.
-Vai me dizer que agora o alvo dela é o Daniel?
-Isso mesmo! Fala sério, o Dan é um garoto bonito, nunca beijou e, por esse motivo, dizem
por aí que ele é gay!
-Dizem por aí? – perguntei, enquanto tentava disfarçar a minha expressão de espanto.
-Mas é claro que dizem! E é por esse e outros motivos que a Rayssa decidiu ter o Dan como
alvo, é como se fosse um novo desafio pra ela! Ela não vai descansar enquanto não roubar o
primeiro beijo do Dan!
Fiquei imaginando como seria a reação da Rayssa ao descobrir que o Dan já tinha dado o
seu primeiro beijo e, ainda por cima, comigo! Uma cena super engraçada passou pela
minha cabeça, e eu tive que me esforçar pra segurar o riso.
-Marcos, eu tenho tanta dó do Daniel...
-É, eu também tenho... perder o primeiro beijo com a Rayssa é um motivo pra se odiar pro
resto da vida!
-Não por isso, seu bobinho! É por causa das coisas que falam sobre ele... têm pessoas na
sala que adoram fazer piadinhas sobre ele e, esse ano, parece que as coisas pioraram! Pô,
ele vai fazer dezesseis anos daqui a alguns dias e nunca ficou com uma garota sequer!
-Ele nem liga pra isso, Maíra: ele quer estudar, passar numa boa faculdade e, depois, ele
pensa nessas coisas... e quer saber? Ele está totalmente certo.
-Até parece que você concorda com ele!
-Tudo bem, eu não concordo... mas é a opinião dele, não é mesmo? O mínimo que nós
podemos fazer é respeitar, ainda mais você, Maíra, que conhece ele há tanto tempo quanto
eu.
-Respeitar eu respeito, eu só não entendo... sabe, as vezes eu até chego a pensar que seria
fabuloso se a Rayssa conseguisse ficar com o Daniel. Assim, ele conseguiria provar pra
todo mundo que não é gay!
Se havia algo que eu realmente não gostaria de ver, era a Rayssa roubando um beijo do
Daniel. Mesmo sem saber, ela estava tornando o meu ano em um verdadeiro pesadelo com
essa história de provar para todos que o Dan não era gay. A partir daquele dia eu confesso
que fiquei muito preocupado com a segurança do segredo: eu não fazia idéia de que tantas
pessoas desconfiassem a respeito do Dan. Apesar de ele ser super discreto, os boatos
naquela escola corriam na velocidade da luz, o que só dificultava as coisas. Resolvi relaxar
e tentar esquecer os problemas, as provas e tudo mais: uma data especial estava chegando e
eu contava os dias para que nada pudesse me atrapalhar naquele momento.

Capítulo 16 – Feliz aniversário!

Acordei estranhamente disposto naquela manhã de março, e me espantei ao perceber que


ainda eram oito horas. Tomei um banho demorado, me troquei e penteei os cabelos com a
estranha sensação de que estava esquecendo alguma coisa. Será que havia alguma prova ou
lição de casa que eu havia deixado de lado? Corri até o meu quarto e abri minha mochila, a
procura de algo que me fizesse lembrar o que eu estava esquecendo. Nisso, encontrei minha
agenda e quase gritei de tanta felicidade. Aquele era o dia 8 de março de 2007: dia do
aniversário de dezesseis anos do Dan.
Abri as gavetas do quarto com tanta pressa que consegui deixá-las ainda mais desarrumadas
do que já estavam. Revirei minhas meias, camisas, bermudas, e o que eu tanto procurava
parecia não estar ali. Nisso, uma caixa acaba caindo de uma das gavetas: lá dentro estava o
presente que obrigou a Gisele e eu a passar uma tarde inteira no shopping, a procura de algo
que pudesse agradar ao Dan. Vou ser bem sincero: eu sou péssimo na escolha de presentes.
-Você pode ser péssimo, mas eu sou uma monstra! – dizia Gisele, enquanto entrávamos em
uma banca de mangás pervertidos – Você tinha que ver a cara do Daniel no ano passado,
quando eu dei aquele maldito livro pra ele!
-E qual livro você comprou?
-Era um livro de auto-ajuda... “Saiba como administrar o seu dinheiro”.
-Mas Gisele, ele ainda não conquistou a independência financeira!
-Mas um dia vai conquistar! Pelo menos assim ele vai perceber que não vale a pena gastar
toda a mesada em sorvetes.
-Pelo menos ele gasta com comida, e não com mangás proibidos pra menores de dezoito
anos!
Gisele ficou vermelha e mudou de assunto logo em seguida, enquanto eu morria de rir.
Tínhamos combinado de nos encontrar antes da escola, afinal era uma quinta-feira e eu
ainda teria prova de matemática na primeira aula (presente “especial” do professor para o
Daniel, que passou a véspera do próprio aniversário revisando os exercícios de matemática
financeira). Almoçamos em um restaurante perto do shopping e caminhamos até a escola,
enquanto discutíamos sobre o último livro de Harry Potter e os possíveis finais que a autora
poderia escolher. Finalmente, chegamos aos portões de entrada com quase uma hora de
antecedência.
-Marcos, eu vou passar na biblioteca pra devolver os livros de física. Te vejo no pátio daqui
a alguns minutos.
-Tudo bem...
-Ah, e se por um acaso o Daniel já estiver lá, lembre-se do que combinamos: só vamos
entregar os presentes na hora da saída!
-Fica fria, eu vou fingir que não estou sabendo de nada. Até daqui a pouco.
-Até mais.
Gisele lançou-me o seu sorrisinho cativante, e virou-se em direção a biblioteca. Enquanto
subia as escadas, resolvi apalpar o bolso traseiro da mochila para verificar se não tinha
esquecido o presente. Ele estava lá: uma miniatura minuciosamente detalhada de uma
espada do Senhor dos Anéis. Gisele resolveu comprar um pêndulo de cristal para atrair
boas vibrações para os anos que estavam por vir (pelo menos ela desistiu definitivamente
dos livros de auto-ajuda).
Caminhei por entre aquele amontoado de alunos e, quando cheguei ao pátio, encontrei o
Julio e a Jennifer conversando de maneira animada ao lado do bebedouro. Cumprimentei os
dois e fingi não escutar enquanto eles revisavam o conteúdo da prova: Julio parecia
desesperado pelo fato de não ter anotado nenhuma data importante em sua agenda.
Passados alguns minutos de logaritmos e fórmulas de juros compostos, resolvi mudar o
assunto para algo que não me deixasse indisposto logo no início da tarde:
-Vocês sabiam que hoje é o aniversário do Daniel?
-Sério? –perguntou Jennifer, empolgada – E só agora você me diz isso? Poxa, eu bem que
poderia ter comprado um presente.
Julio, por outro lado, não parecia nem um pouco empolgado.
-Aff, e o que eu tenho a ver com o aniversário desse veadinho?
-Ai Julio, como você é mal educado! – respondeu Jenny, mostrando-se indignada com a
ofensa – Ele nunca fez nada de mais pra você! Me diz: qual o motivo de tanto ódio?
-Não é ódio, eu apenas acho que ele é estranho. Nunca ficou com garota nenhuma, nunca
beijou... fala sério! Eu to achando que esse leite é moça!
-E eu to achando que você se mete onde não deve, assim como várias pessoas na sala!
-Ihh Jennifer, você vai mesmo defender o veadinho? Haja paciência né? E você Marcos,
não vai falar nada?
Eu estive quieto até aquele momento e, embora a minha vontade fosse de dar um murro
bem no meio daquilo que ele chama de cara, consegui me controlar da melhor maneira
possível. Nunca foi tão difícil camuflar o meu ódio, o Julio conseguira me deixar tão
irritado como a Rayssa geralmente costuma me deixar.
-E você quer que eu fale o quê? Eu só comentei sobre o aniversário dele pra puxar assunto,
não é culpa minha que você tenha se estressado por pouca causa.
Com essa simples resposta, consegui amenizar o clima tenso daquela conversa bem na hora
em que a Gisele tinha retornado da biblioteca. Conversamos um pouco e, após alguns
minutos, eu ouço um grito e vejo um vulto passando próximo a mim: quase caí no chão
tamanho o susto que levei. Ao olhar para o lado, percebo que o vulto era ninguém menos
do que a Rayssa, que correra em direção as escadarias para “presentear” o Daniel com um
forte abraço, o qual ele correspondeu com uma expressão de nojo e um sorriso sem graça.
-Gente, mas essa VMM é atirada, não é mesmo? –comentou Gisele, debochando da cena –
Coitadinho do Dan, depois desse abraço ele vai precisar de outro banho!
-Vamos logo tirar ele de lá, ninguém merece ter que agüentar a Rayssa no dia do próprio
aniversário – respondeu Jennifer, me puxando pelo braço em direção as escadas.
Julio caminhou para o lado oposto, sem demonstrar o mínimo interesse em parabenizar o
aniversariante (Gisele o observou ir embora com cara de pouco caso – eles nunca se deram
muito bem). Quando chegamos, Rayssa nos observou com desgosto, citou algumas palavras
de baixo calão e se dirigiu aos corredores.
-Até que enfim aquela vesga foi embora, ô garotinha irritante! –Gisele dizia isso com o seu
sorriso meigo, enquanto abria os braços e puxava o Dan para um abraço – Parabéns nii-
chan! Te desejo tudo de bom, ou seja, exatamente o contrário de tudo o que eu desejaria
praquela magrela saltitante!
Daniel retribuiu o abraço amigavelmente e, em seguida, foi a vez da Jennifer. Eu estava me
segurando para não beijá-lo ali mesmo, na frente de todos, porém precisava manter a
discrição a qualquer custo. Passados alguns segundos, Jennifer se desvencilhou de seus
braços e eu o abracei timidamente, com medo de que alguém suspeitasse.
-Parabéns Dan! Tudo de bom pra você, que todos os seus...
-Eu te amo...
Aquilo realmente me pegou de surpresa: é incrível o poder que essas três palavrinhas
exercem sobre a gente. Na hora eu só faltei chorar ali mesmo, mas logo depois lembrei que
havia pessoas a nossa volta e que uma delas poderia ter ouvido. Felizmente, ele sussurrou
de uma maneira tão cautelosa que só mesmo estando ali, coladinho com ele, seria possível
ouvir.
-Eu também te amo, Dan...
-Nem precisa dizer mais nada. Você poderia fazer um verdadeiro discurso, mas pra mim só
essas três palavras vindas de você já são mais do que o suficiente.
Novamente tive que me segurar, e me controlei para deixar a razão falar mais alto naquele
momento. Após os parabéns, subimos todos para as suas respectivas salas se aula e, ao
chegarmos, eu me espantei ao perceber que foram poucas as pessoas que parabenizaram o
Dan pelo seu décimo sexto aniversário. Ao olhar para outras pessoas na sala, reparei que
muitas delas apontavam em sua direção e cochichavam umas com as outras. A Maíra tinha
razão ao dizer que várias pessoas da escola suspeitavam a respeito do Daniel, e essas
suspeitas só aumentariam com o passar do tempo.
Aquela tarde prosseguiu de uma forma tão divertida que eu nunca poderia imaginar como
um dia na escola poderia ser tão legal. Mesmo com as piadinhas indesejáveis e brincadeiras
sem graça que faziam a seu respeito, Daniel aparentava não dar a mínima pra tudo aquilo.
Eu nunca o tinha visto tão feliz desde aquela madrugada na chácara, onde dormimos
abraçados sob a luz das estrelas. Após o término da quinta aula, seguimos até a esquina
onde o meu pai sempre me esperava: o Dan dormiria em casa naquela noite, usando como
pretexto um trabalho de química que deveria ser entregue sem falta na sexta feira.
-Aqui está o seu presente! –disse Gisele, entregando um embrulho feito por ela mesma –
Espero que este pêndulo te dê boa sorte. Sabe como é, eu não acredito muito nessas coisas,
mas acho que os livros de auto-ajuda já estão um pouco... ultrapassados!
Ele agradeceu o presente com um grande sorriso, o qual Gisele retribuiu com uma
expressão de alívio. Esperamos certo tempo até ela ir embora e, logo depois, entramos no
carro tendo como destino a minha casa. Tivemos uma grande surpresa ao entrar na sala e
nos deparar com um bolo de sorvete especialmente preparado pela minha mãe, que
descobriu de alguma forma misteriosa que aquela era uma data especial. Minha mãe sempre
tratou o Dan como um terceiro filho, assim como a mãe do Dan costumava me tratar.
Passamos a noite inteira comendo sorvete e outras besteiras que a minha mãe tinha
preparado para aquela ocasião e, às 10h da noite, todos foram dormir. Todos, exceto duas
pessoas que agora se beijavam intensamente no escuro do quarto, com a porta trancada e a
promessa de que aquele realmente seria um “feliz aniversário”.

Capítulo 17 – A festa surpresa

Em uma casa como a minha é difícil ter privacidade para se fazer qualquer coisa, ainda
mais quando eu paro pra pensar que os meus pais estão dormindo no quarto ao lado. Porém,
só de estar ali, com o Daniel ao meu lado, eu me sentia feliz por completo. Depois de três
meses de encontros secretos no parque e puro fingimento na sala de aula, finalmente
teríamos um momento só pra nós dois, sem ter que nos preocupar com nada ou ninguém. A
noite estava calma e limpa, e apenas algumas estrelas podiam ser vistas no céu. Daniel
olhava atentamente através da janela: percebi o quanto ele sentia falta daquele céu bonito e
estrelado que só poderia ser visto na chácara.
-Infelizmente eu não tenho como te oferecer as estrelas, mas acho que posso te oferecer
outra coisa...
Daniel apenas me observava enquanto eu ligava certos fios na tomada, e se surpreendeu
quando eu tirei do meu armário uma guitarra novinha, que ganhei de um dos meus tios
como um presente de aniversário antecipado. Liguei toda a aparelhagem e deixei o volume
baixo o suficiente para que os meus pais não pudessem ouvir. Os olhos de Daniel agora
estavam vidrados em mim e na minha guitarra.
-Eu tenho treinado bastante nesses últimos dias, espero que você goste!
Ele assentiu levemente com a cabeça e sorriu: aquele sorriso era a única coisa que me dava
forças para manter o segredo, e confiança de que chegaria um dia onde não seria mais
necessário esconder nada das outras pessoas. E era justamente isso que tratava a música que
eu iria tocar: Hide, de uma banda chamada Creed (uma das minhas bandas favoritas, assim
como Nickelback e Lifehouse). Aquela música sempre foi muito especial pra mim e,
naquela noite, ela se tornaria a música mais importante para mim e para o Dan. Eu
REALMENTE aconselho a escutar essa música, vocês não vão se arrepender!
( http://www.youtube.com/watch?v=jz0L37g_lDs )

“To what do I owe this gift my friend?


My life,
My love,
My soul,
I’ve been dancing with the devil way too long,
And it’s making me grow old,
Making me grow old…

Let’s leave,
Oh let’s get away,
Get lost in time,
Where there’s no reason left to hide.
Let’s leave,
Oh let’s get away,
Run in fields of time,
Where there’s no reason left to hide,
No reason to hide…”

Vou admitir que eu estava aprendendo na época e por isso ainda não tocava muito bem, e a
minha voz é desafinada que só ela (husahashsa). Mas o Dan disse que foi simplesmente
maravilhoso. É, meus caros leitores: o amor é cego e surdo.

“Á quem eu devo este dom, meu amigo?


Minha vida,
Meu amor,
Minha alma.
Tenho dançado com o demônio por muito tempo,
E isto me faz envelhecer,
Me faz envelhecer...

Vamos partir, oh! Vamos fugir,


Se perder no tempo,
Onde não exista mais razão para se esconder.
Vamos partir, oh! Vamos fugir,
Correr nos campos do tempo,
Onde não exista mais razão para se esconder...”

