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o ESTADO-NAÇÃO E A VIOLÊNCIA
Poder Administrativo I:
Comunicação e Armazenamento de Informação
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de um lugar a outro. As carruagens sobre rodas eram pouco usadas, e os cavalos eram
os meios comuns de transportes”2*.
Apenas por volta do final do século XIX é que houve uma rede de estradas propria
mente organizada, propiciando transporte comercial razoavelmente barato, o qual foi,
aos poucos, sendo superado para o transporte de grandes volumes, principalmente em
função do desenvolvimento rápido do sistema de canal. O sistema de diligências foi a
primeira forma de transporte rápido moderno, operando regularmente e por um padrão
amplo de distância/fcoi o primeiro também a ser organizado em termos de horário, pois
aqueles em uso até o século XIX eram muito irregulares e pobremente coordenados,
considerando os padrões subsequentes dos sistemas de transportes rápidos. O sistema
de horários é um dos mais significativos instrumentos organizacionais modernos, pres
supondo e estimulando a regulação da vida social pela quantificação do tempo de um
modo bastante desconhecido nos tipos anteriores de sociedade. Os horários não são
apenas meios de utilização das diferenças temporais no sentido de identificar e especi
ficar eventos regularizados —a chegada e a partida de diligências, trem, ônibus ou
aviões. O horário é um instrumento de ordenação do tempo-espaço, que está no centro
das organizações modernas*. Todas as organizações, incluindo o sistema mundial atual,
operam por meio de horários, por intermédio dos quais as sequências de atividades no
tempo-espaço são eoreografadas.^s organizações sempre envolveram algum tipo de
horário - a invenção do calendário, por exemplo, foi um aspecto característico dos
Estados tradicionais. Mas somente em contextos regularizados de tempo-espaço, organi
zados por meio do "relógio de ponto”, puderam os horários assumir uma forma mais
precisa. O mosteiro talvez tenha sido o exemplo mais remoto de tal contexto4*, mas a
mercantilização do tempo, peculiar à produção capitalista foi, sem dúvida, a sua mais
•decisiva propagadora.convergência do tempo-espaço fornece, portanto, um índice
dramático de um fenômeno do qual, hoje em dia, dificilmente se pode falar sem cair no
clichê - a diminuição do mundo. Mas por trás da convergência tempo-espaço há um
fenômeno mais difuso, profundamente importante, de uma coordenação cada vez mais
precisa da sequência de tempo-espaço na vida social
É ilusório concentrar-se na mecanização do transporte ao interpretar a dissolu
ção do caráter fragmentário das sociedades de classes. Os efeitos de tal mecanização
2- J. Bischoff. A Comprehensive History of the Woollen and Worsted Manufactures. London. 1842, p. 428. Essa
Passagem < citada e criticada em algumas partes por Derek Gregory, que sugere que o s.stema de estradas
era, de fato. melhor do que o acreditado. Ver o seu Regional Transformation and Industrial Revolution.
London. Macmillan, 1982, pp. 54-55.
3- Cf. Evitar Zerubavel, Hidden Rhythms. Chicago, University of Chicago Press, 1981.
4- Lewis Mumford. Interpretations and Forecasts. London, Seeker & Warburg, 1973.
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teriam sido muito mais limitados sem a invenção da comunicação eletrônica. Sem o te
légrafo e os modos posteriores de comunicação eletrônica, os transportes rápidos esta
riam restritos a uns poucos trajetos ao dia, a uma pequena minoria e a uma pequena
"quantidade de mercadorias. O transporte de massa requer movimentos cronometrados
e “espaçados”, que, por sua vez, supõem a capacidade de comunicar “adiante do tem
po” o que foi planejado. Somente com isso pode o conjunto do sistema de tráfego ser
monitorado reflexivamente e, portanto, “organizado” de forma abrangente. Assim, mais
do que o trem a vapor, é a direção do itinerário da ferrovia, coordenada pela comunica
ção telegráfica, que exemplifica o transporte moderno. É bastante com-preensível que
os contemporâneos ficassem admirados pela estrada de ferro, “um verda-deiro sistema
de circulação sanguínea, vermelho, complicado, dividindo e reunindo, ramificando,
separando, estendendo, sondando ramos, raiz-mestra, afluentes”5. Mas a combinação
da estrada de ferro com o telégrafo foi o que tornou este complexo possível, não a
locomotiva e seus trilhos por si sój
Muitos historiadores e sociólogos talvez não reconheçam o alcance do processo
envolvido na disseminação dos meios de transporte mecanizados, um processo que não
culminou senão com a introdução do padrão mundial de tempo em 1884. Na Primeira
Conferência de Meridianos mantida em Washington durante aquele ano, seguindo uma
série de debates políticos calorosos, Greenwich foi adotado como o meridiano zero. O
globo foi dividido em 24 zonas de tempo, cada uma com uma hora de diferença, e o co
meço exato do dia universal foi definidoh/fem alguns Estados, os horários das estradas
de ferro e de outros transportes foram muito rapidamente mantidos dentro dessas delimi
tações, mas em outras, prevaleceram práticas mais caóticas. O quanto uma ou outra
tornaram-se aceitas dependia substancialmente de sistemas preexistentes. Já em 1870,
nos Estados Unidos havia algo em torno de 80 horários diferentes nas ferrovias7. Entretan
to, em 1883, representantes das rodovias encontraram-se para estabelecer um tempo
uniforme, referido como o dia de dois meio-dias”, já que na parte leste de cada região
os relógios retrocediam ao meio-dia8. Quando a Conferência de Washington foi reali
zada, a França - cujos delegados eram os oponentes mais acirrados da escolha de
Greenwich como o meridiano zero - ainda possuía quatro tempos regionais diferentes,
nenhum deles prontamente conversíveis ao tempo de Greenwich. A hora em Paris, no
ve minutos e vinte e um segundos à frente de Greenwich, foi adotado como o horário
