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Herodes, o governante tirânico, mas

empreendedor
Exposição sobre monarca resgata nova faceta do déspota, que teria
ordenado o massacre de inocentes: o maior construtor da Terra Santa

Retrato de Herodes, o Grande Foto: Terceiro / Agência O Globo

JERUSALÉM - Ele colecionou inimigos como crianças juntam figurinhas.


Quando se tratava de sobrevivência política, não tinha escrúpulos ou
misericórdia. Era um déspota cruel e com ímpetos de loucura, que mandou
matar três filhos, diversos oponentes e pelo menos uma das dez esposas, e
que morreu demente, vítima de uma misteriosa e dolorosa infecção. O Rei
Herodes, o Grande não se tornou infame à toa. Consumido pela sede de
poder, o monarca que dominou a política na Terra Santa por quatro décadas
(de 37 A.C. e 4 D.C.) fez de tudo para manter a coroa num dos momentos
mais turbulentos pelos quais passou a região: em meio à ocupação romana
que revoltava os judeus locais e às vésperas do nascimento de um certo
Jesus de Nazaré.

Os discípulos de Cristo não alimentavam muita simpatia pelo monarca, que


carregava o título de “Rei dos Judeus” dado a ele por Roma (seu filho,
Herodes Antipas, também é desprezado por seu papel na Paixão de Cristo).
No Evangelho de Mateus, por exemplo, uma passagem descreve Herodes, o
Grande como sedento de sangue e paranoico. Trata-se do que ficou
conhecido como “Massacre dos Inocentes”. Ele teria ordenado o assassinato
de todas as crianças de Belém com menos de dois anos depois que
descobriu, através dos Reis Magos, que o messias estaria para nascer
naquela cidade. Primeiro, teria pedido aos magos que apenas o avisassem no
momento do nascimento de Jesus. Mas partiu para a violência quando os
três enviados decidiram esconder o fato.

Quatro décadas de governo

“Quando Herodes percebeu que havia sido enganado pelos magos, ficou
furioso e ordenou que matassem todos os meninos de dois anos para baixo,
em Belém e nas proximidades” (Mateus 2:16). A veracidade histórica do
massacre não é consenso entre historiadores, mas ninguém discorda de que
Herodes, o Grande tenha sido um tirano. A mesma ânsia de grandeza, no
entanto, o transformou num dos maiores construtores que a Terra Santa
jamais viu. Nas quatro décadas de seu governo, ele ergueu palácios
suntuosos em Jericó e em Massada, no Mar Morto, além de portos colossais
como Cesareia. Entre seus projetos mais grandiosos se destaca a expansão
do Segundo Templo de Salomão, em Jerusalém, destruído em 70 D.C. A
obra foi considerada tão sofisticada e bem sucedida que o complexo mais
importante para o Judaísmo — do qual só resta, hoje, o Muro das
Lamentações — passou a ser apelidado de Templo de Herodes.

Apesar de ser famoso por cobrar altos impostos, ele demonstrava


sensibilidade em momentos de crise. Numa época de seca, por exemplo,
aboliu taxas e doou pertences aos necessitados. Herodes também fortaleceu
a posição da Judeia no mundo antigo, aumentando o comércio com o
Oriente. Ele construiu anfiteatros, mercados, templos, casas e aquedutos
com arquitetura romana e materiais de alta qualidade.

Quem era, então, o famoso monarca? Louco ou gênio? Destruidor ou


empreendedor? As faces da vida e da morte dele são justamente o tema da
mostra “Herodes, o Grande: a jornada final do rei”, a mais ambiciosa
exibição sobre a controversa figura histórica já realizada em Jerusalém.
Desde 13 de fevereiro e até 5 de outubro, o Museu Israel exibe ao público
30 toneladas de artefatos originais encontrados por toda a Terra Santa, além
de reproduções de partes de seus principais palácios.

— Os artefatos projetam nova luz sobre a influência política, arquitetônica e


estética do governo de Herodes — diz Dudi Mevorach, curador da
exposição. — Ele era cruel e tirânico, mas também era um fascinante
empreendedor.

