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AMBIENTAL
Marilda Almeida Marfan
Organizadora
Vo l u m e 3
Brasília
2002
PRESIDENTES DO CONGRESSO
IARA GLÓRIA AREIAS PRADO
Secretária de Educação Fundamental
MARIA AUXILIADORA ALBERGARIA
Chefe de Gabinete
COMISSÃO ORGANIZADORA
Coordenadora: Rosangela Maria Siqueira Barreto
Renata Costa Cabral
Fábio Passarinho de Gusmão
Lívia Coelho Paes Barreto
Sueli Teixeira Mello
COMISSÃO CIENTÍFICA
Coordenadora: Marilda Almeida Marfan
Ana Rosa Abreu
Cleyde de Alencar Tormena
Jean Paraizo Alves
Leda Maria Seffrin
Lucila Pinsard Vianna
Nabiha Gebrim de Souza
Stella Maris Lagos Oliveira
CDU 371.13
Patrocínio: PETROBRAS
Apoio: Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 5
Iara Glória Areias Prado
SIMPÓSIOS
SIMPÓSIO 1 9
TRANSVERSALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE: DIFICULDADES, AVANÇOS, POSSIBILIDADES
Ralph Levinson – Inglaterra
Michèle Sato – UFMT/MF
Walter Omar Kohan – UnB/DF
SIMPÓSIO 2 27
QUESTÕES AMBIENTAIS E O PAPEL DA ESCOLA
Leila Chalub Martins – UnB/DF
José Manoel Martins – Escola Logos/SP
Jaime Tadeu Oliva – USP/SP
SIMPÓSIO 3 49
ÉTICA E MEIO AMBIENTE
José de Ávila Aguiar Coimbra – USP/SP
Paulo Jorge Moraes Figueiredo – Unimep/SP
SIMPÓSIO 4 65
FORMAÇÃO DE PROFESSOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL: METODOLOGIAS E PROJETOS DE TRABALHO
Isabel Cristina de Moura Carvalho – Emater/RS
Lucila Pinsard Vianna – SEF/MEC
PALESTRA 78
OS DIVERSOS OLHARES DA AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL – FANTASIAS DE UMA AUTORA
Léa Depresbiteris – Senac/SP
SIMPÓSIO 5 89
A IMPORTÂNCIA DO MEIO AMBIENTE NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Fábio Feldmann – IPSUS/SP
Pedro Jacobi – USP/SP
Lúcia Pinheiro – Projeto Travessia/SP
SIMPÓSIO 6 101
POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Edgar González Gaudiano – México
Bernardo Kipnis – UnB/DF
Lucila Pinsard Vianna – SEF/MEC
PAINEL 1 121
FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Luiza Rodrigues – Projeto Mimoso – Cuiabá/MT
Sônia B. Balvedi Zakrzevski – Projeto Erechim/RS
Marta Ângela Marcondes – Rio Grande da Serra/SP
PAINEL 2 133
APRESENTAÇÃO DE PROJETOS DE TRABALHO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Maria Fernanda Lopes Pimentel – Projeto Várzea/PA
Antônio Fernando S. Guerra – Projeto EducAdo/SC
Andréa Imperador Peçanha Travassos – Projeto Ipê/SP
Elizabeth da Conceição Santos – Universidade do Amazonas/AM
APRESENTAÇÃO
SIMPÓSIOS
SIMPÓSIO 1
TRANSVERSALIDADE
E INTERDISCIPLINARIDADE:
DIFICULDADES, AVANÇOS,
POSSIBILIDADES
Ralph Levinson
Michèle Sato
9
Transversalidade e interdisciplinaridade:
○
○
○
organizando formas de conhecimento
○
○
○
para o aluno
○
○
○
○
○
Ralph Levinson
○
○
Universidade de Londres/Inglaterra
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
necessidades do cliente, a improvisação e as to-
○
○
Os conceitos de transversalidade e interdiscipli-
madas de decisão exigidas em um cenário indus-
○
naridade são discutidos identificando-se as diferen-
○
○
trial. Entretanto, se nenhum conceito ou habili-
ças teóricas entre transferência e cognição localiza-
○
Introdução
○
atributos de um domínio ou contexto para outro. certamente, há poucas evidências empíricas que
○
○
Há, portanto, um elemento de generalização as- permitam julgar o sucesso de grupos interdisci-
○
aplicado ou utilizado em outra área. Por exem- conhecimentos e habilidades transferíveis seria
○
○
plo, um aluno que tenha adquirido o domínio de de grande valor material para quem aprende, e
○
para a manipulação de dados científicos, a pro- entendimentos e habilidades para a sala de aula,
○
○
gramação de instrumentos analíticos, ou a inter- como poderia haver qualquer obstáculo no cami-
○
ram comigo, em tom de reclamação, que alguns Grande parte do trabalho sobre a transferên-
○
de seus funcionários com curso superior e diplo- cia de habilidades e conceitos está associada à
○
○
Analítica não conseguiam realizar análises sim- competências e habilidades em estágios especí-
○
○
ples exigidas pela empresa. Esses funcionários ficos do desenvolvimento cognitivo pedindo a
○
precisaram passar por um novo treinamento. O crianças que operacionalizassem tarefas, tais
○
○
ambiente acadêmico não envolve a resposta às abstratas, generalizáveis. Sem abalar a base teó-
○
10
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
rica do trabalho de Piaget, outros teóricos pos- faixa etária de 12 a 16 anos não conseguiram
○
○
teriormente demonstraram que, modificando o apresentar explicações consistentes (Clough e
○
○
contexto da tarefa por meio do emprego, por Driver, 1986). Alunos de 12 e 13 anos não foram
○
○
exemplo, de figuras mais conhecidas ou da não- capazes de aplicar os conceitos e as habilidades
○
utilização de um adulto para fazer as perguntas, científicas aprendidas em Ciências a um projeto
○
○
um número bem maior de crianças tinha condi- afim na área de tecnologia, exceto da forma mais
○
○
ções de realizar essas tarefas abstratas com mais rotineira e algorítmica (Levinson, Murphy et al.,
○
sucesso do que se pensava anteriormente. As 1997). Os alunos com bom conhecimento e en- 11
○
○
tarefas começaram a fazer “sentido humano”, em tendimento dos conceitos científicos ficaram
○
○
vez de serem vistas como remotas ou difíceis confusos ao empregar os conceitos em
○
○
(Donaldson, 1978). Donaldson encarava os cres- tecnologia. Alunos nessa faixa etária, por exem-
○
centes progressos intelectuais que acompanham plo, aprendem que a água não conduz eletrici-
○
○
o desenvolvimento das crianças como um dade. Entretanto, ao construir um sensor de
○
○
desencravar progressivo de competências lógi- umidade, os alunos aprendem que a água forne-
○
○
cas latentes. Em outras palavras, as crianças apri- ce uma ponte de condutividade entre os fios na
○
moravam seu pensamento abstrato. base do sensor. Para os alunos, os conceitos en-
○
○
Os construtivistas sociais foram ainda mais sinados em ciência e em tecnologia eram apa-
○
○
tuais não são descontextualizadas, mas sim cul- conhecimento para a ação prática, Layton utili-
○
○
(Walkerdine, 1988; e Solomon, 1989). Assim, 2+2 a reconstrução do conhecimento científico ad-
○
não são 4 se a operação for realizada em uma quirido, a fim de que se alcance sua articulação
○
○
máquina fotocopiadora (22 cópias serão produ- com a ação prática em tarefas tecnológicas”
○
○
ral constituem o fator crucial na competência de princípios lógicos, por exemplo, é tida como ne-
○
○
tarefas, conforme indicam pesquisas no campo cessária, embora não ofereça condições sufici-
○
○
Carraher e outros (1991) sobre crianças de rua 2001). A Aceleração Cognitiva por meio de Pro-
○
○
no Recife demonstraram que essas crianças eram jeto de Educação Científica (Case) vem demons-
○
○
bem mais competentes para solucionar proble- trando que, para alunos na faixa etária de 12-13
○
○
que para resolver problemas formais com lápis aulas de Ciências têm produzido um aumento
○
○
e papel. Entretanto, esses estudos mostram que das notas de crianças em grupos de controle,
○
○
a aritmética praticada na escola é mais eficiente quando estas fizeram seus exames nacionais dois
○
○
nas formas pelas quais os cálculos são efetuados. anos após a intervenção. Como o aumento das
○
Concluem dizendo que as escolas devem intro- notas ocorreu não apenas em Matemática e Ci-
○
○
duzir sistemas formais de matemática em con- ências, mas também em Inglês, as habilidades
○
○
Um estudo sobre adultos solucionando pro- 1996). Nem os educadores responsáveis pela in-
○
blemas de coeficiente isomórfico em situações trodução do Case, nem outros educadores, apre-
○
○
autênticas de compras demonstrou que essas sentaram até o momento uma estrutura teórica
○
○
mesmas pessoas não conseguiam solucionar capaz de explicar essas constatações. Entretan-
○
○
problemas semelhantes em um cenário mais for- to, a teoria da motivação, ela própria associada
○
mal (Lave, 1988). Ao fornecer explicações em di- ao contexto, tem sido empregada para explicar
○
○
○
○
o projeto não fez diferença (Leo e Galloway, sadas, menor será seu status.
○
○
1996). Outros sugerem que a associação estraté- A despeito do status da ciência como maté-
○
○
gica entre o conhecimento do processo científi- ria de prestígio e de seu isolamento de outras
○
co e o conhecimento conceitual produzirá resul- áreas do currículo, há uma necessidade real de
○
○
tados semelhantes àqueles alcançados pelo Case que algumas questões sejam abordadas. Os pro-
○
○
(Jones e Gott, 1998). Os dois postulados teóricos gressos mais recentes nas áreas de biomedicina
○
– transferência cognitiva ou re-localização/re- e biotecnologia indicam a necessidade de que
○
○
contextualização de conhecimento – constituem futuros cidadãos tenham uma compreensão bá-
○
○
os paradigmas predominantes e opostos na pes- sica, tanto no nível pessoal quanto no público,
○
○
quisa educacional sobre esse fenômeno. das controvérsias decorrentes dessas novas
○
tecnologias e a ciência que as corrobora. Enten-
○
○
der as implicações de um programa de controle
Interdisciplinaridade
○
○
genético, por exemplo, e a possibilidade de ser
○
A identificação de disciplinas sugere que há ○
○
portador de uma condição genética hereditária
alguma distinção entre a gama de conceitos e ha- é algo que diz respeito não apenas ao indivíduo,
○
○
bilidades incluídos em cada disciplina e uma mas também à sua família e à sociedade. A to-
○
○
das, tais como lógica formal e matemática, ci- seus relacionamentos pessoais e sociais e sua
○
○
ências físicas e estética. Embora essas formas de bagagem cultural. Os debates atuais sobre
○
entre si, isso não impede que haja inter-relações. modificados indicam que as decisões políticas
○
○
Fatos empiricamente comprovados, por exem- para sua aprovação são sensíveis à opinião pú-
○
○
plo, podem ser utilizados para justificar um prin- blica. A disseminação de informações resultan-
○
cípio moral. Isso não significa que a melhor ma- tes de testes genéticos traz importantes impli-
○
○
neira de organizar um currículo seja ensinar es- cações para a área de direitos humanos. A for-
○
○
Uma crítica a essa abordagem feita pela nova sabilidades por essas questões pressupõem que
○
○
sociologia diz que nada há de fundamental na dis- os cidadãos tenham algum controle sobre a ci-
○
○
tinção entre formas de conhecimento. A pergun- ência subjacente e uma conscientização da base
○
culo como conhecimento socialmente organiza- áreas médicas, do serviço social e do ensino pre-
○
○
do (Bernstein, 1973), se refere ao motivo pelo qual cisarão de uma bagagem apropriada que lhes
○
○
algumas matérias curriculares têm mais valor e permita lidar com as muitas questões éticas, so-
○
mos que isolam algumas matérias de outras. Na futuros cidadãos, precisam lidar com essas ques-
○
○
Inglaterra, por exemplo, a Física é vista como a tões contemporâneas, como e onde elas devem
○
○
ciência que corrobora todas as demais áreas ci- ser ensinadas nas escolas?
○
tem um status social pelo qual essa autoridade, Um projeto de pesquisa recente (Levinson e
○
emanada de órgãos de prestígio, como a Socie- Turner, 2001) estudou de que forma o que diz
○
○
dade Real, é gradualmente difundida para as es- respeito a controvérsias científicas foi ensinado
○
○
colas, mas não deve ser contaminada por outras no currículo. Após um levantamento quantitati-
○
○
matérias. Quanto maior for a possibilidade de que vo em larga escala nas escolas da Inglaterra e do
○
12
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
○
ria será tratada da mesma forma que sua opinião,
○
viduais e com grupos, direcionadas ao ensino de sobre a qual há discordâncias pessoais. Assim, o
○
○
controvérsias científicas, com professores de di- que você apresenta com base em fatos acaba
○
○
ferentes matérias, principalmente de Ciências, sendo tratado da mesma forma (professor de Ci-
○
Inglês e Humanidades. Uma série de diferenças ências, Escola A).
○
○
importantes surgiu:
○
○
○
• Os professores de Inglês e Humanidades en- [...] essas aulas (sobre controvérsias científi- 13
○
○
sinavam temas científicos controversos a cas) são geralmente as melhores. E isso porque
○
○
seus alunos pelo menos com a mesma fre- as crianças ficam absolutamente elétricas, vivas,
○
qüência com que o faziam os professores de e isso realmente as motiva. E você precisa
○
○
Ciências. gerenciar o debate, o que em uma sala de 20-30
○
○
alunos requer algum esforço. Mas são ossos do
• Os professores de Humanidades e de Inglês
○
ofício. Você então precisa dirigir o debate, porque
○
sentiam-se muito mais confiantes debaten-
○
do e discutindo questões científicas contro- você adquire a amplitude de entendimento de toda
○
○
versas do que os professores de Ciências, e a questão (professor de Inglês, Escola J).
○
○
empregavam uma gama bem mais ampla de
○ Essas observações foram profundamente re-
estratégias. ○
○
com essa avaliação, mas atribuiu alto valor à professores de Ciências se mostraram cautelo-
○
preocupados com o fato de que a abordagem negligenciadas porque não eram substancial-
○
○
similar informações incorretas, tal como a ços como o Projeto Genoma Humano e Clona-
○
○
clonagem de seres humanos adultos. gem forneceram material para suas discussões
○
○
tões científicas controversas de forma in- nidades poderão possuir conhecimentos e ha-
○
○
ciais da ciência associados à questão, ou ape- conectar esse conhecimento da ciência ao con-
○
nas abordavam os fatos e não os valores que texto social e de valor. Mas essas conexões ra-
○
○
diretora:
○
ências e Inglês:
○
Quando falamos da ética de qualquer coisa contrar lugar para coisas que não constam do cur-
○
damos uma opinião, em vez de apresentar algo rículo... e muitas dessas questões se prestam a
○
○
baseado em fatos. Quando você emite uma opi- abordagens curriculares cruzadas, não é verda-
○
○
nião, expressa discordância. Então, toda a maté- de? (vice-diretora, Escola E).
○
Assim, um sério obstáculo à integração é a fessores de Educação Religiosa achavam que
○
○
compartimentalização, devido à forma pela qual deveriam ter maior controle sobre o material,
○
○
o currículo está organizado na Inglaterra e no uma vez que este foi avaliado por meio da maté-
○
○
País de Gales, com os alunos sendo submetidos ria que lecionam.
○
a exames em diferentes matérias. Há, portanto, A formação de equipes interdisciplinares, por-
○
○
pouca motivação para que a integração ocorra. tanto, pode apresentar benefícios substanciais
○
○
Uma forma de colaboração e coordenação para a aprendizagem e pode também produzir um
○
curricular que parece promissora e estava sendo clima escolar positivo, maior satisfação com o tra-
○
○
desenvolvida por uma das escolas durante nossa balho entre professores e pontuações de desem-
○
○
pesquisa é o modelo intitulado “dia do colapso”, penho mais altas do que as escolas não-interdis-
○
○
que apresenta as seguintes características: ciplinares (Flowers, Mertens et al., 1999).
○
• Grupo de aprendizagem fora do calendário Mais pesquisas são necessárias para que se
○
○
curricular. possa avaliar a eficácia de abordagens interdis-
○
○
• Planejamento entre professores de diferen- ciplinares, mas a disposição de professores para
○
○
• Participação igualitária de todos os parcei- também oferece a oportunidade para que co-
○
da de reunir grupos de professores é a ruptura como ensinar os aspectos sociais e éticos da ci-
○
○
te um dia – para que professores de diferentes der a natureza, enquanto os procedimentos éti-
○
○
matérias possam ensinar seus alunos em conjun- cos operam com base em regras que ajudam a
○
○
to. Para tanto, os professores devem planejar em distinguir aquilo que deve ser daquilo que não
○
Mas a avaliação é uma questão crucial. Tanto ência pode nos ajudar a tomar decisões éticas,
○
○
professores quanto alunos levarão uma matéria conforme dito anteriormente, mas há procedi-
○
○
mais a sério se esta for formalmente avaliada e mentos comuns de pensamento tanto no ensino
○
zagem do dia do colapso, portanto, é avaliada por argumentos científicos dominam o cenário polí-
○
○
meio de uma dessas matérias de status elevado. tico, local ou globalmente, pessoal ou publica-
○
○
Na escola que adotou esse esquema, a avaliação mente, em áreas como tecnologia genética, pre-
○
não há razão para que avaliação não seja feita ticas e saúde mundial. Um grupo de cidadãos em
○
○
por meio de Ciências, Inglês ou qualquer outra desenvolvimento deve entender a natureza do
○
○
matérias devem ser parceiros iguais ao decidi- ético. No argumento científico, isso significa a jus-
○
○
rem o que deve ser ensinado no curso e como o tificativa de uma demanda decorrente dos dados
○
○
ensino deve ocorrer. Isso pode ser mais difícil do (Osborne, Erduran et al., 2001)(ver figura 1).
○
○
que se esperava – a pesquisa sugere que os pro- Um argumento ético pressupõe uma formu-
○
14
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
Figura 1
○
○
○
Antecedentes Asserção
○
○
Existem muitas variedades de bicos A diversidade de espéci-
○
de aves marinhas encontradas nas Informação es é um produto aleató-
○
Cada adaptação dá a cada espécie
○
ilhas Galápagos. rio da variação e seleção
○
uma vantagem competitiva.
○
pelo meio ambiente.
○
○
15
○
○
Evidência Conclusão
○
○
Doenças sexualmente transmissíveis Em alguns casos deveria
○
podem ser diagnosticadas antes da Afirmação de base ser permitida às famílias
○
A educação de uma criança doente
○
implantação. a escolha do sexo de seus
○
pode ser traumática para os pais.
○
filhos.
○
○
○
○
Evidência
○
○
A capacidade de uma família educar
○
uma criança doente depende da rede ○
○
to lógico tem uma conclusão corroborada por apoiar uma discussão sobre as dimensões éti-
○
○
uma declaração de apoio (Beardsley, 1975). Na cas no que se refere à escolha do sexo de uma
○
○
figura 1, duas evidências – uma científica e ou- criança. Ambos os professores teriam experi-
○
tra sociológica – são empregadas, embora a de- ência nos limites e na confiabilidade da evi-
○
○
claração de apoio e a conclusão possam ser con- dência. Idealmente, essa aula deveria envolver
○
○
testadas. Há paralelos para a localização das uma série de professores na sala de aula com
○
mas também em outras áreas, tais como histó- disciplinar adequado, não há motivos para que
○
○
O papel do professor é explicitar os elos en- professores com a mesma turma, em aulas di-
○
tre os argumentos. Todos os estágios, nesses ti- ferentes. Os alunos adquirirão experiência para
○
○
pos de argumentos indutivos, estão abertos a julgar questões contenciosas porque estarão
○
○
gias didáticas adequadas, geram uma aborda- tes contextos e, assim, aprendendo os limites
○
gem liderada pela pesquisa. Cursos de desen- da generalização da tomada de decisão. Novas
○
○
volvimento profissional podem apoiar os pro- pesquisas empíricas devem ser realizadas so-
○
○
fessores na identificação dos componentes de bre essa estrutura interdisciplinar e seu impac-
○
○
um argumento, na avaliação da validade das to na capacidade racional dos alunos para to-
○
dar os argumentos seriam exclusivas do con- BEARDSLEY, M. Thinking straight. New Jersey: Prentice-Hall
○
○
Inc., 1975.
texto do argumento.
○
No exemplo contencioso da figura 1 pode- CARRAHER, T.; CARRAHER, D. et al. Mathematics in the
○
○
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○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
Relações multifacetadas
○
○
○
entre as disciplinas
○
○
○
○
○
Michèle Sato*
○
○
○
○
A necessidade de abrir diálogos entre singular socrática, a lógica Aristotélica acabou prevalecen-
○
○
e plural não é nova. Heráclito (1996: 88) já orienta- do nos paradigmas da modernidade, sob o axio-
○
○
consoante e do dissonante”. Paradoxalmente, so- ticulares” (McLeish, 2000). A constatação era úni-
○
○
mos espécies singulares, mas também somos ca – o mundo tinha diversidade e singularidade,
○
○
marcadas pelas nossas identidades, mas somos acabaram imperando no mundo da ciência.
○
gênero humano. Apesar da orientação pré- O mundo, assim, foi testemunha das gran-
○
○
○
○
○
○
1
Acatando a recomendação internacional da Rede de Gênero, utilizamos a simbologia “@” para conferir espaços sociais de igualdade, que se
○
16
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
○
○
suas contribuições e significâncias, mas que cada contato com o mundo, que precede a todo pen-
○
○
vez mais fragmentava o conhecimento em ilhas samento sobre o mundo” (Merleau-Ponty, 1947:
○
4). O ser humano torna-se, assim, somente uma
○
isoladas do sistema, em que a condição onto-
○
lógica acabou prevalecendo sobre o debate epis- fatalidade no contexto universal, embora em al-
○
○
temológico, trazendo muito mais rupturas do gumas noites, a claridade dos relâmpagos mostre
○
a força incandescente capaz de ousar a civiliza-
○
que unidade. O estatuto do ser humano perante
○
a Terra trouxe a barbárie ao lado da civilização. ção. Necessitamos, assim, buscar estratégias que 17
○
○
Todavia, vale lembrar que somos protagonistas não se limitem a situações simplificadas, mas que
○
○
desta história humana, e que podemos, inclusi- nos ponham diante da complexidade do mundo.
○
Necessitamos de um conhecimento que “permi-
○
ve, desafiar leis matemáticas e compreender que
○
“um mais um é sempre mais que dois”.2 Afinal, ta que se viva a criatividade humana como a ex-
○
○
foi o postulado da própria Física Quântica que pressão singular de um traço fundamental co-
○
mum a todos os níveis da natureza” (Prigogine,
○
nos trouxe o “princípio da incerteza” e da relati-
○
1996: 14).
○
vidade, embora também tenha deixado o lega-
○
do da visão atomista da realidade. Existe, entre- Desde a Conferência de Tbilisi (1977), a Edu-
○
○
tanto, uma certa resistência fetichista contra a cação Ambiental é orientada como uma proposi-
○
cações e conhecimentos que exigem novas ousa- Isso implica dizer que a Educação Ambiental não
○
○
dias, novas ultrapassagens. Um dos grandes cola- é contra as especializações ou áreas específicas
○
repouse no ambientalismo. Ele nasce querendo to nas fronteiras dos diversos saberes, respeitan-
○
○
mento, por meio das denúncias das atrocidades divíduo ou grupo social possa oferecer. Ela não
○
prendimento mais criativo. Reivindicando um nar as arestas para que a realidade seja mais
○
○
pensamento que fosse além do legado financeiro palatável ao grupo dominador, mas propõe
○
○
nasce no sentido de tentar uma abertura do diá- as crises geradas fazem parte do nosso caminhar.
○
○
logo entre as ilhas isoladas dos sistemas das re- Avaliar nossas trajetórias, nesse contexto, é um as-
○
○
flexões e das ações. A Educação Ambiental, assim, pecto essencial para percebermos nossos erros e
○
e tenta buscar novas formas de pensar e agir, an- binária do pensamento cartesiano entre “culpa-
○
○
formas de vida e a tudo que tem relação com ela. nossas relações com @ outr@ (alteridade) e ten-
○
○
A proposta da Educação Ambiental é uma ten- tar ousar uma sociedade menos autoritária e com
○
2
Beto Guedes e Ronaldo Bastos. Sal da terra (EMI).
○
Inúmeras iniciativas foram tomadas no sen- tar uma revolução, na qual a dissonância pode ser
○
○
tido de fortalecer a Educação Ambiental no Bra- compreendida como parte da transição da
○
○
sil, por diversas organizações, governamentais ou modernidade e os conhecimentos se comple-
○
○
não. Muitas foram experiências bem-sucedidas e mentam para a interpretação conjunta de uma
○
com imenso potencial de sustentabilidade. No realidade (Sato, 2000).
○
○
setor da educação escolarizada, o Ministério da Moroni (1978) classifica a interdisciplinarida-
○
○
Educação (MEC) lançou em 1996 os Parâmetros de em teleológica (atua entre os níveis empírico
○
Curriculares Nacionais (PCN), com a temática e pragmático), normativa (entre os níveis prag-
○
○
“meio ambiente” como tema “transversal” que mático e normativo) e orientada (entre os diver-
○
○
fortaleceria a práxis interdisciplinar. Embora as sos níveis orientados e normativos). Para Sauvé
○
○
proposições não fossem tão novas, elas geraram (1994), a interdisciplinaridade pode estabelecer-
○
dúvidas e incertezas, que apareceram aos indiví- se fora dos muros acadêmicos e dos espaços for-
○
○
duos como um dos grandes desafios da cria- mais da educação e ser dividida em científica
○
○
tividade humana. (para a resolução de problemas cognitivos ou para
○
○
Por outro lado, também significou ultrapas- ○
a produção de conhecimentos); decisiva (para a
sagem, novas trajetórias – isto significou uma cer- tomada de decisões na resolução de problemas);
○
○
ta rebeldia de espírito e dúvidas das supostas “ver- criativa (para a produção de um novo objeto –
○
○
dades”. É provável que, em face dos dilemas soci- técnico, material ou instrumental); e pedagógica
○
○
ais e educacionais do Brasil, os PCN tenham sido (para favorecer a integração das aprendizagens e
○
do que urgente. Mas “agir na urgência, não signi- De acordo com Jantsch (1972), ao buscar a
○
○
fica agir com urgência” (Perrenoud, 2001: vi). Mes- interdisciplinaridade devemos pensar na origem
○
mo após tantas iniciativas, a Educação Ambiental (todas as circunstâncias acadêmicas que condu-
○
○
ainda continua fragilizada e talvez até mal com- zem a uma atividade interdisciplinar), na moti-
○
○
preendida, sendo muito mais popular em datas vação (todas as necessidades intelectuais e emo-
○
○
comemorativas, mediante campanhas com cionais relacionadas com a ideologia dos atores),
○
folders e cartazes e limitada, muitas vezes, à co- e no objetivo, uma vez que a interdisciplinarida-
○
○
leta seletiva de resíduos sólidos, sem posturas crí- de pode levar a uma gama extremamente variada
○
○
origina o excesso de consumo e estimula as desi- No diálogo de saberes, duas exigências são
○
Mas afinal, como vencer essa realidade e per- cada especialista, cujo domínio epistemológico e
○
○
mitir uma práxis interdisciplinar por meio dos te- metodológico possa contribuir para os avanços
○
○
mas transversais? Norgaard (1998) utiliza uma da construção dos conhecimentos; e o reconhe-
○
metáfora interessante para explicar a atividade in- cimento, por parte de cada um@, do caráter par-
○
○
terdisciplinar – ele recorre à orquestra como ima- cial e relativo da própria área (ontológico), de seu
○
○
gem para explicar a importância da interdiscipli- enfoque e de sua compreensão restritiva e parci-
○
○
naridade. Se tod@s @s pesquisador@s envolvid@s al (Japiassu, 1976). Além disso, convém lembrar
○
numa pesquisa possuíssem os mesmos entendi- que, para o desenvolvimento de atividade con-
○
○
mentos sobre determinado conhecimento, esta- junta, entra em jogo a estrutura do poder.
○
○
as mesmas notas musicais. Possuir conhecimen- mente humana, ao remetermos à motivação, res-
○
rável a uma orquestra, na qual o ato de tocar em de poder que se estabelece nas características d@s
○
○
conjunto requer partitura mais elaborada e com- atrizes e dos atores envolvid@s. Para Foucault, as
○
○
petência mais considerável. Ainda que numa or- relações entre grupos ou indivíduos trazem o me-
○
questra @s músic@s não possam escolher as par- canismo de poder, não na mera competitividade
○
○
tituras que tocam junt@s ou eleger @ regente, o ou na defesa dos territórios, mas na presença de
○
○
som da improvisação orquestral pode represen- um conjunto de ações que induz às outras ações.
○
18
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
Num trabalho coletivo, cada sujeito e cada mos a vida, afastando a violência e permitindo
○
○
grupo deve tentar viver humanamente o seu que a felicidade seja sempre possível.
○
○
tempo e participar como “cúmplice” – uma per- A prática interdisciplinar é, portanto, um lon-
○
○
sonagem na história coletiva, com a penetração go desafio do conhecimento. Ela repousa, essen-
○
crítica e a capacidade de ser solidári@, mesmo cialmente, na capacidade criativa e crítica que @s
○
○
que muitas vezes se sinta solitári@ também. professor@s possam ter sobre os reais objetivos
○
○
Para essa revolução de pensamentos, a da educação. O que o professorado aceitar e com-
○
contrapartida deve surgir de um ser criativo, preender como metas da Educação Ambiental 19
○
○
antagônico ao dogmático (Almanza et al., 1998). refletirá nas estratégias e na metodologia educa-
○
○
O respeito, a crítica ética mútua e a auto-avali- tiva. Sabemos, pois, que @s professor@s são su-
○
○
ação são elementos fundamentais na constru- jeitos imprescindíveis para manter ou modificar/
○
ção desse processo, muitas vezes doloridos, mas transformar/romper com o modelo tradicional de
○
○
validados sob a racionalidade apaixonada da ensino (transmissivo, enciclopédico e obsoleto)
○
○
construção de um espaço cívico comum. Em- e ignorar ou abordar os problemas que esse mo-
○
○
bora a conservação da biodiversidade seja um delo gera (Sato et al., 2001). Mas, infelizmente,
○
discurso muito comum na Educação Ambiental, “quase todas as críticas do sistema escolar são
○
○
respeitar as diferenças sociais talvez seja, ain- concentradas no mesmo bode expiatório: a for-
○
○
A temática ambiental deve permitir a visão siadamente curta, inadequada, inapta, insuficien-
○
global, mas a mediação pedagógica tem por obri- te, antiquada” (Perrenoud, 1993: 94).
○
○
gação revelar a subjetividade dos sujeitos. A ma- Essa “quase total” responsabilidade conferida
○
○
neira pela qual o mundo nos subjuga e o esforço à formação d@s professor@s em relação à prática
○
com o qual tentamos nos impor ao mundo for- pedagógica e à qualidade do ensino, à qual
○
○
mam o drama da vida. A resistência dos fatos, Perrenoud (1993) se refere, reflete a realidade do
○
○
entretanto, nos convida a transportar a nossa nosso sistema escolar, que é centrado exclusiva-
○
○
construção ideal para o sonho, e a esperança ali- mente na figura d@ professor@, como se el@ fos-
○
menta nossa crença, mesmo com todos os dissa- se @ únic@ condutor@/mediador@ de todos os
○
○
O sonho e o pensamento estão estreitamente li- que retiram seu papel do âmbito das transforma-
○
gados, sobretudo nos momentos em que as socie- ções sociais, retomando as máquinas do ensino,
○
○
dades se sonham a si mesmas. É importante, pois, “retirando a legitimidade d@s professor@s como
○
felicidade tarifada ao menor preço [...] os pode- cipalmente em face dos problemas e dos desa-
○
○
res dormem em paz, enquanto ninguém pode fios que enfrentamos neste mundo atual. Uma ne-
○
Talvez ali, onde a racionalidade da moderni- paradigmáticos e onde a função docente exercida
○
dade tropeça em seus limites, seja possível criar era pautada em critérios de verdade e cienti-
○
○
Afinal, estamos comprometid@s com a história Na concepção de Zakrzevski e Sato (2001), para
○
“Que os acontecimentos por vir nos oprimam ou professor@ precisa construir um novo conheci-
○
○
nos desesperem” (Lyotard, 1948: 17), mas que mento profissional. Esse conhecimento precisa ser:
○
○
○
Soterrado por uma avalanche de informações, pro-
○
rias e a ação profissional. fissionais das mais diversas áreas se ressentem de
○
○
• Um conhecimento integrador e profissiona- uma formação que venha torná-los capazes de
○
○
lizado, organizado em torno de problemas incorporar conhecimentos que lhes possibilitem
○
o aprimoramento de suas práticas. A sobrevivên-
○
relevantes para a prática profissional e que
○
promova em torno desses problemas a cia de certos profissionais e até a de sua profissão
○
○
interação e a integração construtivas entre o está profundamente vinculada à possibilidade de
○
○
saber acadêmico, as crenças e os princípios, uma formação contínua. Isso tem colocado para
○
os centros formadores e para aqueles que hoje vêm
○
as teorias implícitas e os guias de ação.
○
discutindo a formação do professor um problema
○
• Um conhecimento complexo, capaz de reco-
○
novo: formar o profissional que nunca está forma-
nhecer a complexidade e a singularidade dos
○
do (Pimenta, 2000: 94).
○
processos de ensino-aprendizagem e dos pro-
○
○
cessos de integração entre os saberes.
○
Para que a reflexão possa ter o enraizamento
○
• Um conhecimento tentativo, evolutivo e pro- ○
○
necessário, contribuindo para a compreensão
cessual, formulado em diferentes níveis de educacional, é preciso garantir certas condições
○
progressiva complexidade.
○
Não existe uma representação estática e ter- entre o grupo de formador@s de professor@s. É
○
○
uma hipótese de evolução dele. No campo da bilidade” (Morin: 2000), na ética e na solidarieda-
○
○
Educação Ambiental, não existe um itinerário de capaz de fazer emergir uma comunidade de
○
○
pelo qual tod@s professor@s devem passar, se- aprendizagem que contribua com o fenômeno
○
guindo uma trajetória linear, progressiva e ascen- educativo. Precisamos, assim, saber ouvir as inú-
○
○
dente, no processo de construção do conheci- meras “vozes ainda ausentes” da educação (Pi-
○
○
mento profissional. Existe uma espécie de menta, 2000). Somente nesse caminho é que po-
○
○
gradação na construção do conhecimento profis- deremos alcançar uma melodia orquestral, pela
○
sional, que vai de perspectivas mais reducionistas, qual, mesmo diferenciada em partitura, regente
○
○
estáticas, acríticas (modelos tradicionais de ensi- e local, as vozes consigam se manifestar e ser ou-
○
○
no), até outras coerentes com modelos alternati- vidas, para que seja realmente possível realizar a
○
○
sando por níveis intermediários que superam em A Educação Ambiental, nesse contexto de um
○
○
parte o modelo tradicional, mas apresentam obs- coro entre diversas vozes, deve permitir um co-
○
○
táculos que precisam ser transpostos. nhecimento ancorado em sonhos, que permane-
○
○
Levamos em consideração a idéia de que as con- ça no impulso criativo e crítico das diversas for-
○
cepções d@s docentes, bem como as condutas a elas mas de existência e que, sobremaneira, consiga
○
○
associadas, evoluem e mudam por meio de proces- novas formas de ultrapassagem às violências
○
○
no contraste com outras idéias e experiências. De- interdisciplinares é torná-la diferente. A propos-
○
○
fendemos a idéia de que a evolução das concepções ta curricular deve ultrapassar as relações do tem-
○
○
pode ser favorecida ou acelerada por processos de po e do espaço, possibilitando uma comunicação
○
○
investigação que desafiem os sujeitos a selecionar em rede, um diálogo que se abre na perspectiva
○
problemas; a tomar consciência das idéias e con- de romper com fronteiras do conhecimento. De-
○
○
dutas próprias; a considerá-las como hipóteses; a safia as amarras acadêmicas e propõe uma nova
○
○
buscar o contraste argumentativo e rigoroso com abertura, capaz de trazer uma dimensão mais
○
○
outros pontos de vista e com dados procedentes ampla. É bem provável que o caminho traçado
○
da realidade; a tomar decisões refletidas sobre as não seja fácil, mas somente aquel@s que guardam
○
○
idéias a serem mudadas e sobre por que mudá-las a Educação Ambiental em seus corações estarão
○
○
20
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
Propor a Educação Ambiental (e não o meio Assim, a Educação Ambiental inscreve sua traje-
○
○
ambiente) nos diálogos da interdisciplinaridade tória nesse cosmos, contemplando a identidade
○
○
é tomar a responsabilidade pedagógica, é alme- individual, como sujeito histórico do processo,
○
○
jar um planejamento curricular como possibili- tecendo redes coletivas num espaço social de
○
dade na desejada transformação social. Anco- alteridade e no respeito à natureza que poderá ter
○
○
rad@s na concepção de Merleau-Ponty (1971) e influências na construção de um mundo melhor.
○
○
Passos e Sato (2001), acreditam que todo currícu- A Educação Ambiental, como projeto de
○
lo deve ser fenomenológico. Em outras palavras, vida, põe-nos também “o caráter irremediável da 21
○
○
o currículo escolar, regional, flexível e adequado temporalidade, da duração” (Merleau-Ponty,
○
○
a cada realidade, deve se contrapor a qualquer 1971: 413). Não podemos estar abertos a possi-
○
○
determinação esmiuçada, já estabelecida e ofe- bilidades infinitas, sem restringi-las num ato de
○
recida como prato-feito, que pulveriza, assimila liberdade e de risco. Um ato de liberdade impli-
○
○
e aniquila a identidade. Deve rejeitar qualquer ca o sacrifício do abandono das possibilidades
○
○
coisa que possa ser feita sob nossa alienação, e infinitas, e a renúncia, o descompromisso do so-
○
○
sem nossa existência. brevôo, provocando a ancoragem, definitiva-
○
mente consubstanciada, da liberdade, engajada
○
○
Se é verdade que não há caminho sem o andar, é numa direção, que permita se engolfar apaixo-
○
○
sobretudo verdade que o trajeto não existe sem o nada, perdida e arriscadamente na vida (Passos
○
e Sato, 2001).
○
Bibliografia
○
futuro, inscrevendo e referenciando nossa existên- ALMANZA, Tulia et al. Hacia una pedagogía del porvenir.
○
cia à materialidade; a segunda nos chama além de Santafé de Bogotá: Instituto para la Investigación Educa-
○
○
fronteiras antes acenadas, reacomodando-a na FAZENDA, Ivani. Prefácio. In: PETRAGLIA, Izabel Cristina
○
○
perspectiva de um caminho pessoal, inédito, num (Org.). Interdisciplinaridade – o cultivo do professor. São
○
○
percurso que possa oportunizar transpô-las. Pôr Paulo: Pioneira/Universidade São Francisco, 1993.
○
limites às águias é provocá-las à transgressão (Pas- FOUCAULT, Michel. Subject and power. In: DREYFUSS, H.;
○
○
soluta já não mais pertence ao legado da Educação in education and innovation. In: CERI; OECD (Eds.).
○
○
Ambiental. Somos abertos a surpreender-nos pelo Interdisciplinarity. Paris: CERI/OECD, 1972. p. 97-121.
○
inesperado, pelo acontecimento, por novas relações JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e a patologia do sa-
○
○
(20):17, 1948.
○
O vento pode ser o mesmo, “mas toca diferentemen- MAFFESOLI, Michel. A contemplação do mundo. Porto Ale-
○
Haverá, então, uma nova paisagem que nos McLEISH, Kenneth. Aristóteles. São Paulo: Unesp, 2000.
○
○
convidará às novas perspectivas, às novas esco- MEIRELES, Cecília. Os melhores poemas de Cecília Meireles.
○
sa escolha individual, para com a constelação his- MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares
○
tórico-cultural que se tece numa totalidade, como Nacionais. Brasília: SEF/MEC, 1996.
○
○
natureza culturalizada na natureza-em-mundo. MORIN, Edgar. Saberes globais e saberes locais – o olhar
○
○
transdisciplinar. Rio de Janeiro: Garamond, 2000. escolares. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2000. p. 78-106.
○
MORONI, Antonio. Interdisplinarity and environmental PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas – tempo, caos e as leis
○
○
education. Prospects, 8 (4): 527-41, 1978. da natureza. São Paulo: Unesp, 1996.
○
NORGAARD, Richard. A improvisação do conhecimento dis- SATO, Michèle. Dialogando saberes na Educação Ambiental.
○
cordante. In: Ambiente e Sociedade, I(2): 25-40, 1998.
○
In: Encontro Paraibano de Educação Ambiental/2000 –
○
NÓVOA, Antônio. Prefácio à segunda edição. In: NÓVOA, A. “Novos Tempos”. João Pessoa: REA/PB e UFPB, Anais –
○
(Org.). Profissão professor. Porto: Porto Ed., 1995.
○
Seção Palestras, 1-12p., 8/10 nov. 2000.
○
PASSOS, Luiz Augusto; SATO, Michèle. Educação ambiental: . Réseau de dialogues au sujet de l’éducation
○
o currículo nas sendas da fenomenologia Merleau-
○
environnementale. In: Éducation relative à l´environnement.
○
Pontyana. In: SAUVÉ, Lucie; ORELLANA, Isabel; SATO, 2001. v. 3 (antecipé).
○
Michèle (Dir.). Sujets choisis en éducation relative à
○
SATO, Michèle; MONTEIRO, Silas; ZAKRZEVSKI, Cláudio;
○
l’environnement – d’une Amérique à l’autre. Montréal: ERE- ZAKRZEVSKI, Sônia. Ciências, filosofia e Educação
○
UQAM, 2001 (antecipé).
○
Ambiental – links e deleites. In: OLAM – Tecnologia, ciên-
○
PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão do- cia e educação. Rio Claro: Unesp, 2001. v. 1.
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cente e formação – perspectivas sociológicas. Lisboa: Pu-
○
SAUVÉ, Lucie. Pour une éducation relative à l’environnement.
○
blicações Dom Quixote/Instituto de Inovação Educacio- Montréal: Guérin Éditeur, 1994.
nal, 1993. ○
○
○
ZAKRZEVSKI, Sônia; SATO, Michèle. Refletindo sobre a for-
. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerte- mação de professor@s na Educação Ambiental. In:
○
PIMENTA, Selma G. A pesquisa em didática – 1996 a 1999. In: cação Ambiental à esperança de Pandora. São Carlos:
○
PPG-ERN/EdUFSCar, 2001
○
○
○
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
Neste trabalho, propomos colocar em questão Nesse sentido, afirmamos que propostas que dão
○
○
os dois termos centrais na proposta da mesa: “inter- ênfase a conceitos como “inter”, “multi”, “trans”
○
disciplinaridade” e “transversalidade”. Com relação disciplinaridade, e outros afins, não constituem uma
○
○
ao primeiro, é preciso pensar antes no termo “disci- ruptura real perante a escola disciplinar. Uma tal
○
○
plina” que ele contém. Partimos de sua etimologia mudança exige pensar uma educação não-discipli-
○
latina e das análises feitas pelo filósofo francês nar, num contexto atual caracterizado pela transi-
○
○
Michel Foucault para mostrar os dispositivos que ção das sociedades disciplinares às sociedades de
○
○
regulam a produção do saber, as relações de poder e controle (Deleuze, 1995). Finalmente, sugerimos
○
a constituição das subjetividades nas instituições uma forma de entender a transversalidade, a partir
○
○
modernas, entre elas a escola. A escola moderna re- da categoria de rizoma (Gallo, 1999), como princí-
○
○
flete, de forma nunca fiel, uma sociedade na qual a pio regulador das relações de poder–saber, numa
○
* Texto apresentado na mesa “Transversalidade e interdisciplinaridade: Dificuldades, avanços, possibilidades” no Primeiro Congresso Brasilei-
○
22
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
Não sou um especialista em Educação rão, de uma vez e para sempre, os problemas edu-
○
○
Ambiental. Tampouco a transversalidade e a in- cacionais. De tempo em tempo, alguns concei-
○
○
terdisciplinaridade têm sido foco importante de tos começam a ser utilizados cada vez mais in-
○
minhas leituras e investigações. Vocês estarão se sistentemente, até se transformarem em lugar-
○
○
perguntando, então, o que faço aqui, numa mesa comum de quase todas as propostas educacio-
○
○
que se propõe a discutir os avanços, as dificulda- nais. É o caso de conceitos como democracia, di-
○
○
des e as perspectivas da Educação Ambiental álogo, cidadania, inovação, autonomia. Todos os
○
como tema transversal. É uma boa pergunta e eu discursos educacionais se apropriam, em um 23
○
○
a fiz a mim mesmo várias vezes, antes e depois dado momento, de terminologias como estas.
○
○
de haver aceitado esse convite, gentilmente feito Tornam-se moda. De tanto usar, de tanto acom-
○
por Ângela Martins, a quem quero agradecer pu- panhar finalidades educacionais tão diferentes,
○
○
blicamente. acabam por perder o sentido exato. A partir des-
○
○
Trabalho na área de Filosofia da Educação e sa dificuldade, vamos propor alguns elementos
○
○
de ensino da Filosofia. Sou somente alguém que para pensar em transversalidade e interdiscipli-
○
lê filosofia e pensa e atua na educação. Concebo naridade.
○
○
a filosofia como uma prática, um exercício do
○
pensar e é isso que tratarei de mostrar-lhes nesta
○
○
○
Disciplina, escola
manhã: algumas idéias para pensar nos dois con-
e modernidade
○
ras, vocês sabem que na filosofia muitas pergun- teses clássicas do sociólogo da educação inglês
○
mas tentativas de respondê-las. E isso não é ne- da. Bernstein sugere que os sistemas educacio-
○
○
manter nossas dúvidas sobre a pertinência de lado, além da ideologia dominante, os princípios
○
que estarei lhes expondo. mente uniformes. Esta primeira tese não desco-
○
○
Essa explicação inicial não pretende ser uma nhece as diferenças existentes entre os diversos
○
○
desculpa, mas sim uma apresentação que lhes dê sistemas educacionais, mas destaca sua assusta-
○
elementos para contextualizar as idéias que lhes dora semelhança em contextos políticos e soci-
○
○
proporei. Não farei uma avaliação do modo pelo ais diferenciados (1996: 234); a segunda tese é que
○
○
qual a Educação Ambiental como tema transver- o discurso pedagógico não é um discurso especí-
○
○
sal está sendo trabalhada pelo MEC, ou nas suas fico, isto é, se apropria de outros discursos e os
○
escolas. Tampouco farei uma proposta sobre reorganiza visando sua transmissão e sua aquisi-
○
○
como deveria ser trabalhada. Só vou me dedicar ção seletivas; esse discurso não gera os discursos
○
○
a compartilhar com vocês algumas idéias sobre que veicula (1996: 259). Em outras palavras: o que
○
○
ponto de vista que entendo ser filosófico. Espero ção, vem de outros contextos, e sofre, em terreno
○
○
que essas idéias contribuam com seu pensamen- educacional, adequações e transformações.