8. Stephen Kern, The Culture of Time and Space 1HH0-I9IH. London. Weindenfeld, 1983. p. 12.
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das ferrovias, e, em 1891, foi considerado o tempo estatutário para toda a França. As
peculiaridades permaneceram. Os trens eram, de fato, programados para funcionarem
5 minutos atrasados em relação ao seu tempo “oficial”, para assim dar oportunidade
aos seus passageiros de embarcar comodamente/bío entanto, foram os franceses que
iniciaram a Conferência Internacional sobre o Tempo, realizada em Paris em 1912;
este foi o congresso que definiu um método uniforme de especificar sinais de tempo de
forma precisa e transmiti-los por todo o mundo9'
^A separação da comunicação em relação ao transporte estabelecida pelo telégra
fo foi tão importante quanto qualquer outra invenção anterior na história humana. Re
duziu a um mínimo o que os geógrafos chamam de “fricção da distância”. A separação
na distância tem sido sempre não apenas separação no tempo, mas esteve diretamente
re-lacionada a despesas de custo e esforço. As comunicações mais ou menos instantâ
neas talvez não eliminem nem os custos nem os esforços, mas rompem com a incidên
cia de-les na separação espacial. As redes postais são, sem dúvida, um suplemento
fundamental ao telégrafo e ao seu sucessor, o telefone/As Figuras 2 e 3 mostram a
crescente convergência tempo-espaço entre Nova Iorque e São Francisco.
9- Idem. p. 13.
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10. As Figuras 2 e 3 de Ronald Abler, Effects of Space-adjusting Technologies on the Human Geography of
the Future”, em Abler et al„ Human Geography in a Shrínking World, North Scituate Duxbury, 1975, pp.
39 e 41.
11. Idem, p. 40.
12. Ithiel da Sola Pool, The Social Impact ofthe Telephone, Boston, Mass, MIT Press 1977
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tem uma comunicação mais ou menos instantanea (ou, se preferir, prolongada) sobre
distâncias indefinidas^X televisão desenvolveu-se como um meio de comunicação de
“uma via”, mas não há uma razão intrínseca para que assim permaneça, já que várias
formas de vínculos recíprocos são, em princípio, e em alguns casos na prática, possí
veis. Transmissões por fax, vídeo e computador representam também formas novas de
comunicação real e potencial, cujo impacto provável sobre a vida social é ainda bastan
te desconhecido, mas que sem dúvida prenuncia processos ampliados de convergência
de tempo-espaço/
Menciono estes fenômenos aqui não no sentido de tentar trazer a discussão do
Estado-nação até o momento presente Alinha intenção é enfatizar a importância para a
consolidação do Estado-nação no final do século XIX e no começo do século XX da
separação da comunicação de informação dos transportes. O salto inicial adiante do
poder administrativo gerado pelo Estado-nação foi realizado antes do desenvolvimento
da comunicação eletrônica. Mas as sociedades modernas foram sociedades eletrôni
cas” durante muito mais tempo do que normalmente imaginamos, e sociedades de
informação” desde o seu início^fá um sentido fundamental, como já afirmei, no qual
todos os Estados foram “sociedades de informação”, já que a geração do poder de
Estado supõe um sistema de reprodução reflexivamente monitorado, envolvendo a reu
nião regularizada, armazenamento, e controle da informação voltados para fins adminis
trativos. Porém, no Estado-nação, com seu peculiar alto grau de unidade administrati
va, isso ocorre em um nível muito mais elevado.
