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PARECER JURÍDICO

SOBRE O REGIME JURÍDICO DO TELETRABALHO

ENTIDADE: SVC – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RL.

DATA: 04 de Março de 2022

I. RELATÓRIO
O nosso parecer centra-se numa figura jurídica que nos últimos dois anos tem
granjeado espaço no regime da prestação do trabalho, quer no sector público, quer no
sector privado, que é o Teletrabalho, sendo este uma forma de prestação do trabalho à
distância, ou seja, normalmente fora do domicílio profissional do empregador, com
recurso às tecnologias de informação e comunicação.

II. FUNDAMENTO JURÍDICO


Os factos jurídicos subjacentes ao objecto do presente parecer são atinentes à
matéria do Direito Laboral no Ordenamento Jurídico angolano, mormente sobre a
modalidade do contrato de trabalho, visto que o teletrabalho é considerado como sendo
um contrato de trabalho especial, com fundamento na alínea k) do n.º 1 do artigo 21.º Da
Lei n.º 7/15, de 15 de Junho – Lei Geral do Trabalho, doravante LGT.

Principais legislações:

a) Lei 7/15, de 15 de Junho – Lei Geral do Trabalho;


b) Decreto Presidencial n.º 52/22, de 17 de Fevereiro – sobre o Exercício da
Actividade Laboral em Regime de Teletrabalho1.

1
Entra em vigor a 14 de Março de 2022.

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PONTO PRÉVIO: inconstitucionalidade do Decreto Presidencial n.º 52/22, de 17 de
Fevereiro

Apesar de não ser o escopo do presente parecer, importa referir que é nosso
entendimento que deve ser suscitada a constitucionalidade do Decreto Presidencial n.º
52/22, de 17 de Fevereiro – sobre o Exercício da Actividade Laboral em Regime de
Teletrabalho, pelas razões que em síntese apresentamos:

• O preâmbulo do diploma referido fundamenta a competência do órgão que o


emanou com a alínea k) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei Geral do Trabalho e é decretado nos
termos da alínea m) do artigo 120.º e n.º 4 do artigo 125.º ambos da Constituição da
República de Angola;
• Ora, nos termos da disposição da Lei Geral do Trabalho, o contrato em
teletrabalho são daqueles contratos especiais que são como tal declarados por lei, entenda-
se aqui lei em sentido formal e certamente, o Decreto Presidencial não se afigura numa lei
em sentido formal, quanto muito, em sentido material;
• Ademais, estabelecer o regime do contrato de trabalho não nos parece se
tratar de “regulamento necessário à boa execução das leis” e daí, não ser matéria de
competência do Presidente da República enquanto titular do Poder Executivo,
• Se assim for entendido, o mesmo estaria no âmbito da matéria de
competência relativa da Assembleia Nacional, nos termos do n.º 2 do artigo 165.º da
Constituição da República de Angola e, querendo o titular do Poder Executivo legislar
sobre determinada matéria, devê-lo-ia fazer mediante autorização legislativa e por, por
isso, por via de um Decreto Legislativo Presidencial Autorizado.
• Ainda que assim não se entenda e se se concluir que a Lei Geral do
Trabalho seja a norma de habilitação do diploma que se diz ser regulamento, nos termos
do artigo 310.º da Lei Geral do Trabalho, o Executivo dispunha de 6 (seis) meses contado
da entrada em vigor da Lei Geral do Trabalho, para regulamentar, o que não sucedeu,
visto que a referida lei está em vigor desde 2015, e o Decreto Presidencial foi publicado
em 2022 e entra em vigor a 19 de Março do corrente ano.

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III. O TELETRABALHO – Conceito e enquadramento jurídico

A Organização Internacional do Trabalho – OIT, define o teletrabalho como sendo


aquele realizado com recurso às TIC exercido fora dos locais de trabalho da entidade
empregadora2. O Decreto Presidencial n.º 52/22, de 17 de Fevereiro, doravante designado
por RJTL, define o teletrabalho como a prestação laboral realizada com subordinação
jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação
e comunicação que, nos termos a alínea k) do n.º 1 do artigo 21.º da LGT enquadra-se
numa das modalidades especiais de contrato de trabalho, regulado em diploma autónomo,
no caso, pelo RJTL e dentro do espírito sistemático das normas jurídicas.