○
○
to e sua prática. Este é o principal sentido que O conceito de disciplina parece-nos adequa-
○
○
outorgo a minha presença nesta mesa. do para exemplificar essas duas teses de
○
Uma questão inicial que gostaria de apresen- Bernstein. Além das diferenças culturais, sociais
○
○
tar é um estado de coisas que não favorece a pen- e políticas que fazem com que a disciplina ad-
○
○
sar nesses termos, dado pelo fato de que, pelo quira uma forma expressiva específica, sua fun-
○
○
menos na última década, hão se convertido numa ção é semelhante nos diversos sistemas educa-
○
variedade de modismos na educação. Esse cam- cionais. Por outro lado, o discurso educacional
○
○
po – tal como outros, embora de forma mais acen- sobre a disciplina – ademais, não só o discurso,
○
○
tuada – sofre o contínuo assalto de concepções, mas também um conjunto de práticas discursivas
○
○
○
se contexto. plinar são a vigilância hierárquica, a sanção
○
○
Para explicar melhor essa transposição, vamos normativa e o exame (Foucault, 1976: 175-198).
○
○
pedir ajuda à etimologia: a palavra disciplina, de Por meio dessas técnicas de saber-poder cada
○
origem latina, mantém os dois sentidos originá- uma dessas instituições produz mudanças signi-
○
○
rios: a) saber (quando nos referimos a “discipli- ficativas naqueles que por elas passam: de fato,
○
○
nas”, tais como Filosofia, Música ou Ginástica); b) não somos os mesmos quando deixamos a esco-
○
poder (quando dizemos “disciplina militar”). Em la, o hospital ou a cadeia, não só pelos efeitos vi-
○
○
latim, embora se trate de uma etimologia discu- síveis que essas instituições têm sobre nós, pelos
○
○
tida, disciplina parece uma forma abreviada do conhecimentos que adquirimos numa escola,
○
○
termo discipulina, de denotação educativa, liga- pelos curativos que são feitos sobre nosso corpo
○
da à aprendizagem (disci) da criança (puer), num nos hospitais ou pela perda de pigmentação na
○
○
duplo processo de saber-poder: apresentar deter- pele que sofremos nos presídios, senão, sobretu-
○
○
minado saber à criança e produzir estratégias para do, porque nelas transformamos a relação que
○
○
manter a criança nesse saber (Hoskin, 1993: 34). ○
temos com nós mesmos.
Vamos agora à filosofia. O que faz um filóso- O caso da escola é especialmente interessan-
○
○
fo, qual é sua atividade? A atividade filosófica, dis- te, na medida em que se trata de uma instituição
○
○
se Deleuze, tem a ver com situar problemas e cri- interessada explicitamente na “formação” de seus
○
○
ar conceitos que ajudem a pensar esses proble- visitantes; ela se propõe não só a ensinar conhe-
○
mas. O conceito de disciplina – pelo menos uma cimentos, divulgar saberes e capacidades – habi-
○
○
forma de entendê-lo – foi criado por Michael lidades e competências, dir-se-ia hoje –, senão
○
○
Foucault nos anos 1970 para responder à pergun- que busca, mais do que nada, formar pessoas,
○
no sentido de “quais são os mecanismos que re- lado, a escola moderna reflete a sociedade disci-
○
○
gulam, o estatuto e o regime que adquirem as re- plinar: se a escola é uma instituição na qual “a dis-
○
○
lações entre o saber e o poder nas sociedades ciplina constitui o eixo da formação do indivíduo”
○
modernas?”. A partir do sentido comum do ter- (Noyola, 2000: 113) é porque se situa numa socie-
○
○
mo, retratado na etimologia sugerida, Foucault dade com inspirações disciplinares. Por outro
○
○
fará um uso especial do conceito e o aplicará em lado, esse reflexo nunca é fiel, no sentido em que
○
○
suas análises das sociedades modernas, às quais o poder disciplinar adquire uma forma específica
○
Esse nome se deve a que essas sociedades es- tituições. Assim, para entender a escola moder-
○
○
tão estruturadas sobre a base de grandes centros na, temos de olhar dentro e fora dela. Fora, é pre-
○
○
de isolamento – a escola, o quartel, a fábrica, o ciso entender o dispositivo social mais comple-
○
hospital, a cadeia –, unidades fechadas e auto-su- xo, um conjunto heterogêneo, uma rede de dis-
○
○
tuições das sociedades disciplinares – que, segun- normas, saberes que têm como função estratégi-
○
○
do Foucault, se desenvolvem ao longo dos sécu- ca, na modernidade, a imposição do poder disci-
○
los XVII a XIX e alcançam seu apogeu no começo plinar (Foucault, 1979: 244). Dentro, é preciso
○
○
dos indivíduos que as atravessam, no sentido de poder disciplinar nos diferentes dispositivos pe-
○
○
que nelas sempre há um “outro” que determina o dagógicos. Das formas do poder disciplinar, o exa-
○
campo de ação próprio (Foucault, 1983: 221), me é a técnica educacional mais clara (Hoskin,
○
○
sempre é outro que diz o que se pode fazer (por 1993: 35). Nos últimos anos, diversos estudos têm
○
○
exemplo, na escola, o professor determina o cam- mostrado essa dimensão (veja, por exemplo, Da
○
○
Essas instituições são, ao mesmo tempo, for- der da disciplina nas sociedades modernas, é ne-
○
○
24
SIMPÓSIO 1
Transversalidade e interdisciplinaridade: dificuldades, avanços, possibilidades
cialização do saber que deu lugar às disciplinas. Algo semelhante acontece na educação. Num ní-
○
○
Cada vez são mais disciplinas, mais específicas, vel macro, o Estado afirma sua política educacio-
○
○
mais fechadas e independentes, que têm por ob- nal com base na avaliação da “qualidade” nos di-
○
○
jetivo diversas dimensões do ser humano, para o ferentes níveis educacionais. Essas avaliações
○
que fazem falta mais detentores do saber. Basta hierarquizam, dividem, premiam, castigam, fo-
○
○
ver nossas instituições educacionais, com um mentam a competência e a rivalidade entre as
○
○
único professor para poucos assuntos nos primei- diferentes “empresas” educacionais que, públicas
○
ros anos do Ensino Fundamental e uma varieda- ou privadas, são tratadas com a mesma lógica 25
○
○
de exponencial de áreas especializadas no Ensi- empresarial.
○
○
no Superior. Deleuze também afirma que todos os centros
○
○
de clausura modernos, entre eles a escola, se en-
○
contram numa crise generalizada, e as constan-
Sobre a transversalidade
○
○
tes reformas a que são submetidos não fazem se-
○
○
Quando se trata de reformas educacionais, o não prolongar sua agonia (Deleuze, 1995: 278). No
○
que está em jogo é o tipo de poder que se afirma
○
caso da educação, mais do que de reformas se tra-
○
por meio dos dispositivos que são postos em jogo ta de liquidações (Deleuze, 1995: 274). A liquida-
○
○
nas diversas dimensões, entre eles a estrutura ção é para um regime de maior controle, em que
○
○
curricular. Nesse caso, as propostas que dão ên- jogam um papel importante os sistemas de avalia-
○
rios outros termos afins, parecem construir-se ços fisicamente menos diferenciados, mais aber-
○
○
sobre a base de um elemento comum: a afirma- tos (educação a distância). Nossa relação com o
○
ção da disciplina. Segundo o modo como se en- tempo muda: se nas sociedades de disciplina
○
○
tenda cada um desses conceitos será possível che- sempre se começa outra vez em cada unidade, nas
○
○
gar a um resultado parcialmente diferente, mas sociedades de controle nada nunca acaba, a for-
○
○
em todos esses casos se afirma uma base comum, mação é contínua, permanente, inacabada
○
a disciplina, que será integrada, multiplicada, su- (Deleuze, 1995: 280). Nossa relação com o espaço
○
○
perada, atravessada, mas que de alguma forma também muda, os centros de clausura deixam
○
○
permanece presente na unidade que a integra. espaço a uma formação que vai a todos os luga-
○
É possível a institucionalização de outras for- der que não afirmem a disciplina e o controle?
○
○
mas de poder? É possível uma escola não-disci- Pode sobreviver na escola o poder da diferen-
○
dessas experiências, de que outras formas se exer- imprevisíveis? É possível uma escola não-hie-
○
○
ce o poder pedagógico? É factível esperar uma rárquica em sua forma de organização política,
○
curricular e espacial?
○
menos hierárquicas, autoritárias e discrimina- Essas perguntas são imensas e não estamos
○
○
tórias que o poder disciplinar? Que formas de em condições de respondê-las. Contudo, uma
○
○
poder desejaríamos que imperassem nas “nossas” educação que não discipline e controle requer um
○
Deleuze afirmava que as sociedades disciplina- quele imperante em nossas escolas. Em termos
○
○
res, aquelas baseadas na disciplina, têm deixado do saber, necessita um novo regime para a pro-
○
○
espaço às sociedades de controle (1995: 273). dução e a circulação da verdade dos saberes na
○
tituindo a fábrica. As empresas se regulam, entre o saber. Em termos do poder, precisa abolir um
○
○
cia e da rivalidade como estímulos ao progresso. exame e proporcionar práticas discursivas e não-
○
discursivas horizontais, não hegemônicas, 4. ruptura a-significante (o rizoma é um terri-
○
○
proporcionadoras de diferença. Em termos de tório sempre sujeito a linhas de fuga, é uma
○
○
subjetividade, requer que se deixe de produzir cartografia a ser sempre traçada, toda vez);
○
○
sujeitos dóceis, obedientes e fiéis consumidores 5. cartografia (um rizoma pode ser acessado de
○
para proporcionar sujeitos imprevisíveis, resisten- infinitos pontos e remeter a vários outros no
○
○
tes, que pensam o impensável. seu interior);
○
○
Vamos exemplificar essas idéias com o meio 6. decalcomania (a novidade não é decalcar o
○
ambiente. Os problemas do meio ambiente não
○
mapa, mas colocar o mapa sobre suas cópias,
○
são questões de um âmbito de saber específico. É possibilitando novos territórios).
○
○
uma área atravessada por saberes – daremos so-
○
Segundo Gallo, “assumir a transversalidade é
○
mente alguns exemplos, entre outros – que tradi-
transitar pelo território do saber como as sinapses
○
cionalmente chamaríamos de geográficos, bioló-
○
viajam pelos neurônios no nosso cérebro, uma
○
gicos, físicos, filosóficos, políticos.
○
viagem aparentemente caótica que constrói
○
Como tratar os problemas ambientais? Em
seu(s) sentido(s) à medida que desenvolvemos
○
○
termos do saber, como questões complexas,
sua equação fractal” (1999: 33).
○
relações coletivas e não-hierárquicas. Em relação DELEUZE, Gilles. Conversaciones. Valencia: Pre-textos, 1995.
○
sem hierarquias, com fluxos contínuos e múlti- . Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal,
○
○
1983. p. 208-26.
○
1. conexão (qualquer ponto do rizoma pode GALLO, Sílvio. Transversalidade e educação: pensando uma
○
17-41.
“outras”);
○
múltiplo; não pode ser reduzido a uma uni- NOYOLA, Gabriela. Modernidad, disciplina y educación. Mé-
○
○
26
SIMPÓSIO 2
QUESTÕES AMBIENTAIS
E O PAPEL DA ESCOLA
Leila Chalub Martins
27
Cuidar, cuidar-se: discutindo questões
○
○
○
ambientais e o papel da escola
○
○
○
○
○
Leila Chalub Martins*
○
○
○
○
○
Um livro muito instigante, que merece ser por si só uma ameaça à sobrevivência coletiva.
○
○
lido por todos os educadores, é O buraco branco Além disso, somos obrigados a investir em maior
○
no tempo, escrito por Peter Russel (1997).1 O li- produção e aumentamos também, de modo sur-
○
○
vro nos leva a ter, cada vez mais, a certeza de que preendente, o consumo. Do consumo excessivo
○
○
nunca houve, na Terra, outra espécie capaz de resulta desperdício e poluição. Uma olhada
○
○
modificar o mundo como temos feito. Nunca criteriosa pelo planeta (ver a respeito Brown,
○
tanto foi possível. E nunca tanto correu tanto ris- 2001) vai nos indicar que, a cada ano, a situação
○
○
co. Estamos vivendo tempos de grandes mudan- se agrava: além do crescimento populacional
○
○
ças, mas não apenas isso. O próprio ritmo das contínuo, o desaparecimento de florestas, a ero-
○
mudanças tem se acelerado crescentemente. são do solo, a pesca se esgotando, nível do mar
○
○
Essa aceleração não é um padrão do século pas- subindo, o aquecimento crescente do planeta...
○
○
sado, mas um padrão que percorre toda a histó- A visão crítica desse momento nos permite com-
○
○
ria do planeta. Se nós tentássemos reconstruir a preender que não mais basta apenas tentarmos
○
história da vida no planeta, iríamos verificar que reduzir nosso consumo. Mais que isso, é preciso
○
○
foram necessários bilhões de anos nesse proces- questionar como produzimos o que consumi-
○
○
so e que o homem somente vai surgir muitíssi- mos. Esse é de fato o enfrentamento que preci-
○
○
então, é brevíssima se comparada a todo proces- car uma produção ambientalmente sustentável,
○
○
Uma conclusão a que o livro nos leva é que possível mudar. Temos consciência da gravida-
○
onde quer que estejamos indo, estamos indo de da situação ambiental e recursos para empre-
○
○
surgimento da linguagem, há 50 mil anos, e hoje uma mudança de consciência, pois a origem de
○
na velocidade da luz, constituindo uma teia de atitudes e valores que confirmam a nossa pre-
○
○
abranger os 6 bilhões de seres humanos do pla- troladores do mundo. Mais que isso: temos um
○
neta. É espantoso como em tão curto espaço de enorme apego material, consumimos mais do
○
○
tempo foi possível à humanidade acumular tan- que precisamos e, com medo de que as coisas
○
○
Com muita habilidade e criatividade, temos pre voltados para o futuro, perdendo a experi-
○
mento humano e prolongar a vida. Mas não po- Estar preocupado sempre com o futuro des-
○
○
demos negar os efeitos colaterais decorrentes: a trói nossos relacionamentos: julgamos o outro a
○
○
explosão populacional que experimentamos é partir de sua disposição de aceitar o mundo tal
○
○
○
○
○
1
Há também o vídeo com o mesmo nome, produzido pela EMA Vídeo para a televisão – Estação Ciência, da Rede Globo de Televisão –, com
○
28
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
○
○
mos de digno ou indigno, de certo ou errado. Ja- tido de identificação do esforço necessário para
○
○
mais aceitamos que o outro seja diferente e em se construir o que se imagina, o que se cogita.
○
○
busca da sua paz de espírito. Daí ser usado, por extensão, com o sentido de
○
Com medo de que o mundo possa não ser dar atenção, tratar de. É também com todo esse
○
○
como queremos, somos sempre resistentes às sentido que se aplica o cuidar-se. Quando o ob-
○
○
mudanças. Por isso, gastamos em armas os re- jeto da atenção, do pensamento, da construção
○
cursos que poderiam assegurar a nossa sobre- utópica não é outro senão nós mesmos: nossos 29
○
○
vivência coletiva. Estamos sempre resistindo a corpos, nossas mentes, nosso eu. Acho interes-
○
○
mudanças com receio de que estas possam co- sante partir da idéia de cuidar, porque ela nos
○
○
locar em risco nossos interesses. É o nosso in- permite avançar no sentido da complexidade
○
teresse que subjuga nossa consciência, e não so- requerida pela educação no mundo atual. Cui-
○
○
mos capazes de compreender o risco de destrui- dar, como pensar, é assim um ato do espírito;
○
○
ção iminente. pressupõe o uso de faculdades criativas; aproxi-
○
○
Acumulamos muito conhecimento sobre o ma-se assim do criar.
○
mundo em que vivemos, sobre o espaço, sobre Ora, quando se fala de cuidar, cuidar-se,
○
○
a estrutura da matéria. Mas muito pouco sabe- estamos nos referindo, em última instância, ao
○
○
mos sobre as nossas mentes. Explorar e desen- que é Vida. Vida, nossa vida, qualquer forma de
○
○
volver a mente humana é, segundo Russel, o vida, condições para a vida. Falar de vida é, mui-
○
próximo passo da evolução. Uma evolução da tas vezes, falar de tudo o que precisamos para
○
○
consciência, que nada requer de mudança no melhor nos compreender no mundo, e com o
○
○
mundo externo, pois é uma mudança de per- mundo, mas não tivemos ainda a oportunidade
○
É com a inspiração e a provocação das lhor exemplo do milagre da vida somos nós
○
○
idéias de Russel que gostaria de construir a mesmos, e da permanente surpresa que essa
○
aproximação entre o meio ambiente e a esco- constatação provoca, não se trata de um conhe-
○
○
la. O que é necessário, sob o ponto de vista cimento novo, mas de um re-conhecimento. Re-
○
○
da formação das futuras gerações, para que a conhecer significa voltar ao conhecer; revisitar
○
○
humanidade possa dar esse salto, no sentido o conhecido para renová-lo; recompô-lo,
○
a mudança de que o mundo precisa para as- falando? De todo o conhecimento que, como
○
○
Com certeza, a resposta a essa questão não contribui para que possamos nos perceber “um
○
pode mais ser no sentido de confirmar a escola ser uno com a natureza interna de si. Que tudo
○
○
como lugar de acesso à informação. Há muito a se desdobra de uma fonte única que forma uma
○
○
escola deixou de ser o meio mais adequado – se trama sagrada de relações, de modo que tudo
○
○
é que já foi um dia – para que seus alunos pos- está ligado a tudo. Homens, árvores, serra, rios
○
com esse reducionismo é que hoje existe um mo- Assim, é preciso que a escola permita aos
○
○
tro de casa, independente da escola, portanto. como a primeira porção da natureza ao seu al-
○
○
Gostaria de sugerir uma proposta de Educa- cance. Somos nossos corpos e estes nada são
○
○
ção Ambiental centrada no cuidar e cuidar-se. além de parte da natureza. Partindo dessa
○
○
Como sabemos, a idéia de cuidar remete-nos à vivência intensa, cabe à escola proporcionar aos
○
de cogitar, imaginar, pensar, do latim cogitare. alunos a sua compreensão de outro nível de ser:
○
○
vir-a-ser, ou seja, de construir uma utopia. Cui- níveis de ser distinguem-se por qualidades pro-
○
fundas e misteriosas: vida, consciência e suportável, porém, era a relação que Maria do
○
○
autoconsciência. Os seres humanos são as úni- Carmo mantinha com tudo e com todos: exi-
○
○
cas criaturas que possuem, percebem e apreci- gência por parte da direção da escola, intrigas
○
○
am todas essas qualidades, o que lhes dá uma e desavenças com seus colegas, intolerância e
○
responsabilidade especial quanto à proteção de desrespeito por parte dos alunos, pré-adoles-
○
○
todos esses níveis. centes, indiferença por parte das famílias e da
○
○
Além disso, ou, mais precisamente, integra- comunidade. Por pouco Maria do Carmo se
○
do a isso, cabe à escola permitir que seus alunos convenceu de que ter escolhido o magistério
○
○
aprendam que é possível complementar a análi- fora um erro. Justo ela que sempre acreditou
○
○
se racional com a análise não-racional ou supra- que se realizaria como educadora, que se sen-
○
○
racional, por meio da intuição, da percepção, da tia vocacionada para a profissão, apesar do sa-
○
profunda familiaridade, do respeito e da com- lário, do descaso do poder público, das dificul-
○
○
paixão. dades inerentes ao processo, apesar de tudo...
○
○
Talvez seja melhor procurarmos compreen- Maria do Carmo, já cansada e irritada por se
○
○
der a complexidade da Educação Ambiental a ○
sentir impotente diante daquela situação, esta-
partir de um caso concreto. Vamos a ele.2 va prestes a desistir. Tinha tomado a decisão de
○
○
Maria do Carmo é uma professora do Ensino camiseta da escola? Você não fica com calor?
○
○
Fundamental. Leciona em uma escola da peri- – Claro que fico! Mas você acha que eu vou
○
○
feria de uma grande cidade. Sua escola, como deixar os outros verem que eu estudo aqui? Deus
○
sobretudo por pichadores, desocupados, gente Aquele diálogo incomodou Maria do Carmo:
○
Na verdade, o prédio escolar parecia mais um sofriam por estar ali; mais que isto, tinham ver-
○
○
estorvo à dinâmica de ir e vir da população lo- gonha de serem identificados com aquela esco-
○
○
cal. Tanto é assim que sua cerca de alambrado la. Tomou então uma decisão: cercou-se de mui-
○
as pessoas pudessem “cortar caminho”, na sua tudantes”. Queria que todos tivessem a oportu-
○
○
ânsia de chegar mais rápido a algum lugar... nidade de dizer o que sentiam em relação à es-
○
○
Alunos, a escola quase não tinha mais. Uns cola, seus professores, seus métodos. Queria en-
○
também ajudassem no processo aparentemen- De posse das reivindicações dos alunos, suas
○
○
ras danificadas, vidros quebrados, portas sem plo debate com toda a comunidade escolar: pro-
○
maçanetas, quadros destruídos, lixo por todo o fessores, servidores, alunos, direção e até mes-
○
○
lado... Quadro desolador para quem, por obri- mo algumas mães que ficavam todos os dias pa-
○
○
gação profissional, tinha de estar ali todos os radas no portão da escola, sem permissão para
○
○
dias, procurando dar sentido a tudo o que entrar. Expôs, com a ajuda de alguns alunos, tudo
○
processo educativo, educando os alunos... In- Momento difícil, pois cada um queria falar da sua
○
○
○
○
○
○
2
Embora os nomes e fatos sejam fictícios, o relato baseia-se na história da Escola Classe 39 de Taguatinga, Distrito Federal.
○
30
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
indignação e de como se considerava isento de te processo educativo que não seja intencional:
○
○
qualquer responsabilidade sobre aquela triste re- quem educa, necessariamente, pretende obter
○
○
alidade. resultados. O que nós, educadores, muitas vezes
○
○
Novos encontros foram então organizados, não temos claro é quais são os resultados subs-
○
de modo que se esgotassem todas as queixas e tantivos que estamos ajudando a gerar.
○
○
as pessoas se dispusessem a colaborar na busca Em um primeiro momento, o antecipar edu-
○
○
de soluções para os problemas identificados. De cativo poderia se identificar com o projeto de re-
○
início, a atenção se concentrou no aspecto físico construção do espaço físico da escola. Este es- 31
○
○
do prédio: reposição dos vidros, conserto da cer- tando resolvido, pode-se pensar a antecipação
○
○
ca, limpeza da área interna e externa ao prédio, em termos de engajamento dos demais profes-
○
○
pintura, colocação de quadros e plantas, cuida- sores no processo, ou da extensão deste à comu-
○
do do jardim e até a organização de uma horta nidade mais próxima da escola. Mas o antecipar
○
○
escolar. Em seguida, vieram os aspectos relacio- educativo não se esgota aí: pode e deve implicar
○
○
nados ao fazer em sala de aula. Como levar para o desejo de ver os alunos bem formados e autô-
○
○
a sala de aula aquele processo que começava a nomos para tomar suas decisões, contribuindo
○
mobilizar com grande entusiasmo toda a comu- para a construção do bem comum. Não seria isso
○
○
nidade escolar: alunos, professores, servidores, o exercício consciente da cidadania de que tan-
○
○
como aquela, que aprendeu uma nova dinâmi- Então, a intencionalidade da educação pres-
○
ca, não pode ser tradicional no seu fazer peda- supõe planejamento, a condução competente do
○
○
gógico”, todos eram unânimes em dizer. O cor- processo educativo e a sua avaliação. Os prota-
○
○
po de professores, apoiado pela direção, foi em gonistas da nossa história compreenderam, por-
○
busca de sua capacitação para concretizar uma tanto, que era necessário empreender o esforço
○
○
uma nova qualidade e com a democratização do de modo coerente com o processo já em curso.
○
○
processo foi que bastou um ato seu no sentido gico? Seria necessário chamar um especialista,
○
○
trar uma quantidade enorme de pessoas afina- o que vamos desenvolver na escola?
○
○
Outra lição, porém, não tardou a ser tirada: truir o projeto que desejamos, aprendendo com
○
os nossos erros.
○
que se tenha clareza, também coletivamente, do Ambiental foi então inevitável. Na busca com-
○
se pretende em educação. Ora, todos nós sabe- sem dar sentido à experiência vivida, os princí-
○
○
mos que educar pressupõe antecipar. Não exis- pios da Educação Ambiental são então reconhe-
○
cidos de imediato como aqueles que respondem veram a oportunidade de vivê-la. Tinham se for-
○
○
à ansiedade por uma nova ética em educação. mado em um grupo; haviam aprendido a partir
○
○
É fácil constatar que os educadores se da redefinição dos seus modelos tradicionais de
○
○
autocapacitaram durante os ricos momentos, aprendizagem: deixaram de ser passivos, recep-
○
que viabilizaram a concepção, a discussão e a tivos, individualistas, teoricistas e autoritários e
○
○
consolidação de uma nova prática pedagógica. passaram a privilegiar mais a autonomia, a ação
○
○
Passo a passo, aprenderam a se organizar em um protagonista, a cooperação. E era esse o processo
○
sistema de relações cujo sentido é empreender metodológico que deveria ser reproduzido com
○
○
ações destinadas a satisfazer as necessidades os alunos: a educação deveria acontecer a partir
○
○
sentidas pelo grupo. A interação que se estabe- da constituição de uma autêntica comunidade de
○
○
lecia fundava-se motivacionalmente nessas ne- aprendizagem, onde todos têm o que ensinar e se
○
cessidades. Os vínculos decorrentes e o próprio dispõem a aprender com os demais.
○
○
grupo nasceram de um fazer, de uma tarefa ex-
○
○
plícita e consciente: a construção do plano pe-
dagógico da escola. ○
○
○
Construindo um novo olhar
O trabalho desenvolvido, portanto, potencia- Uma educação que seja uma “utopia ética”:
○
○
lizou essa operatividade, centrando seus inte- em um contínuo de respeito e liberdade, po-
○
○
grantes no reconhecimento de suas necessida- dermos construir e alimentar uma relação co-
○
penho de uma tarefa. Realizar o projeto pedagó- partir do permanente exame de bases históri-
○
○
gico da escola, portanto, implicou um fazer e um cas e culturais comuns e do também perma-
○
○
refletir criticamente acerca desse fazer e acerca nente refazimento de critérios éticos nas rela-
○
das relações que estabeleciam em função do ções sociais e com a natureza. Uma educação
○
○
objetivo proposto. Até o momento de constitui- que seja instaurada na dúvida e que jamais
○
○
processo, todos tinham a sua percepção pessoal Além disso, a Educação Ambiental tem um
○
sobre como deveria ser a escola ideal, mas nin- compromisso com a criança e com o adolescen-
○
○
guém possuía preconcebidas as idéias que resul- te, no sentido de resguardá-los de um amadu-
○
○
tizado o plano pedagógico, a discussão que pre- centrada no brincar, por entender que a brin-
○
○
valecia era a que procurava esclarecer: teria o cadeira é um componente essencial do ser
○
○
plano uma clara postura metodológica? Seria criança e corresponde ao seu existir (ler, a res-
○
planos de trabalho condizentes com seus obje- Assim compreendida, a Educação Ambien-
○
○
Retomado o processo das aulas, com todas as jeito crítico, ético, autônomo, solidário e respon-
○
alunos – tanto por sua origem, bases culturais e a resolução adequada dos problemas impostos
○
○
formação básica, quanto por seu nível conceitual por uma sociedade em constante transformação.
○
○
e de informação sobre assuntos e aspectos ine- Esta deverá ser centrada no compromisso de res-
○
dores deu-se conta de que o projeto educativo seu contexto mais próximo. Desse modo, dando
○
○
representava uma nova organização curricular, ênfase à história regional, deverá fazer justiça às
○
○
capaz de orientar o trabalho de sala de aula que nossas diferentes raízes étnicas, mostrando
○
marcante foi, sem dúvida, a experiência de se che- mente por diferentes agentes sociais.
○
○
gar a essa síntese, processo que realmente resul- Além disso, deverá romper com o processo
○
○
tou em profundas mudanças para todos que ti- fragmentado, alienado e alienante da constru-
○
32
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
○
○
ciplinaridade, a proposta deverá superar a jus- to e democracia e, dentro dela, buscar respos-
○
○
taposição ou a interseção das diferentes disci- tas para a questão “o que vem a ser cidadania,
○
○
plinas sobre determinado tema. Para tanto, po- hoje, no Brasil”.
○
derá basear-se nos seguintes aspectos: Para tanto é indispensável que a proposta
○
○
• Valorização do conhecimento do aluno, de de educação seja capaz de permitir aos alunos
○
○
sua história de vida e de sua cultura. a mais ampla compreensão das raízes ambi-
○
valentes da nossa cultura, presa ao desejo de 33
○
* Elaboração de um plano de trabalho políti-
○
co-pedagógico de caráter coletivo que res- construir um mundo melhor e ao horror da
○
○
peite a participação de todos, e de cada um, mudança.
○
○
no processo permanente e coletivo de cons- É nesse contexto que as idéias de Paulo
○
trução do conhecimento. Freire podem assumir um papel fundamental,
○
○
* Prática efetiva e permanente de diálogo com no sentido de fomentar uma Educação Ambien-
○
○
a comunidade. tal que venha a qualificar essa cidadania, não
○
○
apenas preparando para a reivindicação de
* Orientação à investigação e à pesquisa.
○
igualdade formal e gerando a consciência que
○
* Desenvolvimento de habilidades e hábitos
○
leve à contenção da proliferação de inúmeras
○
de uso adequado e científico das fontes his- ○
tóricas.
○
* Participação efetiva dos alunos na definição sociedade brasileira e de suas mazelas históri-
○
Bibliografia
○
tese e intervenção.
○
metida com o questionamento da ordem estabe- rios à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
○
Brasília: 1997.
te, buscando alternativas para o questionamen-
○
○
○
○
Um exemplo de projeto
○
○
○
em Educação Ambiental na escola
○
○
○
○
○
José Manoel Martins*
○
○
○
○
○
A Educação Ambiental [...] constitui o modo mais
○
○
adequado para promover uma educação mais ajustada à
○
realidade, às necessidades, aos problemas e aspirações
○
○
dos indivíduos e das sociedades no mundo atual.
○
○
○
Conferência de Tbilisi, 1977
○
○
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
a discussão sobre o ambiente e sua apropriação não sidera-se que o evento mais decisivo para o iní-
○
○
seja a temática fundamental para qualquer plano de cio de um programa internacional de Educação
○
○
res têm se pautado pela transdisciplinaridade como em Tbilisi, na Geórgia, CEI, de 14 a 26 de outu-
○
○
eixo orientador na implantação de projetos nessa bro de 1977, organizada pela Unesco em coo-
○
escolar em Educação Ambiental, no qual são discu- A Conferência de Tbilisi, como ficou conhe-
○
○
tidas questões que envolvem a dinâmica de funcio- cida, contribuiu de forma significativa, por meio
○
pectos relativos à implantação nas escolas de proje- rio final, para que, no mínimo, os especialistas
○
○
tos com temas transversais, propostos pelos Parâ- em questões sobre educação e ambiente pudes-
○
○
metros Curriculares Nacionais (SEF/MEC). sem ter subsídios para implementar projetos de
○
○
Educação Ambiental.
○
A história da Educação Ambiental confun- No Brasil, vários encontros foram mantidos até
○
○
de-se com a dos movimentos em defesa do meio chegarmos à Conferência do Rio, ou Rio-92, como
○
○
ambiente. As décadas de 1960 e 1970 marcam o ficou conhecida a Segunda Conferência das Nações
○
○
início mais recente desses movimentos ambien- Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimen-
○
como o caminho para desenvolver o respeito Capítulo 4, Seção IV, da Agenda 21 (como ficou
○
○
pelo ambiente, tanto em sua exploração e apro- denominado o documento oficial da conferência)
○
○
priação como, mais recentemente, na busca de incorpora as recomendações de Tbilisi sobre Edu-
○
* Mestre em Zoologia e doutor em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo – USP. Professor de Biologia e Ciências na rede particular
○
de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Autor de material didático do Sistema Anglo de Ensino (Ciências – Ensino Fundamental).
○
34
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
A Agenda 21, em seu capítulo 36, e prati- tanto, acredito que a opção por se criar uma dis-
○
○
camente em todos os demais, recomenda um ciplina específica com o status de um projeto,
○
○
tratamento interdisciplinar para a Educação envolvendo diferentes áreas do conhecimento
○
○
Ambiental e a priorização dos seguintes pro- e seus professores, tem mais chances de ser
○
gramas: bem-sucedida.
○
○
• Deve-se reorientar a educação para o de- Não se trata, no entanto, da pura criação de
○
○
senvolvimento sustentável. uma disciplina a mais. O trabalho com projetos
○
em uma disciplina constitui uma estratégia de 35
○
• Aumentar a conscientização popular sobre
○
as questões ambientais. ensino, dado que a análise interdisciplinar de
○
○
determinados temas considerados relevantes
○
• Promover capacitação e treinamento de
○
profissionais na área. parece estar abalizada por muitos educadores
○
já há vários anos, seja por meio de disciplinas
○
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais
○
consideradas “optativas” ou “eletivas”, seja de
○
(PCN) do Ministério da Educação, a Educação
○
forma intuitiva, depois de um bate-papo no café
○
Ambiental é contemplada dentro do tema
○
com o colega de outra área.
○
transversal Meio Ambiente. Além disso, a Polí-
Muitas vezes, alguns projetos transdiscipli-
○
tica Nacional de Educação Ambiental (Lei n o
○
nares nas escolas são efêmeros justamente por
○
9.795, de 27/4/1999) trata da introdução da ○
estamos inseridos.
○
uma cidade.
muros escolares, atraindo os pais e a comu-
○
○
nidade local.
○
A organização de um projeto
○
de cada uma das disciplinas envolvidas. No en- Mas um dos motivos centrais parece ser a
○
○
○
○
○
1
Não se entrará, aqui, em detalhes acerca das nuances das definições de cada conceito, considerando-se apenas que tais trabalhos se
○
○
referem a diferentes conteúdos educativos (freqüentemente denominados disciplinas ou matérias), sendo utilizados para abordar um deter-
○
minado problema.
○
○
2
Entenda-se aqui o termo “nicho” como todo o campo de atuação de uma disciplina, não só a grade horária, duração, especificidades cognitivas,
○
mas também suas habilidades desenvolvidas, suas inter-relações com outras disciplinas, suas transformações ao longo do tempo, sua
○
história.
○
necessidade de mudança de um paradigma: o Outra forma de estabelecer um projeto in-
○
○
fato de a escola funcionar sem um projeto edu- terdisciplinar na escola é partir de um tema es-
○
○
cativo. Antes de mais nada, ela precisa definir pecífico eleito pelo corpo escolar. A orientação
○
○
seu próprio projeto pedagógico. No caso da para a escolha desse tema pode ser feita pelos
○
Educação Ambiental, apenas uma escola que temas transversais, inscritos nos PCN, por eixos
○
○
contemple, em seu projeto, o diálogo entre di- temáticos ou ainda por interesse específico da
○
○
ferentes áreas e disciplinas pode, efetivamen- escola ou da comunidade (um tema ligado à fi-
○
te, trabalhar de forma transversal. losofia educacional da escola, por exemplo).
○
○
Após o tema ter sido identificado e aceito
○
○
Criando pelos envolvidos, é preciso definir os objetivos
○
○
do projeto. Feito isso, passa-se então a uma nova
○
Um projeto pode ser iniciado a partir de
etapa, na qual é necessário que os professores
○
uma problemática detectada na escola ou na
○
das diferentes disciplinas se encontrem, discu-
○
comunidade. Uma vez identificada tal proble-
○
tindo a possível contribuição de cada uma para
○
mática – e o tema transversal em que ela me- ○
○
abordar o tema. Normalmente, essa é a etapa
lhor se encaixa –, passa-se ao trabalho com as
mais delicada do processo de criação do proje-
○
rar, porque não se consideram responsáveis pula-se também como será a entrada
○
○
O aparelho de som que fica ligado no pátio, Uma última etapa de criação prevê
○
Numa pesquisa feita por um professor, é de- sempenho dos alunos no decurso das
○
Trabalho, Consumo e
○
tectado que os alunos não conseguem inter- atividades, dos professores do projeto
○
(Im)plantando
○
○
cia de gravidez entre adolescentes. deve ser marcada pelo amplo esclare-
○
de que as classes e os corredores ficam Meio Ambiente devem estar alertas para a importância
○
36
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
○
○
nos. Esse é um tema delicado, pois o limite entre
○
Não se pode deixar de ressaltar que, para a
○
a autonomia de trabalho e uma atitude de aco- criação de um projeto dentro da escola, é pre-
○
○
modação ou desinteresse é muito tênue. ciso tempo e interesse da própria instituição.
○
Exemplificando: mandar os alunos fazerem uma
○
São necessárias várias reuniões entre os profes-
○
pesquisa na biblioteca ou na sala de informática,
○
sores envolvidos para afinarem o seu trabalho.
○
via Internet, pode se tornar mais uma “hora de Além disso, uma aula conduzida por dois ou
○
recreio”. Deve-se sempre deixar bem claros os 37
○
mais professores de disciplinas diferentes é uma
○
eventuais prejuízos que tais atitudes acarretam
○
estratégia altamente enriquecedora de todo o
○
para o aluno e, mais ainda, para o grupo.
○
processo. Dessa forma, começa a se tornar pos-
○
sível aquele nosso desejo antigo (e tão atual) de
○
O inesperado
○
que os alunos percebam as disciplinas de modo
○
○
Trabalhar com projetos significa trabalhar menos compartimentalizado, como formas dis-
○
tintas de se organizar e interpretar um mesmo
○
com o inesperado. Mesmo que haja uma finali-
○
conhecimento ou tema.
○
dade bem-definida como, por exemplo, a ela-
○
boração de um texto reflexivo ao final do traba- Tudo isso repercute em custos com a folha
○
○
lho, ou de um relatório do planejamento do sis- ○
de pagamento dos docentes e na reorganização
do quadro programático da própria escola.
○
olhar dado ao problema em questão, sempre ultrapassadas, como a desconfiança dos pais, ou
○
○
haverá o inusitado, seja durante a elaboração, mesmo o justificável temor de se aderir apenas
○
Trabalhar dessa forma pode causar um cer- modo, a opção pelo trabalho com projetos4 pa-
○
○
to desconforto para os docentes. Muitas vezes, rece-me uma tendência acertada, que se traduz
○
○
das demandas criadas em determinado mo- em uma escola5 da rede particular do Ensino
○
○
mento, garante ao docente a segurança de su- Médio, em São Paulo, SP. Esse projeto, atual-
○
○
todas as respostas ou aquele que nos diz que a cada cidadão, como os problemas do lixo, do
○
○
nossa ignorância pode ser interpretada pelos saneamento básico, da saúde, da energia e do
○
○
3
Dependendo da forma de encarar esse fracasso escolar, as conseqüências podem ser desastrosas. É preciso sempre que o professor, como
○
condutor de tal processo, assinale a possibilidade de as coisas não saírem como se imagina e que isso faz parte do aprendizado. O
○
“fracasso”, desde que cumpridas todas as etapas previstas do trabalho, deve ser encarado apenas como um dos resultados do processo.
○
○
Não se deve, em hipótese alguma, desprezar o conhecimento ou as habilidades adquiridos (competências). O resultado é algo muito impor-
○
tante mas, dependendo da situação (e o professor há de ter tal percepção), a maior valorização deve ser dada ao processo.
○
○
4
Entenda-se “projeto” como um trabalho realizado com a participação de diferentes conteúdos educativos (disciplinas) em torno de um tema
○
central.
○
○
5
Escola Logos: <www.logos.g12.br>.
○
dades do universo do ensino particular, que projetos que foram criados nessa época – uma
○
○
normalmente permite melhores condições de aposta da escola, anterior mesmo às recomen-
○
○
ensino – tanto no campo pedagógico quanto no dações dos PCN.
○
○
logístico – o projeto também poderia ser per- De 1999 para cá, houve uma série de trans-
○
feitamente desenvolvido na rede pública e, com formações, principalmente na diminuição do
○
○
os devidos ajustes, no Ensino Fundamental. número de turmas (atualmente, há uma), da
○
○
carga horária (atualmente são três aulas) e do
○
número de disciplinas envolvidas (Biologia e
○
Breve histórico
○
Geografia). Os motivos para tais alterações são
○
O projeto teve início em 1992, com profes-
○
diversos, mas o principal é a diminuição do cor-
○
sores 6 das seguintes disciplinas: Química, Geo-
○
po discente da própria escola.
○
grafia, Biologia e Estatística (Matemática),
Em 2000, o curso passou a se chamar Pla-
○
quando ainda se falava em Ciências Ambientais.
○
nejamento Ambiental, já com apenas duas dis-
○
A idéia do projeto surgiu bem antes, em 1989,
○
ciplinas envolvidas. Em 2001, ocorreu nova
○
ao acaso, durante aquelas conversas do dia-a- ○
○
reestruturação dos objetivos e das estratégias,
dia, na sala dos professores ou em reuniões pe-
e seu nome alterou-se novamente, agora para
○
Temas e abordagens
○
torno de um eixo, pareceu-lhes uma estratégia poderiam tornar-se transversais, optou-se, ini-
○
○
Com o apoio da instituição – condição sine bano. Eram evidentes as diferentes formas de
○
○
qua non para qualquer projeto que pretenda ser abordagem de um tema tão complexo. Qualquer
○
○
bem-sucedido –, os professores, durante três que fosse a disciplina, haveria sobre o que re-
○
○
anos, criaram o projeto do curso de Ciências fletir e o que discutir. No entanto, esse tema es-
○
Ambientais. Inicialmente, o curso tinha 6 ho- tava ligado a outros, como a questão da água e
○
○
ras-aula semanais – Química e Biologia, duas do esgoto de uma cidade, a produção de ener-
○
○
aulas; Geografia e Estatística, uma. Era minis- gia, o transporte, a moradia, os padrões de con-
○
○
trado para uma turma de 28 alunos do terceiro sumo, o desperdício, a saúde, o lazer, os aspec-
○
colegial (nome do Ensino Médio na época), com tos econômicos, a vontade política, a ação in-
○
○
o caráter de matéria optativa. Em 1997, já eram dividual. Discutir uma cidade é, ao mesmo tem-
○
○
duas turmas de cerca de 36 alunos cada uma. po, fascinante e extremamente complicado.
○
○
Nesse período, as cargas horárias de Química e Não há nada mais próximo de nossos alunos
○
Geografia inverteram-se, em razão dos rumos que vivem em cidades, principalmente nos
○
○
que o curso tomou. Ficou clara para os profes- grandes centros, que as questões próprias do
○
○
para a Geografia, dado o seu caráter mais Por uma questão funcional, foram delimita-
○
holístico nas questões ambientais. Parte dos dos, inicialmente, alguns temas centrais: os pro-
○
○
6
Inicialmente, os professores autores desse projeto foram Joel A. Pontin (Química), Marcelo Faria (Geografia), Zysman Neiman (Biologia) e
○
Luís Belloni Jr. (Estatística). Posteriormente, todos esses professores, por diferentes motivos, foram cedendo seus lugares a outros colegas:
○
○
Rubem Gorski (Estatística), Sérgio Peixoto (Química), Judith N. Maida (Geografia), José M. Martins (Biologia) e Patrícia Pereira (Geografia),
○
38
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
○
○
desenvolvimento do trabalho Mesmo assim, sempre se incentivou a pesquisa
○
○
em livros e em revistas especializadas. A
○
O objetivo principal do curso era, desde a
○
Internet, como bem sabemos, contém uma
sua primeira versão, que, no final, os alunos
○
gama quase infinita de informações. No entan-
○
pudessem ter elaborado um planejamento para
○
to, uma boa parte delas não é confiável. E o mais
○
uma cidade de médio porte (cerca de 200 mil
○
importante é ensinar aos alunos como filtrar,
○
habitantes). Essa cidade era escolhida em con- 39
selecionar tais informações.
○
junto com o grupo de professores.
○
Entre os dados levantados a partir das dife-
○
O planejamento deveria conter propostas
○
rentes fontes, destacavam-se: população; frota
○
para o lixo urbano, o sistema de abastecimento
○
veicular; oferta e demanda de energia; política
de água e o saneamento básico e a malha viária
○
de coleta, tratamento e destino dos resíduos
○
(transporte urbano), levando-se em conta a
○
sólidos; abastecimento e consumo de água; pro-
○
questão energética e a poluição atmosférica.
○
dução e tratamento de efluentes líquidos.
○
O trabalho cooperativo, desenvolvido em
○
Durante o curso, os alunos desenvolviam
grupos, sempre foi uma das principais estraté-
○
uma maquete da mancha urbana e das imedia-
○
gias nesse projeto. Em alguns momentos do
○
ções da cidade escolhida. Nela, podiam de-
curso, eram feitas avaliações mais formais e in- ○
○
to e de sua produtividade.
○
○
Transformações
○
balhos com enfoque nos aspectos mais particu- Ao longo dos anos, o curso de Ciências
○
○
lares dos temas centrais, divididos em módulos Ambientais adaptou-se a diferentes condições
○
○
sa forma, pretendia-se instrumentalizar os alu- pela alteração na carga horária (três aulas) e no
○
nos para as questões urbanas que seriam discu- número de disciplinas (duas), culminaram com
○
○
Por exemplo, a Geografia iniciava a discus- Como a própria ementa do curso assinala,
○
○
são de como se dá a relação homem–natureza, trata-se de um curso que pretende abordar ques-
○
trabalho com a questão do lixo urbano sob vá- geográfico, tendo como arcabouço teórico o co-
○
○
rios aspectos, desde as formas de disposição nhecimento desenvolvido pelas disciplinas Bio-
○
reciclagem) até os padrões de consumo e des- gem essencialmente interdisciplinar. São, ainda,
○
○
perdício (também enfocados pela Geografia). A abordados temas próprios da Química e da Ge-
○
○
Ao longo do curso, um importante trabalho paulista, como base do trabalho final, que con-
○
os alunos deveriam levantar os dados relativos dade (lixo, água/esgoto, energia, transporte,
○
○
à cidade cujo planejamento executariam. Esse saúde, poluição atmosférica) sorteada entre os
○
○
○
sucata.
○
Um dos pontos fortes de se trabalhar com
○
○
projetos é que eles possibilitam a criação de Vale ressaltar que eventos como esse costu-
○
○
outros, como se fossem ramificações do proje- mam extrapolar o próprio espaço da disciplina
○
to inicial. Quando iniciados a partir de uma ne-
○
em que estão inseridos originariamente. Vári-
○
cessidade de um grupo, adquirem cor, tornam-
○
os outros professores, de diferentes áreas, têm
○
se vivos e autônomos. colaborado na execução do evento e contribuí-
○
○
O projeto Reciclogos surgiu, em 1996, dessa do para o seu sucesso. Sem essa adesão da co-
○
necessidade que os alunos de Ciências Ambien-
○
munidade escolar, o fracasso pode se fazer um
○
tais sentiram em relação à questão do lixo. O pro- elemento cada vez mais presente.
○
○
blema incomodava, precisavam fazer algo. Che-
○
gou-se então à idéia de realizar a coleta seletiva na
○
Concluindo, mas não finalizando
○
escola. No seu primeiro ano, o projeto buscou cri-
○
○
ar uma infra-estrutura básica para a separação do ○
○ A experiência de todos esses anos num pro-
lixo e a identificação de locais de envio para a jeto transdisciplinar em Educação Ambiental
○
demais alunos sempre foi a tarefa mais difícil. A extremamente válido. O crescimento que se
○
○
ências Ambientais puderam, ao longo desses anos, os cercam e dos quais fazem parte igualmente
○
○
sentir essa dificuldade in loco, pois cabe a eles, ain- como agentes, também vivenciam as dificulda-
○
○
car, a cada ano, o início da divulgação do proje- à crise da noção de comunidade e coletividade
○
○
a escola pára para participar de atividades rela- inércia, à qual todos estamos sujeitos.