Ao discutir os Estados tradicionais, Innis faz uma distinção entre meios de comuni
cação que “enfatizam o tempo” e aqueles que enfatizam o espaço . Os primeiros são
duráveis mas pesados, e são os principais materiais das antigas civilizações. Pedra, ce
râmica, pergaminho pertencem a esta categoria. Eles trazem as marcas da palavra escri
ta por períodos muito longos no tempo, mas não contribuem para a geração de poder
administrativo por vastas extensões de espaço. O papiro e o papel tendem a ser menos
duradouros, mas são leves, mais facilmente transportáveis e também mais facilmente
reproduzíveis. A conquista romana do Egito, de acordo com Innis, foi peculiarmente
importante para a expansão do Império, não apenas por causa do território então conquis
tado, mas porque permitiu o acesso a grandes suprimentos de papiros que eram então
usados amplamente na documentação administrativa. Seguindo a queda de Roma, os
Estados europeus passaram a usar o sistema de pergaminho, visto que o papiro pratica
mente desaparecera depois do século VIII. O papel foi inicialmente usado visando pro
pósitos comerciais, como documento de crédito e comprovante de troca. Os textos de13
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14. Ainda que pudesse ser dito que McLuhan conseguiu fazê-lo. Para uma avaliayáo mais discreta, ainda que
instrutiva, ver em especai Elt/abeth L. Etsenstem. The Priming Revolution m Early Modem Eumpe.
Cambridge, Cambridge University Press, 1983.
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impostos, a outra, a posse das estatísticas da população - que tendia, entretanto, a ser
localizada, em vez de centralizada, até o século XVIII. As primeiras são testemunhas
da importância do gerenciamento fiscal, já mencionado. A segunda refere-se a um fenô
meno que discutirei na próxima seção - a preocupação do Estado centralizado com a
manutenção da “ordem” interna em relação à rebelião, vagabundagem e crime. As es
tatísticas oficiais que todos os Estados começam a guardar a partir da metade do século
XVIII em diante mantêm e estendem essas preocupações. Mas elas também atingem
muitos setores da vida social e, pela primeira vez, são detalhadas, sistemáticas e quase
completas. Elas incluem a coleta centralizada de materiais registrando nascimentos,
casamentos e mortes, estatísticas relativas à residência, origem étnica e ocupação; e o
que veio a ser chamado de "estatística moral” por Quételet e outros, relativos a suicí
dio, delinqüência, divórcio, e assim por diante.
"'Há uma questão muito importante sobre a estatística oficial. Desde que ela pas
sou a ser elaborada, cientistas sociais consideravam que elas ofereciam um material que
poderia ser usado para demonstrar graficamente as características da organização e mu
dança sociais. As origens das pesquisas sociais empíricas nas ciências sociais estão inti
mamente ligadas ao uso das estatísticas oficiais como um índice dos processos de ativida
de social15. O Suicídio, de Durkheim, é somente um entre muitos trabalhos do século
XIX que se baseia nas análises de tais estatísticas para fundamentar suas conclusões^
Agora pode muito bem ser aceito, considerando certas reservas sobre o modo de sua co
leta, que as estatísticas oficiais são fontes inestimáveis de dados para a pesquisa social.
Mas elas não "correspondem” apenas a um dado universo de objetos e eventos sociais,
elas são constitutivas d isso /o poder administrativo gerado pelo Estado-nação não pode-
ria existir sem a base de informação que são os meios de sua autoregulação reflexival
Outras implicações também derivam disso/^As ciências sociais, mesmo em suas formu
lações iniciais, não surgiram viçosas e inocentes em listas organizadas de dados empíri
cos. A coleta de estatísticas oficiais é impossível sem um conhecimento sistemático, por
parte daqueles que a fazem, da questão que concerne a essas estatísticas. Tal conhecimen
to é progressivamente monitorado, no Estado moderno, pelos mesmos métodos que os
cientistas sociais "independentes” costumam analisar os dados assim produzidos. A partir
daí, as ciências sociais têm sido persistentemente relacionadas ao fenômeno que elas se
dispuseram a analisar. As conexões envolvidas aqui são, em parte, empíricas (porque a
coleta das estatísticas normalmente envolve o aprendizado dos processos usados para
“sistematizá-los” e "melhorá-los”) mas também conceituais ou teóricos. Os discursos
15. Cf. Anthony Obmch.ll. The Esrahlishment of Empirical Social Research in Germany. The Hague. Momon.
1965. Sobre o crescimento da documentação do Estado, ver B. R. Mitchell, European Huroncal Sranmcs.
17X0.1970. New York. Columbia University Press. 1975.
