Você está na página 1de 47

UNIVERSDIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CAMPUS DE RIO DAS OSTRAS


PRODUÇÃO CULTURAL

DANÇAS URBANAS:

UMA CONSTRUÇÃO DE INDIVÍDUOS

RIO DAS OSTRAS, RJ


2020
GLEDSON SIQUEIRA BRETAS

DANÇAS URBANAS:
UMA CONSTRUÇAO DE INDIVÍDUOS

Trabalho de conclusão de curso apresentado no


curso de graduação em Produção Cultural da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Produção Cultural.

Orientadora:
Rôssi Alves

RIO DAS OSTRAS, RJ


2020
GLEDSON SIQUEIRA BRETAS

DANÇAS URBANAS:
UMA CONSTRUÇAO DE INDIVÍDUOS

Trabalho de conclusão de curso apresentado no


curso de graduação em Produção Cultural da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Produção Cultural.

Aprovado em 31 de agosto de 2020.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Prof.º Rôssi Alves (UFF)
(Orientadora)

__________________________________________________
Prof.º Beatriz Cerbino
(1º Examinador)

___________________________________________________
Hugo Oliveira/ Produtor Cultural/Mestre em Cultura e Territorialidade
(2º Examinador)

Rio das Ostras, RJ.


2020
RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso visa observar as etapas e os resultados do


documentário ‘Danças Urbanas: uma construção de indivíduos’ aqui criado como objetivo de
estudar a importância da dança urbana na construção de indivíduos na sociedade. Considerando
que existe um estereótipo envolvendo as periferias, que os sujeitos delas são afetados por isso,
pretendemos analisar como a dança da margem periférica, praticada na maioria das vezes em
espaços marginalizados, tem potencial de contribuir para os jovens em sua construção de
indivíduo.

Palavras-chave: Danças Urbanas, Hip Hop, Construção de indivíduos.


ABSTRACT

The present work aims to observe the stages and results of the documentary 'Urban
Dances: a construction of individuals' created here with the objective of studying the importance
of urban dance in the construction of individuals in society. Considering that there is a
stereotype involving the peripheries, that their subjects are affected by this, we intend to analyze
how the dance of the peripheral margin, practiced most of the time in marginalized spaces, has
the potential to contribute to young people in their construction of an individual.

Keywords: Urban Dances, Hip Hop, Individual building.


Dedico este trabalho a todos os dançarinos que lutam diariamente
pelo o reconhecimento e pela valorização da Dança Urbana.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a mim mesmo “chegar aqui de onde eu vim, é


desafiar a lei da gravidade” só eu sei o quanto foi difícil e como já pensei por varias vezes em
desistir por diversos motivos, mas olha só onde eu cheguei agora ninguém me segura.
A todos os dançarinos que os seus nomes precisam ser ditos, Mariana Oliveira,
Vanessa Rosa, Elio Barbe, Luiz Kamau, Kety Reisil, Keltyson Cruz, Igor Marinho, Bruna
Vilhena, Felipe Irmão e Iva Bronx que sem vocês nada disso teria acontecido.
Um agradecimento especial para minha mãe por ter conseguido segurar as pontas até
agora e ter me incentivado a continuar minha graduação, obrigado mãe, te amo.
Não posso esquecer de todos os amigos de verdade que eu fiz duramente minha
caminha pela a faculdade, sem vocês teria sido muito mais difícil concluir essa etapa na minha
vida, muito obrigado de coração. Agradecer aqueles outros que sempre duvidaram da minha
capacidade, vocês foram cruciais para eu manter meu foco e querer evoluir sempre.
A Onevision (Miguel Nobre) por sempre apoiar minhas ideias e sempre estar do meu
lado, pode contar comigo pra tudo irmão, “tamu junto!”.
A Beatriz Siqueira, por ter me dado muitas forças quando eu precisava no meio das
minhas crises existenciais, onde eu queria larga tudo e viver minha vida. Te agradeço muito,
você não sabe o quanto você foi importante.
Ao Frederico Santana, mais conhecido como “Fredin”, um amigo que levarei pra
vida toda no coração. Obrigado por cada disciplina que pegamos juntos só porque o outro
estava, por cada momento que passamos juntos nessa graduação, por sempre acreditar no meu
potencial. Pode contar comigo sempre!
Agradeço todos meus amigos de infância que sempre me apoiam e me incentivam a
continuar, seja diretamente ou indiretamente.
Agradeço a minha futura esposa (Mari), por desde o inicio de tudo, quando soube
que passei para federal nunca ter saído do meu lado, pelo contrário, sempre quis o melhor pra
mim, me amparou em cada situação de desespero, te amo.
A todos os professores da universidade por ter me proporcionado essa experiencias
maravilhosa, por ter me passado um pouco dos seus conhecimentos e ter me ajudado chegar
até aqui.
Por último não menos importante a minha orientadora Rôssi Alves, por ter sido
muito paciente comigo, por cada prazo de entrega de trabalho que eu estourei. Obrigado pela
imensa ajuda de ter realizado esse trabalho.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................10