○
sentação da atual situação atinente. alunos estejam ainda presos às idéias de que
○
○
No dia do “evento do lixo”, são desenvolvi- existirá sempre alguma solução técnica para as
○
○
• apresentação teatral;
○
• projeção de vídeos relativos ao tema, alguns transversal, só pode lograr êxito 7 se não tiver
○
7
O sucesso escolar é entendido aqui como a aquisição de conhecimentos, habilidades, desenvolvimento de competências e valorização de
○
○
atitudes éticas por todos os atores do ambiente escolar envolvidos: professores, alunos, funcionários e direção.
○
40
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
○
g12.br/trabalhos/medio/ambiente/ciencias.htm>
○
seus vários atores, é um espaço privilegiado MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-
○
○
damental. Parâmetros Curriculares Nacionais . Temas
para a experimentação e a transformação da
○
transversais. Brasília: SEF/MEC, 1998.
○
realidade, e não se deve abrir mão dessa con-
○
SENADO FEDERAL. Agenda 21 . In: CONFERÊNCIA
dição essencial.
○
DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E
○
○
DESENVOLVIMENTO, 2., 1992, Rio de Janeiro.
○
Bibliografia Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas,
○
41
○
1997.
○
DIAS, Genebaldo F. Educação Ambiental – princípios e prá- UNESCO/UNEP. Intergover namental Conference on
○
○
ticas. São Paulo: Global, 1998. Environmental Education, 1977, Tbilisi, URSS – Final
○
ESCOLA LOGOS – Ciências Ambientais. <http://www.logos. Report. Tbilisi/CEI: Unesco, 1977.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
A Educação Ambiental
○
○
○
no ensino formal
○
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
Procurando contextualizar histórica e soci- os benefícios virão pelo potencial vivo com efei-
○
○
Ambiental, esta apresentação discute a comple- representará para as disciplinas escolares. Quan-
○
○
xidade de elementos que devem ser considera- to ao lado da Educação Ambiental, as vantagens
○
○
dos para pensarmos as formas de introdução da serão a de se obrigar a reabrir discussões (tidas,
○
Educação Ambiental no ensino formal. A princi- ingenuamente, como resolvidas), tais como
○
○
pal conclusão, que também é o argumento cen- sustentabilidade, biodiversidade, relação ho-
○
prática originalmente externa ao ensino formal, sim sejam tratados como dogmas. Sustentando
○
○
cujos contornos estão mais marcados pela ação essa conclusão, há raciocínios e argumentos que
○
e pela intervenção nas realidades encontradas. procuram mostrar os pontos de contato já exis-
○
○
No entanto, uma vez introduzida no ambiente tentes entre as disciplinas escolares e as elabora-
○
○
escolar formal, ela deverá se conformar em par- ções presentes na chamada “questão ambiental”,
○
te à natureza deste, mais voltado à reflexão, como essenciais para que se conquiste um relacionamen-
○
○
elemento essencial da formação intelectual do to produtivo entre essas duas esferas, o que é uma
○
○
aluno. Essa situação será vantajosa para os dois necessidade indispensável para o engajamento do
○
lados do problema. Pelo lado do ensino formal, conjunto dos professores nessa tarefa.
○
○
○
○
○
○
○
* Geógrafo, doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo; co-autor dos livros didáticos para Ensino Médio: Espaço e
○
○
modernidade – Temas da Geografia mundial (1997) e Espaço e modernidade – temas da Geografia do Brasil (1999), ambos pela Editora
○
Atual.
○
Propiciar a reflexão sobre os múltiplos sig- Foi com base nesse entendimento que o
○
○
nificados, virtudes e cuidados com a introdu- Congresso Nacional do Brasil instituiu a Polí-
○
○
ção da Educação Ambiental no ensino formal é tica Nacional de Educação Ambiental, por
○
○
o objetivo desta apresentação. A Educação meio da Lei nº 9.795, de 27/4/1999. Vale des-
○
Ambiental é uma prática nova, que só agora tacar o que é a Educação Ambiental conforme
○
○
começa a se instalar de modo organizado e ofi- a lei: são aqueles processos por meio dos quais
○
○
cial no sistema escolar brasileiro. É evidente que o indivíduo e a coletividade constroem valo-
○
alguns temas da chamada “questão ambiental” res sociais, conhecimentos, habilidades, atitu-
○
○
já estavam presentes no corpo programático de des e competências voltadas para a conserva-
○
○
algumas disciplinas, isso porque são assuntos ção do meio ambiente, devendo estar presen-
○
○
que lhes concernem, quer dizer: não estavam te de forma articulada em todos os níveis e mo-
○
organizados sob um recorte abrangente e dalidades do processo educativo, em caráter
○
○
globalizante, que se vem configurando desde os formal e não formal. Serão princípios básicos
○
○
anos 1960/1970, por força de um conjunto de da Educação Ambiental os enfoques humanis-
○
○
movimentos em defesa do meio ambiente que, ○
tas, holísticos, democráticos e participativos;
sem dúvida, logrou sensibilizar parcelas signi- uma concepção de meio ambiente que ultra-
○
○
tuições para a questão ambiental. Foi no inte- interdependência entre o meio natural, o
○
○
rior desses movimentos que ganhou forma a socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da
○
prática, além de ser empregada em vários âm- cepções pedagógicas, na perspectiva da inter,
○
○
bitos da vida social, também deveria ser multi e transdisciplinaridade. Ela não deverá
○
introduzida no universo escolar formal. deve ser implantada como disciplina específi-
○
○
em torno da questão ambiental foi a Rio-92. Os elementos expostos até aqui nos permi-
○
○
O seu principal documento (a Agenda 21) as- tem identificar algumas características próprias
○
sim tratou a Educação Ambiental no âmbito da Educação Ambiental que devem ser levadas
○
○
ensino é também fundamental para conferir se estrutura também com base na elabora-
○
○
consciência ambiental e ética, valores e atitudes, ção de conhecimentos, tem sua ênfase
○
vimento humano (que pode incluir o espiritu- exigir algumas adaptações, que não elimi-
○
empregar métodos formais e informais e meios na prática da vida corrente (aliás, essa é
○
○
1
Tal é o caso da Conferência Intragovernamental de Tbilisi sobre Educação Ambiental, organizada pela Unesco e pelo Pnuma e realizada em
○
1977, que é o referencial fundamental para a celebração da Educação Ambiental como prática a ser desenvolvida no cotidiano da sociedade,
○
○
buscando ser o meio essencial de sensibilização sobre a centralidade do meio ambiente nas questões contemporâneas – num sentido mais
○
largo – e como prática que busca educar as pessoas para cuidarem melhor do meio ambiente –, sendo esse seu sentido mais restrito.
○
42
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
de extrema valia para o ensino formal), mas dúvida, foi na proposição dos Parâmetros Cur-
○
○
considerem algumas peculiaridades do riculares Nacionais para o Ensino Fundamen-
○
○
ensino formal. Ao ingressar no universo do tal que melhor se explicitou o campo de atua-
○
ensino formal, a Educação Ambiental ga-
○
ção da Educação Ambiental por meio da
○
nha maior espaço para reflexão, aumenta transversalização do tema meio ambiente, para
○
suas funções na formação e na construção
○
o qual foi criado um texto próprio. E aqui, a pro-
○
de idéias e vê um pouco diminuída sua ên-
○
pósito, queríamos ressaltar um aspecto que nos
○
fase para a ação, que é mais aplicável a ou- 43
parece essencial. A transversalização da Educa-
○
tras experiências de Educação Ambiental
○
ção Ambiental não pode ser entendida como
○
fora do mundo escolar.
○
um artifício para estimular que as várias disci-
○
• A entrada dos temas da Educação Ambien-
○
plinas incluam em seus programas alguma coi-
○
tal no cotidiano escolar dar-se-á por meio
sa de Educação Ambiental. O que ocorre é que
○
de práticas interdisciplinares e pela trans-
○
certas dimensões da realidade, apesar dos re-
○
versalização dos seus conteúdos. Isso pode
○
cortes que as disciplinas executam para estudá-
○
gerar alguma dificuldade para aqueles que
○
la segundo óticas diversas, continuam a
tem a Educação Ambiental como uma área
○
permear cada um dos enfoques. Esse é o caso
○
própria de saber, com especificidades
○
do chamado meio ambiente, que é uma elabo-
○
conceituais. Como transversalizar algo que ○
tem corpo próprio? Qual seria a participa- ração relacionada à espacialidade das socieda-
○
○
ção dos professores das várias disciplinas des. Quer dizer: não foram os PCN que fizeram
○
que não compartilham esse quadro teórico do tema Meio Ambiente algo transversal às dis-
○
○
e prático da Educação Ambiental? E como ciplinas, pois de algum modo essa transversali-
○
○
teriam acesso a esse conhecimento? Caso dade já estava evidenciada na realidade. Não é
○
seja justa a posição do conhecimento espe- por outra razão que justamente as reflexões
○
○
cífico da Educação Ambiental, parece que o mais apuradas sobre a questão ambiental não
○
○
ideal seria a existência no currículo da dis- a reduzem a apenas uma defesa tópica da na-
○
sores especializados. Esse é um tema ainda que, por meio dessa questão, pensamos mais
○
○
muito controverso, visto que a origem da largamente o mundo que vivemos, ou, dito de
○
que boa parte dos conhecimentos que a ali- Ambiental no ensino formal. De forma latente
○
ficas que têm expressão escolar. Por isso, questão ambiental já estão presentes no inte-
○
○
entre outros motivos, essa é mais uma ra- rior das disciplinas. É preciso revelá-los e
○
○
zão para transversalizar a Educação Am- ampliá-los, o que por si só pode lhe dar novos e
○
biental no interior das disciplinas, visto que mais sólidos contornos com a contribuição das
○
○
templaram a introdução da Educação Am- vido seja de fato conhecimento. Não há conhe-
○
○
biental no interior do ensino formal. Mas, sem cimento verdadeiro que não se referencie na
○
realidade; não há conhecimento se o aprendi- ambiental não coincidem, mas, obviamente,
○
○
do não enriquece nosso olhar sobre a realidade possuem muitos pontos de contato, já que o
○
○
e se não nos capacita para que, diante da com- meio ambiente, como aspecto da espacialidade
○
○
plexidade do mundo real, saibamos, minima- social, é transversal a toda a realidade. Desven-
○
mente, nos posicionar e orientar nossas opções dar e revelar esse campo comum entre as disci-
○
○
e ações. Infelizmente, pode-se afirmar que o plinas e um tema que ninguém dúvida ser a “re-
○
○
universo e o momento escolar não têm cum- alidade real” pode sacudir saudavelmente os
○
prido a contento essa finalidade. Muitas são as alicerces burocráticos das disciplinas e do am-
○
○
razões. A prática escolar com base nas discipli- biente escolar. Melhor ainda quando os novos
○
○
nas clássicas de certo modo congelou-se. Mes- conteúdos propostos exigirem interlocução
○
○
mo nos grandes centros e nas principais esco- com outras disciplinas e com elaborações vin-
○
las, o conhecimento escolar está burocratizado das da vida externa (ambientalismo, entidades
○
○
e afastado da realidade. Tem valor utilitário para de vários tipos, organizações não-governamen-
○
○
ultrapassar fases (vestibulares, concursos, em- tais nacionais e internacionais, Estado, mídia
○
○
pregos etc.), mas tem valor menor na constru- ○
etc.). Aí, perceber-se-á que o que cada discipli-
ção humana desinteressada, por um lado, e ci- na tem a oferecer como conhecimento aplica-
○
○
dadã, por outro. Como sacudir o conhecimen- do servirá também para demonstrar que, às ve-
○
○
to escolar? Como sacudir as disciplinas e fazê- zes, a voz da disciplina exposta à vida real pre-
○
○
las de novo alimentarem-se da vida real e vita- cisa ser melhorada ou remodelada.
○
lizar o valor educativo que elas possuem? Uma Mas há outras questões: essa convivência
○
○
ação necessária é trazer de modo explícito para orgânica com o tema transversal meio ambien-
○
○
o universo escolar recortes da vida real, ques- te (e os outros) seria suficiente para aproximar
○
tões candentes que estamos vivenciando e que o universo escolar da realidade? E isso seria só
○
○
de fato contam no desenrolar de nosso destino, o que se pode fazer para a constituição da cida-
○
○
como, no caso, o tema do meio ambiente sem dania? Bem, caso se consiga aproximar a reali-
○
○
Como introduzir a Educação é farsa, já será muito, mas é preciso destacar que
○
○
No universo escolar formal, as iniciativas caso o tema ambiental, não se caracteriza ape-
○
○
sobre o que será aprendido e discutido estão nas por ser um recorte diferente em compara-
○
○
sob o encargo das disciplinas clássicas. Como ção com as disciplinas. Ele é um recorte
○
○
introduzir a Educação Ambiental sem que ela construído, social e historicamente, como pro-
○
aparente ser uma exterioridade, uma invasão, duto de movimentos e lutas sociais, ou poderí-
○
○
uma moda, ou um tema gerador? 2 Como de- amos enunciar de outro modo: ele é uma ques-
○
○
monstrar que a Educação Ambiental trata de tão identificada e revelada por esses movimen-
○
tes no repertório das disciplinas? Uma resposta recortes congelados das disciplinas.
○
○
seria a seguinte: os recortes das disciplinas e o Mas o que queremos destacar agora é que
○
○
recorte construído socialmente do tema não se constituiu esse recorte para se estudar a
○
○
○
○
○
○
2
A idéia de tema gerador tem pelo menos dois significados. O primeiro, caro aos educadores ambientais, refere-se ao tratamento que deve ser
○
○
dado às práticas pedagógicas que utilizam como forma de Educação Ambiental a discussão e a solução de problemas ambientais localiza-
○
dos. E aí a idéia tem o seguinte significado: a solução do problema ambiental não deve ser a finalidade, e sim a partir dela gerar uma outra
○
e superior compreensão da questão ambiental. De outro lado, convencionou-se designar como tema gerador aquela situação em que em
○
ambiente escolar, a partir de um único tema, as disciplinas atuam sincronizadamente no tempo e no espaço, de certo modo, dando um
○
○
caráter de excepcionalidade que interrompe a rotina escolar, o que contraria a idéia de transversalidade orgânica que buscamos alcançar. No
○
caso do texto, estamos usando a expressão tema gerador nesse segundo significado.
○
44
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
realidade de um outro ponto de vista, mas para americano Albert O. Hirschman tece um co-
○
○
intervir nela, para questionar o mundo em que mentário, a nosso ver precioso, sobre isso:
○
○
vivemos, para reformá-lo, ou mesmo revolu-
○
○
cioná-lo. Dito de outro modo: trata-se de um Ter muitas opiniões sólidas é um indicador am-
○
jeito de olhar a realidade que vem carregado de bíguo de bem-estar, que pode ou não cumprir
○
○
valores assumidos e de atitudes propostas e já permanentemente a promessa de dotar os que
○
○
tomadas. Ora, deixar a escola ser penetrada por as têm com verdadeira identidade e rica perso-
○
algo assim cria condições para que sua comu- nalidade… ter opiniões será tanto menos eficaz 45
○
○
quanto mais as opiniões forem adquiridas por
nidade se insira em um outro e mais elevado
○
meio de adoção irrestrita de uma ideologia, ou
○
patamar de aproximação da realidade. Cria-se
○
seja, quanto mais pronunciado for seu caráter
○
um campo de discussão e confrontação de va-
○
“reflexo”. Um modo de adquirir opiniões de ma-
lores, o que deve ser encarado como o momen-
○
neira oposta, enriquecendo a personalidade, é
○
to crucial de formação da autonomia do aluno,
○
dar-lhes forma definida só depois de tê-las con-
○
ingrediente obviamente imprescindível na for- frontado intensivamente com outras idéias, ou
○
○
mação de um cidadão. seja, por meio do processo de deliberação de-
○
O destaque e o cuidado que damos à im-
○
mocrática (Hirschman, 1996: 96).
○
portância da formação autônoma de valores se
○
○
deve ao fato de que as grandes elaborações crí- Estamos, com freqüência, insistindo que o
○
○
ticas engendradas por autores e pelos movi- tema transversal meio ambiente no ambiente
○
ram um vasto quadro cultural, que tornou cer- tal, ultrapassa a importância de uma experiên-
○
○
tas idéias indiscutíveis, a partir de opiniões rí- cia cognitiva convencional. Trata-se de uma ex-
○
disso é mau em si, contudo não se pode dese- suas virtudes na formação da cidadania. E isso
○
○
jar que no universo escolar idéias com essas se dá, pois, por meio do tema meio ambiente,
○
○
características sejam exclusivas e sirvam de que estimula um olhar mais globalizante sobre
○
aluno crítico quanto ao quadro ambiental em as terão de conviver e já convivem. Para se ter
○
○
que estamos inseridos. Os alunos estão se for- uma idéia do alcance da discussão sobre a ques-
○
○
mando – é preciso discussão e contraposição. tão ambiental, tal o contorno por ela assumi-
○
nossas convicções e faz uma crítica por nós cepções de ser humano e concepções de natu-
○
○
planejada. O potencial crítico do ser humano reza que estavam bem arraigadas na cultura
○
○
é criador, e não repetidor, pois o horizonte da ocidental. Esse tema nos conduz ao núcleo
○
A crueza e a gravidade, por si sós, da dimen- cidade, em nosso país e no mundo. É a partir
○
○
são ambiental do mundo são fortes o suficien- da questão ambiental que, atualmente, ainda
○
bre ela. Deve-se, no conjunto das informações modelos de desenvolvimento, como deve ser o
○
○
usadas, mostrar visões distintas, que admitem nosso futuro, o que a torna um campo para se
○
○
solução para o quadro apresentado. Se a Edu- à natureza etc. Os vários atores que propugnam,
○
○
cação Ambiental é algo novo, que se constitui, por meio da Educação Ambiental, discussões
○
○
ela não pode estar erigida em definitivo sobre sobre o futuro, embora possam fazê-lo de di-
○
do conhecimento e da educação idéias sólidas sustentabilidade. E é sobre ela que vamos re-
○
○
nem sempre são saudáveis. O sociólogo alemão- fletir um pouco, pelo papel central que certa-
○
mente essa idéia terá no interior da Educação etc. Bem, acreditamos que esta última posição
○
○
Ambiental, no ensino formal. aberta sobre a sustentabilidade é a ideal para
○
○
É preciso sempre ressaltar que os temas que compor o cenário da Educação Ambiental no
○
○
a Educação Ambiental levantará nas escolas se- ensino formal, por ser mais fecunda e apropri-
○
rão sempre polêmicos e controversos, porque ada para o processo de construção de idéias e
○
○
nenhuma questão com essa dimensão globali- valores.
○
○
zante se desenrola consensualmente. É o mo-
○
delo inteiro de nossa existência (por exemplo,
○
Algumas questões práticas
○
somos ou não natureza?) que está em causa, e é
○
da Educação Ambiental no
○
natural que os entendimentos e as interpreta-
○
○
ções difiram e conflitem, mesmo entre aqueles
ensino formal
○
que admitem a gravidade de uma questão
○
○
ambiental a ser resolvida. Eis mais uma rique- Todas as idéias aqui desenvolvidas argumen-
○
tam a favor de o tema meio ambiente ser incor-
○
za do tema transversal meio ambiente que não
○
○ porado ao cotidiano escolar como Educação
pode deixar de ser explorada no ambiente es- ○
colar. E qual o cenário já dado para travar essas Ambiental por intermédio das disciplinas e não
○
○
discussões, visando à formação educacional apenas que se mantenha como um tema excep-
○
vitável construído pela idéia de sustenta- ção de trabalhar para que as disciplinas não in-
○
○
bilidade. É preciso notar que essa idéia não sus- cluam burocraticamente conteúdos de meio am-
○
trário, pois há uma concepção e um modelo de objetivo é encontrar nas disciplinas3 contribui-
○
○
sustentabilidade para todos os gostos. Mas é em ções efetivas que elas podem dar, a partir de sua
○
○
torno da busca de uma relação diferente, sim- própria natureza, para o entendimento, a ampli-
○
ambiente que todas as posições se organizam e de modo que isso se dê sem que o professor de
○
○
relações sustentáveis que apontam mudanças ma, sem ferir sua autonomia. A necessidade é que
○
necessária para sua implantação. Nesse caso, só no seu curso, o tema ambiental. A busca é a ob-
○
○
um futuro possível nos permitirá uma sustenta- tenção de uma certa organicidade entre a disci-
○
○
pia ligada a um futuro distante e que, na verda- as disciplinas e o tema meio ambiente, seja por
○
○
de, ela é um norte simbólico a ser construído meio da transversalidade, seja pela interdisci-
○
○
de reforma constante, que exige um espaço de- efeito de análise das disciplinas e para servirem
○
○
mocrático com contraposição de idéias, que de meios para estimular algumas ações de Edu-
○
diversas fontes, que não nutre preconceitos tituir uma Educação Ambiental que, com todo
○
○
contra as ciências, as tecnologias (mas reivin- mérito, se impõe ao sistema escolar, é coerente
○
3
Nos seus objetos e ângulos de abordagem próprios.
○
46
SIMPÓSIO 2
Questões ambientais e o papel da escola
truído nos documentos básicos. O mais com- colar deve estar aberto a projetos de Educação
○
○
pleto é a Agenda 21, e nela identificamos as ca- Ambiental que tenham inspiração e iniciativa
○
○
racterísticas que permitem um tratamento ade- extra-escolar (nas comunidades, em órgãos go-
○
○
quado da questão. Vamos identificar algumas: vernamentais de todas as instâncias, nas enti-
○
• A questão ambiental jamais é tratada como dades não-governamentais etc.), e, ao mesmo
○
○
algo destacado das dimensões sociais e eco- tempo, a escola pode ser também palco de ini-
○
○
nômicas do mundo em que vivemos, e ja- ciativas que extrapolem seus limites e se irri-
○
mais é tratada, portanto, como uma simples guem para as comunidades imediatas ou além. 47
○
○
preservação pontual da natureza. E aí está um dos valores centrais da Educação
○
○
• A idéia de sustentabilidade é amplamente Ambiental fundamental para a formação: o es-
○
○
discutida e está sempre orientando todos os tímulo para pensarmos em projetos, em inter-
○
aspectos tratados da questão ambiental. venção e participação na vida global, para com-
○
○
• Todas as questões fundamentais da crise batermos a indiferença, que nem sempre o sis-
○
○
ambiental que estão à espera de solução ali tema escolar consegue combater. Portanto, faz
○
○
estão apresentadas (padrões de consumo e parte da introdução da Educação Ambiental no
○
sobrecarga sobre os recursos naturais; sane- ensino formal toda uma consideração e a exis-
○
○
amento básico; água; uso e transformação tência de ações que garantam esse vínculo com
○
perigosos etc.).
como algo prático a ser tratado se refere aos
○
○
Talvez a grande lacuna se refira à carência professores que saibam lidar com a Educação
○
o que, por si só, pode indicar um desvio pro- xidade da Educação Ambiental, reduzir a for-
○
○
blemático no interior da cultura ambientalista. mação dos professores a certas técnicas e in-
○
○
É lógico que esses conteúdos devem ser adap- formações que lhes permitam ser um “agente
○
los, modificá-los, tirar alguns e acrescentar preciso que eles estejam preparados para, a co-
○
○
outros ao seu corpo, ou mesmo permitir que meçar do ponto de vista de sua disciplina,
○
○
e os tipos diferenciados de ensino. Mas, refor- xos. Os professores, para essa capacitação, de-
○
○
çamos, os conteúdos não são misteriosos, pois verão ter acesso a materiais, cursos e experi-
○
○
são esses mesmos que se foram disseminando ências que lhes demonstrem essa possibilida-
○
questão ambiental. ção à questão, para que eles não fiquem com a
○
○
sino formal, com as adaptações necessárias já já trazem de nada servem e que a capacitação
○
dois campos estranhos e desconectados de Edu- de conhecimentos estranhos a eles e à sua for-
○
○
cação Ambiental. Seria lamentável que isso mação. Caso eles não tenham familiaridade,
○
no formal correria o sério risco de se congelar e mas, em especial, aqueles que mais alimentam
○
○
○
○
bém devem ter acesso, sucinto que seja, ao his-
○
○
FERRY, Luc. A nova ordem ecológica. São Paulo: Ensaio,
tórico dos movimentos ambientalistas, ao que
○
1994.
○
já foi institucionalizado, ao que é a legislação
○
HIRSCHMAN, Albert O. Auto-subversão. São Paulo: Cia. das
ambiental, ao que são as políticas ambientais
○
Letras, 1996.
○
etc. Quer dizer, há um certo núcleo comum de
○
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fun-
○
conhecimentos que, dominado, possibilitará damental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas
○
aos professores inserirem-se e usar os conhe-
○
Transversais. Brasília: SEF/MEC, 1998.
○
cimentos que possuem para serem participan- SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE do Estado de São Pau-
○
lo. Agenda 21. In: Conferência das Nações Unidas so-
○
tes ativos e críticos da Educação Ambiental
○
bre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Série Documen-
○
introduzida e disseminada como tema trans-
tos Ambientais, 1997.
○
versal e interdisciplinar no ensino formal.
○
○
○
○
○
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○
○
○
SIMPÓSIO 3
49
Pressupostos de
○
○
○
uma ética ambiental
○
○
○
○
○
José de Ávila Aguiar Coimbra*
○
○
○
○
○
São amplos os horizontes deste congresso, de um novo modelo civilizacional que possa
○
○
como são ambiciosos os seus objetivos. Ao se equacionar necessidades da vida com a real dis-
○
ponibilidade de recursos.
○
propor uma concentração de esforços e recur-
○
sos na qualidade da educação, não é pequeno o Por óbvio, um debate isolado como este
○
○
desafio para um país em desenvolvimento, no nosso, por mais elevado e abrangente que seja,
○
○
contexto de um mundo cada vez mais pluralista, não esgotará nem a parte mínima do assunto.
○
Este é apenas um momento de concentração
○
unificado e interdependente. Há enormes vazios
○
a preencher, assim como etapas a acelerar. Ao se por que passamos, hoje. A verdadeira tarefa, de
○
○
Ministério da Educação atinge um ponto certa- com os professores formando a si mesmos, num
○
com um insuspeitado efeito multiplicador. dos pela fome do saber e pela sede do aperfei-
○
○
rais. E para isso se faz necessária, indispensá- Em sua clássica Teogonia, Hesíodo (século
○
○
vel e insubstituível a Educação Ambiental, uma VIII a.C.) descreve poeticamente a origem e o
○
nova forma de ver o mundo e de relacionar-se papel dos deuses. Primeiro, houve o Caos; de-
○
○
com ele. A propósito, evocamos a Política Na- pois, a Terra de amplo seio, suporte inabalável
○
○
cional de Educação Ambiental, consubstanciada dos demais seres. Do Caos nasceram o Dia e o
○
○
na Lei nº 9.795, de 27/4/1999. É um farol que Éter. A Terra gerou primeiramente o céu cons-
○
projeta luz, a longa distância, sobre o caminho telado, depois as altas montanhas, em que ha-
○
○
pedagógicas e operacionais que causavam mal- (Hesíodo, 1991, versos 116 ss.).
○
○
estar e disputas estéreis, quando não pernicio- O Caos era o espaço vazio. Por um impulso
○
sas, entre os vários agentes do desenvolvimen- admirável, por meio de ordem mais admirável
○
○
O tema “Ética e Meio Ambiente”, que com fre- vivemos e do qual somos inseparáveis no tem-
○
○
qüência vem sendo trabalhado, traduz não ape- po e no espaço. Não podemos contar os tem-
○
nas a importância intrínseca do assunto, mas, pos geológicos e biológicos decorridos há mi-
○
○
sobretudo, o interesse crescente da sociedade a lhões ou bilhões de anos. Nem podemos abar-
○
○
seu respeito. E não é sem sentido: a sobrevivên- car sequer os tempos históricos, construídos
○
○
cia da espécie humana e do próprio planeta Ter- pelo Homo sapiens sapiens. Não obstante, es-
○
ra está intimamente vinculada à mudança de há- ses tempos históricos marcam os nossos cami-
○
○
bitos, costumes, práticas, comportamento e ati- nhos com a evolução das espécies, mostram o
○
○
tude da sociedade. Ela aponta para a urgência sentido de evolução da humanidade. E tudo se
○
○
○
○
○
○
* Possui graduação e mestrado em Filosofia, pós-graduação em Sociologia Urbana. É professor universitário, docente associado e pesquisa-
○
dor no Núcleo de Informações em Saúde Ambiental (Nisam) da Faculdade de Saúde Pública da USP; consultor em Meio Ambiente em Milaré
○
Advogados.
○
50
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
originou de um vazio primitivo, daquele tohu tória da humanidade está passando para uma
○
○
abohu assustador de que fala o livro do Gênesis era nova e incerta’, o que acarreta ‘implicações
○
○
em suas primeiras linhas. filosóficas quase inimagináveis’, e isso está re-
○
○
Agora, passados milhões de anos de evolu- lacionado com a ‘pergunta sobre a essência do
○
ção, receamos ter entrado num processo inver- homem’” (Hans Küng, 1999: 152).
○
○
so: involução. A Teoria do Caos voltou a ocupar Ante a incerteza dos novos rumos, inclusi-
○
○
a Ciência. Mas, à parte elucubrações científicas, ve na política, Küng ilustra a sua constatação
○
o caos e o vazio manifestam-se de outras ma- com o pensamento do cientista americano 51
○
○
neiras neste nosso mundo em transição. As clás- Zbigniew Brzezinski, antigo assessor de segu-
○
○
sicas perguntas: quem somos? de onde viemos? rança do presidente Carter, dos Estados Unidos:
○
○
para onde vamos? continuam válidas. Mais que
○
A correção que se faz necessária não há de ser
isso, refluem sempre e voltam com interroga-
○
tirada de um catálogo de recomendações políti-
○
ções sobre o sentido da nossa vida e o destino
○
cas. Ela não poderá evoluir senão como conse-
○
do planeta Terra.
○
qüência de uma nova época histórica em que se
○
Sim. Malgrado todas as aparências e ilusões,
○
possa chegar a uma mudança de valores e de
há um vazio na sociedade humana e no íntimo
○
comportamento; no fundo, portanto, de um lon-
○
de cada indivíduo. Pairam angústias sobre o
○
○ go e difícil processo de autoanálise cultural e de
nosso destino comum. Assaltam-nos incertezas
○
Ao nos propormos esses e outros questiona- da problemática mundial. A causa é mais pro-
○
○
mentos, logo desponta a Ética, com seu perfil va- funda e abrangente do que os fenômenos.
○
○
poroso e papel ainda incerto neste mundo em Todos sabemos que as grandes fases da His-
○
mutação alucinante. Será ela válida? Até onde tória tiveram suas respectivas características.
○
○
chegam seu alcance e eficácia? A primeira inter- Por aí temos idéia de que o nascimento da Ci-
○
○
rogação aparece como uma “questão fechada”, à ência Moderna e o impulso que lhe foi dado pelo
○
○
espera de uma resposta que não admite alterna- Iluminismo do século XVIII consagraram a rup-
○
tivas. Sim, ela é e tem-se mostrado absolutamen- tura, por vezes convulsiva, entre a Razão e a Fé.
○
○
rindo alternativas. É precisamente essa abertu- inebriou o espírito humano, fazendo-o sentir
○
○
ra nas respostas que nos deixa, de certo modo, novos sabores no fruto da árvore do conheci-
○
desconcertados. Seria necessário rastrear os al- mento do bem e do mal. Endeusou-se o ho-
○
○
vos e as aplicações morais, o que soa como de- mem, naturalmente. E, neste final da Era Mo-
○
○
safio. Com efeito, os descaminhos da humani- derna, não são poucas as vozes que proclamam
○
○
dade, o caráter complexíssimo dos valores natu- o “homem além do bem e do mal”. Ele passou a
○
rais e espirituais, o caos onipresente a requerer recusar critérios e valores outrora estabelecidos
○
○
um ordenamento constante, tudo isso em mis- e firmes e a rechaçar quaisquer limites à sua
○
○
tura com o vazio e a ansiedade do homem mo- atuação; porém, em compensação, perdeu o
○
○
que desconcertam a própria Ética. Constatamos, com ironia, que nem há efe-
○
○
Apelo para o pensador e cientista de múlti- tivamente um super-homem nem Deus está
○
○
plas facetas Hans Küng, por meio de seu livro morto, como se tem apregoado. Idéias, desco-
○
○
nas dimensões do nosso mundo. Resume ele: não obstante, o homem tornou-se joguete de
○
○
○
○
que não sabe controlar o efeito de suas ações. É divina, não por ele. História e experiência
○
○
o Caos que nos ronda e nos desestrutura. Mas o ensinaram que o homem não pode ser deixa-
○
○
que fazer? do à mercê de si mesmo. Ele deve transcen-
○
Mesmo diante dos grandes progressos já der-se, superar-se e ser mais humano do que
○
○
consagrados, não podemos recompensar a Éti- tem sido.
○
○
ca perene com uma simples aposentadoria. Infelizmente, o homem moderno perdeu
○
Ninguém aposenta a vida nem se aposenta da a visão histórica e transcendental da Ética. Ele
○
○
vida sem profundos sobressaltos. Como a vida, brinca com éticas de ocasião, com valores re-
○
○
a Ética resulta de um longuíssimo processo de lativos; tem seu jogo do faz-de-conta nas éti-
○
○
elaboração, aprovação e acomodação que cas classistas ou corporativas, assim como na
○
acompanhou o crescimento da espécie huma- chamada “moral de situação”, mas não sabe
○
○
na. Durante milênios, e de forma cada vez mais como encarar o mundo que nasce agora nem
○
○
encadeada, os homens foram verificando e re- como se inserir nele, desempenhar seu papel
○
○
gistrando o que era bom e o que não era, os er- ○
e manter sua dignidade fundamental. A dan-
ros e os acertos, os direitos e os deveres, o que ça velocíssima do transitivo e das aparências
○
○
era preciso respeitar e o que permanecia indi- tira-lhe a visão do que é estável e essencial.
○
○
ferente como valor. Foram decorridos séculos e Se foi dito que a liberdade existe somente
○
○
séculos na elaboração e na consolidação dessa dentro da lei, o mesmo se aplica à Ética. Tal-
○
espécie de “contrato social”, muitas vezes explí- vez não se tenha prestado suficiente atenção
○
○
cito e muitíssimas outras implícito. A humani- a esse aspecto. Sem embargo, a Ética é o pe-
○
○
dade veio aprendendo consigo mesma, e hoje nhor da liberdade e do próprio direito. É como
○
parece teimar em se esquecer do essencial e das o cavaleiro, quiçá com ares quixotescos, que
○
○
Vivemos na cultura ocidental, herdeiros das opressão e o abuso do poder, em defesa dos
○
○
Mesmo os Dez Mandamentos da Lei de Deus – em prol das causas comuns. Isso é essencial à
○
○
as “dez palavras” ou “Decálogo”, que na Bíblia realização do ideal de uma sociedade justa.
○
○
hebraica aparecem em duas versões – tiveram Nunca uma democracia real se impôs pelas
○
de passar por longa história. As instituições da armas ou pela prepotência, métodos esses in-
○
○
“segunda tábua”, que dizem respeito às relações trinsecamente antide mocráticos. Quanto
○
vação e de polimento tiveram de decorrer até só: o desrespeito. Os poderes político e econô-
○
derado como expressão adequada da vontade de ção tecnológica, a tirania da Ciência, o engodo
○
○
Javé, da Aliança de Deus com seu povo (Küng, das falsas liberdades, as mistificações religiosas,
○
ência ética básica. O curioso, e até paradoxal pulação das pessoas e das consciências, em di-
○
○
52
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
○
○
aplicação da inteligência e prova de superiori-
○
ou ética ecológica
○
dade. Os sofismas distorcem a lógica dos fatos.
○
○
O que dizer da cidadania? Os grandes filó- O presente momento circunscreve-nos à
○
sofos socráticos, nomeadamente Aristóteles,
○
busca de um tema preciso como insumo para a
○
não distinguiam com muito rigor a Ética da Po- formação de professores em função da qualidade
○
○
lítica, porque ambas estavam destinadas a or- na educação. É onde pretendemos chegar. Mas,
○
denar e a aperfeiçoar a convivência. Hans Küng 53
○
creio que, para tanto, é lícito excursionarmos por
○
(1999: 149), citando Riklin a respeito do suces- algumas reflexões preliminares que incentivem
○
○
so das seis “invenções da humanidade contra o nossa “imaginação filosófica”.
○
○
abuso do poder”, observa na retaguarda desses Apesar de paradoxal, falar de fronteiras da
○
movimentos a presença de um impulso ético:
○
Ética equivale a dizer que a Ética não tem fron-
○
“[...] de forma alguma a consciência ética ocu- teiras…
○
○
pa um posto perdido na luta contra o poder”. Assemelha-se, por analogia, ao aether, ao
○
○
O Iluminismo, transitando pela Revolução ápeiron e ao átomos dos filósofos originários
○
Francesa e prolongando-se através de épocas e (para os que quiserem recordar: Anaxágoras,
○
○
sistemas, consolidou a grande conquista da Empédocles, Anaximandro de Mileto, Leucipo
○
○
“Declaração Universal dos Direitos do Homem”. e Demócrito, entre outros). O aether pervade
○
○
Todavia, mais antiga do que ela é a formulação o espaço e, de algum modo, todos os seres. O
○
dos deveres universais do homem, que é preciso ápeiron, infinito e indeterminado, é o princí-
○
○
reviver. Isso se faz particularmente necessário pio e o elemento primordial de todas as coi-
○
○
ethos mundial. Por seu turno, alerta o pensa- universo. Peço perdão aos filósofos ortodoxos,
○
○
dor e escritor Leonardo Boff (2000: 13): “Três e mais ainda aos autores das teorias originais,
○
○
problemas suscitam a urgência de uma ética por essa analogia atrevida. Mas a procura do
○
Não nos será difícil constatar que a Ética pe- tais, os pré-socráticos, queriam obstinadamen-
○
ria acumuladas ao longo da História, pode e do, a arché. Estavam, como se vê, na tentativa
○
○
deve renascer como base ancestral do Ethos de uma síntese que elucidasse os enigmas do
○
○
mundial. Este último, na realidade, é uma nova mundo físico. Foi assim que se estabeleceram
○
que se ajusta à etapa histórica daquilo que se confundida com a Filosofia. Depois, as preocu-
○
○
convencionou (ainda que vagamente) denomi- pações voltam-se para o conhecimento do ser
○
○
cidadãos devem ser, preliminarmente, os agen- cação, a analogia trazida acima leva-nos a con-
○
ínterim, a pergunta crucial: o mundo que está diais, também ela se baseia numa arché; cons-
○
○
em gestação será à nossa imagem ou, ao con- trói-se com o indefinido e o infinito, trabalha
○
○
trário, seremos nós a imagem desse mundo com o indivisível e ocupa a totalidade do espa-
○
mal-esboçado e incerto dos seus rumos? Qual ço da vida. Não há ser que seja indiferente à vida
○
○
neta Terra nessa empreitada? oikos e ethos, assim como as realidades que eles
○
representam, têm muito em comum com o es- mática dos processos econômicos e sociais; essa
○
○
paço vital. Da mesma forma, a felicidade, a rea- visão, chamada neo-utilitarismo, está na base
○
○
lização individual, o bem-estar coletivo e a per- de muitas reformas sociais calcadas em mode-
○
○
petuação do fenômeno da vida, as aspirações los anglo-saxões. É fácil perceber seu vínculo
○
humanas em geral, requerem a justiça como com o neoliberalismo ou o neocapitalismo. 1
○
○
fundamento da paz, esse “tranqüilo convívio na Há de se considerar, ainda, os fundamentos
○
○
ordem”, conforme a conhecida definição de To- éticos fornecidos pela natureza e pelas diferen-
○
más de Aquino. tes tradições religiosas. Mas, para Boff, a prio-
○
○
Oikos e ethos reportam-se à convivência. A ridade volta-se para o pobre e o excluído; po-
○
○
Ética, por definição e essência, é inseparável rém, o enfoque geral aponta para o resgate éti-
○
○
da vida e da existência no planeta Terra. As re- co da modernidade e o processo da globalização
○
gras da convivência têm sido elaboradas, tes- (Boff, 2000: 57-89).
○
○
tadas e adotadas em longos períodos da His- Pelejou-se sempre e muito pela dignidade
○
○
tória, que evoquei anteriormente. E esse pro- humana por meio de inúmeras escolas de pen-
○
○
cesso continua com a participação cada vez ○
samento e sistemas políticos. Curiosamente,
maior do mundo natural, que, na expressão de essa peleja tinha como pontos de partida as
○
○
Anaxágoras (500-428 a.C.), serve de referência mais diferentes formulações, algumas delas até
○
○
da natureza dá-nos parâmetros para nos rela- como ser pluridimensional esteve presente na
○
cionarmos sabiamente com esse mundo físico maior parte das doutrinas, porquanto não pode
○
○
No “contrato social”, em que os seres huma- conta o ser humano em sua totalidade.
○
nos foram os principais convenentes entre si, o Nesses albores de novo modelo civilizacional,
○
○
mundo natural compareceu como “interveniente” é chegada a vez de pugnar pela dignidade da Ter-
○
○
e diretamente interessado. Por certo, o mundo ra. Não se trata já de uma Ética antropocêntrica,
○
○
natural não poderá observar suas cláusulas, se nós mas de uma “Ética eco-centrada”. A propósito,
○
não observarmos rigorosamente o que nos cabe. está em discussão um texto oficial preliminar da
○
○
É a regra da vida e da convivência. Carta da Terra, cuja versão definitiva será subme-
○
○
Poderíamos, então, dizer que a Ética tam- tida ao endosso da ONU, em 2002. Esta é a posi-
○
○
bém é filha da Terra, como nós. Queiramos ou ção dos seus formuladores:
○
diador, o oportuno inspirador da convivência na Carta da Terra será utilizada como um código
○
○
discurso ético”. Ele fala do alcance e dos limites 1. respeito e cuidado com a comunidade de
○
○
1
Boff, 2000. Em relação ao utilitarismo social, ver p. 50-56.
○
○
2
“La Carta de la Tierra: valores y principios para un futuro sostenible”, Secretaria Internacional del Proyecto Carta de la Tierra, San José,
○
54
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
○
○
(Morin e Kern, 1995: 10).
○
3. justiça social e econômica;
○
As considerações sumárias que apresento nes-
○
4. democracia, não-violência e paz.
○
ta exposição singela seguramente não ficarão sem
○
eco. Elas valem, muito mais do que por si mes-
○
○
É preciso acreditar na evolução do mundo mas, como convite ao aprofundamento dos pro-
○
e na força das idéias. Essa é a nossa alavanca.
○
fessores na questão ambiental, incógnita básica
○
do mundo de hoje e enigma do futuro próximo. 55
○
○
Conclusão A qualidade na educação não poderá se per-
○
○
fazer sem a consciência do Ethos ambiental, pa-
○
Não há como desconhecer o florescimento
○
lavra-chave para a sobrevivência da sociedade
○
de uma “consciência cósmica”. Ela é inelutável.
humana e perpetuação sadia do ecossistema
○
Quantas ficções científicas, que pareciam
○
planetário.
○
exercício de imaginação doentia e exacerbada,
○
○
se tornaram realidades já superadas pelo tem-
○
○
po! Quem pode ter certeza incontestável de que
○
o mundo natural nunca poderá desabrochar Bibliografia
○
○
numa espécie de consciência própria? A evolu- ○
De qualquer forma, o grito da Terra é elo- . Ethos mundial: um consenso mínimo entre
○
planetário é tomado, por alguns cientistas me- CAPRA, Fritjof; STEINDL-RAST, David; MATUS, Thomas.
○
○
nos “ortodoxos”, como um complexo e quase in- Pertencendo ao Universo: explorações na fronteira da
○
Terra, para sentir e agir com ela. Somos nós a biente. São Paulo: Loyola, 1992.
○
○
consciência viva do planeta vivo. HESÍODO. Teogonia, a origem dos deuses. Estudo e trad.
○
Não nos importemos com as resistências e de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1991.
○
○
mais rigorosa, exata e fidedigna, não é a única MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação
○
muito há por aprender – também com a Filoso- Sawaya. São Paulo/Brasília: Cortez/Unesco, 2000.
○
○
fia questionadora, com o senso comum, com a MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra pátria. Trad. de
○
2001.
○
conforme a advertência de Edgar Morin, a Ci- ente humano. Belo Horizonte: Rona, 1999.
○
zir, também, ignorância, na medida em que as ecologia e espiritualidade. 2. ed. São Paulo: Loyola,
○
○
○
○
○
para uma sociedade sustentável*
○
○
○
○
○
Paulo Jorge Moraes Figueiredo
○
○
Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep)/SP
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
A despeito dos avanços do debate ambiental Ambiental, poucos autores em países pobres ou em
○
○
nos últimos anos, a abordagem da questão tem se desenvolvimento têm se dedicado a essa área do sa-
○
○
centrado nos aspectos tecnológicos voltados ao ber, de largo potencial na fundamentação de políticas
○
abate da poluição de uma forma geral e às técnicas e instrumentos de gestão ambiental apropriados e cal-
○
○
alcance limitado dessas abordagens, a Ética das principais correntes que permeiam as políticas
○
○
Ambiental surge recentemente como um ramo da e as práticas dos diversos grupos sociais com rela-
○
○
Filosofia voltado à compreensão das raízes dos pro- ção às questões socioambientais, tais como: ecolo-
○
blemas socioambientais, que se intensificam a cada gia profunda, ecologia social e a concepção do “bote
○
○
concepções éticas das sociedades, a Ética entre outras. Também algumas questões específicas,
○
Ambiental representa uma contribuição importan- de âmbito global ou nacional, são consideradas a
○
○
te para a compreensão de toda a complexidade da partir desse referencial, da mesma forma que a in-
○
○
Mesmo com os avanços conceituais da Ética ções sociais e das sociedades com o meio ambiente.
○
○
○
○
○
○
Introdução
○
○
○
“Ética” tem sido um vocábulo recorrente a parte da filosofia que trata dos valores mo-
○
○
nos últimos anos, e seu uso coloquial nos re- rais ( Valls, 1995). Talvez possamos ainda con-
○
○
mete a aspectos ligados à consciência e à mo- siderar ética e moral como conceitos intuiti-
○
ral, aqui entendida como “ciência” que trata vos, normativos, usados para qualificar com-
○
○
dos costumes, dos valores, dos deveres e da portamentos e ações a partir de uma percep-
○
○
de bem e mal, de certo e errado, e aos mati- de cultural, de costumes e valores, entre os di-
○
○
zes e às gradações do comportamento huma- versos grupos sociais, e às variações desses as-
○
○
no ( VanDe Veer e Pierce, 1993). Poder-se-ia pectos ao longo do tempo. De qualquer forma,
○
considerar ética como ciência que trata das as formulações éticas devem buscar, a partir de
○
○
* Texto preparado por ocasião do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação – Formação de Professores, realizado em Brasília
○
no período de 15 a 19 de outubro de 2001, sob o patrocínio do Ministério da Educação. Nessa ocasião, a participação do autor incluiu
○
palestra em simpósio com o tema Ética e Meio Ambiente, no dia 17 de outubro de 2001.