Me esforcei bastante pra cantar afinado, e confesso que fiquei um tanto surpreso com o
resultado: as minhas duas horas de treino por dia estavam fazendo algum efeito. Olhei
envergonhado para o Dan, com medo de que ele caçoasse ou dissesse que aquilo tinha sido
a coisa mais rídicula que ele já vira. Ele me olhava fixamente nos olhos, sério, quase me
matando de tanto desespero. Repentinamente, sua expressão de seriedade foi amenizando
aos poucos e, quando percebi, seus olhos estavam cheios de lágrimas. E em seus lábios
formou-se aquele sorriso que tanto me motivava e me trazia uma paz interior, como se nada
mais importasse.
-Feliz aniversário, Daniel!
-Marcos... e-eu nem sei o que di-dizer....
-E você ainda acha que precisa dizer alguma coisa?
Agora eu também estava sorrindo: lá no fundo eu sabia que eu poderia esperar o quanto
fosse, porém, o tão sonhado dia onde não seríamos mais obrigados a nos esconder
finalmente chegaria. E enquanto esse dia não chegava, eu me contentava em esperar o
tempo necessário contando que o Dan estivesse ali, do meu lado. E dessa forma nos
entregamos em um outro beijo, em um ritmo mais lento e caloroso do que o anterior.
As palavras já não se faziam mais necessárias, e o tempo parecia deixar de existir. Em
apenas alguns instantes eu tinha preparado tudo para fazer daquele dia o melhor dia de
nossas vidas. O som estava ligado baixinho, e tocava um CD do Coldplay que o Daniel
ganhara de seus pais. Eu desci até a cozinha e peguei algumas taças de sorvete, além de
chocolate e um pouco de vinho escondido da minha mãe (hehehe). Conversamos um pouco
e preparamos o colchão para que pudéssemos ficar lado a lado: deitamos ainda com as taças
de sorvete na mão e nos abraçamos, sem dizer uma única palavra. Após alguns minutos
trocando carícias, lembrei de algo desagradável, porém que precisava ser dito.
-Dan, eu não queria estragar essa noite, mas eu acho que você precisa saber...
-Sobre a Rayssa? – perguntou Daniel, fazendo com que eu me espantasse com a sua
objetividade - Fica tranquilo, eu já saquei que ela gosta de mim.
-Você não entende, é mais grave do que você pensa. Assim como todos na escola, ela ainda
pensa que você é BV. E agora, ela cismou que quer ser a garota com a qual você vai dar o
primeiro beijo.
-Poxa, esse é um motivo pra se odiar pro resto da vida!
-É, foi o que eu pensei –disse, enquanto levava outra colher de sorvete à boca.
-Marcos, deixa eu te dizer uma coisa. Eu nunca ficaria com uma garota, e muito menos
trocaria você por garoto nenhum. E não é nem a Rayssa e nem ninguém que vai separar a
gente.
-Mas Dan, o seu segredo corre perigo! O nosso segredo corre perigo! Eu não quero que
nada aconteça com você... se as pessoas da escola souberem que você é gay, elas podem...
-Eu não ligo – interrompeu Daniel, “gentilmente” – Lembra quando você disse que
guardaria o segredo até o momento em que eu estivesse preparado? Você tem feito isso de
uma maneira incrível até agora. E se eu tiver que me asumir pra quem quer que seja, eu não
vou ter medo... porque eu estou com você.
O Daniel tem o incrível poder de dizer a coisa certa na hora certa, e naquele momento
aquilo era tudo o que eu precisava ouvir. Nos beijamos novamente e, logo em seguida, me
ocorreu uma dúvida repentina:
-Mas, espera um pouco... como você ficou sabendo que a VMM gosta de você?
-Várias coisas...
-Por exemplo?
-Ah, sei lá, acho que eu tenho sexto sentido pra essas coisas. Ou talvez seja o modo como
ela olha pra mim...
-E como você sabe que ela está olhando pra você, se ela é vesga?
Daniel riu e, sem querer, derrubou um pouco de sorvete sobre o meu peito. Eu estava
prestes a me limpar quando, derrepende, percebo que ele tinha se apoiado ao meu lado e,
com a língua, limpava todo o sorvete que havia derrubado. No início fiquei assustado, mas
aos poucos fui percebendo como era prazerosa a sensação de ter a sua língua quente
percorrendo lentamente toda a extenção da minha barriga. Em seguida, sinto leves
mordiscões nos meus mamilos: algo que me deixou totalmente arrepiado. Enquanto eu
passava a minha mão por seus cabelos, Daniel dava pequenos beijos no meu pescoço e, de
pouco em pouco, ia se aproximando cada vez mais de mim. Logo já estávamos novamente
abraçados, nos beijando intensamente e selando aquele que poderia ser o nosso último
momento íntimo.
Logo após esse dia tão especial, as coisas entre eu e o Dan melhoravam cada vez mais.
Com tantos trabalhos para fazer, tinhamos encontrado um verdadeiro leque de desculpas
para nos encontrarmos fora da escola pelo menos três vezes por semana. Um certo dia,
chegamos a cabular aula para ir ao cinema juntos e, pra variar, o Dan estava super nervoso
por nunca ter cabulado na vida. Acho que foi uma experiência única para nós, mas
infelizmente não tivemos mais chances de repetir.
E assim prosseguiu o mês de março, dia após dia, prova após prova, da forma mais
cansativa que vocês puderem imaginar. Nunca as férias de julho demoraram tanto pra
chegar, e eu estava tão comprometido com os trabalhos em grupo que por muito pouco uma
certa data não passa despercebida por mim.
-Quem diria hein Marcos, semana que vem já é o seu aniversário!
Gisele me surpreendeu com a sua capacidade de memorizar datas. Eu repreendi a mim
mesmo: onde já se viu, esquecer o dia do próprio aniversário?! E ela estava certa: em
poucos dias já seria uma terça-feira, dia 27 de março. Pra ser sincero, eu não estava na
expectativa de ganhar presentes e muito menos de ter uma festa.
-Os seus pais vão preparar alguma coisa? –perguntou Daniel, interessado em saber se ele
dormiria novamente na minha casa.
-Acho que não, eles nunca foram de fazer festa pra mim. Só quando eu era mais novo, mas
agora eu cresci e eles acham que existem outras formas de diversão.
-E eles têm razão, festa preparada pelos pais é um porre – respondeu Gisele – Pra vocês
terem uma idéia, a minha festa de quinze anos foi traumatizante!
-Eu que o diga!
-Cala a boca Daniel! Você foi o único que realmente aproveitou a festa: comeu todos os
brigadeiros antes que eu pudesse ao menos sentir o cheiro deles. Ah Marcos, ainda bem que
você não me conhecia nessa época!
Gisele falava enquanto o seu dedo indicador marcava uma página do manga pervertido que
ela estava lendo, e Daniel parecia entretido com a espada com a qual eu o presenteara.
Estávamos no intervalo e faltavam apenas alguns minutos para o início da quarta aula.
-Tchau pra vocês, estou indo pra sala – disse, enquanto recolhia o meu material do chão –
Tenho que terminar os exercícios de química, a professora vai vistar hoje.
-Nossa Marcos, desde quando você ficou irresponsável?
-Desde que te conheci Gisele, hehehe. Bom, vejo vocês daqui a pouco!
-Até mais!
-Até!
Desci as escadas correndo, enquanto Daniel me observava atentamente.
-Ele já foi, estamos seguros.
-Até que enfim! –disse Gisele, guardando o manga em sua bolsa e sentando-se um pouco
mais próxima de Daniel – Você ouviu o que ele disse? Os pais dele não vão preparar nada!
-Então acho que ele nem desconfia da festa surpresa que a Priscila está organizando.
-Me desculpa por falar isso Dan, mas eu acho que isso tudo não vai dar certo!
-E por que você acha isso?
-Oras, você se esqueceu de que a Rayssa é a mais nova melhor amiga da Priscila? É capaz
daquelas duas loucas armarem alguma coisa pra cima dele!
-E é justamente por isso que nós vamos naquela festa: pra garantir que tudo dê certo e o
Marcos possa aproveitar o aniversário dele sem problemas...
-E sem vesgas por perto! –completou Gisele, dando novamente o seu sorrisinho meigo e
caminhando em direção a sua sala. Ela faria o possível e o impossível para que eu tivesse a
melhor festa de todos os tempos.

Capítulo 18 – O ataque da Rayssa

Terça feira, 27 de março: dia do meu aniversário. Aquele foi um dia assim como todos os
outros: tive aula normal, duas provas, entregas de trabalhos, e várias outras coisas que me
deixaram ocupado durante todo o tempo. O Dan resolveu ficar doente justo nesse dia e
acabou faltando na escola (o que me deixou um tanto chateado), porém, ele me entregou
uma carta por intermédio de sua amiga Cláudia.
-Marcos, o Dan faltou hoje e, quando o perueiro passou na frente da casa dele, ele me pediu
pra entregar isso pra você.
-Obrigado, Claudinha! – disse, enquanto guardava aquele pedaço de papel dobrado no
bolso e entrava na sala de aula.
Eu fiquei surpreso com o carinho de todos na sala: com exceção de duas ou três pessoas,
todos os quarenta e cinco alunos vieram me dar os parabéns, além de outros amigos e
conhecidos que estão em outras salas. Na última aula o pessoal do fundão começou a
cantar parabéns, e logo todos na sala formavam um coral desafinado e muito bem
intencionado. Jennifer ficou vermelha quando citaram o seu nome na parte do “Com quem
será?”, porém, não era pra menos: muitos na sala pensavam que havia uma relação secreta
entre a gente.
Depois da escola, eu e um grupo de amigos passamos a noite inteira andando pela cidade,
conversando, comendo besteiras e dando muita risada: aquele foi um dia inesquecível. Me
despedi de um por um e, quando chegou na vez de Priscila, ela me abraçou forte e me
chamou para um canto isolado, enquanto conversávamos:
-Ai primuxo, eu estou tão happy! Vê se aproveita bem esse dia, afinal só se faz dezesseis
anos uma vez na life!
-Priscila, eu estou fazendo dezesseis anos e não dezoito! Pra quê tudo isso?
Priscila é o tipo de garota facilmente influenciável. Apesar disso, consegue ser uma pessoa
altamente extrovertida e manipuladora, o que certas horas a faz ser uma ótima companhia e,
as vezes, o seu pior pesadelo . Eu não gostaria nem um pouco de te-la como inimiga, afinal
sua personalidade sempre foi um mistério pra mim desde que nos conhecemos na quinta
série. Ela vive dizendo a quem quiser ouvir que nós somos primos, o que (felizmente) não é
verdade. Apesar desses pequenos detalhes, aprendi a conviver com os seus defeitos,
qualidades, e suas roupas rosa-choque-ultra-berrante-megafone.
-Fala sério primuxo, seu aniversário vai ficar por aqui mesmo? Ou você nos reservou uma
surpresa, como uma baladinha ou uma party na sua casa?
-Nem um nem outro, meus pais poderiam pirar. Mas pra ser sincero esse dia foi ótimo, e eu
acho que não o trocaria por nada.
-Eu concordo – disse Julio, intrometendo-se na conversa – Não tem nada melhor do que
passear com os amigos na noite de aniversário.
Priscila ignorou o comentário, e lançou à Julio o seu famoso olhar “caia fora daqui”. Ele
captou a mensagem e nos deixou a sós, mas não antes de presentear Priscila com o seu
famoso sorriso “você é insuportável”.
-Voltando ao assunto, my dear, eu estava afim de te fazer um convite!
-Convite? Você vai dar uma festa?
-Mas é claro que não, honey! É que na semana que vem nós temos prova de biologia e você
sabe como eu sou péssima nisso! Só de pensar naqueles bichinhos nojentos e naquelas
“coisas” que causam doenças eu me sinto so scared!
-Mas nós estávamos falando de festas até agora! E é muito estranho você lembrar de
provas, afinal você faz questão de esquecer todas elas.
Priscila me pareceu um tanto assustada, como se eu a tivesse repreendido por ter feito algo
de muito errado.
-Deixa disso primuxo, não tem nada a ver! Eu só preciso de um help, e sei o quanto você é
fera em biologia. Can you help me, please?
-Tudo bem, tudo bem... acho que não vou morrer por causa disso.
-Aiii primuxo, I love you! Mas nós temos um pequeno probleminha... eu vou sair o dia todo
no sábado, e por isso só poderei estudar a noite!
-A NOITE?? VOCÊ TÁ DOIDA?
-Relax, baby! Te vejo no sábado, as sete horas da noite no meu condomínio. Vê se não vai
esquecer hein?! O meu sucesso na prova depende de você! Bye bye, see you later!
Dentro do ônibus que me levaria de volta para casa, eu comecei a pensar em tudo o que
acontecera naquele dia. Confesso que estranhei o pedido de Priscila, mas nem passou pela
minha cabeça a hipótese de ganhar uma festa surpresa. Eu estava super cansado e, quando
retirei meu mp4 do bolso, um pedaço de papel foi ao chão. Me abaixei e recolhi o papel: era
a carta que o Daniel escrevera para mim. Como eu pude me esquecer dela? Abri com todo
cuidado e, me esforçando para ler no chacoalhar do ônibus, tentei decifrar aquele monte de
rabiscos que reconheci imediatamente como a letra do Daniel:

“Marcos,

Me desculpe por não ter ido na escola hoje, estou com um pouco de febre e os meus pais
acharam melhor eu faltar. Estou escrevendo esta carta às pressas pra, sei lá, tentar me
redimir com você e pedir que não fique magoado comigo. Você deve estar pensando que é
muita sacanagem eu ficar doente justo no dia do seu aniversário, mas você não faz idéia do
quanto eu precisava conversar com você.
Esse tem sido o melhor ano da minha vida, e tudo isso graças a você. Durante todo esse
tempo em que eu me escondia dos próprios amigos, me sentia como se eu fosse pirar e tudo
o que eu mais queria era ter alguém com quem eu pudesse ser quem eu realmente era. Sabe,
você apareceu do nada e me mostrou que eu não precisava ter medo, que eu devia ter
orgulho de mim mesmo. Aprendi que não importa a opinião das outras pessoas: o que
realmente importa é estar bem consigo mesmo. Se hoje em dia eu me sinto tão confiante e
feliz, é por sua causa.
Foi meio doido o que aconteceu com a gente, sabe, meio rápido demais. Às vezes eu penso
que estou num sonho e que quando eu acordar estarei deitado na minha cama, chorando por
saber que tudo não passou de uma simples ilusão. Mas quando você está aqui comigo, eu
percebo que tudo isso é real e agradeço sempre por ter uma pessoa como você do meu lado.
Você tem todas as características boas que uma pessoa poderia ter.
Lembra quando nós conversamos pouco antes de te contar o segredo, e eu disse que
confiava em você de olhos fechados e mãos amarradas? Pois é, nada disso mudou. Eu tinha
medo de dizer o quanto eu te amava, de demonstrar tudo o que eu sentia e acabar perdendo
a sua amizade. Achei que você me odiaria pro resto da minha vida, e que você nunca
sentiria o mesmo por mim. Até aquele dia que você dormiu aqui em casa, e me disse... “por
que eu não amaria o meu melhor amigo?”. Aquilo mexeu comigo: eu nunca esperava
encontrar um amigo como você. Eu percebi que mesmo te dizendo o quanto eu te amava,
eu nunca perderia você. Pena que não aconteceu da maneira que eu esperava, minha prima
foi mais rápida do que eu, mas tudo deu certo. E agora eu estou com você, meu melhor
amigo, meu melhor companheiro, uma pessoa que eu quero levar comigo pro resto da
minha vida.”

Nesse momento eu virei a página, me debulhando em lágrimas.

“Marcos, eu juro que se depender de mim eu vou fazer tudo o que for preciso pra que nós
continuemos juntos. Estava pensando em contar pros meus pais, e acho que falta muito
pouco para eu fazer isso. Você disse que nós estávamos juntos nessa, e agora eu percebo
que nós realmente estamos. E independentemente do que aconteça nós vamos sair dessa da
mesma forma que começamos: juntos.
Te amo muito além do significado da palavra. Pra sempre.

Daniel”

Reli a última linha umas cinco vezes antes de dobrar o papel e colocá-lo novamente no
bolso. Levei a mão ao rosto, enxugando as lágrimas e observando os carros passando na
rua. O Dan nunca foi de escrever cartas, e eu nunca pensei que ele escrevesse tão bem.
Encostei minha cabeça na janela, pensando em como eu estava feliz por ter o Dan do meu
lado. Ele disse que faria tudo para que nós continuássemos juntos. E eu faria o mesmo para
que eu nunca pudesse perdê-lo.
Finalmente era sábado: dia da festa surpresa. Passei a tarde inteira pensando que eu
realmente iria estudar na casa da Priscila, e por esse motivo levei uma mochila com
cadernos, anotações e livros de biologia. Meu pai me deu carona até a portaria do
condomínio: era lá que morava grande parte dos alunos da escola. Eu sempre freqüentei
aquele lugar, pois além da Priscila eu tenho outros amigos que também moram lá, como o
Julio, por exemplo. Identifiquei-me com o porteiro e este pediu para que eu esperasse na
recepção. Passados alguns minutos, eis que surge uma Priscila saltitante e tão rosa que,
mesmo a noite, seria necessário óculos escuros para ocultar o brilho de seu vestido.
-Nós vamos estudar ou vamos a alguma festa? – perguntei, ingênuo.
-Você verá, honey! Você verá!
Ela me segurou pelo braço e, apressadamente, caminhamos por entre os prédios, praças e
estacionamentos daquele lugar gigantesco. Estranhei um pouco quando percebi que ela não
foi em direção ao elevador, e sim para uma espécie de terraço onde ficava o salão de festas.
Eu já estava percebendo tudo, porém, preferia não acreditar. E continuei não acreditando
até o momento que adentramos o salão, as luzes se acenderam instantaneamente e todos
gritaram:
-SURPRESAAA!!
A minha expressão naquela hora era digna de uma foto: eu estava tão pasmo e incrédulo
que a única coisa que consegui fazer foi olhar para Priscila e vê-la sorrindo. Desviei o olhar
assim que o brilho de sua roupa me fez doer a vista.
-O que você achou, primuxo? Follow me, eu quero te apresentar para algumas pessoas.
Eu já conhecia aquele salão: era um lugar grande e tinha espaço para várias poltronas, uma
mesa onde algumas pessoas jogavam truco, e uma pista de dança com um DJ que eu
reconheci como um dos amigos da Priscila. Nesse momento eu comecei a observar as
pessoas que me cercavam: eu não conhecia metade das pessoas que estavam ali. Vi alguns
de meus amigos jogando truco, outros conversavam próximos a pista de dança, e o Daniel
conversava animadamente com a Gisele em uma das poltronas. Gisele ajeitou o cabelo
especialmente para a minha festa, e vestia uma blusinha com o personagem de um dos
animes pervertidos que ela costuma ler.
Demorei cerca de uma hora para ser apresentado para aquele grupo de estranhos. Priscila
tinha convidado para a minha festa pessoas que eu nem conhecia, ou melhor, pessoas que
na verdade eram amigos dela. Comecei a pensar: será que esta é uma festa realmente minha
ou da Priscila?
-Me diga: como você suporta essa coisa rosa importada dos Estados Unidos? – perguntou
Gisele, enquanto tomava o seu refrigerante – Aposto que essa patricinha só está preocupada
com a imagem dela, e veja só: ela não convidou nem um terço dos seus amigos!
Eu estava sentado nas poltronas com Daniel e Gisele, enquanto Priscila fazia orgias com o
seu mais novo namorado na pista de dança.
-Às vezes nem eu mesmo sei como eu agüento ela. Mas eu prefiro acreditar que ela teve
boas intenções!
-Boas intenções? Desde quando peruas têm boas intenções? Marcos, olha só as músicas que
aquele DJ falsificado está tocando: são músicas que a Priscila gosta, e não você! E eu só
quero ver o que você vai fazer com o presente que ela te deu: um pôster autografado... dela
mesma!
-Ele pode colocar no quarto pra espantar mosquitos – disse Daniel, mostrando-se bem
humorado mesmo em uma situação como aquela.
-É uma boa idéia, mas eu prefiro que você se acalme, Gisele. Tecnicamente falando a festa
é minha, e mesmo sendo organizada por ela eu ainda acho que nós podemos nos divertir.
-Hunf, isso é o que você pensa! Olha só quem está chegando!
Desviei minha atenção para a porta, e o ódio me corroeu por dentro: Rayssa estava parada
bem ali, com os braços abertos, enquanto Priscila corria em sua direção e as duas se
abraçavam amigavelmente. Ambas usavam um vestido rosa e, pelo jeito, passaram uma
tarde inteira no salão de beleza, gastando dinheiro com algo que não tem solução. Só então
eu percebi algo que quase me fez cair para trás: ela tinha em mãos um embrulho grande e
muito bonito: Rayssa, a minha grande inimiga, tinha me comprado um presente de
aniversário.
Apesar disso, ela nem ao menos veio me cumprimentar: deixou o embrulho ao lado dos
outros e seguiu Priscila em direção aos seus novos amigos. A festa seguiu de uma maneira
estranha: eram dois grandes grupos que não se misturavam: os amigos da Priscila e os meus
amigos. Enquanto os amigos dela se divertiam na pista de dança e comiam todos os doces
da festa, os meus amigos jogavam truco, conversavam nas poltronas e olhavam de esguelha
para aquelas duas loucas que se acabavam de tanto dançar.
A festa já estava quase no fim, e eu me sentia muito mal em ver meus amigos excluídos e
aquele monte de estranhos se divertindo. Fui ao banheiro lavar o rosto e me olhei no
espelho enquanto aquele pensamento repercutia em minha mente: “será que esta é uma
festa realmente minha ou da Priscila?”. Quando voltei, reparei que apenas os meus amigos
estavam no salão e o Daniel e a Gisele já não estavam mais lá. Foi então que eu percebi que
algo acontecia do lado de fora: várias pessoas gritavam de maneira agressiva, e a voz aguda
e irritante de Rayssa repercutia por todos os cantos. Quando menos percebo, vejo Gisele ao
meu lado, me segurando pelo braço e me levando em direção à saída. Seu rosto parecia
lívido e preocupado:
-Marcos, vem comigo! Aquelas duas loucas, ah, eu sabia que isso iria acontecer!
-Gisele, me explica: o que está acontecendo?
-Não dá pra falar, você tem que vir comigo. O Daniel precisa de você.

