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Liturgia I

Institutum Sapientiae

Liturgia I:

Introdução geral à Liturgia

apostila revisada, 2021

Pe. Cornelius Pfeifer, ORC

Anápolis, 2021

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Liturgia I

Liturgia I - Curso de introdução: princípios da liturgia


Bibliografia básica para este curso:

Magistério
PIO XII (1947). Encíclica Mediator Dei, n. 1-58.
CONCILIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium (1963) = SC 1-47, (todos devem ler).
CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA: Instrução sobre a formação litúrgica nos seminários,
13 de junho de 19791.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA (1997), n. 1066-1209.
Documentos litúrgicos para aplicar corretamente os princípios da Sacrosanctum Concilium:
- Papa Paulo VI: Sacram liturgiam (1964)
- 1ª instrução: Inter oecumenici (1964)
- 2ª instrução: Tres abhinc annos (1967), para a exata aplicação da constituição conciliar
- 3ª instrução: Liturgicae instaurationes (1970)
- 4ª instrução: Varietatis legitimae - Sobre a inculturação (1994)
- 5ª instrução: Liturgiam authenticam (2001) sobre as traduções na língua vernácula.
JOÃO PAULO II (1988). Vigesimus quintus annus

Manuais (EM PORTUGUÉS):


BOROBIO, D. [Ed] (1985). A celebração na Igreja 1: Liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo:
Loyola, 1990.
CELAM [Ed] Manual de liturgia I: Introdução à celebração litúrgica, São Paulo: Paulus, 2004.
- Manual de liturgia II: A celebração do mistério pascal. Fundamentos teológicos e elementos
constitutivos. São Paulo: Paulus, 2005.
KUNZLER , M. (1993 alemão), espanhol: La liturgia de la Iglesia. Valencia: EDICEP, 1999.
- Italiano: La liturgia della ChiesaMilano. Jaca, 1996.
MARTIMORT, A. G. (1969) A Igreja em Oração. Introdução à Liturgia, I: Princípios da Liturgia.
Petrópolis: Vozes, 1988.
RATZINGER, J. (2000) Introdução ao espírito da liturgia. Lisboa: Paulinas, 2001.
RIGHETTI, M. (1964 italiano) Manuale di Storia liturgica Vol. I: Introduzione Generale. Milano:
Ancora.
VAGAGGINI, C. (1958) O sentido teológico da liturgia. São Paulo: Loyola, 2009.

Outras obras (complementares para este curso)


ANDRIEU, M. (1961-1985) Les ordines romani du haut moyen age, I-IV, SSL, LOUVAIN.
GUARDINI, R. (1918) O espírito da liturgia.
CASEL, O. (1921) O mistério de Cristo.
BOUYER, L. (1954) Espiritualidade Litúrgica. (Liturgical Piety),
Abad Ibañez (1988). Iniciación a la liturgia de la Iglesia. Madrid: Palabra.
Augé, M. (1996). Liturgia. História, celebração, teologia, espiritualidade. Ave-Maria, São Paulo:.
ARBEX, P. (1998) A Divina Liturgia explicada e meditada. Introdução à liturgia bizantina, Editora
Santuário, Aparecida.
– ID., Teologia orante na liturgia do Oriente. São Paulo: Ave Maria, 1998.
Crouan, D. (2005) The History and the Future of the Roman Liturgy. San Francisco: Ignatius Press.
REID, A. (2005). The Organic Development of the Liturgy. San Francisco: Ignatius Press.
FLORES, J. J. (2006) Introdução à Teologia Litúrgica (Coleção: Liturgia Fundamental). São Paulo:
Paulinas.

1 A Congregação para a educação católica explicou no documento mencionado, de 3 de junho 1979, aquilo que
foi exigido pelo Concílio Vaticano II, que a liturgia deve ser considerada como uma das matérias mais importantes
para o estudo e para ser praticado e vivido nos seminários. Os seminaristas de teologia já devem ter recebido uma
formação básica de liturgia ao entrar no seminário, por isso neste curso introdutória para a teologia queremos
aprofundar os princípios de modo geral. Os seminaristas já deveriam conhecer o que dizem os números indicados
do Catecismo da Igreja Católica. No entanto, durante este curso vamos fazer frequentes referências aos números
do Catecismo. A Constituição Sacrosanctum Concilium seja considerada como o texto básico para este curso.
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Liturgia I

Outras obras serão indicadas durante o curso.


Na última Ratio formationis de 8 de dezembro de 2016 são confirmados estes aspetos da formação
litúrgica.

Índice
Introdução 7
a) Importância da Liturgia na Formação Sacerdotal (documento de 1979)
b) Natureza da Instrução: a vida litúrgica no seminário

ARTIGO I: NATUREZA DA LITURGIA E SUA IMPORTÂNCIA NA VIDA DA


IGREJA 7

1. Do culto em geral 8
Catabase e anabase 8
A volta catabática na teologia litúrgica 8
1.1. Explicação de conceitos 9
1.1.1. O termo ‘culto’ 9
1.1.2. A palavra "liturgia" 10
1.1.3. O termo latre,uw 11
1.1.4. O rito litúrgico 12
Ação e serviço de Deus para muitos
O mundo visível como condição para a liturgia
1.1.5 O que é celebrar, onde celebrar, como celebrar 28
1.4.2. A liturgia como festa 29

1.4.3. A estrutura da liturgia 30


1.4.4. O sacramento – a problemática do ‘mysterion’ 31
1.4.5. A celebração do mistério pascal 32

A Igreja como lugar e evento do dom da graça


Theosis: a divinização do homem e do mundo como fim da liturgia
1.1.5. Aproximando-nos de uma definição da "liturgia" 13
a) A liturgia como veneração (adoração, serviço) para a glória de Deus, e a salvação do
mundo 13
b) a liturgia como o exercício do ministério sacerdotal de Cristo 14
c) A liturgia como ‘sinal eficaz’ (visível) para uma ação espiritual (divina, sobrenatural,
interior) 14
d) a Liturgia como ação da Igreja (o sujeito da celebração) 15
1.2. O que é a ciência litúrgica? 33
1.4. O método litúrgico. As características próprias da ciência litúrgica
1.2.1. O estudo da liturgia no conjunto com outras ciências 36
1.2.2. O estudo das fontes 37
1.2.3. A importância do método histórico 38
1.2.4. O direito litúrgico - a rubricística 38
1.2.5. A teologia litúrgica 39
1.2.6. A semiologia da liturgia – estudo dos sinais 40
1.2.7. A oração litúrgica (eucologia) – estudo da oração (estruturas etc) 42
1.2.8. Os métodos na pastoral litúrgica
1.2.9. A espiritualidade litúrgica 43
1.3. Caraterísticas da Liturgia 16
1.3.1. A liturgia é universal
A liturgia é santificante - hierárquica
A liturgia é ‘dogmática’
Liturgia com expressão da fé - lex orandi, lex credendi

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Liturgia I

1.3.2. O invisível da liturgia 16


1.3.3. Os elementos que definem a ação litúrgica 17
1.3.4. Diferença entre liturgia e piedade popular 18
1.3.5. A estrutura da Sacrosanctum Concilium 18
1.3.6. Princípios para uma reforma litúrgica 19
1.3.6.1. Elementos mutáveis e imutáveis (SC 21) 21
1.3.6.2. Princípios da mistagogia (12 leis) 22
1.3.6.3. Princípio dum crescimento orgânico da liturgia 26

1.5. A origem divina da liturgia 44


1.5.1. A liturgia divina como obra da Santíssima Trindade
1.5.2. O Pai, fonte e fim da liturgia (CatIC 1077-1083) 45
- a criação como ato litúrgico
1.5.2.1. A liturgia dos anjos no céu (liturgia cósmica)
1.5.2.2. A liturgia dos homens no Antigo Testamento 46
1.5.3. O exercício do sacerdócio de Cristo 46
A) o sacerdócio de Cristo
Na sua vida na terra
No céu
b) realizado no mistério Pascual
c) na vida da Igreja
1.5.4. A ação do Espírito Santo na liturgia (CatIC 1091-1109) 50
- A liturgia na vida da Igreja
- Liturgia e devoção pessoal (SC 9)
- Liturgia cósmica (SC 8) e escatologia
1.6. A dinâmica da celebração litúrgica 52
1.6.1. A celebração do mistério
1.6.2. O que é celebrar, onde celebrar, como celebrar
1.6.3. Normas para celebrar – Legislação litúrgica
a. por causa do mandato de Cristo
b. história da legislação
1.7. Autores da teologia litúrgica 53
“Mediator Dei” e “Sacrosanctum Concilium”
A inculturação e as adaptações litúrgicas
O movimento litúrgico do século XX
A essência da liturgia segundo a descrição de alguns autores
A essência da liturgia segundo R. Guardini
Aspectos litúrgicos de J. Ratzinger
A obra de Odo Casel ‘o mistério de Cristo’,
Louis Bouyer ‘Espiritualidade litúrgica’
Cipriano Vagaggini, a teologia litúrgica

ARTIGO II - O CARÁTER DA LITURGIA COMO AÇÃO HIERÁRQUICA E


COMUNITÁRIA 59
2.1 O sujeito da celebração 59
2.2 A assembleia litúrgica 60
2.2.1 A convocação de Deus 61
2.3 A hierarquia e os diversos ministérios (bispo, sacerdote, diácono) 63
2.4 O sentido dos Ministérios litúrgicos (diakonia): 64
2.4.1 O presidente da assembleia litúrgica 64
2.4.2 O ministério litúrgico em geral 65
2.4.3 O sacerdócio ministerial 66
2.5 O sacerdócio real – 68
2.6 Aspecto comunitário do sacerdócio comum 69
2.6.1 Participatio actuosa 71

4
Liturgia I

2.6.2 Os ministérios do povo cristão 72


2.7 A inculturação e as adaptações litúrgicas 75
2.7.1 Elementos objetivos da liturgia (SC 33) 75
2.7.2 A música sacra 76

ARTIGO III: NATUREZA DIDÁTICA DA LITURGIA


2.8 A SACRAMENTALIDADE DA LITURGIA 77
2.8.1 Sinais e símbolos 78
2.8.2 Em busca de uma teologia do símbolo 78
3. Sinais litúrgicos 79
3.1 A obra de Photina Rech, Inbild des Kosmos 79
3.2 Símbolo, sinal-imagem, metáfora, alegoria, parábola 81
3.3 Simbolismo biblico e simbolismo litúrgico 82
3.4 A variedade dos gestos litúrgicos 85
SINAIS E SÍMBOLOS do Catecismo da igreja católica
3.5 Os cinco sentidos na liturgia 90
I. O QUE SE REFERE AOS CINCO SENTIDOS 90
3.5.1 O uso da palavra na Liturgia - proclamada (ouvir) 90
3.6 As fórmulas dos sacramentos 92
3.6.1 A oração do celebrante 92
3.6.2 Leituras (Deus fala a seu povo) 92
3.6.3 A homilia 92
3.6.4 Os cantos (resposta do povo) 92
3.6.5 A oração dos fiéis (resposta do povo) 92
3.7 Escutar: ouvir, silêncio 93
3.7.1 O silêncio 93
3.7.2 Os olhos que observam 93
3.8 O símbolo da luz 94
3.9 As Imagens 94
4 As cores 95
4.1 O cheiro – olfato: (cf.: uso do incenso)
4.2 O saborear – alimento (Eucaristia)
II. O CÓSMICO COMO SÍMBOLO: elementos naturais 97
5 Água 97
6 O elemento do fogo 98
7 O elemento do ar 99
7.1 Terra (barro, argila, pó, cinzas, chão) 99
7.1.1 As cinzas 99
7.2 O incenso ........................................... 100
7.3 As flores 101
8 O óleo 102
9 Sal 102
10 Comer e beber 103
10.1 O pão e o vinho para a Eucaristia 104
10.2 A água e o vinho no copo 104
11 As relíquias 104
III A LINGUAGEM DO CORPO 105
19 As atitudes (posturas) do corpo 105
20 Os gestos de humildade 106
21 A atitude e as ações do sacerdote que preside 106
22 Andar – caminhar 107
23 A linguagem das mãos 107
IV AÇÕES SIMBÓLICAS 108
24 A imposição das mãos 108
25 A Unção 109

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Liturgia I

26 O gesto da paz 110


27 O beijo – ósculo litúrgico 110
28 Partir (fração) o pão 110
29 O sinal da cruz, sinal do cristão 111
30 Lava-pés 112
31 Lavar as mãos 112
32 O jejum 112
V O LUGAR DA CELEBRAÇÃO (O ESPAÇO SAGRADO) 116
33 O edifício da igreja 116
34 Ao redor do altar (presbitério) 119
Altar, cátedra, ambão, tabernáculo
35 A fonte batismal 122
36 O confessionário 123
37 O coro 123
38 Sacristia (secretariam) 123
39 O cemitério 124
40 A torre (campanário) 124
40a Os sinos 124
41 As imagens sagradas 124
VI Utensílios sagrados, vestes e insígnias sagrados 125
42 Os vasos sagrados 125
43 Vestes sagradas 127
44 As insígnias 129
VII Os livros litúrgicos 133
45 Os Sacramentários 133
Ordines romanos,

ARTIGO IV: NOÇÕES DE HISTÓRIA DA LITURGIA (NO ORIENTE E OCIDENTE)


142
4.1 Do NT até os Padres da Igreja 142
4.1.1 As primeiras fontes da liturgia cristã 143
4.2 A liturgia durante os quatro primeiros séculos 144
4.3 A circunscrição eclesiástica 145
4.4 As diversas famílias litúrgicas 147
4.4.1 As famílias litúrgicas orientais 147
4.4.1.1 GRUPO SIRÍACO ORIENTAL 148
4.4.1.2 Grupo siro-occidental (Siríaco – occidental) 149
4.4.1.3 O GRUPO ALEXANDRINO 156
4.5 No Ocidente: os ritos 158
4.5.1 O rito romano 159
4.5.2 O rito ambrosiano 162
4.5.3 O rito da Gália 162
4.5.4 O rito hispânico ou moçárabe 162
4.6 DA ÉPOCA CAROLÍNGIA ATÉ SÃO GREGÓRIO VII 163
4.7 A Idade média adiantada (pré-escolástica) e a alta Idade Média 164
4.7.1 A Liturgia Romana transformada em instrumento de unificação 164
4.8 DA REFORMA GREGORIANA ATÉ AO CONCÍLIO DE TRENTO 166
4.9 A REFORMA LITÚRGICA EMPREENDIDA PELO CONCÍLIO DE TRENTO 168
4.9.1 A Liturgia romana de Trento ao Vaticano II (séculos XVI-XX) 169
4.9.2. Três séculos de estabilidade 172
5.1 O movimento litúrgico do século XX 173
5.2 A REFORMA LITÚRGICA DE SÃO PIO X ATÉ O CONCÍLIO VATICANO II 173
5.3 O Movimento Litúrgico 174
5.4 A Reforma Litúrgica do Concílio Vaticano II 174
6 Perspectivas para o futuro 175

6
Liturgia I

PRIMEIRA PARTE: NOÇÕES E PRINCÍPIOS

Introdução2
a) Importância da Liturgia em la Formação Sacerdotal
b) Natureza da Instrução: a vida litúrgica no seminário
Do documento sobre a liturgia na formação sacerdotal e sobre a vida litúrgica no seminário (1979):
8. Haverá vantagem em começar por uma introdução sobre o culto, considerado sob o ponto de vista antropológico e
psicológico, uma vez que ele afeta profundamente o espírito humano, podendo encontrar-se, embora de maneira
deformada, até nas sociedades ditas "secularizadas".
9. Na liturgia cristã, entretanto, é completa e ultrapassa largamente tal noção de culto, como o mostrará claramente a exposição
e comentário do ensino dos n. 5-13 da Constituição Sacrosanctum Concilium. Expõe-se- portanto:
a) a natureza da liturgia que "com razão [...] é considerada como exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo. Ela simboliza
através de sinais sensíveis e realiza, no modo próprio de cada um deles, a santificação dos homens; nela o Corpo Místico
de Jesus Cristo - cabeça e membros presta a Deus o culto público integral."
b) O mistério pascal da morte, ressurreição e ascensão de Cristo, celebrado pela Igreja na liturgia e do qual "todos os
sacramentos e sacramentais tiram a sua força";
c) o lugar da liturgia na economia da salvação: "As grandes obras divinas no povo do Antigo Testamento preludiaram" a obra
salvífica de Cristo, uma vez que "tudo assim sucedia como prefiguração". Finalmente a obra de Cristo foi consumada
uma vez por todas, quando, nascido de uma mulher e sujeito à Lei, sofreu sob Pôncio Pilatos e ressuscitou ao terceiro
dia. Desde então e até ao fim do mundo, a Igreja pregará o Evangelho e celebrará a eucaristia e os outros sacramentos,
reconhecendo a presença de Cristo principalmente na sagrada liturgia. Enfim, a liturgia terrestre antecipa a liturgia celeste
onde Deus será tudo em todos.
Explicar-se-á também:
d) que a liturgia se serve de sinais sagrados e visíveis para significar as realidades divinas invisíveis e que por eles se realiza,
de modo apropriado a cada um deles, a santificação do homem;
e) a liturgia, como exercício da função sacerdotal de Cristo, comporta um duplo movimento: de Deus aos homens, para operar
a sua santificação, e dos homens a Deus, para que eles possam adorá-lo em espírito e verdade;
f) embora a liturgia não esgote toda a atividade da Igreja, é, no entanto, a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e
fonte de onde promana toda a sua força. Será útil desenvolver este ponto segundo o espírito da Constituição Sacrosanctum
Concilium.

Art. I: Natureza da liturgia e sua importância na vida da Igreja


Entendemos a liturgia católica como a celebração do mistério de Cristo, celebrado na Igreja
mediante sacramentos e sacramentais. Os méritos da salvação, que Cristo adquiriu pela sua morte na
cruz, se atualizam e se aplicam aos fiéis pela liturgia da Igreja. A liturgia é celebrada pelos ritos
estabelecidos, em última instância, revelada por Deus. A religião cristã tem como fundamento a
revelação de Deus, assim também a liturgia. Pelo contrário, nas mitologias não se trata de uma revelação
divina, são antes redações legendárias3, que descrevem o comportamento humano.
A realidade sobrenatural da liturgia sempre fica encima das nossas palavras e imaginações. Quem
contempla o mistério de DEUS, sempre achará novos tesouros. No entanto, a liturgia quer formar as
condições para aproximar estes tesouros da ação divina. Pela liturgia a Igreja celebra o mistério divino,
que se expressa como uma obra de arte. Mas, toda beleza do mundo não é suficiente para oferecer uma
margem e condição digna para a grandeza deste mistério.
Para que este mistério possa ‘tomar forma’ eficazmente, ou seja, fazer-se visível, precisa-se das
regras. Como tudo está ligado ao mistério da Encarnação do Filho de Deus, que tomou forma humana,
e é preciso seguir tais regras, no modo como Deus se revela na Bíblia sobre este mesmo mistério. A
liturgia não é uma invenção humana, mas é dada por Deus. Assim como no AT foi mostrada a Moisés
a liturgia celeste detalhadamente (cf. Ex 25), e ele a transmite fielmente a ser celebrada pelo povo de

2
CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO RELIGIOSA. Instrução sobre a formação litúrgica nos seminários,
de 13 de junho de 1979.
3
A mitologia grega é o estudo dos conjuntos de narrativas relacionadas com os mitos dos gregos antigos e dos
seus significados. Para muitos estudiosos modernos, entender os mitos gregos é o mesmo que lançar luz sobre a
compreensão da sociedade grega antiga e seu comportamento, bem como suas práticas ritualísticas. Os mitos
gregos ilustram as origens do mundo, os modos de vida, as aventuras e desventuras de uma ampla variedade de
deuses, deusas, heróis, heroínas e de outras criaturas mitológicas. Existem diversas teorias sobre a origem da
mitologia grega. De acordo com a Teoria Escritural, todas as lendas mitológicas procedem de relatos dos textos
sagrados, cujos feitos reais foram disfarçados e posteriormente alterados. A Teoria Histórica, por sua vez, defende
a tese de que todas as pessoas mencionadas na mitologia foram uma vez seres humanos reais, e as lendas sobre
elas são meras adições de épocas posteriores.
7
Liturgia I

Israel, assim, a liturgia necessita de um modelo, e este protótipo é Cristo4. A liturgia é também uma
‘epifania’ ou manifestação da Igreja e manifestação da fé. Não é um indivíduo que faz a liturgia, mas é
toda a Igreja, Jesus agindo em conjunto com seu Corpo místico.

1. Do Culto em Geral
Desde o início da história humana, o homem sente a necessidade de entrar em contato com Deus
pelo diálogo e oferecendo sacrifícios. Caim e Abel oferecem sacrifícios para agradecer a Deus. O
homem, que cultiva a terra, sabe que precisa da benção de Deus e deve agradecer a ele. Assim se trata
na liturgia de um culto que o homem oferece, um movimento que vai de baixo para cima o que
chamamos ‘anabase’ (do grego ana-baino = subir). Mas também há o movimento de Deus para o
homem, ou seja, de cima para baixo que chamamos ‘catabase’.

O mundo visível pressuposto para a liturgia


Da total e absoluta dependência em que se encontra o ser humano, com respeito a Deus, seu
supremo princípio e último fim, nasce um complexo de deveres que o unem estreitamente e constituem
o objeto material da virtude da religião.
A pessoa, com efeito, criatura de Deus e elevado ao estado sobrenatural, deve ao Criador o culto
da veneração e adoração, quer dizer, o reconhecimento humilde e sincero de sua própria dependência.
Enriquecido gratuitamente com dons maravilhosos, deve-lhe o tributo do reconhecimento; pecador pela
fragilidade de sua natureza e malícia da vontade, tem a obrigação de satisfazer à Majestade divina
ultrajada. Fraco e impotente, deve implorar com súplicas os auxílios naturais e sobrenaturais que lhe são
indispensáveis para atingir sua própria finalidade. Nos atos com que o ser humano cumpre este
quádruplo dever de adoração-agradecimento-satisfação-petição, constituindo-se o culto religioso
privado. O qual, pode considerar-se sob um duplo aspecto: interior, que emana radicalmente das
faculdades espirituais características do ser humano, a inteligência e a vontade; exterior, quando os
sentimentos internos da alma se manifestam visivelmente mediante os atos materiais do corpo.
Como o ser humano é uma natureza mista, porque à alma espiritual vai unido um corpo, criado
por Deus, que participa dos benefícios divinos e que, por desgraça, fica frequentemente a serviço da
vontade para cometer o pecado. Tudo isto leva consigo, também para o corpo, o dever de associar-se à
alma nos atos da religião, não esquecendo que, se por lei natural, todo movimento da alma repercute no
corpo, o sentimento religioso, que é certamente dos mais fortes e profundos, tem necessidade de
manifestar-se no exterior. A história religiosa de todos os povos nos oferece uma demonstração
elucidativa.
Mas a pessoa não foi feita para viver só; Deus o criou para viver em sociedade; é um ser social. Por
conseguinte, a sociedade humana, pelas mesmas razões que valem para o indivíduo, tem à sua vez a
obrigação de dar a Deus, seu autor, um culto público e social.
Este culto, cuja organização Deus podia deixar à livre escolha dos chefes da sociedade, quis
organizá-lo. O termo culto, portanto, que, em sentido genérico, significa toda expressão de sentimento
religioso, designa, em sentido objetivo, aquele conjunto fixo e ordenado de normas pelo qual se acha
organizada a religião exterior, correspondente a uma determinada sociedade. Teremos assim um culto
pagão, um culto hebreu, um culto cristão. Neste último caso, culto deve ser, como veremos, sinônimo
de liturgia.

1.1. Explicação de conceitos

1.1.1. O termo ‘culto’


A palavra ‘culto’ vem do latim “colere” (cultivar) e corresponde ao grego douleuein, ou
latreuein, corresponde mais ao hebraico abodah (hdb[), e indica uma atitude de serviço do homem a
poderes superiores. Onde há religião, necessariamente se manifesta um culto. A religião encontra no

4
Por exemplo, um pintor de ícones nas igrejas orientais, não pode pintar à vontade, não pode criar nova obra, mas
deve fazer visível o original. Precisa observar certas regras, seja para a escolha das medidas ou para a escolha das
cores. Não se fala de pintar um ícone, mas de ‘escrevê-lo.’ O artista deve preparar-se com oração e jejum, porque
a obra não deve ser considerada como sua própria, mas uma obra feita pela inspiração divina, uma manifestação
do Espírito Santo e, para os fiéis, uma instrução nas verdades da fé.
8
Liturgia I

culto seu “Sitz im Leben”. A ação cultual é um ato simbólico que transcende a si mesmo e indica uma
relação viva com o ser superior (Deus).
Pelo conceito ‘culto’ se entende a capacidade própria do homem, através da compreensão
simbólica e ações simbólicas, penetrar e iluminar o sentido da própria existência e do mundo para
guardar e cultivar o mundo, apesar do perigo de sua destruição. Todos os atos rituais têm como base a
fé, na qual a execução cultual está causando efeitos reais.
O homem para que possa participar do culto, deve estar preparado. O primeiro critério é a pureza
do coração. Um aspecto do culto é a santidade, e a santidade significa precisamente ‘separação do
profano’. Criam-se espaços sagrados, tempos sagrados, símbolos e sinais que favorecem o âmbito do
sacro. Para poder entrar em contato com Deus, o homem deixa atrás o profano e entra no âmbito do
sacro, que encontramos em todas as religiões.
O culto é toda a prática da religião, constitui e expressa a relação Deus – homem. O culto
apresenta sua história: no culto do povo de Israel encontramos diversos ritos e um desenvolvimento
histórico. O culto hebraico exige a conversão do coração, mas trata-se de sacrifícios externos para
purificar o homem. Cristo inaugura um culto espiritual, o que implica uma mudança radical. Não
condena o culto de seu povo, mas, com ele inicia-se um culto “no espírito e na verdade” (Jo 4,24). Sua
oferta constitui a plenitude do culto, sua máxima perfeição.
O culto da Igreja tem Cristo como centro; nem todo culto que distinguimos do culto pessoal e
privado é litúrgico. O culto cristão não consiste na execução de certos ritos e cerimônias, mas sobretudo
na transformação da própria existência por meio da caridade.
Entretanto, devemos esclarecer a relação entre a liturgia sacramental e culto espiritual: a partir
do contato sacramental com Cristo é possível a transformação da vida para oferecer a Deus um culto
espiritual. Mas o culto espiritual não pode ser somente interior e arbitrário. Rechaçar o sacramento,
significa rechaçar a ordem da encarnação e cair na ilusão errônea de acreditar-se capaz de autossalvação.
Em tal modo, o Cristo estaria reduzido somente a um modelo moral para ser imitado. Mas o sacramento
significa a iniciativa de Deus. Pelo batismo, começa a vida no Espírito e, portanto, a possibilidade de
que a vida cristã seja, em sentido amplo, uma contínua liturgia.
Distinguimos um culto exterior e interior, um culto público e privado etc., enquanto por liturgia
entendemos uma determinada forma do culto, quer dizer, principalmente o culto que Cristo oferece
como Sumo sacerdote ao Pai.

1.1.2. A palavra "liturgia" (sentido etimológico)

No Catecismo se pergunta: QUE SIGNIFICA A PALAVRA LITURGIA?


CIC 1069 A palavra "liturgia" significa originalmente "obra pública", "serviço da parte do povo e em favor do
povo". Na tradição cristã, ela quer significar que o povo de Deus toma parte na "obra de Deus" 5. Pela liturgia,
Cristo, nosso redentor e sumo sacerdote, continua em sua Igreja, com ela e por ela, a obra de nossa redenção.
CIC 1070 A palavra "liturgia" no Novo Testamento é empregada para designar não somente a celebração do culto
divino6, mas também o anúncio do Evangelho7 e a caridade em ato8. Em todas essas situações, trata-se do serviço
de Deus e dos homens. Na celebração litúrgica, a Igreja é serva, imagem do seu Senhor, o único "liturgo"9,
participando do seu sacerdócio (culto), ministério profético (anúncio) e régio (serviço de caridade):
Com razão, portanto, a liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual,
mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a cada sinal, realizada a santificação do
homem, e é exercido o culto público integral pelo Corpo Místico de Cristo, cabeça e membros. Disto se
segue que toda a celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote e de seu corpo que é a Igreja, é ação
sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da
Igreja10.

5
Cf. Jo 17,4.
6
Cf. At 13,2; Lc 1,23.
7
Cf. Rm 15,16; Fl 2,14-17.30
8
Cf. Rm 15,27; 2Cor 9,12; Fl 2,25.
9
Cf. Hb 8,2.6.
10
SC 7.
9
Liturgia I

O conceito liturgia é de origem grega do “lh,iton e;rgon”, composto de duas palavras: “lh,itoj",
quer dizer, ‘o que pertence ao povo’ de “laoj”, e “e;rgon'', a obra, o serviço. O sentido original é: uma
obra do povo, ou um serviço público. Na antiguidade grega, cada serviço público era chamado ‘liturgia’,
ou seja, no sentido profano, aquilo que foi ‘feito no interesse do povo’.
O sentido de uma palavra é diferente nas diversas culturas e nas diversas épocas no decorrer da
história. Na cultura grega, no seu uso profano, se entendia um serviço público, geralmente ‘da parte do
povo’ ou ‘em favor do povo’. Se entendia, por exemplo, o pagar dos impostos como uma ‘liturgia’. Mas
também se usava o termo para indicar uma contribuição para determinados serviços de interesse comum,
o que foi obrigação para todos os cidadãos. Também encontramos na cultura grega o seu uso para
determinar o culto que se oferece aos deuses. Entre os escritores gregos, encontramos o uso da palavra
‘liturgia’ para os mais diversos serviços, inclusive para os serviços privados dos escravos.
Diferente era o seu uso na cultura do povo judeu. Na Septuaginta, na tradução grega da Bíblia
(AT), a palavra leiturgein é usada para descrever o serviço dos sacerdotes e levitas no templo.
Segundo a origem hebraica, encontramos duas palavras, que a LXX traduz por ‘liturgia’: sheret
(trv) e abodah (hdb[).
A palavra sheret se traduz para o grego com a palavra parestein (estar ao lado, como um servo,
para servir e auxiliar); latreuein (no sentido de culto); doulein e diakonia, terapon etc. Mas no seu
sentido religioso e cultual, sheret se traduz exclusivamente por liturgein.
A palavra abodah se traduz para o grego, segundo seu uso com várias outras palavras: Abodah
significa cultivar a terra (daí o termo ‘culto’ como ação própria do homem). Somente quando a palavra
se refere ao culto sacerdotal no templo, se traduz para o grego por leitourgein.

Significado na No AT (heb.) Na LXX e no NT No NT e na Igreja


cultura grega
‘liturgein’ = tem ‘abodah’ (hdb[) – ‘latreuo’ latre,uw – remuneração, culto, a Liturgia é o culto
um significado cultivar a terra adoração,[...] que Jesus oferece
profano de um ‘doulia’– servir (como escravo) com a Igreja a Deus
serviço público, ‘sheret’ (trv) ‘leiturgein’ leito,urgein – serviço dos Pai.
como pagar – serviço sacerdotes no templo (orações, sacrificios e
impostos sacerdotal holocaustos)
‘parestein’ – estar ao lado, auxiliar e servir
‘diakoniein’ – servir no sentido litúrgico

No Novo Testamento, o termo ocorre 15 vezes. É usado no mesmo sentido do seu significado
original, por exemplo, para o ministério dos anjos no serviço da Igreja (Hb 1,4), ou também para
atividades sociais caritativas (Rm 15,27 e 2Cor 9,12; Fl 2, 25.30). No sentido mais restrito, com
referência à ação do culto, se pensa na expressão de Hb 8,1.2: "sentou-se à direita do trono da Majestade
nos céus como celebrante (liturgo – leitou,rgoj) no santuário”. De acordo com Hb 8,6 diz: “agora ele
alcançou um ministério (leitourgia) tanto mais excelente, quanto mediador de uma melhor aliança que
está confirmada em melhores promessas”. Similarmente diz At 13,2, “enquanto eles estavam fazendo o
santo serviço ao Senhor (leitourgonton)”.
Séculos mais tarde, a palavra está sendo usada no cristianismo mais para o culto dos seus
mistérios (sacramentos). Um testemunho oferece Hipólito de Roma (pouco depois do ano 200): “não se
impõem as mãos (à viúva), porque ela não oferece sacrifícios, e porque ela não exerce um serviço
litúrgico”. Depois, se reservava, no Oriente, a palavra liturgia exclusivamente para a celebração
eucarística. No Ocidente, quase não se usava.
Somente no século XVI, aparece novamente, provavelmente sob a influência dos humanistas, em
diversos títulos de livros. Nos documentos oficiais da Igreja, a palavra foi encontrada muito mais tarde.
Desde o século XIX, foi utilizada mais frequentemente e agora tornou-se o termo técnico para o culto
oficial da Igreja.

1.1.3. O termo latre,uw


A palavra grega ‘latreuo / latreuein’ está formada de ‘latron’ que é a remuneração ou o salário
que se paga aos soldados. Assim ‘latreuein’ significa trabalhar por um salário, ou ‘servir’. No AT, o uso
de ‘latreuo’, como o apresenta a LXX, é a tradução do hebraico ‘abodah’. Abodah frequentemente se
10
Liturgia I

traduz do hebraico também para o grego doulein, quando se trata de um serviço comum. Quando se trata
de um ato religioso se usa latreuo, que tem um significado sacro.
No NT se usa latreuo para o serviço sacrifical. Quase fica idêntico latreuo e leitourgeo, p. ex., na
carta aos Hebreus. Latreuo se usa também para a oração, adoração e veneração cultual em geral. Enfim,
a palavra se refere a sacrifícios vivos, ou sacrifícios espirituais: ‘logiké latreia’, é um conceito corrente
do tempo e um culto, que corresponde à razão humana, na qual está atuando a razão divina, pela ação
do Espírito Santo.
Importante é também distinguir entre o aspecto exterior e interior, entre o caráter público ou
privado, natural ou sobrenatural, quando falamos do culto. O culto cristão tem a sua origem no culto
judaico. Certos conceitos são traduzidos do hebraico para o grego e mais tarde aplicados como conceitos
(termos técnicos) para o culto cristão. O serviço que se oferece a Deus, na sua essência, contém um
sacrifício. A palavra latreia, que contêm o significado de ‘adoração’ é reservado somente para Deus.
Para um serviço às criaturas santas se usa a palavra douleia (escravo, servo). Aos santos se presta
veneração (douleia), a nossa Senhora uma veneração especial (hiper-doulia).

1.1.4. O rito litúrgico

Segundo a raiz indoeuropeia ‘r´tam’ significa ‘a ordem cósmica e a atuação dos deuses segundo
essa ordem’. Segundo a etimologia de origem do sânscrito o termo ‘riti’ designa ‘aquilo que está
conforme a ordem’.
O rito é uma ação simbólica de caráter tradicional.
Na sociedade humana, encontramos comportamentos rituais, expressões rituais, cerimônias etc.
No campo antropológico, observa-se certa uniformidade numa série de práticas sociais, coletivas ou
individuais. Já na criança, encontramos na atividade lúdica (no jogo) certos comportamentos rituais,
porque imita a realidade.
O rito nem sempre apresenta uma utilidade. O rito parece ser uma ação que se repete segundo
regras. No rito não há ligação direta entre causalidade e efeito; sua utilidade não é visível como na
prática técnica. Contém sempre uma relação com a dimensão não-fenomenal, extraempírica, de algum
modo sobrenatural e religiosa, ou também é puramente humano-sociológica.
História do rito: o agir ritual é logicamente anterior a uma revelação da divindade. O homem,
pelo rito, está buscando e tratando de se comunicar com a divindade desconhecida. O homem busca
inicialmente uma segurança de vida; busca também satisfazer o sentimento de uma santa presença do
divino. O homem, pelo rito, busca uma solução a diversos problemas, especialmente dos seus inimigos:
a morte, o pecado ou o demônio.
No cristianismo não somente distinguimos os ritos litúrgicos, mas também os ritos da piedade
popular: novenas, rosário, procissões etc. Em primeiro lugar, se querem recordar eventos salvíficos para
fazê-los presentes. Para Odo Casel, o rito está em relação com o mistério. A liturgia cristã é chamada
constantemente mistério, baseando-se em diversos fatos: 1) a existência de um acontecimento primordial
de salvação; 2) que este acontecimento se faz presente pelo rito; 3) que o homem de todos os tempos,
através do rito, realiza a sua e a universal história da salvação.
O mistério cristão não é tanto uma ação humana, mas uma ação de Deus. Os sacramentos não
são cognoscitivos ([...]-logia), mas antes de tudo uma ação de ordem prática (-urgia). O fazer tem
prioridade. As celebrações litúrgicas não são o lugar para o discurso teológico; é um agir que vê uma
eficácia real e benéfica para os participantes.
O rito cristão é instituído segundo determinadas circunstâncias, tempos, e eventos transmitidos
pelo ambiente ou pela cultura. Originalmente era inserido dentro da tradição judaica. Na ritualidade,
usa-se a linguagem verbal ou não verbal, mas com o mistério da encarnação do Verbo de Deus, a
verbalidade apresenta a forma principal do rito cristão. Tal forma vai junto com a matéria (um elemento
material), executado pelo ministro do rito. A força do rito depende da atenta dinâmica entre as constantes
e as variáveis que o ministro e a comunidade aplicam na sua execução.
Na liturgia cristã, Jesus não inventou nem instituiu totalmente novos ritos. O que fez, foi dar um
novo sentido às tradições e corrigir os abusos. Também instituiu novos elementos que mudaram
totalmente o sentido do culto (p. ex., a oração do Pai Nosso).
Qual é a diferença entre liturgia e rito? Anteriormente existia a chamada Sagrada Congregação
dos ritos, agora se chama Congregação para o Culto divino.

11
Liturgia I

Os ritos são a parte exterior da celebração, que se deve regular pela rubricística, dando normas
e vigiando sobre a celebração dos ritos. A liturgia inclui muito mais, sobretudo a parte invisível do
mistério celebrado. Assim como a própria Igreja é sacramento ou mistério, assim também a Liturgia é
misteriosa pela sua natureza sacramental. Ao contrário, o rito é simplesmente aquilo que deve ser
executado pelo homem ou pela Igreja, junto com a oração.
O rito deve permitir prioridades com respeito àquilo que se deve fazer durante a liturgia; não
tolera moralismos, explicações sem fim ou atitudes subjetivas. Simplesmente deve ser executado; o seu
primeiro objetivo não é ensinar. Quando é colocado em prática, efetua por si mesmo aquilo que significa.

Liberdade (criatividade, arbitrariedade) ou Ritualismo rígido (perfeição externa, sem espírito


interior). Deve-se cuidar da harmonia entre ação e contemplação.

Uma dificuldade que apresenta o rito, é que pode cair no extremo de um ritualismo, não
deixando espaço para uma certa liberdade individual. A arte da celebração consiste também em um
equilíbrio certo entre obediência ao rito e à liberdade individual. Escreve J. Ratzinger:
“A crise da liturgia não consiste na diferença entre os livros litúrgicos antigos e novos. Sempre houve tais
diferenças. Uma questão fundamental deve-se buscar na estrutura da celebração mesma. Dois conceitos se
opõem na visão litúrgica:
A liturgia não é um culto piedoso objetivo que simplesmente se deve executar. Qual é o essencial, aquilo
que fazemos como ato da comunidade ou aquilo que não se vê? A atitude dos participantes se exprime em
duas formas:

1.1.5. O Verbo celebrar


1.1.5.1 O que é celebrar, onde celebrar, como celebrar?
A liturgia é, antes de tudo, uma ação, uma celebração. Antigamente se falou da ‘ação’, hoje se
fala da ‘celebração’. Celebrar, o que significa11?
Celebrar deriva do latim ‘celeber’ que exprime a ideia de um lugar onde uma multidão celebra uma
festa. ‘Celebrar’ apresenta um cunho festivo, ritual e comunitário na ação. O substantivo celebração, no
sentido religioso, designa a ação de celebrar, realizar solenemente as cerimônias do culto. É sinônimo
de ‘glorificar, louvar, exaltar e festejar’.
Na vida social o ‘celebrar’ indica uma festa, mas no sentido religioso pensamos também no
aspecto ritual, que se segue às regras estabelecidas. Na Igreja entendemos os atos de culto, que são
oferecidos a Deus, uma glória perfeita e os homens são santificados pelo exercício do sacerdócio de
Cristo’.
A celebração católica é representação e atualização no plano local-temporal do exercício do
sacerdócio de Cristo; celebra-se um rito para realizar o mistério de Cristo.
O culto, o rito e a festa delimitam a área da celebração. O caráter específico do celebrar cristão
se realiza no estritamente simbólico. Trata-se de um apresentar, no meio da assembleia, pelos gestos,
textos e outros atos expressivos. A celebração cristã é uma ‘festa’12, onde a comunidade acolhe o
acontecimento rememorado. A celebração precisa de um clima de festa que abra o espírito à linguagem
dos símbolos, mas como sendo festa, indica uma participação social. É uma reunião por um chamado e
uma resposta. A festa nasce da escuta interior, não se trata, na sua essência, da parte externa cerimonial.
No entanto, a celebração é um momento expressivo, solene, simbólico, ritual e sacramental da liturgia,
iniciada por Deus mesmo. Se Deus chama, é para convidar para uma festa. É a alegria que se expressa
nos salmos: ‘que alegria quando me disseram, vamos à casa do Senhor’.
O autor Alfredo Pouilly13 no seu artigo “O que é celebrar?”, fala da dança na América latina,
como expressão da piedade popular. Fala também da dança litúrgica, comum entre os cristãos dos
primeiros séculos, mas sem dar uma fonte concreta. Depois analisa o sentido psicológico e sociológico
da festa: “A festa é a superação do puramente normativo e da busca de eficácia de modo estritamente
gratuito”.

11
Cf. CELAM [Ed]. Manual de Liturgia I. POUILLY, ALFREDO. O que é celebrar? p. 63-82.
12
Esse termo foi usado pela primeira vez no documento de Puebla (1979).
13
CELAM [Ed], ibid. p. 67.
12
Liturgia I

O celebrar significa tornar-se como crianças. Neste sentido é viver em um outro ambiente,
semelhante como Guardini descreveu a liturgia como um jogo. O homem tem necessidade da festa e da
celebração.
A festa permite viver no tempo em plenitude. Em relação ao tempo, a festa é a) memorial, b)
presença, e c) profecia. Em relação à comunidade, a festa implica convocação, pertinência e abertura.
Em seguida, o autor estuda a estrutura da festa: quem celebra, para que (finalidade), onde, quando e
como se celebra (circunstâncias).

1.1.4.2. O conceito da ‘festa’. A liturgia como festa


A celebração na liturgia é definida por Alfredo Pouilly como ‘a celebração do mistério pascal’.
Deus nos convocou para fazer memória ao mistério da salvação e atualizá-la. O autor menciona a Odo
Casel, para quem a celebração é uma Epifania, uma manifestação do divino na ação ritual, o que ao
mesmo tempo significa uma presença. O mistério de Cristo manifesta-se e torna-se eficazmente presente
em toda celebração litúrgica. A presença do mistério confere à celebração um caráter de atualidade:
“Hoje nasceu para nós um Salvador”, “hoje o Senhor ascendeu aos céus” etc. Na celebração litúrgica,
recria-se o acontecimento por meio de um relato. A celebração nos permite estabelecer comunhão com
outros, olhar num horizonte mais amplo.
Quem celebra? Os protagonistas da festa são Deus e o ser humano. A iniciativa procede do Pai
que convoca. O Filho pela sua obediência realiza como protagonista a ação litúrgica. O Espírito Santo
personifica a plenitude do diálogo intra-trinitário do Pai e do Filho.
Da parte dos homens, a festa litúrgica é celebrada pelos batizados, constituídos em povo
sacerdotal. Todos são celebrantes da liturgia, embora de modo diverso, segundo a hierarquia (cf. SC 26).
Em seguida, Pouilly apresenta um novo conceito da liturgia: “Ação de Deus, Festa do Povo, Festa de
Deus, Ação do Povo”.
Em Puebla (1979), foi definida desta maneira: “A liturgia é festa de comunhão eclesial, na qual
o Senhor Jesus, por seu mistério pascal assume e liberta o Povo de Deus [...]”. Assim, a festa acentua o
sentido experiencial e celebrativo. Conclusão de Pouilly: “a liturgia não é o cumprimento de um rito,
nem a simples participação numa ação [...] mas uma comunhão profunda com Deus e com os homens
[...] um pré-saborear a plenitude que se espera do Reino”14.
No entanto, é preciso ter cuidado com tais ideias como “a liturgia não é o cumprimento de um
rito”, porque se quer ver a festa como a vivência da liberdade, e não como a execução de um rito. O rito
exige obediência às normas, e a tendência de alguns autores modernos quer, às vezes, eliminar certas
definições ‘pré-conciliares’. É necessário considerar todos os aspectos. Continua o autor:
“Sem dúvida, a ‘festa’ comporta uma ruptura do cotidiano, é um sair da vida escravizante [...] No mundo
do trabalho, do ganho máximo, a festa é só uma ‘pausa que refresca’, uma válvula de escape das paixões
acumuladas. Faz-se festa, descansa-se para trabalhar melhor ou para esquecer-se de uma existência que
não vale a pena viver” (ibid. p. 79-80).
Não negamos que a liturgia tem efeitos colaterais de ser como um jogo e um descanso, mas isto não é a
essência da liturgia! Olhamos o que diz o Catecismo:
CIC 1135 A catequese da liturgia implica primeiramente a compreensão da economia sacramental
(Capítulo I). À sua luz, revela-se a novidade de sua celebração. No presente capítulo, portanto, tratar-se-
á da celebração dos sacramentos da Igreja. Considerar-se-á aquilo que, pela diversidade das tradições
litúrgicas, é comum à celebração dos sete sacramentos; o que é próprio de cada um deles será apresentado
mais adiante. Esta catequese fundamental das celebrações sacramentais responderá às questões
primordiais que os fiéis levantam a este respeito: - Quem celebra? - Como celebrar? - Quando celebrar?
- Onde celebrar?

O papa Bento XVI fala de uma crise da liturgia, que não é por causa da diferença entre os antigos e
novos livros litúrgicos. O problema vai mais profundo, não é o aspecto exterior das rubricas, mas a
dissensão sobre a essência da celebração litúrgica (a missa para uns é um sacrifício, para outros é uma
ceia), sua origem e seu portador. A pergunta sobre a estrutura é fundamental.
O conceito, seguindo a definição de Puebla (1979), da liturgia como festa, entende-se como “liberdade
independente e criatividade”. Consequentemente conceitos como ‘rito’, ‘ordem eclesiástica’ se
considera como conceitos negativos, uma descrição da antiga liturgia. Se a liturgia é considerada como

14
CELAM [Ed], Manual de Liturgia I, p. 79.
13
Liturgia I

a celebração da festa da assembleia, a ‘forma’ desta festa se aproxima mais a uma atitude que parece a
um ‘party’, uma reunião social, segundo o valor do divertimento dos participantes. Este efeito depende
logicamente da criatividade e das ideias do anfitrião ou organizador da festa15.
A liturgia tem como estrutura dinâmica a essência de uma festa, mas ainda não fica clara a causa que
justifica tal festa. Alfredo Pouilly dá uma explicação:
“A festa é uma aprovação global da vida [...] celebramos porque cremos que a vida é radicalmente boa [...]
a festa é imaginação: utopia de um mundo melhor. [...] dos valores que a rotina cotidiana nem sempre nos
permite viver – liberdade, alegria, fraternidade” (ibid. p. 68).
O autor continua suas explicações e, na página 74, faz referência “à liturgia (como) celebração do
mistério pascal [...] nessa perspectiva, a celebração litúrgica é imaginação: aproxima-nos do sonho de
Deus [...] (Expressão): dos valores do Reino [...] com os quais somos chamados a nos comprometer.
(Protesto): denúncia e transformação de todos os antivalores.”
Neste sentido podemos denominar a liturgia também como um jogo com perspectivas diferentes,
uma liberdade para sair da escravidão. Isto foi o sentido das festas em todas as culturas. No entanto,
posso expressar a minha liberdade, somente quando estou livre realmente. Ao contrário, seria um engano
muito trágico. Tal tragédia acabaria na droga e na bebedeira e embriaguez.
Se dissermos que a liturgia é uma festa, aparece a questão da morte. Se a festa dá licença para
a alegria, tal licença deve resistir também a esta questão da morte. A festa religiosa sempre quer
responder a esta pergunta. Uma festa é plenitude de vida, portanto, deve oferecer vida eterna. A nossa
festa é a Ressurreição. O seu conteúdo é a cruz e a nova vida em Cristo.
Comenta Ratzinger:
Uma atitude de celebração festiva (cerimônias de saudação, elementos de divertimento ou uma recriação
da assembleia), e segundo o seu efeito se julga a qualidade da celebração. A outra atitude oposta é prestar
um serviço a Deus, cumprir com uma obrigação, e executar uma cerimônia.
A liturgia tem essencialmente o caráter da festa. O que faz com que a festa seja festa, é certamente a
experiência agradável da comunidade, a espontaneidade e o sair do peso do ritmo do trabalho diário. Neste
sentido, a liturgia tem algo do ‘jogo’ e da liberdade. Mas a festa não se pode organizar e determinar, precisa-
se de uma razão para a celebração que produz a alegria. Esta razão é a libertação do homem da escravidão
do pecado pela própria ação de Deus. O que então dá estrutura à celebração, é sempre o mistério pascal. A
nossa alegria custou a Cristo a sua vida, por tanto, a liberdade que encontramos na festa da liturgia, é sempre
um dom gratuito que Deus oferece.
Cristo morreu orando, glorificando o Pai, por tanto, a adoração é sempre o primeiro ponto essencial para a
estrutura da celebração. O mistério pascal e a celebração da ressurreição significam adoração, que é o
sentido central da liturgia cristã. Qualquer celebração litúrgica, na verdade, é adoração.
Depois encontramos o caráter cósmico e universal da liturgia. A comunidade não se faz comunidade pela
interação, mas por receber o dom de Deus na sua totalidade e que o devolve da mesma maneira como
totalidade. A liturgia como festa vai mais além daquilo que o homem pode fazer. Jesus inseriu a sua liturgia
organicamente na tradição de liturgia judaica. A Igreja continua tal processo de aprofundamento interior,
da purificação e da amplificação do sentido da Liturgia. Não pode cair na arbitrariedade, porque o grande
mistério é celebrado da mesma maneira, seja numa capela ou em uma grande catedral. Ao contrário, a
liturgia produzida pelo povo, a liturgia criativa se move num círculo e se fecha em si mesmo, não inclui
toda a amplidão dos séculos da história da Igreja” (ibid.).

1.1.6. Aproximando-nos de uma definição de "liturgia"

O que se deve entender objetivamente por liturgia? Entendemos agora o culto oficial da Igreja. Mas
esta seria uma descrição que deixa insatisfeito cada liturgista. E há várias razões.
Os elementos que definem a ação litúrgica (segundo a SC 7)
a) Deve ter sido instituída por Cristo ou pela Igreja;
b) deve realizar-se em nome de Cristo e da Igreja;
c) deve ser realizada por pessoas com poder ministerial e encargo oficial;
d) deve realizar-se em conformidade com as normas estabelecidas;
e) deve ser dedicada à glorificação de Deus e à santificação dos homens.
Para formar uma definição completa da liturgia, devemos considerar os seguintes elementos:
1) é uma ação divina, obra da santíssima Trindade, participação no diálogo intratrinitário,

15
Cf. RATZINGER, J. (2019). Opera Omnia XI: Teologia da liturgia, p. 384.
14
Liturgia I

2) realizado pelo sacerdócio de Cristo,


3) age em direção ascendente: é culto divino (serviço e adoração) para a glorificação de Deus,
4) direção descendente: é comunicação da graça divina para a santificação dos homens,
5) feito por sinais visíveis que exprimem uma realidade invisível,
6) e ação de todo o Corpo místico (cabeça e membros; o sujeito é o Christus Totus, inclui a igreja
peregrinante e triunfante).
Efeitos secundárias da celebração litúrgica: A liturgia
- é uma epifania (manifestação) da Igreja e um anúncio (kerigma),
- a liturgia é uma catequese – instrui o povo nas verdades da fé,
- une o povo de Deus em um só corpo (efeito santificante).

a) A liturgia como veneração (adoração, serviço) para a glória de Deus e a salvação do mundo
Mesmo a palavra "serviço a Deus" pode ser mal interpretada, que significa o “culto da Igreja”,
quando se fala de "liturgia". "Culto" é bastante inadequado quanto ao significado, para ser usado como
um termo geral na definição de "liturgia". "Culto" quer dizer aquilo que as pessoas oferecem para
venerar a Deus. A liturgia é mais do que "culto" como indica a constituição do Concílio Vaticano II (cf.
SC 5-7), ou, por exemplo, a oração sobre as oferendas do nono Domingo depois de Pentecostes: “Na
liturgia, especialmente no santo Sacrifício da Eucaristia, realiza-se, a saber, a obra da nossa redenção”.
A liturgia é um evento sacramental, uma ação de Deus para nós. Este aspecto “sotérico”
(salvífico) da liturgia é igualmente tão importante quanto o aspecto “latrêutico” (culto da Igreja) que
venera e adora a Deus, porque nos dois elementos se manifesta claramente a glória de Deus. "Culto"
não é um termo genérico para uma adequada definição da liturgia. Também não é adequada a palavra
"serviço" (em alemão Gottesdienst), enquanto se quer descrever a realização do culto dos cristãos. Não
é apenas "um serviço do povo de Deus" mas é uma ação sacramental.
É importante incluir o aspecto da "adoração", mas, como exprime o termo em latim "Opus Dei",
pode-se descrever a liturgia com ambos os aspectos, como "obra de Deus". Deve-se evitar equívocos no
uso dos conceitos para que seja claramente identificada a dupla referência, o aspecto descendente e
ascendente (catabático e anabático).

b) A liturgia como exercício do ministério sacerdotal de Cristo


Vários liturgistas definem a liturgia como uma ação cultual de mediação representada pelo
vigário visível e cabeça da Igreja. "No culto ou na liturgia se faz visível a ação do sumo sacerdote no
céu", o culto ou a liturgia do Cristo; o sumo sacerdote é glorificado na sua igreja na terra. Segundo outra
descrição o aspecto mais importante seria a "ação sacerdotal de Cristo".
Após algumas tentativas de definição dos teólogos entre 1909 e 1947, o papa Pio XII apresenta
uma primeira definição válida. A Encíclica Mediator Dei descreve a liturgia principalmente como
"culto" [aspecto ascendente]:

A Sagrada Liturgia é o culto público que nosso Redentor, a cabeça da Igreja, oferece ao Pai Celestial, e
que a comunidade dos fiéis oferece em Cristo, seu fundador, ao Pai eterno. Em suma, ela representa o
culto público de todo o corpo místico de Jesus Cristo, cabeça e membros (Mediator Dei, 17).

O Concilio Vaticano II sublinha mais o aspecto soteriológico [aspecto descendente]. Na liturgia,


sem dúvida, se continua a obra da nossa redenção, e seus frutos serão aplicados a nós. O culto é definido
como o conceito geral, como um termo genérico, para exercer o ministério sacerdotal de Cristo, que ele
não realiza sozinho, mas junto com a sua esposa, a Igreja. Usando estes termos o Concílio Vaticano II
formulou:

A liturgia é considerada como exercício da função sacerdotal de Cristo. Ela simboliza através
de sinais sensíveis e realiza em modo próprio de cada um a santificação dos homens; nela o
corpo místico de Jesus Cristo, cabeça e membros, prestam a Deus o culto público integral (SC
7).

c) A liturgia como ‘sinal eficaz’ (visível, exterior) para uma ação espiritual (divina, sobrenatural,
interior)
15
Liturgia I

O termo genérico de “exercício do ministério sacerdotal de Cristo” seria suficiente para


descrever a liturgia em sua profundidade essencial, mas não explica o suficiente sobre a natureza da
forma própria do ministério sacerdotal. Portanto, adicionam-se também disposições sobre o caráter
latrêutico e sotérico da ação e sobre a sua forma simbólica e sobre a participação da Igreja na mesma.
Os primeiros dois elementos foram já mencionados, mas falta agora explicar o seu simbolismo.
Durante algum tempo foi rejeitada a opinião de que a liturgia seria a execução de um rito.
Pensou-se na essência interior da liturgia - implementação do sacerdócio de Cristo – quando aquela parte
simbólica da liturgia estava bastante esquecida. Mas não é possível realizar o ministério sacerdotal de
Cristo na liturgia, sem o uso de sinais e símbolos. A parte externa da liturgia não é apenas uma coisa
acidental, mas fundamental e essencial, porque reflete de alguma maneira o mistério da Encarnação
(Deus invisível se faz visível).
Alguma vez se dizia ‘sacramental’ (misterioso), mas não para confundir com os sete
sacramentos. Podia-se dizer: a Liturgia é ‘ação salvífica de Cristo’, realizada por ‘sinais eficazes’, para
atualizar a Nova Aliança.
Enfim, podemos relacionar quatro aspectos ao sinal eficaz, que é
- sinal demonstrativo (o sinal visível que indica a graça invisível),
- é sinal moral e comprometedor (exige a conversão e aceitação da vontade de Deus),
- é sinal rememorativo das ações salvíficas de Cristo (representa a sua morte [...]),
- é sinal pré-anunciativo ou profético da glória celeste (sentido escatológico).
Pode-se definir a liturgia da Igreja, como “a atualização da Nova Aliança com o Povo de Deus
hierárquico, que é a ‘noiva’ e o ‘corpo’ de Cristo, com o Cristo presente nela e agindo através do Espírito
Santo, que se realiza sob os sinais externos, segundo uma ordem legítima entre Deus e os homens,
enquanto é a continuação da aplicação do sacerdócio de Cristo, desde a sua exaltação até sua vinda
gloriosa, quando chegará definitivamente o reino de Deus”.
Segundo Cipriano Vagaggini, “a liturgia é o complexo de sinais sensíveis de coisas sagradas
espirituais e invisíveis instituídos por Cristo ou pela Igreja, eficazes, cada um a seu modo, naquilo que
significam e pelos quais Deus, por meio de Cristo, cabeça e sacerdote [...] santifica a Igreja, e a Igreja
[...] presta o seu culto a Deus” (ibid. p. 44).
Martimort oferece quatro aspetos da liturgia: a) constituída pelos sacramentos, b) ocasião de fazer
chegar até Deus a oração e aos homens a salvação, c) leva a cabo a aliança de Deus com os homens, d)
é feito pelo povo cristão (cf. ibid p. 34-35). Outros autores acrescentam outros aspectos, que no fundo
são secundários, como por exemplo Salvatore Marsili, que considera a liturgia como manifestação da
Igreja.

d) A Liturgia como ação da Igreja (o sujeito da celebração)


Para descrever o conceito de liturgia, foi introduzido outro elemento-chave: a Igreja. A Igreja
atua na liturgia conforme o que ela é no fundo do seu ser, o Corpo místico de Cristo. Ela não é passiva,
mas ativa, e como esposa age em cooperação e conjunto com o esposo (cf. Odo Casel, O mistério de
Cristo, cap. I). A Igreja não pode agir sozinha, mas sempre em união com sua Cabeça. Também Cristo
não age sozinho, sempre junto com sua esposa. Nada faz sem ela.
No SC 7, se diz que a liturgia não é coisa privada, mas assunto da Igreja, não é uma questão do
indivíduo. Embora são os indivíduos que participam, mas o importante é ver o aspecto comunitário.
No entanto, nem sempre é preciso que, de fato, esteja presente uma comunidade visível, mas
nunca pode faltar a referência à comunhão da Igreja. Tal referência é sempre necessária (cf. Bartsch,
ibid. 316). Portanto, a liturgia se fundamenta no sujeito da ‘assembleia’, como veremos depois (Artigo
II).
Foi dada nos primeiros tempos da Igreja, e segue uma prática generalizada de culto da
comunidade, determinando que um líder comunitário legítimo esteja presente. Desde a reforma litúrgica
tridentina, se apresenta esta relação para os termos da comunhão da Igreja, como elemento positivo para
a legislação da lei litúrgica. Somente aquilo que é aceito e permitido pela lei da Igreja, como ritos do
culto oficial, será aplicável e vale como ‘liturgia’. Isto é evidente para a Igreja latina, em primeiro lugar,
de acordo com o Concílio de Trento, que os livros litúrgicos fossem obrigatórios para todos, quando
publicados pelo Papa (assim: em 1568, Breviário Romano, em 1570, Missale Romanum, em 1584,
Martirológio Romano, em 1596, Pontifical Romano, em1600, Caeremoniale Episcoporum e em 1614,
Rituale Romanum).

16
Liturgia I

O Código da Igreja, o Código de Direito Canônico fala de “Cultus publicus” ou “culto oficial”
(cânon 1256), e das prerrogativas do Papa para ordenar a liturgia (cân. 1257). Na Instrução da
Congregação dos Ritos De Musica sacra et sacra Liturgia, de 3 de setembro de 1958, se busca uma
ligação entre aquilo que disse na Mediator Dei e no CIC:

Portanto, os atos litúrgicos são aquelas ações instituídas por Jesus Cristo ou pela Igreja, e aprovadas em
ambos os nomes pela Santa Sé nos seus livros devidamente registrados para adorar devidamente a Deus
e venerar os santos e os beatos.

Desde então, se distingue a liturgia oficial da pia exercitia (cf. SC 12), que são as orações
comuns da piedade popular, peregrinações e procissões. Também elas têm uma relação com a ação
litúrgica e da Igreja. A discussão continua na Igreja precisamente acerca de tais atos (piedade popular)
e seu relacionamento com a liturgia.
Faz parte da liturgia, que se apoia e busca a lei habitual (tradição), e estando presente um
‘presidente’, ou seja, um legítimo bispo, sacerdote ou algum outro agente autorizado. No mais recente
desenvolvimento, nota-se um direito positivo litúrgico, que permite certa descentralização de
competências para legislar.
O que era praticado anteriormente como um hábito, agora pode ser adotado, pelo Concílio Vaticano
II, a tomar parte do direito positivo litúrgico. Bispos ou conferências episcopais serão agora capazes de
organizar uma liturgia no campo de ‘adaptações’ e alguns rituais peculiares - incluindo, provavelmente,
algumas práticas "piedosas”. Na competência dos bispos, não se trata de fazer uma nova liturgia, mas
antes de vigiar sobre a observação das normas.
Assim, no assunto da liturgia, a ciência não é apenas o que era "já" o culto oficial da Igreja, mas
também todos aqueles atos que são “capazes de ser liturgia” (aquilo que no futuro poderia ser) e já estão
em estreita proximidade com a liturgia.

1.2. O método litúrgico – (disciplinas)

1.2.0. A Ciência Litúrgica: simbolismo, finalidades, métodos, critérios.


O que é a ciência litúrgica?
Como disciplina própria no estudo da teologia, a teologia da liturgia aparece relativamente tarde.
O impulso se origina principalmente no Movimento litúrgico do século XX e do Vaticano II, que
aumentou o valor desta ciência como uma “disciplina principal” (SC 16). A sua origem se encontra, não
tanto no ambiente acadêmico, mas no ambiente monástico.
Origem da ciência litúrgica: deriva-se como ciência da História da Igreja, que apresenta desde
o século XVI importantes estudos e edições das rubricas litúrgicas. Desde o século XIX, se desenvolvem
programas exigentes sobre a investigação histórica dos textos litúrgicos (início do Movimento
Litúrgico). Os resultados foram publicados em obras monumentais ou jornais, como por exemplo:
“Liturgisches Jahrbuch” a partir de 1921.
O objeto da ciência litúrgica é a compreensão da ação litúrgica. O fundamento é a investigação
histórica das fontes. O impulso vem da teologia dogmática: querem-se sistematizar os resultados como
na dogmática. Mas o conteúdo da dogmática é a fé. O conteúdo da liturgia também é a fé. A ciência
litúrgica deseja exteriorizar a fé pela celebração. A Igreja ora assim como crê = lex orandi, lex credendi.
Uma teologia prática: o objeto da liturgia é o culto, a reunião da comunidade e sua expressividade, sua
atualização e formação da situação concreta da assembleia celebrante. Assim temos, após o estudo da
história e reflexão teológica, também, a aplicação prática do culto divino. Daí resultam três dimensões
principais da ciência litúrgica.
Não se trata de desenhar, planejar a celebração com suas estruturas e conteúdo, para fazer uma
reforma. Isto é da competência do magistério. Na formação litúrgica, trata-se de uma reflexão teológica
da fé, como a fé toma forma na própria celebração.
Ciência histórica
Sem os fundamentos da investigação histórica, não seria possível a ciência litúrgica. Tal
disciplina investiga as fontes e trata de reconstruir historicamente as diversas formas de expressão
litúrgica: não somente os textos e os formulários e ordens, mas também as ações rituais, a forma da

17
Liturgia I

música sacra e a formação artística. Tal investigação é condição e fundamento para a reflexão
sistemática.
Ciência sistemática
A ciência sistemática deve abrir a reflexão da lex orandi, conhecer a realização das ações
litúrgicas e seu fundamento, a lei da fé. A Sagrada Escritura é o fundamento do ato original da adoração
e do louvor a Deus, é a manifestação da reta relação com Deus.
Ciência crítica - pastoral
A ciência crítica se pode entender como a estética do culto, no sentido da sua percepção. A
liturgia é o espaço do encontro do homem com Deus. Precisa-se, portanto, de uns critérios objetivos.
Investiga as leis, regularidades (Gesetzmäßigkeiten) das mudanças históricas e oferece critérios mais
claros para uma formação adequada da liturgia num determinado tempo. A Ciência Litúrgica reflete a
tradição da fé e sua realização no culto. É sobretudo a autocomunicação de Deus durante a história
concreta do povo de Israel e logo na pessoa de Jesus, que morreu pela humanidade.
A teologia bíblica reflete o testemunho bíblico desde a fundação da Igreja.
A teologia dogmática reflete o anúncio da Igreja.
A teologia litúrgica sistemática reflete toda a tradição na sua realização ritual no culto da Igreja.
Reflete sobre a multiformidade das tradições litúrgicas, comparando cada elemento ao seu contexto.
A ciência litúrgica é, em essência, parte da história eclesiástica. Sua área de competência é
constituída por todos os elementos que estão relacionados ao culto, não apenas como aparecem
atualmente no quadro ritual cristão, mas principalmente porque já estavam em sua origem, em seu
desenvolvimento histórico, seja em si mesmo, seja em relação a ele. O campo, portanto, da ciência
litúrgica é amplo e complexo. Para maior clareza, diremos que abrange:
1.° O estudo fundamental da liturgia sistemática é lida com a noção de culto, o seu valor sobrenatural
suas relações com o dogma, o direito de tarefa da Igreja para corrigir e identificar formas e impor sua
observância. Deste ponto de vista, a ciência litúrgica toca os campos mais determinados da filosofia da
religião, da teologia dogmática e pastoral, do ascetismo, do direito canônico.
2.° O estudo de eventos litúrgicos, ou seja, os ritos que constituem o patrimônio litúrgico, como o
presente e o passado, transmitidos a nós por todos os meios, tanto nos documentos oficiais da Igreja nos
escritos de outro tipo, como os atos apócrifos dos apóstolos, os atos dos mártires, as vidas dos santos, as
crônicas medievais, os monumentos arqueológicos e artísticos. Cabe a ela investigar a origem de tais
ritos, sua autenticidade, sua conexão recíproca; examinar as possíveis derivações ou afinidades com
outras liturgias, analisar seu conteúdo, esclarecer seu significado primitivo e o subsequente.
3. O inventário e edição dos livros antigos e formas litúrgicas. Este é um uma das tarefas mais delicadas
e complexas da ciência litúrgica, porque requer um conjunto de qualidades incomuns, participando de
arqueologia, paleografia, história, filologia, linguística comparada. De muitos textos litúrgicos, o autor,
a data, o lugar de origem são conhecidos de certa forma, e são os mais preciosos, porque fornecem um
material seguro para a elaboração científica. Outros, no entanto, e são os mais numerosos, sofrem com
o estado civil, e é necessário buscar sua paternidade, sua origem, o tempo de sua composição, as
possíveis interdependências. A este respeito, é necessário reconhecer os méritos de uma pletora de
liturgistas de todas as nacionalidades, que, revendo o imenso material manuscrito existente nas
principais bibliotecas da Europa, eles descobriram e publicaram com críticas impecáveis muitos códices
litúrgicos antigos, e outras vezes melhoraram as edições já feitas.
4. A classificação dos textos. O texto litúrgico e, em geral, qualquer ato ritual, é tão utilizável quanto
um elemento de síntese, quanto mais precisamente ele é classificado. A liturgia, como veremos, engloba
grandes unidades, com tipos e subtipos, com caracteres comuns e particulares, que se refletem nos
textos, nas formas, nos ritos. Determinar se pertencem a um ou outro tipo, especificar suas derivações
do ponto de vista cronológico ou suas influências, investigar sua origem comum de um tipo primordial,
é trabalho, frequentemente difícil da ciência litúrgica.
5. O exame comparativo das várias liturgias orientais e ocidentais para ver o que elas têm em comum
e o que as diferencia; examinar as possíveis relações entre eles ou com outras liturgias de confissões
separadas e também de cultos não cristãos; deduzir, na medida do possível, as leis que regulam a
evolução litúrgica.
6. O estudo das leis da evolução litúrgica. Pode-se enunciar alguns princípios gerais:
a ) Os ritos sofrem a influência do ambiente em que eles nasceram. Do judaísmo e do mundo greco-
romano, as origens e os posteriores, a civilização bizantina e as correntes dos bárbaros não deixaram

18
Liturgia I

características autênticas na liturgia dos primeiros séculos por séculos sucessivos. Basta a alusão aos
muitos elementos da liturgia da sinagoga e os diferentes, marcas estilísticas das formas, que são uma
expressão da concisão romana austera de pensamento ou prolixidade, som dos teólogos orientais.
b) A analogia externa entre dois ritos de religiões diferentes nada significa por si só, pelo menos uma
evidência adicional, uma relação histórica de um e outro. Este é um princípio de aplicação frequente no
estudo das origens eucarísticas e batismais.
c) A liturgia é conservadora. Certos ritos, certas fórmulas, persistem através dos séculos, embora, tendo
cessado o motivo que os criou, tenham se transformado em remanescentes de um passado distante. A
disciplina do catecumenato, por exemplo, desapareceu durante séculos, mas preenche, no entanto,
grande parte da liturgia da quaresma e da páscoa.
d) A liturgia é um organismo vivo da vida da Igreja. Por esta razão, a integridade do seu ensinamento e
a bênção da Santa Sé permanecem firmes, crescem e desenvolvem-se, adaptando-se às exigências e
circunstâncias que ocorrem ao longo dos séculos.
e) Em ritos, por via de regra, vai do simples ao complicado, do essencial ao acessório. O ritual do
batismo, como era na era apostólica e como foi mais tarde, é uma prova peremptória disso. Mas todo
desenvolvimento tem um limite. Quando chegou a um grau excessivo e exuberante, a Igreja, por uma
razão ou outra, reage e retorna, tanto quanto possível, à simplicidade primitiva. Este é o começo das
grandes reformas litúrgicas e, sob certo aspecto, do atual "movimento litúrgico": revertimini ad fontes.
f) Os tempos litúrgicos mais solenes geralmente mantiveram os ritos e as fórmulas primitivas mais do
que outros, protegendo-os contra acréscimos ou modificações posteriores. A liturgia da Semana Santa
e, em parte, a época da Páscoa, ainda exalam substancialmente um antigo estado litúrgico que a Igreja
sempre respeitou.
g) Um texto é tão antigo quanto aparece com menos simetria e desprovido de elementos doutrinários.
As fórmulas primitivas, em geral, são mais simples e sem qualquer caráter retórico teológico. Veja, por
exemplo, as orações da Didaqué e da Anáfora de santo Hipólito.
h) Os elementos litúrgicos mais recentes e, portanto, mais vivos, tendem a suplantar ou abreviar os mais
antigos. Assim, por exemplo, acontece nas leituras da missa, nas fórmulas dos prefácios, no rito do
ofertório, que eliminou a antiga grande oração intercessora.
i) A liturgia é, por natureza, eminentemente latrêutica; por esta razão, o culto de latria (adoração),
dirigido a Deus, Criador e Senhor do universo, deve prevalecer sobre o culto de dulia (veneração). Em
outras palavras, o ciclo litúrgico ‘santoral’ é subordinado ao ‘ciclo temporal’ e da feira.
k) Os numerosos e diferentes ritos litúrgicos, embora expressos em diferentes formas, constituem um
todo unitário e orgânico, cujas partes, coordenadas entre si, convergem para o sacrifício, de onde retiram
toda a razão de sua vida e sua eficácia.
1) A salmodia davídica e a leitura dos livros sagrados à medida que são organizados, em diferentes
estruturas e sistemas, constituem um elemento fundamental da oração litúrgica.
m) No campo litúrgico-musical, quando as partes da música que pertencem ao gênero simples (silábico)
são cobertas com uma melodia sóbria e fácil, devem ser consideradas em geral como velhas. No entanto,
aqueles que pertencem ao gênero ornamentado (melismático), quanto mais ricos eles são, menos antigos
devem ser considerados. Este princípio tem uma aplicação clara nos repertórios ambrosianos e
gregorianos.
Pelo que foi dito, pode-se facilmente deduzir que um amplo e profundo estudo é necessário para atingir
o objectivo último da ciência litúrgica, para desenhar uma interpretação completa e, se possível, o
desenvolvimento da liturgia cristã através dos séculos .

19
Liturgia I

Diversas disciplinas da ciência litúrgica


A partir de diversos aspetos, podemos distinguir diversas disciplinas na ciência da liturgia.
Deve-se estudar considerando suas características próprias, suas funções e seus próprios métodos.
Qualquer atividade humana é uma entidade bastante complexa e para explicá-la, precisa-se de várias
ciências. E isto vale mais ainda para a ação litúrgica da Igreja, na qual Deus age e os homens colaboram
no decorrer da história da salvação. Podemos enumerar as seguintes:
O estudo da liturgia no conjunto com outras ciências
O estudo das fontes
A importância do método histórico
O direito litúrgico - a rubricística
A teologia litúrgica
A semiologia da liturgia – estudo dos sinais
O estudo da oração litúrgica (eucologia) – estuda estruturas etc.
Os métodos na pastoral litúrgica
A espiritualidade litúrgica
A ciência litúrgica considera tudo, com sua maneira peculiar: a ação salvadora de Deus, e, também, a
expressão do culto cristão na Igreja como tal. Apenas com a interação e a aplicação de diferentes
métodos será possível chegar a uma determinada visão global. Distinguindo-se das outras disciplinas, a
liturgia pode encontrar seu próprio lugar como ciência.

1.2.1. O estudo da liturgia no conjunto das outras ciências


A ‘história da Igreja’ oferece uma ajuda básica para a análise litúrgica. Com a ajuda do método
histórico se pode reconstruir a própria história litúrgica, distinguindo as diversas épocas mais
importantes e as diversas forças que atuaram dentro de cada uma. Pode-se reconhecer, identificar o
conteúdo essencial e distinguir o que é mais importante do que é menos importante; o que é essencial
que não se pode mudar e aquilo que pode ser mudado (cf. SC 21). Não é suficiente ver somente os atos
litúrgicos em si mesmos, devem-se ver também as circunstâncias. É importante examinar a influência
prévia do Antigo Testamento, é preciso fazer investigações exegéticas, para compreender plenamente
as passagens do NT.
Sobretudo, a patrística e a arqueologia cristã nos oferecem uma ajuda para adquirir os
conhecimentos da história da liturgia. Ao mesmo tempo se deve dominar o método filológico-crítico, e
não somente traduzir as diversas afirmações de uma maneira superficial. Deve-se examinar bem os
termos, e estudar profundamente o conteúdo e as mudanças de cada termo, especialmente numa língua
sacra litúrgica, diferente de uma linguagem profana. É preciso examinar as formas literárias, a arte e a
música devem ser consideradas no seu contexto histórico, porque tem um papel importante na liturgia,
igualmente o conteúdo da iconografia e costumes litúrgicos antigos.

20
Liturgia I

1.2.2. O estudo das fontes


Uma tarefa especial, dentro da visão histórica da liturgia, deve-se atribuir à ciência das fontes
(Quellenkunde). Como em todas as ciências teológicas, devem-se ter como fontes básicas a Sagrada
Escritura, a Tradição da Igreja e Magistério.
A Bíblia é a primeira fonte para o estudo da liturgia, porque, pela celebração da liturgia da
palavra, Deus se revela a seu povo. E o mais natural é que quase todas as orações litúrgicas possam ter
suas fontes ou referências na Bíblia. Não há celebração litúrgica sem o uso da palavra de Deus (cf. SC
24).
A Tradição inclui não somente os escritos dos Padres da Igreja sobre Liturgia, mas os próprios
textos e livros litúrgicos da Antiguidade e de todas as épocas da história da Igreja. Certamente os textos
litúrgicos mais antigos têm maior importância e maior valor.
O Magistério inclui todos os pronunciamentos sobre assuntos litúrgicos, como também a
legislação expressa no Direito Canônico sobre as normas litúrgicas. A liturgia é assunto da Igreja
universal, por isso deve ser o papa, concílios, o conjunto dos bispos, que têm o direito de organizar a
liturgia da Igreja.
Distinguimos entre fontes primárias e secundárias, diretas ou indiretas, textos litúrgicos ou
referências a diversas celebrações e práticas litúrgicas nos escritos dos Padres.
Por causa da exigência de pregar o Evangelho a todos os povos, existe a necessidade de certa
inculturação e adaptação de elementos próprios de uma cultura. Por tanto também certos costumes das
culturas devem ser considerados como fontes para elementos litúrgicos.
Não se pode excluir outras fontes naturais para as ciências litúrgicas, no entanto, sempre em
harmonia com a revelação divina. A ciência que estuda as fontes trata de recolher e organizar histórica
e sistematicamente as fontes dos primeiros escritos de textos litúrgicos ou instruções litúrgicas.
Particularmente importante é a paleografia. Muitos cientistas liturgos trabalharam na edição das fontes
de textos16.

1.2.3. Importância do método histórico


O método histórico estuda a fiel transmissão das tradições. Como na arte dos ícones, assim
também na liturgia, deve ser transmitido fielmente aquilo que foi recebido pela revelação divina.
Na teologia dogmática, com algumas novas ideias e estruturas, um só teólogo podría elaborar
um novo sistema teológico, sem recorrer necessariamente e sempre à história dos dogmas. Pelo
contrário, na ciência litúrgica, como na ciência bíblica, que estuda os manuscritos, se busca chegar às
fontes mais autênticas possíveis para poder reconstruir o desenvolvimento na história.
O método histórico fornece os conhecimentos básicos para capturar as diferentes partes da
liturgia, segundo sua origem e significado. Isto é mais do que apenas uma resenha histórica. O método
genético (seguir a gênese) é um pré-requisito e uma contribuição sistemática para a ciência litúrgica.
Uma reforma litúrgica, como foi feita pelo Concílio Vaticano II, seria impensável sem uma detalhada
pesquisa histórica (embora de fato entrassem alguns erros depois, por não observar exatamente o
método).

16
As obras mais importantes são:
1. Liturgiegeschichtliche Quelle […]. (ou desde 1957) Liturgiewissenschaftliche Quellen und Forschungen,
Münster 1918 ff. (Abreviação: LQF).
2. Henry Bradshaw Society for the editing of rare liturgical texts, London, 1891 (HBS).
3. Monumenta ecclesiae liturgica, Paris, 1900-1913, editados por F. Cabrol e H. Leclercq, Solesmes.
4. Monumenta Hispaniae sacra, serie liturgica, Madrid-Barcelona, 1956ff.
5. Paléographie musicale. Solesmes, 1889 ff. (fontes para corales).
6. Rerum Ecclesiasticarum documenta. Series maior. Rom, 1956. (RED mai.).
7. Texte und Arbeiten, Beuron 1917ss (TA).
Nos tempos mais recentes encontramos manuscritos de fontes litúrgicas. K. Gamber oferece fontes manuscritas:
Codices Liturgici Latini Antiquiores. Friburgo (Ch), 1963.
LODI, E (1979). Enchiridium Eucologium fontium Liturgicarum. EL, Roma.
Existem também os subsídios litúrgicos, que são diversos instrumentos de trabalho, como por exemplo, uma
concordância do Missal Romano etc. para facilitar o trabalho científico:
SODI, M. ;TONIOLO, A. [Ed] (2002) Concordantia et indices Missalis romani. Editio typica tertia, Libreria Editrice
Vaticana, Citta del Vaticano.
21
Liturgia I

O método histórico dá importância à Tradição litúrgica, considerando as experiências anteriores.


No entanto, deve estar presente este conhecimento e devem-se considerar todos os aspectos das
experiências do passado. É preciso um estudo diacrônico e sincrônico dos textos. ‘Diacrônico’ quer
dizer, que se está investigando o mesmo texto, por exemplo, uma só oração, e comparando as mudanças
que nela foram feitas ao longo do tempo. Sincrônico quer dizer: que se estão tomando diversas orações
paralelas de uma mesma época da história e estudando a influência de uma sobre a outra.

1.2.4. A legislação litúrgica (rubricística)


De grande importância para a ciência litúrgica é o direito canônico. No direito se expressa a
relação da Igreja universal com a celebração concreta da liturgia numa igreja particular (aplicação). Na
antiguidade, os “Ordines” eram os livros escritos com instruções para a celebração (chamados
posteriormente ‘rubricas em negro’). São livros complementares para os textos litúrgicos (séculos VII-
XIV). Ao contrário, estas mesmas orações se encontravam nos “sacramentários”.
Depois, no século XV, se introduziram as rubricas nos mesmos textos das orações, escritas em
cor vermelha, enquanto as orações eram escritas em cor negra. Depois a ciência das rubricas se chamou
“rubricística”. As rubricas são como a fixação do direito consuetudinário (Gewohnheitsrecht). Já não
vale somente para um território, mas para a Igreja universal.
No ano de 1588, o papa Sixto V instituiu a Congregação dos sacros ritos. Os decretos desta
congregação, por muito tempo, se consideravam como as fontes mais importantes para as ciências
litúrgicas e manuais da liturgia. No entanto, a rubricística não pode abordar todas as dimensões
profundas da ciência litúrgica, mas somente seu aspeto exterior. Por isso, é insuficiente para a ciência
litúrgica.
Uma coisa são as cerimônias (aspecto exterior), outra coisa é seu significado. Entre ambos os
aspectos deve haver uma coerência entre o exterior e interior naquilo que o rito expressa. Por causa
destas conexões os papas Pio X e Pio XII iniciaram reformas litúrgicas. O papa Pio XII na Mediator Dei
22, escreve: “Não têm, pois, noção exata da sagrada liturgia aqueles que a consideram como parte
somente externa e sensível do culto divino ou como cerimonial decorativo; nem se enganam menos
aqueles que a consideram como mero conjunto de leis e preceitos com que a hierarquia eclesiástica
ordena a realização dos ritos”.
As rubricas têm sua importância e devem ter o fundamento naquilo que representam. Disse o
papa Pio XII: “As cerimônias, em si mesmas, não contenham nenhuma perfeição e santidade, são apenas
atos externos da religião que, como sinais, estimulam a alma à veneração das coisas sagradas, elevam a
mente à realidade sobrenatural, nutrem a piedade, fomentam a caridade, aumentam a fé, robustecem a
devoção, instruem os simples, adornam o culto de Deus, conservam a religião e distinguem os
verdadeiros dos falsos cristãos” (Mediator Dei 20).
E, no número 21, o papa escreve: “O elemento essencial do culto deve ser o interno. É
necessário, com efeito, viver sempre em Cristo, dedicar-se todo a ele, a fim de que nele, com ele e por
ele, se dê glória ao Pai. A sagrada liturgia requer que estes dois elementos estejam intimamente ligados;
o que ela não se cansa jamais de repetir toda vez que prescreve um ato externo de culto. Assim, por
exemplo, a propósito do jejum, nos exorta: "a fim de que se opere de fato em nosso íntimo o que a nossa
observância professa externamente". De outro modo, a religião se torna um formalismo sem fundamento
e sem conteúdo. "Sabeis, veneráveis irmãos, que o divino Mestre considera indignos do templo sagrado
e expulsa dele os que creem honrar a Deus somente com o som de bem construídas palavras e com
atitudes teatrais e estão persuadidos de poder prover de modo adequado à sua salvação sem arrancar da
alma os vícios inveterados.”
A experiência da lei litúrgica é uma utilização adequada da natureza das estruturas litúrgicas na
melhor posição para manter o padrão geral e evitar confusão, delinear as responsabilidades da legislação
litúrgica e destacar claramente a sua relação a toda a comunidade da Igreja.
No entanto, a rubricística é uma ciência própria, que instrui sobre os aspectos exteriores da
liturgia. Existem manuais17, sistematizando e explicando as rubricas.

1.2.5. Teologia da Liturgia

17
Por exemplo, Adrian Fortescue publicou, em 1917, uma descrição dos ritos da liturgia romana, que o beneditino
Alcuin Reid traduziu do latim e reeditou-a em língua inglesa: FORTESCUE A.; O’CONNEL J. B.; REID, A. (1917)
The Ceremonies of the Roman Rite described. St. Michaels Abbey, London, 2003.
22
Liturgia I

Enquanto as rubricas apresentam o aspecto exterior, a teologia litúrgica estuda o sentido interior.
Para investigar o aspecto salvífico e doxológico, é preciso exposição teológica e sistemática. Neste
aspeto, a ciência litúrgica é muito próxima da dogmática. Por esta razão, também deve-se usar certos
métodos especulativos, filosóficos e teológicos. Aquilo que acontece na liturgia, precisa de uma
explicação (mistagogia), mas antes uma atualização (Aufarbeitung) e um trabalho reflexivo.
É tarefa da dogmática usar também a liturgia como fonte teológica. Pela reflexão dogmática
pode-se mostrar o fundamento e vida concreta na fé e espiritualidade.
Para a ciência litúrgica não é suficiente explicar os ritos de forma genética no seu sentido. A
interpretação teológica autêntica dos atos litúrgicos somente é possível numa visão de conjunto e
colaboração, numa combinação de métodos histórico-empíricos e sistemático-especulativos, para
poder explicar o conteúdo profundo dos atos litúrgicos. A liturgia mesma é uma fonte de conhecimento
teológico, porque é dada por Deus mediante a autoridade eclesiástica. Assim, o conteúdo das orações
serve como fonte para a reflexão dogmática: “Lex orandi, lex credendi: assim como a Igreja ora, assim
ela crê”. Este lema descreve a relação entre a vida de oração e a fé da Igreja.
Na realização concreta da vida de fé, nos tratados dogmáticos podem ser demonstrados os
conteúdos espirituais da liturgia. Mas a interpretação litúrgica não se pode somente deixar como tarefa
da dogmática, por isso precisa da teologia litúrgica, que é a combinação entre o método histórico-
empírico e sistemático-especulativo, para reconhecer o conteúdo de muitos atos litúrgicos e apresentá-
los de um modo correto. Devem-se buscar também novos métodos e novos pontos de partida para a
contemplação e compreensão correta.
A solução deve ser buscada nos seguintes princípios: da ciência litúrgica não se precisa, como
da dogmática, de um tratado conceitual e abstrato (não se precisa elaborar uma teoria, mas uma
celebração prática). Portanto, não por encontrar as relações entre os atos litúrgicos com a ação salvífica
de Cristo e na explicação do seu conteúdo, mas principalmente deve-se encontrar o justo modo, sobre
como realizar os singulares atos litúrgicos. Trata-se da capacidade que os elementos singulares
representem aquilo que significam. No momento, quando se une um conteúdo espiritual a uma forma
de representação, deve-se ter em conta, que alguns acentos se destacam mais e outros menos18. Ao
‘tomar forma’ (Gestaltwerden) de uma substância espiritual, vai-se interpretando tal substância, dando-
lhe novas possibilidades de ação; mas ao mesmo tempo pela materialidade, fica limitada tal forma.
A relação mútua (Wechselbezug) entre a forma e seu conteúdo se torna um processo
eminentemente teológico. Não basta somente uma penetração abstrato-metafísica, mas precisa também
discutir a relação entre o conhecimento e sua expressão, segundo as leis dos sinais que pertence
essencialmente à estrutura fundamental de uma celebração litúrgica.
No entanto, também a dogmática contribui com seus resultados, para que o ponto litúrgico-
teológico leve ao conhecimento da sua essência.