2 BREVE CONTEXTO HISTORICO......................................................................................12

2.1 BRONX EM CHAMAS......................................................................................................12

2.2 NASCIMENTO DA CULTURA HIP HOP.......................................................................15

3 MINHA REALIDADE..........................................................................................................18

4 DOCUMENTÁRIO...............................................................................................................21

5 ANÁLISE...............................................................................................................................24

6 CONHECENDO OS DANÇARINOS...................................................................................29

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................33

8 REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS......................................................................................35

9 ANEXOS...............................................................................................................................37
10

INTRODUÇÃO

Este trabalho trará o desdobramento do documentário ‘Danças Urbanas: uma


construção de indivíduos’ apresentado desde o ponto inicial do documentário até seu
último momento. O Documentário consiste em tornar visível a história de dança de 10
dançarinos de Dança Urbana da Região dos Lagos do Rio de Janeiro, para que se possa
entender qual a importância da Dança Urbana na colaboração da construção do indivíduo
na sociedade. Considerando que existe um estereótipo envolvendo a periferia e os sujeitos
que a habitam, pretendo observar como que a dança da margem periférica, praticada na
maioria das vezes em espaços marginalizados, tem potencial de contribuir para a vida dos
jovens.

Visa ainda mostrar, toda a potencialidade da dança urbana na vida dos jovens como
elemento de transformação que pode contribuir para construção de um indivíduo,
ajudando a tomar decisões que irão compor o seu caráter. Partindo então, que a dança
urbana não é uma dança marginalizada, mas é uma formadora de cidadãos e de cidadania.
Podendo atuar como elemento transformador, promovendo em quem pratica a aceitação
de si mesmo e uma maior receptividade nos relacionamentos com os outros. Desta forma
levando o indivíduo a criar novas perspectivas de visão e de integração de um grupo.

De início vale esclarecer o termo utilizado neste trabalho como ‘Dança Urbana’.
Esse termo começou a ser utilizado pelo Frank Ejara1 em 2005, quando ele percebeu que
a tradução ‘Dança de Rua’ de ‘Street Dance’ era uma má tradução e um pouco pejorativo.

Eu sempre achei, e por experiência própria, que o termo “dança de rua”


era pejorativo.
A tradução literal de "Street Dance" nunca foi bem vinda pra quem não
faz parte dela.
Eu como diretor de uma Cia. profissional de dança, sei bem o que já
ouvi de produtores e programadores sobre o termo “dança de rua” para
definir as danças que fazemos.

1
Frank Ejara é um dançarino e coreografo de danças urbanas. Uma pessoa proveniente das danças
urbanas no Brasil.
11

Muitos acham de imediato que somos mendigos, crianças abandonadas,


sem teto e todo tipo de preconceito embutido que vem de brinde com a
palavra “rua”, pois é cultural e é assim que o povo encara a palavra.
(EJARA, 2011)

Muitos que que não são envolvidos no mundo da dança acreditam que a dança
foi criada literalmente na rua, sem falar dos preconceitos que a cultura ganha só pela
palavra ‘rua’. A cultura Hip Hop no Brasil começou a adotar esse termo para se referir às
suas linguagens de danças. O termo Dança Urbana também implica algumas questões,
como englobar todas as danças de origem urbana no Brasil. Então neste trabalho, se faz
necessário fazer um recorte do termo ‘dança urbana‘, será referido a danças vernaculares2
afro-americana pós funk, que são as danças criadas pelo povo sem interferência de um
profissional da dança.

Para falar da dança urbana procuro entender um pouco da história da cultura do


Hip Hop e todo contexto em que a cultura nasceu, tendo em vista que é uma cultura de
negros, originado em um dado momento de muita resistência dentro dos guetos afro-
americanos.

2
Danças vernaculares são danças originadas naturalmente dos povos, sem intercessões de
profissionais.
12

2 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO

O principal objetivo desse capitulo não é somente contar da história do


surgimento da cultura do Hip Hop, mas se fazer necessário entender o que se passava na
época que surgiu a cultura. Compreender porque é uma cultura marginalizada pela
sociedade.

É fundamental entender que na história do surgimento do hip hop, não tem


apenas uma versão, mas isso não significa que existe uma versão verdadeira ou falsa.
Acredito que todas as versões se completam, o surgimento não se deu apenas em um
lugar, mas em vários lugres que passavam a mesma condições e situações. Aqui
apresentada é a versão com maior detalhes e riquezas sobre o surgimento.

