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O TEATRO DO PODER:
cultura e política no Maranhão
São Luís
2017
©2017 Copyright by EDUFMA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
Profa. Dra. Nair Portela Silva Coutinho
Reitora
Prof. Dr. Fernando Carvalho Silva
Vice-Reitor
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
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Diretor
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Prof. Dr. Jadir Machado Lessa
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Bibliotecária Tatiana Cotrim Serra Freire
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Profa. Dra. Raquel Gomes Noronha
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Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica:
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Capa:
Raquel Noronha
Ilustração:
Iconografias do Maranhão
Revisão: Thaísa Bueno
Impresso no Brasil – Printed in Brazil
Efetuado o depósito legal na Biblioteca Nacional,
conforme Lei nº. 10.994 de 14 de dezembro de 2004
186 p. ePUB
ISBN 978-85-7862-659-4
CDD 394.281 21
CDU 394.2 (812.1)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
À Maria Gracinete, minha mãe Catirina.
A Ismar Raymundo, meu pai Francisco.
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, pelo seu apoio incondicional e por ser a inspiração pra
tudo que eu viver.
Aos meus avós, Antenor e Benita, Didi e Olavo, pela minha origem
multicultural.
AGRADECIMENTOS .......................................................................................................7
PREFÁCIO ........................................................................................................................13
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................17
A POLÍTICA EM PROCESSO .......................................................................................21
A fabricação de símbolos ........................................................................................37
Construindo uma identidade para a nação ......................................................44
Aparato burocrático e mídia: difusão e controle da cultura ........................49
Bumba-meu-boi como símbolo de identidade ...............................................62
O “Mecenas” na Presidência da República .........................................................70
Patrimônio da Humanidade e celeiro da “Cultura Popular” ........................81
Oficializando a “cultura popular” ........................................................................ 107
O “patrimônio da humanidade” difundindo a “cultura popular” ............. 120
Maranhão: “um grande arraial”! .......................................................................... 124
A gestão cultural no papel .................................................................................... 128
“Viva” a produção cultural: teatralizando o poder ........................................ 134
O carisma “encena”................................................................................................... 146
Reforma Administrativa: mais recursos para a “cultura popular” ............ 152
Dominação x emancipação .................................................................................. 165
Considerações Finais .............................................................................................. 173
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 179
PREFÁCIO
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INTRODUÇÃO
1
Estas reflexões deram origem à dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da UFMA (2008) que resultou neste livro.
2
Em 2002, Roseana Sarney renuncia ao último ano do seu segundo mandato para se
candidatar à Presidência. Quem assume o Governo nesse período é o seu vice, José
Reinaldo Tavares, reeleito em 2003, com apoio da família Sarney. Por isso, incluo na
pesquisa o ano de 2002, considerando que não houve alterações em relação à estrutura
burocrática, aos membros e à linha política da Secretaria de Cultura.
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Também chamado de Bumba-boi, Boi, Bumba, a Superintendência de “Cultura Popular”
do Maranhão define o fenômeno como um auto que, reunindo três formas de expressão
artística (teatro, dança e música), conta a estória da negra Catirina que, grávida, desejou
comer a língua do boi predileto de seu amo, induzindo o seu marido, pai Francisco, a
matar o boi para a satisfação de seu desejo. O fenômeno apresenta um conjunto de
personagens que pode variar segundo o sotaque ao qual pertencem. Os diferentes estilos
de boi são chamados de sotaques. Invariavelmente, os grupos têm como personagens:
o boi, figura central da brincadeira feito de buriti, cujo couro é bordado com miçangas
e canutilhos; o amo, que personifica o dono da fazenda podendo acumular a função de
cantador; os vaqueiros, grupo que forma o cordão, exceto, nos sotaques de orquestra
e zabumba onde, com o boi, se posicionam no centro do cordão; e as índias, meninas
adolescentes que trajam indumentária confeccionada com penas, e cocares. Disponível
em: <http://www.culturapopular.ma.gov.br/manifestacoes> Acesso em: 19/10/2007.
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so iniciado por José Sarney no fim dos anos 60 e aperfeiçoado por Rose-
ana Sarney, nos anos 90.
4
“Cultura popular” é uma categoria complexa, aqui entendida como sistemas de idéias,
imagens, atitudes, valores, símbolos, em permanente reelaboração, construídos a partir
de relações internas, na sociedade. São ainda formas pelas quais o povo dá sentido a
sua existência, expressas por manifestações artísticas, modos de falar, comer, vestir etc.
Entendendo que o termo no singular não dá conta de traduzir a multiplicidade de sentidos
possíveis nos processos culturais gerados pelo povo (entidade que não é homogênea,
como pressupõem as teorias do Estado-nação), a título metodológico, adotarei o termo
“culturas populares” (CANCLINI, 1983). Assim, quando a denominação “cultura popular”
(que é estática e universalizante) aparecer no trabalho, irá se referir àquela empregada
pelo discurso oficial do Governo do Estado.