1.2.6. Semiologia da liturgia19


A liturgia, mais que qualquer outra ciência, necessita de formas e espécies para a expressão e
representação. A liturgia deve mostrar e investigar os meios que estão à sua disposição, usando sinais
(semeion): palavra, gesto, símbolo, cor, tom, disposição do tempo e espaço.
Um grande problema é a diversidade com a qual são tratados os sinais nas diversas ciências.
Gestos e símbolos na celebração
Como dizíamos na introdução, além da linguagem verbal - leituras, orações, cantos -, a celebração utiliza
com abundância a linguagem não verbal, composta por sinais, gestos simbólicos, posturas corporais e
diversos elementos cósmicos como a água, o azeite, a luz, o pão e o vinho, a cinza e o incenso.
A revalorização com que os novos livros litúrgicos pós-conciliares contribuíram para a Palavra na
celebração foi acompanhada também por um cuidado mais explícito da linguagem dos sinais: às vezes
aliviando-a, porque se tinham acrescentado excessivos elementos, e outras, potencializando os que são
mais centrais na celebração sacramental e relativizando os menos importantes.

18
Por exemplo: no uso do tipo das hóstias para a Eucaristia. Alguns preferem um tipo de pão como Jesus usou,
para que tenha um aspecto de pão. Mas de fato, o que temos depois, não é pão, mas o Corpo de Cristo. Por isso,
não é tão importante demostrar que é pão, mas demostrar a realidade sobrenatural. Uma forma de pão mais fina
dá mais a impressão de um pão espiritualizado.
19 Recomenda-se: Aldazábal, José (1989). Gestos y símbolos. CPL 40, Barcelona, 2008. Kapellari, Egon (1991).

Liturgische Zeichen.
23
Liturgia I

Uma liturgia verbalista?


A liturgia moderna é criticada como verbalista, centrada em excesso no livro e na Palavra. Talvez
possamos nos chamar herdeiros do judaísmo, considerado como a "religião do livro" (não é sintomático
o "escuta, o Israel" e a proibição das imagens?)
O racional e o discursivo têm grande importância no nosso culto, e falta, às vezes, o visual e a
expressão corporal. Pelo contrário, na liturgia ortodoxa dá-se mais importância à imagem, ao canto etc.
Claro que a palavra é o primeiro sinal que empregamos para exprimir as nossas ideias, mas isso não
basta para uma celebração, que deveria afetar todo o homem. A reforma conciliar revalorizou a Palavra,
com a qual adquiriu mais relevo. E certamente sem pretender, em algumas celebrações se empobreceram
a ação, o simbólico, a linguagem do movimento e dos sinais20.
No Concilio Vaticano II, a simplificação de sinais supérfluos era necessária. Mas não se foi
muito longe na redução do audiovisual em nossa liturgia?21 O culto sacramental e simbólico do mistério,
quase se substituiu por uma educação mais racional, criticada como “sermonitis” (uma pessoa que
sempre fala – fazendo sermões sem parar).
A religiosidade popular é outro fator que exige repensar a dinâmica interior da liturgia; também
eles procuram maior expressividade dos sinais e da linguagem simbólica.
O porquê dos gestos e símbolos na celebração
A liturgia é por si própria uma celebração em que prevalecem a linguagem dos símbolos e uma
linguagem mais intuitiva, mais afetiva, e mais poética. Não é só o conceito, nem tem como objetivo só
transmitir conhecimentos. A liturgia é uma ação, um conjunto de sinais "performativos" que nos
introduzem em comunhão com o mistério, que nos fazem experimentá-lo, mais que entendê-lo. É uma
celebração e não uma doutrina ou uma catequese. A linguagem simbólica é o que nos permite entrar em
contato com o inacessível: o mistério da ação de Deus e da presença de Cristo e de seu Espírito.
Ao mundo da liturgia pertence, não às realidades que terminam em "logia" (logoj), mas em
"urgia" (e,rgon) (dramat-urgia, lit-urgia): é uma ação, uma comunicação total, feita de palavras, mas
também de gestos, movimentos, símbolos, ações.
a) Há uma razão antropológica nesta avaliação do sinal e do símbolo. A pessoa humana é feita
de tal maneira que tudo realiza desde sua interioridade espiritual e desde sua corporeidade: não só
alimenta sentimentos e ideias no seu interior, mas expressa-os exteriormente com palavras, gestos e
atitudes. Não é que o homem tenha sentimentos e logo os expresse pedagogicamente, para que outros
se deem conta. Pode-se dizer que esses sentimentos não são de todo humanos, nem completos, até que
não sejam expressos. Até que a ideia não se faça palavra, não é plenamente realidade humana. E no
fundo o homem não é uma dualidade "corpo e espírito", mas uma unidade: "é" corpo-espírito e desde
sua totalidade se expressa e realiza, com palavras e gestos (cf. Romano Guardini). Além disso, é um ser
social, que se comunica com outros, com essa capacidade comunicativa, que não só contém ideias e
sentimentos internos, mas manifestação externa, gestual. Assim, na celebração litúrgica, o louvor não é
plenamente, nem humano, nem cristão até que ressoe na voz e no canto (embora isto contenha certa
ideia existencialista, o mais importante é o ser, não o fazer. Mais importante que a ação humana é a ação
divina).
O sentimento de conversão e a resposta do perdão não se realizam totalmente, se não se
manifestarem na esfera significativa. Neste caso, é na esfera da Igreja, onde ressoa o "eu me acuso" e o
"eu te absolvo": uma ação sacramental simbólica, significativa, que dá realidade ao invisível e íntimo
que acontece entre Deus e o cristão.
b) Por isso, o simbolismo é uma categoria religiosa universal. O homem, não só para sua
própria expressão, ou para sua atividade social, mas também e, sobretudo, para sua relação com a
divindade, serve-se da linguagem simbólica, expressando e realizando com sinais e gestos corporais a
comunhão religiosa com o invisível.

20
As opiniões variam: da África, por exemplo, o premonstratense B. Luykx fez ver, quão inconvenientes para
aquela cultura é sua liturgia fria e esquemática, sem pausas, sem tempos "perdidos", sem "oitavas" de prolongação
das festas, sem movimentos nem símbolos. E citava o dito do pensador e político Leopoldo Senghor: "Os
ocidentais dizem: “penso, logo existo; os africanos dizem: danço, logo existo”.
21
Motivado por uma feira de livros em Frankfurt, um ateu publicou um livro intitulado: "O concílio dos livreiros:
a destruição do simbolismo". Seu autor, A. Lorenzer, jogava na cara dos editores por causa de livros católicos
sobre liturgia que afundaram a "significatividade" da liturgia cristã, porque o Concílio substituiu a linguagem
altamente simbólica de antes por uma "informação racionalizada".
24
Liturgia I

A dinâmica dos sinais religiosos funciona de muitas maneiras: sacrifícios, palavras, cantos,
objetos sagrados, ações, reverências, comidas, festas, templos. O sábado, para os judeus, é um símbolo
que não só manifesta sua lembrança ou sua pertença ao povo eleito, mas o alimenta e o realiza
efetivamente. O gesto do banho na água, tanto para os indianos no Ganges, para os egípcios no Nilo,
para os judeus no Jordão ou para os cristãos no rito batismal, é um conjunto de ações e palavras que
conformam uma celebração simbólica: a imersão em uma nova esfera.
c) Para os cristãos o motivo fundamental destes sinais é o teológico. Deus, já do Antigo
Testamento e, sobretudo, ao nos enviar seu Filho, atuou sempre por meio de sinais e gestos simbólicos
que nos ajudam a entender e acolher os dons de sua salvação. Os sinais tirados da natureza e da cultura
humana se convertem em sinais da Aliança de Deus com seu povo.
O melhor modelo de atuação simbólica encontra-se no mesmo Cristo Jesus. Ele é a linguagem
mais expressiva de Deus, que nos quer mostrar sua Aliança, sua cercania ou seu perdão. E também é
Cristo a melhor linguagem da humanidade em sua resposta a Deus: nosso louvor e nossa fé ficaram
plasmados em Cristo, Cabeça da nova humanidade. Por isso, chama Cristo "sacramento do encontro da
humanidade com Deus", ou como disse são Paulo em 2Cor 1,19: Cristo é o "sim" mais claro de Deus
aos homens e o "sim" também mais concreto dos homens a Deus.
d) Razão psicológica22: além disso, Cristo utilizou continuamente a linguagem dos gestos
simbólicos na sua ação salvadora: palavras, ações, contato de suas mãos, intensidade do seu olhar e
milagres. Perdoava o pecado interior e fazia visível esta reconciliação, curando a enfermidade exterior;
também participava das comidas com os pecadores para lhes anunciar sua reconciliação com Deus;
devolvia a luz dos olhos, revelando que ele mesmo era a Luz verdadeira; multiplicava pães para que
entendessem que Ele era o Pão da vida eterna.
e) E agora segue fazendo-o do mesmo modo, no âmbito deste sacramento global que se chama
Igreja. Para dar a seus amigos o alimento e fortaleza, pensou na comida eucarística; para nos fazer
nascer para a nova vida, quer que recebamos o banho batismal da água; para nos reconciliar com Deus,
convida a uma celebração do perdão, com as palavras e o gesto da imposição das mãos do ministro.
Por isso a liturgia, tem os sinais e símbolos como uma realidade fundamental em sua dinâmica.
Como diz o missal na sua introdução, "a celebração eucarística, como toda a liturgia, realiza-se por
sinais sensíveis, com os quais a fé se alimenta, robustece e se expressa" (IGMR 20).
Claro que a liturgia e sua linguagem não é tudo: os gestos e sinais da evangelização (a palavra,
a catequese, a pregação devem produzir seus frutos no seu compromisso cristão (o amor, a diaconia, a
luta pela justiça). Mas, no meio, entre o anúncio da Palavra e sua vivência prática, está sua celebração e
a comunidade cristã utiliza mais que nunca nesta celebração a linguagem dos sinais e símbolos.

1.2.7. O estudo da oração - eucologia – (estuda estruturas, estilo etc.)


Cada oração da antiguidade tem sua estrutura própria. Nas orações litúrgicas modernas nem sempre
se observam estas leis na composição de uma oração. Na antiguidade respeitava-se a ordem dos
elementos. Uma oração romana de tipo coleta consiste em quatro partes e segundo a análise
estrutural, encontramos os elementos clássicos:
A) a ‘invocatio’: Omnipotens aeterne Deus, e um desenvolvimento expresso com uma ampliação
relativa de tipo anamnético.
B) A ‘petitio’ exprime a coisa que se pede: iube haec perferri per manus sancti angeli tui in sublime
altare tuo in conspectu divinae maiestatis tuae.
C) O ‘scopus’ indica a finalidade, porque se quer. Expressa uma ‘explicação’ de tipo final; começa
geralmente com a conjunção “ut”: ut quotquot ex hac altaris participatione sacrosanctum Filii
tui corpus et sanguinem sumpserimus, omni benedictione caelesti et gratia repleamur.
D) A ‘doxología’: per Christum Dominum nostrum.
Vicente Raffa23 apresenta para a Oração coleta uma mesma divisão em quatro partes, usando
conceitos diferentes: “invocação, anamnese, epíclese e doxologia”.
A) Invocação - Nome divino: Deus etc.
Atributos: Omnipotens, aeterne, etc.

22
Nos seus livros, Augusto Cury estuda o comportamento de Jesus desde o aspecto psicológico. Chega à conclusão
de que Jesus é o homem perfeito. Não fala da divindade de Jesus, mas examina seus aspectos sociológicos e
psicológicos.
23
RAFFA, V. (1998). Liturgia eucaristica. Roma, 254-255.
25
Liturgia I

Encomi: fidelium sit.


B) Anamnese - o acento está num acontecimento salvífico na história: que salvaste o teu povo Israel
da escravidão [...]
C) Epíclese - qualificação dos orantes: ut quotquot […]
com eventual prévia menção a uma situação ou necessidade particular. Um olhar retrospectivo
para a situação dos orantes, objeto da súplica (a coisa que se pede); pode ser simples, múltipla,
complexa. Inicia geralmente no latim com a conjunção ‘ut’.
D) Doxología - a coroação do texto é um louvor às pessoas divinas, seja ao Pai, ao Filho ou à
Trindade.

Estrutura de um prefácio da Missa


No prefácio distinguem-se normalmente as três partes:
- protocolo inicial: verdadeiramente é justo e necessário [...]
- embolismo: indica a característica da festa. A palavra embolismo (do grego emballein) significa
‘enxertar’ (como um ramo na videira) ou ‘cunho’. Também a oração depois do Pai nosso se
chama embolismo, porque é como a prolongação da última frase: “livrai-nos de todos os males
oh Pai, e dai-nos a vossa paz [...]”.
- Protocolo final: assim com todos os coros angélicos, cantamos o hino do teu louvor, dizendo [...]
Por exemplo, o prefácio do Espírito Santo I:
Protocolo inicial: Na verdade, ó Pai, é nosso dever dar-vos graças,
É nossa salvação dar-vos glória em todo tempo e lugar
Por Cristo, Senhor nosso.
Embolismo: Tendo subido aos céus
E sentando-se à vossa direita,
Derramou sobre os vossos filhos
O Espírito Santo que havia prometido.
Protocolo final: Por isso, agora e para sempre,
Com todos os Anjos do céu,
Vossos fiéis vos celebram,
Cantando a uma só voz: Santo [...]

A filologia faz uma análise linguística, examinando os gêneros literários (no nosso caso, as orações
litúrgicas), a estrutura sintática de uma oração, o estudo dos versos, o ritmo, as formas poéticas
que se usavam antigamente. Distingue-se principalmente a
análise rítmica - prosódica – sintática e semântica
Estudo rítmico: encontramos o ritmo nos textos da língua grega (o ‘metron’), ou seja, em todas as
antigas orações há um ritmo. Quando o ritmo não é regular, não se fala de poesia, mas de prosa. A prosa
pode ser uma prosa antiga periódica ou circular, ou prosa contínua. Se buscarmos um ritmo, segundo a
estrutura silábica, encontram-se diversas formas.
Assim, o ritmo da forma à poesia de linguagem regular se distinguem o metro iâmbico, trocáico e dátilo
(tripedi). O metro iâmbico se acentua na primeira silaba, a forma trocáica se acentua na segunda sílaba.
Por exemplo: Tantum Ergo Sacramentum, é um ritmo iâmbico; o acento está sempre na primeira
sílaba. Segundo o cumprimento dos seus versos encontramos frequentemente versos hexamétricos (de
seis sílabas), más também de quatro ou de oito sílabas.
Vvvvvv_vvvvvv__
A análise estrutural significa o estudo da divisão e da ordem das frases.
- Prosódica mostra como ela é estruturada. Pausas de entoação etc. no texto.
- Sintático, estuda a gramática (dativo, acusativo [...]), o que significa essa expressão nessa frase.
Segundo a morfossintática, o sentido da oração se torna diferente.
- Semântica: qual é o uso do texto que se fez. Quais são os conceitos que se usam e as relações
naquele momento com aquilo que se celebra. Por exemplo, uma expressão como "sacramento da
páscoa"? O que significa isso?
Análise histórica do texto:
A análise histórica investiga: Qual é o texto antigo? Qual é o contexto do gesto: na missa, ou em casa,
na rua, no batismo, tem sempre um valor diferente.

26
Liturgia I

Já falamos do método histórico, mas aqui se refere ao estudo do texto da oração.


- Sincrônico no contexto celebrativo: seria a mesma oração usada para diversas circunstâncias.
- Diacrônico: se estuda o desenvolvimento da mesma oração e suas mudanças através do tempo.
Assim, o autor do texto é a Igreja. Não é um santo que foi inspirado, mas ao longo do tempo se adaptam
as partes. O texto cresce. Depois de um tempo, os direitos autorais não podem ser exigidos, a oração é
universal e é da Igreja.
Depois da análise filológica se chega ao comentário teológico da oração.
A analogia da fé significa: deve-se demonstrar a verdade da fé, de que o texto litúrgico está em relação
de harmonia com as outras verdades de fé.

1.2.8. Os métodos da pastoral litúrgica


A liturgia leva consigo também o aspecto catequético e instrutivo. A teologia pastoral é aquela
arte e ciência para conduzir o povo a Cristo. Este campo é importante, enquanto liturgia, é a
continuação do exercício do sacerdócio de Cristo. A liturgia pastoral faz ver que a liturgia é a fonte e o
cume da ação da Igreja. Então é preciso celebrar a liturgia de um modo que edifique realmente o povo
de Deus. Não há nada mais devastador que uma liturgia mal celebrada. Pastoralmente se fala do “ars
celebrandi”, a arte de celebrar. Esta arte não só deve instruir o povo nas verdades da fé, mas deve
também conduzir ao mistério. Não se precisa fazer um ‘show’, nem uma representação teatral, mas
celebrar com ‘beleza e nobre simplicidade’ (cf. SC 34). A fé do celebrante se exprime no modo como
ele celebra, e neste aspecto o mais importante é sua atitude e reverência que ele demonstra diante da
presença de Deus durante a celebração.
A finalidade é conduzir o povo à plena participação (externa e interna) na liturgia.
O sacerdote na pastoral litúrgica:
- deve elevar o povo à liturgia. Isto ele faz pela eleição prudente das formas de celebração e dos textos
das orações, usando aqueles que são mais aptos. Estudando as normas, o sacerdote celebra com o devido
respeito e a devida obediência. Elevar o povo para participação ativa, o dirigente sabe distribuir
justamente as tarefas (a cada um, segundo o seu próprio carisma), e sabe também instruir o povo pela
catequese mistagógica.
São quatro os motivos da necessidade de ser instruído:
a) conhecimento sobre os sinais e ritos;
b) o conhecimento da Sagrada Escritura;
c) conhecimento da Tradição;
d) de vivificar a atenção do povo.
- Deve-se levar a liturgia ao povo. Isto compreende dois aspectos:
A) o uso correto das possibilidades de adaptações, segundo determinada situação pastoral (por exemplo:
com o grupo de pessoas que assistem a celebração de um matrimônio) deve-se aproveitar a situação (p.
ex. para falar àquela gente que poucas vezes participam). O sacerdote deve ser capaz de adaptar-se para
a escolha das formas.
B) chamar pessoas do povo para que colaborem com certas funções litúrgicas.
Os impulsos da liturgia pastoral fecundavam muito o conhecimento da teologia litúrgica para que o
povo possa entrar mais profundamente no mistério. Contudo, deve-se respeitar a primazia da liturgia
e não modificar critérios litúrgicos para dar a preferência a critérios secundários (por exemplo: não
modificar a liturgia nem adaptá-la por causa da televisão ou dos fotógrafos e sacrificar a beleza da
liturgia, colocando flores na porta da entrada em vez de perto do altar).

27
Liturgia I

1.3.4. Diferença entre liturgia e piedade popular (cf. SC 12; Guardini, Espírito da liturgia. cap. 1)

A liturgia A piedade popular


- é a Lex orandi, a norma divina, a teoria, - É a oração do coração, a realização;
- dá à oração uma orientação para todos (universal) - é mais apto para o individual;
- deve ser um ideal, - não é tão trágico quando há uma falha;
- consiste em fórmulas teológicas claras. - olha mais às necessidades de cada um singular,
Ora-se sempre com e para toda a Igreja, - é mais espontânea;
- é preparada, organizada; - as orações surgem do coração, há certa liberdade
- a liturgia é cultura, a religião necessita da cultura e seus em relação à redação;
tesouros de verdade; a cultura ajuda à liturgia a expressar- - não se pode negligenciar a sua prática, que é
se; necessária para a vida espiritual pessoal;
- a liturgia deve ser sã, sóbria, simples e forte; - a oração do coração é afetiva e sentimental;
- as orações apresentam pensamentos claros e são tiradas - olha-se para a cercania de Deus,
da Sagrada Escritura; - a piedade popular se manifesta em certas devoções
- a clareza de seus pensamentos nos liberta de enganos e particulares que estimulam a pessoa;
exagero dos sentimentos; - a piedade popular é multiforme como a
- em tudo é transparente à majestade, grandeza, amor, espiritualidade, pode ser parcial;
misericórdia etc. de Deus; - a piedade não é somente sentimental e efusiva, mas
- a oração é muito ampla, contém as grandes verdades também deve partir da verdade;
fundamentais: criação, salvação e santificação; - pode expressar melhor certo entusiasmo;
- a liturgia é clara como a dogmática. - a piedade é mais contemplativa;
a liturgia sempre contém tudo (universal) - pode-se descansar em Deus;
- A liturgia não é somente racional, também contém - é mais como um círculo;
sentimentos e beleza, mas com certa sobriedade (imagem - a piedade ajuda à paz, ao coração e aos vos
do vulcão – superfície: gelo, dentro: fogo). sentimentos, é um orar que liberta,
- A liturgia é mais ativa, é movimento e ação. A - a finalidade é entusiasmar, pode ser exuberante,
contemplação é praticamente possível somente durante o - a oração pessoal pode ser repetitiva (ladainhas),
silêncio litúrgico. - a piedade é um esforço contínuo do indivíduo, um
- É um contínuo proceder, necessita-se de uma contínua começar de novo, nasce novamente.
atenção, move-se para um auge (ascender, descer).
- Segue-se um rito (estrutura e fórmula), na liturgia se
manifesta uma ordem, disciplina (a disciplina não mata
o sentimento, mas o purifica).
- A finalidade da liturgia é um sentimento claro para a
adoração, nostalgia, arrependimento, gratidão etc.
- Evita-se a repetição, certa modéstia, Sobriedade.
- É mais objetiva, um bem cultural e adquirido durante
muitos séculos.

1.3.5. A estrutura da Constituição Sacrosanctum Concilium (1-46)


1 Proêmio
2 O lugar da liturgia no mistério da Igreja
3 A constituição sobre a liturgia e outros ritos
4 Apreço por todos os ritos legitimamente reconhecidos
(5-46): CAPÍTULO I
PRINCÍPIOS GERAIS PARA A REFORMA E INCREMENTO DA SAGRADA LITURGIA
5-13: I A NATUREZA DA SAGRADA LITURGIA E SUA IMPORTÂNCIA NA VIDA DA IGREJA
6 A obra da salvação continuada pela Igreja realiza-se na liturgia.
7 A presença de Cristo na liturgia (definição)
8 Liturgia terrestre e liturgia celeste
9 A liturgia não é a única atividade da Igreja
10 A liturgia é o cimo, é a fonte da vida da Igreja
11 Necessidade das disposições pessoais
12 Liturgia e oração pessoal
13 Os atos de piedade inspiram-se na liturgia
14-20: II PROMOVER A FORMAÇÃO LITÚRGICA E A PARTICIPAÇÃO ATIVA

28
Liturgia I

15 Formação dos professores de liturgia


16 Ensino da liturgia
17 Formação litúrgica dos candidatos ao sacerdócio
18 Ajudar os sacerdotes no ministério
19 Formação litúrgica dos fiéis
20 Meios audiovisuais e liturgia
21 – 40: III. REFORMA DA SAGRADA LITURGIA
22 A) Normas Gerais
A regulamentação litúrgica compete à hierarquia
23 Tradição e progresso
24 Bíblia e liturgia
25 Revisão dos livros litúrgicos
26-32: B) As normas que derivam da natureza hierárquica e comunitária da liturgia
27 Deve-se preferir a celebração comunitária
28-29 Decoro da celebração litúrgica
30 Participação ativa dos fiéis
32 Liturgia e classes sociais
33-36 C) Normas que decorrem da natureza didática e pastoral da liturgia
34 Harmonia dos ritos (nobre simplicidade)
35 Bíblia, pregação e catequese litúrgica
36 A língua litúrgica
37-40: D) Normas para a adaptação à índole e tradições dos povos
40 Como proceder à adaptação litúrgica na diocese e na paróquia
41-42: IV. INCREMENTO DA VIDA LITÚRGICA NA DIOCESE E NA PARÓQUIA
43-46: V. INCREMENTO DA AÇÃO PASTORAL LITÚRGICA
44 Comissão litúrgica nacional
45 Comissão litúrgica diocesana
46 Outras Comissões

1.3.6. Princípios para uma reforma litúrgica


A reforma litúrgica do Vaticano II
Propostas do papa Bento XVI: Em 1991, na sua obra Fest des Glaubens, (A festa da fé), escreve:
“Uma reforma litúrgica não pode ser fabricada pelos acadêmicos, mas deve vir da própria celebração.
O novo Missal (de 1970) não chegou por um processo orgânico, mas foi produto de acadêmicos, tudo
isso é absolutamente contrário à lei do crescimento litúrgico”. Como papa eleito no ano 2005, Bento
XVI afirma sua vontade de adotar os resultados do Concílio24. O Papa fala de duas hermenêuticas
contrárias que se encontraram depois do Vat II. Uma era uma descontinuidade e ruptura. A outra era a
reforma, a renovação e continuidade sobre o mesmo e único sujeito (a Igreja). A descontinuidade ataca
o espírito do concílio. Um concílio deve interpretar a fé em continuidade.
A Constituição Sacrosanctum Concilium é um dos quatro mais importantes documentos do Vaticano
II. Foi aquele que estava mais dirigida para a reforma na Igreja. Vejamos alguns pontos:
O número 14 diz: “É desejo ardente da mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente
e ativa participação na celebração litúrgica que a própria natureza da liturgia exige [...] deve levar os
pastores de almas, em toda a sua atividade pastoral, a procurá-la com o máximo empenho, através da
devida formação”. O Vaticano II quer renovar a Liturgia pela formação litúrgica, não tanto fazendo
mudanças. Isto quer dizer: educar e conscientizar os fiéis sobre aquilo que estão celebrando.

24
Como papa eleito, logo após sua eleição, em 20 de abril 2005, fez um sermão de 20 minutos em latim, indicando
o que seria o programa do seu pontificado. Disse: “Justamente o Papa João Paulo II indicou o concílio como -
"bússola" com a qual a Igreja se orienta no vasto oceano do terceiro milênio - (cf. Carta apostólica Novo millennio
ineunte, 57-58). Também no seu Testamento espiritual ele anotava: "Estou convencido de que ainda será
concedido às novas gerações, haurir das riquezas que este Concílio do século XX nos concedeu" (17/3/2000). Por
conseguinte, também eu, ao preparar-me para o serviço que é próprio do Sucessor de Pedro, desejo afirmar com
vigor a vontade decidida, de prosseguir no compromisso de atuação do Concílio Vaticano II, no seguimento dos
meus predecessores e em fiel continuidade com a bimilenária tradição da Igreja”.
29
Liturgia I

Durante os dois mil anos da história da Igreja, sempre houve modificações na liturgia. A liturgia
cresceu organicamente como uma árvore, que, de vez em quando, precisava ser podada. Como uma
planta vai crescendo, como o jardineiro no seu jardim, a autoridade da Igreja deve cuidá-la. Fazer uma
reforma significa precisamente isto: realizar adaptações às novas circunstâncias e por razões pastorais;
tirar coisas supérfluas que se acumulavam durante o tempo.
Como a liturgia é a parte visível da Igreja, qualquer mudança precisa da preparação dos
celebrantes e do povo, porque facilmente podem surgir problemas pela diversidade de opiniões no
campo da liturgia.
Certas posições, que, enquanto extremas e exageradas, deformaram frequentemente a visão
sobre a liturgia e fizeram perder uma visão equilibrada:
- o antiquarismo (ou arqueologismo) (quer retornar ao tempo dos primeiros cristãos para
copiar exatamente aquilo como foi feito naquele tempo, praticamente não aceitando os acréscimos e as
modificações da Tradição). Certamente é muito bom, retornar às fontes da liturgia, mas o problema é,
que ninguém sabe perfeitamente como foi, como Jesus celebrou a última ceia. A arqueologia nos
apresentou muitos novos aspetos antes desconhecidos, no entanto, estamos longe de saber tudo. Não
existe filme nem gravação do tempo de Jesus.
- O progressismo (no fundo considera a liturgia como uma obra humana que se pode modificar
à vontade e permite a criatividade espontânea). No seu extremo, não respeita a tradição e pode cair numa
arbitrariedade e anarquismo total.
- O tradicionalismo (quer congelar a liturgia como uma relíquia que não permite mudanças).
Tal atitude também não respeita a Tradição, em que o Espírito Santo continua agindo na história, e que
sempre houve reformas, mudanças e adaptações.
Certamente precisamos dos três elementos, vistos no seu conjunto, ou seja: deve-se retornar às
fontes, permitir um progresso e respeitar a tradição da Igreja. Mas, exagerando ou absolutizando
somente algum destes três aspectos causaria problemas.
Por isso, é importante conhecer, considerar e observar o desenvolvimento orgânico e harmônico
da liturgia durante a história da Igreja. Por exemplo, certos ‘tradicionalistas’ argumentam com um
documento do Papa Pio V. É conhecido que o papa Pio V, na Bula “Quo Primum Tempore” afirmou:
“ordenamos que a Missa, no futuro e para sempre não seja cantada nem rezada de modo diferente do
que está conforme o “Missal” por nós publicado [...]”. Para compreender bem o sentido desta postulação
do papa é preciso vê-la no seu contexto.
A liturgia sempre estava submetida a um desenvolvimento orgânico no decorrer da história. Mas
pela reforma protestante no século XVI, houve certa ruptura com a Tradição litúrgica, e precisamente
contra tais abusos se estava dirigindo o Papa Pio V. A reforma protestante não somente rejeitava o que
eles entendiam como abusos na Igreja, mas rejeitavam a liturgia medieval. A reforma protestante foi
descrita como “uma revolução antilitúrgica” (Reid, ibid. p. 39). Com seu princípio ‘sola Scriptura’
cortavam todas as evoluções históricas litúrgicas. Assim, a legitimidade de um desenvolvimento
orgânico da liturgia foi rejeitada por eles.
A reforma de Trento queria, em primeiro lugar, unificar a liturgia católica. A sessão XXII do
Concílio de Trento (1562) condenava as ideias protestantes. Mas foi necessária uma nova edição dos
livros litúrgicos. Os papas do Concílio de Trento aceitavam o desenvolvimento orgânico da liturgia, e o
princípio fundamental desta reforma foi a chamada ‘restauração’. Tal restauração não estava baseada
sobre o iconoclasmo protestante, também não seguiram os princípios do antiquarismo, mas buscavam
uma inovação da liturgia (cf. Reid, p. 41). Viu-se necessário podar o organismo, para que pudesse
novamente florescer.
A Bula Quo primum de Pio V descreveu a reforma da maneira seguinte: “ad pristinam Missale
ipsum sanctorum Patrum normam ac ritum restituerunt” (restauraram o missal segundo a primeira
norma e os ritos dos santos Padres), o que deve ser visto no seu contexto. Eles consideravam válidas as
reformas feitas até 200 anos antes, ou seja, antes do ano 1362. O papa proibia usar outros missais, exceto
aqueles que tiveram uma idade maior de 200 anos, data de uma reforma litúrgica anterior.
Desta maneira, Trento cortou ornamentos adicionais desde a última reforma, para simplificar, mas não
para destruir. Eliminavam-se elementos pitorescos, que deveriam embelezar a missa romana. Tiraram

30
Liturgia I

sequências sobrecarregadas e deixaram os elementos mais essenciais. A. Reid25 menciona uma série de
exemplos, baseada no princípio da simplificação.
Portanto, o texto da bula do Papa Pio V não se dirige contra adaptações posteriores, mas quer
afirmar a validade de uma e mesma celebração da missa, como foi compreendida desde o tempo
apostólico e que será sempre válida, também no futuro.
A razão do movimento litúrgico (Pio X) era para fomentar a participação ativa e inteligente dos
fiéis. Isto se fez em primeiro lugar pela instrução. Não é necessário que os fiéis assumam a função do
sacerdote, mas é importante que compreendam e se unam espiritualmente ao sacrifício que este oferece
em nome de Cristo.

1.3.6.1. A mutabilidade e a imutabilidade dos elementos na liturgia (SC 21)


A Sacrosanctum Concilium lembra no n. 21 os elementos mutáveis e imutáveis. Para saber quais
elementos podem mudar-se e quais não, numa reforma litúrgica, alguns autores se limitam a distinguir
entre elementos essenciais para o rito (matéria e forma para a validade do sacramento), e aqueles não
essenciais. Mas a coisa não é tão fácil.
D. Crouan26 apresenta, como critério de distinção, esse princípio. Escreve que aquilo que é
essencial ou faz parte substancial do sacramento não se pode modificar27: “O componente depende em
grande parte da tradição das igrejas locais. Determina a ordem das cerimônias, o que nos permite
distinguir entre as famílias litúrgicas [...]. Os componentes acidentais não tocam diretamente a fé das
pessoas […] apela para o bom senso e o senso comum, inclui tudo o que se dirige aos sentidos […] velas
[...] elementos que na liturgia podem ser adaptados segundo as circunstâncias de povos diferentes”.
O problema que surge aqui é que aparecem sacerdotes minimalistas que dizem: ‘aquilo que é
essencial é importante, aquilo eu faço’. Celebro a Missa só com a estola, com pão e vinho, rezando as
palavras da consagração. Não preciso das velas, da casula etc. Claro, aqui temos as normas litúrgicas
que se devem respeitar. Agora buscamos princípios para fazer uma reforma.

Princípios para a reforma do Vaticano II


O texto da Sacrosanctum Concilium nos indica as mudanças que se devem ou que se podem
fazer e, também, as razões do porquê:
SC 21: Há uma parte mutável e parte imutável da liturgia.
- Ordenar os textos e as cerimônias para que sejam mais claras (simplicidade, evitar repetições);
- participação plena e ativa da comunidade pela formação litúrgica;
SC 22: competências: a Santa Sé e os bispos (adaptações) e o celebrante (acomodações).
SC 23: Legítimo progresso pelos novos conhecimentos da investigação teológica.
- Devem-se considerar as leis gerais da estrutura e do espírito da liturgia;
- não fazer inovações sem verdadeira utilidade e com devida cautela (princípio da
progressividade);
- a reforma deve brotar organicamente daquilo que já existe (princípio da harmonia e
continuidade);
- uniformidade (que não haja diferenças notáveis entre regiões vizinhas);
SC 24: - a fonte de inspiração deve ser a Sagrada Escritura, (que as fórmulas sejam mais bíblicas).
Por exemplo no texto: “este é o cálice do meu sangue (mysterium fidei) derramado por vós”.
SC 28 – Cada um faça aquilo que lhe corresponde (princípio de hierarquia)
SC 30: - aclamações do povo, gestos do corpo e silêncio.
- Rubricas para os fiéis (que não havia antes do concílio);
SC 33: - diálogo entre o povo e Deus;

25
REID, A. The organic development of the Liturgy, 41-42.
26
CROUAN, D. The History and the Future of the Roman Liturgy, Ignatius Press, San Francisco 2001.
27
“The modal component depends to a great extent on the traditions of the local churches. It determines the order
of the ceremonies and thus allows us to distinguish between large families of rites [...] The Accessory components
[…] does not immediately concern the beliefs of the faithful and can therefore be left to the discretion of those who
are responsible for conducting the liturgy […] it appeals to good taste and to common sense and thus includes
everything that appeals directly to the senses in order to indicate the degree of solemnity of a celebration: candles,
altar cloths… that a liturgy can be adapted to the temperament and circumstances of different peoples” (ibid. p.
18).
31
Liturgia I

SC 34: - celebrar com beleza e nobre simplicidade (rito transparente, breve, compreensível, sem
redundâncias ou repetições)
SC 35: - usar breves comentários ou breves explicações, catequese, celebração da palavra
SC 36: - seja conservado o latim.
- Língua vernácula para as leituras e admoestações.
- Traduções devem ser aprovadas
SC 38: - adaptações para diversos lugares (a palavra ‘inculturação’ surgiu apenas em 1979).
SC 42-46: Promoção da Pastoral litúrgica.
SC 47-58: Renovação da missa.
Na missa deve-se mostrar mais claramente a diferença das suas partes (estrutura)
- valorizar a homilia, fazer as preces (oração dos fiéis);
- possibilidade da comunhão sob as duas espécies, concelebração.
A intenção era organizar os ritos para maior clareza - (princípio da transparência – autenticidade).
O Vaticano II queria que as mudanças fossem feitas pouco a pouco, porque ‘na liturgia se
manifesta a Igreja’, e as questões litúrgicas são as questões mais delicadas e que sempre causaram
discussões e possíveis problemas por causa da sensibilidade da gente.

1.3.6.2. As leis da mistagogia: critérios fundamentais para uma reforma


Tiramos algumas conclusões a partir dos textos mencionados da SC do Concílio Vaticano II,
que ajudam a compreender como uma reforma deve ser feita.
Para comparar: o espírito do Concílio de Trento tem como objetivo principal o respeito para
uma melhor adoração do Santíssimo Sacramento. O espírito do Vaticano II enfoca mais no tema da
Eucaristia na celebração comunitária e participação ativa dos fiéis.
Falamos de ‘Princípios gerais da liturgia’28, mas aqui falamos de algumas regras indicadas pelo
SC, que se devem respeitar ao fazer uma reforma, que chamamos ‘Leis da mistagogia’. Distinguimos:

1) Princípio da relevância (objetividade);


2) Lei de autenticidade;
3) Lei da distinção (entre profano e sagrado);
4) Lei da originalidade;
5) Lei da economia;
6) Lei da propriedade;
7) Lei da harmonia;
8) Lei da oportunidade;
9) Respeito à ordem;
10) Respeito à hierarquia;
11) Lei do progresso;
12) O respeito ao sagrado (temor de Deus).

Outros autores apresentam outra divisão destes princípios, por exemplo, Guitton29 apresenta quatro
princípios: 1. objetividade, 2. distinção, 3. necessidade, 4. discrição.
Numa reforma litúrgica, muda-se o aspeto exterior, o mistério celebrado fica o mesmo30. O exterior é o
caminho para o interior, o visível para o invisível. Porque Deus é o centro da liturgia, precisa-se guardar
a distinção entre o sacro e profano, o respeito para o sacro e a autoridade da hierarquia.
Assim distinguimos:
Deus
Aspecto interior (mistério) + exterior (os ritos, a celebração)

28
Por exemplo: um critério fundamental é mencionado por Joseph Ratzinger. Introdução ao Espírito
da Liturgia: uma liturgia é dada por Deus e não fabricada pelo homem, e deve adaptar-se e interpretar-
se segundo as regras da Revelação.
29
M. GUITTON (2003). Iniziazione alla liturgia romana. Qiqajon, 2008, p. 13-22.
30
Por exemplo: A santa missa é a celebração e atualização do mistério de Cristo, sua paixão, morte e
Ressureição. Celebra-se o mesmo mistério na antiga como na nova missa, embora a forma exterior é distinta. No
entanto, há perigo de que, pela mudança exterior, muda-se também a compreensão do mistério. Celebrando-se a
missa na forma de um banquete, perde-se a consciência de que é, sobretudo, um sacrifício.
32
Liturgia I

povo
Tratemos de explicar os princípios mencionados:
1) Princípio da relevância (objetividade; universalidade): existem muitas possibilidades de
interpretação de um rito. Mas só algumas poucas possibilidades são os verdadeiros significados da
mistagogia31. Este princípio vai contra o subjetivismo e arbitrariedade na interpretação. Isto significa
que se deve considerar quais são os verdadeiros significados objetivos, com fundamento na Bíblia. São
significados, especificamente cristãos, inspirados e interpretados na Tradição da Igreja e que têm a sua
continuidade. O específico da inspiração cristã tem sua base bíblica (assim, como Jesus interpreta um
gesto, assim deve-se interpretar sempre). Em conformidade à Tradição, deve-se dar um bom senso. A
liturgia é dada por Deus, não é uma obra humana.
Guitton o chama "princípio da objetividade". Liturgia não é a expressão de um grupo; o seu
valor é independente da subjetividade ou sentimentos que provocam. Cristo está acima de todo
conhecimento. O sinal litúrgico não é um enigma indecifrável, o seu sentido não é aquilo que é possível,
mas aquilo que foi escolhido pela Igreja.
A Liturgia é universal, porque é: a) uma, por meio das formas mais diversas rituais, pela unidade
da fé que expressa o sacrifício oferecido e sacramentos administrados; b) viva, como em todos os
lugares, sob a aparência dos ritos externos de que é revestida, pulsa a alma da Igreja, que é a própria
vida e a força inabalável de Cristo, e vibram os sentimentos de todo o povo cristão com quem se associa
com a oração litúrgica; c) tradicional, na medida em que recua em suas linhas fundamentais à mesma
liturgia dos apóstolos e, através deles, a Cristo. O estudo que faremos nos dará uma clara demonstração
disso.

2) Princípio da autenticidade: isso significa que o gesto, a palavra ou ação litúrgica, é para conduzir ao
mistério, deve ser aquilo que é. Isso vai contra aquilo que faz apenas o mínimo, com uma abordagem
legalista (por exemplo dizer: para a validade do sacramento precisa-se da matéria e da forma. A forma,
por exemplo, são as palavras ‘Ego te absolvo’, ou ‘Isto é o meu corpo’...). Aquele que acaba pouco a
pouco com os elementos secundários, está em perigo de perder também os elementos principais.
O que significa isso? Os sinais são o que são. Os sinais possuem uma dimensão comprometedora
(moral), reveladora, e escatológica. Se em algum momento um elemento não é mais autêntico, deveria
ser excluído.
Deve-se procurar a expressão melhor, embora nem sempre seja possível o ideal. Por exemplo:
se não tenho vinho vermelho (exprime a cor do sangue) para celebrar, é melhor fazê-lo com vinho branco
do que não fazer. Deve-se buscar fazer do modo melhor possível. Ou, em uma emergência, permite-se
usar um cálice de qualidade inferior, ou algum elemento como uma mesa profana, mas não é autêntico.
Os detalhes fazem a diferença! Assim como se pode fazer a diferença em coisas diferentes, sem
discriminação, porque seria uma injustiça tratar de certas coisas de modo igual, embora diferentes.
Justiça é o "suum cuique”! Autenticidade é também colocar as coisas no seu lugar, celebrar na hora certa
correspondente (Laudes pela manhã, vésperas à tarde).

3) A lei da distinção: (entre o sagrado e o profano), entre o ritual e aquilo que é comum.
Ex.: No tempo dos apóstolos não se usavam os mesmos ornamentos do tempo de hoje, mas certamente
não a roupa habitual. (Na África encontravam-se túnicas litúrgicas para o uso de todos os fiéis (do século
III). Em alguma época todos os fiéis usavam vestidos litúrgicos). Sacralidade é separação. Não use
roupas que são mundanas ou triviais. A liturgia sabe como colocar as diferenças. Toalha do altar não
pode ser aquela da casa. Sensibilidade para o sagrado (na sacristia: limpeza e arrumação).
Exemplos: Não deixar entrar o profano (diretório da CNBB 2012: não usar música de filmes, melodias
populares [...]). Não se deve usar um celular como missal, porque não é um objeto litúrgico abençoado.
Mas, no caso de uma emergência, poder-se-ia usar.

4) A lei da originalidade – quer dizer, fidelidade ao senso original: qual foi a condição original de uma
coisa? Isso vai contra dois gestos: um arqueologismo na liturgia, e outro, contra um modernismo e
tradicionalismo litúrgico. É o princípio de estar vinculado à tradição da Igreja.

31
Por exemplo, a interpretação do uso do incenso. Segundo as circunstâncias, pode significar: adoração,
veneração, bom perfume, efeito exorcista etc. Mas estas interpretações devem ter seu fundamento objetivo.
33
Liturgia I

Ex.: Aquele que não viu a coisa antes da mudança, poderia pensar que isto é a tradição da Igreja.
Devemos ser críticos neste sentido, e encontrar o significado e a prática. O novo, feito pela reforma do
Vaticano II, e que tem apenas 50 ou 60 anos de tradição, não é nada comparado à história de muitos
séculos.
Por exemplo, a direção de celebrar: ‘ad orientem ou versus populum. Os cristãos ao rezar em
direção ao Oriente é algo original e tradicional. Existe a tradição, porque os cristãos oraram em direção
ao este, os judeus rezavam em direção a Jerusalém, os muçulmanos rezam em direção a Meca.
É importante respeitar o antigo e compreender bem a continuidade e a legitimidade da prática.
A Tradição litúrgica se transmite sempre por uma fidelidade à imagem original.

5) Princípio da economia (simplificação, mas não banalização nem empobrecimento da liturgia):


(Cf. SC 21): Quanto mais elementos são postos na liturgia, tanto menos valor se dá a estes elementos
(contra o princípio da inflação). Os elementos estão em contraste uns contra os outros.
Exemplo: certas repetições, como genuflexão depois da comunhão (que não faz sentido), é
preciso compreender o valor do sinal e fazê-lo com autenticidade. Nas muitas repetições, está o perigo
de fazê-lo automaticamente. Muitas vezes, a oração é feita com pressa ou de maneira rotineira, e, no
final, não se lembra de mais nada.
Cada obra de arte foi feita para um lugar. O princípio da economia vai contra os excessos.
(Cf. SC 34): A “nobre simplicidade”
Um pensamento do papa Bento XVI: ‘É uma exigência para a compreensibilidade, que abre
para a participação ativa. Normalmente partem com o tema da última ceia, a celebração de Jesus como
antecipação da crucifixão. A simplicidade do cenáculo contém uma profundidade e um alcance
tremendo [...]. No século XX, após o concílio, a tendência era interpretar o cristianismo como
anticultual, e dessacralizado. A simplicidade dos ritos se interpretava no sentido de que deveriam ter um
sentido pragmático em vez de sacro’.
O ato da fração do pão é um ato sacro, é a reconciliação de Deus com o mundo. Deve-se fazer
com simplicidade, mas esta simplicidade se deve explicar. Numa capela simples, acontece o mesmo
mistério como em uma catedral suntuosa. Importante é que o festivo não se torne autônomo, mas remeta
sempre ao essencial da festa, e sempre com um modo humilde e com espírito de serviço. É Deus que faz
com que seja festa e não a comunidade.

6) A lei da propriedade (necessidade): não pode existir um rito sem sentido (seria puro ritualismo),
também não um sentido sem o rito (o que seria o protestantismo). A liturgia não vive da arbitrariedade.
Se o rito é improvisado, a espiritualidade litúrgica se perderia. Deve ser feita sobre uma base
(fundamento) consistente (coerente). É necessário a execução do rito no seu essencial.
Os fiéis devem saber que as coisas não estão por acaso, mas há um sentido. Precisa da vigilância
para descobrir o que a Igreja quer. Não fazer somente inovações, mas toda a celebração se torna diferente
devido à disposição (se oferece uma ampla gama de orações, o sacerdote deve saber aproveitar as
diversas possibilidades); escolher aquela possibilidade que é mais adequada.
A improvisação e a preguiça estão muito próximas. Improvisar a oração (sem a criatividade de
um gênio como Santo Ambrósio) resultaria na banalidade; no fundo se diz sempre a mesma coisa e os
fiéis ficariam frustrados.

7) O princípio da oportunidade: na liturgia há dois princípios: ação e movimento (velocidade e ritmo)


é não estática, como na teoria. Não se pode fazer a explicação dos ritos na mesma liturgia, isto seria a
catequese. A catequese deve ser antes da liturgia e deve seguir à liturgia, mas não é liturgia.
Existe uma ligação e interação entre liturgia e catequese, mas não devemos confundir as duas
coisas. A catequese é estática, é reflexão. É importante compreender o significado deste princípio. A
liturgia é o culto não é uma conversa ou explicação, embora por circunstâncias pastorais possam ser
oportunas.
A distinção é crucial. Mesmo na catequese pode-se operar os gestos e símbolos, ser criativos e
individuais (para-liturgia). Mas a liturgia não está disponível para a minha subjetividade. Os avisos e os
comentários na Liturgia, devem ser preparados. A catequese prepara e nos introduz ao conhecimento de
textos e para um bom senso de celebração. Por isso há os comentaristas.

34
Liturgia I

8) A lei da harmonia (da parte dos atores) (Guitton a chama de lei da discrição). Deve ser uma "ars
celebrandi”. Deve haver uma proporção adequada entre os tempos com as partes, até mesmo a harmonia
entre os temas e as orações (ex: se a homilia dura 30 min, a Eucaristia 15 min, é falta de equilíbrio). Ou,
por exemplo, quando o mestre das cerimônias é discreto e se pode ver um equilíbrio. Ele não deve
apresentar-se a si mesmo como mais importante que o celebrante. Devem-se fazer ensaios para encontrar
uma verdadeira harmonia. Também observar a justa medida entre ação e contemplação.

9) O princípio da ordem
Significa que a importância teológica deve corresponder à importância litúrgica, e a importância
litúrgica para com o real (a coisa que tem em si). Um vício é o sociologismo, ou horizontalismo, quando
se perde Deus no centro. O que significa isso? Ver a importância teológica - litúrgica – real!
Não podemos ficar no nível do missal, mas temos de chegar à realidade. A procissão da sacristia
para o altar não pode ser feita (não convém) em uma pequena capela (numa distância de 2 metros, seria
falta de sentido de realidade). O ofertório é um rito de transição. O seu tempo não deve exceder o tempo
do cânon. Não se deve destruir a liturgia para colocar as flores na entrada para as fotos, e no presbitério
(altar) não haver flor alguma. As flores devem ser colocadas como uma oferenda a Deus e não para a
sociologia [...]. Não se deve celebrar por causa da televisão.

10) Princípio da hierarquia: o universal e o particular.


A Sacrosanctum Concilium, embora reafirmando o princípio de uma unidade substancial e da
centralização, estabelece que sejam delegados vários poderes no campo litúrgico às conferências
episcopais nacionais e a cada bispo (SC 22) para regular sua execução.
Não confundir a unidade com uniformidade na liturgia. Deve-se manter a unidade na fé e na
celebração, no entanto permitem-se certas particularidades. O universal e o particular não podem ser
colocados no mesmo nível.
A liturgia é como uma linguagem, uma realidade que é universal e particular; está presente no
passado e no futuro. Mas, se eu inventasse uma linguagem nova, vocês não entenderiam. Mas isto não
significa, que não poderia desenvolver-se. Existe um dinamismo entre fidelidade e criatividade.
Por exemplo, a procissão eucarística do Corpus Christi, quando é assunto para a hierarquia se
torna liturgia. Em algum momento, era uma celebração particular; hoje é obrigatório celebrar
universalmente a festa do Corpus Christi. Há coisas questionáveis. A realidade universal está sobre as
coisas particulares. Se uma coisa é permitida numa diocese, não significa que se pode fazer em todo
mundo, comemorar uma festa ou não. (Cf. SC 26): evitar fazer diferença no rito entre regiões vizinhas.

11) O princípio da progressividade:


Há uma ligação entre tradição e progresso. O mundo está em contínua transformação, onde as
novas formas brotam organicamente daquelas que já existem (cf. SC 23). A Igreja se renova sobre o
sulco da tradição, buscando algo melhor.
Isso significa que, para mudar as coisas, se há uma razão ou um motivo, deve-se mudar sempre
para o melhor. Se aquilo que vem depois não é melhor (utilidade: SC 23), não se deve fazer a mudança.
Se alguém não compreende algo logo, em vez de descartar, é melhor aceitar na obediência
litúrgica. Primeiro obedecer, depois compreender. Devem ajudar os responsáveis (o bispo). Liturgia não
é lugar para discutir, mas deve-se ajudar com o senso comum. Mesmo para a valorização da fé dos
simples. Através de passos e etapas progressivas, pode-se chegar ao ideal.

12) O respeito ao sagrado (ars celebrandi):


O ministro da igreja não é o mestre, mas escravo (servo) da liturgia, da ação de Cristo na Igreja.
Tal princípio é principalmente contra um psicologismo; contra o clericalismo e contra a ‘egolatria’.
A Ars celebrandi busca unir as três realidades intimamente ligadas: a liturgia e sua celebração,
a beleza e a vida. Sobretudo, examina-se a relação entre a liturgia e a beleza que conduz em direção à
evangelização.
Como lembra o Papa Francisco: “a comunidade evangelizadora jubilosa sabe sempre «festejar»:
celebra e festeja cada pequena vitória [...], a evangelização jubilosa torna-se beleza na liturgia. A Igreja
evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração da atividade
evangelizadora e fonte de um renovado impulso para se dar” (Evangelii Gaudium 24)

35
Liturgia I

Respeito pelo sagrado, quer dizer, ser transparente na liturgia. Onde o sacerdote se coloca no
centro da liturgia, pode cair na teatralidade. A glória roubada é um sacrilégio. Respeito pelo sagrado
significa que o centro é Deus.
Por exemplo: o uso da palavra "presidente" é um conceito reduzido. Faltaria o aspecto do
sacerdócio, igual ao aspecto em que Cristo é o agente principal. Sem sacerdócio não há liturgia (embora
em uma comunidade de leigos se pressupõe a presença espiritual do sacerdote ou do bispo), mas nós
temos um único sacerdote e um único sacrifício. O povo sacerdotal necessita do ministério sacerdotal.

1.3.6.3. O princípio de um crescimento orgânico da liturgia32


Das leis discutidas previamente, escolhemos agora a “lei da progressividade” para descrever o
desenvolvimento da liturgia na história. Para que haja um crescimento orgânico, é preciso ter bem claro:
como a liturgia é dada por Deus, não se pode destruir ou eliminá-la para fazer uma nova. Para cultivar
a liturgia é necessário podar o supérfluo, retornar às fontes (origens), não tocar no essencial, quer dizer,
os elementos que não podem ser mudados.
A reforma carolíngia (821), por exemplo33, não foi uma abolição de uma liturgia nacional do
reino dos francos, para ser substituída por uma inovação e imposição do rito romano, pela autoridade
imperial; foi antes a consumação final de um processo de mudanças, de uma aproximação à liturgia
romana nas formas das orações. A reforma carolíngia não foi um terremoto litúrgico! Já naquela época
foram observados os seguintes princípios:
1. Necessidade de um desenvolvimento, precisava-se de mais textos e formulários.
2. Respeito profundo à Tradição litúrgica, usando os mesmos elementos da tradição.
3. Poucas inovações, o reformador (inovador) não compõe, mas recolhe da Tradição.
4. Introduzindo formas mais novas e colocando-as ao lado de formas mais antigas.
5. A integração de novas formas será aceita através do tempo.
Segundo santo Tomás de Aquino, “o costume recebe sua força pela lei, pode abolir uma lei, e
é o intérprete da lei” (STh I-II,97,3).
No ano de 1535, o cardeal Francisco Quiñonez apresentou o seu novo breviário. Quiñonez
entendeu a sua tarefa sobre como organizar as horas canônicas, levar para as formas antigas e tirar do
ofício detalhes difíceis. O papa Paulo IV entendeu aquela reforma como uma purificação dos erros que
entraram pela tradição.
Segundo uma análise de Prosper Guerangér (século XIX), Quiñonez (1541) no seu trabalho de reforma
observou os seguintes princípios fundamentais, que têm valor universal:
1) Uma reforma é necessária por causa das mudanças da linguagem, do progresso teológico, das
circunstâncias do mundo. Precisa-se sempre da reforma, porque não encontramos uma liturgia perfeita
aqui na terra.
2) A reforma deve ser feita não pelos estudiosos, mas deve-se fazer com reverência e com autoridade
competente.
3) Deve preservar-se contra um espirito de novidades, não deformar, mas restaurar a pureza original.
4) Abreviação não é reforma, uma liturgia prolongada não é um defeito para aqueles que dedicam sua
vida à oração.
5) Ler grandes quantidades da Sagrada Escritura no Ofício não satisfaz toda obrigação de oração do
sacerdote, porque “ler não é orar”.
6) Não deve haver dois ofícios distintos na Igreja, por isso deve-se procurar a unidade no rito.
7) Não é um mal, se as rubricas são numerosas ou complicadas, porque os clérigos devem aprender com
quanta diligência deve-se tratar a ‘Obra de Deus’.

Durante o tempo do iluminismo, uma nova atitude espiritual rejeitava o sentimento religioso barroco. A
Liturgia foi vista mais sob o aspeto da sua utilidade para a pastoral, e se enfocou no seu caráter
comunitário. Aspirava-se maior simplicidade e inteligibilidade. Mas o perigo foi que o culto estava em
perigo de tornar-se um subsídio para a educação moral e um instrumento da pedagogia. Realizou-se em
1786 o Sínodo de Pistóia com numerosas propostas reformadoras da liturgia. O Papa Pio VI em 1794 a
condenou veementemente. Das 95 postulações do sínodo de Pistóia, 85 foram rejeitadas pelo papa, com
o argumento de que se deve respeitar a sagrada Tradição. O papa Pio XII critica Pistóia na MD 57.

32
Cf. REID, A. The organic development of the liturgy, 2005.
33
O imperador Carlos Magno quis instalar a liturgia papal de Roma para ser celebrada em todo o seu império.
36
Liturgia I

Dom Lambert Beaudin, filho espiritual de Guéranger e um dos iniciadores do Movimento litúrgico
(ML), num congresso de Bruxelas, em 1898, apresentou os seguintes princípios:
1) Deve-se ajudar o povo, pelo uso de um missal de língua vernácula como livro de oração e popularizar o
texto da missa dominical e vésperas,
2) Para dar mais caráter litúrgico à piedade popular, especialmente na oração das completas, assistindo na
celebração paroquial [...] usando também as orações como uma preparação e para dar graças após a
comunhão [...].
3) Usar mais amplamente o canto gregoriano, para uma melhor participação do povo.
4) Promover retiros anuais para o coro paroquial etc., num centro de vida litúrgica, por exemplo na Abadia
de Mont-César [...] para formação litúrgica dos leigos.

O objetivo para ser realizada a partir do ML foi para que os cristãos possam alimentar sua vida
espiritual através das celebrações litúrgicas da Igreja. Desejava-se:
1. Participação ativa do povo no santo sacrifício da Missa, através de uma melhor compreensão e
acompanhamento dos ritos litúrgicos, como também dos textos.
2. Uma ênfase na importância das missas solenes dos domingos nas paróquias, assistência e restauração do
cantar litúrgico nas reuniões oficiais dos fiéis.
3. Fazer esforço de preservar ou reestabelecer as vésperas e completas nos domingos.
4. Associação ativa com os ritos e sacramentos, difundir este conhecimento entre outros.
5. Cultivar um grande respeito e confiança para com as bênçãos da Igreja na liturgia.
6. Restauração da liturgia dos defuntos pela observação e costumes das vigílias e laudes para dar maior
solenidade aos serviços funerários.
A. Piedade
B. Estudo
C. Artes
D. Propaganda, difusão.

Martin Hellriegel, no Missouri, USA, em uma semana litúrgica, em 1940, apresenta as seguintes
conclusões:
1. Devemos tirar da liturgia tudo o que é profano e rotineiro. As coisas santas devem-se realizar segundo a
maneira divina.
2. Celebração mais santa e mais digna da vida cristã, e da vida que promove a participação e o uso dos
mistérios cristãos: missa, sacramentos e sacramentais.
3. Voltar à missa dominical, 52 vezes por ano, celebrar o dia do Senhor.
4. Voltar a uma participação ativa de cada membro da paróquia, nas orações e cânticos da Igreja.
5. Deve-se realizar uma séria preparação e anúncio mais alegre da palavra viva de Deus. Preparar as
homilias segundo os exemplos dos antigos Padres.
6. Vésperas dominicais para o povo.
7. Celebrar adequadamente as festas patronais.
8. Que os sacerdotes usem as vestes apropriadas para a administração dos sacramentos e não roupa
comum.
9. Celebram-se com mais intensidade os tempos fortes, Advento, quaresma [...]
10. Forme-se um ‘sentire cum Ecclesiam’, para restaurar a vida paroquial [...]

A comissão litúrgica para realizar a reforma, instituída pelo papa Pio XII:
1) Deve-se encontrar um equilíbrio entre as exigências das tendências conservadoras e inovadoras, (fazer
as coisas com calma).
2) Como a liturgia é eminentemente ‘latrêutica’, o culto da ‘dulia’ deve ser subordinado àquele da
‘latria’, consequentemente no calendário litúrgico: o temporal e o ferial devem predominar sobre o
santoral.
3) Porque a liturgia é um complexo unitário e orgânico, é necessário que também a reforma seja orgânica
e unitária.
Isto refere-se ao estudo. A liturgia é dirigida a Deus, más também deve-se considerar o seu caráter
catequético e formativo.
Capelle: deve-se reformar e renovar corajosamente o que seja realmente necessário e
indispensável para renovar e conservar aquilo que deve ser conservado. O seja, conhecer a verdadeira
necessidade.
1. Aquilo que serve no tempo presente, deve-se considerar suficiente, enquanto não houver uma grave
deficiência.
2. Deve-se introduzir novas coisas que são necessárias de uma maneira em consonância com a Tradição.
37
Liturgia I

3. Não se deve mudar nada, a não ser que resulte realmente em grande proveito.
4. Práticas que caíram em desuso devem ser restauradas, quando sua reintrodução oferecer realmente aos
ritos maior pureza e inteligível compreensão na mente e para o entendimento dos fiéis.

No ano de 1951, apresentou-se a reforma da vigília pascal, que (segundo dizem) mesmo os da
Congregação pelos ritos ficaram surpreendidos. A santa Sé recebeu numerosas postulações durante
estes anos anteriores.
1. Reduzir as três orações para a benção do fogo para uma só. Tirar repetições e abreviar inteligentemente.
2. Do fogo se acende o círio pascoal e daí passam o fogo para as outras velas.
3. Restaurar o rito da benção do círio, que leva as insígnias Alfa e Ômega, para dar à celebração um
sentido simbólico e teológico em consonância com a tradição.
4. O passar do fogo (luz) indica uma participação ativa dos fiéis.
5. Modificar o hino Exultet, tira-se o nome do imperador romano.
6. Reduzir as leituras proféticas de 12 para somente quatro (em latim, o que é difícil para a gente), pede-se
permissão para usar a língua vernácula
7. O celebrante fica sentado durante as leituras e fica escutando, e não precisa ler por própria conta.
8. Insiste-se no silêncio entre: flectamus genua e levate.
9. O rito da benção da água deve ser feito diante dos fiéis, para que eles possam ver e acompanhar o rito.
10. Renovação dos votos batismais dos fiéis na língua vernácula.
11. Omite-se o Salmo 42 e o último Evangelho na missa pascal (oração privada do sacerdote).
Desta reforma podem-se distinguir quatro princípios operativos:
a) Restauração de ritos perdidos historicamente.
b) Autenticidade litúrgica (n. cinco, sete, oito) restauração da vigília na noite.
c) Exigências pastorais segundo necessidades (n. quatro, nove, dez).
d) Necessidade de purificar o rito,

Lambert Beaudin propôs sete postulações para a reforma da Missa (La Maison Dieu, 1951):
- remover a anomalia de que o celebrante vai lendo o texto, enquanto outros estão cantando,
- fazer a liturgia ‘sensível e viva’, estendendo a autenticidade das rubricas, uso do silêncio – igual para o
ato penitencial, ou para o tempo de penitência (quaresma);
- restaurar o Amém solene e comum, para promover a participação ativa do povo ao final do Cânon,
cambiar as rubricas;
- os fiéis devem receber a comunhão na missa com hóstias consagradas na missa, no tempo apropriado e
não fora da missa, para indicar a conexão.
- Colocar o Ite Missa est no seu lugar certo, ao final da missa;
- omitir o último Evangelho nas missas públicas, manter nas missas privadas;
- omitir as orações leoninas após a missa.
Resultado da Conferência litúrgica de Maria Laach (1953):
1) Eliminar duplificações, o celebrante não deve recitar as leituras quando há um leitor [,..].
2) Revisar as orações no início da missa,
3) A antemissa deve-se chamar melhor ‘liturgia da Palavra’.
4) Reduzir as orações na Missa a um mínimo.
5) Organizar a ordem dos perícopes escriturísticas.

38
Liturgia I

1.5. A origem divina da liturgia

1.5.1. A liturgia divina como obra da Santíssima Trindade


A liturgia é uma ação conjunta do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Porque as ações de Deus
para fora de Si (ad extra) são comuns às Três Pessoas Divinas. É Deus que se auto-manifesta e se
autocomunica.
Na liturgia, vivemos em comunhão dinâmica e vital com a Santíssima Trindade. Por isso, a
assembleia litúrgica é "congregada na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo": unidade de amor
e glória. Ação santificadora e cúltica do sacerdócio de Jesus desce como bênção do Pai e chega até a
Igreja pela mediação de Cristo e pelo dom de seu Espírito. Por sua vez, a Igreja responde prestando culto
em Espírito e em Verdade: por Cristo ao Pai.
Mas a cada uma das Pessoas divinas podemos atribuir algum traço da liturgia. Seguindo o
Catecismo da Igreja Católica, vejamos as atribuições de cada uma das Pessoas divinas:
1.5.2. O Pai, fonte e fim da liturgia34
O Pai é fonte de bênção (Ef 1,3-6). É a origem de todo o dinamismo vital da salvação (CIC
1110). Se a liturgia é a presença do mistério da salvação - isto é, Deus que abençoa -, tem ela sua origem
no Pai (CIC 1082). O fim do culto cristão é o Pai. Se é a fonte da bênção, o Pai também é a meta de
nossa oração. Visto que o homem corresponde ao projeto salvífico, adorando e oferecendo
amorosamente seus dons, por isso, existe uma antiga norma na legislação litúrgica: Semper ad Patrem
dirigatur oratio; e assim, na liturgia romana, as orações costumam dirigir-se ao Pai pela mediação de
Cristo.

34
“I. O Pai, fonte e fim da liturgia (do Catecismo da Igreja Católica);
1077 "Bendito seja o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda sorte de bênçãos
espirituais, nos céus, em Cristo. Nele escolheu-nos antes da fundação do mundo para sermos santos e
irrepreensíveis diante dele no amor. Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo,
conforme o beneplácito de sua vontade, para louvor e glória de sua graça, com a qual ele nos agraciou no
Bem-amado" (Ef 1,3-6).
1078 Abençoar é uma ação divina que dá a vida e da qual o Pai é a fonte. Sua bênção é ao mesmo tempo palavra
e dom (benedictio, eulogia, pronuncie "euloguia"). Aplicado ao homem, esse termo significará a adoração
e a entrega a seu criador, na ação de graças.
1079 Desde o início até a consumação dos tempos, toda a obra de Deus é bênção. Desde o poema litúrgico da
primeira criação até os cânticos da Jerusalém celeste os autores inspirados anunciam o projeto de salvação
como uma imensa bênção divina.
1080 Desde o começo, Deus abençoa os seres vivos, especialmente o homem e a mulher. A aliança com Noé e
com todos os seres animados renova esta bênção de fecundidade, apesar do pecado do homem, por causa
do qual a terra é "amaldiçoada". Mas é a partir de Abraão que a bênção divina penetra a história dos homens,
que caminhavam para a morte, para fazê-la retomar à vida, à sua fonte: pela fé do "pai dos crentes" que
acolhe a bênção, inaugura-se a história da salvação.
1081 As bênçãos divinas manifestam-se em eventos impressionantes e salvadores: o nascimento de Isaac, a saída
do Egito (Páscoa e Êxodo), o dom da Terra Prometida, a eleição de Davi, a presença de Deus no templo, o
exílio purificador e o retomo de um "pequeno resto". A lei, os profetas e os salmos, que tecem a liturgia do
povo eleito, lembram essas bênçãos divinas e ao mesmo tempo lhes respondem mediante as bênçãos de
louvor e de ação de graças.
1082 Na liturgia da Igreja, a bênção divina é plenamente revelada e comunicada: o Pai é reconhecido e adorado
como a fonte e o fim de todas as bênçãos da criação e da salvação; em seu Verbo, encarnado, morto e
ressuscitado por nós, ele nos cumula com suas bênçãos, e por meio dele derrama em nossos corações o dom
que contém todos os dons: o Espírito Santo.
1083 Compreende-se então a dupla dimensão da liturgia cristã como resposta de fé e de amor às "bênçãos
espirituais" com as quais o Pai nos presenteia. Por um lado, a Igreja, unida a seu Senhor e "sob a ação do
Espírito Santo"34, bendiz o Pai "por seu dom inefável" (2Cor 9,15) mediante a adoração, o louvor e a ação
de graças. Por outro lado, e até a consumação do projeto de Deus, a Igreja não cessa de oferecer ao Pai "a
oferenda de seus próprios dons" e de implorar que Ele envie o Espírito Santo sobre a oferta, sobre si mesma,
sobre os fiéis e sobre o mundo inteiro, a fim de que pela comunhão com a morte e a ressurreição de Cristo-
Sacerdote e pelo poder do Espírito estas bênçãos divinas produzam frutos de vida "para louvor e glória de
sua graça" (Ef 1,6).
39
Liturgia I

A capacidade de obrar como indivíduos e como membros de um povo escolhido e consagrado


chama-se "liturgia": com razão definida obra do mistério das três Pessoas. A ação trinitária, então, é o
protótipo da ação sagrada ou litúrgica. A ação Sagrada da liturgia é essencialmente uma "bênção", termo
conhecido por todos, mas não no seu verdadeiro significado. Temos a explicação nesse seguinte artigo
do Catecismo que convém citar integralmente: "Abençoar é uma ação divina que dá a vida e da qual o
Pai é a fonte. A sua bênção é, ao mesmo tempo, palavra e dom («bene-dictio», «eu-logia»). Aplicada ao
homem, tal palavra significará a adoração e a entrega ao seu Criador, em ação de graças."(CIC, 1078).
Portanto, a liturgia é bênção de Deus, palavra e dom, e adoração humana, ou seja, ação de graças
(eucaristia) e oferecimento. Não está toda a Santa Missa nesta definição? Ninguém pode deixar de
definir assim a sagrada liturgia, ou seja, sacramento. A adoração não é outra coisa que a mesma liturgia.
Qualquer tentativa de separar as duas coisas vai contra a fé e a verdade católica.
Não se sustenta hoje que o homem adora a Deus com todo o seu ser? Quer dizer com a alma e com o
corpo. Por isso, na Bíblia toda "obra de Deus é bênção" (cf. CIC, 1079-1081) é a dimensão cósmica que
inerva a Sagrada Escritura, do Gênesis ao Apocalipse, e também a liturgia. Se abençoar quer dizer
adorar, a bênção ou adoração na Escritura está documentada pela prostração e pelo dobrar os joelhos
fisicamente e metafisicamente o coração. Só o diabo não se ajoelha, porque - dizem os Padres do deserto
– não tem os joelhos. Assim, São Paulo vê diante de Jesus a consonância entre história sagrada e o
cosmos: todo joelho se dobre, no céu, na terra e debaixo da terra. Consequência concreta: o gesto do
ajoelhar-se deve voltar a ter a primariedade no rito da Missa, no desenvolvimento, inspiração e sabor da
música sacra, nos objetos sagrados: uma igreja sem genuflexórios não é uma igreja católica. Por que
prostrar-se? Porque a bênção divina se manifesta especialmente com “a presença de Deus no templo”
(CIC, 1081): diante da Sua presença, o primeiro e fundamental gesto é a adoração. Não se diga que o
templo foi abolido, enquanto que Jesus o purificou substituindo-o com o seu corpo no qual habita
corporalmente a divindade: dessa forma, a presença divina é então aquela do Corpo de Cristo e coincide
maximamente com o Santíssimo Sacramento.
Então, pode-se entender o que o Catecismo diz claramente: "Na liturgia da Igreja, a bênção divina é
plenamente revelada e comunicada: o Pai é reconhecido e adorado como a Fonte e o Fim de todas as
bênçãos da criação e da salvação; no seu Verbo – encarnado, morto e ressuscitado por nós –, Ele nos
cumula das suas bênçãos e, por Ele, derrama nos nossos corações o Dom que encerra todos os dons: o
Espírito Santo" (CIC, 1082). Dessa forma define-se a dupla dimensão da Liturgia da Igreja: por um lado
é bênção do Pai com a adoração, o louvor e a ação de graças; por outro, oferecimento de si mesmo e dos
próprios dons ao Pai e imploração do Espírito para que abunde em todo o mundo. Mas tudo passa pela
mediação sacerdotal, ou seja, pela oferta e " pela comunhão na morte e ressurreição de Cristo-Sacerdote
e pelo poder do Espírito " (CIC, 1083).
Se a ressurreição de Cristo não tivesse acontecido historicamente e não tivesse originalmente "enchido"
a história dando-lhe a direção final, os sacramentos não teriam nenhuma eficácia e se prejudicaria a
finalidade pela qual eles são administrados: a nossa ressurreição no fim da vida e da história da
humanidade. A uma abordagem exegética demitizante segue normalmente uma teologia reduzida a
simbolismo; mas o pensamento católico, com o Apóstolo, fala do "poder da sua ressurreição": às
aparições do ressuscitado, não só seguiu o querigma e a fé dos discípulos, mas a emanação do poder da
ressurreição nos sacramentos. Assim, a verdade da ressurreição corporal de Cristo é determinante para
a eficácia dos sacramentos, o seu impacto real sobre a transformação do ser humano.
O mistério pascal, justo porque tem visto passar o Filho da morte para a vida, assim vê passar os filhos
de Deus. Por isso chama-se pascal, por essa passagem acontecida graças ao sacrifício do Filho de Deus.
Eis porque o Sacrifício eucarístico é o centro de gravidade de todos os sacramentos (cf. CIC, 1113),
como a Páscoa é o centro do ano litúrgico.
O plano divino da salvação é um só: trazer os homens e as coisas, as do céu e as da terra sob o senhorio
de Cristo. A obra prima das três Pessoas tem como objetivo reconduzir o ser humano à sua natureza
originária para que seja restaurada nele aquela imagem que foi desfigurada pelo pecado. Na liturgia,
expressamo-nos como filhos do Pai. Ao orar, atualizamos nossa dimensão de filhos, em
intimidade e confiança. A Igreja ora com o Filho Unigênito do Pai, invocando confiantemente
o Pai, de quem procede todo dom, e numa atitude de entrega da própria existência.

40
Liturgia I

A criação como ato litúrgico (atribuído a Deus Pai)


Deus (o Pai) criou tudo para a sua própria glorificação e, também, para a santificação da criação. Não
somente a finalidade, mas também o ato mesmo da criação tem um caráter litúrgico. Segundo o livro do
Gênesis, em primeiro lugar encontramos a criação nos sete dias, que é o fundamento teológico da semana
litúrgica. No sétimo dia Deus
– descansou (tBov.YIw: -wyishbot, substantivo: tBv shabat)
- e abençoou (%r<b'Ûy>w: -wyibarek, substantivo: beraká)
- e santificou (vDEÞq;y>w: -wyikodesh, kadosh) (cf. Gn 2,2-3).
O sábado é para descansar em Deus, porque Deus descansou. Deus não precisa descansar por causa da
fadiga, mas para contemplar sua obra, enquanto as criaturas contemplam a Deus. Deus realiza uma
liturgia no sábado, ‘abençoando e santificando’.
A benção (hebr.: beraká) se traduz para o português com duas palavras: abençoar e bendizer;
com aspecto descendente e ascendente. Segundo Hb 7,7: ‘o menor é abençoado pelo maior’ indica o
aspeto descendente. A benção vem de Deus, e transmitido pelo medianeiro (sacerdote) e atinge toda a
criação. As criaturas devem dar a sua resposta, louvando e bendizendo a Deus como ação de graças,
assim o círculo se fecha e se pode falar da celebração litúrgica. O Catecismo 1083 fala da dupla dimensão
da liturgia. Segundo a SC 2, a liturgia da Igreja é uma resposta ou imitação da ação divina. Deus bendiz
com a palavra, e o homem também deve fazê-lo (cf. Ap 14,13).
O santificar é para separar a criatura do profano e uní-la a Deus. É fazê-la capaz de Deus e
divinizar. Isso é a finalidade e o essencial da liturgia como já indicamos.
No criar, Deus chamou. Depois do criar, Deus viu que era muito bom. Tudo o que Deus fez é
bom, porque é santificado pela palavra de Deus (1Tm 4,4-5). A origem divina da liturgia se vê também
em Fl 2,9-11: O Pai deu ao Filho um Nome sobre todos os nomes.

1.5.2.1. A liturgia no AT (antes da Incarnação) - a liturgia dos anjos no céu


A liturgia faz parte da atividade dos anjos. Em Hb 1,4-7.14: eles são chamados ministros no
sentido litúrgico, adorando a Cristo. O livro do Apocalipse mostra diversas funções litúrgicas dos anjos.
A liturgia no céu começou depois da prova dos anjos, cada anjo devia pôr-se a serviço de Cristo
e, também, pôr-se a serviço dos homens.
Agora, a nossa liturgia na terra é, que (cf. SC 8) participamos da liturgia celeste. Segundo o LG
50: a nossa união com a Jerusalém celeste se realiza nos cantos de louvor (Liturgia).
Por isso, em cada liturgia, na qual Cristo celebra com todos os seus membros, estão incluídos também
os anjos. O homem pecador participa na comunhão dos santos. Como membros do Corpo de Cristo, toda
a missão do homem, todo serviço, também o serviço dos anjos tem caráter litúrgico (cf. Ap 8,2-5).
Santo Tomás de Aquino escreve que há uma perfeita harmonia entre o universo material e o
mundo espiritual que são os anjos. Os movimentos dos planetas ao redor das estrelas, e os movimentos
das estrelas podem ser vistos como um reflexo dos movimentos dos anjos ao redor do trono de Deus.

1.5.2.2. A liturgia dos homens no Antigo Testamento


As primeiras ações litúrgicas dos homens na Bíblia:
1. Abel sacrificou os frutos dos primogênitos (Gn 4,4). É uma resposta de gratidão a Deus, reconhecendo
o criador – Deus criou.
É um culto na ordem natural. É a resposta a Deus e um sinal da sua entrega. Abel dá o melhor, o que
ele tem. Não o sacrifício é importante, mas o ato sacerdotal da pessoa que oferece (sacerdote).
2. Enos começou a invocar o nome de Deus (4,26) – como resposta Deus falou (cf. Gn 1)
Com Enos começa a invocação do nome divino, corresponde à ação de Deus. No juramento também
se invoca o nome de Deus. Pelo nome de Deus, se bendiz a criação. O nome significa diretamente a
pessoa e é fruto do nosso conhecimento e de dos nossos lábios (querer).
3. Enoque viveu (caminhou) junto a Deus e agradou-lhe em tudo. Esta união com Deus venceu a morte
(Gn 5,22-23) – Deus viu (cf. Gn 1) que tudo era bom.
Enoque representa uma consagração, isso quer dizer levar uma vida santa. Toda a vida deve
ser um culto a Deus, o seu fruto e seu sacrifício. Disse a SC 2: “a liturgia é a forma mais sublime [...] do
culto, para que os fiéis exprimam com sua vida o exemplo de Cristo, e se ofereçam a si mesmos em

41
Liturgia I

união com Cristo a Deus”. Enoque foi o primeiro vidente. Por isso, lembra na Carta de Judas 14: o juízo
final, o que Enoque já viu (profetizou).
Assim distinguimos três passos: criação (vocação) – benção – santificação (consagração).
Mais tarde, em Abraão encontramos todos os três tipos de liturgia, especialmente no seu encontro com
Melquisedeque. Melquisedeque é um modelo sacerdotal, frequentemente interpretado como um anjo
(cf. Hb 7,3 ‘sem pai nem mãe, sem genealogia, não tendo princípios de dias nem fim de vida, mas sendo
feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre’).
Com Moisés começa uma nova fase, pelos preceitos e mandamentos prescritos. É propriamente
a liturgia do AT. A liturgia do AT com Moisés apresenta novidades – o nome de Deus é revelado na
sarça ardente (Ex 3,15: “Eu sou aquele que sou”). Depois (Ex 20,24), Deus revela o seu nome ao seu
povo, para que ele possa ser invocado (uma vez por ano), e desta maneira o povo recebe a benção de
Deus (cf. tb. Nm 6,22-27).
No Egito celebram pela primeira vez a Páscoa, que é sinal e meio para a presença de Deus e
pela santificação do povo. Depois, Moisés construiu uma tenda, segundo o modelo celeste, que a ele foi
mostrado sobre a montanha santa. O objetivo é uma vida santa do povo. Também a vida de Enoque
continua nos grandes videntes (profetas). O rei Davi introduz um novo culto pela música e pelos salmos,
sobretudo, um culto de louvor e gratidão.

1.5.3. A liturgia como exercício do sacerdócio de Cristo


No NT Jesus oferece o culto no Pai nosso e na oração sacerdotal Jo 17,3.6: “isto é a vida eterna,
para que te conheçam [...] eu revelei-lhes o teu nome”. Deus revela-se na Liturgia.

A obra de Cristo na liturgia35


Cristo é o ator principal do Mistério da liturgia. A especificidade essencial de Cristo é o fato de
ser Sumo e eterno Sacerdote: desde sua Encarnação, é Mediador; pela oferenda da Cruz é Sacrificador
do único Sacrifício que nos salva; por sua glorificação à direita do Pai, é intercessor. Ele realizou o
mistério pascal (CIC 1085) e, glorificado, atua na Igreja (CIC 1084, 1086, 1089), sobretudo está presente
na liturgia terrena (SC 7; CIC 1088), intercede e antecipa a vitória final (CIC 1090). Se a liturgia é a
atualização da obra de nossa Salvação, Cristo realizou essa obra. O mistério que celebramos na liturgia
é o mistério de Cristo.
Cristo está presente na ação litúrgica. Reconhecemos a presença de Cristo na celebração
litúrgica: na assembleia, em sua Palavra proclamada, na pessoa do ministro e de modo muito especial
no pão e no vinho eucarísticos (SC 7). Essa presença é real em todas as suas formas, embora uma maior
excelência e permanência se mostrem na presença eucarística (MD 22).
Não se trata de uma presença estática, mas dinâmica e salvadora. Cristo torna-se presente no
hoje da ação litúrgica, pois não celebramos aniversários de fatos passados, por mais importantes que
tenham sido. Para explicar essa presença, hoje e aqui de Cristo, a teologia litúrgica recorre à categoria
do "memorial". O memorial não só é recordação, mas também profecia e, sobretudo, celebração. Nele
se recorda o ontem e, de algum modo, se antecipa o amanhã, mas principalmente se celebra o hoje com
densidade, atualizando o passado e antecipando o futuro. Anamnese (memorial) é presença do fato
salvífico passado, que sempre inclui a epíclese: a invocação a Deus para que atualize a salvação para
nós hoje e aqui. Cristo é o centro na liturgia. Confiamo-nos à sua mediação única exercida na celebração.

35
CIC 1084 "Sentado à direita do Pai" e derramando o Espírito Santo em seu Corpo que é a Igreja, Cristo age
agora pelos sacramentos, instituídos por Ele para comunicar sua graça. Os sacramentos são sinais sensíveis
(palavras e ações), acessíveis à nossa humanidade atual. Realizam eficazmente a graça que significam em virtude
da ação de Cristo e pelo poder do Espírito Santo.
CIC 1085 Na liturgia da Igreja, Cristo significa e realiza principalmente seu mistério pascal. Durante sua vida
terrestre, Jesus anunciava seu Mistério pascal por seu ensinamento e o antecipava por seus atos. Quando chegou
sua hora 35, viveu o único evento da história que não passa: Jesus morre, é sepultado, ressuscita dentre os mortos
e está sentado à direita do Pai "uma vez por todas" (Rm 6,10; Hb 7,27; 9,12). É um evento real, acontecido em
nossa história, mas é único: todos os outros eventos da história acontecem uma vez e depois passam, engolidos
pelo passado. O mistério pascal de Cristo, ao contrário, não pode ficar somente no passado, já que por sua morte
destruiu a morte, e tudo o que Cristo é, fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade divina, e por isso
abraça todos os tempos e nele se mantém presente. O evento da cruz e da ressurreição permanecem e atraem tudo
para a vida.”
42
Liturgia I

Na liturgia, oramos com Cristo e como Cristo. Santo Agostinho resume, dizendo: “Cristo ora por nós,
ora em nós e é invocado por nós. Ora por nós como Mediador; ora em nós como Cabeça; e é invocado
por nós como nosso Deus”.
Por isso, todas as nossas orações se encerram, aludindo à sua mediação: “Por Jesus Cristo Nosso
Senhor."