Capítulo 19 – Sem saída

Com Gisele ao meu lado, atravessei o salão às pressas com o coração acelerado e uma forte
angústia. Enquanto corríamos, o som das pessoas gritando e fazendo ameaças se tornava
cada vez mais forte e a voz de Rayssa conseguia sobrepor todas as outras. Lembrei da
mensagem que ela me mandara logo no início das aulas: até o momento, ela não conseguira
fazer nada que pudesse me afetar diretamente. Porém, fazer algo com o Dan me machucaria
tanto quanto uma punhalada no peito.
Quando passamos pela porta, finalmente percebi o que estava acontecendo: havia uma
grande roda de amigos da Priscila gritando e empurrando um garoto que estava no meio
dela. Rayssa também estava no meio da roda, segurando o garoto pelo braço, e gritava tanto
que poderia estourar os meus tímpanos com a sua voz esganiçada. O garoto era Daniel e,
com certo esforço, consegui entender o que diziam os garotos que estavam ali, empurrando-
o violentamente:
-Fica com ela, seu viadinho!
-Vai amarelar, hein?! Boiola, bichinha!
-Vai dizer que você não é homem o suficiente pra isso?!
-Sua bicha, vai lá e dá um beijo nela! Ela não vai esperar a noite toda!
-A mocinha ta com medo né?
-Viadinho, viadinho!
Naquele momento, tudo aquilo que a Maíra me dissera fazia sentido: a Rayssa realmente
não descansaria enquanto não conseguisse roubar um beijo do Dan. Eu sabia que ela tinha
armado tudo aquilo com a ajuda de Priscila, apenas para encurralar o Daniel e deixá-lo sem
outras opções. Enquanto estava sendo empurrado e ofendido pelas outras pessoas, ele me
olhou de relance com seus olhos marejados e deprimidos. Ele estava lutando para não
chorar porque, se o fizesse, seria a prova definitiva de que ele poderia ser tudo aquilo do
qual estava sendo ofendido.
Gisele apertou o meu braço firmemente e olhou em meus olhos: ela parecia tão desesperada
que, assim como eu, não tinha a mínima idéia do que fazer. Eu não poderia simplesmente
chegar ali e acabar com aquela muvuca, pois seria esculachado e todos perceberiam que
havia algo de estranho rolando entre eu e o Daniel. Eu precisava manter a discrição e, ao
mesmo tempo, não poderia ver a pessoa que eu mais amo no mundo ser tratado daquela
forma. Cada vez que ele era empurrado, um sentimento tão profundo quanto o ódio tomava
conta de mim: se pudesse, eu faria todos que estavam ali pagar pelo o que estavam fazendo.
Ouvi alguns passos atrás de mim e, quando percebi, os meus amigos haviam saído do salão
para descobrir o motivo de tanta agitação do lado de fora.
-Hoje nós vamos saber se ele é mesmo homem, ou se não passa de uma imitação barata –
disse Julio, com tanta maldade em sua voz que se não fosse por Gisele eu o teria socado ali
mesmo.
E foi exatamente isso o que ela fez.
Em um instante, todos que estavam na roda pararam para ver o pobre que estava ali, caído
no chão, gemendo de dor e com a mão no rosto. Gisele acertara Julio em um dos olhos,
com tanta força e convicção que até mesmo eu parecia incrédulo diante daquela cena tão
bizarra. Ela sorria, satisfeita, enquanto todos olhavam para ela com um ar de espanto. Ouvi
algumas risadinhas ao fundo, e tive que me controlar para segurar o riso.
-Sua... sua puta paga! – disse Julio, esforçando-se para levantar e, ao mesmo tempo,
esconder o seu olho vermelho e lacrimejado – Você vai mesmo defender esse viadinho, não
é mesmo?
-Você mereceu! –respondi, rispidamente.
-O que está acontecendo aqui?
Rayssa saíra da roda e estava parada à minha frente, com o seu ar de superioridade e
deboche. Olhei para o centro da roda e vi que o Daniel continuava ali: os amigos de Priscila
não o deixaram escapar. Por algum motivo, todos os olhares estavam voltados para a minha
pessoa, como se esperassem que o “dono da festa” pudesse dar um jeito de resolver a
situação. Olhei para o alto e vi algumas pessoas observando atentamente do alto de seus
apartamentos: aquele era um show que qualquer um pagaria pra ver.
-Sua vaca anoréxica, vê se deixa o Daniel em paz! – Gisele parecia descontrolada e prestes
a ter um ataque cardíaco – Ou você também quer ganhar um soco no olho? Quem sabe
assim você deixa de ser vesga!
Rayssa ignorou o comentário, e me lançou um sorrisinho sarcástico e zombeteiro, como se
aguardasse ansiosamente a minha reação.
-Rayssa, essa é a MINHA festa e EU quero que você PARE com essa putaria AGORA!!
Priscila, Rayssa e seus amigos riram, embora eu não estivesse achando a mínima graça
naquilo tudo.
-Eu estou apenas fazendo algo que já deveria ter feito há muito tempo, queridinho. E é
melhor você virar as costas e me esquecer: esse assunto é apenas entre eu e o Dan.
-Mas você não pode fazer isso!!
-E eu posso saber o porquê?
Fiquei sem reação. Sentia-me incomodado em ver tantas pessoas olhando para mim,
enquanto a pessoa que eu mais amo era vítima de ameaças e agressões físicas. Eu me senti
um covarde por perceber que não poderia dar conta daquele número de pessoas que
cercavam o Dan, e me senti um inútil em saber que nada do que eu fizesse poderia parar a
Rayssa. Ela era movida por um desejo obsessivo e digno de repulsa, e os seus olhos em
brasa indicavam que ela não estava ali para brincadeiras. Nada do que eu fizesse poderia
pará-la. Nada... exceto uma única coisa...
-É porque... porque...
-Vamos logo queridinho, eu não tenho a noite toda!
-É porque... eu gosto de você!
Gisele pigarreou, e o sarcasmo de Rayssa evaporou como água de sua face, agora
transtornada e surpresa. Como eu tive coragem de fazer aquilo? No fundo, eu acreditava
que ela nunca gostasse de mim e, após me esculachar, ela acabaria deixando o Dan em paz.
Ele, por outro lado, aproveitou a surpresa das pessoas que o cercavam e correu para o meu
lado: seus olhos estavam tão marejados como nunca estiveram antes. Olhei para o chão:
observar aquela criatura nos olhos era algo que eu realmente não conseguiria fazer. Apenas
ouvi quando ela se aproximou de mim e, com um estranho sorriso no rosto, me puxou pela
cintura e me beijou ali mesmo, na frente de todos.
Uma mistura de náusea e arrependimento me corroia por dentro, enquanto eu sentia os
lábios da minha maior inimiga tocar os meus. Algumas pessoas ovacionaram, outras
gritaram enojadas, e outras assistiam aquela cena sem dizer uma única palavra. Separei-me
dela o mais rápido possível, ainda olhando pra baixo e vermelho de vergonha e raiva de si
mesmo. Olhei para Gisele, que caminhava com o Dan para dentro do salão, com a mão em
seu ombro, deixando claro sua expressão de fúria e traição. Eu traí o Dan, traí os meus
amigos, apenas para manter o segredo a salvo. Eu ainda tinha esperança de que eles
compreendessem a minha atitude precipitada, embora lá no fundo eu soubesse que fazendo
aquilo, eu estaria chegando ao fundo de poço.
Agora, aquela festa deprimente tornara-se uma verdadeira tortura para todos os que
estavam presentes. Após os parabéns (o qual nem a Gisele e nem o Dan participaram) fui
obrigado a dar o primeiro pedaço de bolo para a Priscila, como uma forma de “agradecer” a
pior festa de toda a minha vida. Rayssa ficou comigo durante todo o tempo, e seu ódio por
mim parecia ter desaparecido completamente. Fui obrigado a aturá-la até tarde da noite,
quando ela se despediu de mim com um beijo de língua (o qual eu retribuí de maneira
forçada). Assim que ela foi embora, percebi que aquela era a chance perfeita para conversar
com o Dan e lhe explicar tudo.
Procurei por ele em toda a parte, porém, ele havia sumido sem deixar vestígios. Vasculhei
cada estacionamento, cada canto do condomínio e, após um bom tempo de busca
fracassada, sentei-me em um dos bancos de uma praça que ficava ali perto, observando a
fonte jorrar e a fraca luz da lua, que parecia tão pálida e sem graça quanto a minha
amargura.
-Marcos?
Gisele apareceu de trás de uma árvore, sozinha, e sentou-se ao meu lado. Ela não me olhava
nos olhos: o que eu tinha feito a magoou profundamente.
-Marcos... o Dan me contou tudo sobre vocês dois. Eu não imaginava que logo você, o
melhor amigo dele, fosse também o cara com o qual ele estava namorando secretamente há
três meses.
-Pois é – respondi, seco – Mas de que adianta tudo isso, se quando eu tento ajudar só
consigo piorar as coisas? De que adianta manter o segredo a salvo, quando eu sei que cada
vez mais pessoas mal intencionadas aparecerão para estragar tudo? E de que adianta tudo
isso... agora que eu perdi o Dan pra sempre?
-Não, você não o perdeu! – Gisele mostrou-se extremamente ofendida com o meu
comentário – Ele ainda te ama, e sempre gostou de você! Depois que ele me contou tudo,
eu entendi o verdadeiro motivo pra você ter feito o que fez. Poxa, você se sacrificou apenas
pela segurança dele!
-Mas ele não percebeu isso. Eu vi o modo como ele me olhou pelo resto da festa... eu queria
que esse dia nunca tivesse acontecido.
-Não foi sua culpa. Marcos, você fez o certo! O Daniel estava sem saída, você o salvou
daquela lambisgóia! Você teve coragem de fazer algo que ninguém mais faria: ficar com a
sua maior inimiga, apenas pra manter segura a pessoa que você realmente ama.
Eu estava silencioso como as árvores da praça, não sabia mais o que fazer ou dizer. O pior
já tinha sido feito, não havia mais maneiras de voltar atrás. Gisele segurou minha mão
carinhosamente e me olhou profundamente nos olhos: ela estava sorrindo. E com sua voz
meiga e suave, ela disse:
-Você não precisa ter medo: vá para a sua casa, descanse bem, e depois converse com o
Daniel. Ele vai entender, com toda a certeza. Ele só está um pouco atordoado, mas não é
nada que uma boa conversa e alguns beijinhos não possam resolver!
Timidamente, eu retribui o sorriso e a abracei: em tão pouco tempo, tinha encontrado em
Gisele uma verdadeira amiga e confidente. Agora que ela sabia das coisas entre eu o Dan,
nada poderia impedi-la de nos ajudar da melhor forma possível. Se não fosse por ela, talvez
eu tivesse feito uma grande besteira naquela noite. Fui para a minha casa a pé, carregando
todos os presentes que recebi e, quando cheguei, tranquei-me em meu próprio quarto e
liguei o rádio. Eu não me lembro exatamente qual a música que estava tocando, mas por via
das dúvidas, vou colocar aqui uma música que diz exatamente o que eu sentia naquele
momento. É mais uma do Lifehouse – Whatever it Takes (na tradução ao pé da letra,
“Custe o que custar”). RECOMENDO OUVIR, com toda certeza!

( http://www.youtube.com/watch?v=Iawro7IfoCM )

“A strangled smile fell from your face


It kills me that I hurt you this way
The worst part is that I didn't even know
Now there's a million reasons for you to go
But if you can find a reason to stay

I'll do whatever it takes


To turn this around
I know what's at stake
I know that I've let you down
And if you give me a chance
Believe that I can change
I'll keep us together whatever it takes

But remember the time I told you the way that I felt
That I'd be lost without you and never find myself
Let's hold onto each other above everything else
Start over, start over”

Deitado na cama, com o rádio ligado, eu pensava eu tudo o que eu já tinha feito pelo
Daniel. Será que realmente valeria à pena manter aquele sentimento, e lutar contra tudo e
todos para mantê-lo?
Mas é claro que sim.

“Um sorriso estranho saiu de seu rosto


Isso me mata, te machucar desse jeito
A pior parte é que eu nem sabia
Agora há um milhão de motivos para você ir
Mas se você puder encontrar um motivo para ficar

Eu farei o que for preciso


Pra acabar com isso
Eu sei o que está na estaca
Eu sei que te deixei pra baixo
E se você me der uma chance
Acreditar que eu posso mudar
Eu vou nos manter juntos custe o que custar

Mas lembre da vez que eu te contei o jeito que eu sentia


Que eu estaria perdido sem você e nunca me encontraria
Vamos nos segurar um ao outro além de qualquer coisa
Começar de novo, começar de novo”

Aos poucos fui adormecendo, enquanto mais e mais músicas tocavam no rádio e
repercutiam em minha mente. Não me preocupei em abrir os presentes em nem em fazer
qualquer outra coisa, pois apenas um pensamento me motivava naquele momento. Naquele
instante eu percebi o que realmente valia à pena. Nem a Rayssa, nem a Priscila e nem
ninguém me separaria da pessoa mais especial da minha vida. E eu estava disposto a
qualquer coisa para que aquele sentimento não morresse... jamais.

“Eu vou nos manter juntos custe o que custar”

Capítulo 20 – Correndo riscos

A manhã de domingo surgiu tão fria e pálida como a minha tristeza por estar longe da
pessoa que eu mais amava. Acordei às seis horas da manhã e, sem conseguir dormir,
preparei o café da manhã enquanto pensava em alguma maneira de conversar com o Dan
antes que as coisas pudessem ficar piores do que já estavam. Voltei para o quarto e liguei o
rádio, com os pensamentos voltados para uma única pessoa. Uma pessoa que eu havia
magoado profundamente com uma tentativa frustrada de manter o segredo a salvo.
Eram quase 14h quando eu peguei o meu agasalho e saí naquela tarde enevoada, totalmente
sem rumo e tão confuso que tomei um susto ao perceber que, inconscientemente, havia
caminhado até a estação de trem. Coloquei a mão no bolso e, contente, encontrei minha
carteira com um dinheiro que deveria ser utilizado apenas em alguma emergência. Aquela
não era exatamente uma emergência, mas o dinheiro que estava ali, guardado, viria bem a
calhar.
Fui até a bilheteria e comprei duas passagens com um funcionário tão mal-educado que
nem ao menos respondeu o meu cumprimento. Sem dar muita atenção, juntei-me ao grande
bolo de pessoas que se espremiam para entrar no trem com certa rapidez para garantir seu
lugar em um dos bancos. Não me importei em continuar em pé e, no chacoalhar do vagão,
contei as estações que faltavam para chegar até Barueri. Uma ponta de arrependimento e
incerteza me invadiu naquele momento: e se o Dan não estivesse em casa? E se ele não
quisesse falar comigo? O que eu faria?
-Estação Barueri.
A voz grossa e sonolenta indicava que eu finalmente chegara a meu destino: desci do vagão
e, rapidamente, deixei a estação para só depois perceber que eu não fazia a mínima idéia de
como chegar à casa do Daniel. Caminhei por entre ruas e mais ruas compostas por lojas,
lanchonetes e restaurantes, até finalmente identificar a avenida que levava ao centro da
cidade. A partir daquele local, eu saberia como encontrar a residência do Dan em
segurança. Quase fui atropelado por uma moto enquanto atravessava aquela avenida
movimentada, mas encontrei o que queria em pouco mais de dez minutos.
O portão da garagem estava aberto e, apesar o frio que fazia, Rafa lavava o carro e escutava
Enya com toda a tranqüilidade do mundo. Evitei olhar para o seu peitoral despido e, quando
ele me viu, fez questão de me cumprimentar com um forte abraço.
-E ae Marcão, como você está, cara? Você esteve sumido durante todo esse tempo, nunca
mais te vi aqui em casa!
-Eu vim aqui várias vezes, mas em todas elas você estava na faculdade.
-Publicidade é fogo, cara, mal vejo a hora de terminar esse curso. Você veio aqui por causa
do Dan, não é mesmo?
-Pra ser sincero, sim. Ele está lá em cima?
-Não, ele foi até o mercado comprar alguns potes de sorvete. Ele deve estar numa depressão
daquelas: ele só come sorvete em dias especiais ou quando quer afogar as mágoas. Mas
você pode subir lá no quarto, ele não deve demorar muito.
Apesar de vê-lo poucas vezes, Rafa conversava comigo de uma maneira tão gentil que fazia
com que eu me sentisse como um amigo de infância. E ele sempre estava com aquele
sorriso incrível no rosto: devia ser de família. Dei uma piscadela, indicando que eu iria
subir – eu já era praticamente de casa. Rafa retribuiu com o seu sorrisinho maroto e, no
mesmo instante, pegou um dos baldes que estavam ao seu lado e voltou a limpar o carro.
-Marcos! – exclamou Rafa, quando eu estava prestes a abrir a porta da sala – Esqueci de
dizer, o Tiago deve estar lá em cima, usando o computador. Você não se importa, né?!
“Droga”, pensei consigo mesmo. A última pessoa que eu gostaria de ver naquele dia era o
Tiago, o insuportável irmão do meio. Eu nunca consegui manter uma conversa decente com
ele por mais de alguns segundos: ele sempre ficava de cara fechada e me tratava como se eu
fosse um estorvo. Tive que me esforçar pra dizer um “tudo bem” e subir as escadas
lentamente. Abri a porta do quarto, juntando forças para encarar uma das criaturas mais
ignorantes da face da Terra. Pensando bem, ele e a Rayssa até que formariam um belo par.
Tiago não se parecia em nada com o Daniel, e muito menos com o seu irmão mais velho,
Rafa. Ele era alto e gordo, um tanto calvo, e sempre aparentou muito mais do que os seus
18 ou 19 anos. Diferente dos irmãos, ele nunca teve um futuro definido na vida e passou
grande parte dos seus dias em frente ao computador, divertindo-se com jogos violentos
enquanto se empanturrava com um pacote de salgadinhos. Ele nem sequer pausou o jogo
para me cumprimentar, enquanto eu permanecia com o braço estendido, esperando que ele
correspondesse. Desisti quando ele disse um “oi” tão sem graça que me forçou a deixá-lo
em paz com sua única fonte de divertimento. Vocês podem me julgar por isso, mas eu
realmente preferia assistir ao Rafa saradão lavando o carro, ao invés de um gordo medíocre
xingando a tela do computador.
Talvez, aquele realmente não fosse o meu dia. Eu estava descendo as escadas que me
levariam até a sala, quando ouvi o barulho da geladeira sendo aberta.
-Tiago, até que enfim você desgrudou a bunda do computador. O pai pediu pra você
arrumar a cama, organizar a estante, e...
Daniel cortou o que estava dizendo pela metade quando me viu parado ali, ao lado da
escada. Eu poderia jurar que o Rafa se esqueceu de mencionar a minha presença, ou fez de
propósito apenas para eu pega-lo de surpresa. Ele estava vestido com calças largas e um
blusão azul que ele pegara emprestado em uma das vezes que dormira na minha casa.
Fiquei feliz ao ver que ele usava uma peça de roupa que me pertencia: aquilo me fez
perceber que, querendo ou não, eu sempre fizera parte de sua vida.
-Marcos... o que você está fazendo aqui?
-Vim esclarecer as coisas, é claro – minha voz saiu aguda demais pro meu gosto: eu estava
tão nervoso que nem fazia idéia do porque não estava tremendo.
Daniel guardou os sorvetes na geladeira e, com a mão, indicou-me o caminho da sala. Ele
realmente não parecia nada feliz em me ver, e seus olhos inchados mostravam que ele havia
chorado durante toda a noite.
-Dan, você estava chorando?
-O que você acha? Que eu fiquei radiante de felicidade quando vi o cara que eu amo
beijando a pessoa mais nojenta que eu poderia imaginar?
Após dizer isso, olhamos ao mesmo tempo para o corredor, certificando-se de que não
havia ninguém para ouvir a conversa. Sentamos frente a frente nas poltronas, e eu percebi
que aquele clima pesado só aumentaria conforme conversávamos.
-Eu sei que você contou pra Gisele tudo o que rola entre a gente.
-E você acha que eu agi errado?
-Mas é claro que não! Aliás, já estava na hora de fazer isso. Ela é pessoa que mais convive
com a gente e, talvez, a pessoa que melhor nos conhece.
-Marcos... seja sincero comigo... por que você faz aquilo?
Aquela era a pergunta que, eu tinha certeza, ele estivera fazendo a si próprio desde o
momento em que eu beijara a Rayssa. Respirei fundo e, confiante, olhei diretamente em
seus olhos.
-Eu não agüentava mais ver você sendo tratado daquele jeito! Daniel, eles ofenderam você!
Te machucaram tanto por dentro quanto por fora, e você ainda acha que eu conseguiria
assistir aquilo tudo de braços cruzados?
-Ah sim! E você realmente ajudou muito beijando a Rayssa na frente de todo mundo!
-Daniel...
-Assume, Marcos!! No fundo, você estava louco pra fazer isso, não é mesmo?!
-Eu te amo, porra!!
Daniel calou-se e, com a boca entreaberta, continuou me olhando nos olhos. Estávamos um
pouco alterados e perdemos o controle do nosso tom de voz. Por sorte, ninguém pareceu
nos ouvir. Seus lábios tremeram levemente, e sua frase saiu quase inaudível até mesmo para
mim, que estava tão próximo.
-E não tinha uma forma melhor de demonstrar isso?
Uma lágrima percorreu sua face, enquanto seus olhos continuavam fixos aos meus.
Levantei-me e encontrei um lugar ao seu lado, abraçando-o timidamente.
-Dan, tenta ver pelo o meu lado... eu sei o quanto você sofreria, o quanto nós sofreríamos,
se descobrissem o segredo naquela noite. Quando eu beijei a Rayssa, consegui fazer ela te
esquecer por um momento. Se tudo der certo ela nunca mais vai te perturbar, você pode
viver em paz agora!
-Mas e você, Marcos? Como eu vou viver em paz sabendo que você ainda está com ela?
-Certos sacrifícios precisam ser feitos... mas nem por um momento eu pensei em deixar
você. O que eu mais quero é te ver feliz!
-E você acha que eu poderia ser feliz sem você?
Beijei-o rapidamente, um tanto apreensivo, pois a qualquer momento um de seus irmãos
poderiam entrar na sala e nos ver ali, abraçados. Segurei sua mão com força, enquanto ele
apoiava sua cabeça em meu ombro, soluçando. Aquilo estava me quebrando por dentro.
-Nós podemos pensar pelo lado positivo. Se eu continuar ficando com a Rayssa, ninguém
vai ao menos suspeitar de nós.
-E por quanto tempo você terá que suportá-la?
-Não sei. Algumas semanas, talvez. A única coisa da qual eu tenho certeza é que, se eu
terminar com ela agora, ela vai fazer de tudo pra ficar com você novamente. Minha única
esperança é que ela termine comigo.
-E como você pretende fazer isso?
-Se eu tratá-la com ignorância até que pode dar certo. Mas eu só farei isso se você prometer
que vai continuar ao meu lado, independente da situação. Não se esqueça que eu estou
fazendo isso tudo por sua causa.
Daniel mexeu a cabeça de modo afirmativo, e nos beijamos tão rápido que, mesmo assim,
quase fomos apanhados pelo Rafa, que passara ao lado da janela carregando alguns baldes
d’água. Continuamos conversando pelo resto do dia e, por volta das sete horas da noite, eu
peguei o trem de volta para a minha casa. Gisele me ligou durante a noite, e ficou super
feliz ao saber que tudo tinha dado certo. Porém, a única coisa que eu queria saber naquele
momento era por quanto tempo eu suportaria a Rayssa do meu lado.
O mês de abriu passou num piscar de olhos e, em maio, começaram as provas do segundo
bimestre. Rayssa não desgrudava de mim um segundo sequer e, para piorar ainda mais a
situação, nenhum dos meus amigos gostava dela. Daniel aprendeu a controlar seu ciúmes e,
muitas vezes, nos encontrávamos em lugares pouco freqüentados da escola para conversar
e, sempre que possível, namorar um pouco. Finalmente chegou o mês de junho e, com ele,
o último dia de aula.
-Vocês vão viajar durante as férias? – Gisele arrumava seu material com muita pressa,
enquanto eu e o Dan a esperávamos do lado de fora da sala – Se for depender dos meus
pais, eu acho que vou pro sul do país. Eles fariam de tudo pra me ver longe de casa.
-O Marcos vai ficar em casa, e eu acho que vou fazer o mesmo. Minha mãe não está a fim
de voltar pra chácara tão cedo: a alergia dela atacou e até um mísero pernilongo pode fazer
ela se coçar pro resto da vida!
-Quer o pôster da Priscila emprestado? Ele tem sido muito útil lá em casa! O único
problema é que ele espanta... qualquer coisa!
Gisele riu abertamente da minha piada, enquanto Daniel parecia preocupado com alguma
coisa. Ele colocou a mão no bolso e retirou uma folha de fichário rosa e toda detalhada,
enquanto uma expressão de medo surgia em sua face.
-Dan, o que houve?
-Droooga, eu me esqueci de devolver os exercícios da vesgassauro! Ela vai me matar se eu
não devolver ainda hoje!
-Fica frio, ela deve estar no banheiro feminino junto com a Priscila. Você quer que eu
entregue pra você?
-Não precisa, pode deixar que eu mesmo entrego. Você podem me esperar ao lado da
portaria.
[A próxima cena eu não presenciei. Ela será descrita de acordo com informações que eu
tenho]
Daniel caminhou em direção aos banheiros e, ao chegar lá, resolveu esperar durante alguns
minutos ao lado da porta, que estava fechada. Passado certo tempo, ele percebeu que as
duas não sairiam dali tão cedo e, cautelosamente, apoiou-se na porta para descobrir o que
estava acontecendo. E foi dessa forma que ele ouviu uma conversa que, mais tarde,
desejaria nunca ter escutado.
-Prips, o meu cabelo está um bagaço! Acho que vou fazer relaxamento na semana que vem.
-Seria melhor tingir de loiro, que nem eu fiz last week. Vai dizer que o meu hair não ficou
beautiful?
-Ah, ficou sim...
-What’s up, Ray, por que você está desse jeito? Vai dizer que você não está mais a fim de
ficar com o Marcos?
-Não é isso, ficar com ele tem sido ótimo pra mim... o povinho da sala passou até a me
respeitar mais!
-Então qual é o problem, baby?
-É aquilo que eu te falei ontem, lembra? Eu não agüento mais, já está na hora de eu e o
Marcos... você sabe né? Fazer... “aquilo”...
Daniel, estarrecido, continuou ao lado da porta, esforçando-se para ouvir todos os detalhes
daquela estranha conversa entre amigas.
-Como você é precoce, honey!
-Aii amiga, você não entende! Todas as outras garotas que eu conheço já fizeram, exceto
eu!
-Hum... acho que eu tive uma idéia, my dear! É absolutamente... fabulous! Vem comigo!
Rayssa e Priscila deixaram o banheiro correndo, poucos segundos após Daniel ter se
escondido atrás de um dos pilares que sustentam o pátio. Ele estava confuso e seu coração,
disparado. Rayssa deixara bem claro as suas intenções, porém, Daniel não fazia a mínima
idéia de como e quando ela poderia agir. Depois de presenciar aquela cena, uma única
certeza consumia a sua mente: aquelas duas loucas já tinham ido longe demais.