Assim também acontece com o surgimento das danças urbanas, não se sabe
exatamente onde, quando ou qual linguagem da dança urbana que surgiu primeiro. O que
se entende que elas surgiram em pouco espaço de tempo uma das outras.

2.1 BRONX EM CHAMAS

De início, para que se possa entender a pesquisa atual, faz-se necessário fazer
uma breve introdução do cenário de onde surgiu a cultura Hip Hop.

É impossível entender a cultura Hip Hop sem falar da história do Bronx. O


distrito que foi fundado em 1639 por Jonas Bronck, um imigrante sueco que conseguiu
comprar um pedaço de terra na ilha de Manhattan que futuramente ficou conhecida como
‘Terras de Bronck’ (Brock’s Sland). Conforme passou o tempo, ficou mais conhecido
como ‘Bronx’. Está área foi sendo predominantemente colonizada pelos europeus de
classe média.

Durante anos Bronx foi um distrito de classe média respeitado, mas já no início
do séc. XX ele já não correspondia as expectativas dos moradores do local. A partir de
1950 o cenário começou a mudar, quando que neste momento o EUA vivia um período
de pós industrialização, onde muitas máquinas foram ocupando o lugar de milhares de
operários, as empresas contratavam somente aqueles que tinham qualificações para a
área. Já o governo da época estava com planos de construir vias expressas e fábricas.
13

Inicia-se diversas obras principalmente o da via expressa CrossBronx-


Expressway que tinha o intuído de gerar acesso e aproximar duas regiões de New York,
atravessando o distrito do Bronx de lado a lado, demolindo qualquer casa e prédio, para
que essa via expressa fosse finalizada rapidamente e com sucesso. Durante esse período
a região foi isolada e os imóveis nas imediações se desvalorizaram brutalmente.

Ao longo, da construção da via expressa e com toda a movimentação dessas


obras, por estarem demolindo as casas e prédios, criou consequências graves para o
distrito, os moradores que ainda eram os de classe média, por terem condições financeiras
e outras casas em outro lugar de NY, começaram a se mudar e abandonar suas residências
no Bronx. Aqueles que não abandonavam totalmente suas casas, utilizavam como
depósito de pertences que não usavam mais, os proprietários das residências especulavam
que assim conseguiam aumentar o valor para vender para o governo.

Alguns proprietários utilizavam os seus imóveis sem uso para


“armazenar riqueza”, especulavam com sua venda para o governo,
utilizavam a propriedade como garantia para obter créditos e hipotecas
utilizados para outros fins. Capturavam o dinheiro, davam no pé e
deixavam uma cidade fantasma atrás de si. (MORAES, 2018)

Devido ao abandono das pessoas e do estado no local, as coisas começaram a


piorar, logo, o mundo da hipoteca começou a ser bastante desvalorizado no Bronx, os
investidores já não queriam investir em um lugar que não tinha perspectiva de futuro.
Rapidamente as características do distrito mudou, de classe média branca, para negros e
latinos pobres, que começaram a se mudar para o Bronx pelo o custo de vida ser baixo,
ou até mesmo ocupar os imóveis vazios deixado pela classe média.

Por volta de 1977 começou uma onde de incêndios e assim foi se multiplicando
cada vez mais eram dezenas de incêndio por dia. O departamento de bombeiros não estava
dando conta e as seguradoras não conseguiam fazer as perícias para descobrir a causa
criminosa dos incêndios, sendo obrigadas a pagar. Com isso, incentivando a fraude.
14

Nesse período eram recorrentes incêndios propositais nos conjuntos


habitacionais como forma de expulsar a população pobre, ou mesmo,
para que alguns proprietários recebessem o pagamento de empresas
seguradoras. (MOYSÉS, 2018, p. 45)

Esse local de guerra, pobreza, tráfico, gangues e repressão policial seria o lugar
do nascimento da cultura Hip Hop, uma expressão não só dos jovens sem esperança, mas
das terríveis condições urbanas em que viviam. Onde os jovens por meio de resistência e
de se distanciar dessa zona de confronto, só enxergavam uma alternativa para evitar essa
batalha diária. Essa saída se deu por meio da cultura Hip Hop, que foi se criando por meio
dos bailes conhecidos com Block Parties3. Segundo Barrios, ”Muitas pessoas nessas
festas buscavam improvisar letras e rimas que acompanhassem o som dos DJ´s,
produzindo cantos que foram chamados na época de ritmo e poesia, em outras palavras:
o RAP.” (2016, p 23) surgindo então, os quatro elementos da cultura Hip Hop, MC
(Mestre de Cerimonia), DJ (Disc Jockei), Graffiti (arte visual pintado nas paredes) e
Break Dance (uma linguagem das Danças Urbanas).

