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O Governo, reunido em Conselho de Ministros, aprovou uma resolução que visa

combater a extinção de certas aves. Alegando ter utilizado os melhores dados de


ciência disponíveis, decretou que durante todos os dias do Verão, entre as 21:30 e as
23:30, é proibido caçar com arma de fogo em toda e qualquer mata do distrito de Vila
Real, seja de propriedade pública ou privada. A resolução foi publicada em Diário da
República e o José, que adora a caça ao javali na sua herdade de Valpaços, em Vila
Real, decide escrever à Provedora de Justiça a dar conta deste flagrante desrespeito
pelos direitos fundamentais.

1) Imagine que faz parte do gabinete da Provedora de Justiça, o que faria para
ajudar o José?

Como ponto de partida: As resoluções ou decretos do Conselho de Ministros não podem


regular sobre direitos, liberdades e garantias [artigos 165.°/1/b) e 198.°/1/b) da CRP.

O Provedor de Justiça é um órgão de garantia dos direitos fundamentais perante os


poderes públicos, em geral, e perante a Administração, em especial (1º e 2º do Estatuto do
Provedor)

A atividade do Provedor é desencadeada pelas queixas que os cidadãos lhe dirijam (23º/1
da CRP e 3º do Estatuto do Provedor), no exercício de um particular direito de petição
(52º/1 da CRP).

Artigo 23.º + 3º Estatuto do Provedor


Provedor de Justiça
1. Os cidadãos podem apresentar queixas por ações ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de
Justiça, que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações
necessárias para prevenir e reparar injustiças.
2. A actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos
na Constituição e nas leis.

Artigo 1.º

Funções
1 – O Provedor de Justiça é, nos termos da Constituição, um órgão do Estado eleito pela Assembleia
da República, que tem por função principal a defesa e promoção dos direitos, liberdades, garantias e
interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade
do exercício dos poderes públicos.

Artigo 2.º

Âmbito de atuação
1 – As ações do Provedor de Justiça exercem-se, nomeadamente, no âmbito da atividade dos serviços
da administração pública central, regional e local, das Forças Armadas, dos institutos públicos, das
empresas públicas ou de capitais maioritariamente públicos ou concessionárias de serviços públicos
ou de exploração de bens do domínio público, das entidades administrativas independentes, das
associações públicas, designadamente das ordens profissionais, das entidades privadas que exercem
poderes públicos ou que prestem serviços de interesse geral.

A função do Provedor é a de «prevenir e reparar injustiças» (23º/1, in fine da CRP) praticadas, quer
por ilegalidade quer por violação dos princípios constitucionais que vinculam a actividade
discricionária da Administração, o que habilita o Provedor a apreciar a «injustiça» das decisões
tomadas no exercício do poder discricionário da Administração

Os meios de ação do Provedor de Justiça são fundamentalmente as recomendações aos poderes


públicos (23º/1 da CRP e 20.º/1/a) e b) do Estatuto do Provedor ), não podendo este dar-lhes ordens,
ou substituir-se a eles.

Artigo 20.º

Competências

1 – Ao Provedor de Justiça compete:

a) Dirigir recomendações aos órgãos competentes com vista à correção de atos ilegais ou injustos dos
poderes públicos ou à melhoria da organização e procedimentos administrativos dos respetivos
serviços;
b) Assinalar as deficiências de legislação que verificar, emitindo recomendações para a sua
interpretação, alteração ou revogação, ou sugestões para a elaboração de nova legislação, as quais
serão enviadas ao Presidente da Assembleia da República, ao Primeiro-Ministro e aos ministros
diretamente interessados e, igualmente, se for caso disso, aos Presidentes das Assembleias
Legislativas das regiões autónomas e aos Presidentes dos Governos Regionais;
3 – Compete ao Provedor de Justiça requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade de normas, nos termos do artigo 281.º, n.os 1 e 2, alínea d),
da Constituição.

Embora sejam recomendações, o órgão destinatário deve comunicar ao Provedor de Justiça num
prazo delimitado (60 dias, segundo o 38º/2 do Estatuto do Provedor) qual a posição que pretende
adaptar e, além disso, fundamentar o não acatamento da recomendação se for esse o caso (38º/3 do
Estatuto do Provedor).