Capítulo 21 – O plano

Desde o início das férias eu sabia que os meus passeios com o Dan ficariam cada vez mais
raros: a família dele viajaria e, por esse motivo, ele seria obrigado a passar mais tempo com
o insuportável Tiago. Como eu não viajaria durante o mês inteiro, aproveitei para estudar
um pouco, praticar guitarra e freqüentar uma academia aqui do meu bairro, ou seja: fazer
tudo aquilo que eu não teria tempo durante a cansativa época de aulas.
Meu único “refúgio” era conversar com o Dan através do msn, ou com a Gisele no telefone.
Foram as contas de telefone mais caras que eu já vi na minha vida. Geralmente, nossas
conversas eram sobre assuntos do dia-a-dia: como estavam as férias, os livros que
estávamos lendo, o início das vendas dos mangas Naruto e Gravitation aqui no Brasil, e as
coisas mais diversas possíveis. Gisele estava ansiosa pra comprar o primeiro volume de
Gravitation: seria mais uma série de mangas pervertidos para a sua coleção. Eu, por outro
lado, contava os dias para a estréia do filme Harry Potter and the Order of the Phoenix, que
aconteceria no dia 11 de julho.
-Você vai assistir ao filme? – perguntou Gisele, em uma de nossas conversamos por
telefone.
-Eu não o perco por nada no mundo! Mesmo preferindo os livros, eu ainda quero saber
como foi o trabalho desse novo diretor.
-O trailer parece ótimo, só espero que eles não cortem muitas cenas, como fizeram no
quarto filme.
-É verdade. Ah Gisele, eu estava quase me esquecendo: o povo da minha sala combinou de
assistir o filme no dia da estréia, em um shopping aqui em Osasco. Eu pretendo ir com eles,
mas você pode vir com a gente, se quiser.
-Você sabe quantas pessoas vão?
-Nem faço idéia, mas tenho certeza que é um número bem grande. Mas, de qualquer forma,
o Daniel e a Jenny também vão: você não ficará sozinha de maneira alguma.
-A vesgassauro e aquele seu amiguinho irritante também vão?
-Quem, o Julio? Ah, parece que ele brigou com a namorada e não poderá ir. Já a Rayssa eu
não garanto... é um risco que, infelizmente, teremos que correr.
Após vários minutos de insistência e muita chantagem emocional, Gisele acabou cedendo e
resolveu aceitar o meu convite. Eu fiquei responsável de organizar tudo, reservar os
convites e escolher o horário ideal para aquela turma de quase vinte pessoas: passei dias
inteiros fazendo ligações apenas para confirmar quem iria e quem deixaria de ir. Rayssa me
avisou poucos dias antes, dizendo que “não perderia aquele dia por nada no mundo”. Eu
estava tão animado que nem percebi a malicia e ambigüidade em seu tom de voz.
Daniel já não agüentava mais passar vinte e quatro horas por dia ao lado do seu irmão do
meio. Pelo menos o Rafa era um cara legal, e não fazia a mínima se o Daniel resolvia dar
uma volta ou sair com os amigos. Tiago, por outro lado, fazia questão de manter seu irmão
mais novo dentro de casa, preparando o almoço e fazendo os serviços de casa, enquanto ele
jogava computador e comprava toneladas de salgadinhos com alto teor calórico. Eu me
lembro que era a véspera da estréia do filme, quando o Dan aproveitou uma das “saídas
noturnas” do Tiago e resolveu me ligar. Ele parecia um tanto diferente no telefone, e citou o
nome da Rayssa muitas vezes. Comentários a parte, combinamos que ele também iria ao
cinema conosco.
Dia 11 de julho, estréia do filme: acordei cedo tamanha a minha ansiedade e, disposto, fui à
academia muito mais cedo do que o de costume. Tomei um banho demorado, escolhi uma
camisa legal e, no final da tarde, fui caminhando até o shopping enquanto pensava que
aquela seria a primeira vez que eu veria o Dan desde o início daquelas tortuosas férias. O
shopping estava realmente lotado e, na praça de alimentação, era praticamente impossível
circular com tranqüilidade. Mesmo assim, não foi nada difícil encontrar o meu grupo de
amigos: cerca de quinze pessoas já aguardavam na frente da bilheteria, fazendo um grande
alvoroço enquanto a entrada ainda não era permitida.
Cumprimentei a todos e, logo em seguida, Gisele chega com um sorriso radiante em seu
rosto. Em suas mãos, pra variar, ela segurava com força mais de um seus mangas
pervertidos. Porém, aquele não era um manga qualquer.
-Marcos, olha só: o primeiro volume de Gravitation!! Dá pra acreditar? Eu quase desmaiei
quando comecei a ler, a autora desse manga é demais! Se você quiser, eu posso te
emprestar depois!
-Do tanto que você fala desse manga, acho que eu vou acabar aceitando. E por falar em
mangas, já deve ter saído o primeiro volume de Naruto também. Será que o Daniel já
comprou?
-Eu ainda não sei, mas por que você mesmo não pergunta? Ele já está chegando, bem atrás
de você.
Olhei para trás e lá estava ele, subindo pela escada rolante. Porém, algo parecia errado: ele
não trazia consigo aquele famoso sorriso, e seu olhar distante mostrava que certas
preocupações tamborilavam a sua mente conturbada. Quando ele me viu, deu um sorrisinho
forçado e me cumprimentou com um simples abraço: precisávamos manter a discrição em
todos os momentos. Conversamos um pouco e, após alguns minutos, sinto alguém me
segurar por trás e me dar um beijo melado no pescoço.
-Rayssa, você passou brilho labial de novo? Desse jeito eu vou ficar cheio de glitter!
-Quem sabe assim você brilha tanto quanto eu, queridinho!
-Hello honey, tudo bem com você? – Priscila surgira repentinamente ao meu lado, enquanto
Daniel e Gisele já haviam saído de fininho, me deixando sozinho com aqueles dois dragões.
“São Jorge, por favor: proteja-me”.
-Ah, oi Priscila – respondi, um tanto indisposto – Vocês vieram juntas?
-Isso mesmo, a Prips e eu estávamos no salão de beleza. Eu fiz um relaxamento, o que você
achou?
-Sei lá, eu não entendo muito de cabelos. Pra mim, está a mesma “coisa” de sempre.
-Ai Marcos, como você é insensível!
Rayssa me deu um “leve soco” no estômago, o qual eu respondi com um olhar de
desaprovação. Olhei em volta para encontrar alguma distração, ou algo que eu poderia usar
como desculpa para sair dali. Eu não agüentaria ficar ao lado delas por mais alguns
segundos.
-Vamos deixar a discussão de lado, porque o filme já está prestes a começar. Olha só: o
cinema já está aberto! Vamos correr pra pegar os melhores lugares.
Entramos todos na sala do cinema, com os nossos bilhetes em mãos e, graças ao número de
pessoas, conseguimos ocupar uma coluna inteira. Eu estava indo em direção ao Dan e a
Gisele, para sentar próximo a eles, porém, ouço alguém me chamar: Rayssa sentou na
fileira do meio, juntamente com Priscila e alguns amigos estranhos que as acompanhavam.
-Ah Rayssa, na fileira do meio não!! No fundo é muito melhor...
-Sem desculpas, queridinho! Quero você aqui do meu lado, AGORA!!
Olhei de relance para Gisele, que me lançou um sorrisinho pervertido enquanto dizia algo
parecido com “Você virou o cachorrinho da vesga?”. Ignorei o comentário inoportuno, e
sentei-me entre a Rayssa e um cara de aparência estranha, que assuava o nariz a cada dois
minutos. Incomodado com aquilo tudo, levantei-me novamente, dessa vez com a desculpa
de ir comprar refrigerantes e um pacote de pipoca com manteiga.
Enquanto pedia um litro de Coca-Cola, comecei a refletir se realmente valeria à pena
continuar com a Rayssa por muito tempo. Ela fazia com que eu me sentisse mal a todo
instante, me usava como capacho e sempre encontrava uma maneira de se mostrar superior:
tudo isso pelo puro e simples prazer de me rebaixar. Eu sabia que não poderia terminar com
ela, senão, ela voltaria a infernizar o Daniel com toda certeza. Eu precisava fazer com que
ela resolvesse terminar comigo por livre e espontânea vontade, embora os meus esforços
para conseguir tal proeza não tivessem sido o suficiente.
-Marcos? – chamou Daniel, enquanto eu pagava a moça do caixa – Quer uma ajuda com as
pipocas?
-Claro Dan, obrigado por vir até aqui só pra me ajudar.
-Na verdade, esse não é o único motivo. Eu precisava conversar com você. É algo
realmente importante e, talvez, você não goste ou não acredite no que eu vou dizer.
-Pode falar Daniel, você sabe que eu confio inteiramente em você.
-Tudo bem... – ele parecia nervoso e seu rosto, um tanto lívido - Acontece que, no último
dia de aula, eu ouvi uma conversa entre a Rayssa e a Priscila. Elas estavam procurando uma
maneira de...
-Hey, vocês dois – um funcionário do cinema apareceu ao nosso lado, fazendo o Daniel
parar de falar quase que de imediato – Vocês não vão assistir ao filme? A sessão acabou de
começar!
Apenas tive tempo de olhar para o Dan, e pedir para que ele me contasse depois. Seguimos
cada um para o seu lugar e, quando cheguei, percebi que já tinha perdido cinco minutos do
filme. Pra piorar ainda mais, Rayssa resolveu me dar um sermão de última hora, pensando
que eu tinha desistido de assistir ao seu lado. E assim eu passei mais de uma hora ao lado
de uma pessoa insuportável, ou melhor: duas, se fomos contar o cara que não parava de
assuar o nariz. Olhei disfarçadamente para os meus amigos lá no fundo: eles pareciam se
divertir muito enquanto eu continuava ali, com a Rayssa, que agora alisava a minha mão e
cismava em me beijar nas partes mais interessantes do filme. Naquele dia, eu me sentia
como se estivesse pagando por todos os meus pecados.
Saímos do cinema em um alvoroço geral, enquanto eu aproveitava para escapar um pouco e
conversar com a Gisele e o Daniel, que comentavam animadamente sobre o filme e
compartilhavam suas opiniões. Resolvemos parar na praça de alimentação, todos nós, e
ocupamos cerca de cinco mesas. Eu e o Daniel resolvemos comprar um lanche no Burguer
King, enquanto o resto do povo de dividia entre os variados estabelecimentos apenas para
saciar a fome. Não pude conversar com o Dan naquele momento: outros amigos nossos nos
acompanharam e pediram um lanche junto com a gente.
-Aquela luta entre o Voldemort e o Dumbledore foi no estilo “Naruto”, vocês não acharam?
–Gisele falava enquanto , com a mão direita, segurava o seu Ovomaltine recém comprado
no Bob’s – Aquele círculo de água me lembrou um dos jutsus do Naruto...
-Acho que você está viajando, Gisele.
-Não estou não, Marcos! Aliás, aquele ator que faz o “Harry Potter” é muito gato, vocês
não acham? E olhem só que coincidência: o nome dele também é Daniel!
Daniel corou um pouco, enquanto eu me esforçava para segurar o riso.
-Se o Dan colocar uns óculos, até que fica parecido! Agora só falta a varinha...
-Eu já tenho uma varinha, e muito boa por sinal! – Daniel dizia isso sem o menor vestígio
de vergonha, enquanto Gisele engasgava com o seu Ovomaltine.
-Dan, quando foi que você ficou pervertido desse jeito? Marcos, que história é essa da
varinha?
-Ah, eu já vi a varinha do Daniel. E pra ser sincero, eu não achei grande coisa.
Todos riram, enquanto o Dan ficava cada vez mais vermelho de tanta vergonha. Resolvi
mudar de assunto antes que o nível de perversão superasse os limites habituais.
Fomos avançando noite adentro jogando conversa fora na praça de alimentação, brincando
numa área exclusiva para jogos (Gisele humilhou a todos no tapete dançante), e procurando
livros na Saraiva e algumas novidades em jogos de computador. Todos estavam se
divertindo muito, mas eu estranhei o fato da Rayssa passar mais tempo com a Priscila do
que comigo. Porém, eu não tinha o que reclamar: estava inteiramente satisfeito. Finalmente
chegou a hora de nos despedirmos e, enquanto eu conversava com a Gisele, Rayssa surgiu
do meu lado com um sorriso simpático e uma idéia em sua mente.
-Marcos, você pode me acompanhar até a minha casa? Já está tarde, e é perigoso para uma
garota como eu voltar para casa sozinha.
Daniel olhou para a minha direção, apreensivo. Ele estava apenas aguardando a minha
reação.
-Ah, por mim tudo bem! – respondi, ingênuo – Não vou fazer nada de interessante agora a
noite, acho que poderei te acompanhar sem problemas!
-Não, você NÃO pode! – Daniel me segurou pelo braço, enquanto Priscila apenas
observava a cena, de longe – O seu pai ficou de me dar carona pra casa, você não se
lembra?
Ele me olhava fundo nos olhos: eu sabia que ele estava mentindo, que aquela era apenas
uma desculpa. Mas por que ele faria isso? Será que ele sabia de algo que eu não sabia até
aquele momento?
-Dan, o que está acontecendo?
-Seu mentiroso! – retrucou Rayssa, irritada – O Marcos não sabe de nada, ele não
combinou nada com você! Vamos queridinho: a noite é uma criança!
Apenas tive tempo de pegar a minha mochila, quando Rayssa me puxou pelo braço e me
levou na direção da saída do shopping. Eu não estava entendendo absolutamente nada, e
passei a entender menos ainda quando o Daniel se colocou entre nós e a porta do shopping.
-Saia logo daí, o Marcos vai me acompanhar até em casa!
-EU NÃO VOU DEIXAR VOCÊ IR PRA CAMA COM ELE!!!
-O QUÊ???
Pronto, a confusão estava armada. Rayssa parecia lívida, contrastando com o rosto
vermelho e os olhos lacrimejados de Daniel. Eu, por outro lado, não conseguia pensar em
mais nada. Os meus amigos apenas acompanhavam de longe, abismados, pois não
conseguiam ouvir e nem mesmo saber o que estava se passando.
-Como você...
-Acabou, Rayssa. Eu não agüento mais esconder isso de ninguém, não agüento mais ver
você estragando a minha vida e a do Marcos. Eu vou te contar toda a verdade agora.
Naquele momento, eu perdi o chão. Senti como se estivesse caindo a toda velocidade, sem
ter ao menos onde me segurar. Daniel parecia decidido e confiante. Se ele contasse, eu
sabia que aquele seria o fim para nós dois.
-Do que você está falando?
-Eu sou gay. Eu e o Marcos estamos namorando à quase sete meses. E eu te odeio Rayssa,
do fundo do meu coração.