3
As block parties eram as festam de rua que aconteciam nos guetos afro americanos, onde os jovens se
reuniam para se divertirem.
15

2.2 NASCIMENTO DA CULTURA HIP HOP

Foi em 1967 que Clive Campbell4 (Dj Kool Herc) e Cindy Campbell5 conhecidos
como ‘Pai e Mãe’ do Hip Hop se mudam de Kingston da Jamaica para o Oeste de Bronx.
Juntamente com eles trazem a cultura dos Sounds Systems6.

Considerado o primeiro DJ a misturar o reggae e o rap, Herc levara seu


equipamento de som para as ruas do Bronx em 1969, tornando-se
responsável pelo surgimento das festas ao ar livre – as block parties –,
velho costume jamaicano. (LEAL, 2007, p. 21).

Já no Bronx, Kool Herc adaptou as Sounds para a realidade do lugar atual,


realizando mixagem do funk e o soul no vinil, isolando a parte instrumental do disco.
Assim criando o Break Beat e os Scratches, logo a pessoa que anunciava o som foi se
tornando o MC:

Assim, inspirado no canto falado dos toasters e nos brados eufóricos do


mestre do funk James Brown – fenômeno musical da época e até os dias
atuais – os MCs começaram a fazer parte das festas de bairro
juntamente com os DJs, animando e interagindo com o público. Uma
das expressões mais utilizadas pelos primeiros MCs nessas ocasiões era
o jargão: hip-hop, que no sentido literal significa to hip, to hop, ou seja,
saltar movimentando os quadris. Numa tradução literal, mexa o quadril!
Mova-se! No sentido de dançar, não ficar parado. (GOMES, 2012, p.
17)

4
Clive Campbell, mais conhecido como DJ Kool Herc, considerado o pai do Hip Hop por ter realizado a
primeira Block Parties no Bronx.

5
Cindy Campbell é a irmã do Clive Campbell, considerada como a Mãe do Hip Hop. Em parceria com o
irmão realizou a ‘Back to School Jam’.

6
Sounds Systems, eram as festas realizadas na Jamaica ao ar livre, com disputas de caixas de som, sua
principal função era animar as pessoas.
16

Outro personagem importante para a cultura Hip Hop foi o DJ Afrika


Bambaataa7, que para o mesmo, denomina o movimento Hip Hop como uma cultura de
contestação. Tinha como objetivo principal congregar os negros do local para atividades
artísticas, substituindo as brigas entre as gangues pelas rachas entre as Crews (grupos) de
Break ao som do DJ, da voz do MC e utilizavam os Graffitis nos muros para ratificar os
domínios territoriais de cada grupo

Bambaataa acredita que o movimento Hip Hop veio para disseminar paz, amor,
diversão e união. Para os adeptos do Hip Hop, este movimento significa muito mais.
Significa cultura, mas também significa movimento, arte, expressão, paz, amor, soluções
para os problemas locais, lutas e igualdade de direitos. Chega ao asfalto carregado de
protesto, indignação, carência, vontade, luta, marginalidade. Rocha trata esse significado
como:

[...] seu significado foi e vai muito além disto. Acima de tudo, o Hip
Hop trata-se de um movimento sociocultural organizado, que visa
emancipar e defender o lugar e os direitos do negro e do pobre como
cidadãos na sociedade, mediante a educação e a revolução através de
suas três manifestações artísticas: o Rap3 (MC e DJ), a Dança (Break)
e Artes plásticas (Graffiti). (ROCHA, [200-?], p. 2)

Bambaata ao perceber a grandeza da cultura que estava surgindo começou a se


articular com as gangues locais, incentivando que as gangues resolvessem suas brigas por
meio da dança, ou seja, por meio de batalhas de dança, onde cada dançarino iria precisar
aprimorar os seus movimentos corporais, para que um dançarino vença o outro
(SANTOS,2011).

Dentro desse contexto onde os negros eram oprimidos e marginalizados que surgiu
a cultura Hip Hop. Com um histórico de uma sociedade dominante que criou estereótipos
visando inferiorizar corpos da periferia e automaticamente da cultura negra, na qual a

7
Afrika Bambaataa, Dj, cantor, produtor musical e líder da Zulu Nation é conhecido como o padrinho da
cultura Hip Hop, por ter sido o primeiro a utilizar esse termo.
17

cultura Hip Hop está ligada, que envolve todos os quatro elementos que fazem parte da
cultura.
18

3 MINHA REALIDADE

A escolha de realizar este documentário com esse tema se trata particularmente


com minha história de vida e minha realidade, assim não posso deixar de mencionar como
tudo possivelmente começou.

