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EDUCAÇÃO AMBIENT AL

AMBIENTAL
Marilda Almeida Marfan
Organizadora

Vo l u m e 3

Brasília
2002
PRESIDENTES DO CONGRESSO
IARA GLÓRIA AREIAS PRADO
Secretária de Educação Fundamental
MARIA AUXILIADORA ALBERGARIA
Chefe de Gabinete

COMISSÃO ORGANIZADORA
Coordenadora: Rosangela Maria Siqueira Barreto
Renata Costa Cabral
Fábio Passarinho de Gusmão
Lívia Coelho Paes Barreto
Sueli Teixeira Mello

COMISSÃO CIENTÍFICA
Coordenadora: Marilda Almeida Marfan
Ana Rosa Abreu
Cleyde de Alencar Tormena
Jean Paraizo Alves
Leda Maria Seffrin
Lucila Pinsard Vianna
Nabiha Gebrim de Souza
Stella Maris Lagos Oliveira

Edição: Elzira Arantes


Projeto Gráfico: Alex Furini
Editoração: José Rodolfo de Seixas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação: formação


de professores (1. : 2001 : Brasília)
Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação : formação
de professores: educação ambiental. / Marilda Almeida Marfan
(Organizadora). __ Brasília : MEC, SEF, 2002.
152 p. : il. ; v.3

1. Formação de Professores. 2. Qualidade da Educação.


3. Educação Ambiental. I. Título. II. Brasil. Ministério da
Educação. Secretaria de Educação Fundamental.

CDU 371.13

Patrocínio: PETROBRAS
Apoio: Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 5
Iara Glória Areias Prado

SIMPÓSIOS

SIMPÓSIO 1 9
TRANSVERSALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE: DIFICULDADES, AVANÇOS, POSSIBILIDADES
Ralph Levinson – Inglaterra
Michèle Sato – UFMT/MF
Walter Omar Kohan – UnB/DF

SIMPÓSIO 2 27
QUESTÕES AMBIENTAIS E O PAPEL DA ESCOLA
Leila Chalub Martins – UnB/DF
José Manoel Martins – Escola Logos/SP
Jaime Tadeu Oliva – USP/SP

SIMPÓSIO 3 49
ÉTICA E MEIO AMBIENTE
José de Ávila Aguiar Coimbra – USP/SP
Paulo Jorge Moraes Figueiredo – Unimep/SP

SIMPÓSIO 4 65
FORMAÇÃO DE PROFESSOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL: METODOLOGIAS E PROJETOS DE TRABALHO
Isabel Cristina de Moura Carvalho – Emater/RS
Lucila Pinsard Vianna – SEF/MEC

PALESTRA 78
OS DIVERSOS OLHARES DA AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL – FANTASIAS DE UMA AUTORA
Léa Depresbiteris – Senac/SP

SIMPÓSIO 5 89
A IMPORTÂNCIA DO MEIO AMBIENTE NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Fábio Feldmann – IPSUS/SP
Pedro Jacobi – USP/SP
Lúcia Pinheiro – Projeto Travessia/SP

SIMPÓSIO 6 101
POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Edgar González Gaudiano – México
Bernardo Kipnis – UnB/DF
Lucila Pinsard Vianna – SEF/MEC

PAINÉIS – RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

PAINEL 1 121
FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Luiza Rodrigues – Projeto Mimoso – Cuiabá/MT
Sônia B. Balvedi Zakrzevski – Projeto Erechim/RS
Marta Ângela Marcondes – Rio Grande da Serra/SP

PAINEL 2 133
APRESENTAÇÃO DE PROJETOS DE TRABALHO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Maria Fernanda Lopes Pimentel – Projeto Várzea/PA
Antônio Fernando S. Guerra – Projeto EducAdo/SC
Andréa Imperador Peçanha Travassos – Projeto Ipê/SP
Elizabeth da Conceição Santos – Universidade do Amazonas/AM
APRESENTAÇÃO

O Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação – Formação


de Professores, promovido pela Secretaria de Educação Fundamental do
Ministério da Educação (SEF/MEC), foi realizado em Brasília no período
de 15 a 19 de outubro de 2001.
O Congresso tratou, em seus simpósios, palestras, painéis, oficinas e
atividades paralelas, de uma das principais variáveis que interferem na
qualidade do ensino e da aprendizagem: a formação continuada dos pro-
fessores. Buscou propiciar aos educadores e profissionais da área, tanto
nas oito séries do Ensino Fundamental, quanto na Educação Infantil, na
Educação de Jovens e Adultos, na Educação Especial, na Educação Indí-
gena e na Educação Ambiental, informações e conhecimentos relevan-
tes para subsidiá-los em sua prática. Promoveu um balanço geral dos
principais avanços alcançados nos últimos anos, com a implantação de
políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, e
enfatizou, de forma especial, os programas de desenvolvimento profis-
sional continuado e de formação de professores alfabetizadores, que fo-
ram debatidos sob diferentes óticas e pontos de vista.
O Congresso envolveu cerca de 3 mil participantes, incluindo, além das
representações municipais, um significativo número de autoridades, es-
pecialistas nacionais e internacionais e representantes de organizações
não-governamentais, privilegiando, quantitativamente, os representantes
dos municípios que procuravam desenvolver em seus sistemas de ensino
as políticas de formação continuada propostas pelo MEC, a saber: o Pro-
grama de Desenvolvimento Profissional Continuado – “Parâmetros em Ação”
e o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA.
Ao promover a organização desta publicação, a SEF faz um resgate de
todos os textos apresentados e entregues, em tempo hábil, pelos especia-
listas convidados e procura colaborar com aqueles profissionais da área
que valorizaram o evento e estão em busca de sua memória, ou que, por
diferentes razões, se interessam por reflexões e temas relativos à quali-
dade da educação e à formação dos professores, tais como: educação para
a mudança, transversalidade e interdisciplinaridade, educação escolar
indígena, livro didático, inclusão digital, alfabetização, organização dos
sistemas de ensino, educação inclusiva, escola reflexiva, enfim, compe-
tência profissional, o desempenho do professor e o sucesso escolar do
aluno, entre outros.
Como o público-alvo é muito diversificado, o volume de textos apre-
sentados muito grande, e como os principais eixos temáticos podem in-
teressar, de forma mais direta, a diferentes segmentos do Ensino Funda-
mental, os resultados do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na
Educação – Formação de Professores foram organizados em quatro volu-
mes: os volumes 1 e 2 referem-se a temas mais gerais, relativos à Educa-
ção Fundamental como um todo, e incluem temas específicos referentes
à Educação Infantil, à Educação de Jovens e Adultos, à Política do Livro
Didático e à Educação Especial; o volume 3 trata da Educação Ambiental;
e o volume 4 é dedicado à Educação Escolar Indígena.
Embora incompleta, pela ausência de alguns textos, e observando
que em alguns casos só apresenta os resumos dos participantes, a pre-
sente edição reflete a importante contribuição e a competência de nos-
sos especialistas, tanto pelas palestras proferidas nos simpósios, quanto
pelos relatos de experiências contidos nos painéis, e incorpora 25 textos
apresentados por renomados especialistas internacionais.
Ressalta-se ainda que os textos contidos nesta publicação são de in-
teira responsabilidade de seus autores e retratam reflexões e pontos de
vista de cada especialista envolvido.
Com a presente publicação, a SEF/MEC espera que os resultados do
Congresso de Brasília possam ser amplamente divulgados e cheguem ao
alcance dos principais interessados: professores do Ensino Fundamen-
tal, diretores de escolas, institutos de formação de mestres, pesquisado-
res, universidades, enfim, todos aqueles ligados à produção, à reprodu-
ção, ao consumo e à transmissão do conhecimento, paladinos da cons-
trução de uma escola de qualidade para todos.

Iara Glória Areias Prado


Secretária de Educação Fundamental
EDUCAÇÃO AMBIENTAL

SIMPÓSIOS
SIMPÓSIO 1

TRANSVERSALIDADE
E INTERDISCIPLINARIDADE:
DIFICULDADES, AVANÇOS,
POSSIBILIDADES
Ralph Levinson

Michèle Sato

Walter Omar Kohan

9
Transversalidade e interdisciplinaridade:




organizando formas de conhecimento




para o aluno






Ralph Levinson



Universidade de Londres/Inglaterra





Resumo




necessidades do cliente, a improvisação e as to-



Os conceitos de transversalidade e interdiscipli-
madas de decisão exigidas em um cenário indus-

naridade são discutidos identificando-se as diferen-


trial. Entretanto, se nenhum conceito ou habili-
ças teóricas entre transferência e cognição localiza-

dade fosse generalizável, todo o valor do proces-


da. O progresso social e tecnológico impulsiona a


so educacional seria questionável.

necessidade de uma forma de colaboração mais


A interdisciplinaridade está associada à trans-


bem coordenada entre professores. O presente do-


versalidade se considerarmos que professores de


cumento apresenta uma solução, com base no apoio


às habilidades argumentativas do aluno e às neces- diferentes disciplinas podem trabalhar em con-


junto para viabilizar a aprendizagem de um con-


sidades de desenvolvimento profissional afins.


ceito ou de uma habilidade, ou para desenvolver



uma atitude, um atributo ou uma disposição es-


Introdução

pecífica. O fato de que haja pelo menos um en-


tendimento comum entre professores sugere a


O termo transversalidade implica uma trans-


possibilidade de generalização. No Reino Unido,


ferência de conceitos, habilidades, atitudes ou


atributos de um domínio ou contexto para outro. certamente, há poucas evidências empíricas que

Há, portanto, um elemento de generalização as- permitam julgar o sucesso de grupos interdisci-

plinares na promoção da aprendizagem na faixa


sociado a essa transferência. Assim, o que se


etária de 11 a 18 anos. Uma vez que o ensino de


aprende em uma área do currículo poderia ser


aplicado ou utilizado em outra área. Por exem- conhecimentos e habilidades transferíveis seria

plo, um aluno que tenha adquirido o domínio de de grande valor material para quem aprende, e

que os professores estariam trabalhando em con-


habilidades gráficas na escola deve necessaria-


junto para trazer sua vasta gama de experiências,


mente ser capaz de transferir essas habilidades


para a manipulação de dados científicos, a pro- entendimentos e habilidades para a sala de aula,

gramação de instrumentos analíticos, ou a inter- como poderia haver qualquer obstáculo no cami-

nho de objetivos tão valiosos?


pretação de dados geográficos sobre populações



humanas. Mas a experiência e a prática mostram


que essa simples transferência de uma habilida- Transferência



de processual não é direta. Certa feita, os geren-


ou cognição localizada?

tes de uma grande indústria química comenta-



ram comigo, em tom de reclamação, que alguns Grande parte do trabalho sobre a transferên-

de seus funcionários com curso superior e diplo- cia de habilidades e conceitos está associada à

ma de graduação ou pós-graduação em Química teoria dos estágios de Piaget. Piaget descreveu



Analítica não conseguiam realizar análises sim- competências e habilidades em estágios especí-

ples exigidas pela empresa. Esses funcionários ficos do desenvolvimento cognitivo pedindo a

precisaram passar por um novo treinamento. O crianças que operacionalizassem tarefas, tais

emprego de conhecimentos e habilidades em um como conservação, que considerava habilidades



ambiente acadêmico não envolve a resposta às abstratas, generalizáveis. Sem abalar a base teó-

10
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades

rica do trabalho de Piaget, outros teóricos pos- faixa etária de 12 a 16 anos não conseguiram



teriormente demonstraram que, modificando o apresentar explicações consistentes (Clough e



contexto da tarefa por meio do emprego, por Driver, 1986). Alunos de 12 e 13 anos não foram



exemplo, de figuras mais conhecidas ou da não- capazes de aplicar os conceitos e as habilidades


utilização de um adulto para fazer as perguntas, científicas aprendidas em Ciências a um projeto



um número bem maior de crianças tinha condi- afim na área de tecnologia, exceto da forma mais



ções de realizar essas tarefas abstratas com mais rotineira e algorítmica (Levinson, Murphy et al.,


sucesso do que se pensava anteriormente. As 1997). Os alunos com bom conhecimento e en- 11



tarefas começaram a fazer “sentido humano”, em tendimento dos conceitos científicos ficaram



vez de serem vistas como remotas ou difíceis confusos ao empregar os conceitos em



(Donaldson, 1978). Donaldson encarava os cres- tecnologia. Alunos nessa faixa etária, por exem-


centes progressos intelectuais que acompanham plo, aprendem que a água não conduz eletrici-



o desenvolvimento das crianças como um dade. Entretanto, ao construir um sensor de



desencravar progressivo de competências lógi- umidade, os alunos aprendem que a água forne-



cas latentes. Em outras palavras, as crianças apri- ce uma ponte de condutividade entre os fios na


moravam seu pensamento abstrato. base do sensor. Para os alunos, os conceitos en-



Os construtivistas sociais foram ainda mais sinados em ciência e em tecnologia eram apa-

longe ao questionar a realidade de um “conceito rentemente contraditórios entre si. Ao descrever



abstrato”, sugerindo que as habilidades intelec- a relação entre o conhecimento científico e o


tuais não são descontextualizadas, mas sim cul- conhecimento para a ação prática, Layton utili-

turalmente emolduradas e re-contextualizadas zou um modelo que “envolve a desconstrução e



(Walkerdine, 1988; e Solomon, 1989). Assim, 2+2 a reconstrução do conhecimento científico ad-

não são 4 se a operação for realizada em uma quirido, a fim de que se alcance sua articulação

máquina fotocopiadora (22 cópias serão produ- com a ação prática em tarefas tecnológicas”

zidas), ou apertando o botão “2” seguidamente (Layton, 1993).



em um elevador (você continuará no 2º andar). Outros argumentam que algumas funções


O contexto de aprendizagem e o meio cultu- cognitivas são generalizáveis. A aprendizagem de



ral constituem o fator crucial na competência de princípios lógicos, por exemplo, é tida como ne-

tarefas, conforme indicam pesquisas no campo cessária, embora não ofereça condições sufici-

do construtivismo social. Os estudos clássicos de entes para o pensamento crítico (Ikuenobe,


Carraher e outros (1991) sobre crianças de rua 2001). A Aceleração Cognitiva por meio de Pro-

no Recife demonstraram que essas crianças eram jeto de Educação Científica (Case) vem demons-

bem mais competentes para solucionar proble- trando que, para alunos na faixa etária de 12-13

mas matemáticos em situações de comércio do anos, as intervenções no pensamento lógico nas


que para resolver problemas formais com lápis aulas de Ciências têm produzido um aumento

e papel. Entretanto, esses estudos mostram que das notas de crianças em grupos de controle,

a aritmética praticada na escola é mais eficiente quando estas fizeram seus exames nacionais dois

nas formas pelas quais os cálculos são efetuados. anos após a intervenção. Como o aumento das

Concluem dizendo que as escolas devem intro- notas ocorreu não apenas em Matemática e Ci-

duzir sistemas formais de matemática em con- ências, mas também em Inglês, as habilidades

textos diários de “sentido humano”. adquiridas parecem ser transferíveis (Shayer,



Um estudo sobre adultos solucionando pro- 1996). Nem os educadores responsáveis pela in-

blemas de coeficiente isomórfico em situações trodução do Case, nem outros educadores, apre-

autênticas de compras demonstrou que essas sentaram até o momento uma estrutura teórica

mesmas pessoas não conseguiam solucionar capaz de explicar essas constatações. Entretan-

problemas semelhantes em um cenário mais for- to, a teoria da motivação, ela própria associada

mal (Lave, 1988). Ao fornecer explicações em di- ao contexto, tem sido empregada para explicar

ferentes contextos para fenômenos baseados em as diferenças, em termos de sucesso, entre os



princípios científicos semelhantes, crianças na alunos que apresentaram melhor desempenho



como resultado do Case e aqueles para os quais as fronteiras de uma matéria possam ser atraves-



o projeto não fez diferença (Leo e Galloway, sadas, menor será seu status.



1996). Outros sugerem que a associação estraté- A despeito do status da ciência como maté-



gica entre o conhecimento do processo científi- ria de prestígio e de seu isolamento de outras


co e o conhecimento conceitual produzirá resul- áreas do currículo, há uma necessidade real de



tados semelhantes àqueles alcançados pelo Case que algumas questões sejam abordadas. Os pro-



(Jones e Gott, 1998). Os dois postulados teóricos gressos mais recentes nas áreas de biomedicina


– transferência cognitiva ou re-localização/re- e biotecnologia indicam a necessidade de que



contextualização de conhecimento – constituem futuros cidadãos tenham uma compreensão bá-



os paradigmas predominantes e opostos na pes- sica, tanto no nível pessoal quanto no público,



quisa educacional sobre esse fenômeno. das controvérsias decorrentes dessas novas


tecnologias e a ciência que as corrobora. Enten-



der as implicações de um programa de controle
Interdisciplinaridade


genético, por exemplo, e a possibilidade de ser

A identificação de disciplinas sugere que há ○

portador de uma condição genética hereditária
alguma distinção entre a gama de conceitos e ha- é algo que diz respeito não apenas ao indivíduo,

bilidades incluídos em cada disciplina e uma mas também à sua família e à sociedade. A to-

“divisão fundamental de categorias” (Hirst e mada de decisão provavelmente envolverá a


Peters, 1970). Estes autores identificam sete áreas


moralidade privada dos indivíduos envolvidos,


ou “formas de conhecimento” assim diferencia- seus contextos socioeconômicos específicos,



das, tais como lógica formal e matemática, ci- seus relacionamentos pessoais e sociais e sua

ências físicas e estética. Embora essas formas de bagagem cultural. Os debates atuais sobre

conhecimento sejam tidas como independentes clonagem humana e alimentos geneticamente



entre si, isso não impede que haja inter-relações. modificados indicam que as decisões políticas

Fatos empiricamente comprovados, por exem- para sua aprovação são sensíveis à opinião pú-

plo, podem ser utilizados para justificar um prin- blica. A disseminação de informações resultan-

cípio moral. Isso não significa que a melhor ma- tes de testes genéticos traz importantes impli-

neira de organizar um currículo seja ensinar es- cações para a área de direitos humanos. A for-

sas formas de conhecimento separadamente, mulação de políticas públicas e a criação de con-


exatamente porque há inter-relações entre elas.


dições para a atribuição democrática de respon-


Uma crítica a essa abordagem feita pela nova sabilidades por essas questões pressupõem que

sociologia diz que nada há de fundamental na dis- os cidadãos tenham algum controle sobre a ci-

tinção entre formas de conhecimento. A pergun- ência subjacente e uma conscientização da base

ta, tratada a partir de uma abordagem do currí-


de valores. Os jovens que abraçam profissões nas


culo como conhecimento socialmente organiza- áreas médicas, do serviço social e do ensino pre-

do (Bernstein, 1973), se refere ao motivo pelo qual cisarão de uma bagagem apropriada que lhes

algumas matérias curriculares têm mais valor e permita lidar com as muitas questões éticas, so-

prestígio do que outras, e também aos mecanis-


ciais e legais que irão surgir. Se os alunos, como


mos que isolam algumas matérias de outras. Na futuros cidadãos, precisam lidar com essas ques-

Inglaterra, por exemplo, a Física é vista como a tões contemporâneas, como e onde elas devem

ciência que corrobora todas as demais áreas ci- ser ensinadas nas escolas?

entíficas: em geral seu ensino é separado, no cur-



rículo, mas há uma certa fusão das matérias da


Descobertas empíricas

área de humanidades. A autoridade em ciências



tem um status social pelo qual essa autoridade, Um projeto de pesquisa recente (Levinson e

emanada de órgãos de prestígio, como a Socie- Turner, 2001) estudou de que forma o que diz

dade Real, é gradualmente difundida para as es- respeito a controvérsias científicas foi ensinado

colas, mas não deve ser contaminada por outras no currículo. Após um levantamento quantitati-

matérias. Quanto maior for a possibilidade de que vo em larga escala nas escolas da Inglaterra e do

12
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades

País de Gales, foram realizadas entrevistas indi-


ria será tratada da mesma forma que sua opinião,


viduais e com grupos, direcionadas ao ensino de sobre a qual há discordâncias pessoais. Assim, o



controvérsias científicas, com professores de di- que você apresenta com base em fatos acaba



ferentes matérias, principalmente de Ciências, sendo tratado da mesma forma (professor de Ci-


Inglês e Humanidades. Uma série de diferenças ências, Escola A).



importantes surgiu:




• Os professores de Inglês e Humanidades en- [...] essas aulas (sobre controvérsias científi- 13



sinavam temas científicos controversos a cas) são geralmente as melhores. E isso porque



seus alunos pelo menos com a mesma fre- as crianças ficam absolutamente elétricas, vivas,


qüência com que o faziam os professores de e isso realmente as motiva. E você precisa



Ciências. gerenciar o debate, o que em uma sala de 20-30



alunos requer algum esforço. Mas são ossos do
• Os professores de Humanidades e de Inglês


ofício. Você então precisa dirigir o debate, porque


sentiam-se muito mais confiantes debaten-


do e discutindo questões científicas contro- você adquire a amplitude de entendimento de toda



versas do que os professores de Ciências, e a questão (professor de Inglês, Escola J).



empregavam uma gama bem mais ampla de
○ Essas observações foram profundamente re-
estratégias. ○

presentativas das diferenças entre professores


• A maioria dos professores de Ciências entre-

de Inglês e de Ciências: os professores de In-


vistados considerou o ensino da ciência neu-


glês e Humanidades apreciavam mais o debate


tro em termos de valor; a maioria dos pro-


fessores de Humanidades e Inglês concordou e o gerenciamento da sala de aula, enquanto os



com essa avaliação, mas atribuiu alto valor à professores de Ciências se mostraram cautelo-

sos em relação a fatos e opiniões confusos.


sua própria abordagem.


Questões sociais e éticas corriam o risco de ser


• Os professores de Ciências mostraram-se


preocupados com o fato de que a abordagem negligenciadas porque não eram substancial-

de questões controversas em outras matérias mente avaliadas. Os professores de Inglês lida-


ram com a controvérsia todo o tempo, e avan-


que não Ciências poderia levar o aluno a as-


similar informações incorretas, tal como a ços como o Projeto Genoma Humano e Clona-

clonagem de seres humanos adultos. gem forneceram material para suas discussões

• Apenas uma das vinte escolas visitadas sobre controvérsia.


Os professores de Ciências, Inglês e Huma-


abordava formalmente o ensino de ques-


tões científicas controversas de forma in- nidades poderão possuir conhecimentos e ha-

terdisciplinar. bilidades complementares: os professores de



Ciências possuem conhecimento e entendi-


• Não havia técnicas de avaliação satisfatórias

mento mais completos do potencial e das pos-


para a compreensão de controvérsias cientí-


sibilidades da área de ciências e tecnologia, en-


ficas. Essas avaliações eram muito abran-


gentes e não abordavam aspectos substan- quanto os professores de Humanidades podem



ciais da ciência associados à questão, ou ape- conectar esse conhecimento da ciência ao con-

nas abordavam os fatos e não os valores que texto social e de valor. Mas essas conexões ra-

eles envolviam. ramente acontecem, como explicou uma vice-



diretora:

As citações abaixo exemplificam as diferen-



Em uma escola como a nossa, com departa-


tes abordagens adotadas por professores de Ci-

mentos rígidos, departamentos independentes,


ências e Inglês:

com suas próprias matérias, às vezes é difícil en-



Quando falamos da ética de qualquer coisa contrar lugar para coisas que não constam do cur-

damos uma opinião, em vez de apresentar algo rículo... e muitas dessas questões se prestam a

baseado em fatos. Quando você emite uma opi- abordagens curriculares cruzadas, não é verda-

nião, expressa discordância. Então, toda a maté- de? (vice-diretora, Escola E).

Assim, um sério obstáculo à integração é a fessores de Educação Religiosa achavam que



compartimentalização, devido à forma pela qual deveriam ter maior controle sobre o material,



o currículo está organizado na Inglaterra e no uma vez que este foi avaliado por meio da maté-



País de Gales, com os alunos sendo submetidos ria que lecionam.


a exames em diferentes matérias. Há, portanto, A formação de equipes interdisciplinares, por-



pouca motivação para que a integração ocorra. tanto, pode apresentar benefícios substanciais



Uma forma de colaboração e coordenação para a aprendizagem e pode também produzir um


curricular que parece promissora e estava sendo clima escolar positivo, maior satisfação com o tra-



desenvolvida por uma das escolas durante nossa balho entre professores e pontuações de desem-



pesquisa é o modelo intitulado “dia do colapso”, penho mais altas do que as escolas não-interdis-



que apresenta as seguintes características: ciplinares (Flowers, Mertens et al., 1999).


• Grupo de aprendizagem fora do calendário Mais pesquisas são necessárias para que se



curricular. possa avaliar a eficácia de abordagens interdis-



• Planejamento entre professores de diferen- ciplinares, mas a disposição de professores para

tes matérias, particularmente de Inglês, Edu- ○


atravessar as fronteiras tradicionais das disci-
cação Religiosa e Ciências. plinas, além do apoio político – inclusive uma

maior valorização das oportunidades de avalia-


• Um modelo integrado de ensino.


ção em um trabalho de natureza interdiscipli-


• Avaliação por meio de uma matéria especí-


nar – são pré-condições para que esse esque-


fica.

ma funcione. Uma abordagem interdisciplinar



• Participação igualitária de todos os parcei- também oferece a oportunidade para que co-

ros da aprendizagem na tomada de decisões.


nhecimentos e habilidades sejam re-con-


textualizados de forma mais efetiva.



Estes pontos dispensam maiores explicações.



Como as matérias curriculares nacionais são ri-


Implicações

gidamente bloqueadas para fins de cumprimen-


to do calendário escolar, a forma mais apropria- O desafio identificado no presente artigo é



da de reunir grupos de professores é a ruptura como ensinar os aspectos sociais e éticos da ci-

do calendário regular. O calendário formal é ência em áreas aparentemente distintas. A ciên-


cia é vista como a tentativa de descrever e enten-


suspenso por um período de tempo – geralmen-


te um dia – para que professores de diferentes der a natureza, enquanto os procedimentos éti-

matérias possam ensinar seus alunos em conjun- cos operam com base em regras que ajudam a

to. Para tanto, os professores devem planejar em distinguir aquilo que deve ser daquilo que não

deve ser. Entretanto, a evidência empírica da ci-


conjunto, geralmente fora do horário escolar.


Mas a avaliação é uma questão crucial. Tanto ência pode nos ajudar a tomar decisões éticas,

professores quanto alunos levarão uma matéria conforme dito anteriormente, mas há procedi-

mais a sério se esta for formalmente avaliada e mentos comuns de pensamento tanto no ensino

da ciência quanto no ensino da ética/moral. Os


tiver um status elevado no currículo. A aprendi-


zagem do dia do colapso, portanto, é avaliada por argumentos científicos dominam o cenário polí-

meio de uma dessas matérias de status elevado. tico, local ou globalmente, pessoal ou publica-

Na escola que adotou esse esquema, a avaliação mente, em áreas como tecnologia genética, pre-

servação de florestas tropicais, mudanças climá-


foi feita por meio da Educação Religiosa – mas


não há razão para que avaliação não seja feita ticas e saúde mundial. Um grupo de cidadãos em

por meio de Ciências, Inglês ou qualquer outra desenvolvimento deve entender a natureza do

matéria. Finalmente, professores de diferentes argumento em diferentes contextos, científico ou


matérias devem ser parceiros iguais ao decidi- ético. No argumento científico, isso significa a jus-

rem o que deve ser ensinado no curso e como o tificativa de uma demanda decorrente dos dados

ensino deve ocorrer. Isso pode ser mais difícil do (Osborne, Erduran et al., 2001)(ver figura 1).

que se esperava – a pesquisa sugere que os pro- Um argumento ético pressupõe uma formu-

14
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades

Figura 1




Antecedentes Asserção



Existem muitas variedades de bicos A diversidade de espéci-


de aves marinhas encontradas nas Informação es é um produto aleató-


Cada adaptação dá a cada espécie


ilhas Galápagos. rio da variação e seleção


uma vantagem competitiva.


pelo meio ambiente.



15



Evidência Conclusão



Doenças sexualmente transmissíveis Em alguns casos deveria


podem ser diagnosticadas antes da Afirmação de base ser permitida às famílias


A educação de uma criança doente


implantação. a escolha do sexo de seus


pode ser traumática para os pais.


filhos.





Evidência



A capacidade de uma família educar

uma criança doente depende da rede ○

de apoio e dos serviços de apoio.







lação lógica do problema ético e um argumen- cias e um professor de Humanidades podem



to lógico tem uma conclusão corroborada por apoiar uma discussão sobre as dimensões éti-

uma declaração de apoio (Beardsley, 1975). Na cas no que se refere à escolha do sexo de uma

figura 1, duas evidências – uma científica e ou- criança. Ambos os professores teriam experi-

tra sociológica – são empregadas, embora a de- ência nos limites e na confiabilidade da evi-

claração de apoio e a conclusão possam ser con- dência. Idealmente, essa aula deveria envolver

testadas. Há paralelos para a localização das uma série de professores na sala de aula com

estruturas de argumentos científicos e éticos,


os alunos, mas, com um planejamento inter-


mas também em outras áreas, tais como histó- disciplinar adequado, não há motivos para que

ria, matemática e estética. essa abordagem deixe de funcionar com vários



O papel do professor é explicitar os elos en- professores com a mesma turma, em aulas di-

tre os argumentos. Todos os estágios, nesses ti- ferentes. Os alunos adquirirão experiência para

pos de argumentos indutivos, estão abertos a julgar questões contenciosas porque estarão

questionamento e, empregando-se as estraté- explorando o mesmo argumento em diferen-



gias didáticas adequadas, geram uma aborda- tes contextos e, assim, aprendendo os limites

gem liderada pela pesquisa. Cursos de desen- da generalização da tomada de decisão. Novas

volvimento profissional podem apoiar os pro- pesquisas empíricas devem ser realizadas so-

fessores na identificação dos componentes de bre essa estrutura interdisciplinar e seu impac-

um argumento, na avaliação da validade das to na capacidade racional dos alunos para to-

conclusões e na localização de falácias. Acima mar decisões.



de tudo, os professores deveriam ser capazes



de ensaiar esses argumentos para si próprios.



Se, por um lado, há componentes comuns em


Bibliografia

diferentes áreas, por outro, as formas de abor-



dar os argumentos seriam exclusivas do con- BEARDSLEY, M. Thinking straight. New Jersey: Prentice-Hall

Inc., 1975.
texto do argumento.

BERNSTEIN, B. Class, codes and control. London: Routledge, 1973.


No exemplo contencioso da figura 1 pode- CARRAHER, T.; CARRAHER, D. et al. Mathematics in the

mos ver de que forma um professor de Ciên-


streets and in schools. In: LIGHT, P.; SHELDON, S.;



WOODHEAD, M., Learning to think. London/New York:


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Relações multifacetadas


entre as disciplinas




Michèle Sato*



No mistério do Sem-Fim, / equilibra-se um planeta. /



E, no planeta, um jardim, / e, no jardim, um canteiro, /


no canteiro, uma violeta, / e, sobre ela, o dia inteiro, /



entre o planeta e o Sem-Fim, / a asa de uma borboleta.




Cecília Meireles, “Canção”.





A necessidade de abrir diálogos entre singular socrática, a lógica Aristotélica acabou prevalecen-

e plural não é nova. Heráclito (1996: 88) já orienta- do nos paradigmas da modernidade, sob o axio-

va para a “conjunção do todo e do não-todo, do ma da divisão entre os problemas “universais e par-


consoante e do dissonante”. Paradoxalmente, so- ticulares” (McLeish, 2000). A constatação era úni-

mos espécies singulares, mas também somos ca – o mundo tinha diversidade e singularidade,

múltipl@s.1 Temos nossas essências individuais, mas as orientações cartesianas da fragmentação



marcadas pelas nossas identidades, mas somos acabaram imperando no mundo da ciência.

gênero humano. Apesar da orientação pré- O mundo, assim, foi testemunha das gran-





* Professora e pesquisadora em Educação Ambiental – Instituto de Educação/UFMT <http://go.to.eamt1> E-mail: <michele@cpd.ufmt.br>



1
Acatando a recomendação internacional da Rede de Gênero, utilizamos a simbologia “@” para conferir espaços sociais de igualdade, que se

distinguem pelas diferenças sexuais entre homens e mulheres.


16
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades

des especializações, que certamente trouxeram “reformular nossas experiências no mundo, em



suas contribuições e significâncias, mas que cada contato com o mundo, que precede a todo pen-



vez mais fragmentava o conhecimento em ilhas samento sobre o mundo” (Merleau-Ponty, 1947:


4). O ser humano torna-se, assim, somente uma


isoladas do sistema, em que a condição onto-


lógica acabou prevalecendo sobre o debate epis- fatalidade no contexto universal, embora em al-



temológico, trazendo muito mais rupturas do gumas noites, a claridade dos relâmpagos mostre


a força incandescente capaz de ousar a civiliza-


que unidade. O estatuto do ser humano perante


a Terra trouxe a barbárie ao lado da civilização. ção. Necessitamos, assim, buscar estratégias que 17



Todavia, vale lembrar que somos protagonistas não se limitem a situações simplificadas, mas que



desta história humana, e que podemos, inclusi- nos ponham diante da complexidade do mundo.


Necessitamos de um conhecimento que “permi-


ve, desafiar leis matemáticas e compreender que


“um mais um é sempre mais que dois”.2 Afinal, ta que se viva a criatividade humana como a ex-



foi o postulado da própria Física Quântica que pressão singular de um traço fundamental co-


mum a todos os níveis da natureza” (Prigogine,


nos trouxe o “princípio da incerteza” e da relati-


1996: 14).


vidade, embora também tenha deixado o lega-


do da visão atomista da realidade. Existe, entre- Desde a Conferência de Tbilisi (1977), a Edu-



tanto, uma certa resistência fetichista contra a cação Ambiental é orientada como uma proposi-

contaminação de uma área à outra, e os limites



ção não-disciplinar, com abandono das tradicio-


nais fragmentações do conhecimento, mas, so-

das fronteiras do conhecimento ainda permane-


cem fortes, prejudicando o diálogo necessário bremaneira, a orientação se encontra na perspec-



para o caminho adiante. tiva interdisciplinar. A maneira como a Educação


Ambiental se espalhou pelo mundo foi


Adentrando-nos no Terceiro Milênio, teste-


munhamos um mundo efervescente de modifi- diversificada e não se limitou à educação formal.



cações e conhecimentos que exigem novas ousa- Isso implica dizer que a Educação Ambiental não

dias, novas ultrapassagens. Um dos grandes cola- é contra as especializações ou áreas específicas

do conhecimento, mas propõe um diálogo aber-


boradores dessa revolução de pensamento talvez


repouse no ambientalismo. Ele nasce querendo to nas fronteiras dos diversos saberes, respeitan-

modificar os modelos perversos de desenvolvi- do as diferenças e as contribuições que cada in-



mento, por meio das denúncias das atrocidades divíduo ou grupo social possa oferecer. Ela não

pretende motonivelar as diferenças, nem aplai-


políticas meramente econômicas para um des-


prendimento mais criativo. Reivindicando um nar as arestas para que a realidade seja mais

pensamento que fosse além do legado financeiro palatável ao grupo dominador, mas propõe

e dominador, e que reconhecesse o ser humano reinvenções e (re)construções constantes, reco-


nhecendo que nem sempre temos avanços, e que


integrante da biosfera, o movimento ecológico


nasce no sentido de tentar uma abertura do diá- as crises geradas fazem parte do nosso caminhar.

logo entre as ilhas isoladas dos sistemas das re- Avaliar nossas trajetórias, nesse contexto, é um as-

flexões e das ações. A Educação Ambiental, assim, pecto essencial para percebermos nossos erros e

acertos. Mais do que se circunscrever na partição


nasce no bojo desse pensamento pulsante e vivo


e tenta buscar novas formas de pensar e agir, an- binária do pensamento cartesiano entre “culpa-

corada em plataformas políticas e existenciais, do e inocente”, é preciso alcançar novas constru-


ções que permitam encontrar uma nova forma de


sem, contudo, negligenciar sua vontade de cres-


enxergar a si próprio (identidade), de perceber


cimento epistemológico e de respeito a todas as


formas de vida e a tudo que tem relação com ela. nossas relações com @ outr@ (alteridade) e ten-

A proposta da Educação Ambiental é uma ten- tar ousar uma sociedade menos autoritária e com

menos desigualdades sociais, pois isso certamen-


tativa não de explicar o mundo ou descobrir so-


te refletirá na nossa relação com o mundo (oikos).


mente as condições de possibilidades, mas de






2
Beto Guedes e Ronaldo Bastos. Sal da terra (EMI).

Inúmeras iniciativas foram tomadas no sen- tar uma revolução, na qual a dissonância pode ser



tido de fortalecer a Educação Ambiental no Bra- compreendida como parte da transição da



sil, por diversas organizações, governamentais ou modernidade e os conhecimentos se comple-



não. Muitas foram experiências bem-sucedidas e mentam para a interpretação conjunta de uma


com imenso potencial de sustentabilidade. No realidade (Sato, 2000).



setor da educação escolarizada, o Ministério da Moroni (1978) classifica a interdisciplinarida-



Educação (MEC) lançou em 1996 os Parâmetros de em teleológica (atua entre os níveis empírico


Curriculares Nacionais (PCN), com a temática e pragmático), normativa (entre os níveis prag-



“meio ambiente” como tema “transversal” que mático e normativo) e orientada (entre os diver-



fortaleceria a práxis interdisciplinar. Embora as sos níveis orientados e normativos). Para Sauvé



proposições não fossem tão novas, elas geraram (1994), a interdisciplinaridade pode estabelecer-


dúvidas e incertezas, que apareceram aos indiví- se fora dos muros acadêmicos e dos espaços for-



duos como um dos grandes desafios da cria- mais da educação e ser dividida em científica



tividade humana. (para a resolução de problemas cognitivos ou para


Por outro lado, também significou ultrapas- ○
a produção de conhecimentos); decisiva (para a
sagem, novas trajetórias – isto significou uma cer- tomada de decisões na resolução de problemas);

ta rebeldia de espírito e dúvidas das supostas “ver- criativa (para a produção de um novo objeto –

dades”. É provável que, em face dos dilemas soci- técnico, material ou instrumental); e pedagógica

ais e educacionais do Brasil, os PCN tenham sido (para favorecer a integração das aprendizagens e

propostos em caráter de emergência e fez-se mais das disciplinas).



do que urgente. Mas “agir na urgência, não signi- De acordo com Jantsch (1972), ao buscar a

fica agir com urgência” (Perrenoud, 2001: vi). Mes- interdisciplinaridade devemos pensar na origem

mo após tantas iniciativas, a Educação Ambiental (todas as circunstâncias acadêmicas que condu-

ainda continua fragilizada e talvez até mal com- zem a uma atividade interdisciplinar), na moti-

preendida, sendo muito mais popular em datas vação (todas as necessidades intelectuais e emo-

comemorativas, mediante campanhas com cionais relacionadas com a ideologia dos atores),

folders e cartazes e limitada, muitas vezes, à co- e no objetivo, uma vez que a interdisciplinarida-

leta seletiva de resíduos sólidos, sem posturas crí- de pode levar a uma gama extremamente variada

ticas ao modelo de desenvolvimento perverso que de disciplinas.



origina o excesso de consumo e estimula as desi- No diálogo de saberes, duas exigências são

gualdades sociais. substancialmente importantes: a competência de



Mas afinal, como vencer essa realidade e per- cada especialista, cujo domínio epistemológico e

mitir uma práxis interdisciplinar por meio dos te- metodológico possa contribuir para os avanços

mas transversais? Norgaard (1998) utiliza uma da construção dos conhecimentos; e o reconhe-

metáfora interessante para explicar a atividade in- cimento, por parte de cada um@, do caráter par-

terdisciplinar – ele recorre à orquestra como ima- cial e relativo da própria área (ontológico), de seu

gem para explicar a importância da interdiscipli- enfoque e de sua compreensão restritiva e parci-

naridade. Se tod@s @s pesquisador@s envolvid@s al (Japiassu, 1976). Além disso, convém lembrar

numa pesquisa possuíssem os mesmos entendi- que, para o desenvolvimento de atividade con-

mentos sobre determinado conhecimento, esta- junta, entra em jogo a estrutura do poder.

ríamos tocando um só instrumento e alcançando Como a objetividade científica não exclui a



as mesmas notas musicais. Possuir conhecimen- mente humana, ao remetermos à motivação, res-

tos complementares ou divergentes seria compa- gatamos, inevitavelmente, a ideologia e a relação



rável a uma orquestra, na qual o ato de tocar em de poder que se estabelece nas características d@s

conjunto requer partitura mais elaborada e com- atrizes e dos atores envolvid@s. Para Foucault, as

petência mais considerável. Ainda que numa or- relações entre grupos ou indivíduos trazem o me-

questra @s músic@s não possam escolher as par- canismo de poder, não na mera competitividade

tituras que tocam junt@s ou eleger @ regente, o ou na defesa dos territórios, mas na presença de

som da improvisação orquestral pode represen- um conjunto de ações que induz às outras ações.

18
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades

Num trabalho coletivo, cada sujeito e cada mos a vida, afastando a violência e permitindo



grupo deve tentar viver humanamente o seu que a felicidade seja sempre possível.



tempo e participar como “cúmplice” – uma per- A prática interdisciplinar é, portanto, um lon-



sonagem na história coletiva, com a penetração go desafio do conhecimento. Ela repousa, essen-


crítica e a capacidade de ser solidári@, mesmo cialmente, na capacidade criativa e crítica que @s



que muitas vezes se sinta solitári@ também. professor@s possam ter sobre os reais objetivos



Para essa revolução de pensamentos, a da educação. O que o professorado aceitar e com-


contrapartida deve surgir de um ser criativo, preender como metas da Educação Ambiental 19



antagônico ao dogmático (Almanza et al., 1998). refletirá nas estratégias e na metodologia educa-



O respeito, a crítica ética mútua e a auto-avali- tiva. Sabemos, pois, que @s professor@s são su-



ação são elementos fundamentais na constru- jeitos imprescindíveis para manter ou modificar/


ção desse processo, muitas vezes doloridos, mas transformar/romper com o modelo tradicional de



validados sob a racionalidade apaixonada da ensino (transmissivo, enciclopédico e obsoleto)



construção de um espaço cívico comum. Em- e ignorar ou abordar os problemas que esse mo-



bora a conservação da biodiversidade seja um delo gera (Sato et al., 2001). Mas, infelizmente,


discurso muito comum na Educação Ambiental, “quase todas as críticas do sistema escolar são



respeitar as diferenças sociais talvez seja, ain- concentradas no mesmo bode expiatório: a for-

da, um de seus maiores desafios. mação de professores, que é considerada dema-



A temática ambiental deve permitir a visão siadamente curta, inadequada, inapta, insuficien-

global, mas a mediação pedagógica tem por obri- te, antiquada” (Perrenoud, 1993: 94).

gação revelar a subjetividade dos sujeitos. A ma- Essa “quase total” responsabilidade conferida

neira pela qual o mundo nos subjuga e o esforço à formação d@s professor@s em relação à prática

com o qual tentamos nos impor ao mundo for- pedagógica e à qualidade do ensino, à qual

mam o drama da vida. A resistência dos fatos, Perrenoud (1993) se refere, reflete a realidade do

entretanto, nos convida a transportar a nossa nosso sistema escolar, que é centrado exclusiva-

construção ideal para o sonho, e a esperança ali- mente na figura d@ professor@, como se el@ fos-

menta nossa crença, mesmo com todos os dissa- se @ únic@ condutor@/mediador@ de todos os

bores (Sato, 2001). processos institucionalizados. Ao mesmo tempo,



observamos também as políticas governamentais



O sonho e o pensamento estão estreitamente li- que retiram seu papel do âmbito das transforma-

gados, sobretudo nos momentos em que as socie- ções sociais, retomando as máquinas do ensino,

dades se sonham a si mesmas. É importante, pois, “retirando a legitimidade d@s professor@s como

acompanhar esses sonhos, tanto mais que sua


produtores do saber” (Nóvoa, 1995: 8).


negação é, em geral, uma constante de todas as


A necessidade de uma política de formação


ditaduras. Estas não possuem a face brutal que


profissional para o setor educativo não é um novo

foi a sua, durante toda a modernidade. Elas to-


reconhecimento. Mas o problema persiste, prin-


mam o aspecto aprazível e bastante asséptico da


felicidade tarifada ao menor preço [...] os pode- cipalmente em face dos problemas e dos desa-

res dormem em paz, enquanto ninguém pode fios que enfrentamos neste mundo atual. Uma ne-

cessidade se impõe nesse cenário: a educação não


mais, não sabe mais ou não mais ousa sonhar


(Maffesoli, 1995: 11). pode permanecer atrelada a uma sociedade do



passado “em que as certezas e os acertos eram



Talvez ali, onde a racionalidade da moderni- paradigmáticos e onde a função docente exercida

dade tropeça em seus limites, seja possível criar era pautada em critérios de verdade e cienti-

um novo episódio para a Educação Ambiental. ficidade” (Fazenda, 1993: XIV).



Afinal, estamos comprometid@s com a história Na concepção de Zakrzevski e Sato (2001), para

e não podemos mais permanecer prisioneir@s.


o exercício da Educação Ambiental na escola, @


“Que os acontecimentos por vir nos oprimam ou professor@ precisa construir um novo conheci-

nos desesperem” (Lyotard, 1948: 17), mas que mento profissional. Esse conhecimento precisa ser:

também nos ofereçam a possibilidade de guiar- • Um conhecimento prático, epistemologi-



camente diferenciado, mediador entre as teo-


Soterrado por uma avalanche de informações, pro-


rias e a ação profissional. fissionais das mais diversas áreas se ressentem de



• Um conhecimento integrador e profissiona- uma formação que venha torná-los capazes de



lizado, organizado em torno de problemas incorporar conhecimentos que lhes possibilitem


o aprimoramento de suas práticas. A sobrevivên-


relevantes para a prática profissional e que


promova em torno desses problemas a cia de certos profissionais e até a de sua profissão



interação e a integração construtivas entre o está profundamente vinculada à possibilidade de



saber acadêmico, as crenças e os princípios, uma formação contínua. Isso tem colocado para


os centros formadores e para aqueles que hoje vêm


as teorias implícitas e os guias de ação.


discutindo a formação do professor um problema


• Um conhecimento complexo, capaz de reco-


novo: formar o profissional que nunca está forma-
nhecer a complexidade e a singularidade dos


do (Pimenta, 2000: 94).


processos de ensino-aprendizagem e dos pro-



cessos de integração entre os saberes.

Para que a reflexão possa ter o enraizamento

• Um conhecimento tentativo, evolutivo e pro- ○

necessário, contribuindo para a compreensão
cessual, formulado em diferentes níveis de educacional, é preciso garantir certas condições

progressiva complexidade.

no ambiente de trabalho escolar e nas relações



Não existe uma representação estática e ter- entre o grupo de formador@s de professor@s. É

minal do conhecimento profissional ideal, mas preciso acreditar na coletividade, na “convivi-


uma hipótese de evolução dele. No campo da bilidade” (Morin: 2000), na ética e na solidarieda-

Educação Ambiental, não existe um itinerário de capaz de fazer emergir uma comunidade de

pelo qual tod@s professor@s devem passar, se- aprendizagem que contribua com o fenômeno

guindo uma trajetória linear, progressiva e ascen- educativo. Precisamos, assim, saber ouvir as inú-

dente, no processo de construção do conheci- meras “vozes ainda ausentes” da educação (Pi-

mento profissional. Existe uma espécie de menta, 2000). Somente nesse caminho é que po-

gradação na construção do conhecimento profis- deremos alcançar uma melodia orquestral, pela

sional, que vai de perspectivas mais reducionistas, qual, mesmo diferenciada em partitura, regente

estáticas, acríticas (modelos tradicionais de ensi- e local, as vozes consigam se manifestar e ser ou-

no), até outras coerentes com modelos alternati- vidas, para que seja realmente possível realizar a

vos (de caráter construtivista e investigativo), pas- interdisciplinaridade.


sando por níveis intermediários que superam em A Educação Ambiental, nesse contexto de um

parte o modelo tradicional, mas apresentam obs- coro entre diversas vozes, deve permitir um co-

táculos que precisam ser transpostos. nhecimento ancorado em sonhos, que permane-

Levamos em consideração a idéia de que as con- ça no impulso criativo e crítico das diversas for-

cepções d@s docentes, bem como as condutas a elas mas de existência e que, sobremaneira, consiga

associadas, evoluem e mudam por meio de proces- novas formas de ultrapassagem às violências

sos mais ou menos conscientes de reestruturação e vivenciadas pela nossa era.



construção de significados baseados na interação e Inserir a Educação Ambiental nas propostas


no contraste com outras idéias e experiências. De- interdisciplinares é torná-la diferente. A propos-

fendemos a idéia de que a evolução das concepções ta curricular deve ultrapassar as relações do tem-

pode ser favorecida ou acelerada por processos de po e do espaço, possibilitando uma comunicação

investigação que desafiem os sujeitos a selecionar em rede, um diálogo que se abre na perspectiva

problemas; a tomar consciência das idéias e con- de romper com fronteiras do conhecimento. De-

dutas próprias; a considerá-las como hipóteses; a safia as amarras acadêmicas e propõe uma nova

buscar o contraste argumentativo e rigoroso com abertura, capaz de trazer uma dimensão mais

outros pontos de vista e com dados procedentes ampla. É bem provável que o caminho traçado

da realidade; a tomar decisões refletidas sobre as não seja fácil, mas somente aquel@s que guardam

idéias a serem mudadas e sobre por que mudá-las a Educação Ambiental em seus corações estarão

(Zakrzevski e Sato, 2001). dispostos a correr todos os riscos.


20
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades

Propor a Educação Ambiental (e não o meio Assim, a Educação Ambiental inscreve sua traje-



ambiente) nos diálogos da interdisciplinaridade tória nesse cosmos, contemplando a identidade



é tomar a responsabilidade pedagógica, é alme- individual, como sujeito histórico do processo,



jar um planejamento curricular como possibili- tecendo redes coletivas num espaço social de


dade na desejada transformação social. Anco- alteridade e no respeito à natureza que poderá ter



rad@s na concepção de Merleau-Ponty (1971) e influências na construção de um mundo melhor.



Passos e Sato (2001), acreditam que todo currícu- A Educação Ambiental, como projeto de


lo deve ser fenomenológico. Em outras palavras, vida, põe-nos também “o caráter irremediável da 21



o currículo escolar, regional, flexível e adequado temporalidade, da duração” (Merleau-Ponty,



a cada realidade, deve se contrapor a qualquer 1971: 413). Não podemos estar abertos a possi-



determinação esmiuçada, já estabelecida e ofe- bilidades infinitas, sem restringi-las num ato de


recida como prato-feito, que pulveriza, assimila liberdade e de risco. Um ato de liberdade impli-



e aniquila a identidade. Deve rejeitar qualquer ca o sacrifício do abandono das possibilidades



coisa que possa ser feita sob nossa alienação, e infinitas, e a renúncia, o descompromisso do so-



sem nossa existência. brevôo, provocando a ancoragem, definitiva-


mente consubstanciada, da liberdade, engajada



Se é verdade que não há caminho sem o andar, é numa direção, que permita se engolfar apaixo-

sobretudo verdade que o trajeto não existe sem o nada, perdida e arriscadamente na vida (Passos

transeunte. O trajeto esboça, carrega uma propos-


e Sato, 2001).

ta com possibilidades e limites, que só pode ser



realizada numa atitude lúdico-prática de ima-


nência e transcendência. A primeira nos põe cir-


Bibliografia

cunstanciados num tempo perspectivado para o



futuro, inscrevendo e referenciando nossa existên- ALMANZA, Tulia et al. Hacia una pedagogía del porvenir.

cia à materialidade; a segunda nos chama além de Santafé de Bogotá: Instituto para la Investigación Educa-

nós, provocando nossa capacidade de ultrapassar tiva y el Desarrollo Pedagógico, 1998.


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Elementos para pensar




nas disciplinas e outras formas




que nos atravessam*






Walter Omar Kohan**





Resumo



Neste trabalho, propomos colocar em questão Nesse sentido, afirmamos que propostas que dão

os dois termos centrais na proposta da mesa: “inter- ênfase a conceitos como “inter”, “multi”, “trans”

disciplinaridade” e “transversalidade”. Com relação disciplinaridade, e outros afins, não constituem uma

ao primeiro, é preciso pensar antes no termo “disci- ruptura real perante a escola disciplinar. Uma tal

plina” que ele contém. Partimos de sua etimologia mudança exige pensar uma educação não-discipli-

latina e das análises feitas pelo filósofo francês nar, num contexto atual caracterizado pela transi-

Michel Foucault para mostrar os dispositivos que ção das sociedades disciplinares às sociedades de

regulam a produção do saber, as relações de poder e controle (Deleuze, 1995). Finalmente, sugerimos

a constituição das subjetividades nas instituições uma forma de entender a transversalidade, a partir

modernas, entre elas a escola. A escola moderna re- da categoria de rizoma (Gallo, 1999), como princí-

flete, de forma nunca fiel, uma sociedade na qual a pio regulador das relações de poder–saber, numa

disciplina constitui o eixo na formação do indivíduo. educação não-disciplinar.







* Texto apresentado na mesa “Transversalidade e interdisciplinaridade: Dificuldades, avanços, possibilidades” no Primeiro Congresso Brasilei-

ro de Qualidade na Educação, MEC, Brasília, out. 2001.



**Professor da Universidade de Brasília, investigador do CNPq. E-mail: <walterk@unb.br>


22
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades

Não sou um especialista em Educação rão, de uma vez e para sempre, os problemas edu-



Ambiental. Tampouco a transversalidade e a in- cacionais. De tempo em tempo, alguns concei-



terdisciplinaridade têm sido foco importante de tos começam a ser utilizados cada vez mais in-


minhas leituras e investigações. Vocês estarão se sistentemente, até se transformarem em lugar-



perguntando, então, o que faço aqui, numa mesa comum de quase todas as propostas educacio-



que se propõe a discutir os avanços, as dificulda- nais. É o caso de conceitos como democracia, di-



des e as perspectivas da Educação Ambiental álogo, cidadania, inovação, autonomia. Todos os


como tema transversal. É uma boa pergunta e eu discursos educacionais se apropriam, em um 23



a fiz a mim mesmo várias vezes, antes e depois dado momento, de terminologias como estas.



de haver aceitado esse convite, gentilmente feito Tornam-se moda. De tanto usar, de tanto acom-


por Ângela Martins, a quem quero agradecer pu- panhar finalidades educacionais tão diferentes,



blicamente. acabam por perder o sentido exato. A partir des-



Trabalho na área de Filosofia da Educação e sa dificuldade, vamos propor alguns elementos



de ensino da Filosofia. Sou somente alguém que para pensar em transversalidade e interdiscipli-


lê filosofia e pensa e atua na educação. Concebo naridade.



a filosofia como uma prática, um exercício do


pensar e é isso que tratarei de mostrar-lhes nesta



Disciplina, escola
manhã: algumas idéias para pensar nos dois con-
e modernidade

ceitos que se propõem a esta mesa: interdiscipli-



naridade e transversalidade. De todas as manei- Gostaria de começar pela lembrança de duas



ras, vocês sabem que na filosofia muitas pergun- teses clássicas do sociólogo da educação inglês

Basil Bernstein, propostas há mais de uma déca-


tas se mantêm ainda mais vivas depois de algu-


mas tentativas de respondê-las. E isso não é ne- da. Bernstein sugere que os sistemas educacio-

cessariamente um problema. Portanto, podemos nais têm duas características importantes: de um



manter nossas dúvidas sobre a pertinência de lado, além da ideologia dominante, os princípios

e as práticas pedagógicas são impressionante-


minha presença nesta mesa e sobre as questões


que estarei lhes expondo. mente uniformes. Esta primeira tese não desco-

Essa explicação inicial não pretende ser uma nhece as diferenças existentes entre os diversos

desculpa, mas sim uma apresentação que lhes dê sistemas educacionais, mas destaca sua assusta-

elementos para contextualizar as idéias que lhes dora semelhança em contextos políticos e soci-

proporei. Não farei uma avaliação do modo pelo ais diferenciados (1996: 234); a segunda tese é que

qual a Educação Ambiental como tema transver- o discurso pedagógico não é um discurso especí-

sal está sendo trabalhada pelo MEC, ou nas suas fico, isto é, se apropria de outros discursos e os

escolas. Tampouco farei uma proposta sobre reorganiza visando sua transmissão e sua aquisi-

como deveria ser trabalhada. Só vou me dedicar ção seletivas; esse discurso não gera os discursos

a compartilhar com vocês algumas idéias sobre que veicula (1996: 259). Em outras palavras: o que

transversalidade e interdisciplinaridade de um se diz em educação não surge da própria educa-


ponto de vista que entendo ser filosófico. Espero ção, vem de outros contextos, e sofre, em terreno

que essas idéias contribuam com seu pensamen- educacional, adequações e transformações.

to e sua prática. Este é o principal sentido que O conceito de disciplina parece-nos adequa-

outorgo a minha presença nesta mesa. do para exemplificar essas duas teses de

Uma questão inicial que gostaria de apresen- Bernstein. Além das diferenças culturais, sociais

tar é um estado de coisas que não favorece a pen- e políticas que fazem com que a disciplina ad-

sar nesses termos, dado pelo fato de que, pelo quira uma forma expressiva específica, sua fun-

menos na última década, hão se convertido numa ção é semelhante nos diversos sistemas educa-

variedade de modismos na educação. Esse cam- cionais. Por outro lado, o discurso educacional

po – tal como outros, embora de forma mais acen- sobre a disciplina – ademais, não só o discurso,

tuada – sofre o contínuo assalto de concepções, mas também um conjunto de práticas discursivas

e não-discursivas disciplinares – resulta de apro-


programas e idéias que aparentemente resolve-



priação e adequação de algo que surgiu fora des- dade. Os instrumentos principais do poder disci-



se contexto. plinar são a vigilância hierárquica, a sanção



Para explicar melhor essa transposição, vamos normativa e o exame (Foucault, 1976: 175-198).



pedir ajuda à etimologia: a palavra disciplina, de Por meio dessas técnicas de saber-poder cada


origem latina, mantém os dois sentidos originá- uma dessas instituições produz mudanças signi-



rios: a) saber (quando nos referimos a “discipli- ficativas naqueles que por elas passam: de fato,



nas”, tais como Filosofia, Música ou Ginástica); b) não somos os mesmos quando deixamos a esco-


poder (quando dizemos “disciplina militar”). Em la, o hospital ou a cadeia, não só pelos efeitos vi-



latim, embora se trate de uma etimologia discu- síveis que essas instituições têm sobre nós, pelos



tida, disciplina parece uma forma abreviada do conhecimentos que adquirimos numa escola,



termo discipulina, de denotação educativa, liga- pelos curativos que são feitos sobre nosso corpo


da à aprendizagem (disci) da criança (puer), num nos hospitais ou pela perda de pigmentação na



duplo processo de saber-poder: apresentar deter- pele que sofremos nos presídios, senão, sobretu-



minado saber à criança e produzir estratégias para do, porque nelas transformamos a relação que


manter a criança nesse saber (Hoskin, 1993: 34). ○
temos com nós mesmos.
Vamos agora à filosofia. O que faz um filóso- O caso da escola é especialmente interessan-

fo, qual é sua atividade? A atividade filosófica, dis- te, na medida em que se trata de uma instituição

se Deleuze, tem a ver com situar problemas e cri- interessada explicitamente na “formação” de seus

ar conceitos que ajudem a pensar esses proble- visitantes; ela se propõe não só a ensinar conhe-

mas. O conceito de disciplina – pelo menos uma cimentos, divulgar saberes e capacidades – habi-

forma de entendê-lo – foi criado por Michael lidades e competências, dir-se-ia hoje –, senão

Foucault nos anos 1970 para responder à pergun- que busca, mais do que nada, formar pessoas,

ta “como funcionam as sociedades modernas?”, produzir certo tipo de subjetividades. Por um



no sentido de “quais são os mecanismos que re- lado, a escola moderna reflete a sociedade disci-

gulam, o estatuto e o regime que adquirem as re- plinar: se a escola é uma instituição na qual “a dis-

lações entre o saber e o poder nas sociedades ciplina constitui o eixo da formação do indivíduo”

modernas?”. A partir do sentido comum do ter- (Noyola, 2000: 113) é porque se situa numa socie-

mo, retratado na etimologia sugerida, Foucault dade com inspirações disciplinares. Por outro

fará um uso especial do conceito e o aplicará em lado, esse reflexo nunca é fiel, no sentido em que

suas análises das sociedades modernas, às quais o poder disciplinar adquire uma forma específica

chamou de sociedades disciplinares. e determinada na escola em relação a outras ins-



Esse nome se deve a que essas sociedades es- tituições. Assim, para entender a escola moder-

tão estruturadas sobre a base de grandes centros na, temos de olhar dentro e fora dela. Fora, é pre-

de isolamento – a escola, o quartel, a fábrica, o ciso entender o dispositivo social mais comple-

hospital, a cadeia –, unidades fechadas e auto-su- xo, um conjunto heterogêneo, uma rede de dis-

ficientes, que disciplinam os indivíduos. As insti- cursos, instituições, organizações arquitetônicas,



tuições das sociedades disciplinares – que, segun- normas, saberes que têm como função estratégi-

do Foucault, se desenvolvem ao longo dos sécu- ca, na modernidade, a imposição do poder disci-

los XVII a XIX e alcançam seu apogeu no começo plinar (Foucault, 1979: 244). Dentro, é preciso

do século XX – cobiçam dispositivos de governo compreender a forma específica que adquire o



dos indivíduos que as atravessam, no sentido de poder disciplinar nos diferentes dispositivos pe-

que nelas sempre há um “outro” que determina o dagógicos. Das formas do poder disciplinar, o exa-

campo de ação próprio (Foucault, 1983: 221), me é a técnica educacional mais clara (Hoskin,

sempre é outro que diz o que se pode fazer (por 1993: 35). Nos últimos anos, diversos estudos têm

exemplo, na escola, o professor determina o cam- mostrado essa dimensão (veja, por exemplo, Da

po de ação do aluno, o diretor o do professor, o Silva, 1994).


inspetor o do diretor etc.). Para entender o duplo processo de saber-po-



Essas instituições são, ao mesmo tempo, for- der da disciplina nas sociedades modernas, é ne-

midáveis dispositivos de produção de subjetivi- cessário perceber o crescente processo de espe-


24
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades

cialização do saber que deu lugar às disciplinas. Algo semelhante acontece na educação. Num ní-



Cada vez são mais disciplinas, mais específicas, vel macro, o Estado afirma sua política educacio-



mais fechadas e independentes, que têm por ob- nal com base na avaliação da “qualidade” nos di-



jetivo diversas dimensões do ser humano, para o ferentes níveis educacionais. Essas avaliações


que fazem falta mais detentores do saber. Basta hierarquizam, dividem, premiam, castigam, fo-



ver nossas instituições educacionais, com um mentam a competência e a rivalidade entre as



único professor para poucos assuntos nos primei- diferentes “empresas” educacionais que, públicas


ros anos do Ensino Fundamental e uma varieda- ou privadas, são tratadas com a mesma lógica 25



de exponencial de áreas especializadas no Ensi- empresarial.



no Superior. Deleuze também afirma que todos os centros



de clausura modernos, entre eles a escola, se en-


contram numa crise generalizada, e as constan-
Sobre a transversalidade



tes reformas a que são submetidos não fazem se-



Quando se trata de reformas educacionais, o não prolongar sua agonia (Deleuze, 1995: 278). No


que está em jogo é o tipo de poder que se afirma


caso da educação, mais do que de reformas se tra-


por meio dos dispositivos que são postos em jogo ta de liquidações (Deleuze, 1995: 274). A liquida-



nas diversas dimensões, entre eles a estrutura ção é para um regime de maior controle, em que

curricular. Nesse caso, as propostas que dão ên- jogam um papel importante os sistemas de avalia-

fase a conceitos tais como “interdisciplinaridade”,


ção já citados. O controle é contínuo, a comuni-


“transversalidade”, “multidisciplinaridade” e vá- cação instantânea (Internet, TV Escola) em espa-



rios outros termos afins, parecem construir-se ços fisicamente menos diferenciados, mais aber-

sobre a base de um elemento comum: a afirma- tos (educação a distância). Nossa relação com o

ção da disciplina. Segundo o modo como se en- tempo muda: se nas sociedades de disciplina

tenda cada um desses conceitos será possível che- sempre se começa outra vez em cada unidade, nas

gar a um resultado parcialmente diferente, mas sociedades de controle nada nunca acaba, a for-

em todos esses casos se afirma uma base comum, mação é contínua, permanente, inacabada

a disciplina, que será integrada, multiplicada, su- (Deleuze, 1995: 280). Nossa relação com o espaço

perada, atravessada, mas que de alguma forma também muda, os centros de clausura deixam

permanece presente na unidade que a integra. espaço a uma formação que vai a todos os luga-

Parecem formas, enfim, que mantêm, ressig-


res onde estamos – o parque, o cinema, a casa.


nificando, dispositivos disciplinares. Pode a escola ser um vetor de formas de po-



É possível a institucionalização de outras for- der que não afirmem a disciplina e o controle?

mas de poder? É possível uma escola não-disci- Pode sobreviver na escola o poder da diferen-

plinar? Qual é o valor de algumas experiências


ça? Pode a escola produzir subjetividades mais


históricas (por exemplo, Summerhill)? A partir livres, abertas, indeterminadas, imprevistas,



dessas experiências, de que outras formas se exer- imprevisíveis? É possível uma escola não-hie-

ce o poder pedagógico? É factível esperar uma rárquica em sua forma de organização política,

escola que promova formas de exercer o poder


curricular e espacial?

menos hierárquicas, autoritárias e discrimina- Essas perguntas são imensas e não estamos

tórias que o poder disciplinar? Que formas de em condições de respondê-las. Contudo, uma

poder desejaríamos que imperassem nas “nossas” educação que não discipline e controle requer um

escolas? Faz poucos anos, o filósofo francês


regime de saber-poder radicalmente diferente da-


Deleuze afirmava que as sociedades disciplina- quele imperante em nossas escolas. Em termos

res, aquelas baseadas na disciplina, têm deixado do saber, necessita um novo regime para a pro-

espaço às sociedades de controle (1995: 273). dução e a circulação da verdade dos saberes na

Deleuze oferece como exemplo a empresa subs-


escola, com uma nova estrutura para disciplinar


tituindo a fábrica. As empresas se regulam, entre o saber. Em termos do poder, precisa abolir um

si e internamente, por uma lógica da competên- dispositivo baseado na vigilância, na sanção e no



cia e da rivalidade como estímulos ao progresso. exame e proporcionar práticas discursivas e não-

discursivas horizontais, não hegemônicas, 4. ruptura a-significante (o rizoma é um terri-



proporcionadoras de diferença. Em termos de tório sempre sujeito a linhas de fuga, é uma



subjetividade, requer que se deixe de produzir cartografia a ser sempre traçada, toda vez);



sujeitos dóceis, obedientes e fiéis consumidores 5. cartografia (um rizoma pode ser acessado de


para proporcionar sujeitos imprevisíveis, resisten- infinitos pontos e remeter a vários outros no



tes, que pensam o impensável. seu interior);



Vamos exemplificar essas idéias com o meio 6. decalcomania (a novidade não é decalcar o


ambiente. Os problemas do meio ambiente não


mapa, mas colocar o mapa sobre suas cópias,


são questões de um âmbito de saber específico. É possibilitando novos territórios).



uma área atravessada por saberes – daremos so-


Segundo Gallo, “assumir a transversalidade é


mente alguns exemplos, entre outros – que tradi-
transitar pelo território do saber como as sinapses


cionalmente chamaríamos de geográficos, bioló-


viajam pelos neurônios no nosso cérebro, uma


gicos, físicos, filosóficos, políticos.


viagem aparentemente caótica que constrói

Como tratar os problemas ambientais? Em
seu(s) sentido(s) à medida que desenvolvemos


termos do saber, como questões complexas,
sua equação fractal” (1999: 33).

multifacetadas, com diversidade de regime, esta-


Nesse sentido, afirmar a transversalidade sig-


tuto e legitimação, cuja verdade não está ligada


nifica valorar o incerto sobre a certeza, a diferen-


necessariamente a sua cientificidade; pode ser


ça sobre a mesmidade, a multiplicidade sobre a

constituída no interior da escola, pelos sujeitos


unidade, num sentido político e epistemológico.

sabedores que a habitam. Em termos do poder,


Creio difícil poder pensar a educação em meio


afirmando relações transversais, problemáticas,


ambiente, suas dificuldades, seus avanços e pos-


múltiplas, tanto entre si quanto com o meio am-


sibilidades, sem pôr em questão os valores que

biente. Em termos de subjetividade, contribuin-


suporta nossa aposta pedagógica. Sentir-me-ei à


do para que alunos e professores problematizem


vontade se nesta conversa tiverem encontrado


as formas dominantes de relação com o meio


algum elemento que lhes permita pensar esses


ambiente (incluindo a própria) e os discursos


valores e sua relação com eles.

imperantes ao seu redor.