É uma recordação eficaz, uma celebração que atualiza o que recorda; um sacramento do
acontecimento passado. É a convicção de que Jesus ressuscitado atualiza e nos comunica em cada
celebração a força salvadora de sua Páscoa. O memorial também antecipa, em certo sentido, o futuro e
o garante. Traduz-se por memorial a anamnese da instituição da Eucaristia (Lc 22,19; 1Cor 11,24.25).
A Eucaristia é a realização da ordem do Senhor, logo, a atualização da insuperável comunicação de Deus
em Cristo e nossa passagem para Ele em sua morte e ressurreição.
Traduz o "zikaron" hebraico de Ex 12,14, que fazia da Páscoa judaica uma celebração memorial,
ou seja, uma atualização da obra salvadora. A raiz "zkr" (que aparece cerca de 230 vezes no AT) indica
a reatualização de um passado que se torna eficazmente presente, pois Deus se obriga a intervir de novo
se a ordem é cumprida.
Como é possível essa reatualização? Há três hipóteses para explicá-la:
a) Presença efetiva: na celebração, Deus toma a obra de seu Filho e lhe dá eficácia hoje.
b) Presença dinâmica: os atos históricos de Cristo perduram no céu e entram na terra pela ação litúrgica.
c) Instituição expressa como ação memorial por parte de Cristo, como ocorre com a Eucaristia,
encerrando o presente, o passado e o futuro. E, assim, todos nós somos associados no amor e na glória
do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que desde a eternidade e até à eternidade serão seu constitutivo.
Considera-se a liturgia como o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo. Nela, os sinais sensíveis
significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação do homem (SC 7).
Por isso, toda celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote e de seu Corpo, que é a Igreja,
é ação sagrada por excelência cuja eficácia, no mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por
nenhuma outra ação da Igreja (CIC 1070).
O sacerdócio de Cristo é um caso único, que não tem comparação na história nem nas outras
religiões. Cristo foi constituído único Sacerdote da Nova Aliança (Hb 3,1; 4, 14ss; 9,10). Cristo é
sacerdote por natureza: mediador pela Encarnação, sacrificador pela Redenção e intercessor por sua
glorificação. Toda sua obra salvadora foi realizada por seu sacerdócio.
Por sua encarnação: a vocação sacerdotal de Cristo identifica-se com o motivo de sua Encarnação. Seu
sacerdócio não é um privilégio acidental, mas seu constitutivo e sua razão de ser. Mediação e sacerdócio
coincidem em Jesus, e isso possibilita a Nova Aliança e a nova ordem das coisas. Cristo é nosso único
Mediador (1Tm 2,5; Hb 9,15). Sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, tem inteligência e vontade
humanas, perfeitamente de acordo e submetidas à sua inteligência e à sua vontade divinas que Ele tem
em comum com o Pai e o Espírito Santo. Por conseguinte, a encarnação é o mistério da admirável união
da natureza divina e da natureza humana na única Pessoa do Verbo (CIC 480-483).
Pela oferenda de seu sacrifício, todo sacerdócio se volta para a oferenda do sacrifício. Pecando,
o ser humano quis igualar-se a Deus e caiu em tal desventura que não existia sacrifício capaz de expiar
sua culpa e purificá-lo, menos ainda de reconciliá-lo com Deus e com a ordem criada.
A morte de Cristo constitui o único e definitivo Sacrifício que nos salva (CIC 613-614). No
Calvário, a humanidade assumida pelo Verbo presta a Deus o culto extremo em nome de toda criatura.
Ele oferece a si mesmo em sacrifício em nome de toda a humanidade (CIC 1544-1545).
Mas há uma diferença essencial entre o sacrifício de Cristo e os sacrifícios das outras religiões.
Os sacerdotes das outras religiões oferecem vítimas alheias a eles, realizando ações rituais no templo e
em âmbitos consagrados à divindade. Cristo, em contrapartida, não desenvolveu sua vida no templo nem
em ações rituais, mas inserido na vida das pessoas e em seus ambientes.
Perpetua na Eucaristia esse sacrifício único (CIC 1366; 1330). O sacrifício da Cruz é o que
divide e limita os tempos. Cessa o antigo e nascem o mundo novo e a humanidade nova. No céu, Cristo
exerce permanentemente seu Sacerdócio. "Eis o motivo porque pode salvar definitivamente os que por
Ele se aproximam de Deus, visto que está sempre vivo para interceder em seu favor"(Hb 7.25).
A Igreja participa do sacerdócio de Cristo
A Igreja participa do sacerdócio de Cristo: porque essa função sacerdotal se prolonga através de
sua Igreja que sem cessar louva o Senhor e intercede pela salvação de todo o mundo, não só celebrando

43
Liturgia I

a Eucaristia (SC 83). Nosso Redentor quis que a vida sacerdotal por Ele iniciada em seu Corpo mortal,
com suas orações e seu sacrifício, no decorrer dos séculos não cessasse em seu Corpo místico que é a
Igreja, e, por isso, estabeleceu um sacerdócio visível para oferecer por completo a oblação pura (MD 1).
O próprio Senhor, com o objetivo de que os fiéis formem um único Corpo no qual todos os
membros desempenham a mesma função, do conjunto dos mesmos fiéis instituiu alguns por ministros,
que na sociedade dos fiéis possuíam a sagrada potestade da ordem para oferecer o sacrifício e perdoar
os pecados, afim de desempenhar publicamente o ofício sacerdotal pelos homens em nome de Cristo
[...].
Duas formas de participação do único sacerdócio de Cristo
A Igreja oferece um duplo sacrifício, que lhe dá direito a um duplo sacerdócio. A Igreja oferece
o único sacrifício da Cruz, presenciado na Eucaristia. E oferece o sacrifício de louvor e adoração dos
cristãos, isto é, a oferenda de nós mesmos. O sacrifício de Cristo é que possibilita nosso sacrifício, o
inclui no seu e assim lhe dá valor. Corresponde à celebração sacramental do sacrifício único de Cristo
na Cruz um sacerdócio sacramental capaz de atualizá-lo e oferecê-lo objetivamente. Para isso, existe a
participação do sacerdócio de Cristo por meio do sacramento da ordem. Ao sacrifício da própria vida
corresponde um sacerdócio interno, que nos capacita a oferecer-nos efetivamente a nós mesmos, em
união com o sacrifício da Cruz, e para isso existe o sacerdócio comum, em cuja participação entramos
mediante o Batismo. O caráter que imprime na alma o sacramento do Batismo e da Confirmação consiste
numa designação para a participação ativa no culto, portanto, participação sacerdotal." Pelo batismo e
pela confirmação, somos constituídos como povo sacerdotal (LG 10,31): linhagem escolhida, sacerdócio
real, nação santa, povo resgatado.
Concílio Vaticano II: O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico,
embora diferentes essencialmente e não só em grau, voltam-se um para o outro, pois ambos participam
à sua maneira do único sacerdócio de Cristo. O sacerdócio ministerial, pela potestade sagrada de que
goza, forma e dirige o povo sacerdotal, elabora o sacrifício eucarístico na Pessoa de Cristo e o oferece
em nome de todo o povo de Deus. Os fiéis, em contrapartida, em virtude de seu sacerdócio régio, afluem
à oferenda da Eucaristia e o exercem na recepção dos sacramentos, na oração e na ação de graças,
mediante o testemunho de uma vida santa, na abnegação e caridade atuante (LG 10).

Mistério pascal de Cristo


A liturgia é a presença e atualização da obra de Cristo, obra que tem como centro seu mistério
pascal. De fato, o Catecismo da Igreja Católica considera a liturgia como a celebração do mistério pascal
de Jesus Cristo.
A máxima glorificação se realiza no nível divino, agora no santuário no céu. Cf. Hb 8,2: o sumo
sacerdote entrou como ministro no santuário. Mas, já desde toda eternidade, em Deus mesmo existiu o
louvor entre o Pai e o Filho. Pela encarnação, este louvor se estendeu à terra: “Eu te glorifiquei (evdo,xasa)
na terra” (cf. Jo 17,4-5) e a outra: “para que vejam a glória que me deste; porque me amaste antes da
criação do mundo” (17,24). São duas formas diferentes. É uma glorificação no nível divino, que o Pai
deu ao Filho. Na terra, o Filho glorifica o Pai com a sua natureza humana. Isso mostra uma liturgia em
Deus, embora o texto não diga em que forma.
O Filho glorifica o Pai na cruz pela nossa salvação. Também se refere esta liturgia à maior
humilhação de Jesus, pela traição de Judas (Jo 13,31-32). Quando Judas saiu [...] Jesus pediu, ‘Pai
glorifica o teu Filho’. Deus é glorificado nele (V 32): “Se Deus é glorificado nele, também Deus o
glorificará em si mesmo e logo o há de glorificar”. Isso quer dizer, que Deus glorifica a Jesus, não
somente diante dos homens, mas também diante dele mesmo. Uma glorificação recíproca em Deus,
quem ungiu o Filho e o enviou ao mundo (Jo 10,36). Por isso, a vida divina interior tem caráter litúrgico.
Lembra a SC 5: “sua humanidade, na unidade da pessoa do Verbo, foi o instrumento de nossa
salvação. Pelo que, em Cristo, ‘deu-se o perfeito cumprimento da nossa reconciliação com Deus e nos
foi comunicada a plenitude do culto divino. Esta obra […] completou-a o Cristo Senhor, especialmente
pelo mistério pascal de sua sagrada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão; por este
mistério, Cristo ‘morrendo, destruiu a nossa morte e, ressurgindo, deu-nos a vida. Pois, do lado de Cristo
agonizante sobre a cruz nasceu ‘o admirável sacramento de toda a Igreja.’”
O que quer dizer, ministério sacerdotal de Cristo? Disse 1Pe 1,19-20: “Jesus é o cordeiro sem
mancha, constituído já antes da criação do mundo, que será revelado ao final dos tempos por causa de
vós”. Devemos começar com a criação. Pela liturgia foi fundada a Igreja. Encontramo-la na missão e na

44
Liturgia I

ascensão de Cristo. Depois na liturgia dos apóstolos (Cf. CatIC 1086-1087). Também o dia de
Pentecostes culmina na Liturgia, que se manifesta no batismo dos neoconvertidos. A Igreja é desde o
início a “Igreja em oração”. Por tanto, Cristo realizou o seu sacerdócio.
- Na sua vida na terra (cf. Heb 10,5-10)
Jesus participou dos ritos do seu povo. Ele mesmo celebrou o mistério pascoal, mas na sua paixão e
morte ele realiza o próprio sacerdócio (agora o centro do ano litúrgico). Realizou-se a liturgia no seu
próprio corpo, e deste modo, ele é levado à perfeição do seu sacerdócio, na santificação.
- No céu
Com o mistério da ascensão começa o exercício do seu sacerdócio no céu o que continuará eternamente.
Cf. Hb 7,25: “Cristo vive eternamente para interceder sempre por nós”. E em Hb 9,24 disse, “Porque
Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora
comparecer, por nós, perante a face de Deus”. É um ato litúrgico de aparecer diante de Deus como o
cordeiro (cf. Rm 8,34). E são João nos consola (1Jo 2,1-2): “Quando alguém peca, temos um advogado
diante do Pai”.

B) Realizado no mistério pascal


Isto se refere a todo o mistério, paixão e ressurreição.
SC 106: Este mistério é celebrado no oitavo dia, os primeiros cristãos se lembram disso: “a Igreja
celebra, em cada oitavo dia, o mistério pascal, naquele que se chama justamente dia do Senhor ou
domingo”.
SC 104 e CatIC 1090: também em cada festa dos santos celebra-se este mistério.
SC 61: “A liturgia dos sacramentos e dos sacramentais permite que a graça divina promane do mistério
pascal”. A cruz é o símbolo litúrgico, porque é o sinal do amor de Deus e a fonte de todas as graças.
C) Na Igreja
Encontramos dois aspectos: a Igreja cumpre com a missão litúrgica que recebeu.
a) Uma instrução expressa:
Jesus disse: fazei isto em memória de mim [...]. O batismo e, também, os outros sacramentos são
ordenados por Cristo. Cf. Jo 20,22: ‘recebei o Espírito Santo’. A Liturgia é sempre o ato da Igreja inteira.
b) Por causa da presença litúrgica de Cristo:
Cristo está presente, porque a Liturgia é sua obra. Ele atua por meio do seu corpo místico (cf. SC 7). O
fruto depende sempre da ação de Cristo. O sacerdote celebra na pessoa de Cristo. Quando alguém batiza
é Cristo que batiza, quando se leem as escrituras, é Cristo que fala.

1.5.3. O Espírito Santo e a Igreja na Liturgia


Se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu for, enviá-lo-ei (Jo 16,7). Jesus é o Sumo
Sacerdote na liturgia, o seu sacrifício é único e eterno, continua no céu e abrange toda a história. Cristo
nos dá o seu Espírito: “recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22).
O Espírito Santo é aquele que leva à consumação a obra de Cristo, faz com que os méritos
adquiridos por Cristo sejam aplicados aos fiéis, e que as graças da redenção sejam distribuídas.
O Espírito Santo é a ‘bênção’ do Pai, é a graça que Deus dá para a santificação do povo. Assim,
ele é todo o movimento catabático na Liturgia, também é todo o movimento anabático.
(Cf. CatIC 1091-1109).
Não há celebração sem a ação do Espírito. A liturgia cristã não só recorda os acontecimentos
que nos salvaram, como também os atualiza, torna-os presentes.
O mistério pascal de Cristo é celebrado, não repetido; o que se repete são as celebrações. Em
cada uma delas sobrevém a efusão do Espírito Santo, que atualiza o único mistério (CIC 1104). O
Espírito torna presente o mistério de Cristo. É por isso que em toda celebração litúrgica, ao lado da
anamenese, deve haver uma epíclese (invocar sobre), ou seja, deve-se invocar o Espírito para que torne
presente Cristo (cf. CIC 1105).
Além de invocá-lo, a liturgia é doação contínua do Espírito Santo para realizar a comunhão na
obra divina e iniciar o retorno de todos os bens à sua fonte e termo.
O Espírito ensina a orar: o Espírito e a Esposa dizem: "Vem, Senhor Jesus" (Ap 22,17). A oração
eclesial é a oração que o Espírito faz na Igreja. Realizando a unidade da Igreja, o Espírito Santo nos leva
ao Pai em Cristo.

45
Liturgia I

Como dom de Deus e resposta amorosa de fé, a liturgia é a obra comum do Espírito Santo e da
Igreja. Por que dizemos então que a liturgia é o exercício do sacerdócio de Cristo? Cristo é o ponto de
partida, o Espírito é a dinâmica na aplicação.
Na liturgia existe uma verdadeira cooperação entre o Espírito Santo e a Igreja. Glorificamos ao
Pai por Cristo na unidade da Igreja. O Espírito Santo nos põe em comunhão com Cristo e em comunhão
com os outros na Igreja. É a comunhão do Espírito Santo (2Cor 13,13). Por Ele, a Igreja é o grande
sacramento da comunhão divina que reúne os filhos de Deus dispersos. Como na Trindade, ele realiza
essa especial comunhão íntima e vital entre as pessoas e as comunidades.
O Espírito Santo prepara para receber Cristo. Ele preparou, anunciou e prefigurou sua vinda
com os acontecimentos e a inspiração do Antigo Testamento. A preparação dos corações para celebrar
devota e eficazmente o mistério de Cristo é obra comum do Espírito Santo e dos ministros e animadores.
O Espírito une o povo fiel para que seja povo de Deus e cria a assembleia litúrgica; fala ao
coração dos fiéis, vivificando a letra escrita da Palavra, que se torna viva ao proclamar-se na celebração;
faz oração no coração do fiel para que este peça adequadamente e modele sua vida com o projeto divino;
transforma os sinais litúrgicos em presença salvadora, sobretudo na Eucaristia; capacita e envia os
cristãos para continuar evangelizando.
O Espírito Santo origina nossa resposta. Só com sua ação interiorizamos o mistério celebrado,
conseguimos uma adesão vital a Jesus Cristo, participamos do Amém de Cristo (2Cor 1,20; Ap 3,14),
temos uma atitude de filial obediência para transformar o mundo. Todo dom se concentra no Espírito
Santo: "O Senhor dará o Espírito Santo a quem o pedir" (U 11,3). Celebramos assim abertos a seus dons
e frutos, tanto pessoal como comunitariamente.

1091 Na liturgia, o Espírito Santo é o pedagogo da fé do povo de Deus, o artífice das "obras-primas de Deus",
que são os sacramentos da nova aliança. O desejo e a obra do Espírito no coração da Igreja é que vivamos da
vida de Cristo ressuscitado. Quando encontra em nós a resposta de fé que ele mesmo suscitou, realiza-se uma
verdadeira cooperação. Por meio dela, a liturgia se torna a obra comum do Espírito Santo e da Igreja.
1092 Nesta comunicação sacramental do mistério de Cristo, o Espírito age da mesma forma que nos outros
tempos da economia da salvação: prepara a Igreja para encontrar seu Senhor, recorda e manifesta Cristo à fé da
assembleia, torna presente e atualiza o mistério de Cristo por seu poder transformador e, finalmente, como
Espírito de comunhão, une a Igreja à vida e à missão de Cristo.

O ESPÍRITO SANTO PREPARA PARA ACOLHER A CRISTO


1093 Na economia sacramental, o Espírito Santo leva à realização as figuras da antiga aliança. Visto que a Igreja
de Cristo estava "admiravelmente preparada na história do Povo de Israel e na Antiga Aliança" (LG 2), a
liturgia da Igreja conserva como parte integrante e insubstituível - tomando-os seus - alguns elementos do
culto da Antiga Aliança:
- principalmente a leitura do Antigo Testamento;
- a oração dos salmos;
- e sobretudo a memória dos eventos salvadores e das realidades significativas que encontraram sua realização
no Mistério de Cristo (a Promessa e a Aliança, o Êxodo e a Páscoa, o Reino e o Templo, o exílio e a volta).
1094 É em torno desta harmonia dos dois testamentos (Cf. DV 14-16) que se articula a catequese pascal do Senhor
(Cf. Lc 24,13-49), e posteriormente a dos Apóstolos e dos Padres da Igreja. Esta catequese desvenda o que
permanecia escondido sob a letra do Antigo Testamento: o mistério de Cristo. Ela é denominada "tipológica"
porque revela a novidade de Cristo a partir das "figuras" (tipos) que a anunciavam nos fatos, nas palavras e
nos símbolos da primeira aliança. Por esta releitura no Espírito de verdade a partir de Cristo, as figuras são
desveladas36. Assim, o dilúvio e a arca de Noé prefiguravam a salvação pelo Batismo 37, o mesmo
acontecendo com a nuvem e a travessia do Mar Vermelho, e a água do rochedo era a figura dos dons
espirituais de Cristo38; o maná do deserto prefigurava a Eucaristia, "o verdadeiro Pão do Céu" (Jo 6,32).
1095 É por isso que a Igreja, particularmente no advento, na quaresma e sobretudo na noite de Páscoa, relê e revive
todos esses grandes acontecimentos da história da salvação no "hoje" de sua liturgia. Mas isso exige também
que a catequese ajude os fiéis a se abrirem a esta compreensão "espiritual" da economia da salvação, tal como
a liturgia da Igreja a manifesta e no-la faz viver.

36
Cf. 2Cor 3,14-16.
37
Cf. 1Pd 3,21.
38
Cf. 1Cor 10,1-6.
46
Liturgia I

1096 Liturgia judaica e liturgia cristã. Um conhecimento mais aprimorado da fé e da vida religiosa do povo
judaico, tais como são professadas e vividas ainda hoje, pode ajudar a compreender melhor certos aspectos
da liturgia cristã. Para os judeus e para os cristãos, a Sagrada Escritura é uma parte essencial de suas liturgias:
para a proclamação da Palavra de Deus, a resposta a esta palavra, a oração de louvor e de intercessão pelos
vivos e pelos mortos, o recurso à misericórdia divina. A Liturgia da palavra, em sua estrutura própria, tem
sua origem na oração judaica. A Oração das horas, bem como outros textos e formulários litúrgicos, tem seus
paralelos na oração judaica, o mesmo acontecendo com as próprias fórmulas de nossas orações mais
veneráveis, entre elas o Pai-Nosso. Também as orações eucarísticas inspiram-se em modelos da tradição
judaica. As relações entre liturgia judaica e liturgia cristã - mas também a diferença de seus conteúdos - são
particularmente visíveis nas grandes festas do ano litúrgico, como a Páscoa. Cristãos e judeus celebram a
Páscoa; Páscoa da história, orientada para o futuro, entre os judeus; Páscoa realizada na morte e na
Ressurreição de Cristo, entre os cristãos, ainda que sempre à espera da consumação definitiva.
1097 Na liturgia da nova aliança, toda ação litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos sacramentos,
é um encontro entre Cristo e a Igreja. A assembleia litúrgica tira sua unidade da "comunhão do Espírito
Santo", que congrega os filhos de Deus no único corpo de Cristo. Ela ultrapassa as afinidades humanas,
raciais, culturais e sociais.
1098 A assembleia deve se preparar para se encontrar com seu Senhor, deve ser "um povo bem-disposto"39. Essa
preparação dos corações é obra comum do Espírito Santo e da assembleia, em particular de seus ministros.
A graça do Espírito Santo procura despertar a fé, a conversão do coração e a adesão à vontade do Pai. Essas
disposições constituem pressupostos para receber as outras graças oferecidas na própria celebração e para os
frutos de vida nova que ela está destinada a produzir posteriormente.

O ESPÍRITO SANTO RECORDA O MISTÉRIO DE CRISTO


1099 O Espírito e a Igreja cooperam para manifestar o Cristo e sua obra de salvação na liturgia.
Principalmente na Eucaristia, e analogicamente nos demais sacramentos, a liturgia é memorial do Mistério
da Salvação. O Espírito Santo é a memória viva da Igreja.
1112 A missão do Espírito Santo na liturgia da Igreja é preparar a assembleia para encontrar-se com
Cristo; recordar e manifestar Cristo à fé da assembleia; tornar presente e atualizar a obra salvífica de
Cristo por seu poder transformador e fazer frutificar o dom da comunhão na Igreja.
O Espírito realiza a santificação dos homens, a glorificação de Deus
Cristo cumpriu o mistério Pascual com ambas as finalidades. SC 5, 7. 10; Ef 1,13-14.
Como se realiza na liturgia concretamente o louvor de Deus?

Deus é venerado em cada ato e em cada sinal litúrgico. O ponto culminante é o mistério pascal de
Cristo. O levantar da terra significa a glorificação (cf. Jo 12,32). Segundo João, Deus e Cristo estão
glorificados no sacrifício da cruz. Em cada ação litúrgica, o homem atua como Deus mesmo. Somente
o homem é capaz e é chamado para executar uma ação divina, e isto acontece na liturgia. Esta é a razão
porque Deus é glorificado em cada ação litúrgica e em cada sinal. Nós atuamos como imagem de Deus,
e isto é o fundamento para a nossa ação. O homem é imagem e gloria - doxa de Deus (1Cor 11,7).
O sacrifício da missa é chamado sacrifício de louvor.
A oração cristã (no Espírito Santo) é sempre participação na oração de Cristo, participação na
intimidade que Jesus tem com seu Pai celeste.

39
Cf. Lc 1,17.
47
Liturgia I

Artigo II:
O caráter da liturgia como
ação hierárquica e comunitária40
as diversas funções dos participantes; legislação litúrgica
2.2 O sujeito da celebração
Anteriormente, dissemos que a liturgia se realiza por iniciativa de Deus e como resposta do homem.
Devemos vê-la como ação da Santíssima Trindade, segundo o catecismo: o Pai é visto como fonte e fim
da liturgia, o Cristo como ator principal e o Espírito Santo como a ‘alma da liturgia’. Para que seja um
culto digno de Deus, a liturgia supera o homem e suas capacidades como tal.
a) o sujeito principal é sempre Cristo
Ele é o mediador e por ele celebramos ‘per Dominum nostrum Iesum Christum’. O homem sozinho
nunca poderia oferecer a Deus o que é devido, mas o Pai aceita a obediência do seu Filho. Cristo é o
protagonista de toda liturgia (cf. CIC 1187) e atua em todo ato litúrgico. “Em primeiro lugar o sacerdócio
de Cristo; em segundo, o sacerdócio sacramental da Igreja, seja o sacerdócio comum de todos os
batizados, seja o sacerdócio hierárquico [...] os dois procedem e são a participação do único sacerdócio
de Jesus Cristo.” (CELAM, ibid. p 121).
No entanto, Cristo não age sozinho, Ele instituiu a Igreja como sua esposa para agir sempre em
comum ela. Consequentemente a Liturgia é a celebração do “Christus totus”, a cabeça com todos os
membros do seu Corpo místico. CIC:
1140 É toda a comunidade, o corpo de Cristo unido à sua cabeça, que celebra. "As ações litúrgicas
não são ações privadas, mas as celebrações da Igreja, que é o 'sacramento da unidade', isto é, o povo
santo, unido e ordenado sob a direção dos Bispos. Por isso, estas celebrações pertencem a todo o
corpo da Igreja, influem sobre ele e o manifestam.
1136 A liturgia é "ação" do "Cristo todo" ("Christus totus"). Os que desde agora a celebram, para
além dos sinais, já estão na liturgia celeste, em que a celebração é toda festa e comunhão.
Se falamos de ‘toda a comunidade’ entendemos logicamente a comunidade dos batizados. Quem não
está incorporado no Corpo místico, não é capaz de celebrar a liturgia. Pelo sacerdócio comum, os fiéis
podem oferecer sacrifícios espirituais. No entanto, precisa também do sacerdote ministro como
representante visível de Cristo e da Igreja. É muito importante fazer a distinção dos dois tipos de
sacerdócio, especialmente o papa Pio XII advertiu sobre possíveis perigos: “todos os fiéis tenham por
seu principal dever e suma dignidade participar do santo sacrifício eucarístico, não com assistência
passiva, negligente e distraída, mas com tal empenho e fervor que os ponha em contato íntimo com o
sumo sacerdote” (MD 73). “É necessário, veneráveis irmãos, explicar claramente a vosso rebanho como
o fato de os fiéis tomarem parte no sacrifício eucarístico não significa todavia que eles gozem de poderes
sacerdotais” (MD 75).
Os fiéis oferecem junto com o sacerdote, mas são dois modos diferentes de oferecer. Falamos ainda da
diferença entre sacerdócio ministerial e sacerdócio comum.
Podemos resumir:

40
Da Instrução de 1979: Caráter da liturgia como ação hierárquica e comunitária; legislação litúrgica
10. Segundo os n. 26-32 e 41-42 da Constituição, serão propostos os princípios que dizem respeito à assembleia litúrgica,
povo de Deus convocado e organizado sob autoridade do bispo (ou de um padre que esteja em seu lugar); tais princípios
poderão ser evidenciados pelo ensino da Sagrada Escritura, os exemplos da Igreja primitiva e os textos dos Padres.
Convém ainda indicar as condições em que é legítima a celebração quase privada da liturgia.
11. Insistir-se-á sobre a diversidade de membros e funções que requer a assembleia litúrgica; descrever-se-ão também as
funções do celebrante, dos ministros, da schola cantorum e do povo. As partes dos fiéis e a sua participação ativa serão
explicadas segundo o espírito do Concílio Vaticano II, e mostrar-se-á ainda a distinção entre o sacerdócio comum dos
batizados e o sacerdócio ministerial, em virtude do qual o sacerdote preside a assembleia litúrgica in persona Christi (no
papel de Cristo).
12. A função primordial do bispo será apresentada segundo o espírito da Constituição Lumen gentium.
13. Com uma breve apresentação histórica, o professor evidenciará que as leis litúrgicas sempre provieram da hierarquia
sagrada, e que tal pertence ao direito divino; embora o modo de exercer essa prerrogativa tenha variado ao longo dos
tempos. Assim se explicará a norma atual, que o Concílio Vaticano II fixou no n. 22 da Constituição litúrgica, expondo
as competências respectivas da Sé Apostólica, das Conferências episcopais, e do bispo do lugar.
14. Será também por meio de uma exposição histórica que se explicará porque é que a pouco" e pouco a Igreja, desde a
antiguidade, proibiu a improvisação de orações na liturgia e impôs limites precisos às mudanças, variações e experiências.
48
Liturgia I

a) o sujeito originário e principal é Cristo


b) o sujeito intrínseco, a ‘alma’ da liturgia é o Espírito Santo
c) o sujeito visível é a Igreja como Corpo místico, a cabeça junto com seus membros,
d) representada pela assembleia, a comunidade concreta visível (a hierarquia junto com os leigos).

2.2A assembleia litúrgica

A primeira realidade visível da liturgia cristã é a comunidade reunida, a assembleia. O Vaticano


II afirma: “As ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é sacramento de
unidade, isto é, povo santo congregado e organizado sob a direção dos bispos” (SC 26).

O que significa “assembleia” na liturgia?


‘Assembleia’: segundo o dicionário da língua espanhola, sua fundamental aceitação genérica é «a
reunião numerosa de pessoas convocadas para o mesmo fim»41.
O termo “assembleia” (em geral) reclama a expressão latina ad-simulare (estar juntos), ou bem
simul ambulare (caminhar juntos), que se evoca no termo francês ensemble, “juntos”.
Um convite autorizado e um propósito autêntico são o que determinam a estrutura da reunião; é
assim como con-vocatio e pro-vocatio (convite para um fim comum) são características da “assembleia”.
Se estes elementos não se garantirem, mesmo que haja um grupo de pessoas reunidas em determinado
lugar, não podemos chamá-la assembleia; neste caso chamaríamos aglomeração, gente, multidão ou
concorrência.

‘Assembleia litúrgica’:
Escreve Yves Congar: «Quando se fala de “assembleia litúrgica”, é claro que o adjetivo aqui é
decisivo: “convocada por Deus em Cristo e com a finalidade específica de oferecer culto público a
Deus”».
Outra definição: a “assembleia litúrgica” é «una comunidade dos fiéis, hierarquicamente
constituída, legitimamente reunida em um determinado lugar para uma ação litúrgica altamente
qualificada de uma particular presença salvadora de Cristo».
Podemos dizer: a assembleia é uma comunidade concreta, capaz de celebrar e ao mesmo tempo
é um sinal para representar toda a Igreja. A assembleia, portanto, é símbolo do povo de Deus. Por isso,
a palavra ekklesia no NT às vezes é traduzida como ‘assembleia’, quando se trata de uma igreja particular
e concreta.
Nos primeiros séculos, encontramos termos equivalentes como: synáxis, synagogé, synéleusis e
ecclesía, em grego; coetus, convocatio, processio, collecta e ecclesia em latim. Igualmente para indicar
um “movimento para constituir a assembleia”, são usados os verbos em grego synágo, synérchomai e
os verbos em latim coire, convenire, congregari, acompanhados das respectivas preposições epì, tò,
autó e in, unum.
Parece que a decadente participação do povo na liturgia, propiciou que desaparecesse
lentamente esta terminologia; enquanto apareceu esta outra terminologia, actio ou officium, que faz
referência ao sacerdote celebrante sem incluir a participação dos fiéis.
A palavra “assembleia” não se encontra no Código do Direito canônico de 1917, como também
nos índices analíticos dos decretos da Congregação de ritos ou nos manuais da liturgia romana. No
entanto, a noção de assembleia é fundamental no culto cristão, desde a antiguidade.
Com o movimento litúrgico, aparece novamente o termo. Mediator Dei usa o conceito algumas
vezes. Apresentamos alguns textos mais recentes:
CIC 899: “A assembleia litúrgica […] o povo de Deus se reúne na unidade, e todos os fiéis que
assistem, tanto clérigos como leigos, concorrem tomando parte ativa, cada um segundo seu
modo próprio, de acordo com a diversidade de ordens e de funções litúrgicas.

41
Outros significados são: a) Corpo político e deliberante, como o congresso ou o senado. Toma-se especialmente
pelo que é único e não se encontra partido em duas partes. b) Tribunal peculiar da ordem de são João, composto
de cavalheiros professos e capelães da mesma ordem. c) Conjunto dos principais funcionários das ordens de Carlos
III: o de Isabela, a Católica, o da militar de são Hermenegildo. d) Reunião numerosa de tropas para sua instrução
o para entrar em campanha. e) Toque para que a tropa se una e forme nos seus corpos respectivos e lugares
determinados.
49
Liturgia I

CIC 1097 Define como expressão de unidade: «a assembleia litúrgica recebe sua unidade da
“comunhão do Espírito Santo” que reúne aos filhos de Deus em um só corpo de Cristo.
CIC 1102 «A assembleia litúrgica é, antes de tudo, comunhão de fé.
CIC 1141 A assembleia que celebra é a comunidade dos batizados, os quais, "pela regeneração e
unção do Espírito Santo, são consagrados para ser casa espiritual e sacerdócio santo e para
poderem oferecer um sacrifício espiritual a toda atividade humana do cristão". Este "sacerdócio
comum" é o de Cristo, único sacerdote, participado por todos os seus membros: a mãe Igreja
deseja ardentemente que todos os fiéis sejam levados àquela plena, consciente e ativa
participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da liturgia exige e à qual, por força
do batismo, o povo cristão, "geração escolhida, sacerdócio régio, gente santa, povo de sua
particular propriedade" (1Pe 2,9), tem direito e obrigação.
Alguns autores (Martimort etc.), consideram que a assembleia é o fundamento para a celebração
e sem assembleia não há celebração litúrgica. No entanto, devemos ter claro, que a assembleia não pode
constituir-se a si mesma, mas é Deus que toma a iniciativa. Portanto, é Cristo o fundamento da
assembleia e não a assembleia o fundamento para a presença de Cristo. Sobre este fundamento de Cristo,
está a hierarquia e sob a hierarquia estão os leigos.
O papa Pio XII na Mediator Dei exortou: “Há, de fato, em nossos dias, alguns que, avizinhando-
se de erros já condenados, ensinam que no Novo Testamento se conhece apenas um sacerdócio
pertencente a todos os batizados, e que o preceito dado por Jesus aos apóstolos na última ceia - fazer o
que ele havia feito - se refere diretamente a toda a Igreja dos cristãos e só depois é que foi introduzido
o sacerdócio hierárquico. Sustentam, por isso, que só o povo goza de verdadeiro poder sacerdotal,
enquanto o sacerdote age unicamente por ofício a ele confiado pela comunidade. Afirmam, em
consequência, que o sacrifício eucarístico é uma verdadeira e própria "concelebração", e que é melhor
que os sacerdotes "concelebrem" junto com o povo presente, do que, na ausência destes, ofereçam
privadamente o sacrifício. É inútil explicar quanto esses capciosos erros estejam em contraste com as
verdades acima demonstradas” (MD 75-76).

2.2.1 A convocação de Deus


Porque é Deus que chama para a reunião, Jesus forma o centro da assembleia: “onde estão dois
ou três reunidos em meu nome aí estou no meio deles” (Mt 18,20)42.
A assembleia litúrgica é um grupo humano que se reúne e, no âmbito dessa categoria, um grupo
orientado para uma atividade religiosa. A assembleia litúrgica foi prefigurada no qahal Yavé, a
assembleia cúltica de Israel no deserto (cf. Ex 19; 24), na terra prometida (cf. Jos 24) e depois do exílio
(cf. Ne 8; 9); aparece no Novo Testamento imediatamente depois da glorificação de Jesus e da efusão
do Espírito Santo (cf. At 2,42-47; 4,32-35; 5,12-16). Em sua configuração inicial, desempenha um papel
decisivo para a experiência pascal e eucarística refletida nos relatos das aparições de Cristo ressuscitado
(cf. Lc 24 e Jo 20).

CELAM II,112:
“Para expressar esse encontro, usou-se desde o começo o termo ekklesía (cf. LG 26). Esse
vocábulo, transliterado do grego para o latim, significa não apenas a comunidade dos cristãos, como
também sua reunião periódica num lugar determinado. Mas ekklesía, sobretudo, indica que essa reunião
ocorre a partir de uma convocatória ou convocação, isto é, de um chamado exterior a ela mesma. Esse
chamado tem sua origem em Deus, que tomou a iniciativa de escolher um povo para fazer dele, e constituí-
lo, âmbito e chamado para convocar todos os povos da terra e reunir todos os homens no Filho, Jesus
Cristo (cf. ADAP 50). Por isso, a reunião dos fiéis deve manifestar que a "Igreja" não é uma assembleia
formada espontaneamente, mas na verdade convocada por Deus (cf. ADAP 12). Essa convocação realiza-
se pela pregação do Evangelho de Cristo (cf. LG 26; PO 4) e tem por objetivo uma comunhão (reunião).
"A Igreja edifica-se e vai crescendo por meio da audição da Palavra de Deus" (OLM 7). A proclamação
da Palavra reconvoca os "convocados santos" (1Cor 1,2) para voltar a situá-los em sua atitude original de
escuta da Palavra.”

42
Por exemplo, a tradução brasileira dá resposta à saudação do sacerdote: ‘o Senhor esteja convosco’, não diz: “e
com o teu espírito”, mas “ele está no meio de nós”. Podia-se interpretá-lo assim: Ele está no meio de nós, porque
reuniu-se a assembleia, agora podemos celebrar a liturgia”. Mas isto, não seria somente uma falsificação da
tradução do latim, mas também da interpretação. Jesus não se faz presente, porque antes chegou a assembleia, mas
ao contrário. É Jesus quem convoca a assembleia.
50
Liturgia I

É certo, o Vaticano II prefere a celebração com a assembleia (cf. SC 27), porque representa
melhor a Igreja, mas não proíbe a celebração sem o povo, porque neste caso estaria presente a assembleia
celestial. No entanto, a celebração com o povo é preferível.
É importante esclarecer o sentido da diversidade hierárquica. Tal diversidade, quando feito com
reverência e conforme os princípios elucidados pela Igreja, pode levar a uma melhor participação de
todos. A finalidade é para levar a uma maior união com Cristo sacerdote.
Se Cristo celebra a liturgia em união com o seu corpo místico [...] a assembleia não pode ser o
fundamento. A assembleia tem a sua origem na obra da salvação de Cristo. Da comunhão com Cristo,
nasce a santificação. Cristo podia reunir o seu povo somente através da sua morte. Morreu para reunir
os seus filhos. A Igreja veio somente com Cristo. Antes, os anjos formavam uma comunidade de santos,
mas isso ainda não era a Igreja.
A comunidade dos fiéis não é somente uma comunidade de bens exteriores, mas é fruto da obra
da salvação. Isto pressupõe a unidade e o amor dos fiéis entre si. (Assembleia – sinaxis – comunhão).
São Paulo apresenta três tipos de assembleias (uma comunidade concreta).
1Cor 11,18.22: assembleia (igreja) da Eucarística
1Cor 14,4.9.12.19.23 [...]: assembleia (igreja) da Palavra
1Cor 5,4: excomunhão de um membro da assembleia.
São Paulo fala de uma comunidade espiritual, porque ele está fisicamente ausente, mas participa da
celebração litúrgica. Também quando um sacerdote celebra numa paróquia, o bispo está sempre presente
espiritualmente.
Hb 12,22-24 descreve uma realidade na Igreja: O sacerdócio de Cristo está presente na liturgia.
LG 26: A assembleia litúrgica é também um sinal que representa todos os outros membros da
Igreja, representa a assembleia de toda a Igreja universal. É o símbolo e unidade do corpo místico, sem
o qual não haverá salvação. A assembleia é um sinal sagrado não somente significa, mas realiza algo,
uma união mística por este sinal (Presbyterorum Ordinis 6, nota 31).
PO, nota 82 cita a Didascalia II,59,1-3: “exorta que o povo se reúna na igreja e que nunca faltem
a ela, mas que vivam sempre e não aminorem a Igreja quando se retiram, nem lhe diminuam os membros
do Corpo de Cristo [...] não vos disperseis da Igreja, [...] pois, a Cristo presente e comunicando convosco
como cabeça.”
Com a participação da celebração litúrgica, todo fiel fortalece o vínculo da unidade de todo o
Corpo místico. Nisto entra também a comunhão com toda a hierarquia celeste. A celebração litúrgica
não é somente uma prefiguração da celebração celeste, mas a hierarquia celeste já está presente. O
celebrante é capaz de celebrar na pessoa de Cristo, portanto, também em pessoa da Igreja “in persona
ecclesiae”.
Conclusão:
- A assembleia é o povo de Deus no AT.
- A assembleia é o povo de Deus no NT.
- A assembleia é a manifestação, a epifania da Igreja, porque é um grupo concreto que como sinal
representa e significa toda a Igreja.
- Vat II: a Igreja de Cristo está verdadeiramente presente em todas as legítimas comunidades locais de
fiéis [...] a assembleia é o lugar onde se celebram os santos mistérios.
- A presença de Cristo está ligada ao ‘sinal’ da reunião dos batizados para rezar.
- A assembleia é também a imagem da antecipação da Igreja do céu.
- É a reunião do povo de Deus. Não é reservada para alguns, mas é para todos.
- Os membros da assembleia são pecadores e contam com a piedade de Deus.
- A assembleia não pode ser fechada, reza pelos ausentes, porque representa a todos.
- O novo povo de Deus realiza uma reunião que supera o nível humano. Reúne a todos os homens, não
há mais diferença entre escravos e livres, circuncisos, judeus, gregos, pagãos [...] une as diversas raças,
línguas e nações.

2.3 A hierarquia e os diversos ministérios (bispo, sacerdote, diácono)

51
Liturgia I

O sentido da hierarquia
Pela hierarquia temos uma só cabeça, o Papa (bispos, ministros), e não duas ou mais cabeças.
Isto é importante para a unidade. Se todos os membros fossem autônomos e recebessem tudo diretamente
de Deus, cada um ficaria independente e não precisa do outro. Mas a diversidade dos carismas faz com
que uns dependam do serviço dos outros, e desta maneira pode-se desenvolver uma sociedade unida, de
muitos membros unidos pela caridade. Cada um dá ao outro aquilo de que o outro tem necessidade. Por
tanto, a hierarquia tem a função de unir os membros e formar um só corpo místico.
- A hierarquia garante que a assembleia seja um corpo orgânico, com diversos membros e funções. No
entanto, todos são importantes: ‘o pé não pode dizer para a mão eu não preciso de você’ (cf. 1Cor 12,15),
assim haja dependência mútua, porque ninguém se salva independentemente, nem por si mesmo.
- A hierarquia garante a unidade de que haja um só corpo, porque o fato de ter uma só cabeça, evita a
divisão.
- A hierarquia fomenta a colaboração na caridade, ninguém é autossuficiente, dependemos dos outros.
- A Igreja deve formar-se para que seja uma imagem perfeita da Santíssima Trindade, uma comunidade
de amor, de submissão, de respeito e obediência,
- A hierarquia ajuda a não colocar o seu ‘eu’ no centro, e não se apresentar a si mesmo, mas servir aos
outros e aceitar o serviço dos outros.
- É mais perfeito quando outro me apresenta, e não eu mesmo preciso apresentar-me: na SS. Trindade,
o Pai não se apresenta a si mesmo, mas é revelado pelo Filho. O Filho não se apresenta a si mesmo, mas
o Espírito introduz à verdade plena, e revela o amor do Filho. Por isso, quando em uma comunidade
(assembleia) há diversidade de funções, está a serviço da caridade, para que haja unidade no amor.
- A diversidade dos carismas está precisamente a serviço da unidade: nenhum carisma existe somente
para proveito pessoal, os carismas são dados para edificar a comunidade.
- Da hierarquia, provêm os diversos ministérios.
- Um grupo de protestantes batizados, que não têm hierarquia, também pode formar uma assembleia
litúrgica e, junto com seu presidente, exercendo o seu sacerdócio comum. Os batizados, participando do
sacerdócio de Cristo, podem oferecer-se como sacrifício. Segundo o aspecto interior, cada membro tem
a capacidade sacerdotal da entrega de si mesmo. Pelo contrário, segundo o aspecto exterior, na liturgia
católica, há funções diversas na liturgia, e “cada um faça aquilo que lhe corresponde” (SC 28), porque
nem todos têm o mesmo carisma. Isto se refere a um ‘ministério litúrgico’. Para oferecer um sacrifício
exterior, precisa-se do sacerdote hierárquico.

Bispo, sacerdote, diácono


Na hierarquia distinguimos os três graus:
1 O bispo: todo o Corpo místico (SC 41), o povo de Deus, se reúne ao redor do bispo e do altar. A igreja
local é sinal da Igreja universal. O bispo possui a plenitude do sacramento da ordem. (LG 19-21) LG
21: Cristo, sumo sacerdote, está presente na pessoa do bispo. Administra continuamente os sacramentos
da fé. O bispo possui a plenitude, por isso é chamado ‘sumo sacerdote’.
Cf. LG 26: O bispo é o administrador das graças do sacerdócio. A celebração eucarística é presidida
pelo bispo como vigário de Cristo; os bispos governam nas Igrejas particulares.
2 O sacerdote (presbítero): assim, como o Filho procede do Pai, os sacerdotes procedem da mão do
bispo.
Cf. SC 42: O pastor local trabalha pelo mandato do bispo, a vida litúrgica se deve realizar fielmente no
espírito do bispo. LG 28: os presbíteros estão unidos com o bispo na dignidade sacerdotal [...] como
sacerdotes do NT.
Na convocação (sinaxis): os sacerdotes reúnem as vozes dos fiéis diante de Deus no sacrifício da sua
Cabeça. Formam uma unidade com o bispo. Sob a autoridade do bispo, eles celebram os mistérios,
também interiormente o bispo se faz presente.
PO 5: Quando o sacerdote celebra o sacramento, ele se une espiritualmente com o bispo. Em cada
celebração, atua na pessoa de Cristo (Cf. SC 33).

3 Os diáconos são ajudantes no ministério sacerdotal


Os serviços do diácono:

52
Liturgia I

Num grau inferior da hierarquia estão os diáconos que receberam a imposição das mãos,
"não para o sacerdócio, mas para o ministério".43 Assim, confortados pela graça sacramental, servem o
povo de Deus no serviço (diaconia) da liturgia, da palavra e da caridade, em comunhão com o bispo e seu
presbitério. Pertence ao diácono, conforme as determinações da autoridade competente, administrar o
batismo solene, conservar e distribuir a eucaristia, assistir e abençoar em nome da Igreja os matrimônios,
levar o viático aos moribundos, ler a Sagrada Escritura aos fiéis, instruir e exortar o povo, presidir o culto
e à oração dos fiéis, administrar os sacramentais e presidir os ritos dos funerais e da sepultura. Dedicados
às tarefas de caridade e administração, recordem os diáconos aquele conselho de são Policarpo:
"Misericordiosos e diligentes, procedam em harmonia com a verdade do Senhor que se fez servidor de
todos" (LG 29).

Em1967, o papa Paulo VI – sacrum diaconis ordinem, abriu a possibilidade para o diaconato
permanente.
As tarefas do diácono são: celebração da palavra, o batismo, administrador da Eucaristia, a bênção e os
funerais. O diácono não tem autoridade própria, ele depende da união com o bispo e sacerdote.
Os fiéis participam ativamente, em um modo próprio, o sacerdócio comum nas celebrações litúrgicas.

2.4 O sentido dos Ministérios litúrgicos (diakonia):

2.4.1 O presidente da assembleia litúrgica


O presidente é moderador e responsável na assembleia para o bom funcionamento da liturgia.
Pode ser um clérigo ou um leigo. Ele é servo da comunidade. Presta um serviço a Cristo e à comunidade
com as seguintes funções na celebração:
a) acolhe a assembleia,
b) coordena a assembleia: reparte as diversas funções,
c) dá o sinal para iniciar e terminar, dirige a liturgia,
d) imprime ritmo à celebração: realiza uma dinâmica interior, momentos de silêncio, canto,
e) ora em nome da Igreja,
f) é servo da palavra e da homilia,
g) realiza gestos sacramentais e realiza as ações sagradas.
O presidente não recebe o seu poder da assembleia, mas de Deus. No entanto, a assembleia poderia fazer
uma votação, mas a missão de presidir normalmente vem da parte da autoridade da Igreja. Quando é
sacerdote, age ‘in persona Christi’. A celebração não é uma reunião espontânea, mas organizada e
convocada por Deus.

A problemática de celebrar sem sacerdote


Em primeiro lugar devemos considerar dois princípios fundamentais:
1. há prioridade do sacramento antes da psicologia; há prioridade da Igreja universal antes do
grupo.
2. A igreja local deve procurar uma resposta para cada situação de necessidade pastoral. A primeira
missão da Igreja é a salvação das almas (salus animarum).
Em certos lugares de missão, não é exceção que não haja missa no domingo e que se faça uma celebração
sem sacerdote. Em muitas paróquias, não há mais missa por falta de sacerdotes. Então surge a questão:
será prudente a todo custo celebrar em cada igreja uma liturgia, mesmo sem sacerdote?
Na celebração da Eucaristia sem sacerdote (= liturgia da palavra e distribuição da comunhão), há o
perigo de que a comunidade se celebre a si mesma. A igreja, sem o sacramento, pode tornar-se um lugar
de reunião com finalidade social. Também, não se pode obrigar a assistir a uma reunião sem a dimensão
transcendente! A missa dominical pode ser obrigatória, porque é Deus que convida e porque é uma ação
sacramental. Ação sacramental significa que a ação e seus efeitos se referem à Igreja universal, porque
é ação divina. O ‘dever’, somente se pode fundamentar e justificar pelo sacramento.

43
Constitutiones Ecclesiae aegypticae, III, 2: Ed. Funk, Didascalia, II, p. 103. Statuta Eccl. Ant. 37-41: Mansi 3,
954.
53
Liturgia I

Uma forma de culto que não é sacramental, pode ser muito eficaz psicológica- ou sociologicamente,
mas pode-se perder o aspecto da ação divina, cujo o instrumento é o sacerdote. A dificuldade está em
encontrar o limite entre a necessidade e a vontade própria. Importante é ter claro as prioridades.
3. A liturgia dominical deve dar uma resposta a toda procura do homem de encontrar uma pátria,
um refúgio. Por isso, a liturgia não pode ser um entretenimento, um divertimento, uma variação
de ofertas para o povo, o pároco não pode ser um ‘entertainer’ que deve fazer as celebrações
mais atrativas. A liturgia não é obra humana, mas Opus Dei. Os fiéis devem aprender a aceitar
o grande mistério em qualquer situação ou circunstância.

2.4.2 O ministério litúrgico em geral


Entendemos o conceito ‘ministério eclesiástico’ em um sentido mais amplo, que ‘ministério
litúrgico’. Um diácono, que, por exemplo, ‘serve à mesa’, (que realiza um trabalho social, ou qualquer
serviço caridoso) não está exercendo necessariamente um ministério litúrgico, no sentido estrito da
palavra. Entretanto, em sentido amplo, poder-se-ia entender todas as atividades da Igreja como um ‘culto
a Deus’, e, portanto, como uma liturgia.
Por exemplo, um sacerdote pode deter em si vários ministérios (A. liturgia, B. martiria
(testemunho, palavra) e C. diaconia (serviço caridoso)). O mártir, são Justino († 155dC), no contexto
da celebração dominical dos cristãos, inclui também a atividade caridosa do ministro, unida à Eucaristia.
Qualquer ministério eclesiástico se compreende, em seu sentido teológico, a partir do conceito
do sacerdócio de Cristo, também, se quiser fazer um percurso histórico, partindo do Antigo Testamento.
Confirma E. Lodi, que um ponto de partida irrenunciável para a reflexão sobre o ministério, deve ser a
presença de Cristo sacerdote na Igreja, ou seja, a realidade sacerdotal aplicada a Cristo (conceito de
sacerdócio, realidade sacerdotal universal, sacerdócio do AT), ou a participação direta ao sacerdócio de
Cristo (sacerdócio ministerial ou laical).
Veremos primeiro o significado do conceito ministério (diakonía):
O termo grego “diakonia” (traduzido para o latim como ‘ministerium’) significa ministério no
sentido de serviço. O conceito grego ‘diácono’ foi usado também como sinônimo de “escravidão” em
sentido depreciativo. Entretanto, volta a ser um título de honor para Cristo, que veio para servir (cf. Mt
20,28; Mc 10,45). Aplica-se o conceito para descrever diversos serviços na jovem Igreja. A princípio
eram serviços básicos que os diáconos deviam prestar aos presbíteros e bispos. Somente depois do
decreto de Milão, quando, no ano 313, o cristianismo se tornou religião oficial do império romano, o
título em latim “minister” foi também aplicado aos sacerdotes cristãos.
São Policarpo chamava a Cristo o “diácono de todos” (Ad Phil. 5,2). Mas esta ministerialidade
de Cristo se estende a todo o Corpo místico, porque a Igreja possui, como finalidade intrínseca, o
fundamental serviço escatológico, quer dizer, a Igreja se encontra na tensão de estar neste mundo e ao
mesmo tempo caminhar para o reino futuro. Todo serviço visa a salvação eterna.
Uma dificuldade é a imprecisão terminológica, porque dificilmente se encontram títulos
técnicos para designar os vários ministérios nos primeiros séculos. Isto se deve a diversas situações por
que passou a jovem Igreja. Nenhum ministro é chamado sacerdote (‘hiereus’), cuja razão se deve
compreender pelo paralelismo com os ministérios de culto do Antigo Testamento. No NT, todo o povo
é considerado como “povo sacerdotal” (1Pe 2,5) com base em Ex 19,6. Este termo, que se refere a todo
o povo de Deus, não exclui a existência de sacerdotes hierárquicos. Mas, no primeiro tempo se tratava
de diferenciar o sacerdócio cristão do sacerdócio levítico. Era necessário ter um ponto de partida como
elemento analógico, porque nem Cristo nem os apóstolos eram descendentes de uma estirpe sacerdotal.
Portanto, a primeira coisa que se deveria explicar foi: por que Cristo era chamado sacerdote? Era
necessário explicar a relação de Cristo com o sacrifício expiatório. Cristo não oferece vítimas, mas
possui um sacerdócio celeste, que é uma oferta permanente, eterna de seu mesmo sacrifício histórico
sobre a cruz (cf. Hb 9,7.14; 10,10 etc), e disto fazemos o memorial eucarístico. Mais que usar o termo
‘sacrifício’, usa-se no NT o conceito ‘offerre munera’ (cf. Hb 8,3-4; 9,9; Ap 11,10).
Os ministérios clássicos do NT se denominam bispo, presbítero (ancião) e diácono. Conceitos
relacionados com estes seriam “colaboradores” (Fl 2,25); presidentes (1Ts 5,12), guias (Hb 13,7),
pastores (Ef 4,11). Entre os ministros auxiliares se podem mencionar: ‘os sete’ (At 6,3; 21,8); os
diáconos (Fl 1,1; 1Tm 3,8-13); os jovens (neotoroi: At 5,6; 1Pd 5,5; neaniscoi: At 5,10); enfim, todos
os fiéis, que são chamados ‘santos’ (At 3,32).

54
Liturgia I

Se quisermos reconstruir a estrutura eclesiástica, deveríamos mencionar primeiro os apóstolos,


profetas, e logo, outros carismas que são Paulo menciona em 1Cor 12. Embora não seja possível
determinar as funções singulares da categoria sacerdotal, é certo que as funções presidenciais de direção
e de governo não se podem separar das funções de ensino doutrinal (catequética), da administração dos
sacramentos, e dos ofícios caridosos. Aparece a preeminência da função pastoral nos At 20,28; 1Pd 5,2,
Ef 4,11; 1Clem 44,3 etc.; enquanto nas cartas pastorais se encontram categorias domésticas (1Tm 3,5:
paterfamilias) e suas funções de administração (Tit 1,7; 1Tm 3,1-5). Tampouco a potestade da jurisdição
aparece separada da autoridade sacerdotal. Na comunidade cristã as funções ministeriais derivam de
uma eleição divina.
Nossa intenção é demonstrar que, desde os primeiros séculos, atribui-se aos ministérios um
caráter sacerdotal-cultual, embora não apareça expressamente o título sacerdote. Pelo menos podemos
afirmar, como dito anteriormente, que os diversos ministérios encontram seu fundamento no sacerdócio
de Cristo.

2.4.3 O sacerdócio ministerial


Quase em todas as religiões do mundo se encontram certos grupos ou castas sacerdotais em sua
função de “mediatores Dei”. Consideramos acima de tudo aspectos históricos do sacerdócio no sentido
bíblico.

No Antigo Testamento
Sobre o sacerdote do povo de Israel, encontramos certas descrições de suas tarefas. Segundo Dt
33,8-10 se mencionam as tarefas de Levi: Em primeiro lugar, a administração do oráculo “Urim e
Tumim”. Logo segue o ensino nos preceitos de Yahveh, logo o serviço do sacrifício de incenso e o
holocausto.
G. Schrenk explica que na origem a palavra hebraica kohen vem do árabe kahin “Vidente,
adivinho”. A mesma origem etimológica se atribui à palavra Levi – do hebreu jarah (= jogar sorte, ou
dar o oráculo). Escreve: “Originalmente o levita é o que dá o oráculo. Na história de Israel, o sacerdote
é um carismático, um portador de forças superiores, com a visão daquele que pode conhecer a vontade
de Deus”. Schrenk atribui ao sacerdote as seguintes atividades:
a) em primeiro lugar o sacerdote tem a função do oráculo de urim e tumim, cumpre oráculos sem
ser adivinho,
b) pode oferecer sacrifícios, embora qualquer pessoa tenha o poder de fazê-lo. Moisés como
mediador do povo também assume uma função sacerdotal.
No período da monarquia, o sacerdote assume várias atividades: - abençoa o povo, consulta a
Deus, exerce o controle da observância da lei e oferece o sacrifício de incenso. Também assume a função
judicial (cf. Ex 18,13-26; Dt 17,8-13).
De modo semelhante, explica também B. Baroffio: o sacerdote do AT é uma pessoa dotada de
características sociorreligiosas. Exerce sua função de mediador oficialmente reconhecido entre Deus e
o homem e entre o contexto social. Atribuem-lhe as seguintes tarefas:
a) na cultura primitiva, o sacerdote oferece o sacrifício, centro de toda vida cultual, segundo
diversos modos.
b) Realiza o exorcismo para purificar a coisa, a pessoa de qualquer mal (pecado que pesa sobre a
consciência, e efeitos daninhos, epidemias etc.),
c) pronuncia o oráculo que permite ao sacerdote adivinhar o futuro.
Depois do exílio se formam várias correntes sacerdotais (aaroníticas, classes sacerdotais) e com
peso político (sumo-sacerdote).

O sacerdócio de Cristo
O sacerdócio cristão apresenta um aspecto profundamente diverso do sacerdócio israelita. No
NT não se fala de “sacerdote”, fala-se mais do “presbítero”, que dirige a assembleia litúrgica. No NT,
apenas na Carta aos Hebreus encontramos explicado o novo sacerdócio de ‘Jesus sumo sacerdote’. Sua
pessoa não tem nada de sacerdotal, segundo o conceito do AT. Jesus não se origina da família de Arão,
mas da tribo do Judá. Sua missão profética é diversa, entretanto, a própria morte nos apresenta uma nota
sacrifical ou ritual veterotestamentário. Era necessário esclarecer que Cristo nos deixou um verdadeiro

55
Liturgia I

sacrifício, embora espiritual, e por isso é sacerdote. Para continuar seu sacerdócio, necessita-se de
sacerdotes.
Com a doação da sua vida, com o sacrifício de si, Jesus é vítima e sacerdote ao mesmo tempo
(cf. Hb 3,1; 4,14ss; 5,1ss; 7,11ss etc.), sua vida é releitura em chave sacrifical e cultual-sacramental. A
Carta aos Hebreus apresenta um novo modelo de sacerdote, que deve tornar-se semelhante em tudo aos
irmãos. Oferecendo-se a si mesmo, supera o sacerdócio antigo e recebe o título: sumo sacerdote, tão
grande que se sentou à mão direita do trono de Deus (cf. Hb 8,1-2; 9,11-14). Como figura comparativa
se serve do relato de Melquisedeque, cuja dignidade supera a dos levitas. Cristo entrou pela cortina ao
interior do santuário de Deus. Com isto, abriu o caminho (cf. 10,19). Agora seu serviço sacerdotal não
se realiza mais na terra (cf. 8,4), porque o sacerdócio tem seu lugar no céu. O Filho completa o antigo
culto e o supera, ele é superior aos anjos. A Carta aos Hebreus mostra também a eficácia da mediação
de Cristo em relação à possibilidade de que o homem possa entrar em comunhão com Deus. O cristão
possui plena liberdade de entrar no santuário por meio do sangue de Cristo (cf. Hb 10,19-20; 4,14-16).
Características do novo sacerdócio são:
a) A misericórdia (cf. Hb 2,17) que nasce da solidariedade e compaixão, Cristo apresenta um
comportamento pleno de misericórdia.
b) A fidelidade com as coisas a respeito de Deus. Há uma intimidade profunda entre Cristo e Deus (cf.
Hb 3,2). Cumpre-se a profecia de Is 8,14, ele vos será santuário, mas servirá de pedra de tropeço e de
rocha de escândalo às duas casas de Israel. Pela perfeita filiação, merece a adoração dos anjos.
c) O sacerdócio de Cristo tem um caráter messiânico (cf. Sl 110) e universal. Seu sacerdócio é superior
ao dos israelitas. O sacerdócio de Cristo não possui genealogia.

O sacerdote como “Mediator Dei”


Falando do sacerdócio, não podemos ignorar o aspecto da mediação. Isto vale especialmente
para o sacerdote, o ministro que representa uma comunidade de indivíduos diante de Deus e que distribui
os dons de Deus. Entretanto, o aspecto da mediação vale também para o sacerdócio real, porque “os
leigos devem santificar o mundo”, é parte de sua missão. Isto se pode fazer, por exemplo, pela oração
de intercessão, e neste sentido são mediadores.

Instituição
O sacerdócio do AT foi instituído por Deus e se transmite pela herança. O sacerdócio real
recebe-se pelo sacramento do batismo, o sacerdócio ministerial pelo sacramento da ordem. Com respeito
ao sumo sacerdote, terá que levar em consideração as afirmações de Hb 5,1: “Porque todo sumo
sacerdote tirado de entre os homens é constituído a favor dos homens nas coisas que se referem a Deus,
para apresentar oferendas e sacrifícios pelos pecados”. Procuremos agora aproximar-nos de uma
definição do sacerdócio:
Apresentamos primeiro a que nos oferece santo Agostinho: “sacerdos quia sacrificium”.
Também se poderia pensar em outro significado de origem etimológica: sacerdote = sacrum dare, é um
dom gratuito de Deus, que o sacerdote recebe para santificar.

Y. M. Congar apresenta diversos aspectos para nos aproximar de uma definição. Escreve:

O sacerdócio católico apresentou dois caminhos diferentes […] há continuidade e


correspondência entre um e outro […] Alguns definem o sacerdócio pela qualidade de
mediador, porque está colocado entre o homem e Deus, a fim de reconciliá-los mutuamente.
No NT se centra a ideia de Cristo sacerdote em seu sacrifício […] De fato, segundo a
linguagem bíblica, o conceito de sacerdócio está ligado ao de sacrifício.

Congar, seguindo a escola francesa, acima de tudo a são Vicente de Paulo, acrescenta:

Todo sacrifício implica uma alma, uma matéria, ao menos em seu sentido próprio
cultual. Em sentido amplo, podem-se incluir todos os pequenos sacrifícios, tudo o
que custa, inclusive um sacrifício de alegria ou de louvor. A alma do sacrifício
consiste na aceitação livre e amorosa de nossa referência a Deus, de nossa
dependência a Ele ou em um movimento espiritual do homem para Deus.

56
Liturgia I

O sacerdote oferece sacrifícios e oblações. Segundo santo Tomás de Aquino, “todo


sacrifício é oblação, mas nem toda oblação é sacrifício”. Para que uma oblação seja
sacrifício, requer-se também um ato formal de oferecimento ou de consagração.

Congar distingue também o aspecto interior e exterior do sacrifício, porque os sacrifícios do


sacerdócio cristão, são espirituais. Espirituais, por uma operação do Espírito Santo, dom próprio da
Nova Aliança. Escreve: “Convém assinalar que todas as formas cristãs de sacrifício ou de sacerdócio
pertencem ao culto ‘em espírito e verdade’”.
Ninguém pode retornar a Deus, a não ser pelo sacrifício de Cristo. Seu sacerdócio exterior se
manifesta em sua oblação na cruz, a alma interior do sacrifício de Jesus é seu espírito filial.

Consequências para o sacerdócio do povo sacerdotal e dos ministros ordenados


Em Cristo foi abolida a distinção entre sacerdote e vítima, em certo sentido a diferença entre
sacerdote e povo, assim que este assume sobre si o pecado do povo e se faz solidário. Qualquer
sacerdócio é participação neste sacerdócio de Cristo.
O sacerdócio é comum a todos, porque cada cristão tem a possibilidade de invocar o Pai (Hb
7,25; Ef 2,18). O que o sacerdote do AT podia fazer somente em determinados dias e sob rígidas
restrições, isto agora, pelo culto espiritual (logiké latreie), cada um o pode fazer em qualquer momento.
Isto se realiza pela oferta da própria vida (cf. Rm 12,1-2). Entretanto, não é unicamente o sacrifício,
deveríamos deixar entrar também o aspecto da pregação, evangelização e os serviços. Enfim, o sacrifício
se deve relacionar com a caridade.

2.5 O sacerdócio real – comum

Limitemo-nos aqui, de maneira geral, ao sacerdócio cristão ou ao que se refere à graça batismal
e à participação no sacerdócio de Cristo.

No AT:
No Antigo Testamento, especialmente depois do exílio até o tempo de Jesus, preocupava-se com
a santidade do sacerdote e sua pureza para exercer o culto. Especialmente Ezequiel faz ressaltar, que o
sacerdote, o povo santo, essencialmente pela sua vida e seu serviço cultual a Deus, constitui o coração
da vocação de Israel. Somente aquele que for consagrado, pode entrar no santuário (cf. Ez 44,9), os
pagãos não podem entrar.
Em Ex 19 e Is 61 se recorda que o povo deve ser um “reino sacerdotal e uma nação Santa”
(mamleket kohanim) (cf. Ex 19,5-6) um reino que provavelmente é dirigido por sacerdotes. A própria
tradição judia aplica a palavra sacerdote (kohen) a toda a nação. A tradução da LXX forma do plural um
nome singular ‘sacerdócio’ (i`era,teuma, - hierateuma), ignorada pela linguagem comum, mas que dá um
aspecto corporativo deste sacerdócio comum. A LXX repete este versículo em Ex 23,22, onde Deus
promete que fará de seu povo um reino sacerdotal (e;sesqe, moi basi,leion i`era,teuma kai. e;qnoj a[gion).
O contexto de Is 61,6 é diferente, porque a frase, ao contrário de Ex 19, quer destacar a posição de Israel
diante de outros povos44. Em 2Mac 2,17 se repete tal convicção da participação de todo o povo no
sacerdócio: “Deus autem qui liberavit populum suum et reddidit hereditatem omnibus et regnum et
sacerdotium et sanctificationem”.

No NT:
Os Evangelhos não atribuem a Jesus explicitamente uma qualidade sacerdotal. Sacerdotes são
aqueles que exercem o ministério no templo. Mas a morte de Jesus é interpretada dentro de uma
perspectiva sacrifical. Rm 3,25 expõe Jesus como “instrumento de expiação” pelo seu próprio sangue.
É suficiente um só sacerdote, também por isso, no NT os apóstolos não são chamados
sacerdotes. Cristo em virtude de seu sacerdócio introduz à comunhão com Deus, os cristãos oferecem
seu “sacrifício de louvor” (Hb 13,15) e são “colocados em comunhão com outros para agradar a Deus”

44
“Vós sereis chamados sacerdotes do Senhor, e vos chamarão ministros de nosso Deus; comereis das riquezas
das nações e na sua glória vos gloriareis” (Is 61,6).
57
Liturgia I

(Hb 13,16). Os fiéis não são chamados sacerdotes, mas seus sacrifícios litúrgicos e “existenciais” são o
fruto do único ato sacerdotal no pleno sentido do termo, e do único sacerdote no santuário celeste. Eles
dependem integralmente dele, sob o âmbito da eficácia do único sacerdote: tudo vem dele e por ele (Hb
13,15). O sacrifício dos cristãos é seu louvor, e isto corresponde ao oferecer-se como “culto espiritual”
(Rm 12,1), o que implica no sacerdócio de todos os batizados.
São Pedro (1Pe 2,5 e 2,9) faz referência a Ex 19, e aplica ao sacerdócio dos fiéis “vós são
linhagem escolhida, real sacerdócio, nação Santa, povo de sua particular propriedade.” Não fala de
‘sacerdotes’, mas de um ‘estado sacerdotal’ e não explicitamente de um sacerdócio redentor - salvífico.
Também o Apocalipse usa o termo como um coletivo singular (reino sacerdotal), especialmente em 1,6;
5,9-10 e 20,6. O fato de que não fala de um grupo de sacerdotes individuais, mas de um estado, quer
acentuar o aspecto da comunhão entre eles.
Comenta Tillard: “(Eles) formam um estado sacerdotal que não se atualiza, a não ser, no
concreto da vida. Pela força do Espírito, o sacrifício de Cristo frutifica suas ações cotidianas, ele é
modelo [...] para que seus sacrifícios sejam agradáveis a Deus”. É a vocação à santidade e não define
um ministério litúrgico particular.
Hoje em dia, pelos ritos do batismo e da confirmação, tanto no Oriente como no Ocidente,
entende-se a associação dos cristãos ao sacerdócio de Cristo: a unção que a instituição levítica reserva
aos sacerdotes, aos reis, agora é dada a todos os batizados. Trata-se de uma unção espiritual e invisível
pela força do Espírito Santo.

A unção como sinal de consagração


No Oriente como no Ocidente se explica a unção como símbolo de uma consagração e
constituição de um estado sacerdotal. Tertuliano explica: “E nosso nome de ‘Cristo’ vem da ‘crisma’
que significa unção, que também deu seu nome a nosso Senhor” (De Baptismo 7,1-2).
João Diácono escreve: o cristão, “batizado está revestido com a vestimenta branca, sua cabeça
é ungida com o santo crisma, a fim de que compreenda que a realeza e o mistério do sacerdócio estejam
reunidos nele”. E segundo santo Agostinho: “todos são ‘Cristo’, ungidos em razão do crisma místico,
também todos são sacerdotes, porque são os membros do único sacerdote” (De civitate Dei XX,10). Não
são ordenados para um ministério litúrgico, mas são diferentes pelo modo de sua origem. O sacerdócio
comum, conferido pela unção batismal e crismal, foi instituído pelo próprio Cristo.

2.6 Aspecto comunitário do sacerdócio comum


A consagração batismal contém também um tipo de ordenação em vista da oferenda eucarística.
Com efeito, historicamente a participação dos fiéis nos atos do culto não repousa sobre uma teoria sobre
seu sacerdócio. Os cristãos dos primeiros séculos não davam tanta importância à participação ativa no
culto, mas à consciência de uma dignidade propriamente sacerdotal. Sua concepção de cristianismo era
essencialmente social. Eles participavam mais ativamente da missa, sabendo o que é seu sacrifício
próprio. Seu sacerdócio visa a que todos os fiéis formem um só coração e uma só alma. A unção
sacerdotal é um unguentum unitatis. É a vocação à caridade espiritual, o sentir-se solidário com os outros
que igualmente são membros do mesmo corpo. Este sacerdócio depende da santidade pessoal, quanto
mais unido a Cristo, tanto mais unido aos outros. A gente mesmo é sacrifício (vítima), capaz de derramar
seu próprio sangue como o cordeiro sem mancha ao qual nos incorporamos como seus membros para
formar com ele um só e o mesmo Cristo45.
Este é um sacerdócio que encerra toda a santidade, junto com os registros litúrgicos que
comporta. Estes “registros litúrgicos” não contribuem com alguma capacidade formalmente ritual, como
aquela do presidente. É outro tipo, que se refere essencialmente à ordem da vida, existencialmente
chamado santidade e no oferecimento de sacrifícios espirituais. Liturgicamente poder-se-ia definir o
sacerdócio comum como a capacidade de dizer o “Amém” ao final da anáfora eucarística. Não é tanto
um ministério litúrgico, é unir-se ao sacerdócio de Cristo pelos sacrifícios espirituais.
No livro de Ben Sirác (Eclesiástico), encontramos uns exemplos sobre como se deveriam
imaginar os sacrifícios espirituais: “Observar a lei é fazer muitas oferendas, guardar os mandamentos, é
fazer sacrifícios de comunhão. Devolver um favor é fazer oblação da flor de farinha (outra tradução:

45
Cf. Santo Agostinho, Enarr. in Ps. 26, Sermo 2,2; PL 36,200.
58
Liturgia I

‘praticar a caridade é fazer oblação de alimento’); dar esmola é oferecer sacrifício de louvor. Afastar do
mal é agradar ao Senhor, um sacrifício de expiação é afastar-se da injustiça” (35,1-5).
O melhor sacrifício é o cumprimento da vontade de Deus (cf. Hb 5,8-9). Igualmente as obras de
misericórdia e a caridade encontram seu cumprimento na entrega de si mesmo. Considerando o aspecto
comunitário é importante a solidariedade com outros: “Se um membro sofrer, todos os membros sofrem
com ele” (1Cor 12,26). O sofrimento se alivia pela compaixão para com os outros.
Outros autores, como são Cipriano (De orat. 30) e santo Agostinho (Tract. in Joann. 110: PL
35,1920-1921), entendem os sacrifícios espirituais pela oração. A Escritura menciona também as boas
obras, por exemplo, o vender seus bens para ajudar os pobres para ter um tesouro no céu (cf. Mt 19,21),
o que podemos considerar também como sacrifício espiritual.
O sacerdócio dos fiéis depende da santidade, e se recorda a frase atribuída a são João Crisóstomo
que santo Tomás de Aquino está citando: “nem todo sacerdote é santo, mas todo santo é um sacerdote”
(Hom 43: PG 56,876; STh III, 82,1, ad 2). São Gregório Nazianzeno descreve uma vida de sacrifícios:
“nós devemos oferecer a Deus em sacrifício, e mais, ofereçamos também em cada dia todas nossas
atividades” (Orat 45,23: PG 36,656).
Compreende-se que o momento melhor, para estas ofertas, seja dentro da celebração eucarística,
sem confundi-lo com aquele poder que é próprio do ministro. Santo Agostinho faz referência à
comunhão: “deixe-me participar de teu sacerdócio, como estou comendo do pão; e eis aqui, o óbolo de
prata, porque esta coisa e esta palavra de Deus que habitam no coração do crente. Mais alto, que o
Senhor quem disse, por te haver nutrido da mesa de Aarão uma parte das vítimas da antiga aliança […];
por isso se diz: come do pão, que é o sacrifício dos cristãos da nova aliança” (De civ. Dei XVII,5). O
novo sacerdócio culmina neste manjar do pão que é a vida e que se transforma no mesmo.
De fato, a comunhão eucarística nos transforma em sacrifícios, para que sejamos vítimas
agradáveis a Deus. O papa Pio XII confirma: “Podemos participar do sacrifício também por meio da
comunhão sacramental. Por meio do banquete do pão dos anjos, a mãe Igreja, para que mais eficazmente
possamos sentir em nós continuamente o fruto da redenção […] pela comunhão eucarística se manifesta
mais claramente a participação dos fiéis no sacrifício divino” (MD 106). Geralmente todos podem
oferecer os sacrifícios (na história bíblica é o ‘paterfamilias’ que faz). Isto é o distintivo da dignidade
sacerdotal e nem tanto do estado ministerial.
Conclusão: O sacerdócio comum e o sacerdócio hierárquico se relacionam mutuamente. O
ministro celebra o culto público, a liturgia; os fiéis consumam seu sacerdócio no receber a Eucaristia e
oferecimento de si mesmos. Podemos comparar como realizar o sacerdócio exterior (ministro) e interior
(fiel); também aquele que transmite a graça de Deus como mediador (ministro – catabático) e aquele
que dá uma resposta (fiel – anabático). O sacerdócio do ministro se transmite pelo sacramento da ordem,
o sacerdócio comum se transmite pelo sacramento do batismo e da confirmação (crisma).

O povo cristão - O sacerdócio comum dos fiéis


Quando o fundamento no sacerdócio real dos leigos se transmite pelo batismo, o sacerdócio ministerial
vem da sucessão apostólica e têm outra origem. Mas também os leigos podem receber uma missão para
exercer um ministério litúrgico, não em virtude do batismo, mas por encomenda da autoridade. Assim
distinguimos:
a) participação no sacerdócio de Cristo
b) serviços litúrgicos dos leigos
Os fiéis, segundo o sacerdócio comum, participam de um modo próprio da celebração litúrgica. O
fundamento do sacerdócio comum dos leigos é o sacramento do batismo e da crisma. Somente pela sua
presença, a pessoa participa no ato litúrgico. Um pagão não é capaz de participar, porque lhe falta a
graça (cf. LG 10). Os leigos estão consagrados pelos sacramentos para ser uma casa espiritual pelo
Espírito Santo. O batismo nos une a Cristo, para que sejamos capazes de participar no seu sacerdócio.

2.6.1 Participatio actuosa


Os fiéis exercem o seu sacerdócio: a) pela oração, b) pela recepção dos sacramentos, na ação de
graças, c) pelas obras de caridade, d) pelo testemunho da sua fé (cf. LG 10).

Distinguimos também entre o aspecto do sacerdócio interior e exterior:

59
Liturgia I

O sacerdócio comum se refere mais ao oferecimento interior. O sacerdócio ministerial se refere


ao exercício de um ministério litúrgico exterior. Todos os batizados oferecem a si mesmos interiormente
e participam do culto.

Participação interior
SC 19: “Procurem os pastores de almas dar a formação litúrgica e promovam também a participação
ativa dos fiéis, tanto interna como externa”. A participação interna é a primeira e a mais importante
tarefa no exercício do sacerdócio comum, como explica o Papa Pio XII46. O sacrifício de Cristo, pela
sua vontade47, se tornou para os fiéis o seu próprio sacrifício.
Também é necessária a piedade pessoal para uma participação fecunda. A vontade do sumo
sacerdote Jesus Cristo deve ser oferecida ao Pai. Os fiéis devem oferecer-se a si mesmos. O rito exterior
expõe o culto interior. Todos os elementos da Liturgia servem para reproduzir na nossa alma a imagem
do nosso Salvador. A atividade exterior deve promover o ato interior da entrega, como também a ligação
entre os membros do Corpo místico. Os talentos (ministérios) são assim diversos e nem todos estão
capacitados do mesmo modo para uma ação exterior.
SC 48 fala da participação na santa missa. Os fiéis
- devem escutar as leituras com atenção,
- devem contemplar o mistério da eucaristia,
- devem entregar a si mesmo.
A participação exterior:
cf. Can. 899, § 2. No Banquete eucarístico, o povo de Deus é chamado a reunir-se sob a
presidência do bispo ou, por sua autoridade, do presbítero, que faz as vezes de Cristo, unem-
se na participação todos os fiéis presentes, clérigos ou leigos, cada um a seu modo, segundo
a diversidade de ordens e funções litúrgicas. § 3. A celebração eucarística se ordene de tal
maneira que todos os participantes recebam muitos frutos […].

Sem a participação interior, a participação exterior não teria sentido algum. A participação
exterior deve ajudar à participação interior. No ritual se podem modificar somente as formas exteriores
da participação, mas sobre a participação interior cada participante é responsável. “Para promover a
participação ativa, cuide-se de incentivar as aclamações dos fiéis, as respostas, a salmodia, as antífonas,
os cânticos, bem como as ações, gestos e atitudes. Seja também observado, a seu tempo, o silêncio
sagrado” (SC 30).

Participação ativa48 significa participação consciente (inteligente, instruída), ativa (piedosa e


coerente) e plena (exterior e interior). A ação litúrgica é um sinal para que a fé atinja o mistério que
realiza. Não há espectadores, mas atores. Por isso a pedagogia deve ser eficaz, os fiéis precisam da
preparação e formação mistagógica.
É importante entender o s e n t i d o autêntico dos ritos e textos litúrgicos.
Isto é importante em vista da participação consciente, ativa e frutuosa na liturgia.
Conhecemos o texto do Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, n. 14:

46
Cf. Mediator Dei, n. 20; 73-99: A liturgia é antes de tudo um “cultus internus” que se exprime pelos atos
exteriores. “O rito externo do sacrifício manifeste, por sua natureza, o culto interno” (n. 83).
47 Hb 10,7: Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de mim), para fazer, ó Deus, a tua vontade.
48
RATZINGER (2000), p. 127: “Mas em que consiste essa participação ativa? O que se faz aí? Infelizmente, o
sentido dessa palavra facilmente leva a equívocos, pensando-se que se trata de um ato geral e apenas exterior,
como se todos tivessem de - quanto mais possível tanto melhor - ver-se em ação [...]. Nas fontes, entende-se sob
actio da Liturgia a oração eucarística. A verdadeira ação litúrgica, o verdadeiro ato litúrgico, é a Oratio [...] recua,
deixando espaço à actio divina, que é a ação de Deus. Nessa oratio, o sacerdote fala com a pessoa do Senhor –
“isto é o meu corpo”, “isto é o meu sangue” - sabendo que já não é ele que fala,[...]. Nessa própria “ação”, nessa
aproximação oratória da participação, não há diferença entre sacerdotes e leigos. É certo que dirigir a oratio em
nome da Igreja ao Senhor, [...] única actio, que seja simultaneamente a sua e a nossa - a nossa por nos termos
tornado “um corpo e um espírito” com Ele. […] alguns protagonistas, principalmente durante a preparação dos
dons, desempenham quase um espetáculo teatral, fato que simplesmente ignora o essencial”.
60
Liturgia I

“É desejo ardente da mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa
participação na celebração litúrgica que a própria natureza da liturgia exige e à qual o povo cristão
[...] tem direito e obrigação, por força do batismo”.
Em seguida, o concílio ainda diz:
“Esta é a razão que deve levar os pastores de almas, em toda a sua atividade pastoral, a procurarem-
na [= aquela participação] com o máximo empenho, através da devida formação. Mas, não havendo
esperança alguma de que isto aconteça, se antes os pastores de almas não se imbuírem
primeiramente do espírito e da força da liturgia e não se tornarem mestres nela, é absolutamente
necessário que se dê o primeiro lugar à formação litúrgica do clero”.
Trata-se de que todos entendamos o sentido ou significado dos diversos elementos e dimensões da
liturgia, como a celebramos em concreto, e, também, transmitimos a outros esta compreensão.
A instrução Redemptionis sacramentum diz com razão:
“Os abusos muitas vezes se fundamentam na ignorância, pois geralmente se rejeita aquilo cujo
sentido m a i s p r o f u n d o não se percebe, nem se conhece sua antiguidade” (n. 9).
Certamente é possível que, na própria realização ou participação, se entenda intuitivamente o sentido
dos diversos sinais que se usam na celebração litúrgica. Mas, em todo caso, é necessário que, de um ou
outro modo, se entenda o sentido autêntico. Quem faria, por longo tempo, uma coisa sem sentido?
Entender o sentido, porém, não significa somente entender o sentido das ações, gestos e palavras, mas
também e particularmente entender o mistério que se celebra e faz presente através dessas ações e
palavras. Trata-se de estarmos conscientes deste mistério.49
Por isso, a Instrução Geral sobre o Missal Romano (n. 18) diz que a participação consciente,
ativa e plena, que envolve o corpo e o espírito, deve ser “animada pelo fervor da fé, da esperança e da
caridade”; literalmente: a participação deve ser fervorosa pela fé, esperança e caridade.

‘Sacrum silentium’ – o silencio é igualmente um ato litúrgico e um sinal, assim como é uma ação ou
uma palavra proclamada. O silêncio não é somente um ato interior, mas também exterior. Por isso,
também o silêncio deve ter sua origem no culto de Cristo.

2.6.2 Os ministérios do povo cristão


Os serviços litúrgicos dos leigos, são derivados do ministério do diácono. Alguns serviços do diácono
são transferidos para os leigos a partir do Vaticano II.

Serviço da palavra
A homilia e o Evangelho são reservados ao diácono. O leitor ou o acólito podem assumir outros serviços.

O leitor
Um serviço particular referente à Palavra de Deus é desempenhado pelo diácono, pelos leitores,
pelos salmistas e pelos comentadores. A tradição da Igreja reflete a importância atribuída ao ministério
do leitor. Nas primeiras comunidades cristãs, seu serviço comunitário era ler na assembleia "as
memórias dos apóstolos e os escritos dos profetas". A partir do século IV, o leitorado passou a ser
considerado uma "ordem menor" na hierarquia eclesiástica, um degrau na escada rumo ao presbiterato.
O Papa Paulo VI, na carta apostólica Ministeria Quaedam, de 1972, estabelece que os leigos podem
receber o ministério do leitor.
O serviço comunitário de leitor na celebração tem uma importância particular em virtude da
própria realidade da palavra. Para transformar-se em acontecimento salvífico, a palavra precisa ser
anunciada por alguém. O leitor, como "homem da palavra", como um profeta, imprime vida à palavra
escrita na Bíblia, a fim de que possa ser escutada e acolhida pela assembleia como Palavra de Deus.
Para que a assembleia tenha um vívido amor pela Sagrada Escritura, mediante a escuta das
leituras, torna-se necessário um bom desempenho do ministério de leitor, fruto de uma esmerada
preparação espiritual, bíblica e litúrgica. A instrução bíblica deve ter como objetivo capacitar os leitores

49
Veja BENTO XVI, Sacramentum caritatis, n. 52: “não podemos ignorar que houve, às vezes, qualquer
incompreensão precisamente acerca do sentido desta participação. Convém, pois, deixar claro que não se
pretende, com tal palavra, aludir à mera atividade exterior durante a celebração; na realidade, a participação ativa
desejada pelo Concílio deve ser entendida, em termos mais substanciais, a partir de uma maior consciência do
mistério que é celebrado e da sua relação com a vida quotidiana.”
61
Liturgia I

a perceber o sentido das leituras em seu próprio contexto e a entender à luz da fé o núcleo central da
mensagem revelada. A instrução litúrgica deve facilitar aos leitores certa percepção do sentido e da
estrutura da liturgia da palavra e as razões da conexão entre liturgia da palavra e liturgia eucarística.
Além disso, precisa-se da preparação técnica.
É inconcebível uma proclamação da Palavra de Deus sem entusiasmo, sem autoconsciência e
nenhuma convicção que proceda do coração.
O leitorado e reservado aos homens (can. 230 §1:

“Os leigos varões que tiverem a idade e as qualidades estabelecidas por decreto da
Conferência dos Bispos, podem ser assumidos estavelmente, mediante o rito litúrgico
prescrito, para os ministérios de leitor e de acólito”.
§ 2. Os leigos (também as mulheres) podem desempenhar, por encargo temporário, as
funções de leitor nas ações litúrgicas; igualmente todos os leigos podem exercer o encargo
de comentador, de cantor ou outros, de acordo com o direito.
§ 3. Onde a necessidade da Igreja o aconselhar, podem também os leigos, na falta de
ministros, mesmo não sendo leitores ou acólitos, suprir alguns de seus ofícios, a saber,
exercer o ministério da palavra, presidir às orações litúrgicas, administrar o batismo e
distribuir a sagrada comunhão, de acordo com as prescrições do direito.
O papel do comentarista também as mulheres podem realizar. O leitor representa
Cristo, e é Cristo que fala a seu povo, por essa razão está reservado aos varões. O
leitor realiza a presença da palavra divina.

SC 33: Cristo anuncia o Evangelho, ler – leitura é o sinal do falar divino. O leitor também
representa o bispo.

O salmista: os salmos são cantados. O salmista pode também pedir a benção para realizar sua função.
O salmista é o cantor do salmo responsorial, após a primeira leitura. Ele propõe a resposta e o povo a
repete depois de cada verso, entoado ou lido pelo salmista (cf. IGMR 36).
O cantor prepara os cantos.
Schola cantorum: simbolicamente representa o coro dos anjos no Apocalipse.
Organista: serve para a edificação interior. Na liturgia romana (cf. SC 120).
Serviços ao povo de Deus: ostiário, vigilantes
O comentarista explica os ritos para ajudar os fiéis (o ministério foi introduzido no ano 1959). Exemplo:
o profeta Daniel é instruído por um anjo.

Serviço no altar
O acolitato – realiza as funções que antes o subdiácono fazia. O ministério é dado de modo permanente,
é também reservado aos homens. Também há a possibilidade de exercer a função temporariamente.
O acólito é o administrador extraordinário da Eucaristia. Os leigos podem realizar serviços de
emergência, o que é uma ajuda para os sacerdotes, quando estão impedidos: por exemplo, para fazer
batismo, matrimônio e administrar os sacramentais em certas circunstâncias (Cf. De benedictionibus –
maio 1984).