Herodes, o Grande nasceu em torno de 74 A.C. em Ashkelon, cidade


costeira no Sul de Israel. Seu pai era edomita e sua mãe, nabateia, mas ele
praticava o judaísmo depois que toda sua família, que tinha boas ligações
com Roma, se converteu. Mas ele nunca se sentiu realmente aceito pela elite
da época. Por toda sua vida, Herodes fez média com romanos e judeus,
numa busca quase infantil por aprovação dos dois lados. Isso o levou a ser o
mediador perfeito entre ocupantes e ocupados, mas nunca o tornou imune a
críticas.

Aos 25 anos, foi apontado como governador da Galileia (enquanto seu


irmão, Fasael, assumia Jerusalém). Com o tempo, porém, depois de
demonstrar fidelidade a Roma — primeiro apoiando Marco Antônio e
depois seu rival, Otávio Augusto — ele foi elevado a governador de toda a
Judeia.

Sua morte foi dolorosa e demorada. Ele sofreu com algum tipo de infecção
que afetou os rins causou gangrena nas partes genitais. O rei enfrentou
convulsões, falta de ar e problemas intestinais até o dia que faleceu. Depois
de sua morte, a área sobre a qual governava foi dividida entre três de seus
filhos. A Galileia foi incumbida a Herodes Antipas, que reinou entre 4 A.C.
e 39 D.C.

Mausoléu descoberto em 2007

O ponto alto da mostra do Museu Israel é a exibição, pela primeira vez, de


fragmentos autêntico do mausoléu e do sarcófago de Herodes, o Grande,
descobertos em 2007 nos arredores do Herodium, seu palácio de verão, 12
quilômetros ao Sul de Jerusalém. A fortaleza foi construída no alto de um
monte arredondado, mas englobava também uma gigantesca piscina para
aplacar o calor do rei durante as tempestades de areia do deserto. Por
séculos, arqueólogos de várias vertentes acreditavam que a tumba dele
ficava em Jerusalém ou em Jericó, onde morreu. Mas o historiador judeu
Flávio Josefo, contemporâneo a Herodes, afirmou que o monarca foi
enterrado no Herodium:

"E o corpo foi carregado por 200 furlongs (equivalente a 40 quilômetros) até
o Herodium, onde ele tinha dado a ordem para que fosse enterrado”,
escreveu Flávio Josefo. A exibição no Museu de Israel é justamente uma
homenagem ao arqueólogo israelense Ehud Netzer, que conseguiu
finalmente encontrar o túmulo depois de quatro décadas de buscas
constantes e obcecadas. Por uma triste ironia, Netzer acabou morrendo de
forma trágica antes de mostrar sua descoberta ao público. Em 2010, ao
trabalhar na retirada dos fragmentos do sítio arqueológico, perdeu o
equilíbrio e caiu. A morte de Netzer também manteve o mistério quanto ao
sarcófago. Alguns arqueólogos e historiadores céticos não corroboram que
um dos três sarcófagos encontrados no local era o de Herodes, o Grande.
Mas Netzer garantia que o mais bonito deles, de cor avermelhada, com
rosetas e enfeites luxuosos, era do infame rei.
Como não podia deixar de ser, a exibição “Herodes, o Grande: a jornada
final do rei” causou protestos políticos 2 mil anos depois da morte de
Herodes. A liderança palestina reclama que Israel não consultou seus
arqueólogos antes de remover artefatos do Herodium, localizado na
Cisjordânia, território palestino ocupado segundo boa parte da comunidade
internacional.

— Essa exibição é uma tentativa de usar a arqueologia para justificar


demandas territoriais dos israelenses — afirmou o ministro palestino para
Antiguidades, Hamdan Taha.

Mas o Museu Israel afirma que a Cisjordânia é um território em disputa e


que está sob controle legítimo israelense desde os Acordos de Oslo (1993).
E que todo material exposto será devolvido ao local assim que for
devidamente catalogado.

— Não temos nada a ver com política. O que estamos tentando fazer é
entender e interpretar esses artefatos e fazer o possível para preservá-los a
longo prazo — disse James Snyder, diretor do Museu Israel.

Fonte: https://oglobo.globo.com/sociedade/historia/herodes-governante-
tiranico-mas-empreendedor-7720384

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