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Mas os agentes culturais desta cultura tida como popular pelo Go-
verno do Estado também atuam neste processo: beneficiam-se de sua
posição privilegiada junto ao campo político para conseguir apoio fi-
nanceiro, para transitar em outros campos sociais, na mídia ou no setor
empresarial, para investir na carreira política ou mesmo para conseguir
cargo público nas secretarias do Estado. O que está em jogo é obter o
reconhecimento dos demais atores e, assim, conquistar poder.
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A POLÍTICA EM PROCESSO
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Estado é tido aqui, e, no decorrer do trabalho, como uma organização política na qual
existe um grupo de seres humanos ligados por um sistema complexo de relações. O poder
do Estado, na verdade, é o poder dos indivíduos que o compõem; está nas mãos de seus
membros – sejam reis, primeiros ministros, presidentes, governadores, magistrados,
policiais, chefes de partidos, votantes.
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Nesse período, grande parte das ações e dos recursos estatais na es-
fera cultural volta-se para uma meta principal: adquirir o Título de Patri-
mônio Cultural da Humanidade para a cidade de São Luís.
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Bairro localizado próximo ao Centro Histórico de São Luís, apontado por intelectuais e
artistas locais como bairro “tradicional” e centro da efervescência cultural da cidade.
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Aliás, o povo sabe bem mais”), dando a idéia de que estes não fazem par-
te do povo e que constituem um outro grupo social, do qual o próprio
Secretário faz parte. A “autenticidade” seria um atributo conferido pelo
Estado, que determina o que é e o que não é cultura tradicional, através
de atos administrativos.
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Neste jogo de disputas, a cultura pode ser vista como elemento ca-
paz de gerar capital simbólico aos políticos e à política, como fonte de
capital simbólico para os atores culturais. Por um lado, os políticos po-
dem se aproveitar da dimensão simbólica, aliando sua imagem a uma
manifestação cultural, para se posicionarem melhor no jogo pela disputa
de poder político. Num movimento inverso, os atores culturais são cons-
cientes de que a posição de destaque que ocupam – reconhecidos como
líderes de opinião da comunidade, como pessoas carismáticas ou mes-
mo como bons artistas – pode lhes render capital simbólico no âmbito
político.
A fabricação de símbolos
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Herbeth dos Santos analisa que o “sotaque” de matraca, que caracteriza o Boi da Madre
Deus, também é chamado de “sotaque da Ilha”, por fazer uma alusão à Ilha de São Luís.
Logo, esse sotaque se refere a bois originados na própria capital (zona rural ou urbana
da ilha).
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Alguns pesquisadores (AZEVEDO NETO, 1983; LIMA, 1982) registram que nos anos 60
e 70 já diversas brincadeiras, tais como Tambor de Crioula, Danças do Coco, do Lelê e
Quadrilhas eram realizadas em São Luís pelas classes populares. O Bumba-meu-boi, a
mais popular delas, nesse período, na capital, passa por uma diversificação de sotaques,
que são o gênero musical/artístico/regional de que fazem parte, ou seja, o estilo, o ritmo,
que define também seus instrumentos, suas indumentárias e o tipo de dança. Para
Azevedo Neto (1983), existem quatro sotaques: o de Matraca ou da Ilha, cujos elementos
remetem à cultura indígena (e que era o predominante em São Luís nesse período); de
Zabumba, também denominado pela sua região de origem, Guimarães, em que os traços
africanos são mais acentuados; de Orquestra, basicamente de conteúdo europeu; e o de
Pindaré, oriundo da região da Baixada maranhense, em que há uso de matracas, com
diferenças no ritmo, nos instrumentos e no guarda-roupa. Há ainda um sotaque existente
somente no município de Cururupu como um quinto sotaque, também conhecido como
Costa de Mão (referindo-se à forma usada para tocar um dos instrumentos, o pandeirão).
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Uma estratégia dos grupos para transpor os limites que lhes eram
impostos era contar com o prestígio de alguns políticos. De acordo com
dona Zelinda Machado de Castro e Lima, pesquisadora da cultura mara-
nhense e chefe do Departamento Estadual de Turismo, do governo de
José Sarney (1966-1970), “o bumba-meu-boi, assim como maior parte
das manifestações da cultura popular eram alvos de preconceito e vistas
como ‘coisa de vagabundo’ pelas elites”. Zelinda Lima, comadre e amiga
de José Sarney, relata que com frequência, em casos de prisão, os donos
de boi recorriam a ela ou a alguns políticos para serem libertados. Como
exemplo desse período de repressão, ela lembra com detalhes a prisão
de seu Leonardo, dono de um boi de zabumba que brincava na capital:
Ele foi preso, espancado, tiraram todo o dinheiro dele. Quando me
comunicaram de manhã cedinho, na hora do café, eu bati lá no go-
vernador [Sarney] e disse: “olha, está acontecendo isso, isso e isso”.