Não tenho lembranças de quando foi a primeira vez que ouvi um Hip Hop ou
quando foi a primeira vez que dancei, pressuponho que sempre ouvi hip hop nas festas de
famílias e nos rádios. Talvez pelo fato dos e meus pais e tios frequentarem bailes charme8
e dançarem ‘charme9’ nos bailes, eles podem ter me influenciado diretamente e
indiretamente a seguir na mesma direção. Minhas lembranças mais antigas que tenho é
de ficar na frente da TV assistindo os videoclipes de Hip Hop e ficar impressionado de
como que aqueles dançarinos conseguiam produzir movimentos que nenhum outro estilo
de dança conseguia fazer com o corpo. Importante ressaltar que os dançarinos eram
pretos, isso me deixava extremamente representado, já que a maioria das pessoas que
apareciam nas TVs eram brancas. A partir do momento que pretos, assim como eu,
começou a ganhar visibilidade se tornou mais fácil de imaginar que eu também poderia
alcançar um lugar assim.

Na época era muito difícil de se ver algum dançarino de danças urbanas, tudo era
mais complicado, para você tentar aprender os movimentos você tinha que assistir o
videoclipes muitas vezes, pra enfim você conseguir chegar perto de algum movimento
parecido com aquele que o dançarino estava fazendo.

Eu não sabia o que exatamente estava tentando aprender, se era uma coreografia,
um fundamento, não conhecia o nome do movimento, não sabia nem qual era o nome do
estilo que eu estava tentando aprender.

Realmente na época não existia essa distinção de linguagens das danças urbanas
aqui no Brasil, então qualquer linguagem era considerada como Break Dance. Frank Ejara

8
Baile charme é uma festa onde toca R&B e Black Music, conhecida por ser um ambiente onde os
negros podem afirmar sua negritude.

9
Dança charme é um hibridismo do Soul e do Funk, dança criada no Brasil.
19

Frank Ejara ressalta que todas as danças chegaram com o mesmo nome:
break dance. Qualquer estilo que se dançava recebia a mesma
nomenclatura, devido ao fato de os filmes chamarem e abordarem o
termo Break Dance, e as pessoas não conhecerem a história acerca de
cada estilo que estava sendo reproduzido nos filmes, pois não haviam
estudos naquela época que relatassem como essas danças haviam
surgido e que possuíam diferenças entre si. (TORRES, 2015. p. 29)

Tudo chegou muito rápido no Brasil e com muita pouca informação, a dança
urbana chegou por meio dos videosclipes e filmes um deles foi o Breaking. Nesse filme
tem outras linguagens além do Break Dance, mas pelo nome do filme ser ‘Breaking’
automaticamente as pessoas relacionaram que todas as linguagens eram um só.

Quando comecei a conhecer a dança urbana as linguagens já estavam melhor


definidas, porém como eu morava no interior de Minas Gerais as informações demoravam
mais para chegar lá. Com aproximadamente 10 anos de idade me mudei para Rio das
Ostras, onde o meu contato com a dança urbana foi maior. Foi com 14 em um passeio
despretensioso pela praça do centro da cidade que vi uma roda de Break Dance e foi onde
finalmente eu pude ter de fato o meu primeiro contato com a dança urbana.

Desde esse dia eu pude fazer amizade com diversos dançarinos aqui da região que
hoje em dia eu tenho o prazer de chamá-los de amigos. Foi a partir dos meus amigos que
eu consegui compreender melhor sobre as linguagens das danças urbanas. A praça se
tornou meu lugar de treino diário, ali desenvolvi movimentos que eu achava que jamais
iria conseguir, aprendi a ter respeito e ser respeitado.

Para contrariar as expectativas a praça é localizado exatamente no centro da


cidade, isso se torna uma luta por espaço e um símbolo de resistência da cultura. O que
deixa mais interessante que a praça fica na frente da Onda (Centro de Formação Artísticas
de Rio das Ostras) e por eles nunca cederem um espaço para a dança urbana. Por ser no
centro da cidade a luta era ainda maior, por sermos vistos como uma cultura
marginalizada e estarmos na praça dançando, éramos vistos como algo sujo, causando
uma poluição visual. Acredito que a cada treino nosso era um grito de resistência através
do movimento artístico para podermos sermos visto como gente, sem olhares
preconceituosos em cima da gente, para que assim possamos nos sentir parte da cidade
na qual vivemos.
20

Por eu ser um preto periférico que mora na margem da cidade, nem sempre foi
fácil eu ir até a praça para poder ensaiar. Era difícil me dedicar a dança, já que eu tinha
que estudar e trabalhar, fui obrigado a fazer escolhas que nem sempre a dança era a
escolhida. Apesar de todas as dificuldades que passei para conseguir me dedicar a dança
urbana, consegui realizar feitos que me deixam felizes hoje em dia.

Desde então, continuo seguindo esse caminho da dança urbana, procurando


entender mais sobre as técnicas, fundamentos e como se originou cada dança das danças
urbanas, deste modo adquirindo e aumentando meu conhecimento sobre o assunto.