Entre nós, Sílvio Gallo (1999) propôs idéias



interessantes para pensar uma educação transver-


Bibliografia

sal, não-disciplinar, a partir da categoria “rizoma”,


BERNSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico.


tirada de Deleuze e F. Guattari. A transversalida-

Petrópolis: Vozes, 1996.


de aparece nessa proposta como princípio regu-

DA SILVA, Tomaz Tadeu. O sujeito da educação. Estudos


lador do poder-saber. No caso do poder, afirma


foucaultianos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.


relações coletivas e não-hierárquicas. Em relação DELEUZE, Gilles. Conversaciones. Valencia: Pre-textos, 1995.

ao saber, é a matriz de um paradigma rizomático,


FOUCAULT, Michel. Vigilar y castigar. México: Siglo XXI, 1976.


sem hierarquias, com fluxos contínuos e múlti- . Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal,

plos (Gallo, 1999: 32-33). Nesse paradigma, como 1979.


. The subject and the power. In: DREYFUS, H.;


as inumeráveis linhas do rizoma, os saberes se


RABINOW, P. Michel Foucault. Beyond estructuralism and


entrelaçam de forma complexa a partir de seis

hermeneutics. Chicago: The University of Chicago Press,


princípios (Gallo, 1999: 31-32):


1983. p. 208-26.

1. conexão (qualquer ponto do rizoma pode GALLO, Sílvio. Transversalidade e educação: pensando uma

estar conectado com qualquer outro);


educação não-disciplinar. In: ALVES, Nilda; GARCÍA, Re-


gina (Orgs.). O sentido da escola. Rio de Janeiro, 1999. p.


2. heterogeneidade (as conexões são sempre


17-41.
“outras”);

HOSKIN, Keith. Foucault a examen. In: BALL, Stephen (Org.).


3. multiplicidade (o rizoma é irredutivelmente


Foucault y la educación. Madrid: Morata, 1993.


múltiplo; não pode ser reduzido a uma uni- NOYOLA, Gabriela. Modernidad, disciplina y educación. Mé-

dade); xico: Universidad Pedagógica Nacional, 2000.





26
SIMPÓSIO 2

QUESTÕES AMBIENTAIS
E O PAPEL DA ESCOLA
Leila Chalub Martins

José Manoel Martins

Jaime Tadeu Oliva

27
Cuidar, cuidar-se: discutindo questões




ambientais e o papel da escola






Leila Chalub Martins*






Um livro muito instigante, que merece ser por si só uma ameaça à sobrevivência coletiva.



lido por todos os educadores, é O buraco branco Além disso, somos obrigados a investir em maior


no tempo, escrito por Peter Russel (1997).1 O li- produção e aumentamos também, de modo sur-



vro nos leva a ter, cada vez mais, a certeza de que preendente, o consumo. Do consumo excessivo



nunca houve, na Terra, outra espécie capaz de resulta desperdício e poluição. Uma olhada



modificar o mundo como temos feito. Nunca criteriosa pelo planeta (ver a respeito Brown,


tanto foi possível. E nunca tanto correu tanto ris- 2001) vai nos indicar que, a cada ano, a situação

co. Estamos vivendo tempos de grandes mudan- se agrava: além do crescimento populacional

ças, mas não apenas isso. O próprio ritmo das contínuo, o desaparecimento de florestas, a ero-

mudanças tem se acelerado crescentemente. são do solo, a pesca se esgotando, nível do mar

Essa aceleração não é um padrão do século pas- subindo, o aquecimento crescente do planeta...

sado, mas um padrão que percorre toda a histó- A visão crítica desse momento nos permite com-

ria do planeta. Se nós tentássemos reconstruir a preender que não mais basta apenas tentarmos

história da vida no planeta, iríamos verificar que reduzir nosso consumo. Mais que isso, é preciso

foram necessários bilhões de anos nesse proces- questionar como produzimos o que consumi-

so e que o homem somente vai surgir muitíssi- mos. Esse é de fato o enfrentamento que preci-

mo recentemente. A história da humanidade, samos ter nesse momento e, criativamente, bus-


então, é brevíssima se comparada a todo proces- car uma produção ambientalmente sustentável,

so de evolução biológica necessário ao sur- usando matéria-prima reciclável, por exemplo.



gimento do Homo erectus. É esse o grande e decisivo momento em que é



Uma conclusão a que o livro nos leva é que possível mudar. Temos consciência da gravida-

onde quer que estejamos indo, estamos indo de da situação ambiental e recursos para empre-

muito rápido. Para ficarmos com um exemplo, a ender a mudança.



interligação da humanidade começou com o Precisamos, como diz Russel, proceder a



surgimento da linguagem, há 50 mil anos, e hoje uma mudança de consciência, pois a origem de

experimentamos a transmissão da informação todos os problemas está no pensamento, em



na velocidade da luz, constituindo uma teia de atitudes e valores que confirmam a nossa pre-

comunicação crescente e envolvente capaz de tensão de sermos bons manipuladores e con-



abranger os 6 bilhões de seres humanos do pla- troladores do mundo. Mais que isso: temos um

neta. É espantoso como em tão curto espaço de enorme apego material, consumimos mais do

tempo foi possível à humanidade acumular tan- que precisamos e, com medo de que as coisas

to conhecimento! não aconteçam como queremos, estamos sem-



Com muita habilidade e criatividade, temos pre voltados para o futuro, perdendo a experi-

investido muito na perspectiva de evitar o sofri- ência do agora.



mento humano e prolongar a vida. Mas não po- Estar preocupado sempre com o futuro des-

demos negar os efeitos colaterais decorrentes: a trói nossos relacionamentos: julgamos o outro a

explosão populacional que experimentamos é partir de sua disposição de aceitar o mundo tal




* Educadora e antropóloga social, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.



1
Há também o vídeo com o mesmo nome, produzido pela EMA Vídeo para a televisão – Estação Ciência, da Rede Globo de Televisão –, com

a tradução de Luís Eduardo Tavares.


28
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

como o queremos e, politicamente, o qualifica- dar pressupõe, assim, um entendimento no sen-



mos de digno ou indigno, de certo ou errado. Ja- tido de identificação do esforço necessário para



mais aceitamos que o outro seja diferente e em se construir o que se imagina, o que se cogita.



busca da sua paz de espírito. Daí ser usado, por extensão, com o sentido de


Com medo de que o mundo possa não ser dar atenção, tratar de. É também com todo esse



como queremos, somos sempre resistentes às sentido que se aplica o cuidar-se. Quando o ob-



mudanças. Por isso, gastamos em armas os re- jeto da atenção, do pensamento, da construção


cursos que poderiam assegurar a nossa sobre- utópica não é outro senão nós mesmos: nossos 29



vivência coletiva. Estamos sempre resistindo a corpos, nossas mentes, nosso eu. Acho interes-



mudanças com receio de que estas possam co- sante partir da idéia de cuidar, porque ela nos



locar em risco nossos interesses. É o nosso in- permite avançar no sentido da complexidade


teresse que subjuga nossa consciência, e não so- requerida pela educação no mundo atual. Cui-



mos capazes de compreender o risco de destrui- dar, como pensar, é assim um ato do espírito;



ção iminente. pressupõe o uso de faculdades criativas; aproxi-



Acumulamos muito conhecimento sobre o ma-se assim do criar.


mundo em que vivemos, sobre o espaço, sobre Ora, quando se fala de cuidar, cuidar-se,



a estrutura da matéria. Mas muito pouco sabe- estamos nos referindo, em última instância, ao

mos sobre as nossas mentes. Explorar e desen- que é Vida. Vida, nossa vida, qualquer forma de

volver a mente humana é, segundo Russel, o vida, condições para a vida. Falar de vida é, mui-

próximo passo da evolução. Uma evolução da tas vezes, falar de tudo o que precisamos para

consciência, que nada requer de mudança no melhor nos compreender no mundo, e com o

mundo externo, pois é uma mudança de per- mundo, mas não tivemos ainda a oportunidade

cepção. Implica vencer o aprisionamento do de aprender.



nosso ser interior. Aqui cabe a compreensão de que se o me-



É com a inspiração e a provocação das lhor exemplo do milagre da vida somos nós

idéias de Russel que gostaria de construir a mesmos, e da permanente surpresa que essa

aproximação entre o meio ambiente e a esco- constatação provoca, não se trata de um conhe-

la. O que é necessário, sob o ponto de vista cimento novo, mas de um re-conhecimento. Re-

da formação das futuras gerações, para que a conhecer significa voltar ao conhecer; revisitar

humanidade possa dar esse salto, no sentido o conhecido para renová-lo; recompô-lo,

de expansão da sua consciência, e promover integrá-lo. Mas de que reconhecimento estamos



a mudança de que o mundo precisa para as- falando? De todo o conhecimento que, como

segurar a continuidade da vida? aprendemos dos povos das nossas florestas,



Com certeza, a resposta a essa questão não contribui para que possamos nos perceber “um

pode mais ser no sentido de confirmar a escola ser uno com a natureza interna de si. Que tudo

como lugar de acesso à informação. Há muito a se desdobra de uma fonte única que forma uma

escola deixou de ser o meio mais adequado – se trama sagrada de relações, de modo que tudo

é que já foi um dia – para que seus alunos pos- está ligado a tudo. Homens, árvores, serra, rios

sam se apropriar do conhecimento acumulado são um corpo, com ações interdependentes”



pela humanidade. Em razão de compreendê-la ( Jecupë, 1998).



com esse reducionismo é que hoje existe um mo- Assim, é preciso que a escola permita aos

vimento em defesa do direito de se educar den- seus alunos a experiência de se perceberem


tro de casa, independente da escola, portanto. como a primeira porção da natureza ao seu al-

Gostaria de sugerir uma proposta de Educa- cance. Somos nossos corpos e estes nada são

ção Ambiental centrada no cuidar e cuidar-se. além de parte da natureza. Partindo dessa

Como sabemos, a idéia de cuidar remete-nos à vivência intensa, cabe à escola proporcionar aos

de cogitar, imaginar, pensar, do latim cogitare. alunos a sua compreensão de outro nível de ser:

É, também, antecipar, no sentido de imaginar o um ser cultural, além de físico e biológico. Os



vir-a-ser, ou seja, de construir uma utopia. Cui- níveis de ser distinguem-se por qualidades pro-

fundas e misteriosas: vida, consciência e suportável, porém, era a relação que Maria do



autoconsciência. Os seres humanos são as úni- Carmo mantinha com tudo e com todos: exi-



cas criaturas que possuem, percebem e apreci- gência por parte da direção da escola, intrigas



am todas essas qualidades, o que lhes dá uma e desavenças com seus colegas, intolerância e


responsabilidade especial quanto à proteção de desrespeito por parte dos alunos, pré-adoles-



todos esses níveis. centes, indiferença por parte das famílias e da



Além disso, ou, mais precisamente, integra- comunidade. Por pouco Maria do Carmo se


do a isso, cabe à escola permitir que seus alunos convenceu de que ter escolhido o magistério



aprendam que é possível complementar a análi- fora um erro. Justo ela que sempre acreditou



se racional com a análise não-racional ou supra- que se realizaria como educadora, que se sen-



racional, por meio da intuição, da percepção, da tia vocacionada para a profissão, apesar do sa-


profunda familiaridade, do respeito e da com- lário, do descaso do poder público, das dificul-



paixão. dades inerentes ao processo, apesar de tudo...



Talvez seja melhor procurarmos compreen- Maria do Carmo, já cansada e irritada por se


der a complexidade da Educação Ambiental a ○
sentir impotente diante daquela situação, esta-
partir de um caso concreto. Vamos a ele.2 va prestes a desistir. Tinha tomado a decisão de

“dar suas aulas; quem quisesse aproveitar, que a



acompanhasse...” Com tal resolução, sentou-se


Uma pedra no caminho

próximo ao balcão da cantina, enquanto aguar-


ou uma fábrica de sonhos

dava o horário de entrar em sala. Não pôde, en-



coletivos? tão, deixar de ouvir o seguinte diálogo:



– Por que você vem com uma camisa sobre a


Maria do Carmo é uma professora do Ensino camiseta da escola? Você não fica com calor?

Fundamental. Leciona em uma escola da peri- – Claro que fico! Mas você acha que eu vou

feria de uma grande cidade. Sua escola, como deixar os outros verem que eu estudo aqui? Deus

tudo o mais que existia a sua volta, era sistema- me livre!



ticamente vandalizada pelas pessoas do lugar,



sobretudo por pichadores, desocupados, gente Aquele diálogo incomodou Maria do Carmo:

apesar de todo o seu esforço, também os alunos


que não se reconhecia naquele espaço escolar.


Na verdade, o prédio escolar parecia mais um sofriam por estar ali; mais que isto, tinham ver-

estorvo à dinâmica de ir e vir da população lo- gonha de serem identificados com aquela esco-

cal. Tanto é assim que sua cerca de alambrado la. Tomou então uma decisão: cercou-se de mui-

tos alunos e organizou uma “assembléia de es-


foi cortada em vários lugares para permitir que


as pessoas pudessem “cortar caminho”, na sua tudantes”. Queria que todos tivessem a oportu-

ânsia de chegar mais rápido a algum lugar... nidade de dizer o que sentiam em relação à es-

Alunos, a escola quase não tinha mais. Uns cola, seus professores, seus métodos. Queria en-

tender um pouco mais o que se passava ali.


poucos ainda insistiam na matrícula, embora


também ajudassem no processo aparentemen- De posse das reivindicações dos alunos, suas

te inexorável de destruir aquele espaço: cadei- observações e reclamações, organizou um am-



ras danificadas, vidros quebrados, portas sem plo debate com toda a comunidade escolar: pro-

maçanetas, quadros destruídos, lixo por todo o fessores, servidores, alunos, direção e até mes-

lado... Quadro desolador para quem, por obri- mo algumas mães que ficavam todos os dias pa-

gação profissional, tinha de estar ali todos os radas no portão da escola, sem permissão para

dias, procurando dar sentido a tudo o que entrar. Expôs, com a ajuda de alguns alunos, tudo

aprendera na escola Normal; construindo um o que resultara da assembléia dos estudantes.



processo educativo, educando os alunos... In- Momento difícil, pois cada um queria falar da sua





2
Embora os nomes e fatos sejam fictícios, o relato baseia-se na história da Escola Classe 39 de Taguatinga, Distrito Federal.

30
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

indignação e de como se considerava isento de te processo educativo que não seja intencional:



qualquer responsabilidade sobre aquela triste re- quem educa, necessariamente, pretende obter



alidade. resultados. O que nós, educadores, muitas vezes



Novos encontros foram então organizados, não temos claro é quais são os resultados subs-


de modo que se esgotassem todas as queixas e tantivos que estamos ajudando a gerar.



as pessoas se dispusessem a colaborar na busca Em um primeiro momento, o antecipar edu-



de soluções para os problemas identificados. De cativo poderia se identificar com o projeto de re-


início, a atenção se concentrou no aspecto físico construção do espaço físico da escola. Este es- 31



do prédio: reposição dos vidros, conserto da cer- tando resolvido, pode-se pensar a antecipação



ca, limpeza da área interna e externa ao prédio, em termos de engajamento dos demais profes-



pintura, colocação de quadros e plantas, cuida- sores no processo, ou da extensão deste à comu-


do do jardim e até a organização de uma horta nidade mais próxima da escola. Mas o antecipar



escolar. Em seguida, vieram os aspectos relacio- educativo não se esgota aí: pode e deve implicar



nados ao fazer em sala de aula. Como levar para o desejo de ver os alunos bem formados e autô-



a sala de aula aquele processo que começava a nomos para tomar suas decisões, contribuindo


mobilizar com grande entusiasmo toda a comu- para a construção do bem comum. Não seria isso



nidade escolar: alunos, professores, servidores, o exercício consciente da cidadania de que tan-

direção e familiares dos alunos? “Uma escola to se fala?



como aquela, que aprendeu uma nova dinâmi- Então, a intencionalidade da educação pres-

ca, não pode ser tradicional no seu fazer peda- supõe planejamento, a condução competente do

gógico”, todos eram unânimes em dizer. O cor- processo educativo e a sua avaliação. Os prota-

po de professores, apoiado pela direção, foi em gonistas da nossa história compreenderam, por-

busca de sua capacitação para concretizar uma tanto, que era necessário empreender o esforço

nova proposta pedagógica, comprometida com de construção do plano pedagógico da escola,



uma nova qualidade e com a democratização do de modo coerente com o processo já em curso.

acesso e da gestão escolar. Um primeiro desânimo se instalou no grupo:


Uma lição que Maria do Carmo tirou desse


– Quem sabe fazer esse tal de plano pedagó-


processo foi que bastou um ato seu no sentido gico? Seria necessário chamar um especialista,

de questionar a realidade presente, de ver além um técnico da Secretaria de Educação? Quem,


afinal, tem autoridade e competência para definir


do vidro embaçado da indiferença, para encon-


trar uma quantidade enorme de pessoas afina- o que vamos desenvolver na escola?

das com o seu propósito. Entre os alunos, pro-


O embaraço somente durou até que alguém


fessores e toda a comunidade escolar, várias


dissesse, com voz clara e segura:


eram as pessoas dispostas a romper com a inér-


– Ninguém mais do que nós, professores, alu-


cia da situação anterior e comprometidas na

nos e comunidade escolar, sabe o que devemos


construção do novo projeto pedagógico. Mais

fazer nesta escola. Se desejamos ajudar no pro-


que isso, pôde perceber também o quanto é


cesso de formação de adultos com autonomia,


contagiante uma proposta de mudança


como não vamos nos perceber também como au-


construída participativamente: mais e mais sur-

tônomos para construir o nosso caminho? Temos


giam colaboradores e adeptos da idéia de trans-


acesso franco ao conhecimento, nada nos impe-


formar aquela realidade. de de buscar os recursos e criativamente cons-



Outra lição, porém, não tardou a ser tirada: truir o projeto que desejamos, aprendendo com

passado o momento inicial de mobilização, em


os nossos erros.

que as pessoas manifestam suas insatisfações e



se organizam para agir coletivamente, é preciso O contato com os ideais da Educação



que se tenha clareza, também coletivamente, do Ambiental foi então inevitável. Na busca com-

que se pretende construir, o que é esse novo que


prometida de novos conhecimentos que pudes-


se pretende em educação. Ora, todos nós sabe- sem dar sentido à experiência vivida, os princí-

mos que educar pressupõe antecipar. Não exis- pios da Educação Ambiental são então reconhe-

cidos de imediato como aqueles que respondem veram a oportunidade de vivê-la. Tinham se for-



à ansiedade por uma nova ética em educação. mado em um grupo; haviam aprendido a partir



É fácil constatar que os educadores se da redefinição dos seus modelos tradicionais de



autocapacitaram durante os ricos momentos, aprendizagem: deixaram de ser passivos, recep-


que viabilizaram a concepção, a discussão e a tivos, individualistas, teoricistas e autoritários e



consolidação de uma nova prática pedagógica. passaram a privilegiar mais a autonomia, a ação



Passo a passo, aprenderam a se organizar em um protagonista, a cooperação. E era esse o processo


sistema de relações cujo sentido é empreender metodológico que deveria ser reproduzido com



ações destinadas a satisfazer as necessidades os alunos: a educação deveria acontecer a partir



sentidas pelo grupo. A interação que se estabe- da constituição de uma autêntica comunidade de



lecia fundava-se motivacionalmente nessas ne- aprendizagem, onde todos têm o que ensinar e se


cessidades. Os vínculos decorrentes e o próprio dispõem a aprender com os demais.



grupo nasceram de um fazer, de uma tarefa ex-



plícita e consciente: a construção do plano pe-
dagógico da escola. ○


Construindo um novo olhar
O trabalho desenvolvido, portanto, potencia- Uma educação que seja uma “utopia ética”:

lizou essa operatividade, centrando seus inte- em um contínuo de respeito e liberdade, po-

grantes no reconhecimento de suas necessida- dermos construir e alimentar uma relação co-

letiva que permita o crescimento de todos, a


des, na elaboração de um projeto e no desem-


penho de uma tarefa. Realizar o projeto pedagó- partir do permanente exame de bases históri-

gico da escola, portanto, implicou um fazer e um cas e culturais comuns e do também perma-

refletir criticamente acerca desse fazer e acerca nente refazimento de critérios éticos nas rela-

das relações que estabeleciam em função do ções sociais e com a natureza. Uma educação

objetivo proposto. Até o momento de constitui- que seja instaurada na dúvida e que jamais

ção do grupo de educadores empenhados nesse admita o fim desta.



processo, todos tinham a sua percepção pessoal Além disso, a Educação Ambiental tem um

sobre como deveria ser a escola ideal, mas nin- compromisso com a criança e com o adolescen-

guém possuía preconcebidas as idéias que resul- te, no sentido de resguardá-los de um amadu-

taram no projeto elaborado. recimento forçado e desrespeitoso do seu pro-


cesso de desenvolvimento. Uma educação


Durante as primeiras reuniões, após concre-


tizado o plano pedagógico, a discussão que pre- centrada no brincar, por entender que a brin-

valecia era a que procurava esclarecer: teria o cadeira é um componente essencial do ser

plano uma clara postura metodológica? Seria criança e corresponde ao seu existir (ler, a res-

peito, Nunes, 2000).


possível, com a proposta elaborada, desenvolver


planos de trabalho condizentes com seus obje- Assim compreendida, a Educação Ambien-

tivos? Como? tal tem o compromisso com a construção do su-



Retomado o processo das aulas, com todas as jeito crítico, ético, autônomo, solidário e respon-

sável, além de competente, hábil e criativo para


dificuldades decorrentes da alta diversificação dos


alunos – tanto por sua origem, bases culturais e a resolução adequada dos problemas impostos

formação básica, quanto por seu nível conceitual por uma sociedade em constante transformação.

e de informação sobre assuntos e aspectos ine- Esta deverá ser centrada no compromisso de res-

gate das origens do povo brasileiro, a partir do


rentes à questão ambiental – a equipe de educa-


dores deu-se conta de que o projeto educativo seu contexto mais próximo. Desse modo, dando

representava uma nova organização curricular, ênfase à história regional, deverá fazer justiça às

capaz de orientar o trabalho de sala de aula que nossas diferentes raízes étnicas, mostrando

como a realidade atual foi produzida historica-


seria desenvolvido com os alunos, tão rica e


marcante foi, sem dúvida, a experiência de se che- mente por diferentes agentes sociais.

gar a essa síntese, processo que realmente resul- Além disso, deverá romper com o processo

tou em profundas mudanças para todos que ti- fragmentado, alienado e alienante da constru-

32
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

ção do conhecimento. Com ênfase na interdis- considerada é a relação entre desenvolvimen-



ciplinaridade, a proposta deverá superar a jus- to e democracia e, dentro dela, buscar respos-



taposição ou a interseção das diferentes disci- tas para a questão “o que vem a ser cidadania,



plinas sobre determinado tema. Para tanto, po- hoje, no Brasil”.


derá basear-se nos seguintes aspectos: Para tanto é indispensável que a proposta



• Valorização do conhecimento do aluno, de de educação seja capaz de permitir aos alunos



sua história de vida e de sua cultura. a mais ampla compreensão das raízes ambi-


valentes da nossa cultura, presa ao desejo de 33


* Elaboração de um plano de trabalho políti-


co-pedagógico de caráter coletivo que res- construir um mundo melhor e ao horror da



peite a participação de todos, e de cada um, mudança.



no processo permanente e coletivo de cons- É nesse contexto que as idéias de Paulo


trução do conhecimento. Freire podem assumir um papel fundamental,



* Prática efetiva e permanente de diálogo com no sentido de fomentar uma Educação Ambien-



a comunidade. tal que venha a qualificar essa cidadania, não



apenas preparando para a reivindicação de
* Orientação à investigação e à pesquisa.


igualdade formal e gerando a consciência que


* Desenvolvimento de habilidades e hábitos

leve à contenção da proliferação de inúmeras

de uso adequado e científico das fontes his- ○

segmentações, mas também preparando os jo-


tóricas.

vens para o reconhecimento crítico do que é a


* Participação efetiva dos alunos na definição sociedade brasileira e de suas mazelas históri-

dos temas e projetos de estudo.


cas, e como cada um pode, fazendo uso legíti-



* Estímulo permanente à discussão, à constru- mo da liberdade, aspirar por mudanças e


ção de hipóteses, ao enfrentamento das dú- promovê-las.



vidas, ao exercício de estimativas.



* Desenvolvimento de habilidades de análise,


Bibliografia

comparação, justificação, argumentação, sín-


tese e intervenção.

BROWN, Lester (Org.). O estado do mundo 2001. Washing-


ton: Worldwatch Institute, 2001.



FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Trad. de Rosiska


Enfatizando as relações entre o presente e o

Darcy de Oliveira. 6.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.


passado, a nova proposta deverá estar compro-


. Pedagogia da autonomia: saberes necessá-


metida com o questionamento da ordem estabe- rios à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GDF/FEDF. Escola candanga: uma lição de cidadania. 2. ed.


lecida, procurando desvelar a realidade aparen-


Brasília: 1997.
te, buscando alternativas para o questionamen-

JECUPË, Kaka Werá. A terra dos mil povos: história indíge-


to e a superação dessa realidade.


na brasileira contada por um índio. São Paulo: Peirópolis,


Sendo uma proposta de educação liberta- 1998.


NUNES, Angela. A sociedade das crianças a’uwe-xavante:


dora, crítica e criativa, deverá estar voltada para


por uma antropologia da criança. Lisboa: Instituto de Ino-


formas diferenciadas de pensar e agir sobre a

vação Educacional, 2000.


nossa atual realidade.


RUSSEL, Peter. O buraco branco no tempo. Rio de Janeiro:


Outra questão importante que deverá ser Aquariana, 1997.




















Dinâmicas de uma cidade




Um exemplo de projeto




em Educação Ambiental na escola






José Manoel Martins*






A Educação Ambiental [...] constitui o modo mais



adequado para promover uma educação mais ajustada à


realidade, às necessidades, aos problemas e aspirações



dos indivíduos e das sociedades no mundo atual.




Conferência de Tbilisi, 1977





Resumo


Conferências, encontros, debates e acalora-


Não se pode mais pensar em um mundo no qual


das discussões fazem parte dessa história. Con-


a discussão sobre o ambiente e sua apropriação não sidera-se que o evento mais decisivo para o iní-

seja a temática fundamental para qualquer plano de cio de um programa internacional de Educação

desenvolvimento e sustentabilidade. Nesse contex- Ambiental tenha sido a Primeira Conferência


to é que se insere a Educação Ambiental. Educado-


Intergovernamental sobre Educação Ambiental,


res têm se pautado pela transdisciplinaridade como em Tbilisi, na Geórgia, CEI, de 14 a 26 de outu-

eixo orientador na implantação de projetos nessa bro de 1977, organizada pela Unesco em coo-

área. As possibilidades são múltiplas. No presente


peração com o Programa das Nações Unidas


trabalho, apresenta-se a experiência de um projeto


para o Meio Ambiente (Pnuma).


escolar em Educação Ambiental, no qual são discu- A Conferência de Tbilisi, como ficou conhe-

tidas questões que envolvem a dinâmica de funcio- cida, contribuiu de forma significativa, por meio

namento de uma cidade. São discutidos também as-


das recomendações agrupadas em seu relató-


pectos relativos à implantação nas escolas de proje- rio final, para que, no mínimo, os especialistas

tos com temas transversais, propostos pelos Parâ- em questões sobre educação e ambiente pudes-

metros Curriculares Nacionais (SEF/MEC). sem ter subsídios para implementar projetos de

Educação Ambiental.

A história da Educação Ambiental confun- No Brasil, vários encontros foram mantidos até

de-se com a dos movimentos em defesa do meio chegarmos à Conferência do Rio, ou Rio-92, como

ambiente. As décadas de 1960 e 1970 marcam o ficou conhecida a Segunda Conferência das Nações

início mais recente desses movimentos ambien- Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimen-

talistas e da prática da Educação Ambiental to (Unced ou Earth Summit), em junho de 1992. O



como o caminho para desenvolver o respeito Capítulo 4, Seção IV, da Agenda 21 (como ficou

pelo ambiente, tanto em sua exploração e apro- denominado o documento oficial da conferência)

priação como, mais recentemente, na busca de incorpora as recomendações de Tbilisi sobre Edu-

um desenvolvimento sustentável. cação Ambiental, tratadas em seu capítulo 36.








* Mestre em Zoologia e doutor em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo – USP. Professor de Biologia e Ciências na rede particular

de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Autor de material didático do Sistema Anglo de Ensino (Ciências – Ensino Fundamental).

34
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

A Agenda 21, em seu capítulo 36, e prati- tanto, acredito que a opção por se criar uma dis-



camente em todos os demais, recomenda um ciplina específica com o status de um projeto,



tratamento interdisciplinar para a Educação envolvendo diferentes áreas do conhecimento



Ambiental e a priorização dos seguintes pro- e seus professores, tem mais chances de ser


gramas: bem-sucedida.



• Deve-se reorientar a educação para o de- Não se trata, no entanto, da pura criação de



senvolvimento sustentável. uma disciplina a mais. O trabalho com projetos


em uma disciplina constitui uma estratégia de 35


• Aumentar a conscientização popular sobre


as questões ambientais. ensino, dado que a análise interdisciplinar de



determinados temas considerados relevantes


• Promover capacitação e treinamento de


profissionais na área. parece estar abalizada por muitos educadores


já há vários anos, seja por meio de disciplinas


Nos Parâmetros Curriculares Nacionais


consideradas “optativas” ou “eletivas”, seja de


(PCN) do Ministério da Educação, a Educação


forma intuitiva, depois de um bate-papo no café


Ambiental é contemplada dentro do tema


com o colega de outra área.


transversal Meio Ambiente. Além disso, a Polí-
Muitas vezes, alguns projetos transdiscipli-


tica Nacional de Educação Ambiental (Lei n o

nares nas escolas são efêmeros justamente por

9.795, de 27/4/1999) trata da introdução da ○

serem ligados a situações momentâneas, como


Educação Ambiental no ensino formal. Não se


comemorações de certas datas (Dia da Árvore,


trata da criação de uma nova disciplina, mas


Dia do Índio, Dia Mundial do Meio Ambiente

sim de sua inserção no contexto curricular da


etc.) ou discussões em torno de um determina-


escola. O caráter estratégico da própria Educa-


do assunto do momento (genéricos, transgê-


ção Ambiental deve ser ressaltado como a prin-


nicos, MST, eleições).

cipal solução para a crise ambiental em que


Uma disciplina em que seja desenvolvido


estamos inseridos.

um determinado tema, ao longo de um se-


É nesse contexto que hoje se criam os pro-


mestre ou de um ano, permite que este tenha


jetos de Educação Ambiental. O presente tra-


seu “nicho” bem definido – isso traz mais se-

balho pretende discutir brevemente algumas


gurança e dá mais clareza dos objetivos do


questões relativas à implantação nas escolas de


próprio curso para os alunos. As diferentes


projetos com temas transversais e apresentar a


disciplinas dão sua contribuição, criando uma


experiência de implantação de um projeto em


rede de intersecções com as demais, o que

Educação Ambiental em uma escola da rede


enriquece e motiva os envolvidos: alunos,


particular no qual são discutidas questões que


professores, funcionários e direção – espera-


envolvem a dinâmica de funcionamento de


se que essa rede ultrapasse a fronteira dos


uma cidade.
muros escolares, atraindo os pais e a comu-

nidade local.

A organização de um projeto

A dificuldade de implantação de um proje-



to escolar tem vários motivos, como a falta de


interdisciplinar

apoio da escola em questões operacionais/bu-



Os projetos inter ou transdisciplinares1 po- rocráticas, a formação dos professores, ou ain-



dem ser executados em conjunto, no “nicho” 2 da as questões salariais.



de cada uma das disciplinas envolvidas. No en- Mas um dos motivos centrais parece ser a




1
Não se entrará, aqui, em detalhes acerca das nuances das definições de cada conceito, considerando-se apenas que tais trabalhos se

referem a diferentes conteúdos educativos (freqüentemente denominados disciplinas ou matérias), sendo utilizados para abordar um deter-

minado problema.

2
Entenda-se aqui o termo “nicho” como todo o campo de atuação de uma disciplina, não só a grade horária, duração, especificidades cognitivas,

mas também suas habilidades desenvolvidas, suas inter-relações com outras disciplinas, suas transformações ao longo do tempo, sua

história.

necessidade de mudança de um paradigma: o Outra forma de estabelecer um projeto in-



fato de a escola funcionar sem um projeto edu- terdisciplinar na escola é partir de um tema es-



cativo. Antes de mais nada, ela precisa definir pecífico eleito pelo corpo escolar. A orientação



seu próprio projeto pedagógico. No caso da para a escolha desse tema pode ser feita pelos


Educação Ambiental, apenas uma escola que temas transversais, inscritos nos PCN, por eixos



contemple, em seu projeto, o diálogo entre di- temáticos ou ainda por interesse específico da



ferentes áreas e disciplinas pode, efetivamen- escola ou da comunidade (um tema ligado à fi-


te, trabalhar de forma transversal. losofia educacional da escola, por exemplo).



Após o tema ter sido identificado e aceito



Criando pelos envolvidos, é preciso definir os objetivos



do projeto. Feito isso, passa-se então a uma nova


Um projeto pode ser iniciado a partir de
etapa, na qual é necessário que os professores


uma problemática detectada na escola ou na


das diferentes disciplinas se encontrem, discu-


comunidade. Uma vez identificada tal proble-

tindo a possível contribuição de cada uma para

mática – e o tema transversal em que ela me- ○

abordar o tema. Normalmente, essa é a etapa
lhor se encaixa –, passa-se ao trabalho com as
mais delicada do processo de criação do proje-

disciplinas: como cada uma delas, circunscrita


to, mas também uma das mais interessantes. As


a suas especificidades e competências, pode


descobertas vão aparecendo naturalmente, e


contribuir para a discussão e a reflexão sobre o


uma idéia busca outra – a fome de criação mui-


problema? A seguir, alguns exemplos.


tas vezes é a tônica da reunião.

Quando a intervenção de cada



disciplina estiver delimitada, passa-se


Temas Transversais à elaboração da dinâmica de trabalho,


Problemática detectada definidos pelos PCN


definindo-se quantas aulas serão ne-



cessárias por semana, ou por semes-


Numa campanha de arrecadação de fundos


tre, ou por módulo, dependendo de


para as vítimas da seca no Nordeste nota-

Ética como o projeto for estruturado. Esti-


se que muitos alunos não querem colabo-


rar, porque não se consideram responsáveis pula-se também como será a entrada

por esse problema. de cada professor – se sozinho ou em



conjunto com um ou mais colegas.


O aparelho de som que fica ligado no pátio, Uma última etapa de criação prevê

durante o recreio, toca apenas músicas


Pluralidade Cultural a escolha das formas avaliativas. Como


indicadas pela diretoria do grêmio estudantil,


sob o protesto de minorias culturais da escola. toda avaliação, as que compuserem o



projeto devem servir para avaliar o de-


Numa pesquisa feita por um professor, é de- sempenho dos alunos no decurso das

Trabalho, Consumo e

tectado que os alunos não conseguem inter- atividades, dos professores do projeto

pretar os rótulos de produtos alimentícios. Cidadania


e do próprio projeto (se os seus conteú-



dos estão sendo alcançados).


Detecta-se que os alunos freqüentemente têm


Saúde

problemas em acordar cedo e ir para a aula.


(Im)plantando

O centro de saúde da região em que se en-


A fase de implantação do projeto


contra a escola detecta que há alta incidên- Orientação Sexual


cia de gravidez entre adolescentes. deve ser marcada pelo amplo esclare-

cimento dos objetivos de tal estratégia



Os funcionários da limpeza queixam-se educacional. Mais que nunca, os alunos



de que as classes e os corredores ficam Meio Ambiente devem estar alertas para a importância

cheios de papéis, chicletes e outros lixos


do trabalho em grupo – fundamental


depois das aulas. para o êxito de qualquer projeto. Além



disso, o trabalho com projetos pressu-



36
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

põe o fomento à autonomia de pesquisa dos alu- Questões logísticas



nos. Esse é um tema delicado, pois o limite entre


Não se pode deixar de ressaltar que, para a


a autonomia de trabalho e uma atitude de aco- criação de um projeto dentro da escola, é pre-



modação ou desinteresse é muito tênue. ciso tempo e interesse da própria instituição.


Exemplificando: mandar os alunos fazerem uma


São necessárias várias reuniões entre os profes-


pesquisa na biblioteca ou na sala de informática,


sores envolvidos para afinarem o seu trabalho.


via Internet, pode se tornar mais uma “hora de Além disso, uma aula conduzida por dois ou


recreio”. Deve-se sempre deixar bem claros os 37


mais professores de disciplinas diferentes é uma


eventuais prejuízos que tais atitudes acarretam


estratégia altamente enriquecedora de todo o


para o aluno e, mais ainda, para o grupo.


processo. Dessa forma, começa a se tornar pos-


sível aquele nosso desejo antigo (e tão atual) de


O inesperado


que os alunos percebam as disciplinas de modo



Trabalhar com projetos significa trabalhar menos compartimentalizado, como formas dis-


tintas de se organizar e interpretar um mesmo


com o inesperado. Mesmo que haja uma finali-


conhecimento ou tema.


dade bem-definida como, por exemplo, a ela-


boração de um texto reflexivo ao final do traba- Tudo isso repercute em custos com a folha


lho, ou de um relatório do planejamento do sis- ○
de pagamento dos docentes e na reorganização
do quadro programático da própria escola.

tema viário de uma cidade, ou de uma mani-


Como em toda mudança, há barreiras a serem


festação artística que traduza um determinado


olhar dado ao problema em questão, sempre ultrapassadas, como a desconfiança dos pais, ou

haverá o inusitado, seja durante a elaboração, mesmo o justificável temor de se aderir apenas

a um “novo modismo educacional”. De todo


seja no produto final.


Trabalhar dessa forma pode causar um cer- modo, a opção pelo trabalho com projetos4 pa-

to desconforto para os docentes. Muitas vezes, rece-me uma tendência acertada, que se traduz

cria-se nos professores o medo do fracasso, 3 em resultados deveras compensadores.



quando não se sabe onde vai terminar um pro-


jeto. No entanto, isso também se traduz em um Das ciências ambientais



desafio constante para o docente. O trabalho


ao Plano de Gestão Territorial


cooperativo com os demais colegas diretamen-



te envolvidos, ou mesmo com outros que ve- Um projeto em que a transversalidade é a


nham a ser chamados dadas as especificidades


Educação Ambiental vem sendo desenvolvido


das demandas criadas em determinado mo- em uma escola5 da rede particular do Ensino

mento, garante ao docente a segurança de su- Médio, em São Paulo, SP. Esse projeto, atual-

perar “fantasmas” freqüentemente evocados, mente denominado Plano de Gestão Territorial,


como aquele que nos lembra de que não temos


trata das principais questões urbanas ligadas a


todas as respostas ou aquele que nos diz que a cada cidadão, como os problemas do lixo, do

nossa ignorância pode ser interpretada pelos saneamento básico, da saúde, da energia e do

colegas (ou pela direção – o que é ainda pior) transporte.


como sinônimo de incompetência.


Mesmo que se leve em conta as particulari-







3
Dependendo da forma de encarar esse fracasso escolar, as conseqüências podem ser desastrosas. É preciso sempre que o professor, como

condutor de tal processo, assinale a possibilidade de as coisas não saírem como se imagina e que isso faz parte do aprendizado. O

“fracasso”, desde que cumpridas todas as etapas previstas do trabalho, deve ser encarado apenas como um dos resultados do processo.

Não se deve, em hipótese alguma, desprezar o conhecimento ou as habilidades adquiridos (competências). O resultado é algo muito impor-

tante mas, dependendo da situação (e o professor há de ter tal percepção), a maior valorização deve ser dada ao processo.

4
Entenda-se “projeto” como um trabalho realizado com a participação de diferentes conteúdos educativos (disciplinas) em torno de um tema

central.

5
Escola Logos: <www.logos.g12.br>.

dades do universo do ensino particular, que projetos que foram criados nessa época – uma



normalmente permite melhores condições de aposta da escola, anterior mesmo às recomen-



ensino – tanto no campo pedagógico quanto no dações dos PCN.



logístico – o projeto também poderia ser per- De 1999 para cá, houve uma série de trans-


feitamente desenvolvido na rede pública e, com formações, principalmente na diminuição do



os devidos ajustes, no Ensino Fundamental. número de turmas (atualmente, há uma), da



carga horária (atualmente são três aulas) e do


número de disciplinas envolvidas (Biologia e


Breve histórico


Geografia). Os motivos para tais alterações são


O projeto teve início em 1992, com profes-


diversos, mas o principal é a diminuição do cor-


sores 6 das seguintes disciplinas: Química, Geo-


po discente da própria escola.


grafia, Biologia e Estatística (Matemática),
Em 2000, o curso passou a se chamar Pla-


quando ainda se falava em Ciências Ambientais.


nejamento Ambiental, já com apenas duas dis-


A idéia do projeto surgiu bem antes, em 1989,

ciplinas envolvidas. Em 2001, ocorreu nova

ao acaso, durante aquelas conversas do dia-a- ○

reestruturação dos objetivos e das estratégias,
dia, na sala dos professores ou em reuniões pe-
e seu nome alterou-se novamente, agora para

dagógicas. Esse grupo de professores começou


Plano de Gestão Territorial.


a perceber nas questões ambientais uma série



de preocupações comuns às suas disciplinas.


Temas e abordagens

Abordá-las em uma única disciplina, de forma


transdisciplinar, sob diferentes aspectos, em Entre os temas em Educação Ambiental que



torno de um eixo, pareceu-lhes uma estratégia poderiam tornar-se transversais, optou-se, ini-

interessante. cialmente, pela questão do lixo no ambiente ur-


Com o apoio da instituição – condição sine bano. Eram evidentes as diferentes formas de

qua non para qualquer projeto que pretenda ser abordagem de um tema tão complexo. Qualquer

bem-sucedido –, os professores, durante três que fosse a disciplina, haveria sobre o que re-

anos, criaram o projeto do curso de Ciências fletir e o que discutir. No entanto, esse tema es-

Ambientais. Inicialmente, o curso tinha 6 ho- tava ligado a outros, como a questão da água e

ras-aula semanais – Química e Biologia, duas do esgoto de uma cidade, a produção de ener-

aulas; Geografia e Estatística, uma. Era minis- gia, o transporte, a moradia, os padrões de con-

trado para uma turma de 28 alunos do terceiro sumo, o desperdício, a saúde, o lazer, os aspec-

colegial (nome do Ensino Médio na época), com tos econômicos, a vontade política, a ação in-

o caráter de matéria optativa. Em 1997, já eram dividual. Discutir uma cidade é, ao mesmo tem-

duas turmas de cerca de 36 alunos cada uma. po, fascinante e extremamente complicado.

Nesse período, as cargas horárias de Química e Não há nada mais próximo de nossos alunos

Geografia inverteram-se, em razão dos rumos que vivem em cidades, principalmente nos

que o curso tomou. Ficou clara para os profes- grandes centros, que as questões próprias do

sores do curso a necessidade de maior espaço ambiente em que se inserem.



para a Geografia, dado o seu caráter mais Por uma questão funcional, foram delimita-

holístico nas questões ambientais. Parte dos dos, inicialmente, alguns temas centrais: os pro-

temas abordados na Química (principalmente blemas do lixo, da água e do saneamento básico,



os aspectos técnicos) passou para a Biologia. do ar que se respira, da energia e do transporte.



O curso migrou, então, oficialmente para a Atualmente, a saúde e a sustentabilidade foram


condição de projeto, juntamente com outros incorporadas à discussão.







6
Inicialmente, os professores autores desse projeto foram Joel A. Pontin (Química), Marcelo Faria (Geografia), Zysman Neiman (Biologia) e

Luís Belloni Jr. (Estatística). Posteriormente, todos esses professores, por diferentes motivos, foram cedendo seus lugares a outros colegas:

Rubem Gorski (Estatística), Sérgio Peixoto (Química), Judith N. Maida (Geografia), José M. Martins (Biologia) e Patrícia Pereira (Geografia),

sendo estes dois últimos os responsáveis pela equipe atual.


38
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

Objetivos, estratégias e está muito habituada às pesquisas na Internet.



desenvolvimento do trabalho Mesmo assim, sempre se incentivou a pesquisa



em livros e em revistas especializadas. A


O objetivo principal do curso era, desde a


Internet, como bem sabemos, contém uma
sua primeira versão, que, no final, os alunos


gama quase infinita de informações. No entan-


pudessem ter elaborado um planejamento para


to, uma boa parte delas não é confiável. E o mais


uma cidade de médio porte (cerca de 200 mil


importante é ensinar aos alunos como filtrar,


habitantes). Essa cidade era escolhida em con- 39
selecionar tais informações.


junto com o grupo de professores.


Entre os dados levantados a partir das dife-


O planejamento deveria conter propostas


rentes fontes, destacavam-se: população; frota


para o lixo urbano, o sistema de abastecimento


veicular; oferta e demanda de energia; política
de água e o saneamento básico e a malha viária


de coleta, tratamento e destino dos resíduos


(transporte urbano), levando-se em conta a


sólidos; abastecimento e consumo de água; pro-


questão energética e a poluição atmosférica.


dução e tratamento de efluentes líquidos.


O trabalho cooperativo, desenvolvido em


Durante o curso, os alunos desenvolviam
grupos, sempre foi uma das principais estraté-


uma maquete da mancha urbana e das imedia-


gias nesse projeto. Em alguns momentos do

ções da cidade escolhida. Nela, podiam de-
curso, eram feitas avaliações mais formais e in- ○

monstrar a problematização e o planejamento


dividuais para que cada aluno tivesse um me-


escolhido para a cidade. Um relatório final e sua


lhor panorama de seu próprio desenvolvimen-

defesa pública concluíam o projeto.


to e de sua produtividade.

A princípio, o desenvolvimento do curso


Transformações

ocorria com cada disciplina, começando os tra-


balhos com enfoque nos aspectos mais particu- Ao longo dos anos, o curso de Ciências

lares dos temas centrais, divididos em módulos Ambientais adaptou-se a diferentes condições

(lixo, água–esgoto; ar; energia–transporte). Des- de trabalho. Essas transformações, motivadas



sa forma, pretendia-se instrumentalizar os alu- pela alteração na carga horária (três aulas) e no

nos para as questões urbanas que seriam discu- número de disciplinas (duas), culminaram com

tidas no planejamento de sua cidade. o atual Plano de Gestão Territorial.



Por exemplo, a Geografia iniciava a discus- Como a própria ementa do curso assinala,

são de como se dá a relação homem–natureza, trata-se de um curso que pretende abordar ques-

enquanto a Química e a Biologia começavam o tões relativas à gestão e à organização do espaço



trabalho com a questão do lixo urbano sob vá- geográfico, tendo como arcabouço teórico o co-

rios aspectos, desde as formas de disposição nhecimento desenvolvido pelas disciplinas Bio-

(lixões, aterros, incineradores, compostagem e


logia e Geografia, o que possibilita uma aborda-


reciclagem) até os padrões de consumo e des- gem essencialmente interdisciplinar. São, ainda,

perdício (também enfocados pela Geografia). A abordados temas próprios da Química e da Ge-

Matemática iniciava o trabalho com a apresen- ologia, relativos ao ambiente, e da Estatística, no


tação de conceitos básicos de estatística, neces-


tratamento dos dados levantados.


sários posteriormente para a análise de dados Mantém-se a estratégia de se escolher uma



da cidade que os alunos iriam planejar. cidade de porte pequeno-médio, do interior



Ao longo do curso, um importante trabalho paulista, como base do trabalho final, que con-

era desenvolvido: a autonomia de pesquisa. Isso


sistirá na elaboração de uma proposta de pla-


se dava, principalmente, no momento em que nejamento de uma determinada questão da ci-



os alunos deveriam levantar os dados relativos dade (lixo, água/esgoto, energia, transporte,

à cidade cujo planejamento executariam. Esse saúde, poluição atmosférica) sorteada entre os

sempre foi um momento crucial, como já foi


grupos. Como se pode notar, por causa do tem-


discutido anteriormente, na implantação de po mais escasso para o trabalho, também se di-



projetos na escola. Essa geração de alunos já minuiu a abrangência do projeto final.




Um projeto dentro de outro • apresentação do “som do lixo”, a partir de



sucata.


Um dos pontos fortes de se trabalhar com



projetos é que eles possibilitam a criação de Vale ressaltar que eventos como esse costu-



outros, como se fossem ramificações do proje- mam extrapolar o próprio espaço da disciplina


to inicial. Quando iniciados a partir de uma ne-


em que estão inseridos originariamente. Vári-


cessidade de um grupo, adquirem cor, tornam-


os outros professores, de diferentes áreas, têm


se vivos e autônomos. colaborado na execução do evento e contribuí-



O projeto Reciclogos surgiu, em 1996, dessa do para o seu sucesso. Sem essa adesão da co-


necessidade que os alunos de Ciências Ambien-


munidade escolar, o fracasso pode se fazer um


tais sentiram em relação à questão do lixo. O pro- elemento cada vez mais presente.



blema incomodava, precisavam fazer algo. Che-


gou-se então à idéia de realizar a coleta seletiva na


Concluindo, mas não finalizando

escola. No seu primeiro ano, o projeto buscou cri-


ar uma infra-estrutura básica para a separação do ○
○ A experiência de todos esses anos num pro-
lixo e a identificação de locais de envio para a jeto transdisciplinar em Educação Ambiental

reciclagem. O processo de divulgação e adesão dos


permite-nos dizer que o caminho adotado foi


demais alunos sempre foi a tarefa mais difícil. A extremamente válido. O crescimento que se

mudança de hábito, freqüentemente, é acompa- pode evidenciar, tanto na formação, como na



nhada de rejeição decorrente do comodismo e do mudança de atitudes dos alunos, é inegável.


desconhecimento do problema. Os alunos de Ci-


Além de se defrontarem com os problemas que


ências Ambientais puderam, ao longo desses anos, os cercam e dos quais fazem parte igualmente

sentir essa dificuldade in loco, pois cabe a eles, ain- como agentes, também vivenciam as dificulda-

da hoje, a continuidade do projeto. des em se estabelecer soluções para as questões


Uma das formas encontradas para se mar-


ambientais. Isso parece estar ligado sobretudo


car, a cada ano, o início da divulgação do proje- à crise da noção de comunidade e coletividade

to é a promoção de um evento – um dia em que (público x privado) e à famigerada tendência à



a escola pára para participar de atividades rela- inércia, à qual todos estamos sujeitos.

cionadas à coleta seletiva, à reciclagem e à apre-


No início do curso, é muito comum que os


sentação da atual situação atinente. alunos estejam ainda presos às idéias de que

No dia do “evento do lixo”, são desenvolvi- existirá sempre alguma solução técnica para as

das atividades como: questões ambientais (no caso, urbanas), e de


• confecção de cartazes permanentes com


que alguém fará isso por eles. Ao final, obser-


mensagens educativas; vamos que a conscientização de cada um so-



• criação de homepages de divulgação do bre a sua participação na geração dos proble-



projeto; mas ambientais, principalmente por meio do


consumo e do desperdício, fica bem evidente.


• realização da gincana do lixo;


Tanto é assim que o projeto Reciclogos, de co-


• apresentação teatral;

leta seletiva, surgiu exatamente de um incô-


• palestras com especialistas;


modo causado pelo conhecimento mais verti-


• realização de oficinas de reciclagem de pa- cal da questão do lixo.



pel e de confecção de brinquedos a partir Um projeto escolar, seja em Educação



de sucata; Ambiental, seja em qualquer outro tema



• projeção de vídeos relativos ao tema, alguns transversal, só pode lograr êxito 7 se não tiver

medo do inesperado, do vindouro e das mu-


produzidos pelos próprios alunos;






7
O sucesso escolar é entendido aqui como a aquisição de conhecimentos, habilidades, desenvolvimento de competências e valorização de

atitudes éticas por todos os atores do ambiente escolar envolvidos: professores, alunos, funcionários e direção.

40
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

danças. O ambiente escolar, com a riqueza de


g12.br/trabalhos/medio/ambiente/ciencias.htm>


seus vários atores, é um espaço privilegiado MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-



damental. Parâmetros Curriculares Nacionais . Temas
para a experimentação e a transformação da


transversais. Brasília: SEF/MEC, 1998.


realidade, e não se deve abrir mão dessa con-


SENADO FEDERAL. Agenda 21 . In: CONFERÊNCIA
dição essencial.


DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E



DESENVOLVIMENTO, 2., 1992, Rio de Janeiro.


Bibliografia Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas,


41


1997.


DIAS, Genebaldo F. Educação Ambiental – princípios e prá- UNESCO/UNEP. Intergover namental Conference on



ticas. São Paulo: Global, 1998. Environmental Education, 1977, Tbilisi, URSS – Final


ESCOLA LOGOS – Ciências Ambientais. <http://www.logos. Report. Tbilisi/CEI: Unesco, 1977.













A Educação Ambiental


no ensino formal




Jaime Tadeu Oliva*







Resumo



Procurando contextualizar histórica e soci- os benefícios virão pelo potencial vivo com efei-

almente as origens e a natureza da Educação tos desburocratizantes que a Educação Ambiental


Ambiental, esta apresentação discute a comple- representará para as disciplinas escolares. Quan-

xidade de elementos que devem ser considera- to ao lado da Educação Ambiental, as vantagens

dos para pensarmos as formas de introdução da serão a de se obrigar a reabrir discussões (tidas,

Educação Ambiental no ensino formal. A princi- ingenuamente, como resolvidas), tais como

pal conclusão, que também é o argumento cen- sustentabilidade, biodiversidade, relação ho-

mem–natureza, evitando com isso que temas as-


tral, entende que a Educação Ambiental é uma


prática originalmente externa ao ensino formal, sim sejam tratados como dogmas. Sustentando

cujos contornos estão mais marcados pela ação essa conclusão, há raciocínios e argumentos que

e pela intervenção nas realidades encontradas. procuram mostrar os pontos de contato já exis-

No entanto, uma vez introduzida no ambiente tentes entre as disciplinas escolares e as elabora-

escolar formal, ela deverá se conformar em par- ções presentes na chamada “questão ambiental”,

te à natureza deste, mais voltado à reflexão, como essenciais para que se conquiste um relacionamen-

elemento essencial da formação intelectual do to produtivo entre essas duas esferas, o que é uma

aluno. Essa situação será vantajosa para os dois necessidade indispensável para o engajamento do

lados do problema. Pelo lado do ensino formal, conjunto dos professores nessa tarefa.