○
56
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
○
Ética Ambiental
○
(Valls, 1995). Portanto, uma boa teoria ética deve
○
○
ter a pretensão da universalidade e, simultanea- Ética Ambiental pode ser considerada um
○
○
mente, explicar as diferenças de comportamen- ramo da filosofia voltado à análise e à discus-
○
to inerentes às diversas formações culturais e são dos valores ambientais das sociedades, das
○
○
históricas (VanDeVeer e Pierce, 1993). correntes de pensamento ambiental e dos pres-
○
○
As questões teóricas da ética têm sido tra- supostos e fundamentos das políticas e dos ins-
○
dicionalmente separadas em dois grupos: ques- trumentos de gestão ambiental. 57
○
○
tões gerais fundamentais, referentes à liberda- Entretanto, como nos lembram VanDeVeer e
○
○
de, à consciência, ao bem e ao mal, à lei etc.; e Pierce (1993), se a condução de nossas vidas priva-
○
○
questões específicas, referentes à ética profis- das é tarefa difícil, bem mais complexa é a proposi-
○
sional, à ética na política, à ética sexual, à ética ção de um projeto justo e sustentável para um cole-
○
○
matrimonial, à bioética etc. (Valls, 1995). tivo (nação, segmento social etc.). Somam-se a isso
○
○
Da mesma forma que nas teorias científi- as incertezas relacionadas à capacidade individual
○
e coletiva de transformações comportamentais,
○
cas, a melhor teoria ou argumentação ética é
○
aquela superior às suas concorrentes em um particularmente quando essas transformações vi-
○
○
número relevante de aspectos. O que se bus- sam a benefícios que transcendem a vida dos indi-
○
○
exemplo: a natureza do homem é boa, existe Entre as muitas motivações para o desenvol-
○
vida após a morte, o homem é bom, animais vimento da Ética Ambiental, destaca-se a gene-
○
○
têm sentimentos, o homem é egoísta, o ho- ralizada percepção de que a parcela mais pobre
○
○
mem é altruísta). Portanto, um critério para da população mundial jamais atingirá os pata-
○
○
avaliar uma teoria ética é a análise de quão mares de consumo da parcela mais rica, mesmo
○
aceitáveis são seus pressupostos empíricos. porque, se qualquer proposição mais igualitária
○
○
Caso os argumentos empíricos sejam verda- de âmbito mundial fosse adotada nesse sentido,
○
○
ção é com a consistência lógica do conjunto Portanto, a questão fundamental está relaciona-
○
de argumentos. Uma última análise está rela- da à real possibilidade de adoção de modelos
○
○
diante do paradigma da sociedade ou dos gru- vimento” sustentáveis do ponto de vista social e
○
○
pos sociais envolvidos na questão e à compa- ambiental e passíveis de serem adotados por to-
○
tibilidade desses argumentos com as mais dos os povos (Figueiredo, 1997; 2001; Hercula-
○
○
profundas convicções morais desses grupos. no, 1992). Uma análise das implicações ambien-
○
○
Em suma, uma teoria ética deve ser clara, tais decorrentes dos padrões de consumo dos
○
○
tente, compatível com as mais avançadas e dessas populações mostra que esses níveis de
○
○
aceitas teorias científicas e seus resultados, e interferência na dinâmica ambiental sequer po-
○
○
compatível com os valores e as mais profun- dem ser projetados a longo prazo para essa re-
○
○
das convicções filosóficas das sociedades. duzida parcela da população, que dirá esten-
○
ambientais do ponto de vista ético tem permi- dial (Figueiredo, 1997, 2001; Herculano, 1992).
○
○
tido o avanço de uma nova área do pensamen- Essa questão, por si só, remete-nos ao cerne
○
○
ção próprias e forte influência nas concepções re o mundo contemporâneo, com característi-
○
○
○
○
econômico? Evolução de valores éticos e hu- mente distintas da idéia de que tudo que existe
○
○
manitários? tem valor intrínseco, ou que os seres vivos têm
○
○
• O que é qualidade de vida? Alto consumo? direitos (Teoria dos Direitos) ou, ainda, que re-
○
Felicidade? presentam um papel fundamental na dinâmica
○
○
da natureza (Teoria das Leis Naturais).
○
• O que deve ser sustentado ou assegurado?
○
O crescimento econômico em si, os elemen- Nesse sentido, são muitas as possibilidades
○
para as concepções teóricas da Ética Ambiental,
○
tos naturais e sua dinâmica, ou as estrutu-
○
ras atuais que garantem as desigualdades e e a questão é delimitada pela aceitação ou pela
○
○
a submissão de forma ampla? adequação dos pressupostos por parte das socie-
○
○
• Existe alguma real perspectiva humana voltada dades. Também vale destacar que, não raro, os
○
valores ambientais de uma sociedade compõem
○
à redução das desigualdades sociais, econômi-
○
cas e de apropriação dos recursos naturais? elementos que decorrem de fundamentações te-
○
○
óricas distintas. Portanto, na concepção de polí-
○
• Quais são as perspectivas temporais do ho-
○
ticas ambientais ou de instrumentos de gestão são
mem? Com que estilo de vida?
○
atribui à ruptura entre a ciência e a ética, de- pos sociais e organizações não-governamentais
○
Uma coisa é certa quando busca humanos (Ferreira, 1999) representa um tópico
○
○
Da mesma forma que nas concepções éticas, o que, segundo Gray (1994), caracteriza a “ilusão
○
○
tos. Nesse sentido, a assunção de que o homem é mo. Continua Graf (2000): “Ao colocar os interes-
○
egoísta por natureza (Egoísmo Psicológico ou Éti- ses da vida industrial e urbana em primeiro lugar,
○
○
ção de que todos os elementos naturais são pas- leis mais básicas da natureza, como a necessidade
○
○
síveis de serem utilizados pelo homem (Utilita- de um ambiente de baixa entropia para a nossa
○
○
1
Baixa entropia é aqui entendida como heterogeneidade, biodiversidade, diferenças de potenciais, enfim, características que potencializam a vida.
○
58
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
Segundo Golley (1994), a Ética Ambiental ter lugares vagos, o que possibilitaria uma reser-
○
○
apresenta boas perspectivas para a correção dos va de segurança em mares revoltos, ou mesmo
○
○
nossos comportamentos “antiecológicos”, quan- abrigar um animal que pudesse servir como ali-
○
○
do fundamentada nas Ciências Ecológicas, posto mento adicional, em vez de abrigar alguém que
○
serem estas condicionantes independentes de estivesse no mar e, portanto, representaria mais
○
○
diferenças culturais entre as filosofias humanas. uma boca a ser alimentada e implicaria uma car-
○
○
Ainda segundo Golley, o Ocidente, ao incorporar ga adicional. Essa analogia de imediato traduz
○
o discurso ambiental, distorce as questões uma preocupação populacional extrema e carac- 59
○
○
ambientais segundo seus padrões, excessivamen- teriza os problemas atuais como decorrentes não
○
○
te vinculados ao consumo material e à competi- de um estilo de vida insustentável, mas sim de
○
○
ção capitalista (Graf, 2000). Para autores como uma população excessiva diante dos escassos
○
Golley, entre outros, é fundamental o retorno aos recursos ambientais. Grosso modo, poderíamos
○
○
pilares da abordagem ecológica, como o holismo, dizer que, segundo a concepção do Bote Salva-
○
○
a sinergia (cooperação) entre as partes dos siste- Vidas, se a população mundial fosse substancial-
○
○
mas, a diversidade, a complexidade e o respeito mente inferior à atual, todos os indivíduos po-
○
às ciclagens naturais de matéria e energia. deriam praticar o estilo de vida dos povos ricos.
○
○
Os adeptos dessa teoria também são consi-
○
○
Ambiental, três são particularmente importan- naturais, não havendo demérito nessa disputa
○
contemporâneos. Essas correntes da Ética gozam de direitos iguais sobre os recursos na-
○
Garrett Hardin, que sustenta as concepções eco- como natural e decorrente de competências
○
aspectos como:
○
A Ética do Bote Salva-Vidas (Lifeboat Ethics), mundial fosse substancialmente menor, to-
○
que tem em Garrett Hardin um de seus maiores dos poderiam praticar os mesmos padrões de
○
○
de uma forma geral. Essa concepção teórica sus- cadas pelos países ricos.
○
○
tenta-se no darwinismo social, e a analogia que • Segundo essa corrente, são plenamente
○
dá origem a tal concepção entende o mundo justificadas as restrições dos países ricos à mi-
○
○
como um mar no qual os povos ricos se encon- gração dos pobres, posta a impossibilidade de
○
○
tram dentro de botes e os demais povos têm de todos atingirem os mesmos padrões de vida.
○
○
nadar para se manterem vivos. Existe uma natu- • Como a população dos países pobres cresce
○
botes, no que são coibidos por aqueles que já se zes os programas de ajuda humanitária, uma
○
○
encontram nessa confortável situação. Para os vez que o problema da superpopulação não
○
○
integrantes dos botes, é mais conveniente man- poderia ser superado dessa forma (Graf, 2000).
○
• Acredita-se na propriedade privada como todos os elementos e seres estão à disposi-
○
○
única forma de preservação ambiental. Em ção do homem. No eco-socialismo, a valo-
○
○
A tragédia dos comuns, de Hardin, as coisas rização da consciência humana é destaca-
○
públicas ou comunitárias são consideradas da no sentido da preservação ambiental, da
○
○
“de ninguém”, e portanto não há interesse biodiversidade, da adoção de práticas
○
em preservá-las (Graf, 2000; VanDeVeer e ambientalmente sustentáveis e na reversão
○
○
Pierce, 1993). de influências já materializadas (VanDeVeer
○
○
• Valores como xenofobia, subjugação cultu- e Pierce, 1993; Graf, 2000).
○
○
ral, individualismo, competição, materialis- Consciente de que a natureza se orienta num
○
mo e autoritarismo podem ser facilmente processo de contínua evolução da complexi-
○
○
percebidos nessa concepção ética. dade. Nesse sentido, a Ecologia Social propõe-
○
○
se sistêmica ao entender a natureza como o
○
conjunto de todos os sistemas vivos que se
○
Ecologia Social
○
comporta como um todo orgânico, inter-re-
○
○
As raízes da Ecologia Social estão no anar- ○
lacionado, que se move no sentido do incre-
mento de complexidade e auto-organização.
○
própria fundamentação capitalista, do sistema filósofo norueguês Arne Naess, em 1973, com o
○
○
tra forma de dominação econômica ou militar. coisas vivas têm o mesmo valor intrínseco, ou seja,
○
ção, da mesma forma que a “ecologização” das Ecologia Profunda tem uma definição mais
○
○
sociedades, o que espontaneamente implicará abrangente para “coisas vivas” do que simplesmen-
○
em pequenas comunidades, posto ser a redu- tos como rios e montanhas. Nesse sentido, identifi-
○
○
ção das escalas mais favorável à sustentabili- ca-se com diversas cosmologias tradicionais, nas
○
afirme a superioridade do homem, não sus- Ecologia Profunda é uma corrente explicitamente
○
○
2
A autora Joan Halifax encontra paralelos da Ecologia Profunda com cosmologias ancestrais diferentes entre si: o xamanismo, ocidental e
○
60
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
e, segundo Fritjof Capra, ela sintetiza esse novo • A mudança ideológica dar-se-á no sentido
○
○
paradigma (Capra, 1996). Frank Golley tam- de alcançar a qualidade de vida, que nada
○
○
bém declara seu apoio à Ecologia Profunda, tem a ver com o alto consumo. As políticas
○
precisam ser alteradas em profundidade,
○
discorrendo acerca da indubitável validade
○
ecológica de seus princípios básicos (Golley, afetando as estruturas ideológicas,
○
tecnológicas e econômicas. O resultado
○
1994; Graf, 2000).
○
será um estado radicalmente diferente do
○
A auto-realização significa a busca da ma-
○
atual. 61
turidade existencial plena do indivíduo, o que
○
○
para a Ecologia Profunda é o objetivo princi- • Aqueles que se identificam com os princí-
○
pios acima descritos têm, necessariamen-
○
pal da vida e tem fundamento espiritual. Essa
○
te, um compromisso no sentido das mu-
○
plenitude do ser dá-se por meio de um com-
○
danças necessárias para atingi-los.
plexo processo de sucessivas identificações do
○
○
indivíduo com outros indivíduos e com o meio
○
○
(entendendo como indivíduos os seres de A Ecologia Profunda não apresenta fórmu-
○
las de atuação, mas defende a ação para as mu-
○
qualquer espécie). 3
○
A auto-realização dá-se por meio da perfei- danças. “Os homens devem se colocar corajo-
○
○
ta integração, solidária e saudável, do indivíduo samente no interior das sociedades, procuran-
○
○
com tudo que o cerca. É, portanto, um proces- do atuar segundo os princípios de solidarieda-
○
pende da satisfação coletiva, bem marcada pela ciedades estabelecerão seus códigos de ética
○
○
estará salvo enquanto todos não estiverem sal- Pierce, 1993; Devall e Sessions, 1993).
○
vos” (Devall e Sessions, 1993: 217; Graf, 2000; A Ecologia Profunda faz-se intensamente
○
○
VanDeVeer e Pierce, 1993). Para a Ecologia Pro- presente no movimento ambientalista interna-
○
○
funda, a questão ecológica não é técnica ou ci- cional, com influência até mesmo em políti-
○
○
Ética Socioambiental
○
e na sustentabilidade
○
de vida é desejável, pois acentua as possi- mar que “a lógica que explora as classes e sub-
○
○
bilidades de auto-realização. Os seres hu- mete os povos aos interesses de uns poucos
○
diversidade, exceto para satisfazer às ne- da a Terra e espolia suas riquezas, sem solida-
○
○
3
Arne Naess, principal teórico da Ecologia Profunda, é filósofo e psicólogo. Dessa forma, o conceito de auto-realização vem da psicologia e de
○
○
○
Diante do exposto, cresce a relevância da Éti- antropocentrismo em favor do ecocen-
○
○
ca Ambiental, tanto para a compreensão da trismo; satisfação individual vinculada à
○
satisfação coletiva; manutenção da dinâ-
○
generalizada crise socioambiental quanto para
○
a proposição de concepções para sua supera- mica natural; banimento da exclusão, da
○
intolerância e dos preconceitos (raciais, de
○
ção. Nessa perspectiva, embora sejam inegá-
○
gênero, de idade, de opções culturais, se-
○
veis os avanços da economia ambiental, 4 as
○
xuais, entre outros).
correntes de pensamento fundamentadas na
○
○
Ecologia Profunda e na Ecologia Social têm • Valoração da educação abrangente e plu-
○
ral e da busca da auto-realização ou da ma-
○
agregado um maior número de adeptos e me-
○
turidade.
○
recido maior atenção na fundamentação de
○
possíveis saídas para a atual crise. • Busca de compreensão profunda dos pro-
○
○
Destaca-se a existência de um profundo blemas atuais a partir de abordagens sistê-
○
micas, considerando a complexidade das
○
debate entre a Ecologia Profunda, criticada
○
○ situações.
como utópica, e a Ecologia Social, considera- ○
1999a, 1999b; Capra, 1982, 1996; Hargrove, ca natural, minimização do uso de recur-
○
sos não-renováveis.
○
lógicos mais universais como: paz, não-vio- rização do trabalho humano criativo.
○
mana inserida nos limites naturais, igualda- cípios da precaução e da mínima interferên-
○
○
compaixão.
○
degradados.
○
4
Ramo da economia voltado para a concepção de instrumentos econômicos de gestão ambiental e de mecanismos de valoração dos recursos
○
naturais e internalização dos custos ambientais decorrentes das atividades humanas (Graf, 2000).
○
○
5
Alguns filósofos acrescentam ainda as raízes psicológicas e espirituais (Graf, 2000).
○
62
SIMPÓSIO 3
Ética e meio ambiente
○
conceptual elements and controversial questions. Texto
○
te coletivo e de baixo impacto (ciclovias etc.); produzido na University of Georgia – UGA, 1997.
○
○
rígido controle da qualidade ambiental da . The time between ecology and economy. XVIII
○
água e do ar; preocupação com as caracterís- Meeting of Production Engineering (Enegep-98) and IV
○
○
International Congress of Industrial Engineering – Univer-
ticas estéticas do ambiente; harmonização
○
sidade Federal Fluminense (UFF). Niterói, set. 1998.
entre os ambientes urbano e rural.
○
. Sustentabilidade ambiental : aspectos
○
○
• Exercício pleno da cidadania, participação conceituais e questões controversas. Texto preparado por
○
política ativa, democracia ampla e direta; ocasião da palestra “Noções de Sustentabilidade e Meio 63
○
○
eqüidade e justiça social, minimização gene- Ambiente”, proferida em 19 de julho 2001, em Brasília, a
○
ralizada das hierarquias; estímulo à coope- convite do Ministério da Educação, como parte do Pro-
○
○
ração e não à competição; adoção de estilos grama Conheça a Educação. Brasília: 2001.
○
GALLO, S. (Coord.). Ética e cidadania: caminhos da filosofia.
○
de vida comunitários em detrimento das
○
5. ed. Campinas: Papirus, 1999.
concepções estritamente individualizadas e
○
GRAF, R. Ética e política ambiental: contribuições da ética
○
privadas; valorização do caráter público; res-
○
ambiental às políticas e instrumentos de gestão ambiental.
○
peito e valorização da diversidade cultural.
Tese (Mestrado) – Santa Bárbara d’Oeste: Programa de
○
○
Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universi-
○
dade Metodista de Piracicaba – PPGEP/Unimep, 2000.
○
○
Bibliografia ○
○
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○
○
○
SIMPÓSIO 4
FORMAÇÃO DE PROFESSOR
EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
METODOLOGIAS E PROJETOS
DE TRABALHO
Isabel Cristina de Moura Carvalho
65
Tornar-se educador ambiental:
○
○
○
mitos de origem, vias de acesso
○
○
○
e ritos de entrada
○
○
○
○
○
Isabel Cristina de Moura Carvalho*
○
Emater/RS
○
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
Este texto destaca algumas conclusões da pes-
○
os “mitos de origem”, as “vias de acesso” e os “ritos
○
quisa de tese de doutorado intitulada A invenção de entrada”, por meio dos quais um profissional se
○
○
do sujeito ecológico: sentidos e trajetórias em Edu- ○
torna um “educador ambiental”. Este texto também
cação Ambiental, defendida na UFRGS, em 2001, e explora os processos de construção identitária acio-
○
○
está voltado para os caminhos de identificação e nados pela correspondência a um ideal de sujeito
○
○
construção da imagem do educador ambiental. A ecológico, que se expressa num perfil de profissio-
○
se os caminhos percorridos por trajetórias profis- código de posturas e valores do campo ambiental
○
○
sionais no campo ambiental. Para identificar os (um ethos e um habitus do campo), que torna pos-
○
momentos-chave das trajetórias de profissio- sível ser reconhecido pelos pares como um educa-
○
○
A questão da identificação nunca é afirmação entre tantas que tornam o cotidiano do professor
○
sores em Educação Ambiental, parto de dois pres- minha tese de doutorado denominada A inven-
○
○
supostos. O primeiro é que a formação de profes- ção do sujeito ecológico: sentidos e trajetórias em
○
sores comporta uma dimensão que transcende os Educação Ambiental (UFRGS, 2001), uma das
○
○
objetivos programáticos dos cursos e as questões que orientaram a análise dizia respeito
○
○
ção de uma identidade pessoal e profissional. imagem do educador ambiental. Dessa preocu-
○
Dessa forma, quaisquer que sejam esses progra- pação derivaram perguntas do tipo: como, no
○
○
mas e essas metodologias, eles devem dialogar curso de uma trajetória profissional, se processa
○
○
com o mundo de vida dos(as) professores(as), esse decidir-se pelo ambiental? Quais as vias pe-
○
○
○
○
○
66
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
○
○
ao ambiental? Quais as conseqüências dessa op- tais, prestação de serviços em diferentes insti-
○
○
ção sobre a experiência passada do sujeito? Como tuições etc.) e a negociação dos capitais simbó-
○
○
se reconfiguram, no campo ambiental, outras ex- licos e culturais (Bourdieu, 1989) anteriores ao
○
periências profissionais e existenciais? novo status do profissional/educador ambiental.
○
○
No horizonte do que denominei “sujeito eco- Relembramos, aqui, uma asserção básica
○
○
lógico”, abre-se uma série de frentes de ação. da qual partimos: o educador ambiental é um
○
Como discuti, ao longo da tese, a militância, ao caso particular do sujeito ecológico e, sendo 67
○
○
ser incorporada como habitus, parece atraves- assim, integra essa identidade maior, atuali-
○
○
sar as opções profissionais, gerando uma forma zando–a em algumas de suas possibilidades.
○
○
particular de ser um profissional ambiental. Para Isso não significa, como veremos, que partilhar
○
identificar os momentos-chave das trajetórias de dessa identidade ecológica seja um pré-requi-
○
○
profissionalização em Educação Ambiental, des- sito para se tornar educador ambiental. Em
○
○
taquei três cortes significativos: mitos de origem, vários casos, o caminho pode ser o inverso, ou
○
seja, da Educação Ambiental para a identida-
○
vias de acesso e ritos de entrada. A referência aos
○
conceitos de mito e rito tem aqui um valor so- de ecológica. A Educação Ambiental tanto
○
○
bretudo metafórico, na medida em que remetem pode ser fruto de um engajamento prévio
○
○
às passagens – como ações simbólicas – que fun- quanto se constituir num passaporte para o
○
(no caso do mito) e definem o hétero e auto-re- como sujeito ecológico e tornar-se educador
○
○
Ambiental (no caso do rito).1 Os mitos de ori- no sentido simbólico, mas podem estruturar-
○
de sentido, isto é, a instauração de uma raiz re- se um sujeito ecológico a partir da Educação
○
○
mota da sensibilidade para o ambiental, reen- Ambiental ou vice-versa). Isso repõe a ques-
○
○
As vias de acesso conduzem aos ritos de en- mensurável e cumulativo – que direciona a fle-
○
○
trada, remetendo aos caminhos de aproximação cha do tempo num sentido irreversível em que
○
○
são pessoal e/ou reconversão profissional, a par- ro como conseqüência das ações passadas – e
○
ideário ambiental e a opção por esse campo pode ser ressignificado pelo presente ou por
○
○
uma identidade ambiental são parte dos ritos de Mitos de origem: a trama
○
○
das sensibilidades
○
trânsitos em direção ao campo ambiental, aos É nesse sentido que poderíamos conside-
○
sos na universidade, diferentes modalidades de uma estrutura que encontramos nos relatos bi-
○
○
○
○
○
○
1
Existe uma ampla contribuição da Antropologia sobre esses conceitos, que, cada vez mais, têm sido usados não apenas para descrever as
○
sociedades tradicionais, mas sobretudo para explicar a sociedade contemporânea. Para efeito deste estudo, faço uso da definição de ritual
○
○
proposta por Kertzer (1987: 9): “comportamento simbólico que é padronizado e repetitivo”, presente em todas as culturas, bem como da
○
discussão sobre seus efeitos na política e no poder das sociedades contemporâneas. Importante ainda, para a nossa reflexão, é a evocação
○
do símbolo como elemento que provê de conteúdo o ritual e suas propriedades: a) condensação do significado; b) multivocalidade e c)
○
ambigüidade, ressaltadas pelo autor. Sobre o conceito de mito, vale lembrar que, a partir de Lévi-Strauss, tem sido definido como sistema de
○
○
signos ou ainda “expediente cognitivo usado para reflexão das contradições e princípios subjacentes em todas as sociedades humanas”
○
(Outhwaite e Bottomore, 1996: 470), de modo que, assim como a noção de ritual, passou a ser identificado como atributo de todas as
○
○
○
uma linha de sentido desde o presente – em e sua inscrição numa visão arcádica, aparece
○
○
que, possivelmente, também assume papel combinada com o sentimento de contestação
○
○
importante o ideal do sujeito ecológico, no romântico. O repúdio romântico à uniformi-
○
sentido de um dever ser, que remete a um fu- dade da razão, ao seu caráter instrumental e
○
○
turo utópico e atemporal – em direção ao pas- ao individualismo racionalista pode ser obser-
○
○
sado, conectando-os e, desse modo, identifi- vado em certas inspirações do ideal societário
○
cando lá as raízes remotas do que ocorreu de- ecológico, que se afirma como via alternativa
○
○
pois. É nessa reconfiguração da experiência à contra os ideais de progresso e de desenvolvi-
○
○
luz dos entrecruzamentos do tempo vivido e mento da sociedade capitalista de consumo.
○
○
rememorado que os entrevistados situam-se É interessante observar que, para além das
○
como ativos construtores de suas biografias memórias pessoais, essa sensibilidade natura-
○
○
pessoais e da identidade narrativa do educa- lista para com as plantas e os animais pode ser
○
○
dor ambiental. reencontrada como elemento de destaque na
○
○
Para esses entrevistados, o encontro com ○
vertente conservacionista do campo ambien-
uma natureza boa e bela emerge como núcleo tal. O movimento conservacionista, por sua
○
○
forte de suas memórias longínquas, que ga- vez, é o ponto em relação ao qual se diferencia
○
○
mente como um mito de origem. Entre esses social que, tendo uma crítica política, não se
○
identitário as memórias infantis, como “a fa- za, mas pretende transformar a sociedade. No
○
○
zenda em Mato Grosso”; “o pé de manga-rosa entanto, apesar dessa diferença, a visão ética
○
no quintal”; “os sapos, as borboletas e as pere- e estética que entende a natureza como por-
○
○
recas dos tempos de infância em uma cidade tadora de direitos e de valor em si mesma, que
○
○
do interior”; “a paixão pelos insetos”; “as vai além de sua utilidade para os humanos,
○
○
da casa urbana”; “os acampamentos, o alpinis- entre esses dois movimentos dentro do cam-
○
○
revisitam certos elementos importantes que se mantém disponível como visão de mundo que
○
destacam, na composição de uma tradição informa não apenas ações de mobilização con-
○
○
lor da natureza como reserva estética e moral, dos animais etc., mas também é particular-
○
○
que se pode encontrar no naturalismo e nas mente evocado na ação do Estado, que tende
○
chamadas novas sensibilidades para com a na- a identificar sua política ambiental com uma
○
○
mória mítica dos educadores ambientais, re- É possível notar certa descontinuidade en-
○
○
montando a um mito de origem do próprio tre o discurso ambiental politizado – que, ao to-
○
2
Observando as primeiras décadas do século XX, verifica-se que a história das ações sobre o meio ambiente, no Brasil, é feita por decisões
○
governamentais de caráter conservacionista. São tratados e legislações que visam proteger os recursos naturais, como, em 1895, o tratado
○
○
de proteção a um tipo de garça, antes exportada para manufatura de roupas e ornamentos; o tratado de proteção de aves úteis para a
○
agricultura (1921); o Código de Águas e Minas, o Código Florestal e o Código de Caça e Pesca, todos de 1934; e a criação do primeiro
○
parque nacional, em Itatiaia, em 1937, entre outros. Ao reiterar o sentido conservacionista do ambiental, o Estado colabora com o isolamento
○
da política ambiental das decisões dos setores econômicos que estão definindo o modelo de desenvolvimento no país. Isso tem sido critica-
○
○
do pelos setores ambientalistas que gostariam de ver a adoção de uma perspectiva socioambiental regulando o conjunto das ações de
○
desenvolvimento.
○
68
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
da natureza – e a vigência de uma ética e estéti- sos que podem ser descritos como: do exterior
○
○
ca naturalista, que se perpetua no imaginário para o ambiental; da interioridade do sujeito
○
○
dos sujeitos ecológicos. É algo dessa sensibili- para o ambiental; da luta contra a ditadura
○
○
dade que emociona e constitui a identificação para o ambiental; da engenharia para o am-
○
com a luta ambiental para muitos. Esse foi um biental; da educação popular para o ambiental.
○
○
ponto de inflexão recorrente nas narrativas que Esses percursos não são excludentes e, fre-
○
○
recolhemos, nas quais os entrevistados, ao nar- qüentemente, se superpõem. Outras vezes,
○
rarem sua história, relacionaram as raízes mais entrecruzam-se na trajetória de um mesmo 69
○
○
remotas de sua vinculação com a questão sujeito. Se os destacamos, é apenas para efei-
○
○
ambiental a uma sensibilidade com a natureza, to de dar centralidade ao que, em cada um
○
○
presente em sua experiência de vida. Muitos desses trânsitos, se evidencia como eixo de
○
localizaram essa experiência na infância, mas uma experiência refigurada.
○
○
outros, em momentos da vida adulta anterio- Como aparece em vários depoimentos, fa-
○
○
res a seu engajamento no campo ambiental. zer Educação Ambiental não garante uma iden-
○
○
Assim, o que, no debate das idéias e nos con- tidade pacífica de educador ambiental ou, pelo
○
frontos ideológicos, tende a contrastar com a menos, construída com certa homogeneidade,
○
○
oposição naturalismo/conservacionismo versus como se poderia supor em outros campos mais
○
○
sensibilidades que constituem os sujeitos eco- definido sempre provisoriamente, com base em
○
lógicos, parece estar bastante entrelaçado. parâmetros que variam segundo o informante
○
○
conforme mostram os percursos dos nossos namente assumida como destino escolhido,
○
○
entrevistados. O encontro com a natureza, a identidade em progresso como algo a ser alcan-
○
○
reconversões institucionais são alguns dos dades e escolhas do sujeito. Essa dinâmica pa-
○
○
marcos reconstituídos nos relatos como mo- rece apontar, tanto para um campo historica-
○
○
mentos liminares, 3 em que o presente tende a mente novo, quanto para sua natureza multi-
○
○
traduzir a experiência passada, como no mito disciplinar, condições que tornam mais difíceis
○
tado por uma expectativa voltada para um ho- uma nova identidade profissional, deixando
○
○
rizonte de possibilidades futuras, de acordo grandes margens para esses gradientes de iden-
○
Considerando a idéia da viagem como me- diversas maneiras e a partir de várias especiali-
○
○
mamos, como vias de acesso, alguns percur- simultaneamente, com outros fazeres am-
○
○
○
○
○
○
○
3
O conceito de liminaridade (liminality) é usado por Victor Turner para designar a fase intermediária do rito de passagem – compreendido como
○
tendo três fases: separação, margem ou limen e reintegração. Os estados e os processos liminares são marcados pela ambigüidade, pela
○
○
suspensão das normas e dos valores da ordem anterior e ainda pela não incorporação plena das e dos valores da ordem da ordem para qual
○
se está fazendo a transição, o estado liminar é o de estar entre dois mundos simbólicos (cf. Turner, 1978).
○
bientais. Nesse contexto, as atuações profissio- daí surgem assumem o caráter de uma identi-
○
○
nais no campo ambiental, excluindo-se aque- dade dinâmica, muitas vezes em trânsito, isto é,
○
○
las que exigem alta especialização técnica, ten- uma identidade que não se fixa necessariamen-
○
○
dem a favorecer o trânsito e mesmo a invenção te apenas em um dos pólos: profissional ou mi-
○
de novas modalidades e perfis profissionais. litante, por exemplo, tampouco ganha a forma
○
○
Finalmente, cabe lembrar que, se a constru- de uma identidade permanente e totalizante, no
○
○
ção de uma prática educativa nomeada como sentido de subsumir outras auto-identificações
○
Educação Ambiental e a identidade profissio- e filiações profissionais.
○
○
nal de um educador ambiental a ela associada Um dos traços distintivos dessa identida-
○
○
são parte dos movimentos de estruturação do de narrativa – conceito que pareceu ser o mais
○
○
campo ambiental, a Educação Ambiental esta- adequado para destacar a dupla face social e
○
rá submetida aos efeitos da censura4 exercidos individual dessa construção identitária – é par-
○
○
por esse campo. Essa é a fronteira que define tilhar, em algum nível, de um projeto político
○
○
um certo universo de sentidos possíveis, cir- emancipatório. A idéia de mudanças radicais
○
○
cunscrevendo o que é pensável ambiental- ○
abarca não apenas uma nova sociedade, mas
mente e, por conseguinte, o que, nesse campo, também um novo sujeito, que se vê como par-
○
○
identidade política e
○
gico, são múltiplos os caminhos, as vias de aces- publicações e teorização. A máxima registrada
○
pode se tornar um educador ambiental. As con- na dimensão política das práticas ambientais,
○
○
dições do percurso da própria Educação evoca uma transformação não apenas políti-
○
○
Ambiental apontam para uma área recente, em ca, mas da política, isto é, da maneira de com-
○
põem-se as marcas de um movimento social e novos trânsitos e também com possíveis ris-
○
○
educador ambiental está longe de ser uma iden- fios, entre os quais poderíamos destacar o de
○
○
tidade totalizante. Nomear-se educador como se inserir no coração das práticas esco-
○
○
ambiental aparece ora como adesão a um lares considerando sua condição de transver-
○
da não alcançado, ora como opção de trutura escolar, considerando essa espécie de
○
○
militância e da profissionalização num perfil ficado de estar em todo lugar, quanto, ao mes-
○
○
profissional–militante. Resulta disso que as for- mo tempo, não pertencer a nenhum dos luga-
○
4
Os campos sociais, segundo Bourdieu, exercem um efeito de censura (1989: 165), no sentido de limitar o universo dos discursos que nele se
○
○
produzem a um universo de enunciados possíveis de serem ditos no âmbito da problemática particular daquele campo.
○
70
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
○
sores e da organização das práticas escolares.
○
lógica segmentada do currículo, se a Educação Como sabemos, o debate ambiental ainda não
○
○
Ambiental tem como ideal a interdisciplinari- chegou aos cursos de formação de professo-
○
○
dade e uma nova organização do conhecimen- res, tampouco tem conseguido estar presente
○
to? Em outras palavras, poderíamos dizer que, nos momentos-chave da organização do tra-
○
○
como herdeira do movimento ecológico e da balho educativo na escola, como, por exemplo,
○
○
inspiração contracultural, a Educação Ambien- na definição dos projetos pedagógicos, dos pla-
○
tal quer mudar todas as coisas. A questão é sa- 71
○
nos de trabalho, do uso do tempo em sala de
○
ber como e por onde começar e quais os me- aula, do planejamento da escola, da distribui-
○
○
lhores caminhos para a efetividade dessa re- ção das atividades no tempo remunerado dos
○
○
construção da educação. Diante de um proje- professores.
○
to tão ambicioso, o risco é o da paralisia dian-
○
○
te do impasse do tudo ou nada: ou mudar to-
Bibliografia
○
○
das as coisas, ou permanecer à margem, sem
○
BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Pau-
○
construir mediações adequadas.
○
Do meu ponto de vista, valeria a pena ter lo: Perspectiva, 1987.
○
. O poder simbólico . Lisboa: Difel, 1989. Co-
○
como indicador de validade de um processo
○
○ leção Memória e Sociedade.
em Educação Ambiental a sua capacidade de
○
professores e alunos, mas, sobretudo, que falar quer dizer. São Paulo: Edusp, 1996b.
○
○
dessa forma, a Educação Ambiental consiga OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE, T. Dicionário do pensa-
○
1996.
gem da escola (atividades extraclasse, que
○
alunos, por exemplo), para ter alguma ação de TURNER, V.; TURNER, E. Image and pilgrimage in
○
○
transformação sobre o que poderíamos cha- Christian culture. New York: Columbia University Press,
○
○
○
○
para o ensino formal:
○
○
○
uma proposta de formação
○
○
○
continuada em serviço
○
○
○
para as séries finais
○
○
○
do Ensino Fundamental
○
○
○
○
Lucila Pinsard Vianna
○
○
Coordenadora-Geral de Educação Ambiental – SEF/MEC
○
○
○
○
○
○
I – o desenvolvimento de instrumentos e
○
templado no art. 8o da Lei no 9.795/99, que trata metodologias, visando à incorporação da di-
○
○
ensino;
○
○
cional de Educação Ambiental devem ser desen- e informações sobre a questão ambiental;
○
cativo;
○
○
§ 2o A capacitação de recursos humanos voltar- ção inicial como à formação em serviço (PNEA
○
○
de ensino;
○
72
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
uma política pública do Governo Federal para O segundo bloco de desafios diz respeito ao
○
○
o desenvolvimento profissional em serviço dos contexto do universo das unidades escolares. Por
○
○
professores de todos os segmentos e modalida- exemplo: como ela se organiza como espaço fí-
○
○
des do Ensino Fundamental. Nesse sentido, essa sico, qual a disponibilidade de materiais de qua-
○
proposta tem de ser entendida como uma ação lidade para leitura e pesquisa, se há proporção
○
○
que exige a amplitude e a diversidade caracte- apropriada na relação aluno–professor, se há
○
○
rísticas de um país como o Brasil. receptividade e apoio necessário da direção da
○
A pergunta que norteou a COEA na concep- escola para implementar processos de Educação 73
○
○
ção do programa foi: as propostas de formação Ambiental. Uma infra-estrutura física e institu-
○
○
de professores em Educação Ambiental existen- cional das escolas, que propicie encontros e pla-
○
○
tes contribuem efetivamente para o exercício nejamento coletivo, acesso à informações, rela-
○
dela no ensino formal? A referência básica des- ção professor–aluno adequada para a constru-
○
○
sa pergunta é o grande desafio, apresentado ção de vínculos, apoio político institucional, é a
○
○
para todos os educadores ambientais, de con- base para a realização, com sucesso, de proces-
○
○
cretizar processos permanentes, efetivos e de sos de Educação Ambiental nas escolas.
○
qualidade de formação em serviço de profes- O terceiro bloco diz respeito à fragilidade da
○
○
sores para a prática de Educação Ambiental. presença da Educação Ambiental nos sistemas
○
○
Quais são esses desafios? Podemos dividi- de ensino, situação que traz conseqüências di-
○
○
los em pelo menos cinco grandes blocos retas à prática da Educação Ambiental no con-
○
O primeiro bloco reúne os desafios ineren- tema meio ambiente passou a ser pautado com
○
○
tes aos princípios da proposta de Educação mais freqüência e sistemática nesses sistemas.
○
se constituir numa disciplina, permeando as contribuíram para abrir novos espaços institu-
○
○
diferentes áreas de conhecimento;1 promoção cionais para o tratamento do tema, embora ain-
○
○
garantia da qualidade de vida; aproximação ticas e programas dos sistemas de ensino. Con-
○
○
trução de valores, conhecimentos e atitudes Ainda com relação aos sistemas de ensino,
○
○
voltados para um modo de vida e ocupação/ o quarto bloco de desafios diz respeito às ques-
○
○
uso do espaço capazes de conciliar justiça tões institucionais que geram desmotivação nos
○
social e conser vação da natureza. A via- educadores como, por exemplo, a situação de
○
○
meio ambiente, intervenção na realidade por formação permanente. Esse contexto traz difi-
○
○
desafios de concretizar as propostas de Edu- meio ambiente na formação inicial desses pro-
○
○
quando a sua implementação é nas escolas. tura, em sua grande maioria, não incorporaram
○
○
○
○
○
○
1
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, referencial curricular lançado pela SEF em 1998, propõem o tema Meio
○
○
○
riculares. Além disso, a formação inicial dos professores, praticamente os mesmos detecta-
○
○
professores ainda alimenta uma prática de en- dos no diagnóstico preliminar realizado pela
○
○
sino fragmentada e descontextualizada da rea- COEA. São eles:
○
lidade em que irão atuar. Essa situação acentua 1. A duração dos cursos de formação é insu-
○
○
a necessidade de formação em serviço dos pro- ficiente para disponibilizar conhecimentos
○
○
fessores para trabalhar com o tema meio ambi- diversificados e específicos sobre meio
○
ente, enfocando não só questões metodo- ambiente e elaboração de projetos.
○
○
lógicas, como também o aprendizado dos con- 2. Não há apoio permanente aos professores
○
○
teúdos da temática. para sua ação docente.
○
○
Esses quadros de desafios criam obstáculos 3. É necessário o envolvimento, além dos pro-
○
para efetivar processos permanentes e de quali-
○
fessores, de técnicos, gestores, diretores e
○
dade na formação em serviço em Educação tomadores de decisão no processo de edu-
○
○
Ambiental. Entre esses obstáculos, há o desâni- cação continuada.
○
○
mo dos professores em enfrentar essas dificulda-
4. É importante que tais formações propiciem
○
cação Ambiental pode ser um dos caminhos para escola e daquela em que está inserida.
○
○
A despeito desses desafios, hoje existem mui- fazem uma reflexão sobre a problemática insti-
○
tas iniciativas de Educação Ambiental nas esco- tucional dos sistemas de ensino para efetivar
○
○
las, e a demanda é visivelmente cada vez maior. políticas de formação em serviço, nem sobre a
○
○
Mas será que, voltando à pergunta inicial, a for- problemática relacionada à fragilidade da Edu-
○
○
possibilita efetivamente sua prática, com quali- Ainda, entre os resultados dessa oficina, fo-
○
○
dade e continuidade, no ensino formal? ram apontadas algumas orientações para pro-
○
○
rama da Educação Ambiental, para a qual da autonomia do professor para sua própria for-
○
○
diagnóstico preliminar sobre as característi- seus colegas; viabilizar a capacidade dos pro-
○
○
cas dos projetos de Educação Ambiental nas fessores para formar pessoas conscientes, soli-
○
A partir das discussões dos grupos de tra- tou-se a necessidade de garantir institucio-
○
○
balho e das plenárias, foram traçados alguns nalmente o tempo e as condições para o desen-
○
○
○
○
○
○
2
Esse encontro gerou uma publicação, Oficina Panorama da Educação Ambiental , disponível na Internet, no site <http://www.mec.gov.br/sef/
○
ambiental>
○
74
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
○
○
continuada e dos projetos. intervenção.
○
○
A proposta de formação de professores em 3. A consciência de que não promove a apren-
○
○
meio ambiente da COEA – Programa Parâme- dizagem quem não a domina, nem cons-
○
tros em Ação – Meio Ambiente na Escola – con- trói conhecimentos significativos quem
○
○
sidera os desafios apresentados anteriormente, não os possui, nem promove autonomia
○
○
ou seja, lacunas na formação inicial; lugar de quem não teve a oportunidade de cons-
○
Educação Ambiental nas instituições; contexto truí-la. 75
○
○
da escola; dificuldades de apropriação de con- 4. A importância do desenvolvimento de
○
○
3
teúdos e desenvolvimento de competências competências profissionais para a prática
○
○
para a prática de Educação Ambiental. Além do professor. O programa elegeu quatro
○
disso, seus princípios contemplam os pontos e competências profissionais básicas: leitu-
○
○
orientações resultantes da Oficina Panorama da ra e escrita; trabalho compartilhado; admi-
○
nistração da própria formação; reflexão da
○
Educação Ambiental.
○
prática pedagógica.
○
○
○
○
Programa Parâmetros ○
○
Os objetivos principais do programa, defi-
nidos a partir dessas referências, são: incenti-
em Ação – Meio Ambiente
○
○
temas de ensino que tenham esse objeti- riências e realizar trabalho coletivo nas escolas;
○
○
vo, propostas e implementadas por meio colocar à disposição dos sistemas de ensino, de
○
lar, como espaço – reconhecido pela socie- grama é a constituição de grupos de estudo de
○
mática, é privilegiado para a vivência, a re- proposta é que os grupos de estudo discutam e
○
○
3
Atualmente, o conceito de competência é muito disseminado nas discussões entre educadores, porém sempre é válido retomá-lo: competên-
○
cia é a capacidade de mobilizar múltiplos recursos numa mesma situação, entre os quais os conhecimentos adquiridos na reflexão sobre as
○
questões pedagógicas e aqueles construídos na vida profissional e pessoal, para responder às diferentes demandas das situações de
○
○
trabalho. Nesse sentido, a construção das competências acontece a partir da articulação entre teoria e prática.
○
ridades das escolas. Não se trata, portanto, de uma preocupação adicional, que é o fato de que
○
○
um curso que tenha um fim. A idéia – e isso de a Educação Ambiental não está institucio-
○
○
fato tem ocorrido – é que os professores tomem nalizada nos sistemas de ensino, pois está au-
○
○
gosto pelo estudo coletivo e conquistem o es- sente das políticas, programas e estruturas des-
○
paço institucional para sua realização, garantin- ses sistemas. Essa preocupação permeia a pro-
○
○
do continuidade e freqüência dos encontros. posta do Parâmetros em Ação – Meio Ambiente
○
○
O programa Parâmetros em Ação vem ocor- na Escola. Seus objetivos específicos são:
○
rendo há três anos e já atendeu a mais de 301 • institucionalizar a Educação Ambiental nas
○
○
pólos, formou 21 mil coordenadores de grupo políticas de formação continuada em servi-
○
○
e beneficiou cerca de 400 mil professores, em ço das Secretarias de Educação;
○
○
2.600 municípios de todos os estados da Fede- • fortalecer os sistemas de ensino para o tra-
○
ração. Dentre os resultados qualitativos avalia- balho com Educação Ambiental;
○
○
dos pelo programa, destacamos o impacto nos
○
• propiciar a superação de visões parciais e
○
sistemas de ensino, quanto ao seu papel na pro- especializadas do mundo;
○
○
moção de políticas de formação continuada e
• incentivar a adoção de valores éticos e soli-
○
a escola se situa;
○
elencadas nos resultados da Oficina Panorama Ambiente na Escola tem algumas característi-
○
se referem à duração dos cursos de formação. 1. Além da reflexão sobre a prática pedagógi-
○
○
Nesse caso, como não é um curso, o tempo dei- ca, um dos objetivos do programa Parâme-
○
postas pela oficina para formação de professo- incentiva a reflexão sobre as atitudes e os
○
○
ensino e aprendizagem.
○
Educação para o desenvolvimento do programa seja em campo, por meio de estudos e di-
○
○
Parâmetros em Ação. O programa traz consigo agnósticos, quer seja buscando conteúdos
○
76
SIMPÓSIO 4
Formação de professor em Educação Ambiental: metodologias e projetos de trabalho
conceituais, o que também contribui para programa Parâmetros em Ação – um kit para o
○
○
a autonomia profissional. professor contendo diversos materiais informa-
○
○
5. As discussões propostas pelo material so- tivos, que propiciam o aprofundamento dos
○
○
bre os conteúdos conceituais do tema estudos, e também um guia para atividades em
○
Meio Ambiente apontam divergências, sala de aula.
○
○
conflitos, posições e visões diferentes acer- A proposta, com 115 horas de estudo, é de
○
○
ca da questão, confrontando valores e re- formação de grupos de professores por escola.
○
tratando a complexidade e a polêmica em É importante o envolvimento máximo de pro- 77
○
○
torno do tema. Assim, os professores têm fessores, visto que a idéia é justamente cons-
○
○
a possibilidade de construir suas próprias truir espaços coletivos na escola, que propiciem
○
percepções e posições em relação ao tema,
○
o planejamento e a construção de projetos
○
fortalecendo, assim, sua autonomia. participativos e integradores de cada área de
○
○
6. O conteúdo conceitual sobre o tema meio conhecimento. Nesse sentido, o programa des-
○
○
ambiente, nas atividades propostas pelo tina-se a todos os professores, e não apenas
○
material, dialoga com todas as áreas de co-
○
àqueles que trabalham com áreas de conheci-
○
nhecimento, propiciando a vivência da in- mento mais diretamente relacionadas ao tema,
○
○
terdisciplinaridade e construindo caminhos como, por exemplo, Ciências e Geografia. Essa
○
para a construção da transversalidade. O ○
○
pressar entendimentos sobre o tema meio continuada das secretarias na escola. Os grupos
○
vivência do tema como articulador entre as enfrenta os desafios para a prática da Educação
○
○
áreas e a construção de propostas de Edu- Ambiental nas escolas, bem como responde às
○
material para o coordenador de grupo, que con- daquela em que ela está inserida, nos cursos de
○
○
tém um guia sobre o qual se efetuarão os estu- formação em Educação Ambiental para profes-
○
○
dos em grupo. O guia é composto por ativida- sores. Essa preocupação é superada com a incor-
○
uma série de materiais de apoio a essas ativi- formação das secretarias, bem como com a pro-
○
○
dades, como, por exemplo, fitas de vídeo, CD- posta de construção de diagnósticos ambientais
○
○
também – e isso é um diferencial dos materiais caderno de projetos por escola, permeando to-
○
○
○
cício de autonomia e o tratamento da questão
○
para propostas de formação de professores, re- ambiental de forma contínua, permeando o
○
○
ferem-se ao desenvolvimento da competência e cotidiano da escola. Além disso, as secretarias,
○
○
da capacidade de mudança, risco e investigação; ao assumirem o programa, incorporam efeti-
○
ao incentivo da aprendizagem profissional com
○
vamente o tema meio ambiente em suas polí-
○
seus colegas; à viabilização da capacidade dos ticas de educação continuada.