Capítulo 22 – Verdade ou ilusão?

-Eu sou gay. Eu e o Marcos estamos namorando à quase sete meses. E eu te odeio Rayssa,
do fundo do meu coração.
O efeito que aquelas palavras causaram em mim foi simplesmente absurdo, porém,
incomparável ao efeito que essas mesmas palavras causaram na pobre Rayssa. Seus olhos,
vidrados, iam do Daniel para mim enquanto esperava que um de nós confirmasse a história
ou a desmentisse, o que não ocorreu. Eu não sabia o que dizer ou fazer: estava sem reação.
A única parte de meu corpo que parecia funcionar naquele momento era o meu coração,
que batia desesperadamente.
-Daniel... – Rayssa refletira durante muito tempo antes de resolver falar alguma coisa – Eu
não tenho tempo para brincadeiras. Seja educado, nos deixe sair e...
-ISSO NÃO É BRINCADEIRA, PORRA!!
Eu nunca o tinha visto tão alterado em toda a minha vida. Seu rosto estava em chamas, seu
sorriso dera lugar para uma expressão de fúria e, seus olhos, estavam vermelhos e cheios de
lágrimas. Acredito que eu estava tão pálido quanto a Rayssa, que agora olhava diretamente
em meus olhos, segurando o choro, e se apegava ao meu braço com tanta força e convicção
que me fazia sentir que nada a tiraria de lá.
-Isso não é verdade, vocês só querem me confundir, me deixar irritada, não é mesmo?!
Marcos, me diz que isso não é verdade...
As palavras não saíam de minha boca. Embora eu tentasse, algo me impedia de falar. Olhei
para trás e vi que todos olhavam para nossa direção, embora eu estivesse longe o suficiente
para que não conseguissem entender nada do que estava sendo dito naquele momento.
-Marcos, ele está mentindo... diga pra mim que ele está mentindo!
-Ele está certo – respondi, secamente – E ainda tem mais: eu o amo. E amo tanto que nem
você e nem ninguém podem fazer algo para nos separar. Se você quiser contar isso pra todo
mundo, vá em frente, o que você está esperando? Mas saiba que nada disso vai mudar o que
sentimos um pelo outro.
Eu não sei de onde reuni a coragem necessária para dizer tudo aquilo. Eu sempre fui um
tanto covarde para essas coisas, sempre tive receio de revelar o segredo para quem quer que
fosse. Mas ver o Dan ali, ao meu lado, enfrentando a pessoa que mais odiava no mundo por
minha causa, me dava forças para seguir em frente. Eu nunca me sentira tão convicto e
confiante quanto naquele dia. Rayssa, por outro lado, largou o meu braço quase que de
imediato, enquanto nos encarava firmemente sem dizer uma única palavra. Demorei certo
tempo para perceber que o Dan estava sorrindo pra mim.
-Rayssa, chega de drama – Daniel parecia um pouco mais calmo, enquanto a pobre garota
estava à beira de um ataque de nervos – Eu sei que deve parecer confuso pra você, mas essa
é a mais pura verdade.
-Marcos, eu só quero saber um coisa: por que você ficou comigo?
Diante de uma situação como aquela, eu confesso que fiquei um tanto surpreso com aquela
pergunta. Tive que pensar muito antes de responder, afinal eu não poderia simplesmente
dizer que a tinha “usado” como se fosse um copo descartável. Eu precisava ser sutil e o
mais educado possível.
-Olha Rayssa... eu simplesmente não poderia deixar você ficar com o Daniel! Ele nunca
conseguiria ficar com uma garota, e eu sabia disso. Se eu não tivesse feito o que fiz naquela
noite, nesse exato momento todos estariam falando sobre o nosso segredo. Sem falar que...
-Você me usou!! Nada do que você disser vai mudar isso!!
-E o que você queria que eu fizesse? Que eu assistisse aquela palhaçada toda de braços
cruzados? Rayssa, eu te peço, seja sincera com você mesmo pelo menos uma vez na vida!
Você NUNCA deixaria o Dan em paz! Eu te usei sim, e assumo isso. Mas tudo o que eu fiz
foi para proteger a pessoa que eu mais amo no mundo. E você sabe muito bem quem é essa
pessoa, mas você luta para não aceitar a verdade. Eu estou sendo sincero, seja sincera você
também!
Rayssa pigarreou, enquanto uma lágrima escorria de um de seus olhos e morria em seus
lábios chorosos. Aquela era uma situação embaraçosa: eu sabia que todos que passavam ali,
naquele momento, procuravam entender o que estava acontecendo. Enquanto eu pensava
em uma maneira de acabar com aquilo, Rayssa enxugou seu rosto levemente e posicionou-
se ao meu lado, dizendo baixinho:
-Eu sou uma monstra, não sou?
-Ahn?!
-Não se faça de desentendido, eu sei que sou!
-Espera um pouco, eu...
-Não, espera VOCÊ! – o olhar decido de Rayssa calou-me instantaneamente – Agora é a
minha vez de falar algumas verdades! Eu não fazia a mínima idéia disso tudo... pra falar a
verdade, eu nem imaginava que havia algo entre você e o Dan. Mas eu acredito que você
deveria ter sido sincero comigo! Deveria ter me contado tudo desde o início...
-Rayssa, como você é cínica! Como você me esculacha durante um ano inteiro, e agora
vem falar sobre sinceridade comigo? Se você fosse realmente sincera, eu pelo menos
saberia o motivo de você ter me odiado durante todo esse tempo.
-E será que você realmente quer saber o motivo?
Apenas assenti levemente com a cabeça, esperando por uma explicação convincente.
Daniel, atento, ouvia tudo sem dizer uma única palavra.
-Eu não te odiava, Marcos. Pra ser sincera, eu nunca cheguei a te odiar realmente. Na
verdade, eu sempre admirei você. Admirava o modo como você sempre era, e ainda é,
respeitado por todos os alunos da classe. Admirava o modo como você se relacionava com
seus amigos, sempre fazendo tudo por eles. Admirava o modo como seus amigos se
sentiam em relação a você. As pessoas me julgam, Marcos. Julgam o meu jeito excêntrico,
julgam a minha aparência, julgam o meu modo de ser. Se eu sou desse jeito, é porque tudo
o que eu quero é ganhar a atenção das outras pessoas, eu quero ser notada pra, um dia, ser
respeitada assim como você. Isso tudo porque, no fundo, eu sempre quis ser igual a você.
Daniel lançou-me um olhar surpreso enquanto eu, estarrecido, não sabia ao certo para onde
olhar. Eram muitas revelações para uma única noite, e minha mente trabalhava arduamente
para processar aquele grande número de informações. Era difícil para mim, entender que a
minha maior inimiga, na verdade, sentia uma grande admiração pela minha pessoa.
Perceber que eu tinha passado mais de um ano guardando mágoa por algo sem fundamentos
me deixava cada vez mais confuso.
-Rayssa... por que você está me dizendo isso tudo agora?
-Porque eu sou burra, Marcos! Porque nada do que eu fiz até hoje fez a minha vida valer à
pena. Olhe só pra vocês: só agora eu percebo o quanto vocês combinam um com o outro.
Eu imagino quantas garotas você rejeitou só pra poder ficar com o Dan. E eu, o que eu
tenho? Ninguém gosta de mim, o Daniel acabou de dizer que me odeia e eu não tenho
duvidas de que você também sente o mesmo.
Ela estava chorando, e falava tão rápido que eu precisei me esforçar para entender todas as
suas palavras. O nervosismo estava claro em sua expressão: ela estava sofrendo muito por
ter que dizer tudo àquilo na minha frente. Eu estava prestes a mencionar algo que a
consolasse, quando fui surpreendido por Daniel que, gentilmente, aproximou-se de Rayssa
e colocou a mão em seu ombro.
-Ainda há tempo para mudar...
-E vocês acham que eu tenho jeito?
Rimos, os três, enquanto eu percebia que o clima tenso que nos cercava estava se
dissipando aos poucos. Rayssa esboçou um leve sorriso e, caminhando, atravessou a porta
do shopping em direção à rua. Parou alguns segundos depois e, dando uma meia volta
completa, disse:
-Vocês podem não acreditar, mas o segredo está seguro comigo. Eu sei como vocês se
sentem, e eu não pretendo atrapalhar. Não mais.
-Rayssa, você não quer que eu te acompanhe até a sua casa?
Sorrimos um para o outro e, sem responder a minha pergunta, Rayssa deixou o shopping e
desapareceu entre os carros do estacionamento. Eu já estava mais tranqüilo, e me senti
ainda melhor quando percebi que os meus amigos conversavam animadamente ao lado de
uma loja de jogos eletrônicos, como se nada tivesse acontecido. Daniel colocou sua mão em
meu ombro amigavelmente enquanto caminhávamos em direção à nossa “turma”.
-Fala sério, você realmente faria isso? Você realmente acompanharia a Rayssa até a casa
dela?
-Mas é claro que não! – retruquei, com um sorriso forçado no rosto e refletindo no
“porquê” de eu ter feito aquela oferta tão absurda.
-Você acreditou nesse “showzinho” que ela acabou de fazer?
-Ela parecia dizer a verdade. E mesmo parecendo estranho, eu sinto que não teremos mais
problemas com a Rayssa por um longo tempo...
Poucas semanas se passaram desde o ocorrido. Eu não tive mais contato com nenhum
colega da escola, com exceção de Gisele, com quem eu conversava freqüentemente pelo
telefone, e Daniel, que saía comigo sempre que possível. Durante aquelas semanas, eu não
pude deixar de reparar que o meu relacionamento com o Dan estava cada vez mais ameno,
e eu temia que ele se tornasse tão frio quanto aqueles tortuosos dias de inverno. Eu pensava
em milhares de hipóteses, porém, nenhuma delas me parecia verdadeiramente convincente.
Só me restava conversar com o Dan cara a cara, e finalmente descobrir o que se passava
com ele.
Faltava menos de uma semana para o fim das férias quando o telefone tocou, e o Dan
perguntou se poderia passar na minha casa dentro de poucas horas. Eu aceitei de imediato,
embora estranhasse um pouco o seu tom de voz, diferente da sua voz convencional e
animada que eu costumava ouvir todos os dias. Aprontei-me em poucos minutos, bem a
tempo de ouvir o portão se abrindo e correr para atendê-lo o mais rápido possível.
Nos cumprimentamos com um simples selinho, embora não houvesse ninguém em minha
casa: meus pais só chegariam a noite e meu irmão dormia na casa de um amigo. Convidei-o
para entrar, e ficamos conversando durante algum tempo sobre coisas diversas: como iam
as férias, se estávamos preparados para a volta às aulas, entre outros. Até que eu finalmente
reuni coragem para tocar naquele assunto tão delicado:
-Dan, eu reparei que você estava estranho no telefone.
-Deve ser impressão sua.
-Mas é claro que não! Aliás, você já está assim a um bom tempo. Pra ser mais exato, desde
aquele dia no shopping.
Daniel olhou para o chão, tentando não demonstrar que eu havia atingido o ponto exato.
Será que, dentre as muitas coisas que a Rayssa dissera naquele dia, havia algo que o deixara
preocupado em relação a nossa “segurança”? Eu não parava de pensar naquilo um minuto
sequer, porém, procurava manter o Dan longe da maioria dos meus problemas. Aqueles
eram tempos difíceis e, a cada dia, o nosso segredo corria perigo.
-Você está com medo da Rayssa revelar o segredo, não é mesmo?
-Não, ela não me importa no momento.
-Então me diz, Daniel: o que se passa com você?
-Eu... eu não sei se realmente devo dizer.
-Mas é claro que deve, nós estamos namorando, não é mesmo?
Eu estava sentado ao seu lado, acariciando levemente a sua mão enquanto falava e olhava
diretamente em seus olhos. Olhos que não continham mais aquele brilho de sempre, e
escondiam uma mágoa profunda. Lábios que não mais sorriam, revelando que algo estava
errado. Uma onda de preocupação tomou conta de mim, quando eu percebi que a pessoa
que eu mais amava estava me escondendo algo realmente importante.
-Marcos... é muito difícil dizer isso agora, mas...
Daniel baixou levemente a cabeça, tentando disfarçar uma lágrima que percorria o seu rosto
até cair ao chão.
-Mas o quê?
-Eu... eu não posso mais cumprir a promessa...
-Como assim? Que promessa?
-O problema é que... nós não podemos mais ficar juntos.
Capítulo 23 – Vingança

-O problema é que... nós não podemos mais ficar juntos.


Nem mesmo uma punhalada certeira em meu coração teria me machucado tanto. Demorei
um bom tempo para perceber o efeito que aquelas simples palavras causaram em mim. Por
um momento, meu corpo pareceu não responder aos meus comandos: eu não sabia como
reagir diante de uma situação como aquela. No fundo, eu acreditava que tudo aquilo não
passava de um mal entendido, e que alguns minutos de conversa seriam suficientes para
resolver o problema. Porém, o olhar magoado e sem vida de Daniel me dizia exatamente o
contrário.
-Você... você não quis dizer isso, não é mesmo?! Isso é uma brincadeira, eu aposto que é,
você não viria até mim e diria...
-Marcos, por favor! Não me faça sofrer ainda mais...
Daniel não conseguiu segurar o choro. Enquanto soluçava, senti que ele segurava a minha
mão com força, como se não quisesse que eu o deixasse de maneira alguma. Eu estava tão
confuso que não consegui ao menos reunir forças para chorar também. Porém, vê-lo
naquele estado lastimável era uma verdadeira tortura para mim.
-Dan, o que está acontecendo? Me diz, por favor!!
Intermináveis segundos se passaram sem que eu ouvisse uma resposta. Comecei a cogitar
as mais diversas hipóteses: o Dan não agiria daquela forma comigo sem, pelo menos, ter
um motivo convincente. Repentinamente, a imagem de Rayssa surgiu em minha mente: ela
era a única pessoa “não confiável” que sabia sobre a existência do segredo, a única pessoa
que poderia afetar diretamente a nós dois. Porém, ela não significava uma verdadeira
ameaça. Mesmo com a impertinente desconfiança do Daniel a seu respeito, o meu conceito
sobre ela mudara drasticamente.
-Daniel... fale comigo!
-Eu te amo, Marcos – ele respondeu, entre soluços - Eu te amo como nunca amei outra
pessoa antes.
-Então... o que nos impede de continuar juntos?
Gentilmente, enxuguei suas lágrimas e, enquanto passava a minha mão suavemente em seu
rosto, tentava decifrar o enigma daquele olhar triste e melancólico. Fiquei surpreso quando
o Dan ergueu a cabeça e, recomposto, fitou-me de uma maneira séria e decidida. Sua voz,
por outro lado, soava tão fraca que, mesmo estando ao seu lado, precisava me esforçar para
ouvir todas as palavras com atenção.
-Marcos... aquele dia, no shopping...
-Ah, espera um pouco! – interrompi, um tanto ansioso - Vai me dizer que a Rayssa te
deixou assustado com a reação dela? Ela estava sendo sincera, eu tenho certeza que ela não
vai revelar o nosso segredo pra quem quer que seja! Você não precisa ficar com medo...
-Não, você entendeu errado! – Daniel parecia fazer um esforço enorme para não chorar
novamente – Eu já te disse que a Rayssa não é um problema! Eu quero mais é que ela se
exploda, assim como todo o resto!
Calei-me quase que instantaneamente, com os olhos vidrados e o coração na mão.
-Daniel...
-Não, Marcos, me ouça! Dentre as várias coisas que ela disse naquele dia, uma delas fez
muito sentido pra mim.
-E o que foi?
-Ela disse que não fazia idéia de quantas garotas você rejeitou apenas pra ficar comigo.
Dentre todas as hipóteses que perpetuavam em minha mente, aquela resposta, com absoluta
certeza, era a última coisa que eu esperava ouvir. Daniel percebeu a minha expressão
surpresa, porém, continuou a me observar atentamente. Ele não continuaria enquanto eu
não reagisse àquela resposta.
-Daniel, eu não estou entendendo...
-Você não percebe? Marcos, isso está errado. Isso tudo está errado! Durante esse tempo
todo, você deixou de ficar com todas essas garotas... por minha causa.
-Mas é claro que eu deixei!
-Pois não deveria.
Com todo o cuidado, Daniel soltou a minha mão e, lentamente, levantou-se e caminhou em
círculos pela sala. Ele estava tão sério que, pela primeira vez, eu senti que o medo poderia
me corroer por dentro. Deixei o sofá e fiquei frente a frente com ele. Levei o meu braço em
sua direção para envolvê-lo em um abraço, porém, ele se esquivou e deu um passo para
trás. Ele nunca recusara um abraço meu antes.
-Cara, eu sei que você está muito confuso. Mas eu não sinto falta de garota nenhuma,
porque tudo o que eu mais quero é ficar com você.
-Você não pode jogar a sua vida pro alto de uma hora pra outra!
-De uma hora pra outra? – eu fiquei tão alterado que o que era para ser uma simples
conversa, aos poucos, transformava-se em uma discussão - Eu não sei se você percebeu,
mas nós estamos juntos há sete meses! Você acha que, se eu não gostasse realmente de
você, nós estaríamos juntos por tanto tempo?
-Você disse que não sente falta das outras garotas... mas eu sei que, no fundo, você ainda
sente atração por elas.
-Sentir atração é uma coisa. Amar é outra, e bem diferente por sinal.
-Seja sincero! – Daniel gritava, da mesma forma agressiva e descontrolada que ele
demonstrara no shopping - Você gostou de beijar a Rayssa, não é mesmo?
-Daniel, pára com isso...
-Não, eu não paro! Não até você assumir que gostou de ter ficado com ela!
Instintivamente, agarrei-o pelo braço e puxei-o para minha direção. Dizer que eu tinha
gostado de ficar com a Rayssa era a maior e pior ofensa que eu poderia escutar.
-Você está fazendo esse escândalo todo por causa da Rayssa? Nós já conversamos sobre
isso e eu deixei bem claro que, se eu fiquei com ela, foi por sua causa! E se eu tivesse que
ficar com ela de novo, eu ficaria.
-Porque você gosta dela...
-Não!! Porque eu faria tudo por você!
Após se desvencilhar de mim, Daniel baixou a cabeça e virou-me as costas. Meu peito doía
tanto que eu sentia que ele poderia explodir a qualquer instante. Passado algum tempo de
tortuoso silêncio, sentei-me novamente no sofá e, cobrindo o meu rosto, comecei a chorar.
Apenas ouvi quando Daniel sentou ao meu lado e, sem encostar-se a mim, voltou a falar:
-Marcos... lembra de quanto nós éramos apenas amigos, e você falava em se casar, ter
filhos, construir uma família? Você dizia que esse era um dos seus sonhos... e eu não quero
que você abra mão dele por mim.
-Cara, agora é diferente...
-Não, não é diferente! Você não precisa ficar comigo apenas pra... me agradar...
Aquilo foi mais forte do que eu. Quando dei por mim, eu estava prensando o Daniel contra
a parede, encarando-o, enquanto ele tentava se livrar dos meus braços. Eu gritava tanto que,
eu tinha certeza, todas as pessoas na rua poderiam ouvir a nossa discussão.
-Nunca mais diga isso!! Nunca!! Se eu estou com você agora, é porque eu te amo!
-Então, por que a cada dia que passa fica mais difícil de acreditar nisso?
Larguei-o. Sem forças, ajoelhei-me no chão e, olhando para baixo, continuei a chorar
baixinho, sentindo minhas próprias lágrimas queimarem o meu rosto enquanto o meu
coração ardia em desespero. Daniel, embora chorasse também, parecia tão impassível
diante do meu sofrimento que me fazia acreditar que ele já não era mais a mesma pessoa de
sempre. Ele não teve coragem de, sequer, me olhar nos olhos.
-Você tem que viver sua vida... ter uma família... encontrar uma pessoa que te mereça mais
do que eu.
Ergui minha cabeça lentamente e, fitando-o, perguntei:
-Dan... o que aconteceu com você, cara?
-Nada... o problema é que só agora eu percebi que sou um estorvo na sua vida.
-Você NÃO é um estorvo!
Não importa o quanto eu gritasse, não importa o quanto eu dissesse que o amava, todos os
meus esforços tinham sido em vão. Nada do que o Daniel dissera naquele dia me pareceu
justificar o que ele estava fazendo comigo. Pra quê eu precisaria das outras garotas, se ao
meu lado estava a pessoa que eu mais amava no mundo inteiro? Pra quê eu precisava me
casar, ter filhos, se a minha verdadeira idealização de família era ao seu lado? Nada parecia
fazer sentido pra mim. Olhei de relance para o Daniel, que colocava a sua mochila nas
costas e caminhava em direção a porta. Pude ouvir sua voz chorosa e melancólica pela
última vez.
-Eu nunca vou estar a sua altura, Marcos. Nunca...
Ouvi a porta se abrir e, erguendo-me do chão, corri para impedi-lo de ir embora.
-Daniel, volte aqui... por favor...
A porta fechou-se, trancafiando-me com toda a minha amargura e sofrimento enquanto
todas as minhas esperanças morriam junto com as minhas lágrimas ao tocar o chão.
Naquele dia, Daniel levara consigo todos os sentimentos que, antes de conhecê-lo, eu
acreditava que não existiam. Dizem que nós só valorizamos as coisas quando as perdemos,
porém, eu não acredito nisso. Não havia um único dia que eu não dissesse ao Daniel o
quanto eu me sentia feliz por estar ao seu lado.
-DANIEL!!
Olhando para a porta, gritei o seu nome diversas vezes. Ele não voltou. Perdi as contas de
quantos minutos eu passei ali, ajoelhado, encarando uma porta que não mais se abriria.
Caminhei para o meu quarto escuro e solitário e, deitado na cama, deixei o rádio ligado até
adormecer de tanto cansaço. Chorei durante horas seguidas e, pouco antes do sono me
alcançar, ouvi uma música que, de tão linda, me fez chorar ainda mais. Essa é mais uma
música do Creed, e o seu nome é With Arms Wide Open.