IV. MODALIDADE, CONSTITUIÇÃO E FORMA DO CONTRATO DE


TELETRABALHO

i. Modalidades
O teletrabalho pode assumir uma das seguintes modalidades (i) teletrabalho
domiciliário; (ii) teletrabalho em escritório satélite; (iii) teletrabalho em centro de
trabalho comunitário e (iv) teletrabalho nómada.3

A diferença entre as modalidades de teletrabalho apresentadas, reside no local em


que a actividade é prestada, na medida em que no primeiro caso, o trabalho é prestado no
próprio domicílio do trabalhador. No segundo, o trabalho não é prestado, nem no
domicílio do trabalhador, nem nas instalações principais do empregador, antes, porém, em
local externo a estes, previamente definido pelo contrato ou acordo, no qual podem
trabalhar vários trabalhadores da mesma entidade empregadora.

No caso do teletrabalho em centro de trabalho comunitário consistirá na actividade


exercida numa estrutura comum a várias organizações ou profissionais, partilhada por

2
Organização Internacional do Trabalho, Teletrabalho durante e após a pandemia da COVID-19, Guia
Prático, disponibilizado em www. lisbon/documents/publication/wcms_771262.pdf, acedido em 02 de
Março de 2022
3
Vide artigo 4.º do Decreto Presidencial n.º 52/22, de 17 de Fevereiro – sobre o Exercício da Actividade
Laboral em Regime de Teletrabalho

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vários trabalhadores vinculados a diferentes entidades ou com aqueles que exercem a
actividade liberal ou independente.

Ora, salta-nos à vista o teletrabalho nómada como última modalidade, aplicando-


se aos casos em que não exista um lugar previamente estabelecido para o exercício da
actividade laboral, podendo este ser exercido em qualquer lugar que não seja um dos
anteriormente visto. A título de exemplo: o trabalhador ter de deslocar-se a uma
repartição pública, ao encontro de um cliente da empresa ou tratar de um assunto laboral
que não seja no seu domicílio pessoal, profissional (principal ou lugar externo), ou num
lugar partilhado.

ii. Constituição do teletrabalho

O regime do teletrabalho pode ser constituído por iniciativa de qualquer uma das
partes na relação laboral, podendo este ser inicial – quando as partes constituem ab intio
(desde o início) a relação laboral em regime de teletrabalho ou superveniente – por
transformação de uma relação, digamos presencial, já existente, em regime de
teletrabalho. Sobre esta temática, importa referir que a lei não limita a possibilidade de
existir uma relação simultaneamente presencial e em regime de teletrabalho nalguns dias
ou meses da prestação da actividade laboral, ao qual maior parte da doutrina denomina
por contrato em regime de teletrabalho parcial.

A par do acordo entre as partes, têm especial direito de exercer a actividade em


teletrabalho, segundo o n.º 2 do artigo 5.º do RJTL, a) a mulher grávida com a situação de
saúde atendível; b) tiver a seu cargo o cuidado, individual ou compartilhado um menor de
5 (cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência ou incapacidade atestada igual ou
superior a 60%: c) tiver em estado de saúde incompatível com o trabalho presencial,
desde que provado por documento emitido por médico e d) se for decretado Estado de
Necessidade Constitucional.