* Geógrafo, doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo; co-autor dos livros didáticos para Ensino Médio: Espaço e

modernidade – Temas da Geografia mundial (1997) e Espaço e modernidade – temas da Geografia do Brasil (1999), ambos pela Editora

Atual.

Propiciar a reflexão sobre os múltiplos sig- Foi com base nesse entendimento que o



nificados, virtudes e cuidados com a introdu- Congresso Nacional do Brasil instituiu a Polí-



ção da Educação Ambiental no ensino formal é tica Nacional de Educação Ambiental, por



o objetivo desta apresentação. A Educação meio da Lei nº 9.795, de 27/4/1999. Vale des-


Ambiental é uma prática nova, que só agora tacar o que é a Educação Ambiental conforme



começa a se instalar de modo organizado e ofi- a lei: são aqueles processos por meio dos quais



cial no sistema escolar brasileiro. É evidente que o indivíduo e a coletividade constroem valo-


alguns temas da chamada “questão ambiental” res sociais, conhecimentos, habilidades, atitu-



já estavam presentes no corpo programático de des e competências voltadas para a conserva-



algumas disciplinas, isso porque são assuntos ção do meio ambiente, devendo estar presen-



que lhes concernem, quer dizer: não estavam te de forma articulada em todos os níveis e mo-


organizados sob um recorte abrangente e dalidades do processo educativo, em caráter



globalizante, que se vem configurando desde os formal e não formal. Serão princípios básicos



anos 1960/1970, por força de um conjunto de da Educação Ambiental os enfoques humanis-


movimentos em defesa do meio ambiente que, ○
tas, holísticos, democráticos e participativos;
sem dúvida, logrou sensibilizar parcelas signi- uma concepção de meio ambiente que ultra-

ficativas da sociedade e suas respectivas insti- passa o limite naturalista, considerando a



tuições para a questão ambiental. Foi no inte- interdependência entre o meio natural, o

rior desses movimentos que ganhou forma a socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da

Educação Ambiental1 e se estabeleceu que essa sustentabilidade; o pluralismo de idéias e con-



prática, além de ser empregada em vários âm- cepções pedagógicas, na perspectiva da inter,

bitos da vida social, também deveria ser multi e transdisciplinaridade. Ela não deverá

introduzida no universo escolar formal. deve ser implantada como disciplina específi-

Nos anos 1990, o marco dos movimentos ca no currículo de ensino.



em torno da questão ambiental foi a Rio-92. Os elementos expostos até aqui nos permi-

O seu principal documento (a Agenda 21) as- tem identificar algumas características próprias

sim tratou a Educação Ambiental no âmbito da Educação Ambiental que devem ser levadas

escolar: em conta para pensarmos sua implantação no



universo escolar formal:



O ensino tem fundamental importância na pro- • A Educação Ambiental transcende o uni-


verso escolar. Embora seja uma prática que


moção do desenvolvimento sustentável [...] O


ensino é também fundamental para conferir se estrutura também com base na elabora-

consciência ambiental e ética, valores e atitudes, ção de conhecimentos, tem sua ênfase

principal na ação. É justamente sua ação


técnicas de comportamento em consonância


com o desenvolvimento sustentável que favore- cotidiana na sociedade, organizada sob as


mais diferentes entidades e organizações,


çam a participação pública efetiva nas tomadas


com atuação numa gama enorme de temas


de decisão. Para ser eficaz, o ensino sobre o meio


ambiente e o desenvolvimento deve abordar a que se associam à questão ambiental, que


constitui sua principal experiência. Intro-


dinâmica do desenvolvimento do meio físico/


biológico e do socioeconômico e do desenvol- duzir essa experiência no ensino formal vai



vimento humano (que pode incluir o espiritu- exigir algumas adaptações, que não elimi-

nem sua força e os conhecimentos obtidos


al), deve integrar-se em todas as disciplinas e


empregar métodos formais e informais e meios na prática da vida corrente (aliás, essa é

efetivos de comunicação. uma das virtudes da Educação Ambiental,







1
Tal é o caso da Conferência Intragovernamental de Tbilisi sobre Educação Ambiental, organizada pela Unesco e pelo Pnuma e realizada em

1977, que é o referencial fundamental para a celebração da Educação Ambiental como prática a ser desenvolvida no cotidiano da sociedade,

buscando ser o meio essencial de sensibilização sobre a centralidade do meio ambiente nas questões contemporâneas – num sentido mais

largo – e como prática que busca educar as pessoas para cuidarem melhor do meio ambiente –, sendo esse seu sentido mais restrito.

42
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

de extrema valia para o ensino formal), mas dúvida, foi na proposição dos Parâmetros Cur-



considerem algumas peculiaridades do riculares Nacionais para o Ensino Fundamen-



ensino formal. Ao ingressar no universo do tal que melhor se explicitou o campo de atua-


ensino formal, a Educação Ambiental ga-


ção da Educação Ambiental por meio da


nha maior espaço para reflexão, aumenta transversalização do tema meio ambiente, para


suas funções na formação e na construção


o qual foi criado um texto próprio. E aqui, a pro-


de idéias e vê um pouco diminuída sua ên-


pósito, queríamos ressaltar um aspecto que nos


fase para a ação, que é mais aplicável a ou- 43
parece essencial. A transversalização da Educa-


tras experiências de Educação Ambiental


ção Ambiental não pode ser entendida como


fora do mundo escolar.


um artifício para estimular que as várias disci-


• A entrada dos temas da Educação Ambien-


plinas incluam em seus programas alguma coi-


tal no cotidiano escolar dar-se-á por meio
sa de Educação Ambiental. O que ocorre é que


de práticas interdisciplinares e pela trans-


certas dimensões da realidade, apesar dos re-


versalização dos seus conteúdos. Isso pode


cortes que as disciplinas executam para estudá-


gerar alguma dificuldade para aqueles que


la segundo óticas diversas, continuam a
tem a Educação Ambiental como uma área


permear cada um dos enfoques. Esse é o caso


própria de saber, com especificidades

do chamado meio ambiente, que é uma elabo-

conceituais. Como transversalizar algo que ○

tem corpo próprio? Qual seria a participa- ração relacionada à espacialidade das socieda-

ção dos professores das várias disciplinas des. Quer dizer: não foram os PCN que fizeram

que não compartilham esse quadro teórico do tema Meio Ambiente algo transversal às dis-

e prático da Educação Ambiental? E como ciplinas, pois de algum modo essa transversali-

teriam acesso a esse conhecimento? Caso dade já estava evidenciada na realidade. Não é

seja justa a posição do conhecimento espe- por outra razão que justamente as reflexões

cífico da Educação Ambiental, parece que o mais apuradas sobre a questão ambiental não

ideal seria a existência no currículo da dis- a reduzem a apenas uma defesa tópica da na-

ciplina de Educação Ambiental com profes-


tureza, ou do meio ambiente, mas sinalizam


sores especializados. Esse é um tema ainda que, por meio dessa questão, pensamos mais

muito controverso, visto que a origem da largamente o mundo que vivemos, ou, dito de

Educação Ambiental não coincide com a das


outro modo: as questões ligadas ao meio ambi-


disciplinas tradicionais, que tem raízes nas


ente são transversais à vida como um todo


universidades e na cultura acadêmica, de

(logo, também, aos objetos das disciplinas).


um modo geral e, francamente, pensamos


Acreditamos que esse raciocínio acaba por


ser um exagero equiparar a Educação Am-


biental às disciplinas escolares, mesmo por- mostrar o caminho da introdução da Educação



que boa parte dos conhecimentos que a ali- Ambiental no ensino formal. De forma latente

e sob recortes vários, temas relacionados à


mentam tem origem nas disciplinas cientí-


ficas que têm expressão escolar. Por isso, questão ambiental já estão presentes no inte-

entre outros motivos, essa é mais uma ra- rior das disciplinas. É preciso revelá-los e

zão para transversalizar a Educação Am- ampliá-los, o que por si só pode lhe dar novos e

biental no interior das disciplinas, visto que mais sólidos contornos com a contribuição das

de algum modo ela já está lá. disciplinas, assim como, em contrapartida, a



presença da questão ambiental significará um



arejamento do universo escolar, estimulando as


A importância da Educação disciplinas a se reaproximarem da realidade,



ampliando até mesmo seus repertórios.


Ambiental no ensino formal


Se a vivência escolar é um momento indis-



As novas diretrizes curriculares propostas pensável de constituição da cidadania, é preci-


so que o conhecimento lá oferecido e desenvol-


pelo MEC, nas várias instâncias de ensino, con-


templaram a introdução da Educação Am- vido seja de fato conhecimento. Não há conhe-

biental no interior do ensino formal. Mas, sem cimento verdadeiro que não se referencie na

realidade; não há conhecimento se o aprendi- ambiental não coincidem, mas, obviamente,



do não enriquece nosso olhar sobre a realidade possuem muitos pontos de contato, já que o



e se não nos capacita para que, diante da com- meio ambiente, como aspecto da espacialidade



plexidade do mundo real, saibamos, minima- social, é transversal a toda a realidade. Desven-


mente, nos posicionar e orientar nossas opções dar e revelar esse campo comum entre as disci-



e ações. Infelizmente, pode-se afirmar que o plinas e um tema que ninguém dúvida ser a “re-



universo e o momento escolar não têm cum- alidade real” pode sacudir saudavelmente os


prido a contento essa finalidade. Muitas são as alicerces burocráticos das disciplinas e do am-



razões. A prática escolar com base nas discipli- biente escolar. Melhor ainda quando os novos



nas clássicas de certo modo congelou-se. Mes- conteúdos propostos exigirem interlocução



mo nos grandes centros e nas principais esco- com outras disciplinas e com elaborações vin-


las, o conhecimento escolar está burocratizado das da vida externa (ambientalismo, entidades



e afastado da realidade. Tem valor utilitário para de vários tipos, organizações não-governamen-



ultrapassar fases (vestibulares, concursos, em- tais nacionais e internacionais, Estado, mídia


pregos etc.), mas tem valor menor na constru- ○
etc.). Aí, perceber-se-á que o que cada discipli-
ção humana desinteressada, por um lado, e ci- na tem a oferecer como conhecimento aplica-

dadã, por outro. Como sacudir o conhecimen- do servirá também para demonstrar que, às ve-

to escolar? Como sacudir as disciplinas e fazê- zes, a voz da disciplina exposta à vida real pre-

las de novo alimentarem-se da vida real e vita- cisa ser melhorada ou remodelada.

lizar o valor educativo que elas possuem? Uma Mas há outras questões: essa convivência

ação necessária é trazer de modo explícito para orgânica com o tema transversal meio ambien-

o universo escolar recortes da vida real, ques- te (e os outros) seria suficiente para aproximar

tões candentes que estamos vivenciando e que o universo escolar da realidade? E isso seria só

de fato contam no desenrolar de nosso destino, o que se pode fazer para a constituição da cida-

como, no caso, o tema do meio ambiente sem dania? Bem, caso se consiga aproximar a reali-

dúvida conta. dade do ensino escolar, quer dizer, restabele-


cer essa relação indispensável sem a qual tudo



Como introduzir a Educação é farsa, já será muito, mas é preciso destacar que

para que isso ocorra é preciso aproveitar o po-


Ambiental no ensino formal

tencial integral de um tema transversal. Ele, no


No universo escolar formal, as iniciativas caso o tema ambiental, não se caracteriza ape-

sobre o que será aprendido e discutido estão nas por ser um recorte diferente em compara-

sob o encargo das disciplinas clássicas. Como ção com as disciplinas. Ele é um recorte

introduzir a Educação Ambiental sem que ela construído, social e historicamente, como pro-

aparente ser uma exterioridade, uma invasão, duto de movimentos e lutas sociais, ou poderí-

uma moda, ou um tema gerador? 2 Como de- amos enunciar de outro modo: ele é uma ques-

monstrar que a Educação Ambiental trata de tão identificada e revelada por esses movimen-

temas que, em alguma medida, já estão presen-


tos, que, de certa maneira, se ocultava sob os


tes no repertório das disciplinas? Uma resposta recortes congelados das disciplinas.

seria a seguinte: os recortes das disciplinas e o Mas o que queremos destacar agora é que

recorte construído socialmente do tema não se constituiu esse recorte para se estudar a





2
A idéia de tema gerador tem pelo menos dois significados. O primeiro, caro aos educadores ambientais, refere-se ao tratamento que deve ser

dado às práticas pedagógicas que utilizam como forma de Educação Ambiental a discussão e a solução de problemas ambientais localiza-

dos. E aí a idéia tem o seguinte significado: a solução do problema ambiental não deve ser a finalidade, e sim a partir dela gerar uma outra

e superior compreensão da questão ambiental. De outro lado, convencionou-se designar como tema gerador aquela situação em que em

ambiente escolar, a partir de um único tema, as disciplinas atuam sincronizadamente no tempo e no espaço, de certo modo, dando um

caráter de excepcionalidade que interrompe a rotina escolar, o que contraria a idéia de transversalidade orgânica que buscamos alcançar. No

caso do texto, estamos usando a expressão tema gerador nesse segundo significado.

44
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

realidade de um outro ponto de vista, mas para americano Albert O. Hirschman tece um co-



intervir nela, para questionar o mundo em que mentário, a nosso ver precioso, sobre isso:



vivemos, para reformá-lo, ou mesmo revolu-



cioná-lo. Dito de outro modo: trata-se de um Ter muitas opiniões sólidas é um indicador am-


jeito de olhar a realidade que vem carregado de bíguo de bem-estar, que pode ou não cumprir



valores assumidos e de atitudes propostas e já permanentemente a promessa de dotar os que



tomadas. Ora, deixar a escola ser penetrada por as têm com verdadeira identidade e rica perso-


algo assim cria condições para que sua comu- nalidade… ter opiniões será tanto menos eficaz 45



quanto mais as opiniões forem adquiridas por
nidade se insira em um outro e mais elevado


meio de adoção irrestrita de uma ideologia, ou


patamar de aproximação da realidade. Cria-se


seja, quanto mais pronunciado for seu caráter


um campo de discussão e confrontação de va-


“reflexo”. Um modo de adquirir opiniões de ma-
lores, o que deve ser encarado como o momen-


neira oposta, enriquecendo a personalidade, é


to crucial de formação da autonomia do aluno,


dar-lhes forma definida só depois de tê-las con-


ingrediente obviamente imprescindível na for- frontado intensivamente com outras idéias, ou



mação de um cidadão. seja, por meio do processo de deliberação de-


O destaque e o cuidado que damos à im-


mocrática (Hirschman, 1996: 96).

portância da formação autônoma de valores se

deve ao fato de que as grandes elaborações crí- Estamos, com freqüência, insistindo que o

ticas engendradas por autores e pelos movi- tema transversal meio ambiente no ambiente

mentos organizados do ambientalismo cria- escolar, configurado como Educação Ambien-



ram um vasto quadro cultural, que tornou cer- tal, ultrapassa a importância de uma experiên-

tas idéias indiscutíveis, a partir de opiniões rí- cia cognitiva convencional. Trata-se de uma ex-

gidas envoltas por convicção apaixonada. Nada


periência humana de maior envergadura, daí


disso é mau em si, contudo não se pode dese- suas virtudes na formação da cidadania. E isso

jar que no universo escolar idéias com essas se dá, pois, por meio do tema meio ambiente,

características sejam exclusivas e sirvam de que estimula um olhar mais globalizante sobre

mote e pretexto para sensibilizar e formar o


temas muito complexos com os quais as pesso-


aluno crítico quanto ao quadro ambiental em as terão de conviver e já convivem. Para se ter

que estamos inseridos. Os alunos estão se for- uma idéia do alcance da discussão sobre a ques-

mando – é preciso discussão e contraposição. tão ambiental, tal o contorno por ela assumi-

O aluno crítico não é aquele que assume as


do, por seu intermédio coloca-se em xeque con-


nossas convicções e faz uma crítica por nós cepções de ser humano e concepções de natu-

planejada. O potencial crítico do ser humano reza que estavam bem arraigadas na cultura

é criador, e não repetidor, pois o horizonte da ocidental. Esse tema nos conduz ao núcleo

crítica é sempre aberto e infinito, e não termi-


mesmo de nossa existência. Obriga-nos, por


na num projeto dado. exemplo, a questionar como é a vida em nossa



A crueza e a gravidade, por si sós, da dimen- cidade, em nosso país e no mundo. É a partir

são ambiental do mundo são fortes o suficien- da questão ambiental que, atualmente, ainda

te para sensibilizar os que serão informados so-


sobrevivem reflexões sobre como devem ser os


bre ela. Deve-se, no conjunto das informações modelos de desenvolvimento, como deve ser o

usadas, mostrar visões distintas, que admitem nosso futuro, o que a torna um campo para se

níveis diferenciados de condenação do mundo discutir cidadania, comportamento em relação


em que vivemos; logo, proposições diversas de


aos outros membros da sociedade, em relação


solução para o quadro apresentado. Se a Edu- à natureza etc. Os vários atores que propugnam,

cação Ambiental é algo novo, que se constitui, por meio da Educação Ambiental, discussões

ela não pode estar erigida em definitivo sobre sobre o futuro, embora possam fazê-lo de di-

idéias sólidas e irremovíveis, porque no campo


versas formas, têm algo em comum: a idéia de


do conhecimento e da educação idéias sólidas sustentabilidade. E é sobre ela que vamos re-

nem sempre são saudáveis. O sociólogo alemão- fletir um pouco, pelo papel central que certa-

mente essa idéia terá no interior da Educação etc. Bem, acreditamos que esta última posição



Ambiental, no ensino formal. aberta sobre a sustentabilidade é a ideal para



É preciso sempre ressaltar que os temas que compor o cenário da Educação Ambiental no



a Educação Ambiental levantará nas escolas se- ensino formal, por ser mais fecunda e apropri-


rão sempre polêmicos e controversos, porque ada para o processo de construção de idéias e



nenhuma questão com essa dimensão globali- valores.



zante se desenrola consensualmente. É o mo-


delo inteiro de nossa existência (por exemplo,


Algumas questões práticas


somos ou não natureza?) que está em causa, e é


da Educação Ambiental no


natural que os entendimentos e as interpreta-



ções difiram e conflitem, mesmo entre aqueles
ensino formal


que admitem a gravidade de uma questão



ambiental a ser resolvida. Eis mais uma rique- Todas as idéias aqui desenvolvidas argumen-


tam a favor de o tema meio ambiente ser incor-

za do tema transversal meio ambiente que não

○ porado ao cotidiano escolar como Educação
pode deixar de ser explorada no ambiente es- ○

colar. E qual o cenário já dado para travar essas Ambiental por intermédio das disciplinas e não

discussões, visando à formação educacional apenas que se mantenha como um tema excep-

cional (como uma exterioridade) em semanas ou


para buscar elaborações mais ricas e encontrar


atividades comemorativas. O esforço vai na dire-


soluções em diversas escalas? É o cenário ine-


vitável construído pela idéia de sustenta- ção de trabalhar para que as disciplinas não in-

bilidade. É preciso notar que essa idéia não sus- cluam burocraticamente conteúdos de meio am-

biente nas suas aulas só para “cumprir tabela”. O


pende as controvérsias e as polêmicas, ao con-


trário, pois há uma concepção e um modelo de objetivo é encontrar nas disciplinas3 contribui-

sustentabilidade para todos os gostos. Mas é em ções efetivas que elas podem dar, a partir de sua

torno da busca de uma relação diferente, sim- própria natureza, para o entendimento, a ampli-

ação e o enriquecimento da questão ambiental,


bolizada pelo termo “sustentável”, com o meio


ambiente que todas as posições se organizam e de modo que isso se dê sem que o professor de

se fundamentam. Há modelos completos de qualquer disciplina tenha de fugir do seu progra-



relações sustentáveis que apontam mudanças ma, sem ferir sua autonomia. A necessidade é que

ele integre, conforme a especificidade de sua área,


radicais em nossa sociedade como condição


necessária para sua implantação. Nesse caso, só no seu curso, o tema ambiental. A busca é a ob-

um futuro possível nos permitirá uma sustenta- tenção de uma certa organicidade entre a disci-

bilidade. De outro lado, há quem pense que a plina e a transversalidade.


Para a obtenção de uma relação fértil entre


idéia de sustentabilidade não deve ser uma uto-


pia ligada a um futuro distante e que, na verda- as disciplinas e o tema meio ambiente, seja por

de, ela é um norte simbólico a ser construído meio da transversalidade, seja pela interdisci-

crítica e democraticamente, desde já e a todo plinaridade, é preciso responder a uma ques-


tão: quais os conteúdos a serem utilizados para


momento. Que se trata de uma idéia dinâmica


de reforma constante, que exige um espaço de- efeito de análise das disciplinas e para servirem

mocrático com contraposição de idéias, que de meios para estimular algumas ações de Edu-

cação Ambiental na escola? Se as preocupações


não é dogmática, que ainda não está pronta, que


em torno da questão ambiental lograram cons-


deve alimentar-se de conhecimentos vindos de


diversas fontes, que não nutre preconceitos tituir uma Educação Ambiental que, com todo

contra as ciências, as tecnologias (mas reivin- mérito, se impõe ao sistema escolar, é coerente

que se mantenha como orientação básica de


dica controle democrático sobre a produção


roteiro programático o próprio roteiro cons-


científica e tecnológica e o uso que se faz disso)






3
Nos seus objetos e ângulos de abordagem próprios.

46
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola

truído nos documentos básicos. O mais com- colar deve estar aberto a projetos de Educação



pleto é a Agenda 21, e nela identificamos as ca- Ambiental que tenham inspiração e iniciativa



racterísticas que permitem um tratamento ade- extra-escolar (nas comunidades, em órgãos go-



quado da questão. Vamos identificar algumas: vernamentais de todas as instâncias, nas enti-


• A questão ambiental jamais é tratada como dades não-governamentais etc.), e, ao mesmo



algo destacado das dimensões sociais e eco- tempo, a escola pode ser também palco de ini-



nômicas do mundo em que vivemos, e ja- ciativas que extrapolem seus limites e se irri-


mais é tratada, portanto, como uma simples guem para as comunidades imediatas ou além. 47



preservação pontual da natureza. E aí está um dos valores centrais da Educação



• A idéia de sustentabilidade é amplamente Ambiental fundamental para a formação: o es-



discutida e está sempre orientando todos os tímulo para pensarmos em projetos, em inter-


aspectos tratados da questão ambiental. venção e participação na vida global, para com-



• Todas as questões fundamentais da crise batermos a indiferença, que nem sempre o sis-



ambiental que estão à espera de solução ali tema escolar consegue combater. Portanto, faz



estão apresentadas (padrões de consumo e parte da introdução da Educação Ambiental no


sobrecarga sobre os recursos naturais; sane- ensino formal toda uma consideração e a exis-



amento básico; água; uso e transformação tência de ações que garantam esse vínculo com

das várias formas de energia; combate ao ○


a Educação Ambiental em ambiente extra-es-


desflorestamento; desertificação e proteção

colar, mas sempre se resguardando para que a


de ecossistemas frágeis; uso e conservação Educação Ambiental no universo escolar tenha


da diversidade biológica; substâncias de alta


sua ênfase principal na reflexão, e não na ação.


periculosidade, seus resíduos e atividades


Por fim, o que resta para ser comentado


perigosos etc.).
como algo prático a ser tratado se refere aos

procedimentos necessários para a formação de



Talvez a grande lacuna se refira à carência professores que saibam lidar com a Educação

de tratamento direto dos ambientes urbanos,


Ambiental. Não basta, para fazer jus à comple-


o que, por si só, pode indicar um desvio pro- xidade da Educação Ambiental, reduzir a for-

blemático no interior da cultura ambientalista. mação dos professores a certas técnicas e in-

É lógico que esses conteúdos devem ser adap- formações que lhes permitam ser um “agente

tados, e as próprias disciplinas devem adequá-


sensibilizador” sobre a questão ambiental. É


los, modificá-los, tirar alguns e acrescentar preciso que eles estejam preparados para, a co-

outros ao seu corpo, ou mesmo permitir que meçar do ponto de vista de sua disciplina,

esse corpo se modifique. Há também de se aprofundar a análise e elevar a discussão do


encontrar formas de adaptação para os níveis


tema ambiental para patamares mais comple-


e os tipos diferenciados de ensino. Mas, refor- xos. Os professores, para essa capacitação, de-

çamos, os conteúdos não são misteriosos, pois verão ter acesso a materiais, cursos e experi-

são esses mesmos que se foram disseminando ências que lhes demonstrem essa possibilida-

e popularizando como conteúdos próprios da


de de sua disciplina produzir uma contribui-


questão ambiental. ção à questão, para que eles não fiquem com a

Ao introduzir a Educação Ambiental no en- impressão de que o saber e a experiência que



sino formal, com as adaptações necessárias já já trazem de nada servem e que a capacitação

debatidas, não se quer produzir uma ruptura


em Educação Ambiental signifique o acesso e


com a Educação Ambiental ampla e produzir o aprendizado de um cabedal totalmente novo



dois campos estranhos e desconectados de Edu- de conhecimentos estranhos a eles e à sua for-

cação Ambiental. Seria lamentável que isso mação. Caso eles não tenham familiaridade,

ocorresse, pois a Educação Ambiental no ensi-


deverão conhecer alguns conteúdos novos,


no formal correria o sério risco de se congelar e mas, em especial, aqueles que mais alimentam

se tornar apenas formal, no sentido pejorativo a metodologia da questão ambiental, tais


da palavra. É por essa razão que o sistema es-


como: idéias de sustentabilidade, de ecossis-



tema, de diversidade biológica etc. Eles tam-
Bibliografia



bém devem ter acesso, sucinto que seja, ao his-



FERRY, Luc. A nova ordem ecológica. São Paulo: Ensaio,
tórico dos movimentos ambientalistas, ao que


1994.


já foi institucionalizado, ao que é a legislação


HIRSCHMAN, Albert O. Auto-subversão. São Paulo: Cia. das
ambiental, ao que são as políticas ambientais


Letras, 1996.


etc. Quer dizer, há um certo núcleo comum de


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-


conhecimentos que, dominado, possibilitará damental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas


aos professores inserirem-se e usar os conhe-


Transversais. Brasília: SEF/MEC, 1998.


cimentos que possuem para serem participan- SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE do Estado de São Pau-


lo. Agenda 21. In: Conferência das Nações Unidas so-


tes ativos e críticos da Educação Ambiental


bre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Série Documen-


introduzida e disseminada como tema trans-
tos Ambientais, 1997.


versal e interdisciplinar no ensino formal.



































































SIMPÓSIO 3

ÉTICA E MEIO AMBIENTE


José de Ávila Aguiar Coimbra

Paulo Jorge Moraes Figueiredo

49
Pressupostos de




uma ética ambiental






José de Ávila Aguiar Coimbra*






São amplos os horizontes deste congresso, de um novo modelo civilizacional que possa



como são ambiciosos os seus objetivos. Ao se equacionar necessidades da vida com a real dis-


ponibilidade de recursos.


propor uma concentração de esforços e recur-


sos na qualidade da educação, não é pequeno o Por óbvio, um debate isolado como este



desafio para um país em desenvolvimento, no nosso, por mais elevado e abrangente que seja,



contexto de um mundo cada vez mais pluralista, não esgotará nem a parte mínima do assunto.


Este é apenas um momento de concentração

unificado e interdependente. Há enormes vazios

a preencher, assim como etapas a acelerar. Ao se por que passamos, hoje. A verdadeira tarefa, de

concentrar sobre a formação de professores, o casa e da escola, será empreendida a seguir,



Ministério da Educação atinge um ponto certa- com os professores formando a si mesmos, num

auspicioso processo de interação, impulsiona-


mente nevrálgico e, ao mesmo tempo, trabalha


com um insuspeitado efeito multiplicador. dos pela fome do saber e pela sede do aperfei-

A gestão ambiental ensaia novos princípios çoar-se.



e métodos para compatibilizar as atividades hu-


manas com as exigências da qualidade


Ética perene e ethos mundial


ambiental e o uso racional dos recursos natu-



rais. E para isso se faz necessária, indispensá- Em sua clássica Teogonia, Hesíodo (século

vel e insubstituível a Educação Ambiental, uma VIII a.C.) descreve poeticamente a origem e o

nova forma de ver o mundo e de relacionar-se papel dos deuses. Primeiro, houve o Caos; de-

com ele. A propósito, evocamos a Política Na- pois, a Terra de amplo seio, suporte inabalável

cional de Educação Ambiental, consubstanciada dos demais seres. Do Caos nasceram o Dia e o

na Lei nº 9.795, de 27/4/1999. É um farol que Éter. A Terra gerou primeiramente o céu cons-

projeta luz, a longa distância, sobre o caminho telado, depois as altas montanhas, em que ha-

a percorrer, rompendo barreiras conceituais, bitam os deuses, e o insondável abismo do mar



pedagógicas e operacionais que causavam mal- (Hesíodo, 1991, versos 116 ss.).

estar e disputas estéreis, quando não pernicio- O Caos era o espaço vazio. Por um impulso

sas, entre os vários agentes do desenvolvimen- admirável, por meio de ordem mais admirável

to ambiental. ainda, surgiu e formou-se este universo em que



O tema “Ética e Meio Ambiente”, que com fre- vivemos e do qual somos inseparáveis no tem-

qüência vem sendo trabalhado, traduz não ape- po e no espaço. Não podemos contar os tem-

nas a importância intrínseca do assunto, mas, pos geológicos e biológicos decorridos há mi-

sobretudo, o interesse crescente da sociedade a lhões ou bilhões de anos. Nem podemos abar-

seu respeito. E não é sem sentido: a sobrevivên- car sequer os tempos históricos, construídos

cia da espécie humana e do próprio planeta Ter- pelo Homo sapiens sapiens. Não obstante, es-

ra está intimamente vinculada à mudança de há- ses tempos históricos marcam os nossos cami-

bitos, costumes, práticas, comportamento e ati- nhos com a evolução das espécies, mostram o

tude da sociedade. Ela aponta para a urgência sentido de evolução da humanidade. E tudo se





* Possui graduação e mestrado em Filosofia, pós-graduação em Sociologia Urbana. É professor universitário, docente associado e pesquisa-

dor no Núcleo de Informações em Saúde Ambiental (Nisam) da Faculdade de Saúde Pública da USP; consultor em Meio Ambiente em Milaré

Advogados.

50
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente

originou de um vazio primitivo, daquele tohu tória da humanidade está passando para uma



abohu assustador de que fala o livro do Gênesis era nova e incerta’, o que acarreta ‘implicações



em suas primeiras linhas. filosóficas quase inimagináveis’, e isso está re-



Agora, passados milhões de anos de evolu- lacionado com a ‘pergunta sobre a essência do


ção, receamos ter entrado num processo inver- homem’” (Hans Küng, 1999: 152).



so: involução. A Teoria do Caos voltou a ocupar Ante a incerteza dos novos rumos, inclusi-



a Ciência. Mas, à parte elucubrações científicas, ve na política, Küng ilustra a sua constatação


o caos e o vazio manifestam-se de outras ma- com o pensamento do cientista americano 51



neiras neste nosso mundo em transição. As clás- Zbigniew Brzezinski, antigo assessor de segu-



sicas perguntas: quem somos? de onde viemos? rança do presidente Carter, dos Estados Unidos:



para onde vamos? continuam válidas. Mais que


A correção que se faz necessária não há de ser
isso, refluem sempre e voltam com interroga-


tirada de um catálogo de recomendações políti-


ções sobre o sentido da nossa vida e o destino


cas. Ela não poderá evoluir senão como conse-


do planeta Terra.


qüência de uma nova época histórica em que se


Sim. Malgrado todas as aparências e ilusões,


possa chegar a uma mudança de valores e de
há um vazio na sociedade humana e no íntimo


comportamento; no fundo, portanto, de um lon-

de cada indivíduo. Pairam angústias sobre o

○ go e difícil processo de autoanálise cultural e de
nosso destino comum. Assaltam-nos incertezas

reorientação espiritual, que ao longo do tempo


sobre o como sermos nós mesmos e sobre o sig-


pouco a pouco vá influenciando a atitude polí-

nificado da Terra como espaço habitado por


tica do mundos ocidental e não-ocidental (apud


uma espécie dominante que, de tão pretensio-


Küng, 1999: 152-153).


sa e perdida, pode caminhar rumo a um vazio


definitivo. A política é apenas uma das manifestações



Ao nos propormos esses e outros questiona- da problemática mundial. A causa é mais pro-

mentos, logo desponta a Ética, com seu perfil va- funda e abrangente do que os fenômenos.

poroso e papel ainda incerto neste mundo em Todos sabemos que as grandes fases da His-

mutação alucinante. Será ela válida? Até onde tória tiveram suas respectivas características.

chegam seu alcance e eficácia? A primeira inter- Por aí temos idéia de que o nascimento da Ci-

rogação aparece como uma “questão fechada”, à ência Moderna e o impulso que lhe foi dado pelo

espera de uma resposta que não admite alterna- Iluminismo do século XVIII consagraram a rup-

tivas. Sim, ela é e tem-se mostrado absolutamen- tura, por vezes convulsiva, entre a Razão e a Fé.

te válida. Já a segunda questão é “aberta”, suge- O desenvolvimento científico e tecnológico



rindo alternativas. É precisamente essa abertu- inebriou o espírito humano, fazendo-o sentir

ra nas respostas que nos deixa, de certo modo, novos sabores no fruto da árvore do conheci-

desconcertados. Seria necessário rastrear os al- mento do bem e do mal. Endeusou-se o ho-

vos e as aplicações morais, o que soa como de- mem, naturalmente. E, neste final da Era Mo-

safio. Com efeito, os descaminhos da humani- derna, não são poucas as vozes que proclamam

dade, o caráter complexíssimo dos valores natu- o “homem além do bem e do mal”. Ele passou a

rais e espirituais, o caos onipresente a requerer recusar critérios e valores outrora estabelecidos

um ordenamento constante, tudo isso em mis- e firmes e a rechaçar quaisquer limites à sua

tura com o vazio e a ansiedade do homem mo- atuação; porém, em compensação, perdeu o

derno são fatores – e mesmo duras realidades – eixo de si próprio.


que desconcertam a própria Ética. Constatamos, com ironia, que nem há efe-

Apelo para o pensador e cientista de múlti- tivamente um super-homem nem Deus está

plas facetas Hans Küng, por meio de seu livro morto, como se tem apregoado. Idéias, desco-

monumental sobre a necessidade de uma Ética bertas e invenções sucedem-se em turbilhão;


nas dimensões do nosso mundo. Resume ele: não obstante, o homem tornou-se joguete de

“Pouco a pouco, afortunadamente, impôs-se mal-entendidos substanciais – eu diria



entre os sociólogos a compreensão de ‘que a his- transcendentais – e mergulhou no vazio da de-



sorientação, como um aprendiz de feiticeiro dade do homem é garantida pela autoridade



que não sabe controlar o efeito de suas ações. É divina, não por ele. História e experiência



o Caos que nos ronda e nos desestrutura. Mas o ensinaram que o homem não pode ser deixa-



que fazer? do à mercê de si mesmo. Ele deve transcen-


Mesmo diante dos grandes progressos já der-se, superar-se e ser mais humano do que



consagrados, não podemos recompensar a Éti- tem sido.



ca perene com uma simples aposentadoria. Infelizmente, o homem moderno perdeu


Ninguém aposenta a vida nem se aposenta da a visão histórica e transcendental da Ética. Ele



vida sem profundos sobressaltos. Como a vida, brinca com éticas de ocasião, com valores re-



a Ética resulta de um longuíssimo processo de lativos; tem seu jogo do faz-de-conta nas éti-



elaboração, aprovação e acomodação que cas classistas ou corporativas, assim como na


acompanhou o crescimento da espécie huma- chamada “moral de situação”, mas não sabe



na. Durante milênios, e de forma cada vez mais como encarar o mundo que nasce agora nem



encadeada, os homens foram verificando e re- como se inserir nele, desempenhar seu papel


gistrando o que era bom e o que não era, os er- ○
e manter sua dignidade fundamental. A dan-
ros e os acertos, os direitos e os deveres, o que ça velocíssima do transitivo e das aparências

era preciso respeitar e o que permanecia indi- tira-lhe a visão do que é estável e essencial.

ferente como valor. Foram decorridos séculos e Se foi dito que a liberdade existe somente

séculos na elaboração e na consolidação dessa dentro da lei, o mesmo se aplica à Ética. Tal-

espécie de “contrato social”, muitas vezes explí- vez não se tenha prestado suficiente atenção

cito e muitíssimas outras implícito. A humani- a esse aspecto. Sem embargo, a Ética é o pe-

dade veio aprendendo consigo mesma, e hoje nhor da liberdade e do próprio direito. É como

parece teimar em se esquecer do essencial e das o cavaleiro, quiçá com ares quixotescos, que

lições acumuladas. sai pelo mundo, de lança em riste, contra a



Vivemos na cultura ocidental, herdeiros das opressão e o abuso do poder, em defesa dos

tradições judaico-cristãs. oprimidos. Ela reduz significativamente a di-


ferença entre os desiguais e congrega os iguais



Mesmo os Dez Mandamentos da Lei de Deus – em prol das causas comuns. Isso é essencial à

as “dez palavras” ou “Decálogo”, que na Bíblia realização do ideal de uma sociedade justa.

hebraica aparecem em duas versões – tiveram Nunca uma democracia real se impôs pelas

de passar por longa história. As instituições da armas ou pela prepotência, métodos esses in-

“segunda tábua”, que dizem respeito às relações trinsecamente antide mocráticos. Quanto

entre os homens (respeito aos pais, proteção da


maior o respeito entre direitos e deveres, maior


vida, do matrimônio, da propriedade e da hon-


o vínculo democrático entre pessoas, institui-


ra do próximo), remontam às tradições morais


ções e Estados.

e jurídicas dos clãs pré-israelitas e seminô-


O abuso do poder tem, hodiernamente, vá-


mades, possuindo inúmeras analogias no Orien-


rios nomes. Contudo, a realidade abusiva é uma


te Próximo. Longos séculos de prática, de apro-


vação e de polimento tiveram de decorrer até só: o desrespeito. Os poderes político e econô-

mico, as oligarquias soltas e impunes avançam


que o Decálogo adquirisse forma e conteúdo tão


sobre o que não lhes cabe. Também a domina-


universais e resumidos que pudesse ser consi-


derado como expressão adequada da vontade de ção tecnológica, a tirania da Ciência, o engodo

Javé, da Aliança de Deus com seu povo (Küng, das falsas liberdades, as mistificações religiosas,

1999: 150). se não ignoram acintosamente as restrições éti-



cas e morais, no mínimo ultrapassam e desres-



Foi em torno de revelações, profetismos e peitam os seus limites. As informações e as con-



experiências históricas que as três grandes re- tra-informações escorregam propositadamente


ligiões monoteístas chegaram a uma consci- em falsidades, erros e meias-verdades. A mani-



ência ética básica. O curioso, e até paradoxal pulação das pessoas e das consciências, em di-

nessas respectivas culturas, é que a humani- ferentes formas e graus, é inescrupulosamente


52
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente

empregada em alta escala e enaltecida como Ethos ambiental



aplicação da inteligência e prova de superiori-


ou ética ecológica


dade. Os sofismas distorcem a lógica dos fatos.



O que dizer da cidadania? Os grandes filó- O presente momento circunscreve-nos à


sofos socráticos, nomeadamente Aristóteles,


busca de um tema preciso como insumo para a


não distinguiam com muito rigor a Ética da Po- formação de professores em função da qualidade



lítica, porque ambas estavam destinadas a or- na educação. É onde pretendemos chegar. Mas,


denar e a aperfeiçoar a convivência. Hans Küng 53


creio que, para tanto, é lícito excursionarmos por


(1999: 149), citando Riklin a respeito do suces- algumas reflexões preliminares que incentivem



so das seis “invenções da humanidade contra o nossa “imaginação filosófica”.



abuso do poder”, observa na retaguarda desses Apesar de paradoxal, falar de fronteiras da


movimentos a presença de um impulso ético:


Ética equivale a dizer que a Ética não tem fron-


“[...] de forma alguma a consciência ética ocu- teiras…



pa um posto perdido na luta contra o poder”. Assemelha-se, por analogia, ao aether, ao



O Iluminismo, transitando pela Revolução ápeiron e ao átomos dos filósofos originários


Francesa e prolongando-se através de épocas e (para os que quiserem recordar: Anaxágoras,


sistemas, consolidou a grande conquista da Empédocles, Anaximandro de Mileto, Leucipo

“Declaração Universal dos Direitos do Homem”. e Demócrito, entre outros). O aether pervade

Todavia, mais antiga do que ela é a formulação o espaço e, de algum modo, todos os seres. O

dos deveres universais do homem, que é preciso ápeiron, infinito e indeterminado, é o princí-

reviver. Isso se faz particularmente necessário pio e o elemento primordial de todas as coi-

e significativo quando o processo de unificação sas, o inexaurível. E o átomos, invisível e


do mundo abre espaço para o reinado de um


indivisível, está na fórmula de composição do


ethos mundial. Por seu turno, alerta o pensa- universo. Peço perdão aos filósofos ortodoxos,

dor e escritor Leonardo Boff (2000: 13): “Três e mais ainda aos autores das teorias originais,

problemas suscitam a urgência de uma ética por essa analogia atrevida. Mas a procura do

mundial: a crise social, a crise do sistema de tra-


conhecimento e da sabedoria leva-nos, algu-


balho e a crise ecológica, todas de dimensões mas vezes, a transgressões.



planetárias”. Os primeiros filósofos reconhecidos como



Não nos será difícil constatar que a Ética pe- tais, os pré-socráticos, queriam obstinadamen-

rene, que nasceu das experiências e da sabedo-


te encontrar o princípio constitutivo do mun-


ria acumuladas ao longo da História, pode e do, a arché. Estavam, como se vê, na tentativa

deve renascer como base ancestral do Ethos de uma síntese que elucidasse os enigmas do

mundial. Este último, na realidade, é uma nova mundo físico. Foi assim que se estabeleceram

etapa da Ética perene, melhor dito, um avanço


os primeiros fundamentos da Ciência, então


que se ajusta à etapa histórica daquilo que se confundida com a Filosofia. Depois, as preocu-

convencionou (ainda que vagamente) denomi- pações voltam-se para o conhecimento do ser

nar de pós-modernidade. humano, a partir do “conhece-te a ti mesmo”, e


Está aberto o caminho para indagações, re-


entram na análise dos costumes, da vida social


flexões, elaborações teóricas e vivências práti- e da organização da cidade e da civilização.



cas. Os formadores de outros seres-humanos- Na investigação da Ética, como na sua apli-



cidadãos devem ser, preliminarmente, os agen- cação, a analogia trazida acima leva-nos a con-

tes da sua própria formação. Levanta-se, nesse


cluir que, à semelhança dos elementos primor-


ínterim, a pergunta crucial: o mundo que está diais, também ela se baseia numa arché; cons-

em gestação será à nossa imagem ou, ao con- trói-se com o indefinido e o infinito, trabalha

trário, seremos nós a imagem desse mundo com o indivisível e ocupa a totalidade do espa-

mal-esboçado e incerto dos seus rumos? Qual ço da vida. Não há ser que seja indiferente à vida

a resposta que daremos à humanidade e ao pla- e ao ecossistema planetário. Os termos gregos



neta Terra nessa empreitada? oikos e ethos, assim como as realidades que eles

representam, têm muito em comum com o es- mática dos processos econômicos e sociais; essa



paço vital. Da mesma forma, a felicidade, a rea- visão, chamada neo-utilitarismo, está na base



lização individual, o bem-estar coletivo e a per- de muitas reformas sociais calcadas em mode-



petuação do fenômeno da vida, as aspirações los anglo-saxões. É fácil perceber seu vínculo


humanas em geral, requerem a justiça como com o neoliberalismo ou o neocapitalismo. 1



fundamento da paz, esse “tranqüilo convívio na Há de se considerar, ainda, os fundamentos



ordem”, conforme a conhecida definição de To- éticos fornecidos pela natureza e pelas diferen-


más de Aquino. tes tradições religiosas. Mas, para Boff, a prio-



Oikos e ethos reportam-se à convivência. A ridade volta-se para o pobre e o excluído; po-



Ética, por definição e essência, é inseparável rém, o enfoque geral aponta para o resgate éti-



da vida e da existência no planeta Terra. As re- co da modernidade e o processo da globalização


gras da convivência têm sido elaboradas, tes- (Boff, 2000: 57-89).



tadas e adotadas em longos períodos da His- Pelejou-se sempre e muito pela dignidade



tória, que evoquei anteriormente. E esse pro- humana por meio de inúmeras escolas de pen-


cesso continua com a participação cada vez ○
samento e sistemas políticos. Curiosamente,
maior do mundo natural, que, na expressão de essa peleja tinha como pontos de partida as

Anaxágoras (500-428 a.C.), serve de referência mais diferentes formulações, algumas delas até

para o mundo racional. A “mente ordenadora” antagônicas. Contudo, a valorização do homem



da natureza dá-nos parâmetros para nos rela- como ser pluridimensional esteve presente na

cionarmos sabiamente com esse mundo físico maior parte das doutrinas, porquanto não pode

e entre nós próprios. haver humanismo autêntico que não leve em



No “contrato social”, em que os seres huma- conta o ser humano em sua totalidade.

nos foram os principais convenentes entre si, o Nesses albores de novo modelo civilizacional,

mundo natural compareceu como “interveniente” é chegada a vez de pugnar pela dignidade da Ter-

e diretamente interessado. Por certo, o mundo ra. Não se trata já de uma Ética antropocêntrica,

natural não poderá observar suas cláusulas, se nós mas de uma “Ética eco-centrada”. A propósito,

não observarmos rigorosamente o que nos cabe. está em discussão um texto oficial preliminar da

É a regra da vida e da convivência. Carta da Terra, cuja versão definitiva será subme-

Poderíamos, então, dizer que a Ética tam- tida ao endosso da ONU, em 2002. Esta é a posi-

bém é filha da Terra, como nós. Queiramos ou ção dos seus formuladores:

não, ela tem um caráter telúrico, pois nasceu



A Carta da Terra está concebida como uma de-


dessa interação de seres vivos inteligentes en-

claração de princípios éticos fundamentais e


tre si e com outros seres vivos e não-vivos. Se a


como um roteiro prático de significado dura-


cobiça dos recursos naturais provocou a discór-


douro, amplamente compartido por todos os


dia entre os homens, o mesmo mundo natural

povos. De forma similar à Declaração Universal


devidamente respeitado pode ser o grande me-


dos Direitos Humanos das Nações Unidas, a


diador, o oportuno inspirador da convivência na Carta da Terra será utilizada como um código

casa ou do “tranqüilo convívio na ordem”. universal de conduta para guiar os povos e as


Voltemos a pensar no sentido de um Ethos


nações na direção de um futuro sustentável.2


mundial, fundamento e rumo para novos mo-



delos de convivência. A respeito, Leonardo Boff Os princípios e os valores éticos da Carta da



discorre, em síntese, sobre a “universalização do Terra podem se resumir no seguinte:


discurso ético”. Ele fala do alcance e dos limites 1. respeito e cuidado com a comunidade de

do utilitarismo social, que insiste na visão prag- vida;







1
Boff, 2000. Em relação ao utilitarismo social, ver p. 50-56.

2
“La Carta de la Tierra: valores y principios para un futuro sostenible”, Secretaria Internacional del Proyecto Carta de la Tierra, San José,

Costa Rica, 1999, 12, apud Boff, 2000, p. 89.


54
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente

2. integridade ecológica; alidade que elas não podem compreender



(Morin e Kern, 1995: 10).


3. justiça social e econômica;


As considerações sumárias que apresento nes-


4. democracia, não-violência e paz.


ta exposição singela seguramente não ficarão sem


eco. Elas valem, muito mais do que por si mes-



É preciso acreditar na evolução do mundo mas, como convite ao aprofundamento dos pro-


e na força das idéias. Essa é a nossa alavanca.


fessores na questão ambiental, incógnita básica


do mundo de hoje e enigma do futuro próximo. 55



Conclusão A qualidade na educação não poderá se per-



fazer sem a consciência do Ethos ambiental, pa-


Não há como desconhecer o florescimento


lavra-chave para a sobrevivência da sociedade


de uma “consciência cósmica”. Ela é inelutável.
humana e perpetuação sadia do ecossistema


Quantas ficções científicas, que pareciam


planetário.


exercício de imaginação doentia e exacerbada,



se tornaram realidades já superadas pelo tem-



po! Quem pode ter certeza incontestável de que


o mundo natural nunca poderá desabrochar Bibliografia


numa espécie de consciência própria? A evolu- ○

BOFF, Leonardo. Saber cuidar : ética do humano – compai-


ção do Cosmo é ainda tão criança...


xão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.


De qualquer forma, o grito da Terra é elo- . Ethos mundial: um consenso mínimo entre

qüente, profundo e alarmante. O ecossistema


os humanos. Brasília: Letraviva, 2000.


planetário é tomado, por alguns cientistas me- CAPRA, Fritjof; STEINDL-RAST, David; MATUS, Thomas.

nos “ortodoxos”, como um complexo e quase in- Pertencendo ao Universo: explorações na fronteira da

ciência e da espiritualidade. Trad. de Maria de Lourdes


sondável organismo vivo, que sente, pensa e


Eichenberger e Newton Roberval Eichenberg. São Pau-


age. A espécie humana, como parte integrante

lo: Cultrix, 1993.


desse holos total, é vocacionada a pensar pela


GARCIA RUBIO, A. et al. Reflexão cristã sobre o meio am-


Terra, para sentir e agir com ela. Somos nós a biente. São Paulo: Loyola, 1992.

consciência viva do planeta vivo. HESÍODO. Teogonia, a origem dos deuses. Estudo e trad.

Não nos importemos com as resistências e de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1991.

KÜNG, Hans. Uma ética global para a política e a econo-


as zombarias de algumas vozes da Ciência – ou

mia mundiais. Trad. de Car los Almeida Pereira.


pseudociência. Sabemos que a Ciência, por


Petrópolis: Vozes, 1999.


mais rigorosa, exata e fidedigna, não é a única MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação

forma de conhecimento. Temos aprendido – e


do futuro. Trad. de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne


muito há por aprender – também com a Filoso- Sawaya. São Paulo/Brasília: Cortez/Unesco, 2000.

fia questionadora, com o senso comum, com a MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra pátria. Trad. de

Paulo Neves. Porto Alegre: Sulina, 1995.


arte e as mitologias. Formas de conhecimento


NALINI, José Renato. Ética ambiental. Campinas: Millenium,


despretensiosas podem superar em sabedoria

2001.

conhecimentos científicos enfatuados, pois,


RIBEIRO, Maurício Andrés. Ecologizar : pensando o ambi-


conforme a advertência de Edgar Morin, a Ci- ente humano. Belo Horizonte: Rona, 1999.

ência produz conhecimento, mas pode produ-


UNGER, Nancy Mangabeira. O encantamento do humano :


zir, também, ignorância, na medida em que as ecologia e espiritualidade. 2. ed. São Paulo: Loyola,

especializações excessivas se fecham para a re- 2000.
















Contribuições da Ética Ambiental




para uma sociedade sustentável*






Paulo Jorge Moraes Figueiredo



Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep)/SP





Resumo





A despeito dos avanços do debate ambiental Ambiental, poucos autores em países pobres ou em



nos últimos anos, a abordagem da questão tem se desenvolvimento têm se dedicado a essa área do sa-



centrado nos aspectos tecnológicos voltados ao ber, de largo potencial na fundamentação de políticas


abate da poluição de uma forma geral e às técnicas e instrumentos de gestão ambiental apropriados e cal-

para a gestão de resíduos e economia de energia, ○

cados nos anseios e nos valores dessas sociedades.


entre outras. Da mesma forma, as políticas e os ins- Diante do exposto, o presente trabalho busca

trumentos de gestão ambiental têm enfatizado os apresentar os elementos principais da Ética



aspectos econômicos e mercadológicos. Diante do Ambiental, assim como os fundamentos de algumas


alcance limitado dessas abordagens, a Ética das principais correntes que permeiam as políticas

Ambiental surge recentemente como um ramo da e as práticas dos diversos grupos sociais com rela-

Filosofia voltado à compreensão das raízes dos pro- ção às questões socioambientais, tais como: ecolo-

blemas socioambientais, que se intensificam a cada gia profunda, ecologia social e a concepção do “bote

dia. Nesse sentido, considerando os valores e as salva-vidas”, que fundamenta o eco-capitalismo,



concepções éticas das sociedades, a Ética entre outras. Também algumas questões específicas,

Ambiental representa uma contribuição importan- de âmbito global ou nacional, são consideradas a

te para a compreensão de toda a complexidade da partir desse referencial, da mesma forma que a in-

temática ambiental. serção de valores solidários na construção das rela-


Mesmo com os avanços conceituais da Ética ções sociais e das sociedades com o meio ambiente.





Introdução


“Ética” tem sido um vocábulo recorrente a parte da filosofia que trata dos valores mo-

nos últimos anos, e seu uso coloquial nos re- rais ( Valls, 1995). Talvez possamos ainda con-

mete a aspectos ligados à consciência e à mo- siderar ética e moral como conceitos intuiti-

ral, aqui entendida como “ciência” que trata vos, normativos, usados para qualificar com-

dos costumes, dos valores, dos deveres e da portamentos e ações a partir de uma percep-

forma de proceder do homem em sociedade ção de “certo e errado” ou de “bem e mal”.



ou com seus semelhantes. Nesse sentido, o A complexidade de teorização no campo da


termo “ética” está associado à compreensão ética deve-se, especialmente, à heterogeneida-



de bem e mal, de certo e errado, e aos mati- de cultural, de costumes e valores, entre os di-

zes e às gradações do comportamento huma- versos grupos sociais, e às variações desses as-

no ( VanDe Veer e Pierce, 1993). Poder-se-ia pectos ao longo do tempo. De qualquer forma,

considerar ética como ciência que trata das as formulações éticas devem buscar, a partir de

normas de comportamentos e costumes, ou princípios cada vez mais universais, a igualdade







* Texto preparado por ocasião do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação – Formação de Professores, realizado em Brasília

no período de 15 a 19 de outubro de 2001, sob o patrocínio do Ministério da Educação. Nessa ocasião, a participação do autor incluiu

palestra em simpósio com o tema Ética e Meio Ambiente, no dia 17 de outubro de 2001.

56
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente

do gênero humano no que há de mais universal


Ética Ambiental


(Valls, 1995). Portanto, uma boa teoria ética deve



ter a pretensão da universalidade e, simultanea- Ética Ambiental pode ser considerada um



mente, explicar as diferenças de comportamen- ramo da filosofia voltado à análise e à discus-


to inerentes às diversas formações culturais e são dos valores ambientais das sociedades, das



históricas (VanDeVeer e Pierce, 1993). correntes de pensamento ambiental e dos pres-



As questões teóricas da ética têm sido tra- supostos e fundamentos das políticas e dos ins-


dicionalmente separadas em dois grupos: ques- trumentos de gestão ambiental. 57



tões gerais fundamentais, referentes à liberda- Entretanto, como nos lembram VanDeVeer e



de, à consciência, ao bem e ao mal, à lei etc.; e Pierce (1993), se a condução de nossas vidas priva-



questões específicas, referentes à ética profis- das é tarefa difícil, bem mais complexa é a proposi-


sional, à ética na política, à ética sexual, à ética ção de um projeto justo e sustentável para um cole-



matrimonial, à bioética etc. (Valls, 1995). tivo (nação, segmento social etc.). Somam-se a isso



Da mesma forma que nas teorias científi- as incertezas relacionadas à capacidade individual


e coletiva de transformações comportamentais,


cas, a melhor teoria ou argumentação ética é


aquela superior às suas concorrentes em um particularmente quando essas transformações vi-



número relevante de aspectos. O que se bus- sam a benefícios que transcendem a vida dos indi-

ca em uma teoria ética não é a ausência de víduos (transpessoais) ou de grupos específicos, ou


ainda quando esses benefícios são de longo termo,


controvérsia, mas sim o melhor conjunto de


argumentos normativos e empíricos aceitos endereçados a outras gerações (transgeracionais)



pela sociedade ou por grupos sociais (por (VanDeVeer e Pierce, 1993).



exemplo: a natureza do homem é boa, existe Entre as muitas motivações para o desenvol-

vida após a morte, o homem é bom, animais vimento da Ética Ambiental, destaca-se a gene-

têm sentimentos, o homem é egoísta, o ho- ralizada percepção de que a parcela mais pobre

mem é altruísta). Portanto, um critério para da população mundial jamais atingirá os pata-

avaliar uma teoria ética é a análise de quão mares de consumo da parcela mais rica, mesmo

aceitáveis são seus pressupostos empíricos. porque, se qualquer proposição mais igualitária

Caso os argumentos empíricos sejam verda- de âmbito mundial fosse adotada nesse sentido,

deiros ou aceitáveis, uma segunda preocupa- as influências ambientais seriam insustentáveis.



ção é com a consistência lógica do conjunto Portanto, a questão fundamental está relaciona-

de argumentos. Uma última análise está rela- da à real possibilidade de adoção de modelos

cionada à representatividade dos argumentos sociais, estilos de vida e conceitos de “desenvol-



diante do paradigma da sociedade ou dos gru- vimento” sustentáveis do ponto de vista social e

pos sociais envolvidos na questão e à compa- ambiental e passíveis de serem adotados por to-

tibilidade desses argumentos com as mais dos os povos (Figueiredo, 1997; 2001; Hercula-

profundas convicções morais desses grupos. no, 1992). Uma análise das implicações ambien-

Em suma, uma teoria ética deve ser clara, tais decorrentes dos padrões de consumo dos

precisa, compreensiva, logicamente consis- países ricos e, portanto, da qualidade de vida


tente, compatível com as mais avançadas e dessas populações mostra que esses níveis de

aceitas teorias científicas e seus resultados, e interferência na dinâmica ambiental sequer po-

compatível com os valores e as mais profun- dem ser projetados a longo prazo para essa re-

das convicções filosóficas das sociedades. duzida parcela da população, que dirá esten-

Recentemente, pensar sobre as questões didos às parcelas excluídas da população mun-



ambientais do ponto de vista ético tem permi- dial (Figueiredo, 1997, 2001; Herculano, 1992).

tido o avanço de uma nova área do pensamen- Essa questão, por si só, remete-nos ao cerne

to filosófico com racionalidade e sistematiza- do dilema desenvolvimentista, no qual se inse-


ção próprias e forte influência nas concepções re o mundo contemporâneo, com característi-

de políticas ambientais – trata-se da Ética cas eminentemente éticas que se desdobram



Ambiental (Environmental Ethics). em questões como:



• O que é desenvolvimento? Crescimento econômico (Teoria Econômica) são substancial-



econômico? Evolução de valores éticos e hu- mente distintas da idéia de que tudo que existe



manitários? tem valor intrínseco, ou que os seres vivos têm



• O que é qualidade de vida? Alto consumo? direitos (Teoria dos Direitos) ou, ainda, que re-


Felicidade? presentam um papel fundamental na dinâmica



da natureza (Teoria das Leis Naturais).


• O que deve ser sustentado ou assegurado?


O crescimento econômico em si, os elemen- Nesse sentido, são muitas as possibilidades


para as concepções teóricas da Ética Ambiental,


tos naturais e sua dinâmica, ou as estrutu-


ras atuais que garantem as desigualdades e e a questão é delimitada pela aceitação ou pela



a submissão de forma ampla? adequação dos pressupostos por parte das socie-



• Existe alguma real perspectiva humana voltada dades. Também vale destacar que, não raro, os


valores ambientais de uma sociedade compõem


à redução das desigualdades sociais, econômi-


cas e de apropriação dos recursos naturais? elementos que decorrem de fundamentações te-



óricas distintas. Portanto, na concepção de polí-

• Quais são as perspectivas temporais do ho-

ticas ambientais ou de instrumentos de gestão são
mem? Com que estilo de vida?

comuns elementos decorrentes de concepções



teóricas distintas da ética ambiental. De qualquer


Com relação às dificuldades de inserção da


forma, a análise evolutiva desses instrumentos e


Ética Ambiental no meio científico, Hargrove as


das concepções que norteiam as práticas de gru-


atribui à ruptura entre a ciência e a ética, de- pos sociais e organizações não-governamentais

corrente do positivismo racionalista do século


ambientalistas no mundo todo nos permite ava-


XX (Hargrove, 1996; Graf, 2000).


liar as tendências teóricas que vão sendo adotadas


pelas sociedades, suas influências, inserção polí-



Pressupostos das idéias tica e ampliação desses grupos nas sociedades.



A crítica ao antropocentrismo ou à concepção


e das teorias da Ética Ambiental

do Universo em termos de experiências e valores


Uma coisa é certa quando busca humanos (Ferreira, 1999) representa um tópico

preservar a integridade, central na Ética Ambiental. Segundo Graf (2000), o



a estabilidade antropocentrismo referencia-se menos na impor-


e a beleza das comunidades bióticas,


tância diferenciada do ser humano diante do mun-


e errada quando busca o contrário. do e mais na dominação que a espécie humana



exerce sobre as demais e sobre a natureza. Nessa


Leopold, 1949, apud Golley, 1994: 20.


perspectiva, o antropocentrismo remete-nos à le-



gitimidade da “postura dominadora do homem”,


Da mesma forma que nas concepções éticas, o que, segundo Gray (1994), caracteriza a “ilusão

a fundamentação das teorias da Ética Ambiental antropocêntrica” da humanidade como o triunfo



parte de pressupostos passíveis de questionamen- da ética do interesse próprio ou do individualis-



tos. Nesse sentido, a assunção de que o homem é mo. Continua Graf (2000): “Ao colocar os interes-

egoísta por natureza (Egoísmo Psicológico ou Éti- ses da vida industrial e urbana em primeiro lugar,

co) conduz a desdobramentos socioambientais o homem se arvora a extremos de manipulação da



diferentes da consideração da existência de um natureza. A pretensa superioridade humana pare-



comando divino. Da mesma forma, a considera- ce cegar a humanidade a ponto de desconhecer as


ção de que todos os elementos naturais são pas- leis mais básicas da natureza, como a necessidade

síveis de serem utilizados pelo homem (Utilita- de um ambiente de baixa entropia para a nossa

rismo) ou a de que poderiam merecer um valor existência”.1








1
Baixa entropia é aqui entendida como heterogeneidade, biodiversidade, diferenças de potenciais, enfim, características que potencializam a vida.