○
○
professores para formar pessoas conscientes, O programa Parâmetros em Ação – Meio Am-
○
solidárias e capazes de aprender; à necessidade
○
biente na Escola pode ser um indutor, nos siste-
○
de garantir institucionalmente o tempo e as con- mas de ensino, de uma proposta institucional de
○
○
dições para o desenvolvimento do trabalho co- política pública para o tratamento do tema meio
○
○
letivo, da formação continuada e de projetos. ambiente nas escolas, garantindo espaços nas
○
Todas essas orientações estão presentes na
○
ações educacionais que resultem, finalmente, em
○
proposta do programa, que favorece o espírito processos de formação de professores perma-
○
○
de equipe, o trabalho em colaboração, o exer- nentes, contínuos e de qualidade.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
PALESTRA
○
○
○
de uma autora
○
○
○
○
○
Léa Depresbiteris
○
○
Senac/SP
○
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
Este trabalho apresenta as principais idéias da sicos que sempre a nortearam e buscar cumprir um
○
○
autora sobre a avaliação na Educação Ambiental. novo papel: o de auxiliar o aluno a identificar o sig-
○
ção das principais figuras do folclore, para discor- cias essenciais a serem desenvolvidas na formação
○
mas de avaliação. ser, o que nos exige vislumbrar além dos saberes e
○
○
cação Ambiental, não se pode caracterizar como o sários para lidarmos com o meio ambiente em nos-
○
○
uma nota aos alunos e de estes obterem-na para possíveis para que essa preservação possa ocorrer;
○
○
conseguirem um certificado ou diploma. A avalia- e o saber–ser é aquela dimensão pela qual o pro-
○
○
ção, em Educação Ambiental, da mesma forma que fessor se apresenta como mediador, visando ao es-
○
a avaliação em todo o processo de ensino e apren- tímulo da reflexão do educando sobre sua respon-
○
○
dizagem, deve se distanciar dos paradigmas clás- sabilidade para com o meio ambiente.
○
○
78
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora
○
○
estão em casa. Daí é fácil (esfregou as mãos), é
○
Estavam presentes naquela reunião alguns
○
só hipnotizá-las e fazer amor.
○
dos principais personagens do folclore brasilei-
○
– E sempre as deixa grávidas – zombou a
○
ro. Andavam de um lado para o outro, tentando Matintapereira, que muitos diziam ser uma
○
○
se conhecer; afinal eram de diferentes regiões do prima distante do Saci-Pererê, porque se apre-
○
país, e muitos não haviam se encontrado antes.
○
senta como um velho ou uma velha que pula
○
– Não entendo por que nos chamaram aqui em uma perna só, opinião, aliás, com a qual 79
○
○
– disse o Saci-Pererê, um dos mais conhecidos. ela não concordava, preferindo ser considera-
○
– O que temos a ver com a Educação Ambiental?
○
da uma coruja agourenta.
○
– Não sei – disse o Boi-Bumbá. – Talvez seja
○
O Boto não gostou nada da ironia da
○
porque, hoje em dia, fala-se muito da necessi- Matintapereira e partiu para cima dela deixan-
○
○
dade de relacionar os múltiplos aspectos do do até cair o chapéu que estava usando. As coi-
○
conhecimento: biológico, social, político, eco-
○
sas iam piorar, não fosse a intervenção do Saci-
○
nômico e cultural.
○
Pererê, sempre muito brincalhão e astuto, que
○
– Muito intelectual, para meu gosto, essa chamou todos os presentes para ver um livro
○
○
sua explicação – ironizou o Curupira. – Acho que ele achara, com belas fotos da Terra.
○
do nosso país. Pelo folclore, um povo preserva – É óbvio, não? – irritou-se o Curupira. –
○
sua identidade.
○
nunciou-se a Mãe-d’Água. – Todo mundo está – Bem, mas eles certamente não vão falar
○
○
preocupado com uma lei de Educação Am- apenas dos aspectos naturais – opinou a Mula-
○
sino Fundamental, o Ensino Médio, a Educa- pensava. Aliás, ela era um personagem interes-
○
○
ção Superior, a Educação Especial, a Educação sante, pois mesmo sem cabeça, as pessoas di-
○
○
de Jovens e Adultos, reforçando a responsabi- ziam que ela relinchava, soltava chispas de
○
biental. Como estão preocupados, quiseram – Hoje em dia, está cada vez mais viva a
○
○
nossa ajuda para trocar idéias. idéia de que Educação Ambiental relaciona-se
○
– Pudera! Sem cabeça, o que ela queria – alguns personagens do folclore se manifestas-
○
pedaço, a região Norte, protejo os animais e as são “meio ambiente” era usada como sinôni-
○
o Boto de Água Doce –, fui convidado para sedu- disse o Boi-de-Mamão, figura de Santa Cata-
○
zir as pessoas a cuidarem melhor do meio ambi- rina, que é uma variação do Boi-Bumbá. – Ve-
○
○
ente. Aliás, sou muito bom nisso. Transformo- jam que, no ensino formal, a Educação Am-
○
○
me em moço bonito e visito as mulheres quan- biental tem sido objeto de reflexão constante.
○
Algumas medidas importantes estão surgindo, Sebastião é para curar pestes e feridas, a de São
○
○
como a reorientação curricular, produzida pelo Brás, para curar engasgos, a de Santa Luzia,
○
○
Ministério da Educação, especificamente pela para doenças nos olhos, a do Senhor do Bonfim
○
○
Secretaria do Ensino Fundamental, por meio protege contra infelicidade.
○
dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Neles, – Que interessante! – exclamou a Pessoa em
○
○
o meio ambiente aparece como um dos temas Carne e Osso. – No processo de ensino e apren-
○
○
transversais – completou o Boi-de-Mamão. dizagem, a medida é a extensão daquilo que
○
A conversa parecia estar interessando a to- os alunos aprenderam. Contudo, medir não é
○
○
dos, quando foram interrompidos pela entra- avaliar, como muita gente pensa. Algumas pes-
○
○
da da Pessoa em Carne e Osso, que destoava soas acham que, só por estarem aplicando uma
○
○
do ambiente e logo deixou claro qual era o ob- prova, estão avaliando. A avaliação só ocorre
○
jetivo da reunião. quando atribuímos um valor a essa medida e,
○
○
– Fico muito contente que todos vocês te- principalmente, se agimos na direção da me-
○
○
nham comparecido a este encontro. Vim aqui lhoria dos desempenhos que não foram alcan-
○
○
para que possamos conversar sobre um assun- ○
çados. Podemos medir sem avaliar, mas o con-
to específico: a avaliação na Educação Am- trário não é possível. Apreciar algo antes de
○
○
biental. Vocês poderiam me ajudar nesta refle- medi-lo é meramente dar uma opinião. Assim,
○
○
xão? – indagou de modo convidativo. quando digo que um aluno tirou nota dez,
○
○
– Ajudar, a gente pode, mas primeiro eu te- quando questionado sobre fotossíntese, estou
○
nho de saber o que é avaliação. Nunca ouvi fa- simplesmente medindo; só avalio quando es-
○
○
lar nisso – disse com sinceridade o Curupira. tabeleço um julgamento para aquela medida.
○
○
– Que bom você ter feito essa pergunta logo – Por exemplo, dizer que o aluno pode pas-
○
de início – suspirou a Pessoa em Carne e Osso. sar de ano é uma avaliação? – perguntou o Saci,
○
○
– Existem vários mitos e desvios com relação à girando em torno de si mesmo, vertiginosa-
○
○
guns deles. É preciso, por exemplo, distinguir – Em Educação Ambiental, isso não é im-
○
alguma coisa, a avaliação julga o valor dessa mano, ajeitando-se na cadeira. – A avaliação
○
○
coisa e impulsiona na direção de sua melho- deveria se afastar da idéia de medida dos co-
○
○
ria. Dizem que a balança dá o peso, mas não nhecimentos. Deveria, acima de tudo, verifi-
○
– Posso contar uma curiosidade? – pediu a provocando alguma melhoria na vida dos pró-
○
○
palavra Maricota, colega de festividades do Boi- prios alunos e da comunidade na qual ele está
○
○
ção de todos, principalmente do Curupira, anão – Mas, então, não se deve avaliar conteú-
○
○
– Em altura – prosseguiu Maricota –, sou a Pessoa. – Estou mostrando o que é mais rele-
○
importante, porque minha função na festa é sim, avaliar conteúdos, pois, muitas vezes, as
○
○
dançar de braços abertos e ir distribuindo ta- pessoas não zelam pelo meio ambiente, por-
○
○
pas e afagos, para sempre manter a roda aber- que não possuem informações básicas. Isso
○
ta. Quando me mediram, viram minha exten- não quer dizer que tenhamos de dar uma nota
○
○
são. Aliás, no folclore, a medida é parecida com ao aluno. Creio que é fundamental que os alu-
○
○
uma fita que representa o comprimento de nos compreendam temas, como ecossistema,
○
○
uma imagem de santo. As pessoas esticam a hábitat, nicho ecológico, fotossíntese, cadeia
○
fita da cabeça aos pés da imagem e guardam alimentar, cadeia de energia, porque são esses
○
○
essa medida como amuleto. Cada medida de conceitos que fazem a ligação entre a ciência
○
○
santo ajuda em alguma coisa: a medida de São e os problemas ambientais do cotidiano. O alu-
○
80
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora
no precisa perceber a relação que existe entre Mamão. – Eu sou melhor do que vocês: assus-
○
○
as espécies, verificar que nenhum ser vivo é ca- to criancinhas.
○
○
paz de sobreviver e se reproduzir independen- – Engole, mas depois solta. Que vantagem
○
○
temente dos demais. O gafanhoto come as tem nisso? – entrou na conversa a Matinta-
○
plantas, mas é comido pelo rato, que será co- pereira. – Você engole as crianças durante a
○
○
mido pelo gato, e assim por diante. festa do Boi-de-Mamão, mas depois da festa
○
○
– Eu estou com uma dúvida – disse o Lobi- as deixa livres, não é?
○
somem, levantando a pata. – Eu queria saber – É claro, você queria que eu engolisse de 81
○
○
como é que se julga alguma coisa. verdade? Não sou tão má assim.
○
○
– Boa pergunta – alegrou-se a Pessoa. – Para – Pudera! Para assustar as pessoas basta di-
○
○
avaliar, precisamos definir critérios. A palavra zer seu nome – disse o Boitatá, provocando a
○
critério vem do grego kritérion, que quer dizer Bernúncia.
○
○
separar, selecionar. O critério serve para jul- – Por favor, parem de se comparar entre si
○
○
garmos se houve alcance daquilo que deseja- – implorou a Pessoa em Carne e Osso. – A ava-
○
○
mos. Critérios, parâmetros, padrões são ter- liação, num processo de ensino, não deve esti-
○
mos usados em avaliação como sinônimos mular a classificação das pessoas, e, sim, ana-
○
○
para designar uma base de referência para jul- lisar até que ponto os educandos alcançaram
○
○
gamento. A noção de referência vem do latim os critérios definidos pelo ensino. É por isso
○
○
referre, que significa literalmente reportar. Para que devemos distinguir os critérios relativos
○
avaliar, referimos-nos sempre a alguma coisa (que também são chamados de critérios refe-
○
○
preexistente, de modo a fundamentar, garan- rentes a normas) dos critérios absolutos, co-
○
○
tir nossa opinião, nosso juízo. Pensar em cri- nhecidos como avaliação baseada em critérios.
○
térios é refletir sobre o que avaliar. A tradução deste último nome, do inglês para
○
○
– Então avaliar envolve comparação? – in- o português, não é muito boa – a Pessoa sali-
○
○
teressou-se o Curupira. – Por exemplo, no cri- entou –, uma vez que ambas as abordagens uti-
○
○
tério de maldade, eu poderia dizer que sou lizam critérios. A abordagem baseada em nor-
○
mais maldoso do que o Lobisomem? mas compara coisas, fatos, fenômenos, pes-
○
○
– Ai que convencido!– irritou-se o Lobiso- soas, entre si. Por exemplo: Lucas sabe mais
○
○
mem. – Eu assusto as pessoas muito mais do sobre fotossíntese do que Vicente. A escola A
○
○
– Nada disso. Quem assusta mais sou eu – que a escola B. A abordagem baseada em cri-
○
○
exaltou-se o Boitatá, que não havia se pronun- térios compara esses fatos, objetos, pessoas
○
○
ciado até aquele momento. – Eu, assim como com critérios predefinidos.
○
○
muitas luzes, que nada mais são do que os – A abordagem referente a normas tem a
○
○
olhos dos animais que comi, quando eles ten- finalidade de comparar os alunos entre si. Sua
○
○
tavam escapar das águas de uma enorme tem- principal base de análise é a curva normal,
○
○
– Grande coisa! – esnobou o Labatu, um – É uma outra figura do folclore que não
○
○
monstro que vive na fronteira do Rio Grande conhecemos? – quis saber o Saci-Pererê.
○
○
do Norte com o Ceará. – Eu sou mais temido – Não! – exclamou a Pessoa em Carne e
○
○
pessoas ficam mortas de medo com meu úni- criou uma curva para explicar algumas carac-
○
○
co olho, com minhas mãos compridas, com terísticas, como altura e peso. Ele dizia que
○
○
meus dentes em forma de presa. Eu adoro as- há uma tendência de a maioria das pessoas
○
○
sustar as pessoas! – exclamou, enquanto me- ficar ao redor de uma média e da outra parte
○
xia os cabelos longos e assanhados. ficar distribuída acima e abaixo dessa média.
○
○
– Todos vocês estão muito enganados – ga- Acontece que alguém utilizou a cur va de
○
○
bou-se a Bernúncia, outra amiga do Boi-de- Gauss para explicar a aprendizagem e, daí,
○
imprimiu à avaliação a idéia de que sempre – Mesmo porque – disse o Curupira, ainda
○
○
há uma grande maioria de alunos numa mé- meio confuso com a idéia de comparação, pois
○
○
dia e alguns poucos acima e abaixo dela. É por queria ter sido considerado o mais assustador
○
○
isso que, no processo de ensino e aprendiza- de todos –, tem gente que conhece horrores de
○
gem, a abordagem mais adequada é aquela reciclagem de lixo e não pratica nadinha do
○
○
baseada em critérios absolutos, pois o impor- que sabe.
○
○
tante não é classificar as pessoas, comparan- – Eu é que não gostaria de ser professora –
○
do-as entre si, mas verificar o alcance do de- declarou a Mãe-d’Água. – Teria muito medo de
○
○
sejado em termos de qualidade. cometer injustiças na hora de avaliar os alunos.
○
○
– Então a comparação que nós fizemos de – É só tomar cuidado – retrucou o Saci-
○
○
nossos poderes de assustar as pessoas foi uma Pererê.
○
comparação por normas? – o Boitatá fez a ana- – Isso mesmo – disse a Pessoa em Carne e
○
○
logia. Osso, retomando o assunto. – Em Educação
○
○
– A idéia central foi essa – respondeu a Pes- Ambiental, é fundamental que os critérios se-
○
○
soa. – Seria uma avaliação baseada em crité- ○
jam múltiplos e flexíveis, de acordo com as si-
rios, se todos vocês fossem comparados com tuações. É preciso, também, um certo equilí-
○
○
o critério de “assustar”. brio: não devemos ter uma visão estreita e rí-
○
○
– Então todos seríamos considerados com- gida, mas também não podemos reduzir a qua-
○
○
petentes, pois, que assustamos, assustamos lidade dos critérios. Conheço um escritor que
○
mesmo – concluiu o Lobisomem. escreveu mil vezes uma frase sem alcançar a
○
○
– Essa coisa de critérios é muito complica- perfeição que desejava. Aqueles que já escre-
○
○
da, e não estou gostando nada disso. E estou veram um livro sabem que o fariam melhor
○
percebendo que o professor, ao avaliar os seus numa segunda vez. Acontece que existe um
○
○
alunos, deve ter muito cuidado, não é? – co- momento em que é preciso parar, caso contrá-
○
○
Pessoa em Carne e Osso. – O papel da avalia- tem vários níveis de critério: aqueles que se re-
○
○
ção da aprendizagem, principalmente na Edu- ferem à avaliação dos alunos, aqueles que di-
○
○
cação Ambiental, não pode se caracterizar zem respeito aos currículos e até os mais am-
○
○
como o desejo tradicional dos professores de plos, que se referem às políticas públicas.
○
atribuírem uma nota aos alunos e o desejo des- Quanto aos currículos, por exemplo, se fôsse-
○
○
tes de obtê–la para conseguirem um certifica- mos avaliá-los com base no que dizem os Pa-
○
○
– Mas, como eu sei se os critérios são cer- responder a algumas questões como: A inclu-
○
tos e errados? – preocupou-se a Maricota. são do tema meio ambiente como transversal
○
○
– Em Educação Ambiental, fica difícil falar está provocando maior integração entre as dis-
○
○
de certo e errado. Talvez pudéssemos refletir ciplinas? Os professores estão sabendo lidar
○
○
que os critérios deveriam considerar não ape- com esse tema? Os alunos estão incorporando
○
avaliação deve ser o de evitar que se ditem ver- mou o Boi-Bumbá, categoricamente. – Acho
○
○
de que não se deve jogar lixo no chão, derru- deveria integrar diferentes visões. Eu, por
○
○
bar as árvores etc. O mais importante é o pro- exemplo, sou da Amazônia, Pará, mas misturo
○
○
cesso de conscientização. Por isso é que os pro- várias culturas: a indumentária do branco eu-
○
○
fessores precisam ser capacitados para incluir ropeu, o atabaque do negro e a coreografia do
○
e avaliar as melhores formas de fazer isso – re- mesmo – olhou para o companheiro pedindo
○
○
82
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora
– Ah! Uma coisa importante que eu ia es- – Isso mesmo. Quando uma pessoa perde
○
○
quecendo de falar – lembrou a Pessoa em Car- alguma coisa, basta acender uma vela para
○
○
ne e Osso – é que os critérios devem estar ex- mim, que eu encontro loguinho. Há até uma
○
○
plícitos para todos. Na verdade, os critérios são música muito bonita que diz: “Negrinho do
○
as “regras do jogo” e devem ser o mais claros Pastoreio, acendo esta vela para ti, e peço que
○
○
possível. me devolvas a querência que eu perdi…”.
○
○
– E a gente vai avisando, quando as pessoas – Ai, que romântico! – exclamou o Boto de
○
não estão alcançando os critérios? – indagou a Água Doce, certamente pensando em cantar 83
○
○
Maricota, enquanto dava um tapa no Boitatá, essa música em suas futuras seduções.
○
○
que estava mexendo na sua cintura. – Credo! Que maldade fizeram com você! –
○
○
– Sobre isso, podemos fazer uma analogia comentou o Saci.
○
com aquela brincadeira, em que a uma crian- – Eu não gosto muito de lembrar da minha
○
○
ça procura um objeto e as outras vão falando história – o Negrinho do Pastoreio parecia um
○
○
“está frio”, “está morno”, e quando o objeto está pouco abalado –, mas contei para exemplificar
○
○
para ser encontrado, todos gritam “está quen- que, se o meu patrão tivesse deixado explícito
○
te” – exemplificou a Pessoa em Carne e Osso. que o cavalo baio era tão importante para ele,
○
○
– E, se não houver critérios explícitos, o que talvez eu tivesse tomado mais cuidado.
○
○
acontece? – perguntou o Boitatá, já com o olho – Bem lembrado – disse a Pessoa em Carne
○
○
roxo do tapa que levara. e Osso. – Isso prova que a avaliação tem de ir
○
– Pode-se cometer injustiças. Uma pessoa orientando as pessoas sobre o seu desempe-
○
○
que não sabe como será avaliada não sabe o nho e o reconhecimento de seus sucessos e
○
○
que se espera dela – ponderou o Boi-de-Ma- problemas. Aqueles que acreditam na neces-
○
– Ah! De injustiça entendo eu – gritou o o princípio de que avaliar deve sempre auxi-
○
○
era um ótimo empregado e meu patrão se di- – Então, nessa função formativa, a idéia não
○
fugir o cavalo baio, preferido do meu patrão. – Certamente, não! – enfatizou a Pessoa em
○
○
lanque para que me surrassem. Mesmo saben- – Eu estou errada quando, ao avaliar os ca-
○
do que eu estava muito machucado, o patrão çadores, vejo que eles causam prejuízos às ár-
○
○
ordenou que eu fosse procurar o animal no vores e aos animais e aplico neles algumas sur-
○
○
pasto. Como era noite e estava escuro, acendi ras? – inquiriu o Curupira.
○
○
um toco de vela e fui procurar o bicho, mas, – Claro! Você não entendeu isso, ainda – ir-
○
novamente para o palanque e, dessa vez, apa- – Calma – pediu a Pessoa. – O Curupira está
○
○
nhei para valer, apanhei tanto que morri e fui fazendo uma coisa muito importante em ava-
○
○
– Pois agora vem o melhor da história – atribuir uma nota, já que está se auto-avalian-
○
continuou o Negrinho do Pastoreio. Quando o do? – indagou o Saci, enquanto enfiava o ca-
○
○
patrão foi ver o formigueiro, eu estava lá belo loiro da Mãe-d’Água no furo de sua mão
○
○
– Ah! É por isso que você se tornou o Pessoa em Carne e Osso. – É preciso distinguir
○
○
○
○
erro. A autonotação é mais uma estratégia que cendência.
○
○
o professor usa para os alunos se atribuírem – Favor traduzir tudo isso aí que você disse
○
○
uma nota, avaliando o que desenvolveram – irritou-se o Boitatá, eriçando ainda mais os
○
numa situação de aprendizagem. Outro aspec- cabelos.
○
○
to importante é o da metacognição. – Vou tentar ser breve – prometeu a Pessoa
○
○
– Meta o quê? – perguntou a Bernúncia, as- em Carne e Osso. – A intencionalidade refere-
○
sustada com a palavra. se aos objetivos que o professor deseja que o
○
○
– Se você me contar a origem de seu nome, aluno alcance. A reciprocidade, como o próprio
○
○
eu conto o que é metacognição – propôs a Pes- nome indica, implica troca, permuta. O profes-
○
○
soa em Carne e Osso. sor deve estar aberto para as respostas do alu-
○
– Combinado! – aceitou a Bernúncia. – no; deve perceber se ele está fornecendo indi-
○
○
Bem, dizem que quem me criou quis me fazer cações de que está cooperando, de que se sen-
○
○
bem feia, horrível mesmo. Quando meu cria- te envolvido no processo de aprendizagem. Na
○
○
dor foi mostrar sua obra para uma tia dele, ela ○
Educação Ambiental, a reciprocidade dos
se assustou de tal maneira que começou a gri- educandos pode ser percebida pelo grau de en-
○
○
vem do latim, ab renuntio, e quer dizer renun- preservação do meio ambiente. O significado
○
○
cio, nego. Ela era usada no batismo das crian- diz respeito ao valor, à energia atribuída à ati-
○
ças, no qual se renunciava o demônio em fa- vidade, aos objetos e aos eventos, tornando-os
○
○
vor do cristianismo. Acho que a tia do meu cri- relevantes para o mundo. Um exemplo de sig-
○
○
ador, ao me renunciar pela minha feiúra, aca- nificado é o fato de que as crianças aprendem a
○
bou me batizando. Com o tempo, ab renuntio ler somente pelo uso de materiais e atividades
○
○
– Coitada! Que nome! – solidarizou-se a se e que elas conseguem relacionar com ativi-
○
○
Carne e Osso – refere-se ao conhecimento que derá o sentido, ainda que faça sentido para o
○
○
pensamento, assim como suas habilidades do diz respeito a como o aluno está perceben-
○
para controlar esses processos, mediante sua do sua ação. Para ele, tem sentido estar falando
○
○
de saber por parte daquele que aprende, que – E a tal da transcendência? – quis saber o Saci.
○
cínios já desenvolvidos, a criar “métodos de encontrar uma regra geral, o que exige o de-
○
○
– E a pessoa faz tudo isso sozinha? – inda- estendê-la para outros contextos. A trans-
○
○
em Carne e Osso. – Num momento inicial, o ações realizadas na escola, estimuladas pela
○
○
para isso, o professor deve ser capacitado a li- consciência e auxiliando outros a se imbuírem
○
○
84
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora
ambiente – concluiu a Pessoa em Carne e Osso, formações, pesquisar, analisar, sintetizar, co-
○
○
soltando um suspiro. municar-se, interpretar os dados de realidade,
○
○
– Eu, por mim, seria mais drástico com os entre outras. Competência é o conjunto das ca-
○
○
alunos – impôs o Lobisomem. – Avaliaria as pacidades específicas, organizadas de modo a
○
pessoas e as assustaria, forçando-as a não po- propiciar a ação do aluno. Por exemplo, na
○
○
luir o ambiente, a não contaminar a água, a não aprendizagem das Ciências Físicas e Biológi-
○
○
jogar lixo nas ruas. cas, a competência de efetuar ensaios e medi-
○
– Não adianta nada forçar – disse o Boi- das conjuga, além dos saberes técnicos espe- 85
○
○
Bumbá, contrapondo-se ao Lobisomem. – As cíficos, uma série de capacidades, como apli-
○
○
pessoas é que têm de se conscientizar. car regras, pesquisar, analisar, sintetizar, co-
○
○
– Lembrem-se de que a avaliação não tem municar os resultados, entre outras. Parte-se
○
a função de punir – recordou a Pessoa em Car- do pressuposto de que, em Educação Am-
○
○
ne e Osso. – Devemos estar sempre atentos, biental, é mais importante desenvolver capa-
○
○
para que a avaliação não tenha caráter autori- cidades do que conhecimentos, do que trans-
○
○
tário e não seja usada como exercício de po- mitir um punhado de informações, ainda mais
○
der de uma pessoa sobre a outra. Na Educação para a Ecologia, que estuda redes de relações
○
○
Ambiental, desejamos que as pessoas zelem mais densas e complexas.
○
○
pelo meio ambiente por estarem conscientes – Eu sou competente – anunciou, sem fal-
○
○
de que isso é importante, e não porque estão sa modéstia, o Saci. Tenho uma perna só, mas
○
– Pessoal, isso já foi dito. Que tal voltarmos viajantes pedindo fumo, apareço e desapare-
○
○
– Voltando à mediação – retomou a Pessoa mentos, faço cócegas, atemorizo com meus
○
○
ra. Nessa perspectiva, a ação avaliativa abran- mais se precisa deles, faço longas tranças na
○
porque o que interessa ao professor é a opor- tenho? – indagou, olhando para todos com
○
○
sa mediação, pois pode refletir sobre os pró- diu a longa cabeleira. – Sou uma sereia alva,
○
○
prios posicionamentos metodológicos e sobre loira, meio peixe, canto para atrair os homens
○
○
a forma de avaliar seus alunos. O professor, en- e os levo até o fundo do mar. No Brasil, há gente
○
○
tão, pode desenvolver capacidades e compe- que acha que não sou mulher, mas, sim, uma
○
tências nos alunos e em si mesmo. cobra grande. Já, na antiguidade, diziam que
○
○
– Competências e capacidades! Qual a di- eu não era peixe, mas, sim, uma ave, que can-
○
○
ferença? – quis saber a Matintapereira. tava muito. Há várias versões sobre mim pelo
○
○
– As capacidades exprimem as potencia- mundo. Existe a versão do rio Reno, pela qual
○
lidades das pessoas, independentemente de seduzo os namorados, levo-os para o fundo das
○
○
longo da aprendizagem e não são diretamente África, pela qual recebo ofertas de alimento.
○
○
tência e capacidade não é direta; uma mesma de vocês – comentou o Boi-Bumbá. – Vocês são
○
○
dida em que exprimem potencialidades de um – Ora, tudo isso é lenda – disse a Mula-sem-
○
específicos das disciplinas. Por exemplo, po- – Lenda ou não – comentou a Pessoa em
○
○
demos chamar de capacidade: selecionar in- Carne e Osso –, é preciso realmente questio-
○
nar o que é competência e para que serve. A grupos sociais e, principalmente, se trata a to-
○
○
história está cheia de exemplos de pessoas ex- dos com respeito e eqüidade.
○
○
tremamente competentes para fazer o mal. – Ai que loucura! – exclamou a Mula-sem-
○
○
– E todo mundo pode ser competente para Cabeça, gemendo. – Eu é que não queria ser
○
o bem? – animou-se a Bernúncia. professor, prefiro continuar assustando as pes-
○
○
– Para isso é preciso que se avalie não só a soas. Ainda bem que ninguém desmanchou o
○
○
quantidade das coisas, mas a qualidade – dis- meu encantamento.
○
se a Pessoa em Carne e Osso, introduzindo – E como se desmancha? – agitou-se todo
○
○
outro assunto. – A qualidade tem duas faces: a o Saci-Pererê.
○
○
formal e a política. A primeira refere-se a ins- – É preciso me fazer sangrar, mesmo que
○
○
trumentos e a métodos; a segunda diz respei- seja pouquinho, usando uma ponta de alfine-
○
to a finalidades e conteúdos. A qualidade polí- te, por exemplo – respondeu a Mula-sem-Ca-
○
○
tica é aquela que trata dos conteúdos da vida beça.
○
○
humana. Está ligada ao relacionamento do – Pode ser com outro instrumento? – inte-
○
○
homem com a natureza. ○
ressou-se o Boitatá.
– E o que seria qualidade, na Educação – Pode sim, há uma infinidade deles, basta
○
○
Ambiental? – indagou o Boi-de-Mamão, apro- que eles cumpram o objetivo de me fazer san-
○
○
deriam ser citadas como essenciais, como, por a Pessoa em Carne e Osso –, mas o mesmo
○
○
alunos nas decisões, o estímulo à autonomia, usar diferentes instrumentos para avaliar os
○
gem significativa, em vez de uma aprendiza- portfólios, pesquisas, análise de casos reais,
○
○
gem mecânica. Cabe a todos nós, nesse con- provas operatórias etc.
○
○
texto, capacitar os docentes para enfrentar as – É verdade que as imagens também po-
○
– Ah! Isso é fácil – disse sem pensar o Lo- Educação Ambiental? – perguntou a Mãe-
○
○
– Fácil, porque você não é professor – re- – Ótima intervenção! – exclamou a Pessoa,
○
muitas vezes fica perdido num emaranhado de um excelente recurso para que o professor es-
○
○
que gostaria de ajudá-los a achar o caminho idéias, capte significados. Elas trazem, de for-
○
consigo – completou meio desanimado. codificam discursos e muitas outras coisas in-
○
○
– Concordo com você – disse a Pessoa em teressantes. Trabalhar com imagens no pro-
○
○
Carne e Osso. – Na avaliação, por exemplo, o cesso educativo exige do professor que tam-
○
professor não deveria ser capacitado apenas bém reflita sobre seus sentimentos e sobre
○
○
para avaliar o aluno, mas para participar da significados. Elas não podem ser trabalhadas
○
○
avaliação de outros componentes do currícu- de modo aleatório, devem cumprir uma fina-
○
○
lo. O professor deveria também saber avaliar lidade. O professor tem de saber lidar com as
○
os materiais que vai usar em seu ensino; ver diferentes visões de mundo, que vão, certa-
○
○
se, no material, há apresentação de fatos com mente, surgir. O desafio será o de possibilitar
○
○
terial deixa espaço para questionamentos, se sobre os problemas, de modo que os alunos
○
tos, se reflete a diversidade cultural, de raças, – Por falar em imagens, no livro que achei
○
86
SIMPÓSIO 4 – PALESTRA
Os diversos olhares da avaliação na Educação Ambiental – Fantasias de uma autora
○
polêmicas do nosso tempo, 25).
○
neta – disse o Saci, pegando novamente o li- DEPRESBITERIS, L. Avaliação educacional em três atos.
○
○
vro, que havia sido esquecido. São Paulo, Senac, 1999.
○
FEUERSTEIN, R. A. A theoretical review. Mediated learning
○
Todos os personagens se aproximaram
○
exper ience (MLE). Theoretical psychosocial and
para ver a imagem da Terra. Estavam maravi-
○
lear ning implications. London: Freund Publishing
○
lhados com a beleza da imagem, mas um pou-
○
House, 1991.
○
co preocupados com o destino do planeta. HADJI, C. Avaliação desmistificada. Porto Alegre: Artmed,
○
Apesar de ninguém ter se pronunciado, uma 87
○
s.d.
○
pergunta parecia pairar no ar: o que fazer para HOFFMANN, J. Avaliação, mito e desafio : uma perspecti-
○
○
evitar a destruição do meio ambiente, inclu- va construtivista. São Paulo: Educação e Realidade,
○
1992.
○
indo nele o ser humano?
○
MARINA, J. A. Teoria da inteligência criadora . Porto: Ca-
○
minho da Ciência, 1995.
○
○
M E D E I RO S, E. M e d i d a s p s i c o l ó g i c a s & l ó g i c a s à
○
Bibliografia psicometria . Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
○
○
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação
○
CASCUDO, C. Dicionário do folclore brasileiro . 9. ed. São Fundamental. Parâmetros em ação – Meio Ambiente
○
○
Paulo: Ediouro, 1998. na Escola. Brasília: SEF/MEC, 2001.
DEMO, P. Avaliação qualitativa: polêmicas do nosso tem- ○
○
○ REIGOTA, M. A floresta e a escola : por uma Educação
po. Campinas: Autores Associados, 1999 (Coleções Ambiental pós-moderna. São Paulo: Cortez, 1999.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
SIMPÓSIO 5
Pedro Jacobi
Lúcia Pinheiro
89
A importância do meio ambiente
○
○
○
na construção da cidadania*
○
○
○
○
Fábio Feldmann
○
○
IPSUS/SP
○
○
○
○
○
Introdução
○
“Pensar globalmente, agir localmente” precisa
○
○
ser incorporado no dia-a-dia de cada um, na
A partir dos anos 1970, a questão ambiental
○
defesa da qualidade ambiental, que, afinal, é um
○
adquiriu uma nova dimensão nas discussões so-
○
valor inseparável do exercício da cidadania.
○
bre sociedade, desenvolvimento e qualidade de
○
○
vida. Também nesse período, a conscientização
○
acerca da escala planetária dos impactos gerados ○
○
Meio ambiente
por atividades humanas começou a se dissemi-
○
e cidadania planetária
○
retamente interessados. A relação entre o mode- A partir dos anos 1970, tendo a Conferência
○
o meio ambiente tornou-se mais nítida e mais abordagem da questão ambiental, delineou-se a
○
○
assustadora, deixando de ser uma questão local, sustentabilidade como meta, a fim de garantir a
○
Terra, como no caso das mudanças climáticas. desenvolvimento, que leva em consideração o
○
○
países e nos diferentes níveis de organização das Norte e do Sul, quanto entre ricos e pobres nas
○
○
sociedades humanas, pois não são condiciona- sociedades nacionais. Em contrapartida, a dis-
○
○
os igualmente, para serem eficazes. Hoje em dia, danças tão rápidas que ainda não foi possível so-
○
○
grande parte das sociedades está informada a ciedades e indivíduos assimilarem esses novos
○
que incluem desde a poluição atmosférica e das da ainda seja prematura, pode-se afirmar que os
○
○
águas, até a desertificação, a destruição da ca- episódios ocorridos em Seattle e, mais recente-
○
○
mada de ozônio e mesmo os alimentos modifi- mente, em Gênova sejam reveladores da insatis-
○
formar informação em conhecimento e ação. É mia globalizada. Ao mesmo tempo, é essa mes-
○
○
preciso consolidar uma visão de mundo que ma globalização que tem permitido o fortaleci-
○
○
compreenda o papel de sociedades e indivíduos mento de novos atores sociais, como as organi-
○
sando garantir a proteção do meio ambiente do sos decisórios, na medida em que se revelaram
○
○
planeta. O lema da Conferência das Nações Uni- mais ágeis que os governos para atender às novas
○
○
das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento reivindicações da sociedade. A atuação das orga-
○
90
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
definição de políticas ambientais, como pode ser abordagem tecnocrática, que implica superar os
○
○
demonstrado em diversos casos, até mesmo em limites, baseada na supremacia humana sobre os
○
○
escala global. outros seres vivos e sobre os recursos naturais.
○
○
Seus princípios incluem reduzir padrões de con-
○
sumo, distinguir entre quantidade e qualidade,
A crise ambiental
○
○
obter satisfação de valores, tais como qualidade
○
e a substituição de paradigma
○
de vida, trabalho gratificante, solidariedade, meio
○
91
no século XX ambiente sadio e, portanto, comunidades melho-
○
○
res (Dobson, 1990).
○
○
A dramática mudança, em temos de concei- Em última análise, pode-se associar a cons-
○
tos e idéias, ocorrida no campo da Física duran-
○
ciência ecológica profunda à religiosidade ou à
○
te as três primeiras décadas desse século, foi espiritualidade, em que o conceito do espírito
○
○
amplamente discutida por físicos e filósofos por humano consciente refere-se à ligação do indi-
○
mais de cinqüenta anos.
○
víduo com a totalidade do cosmo (religião vem
○
Segundo Fritjof Capra, os problemas con-
○
do latim religare, que significa unir firmemen-
○
temporâneos mais agudos, tais como a ameaça te). Assim sendo, a nova visão de realidade que
○
○
de guerra nuclear, a devastação da natureza, a surge se baseia em uma consciência ecológica
○
va de uma visão de mundo ultrapassada, inade- ca e outros mitos. Essa tendência resgata a fun-
○
○
quada para lidar com os problemas da civiliza- ção original da religião, de educar, formar mem-
○
diversos campos científicos, movimentos sociais, da à vida espiritual de cada um, fortalecendo o
○
○
organizações e redes vêm desenvolvendo uma elo entre o ser individual e o coletivo.
○
○
nova visão da realidade, que formará a base para Do ponto de vista formal, na Educação, a ca-
○
e instituições sociais. Verificamos, portanto, uma transforma-a em ciência cívica, além de multi-
○
○
mudança de paradigmas, não apenas no âmbito disciplinar, uma vez que alia os conteúdos das ci-
○
○
das ciências, mas no campo social. ências da terra e da vida às disciplinas sociais e
○
a vida em sociedade como uma disputa pela so- análise, deve ser encarada como instrumento de
○
○
brevivência e considera ilimitado o poder dos mei- pressão política, poder e resolução de conflitos
○
○
os econômicos e tecnológicos, está sendo grada- (O’Riordan, 1995: 11). Nesse sentido, sua função
○
Iluminismo do século XIX, essa visão vem sendo sociedade, vista de um ângulo diferente, porém
○
○
revista nas últimas décadas; o paradigma emergen- complementar, daquele da missão filosófica do
○
○
te pode ser chamado de uma visão holística ou conceito em relação a meio ambiente.
○
sustentáveis como sendo uma alternativa pós-in- iluminista. Wei-Ming (1997: 19) defende que o
○
samento e prática sociais, em valores e ética, para são do Ocidente contemporâneo do ponto de vista
○
○
que se possa lidar com os limites dos recursos da não apenas científico e tecnológico, mas social e po-
○
○
Terra. A proposta é acomodar as necessidades hu- lítico. Os valores relativos à consciência moderna, tais
○
○
○
princípios espirituais e intelectuais têm, no natureza, entre o antropológico e o cosmo, em que
○
○
Iluminismo, a sua fonte de inspiração, inclusive os o estilo de vida valoriza as relações interpessoais e
○
○
projetos mais modernos, como o da ciência ecológi- a comunidade, em respeito ao meio ambiente,
○
ca. Com base em Comte, Bacon e Marx, a partir do pode indicar um novo caminho para a cidadania
○
○
século XIX, o Iluminismo propiciou o desenvolvi- planetária que se anuncia neste novo milênio.
○
○
mento do darwinismo social, uma simplificação do
○
conceito da “lei de sobrevivência do mais apto” e da
○
Bibliografia
○
competição associada a essa interpretação. Atual-
○
○
mente, essa visão permeia toda a sociedade moder- DOBSON, A. Green political thought. London: Routledge,
○
1990.
○
na, tornando todos suas vítimas e seus perpetradores,
○
HABERMAS, J. Knowledge and human interests. Trad. de
inclusive as culturas orientais, que assimilaram es-
○
Jeremy Shapiro. Cambridge: Polity Press, 1994.
○
ses valores, caracterizados pela forte competitividade
○
O’RIORDAN, T. Environmental science on the move. In:
○
internacional e pelo mercantilismo. Environmental science for environmental management.
○
○
A mudança de paradigma, portanto, reside na ○
London: Longman Group Limited, 1995. p. 1-11.
assimilação desse novo modelo, que inclui o apren- WEI-MING, T. Beyond Enlightment Mentality. In: TUCKER,
○
○
dizado a partir das tradições espirituais nativas, Mary Evelyn; GRIM, John A. (Eds.) Worldviews and
○
na construção da cidadania
○
○
○
○
○
Pedro Jacobi*
○
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
papel cada vez mais relevante – ciberespaço, O principal eixo de atuação da Educação
○
○
multimídia, Internet –, a educação para a cidada- Ambiental deve buscar, acima de tudo, a solidarie-
○
nia representa a possibilidade de motivar e sensi- dade, a igualdade e o respeito à diferença por meio
○
○
bilizar as pessoas para transformar as diversas for- de formas democráticas de atuação baseadas em
○
○
mas de participação na defesa da qualidade de vida. práticas interativas e dialógicas. Isso se consubs-
○
A relação entre meio ambiente e educação para a tancia no objetivo de criar novas atitudes e compor-
○
○
cidadania assume um papel cada vez mais desafiador, tamentos, em face do consumo em nossa socieda-
○
○
demandando a emergência de novos saberes para de, e de estimular a mudança de valores individuais
○
92
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
○
○
ção ambiental.
○
da sustentabilidade
○
Também é importante salientar que uma agen-
○
socioambiental
○
da para a sustentabilidade ambiental urbana deve
○
levar em consideração a importância de se esti-
○
A reflexão sobre as práticas sociais, em con-
○
mular a expansão dos meios de acesso à informa-
○
texto urbano marcado pela degradação perma-
○
ção, geralmente esparsa e de difícil compreensão,
○
nente do meio ambiente e do seu ecossistema, 93
como parte de uma política de fortalecimento do
○
não pode omitir a análise do determinante do
○
papel dos vários agentes intervenientes.
○
processo nem dos atores envolvidos e das formas
○
O momento atual exige que a sociedade este-
○
de organização social que aumentam o poder das
○
ja mais motivada e mobilizada para assumir um
ações alternativas de um novo desenvolvimento,
○
caráter mais propositivo e poder questionar de
○
em uma perspectiva de sustentabilidade.
○
forma concreta a falta de iniciativa dos governos
○
A noção de sustentabilidade implica uma
○
para implementar políticas pautadas pelo binô-
○
inter-relação necessária entre justiça social, qua-
○
mio sustentabilidade – desenvolvimento, num
lidade de vida, equilíbrio ambiental e necessida-
○
contexto de crescentes dificuldades para promo-
○
de de desenvolvimento como capacidade de su-
○
ver a inclusão social.
porte (Jacobi, 1999). ○
○
○
áreas potencialmente degradáveis e efeitos cres- cessárias para um agir mais orientado para a de-
○
A preocupação com o desenvolvimento sus- me papel cada vez mais relevante – ciberespaço,
○
○
tentável representa a possibilidade de garantir mu- multimídia, Internet –, a educação para a cida-
○
sistemas ecológicos e sociais que sustentam as co- sensibilizar as pessoas para transformar as di-
○
○
ticas sociais baseadas no fortalecimento do direi- constitui tema muito propício para aprofundar a
○
○
aumentar o poder das iniciativas baseadas na pre- mandas da população das áreas mais afetadas
○
○
missa de que um maior acesso à informação e a pelos constantes e crescentes agravos ambientais.
○
○
Um dos grandes desafios é o de estimular po- cipativa, notadamente a garantia do acesso à in-
○
○
líticas sociais sustentáveis assim como promover formação e a consolidação de canais abertos para
○
nível mais alto, do processo decisório, como for- blemas ambientais resultam principalmente da
○
○
○
○
da população, porém são também reflexo do des- ção de sujeitos cidadãos. O desafio do fortaleci-
○
○
cuido e da omissão dos próprios moradores, in- mento da cidadania para a população como um
○
○
clusive dos bairros mais carentes de infra-estru- todo, e não para um grupo restrito, concretiza-
○
tura, colocando em xeque aspectos de interesse se a partir da possibilidade de cada pessoa ser
○
○
coletivo. portadora de direitos e deveres e de se conver-
○
○
Isso traz à tona a contraposição do significado ter, portanto, em ator co-responsável pela defe-
○
dos problemas ambientais urbanos e das práticas sa da qualidade de vida.
○
○
de resistência dos que “têm” e dos que “não têm”, O principal eixo de atuação da Educação
○
○
representados sempre pela defesa de interesses Ambiental deve buscar, acima de tudo, a solida-
○
○
particularizados que interferem significativamen- riedade, a igualdade e o respeito à diferença, por
○
te na qualidade de vida da cidade como um todo. meio de formas democráticas de atuação basea-
○
○
A postura de dependência e de desres- das em práticas interativas e dialógicas. Isso se
○
○
ponsabilização da população decorre principal- consubstancia no objetivo de criar novas atitudes
○
○
mente da desinformação, da falta de consciência ○
e comportamentos em face do consumo em nos-
ambiental e de um déficit de práticas comunitá- sa sociedade e de estimular a mudança de valo-
○
○
dos cidadãos, que proponham uma nova cultura E como se relaciona a Educação Ambiental
○
○
de direitos fundamentada na motivação e na co- com a cidadania? A cidadania tem a ver com o
○
Nesse sentido, a Educação Ambiental repre- dade. A Educação Ambiental, como formação e
○
○
senta um instrumento essencial para superar os exercício de cidadania, tem a ver com uma nova
○
atuais impasses da nossa sociedade. forma de encarar a relação do homem com a na-
○
○
A relação entre meio ambiente e educação tureza, baseada em uma nova ética, que pressu-
○
○
para a cidadania assume papel cada vez mais de- põe outros valores morais e uma forma diferente
○
○
saberes para apreender processos sociais que se A Educação Ambiental deve ser vista como um
○
○
“complexificam” e riscos ambientais que se in- processo de permanente aprendizagem, que va-
○
○
cativos relacionados à conscientização da crise E o que tem sido feito em termos de Educa-
○
○
ambiental demandam, crescentemente, novos ção Ambiental? A grande maioria das atividades
○
○
enfoques integradores de uma realidade contra- é desenvolvida de acordo com uma modalidade
○
○
ditória e geradora de desigualdades, que trans- formal. Os temas predominantes são lixo, prote-
○
cendem a mera aplicação dos conhecimentos ci- ção do verde, uso e degradação dos mananciais e
○
○
Educação Ambiental que seja crítica e inovadora, A Educação Ambiental que tem sido desen-
○
em dois níveis: formal e não formal. Assim, a Edu- volvida no país é muito diversa, e a presença dos
○
○
cação Ambiental deve ser, acima de tudo, um ato órgãos governamentais, como articuladores, co-
○
○
político voltado para a transformação social. Seu ordenadores e promotores de ações, é ainda mui-
○
○
holística, que relaciona o homem, a natureza e o Nas grandes metrópoles existe a necessidade
○
○
universo, tomando como referência que os recur- de enfrentar os problemas da poluição do ar, e o
○
○
sos naturais se esgotam e que o principal respon- poder público deve assumir um papel indutor do
○
○
sável por sua degradação é o homem. processo. A redução do uso do automóvel estimu-
○
biental, situamo-la num contexto mais amplo, o meio ambiente, chama a atenção das pessoas e
○
○
da educação para a cidadania, configurando-se as informa sobre os perigos gerados pela polui-
○
94
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
ção do ar. Mas isso implica a necessidade de rom- tir padrões ambientais adequados e estimular
○
○
per com o estereótipo de que, no âmbito das res- uma crescente consciência ambiental, centrada
○
○
ponsabilidades urbanas, tudo depende da ação no exercício da cidadania e na reformulação de
○
○
governamental, enquanto os habitantes se man- valores éticos e morais, individuais e coletivos,
○
têm passivos e aceitam essa tutela. numa perspectiva orientada para o desenvolvi-
○
○
O grande salto de qualidade tem sido feito mento sustentável.