Ele botou a mão na cabeça e disse: “agora, que eu sou governador,
o que é que eu vou fazer?” Vamos pensar, eu disse. Transferir o dele-
gado? Não, não é o caso. Chamar o chefe de polícia? Talvez. Decidi-
mos ficar por aí. Parecia pouco diante da barbaridade, mas estáva-
mos iniciando um processo importante de mudança de mentalidade
do maranhense frente à cultura popular de seu estado.
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Cabe destacar aqui que José Sarney foi membro da “Geração de 45”,
grupo de intelectuais maranhenses inspirados no movimento moder-
nista brasileiro, do qual faziam parte figuras como Ferreira Gullar, Bello
Parga, Carlos Madeira, Reginaldo Telles, Domingos Vieira Filho, Bandeira
Tribuzi, Lucy Teixeira, entre outros. A ascensão de José Sarney à política
maranhense o transformava na personificação do projeto dessa geração.
“Ao tomar posse no Governo do Estado, José Sarney proclamou: ‘É a po-
esia no poder’” (GONÇALVES, 2000, p. 97). Firmou-se no campo literário28,
inspirando-se, geralmente, em temas, mitos e lendas do saber popular
maranhense. Desse modo, além de aliar sua imagem à de um político
inovador/moderno, consegue vinculá-la à imagem do intelectual e pro-
tetor da “cultura popular”.
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Se Pedro Segundo
Vier aqui
Com história
Eu boto ele na cadeia
(CEREJA; MAGALHÃES, 2000, p. 346)
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Suas obras Clã do jabuti (1927) e Remate de males (1930) são perme-
adas por lendas, costumes e modos regionais de falar, além de ritmos e
danças populares (samba, coco, toada, modinha). E Macunaíma31 (1928),
o mais conhecido de seus trabalhos em prosa, cujo personagem princi-
pal se transformara num símbolo da cultura brasileira, apresenta um anti-
herói (herói por suas qualidades de mentiroso, preguiçoso, covarde), que,
segundo o autor, tem muitas semelhanças com os brasileiros, povo “sem
nenhum caráter”. Esclarece ele:
Com a palavra caráter não determino apenas a realidade moral não,
em vez disso, entendo a entidade psíquica permanente, se manifes-
tando por tudo, nos costumes, na ação exterior, no sentimento, na
língua, na História, na andadura, tanto no bem como no mal. O bra-
sileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria
nem consciência tradicional (ANDRADE apud CEREJA; MAGALHÃES,
2000, p. 372).
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O ponto de partida para a criação de Macunaíma foi a leitura que Mário fez de Vom Roraima
zum Orinoco, do etnógrafo alemão Koch-Grünberg, que colheu na Amazônia, entre 1911
e 1913, um ciclo de lendas dos índios taulipangues e arecunás. O autor brasileiro fez
algumas alterações na lenda original, acrescentou-lhes outras, de origens diversas,
incluiu anedotas da história brasileira, aspectos da vida urbana e rural do país, sem deixar
de fora os personagens reais e fictícios, a feitiçaria, o erotismo e o absurdo surrealista.
Perseguindo a tradição das canções e novelas populares, das epopéias e das novelas – a
tradição oral da literatura – Macunaíma foi chamada por Mário de rapsódia, composição
que, na música, envolve uma variedade de motivos populares (CEREJA; MAGALHÃES,
2000).
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“Fora da arte política não há arte popular”. A máxima dos CPCs re-
vela que para eles, a única forma verdadeira de cultura era a arte política,
que seria a única resposta possível ao processo de alienação. As demais
expressões culturais, fossem da elite, da indústria cultural ou das classes
populares, eram concebidas como alienadas ou falsas consciências, logo,
falsas culturas. Sob essa ótica, ao povo caberia apenas assimilar os valo-
res previamente pensados pelos intelectuais, “que levam cultura às mas-
sas” (ORTIZ, 1985, p. 73).
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Uma boa representação dessa parceria, afirma Bucci, pode ser en-
contrada no tom oficial que adquiriu o telejornalismo: “Para o Estado não
bastava ter a Voz do Brasil. Era preciso ter na TV o Jornal Nacional (que foi
ao ar pela primeira vez em 1º de setembro de 1969), e era preciso que
ele fosse produto de uma emissora privada, representante da sociedade
civil” (BUCCI, 1996, p. 19). Entra em cena a Rede Globo.