58
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente

Segundo Golley (1994), a Ética Ambiental ter lugares vagos, o que possibilitaria uma reser-



apresenta boas perspectivas para a correção dos va de segurança em mares revoltos, ou mesmo



nossos comportamentos “antiecológicos”, quan- abrigar um animal que pudesse servir como ali-



do fundamentada nas Ciências Ecológicas, posto mento adicional, em vez de abrigar alguém que


serem estas condicionantes independentes de estivesse no mar e, portanto, representaria mais



diferenças culturais entre as filosofias humanas. uma boca a ser alimentada e implicaria uma car-



Ainda segundo Golley, o Ocidente, ao incorporar ga adicional. Essa analogia de imediato traduz


o discurso ambiental, distorce as questões uma preocupação populacional extrema e carac- 59



ambientais segundo seus padrões, excessivamen- teriza os problemas atuais como decorrentes não



te vinculados ao consumo material e à competi- de um estilo de vida insustentável, mas sim de



ção capitalista (Graf, 2000). Para autores como uma população excessiva diante dos escassos


Golley, entre outros, é fundamental o retorno aos recursos ambientais. Grosso modo, poderíamos



pilares da abordagem ecológica, como o holismo, dizer que, segundo a concepção do Bote Salva-



a sinergia (cooperação) entre as partes dos siste- Vidas, se a população mundial fosse substancial-



mas, a diversidade, a complexidade e o respeito mente inferior à atual, todos os indivíduos po-


às ciclagens naturais de matéria e energia. deriam praticar o estilo de vida dos povos ricos.



Os adeptos dessa teoria também são consi-

derados “hobbesianos”, segundo a máxima “o


Teorias de Ética Ambiental

homem é o lobo do homem” (Drysek e Lester,


e seus argumentos

1989). Segundo Hobbes, a espécie humana exis-



te em permanente competição pelos recursos


Entre as concepções teóricas da Ética


Ambiental, três são particularmente importan- naturais, não havendo demérito nessa disputa

e tampouco nas outras formas de dominação.


tes pela influência na fundamentação de esti-


Portanto, segundo a Ética do Bote Salva-Vidas,


los de vida, concepções de sociedades e con-


os seres humanos não são iguais entre si e não


dutas adotadas por movimentos ambientalistas


contemporâneos. Essas correntes da Ética gozam de direitos iguais sobre os recursos na-

turais e tecnológicos do planeta. O processo


Ambiental também merecem destaque pelo


histórico de desigualdade, colonização e impe-


número de adeptos que agregam, são elas: a


rialismo entre os povos do mundo é percebido


Ética do Bote Salva-Vidas (Lifeboat Ethics), de


Garrett Hardin, que sustenta as concepções eco- como natural e decorrente de competências

diferenciadas (Graf, 2000).


capitalistas; a Ecologia Social (Social Ecology),


Na Ética do Bote Salva-Vidas, destacam-se


de Murray Bookchin; e a Ecologia Profunda


aspectos como:

(Deep Ecology), de Arne Naess.


• A atribuição dos problemas socioambientais


da atualidade à superpopulação dos países


Ética do Bote Salva-Vidas


pobres. Nesse sentido, caso a população



A Ética do Bote Salva-Vidas (Lifeboat Ethics), mundial fosse substancialmente menor, to-

que tem em Garrett Hardin um de seus maiores dos poderiam praticar os mesmos padrões de

expoentes, serve de sustentação ao capitalismo consumo e interferências ambientais prati-



de uma forma geral. Essa concepção teórica sus- cadas pelos países ricos.

tenta-se no darwinismo social, e a analogia que • Segundo essa corrente, são plenamente

dá origem a tal concepção entende o mundo justificadas as restrições dos países ricos à mi-

como um mar no qual os povos ricos se encon- gração dos pobres, posta a impossibilidade de

tram dentro de botes e os demais povos têm de todos atingirem os mesmos padrões de vida.

nadar para se manterem vivos. Existe uma natu- • Como a população dos países pobres cresce

ral tendência de os povos “do mar” subirem nos


mais rapidamente que a dos ricos, são inefica-


botes, no que são coibidos por aqueles que já se zes os programas de ajuda humanitária, uma

encontram nessa confortável situação. Para os vez que o problema da superpopulação não

integrantes dos botes, é mais conveniente man- poderia ser superado dessa forma (Graf, 2000).

• Acredita-se na propriedade privada como todos os elementos e seres estão à disposi-



única forma de preservação ambiental. Em ção do homem. No eco-socialismo, a valo-



A tragédia dos comuns, de Hardin, as coisas rização da consciência humana é destaca-


públicas ou comunitárias são consideradas da no sentido da preservação ambiental, da



“de ninguém”, e portanto não há interesse biodiversidade, da adoção de práticas


em preservá-las (Graf, 2000; VanDeVeer e ambientalmente sustentáveis e na reversão



Pierce, 1993). de influências já materializadas (VanDeVeer



• Valores como xenofobia, subjugação cultu- e Pierce, 1993; Graf, 2000).



ral, individualismo, competição, materialis- Consciente de que a natureza se orienta num


mo e autoritarismo podem ser facilmente processo de contínua evolução da complexi-



percebidos nessa concepção ética. dade. Nesse sentido, a Ecologia Social propõe-



se sistêmica ao entender a natureza como o


conjunto de todos os sistemas vivos que se


Ecologia Social

comporta como um todo orgânico, inter-re-


As raízes da Ecologia Social estão no anar- ○
lacionado, que se move no sentido do incre-
mento de complexidade e auto-organização.

quismo, na Escola de Frankfurt, com sua crítica


Essa dinâmica também contempla a subjeti-


ao positivismo, e em Marx. Politicamente, a


vidade, a autoconsciência e a comunicação


Ecologia Social marca fortemente os partidos

simbólica entre os seres no processo evolutivo


verdes, especialmente o alemão e o norte-ame-


(VanDeVeer e Pierce, 1993; Graf, 2000).


ricano. A Ecologia Social é racionalista e vincu-



lada ao funcionamento das sociedades em suas


estruturas e instituições. Para a Ecologia Soci- Ecologia Profunda



al, os problemas socioambientais decorrem da


O termo Ecologia Profunda foi criado pelo


própria fundamentação capitalista, do sistema filósofo norueguês Arne Naess, em 1973, com o

tecnocrático-industrial e do estilo de vida pro- significado de que, nessa concepção, a compre-


posto pelo modelo neoliberal (Graf, 2000).


ensão ampla da vida e das relações no planeta


A Ecologia Social busca harmonizar as relações


deveria avançar indefinidamente, por meio de


homem–homem e homem–natureza e propõe-se: uma seqüência infindável de “por quês”. Essa


Contra qualquer forma de hierarquia ou do-


vertente é denominada “ecocêntrica”, em opo-


minação humana. Além de contrária aos fun-


sição à concepção antropocêntrica. Tal linha fi-


damentos capitalistas, a Ecologia Social propõe


losófica se baseia em dois núcleos conceituais:

a igualdade social e política. Posiciona-se con-


a “igualdade biocêntrica” e a “auto-realização”.


tra qualquer forma de racismo, de dominação


A igualdade biocêntrica significa que todas as


étnica, de gênero ou de classes e qualquer ou-


tra forma de dominação econômica ou militar. coisas vivas têm o mesmo valor intrínseco, ou seja,

a mesma importância ecológica e, portanto, o mes-


As formas cooperativas e comunitárias de or-


mo direito à vida com qualidade. Ressalte-se que a


ganização social são privilegiadas nessa concep-


ção, da mesma forma que a “ecologização” das Ecologia Profunda tem uma definição mais

sociedades, o que espontaneamente implicará abrangente para “coisas vivas” do que simplesmen-

te os seres vivos; engloba também outros elemen-


a adoção de modelos socialistas e anarquistas


em pequenas comunidades, posto ser a redu- tos como rios e montanhas. Nesse sentido, identifi-

ção das escalas mais favorável à sustentabili- ca-se com diversas cosmologias tradicionais, nas

dade (Drysek e Lester, 1989).


quais rios, montanhas, trovões, mares e as manifes-


tações naturais têm grande relevância e poder. A


Humanista, na medida em que, embora


afirme a superioridade do homem, não sus- Ecologia Profunda é uma corrente explicitamente

tenta a percepção antropocêntrica, em que espiritualista,2 associada ao pensamento sistêmico,







2
A autora Joan Halifax encontra paralelos da Ecologia Profunda com cosmologias ancestrais diferentes entre si: o xamanismo, ocidental e

indígena, e o budismo, oriental (Halifax, 1998; Graf, 2000).


60
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente

e, segundo Fritjof Capra, ela sintetiza esse novo • A mudança ideológica dar-se-á no sentido



paradigma (Capra, 1996). Frank Golley tam- de alcançar a qualidade de vida, que nada



bém declara seu apoio à Ecologia Profunda, tem a ver com o alto consumo. As políticas


precisam ser alteradas em profundidade,


discorrendo acerca da indubitável validade


ecológica de seus princípios básicos (Golley, afetando as estruturas ideológicas,


tecnológicas e econômicas. O resultado


1994; Graf, 2000).


será um estado radicalmente diferente do


A auto-realização significa a busca da ma-


atual. 61
turidade existencial plena do indivíduo, o que



para a Ecologia Profunda é o objetivo princi- • Aqueles que se identificam com os princí-


pios acima descritos têm, necessariamen-


pal da vida e tem fundamento espiritual. Essa


te, um compromisso no sentido das mu-


plenitude do ser dá-se por meio de um com-


danças necessárias para atingi-los.
plexo processo de sucessivas identificações do



indivíduo com outros indivíduos e com o meio



(entendendo como indivíduos os seres de A Ecologia Profunda não apresenta fórmu-


las de atuação, mas defende a ação para as mu-


qualquer espécie). 3


A auto-realização dá-se por meio da perfei- danças. “Os homens devem se colocar corajo-



ta integração, solidária e saudável, do indivíduo samente no interior das sociedades, procuran-

com tudo que o cerca. É, portanto, um proces- do atuar segundo os princípios de solidarieda-

de ecológica.” As próprias comunidades e so-


so altruísta, no qual a satisfação individual de-


pende da satisfação coletiva, bem marcada pela ciedades estabelecerão seus códigos de ética

célebre frase da Ecologia Profunda: “Ninguém e padrões de qualidade de vida (VanDeVeer e



estará salvo enquanto todos não estiverem sal- Pierce, 1993; Devall e Sessions, 1993).

vos” (Devall e Sessions, 1993: 217; Graf, 2000; A Ecologia Profunda faz-se intensamente

VanDeVeer e Pierce, 1993). Para a Ecologia Pro- presente no movimento ambientalista interna-

funda, a questão ecológica não é técnica ou ci- cional, com influência até mesmo em políti-

entífica, mas sim filosófica, psicológica e espi- cas governamentais.


ritual. Seus adeptos lançam mão de conceitos



filosóficos de diversas religiões, especialmente


Elementos para uma


das orientais – hinduísmo, budismo e taoísmo


Ética Socioambiental

(Naess, 1993). Uma forte influência é a linha da


não-violência de Mahatma Gandhi. Os ecolo-


com ênfase na solidariedade


gistas profundos falam em “reconhecimento do


e na sustentabilidade

sagrado em tudo”, o que leva a atitudes ecoló-



gicas em essência. A Ecologia Profunda destaca


Muitos autores consideram a atual raciona-


alguns valores como universais, tais como: o

lidade econômica, estabelecida em âmbito


cuidado, o respeito e a responsabilidade (Naess,


global, ineficaz para tratar dos problemas


1993; Graf, 2000; VanDeVeer e Pierce, 1993).


socioambientais do mundo contemporâneo;


Eis alguns princípios básicos da Ecologia


mais grave ainda, a racionalidade atual tem


Profunda:

sido responsabilizada pela maior parcela des-


• A vida humana e a não-humana têm seu


ses problemas. Boff sintetiza essa idéia ao afir-


valor intrínseco, e a diversidade das formas


de vida é desejável, pois acentua as possi- mar que “a lógica que explora as classes e sub-

bilidades de auto-realização. Os seres hu- mete os povos aos interesses de uns poucos

países ricos e poderosos é a mesma que depre-


manos não têm o direito de diminuir essa


diversidade, exceto para satisfazer às ne- da a Terra e espolia suas riquezas, sem solida-

cessidades vitais. riedade para com o restante da humanidade e






3
Arne Naess, principal teórico da Ecologia Profunda, é filósofo e psicólogo. Dessa forma, o conceito de auto-realização vem da psicologia e de

seu arcabouço conceitual (Graf, 2000).



para com as gerações futuras” (Boff, 1996: 11). com as demais espécies; relativização do



Diante do exposto, cresce a relevância da Éti- antropocentrismo em favor do ecocen-



ca Ambiental, tanto para a compreensão da trismo; satisfação individual vinculada à


satisfação coletiva; manutenção da dinâ-


generalizada crise socioambiental quanto para


a proposição de concepções para sua supera- mica natural; banimento da exclusão, da


intolerância e dos preconceitos (raciais, de


ção. Nessa perspectiva, embora sejam inegá-


gênero, de idade, de opções culturais, se-


veis os avanços da economia ambiental, 4 as


xuais, entre outros).
correntes de pensamento fundamentadas na



Ecologia Profunda e na Ecologia Social têm • Valoração da educação abrangente e plu-


ral e da busca da auto-realização ou da ma-


agregado um maior número de adeptos e me-


turidade.


recido maior atenção na fundamentação de


possíveis saídas para a atual crise. • Busca de compreensão profunda dos pro-



Destaca-se a existência de um profundo blemas atuais a partir de abordagens sistê-


micas, considerando a complexidade das

debate entre a Ecologia Profunda, criticada

○ situações.
como utópica, e a Ecologia Social, considera- ○

da excessivamente racionalista e materialista. • Solidariedade inter-geracional; busca de



Entretanto, muitos pesquisadores apontam os perspectivas de longo prazo centradas nas



princípios de ambas as correntes como funda- possibilidades das futuras gerações e da


sustentabilidade, garantia de reprodu-


mentais para um mundo mais justo, harmôni-


co e ambientalmente sustentável (Boff, 1996, tividade da produção humana da dinâmi-



1999a, 1999b; Capra, 1982, 1996; Hargrove, ca natural, minimização do uso de recur-

sos não-renováveis.

1996; Schumacher, 1977; Yu-Shi, 1994, entre


outros). Nesse sentido, a composição entre os • Dissociação do consumo como parâmetro



elementos e os valores dessas duas correntes fundamental do conceito de qualidade de



apresenta um grande potencial na proposição vida, austeridade, atendimento das neces-


sidades básicas; redução dos fluxos materi-


de concepções políticas e mudanças compor-


tamentais voltadas para a sustentabilidade ais e energéticos, respeito à capacidade de



suporte do meio; redução das escalas de


socioambiental.

produção; emprego de tecnologias brandas


Alguns elementos têm sido destacados


e ecológicas; minimização da geração de


como fundamentais para qualquer proposta


resíduos (maximização da vida útil dos pro-

ampla para as dinâmicas sociais com vistas à


dutos, da reutilização e da reciclagem); ma-


sustentabilidade socioambiental, entre eles se-


nejo agrícola apropriado (policultura, téc-


rão aqui destacados alguns, selecionados e nicas agroecológicas, agricultura orgânica,



agrupados a partir da análise de Graf (2000): agrofloresta e permacultura) e de baixa in-


• Caracterização da crise socioambiental da


tensidade energética; destaque às ativida-


atualidade como de fundo ético e político.5 des humano-intensivas em substituição a



• Destaque aos valores humanitários e eco- tecno-intensivas e energo-intensivas; valo-



lógicos mais universais como: paz, não-vio- rização do trabalho humano criativo.

lência, respeito, honestidade, liberdade hu-


• Prevenção das influências ambientais: prin-


mana inserida nos limites naturais, igualda- cípios da precaução e da mínima interferên-

de, fraternidade, bondade, humildade e cia; conservação e proteção dos ecossis-


compaixão.

temas e recuperação de áreas e sistemas


degradados.

• Solidariedade planetária objetivando a


harmonia entre os seres humanos e destes


• Gestão e planejamento descentralizado das






4
Ramo da economia voltado para a concepção de instrumentos econômicos de gestão ambiental e de mecanismos de valoração dos recursos

naturais e internalização dos custos ambientais decorrentes das atividades humanas (Graf, 2000).

5
Alguns filósofos acrescentam ainda as raízes psicológicas e espirituais (Graf, 2000).

62
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente

atividades humanas; priorização de transpor-


conceptual elements and controversial questions. Texto


te coletivo e de baixo impacto (ciclovias etc.); produzido na University of Georgia – UGA, 1997.



rígido controle da qualidade ambiental da . The time between ecology and economy. XVIII


água e do ar; preocupação com as caracterís- Meeting of Production Engineering (Enegep-98) and IV



International Congress of Industrial Engineering – Univer-
ticas estéticas do ambiente; harmonização


sidade Federal Fluminense (UFF). Niterói, set. 1998.
entre os ambientes urbano e rural.


. Sustentabilidade ambiental : aspectos



• Exercício pleno da cidadania, participação conceituais e questões controversas. Texto preparado por


política ativa, democracia ampla e direta; ocasião da palestra “Noções de Sustentabilidade e Meio 63



eqüidade e justiça social, minimização gene- Ambiente”, proferida em 19 de julho 2001, em Brasília, a


ralizada das hierarquias; estímulo à coope- convite do Ministério da Educação, como parte do Pro-



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SIMPÓSIO 4

FORMAÇÃO DE PROFESSOR
EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
METODOLOGIAS E PROJETOS
DE TRABALHO
Isabel Cristina de Moura Carvalho

Lucila Pinsard Vianna

65
Tornar-se educador ambiental:




mitos de origem, vias de acesso




e ritos de entrada






Isabel Cristina de Moura Carvalho*


Emater/RS






Resumo





Este texto destaca algumas conclusões da pes-


os “mitos de origem”, as “vias de acesso” e os “ritos


quisa de tese de doutorado intitulada A invenção de entrada”, por meio dos quais um profissional se


do sujeito ecológico: sentidos e trajetórias em Edu- ○
torna um “educador ambiental”. Este texto também
cação Ambiental, defendida na UFRGS, em 2001, e explora os processos de construção identitária acio-

está voltado para os caminhos de identificação e nados pela correspondência a um ideal de sujeito

construção da imagem do educador ambiental. A ecológico, que se expressa num perfil de profissio-

partir de um referencial interpretativo, discutem- nal ambiental, bem como na assimilação de um



se os caminhos percorridos por trajetórias profis- código de posturas e valores do campo ambiental

sionais no campo ambiental. Para identificar os (um ethos e um habitus do campo), que torna pos-

momentos-chave das trajetórias de profissio- sível ser reconhecido pelos pares como um educa-

nalização em Educação Ambiental, destacaram-se dor ambiental.







Introdução com seu imaginário, suas condições de existên-



cia e suas expectativas e experiências sociais, sob


pena de serem recebidos como uma tarefa a mais,



A questão da identificação nunca é afirmação entre tantas que tornam o cotidiano do professor

de uma identidade pré-dada,


um sem-fim de compromissos. O outro pressu-


nunca uma profecia autocumpridora – é


posto é que, quando falamos de Educação


sempre a produção de uma imagem de


Ambiental, estamos nos referindo a um projeto

identidade e a transformação do sujeito


pedagógico herdeiro direto do ecologismo. Cons-


ao assumir aquela imagem.


titui parte de um campo ambiental e perfila em



H. K. Bhabha, O local da cultura, 1998. sua esfera de ação um sujeito ecológico.


Ao estudar as trajetórias pessoais e profissio-



Para abordar o tema da formação de profes- nais de um grupo de educadores ambientais, em



sores em Educação Ambiental, parto de dois pres- minha tese de doutorado denominada A inven-

supostos. O primeiro é que a formação de profes- ção do sujeito ecológico: sentidos e trajetórias em

sores comporta uma dimensão que transcende os Educação Ambiental (UFRGS, 2001), uma das

objetivos programáticos dos cursos e as questões que orientaram a análise dizia respeito

metodologias de capacitação. Trata-se da forma- aos caminhos de identificação e construção da



ção de uma identidade pessoal e profissional. imagem do educador ambiental. Dessa preocu-

Dessa forma, quaisquer que sejam esses progra- pação derivaram perguntas do tipo: como, no

mas e essas metodologias, eles devem dialogar curso de uma trajetória profissional, se processa

com o mundo de vida dos(as) professores(as), esse decidir-se pelo ambiental? Quais as vias pe-




* Psicóloga, doutora em Educação, assessora da Emater/RS.


66
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho

las quais se dão o acesso, a opção ou a conversão contratações em organizações não-governamen-



ao ambiental? Quais as conseqüências dessa op- tais, prestação de serviços em diferentes insti-



ção sobre a experiência passada do sujeito? Como tuições etc.) e a negociação dos capitais simbó-



se reconfiguram, no campo ambiental, outras ex- licos e culturais (Bourdieu, 1989) anteriores ao


periências profissionais e existenciais? novo status do profissional/educador ambiental.



No horizonte do que denominei “sujeito eco- Relembramos, aqui, uma asserção básica



lógico”, abre-se uma série de frentes de ação. da qual partimos: o educador ambiental é um


Como discuti, ao longo da tese, a militância, ao caso particular do sujeito ecológico e, sendo 67



ser incorporada como habitus, parece atraves- assim, integra essa identidade maior, atuali-



sar as opções profissionais, gerando uma forma zando–a em algumas de suas possibilidades.



particular de ser um profissional ambiental. Para Isso não significa, como veremos, que partilhar


identificar os momentos-chave das trajetórias de dessa identidade ecológica seja um pré-requi-



profissionalização em Educação Ambiental, des- sito para se tornar educador ambiental. Em



taquei três cortes significativos: mitos de origem, vários casos, o caminho pode ser o inverso, ou


seja, da Educação Ambiental para a identida-


vias de acesso e ritos de entrada. A referência aos


conceitos de mito e rito tem aqui um valor so- de ecológica. A Educação Ambiental tanto



bretudo metafórico, na medida em que remetem pode ser fruto de um engajamento prévio

às passagens – como ações simbólicas – que fun- quanto se constituir num passaporte para o

campo ambiental. Dessa forma, identificar-se


dam a identidade narrativa do sujeito ecológico


(no caso do mito) e definem o hétero e auto-re- como sujeito ecológico e tornar-se educador

conhecimento do profissional da Educação ambiental podem ser processos simultâneos,



Ambiental (no caso do rito).1 Os mitos de ori- no sentido simbólico, mas podem estruturar-

gem integram um processo de (re)constituição se em diferentes tempos cronológicos (tornar-



de sentido, isto é, a instauração de uma raiz re- se um sujeito ecológico a partir da Educação

mota da sensibilidade para o ambiental, reen- Ambiental ou vice-versa). Isso repõe a ques-

contrada e ressignificada a posteriori. tão da diferença entre um cronos linear,


As vias de acesso conduzem aos ritos de en- mensurável e cumulativo – que direciona a fle-

trada, remetendo aos caminhos de aproximação cha do tempo num sentido irreversível em que

e à ultrapassagem de certa fronteira de conver- o passado define o presente e encadeia o futu-



são pessoal e/ou reconversão profissional, a par- ro como conseqüência das ações passadas – e

tir do qual ocorrem a identificação com um um tempo experiencial, em que o passado



ideário ambiental e a opção por esse campo pode ser ressignificado pelo presente ou por

como espaço de vida e de profissionalização. uma expectativa em relação ao futuro.



Essas maneiras de entrar no campo e construir


uma identidade ambiental são parte dos ritos de Mitos de origem: a trama

entrada e ajudam a iluminar os desdobramen-


das sensibilidades

tos que dizem respeito, especificamente, aos



trânsitos em direção ao campo ambiental, aos É nesse sentido que poderíamos conside-

lugares profissionais aí disponibilizados (concur-


rar a construção dos mitos de origem como


sos na universidade, diferentes modalidades de uma estrutura que encontramos nos relatos bi-





1
Existe uma ampla contribuição da Antropologia sobre esses conceitos, que, cada vez mais, têm sido usados não apenas para descrever as

sociedades tradicionais, mas sobretudo para explicar a sociedade contemporânea. Para efeito deste estudo, faço uso da definição de ritual

proposta por Kertzer (1987: 9): “comportamento simbólico que é padronizado e repetitivo”, presente em todas as culturas, bem como da

discussão sobre seus efeitos na política e no poder das sociedades contemporâneas. Importante ainda, para a nossa reflexão, é a evocação

do símbolo como elemento que provê de conteúdo o ritual e suas propriedades: a) condensação do significado; b) multivocalidade e c)

ambigüidade, ressaltadas pelo autor. Sobre o conceito de mito, vale lembrar que, a partir de Lévi-Strauss, tem sido definido como sistema de

signos ou ainda “expediente cognitivo usado para reflexão das contradições e princípios subjacentes em todas as sociedades humanas”

(Outhwaite e Bottomore, 1996: 470), de modo que, assim como a noção de ritual, passou a ser identificado como atributo de todas as

sociedades e parte da vida contemporânea.



ográficos, na qual o sujeito que narra injeta a natureza, como contraponto da vida urbana



uma linha de sentido desde o presente – em e sua inscrição numa visão arcádica, aparece



que, possivelmente, também assume papel combinada com o sentimento de contestação



importante o ideal do sujeito ecológico, no romântico. O repúdio romântico à uniformi-


sentido de um dever ser, que remete a um fu- dade da razão, ao seu caráter instrumental e



turo utópico e atemporal – em direção ao pas- ao individualismo racionalista pode ser obser-



sado, conectando-os e, desse modo, identifi- vado em certas inspirações do ideal societário


cando lá as raízes remotas do que ocorreu de- ecológico, que se afirma como via alternativa



pois. É nessa reconfiguração da experiência à contra os ideais de progresso e de desenvolvi-



luz dos entrecruzamentos do tempo vivido e mento da sociedade capitalista de consumo.



rememorado que os entrevistados situam-se É interessante observar que, para além das


como ativos construtores de suas biografias memórias pessoais, essa sensibilidade natura-



pessoais e da identidade narrativa do educa- lista para com as plantas e os animais pode ser



dor ambiental. reencontrada como elemento de destaque na


Para esses entrevistados, o encontro com ○
vertente conservacionista do campo ambien-
uma natureza boa e bela emerge como núcleo tal. O movimento conservacionista, por sua

forte de suas memórias longínquas, que ga- vez, é o ponto em relação ao qual se diferencia

nham a forma do que descrevemos anterior- o ecologismo, afirmando-se como movimento



mente como um mito de origem. Entre esses social que, tendo uma crítica política, não se

momentos, são investidas de forte sentido restringe às ações de conservação da nature-



identitário as memórias infantis, como “a fa- za, mas pretende transformar a sociedade. No

zenda em Mato Grosso”; “o pé de manga-rosa entanto, apesar dessa diferença, a visão ética

no quintal”; “os sapos, as borboletas e as pere- e estética que entende a natureza como por-

recas dos tempos de infância em uma cidade tadora de direitos e de valor em si mesma, que

do interior”; “a paixão pelos insetos”; “as vai além de sua utilidade para os humanos,

joaninhas do jardim de casa”; “o quintal rural permanece como elemento de continuidade


da casa urbana”; “os acampamentos, o alpinis- entre esses dois movimentos dentro do cam-

mo e o montanhismo na juventude”. po ambiental. A partir desse contraponto do



Esses mitos de origem, por sua vez, movimento ecológico, o conservacionismo se



revisitam certos elementos importantes que se mantém disponível como visão de mundo que

destacam, na composição de uma tradição informa não apenas ações de mobilização con-

ambiental, demonstrando a sua vigência. O va- tra o desaparecimento de espécies, a proteção



lor da natureza como reserva estética e moral, dos animais etc., mas também é particular-

que se pode encontrar no naturalismo e nas mente evocado na ação do Estado, que tende

chamadas novas sensibilidades para com a na- a identificar sua política ambiental com uma

tureza, parece reeditar-se como espécie de me- política de proteção ambiental. 2



mória mítica dos educadores ambientais, re- É possível notar certa descontinuidade en-

montando a um mito de origem do próprio tre o discurso ambiental politizado – que, ao to-

ecologismo. Como desenvolvemos em outros mar o modus operandi conservacionista como



momentos da pesquisa de tese, no ecologismo, contramodelo, rejeita o enaltecimento ingênuo








2
Observando as primeiras décadas do século XX, verifica-se que a história das ações sobre o meio ambiente, no Brasil, é feita por decisões

governamentais de caráter conservacionista. São tratados e legislações que visam proteger os recursos naturais, como, em 1895, o tratado

de proteção a um tipo de garça, antes exportada para manufatura de roupas e ornamentos; o tratado de proteção de aves úteis para a

agricultura (1921); o Código de Águas e Minas, o Código Florestal e o Código de Caça e Pesca, todos de 1934; e a criação do primeiro

parque nacional, em Itatiaia, em 1937, entre outros. Ao reiterar o sentido conservacionista do ambiental, o Estado colabora com o isolamento

da política ambiental das decisões dos setores econômicos que estão definindo o modelo de desenvolvimento no país. Isso tem sido critica-

do pelos setores ambientalistas que gostariam de ver a adoção de uma perspectiva socioambiental regulando o conjunto das ações de

desenvolvimento.

68
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho

da natureza – e a vigência de uma ética e estéti- sos que podem ser descritos como: do exterior



ca naturalista, que se perpetua no imaginário para o ambiental; da interioridade do sujeito



dos sujeitos ecológicos. É algo dessa sensibili- para o ambiental; da luta contra a ditadura



dade que emociona e constitui a identificação para o ambiental; da engenharia para o am-


com a luta ambiental para muitos. Esse foi um biental; da educação popular para o ambiental.



ponto de inflexão recorrente nas narrativas que Esses percursos não são excludentes e, fre-



recolhemos, nas quais os entrevistados, ao nar- qüentemente, se superpõem. Outras vezes,


rarem sua história, relacionaram as raízes mais entrecruzam-se na trajetória de um mesmo 69



remotas de sua vinculação com a questão sujeito. Se os destacamos, é apenas para efei-



ambiental a uma sensibilidade com a natureza, to de dar centralidade ao que, em cada um



presente em sua experiência de vida. Muitos desses trânsitos, se evidencia como eixo de


localizaram essa experiência na infância, mas uma experiência refigurada.



outros, em momentos da vida adulta anterio- Como aparece em vários depoimentos, fa-



res a seu engajamento no campo ambiental. zer Educação Ambiental não garante uma iden-



Assim, o que, no debate das idéias e nos con- tidade pacífica de educador ambiental ou, pelo


frontos ideológicos, tende a contrastar com a menos, construída com certa homogeneidade,



oposição naturalismo/conservacionismo versus como se poderia supor em outros campos mais

ecologismo/visão socioambiental, no nível das consolidados. Ser educador ambiental é algo



sensibilidades que constituem os sujeitos eco- definido sempre provisoriamente, com base em

lógicos, parece estar bastante entrelaçado. parâmetros que variam segundo o informante

e suas filiações, moldando-se de acordo com a


Rumo ao ambiental: vias


percepção e a história de cada sujeito ou grupo


envolvido com essa ação educativa. É uma iden-


de acesso e ritos de entrada


tidade que comporta um espectro de variações



Os acessos em direção ao ambiental são na sua definição e apresenta um gradiente de



múltiplos e passam por diferentes caminhos, intensidade de identificação – identidade ple-


conforme mostram os percursos dos nossos namente assumida como destino escolhido,

entrevistados. O encontro com a natureza, a identidade em progresso como algo a ser alcan-

busca de novas soluções profissionais, as for- çado, identidade negada ou secundarizada, no



mas de reorganizar crenças e ideologias, as processo de negociação, entre outras possibili-


reconversões institucionais são alguns dos dades e escolhas do sujeito. Essa dinâmica pa-

marcos reconstituídos nos relatos como mo- rece apontar, tanto para um campo historica-

mentos liminares, 3 em que o presente tende a mente novo, quanto para sua natureza multi-

traduzir a experiência passada, como no mito disciplinar, condições que tornam mais difíceis

de origem, mas, ao mesmo tempo, o faz orien- a legitimidade e o reconhecimento social de



tado por uma expectativa voltada para um ho- uma nova identidade profissional, deixando

rizonte de possibilidades futuras, de acordo grandes margens para esses gradientes de iden-

com as regras do jogo e da illusio do campo


tificação, bem como uma grande mobilidade


ambiental. entre eles. Pode-se atuar profissionalmente de



Considerando a idéia da viagem como me- diversas maneiras e a partir de várias especiali-

táfora dos deslocamentos existenciais, da zações no campo ambiental, e fazer Educação


reinvenção do outro e da recriação de si, to-


Ambiental pode ser uma opção entre outras ou,


mamos, como vias de acesso, alguns percur- simultaneamente, com outros fazeres am-






3
O conceito de liminaridade (liminality) é usado por Victor Turner para designar a fase intermediária do rito de passagem – compreendido como

tendo três fases: separação, margem ou limen e reintegração. Os estados e os processos liminares são marcados pela ambigüidade, pela

suspensão das normas e dos valores da ordem anterior e ainda pela não incorporação plena das e dos valores da ordem da ordem para qual

se está fazendo a transição, o estado liminar é o de estar entre dois mundos simbólicos (cf. Turner, 1978).

bientais. Nesse contexto, as atuações profissio- daí surgem assumem o caráter de uma identi-



nais no campo ambiental, excluindo-se aque- dade dinâmica, muitas vezes em trânsito, isto é,



las que exigem alta especialização técnica, ten- uma identidade que não se fixa necessariamen-



dem a favorecer o trânsito e mesmo a invenção te apenas em um dos pólos: profissional ou mi-


de novas modalidades e perfis profissionais. litante, por exemplo, tampouco ganha a forma



Finalmente, cabe lembrar que, se a constru- de uma identidade permanente e totalizante, no



ção de uma prática educativa nomeada como sentido de subsumir outras auto-identificações


Educação Ambiental e a identidade profissio- e filiações profissionais.



nal de um educador ambiental a ela associada Um dos traços distintivos dessa identida-



são parte dos movimentos de estruturação do de narrativa – conceito que pareceu ser o mais



campo ambiental, a Educação Ambiental esta- adequado para destacar a dupla face social e


rá submetida aos efeitos da censura4 exercidos individual dessa construção identitária – é par-



por esse campo. Essa é a fronteira que define tilhar, em algum nível, de um projeto político



um certo universo de sentidos possíveis, cir- emancipatório. A idéia de mudanças radicais


cunscrevendo o que é pensável ambiental- ○
abarca não apenas uma nova sociedade, mas
mente e, por conseguinte, o que, nesse campo, também um novo sujeito, que se vê como par-

se torna impensável ou indizível. te dessa mudança societária e a compreende



como uma revolução de corpo e alma, ou seja,



uma reconstrução do mundo que inclui o mun-


Educação Ambiental:

do interno e os estilos de vida pessoal. Esse pa-


identidade política e

rece ser o elemento diacrítico que confere o



revolução epistemológica caráter promissor e sedutor do campo


ambiental e do saber que ele busca fomentar



Dentro do universo amplo do sujeito ecoló- em suas esferas de formação de especialistas,



gico, são múltiplos os caminhos, as vias de aces- publicações e teorização. A máxima registrada

so e os ritos de entrada pelos quais esse sujeito


por Huber (1985), de “mudar todas as coisas”


pode se tornar um educador ambiental. As con- na dimensão política das práticas ambientais,

dições do percurso da própria Educação evoca uma transformação não apenas políti-

Ambiental apontam para uma área recente, em ca, mas da política, isto é, da maneira de com-

que, como em todo campo ambiental, sobre-


preender, viver e fazer política, acenando com


põem-se as marcas de um movimento social e novos trânsitos e também com possíveis ris-

as de uma esfera educativa epistemologicamente cos para a própria esfera política.



fundamentada e institucionalmente organizada. A Educação Ambiental no ensino formal,


Nesse contexto, vimos como a identidade de


por exemplo, tem enfrentado inúmeros desa-


educador ambiental está longe de ser uma iden- fios, entre os quais poderíamos destacar o de

tidade totalizante. Nomear-se educador como se inserir no coração das práticas esco-

ambiental aparece ora como adesão a um lares considerando sua condição de transver-

ideário, ora como sinônimo de um ser ideal ain-


salidade. Afinal, como ocupar um lugar na es-


da não alcançado, ora como opção de trutura escolar, considerando essa espécie de

profissionalização, ora como signo descritor de não-lugar, que é a transversalidade? Para a


uma prática educativa ambientalizada, combi-


Educação Ambiental constituir-se como temá-


nando, em diferentes gradações, as vias da


tica transversal, ela pode tanto ganhar o signi-


militância e da profissionalização num perfil ficado de estar em todo lugar, quanto, ao mes-

profissional–militante. Resulta disso que as for- mo tempo, não pertencer a nenhum dos luga-

mas de se autocompreender e se apresentar que


res já estabelecidos na estrutura curricular que






4
Os campos sociais, segundo Bourdieu, exercem um efeito de censura (1989: 165), no sentido de limitar o universo dos discursos que nele se

produzem a um universo de enunciados possíveis de serem ditos no âmbito da problemática particular daquele campo.

70
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho

organiza o ensino. Além disso, como ceder à


sores e da organização das práticas escolares.


lógica segmentada do currículo, se a Educação Como sabemos, o debate ambiental ainda não



Ambiental tem como ideal a interdisciplinari- chegou aos cursos de formação de professo-



dade e uma nova organização do conhecimen- res, tampouco tem conseguido estar presente


to? Em outras palavras, poderíamos dizer que, nos momentos-chave da organização do tra-



como herdeira do movimento ecológico e da balho educativo na escola, como, por exemplo,



inspiração contracultural, a Educação Ambien- na definição dos projetos pedagógicos, dos pla-


tal quer mudar todas as coisas. A questão é sa- 71


nos de trabalho, do uso do tempo em sala de


ber como e por onde começar e quais os me- aula, do planejamento da escola, da distribui-



lhores caminhos para a efetividade dessa re- ção das atividades no tempo remunerado dos



construção da educação. Diante de um proje- professores.


to tão ambicioso, o risco é o da paralisia dian-



te do impasse do tudo ou nada: ou mudar to-
Bibliografia



das as coisas, ou permanecer à margem, sem


BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Pau-


construir mediações adequadas.


Do meu ponto de vista, valeria a pena ter lo: Perspectiva, 1987.


. O poder simbólico . Lisboa: Difel, 1989. Co-

como indicador de validade de um processo

○ leção Memória e Sociedade.
em Educação Ambiental a sua capacidade de

. Razões práticas: sobre a teoria da ação .


gerar experiências significativas de aprendiza- Campinas: Papirus, 1996a.


do não apenas pessoal ou grupal, no caso dos


. A economia das trocas lingüísticas : o que


professores e alunos, mas, sobretudo, que falar quer dizer. São Paulo: Edusp, 1996b.

incidisse também em mudanças na estrutura CARVALHO, I. C. M. A invenção do sujeito ecológico : sen-


tidos e trajetórias em Educação Ambiental. 2001. Tese


da escola, denotando algum tipo de mudança

(Doutorado) – UFRGS/PPGEDU. Porto Alegre.


no aprendizado institucional. Isso significa

HUBER, J. Quem deve mudar todas as coisas : as alterna-


tomar a sério a noção de aprendizagem, enten-


tivas do movimento alternativo. Rio de Janeiro: Paz e


dida como processo capaz de operar mudan- Terra, 1985.


ças cognitivas importantes tanto nos indivídu-


KERTZER, D. I. Ritual, politics & power. New Haven: Yale


os e grupos, quanto nas instituições. Talvez, University Press, 1987.



dessa forma, a Educação Ambiental consiga OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE, T. Dicionário do pensa-

mento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


sair de seu lugar muitas vezes situado à mar-


1996.
gem da escola (atividades extraclasse, que

TURNER, V. O processo ritual: estrutura e antiestrutura.


ocorrem no tempo “livre” dos professores e


Petrópolis: Vozes, 1974.


alunos, por exemplo), para ter alguma ação de TURNER, V.; TURNER, E. Image and pilgrimage in

transformação sobre o que poderíamos cha- Christian culture. New York: Columbia University Press,

mar de “núcleo duro” da formação dos profes- 1978.




























Formação em meio ambiente




para o ensino formal:




uma proposta de formação




continuada em serviço




para as séries finais




do Ensino Fundamental





Lucila Pinsard Vianna



Coordenadora-Geral de Educação Ambiental – SEF/MEC






O tema “Formação em Educação Ambiental” § 3o As ações de estudos, pesquisas e experimen-



é o eixo estratégico das propostas de implemen- tações voltar-se-ão para:


tação de processos de Educação Ambiental, con-


I – o desenvolvimento de instrumentos e

templado no art. 8o da Lei no 9.795/99, que trata metodologias, visando à incorporação da di-

da Política Nacional de Educação Ambiental mensão ambiental, de forma interdiscipli-



(PNEA): nar, nos diferentes níveis e modalidades de


ensino;

II – a difusão de conhecimentos, tecnologias


Art. 8o – As atividades vinculadas à Política Na-


cional de Educação Ambiental devem ser desen- e informações sobre a questão ambiental;

III – o desenvolvimento de instrumentos e


volvidas na educação em geral e na educação


metodologias, visando à participação dos in-


escolar, por meio das seguintes linhas de atua-


ção inter-relacionadas: teressados na formulação e execução de pes-


quisas relacionadas à problemática ambiental;


I – capacitação de recursos humanos;


II – desenvolvimento de estudos, pesquisas e IV – a busca de alternativas curriculares e



experimentações; metodológicas de capacitação na área



III – produção e divulgação de material edu- ambiental; […]


cativo;

IV – acompanhamento e avaliação. Quando falamos de formação de professo-



[…] res, podemos estar nos referindo tanto à forma-


§ 2o A capacitação de recursos humanos voltar- ção inicial como à formação em serviço (PNEA

se-á para: chama a formação em serviço de “atualização”



I – a incorporação da dimensão ambiental na e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de


formação, especialização e atualização dos


formação continuada em serviço, conforme seu


educadores de todos os níveis e modalidades


art. 67, inciso II).

de ensino;

Este texto tem a finalidade de discutir uma


II – a incorporação da dimensão ambiental na


proposta da Coordenação-Geral de Educação


formação, especialização e atualização dos


Ambiental (COEA) da Secretaria de Ensino Fun-


profissionais de todas as áreas;

damental do MEC, para a formação continua-


III – a preparação de profissionais orientados


da em serviço de professores das séries finais


para as atividades de gestão ambiental;


IV – a formação, especialização e atualização do Ensino Fundamental no tema Meio Ambi-



de profissionais na área de meio ambiente; ente. Antes de tudo, é importante contextualizar


essa proposta: ela faz parte do programa Parâ-


V – o atendimento da demanda dos diversos


segmentos da sociedade no que diz respeito à metros em Ação, da Secretaria de Educação



problemática ambiental. Fundamental do Ministério da Educação, que é


72
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho

uma política pública do Governo Federal para O segundo bloco de desafios diz respeito ao



o desenvolvimento profissional em serviço dos contexto do universo das unidades escolares. Por



professores de todos os segmentos e modalida- exemplo: como ela se organiza como espaço fí-



des do Ensino Fundamental. Nesse sentido, essa sico, qual a disponibilidade de materiais de qua-


proposta tem de ser entendida como uma ação lidade para leitura e pesquisa, se há proporção



que exige a amplitude e a diversidade caracte- apropriada na relação aluno–professor, se há



rísticas de um país como o Brasil. receptividade e apoio necessário da direção da


A pergunta que norteou a COEA na concep- escola para implementar processos de Educação 73



ção do programa foi: as propostas de formação Ambiental. Uma infra-estrutura física e institu-



de professores em Educação Ambiental existen- cional das escolas, que propicie encontros e pla-



tes contribuem efetivamente para o exercício nejamento coletivo, acesso à informações, rela-


dela no ensino formal? A referência básica des- ção professor–aluno adequada para a constru-



sa pergunta é o grande desafio, apresentado ção de vínculos, apoio político institucional, é a



para todos os educadores ambientais, de con- base para a realização, com sucesso, de proces-



cretizar processos permanentes, efetivos e de sos de Educação Ambiental nas escolas.


qualidade de formação em serviço de profes- O terceiro bloco diz respeito à fragilidade da



sores para a prática de Educação Ambiental. presença da Educação Ambiental nos sistemas

Quais são esses desafios? Podemos dividi- de ensino, situação que traz conseqüências di-

los em pelo menos cinco grandes blocos retas à prática da Educação Ambiental no con-

temáticos. texto escolar. Apenas recentemente é que o



O primeiro bloco reúne os desafios ineren- tema meio ambiente passou a ser pautado com

tes aos princípios da proposta de Educação mais freqüência e sistemática nesses sistemas.

Ambiental: tratamento interdisciplinar, sem A promulgação da PNEA e a publicação dos PCN



se constituir numa disciplina, permeando as contribuíram para abrir novos espaços institu-

diferentes áreas de conhecimento;1 promoção cionais para o tratamento do tema, embora ain-

de reflexões e sensibilização sobre as respon- da incipientes, visto que a Educação Ambiental


sabilidades de cada um e da coletividade na ainda não está incorporada à estrutura, às polí-



garantia da qualidade de vida; aproximação ticas e programas dos sistemas de ensino. Con-

da realidade ambiental da escola; ações de in- seqüentemente, o trabalho de Educação



tervenção em parcerias com a comunidade, Ambiental assume um caráter esporádico e in-


para a comunidade e na comunidade; cons- termitente.



trução de valores, conhecimentos e atitudes Ainda com relação aos sistemas de ensino,

voltados para um modo de vida e ocupação/ o quarto bloco de desafios diz respeito às ques-

uso do espaço capazes de conciliar justiça tões institucionais que geram desmotivação nos

social e conser vação da natureza. A via- educadores como, por exemplo, a situação de

bilização desses princípios da Educação desvalorização profissional vivida pelos profes-



Ambiental (interdisciplinaridade, mudança sores, a situação salarial, a ausência, na carga



de valores e atitudes, acesso a conteúdos de horária e no calendário escolar, de tempo para


meio ambiente, intervenção na realidade por formação permanente. Esse contexto traz difi-

meio de projetos, desenvolvimento de valo- culdades para a implementação de políticas de



res éticos) implica planejamento e construção formação continuada.



de processos participativos e coletivos. Os O quinto bloco refere-se à ausência do tema


desafios de concretizar as propostas de Edu- meio ambiente na formação inicial desses pro-

cação Ambiental se somam a outros desafios, fessores. Os cursos de bacharelado e licencia-



quando a sua implementação é nas escolas. tura, em sua grande maioria, não incorporaram





1
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, referencial curricular lançado pela SEF em 1998, propõem o tema Meio

Ambiente como tema transversal a todas as disciplinas.



a Educação Ambiental às suas diretrizes cur- pontos comuns sobre a prática da formação de



riculares. Além disso, a formação inicial dos professores, praticamente os mesmos detecta-



professores ainda alimenta uma prática de en- dos no diagnóstico preliminar realizado pela



sino fragmentada e descontextualizada da rea- COEA. São eles:


lidade em que irão atuar. Essa situação acentua 1. A duração dos cursos de formação é insu-



a necessidade de formação em serviço dos pro- ficiente para disponibilizar conhecimentos



fessores para trabalhar com o tema meio ambi- diversificados e específicos sobre meio


ente, enfocando não só questões metodo- ambiente e elaboração de projetos.



lógicas, como também o aprendizado dos con- 2. Não há apoio permanente aos professores



teúdos da temática. para sua ação docente.



Esses quadros de desafios criam obstáculos 3. É necessário o envolvimento, além dos pro-


para efetivar processos permanentes e de quali-


fessores, de técnicos, gestores, diretores e


dade na formação em serviço em Educação tomadores de decisão no processo de edu-



Ambiental. Entre esses obstáculos, há o desâni- cação continuada.


mo dos professores em enfrentar essas dificulda-
4. É importante que tais formações propiciem

des e, conseqüentemente, as mudanças necessá-


a superação da fragmentação das ações.


rias tanto em sua prática de ensino diária, quan-


5. Os professores não têm materiais de boa


to nas instituições. Todos sabemos que mudança


qualidade disponíveis para o desenvolvi-


é um processo longo e, muitas vezes, doloroso. É


mento de seu trabalho com o tema.


necessário criar condições de sensibilização e

envolvimento para provocar mudanças nas insti- 6. Os cursos de formação em Educação


Ambiental para professores são muitas ve-


tuições e nas pessoas. Uma política de formação


em serviço de professores que contemple a Edu- zes descontextualizados da realidade da



cação Ambiental pode ser um dos caminhos para escola e daquela em que está inserida.

incentivar essas mudanças. Podemos acrescentar que tais cursos não



A despeito desses desafios, hoje existem mui- fazem uma reflexão sobre a problemática insti-

tas iniciativas de Educação Ambiental nas esco- tucional dos sistemas de ensino para efetivar

las, e a demanda é visivelmente cada vez maior. políticas de formação em serviço, nem sobre a

Mas será que, voltando à pergunta inicial, a for- problemática relacionada à fragilidade da Edu-

mação de professores em Educação Ambiental cação Ambiental nesses sistemas.


possibilita efetivamente sua prática, com quali- Ainda, entre os resultados dessa oficina, fo-

dade e continuidade, no ensino formal? ram apontadas algumas orientações para pro-

Em 2000, a COEA, a fim de subsidiar sua postas de formação de professores: desenvol-



proposta de trabalho e de promover um es- vimento da competência e capacidade de mu-


paço de participação e articulação da Edu- dança, risco e investigação; comprometimento



cação Ambiental, promoveu a Oficina Pano- com a aprendizagem contínua; fortalecimento



rama da Educação Ambiental, para a qual da autonomia do professor para sua própria for-

convidou 17 especialistas de organizações mação; desenvolvimento da competência de


não-governamentais e universidades. 2 Para trabalhar e aprender em equipes cooperativas;



subsidiar o encontro, a COEA preparou um incentivar a aprendizagem profissional com



diagnóstico preliminar sobre as característi- seus colegas; viabilizar a capacidade dos pro-

cas dos projetos de Educação Ambiental nas fessores para formar pessoas conscientes, soli-

escolas. dárias e capazes de aprender. Além disso, apon-



A partir das discussões dos grupos de tra- tou-se a necessidade de garantir institucio-

balho e das plenárias, foram traçados alguns nalmente o tempo e as condições para o desen-





2
Esse encontro gerou uma publicação, Oficina Panorama da Educação Ambiental , disponível na Internet, no site <http://www.mec.gov.br/sef/

ambiental>

74
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho

volvimento do trabalho coletivo, da formação espaço propício para incentivar ações de



continuada e dos projetos. intervenção.



A proposta de formação de professores em 3. A consciência de que não promove a apren-



meio ambiente da COEA – Programa Parâme- dizagem quem não a domina, nem cons-


tros em Ação – Meio Ambiente na Escola – con- trói conhecimentos significativos quem



sidera os desafios apresentados anteriormente, não os possui, nem promove autonomia



ou seja, lacunas na formação inicial; lugar de quem não teve a oportunidade de cons-


Educação Ambiental nas instituições; contexto truí-la. 75



da escola; dificuldades de apropriação de con- 4. A importância do desenvolvimento de



3
teúdos e desenvolvimento de competências competências profissionais para a prática



para a prática de Educação Ambiental. Além do professor. O programa elegeu quatro


disso, seus princípios contemplam os pontos e competências profissionais básicas: leitu-



orientações resultantes da Oficina Panorama da ra e escrita; trabalho compartilhado; admi-


nistração da própria formação; reflexão da


Educação Ambiental.


prática pedagógica.





Programa Parâmetros ○

Os objetivos principais do programa, defi-
nidos a partir dessas referências, são: incenti-
em Ação – Meio Ambiente

var a prática de formação continuada no inte-


na Escola rior dos sistemas educacionais; fortalecer o pa-



pel das secretarias na formação dos professo-


O programa Parâmetros em Ação, política


res, evitando a fragmentação e a pulverização


pública da Secretaria de Educação Fundamen-


das ações educacionais; favorecer a continui-


tal voltada para o desenvolvimento profissional


dade das ações de formação, incentivando o

em serviço de professores, que vem sendo


estabelecimento de organização de trabalho e


implementada, desde 1999, em parceria com os


de equipe de formadores nas Secretarias de


sistemas de ensino, tem como referências:


Educação; contribuir para o debate e a reflexão


1. A importância de a formação de professo-

sobre o papel da escola e do professor na pers-


res em serviço ser contínua, evitando ações


pectiva do desenvolvimento de uma prática de


fragmentadas e pulverizadas, garantindo


melhoria da qualidade do ensino. A conti- transformação da ação pedagógica; criar espa-



nuidade tem mais possibilidades de se re- ços de aprendizagem coletiva, incentivando a


prática de encontros para estudar, trocar expe-


alizar a partir de políticas públicas dos sis-


temas de ensino que tenham esse objeti- riências e realizar trabalho coletivo nas escolas;

vo, propostas e implementadas por meio colocar à disposição dos sistemas de ensino, de

forma organizada, os conteúdos e as


de uma organização de trabalho e de uma


equipe de formadores nas secretarias. metodologias de formação.



2. O entendimento de que o universo esco- A estratégia para atingir os objetivos do pro-



lar, como espaço – reconhecido pela socie- grama é a constituição de grupos de estudo de

professores, liderados por um coordenador. A


dade – de aprendizagem planejada e siste-


mática, é privilegiado para a vivência, a re- proposta é que os grupos de estudo discutam e

flexão e a discussão de referenciais éticos decidam coletivamente sobre situações apre-



necessários e constituidores de toda e sentadas aos professores no exercício de sua


qualquer ação de cidadania. Também é um profissão, adequando-se à realidade e às prio-








3
Atualmente, o conceito de competência é muito disseminado nas discussões entre educadores, porém sempre é válido retomá-lo: competên-

cia é a capacidade de mobilizar múltiplos recursos numa mesma situação, entre os quais os conhecimentos adquiridos na reflexão sobre as

questões pedagógicas e aqueles construídos na vida profissional e pessoal, para responder às diferentes demandas das situações de

trabalho. Nesse sentido, a construção das competências acontece a partir da articulação entre teoria e prática.

ridades das escolas. Não se trata, portanto, de uma preocupação adicional, que é o fato de que



um curso que tenha um fim. A idéia – e isso de a Educação Ambiental não está institucio-



fato tem ocorrido – é que os professores tomem nalizada nos sistemas de ensino, pois está au-



gosto pelo estudo coletivo e conquistem o es- sente das políticas, programas e estruturas des-


paço institucional para sua realização, garantin- ses sistemas. Essa preocupação permeia a pro-



do continuidade e freqüência dos encontros. posta do Parâmetros em Ação – Meio Ambiente



O programa Parâmetros em Ação vem ocor- na Escola. Seus objetivos específicos são:


rendo há três anos e já atendeu a mais de 301 • institucionalizar a Educação Ambiental nas



pólos, formou 21 mil coordenadores de grupo políticas de formação continuada em servi-



e beneficiou cerca de 400 mil professores, em ço das Secretarias de Educação;



2.600 municípios de todos os estados da Fede- • fortalecer os sistemas de ensino para o tra-


ração. Dentre os resultados qualitativos avalia- balho com Educação Ambiental;



dos pelo programa, destacamos o impacto nos


• propiciar a superação de visões parciais e


sistemas de ensino, quanto ao seu papel na pro- especializadas do mundo;


moção de políticas de formação continuada e
• incentivar a adoção de valores éticos e soli-

quanto à construção de planos de carreira. Des-


dários que sirvam de base às relações soci-


tacamos também o favorecimento do desenvol-


ais e às relações com a natureza;


vimento profissional e pessoal dos professores,


• estimular o repensar do espaço, o convívio


a intensificação do gosto pela construção cole-


escolar e a reflexão sobre o ambiente onde

tiva do conhecimento pedagógico e a criação


a escola se situa;

de novas possibilidades de trabalho em sala de


• estimular ações de intervenção por meio de


aula, aprimorando a qualidade da aprendiza-


gem. É importante ressaltar que esses resulta- construção de projetos;



dos fortalecem o papel do educador como • incentivar o domínio de conhecimentos



organizador da sua formação. básicos que criem condições de apropria-


ção do repertório mínimo acerca das ques-


Como podemos perceber, a proposta do


programa Parâmetros em Ação coaduna-se com tões ambientais.



algumas das preocupações postas para a práti-



ca da Educação Ambiental nas escolas, O programa Parâmetros em Ação – Meio



elencadas nos resultados da Oficina Panorama Ambiente na Escola tem algumas característi-

da Educação Ambiental no Brasil, como as que


cas específicas em sua proposta:


se referem à duração dos cursos de formação. 1. Além da reflexão sobre a prática pedagógi-

Nesse caso, como não é um curso, o tempo dei- ca, um dos objetivos do programa Parâme-

tros em Ação – Meio Ambiente na Escola


xa de ser insuficiente. Entre as orientações pro-


postas pela oficina para formação de professo- incentiva a reflexão sobre as atitudes e os

res em Educação Ambiental, podemos citar o comportamentos diante do espaço e das


questões ambientais como conteúdos de


comprometimento com a aprendizagem contí-


ensino e aprendizagem.

nua, o fortalecimento da autonomia do profes-


sor para sua própria formação e o desenvolvi- 2. Abordagem de possibilidades de trabalho



mento da competência de trabalhar e aprender do tema transversal Meio Ambiente nos



em equipes cooperativas, todas contempladas currículos e no desenvolvimento de proje-


tos de Educação Ambiental articulados ao


pela proposta do programa, centrada na forma-


ção de grupos de estudo de professores. projeto educativo das unidades escolares.



O programa Parâmetros em Ação – Meio 3. Disponibilização de canais de comunica-



Ambiente na Escola destina-se aos professores ção, de aquisição e aprofundamento de co-


nhecimentos sobre a questão ambiental.


das séries finais do Ensino Fundamental e am-


plia a parceria do MEC com as Secretarias de 4. Incentivo à pesquisa e à investigação, quer



Educação para o desenvolvimento do programa seja em campo, por meio de estudos e di-

Parâmetros em Ação. O programa traz consigo agnósticos, quer seja buscando conteúdos

76
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho

conceituais, o que também contribui para programa Parâmetros em Ação – um kit para o



a autonomia profissional. professor contendo diversos materiais informa-



5. As discussões propostas pelo material so- tivos, que propiciam o aprofundamento dos



bre os conteúdos conceituais do tema estudos, e também um guia para atividades em


Meio Ambiente apontam divergências, sala de aula.



conflitos, posições e visões diferentes acer- A proposta, com 115 horas de estudo, é de



ca da questão, confrontando valores e re- formação de grupos de professores por escola.


tratando a complexidade e a polêmica em É importante o envolvimento máximo de pro- 77



torno do tema. Assim, os professores têm fessores, visto que a idéia é justamente cons-



a possibilidade de construir suas próprias truir espaços coletivos na escola, que propiciem


percepções e posições em relação ao tema,


o planejamento e a construção de projetos


fortalecendo, assim, sua autonomia. participativos e integradores de cada área de



6. O conteúdo conceitual sobre o tema meio conhecimento. Nesse sentido, o programa des-



ambiente, nas atividades propostas pelo tina-se a todos os professores, e não apenas


material, dialoga com todas as áreas de co-


àqueles que trabalham com áreas de conheci-


nhecimento, propiciando a vivência da in- mento mais diretamente relacionadas ao tema,



terdisciplinaridade e construindo caminhos como, por exemplo, Ciências e Geografia. Essa

para a construção da transversalidade. O ○

preocupação está presente no conteúdo e na


programa considera as representações, o

linguagem do material, bem como na proposta


conhecimento e os pontos de vista do pro-


de implementação que estabelece como crité-

fessor como colaborações e contribuições


rio o envolvimento de pelo menos 50% dos pro-


de cada um e de cada área de conhecimen-


fessores das escolas.


to para o entendimento da questão


O fato de não ser um curso incentiva a con-

ambiental. O material incentiva o professor


quista de espaço da Educação Ambiental nas


a identificar, no corpo de sua disciplina,


ações educacionais e na política de formação


conteúdos que expressam ou podem ex-


pressar entendimentos sobre o tema meio continuada das secretarias na escola. Os grupos

de estudo criam vínculos entre os professores e


ambiente e põem, em evidência, o campo


comum às áreas de conhecimento. A cons- abrem espaços para conquistas institucionais,



trução da interdisciplinaridade e da trans- como o tempo remunerado para sua formação



versalidade é fortalecida pela proposta de em serviço. O trabalho em grupo estimula ain-


trabalho em grupo, que estimula a troca de da o desenvolvimento de valores, como a soli-



informações, idéias e experiências, bem dariedade e o respeito ao outro.



como a construção coletiva de conheci- Nesse sentido, a proposta do programa Pa-


mentos sobre a temática ambiental, a


râmetros em Ação – Meio Ambiente na Escola


vivência do tema como articulador entre as enfrenta os desafios para a prática da Educação

áreas e a construção de propostas de Edu- Ambiental nas escolas, bem como responde às

cação Ambiental para as escolas.


preocupações e incorpora as orientações da ofi-



cina. Um exemplo é a preocupação relacionada


Para esse trabalho, o programa oferece um à descontextualização da realidade da escola e



material para o coordenador de grupo, que con- daquela em que ela está inserida, nos cursos de

tém um guia sobre o qual se efetuarão os estu- formação em Educação Ambiental para profes-

dos em grupo. O guia é composto por ativida- sores. Essa preocupação é superada com a incor-

des organizadas em módulos temáticos. Há poração da Educação Ambiental na política de



uma série de materiais de apoio a essas ativi- formação das secretarias, bem como com a pro-

dades, como, por exemplo, fitas de vídeo, CD- posta de construção de diagnósticos ambientais

ROM de legislação ambiental, mapa das do entorno da escola, presente no material do


ecorregiões brasileiras, CD de músicas etc. Há professor, e com a proposta de construção de um



também – e isso é um diferencial dos materiais caderno de projetos por escola, permeando to-

propostos para as áreas de conhecimento pelo das as atividades do Guia do Coordenador.