( http://br.youtube.com/watch?v=1HdGUNm6-qI )

“Well I just heard the news today


It seems my life is going to change
I close my eyes, begin to pray
Then tears of joy stream down my face

With arms wide open


Under the sunlight
Welcome to this place
I'll show you everything
With arms wide open
With arms wide open”

Eu sabia que tanto sentimento não poderia morrer assim, de uma hora para outra. E eu não
descansaria enquanto não descobrisse o verdadeiro motivo para aquilo tudo. Finalmente
adormeci, tendo em minhas mãos a carta com a qual Daniel me presenteara no dia do meu
aniversário.

“Às vezes eu penso que estou num sonho e que quando eu acordar estarei deitado na minha
cama, chorando por saber que tudo não passou de uma simples ilusão. Mas quando você
está aqui comigo, eu percebo que tudo isso é real e agradeço sempre por ter uma pessoa
como você do meu lado. Você tem todas as características boas que uma pessoa poderia
ter”.

-Daniel... eu nunca vou desistir de você.

“Você tem todas as características boas que uma pessoa poderia ter”...

A volta às aulas não foi mais a mesma. O clima de “segundo semestre” estava mais tenso e
competitivo do que o normal, pois todos sabiam que os nossos próprios amigos, na hora do
vestibular, se tornariam os nossos maiores rivais. Depois da minha discussão com o Dan
acabei me afastando muito dos meus amigos, e o mesmo aconteceu com ele. Gisele, por
outro lado, foi a primeira pessoa a perceber que algo estava errado. Ela ficou durante muito
tempo sem fazer a mínima idéia do que estava acontecendo. Pelo menos até certo dia, onde
parecia que tudo estava predestinado a dar errado.
Era uma sexta-feira do mês de setembro, época do início das provas e uma correria sem
igual. Naquele dia, eu acordei morrendo de sinusite e, por esse motivo, liguei para a
Jennifer e disse a ela que eu iria faltar na escola. Ela se prontificou a anotar todo o conteúdo
pra mim, e prometeu me entregar as anotações na segunda-feira. Agradeci imensamente o
favor e, tranqüilo, voltei para a minha cama. Eu não poderia ter escolhido um dia pior para
faltar na escola.
[Eu não presenciei a cena a seguir. Ela será descrita de acordo com informações que eu
tenho]
Era uma aula de biologia, dia da entrega de um trabalho que valia cinco pontos na média,
um valor realmente alto para um trabalho tão complexo e importante. Depois de muito
insistir, Priscila conseguiu entrar no grupo da Rayssa, que era composto por Maíra, Aline e
Daniel. Priscila ficou encarregada da parte mais fácil: formatar e imprimir o trabalho para
entregá-lo de forma impecável na data estipulada.
-Priscila, o que você fez? Onde está o nosso trabalho?
-Aii honey, eu me esqueci de formatar! You know, essas coisas dão muito trabalho e esses
dias eu estava so sad...
Maíra entrou em desespero: ela estava em recuperação e, sem o trabalho, corria o risco de
repetir em biologia. Daniel ficou vermelho de ódio: ele sempre foi bastante autoritário em
relação aos trabalhos e, naquele dia, acabou perdendo o controle.
-Cansada? Você não faz nada da vida, fica na internet o tempo todo e ainda não consegue
formatar uma bosta de trabalho?
-Fica calmo, Daniel... – disse Maíra, aos prantos.
-Que calmo que nada!! Sabe Priscila, por sua culpa nós vamos perder metade da nota!
Tanto a professora quanto os outros alunos da sala observavam ao Daniel que,
descontrolado, discutia com uma Priscila calma e sem preocupações. Ele sempre foi visto
como um garoto inteligente, tímido e educado, até o momento que Priscila conseguiu tirá-lo
do sério.
-No stress, honey...
-No stress o caramba! Aposto que você estava vagabundeando com o seu novo
namoradinho, não é mesmo?!
Ao ouvir aquilo, Priscila adquiriu uma cor avermelhada e sua expressão calma
transformou-se em um olhar rancoroso e vingativo.
-Quem você pensa que é pra se intrometer na minha life? É melhor você ficar pianinho,
senão as coisas vão ficar complicadas pro seu lado!
-Até parece...
-Não acredita? Então eu quero ver você dizer pra todo mundo que você está namorando...
que vocês se encontram no parque aqui do lado da escola... quero ver você dizer pra todo
mundo que você namora... UM GAROTO!!
A sala toda ficou em silêncio. Rayssa colocou a mão sobre o rosto e, pasma, parecia prestes
a desmaiar. O professor já não tinha mais autoridade: ele assistia a cena, incrédulo, assim
como todos os outros alunos. Daniel, pela primeira vez, era o centro das atenções. Ele
olhava para baixo, trêmulo, enquanto decidia qual será a melhor decisão para tomar.
Priscila o fitava atentamente, com uma visível expressão de deboche e satisfação em seu
rosto.
-Vamos lá honey, assume na frente da sala inteira! Ou você prefere ficar... no armário?

Capítulo 24 – Revelações

-Vamos lá honey, assume na frente da sala inteira! Ou você prefere ficar... no armário?
Revirei-me na cama. Percebi que ainda estava em meu quarto, iluminado apenas pela fraca
luz da rua. Eu passara a tarde inteira dormindo, me recuperando lentamente daquela maldita
dor de cabeça denominada ‘sinusite’. Sonolento, caminhei em direção ao banheiro para
lavar o rosto e me recompor: ao me olhar no espelho, percebi o quanto a ausência do Daniel
tinha me transformado em tão pouco tempo. Meus olhos já não continham mais o mesmo
brilho de sempre, meus lábios já não viam mais motivos para sorrir. Voltando para o meu
quarto, liguei o meu celular e, surpreso, encontrei uma mensagem que me fora enviada
pouco tempo antes:
“Marcos, precisamos conversar. Você não faz idéia do quê aconteceu hoje na escola. Ligue
pra mim o mais rápido possível. Gisele”.
Eram seis horas, e o sinal que indicava o término das aulas do período vespertino já havia
tocado. Disquei o número do celular de Gisele tão rápido que, da primeira vez, liguei para o
número errado. Finalmente ela atendeu a minha chamada, com uma voz tão ofegante que
parecia ter corrido durante a maratona.
-Gisele, você está bem? Eu li a mensagem, o que aconteceu?
-Comigo não aconteceu nada... mas com o Dan...
-Aconteceu algo com o Daniel?? Gisele, me responde!!
-Marcos, não dá pra falar por telefone... hoje eu volto pra casa de ônibus e, por esse motivo,
posso demorar o tempo que for necessário. Você pode me encontrar no parque em meia
hora?
-Combinado. Vê se me espera, hein?!
Arrumei-me da maneira mais rápida possível e, em cinco minutos, já estava pronto e
preparado emocionalmente para me encontrar com a Gisele. Meu coração batia acelerado
enquanto eu atravessava o meu bairro correndo, e as mais terríveis hipóteses se passavam
em minha mente. Só depois eu lembrei que os meus pais não estavam em casa e, quando
voltassem, perceberiam a minha ausência. “Danem-se eles”, pensei. “Agora, o Daniel
precisa de mim mais do que eles”.
Quase fui atropelado quando atravessei uma avenida e, ignorando os xingamentos do
motorista, prossegui pelo caminho que me levaria ao parque da maneira mais breve
possível. O Sol se punha no horizonte, porém, eu não tinha tempo para apreciá-lo. Olhei
para o relógio e acelerei ainda mais quando percebi que ainda estava na metade do
caminho, mas faltavam apenas cinco minutos. Finalmente, havia chegado ao meu destino.
Olhei em volta e percebi que, naquela sexta feira em particular, aquele lugar parecia
estranhamente deserto. Foi então que eu a vi, ainda vestida com o uniforme da escola,
sentada em um banco de pedra com um olhar assustado e um relógio em mãos.
Gisele me olhou durante alguns segundos e, sem dizer nada, retirou sua mochila do banco,
fazendo um gesto para que eu me sentasse ao seu lado. Gentilmente, obedeci ao convite e,
contendo minha angústia, permaneci em silêncio. As árvores farfalhavam violentamente,
indicando que uma tempestade estava por vir. Tentei camuflar a minha curiosidade, até o
momento em que Gisele olhou fixamente em meus olhos e, com uma voz trêmula e sem
vida, me disse:
-O segredo foi revelado. Todos na escola já sabem...
Apenas a observei com curiosidade, enquanto uma onda de alívio percorria todo o meu
corpo. Quando eu saí de casa às pressas, estava me preparando para algo muito pior. Aos
poucos, porém, fui voltando à realidade e percebi que aquela era uma situação complicada,
e que exigia muita cautela. Imaginei como o Dan estava se sentindo naquele momento.
-Gisele, como uma coisa dessas pôde acontecer?
-Eu não sei ao certo... parece que o Daniel discutiu com a Priscila durante a aula de
biologia, e ela acabou revelando o segredo para todos que estavam ali. Pelo jeito, ela já
sabia de algo...
-Mas isso é impossível! Ela não sabia de absolutamente nada a nosso respeito!
-Parece que ela flagrou você e o Dan em uma das noites que vocês passaram aqui no
parque. Mas, aparentemente, ela não te reconheceu... já o Dan não teve a mesma sorte.
Gisele parecia tão abalada que, apenas a observando, eu pude notar todo o carinho e
preocupação que ela tinha pelo seu tão estimado amigo. Senti-me extremamente feliz por
ter alguém como ela ao meu lado: alguém com quem eu poderia dividir meus segredos,
afogar minhas mágoas e clamar por ajuda. Desviei o olhar para o nada e, calmo, perguntei:
-Então, você quer dizer que ninguém sabe a meu respeito?
-E você acha que isso é algo bom? – perguntou ela, parecendo ofendida com a minha
demonstração egocêntrica.
-Gisele, você entendeu errado... eu quero mais é que se dane a minha reputação, afinal, os
meus verdadeiros amigos não me virariam as costas em um momento como esse. O que
realmente me preocupa é o Daniel... poxa, durante todo esse tempo eu fiz de tudo pra
manter o segredo a salvo, e olha só o que acontece!
Todos os meus esforços para manter o Daniel em segurança passaram pela minha cabeça
como em um flashback: durante todo aquele tempo, nós fomos fortes o suficiente para
suportar as mais diversas situações. Tudo aquilo fora por água a baixo: naquele exato
minuto: todos os alunos na escola já deveriam saber sobre o mais novo aluno gay que tinha
se revelado na frente de todos. Estava tão absorto em pensamentos que me assustei quando
Gisele tocou a minha mão e, com sua voz fraca, continuou:
-Marcos, ainda tem mais uma coisa...
Olhei novamente para ela, com uma sobrancelha levantada e um ar de dúvida.
-Só o fato de a Priscila ter visto o Daniel com um garoto no parque não seria o suficiente.
Ela precisava de provas concretas.
-Como assim?
-A Rayssa contou tudo pra ela. Elas são melhores amigas, ou você se esqueceu disso?
Ódio: uma palavra tão forte, um sentimento tão digno de repulsa que, em questão de
segundos, me consumiu por completo. Eu confiara na Rayssa, acreditara que o segredo
estaria seguro com ela. Ela me enganou direitinho... e na melhor oportunidade, contou tudo
o que o Daniel lhe dissera naquela maldita noite no shopping. Eu estava com tanta raiva
que o meu corpo tremia levemente, e uma sede de vingança brotava em meu coração.
-A Rayssa me paga...
-Não, você não vai fazer nada! – Gisele parecia abismada com a minha atitude - Será que
você não entende que essa é uma situação delicada?
Procurei me acalmar. Olhei para as árvores e o córrego, com suas águas límpidas e
tranqüilas. Eu nunca tinha reparado como aquele parque era tão bonito. Também pudera:
quando eu estava lá com o Daniel, só tinha olhos para ele e para o seu jeito acanhado e
sorridente. Nunca senti tanta falta daquele sorriso quanto naquele momento.
-Marcos, - Gisele demorou um bom tempo para voltar a falar - já está na hora de você ser
um pouco mais sincero comigo. Eu sei que há algo de errado entre você e o Dan há um bom
tempo, mas nenhum de vocês me explicou o que realmente aconteceu.
-Eu não vejo motivos pra não te contar...
Pacientemente, relatei tudo o que acontecera no shopping. Mencionei o estranho
comportamento do Daniel nos dias que se seguiram, e contei em detalhes a nossa última
discussão em minha casa. Só de lembrar aquele dia, uma dor enorme ia crescendo em mim,
aos poucos, enquanto eu me segurava para não chorar ali mesmo. Após o termino da
conversa, que durou cerca de meia hora, Gisele baixou a cabeça e começou a meditar em
silêncio.
-E foi exatamente isso o que aconteceu. Agora, o Daniel mal fala comigo... e isso vai me
quebrando por dentro...
-Marcos, eu não quero parecer chata, mas essa conversa toda sobre “querer que você tenha
uma família”, “ter filhos” e tudo mais... pra mim, isso não me convenceu! Vocês têm 16
anos, me diz, pra que se preocupar em construir uma família... agora?
-É exatamente isso o que eu penso, Gisele – fiquei muito feliz em perceber que, pelo menos
ela, me entendia - Mas ele também citou a Rayssa várias vezes no decorrer da discussão. E
ele sabe que, ao contrário dele, eu sinto atração por garotas.
-Mas você deixou bem claro que o ama! E isso está muito acima de qualquer tipo de
atração!
-Ótimo, agora vai lá e explica isso tudo pra ele... Quero só ver se você consegue.
Após alguns segundos, percebi que tinha sido grosso com a única pessoa que realmente
poderia me ajudar. Algo me queimava por dentro, e relembrar tudo o que o Dan me dissera
só me deixava pior. Meus olhos se encheram de lágrimas e, sem que eu pudesse me conter,
já estava aos prantos.
-Gisele... por que o Dan está agindo dessa forma comigo? Eu fiz algo de errado?
-Eu tenho uma hipótese... mas antes, eu terei que te contar algo que ele me disse hoje, logo
após a discussão que ele teve com a Priscila.
Enquanto enxugava as minhas lágrimas, Gisele me explicou detalhadamente tudo o que
ocorrera naquele dia, logo após a discussão:
-Na hora da saída, a Claudinha me disse que o Daniel estava trancado no banheiro
masculino, chorando... eu fui até lá e ele abriu a porta para conversarmos um pouco. Ele
parecia muito abalado, mas conseguiu reunir forças para me explicar tudo. O problema é
que, agora que o segredo foi revelado, ele teme que isso chegue aos ouvidos da família
dele. E por esse motivo ele pretende ser mais rápido, e conversar com os pais antes que
algo pior aconteça.
-Espera um pouco, você quer dizer que...
-Isso mesmo. Ele pretende se assumir para os próprios pais... amanhã mesmo.
Aquela notícia soou como um baque em minha cabeça. Incrédulo, fitei minha amiga
esperando por uma reação de sua parte, o que, infelizmente, não ocorreu.
-Gisele, ele não pode fazer isso sozinho! Eu deveria estar do lado dele, o apoiando nessa
decisão e o ajudando a enfrentar a família...
-E você se assumiria junto com ele?
-Eu faria qualquer coisa por ele.
Gisele sorriu disfarçadamente: ela adorava quando eu, um cara descontraído e misterioso,
se transformava naquele garoto romântico e acanhado.
-Marcos... continuando com a minha hipótese, talvez eu saiba o ‘porquê’ do Daniel ter
agido dessa forma. Pense comigo, ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que se
assumir para os pais. E é óbvio que você agiria da mesma forma que agiu agora: ficaria ao
lado dele, e iria enfrentar os pais dele a qualquer custo. Mas... o que aconteceria?
-No mínimo, o pai dele nos proibiria de ver um ao outro... isso, é claro, se ele pegar leve –
tentei camuflar o meu medo, enquanto a imagem do pai do Daniel me perseguindo com um
facão surgia em meus pensamentos.
-Exatamente!! E o Daniel sabia disso, com toda a certeza! E a última coisa que ele quer é se
separar de você! Por isso ele resolveu terminar, sem um motivo aparente... apenas para que
ele pudesse se assumir pros pais e, ao mesmo tempo, não perder o contato com você.
-Ahh Gisele, eu duvido... ele poderia ao menos ter contado pra mim...
-Seja sincero, Marcos! Você mesmo sabe que, se ele te contasse, você NUNCA aceitaria
isso! Você falaria com os pais dele a qualquer custo!
Lentamente, a conclusão maluca de Gisele passou a fazer certo sentido pra mim. Esbocei
um sorriso conformado, enquanto ela me observava atentamente, curiosa para saber a
minha opinião.
-É Gisele, você tem razão... só espero que essa sua hipótese esteja certa.
Eu realmente queria acreditar nela, eu precisava acreditar. Mas a imagem da pessoa que eu
mais amava me virando as costas não me deixava por um segundo sequer. Aquela poderia
ser a razão para todas as estranhas atitudes do Daniel. Eu daria tudo para estar com ele,
sentir sua pele, seu perfume... eu daria tudo para estar novamente ao seu lado. Quando as
lágrimas vieram, Gisele me abraçou forte e, baixinho, sussurrou em meu ouvido:
-O Daniel te ama, Marcos, dá pra ver isso nos olhos dele. E mesmo que haja outro motivo
pra isso tudo, saiba que o que ele sente por você não vai acabar assim,de uma hora pra
outra. Essa é uma fase em que ele realmente precisa estar ao seu lado. E, lá no fundo, eu sei
que vocês continuarão juntos. Nunca perca a esperança...
Deixei o banco, caminhando em direção ao córrego com Gisele ao meu lado. Olhando
nosso reflexo naquelas águas límpidas, senti que algo estava renascendo em mim. Um
sentimento que me deixava mais confiante, uma força que me fazia acreditar que tudo
poderia dar certo. Eu sabia que precisava ser forte, sabia que, mesmo ferido, eu precisava
seguir em frente. Não havia mais tempo para chorar: algo precisava ser feito naquele exato
momento. Sorrindo, olhei para Gisele e murmurei no silêncio da noite:
-Esperança... é isso o que eu preciso!