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José Sarney já conhecia a cultura popular e com o poder que ele ti-
nha enquanto governador tentou mudar muita coisa. Mas, por mais
que dissesse que não era pra prender, nem proibir as brincadeiras,
elas ainda eram vistas como coisa de pobre, de caboclo. É aí que
a cultura popular começa a ser vista no Estado “com bons olhos” e
tolerada na capital maranhense.
O marco apontado por Dona Zelinda Lima (e por muitos atores cul-
turais) como fundamental nesse processo, em São Luís, dá-se quando
José Sarney chama durante o seu governo, pela primeira vez, o bumba-
meu-boi e outras manifestações populares – que até então ficavam res-
tritas às zonas rurais e bairros periféricos da cidade, como o Bairro do
João Paulo – para dançar no terraço do Palácio dos Leões41:
Naquela época, o governador Sarney estava realizando muitas
obras no Estado, como a construção do porto do Itaqui. Veio uma
comitiva pra visitar o Palácio, Odylo Costa Filho, uma série de pesso-
as da literatura e gente importante do país, jornalistas... Então, para
comemorar e divulgar o fato na imprensa o governador me cha-
mou pra organizar um cardápio com comidas típicas, pra selecio-
nar uma cozinheira que fizesse um cuxá bem feito... Aí me lembrei
e disse: ‘olha, governador, está aí uma oportunidade de acabar com
a perseguição ao Boi. O senhor chama pra brincar aqui no palácio,
que todo mundo vai achar maravilhoso!’ E assim foi feito. Ao invés
de oferecer um banquete daqueles, como era costume, chamamos
não só o boi, mas o Tambor de Mina, do Jorge Babalaô, que abriu a
festa, depois se apresentou o tambor de crioula, e vários bois, como
o Boi de João Câncio, Boi de seu Lauro e Boi de Newton. Os donos
dos bois nesse tempo já eram compadres do governador [...] Foi um
choque pra sociedade! Aquilo foi um escândalo na cidade, as pes-
soas comentavam muito, e a imprensa ficou se perguntando, ‘Boi e
tambor no palácio, como é que pode?’
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Sede do Poder Executivo no Maranhão.
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car pelo [...] cumprimento de horário, das normas [...] Hoje tem que
ser assim, a gente tem mais responsabilidade que dantes, quando
se brincava boi só por devoção, por gosto e por prazer.
42
A noção de política cultural assumida para a análise evoca as intervenções não-estatais
também como políticas culturais, portanto, não se vincula somente ao Estado. Mais
adiante, discuto o conceito de política cultural com atenção.
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O grupo majoritário na Constituinte era o Centro Democrático, também conhecido
como “Centrão”, formado por uma parcela dos parlamentares do PMDB, pelo PFL, PDS
e PTB, além de outros partidos menores. O “Centrão”, apoiado pelo poder Executivo e
por representantes das tendências mais conservadoras da sociedade, conseguiu influir
decisivamente na regulamentação dos trabalhos da Constituinte e no resultado de
votações importantes, como a duração do mandato de Sarney (estendido para cinco
anos), a questão da reforma agrária e o papel das Forças Armadas.
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Em 1990, no então governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, o Ministério da
Cultura foi transformado em Secretaria da Cultura, diretamente vinculada à Presidência
da República. Essa situação foi revertida dois anos depois, em 19 de novembro de 1992,
já no governo do ex-presidente Itamar Franco. Em 1999, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, foram ampliados os recursos e a estrutura foi reorganizada, segundo
lei aprovada em 27 de maio de 1998. Pela Medida Provisória 813, de 1º de janeiro de
1995, transformada na Lei 9.649, de 27 de maio de 1998. Em 2003, o atual presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, aprovou a reestruturação do Ministério da Cultura, por meio
do Decreto 4.805, de 12 de agosto. (<www.cultura.gov.br> Acessado em: 08/01/2008).
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Publicado no Diário Oficial da União no dia 15/03/1985, o referido decreto cria o
Ministério da Cultura e dispõe sobre sua estrutura.
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Aparece em destaque o nome de Aloísio Magalhães nos estudos sobre as políticas culturais
brasileiras (MICELI,1984; ORTIZ, 1994; RUBIM, 2007). De fato, ele representou “um
sopro inovador nas políticas culturais brasileiras”, principalmente devido a sua atuação
dinâmica e criativa, tentando burlar os conservadorismos militares. Aloísio Magalhães
“criou ou renovou organismos como: Centro Nacional de Referência Cultural (1975);
IPHAN (1979); SPHAN e Pró-Memória (1979); Secretaria de Cultura do MEC (1981)
até sua morte prematura em 1982. Sua visão renovada da questão patrimonial através
do acionamento da noção de bens culturais; sua concepção ‘antropológica’ de cultura;
sua atenção com o saber popular [...] retomando Mário de Andrade, ensejam uma
profunda renovação nas antigas concepções de patrimônio vigentes no país, mesmo com
limitações” (RUBIM, 2007, p. 22).