Outros exemplos, presentes nas orientações


cício de autonomia e o tratamento da questão


para propostas de formação de professores, re- ambiental de forma contínua, permeando o



ferem-se ao desenvolvimento da competência e cotidiano da escola. Além disso, as secretarias,



da capacidade de mudança, risco e investigação; ao assumirem o programa, incorporam efeti-


ao incentivo da aprendizagem profissional com


vamente o tema meio ambiente em suas polí-


seus colegas; à viabilização da capacidade dos ticas de educação continuada.



professores para formar pessoas conscientes, O programa Parâmetros em Ação – Meio Am-


solidárias e capazes de aprender; à necessidade


biente na Escola pode ser um indutor, nos siste-


de garantir institucionalmente o tempo e as con- mas de ensino, de uma proposta institucional de



dições para o desenvolvimento do trabalho co- política pública para o tratamento do tema meio



letivo, da formação continuada e de projetos. ambiente nas escolas, garantindo espaços nas


Todas essas orientações estão presentes na


ações educacionais que resultem, finalmente, em


proposta do programa, que favorece o espírito processos de formação de professores perma-



de equipe, o trabalho em colaboração, o exer- nentes, contínuos e de qualidade.









PALESTRA


Os diversos olhares da avaliação




na Educação Ambiental – Fantasias




de uma autora




Léa Depresbiteris

Senac/SP




Resumo



Este trabalho apresenta as principais idéias da sicos que sempre a nortearam e buscar cumprir um

autora sobre a avaliação na Educação Ambiental. novo papel: o de auxiliar o aluno a identificar o sig-

Para tornar o assunto mais interessante, o texto foi


nificado de seu aprendizado.


elaborado de forma romanceada, com a participa- O texto apresenta, igualmente, as competên-



ção das principais figuras do folclore, para discor- cias essenciais a serem desenvolvidas na formação

rer sobre finalidades, critérios, instrumentos e for-


dos professores, com ênfase na dimensão do saber–


mas de avaliação. ser, o que nos exige vislumbrar além dos saberes e

Uma das principais idéias aqui expostas é a de do saber–fazer.


que o papel da avaliação da aprendizagem, na Edu- Os saberes indicam os conhecimentos neces-



cação Ambiental, não se pode caracterizar como o sários para lidarmos com o meio ambiente em nos-

desejo tradicional dos professores de atribuírem so cotidiano; o saber–fazer contempla as práticas


uma nota aos alunos e de estes obterem-na para possíveis para que essa preservação possa ocorrer;

conseguirem um certificado ou diploma. A avalia- e o saber–ser é aquela dimensão pela qual o pro-

ção, em Educação Ambiental, da mesma forma que fessor se apresenta como mediador, visando ao es-

a avaliação em todo o processo de ensino e apren- tímulo da reflexão do educando sobre sua respon-

dizagem, deve se distanciar dos paradigmas clás- sabilidade para com o meio ambiente.

78
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora

Uma fantasia do seus maridos, namorados, pais ou irmãos não



estão em casa. Daí é fácil (esfregou as mãos), é


Estavam presentes naquela reunião alguns


só hipnotizá-las e fazer amor.


dos principais personagens do folclore brasilei-


– E sempre as deixa grávidas – zombou a


ro. Andavam de um lado para o outro, tentando Matintapereira, que muitos diziam ser uma



se conhecer; afinal eram de diferentes regiões do prima distante do Saci-Pererê, porque se apre-


país, e muitos não haviam se encontrado antes.


senta como um velho ou uma velha que pula


– Não entendo por que nos chamaram aqui em uma perna só, opinião, aliás, com a qual 79



– disse o Saci-Pererê, um dos mais conhecidos. ela não concordava, preferindo ser considera-


– O que temos a ver com a Educação Ambiental?


da uma coruja agourenta.


– Não sei – disse o Boi-Bumbá. – Talvez seja


O Boto não gostou nada da ironia da


porque, hoje em dia, fala-se muito da necessi- Matintapereira e partiu para cima dela deixan-



dade de relacionar os múltiplos aspectos do do até cair o chapéu que estava usando. As coi-


conhecimento: biológico, social, político, eco-


sas iam piorar, não fosse a intervenção do Saci-


nômico e cultural.


Pererê, sempre muito brincalhão e astuto, que


– Muito intelectual, para meu gosto, essa chamou todos os presentes para ver um livro



sua explicação – ironizou o Curupira. – Acho que ele achara, com belas fotos da Terra.

que nos chamaram aqui porque o folclore, as- ○


– Eles certamente vão falar sobre o nosso


sim como o meio ambiente, deve ser preser-

planeta – gabou-se o Saci por ter encontrado o


vado. Nós somos parte importante da cultura livro.



do nosso país. Pelo folclore, um povo preserva – É óbvio, não? – irritou-se o Curupira. –

sua identidade.

Você já ouviu falar de Educação Ambiental que


– Para mim, a coisa é mais objetiva – pro- não fale da Terra?



nunciou-se a Mãe-d’Água. – Todo mundo está – Bem, mas eles certamente não vão falar

preocupado com uma lei de Educação Am- apenas dos aspectos naturais – opinou a Mula-

biental que abranja a Educação Infantil, o En-


sem-Cabeça, que, mesmo não tendo cabeça,


sino Fundamental, o Ensino Médio, a Educa- pensava. Aliás, ela era um personagem interes-

ção Superior, a Educação Especial, a Educação sante, pois mesmo sem cabeça, as pessoas di-

de Jovens e Adultos, reforçando a responsabi- ziam que ela relinchava, soltava chispas de

lidade individual e coletiva da sociedade na


fogo pelas narinas e, às vezes, soluçava como


implementação e prática da Educação Am- uma criatura humana.



biental. Como estão preocupados, quiseram – Hoje em dia, está cada vez mais viva a

nossa ajuda para trocar idéias. idéia de que Educação Ambiental relaciona-se

– Nossa! Como vocês sabem das coisas –


à conscientização, ao conhecimento, à capa-


admirou-se a Mula-sem-Cabeça. – Eu não con- cidade de avaliação e à participação das pes-



sigo pensar em nada. soas – continuou a Mula, dando margem a que



– Pudera! Sem cabeça, o que ela queria – alguns personagens do folclore se manifestas-

falou maldosamente o Lobisomem.


sem sobre suas concepções de meio ambiente


– Eu acho que posso ajudar muito. Enten- e de Educação Ambiental.



do demais de preservação ambiental. No meu O Lobisomem lembrou-se de que a expres-



pedaço, a região Norte, protejo os animais e as são “meio ambiente” era usada como sinôni-

árvores – o Curupira dirigiu sua fala para a


mo de natureza, mas hoje, cada vez mais, está


Mula-sem-Cabeça, interrompendo, assim, a incorporando os aspectos sociais e integran-



observação maldosa do Lobisomem. do o homem nesse contexto.



– Já, na minha opinião – sorriu marotamente – Atualmente, a coisa está esquentando –



o Boto de Água Doce –, fui convidado para sedu- disse o Boi-de-Mamão, figura de Santa Cata-

zir as pessoas a cuidarem melhor do meio ambi- rina, que é uma variação do Boi-Bumbá. – Ve-

ente. Aliás, sou muito bom nisso. Transformo- jam que, no ensino formal, a Educação Am-

me em moço bonito e visito as mulheres quan- biental tem sido objeto de reflexão constante.

Algumas medidas importantes estão surgindo, Sebastião é para curar pestes e feridas, a de São



como a reorientação curricular, produzida pelo Brás, para curar engasgos, a de Santa Luzia,



Ministério da Educação, especificamente pela para doenças nos olhos, a do Senhor do Bonfim



Secretaria do Ensino Fundamental, por meio protege contra infelicidade.


dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Neles, – Que interessante! – exclamou a Pessoa em



o meio ambiente aparece como um dos temas Carne e Osso. – No processo de ensino e apren-



transversais – completou o Boi-de-Mamão. dizagem, a medida é a extensão daquilo que


A conversa parecia estar interessando a to- os alunos aprenderam. Contudo, medir não é



dos, quando foram interrompidos pela entra- avaliar, como muita gente pensa. Algumas pes-



da da Pessoa em Carne e Osso, que destoava soas acham que, só por estarem aplicando uma



do ambiente e logo deixou claro qual era o ob- prova, estão avaliando. A avaliação só ocorre


jetivo da reunião. quando atribuímos um valor a essa medida e,



– Fico muito contente que todos vocês te- principalmente, se agimos na direção da me-



nham comparecido a este encontro. Vim aqui lhoria dos desempenhos que não foram alcan-


para que possamos conversar sobre um assun- ○
çados. Podemos medir sem avaliar, mas o con-
to específico: a avaliação na Educação Am- trário não é possível. Apreciar algo antes de

biental. Vocês poderiam me ajudar nesta refle- medi-lo é meramente dar uma opinião. Assim,

xão? – indagou de modo convidativo. quando digo que um aluno tirou nota dez,

– Ajudar, a gente pode, mas primeiro eu te- quando questionado sobre fotossíntese, estou

nho de saber o que é avaliação. Nunca ouvi fa- simplesmente medindo; só avalio quando es-

lar nisso – disse com sinceridade o Curupira. tabeleço um julgamento para aquela medida.

– Que bom você ter feito essa pergunta logo – Por exemplo, dizer que o aluno pode pas-

de início – suspirou a Pessoa em Carne e Osso. sar de ano é uma avaliação? – perguntou o Saci,

– Existem vários mitos e desvios com relação à girando em torno de si mesmo, vertiginosa-

avaliação, e é sempre bom esclarecermos al- mente.



guns deles. É preciso, por exemplo, distinguir – Em Educação Ambiental, isso não é im-

avaliar de medir. A medida dá a extensão de portante – respondeu o nosso personagem hu-



alguma coisa, a avaliação julga o valor dessa mano, ajeitando-se na cadeira. – A avaliação

coisa e impulsiona na direção de sua melho- deveria se afastar da idéia de medida dos co-

ria. Dizem que a balança dá o peso, mas não nhecimentos. Deveria, acima de tudo, verifi-

diz se o objeto é de ouro ou de prata. car se as ações desenvolvidas no ensino estão



– Posso contar uma curiosidade? – pediu a provocando alguma melhoria na vida dos pró-

palavra Maricota, colega de festividades do Boi- prios alunos e da comunidade na qual ele está

de-Mamão. Como era muito alta, chamou a aten- inserido.


ção de todos, principalmente do Curupira, anão – Mas, então, não se deve avaliar conteú-

de cabeleira rubra, com os pés inversos, ou seja, dos? – perguntou a Matintapereira.



com os calcanhares para a frente. – Não estou dizendo isso – incomodou-se



– Em altura – prosseguiu Maricota –, sou a Pessoa. – Estou mostrando o que é mais rele-

maior do que o Boi-de-Mamão. Essa altura é vante na Educação Ambiental. Deveríamos,



importante, porque minha função na festa é sim, avaliar conteúdos, pois, muitas vezes, as

dançar de braços abertos e ir distribuindo ta- pessoas não zelam pelo meio ambiente, por-

pas e afagos, para sempre manter a roda aber- que não possuem informações básicas. Isso

ta. Quando me mediram, viram minha exten- não quer dizer que tenhamos de dar uma nota

são. Aliás, no folclore, a medida é parecida com ao aluno. Creio que é fundamental que os alu-

uma fita que representa o comprimento de nos compreendam temas, como ecossistema,

uma imagem de santo. As pessoas esticam a hábitat, nicho ecológico, fotossíntese, cadeia

fita da cabeça aos pés da imagem e guardam alimentar, cadeia de energia, porque são esses

essa medida como amuleto. Cada medida de conceitos que fazem a ligação entre a ciência

santo ajuda em alguma coisa: a medida de São e os problemas ambientais do cotidiano. O alu-

80
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora

no precisa perceber a relação que existe entre Mamão. – Eu sou melhor do que vocês: assus-



as espécies, verificar que nenhum ser vivo é ca- to criancinhas.



paz de sobreviver e se reproduzir independen- – Engole, mas depois solta. Que vantagem



temente dos demais. O gafanhoto come as tem nisso? – entrou na conversa a Matinta-


plantas, mas é comido pelo rato, que será co- pereira. – Você engole as crianças durante a



mido pelo gato, e assim por diante. festa do Boi-de-Mamão, mas depois da festa



– Eu estou com uma dúvida – disse o Lobi- as deixa livres, não é?


somem, levantando a pata. – Eu queria saber – É claro, você queria que eu engolisse de 81



como é que se julga alguma coisa. verdade? Não sou tão má assim.



– Boa pergunta – alegrou-se a Pessoa. – Para – Pudera! Para assustar as pessoas basta di-



avaliar, precisamos definir critérios. A palavra zer seu nome – disse o Boitatá, provocando a


critério vem do grego kritérion, que quer dizer Bernúncia.



separar, selecionar. O critério serve para jul- – Por favor, parem de se comparar entre si



garmos se houve alcance daquilo que deseja- – implorou a Pessoa em Carne e Osso. – A ava-



mos. Critérios, parâmetros, padrões são ter- liação, num processo de ensino, não deve esti-


mos usados em avaliação como sinônimos mular a classificação das pessoas, e, sim, ana-



para designar uma base de referência para jul- lisar até que ponto os educandos alcançaram

gamento. A noção de referência vem do latim os critérios definidos pelo ensino. É por isso

referre, que significa literalmente reportar. Para que devemos distinguir os critérios relativos

avaliar, referimos-nos sempre a alguma coisa (que também são chamados de critérios refe-

preexistente, de modo a fundamentar, garan- rentes a normas) dos critérios absolutos, co-

tir nossa opinião, nosso juízo. Pensar em cri- nhecidos como avaliação baseada em critérios.

térios é refletir sobre o que avaliar. A tradução deste último nome, do inglês para

– Então avaliar envolve comparação? – in- o português, não é muito boa – a Pessoa sali-

teressou-se o Curupira. – Por exemplo, no cri- entou –, uma vez que ambas as abordagens uti-

tério de maldade, eu poderia dizer que sou lizam critérios. A abordagem baseada em nor-

mais maldoso do que o Lobisomem? mas compara coisas, fatos, fenômenos, pes-

– Ai que convencido!– irritou-se o Lobiso- soas, entre si. Por exemplo: Lucas sabe mais

mem. – Eu assusto as pessoas muito mais do sobre fotossíntese do que Vicente. A escola A

que você. desenvolve melhor a Educação Ambiental do


– Nada disso. Quem assusta mais sou eu – que a escola B. A abordagem baseada em cri-

exaltou-se o Boitatá, que não havia se pronun- térios compara esses fatos, objetos, pessoas

ciado até aquele momento. – Eu, assim como com critérios predefinidos.

o Curupira, defendo as matas. Tenho em mim – Não entendi – queixou-se o Boi-Bumbá.


muitas luzes, que nada mais são do que os – A abordagem referente a normas tem a

olhos dos animais que comi, quando eles ten- finalidade de comparar os alunos entre si. Sua

tavam escapar das águas de uma enorme tem- principal base de análise é a curva normal,

pestade que houve na floresta. também chamada curva de Gauss.


– Grande coisa! – esnobou o Labatu, um – É uma outra figura do folclore que não

monstro que vive na fronteira do Rio Grande conhecemos? – quis saber o Saci-Pererê.

do Norte com o Ceará. – Eu sou mais temido – Não! – exclamou a Pessoa em Carne e

do que o Lobisomem e a Mula-sem-Cabeça. As Osso, rindo. – Gauss foi um estudioso que


pessoas ficam mortas de medo com meu úni- criou uma curva para explicar algumas carac-

co olho, com minhas mãos compridas, com terísticas, como altura e peso. Ele dizia que

meus dentes em forma de presa. Eu adoro as- há uma tendência de a maioria das pessoas

sustar as pessoas! – exclamou, enquanto me- ficar ao redor de uma média e da outra parte

xia os cabelos longos e assanhados. ficar distribuída acima e abaixo dessa média.

– Todos vocês estão muito enganados – ga- Acontece que alguém utilizou a cur va de

bou-se a Bernúncia, outra amiga do Boi-de- Gauss para explicar a aprendizagem e, daí,

imprimiu à avaliação a idéia de que sempre – Mesmo porque – disse o Curupira, ainda



há uma grande maioria de alunos numa mé- meio confuso com a idéia de comparação, pois



dia e alguns poucos acima e abaixo dela. É por queria ter sido considerado o mais assustador



isso que, no processo de ensino e aprendiza- de todos –, tem gente que conhece horrores de


gem, a abordagem mais adequada é aquela reciclagem de lixo e não pratica nadinha do



baseada em critérios absolutos, pois o impor- que sabe.



tante não é classificar as pessoas, comparan- – Eu é que não gostaria de ser professora –


do-as entre si, mas verificar o alcance do de- declarou a Mãe-d’Água. – Teria muito medo de



sejado em termos de qualidade. cometer injustiças na hora de avaliar os alunos.



– Então a comparação que nós fizemos de – É só tomar cuidado – retrucou o Saci-



nossos poderes de assustar as pessoas foi uma Pererê.


comparação por normas? – o Boitatá fez a ana- – Isso mesmo – disse a Pessoa em Carne e



logia. Osso, retomando o assunto. – Em Educação



– A idéia central foi essa – respondeu a Pes- Ambiental, é fundamental que os critérios se-


soa. – Seria uma avaliação baseada em crité- ○
jam múltiplos e flexíveis, de acordo com as si-
rios, se todos vocês fossem comparados com tuações. É preciso, também, um certo equilí-

o critério de “assustar”. brio: não devemos ter uma visão estreita e rí-

– Então todos seríamos considerados com- gida, mas também não podemos reduzir a qua-

petentes, pois, que assustamos, assustamos lidade dos critérios. Conheço um escritor que

mesmo – concluiu o Lobisomem. escreveu mil vezes uma frase sem alcançar a

– Essa coisa de critérios é muito complica- perfeição que desejava. Aqueles que já escre-

da, e não estou gostando nada disso. E estou veram um livro sabem que o fariam melhor

percebendo que o professor, ao avaliar os seus numa segunda vez. Acontece que existe um

alunos, deve ter muito cuidado, não é? – co- momento em que é preciso parar, caso contrá-

mentou o Boi-Bumbá, astutamente. rio a obra fica inacabada.



– Muito complicada mesmo – concordou a – Além disso – a Pessoa prosseguiu –, exis-


Pessoa em Carne e Osso. – O papel da avalia- tem vários níveis de critério: aqueles que se re-

ção da aprendizagem, principalmente na Edu- ferem à avaliação dos alunos, aqueles que di-

cação Ambiental, não pode se caracterizar zem respeito aos currículos e até os mais am-

como o desejo tradicional dos professores de plos, que se referem às políticas públicas.

atribuírem uma nota aos alunos e o desejo des- Quanto aos currículos, por exemplo, se fôsse-

tes de obtê–la para conseguirem um certifica- mos avaliá-los com base no que dizem os Pa-

do ou diploma. râmetros Curriculares Nacionais, teríamos que



– Mas, como eu sei se os critérios são cer- responder a algumas questões como: A inclu-

tos e errados? – preocupou-se a Maricota. são do tema meio ambiente como transversal

– Em Educação Ambiental, fica difícil falar está provocando maior integração entre as dis-

de certo e errado. Talvez pudéssemos refletir ciplinas? Os professores estão sabendo lidar

que os critérios deveriam considerar não ape- com esse tema? Os alunos estão incorporando

nas o conhecimento, mas sobretudo as práti- atitudes de preservação?



cas realizadas, e que o maior investimento da – Então a palavra-chave é integrar – afir-



avaliação deve ser o de evitar que se ditem ver- mou o Boi-Bumbá, categoricamente. – Acho

dades predeterminadas, como as informações que a Educação Ambiental, num currículo,


de que não se deve jogar lixo no chão, derru- deveria integrar diferentes visões. Eu, por

bar as árvores etc. O mais importante é o pro- exemplo, sou da Amazônia, Pará, mas misturo

cesso de conscientização. Por isso é que os pro- várias culturas: a indumentária do branco eu-

fessores precisam ser capacitados para incluir ropeu, o atabaque do negro e a coreografia do

as questões ambientais no dia-a-dia da escola índio. O meu colega, o Boi-de-Mamão, faz o



e avaliar as melhores formas de fazer isso – re- mesmo – olhou para o companheiro pedindo

petiu a Pessoa em Carne e Osso. confirmação.


82
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora

– Ah! Uma coisa importante que eu ia es- – Isso mesmo. Quando uma pessoa perde



quecendo de falar – lembrou a Pessoa em Car- alguma coisa, basta acender uma vela para



ne e Osso – é que os critérios devem estar ex- mim, que eu encontro loguinho. Há até uma



plícitos para todos. Na verdade, os critérios são música muito bonita que diz: “Negrinho do


as “regras do jogo” e devem ser o mais claros Pastoreio, acendo esta vela para ti, e peço que



possível. me devolvas a querência que eu perdi…”.



– E a gente vai avisando, quando as pessoas – Ai, que romântico! – exclamou o Boto de


não estão alcançando os critérios? – indagou a Água Doce, certamente pensando em cantar 83



Maricota, enquanto dava um tapa no Boitatá, essa música em suas futuras seduções.



que estava mexendo na sua cintura. – Credo! Que maldade fizeram com você! –



– Sobre isso, podemos fazer uma analogia comentou o Saci.


com aquela brincadeira, em que a uma crian- – Eu não gosto muito de lembrar da minha



ça procura um objeto e as outras vão falando história – o Negrinho do Pastoreio parecia um



“está frio”, “está morno”, e quando o objeto está pouco abalado –, mas contei para exemplificar



para ser encontrado, todos gritam “está quen- que, se o meu patrão tivesse deixado explícito


te” – exemplificou a Pessoa em Carne e Osso. que o cavalo baio era tão importante para ele,



– E, se não houver critérios explícitos, o que talvez eu tivesse tomado mais cuidado.

acontece? – perguntou o Boitatá, já com o olho – Bem lembrado – disse a Pessoa em Carne

roxo do tapa que levara. e Osso. – Isso prova que a avaliação tem de ir

– Pode-se cometer injustiças. Uma pessoa orientando as pessoas sobre o seu desempe-

que não sabe como será avaliada não sabe o nho e o reconhecimento de seus sucessos e

que se espera dela – ponderou o Boi-de-Ma- problemas. Aqueles que acreditam na neces-

mão, que já parecia um avaliador. sidade de uma avaliação formativa defendem



– Ah! De injustiça entendo eu – gritou o o princípio de que avaliar deve sempre auxi-

Negrinho do Pastoreio. – Vejam o meu caso. Eu liar o aprender.



era um ótimo empregado e meu patrão se di- – Então, nessa função formativa, a idéia não

zia satisfeito comigo. Um dia, porém, deixei é punir, é? – perguntou a Maricota.



fugir o cavalo baio, preferido do meu patrão. – Certamente, não! – enfatizou a Pessoa em

Quando ele soube, mandou me atar a um pa- Carne e Osso.



lanque para que me surrassem. Mesmo saben- – Eu estou errada quando, ao avaliar os ca-

do que eu estava muito machucado, o patrão çadores, vejo que eles causam prejuízos às ár-

ordenou que eu fosse procurar o animal no vores e aos animais e aplico neles algumas sur-

pasto. Como era noite e estava escuro, acendi ras? – inquiriu o Curupira.

um toco de vela e fui procurar o bicho, mas, – Claro! Você não entendeu isso, ainda – ir-

por azar, não o encontrei. Fui então mandado ritou-se a Bernúncia.



novamente para o palanque e, dessa vez, apa- – Calma – pediu a Pessoa. – O Curupira está

nhei para valer, apanhei tanto que morri e fui fazendo uma coisa muito importante em ava-

atirado em cima de um formigueiro. liação. Ele está se auto-avaliando. A auto-ava-


– Então, você morreu? – arrepiou-se o liação é o mergulho da pessoa em seus senti-



Curupira, mesmo estando acostumado com mentos, emoções, posicionamentos.



mortes. – Mas, então, o Curupira não tinha que se



– Pois agora vem o melhor da história – atribuir uma nota, já que está se auto-avalian-

continuou o Negrinho do Pastoreio. Quando o do? – indagou o Saci, enquanto enfiava o ca-

patrão foi ver o formigueiro, eu estava lá belo loiro da Mãe-d’Água no furo de sua mão

“vivinho da silva”, contente pulando ao lado do direita.



cavalo perdido. – É uma pergunta importante – ressaltou a


– Ah! É por isso que você se tornou o Pessoa em Carne e Osso. – É preciso distinguir

“achador” de coisas perdidas? – questionou a auto-avaliação de autonotação. Na auto-ava-



Bernúncia. liação, há um processo de auto-regulação. A



pessoa sabe onde errou e busca não repetir o nalidade, reciprocidade, significado e trans-



erro. A autonotação é mais uma estratégia que cendência.



o professor usa para os alunos se atribuírem – Favor traduzir tudo isso aí que você disse



uma nota, avaliando o que desenvolveram – irritou-se o Boitatá, eriçando ainda mais os


numa situação de aprendizagem. Outro aspec- cabelos.



to importante é o da metacognição. – Vou tentar ser breve – prometeu a Pessoa



– Meta o quê? – perguntou a Bernúncia, as- em Carne e Osso. – A intencionalidade refere-


sustada com a palavra. se aos objetivos que o professor deseja que o



– Se você me contar a origem de seu nome, aluno alcance. A reciprocidade, como o próprio



eu conto o que é metacognição – propôs a Pes- nome indica, implica troca, permuta. O profes-



soa em Carne e Osso. sor deve estar aberto para as respostas do alu-


– Combinado! – aceitou a Bernúncia. – no; deve perceber se ele está fornecendo indi-



Bem, dizem que quem me criou quis me fazer cações de que está cooperando, de que se sen-



bem feia, horrível mesmo. Quando meu cria- te envolvido no processo de aprendizagem. Na


dor foi mostrar sua obra para uma tia dele, ela ○
Educação Ambiental, a reciprocidade dos
se assustou de tal maneira que começou a gri- educandos pode ser percebida pelo grau de en-

tar: “Abrenuncio!” “Abrenuncio!”, palavra que volvimento e participação nas atividades de



vem do latim, ab renuntio, e quer dizer renun- preservação do meio ambiente. O significado

cio, nego. Ela era usada no batismo das crian- diz respeito ao valor, à energia atribuída à ati-

ças, no qual se renunciava o demônio em fa- vidade, aos objetos e aos eventos, tornando-os

vor do cristianismo. Acho que a tia do meu cri- relevantes para o mundo. Um exemplo de sig-

ador, ao me renunciar pela minha feiúra, aca- nificado é o fato de que as crianças aprendem a

bou me batizando. Com o tempo, ab renuntio ler somente pelo uso de materiais e atividades

virou bernúncia. que elas entendem, que despertam seu interes-



– Coitada! Que nome! – solidarizou-se a se e que elas conseguem relacionar com ativi-

Mãe-d’Água. dades que já conhecem. Tudo o que elas não


– Metacognição – explicou a Pessoa em podem relacionar com o que já conhecem per-



Carne e Osso – refere-se ao conhecimento que derá o sentido, ainda que faça sentido para o

as pessoas têm de seus próprios processos de professor. Na Educação Ambiental, o significa-



pensamento, assim como suas habilidades do diz respeito a como o aluno está perceben-

para controlar esses processos, mediante sua do sua ação. Para ele, tem sentido estar falando

organização, realização e modificação. Trata- de preservação da natureza? Em que se consti-



se da tomada de consciência de uma estrutura tui, para ele, o meio ambiente?



de saber por parte daquele que aprende, que – E a tal da transcendência? – quis saber o Saci.

se sente estimulado a colocar em prática racio- – A transcendência envolve o princípio de



cínios já desenvolvidos, a criar “métodos de encontrar uma regra geral, o que exige o de-

pensar” mais elaborados, a levantar hipóteses, senvolvimento do pensamento reflexivo sobre



a fazer inferências e abstrações. o que está subjacente na situação, de modo a


– E a pessoa faz tudo isso sozinha? – inda- estendê-la para outros contextos. A trans-

gou assustado o Lobisomem. cendência estimula a curiosidade, que leva a



– Num primeiro momento não, depois se inquirir e a descobrir relações, acendendo o



acostuma e vai sempre se auto-regulando em desejo de saber mais. No caso da Educação


sua aprendizagem – tranqüilizou-o a Pessoa Ambiental, a transcendência seria expandir as



em Carne e Osso. – Num momento inicial, o ações realizadas na escola, estimuladas pela

professor deve assumir o papel de mediador mediação do docente, assumindo-as como



entre o aluno e o aprendizado, estimulando-o uma atitude de vida, evitando o desperdício,


a organizar o conhecimento do mundo. Mas, racionalizando recursos, enfim, tomando



para isso, o professor deve ser capacitado a li- consciência e auxiliando outros a se imbuírem

dar com estes aspectos da mediação: intencio- do comprometimento com a preservação do


84
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora

ambiente – concluiu a Pessoa em Carne e Osso, formações, pesquisar, analisar, sintetizar, co-



soltando um suspiro. municar-se, interpretar os dados de realidade,



– Eu, por mim, seria mais drástico com os entre outras. Competência é o conjunto das ca-



alunos – impôs o Lobisomem. – Avaliaria as pacidades específicas, organizadas de modo a


pessoas e as assustaria, forçando-as a não po- propiciar a ação do aluno. Por exemplo, na



luir o ambiente, a não contaminar a água, a não aprendizagem das Ciências Físicas e Biológi-



jogar lixo nas ruas. cas, a competência de efetuar ensaios e medi-


– Não adianta nada forçar – disse o Boi- das conjuga, além dos saberes técnicos espe- 85



Bumbá, contrapondo-se ao Lobisomem. – As cíficos, uma série de capacidades, como apli-



pessoas é que têm de se conscientizar. car regras, pesquisar, analisar, sintetizar, co-



– Lembrem-se de que a avaliação não tem municar os resultados, entre outras. Parte-se


a função de punir – recordou a Pessoa em Car- do pressuposto de que, em Educação Am-



ne e Osso. – Devemos estar sempre atentos, biental, é mais importante desenvolver capa-



para que a avaliação não tenha caráter autori- cidades do que conhecimentos, do que trans-



tário e não seja usada como exercício de po- mitir um punhado de informações, ainda mais


der de uma pessoa sobre a outra. Na Educação para a Ecologia, que estuda redes de relações



Ambiental, desejamos que as pessoas zelem mais densas e complexas.

pelo meio ambiente por estarem conscientes – Eu sou competente – anunciou, sem fal-

de que isso é importante, e não porque estão sa modéstia, o Saci. Tenho uma perna só, mas

sendo pressionadas. pulo com uma tremenda agilidade, assusto os



– Pessoal, isso já foi dito. Que tal voltarmos viajantes pedindo fumo, apareço e desapare-

para o assunto mediação? – sugeriu a Mula- ço no meio de um currupio de vento, atazano


sem-Cabeça. a vida das pessoas, apago o fogo, queimo os ali-



– Voltando à mediação – retomou a Pessoa mentos, faço cócegas, atemorizo com meus

–, há o que chamamos de avaliação mediado- corrupios, escondo os objetos na hora em que



ra. Nessa perspectiva, a ação avaliativa abran- mais se precisa deles, faço longas tranças na

ge a compreensão do processo de cognição, crina do cavalo. Viram quantas capacidades eu



porque o que interessa ao professor é a opor- tenho? – indagou, olhando para todos com

tunidade de o aluno refletir sobre o mundo. Em seus olhinhos brilhantes.



contrapartida, o professor também ganha nes- – Eu também tenho – a Mãe-d’Água sacu-


sa mediação, pois pode refletir sobre os pró- diu a longa cabeleira. – Sou uma sereia alva,

prios posicionamentos metodológicos e sobre loira, meio peixe, canto para atrair os homens

a forma de avaliar seus alunos. O professor, en- e os levo até o fundo do mar. No Brasil, há gente

tão, pode desenvolver capacidades e compe- que acha que não sou mulher, mas, sim, uma

tências nos alunos e em si mesmo. cobra grande. Já, na antiguidade, diziam que

– Competências e capacidades! Qual a di- eu não era peixe, mas, sim, uma ave, que can-

ferença? – quis saber a Matintapereira. tava muito. Há várias versões sobre mim pelo

– As capacidades exprimem as potencia- mundo. Existe a versão do rio Reno, pela qual

lidades das pessoas, independentemente de seduzo os namorados, levo-os para o fundo das

conteúdos específicos. Elas se manifestam ao águas, e mato-os de cócegas. Há a versão da



longo da aprendizagem e não são diretamente África, pela qual recebo ofertas de alimento.

observáveis. A correspondência entre compe- – Eu acho questionável essa competência


tência e capacidade não é direta; uma mesma de vocês – comentou o Boi-Bumbá. – Vocês são

capacidade se manifesta em muitas competên- competentes, mas prejudicam as pessoas. É



cias. As capacidades são transversais, na me- certo isso?



dida em que exprimem potencialidades de um – Ora, tudo isso é lenda – disse a Mula-sem-

sujeito, independentemente dos conteúdos Cabeça, soltando algumas chispas.



específicos das disciplinas. Por exemplo, po- – Lenda ou não – comentou a Pessoa em

demos chamar de capacidade: selecionar in- Carne e Osso –, é preciso realmente questio-

nar o que é competência e para que serve. A grupos sociais e, principalmente, se trata a to-



história está cheia de exemplos de pessoas ex- dos com respeito e eqüidade.



tremamente competentes para fazer o mal. – Ai que loucura! – exclamou a Mula-sem-



– E todo mundo pode ser competente para Cabeça, gemendo. – Eu é que não queria ser


o bem? – animou-se a Bernúncia. professor, prefiro continuar assustando as pes-



– Para isso é preciso que se avalie não só a soas. Ainda bem que ninguém desmanchou o



quantidade das coisas, mas a qualidade – dis- meu encantamento.


se a Pessoa em Carne e Osso, introduzindo – E como se desmancha? – agitou-se todo



outro assunto. – A qualidade tem duas faces: a o Saci-Pererê.



formal e a política. A primeira refere-se a ins- – É preciso me fazer sangrar, mesmo que



trumentos e a métodos; a segunda diz respei- seja pouquinho, usando uma ponta de alfine-


to a finalidades e conteúdos. A qualidade polí- te, por exemplo – respondeu a Mula-sem-Ca-



tica é aquela que trata dos conteúdos da vida beça.



humana. Está ligada ao relacionamento do – Pode ser com outro instrumento? – inte-


homem com a natureza. ○
ressou-se o Boitatá.
– E o que seria qualidade, na Educação – Pode sim, há uma infinidade deles, basta

Ambiental? – indagou o Boi-de-Mamão, apro- que eles cumpram o objetivo de me fazer san-

veitando para aprofundar o assunto. grar – conclui a Mula.



– Apesar de difícil, existem coisas que po- – Perdoe-me a comparação – desculpou-se


deriam ser citadas como essenciais, como, por a Pessoa em Carne e Osso –, mas o mesmo

exemplo, o incentivo à participação ativa dos acontece na avaliação. Podemos e devemos



alunos nas decisões, o estímulo à autonomia, usar diferentes instrumentos para avaliar os

à solidariedade, ao respeito, a uma aprendiza- alunos: projetos, provas, mapas conceituais,



gem significativa, em vez de uma aprendiza- portfólios, pesquisas, análise de casos reais,

gem mecânica. Cabe a todos nós, nesse con- provas operatórias etc.

texto, capacitar os docentes para enfrentar as – É verdade que as imagens também po-

novas exigências da Educação. dem servir de instrumento de avaliação na



– Ah! Isso é fácil – disse sem pensar o Lo- Educação Ambiental? – perguntou a Mãe-

bisomem. d’Água, parecendo conhecer esse assunto.



– Fácil, porque você não é professor – re- – Ótima intervenção! – exclamou a Pessoa,

trucou o Negrinho do Pastoreio. – O professor agradecendo a Mãe-d’Água. – As imagens são



muitas vezes fica perdido num emaranhado de um excelente recurso para que o professor es-

teorias, atividades, responsabilidades. Eu até tabeleça conversação com o aluno, troque



que gostaria de ajudá-los a achar o caminho idéias, capte significados. Elas trazem, de for-

da melhor aprendizagem, mas isso nem eu ma explícita ou implícita, visões de mundo,



consigo – completou meio desanimado. codificam discursos e muitas outras coisas in-

– Concordo com você – disse a Pessoa em teressantes. Trabalhar com imagens no pro-

Carne e Osso. – Na avaliação, por exemplo, o cesso educativo exige do professor que tam-

professor não deveria ser capacitado apenas bém reflita sobre seus sentimentos e sobre

para avaliar o aluno, mas para participar da significados. Elas não podem ser trabalhadas

avaliação de outros componentes do currícu- de modo aleatório, devem cumprir uma fina-

lo. O professor deveria também saber avaliar lidade. O professor tem de saber lidar com as

os materiais que vai usar em seu ensino; ver diferentes visões de mundo, que vão, certa-

se, no material, há apresentação de fatos com mente, surgir. O desafio será o de possibilitar

as devidas referências e argumentos, se o ma- um diálogo que leve a um consenso mínimo



terial deixa espaço para questionamentos, se sobre os problemas, de modo que os alunos

estimula o leitor a explorar diferentes perspec- possam se aglutinar em busca de alternativas



tivas, se estabelece relações entre os concei- e possibilidades para sua solução.



tos, se reflete a diversidade cultural, de raças, – Por falar em imagens, no livro que achei

86
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora

há uma fotografia maravilhosa do nosso pla-


polêmicas do nosso tempo, 25).


neta – disse o Saci, pegando novamente o li- DEPRESBITERIS, L. Avaliação educacional em três atos.



vro, que havia sido esquecido. São Paulo, Senac, 1999.


FEUERSTEIN, R. A. A theoretical review. Mediated learning


Todos os personagens se aproximaram


exper ience (MLE). Theoretical psychosocial and
para ver a imagem da Terra. Estavam maravi-


lear ning implications. London: Freund Publishing


lhados com a beleza da imagem, mas um pou-


House, 1991.


co preocupados com o destino do planeta. HADJI, C. Avaliação desmistificada. Porto Alegre: Artmed,


Apesar de ninguém ter se pronunciado, uma 87


s.d.


pergunta parecia pairar no ar: o que fazer para HOFFMANN, J. Avaliação, mito e desafio : uma perspecti-



evitar a destruição do meio ambiente, inclu- va construtivista. São Paulo: Educação e Realidade,


1992.


indo nele o ser humano?


MARINA, J. A. Teoria da inteligência criadora . Porto: Ca-


minho da Ciência, 1995.



M E D E I RO S, E. M e d i d a s p s i c o l ó g i c a s & l ó g i c a s à


Bibliografia psicometria . Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.



MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação


CASCUDO, C. Dicionário do folclore brasileiro . 9. ed. São Fundamental. Parâmetros em ação – Meio Ambiente



Paulo: Ediouro, 1998. na Escola. Brasília: SEF/MEC, 2001.
DEMO, P. Avaliação qualitativa: polêmicas do nosso tem- ○

○ REIGOTA, M. A floresta e a escola : por uma Educação
po. Campinas: Autores Associados, 1999 (Coleções Ambiental pós-moderna. São Paulo: Cortez, 1999.






















































SIMPÓSIO 5

A IMPORTÂNCIA DO MEIO AMBIENTE


NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Fábio Feldmann

Pedro Jacobi

Lúcia Pinheiro

89
A importância do meio ambiente




na construção da cidadania*





Fábio Feldmann



IPSUS/SP






Introdução


“Pensar globalmente, agir localmente” precisa



ser incorporado no dia-a-dia de cada um, na
A partir dos anos 1970, a questão ambiental


defesa da qualidade ambiental, que, afinal, é um


adquiriu uma nova dimensão nas discussões so-


valor inseparável do exercício da cidadania.


bre sociedade, desenvolvimento e qualidade de



vida. Também nesse período, a conscientização

acerca da escala planetária dos impactos gerados ○

Meio ambiente
por atividades humanas começou a se dissemi-

e cidadania planetária

nar para além dos meios científicos e grupos di-



retamente interessados. A relação entre o mode- A partir dos anos 1970, tendo a Conferência

lo de desenvolvimento e suas conseqüências para


de Estocolmo, em 1972, como divisor de águas na


o meio ambiente tornou-se mais nítida e mais abordagem da questão ambiental, delineou-se a

assustadora, deixando de ser uma questão local, sustentabilidade como meta, a fim de garantir a

afetando alguns indivíduos ou comunidades, para


sobrevivência do planeta. Esse conceito tornou-


abarcar o sistema de suporte de vida de toda a


se chave na definição de um novo paradigma de


Terra, como no caso das mudanças climáticas. desenvolvimento, que leva em consideração o

Os problemas ambientais em escala global equilíbrio intergeracional e a necessidade de re-


demandam abordagem integrada entre diversos


duzir desigualdades sociais, tanto entre países do


países e nos diferentes níveis de organização das Norte e do Sul, quanto entre ricos e pobres nas

sociedades humanas, pois não são condiciona- sociedades nacionais. Em contrapartida, a dis-

dos às fronteiras geopolíticas, e as ações neces- seminação de novas tecnologias de informação,


sárias ao enfrentamento dessas questões depen-


no decorrer da última década do século XX, ace-


dem da participação de instituições e indivídu- lerou o processo de globalização, trazendo mu-



os igualmente, para serem eficazes. Hoje em dia, danças tão rápidas que ainda não foi possível so-

grande parte das sociedades está informada a ciedades e indivíduos assimilarem esses novos

respeito da magnitude das questões ambientais,


conceitos. Embora qualquer análise mais profun-


que incluem desde a poluição atmosférica e das da ainda seja prematura, pode-se afirmar que os

águas, até a desertificação, a destruição da ca- episódios ocorridos em Seattle e, mais recente-

mada de ozônio e mesmo os alimentos modifi- mente, em Gênova sejam reveladores da insatis-

cados geneticamente. Todavia, é preciso trans-


fação existente em relação aos rumos da econo-


formar informação em conhecimento e ação. É mia globalizada. Ao mesmo tempo, é essa mes-

preciso consolidar uma visão de mundo que ma globalização que tem permitido o fortaleci-

compreenda o papel de sociedades e indivíduos mento de novos atores sociais, como as organi-

no estabelecimento da cidadania planetária, vi-


zações não-governamentais (ONGs), nos proces-


sando garantir a proteção do meio ambiente do sos decisórios, na medida em que se revelaram

planeta. O lema da Conferência das Nações Uni- mais ágeis que os governos para atender às novas

das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento reivindicações da sociedade. A atuação das orga-

(CNUMAD), ou Rio-92, como é mais conhecida,


nizações não-governamentais tem sido crucial na






* Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.


90
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania

definição de políticas ambientais, como pode ser abordagem tecnocrática, que implica superar os



demonstrado em diversos casos, até mesmo em limites, baseada na supremacia humana sobre os



escala global. outros seres vivos e sobre os recursos naturais.



Seus princípios incluem reduzir padrões de con-


sumo, distinguir entre quantidade e qualidade,
A crise ambiental



obter satisfação de valores, tais como qualidade


e a substituição de paradigma


de vida, trabalho gratificante, solidariedade, meio


91
no século XX ambiente sadio e, portanto, comunidades melho-



res (Dobson, 1990).



A dramática mudança, em temos de concei- Em última análise, pode-se associar a cons-


tos e idéias, ocorrida no campo da Física duran-


ciência ecológica profunda à religiosidade ou à


te as três primeiras décadas desse século, foi espiritualidade, em que o conceito do espírito



amplamente discutida por físicos e filósofos por humano consciente refere-se à ligação do indi-


mais de cinqüenta anos.


víduo com a totalidade do cosmo (religião vem


Segundo Fritjof Capra, os problemas con-


do latim religare, que significa unir firmemen-


temporâneos mais agudos, tais como a ameaça te). Assim sendo, a nova visão de realidade que



de guerra nuclear, a devastação da natureza, a surge se baseia em uma consciência ecológica

fome, a miséria, entre outros, revelam aspectos ○


profunda e é coerente com a filosofia perene das


diferentes de uma crise de percepção, que deri-

tradições espirituais, tais como a mística católi-


va de uma visão de mundo ultrapassada, inade- ca e outros mitos. Essa tendência resgata a fun-

quada para lidar com os problemas da civiliza- ção original da religião, de educar, formar mem-

ção atual. Ao mesmo tempo, pesquisadores em


bros da comunidade para a vida cidadã, integra-


diversos campos científicos, movimentos sociais, da à vida espiritual de cada um, fortalecendo o

organizações e redes vêm desenvolvendo uma elo entre o ser individual e o coletivo.

nova visão da realidade, que formará a base para Do ponto de vista formal, na Educação, a ca-

nossas futuras tecnologias, sistemas econômicos


racterística interdisciplinar da ciência ambiental


e instituições sociais. Verificamos, portanto, uma transforma-a em ciência cívica, além de multi-

mudança de paradigmas, não apenas no âmbito disciplinar, uma vez que alia os conteúdos das ci-

das ciências, mas no campo social. ências da terra e da vida às disciplinas sociais e

A visão mecanicista do universo, que percebe


humanas. Portanto, a ciência ambiental, como


a vida em sociedade como uma disputa pela so- análise, deve ser encarada como instrumento de

brevivência e considera ilimitado o poder dos mei- pressão política, poder e resolução de conflitos

os econômicos e tecnológicos, está sendo grada- (O’Riordan, 1995: 11). Nesse sentido, sua função

tivamente questionada e revista. Característica do


social se reafirma como ponte entre o cidadão e a


Iluminismo do século XIX, essa visão vem sendo sociedade, vista de um ângulo diferente, porém

revista nas últimas décadas; o paradigma emergen- complementar, daquele da missão filosófica do

te pode ser chamado de uma visão holística ou conceito em relação a meio ambiente.

ecológica, no sentido amplo da palavra. A consci-



ência ecológica reconhece a interdependência fun-


Conclusão

damental entre todos os fenômenos e a inserção


de indivíduos e sociedades nos ciclos da natureza,


Uma visão da civilização ocidental, a partir de


dentro de uma abordagem sistêmica. estudos religiosos comparativos, associa o avançado



O movimento ecológico define sociedades estado de degradação do planeta à mentalidade



sustentáveis como sendo uma alternativa pós-in- iluminista. Wei-Ming (1997: 19) defende que o

dustrial que requer mudanças profundas no pen-


Iluminismo é a ideologia que fundamenta a ascen-


samento e prática sociais, em valores e ética, para são do Ocidente contemporâneo do ponto de vista

que se possa lidar com os limites dos recursos da não apenas científico e tecnológico, mas social e po-

Terra. A proposta é acomodar as necessidades hu- lítico. Os valores relativos à consciência moderna, tais

manas aos limites existentes, em contraposição à


como liberdade, igualdade, diretos humanos, entre



outros, são inseparáveis dessa mentalidade. Todos os em que não há limites entre o hábitat humano e a



princípios espirituais e intelectuais têm, no natureza, entre o antropológico e o cosmo, em que



Iluminismo, a sua fonte de inspiração, inclusive os o estilo de vida valoriza as relações interpessoais e



projetos mais modernos, como o da ciência ecológi- a comunidade, em respeito ao meio ambiente,


ca. Com base em Comte, Bacon e Marx, a partir do pode indicar um novo caminho para a cidadania



século XIX, o Iluminismo propiciou o desenvolvi- planetária que se anuncia neste novo milênio.



mento do darwinismo social, uma simplificação do


conceito da “lei de sobrevivência do mais apto” e da


Bibliografia


competição associada a essa interpretação. Atual-



mente, essa visão permeia toda a sociedade moder- DOBSON, A. Green political thought. London: Routledge,


1990.


na, tornando todos suas vítimas e seus perpetradores,


HABERMAS, J. Knowledge and human interests. Trad. de
inclusive as culturas orientais, que assimilaram es-


Jeremy Shapiro. Cambridge: Polity Press, 1994.


ses valores, caracterizados pela forte competitividade


O’RIORDAN, T. Environmental science on the move. In:


internacional e pelo mercantilismo. Environmental science for environmental management.


A mudança de paradigma, portanto, reside na ○
London: Longman Group Limited, 1995. p. 1-11.
assimilação desse novo modelo, que inclui o apren- WEI-MING, T. Beyond Enlightment Mentality. In: TUCKER,

dizado a partir das tradições espirituais nativas, Mary Evelyn; GRIM, John A. (Eds.) Worldviews and

ecology – religion, philosophy and the environment. New


práticas milenares que têm demonstrado a


York: Orbis Books, 1997. p. 19-29.


sustentabilidade de suas sociedades desde eras


WILSON, A.; BRYANT, R. Environmental management: new

ditas primitivas. O resgate dessa visão de mundo,


directions for the 21st century. London: UCL Press, 1997.










A importância do meio ambiente




na construção da cidadania




Pedro Jacobi*




Resumo



Nestes tempos em que a informação assume riscos ambientais que se intensificam.



papel cada vez mais relevante – ciberespaço, O principal eixo de atuação da Educação

multimídia, Internet –, a educação para a cidada- Ambiental deve buscar, acima de tudo, a solidarie-

nia representa a possibilidade de motivar e sensi- dade, a igualdade e o respeito à diferença por meio

bilizar as pessoas para transformar as diversas for- de formas democráticas de atuação baseadas em

mas de participação na defesa da qualidade de vida. práticas interativas e dialógicas. Isso se consubs-

A relação entre meio ambiente e educação para a tancia no objetivo de criar novas atitudes e compor-

cidadania assume um papel cada vez mais desafiador, tamentos, em face do consumo em nossa socieda-

demandando a emergência de novos saberes para de, e de estimular a mudança de valores individuais

apreender processos sociais que se complexificam e e coletivos.










* Professor Associado da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo.


92
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania

O complexo desafio calização e no controle dos agentes de degrada-



ção ambiental.


da sustentabilidade


Também é importante salientar que uma agen-


socioambiental


da para a sustentabilidade ambiental urbana deve


levar em consideração a importância de se esti-


A reflexão sobre as práticas sociais, em con-


mular a expansão dos meios de acesso à informa-


texto urbano marcado pela degradação perma-


ção, geralmente esparsa e de difícil compreensão,


nente do meio ambiente e do seu ecossistema, 93
como parte de uma política de fortalecimento do


não pode omitir a análise do determinante do


papel dos vários agentes intervenientes.


processo nem dos atores envolvidos e das formas


O momento atual exige que a sociedade este-


de organização social que aumentam o poder das


ja mais motivada e mobilizada para assumir um
ações alternativas de um novo desenvolvimento,


caráter mais propositivo e poder questionar de


em uma perspectiva de sustentabilidade.


forma concreta a falta de iniciativa dos governos


A noção de sustentabilidade implica uma


para implementar políticas pautadas pelo binô-


inter-relação necessária entre justiça social, qua-


mio sustentabilidade – desenvolvimento, num
lidade de vida, equilíbrio ambiental e necessida-


contexto de crescentes dificuldades para promo-


de de desenvolvimento como capacidade de su-

ver a inclusão social.
porte (Jacobi, 1999). ○

No contexto metropolitano brasileiro, os pro-


blemas ambientais cresceram a passos gigantes- Educação ambiental, cidadania



cos, e suas soluções lentas ficaram publicamen-


e sustentabilidade

te conhecidas pela virulência do seu impacto: au-


Como enfrentar todos esses problemas? A


mento incomensurável das enchentes, dificulda-


des da administração do lixo sólido, interferên- possibilidade de maior acesso à informação



cia crescente do seu descarte inadequado em potencializa as mudanças comportamentais ne-



áreas potencialmente degradáveis e efeitos cres- cessárias para um agir mais orientado para a de-

centes da poluição atmosférica sobre a saúde da fesa do interesse geral.



população. Nestes tempos em que a informação assu-



A preocupação com o desenvolvimento sus- me papel cada vez mais relevante – ciberespaço,

tentável representa a possibilidade de garantir mu- multimídia, Internet –, a educação para a cida-

danças sociopolíticas que não comprometam os dania representa a possibilidade de motivar e



sistemas ecológicos e sociais que sustentam as co- sensibilizar as pessoas para transformar as di-

munidades. O tema da sustentabilidade confron- versas formas de participação na defesa da qua-



ta-se com o paradigma da sociedade de riscos. Isso lidade de vida.


implica a necessidade de se multiplicarem as prá- Assim, a problemática ambiental urbana



ticas sociais baseadas no fortalecimento do direi- constitui tema muito propício para aprofundar a

to ao acesso à informação e à Educação Ambiental, reflexão e a prática em torno do restrito impacto


das práticas de resistência e de expressão das de-


em perspectiva integradora, e também demanda


aumentar o poder das iniciativas baseadas na pre- mandas da população das áreas mais afetadas

missa de que um maior acesso à informação e a pelos constantes e crescentes agravos ambientais.

transparência na administração dos problemas Mas representa também a possibilidade de aber-


tura de estimulantes espaços para implementar


ambientais urbanos podem implicar a reorganiza-


ção do poder e da autoridade. alternativas diversificadas de democracia parti-



Um dos grandes desafios é o de estimular po- cipativa, notadamente a garantia do acesso à in-

líticas sociais sustentáveis assim como promover formação e a consolidação de canais abertos para

uma participação plural.


o crescimento da consciência ambiental, expan-


dindo a possibilidade da população participar, em Os impactos negativos do conjunto de pro-



nível mais alto, do processo decisório, como for- blemas ambientais resultam principalmente da

ma de fortalecer sua co-responsabilidade na fis- precariedade dos serviços e da omissão do po-




der público na prevenção das condições de vida como elemento determinante para a consolida-



da população, porém são também reflexo do des- ção de sujeitos cidadãos. O desafio do fortaleci-



cuido e da omissão dos próprios moradores, in- mento da cidadania para a população como um



clusive dos bairros mais carentes de infra-estru- todo, e não para um grupo restrito, concretiza-


tura, colocando em xeque aspectos de interesse se a partir da possibilidade de cada pessoa ser



coletivo. portadora de direitos e deveres e de se conver-



Isso traz à tona a contraposição do significado ter, portanto, em ator co-responsável pela defe-


dos problemas ambientais urbanos e das práticas sa da qualidade de vida.



de resistência dos que “têm” e dos que “não têm”, O principal eixo de atuação da Educação



representados sempre pela defesa de interesses Ambiental deve buscar, acima de tudo, a solida-



particularizados que interferem significativamen- riedade, a igualdade e o respeito à diferença, por


te na qualidade de vida da cidade como um todo. meio de formas democráticas de atuação basea-



A postura de dependência e de desres- das em práticas interativas e dialógicas. Isso se



ponsabilização da população decorre principal- consubstancia no objetivo de criar novas atitudes


mente da desinformação, da falta de consciência ○
e comportamentos em face do consumo em nos-
ambiental e de um déficit de práticas comunitá- sa sociedade e de estimular a mudança de valo-

rias baseadas na participação e no envolvimento res individuais e coletivos.



dos cidadãos, que proponham uma nova cultura E como se relaciona a Educação Ambiental

de direitos fundamentada na motivação e na co- com a cidadania? A cidadania tem a ver com o

participação da gestão ambiental das cidades. pertencimento e a identidade em uma coletivi-



Nesse sentido, a Educação Ambiental repre- dade. A Educação Ambiental, como formação e

senta um instrumento essencial para superar os exercício de cidadania, tem a ver com uma nova

atuais impasses da nossa sociedade. forma de encarar a relação do homem com a na-

A relação entre meio ambiente e educação tureza, baseada em uma nova ética, que pressu-

para a cidadania assume papel cada vez mais de- põe outros valores morais e uma forma diferente

safiador, demandando a emergência de novos de ver o mundo e os homens.


saberes para apreender processos sociais que se A Educação Ambiental deve ser vista como um

“complexificam” e riscos ambientais que se in- processo de permanente aprendizagem, que va-

tensificam. loriza as diversas formas de conhecimento e for-



As políticas ambientais e os programas edu- ma cidadãos com consciência local e planetária.


cativos relacionados à conscientização da crise E o que tem sido feito em termos de Educa-

ambiental demandam, crescentemente, novos ção Ambiental? A grande maioria das atividades

enfoques integradores de uma realidade contra- é desenvolvida de acordo com uma modalidade

ditória e geradora de desigualdades, que trans- formal. Os temas predominantes são lixo, prote-

cendem a mera aplicação dos conhecimentos ci- ção do verde, uso e degradação dos mananciais e

entíficos e tecnológicos disponíveis. ações para conscientizar a população em relação



O desafio que se coloca é o de formular uma à poluição do ar.



Educação Ambiental que seja crítica e inovadora, A Educação Ambiental que tem sido desen-

em dois níveis: formal e não formal. Assim, a Edu- volvida no país é muito diversa, e a presença dos

cação Ambiental deve ser, acima de tudo, um ato órgãos governamentais, como articuladores, co-

político voltado para a transformação social. Seu ordenadores e promotores de ações, é ainda mui-

enfoque deve buscar uma perspectiva de ação to restrita.


holística, que relaciona o homem, a natureza e o Nas grandes metrópoles existe a necessidade

universo, tomando como referência que os recur- de enfrentar os problemas da poluição do ar, e o

sos naturais se esgotam e que o principal respon- poder público deve assumir um papel indutor do

sável por sua degradação é o homem. processo. A redução do uso do automóvel estimu-

Quando nos referimos à Educação Am- la a co-responsabilidade social na preservação do



biental, situamo-la num contexto mais amplo, o meio ambiente, chama a atenção das pessoas e

da educação para a cidadania, configurando-se as informa sobre os perigos gerados pela polui-

94
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania

ção do ar. Mas isso implica a necessidade de rom- tir padrões ambientais adequados e estimular



per com o estereótipo de que, no âmbito das res- uma crescente consciência ambiental, centrada



ponsabilidades urbanas, tudo depende da ação no exercício da cidadania e na reformulação de



governamental, enquanto os habitantes se man- valores éticos e morais, individuais e coletivos,


têm passivos e aceitam essa tutela. numa perspectiva orientada para o desenvolvi-



O grande salto de qualidade tem sido feito mento sustentável.



pelas organizações não-governamentais e orga- A Educação Ambiental, como componente de


nizações comunitárias, que têm desenvolvido uma cidadania abrangente, está relacionada com 95



ações não-formais centradas principalmente na uma nova forma de relação ser humano/natureza.



atuação junto à população infantil e juvenil. Nesse sentido, a dimensão cotidiana da Edu-



A lista de ações é interminável, e essas refe- cação Ambiental leva a pensá-la como somatório


rências são indicativas de práticas inovadoras, de práticas e, conseqüentemente, a entendê-la na



centradas numa preocupação de incrementar a dimensão de sua potencialidade de generalização



co-responsabilidade das pessoas, em todas as fai- para o conjunto da sociedade.



xas etárias e em todos os grupos sociais, quanto à Entende-se que essa generalização de práti-


importância de formar cidadãos cada vez mais cas ambientais só será possível se estiver inserida



comprometidos com a defesa da vida. no contexto de valores sociais, mesmo que se re-

A educação para a cidadania representa a pos- fira a mudanças de hábitos cotidianos.



sibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para A problemática socioambiental, ao questio-


transformar as diversas formas de participação em nar ideologias teóricas e práticas, propõe a ques-

potenciais caminhos de dinamização da socieda- tão da participação democrática da sociedade na



de e de concretização de uma proposta de socia- gestão dos seus recursos atuais e potenciais, as-

bilidade baseada na educação para a participação. sim como no processo de tomada de decisões

O complexo processo de construção da cida- para a escolha de novos estilos de vida e a cons-

dania, no Brasil, num contexto de agudização das trução de futuros possíveis, sob a ótica da

desigualdades, é perpassado por um conjunto de sustentabilidade ecológica e da eqüidade social.


questões que, necessariamente, implicam a supe- Torna-se cada vez mais necessário consolidar

ração das bases constitutivas das formas de domi- novos paradigmas educativos centrados na preo-

nação e de uma cultura política baseada na tutela. cupação de iluminar a realidade de outros ângu-

O desafio da construção de uma cidadania los, e isso supõe a formulação de novos objetos

ativa configura-se como elemento determinante de referência conceituais e, principalmente, a



para a constituição e o fortalecimento de sujeitos transformação de atitudes.



cidadãos que, portadores de direitos e deveres, as- Um dos grandes desafios é o de ampliar a di-

sumam a importância da abertura de novos es- nâmica interativa entre a população e o poder pú-

paços de participação. blico, na medida em que isso pode potencializar



A administração dos riscos socioambientais uma crescente e necessária articulação com os go-

coloca cada vez mais a necessidade de ampliar o vernos locais, notadamente no que se refere ao

envolvimento público por meio de iniciativas que desenvolvimento de práticas preventivas no pla-

possibilitem aumento do nível de consciência no ambiental.



ambiental dos moradores, garantindo a informação



e a consolidação institucional de canais abertos para


Sustentabilidade

a participação, numa perspectiva pluralista.