O ministro extraordinário da comunhão50 (podem ser homens e mulheres),


Condições: a partir dos 30 anos de idade, quando há uma necessidade pastoral.
Os fiéis não ordenados, colaboram na pastoral com os sagrados ministros, a fim de que «o dom inefável
da Eucaristia seja sempre mais profundamente conhecido e se participe da sua eficácia salvífica com
intensidade sempre maior». Trata-se de um serviço litúrgico que responde a necessidades objetivas dos
fiéis, destinado, sobretudo, aos doentes e às assembleias litúrgicas nas quais são particularmente
numerosos os fiéis que desejam receber a sagrada comunhão.
A Instrução Immensae Caritatis de 23 de janeiro 1973 indica que o fiel designado ministro
extraordinário da Sagrada Comunhão, e devidamente preparado, deverá distinguir-se pela sua vida
cristã, pela sua fé e bons costumes. Se esforçará para ser digno deste nobilíssimo encargo, cultivará a

50
cf. Immensae caritatis (28.1.1973).
62
Liturgia I

devoção à sagrada Eucaristia e dará a outros fiéis exemplo de respeito ao santíssimo Sacramento do
altar.
É um ministério leigo contemplado na Igreja Católica e estipulado no Cânone 230, par. 3, do Direito
Canônico que diz: “Onde o aconselhe a necessidade da Igreja e não haja ministros, podem os leigos,
embora não sejam leitores nem acólitos, suprir em algumas de suas funções, quer dizer, exercitar o
ministério da palavra, presidir as orações litúrgicas, administrar o batismo e dar a sagrada Comunhão
segundo a prescrição do direito”. E, no cânone seguinte (231), estabelece que para exercer este
ministério leigo se requer a devida formação, consciência e generosidade. Desta maneira os leigos
podem ajudar em uma forma ativa aos párocos na distribuição da comunhão, tanto na missa como fora
dela.
Para receber este ministério, o mesmo documento Immensae caritatis pede que o fiel, homem ou
mulher que será instituído como ministro extraordinário da sagrada comunhão, utilizem-se de palavras
muito exatas sobre a idoneidade da sua pessoa: “Ninguém seja eleito cuja designação possa escandalizar
os fiéis”.
A disciplina canônica sobre o ministro extraordinário da sagrada Comunhão deve ser, entretanto,
retamente aplicada para não gerar confusão. A mesma disciplina estabelece que o ministro ordinário da
Sagrada Comunhão é o bispo, o presbítero e o diácono, enquanto o acólito instituído ou o fiel delegado
expressamente para isso, são ‘ministros extraordinários’.
O diácono recebe um ‘ministério’, não o sacerdócio (cf. LG 29). Os ministérios dos leigos derivam
do diaconato e não do sacerdócio comum. O que foi reservado antes ao diácono, agora também os não
ordenados o podem exercer como um ministério.
Um fiel não ordenado, se surgirem motivos de verdadeira necessidade, pode ser delegado pelo bispo
diocesano, em qualidade de ministro extraordinário, para distribuir a sagrada comunhão também fora da
celebração eucarística, ad actum ou de modo estável, utilizando para isto a apropriada forma litúrgica
de bênção. Em casos excepcionais e imprevistos, a autorização pode ser concedida ad actum –só para
esse momento, sem que suponha um direito para a pessoa que o exerce ocasionalmente– pelo sacerdote
que preside a celebração eucarística.
Ao chamar a este serviço ocasional, se dará ao eleito a bênção prevista no Missal romano. A
designação desta pessoa idônea se fará na seguinte ordem: acólito e leitor instituído, religioso, religiosa,
aluno do Seminário Maior, fiel varão ou mulher, maiores de 30 anos (cf. Immensae Caritatis IV).
Deve-se prover, entre outras coisas, que o fiel delegado a tal encargo seja devidamente instruído
sobre a doutrina eucarística:
- sobre a índole de seu serviço,
- sobre as rubricas que se devem observar para a devida reverência a tão augusto sacramento,
- e sobre a disciplina a respeito da admissão para a comunhão.
Como enganos que possa cometer o ministro extraordinário da comunhão, e para que não provoque
confusões, devem ser evitadas algumas práticas que se criaram em algumas igrejas particulares. Por
exemplo, deve-se evitar:
- a ação de algum gesto similar ao dos ministros ordenados durante a consagração (se estiverem
no presbitério),
- a comunhão dos ministros extraordinários como se fossem concelebrantes,
- associar à renovação das promessas dos sacerdotes na missa crismal da quinta-feira santa,
outras categorias de fiéis que renovam os votos religiosos ou recebem o mandato de ministros
extraordinários da Comunhão,
- o uso habitual dos ministros extraordinários nas missas, estendendo arbitrariamente o conceito
de «numerosa participação».
Em definitiva, trata-se, de que nos fiéis não se produza nenhuma confusão entre os diferentes
ministérios. As causas que justificam a atuação de um ministro extraordinário da sagrada comunhão
estão assinaladas taxativamente na legislação eclesiástica e são, segundo o documento Immensae
caritatis:
A.- Quando faltarem o sacerdote, o diácono ou o acólito instituído.
B.- Se estes não podem distribuir a sagrada comunhão, porque o impede outro ministério
pastoral, por enfermidade ou por motivo de sua avançada idade.
C.- Se os fiéis que desejam comungar são tantos que se prolongaria excessivamente a
celebração da missa ou a distribuição da comunhão fora da missa.

63
Liturgia I

D.- Quando o número de doentes que devem ser atendidos pelos pastores seja muito
numeroso.

Os candidatos a ministros extraordinários da sagrada comunhão devem ser apresentados pelo pároco
respectivo em um número prudente. O bispo ou o vigário geral expedirá a certidão que autoriza o
desempenho deste serviço, unicamente na paróquia para a qual foram nomeados e por um período de
dois anos, renovável por uma nova petição do pároco. Devem ser registrados em um livro os ministros
extraordinários da sagrada comunhão no qual, inclusive nome e idade, indique a paróquia, consignando-
se a vigência da delegação.
Os ministros extraordinários, quando forem autorizados pela primeira vez, serão apresentados à
comunidade paroquial e investidos em uma ação litúrgica própria, preferentemente dentro de uma
celebração eucarística dominical, presidida pelo bispo e/ou vigário geral ou seu delegado.

64
Liturgia I

Art. III: Natureza (índole) didática e pastoral da liturgia51


Elementos objetivos da liturgia (SC 33):
Embora a sagrada liturgia seja principalmente culto da majestade divina, é também grande
fonte de instrução para o povo fiel. Efetivamente, na liturgia, Deus fala ao seu povo, e Cristo continua
a anunciar o Evangelho. Por seu lado, o povo responde a Deus com o canto e a oração. Mais, as orações
dirigidas a Deus pelo sacerdote que preside à comunidade na pessoa de Cristo, são rezadas em nome de
todo o povo santo e de todos os que estão presentes. Os próprios sinais sensíveis que a liturgia usa para
simbolizar as realidades divinas invisíveis foram escolhidos por Cristo ou pela Igreja.

Linguagem verbal e não verbal


3.0. A língua litúrgica52 (Cf. Martimort, p. 148-153).
A língua litúrgica se refere a toda a humanidade e a todas as línguas (homens e anjos). “Todas
as línguas devem confessar” (Fl 2,11). São Paulo ouviu línguas inefáveis no céu (2Cor 12,4).
O orgulho dos homens causou a confusão das línguas em Babel (Gn 11,7). Pentecostes (o
Espírito) reúne novamente as línguas para o louvor em comum e todos entendem a pregação de Pedro
(At 2,4).
Uma língua litúrgica é uma língua assumida pela Igreja. Uma língua profana está submetida a
constantes mudanças de significados, ao contrário, numa língua sacra garante-se melhor a integridade
do seu conteúdo. A Igreja católica usa várias línguas para seu culto oficial, mas, no rito romano, usa-se
o latim.

51
Da instrução de 1979: Natureza didática e pastoral da liturgia
15. "Na liturgia, Deus fala a seu povo e Cristo continua a anunciar o Evangelho. O povo responde a Deus pelos cânticos e pela
oração". É por isso que se atribui o primeiro lugar na liturgia à Sagrada Escritura, isto é, à Palavra de Deus, quer quando é lida
e todos a escutam, quer seja cantada pela própria assembleia. O professor tratará largamente do modo como a Sagrada Escritura
é usada tanto nas leituras como nos cânticos que dela são tirados. Não omitirá também a referência às leituras não bíblicas e
aos cânticos compostos pela Igreja. Exporá os princípios gerais das celebrações bíblicas, da homilia e da catequese; mostrará
a extrema importância da Sagrada Escritura para a compreensão dos sinais, das ações e das orações litúrgicas.
16. Mostrar-se-ão com o maior cuidado as propriedades do canto sagrado e sua função na liturgia. Expor-se-ão ainda os diversos
gêneros de canto: a salmodia, que é o modo de expressão dos salmos e cânticos bíblicos; a hinódia; as doxologias; as aclamações
etc. Valorizar-se-á com exemplos o diálogo entre o celebrante e a assembleia dos fiéis.
17. Analisar-se-ão também os diversos gêneros da oração, tanto do celebrante (orações, ações de graças, bênçãos, exorcismos,
fórmulas indicativas, orações privadas) como da assembleia (oração dominical, oração em silêncio, ladainhas).
18. Descrever-se-á, se possível, uma breve história do canto sagrado, das suas origens, dos seus primeiros desenvolvimentos e
indicar-se-ão as características do canto gregoriano; lembrar-se-ão igualmente os outros gêneros tradicionais; explicar-se-ão
finalmente os princípios expostos na Instrução da Congregação dos Ritos de 5 de março de 1967 sobre a música sagrada na
liturgia.
19. Falar-se-á também da língua litúrgica: esboçar-se-á rapidamente a história da disciplina que a regula tanto no Oriente como
no Ocidente; na medida da sua competência, o professor mostrará como é que a tradução da Bíblia, principalmente do grego
para o latim, criou o latim cristão, e quais são os princípios que devem orientar as traduções atuais para as línguas modernas.
20. Uma vez que a liturgia utiliza não apenas palavras, mas também os sinais que "Cristo ou a Igreja escolheram para significar
as realidades divinas invisíveis", mencionar-se-ão no curso tanto os gestos e atitudes da oração litúrgica, quanto as coisas
materiais que o culto litúrgico emprega. Sobre os gestos e atitudes, o seu significado e influência sobre os sentimentos, tirar-
se-á a lição da Sagrada Escritura e das obras dos Padres; evitar-se-á cuidadosamente uma exposição abstrata, ilustrando-se pelo
contrário a própria prática litúrgica. Haverá interesse em analisar, mesmo que sucintamente, o significado sobretudo bíblico
dos elementos naturais que a liturgia usa, como a luz, a água, o pão, o vinho, o óleo, o incenso etc., e de um modo especial os
elementos que são sinais sacramentais.
21. Pretendem alguns dos nossos dias que se deve desacralizar o culto litúrgico, tirando daí a consequência errônea de não ser
preciso usar objetos e vestes sagrados, e que se devem substituir por coisas de uso comum e profano: tais sofismas devem ser
refutados, pois pervertem o caráter autêntico da liturgia.
22. Far-se-á uma exposição teológica dos lugares de culto e do seu simbolismo; explicar-se-á o rito da dedicação das igrejas.
Definir-se-ão as funções do altar, do lugar destinado à reserva eucarística, da sede do celebrante, do ambão e do batistério.
23. Atender-se-á que os seminaristas, a partir dos diversos ensinamentos, saibam discernir a história e as leis da arte sacra. Será
vantajoso falar-lhes da iconografia cristã e das exigências a que deve satisfazer a arte sacra do nosso tempo para ser útil ao
povo cristão.
24. Tudo isto manifestará o caráter didático da liturgia, e evidenciará como esta "embora sendo principalmente o culto da
majestade divina, comporta também um grande valor pedagógico para o povo fiel". Dar-se-á conta do conhecido axioma legem
credendi lex statuat supplicandi e ministrar-se-ão os princípios que permitem distinguir entre o que a Igreja propõe aos fiéis na
sua liturgia como objeto da fé, e o que, ao contrário, pela sua natureza, não empenha o magistério.
25. Para responder às dificuldades dos nossos contemporâneos e indicar aos pastores os meios de as resolverem, ter-se-ão em
conta as ciências do homem, como a psicologia e a sociologia, segundo o espírito já mencionado nesta Instrução, n.50.
52
Cf. Lang, Uwe-Michael: The voice oft the Church at Prayer, Ignatius Press, San Francisco, 2012; ibid.: Die
Stimme der betenden Kirche, Johannes, Einsiedeln, 2012.
65
Liturgia I

A primeira língua empregada pelos apóstolos no culto da Igreja primitiva, foi com toda a
probabilidade, o aramaico. O normal era adotar a língua local, quando ela tinha consistência e
estabilidade. Em Roma, inicialmente se celebrou o culto em língua grega, somente no IV século, passou-
se a usar mais o latim. Provavelmente por motivos de estabilidade a Igreja manteve o uso do latim na
sua liturgia.
Uso das línguas vernáculas: quando a comunidade judaica voltou do exílio, o povo não falava
mais o hebraico. Isso deu início aos Targumim (texto bíblico com comentário), traduções para o
aramaico. Os judeus na diáspora começaram a traduzir o texto hebraico para o grego, dando início à
Setenta (LXX). No dia de Pentecostes, Deus mostrou uma condescendência, quando cada um entendia
os outros na sua língua materna.
Quando o Evangelho se estendia para outras culturas, o patrimônio literário e litúrgico-cristão
foi logo traduzido em línguas vernáculas.
No entanto, não somente a necessidade pastoral, também o ponto de vista teológico foi um
critério para as adaptações e traduções dos textos. A finalidade primária da liturgia é a adoração da
majestade divina. Por isso o fim didático deve-se subordinar a este fim primário do culto.
A fé que vem do escutar (cf. Rm 10,17), daí segue a necessidade e conveniência do uso da língua
vernácula, para que os homens pudessem chegar à fé que estava sendo pregada. A pregação da fé é
principalmente de cunho didático, encontra seu exercício mais nobre na celebração eucarística, na
primeira parte da missa. Por isso era conveniente celebrar a Liturgia da Palavra na língua que o povo
entende.
Na segunda parte da missa, na liturgia propriamente sacrifical, o fim didático entra em segundo
plano: aqui se justifica um uso de uma ‘língua sacra’ como o latim. A essência do culto consiste na
adoração, acompanhada pelos atos de gratidão, admiração, arrependimento previamente iluminados e
instruídos pela fé.
Com C. Vagaggini se pode resumir assim: “Tudo isso deve fazer mais cautos alguns que
parecem sonhar com um ideal de transformar a liturgia em uma tribuna de propaganda de um grande
plano de ensino metódico da doutrina [...] mas não se esqueça de que, como culto, a liturgia tem por fim
primário capacitar o povo para rezar verdadeiramente” (VAGAGGINI, C. Sentido teológico da liturgia,
16,1).
Vantagem da língua latina:
- língua multicultural, com longa tradição histórica,
- língua legalista e exata em sua gramática,
- língua estável, não precisa continuamente de adaptações dos termos, por causa de ambiente mudado,
- língua fixa nos seus termos, formada pela legislação romana,
- língua unitiva e internacional.
- Continuidade com a tradição da Igreja por muitos séculos.

3.1 A SACRAMENTALIDADE DA LITURGIA

O homem é um ser sacramental; em nível religioso, ele expressa suas relações com Deus num
conjunto de sinais e símbolos; também Deus os utiliza quando se comunica com os homens. Toda a
criação é, de certo modo, sacramento de Deus, porque O revela (DP 920).
A ação litúrgica é sempre um diálogo: Deus Pai fala a seu povo e, por meio dele, a todo homem; e, por
sua vez, o homem responde a Deus. Jesus é o mediador; por meio d’Ele, o Pai nos fala na graça do
Espírito. Falar na linguagem litúrgica é refletir a comunidade com sua fé, seu culto, com sua expressão
orante de vida cristã. Com efeito, a liturgia cristã é constituída de um complexo de sinais e símbolos,
que as ciências humanas podem analisar de diversas maneiras e em diferentes níveis; mas só poderá ter
deles uma compreensão exata e uma experiência autêntica quem pertence à Igreja e vive a fé cristã.

3.1.1 Sinais e símbolos do catecismo da Igreja católica


O Catecismo da Igreja Católica, no item "como celebrar?", dedica (CIC 1145-1162), alguns
números para motivar e descrever os "sinais e símbolos" de que se serve a liturgia cristã.
Sublinha, sobretudo, sua dimensão antropológica: que a dinâmica dos sacramentos cristãos se
apoia pedagogicamente em sinais muito humanos, próximos ao mundo dos homens, tirados do cósmico,
que têm "sua raiz na obra da criação e na cultura humana":
66
Liturgia I

CIC 1145 Uma celebração sacramental é tecida de sinais e de símbolos. Segundo a pedagogia divina da
salvação, o significado dos sinais e símbolos deita raízes na obra da criação e na cultura humana,
adquire precisão nos eventos da antiga aliança e se revela plenamente na pessoa e na obra de Cristo.
CIC 1146 Sinais do mundo dos homens. Na vida humana, sinais e símbolos ocupam um lugar
importante. Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as
realidades espirituais por meio de sinais e de símbolos materiais. Como ser social, o homem precisa
de sinais e de símbolos para comunicar-se com os outros, pela linguagem, por gestos, por ações. Vale
o mesmo para sua relação com Deus.
CIC1147 Deus fala ao homem por intermédio da criação visível. O cosmos material apresenta-se à
inteligência do homem para que este leia nele os vestígios de seu criador53. A luz e a noite, o vento e
o fogo, a água e a terra, a árvore e os frutos falam de Deus, simbolizam ao mesmo tempo a grandeza
e a proximidade dele.
CIC 1148 Enquanto criaturas, essas realidades sensíveis podem tornar-se o lugar de expressão da ação
de Deus que santifica os homens, e da ação dos homens que prestam seu culto a Deus. Acontece o
mesmo com os sinais e os símbolos da vida social dos homens: lavar e ungir, partir o pão e partilhar
o cálice podem exprimir a presença santificante de Deus e a gratidão do homem diante de seu criador.
CIC 1149 As grandes religiões da humanidade atestam, muitas vezes de maneira impressionante, este
sentido cósmico e simbólico dos ritos religiosos. A liturgia da Igreja pressupõe, integra e santifica
elementos da criação e da cultura humana, conferindo-lhes a dignidade de sinais da graça, da nova
criação em Jesus Cristo.
CIC 1150 Sinais da aliança. O povo eleito recebe de Deus sinais e símbolos distintivos que marcam
sua vida litúrgica: estes não mais são apenas celebrações de ciclos cósmicos e gestos sociais, mas
sinais da aliança, símbolos das grandes obras realizadas por Deus em favor de seu povo. Entre tais
sinais litúrgicos da antiga aliança podemos mencionar a circuncisão, a unção e a consagração dos
reis e dos sacerdotes, a imposição das mãos, os sacrifícios, e sobretudo a Páscoa. A Igreja vê nesses
sinais uma prefiguração dos sacramentos da Nova Aliança.
CIC 1151 Sinais assumidos por Cristo. Em sua pregação, o Senhor Jesus serve-se muitas vezes dos
sinais da criação para dar a conhecer os mistérios do Reino de Deus54. Realiza suas curas ou sublinha
sua pregação com sinais materiais ou gestos simbólicos55. Dá um sentido novo aos fatos e aos sinais
da Antiga Aliança, particularmente ao Êxodo e à Páscoa56, por ser ele mesmo o sentido de todos esses
sinais.
CIC 1152 Sinais sacramentais. Desde Pentecostes, é por meio dos sinais sacramentais de sua Igreja que
o Espírito Santo realiza a santificação. Os sacramentos da Igreja não abolem, antes purificam e
integram toda a riqueza dos sinais e dos símbolos do cosmos e da vida social. Além disso, realizam
os tipos e as figuras da antiga aliança, significam e realizam a salvação operada por Cristo, e
prefiguram e antecipam a glória do céu.

O Catecismo não apresenta uma clara distinção entre sinal e símbolo. Esclarece que a liturgia necessita,
integra e santifica os elementos da criação. Os sinais litúrgicos da Antiga Aliança são como prefigura
para os sacramentos da Nova Aliança.
3.1.2 Origem divino dos sinais
O homem, que é corpo e alma, ao mesmo tempo que vive num mundo material, transcende-o.
A partir das relações entre as três pessoas divinas da Santíssima Trindade, podemos entender,
portanto, a sacramentalidade do símbolo na liturgia. Deus Pai não precisa de muitas palavras para
exprimir e comunicar seu gozo. Ele diz eternamente uma única palavra, a Palavra, e nela exprime todo
o seu ser, toda a sua alegria. Um só Deus; o gozo eterno do Pai é ver-se refletido no Filho como no mais
perfeito espelho; e o gozo eterno do Filho é refletir perfeitamente o Pai; ora, esse gozo eterno gera
também eternamente uma corrente de amor entre o Pai e o Filho, o amor, o alento, o Espírito Santo.
Feito o homem à imagem e semelhança de Deus, se não fôssemos "participantes da natureza
divina", não poderíamos participar do gozo eterno do céu. Assim, Deus Pai criou o mundo à medida do
homem, para que vivamos aqui. No Novo Testamento, cristalizam-se símbolos e sinais que Jesus

53
Cf. Sb 13,1; Rm 1,19-20; At 14,17.
54
Cf. Lc 8,10.
55
Cf. Jo 9,6; Mc 7,33-35; 8,22-25.
56
Cf. Lc 9,31; 22,7-20.
67
Liturgia I

outorga à sua Igreja para que, por meio deles, seja comunicada a salvação aos homens de todos os tempos
e lugares. A função de ser sacramento do Pai passou de Jesus à Igreja.
Os sete sacramentos são um desdobramento desse sacramento universal que é a Igreja;
"concretizam e atualizam para as diferentes situações da vida esta realidade sacramental" (DP 922).
Origem dos sinais litúrgicos:
DEUS PAI FILHO ESPÍRITO SANTO
Criador salvador santificador
Vida Palavra Amor
Na liturgia sinal (material) palavra ação – gesto (movimento).
Pelos sinais litúrgicos, o homem é santificado, mas também pela observância dos mandamentos.
Segundo o Gn 1,22. 28, o homem recebe a bênção de Deus, e no Gn 2,3, Deus bendiz e santifica.
A bênção é um sinal que é acompanhado pela palavra. Bênção em alemão vem de “signum,
signare - Segen”. O sinal é essencial para abençoar. São Paulo fala (Ef 1,3-14) da bênção que Deus nos
deu desde toda a eternidade. A bênção é outra realidade como a palavra. O Pai nos abençoou em Cristo
com toda bênção espiritual.
LG 50: A força do Espírito Santo atua sobre nós pelos sinais. Na bíblia encontramos sinais
(semeion). Na etimologia grega, a palavra a) shma é mais antiga que b) shmeion. A palavra apresentou
muitos e diversos significados no decorrer da história57.
Sema (shma) é um conceito técnico, sem sentido religioso, que está em relação com o
conhecimento. Na antiga Grécia, tem a ver com um sinal da sorte (destino - Schicksal), que exprime o
favor dos deuses, a fortuna, ou também a má sorte. Um sinal manifesta, mostra ou revela alguma
realidade. A pedra da tumba, por exemplo, é um sinal da presença de um morto.
Semeion (shmeion) é geralmente um sinal óptico - visível. O médico vê sinais de uma doença
etc. As letras do alfabeto são sinais; na estenografia, na matemática o semeion é o ponto. Semeion se
torna como palavra jargão para a manifestação da vontade, ou também para exprimir uma ordem.
Semeion pode ser também o sentido e a interpretação de uma parábola ou de um enigma. Assim, no
sentido figurativo, o semeion revela o sentido.
Na LXX encontramos a palavra grega semeion como tradução do hebraico twa (ot) com mais ou
menos o mesmo significado. O sinal é um ‘sinal distintivo’. No judaísmo, o “ot” é geralmente uma
‘característica’, uma qualidade, ou uma letra do alfabeto. Existe uma relação do arcaico ittu que é o
oráculo. O seu uso é muito amplo. São sinais para a comunicação (como sinais de fumaça etc.). ‘Ot’ se
distingue do tpwm (mofet – milagre, prodígio), como também no grego se faz a distinção entre shmeia kai
te,rata (‘sinais e prodígios’: Jo 4,48; Heb 2,4). Da sabedoria se disse que ‘conhece (prediz [...]) os sinais
e os milagres’.
O ‘ot’ é um sinal que se percebe com os sentidos (olhos). Deus dá sinais por meio dos seus atos
(milagres). ‘Ot’ tem maior caráter religioso58; A palavra designa coisas e fatos. O ‘ot’ é sempre um meio,
não tem finalidade em si mesmo; comi sinal indica outra realidade.
Deus mostra o seu poder por meio de sinais ao povo de Israel. Ele colocou sinais no firmamento
(Gn 1,14). Os sinais e os milagres são propriamente ações divinas. Igualmente é importante para os
profetas; é caraterístico, que realizam os mesmos sinais para anunciar uma mensagem divina.
No Novo Testamento encontramos o semeion em diversos sentidos59. Os sinais contêm uma
força sobrenatural e milagrosa.

57
Cf. KITTEL, G.; FRIEDRICH, G. (1935). Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament, VII: «seme,ion», p.
199-261. Kohlhammer, Stuttgart, 1990.
58
O Sabat é um ot, um sinal. Também a circuncisão é um sinal da Aliança, o sangue que os Israelitas
colocam sobre sua porta no Egito (Ex 12) é um sinal. Deus mostra que Moisés tem sua autorização,
‘pelos sinais que eu realizo’ (Ex 4,8), os sinais confirmam a origem divina.
59 Em Lc 2,12, o sinal, “o menino na manjedoura”, é uma prova da autenticidade da mensagem dos anjos. Em Mt
26,48: o beijo de Judas, é um sinal para indicar quem deve ser preso. Segundo Lc 21,25; Mt 24,29; Mc 13,24 – as
estrelas indicam acontecimentos astronômicos. São sinais, que tem outro sentido, mas indicam o começo de uma
nova ordem na criação. Em Mt 12,39 e Lc 11,29, o sinal de Jonas que Jesus menciona, se refere à pessoa do mesmo
Jonas. A Jesus, os fariseus pedem uma legitimação da sua autoridade da parte de Deus, por um sinal.
Mt 24,30 apresenta o sinal do Filho do Homem, mas não dá uma explicação. Tem uma característica apocalíptica
que anunciará a Parusia. Lc 2,34 apresenta o sinal da contradição. O mal é, que não reconhecem este sinal como
68
Liturgia I

3.2 Esclarecer conceitos: Sinal, símbolo, imagem, metáfora, alegoria, parábola


A linguagem litúrgica emprega sinais, símbolos e imagens, mas consideramos necessária
alguma elucidação sobre o tema. Por exemplo, para nos aproximar do mundo espiritual dos anjos,
requer-se o uso de símbolos. Assim é como se manifesta no livro do Apocalipse. O homem não é capaz
de compreender uma realidade espiritual, a não ser, por manifestações e sinais sensíveis. O que se vê na
representação do anjo, é uma maneira de adaptação à capacidade inteligível e simbólica do homem. Por
isso é importante clarificar o sentido de tal conceito e os que estão em certa conexão com este.
Cipriano Vagaggini menciona alguns tratados sobre o símbolo em teologia60, e descreve a
problemática com respeito ao ‘sinal, imagem e símbolo’:
Muitas vezes se usam hoje como sinônimos, mas cuidadosamente de modo explícito, a imagem e o
símbolo são espécies particulares de sinais. A imagem é um sinal real […] (por exemplo, um modelo
que se usa para ser pintado). Bastante mais difícil resulta determinar o conceito moderno de símbolo.
Todo símbolo é um sinal, mas nem todos os sinais são símbolos; assim não dizemos que a fumaça seja
símbolo do fogo, mas sinal […]. O símbolo parece indicar hoje para nós um sinal livre, seja real ou de
pura razão, distinto do sinal natural […]. Chamamos símbolos também a muitas coisas feitas por nós
com a intenção precisa de que signifiquem algo: são sinais reais livres 61.

Os conceitos de sinal, imagem, símbolo (aos quais se nomeiam em grego ou latim como o de
eikon, symbolon, mysterion, typos, imago, species, figura, sacramentum) já que todos estão contidos no
conceito geral de sinal, implicam também necessariamente dois aspectos antitéticos (aspecto de
identidade – aspecto distintivo). Em alguns casos se dá mais importância ao aspecto de identidade, e em
outros casos mais ao aspecto da diversidade.
As mudanças do entendimento na história se referem por parte para a importância que se dá a
certos aspectos. Por exemplo, o que na Antiguidade foi visto como real, hoje se pode considerar como
irreal. Antigamente, o símbolo era um mistério e o mistério não se concebia sem o símbolo.
Hoje, com o nome símbolo, entendemos uma coisa distinta da coisa significada. Por exemplo,
se antigamente designaram a Eucaristia como imagem ou figura (símbolo) do corpo de Cristo, hoje não
tem o mesmo significado, mas são duas coisas diversas.
De modo similar a Vagaggini, José Aldazábal apresenta o significado de sinal e símbolo:
O sinal, por si, aponta uma coisa exterior a si mesmo: a fumaça indica a existência do fogo
[…]. O sinal não é o que significa, mas o que nos orienta, de um modo mais ou menos
informativo, para a coisa significada […]. O símbolo é uma linguagem mais carregada de
conotações. Não só nos informa, mas também nos faz entrar em uma dinâmica própria: ele
mesmo ‘é’ já de alguma maneira a realidade que representa62.
O sinal, por si, aponta para uma coisa exterior a si mesmo: a fumaça indica a existência do fogo, e o
semáforo verde nos faz saber que já podemos passar. O sinal não "é" o que significa, mas nos orienta de
modo mais ou menos informativo, para a coisa significada. É uma espécie de "mensagem" que designa
ou representa outra realidade.

O símbolo é um sinal eficaz. Trata-se de uma linguagem mais carregada de conotações. Não só nos
informa, mas também nos faz entrar em uma dinâmica própria: ele mesmo "é", de alguma maneira, a
realidade que representa, introduz-nos numa ordem de coisas à qual ele mesmo pertence.
A ação simbólica produz a seu modo uma comunicação, uma aproximação. Tem poder de mediação,
não só de modo racional, mas envolvendo toda a pessoa humana e o seu ambiente.

sinal de Deus. Significativo é o uso do semeion, em João. Ninguém pode fazer tais sinais, se Deus não está com
ele (3,2).
60
CAMMELOT, T. (1953) Símbolo e simbolismo: Enciclopedia cattolica 11, 611-616; HOCH, L (1937) Zur
Theologie der Christus-ikone: Benediktinische Monatsschrift 19, 375-387; 20 (1938) 32-47; 168-175; DÜRING,
W. (1937) Imago. Ein Beitrag zur Terminologie und Lehre des hl. Johannes von Damaskus, Münster;
KLEINKNECHT, H. () Der griechische Sprachgebrauch von eikon: TWNT II,386ss; RAHNER, H (1952).
Mysterion. Brescia.
61
Exemplo: o sol é símbolo de Jesus Cristo, porque como o sol ilumina, esquenta e dá vida na ordem natural,
assim também Cristo dá vida na ordem sobrenatural” 61. Como símbolo da razão, podemos mencionar por exemplo
o peixe (IXTHUS), que é símbolo de Cristo (funda-se em uma relação real ou suposta entre o símbolo e a coisa
simbolizada).
62
ALDAZÁBAL, J. (2003). Gestos y símbolos, p. 27-28.
69
Liturgia I

O gesto simbólico de dois noivos que entregam o anel de bodas não quer somente "informar"
do amor. É uma linguagem que vale por muitos discursos, e que certamente contém mais
realidade que as palavras e que a vida mesma: dificilmente se chegará a alcançar o grau de
amor e fidelidade que esse gesto profundo expressa. Estes gestos não só informam, mas
também criam comunhão e fazem crescer aqueles mesmos sentimentos que expressam.

"Símbolo", por sua mesma etimologia (sym-ballo, re-unir, pôr juntas duas partes de uma mesma
coisa, que se achavam separadas), indica uma eficácia unitiva, ré-cognitiva (não só cognitiva), de relação
comunicativa. O símbolo estabelece certa identidade afetiva entre a pessoa e uma realidade profunda
que não se chega a alcançar de outra maneira. Isto é particularmente evidente naqueles símbolos que
são identificadores de uma comunidade ou grupo humano, tanto de um partido político como de um
agrupamento religioso ou cultural.
Tudo isto tem particular vigência, quando os cristãos celebram a liturgia. Os gestos litúrgicos,
sobretudo os centrais de cada sacramento, pertencem a esta categoria de gestos simbólicos que criam
sintonia com o mistério que celebramos.
O banho em água, quando se faz no contexto batismal, adquire densidade significativa: as
palavras, as leituras, as orações, a fé dos presentes, dão ao gesto ritual não só uma expressividade
intencional e pedagógica, mas, no fato mesmo do gesto sacramental, converge com eficácia para a ação
de Cristo e de seu Espírito Santo.
O rito não é mágico, que atuaria por si, independente do contexto. Mas tampouco é só um gesto
nominal ou meramente ilustrativo: a ação simbólica é eficaz de um modo que não é nem físico nem
tampouco só metafórico. É simplesmente a eficácia que tem o símbolo. O símbolo reúne e concentra em
si mesmo as realidades. Esses símbolos litúrgicos não só informam catequeticamente pelo que querem
representar. Têm um papel mediador, comunicante, unificador, transformador. As palavras e o gesto da
absolvição levam a sua realidade ao encontro reconciliador entre Deus e o pecador.

O símbolo é classificado, geralmente, sob o conceito genérico de sinal. A respeito da definição


da essência do símbolo, entretanto, não existe um consenso universal. Isto se deve principalmente, a que
o símbolo se utiliza em diferentes disciplinas, não somente na Liturgia.
Nos tempos modernos, foi o conhecido F. W. Schelling que separou agudamente o símbolo, ou
a linguagem dos símbolos, da alegoria e da metafórica, e que lhe atribuiu no contexto das ciências de
religião e da metafísica uma importância crucial.
Os símbolos se utilizam para representar e refletir as características típicas, devido a analogias
de uma semelhança essencial entre o símbolo e o simbolizado. Segundo isto, um símbolo seria uma
representação linguística ou real sobre um assunto religioso invisível, que não se pode captar
imediatamente. Neste sentido podemos dizer que o símbolo, em oposição à alegoria, é necessário. A
representação simbólica, normalmente, realiza-se, usando-se um termo (nome, título, predicado), ou
uma imagem. Esta última pode aparecer na forma de um objeto (natural ou artificial), de uma figura, de
uma pessoa ou de uma ação.
Os símbolos podem também assinalar alguma ação salvífica do passado ou do futuro (tipologia).
O símbolo e o simbolizado não estão relacionados mutuamente (um com o outro) por uma relação
convencional ou arbitrária, mas, deixa-se ver uma relação causal ou analogia na ordem real.
Para distinguir os conceitos de sinal e símbolo, formulamos aqui as noções mais amplamente
compartilhadas. Costuma-se entender por sinal uma realidade sensível que manifesta em si mesma uma
carência e, por isso, remete a outra realidade não presente. É frequente indicar com o termo significante
o mesmo elemento sensível; denomina-se significado a realidade evocada; e dá-se o nome de
significação à relação estabelecida entre ambos, isto é, à capacidade efetiva de que um significante
possa sê-lo para determinadas pessoas; essa capacidade dependerá tanto do próprio elemento sensível
como do código comum aos dois locutores.
Quando falamos de sinal num sentido mais específico, sobretudo já em relação com o símbolo,
entendemos este último como uma realidade sensível que remete a um significado preciso, mas
convencional, mais determinado e mais limitado. Talvez não haja aqui uma relação de comunhão e de
presença entre significante e significado.

70
Liturgia I

Quando falamos de símbolo, somos remetidos a um termo grego de origem militar63. Na história
das religiões, os símbolos ocupam um lugar preeminente, porque são os meios para que o homem viva
em comunicação com o divino, ou, ao menos, com objetos sagrados. O mundo recebe assim uma
abertura ao sagrado64.
No campo religioso, o homem precisa de símbolos, pois só por meio deles pode captar o divino.
O símbolo tem a abertura necessária ao invisível, ao incompreensível, ao infinito (vela e revela).
Costumam-se assinalar quatro propriedades do símbolo:
1) sua capacidade de resistência a toda sistematização;
2) sua redundância ou significado sempre aberto;
3) sua ambivalência prévia a toda interpretação, e
4) sua capacidade de dar sentido à existência humana.
O símbolo não só transmite uma mensagem, tampouco constituindo um simples veículo entre o emissor
e o receptor; na verdade, ele favorece uma relação, provoca uma identidade, uma aliança, comunica a
própria natureza do simbolizado.
No plano do conhecimento, o símbolo realiza duas funções:
- adverte, ou faz dar-se conta da comunicação, para que o receptor ponha-se em sintonia;
- informa, isto é, transmite o conteúdo da mensagem, para que o receptor o receba e o registre.
No plano do operacional, o símbolo realiza também duas funções:
- suscita a união ou comunhão total entre o emissor e o receptor;
- determina a resposta do receptor para determinada direção.
O símbolo quer juntar duas realidades (sym-ballein), o fazer presente a realidade pelo símbolo. O
símbolo litúrgico em certo sentido contém a realidade. Os símbolos não são coisas, mas relações.
José Aldazábal destaca a centralidade de Cristo no uso dos símbolos: “O melhor modelo de
atuação simbólica temos no mesmo Cristo Jesus. Na sua pessoa, ele é a linguagem mais expressiva de
Deus […]. E, também, é Cristo a melhor linguagem da humanidade em sua resposta a Deus”65. Neste
sentido poder-se-ia dizer: Ele é a imagem do Pai, o símbolo do Pai. Jesus é a revelação de Deus, na sua
humanidade temos o símbolo da sua divindade. Na Eucaristia temos o símbolo (presença real) da sua
divindade e humanidade. Assim entendiam os antigos o ‘símbolo’. E isto é muito diferente, se hoje um
protestante falar da Eucaristia como um símbolo, devido à sua compreensão totalmente diferente de
símbolo.

3.2.2 Metáfora - alegoria – parábola66

63
Quando um soldado saía do quartel, quebrava-se uma vara; uma parte era dada àquele que saía e a outra era
guardada pelo porteiro; quando o soldado voltava, colocá-las juntas e comparar ambas as partes da vara,
encaixando-as bem era o que se chamava de símbolo.
64
A expressão bíblica desse fato é a escada de Jacó, pela qual sobem e descem os anjos. Jacó denomina esse
lugar "porta do céu". No Antigo Testamento, "ver o rosto de Deus" quer dizer "estar em comunhão com Deus"; o
próprio Jesus diz: "Quem me vê, vê meu Pai" (Jo 14,9).
65
ALDAZÁBAL, J. (2003). Gestos y símbolos. Centre de Pastoral Litúrgica. Barcelona, 2008, p. 26.
66
A metáfora:
“Metáfora” quer dizer translação (levar através, unir): o significado de uma palavra se emprega em um sentido que
não lhe corresponde inicialmente. Admitiu-se que a metáfora é o resultado de uma comparação anterior que se
apresenta em resumo.
A metáfora é uma comparação abreviada. A metáfora é sempre imagem, mas é uma transposição por comparação
instantânea. Pode-se dizer: a comparação é mais lenta, mais racional, a metáfora, mais rápida, mais intuitiva, é
uma imagem que resulta de uma comparação subentendida. Há comparação, quando se enfrentam dois termos: um
real e outro irreal. Com a metáfora se identifica ou substitui o termo irreal pelo real.
No caso da metáfora, o caráter análogo não é evidente. Por conseguinte, terá que saber de antemão, sobre que coisa
é o significado da metáfora. A característica peculiar da metáfora não está na mediação de ideias, mas na
decoração, para evocar no leitor ou ouvinte um efeito determinado. Em contraste ao símbolo, a metáfora não requer
uma analogia interior.
A alegoria se entende geralmente como uma expressão linguística que expressa outra coisa (a[lla avgore,uei) que
o sentido literal, quer dizer, qualquer representação visual ou poética, que significa algo distinto do que se diz
diretamente. Na retórica se refere a uma série de metáforas: metáfora contínua. A técnica de interpretação, ou o
decifrar da alegoria visual e poeticamente descrita se chama alegoresis. A característica peculiar da alegoria não
71
Liturgia I

Para completar as nossas definições conceituais, oferecemos um breve resumo sobre os


conceitos da metáfora, a alegoria e o símile ou a parábola, tal como se entendem na crítica literária em
geral. Os conceitos mencionados (metáfora, analogia, parábola) são usados para explicar.

3.3 A variedade dos gestos litúrgicos


A maioria das ações simbólicas com que os cristãos expressam a relação com Deus e com a
própria comunidade, são herdadas da revelação ou da tradição mais antiga da Igreja. Mas, à sua vez,
tanto Cristo como a Igreja primitiva, não é que inventassem estes sinais, mas os tiraram da vida mesma
e da linguagem mais acessível e expressiva da humanidade. Não é nada difícil entender o sentido que
pode ter um gesto antigo67, universal e agora recuperado em todos os sacramentos: a imposição das
mãos. É um gesto que indica visualmente, sobretudo no contexto de uma ação sagrada, a transmissão de
um poder, de uma bênção, de uma reconciliação.
Há sinais muito variados em nossa celebração. Alguns estão vinculados ao corpo humano, que
também "fala" e expressa as atitudes mais íntimas; assim, as posturas do corpo (de pé, de joelhos
prostrados) podem contribuir, não só a que se manifeste uma atitude determinada (prontidão, reverência,
humildade), mas a senti-la mais em profundidade; os gestos das mãos (elevadas ao céu, ou golpeando o
peito) chegam muitas vezes onde não chegam as palavras. Também o movimento tem importância:
- as procissões na missa (de entrada, do evangelho, do ofertório, e a marcha comunitária para a
comunhão);
- os traslados (os previstos em um batismo: da entrada da igreja ao lugar onde se escutam as
leituras, daí ao batistério e, finalmente, ao presbitério para rezar o Pai nosso e receber a
bênção;
- as exéquias: a procissão da casa do defunto à igreja, e desta ao cemitério; têm um dinâmico
sentido no conjunto da celebração.
Há outros gestos simbólicos relacionados a coisas materiais, tiradas da natureza, das que nos
servimos para expressar o que nossos olhos, nossas mãos ou nossas palavras não podem expressar. O
banho em água, a unção com azeite, comer com outros pão e vinho são gestos que falam por si só; assim
como outros muitos elementos utilizados nas celebrações com o passar do ano cristão: a luz, as velas, o
fogo, a cinza, o incenso, as imagens, os vestidos e suas cores, os sinos etc. O lugar mesmo da celebração
joga um papel importante: os edifícios da assembleia cristã, o ambão como lugar digno e respeitado da
Palavra de Deus, o altar como símbolo de Cristo e da celebração eucarística, a sede do presidente,
destacada por sua condição de sinal visível de Cristo Cabeça, o sacrário como lugar da presença de Deus
e de adoração.
Outras vezes trata-se de ações com sentido simbólico que realizamos em nossa celebração: o
beijo como saudação, respeito e acolhida (basta recordar a expressividade do ósculo na cruz na sexta-

é para familiarizar-se com os fatos, ou para comunicar informações, mas para interpretar e avaliar os fatos já
conhecidos (por exemplo na Bíblia: Ez 17,12-21; Mt 22,1ss).
A alegoria resulta ser mais compreensível para os iniciados, como uma forma literária ou cultual. A alegoria
sempre adere a certa correlação artificial entre o símbolo e o que representa. Precisamente por isso, a alegoria
nunca pode converter-se em um símbolo66. Neste sentido, distingue-se claramente a alegoria de um símbolo
religioso, da comparação ou da analogia. A alegoria requer um nível intelectual e religioso mais alto (mais
pretensioso), frequentemente com uma tendência à espiritualização e idealização.
Se eu escrever: ‘tinha a pele enrugada como um lagarto’, fiz uma comparação; se disser: ‘sua pele de lagarto’,
utilizei uma metáfora.
A parábola (similitudo) é geralmente uma comparação correta de uma figura da linguagem simbólica. Duas coisas
(eventos, imagens), que são similares entre si, comparam-se, enquanto o que é mais familiar deve ilustrar o
desconhecido. A maioria das vezes não se menciona o tertium comparationis para estimular o ouvinte ou o leitor
a entrar no pensamento do autor. Alegoria e parábola diferem na medida em que a primeira descreve um estado
universal e típico, ou um processo periódico, enquanto a segunda representa um evento único e muito emocionante,
seja fictício ou real. Mediante a parábola pode-se conhecer um aspecto mais geral através do conhecido por
ilustração. O caráter ilustrativo é provavelmente algo do mais próprio da parábola. O sentido visual e imaginativo
não se deduz das palavras, mas dos fatos, aos quais aludem as palavras. Aqui, o simbolismo não atua
necessariamente pela natureza, mas por causa da função heurística, que deve iluminar a mensagem real.
67
Todos entendem o que significa e realiza o banho em água, a comida ou bebida em comum, ou os benefícios
da unção-massagem com azeite.
72
Liturgia I

feira santa), lavar os pés na quinta-feira santa como sinal de uma autoridade entendida como serviço, o
abraço da paz antes de aproximar-nos à comunhão, a fração do pão, o incensar o altar, as imagens ou as
pessoas, o acender as velas dos fiéis e do Círio pascal, símbolo de Cristo, colocar um vestido novo nos
recém-batizados ou nos religiosos em sua profissão, o abraço da paz que o bispo dá aos confirmados ou
aos ordenados.

Orden do concílio
O documento sobre liturgia, Sacrosanctum Concilium, afirmava que "nesta reforma é necessário
ordenar os textos e ritos de tal modo que expressem com maior clareza as coisas santas que significam
e, na medida do possível, que o povo cristão possa perceber facilmente e participar da celebração plena
e ativa, própria da comunidade" (SC 21). "Os ritos devem resplandecer com beleza e nobre
simplicidade, ser claros por sua brevidade e evitar as repetições inúteis. Devem adaptar-se à capacidade
dos fiéis e, em geral, não devem precisar de muitas explicações" (SC 34).
A Igreja escolheu os sinais de nossas celebrações e continua a utilizá-los depois das sucessivas
revisões que se dão na história da liturgia e escolhidos dentre os que mais facilmente são compreendidos
pela comunidade, adaptados à cultura de cada povo. Em geral, a reforma procurou, acima de tudo, a
autenticidade nos gestos e sinais: que sejam verdadeiros e não fictícios.

Distinguem-se as seguintes categorias de gestos litúrgicos:


1.° Os gestos sacramentais: a) a imposição das mãos. b) O sinal da cruz etc. realizam o sacramento.
2.° Os gestos da prece: a) a prece em pé com os braços estendidos e elevados. b) A prece dirigida
para o oriente e com os olhos para o céu. c) A prece de joelhos, d) a prece com as mãos juntas.
3.° O gesto do ofertório: a elevação.
4.° Os gestos da penitência: a) A genuflexão e prostração. b) Os golpes de peito. c) A inclinação.
5.° O gesto da saudação e da fraternidade: o beijo litúrgico.
6.° Os gestos de reverência: a) a inclinação e a genuflexão. b) A incensação. c) As luzes.
7.° Os gestos da comodidade: a) o sentar-se. b) a ablução das mãos. c) O ajudar ao celebrante. d)
O dar e o receber.
8.° As procissões.

Duas classes de linguagem: a palavra e o gesto


A primeira se dirige aos ouvidos; o segundo, aos olhos. Junto com as fórmulas, temos o expressivo
movimento do corpo humano, a categoria dos gestos litúrgicos.
* Formas rituais, que quase pode dizer-se que são a expressão mímica inata das mesmas, como o
estender as mãos para pedir alguma coisa.
* Gestos por: necessidade de pôr em relevo a importância de um texto litúrgico. A fórmula neste
caso sugeriu o gesto. Vários exemplos deles temos na missa. O inclinar-se ao supplices te
rogamus; ao tomar o cálice ao accipíens et hunc praeclarum calicem [...] benzer com o sinal da
cruz = comentário mímico posterior.
Outros são gestos que criaram a fórmula (depois): primeiro foram introduzidos somente os gestos68,
vem mais tarde a ser sublinhado com uma fórmula ilustrativa. Os gestos litúrgicos foram adotados para
expressar sentimentos.

Catequese e iniciação nos gestos clássicos


Os gestos, nos detalhes, podem variar de acordo com os diferentes âmbitos culturais, mas nas
suas formas essenciais fazem parte da cultura da fé, que se formou na base do culto; eles ultrapassam,
portanto, enquanto comum linguagem expressiva, cada um dos âmbitos culturais.
Não queremos propor novos gestos simbólicos nem convidar para a criatividade. O prioritário
não é precisamente trocá-los. Esta é uma tarefa nobre, difícil e às vezes necessária, que oficialmente a
Igreja deve realizar, como fez ao longo dos séculos com admirável imaginação: criar, com um detido
estudo, uma linguagem de sinais e símbolos adequada à cultura e sensibilidade das várias igrejas locais.
O nosso objetivo é entender o sentido dos símbolos já existentes, gestos e sinais que são hoje
usados na liturgia e que herdamos de gerações passadas. Continua sendo linguagem válida, porque os

68
O beijo, por exemplo, que, conforme a rubrica do OR I (n.8), dá o celebrante no altar no começo da missa, não
vai acompanhado de nenhuma prece. Ao pôr o incenso, se faz o sinal da cruz ‘sem dizer nada’.
73
Liturgia I

demonstrados que não eram, já foram suprimidos. Os gestos simbólicos que temos com o passar do ano
ou na celebração sacramental têm uma grande força expressiva.
O fato de que sejam "tradição" não deveria criar nenhum complexo de pobreza ou de falta de
originalidade. Todo símbolo comunitário tem essencialmente raízes de tradição: precisamente identifica
o grupo humano ou religioso. Em nosso caso, são gestos simbólicos que procedem da Revelação e que
foram escolhidos por Cristo ou pela primeira comunidade. Os símbolos não se trocam como a camisa.
São herdados e bastante estáveis.
O Cardeal Ratzinger lembra (ibid. p. 91): “No fundo, o iconoclasmo apoia-se numa teologia de
apófase simplista, a qual conhece apenas o ‘totalmente-diferente’ de Deus, que se encontra além de todo
o imaginável e de todas as palavras [...]. Deus encontra-se além de todo o pensamento e, por conseguinte,
tanto as exposições sobre Ele como todas as formas da sua imagem, são ora válidas, ora inválidas. Essa
aparente humildade perante Deus transforma-se consequentemente em soberba, capaz de privar Deus
de qualquer palavra.”

Se os gestos que fizermos na liturgia não "funcionam" como desejaríamos, não é porque sejam antigos,
mas por outras causas: ou porque não se apresentaram bem ou porque se realizam insuficientemente.
Terá que iniciar os cristãos, jovens e adultos, nesses gestos simbólicos e sua linguagem; ou seja,
ajudá-los a entender e a praticá-los, a entrar em sua dinâmica; para isso é necessário dar tempo à
catequese, no momento oportuno, a partir do sentido humano e também do sentido bíblico que tem tal
ação ou gesto ou elemento; entender em profundidade um símbolo é favorecer a própria identidade, a
comunhão com os valores essenciais.
Uma reconciliação com os símbolos passa, sobretudo, por uma reforma mental dos ministros,
que tomam consciência de que os sinais litúrgicos não se fazem de modo rotineiro, mas levam consigo
uma carga de pedagogia e expressividade humana, embora seu último fim seja a comunhão interior com
o mistério celebrado. Os gestos simbólicos bem feitos não se conformam com a "validez", mas apontam
para uma expressão da fé e do mistério de salvação que acontece. São sinais não só disciplinarmente
suficientes, mas também "expressivos" do que querem significar.

O valor educativo dos sinais


Em cada celebração sacramental, além das palavras que expressam o mistério celebrado, têm
um valor educativo inegável os gestos simbólicos que realizamos. Eles nos ajudam, se os fizermos
esforço para entender e sintonizar melhor com o que cada sacramento significa e realiza. Igualmente se
empobrece a celebração se não se ouvirem ou não se entenderem as palavras, também se perde grande
parte de expressividade se os gestos não forem claros e comunicativos. Se um bispo, ao impor as mãos
sobre a cabeça dos confirmandos ou sobre os que se ordenam presbíteros, o faz com solenidade, com
uma expressiva lentidão, faz todos "verem", pelo mesmo gesto ritual, o mistério que acontece no
sacramento. O gesto vale por todo um discurso catequético.
Naturalmente, a Igreja mantém, desde o começo e em caráter universal, os sinais centrais de
cada sacramento: o banho em água etc. que se faça com autenticidade e expressividade. Igualmente os
gestos que podem considerar-se complementares ou explicativos do mistério de cada sacramento: como
acontece no batismo com o vestido novo, o círio aceso ou o "efetá" nos ouvidos e na boca.
Já estava também incluída no concílio a alusão ao que mais tarde se chamou claramente
inculturação e se motivou e regulamentou com oportunos documentos. A linguagem, tanto verbal como
não verbal, deve ser entendida pela comunidade que celebra. Deve ser objeto de discernimento e
adaptação por parte, sobretudo, das Conferências dos bispos, para ajudar a colocar ao alcance dos fiéis
o mistério celebrado. É nos sinais complementares -assim como na arte e no canto- que cabe maior
margem de adaptação à própria cultura: por exemplo, na celebração do batismo, do matrimônio, das
exéquias, ou na seleção das cores, vestidos ou das posturas corporais e gestos da celebração.

J. Aldazabal (Gestos e símbolo) defende e se pronuncia a favor do uso “de sinais mais expressivos”. A
liturgia teria que distinguir-se também por uma linguagem expressiva, não só de ideias e palavras e
cantos, mas também do não verbal. Escreve por exemplo sobre o batismo, unção e Eucaristia:

O do Batismo é o primeiro exemplo de um sinal que corre perigo de desvirtuar-se, porque o


fazemos mal. O sinal do Batismo não é a água. Com a água se poderiam fazer muitas coisas:
beber, dar de beber, regar, limpar. O sinal humano que desde o começo foi eleito para
74
Liturgia I

significar o que acontece no Batismo cristão é o banho em água: inundar-se, atravessar, entrar
e sair. A imersão, com preferência à infusão. O banho em água -e não só umas gotas que
tocam a cabeça- quer indicar uma purificação e renovação total, um voltar a nascer para uma
vida nova. Se fizermos o gesto com autenticidade, poderemos entender mais facilmente a
teologia de Paulo sobre o batismo como imersão com Cristo na morte e ressurreição com ele
à vida nova. Por isso o Ritual do Batismo põe como gesto originário o da imersão na água,
embora o outro -o da infusão de água sobre a cabeça- não o exclua de todo [...], enquanto as
palavras vão expressando o mistério da imersão batismal em Cristo.

Unção-massagem que impregna e fortalece


“Outro sinal sacramental que estilizamos até o extremo em nossa prática é o da unção: a unção do
Batismo sobre os meninos, ou da Confirmação sobre os adolescentes, ou da Unção sobre os
doentes, ou da Ordenação sobre os novos presbíteros [...].
O protótipo destas unções é a "massagem" que realizamos com o azeite e seus derivados -na
medida do possível, perfumados- sobre nossa pele. Usamos continuamente esta unção massagem como
prática curativa e esportiva, como preservação e cuidado da pele, como frescor e perfume. Pois bem, a
unção quer expressar, no sacramento, a doação do Espírito sobre essas pessoas. O Espírito, igual ao
azeite sobre a pele, impregna, suaviza, dá força, mantém o bom aroma da vida nova. Mas é uma
pedagogia que não tem muito ponto de apoio se o gesto for tão pobre, tímido e quase com vergonha
como estamos acostumados a fazer.

O pão e o vinho da Eucaristia


Finalmente, em nosso sacramento central, temos dois sinais que humanamente têm um valor
inegável: comer pão com outros e beber vinho com outros.
O novo missal indicou claramente, com respeito ao pão, que "a natureza mesma do sinal exige
que a matéria da celebração eucarística apareça verdadeiramente como alimento" (IGMR 321).
Por sua consistência e cor, embora siga sendo pão ázimo, sem fermentar, o pão da Eucaristia
deveria tender a ser mais claramente pão.
Além disso, deveríamos seguir o convite de usar normalmente as formas grandes, porque a "fração
do pão" é um dos sinais visuais mais expressivos de tudo o que a Eucaristia nos quer comunicar:
"o gesto da fração do pão manifestará melhor a força do sinal da unidade de todos em um só pão
e da caridade, pelo fato de que um só pão se distribui entre irmãos" (IGMR 321).
E, do mesmo modo, a recomendação de que -desde Pio XII- se consagra em cada missa o pão que
se vai receber na comunhão: "de ordinário em qualquer celebração eucarística consagre-se para a
comunhão dos fiéis pão recentemente elaborado" (Ritual da Sagrada Comunhão e do Culto, n.
13). "É muito de desejar que os fiéis, como o mesmo sacerdote tem que fazer, participem do Corpo
do Senhor com pão consagrado nessa mesma missa" (IGMR 85). Com respeito à comunhão sob
as duas espécies- na Eucaristia é recomendável e se deve promover, prévia e oportuna catequese":
catequese que se apoia em que, bebendo também o Vinho, se participa mais plena e
expressivamente da Morte sacrifical de Cristo, assim como na alegria da Nova Aliança.”

Avaliação:
A isto respondemos, que é importante seguir os princípios anteriormente mencionados. Estamos
de acordo, e certamente é importante celebrar com maior expressividade e dignidade, mas a liturgia é,
em primeiro lugar, culto a Deus. A celebração, em primeiro lugar, é um acontecimento sacramental, o
aspecto exterior não é o mais importante. Deve-se evitar cair numa teatralidade e num falso realismo.
Os efeitos catequéticos são efeitos secundários e não a primeira finalidade da liturgia. A catequese se
deve fazer antes. Convém fazer uma explicação antes e apresentar tais gestos durante a catequese. Seria
contra o princípio da hierarquia, ou contra o princípio da discrição, que antes podem distrair as pessoas,
em vez de levá-los ao mistério da celebração, porque estamos dando mais valor a um aspecto exterior
do sinal que realmente ao mistério. O que recebo na comunhão não é pão, mas é o corpo de Cristo,
portanto não é o mais importante a forma exterior do pão para compreender o sacramento. Importante
seguir à Tradição da Igreja, como recorda também a Redemptionis sacramentum:
n. 9: quanto aos sinais visíveis "que a Sagrada Liturgia está usando para descrever as coisas
invisíveis de Deus", eles são selecionados "por Cristo ou pela Igreja". [21] As estruturas e formas das
cerimônias sagradas - de acordo com a tradição de cada rito do Oriente e do Ocidente – concordam com

75
Liturgia I

a Igreja universal, em que tudo que diz respeito à tradição apostólica e constante costumes geralmente
aceitos [22], que deve passar para as futuras gerações da Igreja com fidelidade e cuidado. Tudo isto é
protegido e preservado pelas normas litúrgicas.
n. 10: Consequentemente, o uso de textos e ritos não aprovados leva a que o vínculo necessário
entre a lex orandi e a lex credendi seja enfraquecido ou perdido [26].
n. 11: Ações arbitrárias não são realmente uma renovação efetiva, [29], mas uma violação do
direito dos fiéis a um ato litúrgico, a expressão da vida da Igreja, de acordo com sua tradição e disciplina.

3.3.2 A obra de PHOTINA RECH, Inbild des Kosmos


O símbolo como realidade e linguagem cósmicas
Apresentamos aqui resumidamente alguns pensamentos da autora sobre o símbolo:
Há duas dimensões no mundo da ciência: ciência natural, estudo das leis físicas; a outra é a
ciência simbólica: estudo do sentido das coisas, com uma visão religiosa. O cosmos está cheio de
símbolos. Procuramos uma chave para isto, para encontrar o Deus desconhecido.
Jesus Cristo é o símbolo original que liga o Divino com todo o universo. Ele é a chave e modelo
para todos os símbolos. O símbolo significa juntar duas realidades, é como a chave que abre a porta para
o mundo invisível. O Credo chama-se ‘símbolo da fé’, porque contém todas as verdades da fé de modo
resumido.
Jesus é a imagem original do cosmos, ‘tudo foi criado por ele’. O desenho do Universo está
inscrito no Logos desde toda a eternidade. Jesus é a imagem, o ícone do PAI, símbolo do Pai: “Quem
me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). Aqui há uma identidade total. O Logos nunca esteve separado da Trindade.
Tudo que é caduco é como uma “imagem” (parábola), diz Goethe por intuição. Pelo símbolo se
reconhece aquilo que é invisível e eterno. O fundo do visível (imagem) é o invisível. Tudo o que sai de
Deus se torna visível, assume o caráter da imagem. O símbolo nos liga com o invisível. Diz santo Irineu:
“em Deus nada é vazio, tudo o que se manifesta é símbolo”, tudo tem significado.
No início estava o Logos – o símbolo original (symbolum symbolorum). O Logos revela a riqueza
do seu Nome inefável, floresce uma multiplicidade de nomes simbólicos:
EU SOU […] o pão da vida (Jo 6,35. 48), […] o pão vivo (Jo 6,51), a luz do mundo (Jo 8,12),
a porta (Jo 10,7. 9), o bom pastor (Jo 10,11. 14), o caminho (Jo 14, 6), a verdadeira vide (Jo 15,1. 5), a
raiz [...] e a estrela da manhã. A causa e o fim, [...] aquele que é, que era e que virá (Ap 1,8), o primeiro
e o último (Ap 1, 17; 22, 13), o Alfa e o Ômega (Ap 1, 8; 22, 13), a ressureição e a vida (Jo 11,25),
estarei convosco até o fim dos tempos (Mt 28, 2o), estou no Pai — vós estais em mim e eu em vós (Jo
14, 20).
Santo Ambrósio: “Cristo é a súmula do universo. O símbolo anuncia a Obra da Salvação. O AT
nos fala do Messias, todo o cosmos foi criado por Cristo; Cristo está impregnado no cosmos como
imagem eterna. A criação anuncia o Logos, terminando a obra de seis dias: está consumado!
Cf. Col 1,15 [...] a estrutura do cosmos já prefigura a cruz. Depois da Encarnação realiza-se a
união com Cristo, a presença de Cristo santifica o universo. Mergulha, batiza em Cristo. Não se pode
tirar Cristo da estrutura do cosmos. O céu e a terra estão cheios da sua glória.
A criação já prefigura a imagem da Igreja e da salvação. O homem tem parte em toda estrutura
do cosmos, ele mesmo é um microcosmos com todas as partes. Temos algo de tudo, dos elementos, do
espírito, dos sentimentos.
Significado do símbolo: em todo símbolo se juntam a revelação e ocultamento. O que está
ocultando é a imagem original. O Santíssimo precisa do ocultamento, porque não somos capazes de ver
Deus. A natureza oculta a Deus.
Agora, se o símbolo une duas realidades, o que acontece? É um encontro do profano com o
sacro, é uma ligação do homem com a santidade. Uma penetração de duas esferas. Também há um
simbolismo profano entre duas realidades profanas. Mas no simbolismo religioso está a manifestação
do sacro através do profano.
Jesus explicita: ‘eu e o Pai somos um’. Esta união com as criaturas se realiza no símbolo.
As criaturas são transparentes para esta divina presença. Mas a transparência inclui também uma
reverente distância. A contemplação não se agarra ao divino, somente aquele que é livre das coisas é
capaz de abraçá-lo. Os antropomorfismos de Deus no AT são como prefiguras do acontecimento da
encarnação, símbolos do corpóreo de Deus. O simbolismo no NT é destinado para todas as culturas e
para todos os tempos. Também na liturgia, o simbolismo é universal e não depende duma cultura.

76
Liturgia I

O nosso tempo está cheio de conhecimentos, mas o símbolo pode enriquecer muito, porque
fornece intuições, aquilo que a pura razão não pode captar. O mistério não se pode definir. Definição
significa limitação, marcar os limites. O símbolo entra no infinito, o conceito nunca é capaz de incluir
toda a plenitude, somente ver de diferentes lados e aspetos.

3.4 Os cinco sentidos na liturgia


Isto não é um convite a "pôr os cinco sentidos", com atenção e esmero, na liturgia, mas a celebrar
uma liturgia em que os cinco sentidos tenham seu papel. Normalmente pomos um especial cuidado
referente ao ouvido: a proclamação da Palavra, os cantos, o silêncio, as orações. O auditivo tem grande
importância e, sobretudo depois da reforma. Mas teríamos que atender do mesmo modo ao visual de
nossa celebração, à estética do lugar, à expressividade das posturas e gestos, à pedagogia dos objetos,
imagens e cores.
Também o tato tem seu papel na liturgia: o contato com a água batismal, a unção, o receber a
comunhão, o impor as mãos sobre o que se benze ou se consagra, o abraçar-se ou dar a mão no gesto da
paz. O olfato teve também tradicionalmente seu valor pedagógico na ambientação da liturgia. O perfume
do incenso, o bom aroma da crisma ou dos óleos que se empregam nas várias unções, assim como o das
flores com que se adorna o altar ou o lugar da celebração, produz uma sensação de agrado e expressa a
avaliação que sentimos para o que estamos celebrando. E finalmente o gosto tem seu relevo
precisamente no sacramento central: Cristo quis dar-se como pão para ser comido e veio para ser bebido.
Em nossa ação litúrgica entra totalmente, pois, a corporeidade, não são só as palavras e as ideias.
Naturalmente os sinais externos não são o principal: mas tampouco se pode descuidar. O concílio definiu
a liturgia como "o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo": aí está a chave fundamental e profunda.
Mas, em seguida, acrescentou que nesta liturgia "os sinais sensíveis significam e realizam" o mesmo
que o sacerdócio de Cristo quer atualizar cada vez: a santificação do homem e a glorificação de Deus
(SC 7).
Façamos a seguinte divisão para a explicação dos gestos:
I. os cinco sentidos; II. o cósmico como símbolo; III. a linguagem do corpo;
IV. ações simbólicas; V. o lugar da celebração; VI. utensílios sagrados, vestes e insígnias
sagrados; VII. os livros litúrgicos.

3.4.1 O QUE SE REFERE AOS CINCO SENTIDOS:


- estamos atentos pelo ouvido (palavra, canto);
- pela vista: a estética, a pedagogia de objetos, imagens, cores [...];
- pelo tocar: contato com a água, a unção, o abraço;
- pelo olfato (cheiro): o incenso, o cheiro bom do perfume do crisma e das flores
- pelo saborear: a Eucaristia.

3.4.2 O uso da palavra proclamada na Liturgia - (ouvir)


O desígnio de Deus consiste na comunicação de si mesmo, não tanto de suas ideias, mas da
própria vida. Jesus Cristo é a plenitude da revelação do Pai. Ele fala as palavras de Deus e consuma a
obra da salvação que lhe foi confiada. A liturgia, palavra e sinal sacramental, expressa o mistério da
salvação. Na ação litúrgica, Deus fala a seu povo, Cristo prossegue anunciando o Evangelho (SC 7).
A Palavra de Deus não é simples informação. Ela realiza o que significa e transforma a situação
de seus ouvintes. A Palavra de Deus é uma palavra ativa, eficaz e criadora e reveladora.
A palavra de Deus se torna alimento. A leitura proclamada é como o semear da palavra. Como
a semente que cai em terra boa, assim a palavra pode cair num coração fecundo. Por isso, deve-se
preparar a leitura, deve-se ler de uma maneira que a leitura seja transmitida compreensivelmente, porque
é Cristo que nos fala.
O povo de Israel cultivou os textos sagrados com um esmero especial. Entoou-os com maestria
e os interpretou com arte. No culto, o texto sagrado devia receber uma atenção particular. Para o povo
judeu, a palavra proclamada na assembleia era sinal da presença do Senhor e expressão do diálogo com
Ele. Portanto, o texto sagrado da Bíblia não chegou a nós como um tema de erudição, mas por meio da
celebração. A liturgia foi o berço de preservação do texto sagrado.
Para conseguir essa primazia, o concílio enfatizou de maneira especial a "liturgia da Palavra".
"Nas celebrações sagradas, deve haver leituras da Sagrada Escritura mais abundantes, mais variadas,

77
Liturgia I

mais apropriadas [...] Devem-se fomentar as celebrações sagradas da Palavra de Deus" (SC 35,4). "Que
os cristãos [...] sejam instruídos com a Palavra de Deus" (SC 48). De igual modo, ele a define como a
mesa em que se alimentam os fiéis: “Para que a mesa da Palavra de Deus seja preparada com mais
abundância para os fiéis, devem-se abrir com maior amplitude os tesouros da Bíblia, de modo que, em
determinado período de anos, sejam lidas ao povo as partes mais significativas da Sagrada Escritura”
(SC 51).
A fé cristã só é possível mediante a comunicação. Ela brota do diálogo entre Deus e a pessoa. É
resposta à comunicação divina. Deus, em sua comunicação com seu povo, em Jesus Cristo, não faz
senão revelar seu próprio ser, sua natureza, desejando que as pessoas sejam em tudo sua "imagem e
semelhança" (Gn 1,26). A vida de Deus, presente em Jesus Cristo, comunica-se na história concreta das
pessoas, numa linguagem viva, e expressa-se por meio das mediações da comunicação humana.
A Palavra de Deus nunca é mera palavra vazia, oca, que o tempo esquece, como acontece tantas
vezes com a palavra humana. A Palavra de Deus é uma realidade dinâmica, uma força que torna
presentes os desígnios de Deus. Ele a envia como "palavra vivificadora": "Enviou sua palavra para curá-
los, para livrá-los de cair no túmulo" (Sl 107,20). E está alerta para que ela produza seus frutos: "Viste
bem; da mesma maneira, estou eu atento para que se cumpra minha palavra" (Jr 1,12). A palavra sempre
realiza o que anuncia, pois, "Acaso não faz Deus o que diz? Acaso não cumpre o que anuncia?" (Nm
23,19).
A interdependência entre Palavra de Deus e liturgia é essencial à vivência cristã e à ação
memorial do mistério pascal. Se, por um lado, a Sagrada Escritura desempenha uma função específica
na liturgia, esta, por sua vez, desempenha um papel de fundamental importância na atualização do fato
anunciado pela Palavra de Deus. A proclamação que a Igreja faz na ação litúrgica confere à Palavra
inspirada atualidade e eficácia. Ela constitui uma intervenção atualizada de Deus em favor da salvação
das pessoas reunidas em assembleia. A Palavra proclamada na ação litúrgica torna-se mais eficaz:
- quanto mais Cristo estiver presente no ato de sua proclamação;
- quanto mais o conteúdo da mensagem implicar sua ação salvífica;
- quanto mais o leitor estiver compenetrado em sua função.

Palavra e sinal sacramental


Na liturgia cristã, há uma íntima reciprocidade entre a Palavra de Deus e a ação sacramental.
Uma reciprocidade já evidente na ordem evangelizadora aos discípulos: "Vão por todo o mundo e
proclamem a Boa Nova a toda criatura. Aquele que crer e for batizado se salvará" (Mc 16,15; cf. Mt
28,19; Lc 24,27-31). Mais ainda, a ação litúrgica sacramental concentra em si palavra e ação, anúncio e
testemunho, proclamação e expressão simbólica. A ação sacramental (ou sacramento) é palavra, pois
também é memorial do mistério pascal do Senhor e anuncia a tríplice dimensão do mistério de Cristo.
Ele veio e habitou entre nós (Jo 1,14), virá um dia cercado de glória e vem constantemente mediante a
ação celebrativa (SC 7).

CELAM II, ibid. p. 163:


A ação equilibrada entre "palavra e sinal" pressupõe superar falsas compreensões, tais como:
- conceder à palavra um papel ilustrativo, preparatório e exortativo, e ao sinal uma função eficaz e
transformadora;
- afirmar que toda a eficácia do sacramento vem da palavra, enquanto sinal exterior exerce uma
mera função pedagógica;
- resolver a relação entre palavra e sinal (ação sacramental) a partir de uma concepção dissociativa
e mecanicista, desejando ver os aspectos aos quais são atribuídos maior dinamismo e eficácia."
Muitas são as explicações acerca da relação entre a palavra proclamada e a ação litúrgico-
sacramental." O Vaticano II afirma que elas (DV 21), palavra e ação sacramental, não são "duas
mesas separadas". Mais ainda, uma conduz à outra.
Quanto à assembleia dos fiéis, a Palavra de Deus exige dela:
- uma fé viva, alimentada pela escuta da própria palavra proclamada;
- uma escuta disponível e alegre;
- uma disposição de mudar de vida (adesão e conversão);
- uma participação ativa;
- e um amor e aprofundamento das Sagradas Escrituras.

78
Liturgia I

Dessa forma, por meio da Palavra de Deus escutada e meditada, a assembleia dos fiéis pode dar uma
resposta plena de fé, esperança, amor, oração e entrega de si mesma, não só durante a celebração, mas
também no decorrer de toda a vida cristã.

3.5. A palavra, que é também um sinal, se divide segundo o tipo (palavra proclamada ou cantada):

3.5.0 As fórmulas dos sacramentos

3.5.1 A oração do celebrante (na pessoa de Cristo e no nome do povo)


Ele ora em nome de toda a comunidade, não só dos presentes, mas em nome de todo povo de
Deus. A oração mais importante do celebrante é o cânone na missa, que revela a liturgia trinitária:
dirigida ao Pai, in persona Christi, na força do Espírito Santo.

3.5.2 Leituras (Deus fala a seu povo) (cf. Martimort, p. 127-133)


DV 8: Deus mantém o diálogo com sua esposa a Igreja, o Espírito Santo está guiando o povo. Nos ritos
orientais se encontram quatro até seis leituras. No Ocidente geralmente se uso somente duas leituras. Já
na sinagoga se conheceu a ‘lectio continua’, especialmente nos livros da lei de Moisés. A Igreja
bizantina escolhe as leituras somente do NT. A partir do Vaticano II, na Igreja romana, começou-se usar
mais textos do AT na liturgia (textos escolhidos): divisão em três ciclos dominicais e dois ciclos feriais.

3.5.3 A homilia
SC 35: Em todas as celebrações litúrgicas pode-se fazer uma homilia.
Cf. DV 24, can. 767,1. Prefere-se fazer uma catequese mistagógica sobre o mistério da celebração.

3.5.4 Os cantos (resposta do povo)


Como Cristo trouxe o hino que ecoa nas moradas celestes para a terra (o amor à Santíssima
Trindade), assim a Igreja participa deste hino. O canto é expressão da comunhão cristã (cf. Martimort,
p. 134-140). O canto une os homens aos anjos (cf. Ap 14,2-3: uma voz e muitos cantavam).
Efeito da música: é como um exorcismo (Davi que cantou para Saul), é a plenitude do Espírito (cf. Ef
5,19: cantai com salmos, hinos e cânticos espirituais).

3.5.5 A oração dos fiéis (resposta do povo) (cf. Martimort, p. 141-144)


SC 33: Quando a Igreja ora, cresce a fé dos participantes. Distinguimos várias formas de oração:
Segundo 1Tm 2,1: pedir, adoração, invocação, ação de graças.
O sacerdote convida o povo para a oração. O Espírito vem em nossa ajuda (Rm 8,26).

3.5.6 Escutar: ouvir, silêncio


Silêncio sagrado - para participar ativamente. Silêncio significa escutar, é um gesto da nossa fé
interior.
Ouve, ó Israel (Dt 6,4), na presença de Deus. O escutar nos educa [...] ouvir a Palavra de Deus, a oração
eucarística favorece a união espiritual com o celebrante, é uma atitude positiva, ativa, humilde. O
orgulhoso não escuta, porque ele já sabe tudo.

3.5.7 O silêncio, em face ao mistério, significa: não é ficar mudo, é uma viagem para dentro de si, um
gesto simbólico diante do mistério. Isto produz a atividade do Espírito, é a alma de cada oração, e
significa abertura para Deus. Quem sabe como se manter em silêncio, para ele tudo fala, tudo é
eloquente, o mistério se torna acessível, do ‘eu’ passa para o ‘nós’. Temos muitas palavras na celebração,
mas o silêncio estimula para a sinceridade. A palavra nasce no silêncio, hoje sofremos a inflação de
palavras. Só quem sabe escutar é capaz de dizer palavras importantes. Aprende-se a dizer palavras com
o coração (unidade interna).
Durante seu nascimento: quando houve um profundo silêncio, a tua palavra desceu do céu (Sb 18,14).
O silêncio significa algo: no silêncio das criaturas o Verbo se fez carne. No silêncio, a palavra deve
entrar mais profundamente nos corações. Diante de Pilatos e na cruz, Jesus ficou em silêncio. Não é um
ficar mudo (não falar), mas revela o amor mais profundo do salvador, é um ato meditativo.

79
Liturgia I

A liturgia mesma é caracterizada como submetida à contemplação. No Apocalipse encontramos


momentos de silêncio antes de uma grande ação. São Paulo obriga as mulheres a guardarem silêncio na
liturgia […] (convida à contemplação).
As mulheres não recebem um ministério litúrgico, mas devem guardar a palavra e meditá-la no coração.
O silêncio é para a contemplação.
Na celebração:
- sexta-feira santa: entrada silenciosa e prostração, um sinal da contrição da Igreja;
- o bispo durante a imposição das mãos na ordenação;
- o silêncio antes do ato penitencial – para fazer um exame de consciência;
- o silêncio antes da oração coleta introduz a concentração;
- depois do Evangelho ou homilia: para meditar.
- depois da Comunhão: para um diálogo de interiorização [...];
- Ambiente de calma, espera, descanso.
As consequências práticas:
Precisamos promover a sintonia com o mistério celebrado. O ouvido é o sentido mais
bombardeado na liturgia. Na Misa se indica quatro momentos, mas também em outros momentos como
no ofertório convêm o silêncio, não procurar a criatividade excessiva. Não se trata de fazer um silêncio
muito demorado, para não criar vazios de silêncio, a liturgia não é o momento de oração pessoal, mas
se deve valorizar a missa em silêncio. Não faça comentários desnecessários, para obter um clima de paz,
evitar as correrias e a pressa. Evite música agressiva. O presidente deve dar a impressão de ser penetrado
pelo silêncio, não folhear o livro, não olhar no relógio, não faça coisas diferentes, não fazer coisas que
pode fazer depois [...] harmonia entre a palavra certa, o gesto, movimento e o silêncio [...]. Fala Senhor
o teu servo escuta!

3.5.8 O som sagrado


Para a visão do AT, todo o cosmos é como um único corpo musical, que de alguma forma faz
soar o louvor a Deus. O sol, a lua, todas as criaturas, as montanhas [...] participam, como nos falam os
salmos.
Nos “hinos de Salomão”, um documento do século II d.C., o compositor se compara a uma harpa [...]
que canta o cântico de amor.
São Clemente de Alexandria também comparou Cristo a um cantor mítico. Ele venceu os demônios e
faz com que a criação novamente chegue a cantar. Assim devemos imaginar a liturgia, como uma
grande orquestra, coros de milhões de cantores, um espetáculo de superlativos.

3.6 Os olhos que observam


Olhos: para olhar e ver. Os objetos são: imagens, luz, gestos expressivos, enfeites, cores.
Olhar para comunicar-se: os olhos são as janelas da pessoa, o acesso à privacidade. Não há nada no
"intelecto que não estava antes nos sentidos. O sentido mais nobre é a vista.
Os olhos são o espelho dos nossos sentimentos [,..] ‘o olho é a lâmpada do corpo’ (Mt 6,22) [...].
Os olhos de Jesus: Jesus olhou para a multidão, olhando para os apóstolos com um olhar profundo.
Jesus viu com capacidade de admiração profunda [...]. Ergueu os olhos [...] olhares de afeto (certa
linguagem de Jesus). A Liturgia visual ajuda a capturar a dinâmica do mistério celebrado.
Evite a tentação: a liturgia não é uma visão [...], mas participação; é preciso aprofundar, em
harmonia, não ver as coisas, mas olhar para o mistério e obter uma visão de fé.

1 O símbolo da luz
A luz é um dos símbolos mais importantes. A luz do sol marca o ritmo do tempo. Os israelitas
mantinham no átrio do templo o fogo perpétuo (Lv 6,6) sobre o altar do holocausto e no interior do
santuário. A luz simboliza Deus que é luz (1Jo 1,5), santidade, majestade e fonte de vida.
A vigília pascal é um jogo de luz. A vela é o símbolo de Cristo. A noite é iluminada por Cristo.
A igreja é como a virgem prudente, que vai ao encontro do noivo com lâmpadas acesas. A páscoa é Alfa
e Ômega, o início e até que todos os sinais indiquem a passagem pascal da morte para a vida. Durante
50 dias, a luz do círio, é como um grande dia de comemoração.

80
Liturgia I

O círio pascal é o símbolo litúrgico mais precioso. Feito do trabalho da abelha, é novo cada
ano.
- Significa a coluna de fogo do povo de Israel, a presença de Deus no meio do povo,
- para nós é símbolo do Cristo ressuscitado, nasceu na vigília pascal, a mãe de todas as
vigílias,
- é o símbolo que leva as cinco chagas do Senhor vitorioso, junto com a cruz,
- é símbolo da paz do ressuscitado, indica sua presença no meio dos discípulos,
- indica a ‘apateia’ a tranquilidade interior da alma, a paz que o monge leva em sí,
- a obra da redenção é consumada, indica a luz da soberania que nada pode apagar
(mantém-se acesa);
- usado no tempo pascal, na celebração do sacramento do batismo, nas exéquias,
- leva o símbolo do ano, une o tempo à eternidade,
- é o símbolo como uma janela que deixa ver o mundo invisível.

A luz é celebrada também:


- 2 de fevereiro, candelária, festa de luz: faz um último eco ao ciclo do natal, a criança deve ser luz e
revelação para os gentios (nações) como, canta Simeão.
- O batismo faz eco à páscoa, imerso em Cristo, na sua ressurreição. É entregue a luz [...] iluminada
por Cristo, para que viva como filho da luz (símbolo da graça). O batismo significa iluminação.
- Nas exéquias: coloca-se a luz do círio pascal. Ele começou sua jornada para a luz gloriosa de Cristo e
o fim [...] até agora para a luz eterna. Acende-se com o rito de entrada.
- Na Eucaristia: as velas. Trata-se de acompanhar a entrada do bispo, a procissão se move com os
castiçais e vamos para o altar. É um sinal de reverência ou de alegre celebração.
- Na leitura do Evangelho: para dar à palavra de Cristo uma especial importância.
- A lâmpada na tenda no AT; agora a luz vermelha do sacrário indica a presença permanente de Cristo,
chama para a oração (candelabro de sete braços).
- Adoração eucarística: quatro velas.
Em todas as celebrações, porque é importante: a Liturgia das horas é o conteúdo de louvor entre o dia
e a noite, o símbolo solar de Cristo, luz noturna para as vésperas (uso do rito ‘lucernário’ na igreja
oriental),
- velha saudação: a paz com a luz. Consagração com a luz acesa. Cristo, é a verdadeira luz: Deus
habita numa luz inacessível [...] o reino da luz.
Filhos da luz: a luz é um símbolo da vida, vendo a luz caminhamos na verdade, a falta da luz, as
trevas indicam a mentira, pela luz a comunidade espera a chegada do noivo.
- Devemos ser uma luz para os outros (Luz do mundo) para que eles operem.
- Aquele que ama o seu irmão - está na luz.
A luz é símbolo da vida, símbolo do amor, o cristão - testemunha.

2 As Imagens
Vivemos numa época da imagem (meios de comunicação). Não adoramos as imagens, são para
ajudar a entrar no mistério cristão (usa-se imagem de Jesus, da Virgem e dos santos).
a) A proibição no AT (“Não farás imagem para ídolo” Ex 20,4-5) foi por causa do perigo da
idolatria, adorando os símbolos, que se tornaram algo absoluto, não um meio, mas o fim de sua adoração.
Essa proibição era uma medida de proteção contra a idolatria.
b) Século VII-VIII: os iconoclastas (klasis = quebrar, romper). Também foi uma reação contra
o perigo de absoluta importância para a imagem. Os iconoclastas eram fanáticos com vontade de
destruir. Após as polêmicas, o Concílio de Nicéia II (787) apresenta defesas legítimas: a contemplação
da imagem provoca o desejo de tributar a saudação de honra e adoração, não para a imagem, mas para
o original. A imagem é um símbolo como o livro do Evangelho. Ver a imagem que significa referência
à pessoa representada.
c) Os protestantes do século XVI falaram do ‘abuso popular da idolatria’. Os reformadores
deram definitivamente o lugar de honra à palavra proclamada e acolhida, evitando qualquer semelhança
pela mediação da imagem. O Concílio de Trento esclarece: deve-se pagar tributo à imagem e à honra
devida ao culto, porque se refere aos originais, o que eles representam.

81
Liturgia I

A igreja usa as imagens na adoração. É a síntese em si mesma da encarnação de Cristo, a Palavra


de Deus, mas também a imagem visível do Deus invisível. Desde os primeiros tempos, os cristãos
abandonaram a proibição das imagens judaicas. Com os afrescos nas catacumbas e nas grandes basílicas,
a Igreja teve a arte como uma linguagem eficaz para a adoração (mosaicos, pinturas, decoração,
fachadas, esculturas etc.). A decoração é uma linguagem muito eloquente. A imagem nos guia
pedagogicamente para aquilo que celebramos, o mistério, e para a mesma pessoa que ela representa.
O poder comunicativo das imagens: a linguagem visual é expressiva e eficaz. Não só nos lembra
da existência de Cristo, não apenas traz informações sobre suas características, mas cria intimidade. A
presença de um mediador, nos leva à comunhão. Convida-nos a uma atitude de resposta pessoal com a
pessoa, conduzindo à celebração do mistério cristão. Introduz-nos à dinâmica do "diálogo. As imagens,
as palavras e a música não se excluem mutuamente, mas se complementam. A arte leva certo ministério
sacramental, e comunica a fé.
No Concílio Vaticano II (cf. LG, SC 125 e 50) se reafirmou a recomendação:
- O número das imagens não deve ser excessivo [...] para não desviar a atenção.
- Uma só imagem de um mesmo santo na igreja [...] (não exagerar).
- Hierarquia das imagens: centralidade de Cristo, porque Ele é a imagem por excelência.
- Qualidade artística: a confiança da capacidade criativa dos artistas! O lugar da celebração cristã não
é um museu de arte! Devem-se evitar figuras incompreensíveis, abstrusas, mesmo que sejam de valor
artístico, que não cumprem sua missão de alimentar a fé e conduzir a uma celebração mais consciente.
O papa Pio XII fala que a arte não só deve ser estética, mas buscar o bem espiritual da
comunidade. Hoje tem-se um novo entendimento: a comunidade, a simplicidade, não muito sentimental
nem marcial. Por exemplo, na arte bizantina se nota a serenidade, dignidade; prevalece o triunfo e não
o drama. Um crucifixo deve mostrar a serenidade e a soberania de Cristo, apesar da presença da dor.
Não é verdade que as imagens são a escrita dos analfabetos, são ideias para iluminar a fé.
Advento e Natal são ricos de imagens: coroa do Advento, a virgem Maria, o presépio, a árvore de natal.