Apesar de eu não ser um dos entrevistados, a escolha do tema deste projeto se deu
por meios de minhas vivências experimentadas no mundo da dança urbana que pode me
proporcionar experiencias que colaborou no meu modo de pensar, agir, lutar, me auto
conhecer, criou o meu senso crítico . Hoje como dançarino de danças urbanas, periférico
e preto cursando Produção Cultural, consigo enxergar melhor os benefícios que a cultura
Hip Hop e a dança urbana promove para o indivíduo.
21

4 DOCÚMENTARIO

Após definir o tema, eu comecei a listar os futuros possíveis dançarinos que seriam
entrevistados, tentei abranger no máximo o número de dançarinos de linguagens de
danças urbanas diferentes, para que assim eu possa observar e demonstrar o do fenômeno
da construção de identidade em todas as linguagens possíveis.

Entrar em contato com os dançarinos não foi uma tarefa difícil, já que todos são
meus amigos. O maior problema que tive foi conciliar a agenda deles com a minha, a
maioria só podia nos finais de semana isso deixou o processo um pouco mais demorado.

Anteriormente tinha pensado em deixar a conversa fluir naturalmente para poder


chegar no lugar esperado, mas depois notei que dessa forma poderia demorar mais, a
conversa provavelmente sairia do eixo e terminaria sem eu conseguir uma conclusão para
o documentário. Então criei um pequeno roteiro de perguntas, para que na hora a
conversa não ficasse sem rumo, foram feitas 10 perguntas para cada entrevistado. Realizei
perguntas que deixavam os entrevistados livres para discorrer sobre o tema.

De início, antes de me encontrar com cada dançarino, pedi para que eles
escolhessem o lugar que seria gravado a entrevista, um lugar que tenha algum sentimento
pra eles relacionado a dança, para que possam se sentir mais a vontade e no decorrer da
perguntas explicarem qual a sua historia com o lugar escolhido.

Minha primeira entrevista foi dia 28/01/20020 a última foi 12/07/2020. Durante a
produção das entrevistas fui obrigado a interromper por causa da pandemia do COVID-
19, após a flexibilização do isolamento social retomei com minha atividade tomando a
medidas necessárias recomentadas pela OMS.

O método abordado na entrevista foi a metodologia qualitativa, buscando explorar


e entender dentro de suas falas o fenômeno de construção do indivíduo pelas danças
urbanas. Assim, podendo analisar se as respostas dos entrevistados seguiam a mesma
linha e compreender como que funciona esta construção de identidade do indivíduo que
dança.

Para a produção dos vídeos foram utilizados somente um celular, um microfone


de lapela, um tripé e uma caixa de som. Todos esses equipamentos que já tinha em casa,
considerei melhor grava pelo o celular para que os entrevistados não ficassem um pouco
22

acanhado com a presença de uma câmera profissional, o celular já é um aparelho da


contemporaneidade onde as pessoas já criaram uma certa intimidade com ele.

No documentário fui o próprio filmmaker e ao mesmo tempo fazia as perguntas


para o entrevistado. Já na edição do vídeo, conversei com um editor profissional sobre o
trabalho que estava produzindo, ele apoiou a ideia e resolveu ajudar na edição do
documentário.

No dia de cada gravação me locomovia para o local combinada anteriormente,


antes de começar a entrevista eu conversava e explicava para o entrevistado sobre o que
se tratava o projeto e onde eu pretendia analisar com o documentário, tentava tambem
tirar todas as dúvidas antes de começar a entrevista.

Quando começava a gravação, alguns entrevistados ficavam um pouco nervosos


com a presença de um celular filmando e de algumas pessoas que passavam e paravam
ao redor para ficar observando, já outras agiam com indiferença. A maioria dos
entrevistados abraçou a ideia e a iniciativa que tive para poder criar mais conteúdo sobre
a Dança Urbana, que quando chegou na hora de dar o depoimento, o seu depoimento foi
imensamente rico e favorável ao projeto. Entretanto outros entrevistados, a timidez ou o
acanhamento os deixou mais inibidos na hora de desenvolver o seu depoimento, mas
conforme a conversa fluía naturalmente, as pessoas conseguiam se soltavar mais.

A gravação da entrevista foi feita de um plano frontal, onde o plano tenta


aproximar mais o entrevistado com telespectador. O local de cada entrevista foi escolhida
pelos entrevistados, lugar esse que tivesse certo valor sentimental relacionado a dança e
que se sentissem confortáveis para dar a entrevista. A maioria dos lugares foi em praças
públicas ou dentro de casa. Cada entrevista durava em média duras horas e meia.