○
○
pelas organizações não-governamentais e orga- A Educação Ambiental, como componente de
○
nizações comunitárias, que têm desenvolvido uma cidadania abrangente, está relacionada com 95
○
○
ações não-formais centradas principalmente na uma nova forma de relação ser humano/natureza.
○
○
atuação junto à população infantil e juvenil. Nesse sentido, a dimensão cotidiana da Edu-
○
○
A lista de ações é interminável, e essas refe- cação Ambiental leva a pensá-la como somatório
○
rências são indicativas de práticas inovadoras, de práticas e, conseqüentemente, a entendê-la na
○
○
centradas numa preocupação de incrementar a dimensão de sua potencialidade de generalização
○
○
co-responsabilidade das pessoas, em todas as fai- para o conjunto da sociedade.
○
○
xas etárias e em todos os grupos sociais, quanto à Entende-se que essa generalização de práti-
○
importância de formar cidadãos cada vez mais cas ambientais só será possível se estiver inserida
○
○
comprometidos com a defesa da vida. no contexto de valores sociais, mesmo que se re-
○
○
transformar as diversas formas de participação em nar ideologias teóricas e práticas, propõe a ques-
○
○
de e de concretização de uma proposta de socia- gestão dos seus recursos atuais e potenciais, as-
○
bilidade baseada na educação para a participação. sim como no processo de tomada de decisões
○
○
O complexo processo de construção da cida- para a escolha de novos estilos de vida e a cons-
○
○
dania, no Brasil, num contexto de agudização das trução de futuros possíveis, sob a ótica da
○
○
questões que, necessariamente, implicam a supe- Torna-se cada vez mais necessário consolidar
○
○
ração das bases constitutivas das formas de domi- novos paradigmas educativos centrados na preo-
○
○
nação e de uma cultura política baseada na tutela. cupação de iluminar a realidade de outros ângu-
○
○
O desafio da construção de uma cidadania los, e isso supõe a formulação de novos objetos
○
cidadãos que, portadores de direitos e deveres, as- Um dos grandes desafios é o de ampliar a di-
○
○
sumam a importância da abertura de novos es- nâmica interativa entre a população e o poder pú-
○
A administração dos riscos socioambientais uma crescente e necessária articulação com os go-
○
○
coloca cada vez mais a necessidade de ampliar o vernos locais, notadamente no que se refere ao
○
○
envolvimento público por meio de iniciativas que desenvolvimento de práticas preventivas no pla-
○
Na medida em que se observa que é cada vez tantes do movimento ambientalista seja a sua di-
○
○
mais difícil manter a qualidade de vida nas cida- versidade. Esse amplo espectro de práticas e ato-
○
○
○
orientam suas ações, considerando valores rada, observa-se, nos últimos anos, crescente es-
○
○
como: eqüidade, justiça, cidadania, democracia forço de profissionalização, porém isso ocorre em
○
○
e conservação ambiental. No amplo universo das número muito restrito de entidades. Um aspecto
○
organizações não-governamentais, algumas fa- bastante polêmico está relacionado com a
○
○
zem trabalho de base e outras são mais voltadas representatividade de entidades nos diversos ti-
○
○
para a militância, têm caráter mais político e pos de conselhos e comissões. O que se observa é
○
implementam projetos demonstrativos. que existem organizações que, praticamente, con-
○
○
Embora ocorra uma certa queda na capaci- centram suas atividades associadas à participa-
○
○
dade mobilizadora dos movimentos ambie- ção em espaços de representação. Trata-se de uma
○
○
ntalistas, observa-se também um grau de ama- lógica bastante perversa, gerada pela dinâmica de
○
durecimento das práticas e a consolidação de um institucionalização de entidades centradas em
○
○
perfil de atuação de instituições numa perspecti- poucas pessoas, que têm muita capacidade de
○
○
va proativa e propositiva, conforme os moldes de ocupar espaços e de, mesmo sem trabalho de base
○
○
sustentabilidade. ○
e, inclusive, pouca legitimidade no próprio mo-
O que representa a marca da atuação das or- vimento ambiental, articular a manutenção de
○
○
fortes estão na sua credibilidade, no seu capital As coalizões na sociedade civil estão se forta-
○
○
propostas de estratégias para atendê-las, maior de uma dinâmica reativa para uma dinâmica
○
O ambientalismo ingressa nos anos 1990 e Nessa direção, as articulações têm possibili-
○
○
regue consigo as marcas do seu processo de afir- pólo político interno, que integra as organizações
○
○
esforço cada vez mais claramente planejado de pressão e gestão, representando, portanto, uma
○
○
diálogo com outros atores sociais. inflexão importante numa agenda até recente-
○
○
As questões que o ambientalismo coloca es- mente trazida de fora para dentro.
○
○
constituição de uma cidadania para os desiguais, das organizações não-governamentais, o que de-
○
○
à ênfase dos direitos sociais, ao impacto da de- corre do pouco interesse da sociedade brasileira
○
○
gradação das condições de vida decorrente da para financiar de forma voluntária suas organi-
○
○
pliar a assimilação pela sociedade, de reforçar O ambientalismo do século XXI tem uma
○
○
práticas centradas na sustentabilidade, por meio complexa agenda pela frente. De um lado, o de-
○
○
da Educação Ambiental. safio de ter uma participação cada vez mais ati-
○
medida em que se cria uma identidade crescente ambientais e na busca de respostas articuladas
○
○
com forte ênfase na relação entre degradação dores, que possibilitem uma “ambientalização
○
ambiental e desigualdade social, reforçando a ne- dos processos sociais”, dando sentido à formu-
○
○
Apesar de a maior parte das entidades serem bito nacional e subnacional. De outro, a neces-
○
96
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
sidade de ampliar o escopo de sua atuação, por na deve levar em conta a relevância de estimular
○
○
meio de redes, consórcios institucionais, parce- a expansão dos meios de acesso a uma informa-
○
○
rias estratégicas e outras engenharias institucio- ção geralmente dispersa e de difícil compreensão,
○
○
nais que ampliem seu reconhecimento pela so- como parte de uma política de fortalecimento do
○
ciedade e estimulem o engajamento de novos papel dos diversos atores intervenientes.
○
○
atores. O momento atual exige que a sociedade este-
○
○
Se, de um lado, o contexto no qual se confi- ja mais motivada e mobilizada para assumir um
○
guram as questões ambientais é marcado pelo caráter mais propositivo, assim como para poder 97
○
○
conflito de interesses e por uma polarização en- questionar de forma concreta a falta de iniciativa
○
○
tre visões de mundo, de outro, as respostas preci- dos governos para implementar políticas pauta-
○
○
sam conter, cada vez mais, um componente de das pelo binômio sustentabilidade-desenvolvi-
○
cooperação e de definição de uma agenda que mento, num contexto de crescentes dificuldades
○
○
acelere prioridades para a sustentabilidade, como para promover a inclusão social.
○
○
um novo paradigma de desenvolvimento. Diversas experiências, principalmente nas
○
○
O desafio que está colocado é de não só reco- administrações municipais, mostram que, haven-
○
nhecer, mas estimular práticas que reforcem a au- do vontade política, é possível viabilizar ações
○
○
tonomia e a legitimidade de atores sociais, que governamentais pautadas pela adoção de princí-
○
○
senta a possibilidade de mudar as práticas preva- Nessa direção, a educação para a cidadania
○
○
regulação, definindo novas relações baseadas na zar as pessoas para transformar as diversas for-
○
○
um novo significado nos processos de formula- trole social da coisa pública, inclusive pelos seto-
○
ção e implementação de políticas ambientais. res menos mobilizados. Trata-se de criar as con-
○
○
Trata-se, portanto, de repensar o público por dições para a ruptura com a cultura política do-
○
○
meio da sociedade e de verificar as dimensões da minante e para uma nova proposta de sociabili-
○
○
oferta institucional e a criação de canais institu- dade baseada na educação para a participação,
○
cionais para viabilizar novas formas de coopera- que se concretizará principalmente pela presen-
○
○
ção social. Os desafios para ampliar a participa- ça crescente de uma pluralidade de atores que,
○
○
ção estão intrinsecamente vinculados à predispo- por meio da ativação do seu potencial de partici-
○
○
sição de os governos locais criarem espaços pú- pação, terão cada vez mais condições de intervir
○
blicos e plurais de articulação e participação, nos – consistentemente e sem tutela – nos processos
○
○
ças se confrontem como base constitutiva da le- consolidando propostas de gestão baseadas na
○
○
O grande desafio que se coloca é, por um ção de canais abertos para a participação, os
○
○
lado, gerar empregos com práticas sustentáveis quais, por sua vez, são precondições básicas para
○
○
pulação participar mais intensamente dos pro- de tornar nossas cidades mais sustentáveis mos-
○
○
cessos decisórios, como forma de fortalecer sua tra o desafio teórico que está colocado em relação
○
○
trole dos agentes responsáveis pela degradação alcançar objetivos de sustentabilidade nas cidades.
○
agenda para a sustentabilidade ambiental urba- transformador das relações sociais, que repre-
○
sentam o processo da Agenda 21, encontra-se es- dade de estimular mudanças socioinstitucionais
○
○
treitamente vinculado ao processo de fortaleci- que não comprometam ainda mais os sistemas
○
○
mento da democracia e da construção da cida- ecológicos e sociais, nos quais se sustentam as co-
○
○
dania, bem como ao fortalecimento das organi- munidades urbanas.
○
zações sociais e comunitárias, à redistribuição
○
○
de recursos por meio de parcerias, à informação
○
Bibliografia
○
e capacitação para participar, crescentemente,
○
dos espaços públicos de decisão e para construir
○
BECK, Ulrich. Risk society. London: Sage Publications, 1994.
○
instituições pautadas por uma lógica de sus- JACOBI, Pedro. Políticas sociais e ampliação da cidadania.
○
○
tentabilidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
○
. Cidade e meio ambiente . São Paulo:
○
A necessidade de implementar políticas públi-
○
Annablume, 1999.
cas orientadas para tornar as cidades, social e
○
JACOBI, Pedro; TEIXEIRA, Marco, A. Diagnóstico de confli-
○
ambientalmente, sustentáveis representa a possi-
○
tos socioambientais na cidade de São Paulo. Cadernos
○
bilidade de contrapor-se ao quadro crescente de CEDEC, São Paulo, n. 45, 1995.
○
○
deterioração da qualidade de vida. A implementa- ○
LEIS, Héctor. O labirinto : ensaios sobre ambientalismo e
ção da prática de parcerias representa a possibili- globalização. Blumenau/SC: Gaia/FURB, 1996.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
Lúcia Pinheiro
○
○
Projeto Travessia/SP
○
○
○
Breve histórico
○
A concepção do trabalho
○
São Paulo como espaço de moradia e sobrevi- Viver nas ruas, mesmo que temporariamen-
○
○
vência, promovendo seu retorno à escola regu- te, significa uma situação de risco social e pes-
○
A Fundação Projeto Travessia foi declarada cesso de exclusão. Isso porque a inserção no
○
○
de Utilidade Pública Municipal nos termos do “mundo da rua”, na maioria das vezes, implica
○
○
Decreto no 38.888/99, publicado no Diário Ofi- instabilidade e fragilidade nas relações afetivas
○
12/1999, e declarada de Utilidade Pública Fede- são ou exclusão do sistema de educação formal,
○
○
ral pela Portaria no 620, do Ministério da Justiça, sem mencionar questões relacionadas à saúde,
○
○
9/7/2001.
○
Nossos demonstrativos financeiros e balan- dação Projeto Travessia se baseia em uma con-
○
○
ços patrimoniais são auditorados pela empresa cepção de cidadania que pressupõe a responsa-
○
○
Price Waterhouse Coopers, anualmente, sendo bilidade pessoal e social de cada cidadão no pro-
○
98
SIMPÓSIO 5
A importância do meio ambiente na construção da cidadania
○
○
As crianças que aceitam deixar as ruas vão
○
Consiste no trabalho diário executado por
○
para essa casa e lá participam de oficinas peda-
○
oito educadores sociais, que realizam as primei- gógicas e artístico-culturais, que favorecem o
○
○
ras abordagens a grupos de meninos(as) que vi- desenvolvimento das novas formas de expressão,
○
vem nas ruas, com o objetivo de criar e fortale-
○
que lhes serão necessárias no processo de rein-
○
cer vínculos de confiança e afetividade. São rea-
○
tegração social. O tempo de permanência nessa
○
lizadas atividades pedagógicas, no próprio espa- etapa varia de acordo com o comprometimento 99
○
ço das ruas, que vão desde contar histórias, ofi-
○
e complexidade de cada caso atendido.
○
cinas de desenhos, pinturas, passeios culturais,
○
○
até o atendimento emergencial em saúde, auxí-
Ação educativa
○
○
lio para tirar documentos, assim como conver-
○
sas temáticas sobre o cotidiano nas ruas. Todas junto à família
○
○
essas atividades visam provocar reflexões sobre
○
Antes mesmo que os(as) meninos(as) voltem
○
o estar na rua e suas perspectivas futuras.
○
para casa, é iniciado o trabalho com suas famíli-
○
A presença constante dos educadores em es-
as, visando também prepará-las para a reintegra-
○
paço fixos é tão importante quanto a própria ati-
○
ção. Porém, cada família atendida apresenta inú-
○
vidade realizada no trabalho cotidiano, pois as- ○
do trabalho.
○
A maioria das crianças que vivem nas ruas geral, os trabalhos com grupos familiares come-
○
○
do Centro está fora de casa há muito tempo. Elas çam a partir de um problema emergencial – vio-
○
○
passaram por várias instituições e sobreviveram lência, conflito com a justiça etc. No caso da Fun-
○
tégias que se diferenciam da linguagem escolar, or parte dos casos, em problemas crônicos das
○
○
doméstica e comunitária. Por isso, na maioria famílias, que têm a ver com a forma como se re-
○
○
dos casos, é impossível o retorno imediato a es- lacionam entre si, condições de moradia, valo-
○
ses espaços.
○
A educação em espaço fechado ocorre como Essa é a etapa mais difícil do trabalho, pois
○
○
uma etapa de trabalho que sucede à educação nos coloca diante de questões estruturais, como
○
○
na rua, e é uma ação importante do projeto edu- a ausência de políticas sociais básicas para o
○
vida na comunidade, como cidadão incluído. mos atendido os irmãos da criança em questão
○
○
A Fundação Projeto Travessia criou e man- e contamos com o apoio de algumas organiza-
○
○
têm a Casa do Bixiga (espaço no bairro do Bixiga, ções comunitárias no suporte a algumas famí-
○
ra), com o objetivo de trabalhar essa transição direção e ao corpo docente das escolas onde as
○
○
entre a vida na rua (com seus valores e atitudes) crianças são matriculadas, para garantir sua
○
○
○
○
precariedade das comunidades, outro fator que reitos da Criança e do Adolescente junto à
○
○
dificulta essa etapa é a distância das localida- sociedade em geral, com objetivo de mini-
○
mizar as suas violações e impedir que mais
○
des, nos levando a realizar atendimento em gru-
○
pos de famílias por região. crianças passem a viver nas ruas. Para tanto,
○
investe na divulgação desses direitos e reali-
○
○
za campanhas para sua defesa, dirigidas aos
○
Ações complementares
○
vários segmentos da sociedade.
○
○
Assistência jurídica e educação para acesso
○
○
ao direito. Vários adolescentes atendidos ne-
Projetos desenvolvidos
○
cessitam regularizar suas pendências jurídi-
○
○
cas e, para tanto, contamos com duas advo- Projeto Cartões de Natal. Concretiza-se em
○
gadas, que fazem a defesa técnica nesses ca-
○
duas fases. Inicialmente, fazemos um con-
○
sos. Além disso, também atuam na regulari- curso para selecionar os trabalhos produzi-
○
○
zação de situações jurídicas das famílias, ○
dos pelas crianças e adolescentes atendidos
como nos casos de tutela, guarda judicial,
○
cia jurídica é realizada de forma educativa, ilustram os nossos cartões de Natal. Esse pro-
○
ou seja, cada cidadão atendido é informado jeto desenvolve ações educativas e culturais
○
○
sobre seus direitos e a melhor forma de orientadas pelos princípios da educação para
○
○
lificado às crianças, aos adolescentes e a suas ção Projeto Travessia, foi um dos vencedo-
○
○
que colaboram – por meio de termo de par- mentação e terá um ano e meio de duração.
○
um trabalho de aproximação, definição de são social. E este projeto tem por objetivo
○
Trabalho com voluntários. Nosso trabalho tes que vivem um complexo processo de ex-
○
soas que, sensibilizadas com a situação des- obter sucesso e permanecer na escola.
○
○
dação Projeto Travessia implantou um Pro- nação dos educadores sociais (profissionais
○
○
grama de Voluntários que atua no recruta- que atendem às crianças no programa de edu-
○
to desses valorosos colaboradores, que hoje ças e adolescentes atendidos na Fundação Pro-
○
○
pelos direitos da criança. Além dos atendi- tivo é ilustrar, por meio de desenhos e históri-
○
POLÍTICAS PÚBLICAS
E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Edgar González Gaudiano
Bernardo Kipnis
101
Como tirar a Educação
○
○
○
Ambiental do coma?
○
○
○
A alfabetização: um possível
○
○
○
recurso pedagógico-político
○
○
○
○
Edgar González Gaudiano*
○
○
○
○
○
○
Resumo
○
○
população afetada. São muito conhecidas, na
○
○
Neste texto, procuro destacar a importância da nossa região, as cruzadas de alfabetização desen-
○
○
alfabetização ambiental como uma idéia que pode ○
vem ser tomados na relação sociedade – meio ambi- superar, sucessiva e peremptoriamente, os atra-
○
○
mento atual de globalização econômica e cultural, e portantes habilidades intelectuais e políticas tem
○
○
da recomposição de blocos hegemônicos regionais. sido vista como uma espécie de exorcismo ro-
○
A alfabetização diz respeito à aprendizagem que possibilitam aos novos alfabetizados aplicar
○
○
de noções básicas de leitura e escrita e ao de- suas habilidades na prática, produziram os cha-
○
mentares. Algumas vezes, ela é percebida num na categoria daqueles que, em algum momento,
○
○
plano ainda mais limitado, que seria o de sim- souberam ler e escrever, mas perderam essa ca-
○
○
do conceito têm suas raízes em tradições colo- Como podemos supor, os processos de aqui-
○
○
niais, que vêm sendo ratificadas por políticas sição da capacidade de ler e escrever na escola se
○
○
públicas desenvolvidas com vistas à superação inserem nas dinâmicas existentes da instituição
○
○
de endêmicos e elevados índices de analfabetis- escolar, o que significa que quando meninos e me-
○
mo, por meio de programas específicos para a ninas aprendem a “ler” e escrever, eles adquirem
○
○
○
○
○
○
*Secretaria de Educação Pública, México. Presidente Regional para a Mesoamérica da Comissão de Educação e Comunicação da UICN
○
○
<edgarg@sep.gob.mx> É também editor da revista internacional Tópicos en Educación Ambiental, publicada pela UNAM e pela Secretaria
○
de Meio Ambiente e Recursos Naturais. Uma versão resumida deste artigo foi publicada no jornal Gaceta Ecológica, Nueva Época , n. 40, p.
○
38-41, outono 1996, do Instituto Nacional de Ecologia, México, com o título de “Educação Ambiental”, embora a proposta fosse intitulá-lo
○
○
“Alfabetização Ambiental”, o que confirma algumas teses do artigo. O aggiornamiento que se faz com esta versão tem a finalidade de
○
1
Isso ocorre não apenas na América Latina: o Oxford Paperback Dictionary define alfabetização ( literacy ) como um substantivo que denota a
○
“habilidade de ler e escrever”, e alfabetizado (literate ) como um adjetivo que descreve uma pessoa “capaz de ler e escrever”.
○
102
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
essas habilidades num contexto específico de nor- de sua história. Objetivar o mundo é considerá-
○
○
mas institucionais, ou seja, num contexto de or- lo em seu movimento. O ponto de partida desse
○
○
dem, responsabilidades, direitos, disciplina, obe- movimento está nos próprios homens. No entan-
○
○
diência e subordinação, no qual as crianças apren- to, como não existem homens sem mundo, sem
○
dem também a “ler” o lugar que ocupam nesse realidade, o movimento parte das relações ho-
○
○
âmbito e no conjunto mais amplo das práticas mem – mundo. Sendo assim, esse ponto de par-
○
○
sociais e de lutas de poder, no qual a escola de- tida está sempre nos homens, em seu aqui, em
○
sempenha funções e responsabilidades específi- seu agora, que constituem a situação em que se 103
○
○
cas.2 Isso repercute, também, nos espaços da vida encontram ora imersos, ora emersos, ora inseri-
○
○
cotidiana, nos quais as pessoas também “lêem” dos (Freire, 1970).
○
○
suas expectativas e possibilidades, que vão dan- Em contraste com os modelos educacionais
○
do forma a suas representações, seus valores e dominantes de cunho tecnocrático (tecnologia
○
○
suas crenças em sua relação com elas próprias, educacional multimídia, educação centrada na
○
○
com os outros e com o mundo. aquisição de competências profissionais etc.), a
○
○
Por essa razão, a alfabetização é vista, a par- pedagogia de Freire representou um marco de
○
tir de algumas posturas teóricas críticas, como a referência qualitativamente diferenciado na ori-
○
○
possibilidade de aprender a pensar, a discernir. entação dos processos educacionais, com base
○
○
entendido como a liberação da consciência para mundo, cuja raiz, em última análise, é a vida
○
que o analfabeto se assuma como sujeito da his- entendida como uma totalidade, onde o mundo
○
○
tória, da sua história. Esse processo de liberação é um complexo emaranhado de relações vitais
○
○
seu momento e em sua realidade social com o constituição dessa realidade, desse mundo, se
○
○
mundo. 3 Com relação a essa postura, Freire produz nas e pelas relações.
○
○
É fundamental partir da idéia de que o homem é o alfabetizado compreender sua posição em re-
○
○
um ser de relações e não apenas de contatos, de lação aos outros, e, ao alcançar essa compreen-
○
○
que ele não apenas está no mundo, mas também são, surge a possibilidade de ele ir além das fron-
○
onde surge o ser de relações que ele é, resulta o mitam seu desenvolvimento.
○
○
que chamamos estar com o mundo. É bom que nos detenhamos um momento
○
○
Assim, a aprendizagem da leitura e da escri- que reside seu potencial para se transformar
○
○
ta vai além de um deciframento mecânico para num ato político e ético. Político porque a inter-
○
○
se converter num processo de comunicação mul- pretação que fazemos do mundo está sempre
○
○
tidimensional, que parte do universo vocabular vinculada a essas estruturas de poder. Ético por-
○
significados socioculturais e a partir do qual ele renças de classe, raça, etnia, gênero e geração do
○
○
objetiva o mundo e se vê nele como testemunha alfabetizado, e são tão válidas quanto as feitas a
○
○
○
○
○
○
2
As funções e responsabilidades das instituições educacionais, principalmente nos níveis básicos, não são uniformes. Pelo contrário, elas são
○
substantivamente diferentes de acordo com o tipo de escola (rural ou urbana, privada ou pública, matutina ou vespertina, de organização
○
completa ou incompleta etc.), tipo de alunos (origem de classe, capital cultural etc.) e de outras características individuais relacionadas com
○
o gênero, a raça, a etnia e a religião do estudante. Não quero dar a impressão de que defendo a tese da esquerda crítica althusseriana das
○
○
décadas de 1960 e 1970, que considerava a escola como um aparato ideológico do Estado. Sem deixar de reconhecer a função reprodutora
○
3
Mais adiante, veremos como o conceito de conscientização tem sido abordado na Educação Ambiental.
○
partir de posições de poder. A diferença não é miliares, o problema reside no fato de que esses
○
○
um déficit, como se assume implicitamente a termos não foram satisfatoriamente definidos e
○
○
partir de uma posição de poder, e sim, uma ca- muito menos operacionalizados para os fins prá-
○
○
racterística que, uma vez entendida, potencializa ticos de processos educacionais específicos.
○
a leitura do lugar que cada um de nós ocupa, nas
○
○
margens e no centro do poder, e nos proporcio- Cultura
○
○
na uma nova forma de ler a história como meio
○
O conceito de cultura ecológica tem sido
para reivindicar o poder, a identidade e o terri-
○
comumente usado no campo da Educação
○
tório. Assim, a alfabetização desarticula as ver-
○
Ambiental, uma vez que a Educação é considera-
○
sões universais da razão e os conceitos lineares
○
da uma prática sociocultural. No México, as pri-
○
da história e descentraliza as margens como es-
○
meiras discussões sobre o tema ocorreram em um
paços para que outras vozes possam se expres-
○
seminário que, embora tenha dado início a uma
○
sar e ser ouvidas (Giroux, 1992).
○
revisão de seus significados, não possibilitou um
○
Por essa razão, a alfabetização é uma cons-
○
○
debate mais abrangente sobre suas implicações
trução social particular. Alfabetizar e conhecer ○
geral, o conceito de alfabetização tem estado au- com vários sentidos. Um deles está relacionado
○
○
sente do processo de construção da Educação à falta dessa cultura ou à perda de padrões cul-
○
○
Ambiental, diferentemente do que ocorreu sobre- turais mais “amigáveis” ou “harmônicos” com o
○
tudo nos países anglo-saxões. No respectivo dis- meio ambiente, tanto no contexto rural quanto
○
○
curso encontramos expressões como “consciên- urbano. Nessa categoria, incluem-se os discur-
○
○
cia ambiental” e “cultura ecológica”, ou outros de sos ambientalistas relacionados às culturas in-
○
○
alcance mais restrito, como “sensibilização dígenas ou simplesmente tradicionais, cujas for-
○
ambiental”. Embora não sejamos completamen- mas de vida estavam muito mais adaptadas e
○
○
te contra esses conceitos que nos são muito fa- integradas às condições do meio natural.
○
○
○
○
○
4
“Hacia una cultura ecológica”, patrocinado pela UNAM, pelo DDF e pela Fundação Friedrich Ebert (FES) na Cidade do México, 24-26/05/1990.
○
○
5
Dobson (1997:13) chama de ambientalismo ao que Castells (1998: 2) denomina ecologismo, para citar apenas dois autores representativos.
○
○
Dobson sustenta que o ecologismo é uma ideologia política relacionada “às profundas mudanças que os ecologistas políticos consideram
○
necessárias no âmbito da organização social e das atitudes do respeito em relação ao mundo natural não-humano”. Castells o define como
○
uma “série de crenças, teorias e projetos que vêem a humanidade como um componente de um ecossistema mais amplo e desejam manter
○
○
o equilíbrio do sistema a partir de uma perspectiva evolucionista”. Por sua vez, o ‘meio ambientalismo’ é, do ponto de vista sociológico, visto
○
como “todas as formas de conduta coletiva que, em seu discurso e prática, procuram corrigir as formas destrutivas de relação entre a ação
○
104
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
○
○
ambiental não se encontra nos sintomas, e sim no Ambiental para o Ensino Médio, realizado em
○
○
próprio centro da atividade humana extrativa ou Chosica, Peru, em 1976, definia a Educação
○
produtiva, contextualizada numa forma cultural,
○
Ambiental como “uma ação educacional perma-
○
ou seja, no interior da cultura e dos processos so- nente, pela qual a comunidade educacional ten-
○
○
ciais: econômicos, tecnológicos, simbólicos etc.,
de a tomar consciência de sua realidade global
○
inerentes aos sistemas de produção mediante os
○
[…]”. Seguindo a mesma linha, o documento sín-
○
quais o homem se articula ou desarticula com o 105
tese do Congresso de Moscou (1987) concebia a
○
sistema natural (González L. de G., 1996: 22).
○
Educação Ambiental como “um processo perma-
○
○
nente, pelo qual os indivíduos e a coletividade
○
O segundo sentido diz respeito à aquisição
○
cobram consciência de seu meio e adquirem os
de representações, atitudes, hábitos, comporta-
○
conhecimentos, os valores, as competências, a
○
mentos e valores, que tendem precisamente a
○
experiência e também a vontade para atuar, in-
○
propiciar essa melhor relação cultural com o
○
dividual e coletivamente, no sentido de resolver
○
meio. Essa colocação está associada atualmente
○
problemas atuais e futuros do meio ambiente”.
a esforços para articular a Educação Ambiental
○
Podemos citar muitos outros exemplos de
○
com a educação cívica, com a formação de uma
○
declarações e resoluções que mencionam a
cidadania ambientalmente correta, que também ○
○
Conscientização
○
Por sua vez, o conceito da conscientização, ciência do ambiente global e de seus problemas,
○
sente no discurso da Educação Ambiental prati- apoio às idéias apresentadas acima, recorro a uma
○
○
camente desde seu reconhecimento como tal. O citação de Colom e Sureda (1989: 75) que aborda
○
○
nível de trabalho de três níveis complementares, a Educação Ambiental como estratégia para a
○
○
de da Educação Ambiental (desde seus inícios da vida humana –, carecemos também da sensi-
○
○
até 1978). De modo semelhante, a definição acor- bilidade pedagógica necessária para formar os
○
futuros professores em esquemas educacionais mentos” (p. 150) Com essa afirmação, o autor
○
○
adequados para as situações socioculturais e eco- parece sugerir que a sensibilização constitui uma
○
○
nômicas com as quais nos depararemos. etapa preliminar da iniciação.
○
○
Uma contribuição, que talvez revele o senti-
○
De qualquer forma, em Educação Ambiental do atribuído à noção de sensibilização, nos foi
○
○
sempre partimos da premissa de que a tomada dada por Cañal, García e Porlán (1981: 15), quan-
○
de consciência de alguma coisa, de um proble-
○
do afirmam que:
○
ma que pode estar afetando nossa saúde ou qua-
○
○
lidade de vida, não se transforma automatica-
○
As formas de relação do homem com seu ambi-
○
mente em um hábito ou atitude ambientalmente ente poderiam ser resumidas em três tipos essen-
○
adequada. A seqüência entre estarmos informa-
○
ciais: o tipo correspondente à esfera do emocio-
○
dos a respeito de algum problema e tomarmos
○
nal (sensações das mais diversas geradas pela na-
○
consciência dele, participarmos de atividades de tureza, impressões estáticas, atividades de lazer
○
prevenção ou mitigação desse problema e ou-
○
e lúdicas…), o tipo relacionado aos processos
tros, não é linear. Esse tema é complexo e pouco ○
○
○ produtivos (a natureza vista como fonte de recur-
conhecido na prática, pois ele está vinculado a sos) e o tipo associado a aspectos cognitivos (à
○
○
dagógicas uniformes e bem-sucedidas para to- Como podemos ver, a noção de sensi-
○
○
dos os casos. Na prática, temos constatado, há bilização é muito limitada em termos de seu
○
○
muito tempo, que muitas pessoas que partici- âmbito e também de sua permanência no tem-
○
pam ativamente de programas que exigem uma po. Na sua concepção mais comum, a sensi-
○
○
participação intensa, e às vezes prolongada, não bilização representa uma condição temporal
○
○
são necessariamente as mais informadas ou dos indivíduos que, de qualquer maneira, pode
○
○
Sensibilização
○
sido associada a “um primeiro contato com o interesses são muito variáveis e múltiplos e
○
○
mações gerais para motivar o interesse dos par- (erráticos), razão pela qual exigem estratégias
○
ção também não é clara e bem definida. Giolitto racterísticas, que evitem comportamentos ro-
○
○
(1984: 122) salienta que a escola recebe a missão tineiros, que impliquem atividades muito dinâ-
○
○
de desenvolver uma Educação Ambiental “des- micas e que apresentem resultados positivos em
○
ameaçam nosso meio de vida e a adotar uma ati- Por tudo o que foi dito anteriormente, pode-
○
○
tude espontaneamente protetora”. O texto pas- mos ver que a Educação Ambiental tem se base-
○
○
sa a idéia de que se trata de algo que vai além de ado em um conjunto de conceitos polissêmicos,
○
tido proposto para conscientização. No entanto, não podem ser facilmente operacionalizados em
○
○
meio ambiente, mais adiante, ele afirma que “A mos saber que cobramos consciência de um pro-
○
fância, como também é possível, nesse nível, de uma comunidade? Como podemos saber que
○
○
uma primeira iniciação das crianças em relação conseguimos sensibilizar um grupo específico
○
○
aos problemas ambientais. Nunca é cedo demais para participar de determinado projeto? Além
○
para se forjar hábitos e estabelecer comporta- disso, como podemos avaliar a formação ou o es-
○
○
106
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
clarecimento de valores ambientais que consti- betização não se restringe ao âmbito escolar, pois
○
○
tuem a base primária dos sistemas culturais? está também associado a diversos agentes soci-
○
○
A busca de respostas para essas perguntas ais interessados em transmitir suas visões pró-
○
○
certamente constitui a história da Educação prias do mundo dentro de estruturas de poder
○
Ambiental e de suas múltiplas aproximações estabelecidas nos sistemas políticos. Por exem-
○
○
pedagógicas; no entanto, como ocorre freqüen- plo, os meios de comunicação de massa ou as
○
○
temente na esfera do educacional, essas respos- empresas transnacionais.
○
tas, mesmo quando encontradas, costumam ser Em quarto lugar, porque nos permite falar, 107
○
○
questionadas. também, de alfabetizações (no plural), para ca-
○
○
racterizar os vínculos entre o conteúdo e os am-
○
○
plos propósitos humanos, sistemas de valores e
A alfabetização ambiental
○
modos de vida e de ser; diferenças que podem
○
○
Considerando o que foi exposto, podemos ter grande relevância política (Lankshear e
○
○
inferir que o conceito de alfabetização abrange McLaren, 1993: 9).
○
uma gama mais ampla de possibilidades teóri-
○
Não obstante, o conceito de alfabetização
○
cas e práticas para a Educação Ambiental. Não ambiental nem sempre é adequadamente apli-
○
○
pretendo sustentar que é nesse conceito que re- cado. Por exemplo, no texto do Memorando de
○
○
side a resposta para todos os complexos desafi- Entendimento sobre Educação Ambiental as-
○
sos e intricados problemas ambientais que o ambiental” foi traduzido na versão em espanhol
○
○
to, ele nos oferece melhores possibilidades e tal- como “cultura”, confirmando a presença das con-
○
○
vez nos permita reativar um debate que tem per- fusões assinaladas antes. O conceito foi defini-
○
○
Em primeiro lugar, porque o conceito de al- todas as pessoas, que lhes proporcione os conhe-
○
tempos imemoráveis, razão pela qual ele não é sárias para enfrentar os requisitos ambientais e
○
○
co no qual se exerça uma determinada prática, distinção é estabelecida nos adjetivos “funcio-
○
○
mesmo que ela apresente o viés reducionista cri- nal e básica”, mas a diferença entre alfabetiza-
○
○
primeira parte desta dissertação, o conceito de al- que funciona como força-motriz para a Educação
○
○
fabetização está vinculado a questões políticas e Ambiental pode nos permitir reativar as perspec-
○
○
éticas, que nos permitem contrabalançar os per- tivas desse importante campo pedagógico, dian-
○
cação Ambiental que colocou no centro de seu mas décadas. Resultados pelos quais a Educação
○
○
ethos a conservação da natureza, mas uma conser- Ambiental não pode ser responsabilizada, já que
○
○
vação da natureza que prescinde de determinados ela continua desempenhando um papel marginal
○
Em terceiro lugar, porque o conceito de alfa- de gestão ambiental, em que pese a relevância a
○
○
○
○
○
○
6
Para uma excelente exposição de experiências conservacionistas que excluíram grupos locais, ver Guha e Martínez Alier (1997: 92-108),
○
que relatam, entre outros, o caso do biólogo David Jantzen em relação ao Parque Nacional Guanacaste e ao INBío, na Costa Rica.
○
○
7
Para uma discussão sobre esse aspecto, ver González Gaudiano (1998: XIII-XIV e 71-80).
○
ela atribuída nos discursos institucionais. A Edu- novamente a falar sobre uma alfabetização eco-
○
○
cação Ambiental continua sendo vista como uma lógica, entendida como um resultado que per-
○
○
área emergente, porém prescindível, segundo os mita às pessoas dominar e aplicar conceitos eco-
○
○
acontecimentos do momento. Ela continua sen- lógicos e que se apóia numa perspectiva na qual
○
do uma área de educação especial, uma moda, os conceitos estão vinculados à demonstração
○
○
que na maioria dos casos é abordada com medi- prática de determinadas habilidades (Charles,
○
○
das e decisões pouco importantes e banais, uma 1996: 133). Como reconhece a própria Cheryl
○
vez que as recomendações sobre interdisciplina- Charles, isso não é suficiente, pois são necessá-
○
○
ridade, transversalidade e multidimensionalidade rias articulações com um programa de Educa-
○
○
discutidas há pelo menos vinte anos ainda não ção Ambiental de maior alcance, que envolva
○
○
foram implementadas na prática. definições de cidadania.
○
Esse fato é muito importante atualmente, já Tampouco estou me referindo a uma alfabeti-
○
○
que condições estão sendo geradas por meio dos zação que enfatize uma leitura catastrofista,
○
○
organismos das Nações Unidas, principalmente apocalíptica, que, em vez de gerar estímulos, pa-
○
○
por meio da Unesco, como responsável perante ○
ralise ou desincentive. A crítica de Sauvé (1997: 2)
a Comissão para o Desenvolvimento Sustentá- é muito ilustrativa do estado dessa questão:
○
○
para se substituir a noção de Educação Após duas décadas de uma certa alfabetização
○
○
vimento produzirá uma mudança meramente aças, começam a surgir alguns sinais de “desin-
○
○
cosmética, se as conceitualizações e estratégias teresse” pelo meio ambiente. Por sentir-se alie-
○
substituição da noção está ocorrendo precisa- meio ambiente da mesma maneira que perdeu
○
○
mente em decorrência dos escassos resultados interesse pela fome no Sahel, por exemplo: o pro-
○
vem desempenhando nesse campo, ao qual só rebaixa. De que adianta uma gota d’água…? Além
○
○
se dedica em determinados momentos e circuns- disso, nossos problemas econômicos não são
○
○
te dos trabalhos da Comissão Delors (1997) para enfoque de formação de uma cidadania crítica,
○
○
definir os caminhos da Educação mundial dian- vemos com mais clareza onde devemos atuar para
○
te dos grandes desafios do século XXI, a Educa- que as pessoas possam novamente compreender
○
○
ção Ambiental, ou seu equivalente relacionado que a Educação Ambiental não diz respeito ape-
○
○
uma importância pouco inferior à marginal.10 de áreas naturais protegidas. Vemos, também, que
○
Por essas razões, não estou me propondo a Educação Ambiental não se restringe apenas a
○
○
○
○
○
○
8
A CDS é o organismo criado pela ONU após a Reunião de Cúpula realizada no Rio de Janeiro, em 1992 (ECO-92) para dar seguimento aos
○
○
9
Sobre esse tema, existe uma extensa polêmica relatada a partir de diversos espaços por diferentes veículos, principalmente pelo Canadian
○
Journal of Environmental Education. Ver volume 4, 1999. Essas críticas questionam a substituição em questão com base em diferentes
○
argumentos. No entanto, a proposta está em andamento. Observe, por exemplo, o fato de que o capítulo 36 da própria Agenda 21 já não
○
10
Da mesma maneira, na mais recente Reunião de Ministros de Educação da América Latina e do Caribe, convocada pela Unesco para
○
○
discutir, entre outros, o tema do Projeto Principal de Educação para a região, realizada em Cochabamba, Bolívia, em março de 2001, o tema
○
108
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
nos ensinar a seguir desgastadas recomendações sencillas que puedes hacer para salvar la Tierra,
○
○
sobre como devemos separar resíduos domésti- que pode ser encontrado até em supermercados
○
○
cos, limpar prédios urbanos ou promover reflo- – pretendem transferir a responsabilidade pela
○
○
restamentos simbólicos em determinadas datas. deterioração do meio ambiente ao consumidor,
○
Ações que perdem o sentido quando, por exem- colocando em seus ombros as medidas que de-
○
○
plo, as pessoas “lêem” que os resíduos existem vem ser adotadas e desviando a atenção da res-
○
○
porque sua geração depende de certos estilos de ponsabilidade das empresas e do estilo de vida
○
produção, distribuição e consumo de mercadori- consumista que preconizam; livros desse tipo 109
○
○
as e serviços, e que elas vivem sob as leis de um enfraquecem, também, as possibilidades de or-
○
○
mercado neoliberal que constantemente exige ganização para uma ação política direta e minam
○
○
produtos novos, cada vez mais atraentes para o o ambientalismo radical.
○
consumidor, o que implica uma produção exces-
○
○
siva de embalagens e publicidade, que
○
[…] o culto à reciclagem e o chamamento à salva-
○
freqüentemente não é regulada pelo Estado. ção da Terra não estão libertando a natureza da
○
○
Para tirar a Educação Ambiental do maras- exploração tecnológica. Pelo contrário, eles so-
○
mo e efetivamente contribuir para a construção
○
mente geram uma torrente de alívio que ameniza,
○
de uma cidadania ambientalmente responsável, mas não elimina, o vendaval destrutivo de uma
○
○
precisamos enfocar intensamente temas e pre- economia e uma cultura que florescem na trans-
○
○
ocupações que dizem respeito à vida cotidiana formação da ordem orgânica da natureza na anar-
○
das pessoas. Em outras palavras, precisamos de- quia inorgânica do capital (Luke, 1997: 134-135).
○
○
go, da violência, da falta de esperança, da degra- ambiental, que nos permite introduzir outros ti-
○
○
dação do meio ambiente, e vincular essas razões pos de atividades de maior transcendência, en-
○
○
vida, de seu entorno vital. Uma vez lançadas es- esquemas comerciais que obrigam o cidadão a
○
○
sas bases, as pessoas poderão tomar suas pró- produzir esse lixo.11 A alfabetização ambiental crí-
○
○
prias decisões de intervir nas áreas que afetam tica nos previne contra o ativismo febril no qual
○
○
suas vidas e exercer seu poder. nos vemos freqüentemente imersos, essa espécie
○
Quando aplicamos esse conceito de alfabeti- de terapia ocupacional que nos leva a participar
○
○
zação a nós mesmos, percebemos facilmente as de cruzadas em defesa do meio ambiente, ao mes-
○
○
inúmeras deficiências de nossa prática e onde so- mo tempo que deixamos intactos nossos cômo-
○
○
mos analfabetos ambientais. Por exemplo, somos dos estilos de vida, que exigem uma crescente sa-
○
analfabetos quando não conseguimos decodificar tisfação material. É uma forma de expiarmos nos-
○
○
os interesses embutidos nos discursos que circu- sas culpas, “esverdeando” algumas de nossas con-
○
○
lam no campo do ambientalismo, em geral, e da dutas e atividades públicas. Mas, acima de tudo,
○
○
Educação Ambiental, em particular. Interesses que e o que é ainda mais grave, deixando intactos os
○
são transmitidos por meio dos projetos pedagógi- sistemas econômicos nos quais se sustentam as
○
○
cos que implementamos, pensando que assim irreparáveis formas de desapropriação dos recur-
○
○
estamos contribuindo para a salvação do mundo. sos ambientais e de exploração da força de traba-
○
○
Luke (1997: 115-136) denuncia como diver- lho de enormes contingentes de homens e mu-
○
sos livros que estão na moda (que foram tradu- lheres, a quem não proporcionamos possibilida-
○
○
zidos para o espanhol) – a exemplo de um muito des de compreender as iniqüidades que caracte-
○
○
conhecido, intitulado, em espanhol, 50 acciones rizam o momento atual, para que possam traçar
○
○
○
○
○
○
11
Consideremos, por exemplo, o conjunto de instruções detalhadas contidas no texto de Day e Monroe (2001) para motivar as pessoas a se comprome-
○
terem com atividades de reciclagem de lixo sem abordar, em momento algum, o problema da origem desse lixo e do por quê ele é produzido.
○
estratégias de luta e resistência coletivamente. centralizando as margens de luta e resistência.
○
○
Por essas razões, o conceito de alfabetização Pode, também, nos ajudar a desmascarar inten-
○
○
ambiental, com toda a sua carga significante ar- ções que distorcem a verdadeira dimensão dos
○
○
ticulada com o poder e a diferença (política e problemas, com discursos contestadores que só
○
ética), responde mais adequadamente aos pro- oferecem caminhos sem saída, que prometem o
○
○
cessos teóricos que emergem do pós-modernis- retorno a uma espécie de paraíso bíblico, a par-
○
○
mo, onde fenecem os inveterados projetos tir de um esoterismo ecológico ou antiindustria-
○
totalizantes, trans-históricos, e o caráter abso- lismo verde beligerante.
○
○
luto dos fundamentos do pensamento moderno A alfabetização ambiental permite aos edu-
○
○
sofre erosão, propondo-se, em seu lugar, um cadores e educandos reconhecer mais facilmente
○
○
mundo multirreferenciado e relacional, no qual como se transmitem e constroem os significa-
○
a diversidade de significados apela à pluralida- dos culturais do meio ambiente, nos quais se
○
○
de de vozes, que começam a recuperar o espaço insere a formação de sujeitos sociais concretos
○
○
legítimo do qual foram deslocadas pelos códi- no contexto de relações específicas de poder.12
○
○
gos culturais e políticos universalizantes. ○
A alfabetização e o conhecimento são elemen-
Para a América Latina e o Caribe, o conceito tos inextricavelmente ligados, constituindo for-
○
○
de alfabetização vem a ser um elemento contin- mações discursivas que organizam significados
○
○
gente, ou seja, externo ao discurso mais conven- para se pensar, fazer e ser no mundo. Isso é im-
○
○
cional do campo da Educação Ambiental em nos- portante no campo da Educação, porque, final-
○
sa região. No entanto, essa irrupção do contingen- mente, se trabalha com significados, próprios ou
○
○
te pode dar um novo alento constitutivo a esse de outros, nos processos educacionais, e é aí que
○
○
campo, a seus processos e suas práticas, a nossos reside a diferença. Porque “os significados são
○
discursos e a quem consideramos seus sujeitos. cruciais para o ser humano, já que a vida está
○
○
nar as distintas formas discursivas dos diferentes lores, propósitos, conceitos, idéias, ideais, ritu-
○
○
grupos sociais, as quais, em que pese seu caráter ais, noções de realidade e assim por diante”
○
nificados socialmente compartilhados, que cons- natureza e o próprio ser humano à margem da
○
○
tituem os sujeitos que pertencem a esses grupos. construção de significados. É impossível, tam-
○
Isso é básico para se poder educar no sentido não- bém, tentar compreender a importância da Edu-
○
○
bancário de que falava Freire, pois nos permite re- cação Ambiental em um mundo que nos é
○
○
conhecer que educar não é transmitir somente o ininteligível. Para que salvar o mundo, se sua sal-
○
○
que é julgado culturalmente valioso pelos que de- vação não tem significado para as pessoas? Ainda
○
têm posições de poder e definem o que é educaci- não conseguimos convencer as pessoas de que o
○
○
onal ou não. No campo da Educação Ambiental, mundo deve ser salvo para o homem e a mulher
○
○
seria como dar absoluta liberdade às concepções comuns, para seus filhos e para os filhos de seus
○
○
que promovem uma educação para defender o tipo filhos. Quando conseguirmos fazê-las compreen-
○
de mundo de que apenas alguns usufruem. der que esse imaginário é possível por meio da
○
○
nos capacitar para encontrar novas formas de co- quais vale a pena lutar forem referendados, tere-
○
○
12
Um caso com repercussões políticas no contexto mexicano foi a reversão de uma autorização governamental para a construção de hotéis de
○
○
grande porte para turistas, em 164 hectares da chamada Riviera Maia, na costa do estado de Quintana Roo, mais particularmente nas baías
○
de Xcacel e Xcacelito, locais onde duas espécies de tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção colocam seus ovos: a targaruga caguama
○
e a tartaruga branca. Esse caso implicou uma firme tomada de posição de grupos da sociedade civil, especialmente o Grupo Ecologista do
○
○
Mayab (GEMA) não somente contra decisões dos governos local e federal, mas também contra os detentores do grande capital, que amea-
○
çaram aplicar sanções econômicas e disseram que ocorreriam problemas sociais importantes, se a autorização fosse revertida.