3 As cores
As cores são mais universais e expressivas. Na Antiguidade puseram as cores em relação aos
planetas. Cores da bandeira nacional, cores dos semáforos [...] todo mundo entende. Algumas cores
inspiram alegria, outras tristeza (luto). Na celebração as cores têm uma dupla finalidade: - sintonizar-se
e aprofundar-se no mistério celebrado. Para expressar o mistério da fé pelas cores.

Significado das cores Uso litúrgico das cores


IGMR 346. “Quanto à cor das vestes sagradas, mantenha-
se o uso tradicional, isto é:
A) O branco é alegre, limpo a) Usa-se a cor branca nos ofícios e missas do tempo
(pureza), indica a festa e a pascal e do natal do Senhor. Além disso: nas celebrações
luz (ressurreição - anjo do Senhor, exceto as da paixão, nas celebrações da bem-
branco), contém todas as aventurada virgem Maria, dos anjos, dos santos não
cores. sempre foi muito mártires, nas solenidades de todos os santos (1o de
elegante para a celebração novembro), de são João Baptista (24 de junho), nas festas
das festas. de são João Evangelista (27 de dezembro), da cadeira de
B) O vermelho – amor, são Pedro (22 de fevereiro) e da conversão de são Paulo
sacrifício, martírio (fogo e (25 de janeiro).
sangue). b) Usa-se a cor vermelha no domingo da paixão (ou de
C) O verde – esperança, ramos) e na sexta-feira da semana santa, no domingo de
equilíbrio ecológico, paz, Pentecostes, nas celebrações da paixão do Senhor, nas
serenidade. festas natalícias dos apóstolos e evangelistas e nas
D) O roxo: a penitência, a celebrações dos santos mártires.
discrição. c) Usa-se a cor verde nos ofícios e missas do tempo
E) O preto: indica o luto – comum.
opcional para o funeral; é a d) Usa-se a cor roxa no tempo do advento e da quaresma.
negação de cor, mas também Pode usar-se também nos ofícios e missas de defuntos.

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Liturgia I

tem uma nobreza. (uso para e) A cor preta pode usar-se, onde for costume, nas missas
advento e quaresma na Idade de defuntos.
Média). f) A cor de rosa pode usar-se, onde for costume, nos
F) O rosa: no domingo de domingos gaudete (III do Advento) e laetare (IV da
alegria, metade do período quaresma).
do advento e quaresma.
G) O celeste: Imaculada (na
Espanha).

A Igreja usa as cores litúrgicas da seguinte maneira:


As Conferências Episcopais podem, no que se refere às cores litúrgicas, determinar e propor à
Sé Apostólica as adaptações que entenderem mais conformes com as necessidades e a mentalidade dos
povos.
Nos dias mais solenes, paramentos mais preciosos podem ser utilizados, embora não seja da cor
do dia (por exemplo: dourado ou amarelo).
A pedagogia da variedade tem um sentido para a vida cristã. Os mistérios se experimentam pelas
leituras, orações, canções [...] mas a cor é expressiva, simples e eficaz. As temporadas e a história
também mostram as mudanças no uso das cores.
- Por exemplo, no funeral: se você quer expressar a entrada para um mundo alegre, pode-se usar o branco
e celebrar a Missa de exéquias como Missa de ressureição.
- Há cores mais agressivas, outras mais suaves.

4 O tocar é importante
Usamos os cinco sentidos. O corpo comunica e cria sentimentos. O tocar com as mãos, os
dedos, incluem uma linguagem do tocar:

Sentido bíblico Uso nos sacramentos:


- Jesus toca os doentes (Mt 9,20 - Batismo: a cruz na testa, unção, efetá [...].
.29; Mc 5,27; Lc 7,14; etc.) - Confirmação, ordenação: imposição das mãos,
abraços e ósculo.
- Eucaristia: beijar o livro, altar.
- Penitência: imposição das mãos.
- Casamento: juntar (dar) as mãos, abraçar, beijar.

Os gestos de Jesus: tocou aqueles a quem desejou comunicar a força ou cura. O gesto tem um
significado, a mão de Deus que cura. O contato físico é uma linguagem (a mulher que tocou o manto
de Jesus). O tocar exprime também a comunicação da graça.
Existe também a proibição de tocar (Arca da aliança).
Mas a salvação de Deus alcança e nos toca. O contato físico significa acima de tudo, a presença e a
implementação de Deus. Jesus ensinou os gestos. A liturgia fala pelos símbolos, o movimento, a
abundância de gestos, com a proximidade, imagens, música, para mostrar a presença ativa de Deus; de
mãos dadas no Pai Nosso [...] mas deve-se chegar em um nível interno.

5 O cheiro – olfato: (cf.: uso do incenso, perfume)


6 O saborear – alimento (Eucaristia)

II. O CÓSMICO COMO SÍMBOLO: elementos naturais

7 Água
A água purifica, alimenta e refresca (potável, irrigação, limpeza ...): símbolo usado
universalmente (no rio Ganges pelos hindus, no rio Jordão), significa o perdão dos pecados, limpeza
ou santidade interior. Lv 11-16: prescrevem-se abluções, Ez 36,25: ‘Eu espalharei água pura [...] irá
purificar-vos de todas as vossas impurezas’, faz referência ao batismo cristão, sinal de perdão dos
83
Liturgia I

pecados.
b) Na água de inundação (é instrumento de punição), símbolo da morte (na passagem do Mar
vermelho),
c) no batismo, o mergulhar, um sinal de participação na morte e ressurreição de Cristo (batismo -
submersível). O banho do batismo, indica a purificação, mas importante é a imersão com Cristo na sua
morte e ressurreição.

Uso profano Uso bíblico Uso litúrgico


Água: sacia a sede, limpa, Sacia a sede, Moisés da rocha a) Sacramento do batismo, na
purifica, refresca, mata. (Ex 17), o Salmo 41: Como o vigília pascal: todos
- É uma fonte de vida para os veado anseia, então a minha comemoram seu batismo;
campos, a fonte de energia alma [...]. Água é de 12,3 b) aspersão (missa, rito
hidráulica [...] dá vida à terra. desenhar: com alegria a fonte penitencial, bênção).
Não somente para uso prático da salvação. c) Água benta: lembrar-se do
(beber), mas também o seu Cristo fala da água viva: o batismo, ou preparar-se para a
sentido de purificação. Antes diálogo com a samaritana [...] oração,
de mais nada, a água é fonte de de não ter mais sede, d) abençoar a casa, bênçãos
fertilidade. Nas proximidades Jo 7,37: rios de água viva e) a dedicação da igreja,
do Rio Jordão, do lago fluirão de dentro dele [...]. aspergir o povo como um sinal
Genesaré e do Nilo encontra-se Apocalipse: as fontes de água do batismo.
terra frutífera. Os grandes rios fonte de vida [...] (7,17), de f) Unção dos enfermos
regam a terra (cf. Gn 2,10-14). vida (21,6), o Espírito Santo g) a celebração do funeral: o
Deus faz que nasçam as fontes (Jo 7,39); caráter pascal.
de águas e chuva dos Sangue e água na cruz, nascido
firmamentos dos céus. (Salmo de novo da água e do Espírito.
103 (104), 10-13). Onde se Símbolo da vida e da morte: Ez
encontra seca, há deserto e 47,9 torrente [...] Reviver toda
morte, enquanto água implica a a vida nova, através do Espírito
vida. Santo (Jo 3,5).

Considerava-se a força ameaçadora das águas quando estas se juntavam e flagelavam a terra
(Sl 106 (107), 25-27). As águas primordiais, sobre as quais a face da terra repousava, segundo a antiga
visão do mundo, foram consideradas como forças nefastas que ameaçavam a vida e precisavam ser
formadas e domadas pelo Espírito de Deus.
Águas estagnadas foram consideradas o lugar onde residiam forças demoníacas e negativas. Por
isso, se preferiam "águas vivas" para o batismo. Tal conceito está atrás da fórmula do exorcismo da
água a partir dos inícios do século III.
Na vida cotidiana, a água servia para a purificação, restaurando à condição original de pureza
aquilo que estava sujo. Como o estado de pureza é fundamental antes de um encontro com uma
divindade, uma lavagem com água era um antigo rito de preparação em todas as religiões para a
oração e adoração. Como é óbvio este sentido será aprofundado no Cristianismo.
Na celebração da Eucaristia, junta-se um pouco de água ao vinho no ofertório de todas as liturgias
do Ocidente e do Oriente, com a exceção da Igreja armênia e das ordenações litúrgicas reformadas,
mas é no batismo e no uso de água benta que o elemento água adquirirá o sentido teológico mais rico.
No batismo, a água tira o pecado, enquanto o ser mergulhado na água e ser emerso da água
representa o nosso morrer com Cristo e união com sua ressurreição (cf. Rm 6,3-5).
A água benta se asperge nas casas como elemento purificador e protetor contra o mal. Assim
chegou a ser usada como água lustral (misturada com sal, a partir do século VI) para exorcizar e
purificar os diversos lugares. A aspersão dominical parece ter sua origem na lustração dos lugares
regulares monásticos. Este costume foi assumido no missal atual, mas acentua um sentido mais
profundo, invocando a sua relação com o batismo.

8 O elemento do fogo
"Todas as nações fizeram uso da luz no exercício do culto.
Bíblico Litúrgico

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Liturgia I

Os persas - No Monte Sinai, o Senhor está num fogo (Ex - Na vigília pascal: o triunfo da
adoravam o 19,18). É um símbolo que expressa a força luz sobre as trevas, da vida
fogo e a luz. Os renovadora do Espírito. sobre a morte. [...] que as festas
gregos e os - Os sacrifícios do AT são queimados. da páscoa acendam em nós o
romanos - Os israelitas mantinham no átrio do templo desejo do céu.
conservaram-na de Jerusalém o fogo perpétuo (Lv 6,6) sobre o - Presente na lâmpada acesa do
nos seus altar do holocausto e no interior do santuário. tabernáculo.
templos. - Na tenda e diante do Senhor Deus ardia uma - Dedicação do altar –
chama perpétua de óleo virgem (cf. Ex 27,20; iluminação do altar. O fogo
Lv 24,2-4; 1Sm 3,3), nos sete braços do indica o Espírito na epiclese.
candelabro de ouro (cf. Ex 25,31-40); - A cremação [...]
- Elias desafiou os falsos profetas: caiu fogo O fogo divino é símbolo do
do céu; amor divino [...].
- batismo de fogo;
- as chamas de fogo de Pentecostes (At 2,1).
- No Apocalipse as sete lâmpadas de fogo, o
anjo do fogo.

1) Os primeiros cristãos empregavam a luz: a) por necessidade, por quanto o serviço divino se
celebrava de noite ou nas catacumbas; b) por razões estéticas: a profusão da luz dá à festa mais realce,
iluminando e enfeitando; c) por razões simbólicas: a luz simboliza Deus na sua essência, que «é luz»
(1Jo 1,5), santidade, majestade e fonte de vida; o Deus incarnado «a verdadeira luz» (Jo 1,9), a sua
presença real na missa e na exposição do Santíssimo; a sua presença santificadora no canto solene do
evangelho, na administração dos sacramentais, na liturgia do coro; a sua presença glorificadora na
veneração dos santos e no rito do enterro: «clarifique-os na eterna luz»"
Na liturgia, joga-se muito com o simbolismo da luz, pois ela oferece uma expressão muito
profunda do próprio Cristo, luz do mundo e sol da justiça.
O fogo: pode expressar o amor, ódio, vida etc. Na liturgia significa: purificação pelo fogo
fogo pode expressar a presença invisível da divindade [...], sentimentos humanos, as paixões, o amor,
o ódio, a entusiasmo, o fanatismo, adoração, calor familiar, ilumina a vida [...] uma festa.
- O juízo de Deus pode ser como um fogo (Sodoma), símbolo de castigo.
No NT - fogo é uma expressão de castigo escatológico [...]. Jesus veio trazer fogo sobre a terra,
é para ser batizado com fogo (paixão), o batismo de fogo expressa o entusiasmo, a mobilidade, a
radiação, calor, purificação (como o ouro é purificado no forno), renovação [...].
Vela acesa no círio pascal e entregue ao batizado e a seus pais e padrinhos, como sinal de sua
"iluminação" (ver Cristo, luz do mundo, perceber o sentido da vida, abandonar a cegueira) (RBC 18,3;
RICA 226);
"Iluminação" da igreja (RDBO 16d e 69-71) e do altar (RDBO 22d e 54-56), em sua dedicação: -
velas acesas em quase todas as celebrações, sinal de alegria e de festa, que exprimem a fé, a devoção, a
vigilância da comunidade e simbolizam a vida nova da ressurreição. São colocadas acima ou ao lado
do altar, levadas em procissão de entrada e na procissão do ambão para a proclamação do Evangelho.
Conservam-se acesas diante dos ícones e imagens sagradas e também junto aos defuntos, nos velórios
e exéquias, assim como nos túmulos. - Na consagração de virgens, a consagrada acende sua vela ou
lâmpada ao ser chamada depois da proclamação do Evangelho (RCV 13), como sinal da vigilância
vivida na espera do Noivo-Esposo (cf. Mt 25,1ss).
- Procissões com velas na festa da apresentação do Senhor no templo (2 de fevereiro), com o
cântico de Simeão: "Luz para iluminar as nações e glória de teu povo, Israel".
- De acordo com o costume judeu, em algumas comunidades acende-se para as festas a
"menorah", candelabro de sete braços que recordam os olhos do Senhor que percorrem toda a terra (cf.
Zc 4,2-5.10); - Bênção de velas para a devoção.

9 O elemento do ar
(Vento, brisa, sopro, respiração): indica a força do Espírito de DEUS.
O ar é um Na Bíblia, o Espírito - Na liturgia: - ao soprar, expulsamos os espíritos
dos quatro ‘ruah’, o sopro de malignos com a força do Espírito (sopro) de Deus: o

85
Liturgia I

elementos DEUS movia-se sobre as RICA prevê no rito introdutório ao catecumenato (78-79),
cósmicos. águas (Gn 2,7). O ‘ruah’ a possibilidade de um exorcismo em que o celebrante
Sem renova a face da terra. sopra suavemente no rosto do candidato ao batismo,
oxigênio - Deus falou a Elias no dizendo: "Expulsa, Senhor, pelo sopro de nossa boca, os
não monte Horeb numa brisa espíritos malignos: ordena que eles se afastem, porque
podemos suave. chegou teu Reino".
viver. - Na manhã da páscoa o - Na missa do crisma na quinta-feira santa, o bispo sopra
Respirar é Ressuscitado transmite o na boca do recipiente com o óleo perfumado. Ao soprar,
sinónimo Espírito Santo aos evocamos a graça e a presença do Espírito Santo de Deus:
de viver. discípulos, soprando na missa dos santos óleos (RDBO, apêndice 25).
sobre eles (Jo 20,22). - No antigo rito da bênção da água na vigília pascal, o
- No dia de Pentecostes, presidente da celebração soprava três vezes sobre a água
se escuta um vento durante a oração consecratória, indicando a ação do
impetuoso (At 2,2). Espírito Santo, que vivifica e santifica as águas batismais.

10 Terra (barro, argila, pó, cinzas, chão)


- Nas exéquias: uma celebração litúrgica acompanha o enterro ou a cremação
de um cadáver. O próprio túmulo recebe uma bênção e, assim como ocorre
no corpo, pode-se aspergir água benta e incensar. Um último conjunto de
oração acompanha a descida do corpo à terra (RE 53-57, 71-76). Completa-
se o ciclo: o corpo, moldado por Deus a partir do pó da terra (Gn 2), volta a
ela (RE 72).

Na liturgia (uso e sentido simbólico-sacramental)


A terra é a última morada, antes da ressurreição dos mortos. Em alguns lugares, os familiares e
amigos jogam um punhado de terra sobre o caixão dentro da sepultura, como última despedida.
Bênção e imposição das cinzas no começo da quaresma (quarta-feira de cinzas): ao aceitar a
imposição das cinzas, expressamos duas realidades fundamentais:
1) somos criaturas mortais e tomando consciência de nossa fragilidade, do inevitável fim de
nossa existência terrena, nos ajuda a avaliar melhor o rumo que damos à nossa vida: "Lembra-te de que
és pó e de que ao pó voltarás";
2) somos chamados a converter-nos ao Evangelho de Jesus e à sua proposta do Reino, mudando
nossa maneira de ver, pensar e agir. Muitas comunidades sem sacerdote assumiram esse rito significativo
como abertura da quaresma anual, realizando-o numa celebração da Palavra.
- O gesto de João Paulo II de beijar o chão do país onde ia fazer uma visita pastoral.

11 As cinzas
As cinzas são vistas e empregadas em diversos sentidos. Um primeiro sentido visava as cinzas
enquanto produto de um processo de queimar, vendo nisso a força purificativa do fogo. Por isso se
tomavam as cinzas para finalidades de purificação e de expiação (Nm 19, 9. 17ss; Hb 9, 13). Contendo
as cinzas elementos cáusticos purificadores, simboliza o efeito purificador da penitência e da dor.
As cinzas são fogo apagado, o que restou de uma vida. Sinal de fragilidade e transitoriedade,
sobretudo da vida humana. Sinal de luto. Sinal de humildade de quem reconhece seus erros e deseja
mudar de vida; sinal de penitência e conversão.
Por causa da sua semelhança com o pó da terra, as cinzas representam a fragilidade humana, a
inconsistência da vida e susceptibilidade à morte. Assim o homem na angústia da morte se coloca em
cinzas (Jó 2,8). O pecador deita-se em cinzas, confessando assim que ele se afastou de Deus, da fonte
de vida e quer voltar para Ele (cf. Jonas 3,6). As cinzas lembram que o homem volta às cinzas e à
terra, tornando-o humilde.
As cinzas exprimem também uma esperança na ressurreição, porque depois de a terra ser
consumida pelo fogo, espera-se a chegada de novos céus e uma nova terra (cf. 1Pe 3,10-13).
Nos primeiros séculos, se fez a penitência quaresmal com a confissão pública. Também as cinzas
foram colocadas sobre a cabeça.
Primeiro se faz a celebração da Palavra de Deus (mesmo fora da missa). Duas fórmulas: memento (Gn
3,15) e arrependimento (Mc 1,1), lembrando a origem do "homem ou a atitude interior de conversão a

86
Liturgia I

Cristo.
Poeira e cinzas são os homens (Sir 17,32) [...] isso deve encher-nos de humildade. As cinzas são feitas
das palmeiras do ano passado (domingo de ramos, - um sinal de vitória e da vida reduzida a cinzas).
Um exercício de humildade.
Queremos nos libertar no caminho para a páscoa. Símbolo da Bíblia: 1Sm 4,12 Eli, Saul; 2Sm 1,2;
Mordecai, Est 4,1; Josué; Gn 7,6 etc; Nínive, Jonas 3,5-6.
É um gesto de súplica intensa: Judith (Jt 9,1); [...] 2Mac 10,25-26, incluindo a intensificação da
oração.
Comemoração da morte, mas também um começo para a vida nova da ressurreição. É como um grão
de trigo que morre para a vida nova. É um símbolo de nossa participação na Cruz de Cristo, obtenha
para nós o perdão dos pecados e a vida renovada.
No início as cinzas, no final a água, também fogo (luz e vida).
Dicas práticas:
a) para iniciar a celebração da quaresma, para o passamento de Cristo [...];
b) um gesto discreto e autêntico, uma transição para uma nova vida [...],
c) exige que o primeiro sacerdote (ato de humildade)
d) poderá alternar entre as duas fórmulas
e) preparar – impor;
f) fazer as cinzas com o papel dos nossos pecados, ou dos ramos do domingo de ramos anterior,
g) tem a ver com terra.

12 O Incenso
Apesar dos precedentes bíblicos, a Igreja do Ocidente esperou muito tempo para adotar o
incenso na liturgia, talvez porque tal gesto tivesse ressonâncias com os ídolos do paganismo reinante à
sua volta. Certamente o Oriente não tinha essas desagradáveis lembranças: em Jerusalém, no final do
século IV, ao longo da vigília dominical, no Santo Sepulcro foram introduzidos "queima-perfumes" no
momento que se ia ler o evangelho da Ressurreição. Verdadeiras incensações são atestadas pelo pseudo-
Dionisio em regiões da Síria onde posteriormente ganharão muita importância.
Em Roma, o incenso e os "queima-perfumes" foram amplamente usados no culto funerário, em que
este costume era tradicionalmente admitido. Nas basílicas, posteriormente, servia-se de "queima-
perfumes" estáveis, com um pedestal, ao mesmo tempo para purificar o ar e honrar os lugares, ou então
suspensos por correntes diante de relíquias e ícones. Finalmente nos Ordines romanos dos séculos VII
e VIII, o cortejo em honra do papa e do Evangelho comportava, com os sete ‘cereostatas’, (portadores
dos círios) um thyntiatuateriunt carregado por um subdiácono. Trata-se de um recipiente sobre o qual
se queimavam perfumes, sem dúvida afeito à etiqueta imperial. No Ordo Romano V, usa-se o termo
thuribulaunt conforme a terminologia galicana. O mesmo Ordo incorpora ao ofertório da missa um rito
de oferenda de incenso já atestado por Amalário como prática francesa, sem dúvida inspirada no ritual
galicano da dedicação.

O incenso é uma Na Bíblia: O incenso era A liturgia dá importância a todos os


resina aromática empregado no ritual judaico sentidos. Usamos flores frescas para
destilada em como símbolo bastante perfume, óleo perfumado e, também,
lágrimas por uma expressivo da oração (Sl 140, 2). incenso (sentido do bom odor).
árvore da família No Templo, no Santo dos Santos, - A coluna de incenso, brancas nuvens
das terebintáceas havia um altar de ouro, onde [...]. É um gesto de oferta. Tem
(boswellia serrata). todas as manhãs e tardes se significado de expiação (cf. a revolta de
Pode-se dizer que queimava incenso aromático em Coré).
todo o mundo, pelo sacrifício de louvor (cf. Ex 30,1- O incenso vem do Oriente Médio, Egito,
menos culto, 10. 34-38; 37,25-29). No templo Israel, no Templo de Jerusalém (o
conhecia o incenso do Céu, na visão do Apocalipse, incenso de especiarias aromáticas [...]
para uso doméstico o mesmo rito continua se com treze perfumes diferentes (cf. Ex
e religioso. realizando. Neste caso são as 30). A oferta de incenso acompanhado
preces dos santos que são pela oferta dos fiéis [...] Lv 2,1; Is 60,6,
oferecidas (Ap 8,3-5; cf. Ap 5,8). [...] oferta dos Magos).

87
Liturgia I

Utilizado no culto pagã para os imperadores [...] depois do quarto século começou a entrar em uso na
Igreja do ocidente. Quem incensa? Em princípio: somente o sacerdote pode oferecer o `sacrifício de
incenso’.
- Leva-se o incenso na procissão de entrada, altar, evangelho, ofertório, elevação etc. O incenso pode
ter diversos significados:
- pela procissão mostra-se um tom festivo da celebração (o bom perfume dos fiéis).
- Evangelho - como honra e respeito para quem fala.
- Ofertório: sentido oblativo:
- incenso para o celebrante, os sacerdotes e o povo como sinal de respeito,
- O culto eucarístico prescreve o uso de 'incenso: exposição, benção eucarística (sentido de adoração).
- Na dedicação das igrejas (altar), a liturgia das horas (laudes e vésperas), etc.
Significado:
- Ambiente agradável e solene, manifesta respeito e elegância,
- Atitude de oração (Sl 140,2, Ap 5,8).
- Atitude de oferendas e sacrifícios.
- O incenso é um sinal exterior de uma oferta interior, tem o objetivo de transformar a oração em
oferta.
Segundo Tb 8,2-3, pode-se pensar também em um efeito exorcista.

13 As flores
As flores são sinal da fragilidade da vida: Sl 103,15; Is 40,6. Mas também são da felicidade e
da santidade: Sl 72,7; Nm 17,17-23; Edo 39,13ss; Tg 1,10; Mt 6,28ss. Na tradução dos LXX da Vulgata,
em lugar de um broto, nasce uma flor da raiz de Jessé (Is 11,1). No Cântico dos Cânticos (2,1-2), as
flores exprimem o amor esponsal que une a comunidade eleita com seu Senhor.
O uso das flores não é explicitamente previsto nos livros litúrgicos, menos no rito da dedicação
de uma igreja e do altar. Mas quando há referência a “ornamentos”, podemos interpretar como uma
possibilidade implícita.
Durante a quaresma fica proibido colocar flores no altar (cf. IGMR 305). No advento o altar
deve ser enfeitado com flores, mas com moderação. As flores são expressão de devoção, de festa e de
alegria.
As flores estão presentes tanto nos momentos felizes como nos dolorosos, na vida pessoal e
familiar (nascimentos, aniversários, casamentos, festas familiares, velórios etc.). São usados como
enfeites, como presentes, expressão de apreço, de consideração, carinho etc.
As flores são usadas como enfeites, mas também como presentes, expressão de apreço, de
consideração, carinho, amor e saudade. Elas dizem mais do que muitas palavras. Conseguem despertar
e exprimir sentimentos tão profundos e tão diversos como alegria, satisfação, felicidade, alívio,
admiração, gratidão, carinho, prazer, amor, vida, esperança, sofrimento, solidariedade, desejo de
continuar juntos até à morte e para além dela. Tocam o coração, a mente e até o inconsciente.
As flores têm qualidades terapêuticas, quando aplicadas em banhos, compressas, bálsamos,
pomadas ou essências florais.
Em algumas festas, faz-se chuva de pétalas de rosas e outras flores. Colocam-se flores nas
tumbas, nas catacumbas eram pintadas para evocar o jardim florido do paraíso, os triunfadores são
homenageados com flores.

14 O óleo
Bíblia Liturgia
Na cultura Usava-se para nutrir-se (cf. 1 Reis 17, No uso litúrgico, se distinguem
mediterrânea da 12), reforçar-se (Sl 104 (103), 15) e hoje três tipos de óleo: o óleo dos
antiguidade, se curar-se (Lc 10, 34; Mc 6, 13) e ainda enfermos (oleum infermorum), o
considerava o óleo, como material para iluminar as óleo dos catecúmenos (oleum
tirado da oliveira, lâmpadas (Ex 27, 20). Ungia-se antes e catechumenórum) e o santo
muito importante, depois de tomar banho como crisma (sanctum oleum ou
servindo para tratamento de pele (Dn 13,17). Chrisma).
diversas finalidades

88
Liturgia I

salutares; é - Era sinal de fertilidade (cf. Sl 127 - Os cristãos apreciam muito o


considerado um dom (128),3. óleo na liturgia cristã por causa
precioso do céu. No Os reis foram ungidos com óleo da sua força curativa. Como os
esporte e na luta, se em Israel. Assim o caso de Saul (1 Sm apóstolos (Mc 6, 13), também os
usava o óleo para 10, 1), Davi (1 Sm 16,13) e Salomão presbíteros devem rezar sobre os
fortalecer o corpo e (1 Rs 1, 39). Pela unção o Espírito de enfermos e os ungir com óleo
fazê-lo liso. Ungiam- Deus estava neles (1 Sam 10, 6ss; 16, (Tiago 5, 14). Hipólito, na sua
se os que tinham 13). obra Traditio Apostolica , fala de
febre para alívio e - O Antigo Testamento faz referência óleo que os fiéis traziam e
para curar as feridas. também a unções que conferiam o ofereciam. Esse foi bento pelo
Considerava-se que o poder sacerdotal (Aarão e seus filhos: celebrante e entregue aos fiéis
óleo possuía uma Ex 30, 22-33; Lv 8, 10-12, 30). para usar em casa em casos de
virtude muito forte, Enquanto outros autorizavam o serviço doença, mas não se tratava ainda
como maneira de profético (1 Rs 19, 16). A unção com do óleo dos enfermos que ia ser
transmitir a plenitude óleo simboliza a união com a plenitude usado pelos sacerdotes em épocas
de vida. e força da vida divina e é precisamente sucessivas. Mas aí encontramos
por isso que, no Judaísmo no tempo de já os indícios dessa praxe.
Jesus, o esperado Salvador de Deus, se
indicava como o "Cristo", o "ungido
do Senhor".

- Alimento para manter acesas as lâmpadas (10 virgens) [...].


O óleo era e é um elemento evocativo. Ele tem uma história e simbologia muito rica. É interessante
que esse rito de ungir os reis era sem paralelo no Oriente e permaneceu como ação significativa
durante todo o período dos reis, como está exemplificado no Salmo 44 (45), 8.
De fato, a unção com o óleo santo simboliza a unção com o Espírito Santo de Deus (cf. Is
61,1ss; Lc 4,18). Ele faz de nós criaturas novas, destinadas a continuar a missão de Jesus, o Cristo-
Messias, o Ungido do Senhor Deus.

15 A Sal

No seu uso A força purificativa do sal se via Juntar sal à água lustral pretende
natural, o sal no AT na preparação das reforçar a ideia da força purificadora da
retém ainda oferendas (Lv 2,13) e no água. Assim se pode justificar a referência a
hoje um saneamento das águas de Jericó Eliseu em 2Rs 2,19ss.
significado de (cf. 2Re 2,2). Na antiguidade, Na liturgia cristã atual, o uso de sal é
purificação, de crianças recém-nascidas eram facultativo nos ritos de preparação para o
impedir o untadas com sal (cf. Ez 16,4) batismo e na preparação da benção da água.
apodrecimento enquanto na Idade Média O costume de colocar sal na boca dos
de alimentos e mordidas foram desinfetadas catecúmenos foi talvez um símbolo para
de condimento. com sal. Como condimento, o conservar os bons costumes e a integridade
sal, normalmente junto com pão, da pessoa, mas o sentido próprio deste rito
era oferecido ao convidado. era como um pequeno exorcismo, livrando o
- Sal da terra [...] que tenhais sal catecúmeno da podridão do pecado e dos
dentro de vós [...]. malefícios do demônio.

16 Comer e beber
A Bíblia fala 443 vezes do vinho e 400 vezes do pão. No AT: Não comer! (Gn 2,17) no NT:
Tomai e comei! (Jo 6,54). Não é o jejum, mas a comida, o segredo do cristianismo. Comer e beber são
gestos humanos.
A) Comer e beber significa, que a nutrição é fonte de vida. Cristo é o verdadeiro alimento: só
podemos viver se ‘comermos’; isto é mais importante do que o alimento material.
B) O pão e o vinho mostram a relação do homem com a natureza. São um dom da terra pelo trabalho do
homem (“Fruto da terra [...]”). Os dois elementos são o resultado da civilização.

89
Liturgia I

C) Indica a unidade e a amizade: comer com os outros significa a comunicação interpessoal. É mais do
que ingerir vitaminas para o corpo. É o ato social por excelência. Por isso, a importância da hospitalidade
(Abraão). Jesus senta à mesa na casa de um amigo (Lázaro, Mateus, Simão [...]). Eucaristia significa
comer com o Senhor, porque somos seus amigos.
D) Se da alegria agradecendo a Deus, recebemos o dom de Deus por excelência.
E) Sentido escatológico: indica e antecipa o banquete celeste. Lc 14,15: “Bem-aventurado aquele que
comer pão no reino de Deus.” Mt 26,29: vinho novo [...].
O pão é alimento básico para viver, um símbolo para outros alimentos. Mt 4,4: [...] não só de pão, mas
de toda palavra da boca de Deus [...]. Ele simboliza a unidade da Igreja, feito de muitos grãos de trigo
[...] e o vinho da uva. Transcendente simbolismo: João 6: “Eu sou o pão da vida”. É o primeiro elemento
humano para exprimir o dom de Cristo.
O vinho exprime a felicidade e a força da vida. Alegra o coração, é um sinal de felicidade, fertilidade e
prosperidade. O vinho sacia a sede. Fazer um brinde significa harmonia e participação no destino do
outro, e ter um bom amigo. O vinho faz lembrar o sangue (um sinal de tristeza e tragédia: “copo do
sofrimento” – beber o cálice). O vinho anuncia os tempos messiânicos: um banquete de vinhos finos (Is
25,6; Am 9,14). Mt 26,29 anuncia o reino com vinho novo. Cristo é a videira verdadeira (Jo 15), o vinho
indica o sacrifício da cruz. Como do lagar, se produz o vinho – a efusão do sangue. É o selo da Nova
Aliança:

Pão Vinho
Sacia a fome. mata a sede
Indica o trabalho. causa felicidade, alegra o coração
Lembra-se da corporeidade humana. lembra a vitalidade da alma
Garante a subsistência desperta a inspiração
compartilhada da fraternidade. amizade e aliança
Pode significar doação pode significar o sacrifício
e destaca a simplicidade. realça a festividade.
Corpo de Cristo, Sangue de Cristo.

A união com Cristo: a linguagem é simples e profunda; une o senso humano e o senso eucarístico.
Não se pode mudar! O próprio Cristo escolheu esses elementos. Mas, não se deve perder o aspecto de
comer e beber. O pão é muito significativo já em nível humano e na vida cotidiana. Ele é símbolo do
trabalho e do esforço humano, que planta o trigo e depois transforma os grãos em pão. O pão é
considerado um dom de Deus que o homem deve reverter em “bênção”. Também é considerado pecado
jogar fora o pão.
Partilhar o pão com o próximo é expressão de solidariedade e comunhão.
No Antigo Testamento, o pão já era matéria de sacrifício, antes do culto mosaico. Pois
Melquisedeque ofereceu o sacrifício de pão e vinho, que foi prefigura do pão eucarístico. O povo no
deserto recebeu o pão do céu.
Tanto o judaísmo como o cristianismo aceitam os diversos sentidos. Também representa a união
do fiel com Jesus Cristo e dos fiéis entre si, por ser feito de muitos grãos moídos, todos formam um
único pão.

17 O pão e o vinho para a Eucaristia


As consequências práticas do pão e do vinho: na procissão do ofertório, são levados para o altar.
Depois, são os elementos mais visíveis para a comunidade. Na consagração, são adorados pela
comunidade. O cálice e a patena devem ser nobres e valiosos instrumentos. A purificação se pode fazer
depois da celebração, não tem valor simbólico.
Prefere-se que as hóstias sejam consagradas na mesma missa, como um sinal visível de
participação do mesmo sacrifício. Mas não é obrigatório, porque igualmente se pode distribuir as hóstias
que foram consagradas numa Missa celebrada anteriormente.
Os orientais usam o pão fermentado para consagrar. Isto poderia exprimir melhor sua condição
como alimento. Mas, pelo contrário, o pão ázimo (sem fermento) pode exprimir melhor a diversidade
da Eucaristia de outros alimentos (é mais fino, branco, pequeno, não se corrompe). O missal lembra que
a natureza demanda o sinal em que a Eucaristia se parece realmente à comida. Mas, após a consagração,

90
Liturgia I

não é mais pão, é o corpo de Cristo. No entanto, o sinal do pão quer ser autêntico: é certo Cristo quer
ser o nosso alimento. Mas, não é importante que se mastigue esse alimento; a hóstia fina não precisa ser
mastigada. O alimento comum é assimilado pelo corpo humano, mas o alimento divino, faz com que
nós sejamos transformados em Deus. Por isso, não se deveria usar alimento comum para a Eucaristia.
A Comunhão sob as duas espécies: nunca foi proibido receber a comunhão nas duas espécies.
Também no Concílio de Trento se confirmou essa possibilidade. Mas na prática ficou o uso da
comunhão sob a espécie do pão, porque essa espécie também contém ambos, o corpo e o sangue de
Cristo. O Concílio Vaticano II restabeleceu a possibilidade nas duas espécies para 14 casos, entre
estes:
- Seminários, membros de institutos religiosos [...].
- quando se trata de comunidade pode-se usar um canudo por razões de higiene.
- numa celebração particularmente expressiva (primeira missa de um sacerdote, etc.) [...].
Assumindo uma compreensão mais completa do sinal.
Temos que superar qualquer inércia mental e hábito contrário a qualquer manifestação do sinal
sacramental.
- A obediência a Cristo.
- A fidelidade à tradição genuína e a regras da Igreja
Não é a mesma coisa fazer ou não fazer. Na história da Igreja, procura-se a melhor expressividade.
É possível a Comunhão por intinção (é prática, mas não muito expressiva, enquanto a comunhão pelo
cálice é menos prática (leva mais tempo), mas mais expressiva.

18 A água e o vinho no copo


No momento do ofertório: - mudança de cena (agora o centro é o altar); - Procissão com os dons, pão
visível, o vinho no cálice.
- Gestos de respeito e incenso, lavar as mãos.
No tempo de Cristo, o vinho foi misturado com água (assim como na última ceia). Justino (na
Apologia) escreve: “se apresentam [...] o pão e um copo com vinho misturado com água”. Cipriano
fala da água [...] que sempre se mistura no vinho: “Com a mistura da água simboliza o povo, o que se
manifesta no vinho é o Sangue de Cristo [...]. O povo unido a Cristo [...] nada pode nos separar de
Cristo [...]. A comunhão com Cristo se aperfeiçoa na celebração.”
Antes: a água abençoada (o povo). A própria oração explica o significado. As águas são as pessoas
(Ap 17,15), uma outra interpretação de Ambrósio (Jo 19,34): “sangue e água saíram do lado de Cristo,
símbolo das duas naturezas de Cristo”.
Santo Tomas – segundo o uso da época, - indica a paixão de Cristo. O efeito do sacramento Christus
populus adunatur; indica sua passagem para a vida eterna. A oração destaca também a encarnação.
Não só Cristo se oferece, mas incorporados a ele, nos oferecemos também com ele.

19 As relíquias
A gente queria tocar em Jesus para ser curado. Usavam-se roupas, lençóis etc. de pessoas
santas e colocavam nos doentes e eles foram curados (cf. At 14,8). Pensava-se nas forças destes
objetos, mas não como força mágica, mas como uma expressão da fé. Distinguem-se relíquias de
primeira e de segunda classe.
.
III A LINGUAGEM DO CORPO
20 As atitudes (posturas) do corpo
Os movimentos e atitudes, posturas que realiza a assembleia em comum, também expressa sua
unidade. Um debate polêmico causa insegurança nos fiéis, por isso precisa da catequese. Também o
corpo reza, os sentimentos são visíveis pelas atitudes do corpo. A posição do corpo exprime a atitude de
fé da pessoa e promove a fé.

Ficar de pé: Na Bíblia: Na liturgia


Pode significar: reverência, o templo de Salomão -Na procissão de entrada
prontidão, vivacidade, afeição, (1Rs 8), o profeta (todos ficam de pé por
confiança [...]. (Ezequiel 2,1), Jesus, respeito)
-no evangelho, na oração dos
91
Liturgia I

- Homo erectus: posição vertical, lendo na sinagoga, fiéis, na oração coleta,


simboliza sua dignidade como rei, Apocalipse 7,9-10. oração final (em nome de
posição clássica; todos), na preparação para a
- ficar de pé exprime respeito para comunhão;
uma pessoa importante (Mc 11,25; Existem vários outros
Dt 18,5; Nm 16,45); momentos da celebração: o
- atenção, disponibilidade, casamento, profissão
prontidão para marchar; (estar a religiosa, etc. A posição
serviço do rei, Est 7,9) indica confiança, alegria;
- um sinal de liberdade, a ser -receber a comunhão de pé
resgatado, condição de filho, (não é norma); receber de
exprime sua confiança em Deus, joelhos é atitude de
- participar da Ressurreição de adoração.
Cristo
- é a posição do sacerdote na
oração (eucarística).
Ajoelhado:
Indica humildade, penitência e - Daniel ora de joelhos Na oração pessoal e na
adoração. Dn 6,11, olhando em adoração ao Santíssimo
- A humildade na presença do direção a Jerusalém Sacramento,
mistério, somos pequenos diante (no exílio) exprime atenção e admiração
de Deus. - Irmãos de José no pelo mistério.
- Adoração; arrependimento, Egito se prostram (Gn Orações de penitência, os
- atitude interior que expressa 42,6). fiéis na sexta-feira.
sentimentos de amor a Deus. - Os 24 anciãos, Ap
4,10; Paulo em Mileto
e Tiro (At 20,36,
21,5); Pedro (At 9,40),
- Jesus na agonia (Lc
22,41).
Sentado: Na Liturgia:
- Significa receptividade, escuta e No NT vemos: o O Presidente - presidir,
interiorização. Sermão da Montanha também na homilia pode até
- Atitude de paz e relaxamento. (Mt 5,1); Jesus sentar-se.
- Concentração e meditação, sentado entre os Os fiéis, durante o silêncio, a
colóquio íntimo e de confiança doutores (Lc 2,46), expressividade do corpo
(após a comunhão), Maria de Betânia favorece a atitude interior!
- autoridade, sentado no tribunal sentada aos pés de
(para dar ordens ou para ensinar – Jesus (Lc 10:39).
o bispo pode fazer a homilia
sentado).

Destaca alguns momentos da festa:


- A oração pessoal, a partir do século XI, sublinhou-se o aspecto da adoração na missa.
Atitude na Bíblia:
A genuflexão = simples ou dupla.
A prostração indica adoração e reverência.
A inclinação – profunda do corpo, média do corpo, da cabeça: adoração ou veneração.

21 Os gestos de humildade
Expressões da atitude interior de humildade (adoração, arrependimento, busca do perdão). Mas se
deve fazer com filial confiança cristã.
92
Liturgia I

- Batendo o peito: (cf. Lc 18,9-14, o fariseu). Na morte de Jesus: Toda a multidão [...] batendo-se no
peito (Lc 23,48). São Jerônimo o fez com uma pedra para sentir mais a dor.
Na liturgia: no Confiteor três vezes mea culpa [...], no Cânone Romano: “e a nós pecadores”. Na missa
tridentina também para o Agnus Dei, e Comunhão (Senhor, não sou digno). Manifesta a sua culpa e
desejo de mudança e conversão.
- inclinação (cabeça) reconhece a superioridade do outro, ou para indicar o respeito, antes fazia-se
diante da bandeira nacional [...].
Na liturgia se faz:
a) inclinação com a cabeça diante de uma imagem sagrada; o celebrante, ao mencionar as pessoas da
Santíssima Trindade, o nome de Jesus,
b) inclinação profunda: o sacerdote diante do altar (Confiteor na Missa Tridentina; o diácono antes de
proclamar o Evangelho, na oração secreta, na consagração os concelebrantes, na oração do Supplices)
- Genuflexão: humildade e adoração.
pela cultura romana é o gesto mais popular da adoração à Eucaristia, pela presença real,
O sacerdote na Missa: faz três genuflexões (duas vezes após a elevação e antes da comunhão);
na missa tridentina são 12 genuflexões; no Credo (hoje é para Natal, Epifania e Anunciação).
- Orar de joelhos: arrependimento, adoração, oração intensa [...] Atos 9,40: o centurião Cornélio
ajoelhou-se diante de Pedro [...] At 20,36 Paulo se ajoelhou e orou [...], Cristo orou de joelhos (Lc
22,41)
Na celebração da Penitência (recomendado), no confiteor ajoelhar-se para rezar, para receber a
absolvição, reconhecimento da própria fraqueza e da grandeza de Deus.
“O homem nunca é tão grande, quando está de joelhos diante de DEUS!”
- Prostração: o sinal mais expressivo de reverência. O orgulhoso é autossuficiente, devemos
mostrar respeito a Deus, ajuda o corpo a expressar a fé interior.

Na Bíblia: Abraão (Gn 17,3) [...] Na liturgia: sexta-feira santa (o sacerdote), na


Gn 42,6 os irmãos diante de José, ordenação, na profissão religiosa.
Moisés diante de Deus (Êxodo Para a ordenação sacerdotal, os candidatos se prostram
34,8) em sinal de entrega total de si mesmos. Os sacerdotes
Apocalipse 4,10 [...]. se prostram como formando um tapete sobre o qual o
Senhor pode caminhar.

Alguns santos, na hora da morte se prostraram sobre uma cruz de cinza para entregar a sua vida a
Deus. (são Ulrich, são Francisco, são Teotônio [...]).
Salmo 99,5: ‘louvai ao Senhor, prostrai-vos na potestade dos seus pés, porque ele é santo’.

22 A atitude e as ações do sacerdote que preside


O sacerdote é o sinal visível de Cristo. Sua ação torna-se uma espécie de sacramento (in persona
Christi) e transmite à assembleia as graças divinas. Ora em nome de todos, é para todos como uma só
voz. Mas também ora em segredo.
- Que a leitura não seja monótona! Deve ser expressiva e simples, deve mostrar estima para com a
Palavra no modo de ler e comentá-la.
- A linguagem corporal: em pé (posição, sentado, ajoelhado, em movimento). Rezamos com o corpo:
braços estendidos, as mãos abertas, olhando para cima.
- Os gestos devem refletir sinceridade e autenticidade. No Pai Nosso, não é preciso ter as mãos
estendidas; na saudação, não só com palavras, mas também com os olhos, olhar, expressão de
acolhimento.
- Oferta: com elegância, com calma, sem pressa e sem teatro,
- um sacerdote deve mostrar respeito à Eucaristia, recolhimento, dignidade serena;
- De acordo com os princípios da arte, com capacidade, simplicidade e dignidade.
- Evite falta de respeito, a pressa e impaciência, não arrogante, mas com firmeza,
- As atitudes do presidente são a personificação natural dos sentimentos da comunidade.

93
Liturgia I

23 Andar - caminhar

Procissões litúrgicas Significados:


Quatro Procissões na missa: entrada, evangelho, - Andar, mover-se,
ofertório e comunhão (procissões menores). - Igreja peregrina.
a) Entrada: com castiçais, cruzes, incenso, a aspersão de - A liturgia é ação e exige uma
água feita pelo presidente do rito de entrada. linguagem total que harmoniza a
b) Evangelho: o próprio Cristo nos fala com sua palavra. palavra, canto, gestos e movimentos.
c) Ofertório: cada um traz sua oferta, - A procissão e romaria: pode ser uma
d) a comunhão: para receber o dom de Deus e a dimensão manifestação de fé.
fraterna. - Quem começa a partir de um lugar,
No ano litúrgico: deixando uma situação e converte o
- Apresentação de 2 de fevereiro, simbolismo da luz, estilo de vida.
- domingo de ramos, - Um conjunto, luta fraterna. - Um
- sexta-feira santa na adoração da cruz objetivo. - Rumo a uma meta: um
- vigília pascal para entrar na igreja santuário, uma Igreja.
- na Via Sacra - Uma comunidade escatológica
- Corpus Christi;
- para honrar Nossa Senhora ou algum santo no culto;
petições;
Outros sacramentos:
matrimônio: o noivo para o casamento
batismo – da entrada ao batistério, depois para o altar
profissão religiosa e da ordem: os candidatos passam para
frente,
funeral: o movimento do final da viagem, a última
viagem.

Quem está de viagem, sai do ritmo normal. Abraão, Elias, o povo de Israel, os peregrinos em
Jerusalém que visitam a casa do Senhor; os peregrinos experimentaram uma mudança no coração.
Abandonar sua terra significa abandonar o homem velho, para ir à casa do Pai.
A dança litúrgica, que vários autores querem introduzir na liturgia como expressão da alegria69, não
faz parte propriamente de nenhuma liturgia cristã.

24 A linguagem das mãos


Posição das mãos na oração: Eu quero [...] que os homens orem [..]. com as mãos puras erguidas para
o céu (1Tm 2,8). As mãos falam. Expressam uma linguagem não-verbal, intuitiva, com sentimento ou
intenção. Há sinais com as mãos, uma linguagem com os dedos.
- Indica a poderosa e benevolente mão de Deus; símbolo do poder criador de Deus, a Bíblia usa a
metáfora da mão de Deus na saída do Egito. De João Batista fala-se: ‘a mão de Deus estava com ele’.
- As mãos na oração:
As mãos, na oração do homem, expressam a atitude interior,
- braços estendidos e elevar o seu espírito ao alto. Moisés rezou com os braços elevados e Israel ficou
mais forte (cf. Ex 17,12).
- As mãos estendidas em forma de uma cruz: submissão, querer fazer a vontade de Deus (o presidente
que reza em nome de todos).

69
Cf. RATZINGER, J. (2000) ibid. p. 146: “A dança não é uma forma de expressão cristã. Já no século III, os
círculos gnóstico-docéticos tentaram introduzi-la na Liturgia. Eles consideravam a crucificação apenas como uma
aparência: segundo eles, Cristo nunca abandonou o corpo, porque nunca chegou a encarnar antes da sua paixão;
consequentemente a dança podia ocupar o lugar da Liturgia da Cruz, tendo a cruz sido apenas uma aparência. As
danças cultuais das diversas religiões são orientadas de maneiras variadas - invocação, magia analógica, êxtase
mística; […]. Já assisti a uma dança que substituía o ato de penitência e que evidentemente teve muitos aplausos
[…]. Até agora, nenhum rito cristão conheceu a dança. O que é designado como dança na Liturgia etíope ou na forma
zairense da Liturgia romana é um caminhar rítmico e ordenado, em conformidade com a dignidade do acontecimento, o qual
ordena, com uma austeridade interior, os vários caminhos da Liturgia.”
94
Liturgia I

Significa, também, intercessão e pedido:


B) as palmas das mãos: abertas – pedem; o oposto é o punho fechado – indica violência ou egoísmo.
- As mãos postas (juntas): recolhimento, contemplação, meditação, paz.
Mais tarde desenvolveu-se o gesto das mãos postas (unidas às palmas das mãos) que tem, talvez,
origem no feudalismo: aquele que recebe o feudo, no ato do recebimento coloca as suas mãos unidas
nas mãos do senhor feudal – um maravilhoso gesto simbólico: eu coloco as minhas mãos nas tuas, deixo-
as fechar pelas tuas. Quando o candidato à ordenação coloca suas mãos unidas nas mãos do bispo e lhe
promete respeito e obediência, oferece o seu serviço à Igreja como corpo vivo de Cristo, coloca as suas
mãos nas mãos de Cristo, confia-se a Ele e lhe dá as próprias mãos para que sejam suas. Quando nós
rezamos de mãos unidas propriamente existe por trás disto: colocamos as nossas mãos nas suas, e
juntamente com as nossas mãos colocamos nas suas o nosso destino. Confiando na sua fidelidade, lhe
prometemos a nossa.
As mãos do Presidente
O Presidente abençoa a comunidade com as mãos, apresenta as ofertas, a Eucaristia, oração
proclamada (um mistério ascendente e descendente). Expressa também a comunhão com a
assembleia.
Elevação:
a) Mãos que oferecem: na missa: a) no ofertório,
b) elevação da consagração, para mostrar a hóstia ao povo
c) doxologia, primeira e a segunda epiclese. Três elevações: ofertório, consagração e doxologia.
Na celebração de hoje, existem atualmente poucos gestos. Agora, os fiéis levantam as mãos para o
“Pai nosso”. Mãos para dar, oferecer, receber, exibir, pedindo [...] comemorar com sobriedade e
simplicidade.

IV AÇÕES SIMBÓLICAS

25 A imposição das mãos

Na Bíblia: Na Liturgia:
Jacó [...] A consagração de uma missão. - Iniciação cristã, chamar o Espirito
Moisés [...] Josué, colocou suas mãos sobre Santo, também para transmitir os
ele, dons do Espírito Santo.
para transmitir uma ordem de Deus, - Celebração dos sacramentos:
- sobre o animal (bode expiatório), mandam batismo, unção, confirmação,
para o deserto para livrar-se do pecado (cf. ordenação, confissão, mesmo no
2Cr 29,23). casamento pode ser, o sacerdote
Segundo as circunstâncias, o significado do impõe as mãos como sinal para
gesto pode mudar. transmitir a graça.
No NT: a Bíblia fala da mão de Deus que dá a - O sacerdote na confissão, epiclese,
benção. Jesus na cruz entrega seu espírito nas ordenação [...] para invocar o
mãos do Pai (Lc 23,46) com as palavras do Espírito Santo. - Pode indicar o
Salmo 31,6. perdão, a bênção, a transmissão de
At 6,6 e 8,17: impuseram as mãos para dar o força.
Espírito Santo.

Com as mãos se pode santificar, sanar, consolar.


- Jesus impõe as mãos para curar, para transmitir o Espírito Santo, expulsa o demônio com o dedo de
Deus. Jesus abençoa as crianças com as mãos, mesmo abraçado [...] contato físico. Na Ascensão:
“erguendo as mãos os abençoou”.
- Cura: “Minha filha [...] Venha colocar suas mãos [...]. Surdo mudo [...]
- Sinais daqueles que creem: colocam as mãos sobre os enfermos e eles ficarão curados,” são Paulo
(Atos 9,17; 28,8-9).
O gesto da imposição das mãos sempre se relaciona com a invocação e transmissão do Espírito
Santo:
95
Liturgia I

- como exorcismo (invocação ao Espírito Santo para que liberte do mal); durante as celebrações da
Palavra de Deus no catecumenato, feito por um presbítero, diácono ou catequista delegado pelo
bispo para essa função (RICA 109-118, 164, 171 e 178).
- Como transmissão do Espírito Santo aos batizados no sacramento da confirmação
simultaneamente à unção na testa (gesto essencial desse sacramento). Distingue-se, portanto, do
gesto da imposição das mãos do bispo e dos presbíteros sobre todos os confirmandos, antes da
unção, que não pertence à essência do rito sacramental.
- Como transmissão do Espírito Santo na ordenação para o ministério (diaconato) ou para o
sacerdócio (presbítero e bispo), feita em silêncio, seguida da oração consecratória (gesto essencial
do sacramento).
- Como santificação: na epiclese da oração eucarística, quando se estendem as mãos sobre o pão
e o vinho;
- Como absolvição no sacramento da reconciliação;
- Como invocação da presença consoladora do Espírito Santo na unção dos enfermos, o ministro
impõe as mãos em silêncio, antes de ungir.
- Como bênção: Bênção dada aos catecúmenos, por um sacerdote, diácono ou catequista,
geralmente ao final das celebrações da Palavra (também ao final das catequeses), com as mãos
estendidas sobre todos, e depois sobre cada um (RICA 119-124). Expressa o amor de Deus e a
solicitude da Igreja com relação a todos os catecúmenos para dar-lhes ânimo, alegria e paz em seu
caminho (cf. RICA 102). A mesma bênção pode ser dada aos simpatizantes "para seu bem
espiritual" durante o tempo da evangelização (RICA 120),
- Também nas bênçãos solenes ou orações sobre as pessoas como um todo, o sacerdote estende as
mãos ao final da missa ou de outro sacramento, ao final da liturgia da Palavra ou da Liturgia das
horas (MR); e sobre os objetos para os quais se pede a bênção de Deus (RB 26); - Na celebração
do matrimônio, durante a bênção nupcial, exortam-se os pais a estender a mão sobre a cabeça dos
filhos (RM).
Tocar com o dedo
Exemplo: pensamos no quadro de Miquelângelo na capela sistina, onde Deus toca com o seu
dedo o dedo de Adão para infundir-lhe a vida.
Como o rosto (olhos), também a mão é a parte mais expressiva e marcante da pessoa, que
revela também o caráter da pessoa.
- Nas línhas da palma da mão alguns querem ler as características da vida da pessoa (há estudos
científicos sobre isto, não é só uma superstição ou arte das bruxas).
- Nossas mãos têm um grande poder de expressão. Ungir as mãos possui uma linguagem eloquente,
lavar-se as mãos (Pilatos).
- A importância da mão que recebe – deve estar aberta: receber a comunhão na mão requer uma mão
aberta; onde está permitido deve-se formar da mão como um trono para receber o rei. Quem recebe o
corpo de Deus deve ao mesmo tempo adorar, demostrar a adoração com um gesto exterior. O mais
importante é a educação para uma cultura do santo respeito diante do sagrado, seja com a atitude:
‘Senhor, eu não sou digno’ (cf. Lc 7,6 - centurião; Lc 19,5s - Zaqueu).

26 A Unção

Na Bíblia: Na liturgia:
Uso na cozinha, - Símbolo das bênçãos de - Catecúmenos: abençoar este óleo
combustível, luz; Deus, alegria, doçura. [...] um sinal de seu poder divino
terapêutico, penetra na - A força militar ou [...] força aos catecúmenos.
pele e cura espiritual - Mas também a proteção contra o
- esporte: dá força e - Profundidade: ungido para diabo.
agiliza os músculos; uma missão, o sacerdote, reis - Crisma é consagrado. Doentes,
Perfume, cosméticos. e profetas. ajudando os fracos contra a
- Os lugares e as coisas para doença.
a tenda de culto, a arca [...]. - Ordenação: ao bispo na cabeça

96
Liturgia I

- O Messias = o Ungido por como chefe; ao sacerdote nas


excelência. mãos para o sacrifício.

O óleo e seus significados: para simbolizar os diversos dons de Deus e seus efeitos espirituais.
Aplicação do azeite na vida: símbolo de saúde, paz.
Mesmo os crentes são ungidos, ungidos pelo Espírito. O óleo dos catecúmenos e dos enfermos e óleo
do crisma.
É um sinal da realidade espiritual [...] permeia, penetra suaviza, cura, fortalece, perfuma. É sinal eficaz
de salvação espiritual.

27 O gesto da paz
Após o Concílio Vaticano II, introduziu-se na missa este rito antes da comunhão.
Na história é sinal de saudação. O beijo da paz - Rm 16,16 (ósculo santo) foi usado nas liturgias orientais.
Santo Ambrósio e santo Agostinho consideram um gesto de reconciliação entre todos – em nível
horizontal.
Oração preparatória: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá” (Jo
14,27).
- Dar a saudação da paz, é expressão da comunhão.
Dependendo do sentido da interpretação do gesto, é aquela paz que Jesus nos dá. Alguns autores
acham que poderia ser melhor antes do ofertório, como sinal de reconciliação, segundo Mt 5,23-24. Em
que momento seria melhor fazer? Após o Pai Nosso – poderia haver o perigo de interromper a missa e
a atenção e piedade, e não ajuda a preparar-se melhor para receber a comunhão do pão? Outros
momentos poderiam ser: no início da missa, após o rito penitencial, ou no início do ofertório, após a
oração dos fiéis.
Significado:
- Desta maneira poder-se-iam atribuir significados diversos. Por exemplo: após o confiteor e antes do
ofertório, significa reconciliação. No momento antes da comunhão, poderia significar: o amor e o desejo
de unidade e comunhão, para se tornar um só corpo em Cristo e no Espírito Santo.
- Não é apenas um gesto de cortesia ou amizade, mas é o implorar a paz, é pedir unidade para a Igreja.
O amor mútuo se manifesta, é um dom de Cristo, o dom do Espírito, para que formemos um só corpo e
um só espírito.
- A forma concreta para alcançá-lo: o gesto se faz de acordo com o costume do lugar: apertam-se as
mãos, beijo, abraço, sorriso, inclinando a cabeça, apertar com ambas as mãos. Os sinais externos não
são a parte mais importante, mas a atitude interior fraternal. O gesto se faz com discrição e simplicidade.

28 O beijo – ósculo litúrgico

No NT = saudação (Lc - Ósculo no altar (a partir do século XI; na Missa tridentina sete
7,45; Rm 16,16; 1Cor vezes);
16,20; 2Cor 13,12; - o Evangelho; (em algumas igrejas ortodoxas também os fiéis);
1Tes 5,26; 1Pe 5,14) - beijar as vestes litúrgicas (amito, estola [...])
- as mãos do sacerdote (no rito tridentino)
- anel do bispo, cálice, patena,
- as relíquias de santos com gesto de reverência.

Em geral expressa a caridade sobrenatural, veneração e reverência (adoração – ósculo = ‘ad os’).
- Na ordenação: o ósculo do bispo.
- Pode significar um ósculo de saudação, ou beijar as mãos como um sinal de reverência,
- um sinal para o encontro e reconciliação, veneração do Evangelho e do altar, saudação.
Outros gestos de sensibilidade cultural humana de acordo com o país em vez de ósculo: (na Índia -
tocar o objeto antes e depois etc [...]. Beber vinho etc.)

97
Liturgia I

29 Partir (fração) o pão


O sacerdote parte o pão para realizar a ‘inmixtio’. Certamente também pode-se interpretar esse
gesto de que Jesus, o pão do céu, o pão que dá vida, quer-se repartir para todos, como no milagre da
multiplicação dos pães. É também um convite para a comunhão.
Os discípulos reconheceram Jesus na fração do pão. A missa recebe no NT o nome da ‘Fractio
panis’. Mas o nome da missa não se refere somente a este rito, mas a toda a celebração.
O rito é colocado no momento antes comunhão. Após o Pai nosso, após o gesto da paz, logo
vem a fração. Na liturgia moçárabe se faz antes: após o Credo vem o partir do pão. Na Igreja ortodoxa
isto é feito antes da consagração, ou seja, o sacerdote prepara e parte o pão antes de iniciar a Missa.
O gesto torna-se memorial simbólico. Se a consagração do pão e do vinho, que se faz
separadamente, pode significar a morte de Cristo, a separação da sua alma do seu corpo; assim, a
inmixtio pode significar a Ressurreição, porque se une novamente o corpo com o sangue do Senhor.
Certamente há uma ligação do rito da fração do pão com a morte e ressurreição de Cristo e pode-se ver
uma referência à paixão: o corpo partido até a doação extrema na cruz.
Mas, a fração é também sinal visível de unidade fraterna. Alguns liturgistas querem exprimir
isso, usando um só pão que se reparte entre os fiéis70. Acham que se deve usar um único grande pão que
se partilha, para indicar que nos alimentamos do mesmo pão. Mas isto, liturgicamente nunca foi o
sentido, e não se deveria fazê-lo após a consagração. Após a consagração já não é pão, mas o corpo de
Cristo que deve ser respeitado. Como, às vezes, é feito na prática, que os próprios fiéis tirem um pedaço
do pão eucarístico para si, seria uma falta de respeito e facilmente se perde a fé na presença real. Como
é o corpo de Cristo, o sacerdote deve realizar esse rito com muito cuidado.
No entanto, é certo, que formamos um só corpo, porque comemos do mesmo pão, porque a
Eucaristia causa a unidade dos fiéis. É o corpo partido que Cristo ofereceu. Mas, no fim, não comemos
pão, mas o corpo de Cristo.

30 O sinal da cruz, sinal do cristão


Símbolo dos cristãos. Constantino (312) recebe a visão de uma cruz gloriosa no céu como
sinal do vencedor: In hoc signo vinces. No ano 326, se achou a verdadeira Cruz em Jerusalém.
O sinal da cruz é gesto fundamental da oração e da vida cristã. É uma confissão de adesão a
Cristo crucificado, conforme as palavras programáticas de São Paulo: “Nós, porém, proclamamos o
Cristo crucificado”. Persignar-se com o sinal da cruz é um “sim” visível e público Àquele que sofreu
por nós. O sinal da cruz é uma profissão de fé: eu creio n’Aquele que sofreu e ressuscitou por mim. A
Cruz nos indica a estrada da vida, o seguimento de Cristo. Cada vez que fazemos em nós o sinal da cruz,
acolhemos, novamente, o que significa o nosso batismo.

Gesto: sinal da cruz A cruz ou crucifixo, símbolo do cristão


Uso em qualquer celebração: - A Eucaristia assume um significado especial,
- o sacerdote abençoando. uma cruz preside a celebração (no altar).
- No batismo se faz o sinal da cruz [...] e cada vez - Coloca-se no altar, nas igrejas [...]
quando nos lembramos de nosso batismo, - a cruz processional (na missa, nas exéquias,
- unção dos Enfermos, etc.)
- catecúmenos [...] para lutar contra o mal. - nos quartos, nos lugares públicos, nos
- É também o sinal da SS. Trindade, ao persignar- caminhos,
se. - no peito dos bispos,
- a cruz de penitência sobre seus ombros,
- na profissão religiosa, nos mosteiros [...].

A cruz é símbolo do triunfo de Cristo. Cristo é sacerdote (às vezes representado na cruz com a
túnica sacerdotal) e vencedor na cruz.
A eloquência do símbolo: a cruz é um púlpito que resume toda a teologia. É um discurso sobre Deus,
nos apresenta um Deus transcendente, mas próximo, um Deus que quis vencer o mal, oferecendo o

70
Cf. ALDAZABAL, J. (2003). Gestos e símbolos, p. [...,] também na comunidade do neocatecumenato
encontra-se esta prática.
98
Liturgia I

dom total de si mesmo, como imagem de amor. O símbolo da cruz é ao mesmo tempo: altar, cátedra e
trono de Cristo.
A cruz ilumina todas as nossas vidas, ajuda a superar as dificuldades; é um sinal de salvação e
de glória. É um sinal de pertença, de posse. Já no AT (Ez 9,4) falou-se do símbolo do T (Tau) que o
anjo coloca na fronte dos eleitos; o selo do Apocalipse é para marcar os eleitos.
Toda a vida sob o sinal da cruz: repetir o sinal quer dizer empenhar-se [...] no caminho.
A cruz é o sinal de luta que vence o diabo (no exorcismo).

31 Lava-pés
Sobre o rito da quinta-feira santa se pode perguntar: o rito tem um valor sacramental? Não será
teatral demais? É obrigatório fazê-lo?
Sabemos que é um mandato do Senhor, então, não só é uma ‘para-liturgia’ com um valor
catequético! É uma lição de caridade e de serviço. Indica uma atitude de serviço e humildade. Entre os
judeus era um sinal muito importante de hospitalidade, depois de uma viagem cansativa.
- Símbolo da antecipação da paixão, um símbolo do amor.
- É um ato de doação, prepara o dom eucarístico.
- É para ter parte em Cristo (Pedro não queria).
Santo Ambrósio atribui ao gesto um valor sacramental que nos santifica: mysterium est et sanctificatio.
É um símbolo de amor: acompanhado pelo hino Ubi caritas. Na Espanha (Toledo) foi preceito fazê-lo.
É um símbolo do serviço caritativo da Igreja. Todos precisamos da comunidade, não somos
autossuficientes.
- Também simboliza o prólogo da Páscoa, os parâmetros fundamentais, a doação total.
Para realizar o rito, não precisa ser com 12 homens, também podem ser crianças, jovens etc. O
importante é o gesto de caridade. São João Bosco viu este rito como um meio de educar os jovens (uma
forma de para-liturgia). Assim como a liturgia da palavra, especialmente a proclamação do Evangelho,
santifica, instrui, e realiza uma comunhão da palavra, assim também é este o rito do lava-pés.

32 Lavar as mãos
O sacerdote lava as mãos após o Ofertório: foi introduzido no Oriente a partir do século IV. Este
ritual demostra o desejo de purificação interior, após a apresentação dos dons. O rito não é supérfluo! A
oração é em voz baixa, porque não se faz para a comunidade.
- Batismo - Água Benta - A aspersão do domingo.
O lavar as mãos fazia-se muito antes das procissões com os dons para altar. No Oriente, o celebrante
tinha que lavar as mãos, não depois, mas antes de receber os dons.
- IGMR 52: “O sacerdote lava as mãos para expressar seu desejo de purificação interior”. As mãos são
um símbolo de ação, de modo que a lavagem quer indicar a pureza e integridade das obras. É um símbolo
universal de muitas culturas, não apenas os cristãos (também Pilatos lavou as mãos). Apela-se a uma
maior pureza e manifesta o respeito que se sente pela ação sagrada.
Mesmo quando tomamos a água benta do batismo como uma lembrança. Lavar as mãos (disse
são Cirilo) é o desejo de purificação interior. O rito é acompanhado pela recitação do salmo (no rito
tridentino: o Salmo 25, como sinal de inocência se lavam as mãos; na missa de Paulo VI: versículo do
Salmo 50,4: Lavai-me Senhor).
Como o presidente é tão fraco e pecaminoso como homem, não deve ser protagonista, mas um
servo. Assim, ele se prepara para celebrar tão grande mistério. O gesto deve ser bem feito não só lavar
os dedos, mas lavar as mãos. É o simbolismo da ablução. É um sinal de humildade do presidente,
lembrando aquilo que todos deveriam fazer internamente.

33 O jejum
O importante do cristianismo não é o jejum, é o comer e beber (Jesus), o reino é como um
banquete. A Eucaristia é propriamente comer e beber. Mas também o jejum é um sinal expressivo, não
só do ponto de vista ascético, mas também sacramental. A comunidade, no caminho para o mistério
pascal se prepara (quaresma [...]); o jejum tornou-se a característica mais expressiva de preparação.
CIC a) Começa na quarta-feira de cinzas - o jejum e a abstinência (uma refeição) [...].
b) Termina na sexta-feira (ou sábado) é o jejum da páscoa.

99
Liturgia I

c) Toda sexta-feira do ano (de abstinência).


d) Jejum eucarístico (agora uma hora antes, excluindo os doentes, os idosos, a água e a medicina).

Na Bíblia encontramos para Na liturgia


- Útil para a Expressar as atitudes de fé: - Sinal sacramental de entrada na vida da
saúde do a) penitência e expiação dos páscoa, um sinal de comunhão com
homem, uma pecados (Nínive), Cristo. Páscoa é êxodo sinal de trânsito
purificação b) a intensidade de uma oração fora da conversão e para expressar o
dos excessos. ou intercessão (oferta; Moisés seguimento de Cristo na cruz.
Dt 9,18; Judite; Atos 13,2), - Lembre-se do verdadeiro pão, Cristo.
c) Jesus durante 40 dias - para Deve-se sentir fome da Eucaristia, por
se preparar para sua missão. isso jejuamos.

Valor espiritual: - Os valores materiais não são absolutos (em oposição ao prazer hedonista,
uma voz profética [...] dos bens eternos).
- Livrar-se da escravidão pela disciplina; libertação interior saber dizer "não". Renúncia para o
domínio de si mesmo, um sinal de autocontrole, que pretende amadurecer,
- Abre-nos aos outros (acompanhado de caridade) solidariedade com os pobres, um sinal de piedade,
nos torna mais transparentes e disponíveis aos outros, menos cheio de si mesmo, negando-se a corrigir
o egoísmo.
- Não é para perder peso (vaidade), não é para o esporte ou necessidades prescritas pelo
médico, não pela espiritualidade oriental ou falta de foco mundanos, mas por motivo religioso.
- O jejum expressa a vontade de converter; é um protesto contra a satisfação do eu; não procura
aplausos.
- Para abrir-se a Deus.

100
Significado Significado bíblico Significado litúrgico
comúm
Liturgia I

Cinco
Sentidos:
olhos luz Luz, imagens, sol; cores litúrgicas.

ouvidos Palavra, Línguas dos anjos 1Cor Leitura, canto sagrado, silêncio; canto
música 13. espiritual.
tato tocar Dar as mãos, abraço, beijo.
olfato perfume Incenso, óleo perfumado; flores.
sabor alimento Eucaristia; sal.
Elementos
naturais:
Água Beber, lavar, Forças de destruição, Água benta (com sal), asperges, vigília
fertilidade águas vivas ES., lava-pés; pascal, batismo –purificar o pecado,
batismo, At 8-Etíope; misturado com vinho p. Eucaristia, para
todos os sacramentais (benção).
Fogo, luz Templos Ele batiza com fogo, Castiçais, amor do ES (chama),
pagãos. lâmpada do tabernáculo. dedicação do altar, iluminar, purificar,
destruir, fogo pascal.
Ar Sopro do Espírito, Jesus Bispo sopra sobre o óleo do crisma,
soprou sobre os Ap., ruah bênção da água bat. (antigo rito).
renova a faze da terra,
vento de Pentecostes.
Terra Exéquias.
Incenso Aromático no Salmo 140, sacrifício de na procissão de entrada, evangelho,
oriente. louvor ofertório, elevação, sinal de tom festivo,
Exorcista- Tb 8. respeito, adoração e veneração, perfume,
oferenda.
Cinzas Pó da terra, Ninivitas (purificação), Esperança da ressurreição, nova terra,
fragilidade Judite (reforçar a oração), quarta-feira de cinzas, lembrar da morte
humana. Mac, [...] expiação Hb (sepultamento).
9,13.
Óleo Ungir. Os reis, sacerdotes foram Óleo dos catecúmenos, enfermos, santo
ungidos, confere o poder crisma, batismo, ordenação (sac. e
sacerdotal, Cristo Messias bispo), crisma, significa ‘consagração.’
Lâmpadas das virgens.
Sal Purificar, Eliseu joga na água, para Benção da água, batismo colocar na
condimento. desinfetar. boca, purificar a pessoa.
Pão Alimento Maná do céu, Cristo o Eucaristia, comunhão, adoração.
básico. verdadeiro pão.
Vinho Copo do sofrimento, Eucaristia, participar da paixão de
beber o cálice, alegria. Cristo.
Ações
simbólicas
Unção Cozinha, luz, Sl 18,3; 2Cor 1,21; Força
esporte, Mc 6,13; Tg 5,14; Cura
combustível, 1Rs 10,1; Sl 45,8; 88,21 Consagração
terapêutico, Benção de Deus, Messias; Catecúmenos, doentes, consagração,
lutadores sacerdotes, reis. pelo Espírito Santo; sinal da salvação.
Crismar Unção do ES At 10,38; Lc 4,18; Ef Confirmação
1,13; 4,30

101
Liturgia I

Gesto da paz Comunicação AT, Jo 14,27; 20,19; Missa; ordenação; consagração de


do Espírito 1Cor 1,3; Ef 1,2; Pax virgens, bênção do abade.
tecum – o ressuscitado.
Beijo, ósculo respeito Rm 16,16 - osculo santo. Saudação do altar, reverência, mãos do
sacerdote, anel do bispo; cálice, cruz;
Evangelho.
Partir o pão Hospitalidade; Última ceia; morte de Fractio panis = missa.
Comunhão; Cristo, 1Cor 11,24; Lc
24,30.35; At 2,42.46;
20.7.11; 1Cor 10,17.
Sinal da cruz, Marca de Jo 6,27; At 11,26; 2Cor Todos os sacramentos e sacramentais.
persignar-se Cristo 1,22
Fazer sinal da Invocar o 1Cor 1,17; Lc 24,50-51; Bênção; absolvição sacramental.
cruz (sacerdote) poder de Mc 10,16
Cristo
Lavar os pés Hospitalidade, Última ceia; Jo 13,6; Quinta-feira santa; ato de caridade e
caridade doação.
Lavar as mãos pureza Pilatos, fariseus, Jo 13,9; Sacerdote no ofertório (com o Salmo 25
ou 50,4).
Jejum Para a saúde Nínive; Jesus 40 dias; Jejum eucarístico; jejum quaresmal;
Penitência para a intensidade na jejum semanal; penitência,
Oração oração Dt 9,18; At 13,2; sexta-feira santa; antes da comunhão.
Fome espir. Mt 4,2; 6,16; At 13,2s; Jo
Mistério pasc. 6,26; Mt 4,4; Mt 9,15
Dar a Ministério Mt 14,19; 26,26-27; Comunhão dentro e fora da missa.
comunhão
sacramental
Entregar Reconhecer Ex 28,1; Nm 18,18; Ez Ordenações, instituições de ministérios.
instrumentos um ministério 2,9; 3,1; Mt 25,1
Aspersão Lembrar o Tt 3,5; 1Pe 3,20-21 Dedicação da igreja e altar, vigília
batismo pascal, bênção; missa dominical.
Posturas

Ficar de pé Respeito Mc 11,25; Dt Oração presidencial, sacrifício,


18,5; Nm 16,45; serviço evangelho – escutar, páscoa, receber o
Est 7,9; Salomão 1Rs 8; celebrante; atenção;
Ez 2,1
Ficar ajoelhado Dn 6,11; Ap 4,10; At Adoração; oração insistente; humildade;
20,36; 21,5; At 9,40; Lc
22,41
Ficar sentado Sermão da montanha Mt Escutar, meditar, interiorizar, dialogar,
5, entre doutores Lc 2,46; autoridade para julgar ou governar,
Maria aos pés de Jesus Lc ensinar,
10,39
Linguagem das Mão de Deus; Naaman, Epiclese, forma de cruz,
mãos Orem com mãos erguidas
1Tm 2,8;
Estender as Oração; Cristo Ex 17,11s; Sl 141,2; 1Tm Orações presidenciais;
mãos crucificado 2,8
Jo 21,18

102
Liturgia I

Imposição das Mc 7,32; Mt 8,3 Exorcismo;


mãos Mc 10,16; Lc 24,50; Bênção;
At 6,1-7; 8,18; 19,6; Epiclese;
Reconciliação
Mt 8,2-3; Mc 3,5; 6,5; Cura;
16,18 Transmissão de um dom
At 6,1-7; 13,3; 1Tm 4,14;
2Tm 1,6 batismo e crisma,
Moisés: bode de expiação penitência,
Jesus para curar Mc 7,32; unção dos enfermos,
At 6,6; ordenação,
São Paulo a Timóteo
Gestos de Bater no peito (Lc 18,9; Confiteor, Agnus Dei, Comunhão
humildade prostrar 23,48)
Caíram e prostraram Ap Inclinação, prostração
4,10
Salmo 99,5
Levantar os Oração Sl 121,1 Oração eucarística;
olhos Súplica Mt 14,19; Mc 7,34; Jo
17,1;
Pedagogia do AT – Vestes sagradas Vestir-se de Cristo, sacerdote; veste
vestido Veste nupcial. branca no batismo.
Gestos Oração de Moisés Mãos estendidas em forma de cruz.
presidenciais
Andar - Procissões; Sl 122; O povo no Domingo de ramos, apresentação, vigília
caminhar Igreja deserto, a Jerusalém pascal, Via Sacra, na missa (entrada,
peregrina Lc 9,51; 19,28; evangelho, ofertório, comunhão),
funeral, batismo (estações).
Elevar oferecimento Elevação na consagração eucarística; a
grande elevação do ‘per ipsum’.
Mostrar ao honra No momento de mostrar a hóstia: ‘Este é
povo o Cordeiro [...] Senhor, não sou digno’.

V O LUGAR DA CELEBRAÇÃO (O ESPAÇO SAGRADO)


‘Tira as sandálias, porque este lugar é santo’ (Ex 3,5). Deus está presente em todos os lugares. Pode-se
rezar em qualquer lugar, também nas coisas mais ordinárias se pode ter uma experiência mística da
presença de Deus. Mas há lugares que estão separados da vida do dia a dia, lugares sagrados, para o
culto a Deus na comunidade e, também, para a oração privada.
Quando o templo de Jerusalém foi destruído, os primeiros cristãos já não estavam participando
do culto no templo. O templo já foi entendido como o corpo humano (1Cor 3,17). Mas os templos, a
construção das igrejas não é um retrocesso para o AT, mas é uma mudança entre os lugares do trabalho
e da oração. A qualidade artística deve ajudar a se abrir para o mistério de Deus.
Não nos sentimos os mesmos em um lugar como em outro. Em algumas igrejas antigas, onde se
rezou muito (como santa Maria Maggiore em Roma), pode-se sentir mais a sacralidade, a presença
da oração através dos séculos, como se todas as orações estivessem presentes. Onde a igreja se torna
um museu para os turistas facilmente se perde o ambiente da sacralidade. O edifício da igreja deve
ajudar a sentir-se no céu, para ‘escutar o canto dos anjos’.
Cristo prometeu conduzir os homens a um culto «em espírito e em verdade» (Jo 4,24) que não
estivesse ligado a um lugar exclusivo (cf. Gzt -1179), como acontecia com o Templo. Ao mesmo tempo,
é curioso como a comunidade de fiéis que celebram e o local onde eles celebram chama-se "Igreja". Se
é verdade que os homens devem ser "pedras vivas" reunidas para "a construção de um edifício espiritual"
(1Pe 2,45) e construída sobre a "pedra angular", que é Cristo, também é verdade que esta atitude interior

103
Liturgia I

há de revelar-se no foro externo. Portanto, o lugar físico deve significar e manifestar a Igreja viva em
um lugar particular, como "sacramento" da assembleia reunida. E sabemos que a graça sempre constrói
sobre a natureza. O homem, composto de corpo e alma está sempre ligado a um lugar cá na terra, um
lugar que ele deve e quer santificar71.
O Direito Canônico define os lugares sagrados assim: CIC 1205: "Lugares sagrados são aqueles
destinados ao culto divino ou à sepultura dos fiéis, mediante dedicação ou bênção, para isso prescritas
pelos livros litúrgicos".
O novo Códex (CIC 1983) retoma a mesma definição que o Direito de 1917 com uma diferença: os
novos livros litúrgicos reservam às pessoas o termo "consagração" e empregam, referindo-se aos lugares
e altares, o termo "dedicação". Na realidade, em seu uso primitivo, os lugares e objetos eram
consagrados por sua própria utilização, sem que fosse necessário benção especial. Deve-se dizer que o
rito de bênção dos lugares tem um grande valor catequético para o povo cristão.

34 O edifício da igreja
Hoje se considera um edifício mais no seu sentido funcional: “A igreja é local de reunião da
comunidade (assembleia)”. Neste conceito o homem está no centro. Outro ponto de vista é quando se
considera a igreja como “casa de Deus” ou “morada de Deus” e da comunidade. Assim também para a
construção de um templo se consideram as ‘igrejas funcionais’:
- Igreja-sinal para aqueles que estão lá dentro e para aqueles que estão fora.
- Igreja simples, mas bela e digna. Casa de oração e de missão.
- É o lugar onde a comunidade se reúne. O sentido da palavra ‘igreja’ é ‘convocação’.
- A igreja como edifício deve ser um anúncio, assim o entenderam os antigos arquitetos. As igrejas se
elevaram no meio do povo, hoje encontram-se no meio dos grandes edifícios e ‘desaparecem’ nas
cidades modernas.
- As igrejas são espaços, refúgios da vida estressante do mundo. A essência da Igreja se exprime na
liturgia e oração para a dedicação da igreja.
“Todas as igrejas devem ser dedicadas ou ao menos benzidas. As igrejas catedrais e paroquiais,
porém, sejam solenemente dedicadas” (IGMR 290).
Mas deve-se reconhecer que há uma subordinação, pois o edifício está ao serviço da comunidade cristã
e não vice-versa. Os homens, pela graça da redenção, tornam-se "pedras vivas" na casa do Senhor. Esta
realidade espiritual, por ser ligada ao homem composto de corpo e alma, deve manifestar-se de forma
visível, para se tornar assim um sinal para o mundo.
Em qualquer arte, deve-se obrar com aquilo que se tem à disposição. A genialidade consiste
precisamente em aproveitar o mais possível aqueles materiais disponíveis para dar uma expressão
adequada daquela realidade que se leva no coração da fé.
Podemos constatar, como os lugares onde a Igreja ofereceu culto a Deus, se modificaram as formas
através dos séculos. Isto foi possível, porque a Igreja não vê, em primeiro lugar, a perfeição na forma
exterior, mas na forma interior, que coloca os seus membros como pedras vivas sobre a Pedra angular,
o Cristo (cf. SC 122c):
Os edifícios do culto dos cristãos respondem a uma concepção muito diferente, não somente dos templos
pagãos como do próprio templo judeu. O templo de Jerusalém era a casa do Senhor, como tinha sido na
época nômade de Israel a tenda do testemunho. O templo conservava a Arca da Aliança onde Deus se
manifestava entre os querubins, e, no momento da dedicação de Salomão, encheu-se da Nuvem, sinal
da presença gloriosa de Deus. Na Nova Aliança o templo não é mais feito pela mão dos homens. O
templo agora é a santa humanidade de Jesus. Os cristãos, identificados com Cristo, são também templos
do Espírito Santo. Em cada fiel que ama Cristo, a Trindade faz sua morada. A própria Igreja, tomada
em sua totalidade, é como um templo, construído de pedras vivas, habitação de Deus".

Os edifícios sagrados e os objetos destinados ao culto divino devem ser dignos e belos como
sinais e símbolos das realidades celestes (IGMR 288; SC 123).

71
Exemplo: um jovem dizia: “Deus está em todos os lugares, eu quero casar-me num barco, não na igreja”. O
sacerdote não queria, e respondeu: “Está bem, más nós não estamos em todos os lugares”. (Princípio de
autenticidade).
104
Liturgia I

Nos primeiros séculos, a comunidade reuniu-se


na "domus ecclesiae" ou nas "igrejas
domésticas". Eram simplesmente as casas dos
fiéis. Faltando o lugar próprio de culto por
causa das circunstâncias, as pessoas
ofereceram espontaneamente as suas casas.
Uma vez mudadas as circunstâncias
com a Paz de Constantino, começa o tempo
das basílicas. A partir daí, a Idade Média vai
desenvolver diversos estilos de arquitetura
(românica, gótica, barroca, bizantina etc.)
construindo igrejas para a glória de Deus,
como também para a edificação dos homens.
Todas estas formas são uma resposta de fé
daquelas pessoas que as construíram.

A Igreja nunca adotou um estilo próprio em arte alguma, mas conforme a índole dos povos e
as condições e necessidades dos vários ritos admitiu as particularidades de cada época,
criando no curso dos séculos um tesouro artístico digno de ser cuidadosamente conservado.
Também em nossos dias e em todos os povos e regiões a arte goze de livre exercício na Igreja,
contanto que, com a devida reverência e honra, sirva aos sagrados templos e às cerimônias
sacras; de tal sorte que ela possa unir sua voz ao admirável concerto de glória que os grandes
homens cantaram à fé católica nos séculos passados (SC 123).

Mesmo que esta passagem se referisse à arte, sabemos que isso inclui também as igrejas,
enquanto expressão artística. Vimos como a Igreja tem uma flexibilidade, deixando os homens
exprimirem a sua fé. A Igreja recorre sempre à nobre ajuda das artes, e admite as formas de expressão
artística próprias de cada povo ou região.

Origens da arquitetura dos edifícios


Encontramos na tradição judaica os modelos para a “casa de Deus”, na arquitetura do templo de
Jerusalém, e nas construções das sinagogas para as celebrações da palavra. O culto da sinagoga estava
organizado em torno de dois pontos focais. No meio da sinagoga, havia sempre a “cátedra de Moisés”
(cf. Mt 23,2). A assembleia do povo podia reunir-se, porque no meio havia alguém que autenticamente
transmitiu a tradição viva da palavra de Deus (os rabinos e os doutores em Israel).
Na sinagoga havia também a “arca das escrituras” com o tesouro da palavra de Deus. O rabino e,
também, o povo estavam orientados em direção da arca da palavra, como um sacrário, que estava
colocado na ábside em direção a Jerusalém.
Mas isto não era o santo dos santos, porque naquele estava a “Arca da aliança” no templo em
Jerusalém. Esta arca que entre outras coisas continham as tábuas da lei, era considerada como trono (um
trono vazio). Mas aí se considerava o lugar de Deus, único objeto de adoração. Deus está sentado sobre
os querubins, no santo dos santos, na Shekhinà (em baixo da tenda). A partir desta presença cria-se, que
Deus falou a Moisés, a Samuel etc.
Assim, as sinagogas estavam construídas em direção a Jerusalém, onde se encontra o santuário. O
santíssimo (debir) era também imagem do santuário celeste.72
Uma outra caraterística foi o lugar de onde se lia a palavra de Deus. As orações eram recitadas
pelo cantor ou ministro. No período grego, tal lugar se chamava “bema” (palavra grega que significa
tribuna). Tratava-se de uma espécie de tribuna no centro, onde o leitor pode ser ouvido por todos.
Rezavam em direção a Jerusalém.