A Educação Ambiental deve reforçar, de forma socioambiental, movimentos



crescente, a “agenda marrom”, enfatizando os pro-


sociais e Educação Ambiental

blemas ambientais que decorrem da desordem e


Talvez uma das características mais impor-


degradação da qualidade de vida nas cidades.


Na medida em que se observa que é cada vez tantes do movimento ambientalista seja a sua di-

mais difícil manter a qualidade de vida nas cida- versidade. Esse amplo espectro de práticas e ato-

res lhe confere um caráter multissetorial, que


des, é preciso fortalecer a importância de garan-



congrega inúmeras tendências e propostas que baseadas na militância voluntária não remune-



orientam suas ações, considerando valores rada, observa-se, nos últimos anos, crescente es-



como: eqüidade, justiça, cidadania, democracia forço de profissionalização, porém isso ocorre em



e conservação ambiental. No amplo universo das número muito restrito de entidades. Um aspecto


organizações não-governamentais, algumas fa- bastante polêmico está relacionado com a



zem trabalho de base e outras são mais voltadas representatividade de entidades nos diversos ti-



para a militância, têm caráter mais político e pos de conselhos e comissões. O que se observa é


implementam projetos demonstrativos. que existem organizações que, praticamente, con-



Embora ocorra uma certa queda na capaci- centram suas atividades associadas à participa-



dade mobilizadora dos movimentos ambie- ção em espaços de representação. Trata-se de uma



ntalistas, observa-se também um grau de ama- lógica bastante perversa, gerada pela dinâmica de


durecimento das práticas e a consolidação de um institucionalização de entidades centradas em



perfil de atuação de instituições numa perspecti- poucas pessoas, que têm muita capacidade de



va proativa e propositiva, conforme os moldes de ocupar espaços e de, mesmo sem trabalho de base


sustentabilidade. ○
e, inclusive, pouca legitimidade no próprio mo-
O que representa a marca da atuação das or- vimento ambiental, articular a manutenção de

ganizações não-governamentais? Seus pontos sua presença.



fortes estão na sua credibilidade, no seu capital As coalizões na sociedade civil estão se forta-

ético, na sua eficiência de intervenção na lecendo, explicitando a escolha de temas e ques-


microrrealidade social (grupos e comunidades), tões a serem enfrentados em nome da busca de



permitindo-lhes a formulação de aspirações e de objetivos comuns, de modo a configurar a inflexão



propostas de estratégias para atendê-las, maior de uma dinâmica reativa para uma dinâmica

eficiência na aplicação de recursos e agilidade propositiva, que aproxima as organizações não-



na implementação de projetos que têm a marca governamentais e os movimentos da mídia e



da inovação e da articulação da sustentabilidade centra sua atuação na coleta, sistematização e



com a eqüidade social. disseminação de informações.


O ambientalismo ingressa nos anos 1990 e Nessa direção, as articulações têm possibili-

constitui-se em ator relevante que, embora car- tado, crescentemente, o fortalecimento de um



regue consigo as marcas do seu processo de afir- pólo político interno, que integra as organizações

mação, assume caráter ampliado, baseado num não-governamentais no centro do processo de


esforço cada vez mais claramente planejado de pressão e gestão, representando, portanto, uma

diálogo com outros atores sociais. inflexão importante numa agenda até recente-

As questões que o ambientalismo coloca es- mente trazida de fora para dentro.

tão hoje muito associadas às necessidades de Apesar do pouco reconhecimento do papel


constituição de uma cidadania para os desiguais, das organizações não-governamentais, o que de-

à ênfase dos direitos sociais, ao impacto da de- corre do pouco interesse da sociedade brasileira

gradação das condições de vida decorrente da para financiar de forma voluntária suas organi-

degradação socioambiental, notadamente nos zações da sociedade civil, observa-se um cresci-


grandes centros urbanos, e à necessidade de am- mento da sua legitimidade e institucionalidade.



pliar a assimilação pela sociedade, de reforçar O ambientalismo do século XXI tem uma

práticas centradas na sustentabilidade, por meio complexa agenda pela frente. De um lado, o de-

da Educação Ambiental. safio de ter uma participação cada vez mais ati-

O salto qualitativo do ambientalismo ocorre na va na governabilidade dos problemas socio-



medida em que se cria uma identidade crescente ambientais e na busca de respostas articuladas

entre o significado e as dimensões das práticas, e sustentadas, em arranjos institucionais inova-



com forte ênfase na relação entre degradação dores, que possibilitem uma “ambientalização

ambiental e desigualdade social, reforçando a ne- dos processos sociais”, dando sentido à formu-

cessidade de alianças e interlocuções coletivas. lação e à implementação da Agenda 21, em âm-



Apesar de a maior parte das entidades serem bito nacional e subnacional. De outro, a neces-

96
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania

sidade de ampliar o escopo de sua atuação, por na deve levar em conta a relevância de estimular



meio de redes, consórcios institucionais, parce- a expansão dos meios de acesso a uma informa-



rias estratégicas e outras engenharias institucio- ção geralmente dispersa e de difícil compreensão,



nais que ampliem seu reconhecimento pela so- como parte de uma política de fortalecimento do


ciedade e estimulem o engajamento de novos papel dos diversos atores intervenientes.



atores. O momento atual exige que a sociedade este-



Se, de um lado, o contexto no qual se confi- ja mais motivada e mobilizada para assumir um


guram as questões ambientais é marcado pelo caráter mais propositivo, assim como para poder 97



conflito de interesses e por uma polarização en- questionar de forma concreta a falta de iniciativa



tre visões de mundo, de outro, as respostas preci- dos governos para implementar políticas pauta-



sam conter, cada vez mais, um componente de das pelo binômio sustentabilidade-desenvolvi-


cooperação e de definição de uma agenda que mento, num contexto de crescentes dificuldades



acelere prioridades para a sustentabilidade, como para promover a inclusão social.



um novo paradigma de desenvolvimento. Diversas experiências, principalmente nas



O desafio que está colocado é de não só reco- administrações municipais, mostram que, haven-


nhecer, mas estimular práticas que reforcem a au- do vontade política, é possível viabilizar ações



tonomia e a legitimidade de atores sociais, que governamentais pautadas pela adoção de princí-

atuam, articuladamente, numa perspectiva de co- pios de sustentabilidade ambiental conjugada



operação, como é o caso de comunidades locais com resultados na esfera do desenvolvimento


e organizações não-governamentais. Isso repre- econômico e social.



senta a possibilidade de mudar as práticas preva- Nessa direção, a educação para a cidadania

lecentes, rompendo com as lógicas da tutela e da representa a possibilidade de motivar e sensibili-


regulação, definindo novas relações baseadas na zar as pessoas para transformar as diversas for-

negociação, na contratualidade e na gestão con- mas de participação em potenciais fatores de



junta de programas e atividades, o que introduz dinamização da sociedade e de ampliação do con-



um novo significado nos processos de formula- trole social da coisa pública, inclusive pelos seto-

ção e implementação de políticas ambientais. res menos mobilizados. Trata-se de criar as con-

Trata-se, portanto, de repensar o público por dições para a ruptura com a cultura política do-

meio da sociedade e de verificar as dimensões da minante e para uma nova proposta de sociabili-

oferta institucional e a criação de canais institu- dade baseada na educação para a participação,

cionais para viabilizar novas formas de coopera- que se concretizará principalmente pela presen-

ção social. Os desafios para ampliar a participa- ça crescente de uma pluralidade de atores que,

ção estão intrinsecamente vinculados à predispo- por meio da ativação do seu potencial de partici-

sição de os governos locais criarem espaços pú- pação, terão cada vez mais condições de intervir

blicos e plurais de articulação e participação, nos – consistentemente e sem tutela – nos processos

quais os conflitos se tornem visíveis e as diferen- decisórios de interesse público, legitimando e



ças se confrontem como base constitutiva da le- consolidando propostas de gestão baseadas na

gitimidade dos diversos interesses em jogo. garantia do acesso à informação e na consolida-


O grande desafio que se coloca é, por um ção de canais abertos para a participação, os

lado, gerar empregos com práticas sustentáveis quais, por sua vez, são precondições básicas para

e, por outro, fazer crescer o nível de consciência a institucionalização do controle social.



ambiental, ampliando as possibilidades de a po- A necessária reflexão sobre as possibilidades


pulação participar mais intensamente dos pro- de tornar nossas cidades mais sustentáveis mos-

cessos decisórios, como forma de fortalecer sua tra o desafio teórico que está colocado em relação

co-responsabilização na fiscalização e no con- à formulação de propostas que contribuam para



trole dos agentes responsáveis pela degradação alcançar objetivos de sustentabilidade nas cidades.

socioambiental. Concluímos, afirmando que o desafio políti-



Finalmente, é importante ressaltar que uma co da sustentabilidade, apoiado no potencial



agenda para a sustentabilidade ambiental urba- transformador das relações sociais, que repre-

sentam o processo da Agenda 21, encontra-se es- dade de estimular mudanças socioinstitucionais



treitamente vinculado ao processo de fortaleci- que não comprometam ainda mais os sistemas



mento da democracia e da construção da cida- ecológicos e sociais, nos quais se sustentam as co-



dania, bem como ao fortalecimento das organi- munidades urbanas.


zações sociais e comunitárias, à redistribuição



de recursos por meio de parcerias, à informação


Bibliografia


e capacitação para participar, crescentemente,


dos espaços públicos de decisão e para construir


BECK, Ulrich. Risk society. London: Sage Publications, 1994.


instituições pautadas por uma lógica de sus- JACOBI, Pedro. Políticas sociais e ampliação da cidadania.



tentabilidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000.


. Cidade e meio ambiente . São Paulo:


A necessidade de implementar políticas públi-


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cas orientadas para tornar as cidades, social e


JACOBI, Pedro; TEIXEIRA, Marco, A. Diagnóstico de confli-


ambientalmente, sustentáveis representa a possi-


tos socioambientais na cidade de São Paulo. Cadernos


bilidade de contrapor-se ao quadro crescente de CEDEC, São Paulo, n. 45, 1995.


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LEIS, Héctor. O labirinto : ensaios sobre ambientalismo e
ção da prática de parcerias representa a possibili- globalização. Blumenau/SC: Gaia/FURB, 1996.








Fundação Projeto Travessia






Lúcia Pinheiro

Projeto Travessia/SP


Breve histórico

quação na aplicação dos recursos – encontram-



se em nossos arquivos, à disposição dos interes-


A Fundação Projeto Travessia é uma organi-


zação social criada em dezembro de 1995, por sados em consultá-los.



sindicatos de trabalhadores, bancos e empresas


A concepção do trabalho

privadas, com a missão de garantir os direitos



das crianças e adolescentes que atualmente uti-


educativo

lizam as ruas do Centro Histórico da cidade de



São Paulo como espaço de moradia e sobrevi- Viver nas ruas, mesmo que temporariamen-

vência, promovendo seu retorno à escola regu- te, significa uma situação de risco social e pes-

lar, ao convívio familiar e comunitário.


soal, como conseqüência de um complexo pro-


A Fundação Projeto Travessia foi declarada cesso de exclusão. Isso porque a inserção no

de Utilidade Pública Municipal nos termos do “mundo da rua”, na maioria das vezes, implica

Decreto no 38.888/99, publicado no Diário Ofi- instabilidade e fragilidade nas relações afetivas

cial do Município de São Paulo, edição de 25/


básicas, exposição à violência de todo tipo, eva-


12/1999, e declarada de Utilidade Pública Fede- são ou exclusão do sistema de educação formal,

ral pela Portaria no 620, do Ministério da Justiça, sem mencionar questões relacionadas à saúde,

publicada no Diário Oficial da União, edição de à dignidade e ao exercício da cidadania.


9/7/2001.

O trabalho educativo desenvolvido pela Fun-


Nossos demonstrativos financeiros e balan- dação Projeto Travessia se baseia em uma con-

ços patrimoniais são auditorados pela empresa cepção de cidadania que pressupõe a responsa-

Price Waterhouse Coopers, anualmente, sendo bilidade pessoal e social de cada cidadão no pro-

que os pareceres emitidos – comprovando a ade-


cesso de educação das gerações mais novas.


98
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania

Ação educativa na rua familiar, escolar e comunitário.



As crianças que aceitam deixar as ruas vão


Consiste no trabalho diário executado por


para essa casa e lá participam de oficinas peda-


oito educadores sociais, que realizam as primei- gógicas e artístico-culturais, que favorecem o



ras abordagens a grupos de meninos(as) que vi- desenvolvimento das novas formas de expressão,


vem nas ruas, com o objetivo de criar e fortale-


que lhes serão necessárias no processo de rein-


cer vínculos de confiança e afetividade. São rea-


tegração social. O tempo de permanência nessa


lizadas atividades pedagógicas, no próprio espa- etapa varia de acordo com o comprometimento 99


ço das ruas, que vão desde contar histórias, ofi-


e complexidade de cada caso atendido.


cinas de desenhos, pinturas, passeios culturais,



até o atendimento emergencial em saúde, auxí-
Ação educativa



lio para tirar documentos, assim como conver-


sas temáticas sobre o cotidiano nas ruas. Todas junto à família



essas atividades visam provocar reflexões sobre


Antes mesmo que os(as) meninos(as) voltem


o estar na rua e suas perspectivas futuras.


para casa, é iniciado o trabalho com suas famíli-


A presença constante dos educadores em es-
as, visando também prepará-las para a reintegra-


paço fixos é tão importante quanto a própria ati-

ção. Porém, cada família atendida apresenta inú-

vidade realizada no trabalho cotidiano, pois as- ○

meras necessidades que, se não forem minima-


segura a construção e a consolidação de víncu-


mente atendidas, inviabilizarão o retorno e o cui-


los afetivos, essenciais para o desenvolvimento

dado adequado daquelas crianças, além de pro-


do trabalho.

vocar a saída de outros filhos para a vida nas ruas.


Nossa experiência tem demonstrado que há


É a Fundação que entra em contato com a


maior efetividade na saída das ruas quando essa


família, a partir de um trabalho desenvolvido


decisão é compartilhada com eles. Também há

com os meninos e meninas em situação de rua.


maior eficácia nas etapas seguintes, quando a


Em razão disso, é natural que inicialmente exis-


saída não é coercitiva.


ta certa resistência ou pouca disponibilidade por



parte dos integrantes da família, já que o traba-


Ação educativa lho não é iniciado a partir de uma demanda de-



les. O segundo aspecto se relaciona ao tipo de


em espaços fechados

problema em que incide a ação educativa. Em


A maioria das crianças que vivem nas ruas geral, os trabalhos com grupos familiares come-

do Centro está fora de casa há muito tempo. Elas çam a partir de um problema emergencial – vio-

passaram por várias instituições e sobreviveram lência, conflito com a justiça etc. No caso da Fun-

nas ruas por meio do desenvolvimento de estra-


dação Travessia, a ação educativa incide, na mai-


tégias que se diferenciam da linguagem escolar, or parte dos casos, em problemas crônicos das

doméstica e comunitária. Por isso, na maioria famílias, que têm a ver com a forma como se re-

dos casos, é impossível o retorno imediato a es- lacionam entre si, condições de moradia, valo-

ses espaços.

res, entre outras coisas.


A educação em espaço fechado ocorre como Essa é a etapa mais difícil do trabalho, pois

uma etapa de trabalho que sucede à educação nos coloca diante de questões estruturais, como

na rua, e é uma ação importante do projeto edu- a ausência de políticas sociais básicas para o

cativo, pois consolida a passagem da rua para a


atendimento dessas famílias. Nessa etapa, te-


vida na comunidade, como cidadão incluído. mos atendido os irmãos da criança em questão

A Fundação Projeto Travessia criou e man- e contamos com o apoio de algumas organiza-

têm a Casa do Bixiga (espaço no bairro do Bixiga, ções comunitárias no suporte a algumas famí-

que oferece diversas atividades de lazer e cultu-


lias. Também é necessário o trabalho junto à


ra), com o objetivo de trabalhar essa transição direção e ao corpo docente das escolas onde as

entre a vida na rua (com seus valores e atitudes) crianças são matriculadas, para garantir sua

e a reinclusão social dessas crianças no convívio permanência e seu desenvolvimento satisfa-



tório. Além da vulnerabilidade das famílias e da sia considera fundamental promover os Di-



precariedade das comunidades, outro fator que reitos da Criança e do Adolescente junto à



dificulta essa etapa é a distância das localida- sociedade em geral, com objetivo de mini-


mizar as suas violações e impedir que mais


des, nos levando a realizar atendimento em gru-


pos de famílias por região. crianças passem a viver nas ruas. Para tanto,


investe na divulgação desses direitos e reali-



za campanhas para sua defesa, dirigidas aos


Ações complementares


vários segmentos da sociedade.



Assistência jurídica e educação para acesso



ao direito. Vários adolescentes atendidos ne-
Projetos desenvolvidos


cessitam regularizar suas pendências jurídi-



cas e, para tanto, contamos com duas advo- Projeto Cartões de Natal. Concretiza-se em


gadas, que fazem a defesa técnica nesses ca-


duas fases. Inicialmente, fazemos um con-


sos. Além disso, também atuam na regulari- curso para selecionar os trabalhos produzi-


zação de situações jurídicas das famílias, ○
dos pelas crianças e adolescentes atendidos
como nos casos de tutela, guarda judicial,

pelo Projeto Travessia e entidades parceiras.


adoção, entre outras demandas. A assistên- Posteriormente, os trabalhos selecionados



cia jurídica é realizada de forma educativa, ilustram os nossos cartões de Natal. Esse pro-

ou seja, cada cidadão atendido é informado jeto desenvolve ações educativas e culturais

sobre seus direitos e a melhor forma de orientadas pelos princípios da educação para

acessá-los. cidadania, sendo também um importante


instrumento para a captação de recursos e a


Articulação da rede de atendimento. A Fun-


dação Projeto Travessia tem investido, des- divulgação do nosso trabalho.



de sua criação, na celebração das parcerias Projeto de Alfabetização e exercício da cida-


necessárias para oferecer atendimento qua-


dania. Esse projeto, elaborado pela Funda-


lificado às crianças, aos adolescentes e a suas ção Projeto Travessia, foi um dos vencedo-

famílias. São dezenas de organizações de res do concurso promovido pela Fundação


atendimento, universidades, núcleos comu-


Vitae – apoio à Cultura, Educação e Promo-


nitários e secretarias municipais/estaduais ção Social. O projeto está em fase de imple-



que colaboram – por meio de termo de par- mentação e terá um ano e meio de duração.

ceria – nos atendimentos prestados. Para a


A condição de analfabeto ou pouco letrado é


consolidação de cada parceria é necessário um grande obstáculo no processo de inclu-



um trabalho de aproximação, definição de são social. E este projeto tem por objetivo

objetivos, responsabilidades e monitora- central o desenvolvimento de estratégias efi-



mento das ações em colaboração. cazes para alfabetizar crianças e adolescen-



Trabalho com voluntários. Nosso trabalho tes que vivem um complexo processo de ex-

clusão social, o qual inclui a dificuldade para


também conta com o valioso apoio de pes-


soas que, sensibilizadas com a situação des- obter sucesso e permanecer na escola.

sas crianças, colaboram no desenvolvimen- Projeto fanzine. Trata-se da produção de uma


to de algumas atividades. Para tanto, a Fun-


revista (impressa em xerocópia), sob a coorde-


dação Projeto Travessia implantou um Pro- nação dos educadores sociais (profissionais

grama de Voluntários que atua no recruta- que atendem às crianças no programa de edu-

mento, na integração e no acompanhamen-


cação de rua) e com o envolvimento de crian-


to desses valorosos colaboradores, que hoje ças e adolescentes atendidos na Fundação Pro-

estão distribuídos pelos vários programas de jeto Travessia, no processo de criação e


atendimento. diagramação do fanzine. O projeto visa criar



Comunicação e mobilização da sociedade um veículo único de comunicação, cujo obje-



pelos direitos da criança. Além dos atendi- tivo é ilustrar, por meio de desenhos e históri-

as, a problemática vivida por essa população.


mentos realizados, a Fundação Projeto Traves-






SIMPÓSIO 6

POLÍTICAS PÚBLICAS
E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Edgar González Gaudiano

Bernardo Kipnis

Lucila Pinsard Vianna

101
Como tirar a Educação




Ambiental do coma?




A alfabetização: um possível




recurso pedagógico-político





Edgar González Gaudiano*







Resumo



população afetada. São muito conhecidas, na



Neste texto, procuro destacar a importância da nossa região, as cruzadas de alfabetização desen-


alfabetização ambiental como uma idéia que pode ○

volvidas em Cuba (1961) e na Nicarágua (1980),


contribuir para o esclarecimento dos rumos que de-

assim como outros esforços internacionais para


vem ser tomados na relação sociedade – meio ambi- superar, sucessiva e peremptoriamente, os atra-

ente para a construção de uma cidadania crítica, prin-


sos educacionais de populações adultas.

cipalmente diante dos precários resultados de uma


A limitada visão da alfabetização como a prá-


Educação Ambiental (que parece ter entrado em esta-


tica de aprender a ler e escrever tem muitas vezes


do de coma nas duas últimas décadas), do bombar-

e de diferentes maneiras suscitado expectativas


deio permanente da publicidade neoliberal pró-


sociais exageradas, já que a aquisição dessas im-


consumista a que está submetida a população, no mo-


mento atual de globalização econômica e cultural, e portantes habilidades intelectuais e políticas tem

da recomposição de blocos hegemônicos regionais. sido vista como uma espécie de exorcismo ro-

mântico do atraso socioeconômico, principal-



mente quando ocorre no contexto de processos



revolucionários como o cubano e o nicaragüense



daqueles anos. Essas ações intensivas, que pos-


A alfabetização

teriormente não são reforçadas com programas



A alfabetização diz respeito à aprendizagem que possibilitam aos novos alfabetizados aplicar

de noções básicas de leitura e escrita e ao de- suas habilidades na prática, produziram os cha-

mados analfabetos funcionais, que se enquadram


senvolvimento de habilidades aritméticas ele-


mentares. Algumas vezes, ela é percebida num na categoria daqueles que, em algum momento,

plano ainda mais limitado, que seria o de sim- souberam ler e escrever, mas perderam essa ca-

plesmente ensinar o abecedário.1 Esses sentidos pacidade por falta de prática.


do conceito têm suas raízes em tradições colo- Como podemos supor, os processos de aqui-

niais, que vêm sendo ratificadas por políticas sição da capacidade de ler e escrever na escola se

públicas desenvolvidas com vistas à superação inserem nas dinâmicas existentes da instituição

de endêmicos e elevados índices de analfabetis- escolar, o que significa que quando meninos e me-

mo, por meio de programas específicos para a ninas aprendem a “ler” e escrever, eles adquirem





*Secretaria de Educação Pública, México. Presidente Regional para a Mesoamérica da Comissão de Educação e Comunicação da UICN

<edgarg@sep.gob.mx> É também editor da revista internacional Tópicos en Educación Ambiental, publicada pela UNAM e pela Secretaria

de Meio Ambiente e Recursos Naturais. Uma versão resumida deste artigo foi publicada no jornal Gaceta Ecológica, Nueva Época , n. 40, p.

38-41, outono 1996, do Instituto Nacional de Ecologia, México, com o título de “Educação Ambiental”, embora a proposta fosse intitulá-lo

“Alfabetização Ambiental”, o que confirma algumas teses do artigo. O aggiornamiento que se faz com esta versão tem a finalidade de

reativar discussões que considero atuais.



1
Isso ocorre não apenas na América Latina: o Oxford Paperback Dictionary define alfabetização ( literacy ) como um substantivo que denota a

“habilidade de ler e escrever”, e alfabetizado (literate ) como um adjetivo que descreve uma pessoa “capaz de ler e escrever”.

102
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental

essas habilidades num contexto específico de nor- de sua história. Objetivar o mundo é considerá-



mas institucionais, ou seja, num contexto de or- lo em seu movimento. O ponto de partida desse



dem, responsabilidades, direitos, disciplina, obe- movimento está nos próprios homens. No entan-



diência e subordinação, no qual as crianças apren- to, como não existem homens sem mundo, sem


dem também a “ler” o lugar que ocupam nesse realidade, o movimento parte das relações ho-



âmbito e no conjunto mais amplo das práticas mem – mundo. Sendo assim, esse ponto de par-



sociais e de lutas de poder, no qual a escola de- tida está sempre nos homens, em seu aqui, em


sempenha funções e responsabilidades específi- seu agora, que constituem a situação em que se 103



cas.2 Isso repercute, também, nos espaços da vida encontram ora imersos, ora emersos, ora inseri-



cotidiana, nos quais as pessoas também “lêem” dos (Freire, 1970).



suas expectativas e possibilidades, que vão dan- Em contraste com os modelos educacionais


do forma a suas representações, seus valores e dominantes de cunho tecnocrático (tecnologia



suas crenças em sua relação com elas próprias, educacional multimídia, educação centrada na



com os outros e com o mundo. aquisição de competências profissionais etc.), a



Por essa razão, a alfabetização é vista, a par- pedagogia de Freire representou um marco de


tir de algumas posturas teóricas críticas, como a referência qualitativamente diferenciado na ori-



possibilidade de aprender a pensar, a discernir. entação dos processos educacionais, com base

Alfabetizar é um processo de conscientização, no que Dilthey (1988) chamou de concepção do



entendido como a liberação da consciência para mundo, cuja raiz, em última análise, é a vida

que o analfabeto se assuma como sujeito da his- entendida como uma totalidade, onde o mundo

tória, da sua história. Esse processo de liberação é um complexo emaranhado de relações vitais

da consciência implica a possibilidade de uma interdependentes. Trata-se de uma perspectiva


pessoa se posicionar mais adequadamente em relacional, não relativista, do mundo; em que a



seu momento e em sua realidade social com o constituição dessa realidade, desse mundo, se

mundo. 3 Com relação a essa postura, Freire produz nas e pelas relações.

(1969) assinala: A partir dessa perspectiva, a alfabetização se


transforma em um instrumento formidável para



É fundamental partir da idéia de que o homem é o alfabetizado compreender sua posição em re-

um ser de relações e não apenas de contatos, de lação aos outros, e, ao alcançar essa compreen-

que ele não apenas está no mundo, mas também são, surge a possibilidade de ele ir além das fron-

teiras impostas pelas estruturas de poder que li-


com o mundo. De sua abertura à realidade, de


onde surge o ser de relações que ele é, resulta o mitam seu desenvolvimento.

que chamamos estar com o mundo. É bom que nos detenhamos um momento

nesse aspecto da alfabetização, porque é nele


Assim, a aprendizagem da leitura e da escri- que reside seu potencial para se transformar

ta vai além de um deciframento mecânico para num ato político e ético. Político porque a inter-

se converter num processo de comunicação mul- pretação que fazemos do mundo está sempre

tidimensional, que parte do universo vocabular vinculada a essas estruturas de poder. Ético por-

e vivencial do alfabetizando, que é carregado de que as interpretações variam em razão de dife-



significados socioculturais e a partir do qual ele renças de classe, raça, etnia, gênero e geração do

objetiva o mundo e se vê nele como testemunha alfabetizado, e são tão válidas quanto as feitas a





2
As funções e responsabilidades das instituições educacionais, principalmente nos níveis básicos, não são uniformes. Pelo contrário, elas são

substantivamente diferentes de acordo com o tipo de escola (rural ou urbana, privada ou pública, matutina ou vespertina, de organização

completa ou incompleta etc.), tipo de alunos (origem de classe, capital cultural etc.) e de outras características individuais relacionadas com

o gênero, a raça, a etnia e a religião do estudante. Não quero dar a impressão de que defendo a tese da esquerda crítica althusseriana das

décadas de 1960 e 1970, que considerava a escola como um aparato ideológico do Estado. Sem deixar de reconhecer a função reprodutora

da escola, também a considero como um espaço de liberação e luta.



3
Mais adiante, veremos como o conceito de conscientização tem sido abordado na Educação Ambiental.

partir de posições de poder. A diferença não é miliares, o problema reside no fato de que esses



um déficit, como se assume implicitamente a termos não foram satisfatoriamente definidos e



partir de uma posição de poder, e sim, uma ca- muito menos operacionalizados para os fins prá-



racterística que, uma vez entendida, potencializa ticos de processos educacionais específicos.


a leitura do lugar que cada um de nós ocupa, nas



margens e no centro do poder, e nos proporcio- Cultura



na uma nova forma de ler a história como meio


O conceito de cultura ecológica tem sido
para reivindicar o poder, a identidade e o terri-


comumente usado no campo da Educação


tório. Assim, a alfabetização desarticula as ver-


Ambiental, uma vez que a Educação é considera-


sões universais da razão e os conceitos lineares


da uma prática sociocultural. No México, as pri-


da história e descentraliza as margens como es-


meiras discussões sobre o tema ocorreram em um
paços para que outras vozes possam se expres-


seminário que, embora tenha dado início a uma


sar e ser ouvidas (Giroux, 1992).


revisão de seus significados, não possibilitou um

Por essa razão, a alfabetização é uma cons-


debate mais abrangente sobre suas implicações
trução social particular. Alfabetizar e conhecer ○

práticas.4 Além disso, nem sequer abordou a con-


são construções simbólicas que respondem às

fusão entre o ambiental e o ecológico, que tem


interações específicas que estabelecemos com os


interferido na construção do discurso ambien-


outros. Os símbolos geram significados singula-


talista na região e em muitos outros lugares fora


res em cada cultura. No entanto, no interior de


dela.5 Em termos gerais, a cultura ambiental foi

cada cultura também são produzidas múltiplas


assumida como um projeto político que “não se


formas particulares de significado, como ocor-


restringe a atenuar os problemas ou a mitigar os


re, por exemplo, com os jogos de linguagem dos


impactos ambientais produzidos por um desen-


jovens, que podem ser orais (por exemplo, o caló,

volvimentismo depredador, mas está voltado à


o slang) ou escritas (o grafite, a pichação). O


promoção de sua transformação qualitativa resul-


mundo é diferente, é visto de uma maneira dife-


tante da consciência social de que a imitação


rente, é lido de uma outra forma.


irrestrita só pode nos levar à perda de nossa iden-


tidade singular e ao cancelamento de nossas ver-



Noções convencionais dadeiras possibilidades de desenvolvimento”



(González Gaudiano, 1990).


na Educação Ambiental

O conceito de cultura ambiental tem estado


Na América Latina e no Caribe, de um modo presente no discurso da Educação Ambiental



geral, o conceito de alfabetização tem estado au- com vários sentidos. Um deles está relacionado

sente do processo de construção da Educação à falta dessa cultura ou à perda de padrões cul-

Ambiental, diferentemente do que ocorreu sobre- turais mais “amigáveis” ou “harmônicos” com o

tudo nos países anglo-saxões. No respectivo dis- meio ambiente, tanto no contexto rural quanto

curso encontramos expressões como “consciên- urbano. Nessa categoria, incluem-se os discur-

cia ambiental” e “cultura ecológica”, ou outros de sos ambientalistas relacionados às culturas in-

alcance mais restrito, como “sensibilização dígenas ou simplesmente tradicionais, cujas for-

ambiental”. Embora não sejamos completamen- mas de vida estavam muito mais adaptadas e

te contra esses conceitos que nos são muito fa- integradas às condições do meio natural.




4
“Hacia una cultura ecológica”, patrocinado pela UNAM, pelo DDF e pela Fundação Friedrich Ebert (FES) na Cidade do México, 24-26/05/1990.

5
Dobson (1997:13) chama de ambientalismo ao que Castells (1998: 2) denomina ecologismo, para citar apenas dois autores representativos.

Dobson sustenta que o ecologismo é uma ideologia política relacionada “às profundas mudanças que os ecologistas políticos consideram

necessárias no âmbito da organização social e das atitudes do respeito em relação ao mundo natural não-humano”. Castells o define como

uma “série de crenças, teorias e projetos que vêem a humanidade como um componente de um ecossistema mais amplo e desejam manter

o equilíbrio do sistema a partir de uma perspectiva evolucionista”. Por sua vez, o ‘meio ambientalismo’ é, do ponto de vista sociológico, visto

como “todas as formas de conduta coletiva que, em seu discurso e prática, procuram corrigir as formas destrutivas de relação entre a ação

humana e seu entorno natural, em oposição à lógica estrutural e institucional dominante”.


104
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental

Efetivamente, a explicação da problemática dada no Workshop Sub-Regional de Educação



ambiental não se encontra nos sintomas, e sim no Ambiental para o Ensino Médio, realizado em



próprio centro da atividade humana extrativa ou Chosica, Peru, em 1976, definia a Educação


produtiva, contextualizada numa forma cultural,


Ambiental como “uma ação educacional perma-


ou seja, no interior da cultura e dos processos so- nente, pela qual a comunidade educacional ten-



ciais: econômicos, tecnológicos, simbólicos etc.,
de a tomar consciência de sua realidade global


inerentes aos sistemas de produção mediante os


[…]”. Seguindo a mesma linha, o documento sín-


quais o homem se articula ou desarticula com o 105
tese do Congresso de Moscou (1987) concebia a


sistema natural (González L. de G., 1996: 22).


Educação Ambiental como “um processo perma-



nente, pelo qual os indivíduos e a coletividade


O segundo sentido diz respeito à aquisição


cobram consciência de seu meio e adquirem os
de representações, atitudes, hábitos, comporta-


conhecimentos, os valores, as competências, a


mentos e valores, que tendem precisamente a


experiência e também a vontade para atuar, in-


propiciar essa melhor relação cultural com o


dividual e coletivamente, no sentido de resolver


meio. Essa colocação está associada atualmente


problemas atuais e futuros do meio ambiente”.
a esforços para articular a Educação Ambiental


Podemos citar muitos outros exemplos de


com a educação cívica, com a formação de uma

declarações e resoluções que mencionam a
cidadania ambientalmente correta, que também ○

conscientização ou a tomada de consciência


está presente nas novas vinculações promovidas


como um dos propósitos da Educação Am-


entre a Educação Ambiental e o desenvolvimen-

biental. Entre autores individuais, a noção tam-


to sustentável (ver por exemplo Sterling, 2001).


bém é bastante freqüente. Caride (1991: 62), por


Daí emanam algumas das críticas mais fortes ao


exemplo, assinala que “a Educação Ambiental


modo de vida predominante promovido pela ci-


assume, pelo menos, um objetivo claramente

vilização ocidental e pelas novas condições de


definido: tornar os homens conscientes de que


globalização econômica e cultural.


seu compromisso com o futuro da humanidade


A crise ambiental moderna exige uma nova


exige que eles aprendam a pensar e atuar com


maneira de se compreender e construir os siste-


base em novos critérios”.

mas culturais do homem. Todas as culturas, no


O que significa tomar consciência ou ser cons-


momento de seu ocaso, sonham com a possibi-


ciente de algo? Trata-se de algo pouco estabeleci-


lidade de se tornarem sustentáveis. A crise


do. Na Carta de Belgrado (1975), que define as seis


ambiental não requer apenas um ato de arrepen-


áreas dos objetivos nos quais a Educação Am-

dimento acompanhado de um propósito de boa


biental deve trabalhar – 1) cobrar consciência; 2)


conduta. Precisamos repensar as formas adap-


conhecimentos; 3) atitudes; 4) habilidades; 5) ca-


tativas da cultura em sua totalidade, da tec-


pacidade de avaliação; 6) participação –, a


nologia ao mito (Ángel Maya, 1995: 116).

conscientização é definida de maneira bastante



tautológica: “Fazer com que os indivíduos e os


Conscientização

grupos constituídos adquiram uma maior cons-



Por sua vez, o conceito da conscientização, ciência do ambiente global e de seus problemas,

ou da tomada de consciência, tem estado pre- mostrando-se sensíveis em relação a eles”. Em



sente no discurso da Educação Ambiental prati- apoio às idéias apresentadas acima, recorro a uma

camente desde seu reconhecimento como tal. O citação de Colom e Sureda (1989: 75) que aborda

Programa Internacional de Educação Ambiental a multiplicidade de significados desse conceito.


(PIEA) operacionalizado pela Unesco e pelo



PNUMA (1975-1995), que constituiu o primeiro


Além da inexistência da consciência ecológica –


nível de trabalho de três níveis complementares, a Educação Ambiental como estratégia para a

propôs-se a contribuir no sentido de promover conservação da natureza e, conseqüentemente,


uma conscientização generalizada da necessida- para a conservação da vida no planeta, inclusive



de da Educação Ambiental (desde seus inícios da vida humana –, carecemos também da sensi-

até 1978). De modo semelhante, a definição acor- bilidade pedagógica necessária para formar os

futuros professores em esquemas educacionais mentos” (p. 150) Com essa afirmação, o autor



adequados para as situações socioculturais e eco- parece sugerir que a sensibilização constitui uma



nômicas com as quais nos depararemos. etapa preliminar da iniciação.



Uma contribuição, que talvez revele o senti-


De qualquer forma, em Educação Ambiental do atribuído à noção de sensibilização, nos foi



sempre partimos da premissa de que a tomada dada por Cañal, García e Porlán (1981: 15), quan-


de consciência de alguma coisa, de um proble-


do afirmam que:


ma que pode estar afetando nossa saúde ou qua-



lidade de vida, não se transforma automatica-


As formas de relação do homem com seu ambi-


mente em um hábito ou atitude ambientalmente ente poderiam ser resumidas em três tipos essen-


adequada. A seqüência entre estarmos informa-


ciais: o tipo correspondente à esfera do emocio-


dos a respeito de algum problema e tomarmos


nal (sensações das mais diversas geradas pela na-


consciência dele, participarmos de atividades de tureza, impressões estáticas, atividades de lazer


prevenção ou mitigação desse problema e ou-

e lúdicas…), o tipo relacionado aos processos
tros, não é linear. Esse tema é complexo e pouco ○

○ produtivos (a natureza vista como fonte de recur-
conhecido na prática, pois ele está vinculado a sos) e o tipo associado a aspectos cognitivos (à

todo um conjunto de fatores intersubjetivos, que tentativa de compreender e explicar).


nos impedem de ter respostas e estratégias pe-



dagógicas uniformes e bem-sucedidas para to- Como podemos ver, a noção de sensi-

dos os casos. Na prática, temos constatado, há bilização é muito limitada em termos de seu

muito tempo, que muitas pessoas que partici- âmbito e também de sua permanência no tem-

pam ativamente de programas que exigem uma po. Na sua concepção mais comum, a sensi-

participação intensa, e às vezes prolongada, não bilização representa uma condição temporal

são necessariamente as mais informadas ou dos indivíduos que, de qualquer maneira, pode

conscientes do problema. ser aproveitada como base para outros tipos de


medidas capazes de produzir um nível mais



profundo de comprometimento. Isso é mais


Sensibilização

evidente em determinados grupos da popula-


ção, como, por exemplo, entre os jovens, cujos


A noção de sensibilização tem, por sua vez,


sido associada a “um primeiro contato com o interesses são muito variáveis e múltiplos e

problema”, mediante a disponibilização de infor- cujos compromissos são muito transitórios



mações gerais para motivar o interesse dos par- (erráticos), razão pela qual exigem estratégias

especificamente desenvolvidas para essas ca-


ticipantes (González Gaudiano, 1985). Essa no-


ção também não é clara e bem definida. Giolitto racterísticas, que evitem comportamentos ro-

(1984: 122) salienta que a escola recebe a missão tineiros, que impliquem atividades muito dinâ-

de desenvolver uma Educação Ambiental “des- micas e que apresentem resultados positivos em

prazos relativamente curtos.


tinada a sensibilizar os jovens para os perigos que


ameaçam nosso meio de vida e a adotar uma ati- Por tudo o que foi dito anteriormente, pode-

tude espontaneamente protetora”. O texto pas- mos ver que a Educação Ambiental tem se base-

sa a idéia de que se trata de algo que vai além de ado em um conjunto de conceitos polissêmicos,

cujos sentidos, embora já bastante conhecidos,


um primeiro contato, quase equivalente ao sen-


tido proposto para conscientização. No entanto, não podem ser facilmente operacionalizados em

quando descreve os princípios da pedagogia do estratégias pedagógicas concretas. Como pode-



meio ambiente, mais adiante, ele afirma que “A mos saber que cobramos consciência de um pro-

blema do ambiente que afeta a qualidade de vida


sensibilização é possível desde o jardim-de-in-


fância, como também é possível, nesse nível, de uma comunidade? Como podemos saber que

uma primeira iniciação das crianças em relação conseguimos sensibilizar um grupo específico

aos problemas ambientais. Nunca é cedo demais para participar de determinado projeto? Além

para se forjar hábitos e estabelecer comporta- disso, como podemos avaliar a formação ou o es-

106
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental

clarecimento de valores ambientais que consti- betização não se restringe ao âmbito escolar, pois



tuem a base primária dos sistemas culturais? está também associado a diversos agentes soci-



A busca de respostas para essas perguntas ais interessados em transmitir suas visões pró-



certamente constitui a história da Educação prias do mundo dentro de estruturas de poder


Ambiental e de suas múltiplas aproximações estabelecidas nos sistemas políticos. Por exem-



pedagógicas; no entanto, como ocorre freqüen- plo, os meios de comunicação de massa ou as



temente na esfera do educacional, essas respos- empresas transnacionais.


tas, mesmo quando encontradas, costumam ser Em quarto lugar, porque nos permite falar, 107



questionadas. também, de alfabetizações (no plural), para ca-



racterizar os vínculos entre o conteúdo e os am-



plos propósitos humanos, sistemas de valores e
A alfabetização ambiental


modos de vida e de ser; diferenças que podem



Considerando o que foi exposto, podemos ter grande relevância política (Lankshear e



inferir que o conceito de alfabetização abrange McLaren, 1993: 9).


uma gama mais ampla de possibilidades teóri-


Não obstante, o conceito de alfabetização


cas e práticas para a Educação Ambiental. Não ambiental nem sempre é adequadamente apli-



pretendo sustentar que é nesse conceito que re- cado. Por exemplo, no texto do Memorando de

side a resposta para todos os complexos desafi- Entendimento sobre Educação Ambiental as-

os mencionados no processo de se construir uma


sinado por México, Estados Unidos e Canadá


Educação Ambiental que satisfaça os numero- (17/9/1992), o conceito de “alfabetização (literacy)



sos e intricados problemas ambientais que o ambiental” foi traduzido na versão em espanhol

mundo está enfrentando, atualmente. No entan- como “conscientização” e, na versão em francês,


to, ele nos oferece melhores possibilidades e tal- como “cultura”, confirmando a presença das con-

vez nos permita reativar um debate que tem per- fusões assinaladas antes. O conceito foi defini-

dido força, ultimamente. do como “uma educação funcional básica para



Em primeiro lugar, porque o conceito de al- todas as pessoas, que lhes proporcione os conhe-

fabetização faz parte do corpus pedagógico há cimentos, as habilidades e as motivações neces-



tempos imemoráveis, razão pela qual ele não é sárias para enfrentar os requisitos ambientais e

estranho ao conjunto dos profissionais de edu- contribuir no sentido de promover o desenvol-


cação, independentemente do espaço específi-


vimento sustentável”. Como se pode observar, a


co no qual se exerça uma determinada prática, distinção é estabelecida nos adjetivos “funcio-

mesmo que ela apresente o viés reducionista cri- nal e básica”, mas a diferença entre alfabetiza-

ticado anteriormente. ção e Educação não é esclarecida.


Em segundo lugar, porque, como propus na


Recuperar a alfabetização como uma idéia


primeira parte desta dissertação, o conceito de al- que funciona como força-motriz para a Educação

fabetização está vinculado a questões políticas e Ambiental pode nos permitir reativar as perspec-

éticas, que nos permitem contrabalançar os per- tivas desse importante campo pedagógico, dian-

niciosos efeitos do legado de uma prática de Edu-


te dos precários resultados obtidos nas duas últi-


cação Ambiental que colocou no centro de seu mas décadas. Resultados pelos quais a Educação

ethos a conservação da natureza, mas uma conser- Ambiental não pode ser responsabilizada, já que

vação da natureza que prescinde de determinados ela continua desempenhando um papel marginal

grupos humanos.6 Uma Educação Ambiental que


e subsidiário em nossa região, tanto nos sistemas


busca a conservação a qualquer custo.7 educacionais escolarizados como nos processos



Em terceiro lugar, porque o conceito de alfa- de gestão ambiental, em que pese a relevância a





6
Para uma excelente exposição de experiências conservacionistas que excluíram grupos locais, ver Guha e Martínez Alier (1997: 92-108),

que relatam, entre outros, o caso do biólogo David Jantzen em relação ao Parque Nacional Guanacaste e ao INBío, na Costa Rica.

7
Para uma discussão sobre esse aspecto, ver González Gaudiano (1998: XIII-XIV e 71-80).

ela atribuída nos discursos institucionais. A Edu- novamente a falar sobre uma alfabetização eco-



cação Ambiental continua sendo vista como uma lógica, entendida como um resultado que per-



área emergente, porém prescindível, segundo os mita às pessoas dominar e aplicar conceitos eco-



acontecimentos do momento. Ela continua sen- lógicos e que se apóia numa perspectiva na qual


do uma área de educação especial, uma moda, os conceitos estão vinculados à demonstração



que na maioria dos casos é abordada com medi- prática de determinadas habilidades (Charles,



das e decisões pouco importantes e banais, uma 1996: 133). Como reconhece a própria Cheryl


vez que as recomendações sobre interdisciplina- Charles, isso não é suficiente, pois são necessá-



ridade, transversalidade e multidimensionalidade rias articulações com um programa de Educa-



discutidas há pelo menos vinte anos ainda não ção Ambiental de maior alcance, que envolva



foram implementadas na prática. definições de cidadania.


Esse fato é muito importante atualmente, já Tampouco estou me referindo a uma alfabeti-



que condições estão sendo geradas por meio dos zação que enfatize uma leitura catastrofista,



organismos das Nações Unidas, principalmente apocalíptica, que, em vez de gerar estímulos, pa-


por meio da Unesco, como responsável perante ○
ralise ou desincentive. A crítica de Sauvé (1997: 2)
a Comissão para o Desenvolvimento Sustentá- é muito ilustrativa do estado dessa questão:

vel (CDS) prevista no Capítulo 36 da Agenda 21,



para se substituir a noção de Educação Após duas décadas de uma certa alfabetização

Ambiental pela de educação para o desenvolvi- ambiental, orientada no sentido da transmissão


mento sustentável.8 No entanto, todo esse mo-


de informações relacionadas a problemas e ame-


vimento produzirá uma mudança meramente aças, começam a surgir alguns sinais de “desin-

cosmética, se as conceitualizações e estratégias teresse” pelo meio ambiente. Por sentir-se alie-

para revitalizar esse campo não forem


nada, e às vezes impotente e culpável, uma parte


reformuladas.9 Poder-se-ia inclusive dizer que a


do público corre o risco de se desinteressar pelo


substituição da noção está ocorrendo precisa- meio ambiente da mesma maneira que perdeu

mente em decorrência dos escassos resultados interesse pela fome no Sahel, por exemplo: o pro-

e do papel pouco transcendente que a Unesco


blema é muito amplo, demasiado distante, e nos


vem desempenhando nesse campo, ao qual só rebaixa. De que adianta uma gota d’água…? Além

se dedica em determinados momentos e circuns- disso, nossos problemas econômicos não são

tâncias, e não como parte de suas estratégias prioritários? [Tradução livre]


permanentes. Por exemplo, no importante docu-



mento A educação encerra um tesouro, resultan- Assim, dando à alfabetização ambiental o



te dos trabalhos da Comissão Delors (1997) para enfoque de formação de uma cidadania crítica,

definir os caminhos da Educação mundial dian- vemos com mais clareza onde devemos atuar para

te dos grandes desafios do século XXI, a Educa- que as pessoas possam novamente compreender

ção Ambiental, ou seu equivalente relacionado que a Educação Ambiental não diz respeito ape-

à sustentabilidade, é recuperada no texto com nas à proteção da vida silvestre ou à conservação



uma importância pouco inferior à marginal.10 de áreas naturais protegidas. Vemos, também, que

Por essas razões, não estou me propondo a Educação Ambiental não se restringe apenas a





8
A CDS é o organismo criado pela ONU após a Reunião de Cúpula realizada no Rio de Janeiro, em 1992 (ECO-92) para dar seguimento aos

compromissos estabelecidos na Agenda 21.



9
Sobre esse tema, existe uma extensa polêmica relatada a partir de diversos espaços por diferentes veículos, principalmente pelo Canadian

Journal of Environmental Education. Ver volume 4, 1999. Essas críticas questionam a substituição em questão com base em diferentes

argumentos. No entanto, a proposta está em andamento. Observe, por exemplo, o fato de que o capítulo 36 da própria Agenda 21 já não

menciona explicitamente o conceito de Educação Ambiental.



10
Da mesma maneira, na mais recente Reunião de Ministros de Educação da América Latina e do Caribe, convocada pela Unesco para

discutir, entre outros, o tema do Projeto Principal de Educação para a região, realizada em Cochabamba, Bolívia, em março de 2001, o tema

da Educação Ambiental não foi sequer mencionado nas resoluções.


108
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental

nos ensinar a seguir desgastadas recomendações sencillas que puedes hacer para salvar la Tierra,



sobre como devemos separar resíduos domésti- que pode ser encontrado até em supermercados



cos, limpar prédios urbanos ou promover reflo- – pretendem transferir a responsabilidade pela



restamentos simbólicos em determinadas datas. deterioração do meio ambiente ao consumidor,


Ações que perdem o sentido quando, por exem- colocando em seus ombros as medidas que de-



plo, as pessoas “lêem” que os resíduos existem vem ser adotadas e desviando a atenção da res-



porque sua geração depende de certos estilos de ponsabilidade das empresas e do estilo de vida


produção, distribuição e consumo de mercadori- consumista que preconizam; livros desse tipo 109



as e serviços, e que elas vivem sob as leis de um enfraquecem, também, as possibilidades de or-



mercado neoliberal que constantemente exige ganização para uma ação política direta e minam



produtos novos, cada vez mais atraentes para o o ambientalismo radical.


consumidor, o que implica uma produção exces-



siva de embalagens e publicidade, que


[…] o culto à reciclagem e o chamamento à salva-


freqüentemente não é regulada pelo Estado. ção da Terra não estão libertando a natureza da



Para tirar a Educação Ambiental do maras- exploração tecnológica. Pelo contrário, eles so-


mo e efetivamente contribuir para a construção


mente geram uma torrente de alívio que ameniza,


de uma cidadania ambientalmente responsável, mas não elimina, o vendaval destrutivo de uma

precisamos enfocar intensamente temas e pre- economia e uma cultura que florescem na trans-

ocupações que dizem respeito à vida cotidiana formação da ordem orgânica da natureza na anar-

das pessoas. Em outras palavras, precisamos de- quia inorgânica do capital (Luke, 1997: 134-135).

senvolver uma Educação Ambiental que promo-



va estratégias de alfabetização que possibilitem Quantos de nós não promovemos a recicla-


às pessoas compreender as razões do desempre-


gem do lixo doméstico como uma boa prática


go, da violência, da falta de esperança, da degra- ambiental, que nos permite introduzir outros ti-

dação do meio ambiente, e vincular essas razões pos de atividades de maior transcendência, en-

às condições particulares de sua qualidade de quanto deixamos de questionar precisamente os


vida, de seu entorno vital. Uma vez lançadas es- esquemas comerciais que obrigam o cidadão a

sas bases, as pessoas poderão tomar suas pró- produzir esse lixo.11 A alfabetização ambiental crí-

prias decisões de intervir nas áreas que afetam tica nos previne contra o ativismo febril no qual

suas vidas e exercer seu poder. nos vemos freqüentemente imersos, essa espécie

Quando aplicamos esse conceito de alfabeti- de terapia ocupacional que nos leva a participar

zação a nós mesmos, percebemos facilmente as de cruzadas em defesa do meio ambiente, ao mes-

inúmeras deficiências de nossa prática e onde so- mo tempo que deixamos intactos nossos cômo-

mos analfabetos ambientais. Por exemplo, somos dos estilos de vida, que exigem uma crescente sa-

analfabetos quando não conseguimos decodificar tisfação material. É uma forma de expiarmos nos-

os interesses embutidos nos discursos que circu- sas culpas, “esverdeando” algumas de nossas con-

lam no campo do ambientalismo, em geral, e da dutas e atividades públicas. Mas, acima de tudo,

Educação Ambiental, em particular. Interesses que e o que é ainda mais grave, deixando intactos os

são transmitidos por meio dos projetos pedagógi- sistemas econômicos nos quais se sustentam as

cos que implementamos, pensando que assim irreparáveis formas de desapropriação dos recur-

estamos contribuindo para a salvação do mundo. sos ambientais e de exploração da força de traba-

Luke (1997: 115-136) denuncia como diver- lho de enormes contingentes de homens e mu-

sos livros que estão na moda (que foram tradu- lheres, a quem não proporcionamos possibilida-

zidos para o espanhol) – a exemplo de um muito des de compreender as iniqüidades que caracte-

conhecido, intitulado, em espanhol, 50 acciones rizam o momento atual, para que possam traçar





11
Consideremos, por exemplo, o conjunto de instruções detalhadas contidas no texto de Day e Monroe (2001) para motivar as pessoas a se comprome-

terem com atividades de reciclagem de lixo sem abordar, em momento algum, o problema da origem desse lixo e do por quê ele é produzido.

estratégias de luta e resistência coletivamente. centralizando as margens de luta e resistência.



Por essas razões, o conceito de alfabetização Pode, também, nos ajudar a desmascarar inten-



ambiental, com toda a sua carga significante ar- ções que distorcem a verdadeira dimensão dos



ticulada com o poder e a diferença (política e problemas, com discursos contestadores que só


ética), responde mais adequadamente aos pro- oferecem caminhos sem saída, que prometem o



cessos teóricos que emergem do pós-modernis- retorno a uma espécie de paraíso bíblico, a par-



mo, onde fenecem os inveterados projetos tir de um esoterismo ecológico ou antiindustria-


totalizantes, trans-históricos, e o caráter abso- lismo verde beligerante.



luto dos fundamentos do pensamento moderno A alfabetização ambiental permite aos edu-



sofre erosão, propondo-se, em seu lugar, um cadores e educandos reconhecer mais facilmente



mundo multirreferenciado e relacional, no qual como se transmitem e constroem os significa-


a diversidade de significados apela à pluralida- dos culturais do meio ambiente, nos quais se



de de vozes, que começam a recuperar o espaço insere a formação de sujeitos sociais concretos



legítimo do qual foram deslocadas pelos códi- no contexto de relações específicas de poder.12


gos culturais e políticos universalizantes. ○
A alfabetização e o conhecimento são elemen-
Para a América Latina e o Caribe, o conceito tos inextricavelmente ligados, constituindo for-

de alfabetização vem a ser um elemento contin- mações discursivas que organizam significados

gente, ou seja, externo ao discurso mais conven- para se pensar, fazer e ser no mundo. Isso é im-

cional do campo da Educação Ambiental em nos- portante no campo da Educação, porque, final-

sa região. No entanto, essa irrupção do contingen- mente, se trabalha com significados, próprios ou

te pode dar um novo alento constitutivo a esse de outros, nos processos educacionais, e é aí que

campo, a seus processos e suas práticas, a nossos reside a diferença. Porque “os significados são

discursos e a quem consideramos seus sujeitos. cruciais para o ser humano, já que a vida está

Pela alfabetização ambiental, podemos acio- significativamente organizada em torno de va-



nar as distintas formas discursivas dos diferentes lores, propósitos, conceitos, idéias, ideais, ritu-

grupos sociais, as quais, em que pese seu caráter ais, noções de realidade e assim por diante”

precário, diferencial e instável, estão vinculadas a (Lankshear e McLaren, 1993: 10).



processos de identidade, ou seja, a sistemas de sig- É impossível tentar compreender o mundo, a



nificados socialmente compartilhados, que cons- natureza e o próprio ser humano à margem da

tituem os sujeitos que pertencem a esses grupos. construção de significados. É impossível, tam-

Isso é básico para se poder educar no sentido não- bém, tentar compreender a importância da Edu-

bancário de que falava Freire, pois nos permite re- cação Ambiental em um mundo que nos é

conhecer que educar não é transmitir somente o ininteligível. Para que salvar o mundo, se sua sal-

que é julgado culturalmente valioso pelos que de- vação não tem significado para as pessoas? Ainda

têm posições de poder e definem o que é educaci- não conseguimos convencer as pessoas de que o

onal ou não. No campo da Educação Ambiental, mundo deve ser salvo para o homem e a mulher

seria como dar absoluta liberdade às concepções comuns, para seus filhos e para os filhos de seus

que promovem uma educação para defender o tipo filhos. Quando conseguirmos fazê-las compreen-

de mundo de que apenas alguns usufruem. der que esse imaginário é possível por meio da

Uma alfabetização ambiental crítica pode alfabetização. E quando os compromissos pelos



nos capacitar para encontrar novas formas de co- quais vale a pena lutar forem referendados, tere-

nhecimento e possibilidades estratégicas, des- mos tirado a Educação Ambiental do coma.






12
Um caso com repercussões políticas no contexto mexicano foi a reversão de uma autorização governamental para a construção de hotéis de

grande porte para turistas, em 164 hectares da chamada Riviera Maia, na costa do estado de Quintana Roo, mais particularmente nas baías

de Xcacel e Xcacelito, locais onde duas espécies de tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção colocam seus ovos: a targaruga caguama

e a tartaruga branca. Esse caso implicou uma firme tomada de posição de grupos da sociedade civil, especialmente o Grupo Ecologista do

Mayab (GEMA) não somente contra decisões dos governos local e federal, mas também contra os detentores do grande capital, que amea-

çaram aplicar sanções econômicas e disseram que ocorreriam problemas sociais importantes, se a autorização fosse revertida.

110
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental

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Políticas públicas, meio ambiente e




Educação Ambiental: o novo contexto






Bernardo Kipnis*




Resumo



O presente trabalho busca contextualizar as uma de suas decorrências. Em seguida, descreve



políticas educacionais para o meio ambiente, as características do novo modelo de acumulação


centradas principalmente na Educação Ambiental, capitalista que se delineia e suas implicações para

em relação às mudanças que vêm ocorrendo nas uma nova compreensão da política pública, com

dimensões econômica, política e social da socie- maior participação da sociedade civil. Finaliza com

dade contemporânea, desde a década de 1970. alguns comentários sobre o papel da Educação

Apresenta, inicialmente, as principais caracterís- Ambiental e a legislação recente proposta como



ticas do paradigma fordista de desenvolvimento e possibilidade concreta na busca de melhores con-


sua crise, destacando a questão ecológica como dições para o desenvolvimento humano.





*Professor adjunto da Universidade de Brasília.



Introdução De outro lado, fazendo parte desse mesmo



processo de transformação que vivenciamos, a


Quando falamos de políticas públicas, na


educação passa a contemplar temáticas conside-


atualidade, entendemos um contexto diferenci- radas anteriormente como fora dos campos dis-



ado daquele que se esboçou no pós-guerra e que ciplinares tradicionais. Dentro das reformas


foi denominado de paradigma fordista de desen-


educativas recentes, no Brasil, a introdução de


volvimento. Centrado na produção industrial, temas transversais perpassando a grade curricular



aquele momento representou um grande com- da formação da criança e dos jovens na escola é


promisso entre capital e trabalho, mediado pelo


representativa desse novo contexto, cabendo à


Estado, para a distribuição, entre os trabalhado-


Educação Ambiental um papel relevante nessa


res, dos ganhos de produtividade alcançados. Já nova preocupação exigida por um novo modelo



na década de 1970, esse modelo começou a apre- de produção e organização sociais.


sentar sinais de esgotamento, aprofundado na


O presente texto procura colocar em debate


década de 1980, principalmente em função das essa nova realidade nas seções seguintes. Partin-


inovações tecnológicas surgidas, que acabaram ○
○ do de uma caracterização sintética do que se
revolucionando as noções de tempo e espaço ge- convencionou chamar de paradigma fordista de

ográfico. Novas exigências implicaram mudan-


desenvolvimento, aponta-se para os seus limi-


ças na organização econômica e política em ní- tes e para as mudanças daí decorrentes, com um

vel nacional e no estabelecimento de uma nova foco no surgimento da questão ecológica. Em


ordem econômica internacional.


seguida, esboça-se as conseqüências dessas


A questão ecológica acompanha esse desen-


mudanças, em relação ao papel do Estado e às


volvimento e surge como conseqüência da pró- políticas públicas a serem propostas dentro des-

pria crise gestada. Pode-se dizer que essa ques- se novo contexto, e as implicações específicas

tão não é nova enquanto preocupação, porém


para a relação educação – meio ambiente. Fina-


somente entra como parte da agenda política da


liza-se, apontando para possíveis perspectivas


sociedade e passa a se constituir como um cam- dentro das transformações indicadas.



po específico de atuação da política pública mais


recentemente, sobretudo a partir da atuação e


O paradigma fordista de

organização da sociedade civil, inicialmente, nos


desenvolvimento e a questão

países desenvolvidos.