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Nestes casos, o empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador, desde que
a tarefa a exercer seja compatível com a realização do trabalho à distância e a empresa
disponha de meios para o efeito4.

iii. Forma do contrato de teletrabalho

O contrato ou acordo que estabeleça o regime de teletrabalho está sujeito à forma


escrita e deve partir do acordo de vontade entre as partes contratantes. Na redacção do
referido contrato deve conter os seguintes elementos: a) a identificação; assinatura e
domicílio ou sede das partes; b) identificação da actividade a prestar pelo teletrabalhador;
com menção expressa do regime de teletrabalho; c) fixação da remuneração do
teletrabalhador; d) indicação do horário normal de trabalho; e) a actividade a exercer
após o tempo daquele período, se o regime previsto para a prestação do trabalho em
regime de teletrabalho for inferior à duração do contrato de trabalho; f) declarar a
propriedade dos instrumentos de trabalho, bem como a responsabilidade pela sua
instalação, manutenção e pelo pagamento das despesas inerentes ao consumo e utilização;
g) identificação do estabelecimento ou departamento da empresa em cuja dependência
fica o trabalhador, bem como a quem este deve contactar no âmbito da prestação do
trabalho.

Lembrando que a inobservância da forma escrita pode implicar a nulidade do


contrato, entretanto, aqui poderá ser apreciado tendo em conta o sacrossanto princípio do
favori laboratori.

Uma vez estabelecida a relação laboral em regime de teletrabalho, podem as partes


em acordo escrito, alterar o regime de trabalho que vinha exercendo.

iii.i Responsabilidade de disponibilização dos meios de trabalho e


Responsabilidade do Trabalhador pelo uso dos meios.

Neste particular, frisa-se que é da responsabilidade da entidade empregadora a


disponibilização dos meios necessários para a realização da actividade em teletrabalho,
4
Vide n.ºs 3 e 2 do artigo 5.º do RJTL.

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sendo, porém, possível utilizar os meios próprios do trabalhador, caso este consinta se e
não for possível a disponibilização por parte do empregador, ficando este último com o
dever de reembolso de todas as despesas que, comprovadamente, o trabalhador vier a
suportar para a realização do trabalho.5

Destarte, existem como deveres especiais do trabalhador em regime de


teletrabalho que, em resumo centra-se no uso adequado e prudente dos meios de trabalho
disponibilizados pelo empregador, proteger tais meios de terceiros, bem como observar as
regras de utilização e funcionamento de tais meios, sendo responsabilizado civil e
disciplinarmente pela violação dos seus deveres. Ademais, acrescentamos que, mesmo
não estar expressamente previsto, poderá ainda desencadear uma responsabilidade
criminal se a conduta do trabalhador preencher um tipo legal de crime (ex. abuso de
confiança ou furto)6.

V. HORÁRIO DE TRABALHO E O DIREITO À PRIVACIDADE DO


TRABALHADOR

Mesmo estando os trabalhadores a exercerem as suas tarefas à distância, através


do teletrabalho, é necessário ter em conta e respeitar um conjunto de aspectos da
organização do trabalho para garantir a saúde e a segurança, dentre os quais o horário de
trabalho.

Segundo a OIT (2020: Pg. 5)

“A investigação sobre o teletrabalho tem demonstrado repetidamente que quem


trabalha a partir de casa tende a trabalhar mais horas do que quando trabalha nas
instalações da empresa, em parte porque o tempo de deslocação para o local de trabalho é
substituído por tarefas de trabalho, e também devido a alterações nas rotinas de trabalho e
à maior fluidez das fronteiras entre o trabalho remunerado e a vida pessoal”.

5
Cfr. Artigos 8.º e 9.º do RJTL.
6
Cfr. Artigo 10.º do RJTL.

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É visível que o teletrabalho pode ocasionar uma dilatação das horas de trabalho,
bem como trabalhos em períodos noturnos ou mesmo aos fins de semana, isto porque
torna-se mais difícil haver um marco entre o tempo para o desempenho das actividades
domésticas e de lazer e o exercício da actividade.

Ora, é deveras mais complicado e dispendioso por parte da entidade empregadora


realizar o controlo de assiduidade do trabalhador em regime de teletrabalho visto que, tal
como os direitos, os trabalhadores neste regime têm os mesmos deveres e alguns deles são
necessariamente a pontualidade e o cumprimento do tempo de trabalho, bem como a
apresentação do resultado da sua actividade.

Não podemos deixar de realçar que o RJTL estabelece que os teletrabalhadores


devem observar o horário normal estabelecidos na Lei Geral do Trabalho, doravante
LGT, e no contrato, com a obrigação acrescida de manter-se contactável para com os
clientes, colegas e supervisores hierárquicos que com ele queiram contactar.