As Igrejas antigas siríacas

72
Cf. BOUYER, L. (1967). Arquitectura e liturgia, p. 18-20.
105
Liturgia I

A arquitetura primitiva nas construções de igrejas cristãs aparece como aquela das sinagogas da
época. Como na sinagoga, para as leituras e a oração, todos se dirigem para a bema, que ocupa, via de
regra, o centro da nave da igreja. Ali encontra-se sempre a arca com o véu e entre a bema e a arca
também o candelabro. No outro lado da bema encontra-se a cátedra do bispo, quem assume o papel dos
que antes ocupavam a cátedra de Moisés, os presbíteros e os cristãos estão sentados ao redor. No entanto
há uma diferença: enquanto a sinagoga se dirige para Jerusalém, as igrejas estão dirigidas para o ‘oriente’
geográfico. A ábside não fica vazia, ali se encontra o altar cristão.
A Igreja representa a nova Jerusalém e se orienta para a Parusia de Cristo. Não haverá mais templo,
porque o próprio Senhor será o templo eterno. Desta perspectiva vem a orientação das igrejas cristãs.
Toda a arqueologia cristã como também a literatura apresenta tal testemunho. Os Padres (Tertuliano)
exortam que toda oração, seja pública ou privada, deve ser orientada sempre para o Oriente. Também
na Palestina, os cristãos não mais rezam em direção a Jerusalém, mas para o Oriente.

As basílicas romanas
No primeiro tempo, em Roma, usavam-se as casas patrícias, que tiveram a forma de basílica. As
grandes basílicas foram construídas a partir de Constantino. Uma caraterística é a sede do bispo no
centro da ábside. Não é cátedra de doutor, mas sede de dignitário. O bispo e o clero são considerados
como altos funcionários do estado. Começou uma separação entre o clero e os fiéis. No tempo de
Constantino, ainda se conservavam as linhas antigas. O bema é modificado.

O limiar
É a marca, o limite, entre o espaço profano e o espaço sacro. Marca o limite entre o lugar público e o
lugar privado. No sentido profano, o limiar em baixo da porta impede que os bichos entrem na casa.

A porta
À porta fechada se deve bater. É uma abertura. A porta é símbolo da porta do céu. Os anjos
podem ser considerados como portas “elevai-vos antigos portais” (Sl 24,9).
Jesus mesmo é a porta (cf. Jo 10,7). Jesus é a porta para entrar no Reino de Deus. A porta da
cidade de Ez deve ficar fechada, a porta sagrada na basílica de são Pedro em Roma, as 12 portas de
Jerusalém.

35 Ao redor do altar:
O presbitério
IGMR 295: O presbitério é o lugar onde sobressai o altar, onde se proclama a palavra de Deus e
onde o sacerdote, o diácono e os outros ministros exercem as suas
funções. Deve distinguir-se oportunamente da nave da igreja, ou por
certa elevação, ou pela sua estrutura e ornamento especial. Deve ser
suficientemente espaçoso para que a celebração da Eucaristia se
desenrole comodamente e possa ser vista.

O altar73
Altar quer dizer: ‘alta ara’, um lugar elevado para colocar as
oferendas ou o sacrifício; no AT geralmente construído com pedras. O
altar por excelência é a cruz de Cristo. Sobre o altar se deve pôr uma cruz
que nos lembra do sacrifício de Cristo (cf. IG 297). Na igreja, o altar é o
lugar mais venerável. No ritual da dedicação de uma igreja a
‘consagração (sic) do altar’ constitui a parte central da cerimônia:
Os antigos Padres da Igreja, meditando a palavra de Deus,
não duvidaram afirmar de Cristo que Ele era a vítima, o
sacerdote e o altar do seu próprio sacrifício [...] O altar
cristão é, pela sua própria natureza, uma mesa especial do
sacrifício e do banquete pascal: – ara especial, onde se

73
Recomendamos o estudo da excelente obra de STEFAN HEID: Altar und Kirche. Prinzipien christlicher
Liturgie, Schnell und Steiner. Regensburg, 2019. Heid desenvolve a história do altar cristão, sua sacralidade,
como também a arquitetura dos edifícios das igrejas cristãs desde a antiguidade.
106
Liturgia I

perpetua sacramentalmente o sacrifício da cruz até ao fim dos séculos, até que Cristo venha;
– mesa em volta da qual se reúnem os filhos da Igreja, para darem graças a Deus e
comungarem o corpo e o sangue de Cristo. Em todas as igrejas o altar é, por isso, «o centro
da ação de graças, que se realiza totalmente na Eucaristia»”.
Cat 1182 O altar da nova aliança é a cruz do Senhor, da qual brotam os sacramentos do mistério
pascal. Sobre o altar, que é o centro da igreja, se faz presente o sacrifício da Cruz sob os sinais
sacramentais. Ele é também a mesa do Senhor, para a qual o povo de Deus é convidado. Em certas
liturgias orientais, o altar é também o símbolo do sepulcro (Cristo morreu de verdade e ressuscitou
de verdade).
O catecismo coloca em relevo quatro pontos sobre o altar:
* cruz
* lugar do sacrifício da Cruz
* mesa
* fonte de vida, sepulcro.
É bom notar como o catecismo coloca em
primeiro lugar o caráter sacrifical do altar.
Muitos liturgistas não queriam admitir este
aspecto primordial do altar. Autores de
destaque, como Martimort, consideram o
altar mais como uma mesa de refeição, do
que um lugar de sacrifício.
“O altar é uma mesa, a mesa da
refeição, sobre a qual o sacerdote [...]
realiza o que Jesus fez na quinta-feira
santa [...] Os primeiros altares
cristãos foram mesas portáteis, feitas
de madeira” (Martimort, ibid., p. 182).
A isto contestamos: os altares no Antigo Testamento não eram mesas portáteis, mas feitas de pedra,
para oferecer sacrifícios.
IGMR 298. É conveniente que em cada igreja haja um altar fixo, que significa mais clara e
permanentemente Cristo Jesus, Pedra viva (1 Ped 2, 4; cf. Ef 2, 20); nos outros lugares destinados às
celebrações sagradas, o altar pode ser móvel. Diz-se altar fixo aquele que é construído sobre o pavimento
e de tal modo unido a ele que não se pode remover. Diz-se altar móvel aquele que se pode deslocar de
um sítio para outro.
299. Onde for possível, o altar principal deve ser construído afastado da parede, de modo a permitir
andar em volta dele e celebrar a missa de frente para o povo. Pela sua localização, há de ser o centro
de convergência, para o qual espontaneamente se dirijam as atenções de toda a assembleia dos fiéis74.
Normalmente deve ser fixo e dedicado.
300. O altar fixo ou móvel é dedicado, segundo o rito descrito no Pontifical Romano; o altar móvel,
porém, pode ser simplesmente benzido.
301. Segundo um costume e um simbolismo tradicional da Igreja, a mesa do altar fixo deve ser de
pedra natural. Contudo, segundo o critério da Conferência Episcopal, é permitida a utilização de outros
materiais, contanto que sejam dignos, sólidos e artisticamente trabalhados. O suporte ou base em que
se assenta a mesa pode ser de material diferente, contanto que seja digno e sólido.
O altar móvel pode ser construído de qualquer material nobre e sólido, adequado ao uso litúrgico,
segundo as tradições e costumes de cada região.
302. Mantenha-se oportunamente o uso de colocar sob o altar que vai ser dedicado relíquias de Santos,
ainda que não sejam Mártires. Mas tenha-se o cuidado de verificar a autenticidade dessas relíquias.
303. Na construção de novas igrejas, deve erigir-se um só altar, que significa para a assembleia dos
fiéis que há um só Cristo e que a Eucaristia da Igreja é uma só.
Se a missa fosse uma refeição, os comensais estariam sentados ou deitados à mesa. A Missa se
entendeu sempre como um sacrifício, portanto o sacerdote que sacrifica fica sempre de pé diante do

74
Cf. Ibidem.
107
Liturgia I

altar. O relevo apresenta a celebração da missa do papa são Gregório Magno, enquanto o povo está
adorando de joelhos.

A Cátedra
Refere-se à sedília (assentos) que fica reservada ao bispo local, quando preside uma celebração
litúrgica. A cátedra remonta aos tempos mais antigos da Igreja. Temos já exemplos destas sedílias com
são Cipriano e santo Hipólito de Roma.
A Igreja, onde o bispo local tem sua cátedra, dá origem ao conceito "Catedral". Por ser o centro
litúrgico e espiritual de toda a diocese, a catedral é a igreja mais importante da diocese: é o lugar onde
o bispo reside, governa, celebra e ensina.
CIC 1184 A cadeira (cátedra) do Bispo ou do presbítero "deve exprimir a função daquele que
preside a assembleia e dirige a oração".
IGMR 310. “A cadeira do sacerdote celebrante deve significar a sua função de presidente da
assembleia e guia da oração. Por isso, o lugar mais indicado é ao fundo do presbitério, de frente
para o povo, a não ser que a arquitetura da igreja ou outras circunstâncias não o permitam: por
exemplo, se devido a uma distância excessiva se tornar difícil a comunicação entre o sacerdote e
a assembleia reunida, ou se o sacrário estiver situado no centro, atrás do altar. Deve, porém, evitar-
se todo aspecto de trono. É conveniente que a cadeira, antes de ser destinada ao uso litúrgico, seja
benzida, segundo o rito que vem no Ritual Romano.
No presbitério, dispõe também de assentos para os sacerdotes concelebrantes ou para os
presbíteros que, vestidos com a veste coral, estão na celebração, mas não concelebram.
Coloque-se o assento do diácono junto à cadeira do celebrante. Para os outros ministros,
disponham-se os assentos de modo a distinguirem-se claramente os do clero, e donde possam
desempenhar facilmente as funções que lhes estão atribuídas.”

A proclamação do Evangelho
Algumas palavras são muito importantes para nós. Palavras de despedida, de alguma pessoa amada,
Na liturgia, a resposta do homem se concentra na palavra. É, antes de tudo, um sacrifício espiritual.
Juntos escutamos a palavra e juntos damos a resposta. Em todas as palavras se coloca um selo, que é o
Amém: é seguro, é firme. Não exprime um desejo, mas o consentimento para o louvor, a petição etc.
As palavras tomam forma. Jesus é a Palavra que tomou forma.
“O mito quer a subida do homem, a palavra de Deus quer a descida de Deus.
O mito quer poder, a palavra de Deus quer o reconhecimento da impotência.
O mito quer saber, a palavra de Deus quer a fé” (von Balthasar).

O ambão
- Ambão, púlpito, cantória
A palavra ambão vem do grego anabainein subir, também chamado suggestum, analogium =
(lugar elevado), púlpito; e significa toda construção elevada nas igrejas com a finalidade de facilitar a
transmissão da palavra para aqueles que cantam, leem ou fazem uma pregação. Já se conhecia um tipo
de ambão nas sinagogas, mas também nos foros civis para os advogados. São Cipriano já faz alusão ao
ambão.
O ambão consistia de uma construção dupla, elevada na nave central da Igreja, um do lado
esquerdo e outro do lado direito. O ambão do lado esquerdo tinha dois lugares para proferir, um
inferior que servia para o cantor e um superior que servia para o leitor da epístola. O ambão do lado
direito era para a leitura do Evangelho e também para a pregação.
Através da história, encontramos exemplos monumentais de ambão. O ambão faz lembrar de
nosso Senhor na cruz, pendurado entre céu e a terra, a proferir as sete palavras. A verdadeira
autoridade vem de Cristo na cruz. Vemos como a palavra recebeu um lugar de importância na
arquitetura.
CIC 1184: O ambão. "A dignidade da Palavra de Deus exige que exista na igreja um lugar que
favoreça o anúncio desta Palavra e para o qual, durante a liturgia da Palavra, se volta
espontaneamente a atenção dos fiéis."

108
Liturgia I

IGMR 309. A dignidade da palavra de Deus requer que haja na igreja um lugar adequado para
sua proclamação e para a qual, durante a liturgia da palavra, convirja espontaneamente a atenção
dos fiéis.
Em princípio, este lugar deve ser um ambão estável e não uma simples estante móvel. Tanto
quanto a arquitetura da igreja o permita, o ambão dispõe-se de modo que os ministros ordenados
e os leitores possam facilmente ser vistos e ouvidos pelos fiéis.
Do ambão são proferidas unicamente as leituras, o salmo responsorial e o pregão pascal. Pode-
se também fazer do ambão a homilia e proporem-se as intenções da oração universal ou oração
dos fiéis. A dignidade do ambão exige que só o ministro da palavra suba até ele. Convém que
um novo ambão, antes de ser destinado ao uso litúrgico, seja benzido segundo o rito que vem
no Ritual Romano.”

Proclamação do Evangelho no ambão:


Para dar honra a Cristo e sua palavra, o ministro prepara-se com uma oração, e para a proclamação do
Evangelho, se faz a procissão para o ambão,
- respeita-se a dignidade do ambão (estável, enfeitado, fixo e elevado), é a cátedra de onde Deus nos
fala, com o Aleluia, na alegria (louvor a ti, ó Cristo), os fiéis reconhecem que Cristo está presente e
fala.
- Incenso como honra e estima especial,
- Sinal da Cruz: o contato entre a palavra e a pessoa (ilumina os sentidos [...]).
- O ósculo significa reverência ou adoração da Palavra, pede-se perdão (‘deleantur nostra delicta’)
- A palavra é aberta e viva: o Lecionário que fica aberto a todo momento indica estímulo e luz.
Todos nós precisamos desses símbolos, a palavra de Deus sempre espera por uma resposta = escuta e
adoração em espírito e em verdade. O Espírito faz eficaz a resposta.

O tabernáculo e a luz perpétua


O termo tabernáculo significa ‘tenda’ (shekkinah), é o lugar onde Deus mora.
IGMR 314. Conforme a arquitetura de cada igreja e de acordo com os legítimos costumes locais,
guarde-se o Santíssimo Sacramento no sacrário, num lugar de honra da igreja, insigne, visível,
devidamente ornamentado e adequado à oração. Habitualmente, o tabernáculo deve ser único,
inamovível, feito de material sólido e inviolável, não transparente, e fechado de tal modo que evite o
mais possível todo o perigo de profanação. Convém, além disso, que antes de se destinar ao uso
litúrgico, seja bento segundo o rito que vem no Ritual Romano.
315. Está mais em harmonia com a natureza do sinal que no altar em que se celebra a missa não esteja
o sacrário onde se guarda a Santíssima Eucaristia.
Ao juízo do bispo diocesano, o sacrário pode colocar-se:
a) ou no presbitério, fora do altar da celebração, com a forma e a localização mais
convenientes, sem excluir algum altar antigo que já não se utiliza para celebrar (n. 303);
b) ou também em alguma capela adequada à adoração e oração privada dos fiéis, que esteja
organicamente unida à igreja e visível aos fiéis cristãos.

Do CIC: A capela do Santíssimo


1183 O tabernáculo (ou sacrário) deve estar localizado "nas igrejas em um dos lugares mais dignos,
com o máximo decoro"75. A nobreza, a disposição e a segurança do tabernáculo eucarístico76 devem
favorecer a adoração do Senhor realmente presente no Santíssimo Sacramento do altar.

A luz perpétua
IGMR 316. Segundo o costume tradicional, junto ao sacrário deve estar continuamente acesa uma
lâmpada especial, alimentada com azeite ou cera, com que se indique e honre a presença de Cristo.
Cristo é aquela luz que sempre nos ilumina. As igrejas católicas têm esta presença divina, a
presença do céu. O respeito na nossa adoração é a medida do nosso amor a ele. Onde estão os
tabernáculos no mundo, ali não se apaga o amor. A luz perpétua indica sua presença. A menorá dos

75
Paulo VI. Mysterium fidei.
76
Cf. SC 128.
109
Liturgia I

judeus tem sete luzes que indicam o sol e os planetas que giram ao redor do sol. Por isso, a luz no
meio deve estar sempre acesa, as outras luzes se ascendam para a liturgia.

36 A fonte batismal
O batistério faz parte de toda igreja paroquial, é a fonte da nova vida. A forma octogonal indica
a ressurreição do oitavo dia. Para os gregos, o oito era o número da perfeição.
Cat 1185 O congraçamento do povo de Deus começa pelo Batismo; por isso, a igreja deve ter um lugar
para a celebração do Batismo (batistério) e fazer com que o povo lembre as promessas feitas na
celebração do Batismo. (O persignar-se com água benta faz lembrar o Batismo.)
A partir do século III, são conhecidos edifícios construídos e dispostos para uso exclusivo do
batistério. Sua decoração se inspira na tipologia bíblica da iniciação cristã, como nos apresentam
Tertuliano e Hipólito. A prática do batismo por imersão reclamava uma piscina, instalação de água e,
muitas vezes, o necessário para o aquecimento. O batistério devia ser feito separadamente do edifício
do culto e, como a iniciação era reservada ao bispo, era único em cada cidade.
No século V, quando nasce o sistema de paróquias, as igrejas paroquiais começam a receber
batistérios também. As formas dos batistérios variavam muito, mas normalmente ficaram dependentes
dos modelos criados pelos centros maiores. Sua arquitetura, tinha um plano em forma de raios e, por
razões alegóricas, uma forma octogonal. A veneração de que era objeto o batistério se manifestava pelo
admirável florescimento artístico que suscitou (na Itália até a Renascença) e pelos ritos litúrgicos: em
Roma, uma procissão reconduzia para o batistério os neófitos todas as tardes da semana da Páscoa.
O número cada vez menor de batismos de adultos, sobretudo o desaparecimento da imersão,
reduziram as proporções do batistério a um espaço delimitado no interior das próprias igrejas paroquiais,
perto da entrada. Nas prescrições jurídicas, não se fala mais de batistérios, mas somente de "fontes
batismais" (baptismalis fons). O esforço pastoral da participação comunitária fez com que se deixassem
o próprio batistério e os batismos passar a ser celebrados no santuário da igreja.
Enquanto símbolo, o Batistério ocupa um lugar de grande destaque e mesmo de veneração na vida
cristã e na liturgia. Como o Batismo significa a entrada no Corpo místico de Cristo (Igreja), os batistérios
foram colocados inicialmente à entrada das igrejas. Eles são também sinal de vida (sobrenatural).

37 O confessionário
A renovação da vida batismal exige a penitência. Por isso, a Igreja deve prestar-se à expressão
do arrependimento e ao recebimento do perdão, o que exige um lugar apropriado para acolher os
penitentes.
A igreja deve também ser um espaço que convide ao recolhimento e à oração silenciosa, que
prolongue e interiorize a grande oração da Eucaristia.
CIC 1186 Finalmente, a Igreja tem um significado escatológico. Para entrar na casa de Deus, é preciso
atravessar um limiar, símbolo da passagem do mundo ferido pelo pecado para o mundo da vida nova ao
qual todos os homens são chamados. A igreja visível simboliza a casa paterna para a qual o povo de
Deus está a caminho e na qual o Pai "enxugará toda lágrima de seus olhos" (Ap 21,4). Por isso, a igreja
também é a casa de todos os filhos de Deus, amplamente aberta e acolhedora.
Antes do século XI, conforme os ‘Ordines penitenciais’ o sacerdote administrava a penitência
privada ou em casa ou na igreja, sentado sobre uma sede qualquer, enquanto o penitente ficava ao lado
do sacerdote também sentado. Depois da confissão auricular, o penitente se colocava de joelhos para
receber a absolvição. O sacerdote colocava a mão sobre a cabeça do penitente e dava-lhe a absolvição.
Desta forma, vemos como ainda há um contato direto entre o confessor e o penitente na hora da
absolvição.
Depois do século XI, a situação muda. Parece que se confessava diante de um altar (provavelmente
se tratava de altares laterais, que então eram comuns) com uma grade pelo meio do confessor e do
penitente. Durante o século XIV, aparecem em Pisa, na Itália, os primeiros confessionários fixados à
parede, mas que estão ainda abertos. São Carlos Borromeo determinou nas normas diocesanas de 1565
que as sedes dos confessionários devem estar fechadas dos dois lados por paredes munidas de grades
metálicas. Paulo V assumiu esta norma no Rituale Romanum, mas parece ter demorado até ao século
XVII para difundir-se esta praxe na Itália e fora.

110
Liturgia I

38 O coro
Por coro se entende aquele lugar onde sacerdotes e monges de uma determinada igreja se reuniram
para o canto do ofício divino. O coro surge nos séculos XII e XIII e se desenvolve de tal maneira que,
com o tempo, em certos lugares, os coros impedem a visão do altar aos fiéis presentes. Abandonou-se o
uso dos bancos tradicionais feitos em pedra e adaptaram-se construções de madeira chamadas "stalls"
(stellern), que foram mais ou menos elevadas conforme o grau hierárquico. Mas, é sobretudo nos séculos
XV e XVI que os coros atingem seu maior desenvolvimento artístico.

39 Sacristia (secretariam)
A sacristia é aquela sala, geralmente perto do presbitério, na qual se conservam os objetos do culto
e onde os sagrados ministros se paramentam com as vestes litúrgicas.
Na época antiga, as igrejas mais importantes possuíam mais de uma sacristia, uma para os sacerdotes
prepararem-se para a santa missa e outra para ou guardar o Santíssimo ou guardar os livros de leitura
(especialmente o evangeliário). Nas antigas basílicas, a sacristia encontrava-se habitualmente ao lado
esquerdo do altar.
Durante a Idade Média, às vezes, as pequenas igrejas não possuíam uma sacristia ou tiveram uma
sacristia minúscula. Quando não tinham sacristia, se guardavam os objetos atrás do altar maior e se
preparava para a missão no "ângulo do altar". Na maior parte, as grandes sacristias são fruto dos tempos
recentes.
O lugar da sacristia deve ser considerado sagrado. Como lugar de preparação para os santos
mistérios, a sacristia exige uma atitude correspondente.

40 O cemitério
A palavra grega Koimhth,rion, do verbo dormir, significa lugar de dormição. Segunda as palavras de
Jesus: ‘a menina dorme’, a morte dos cristãos se entende como um sonho. É passar para uma vida
melhor.
O que começa no Batismo termina com a morte, mas em todos os momentos, do início ao fim da vida e
até depois, a Igreja acompanha os seus fiéis. Símbolo disso é o fato de que o cemitério surge ao lado da
Igreja, deixando os defuntos o mais perto possível de Cristo sacramentado.
No início foram sepultados os cristãos também em cemitérios públicos. Em Roma, as
catacumbas serviam como cemitérios. Mais tarde os cristãos tinham os seus cemitérios próprios.

41 A torre (campanário)
As torres são sinais que unem a terra com o céu. É uma expressão arquitetônica da fé em Deus
que visita os homens. Construiram-se as torres por causa dos sinos, mas também são um sinal da
transcendência por cima da vida terrena. São escadas para o céu. A torre de Babel era sinal da soberbia
do homem (Gn 11,4-9), mas a torre da casa de Deus exprime algo da saudade do homem de Deus.

41a Os sinos
Estava escrito num sino: ‘vivos voco, mortuos plango, fulgura frango’ (chamo aos vivos,
lamento os mortos e as tempestades desfaço). Assim era a importância dos sinos: força de anúncio e
força exorcista. Antes de tudo, querem chamar para a oração e liturgia. Desde o século VII, se usam os
sinos. Anunciam alegremente todas as festas. Parece que o uso de objetos de metal para a convocação é
muito antigo. Moisés fabricava duas trombetas de prata "para convocar a comunidade e levantar o
acampamento" (Nm 10,2).
A partir do século IV, usou-se a torre do sino (igreja santa Apolinária de Ravena). Nos mosteiros e
santuários, foram utilizados de forma mais sistemática os sinos e os seus toques.
Idioma: sinos em tons diferentes, assim são anunciados:
- o toque de Ave Maria, Angelus;
- o convite para a missa;
- a agonia e morte de um membro;
- a véspera da festa;
- a chegada do bispo, evento importante;
Também o anúncio de perigos ou incêndio. Foram colocadas certas inscrições e era abençoados pelo

111
Liturgia I

bispo. Os sinos ocupam um espaço especial. No AT se encontram em Ex 28,33-35; Sir 45,9. Nas
catacumbas tocavam (para consagração, no Sanctus).
Na primeira edição o novo missal de 1969 não falava, na segunda edição de 1975 permite a
utilização livre e personalizada, segundo o costume local. Acompanhar com o sino o viático (não
utilizado na época da paixão de Cristo - o silêncio), para enriquecer o significado simbólico.
- A bênção dos sinos é antiga; explica o ritual: para convocar o povo e para informar.
a) Uma referência à comunidade, um aviso para que todos possam acordar para consolar a dor - um
sinal de solidariedade e de partilha,
- contribuir para a atmosfera alegre, este é um verdadeiro concerto,
- às vezes chama para a oração privada.
Eles soam como testemunhas da Boa Nova no país, falamos da transcendência da vida.

42 As imagens sagradas
IGMR 318. “Pela liturgia da terra, a Igreja participa, saboreando-a já, na liturgia celeste celebrada na
cidade santa de Jerusalém, para a qual como peregrina se dirige, onde Cristo está sentado à direita de
Deus e onde espera ter parte e comunhão com os santos, cuja memória venera [...]. Normalmente, não
haja na mesma igreja mais do que uma imagem do mesmo santo. Em geral, no ornamento e disposição
da igreja, no que se refere às imagens, procure atender-se à piedade de toda a comunidade e à beleza e
dignidade das imagens.”

Janelas (vitrais)
As antigas janelas com motivos bíblicos foram símbolos do sol de Cristo que ilumina o seu
povo, ele é o sol da justiça (Mal 3,20). As catedrais com seus vitrais queriam ser símbolo da Jerusalém
celeste como novo céu e nova terra. As janelas são também como as portas do céu.

VI UTENSÍLIOS SAGRADOS, VESTES E INSÍGNIAS SAGRADOS

43 Os vasos sagrados
Quanto aos vasos sagrados, tratava-se de objetos da vida quotidiana que foram ulteriormente
levados para uso exclusivamente sacral. Tal fato corresponde ao nosso princípio acima citado: ‘do uso
natural surge o uso sobrenatural’. O desenvolvimento vem conforme o entendimento da ligação do
objeto com a realidade significada: de um copo comum surge o cálice. Uma vez modificado o
significado, segue sempre a transformação de estilo.
IGMR 328. Os vasos sagrados devem ser fabricados de metal nobre. Se forem fabricados de metal
inoxidável, ou menos nobre que o ouro, normalmente devem ser dourados por dentro.

a) Cálice (calix, poterion)


A Institutio Generalis do Missale Romanum menciona o cálice e a patena em conjunto:
"Entre os objetos requeridos para a celebração da missa, são honrados muito especialmente os
vasos sacros e, entre eles, o cálice e a patena que servem para oferecer, consagrar e consumir o
vinho e o pão" (IGMR n. 289).
Inicialmente era o cálice que recebeu mais atenção e só com o passar do tempo é que se desenvolveu a
patena.
IGMR 330. “Quanto aos cálices e outros vasos, destinados a receber o Sangue do Senhor, a copa
deve ser de material que não absorva os líquidos. O pé do cálice pode ser de outra matéria sólida e
digna.”
O cálice é o mais importante dos vasos sacros. Os quatro relatos da ceia e o próprio Jesus
segundo 1Cor 11,25 e Lc 22,20 mencionam expressamente o cálice. Era sinal bíblico tanto da Paixão de
Cristo (Mt 20,22; Mc 10,38; Mt 26,39.42; Mc 14,36; Lc 22,42; Jo 18,11) quanto do exercício da justiça
de Deus que recompensa (Sl 15,5; 22,5) e que pune (Is 51,17). Cálice único do qual todos os convivas
deviam beber, segundo o ritual da refeição pascal, torna-se nas epístolas de são Paulo (1Cor 10,16) o
símbolo da unidade da Igreja, que contém a graça. Desde o dia, em que Nosso Senhor o usou pela
primeira vez na última Ceia, sempre foi empregado na santa missa.

112
Liturgia I

Este vaso sofreu muitas alterações durante a história, começando de modo muito simples e
desenvolvendo-se para um vaso precioso. Os primeiros cálices eram de vidro, tendo o fundo com
decoração em pintura ou em ouro. Desde a época de santo Agostinho, passam os cálices a serem
confeccionados em metais preciosos.
Ordo Romano I, que nos apresenta a solene liturgia estacional de Roma, menciona diversos tipos
de vasos que se usavam durante a celebração eucarística, sem, no entanto, explicar os pormenores dos
mesmos:
O calix maior era para uso do celebrante (o papa). Havia um recipiente maior, onde se colocavam as
ofertas de vinho trazidas pelos fiéis. Deste vaso se tirava o vinho para o cálice maior.
- Gemelliones (pequenos copos) usados para a comunhão dos fiéis.
Quando se reduziu a frequência da comunhão e os leigos deixavam de comungar do cálice, as diversas
formas dos vasos foram desaparecendo. Os cálices ficaram de menores proporções e foram cada vez
mais enfeitados artisticamente. Vê-se claramente como a consciência da importância deste vaso levou à
transformação de forma.
Segundo o direito medieval que se perpetuou até nossa época, o cálice e a patena eram consagrados
pelo bispo com uma unção do santo crisma. Várias destas fórmulas de consagração eram de origem
galicana; outras apareceram pela primeira vez no Pontifical romano-germânico. O Pontifical de 1977
substituiu a consagração por uma simples bênção que todo sacerdote podia realizar, mas sempre com
certa solenidade e que normalmente se celebrava dentro da missa na hora da apresentação das oferendas.
Assim se manifesta a vontade de que sejam reservados para o uso exclusivo da eucaristia, o que faz
deles "vasos sagrados".

b) Patena
Este objeto sempre acompanha o cálice e ordena-se a ele, embora em um primeiro momento sua
presença seja muito modesta. Com o passar do tempo, quanto mais a atenção dos fiéis se dirigia para a
hóstia sagrada, tanto mais ia desenvolver-se a patena. Como o cálice, também a patena sofre uma
transformação enorme durante a história.

c) Píxide (ciborium, pyxis, tabernaculum)


A píxide é um vaso destinado a guardar as partículas consagradas. Através da história este vaso
assumiu diversas formas e recebeu diversos nomes. A forma mais antiga, dos inícios do século II,
chamava-se canistrum ou cisto. Tratava-se de uma pequena cestinha feita de vime. Nesta fase, a
finalidade do vaso é guardar as hóstias consagradas para a comunhão dos doentes.
Só depois do ano 1000, se começa a guardar o Santíssimo com a expressa finalidade de adoração.
Assim começa a evolução da forma da píxide. Ela assume formas estéticas muito mais dignas.

d) Custódia (ostensorium, monstrantia, tabernaculum) com luneta (lunula).


Trata-se de vasos de diversos gêneros, que a Igreja usou para guardar as partículas que eram objetos
de culto. Surgem na primeira metade do século XIV. Este vaso surge primeiro na Alemanha.

O ostensório – custódia grande


A custódia mostra o amor para a adoração. A Eucaristia é como um sol que emite raios de luz
espiritual do amor de Deus. Com a custódia se quer mostrar a Eucaristia para a adoração, e tem, muitas
vezes, a forma de um centro do qual saem raios. A adoração eucarística é como a prolongação da
celebração litúrgica da eucaristia.

e) Os santos óleos
O Santo Crisma (Mýron = perfume líquido) que, usado na unção, é sinal sacramental do selo do
dom do Espírito Santo, é tradicionalmente conservado e venerado em um lugar seguro da igreja. Perto
dele pode-se colocar o óleo dos catecúmenos e o dos enfermos.

f) Reliquário
Fala-se especialmente das relíquias da Santa Cruz, dos mártires e dos santos. A partir do século IV,
surgem as primeiras notícias sobre vasos que assumem a função de reliquário.

113
Liturgia I

g) Vasos sagrados secundários


Galhetas (rume, amulae, urceoli)
Vasos para o crisma: Tertuliano já menciona este vaso, mas só nos séculos V e VI é que se tornarão
bastante comuns.
h) Pia da água benta

44 A pedagogia das vestes


A veste nova
A veste pode ser uma máscara (cf. uma novela de F. Schiller: Kleider machen Leute), que às
vezes dá uma proteção para a própria integridade. A moda quer ser expressão da criatividade, da riqueza
do homem.
Mas há uma veste dada por Deus, que é a veste da graça (cf. Gl 3,27). A veste nupcial, o vestido
novo é símbolo da nova dignidade, porque Deus nos vestirá com vestidos festivos (cf. Zc 3,4).
Na igreja, a veste não é sinal de vaidade, mas é símbolo de dignidade ou responsabilidade, seja
para o sacerdote, diácono ou bispo. Com tal veste, o homem deixa o homem velho, se quer separar-se
do pecado para revestir-se do homem novo.
Escreve RATZINGER, ibid. (2000) p. 159-160:
A veste litúrgica que o sacerdote usa na celebração da Eucaristia deve, em primeiro lugar,
evidenciar que ele aqui não se encontra como pessoa privada, como este ou aquele, mas no lugar de um
Outro – de Cristo. O sacerdote torna-se instrumento a serviço de Cristo; não age por si, mas como
mensageiro, ou melhor, como presença do Outro – “in persona Christi”, como diz a tradição litúrgica. A
veste litúrgica nos recorda, imediatamente, os textos em que Paulo fala do revestir-se de Cristo (cf. Gl
3,27). Esse tornar-se conformes a Cristo e à nova comunidade que deve nascer desse processo – isso tudo
é recordado com a veste litúrgica. Ela constitui um desafio para o sacerdote para um imergir-se na
dinâmica de um despojar-se do próprio “eu” fechado em si mesmo, para tornar-se novo a partir de Cristo
e em vista de Cristo [...] A veste litúrgica reenvia para algo além do significado de vestimentas exteriores:
é uma antecipação da veste nova, do corpo ressuscitado de Jesus Cristo, uma antecipação daquela
novidade que nos espera depois da destruição da “tenda” que nos dá uma “moradia permanente” (cf. Jo
14,2).”

Já no AT havia vestes sagradas. Na liturgia deve-se vestir com Cristo, evitar demostrar ou expor a moda.
Numa casa, no ano 303 em Cirta (África), encontraram-se 82 túnicas para mulheres e 16 para homens;
isso mostra que os cristãos se reuniam para a celebração com túnicas especiais.
- A túnica branca do batismo é para indicar o estado de graça, revestido de Cristo. O vestido quer ajudar
a compreender o evento sacramental.
- Hoje, existem também roupas ou distintivos (fraternidades, confrarias [...]) que distinguem o ministério
da pessoa. As vestes do ministro, expressam a sua tarefa, seu ministério ou dignidade.
As vestes atuais: no ano 1972 os bispos franceses pediram permissão para usar um tipo de camisas
com estola encima (alva e casula). Isto é uma exceção, não é o normal. Hoje têm-se novas regras: os
concelebrantes também devem usar a casula.
O significado das vestes de ministros:
a) A diversidade é um sinal de função diferente, as roupas distinguem as diferentes categorias de
ministros, sua identidade. Para não separar os ministros da comunidade, todas as pessoas são iguais em
dignidade de batizados, mas as vestes sacerdotais são sinais simbolicamente eficazes. Atuam in persona
Christi et Ecclesiae. Distinguem-se sem separar. É um meio pedagógico para promover a identidade da
celebração cristã, no qual há uma interessante alternância entre uma comunidade e seus ministros.
b) Para decoração e beleza para a celebração festiva. Deve ser com nobre simplicidade.
c) Para indicar o mistério que é celebrado. A roupa pode expressar o significado de destaque, um sinal
de uma ruptura com a vida normal e profana. A Eucaristia não é uma refeição comum. O ministro age
in persona Christi, a sua ação ultrapassa infinitamente sua ação externa. Não só são importantes as
vestes, mas tudo no seu conjunto.
Deve-se deixar que falem os sinais: há dois extremos: o excesso da idolatria ou o abandono e desprezo
para com sua função pedagógica. Isto não é o mais importante, mas pode ser eficaz na pastoral.

Vestes sagradas
IGMR 335. Na Igreja, Corpo de Cristo, nem todos os membros desempenham as mesmas funções. Esta
diversidade de funções na celebração da Eucaristia é significada externamente pela diversidade das
114
Liturgia I

vestes sagradas, as quais, por isso, são sinal distintivo da função própria de cada ministro. Convém,
entretanto, que tais vestes contribuam também para o decoro da ação sagrada. As vestes usadas pelos
sacerdotes e diáconos assim como pelos ministros leigos sejam oportunamente benzidas.

As vestes litúrgicas interiores


a) Amito (amictus)
O sacerdote ao colocar o amito reza: "Impone, Domine, capiti meo galeam salutis, ad expugnandos
diabólicos incursus".
O novo Ordo Missae, faz duas referências ao amito : "Omnes qui albam induunt, cingulum
adhibeant et amictu utantur, nisi aliter provideatur" (IGMR 81) e "Antequam vero alba assumatur, si
haec habitum communem circa collum perfecte non cooperit, amictus adhibeatur" (n. 298). O fato de
ser opcional desvirtua muito o valor simbólico desta veste litúrgica. Semelhante efeito tem o seguinte
comentário que se encontra em um novo tipo de cerimonial, quando fala de um valor higiênico e
prático77. Esse reduz na prática esta veste à higiene e nem sequer menciona qualquer outro sentido
espiritual.
Antes do século IX, não era conhecido por este nome, mas o conheciam nos antigos Ordines Romani
como anagolnium, vindo da palavra grega anahólaion (que quer dizer um mantozinho). Mais tarde,
especialmente na Alemanha, recebia o nome de umerale.
Cassiano nota que usar aquilo que chamamos amito era costume dos monges egípcios e que são
Bento adoptou tal uso para os seus monges. Também deve-se notar que originalmente o amito espalhou-
se nas regiões de influência romana. Será só no tempo dos Carolíngios que tal costume passará a ser uso
na Gália, mas nem em todos os lugares. Ouve-se daquilo que chamamos amito pela primeira vez no OR
I. Aí, esta sobreveste é indicada como ornamento próprio do Pontífice nas grandes solenidades e dos
diáconos e subdiáconos regionais. Estes últimos o usavam por cima da alva. Quando o uso do amito
difundiu-se fora da Itália, o uso dele se tornou comum para todos os clérigos, mostrando uma única
diferença pelo fato de que estes últimos o usavam por baixo da alva. O antigo costume de pô-lo por cima
permaneceu como privilégio do sumo pontífice e dos sacerdotes assistentes que prestaram serviço ao
trono do Papa nas missas pontificais.
Este pano tem o significado de ser galei salutis como se ouve na oração de vestição. Tal ideia pode
ter surgido depois do século X, quando o celebrante costumava cobrir a cabeça com o amito, da sacristia
até junto ao altar, onde se ia celebrar a missa. Só então é que ele deixava cair o amito sobre a casula ou
dalmática.

b) Alva (túnica) e cíngulo


A oração que acompanha indica o significado: "Dealba me, Domine, et munda cor meum; ut, in
sanguine Agni dealbatus, gaudiis perfruar sempiternis". "Praecinge me, Domine, cingulo puritatis, et
extingue in lumbis meis humorem libidinis; ut maneat in me virtus continentia et castitatis".
Redemptionis Sacramentum 122. «A alva», será «amarrada à cintura com o cíngulo, a não ser
que seja confeccionada de tal modo que se amarre ao corpo sem cíngulo. Antes de se pôr a alva,
caso não se consiga cobrir totalmente a roupa comum ao redor do pescoço, use-se o amito».
A alva (albus - branco) chama-se comumente camisa e nos primeiros Ordines romanos ‘camisia’.
Se faz referência à alba na Gália ao fim do século V e parece ser já algo comum a todos os clérigos,
também àqueles de ordens menores. Na Idade Média, modificou-se bastante a alva, assumindo diversas
formas.
As albas primitivas eram de lã e mais raramente de linho e de seda. Só a partir do século IX, é que
as albas de linho se tornam comuns. Depois do século X, aparecem as albas com bordas e materiais
preciosos. O simbolismo da alba é a pureza e liga aos seguidores do Cordeiro no Apocalipse que lavavam
as suas vestes no sangue do Cordeiro.
O cíngulo (cingulum, zona) acompanhava sempre a túnica dos romanos. Por isso começa a fazer
parte das vestes sagradas. A forma original e comum era uma faixa de seis ou sete centímetros. Fala-se

77
"Although it is optional, the amice has a certain hygienic and practical value, especially when priests share the
same albs. It absorbs perspiration and is easily laundered. In some places, by local customs, "apparels" are attached
to the amice, usually matching the color of the vestments or their orphreys" (ELLIOTT, P.J. Ceremonies of the
modern Roman Rite. Ignatius, San Francisco, 1995).
115
Liturgia I

com regularidade do cíngulo-cordão só depois do século XV. A faixa foi decorada com motivos
ornamentais de flores e animais e às vezes levavam até pedras preciosas ou peças de ouro e prata.

As vestes litúrgicas exteriores


c) Roquete
O roquete derivou-se daquela alba que os eclesiásticos geralmente usavam na vida cotidiana durante
a Idade Média. Colocou-se a outra alba por cima desta veste. No século IX, em Roma, parece tomar-se
sinal próprio dos eclesiásticos mais insignes. O IV Concílio de Latrão recomenda aos bispos seu uso
também fora da igreja. Assim tornou-se pouco a pouco o sinal distintivo dos bispos e prelados e mais
tarde privilégio de certos eclesiásticos.
Originalmente o roquete ia até aos pés, mas, no século XV, passa ainda dos joelhos e, no século
XVII, fica mais curto ainda e com ornamentação. Mas o roquete não é considerado veste sacra
propriamente, foi usado pelos ministros, mesmo sendo leigos. *Às vezes se confunde com a sobrepeliz!

d) Sobrepeliz
É uma veste que vem dos países do norte de Europa. Os clérigos e monges usavam confeccionadas
de peles largas e pesadas durante os invernos frios, quando deviam dirigir-se à igreja para rezar o ofício
divino. Ao chegar ao ofício, colocava-se uma alba por cima, geralmente mais larga para não ficar
incômoda. Pouco a pouco se desenvolveu o que era uma simples veste exterior de coro em uma veste
litúrgica comum a todo o clero no século XIII. No século XVII, a sobrepeliz ficou mais curta e começou-
se a adorná-la.

e) Casula (planeta)
A planeta (o que chamamos de casula é um nome propriamente romano, que se chama casula ou
amphibolus em outras partes. Ela provém da antiga pénula romana da qual temos notícias já no século
III, como veste de uso cotidiano. Por isso, chegou a fazer parte das vestes sagradas. Há várias
testemunhas deste tempo que falam da poenula. Originariamente é veste de todos os ministros (acólitos,
leitores, subdiáconos e diáconos). No século VII temos notícias da casula já como veste sacerdotal. As
formas serão numerosas durante os séculos. A casula simboliza a veste sacerdotal de Cristo ele que usou
na última Ceia (cf. Jo 13,4).

f) Dalmática
A dalmática servia de veste para pessoas importantes no início do século III. No mesmo século,
parece tornar-se veste sagrada. Há um afresco do século III nas catacumbas de Priscila que representa
um bispo (ou papa?) consagrando uma virgem, vestido de dalmática e poenula. No século IV, o uso da
dalmática foi concedido já para o diácono e torna-se pouco a pouco o sinal distintivo do diácono diante
dos outros ministros. Mas é só por volta do século IX que se torna comum e universal o uso da dalmática
pelo diácono.
Quanto à forma, a dalmática conservou bastante a sua forma originária. Só depois do ano 1000 que
a dalmática fica mais curta e no século XII é que se abrem os lados da dalmática. No século XVI, as
mangas da dalmática podem-se abrir.
A tunicela (subtile, stricta) era a veste do subdiácono, mas também uma das vestes pontificais do
bispo. Ela imita a dalmática e surge nos séculos VII-VIII como veste pontifical. Mas, no tempo de são
Gregório Magno, a tunicela era sinal do subdiácono.

g) Pluvial (ou Capa)


O pluvial é uma capa que se usa no coro para o ofício divino. O nome pluviale ou pluvialis. capa,
foi usado na Itália e nos países do sul da Europa (depois do século IX), enquanto se empregava a palavra
capa nos países do norte da Europa. Não se sabe ao certo se esta veste tem sua origem na antiga lacerna
ou birras ou se seja uma transformação da poenula provida com um capuz para a chuva e aberta na
frente.
IGMR 341. “O pluvial, ou capa de asperges, é usado pelo sacerdote nas procissões e outras funções
sagradas, segundo as rubricas próprias de cada rito.”

116
Liturgia I

Deve ter surgido nos séculos VIII-IX. Tornou-se a veste dos membros mais conspícuos de uma
comunidade, mas especialmente dos primeiros cantores da schola. Graças a Cluny, o pluvial se
espalhava por todos os lados.
• Mantum papale: o manto de cor vermelha do papa que, com a tiara, se tornaram as insígnias
características da dignidade pontifícia a partir do século XI.
* Cappa choralis: a partir do século XII, é veste do clero durante o ofício.

• Capa magna: fala-se da capa magna só no século XV. Era do bispo e era muito larga e de forma
mais redonda, tendo um capuz e uma cauda cumprida. Usava-se quando se dirigia para funções
pontificais.
• Mozzetta: deriva-se da capa magna só que é mais curta. Não aparece antes do século XVI.

O barrete (pileus, biretus) aparece quando o capuz do pluvial se reduz. Parece acontecer nos
séculos XII-XIII. O uso do barrete espalhou-se rapidamente. As palas levantadas se usavam desde o fim
do século XV. O barrete de quatro palas levantadas era insígnia dos laureados.

Acessórios do vestuário litúrgico

45 As insígnias
As insígnias litúrgicas maiores são:
o manípulo; inicialmente um objeto (pano) de etiqueta (entre os romanos, indica um estado de gala). O
Liber Pontificalis o apresenta como uma insígnia honorífica, concedido aos diáconos no serviço
litúrgico. Desde o século VI, o manípulo fica como prerrogativa do clero romano. A ‘mapuloa’ se levava
na mão ou sobre o braço esquerdo. No Ordo Romano X: ‘mappulae in sinistra manu ferendae’. No
século XII-XIII, se começa fixar o manípulo no braço esquerdo, os bispos o colocam sobre o altar depois
do confiteor.
Rabano Mauro e Amalário o consideram como um sudário de uso sacro.

b) A estola
A estola “stolae” aparece no NT (Ap 6,11; 7,9; 22,14) como vestidos brancos e longos.
A estola do sacerdote até o século XII chamava-se “orarium”. Foi a insígnia do pregador
(orador) e daquele que orava em público, para distinguir a sua função. O diácono o levava da esquerda
para a direita. O bispo de forma cruzada (duas estolas). A partir do sec. XII usava-se a palavra “stola”,
vem do grego: stellomai, stalmai – e indicava o envio, o ministério.
O termo estola, que, na linguagem clássica, designava o amplo manto das matronas, aparece
com o significado litúrgico de orarium nas Gálias ao final do século VI. A esta mudança de uma palavra
por outra contribuiu possivelmente de se ter esquecido nos países do Norte o primeiro sentido de
orarium, palavra que acreditaram provinha de orar (falar, pregar), pelo qual fizeram da estola um
distintivo dos pregadores.
A estola, insígnia litúrgica comum aos diáconos, sacerdotes e bispos, não recebe nos
documentos mais antigos este nome, mas sim é chamada no Ocidente orarium, e no Oriente oqonh
wra,rion (zone orarion).
O orarium, chamado também mappa, sudarium, era, no uso profano, um pano, normalmente fino,
próprio das pessoas distintas, destinado a limpar o rosto ou colocado ao redor do pescoço como se fora
uma grande gravata. São Sátiro, irmão de santo Ambrósio, escondeu a eucaristia em seu orário, quando
naufragou e o atou ao pescoço [...]. O oqonh (linteum) dos gregos era igualmente um pano de linho
bastante amplo, equivalente, mais ou menos, à nossa toalha. Tal é o sentido que lhe dá santo Isidoro de
Pelusio (+ 440): “O orário, com o qual os diáconos fazem seu serviço nos sagrados ministérios, recorda
a humildade do Senhor, quando lavou e secou os pés de seus discípulos.”
No Oriente, o uso do orarium por decisão do Concílio de Laodiceia, estava proibido aos
subdiáconos e aos clérigos inferiores; segundo o testemunho de são João Crisóstomo, os diáconos
levavam sobre o ombro esquerdo, sem rodear. E consta da maior parte dos países ocidentais, fora de
Roma. O Concílio II de Constantinopla (553) ordenou que os diáconos não escondessem a estola debaixo
da túnica (alva), mas a levassem sobre o ombro esquerdo para distinguir-se dos subdiáconos.
117
Liturgia I

E, no IV Concílio de Toledo (633), proibiu-se aos diáconos levar duas estolas. Esta concreta
alusão ao concílio toledano reflete a prática de todo o Ocidente, exceção feita de Roma, e acha
confirmação na multidão de monumentos figurados, que representam o diácono com o orarium ou
estola, em forma de cachecol, de tecido ou de lã, colocada sempre sobre a dalmática, cujos extremos
caem perpendicularmente do ombro esquerdo.
Os sacerdotes e os bispos, em troca, levavam o orário debaixo da casula, fazendo-o girar ao redor
do pescoço de modo que pendurassem as duas partes verticalmente sobre o peito; assim aparece já a
estola no mosaico do bispo Ecclesius, em são Vital, da Rávena (s.VI), e nos retratos de santo Ambrósio
e são Martín, na basílica ambrosiana de Milão (s.V). Mas, o Concílio III de Constantinopla (680)
mandou que os sacerdotes cruzassem a estola sobre o peito. Esta forma de levar a estola, própria dos
sacerdotes, com exclusão dos bispos, fez-se comum na Igreja no século XIV e pela primeira vez foi
prescrita pelas rubricas do missal de São Pio V.
Na disciplina atual, a estola está prescrita, além da missa, para a confecção e administração dos
sacramentos e sacramentais e sempre que o sacerdote tem contato direto com a sagrada Eucaristia. Na
Idade Média, estava ainda mais em voga o uso da estola.

c) O pálio; indica o bom Pastor, é próprio do Papa, veste do Pastor, mas o Papa o entrega a certos bispos
(arcebispos). Na metade do século V, encontramos a primeira representação, no século VI é mais
numeroso. Em 513, o Papa Simmaco
concede o privilégio do pálio a são
Cesário de Arles. Depois se multiplica
a entrega do pálio do papa aos bispos da
Itália e, também, fora da Itália.
Também é dado ao Oriente, onde é
chamado ‘omoforium’.
Sobre a origem há várias hipóteses.
Chamado ‘mantello’ de são Pedro’.
Outros o consideram como uma
concessão imperial. Outros o relacionam com o ‘pallium’ o antigo manto dos filósofos. Antes como uma
‘toga’, um manto amplo e longo, ou como uma poenula, manto dos bispos. Do século VI ao sec. IX, é
um manto longo pendurado do pescoço para frente e para trás. O pálio com a cruz se
encontra em Ravenna, marcam quatro, depois oito cruzes, geralmente em vermelho. A
cor do palio é sempre branca.
O pálio é uma insígnia de honor, dada pelo papa aos arcebispos, insígnia da sua
jurisdição. O Metropolita pode levar o pálio dentro da sua província, mas não fora dela.
Alguns papas (séc. IX-XIII) limitaram o uso para certos dias litúrgicos. É um signo
expressivo que indica a unidade com a Sede apostólica.

d) O rationale (superhumerale):
Quase não se usava, antes do Concílio, mas durante a Idade Média era um ornamento
do bispo. O rationale consistia, com exceção de algumas variantes secundárias, de uma
estofa retangular.

As insígnias litúrgicas menores são:


a) A mitra b) O pastoral (báculo) c) O anel d) A cruz peitoral

Insígnias pontificais

- A Mitra / Tiara
A mitra vem da ‘coroa’ dos anciãos no
Apocalipse. Usam sobre a cabeça o diadema
(cf. Ap 4). Para cobrir a cabeça, usava-se o
“infula”. Também o ‘pileo’ e o ‘barreto’
usavam-se simplesmente para cobrir a cabeça.
118
Liturgia I

É coisa certa que, a diferença das vestes e dos sacerdotes pagãos, os quais durante os sacrifícios
colocavam-se na cabeça a mitra ou a infula, os bispos e sacerdotes cristãos dos primeiros séculos não
usaram objeto algum na cabeça durante o serviço litúrgico. Quis apostólas, aut evangelista, aut
episcopus — escrevia Tertuliano — invenitur coronatus? São Paulo, além disso, tinha mandado que os
homens orassem descobertos (1Cor 11,4). Certo que da mitra se fala já do século IV, mas como de um
barrete característico que levavam as virgens consagradas a Deus. São Optato de Mileto e depois santoo
Isidoro falam dela e o Líber ordinum da liturgia moçárabe a tem por um dos ornamentos da abadessa.
Na vida doméstica, tanto os homens como as mulheres, levavam ordinariamente um gorro, de
procedência oriental, de forma semiesférica baixa, chamada pileus, porque originariamente se fazia de
feltro. Provavelmente, de um destes gorros nasceram a mitra episcopal e a tiara papal, para uso privado
do Papa.
O autor do Líber pontificalis, descrevendo a entrada do Papa Constantino I (708-715) em
Constantinopla, diz: Apostolícus Pontifex cum camelauco, ut solitus Romae procedere, a palatio
egressus, in Placidias properavit. Do mesmo modo, a Pseudo-Donatio Constantini (s.VIII) enumera o
"camelauco" com o nome de pileum phrigium candido nitore entre os presentes feitos pelo imperador
ao Papa Silvestre: Eumdem phrigium omnes eius successores pontifique singulariter uti in
processionibus. Este camelaucum ou calamaucum, chamado mais tarde mitra (regnum), era um gorro
baixo e redondo, de cor branca; aparece como ornamento papal nas moedas do Sergio III (904-911) e
Benedicto VII (974-983).
Os ordines antigos ainda não mencionavam a mitra, aparece somente a partir do século X.
Inocenzo II (1130-1143) a menciona como distintivo episcopal.
A forma da mitra ficou no século XI como um biretto branco. No século XII, com dois chifres
(cornua), a partir do século XII (depois do 1150) a mitra teve a forma como a conhecemos hoje.
Não está bem clara a origem das duas faixas (fasciae, vittae) na Mitra. A coroa imperial alemã levava
duas faixas semelhantes. Hoje, as faixas na mitra se interpretam e significam a palavra de Deus no AT
e no NT. A mitra é branca, não participa nas cores litúrgicas.
A tiara do papa (gr.: frigium; lat.: regnum) o papa recebeu do imperador do Oriente. No séc.
IX, é designada como regnum (Ordo 36). Não é propriamente uma insígnia litúrgica, é usada pelo
pontífice somente na coroação e nas procissões. Ordo 14: quando o Papa chegou a Latrão: descendit de
equo, deponit regnum et assumit mitram.

O báculo - pastorale (dos bispos) – a férula (do papa)


Indica o bom Pastor. É símbolo de autoridade. O uso do pastorale dos bispos surgiu na Gália
no século IX.
A ferula pontificalis do papa se conhece desde o século X. Quando o papa tomou posse em Latrão,
recebeu a férula como sinal de seu poder que vem de Deus.
A menção mais antiga do bastão (baculus, pedum, ferula, cambuta)
como insígnia litúrgica dos bispos e abades é possivelmente a que está em
uma rubrica do Líber ordinum espanhol, que remonta pelo menos ao
século VII, relativa à consagração de um abade: tradetur eum baculum ab
epíscopo. Em uma época não muito posterior, alude o can. 28 do Concílio
IV de Toledo (633), santo Isidoro de Sevilha (636), que vê no episcopal,
e na Inglaterra o penitencial de Teodoro de Canterbury 690.
Entretanto, o uso do bastão deve ser ainda mais antigo, se efetivamente a
ele se refere uma frase um pouco alegórica do Papa Celestino I (423-432) escrevendo aos bispos da
Narbonense; em que alguns inclusive, com pouco ou nenhum fundamento, quiseram ver no bastão a
imitação de um costume oriental, apoiando-se em um discurso de são Gregório Niazianzeno.

- O anel: O anel é símbolo da fidelidade (aliança, o amor não tem fim como o círculo de um anel).
No AT o Faraó dá a José um anel (cf. Gn 41,42), o pai dá um anel ao filho pródigo (cf. Lc 15,22). O
anel tem às vezes um selo que significa a palavra de honor, a fidelidade ao seu compromisso. Assim
como uma carta selada contém um mistério, santo Isidoro de Sevilha interpreta o anel como ‘selo’,
porque o bispo é o administrador dos mistérios escondidos de Deus.
Deus fez uma aliança conosco e nos deu seu anel como promessa. Por isso, o anel é também
símbolo das bodas místicas entre o bispo e a Igreja (século VII na Espanha).
119
Liturgia I

É desconhecida a origem do assim chamado ‘anel do pescador’, se encontra numa carta do papa
Clemente IV de 1265. É de ouro e leva uma imagem de Pedro na barca de pescador e leva o nome do
papa reinante.

- A cruz peitoral:
Os cristãos usavam uma cruz peitoral até o século IV, que continham relíquias dos mártires.
Como símbolo do papa se menciona a primeira vez em Inocêncio III (século XII).
Os bispos na Gália a usavam no século VI.
A origem da cruz peitoral parece relacionada com os encolpia (de enkolpos = peito), e quer
dizer, um santo amparo que os antigos cristãos levavam sobre o peito. O uso de cruzes nos testemunha
isso já nos documentos do século IV. Eram, em geral, lâminas de metal finas, ou pequenas cápsulas em
forma de cruz frequentemente continham relíquias de mártires ou coisas santas, sentenças do Evangelho,
invocações a Deus, ou também pequenos fragmentos da verdadeira cruz. Este piedoso costume vemos
praticado na Idade Média particularmente pelos bispos. Levavam encolpia são Gregório de Tours, são
Gregório Magno, santo Aidano (+ 651), Rothadio de Soissons (+ 868) e Elfego de Canterbury (+ 1012).
Como ornamento litúrgico do Papa, a cruz peitoral aparece mencionada pela primeira vez por
Inocencio III, que faz observar que a levava sobre o peito. Mas em seu tempo era já de uso quase geral
entre os bispos, embora não obrigatória, pois um pontifical do século XII, enumerando os paramentos,
diz da cruz: Crux pectoralis, si quis ea uti velit.
Atualmente, o bispo pode levá-la sempre e em qualquer lugar. Em troca, os prelados inferiores
que tenham obtido este privilégio não podem levá-la a não ser durante as funções sagradas. Alguns
metropolitanos, como o patriarca de Lisboa e o arcebispo de Armagh, usam uma cruz peitoral com duas
traves transversais paralelas, segundo o tipo da cruz de Lorena.

a) Luvas (chirotecae, manicae, wanti)


Temos o sentido na oração que se reza, enquanto se vestem as luvas: ‘Circunda, Domine, manos
huius ministri tui da novi hominis (de coelo descendit)’. As luvas não eram tanto para proteger as mãos
contra o frio, mas antes para mantê-las limpas. É, no início do século X, que se conhece o uso das luvas,
reservado aos bispos.
b) Sandálias (compagi) século IV-V,
insígnias litúrgicas (pontificais).

VII OS LIVROS LITÚRGICOS


Na Escritura o profeta Ezequiel deve comer o livro (Ez 2,8-3,3), quer dizer que ao mesmo tempo
recebe a palavra no seu coração. O homem vive do alimento que sai da boca de Deus (cf. Mt 4,4). O
nosso livro sagrado é o Evangelho que representa a Cristo mesmo que fala para a assembleia. A liturgia
usa o livro do Evangelho nas cerimônias solenes, acompanhado pelos acólitos e com velas acesas,
venerado pelo incenso e ouvido sempre de pé. Entrega-se este livro ao diácono na sua ordenação.
Na dedicação da igreja, o bispo diz: a palavra de Deus preenche esta casa. Na consagração
episcopal se coloca o livro na cabeça e nos ombros do bispo, como sinal da carga de anunciar o
Evangelho oportuna- ou não oportunamente. Nos concílios, o evangelho recebeu um lugar de honra
especial. Nas bibliotecas dos antigos mosteiros, se destacavam os livros sagrados com enfeites artísticos
e pinturas nos livros. Hoje em dia, se substituem tantas vezes estes livros pelos folhetos, mas devemos
ter grande reverência aos livros sagrados.

História dos livros litúrgicos do rito romano:


(Missale, Pontificale, Rituale, Benedictionale, Breviarium etc.)

1 Livros para a santa missa


Na antiguidade é por tradição oral que são transmitidos os textos. Quem preside e pronuncia a
oração, não o faz por improvisação, mas segue as tradições. Não é por inspiração interior, como alguns
achavam, porque os cristãos assumiram as tradições judaicas. Quando se encontra qualquer fórmula
antiga, como por exemplo no caso da Didaqué, cap. 9 e 10, tais orações ainda não tinham o caráter
oficial, mas privado, pois como diz são Justino "aos profetas é permitido render graças quanto queiram".
120
Liturgia I

Nos séculos II-III, chegou o período das fórmulas primitivas: anáforas tendem a fixar-se por
causa da sua importância, como no caso da Traditio apostolica de Hipólito. A partir do século V,
encontram-se as primeiras coleções (sacramentários). Os sacramentários contém as orações, mas não
dizem nada a respeito da ação litúrgica. Assim era necessário providenciar outros livros com os
pormenores sobre como executar os ritos para realizar os sacramentos. No séc. VII, começa a história
dos Ordines Romani. Estes livrinhos acompanharam o mestre de cerimônias e davam-lhe respostas
necessárias quanto às dúvidas. Este desenvolvimento vai continuar ainda com outros livros mistos nos
séculos XI e XII: Pontificalia, Ordinalia, Caerimonialia, Rituale etc.
O processo de fusão vai passar diversas fases até chegar a uma fusão completa. Mas no entretempo
há dois outros acontecimentos importantes. O primeiro é o enfraquecimento e a queda do império franco-
germânico. O outro é a decadência espiritual e, por conseguinte, uma decadência litúrgica, que caiu
sobre a cidade de Roma no século X.

a) Sacramentários
1 Sacramentarium Veronense (Leoniano)
O sacramentário mais antigo que conhecemos foi encontrado na biblioteca de Verona, atribuído à
reforma do Papa Leão Magno. Não é propriamente um sacramentário, é antes uma coleção de libelli
(livrinhos ou folhetos), que se usavam de forma independente um do outro. Esta obra é, por assim dizer,
um precursor dos sacramentários. (Data do manuscrito: 600-625; data de composição: 561-574).
Descrição: este livro é estruturado, segundo os meses do ano. Sendo que este manuscrito é
incompleto, o texto começa só a partir do mês de abril e termina com o mês de dezembro; os ciclos do
tempo e dos santos, como também certos ritos sacramentais, apresentam-se sem uma estrutura ordenada.
Tipologia: não foi pensado como livro para o uso no altar, mas é antes uma coleção de libelli de
diversos períodos. Um libellus é um livrinho que contém certo número de textos eucológicos; pode ser
um único formulário para a missa ou um conjunto de várias missas, ou podia ser até um grupo de textos
para outros tipos de ação ritual. O fato de que há diversos formulários para o mesmo dia, mostra que
havia uma possibilidade de escolha. Assim se vê que este livro foi usado como fonte para outros livros.
Há dois tipos de libelli: 1) no tempo pré-sacramentário era uma folha ou um pequeno opúsculo
de folhas que continham as orações propostas para uma determinada festa ou igreja. Estes livrinhos são
um legado entre o tempo de improvisação estruturada e os textos fixos dos sacramentários sucessivos.
O Sacramentarium Veronense é este tipo de libellus. 2) No tempo dos sacramentários, havia ainda libelli
em circulação, mas eram tirados dos próprios sacramentários para uso por sacerdotes em viagem como
missionários ou como peregrinos, ou possivelmente para a celebração de missas votivas.
História: Este sacramentário é uma coleção privada de livrinhos romanos, que antes de serem
recolhidos neste códice, foram juntados e conservados nos arquivos lateranenses. Originariamente tal
coleção foi usada pelo papa e, mais tarde, foi modificada para uso da parte dos sacerdotes nas igrejas
titulares de Roma. Este manuscrito foi encontrado em tempo moderno (1713) na Biblioteca Capitular
de Verona por Scipione Maffei. Em 1735, este manuscrito foi atribuído ao papa Leão Magno. Embora
é coisa segura que ele tenha contribuído em alguns formulários, não se pode atribuir a obra
exclusivamente a ele.

2 Sacramentarium Gelasianum (GeV – Gelasianum Vetus)


Na edição de Muratori de 1748, recebe o título Líber sacramentarium Romanae Ecclesiae ordinis
anni circuli, mas ficou batizado com o nome "gelasiano" por ter sido pensado que era o Papa Gelásio o
autor desde tesouro. Há um único exemplar deste sacramentário, o Reginensis 316, da Biblioteca
Vaticana. Falta a última parte (conclusão) do manuscrito Reginensis 316, mas nos é fornecida pelo
Códice Latino 7193 da Biblioteca Nacional de Paris.
Data do manuscrito: can. 750, foi copiado no mosteiro de Chelles, perto de Paris; Data de
composição: entre 628-715.
Descrição: tem dois elementos caraterísticos: 1) dividido em três partes conforme o ano litúrgico:
primeiro, o ciclo santoral (também os comuns e as missas do advento), depois, os domingos do ano
(inclui também o Canon) e por último, missas para diversas ocasiões e outros elementos litúrgicos. 2)
Frequentemente há uma oração a mais depois da coleta e antes da secreta.

121
Liturgia I

Tipologia: é um sacramentário no verdadeiro sentido da palavra, pois contém os textos necessários


para o bispo ou sacerdote para a missa, outros sacramentos, a Liturgia das horas e outras diversas
celebrações.
História: olhando para o conteúdo deste sacramentário, vê-se que se trata de um livro misto e em dois
sentidos: 1) é um livro romano que contém também muitos elementos galicanos; 2) a base romana tem
elementos que não são apenas de caráter papal, mas também de caráter claramente presbiteral. É
importante notar, que havia duas tradições litúrgicas que estavam se desenvolvendo
contemporaneamente em Roma: uma papal (gregoriana), outra presbiteral (gelasiana). O
Sacramentarium Gelasianum foi usado em Roma durante o século VII e VIII. Mas já antes do papado
de Gregório II (715-731), foi levado para a Gália onde recebeu vários acréscimos galicanos. Este
sacramentário mostra uma difusão bastante grande no VIII século que faz acreditar que ele já tinha
chegado no fim do século VII para a Gália. É uma testemunha importante do rito franco-romano que se
estava desenvolvendo gradualmente no norte dos Alpes.

3 Sacramentário Gelasiano do século VIII


O GeV não foi o único sacramentário em uso pela Igreja da Gália nos meados do VIII século, porque
chegou outro sacramentário romano, um gregoriano de tipo paduense. Mas, em vez de escolher entre os
dois (Gelasiano antigo e Gregoriano), muitos resolveram combinar os dois e assim formar um novo livro
que continha elementos galicanos e monásticos. Este grupo recebeu o nome de "sacramentários
gelasianos do VIII século" e foi dividido em dois:
1) Há um único exemplar: O sacramentário de Gellone e 2) existem vários exemplares:
Sacramentário de S. Gallo, Triplex, Rheinau, Plúllips, Angoulême e Plonza. A diferença entre os dois é
o seguinte: o segundo grupo é o resultado de uma revisão sistemática do primeiro grupo, onde se
eliminou a maior parte das repetições que surgiram ao juntar as duas fontes (GeV e Gregoriano-
Paduense).
Primeiro grupo: Liber sacramentorum Gellonensis
Data do manuscrito: can. 790-800; data de composição: can. 760-770.
Descrição: divide-se em duas partes: 1a parte, um verdadeiro e próprio sacramentário, onde vêm
misturados os ciclos temporais e santorais como na tradição gregoriana; a 2a parte é um ritual-pontifical
que contém diversas bênçãos episcopais, orações segundo o uso monástico, um rito de batismo e um
martirológio reduzido.
História: pensa-se que o livro foi composto originalmente -em meio monástico sob a iniciativa
do rei Pepino, o Breve, querendo a unificação litúrgica do seu reino. O legado do contexto monástico
mostra-se claramente pelo fato que há um bom número de festas e rituais considerados monásticos.

Sacramentarium Gregorianum
Este sacramentário leva o nome do Papa Gregório Magno, mas não há provas suficientes para
sustentar que ele o tenha compilado. Pode-se demonstrar que ele tenha composto orações e pode ser que
ele tenha escrito uma primeira versão deste texto, mas menos estruturado.
O manuscrito Cameracensis 164 que forma o texto-base da edição de Deshusses e deveria ter
escrito o can. 811-812 em Cambrai durante o episcopado de Ildoardo. Data de composição: a primeira
redação devia ter lugar durante o pontificado do papa Honório I (625-638).
Descrição: dividido em duas partes: ciclo temporal e santoral. Normalmente há três orações para
cada formulário de missa e aparecem como títulos: oratio, super oblata e ad completa ou ad
complendum. Por vezes encontramos uma bênção super populo. Os prefácios são em número reduzido.
Contém a oração eucarística: o Cânone Romano completo. As igrejas estacionais são claramente
indicadas. Durante uma procissão, há uma coleta especial para a reunião inicial na igreja estacional antes
de iniciar a procissão para a igreja, onde ia celebrar-se a missa.
Tipologia: Inicialmente, este sacramentário era destinado para uso papal, ou para seus
delegados, organizado com interesse para as celebrações litúrgicas nas igrejas estacionais de Roma. Por
isso, o Sacramentário não foi destinado, nem considerado apto para as exigências de uma paróquia
normal.
História: a história deste sacramentário é bastante complicada, mas pode-se dividi-la em duas
etapas: a primeira, antes da metade do século VIII (can. 750) e a segunda, depois da metade do século
VIII.

122
Liturgia I

Na liturgia romana antiga, os cantos da missa e do ofício divino são quase exclusivamente
bíblicos. Não há outros hinos a não ser o Gloria in excelsis Deo e, sem dúvida, o Te Deum. No século
VIII aparecem, sobretudo no Ofício divino, peças cantadas não bíblicas, muitas vezes traduzidas do
grego, que frequentemente apresentam uma coloração dramática (responsórios dos noturnos dos dias
santos). A partir dos séculos VII-VIII, a celebração das festas dos santos não se localiza mais nos seus
túmulos, como antes se realizava. Este é também o período em que os monges gregos são numerosos
em Roma em que a liturgia romana toma emprestado dos gregos o canto da fração (Agnus Dei), a
adoração da cruz, a ladainha dos santos e as principais festas marianas.

Depois aparecem três tipos de sacramentários gregorianos que saem do tronco comum, do Sacr.
Gregoriano:
1° tipo paduense: can. 670-680; esta revisão foi feita para o uso em S. Pedro no Vaticano. Tal
fato explica como se difundiu o Sacramentário Gregoriano com tanta rapidez e autoridade na Gália no
fim do século VII e início do século VIII. Foi esta versão que formou os Gelasianos do VIII. século. O
Gregoriano deste tipo adoptou o sacramentário papal para uso presbiteral e por isso era necessário
completá-lo com outros elementos tirados do GeV.
2° tipo de Trento: can. 690
3° tipo -Hadrianum: 783 Carlos Magno pede ao papa Hadriano um exemplar de um
sacramentário romano puro. Entre 785-786 envia uma cópia do Sacramentarium Hadrianum. Esta cópia
serviu para muitos modelos, mas o próprio exemplar não chegou até nós.
Este último tipo precisava de correções: muitos erros de latim e adaptações para as condições da
paróquia. O beneditino Bento de Aniane (+821) foi encarregado de fazer as adaptações. Daí resultou o
chamado: Hadrianum+ Huiusque+ Supplementum.
Supplementum em duas partes: 1) abundância de textos para preencher lacunas no Hadrianum; 2)
uma longa série de prefácios, uma coleção de bênçãos episcopais e ritos de ordens menores.
Fontes do Supplementum foram: Gelasiano galicanizado do VIII. século, Sacramentário pré-
Hadrianum, Missale de Alcuino (uma coleção de missas votivas), outras fontes galicanas, liturgia
visigótica (a família de Bento pertencia à aristocracia visigótica) e as composições litúrgicas próprias de
Bento de Aniane.
Podemos propor as seguintes relações:

Sacramentário Gelasiano velho (depois de 628) Sacramentário Gregoriano (d. 625)

Greg.-Paduense (d. 670)


Sacr. Gelasiano do VIII séc. (d. 760)
Greg.-Trento (690)
Greg.-Hadrianeo (d. 783)
Greg.-Hadr.-Huj.-Suppl. (d. 786)
para o uso no império de Carlos Magno

Sacramentário Gregoriano misto do século X. e XI.


Há grupos que se chamam também «Gregorianos gelasianizados» e são uma nova síntese do
Hadrianum /Supplementum e do S. Gelasiano do VIII século (GeV + Gregoriano de tipo Paduense,
ainda com usos galicanos e monásticos). Fala-se mais destes sacramentários, quando se fala sobre os
Missalia. Só se deve lembrar, que, com a reforma otoniana da segunda metade do século X, estes
sacramentários gregorianos mistos vão voltar para Roma -para tornar-se o novo modelo!

b) O Lecionário
Existia um livro particular para o leitor. A terminologia usada para estes livros era um pouco
complexa e por isso precisava haver uma explicação:
Na Apologia de são Justino no início do século II, já se mostra claramente, embora de uma forma
simples, a estrutura da liturgia da Palavra. Mesmo assim vai haver um longo percurso até chegar aos
primeiros lecionários romanos do século VII.
Duas formas de ler: 1) lectio continua e 2) passagens escolhidas para um período ou para uma
festividade litúrgica. No início havia muita liberdade para o bispo ou sacerdote escolher as leituras, mas

123
Liturgia I

com o desenvolvimento do ano litúrgico, como também das liturgias estacionais de Roma, a primitiva
existência de um tal sistema, mesmo antes da composição dos sacramentários, pode ser deduzida dos
santos Padres e de outras provas históricas, como os inventários de objetos sagrados e livros litúrgicos.
Há três maneiras de indicar as leituras litúrgicas:
* notas marginais: notas são inseridas na margem de um códice da Bíblia,
* capitulares: lista de passagens com as primeiras e últimas palavras do passo,
• lecionários: livro próprio onde a passagem inteira da leitura vem transcrita do texto bíblico e
os passos são ordenados no decurso de leitura.
Estas três ordens coexistiam por muito tempo, mas o lecionário terminou impondo-se
definitivamente. Os textos romanos mais antigos, que forneciam um sistema organizado de leituras
litúrgicas, são as capitulares do VII e VIII séculos.
Tipologia: no primeiro tipo, vimos a Bíblia como um verdadeiro livro litúrgico; no segundo tipo, os
capitularia fazem parte do próprio livro ou são pequenos livrinhos que acompanham (comes); o terceiro
tipo, muito prático e simples de utilizar.

Organização das leituras no lecionário atual (Vaticano II)


Principais critérios. A seleção dos textos bíblicos e a organização do Lecionário obedeceram aos
seguintes critérios:
- apresentar à assembleia o mistério da salvação de forma integral;
- acrescentar harmoniosamente ao núcleo do mistério da salvação: a páscoa de Jesus Cristo e outros
temas, como o Reino de Deus etc.;
- o ano litúrgico é a forma ideal e prática de apresentar aos fiéis o anúncio e o desenvolvimento do
mistério da salvação;
- os textos bíblicos mais significativos devem ser reservados para o Dia do Senhor e para as festas; os
outros destinam-se ao Lecionário ferial. Dessa forma, em determinado período de anos, serão lidas ao
povo as partes mais importantes da Sagrada Escritura.
- Para os domingos e festas, deverão ser introduzidas três leituras; do Antigo Testamento (palavra
profética), das cartas (palavra apostólica) e o Evangelho (palavra evangélica).

A distribuição das leituras bíblicas, segundo um ciclo de três anos, permite aos fiéis o conhecimento de
toda a Palavra de Deus, em conformidade com uma explicação adequada. Durante todo o ano litúrgico,
mas sobretudo nos tempos da páscoa, da quaresma e do advento, a seleção e a distribuição das leituras
tendem, de maneira gradual, a levar os cristãos a conhecer com mais profundidade a fé que professam e
a história da salvação. Por isso, a organização e a distribuição das leituras para as celebrações
eucarísticas correspondem às necessidades e aos desejos do povo cristão.

Lecionário dominical
À luz das orientações do Vaticano II, no conjunto de leituras para os domingos e festas (o novo
lecionário), com finalidade pastoral, foi organizado num período de três anos de acordo com os seguintes
critérios: toda celebração eucarística apresenta três leituras: a primeira do Antigo Testamento; a segunda,
do Apóstolo (as Epístolas, ou do Apocalipse), e a terceira, do Evangelho. É uma distribuição que enfatiza
a unidade do Antigo e do Novo Testamentos e a História da salvação, cujo centro é Cristo e seu mistério
pascal. O fato de propor-se um ciclo de três anos78 serve para que haja uma leitura mais abundante da
Sagrada Escritura, visto que os próprios textos só voltarão a ser lidos depois de três anos. O ano de cada
ciclo é regido pelo Evangelho sinótico que se proclama durante o tempo comum numa leitura
semicontínua, desta forma:
ANO A- Evangelho de Mateus;
ANO B -Evangelho de Marcos;
ANO C-Evangelho de Lucas.
O Evangelho de João, além de completar as leituras do ano B, é reservado pela Igreja para os
tempos privilegiados da quaresma, da páscoa e do natal. Cada ano tem sua grandeza autônoma. Os

78
Foram propostos vários modelos no Concílio Vaticano II. Por exemplo a Igreja anglicana usa um ciclo de
quatroanos, um ano para cada Evangelho. Enfim, foi aceito a ordem que conhecemos pelo OLM (Ordo lectionis
Missae).
124
Liturgia I

critérios que regulam a ordem das leituras dos domingos e das festas são de "composição harmoniosa"
ou "leitura semicontínua". Emprega-se outro critério de acordo com os distintos tempos do ano e as
características especiais de cada tempo litúrgico.

Lecionário semanal
O lecionário para os dias de semana segue estes critérios: Toda a celebração eucarística
apresenta duas leituras: a primeira do Antigo Testamento ou do apóstolo (as cartas e ou Apocalipse) e,
no tempo pascal, dos Atos dos Apóstolos; e do Evangelho de João. O ciclo anual da quaresma é
organizado, segundo a índole batismal e penitencial desse tempo. As leituras propostas para os dias de
semana do advento e dos tempos de natal e da páscoa não variam.
As leituras evangélicas dos dias das trinta e quatro semanas do tempo ordinário são distribuídas
num ciclo que se repete todos os anos. A primeira leitura acha-se distribuída em um duplo ciclo que se
lê em anos alternados: ano par e ímpar. Usa-se também o lecionário para missas dos santos, diversas
necessárias e votivas.
O lecionário para as celebrações dos santos oferece uma dupla série de leituras: uma série para
as solenidades, festas e memórias, especialmente se para cada uma delas se encontram textos próprios.
Uma segunda série, mais ampla, em que se propõem, em primeiro lugar, textos próprios para os santos
mártires, pastores, santos e santas etc.; depois, uma segunda série de textos que abordam a santidade em
geral. Há também textos que, segundo a memória do dia, podem ser empregados de maneira mais livre.
Junto com o lecionário para o comum dos santos, há uma série de leituras sugeridas para diversas
celebrações rituais: batismo, confirmação, ordenações, unção, matrimônio, para as diversas
necessidades, votivas e de defuntos.

c) Antiphonale
A música sempre fazia parte da liturgia solene. Há textos escriturístico-poéticos para cantar.
Como o repertório da música para a missa se difunde pela tradição oral, temos poucas notícias de
textos escritos que remontam antes do VIII século. Deve-se basear em informações incompletas tiradas
da legislação conciliar, história eclesiástica, do Liber Pontificalis dos Ordines Romani e de outros
documentos medievais.
João, o arquicantor de são Pedro, (can. 680) cuja precisão se discute muito, escreveu uma
coleção de cantos para a missa e para o ofício, foi iniciada pelo papa Dámaso (366-384) com a ajuda de
são Jerônimo, e que foi difundida e desenvolvida por Leão Magno (590-604) e outros, incluindo diversos
abades do Mosteiro de São Pedro.
Gregório Magno não compôs o canto que leva o seu nome, parece claro que ele recolheu e
organizou o corpo existente da música litúrgica como parte da organização geral da liturgia que se
sucedeu durante o seu pontificado.
Tipologia: Amalário de Metz (780-850), o que eles chamavam de Antiphonale, os Romanos
chamavam de cantatorium (contendo o salmo gradual), ou responsoriale (contendo o responsório para
o ofertório).

d) Missal
O argumento aqui é como o sacramentário, o lecionário e o antiphonale que se tornaram um
único volume para assim formar um novo livro litúrgico: o missal. Tipologia: terminologia bastante
fluida. missal podia ser um sacramentário que contém também as leituras.

2 Livros para o Ofício divino


a) Livros para o canto
1) Saltério
O livro litúrgico mais antigo do ofício divino é como que o núcleo fundamental. No rito latino, existiam
três traduções diferentes do saltério: duas para uso litúrgico e outra para a finalidade de estudo. Todas
as três estão ligadas a são Jerônimo (can. 312-420).
1) Uma revisão do Saltério da Vetus Latina. Psalterium Romanum. 2) Muito difuso na Itália e Espanha.
3) Revisão feita em can. 389-392
Em 392, ele fez uma nova tradução iuxta hebraicum veritatem. Esta versão nunca chegou a ser usada na
liturgia pelo simples fato de que as outras versões já se tornaram de uso comum.

125
Liturgia I

Tipologia: há uma importante distinção entre o saltério bíblico e o saltério litúrgico. Ao segundo,
além dos salmos, foram acrescentadas outras coisas como, por exemplo, os cânticos do Antigo
Testamento (laudes) e do Novo Testamento (Benedictus, Magnificat, Nunc Dimittis), outros hinos
antigos (Gloria, Te Deum) etc.
2) Antifonale (contém as melodias para as antífonas dos salmos);
3) Hinário
b) Livros para as orações
O Ofício divino estava concentrado ao redor de dois principais elementos: o saltério e o colectário.
Este núcleo ia atrair outros elementos com o passar do tempo. Este tipo de livro recebia diversos nomes
como collectarium, collectarius líber, collectaneum, orationarius, orationale.
c) Livros para a leitura
1) Leituras tiradas da Sagrada Escritura
2) Leituras patrísticas
3) Leituras hagiográficas
4) Lecionários
d) Breviário (história semelhante ao missal)

3 Livros para orientar o Ano Litúrgico


a) Calendário
Os livros litúrgicos antigos, como o sacramentário, o lecionário e o antifonale não continham um
calendário no início do texto que foi uma evolução da Idade Média. Surge primeiro em terra francesa, a
partir do século IX, e só entra em uso romano depois do século XII.
Divide-se o estudo do calendário em dois tipos principais: um como documento separado e o
outro, enquanto inserido nos diversos livros litúrgicos. Com isso, não se quer dizer que o primeiro tipo
desenvolvido para o segundo, porque os dois tempos coexistiam por um certo tempo.
Documento separado: na igreja antiga, houve dois tipos de documentos para registrar o decorrer
dos dias festivos: o calendário, que era uma verdadeira lista de festas observadas por certa igreja local e
o martirológio, que era uma compilação mais genérica. Nos primeiros documentos, a distinção entre
estes dois tipos não é sempre clara. A testemunha mais antiga de um calendário romano é composta de
duas listas, uma depositio episcoporum e uma depositio martirum.

b) Martirológio
É semelhante ao calendário. Originalmente este livro comemorava os aniversários dos mártires de
uma determinada igreja; mais tarde passou a ser um catálogo dos santos (não importava se era mártir ou
não) durante o ano litúrgico. Também podia indicar a lista das festas eclesiásticas celebradas anualmente
em uma data determinada.
Os martirológios mais antigos remontam ao século IV e se limitavam a mencionar no dia certo
o nome do santo e o nome do lugar ou do cemitério onde se venerava aquele santo. Mais tarde parecia
oportuno juntar um resumo biográfico dos santos. Assim, nasceram os assim chamados martirológios
históricos. O primeiro exemplo destes vem de são Beda, o Venerável.
Seguiram outros autores com a intenção de completar aquilo que faltava no livro de são Beda:
um anônimo de Lião (c. 800), Floro, diácono de Lião (+depois 852); Wandelberto, monge de Prümm
(+842); Rabano Mauro (c. 845); Adone (+875); Usuardo (c. 875); Notker (c. 896). A obra de Usuardo,
compilado com bons critérios com base nos anteriores martirológios, foi bem recebida nas igrejas de
então e, mais tarde, com correções e acréscimos, transformou-se no martirológio romano que se usava
até o concílio Vaticano II.
O uso do MR na liturgia começou oficialmente no início do século IX, quando se começou a lê-lo no
ofício monástico durante o capítulo da hora Prima. No século X, o MR entrou no uso litúrgico no coro
das igrejas colegiadas e catedrais.

4 Livros usados para o bom andamento da liturgia


a) Ordines

126
Liturgia I

São livrinhos que descrevem uma ação litúrgica singular. Os ordines romani publicados por M.
Andrieu são os melhores exemplos deste tipo de livro. Os primeiros ordines aparecem ao fim do século
VII / inícios do século VIII.
Tipologia: um texto que recolhe todas as informações necessárias para celebrar uma ação litúrgica
dada, inclusive os incipit de vários textos, juntos com as rubricas, por vezes muito detalhadas. Leva
vários nomes, nem sempre aparece com nome. Quanto à extensão, pode variar de umas poucas páginas
até cinquenta ou sessenta páginas; tal texto é destinado ao mestre de cerimônias e seus assistentes.
Faz-se referência às orações de várias formas: 1) de forma geral, como no sacramentário continentur,
2) com o incipit da oração, 3) com o texto inteiro da oração. Neste último caso, trata-se do precursor do
ritual, pontifical ou do sacramentário com rubricas.
História: muitos têm sua origem em Roma, como pequenos fascículos separados, que posteriormente
foram difusos em países franco-germânicos, onde foram juntados em coleções e que remontam aos
séculos VIII-IX. Estes têm uma grande variedade de temas: missa (do papa, do bispo, do sacerdote),
batismo, ordenação, exéquias etc. Os ordines são preciosos por vários motivos; às vezes nos permitem
distinguir claramente entre usos romanos e usos franco-germânicos. Mostram também uma gradual
codificação de orações, leituras e cantos. Oferecem indicações que não se encontram em outra parte.
Dão uma boa noção de como se celebrava a liturgia, seja em Roma, seja em outra parte.

b) Ordinalia
Podem ser distintos do ordo, enquanto estes descrevem diversas ações litúrgicas durante o percurso
de todo o ano litúrgico, com a intenção de estabelecer uma uniformidade do culto. Sendo que este tipo
de livro litúrgico considera o culto local e não universal; não existe uma coleção standard de textos
como no caso dos ordines. Eles remontam ao período entre os séculos XI e XV. Não devem ser
confundidos com os costumeiros.

c) Caerimonialia
podem ser distintos dos Ordinalia, enquanto estes não contêm textos litúrgicos, nem incipit para as
leituras, orações ou cantos. Transmitem descrições mais detalhadas das cerimônias de uma comunidade
particular durante o decorrer do ano litúrgico.
Tipologia: variam segundo as intenções daqueles que os mandaram escrever. 1) papal; 2) episcopal;
3) das ordens religiosas (para os abades); 4) por parte dos outros ritos ocidentais, não romanos.