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h) Fundação Casa de Rui Barbosa, criada pela Lei n.º 4.943, de 6 de abril
de 1966, e alterações posteriores;
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A Lei Sarney vigorou até 1990, extinta pelo Governo Collor de Melo
(1990-1992) – que também extinguiu o Ministério da Cultura e diversos
de seus órgãos52. Mas deu origem, em 1991, a outra Lei de incentivo, a Lei
8.313, conhecida como Lei Rouanet, vigente até hoje, depois de ter sido
alterada nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luís
Inácio Lula da Silva (2003-). A Lei Rouanet, como observaremos no item
seguinte, foi amplamente utilizada pela gestão cultural dos Governos de
Roseana Sarney no Maranhão.
52
A estrutura da gestão cultural no Governo Collor foi reduzida novamente à condição
de Secretaria, significando um retrocesso no setor: vários programas e projetos foram
suspensos, foram extintos o Conselho Federal de Cultura, a FUNDACEN; a Fundação
do Cinema Brasileiro; a EMBRAFILME; a PRÓ-LEITURA. A Fundação Pró-Memória
e o SPHAN foram transformados em Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural e
a FUNARTE em Instituto Brasileiro de Arte e Cultura. O Ministério e algumas de
suas instituições foram recriados em 1992, no Governo Itamar Franco (Ver mais em
CALABRE, Lia. Políticas culturais no Brasil: balanço e perspectivas. p.87-107. In: RUBIM;
BARBALHO; 2007).
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SECMA - 1995
Execução Atividades Projetos
Escola de Artes Cênicas
Estaleiro Escola do Maranhão
Plano Fonográfico Revitalização do Patrimônio Histórico e
Não executado por falta de
Programa de Ações integradas Ambiental de Alcântara
recursos
Capacitação de Recursos Humanos Implantação centro de memória e
documentação afro-maranhense
Pesquisas arqueológicas
SECMA - 1996
Execução Atividades Projetos
Dinamização da Coord. de Museus
Não executado por Coleção gravuras
Dinamização da Coord. de Municipalização
falta de recursos de Arthur Azevedo
da cultura
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SECMA - 1997
Execução Atividades Projetos
Dinamização da Coord. de Museus
Dinamização da Coord. de
Não executado por falta de recursos -----
Municipalização da cultura
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Em 1997, a receita da SECMA foi maior que nos dois anos anterio-
res. Neste exercício financeiro, contou com recursos do Tesouro Estadual,
que não foram discriminados60; com financiamentos do Governo Federal,
na ordem de R$ 3.829.651,38, através de nove convênios com o MinC e
cinco avenças assinadas com o Fundo Nacional de Cultura; e ainda, com
recursos da renúncia fiscal, cujos valores não foram revelados nos Relató-
rios. Mas, como informa a propaganda institucional divulgada no jornal
O Estado do Maranhão no dia 08 de setembro de 1997, data de aniversá-
rio de São Luís, o Governo afirma investir R$ 20 milhões na recuperação
do patrimônio histórico da cidade, sem referir as diversas fontes de ori-
gem desses recursos.
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rente em governos anteriores. Diz ela: “quando Dona Zelinda Lima era a
chefe do antigo Departamento de Turismo, havia uma ajuda oficial para
os grupos culturais, mas esse apoio se dava através da distribuição de
paetês, plumas, veludo, canutilhos, ornamentos, enfim, material para a
confecção das roupas e dos instrumentos” (CARVALHO, 2007, s.p.).
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Sobre o ato de nomear, Bourdieu (1996a) diz que ele é ao mesmo tempo um ato
de instituição e destituição fundado socialmente, através do qual um indivíduo,
agindo em seu próprio nome ou em nome de um grupo, quer transmitir a
alguém o significado de que ele possui uma dada qualidade, querendo ao mesmo
tempo cobrar um comportamento de seu interlocutor que corresponda a seu
status social.
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Nesta classificação, expressões de caráter religioso como o Tambor-de-mina (tido
como representante único do Grupo “Religiosidade afro-maranhense”) e a Festa do
Divino (que, ao lado das Festas Juninas, compõe o grupo “Festas”) recebem o mesmo
tratamento das manifestações de “cultura popular”. Classificações disponíveis no site
da Superintendência de “cultura popular” do Maranhão. <http://www.culturapopular.
ma.gov.br/> Acesso em: 19/10/2007. A relação com os nomes/locais das festas e dos
grupos, em categorias, decorrente do último cadastro realizado pelo CCPDVF em 2003
está disponível no site <www.perfilcultural.com.br>.
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Os grupos considerados “alternativos” eram denominados “parafolclóricos” pelo CCPDVF.
A mudança do nome deveu-se à insatisfação de alguns representantes desses grupos, que
sentiam prejudicados com a denominação de parafolclóricos. (OLIVEIRA, 2003, p. 45).