○
110
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
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○
○
○
○
○
Bernardo Kipnis*
○
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
centradas principalmente na Educação Ambiental, capitalista que se delineia e suas implicações para
○
○
em relação às mudanças que vêm ocorrendo nas uma nova compreensão da política pública, com
○
○
dimensões econômica, política e social da socie- maior participação da sociedade civil. Finaliza com
○
dade contemporânea, desde a década de 1970. alguns comentários sobre o papel da Educação
○
○
sua crise, destacando a questão ecológica como dições para o desenvolvimento humano.
○
○
○
○
○
○
○
○
processo de transformação que vivenciamos, a
○
Quando falamos de políticas públicas, na
○
educação passa a contemplar temáticas conside-
○
atualidade, entendemos um contexto diferenci- radas anteriormente como fora dos campos dis-
○
○
ado daquele que se esboçou no pós-guerra e que ciplinares tradicionais. Dentro das reformas
○
foi denominado de paradigma fordista de desen-
○
educativas recentes, no Brasil, a introdução de
○
volvimento. Centrado na produção industrial, temas transversais perpassando a grade curricular
○
○
aquele momento representou um grande com- da formação da criança e dos jovens na escola é
○
promisso entre capital e trabalho, mediado pelo
○
representativa desse novo contexto, cabendo à
○
Estado, para a distribuição, entre os trabalhado-
○
Educação Ambiental um papel relevante nessa
○
res, dos ganhos de produtividade alcançados. Já nova preocupação exigida por um novo modelo
○
○
na década de 1970, esse modelo começou a apre- de produção e organização sociais.
○
sentar sinais de esgotamento, aprofundado na
○
O presente texto procura colocar em debate
○
década de 1980, principalmente em função das essa nova realidade nas seções seguintes. Partin-
○
○
inovações tecnológicas surgidas, que acabaram ○
○ do de uma caracterização sintética do que se
revolucionando as noções de tempo e espaço ge- convencionou chamar de paradigma fordista de
○
ças na organização econômica e política em ní- tes e para as mudanças daí decorrentes, com um
○
○
volvimento e surge como conseqüência da pró- políticas públicas a serem propostas dentro des-
○
○
pria crise gestada. Pode-se dizer que essa ques- se novo contexto, e as implicações específicas
○
O paradigma fordista de
○
desenvolvimento e a questão
○
países desenvolvidos.
○
○
dentro da idéia de long life learning, o aprendi- básicas desse paradigma: a adoção dos princípi-
○
○
realidade presente e para o seu futuro, a Educa- a produção a partir da separação entre blue
○
○
ção deve ser continuada, tornando fluido o li- collars e white collars, ou seja, o grupo pensante
○
○
mite entre escola e trabalho, em termos de tem- e o grupo operante, dentro de cada empresa, e a
○
○
meios diferenciados que facilitem e democrati- Dentro desse processo industrial do traba-
○
○
zem o aprendizado. A idéia da educação a dis- lho de produção de massa, para consumo tam-
○
tância mediada pelas novas tecnologias adquire bém de massa, surge o problema da organiza-
○
○
força, na medida em que representa uma forte ção da demanda social acima da competição
○
○
contribuição para essa possibilidade, permitin- entre as empresas. Das alternativas existentes,
○
○
do a elevação do nível de escolarização e a im- aquelas centralizadas no Estado, tanto pelo lado
○
112
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
○
○
cracia, com o welfare state, apresentou maior nas de produção e distribuição do produto so-
○
○
longevidade e representou um grande compro- cial, a ecologia está preocupada com os signifi-
○
○
misso entre empregadores e sindicatos para a cados dessas ações, sua racionalidade, buscan-
○
melhor redistribuição dos ganhos de produtivi- do estudar a relação dessas atividades com o
○
○
dade ocorridos, levando a um aumento nos sa- meio ambiente. Nessa perspectiva, ninguém se
○
○
lários reais e à estabilidade nos lucros, com ple- preocupou em pagar o custo da exploração
○
no emprego e uso da capacidade das firmas. destrutiva da natureza para atender a uma soci- 113
○
○
Do ponto de vista da regulação da economia, edade de consumo de massa. No entanto, o dé-
○
○
montou-se uma legislação social com o estabele- bito ecológico deve ser pago em algum momen-
○
○
cimento do salário mínimo e dos acordos coleti- to com a diferença de que não pode ser
○
vos bem como um Estado de Bem-estar, com um reescalonado.
○
○
seguro social capaz de garantir os trabalhadores Brotado da sociedade civil, o movimento
○
○
enquanto consumidores, sustentando, assim, a ecológico buscou uma forma de ação política,
○
○
demanda social agregada associada aos gastos do tanto partidária quanto por meio de organiza-
○
Estado. Em paralelo, adotou-se um sistema de ções não-governamentais, no sentido de se co-
○
○
crédito monetário não associado ao padrão ouro, locar dentro das agendas políticas dos Estados
○
○
como forma também de assegurar a demanda nacionais. Iniciando-se pelos países desenvolvi-
○
○
pelo consumo de massa. Ressalta-se o fato de que dos, adquire uma expressão internacional mais
○
esse compromisso foi conseguido a partir da pres- contundente com a realização da II Conferência
○
○
são dos trabalhadores organizados em sindicatos, das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e De-
○
○
cujo papel naquele momento foi central para o senvolvimento (ECO-92), no Rio de Janeiro, de-
○
Esse grande compromisso começa a apresen- Agenda 21, programa para ser colocado em prá-
○
○
tar uma situação de crise na medida em que os tica a partir da sua aprovação, em 14 de junho
○
○
ganhos de produtividade começam a cair sem, de 1992, ao longo do século XXI, em todas as áre-
○
no entanto, serem acompanhados por uma re- as que interfiram no meio ambiente, conforme
○
○
dução nos salários e no custo do capital fixo, ge- a necessidade de governos focarem suas políti-
○
○
rando uma queda nos lucros. O reflexo dessa cri- cas em um processo de desenvolvimento susten-
○
○
se se traduziu em uma situação de “estagflação” tável, que leve em conta a questão ecológica.
○
A globalização e
○
forçada pelo Estado com aplicação na criação de fordista. Por um lado, a revolução tecnológica,
○
empresas estatais ou como subsídio às empre- de meados dos anos 1970, repercutiu nas estra-
○
○
sas privadas (Bresser Pereira, 1996). Como país tégias de produção e distribuição das empresas
○
○
com uma industrialização tardia e com uma camento e comunicação, o capital adquiriu a
○
○
ca. Enquanto a economia se preocupa com as mundiais, associado no entanto a uma onda de
○
○
regularidades das ações humanas para desenvol- fragmentação, observada por meio de
○
○
ver os espaços, tanto público como privado, terceirizações, franquias e informalização do tra-
○
balho. Por outro lado, o segundo movimento as- Política pública
○
○
socia-se ao conflito entre inclusão versus exclu-
○
e Educação Ambiental
○
são no processo produtivo e de consumo, geran-
○
○
do, de um lado, um desemprego estrutural cres- Em que medida as transformações pelas
○
cente e, de outro, a necessidade da incorpora-
○
quais a sociedade humana vem passando,
○
ção de novos mercados pela queda nos preços delineadas nas características aqui apresentadas,
○
○
dos produtos. trazem conseqüências para a Educação, especi-
○
A conseqüência do estabelecimento de um
○
ficamente a Ambiental, surge como um questio-
○
modelo não mais industrial, e sim de serviços,
○
namento inevitável. Em abril de 1999, o Congres-
○
pode ser observada com o fracionamento da ca- so Nacional instituiu a Política Nacional de Edu-
○
○
deia produtiva e com o impacto na organização cação Ambiental, por meio da Lei nº 9.795, defi-
○
dos trabalhadores. A constituição de sindicatos,
○
nindo a presença da Educação Ambiental nos
○
resultantes da organização taylorista do traba-
○
currículos de todos os níveis do ensino formal,
○
lho com mão-de-obra intensiva, na busca de ele- não devendo ser implantada como disciplina
○
○
vação do padrão de vida em uma sociedade de ○
específica.
consumo, começa a sofrer um declínio em razão
○
promisso fordista assumido. A globalização, que sistema mundial vem passando está exigindo
○
○
Nesse contexto, o debate entre público e pri- senvolvimento sustentável, a questão ecológi-
○
○
vado assume um novo contorno permitindo uma ca, a Educação Ambiental, a educação continu-
○
○
ampliação de sua compreensão. Agora, o público ada, tudo isso representa questões e situações
○
tado, mas pode apresentar uma forma de propri- mente, a uma ação social mais consciente e
○
○
edade pública, porém não estatal. A emergência mais determinada. O papel da política pública
○
○
das políticas públicas que podem também ser atual está, ao mesmo tempo, no Estado e na
○
qual o objetivo não é a maximização do lucro – rias, atualmente, pode oferecer uma saída mais
○
○
aponta para esse novo modelo. Quanto às formas construtiva, levando em conta as transforma-
○
○
de administração do Estado, cada vez mais se ções tecnológicas e estruturais que vêm ocor-
○
○
gerencial, com um caráter empreendedor, mais que o conhecimento é o fator de produção mais
○
○
114
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
Bibliografia
○
LIPIETZ, A. Towards a new economic order. Cambridge: Polity
○
Press, 1992.
○
BRESSER PEREIRA, L. C. Crise econômica e reforma do
○
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Textos da série Educação
○
Estado no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1996.
Ambiental, do Programa Salto para o Futuro. Brasília:
○
DUPAS, G. Economia global e exclusão social . São Paulo:
○
MEC, 2000.
○
Paz e Terra, 1999.
○
○
○
○
115
○
○
○
○
○
Reflexões sobre Educação Ambiental
○
○
○
e os sistemas de ensino
○
○
○
○
Lucila Pinsard Vianna*
○
○
○
○
○
○
De uns tempos para cá, fala-se de e faz-se cada com a temática ambiental, ainda que superfici-
○
○
vez mais Educação Ambiental, em todos os âm- almente. Além disso, indicam o interesse e a
○
tas as iniciativas, embora exista muita polêmica esse tema. Mas, na prática, temos tido mudan-
○
○
sobre as práticas que se denominam como Edu- santes, com resultados positivos, mas não seri-
○
cação Ambiental. Hoje, podemos afirmar que Edu- am eles muito pontuais?
○
○
cação Ambiental é um termo usado no senso co- Esta introdução levanta, ainda que superfi-
○
○
mum para qualquer ação que vise à sensibilização cialmente, alguns questionamentos sobre a prá-
○
○
de pessoas acerca da questão ambiental – ainda tica da Educação Ambiental atualmente no Bra-
○
que não tenha resultados efetivos, ou que muitos sil. Considerando esse contexto, nosso objetivo
○
○
educadores ambientais se revoltem com o uso neste artigo é refletir sobre a especificidade da
○
○
indevido do conceito. O fato é que o termo se tor- Educação Ambiental na educação formal, e, par-
○
○
nou um guarda-chuva que abriga informação, co- ticularmente, fazer algumas reflexões sobre a
○
municação, sensibilização, formação, ações e in- presença da Educação Ambiental nas institui-
○
○
tervenções ambientais. Um bom exemplo são os ções de ensino, sob a perspectiva das políticas
○
○
diagnósticos praticados por organizações não-go- públicas, campo de discussão pouco explorado.
○
○
vernamentais sobre práticas denominadas Edu- Um bom ponto de partida é pensarmos sobre a
○
cação Ambiental e inclusive por nós mesmos.1 Tais grande fragilidade da presença da Educação
○
○
diagnósticos retratam que as ações definidas Ambiental nas instituições de ensino, nos pro-
○
○
como de Educação Ambiental, muitas vezes ações gramas e projetos dos sistemas de ensino, nas
○
○
comemorativas, concursos, cartilhas, manuais etc. Isso é fruto da própria história da Educação
○
○
Sem dúvida, a grande quantidade de inicia- Ambiental, que acabou promovendo sua entra-
○
○
tivas denominadas Educação Ambiental tem va- da no mundo da Educação pelas mãos dos ór-
○
lor por si só, principalmente se temos em vista a gãos de meio ambiente e das organizações não-
○
○
1
A COEA fez um diagnóstico preliminar, no ano 2000, de projetos realizados nas escolas do Ensino Fundamental.
○
história da concepção da Educação Ambiental, rificar, pela primeira vez, no Brasil, a discussão
○
○
percebemos que sua concepção é um desdobra- formal da Educação Ambiental no interior do
○
○
mento do movimento ambientalista, campo so- mundo da Educação: o então Conselho Federal
○
○
cial que a antecedeu e a englobou. de Educação aprova por unanimidade o Parecer
○
Por força de sua origem, a Educação Am- nº 226/87, que tratava da necessidade de se ter
○
○
biental está presente em praticamente todos os Educação Ambiental presente nas propostas cur-
○
○
documentos e tratados ambientais internacio- riculares das escolas de 1º e 2º graus.
○
nais. No Brasil, não foi diferente: ela surge ofici- Mesmo tendo a sua necessidade reconheci-
○
○
almente em 1981, com a Lei nº 6.938/81, que ins- da pelo poder público, podemos afirmar que as
○
○
tituiu a Política Nacional de Meio Ambiente iniciativas do sistema de ensino para insti-
○
○
(PNMA) e o Sistema Nacional de Meio Ambiente tucionalizar a Educação Ambiental foram muito
○
(Sisnama), definindo o aparato institucional e le- tímidas, traduzidas muitas vezes pela presença
○
○
gal para a gestão governamental do meio ambi- de um responsável pelo tema, entre outras fun-
○
○
ente. Essa Lei, mesmo sendo da área ambiental, ções. Até hoje, a Educação Ambiental não está
○
○
e não da educacional, em seu artigo 2º já previa a ○
incorporada, na esmagadora maioria, aos orga-
Educação Ambiental em todos os seus níveis de nogramas das Secretarias de Educação.
○
○
ensino. Em 1988, a Constituição Federal, no seu No Ministério da Educação, essa situação não
○
○
artigo 225, ratifica a obrigatoriedade de o poder foi diferente até bem recentemente. Somente 10
○
○
público promover a Educação Ambiental em to- anos depois desse parecer, o MEC assume a res-
○
A escola sempre foi vista, pelo movimento ente aos currículos e à prática cotidiana nas es-
○
○
formação de cidadãos sensíveis às questões Fundamental, que tratam o meio ambiente como
○
○
ambientais. Assim, pelas mãos do Sisnama e tema transversal a ser trabalhado pelos professo-
○
○
ambientalistas, a Educação Ambiental chega às dos PCN (final de 1998), após uma reforma admi-
○
○
com Educação Ambiental vão surgindo pelo âmbito da Secretaria de Educação Fundamental.
○
País, que tomaram um novo impulso a partir Antes disso, a presença da Educação Ambiental
○
○
da ECO-92, na II Conferência das Nações Uni- no MEC era tratada, primeiro, como Grupo de
○
○
das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Trabalho2 e, posteriormente, entre 1993 e 1998,
○
○
Em contrapartida, os sistemas de ensino não cutiva no Gabinete do Ministro, sem estar oficial-
○
○
pidez a Educação Ambiental, como no caso do Nesse contexto, não podemos deixar de pon-
○
○
Educação Ambiental no ensino formal. Na Con- como um dos primeiros espaços educacionais que
○
○
1987 (Moscou), recomenda-se a inclusão de ção de professores nesse sentido (embora nem
○
○
Educação Ambiental nas políticas educacionais sempre estas iniciativas sejam pontuais e sem ar-
○
○
dos países. Nesse mesmo ano é que podemos ve- ticulação com as Secretarias de Educação).
○
○
○
○
○
○
2 Em 1991, como preparação para a Rio-92, é criado, por meio de portaria, um Grupo de Trabalho para a Educação Ambiental no MEC, com
○
116
SIMPÓSIO 6
Políticas públicas e Educação Ambiental
Em 1999, foi decretada e sancionada pelo colares e dos sistemas de ensino, os quais pode-
○
○
Congresso Nacional a Lei no 9.795/99, que insti- mos apontar como obstáculos a serem transpos-
○
○
tuiu a Política Nacional de Educação Ambiental tos para a melhoria da qualidade da Educação em
○
○
(PNEA). A PNEA regulamenta e detalha a Cons- geral. Devemos ter claro que, para que as ações de
○
tituição Federal, onde ela dedica o seu artigo 2o Educação Ambiental tenham bons resultados na
○
○
ao ensino formal e destaca que a “Educação escola, elas devem estar inseridas nesse contexto,
○
○
Ambiental é um componente essencial e perma- e levar em consideração suas peculiaridades,
○
nente da Educação nacional devendo estar pre- como, por exemplo, os níveis de remuneração dos 117
○
○
sente, de forma articulada, em todos os níveis e educadores, a desarticulação entre a formação ini-
○
○
modalidade do processo educativo, em caráter cial e continuada, a precariedade do sistema de de-
○
○
formal e não-formal”.3 senvolvimento profissional contínuo para todos os
○
Mesmo com a publicação da Lei, a situação educadores, a compatibilidade da jornada de tra-
○
○
da Educação Ambiental nos sistemas de ensino balho e os planos de carreira (que muitas vezes
○
○
mudou muito pouco em termos institucionais, inexistem), a proporção numérica inadequada da
○
○
e a verdade é que o meio ambiente não possui o relação professor/aluno, entre outros. Daí a impor-
○
status das demais áreas de conhecimento, tância da institucionalização da Educação
○
○
tampouco das demais modalidades de ensino. Ambiental nos sistemas de ensino como um ca-
○
○
As tendências observáveis na sociedade pro- minho para garantir o espaço necessário para que
○
○
vocam reações nos sistemas de ensino. Assim, o tema meio ambiente esteja inserido nas iniciati-
○
podemos afirmar que a Lei provocou esses sis- vas do mundo da Educação.
○
○
temas no sentido de sensibilizar para suas res- A COEA/MEC tem a obrigação e a função de
○
○
tão, o que tem multiplicado e fortalecido inicia- e eqüitativas, que provoquem condições de
○
○
tivas nesse sentido, ainda que continuem desar- acesso e melhoria da qualidade do ensino
○
○
ticuladas do conjunto das ações e políticas pú- ofertado à sociedade e o aperfeiçoamento das
○
○
1990, apesar dos lentos avanços, estamos viven- tucionalização e a incorporação da Educação
○
○
nalização da Educação Ambiental nos sistemas de ensino (municipal, estadual, federal) e nas po-
○
ensino. Contamos, hoje, com a PNEA e com os líticas educacionais já existentes. Nosso
○
○
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que referencial básico para vencer esse desafio é a
○
○
Mas, o fato de a Educação Ambiental ainda Parâmetros em Ação – Meio Ambiente na Esco-
○
○
hoje não ter espaço próprio nas estruturas la. As missões institucionais da COEA são:
○
○
influenciada pelo contexto acima descrito, sofre • formação continuada de professores no tema
○
○
reflexo direto das especificidades dos contextos es- transversal meio ambiente.
○
○
○
○
○
3
Até o presente momento, a Lei no 9.795/99 não foi regulamentada.
○
No que diz respeito à institucionalização da ção, e outro exemplo disso são as Diretrizes para
○
○
Educação Ambiental nos Sistemas de Ensino, al- o Ensino Fundamental e para o Ensino Superior,
○
○
guns progressos podem ser apontados no senti- aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação.
○
○
do de incorporar a temática às políticas educa- Porém, apesar desses avanços, e sem querer
○
cionais da SEF/MEC. Um desses progressos é o expressar uma ansiedade que desconsidere o pas-
○
○
Programa Parâmetros em Ação – Meio Ambiente so lento característico das mudanças, e apesar das
○
○
na Escola, que tem causado impacto nas institui- propostas de política pública da COEA, constata-
○
ções de ensino, ao propor uma política de desen- mos que a Educação Ambiental ainda não está
○
○
volvimento profissional em serviço, para profes- incorporada como um campo de conhecimento
○
○
sores, para o tratamento do tema meio ambien- e tampouco tem espaço para proporcionar mu-
○
○
te, proposta inédita e inovadora. O Programa pro- danças radicais nas políticas públicas de educa-
○
põe deixar de lado o caráter esporádico dos cur- ção, de modo a se aproximar, cada vez mais, da
○
○
sos de Educação Ambiental para tornar o tema realização de seus objetivos e princípios, que po-
○
○
meio ambiente prática continuada de estudo, dis- dem ser resumidos na construção coletiva de co-
○
○
cussão, atuação e incentivo para a construção de ○
nhecimentos, procedimentos e comportamentos
processos em Educação Ambiental.4 Além disso, que levem à formação de cidadãos criativos, re-
○
○
o Programa incorpora, no seu processo de imple- flexivos, autônomos, preocupados com a quali-
○
○
gestores e dirigentes das secretarias e escolas acer- Não podemos perder de vista que uma pro-
○
ção continuada em serviço em meio ambiente, e na Educação e pode influenciar mudanças insti-
○
sobre o espaço institucional da Educação Am- tucionais, como, por exemplo, níveis de remu-
○
○
Outro avanço que pode ser citado, relativo ao inicial e continuada; sistema de desenvolvimen-
○
○
espaço que ocupamos nas políticas públicas do to profissional contínuo para todos os educado-
○
MEC, refere-se à incorporação de duas questões res; definição de uma jornada de trabalho; e pla-
○
○
sobre o tratamento da Educação Ambiental nas nos de carreira compatíveis. Esse é, entre outros,
○
○
escolas no Censo Escolar, que é respondido por um dos méritos da Educação Ambiental nas ins-
○
○
cada unidade escolar do País e que poderá nos tituições de ensino e nas escolas, desde que seja
○
das ações de Educação Ambiental nesse univer- Entretanto, não bastam as leis, não basta o
○
○
so. Finalmente, vale ressaltar o espaço e o papel tema meio ambiente e os princípios da Educa-
○
○
relevante que o tema meio ambiente conquistou ção Ambiental serem contemplados nas políti-
○
neste Congresso Brasileiro de Qualidade na Edu- cas educacionais. São avanços necessários, e que
○
○
cação. Pela primeira vez – e isto certamente não estão se concretizando passo a passo. Mas, não
○
○
se refere apenas à situação brasileira –, há uma deveríamos pensar em políticas públicas espe-
○
○
programação específica sobre meio ambiente cíficas de Educação Ambiental para o ensino for-
○
mundo da Educação, o que oportunizou uma Educação Ambiental nas propostas, e não ape-
○
○
ampla discussão e reflexão da temática junto aos nas seus princípios? Não deveríamos pensar na
○
○
Além disso, podemos dizer que, hoje, temos vez, assim, nos aproximemos de ações amplas,
○
○
4
O Programa acontece com a formação de grupos de estudo de professores liderados por um coordenador de grupo, no qual se desenvolvem
○
○
atividades, organizadas em módulos temáticos, propostas pelo Guia do Formador do Programa Parâmetros em Ação – Meio Ambiente na Escola.
○
118
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
PAINÉIS –
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
P AINEL 1
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Luiza Rodrigues
121
Educação Ambiental em
○
○
○
Mimoso: o Pantanal e suas
○
○
○
dinâmicas culturais e naturais
○
○
○
○
Luiza Rodrigues, Michèle Sato, Carla Pimentel, Luiz Cruz, Luíse Bordest,
○
○
Samuel Oliveira, Sandro Vieira, Laura Pinheiro e Paulo Soares
○
○
Projeto Mimoso – Cuiabá/MT
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
Mimoso é um projeto internacional financia- Comunicação: a possibilidade de sermos pro-
○
○
do por organismos que visam à proteção ambiental. ○
○
tagonistas das notícias, em vez de testemunhar-
Nossas pesquisas caracterizam-se pelo reconheci- mos as barbáries cometidas.
○
mento do caráter formativo do processo educacio- Gênero: na busca de mitos, lendas e histórias do
○
○
nal, para poder alcançar as transformações sociais Pantanal, estudar os símbolos presentes na água
○
○
necessárias aos cuidados ambientais. Privilegiamos para a eqüidade das relações de gênero, confe-
○
o enfoque biorregional, caracterizado pela compre- rindo espaços sociais e biológicos aos homens e
○
○
reza) de uma dada realidade geográfica. Além dis- Os cinco temas aqui sublinhados possuem
○
○
so, busca-se a ruptura do “sujeito-objeto” da pes- como meta o desenho pedagógico que possibili-
○
região pantaneira. Sujeitos pesquisadores e sujei- ca-se extrair elementos que alcancem uma Edu-
○
tos pesquisados tornam-se, então, membros ativos cação mais crítica e propositiva. Fortalecimento
○
○
Turismo: para reconhecimento das diversas re- tas e outras dinâmicas pedagógicas auxiliam na
○
○
Lixo e compostagem: na análise que possibilite ras. A Educação Ambiental é, assim, projetada
○
a crítica aos modelos de consumo e produção nas realidades ambientais e nas dinâmicas soci-
○
○
de resíduos, com ênfase na compostagem e nas ais, inserindo-se na dimensão curricular própria
○
○
estratégias pedagógicas que possibilitem da escola, com abandono do “eu, periférico e iso-
○
vivenciar criticamente esse dilema. lado” para um “nós, coletivo e solidário”. Todos
○
○
Biodiversidade: com análise biológica das es- se tornam sujeitos capazes de ação e reflexão,
○
animais pelos seres humanos os tem colocado educativa, que alcance a desejada construção de
○
em desvantagem diante da vida, ameaçando uma sociedade com menos disparidades sociais
○
○
122
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
A pesquisa-ação na formação de
○
○
○
professor@s em Educação Ambiental:
○
○
○
relato de uma experiência*
○
○
○
○
○
Sônia B. Balvedi Zakrzevski
○
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões/Erechim/RS 123
○
○
○
○
○
Na pesquisa sobre formação de professor@s1 mente” (Sato, 1997: 134). É uma modalidade de
○
○
em Educação Ambiental (EA), assim como na pesquisa em que a participação das pessoas
○
○
pesquisa em educação em geral, existe uma es- implicadas nos problemas investigados é abso-
○
treita ligação entre a formação (desenvolvimen-
○
lutamente necessária.
○
to profissional), a reflexão e a investigação (Carr Com o intuito de auxiliar @s professor@s na
○
○
e Kemmis, 1988; Shön, 1995, 2000). Inúmer@s construção de conhecimentos sobre Educação
○
○
pesquisador@s (Stenhouse,1987; Carr e Ambiental e de iniciá-l@s em um processo de
○
Sorrentino, 1995; Sauvé, 1997; Sato, 1997; Pimen- de ações autônomas e responsáveis d@s pro-
○
○
ta, 2000; Guerra, 2001) acreditam que o desen- fessor@s, no sentido de inserir a Educação
○
tece por meio de um processo de investigação ciamos, no ano de 1998, em quatro municípios
○
○
reflexiva e crítica, que permita a construção de gaúchos situados na região norte do estado do
○
○
alternativas aos problemas mais relevantes da Rio Grande do Sul, um programa de formação
○
A perspectiva teórica construtivista do conhe- ção continuada foi constituído por quatro eta-
○
○
nados à formação de professor@s. Esses referen- Após contato com as Secretarias Municipais
○
ciais podem ser sintetizados do ponto de vista di- de Educação, procuramos analisar as percepções
○
○
qual os grupos sociais “investigam, conjunta e comunidade. Enfim, tentamos conhecer a reali-
○
○
blema, ou para a tomada de consciência, ou ain- foi realizado por meio de observações
○
○
conjunto de ética (deontológica) aceito mutua- aula e nas áreas abertas. Além disso, elaboramos
○
○
○
○
○
○
* Elaborado a partir do trabalho “Contribuições da pesquisa-ação para a formação de professores em Educação Ambiental”, de autoria de
○
Sônia B. Balvedi Zakrzevski e Michèle Sato, apresentado no I Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental – Rio Claro, jul. 2001.
○
○
1
Acatando a recomendação internacional da Rede de Gênero, utilizaremos a simbologia “@” para evitar a linguagem sexista presente nos textos.
○
entrevistas com professor@s, bem como a análi- Foram constituídos quatro grupos de pro-
○
○
se de materiais didáticos utilizados e das fessor@s, um por município, envolvendo direta-
○
○
metodologias privilegiadas. mente 273 professor@s, pertencentes a 45 esco-
○
○
Por meio desse diagnóstico inicial, chegamos las. Os grupos eram formados por professor@s
○
à conclusão de que a formação de professor@s que atuavam na Educação Infantil, no Ensino
○
○
em Educação Ambiental, além de levar em con- Fundamental e Médio, em diferentes áreas do co-
○
○
ta os problemas práticos d@s professor@s, deve nhecimento. A maioria d@s participantes atua em
○
considerar suas concepções e experiências, as escolas rurais, muitas delas com classes multis-
○
○
contribuições de outras fontes de conhecimen- seriadas, uma triste realidade das escolas rurais,
○
○
to e as inter-relações que podem ser estabe- que ainda não encontraram caminhos próprios
○
○
lecidas entre elas. para o desenho curricular compatibilizado com
○
Durante a primeira etapa do trabalho, tam- a agricultura ou com as condições sociais e natu-
○
○
bém procuramos conhecer as comunidades ru- rais da biorregião. Nesse sentido, vale lembrar que
○
○
rais, seus costumes, seus problemas e suas a maioria dos livros didáticos traz situações ur-
○
○
simbologias. Reconhecemos que a escola não é ○
banas completamente distantes dessas realida-
isolada de seu entorno e que as atividades em des, além de toda uma ideologia explicitada, con-
○
○
Educação Ambiental devem buscar a aliança forme mostram inúmeros estudos sobre a quali-
○
○
escola como produtora e mantenedora das múl- inadequada realidade da formação docente rural
○
○
tiplas manifestações culturais tecidas cotidiana- que, pela ausência de políticas claras para essas
○
○
mente, buscando elos intrínsecos entre a expres- regiões, sofre da lacuna da formação profissional,
○
são social e natural de cada local. tanto inicial quanto continuada. Também, embo-
○
○
Organizamos, com a colaboração das Secre- permitir uma relação pessoal mais difusa.
○
○
de Educação Ambiental. Para tal, seria necessá- Conhecendo melhor a realidade de interven-
○
○
rio estimular a constituição de um grupo de tra- ção e o grupo estabelecido, promovemos, em cada
○
○
balho em cada município para participar dos município, seminários que versavam sobre os
○
dono do personalismo da proposta. A institu- quinzenais, depois espaçados para mensais, re-
○
○
cionalização dos processos é um forte mecanis- alizados na sede dos municípios, nos meses em
○
○
mo que pode auxiliar a assegurar a susten- que @s professor@s exercem as atividades do-
○
tabilidade dos projetos iniciados, desde que for- centes. Essa fase do trabalho teve a duração de
○
○
taleça os sistemas e ultrapasse as ilhas isoladas 120 horas desenvolvidas nos municípios e mais
○
○
asmo, pois o curso vinha ao encontro da expec- zado na URI – Campus de Erechim (I Seminário
○
○
tativa gerada pelo próprio tema – meio ambien- Regional de Educação Ambiental). Optamos por
○
○
te –, além de ser oferecido por profissionais com- encontros mensais, em vez de concentrá-los em
○
○
124
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
○
○
No primeiro seminário, foram realizadas ati- professor@s foram estimulad@s a refletir sobre o
○
○
vidades para o planejamento do programa de for- significado do que faziam. Não cabia a el@s ape-
○
○
mação. O desenho desse curso foi participativo, nas ensinar, mas investigar, refletir, julgar e pro-
○
conforme as necessidades d@s professor@s duzir conhecimentos comprometidos com mu-
○
○
envolvid@s, para a definição das metas, da análi- danças em suas práticas educativas cotidianas.
○
○
se crítica dos problemas observados e do estabe- Os seminários auxiliaram a construção de
○
lecimento de uma dinâmica que melhor se ade- projetos de Educação Ambiental para as escolas, 125
○
○
quasse à construção da Educação Ambiental. Em além de possibilitarem uma reflexão sobre as con-
○
○
momentos posteriores, foram estudados alguns cepções d@s professor@s a respeito da Educação
○
○
fundamentos teóricos da Educação Ambiental, Ambiental e de como abordá-la pedagogicamen-
○
como “noções de ambiente”, “desenvolvimento e te, inserindo-a nos currículos. Constituíram, as-
○
○
educação”, “histórico crítico da Educação Am- sim, um rico espaço para que @ docente pudesse
○
○
biental”, “Agenda 21” e outros temas. Esse vivenciar, trocar experiências, repensar ações, re-
○
○
embasamento teórico possibilitou a avaliação crí- visar conceitos, bem como analisar criticamente,
○
tica dos problemas ambientais, com busca de es- junto com seus/suas colegas, a sua práxis, a sua
○
○
tratégias para a sua solução por meio de engaja- cotidianidade de pensar, agir e refletir.
○
○
professor@s estiveram envolvid@s com dois pectos em estudo, sem imposição dos diversos
○
○
Curriculares Nacionais (PCN), propostos pelo de nossas concepções. A prática reflexiva coleti-
○
Ministério da Educação (MEC) para todo o ce- va caracterizou-se pelo respeito às diversas opi-
○
○
nário nacional, além do Padrão Referencial de niões e por meio dos fóruns democráticos de
○
○
tantes na elaboração dos Projetos Político-Peda- Convém destacar que, no final de 1999,
○
○
projetos que possibilitassem a inserção da Edu- projetos que visavam à incorporação da Educa-
○
○
nho curricular.
○
gicas e diversos trabalhos de campo, com a in- mente, auxiliando a ressignificar a prática do pla-
○
○
tenção de subsidiar a prática pedagógica d@s nejamento e a inserir a Educação Ambiental como
○
○
professor@s, por meio de reflexões críticas. Du- política efetiva das escolas. A ação conjunta com
○
mestre de 1999, @s professor@s foram desa- interesses concretos apontados por el@s própri@s
○
○
fiad@s a elaborar projetos de trabalho, para se- e, posteriormente, favoreceu a análise da prática
○
○
rem desenvolvidos na escola e seus arredores, docente, com a tomada de consciência sobre os
○
sendo desencadeadas nas escolas, além de refle- sária para tratar o problema objeto de estudo.
○
○
xões sobre o processo e sobre os resultados dos As relações entre os conteúdos e as áreas do co-
○
nhecimento existiram em função das necessida- do integrar as duas perspectivas complementa-
○
○
des que levaram a resolver uma série de proble- res da Educação Ambiental: perspectiva natural
○
○
mas que surgiram: os temas ou os problemas e perspectiva cultural (Sauvé, 1997). Os trabalhos
○
○
exigem a convergência de conhecimentos. A de Educação Ambiental priorizaram os proble-
○
globalização, mas locais que afetavam as comunidades. Toda
○
○
a dinâmica do processo foi enfatizada, irradian-
○
○
[...] mais do que uma atitude interdisciplinar ou do uma concepção pedagógica que visava à com-
○
preensão e à transformação da realidade, fazen-
○
transdisciplinar, é uma posição que pretende pro-
○
mover o desenvolvimento de um conhecimento do que a atividade-fim fosse o resultado natural
○
○
relacional como atitude compreensiva das com- de uma caminhada reflexiva. A resolução do pro-
○
○
plexidades do próprio conhecimento humano blema não era entendida pel@s professor@s e
○
(Hernández e Ventura, 1996: 45) [tradução nossa]. pela comunidade escolar como uma questão
○
○
meramente técnica, pelo contrário, havia uma
○
○
No planejamento, partimos da elaboração de ampliação do trabalho, corroborada pelo proces-
○
“redes” ou “labirintos”, permitindo ao grupo ○
○
so de sensibilização, pela construção de conhe-
aproximar-se da complexidade do conhecimen- cimentos, compreensão, pelo envolvimento e
○
○
As redes conceituais podem ser interpretadas, de tindo uma ação mais responsável no ambiente.
○
um lado, como analogias semânticas de um re- Convém destacar que os projetos desenvolvi-
○
○
corte da estrutura cognitiva (a qual simboliza dos nas escolas foram apresentados, sob a forma
○
○
nossos saberes) e, de outro, como analogia se- de comunicações orais e de pôsteres, durante o I
○
mântica dos modelos neurônicos (que represen- Simpósio Gaúcho de Educação Ambiental (evento
○
○
tam corporalmente nossos saberes) (Galagovsky, planejado com @s professor@s envolvid@s no pro-
○
○
Elas são guias para os docentes no ensino. Nas estimulando, além de tudo, a produção e a divul-
○
○
redes foi possível definir critérios para selecionar A trajetória percorrida pelos grupos não foi
○
○
centrais. Convém destacar que os objetivos per- foram sentidos durante o processo, que, em al-
○
○
seguidos pel@s professor@s não eram apenas de guns instantes, fizeram-nos colocar em dúvida o
○
ordem cognitiva, mas sempre houve a preocupa- papel da pesquisa-ação na formação de pro-
○
○
ção com a dimensão afetiva (sensibilização e en- fessor@s em Educação Ambiental. Sabemos que
○
○
volvimento com a responsabilidade e a ação) vol- existem certas divergências quanto à compreen-
○
○
bientais locais como tema gerador da Educação ra do sujeito-objeto), durante e além do tempo
○
○
Ambiental (Layrargues, 1999), nos quais o diálo- da pesquisa propriamente dita, ora somente
○
go foi um caminho para a produção de saberes. como um processo de participação ativa quanto
○
○
todas as pessoas implicadas têm sempre algo a e pesquisad@s tornam-se sujeitos de um mesmo
○
○
“dizer” e a “fazer”. Os projetos foram desenvolvi- processo (Sato, 2001). Também na educação de
○
126
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
○
○
“professor como pesquisador” e da noção de escolar, o que repercutiu não só na me-
○
○
correlata de “professor reflexivo”. Acreditamos lhoria da qualidade do ensino, mas também
○
no acompanhamento personalizado da
○
que, independentemente da perspectiva, o obje-
○
tivo da pesquisa-ação é estimular @s professor@s aprendizagem d@ alun@.
○
○
a se aprofundarem na compreensão e na inter-
○
○
pretação de sua própria prática, com vistas ao seu Como fruto do trabalho desenvolvido, @s
○
fortalecimento e à sua emancipação. 127
○
professor@s de um município estão envolvid@s
○
Tradicionalmente, as pesquisas são percebi- na construção de um Projeto Político Pedagógi-
○
○
das como um projeto com início, meio e fim, co (PPP) próprio, que incorpora a dimensão
○
○
obrigando as escolas a encontrar novas frentes, ambiental como política efetiva das escolas. En-
○
nascidas no contexto local ou, geralmente, em xergam a pesquisa-ação como uma forma para
○
○
função dos “pacotes” autoritários, tornando os reestruturar os currículos escolares e criticam os
○
○
currículos inflexíveis e com ausência de políti- currículos impostos de cima para baixo. Afirmam
○
○
cas efetivas de formação de professor@s, para a que, por meio da pesquisa contínua para a reso-
○
reflexão das ações em desenvolvimento. Argu- lução de problemas ambientais, o currículo pode
○
○
mentamos em favor da pesquisa-ação em razão ser construído e transformado pela própria co-
○
○
de seu caráter participativo, defendemos o diá- munidade escolar. Reconhecem que os efeitos de
○
○
logo como um caminho para a produção de sa- uma proposta curricular não ocorrem em pra-
○
beres que perturbam os discursos hegemônicos zos curtos; é preciso tempo para maturação, ava-
○
○
narrativas que sejam capazes de desinstalar ve- O estudo das escolas desse município per-
○
lhas identidades.
○
Por meio da avaliação continuada do proje- pode contribuir para modificar as concepções de
○
○
to, percebemos que o trabalho com projetos vi- escola e de Educação (Mayer, 1998):
○
○
sando à resolução de problemas ambientais lo- • de uma escola que transmite conhecimen-
○
cais permitiu, durante o período de assessoria tos elaborados em âmbito externo para uma
○
○
blemas que circulam fora da sala de aula e • de uma escola onde os objetivos estão vin-
○
que vão além do currículo que tradicional- culados quase que exclusivamente aos co-
○
○
• em relação à construção do conhecimento, para uma escola que quer enfatizar os senti-
○
○
a no ensino para a compreensão: diferentes perspecti-
○
revelaram, assim, que a estratégia utilizada con- vas. In: SACRISTÁN, J. G.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. (Orgs.).
○
○
Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Ale-
solidou processos da pesquisa-ação na educação
○
gre: Artmed, 2000. p. 353-80.
○
continuum da vida docente.
○
PIMENTA, S. G. A pesquisa em didática – 1996 a 1999. In:
○
CANDAU, Vera Maria (Org.). Didática, currículo e sabe-
○
Bibliografia res escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 78-106.
○
○
SATO, M. Educação para o ambiente amazônico. Tese (Dou-
○
CARR, W.; KEMMIS, S. Teoría crítica de la enseñanza. La torado PPG-ERN). São Carlos: Universidade Federal de
○
○
investigación-acción en la formación del profesorado. São Carlos, 1997. 245 p.
○
Barcelona: Martínez Roca, 1988. . Réseau de dialogues au sujet de l’éducation
○
○
ELLIOT, J. La investigación-acción en educación. Madrid: environnementale. Éducation Relative à L’Environnement,
○
Morata, 1990. v. 3, 2001 (antecipé).
○
○
GALAGOVSKY, L. R. Redes conceptuales: bases teóricas SAUVÉ, L. L´approache critique en éducation relative à
○
e implicaciones para el proceso de enseñanza- l’environnement: origines théoriques et applications à
○
○
aprendizaje de las ciencias. Enseñanza de las Ciencias, la formation des enseignants. Revue des Sciences de
(11) 3: 301-7. Barcelona: 1993. ○
○
○ l’Éducation, XXIII (1): 169-87, 1997.
GUERRA, A. F. Diário de bordo : navegando em um ambien- SHÖN, D. A. Formar professores como profissionais refle-
○
te de aprendizagem cooperativa para Educação xivos. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e a sua
○
○
Ambiental. Florianópolis, 2001. Tese (Doutorado em formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. p.
○
77-92.
○
LAYRARGUES, P. P. A resolução de problemas ambientais Universidade de São Paulo. São Paulo, 1995.
○
Educação Ambiental? In: REIGOTA, M. (Org.). Verde co- enseñanza. Madrid: Morata, 1987.
○
investigación. Enseñanza de las Ciencias. 16(2): 217- ZEICHNER, K. M.; LISTON, D. P. Formación del profesorado
○
O município de Rio Grande da Serra loca- sui aproximadamente 33 km² de área totalmen-
○
○
liza-se na região do Grande ABC, que integra te inserida em Área de Proteção dos Mananci-
○
○
a Região Metropolitana de São Paulo/SP. Pos- ais (APM). Sua população é estimada em 39 mil
○
○
○
○
○
* Parceiros: Divisão de Ensino Escolar (Ceam/SMA), Divisão dos Núcleos Regionais (Ceam/SMA), Diretoria de Ensino-Mauá, Secretaria
○
Municipal de Educação (Prefeitura Municipal de Rio Grande da Serra), Núcleo Regional de Educação Ambiental do Grande ABC, Companhia
○
de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Onaproma (ONG), Lara (Comércio e Prestação de Serviços).
○
128
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
habitantes e, desse total, 12 mil pessoas estão seminário para apresentação dos projetos e re-
○
○
regularmente matriculadas na rede pública de cebimento dos certificados de participação;
○
ensino do município, que conta com cerca de
○
implantação dos projetos nas escolas (com
○
600 professores, distribuídos em 16 escolas (11 acompanhamento); seminário para apresenta-
○
○
estaduais e 5 municipais). ção dos resultados obtidos nos projetos.
○
○
A Sabesp, por meio da proposta da implan- Foram montadas três turmas: Ensino Mé-
○
tação do Projeto Ribeirão da Estiva, buscou, a dio, Fundamental e Infantil, com 40 professo-
○
○
partir de julho de 2000, articular-se com diver- res cada uma, contemplando todas as escolas 129
○
○
sas instâncias responsáveis pela gestão da área do município.
○
de interesse. Com a convergência dos interes-
○
O certificado de participação será forneci-
○
ses dos diversos atores da região, formalizou- do pela Coordenadoria de Estudos e Normas
○
○
se uma parceria que consolidou a elaboração Pedagógicas (CENP/SEE/SP), segundo a Por-
○
○
e a implantação do Programa de Educação taria da Coordenadoria de 20/6/2001, nos ter-
○
Ambiental para Rio Grande da Serra. mos da Resolução SE-121/90.
○
○
É importante ressaltar que somente por Entende-se a Educação Ambiental como
○
○
meio dessa parceria foi possível a realização catalisador do processo de implantação da ges-
○
○
desse Programa de Educação Ambiental, se- tão ambiental na referida área. Notadamente,
○
guindo os preceitos de otimizar esforços e mul- ○
○
envolver os educadores da rede pública do mu- degradação ambiental, que têm uma velocida-
○
○
nicípio de Rio Grande da Serra, por meio da de muito maior do que a capacidade do poder
○
discussão de temas relacionados aos aspectos público ou da sociedade civil organizada para
○
○
qualitativos e quantitativos da água, sanea- realizar ações a fim de estagnar ou reverter esse
○
○
mento ambiental e saúde, Agenda 21, legisla- quadro catastrófico em que nos encontramos.
○
○
ção ambiental, Política Nacional de Educação Certamente, a busca da solução dos pro-
○
formação de agentes multiplicadores, com o tos sobre as relações existentes nos ecossis-
○
○
compromisso de realizar ações efetivas ligadas temas, e para isso é necessário desenvolver
○
à articulação e à integração das diversas inici- estudos e técnicas mais apuradas para lidar
○
○
não-governamentais que atuam na região, com A compreensão dos reais riscos existentes
○
○
res e coordenadores pedagógicos das escolas; tal está cada vez mais presente no cotidiano
○
○
HTPC para a realização das inscrições dos pro- maior acesso à informação potencializa as
○
○
carga horária de 40 horas; elaboração dos pro- um agir mais orientado na direção da defesa
○
○
○
com os enfoques citados anteriormente, e será
○
Para atingir os objetivos propostos, o pro-
○
formado um grupo de trabalho para a realiza-
○
jeto será desenvolvido em quatro módulos,
○
ção de um diagnóstico da percepção ambiental
○
descritos a seguir. Porém, antes do início do que o professor possui em relação à região em
○
projeto, serão necessárias reuniões para esta-
○
que ele atua.