Capítulo 25 – Esperança

Deitado em minha cama, com os olhos fechados e plena consciência de que estava
acordado, procurava um motivo para levantar. Aquela fora uma noite mal dormida e,
embora eu me esforçasse, não conseguia acreditar o Daniel já não estava mais ao meu lado.
Ele escolhera o seu próprio caminho: um caminho sem segredos e sem razões para
esconder. Eu o admirava pela sua coragem e determinação em fazer tudo o que estava
fazendo. Porém, eu preferia continuar me escondendo das outras pessoas do que ser
obrigado a vê-lo longe de mim.
Abri os olhos, e esperei alguns segundos para que eles se acostumassem com as luzes do
quarto. A janela estava aberta e, através dela, o Sol se erguia imponente por entre as
centenas de prédios que pareciam desaparecer no horizonte: nem mesmo as criações do
homem poderiam ocultar algo tão belo. O Sol brilhava tanto quanto aquele estranho
sentimento que renascia dentro de mim... um sentimento que fora despertado no momento
em que eu percebi que nem tudo estava perdido. Seu nome? Esperança...
Com os pés descalços e um pijama virado do avesso, desci as escadas e tomei o meu café
da manhã. Minha casa estava deserta e, em cima da mesa, havia um bilhete dos meus pais
dizendo que o meu irmão não dormiria em casa e que eles só chegariam à noite. Aborreci-
me ao perceber que deveria preparar a minha própria comida, afinal, sou um péssimo
cozinheiro. Peguei alguns hambúrgueres na geladeira e, enquanto o óleo aquecia, deixei o
rádio ligado no último volume. A sensação de se estar sozinho em casa, para mim, é algo
que não tem preço.
Olhei através da janela: em poucas horas o céu já estava quase que totalmente nublado, e
nuvens escuras indicavam que uma tempestade estava prestes a começar. Após o almoço,
tomei um banho quente e coloquei uma roupa confortável, pois não pretendia sair de casa
tão cedo. Só então, notei que eu deixara o rádio ligado durante todo aquele tempo. Assim
que eu desci as escadas, percebi que estava tocando uma das minhas músicas favoritas:
[b]The Calling – Wherever You Will Go[/b]. Parei para ouvir a música, enquanto
observava pela janela a chuva que começava a cair.

( http://br.youtube.com/watch?v=G9w2QUAjgEA )

So lately, been wondering


[b]Ultimamente, tenho pensado
[/b]Who will be there to take my place
[b]Quem estará lá para ocupar meu lugar
[/b]When I'm gone you'll need love to light the shadows on your face
[b]Quando eu for, você vai precisar de amor para iluminar as sombras em seu rosto
[/b]If a great wave shall fall and fall upon us all
[b]Se uma grande onda caísse e caísse sobre todos nós
[/b]Then between the sand and stone, could you make it on your own
[b]Então entre a areia e a pedra, você poderia fazer isto do seu modo

[/b]If I could, then I would


[b]Se eu pudesse, então eu iria
[/b]I'll go wherever you will go
[b]Eu vou para onde quer que você vá
[/b]Way up high or down low, I'll go wherever you will go
[b]Muito lá em cima ou lá embaixo, eu vou para onde quer que você vá

[/b]And maybe, I'll find out


[b]E talvez, eu descobrirei
[/b]A way to make it back someday
[b]Um jeito de voltar algum dia
[/b]To watch you, to guide you, through the darkest of your days
[b]Para te vigiar, para te guiar, à atravessar escuridão de seus dias
[/b]If a great wave shall fall, and fall upon us all
[b]Se uma grande onda caísse, e caísse sobre todos nós
[/b]Then I hope there's someone out there
[b]Então eu esperaria por alguém lá fora
[/b]Who can bring me back to you
[b]Que pode me levar de volta a você

[/b]If I could, then I would


[b]Se eu pudesse, então eu iria
[/b]I'll go wherever you will go
[b]Eu vou para onde quer que você vá
[/b]Way up high or down low, I'll go wherever you will go
[b]Muito lá em cima ou lá embaixo, eu vou para onde quer que você vá

[/b]Run away with my heart


[b]Fuja com meu coração
[/b]Run away with my hope
[b]Fuja com minha [red]esperança
[/red][/b]Run away with my love
[b]Fuja com meu amor

[/b]I know now, just quite how


[b]Agora eu sei, perfeitamente como
[/b]My life and love might still go on
[b]Minha vida e meu amor poderão continuar
[/b]In your heart and your mind, I'll stay with you for all of time
[b]Em seu coração, em sua mente, eu ficarei com você por todo o tempo
[/b]If I could turn back time
[b]Se eu pudesse voltar no tempo
[/b]I'll go wherever you will go
[b]Eu vou onde quer que você vá
[/b]If I could make you mine
[b]Se eu pudesse fazer você ser minha
[/b]I'll go wherever you will go
[b]Eu vou onde quer que você vá

Os pingos de chuva caíam velozes até tocar o chão, assim como as minhas lágrimas. Se eu
ao menos pudesse voltar no tempo, eu nunca deixaria o Dan escapar de mim. Só então me
dei conta de que não havia mais como voltar atrás: não adiantaria chorar, implorar, esperar
um milagre. A chama da esperança estava se apagando dentro de mim, aos poucos...
Desiludido, desliguei o rádio e, absorto em pensamentos, mergulhei em um sono profundo
com a finalidade de esquecer toda e qualquer lembrança que trouxesse aquele nome de
volta a minha mente. Porém, as palavras de Daniel pareciam marcadas em mim... para
sempre. Enquanto dormia, eu conseguia sentir o seu corpo ao meu lado. Eu conseguia sentir
suas mãos quentes, sua pele macia, seu perfume... Eu conseguia ver além de seus olhos
tristes e marejados. Olhos que pareciam não me deixar por um segundo sequer... olhos que
me conheciam melhor do que qualquer outro.

“Marcos, eu juro que se depender de mim eu vou fazer tudo o que for preciso pra que nós
continuemos juntos. Estava pensando em contar pros meus pais, e acho que falta muito
pouco para eu fazer isso. Você disse que nós estávamos juntos nessa, e agora eu percebo
que nós realmente estamos. E independentemente do que aconteça nós vamos sair dessa da
mesma forma que começamos: juntos.
Te amo muito além do significado da palavra. Pra sempre.

Daniel”

Acordei apreensivo, com a estranha sensação de que eu passara mais de um dia inteiro
desacordado. Ainda estava na sala de estar, deitado naquele chão gelado, sentindo uma
terrível dor nas costas. Percebi então o motivo de ter acordado: ao meu lado, o toque do
meu celular parecia ecoar por todos os cantos da casa. Agarrei-o com a mão direita e,
quando olhei para o visor, senti a angústia me corroendo por dentro. Aquele era o número
do celular de Daniel.
-Alô? – atendi com a voz rouca, e surpreendi-me ao perceber que a ligação estava péssima.
Eu podia ouvir várias vozes ao fundo: o Daniel parecia estar em um lugar muito agitado e
cheio de gente. Alguns segundos se passaram até que eu pudesse ouvir sua voz... ele estava
chorando.
-Marcos... deu tudo errado, cara. Tudo errado...
-Daniel?! – respondi, aos berros – O que aconteceu? Onde você está?
-E-eu estou pegando o trem... me-me encontre na esta-tação do-do seu bairro em alguns mi-
minutos...
Ele soluçava tanto que eu mal conseguia decifrar o que ele dizia.
-Dan... o que houve?
-Marcos... me desculpe...
A ligação caíra. Eu estava inerte, com o celular na mão, observando um visor que dizia
“Chamada encerrada: Daniel”. Senti o medo me consumir por dentro... o que teria
acontecido? Gisele me dissera que, naquele dia, ele pretendia se assumir para os pais e, pelo
jeito, as coisas não saíram exatamente como ele planejara. Eu precisava encontrá-lo, eu
precisava saber o que se passava. Ergui-me do chão com certa dificuldade e, ao olhar
através da janela, percebi que a chuva estava ainda mais forte. Já estava anoitecendo, e a
estação ficava a dez minutos da minha casa. Não pensei duas vezes: destranquei a porta e,
correndo, adentrei no meio da tempestade. Movido pelos impulsos, tudo o que eu mais
queria era reencontrar a única pessoa que eu realmente amara em toda a minha vida.
Cinco segundos naquela chuva foram suficientes para que eu ficasse completamente
encharcado. A água escorria por meus cabelos úmidos, enquanto eu me esforçava para
desviar das poças d’água que se formavam no meio da rua. Ventava muito e, quando eu
olhei para cima, vi a copa das árvores balançando violentamente. O medo desaparecera,
enquanto a certeza de que algo muito ruim havia acontecido me sufocava cada vez mais.
Tudo dependia de mim naquele momento.
Encontrei a estação praticamente deserta. A chuva já estava mais amena e eu, por outro
lado, era a prova viva de que aquela tinha sido a maior tempestade dos últimos dias. As
poucas pessoas que ali estavam me observavam com curiosidade através das catracas,
enquanto uma enorme poça se formava a minha volta. Uma senhora passou ao meu lado e,
com um olhar preocupado, pediu para que eu fosse me secar. Humildemente, agradeci a
gentileza, mas, continuei parado ali mesmo, esperando...
Dez minutos se passaram, e a estação ficava cada vez mais deserta. Quinze, vinte minutos...
eu estava cansado e tremia levemente graças ao frio. Trinta minutos sem que o Daniel
aparecesse. Magoado, dei meia volta e comecei a voltar, em um ritmo lento, enquanto uma
garoa quase imperceptível voltava a cair. O Daniel não mais apareceria... a chama da
esperança estava totalmente apagada, enquanto as lágrimas voltavam a surgir em meus
olhos.
-MARCOS!
Aquela voz soou como um baque dentro de mim: Daniel estava parado em frente à estação,
aos prantos, com uma mochila nas costas e uma visível mágoa em sua face. Trocamos
olhares durante muito tempo: ambos estávamos sem reação. Repentinamente, Daniel deu
alguns passos em minha direção até ficarmos frente a frente. E assim, sob os pingos de
chuva, sob o céu cinzento e sob os olhares de vários curiosos, nos abraçamos. Naquele
momento, percebi que aquele era o melhor abraço que eu já pudera experimentar.
-Marcos – sussurrou em meu ouvido – Eu achei... eu achei que...
Ignorando as pessoas que nos cercavam, o silenciei com um beijo: o melhor e o mais
ardente beijo, uma mistura de tristezas, felicidades e uma saudade cruel e traiçoeira. Já não
havia mais distância entre nós, e a chuva que nos banhava tornou-se testemunha do
sentimento que compartilhávamos um com o outro. Concentrei todo o meu amor naquele
beijo, e pude sentir que o Daniel correspondia exatamente da mesma forma. Sedento,
explorei cada canto daquela boca que eu tanto desejara. Palavras já não eram mais
necessárias, pois nossos atos falavam por si só. Jurei pra mim mesmo que eu nunca mais
me separaria da pessoa com quem eu pretendia passar o resto da minha vida.
Caminhamos, abraçados e totalmente encharcados, de volta para a minha casa. Durante
todo o trajeto, não dissemos uma palavra sequer. A rua deserta, os pingos de chuva, nossos
olhos marejados e nossos corpos unidos: detalhes que nunca em minha vida eu irei
esquecer. Entramos em casa e, após nos secarmos e trocarmos de roupa, reparei que o
Daniel ainda estava muito abalado. Fiz com que ele se deitasse em minha cama e, após
preparar um pouco de chá, subi para conversarmos um pouco.
-Obrigado... – agradeceu Dan, enquanto eu lhe oferecia uma xícara de chá mate, o seu
favorito.
-Eu soube que hoje você iria falar com os seus pais... lhes contar tudo.
-E falei. Mas isso é algo que eu quero esquecer...
Assenti levemente com a cabeça: se ele preferia esquecer, eu não faria nada para convencê-
lo do contrário. Com a mão direita, acariciei suavemente o seu rosto e sorri: eu mal podia
acreditar que estava tocando a sua pela macia, novamente.
-Me desculpe, Marcos. Eu... eu achei que eles entenderiam, sabe. Eu pensei que eles nunca
me deixariam na mão, afinal, eu sou filho deles. Eles me criaram, cuidaram de mim, não é
possível que agora eles não sintam mais nada... não é possível que, agora, eles não se
importem mais...
Enquanto ele chorava, deitei-me ao seu lado na cama e, com cuidado, fiz com que ele
apoiasse sua cabeça em meu peito. Eu passava a mão em seus cabelos, acariciando-o, no
exato momento em que ele voltou a falar:
-Minha mãe entrou em estado de choque, enquanto o meu pai me observava com espanto.
Eu me sentia decidido, eu queria manter o controle. Até que meu pai disse... que ele não
tinha me criado durante dezesseis anos para que depois eu me tornasse... “bicha”. Minha
mãe, para a minha surpresa, disse que não tinha nada a ver com a criação que eles me
deram. Ela disse que a culpa não era de nenhum de nós e que, se eu me sinto feliz dessa
forma, ela me apóia com todas as forças.
Após uma série de soluços, Daniel deu continuidade ao seu relato:
-Eles discutiram durante muito tempo, na minha frente. O Tiago, que só assistia a cena,
resolveu interferir... ele disse que era influência “daquele meu amigo estranho”...
-Ele estava falando de mim? – perguntei, incrédulo.
-Isso mesmo. Eu não agüentei ouvir isso e respondi pra ele, dizendo que você foi a única
pessoa que me ajudou durante todo esse tempo... minha mãe entrou no meio da briga, e o
Rafa desceu as escadas para saber o que estava acontecendo. Foi nessa hora que o meu pai
disse que “ele não admitira um filho gay em sua casa”. Ele dizia: “o que as pessoas da
igreja irão falar se souberem que eu tenho um filho gay?”. Eu subi para o meu quarto e
arrumei minhas coisas. O Rafa tentou me parar, mas não conseguiu. Eu disse que iria
embora e o meu pai não fez absolutamente nada, pelo contrário, ele praticamente me
expulsou de casa. Quando minha mãe foi tentar me impedir de ir embora, meu pai a proibiu
e, perdendo o controle, agrediu-a na frente dos próprios filhos. Quando o Rafa foi discutir
com o meu pai, eu aproveitei e fugi... pra sempre...
Estarrecido, eu acolhi Daniel em meus braços com vontade. Eu o protegeria de todo
qualquer mal que caísse sobre ele.
-O Rafa tentou me seguir de carro, mas eu entrei na estação para despistá-lo. Eu cheguei até
lá inconscientemente, e só depois eu percebi que... que você era a única pessoa que poderia
me ajudar naquele momento.
Aquilo tinha sido demais para mim: eu não podia acreditar como o pai do Daniel, que
parecia ser um homem com tanto caráter e personalidade, pudesse ser uma pessoa tão
egoísta e preconceituosa. Abraçados, chorávamos incansavelmente. Após algum tempo,
admirei sua face e, com um sorriso no rosto, sussurrei:
-Desde o momento que nos beijamos pela primeira vez, eu sabia das dificuldades que
teríamos que enfrentar. Eu sabia o quanto seria difícil, mas mesmo assim eu arquei com as
conseqüências, eu NUNCA desistiria de você. Seus pais nunca deixarão de te amar, não
importa o que aconteça... da mesma forma como eu te amo, e te amo tanto que não há uma
única pessoa no mundo que não consiga perceber isso.
Com a cabeça em meu peito, Daniel finalmente adormeceu. Com cuidado, o deixei
dormindo na cama e me espantei ao perceber que faltavam apenas alguns minutos para que
os meus pais chegassem em casa. Uma onda de coragem me invadiu e, decidido, resolvi
abrir o jogo com eles. Quando entraram na sala, fui logo conversar com eles e lhes explicar
o ocorrido:
-Mãe, pai, o Daniel está lá em cima, dormindo. Ele vai passar a noite aqui em casa.
-Ah filho, por que você não nos avisou antes? Eu poderia ter preparado alguma coisa
melhor para vocês jantarem, espero que vocês se contentem com um lanchinho...
-Mãe, me ouça! Ele está aqui porque foi expulso de casa.
Meu pai largou as sacolas do supermercado no chão, enquanto me olhava com uma
expressão de receio no rosto.
-Como assim?
-Ele ‘descobriu’ que é gay, e resolveu assumir para os seus pais. Embora a mãe dele
apoiasse, o pai dele foi muito rude... e o Daniel se viu obrigado a deixar o próprio lar. O pai
dele agrediu a esposa... foi terrível...
Não reuni coragem o suficiente para me “incluir” na história, seriam muitos choques para
apenas uma noite. Meus pais se entreolharam, assustados, até que minha mãe me observou
um tanto preocupada:
-Você sabia disso tudo, meu filho?
-Sempre soube.
-E como você reagiu?
-Mãe, ele é o meu melhor amigo... eu não posso deixá-lo na mão.
Ambos sorriram. Uma felicidade enorme me invadiu por dentro ao perceber que eles sequer
me indagaram sobre a minha opção sexual. Eles sempre confiaram muito em mim, e eu era
extremamente grato por isso. Imaginei quantas pessoas gostariam de ter pais como os meus.
-O seu amigo está passando por uma fase difícil, por isso eu acho melhor nós passarmos a
noite fora, pra que ele não se sinta incomodado com a nossa presença. O que você acha,
querido?
Meu pai pareceu incrédulo com a proposta da minha mãe. Segundos se passaram e,
finalmente, ele assentiu com a cabeça.
-Ótimo! Nós vamos pegar algumas coisas e já vamos sair...
-Mãe, não precisa ter todo esse trabalho!
Rapidamente, eles foram para o quarto arrumar as malas, silenciosamente, para não acordar
o Daniel. Eu não entendia porque eles estavam fazendo aquilo.
-Mãe!!
Cerca de meia hora depois, eles estavam saindo de casa. Enquanto assistia a cena, me
perguntava se aquilo estava mesmo acontecendo, ou se eu estava apenas sonhando. Antes
de trancar a porta, minha mãe me deu as famosas “últimas recomendações”, que duraram
cerca de quinze minutos:
-... e se vocês sentirem fome, tem bastante comida na geladeira. Amanhã, você pode
comprar yakissoba para o almoço.
-Por que você está agindo dessa forma? – arrisquei, pouco antes de minha mãe esboçar um
belo sorriso.
-O Daniel já faz parte da família, é como um terceiro filho pra mim. E eu sei o quanto ele
precisa de um ombro amigo nesse momento. Ele precisa do seu apoio, filho. Você não sabe
o quanto eu me sinto feliz em ter um filho sem preconceito.
-Puxei aos meus pais – respondi, sorrindo.
Após me dar um reconfortante beijo no rosto, meus pais saíram em direção a casa de um
dos nossos familiares, onde passariam a noite. Mesmo percebendo que eles estavam loucos
para ter um “momento a sós” (isso é praticamente impossível quando se tem dois filhos), eu
notara o quanto eles se importavam com o Daniel. Tranquei a porta e, em seguida, sentei-
me ao lado da cama onde o meu grande amor dormia profundamente. Liguei para a mãe do
Daniel, e lhe informei que ele estava em minha casa e que não havia motivos para se
preocupar. Ela me agradeceu profundamente e, em seguida, pediu para que eu o ‘segurasse’
lá até a tarde de domingo.
Passei a madrugada toda ao seu lado, apenas o observando dormir e acariciando os seus
cabelos suavemente. Sua respiração lenta, seu coração palpitante... eu daria tudo para
gravar aquele momento e revivê-lo quantas vezes quisesse. Algumas horas depois, dei um
pequeno selinho em seus lábios quentes e adormecidos e, em seguida, me entreguei a um
sono profundo... adormeci ao seu lado, sentindo o seu corpo coladinho ao meu. Novamente,
éramos um só.
Daniel acordou no início da tarde de domingo, tamanha a sua exaustão. Levei o café até a
cama, onde ele me presenteou com um caloroso “bom dia” e, felizmente, um belo sorriso
no rosto. O famoso sorriso que tinha a capacidade de parar o tempo e fazer com que nada
mais importasse. Mesmo tendo acabado de acordar, Daniel continuava lindo como sempre.
Enquanto ele se deliciava passando geléia nas torradas que eu mesmo preparara, liguei o
rádio e coloquei algumas de nossas músicas favoritas. Após um reforçado café da manhã,
Daniel tomou um banho demorado e me encontrou na sala, onde esperávamos sua mãe
chegar com a famosa caminhonete da família. Assim que ele chegou, coloquei sua música
favorita: [b]Aerosmith – I Don’t Want to Miss a Thing[/b], arrancando, dessa forma, um
sorriso sincero de seu rosto.