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da ciência social são absorvidos pelos temas que tratam, ao mesmo tempo que (logica
mente) derivam de conceitos e teorias já empregados por atores leigos"’.
ciência social, em outras palavras, desde as suas tenras origens no período mo
derno, tem sido um aspecto constitutivo dessa enorme expansão do monitoramento re
flexivo da reprodução social que é uma parte integral do Estado. No período do absolu
tismo, duas formas de discurso foram particularmente relevantes a esse respeito. Um,
que mencionei anteriormente, foi o discurso inicial da teoria política, totalmente envol
vido na formação de modos de soberania que distingue o Estado absolutista dos tradicio
nais. O outro pertence a uma fase ligeiramente mais recente, é o discurso do início da
teoria econômica, que ajudou a dar o sentido moderno ao “econômico”, à “economia”,
à “indústria” e a todo um conjunto de termos em torno disso/fentretanto, o uso deles
somente se estabeleceu no século XIX, e é a economia, junto com a sociologia e a psico
logia, que foi mais profundamente envolvida com o surgimento do poder administrati
vo do Estado-nação. Ao dizer isso, não quero afirmar que as ciências sociais não pos
sam, em algum momento, manter-se fora desse poder e sujeitá-lo a análise e crítica,
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como considero que esteja fazendo neste texto. Mas devemos reconhecer que um dos
aspectos do Estado moderno —e das organizações modernas em geral - é um estudo siste
mático e uma utilização de materiais relevantes para a sua própria reprodução.;
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cada uma, atendendo a tipos diferentes de doença. Cada ala possuía dois médicos, com
assistentes e ajudantes em tempo integral, além de administradores responsáveis pela
organização como um todo; havia também um departamento para pacientes externos.
Havia poucos hospitais semelhantes a esses na Europa na Idade Média, tais como o da
Abadia de Saint Gall, na Suíça, construído no século IX20. O prédio da Abadia possuía
um hospital com um número de alas, e era atendido por um médico responsável e ou
tros doutores. Mas tais organizações possuíam apenas uma relação marginal com aque
les construídos a partir do século XVII. A influência religiosa e o modelo monástico
permaneceram dominantes, mas as novas organizações foram muitas vezes estabeleci
das pelo Estado, e sua preocupação era mais com o crime e a vadiagem do que com o
cuidado dos doentes21.
Se as organizações carcerárias tiveram suas origens no período do absolutismo,
elas apenas assumiram o aspecto com o qual estamos familiarizados hoje ao longo da
transição para o Estado-nação. Não há necessidade de aceitar toda a fundamentação
dos argumentos de Foucault para reconhecer que o “poder disciplinatório” associou-se
a uma variedade de organizações envolvendo novos modos de regularizar as atividades
no tempo-espaço22. As prisões e os hospícios diferenciaram-se de outras organizações,
como os hospitais médicos, nos quais os indivíduos não são encarcerados contra a sua
vontade^A privação da liberdade torna-se o principal meio punitivo, substituindo
aquelas formas espetaculares de punição que Foucault descreve mas que, de fato, nun
ca foram mais do que exceções dramáticas de formas mais mundanas de sanções pree
xistentes23. A privação forçada de liberdades é, de alguma forma, uma expressão da
centralização que os direitos democráticos ou de cidadania vieram a assumir dentro
do Estado. O debate - particularmente aquele estimulado pelos escritos de Foucault -
sobre o quão longe a tendência relativa ao confinamento como uma sanção punitiva
corresponde aos ideais humanos24é, em alguns aspectos, equivocado. A questão p ãoi
apenas se ocorreu uma transição de um tipo de punição (violenta, espetacular, aberta)
para outra (disciplinatória, monótona, escondida), mas que um novo complexo de rela
ções coercitivas foram estabelecidas onde poucas estavam localizadas antes. A criação
de uma necessidade pela lei e ordem é o lado reverso da emergência das concepções
20. Brian Tierney, Mediaeval Poor Law, Berkeley, University California Press, 1959
21. Sean McConville, A History of English Prison Administration. London, Routledge & Kegan Paul. 1981.
vol. I, p. 31 e ss.
22. Cf. “From Marx to Nietzsche? Neo-conservantism. Foucault and Problems in Contemporary Political
Theory”, em PCST, vertambém CS, cap. 3.
23. Cf. George Rusche e Otto Kirchheimer, Punishment and Social Structure. New York Russell & Russell,
1968, pp. 42 e ss.