Contudo, “enquanto perdurar o regime, o empregador deve respeitar a privacidade


do trabalhador, nos termos e limites estipulados no DP”7, correspondendo ao direito de
descanso e repouso pessoal e familiar do trabalhador, direito à desconexão profissional;
aviso prévio em caso de visita ao domicílio do trabalhador quando este exerça nele a
actividade, recurso ao sistema de vigilância exclusivamente utilizado para a protecção de
pessoas e bens dentro dos limites estritamente necessários para a salvaguarda da
privacidade, do bem-estar e da autodeterminação informativa do trabalhador.

v.i. Controlo da Prestação da actividade por parte do Empregador

Certamente que o empregador fica limitado quanto ao mecanismo de controlo do


cumprimento do tempo de trabalho, sendo que poderá o trabalhador estar on-line, mas não
no exercício da sua actividade, assim, mesmo tendo o sistema de ponto eletrônico,

7
JM ADVOGADO, Boletim Informativo 1 - IMPLEMENTAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO TELETRABALHO,
disponível em https://www.jmadvogado.com/post/boletim-informativo-1 regime-jur%C3%ADdico-do-
teletrabalho-uma-mudan%C3%A7a-na-realidade-laboral-angolana, acedido em 02 de Março de 2022, pelas
13h08m.

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disponível na rede local de computadores (intranet), poderá não ser suficiente para o cabal
controlo da prestação da actividade laboral.

Destarte, dentre outros mecanismos que se possam lançar mão a fim de melhorar o
controlo da prestação do trabalho, entendemos que a avaliação de desempenho logrará
melhores êxitos, salvo melhor opinião. Por outro lado, a relação de trabalho é
essencialmente constituída com base na lealdade e confiança, sendo estes os elementos
que deverão nortear a relação laboral neste regime em que o controlo da actividade
afigura-se mais diminuta.

VI. REMUNERAÇÃO DO TELETRABALHADOR E O DIREITO AOS


SUBSÍDIOS DE ALIMENTAÇÃO E TRANSPORTE

Como alhures se afirmou ao longo do presente parecer, o trabalhador em regime


de teletrabalho goza dos mesmos direitos e deveres se o relacionarmos ao trabalhador no
regime “normal/geral”, e isso inclui a remuneração e outros subsídios e regalias. Ora, a
grande discussão poderá se levantar quanto aos subsídios de alimentação e transporte,
como sendo os mais comuns verificados nos contratos de trabalho. Desta feita, antes
mesmo de nos debruçarmos sobre a problemática em questão é pertinente fazer um
enquadramento destes na rubrica da remuneração do trabalho vinculado.

A remuneração é, nos termos da al. e) do artigo 47.º da LGT, um dos direitos do


trabalhador e esta “compreende o salário-base e todas as demais prestações e
complementos pagos directa ou indirectamente em dinheiro ou em espécie, seja qual
for a sua denominação e forma de cálculo”8 (o sublinhado e itálico é nosso). Assim
sendo, não é tido como remuneração9, dentre outras, as atribuições acessórias do

8
Vide n.º 1 do artigo 155.º da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho – Lei Geral do Trabalho – LGT.
9
Pese embora, deixamos uma crítica ao legislador por confundir o termo remuneração e salário, sendo que
comungamos com o entendimento da Equipe Guia Trabalhista, quando estabelece a diferença entre
remuneração e salário, entendendo assim que Salário é a contraprestação devida ao empregado pela
prestação de serviços, em decorrência do contrato de trabalho.
Já a remuneração é a soma do salário contratualmente estipulado (mensal, por hora, por tarefa etc.) com
outras vantagens percebidas na vigência do contrato de trabalho como horas extras, adicional noturno,
adicional de periculosidade, insalubridade, comissões, percentagens, gratificações, diárias para viagem

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empregador ao trabalhador, quando destinadas ao reembolso ou compensação de despesas
por este realizadas em relação com a prestação de trabalho, tais como ajudas de custo
abonos de viagens e de instalações, fornecimento obrigatório de alojamento e outras de
idêntica natureza.