A regra é, ou segue a recomendação ou justifica, não sendo lícita a indiferença perante as


recomendações do Provedor.

Um importante e especial meio de ação do Provedor é o que se refere através do poder à fiscalização
da constitucionalidade, que ele possui de acionar junto do Tribunal Constitucional, quer o processo
de declaração de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) de normas jurídicas, quer a verificação da
inconstitucionalidade por omissão 281°e 283° da CRP e 20.º/3 do Estatuto do Provedor.
No caso em concreto, não sendo seguidas as recomendações para revogação da resolução
do CM, seria de requerer a inconstitucionalidade orgânica e formal do diploma, conferindo
eficácia direta à atividade do Provedor de Justiça, indo de encontro à petição de José,
compensando, assim, ainda que indiretamente, a inexistência de uma ação direta de
inconstitucionalidade pelo José e pelos demais cidadãos.

2) Imagine que a Provedora de Justiça, por algum motivo, decide não ajudar o
José. Como poderia ele reagir e com que fundamentos?

O Provedor pode intervir, quer quando o cidadão tenha à sua disposição um meio gracioso ou
contencioso (recorrendo ou não simultaneamente a ele), caso em que o recurso ao provedor não
substituiu nem interfere com o recurso administrativo, quer quando o não tenha, por terem passado os
prazos de reclamação ou recurso, ou por a ele não haver lugar (caso dos actos discricionários da
Administração)

Artigo 32.º do Estatuto do Provedor

Encaminhamento

1 – Quando o Provedor de Justiça reconheça que o queixoso tem ao seu alcance um meio gracioso ou
contencioso, especialmente previsto na lei, pode limitar-se a encaminhá-lo para a entidade
competente.
2 – Independentemente do disposto no número anterior, o Provedor deve informar sempre o queixoso
dos meios contenciosos que estejam ao seu alcance.

Artigo 36.º do Estatuto do Provedor

Irrecorribilidade dos atos do Provedor

Sem prejuízo do disposto no artigo 44.º, os atos do Provedor de Justiça não são suscetíveis
de recurso e só podem ser objeto de reclamação para o próprio Provedor.

Artigo 44.º

Recurso contencioso

Das decisões do Provedor de Justiça, praticadas no âmbito da sua competência de gestão


da Provedoria de Justiça, cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos
gerais.

Restaria a José a apresentação de uma ação administrativa, ao abrigo do art.º 4º/1/a) do


ETAF e 9º/2 do CPTA.
O Ministério Público instaurou ação penal contra Gustavo pedindo condenação em
pena de 30 anos pelo homicídio do seu vizinho Hugo. Para tanto alegou o artigo 131.º
do Código Penal e o facto de Hugo ter sido encontrado pela polícia em flagrante
delito a esfaquear violentamente Gustavo.

a) Imagine que é advogado de Gustavo e que a sentença foi integralmente


favorável ao pedido do Ministério Público. Como procederia? Justifique.

Artigo 29.º
Aplicação da lei criminal
4. Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento
da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se
retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.

As decisões dos tribunais podem evidentemente ser em si mesmas inconstitucionais, mas


tal decisão não é recorrível para o TC. O nosso sistema de fiscalização não conhece o
recurso para o TC de atos concretos de violação de direitos fundamentais que existe
noutros sistemas.

Seria passível de recurso para o tribunal de 2ª instância ou STJ.

A fiscalização concreta da constitucionalidade recai sobre normas, a partir de um conceito


funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização (Acórdão n.º 26/85), recusando
designadamente que esse conceito tenha de revestir as características da generalidade e da
abstração, bastando para o efeito tratar-se de ato legislativo, ou então de um critério de
decisão ou padrão de valoração de comportamentos

b) Imagine que o Tribunal Constitucional rejeita o recurso de Gustavo com fundamento


no facto de não estarmos perante sindicância de norma, mas antes a fiscalizar o processo
decisório do juiz a quo. Como reagiria?

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