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Neste exemplo, por ter sido nomeado pelo Estado como sotaque
de zabumba, o grupo acabou registrando-se enquanto tal, já que o ato
de impor uma definição legítima, por estar firmado em um poder, que é
simbólico, acaba por produzir a existência daquilo que afirma (COELHO,
2002), criando novas realidades.
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Também chamados de “rebanhos”, são denominações que os brincantes usam para se
referir ao conjunto dos componentes do grupo de bumba-meu-boi.
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algo que é parte de mim mesmo. Ao aceitar, o recebedor aceita algo do doador. Ele deixa,
ainda que momentaneamente, de ser um outro; a dádiva aproxima-os, torna-os mais
semelhantes (MAUSS, 2003).
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uma estratégia válida nessa luta pela definição do mundo social. Como
pude observar em pesquisa anterior:
[...] nas últimas duas eleições para a Câmara de Vereadores, vários
candidatos ligados a manifestações culturais e religiosas foram
eleitos. Pinto da Itamaraty (PTB), proprietário de uma das maiores
radiolas de reggae do Maranhão, a radiola de reggae Itamaraty,
elegeu-se em 2002 e foi reeleito em 2004 como o mais bem vota-
do vereador de São Luís. O candidato Ferreirinha da Estrela do Som
(PSL), dono de outra famosa radiola de reggae da capital, conseguiu
tornar-se vereador em 2004. O babalorixá Sebastião do Coroado
(PFL) exerceu dois mandatos como vereador (1996 e 2000). Outro
caso ilustrativo é o do pai-de-santo Astro de Ogum (PPS), que eleito
em 2004, é atual vereador de São Luís. (CARDOSO apud MARQUES,
2004).
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Título inspirado na fala do Secretário de Cultura do Estado, Luís Henrique de Nazaré
Bulcão, ao se referir ao primeiro grande projeto de sua gestão cultural, o São João, cujo
slogan foi “São Luís: um grande arraial”. Um dos significados do vocábulo arraial é “lugar
de festas populares”, provavelmente originado do adjetivo real (século XIV arayal, arreal),
“acampamento do rei” (Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa,
1986).
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Luís Bulcão “acha” que em sua gestão cultural houve uma política
de cultura, que teve como alvo principal a “cultura popular”. Segundo ele,
foi essa política que fez o maranhense conhecer e valorizar sua cultura,
desmistificando a “cultura popular”. O discurso de Luís Bulcão me leva a
várias conjecturas. Primeiro, ele produz uma identidade entre cultura e
“cultura popular”: “essa política era centrada na “cultura popular”. Era uma
política de cultura”. Quando se refere à meta de sua gestão, também res-
tringe o termo cultura a uma “cultura popular”, representada pelo exem-
plo do bumba-boi.
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ços centrais da cidade, até a décadas de 60 (“Eu gosto muito de ti, acho
muito bonitinho, mas tu não entras no Palácio”). Desse modo, o discurso
caracteriza a gestão cultural do Governo de Roseana Sarney como um
marco para o bumba-meu-boi, para a “cultura popular”, fazendo ainda
uma referência ao Governo de José Sarney, que permitiu “a entrada do
Boi no Palácio”.
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SECMA – 1998
Atividades Coordenadorias Execução
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Este último, resultado de demandas anteriores. Em 1997, o Relatório de
Atividades da SECMA apontou uma “necessidade extrema de se promover
uma política agressiva de recursos humanos melhorando qualidade e eficiência
através de treinamentos” (SECMA, 1997, p. 7).
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Executado, através de
Desenvolvimento e Apoio à Produção cultural Ação e Difusão Cultural
convênios e mecenato
Fonte: Observação do Relatório de Atividades da SECMA
Naquele ano, houve seis ações sob a rubrica “Atividades”, mas so-
mente foi executada a de “Desenvolvimento e Apoio à Produção Cultu-
ral”, cujo objetivo era “incentivar as manifestações de cultura popular,
produção musical, manter atividades artístico-culturais” (SECMA, 1997,
p. 10). Segundo o Relatório, as demais não foram realizadas “em virtude
da não liberação de recursos”, não sendo possível “executar nenhuma das
metas previstas” (SECMA 1998, p. 8-10).
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Programas
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FUNCMA – 2001
Programas
Programa Manutenção dos Serviços Administrativos Recursos do Tesouro Estadual (executado =
Programa de Dinamização das Atividades Museológicas programado)
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Vale lembrar o estudo de Peter Burke sobre a construção simbólica da autoridade de
Luís XIV, em que observou o uso estratégico do teatro pelo rei e sua corte, tendendo à
teatralização na execução dos rituais reais (BURKE, 1994).