Por conseguinte, podemos concluir que, quer o subsídio de alimentação quer o


subsídio de transporte, não constituem remuneração, por não corresponder à
contraprestação directa devida ao trabalhador pela prestação da sua actividade, decorrente
do seu contrato de trabalho, antes, porém, são tidas como prestações acessórias
enquadradas na al. a) do n.º 2 do artigo 155.º da LGT., não sendo por isso obrigatório,
salvo se for pelas partes estabelecido no contrato de trabalho.

i. Remuneração do teletrabalho

Ora, após a nota deixada supra importa referir que quanto a remuneração do
teletrabalhador, este goza dos mesmos direitos e deveres que goza um trabalhador em
regime presencial, isto por tudo quanto já se disse e pelo entendimento que teletrabalho
não é menos trabalho em relação ao regime presencial, isto é, quer num como noutro
regime, o trabalhador presta o seu labor em favor do empregador. Por esta razão deve
beneficiar do mesmo direito à remuneração sem qualquer limitação, desconto ou outra
dedução que se fundamenta no facto de este não estar a exercer a sua actividade
laboral no domicílio do empregador.

ii. O subsídio de alimentação no teletrabalho

Partindo da mesma lógica utilizada acima de que teletrabalho é, verdadeiramente


um trabalho e, na eventualidade de estar contratualizado o subsídio de alimentação, o
teletrabalhador neste regime tem igualmente o direito de beneficiar deste subsídio, na

entre outras. Vide Equipe Guia Trabalhista em “QUAL É A DIFERENÇA ENTRE SALÁRIO E REMUNERAÇÃO?”,
disponibilizado em http://www.guiatrabalhista.com.br/tematicas/diferenca-salario-remuneracao.htm,
acedido aos 03 de Março de 2022, pelas 01h41 minutos.

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medida em que, mesmo em regime à distância, este efectivamente prestou a sua
actividade.

Segundo CATARINO, Diana (2021,2)10, o subsídio refeição11 “é uma


compensação paga por cada dia trabalhado (normalmente, 22 dias por mês) e que se
recebe juntamente com o ordenado ou através de um cartão refeição e (…) se estiver em
teletrabalho, também irá receber o montante definido no contrato”.

Este posicionamento justifica-se pelo facto de, mesmo em teletrabalho, o


trabalhador não deixa de prestar a sua actividade e este subsídio visa compensar as
despesas realizadas pelo trabalhador com a sua alimentação por cada hora de efectivo
trabalho, dito de outro modo, se o trabalhador presta o serviço em teletrabalho, este não
deixa de prestar o serviço, então não pode deixar de receber o subsídio de alimentação
pelas horas de actividade.

iii. O subsídio de transporte no teletrabalho

Uma posição mais complexa deve adoptada no que diz respeito ao subsídio de
transporte e, antes de responder à problemática, torna-se imprescindível entender que o
subsídio de transporte “é uma compensação da empresa por custos incorridos com
deslocações dos seus colaboradores”12.

“O valor deste subsídio destina-se a compensar os colaboradores pelo uso de


automóvel próprio ao serviço da empresa, ou por despesas incorridas, usando transportes
públicos ou veículos de aluguer”13. Desta feita, há necessidade de haver custos com o
transporte do trabalhador para o exercício da actividade laboral para fundamentar a
exigibilidade do subsídio de transporte.

10
CATARINO, Diana. Componentes do salário: conheça as mais comuns, disponibilizado em
https:Componentes do salário: conheça as mais comuns (doutorfinancas.pt), agosto de 2021, acedido em 03
de Março de 2022, pelas 02h4 minutos.
11
Na linguagem usada para designar subsídio de alimentação.
12
VIEIRA, Paula. Subsídio de transporte, disponibilizado em https://www.economias.pt/subsidio-de-
transporte/, acedido aos 2 de Março de 2022, pelas 13h46.
13
Idem.