24. Cf. Michael Ignatieff, A Just Measure of Pain, London, Macmillan. 1978
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veis de produção dentro da empresa. Um historiador observa que, “havia poucas áreas
no país [Grã-Bretanha| nas quais as indústrias modernas, particularmente as têxteis
quando localizadas em grandes prédios, não estavam associadas às prisões, casas de
correção e orfanatos”26.0 mesmo escritor acrescenta, no entanto, que uma das caracterís
ticas mais importantes do capitalismo industrial é que o trabalho assalariado é “livre”
Conseqüentemente, a imposição do poder disciplinatório fora do contexto do confina-
mento forçado abranda-se pelo poder de reação bastante real e conseqüente que aque
les a ele sujeitos podem, e conseguem, exercer)•
Isso sugere que há dois aspectos fundamentais da associação do poder disciplinató
rio com o Estado moderno que devem ser salientados. Por um lado, ocorre um ímpeto
definido em direção à expansão desta forma de poder, tornada possível pelo estabeleci
mento de locais nos quais a observação regularizada das atividades pode ser realizada
no sentido de buscar o seu controle. Isso é importante para a natureza do local de
trabalho moderno e, portanto, é um vínculo fundamental conectando o capitalismo in
dustrial (como um modo de empresa econômica) ao Estado-nação (como uma unidade
administrativamente coordenada)/Não é, como tal, parte da influência diretiva do apa
rato de Estado, mas um fenômeno generalizado aumentando a pacificação interna ao
promover a disciplina de grupos potencialmente recalcitrantes em pontos centrais de
tensão, especialmente na esfera da produção. Isto é distinto de um crescimento do po
der disciplinatório vinculado às sanções que aqueles no aparato de Estado são capazes
de exercer em relação ao “desvio”. É este o segundo aspecto que está mais diretamente
relacionado ao desenvolvimento da vigilância como o policiamento das atividades de
rotina de grande parte da população por órgãos especializados separados do corpo
principal das forças armadas, i
pacificação interna envolve diversos fenômenos, todos relativos à diminuição
progressiva da violência nas questões internas dos Estados-nação. Um aspecto a que
Foucault atribuiu uma proeminência especial é o desaparecimento de formas violentas
dcjjuniçãii associadas ao sistema legal. Talvez o indício mais surpreendente disso seja
encontrado na história da pena capital/Em tempos pós-medievais, a pena capital pode
ria ser aplicada a uma variedade de transgressões, muitas delas aparentemente bastante
triviais. A morte de outra pessoa, no entanto, poderia muitas vezes ser recompensada
pelo pagamento de uma multa e, na prática, era freqüentemente sancionada mais pela
comunidade local ou por grupos de parentes do que pelo Estado. O assassinato era con
siderado o ponto mais alto da escala de crimes, qualquer que fosse o nível na hierar
quia social em que o criminoso pudesse estar, e a distinção feita entre assassinato e ma-
Sidney Pollard, The Genesis of Modem Management, London, Arnold, 1965, p. 163.
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tança de populações estrangeiras em tempos de guerra é uma atitude peculiar aos dois
últimos séculos. Ela reflete tanto a primazia que os “direitos burgueses” assumem,
quanto a sua conexão com a cidadania universal dentro do Estado soberano.
As execuções públicas ainda eram realizadas na Inglaterra em anos bastante pos
teriores ao século XVIII. Os carrascos eram figuras bem conhecidas do público em ge
ral. e incorporaram ao seu trabalho vários tipos de idiossincrasias e formas de exibicionis
mo2728.Aqueles malfeitores condenados à morte em Tyburn foram levados pelas ruas em
carroças abertas, seguidos por um imenso cortejo de funcionários. Eles morreram de
vagar. embora fosse permitido aos amigos encurtar seu sofrimento, empurrando-os do
cadafalso. Embora essas práticas tivessem desaparecido antes da própria execução pú
blica. em tempos mais remotos os corpos eram, muitas vezes, expostos publicamente.
O enforcamento era o mais comum desses procedimentos. Um cadáver poderia ser
fervido ou coberto de piche e preso em uma cadeira ou em uma vestimenta de vime na
cena do crime, em uma via pública movimentada ou em um local especial para enfor-
cam entos/o aspecto mais evidente da pena capital posterior ao desaparecimento de
execuções públicas foi a introdução progressiva de técnicas que tentavam minimizar
tanto o sofrimento quanto qualquer sentido de espetáculo. O objetivo também era o de
evitar a mutilação. Os cadafalsos foram concebidos de modo a derrubar o condenado
longe o suficiente apenas para deslocar o seu pescoço, mas não tão longe a ponto de
romper os vasos sangüíneos. As execuções foram ocultadas tanto no tempo quanto no
espaço, sendo realizados pela manhã ou tarde da noite, em vez de no meio da tarde,
como cos-tumavam ser as execuções públicas/como Lofland aponta.
As execuções históricas eram barulhentas: pancadas para vergar corpos nas rodas; marteladas para
prender corpos em crucificação; fogo crepitando e madeira tombando para preparar recipientes para ferver
corpos [...] A opção moderna é por técnicas silenciosas. Na realidade, nenhum esforço foi gasto para que os
ingleses preparassem um enforcamento silencioso. No começo do período moderno, as portas dos cadafalsos
eram abafadas com fardos de algodão e, quando a tecnologia tornou-se acessível, almofadas de borracha e
molas foram usadas2*.
27. Ver o trabalho de Horace Bleackley. The Hangmen of England, reeditado na sua totalidade em John I .ofland,
Stale Executions, Montclair NJ, Patterson Smith, 1977.