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racá” é o instrumento próprio dos amos e/ou cantadores de Boi, com que
dão a marcação das toadas, orientando seu “batalhão”. Aqui o “maracá”
é o “cetro” de Roseana Sarney, símbolo de poder e distinção da “rainha”
em relação aos “súditos”. Os trajes da governante, no entanto, não fazem
referência a um boi de matraca, mas sim, às indumentárias de palha ca-
racterísticas do Boi Barrica, cujo dirigente é o seu Secretário de Cultura,
Luís Bulcão.
ordem. A mão esquerda é vista como dependente, auxiliar, submissa (HERTZ, 1980).
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pessoas que tavam lá, zombaram. ‘Ah... aqui já veio muita gente di-
zer isso, mas nunca fez nada!’. Mas nós fizemos!
Essas obras estatais e a forma como foram divulgadas pela mídia lo-
cal contribuíram para um acúmulo de capital simbólico sobre Roseana
Sarney, que inaugurou as obras e anunciou sua candidatura à reeleição
em pleno período junino. As aparições públicas da governadora apre-
sentam caráter ritualístico. Segundo Kertzer (1988, p.11), o ritual trabalha
através do sentido para estruturar nosso senso de realidade e nossa com-
preensão do mundo que nos cerca. E o seu conteúdo é simbólico.
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Senador João Alberto, a cantora Alcione Nazaré, Roseana Sarney e seu pai, José Sarney.
Fonte: O Estado do Maranhão (27/06/1998).
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Assim, práticas sociais que têm como cenário os “Vivas” levam a crer
que eles funcionam, dentre outras coisas, como arenas de materializa-
ção do poder do Estado (e do governante, mais especificamente), onde
é exercida a política panem et circenses com mais teatralidade e legitimi-
dade. Como lembra Balandier (1994), na Grécia Antiga, o Drama servia
como forma de adequar/moralizar os costumes, um mecanismo de regu-
lação da vida social. Nesses rituais, a promotora da festa, Roseana Sarney,
metáfora do Estado, tem seu lugar garantido: ela é o “centro do centro”
(GEERTZ, 1997), é a ela que o povo atribui as benesses. Desse modo, a
teatralização do poder (BALANDIER, 1994) serve, entre outras coisas, para
estabelecer / manter papéis sociais, fornecer significados ao “povo” a res-
peito daquele que está no poder, distrair as massas por meio do entrete-
nimento/espetáculo (de forma dramática). Como observa Kertzer (1988,
p. 1), “as figuras políticas usam ritos para criar realidade política para as
pessoas em torno delas”. Essas estratégias podem desmobilizar ou enfra-
quecer tentativas de contestação ao Estado, na medida em que constrói
“uma aura mágica” (GEERTZ, 1997) para o governante. A toada de João
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Prometeu e cumpriu
O meu povo este ano se alegrou
Contente com a nossa governadora
Passou três anos sua promessa cumpriu
Na Maioba e Maracanã
E outros que ela construiu
Oh! Meu batalhão vamos todos comemorar
Essa linda construção
Do grande Viva Ribamar
Nos regimes políticos atuais esses símbolos aparecem com toda for-
ça devido à valorização exacerbada da imagem, do marketing, da pro-
paganda e dos meios de comunicação em geral, que reforçam esta ten-
dência. E, de uma forma subliminar, acabam sacralizando a imagem do
agente político, sob a égide do Estado, já que nesses regimes “disfarça-se
melhor a tendência humana natural para antropomorfizar o poder” do
que nas monarquias tradicionais (Idem).
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Por outro lado, a prática desse sistema de trocas gerou outros sig-
nificados para os atores sobre o do batismo do boi, ao perceberem, por
exemplo, que poderiam obter muitos benefícios com essa estratégia.
Portanto, os grupos de bumba-boi têm convidado para padrinhos/ma-
drinhas, personalidades que podem ajudar de algum modo a brincadei-
ra. Essas ações/reações dos grupos culturais podem ser interpretadas
como estratégias de visibilidade, que visam também acumular capital.
O carisma “encena”
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Teóricos como Montesquieu e Jacques Bossuet legitimaram a centralização do poder
político nas mãos do monarca através de teorias que explicavam o poder divino do
soberano. De acordo com Burke(1994), para esses teóricos, os reis eram imagens vivas de
Deus, os únicos representantes da majestade divina.
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DIEU, 1996, p. 89). Por isso, os atores sociais buscam estratégias que pos-
sam renovar o carisma.
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Outro fator que indica que os grupos culturais têm poder é a procu-
ra dos políticos e, às vezes, de empresas privadas, para patrociná-los, em
troca de marketing político ou institucional.