No campo educacional, presenciamos diver-


ecológica

sas tentativas de incorporação das novas



tecnologias, principalmente da informática, Lipietz (1989) aponta duas características



dentro da idéia de long life learning, o aprendi- básicas desse paradigma: a adoção dos princípi-

zado ao longo da vida, no sentido de que, para a os tayloristas de administração, racionalizando


realidade presente e para o seu futuro, a Educa- a produção a partir da separação entre blue

ção deve ser continuada, tornando fluido o li- collars e white collars, ou seja, o grupo pensante

mite entre escola e trabalho, em termos de tem- e o grupo operante, dentro de cada empresa, e a

po e espaço. Na sociedade, denominada do co- mecanização da produção com a elevação da


nhecimento, a gestão da informação de forma produtividade e do volume de bens de capital



autônoma torna-se primordial e passa a exigir por trabalhador.



meios diferenciados que facilitem e democrati- Dentro desse processo industrial do traba-

zem o aprendizado. A idéia da educação a dis- lho de produção de massa, para consumo tam-

tância mediada pelas novas tecnologias adquire bém de massa, surge o problema da organiza-

força, na medida em que representa uma forte ção da demanda social acima da competição

contribuição para essa possibilidade, permitin- entre as empresas. Das alternativas existentes,

do a elevação do nível de escolarização e a im- aquelas centralizadas no Estado, tanto pelo lado

plementação de uma educação continuada em da esquerda, com o stalinismo, ou da direita, com



diferentes espaços educacionais. o fascismo, demonstraram logo seus limites e



112
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental

foram derrotadas. A perspectiva da social-demo- constituindo-se no estudo das atividades huma-



cracia, com o welfare state, apresentou maior nas de produção e distribuição do produto so-



longevidade e representou um grande compro- cial, a ecologia está preocupada com os signifi-



misso entre empregadores e sindicatos para a cados dessas ações, sua racionalidade, buscan-


melhor redistribuição dos ganhos de produtivi- do estudar a relação dessas atividades com o



dade ocorridos, levando a um aumento nos sa- meio ambiente. Nessa perspectiva, ninguém se



lários reais e à estabilidade nos lucros, com ple- preocupou em pagar o custo da exploração


no emprego e uso da capacidade das firmas. destrutiva da natureza para atender a uma soci- 113



Do ponto de vista da regulação da economia, edade de consumo de massa. No entanto, o dé-



montou-se uma legislação social com o estabele- bito ecológico deve ser pago em algum momen-



cimento do salário mínimo e dos acordos coleti- to com a diferença de que não pode ser


vos bem como um Estado de Bem-estar, com um reescalonado.



seguro social capaz de garantir os trabalhadores Brotado da sociedade civil, o movimento



enquanto consumidores, sustentando, assim, a ecológico buscou uma forma de ação política,



demanda social agregada associada aos gastos do tanto partidária quanto por meio de organiza-


Estado. Em paralelo, adotou-se um sistema de ções não-governamentais, no sentido de se co-



crédito monetário não associado ao padrão ouro, locar dentro das agendas políticas dos Estados

como forma também de assegurar a demanda nacionais. Iniciando-se pelos países desenvolvi-

pelo consumo de massa. Ressalta-se o fato de que dos, adquire uma expressão internacional mais

esse compromisso foi conseguido a partir da pres- contundente com a realização da II Conferência

são dos trabalhadores organizados em sindicatos, das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e De-

cujo papel naquele momento foi central para o senvolvimento (ECO-92), no Rio de Janeiro, de-

desenvolvimento do modelo. rivando daí a perspectiva de formulação da



Esse grande compromisso começa a apresen- Agenda 21, programa para ser colocado em prá-

tar uma situação de crise na medida em que os tica a partir da sua aprovação, em 14 de junho

ganhos de produtividade começam a cair sem, de 1992, ao longo do século XXI, em todas as áre-

no entanto, serem acompanhados por uma re- as que interfiram no meio ambiente, conforme

dução nos salários e no custo do capital fixo, ge- a necessidade de governos focarem suas políti-

rando uma queda nos lucros. O reflexo dessa cri- cas em um processo de desenvolvimento susten-

se se traduziu em uma situação de “estagflação” tável, que leve em conta a questão ecológica.

dos anos 1970 e na dívida externa dos países em



desenvolvimento nos anos 1980.


A globalização e

No Brasil, a repercussão desse paradigma



pode ser visualizada no modelo do nacional-


a reforma do Estado

desenvolvimentismo, que enfatizava o naciona-



lismo, o desenvolvimentismo, o protecionismo, Dupas (1999) aponta para dois movimentos



a ênfase no mercado doméstico e a poupança do capitalismo resultantes da crise do paradigma



forçada pelo Estado com aplicação na criação de fordista. Por um lado, a revolução tecnológica,

empresas estatais ou como subsídio às empre- de meados dos anos 1970, repercutiu nas estra-

sas privadas (Bresser Pereira, 1996). Como país tégias de produção e distribuição das empresas

sempre dependente da acumulação dos países e no mercado financeiro internacional. De acor-



desenvolvidos, o Brasil participa desse processo do com as possibilidades instantâneas de deslo-


com uma industrialização tardia e com uma camento e comunicação, o capital adquiriu a

grande centralização estatal. mobilidade requerida pela globalização da pro-



O compromisso fordista também não levou dução, gerando simultaneamente um processo


de concentração, com a criação de “gigantes”


em conta, desde o seu início, a questão ecológi-


ca. Enquanto a economia se preocupa com as mundiais, associado no entanto a uma onda de

regularidades das ações humanas para desenvol- fragmentação, observada por meio de

ver os espaços, tanto público como privado, terceirizações, franquias e informalização do tra-

balho. Por outro lado, o segundo movimento as- Política pública



socia-se ao conflito entre inclusão versus exclu-


e Educação Ambiental


são no processo produtivo e de consumo, geran-



do, de um lado, um desemprego estrutural cres- Em que medida as transformações pelas


cente e, de outro, a necessidade da incorpora-


quais a sociedade humana vem passando,


ção de novos mercados pela queda nos preços delineadas nas características aqui apresentadas,



dos produtos. trazem conseqüências para a Educação, especi-


A conseqüência do estabelecimento de um


ficamente a Ambiental, surge como um questio-


modelo não mais industrial, e sim de serviços,


namento inevitável. Em abril de 1999, o Congres-


pode ser observada com o fracionamento da ca- so Nacional instituiu a Política Nacional de Edu-



deia produtiva e com o impacto na organização cação Ambiental, por meio da Lei nº 9.795, defi-


dos trabalhadores. A constituição de sindicatos,


nindo a presença da Educação Ambiental nos


resultantes da organização taylorista do traba-


currículos de todos os níveis do ensino formal,


lho com mão-de-obra intensiva, na busca de ele- não devendo ser implantada como disciplina


vação do padrão de vida em uma sociedade de ○

específica.
consumo, começa a sofrer um declínio em razão

Trata-se de um passo relevante dentro da


desse novo padrão de acumulação, mais auto-


busca por melhores condições sociais, que tan-


matizado e fragmentado. Essa nova rearticulação


to o modelo econômico quanto o político vis-


das empresas e o aumento proporcional de tra-


lumbram. Nesse novo pacto que se procura, não

balhadores white collars, com uma organização


resta dúvida de que a questão do meio ambien-


mais flexível e menos hierárquica, leva a uma


te entra em sua composição. E a Educação se


quebra na isonomia salarial, base de sustenta-


torna um fator essencial nesse processo. Confor-


ção das reivindicações.

me as referências dos Parâmetros Curriculares e


Essa perspectiva globalizada de acumulação


da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-


capitalista traz implicações em relação ao papel


nal, a escola busca formar um cidadão crítico da


do Estado nesse processo. A visão keynesiana do


realidade em que vive, preocupado com o bem-


Estado, como sustentador da demanda social,

estar coletivo e com os novos desafios que o de-


apresenta os seus limites evidenciados por sua

senvolvimento impõe (MEC, 2000).


crise fiscal entrando em um processo de endivi-


Vimos que as transformações pelas quais o


damento, já incapaz de sustentar o grande com-


promisso fordista assumido. A globalização, que sistema mundial vem passando está exigindo

reduziu a autonomia dos Estados para formular e um redirecionamento no processo de desenvol-


vimento humano. Globalização, reforma do Es-


implementar políticas e a sua crise fiscal, torna


tado, redução da pobreza, inclusão social, de-


fundamental uma redefinição do seu papel.


Nesse contexto, o debate entre público e pri- senvolvimento sustentável, a questão ecológi-

vado assume um novo contorno permitindo uma ca, a Educação Ambiental, a educação continu-

ampliação de sua compreensão. Agora, o público ada, tudo isso representa questões e situações

que servem de base a uma reflexão e, principal-


não exclusivamente deve estar sob a órbita do Es-


tado, mas pode apresentar uma forma de propri- mente, a uma ação social mais consciente e

edade pública, porém não estatal. A emergência mais determinada. O papel da política pública

das políticas públicas que podem também ser atual está, ao mesmo tempo, no Estado e na

sociedade civil. Somente um sistema de parce-


desenvolvidas pelo chamado terceiro setor – no


qual o objetivo não é a maximização do lucro – rias, atualmente, pode oferecer uma saída mais

aponta para esse novo modelo. Quanto às formas construtiva, levando em conta as transforma-

de administração do Estado, cada vez mais se ções tecnológicas e estruturais que vêm ocor-

abandona o modelo burocrático, baseado em rendo. Cabe à Educação uma responsabilidade


normas a serem seguidas, para um modelo maior, principalmente em uma sociedade em



gerencial, com um caráter empreendedor, mais que o conhecimento é o fator de produção mais

voltado para uma avaliação por resultados. importante.


114
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental

Bibliografia


LIPIETZ, A. Towards a new economic order. Cambridge: Polity


Press, 1992.


BRESSER PEREIRA, L. C. Crise econômica e reforma do


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Textos da série Educação


Estado no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1996.
Ambiental, do Programa Salto para o Futuro. Brasília:


DUPAS, G. Economia global e exclusão social . São Paulo:


MEC, 2000.


Paz e Terra, 1999.





115






Reflexões sobre Educação Ambiental




e os sistemas de ensino





Lucila Pinsard Vianna*






De uns tempos para cá, fala-se de e faz-se cada com a temática ambiental, ainda que superfici-

vez mais Educação Ambiental, em todos os âm- almente. Além disso, indicam o interesse e a

grande demanda existente para o trabalho com


bitos, setores e segmentos da sociedade. São mui-


tas as iniciativas, embora exista muita polêmica esse tema. Mas, na prática, temos tido mudan-

em relação à definição e ao critério de avaliação ças significativas? Há muitos projetos interes-



sobre as práticas que se denominam como Edu- santes, com resultados positivos, mas não seri-

cação Ambiental. Hoje, podemos afirmar que Edu- am eles muito pontuais?

cação Ambiental é um termo usado no senso co- Esta introdução levanta, ainda que superfi-

mum para qualquer ação que vise à sensibilização cialmente, alguns questionamentos sobre a prá-

de pessoas acerca da questão ambiental – ainda tica da Educação Ambiental atualmente no Bra-

que não tenha resultados efetivos, ou que muitos sil. Considerando esse contexto, nosso objetivo

educadores ambientais se revoltem com o uso neste artigo é refletir sobre a especificidade da

indevido do conceito. O fato é que o termo se tor- Educação Ambiental na educação formal, e, par-

nou um guarda-chuva que abriga informação, co- ticularmente, fazer algumas reflexões sobre a

municação, sensibilização, formação, ações e in- presença da Educação Ambiental nas institui-

tervenções ambientais. Um bom exemplo são os ções de ensino, sob a perspectiva das políticas

diagnósticos praticados por organizações não-go- públicas, campo de discussão pouco explorado.

vernamentais sobre práticas denominadas Edu- Um bom ponto de partida é pensarmos sobre a

cação Ambiental e inclusive por nós mesmos.1 Tais grande fragilidade da presença da Educação

diagnósticos retratam que as ações definidas Ambiental nas instituições de ensino, nos pro-

como de Educação Ambiental, muitas vezes ações gramas e projetos dos sistemas de ensino, nas

isoladas e descontextualizadas, podem ser as mais políticas públicas e, inclusive, na legislação de


diversas possíveis: campanhas, eventos em datas educação.



comemorativas, concursos, cartilhas, manuais etc. Isso é fruto da própria história da Educação

Sem dúvida, a grande quantidade de inicia- Ambiental, que acabou promovendo sua entra-

tivas denominadas Educação Ambiental tem va- da no mundo da Educação pelas mãos dos ór-

lor por si só, principalmente se temos em vista a gãos de meio ambiente e das organizações não-

importância de as pessoas entrarem em contato governamentais ambientalistas. Relembrando a






* Coordenadora-geral de Educação Ambiental da SEF/MEC.



1
A COEA fez um diagnóstico preliminar, no ano 2000, de projetos realizados nas escolas do Ensino Fundamental.

história da concepção da Educação Ambiental, rificar, pela primeira vez, no Brasil, a discussão



percebemos que sua concepção é um desdobra- formal da Educação Ambiental no interior do



mento do movimento ambientalista, campo so- mundo da Educação: o então Conselho Federal



cial que a antecedeu e a englobou. de Educação aprova por unanimidade o Parecer


Por força de sua origem, a Educação Am- nº 226/87, que tratava da necessidade de se ter



biental está presente em praticamente todos os Educação Ambiental presente nas propostas cur-



documentos e tratados ambientais internacio- riculares das escolas de 1º e 2º graus.


nais. No Brasil, não foi diferente: ela surge ofici- Mesmo tendo a sua necessidade reconheci-



almente em 1981, com a Lei nº 6.938/81, que ins- da pelo poder público, podemos afirmar que as



tituiu a Política Nacional de Meio Ambiente iniciativas do sistema de ensino para insti-



(PNMA) e o Sistema Nacional de Meio Ambiente tucionalizar a Educação Ambiental foram muito


(Sisnama), definindo o aparato institucional e le- tímidas, traduzidas muitas vezes pela presença



gal para a gestão governamental do meio ambi- de um responsável pelo tema, entre outras fun-



ente. Essa Lei, mesmo sendo da área ambiental, ções. Até hoje, a Educação Ambiental não está


e não da educacional, em seu artigo 2º já previa a ○
incorporada, na esmagadora maioria, aos orga-
Educação Ambiental em todos os seus níveis de nogramas das Secretarias de Educação.

ensino. Em 1988, a Constituição Federal, no seu No Ministério da Educação, essa situação não

artigo 225, ratifica a obrigatoriedade de o poder foi diferente até bem recentemente. Somente 10

público promover a Educação Ambiental em to- anos depois desse parecer, o MEC assume a res-

dos os níveis de ensino. ponsabilidade de incorporar o tema meio ambi-



A escola sempre foi vista, pelo movimento ente aos currículos e à prática cotidiana nas es-

ambientalista e pelos educadores ambientais, colas do Ensino Fundamental, quando lança os


como lugar privilegiado de conscientização e Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino



formação de cidadãos sensíveis às questões Fundamental, que tratam o meio ambiente como

ambientais. Assim, pelas mãos do Sisnama e tema transversal a ser trabalhado pelos professo-

das organizações não-governamentais res em sala de aula. Um ano após o lançamento


ambientalistas, a Educação Ambiental chega às dos PCN (final de 1998), após uma reforma admi-

escolas e ao mundo da Educação. Já no final da nistrativa, é formalizada a criação de uma Coor-



década de 1980, muitas iniciativas de trabalho denação-Geral de Educação Ambiental (COEA) no



com Educação Ambiental vão surgindo pelo âmbito da Secretaria de Educação Fundamental.

País, que tomaram um novo impulso a partir Antes disso, a presença da Educação Ambiental

da ECO-92, na II Conferência das Nações Uni- no MEC era tratada, primeiro, como Grupo de

das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Trabalho2 e, posteriormente, entre 1993 e 1998,

realizada no Rio de Janeiro. como uma coordenação ligada à Secretaria Exe-


Em contrapartida, os sistemas de ensino não cutiva no Gabinete do Ministro, sem estar oficial-

absorveram e ou incorporaram com a mesma ra- mente incorporada à estrutura da instituição.



pidez a Educação Ambiental, como no caso do Nesse contexto, não podemos deixar de pon-

Sisnama. Internacionalmente, data de 1977 a 1ª tuar o papel das universidades, particularmente


Conferência Intergovernamental de Educação dos cursos ligados às Ciências Naturais, constru-



Ambiental, quando destaca a implementação da indo caminhos, promovendo discussões e práticas,



Educação Ambiental no ensino formal. Na Con- como um dos primeiros espaços educacionais que

ferência Intergovernamental sobre Educação, de propõe ações de Educação Ambiental e de forma-


1987 (Moscou), recomenda-se a inclusão de ção de professores nesse sentido (embora nem

Educação Ambiental nas políticas educacionais sempre estas iniciativas sejam pontuais e sem ar-

dos países. Nesse mesmo ano é que podemos ve- ticulação com as Secretarias de Educação).





2 Em 1991, como preparação para a Rio-92, é criado, por meio de portaria, um Grupo de Trabalho para a Educação Ambiental no MEC, com

o objetivo de definir metas e estratégias para a implantação da Educação Ambiental no País.


116
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental

Em 1999, foi decretada e sancionada pelo colares e dos sistemas de ensino, os quais pode-



Congresso Nacional a Lei no 9.795/99, que insti- mos apontar como obstáculos a serem transpos-



tuiu a Política Nacional de Educação Ambiental tos para a melhoria da qualidade da Educação em



(PNEA). A PNEA regulamenta e detalha a Cons- geral. Devemos ter claro que, para que as ações de


tituição Federal, onde ela dedica o seu artigo 2o Educação Ambiental tenham bons resultados na



ao ensino formal e destaca que a “Educação escola, elas devem estar inseridas nesse contexto,



Ambiental é um componente essencial e perma- e levar em consideração suas peculiaridades,


nente da Educação nacional devendo estar pre- como, por exemplo, os níveis de remuneração dos 117



sente, de forma articulada, em todos os níveis e educadores, a desarticulação entre a formação ini-



modalidade do processo educativo, em caráter cial e continuada, a precariedade do sistema de de-



formal e não-formal”.3 senvolvimento profissional contínuo para todos os


Mesmo com a publicação da Lei, a situação educadores, a compatibilidade da jornada de tra-



da Educação Ambiental nos sistemas de ensino balho e os planos de carreira (que muitas vezes



mudou muito pouco em termos institucionais, inexistem), a proporção numérica inadequada da



e a verdade é que o meio ambiente não possui o relação professor/aluno, entre outros. Daí a impor-


status das demais áreas de conhecimento, tância da institucionalização da Educação



tampouco das demais modalidades de ensino. Ambiental nos sistemas de ensino como um ca-

As tendências observáveis na sociedade pro- minho para garantir o espaço necessário para que

vocam reações nos sistemas de ensino. Assim, o tema meio ambiente esteja inserido nas iniciati-

podemos afirmar que a Lei provocou esses sis- vas do mundo da Educação.

temas no sentido de sensibilizar para suas res- A COEA/MEC tem a obrigação e a função de

ponsabilidades quanto ao tratamento da ques- promover políticas públicas amplas, acessíveis


tão, o que tem multiplicado e fortalecido inicia- e eqüitativas, que provoquem condições de

tivas nesse sentido, ainda que continuem desar- acesso e melhoria da qualidade do ensino

ticuladas do conjunto das ações e políticas pú- ofertado à sociedade e o aperfeiçoamento das

blicas propostas pelas Secretarias. relações entre o Estado e a sociedade. O maior


Podemos avaliar que, a partir da década de desafio da COEA é o de promover a insti-



1990, apesar dos lentos avanços, estamos viven- tucionalização e a incorporação da Educação

do um momento propício para a institucio- Ambiental em todos os níveis dos sistemas de



nalização da Educação Ambiental nos sistemas de ensino (municipal, estadual, federal) e nas po-

ensino. Contamos, hoje, com a PNEA e com os líticas educacionais já existentes. Nosso

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que referencial básico para vencer esse desafio é a

podem favorecer a conquista de um espaço no PNEA; e o eixo estratégico de atuação, a pro-



currículo equivalente às demais áreas. posta de formação continuada do programa


Mas, o fato de a Educação Ambiental ainda Parâmetros em Ação – Meio Ambiente na Esco-

hoje não ter espaço próprio nas estruturas la. As missões institucionais da COEA são:

organizacionais das Secretarias de Educação, • institucionalização da Educação Ambiental


no Sistema de Ensino, na perspectiva da


influencia diretamente, em última instância, o


modo como a Educação Ambiental é praticada descentralização, articulação e fortalecimen-



nas escolas: freqüentemente como projeto espe- to desses sistemas;



cial, extracurricular, sem continuidade, descon- • divulgação e disponibilização de informa-



textualizado, fragmentado, desarticulado. ções, por meio de publicações, clipping


No entanto, é fundamental considerar que a ambiental, homepage, palestras, participação



prática da Educação Ambiental nas escolas, se é de eventos;



influenciada pelo contexto acima descrito, sofre • formação continuada de professores no tema

reflexo direto das especificidades dos contextos es- transversal meio ambiente.




3
Até o presente momento, a Lei no 9.795/99 não foi regulamentada.

No que diz respeito à institucionalização da ção, e outro exemplo disso são as Diretrizes para



Educação Ambiental nos Sistemas de Ensino, al- o Ensino Fundamental e para o Ensino Superior,



guns progressos podem ser apontados no senti- aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação.



do de incorporar a temática às políticas educa- Porém, apesar desses avanços, e sem querer


cionais da SEF/MEC. Um desses progressos é o expressar uma ansiedade que desconsidere o pas-



Programa Parâmetros em Ação – Meio Ambiente so lento característico das mudanças, e apesar das



na Escola, que tem causado impacto nas institui- propostas de política pública da COEA, constata-


ções de ensino, ao propor uma política de desen- mos que a Educação Ambiental ainda não está



volvimento profissional em serviço, para profes- incorporada como um campo de conhecimento



sores, para o tratamento do tema meio ambien- e tampouco tem espaço para proporcionar mu-



te, proposta inédita e inovadora. O Programa pro- danças radicais nas políticas públicas de educa-


põe deixar de lado o caráter esporádico dos cur- ção, de modo a se aproximar, cada vez mais, da



sos de Educação Ambiental para tornar o tema realização de seus objetivos e princípios, que po-



meio ambiente prática continuada de estudo, dis- dem ser resumidos na construção coletiva de co-


cussão, atuação e incentivo para a construção de ○
nhecimentos, procedimentos e comportamentos
processos em Educação Ambiental.4 Além disso, que levem à formação de cidadãos criativos, re-

o Programa incorpora, no seu processo de imple- flexivos, autônomos, preocupados com a quali-

mentação, uma discussão formativa com os dade e o bem-estar da vida no planeta.



gestores e dirigentes das secretarias e escolas acer- Não podemos perder de vista que uma pro-

ca das propostas metodológicas, conceituais, posta de Educação Ambiental em sua plenitude



operacionais, de planejamento e gestão da forma- provoca, potencialmente, mudanças profundas



ção continuada em serviço em meio ambiente, e na Educação e pode influenciar mudanças insti-

sobre o espaço institucional da Educação Am- tucionais, como, por exemplo, níveis de remu-

biental nas secretarias. neração condignos; articulação com a formação



Outro avanço que pode ser citado, relativo ao inicial e continuada; sistema de desenvolvimen-

espaço que ocupamos nas políticas públicas do to profissional contínuo para todos os educado-

MEC, refere-se à incorporação de duas questões res; definição de uma jornada de trabalho; e pla-

sobre o tratamento da Educação Ambiental nas nos de carreira compatíveis. Esse é, entre outros,

escolas no Censo Escolar, que é respondido por um dos méritos da Educação Ambiental nas ins-

cada unidade escolar do País e que poderá nos tituições de ensino e nas escolas, desde que seja

dar, no próximo ano, um panorama quantitativo pensada nesse contexto.



das ações de Educação Ambiental nesse univer- Entretanto, não bastam as leis, não basta o

so. Finalmente, vale ressaltar o espaço e o papel tema meio ambiente e os princípios da Educa-

relevante que o tema meio ambiente conquistou ção Ambiental serem contemplados nas políti-

neste Congresso Brasileiro de Qualidade na Edu- cas educacionais. São avanços necessários, e que

cação. Pela primeira vez – e isto certamente não estão se concretizando passo a passo. Mas, não

se refere apenas à situação brasileira –, há uma deveríamos pensar em políticas públicas espe-

programação específica sobre meio ambiente cíficas de Educação Ambiental para o ensino for-

num Congresso voltado especificamente para o mal, linhas de financiamento e explicitação da



mundo da Educação, o que oportunizou uma Educação Ambiental nas propostas, e não ape-

ampla discussão e reflexão da temática junto aos nas seus princípios? Não deveríamos pensar na

educadores participantes do evento. formação de gestores públicos nessa área? Tal-


Além disso, podemos dizer que, hoje, temos vez, assim, nos aproximemos de ações amplas,

os princípios da Educação Ambiental incorpora- contínuas e efetivas para a Educação Ambiental



dos a várias dimensões das políticas de Educa- no ensino formal.






4
O Programa acontece com a formação de grupos de estudo de professores liderados por um coordenador de grupo, no qual se desenvolvem

atividades, organizadas em módulos temáticos, propostas pelo Guia do Formador do Programa Parâmetros em Ação – Meio Ambiente na Escola.

118
EDUCAÇÃO AMBIENTAL

PAINÉIS –
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
P AINEL 1

FORMAÇÃO DE PROFESSORES
EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Luiza Rodrigues

Sônia B. Balvedi Zakrzevski

Marta Ângela Marcondes

121
Educação Ambiental em




Mimoso: o Pantanal e suas




dinâmicas culturais e naturais





Luiza Rodrigues, Michèle Sato, Carla Pimentel, Luiz Cruz, Luíse Bordest,



Samuel Oliveira, Sandro Vieira, Laura Pinheiro e Paulo Soares



Projeto Mimoso – Cuiabá/MT





Resumo





Mimoso é um projeto internacional financia- Comunicação: a possibilidade de sermos pro-


do por organismos que visam à proteção ambiental. ○

tagonistas das notícias, em vez de testemunhar-
Nossas pesquisas caracterizam-se pelo reconheci- mos as barbáries cometidas.

mento do caráter formativo do processo educacio- Gênero: na busca de mitos, lendas e histórias do

nal, para poder alcançar as transformações sociais Pantanal, estudar os símbolos presentes na água

necessárias aos cuidados ambientais. Privilegiamos para a eqüidade das relações de gênero, confe-

o enfoque biorregional, caracterizado pela compre- rindo espaços sociais e biológicos aos homens e

ensão da conexão intrínseca entre as comunidades às mulheres.



humanas (cultura) e a comunidade biótica (natu-


reza) de uma dada realidade geográfica. Além dis- Os cinco temas aqui sublinhados possuem

so, busca-se a ruptura do “sujeito-objeto” da pes- como meta o desenho pedagógico que possibili-

quisa, o que se reflete nas ações que possam pro-


te uma leitura mais crítica do mundo. Por meio


mover a participação da comunidade (Mimoso) na do diálogo entre a escola e a comunidade, bus-



região pantaneira. Sujeitos pesquisadores e sujei- ca-se extrair elementos que alcancem uma Edu-

tos pesquisados tornam-se, então, membros ativos cação mais crítica e propositiva. Fortalecimento

e reflexivos para diversos focos: de um centro de documentação, cursos, oficinas,



reuniões, palestras, projetos escolares, entrevis-


Turismo: para reconhecimento das diversas re- tas e outras dinâmicas pedagógicas auxiliam na

presentações e dos impactos dele decorrentes. formação continuada de professores e professo-



Lixo e compostagem: na análise que possibilite ras. A Educação Ambiental é, assim, projetada

a crítica aos modelos de consumo e produção nas realidades ambientais e nas dinâmicas soci-

de resíduos, com ênfase na compostagem e nas ais, inserindo-se na dimensão curricular própria

estratégias pedagógicas que possibilitem da escola, com abandono do “eu, periférico e iso-

vivenciar criticamente esse dilema. lado” para um “nós, coletivo e solidário”. Todos

Biodiversidade: com análise biológica das es- se tornam sujeitos capazes de ação e reflexão,

pécies existentes, mas com ênfase nos animais


formando uma comunidade de aprendizagem


peçonhentos, visto que a discriminação desses capaz de atuar no processo da transformação



animais pelos seres humanos os tem colocado educativa, que alcance a desejada construção de

em desvantagem diante da vida, ameaçando uma sociedade com menos disparidades sociais

sua existência. e com mais cuidados ecológicos.
















122
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental

A pesquisa-ação na formação de




professor@s em Educação Ambiental:




relato de uma experiência*






Sônia B. Balvedi Zakrzevski


Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões/Erechim/RS 123






Na pesquisa sobre formação de professor@s1 mente” (Sato, 1997: 134). É uma modalidade de



em Educação Ambiental (EA), assim como na pesquisa em que a participação das pessoas



pesquisa em educação em geral, existe uma es- implicadas nos problemas investigados é abso-


treita ligação entre a formação (desenvolvimen-


lutamente necessária.


to profissional), a reflexão e a investigação (Carr Com o intuito de auxiliar @s professor@s na



e Kemmis, 1988; Shön, 1995, 2000). Inúmer@s construção de conhecimentos sobre Educação



pesquisador@s (Stenhouse,1987; Carr e Ambiental e de iniciá-l@s em um processo de

Kemmis,1988; Elliot, 1990; Pérez-Gómez, 2000; ○


pesquisa-ação da prática docente, ou seja, de


Zeichner e Liston, 1993; Shön, 1995, 2000; institucionalizar a Educação Ambiental por meio

Sorrentino, 1995; Sauvé, 1997; Sato, 1997; Pimen- de ações autônomas e responsáveis d@s pro-

ta, 2000; Guerra, 2001) acreditam que o desen- fessor@s, no sentido de inserir a Educação

volvimento do conhecimento profissional acon-


Ambiental como política efetiva das escolas, ini-


tece por meio de um processo de investigação ciamos, no ano de 1998, em quatro municípios

reflexiva e crítica, que permita a construção de gaúchos situados na região norte do estado do

alternativas aos problemas mais relevantes da Rio Grande do Sul, um programa de formação

atividade escolar e dirigidas à intervenção e à


de professor@s em Educação Ambiental, com


ação profissional. ênfase na escola rural. Esse programa de educa-



A perspectiva teórica construtivista do conhe- ção continuada foi constituído por quatro eta-

cimento, a perspectiva sistêmica e complexa do pas básicas, descritas a seguir.


mundo e a perspectiva crítica constituem referen-



ciais teóricos que, de modo integrado, podem dar


1a Etapa

uma resposta criativa a alguns problemas relacio-



nados à formação de professor@s. Esses referen- Após contato com as Secretarias Municipais

ciais podem ser sintetizados do ponto de vista di- de Educação, procuramos analisar as percepções

dático e formativo, no princípio de investigação. d@s professor@s sobre Educação Ambiental,



Acreditamos que a pesquisa-ação possibili- identificando as necessidades e as expectativas


dess@s professor@s. Buscamos conhecer a rea-


ta uma estreita ligação entre a formação e a in-


vestigação. Ela é um processo de pesquisa, no lidade das escolas, as estratégias utilizadas e a



qual os grupos sociais “investigam, conjunta e comunidade. Enfim, tentamos conhecer a reali-

sistematicamente, um dado ou uma situação dade natural e cultural da comunidade, subli-


nhando o sistema educativo dos municípios. Isso


com o objetivo de resolver um determinado pro-


blema, ou para a tomada de consciência, ou ain- foi realizado por meio de observações

da para a produção de conhecimentos, sob um participativas nas comunidades, nas salas de



conjunto de ética (deontológica) aceito mutua- aula e nas áreas abertas. Além disso, elaboramos





* Elaborado a partir do trabalho “Contribuições da pesquisa-ação para a formação de professores em Educação Ambiental”, de autoria de

Sônia B. Balvedi Zakrzevski e Michèle Sato, apresentado no I Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental – Rio Claro, jul. 2001.

1
Acatando a recomendação internacional da Rede de Gênero, utilizaremos a simbologia “@” para evitar a linguagem sexista presente nos textos.

entrevistas com professor@s, bem como a análi- Foram constituídos quatro grupos de pro-



se de materiais didáticos utilizados e das fessor@s, um por município, envolvendo direta-



metodologias privilegiadas. mente 273 professor@s, pertencentes a 45 esco-



Por meio desse diagnóstico inicial, chegamos las. Os grupos eram formados por professor@s


à conclusão de que a formação de professor@s que atuavam na Educação Infantil, no Ensino



em Educação Ambiental, além de levar em con- Fundamental e Médio, em diferentes áreas do co-



ta os problemas práticos d@s professor@s, deve nhecimento. A maioria d@s participantes atua em


considerar suas concepções e experiências, as escolas rurais, muitas delas com classes multis-



contribuições de outras fontes de conhecimen- seriadas, uma triste realidade das escolas rurais,



to e as inter-relações que podem ser estabe- que ainda não encontraram caminhos próprios



lecidas entre elas. para o desenho curricular compatibilizado com


Durante a primeira etapa do trabalho, tam- a agricultura ou com as condições sociais e natu-



bém procuramos conhecer as comunidades ru- rais da biorregião. Nesse sentido, vale lembrar que



rais, seus costumes, seus problemas e suas a maioria dos livros didáticos traz situações ur-


simbologias. Reconhecemos que a escola não é ○
banas completamente distantes dessas realida-
isolada de seu entorno e que as atividades em des, além de toda uma ideologia explicitada, con-

Educação Ambiental devem buscar a aliança forme mostram inúmeros estudos sobre a quali-

entre os participantes da comunidade escolar. dade dos livros didáticos.



Mais que isso, é preciso sublinhar a função da Em contrapartida, também conhecemos a


escola como produtora e mantenedora das múl- inadequada realidade da formação docente rural

tiplas manifestações culturais tecidas cotidiana- que, pela ausência de políticas claras para essas

mente, buscando elos intrínsecos entre a expres- regiões, sofre da lacuna da formação profissional,

são social e natural de cada local. tanto inicial quanto continuada. Também, embo-

ra não de modo linear, a desvalorização econô-



2a Etapa mica adentra espectros sociais, reduzindo a sa-



tisfação e a participação mais efetiva, além de


Organizamos, com a colaboração das Secre- permitir uma relação pessoal mais difusa.

tarias Municipais de Educação e das direções das



escolas, reuniões com os professores, com o in-


3a Etapa

tuito de apresentar uma proposta de um curso



de Educação Ambiental. Para tal, seria necessá- Conhecendo melhor a realidade de interven-

rio estimular a constituição de um grupo de tra- ção e o grupo estabelecido, promovemos, em cada

balho em cada município para participar dos município, seminários que versavam sobre os

cursos. Estabeleceu-se, assim, o diálogo interins- fundamentos teóricos da Educação Ambiental, os



titucional necessário ao trabalho coletivo na problemas ambientais e suas estratégias de solu-



Educação Ambiental. A transversalidade ultra- ção e o desenvolvimento de projetos de Educa-



passou os limites das disciplinas, inscrevendo- ção Ambiental no entorno escolar.


se também nos diversos organismos e no aban- Os primeiros seminários realizados foram



dono do personalismo da proposta. A institu- quinzenais, depois espaçados para mensais, re-

cionalização dos processos é um forte mecanis- alizados na sede dos municípios, nos meses em

mo que pode auxiliar a assegurar a susten- que @s professor@s exercem as atividades do-

tabilidade dos projetos iniciados, desde que for- centes. Essa fase do trabalho teve a duração de

taleça os sistemas e ultrapasse as ilhas isoladas 120 horas desenvolvidas nos municípios e mais

dos sistemas do conhecimento. 30 horas de trabalho, envolvendo @s professor@s



Muit@s professor@s demonstraram entusi- dos quatro municípios em um seminário reali-


asmo, pois o curso vinha ao encontro da expec- zado na URI – Campus de Erechim (I Seminário

tativa gerada pelo próprio tema – meio ambien- Regional de Educação Ambiental). Optamos por

te –, além de ser oferecido por profissionais com- encontros mensais, em vez de concentrá-los em

petentes na área. um período, pois, desse modo, julgamos favore-


124
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental

cer o trabalho de pesquisa-ação. trabalhos desenvolvidos. Nesse contexto, @s



No primeiro seminário, foram realizadas ati- professor@s foram estimulad@s a refletir sobre o



vidades para o planejamento do programa de for- significado do que faziam. Não cabia a el@s ape-



mação. O desenho desse curso foi participativo, nas ensinar, mas investigar, refletir, julgar e pro-


conforme as necessidades d@s professor@s duzir conhecimentos comprometidos com mu-



envolvid@s, para a definição das metas, da análi- danças em suas práticas educativas cotidianas.



se crítica dos problemas observados e do estabe- Os seminários auxiliaram a construção de


lecimento de uma dinâmica que melhor se ade- projetos de Educação Ambiental para as escolas, 125



quasse à construção da Educação Ambiental. Em além de possibilitarem uma reflexão sobre as con-



momentos posteriores, foram estudados alguns cepções d@s professor@s a respeito da Educação



fundamentos teóricos da Educação Ambiental, Ambiental e de como abordá-la pedagogicamen-


como “noções de ambiente”, “desenvolvimento e te, inserindo-a nos currículos. Constituíram, as-



educação”, “histórico crítico da Educação Am- sim, um rico espaço para que @ docente pudesse



biental”, “Agenda 21” e outros temas. Esse vivenciar, trocar experiências, repensar ações, re-



embasamento teórico possibilitou a avaliação crí- visar conceitos, bem como analisar criticamente,


tica dos problemas ambientais, com busca de es- junto com seus/suas colegas, a sua práxis, a sua



tratégias para a sua solução por meio de engaja- cotidianidade de pensar, agir e refletir.

mentos responsáveis e participativos. Sempre tivemos, ao longo dos cursos, uma



Em relação à organização curricular, @s atitude de escuta e de elucidação dos vários as-


professor@s estiveram envolvid@s com dois pectos em estudo, sem imposição dos diversos

grandes documentos básicos: os Parâmetros aspectos da situação e sem imposição unilateral



Curriculares Nacionais (PCN), propostos pelo de nossas concepções. A prática reflexiva coleti-

Ministério da Educação (MEC) para todo o ce- va caracterizou-se pelo respeito às diversas opi-

nário nacional, além do Padrão Referencial de niões e por meio dos fóruns democráticos de

Currículo (PRC/RS), construído no bojo da rea- discussão, em constante processo de diálogo e



lidade gaúcha. Tais documentos foram impor- (re)construção da Educação Ambiental.


tantes na elaboração dos Projetos Político-Peda- Convém destacar que, no final de 1999,

gógicos próprios, facilitando a elaboração de muit@s professor@s estavam envolvid@s em



projetos que possibilitassem a inserção da Edu- projetos que visavam à incorporação da Educa-

cação Ambiental em bases epistemológicas con- ção Ambiental no currículo escolar.


cretas, fazendo emergir o diálogo entre a ação e



a reflexão para a (re)construção crítica do dese-


4a Etapa

nho curricular.

A partir de 2000, passamos a intervir mensal-


Foram realizadas inúmeras oficinas pedagó-


gicas e diversos trabalhos de campo, com a in- mente, auxiliando a ressignificar a prática do pla-

tenção de subsidiar a prática pedagógica d@s nejamento e a inserir a Educação Ambiental como

professor@s, por meio de reflexões críticas. Du- política efetiva das escolas. A ação conjunta com

os grupos de professor@s partiu dos problemas e


rante os seminários realizados no segundo se-


mestre de 1999, @s professor@s foram desa- interesses concretos apontados por el@s própri@s

fiad@s a elaborar projetos de trabalho, para se- e, posteriormente, favoreceu a análise da prática

rem desenvolvidos na escola e seus arredores, docente, com a tomada de consciência sobre os

modelos implícitos na mesma.


que contemplassem as temáticas de Educação


Ambiental. Esses projetos foram discutidos, pla- Os conhecimentos foram construídos na



nejados, avaliados e implementados. perspectiva de um pensamento globalizado, ar-



Também durante os seminários de Educação ticulado em projetos de trabalho, procurando


superar os limites das disciplinas escolares,


Ambiental, @s professor@s apresentaram as ex-


periências de Educação Ambiental que estavam enfatizando a articulação da informação neces-



sendo desencadeadas nas escolas, além de refle- sária para tratar o problema objeto de estudo.

xões sobre o processo e sobre os resultados dos As relações entre os conteúdos e as áreas do co-

nhecimento existiram em função das necessida- do integrar as duas perspectivas complementa-



des que levaram a resolver uma série de proble- res da Educação Ambiental: perspectiva natural



mas que surgiram: os temas ou os problemas e perspectiva cultural (Sauvé, 1997). Os trabalhos



exigem a convergência de conhecimentos. A de Educação Ambiental priorizaram os proble-


globalização, mas locais que afetavam as comunidades. Toda



a dinâmica do processo foi enfatizada, irradian-



[...] mais do que uma atitude interdisciplinar ou do uma concepção pedagógica que visava à com-


preensão e à transformação da realidade, fazen-


transdisciplinar, é uma posição que pretende pro-


mover o desenvolvimento de um conhecimento do que a atividade-fim fosse o resultado natural



relacional como atitude compreensiva das com- de uma caminhada reflexiva. A resolução do pro-



plexidades do próprio conhecimento humano blema não era entendida pel@s professor@s e


(Hernández e Ventura, 1996: 45) [tradução nossa]. pela comunidade escolar como uma questão



meramente técnica, pelo contrário, havia uma



No planejamento, partimos da elaboração de ampliação do trabalho, corroborada pelo proces-

“redes” ou “labirintos”, permitindo ao grupo ○

so de sensibilização, pela construção de conhe-
aproximar-se da complexidade do conhecimen- cimentos, compreensão, pelo envolvimento e

to em estudo. responsabilização da comunidade escolar em



relação aos problemas ambientais locais, permi-



As redes conceituais podem ser interpretadas, de tindo uma ação mais responsável no ambiente.

um lado, como analogias semânticas de um re- Convém destacar que os projetos desenvolvi-

corte da estrutura cognitiva (a qual simboliza dos nas escolas foram apresentados, sob a forma

nossos saberes) e, de outro, como analogia se- de comunicações orais e de pôsteres, durante o I

mântica dos modelos neurônicos (que represen- Simpósio Gaúcho de Educação Ambiental (evento

tam corporalmente nossos saberes) (Galagovsky, planejado com @s professor@s envolvid@s no pro-

1993: 307) [tradução nossa]. grama de Educação Ambiental). Os resumos dos



trabalhos foram publicados nos Anais do evento,


Elas são guias para os docentes no ensino. Nas estimulando, além de tudo, a produção e a divul-

redes, os conceitos não necessariamente derivam gação dos conhecimentos.


de outros mais gerais e inclusivos, mas adquirem



em si mesmos a categoria de “nós articuladores”, Uma breve avaliação da



que contribuem para a explicação e a representa-


trajetória percorrida

ção de um fenômeno. Por meio da construção das


redes foi possível definir critérios para selecionar A trajetória percorrida pelos grupos não foi

conteúdos e visualizar os conceitos periféricos e linear. Inúmeras dificuldades e vários obstáculos



centrais. Convém destacar que os objetivos per- foram sentidos durante o processo, que, em al-

seguidos pel@s professor@s não eram apenas de guns instantes, fizeram-nos colocar em dúvida o

ordem cognitiva, mas sempre houve a preocupa- papel da pesquisa-ação na formação de pro-

ção com a dimensão afetiva (sensibilização e en- fessor@s em Educação Ambiental. Sabemos que

volvimento com a responsabilidade e a ação) vol- existem certas divergências quanto à compreen-

tada à transformação (política). são da pesquisa-ação – ora compreendida como


Os projetos desenvolvidos enfatizaram a um processo de intervenção que oportuniza a



metodologia de resolução de problemas am- autonomia da população envolvida (com ruptu-



bientais locais como tema gerador da Educação ra do sujeito-objeto), durante e além do tempo

Ambiental (Layrargues, 1999), nos quais o diálo- da pesquisa propriamente dita, ora somente

go foi um caminho para a produção de saberes. como um processo de participação ativa quanto

Na pesquisa-ação, como afirma Thiollent (1998), à duração da intervenção, em que pesquisador@s



todas as pessoas implicadas têm sempre algo a e pesquisad@s tornam-se sujeitos de um mesmo

“dizer” e a “fazer”. Os projetos foram desenvolvi- processo (Sato, 2001). Também na educação de

dos numa perspectiva interdisciplinar, procuran- professores, observamos inúmeras concepções de



126
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental

pesquisa-ação, influenciadas pelo movimento do docentes e demais membros da comunida-



“professor como pesquisador” e da noção de escolar, o que repercutiu não só na me-



correlata de “professor reflexivo”. Acreditamos lhoria da qualidade do ensino, mas também


no acompanhamento personalizado da


que, independentemente da perspectiva, o obje-


tivo da pesquisa-ação é estimular @s professor@s aprendizagem d@ alun@.



a se aprofundarem na compreensão e na inter-



pretação de sua própria prática, com vistas ao seu Como fruto do trabalho desenvolvido, @s


fortalecimento e à sua emancipação. 127


professor@s de um município estão envolvid@s


Tradicionalmente, as pesquisas são percebi- na construção de um Projeto Político Pedagógi-



das como um projeto com início, meio e fim, co (PPP) próprio, que incorpora a dimensão



obrigando as escolas a encontrar novas frentes, ambiental como política efetiva das escolas. En-


nascidas no contexto local ou, geralmente, em xergam a pesquisa-ação como uma forma para



função dos “pacotes” autoritários, tornando os reestruturar os currículos escolares e criticam os



currículos inflexíveis e com ausência de políti- currículos impostos de cima para baixo. Afirmam



cas efetivas de formação de professor@s, para a que, por meio da pesquisa contínua para a reso-


reflexão das ações em desenvolvimento. Argu- lução de problemas ambientais, o currículo pode



mentamos em favor da pesquisa-ação em razão ser construído e transformado pela própria co-

de seu caráter participativo, defendemos o diá- munidade escolar. Reconhecem que os efeitos de

logo como um caminho para a produção de sa- uma proposta curricular não ocorrem em pra-

beres que perturbam os discursos hegemônicos zos curtos; é preciso tempo para maturação, ava-

e que inscrevam no currículo, na escola, novas liação e planejamentos constantes.



narrativas que sejam capazes de desinstalar ve- O estudo das escolas desse município per-

lhas identidades.

mite-nos afirmar que a Educação Ambiental


Por meio da avaliação continuada do proje- pode contribuir para modificar as concepções de

to, percebemos que o trabalho com projetos vi- escola e de Educação (Mayer, 1998):

sando à resolução de problemas ambientais lo- • de uma escola que transmite conhecimen-

cais permitiu, durante o período de assessoria tos elaborados em âmbito externo para uma

às escolas: escola que constrói conhecimentos relevan-



• a abertura para os conhecimentos e os pro- tes em âmbito local;



blemas que circulam fora da sala de aula e • de uma escola onde os objetivos estão vin-

que vão além do currículo que tradicional- culados quase que exclusivamente aos co-

mente a escola tem desenvolvido; nhecimentos (saberes) prontos e acabados



• em relação à construção do conhecimento, para uma escola que quer enfatizar os senti-

mentos, discutir valores, criar novos compor-


que @s professor@s assumissem seus papéis


de problematizadores, mediando o proces- tamentos; e



so pedagógico e sublinhando a aprendiza- • de uma escola estática que é modificada tar-



gem, em vez da centralização do ensino; diamente pelos estímulos da sociedade para


uma escola que quer modificar a sociedade


• a organização do conhecimento de modo


e que não aceita ser subalterna a outras ins-


multidisciplinar e, muitas vezes, na perspec-


tiva interdisciplinar; tituições.



• a participação d@s alun@s em processos de



pesquisa adequados à realidade vivenciada; A rede de comunicações estabelecida garantiu


a troca, o diálogo aberto entre as diferentes áreas


• a participação d@ alun@ no processo de pla-


e a ruptura do “eu” individual e periférico para


nejamento da própria aprendizagem;


um “nós” coletivo mais solidário. A proposição ho-


• a compreensão do entorno individual e co-


rizontal e democrática desse fórum de discussão


letivo por parte d@s alun@s, e as relações


possibilitou um processo de contágio no qual

com seus ambientes;


tod@s contribuíram para a formação de tod@s,



• a comunicação e o intercâmbio entre @s além de serem sujeitos da própria formação. A



autonomia e a participação desses grupos sociais


a no ensino para a compreensão: diferentes perspecti-


revelaram, assim, que a estratégia utilizada con- vas. In: SACRISTÁN, J. G.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. (Orgs.).



Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Ale-
solidou processos da pesquisa-ação na educação


gre: Artmed, 2000. p. 353-80.


continuum da vida docente.


PIMENTA, S. G. A pesquisa em didática – 1996 a 1999. In:


CANDAU, Vera Maria (Org.). Didática, currículo e sabe-


Bibliografia res escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 78-106.



SATO, M. Educação para o ambiente amazônico. Tese (Dou-


CARR, W.; KEMMIS, S. Teoría crítica de la enseñanza. La torado PPG-ERN). São Carlos: Universidade Federal de



investigación-acción en la formación del profesorado. São Carlos, 1997. 245 p.


Barcelona: Martínez Roca, 1988. . Réseau de dialogues au sujet de l’éducation



ELLIOT, J. La investigación-acción en educación. Madrid: environnementale. Éducation Relative à L’Environnement,


Morata, 1990. v. 3, 2001 (antecipé).



GALAGOVSKY, L. R. Redes conceptuales: bases teóricas SAUVÉ, L. L´approache critique en éducation relative à


e implicaciones para el proceso de enseñanza- l’environnement: origines théoriques et applications à



aprendizaje de las ciencias. Enseñanza de las Ciencias, la formation des enseignants. Revue des Sciences de
(11) 3: 301-7. Barcelona: 1993. ○

○ l’Éducation, XXIII (1): 169-87, 1997.
GUERRA, A. F. Diário de bordo : navegando em um ambien- SHÖN, D. A. Formar professores como profissionais refle-

te de aprendizagem cooperativa para Educação xivos. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e a sua

Ambiental. Florianópolis, 2001. Tese (Doutorado em formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. p.

Engenharia de Produção). Universidade Federal de San-


77-92.

ta Catarina. 331 p. . Educando o profissional reflexivo . Porto Ale-


HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. La organización del currí-


gre: Artmed, 2000.


culo por proyectos de trabajo – el conocimiento es un SORRENTINO, M. Educação ambiental e universidade –


calidoscopio. 5. ed. Barcelona: ICE/GRAÓ, 1996.


um estudo de caso. Tese (Doutorado em Educação).


LAYRARGUES, P. P. A resolução de problemas ambientais Universidade de São Paulo. São Paulo, 1995.

locais deve ser um tema-gerador ou a atividade-fim da


STENHOUSE, L. La investigación como base de la


Educação Ambiental? In: REIGOTA, M. (Org.). Verde co- enseñanza. Madrid: Morata, 1987.

tidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. p. 131-48.


THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 8. ed. São


MAYER, M. Educación Ambiental: de la acción a la Paulo: Cortez, 1998.



investigación. Enseñanza de las Ciencias. 16(2): 217- ZEICHNER, K. M.; LISTON, D. P. Formación del profesorado

32, Barcelona: 1998. y condiciones sociales de la escolarización. Madrid:



PÉREZ GÓMEZ, A. I. A função e a formação do professor/ Morata, 1993.








Programa de Educação Ambiental para




o município de Rio Grande da Serra/SP




– Educando para a cidadania






Marta Ângela Marcondes*



Rio Grande da Serra/SP





O município de Rio Grande da Serra loca- sui aproximadamente 33 km² de área totalmen-

liza-se na região do Grande ABC, que integra te inserida em Área de Proteção dos Mananci-

a Região Metropolitana de São Paulo/SP. Pos- ais (APM). Sua população é estimada em 39 mil




* Parceiros: Divisão de Ensino Escolar (Ceam/SMA), Divisão dos Núcleos Regionais (Ceam/SMA), Diretoria de Ensino-Mauá, Secretaria

Municipal de Educação (Prefeitura Municipal de Rio Grande da Serra), Núcleo Regional de Educação Ambiental do Grande ABC, Companhia

de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Onaproma (ONG), Lara (Comércio e Prestação de Serviços).

128
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental

habitantes e, desse total, 12 mil pessoas estão seminário para apresentação dos projetos e re-



regularmente matriculadas na rede pública de cebimento dos certificados de participação;


ensino do município, que conta com cerca de


implantação dos projetos nas escolas (com


600 professores, distribuídos em 16 escolas (11 acompanhamento); seminário para apresenta-



estaduais e 5 municipais). ção dos resultados obtidos nos projetos.



A Sabesp, por meio da proposta da implan- Foram montadas três turmas: Ensino Mé-


tação do Projeto Ribeirão da Estiva, buscou, a dio, Fundamental e Infantil, com 40 professo-



partir de julho de 2000, articular-se com diver- res cada uma, contemplando todas as escolas 129



sas instâncias responsáveis pela gestão da área do município.


de interesse. Com a convergência dos interes-


O certificado de participação será forneci-


ses dos diversos atores da região, formalizou- do pela Coordenadoria de Estudos e Normas



se uma parceria que consolidou a elaboração Pedagógicas (CENP/SEE/SP), segundo a Por-



e a implantação do Programa de Educação taria da Coordenadoria de 20/6/2001, nos ter-


Ambiental para Rio Grande da Serra. mos da Resolução SE-121/90.



É importante ressaltar que somente por Entende-se a Educação Ambiental como



meio dessa parceria foi possível a realização catalisador do processo de implantação da ges-



desse Programa de Educação Ambiental, se- tão ambiental na referida área. Notadamente,

guindo os preceitos de otimizar esforços e mul- ○

os outros instrumentos de gestão – político-


tiplicar resultados. institucionais, legais, de planejamento am-

biental, de fiscalização e controle e econômi-



co-financeiros – disciplinam, controlam e


Objetivo

monitoram o ambiente, mas sozinhos não têm



O programa tem como objetivo capacitar e sido capazes de solucionar os processos de



envolver os educadores da rede pública do mu- degradação ambiental, que têm uma velocida-

nicípio de Rio Grande da Serra, por meio da de muito maior do que a capacidade do poder

discussão de temas relacionados aos aspectos público ou da sociedade civil organizada para

qualitativos e quantitativos da água, sanea- realizar ações a fim de estagnar ou reverter esse

mento ambiental e saúde, Agenda 21, legisla- quadro catastrófico em que nos encontramos.

ção ambiental, Política Nacional de Educação Certamente, a busca da solução dos pro-

Ambiental e Parâmetros Curriculares Nacio- blemas ambientais necessita ainda de geração



nais, possibilitando o resgate da cidadania e a de conhecimentos e de maiores entendimen-



formação de agentes multiplicadores, com o tos sobre as relações existentes nos ecossis-

compromisso de realizar ações efetivas ligadas temas, e para isso é necessário desenvolver

à articulação e à integração das diversas inici- estudos e técnicas mais apuradas para lidar

ativas das instituições públicas e organizações com os complexos sistemas ambientais.



não-governamentais que atuam na região, com A compreensão dos reais riscos existentes

a perspectiva de recuperação e preservação das na degradação ambiental tende a transformar


áreas de manancial na zona de abrangência da as pessoas em aliadas na luta pela preservação



Represa Billings. do meio ambiente e, conseqüentemente, da



Para a realização do projeto foram propos- vida no planeta.


Segundo Jacobi (1998), a questão ambien-


tas as seguintes etapas: reunião com os direto-


res e coordenadores pedagógicos das escolas; tal está cada vez mais presente no cotidiano

seminário de sensibilização para as questões da população das nossas cidades, principal-



ambientais da região e apresentação do progra- mente no que se refere ao desafio da preserva-


ção da qualidade de vida. A possibilidade de


ma para os professores; visitas às escolas nos


HTPC para a realização das inscrições dos pro- maior acesso à informação potencializa as

fessores interessados; curso de capacitação com mudanças comportamentais necessárias para



carga horária de 40 horas; elaboração dos pro- um agir mais orientado na direção da defesa

jetos para as escolas (com acompanhamento); do interesse geral.




Desenvolvimento Serão apresentadas três mesas-redondas,



com os enfoques citados anteriormente, e será


Para atingir os objetivos propostos, o pro-


formado um grupo de trabalho para a realiza-


jeto será desenvolvido em quatro módulos,


ção de um diagnóstico da percepção ambiental


descritos a seguir. Porém, antes do início do que o professor possui em relação à região em


projeto, serão necessárias reuniões para esta-


que ele atua.


belecer os contatos iniciais com as escolas e



com as diretorias de ensino estaduais e muni- Módulos



cipais. Após esse processo, e uma vez estabe-
Módulo I – Capacitação/Informação


lecido o cronograma, serão, então, desenvol-



vidos os quatro módulos. Deste módulo estarão participando os co-


ordenadores das escolas, bem como as pessoas



responsáveis pela oficina pedagógica da Dire-


Reuniões

toria de Ensino de Mauá, os responsáveis pe-

las escolas municipais de Rio Grande da Serra

Reunião de apresentação da proposta, e os professores que serão selecionados pelos



com os participantes a seguir diretores e coordenadores das escolas. A sele-



• Diretoria de Ensino e diretores das escolas ção dos professores ficará a cargo de cada di-

retor, porém devem ser obedecidos critérios


da rede estadual

determinados pela comissão de capacitação.


• Secretaria de Educação do Município de Rio


Neste módulo serão realizadas oficinas, pa-


Grande da Serra:

lestras e visitas técnicas, que servirão como


– diretoras das escolas municipais base para o conhecimento mínimo sobre:



– diretora de Educação do município • qualidade da água;



• Coordenadoria de Educação Ambiental do • mananciais;



Estado (Ceam) • resíduos sólidos em áreas de mananciais;



• Instituto Acqua.

• uso e ocupação do solo;


• Núcleo Regional de Educação Ambiental do


• outros temas que poderão ser propostos


Grande ABC pelos próprios diretores e coordenadores



durante as reuniões de definições.



Nessa primeira reunião, as propostas de-



vem ser apresentadas e os principais temas a Vale ressaltar que todos os temas devem

serem abordados durante a capacitação devem


estar relacionados às questões da água.


ser definidos, além de fazer com que o proces- • Tempo de duração: 40 horas.

so todo do projeto seja vinculado ao calendá-


• Turmas: 3 turmas com 40 participantes


rio escolar de 2001.


cada.


Reuniões de definição do processo junto


Neste módulo, os educadores receberão in-


às escolas

formações sobre os materiais disponíveis no


Seminário de sensibilização

Núcleo Regional, na Ceam, na Sabesp, bem



Será realizado um seminário de sensibi- como nas oficinas pedagógicas e na prefeitu-


lização para fazer a apresentação das propos- ra, materiais esses que estarão disponíveis para

tas do projeto para todos os professores das o uso durante a elaboração dos seus projetos e

redes estadual e municipal. Nesse seminário de suas futuras aulas. Para isso, cada uma das

instituições citadas deverá realizar um inven-


haverá a apresentação da problemática am-


biental da região, bem como da importância tário da disponibilidade e encaminhá-lo para



da Educação Ambiental e de sua relação com a comissão de capacitação, para a preparação



os Parâmetros Curriculares Nacionais. do módulo.


130
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental

Também estão previstas orientações técni- vem ou mesmo um adulto das escolas pedirem



cas aos professores em relação a habilidades, informações, todos os recebam muito bem e



avaliação e registro, que contemplam o traba- os ajudem no seu projeto.



lho pedagógico do desenvolvimento do proje- Será realizado um seminário para apre-


to junto ao aluno e que terão como caráter ope- sentar as propostas de trabalho. Desse semi-



ratório os conceitos do projeto ensinar e nário participarão todas as escolas com os



aprender da SEE. seus projetos.


• Tempo: deverá ser determinado pela co- 131



Módulo II – Elaboração das propostas de missão de capacitação.



trabalho das escolas • Local: a ser definido.



Neste módulo, os professores serão orien- • Logística: procurar patrocinadores.



tados para a elaboração de propostas que se-


rão desenvolvidas pela escola como um todo,


Módulo III – Implantação das propostas


contando com o envolvimento de todos os pro-


de trabalho nas escolas


fessores, funcionários e alunos. Por exemplo:


Cada escola estará, dentro de suas possi-


a Escola E.E. Antônio Lucas trabalhará o tema

“Ribeirão da Estiva”. bilidades, implantando suas propostas. A co-

Nesse caso, poderão ser desenvolvidos tra- missão de capacitação estará assegurando seu

bom desenvolvimento e disponibilizando ma-


balhos de:

teriais e ajuda aos palestrantes, quando neces-


• História: levantamento histórico da região.


sário. Cada parceiro deverá dar suporte, quan-


• Geografia: desmatamento e ocupação –


do solicitado.

como ocorreram.
Para o bom desenvolvimento, as escolas e

• Biologia e Ciências: monitoramento da seus projetos serão cadastrados, e cada parcei-



qualidade da água, situação atual do local. ro receberá esse cadastro para saber quais as

• Matemática: cálculo de vazão de água do necessidades da escola e em que ele poderá


auxiliar. Desse trabalho resultarão: redações;


local.

relatórios; experimentos; peças de teatro; pai-


• Língua Portuguesa: elaboração dos relató-


néis; fotos; pinturas; desenhos; músicas etc.


rios finais.

Módulo IV – Apresentação dos resultados



Os alunos, bem como os professores, a di- Para tanto, será realizada uma grande ex-

reção e os coordenadores, farão pesquisas posição, na qual cada escola terá a oportuni-

com a comunidade local, para as mais diver- dade de mostrar seu trabalho. Essa exposição

sas informações. Esse exemplo poderá ser de-


será exibida para a comunidade de Rio Gran-


senvolvido de várias formas. Os capacitadores de da Serra, e todos poderão participar e dar



farão a orientação do formato final do traba- sua opinião sobre os trabalhos.



lho para sua implantação. Para isso contare- Durante a exposição, serão escolhidos, de

mos com o apoio dos parceiros, no sentido


acordo com cada modalidade, os melhores tra-


das visitas, do material a ser consultado e da balhos, e estes poderão ser inscritos em even-

orientação. tos científicos, como, por exemplo, a Reunião


Estará a cargo de cada escola escolher o


Anual da Sociedade Brasileira para o Progres-


tema e a forma como será trabalhado; todos


so da Ciência (SBPC). Dessa forma, os traba-


poderão criar e inovar suas idéias. lhos terão um cunho científico-cultural de



Ao fim dos dois módulos haverá um even- muito peso como uma grande recompensa

to que apresentará para a comunidade local os


para aqueles que o executaram.


projetos e as propostas. Assim, todos saberão Para o desenvolvimento dos módulos pro-

o que estará acontecendo nos próximos seis postos será necessária a parceria com as se-

meses, para que, quando uma criança, um jo- guintes entidades:



• Coordenadoria de Educação Ambiental (Ceam)/ Transporte



Secretaria Estadual de Meio Ambiente.