No momento de fazer a decupagem10 das filmagens, decidi não inserir o


depoimento de todos os entrevistados no documentário, para otimizar melhor o tempo do
documentário, caso contrário ficaria muito estendido e um pouco maçante. O método
abordado para poder escolher qual depoimento iria entrar no documentário, foi a partir
das respostas que faziam mais sentidos para o documentário, algumas respostas que não
entravam no contexto ou que saia do roteiro foi sendo excluído para poder finalizar a

10
Decupagem é o processo de dividir e escolher qual material entrar no vídeo ou não.
23

decupagem. O programa utilizado na edição do vídeo foi o Adobe Premiere 11 e After


Effects12, considerados um dos melhores programa de edição de áudio visual.

11
Adobe Premiere é um programa de edição de vídeo profissional de computador, da empresa Adobe
Systems

12
After Effects é um programa de criação de gráficos com movimento e efeitos visuais da empresa
Adobe Systems. É utilizado principalmente na pós-produção de vídeos.
24

5 ANÁLISE

A ideia de realizar um documentário da cultura hip hop com foco nas danças
urbanas, surgiu a partir das minhas vivências como dançarino de Danças Urbanas e com
uma visão agora produtor cultural. Conseguindo enxergar como e quem eu sou neste
exato momento foi exclusivamente potência da Dança Urbana.

Neste capitulo iremos analisar os depoimentos obtidos pelos dançarinos no


documentário ‘Danças Urbanas: uma construção de indivíduos’ a partir desse ponto
iremos discutir o principal objetivo do trabalho, que é entender como que a Dança Urbana
consegue colaborar de forma significativa na construção de um indivíduo, mesmo ela
sendo carregada muitas vezes de estereótipos e preconceitos.

Nesse momento iniciaremos com o depoimento do Felipe Irmão, quando eu


pergunto o que a dança urbana representa pra ele:

“A dança urbana representa salvação. Como fui um garoto preto de


periferia, a gente tem poucas referencias na vida né e as referências que
a gente tem nem sempre são boas escolhas, trazem boas escolhas pra
gente, eu infelizmente perdi para um lado marginal da vida e não tenho
vergonha disso, acho que formou meu caráter. As Danças Urbanas
salvou minha vida, porque ela me deu um proposito, onde eu pudesse
pesquisar e estudar [....]” (FELIPE IRMÃO)

No depoimento do Felipe Irmão, notamos que ele utilizou da Dança Urbana uma
ferramenta para poder se apoiar e buscar boas referências para que ele não se perdesse
para um lado marginal da vida.

Ao contrário do que a sociedade julga sobre a cultura urbana promover e


incentivar o crime e a violência, a Dança Urbana neste caso fez exatamente o oposto com
o Felipe Irmão, conseguiu criar um proposito de vida estimulando-o a estudar e pesquisar
mais sobre o assunto. Já para Bruna Vilhena “danças urbanas também representa,
ascensão a uma forma nova de ser cidadão de se colocar na sociedade”.

Em outra pergunta sobre ‘porque resolveu dançar as danças urbanas e não optou
por outro estilo de dança’, os depoimentos foram bastante semelhantes. Grande maioria
25

dos entrevistados disse que foi por conta da representatividade que a dança passava para
eles, por questões de empoderamento negro, pelo senso critico do Hip Hop ou até mesmo
por ser uma cultura que vem da periferia, assim como fala Mariana e Elio:

“Escolhi as danças urbanas por conta da representatividade que ela tem


pra mim, por eu ser uma mulher periférica e essa ser uma cultura
periférica, foi o que me fez identificar mais com a dança e a cultura hip
hop.” (MARIANA OLIVEIRA)

“Quando eu estou dançando eu sinto que é o meu lugar. Então na dança


eu sinto que me encontrei, principalmente no vogue femme que é onde
eu me identifico tanto com os movimentos tanto com a cultura, então
eu me sinto confortável.” (ELIO BARBE)

Essa representatividade acontece por ser uma cultura que se manifestou e se


caracterizou por representar o povo preto, as classes menos favorecidas na sociedade, no
qual luta pelos os direitos socias, contra a descriminação de raça e violências, seja ela
qual for. Desta maneira colocando em destaque o protagonismo negro em evidencia, já
que por sua vez os negros são a maioria na cultura urbana. Assim, tornando referência
para outras pessoas que estão começando a introduzir na Dança Urbana, colaborando para
que cada individuo consiga se enxergar e se amar, contribuindo com o aumento de sua
auto estima. Assim como descreve Hugo Oliviera:

“A dança é uma das muitas potentes ferramentas que possibilitam o


jovem negro se ver de forma representativa, com as características
identitárias que permitem o crescimento de forma saudável, harmônica
e respeitosa consigo, pois ao ter no seus pares suas referências, quebra-
se a hegemonia da beleza baseada ainda na branquitude”. (OLIVEIRA,
2017, p.24)
26

Bem como relata a Kety Reisil em seu depoimento para o documentário, quando é
perguntada: ‘você acredita que a dança urbana ajudou a contribuir na sua formação de indivíduo?’,
Kety conta como foi o processo de sua aceitação.