28. Idem, p. 312. Ver também Alice Morse Earle, Curious Punishments of Bygone Pays. Montclair. Smith.
1969. Originalmente publicado em 1896.
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dentais. Mas no período anterior não era mais um método de infligir dor física, conce
bido para impressionar o resto da população com o comando de força do Estado/Ao
contrário, tornou-se a sanção final em uma hierarquia de remoção de liberdades. Seu
"silêncio" e "dissimulação" sem dúvida têm a ver com o fato de que a sanção de
condenar alguém à morte não é, de tato, apenas um passo a mais na privação progres-
jjiva dos direitos de cidadania, mas um fenômeno inteiramente distinto. A mudança de
pena capital para prisão perpétua como uma sanção mais grave está, portanto, em
conformidade com a "nova lógica" de punição, que emerge em associação com a ex
pansão do poder administrativo/Slaturalmente, deve-se reconhecer que muitas outras
formas de violência são amplamente realizadas dentro das delegacias e prisões do
mundo moderno. Mas estas não são geralmente parte de uma escala de punição por
meio da qual a violência é usada no sentido de expor publicamente aos malfeitores em
potencial o resultado possível de qualquer transgressão. Ao contrário, eles normalmen
te têm de ser empregados de um modo sub-reptício.'i
Em comunidades locais, nos Estados tradicionais, onde os costumes são a princi
pal força de coesão, havia freqüentemente lutas sangrentas e outras formas de embates
violentos entre indivíduos e grupos familiares. Os camponeses que viviam a uma certa
distância das principais concentrações de forças armadas das autoridades do Esta-do
ou de seus senhores locais não poderiam ser efetivamente protegidos dos bandidos ou
bandos armados de invasores. Este era o caso da maioria das áreas da China tradicio
nal, por exemplo, até o século XX, não obstante o fato de que a China foi, provavelmen
te, em regiões mais centrais, o mais bem sucedido de todos os grandes Estados impe
riais pacificados29. As viagens eram sempre um empreendimento temeroso em tais
Estados, e comerciantes de qualquer origem sempre se moviam em caravanas armadas,
mesmo para jornadas curtas. Finalmente, dentro das cidades havia muitas vezes áreas
"proibidas" nas quais, mesmo com proteção armada, pessoas de outras partes teriam
medo de se aventurar.
A) desenvolvimento do Estado absolutista esteve, indubitavelmente, associado
a»s maiores uvunços de pacificação interna, embora o nível da violência diária fosse
sempre variável em períodos e lugares diferentes. De acordo com Le Goff e Sutherland,
c°mo foi mencionado anteriormente, na maior parte da França rural sob o Velho Re
gime predominava a "violência, a turbulência, pequenos roubos e similares"30. Se
Macfârlane está certo sobre a Inglaterra rural, no entanto, o nível de segurança pessoal
n° século XVII foi consideravelmente mais alto do que na maior parte da Europa con-
tinental. De acordo com ele, em Kirkby Lonsdale e seus arredores era bastante comum
mulheres viajarem desacompanhadas, e pessoas atravessarem os pântanos sozinhos e à
noite, mesmo quando levavam dinheiro. Um grande movimento ocorria na região, e
parecia se dar sem temor de roubos. As brigas entre gangues de jovens vagabundos pra
ticamente não existiam em algumas áreas da Inglaterra ruraf^inda que alguns comen
taristas da época expressassem suas preocupações, elas não podem ser tomadas literal
mente, mas, definitivamente, parece ter sido este o caso, ou seja, que em grandes cidades,
na parte final do século XVIII, em todas as áreas controladas os níveis de assassinato e
assalto a mão armada eram muito altos para os padrões posteriores. É apenas nesse
período, entretanto, que a noção de “ilegalidade” passou a ser amplamente utilizada. O
policiamento moderno, com sua característica mistura de aspectos de informação e
vigilância, foi tanto tornado possível como considerado necessário por boa parte da
população transferida do ambiente rural para o urbano^Horace Walpole escreveu, em
1752, em relação aos trajetos em Londres, que “somos forçados a viajar, mesmo ao
meio-dia, como se fôssemos a uma batalha”3132. Referindo-se às cidades inglesas do
período, os Webbs escreveram sobre o “desespero de transmitir qualquer cena adequa
da da violência sem lei, a licenciosidade bárbara, e a quase ilimitada oportunidade de
furtos e roubos pelas ruas despoliciadas”33.