( http://br.youtube.com/watch?v=Vo_0UXRY_rY )

[/b]I could stay awake just to hear you breathing


[b]Eu poderia ficar acordado só para ouvir você respirar
[/b]Watch you smile while you are sleeping
[b]Ver o seu sorriso enquanto dorme
[/b]While you're far away and dreaming
[b]Enquanto você está longe e sonhando
[/b]I could spend my life in this sweet surrender
[b]Eu poderia passar minha vida inteira nessa doce rendição
[/b]I could stay lost in this moment forever
[b]Eu poderia me perder neste momento para sempre
[/b]Every moment spent with you is a moment I treasure
[b] Todo momento que eu passo com você é um momento que eu valorizo
[/b]Don't wanna close my eyes
[b]Não quero fechar meus olhos
[/b]I don't wanna fall asleep
[b]Não quero pegar no sono
[/b]'Coz i'd miss you baby
[b]Porque eu sentiria a sua falta, baby
[/b]And I don't wanna miss a thing
[b]E eu não quero perder nada
[/b]'Coz even when I dream of you
[b]Porque mesmo quando eu sonho com você
[/b]The sweetest dream would never do
[b]O sonho mais doce nunca vai ser suficiente
[/b]I'd still miss you baby
[b]E eu ainda sentiria a sua falta, baby
[/b]And I don't wanna miss a thing
[b]E eu não quero perder nada

[/b]Laying close to you


[b]Deitado perto de você
[/b]Feeling your heart beating
[b]Sentindo o seu coração bater
[/b]And I'm wondering what you're dreaming
[b]E imaginando o que você está sonhando
[/b]Wondering if it's me you're seeing
[b]Imaginando se sou eu quem você está vendo
[/b]Then I kiss your eyes and thank God we're together
[b]Então eu beijo seus olhos e agradeço a Deus por estarmos juntos
[/b]I just want to stay with you
[b]Eu só quero ficar com você
[/b]In this moment forever, forever and ever
[b]Neste momento para sempre, para todo o sempre

[/b]Don't wanna close my eyes


[b]Não quero fechar meus olhos
[/b]I don't wanna fall asleep
[b]Não quero pegar no sono
[/b]'Coz i'd miss you baby
[b]Porque eu sentiria a sua falta, baby
[/b]And I don't wanna miss a thing
[b]E eu não quero perder nada
[/b]'Coz even when I dream of you
[b]Porque mesmo quando eu sonho com você
[/b]The sweetest dream would never do
[b]O sonho mais doce nunca vai ser suficiente
[/b]I'd still miss you baby
[b]E eu ainda sentiria a sua falta, baby
[/b]And I don't wanna miss a thing
[b]E eu não quero perder nada

[/b]I don't wanna miss one smile


[b]Não quero perder um sorriso
[/b]I don't wanna miss one kiss
[b]Não quero perder um beijo
[/b]I just wanna be with you
[b]Bom, eu só quero ficar com você
[/b]Right here with you, just like this
[b]Aqui com você, apenas assim
[/b]I just wanna hold you close
[b]Eu só quero te abraçar forte
[/b]Feel your heart so close to mine
[b]Sentir seu coração perto do meu
[/b]And just stay here in this moment
[b]E ficar aqui neste momento
[/b]For all the rest of time
[b]Por todo o resto dos tempos

-Marcos, eu nem sei como agradecer... você é o meu melhor amigo...


Estávamos frente a frente, em meio à sala de estar. Eu ficara impressionado com a
expressão “melhor amigo”.
-Só isso? – perguntei, puxando-o para um beijo.
-Você sabe que nós não estamos mais juntos...
Daniel afastou-se vagarosamente, enquanto eu ainda o observava, incrédulo. Revolta e
indignação eram visíveis em meu rosto lívido.
-Depois de tudo o que aconteceu ontem, você ainda me diz que nós não estamos mais
juntos? Cara, eu te amo, e demonstrei isso pra você de todas as formas possíveis! O que
mais você quer que eu faça?
Daniel baixou a cabeça lentamente, enquanto eu ainda o fitava por completo. Suas palavras
soaram baixinho no silencio daquela sala fria e mal iluminada.
-Eu também te amo, Marcos... mas agora...
-“Mas agora” o que? Não me ama mais?
-NÃO!! É claro que eu ainda te amo. Mas... não tem como... nós não podemos mais ficar
juntos...
Apreensivo, coloquei a mão em seu ombro, forçando-o a olhar diretamente em meus olhos.
Dessa forma, seria mais fácil descobrir a verdade.
-É por causa dos seus pais, não é? Ou é aquele seu ciúmes da Rayssa, de novo?
Aquele silêncio sepulcral me deixava ainda mais revoltado. Eu queria saber a verdade de
qualquer jeito.
-Daniel, me responde!
-EU NÃO POSSO!! – gritou Daniel, novamente aos prantos - Eu não posso, ta legal?
Naquele momento, ouvimos a buzina da caminhonete do lado de fora. Após o pequeno
susto, Daniel se entregou aos meus braços, ainda chorando, como se não quisesse me deixar
em hipótese alguma. Se eu pudesse, o seguraria ali, junto a mim, por toda a eternidade.
-Daniel, não importa quão complicada seja a situação que você está enfrentando, nós só
conseguiremos vencer isso tudo se estivermos JUNTOS.
-Marcos... por quanto tempo você esperaria por mim?
Aquela pergunta produzira um nó em minha garganta. Com os olhos cheios de lágrimas e
um sorriso sincero no rosto, respondi:
-Pelo tempo que for necessário.
Mesmo contra a sua vontade, beijei-o novamente, desta vez com mais intensidade e desejo,
como nunca fizera antes. Sabíamos que aquele poderia ser o nosso último beijo e, por isso,
permanecemos com os lábios colados pelo máximo de tempo possível. A buzina tocou
novamente, fazendo com que nos separássemos de imediato. Enquanto eu estava cabisbaixo
e as lágrimas escorriam por minha face, Daniel aproximou-se novamente:
-Quando você estiver sem forças... saiba que eu ainda estou aqui...
E assim ele se afastou em direção a porta, com a mochila nas costas, me deixando
exatamente como me deixara da última vez. Enxuguei o rosto e o acompanhei até o portão,
onde o Rafa nos aguardava impacientemente. Após abraçar o irmão, ele pousou sua mão
em meu ombro e me disse, satisfeito:
-Nem sei como agradecer o que você tem feito pelo meu irmão.
-Você poderia agradecer não deixando ninguém fazer mal ao Daniel... ele não merece nem
um terço das coisas ruins que disseram a respeito dele.
Rafa sorriu, me abraçando logo em seguida.
-Agora eu sei por que o Dan tem tanto respeito por você. Você vale ouro, moleque!
Daniel partira de volta para sua casa, enquanto eu continuava perdido em pensamentos.
Voltei para o meu quarto e, lembrando do nosso último beijo, adormeci. Sonhei com um dia
onde não seríamos mais obrigados a esconder o nosso segredo das outras pessoas, sonhei
com um dia onde o preconceito e a discriminação fossem palavras que não mais existissem
em nosso vocabulário. Sonhei com a pessoa que eu mais amava no mundo inteiro... E,
dessa forma, descobri que o meu sentimento pelo Daniel nunca deixaria de existir. Porque
não importava as barreiras que surgissem em nosso caminho, não importava o tempo ou a
distância que nos separava... o que realmente importava é que, pela primeira vez na vida, eu
encontrei uma pessoa que me dizia “eu te amo”... e, mais do que isso, me fazia acreditar
que suas palavras eram mais que a verdade.

FIM

Extra - “E agora?”

Como vocês puderam perceber, o conto termina em setembro de 2007. Porém, muitas
coisas aconteceram logo após essa época conturbada e extremamente difícil para mim e
para os outros personagens do conto. Nas linhas abaixo, você acompanhará um breve
resumo do que ocorreu logo após o “término” do conto.

-Os personagens:
A família de Daniel, aos poucos, voltou a se estabilizar. Infelizmente, tanto o pai de Daniel
quanto o seu irmão do meio, Tiago, mudaram o seu modo de me tratar. Graças ao ocorrido,
o Rafa passou a ter uma enorme consideração pela minha pessoa, tanto que somos amigos
até os dias de hoje.
Na escola, as coisas ficaram um pouco mais complicadas. Muitos não acreditaram na
discussão entre o Daniel e a Priscila, o que deu certa “credibilidade” para o Dan. Mesmo
assim, muitos começaram a fazer piadinhas a seu respeito. Outro se mostraram indiferentes
quanto ao assunto e, por incrível que pareça, outros se mostraram interessados em
“conhecê-lo melhor”. É claro que o Dan não teve relações com nenhum desses estranhos
pretendentes.
Priscila ficou arrependida logo após a discussão, tentando consertar o erro que cometera.
Sua má reputação na escola não ajudou muito e, por esse motivo, eu ainda a vejo com
outros olhos. Meu conceito sobre a Priscila caíra drasticamente após o ocorrido e,
atualmente, não somos mais do que meros colegas.
Gisele continua sendo a mesma garota louca, pervertida e alegre de sempre. Ela ficou
sabendo sobre tudo o que aconteceu entre eu e o Dan, o que a tornou uma espécie de
“confidente”. Hoje ela é, sem sombra de dúvidas, a minha melhor amiga. Sem ela, eu não
conseguiria manter as esperanças de que, um dia, o Daniel possa voltar pra mim.
Julio é meu amigo de infância e, por esse motivo, ainda mantemos uma amizade estável.
Ele foi uma das poucas pessoas que acreditaram na discussão entre o Daniel e a Priscila,
pois a discussão só confirmou suas hipóteses sobre a homossexualidade do Dan. Graças a
mim, a relação entre os dois ficou “um pouco melhor”: o Julio passou a respeitá-lo, coisa
que, para mim, é uma verdadeira vitória.
Rayssa me procurou semanas depois, pedindo desculpas por ter revelado para a Priscila o
nosso segredo. Ela explicou que a Pri já desconfiava desde o dia em que viu o Daniel no
parque, aos amassos com um outro garoto que ela não conseguiu reconhecer. Gentilmente,
resolvi não guardar rancor algum. Hoje, posso dizer que somos amigos.

-O casal, ou melhor, o trio:


Durante esse tempo que estive separado do Daniel, posso dizer que sofri muito. Ele voltou
a me tratar apenas como um amigo, coisa que me machucava bastante. Ao mesmo tempo,
eu procurava entender o motivo de tudo aquilo. Eu não conseguia parar de pensar... “qual
será o verdadeiro motivo para o Daniel ter se separado de mim?”. A hipótese da Gisele, até
o momento, é a que mais faz sentido pra mim.
No mês de outubro, minha vida tomou um novo rumo. Graças ao mistério do Dan, perdi as
esperanças de que ele pudesse voltar pra mim. Fiquei em um estado lastimável, não
conseguia comer, dormir, estava muito carente. Em um momento de desespero, fiquei com
a Jennifer e, semanas depois, começamos a namorar.
O Daniel pareceu feliz ao saber do meu namoro, o que me fez chorar noites a fio.
Desesperado e sem esperanças, comecei a relatar toda a nossa história juntos. Todos os
momentos, todas as carícias, todas as palavras... Gisele me ajudou muito ao emprestar o seu
diário, fonte que eu utilizei para lembrar de várias coisas que já tinha até esquecido. E
então, surgiu a idéia de compartilhar a minha história com as pessoas desta comunidade.
O que ocorreu, então? Minha vida tornou-se um inferno... meu namoro com a Jenny ia de
mal a pior, o Daniel parecia pouco se importar, e eu já não sabia mais o que fazer. Dia 23
de janeiro, pedi um “tempo” para ela e, na semana seguinte, terminamos o namoro. Ela
ficou simplesmente arrasada e hoje, mal fala comigo.
Soube, através da Gisele, que o Daniel ficou feliz ao saber que eu e a Jenny não estávamos
mais namorando. Minhas esperanças renasceram e, hoje, sinto que estou próximo de saber
o verdadeiro motivo para o Dan ter se afastado de mim. Porém, todas as vezes que eu toco
no assunto ele começa a chorar, e não tem coragem de se abrir comigo. Por isso, estou
totalmente quebrado por dentro.
Ainda me restam esperanças, pois como a Gisele diz, “tanto sentimento não pode ser
jogado ao vento”.
Quero que cada um de vocês saibam que foi um prazer, para mim, compartilhar a minha
história com todos vocês. Hoje, posso dizer que vocês fazem parte da minha história. Por
isso, quando vocês encontrarem a pessoa certa, nunca deixem ela escapar de vocês. E se por
um acaso isso acontecer, mantenham as esperanças...
Porque eu sei que, mais cedo o mais tarde, o Dan ainda vai voltar pra mim...

Extra - Mensagem do Autor:

Bom galera, eu estou aqui por dois motivos!


O primeiro deles é agradecer o carinho, preocupação, votos de felicidade e o apoio de cada
um de vocês. Antes de escrever o conto, eu não fazia idéia de que tantas pessoas pudessem
se interessar pela minha história com o Dan, e também não imaginava que muitos de vocês
já passaram por situações parecidas. Volto a dizer que o meu primeiro objetivo era
simplesmente desabafar, botar pra fora a angústia que eu estava sentindo por dentro. Foi
uma experiência ótima pra mim, relembrar os bons momentos e relatá-los com detalhes
para vocês. Porém, foi difícil escrever sobre as dificuldades e barreiras que enfrentamos no
meio do caminho. Foi graças a cada um de vocês que eu evolui e, hoje, percebo o quanto
foi importante compartilhar parte da minha vida com os meus novos amigos.
O segundo motivo seria mandar uma mensagem para você, que está lendo esse meu recado:
acredite no amor, ele existe e está dentro de cada um de nós. Não se deixe abalar por nada,
não desista na primeira queda apenas porque está ferido por dentro. Como diz a música do
Creed, “mesmo feridos nós precisamos ser fortes, porque lá dentro nós sabemos que muitos
também passam por isso”. Se eu disser que depois de tudo o que aconteceu eu perdi as
esperanças, eu estaria mentindo pra vocês. Cada dia que passa, eu sei que é um dia a menos
até o momento em que eu e o Dan estaremos juntos novamente.
Sim, eu realmente quero saber o verdadeiro motivo da “separação”, assim como cada um de
vocês. Porém, eu nunca deixei essa minha “vontade” em descobrir a verdade tomar conta
de mim. Depois de tudo o que passamos juntos, eu finalmente pude perceber o quanto eu
amadureci nesse curto período de tempo. E se tem alguma coisa na qual eu acredito
cegamente é que, não importa o motivo pelo qual fomos separados, o que importa é o
motivo pelo qual nós estaremos juntos novamente: o amor.
Nunca desistam dos seus objetivos, nunca deixem a opinião de outras pessoas guiarem as
suas atitudes. Sejam fortes, porém, tenham em mente que isso só será possível se vocês
tiverem ao seu lado uma pessoa com a qual você possa dividir as suas experiências. Uma
pessoa que te incentive a seguir adiante, cada dia mais. Uma pessoa pela qual valha à pena
lutar.
Termino essa mensagem dizendo que responderei, uma por uma, as mensagens que me
foram enviadas logo após o término do conto. Espero que as minhas lições de vida os
ajudem a seguir seus respectivos caminhos sem medo de errar e sem pressa de vencer.
Abaixo, segue um poema escrito pelo meu caro amigo anônimo, [b]Roman Soldier[/b],
inspirado na minha história com o Dan:

-Amor – por Roman Soldier


E dentre tantas fugas minhas e entre tantos heróis
Depois de tantos sonhos que a ninguém confessei
Horas chamando um nome que não sabia na escuridão da noite
Você veio.
Com toda a fúria de sua timidez, com as palavras que você não disse e com o vermelho
frequente das tuas faces
E violentamente chegou, bem de mansinho.
E você, depois de tantas idas, vindas, voltas, revoltas e reviravoltas, me deu a mão.
Mãos dadas escancaramos limites, atirando flechas, umas incertas e outras seguras...
Flechas que você me ensinou a atirar.
Rompeste os meus sonhos irrompendo em lágrimas
Cada dia somou, cada hora mesmo sem você era nossa.
Todas as canções de amor eram nossas.
As rosas eram nossas, floresciam por nós e o canto de um pássaro novo era pra gente que
passava. Meu coração que batia freneticamente como as asas de um beija-flor que suga o
néctar de uma flor branca... Que cresceu no prado onde os cavalos correm, indomados,
altivos e sinceros, como nos descobrimos aos poucos.
Era nosso o dourado das folhas, a mansidão de um rio, o âmbar de uma tarde mansa depois
de um dia agitado. Nosso o verde que nos cercou, o sol que entrava por uma fresta num
cômodo escuro e iluminava a nossa cama.
Com você eu não era meu nome. Eu não era adjetivo nem substantivo. Energia pura.
Contigo eu fui além do traçado limitado das letras, eu me sentia o Universo todo ao teu
lado. Eu era Sete Oceanos todos em calmaria e revolta.
A fome de um bicho, que domina e move. Os olhos de uma onça caçadora, a sua pele
pintada se movendo vagarosamente, espreitando a presa.
A espuma branca do mar, fazendo amor com a areia, naturalmente.
E ainda não cabia em mim tudo.
Eu fui feliz ao teu lado, mesmo que você não dissesse nada.
Porque teu silêncio me dizia que você se sentia exatamente da mesma forma que eu.
(13/02/2008)

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