5 Livros usados pelo celebrante para os sacramentos e outros ritos


a) O Pontifical
Originalmente as orações que o bispo precisava para a celebração dos sacramentos e outras
ações litúrgicas estavam contidas no sacramentário, enquanto as normas rubricais para o bom andamento
dos serviços litúrgicos se encontravam nos diversos ordines. O pontificale reuniu num só livro tanto as
orações como as rubricas.
Tipologia. Há duas razões principais para o aparecimento e desenvolvimento dos pontificais:
uma prática, outra eclesiológica. A primeira tem a ver com a mobilidade: enquanto o bispo estava na
sua catedral, ele tinha todos os livros necessários à sua disposição; quando estava fora da catedral ele
precisava de um livro pequeno e prático, um único volume que continha todo o necessário para as
diversas celebrações. A segunda razão relaciona-se com a primeira.
Nos séculos IX e X, a função dos bispos na sociedade cristã estava em aumentar e consolidar-
se. O papel do bispo adquiriu maior importância seja em nível religioso, seja em nível social. O
desenvolvimento do pontifical como livro litúrgico distinto, dá testemunho desta mudança.
História. - Os pontificais primitivos. Os exemplares mais antigos deste novo gênero de livro
litúrgico são os libelli (livretos), que remontam à segunda metade do século IX e que contêm todas as
informações necessárias aos bispos para a celebração de qualquer ação litúrgica: uma ordenação, a
consagração de uma igreja, a missa crismal de quinta-feira santa, os ritos relacionado a um concílio etc.

O pontifical romano-germânico do século X (PRG)


• O pontifical romano do século XII. Não se deve pensar que o anterior pontifical gozou de uma
fama incontestável. Gregório VII

127
Liturgia I

O pontifical da cúria romana do século XIII. Durante o pontificado de Inocêncio III (1198-1216), os
mestres de cerimônias da corte papal queriam modificar o pontifical, segundo as necessidades do papa
e da sua cúria. Este pontifical foi sujeito a três diferentes recensões, a primeira durante o pontificado de
Inocêncio III, em uma versão adaptada também às celebrações do bispo e a última durante o pontificado
de Inocêncio IV (1243-1253) e escrita para as sedes episcopais italianas. Foi esta terceira versão que se
firmou e que foi levada para Avignon na primeira década do século XIV.
• O pontifical de Guilherme Durando (1293-1253): no mesmo período, Guilherme Durando, bispo de
Mende na França compôs um pontifical para sua diocese. A grande vantagem deste pontifical era de ter
uma estrutura clara. O conteúdo se dividiu em três partes: 1) consagração e bênçãos de pessoas; 2)
consagrações e bênçãos de objetos; e 3) outras celebrações.
• Pontificale Romanum. A editio princeps do pontifical romano foi publicada em 1484. Era uma
versão corrigida e atualizada do pontifical de Guilherme Durando.

b) Rituale
Como o Pontificale era o livro do bispo, o Rituale era o livro do sacerdote. Este descrevia os
ritos litúrgicos de cada dia que se celebravam no meio modesto da paróquia local. Até ao século XVI,
quando os ritualia foram mais ou menos estandardizados, uma das caraterísticas mais acentuadas era
sua qualidade local.
Tipologia: o ritual contém todos os textos necessários para celebrar todos os sacramentos
(menos a santa missa), ritos e bênçãos que não competiam ao bispo.
Possuía outros nomes como agenda, obsequiale, manuale, sacerdotale ou pastorale. Uma vez
que o batismo se tornou o primeiro rito deste livro, chegou a ser chamado baptisterium.
História: a partir do século IX, a paróquia tornou-se uma entidade eclesiástica importante,
distinta da catedral e do mosteiro local. Com isso, o sacerdote da paróquia começa a assumir um papel
maior na sociedade. Com esta mudança surge este livro.
Libelli. Estes livretos resultam de uma combinação de orações tiradas de um sacramentário para
uma determinada celebração e rubricas para uso do sacerdote. Não há intenção de chegar a um novo
livro litúrgico, mas surge de um desejo de preparar uma liturgia ordenada e fluente. O desenvolvimento
deste livro litúrgico anda paralelamente com o pontifical. Os primeiros livretos foram redigidos para os
ritos de penitência, unção dos enfermos e funerais, ocasiões em que a liturgia não era celebrada na igreja.
-Livros compostos (a partir dos séculos X e XI). Eles surgiram no ambiente monástico,
mostrando assim a ligação entre a vida conventual e a cura das almas. Os rituais foram unidos muitas
vezes a uma coletaria (coleção de orações para o ofício divino) ou a um processional (ladainhas e
orações que se usavam nas procissões). Os sacerdotes-monges precisavam de livros para o ofício divino,
como também para a cura das almas.
-Rituais «puros» (a partir do século XII). Nesta altura, o ritual surge como livro litúrgico
independente de qualquer outro. No século XII, os rituais estão ainda muito ligados aos meios
monásticos ou por motivo de ação pastoral dos sacerdotes-monges ou por causa dos scriptoria ligados
aos mosteiros. Durante o século XIII, os rituais começam a ser usados pouco a pouco nas paróquias.
Uma das principais razões para isso é o fato de que vários sínodos diocesanos começaram a exigir que
os párocos possuíssem um ritual. No século XIV, são os próprios bispos que vão responsabilizar-se para
a publicação de rituais nas suas dioceses. O século XV revela uma enorme variedade de rituais, enquanto
o século XVI começa a procurar modelos «standard».
-Rituais impressos. Antes do Concilio de Trento, os rituais tinham uma grande semelhança com os de
tempo anterior; depois do concílio houve uma tendência para a uniformidade. Houve três edições
italianas antes do Rituale Romanum de 1614:
1) o Liber sacerdotalis de Alberto Castellani (1523): dividido em três partes, sacramentos, bênçãos e
procissões;
2) o Sacerdotale de Samarino (1579): baseado na obra de Castellani;
3) o Rituale de Santori (1584-1602).
O papa Gregório XIII (1572-1585) encarregou a Santori de preparar um ritual na linha da
reforma tridentina que fosse ao encontro das necessidades pastorais daquele tempo. O papa morreu em
1585. Seus sucessores, Sisto V (1585-1590) e Clemente VIII (1592-1605) se interessaram também pela
obra de Santori, mas ele próprio veio a falecer em 1602, enquanto o ritual estava sendo impresso. Paulo
V (1605-1621) decidiu não usar esta edição, mas preferiu uma versão simplificada (que continha muitos

128
Liturgia I

elementos da obra de Santori): o Rituale Romanum de 1614. Deve-se notar que este rituale nunca foi de
uso obrigatório e por isso continuaram-se a usar paralelamente muitos rituais locais.
Em 1925, foi publicado um novo Rituale Romanum por Pio XI para atualizá-lo com as mudanças
necessárias em vista do Códice de Direito Canônico de 1917. Em 1952, Pio XII publicou ainda outro,
onde acrescentou, em apêndice, grande número de bênção.

Art. IV: Noções de história da liturgia (no


Oriente e Ocidente) 79

4.1 Do NT até os Padres da Igreja


A liturgia cristã nasceu essencialmente da última ceia do Senhor, renovada por seu mandato e
enriquecida por um serviço eucológico de origem judia. Na forma de rezar, os primeiros cristãos
orientavam-se pela tradição judaica. “Em Jerusalém, a comunidade participava regularmente das preces
que se sucediam dia após dia no Templo, cumprindo a agenda litúrgica do calendário religioso judaico”
(At 2,46; 3,1.8; 5,42; 21, 27).
Em Jerusalém, conforme Atos 2,46a; 3,1; 5,12.42; 22,17, os cristãos se reuniam no Templo para
a oração oficial. Aí se encontraram com os judeus para as horas tradicionais de oração, mas o Templo
já tinha perdido para eles o papel do único lugar de reunião "litúrgica". Com a presença do Cristo
ressuscitado, a comunidade cristã já não se sentiu tão ligada ao Templo com o seu serviço litúrgico.
Os primeiros cristãos reuniam-se nas casas dos fiéis para "acrescentar" o que lhes faltava. Em
Roma, os cristãos se reuniam nas casas de famílias aristocratas para cumprir seus serviços litúrgicos.
Estas casas iam receber o nome de domus ecclesiae80. A história da liturgia romana deve ter tido seu
início por volta do ano 64 com a difusão do evangelho em Roma.

79
Da instrução de 1979: Noções de história da liturgia
26. Ao se exporem sucessivamente as diversas ações litúrgicas e os sacramentos, insistir-se-á sobre a história de cada rito, tanto
para fazer compreender os usos litúrgicos atuais quanto para esclarecer e corroborar a teologia sacramental.
Para facilitar tal clarificação ao longo do curso, será geralmente vantajoso começar por um esboço sumário do conjunto das
fases e períodos da história da liturgia e sublinhar as relações mútuas entre a liturgia e a espiritualidade cristã.
Assim, na medida do possível, começar-se-á por descrever a oração judaica no tempo de Cristo, nas sinagogas e nas casas
particulares e a celebração da Páscoa, para melhor compreender tanto a semelhança como a novidade da oração cristã.
Descrever-se-á depois a assembleia litúrgica na idade apostólica. É desejável indicarem-se aos alunos as fontes litúrgicas
dos primeiros séculos (como a Didaché, são Clemente de Roma, são Justino, santo Irineu, Tertuliano, Hipólito de Roma,
São Cipriano, a Didascalia, as Constituições Apostólicas, a ‘Peregrinatio Egeriae’), textos escolhidos das anáforas
primitivas e catequeses patrísticas.
27. Como as liturgias das diversas igrejas foram fixando progressivamente as suas leis e os seus textos, será oportuno esboçar
aqui as famílias litúrgicas do Oriente e do Ocidente, descrevendo-lhes rapidamente a origem, a história e as
características: isto é de extraordinária importância naquelas regiões onde vivem numerosos fiéis das Igrejas orientais.
Aconselha-se a pôr em relevo a afinidade que une os diversos ritos; na exposição de cada ação litúrgica e sobretudo de cada
sacramento, tenham sempre um lugar importante os textos e ritos das diversas liturgias, para enriquecer a apresentação
doutrinal e alimentar a piedade.
28. Ilustrar-se-á a obra promovida pelo Concílio de Trento para corrigir os abusos que se tinham introduzido na liturgia e
promover a unidade litúrgica. Comentar-se-ão os seus decretos sobre a liturgia e explicar-se-á como é que, segundo a
ordem do concílio e no seu espírito, os papas empreenderam a reforma e a publicação dos livros litúrgicos garantindo-
lhes desse modo um uso que chegou aos nossos dias. Será também oportuno referir brevemente o progresso adquirido
pela liturgia do século XVII ao XIX, apesar das dificuldades e graças sobretudo à erudição histórica: a devoção
eucarística, a observação fiel dos ritos, as iniciativas pastorais empreendidas em diversos países para que os fiéis
compreendessem a liturgia e nela participassem, abriram o caminho da renovação que, iniciada no nosso século porsSão
Pio X, foi longamente desenvolvida pelo Concílio Vaticano II.
29. Finalmente, para melhor compreender a liturgia atual no seu conjunto, será muito útil indicar aos alunos os documentos
com os quais ela foi pouco a pouco posta em prática.
80 Embora, eles continuem com as realidades exteriores da liturgia judaica, há uma nítida espiritualização das
realidades veterotestamentárias: sacrifício, altar, templo:
A arqueologia ajuda-nos de penetrar um pouco neste lugar de culto dos primeiros cristãos. Exemplos deste
domus ecclesiae em Roma, são as igrejas de são João e são Paulo, de santa Cecilia, de são Clemente e de santa
Pudenziana. Estes edifícios greco-romanos foram então transformados para a celebração da missa, do batismo e
para a instrução catequética.
129
Liturgia I

Seja em Jerusalém, seja em Roma, o conteúdo destas reuniões era o ‘partir o pão’ na ceia "com
alegria e simplicidade de coração" (At 2,46)81. A Coena Dominica ou Fractio panis, desde os primeiros
dias da Igreja, mostrou-se como o rito característico do novo culto, o sacrifício da nova Lei, que não
tinha nada em comum com os antigos ritos do sacrifício do templo. Precisamente por ser original,
apresenta uma linha de admirável simplicidade. Precedia algumas vezes uma convivência em comum
(ágape), colocavam-se sobre a mesa do convite o pão e o vinho; o presidente da assembleia recitava
sobre eles uma bênção (eulogia) ou fórmula eucarística do tipo daquela que pronunciou Jesus, partia-se
o pão e se distribuía aos presentes. Este é o quadro litúrgico que apontam os Atos e são Paulo da missa
primitiva. Não existem ainda determinados formulários; só importam o pensamento e as palavras
expressas por Jesus, que os apóstolos recolheram e transmitiram, e se traduziram em fórmulas análogas,
livres, improvisadas, seguidas pelos assistentes e sublinhadas por sua adesão com a aclamação amém.
Os sacramentos se apresentam imediatamente como elementos litúrgicos coordenados
geralmente com a missa, com igual simplicidade nos ritos. Uma infusão na água no batismo, uma
imposição das mãos na confirmação e na ordem, uma comida do ágape, o uso do pão e vinho na
eucaristia, uma unção de óleo na extrema-unção, uma expressão contratual no matrimônio. O cerimonial
se achava reduzido aos elementos mais essenciais.
Ao rito central do sacrifício vai unido um serviço eucológico-didascálico (catequese), derivado
da liturgia da sinagoga e cristianizado com a inserção de novos elementos.
Nas reuniões matinais do sábado nas sinagogas da Judeia e da Diáspora, se orava com um
comprido formulário semelhante a uma ladainha, liam-se as Escrituras, comentavam-se as leituras e
terminava-se com a bênção mosaica sobre o povo, caso se estivesse presente um sacerdote, e se não,
com uma prece pela paz. Nestas reuniões tinha estado muitas vezes Jesus com os apóstolos; mais ainda,
tinha tomado parte ativa nelas, lendo e comentando as Escrituras. Desde o começo, os apóstolos e os
primeiros cristãos continuaram frequentando as sinagogas; mas logo as discussões produzidas pela nova
fé e os manifestos tumultos que se produziram, surgiu a ideia de terem as reuniões separadas. Às preces
judias se uniram outras especificamente cristãs, como adverte são Paulo, e aos livros sagrados legados
pela sinagoga se uniram pouco a pouco os escritos apostólicos e os santos Evangelhos. O esquema destas
reuniões, não obstante os novos elementos, manteve-se em suas linhas tradicionais. Aconteciam na tarde
do sábado, seguidas depois, de noite, do serviço eucarístico propriamente dito. Aqui estava toda a
liturgia primitiva.

Durante este período, a liturgia cristã tinha como base alguns esquemas recebidos
principalmente de costumes judaicos adaptados à nova situação inaugurada pelos ensinamentos de
Cristo, sobretudo quanto ao rito batismal e o memorial da ceia pascal. As "bênçãos" (berakot)
tradicionais tomam a forma de eucaristia como já testemunha a Didaqué do século I.
Devemos afirmar que existia desde o início uma clara estrutura para a celebração e as liturgias
não foram improvisadas. A Escritura foi transmitida oralmente; as pessoas tinham grande capacidade de
transmitir textos fielmente pela memória. Houve tradições orais, e os celebrantes foram capazes de
recitar pela memória os textos litúrgicos, transmitidos pela liturgia judaica. Existia certamente uma clara
estrutura, por volta de 150. São Justino nos apresenta uma breve descrição destes ritos.
Mesmo não conhecendo os livros litúrgicos nesta primeira fase, não é que faltavam totalmente.
Vemos o começo de uma organização. Uma teologia reflexiva sobre a Liturgia começa já no NT. Isto
mostra, por exemplo, a fixação por escrito dos relatos da última ceia (Mt 26,26-29; Mc 14,22-25; Lc
22,15-20). São Paulo fundamenta em 1Cor 11,23-25 as determinações litúrgicas para a comunidade de
Corinto.
Uma História da Liturgia é antes de tudo uma história dos livros litúrgicos. Por isso
apresentamos primeiro as fontes litúrgicas mais importantes de modo cronológico. Existe um grande
esforço para ordenar a Liturgia, e argumenta-se com fatos históricos: “assim como o Senhor o havia
ordenado”.

81
Com isso se entendia o ágape como também a Eucaristia. Característica destas celebrações era a oração de louvor
a Deus e oração de petição (cf. Atos 2, 14. 24.42.47; 4, 24-31; 12, 5b). É natural que com isso diversas formas de
oração judaica entraram como por exemplo os Berakot e elementos particulares como o Aleluia, Amém, e Hosana.
Igualmente marcante é a consciência da presença do Senhor ressuscitado e o Espírito prometido nas celebrações
litúrgicas.
130
Liturgia I

4.1.1 As primeiras fontes da liturgia cristã


1) A Didaché escrita ao redor do ano 100, ou na primeira metade do século II, apresenta relatos sobre a
celebração do batismo, da Eucaristia, do domingo, quarta-feira e sexta-feira, os ministérios litúrgicos e
algumas orações.
2) São Clemente de Roma, na primeira das duas cartas à comunidade de Corinto (mais ou menos do ano
95) apresenta informações sobre os ministérios na Igreja.
3) Santo Inácio de Antioquia, entre as suas sete cartas, na carta à comunidade de Roma: escreve sobre o
ministério do bispo, sobre a Eucaristia etc.
4) São Policarpo: oração de Policarpo, testemunho sobre o martírio.
5) O Pastor de Hermas (100-150) apresenta a prática penitencial na jovem igreja.
Existem vários atos dos mártires com descrições de valor litúrgico.
6) São Justino: duas apologias, onde se encontra a estrutura da celebração do batismo e da Eucaristia.
7) Melitão de Sardes: sobre a festa da páscoa.
8) Irineu de Lião: “Contra os Hereges”, apresenta elementos sobre a estrutura da Igreja.
Outros escritos apócrifos, também escritos heréticos, nos apresentam informações sobre a
celebração do batismo, unção, Eucaristia.
No século III:
9) A Didascalia é um livro dos ritos que vem da Síria no início do III século. É uma descrição importante
para a celebração da festa da páscoa e da Eucaristia dominical. Foi usada para a compilação das
Constituções Apostólicas.
10) A Traditio Apostólica de Hipólito de Roma (princípios do século III).
11) As Constituções Apostólicas (fim do século IV).
12) A Peregrina de Egéria (fim do século IV), e o Testamentum Domini nostri Jesu Christi (século V).
Para esclarecer alguns problemas singulares, existem algumas cartas: Carta de Inocêncio I a
Decênio de Gubbio (416); carta do diácono João a Senario de Ravenna (final do século V), se apresentam
argumentos que se originam de uma avaliação teológica de atos litúrgicos. Tais determinações sobre o
valor de ações litúrgicas se apresenta na sua maioria com motivos bíblicos durante o tempo dos Padres
da Igreja.
Existem numerosas ideias (princípios iniciais) dos Padres de uma verdadeira teologia litúrgica,
assim como por exemplo em Justino, quando fala sobre o Logos da oração na Eucaristia. Tertuliano fala
da interpretação teológica para consagrar a água batismal (anjos, paradigmas – De Baptismo 2-13). Hoje
em dia, a ciência litúrgica se apoia nos testemunhos dos Padres no esforço para legitimar as suas
afirmações.
Especialmente para os neobatizados se organizam as catequeses mistagógicas, que querem explicar
as cerimônias e seu significado (Ambrósio: De sacramentis, De mysteriis. Cirilo de Jerusalém explica a
celebração dos sacramentos).

4.2A liturgia durante os quatro primeiros séculos


Devemos ser muito cuidadosos com afirmações como esta: “Durante este período (os quatro
primeiros séculos) a liturgia cristã parecer ter gozado de grande improvisação.” (Martimort, ibid. p. 45).
Também é bom, reconhecer que esta espontaneidade começa a desaparecer muito cedo por causa da
ortodoxia. Quando se fala da espontaneidade, deve-se lembrar de que os cristãos normalmente
adaptavam as formas antigas judaicas, modificando o sentido. Esta modificação consistia mais em
acentuar a interpretação cristológica (cf. Ef 5,18-20).
Partimos de uma identidade litúrgica em todos os detalhes nas Igrejas fundadas pelos apóstolos.
Sem dúvida alguma, todas elas estavam de acordo sobre certas partes essenciais, como a oferenda dos
dons para o sacrifício, a consagração, a fração, a comunhão e sobre algumas outras poucas mais de
alguma importância, como a leitura dos Livros sagrados, o canto dos salmos, a prece litânica, o ósculo
da paz; mas, quanto aos detalhes ou à ordem de cada um dos ritos, devia existir necessariamente notáveis
divergências. Eram muitas as circunstâncias que levavam a uma diferenciação cada vez mais acentuada
dos ritos. Podemos recordar entre estes:
a) A incerteza das fórmulas litúrgicas, devido à liberdade concedida ao bispo que presidia a sinaxis.
É verdade que a tradição lhe impunha uma determinada ordem de ideias nas preces mais essenciais,
especialmente na anáfora, repetindo uma fraseologia convencional ou, se não, fórmulas protocolares,

131
Liturgia I

mas se deixava a piedade, a seu gosto e à sua particular inspiração para interpretá-las retamente e as
traduzir em concretas e felizes expressões.
A mais antiga descrição da missa, feita em 155, em Roma, pelo mártir são Justino, apresenta-
nos as mesmas linhas fundamentais da liturgia primitiva, salvo uma notável variante, a celebração da
eucaristia completamente separada do ágape, e unidas, entretanto, ao serviço eucológico da sinagoga.
Transcrevemos o texto clássico de são Justino, advertindo que damos em uma só as duas
descrições da missa que ele nos deixou: uma relativa à função dominical ordinária, e a outra, à
administração do batismo na noite da páscoa.

No dia que chamamos do sol, todos os que vivem na cidade e nos campos se reúnem em um mesmo
lugar: leem-se, quanto o tempo o permite, as memórias dos apóstolos (quer dizer, os Evangelhos) ou os
escritos dos profetas. Depois, o leitor se detém, e o presidente (bispo) toma a palavra para fazer uma
exortação e convidar a seguir os formosos exemplos que foram citados. Todos nos levantamos em
seguida e recitamos as orações por nós... por todos os homens do mundo inteiro, para que sejamos
considerados também nós membros ativos da comunidade e assim alcancemos a saúde eterna. Ao
terminar a reza nos saudamos mutuamente com o beijo da paz. Então se leva, ao presidente dos irmãos,
pão e um cálice com água e vinho; ele toma e, elevando ao Pai do universo a expressão de seu louvor e
louvor no nome do Filho e do Espírito Santo, pronuncia um comprido e sentido discurso de ação de
graças (eucaristia), porque fomos julgados e dignos de semelhantes dons. Ao terminar as orações e a
eucaristia, todo o povo manifestava seu assentimento com a palavra amém [...] A palavra amém, em
língua hebraica, significa assim seja.
Depois do discurso de ação de graças do presidente e a aclamação de todo o povo, os que entre nós se
chamam diáconos repartem aos assistentes o pão eucarístico, o vinho e a água, e levam-no também aos
ausentes.
Reunimo-nos todos no dia do sol, porque é o primeiro dia no qual Deus, separando as trevas e a matéria,
plasmou o universo; além disso, Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou de entre os mortos no mesmo
dia, porque o crucificaram na véspera do dia de Saturno, e no dia seguinte do dia de Saturno, quer dizer,
no dia do sol, apareceu a seus apóstolos e discípulos e lhes ensinou estas coisas que temos proposto à
sua consideração."

A organização litúrgica, tal como aparece em são Justino, pode considerar-se substancialmente
uniforme em todas as principais comunidades cristãs. São Justino, em efeito, alude a um rito geral
quando diz que no domingo "todos os que vivem nas cidades e nas campinas se reúnem em um lugar."
Seu testemunho vale não só para Roma, onde viveu muito tempo, mas também para a Palestina, onde
nasceu e cresceu; para o Ásia Menor (Éfeso), onde se converteu, e para tantas outras províncias que,
como ele mesmo confessa, tinha percorrido com a toga de filósofo. Pelo resto, quando são Policarpo
vem de Esmirna a Roma para tratar com o papa Aniceto (+ 166) sobre a questão da páscoa, pôde ele, a
convite do papa, celebrar em seu lugar; sinal de que na Ásia, também em Roma, o ritual eucarístico era
mais ou menos uniforme.
Setenta anos depois, santo Hipólito, sacerdote e antipapa romano (+ 235), descreve à sua vez a
celebração da missa na narração que faz sobre a consagração de um bispo na Traditio Apostólica. Passou
em silêncio a parte da introdução, porque provavelmente se omitia em tal ocasião; mas o esquema ritual
da missa propriamente dita é idêntico ao de são Justino. Em particular, Hipólito nos transcreve diversas
fórmulas, entre as que se encontra a da grande prece consecratória, a mais antiga anáfora que se conhece.
Além disso, o ritual do batismo e da confirmação evidencia já um notável desenvolvimento, em
correspondência aos ritos orientais análogos.
Adverte a Traditio: "O bispo dê graças segundo o texto dado por nós acima. Não é, entretanto,
necessário que pronuncie as mesmas palavras; basta que dê de coração as graças a Deus. Cada um ore
segundo sua própria capacidade. Se alguém estiver em condição de proferir uma prece grande e elevada,
que o faça; mas mesmo que ore em forma mais modesta não o impeça, com tal que suas palavras sejam
corretas e ortodoxas." Mais tarde se fixaram as fórmulas, selecionaram-se, recolheram-se, mas não em
todas partes na mesma época e mesma forma. Enquanto Roma e Alexandria possuíam em fins do século
III formulários canônicos e comuns, a África se encontrava ainda, ao final do século IV, em uma espécie
de anarquia eucológica, a que os concílios procuravam ansiosamente sanar. Sob este aspecto deve dizer-
se que as Igrejas orientais precederam às ocidentais, exceto na igreja de Roma. Conforme refere são
Basilio, na Neocesarea a liturgia estava já fixada no século III por seu grande bispo e apóstolo Gregório,
o Taumaturgo."

132
Liturgia I

c) A dificuldade de manter estáveis e normativas relações entre as diversas Igrejas, dada


sua distância e convulsões que frequentemente eram ocasionadas pelas perseguições. Até se deve
duvidar de que as mesmas igrejas filiais, com relação à sua Igreja mãe, puderam todas, ao menos,
reproduzir integralmente seus costumes litúrgicos; quando se pensa na evangelização de uma província.

4.3 A circunscrição eclesiástica


Não devemos considerar a diferenciação litúrgica que vinha lentamente maturando na Igreja,
somente como o resultado das diversas condições de ambiente que descrevemos antes, mas também
como expressão daqueles agrupamentos particulares político-religiosos que constituíam então as
grandes circunscrições em que estava dividido o mundo cristão.
Na época do Concílio da Niceia (325), estas circunscrições se achavam repartidas assim: no
Oriente, três grandes províncias metropolitanas, Cesareia, Alexandria e Antioquia, a mais antiga e a
mais célebre de todas, era um centro muito ativo de vida religiosa. Daí, o cristianismo se estendeu
para outros países circunvizinhos.
Dela partiram os missionários que levaram a fé à Síria do Norte, Chipre, Ásia Menor,
Mesopotâmia e Pérsia. Jerusalém entrava também por este tempo em sua esfera de influência.

As Constituições Apostólicas (em torno de 380) conservaram em seu livro VII, com modificações do
texto da Didaqué, o eco de um antigo eucológio judeu cristianizado. O livro VIII da mesma compilação
é constituído, em grande parte, por modificações de um documento antigo, transmitido através de
coleções canônicas de origem egípcia, sobretudo por uma tradução latina, infelizmente fragmentária. Os
trabalhos de R. H. Connolly (1916), Gregory Dix (1937) e Bernard Botte (1963) possibilitaram uma
reconstituição bastante segura do documento original e sua identificação com a Tradição Apostólica,
mencionada numa estátua encontrada em 1551, perto de Agro Verano, e considerada como sendo de
Hipólito de Roma, o que permitiria datar o documento do primeiro terço do século III. Trata-se de um
texto fundamental cuja influência foi grande, principalmente no Oriente. Parece ser reflexo de uma
tradição litúrgica com características antioquenas. Seria, pois, contemporâneo de outro texto de origem
siríaca, o documento canônico Didascália dos Apóstolos que, com modificações, forma a parte dos seis
primeiros livros das Constituições Apostólicas.
O conjunto dos documentos mencionados constitui nossa principal fonte a respeito da liturgia dos
três primeiros séculos. Certos elementos complementares podem ser tirados de escritos patrísticos
principalmente de Tertuliano, são Cipriano, dos Atos dos mártires e sobretudo de inscrições. No que
concerne ao campo oriental sírio-mesopotâmico, dispomos de textos difíceis de serem datados e
situados, de modo particular as Odes de Salomão, provavelmente da primeira metade do século II, bem
como descrições e formulários de batismo e eucaristia presentes nos Atos de Tomé, sem dúvida
compilados no século III.
As fontes de informação se tornam muito mais abundantes a partir de meados do século IV.
Antes de tudo encontramos as catequeses feitas aos novos batizados sobre os "Mistérios" da iniciação
cristã ou Catequeses Mistagógicas. As mais precisas e mais ricas de ensinamento são as transmitidas
sob o patrocínio de são Cirilo, bispo de Jerusalém de 350 a 386. A última redação conservada talvez
date de seu sucessor, o bispo João II (386-416). Na mesma linha, estão as quatro últimas das Catequeses
de Teodoro de Mopsuéstia, descobertas em 1932 em tradução siríaca: 12 delas devem ter sido
pronunciadas por volta de 390. Mais ou menos contemporâneas são várias catequeses de João
Crisóstomo pronunciadas em Antioquia.
No que se refere ao Ocidente cristão, dois tratados oferecem o mesmo interesse: De sacramentis
e De mysteriis, ambos de santo Ambrósio. O quadro destes escritos são as catequeses batismais. Muito
se pode tirar das pregações patrísticas.
Alguns formulários litúrgicos podem remontar à mesma época. Muito provavelmente é o caso
da coletânea publicada sob o título de Eucológio de Serapião, em razão do nome inscrito em duas
orações aí presentes. Se podemos dizer com certeza que sua origem é alexandrina, é incerta a atribuição
do texto ao bispo de Thmuis, amigo de santo Atanásio. Incerta também é a natureza exata da coletânea.
Situam-se na mesma época as recensões e adaptações conservadas na Tradição apostólica e a compilação
das Constituições apostólicas.
A liturgia nasce em Jerusalém, com o bispo Tiago menor. Jerusalém sempre foi a norma (cf. Peregrina
de Egeria*Etéria 381-384).

133
Liturgia I

Constantino queria levar Jerusalém para Roma


Levou as relíquias e certamente uma forte influência litúrgica. No século IV, Roma é
praticamente uma reconstrução da terra santa- e da vida de Jesus: as igrejas principais: Maria Maggiore
– nascimento de Jesus, Santa Croce de Jerusalém – Paixão, São João de Latrão – Ressurreição.
Normalmente se pensa que Roma exercia uma grande influência desde suas origens. Embora sempre
se reconhecesse a "primazia" da sede de Pedro, não era assim que todos os olhos se dirigiam para lá. Ao
contrário, Antioquia e Alexandria exerciam um papel de grande peso na formação das famílias
litúrgicas no Oriente. Quando se estudarem as outras famílias ocidentais não romanas, ver-se-á que elas
foram inicialmente mais marcadas pelo Oriente do que pela sede de Roma. Este fato muda depois,
quando o poder do reino passa para além dos Alpes. Assim, se deve afirmar que nesta fase Roma se
mostra claramente com o rito local da Sé de Roma.
Uma vez que a Igreja era beneficiária de tantos privilégios, ela desenvolveu muito a sua missão. Ela
se inseriu no mundo cultural e sociopolítico da sociedade greco-romana. Esta nova relação teve enormes
consequências para a liturgia da Igreja de Roma e além. Da domus ecclesiae surge a basílica. Este
edifício normalmente se construiu com a ajuda do próprio imperador ou, ao menos, da família imperial.
Um primeiro exemplo de uma basílica encontra-se Latrão, que foi doada ao Papa Silvestre pelo próprio
Constantino. Depois o imperador mandou construir outras basílicas em Roma: uma na colina do
Vaticano sobre o túmulo de são Pedro, outra na Via Ostiense onde foi martirizado são Paulo e outra em
Campo Verano sobre a sepultura de são Lourenço. Este local solene traz consigo uma liturgia mais
solene.

4.4 As diversas famílias litúrgicas


Encontramos em Jerusalém, a origem litúrgica, mais tarde se encontram outros centros
litúrgicos: Antioquia, Roma, Alexandria. Jerusalém sempre foi o centro inspirador, especialmente
por causa dos peregrinos, que depois levavam as suas impressões para suas terras. Mais tarde se juntou
Constantinopla como o quinto centro litúrgico, pelo seu bispo são João Crisóstomo.

4.4.1 As famílias litúrgicas orientais82


Certamente a partir do século V, as informações de que dispomos são suficientes para que possa
ser feito um estudo sobre as grandes famílias litúrgicas. Numa Igreja que se organiza segundo os quadros
administrativos do império, a influência dos grandes centros culturais e políticos foi-se impondo. Quanto
ao Oriente, que, a partir de 395, adquire sua inteira autonomia, tornando-se o Império bizantino, são
principalmente as duas grandes cidades, cosmopolitas e helenizadas, de Alexandria e Antioquia. Nessas
cidades há também forte e influente presença da comunidade judaica, o que certamente repercutirá na
vida das Igrejas cristãs.
Uma vez transformada em capital do Império, Constantinopla, a "Nova Roma", que não desfruta
de uma tradição cristã com características bem acentuadas, muito há de receber de Antioquia,
notadamente em matéria de liturgia. Apesar da brevidade de seu episcopado (397-404), a influência de
João Crisóstomo deixará marcas indeléveis.
A rivalidade existente entre a sede de Constantinopla e a de Alexandria contribuiu para que se
mantivessem e mesmo se desenvolvessem notáveis particularidades que nos levam a detectar uma
família litúrgica alexandrina, diferente do conjunto caracterizado pela influência de Antioquia. Posterior
evolução atenuará consideravelmente esta diferenciação.
De outro lado, a liturgia própria do grande centro de peregrinações que se tinha tornado Jerusalém,
ao longo do século IV, há de marcar mais ou menos profundamente as diversas liturgias tanto do Oriente
quanto do Ocidente.
Tudo isto nos leva a ter muita cautela em propor uma tentativa de classificação das liturgias
orientais, cujo uso foi mantido até nossos dias, ou sobre as quais possuímos, ao menos, informações
bastante precisas. Pode-se afirmar que sua estrutura e grande parte de seus formulários foram elaborados,
como também se deu no Ocidente, a partir dos séculos VII-VIII, época em que estão situados os mais
antigos manuscritos conservados.

82
Cf. NIN, Manuel: Las liturgias orientales, Biblioteca litúrgica 35, Barcelona 2008.
134
Liturgia I

As circunscrições eclesiásticas, que apontamos, ao menos de um modo geral, os limites,


formavam em finais do século IV ou em princípios do século V outras tantas províncias litúrgicas
distintas. Nesta época, com efeito, que é a dos primeiros e mais importantes documentos de nossa
história, a diferenciação litúrgica tinha tomado formas precisas e definitivas e chegado em alguns sítios
a um estado de desenvolvimento muito avançado. Se queremos indicar os tipos fundamentais,
encontramo-nos com os quatro seguintes:
1.° Tipo siríaco (Antioquia).
2.° Tipo alexandrino (Alexandria).
3.° Tipo galicano (Arlés).
4.° Tipo romano (Roma).
Aos três primeiros destes quatro principais, podem reduzir-se alguns subtipos, muito semelhantes em
sua substância, mas algo distintos em suas particularidades secundárias. Eis aqui o quadro sinótico:
1.° Tipo siríaco
a) Rito siro-caldeu ou persa (siro-oriental)
Edessa
Bagdá (siro-malabar)
b) Rito antioqueno-jerosolimitano (siro-occidental).
a) rito jacobita
b) Rito maronita
c) Rito bizantino.
d) Rito armeno
2.° Tipo alexandrino
a) Rito copta.
b) Rito etíope; Abissínio.

4.4.1.1 GRUPO SIRÍACO ORIENTAL


(Edessa - celebravam em língua siríaca – derivação do aramaico)
antioqueno-siríaco ocidental (celebravam em grego)
Se as estruturas fundamentais - principalmente a da anáfora eucarística e do rito batismal - assim
como alguns formulários manifestam grau de parentesco, forçoso se faz reconhecer a especificidade das
tradições litúrgicas originárias da Síria propriamente dita com fortes marcas antioquenas e das liturgias
que se constituíram nas regiões orientais, particularmente na Alta-Mesopotâmia (Caldéia) onde as
culturas semitas mais resistiram à helenização.
I. Tipo siríaco oriental ou siríaco-mesopotâmico
a. Rito assírio –caldeu: centro Edessa, língua siríaca –um dialeto aramaico. Outro centro deste rito era
o que hoje é Bagdá-Iraque. Uso da “Anáfora de Addai e Mari”, - muito semelhante ao berakot judaico.
Pelo contrário, no ocidente, na Antioquia usava-se a “Anáfora dos 12 apóstolos”.
Santo Efrem é o grande mestre dos hinos do ofício.
De todas as formas da liturgia cristã, esta é a mais arcaica e a que melhor conservou os traços de
seu enraizamento semítico. Os primeiros núcleos começam a aparecer a partir do final do século II, em
Nísibis e Edessa (Urfa), cujo dialeto aramaico, conhecido com o nome de siríaco, tornar-se-ia língua
cultural e litúrgica comum das comunidades cristãs espalhadas através da Ásia. Estas comunidades vão
se desenvolver, antes de tudo, do século III ao século VII, no quadro do Império persa sassânida, de
religião masdeísta, posteriormente no Califado de Bagdá, quer dizer, em situação minoritária, sofrendo,
por vezes, perseguição, muitas vezes semiclandestina. A tradição atribui a reorganização litúrgica ao
Catholicos-Patriarca Ishô-'yab III, logo após a conquista árabe (c. 350).
Infelizmente, com raras exceções, dispomos de manuscritos muito tardios (séculos XIV e XV).
Comentários e respostas litúrgico-canônicas manifestam o caráter acentuadamente conservador desta
liturgia. A anáfora eucarística dos apóstolos Addai e Mari pode remontar, em suas linhas essenciais, ao
século III, aproximando-se muito das berakot judaicas usadas na bênção da mesa.
Com exceção do batismo - que suprimiu todos os traços do catecumenato - e das ordenações, a
liturgia sacramental é muito embrionária, assim como a estrutura do ano litúrgico, estabelecida de acordo
com o sistema aproximativo de "semanas de semanas" e, sobretudo, no que se refere ao santoral,
reduzido a algumas comemorações colocadas às sextas-feiras.
Ao lado do saltério, o ofício dá muito lugar à hinografia, compostos por santo Efrém.

135
Liturgia I

O apego às tradições mais rigoristas de Antioquia no seio da "Escola dos Persas", a recusa de entrar nas
discussões cristológicas aceitando expressões que significavam inovações, e sobretudo a vontade de
marcar sua diferença - tendo em vista o insinuante poder dos sassânidas - com relação a tudo o que
pudesse significar complacência para com Bizâncio, certamente contribuíram para endurecer o
conservadorismo de uma Igreja que, com Barsauma (484), irá apelar para os ensinamentos de Nestório.
As duas anáforas de tipo antioqueno, colocadas sob o patrocínio de Teodoro de Mopsuéstia - o Intérprete
por excelência das Escrituras - e de Nestório, foram adaptadas de um texto grego, diferentemente da
antiga anáfora aramaica dos apóstolos, testemunhando assim essa vontade de um enraizamento na
tradição de Antioquia, por mais que fossem diferentes o clima geral e a própria estrutura da liturgia
assírio-caldaica.
Sua fixação parece se ter operado sobretudo no grande Mosteiro da Virgem pura (At Tahira),
conhecido como Mosteiro Superior (Deir al Aia), ao norte de Mossul.

b) A expansão através da Ásia:


O rito sírio-malabar
Levada através da Ásia, ao longo da "Estrada da seda", a liturgia assírio-caldaica sofreu várias
adaptações. Algumas informações e raros fragmentos deixam entrever o que ela foi, primeiramente na
China dos séculos VII a IX. Tudo indica que, no momento que a Igreja "nestoriana" conheceu uma
segunda implantação no Império do Meio durante o período mongol (séculos XIII e XIV), conservou
uma estrita fidelidade ao rito assírio-caldaico.
O rito siríaco se estendeu na Ásia, chegou até a Índia. Alguns falam que chegou até à China no
século VII. A igreja nestoriana se estendeu ao reino dos mongóis (séc. XIII), conservando fidelidade ao
rito.
Da mesma forma, aconteceu até o final do século XVI para as Igrejas da índia do Sul, que
recebiam seus bispos dos católicos de Bagdá, ao menos desde o tempo do católico Timóteo 1 (780-823).
No período posterior ao Sínodo de Diamper (1599), a liturgia foi quase que completamente latinizada,
ficando apenas a língua siríaca e tendo como estrutura da missa do Qurbana (oblação) do rito caldaico.
A restauração do antigo rito foi decidida por Pio XI em 1934 e os livros litúrgicos caldaicos
foram adaptados e traduzidos em malaialám língua do Estado de Kerala, a partir de 1960. O problema
das mudanças fica aberto em função dos novos missionários confiados, a partir de 1971, à Igreja siro-
malabar.
Para conhecer melhor uma liturgia, consideramos:
Os livros litúrgicos
O calendário litúrgico
A celebração da Missa e dos sacramentos
Na família siro-oriental temos como livros litúrgicos:
1 Hudra (ciclo) - contém os textos para o ofício de todas as festas
2. Gazza (tesouro) – composição litúrgica para as vigílias
3. Kashkull (completo) – contém os textos para todas as festas e feriais
4. Warda (rosa) - (poético) coleção de textos poéticos usados para antífonas
5. Ktaba daqdam wadbatar (antes e depois) textos dominicais a partir da páscoa
6. Leccionários: AT, Ep., Ev.
7. Naqpayatha draze – suplemento, cantos para a celebração
Tempos litúrgicos no ano (são nove etapas):
1 Subbara – anunciação – ciclos de natal, anunciação, advento, natal
2 Denha – manifestação – a partir do 6 de janeiro, tempo pré-quaresmal
3 Sauma – jejum – tempo da quaresma e semana santa
4 Qyamta – ressurreição, domingos até Pentecostes
5 Shlihe – apóstolos – tempo comum (tempo de jejum)
6 Qayta – verão – tempo penitencial
7 Eliyya – Elias
8 Moshe – Moisés
9 Quddash’edta – Dedicação da igreja

136
Liturgia I

4.4.1.2 Grupo siro-occidental (Siríaco – ocidental)


Este rito se dividiu várias vezes. Hoje se distingue em quatro formas, provindo da Antioquia, o
rito sírio e maronita.
a. Siro – antioqueno ou ‘jacobita’ (p.ex. são João Crisóstomo era sacerdote da Antioquia. Usava-se a
anáfora dos apóstolos, que Crisóstomo depois adaptou na sua liturgia (bizantina) em Constantinopla.
Na Antioquia a liturgia foi celebrada em grego. Após a ruptura com Constantinopla, por uma
igreja local chamada ‘jacobita’, o siríaco progressivamente tornou-se língua litúrgica, através das
traduções de Tiago de Edessa. A liturgia síria recebeu como anáfora típica, a anáfora dita de são Tiago
de Jerusalém. Inspiradas nela foram elaboradas até o século XIV numerosas anáforas, dos quais 18 ainda
estão em uso.
Provindo da liturgia antioquena, este tipo diversificou-se de muitas maneiras. Os quatro ritos
agora existentes podem ser divididos em dois grupos: os ritos de expressão siríaca que insistem na
dependência direta de sua fonte antioquena: rito sírio (por longo tempo chamado "jacobita") e rito
maronita; - os ritos influenciados por outras tradições: rito bizantino e rito armeno.
Em Antioquia e ao menos nos centros urbanos, a liturgia foi, por longo tempo, celebrada em
grego. Após a ruptura com Constantinopla e a constituição de uma Igreja local, dita "jacobita" por causa
do nome de seu principal organizador Tiago Bar Addaï (século VI), o siríaco, progressivamente, tornou-
se língua litúrgica, notadamente através das traduções de Tiago de Edessa (+ 708), e o rito se
desenvolveu, enriquecendo-se com elementos de origem aramaica, em particular, composições poéticas
atribuídas a santo Efrém ou a Tiago de Sarug.
O rito adquiriu sua forma clássica na segunda metade do século XII, no tempo do patriarca Miguel
o Grande (1166-1199) a quem é atribuída a compilação do pontifical. Nesta obra de reorganização, sem
dúvida, influenciada pela presença de bispos latinos nos principados francos da Síria, o patriarca teve
como principal colaborador o grande teólogo e liturgista Dionísio Bar Salibi, a quem se deve um extenso
comentário dos ritos de sua Igreja, bem como a fixação dos ritos penitenciais. Nos dois séculos seguintes
a liturgia síria devia ainda ganhar mais elementos e com isso talvez se tornar pesada, sobretudo em
aspectos de ordem cerimonial, marcados por uma excessiva preocupação de alegorização. Embora o
siríaco tenha-se tornado a língua litúrgica oficial, no que se referia a leituras, em certas orações e alguns
cantos começou-se a usar, com frequência maior, o árabe local.
O rito siríaco se caracteriza pela amplitude dos elementos gestuais e poéticos. Multiplicidade de
ritos de incensação que parecem ter sido a origem da forma de oração própria desta tradição, o Sedro
(discurso bem ordenado), composto de uma doxologia (Prooemium), de um desenvolvimento homilético
(Sedro propriamente dito) e de uma oração acompanhando a oferta do incenso (Etro). Nos ritos de
ordenações, colocados depois da anáfora, o bispo inicialmente estende as mãos sobre as espécies
consagradas antes de as impor, envoltas em sua capa, sobre a cabeça dos ordenandos.
Ao lado da anáfora propriamente antioquena dos Apóstolos - da qual a anáfora bizantina de são
João Crisóstomo parece ter sido uma adaptação - a liturgia siríaca recebeu, como anáfora tipo, a anáfora
dita de são Tiago de Jerusalém. Inspiradas nelas foram elaboradas até o século XIV numerosas anáforas,
das quais dezoito continuam ainda em uso. O Ofício das horas organizou-se segundo um esquema
hebdomadário conhecido como Shlimo (simples)." Caracteriza-se, antes de tudo, pelo desenvolvimento
da hinografia, o que levou ao desaparecimento quase total do saltério. A parte propriamente eucológica
é constituída essencialmente pelos sédré e por formulários litânicos (korozuté) designados, a partir de
sua métrica, "Pedidos" de santo Efrem, de são Tiago (de Sarug) ou de Mar Balaï.

b) O rito maronita
É um rito de monges (mosteiros) da Síria, inicia-se no século V por Mar Maron. Foi autônomo
até o século IX. Depois afirmaram solenemente sua ligação com a fé católica e sua união com Roma
(1215). Viviam perto do Monte Líbano. Acolheu muitas influências ocidentais. Apresenta muitas
composições de hinos. Entrou também o latim e o árabe como línguas litúrgicas, mas o principal é o
siríaco.
Usam a chamada ‘Anáfora de são Pedro’ (Sharar). Esta anáfora provém da anáfora caldaica dos
apóstolos, mas também modificada e estruturada segundo o Cânon Romano. Atualmente usam-se 12
anáforas diferentes. Hoje os maronitas estão em todo mundo, rezam em aramaico.

137
Liturgia I

Ramo estreitamente aparentado com o rito sírio-antioqueno do qual é um derivado, o rito maronita
encontra sua origem em comunidades agrupadas em torno de mosteiros da Síria central, no vale do
Oronte e, sobretudo, na comunidade que se tinha desenvolvido junto ao túmulo de um asceta do início
do século V, Mar Maron. Sintonizadas com a doutrina de Calcedônia, mas hostis à "bizantinização",
essas comunidades se constituíram em Igreja autônoma ao longo do século VIII e tiveram, em sua grande
maioria, que emigrar para os altos vales do monte Líbano, onde seu patriarca estabeleceu residência,
como também para Chipre e região de Alepo. Na época dos principados francos, os Maronitas afirmaram
solenemente sua indefectível ligação com a fé católica e união com a Sé Romana que foi oficialmente
selada em 1215. Tal fato teve como consequência, sobretudo a partir do século XVI, uma reorganização
segundo o tipo latino, sancionada em 1736 no Concílio do Monte Líbano. Outra consequência foi uma
lamentável latinização da liturgia em suas formas exteriores e em seu ritual.
Devido às suas origens monásticas e rurais, ao papel que sempre desempenharam os monges
organizados desde o final do século XVII em três ordens de tipo ocidental, a liturgia maronita se
caracteriza, antes de tudo, por seu cunho popular e pelo caráter pietista de muitas composições que lhe
são próprias, notadamente hinos e sédré versificados, os mais antigos podendo remontar ao século XI.
O árabe foi obtendo, há séculos, um grande espaço e tende a tornar-se língua litúrgica predominante.
Contrariamente, alguns elementos que poderiam ser muito antigos denotam um parentesco com a liturgia
assírio-caldaica. Isto se verifica principalmente com a anáfora de são Pedro (Sharar), própria da liturgia
maronita, muito próxima da anáfora caldaica dos apóstolos, não mais usada a partir do século XVII e
muitas vezes substituída por uma anáfora "da santa Igreja romana" modelada segundo o cânon romano.
Atualmente ela se encontra entre as doze anáforas do missal maronita.
Infelizmente a história desta liturgia é difícil de ser reconstituída, devido à ausência quase total de
documentos anteriores ao século XV. A tentativa do grande patriarca Estêvão Douaïhi (1670-1704),
conhecido como Edenensis do nome de sua aldeia de origem Edhen, em vista da restauração da liturgia
maronita, seguindo sua linha própria, chocou-se com a oposição da corrente latinizante do Colégio
maronita de Roma, dos franciscanos e, posteriormente, dos jesuítas. Foi preciso esperar 1942 para que
o Ritual quase inteiramente latinizado fosse substituído por uma nova redação de acordo com o espírito
de Douaïhi. Não existe ainda uma edição oficial do Pontifical. Quanto ao Ofício e à Liturgia das Horas,
deve-se dizer que importante trabalho foi desenvolvido depois do Concílio Vaticano II, mas sobretudo
numa ótica pastoral, sem que tivessem sido feitas, até o momento, pesquisas de documentos e nem
realizados estudos comparativos com caráter propriamente científico.

c) O rito bizantino
Um rito complexo de múltiplos aspectos, mas o mais difundido no Oriente cristão. Liturgia de
santa Sofia em Constantinopla. Recebeu sua forma definitiva (1261-1453) principalmente nos mosteiros
do Atos.
Com as frações dos antigos patriarcados, para os que ficaram fiéis a Calcedônia (os Melquitas –
imperiais) [...] o rito bizantino tornou-se a liturgia de todas as Igrejas ortodoxas, com alguns latinismos
(Ucrânia).
Usavam as duas grandes anáforas: Crisóstomo (prevalece) e de são Basílio (para os domingos na
quaresma e vigílias).
Características da liturgia bizantina
1) É uma liturgia com origens claramente orientais siro-palestinense, que se manifesta de modo especial
nas numerosas composições líricas. Uma liturgia cheia de otimismo com a centralidade na
ressurreição de Cristo recorre a todos os textos do ciclo litúrgico.
2) É uma liturgia que leva o selo da liturgia imperial, seja de Constantinopla ou da Rússia.
3) A expressão teológica dos textos é muito helênica, neles se podem encontrar as grandes línhas do
pensamento alexandrino com seu fundo platônico.
4) É uma liturgia de grande sentido didascálico, quer dizer, através da liturgia se buscam compreender
os dogmas dos grandes concílios da Igreja.
5) É uma liturgia muito simbólica. No centro de todos os dogmas, Deus permanece impenetrável e
através de Cristo se pode chegar à comunhão com Deus. O aspecto glorioso de Cristo permanece
sempre acima da sua humanidade.
6) É uma liturgia com grande sentido escatológico. Todos seus aspetos externos e textos tendem a fazer
pregustar a plena comunhão entre o céu e a terra, a plena comunhão com Deus. Os textos,

138
Liturgia I

especialmente de são Basilio, têm caráter apofático. A liturgia é apresentada como a vida do céu na
terra, antecipação da parusia.
7) É uma liturgia com caráter eclesial. O bispo é o verdadeiro celebrante, o verdadeiro liturgo, e sempre
é lembrado, mesmo se não está presente. O povo participa pelas ladainhas diaconais.
8) O caráter artístico está muito presente e vai unido ao mistério litúrgico. As igrejas bizantinas são,
desde o ponto de vista artístico, teológicas.
- Teologicamente, o acento está colocado, nas igrejas orientais, na epiclese do Espírito Santo.
- Ortodoxa – Cristo glorioso, latina a partir da Idade Média – a paixão.
- Hoje se conhecem umas 36 igrejas (relativamente grandes) ortodoxas.
Língua litúrgica: embora de origem siríaca, logo foram feitas traduções para o grego, eslavo etc.
Seria interessante estudar suas festas, ano litúrgico e ritos sacramentais.

Os livros litúrgicos, na tradição bizantina são:


1º O TYPIKON, contém o calendário e as festas próprias de cada igreja bizantina.
O typikon dos mosteiros […] indica as festas próprias do mosteiro.
O comum da liturgia: o típico de Moscou, e de Constantinopla […] indicam as festas do próprio lugar.
Exemplo: no domingo de ramos há uma benção dos ramos, mas não se faz procissão.
Egeria fala da procissão das palmas. Todos, menos a igreja bizantina, fazem a procissão. Na
bizantina após as laudes, durante a liturgia, os fiéis levam as palmeiras nas mãos.
2° Livro: LITURGIKON é o ordinário da missa, todas as orações da anáfora, também com as partes
comuns das vésperas e das laudes. Traduz-se como um livro da liturgia, mas é um livro comum.
3° Livro: EUCOLOGION é o livro litúrgico para a administração dos sacramentos e sacramentais (não
há divisão entre sacramentos e sacramentais). Encontram-se unções dos enfermos e todas as bênçãos.
Outros três livros: TRIODION, PENTECOSTARION, OCTOECHOS
O Triodion são três livros usados em três períodos do ano litúrgico, portanto levam o mesmo nome.
Triodion: É o livro que vai da pré-quaresma até sábado santo. São quatro domingos. Triodion quer
dizer três odes. Na tradição bizantina, as odes são cantos bíblicos veterotestamentários.
Octoechos: usam-se os oito tons musicais, que correspondem a oito semanas de textos litúrgicos.
Depois de Pentecostes se inicia o livro OCTOECHOS: são as oito semanas cíclicas, até que se chega
de novo ao triodion. Depois oito semanas começa de novo com o primeiro tom.
- O MINEO (livro do mês) é um livro em 12 volumes, são os textos do santorale, próprio a todos os
santos.
* Dois outros livros para as leituras:
* APÓSTOLO, EVANGELHO

O Rito bizantino pode ser qualificado, a justo título, de ecumênico: constitui, em múltiplos
aspectos, a liturgia mais difundida e mais representativa de todas as do Oriente cristão. Constituiu-se
entre os séculos VI e XI no quadro privilegiado da "Grande Igreja" de Constantinopla, Santa Sofia, e
nos mosteiros da Cidade imperial. Recebeu sua forma definitiva por ocasião da restauração dos
paleólogos (1261-1453), principalmente nos mosteiros de Athos, cuja renovação espiritual, dita
"hesicasta", difundiu-se bem para além das fronteiras estreitas do último Império bizantino, através do
mundo eslavo que adotara este rito em língua eslava, desde o último terço do século VIII, no tempo da
cristianização dos búlgaros que o transmitiram aos russos um século mais tarde e posteriormente aos
sérvios que se constituíram em Igreja autônoma no século XIII.
As frações dos antigos patriarcados de Alexandria e de Antioquia, bem como o de Jerusalém, fiéis
à doutrina de Calcedônia e aos usos do império, de onde vem sua designação de "Melquitas" (Imperiais),
adotaram o rito maronita com poucas variantes antes do século XII, primeiramente em língua siríaca e
a partir dos séculos XV e XVI em árabe. Sob a forma fixada pelas edições gregas do século XVI, a partir
das quais foram revistas as versões eslavas, árabes e outras, o rito bizantino tornou-se a liturgia de todas
as Igrejas ortodoxas e, com alguns latinismos entre os rutenos-ucranianos, motivados pelas frações que
restabeleceram a união com Roma.
A forma antiga da liturgia de Constantinopla, antes do século X, pode ser aproximativamente
reconstituída graças ao comentário da liturgia eucarística atribuído ao patriarca Germano de
Constantinopla (715-730), núcleo da História eclesiástica medieval, por alguns Typika, ou Ordenações
dos ofícios, dos séculos X e XI, e pelas dissertações tardias de Simeão, arcebispo de Tessalonica (+

139
Liturgia I

1429), cidade que conservou, mais fielmente do que a capital, os usos antigos. Com efeito, após a crise
iconoclasta (726-843) e a vinda a Constantinopla de numerosos monges sírio-palestinenses, em
particular ao mosteiro de são João, o Pródromo, dito Studion, foco de resistência à política imperial,
numerosos usos monásticos e sobretudo a adoção da ordenação dos ofícios (Typikon) da Laura
palestinense de S. Sabas orientalizaram profundamente o antigo rito de Constantinopla.
Nesta perspectiva, foram reorganizados os livros para a celebração do Ofício das horas:
Paraklitikê cotidiana, segundo um ciclo de oito semanas correspondendo, de maneira bastante arbitrária,
aos tons da salmodia e cuja organização foi atribuída a são João Damasceno, Triodon da quaresma e
Pentecostarion do tempo pascal, segundo a tradição do mosteiro do Studion. Nesses ofícios lugar
preponderante foi dado, segundo a tradição sírio-palestinense, à hinografia: tropários (estrofes), isolados
ou agrupados em cânones em função das Odes escriturísticas do Ofício da manhã.
No que se refere à liturgia eucarística - dita "Divina Liturgia" -, a anáfora de origem antioquena
colocada sob o patrocínio de S. João Crisóstomo foi prevalecendo com relação à anáfora capadócia de
são Basílio, muito mais longa, cujo uso foi sendo reservado aos domingos da quaresma e para algumas
grandes vigílias. O desenvolvimento cerimonial da celebração não cessou de ser enriquecido através da
imitação do cerimonial dos palácios imperiais. Isso afetou, de modo especial, os ritos da preparação
(Prothese) e de entrada, bem como a procissão do ofertório, conhecida como "Grande Entrada", que se
transformou no momento de maior densidade afetiva da celebração.
Teologicamente o acento foi colocado na invocação (Epiclese) do Espírito Santo como
manifestando a presença do corpo e do sangue de Cristo pela transformação do pão e do vinho. O caráter
mistérico da celebração acentuou-se com o desenvolvimento da iconostase, separando o santuário da
nave. A crise iconoclasta e, posteriormente, os desenvolvimentos da espiritualidade monástica hesicasta
favoreceram tal evolução. O caráter simbólico das realidades sensíveis, como reflexo e imagem (ícone)
de uma ordem suprassensível que a liturgia manifesta no "mistério", levou a que se apresentasse a
celebração eucarística como a "vinda do céu à terra" e uma antecipação da parusia. Preparada e esboçada
através da tradição antioquena de são João Crisóstomo, esta concepção "mistérica" da liturgia deveria
encontrar seu pleno desenvolvimento no rito bizantino tal como se fixou na época dos paleólogos, com
a Regra (diataxis) do patriarca Filóteo Kokkinos (1350-1354) formado num mosteiro do Athos e mais
ainda na Rússia moscovita.
O ritual dos sacramentos foi menos atingido por esta evolução, mas tornou-se também prolongado
pela multiplicação de orações e de ladainhas (ectênias) diaconais. As polêmicas com os latinos e a
preocupação de manter distância das influências latinizantes certamente contribuíram para um espírito
conservador.
O estudo comparado das liturgias, de modo particular com os ritos sírio e armênio, mostra que
o rito bizantino conservou mais fielmente a antiga sobriedade. Exemplo bem claro disto é o ritual das
ordenações.
Nos países eslavos, como consequência do Ato de União de BrestLitovsk (1595), a liturgia
recebeu, entre as regiões da Galícia e da Ucrânia que aceitaram a união com Roma, numerosas
modificações latinizantes, de modo especial no quadro exterior da celebração de seu cerimonial, bem
como nos desenvolvimentos devocionais do calendário das festas. De outro lado, a reforma do patriarca
russo Nikon (1652-1666) para fazer coincidir os livros de sua Igreja com os do patriarcado de
Constantinopla, levou à ruptura (raskol) dos Velhos-Crentes (Staroveres), ligados até nossos dias aos
antigos usos eslavos, muitas vezes mais fiéis ao antigo rito bizantino dos séculos X-XII.

A divina Liturgia de são João Crisóstomo


Dada a importância da liturgia bizantina, achamos apropriado descrever, pelo menos
sumariamente, as principais partes do ritual da missa; daremos algumas informações sobre a disposição
material e os objetos sagrados das igrejas gregas.
Consiste, como regra geral, em três partes:
a ) O narthex, ( ο ναρθηξ ), que é um salão retangular onde anteriormente os catecúmenos e penitentes
eram isolados durante os mistérios divinos. Lá, ainda hoje os monges no espírito da penitência recitam
as horas canônicas, exceto pelo ofício da aurora ( ορθος ) e das vésperas ( εσπερινος ). No narthex está
a pia batismal.
b ) A nave ( ο ναος ) onde os fiéis se reúnem, semelhante em tudo ao das nossas igrejas.

140
Liturgia I

c ) O santo bema ( το ιερον βημα ) ou santuário, em cujo centro se eleva o altar. O santuário é separado
da nave pelo iconostasis, uma espécie de muro alto decorado com belas imagens (crucifixo, a Virgem,
são João, o Batista), que geralmente completamente escondidos do santo Bema à vista dos fiéis. O coro,
isto é, os assentos para o clero e os cantores, está na nave, imediatamente à frente da iconostase. Três
portas se abrem na iconostase. Aquele no meio, chamado de portal specioso,situado na frente do altar;
outras duas, a da direita, a do norte, de frente para um pequeno altar lateral no santuário, onde os
ministros se vestem com os ornamentos sagrados; a outra, a porta sul, dá para a prótese ( προσπομιδη )
que é a mesa onde os oblatos se preparam para o sacrifício.
O altar, sem degraus, é coberto com duas toalhas de mesa; deve-se sempre colocar encima o
crucifixo e os livros dos Evangelhos. Quanto ao tabernáculo, algumas igrejas o têm no altar, de acordo
com o uso latino (altar maior com o tabernáculo no altar); outros, em uma custódia aberta na parede da
ábside; outras, numa caixa de madeira dourada ou prateada, em forma de pomba suspensa por uma
corrente no altar. Os vasos sagrados, durante a missa, são colocados no íleo ( ειλητον ), um pedaço
quadrado de tecido que corresponde ao nosso corporal. Quando o altar é consagrado, o iletón é colocado
sobre um tecido do mesmo tamanho, chamado antimensio, que é cosido em um saco de relíquias de
santos. O cálice usado pelos gregos é semelhante ao nosso: apenas a patena (disco) é maior e sem fundo.
Os gregos também usam o asterisco ( αστερισπος ), constituído por dois semicírculos, que é colocado
sobre a patena para que o véu não toque as espécies sagradas; a lança sagrada ( λογχη ), pequena faca
com a qual o padre corta o pão para o sacrifício; a sagrada lábida (λαβις), pequena colher com a qual o
pequeno pedaço de pão consagrado é dado aos fiéis.
Para cobrir os Oblatos, os gregos usam três dedos: os dois menores protegem, respectivamente, o cálice
e a patena; o terceiro, mais amplo, chamado aria ( το αερ ), serve para cobrir um e outro. Em adição aos
galhetas conhecidas para água e vinho, eles têm um terceiro de metal ( Zeon ), que contém água quente
para infundir no primeiro cálice antes da comunhão, reminicência do que foi feito em países frios para
evitar gelar o vinho. Antigamente, durante a missa, os diáconos tinham que abanar ao redor do altar a
chamada ripidia, tipo de leque que carregava em ambos os lados um busto de serafins com seis asas;
hoje é realizado apenas na procissão. Em funções pontifícias, o bispo geralmente abençoa as pessoas
com dois pequenos candelabros simbólicos, um dos quais carrega duas velas (dicério) e três outras
(fricério).
Esta suposição, aqui é a ordem da missa de acordo com a liturgia de são João Crisóstomo. Compreende
três fases muito distintas:
a ) A preparação dos dons ( η προσπομιδη ). O sacerdote e o diácono, com vestimentas com
ornamentos sagrados, vão até o altar da prótese para preparar os oblatos ( prosfora ) do sacrifício. A
operação é muito tediosa e complicada. O sacerdote pega o anfitrião e aponta três vezes sobre ele com
a lança sagrada, dizendo: "Na memória do Senhor Deus e nosso Salvador Jesus Cristo"; em seguida,
recitando em cada fragmento orações bem intencionadas, ele corta para cada parte, de modo que isola a
imagem do meio, que tem a impressão ICXC NIKA = Jesus Cristo é o vencedor. O padre separa esta
peça novamente e a coloca na patena. Esta peça é considerada como o grande hospedeiro e é chamada
de cordeiro sagrado. O sacerdote então aponta com a lança sagrada, enquanto o diácono coloca o vinho
e a água no cálice. Em seguida, corta uma partícula menor em honra da Mãe de Deus e coloca-a na
patena, à direita do santo Cordeiro; então ele corta outras nove, em honra de nove ordens de santos;
depois, mais uma, implorando ao Senhor que se lembre de todos os bispos ortodoxos, do próprio bispo
e de todo o clero a que serve; outro para a memória feliz daquele que construiu a igreja, e uma última
para todos os irmãos ortodoxos. O diácono também corta uma partícula para comemorar aqueles que ele
quer. O padre então incensa o asterisco e coloca-o na patena; então, incensados sucessivamente os três
dedos, cobre os oblatas, que incensam por sua vez. O diácono também incensa o altar da prótese, os
quatro lados da mesa, o santuário e toda a igreja. Voltando à prótese, a incensação é repetida e então a
missa começa.

b ) Missa didática (εναρξις). De pé em frente à iconóstase, o diácono diz: "Abençoa, Senhor". E o


padre: "Agora e sempre para todo o sempre". Então o diácono começa a grande coleta, isto é, as orações
para todos os tipos de pessoas; a cada invocação, as pessoas respondem: Kyrie eleison.
Depois da ladainha, os cantores cantam os salmos típicos, com as três antífonas correspondentes.
O sacerdote recita a oração correspondente a cada um em voz baixa, enquanto o diácono diz algumas
invocações entre eles, aos quais o coro responde: Kyrie eleison. Durante o canto da terceira antífona,

141
Liturgia I

precedido por luzes e ventiladores, o celebrante e o diácono, carregando o livro dos Evangelhos para
fora da porta norte e chegando, se posiciona em frente da porta grande do centro, onde o padre, com a
cabeça baixa, recita a oração do introito (pequeno introito). Em seguida, o diácono, beija o evangeliário
e o sacerdote mostra ao povo, dizendo: A sabedoria de pé! Então entra no santo bema e ele o coloca na
mesa. Neste ponto, o triságio é cantado pelo coro.
As lições seguem. Um leitor, voltado para o povo, lê a epístola, que é precedida por dois versos
extraídos, como regra geral, dos salmos, escolhidos em relação à festa na epístola a ser lida. Depois, o
coro canta o Aleluia três vezes , a própria vida da Igreja. Enquanto isso, o diácono toma o incensário; e,
abençoado o incenso pelo celebrante, incensa o altar, o santuário e o sacerdote; então, pegando o livro
dos Evangelhos e pedindo a bênção, precedida de luzes, vai ao ambão e canta o evangelho. Depois
seguem as echtennes, a longa e antiga oração litânica; o sacerdote então estende o iletium sobre o altar
e se despede dos catecúmenos. Aqui a segunda fase da missa termina.

c ) A missa dos fiéis. Recitadas as orações sobre os fiéis, o celebrante e diácono dizem juntos o hino
dos querubins ( Monogenes, primeira parte); incensa novamente o altar, o santuário, os ícones; de lá ele
vai para a mesa protética. O padre remove o grande véu e coloca-o na parte traseira esquerda do diácono.
Ele coloca o disco na cabeça, e carregando o cálice, precedido por luzes e ventiladores, faz o grande
introito, saindo pela porta da esquerda e entrando pelo portal specioso. O coro, entretanto, canta o hino
querúbíkon (segunda parte); chegado com os oblatos ao altar, o sacerdote coloca o cálice e o disco sobre
a mesa e cobre-o com o grande véu; o diácono continua a oração litânica ( echtenés ), quando as cortinas
do santuário estão fechadas. O credo niceno-constantinopolitano é recitado e logo em seguida começa a
grande oração eucarística (anáfora).

A anáfora, fora de alguns pontos mais solenes, por exemplo, a consagração, é dita pelo padre em
segredo. A leitura dos dípticos, seja dos vivos ou dos mortos ou da grande oração intercessora, ocorre
após a consagração imediatamente após a epiclese. Depois da anáfora, todas as pessoas recitam o Pater
noster com a doxologia final. Então, ao pedido do diácono: "Vamos estar atentos!" O sacerdote levanta
a hóstia sagrada, dizendo: "coisas santas para os santos"; ele então divide em quatro partes, deixando
uma no cálice, enquanto o diácono, ao lado do zeon, infunde um pouco de água fria com o sinal da cruz.
Durante esta cerimônia, é cantado o Kinonikon do dia, a antífona que corresponde ao nossa versículo
para a comunhão.
Segue a comunhão. O sacerdote coloca a parte da hóstia na mão do diácono; e outra parte para
si e ambos comungan. Depois toma o cálice e bebe três goles; depois, secando os lábios e a borda do
cálice com a esponja sagrada, ele a entrega ao diácono, que bebe dele por sua vez. As cortinas do portal
specioso são então abertas. O diácono, com o cálice na mão, mostra a porta ao povo dizendo: "Aproxime-
se com temor de Deus, com fé e caridade". Os fiéis então comungam de pé e recebendo em sua língua,
através de uma colherinha, um pedaço de pão consagrado, molhado no mais precioso sangue. Durante
esse tempo, o coro canta um hino ( tropário ) .
Distribuida a comunhão, o celebrante e diácono retornam à prótese, e colocado para além do
copo e vinho, pronunciando, alternando com o coro, recitam as orações de graças, finalmente, o
antidoron ( elogio ) pão benzido é distribuído aos fiéis. (isto não é a eucaristia, pão não consagrado que
os fieis podem levar consigo). Com a bênção do sacerdote, a liturgia acabou. Toda a função não dura
menos de duas horas.

Igrejas orientais têm, como regra, apenas um altar, e uma lei disciplinar muito antiga prescreve que mais
de uma liturgia não pode ser celebrada diariamente em cada altar. Para facilitar, portanto, que os
sacerdotes pudessem celebrar no mesmo dia, o uso da concelebração foi introduzido desde a antiguidade.
É praticado assim: os vários sacerdotes, vestidos com ornamentos sagrados, vão juntos ao altar. Um
deles, o de maior dignidade, atua como primeiro celebrante, e os demais exercem uma parte secundária.
Ele realiza os vários atos litúrgicos; os outros, no entanto, recitam todas as orações com ele em voz
baixa. A conclusão dessas orações é dita por sua vez por cada um dos celebrantes. Todos juntos eles
proferem em voz alta as palavras de consagração. Na fração do pão, o celebrante principal faz tantas
partes quantos são os concelebrantes, e todos compartilham do mesmo copo. A concelebração é
permitida em todos os dias do ano, mesmo para liturgias privadas simples.

142
Liturgia I

Para o ritual de sacramentos no rito bizantino, o batismo é sempre administrado por imersão,
depois de uma unção geral do corpo com a fórmula: "O servo de Deus N. é baptizado em nome do Pai,
Amém; do Filho, Amém e do Espírito Santo. Amém." A confirmação é administrada imediatamente
após o batismo e o sacerdote confere o crisma, dizendo: "O selo do dom do Espírito Santo". A comunhão
é recebida ordinariamente quatro vezes ao ano: no natal, na páscoa, pentecostes e na festa da assunção
(15 de agosto); no entanto, a santíssima Eucaristia, que é preservada para o benefício dos doentes no
artoforion, não é objeto de veneração especial, como no Ocidente. O uso da confissão também é raro
durante o ano. Quando não há confessionários, o penitente se ajoelha diante do sacerdote, que está diante
da iconostase. Ordenações são conferidas pela imposição das mãos. A unção dos enfermos requer,
quando possível, a intervenção de sete sacerdotes, que ungem sucessivamente os doentes com o óleo
abençoado, misturado com vinho.

d) O rito armênio
Depois da adesão oficial ao cristianismo como religião nacional sob a influência de são
Gregório, o Iluminador (Lussarovits), no início do século IV e criação, um século mais tarde, de um
alfabeto nacional, o reino armênio organizou sua liturgia, entre 415 e 450, segundo os costumes de
Jerusalém. Conhece-se a existência de certos livros desde o início no século IV, mas não existe clara
documentação.
Sempre existiu uma corrente helenófila (língua grega), particularmente entre os séculos VII e XI, depois
de ter rompido muitas vezes com Bizâncio, seguiu seu próprio caminho.
Na sua liturgia, foram incorporados inumeráveis costumes latinos, e se tornou uma liturgia
complexa. Estava muito vizinha da liturgia bizantina, distinguindo-se por influências latinizantes e por
traços originais.

É mesmo graças ao Lecionário armênio compilado nesta época, e posteriormente ao Kanonarion


georgiano dos séculos VII a IX, que chegamos a conhecer com certa precisão esta antiga liturgia que
entrou em desuso. Estes livros confirmam as informações que podemos haurir do Diário de Viagem da
peregrina Etéria (381-384) e das Catequeses da mesma época transmitidas sob o patrocínio de são Cirilo.
Na sequência dos acontecimentos, a obra iniciada pelo católico Sahak, o Grande (387-428), sofreu
incontáveis transformações ainda muito precariamente conhecidas. Isto torna difícil a tarefa de detectar
os traços primitivos desta liturgia. Se reduzidas foram as influências sírias, o mesmo não se pode dizer
daquelas que vieram do Império bizantino. Na realidade, na Armênia sempre existiu uma corrente
helenófila, particularmente intensa entre os séculos VII e XI, embora a Armênia, que iria recusar, no
Sínodo de Dvin (506), a cristologia de Calcedônia para ficar com o Concílio de Éfeso, tenha rompido
muito cedo a comunhão eclesial com Bizâncio. Depois das conquistas seljúcidas do século XI, o
pequeno reino armênio que se reconstituiu, durante dois séculos, na Cilícia, viveu estreitas relações com
o principado franco de Antioquia. Na sua liturgia foram, então, incorporados numerosos costumes
latinos, principalmente no que se refere ao quadro e ao cerimonial da celebração eucarística. Tais traços
se acentuaram durante os breves períodos de união com Roma, para desembocar numa latinização quase
completa entre os armênios do Império austro-húngaro e da região de Alepo, que mantiveram ou
restabeleceram esta união. O resultado de tudo isso é uma liturgia complexa. Em suas características
gerais se aproxima da liturgia bizantina, distinguindo-se dela claramente por influências latinizantes e
por traços originais.
O mais notável é, sem dúvida, a estrutura do calendário, que se assemelha ao dos assírios-caldeus
e dos sírios, fundamentados também no agrupamento de semanas (hebdômadas), sendo que as festas do
Senhor são colocadas nos domingos e as dos santos fixadas durante a semana.
Outro elemento original é a riqueza de sua hinografia. Diferentemente do que ocorreu com os
ritos sírio e bizantino, a liturgia armênia enriqueceu-se de elementos antigos, cujas origem e cronologia
permanecem incertas, de composições dos grandes poetas medievais tais como são Gregório de Narek
(século X) e Nerses Schnorhalli ("o Gracioso", 1102-1173).
Em seu conjunto, a liturgia armênia está estreitamente modelada, no que se refere à estrutura de
seus ritos, em tradições de Jerusalém e Constantinopla, enquanto que o quadro da celebração, a
disposição do altar e principalmente as vestes litúrgicas e certos ritos secundários, em particular o das
ordenações, aproximam-na dos costumes do Ocidente medieval.

143
Liturgia I

4.4.1.3 O GRUPO ALEXANDRINO

1. O rito copta
Em Alexandria houve dois ritos
1. Rito copta
Língua litúrgica – grego – gheez (= fusão com o árabe).
Anáfora de são Marcos (com pouca influência de Jerusalém e Constantinopla), e de são Cirilo de
Alexandria.
Fora da anáfora, a celebração eucarística copta caracteriza-se pelo realce dado aos ritos de
reconciliação, com grandes absolvições (também na Rússia). Toda a celebração é precedida pelo duplo
ofício de louvor, de intercessão e de reconciliação. Duas vezes por dia se faz a incensação.

O grupo alexandrino não oferece um conjunto bem estruturado, como é a característica do grupo
sírio-antioqueno. A tradição alexandrina recebeu influência deste último, fazendo com que, na metade
do século VI, no tempo do patriarca copta Benjamim (626-655), sofresse um remodelamento do
conjunto de suas estruturas litúrgicas, segundo o esquema sírio, só restando algumas marcas das
tradições alexandrinas originais. De fato, conhecemos muito mal quais seriam estas últimas. Alguns
elementos do rito batismal e sobretudo a estrutura da anáfora eucarística permitem, só estes, reconhecer
quanto a liturgia em questão se diferenciava do tipo antioqueno, oferecendo, de outro lado, indiscutíveis
semelhanças com a liturgia romana. As origens e a natureza da coletânea, dita Eucológio de Serapião,
permanecem muito incertas, oferecendo numerosos formulários muito diferentes de outros que
conhecemos por outras fontes. Difícil reconhecer nesta coletânea um testemunho qualificado dos
costumes alexandrinos. O mesmo deve-se dizer dos rituais do batismo e da eucaristia, tirados do
esquecimento em outros tempos por A. Baumstark, que pensava poder remontá-los ao século VI.
Por outro lado, um número apreciável de testemunhos nos permite apreciar os caracteres próprios
da anáfora eucarística alexandrina e, por uma parte, acompanhar seu desenvolvimento até às recensões
definitivas que levaram ao texto grego conhecido como Anáfora de são Marcos, texto transmitido
principalmente por manuscritos de origem melquita, com umas poucas influências de Jerusalém e
Constantinopla. A recensão copta, denominada Anáfora de são Cirilo, apresenta leves diferenças com
relação a estas recensões gregas. Na prática ela está quase que totalmente em desuso por estar reservada
apenas para os domingos da quaresma. Há muito tempo, a mais habitualmente usada é a Anáfora de são
Basílio, de origem capadócia: mais sóbria que a recensão bizantina, poderia ser o exemplo de uma
recensão mais antiga. Igualmente de origem capadócia, a Anáfora de s. Gregório, o Teólogo (o
Nazianzeno), usada nas festas do Senhor, é de grande riqueza doutrinal e apresenta a particularidade de
ser dirigida ao Filho e não ao Pai.
Fora da anáfora, a celebração eucarística copta caracteriza-se pelo realce dado aos ritos de
reconciliação, com grandes absolvições: a conhecida como "do Filho" no começo da celebração
imediatamente após a apresentação das oferendas e a outra, "do Pai", antes da comunhão.
Toda celebração deve ser precedida por um duplo ofício de louvor, de intercessão e de
reconciliação, a incensação da tarde e a incensação da manhã, caracterizadas, como o nome indica, pela
importância do incenso. Semelhantes aos sédré da liturgia síria, os ofícios coptas se distinguem daqueles
por sua estrutura e pela referência mais direta aos serviços da liturgia mosaica (Ex 30,7-9). Pode-se
consequentemente reconhecer uma forma de ofício cotidiano, inserido nos formulários monásticos que
constituem a "salmodia anual", está estreitamente ligada à forma propriamente monástica, de uma
salmodia cotidiana, a do Horologion, que insere no seu bojo, além do saltério, apenas leituras
evangélicas, tropários e orações. A hinografia copta apresenta-se muito pobre. Seu elemento mais
notável é constituído pelos Theotokia, sem dúvida, de origem sírio-mesopotâmica, que estão presentes
no Ofício da manhã, de modo particular no tempo de preparação para o natal (mês de Koïak).

II. O rito etíope


Ligado ao rito copta. Chegaram monges sírios para evangelizar (~ 330), influência da língua
siríaca. A língua é o gheez (siríaco e árabe). Monges (monofisitas) que fugiam da perseguição do
imperador Justiniano (melquitas).
- Muitos hinos, cantos, o ritual depende dos coptas.

144
Liturgia I

O rito etíope, na forma que conhecemos, isto é, posteriormente ao século XIV, está estreitamente
ligado ao rito copta, do qual toma muitos elementos e aos quais se ajuntam ritos e formulários de origem
diversa e em parte originais.
As estreitas relações que foram estabelecidas desde a origem entre a jovem cristandade do Reino
de Axum e o patriarcado de Alexandria foram sendo reforçadas, ao longo dos séculos, notadamente após
a "Restauração salomônica" de 1271.
Não se deve esquecer que os primeiros evangelizadores do país, são Frumêncio (que se chama
na Etiópia Abba Salama) e seu irmão Edésio (por volta de 330), eram sírios, como o foram sem dúvida
também, dois séculos mais tarde, os "nove santos romanos", muito provavelmente monges que fugiam
da perseguição encetada por Justiniano com relação às posições "monofisitas".
Tudo leva a crer que, desde este período antigo, já se tinha traduzido para o gheez o Testamento
de Nosso Senhor, cuja eucologia, chamada exatamente Kidan, isto é, Testamento, forma até nossos dias
o cerne do ofício cotidiano da Etiópia e cuja oração eucarística tornou-se a Anáfora do Senhor, de uso
corrente. Não é certo, por outro lado, que a Tradição apostólica tenha sido conhecida por outro caminho
que o da tradução árabe do Sínodo copta: consequentemente, não foi antes do século XIV, o mais cedo,
que a liturgia etíope tenha adaptado a oração eucarística que se tornou a Anáfora dos Apóstolos. Outras
anáforas são de origens diversas. Umas são oriundas de Jerusalém, outras do Egito. Os fragmentos
publicados por Dom Emmanuel Lanne provam que muitas delas estavam em uso. Outras orações
parecem ser de origem síria, algumas são composições tipicamente etíopes, com estrutura, estilo e
inspiração surpreendentes. Assemelham-se, assim, à exuberante floração hinográfica, sempre aberta à
improvisação, dos dabtara, cantores e escribas, que constituem elemento característico da Igreja da
Etiópia.
O ritual, no entanto, está estreitamente em dependência do ritual copta, principalmente devido à
ausência, até o segundo terço do século, XX, de um episcopado autóctone. Os ritos da iniciação cristã,
bem como os da penitência, foram largamente enriquecidos com elementos provenientes de tradições
muito diferentes, inclusive do Ocidente latino e da Armênia, devido aos centros monásticos etíopes de
Jerusalém cuja influência cultural e litúrgica não foi menor do que a exercida sobre os mosteiros
estabelecidos no Alto Egito.

4.5 Os ritos no Ocidente:


Em Roma: o rito romano
Em Milão: o rito ambrosiano
Na França: o rito gallicano
Na Espanha: o rito moçárabe
Em Portugal: o rito bracarense
Antigas liturgias: Liturgia celta,
O imperador Carlos V introduziu, no seu reino, o rito romano.
(seguimos a exposição de Martimort, p. 61-67): DOS SÉCULOS V A VIII
As liturgias do Ocidente passaram do grego para o latim, o mais tardar, na segunda metade do
século IV. Até o século XX, elas permaneceriam em latim, com exceção de alguns elementos gregos
admitidos em algumas ocasiões e, também o uso, em certos países eslavos de rito latino, os livros
litúrgicos glagolíticos (traduzidos do latim para eslavônico).
Durante o período que vai do século IV ao VIII, as liturgias latinas apresentam-se regionalmente
diversificadas, não tendo ainda a liturgia de Roma a predominância que adquiriria nos períodos
seguintes, a ponto de dar às outras liturgias particulares um caráter quase excepcional. Os Padres, como
santo Agostinho e são Gregório Magno, têm consciência das diferenças litúrgicas e afirmam que estas
não quebram a unidade da fé. Na própria Roma, e muito provavelmente em outros lugares, a liturgia
apresenta diferenças de igreja para igreja.
Além dessa diversidade regional, permitindo numerosas trocas litúrgicas entre as diferentes
regiões e também com o Oriente (Jerusalém, devido às peregrinações, e Constantinopla, sobretudo
devido às influências gregas no Ocidente), este período se caracteriza pela criação de numerosos textos
litúrgicos e pelo que poderíamos chamar de graus diferenciados na eclesialidade das diversas
celebrações.
No período precedente, em geral, as preces litúrgicas eram improvisadas pelo bispo ou sacerdote
celebrante, segundo esquemas tradicionais [...]. Do IV ao VII séculos, multiplicam-se as criações e

145
Liturgia I

tornam-se, rapidamente, herança transmitida na Igreja, e que dão, assim, forma à sua oração. Tal já se
dava no tempo de santo Ambrósio, no que concernia à oração eucarística de Roma e Milão, mesmo que
hesitemos em dizer se o texto citado por Ambrósio é a forma mais antiga da oração eucarística romana
ou uma variante milanesa desta. Por volta do século VII, as novas criações se tornam sensivelmente
menos frequentes (ao menos no que toca às orações da missa) primeiramente em Roma e, um pouco
mais tarde, na Espanha.
Durante este período, as formas de oração são divididas menos a partir do critério de preces
litúrgicas ou não litúrgicas, mas pelos graus diferentes de eclesialidade. O principal era a oração da
Igreja local reunida, sobretudo para a missa dominical e para a iniciação cristã ou, já em menor escala,
para as duas horas principais do Ofício divino. Em grau menor, e segundo as circunstâncias, existiam
celebrações mais particulares concernentes a um grupo, uma família ou um mosteiro: casos relacionados
com o casamento, funerais e o ofício monástico.