'A rápida expansão de uma população recentemente urbanizada, na qual a mudan
ça no modo de vida levou algum tempo para se estabelecer, criou condições de “ilegalida
de” indefinidas. Em um determinado momento, deve ter havido uma diminuição destas
condições de acordo com padrões mais estáveis de residência. Mas, sem dúvida, a in
fluência principal foi o controle que os novos tipos de policiamento, em conjunto com
a aprovação de mecanismos do código penal e de aprisionamento, foram capazes de
conseguiras atividades “criminais” tornaram-se muito mais distintas de outras fontes
dos embates sociais, e estes, por sua vez, diferenciaram-se abertamente dos compromis
sos militares externos dos Estados^Comparando Londres, Estocolmo e Nova Gales do
Sul durante a segunda metade do século XIX e começo do século XX, Gurr conclui que
em cada caso houve um declínio nos crimes comuns de violência —constatação esta
amplamente confirmada em outros estudos34. Até o século XIX, na Grã-Bretanha, via
gens de longa distância significavam chamar a atenção de assaltantes ou ladrões de es
trada. Mas, durante aquele século, esse fenômeno se transformou rapidamente em nada
mais do que uma memória, não muito raramente investida de uma imagem romântica
31. Alan Macfarlane, The Justice and the Mare’s Ale, Oxford, Basil Blackwell, 1981, pp. 189-190.
32. Citado era T. A. Critchley, A History of Police in England and Wales, London, Contable, 1978, p. 22.
33. S. e B. Webb, English Local Government, London, Macmillan, 1922, vol. 4, p. 408
34. Ted Robert Gurr, Rogues, Rebels and Reformers, Beverly Hills, Sage, 1976,' pp. 34 e ss.
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que tinha pouca relação com a realidade passada em questão. É óbvio que em outras
partes da Europa tal nível de pacificação interna levou um tempo consideravelmente
longo para se realizar. Ainda no começo do século XX era inseguro viajar em algumas
áreas montanhosas ou florestais da França e assim permanece em algumas partes até o
presente momento na Sicília ou Turquia35.
Um outro aspecto de pacificação interna é bastante fundamental para os temas
deste livro’6. Trata-se da erradicação da violência, e da capacidade de se utilizar os
meios de violência a partir do contrato de trabalho - o eixo do sistema de classes. Infi
mamente ligadas, e dependente disso, as outras formas de pacificação interna são um
aspecto fundamental de separação do “econômico” do “político”, embora isso seja
normalmente ignorado na maioria dos escritos sobre o assunto^stá relacionado aos
processos de mudança social que discutirei na próxima seção, e apenas os seus contor
nos necessitam ser esboçados aqui. No capitalismo industrial —em contaste com os sis
temas de classes anteriores - os empregadores não possuem acesso direto aos meios de
violência no sentido de assegurar o retorno econômico que eles buscam na classe subordi
nada. Marx, embora não tenha buscado as implicações, enfatizou consideravelmente
este aspecto. “Uma compulsão econômica estúpida”, mais a vigilância tornada possí
vel pela concentração do trabalho dentro do local de trabalho capitalista, coloca a pos
sibilidade direta de coerção pelo uso da força. É claro que os empregadores não cedem
o uso de sanções de violência sem alguma relutância e as lutas de classes empreendi
das por trabalhadores muitas vezes envolveram violência. Mas estes fatos não comprome
tem a importância dos “direitos burgueses na formação de um sistema de produção
“desmilitarizado”. Este é um dos elementos mais significativos do Estado liberal-demo
crático —os dos direitos de liberdade para a oferta da força de trabalho, para a qual a
burguesia lutou ativamente, que trazem consigo a limitação intrínseca do poder de em
pregadores no local de trabalho de empregar e dispensar trabalhadores e de supervisio
nar o “gerenciamento”. Essas não são, de modo algum, fontes negligenciáveis de contro
le. Entretanto, elas só são possíveis em uma sociedade que tenha sido pacificada
internamente em outro modo, e na qual os “direitos burgueses” sejam mais do que um
mero engodo de liberdade, como Marx aparentemente as considerou .1
A maior parte deste livro, exceto onde trato do sistema de Estado global, diz
respeito ao Estado-nação europeu. Mas talvez seja apropriado, neste ponto, fazer uns
poucos comentários sobre os Estados modernos nos quais o uso da força continuou a
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PODER ADMINISTRATIVO PACIFICAÇÃO INTERNA
urbana como taF./A expansão do urbanismo moderno é, sem dúvida, induzida pela
emergência do capitalismo industrial como forma dominante do sistema de produção
Mas, em sua forma consequente e intrínseca, o desenvolvimento urbano moderno é
muito diferente das cidades anteriores. Forma um “ambiente criado”, no qual a transfor
mação da natureza é expressa como tempo-espaço mercantilizado; tal como é o milieu
de toda ação social, não mais uma entidade física e setor social distintos dentro de uma
ampla totalidade social. A mercantilização de tempo e de espaço é a condição desses
processos sequenciais de tempo-espaço descritos anteriormente como características
de organizações modernas, incluindo o Estado-nação como o mais novo power-container
proeminente/
ÜAo dizer isso, não pretendo negar a importância tanto da regionalização dentro
do território do Estado quanto dos sistemas sociais que permeiam os Estados. Em vá
rios aspectos os Estados-nação e as áreas globais cobertas pelo sistema de Estado-
nação são mais regionalizados do que os Estados tradicionais que os precederam. A
unidade administrativa que eles apresentam é basicamente um fenômeno restrito ao
alcance do aparato de Estado. A interdependência, econômica e política, do mundo no
qual o Estado-nação existe, não deve ser identificada com homogeneidadeAlgumas
das principais formas de regionalização são as seguintes3940:
1 - A distribuição regionalizada dos próprios Estados-nação, economicamente
como Estados de centro e periferia e, politicamente, como blocos de poder e como
centros de poder distintos e autônomos dentro de um conjunto global de Estados.
