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Homilia

Domingo de Ramos e da
Paixão
Caros irmãos e irmãs, mais uma vez o Senhor nos concede a graça de percorrer o seu
caminho no cumprimento da vontade de Deus. Esta semana não é uma mera manifestação
cultural, muito menos folclórica. A oportunidade que Deus nos concede é uma graça
especial. A Liturgia da Igreja não celebra desejos humanos, mas mistérios. Estes, pela ação
do Santo Espírito nos alcança na nossa vida, nos atraindo para o seu interior, se os
celebramos com Fé. Desse modo, a celebração desses dias santos, é um deixar-se transportar
para os locais dos acontecimentos, é um deixar-nos envolver, pois tais fatos, nos atingem
pessoalmente. Pela Liturgia, somos chamados a testemunhar e a experimentar a glória de
Deus que se nos manifestou e continua a fazê-lo na Igreja. Não é tempo de passeios ou
férias. Os que vivem como pagãos é que assim os aproveitam conspurcando-os e
desperdiçando o encontro com aquele que dos acontecimentos foi o protagonista...

Nestes dias Santos se desenvolve o clímax do Drama Divino no seu amor por nós. Mistério
de amor para a Salvação do Homem e do Mundo; é o cumprimento definitivo e irrepetível
das suas promessas. Vida e morte irão duelar; graça e pecado mostram a sua face. Pelas
solenidades, a nós é dado não só contemplar, mas a tomar parte, a escolher de que lado
estar, pois o Mistério nos atinge e envolve, determinando nossa vida e morte, bem como
nosso destino futuro para além desta, uma vez que não temos esperança somente para esta
vida (cfr. 1 Cor 15, 19), razão da nossa alegria em Cristo Jesus, apesar do drama que a
envolve, o que não foi diverso da do Senhor. Drama e não tragédia, pois somos chamados a
superar, com Cristo, as dificuldades que se apresentam.

Hoje, caminhamos com Cristo para o lugar do Drama Divino do Pai que nos entrega seu
Filho para morrer por nós. Entramos com Ele e o aclamamos Rei; estendemos-lhe e
agitamos ramos em sua passagem cantando-lhe hosanas. Todavia, as expectativas daqueles,
e de muitos de nós, seu trono não estará em Jerusalém; sua vitória não será sobre os
romanos conquistadores nem sobre os sumos sacerdotes do templo e nem sobre o povo que,
tendo-o aclamado, depois o entregam.

A Paixão do Senhor, profeticamente, é descrita através do canto do Servo Sofredor,


Discípulo atendo do Senhor em cumprir a sua vontade, não lhe importando as
consequências. Sua altivez, não é orgulhosa, mas obediente à vontade daquele que lhe
chamou.

A profecia se realizará em Jesus. As Escrituras se cumprirão... A obediência do Servo, que é


o Filho, é impassível, mas não ele... Seu fim será o abandono e a morte, mas não por sua
culpa, mas por tê-la assumido. Ele não é usurpador da sua condição de Filho, como foi o
velho Adão. Querendo isso não como dom, mas posse, a perdeu e gerou a morte. Morte que
o Filho Nascido, também assume, como consequência do pecado para vencer um e outro do
seu interior. O velho homem morrerá, mas o Novo, morrendo vencerá.

Se contemplamos Jesus, traído por quem oferece um último ato de amor e intimidade, o
comer do próprio prato, angustiado até a morte, o contemplamos também vencendo o
instinto humano de querer viver, mas submetendo-se obedientemente à vontade do Pai, que
parece não o atender em seu pedido... A Santa Vontade, sabe conduzir a nossa, se queremos,
à conformidade com a sua, levando-nos ao cumprimento das Escrituras, que é a sua Vontade
em relação a nós, cujo objetivo é a vida, a morte da morte e do pecado.

A covardia humana, na traição de Judas e Pedro, que nos choca, é fruto da maldade de um,
recusa do amor oferecido e da humana fraqueza do outro. Um o entrega, o outro o nega por
três vezes. Um se desesperará e se enforcará, o outro cairá em si, e chorará sobre sua
covardia e negação tripla... A natureza anunciará pelo canto do galo...

Que contraste com o vigor daquele que ficará sem beleza nem humano esplendor! Cala-se
diante dos sumos sacerdotes e das falsas acusações, também na presença de Pilatos, mas não
sobre sua condição de Filho do Abba... Sabe que não ficará desamparado... A inveja dos
líderes religiosos e da sua cegueira; a do povo que antes aclamava e agora pede-lhe a morte,
se repete ao longo da História. Não basta a vontade de Pedro não se desorientar, como não
bastam hosanas a Ele com interesse próprio... Ela pode facilmente se desorientar... Sem a
graça sustentando, o que temos é a falência da humana vontade pelo egoísmo...

O amor no seguimento, porém é capaz de sustentar, mesmo em meio a dor, como


contemplamos nas mulheres que não deixam o Senhor. Na sua fraqueza, pois nada podiam
fazer, se unem a Ele no sofrimento, não o abandonando como Simão de Cirene, que se une
auxiliando-o...

Os que o ultrajam, as falsas testemunhas, os soldados e o povo, demonstram a sanha


interesseira presente no pecado humano. Ele que é Forte, fez-se fraco e na fraqueza,
abandonado por todos, pois não satisfaz interesses humanos, mas cumpre a vontade do Pai.
Não nos escandalizemos, mas naquela multidão estamos também nós, se não purificamos
nossa fé; não desejemos de Deus a satisfação das nossas vontades, mas da Sua para não
gritarmos: “salve-te Deus”; “desça da Cruz (faz o que te peço), para que acreditemos” ...

Chega o clímax... O terno e angustiante diálogo do Servo e Filho na Cruz... Suas dores, são
as nossas dores devidas pelo nosso pecado que assumiu; seu grito é nosso grito: “Eloi, Eloi,
lamá sabactâni?” Início do Sl 21, que é a prece profética do que se passa na dolorida cena da
Cruz, que se repete na nossa vida, mas com a firme entrega e esperança de vitória futura:
“Porque Deus não desprezou nem rejeitou/ a miséria do que sofre sem amparo;/não desviou
do humilhado a sua face,/ mas o ouviu quando gritava por socorro. “Com um forte grito
expirou, morreu... Aqui, realiza-se o que anunciava a Filipe e André, quando lhe disseram
que os gregos queriam vê-lo: “quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (cfr. Jo
12, 32): “Quando o oficial do exército, que estava bem em frente dele, viu como Jesus havia
expirado, disse: “Na verdade, este homem era Filho de Deus!”” A cortina do Santuário
rasga-se, pois agora não há mais necessidade do Santo dos Santos: o Mistério de Deus, o seu
Amor por nós, manifestou-se... Em Cristo Crucificado nós o podemos contemplar, bem
como todos os povos...

Esse desfecho, porém, iremos contemplar mais adiante. Agora, contemplemos José de
Arimateia, seu amor e humilde coragem ao reclamar seu corpo para depositá-lo em sepulcro
novo. Se veio ao mundo por terra não arada, o ventre virgem de sua Mãe, retorna à terra,
mas em sepulcro não usado por ninguém...

Silêncio...

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