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SECMA
Municipali- Total
Coorde- Patrimônio Ação e Difusão Memória e Total Liberado**
Museus zação Orçado
nadorias: Cultural Cultural Document. (R$)
da cultura (R$)
3.669.017,89
1995 Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado 11.691.967,00
(31%)
451.114,95
1996 Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado 2.812.704,00
(16%)
Receita não
1997 Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado relatada – superior à
estimada
Receita não
1998 Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado Não relatado relatada – superior à
estimada
FUNCMA
Conservação
Difusão e Apoio Conservação
Patrimônio Dinamização Municipali- Total Total
à Produção da Memória
Arquitetônico das Atividades zação Programado Executado**
Progra-mas: Artística e Documental
Paisagístico e Museológico Cultural (R$) (R$)
Cultural Bibliográfica
Arqueológico
Programado Programado: Programado: Programado: Programado:
906.234,00 2.690.303,00 431.643,00 200.886,00 107.926,00
1999 Executado: Executado: Executado: Executado: Executado: 1.384.478,14
4.156.992,00
0,00 1.330.757,86 3.016,00 50.704,28 0,00 (30%)
(0%) (49,46%) (0,7%) (25%) (0%)
81
Todas as Gerências de Estado eram ligadas à Gerência de Planejamento e Desenvolvimento
Econômico, uma espécie de gerência-mor, coordenadora das demais, responsável por
gerenciar todas as obras e liberar recursos para todas as áreas.
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O Programa de Ação e Difusão cultural envolve: a Diretoria de Ação e Difusão Cultural, o
Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, o Centro de Criatividade Odylo Costa
filho, Espaço Cultural João do Vale e Escola de Música do Estado.
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Para Calabre (2007 apud Rubim, 2007) as políticas públicas são de-
cisões coletivas, em geral produtos de atividades políticas, que devem
envolver diversos agentes com um impacto sobre o conjunto da socie-
dade, além de ações normativas e alocação de recursos. De acordo com
Rubim (2007), só podem ser consideradas políticas públicas aquelas que
são discutidas e legitimadas pela sociedade. O autor explica que é funda-
mental distinguir políticas estatais de cultura de políticas públicas de cul-
tura, pois estas últimas implicam sempre em políticas negociadas com a
sociedade.
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Dominação x emancipação
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através de vários líderes que se comunicam entre si, para os grupos lide-
rados, compartilhando um contexto social.
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REFERÊNCIAS
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Entrevistas:
Herbeth Jesus Santos. Entrevista cedida para esta pesquisa em
07/12/2007 e 21/12/2007.
Humberto Barbosa Mendes. Entrevista cedida para esta pesquisa em
29/10/2007.
Erlito Meneses. Entrevista cedida para esta pesquisa em 07/12/2007 e
21/12/2007.
Jandir Silva Gonçalves. Entrevista cedida para esta pesquisa em:
28/10/2007.
Jeovah França. Entrevista cedida para esta pesquisa em 10/06/2007.
José Henrique de Nazaré Bulcão. Entrevista cedida para esta pesquisa em
26/09/2007.
Marcelino Azevedo. Entrevista cedida para esta pesquisa em 03/12/2007.
Maria Michol Pinho de Carvalho. Entrevista cedida para esta pesquisa em
02/05/ 2007.
Robson Coral. Entrevista cedida para a elaboração de pesquisa. Março,
2004.
Roza Santos. Entrevista cedida para esta pesquisa em: 18/11/2007.
Zelinda Machado de Castro e LIMA. Entrevista cedida para esta pesquisa
em: 02/09/ 2007 e 05/09/2007.
Documentos Oficiais:
SECRETARIA de Estado da Cultura (SECMA). Relatório de Atividades, 1995.
SECRETARIA de Estado da Cultura (SECMA). Relatório de Atividades, 1996.
SECRETARIA de Estado da Cultura (SECMA). Relatório de Atividades, 1997.
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Jornais Consultados:
O ESTADO do Maranhão, São Luís, 20, 22 e 28 jun. / 05 e 08 set./ 04, 19,
dez. 1997.
O ESTADO do Maranhão, São Luís, 03, 20, 24, 25 e 27 jun. 1998.
O ESTADO do Maranhão, São Luís, 25. jun. 1999.
O IMPARCIAL. 04 e 06 dez. 1997.
JORNAL Pequeno. 24 ago. 2007.
Legislação:
BRASIL. Constituição Federal da República (1988).
BRASIL. Decreto-lei n 91.144 (Criação do Ministério da Cultura).
MARANHÃO. Lei Estadual n. 7.497. 22 Dez. 1999 (Reforma Administrativa
do Estado).
Sites Visitados:
BRASIL. Ministério da Cultura. <http://www.cultura.gov.br> Acesso em:
02/09/2007.
MARANHÃO. Secretaria de Estado da Cultura. <http://www.cultura.ma.gov.
br/> Acesso em: 27/08/2007.
MARANHÃO. Superintendência de cultura popular do Maranhão. <http://
www.culturapopular.ma.gov.br/> Acesso em: 05/09/2007.
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