4.5.1 O rito romano


É no século V que a Liturgia romana assume uma fisionomia própria, que exprime o "gênio
romano". Como se viu acima, este período chama-se também o período "clássico". Na Roma antiga, a
palavra classicus, vinda da classis, se referia à divisão cultural superior da população romana. O homo
classicus era uma pessoa que era formada no ensino filosófico grego e romano e educada na gramática
clássica, na retórica e nas artes. Em outras palavras, era uma pessoa de cultura.
Caraterística do homo classicus era equilíbrio, medida (sobriedade), simplicidade, regularidade,
solenidade e transparência. Estas qualidades definem a liturgia romana clássica, que começou a
desenvolver-se depois do século IV, graças à criatividade dos pontífices romanos como o papa Dámaso
(m. 384), papa Inocêncio I (+417), são Leão Magno (+461), papa Gelásio (+496), papa Virgílio (+555)
e são Gregório Magno (+604). Eles contribuíram para dar à liturgia romana um gênio próprio. Para
apreciar a forma clássica da liturgia romana, deve-se examinar os seus principais elementos. Pode-se
falar de dois: o formal e o teológico.
Os elementos formais incluem os elementos rituais como o plano da celebração, os gestos, os
símbolos, como também os textos litúrgicos, sobretudo os formulários eucológicos. Os elementos
teológicos incluem a mensagem doutrinal e espiritual contidos nos elementos e textos rituais.
Os ritos revelam uma grande simplicidade, uma sobriedade e um sentido prático. Os formulários
eucológicos têm como caraterísticas a medida, a brevidade e a transparência. Quanto ao rito, para dar
um exemplo era necessário ler o Ordo L. Quanto à eucologia, basta ler uma oração como a da coleta de
natal.
"Deus, qui in humanae substantiae dignitate et mirabiliter condedisti et mirabilius reformasti:
da, quesumus, nobis Iesu Christi filii tui: nos divinitatis esse consortes, qui humanitatis nostrae
fieri dignatus est particeps. Per [...]."
Pode-se falar numa liturgia "romana pura"? Dificilmente, pois há sempre influxos exteriores que
entram. Naquele tempo, Roma era um centro político e cultural que reunia pessoas de tantos países
diferentes. Mas não era o modo de pensar hodierno.
A situação externa ficou mais favorável para a Igreja, mas interiormente começa outro tipo de
provação. Assim, se entra no tempo das lutas cristológicas: arianismo, nestorianismo, monofisismo,
monotelismo, adopcionismo etc., começando já no fim do século III e passando até ao século VIII. Este
tempo não parece menos turbulento que na primeira fase. Esta fase viu uma série de concílios: Concílio
de Niceia (325, contra o arianismo), o de Constantinopla (381), o Concílio de Éfeso (431, contra o
nestorianismo), e o de Calcedônia (451, contra o monofisismo) entre outros. Daquilo que se falou nas
fontes da liturgia sobre o papel dos concílios é normal admitir que os próprios concílios influenciaram
ativamente na formação das diversas famílias litúrgicas.

A partir do século IV, multiplicam-se os testemunhos indiretos a respeito das liturgias ocidentais e,
posteriormente, de seus textos. O rito romano, que vai tornar-se na época carolíngia o rito de grande
parte do Ocidente, no momento é apenas usado na cidade de Roma, mas já exerce uma influência
importante na Itália e mesmo fora dela, como atestam as catequeses de santo Ambrósio De Sacramentis
s e um certo número de cartas de papas, como por exemplo as de Inocêncio I ao bispo Decêncio de
Gubbio (416) 7 ou de Virgílio a Profuturo de Braga (538).

146
Liturgia I

Os principais documentos a respeito da liturgia romana desta época são os sermões de são Leão
(440-461) e os três sacramentários comumente chamados de leonino, gelasiano e gregoriano. Os
sermões de são Leão mostram que os principais tempos e festas do ano litúrgico já estão estabelecidos,
menos o tempo do advento, que aparecerá em Roma na segunda metade do século VI.
Os sacramentários são livros nos quais, até a época carolíngia ou mesmo mais adiante, o bispo ou
o padre encontravam as orações para a missa e para as outras funções litúrgicas. Outros livros continham
as leituras da missa ou do ofício. Outros ainda (gradual, antifonário) encerravam as peças cantadas.
O livro chamado Sacramentário Leonino (assim designado porque se acreditava que no todo ou
em parte tinha são Leão como autor) ou Sacramentário de Verona (assim conhecido por causa da
biblioteca que o conserva) não está organizado de acordo com o desenrolar do ano litúrgico. É antes
uma coletânea constando talvez de pequenos livros primitivamente independentes, de formulários
litúrgicos classificados, segundo os dias do ano civil, apresentando-se mutilado em sua primeira parte,
isto é, de janeiro a abril. Os historiadores atribuíram, com relativa probabilidade, a autoria de certas
peças a papas do século V ou da primeira metade do século VI, de modo especial são Leão, são Gelásio
I (492-496), Virgílio (537-555).
O Sacramentário dito Gelasiano (intitulado Liber sacramentorum Romanae Aeclesiae ordinis
anni circuli) ou Gelasiano antigo para distinguí-lo do grupo posterior dos Gelasianos francos da
segunda metade do século VIII conservou-se num único manuscrito (Vaticano Reginensis lat.
316) copiado em país franco na metade do século VIII. Começa com a vigília de natal e contém
todo o ano, com o santoral separado do temporal. Colocando-se de lado algumas interpolações
francas, o sacramentário apresenta, segundo a hipótese de A. Chavasse, a liturgia de uma Igreja
presbiteral de Roma no século VII, mas é possível distinguir nele os elementos da liturgia de
Roma no século VI, antes de são Gregório. Outros liturgistas não aceitam tal hipótese, fixando
a composição do sacramentário em país franco.
O Sacramentário Gregoriano é conhecido através de um exemplar papal enviado por Adriano I a
Carlos Magno entre 784 e 791. O título dado ao volume se atribui a são Gregório Magno. A comparação
entre o Gregoriano Hadrianum e dois outros manuscritos ligeiramente diferentes, conservados em Pádua
e Trento, permite afirmar que este sacramentário foi composto em Roma por volta de 630. Contém, pelo
menos, 80 orações que podem ser atribuídas com certeza ou grande probabilidade a são Gregório Magno
(590-604).
A oração eucarística romana se distingue, tanto de seu equivalente galicano e hispânico como das
anáforas orientais, no sentido de ser única (enquanto as liturgias orientais dispõem de várias anáforas).
Apresenta variações somente para o prefácio e alguns parágrafos da oração previstos para dias bem
determinados. Na Gália e na Espanha, contrariamente todas as partes da oração eucarística são variáveis.
A quase totalidade dos prefácios e orações romanas da missa foram provavelmente compostos no
período que vai aproximadamente de são Leão a são Gregório. Seu estilo, conciso e ritmado pelo cursus,
é muitas vezes bem parecido com o de são Leão. Assim podemos dizer que este papa ou o formou ou
então exerceu forte influência sobre ele. O conteúdo é caracterizado pela cristologia de são Leão e do
Concílio de Calcedônia (grandes festas) e pela doutrina agostiniana da graça (missas dominicais do
tempo comum). Com são Gregório, a eucologia se orienta num sentido mais interior e mais monástico.
Essa mudança de acentuação caracteriza, sobretudo, a liturgia da páscoa e da preparação para esta festa,
onde o aspecto batismal tornou-se menos importante quando, a partir do século VI, não havia mais
pagãos. Nessa época, o batismo de crianças pequenas tornou-se prática generalizada e os escrutínios
pre-batismais, anteriormente fixados para os domingos da quaresma, passaram a ser realizados em dias
de semana.
Além dos textos litúrgicos, os sacramentários apresentam somente breves indicações a respeito
da maneira como a liturgia deve ser celebrada. Tais indicações apresentam-se mais desenvolvidas, tanto
para a missa, como para outras partes da liturgia, nos Ordines Romani, difundidos fora de Roma.
Andrieu, seu principal editor, esforçou-se por distinguir o que havia neles de puramente romano e o que
poderia constituir-se de adaptações francesas.
Além dos sacramentários e dos Ordines, a análise de manuscritos posteriores nos permite reconstituir
quais poderiam ter sido, ao menos a partir do século VII, as leituras e os cantos da missa. Certo número
de informações a respeito da liturgia romana, nos foram dadas através das cartas dos papas bem como
de suas notas biográficas presentes no Liber pontificalis, ou ainda no formulário da chancelaria papal, o
Liber diurnus.

147
Liturgia I

Diáspora, transformação e retorno da Liturgia romana (séc. VII-X)


Outra vez a situação muda. Desta vez se trata do desenvolvimento do império franco-germânico.
Há quem fique atraído pelo gênio romano e resolve levar os livros litúrgicos para além dos Alpes. Como
veremos, começa com esforços de pessoas particulares e depois continua até de forma oficial. Assim, a
liturgia de Roma deixa de ser uma liturgia local e torna-se a liturgia do Ocidente.
Como já se viu, os séculos IV-VI testemunharam o aparecimento e desenvolvimento de uma
diversidade de famílias rituais: além do Rito romano, se pode mencionar os Ritos celta, ambrosiano,
hispânico, bragarense e outros. No território franco-galicano se encontra o Rito normalmente intitulado
como Rito galicano. Com o decorrer do tempo, surge uma superabundância de novos elementos. Nesta
altura, cada bispo como liturgo por excelência na sua diocese era o responsável pela liturgia. Mesmo
que se fale de uma certa unidade litúrgica, pois aí se celebrava o rito galicano, havia diferenças
significantes de uma para outra diocese. Isso criava um certo espírito de "anarquia" ou confusão na vida
litúrgica, que, pelo que parece, suscitou desejo de uma unidade maior.
Depois da conversão do rei Clodovéu em 496, muitos peregrinos, monges, clero e bispos
começaram a visitar Roma. O número dos visitantes aumentava com o passar do tempo especialmente
no século VII. Ficaram impressionados com o esplendor da Liturgia de Roma e levaram aqueles usos
para suas terras transalpinas, mesmo que ainda de forma "não oficial". Mas inicia-se o processo de
importação dos livros litúrgicos romanos -neste caso gelasianos- para aquelas terras. Consequentemente
começa também o processo de fusão dos livros romanos e dos livros galicanos.
Mas este processo entra numa fase muito mais importante com o santo bispo Bonifácio
(672/675-754). Este grande pastor e "apóstolo" dos povos germânicos mantinha o desejo de unir aquela
gente mais firmemente a Roma. O meio mais eficaz para ele era através da liturgia. Como ele exercia
certa influência sobre o rei Pepino (714/715-768), foi colocada esta ideia no seu coração, que
aparentemente não ficou por aí, pois o rei, pelo que parece, era responsável pela compilação do
Gelasiano do século VIII (740-750). Uns anos mais tarde, no ano 754, ele prescreveu a liturgia romana
para seu reino. E, no mesmo ano, o Papa Estévão II chegou a St. Dénis e ungiu Pepino rei, declarando-
o "Patricius Romanorum", junto com seus filhos.
O processo ganhou ímpeto maior com o filho de Pepino, Carlos Magno (742-814), que continua
e aperfeiçoa a obra iniciada por seu pai. Em 783, ele pediu ao Papa Hadriano I (784-791) um
Sacramentário "romano puro', (immixtum) com a intenção de substituir os outros sacramentários que
circulavam no seu reino. Uns anos mais tarde (785-786) chega à corte imperial o Sacramentário chamado
Gregoriano Hadrinaneo. É precisamente nesta altura que Carlos Magno declara a mesma norma que seu
pai, prescrevendo a liturgia romana como a Liturgia do reino."" A unificação litúrgica do Império sob o
domínio de Carlos Magno vai contribuir para a vitalidade da liturgia romana e da corte imperial.
Quando chegou o tão esperado sacramentário decepcionou os "liturgistas" carolíngios por dois
motivos: o latim do exemplar romano era bastante alterado e o sacramentário, pensado para uso papal,
não continha indicações suficientes para uso paroquial. Assim era necessário fazer uma correção do
latim como também juntar um suplemento, acrescentando os elementos que faltavam para ser um livro
útil.
Esse trabalho foi feito por Bento de Aniane (+821), um reformador monástico que formava parte
do conselho do rei. O suplemento é claramente distinto dos sacramentários pelo fato de iniciar com um
prefácio explicativo intitulado Huiusque (precisamente porque começa com esta palavra).
A partir deste momento ver-se-á uma intensificação neste processo de fixação e fusão dos livros
litúrgicos. Como já dissemos, há uma abundância de elementos e se precisava de pessoas para ajudar
nesta obra. Pode-se falar de dois grupos de promotores. O primeiro grupo são as grandes personagens
deste período da história. O segundo grupo são os mosteiros de grande importância.
Exemplos do primeiro grupo encontramos em Alcuino (ca. 730-804) de Iorque (Inglaterra),
Amalário (775-850): discípulo de Alcuino e, depois, bispo de Metz. Estes dois também faziam parte do
conselho do rei Carlos Magno. Os dois também usavam a interpretação alegórica da liturgia.
Pode-se ainda mencionar Agobardo (769-840), autor de obras de importância litúrgica como a De
correctione antiphonarii e Contra livros IV Amalarti., Rabano Mauro (780-856), discípulo de Alcuino
e autor de diversos livros referentes à liturgia, como o De institutione clericorum, dois homiliários, dois
livros penitenciais, um martirológio e diversos hinos litúrgicos, como, por exemplo, o famoso Veni
Creator Spiritus; Walafrido Strabo (809-849,) monge beneditino que se tornou abade de Reichenau.

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Liturgia I

Em 826-829, ele ficou sob a tutela de Rabano Mauro, em Fulda, depois, em 829, foi chamado para a
corte de Carlos, o Calvo, em Aquisgran. Em 838, foi nomeado abade de Reichenau. Ele escreveu
numerosos poemas e hinos. Da sua autoria, ficou o Libellus de exordiis et incrementis rerum
ecclesiasticarum, um manual litúrgico arqueológico e uma explicação das cerimônias. Ele falou a favor
da celebração diária da santa missa para sacerdotes.
Exemplos do segundo grupo encontramos em Reichenau, Fulda, Mogúncia, e outros, e que se
tornaram centros de irradiação de formas litúrgicas bem características. Este grupo vai ter mais
influência ainda, depois da queda em 887, não vai ter força centralizante, mas cada um vai desenvolver
a "liturgia romana" à sua maneira.

4.5.2 O rito ambrosiano


Na Itália do Norte, existiu uma acentuada variedade litúrgica antes da época carolíngia e mesmo
depois, por exemplo, em Aquiléia (cujos metropolitas tinham o título de patriarcas a partir do século
VI), em Ravena 220 e em Milão. Somente a liturgia ambrosiana sobreviveu até nossos dias, usada em
Milão (e antigamente nas igrejas vizinhas). No final do século IV, santo Ambrósio, sucedendo ao bispo
Auxêncio, um ariano, originário da Capadócia, declara seguir a liturgia romana, guardando, no entanto,
frente a esta, certa liberdade. De outra parte, busca no Oriente a antífona no canto dos salmos e, ele
mesmo, compôs hinos de gênero novo: entre os que lhe são atribuídos, quatro são certamente autênticos
e vários outros têm grande possibilidade de o terem também como autor.
Os documentos litúrgicos ambrosianos que foram conservados são quase todos carolíngios ou
pós-carolíngios e deixam transparecer uma forte influência dos sacramentários romanos ou romano-
francos. Uma parte apenas de sua eucologia (principalmente para os prefácios) é propriamente
ambrosiana. Há sinais de contato com o Oriente (algumas peças cantadas) e com a liturgia galicana, sem
que se possa detectar uma origem oriental para essa liturgia (como acreditou Duchesne). Da mesma
forma, não se pode dizer que a liturgia de Milão seja da mesma família litúrgica da Gália.
A liturgia ambrosiana foi profundamente marcada, no século XVI, por são Carlos Borromeo e,
nos séculos XIX-XX, por vários grandes sábios. O missal e o breviário foram reformados após o
Concílio do Vaticano II.

4.5.3 O rito da Gália


A liturgia da Gália, antes de ser substituída na segunda metade do século VIII pela liturgia romana,
é pouco conhecida. Tinha-se desenvolvido menos do que em Roma e na Espanha. Os poucos
documentos que sobreviveram estão repletos de contribuições romanas. São originários, quase todos, da
mesma região (Reino de Borgonha) e não nos dão a possibilidade de saber como era a liturgia em outras
regiões. Além das informações esparsas contidas nos sermões de são Cesário de Arles (+ 542), mais os
escritos de são Gregório de Tours (+ 594) e os concílios merovíngios.
Exposição da liturgia galicana do Pseudo-Germano de Paris, escrita por volta de 600 (posteriormente
aos Diálogos de são Gregório Magno e antes do De ecclesiasticis officiis de santo Isidoro de Sevilha,
tem o duplo interesse de mostrar que a liturgia da Gália sofreu fortes influências orientais (especialmente
da síria) e ser o primeiro testemunho, no Ocidente, de uma interpretação alegórica da liturgia.
Na Gália como na Espanha, não somente o prefácio, mas as partes da oração eucarística que
precedem e seguem as palavras da consagração eram variáveis. De modo geral, a eucologia, do ponto
de vista literário, é mais difusa do que em Roma e, do ponto de vista teológico, nitidamente mostra
reação antiariana.

4.5.4 O rito hispânico ou moçárabe


O rito hispânico (muitas vezes chamado de moçárabe), cuja separação do rito galicano no início
não é clara, estendia-se pela região norte dos Pireneus na época dos visigodos. O século VII é o tempo
de suas grandes criações eucológicas. Será suprimido a pedido dos papas Alexandre II e Gregório VII
(1067-1080), sob a alegação de insegurança doutrinal (adocianismo) e desvio com relação à unidade
litúrgica romana. Mas os cristãos de Toledo reconquistada (1085) dos árabes (os Moçárabes)
conseguiram que o rito fosse conservado em suas paróquias e está ainda em uso numa capela da catedral
de Toledo. Apesar da vontade de unificação litúrgica do reino visigodo, manifestada pelo Concílio IV
de Toledo (633), subsistiu em tempos posteriores certa diversidade provincial, e Dom J. Pinell distinguiu

149
Liturgia I

nos manuscritos litúrgicos hispânicos duas tradições textuais em parte diferentes. Uma seria toledana
(tradição A) e a outra, mais arcaica, talvez originária de Sevilha (tradição B).
O rito hispânico caracteriza-se, como o rito galicano, pelo fato de que todas as partes da oração
eucarística são variáveis, e que, de modo geral, as orações (muitas vezes dirigidas a Cristo) são mais
desenvolvidas do que em Roma e de um estilo literário muito rebuscado.
No Ofício divino, mais claramente do que em outros lugares, foi mantida a distinção entre as
Horas ad matutinum et ad vesperum, orações da comunidade eclesial (ordo da catedral), e os
desenvolvimentos monásticos do Ofício. Por outro lado, o ofício tinha uma predominância crescente
das antífonas sobre os salmos, reduzidos a um ou dois versículos. As características próprias dos
principais tempos litúrgicos apresentam-se bem acentuadas. Na parte do santoral, a festa mariana de 18
de dezembro é a única registrada até o século IX. Há, porém, numerosas festas de mártires espanhóis.
Os livros litúrgicos hispânicos contêm algumas peças tiradas dos sacramentários romanos. De
modo inverso, na época carolíngia, certas orações e alguns hinos hispânicos foram introduzidos na
liturgia romana.
A obra de santo Isidoro de Sevilha (+ 636) é bastante importante, não somente para o
conhecimento da liturgia hispânica, como também pela influência que exerceu nas ideias litúrgicas até
o final da Idade Média."

4.6 DA ÉPOCA CAROLÍNGIA ATÉ SÃO GREGÓRIO VII (cf. Martimort, p. 68-70)

O sacramentário papal, enviado por Adriano, não era completo com respeito à liturgia romana,
nem era suficiente para as novas necessidades da piedade em país franco. A ele foram acrescentados
vários suplementos, sendo que o principal destes era de autoria do visigodo são Bento de Aniane (e não
Alcuíno como se pensava), que abeberou das fontes do Gelasiano do VIII século e ocasionalmente de
fontes hispânicas. Bento foi também encarregado pelo imperador Luís, o piedoso, de reformar a vida
monástica, tendo como base a Regra de são Bento. Ao lado de são Bento de Aniane e, antes dele, o
inglês Alcuíno exerceu uma influência profunda, principalmente pelos novas mudanças que introduziu
na liturgia e na espiritualidade (lugar dado à penitência, festa de Todos os Santos, devoção à Trindade,
à cruz, aos anjos). Deve-se assinalar, de modo particular, a introdução de missas votivas e orações
particulares compostas por ele ou por ele introduzidas a partir de fontes insulares.
Com a unificação litúrgica do Império através de uma liturgia romano-franca, o centro de
vitalidade da liturgia romana se encontra, durante vários séculos, não mais em Roma, mas onde está a
Corte imperial dos Carolíngios, posteriormente dos otonianos, e nos grandes mosteiros francos. A
unidade litúrgica só é realizada, de modo absoluto, onde os modelos romanos eram suficientemente
estáveis. Uma diversidade regional ou local mais ou menos grande sempre existiu em algumas partes da
liturgia, por exemplo nas leituras das missas dominicais depois de Pentecostes, na ordem e na escolha
dos responsórios das matinas.
Os manuscritos litúrgicos da época carolíngia conservados são bem mais numerosos do que na
época precedente. Nesta época começa a aparecer um livro novo, o pontifical, desmembrado da parte
do sacramentário, contendo tudo aquilo de que precisa o bispo fora da missa. Inversamente o
sacramentário evolui lentamente na direção do missal completo, num momento em que as "missas
particulares" se tornam mais frequentes nos mosteiros. Ao lado dos livros completos, provavelmente
existiam, sobretudo nas pequenas igrejas, muitos livros abreviados ou cadernos parciais, a maioria deles
desaparecidos. No século IX, começam a aparecer os primeiros traços escritos do canto litúrgico que até
então se transmitia somente pela memória.
A renascença carolíngia, ao mesmo tempo toma as providências no sentido de que os clérigos
conheçam o latim e sejam capazes de criações litúrgicas nesta língua, exclui da liturgia as demais línguas
romanas nascentes. São numerosas as criações litúrgicas em latim, sobretudo nos grandes mosteiros
francos: hinos (que são ainda próprios do Ofício monástico), os primeiros ofícios versificados,
sequências e tropos. Estes últimos que, nas grandes festas, aparecem com uma espécie de comentário
cantado o texto do introito e de outras peças da missa ou do Ofício, não são um fenômeno paralitúrgico
popular, mas um desenvolvimento interno da liturgia festiva, mais frequente nos grandes mosteiros.
Além disso a liturgia, de maneira geral, apresenta a tendência da encenação que se exprime de modo
particular no surgimento do drama litúrgico.

150
Liturgia I

O Pontifical romano-germânico é composto, entre 950 e 963, no mosteiro de santo Albano de


Mogúncia, junto à corte imperial otoniana. Ele recolhe muitos elementos litúrgicos carolíngios e
influenciará todas as liturgias do Ocidente, inclusive a de Roma. A divisão do império franco a partir do
século IX terá, como consequência, desenvolvimentos litúrgicos divergentes entre a parte oriental e a
parte ocidental do império. Na parte ocidental, o mosteiro de Cluny, fundado em 909, vai difundir sua
liturgia nos mosteiros que dele dependem e estará na origem de uma liturgia menos ligada à vida das
Igrejas diocesanas. Os complementos ao Ofício divino foram muito desenvolvidos por Cluny com
relação ao que estava em uso no tempo de Bento de Aniane. Não se pode, no entanto, julgar a
espiritualidade litúrgica de Cluny, segundo as críticas de são Bernardo. Estas procedem de uma
concepção da liturgia completamente diferente.
Os escritos carolíngios que abordam a liturgia diferem uns dos outros tanto em seu gênero quanto
em sua orientação teológica. Os gêneros vão da simples explicação dos textos da missa (como ocorre na
maioria das Expositiones missae) até verdadeiros tratados, comportando toda uma teologia da liturgia,
como nos escritos de Amalário e Florus. Inimigos um do outro, esses dois autores representam duas
concepções opostas da liturgia. Para Florus, como para os Padres latinos (de modo especial santo
Agostinho), cujos textos ele cita abundantemente, a actio da missa é um mistério no sentido de que ela
contém globalmente a economia da salvação. Para Amalário, que se aproxima das explicações litúrgicas
antioquenas (Teodoro de Mopsuéstia) e bizantinas, todas as partes da liturgia contêm mistérios, quer
dizer, representam (como farão os dramas litúrgicos) os fatos bíblicos ou as realidades morais. A
interpretação de Amalário, condenada então por Florus, teria um grande sucesso nos séculos seguintes
e inspiraria a maior parte dos escritos litúrgicos até o fim da Idade Média.
Posteriormente as formas antigas da liturgia se tornam incompreensíveis, sendo muito
importante a explicação da Liturgia. Quando não se compreendem mais os signos, tratam de explicar os
atos litúrgicos de uma maneira alegórica. No Oriente, o encontramos já no século V. Por exemplo,
Teodoro de Mopsuéstia interpreta a consagração dos dons eucarísticos, representando a ressurreição de
Cristo. No Ocidente é Isidoro de Sevilla, com a sua obra “De ecclesiasticis officiis” (~ 620) dividiu a
santa missa e separou o prefacio do cânon.
Muito pormenorizadamente Amalario de Metz (775-850), discípulo de Alcuino explica os ritos
da missa. O método alegórico de explicação se usou por muito tempo. Floro de Lyon queria condenar
as explicações de Amalar, mais não consegue. Também, na alta escolástica, a alegorese continua
reinando. As explicações da missa consideram numa alegoria rememorativa, e quer ver um
acontecimento da vida ou da paixão de Cristo. A explicação factível (sachlich) de Alberto Magno
fracassa. A escolástica não encontra um caminho para um método científico, para penetrar
sistematicamente até a essência da liturgia. A teologia se ocupa de modo abstrato com as verdades da
fé, e não da Liturgia.

4.7 A Idade média adiantada (pré-escolástica) e a alta Idade Média


4.7.1 A Liturgia Romana transformada em instrumento de unificação (séculos X-XV).
Depois da morte de Luís, o Pio, em 840, o império franco-germânico entra em crise e finalmente cai
em 887. Dividiu-se o reino em uma parte francesa e outra germânica. Mais tarde Otto I (951-973) ia
assumir o reino da parte germânica que ia governar com o mesmo fervor religioso que os carolíngios.
No ano 962, ele vai para Roma para ser coroado imperador do Sacro Império Romano e para inaugurar
a renovatio imperii. Mas quando chega a Roma, ele descobre como a cidade eterna estava atormentada
por conflitos políticos e o papa sofria de uma terrível decadência espiritual. O clero romano tinha
acusado o Papa João XII (+964) de ordenações simoníacas, de haver consagrado bispo um rapaz de dez
anos e de haver oferecido a mulheres de má reputação alguns vasos sagrados da igreja. Como se vê a
situação era péssima. Esta situação deplorável do papado e da liturgia de Roma vai provocar um esforço
muito grande para mudar o rumo dos acontecimentos.
Com Otto I, começa uma nova fase que vai concentrar-se no papado. No ano seguinte, Otto voltou
novamente para Roma, esta vez acompanhado por arcebispos e bispos para fazer uma reforma. Aqueles
eclesiásticos levaram consigo livros litúrgicos, que foram o fruto da unificação das liturgias franco-
galicanas e romanas.

Destaca-se aqui o Pontifical romano-germânico.

151
Liturgia I

A decadência romana se fez sentir também no âmbito dos manuscritos litúrgicos. Durante o papado
de Gregório V (996-999), Roma não possuía centros capazes de transcrever os livros litúrgicos. Por isso,
em troca do privilégio de imunidade pedido pelos monges de Reichenau, o papa recebia regularmente
cópias dos seus livros litúrgicos. Assim, a liturgia franco-germânica torna-se a liturgia da Basílica de
Latrão.
Mas há outros elementos que exercem influência sobre o papa e a liturgia de Roma. Sente-se na Igreja
um grande desejo de uma reforma moral, especialmente dentro da própria Igreja. A reforma monástica
do século X conduziu a um tipo de culto litúrgico que ficou cada vez mais solene com o passar dos anos.
Mesmo que todas as práticas não fossem propriamente de Cluny, foram os reformadores de
Cluny que propagaram a devoção à santa Cruz, à Eucaristia, a Maria e aos santos. Eles também apoiaram
a multiplicação das missas, a celebração «privada» nas capelas laterais e a recitação de salmos pelos
benfeitores. Foi o abade Odilone que instituiu a comemoração dos fiéis defuntos em 2 de novembro.
Durante o século X, atribuiu-se uma importância cada vez maior, à dramatização da liturgia:
Exemplos deste gênero são a visitatio sepulcri, o officium peregrinorum, e o hortolanus. Estas formas
de drama utilizavam textos litúrgicos, como as sequências e a dramatis personae eram ministros
litúrgicos.
Com a entrada de Otto I em Roma, começou um período de aproximadamente cem anos com uma
forte influência da Alemanha. Ela tornou-se bastante forte na última: parte deste tempo quando uma
série de papas germânicos ocupavam o trono de são Pedro entre os anos 1046 até 1057. São os casos de
Clemente II, Dâmaso II, Leão IX, Victor II e Estêvão IX. Eles vão celebrar a liturgia romana sob a forma
galicanizada que conheciam na terra de origem. Tudo isso vai terminar no papado de são Gregório VII
(1073-1085), que, sem dúvida, merece destaque na história da Igreja como também na história litúrgica.
São Gregório VII, nato Hildebrando, nasceu em Soana na Toscana no ano can. 1020. Uma década depois
do seu nascimento surgiu uma consciência clara da necessidade de reforma do clero. Parece que esta
consciência ficava sempre no coração do futuro papa. Era monge e tinha contato com Cluny, onde ele
devia ter ficado um tempo. Ele era um homem de enormes capacidades, mostrando uma grande
sabedoria, uma visão profunda e um enorme espírito de concentração. A sua alta estatura intelectual está
bem patente no estilo das suas cartas e decretos que se conservam em grande parte ou no original ou em
cópias.
Embora houvesse numerosos problemas, podem-se destacar três: as investiduras, a simonia e o
nicolaísmo. O primeiro se dirigia contra a Igreja, limitando sua liberdade, os outros dois eram abusos
que afligiam o clero. Além disso, notava-se uma enorme falta de instrução dos sacerdotes, que levava
muitas vezes ao não cumprimento dos seus deveres. Por vezes, esta ignorância levou à uma completa
falta de consciência dos deveres. São Gregório VII era um grande personagem para resolvê-los. Ele
percebeu os problemas e intuiu os remédios. Era um homem com grande visão eclesiológica. Vendo o
papel singular da Igreja, procurou encontrar os meios para fortalecer a Igreja interior e exteriormente.
Para isso era necessário centralizar a Igreja. Este processo de centralização era possível, acentuando o
papel do papado como cabeça da Igreja, não só teoricamente, mas sobretudo na prática. O outro meio
eficaz para unir a Igreja, como outros já percebiam, era pela liturgia. Desta forma a liturgia tornou-se
assunto primordial da santa Sé. Ele quis restabelecer os usos litúrgicos tradicionais da Igreja de Roma
antes que os germânicos tomassem conta dela. Procurou voltar à regula sanctorum patrum, ao ordo
romanus e ao mos antiquus." Alguns elementos dos usos tradicionais visavam o curso da salmodia, o
jejum do sábado, a omissão do alleluia na Septuagésima e o ordo antigo para a celebração da vigília de
páscoa. É na luz desta reforma que são Gregório VII introduziu numerosas festas de papas nas igrejas
locais. Ele impôs também a nomeação do Pontífice romano no Cânone romano. Outra exigência imposta
pelo papa beneditino era fazer juramento de fidelidade ao papa.
Gregório e seus sucessores exigirão dos bispos o uso da liturgia da cúria romana. A partir deste
momento, a liturgia romana começa a dominar gradativamente em toda a Europa. Este recurso, porém,
ia chegar ao seu pleno desenvolvimento só no século XIII, quando a liturgia papal ia se impor em toda
a Igreja ocidental. Na península ibérica, Gregório proíbe a liturgia hispânica. Na Irlanda, os últimos
restos da liturgia celta vão desaparecer nesta altura.
A reforma do clero era um longo e árduo processo que se pode chamar de purificação. E, nesta altura,
começam a nascer diversas comunidades religiosas para ajudar. Coloca-se aqui só uma destas que será
chamada de cônegos regrantes. Esta instituição eclesiástica ia irradiar como um contrapeso em relação
aos cônegos diocesanos. Da parte deles, houve uma forte resistência aos meios de reforma e a presença

152
Liturgia I

dos cônegos regrantes vai ajudar na reforma moral dos sacerdotes, como também um apuramento dos
costumes romanos. Eles serão também protagonistas da regra dos santos Padres como fundamento desta
reforma.
Todos estes elementos da reforma de Gregório VII continuaram sob o nome de Reforma gregoriana.
Neste espírito, os liturgistas romanos do século XII reelaboraram o Pontifical romano-germânico usando
o método de eliminação na tentativa de restaurar a romana sobrietas! O resultado foi o Pontifical romano
do século XII.
Como continuadores da reforma gregoriana temos como protagonistas Inocêncio III (1198-1216),
Honório III (1216-1227), Inocêncio IV (1243-1254).
Os papados deles passavam por uma época de intensa atividade espiritual e cultural que viram
pessoas como são Domingos (+ 1221) e são Francisco de Assis (+1226); Tomás de Aquino (+1274) e
instituições como a Universidade de Paris e catedrais como Reims, Westminster e Florença.
Inocêncio III iniciou uma renovação litúrgica que correspondia à situação particular da cúria romana
de então que funcionava como um corpo administrativo itinerante. Assim surgiram livros para tais
finalidades, os livros itinerantes. Assim os livros compactos, com tudo de que precisava para a
celebração da missa e dos demais sacramentos (livros plenários; no caso dos livros para a missa: missal)
tornaram-se cada vez mais comuns.
Estes livros plenários "secundum usum Romanae Curia" eram muito jeitosos. E os franciscanos, por
estes e outros motivos, queriam adaptar os costumes da corte papal. Uma vez conseguido isso, o missal
da corte papal ia tornar-se coisa comum, porque os franciscanos, como mendicantes e missionários
itinerantes, espalharam esta liturgia por todas as partes. Seria interessante estudar o papel dos
franciscanos e, sobretudo, o papel de Haymo de Faversham no desenvolvimento da liturgia daquela fase
da história litúrgica. Eles também exerceram uma influência na preparação do famoso Pontifical de
Durando de 1295. Este Pontifical recebeu o nome de Guilherme Durando (1230/1-1296), um grande
liturgista da época que foi encarregado da preparação deste livro litúrgico. Além disso, ele escreveu o
Rationale divinorum officiorum, que explicava minuciosamente toda a liturgia.
Parte da história litúrgica desta fase é a Editio princeps do Pontificale Romanum de E.
Piccolomini e J. Burchard de Estrasburgo, que foi impressa em Roma, em 1485. Este período acaba com
a descoberta da América em 1492.
Esta fase enfrenta muitos problemas. Nesta fase, surge a adoração eucarística, considerada mais
perfeita que a comunhão; afastamento da comunhão, não é sinal de que ela não seja importante, somente
exige uma preparação séria.

4.8 DA REFORMA GREGORIANA ATÉ AO CONCÍLIO DE TRENTO (cf. Martimort, p. 70-


75)
A partir de são Gregório VII (1073-1085) e da reforma da Igreja latina da qual ele foi o principal
instigador, a unidade litúrgica realizada por Carlos Magno em seu império é erigida em princípio
eclesiológico e os papas se reconhecem como responsáveis, em termos de decisões litúrgicas, por todas
as igrejas. Com essa tomada de consciência, foi suprimida a liturgia hispânica. Desapareceram os
vestígios das liturgias celtas. Foi reconhecido o caráter plenamente litúrgico do Ofício divino em suas
duas formas, a romana e beneditina. A liturgia, como princípio da eclesiologia, aparece também no fato
de que o papa se reserva o direito de canonização, direito e reserva efetuados por Alexandre III e
Inocêncio III. O ato de canonização era acompanhado da prescrição (mais ou menos observada) de
celebrar a festa. A partir da instituição da festa de Corpus Christi por Urbano IV (1264) e a respectiva
promulgação de seus textos, fica claro que é o papado que decide em assuntos de liturgia.
Inocêncio III e seus sucessores dão nova importância à liturgia da capela papal que se tornara
independente da que se celebrava na Basílica do Latrão. Os principais livros da liturgia papal são o
ordinário que apresenta regras tanto para o ofício quanto para a missa (1213-1216) e o Pontifical da
Cúria romana que apareceu no tempo de Inocêncio III e revisto sob Gregório IX ou Inocêncio IV.
A liturgia da cúria seria adotada pelos frades menores e imposta às igrejas de Roma por Nicolau III e
haveria de se difundir em algumas igrejas da Itália e do sul da França (Avinhão 1337 etc.), de modo
menos intenso do que se chegou a pensar. A liturgia da cúria será considerada, ao menos a partir do
século XIV, como a da Igreja romana. Muitos bispos adotarão o Pontifical da Cúria. No decorrer do
tempo, ele encontrará um concorrente no texto de Guilherme Durand I, bispo de Mende. o bispo tinha
preparado este pontifical para sua igreja (1292-1295) mas, sem dúvida, tendo em mente um uso mais
amplo.
153
Liturgia I

Durante a permanência dos papas em Avinhão e depois de sua volta a Roma, costumeiros cada
vez mais recheados de detalhes retratam as cerimônias que lhes eram próprias.
Na época da reforma gregoriana, multiplicam-se as ordens religiosas de monges e cônegos regulares
cuja liturgia não está mais, como anteriormente, em simbiose com as igrejas catedrais, mas ligada à
liturgia da comunidade-mãe, de forma mais ou menos rigorosa, como já se tinha verificado na Ordem
de Cluny. Tal se verificou com os cartuxos, cistercienses e frades pregadores. Estas famílias religiosas
têm espiritualidades litúrgicas diferentes. Enquanto são Pedro Damião, em seu opúsculo Dominus
vobiscum, propunha aos eremitas uma teologia da liturgia ainda próxima daquela dos Padres e são
Dionísio (com Suger) e muitas catedrais nutriam-se com a teologia do Pseudo-Dionísio, uma liturgia
bastante semelhante à de Cluny. São Bernardo marca a Ordem cisterciense, em antítese com Cluny, com
uma liturgia caracterizada pelo primado da devoção interior inspirada em Orígenes, a austeridade no
culto exterior, a rejeição da maioria dos acréscimos ao Ofício divino, com exceção do ofício dos defuntos
(que se inspira provavelmente nos ofícios fúnebres dos mosteiros romanos anteriormente a Carlos
Magno) e do Ofício breve da Virgem que tomou forma na época gregoriana ou um pouco antes. A
espiritualidade cisterciense, com a qual se assemelha a da cartuxa, exercerá profunda influência sobre
as novas ordens religiosas, notadamente a dos frades pregadores. No final da Idade Média, a devotio
moderna acentua ainda a tensão entre a meditação e o culto exterior.
A partir do final do século XII, e sobretudo no decorrer do século XIII, os bispos, através de
estatutos sinodais e visitas pastorais, velam por uma boa celebração da liturgia nas paróquias. Os párocos
devem conformar-se, quanto possível, com a liturgia da catedral e possuir um ritual dos sacramentos
(manuale). A liturgia é considerada uma atividade dos clérigos em benefício dos fiéis, mais do que uma
ação da qual estes participam. É celebrada em latim, tendo como única exceção as orações do "prône"
(oração dos fiéis) e as palavras do consentimento do matrimônio. Durante a missa ou o ofício os fiéis,
inclusive os irmãos leigos das comunidades religiosas, se unem à liturgia tendo um sentimento de
conjunto e recitando em voz baixa o Pai-nosso. No século XIII, os leigos piedosos e os terceiros que
sabem ler começam a recitar o ofício parvo da virgem Maria e o livro das horas substitui paulatinamente
o saltério na qualidade de livro de base da piedade cristã. Este livro conhecerá grande difusão, tanto em
manuscritos como em impressos, no século XV e durante a primeira metade do século XVI. De outro
lado, também no século XIII, os beneficiários ausentes da recitação coral do Ofício começam a ser
numerosos. Multiplicam-se, então, os breviários portáteis, permitindo que seja dispensada a obrigação
do ofício com a recitação pessoal.
Na segunda metade da Idade Média, as práticas sacramentais evoluem de modo acentuado.
Torna-se generalizada a celebração cotidiana da missa nos mosteiros entre os séculos XI e XII.
Desenvolve-se a prática das missas particulares, tanto em sufrágio dos defuntos quanto em benefício da
piedade dos sacerdotes. Os fiéis passam a comungar muito raramente, apesar da tendência à comunhão
mais frequente em ambientes mais fervorosos, a partir do final do século XII. Ao mesmo tempo que se
insiste na necessidade de batizar as crianças o mais cedo possível, não se lhes dá mais a comunhão sob
a espécie do vinho no momento do batismo. Desaparece a comunhão no cálice, apesar da reação violenta
dos hussitas. Contrariamente, ao menos a partir do século XII, a confissão torna-se lugar central da
piedade e o Cânon 21 do Concílio IV do Latrão (1215) prescreve a confissão anual, bem como a
comunhão pascal a partir dos "anos de discrição". Tal determinação é efetivamente aplicada, mas com
certa flutuação quanto à determinação da idade.
A pouca frequência à comunhão não impediu um grande desenvolvimento, sob a pressão dos fiéis,
do culto à Eucaristia, em particular a introdução da grande elevação na missa (Paris, primeiros anos do
século XIII), e a instituição da festa do Corpo de Deus, em Liège, por volta de 1246, e na Cúria romana
em 1264, por uma decisão do papa Urbano IV que só teve pleno efeito no Ocidente ao longo do primeiro
quarto do século XIV.
No século XI e nos séculos seguintes, o culto à virgem Maria se desenvolveu na liturgia e em
torno dela. Além do ofício breve da virgem Maria, foi a época em que foram compostas a salve Regina
(provavelmente originária da Aquitânia) e muitas outras composições marianas, sendo que algumas
delas em forma litânica. Estas receberam influência do hino akatistos bizantino, traduzido para o latim
na época carolíngia (em Saint-Denis mais do que na Alta Itália). Entre as festas marianas que são
adotadas, a mais importante foi a Imaculada Conceição que se desenvolveu a partir da Inglaterra,
suscitando ao mesmo tempo fervor e oposição. A festa de Nossa Senhora das Dores (com a sequência

154
Liturgia I

do Stabat mater) é caracterizada por uma devoção mais afetiva, que caminha paralelamente com a
devoção à paixão de Cristo, tanto na semana santa como no culto eucarístico.
Vão-se multiplicando os escritos a respeito da liturgia nos últimos séculos da Idade Média.
Embora a influência alegorizante de Amalário predomine principalmente junto ao papa Inocêncio III,
(o tratado de Amalário De missarum mysteriis beneficia-se da autoridade papal), encontra-se uma reação
anti-alegorizante no pré-escolástico João Beleth (seu tratado Summa de ecclesiasticis officiis é o
preferido na Idade Média) e também em Santo Alberto Magno que critica violentamente Inocêncio III.
O Rationale divinorum officiorum de Guilherme Durand de Mende, canonista e liturgista, é uma ampla
compilação cujo sucesso se deve mais à sua amplitude do que ao seu espírito criador.

A Idade média tardia e a reformação


A falta de uma ciência litúrgica, que seria a condição para uma liturgia pastoral fecunda, mostrou a
falta de compreensão diante das formas litúrgicas. Não podia ser substituída por uma explicação
alegórica, e por um tratado dogmático das verdades da fé, nem pela interiorização da devoção moderna.
Partir para a realização imediata e experiência direta daquilo que se crê pelos sinais e ações
litúrgicas, se realizou de uma maneira explosiva, primeiramente quando aumentou a piedade popular no
século XV. Foram como ritos substitutos (Volksandachten, peregrinações etc.), mas não se podiam tirar
todas as dúvidas e obstáculos. Chegou à reformação. Também a reforma se trata em grande parte de um
problema litúrgico.

4.9 A REFORMA LITÚRGICA EMPREENDIDA PELO CONCÍLIO DE TRENTO (1563-1614)


O alcance do ensinamento dogmático do Concílio de Trento com relação ao sacrifício da missa e
aos outros sacramentos só se compreende a partir das alterações provocadas na fé da Igreja pela
Reforma. O mesmo se diga a respeito do trabalho de revisão dos livros litúrgicos, cuja tarefa foi confiada
ao papa pelo concílio antes de seu encerramento. Os Reformadores tinham acusações contra a liturgia
romana, tanto do ponto de vista teológico quanto da sua maneira de celebrar. Importante ter-se uma
visão de conjunto para podermos compreender os objetivos e assinalar os limites da volta à Pristina
Patrum norma, segundo a qual o papa S. Pio V pretendeu empreender a restauração do missal e do
breviário romano.

I. As liturgias da Reforma (1523-1556)


Nos últimos anos da Idade Média, a primitiva significação da liturgia da missa e dos outros
sacramentos se tinha obscurecido e sua celebração estava cercada de ritos que foram acrescentados sem
razão alguma e até mesmo de práticas supersticiosas. Numerosos sínodos e concílios provinciais da
primeira metade do século XVI tomaram consciência desta situação e insistiam na reforma dos livros
litúrgicos. Enquanto tal reforma não se fazia, as diferentes correntes da Reforma protestante iriam
consagrar-se a uma adaptação dos livros litúrgicos às suas próprias confissões. Curioso verificar que,
embora negando o caráter sacrifical da missa, os protestantes iriam inserir nos textos litúrgicos as
contribuições mais dignas de crítica da piedade medieval, distanciando-se desta maneira do ensino dos
Padres sobre a refeição-eucaristia e o memorial da Páscoa. Os ritos do Ordo Missae, para ficarmos neste
exemplo, foram renovados conforme a vontade de cada um dos líderes da Reforma.
Em 1523, Lutero publicava sua Formula Missae que conserva do Cânon romano apenas a primeira
parte do prefácio e o relato da instituição (Per Christum Dominum nostrum. Qui pridie). O Sanctus
vinha em seguida e o Benedictus acompanhava a elevação do cálice e da hóstia. Dois anos mais tarde, a
Deutsche Messe (1525) faria desaparecer também o prefácio.
Enquanto Lutero afirmava crer na presença real de Cristo na eucaristia, Zwínglio, em Zurique,
negava-a radicalmente. Elaborou uma liturgia da Ceia (1525) que conservava o Ordo Missae sem muitas
mudanças até o Sanctus inclusive. Dizia-se, em seguida, o Pai-Nosso, vindo depois o relato da instituição
e a comunhão que os fiéis recebiam sentados. Todo canto foi excluído da celebração da ceia. A santa
ceia deveria ser celebrada quatro vezes por ano. A liturgia de Zwínglio serviu de inspiração às de Calvino
em Genebra (1542) e de Knox, na Escócia (1556).
O Ordo da ceia do Senhor, contido no Prayer Book anglicano (1549 e 1552) redigido por Cranmer,
tem forte influência de Calvino. Querendo justificar as razões práticas do uso da comunhão de joelhos,
uma rubrica precisa: "Com receio de que esta genuflexão seja mal interpretada [...] declara-se aqui que
não tem a intenção de prestar nenhuma adoração ao pão e ao vinho do sacramento [...] porque estes

155
Liturgia I

conservam sempre sua verdadeira e natural substância". Segundo o Ordo de 1552, o ofício comporta,
no início, a leitura dos Dez Mandamentos com invocações do povo. Em seguida são ditas duas coletas,
depois vêm a epístola, o evangelho, a homilia, a oferta de dons acompanhada de frases tiradas da
Escritura. É feita, em seguida, a confissão dos pecados, seguida de palavras de absolvição e palavras de
consolação. No interior de uma oração de súplica, situa-se o relato da instituição da eucaristia.
Imediatamente depois é dada a comunhão. Uma vez que esta terminou, se diz o Pater seguido de oração
de ação de graças pelo dom recebido e do canto ou da recitação do Gloria in excelsis. Finalmente tem
lugar a bênção de despedida. Ao lado deste Ordo da Ceia, o Prayer Book contém todo o conjunto da
liturgia dos sacramentos e dos domingos e festas do ano, com um admirável ofício de orações para a
manhã e a tarde, Matins e Evensong.

4.9.1 A Liturgia romana de Trento ao Vaticano II (séculos XVI-XX)


Antes do Concílio de Trento, havia tentativas de mudar a situação. Por exemplo, se pode nomear
em relação ao breviário os casos de: Zaccarla Ferreri (1479-1524) (por encargos de Leão X (1513-1521)
e de Clemente VII (1523-1534). Cardeal Gian Pietro Carafa (1476-1559), depois Papa Paulo IV (1555-
1559), tinha desde cedo um grande entusiasmo para reformar os abusos. Do ano 1504 até 1524, ele era
bispo de Chiete e fazia parte da comissão, em Roma, que tratou do caso de Lutero. Em 1524, abandonou
o cargo de bispo para fundar com são Caetano a Ordem teatina. Em 1542, ajudou a reorganizar a
inquisição.
Além disso havia a tentativa de reforma em nível mais pessoal por parte de João Mateus Giberti
(1495-1543), bispo de Verona. Ele foi patrocinado pelo cardeal Giulio de Medici (futuramente Clemente
VII), de quem era secretário. Em 1524, foi eleito bispo de Verona. Era conselheiro de Clemente VII e
Paulo III. Em 1536, foi nomeado para fazer parte de uma comissão de reforma chamada "Consilium de
emendenda ecclesia".
Houve também tentativas de reformas por meio de sínodos diocesanos como em Colônia (1536 e
1550) em Mogúncia em 1549; também em Burges e em Seus em 1528, em Soissons e em Orleans, em
1536.
Ao longo do meio século que precede a reforma litúrgica decidida pelo Concílio de Trento, os inícios
da reação antiprotestante reforçam as correntes da piedade anterior ao mesmo tempo que o humanismo
critica alguns abusos devocionais, procura introduzir formas neoclássicas (Hinário de Ferreri) e passa a
usar, de maneira predominante, a Escritura na liturgia. Esta última tendência é característica do breviário
do cardeal Francisco Quiñonez, preparado a pedido de Clemente VII, em uso entre 1535 e 1558 e que
favoreceu a recitação individual." O desenvolvimento da imprensa tornou possível, ao menos para as
pequenas dioceses, o abandono das liturgias particulares anteriores. Garantiu também o sucesso de
rituais impressos, como foi o caso do ‘Sacerdotale’ do dominicano Alberto di Castello (Veneza 1523).

A obra litúrgica do Concílio de Trento


O dossiê reunido pelo Concílio de Trento, no que tangia à reforma litúrgica, referia-se antes de
mais nada à celebração da missa e ao ofício divino. Uma comissão especial havia elaborado um catálogo
dos abusus missae. O Concílio determinou a supressão dos mais importantes em seu decreto disciplinar
De observandis et evitandis in celebratione missae. Quanto ao ofício, em primeiro lugar, tratava-se de
decidir, na sua reforma, entre o modelo que constituía o breviário composto pelo cardeal Quiñónez, em
1535, e a forma tradicional. A solução dos problemas fundamentais colocados pelos reformadores
dependia essencialmente das decisões dogmáticas do concílio a respeito do sacrifício da missa e a
eficácia dos sete sacramentos, ao mesmo tempo a resposta que seria dada às questões relativas à
introdução da língua vulgar no culto e à comunhão sob as duas espécies.
Por ocasião da vigésima segunda sessão (17 de setembro de 1562), o concílio definiu solenemente
o valor sacrifical da missa, bem como a legitimidade dos ritos da celebração, colocando em destaque as
duas mesas da assembleia eucarística: a da Palavra, ne oves Christi esuriant (c. 8), e a do corpo do
Senhor que, por si mesma, é um convite à comunhão dos fiéis toda vez que participarem da missa (in
singulis missis adstantes) (c. 6).
No que se referia à língua da celebração litúrgica, o concílio recusou admitir o uso da língua
vulgar: Etsi missa magnam contineat populi fidelis eruditionem, non tamen visum est patribus, ut vulgari
passim lingua celebretur (c. 8). Quanto à comunhão dos fiéis, devido à falta de tempo para discutir o

156
Liturgia I

assunto antes do encerramento, o concílio confiou a resolução da questão ao papa. Este também foi
encarregado de rever o missal e o breviário.
A disciplina atinente ao uso exclusivo do latim na liturgia manter-se-ia intocável até ao Concílio
Vaticano II. A comunhão dos fiéis no cálice foi concedida, a partir de 1564, pelo papa Pio IV, na
Alemanha, e em diversos países da Europa central. Os seus sucessores, porém, se mostraram hostis a
esta medida. A concessão foi revogada em 1571 para a Baviera. A Boêmia foi a última nação a perder
este direito, em 1621.

O breviário e o missal tridentinos (1568-1570)


As decisões do Concílio de Trento foram logo executadas. Em 1568, apareceu o Breviarium
romanum ex decreto sacrosancti Concilii Tridentini restitutum, Pii V Pont. Max. iussu editum. Em 1570,
foi publicado o Missale romanum. Para se conhecer a finalidade a que se tinha proposto o papa Pio V,
assim como o método de trabalho da comissão preparatória, basta que se leiam as duas bulas de
promulgação impressas no início de cada um dos livros.
A intenção do papa, fiel depositário das determinações do concílio, não era de compor livros
litúrgicos novos, mas de reconduzir a oração da Igreja ad pristinam orandi regulam, a restituir o missal
ad pristinam sanctorum Patrum normam e restabelecer a unidade na celebração dos ritos, cum unum in
Ecclesia Dei psallendi modum, unum missae celebrandae ritum esse maxime deceat.
O cuidado da volta à tradição impunha, logo de início, que não se tocasse no Ordo psallendi que
remontava ao século V. Era conveniente também confrontar os missais impressos há cem anos com
manuscritos anteriores conservados na biblioteca apostólica. A renovação manifestou-se também na
questão do breviário: foram simplificados os ofícios acrescentados (ofícios de Nossa Senhora e dos
defuntos, salmos graduais e penitenciais) e corrigidas ou suprimidas as legendas hagiográficas mais
aberrantes. No missal foram suprimidas algumas missas votivas eivadas de superstição e foram
conservadas apenas quatro das numerosas sequências medievais. O calendário foi simplificado. Foi feita
uma primeira tentativa de restauração da celebração do domingo e do ofício ferial.
A uniformidade na celebração impunha a codificação de suas regras. Pela primeira vez, foram
impressas, no começo de cada um dos dois livros, as rubricas gerais. Inseriu-se, também, no começo do
missal, o Ritus servandus in celebratione missae, composto pelo cerimoniário João Burckard no começo
do século. Verdadeiros Ordines romani modernos, as rubricas do Papa Pio V deveriam exercer uma
considerável influência na difusão da liturgia romana através do mundo. A difusão do missal e do
breviário tridentinos, que coincidia com a implantação da Igreja na América e o empenho missionário
nos países do Pacífico, foi muito facilitada e favorecida com os aperfeiçoamentos constantes da
imprensa. Juridicamente esta difusão foi garantida pela decisão do papa: as duas bulas de promulgação
tornavam, com efeito, obrigatória a adoção do breviário e do missal renovados em todas as igrejas onde
não era possível se provar a existência de uma liturgia particular duas vezes centenária.

Quanto à revisão do breviário, convém mencionar a supressão do breviário de Quiñonez. Antes do


Concílio de Trento, Clemente VII encarregou o cardeal espanhol Francisco de Quiñonez de fazer uma
revisão do breviário. Ele apresentou a primeira edição no ano 1535, com o imprimatur de Paulo III. Este
breviário foi destinado à recitação privada. Sem entrar em detalhes, pode-se dizer que este Breviário
assemelhava muito à nossa atual Liturgia das horas. Assim significa uma grande diferença. O Breviário
de Quiñonez tornou-se muito popular por causa da sua simplificação, abreviação e facilidade de uso. Só
no primeiro ano da sua existência voltou 11 vezes para impressão e mais do que cem vezes nos 32 anos
de uso. A nova edição do breviário voltou ao ofício tradicional romano, só que com modificações e
simplificações.
Resumimos:
Concílio de Trento (1545-1563): Quantas sessões? Qual a finalidade deste Concílio? Mais
dogmático, mas teve uma influência fortíssima sobre a liturgia.
1563-1614: Fruto do concílio
Marca a liturgia até as reformas do Concílio Vaticano II, que exigiu uma longa preparação 1903-
1962. Vaticano II (1962-1965). Qual a finalidade do concílio?
Houve entre estes dois extremos um outro concílio - o Concílio Vaticano I. Quais os motivos deste
concílio e porque não teve influência no campo da liturgia.
Fatores a levar ao Concílio de Trento (abusos).

157
Liturgia I

Lutero foi excomungando em 1520, o Concílio de Trento começou 25 anos mais tarde, em 1545, e
demorou 18 anos e as reformas do breviário e da missa chegaram só depois de cinco e sete anos. Portanto
levou meio século para oferecer uma resposta à Reforma protestante.
Não era propriamente dito que a liturgia causou a contrarreforma, mas a doutrina, mas sabemos que a
liturgia teve sua influência quanto aos abusos. A reforma protestante era sinal dos grandes problemas
que existiam nesta época.
Concílio de Trento:
A Igreja não justificou nem podia justificar a rebeldia protestante, mas, ao mesmo tempo, ela
reconheceu seu próprio mal estado, procurando corrigir os numerosos abusos existentes. Quanto à
liturgia, o Concílio de Trento enfrentou, em primeiro lugar, as questões concernentes à missa e ao ofício.
No seu decreto disciplinar De observandis et evitandis in celebratione Missae, com data de 17 de
setembro de 1562 (22a sessão), o concílio tentou eliminar os abusos mais graves. E foi só na 25a sessão
que se chegou a falar sobre a revisão do missal e breviário.
Frutos do concílio
Como já se disse, os anos 1563-1614 foram anos de intensa atividade litúrgica que era claramente o
fruto do Concílio de Trento.
Quanto à revisão do Missale Romanum, deve-se dizer que a reforma tridentina queria criar uma
uniformidade litúrgica seja teológica- seja prática. Por este motivo, as rubricas foram impressas no início
do breviário e do missal pela primeira vez. Foram tiradas do Ritus servandus in celebratione missae
(1502) de J. Burckhard, o mestre de cerimônias da corte papal.
Os livros litúrgicos pós-tridentinos (1584-1614):
O sucesso conhecido imediatamente pelo breviário e pelo missal tridentinos animaram os papas a
continuar a obra. Desta forma, quando, em 1587, Sixto V instituiu as Congregações romanas, fixou
como tarefa da Congregação dos Ritos corrigir os livros litúrgicos, em primeiro lugar o pontifical, o
ritual e o cerimonial. Deixou-se de citar o martirológio, isso se deve ao fato de ter este sido reformado
por Baronius e promulgado sob a autoridade de Gregório XIII (1584).
1582: Revisão do Calendário litúrgico (Gregório XIII).
1584: Martirológio Romano.
1588: Sixto V estabeleceu a Congregação dos Sagrados Ritos, junto com 14 outras congregações. Esta
congregação se preocupava com a celebração dos ritos, da reforma de cerimônias, dos livros litúrgicos
que regulavam os ofícios dos santos padroeiros, a canonização dos santos, a celebração das festas, a
recepção de dignitários em Roma e a solução de qualquer questão litúrgica que podia surgir em situações
locais. Foi esta congregação que iria continuar a revisão dos livros litúrgicos, conforme as normas do
Concílio de Trento.
1596: Pontifical romano (baseado no pontifical do século XIII de Durando).
1600: Caerimoniale Episcoporum.
1614: Rituale Romanum.
Os problemas levantados pela reforma protestante continuaram; levando a uma tendência mais
acentuada de fixismo da parte de Roma na tentativa de remediar a gravidade da situação. Consequência
disso, é a morte lenta do espírito da liturgia.

O trabalho de correção e revisão foi realizado de acordo com o método e o espírito da Comissão
de são Pio V. Começava-se a reforma dos livros em uso.
O Pontifical de Agostinho Patrizi (1485), herdeiro direto do texto de Guilherme Durand (século
XIII), serviu para estabelecer o texto novo do pontifical romano que foi promulgado por Clemente VIII
em 1595.
O Cerimonial romano do mesmo Patrizi (1488) e a obra de Paride Grassi De caeremoniis
cardinalium et episcoporum in eorum diocesibus (1587) serviram como substrato ao Cerimonial dos
bispos, promulgado em 1600 pelo mesmo papa. Quanto ao Ritual que Paulo V promulgou em 1614, é
tributário, antes de tudo, do volumoso ritual que o cardeal Júlio Antônio Santori tinha compilado com
muita erudição (1584). Tais documentos foram submetidos à atenta análise, foram comparados às fontes
manuscritas disponíveis e procurou-se fazer melhor apresentação das rubricas. No que tange ao ritual,
houve a preocupação de simplificar os ritos que Santori quis restaurar e foram acrescidos de diretrizes
pastorais que constituíam uma novidade. Enquanto Clemente VIII tinha "suprimido e abolido" todos os

158
Liturgia I

outros pontificais existentes e imposto a observância do novo Cerimonial dos bispos, Paulo V se
contentou em convidar todos os bispos a receberem o ritual da Igreja romana.
Do ponto de vista da evolução litúrgica no Ocidente, os quatro séculos que se passaram entre o
Concílio de Trento e o Vaticano II podem ser divididos em três períodos: no começo e no fim, um
período de meio século de intensa renovação (1563-1614 e 1903-1962); entre esses dois períodos,
encontramos três séculos de estabilidade no rubricismo.
Nesta quinta fase, é bom gravar os anos 1563-1614 e 1903-1962 que englobam esta fase e são
marcantes por assinalar uma intensa atividade litúrgica. O restante tempo entende-se na luz destes dois
extremos temporais.

5 Três séculos de estabilidade


Th. Klauser caracterizou os três séculos que vão da criação da Congregação dos Ritos até Pio X
como "era dos rubricistas". O resultado deste "período de estagnação" foi que "a vida espiritual se
distanciou de suas fontes e de sua expressão litúrgica". Tal período foi marcado, de modo particular,
pelo desenvolvimento do juridicismo litúrgico e pelo crescimento desmedido do culto aos santos.
Nenhuma corrente reformista conseguiu influenciar no sentido de mudar o rumo das coisas.

1. Fixismo rubricista e proliferação das festas


Do século XVII ao XX, o juridicismo e a casuística foram tomando lugar proeminente na prática
do culto e no ensino. Testemunham o fato manuais editados para uso dos clérigos. Tal concepção da
celebração encontrava excelente alimento nos decretos e nas respostas da Congregação dos Ritos que
foram copiosos neste período. Uma coleção oficial foi publicada pelo Papa Leão XIII a partir de 1898.
O fixismo das rubricas não impediu a proliferação das festas do Senhor, de nossa Senhora e dos
santos. Aos 182 dias da festa do calendário de 1568, foram acrescentados outros 118 dias festivos, de
1584 até 1903, em sua quase totalidade, festas novas que prevaleciam sobre o domingo. Entre os
Concílios de Trento e do Vaticano II, várias festas maiores foram introduzidas (Sagrado Coração,
Precioso Sangue, Cristo-Rei, solenidade de são José), enquanto outras festas mais antigas ganhavam
formulários novos (Imaculada Conceição, Assunção). Se o desenvolvimento do culto dos santos se
explicava em parte pela floração contínua da santidade católica, deve-se dizer que houve expressa
vontade de substituição dos ofícios festivos em lugar dos ofícios dominicais e feriais, porque aqueles
eram mais breves do que estes.

2. Tentativas de reforma
Não deixaram de existir, no entanto, outras correntes no seio da Igreja. Não poucos achavam
tímidas as reformas de são Pio V e julgavam que era necessário ir mais longe na revisão dos livros
litúrgicos, bem como na valorização do ciclo do Senhor. Desde 1588, a Congregação dos Ritos havia
lançado uma sondagem a respeito da necessidade de uma reforma dos livros litúrgicos. A descoberta e
a publicação de antigos sacramentários ou ordines, ao longo dos séculos XVII e XVIII, permitiram o
acesso do público aos tesouros da oração antiga até então inéditos. Os próprios sábios, como o cardeal
Giuseppe Tomasi, tinham o desejo de que seus trabalhos fossem beneficiar toda a Igreja. Mas venceu a
força da inércia. A única reforma dos livros litúrgicos que foi bem sucedida foi a que se realizou sem o
assentimento da Santa Sé. Consistiu na reforma das liturgias locais das dioceses da França.
O missal e o breviário tridentinos foram recebidos nas dioceses francesas entre 1580 e 1610.
Passado mais de meio século, constatando as insuficiências dos livros romanos, vários bispos
acreditaram que lhes era permitido retomar os antigos livros, renovando-os a partir do espírito que
presidira a reforma promulgada por Pio V. O missal parisiense de Francisco de Harlay (1685) apresentou
apenas umas poucas e tímidas inovações com relação ao missal romano. Pouco a pouco a autonomia foi
se desenvolvendo e, no século XVIII, 90 das 139 dioceses da França de então adotaram uma liturgia
particular. Mais de 50 dentre elas adotaram o breviário e o missal parisienses publicados em 1736 e
1738 pelo arcebispo Carlos de Vintimille.

É inexato chamar a estas liturgias diocesanas de neogalicanas, porque todas conservaram


integralmente o Ordo Missae tridentino. Se podemos recriminá-las por substituir o antifonário romano
por novas composições estritamente bíblicas, é importante, por outro lado, apreciar a escolha de suas

159
Liturgia I

leituras e a qualidade de suas orações. Cada semana, às quartas e sextas-feiras, havia leituras próprias
na missa. O saltério era inteiramente recitado ao longo de uma semana do ofício. Resumiu-se o
calendário e foram suprimidos das leituras hagiográficas os relatos legendários. O texto das orações
inspirou-se nas preces dos sacramentários, reeditados na época. Algumas orações eram dos próprios
sacramentários. Não é de admirar que o Missal de Paulo VI tenha recolhido algumas de suas melhores
orações (como a oração depois da comunhão de 29 de junho e 1° de novembro). Ninguém ignora o
ferrenho combate empreendido por Dom Guéranger, a partir de 1841, contra estas liturgias francesas
que acusava de protestantismo e galicanismo. Todos sabem que ele saiu vitorioso nesta tarefa em menos
de 20 anos.
O papa Bento XIV, consciente da necessidade de renovar a liturgia romana para atender ao desejo
de muitos, confiou este encargo a uma comissão de peritos (1741-1747). Não satisfeito com seus
resultados, recusou-se a ratificá-los. O sábio pontífice acreditava poder realizar pessoalmente a reforma
que desejava, mas veio a falecer antes de levá-la a termo. Diante do imobilismo de Roma, vários bispos
alemães tomaram a iniciativa de corrigir, por sua própria conta, os breviários de suas dioceses tendo
diante dos olhos o modelo dos breviários franceses."

5.1 O movimento litúrgico do século XX


Época da Restauração da liturgia romana (século XIX)
O nome de Dom Prosper Guéranger (1805-1885) está ligado à antiga abadia de Solemnes na
França. O nome desta abadia é conhecido pela sua ligação com o canto gregoriano. Mas no fundo
há mais que isso. Dom Guéranger, como inspirador, e cinco outros sacerdotes começaram a viver
sob a rigorosa observação da Regra de São Bento, em 1833, na antiga abadia de Solemnes (França),
centrando sua vida no canto do ofício. Em 1837, o Papa Gregório XVI constituiu Solemnes uma
abadia e Dom Guéranger foi eleito abade. Fundada a abadia de Solesmes, transformou-a em intenso
centro de vida litúrgica. A comunidade tornou-se rapidamente centro para uma renovação litúrgica e
gerou movimentos por toda a França, ganhando muita estima de personagens intelectuais e dando
passos positivos para a reforma litúrgica.
Ele escreveu as já clássicas obras Institutions liturgiques (1840-1852) em três volumes e
L'Année liturgique (1841-1866) em quinze volumes. Esta última foi levada a termo por L. Fromage. Esta
obra foi traduzida e editada diversas vezes, mostrando assim sua importância.
Para além das polêmicas a respeito da restauração da liturgia romana na França, esse abade
educou numerosos sacerdotes e fiéis no que concernia à oração litúrgica, graças ao seu Année liturgique
(nove volumes queapareceram de 1841 a 1866), obra continuada por um de seus monges.
A irradiação de Solesmes atingiu a Alemanha, através da fundação da abadia de Beuron, e
posteriormente a Bélgica com as abadias de Maredsous e Mont-César, filhas de Beuron. Guéranger teve
uma grande influência sobre a comunidade de Beuron (Alemanha) e o fundador desta, Maurus
Wolter, mas ainda ofereceu conselhos e inspiração para diversos estabelecimentos tanto na Alemanha
como na Bélgica.
A influência de Solesmes cresceu ainda quando a abadia francesa tomou a iniciativa de restaurar
o canto gregoriano. Atrai então a atenção de muitos, inclusive do patriarca de Veneza, o cardeal
Giuseppe Sarto, o futuro Pio X.

5.2 A REFORMA LITÚRGICA DE SÃO PIO X ATÉ O CONCÍLIO VATICANO II (1903-1962)


A reforma litúrgica empreendida pelo papa são Pio X, em 1903, deu origem a um movimento que
recebeu grande impulso na abadia de Mont-César em Lovaina.

I. A reforma de são Pio X (1903-1914) e a primeira fase do movimento litúrgico (1909-1939)


O motu proprio Tra le sollecitudini (1903) de são Pio X inaugura a reforma litúrgica do século
XX, não somente porque o Papa legisla sobre o canto na Igreja e a restauração do canto gregoriano, mas
principalmente por exortar os fiéis a participarem ativamente da celebração dos mistérios, porque ela é
"a fonte primeira e indispensável do verdadeiro espírito cristão".
O canto da assembleia constitui apenas um primeiro passo para a participação do mistério
litúrgico. A participação só atinge sua plenitude com a comunhão à mesa do Senhor. Por este motivo
Pio X convidou os cristãos a participarem frequentemente e mesmo todos os dias da comunhão, como
já tinha feito o Concílio de Trento. Para que este apelo obtivesse resposta, determinou as condições

160
Liturgia I

necessárias e suficientes da comunhão frequente (1905). Alguns anos depois, as próprias crianças eram
convidadas a receber a comunhão a partir da idade do uso da razão (1910).
Estavam colocadas as condições fundamentais da reforma litúrgica. Assim Pio X, pôde retomar
a obra iniciada por Bento XIV. Em 1911 refundiu o Ordo psallendi romano, de sorte que efetivamente
o saltério fosse recitado todo numa semana e, em 1913, publicou as primeiras normas para devolver ao
domingo a preeminência sobre as festas dos santos. Em 1907, tinha publicado a primeira edição oficial
do Graduale romanum que foi seguida, em 1912, do Antiphonale para as Horas do dia.
As iniciativas de são Pio X encontraram muita receptividade, de modo especial em suas
disposições relativas à comunhão frequente e à comunhão das crianças. Seu apelo à participação ativa
dos fiéis na celebração foi ouvido em particular na Bélgica por um monge de Mont-César, Dom
Lambert Beauduin (1873-1960). Em 1909, Dom Beauduin, que também deveria ser um pioneiro do
ecumenismo, lançou um movimento litúrgico fadado a se estender bem além da Bélgica. Sua meta era
atingir todos os fiéis. Para isto editou um pequeno missal popular. Era necessário fazer de sorte que os
padres estivessem em condições de educar liturgicamente os fiéis. Cada ano organizava, em Lovaina,
cursos e conferências a respeito da liturgia. A abadia editava uma revista: Les Questions liturgiques.
Pouco depois outra abadia da Bélgica, a de Saint-André de Bruges, tinha os mesmos objetivos.
O Missal de Dom Gaspar Lefebvre, editado por esta última abadia, contribuiu de forma considerável
para facilitar a participação dos fiéis na missa dominical e no canto das vésperas. Na França, logo após
a Primeira Guerra Mundial, um jesuíta, o Pe. Paulo Doncoeur, levou os jovens a se iniciarem na prática
litúrgica, de modo especial através da missa dialogada. Na mesma época, o sulpiciano Pedro Paris
formava nesse espírito os universitários cristãos.
Na Alemanha, o movimento litúrgico teve forte influência de dois grandes teólogos: o professor
Romano Guardini (1885-1968) e Dom Odo Casel (1886-1948), monge de Maria-Laach. O primeiro
expôs o espírito da liturgia e o segundo desenvolveu a teologia dos mistérios. Na Áustria, graças a Pius
Parsch (1884-1954), cônego regular de Klosterneuburg, o movimento alemão recebeu forma mais
popular, tendo tido a adesão do conjunto dos países germânicos.

Pio X (1903-1914): 22.11.1903: Tra le sollecitudini: sobre a música sacra e o problema da participação
ativa nos mistérios e na oração pública e solene da Igreja.
1905: Decreto sobre a Comunhão frequente.
1910: Sobre a idade das crianças para a primeira Comunhão.
1911: "Divino afflatu": certo anúncio de uma reforma litúrgica de vastas proporções.

5.3 O Movimento Litúrgico


Se antes a liturgia foi principalmente um estudo do Direito canônico, o movimento litúrgico
apresenta diversos objetivos. Não é somente histórico e apresenta três dimensões: a) ascética (buscando as
fontes), pastoral (levar o povo para Deus) e teológica (unida à teologia dogmática).

a) Primeira fase (1909-1939): Os inícios do movimento litúrgico


Maria Laach 1914-1918: formação do meio universitário, dos professores e do clero; fizeram
cursos (durante a semana santa) para estudantes e universitários; começou com um grupo pequeno, em
1913; outro grupo maior na semana santa de 1914; 1918 páscoa sob a guia de Ildefonso Herwegen; aparece
primeiro volume da collana «Ecclesia Orans» (R. Guardini, Vom Geist der Liturgie) Pius Parsch (1884-
1954) cónego agostiniano em Klosterneuburg (Austria); na Itália: Revista Liturgica de Finálpia (1914ss);
Ildefons Schuster: Líber Sarcramentorum, 1919-1928;
Estados Unidos: St. John's Abbey, Collegeville; Revista Orate Fratres, 1927 (mais tarde= Worship)
tempo de crise (1939-1947).

b) Segunda fase (1940-1962): entre afirmações e contrastes


A segunda fase do movimento litúrgico (1940-1962) e as reformas de Pio XII e de João XXIII
De 1903-1914, as reformas de Pio X suscitaram o movimento litúrgico e, a partir da Segunda
guerra mundial, assistimos ao desenvolvimento do movimento de pastoral litúrgica ratificado pelo Papa
Pio XII, ao retomar o projeto de Pio X, adaptando-o às novas condições. Antes de 1940, a preocupação
era colocar a liturgia existente ao alcance do povo e promover o canto gregoriano; posteriormente

161
Liturgia I

compreendeu-se claramente que era necessária uma reforma dos ritos feita em profundidade e a
introdução parcial da língua vernácula na celebração.
O movimento litúrgico alemão sustentou vigorosamente a vida de fé dos católicos no momento
que, sob a pressão do nacional-socialismo, a religião teve que refugiar-se no interior das igrejas. Durante
a guerra foi criado em Paris, com o apoio de Dom Lambert Beauduin, o Centro de Pastoral litúrgica
(1943). Este organismo pretendia ser teológico, bíblico e pastoral ao mesmo tempo. Sua revista La
Maison-Dieu, suas sessões sacerdotais e seus congressos conferiram-lhe um lugar de primeira
importância na pastoral francesa. Este centro tinha a assessoria de teólogos de renome, estava sempre
atento às necessidades do povo cristão, preocupava-se com a fidelidade à disciplina canônica. Assim,
abriu, na França, caminhos para as reformas do Vaticano II.
Não demorou muito que o movimento litúrgico recebesse encorajamento da parte do Papa Pio
XII, como também lhe fosse outorgada uma carta de diretrizes (1947). Foi-se desenvolvendo em quase
todos os países. Os bispos se fizeram seus promotores e guias. Os próprios missionários tinham suas
preocupações com a vida litúrgica (em particular com o aspecto litúrgico do catecumenato dos adultos)
e estavam bem atentos aos problemas que punha a liturgia romana a convertidos do paganismo e em
civilizações não ocidentais.
Em 1947, antes mesmo de consagrar à liturgia a Encíclica Mediator Dei, o Papa Pio XII instituiu
na Congregação dos Ritos uma comissão encarregada de preparar a reforma geral da liturgia. Ele mesmo
já tinha tomado medidas particulares no que concernia à redução da lei do jejum, de sorte que fosse
facilitada a celebração de missas vespertinas e a comunhão nos países em guerra, medidas essas que
foram generalizadas, em 1953, pela Constituição Apostólica Christus Dominus. A partir de então o uso
de água natural não quebrava o jejum eucarístico e era possível a ingestão de alimentos sólidos três horas
antes da comunhão.
O primeiro fruto da reforma empreendida por Pio XII foi a autorização da celebração da vigília
pascal ao longo da noite santa (1951). Quatro anos mais tarde, estava restaurada a semana santa (1955).
Pouco depois, o movimento de volta à Bíblia tornava mais valorizada a palavra de Deus em seu uso
litúrgico. Para que todos pudessem, efetivamente, ter acesso à celebração da mesa da Palavra, seria
necessário que a Palavra fosse proclamada na língua de todos os dias. Pio XII acreditou que a questão
não estava suficientemente madura para dar diretivas gerais para a Igreja universal. Limitou-se a
conceder autorizações parciais de leitura da epístola e do evangelho em língua vernácula, após sua leitura
em latim. Usou da mesma circunspecção para entreabrir a porta ao canto em língua viva na liturgia
solene (1953). Tinha, no entanto, permitido a publicação de rituais bilíngues, principalmente em alemão
e francês (1947). Um primeiro passo para a reforma do breviário se deu com a simplificação das rubricas
(1955). Pio XII fez com que fosse elaborado um código das rubricas que João XXIII promulgou em
1960. Também este último papa publicou o rito simplificado da dedicação das igrejas e dos altares
(1961). Tinha, nesta época, decidido submeter ao concílio em preparação os altiora principia da reforma
geral da liturgia (Motu proprio Rubricarum instructum).

Pio XII:
1945: Nova tradução do Saltério.
1946: Início de uma reforma litúrgica geral.
1947: Encíclica Mediator Dei.
1949: Instituição de uma comissão para estudar a reforma em língua vernácula.
9 de fevereiro de 1951: Restauração da vigília pascal.
6 de janeiro de 1953: Introdução das missas vespertinas.
23 de março de 1955: Decreto de simplificação das rubricas do missal e do breviário.
16 de novembro de 1955: Publicação do novo rito da semana santa,
acompanhada de uma inteligente instrução pastoral.
1957: Sacram comunionem (novas normas para o jejum eucarístico).
3 de setembro de 1958: instrução sobre a música na Liturgia.
João XXII:
25 de julho de 1960: Novo código das rubricas.

5.4 A Reforma Litúrgica do Concílio Vaticano II

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Liturgia I

Esta última fase não se trata tanto de algo já passado, mas de mostrar os fundamentos da época em
que estamos agora.
A Constituição Sacrosanctum Concilium (04.12.1963) foi aceito unanimemente.
1. De principiis generalibus ad sacram Liturgiam instaurandam atque fovendam
2. De SS. Eucharistiae mysterio
3. De ceteris Sacramentis et de Sacramentalibus
4. De Offìcio Divino
5. De Anno Liturgico
6. De Musica Sacra
7. De Arte Sacra deque Sacra Supellectile
Appendix: Sacrosanctum Oec. Conc. Vat. II de Calendario recognoscendo declaratio

Paulo VI com seu Motu Proprio Sacram Liturgiam de 25.01.1964 instituiu o Consilium ad recto
exsequecutam Constítutionem de S. Liturgia. Este Consilium recebeu a tarefa de revisar os livros
litúrgicos visados pela Constituição Sacrosanctum Consilium. A atividade do Consilium veio sempre
transmitido pelo seu órgão oficial de comunicação, a revista Notitiae (a partir do ano 1965). Era
interessante estudar o trabalho do Consilium.
1964: Consilium ad exequednum constitutionem de S. Liturgiam
(consiste em 30-40 cardeais e bispos; 290 consultores e peritos)
1975: o trabalho do Consilium é entregue para a Congregação para os Sacramentos e Culto Divino

Documentos de maior importância:


Instructio prima Inter Oecumenici (1964)
Instructio de musica sacra Musicam Sacram (1967).

6 Perspectivas para o futuro


Bux, Nicola (2008). La riforma di Bendetto XVI, Piemme, Casale Monferrato.
Kocik, Thomas, M. (2003). The reform of the reform? San Francisco: Ignatius Press.
A situação depois do Concilio Vaticano II era para muitos um novo começo com um conceito diferente
de Igreja. Para outros era uma continuação, um desenvolvimento orgânico da Liturgia. O Cardeal Kurt
Koch, em um artigo de 13 de maio de 2011, fala sobre a situação atual e menciona alguns pontos
importantes para resolver:
1) o problema e a disputa entre progressistas e tradicionalistas não estão nos livros, não na diferença
entre o missal de 1962 e o missal novo de 2002, mas em um entendimento diverso do mistério celebrado.
Precisa-se esclarecer: a missa é uma ceia ou é um sacrifício?
2) A segunda questão é sobre o sujeito da celebração. Quem celebra a liturgia – o sacerdote ou a
assembleia?
3) O terceiro problema é sobre o como da participatio actuosa dos leigos – o que é mais importante:
participação interior pela adoração e contemplação ou assumir um ministério litúrgico?
4) O quarto problema refere-se à dimensão cósmica da liturgia. E a comunidade que celebra como um
círculo fechado em si, ou há uma orientação cósmica, uma dimensão e direção cósmica aberta para
celebrar. A celebração é um diálogo entre povo e sacerdote ou é um diálogo entre povo e sacerdote com
Deus?
Nicola Bux, no seu livro, coloca ao final um catálogo com a exigência das questões que se devem
resolver. Somente assim um novo movimento litúrgico chegará a uma verdadeira restauração e
progresso na liturgia.

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Liturgia I

Alguns conceitos litúrgicos


Anáfora. A palavra é grega e significa elevar, como oração que se eleva a Deus. É um
dos vários nomes com que se conhece a Prece Eucarística, ápice de toda a celebração.
Esta oração na liturgia romana foi sempre única e pronunciada em voz baixa pelo
sacerdote, até a reforma do Vaticano II.
Anámnese. Um tipo de oração, quando se faz memória de um fato do passado.
Calenda. Palavra latina que significa anunciar (daí calendário). Na liturgia se chama
calenda ao anúncio do natal que se realiza hoje em dia nas primeiras vésperas de natal
ou no rito de entrada da missa do galo. Também se anuncia solenemente a epifania no
dia seis de janeiro depois do Evangelho. Consiste em anunciar as festas móveis do ano
litúrgico em curso.
Culto.
Doxologia. chama-se doxologia ao louvor ou bênção, geralmente trinitária, que serve
de conclusão a uma oração ou hino. Na Missa a principal doxologia é a que finaliza a
prece eucarística: “Por Cristo, com Ele e nele [...].” Também o hino Glória é doxológico
assim como a aclamação depois do Pai nosso “Teu é o reino [...].” O exemplo mais
popular de doxologia é o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito santo [...]”.
Embolismo. Palavra proveniente do grego que significa acrescentar (inserir). Na liturgia
se emprega para designar o comentário que se acrescenta ao Pai nosso “Livrai-nos de
todos os males [...]”.
Epiclese. Conhece-se com esse nome a invocação que se faz a Deus para que envie seu
Espírito e transforme as coisas ou pessoas. Na missa há duas epicleses, dentro da prece
eucarística, mas também se dá na celebração de todos os sacramentos, dentro da
oração consecratória de cada um deles.
Eulogia. É sinônimo de bênção. Também entre os primeiros cristãos se chamava assim
ao pão bento que se repartia aos fiéis nos ágapes vespertinos das comunidades
primitivas. Não se deve confundir com o pão eucarístico.
Eucologia. É uma palavra proveniente do grego: euché = oração, e lógos = discurso.
Conhece-se por esse nome a ciência que estuda as orações e as normas que regem sua
formulação. Em um sentido menos próprio, mas já de uso corrente, a eucologia é o
conjunto de orações contidas em um formulário litúrgico, em um livro ou, em geral, nos
livros de uma tradição litúrgica. Fala-se de eucologia maior ou menor em função de sua
importância e extensão.
Liturgia.
Rito.
Rubrica. A palavra provém do latim –ruber- ou seja, vermelho. Conhece-se por esse
nome as indicações que nos livros litúrgicos vêm em vermelho e que dão instruções
sobre a forma de realizar o rito, modo de proclamar, posturas corporais, tom de voz e
demais detalhes.
Anteriormente à reforma litúrgica, se falava de “rubricionismo” para indicar que se
insistia muito na forma, no como, na norma meramente formal, mais que no fundo da
liturgia. Hoje em dia as rubricas se reduziram à sua justa medida, sendo uma ajuda
importante para o sacerdote.
Sacramento (mysterion).
Simbolo. Sinal.

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Pontificado Livros litúrgicos Situação política


Papa são Dámaso +380 uso do grego p. a
língua latina
Inocêncio I (+ 417)
Leão Magno (440-461)
Gelásio (492-496) rei Clodoveu (496)
Virgílio (537-555) Gália: são Cesário de Espanha: Concílio de
Arles (542), são Toledo (633), Isidoro de
Gregório de Tours Sevilha (636),
(594), Germano de
Paris (600)
Gregório Magno (590-604) Reforma gregoriana Sacramentário veronense
(leoniano) 600-625
Honório I (625-638) Sacr.gregoriano 625
Gregório II (715-731) São Bonifácio +754
Estevão II s. Gelasiano vetus, 750 rei Pepino (715-768)
Hadriano (784-791) Gelasiano sec VIII imperador Carlos Magno
790-800; Ordo Romano I; (742-814), unifica a liturgia
Reforma carolíngia Gregoriano-adrianeo 811 Luis, o piedoso ()
Bento de Aniane +821, Hucusque+supplemento
Alcuino-804, Amalário
850)
João XII +964 - decadência Pontifical romano- imperador Otão I (951-973)
germânico (963)
Gregório V (996-999) Reforma de Cluny
Gregório VII (1073-1085) quer unificar a liturgia,
reforma do clero [...].

Inocêncio III (1198-1216)


Honório III (1216-1227) Ordo Romanus L
Inocêncio IV (1243-1253)
Nicolau III

Leão X (1513-1521)
Clemente VII (1523-1534) Quiñonez prepara o ofício
Paulo III (1534-1549) aprova o ofício de
Quiñonez
Paulo IV (1555-1559)
Pio IV (1559-1565) Concílio de Trento
Pio V (1564-1572) 1570 Missale rom. trid.
Gregório XIII (1572-1585)
Sixto V (1585-1590)
Clemente VIII (1592-1605)
Paulo V (1605-1621) Rituale romanum 1614

Pio X 1903 - Tra le Prosper Gueranger, ML


sollecitudine:
participação ativa

Pio XII 1947 Encíclica


Mediator Dei
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