Quando necessário, deverão ser contatadas


• Companhia de Saneamento Básico do Es-


as empresas do município para que possam ser


tado de São Paulo (Sabesp).


parceiros e fornecer esse serviço.


• Coordenadoria de Estudos e Normas Pe-



dagógicas (Cenp)/Secretaria de Estado da
Bibliografia


Educação.



• Instituto Acqua. AGENDA 21. Capítulo 36: “Promoção do ensino, da



conscientização e do treinamento”.
• Onaproma – Organização não-governa-


AGENDA 21. Capítulo 25: “A infância e a juventude no de-


mental.


senvolvimento sustentável”.


• Núcleo Regional de Educação Ambiental CASSINO, Fábio; JACOBI, Pedro; OLIVEIRA, José Flávio.



do Grande ABC. Educação, meio ambiente e cidadania: reflexões e ex-


periências. São Paulo: Secretaria de Meio Ambiente,

• Prefeitura de Rio Grande da Serra.


1998.
• Diretoria de Ensino de Mauá. COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio am-

biente. São Paulo: Cetesb, 1985.


• LARA.

COSTA, Larissa Barbosa; TRAJBER, Rachel. Avaliando a



• Outros parceiros que poderão ser propostos. Educação Ambiental no Brasil: materiais audiovisuais.

São Paulo: Fundação Peirópolis, 2001.


EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.


Cada parceiro deverá se comprometer a


Brasília: SESI-DN, 1997.


cumprir as metas dos projetos. Para tal será de-

ERICKSON, Jon. Nosso planeta está morrendo. São Paulo:


senvolvido um termo de compromisso, que


Makron Books, 1992.


cada um deverá assinar e no qual estará firma- FÓRUM DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL /ENCONTRO DA

da sua responsabilidade.

REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Rio


de Janeiro, 1997.

LABOURIAU, Maria Léa Salgado. História ecológica da Ter-


Material

ra. Edgard Blücher, 1994.



SILVA, Jorge Xavier ; SOUZA, Marcelo J. L. Análise


Será feito um diagnóstico, pelos parceiros,

ambiental. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio


para verificar como cada um poderá contribuir


de Janeiro, 1988.

e o que poderá disponibilizar. SMA/CEAM. Conceitos para se fazer Educação Ambiental.



São Paulo, 1997. (Série Educação Ambiental)


. Programa Estadual de Educação Ambiental.


Certificação

Coordenadoria de Educação Ambiental.


TRATADO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL para sociedades


O projeto será enviado para a Coordenado-


sustentáveis e responsabilidade global.


ria de Ensino e Normas Pedagógicas (Cenp),

UNESCO. Educação para um futuro sustentável : a visão


para apreciação. Sendo aprovado, os certifica-


transdisciplinar para ações compartilhadas. Brasília:


dos serão emitidos por essa coordenadoria. 1 Ibama, 1999.






















1
O Projeto foi aprovado e a certificação para os professores será feita pela Cenp.

132
P AINEL 2

APRESENTAÇÃO DE PROJETOS
DE TRABALHO EM
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Maria Fernanda Lopes Pimentel

Antônio Fernando S. Guerra

Andréa Imperador Peçanha Travassos

Elizabeth da Conceição Santos

133
Programa de Educação




Ambiental para o manejo




participativo dos recursos




naturais da várzea





Maria Fernanda Lopes Pimentel, Maria do Carmo Azevedo e Edinaldo Lopes



Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)









Nas várzeas do Baixo Amazonas, o histórico de com uma carga horária de aproximadamente 25

uso intensivo dos recursos naturais e de degrada- ○

horas/encontro. Nas atividades desenvolvidas
ção ambiental comprometeu as áreas de matas e durante os encontros, são abordados sete tópi-

algumas espécies de animais, como o pirarucu cos: sensibilização, fundamentos da educação



(Arapaima gigas) e o peixe-boi (Trichechus ambiental, ecologia e o manejo da várzea, temas


pedagógicos, oficinas temáticas, noite cultural e


inunguis), que se encontram, respectivamente,


superexplorado e em via de extinção. O baixo nível elaboração de plano ambiental escolar.



de organização social nas atividades produtivas e O conteúdo e a dinâmica dessas atividades



a alta incidência de problemas de saúde relacio- estão de acordo com o pensamento de com au-

nados às precárias condições de higiene básica são, tores renomados,1 que consideram que a Edu-

entre outros, fatores que comprometem a quali- cação Ambiental se inicia a sensibilização, para

dade de vida das populações ribeirinhas. Nesse ce- se obter um conhecimento sistêmico do ambi-

nário, o Programa de Educação Ambiental (PEA) ente inserido no processo da compreensão


do Ipam/Projeto Várzea desenvolve, desde 1995, educativa, gerando assim, o envolvimento das

em parceria com a Secretaria Municipal de Educa- pessoas, que, por meio de responsabilidades,

ção (Semed), um trabalho educativo de formação buscarão a ação.



continuada com professores das escolas munici- Entre os principais resultados do PEA, pode-

pais da região de várzea do município de Santarém, mos citar:



com o objetivo de sensibilizar as populações ribei- • Diversificação de práticas e de recursos pe-



rinhas sobre os principais problemas socioam- dagógicos utilizados pelos professores, con-

siderando o ambiente e os recursos naturais


bientais desse ecossistema e de dar subsídios téc-


nicos para o manejo sustentável dos recursos na- como instrumentos facilitadores no proces-

so de ensino-aprendizagem.

turais da várzea.

A atuação do PEA está baseada em metodo- • Adaptação do conteúdo pedagógico, tornan-


do-o mais coerente com a realidade rural.


logias participativas que trabalham com a cons-


trução do conhecimento de maneira criativa e • Melhor discernimento das relações ecológi-



dinâmica, fundamentando-se na linha pedagó- cas do ecossistema da várzea, acompanha-



gica construtivista e no método de temas gera- do pela aplicação de pré e pós-testes.



dores de Paulo Freire, e está estruturado em qua- • Participação mais efetiva dos professores

tro encontros (módulos), que são desenvolvidos


e alunos em atividades da comunidade, tais


com professores e lideranças comunitárias, os como as reuniões do Conselho de Pesca e



quais ocorrem nas comunidades ribeirinhas, da Associação Comunitária, entre outros.








1
Michèle Sato. Educação para o ambiente amazônico . Tese (Doutorado). Universidade Federal de São Carlos, 1997.

134
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental

• Iniciativa da escola em propor e realizar Em razão da limitação de recursos financei-



eventos que visem ao resgate e à valoriza- ros e humanos e da preocupação com a susten-



ção da cultura local e ações que promovam tabilidade do programa, a principal dificuldade


a melhoria da qualidade de vida (elabora- encontrada tem sido criar mecanismos efetivos



ção de jornais, horta escolar, plantio de de monitoramento da eficiência e do impacto do


mudas, coleta e destino adequado do lixo,


trabalho nas áreas onde os encontros já foram re-


alimentação alternativa, medicina caseira e


alizados. Com base nessas informações, acredi-


campanha de lixo nas escolas). tamos que a Educação Ambiental tem um papel 135



• Participação/interação dos professores determinante no redirecionamento do futuro das


como monitores em Oficinas Abertas de Edu-


várzeas na Amazônia, sendo o processo necessá-


cação Ambiental. rio para suscitar a auto-estima das populações ri-



• Elaboração coletiva do livro Fazendo Edu- beirinhas, a valorização do meio em que vivem e



cação Ambiental: o mundo da várzea (utili- o exercício da ética e da cidadania no uso dos re-


zado nas escolas envolvidas).


cursos comuns.


















Projeto EducAdo: educação ambiental




em áreas costeiras usando a Web




como suporte




Antonio Fernando S. Guerra, Maria Beatriz A. de Lima,



Marialva T. D. da Rocha e Marinez Panceri Colzani*








Nas áreas costeiras vivem, aproximadamen-


da população do estado, resultado do processo


te, 60% da população mundial, em uma faixa de intenso de migrações internas (Comitê do Lito-

60 km de raio dos oceanos. Com o aumento ral Centro-Norte de Santa Catarina, 1996).

populacional, as atividades econômicas de ex- O fluxo de milhões de turistas na época do ve-


ploração do turismo nessas áreas contribuem


rão e a especulação imobiliária acabam destruin-


com 70% da poluição ambiental. do ou alterando a qualidade da paisagem, causan-



O litoral de Santa Catarina possui uma das do a perda da beleza cênica e comprometendo o

áreas mais belas e privilegiadas da Região Sul do turismo da região. Esse processo aumenta ainda,

Brasil, com praias, estuários, ilhas, lagoas, por exemplo, a destruição dos manguezais e das

manguezais, costões e dunas. Ela concentra 68% dunas e a poluição marinha por esgotos.





* Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Secretaria de Estado da Educação,

Secretaria Municipal de Educação de Itajaí/SC.



Diante desse quadro, é preciso não só apro- po para áreas do litoral catarinense; atividades



fundar as pesquisas dos problemas ambientais de percepção da paisagem e de sensibilização



dessas áreas, para sua conservação e manejo sus- ambiental, juntamente com uma fundamenta-



tentáveis, como também desenvolver um pro- ção teórica básica em Educação Ambiental e no


cesso de Educação Ambiental como forma de uso das TIC, levando à aquisição de informações



alcançar esse fim. Infelizmente, o conhecimen- sobre problemas ambientais das áreas costeiras



to desses problemas é pouco explorado, ou mes- e no uso das tecnologias.


mo ignorado, nas atividades de ensino nas esco- Foi criado também um ambiente virtual expe-



las da área litorânea, até por falta de preparação rimental, chamado EducAdo, que utiliza a Internet



e atualização dos professores na “transposição como suporte para o trabalho pedagógico, ao qual



didática” do conhecimento científico produzido os professores tiveram acesso a partir dos encon-


nas universidades para os conteúdos do Ensino tros presenciais realizados no Laboratório de



Fundamental e Médio, levando também em con- Informática do CEHCOM/Univali. O site está dis-



ta os impactos da ação humana sobre os ecossis- ponível em <http://www.cehcom.univali.br/edu-


temas costeiros. ○
cado> (ver, na página 139, a Figura 1).
Para minimizar o problema da formação con- A memória das AIP realizadas foi registrada

tinuada de professores da região litorânea numa em páginas da Internet (home pages) construídas

dimensão ambiental, o Programa de Pós-Gradu- cooperativamente pelos próprios(as) profes-



ação, Mestrado em Educação da Univali, em par- sores(as) participantes (ver, na página 139, as fi-

ceria com a Secretaria Estadual de Educação e guras 2 e 3).



Secretaria Municipal de Itajaí/SC, realizou o Pro- Na terceira etapa, os professores desempe-



jeto EducAdo – Educação Ambiental em Áreas nham o papel de multiplicadores junto à comu-

Costeiras (Guerra, 2000; 2001), uma proposta nidade educativa, desenvolvendo projetos coo-

metodológica de trabalho pedagógico centrada perativos voltados para as questões ambientais



nos princípios da cooperação, autonomia e da escola e da comunidade local, pelo uso da



interação entre os “aprendentes” (professoras/es tecnologia como suporte, ativando assim o tra-

participantes, docentes e pesquisadores). balho pedagógico nas salas informatizadas des-



Para dar suporte ao processo de aprendiza- sas escolas.



gem cooperativa em Educação Ambiental do Na etapa atual, os participantes estão desem-



projeto, utilizaram-se as novas Tecnologias de penhando o papel de multiplicadores em suas


Informação e Comunicação (TIC) – o computa- escolas, a partir dos projetos cooperativos pla-

dor e a rede Internet – como possibilidade de nejados e executados por eles. São três projetos:

inserção da dimensão ambiental (Guimarães, 1. Educação Ambiental – Uma proposta de ati-



1995, 2000; Carneiro, 1999; Guerra e Taglieber, vidades pedagógicas incluindo a Web como

2000; Guerra, 2001) nos currículos do Ensino veículo de informação e discussão – Colégio

Fundamental e Médio. de Aplicação da Univali. Equipe: Professo-



Participam do projeto professoras(es) de di- ras Maria Beatriz Araújo de Lima e Marialva

Teixeira Dutra da Rocha.


ferentes áreas do currículo de Ensino Fundamen-


tal e Médio – Ciências Naturais e Biologia; His- 2. Uma escola, uma cidade, um rio – Escola

tória; Geografia; Artes; Língua Portuguesa e, ain- Básica Municipal Avelino Werner. Equipe:

da, Informática Educativa. O projeto envolveu Professoras e professores Marinez Panceri


Colzani, Viviane S. Russi, Marinete Silva


inicialmente três escolas: EEB Leopoldo José


Guerreiro, do município de Bombinhas, a EBM Martins, Bernardete Coelho Buchele, Mara



Avelino Werner e o Colégio de Aplicação da Lucia Rossato, José Ricardo de Miranda,


Rosimeri Reis Bastos, Denise Pereira


Univali, ambas de Itajaí/SC.


Izidoro, Marinete Siqueira Balelo.


Na primeira e na segunda etapas do projeto,


na parte presencial, dez docentes da Univali re- 3. Desenvolvimento de conscientização eco-



alizaram atividades de inserção pedagógica (AIP) lógica no ambiente escolar – Escola de



(Guerra, 2001), a saber: oficinas; saídas de cam- Educação Básica Leopoldo José Guerrei-

136
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental

ro, em Bombinhas. Equipe: Professoras e tarde, serão aprofundados pelos próprios alunos.



professores Elaine Leonora Rolof Jung, Na área de Matemática, mais especifica-



Gilberto Manoel Pinheiro, Salete Foppa, mente com as 5as séries do Ensino Fundamen-


Mar ia Cr istina Spies Uhr y, Salvelina


tal, os alunos também estão começando a ser


Raimundo da Silva. atingidos por trabalhos que abordam as preo-



cupações ambientais de nossa sociedade. As-



Na EEB Leopoldo José Guerreiro, em sim, nas aulas são apresentados problemas em


Bombinhas, alguns professores já deram um salto que, por exemplo, se fazem cálculos sobre de- 137



à frente e incluíram desde o início do ano letivo a vastações da mata na região, do volume de pro-



temática ambiental em seus planos de ensino. dução de lixo e de poluentes que chegam às



As professoras Elaine Jung e Lúcia Pereira de- praias de Bombinhas.


senvolvem, com as classes especiais de aceleração Outras atividades, como caminhadas ecoló-



do Ensino Fundamental, atividades pedagógicas gicas e saídas de campo com as turmas, come-



sobre os temas ambientais, produzindo, com seus çam a ser incluídas no planejamento curricular


alunos, materiais como: poesias, cartazes, pintu-


e concretizadas com o apoio de outros profes-


ras, bem como o uso da sala informatizada para sores da escola.



apresentações em PowerPoint. Também as professoras Salvelina, Maria

A professora Silvana, que trabalha com a dis- Cristina e Salete, do 1o e 2o ciclos do Ensino Fun-

ciplina de Biologia no Ensino Médio e que não


damental, vêm incentivando em suas atividades


participou diretamente das etapas do EducAdo, pedagógicas a realização de exercícios com te-

entusiasmou-se com as atividades de Educação mas ambientais e têm colhido os seus frutos.

Ambiental promovidas na escola pela equipe do À medida que as atividades dos projetos vão

projeto e modificou suas estratégias de ensino, sendo concluídas com cada turma, nas reuniões

incluindo atividades de sensibilização dos alu- de estudo, que se realizam mensalmente, cada

nos para problemas ambientais de nossa região. professor faz suas observações e sua avaliação

Nas áreas da Física e da Biologia, a professora sobre o grau de aprendizado e de sensibilização


Jane, que atende ao Ensino Médio, também se ambiental de seus alunos. Esses materiais e re-

uniu ao grupo e vem desenvolvendo atividades latórios estão sendo cadastrados e arquivados

que mostram os impactos do uso das tecnologias para avaliação e inserção no site do Projeto

no meio ambiente, seja mostrando os avanços das EducAdo e do projeto cooperativo da escola.

ciências, em termos de melhoria da qualidade de As professoras Maria Beatriz Araújo de Lima



vida e de saúde, seja também com as práticas e Marialva Teixeira Dutra da Rocha, participan-

poluidoras e danosas aos seres vivos. Seus traba- tes do projeto e agora mestrandas do PPG –

lhos também estão sendo cadastrados e arquiva- Mestrado em Educação da Univali, também par-

dos para mostrar o grau de desenvolvimento da ticiparam do Projeto EducAdo pelo Colégio de

consciência ecológica dos alunos. Aplicação. Suas pesquisas procurarão delinear



Na disciplina Introdução à Informática, o novas formas de trabalhar a temática ambiental



professor Gilberto Pinheiro vem incentivando os no currículo escolar, de uma forma cada vez mais

alunos e abrindo campo para o aprofundamen- integrada, o que configura a vivência dos pro-

to desses temas durante suas aulas no Ensino cessos de interdisciplinaridade e transversalida-



Médio. O tema Educação Ambiental é abordado de para inserção da dimensão ambiental, ou seja,

pelos alunos que, já sensibilizados pelas demais da Educação Ambiental no currículo da escola.

disciplinas, trazem os problemas para a tela dos Durante a Semana do Meio Ambiente deste

computadores, produzindo e editando textos ano, nas escolas participantes, foram apresenta-

com desenhos e figuras a respeito de poluição, dos, sob a forma de painéis, os trabalhos em de-

extinção das espécies e outros temas afins. senvolvimento com os alunos do 1o e 2o ciclos

Esses trabalhos ficam disponíveis para aces- do Ensino Fundamental, nas disciplinas de Ci-

so em apresentações em PowerPoint e são com- ências, História, Matemática, Língua Portugue-



partilhados com os alunos de toda a turma; mais sa e Artes e Informática Educativa e, no Ensino

Médio, Biologia, Química e Sociologia. ele possa ser utilizado como uma metodologia



Na EBM Avelino Werner, além da apresenta- para a formação continuada de professores, con-



ção das atividades realizadas pelos alunos da tribuindo assim para as discussões sobre a in-



Educação Infantil, foram expostos trabalhos nas serção da dimensão ambiental no currículo es-


disciplinas de Ciências, História, Matemática, colar de uma forma transversal e interdiscipli-



Língua Portuguesa, Inglês, Artes, Ensino Religi- nar, como sugerem os Parâmetros Curriculares



oso. Além disso, foram realizadas atividades pe- Nacionais. Essa também é a meta do MEC com a


dagógicas como oficinas (organização de ter- implantação do Programa Parâmetros em Ação.



rários, montagem de pipas e uso de softwares



educativos com temas ecológicos, na sala



informatizada da escola). Foram realizadas tam-
Bibliografia


bém entrevistas com alunos e professores,



registradas em filme e em fotografia. CARNEIRO, S. M. C. A dimensão ambiental da educação



No Colégio de Aplicação da Univali, as pro- escolar de 1a a 4a séries do Ensino Fundamental na rede

○ pública da cidade de Paranaguá. Curitiba, 1999. Tese
fessoras organizaram uma caminhada ecológica ○

(Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento), Uni-


ao Morro da Cruz, em Itajaí, para registrar em fo-

versidade Federal do Paraná.


tografia, com os alunos, as agressões humanas ao


FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à


ambiente natural e a modificação da paisagem. prática educativa. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

No alto do morro organizaram uma atividade de GUATTARI, F. As três ecologias. 4. ed. Campinas: Papirus,

percepção ambiental chamada “Mapa mental”, 1993.



que tem como objetivos: rememorar o trajeto co- GUERRA, A. F. S. Projeto EducAdo: Educação Ambiental em

áreas costeiras usando a Web como suporte. Itajaí:


tidiano que os alunos percorrem no deslocamen-


Univali, 2000. 26 p. (Univali – Programa de Pós-Gradua-


to até a escola; destacar mentalmente pontos de

ção, Mestrado em Educação – Projeto em andamento).


referência que diariamente eles encontram no


. Diário de bordo: navegando em um ambiente


caminho; debater em grupo, em busca de nego-


de aprendizagem cooperativa para Educação Ambiental.


ciação, onde cada aluno mora e como represen- Florianópolis, 2001. Tese (Doutorado em Engenharia de

tar num mesmo mapa os diferentes caminhos


Produção), Universidade Federal de Santa Catarina. 336 p.


percorridos; e despertar os sentidos de localiza- GUERRA, A. F. S.; TAGLIEBER, J. E. Uma reflexão sobre a

dimensão ambiental na educação e as representações


ção e valorização do ambiente que o cerca.

docentes. In: Seminário de Pesquisa da Região Sul, 3,


Cada equipe, composta de quatro a cinco


2000. Anais… Porto Alegre: UFRGS, 2000. Disponível


alunos, representa numa cartolina um mapa

também em CD-ROM.

contendo o trajeto que cada um deles percorreu


GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. 3. ed.


de sua casa até a escola. Depois de negociarem a Campinas: Papirus, 1995.



organização de um novo mapa, ele é apresenta- . Educação Ambiental – temas em meio ambi-

do ao grande grupo. Ao fim das apresentações, ente. Duque de Caxias: Unigranrio, 2000.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-


as equipes reúnem os respectivos mapas, a fim

damental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Am-


de ter uma visão geral da região.


biente; Saúde. Brasília: SEF/MEC, 1998.


Em Bombinhas, professores e alunos parti- . Programa de desenvolvimento profissional


ciparam, durante o Dia do Meio Ambiente, de


continuado Parâmetros em Ação. Brasília: SEF/MEC,


uma palestra com ambientalistas na Escola 2000. 2 v.



Leopoldo José Guerreiro para esclarecer uma MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21 . Carta da

Terra. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio


polêmica que ocorreu na comunidade e que le-


Ambiente e Desenvolvimento. Brasília: Ministério do Meio


vou à suspensão da criação do Parque Nacional

Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal, 1992.


da Costeira de Zimbros, em Bombinhas.


RELATÓRIO DO COMITÊ DO LITORAL CENTRO-NORTE


Pretende-se agora ampliar o projeto, apre- DE SANTA CATARINA. Itajaí, Faculdade de Ciências

sentando-o às secretarias municipais de outros do Mar/Associação de Municípios da Foz do Rio Itajaí-


municípios do litoral de Santa Catarina, para que Açu, 1996.






138
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental

Anexo





Figura 1









139















Página da Web de abertura do Ambiente do EducAdo (disponível


em <htttp://www.cehcom.univali.br/educado>




Figura 2 Figura 3


























Páginas da Web construídas pelo grupo de professoras do município de Bombinhas.



























Reciclando a Solidariedade






Andréa Imperador Peçanha Travassos, Maria das Graças de Sousa


e Suzana Machado Pádua



Projeto IPÊ/SP






Resumo





O projeto de Educação Ambiental “Reciclando A produção de tais cadernos envolve, além do ato



a Solidariedade” surgiu a partir da observação de de solidariedade, uma série de disciplinas que enri-



que, em determinadas regiões do Brasil, existe um quecem o currículo do aluno, trabalhando o meio


consumo exagerado de recursos naturais, enquan- ambiente de forma interdisciplinar. Dessa forma, o


to em outras as pessoas sofrem com a carência até ○

aluno adquire uma série de conhecimentos sobre a
mesmo de materiais básicos para o seu desenvol- sua realidade e sobre a realidade de quem irá receber

vimento. Foi exatamente pensando nesses contras- o caderno. Desde seu início até o presente momento,

tes que, em 1999, nasceu a idéia de produzir, junto o projeto já envolveu mais de quinhentos estudan-

tes, dezenas de professores e coordenadores do En-


com as crianças e os adolescentes das escolas es-


taduais e particulares da região de Nazaré Paulista, sino Fundamental e Médio, em que cada aluno teve

município-sede do IPÊ, cadernos novos a partir a oportunidade de produzir um exemplar.


do papel de cadernos já utilizados anteriormen- Os temas trabalhados na produção de tal ma-



te pelos alunos. O material resultante seria doa- terial foram: biodiversidade, água, desmatamento,

do a outros estudantes – no caso, filhos dos as- lixo e saúde, entre outros. Essa estratégia tem con-

sentados rurais do Pontal do Paranapanema, uma tribuído de forma muito significativa para a am-

das regiões mais pobres do estado de São Paulo. pliação da visão de mundo de ambas as partes.





Introdução

muitas vezes descartados e não devidamente



O Brasil é reconhecidamente um país de reaproveitados. Esse processo vem causando


uma série de graves problemas, que não são tra-


muitos contrastes e diferentes realidades, tanto


do ponto de vista econômico quanto do social e tados com a atenção merecida.



do ambiental, o que nos incita à reflexão sobre O Brasil, infelizmente, continua estimulan-

as causas e as maneiras como podemos contri- do um consumo desenfreado e insustentável,


causando danos muitas vezes irreparáveis com


buir para minimizar os impactos gerados. Um


dos mais marcantes contrastes observados en- conseqüências nefastas para o meio ambiente e

tre a população do país diz respeito ao acesso a para as populações menos privilegiadas. Em

bens de consumo, considerados imprescindíveis nome do crescimento econômico, os impactos


são tratados como secundários e acabam refle-


para se ter um estado de “bem-estar” e confor-


to. Porém, grande parte da população brasileira tindo na qualidade da vida de maneira geral.

não tem acesso a esses bens e mesmo assim tem Com base nessas realidades, o projeto

sido obrigada a conviver com problemas gera- “Reciclando a Solidariedade” foi concebido para

integrar duas regiões onde vem atuando o IPÊ


dos por esse modelo de desenvolvimento. Há,


ainda, uma falta significativa de políticas públi- (Instituto de Pesquisas Ecológicas), organização

cas capazes de contribuir para a diminuição dos não-governamental sem fins lucrativos. O pro-

problemas socioambientais. jeto está sendo realizado em dois contextos di-


versos do estado de São Paulo: em Atibaia, loca-


Um exemplo marcante da atualidade é a


grande quantidade de lixo produzido principal- lizada em região de alto padrão socioeconômico,

mente nas grandes cidades. Os bens gerados são e em Teodoro Sampaio, município menos privi-

140
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental

legiado, situado em área de conflitos sociais in- cos não são devidamente tratados, provocando



tensos. grandes danos à qualidade da vida em geral.



O projeto tem por objetivos chamar a aten- O município de Atibaia, que faz parte da re-



ção de alunos e professores para as diferenças gião de Campinas, tem mais de cem mil habi-


socioambientais existentes no país e propiciar tantes e está a 70 km de São Paulo e 60 km de



oportunidades para que cada um desenvolva ati- Campinas. Cerca de 85% da população vive em



vidades que integrem a preocupação ambiental área urbana, com média salarial de aproximada-


às questões sociais marcantes de cada região. O mente três salários mínimos, e 93% de sua po- 141



projeto inclui etapas nas quais os alunos são en- pulação é alfabetizada.



corajados a trabalhar a reciclagem de papel, pro- Já o município de Teodoro Sampaio possui



duzindo cadernos novos com materiais criativos, aproximadamente 20 mil habitantes. Localiza-se


a partir de outros que seriam descartados sem no extremo oeste do estado de São Paulo, em re-



utilização. Tem ainda a chance de travar contato gião conhecida como Pontal do Paranapanema. A



com indivíduos de classes sociais diferentes, es- área tem chamado a atenção por conflitos



timulando a solidariedade e a cooperação. A éti- fundiários recentes, tendo sido historicamente lo-


ca perpassa todas as etapas do projeto, de ma- cal de um processo de ocupação conturbado, mar-



neira a interconectar as diversas disciplinas por cado por grilagem de terras e pela destruição de

meio da temática ambiental. grandes reservas florestais. Esse processo contri-



buiu de modo significativo para a perda da


biodiversidade, para a degradação dos solos


Atibaia e Teodoro Sampaio

agricultáveis e para as diferenças sociais marcantes,



O estado de São Paulo é o mais rico da nação comuns até hoje. É a segunda região mais pobre

brasileira, o que, infelizmente, não impede a do estado de São Paulo e seus índices de analfabe-

existência de fortes contrastes socioambientais tismo e mortalidade infantil são muito altos.

em suas regiões. Muito ao contrário, a riqueza O projeto Reciclando a Solidariedade tem sido

mal distribuída tem gerado diferenças marcantes desenvolvido nessas duas regiões, principalmen-

e a pobreza tem-se intensificado. A região de te em Atibaia, onde envolve estudantes de duas



Campinas e arredores, por exemplo, consolidou escolas da cidade: a E. E. Major Juvenal Alvim e o

desde os anos 1970 seu papel como o maior pólo Colégio Espaço – Educação Básica. O projeto pro-

econômico, terceiro no país depois de São Paulo


põe-se a ser um elo entre essas duas regiões e ser-


e Rio de Janeiro. Sua estrutura industrial é vir para o intercâmbio entre elas, utilizando o ca-

marcada pelo crescimento dos setores de bens minho da ética e da transversalidade.



de capital e consumo, e sua agricultura é domi-


nada por produtos de exportação. Tais fatores


Metodologia

vêm atraindo milhares de pessoas, que migram



principalmente da Região Metropolitana de São A metodologia consiste em várias etapas in-



Paulo em busca de novas perspectivas econômi- terligadas. Primeiramente, os alunos observam


cas e de melhores condições de vida. Em o desperdício dentro da própria sala de aula.



contrapartida a esse desenvolvimento econômi- Quase nenhum estudante inicia um ano letivo

co, há uma crescente degradação ambiental na utilizando cadernos do ano anterior. Muitas ve-

região, com desmatamentos cada vez mais visí- zes, com uma quantidade enorme de folhas ain-

veis nos remanescentes da Mata Atlântica, que da não utilizadas, esses cadernos são descarta-

vem cedendo lugar à especulação imobiliária. dos, aumentando a geração de lixo. Existe ainda

Esses fatores têm contribuído de maneira signi- o grande impacto que ocorre na própria produ-

ficativa para a perda da biodiversidade, o ção dos cadernos, incluindo as árvores cortadas

assoreamento dos rios e uma crescente produ- para esse fim.



ção de esgoto doméstico. Apesar de haver um O processo inicia-se com a sensibilização



sistema de coleta de lixo na maioria dos municí- dos diretores, coordenadores e professores das

pios da região, resíduos industriais e domésti- escolas participantes, a fim de garantir a conti-

nuidade do projeto e a produção de novos ca- produzir papel reciclado são meninos e meni-



dernos pelos alunos, em oficinas de reciclagem. nas que outrora viviam da coleta de lixo. Tais



O planejamento é crucial para o desenrolar das oportunidades são raras no Brasil e ajudam a



atividades, porque, além de ser o momento de aumentar a auto-estima de alguns e estimular a


entrar em contato com a proposta, estimula a solidariedade de outros.



criatividade dos professores para elaborar me- Cada aluno participante produz duas folhas



canismos que integrem as diversas disciplinas de papel reciclado, que são respectivamente a


que lecionam. Desperta também a criação de capa e a contracapa do novo caderno. As folhas



meios de traduzir diferentes conteúdos aos alu- são levadas à escola envoltas em jornal e levam



nos participantes, enriquecendo o processo quatro dias para secar. Só então são enviadas



educacional. para uma encadernadora.


Para produzir cadernos novos a partir de ca- Os professores utilizam-se do processo pro-



dernos antigos é necessário fazer uma grande dutivo dos novos cadernos para interconectar as



coleta desse material, e isso ocorre de diferentes diversas disciplinas. Os temas trabalhados vari-


formas: campanhas efetuadas pelos diretores, ○
am, mas envolvem as diferentes áreas de estudo
coordenadores, professores e alunos nas própri- das seguintes formas:

as salas de aula das escolas participantes; cam- Língua Portuguesa: interpreta textos, cria

panhas realizadas pelos alunos em seus respec- músicas, poemas e redações relacionados ao

tema abordado, material que é depois inse-


tivos bairros junto a vizinhos, amigos e paren-


tes. Nessa etapa, é essencial introduzir estraté- rido nos cadernos, juntamente com uma pe-

gias de conscientização sobre a questão da quena autobiografia elaborada por cada um


dos alunos.

reutilização e da reciclagem do papel e sobre a


necessidade de contribuir de forma específica Ciências: trabalha a riqueza biológica exis-



para uma população escolar menos privilegia- tente na Mata Atlântica e a conseqüente per-

da, no caso: a de Teodoro Sampaio. da ocorrida ao longo do tempo, em virtude


do desmatamento e de outros impactos.


Com os cadernos coletados, dá-se início à se-


paração das folhas. As já escritas são encaminha-


Geografia: localiza geograficamente os dois


das à reciclagem e as em branco são empilhadas municípios envolvidos no processo – Atibaia



em blocos que formam novos cadernos. Os espi- e Teodoro Sampaio – com seus respectivos

rais e as capas são encaminhados para reutilização vizinhos, principais vias de acesso, bacias

por uma outra instituição de fins ideais, o Projeto hidrográficas e uso e ocupação do solo.

Curumim, que vem se dedicando, por meio da História: pesquisa o processo de degrada-

reciclagem de papel, à melhoria da qualidade de ção da Mata Atlântica ocorrida em São Pau-

vida de crianças que viviam como coletores no lo, as questões relacionadas à forma de co-

lixão da cidade. Em seguida, os alunos que já se- lonização de cada região, a grilagem de ter-

pararam folhas suficientes para a confecção de ras realizada por grandes proprietários no

novos cadernos são convidados a participar de Pontal do Paranapanema e a ocupação mais


recente conduzida pelo Movimento dos


uma oficina de reciclagem de papel, na sede do


Projeto Curumim. Cada aluno contribui com 2 Sem-Terra (MST).



quilos de alimentos não-perecíveis, o que enco- Matemática: estima as árvores necessárias



raja sentimentos de reconhecimento e dá a eles a para a produção de papel, bem como a quan-

tidade salva pela sua reutilização. Confecci-


oportunidade de sentir o prazer da doação. O des-


locamento até a sede do projeto ocorre em trans- ona gráficos que mostram as vantagens eco-

porte cedido por algum empresário local, propri- nômicas e ambientais da reciclagem.

etário de empresa de ônibus, sensível às questões Educação Artística: utiliza várias técnicas

socioambientais que o projeto vem trabalhando. de pintura e colagem na elaboração de ca-


Durante a oficina, existe uma integração en- pas artísticas, ilustradas com exemplares da

tre crianças e adolescentes de diferentes níveis Mata Atlântica ou com enfoque nos temas

sociais, pois os professores que ensinam como abordados.


142
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental

A cada ano, têm sido produzidos cerca de 300 Conclusão



novos cadernos, que são enviados a locais caren-



tes de materiais educacionais. No caso de O projeto Reciclando a Solidariedade de-



Teodoro Sampaio, os cadernos foram levados à monstra que, por meio de uma iniciativa simples


Comissão de Educação do MST do município. Os


como o reaproveitamento de papel para a con-


cadernos foram entregues durante cerimônia fecção de novos cadernos, é possível não apenas



especialmente preparada com dois representan- trabalhar o tema meio ambiente de forma trans-


tes dos alunos e duas professoras participantes 143


versal, como também provocar reflexões e ações


do projeto. Como sinal de gratidão, as professo- de solidariedade e cidadania junto a alunos do



ras receberam dos representantes do MST Ensino Básico. Há, cada vez mais, a necessidade



echarpes confeccionadas pelas mulheres, e os de se envolver estudantes em processos de trans-


alunos, uma bandeira do movimento, o que re-


formação que os tornem cidadãos atuantes com


presenta um gesto de extremo respeito e consi- preocupações éticas no convívio com a natureza



deração. Mais uma vez, os alunos tiveram a opor- e com os demais seres vivos. Tais processos são



tunidade de vivenciar realidades bem distintas fundamentais para a construção de um planeta


daquelas em que vivem. mais sadio e de uma sociedade mais justa.








Educação Ambiental e festas




populares – um estudo de caso na




Amazônia utilizando o Festival




Folclórico de Parintins/AM**



Elizabeth da Conceição Santos



Universidade do Amazonas – Centro de Ciências do Ambiente – Escola de Educação Ambiental







Introdução

A desarticulação do componente social e a


Uma inquietação constante provocada pela redução do tratamento ambiental ao meramen-



visão reducionista da questão ambiental, quer pela te ecológico respondem, por um lado, ao esque-

mídia, quer pelos sistemas educacionais, tem im- ma positivista da ciência e do conhecimento, im-

pulsionado um profundo envolvimento na busca pedindo uma adequada compreensão das com-

de alternativas que permitam, principalmente à plexas e múltiplas expressões dos fenômenos da



população dos países emergentes, uma reflexão realidade. É nesse aspecto que se propõe a Edu-

crítica da realidade, a fim de contribuir para fo- cação Ambiental como uma estratégia para re-

mentar mudanças individuais e coletivas que pos- ver os reais fins da educação. Por outro lado, não

sam minimizar as desigualdades estabelecidas em se pode negar que a Educação Ambiental, em sua

todo o planeta. Esta pesquisa constitui, em parte, trajetória, vem comportando tratamentos

a convergência desses estudos e intervenções, tan- reducionistas que refletem os interesses dos paí-

to no ensino formal como no não-formal. ses desenvolvidos, voltada exclusivamente para






* Tese (Doutorado em Educação). 2001, Instituto de Educação, UFMT.



os fatores ecológicos, primordialmente quanto à


planetária, uma crise de conhecimento e de for-


manutenção dos ecossistemas remanescentes do mas de conhecimento; um desafio à interpreta-



planeta e o domínio econômico que consolidam ção do mundo. A crise da educação é um dos


as relações de desigualdades sociais.


aspectos relevantes da grande crise contempo-


Adotando a perspectiva crítica para a Educa- rânea. A crise obriga a falar de paradigmas e de



ção Ambiental, consideramos que ela se perfila im- mudanças de paradigmas. Entender a crise



plicitamente no questionamento da ordem socio- ambiental como fenômeno global significa ter


econômica vigente, das superestruturas, estrutu-


de se aproximar dela a partir de um novo


ras e infra-estruturas que a sustentam; na análise paradigma conceitual e metodológico que per-



dos fatores da crise ambiental, a partir de uma mita explicar a complexidade e trabalhar sobre


perspectiva predominantemente econômica e so-


ela. A contribuição de Edgar Morin (1996), por


cial, fundamentada na análise crítica das desigual- meio do paradigma da complexidade, permite



dades locais, regionais, nacionais e internacionais, pensar a problemática ambiental contemporâ-



com respeito ao aproveitamento e à destinação dos nea, a fim de minimizar os estragos que as vi-

recursos, à melhoria das condições de produção, à ○

sões simplificadoras fizeram não só no mundo
coletivização e à democratização das organizações intelectual, mas também na vida. A contribui-

sociais ou das estruturas políticas. ção de Alvin Toffler (1998), ao categorizar as on-

A pesquisa tende a desenvolver um processo das de mudanças vividas pela sociedade, con-

capaz de permitir a incorporação desses pressu-


duz à análise das transformações ocorridas para


postos teóricos e que vislumbre a possibilidade a superação dos conflitos que surgem. Um novo

de, por sua natureza, se revestir de atrativos ca- paradigma ambientalista que venha substituir

pazes de não só atrair parcelas da sociedade para o existente deverá revisar não só a natureza das

refletir sobre a problemática ambiental contem-


concepções humanas em relação ao meio, mas


porânea, como também estimulá-las a atuar na também a ciência que foi influenciada por e in-

transformação dessa realidade. Defendendo uma flui sobre elas. O paradigma ambientalista como

visão dos fenômenos que leve em conta os com- resultante da fusão dos enfoques paradig-

ponentes de uma situação em suas interações e


máticos de tipo ético e científico, ou seja, o


influências recíprocas, a investigação define-se biocêntrico e a complexidade, proporciona o



como abordagem qualitativa, como um estudo de marco adequado para situar, na conjuntura atu-

caso etnográfico (André, 1998: 49-52).


al, a Educação Ambiental (Novo, 1995). A Edu-


A pesquisa pretendeu verificar a possibilida-


cação Ambiental entendida no novo paradigma


de de as festas populares, que apresentam a ambientalista deixa de ser um processo de sim-



temática ambiental no seu contexto, permitirem ples mudanças éticas, conceituais ou metodo-

efetivar um trabalho de sensibilização, conside-


lógicas e permite formular teorias e leis para a


rando que, por meio delas, a comunidade resis- ação educativo-ambiental. Contemplando esses

te pontualmente às investidas do poder, ao de- pressupostos teóricos, o presente trabalho, por



nunciar e ao expor as atrocidades cometidas his- meio de uma estratégia assentada nas práticas

toricamente pelas relações econômicas determi-


culturais das populações amazônicas, objetivou


nadas pelos países ricos, que repercutem no construir um processo de sensibilização e de



meio ambiente dos países emergentes em toda comprometimento da sociedade para com a

a sua dimensão e complexidade. questão ambiental.




Educação e meio ambiente no Manifestações culturais na Amazônia e



contexto contemporâneo meio ambiente




A visão mecanicista e reducionista do mun- Partiu-se do reconhecimento de que a



do tem sido precisamente uma das causas fun- Amazônia foi apresentada ao mundo, envolta

damentais da crise imperante nos últimos sécu- em mitos, como uma região uniforme e mo-

los – a crise ambiental do século XX é uma crise nótona, um espaço sem gente e sem história,

144
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental

passível de qualquer manipulação por meio de Boi-Bumbá como prática cultural



planejamentos feitos a distância, ou sujeita a



propostas de obras faraônicas, vinculadas a um As potencialidades do Boi-Bumbá como prá-


tica cultural são enfatizadas, do ponto de vista


falso conceito de desenvolvimento. Ab’saber


(1990) ressalta a necessidade da elaboração de de sua produção e/ou incorporação ao sistema



um sistema de educação ativo e criativo, adap- educacional de Parintins. O Boi-Bumbá é anali-


sado como prática cultural, buscando-se identi-


tado a um modo de vida harmônico com as


condições ambientais e culturais da região, ficar as potencialidades existentes nessa mani- 145



com respeito total aos valores das comunida- festação, com o propósito de que as condições



des autóctones. Nesse contexto amazônico, concretas de vida de seus portadores sejam uma


via de acesso ao conhecimento de suas ideolo-


definido na conjuntura atual, destacam-se ma-


nifestações culturais que culminam, muitas gias, de seus valores e de suas práticas culturais,



vezes, na realização de festas populares, reli- para colocá-los a serviço da questão ambiental.



giosas ou profanas, revestidas da miscigenação Parte-se dos vestígios das origens do Boi-


Bumbá que, por ser uma manifestação cultural


que integra historicamente as matrizes cultu-


rais dos povos amazônicos. Essas manifesta- local e regional, requer a utilização do conceito



ções culturais que, integrando calendários tu- de cultura como suporte teórico de referência; a

rísticos, emergem de cada município amazo-



abordagem do Boi, como prática cultural, busca


subsídios na perspectiva da teoria interpretativa

nense, apresentam, para esta pesquisa, duas


características fundamentais: o fato de atraí- da cultura. A análise prossegue concebendo a



rem multidões, pelo fascínio da temática e/ou festa como um momento extraordinário que

possibilita viver uma ausência fantasiosa e utó-


pela oportunidade de diversão; e o fato de mui-


tas delas permitirem a incorporação da temá- pica de miséria, trabalho, obrigações, pecados e

tica ambiental no seu desdobramento. Entre deveres, tendo, portanto, um caráter dionisíaco,

as manifestações culturais que reúnem essas permitindo compreender a elaboração das opi-

niões comuns e das crenças coletivas, na análise


características, a que é considerada como a


maior festa popular da Região Norte é o Festi- de Maffesoli (1987). Incorporam-se referenciais

val Folclórico de Parintins, evento anual, que dos estudos de Turner (1974) e de DaMatta

se realiza nos dias 28, 29 e 30 de junho, tendo (1998), para considerar as festas como palco das

transformações culturais e cenários importan-


como tema central um auto popular brasilei-


ro, o Bumba-meu-Boi, Boi-Bumbá, ou simples- tes da vida social; como lugar dos conflitos, das

mente Boi, com modificações e adaptações exclusões, de controle, de disciplina, da educa-



eminentemente amazônicas. ção e da reforma do povo, assim como de resis-


tência a todos esses processos.


O município de Parintins é analisado na


conjuntura regional por meio de vários parâ- De posse desses pressupostos, a pesquisa

metros: aspectos históricos, relevo, vegetação, prossegue na sua primeira intervenção, com o

clima, hidrografia, economia, educação, saú- objetivo de verificar se as manifestações cultu-


rais e, mais especificamente, a do Boi-Bumbá,


de, infra-estrutura e serviços públicos, e sob


instrumentos legais que sustentam as orien- explicitam-se nos currículos escolares de Parin-

tações de gestão ambiental. A etnografia, na tins, assim como sua vinculação com a questão

perspectiva da descrição densa, proposta por ambiental. Concebe a escola como um territó-

rio de luta, e a pedagogia, uma forma de política


Geertz (1978), é assumida pela pesquisa como


procedimento metodológico que permite des- cultural (Giroux e Simon, 1999); por sua vez, con-

crever o Boi como prática cultural e como ati- cebe o currículo como uma frente privilegiada

vidade impactante. Isso significa inscrever a di- de luta de qualquer estratégia de intervenção

cultural do processo de transformação.


mensão educativa do Boi na problemática da


Educação Ambiental como campo teórico-prá- Definiram-se como universo da pesquisa as



tico, buscando uma adaptação da etnografia à 12 escolas localizadas na zona urbana de Parin-

educação. tins, da esfera estadual, atuando no 3º e 4º ciclos



(5a a 8a série) do Ensino Fundamental. O proces- população local. Utilizou-se um instrumento



so de investigação empenhou-se em incorporar que permitiu registrar os dados a partir de en-



os pressupostos básicos implícitos em uma abor- trevistas semi-estruturadas. Apesar de, na abor-



dagem qualitativa, utilizando entrevistas semi- dagem qualitativa, preponderarem pequenas


estruturadas em conjunto com a observação par- amostras, definiu-se entrevistar 500 residentes,



ticipante e a análise de documentos como alter- numa população urbana de aproximadamente



nativa para recolhimento de dados, bem como 50 mil habitantes. Optou-se por amostragem


o desenvolvimento de categorias para proceder aleatória, podendo ser caracterizada como



à análise das respostas concedidas. Foram efeti- amostragem por conglomerado, considerando



vadas 12 entrevistas com a direção de cada es- que os entrevistados foram envolvidos no ambi-



cola e 78 com os professores das disciplinas que ente escolar e fora dele. O instrumento para a


compõem a grade curricular das escolas envol- coleta de dados foi utilizado como um guia,



vidas na pesquisa. A triangulação dos resultados estabelecida a abordagem qualitativa, e foi ela-



permitiu a descrição crítica da incorporação das borado a partir de uma pesquisa prévia com a


manifestações culturais do Festival Folclórico ○
população residente para identificação dos
nos currículos e sua vinculação com a questão parâmetros a serem analisados, a fim de permi-

ambiental, tendo o meio ambiente como tema tir uma avaliação dos impactos positivos e ne-

transversal, conforme preconizam os Parâmetros gativos do Festival Folclórico de Parintins.



Curriculares Nacionais. Analisando os resultados advindos da análi-


se descritiva, dos relatórios produzidos por meio



Boi-Bumbá como atividade impactante do software e comparando, quando possível, as



estatísticas oficiais atuais com o que as pessoas


A pesquisa propôs-se levantar indicadores do


relatam a partir de suas percepções, tornou-se

Boi-Bumbá como atividade impactante para, em


possível caracterizar: informações preliminares


conjunto com os indicadores do Boi-Bumbá


dos entrevistados; serviços básicos (em qualquer


como prática cultural, projetar e avaliar um pro-


época e durante o Festival); alimentação (em


grama de Educação Ambiental a ser trabalhado

qualquer época e durante o Festival); saúde (em


pela população residente na sensibilização


qualquer época e durante o Festival); Festival


quanto à questão ambiental. Ao referencial teó-


Folclórico de Parintins – preparativos; visitantes;


rico são acrescidas reflexões sobre o fenômeno


impactos ambientais causados pelo Festival Fol-


turístico e sua vinculação com a indústria cultu-

clórico; educação; e questão ambiental – um pro-


ral que, segundo Coelho (1998), é vista ora como


blema conceitual?

responsável pela alienação das massas, ora como



reveladora para o ser humano de suas significa-


ções e do mundo que o cerca. Boi-Bumbá como suporte para um


programa de Educação Ambiental


Os impactos socioambientais do turismo



são discutidos convergindo para as con- Foi projetada e implementada uma estraté-

seqüências sobre a cultura das regiões visita- gia de Educação Ambiental com base nos mar-

das, numa demonstração de que os impactos cos referenciais nacionais e internacionais, con-

desfavoráveis se apresentam com maior inten- siderando as potencialidades e a problemática



sidade nos locais onde acontece a convergên- em torno das manifestações culturais contidas

cia de um fluxo turístico de massa, como em no Festival Folclórico de Parintins, a fim de en-

Parintins, que, pelos dados estatísticos, chega volver visitantes e residentes com a questão

a dobrar de população residente na zona ur- ambiental.



bana, por ocasião do Festival. A exploração da dimensão educativa de prá-



Voltando-se para a população residente, a ticas culturais de intensa ação sígnica, como su-

pesquisa efetiva a segunda intervenção na reali- porte de ação pedagógica ambiental, produz

dade, objetivando o levantamento da situação uma conexão imediata entre Educação Ambien-

ambiental de Parintins a partir da percepção da tal e cidadania. Partindo do conceito de cultura



146
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental

proposto por Geertz (1978, op. cit.) como teia de poração da temática ambiental.



significação simbólica, a pesquisa propõe a abor- Partindo da seleção prévia das toadas, o con-



dagem da cultura como texto que pode ser lido curso foi integrado por dois componentes



e interpretado. Incorpora a semiótica de Peirce indissociáveis: desenhos expressando as mensa-


(1977), que concebe a comunicação como uma gens das toadas escolhidas e mensagens buscan-



relação entre autor, intérprete e interpretante. do a sensibilização quanto à problemática



A dimensão educativa do Boi-Bumbá, em ambiental.


relação aos impactos que provoca, do ponto de Os desenhos e as mensagens selecionados, 147



vista do recorte epistemológico, coloca este tra- em número de 202 cada um, representando 16%



balho como tema e problema no campo da Edu- dos produzidos, integraram uma mostra para



cação Ambiental. A estratégia de Educação envolver, desta feita, o público participante do


Ambiental pautada na realidade amazônica de- XXXIII Festival Folclórico de Parintins. Foram



senvolveu-se em três momentos fundamentais: escolhidos, ainda, desenhos representativos de



• antecedendo o Festival, com a preparação e cada toada selecionada, com a finalidade de se-


o envolvimento da população residente para


rem transpostos para um muro pelo trabalho de


atuar na sensibilização dos visitantes, cons- artistas plásticos locais; esses painéis integraram



tando de um concurso escolar dirigido à re- o processo de sensibilização de visitantes e de

flexão sobre os impactos causados ao meio ○

residentes no período de realização do Festival.


ambiente, aproveitando as manifestações

Muro e exposição propriamente dita constituí-


culturais;
ram objeto de pesquisa quanto ao potencial das

• durante o Festival, com a exposição dos tra- festas populares para a Educação Ambiental.

balhos selecionados, envolvendo a popula-


A presente pesquisa impôs aos desenhos e


ção visitante e residente na análise dos de- às mensagens um arbitrário cultural possível

senhos e mensagens, considerando-se impli- de cooperar para provocar mudanças de valo-


citamente a relação autor, intérprete e


res, comportamentos e estilos de vida neces-


interpretante;

sários ao desenvolvimento sustentável; enfim,


• após o Festival, com a avaliação dos resulta- contribuir para forjar uma população prepa-

dos obtidos e a consolidação de um novo rada para respaldar as mudanças necessárias


processo de sensibilização participativo.


à sustentabilidade.

Partiu-se do pressuposto que, dessa forma,


O processo de sensibilização teve a escola a população poderia, a partir da contemplação



como ponto de partida. Com o objetivo de en- dos trabalhos, perceber as letras das toadas e sua

volver a comunidade na construção da estraté- relação com a questão ambiental, assim como a

gia, inicialmente estabeleceu-se um concurso complexidade em torno da qual a discussão da


envolvendo as escolas da rede urbana de temática se estabelece, visando a um compro-



Parintins. metimento e a uma participação mais efetiva na



As escolas, em número de 12, apresentaram problemática contemporânea.



como universo a ser atingido 9.837 alunos, as- Efetiva-se a terceira intervenção na realida-

sim matriculados: 6.686 alunos de 5a a 8a série, de por meio de um instrumento de pesquisa,



no Ensino Fundamental, e 3.151 alunos no Ensi- com perguntas abertas, sustentado em sete tó-

no Médio. picos: identificação do entrevistado; participa-



As toadas (canções) foram escolhidas como ção no Festival/cuidados com a ilha; problemas

ponto de partida para a estruturação da estraté- ambientais percebidos; toadas e preocupação



gia pelo fato de incorporarem à temática central com o meio ambiente; aspectos relevantes nos

a discussão de problemas relacionados ao meio desenhos e nas mensagens; avaliação da estra-



ambiente, em sua totalidade e complexidade. tégia para sensibilização quanto à problemática


Foram escolhidas, a partir da análise de conteú- ambiental; e sugestões para melhorar o trabalho

do, 12 toadas de cada Bumbá, pertencentes aos de sensibilização.



festivais de 1991 a 1998, considerando a incor- A pesquisa, ao envolver visitantes e residen-



tes na análise dos desenhos e das mensagens, uti- • utilização das manifestações culturais no



lizou como estratégia a seleção de três trabalhos processo de sensibilização para a problemá-



por série. Foram realizadas 242 entrevistas; a tica ambiental, com ênfase na conscien-


tização da opinião pública;


amostra aleatória foi constituída por aqueles que


concordaram em participar do processo de sele- • inserção das manifestações culturais nos



ção dos desenhos e mensagens da exposição e dos currículos escolares para trabalhar meio



painéis do muro, ambos preparados para esse fim. ambiente como tema transversal, a fim de


Considerando a avaliação dos participantes, contribuir para a educação formal voltada



as ações do Programa de Educação Ambiental, para o meio ambiente e para a susten-


tabilidade.


pautadas nas potencialidades e nos problemas



socioambientais identificados, demonstraram


constituir uma alternativa importante que, uti- Utilizando-se as manifestações culturais



lizando as manifestações culturais, por meio das emanadas do Festival Folclórico de Parintins


para a sensibilização quanto à questão ambien-

festas populares, se consolida num processo en-

volvendo o ensino formal e o não-formal, na ○

tal, em sua complexidade e totalidade, foi pos-
construção de uma sociedade comprometida sível verificar que o processo desencadeado a

com o meio ambiente. partir da escola até a sociedade em geral, pre-


sente à festa, permitiu um envolvimento de vá-


Dessa forma, a Educação Ambiental, ao se


rios segmentos na reflexão da problemática


valer dos elementos do Festival, pretende con-


tribuir para que a questão ambiental seja com- contemporânea.



preendida na dimensão e na complexidade a ela A partir de alunos, professores, diretores,


enfim, do corpo administrativo das escolas, bem


pertinentes, principalmente com relação aos


países emergentes, onde as disparidades ema- como dos familiares, artistas locais e visitantes,

nadas das relações de dominação dos países de- a questão ambiental foi percebida por meio das

senvolvidos impõem uma visão reducionista, toadas, quer numa perspectiva “naturalista” –

exaltação à beleza da natureza, restringindo ou


que permite manter o status quo e uma atribui-


ção de responsabilidade unilateral. privilegiando o significado do meio ambiente em



seus aspectos físicos e biológicos, dissociando a


sociedade da natureza –, quer numa perspecti-


Considerações finais

va “socioambientalista” – percebendo, além do



A Educação Ambiental foi concebida, pela pes- ambiente natural, o meio antrópico sujeito aos

quisa, na vertente socioambientalista (Medina e empreendimentos do homem condicionados


essencialmente pelas relações sociais, com ên-


Santos, 1994: 65-66), da qual vale a pena destacar:


é proposta como uma alternativa educacional fase nos modelos de desenvolvimento impostos

complexa; faz uma análise histórica das situações e predatórios.



ambientais como produto do próprio processo his- A pesquisa evidenciou a eventualidade e o


reducionismo com que as manifestações cultu-


tórico da humanidade; postula uma educação para


a vida em toda a sua diversidade e complexidade; rais derivadas do Festival Folclórico integram a

propõe uma educação voltada para o futuro, po- proposta curricular de Parintins. A forma como

rém firmemente assentada nas análises do passa- as escolas responderam confirma que os educa-

dores têm tradicionalmente considerado a cul-


do, capaz de pensar e construir uma utopia real ou


realizável; visa a uma educação efetivamente crí- tura popular como um conjunto de conhecimen-

tica, que deverá caminhar até a superação das con- tos e prazeres desvinculados da pauta da esco-

tradições da educação sistemática. larização e como um terreno marginal e perigo-


so, algo contra o qual se deva ser imunizado.


A sistematização da pesquisa converge para


duas recomendações advindas das avaliações re- Restringem o tratamento das manifestações cul-

alizadas, considerando o potencial identificado turais às disciplinas específicas, não permitindo



nas manifestações culturais para o tratamento uma reflexão mais aprofundada da questão

ambiental. A vinculação à questão ambiental é


da questão ambiental:

148
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental

percebida, mas, quando explorada, exalta os São objetivos a curto e médio prazo estimular as



impactos causados ao meio físico, principalmen- capacidades de participação social responsável



te pela utilização dos recursos naturais, em de- e a intervenção ativa nas problemáticas locais



trimento dos relacionados aos aspectos sociais. de cada comunidade, assim como tomar cons-


Apesar do reconhecimento da inserção da ciência dos conflitos transnacionais que se pro-



questão ambiental no processo educacional, ela duzem no plano internacional. Constitui fina-



está reduzida à esfera disciplinar, não se enfa- lidade dos temas transversais, a longo prazo,


tizando, em momento algum, o efetivo trabalho potencializar o livre desenvolvimento pessoal 149



interdisciplinar necessário ao seu tratamento. A da sociedade do futuro.



preservação do meio ambiente e a conscien- Os Parâmetros Curriculares Nacionais – pro-



tização dos alunos parecem ser possíveis sim- posta de reorientação curricular da Secretaria de


plesmente por meio da utilização de estratégias Educação Fundamental do Ministério da Educa-



e/ou recursos didáticos. A vinculação dos temas ção – ao elegerem a cidadania como eixo verte-



transversais às datas comemorativas e à realiza- bral da educação escolar, reconhecem a neces-



ção de eventos, como feiras de Ciências, pre- sidade de que as questões sociais sejam apresen-


figura que esses trabalhos “conjuntos” são pon- tadas para a aprendizagem e a reflexão dos alu-



tuais e, portanto, não atendem ao princípio da nos, indicando um tratamento didático que con-

transversalidade em busca da construção da temple sua complexidade e sua dinâmica com a



interdisciplinaridade. mesma importância das áreas convencionais.


Existe consenso quanto à importância da in- Dessa forma, propõem um conjunto de temas

serção das manifestações culturais nos currícu- denominados temas transversais: ética, meio

los escolares para trabalhar meio ambiente como ambiente, pluralidade cultural, saúde, orienta-

tema transversal, conforme preconizam os Pa- ção sexual, trabalho e consumo.



râmetros Curriculares Nacionais, considerando O meio ambiente, concebido na dimensão da



as potencialidades e a problemática envolvidas presente pesquisa, bastaria como tema transver-



nas festas populares, tanto do ponto de vista de sal único, considerando que em sua complexi-

sua constituição cultural e/ou de seus impactos, dade e totalidade incorporaria os demais temas.

dada a complexidade da questão ambiental. Isso, operacionalmente, resultaria em uma con-



Os temas transversais constituem um dos vergência de esforços para a efetiva implemen-



aportes teóricos mais inovadores que recente- tação dos Parâmetros. Em sendo assim, propõe-

mente deram à luz a teoria curricular contem- se meio ambiente como tema transversal para

porânea. Pode-se afirmar, até mesmo, que em trabalhar os demais propostos, e as manifesta-

boa medida a viabilidade da reforma atualmen- ções culturais como uma alternativa para traba-

te pretendida no Brasil depende do tratamento lhar o meio ambiente como tema transversal no

que se dê a esses temas, em cada centro educa- Ensino Fundamental, mais especificamente de

tivo. O conceito de eixo transversal se refere a 5a a 8a série, ou seja, 3o e 4o ciclos.



um tipo de ensino que deve estar presente na As potencialidades e as problemáticas do Fes-



Educação obrigatória como “guardiã da interdis- tival Folclórico de Parintins constituem a base

ciplinaridade” nas diferentes áreas do conheci- para que os temas transversais possam ser desen-

mento; não como unidades didáticas isoladas, volvidos, numa perspectiva interdisciplinar e com

mas como eixo claro de objetivos, conteúdos e uma motivação pertinente ao prazer do qual

princípios de procedimentos que vão dar coe- emergem as manifestações. Gaudiano (1997: 144-

rência e solidez às matérias e salvaguardar suas 145) reconhece que a “Educação Ambiental pode

interconexões, na medida do possível. fazer qualitativas contribuições na busca de uma



A transversalidade radica-se na incorporação pedagogia da diferença em oposição a uma pe-



de uma perspectiva ética e de um posiciona- dagogia da desigualdade”. Uma pedagogia em que


mento crítico ante a realidade, perante o clássi- o indivíduo, a partir de seus interesses, aspirações

co tratamento conceitual inspirado na idéia de e desejos de mudança social, reúna condições de



compartimentalização das diferentes matérias. pertencer à realidade que deve construir com base

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