2 - A distribuição regional diferencial da indústria, em uma divisão de trabalho
dentro e através dos Estados. A produção industrial é, por sua própria natureza, regionali
zada, já que vários tipos de indústria tendem a se desenvolver, ou serem localizadas,
em ambientes e áreas espaciais distintas. Isso se aplica não somente a distribuições re
gionais amplamente generalizadas dentro e entre os Estados, mas também dentro de
ambientes bastante restritos, tais como a disposição espacial de áreas industriais em
certos tipos de arredores urbanos. O “desenvolvimento desigual” pode ser associado com
qualquer um ou com todos os tipos de regionalização mencionados nos pontos I e 2.
3 - A diferença regional de concentração de populações, sem considerar se são ou
não expressões de variações culturais, étnicas ou linguísticas. As populações dos Esta-
dos-nação tendem a ser muito mais desigualmente distribuídas do que aquelas dos Es
tados tradicionais, em parte pelas limitações da economia rural nestes últimos e pela
alta densidade que as aglomerações urbanas assumem no caso dos primeiros. A concen
tração de grande número de indivíduos dentro de áreas espaciais relativamente restritas
Em algum momento no século XVI isso começou a mudar, não devido a uma
214
PODER ADMINISTRATIVO PACIFICAÇÃO INTERNA
única fonte, mas por razões que convergiam para a produção de uma tendência consis'
tente.
Como o ato sexual, a morte era, em conseqüência, pensada cada vez mais como uma transgressão que
separava o homem de sua vida diária, da sociedade racional, do seu trabalho monótono, no sentido de condu
zi-lo a um paroxismo, lançando-o dentro de um mundo irracional, violento e belo [...] Essa idéia de ruptura i
algo completamente novo4142*.
41. Philippe Ariès. Western Attitudes Towards Death. Baltimore. Johns Hopkins University Press, 1974. p. 58.
Ver tamWm Joachim Whaley, Mirrors of Mortality. London, Europa. 1981; Le Roy Ladune. "Chanu.
Lebrun. Vovelle: la nouvelle histoire de la mort", em U Territoire de L'Historien. Parts, Galhmard, 1973-
1978, 2 vols.
42. Norbert Elias. The Civilising Pnxess. Oxford, Basil Blackwell, 1978.
L43. CS. capitulo 2; CPST, pp. 123-128.
ESTADO-NAÇÃÜ E A VIOLÊNCIA
sua finitude - não está separada da dinâmica organizada da vida social. No Estado mo
derno, a contradição existencial é quase que completamente anulada pela contradição
estrutural, cujo locus principal é justamente o Estado44. Um resultado é que a rotinização
do dia-a-dia da vida social é precária, fundamentando-se em uma base psicológica
relativamente superficial e não integrada aos princípios morais que fornecem os meios
para se encontrar os dilemas existenciais. A segregação da morte, da doença e da lou
cura e a privatização da sexualidade, são tanto o resultado dessa situação como uma
condição da estabilidade da rotina.
^Em virtude da segregação, portanto, uma variedade de experiências psicologica
mente problemáticas não penetram no conjunto principal das atividades individuais
"realizadas no curso de suas vidas. Tais experiências são afastadas de uma possível intru
são na continuidade das atividades rotineiras e, ao contrário, são impelidas às margens
externas dos contextos nos quais a maior parte da vida diária é desempenhada^Não pre
tendo propor um tipo de abordagem tuncionalista tanto das origens da segregação como
de suas implicações amplamente estabelecidas. O desenvolvimento de locais segre
gados é explicado em parte pela emergência de organizações carcerárias e pela prima
zia dos métodos "técnicos" de “tratamento" de doenças "mentais" e "físicas". O resul
tado da segregação não é, de uma forma generalizada, funcional para a continuidade
das atividades sociais. Em relação aos sentimentos de segurança ontológica, os mem
bros de sociedades modernas são particularmente vulneráveis à ansiedade generaliza
da. Isso pode se intensificar quando, como indivíduos, têm de confrontar dilemas existen
ciais corriqueiros omitidos pela segregação, ou quando as rotinas da vida social são, por
alguma razão, substancialmente interrompidas. O vazio das rotinas seguido pela vida
social moderna engendra uma base psicológica para a incorporação de símbolos que
podem tanto promover solidariedade quanto causar separação. Entre estes símbolos
estão aqueles associados ao nacionalismo; retornarei a estas questões no capítulo 8.