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Mesmo apenas concordando em parte, vale referenciar as palavras de SANTOS,
Edgar (2021:3)14, quando diz que “o subsídio de transporte tem natureza de benefício
social e se destina a compensar os trabalhadores pelas despesas suportadas em razão da
deslocação da sua residência ao domicílio do empregador, sendo certo que o
teletrabalhador não se desloca, não é consentânea a exigência do seu pagamento”.

Pois bem, referimos que concordamos em parte, pelo facto de, na sua abordagem
não se ater a todas as modalidades de teletrabalho, ao que parece, fez apenas uma análise
genérica e por isso inaplicável para toda e qualquer modalidade deste regime, senão,
vejamos, na página 2 do presente documento apresentamos quatro modalidade de
teletrabalho e dentre eles, salvo entendimento contrário, o único que nos parece fazer
sentido não beneficiar do subsídio de transporte é o teletrabalho domiciliário, pois, este é
exercido no próprio domicílio do trabalhador, não implicando qualquer deslocação do
mesmo e assim não justificar a compensação por deslocações.

Entrementes, a parte que nos coloca em desacordo com o pensamento de


SANTOS, é precisamente no facto de haver deslocações do trabalhador, nas demais
modalidades de teletrabalho, pese embora, tais deslocações não destinarem o domicílio do
empregador, bastando apenas que as mesmas sejam realizadas no cumprimento da sua
actividade laboral.

Por fim, entende-se que tal posicionamento em nada fere com o disposto no artigo
12 do RJTL, quando faz alusão ao direito de igualdade de tratamento, estabelecendo que
o teletrabalhador tem os mesmos direitos dos demais trabalhadores, nos termos da
legislação vigente, incluindo a protecção contra acidentes de trabalho, doenças
profissionais e garantia de subsídios. E não fere porque o princípio da igualdade material,
comummente denominado por princípio da isonomia apresenta a ideia do tratamento
igual a todos que são iguais e desigual a todos que são desiguais, na medida da sua
desigualdade.

Ora, trata-se aqui de uma discriminação positiva, que tem como finalidade
seleccionar pessoas que estejam em situação de desvantagem tratando-as desigualmente e
14
SANTOS, Edgar. O Subsídio de Transporte nos contratos de teletrabalhos em Angola, 2021, Lunada,
Apreciação Técno-jurídica, disponibilizada pelo autor, via WhatsApp, aos 28 de Fevereiro de 2022.

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favorecendo-as com alguma medida que as tornem menos desiguais. tem como objectivo
tornar a sociedade mais igualitária diminuindo os desequilíbrios que existem em certos
grupos sociais e favorece melhor a justiça como fim último do direito.

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VII. CONCLUSÕES

Após o trabalho de pesquisa e estudo legislativo que culminou com este parecer,
podemos concluir que o teletrabalho é uma modalidade nova de prestação da actividade
laboral, pelo menos, no ordenamento jurídico e tem vindo a ganhar espaço desde a
necessidade de cumprir com o distanciamento social imposta pela pandemia da COVID-
19.

Concluímos também que o teletrabalho apresenta uma especificidade própria,


razão pela qual se estabelece um regime autónomo para esta modalidade de trabalho,
porém, quando a remuneração esta continua a ser devida na mesma condição que o
trabalhador em regime presencial.

Por fim, concluímos ainda que, quanto aos subsídios de alimentação e transporte,
o primeiro é exigido na mesma proporção que um trabalhador “presencial” e, no que diz
respeito ao subsídio de transporte, entendemos não ser consentâneo exigir o mesmo
quando se exerça o teletrabalho na modalidade domiciliária, sem desprimor de disposição
em contrário pelas partes no contrato.

Com data vênia e sempre aberto a pensamentos contrários, este é o nosso mais
singelo e humilde parecer.

Luanda, 04 de Março de 2022

Feito por,

Gomes Mateus dos Santos,

Jurista e Advogado.

Referência: SANTOS, Gomes Mateus dos. Parecer sobre o regime jurídico do teletrabalho,
2022, Luanda/Angola.

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