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O DIA DA MORTE

Santo Afonso M. de Ligório

O dia da morte é chamado o dia da perda, porque nele perde-


mos as honras, as riquezas e os prazeres, enfim, todos os bens
terrenos. Por esta razão diz Santo Ambrósio que não podemos
chamar nossos esses bens, porque não podemos levá-los conos-
co para o outro mundo; somente as virtudes nos acompanham
para a eternidade.

“De que serve, pois — diz Jesus Cristo (Mt 16,26) —, ganhar o
mundo inteiro, se na hora da morte, perdendo a alma, tudo per-
de?”... Oh! Quantos jovens, penetrados desta grande máxima,
resolveram entrar na clausura! Quantos anacoretas conduziu
ao deserto! A quantos mártires moveu a dar a vida por Cristo!

Por meio dessas máximas soube Santo Inácio de Loyola cha-


mar para Deus inúmeras almas, entre elas a alma formosíssima
de São Francisco Xavier que, residindo em Paris, ali se ocupava
em pensamentos mundanos. “Pensa, Francisco — lhe disse um
dia o Santo —, pensa que o mundo é traidor, que promete e
não cumpre; mas, ainda que cumprisse o que promete, jamais
poderia satisfazer teu coração. E supondo que o satisfizesse,
quanto tempo poderá durar essa felicidade? Mais que tua vida?
E no fim dela, levarás tua dita para a eternidade? Existe, por-
ventura, algum poderoso que tenha levado para o outro mundo
uma moeda sequer ou um criado para seu serviço?...” Movido
por estas considerações, São Francisco Xavier renunciou ao
mundo, seguiu Santo Inácio de Loyola e se tornou um grande
Santo.

“Vaidades das vaidades” (Ecl 1,2). Assim chamou Salomão aos


bens do mundo, depois de ter experimentado, como ele mesmo
confessou, todos os prazeres da terra (Ecl 2,10). Coisa admirá-
vel! Tremem os santos ao pensar em sua salvação eterna.

É preciso pesar os bens na balança de Deus e não na do mun-


do, que é falsa e enganadora (Os 12,7). Os bens do mundo
são desprezíveis, não satisfazem e acabam depressa. Meus dias
passaram mais depressa que um correio; passaram como um
navio...” (Jó 9, 25-26). Passam e fogem velozes os breves dias
desta vida; e o que resta por fim dos prazeres terrenos? Passa-
ram como navios. O navio não deixa vestígio de sua passagem
(Sb 5,10). Perguntemos a todos esses ricos, sábios, príncipes,
imperadores, os quais estão na eternidade, o que acham ali de
suas passadas grandezas, pompas e delícias deste mundo. To-
dos responderão: “Nada, nada”. E se caem no inferno, que farão
e que dirão ali?... Chorarão, dizendo: “Para que nos serviram o
luxo e a riqueza? Tudo agora se passou como sombra” (Sb 5,8-
9) e nada nos resta senão penas, pranto e desespero sem fim.

[...] Filipe II, rei da Espanha, chamou seu filho na hora da


morte e, depois de afastar a roupa, mostrou-lhe o peito roído
de vermes, dizendo: “Vê, príncipe, como se morre, e como se
acabam as grandezas do mundo”. Depois exclamou: “Por que
não fui eu, em vez de monarca, simples frade leigo de qualquer
ordem!”

Mandou depois que lhe pusessem ao pescoço uma cruz de ma-


deira; e tendo disposto todas as coisas para sua morte, disse a
seu herdeiro: “Quis, meu filho, que estivesses presente a este
ato, para que visses como, no fim da vida, o mundo trata ainda
os próprios reis. Sua morte é igual à dos mais pobres da ter-

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ra. Aquele que melhor tiver vivido, esse é que achará junto de
Deus mais alto favor”.

Dizia, por isso, Santa Teresa: “Não se deve fazer caso das coisas
que acabam com a vida. A verdadeira vida consiste em viver
de modo que nada se tenha a recear da morte...” Portanto, se
desejamos compreender o que valem os bens da terra, conside-
remo-los do leito da morte e digamos logo: Aquelas riquezas,
estas honras, estes prazeres, um dia se acabarão. É necessário,
assim, que procuremos santificar-nos e enriquecer-nos somen-
te dos bens únicos que hão de acompanhar- nos sempre e que
constituirão nossa dita por toda a eternidade.

[...] Procuremos, pois, viver de maneira que à hora de nossa


morte não se nos possa dizer o que se disse ao néscio mencio-
nado no Evangelho: Insensato, nesta noite hão de exigir de ti a
entrega de tua alma; e as coisas que juntaste, para quem serão?”
(Lc 12 20). E logo acrescenta São Lucas: “Assim é que sucede
a quem enriquece para si, e não é rico aos olhos de Deus” (Lc
12,21).

Mais adiante se diz: “Procurai entesourar para o céu, onde não


chegam os ladrões nem rói a traça” (Mt 6,20).

Santo Afonso Maria de Ligório. Tempo e eternidade: vida, mor-


te, futuro. Aparecida: Editora Santuário, 2002, p. 59ss.

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