○
belecer os contatos iniciais com as escolas e
○
○
com as diretorias de ensino estaduais e muni- Módulos
○
○
cipais. Após esse processo, e uma vez estabe-
Módulo I – Capacitação/Informação
○
lecido o cronograma, serão, então, desenvol-
○
○
vidos os quatro módulos. Deste módulo estarão participando os co-
○
ordenadores das escolas, bem como as pessoas
○
○
responsáveis pela oficina pedagógica da Dire-
○
Reuniões
○
toria de Ensino de Mauá, os responsáveis pe-
○
las escolas municipais de Rio Grande da Serra
○
○
• Diretoria de Ensino e diretores das escolas ção dos professores ficará a cargo de cada di-
○
da rede estadual
○
Grande da Serra:
○
• Instituto Acqua.
○
vem ser apresentadas e os principais temas a Vale ressaltar que todos os temas devem
○
ser definidos, além de fazer com que o proces- • Tempo de duração: 40 horas.
○
○
às escolas
○
Seminário de sensibilização
○
lização para fazer a apresentação das propos- ra, materiais esses que estarão disponíveis para
○
○
tas do projeto para todos os professores das o uso durante a elaboração dos seus projetos e
○
○
redes estadual e municipal. Nesse seminário de suas futuras aulas. Para isso, cada uma das
○
130
PAINEL 1
Formação de professores em Educação Ambiental
Também estão previstas orientações técni- vem ou mesmo um adulto das escolas pedirem
○
○
cas aos professores em relação a habilidades, informações, todos os recebam muito bem e
○
○
avaliação e registro, que contemplam o traba- os ajudem no seu projeto.
○
○
lho pedagógico do desenvolvimento do proje- Será realizado um seminário para apre-
○
to junto ao aluno e que terão como caráter ope- sentar as propostas de trabalho. Desse semi-
○
○
ratório os conceitos do projeto ensinar e nário participarão todas as escolas com os
○
○
aprender da SEE. seus projetos.
○
• Tempo: deverá ser determinado pela co- 131
○
○
Módulo II – Elaboração das propostas de missão de capacitação.
○
○
trabalho das escolas • Local: a ser definido.
○
○
Neste módulo, os professores serão orien- • Logística: procurar patrocinadores.
○
○
tados para a elaboração de propostas que se-
○
rão desenvolvidas pela escola como um todo,
○
Módulo III – Implantação das propostas
○
contando com o envolvimento de todos os pro-
○
de trabalho nas escolas
○
fessores, funcionários e alunos. Por exemplo:
○
Cada escola estará, dentro de suas possi-
○
a Escola E.E. Antônio Lucas trabalhará o tema
○
“Ribeirão da Estiva”. bilidades, implantando suas propostas. A co-
○
○
Nesse caso, poderão ser desenvolvidos tra- missão de capacitação estará assegurando seu
○
balhos de:
○
do solicitado.
○
como ocorreram.
Para o bom desenvolvimento, as escolas e
○
○
qualidade da água, situação atual do local. ro receberá esse cadastro para saber quais as
○
○
local.
○
rios finais.
○
○
Os alunos, bem como os professores, a di- Para tanto, será realizada uma grande ex-
○
○
reção e os coordenadores, farão pesquisas posição, na qual cada escola terá a oportuni-
○
○
com a comunidade local, para as mais diver- dade de mostrar seu trabalho. Essa exposição
○
lho para sua implantação. Para isso contare- Durante a exposição, serão escolhidos, de
○
das visitas, do material a ser consultado e da balhos, e estes poderão ser inscritos em even-
○
○
Ao fim dos dois módulos haverá um even- muito peso como uma grande recompensa
○
projetos e as propostas. Assim, todos saberão Para o desenvolvimento dos módulos pro-
○
○
o que estará acontecendo nos próximos seis postos será necessária a parceria com as se-
○
○
○
○
Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
○
Quando necessário, deverão ser contatadas
○
• Companhia de Saneamento Básico do Es-
○
as empresas do município para que possam ser
○
tado de São Paulo (Sabesp).
○
parceiros e fornecer esse serviço.
○
• Coordenadoria de Estudos e Normas Pe-
○
○
dagógicas (Cenp)/Secretaria de Estado da
Bibliografia
○
Educação.
○
○
• Instituto Acqua. AGENDA 21. Capítulo 36: “Promoção do ensino, da
○
○
conscientização e do treinamento”.
• Onaproma – Organização não-governa-
○
AGENDA 21. Capítulo 25: “A infância e a juventude no de-
○
mental.
○
senvolvimento sustentável”.
○
• Núcleo Regional de Educação Ambiental CASSINO, Fábio; JACOBI, Pedro; OLIVEIRA, José Flávio.
○
○
do Grande ABC. Educação, meio ambiente e cidadania: reflexões e ex-
○
periências. São Paulo: Secretaria de Meio Ambiente,
○
• Prefeitura de Rio Grande da Serra.
○
○
1998.
• Diretoria de Ensino de Mauá. COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do meio am-
○
○
• Outros parceiros que poderão ser propostos. Educação Ambiental no Brasil: materiais audiovisuais.
○
○
cada um deverá assinar e no qual estará firma- FÓRUM DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL /ENCONTRO DA
○
da sua responsabilidade.
○
de Janeiro, 1997.
○
○
de Janeiro, 1988.
○
1
O Projeto foi aprovado e a certificação para os professores será feita pela Cenp.
○
132
P AINEL 2
APRESENTAÇÃO DE PROJETOS
DE TRABALHO EM
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Maria Fernanda Lopes Pimentel
133
Programa de Educação
○
○
○
Ambiental para o manejo
○
○
○
participativo dos recursos
○
○
○
naturais da várzea
○
○
○
○
Maria Fernanda Lopes Pimentel, Maria do Carmo Azevedo e Edinaldo Lopes
○
○
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
○
○
○
○
○
○
○
○
Nas várzeas do Baixo Amazonas, o histórico de com uma carga horária de aproximadamente 25
○
uso intensivo dos recursos naturais e de degrada- ○
○
horas/encontro. Nas atividades desenvolvidas
ção ambiental comprometeu as áreas de matas e durante os encontros, são abordados sete tópi-
○
○
a alta incidência de problemas de saúde relacio- estão de acordo com o pensamento de com au-
○
nados às precárias condições de higiene básica são, tores renomados,1 que consideram que a Edu-
○
○
entre outros, fatores que comprometem a quali- cação Ambiental se inicia a sensibilização, para
○
○
dade de vida das populações ribeirinhas. Nesse ce- se obter um conhecimento sistêmico do ambi-
○
○
do Ipam/Projeto Várzea desenvolve, desde 1995, educativa, gerando assim, o envolvimento das
○
○
em parceria com a Secretaria Municipal de Educa- pessoas, que, por meio de responsabilidades,
○
○
continuada com professores das escolas munici- Entre os principais resultados do PEA, pode-
○
rinhas sobre os principais problemas socioam- dagógicos utilizados pelos professores, con-
○
nicos para o manejo sustentável dos recursos na- como instrumentos facilitadores no proces-
○
so de ensino-aprendizagem.
○
turais da várzea.
○
○
dores de Paulo Freire, e está estruturado em qua- • Participação mais efetiva dos professores
○
1
Michèle Sato. Educação para o ambiente amazônico . Tese (Doutorado). Universidade Federal de São Carlos, 1997.
○
134
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
○
○
eventos que visem ao resgate e à valoriza- ros e humanos e da preocupação com a susten-
○
○
ção da cultura local e ações que promovam tabilidade do programa, a principal dificuldade
○
a melhoria da qualidade de vida (elabora- encontrada tem sido criar mecanismos efetivos
○
○
ção de jornais, horta escolar, plantio de de monitoramento da eficiência e do impacto do
○
mudas, coleta e destino adequado do lixo,
○
trabalho nas áreas onde os encontros já foram re-
○
alimentação alternativa, medicina caseira e
○
alizados. Com base nessas informações, acredi-
○
campanha de lixo nas escolas). tamos que a Educação Ambiental tem um papel 135
○
○
• Participação/interação dos professores determinante no redirecionamento do futuro das
○
como monitores em Oficinas Abertas de Edu-
○
várzeas na Amazônia, sendo o processo necessá-
○
cação Ambiental. rio para suscitar a auto-estima das populações ri-
○
○
• Elaboração coletiva do livro Fazendo Edu- beirinhas, a valorização do meio em que vivem e
○
○
cação Ambiental: o mundo da várzea (utili- o exercício da ética e da cidadania no uso dos re-
○
zado nas escolas envolvidas).
○
cursos comuns.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
como suporte
○
○
○
○
○
te, 60% da população mundial, em uma faixa de intenso de migrações internas (Comitê do Lito-
○
○
60 km de raio dos oceanos. Com o aumento ral Centro-Norte de Santa Catarina, 1996).
○
○
O litoral de Santa Catarina possui uma das do a perda da beleza cênica e comprometendo o
○
○
áreas mais belas e privilegiadas da Região Sul do turismo da região. Esse processo aumenta ainda,
○
Brasil, com praias, estuários, ilhas, lagoas, por exemplo, a destruição dos manguezais e das
○
○
manguezais, costões e dunas. Ela concentra 68% dunas e a poluição marinha por esgotos.
○
○
○
○
○
○
* Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Secretaria de Estado da Educação,
○
○
○
fundar as pesquisas dos problemas ambientais de percepção da paisagem e de sensibilização
○
○
dessas áreas, para sua conservação e manejo sus- ambiental, juntamente com uma fundamenta-
○
○
tentáveis, como também desenvolver um pro- ção teórica básica em Educação Ambiental e no
○
cesso de Educação Ambiental como forma de uso das TIC, levando à aquisição de informações
○
○
alcançar esse fim. Infelizmente, o conhecimen- sobre problemas ambientais das áreas costeiras
○
○
to desses problemas é pouco explorado, ou mes- e no uso das tecnologias.
○
mo ignorado, nas atividades de ensino nas esco- Foi criado também um ambiente virtual expe-
○
○
las da área litorânea, até por falta de preparação rimental, chamado EducAdo, que utiliza a Internet
○
○
e atualização dos professores na “transposição como suporte para o trabalho pedagógico, ao qual
○
○
didática” do conhecimento científico produzido os professores tiveram acesso a partir dos encon-
○
nas universidades para os conteúdos do Ensino tros presenciais realizados no Laboratório de
○
○
Fundamental e Médio, levando também em con- Informática do CEHCOM/Univali. O site está dis-
○
○
ta os impactos da ação humana sobre os ecossis- ponível em <http://www.cehcom.univali.br/edu-
○
○
temas costeiros. ○
cado> (ver, na página 139, a Figura 1).
Para minimizar o problema da formação con- A memória das AIP realizadas foi registrada
○
○
tinuada de professores da região litorânea numa em páginas da Internet (home pages) construídas
○
○
ação, Mestrado em Educação da Univali, em par- sores(as) participantes (ver, na página 139, as fi-
○
jeto EducAdo – Educação Ambiental em Áreas nham o papel de multiplicadores junto à comu-
○
Costeiras (Guerra, 2000; 2001), uma proposta nidade educativa, desenvolvendo projetos coo-
○
○
interação entre os “aprendentes” (professoras/es tecnologia como suporte, ativando assim o tra-
○
Informação e Comunicação (TIC) – o computa- escolas, a partir dos projetos cooperativos pla-
○
○
dor e a rede Internet – como possibilidade de nejados e executados por eles. São três projetos:
○
○
1995, 2000; Carneiro, 1999; Guerra e Taglieber, vidades pedagógicas incluindo a Web como
○
2000; Guerra, 2001) nos currículos do Ensino veículo de informação e discussão – Colégio
○
○
Participam do projeto professoras(es) de di- ras Maria Beatriz Araújo de Lima e Marialva
○
tal e Médio – Ciências Naturais e Biologia; His- 2. Uma escola, uma cidade, um rio – Escola
○
○
tória; Geografia; Artes; Língua Portuguesa e, ain- Básica Municipal Avelino Werner. Equipe:
○
○
(Guerra, 2001), a saber: oficinas; saídas de cam- Educação Básica Leopoldo José Guerrei-
○
136
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
ro, em Bombinhas. Equipe: Professoras e tarde, serão aprofundados pelos próprios alunos.
○
○
professores Elaine Leonora Rolof Jung, Na área de Matemática, mais especifica-
○
○
Gilberto Manoel Pinheiro, Salete Foppa, mente com as 5as séries do Ensino Fundamen-
○
Mar ia Cr istina Spies Uhr y, Salvelina
○
tal, os alunos também estão começando a ser
○
Raimundo da Silva. atingidos por trabalhos que abordam as preo-
○
○
cupações ambientais de nossa sociedade. As-
○
○
Na EEB Leopoldo José Guerreiro, em sim, nas aulas são apresentados problemas em
○
Bombinhas, alguns professores já deram um salto que, por exemplo, se fazem cálculos sobre de- 137
○
○
à frente e incluíram desde o início do ano letivo a vastações da mata na região, do volume de pro-
○
○
temática ambiental em seus planos de ensino. dução de lixo e de poluentes que chegam às
○
○
As professoras Elaine Jung e Lúcia Pereira de- praias de Bombinhas.
○
senvolvem, com as classes especiais de aceleração Outras atividades, como caminhadas ecoló-
○
○
do Ensino Fundamental, atividades pedagógicas gicas e saídas de campo com as turmas, come-
○
○
sobre os temas ambientais, produzindo, com seus çam a ser incluídas no planejamento curricular
○
alunos, materiais como: poesias, cartazes, pintu-
○
e concretizadas com o apoio de outros profes-
○
ras, bem como o uso da sala informatizada para sores da escola.
○
○
apresentações em PowerPoint. Também as professoras Salvelina, Maria
○
○
A professora Silvana, que trabalha com a dis- Cristina e Salete, do 1o e 2o ciclos do Ensino Fun-
○
participou diretamente das etapas do EducAdo, pedagógicas a realização de exercícios com te-
○
○
entusiasmou-se com as atividades de Educação mas ambientais e têm colhido os seus frutos.
○
○
Ambiental promovidas na escola pela equipe do À medida que as atividades dos projetos vão
○
projeto e modificou suas estratégias de ensino, sendo concluídas com cada turma, nas reuniões
○
○
incluindo atividades de sensibilização dos alu- de estudo, que se realizam mensalmente, cada
○
○
nos para problemas ambientais de nossa região. professor faz suas observações e sua avaliação
○
○
Jane, que atende ao Ensino Médio, também se ambiental de seus alunos. Esses materiais e re-
○
○
uniu ao grupo e vem desenvolvendo atividades latórios estão sendo cadastrados e arquivados
○
○
que mostram os impactos do uso das tecnologias para avaliação e inserção no site do Projeto
○
○
no meio ambiente, seja mostrando os avanços das EducAdo e do projeto cooperativo da escola.
○
vida e de saúde, seja também com as práticas e Marialva Teixeira Dutra da Rocha, participan-
○
○
poluidoras e danosas aos seres vivos. Seus traba- tes do projeto e agora mestrandas do PPG –
○
○
lhos também estão sendo cadastrados e arquiva- Mestrado em Educação da Univali, também par-
○
dos para mostrar o grau de desenvolvimento da ticiparam do Projeto EducAdo pelo Colégio de
○
○
professor Gilberto Pinheiro vem incentivando os no currículo escolar, de uma forma cada vez mais
○
alunos e abrindo campo para o aprofundamen- integrada, o que configura a vivência dos pro-
○
○
Médio. O tema Educação Ambiental é abordado de para inserção da dimensão ambiental, ou seja,
○
○
pelos alunos que, já sensibilizados pelas demais da Educação Ambiental no currículo da escola.
○
disciplinas, trazem os problemas para a tela dos Durante a Semana do Meio Ambiente deste
○
○
computadores, produzindo e editando textos ano, nas escolas participantes, foram apresenta-
○
○
com desenhos e figuras a respeito de poluição, dos, sob a forma de painéis, os trabalhos em de-
○
extinção das espécies e outros temas afins. senvolvimento com os alunos do 1o e 2o ciclos
○
○
Esses trabalhos ficam disponíveis para aces- do Ensino Fundamental, nas disciplinas de Ci-
○
○
partilhados com os alunos de toda a turma; mais sa e Artes e Informática Educativa e, no Ensino
○
Médio, Biologia, Química e Sociologia. ele possa ser utilizado como uma metodologia
○
○
Na EBM Avelino Werner, além da apresenta- para a formação continuada de professores, con-
○
○
ção das atividades realizadas pelos alunos da tribuindo assim para as discussões sobre a in-
○
○
Educação Infantil, foram expostos trabalhos nas serção da dimensão ambiental no currículo es-
○
disciplinas de Ciências, História, Matemática, colar de uma forma transversal e interdiscipli-
○
○
Língua Portuguesa, Inglês, Artes, Ensino Religi- nar, como sugerem os Parâmetros Curriculares
○
○
oso. Além disso, foram realizadas atividades pe- Nacionais. Essa também é a meta do MEC com a
○
dagógicas como oficinas (organização de ter- implantação do Programa Parâmetros em Ação.
○
○
rários, montagem de pipas e uso de softwares
○
○
educativos com temas ecológicos, na sala
○
○
informatizada da escola). Foram realizadas tam-
Bibliografia
○
bém entrevistas com alunos e professores,
○
○
registradas em filme e em fotografia. CARNEIRO, S. M. C. A dimensão ambiental da educação
○
○
No Colégio de Aplicação da Univali, as pro- escolar de 1a a 4a séries do Ensino Fundamental na rede
○
○ pública da cidade de Paranaguá. Curitiba, 1999. Tese
fessoras organizaram uma caminhada ecológica ○
ambiente natural e a modificação da paisagem. prática educativa. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
○
○
No alto do morro organizaram uma atividade de GUATTARI, F. As três ecologias. 4. ed. Campinas: Papirus,
○
que tem como objetivos: rememorar o trajeto co- GUERRA, A. F. S. Projeto EducAdo: Educação Ambiental em
○
ciação, onde cada aluno mora e como represen- Florianópolis, 2001. Tese (Doutorado em Engenharia de
○
percorridos; e despertar os sentidos de localiza- GUERRA, A. F. S.; TAGLIEBER, J. E. Uma reflexão sobre a
○
○
também em CD-ROM.
○
organização de um novo mapa, ele é apresenta- . Educação Ambiental – temas em meio ambi-
○
do ao grande grupo. Ao fim das apresentações, ente. Duque de Caxias: Unigranrio, 2000.
○
○
Leopoldo José Guerreiro para esclarecer uma MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21 . Carta da
○
Pretende-se agora ampliar o projeto, apre- DE SANTA CATARINA. Itajaí, Faculdade de Ciências
○
○
138
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
Anexo
○
○
○
○
Figura 1
○
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○
139
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○
Página da Web de abertura do Ambiente do EducAdo (disponível
○
○
em <htttp://www.cehcom.univali.br/educado>
○
○
○
○
○
Figura 2 Figura 3
○
○
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○
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○
○
○
○
Andréa Imperador Peçanha Travassos, Maria das Graças de Sousa
○
e Suzana Machado Pádua
○
○
Projeto IPÊ/SP
○
○
○
○
○
Resumo
○
○
○
○
O projeto de Educação Ambiental “Reciclando A produção de tais cadernos envolve, além do ato
○
○
a Solidariedade” surgiu a partir da observação de de solidariedade, uma série de disciplinas que enri-
○
○
que, em determinadas regiões do Brasil, existe um quecem o currículo do aluno, trabalhando o meio
○
consumo exagerado de recursos naturais, enquan- ambiente de forma interdisciplinar. Dessa forma, o
○
○
to em outras as pessoas sofrem com a carência até ○
○
aluno adquire uma série de conhecimentos sobre a
mesmo de materiais básicos para o seu desenvol- sua realidade e sobre a realidade de quem irá receber
○
vimento. Foi exatamente pensando nesses contras- o caderno. Desde seu início até o presente momento,
○
○
tes que, em 1999, nasceu a idéia de produzir, junto o projeto já envolveu mais de quinhentos estudan-
○
taduais e particulares da região de Nazaré Paulista, sino Fundamental e Médio, em que cada aluno teve
○
○
te pelos alunos. O material resultante seria doa- terial foram: biodiversidade, água, desmatamento,
○
○
do a outros estudantes – no caso, filhos dos as- lixo e saúde, entre outros. Essa estratégia tem con-
○
sentados rurais do Pontal do Paranapanema, uma tribuído de forma muito significativa para a am-
○
○
das regiões mais pobres do estado de São Paulo. pliação da visão de mundo de ambas as partes.
○
○
○
○
○
○
Introdução
○
do ambiental, o que nos incita à reflexão sobre O Brasil, infelizmente, continua estimulan-
○
○
dos mais marcantes contrastes observados en- conseqüências nefastas para o meio ambiente e
○
○
tre a população do país diz respeito ao acesso a para as populações menos privilegiadas. Em
○
○
to. Porém, grande parte da população brasileira tindo na qualidade da vida de maneira geral.
○
○
não tem acesso a esses bens e mesmo assim tem Com base nessas realidades, o projeto
○
○
sido obrigada a conviver com problemas gera- “Reciclando a Solidariedade” foi concebido para
○
ainda, uma falta significativa de políticas públi- (Instituto de Pesquisas Ecológicas), organização
○
○
cas capazes de contribuir para a diminuição dos não-governamental sem fins lucrativos. O pro-
○
○
grande quantidade de lixo produzido principal- lizada em região de alto padrão socioeconômico,
○
○
mente nas grandes cidades. Os bens gerados são e em Teodoro Sampaio, município menos privi-
○
140
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
legiado, situado em área de conflitos sociais in- cos não são devidamente tratados, provocando
○
○
tensos. grandes danos à qualidade da vida em geral.
○
○
O projeto tem por objetivos chamar a aten- O município de Atibaia, que faz parte da re-
○
○
ção de alunos e professores para as diferenças gião de Campinas, tem mais de cem mil habi-
○
socioambientais existentes no país e propiciar tantes e está a 70 km de São Paulo e 60 km de
○
○
oportunidades para que cada um desenvolva ati- Campinas. Cerca de 85% da população vive em
○
○
vidades que integrem a preocupação ambiental área urbana, com média salarial de aproximada-
○
às questões sociais marcantes de cada região. O mente três salários mínimos, e 93% de sua po- 141
○
○
projeto inclui etapas nas quais os alunos são en- pulação é alfabetizada.
○
○
corajados a trabalhar a reciclagem de papel, pro- Já o município de Teodoro Sampaio possui
○
○
duzindo cadernos novos com materiais criativos, aproximadamente 20 mil habitantes. Localiza-se
○
a partir de outros que seriam descartados sem no extremo oeste do estado de São Paulo, em re-
○
○
utilização. Tem ainda a chance de travar contato gião conhecida como Pontal do Paranapanema. A
○
○
com indivíduos de classes sociais diferentes, es- área tem chamado a atenção por conflitos
○
○
timulando a solidariedade e a cooperação. A éti- fundiários recentes, tendo sido historicamente lo-
○
ca perpassa todas as etapas do projeto, de ma- cal de um processo de ocupação conturbado, mar-
○
○
neira a interconectar as diversas disciplinas por cado por grilagem de terras e pela destruição de
○
○
O estado de São Paulo é o mais rico da nação comuns até hoje. É a segunda região mais pobre
○
brasileira, o que, infelizmente, não impede a do estado de São Paulo e seus índices de analfabe-
○
○
existência de fortes contrastes socioambientais tismo e mortalidade infantil são muito altos.
○
○
em suas regiões. Muito ao contrário, a riqueza O projeto Reciclando a Solidariedade tem sido
○
○
mal distribuída tem gerado diferenças marcantes desenvolvido nessas duas regiões, principalmen-
○
Campinas e arredores, por exemplo, consolidou escolas da cidade: a E. E. Major Juvenal Alvim e o
○
○
desde os anos 1970 seu papel como o maior pólo Colégio Espaço – Educação Básica. O projeto pro-
○
e Rio de Janeiro. Sua estrutura industrial é vir para o intercâmbio entre elas, utilizando o ca-
○
○
Metodologia
○
contrapartida a esse desenvolvimento econômi- Quase nenhum estudante inicia um ano letivo
○
○
co, há uma crescente degradação ambiental na utilizando cadernos do ano anterior. Muitas ve-
○
○
região, com desmatamentos cada vez mais visí- zes, com uma quantidade enorme de folhas ain-
○
veis nos remanescentes da Mata Atlântica, que da não utilizadas, esses cadernos são descarta-
○
○
vem cedendo lugar à especulação imobiliária. dos, aumentando a geração de lixo. Existe ainda
○
○
Esses fatores têm contribuído de maneira signi- o grande impacto que ocorre na própria produ-
○
○
ficativa para a perda da biodiversidade, o ção dos cadernos, incluindo as árvores cortadas
○
sistema de coleta de lixo na maioria dos municí- dos diretores, coordenadores e professores das
○
○
pios da região, resíduos industriais e domésti- escolas participantes, a fim de garantir a conti-
○
nuidade do projeto e a produção de novos ca- produzir papel reciclado são meninos e meni-
○
○
dernos pelos alunos, em oficinas de reciclagem. nas que outrora viviam da coleta de lixo. Tais
○
○
O planejamento é crucial para o desenrolar das oportunidades são raras no Brasil e ajudam a
○
○
atividades, porque, além de ser o momento de aumentar a auto-estima de alguns e estimular a
○
entrar em contato com a proposta, estimula a solidariedade de outros.
○
○
criatividade dos professores para elaborar me- Cada aluno participante produz duas folhas
○
○
canismos que integrem as diversas disciplinas de papel reciclado, que são respectivamente a
○
que lecionam. Desperta também a criação de capa e a contracapa do novo caderno. As folhas
○
○
meios de traduzir diferentes conteúdos aos alu- são levadas à escola envoltas em jornal e levam
○
○
nos participantes, enriquecendo o processo quatro dias para secar. Só então são enviadas
○
○
educacional. para uma encadernadora.
○
Para produzir cadernos novos a partir de ca- Os professores utilizam-se do processo pro-
○
○
dernos antigos é necessário fazer uma grande dutivo dos novos cadernos para interconectar as
○
○
coleta desse material, e isso ocorre de diferentes diversas disciplinas. Os temas trabalhados vari-
○
○
formas: campanhas efetuadas pelos diretores, ○
am, mas envolvem as diferentes áreas de estudo
coordenadores, professores e alunos nas própri- das seguintes formas:
○
○
as salas de aula das escolas participantes; cam- Língua Portuguesa: interpreta textos, cria
○
○
panhas realizadas pelos alunos em seus respec- músicas, poemas e redações relacionados ao
○
tes. Nessa etapa, é essencial introduzir estraté- rido nos cadernos, juntamente com uma pe-
○
○
dos alunos.
○
para uma população escolar menos privilegia- tente na Mata Atlântica e a conseqüente per-
○
○
em blocos que formam novos cadernos. Os espi- e Teodoro Sampaio – com seus respectivos
○
○
rais e as capas são encaminhados para reutilização vizinhos, principais vias de acesso, bacias
○
por uma outra instituição de fins ideais, o Projeto hidrográficas e uso e ocupação do solo.
○
○
Curumim, que vem se dedicando, por meio da História: pesquisa o processo de degrada-
○
○
reciclagem de papel, à melhoria da qualidade de ção da Mata Atlântica ocorrida em São Pau-
○
○
vida de crianças que viviam como coletores no lo, as questões relacionadas à forma de co-
○
lixão da cidade. Em seguida, os alunos que já se- lonização de cada região, a grilagem de ter-
○
○
pararam folhas suficientes para a confecção de ras realizada por grandes proprietários no
○
○
raja sentimentos de reconhecimento e dá a eles a para a produção de papel, bem como a quan-
○
locamento até a sede do projeto ocorre em trans- ona gráficos que mostram as vantagens eco-
○
○
porte cedido por algum empresário local, propri- nômicas e ambientais da reciclagem.
○
○
etário de empresa de ônibus, sensível às questões Educação Artística: utiliza várias técnicas
○
○
Durante a oficina, existe uma integração en- pas artísticas, ilustradas com exemplares da
○
○
tre crianças e adolescentes de diferentes níveis Mata Atlântica ou com enfoque nos temas
○
○
142
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
○
○
novos cadernos, que são enviados a locais caren-
○
○
tes de materiais educacionais. No caso de O projeto Reciclando a Solidariedade de-
○
○
Teodoro Sampaio, os cadernos foram levados à monstra que, por meio de uma iniciativa simples
○
Comissão de Educação do MST do município. Os
○
como o reaproveitamento de papel para a con-
○
cadernos foram entregues durante cerimônia fecção de novos cadernos, é possível não apenas
○
○
especialmente preparada com dois representan- trabalhar o tema meio ambiente de forma trans-
○
tes dos alunos e duas professoras participantes 143
○
versal, como também provocar reflexões e ações
○
do projeto. Como sinal de gratidão, as professo- de solidariedade e cidadania junto a alunos do
○
○
ras receberam dos representantes do MST Ensino Básico. Há, cada vez mais, a necessidade
○
○
echarpes confeccionadas pelas mulheres, e os de se envolver estudantes em processos de trans-
○
alunos, uma bandeira do movimento, o que re-
○
formação que os tornem cidadãos atuantes com
○
presenta um gesto de extremo respeito e consi- preocupações éticas no convívio com a natureza
○
○
deração. Mais uma vez, os alunos tiveram a opor- e com os demais seres vivos. Tais processos são
○
○
tunidade de vivenciar realidades bem distintas fundamentais para a construção de um planeta
○
daquelas em que vivem. mais sadio e de uma sociedade mais justa.
○
○
○
○
○
○
○
○
○
Folclórico de Parintins/AM**
○
○
○
○
Introdução
○
○
visão reducionista da questão ambiental, quer pela te ecológico respondem, por um lado, ao esque-
○
○
mídia, quer pelos sistemas educacionais, tem im- ma positivista da ciência e do conhecimento, im-
○
○
pulsionado um profundo envolvimento na busca pedindo uma adequada compreensão das com-
○
população dos países emergentes, uma reflexão realidade. É nesse aspecto que se propõe a Edu-
○
○
crítica da realidade, a fim de contribuir para fo- cação Ambiental como uma estratégia para re-
○
○
mentar mudanças individuais e coletivas que pos- ver os reais fins da educação. Por outro lado, não
○
sam minimizar as desigualdades estabelecidas em se pode negar que a Educação Ambiental, em sua
○
○
todo o planeta. Esta pesquisa constitui, em parte, trajetória, vem comportando tratamentos
○
○
a convergência desses estudos e intervenções, tan- reducionistas que refletem os interesses dos paí-
○
○
○
planetária, uma crise de conhecimento e de for-
○
manutenção dos ecossistemas remanescentes do mas de conhecimento; um desafio à interpreta-
○
○
planeta e o domínio econômico que consolidam ção do mundo. A crise da educação é um dos
○
as relações de desigualdades sociais.
○
aspectos relevantes da grande crise contempo-
○
Adotando a perspectiva crítica para a Educa- rânea. A crise obriga a falar de paradigmas e de
○
○
ção Ambiental, consideramos que ela se perfila im- mudanças de paradigmas. Entender a crise
○
○
plicitamente no questionamento da ordem socio- ambiental como fenômeno global significa ter
○
econômica vigente, das superestruturas, estrutu-
○
de se aproximar dela a partir de um novo
○
ras e infra-estruturas que a sustentam; na análise paradigma conceitual e metodológico que per-
○
○
dos fatores da crise ambiental, a partir de uma mita explicar a complexidade e trabalhar sobre
○
perspectiva predominantemente econômica e so-
○
ela. A contribuição de Edgar Morin (1996), por
○
cial, fundamentada na análise crítica das desigual- meio do paradigma da complexidade, permite
○
○
dades locais, regionais, nacionais e internacionais, pensar a problemática ambiental contemporâ-
○
○
com respeito ao aproveitamento e à destinação dos nea, a fim de minimizar os estragos que as vi-
○
recursos, à melhoria das condições de produção, à ○
○
sões simplificadoras fizeram não só no mundo
coletivização e à democratização das organizações intelectual, mas também na vida. A contribui-
○
○
sociais ou das estruturas políticas. ção de Alvin Toffler (1998), ao categorizar as on-
○
○
A pesquisa tende a desenvolver um processo das de mudanças vividas pela sociedade, con-
○
postos teóricos e que vislumbre a possibilidade a superação dos conflitos que surgem. Um novo
○
○
de, por sua natureza, se revestir de atrativos ca- paradigma ambientalista que venha substituir
○
○
pazes de não só atrair parcelas da sociedade para o existente deverá revisar não só a natureza das
○
porânea, como também estimulá-las a atuar na também a ciência que foi influenciada por e in-
○
○
transformação dessa realidade. Defendendo uma flui sobre elas. O paradigma ambientalista como
○
○
visão dos fenômenos que leve em conta os com- resultante da fusão dos enfoques paradig-
○
como abordagem qualitativa, como um estudo de marco adequado para situar, na conjuntura atu-
○
temática ambiental no seu contexto, permitirem ples mudanças éticas, conceituais ou metodo-
○
rando que, por meio delas, a comunidade resis- ação educativo-ambiental. Contemplando esses
○
○
nunciar e ao expor as atrocidades cometidas his- meio de uma estratégia assentada nas práticas
○
meio ambiente dos países emergentes em toda comprometimento da sociedade para com a
○
○
do tem sido precisamente uma das causas fun- Amazônia foi apresentada ao mundo, envolta
○
○
damentais da crise imperante nos últimos sécu- em mitos, como uma região uniforme e mo-
○
los – a crise ambiental do século XX é uma crise nótona, um espaço sem gente e sem história,
○
○
144
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
○
○
planejamentos feitos a distância, ou sujeita a
○
○
propostas de obras faraônicas, vinculadas a um As potencialidades do Boi-Bumbá como prá-
○
tica cultural são enfatizadas, do ponto de vista
○
falso conceito de desenvolvimento. Ab’saber
○
(1990) ressalta a necessidade da elaboração de de sua produção e/ou incorporação ao sistema
○
○
um sistema de educação ativo e criativo, adap- educacional de Parintins. O Boi-Bumbá é anali-
○
sado como prática cultural, buscando-se identi-
○
tado a um modo de vida harmônico com as
○
condições ambientais e culturais da região, ficar as potencialidades existentes nessa mani- 145
○
○
com respeito total aos valores das comunida- festação, com o propósito de que as condições
○
○
des autóctones. Nesse contexto amazônico, concretas de vida de seus portadores sejam uma
○
via de acesso ao conhecimento de suas ideolo-
○
definido na conjuntura atual, destacam-se ma-
○
nifestações culturais que culminam, muitas gias, de seus valores e de suas práticas culturais,
○
○
vezes, na realização de festas populares, reli- para colocá-los a serviço da questão ambiental.
○
○
giosas ou profanas, revestidas da miscigenação Parte-se dos vestígios das origens do Boi-
○
Bumbá que, por ser uma manifestação cultural
○
que integra historicamente as matrizes cultu-
○
rais dos povos amazônicos. Essas manifesta- local e regional, requer a utilização do conceito
○
○
ções culturais que, integrando calendários tu- de cultura como suporte teórico de referência; a
○
rem multidões, pelo fascínio da temática e/ou festa como um momento extraordinário que
○
tas delas permitirem a incorporação da temá- pica de miséria, trabalho, obrigações, pecados e
○
○
tica ambiental no seu desdobramento. Entre deveres, tendo, portanto, um caráter dionisíaco,
○
○
as manifestações culturais que reúnem essas permitindo compreender a elaboração das opi-
○
maior festa popular da Região Norte é o Festi- de Maffesoli (1987). Incorporam-se referenciais
○
○
val Folclórico de Parintins, evento anual, que dos estudos de Turner (1974) e de DaMatta
○
○
se realiza nos dias 28, 29 e 30 de junho, tendo (1998), para considerar as festas como palco das
○
ro, o Bumba-meu-Boi, Boi-Bumbá, ou simples- tes da vida social; como lugar dos conflitos, das
○
○
conjuntura regional por meio de vários parâ- De posse desses pressupostos, a pesquisa
○
○
metros: aspectos históricos, relevo, vegetação, prossegue na sua primeira intervenção, com o
○
○
instrumentos legais que sustentam as orien- explicitam-se nos currículos escolares de Parin-
○
○
tações de gestão ambiental. A etnografia, na tins, assim como sua vinculação com a questão
○
○
perspectiva da descrição densa, proposta por ambiental. Concebe a escola como um territó-
○
procedimento metodológico que permite des- cultural (Giroux e Simon, 1999); por sua vez, con-
○
○
crever o Boi como prática cultural e como ati- cebe o currículo como uma frente privilegiada
○
○
vidade impactante. Isso significa inscrever a di- de luta de qualquer estratégia de intervenção
○
tico, buscando uma adaptação da etnografia à 12 escolas localizadas na zona urbana de Parin-
○
○
○
○
so de investigação empenhou-se em incorporar que permitiu registrar os dados a partir de en-
○
○
os pressupostos básicos implícitos em uma abor- trevistas semi-estruturadas. Apesar de, na abor-
○
○
dagem qualitativa, utilizando entrevistas semi- dagem qualitativa, preponderarem pequenas
○
estruturadas em conjunto com a observação par- amostras, definiu-se entrevistar 500 residentes,
○
○
ticipante e a análise de documentos como alter- numa população urbana de aproximadamente
○
○
nativa para recolhimento de dados, bem como 50 mil habitantes. Optou-se por amostragem
○
o desenvolvimento de categorias para proceder aleatória, podendo ser caracterizada como
○
○
à análise das respostas concedidas. Foram efeti- amostragem por conglomerado, considerando
○
○
vadas 12 entrevistas com a direção de cada es- que os entrevistados foram envolvidos no ambi-
○
○
cola e 78 com os professores das disciplinas que ente escolar e fora dele. O instrumento para a
○
compõem a grade curricular das escolas envol- coleta de dados foi utilizado como um guia,
○
○
vidas na pesquisa. A triangulação dos resultados estabelecida a abordagem qualitativa, e foi ela-
○
○
permitiu a descrição crítica da incorporação das borado a partir de uma pesquisa prévia com a
○
○
manifestações culturais do Festival Folclórico ○
população residente para identificação dos
nos currículos e sua vinculação com a questão parâmetros a serem analisados, a fim de permi-
○
○
ambiental, tendo o meio ambiente como tema tir uma avaliação dos impactos positivos e ne-
○
○
blema conceitual?
○
são discutidos convergindo para as con- Foi projetada e implementada uma estraté-
○
○
seqüências sobre a cultura das regiões visita- gia de Educação Ambiental com base nos mar-
○
das, numa demonstração de que os impactos cos referenciais nacionais e internacionais, con-
○
○
sidade nos locais onde acontece a convergên- em torno das manifestações culturais contidas
○
○
cia de um fluxo turístico de massa, como em no Festival Folclórico de Parintins, a fim de en-
○
Parintins, que, pelos dados estatísticos, chega volver visitantes e residentes com a questão
○
○
Voltando-se para a população residente, a ticas culturais de intensa ação sígnica, como su-
○
pesquisa efetiva a segunda intervenção na reali- porte de ação pedagógica ambiental, produz
○
○
dade, objetivando o levantamento da situação uma conexão imediata entre Educação Ambien-
○
○
146
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
proposto por Geertz (1978, op. cit.) como teia de poração da temática ambiental.
○
○
significação simbólica, a pesquisa propõe a abor- Partindo da seleção prévia das toadas, o con-
○
○
dagem da cultura como texto que pode ser lido curso foi integrado por dois componentes
○
○
e interpretado. Incorpora a semiótica de Peirce indissociáveis: desenhos expressando as mensa-
○
(1977), que concebe a comunicação como uma gens das toadas escolhidas e mensagens buscan-
○
○
relação entre autor, intérprete e interpretante. do a sensibilização quanto à problemática
○
○
A dimensão educativa do Boi-Bumbá, em ambiental.
○
relação aos impactos que provoca, do ponto de Os desenhos e as mensagens selecionados, 147
○
○
vista do recorte epistemológico, coloca este tra- em número de 202 cada um, representando 16%
○
○
balho como tema e problema no campo da Edu- dos produzidos, integraram uma mostra para
○
○
cação Ambiental. A estratégia de Educação envolver, desta feita, o público participante do
○
Ambiental pautada na realidade amazônica de- XXXIII Festival Folclórico de Parintins. Foram
○
○
senvolveu-se em três momentos fundamentais: escolhidos, ainda, desenhos representativos de
○
○
• antecedendo o Festival, com a preparação e cada toada selecionada, com a finalidade de se-
○
o envolvimento da população residente para
○
rem transpostos para um muro pelo trabalho de
○
atuar na sensibilização dos visitantes, cons- artistas plásticos locais; esses painéis integraram
○
○
tando de um concurso escolar dirigido à re- o processo de sensibilização de visitantes e de
○
flexão sobre os impactos causados ao meio ○
○
culturais;
ram objeto de pesquisa quanto ao potencial das
○
○
• durante o Festival, com a exposição dos tra- festas populares para a Educação Ambiental.
○
ção visitante e residente na análise dos de- às mensagens um arbitrário cultural possível
○
○
interpretante;
○
• após o Festival, com a avaliação dos resulta- contribuir para forjar uma população prepa-
○
○
à sustentabilidade.
○
○
como ponto de partida. Com o objetivo de en- dos trabalhos, perceber as letras das toadas e sua
○
○
volver a comunidade na construção da estraté- relação com a questão ambiental, assim como a
○
○
como universo a ser atingido 9.837 alunos, as- Efetiva-se a terceira intervenção na realida-
○
no Ensino Fundamental, e 3.151 alunos no Ensi- com perguntas abertas, sustentado em sete tó-
○
○
As toadas (canções) foram escolhidas como ção no Festival/cuidados com a ilha; problemas
○
gia pelo fato de incorporarem à temática central com o meio ambiente; aspectos relevantes nos
○
○
Foram escolhidas, a partir da análise de conteú- ambiental; e sugestões para melhorar o trabalho
○
○
○
○
lizou como estratégia a seleção de três trabalhos processo de sensibilização para a problemá-
○
○
por série. Foram realizadas 242 entrevistas; a tica ambiental, com ênfase na conscien-
○
tização da opinião pública;
○
amostra aleatória foi constituída por aqueles que
○
concordaram em participar do processo de sele- • inserção das manifestações culturais nos
○
○
ção dos desenhos e mensagens da exposição e dos currículos escolares para trabalhar meio
○
○
painéis do muro, ambos preparados para esse fim. ambiente como tema transversal, a fim de
○
Considerando a avaliação dos participantes, contribuir para a educação formal voltada
○
○
as ações do Programa de Educação Ambiental, para o meio ambiente e para a susten-
○
tabilidade.
○
pautadas nas potencialidades e nos problemas
○
○
socioambientais identificados, demonstraram
○
constituir uma alternativa importante que, uti- Utilizando-se as manifestações culturais
○
○
lizando as manifestações culturais, por meio das emanadas do Festival Folclórico de Parintins
○
para a sensibilização quanto à questão ambien-
○
festas populares, se consolida num processo en-
○
volvendo o ensino formal e o não-formal, na ○
○
tal, em sua complexidade e totalidade, foi pos-
construção de uma sociedade comprometida sível verificar que o processo desencadeado a
○
○
países emergentes, onde as disparidades ema- como dos familiares, artistas locais e visitantes,
○
○
nadas das relações de dominação dos países de- a questão ambiental foi percebida por meio das
○
○
senvolvidos impõem uma visão reducionista, toadas, quer numa perspectiva “naturalista” –
○
Considerações finais
○
A Educação Ambiental foi concebida, pela pes- ambiente natural, o meio antrópico sujeito aos
○
○
é proposta como uma alternativa educacional fase nos modelos de desenvolvimento impostos
○
○
a vida em toda a sua diversidade e complexidade; rais derivadas do Festival Folclórico integram a
○
○
propõe uma educação voltada para o futuro, po- proposta curricular de Parintins. A forma como
○
○
rém firmemente assentada nas análises do passa- as escolas responderam confirma que os educa-
○
realizável; visa a uma educação efetivamente crí- tura popular como um conjunto de conhecimen-
○
○
tica, que deverá caminhar até a superação das con- tos e prazeres desvinculados da pauta da esco-
○
○
duas recomendações advindas das avaliações re- Restringem o tratamento das manifestações cul-
○
○
nas manifestações culturais para o tratamento uma reflexão mais aprofundada da questão
○
da questão ambiental:
○
148
PAINEL 2
Apresentação de projetos de trabalho em Educação Ambiental
percebida, mas, quando explorada, exalta os São objetivos a curto e médio prazo estimular as
○
○
impactos causados ao meio físico, principalmen- capacidades de participação social responsável
○
○
te pela utilização dos recursos naturais, em de- e a intervenção ativa nas problemáticas locais
○
○
trimento dos relacionados aos aspectos sociais. de cada comunidade, assim como tomar cons-
○
Apesar do reconhecimento da inserção da ciência dos conflitos transnacionais que se pro-
○
○
questão ambiental no processo educacional, ela duzem no plano internacional. Constitui fina-
○
○
está reduzida à esfera disciplinar, não se enfa- lidade dos temas transversais, a longo prazo,
○
tizando, em momento algum, o efetivo trabalho potencializar o livre desenvolvimento pessoal 149
○
○
interdisciplinar necessário ao seu tratamento. A da sociedade do futuro.
○
○
preservação do meio ambiente e a conscien- Os Parâmetros Curriculares Nacionais – pro-
○
○
tização dos alunos parecem ser possíveis sim- posta de reorientação curricular da Secretaria de
○
plesmente por meio da utilização de estratégias Educação Fundamental do Ministério da Educa-
○
○
e/ou recursos didáticos. A vinculação dos temas ção – ao elegerem a cidadania como eixo verte-
○
○
transversais às datas comemorativas e à realiza- bral da educação escolar, reconhecem a neces-
○
○
ção de eventos, como feiras de Ciências, pre- sidade de que as questões sociais sejam apresen-
○
figura que esses trabalhos “conjuntos” são pon- tadas para a aprendizagem e a reflexão dos alu-
○
○
tuais e, portanto, não atendem ao princípio da nos, indicando um tratamento didático que con-
○
○
Existe consenso quanto à importância da in- Dessa forma, propõem um conjunto de temas
○
○
serção das manifestações culturais nos currícu- denominados temas transversais: ética, meio
○
○
los escolares para trabalhar meio ambiente como ambiente, pluralidade cultural, saúde, orienta-
○
nas festas populares, tanto do ponto de vista de sal único, considerando que em sua complexi-
○
sua constituição cultural e/ou de seus impactos, dade e totalidade incorporaria os demais temas.
○
○
aportes teóricos mais inovadores que recente- tação dos Parâmetros. Em sendo assim, propõe-
○
mente deram à luz a teoria curricular contem- se meio ambiente como tema transversal para
○
○
porânea. Pode-se afirmar, até mesmo, que em trabalhar os demais propostos, e as manifesta-
○
○
boa medida a viabilidade da reforma atualmen- ções culturais como uma alternativa para traba-
○
○
te pretendida no Brasil depende do tratamento lhar o meio ambiente como tema transversal no
○
que se dê a esses temas, em cada centro educa- Ensino Fundamental, mais especificamente de
○
○
Educação obrigatória como “guardiã da interdis- tival Folclórico de Parintins constituem a base
○
ciplinaridade” nas diferentes áreas do conheci- para que os temas transversais possam ser desen-
○
○
mento; não como unidades didáticas isoladas, volvidos, numa perspectiva interdisciplinar e com
○
○
mas como eixo claro de objetivos, conteúdos e uma motivação pertinente ao prazer do qual
○
○
princípios de procedimentos que vão dar coe- emergem as manifestações. Gaudiano (1997: 144-
○
rência e solidez às matérias e salvaguardar suas 145) reconhece que a “Educação Ambiental pode
○
○
mento crítico ante a realidade, perante o clássi- o indivíduo, a partir de seus interesses, aspirações
○
○
compartimentalização das diferentes matérias. pertencer à realidade que deve construir com base
○
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