Você está na página 1de 2

Numa conversa informal sobre os sessenta anos da ditadura militar, perguntei

ao herdeiro de Pai Fabrício, Fabrícius Custódio de Souza Caravana, como ele sentiu ou
vivenciou os reflexos desse período turbulento na história brasileira. Ele começou
relembrando uma história marcante desse tempo.

"Um dia, meu pai estava atendendo as pessoas no terreiro, quando


chegaram dois oficiais da Marinha. Vovô disse ao seu cambono Tranca
Lua (Francisco Jesuíno): 'vai no portão que estão subindo dois homens
de farda'. E para o outro, chamado de Cabiúna (Fausto Manoel Madeira):
pediu para que recepcionasse os homens dentro da casa e os
acompanhasse até que ele pudesse atendê-los. Quando ele terminou de
atender os consulentes, mandou chamar um dos oficiais e disse: 'leva
essas ervas aqui para cuidar do câncer da sua mulher'. E mandou
chamar o outro oficial e disse: 'paga o que você está devendo porque
você está correndo risco de vida', lembrou. Ao saírem da casa, um deles
disse ao papai que ele ficasse tranquilo que ninguém iria mais
perturbá-lo porque esta era uma casa de cura de verdade." (Este relato
foi concedido por Fabricius Custódio de Souza Caravana em 19 de
março de 2024).

Em Paracambi, seu neto Alfredo Caravana que atuava como vereador naquela
cidade (1970), chegou a ser detido como subversivo. Ele ainda mantinha um terreiro da
linha de Pai Fabricio na cidade, mas Fabricius acredita que ele tenha sido preso por
perseguição política já que ele atuava em uma linha de oposição ao governo militar e
em defesa das causas trabalhistas, relacionadas à época a um comunismo visto com
maus olhos.

A ideologia dos militares que lideraram o golpe de 1964 era fortemente


anticomunista. Eles viam o comunismo como uma ameaça à ordem social, à
propriedade privada e à segurança nacional. O regime militar alegava que estava
protegendo o Brasil do perigo comunista, usando isso como justificativa para restringir
as liberdades civis, perseguir dissidentes políticos e suprimir movimentos sociais.A
narrativa apresenta um vislumbre dos reflexos do período da ditadura militar no Brasil
(1964-1985), na vida da família Caravana, oferecendo uma perspectiva única sobre
como os eventos políticos e sociais da época afetaram suas vidas, principalmente por
estarem atreladas às práticas religiosas de matriz africana, como a umbanda.

A presença de oficiais da Marinha no terreiro de umbanda evidencia a


intimidação e a pressão exercida pelas autoridades militares sobre comunidades
marginalizadas. A atitude desafiadora de Custódio de Souza Caravana Filho, 20 anos
depois da sua primeira prisão na “Devassa de 41”, oferecendo remédios para a esposa
do oficial e exigindo que outro pagasse suas dívidas sob ameaça de risco para sua
vida, destacando um confronto corajoso contra o autoritarismo do regime ao destacar
a importância do seu trabalho religioso.
A detenção do seu filho, Alfredo Caravana como subversivo em Paracambi
ressalta a repressão política e a perseguição enfrentada por aqueles que se opunham
ao regime. A associação entre a prisão do filho e sua participação política como
vereador, bem como suas ligações com causas trabalhistas, sugere a amplitude da
repressão do regime militar sobre dissidentes políticos e ativistas sociais. Seu filho,
possivelmente não estava sendo perseguido somente por suas convicções políticas,
haja vista, também liderar um terreiro de umbanda naquela cidade e carregar a marca
dos “Caravanas” em sua trajetória de vida.

Portanto, essa narrativa oferece uma valiosa reflexão sobre o impacto da


ditadura militar na liberdade de expressão religiosa e política desta família. Também
destaca a resiliência e a resistência frente à opressão, mesmo diante das graves
consequências que enfrentavam.

Você também pode gostar