“A dança me deu muita facilidade de aceitar quem eu sou, ela me trouxe


um certo empoderamento de aceitar do jeito que a gente é. Com isso a
gente vai se soltando em questões tipo: do estilo, o jeito do cabelo. Eu
me preocupava muito com isso antigamente ‘a eu tenho que ter o cabelo
baixo, não posso ter o cabelo muito afro’ hoje em dia não! Já penso
diferente, eu tenho quer ser o que eu quero ser, eu tenho essa facilidade
dentro das Danças Urbanas tipo: ‘pow eu quero andar assim, eu quero
andar de um modo mais largo, quero andar com uma camisa masculina’.
Acho que isso me mostrou que eu posso ser quem eu sou, eu tenho todo
poder pra ser quem eu sou, basta eu querer me aceitar” (KETY
REISIL).

De acordo com o depoimento de Igor Marinho quando questionado qual é a sua principal
motivação para continuar dançando as Danças Urbanas, ele afirma que a mesma possibilita para
ele um novo caminho para se percorrer com o intuito de conseguir alcançar seus objetivos.

“Tenho dois objetivos, um primeiro objetivo é ser lembrado por


alguma coisa, tenho muito medo de ser esquecido, o segundo ainda
estou tentando encontrar, mas eu tenho certeza que só através da dança
que eu posso entender quem eu sou e onde eu posso chegar.” (IGOR
MARINHO)

Se entende a parti do depoimento do Igor que a Dança Urbana consegue levar sujeito para
certos lugares físicos ou não, mas que com somente utilizando a dança como uma ferramenta eles
conseguiram atingir os seus propósitos. Em outro questionamento levantando com Felipe Irmão,
se a dança urbana tinha proporcionado pra ele uma relação melhor com a sociedade ele afirma:

“Com certeza, eu antes da dança, vivia em um núcleo onde meu


pensamento era limitado, minhas referências eram poucas e a dança por
ter me proporcionado a ir outros lugares, conhecer novas pessoas e
27

novas culturas, tive uma referência maior do que é o mundo.” (FELIPE


IRMÃO)

As Danças Urbanas conseguem proporcionar aos dançarinos novas experiencias


em lugares que jamais tinham ido, leva eles em espaços que somente a dança poderia
proporcionar. Deslocando muros invisíveis criados pela segregação e pelo preconceito.
Aos poucos podendo ir desconstruindo o estereótipo criado pela sociedade que rodeia a
vida dos adeptos da cultura urbana. Para Raposo (2016, p. 796), os jovens utilizam o
break dance como uma forma de alcançar uma existência valorizada criando identidades
positivas que, de certa forma, altera o seu lugar na hierarquia social.

Segundo Igor Marinho, em seu depoimento ele afirma que a dança urbana criou
uma direção para ele seguir na vida, fez com que ele se sentisse completo perante a
sociedade e a ele mesmo.

“Eu acho que na minha visão, a forma de como a dança impactou a


forma de como eu vejo o mundo e quem eu quero ser, acho que ela pode
contribuir muito na verdade, até mais que eu achava que poderia
imaginar né. Como por exemplo, em um mundo sem dinheiro onde a
gente não precisava de dinheiro para sobreviver, o que com certeza, o
que eu escolheria fazer pro resto da minha vida era dançar. Então acho
que ela me deu um rumo, tanto profissional tanto pessoal ela conseguiu
me fazer um individuo completo, me sentir completo perante a
sociedade e perante a mim mesmo.” (IGOR MARINHO)

Compreende-se que os dançarinos das Danças Urbanas à utilizam como uma ferramenta
para se posicionarem enquanto indivíduos na sociedade. Seria como utilizar o corpo para
conseguir se tornarem “visíveis” na sociedade (VIVELA, 1998). É uma dança que permite os
dançarinos a transpor fronteiras utilizando-as como mecanismos cruciais para que possam ser
ouvidos através do movimento dos seus corpos.

Em depoimento Luiz ressalta o que foi discutido, declarando que a Dança Urbana o
transformou em uma pessoa melhor, pessoa que consegue se comunicar melhor com a sociedade
expressando seus sentimentos.
28

“A dança com certeza me tornou um individuo melhor, porque se não


fosse a dança hoje em dia eu não sei nem o que seria de mim [...]
Através da dança urbana eu pude entender como usar dessa vontade,
para poder me identificar na sociedade, para poder entender esse
potencial que ela tem de transformar. Tanto que hoje eu sou uma pessoa
mais calma, uma pessoa mais tranquila, hoje eu sou uma pessoa que
consegue se comunicar com outras pessoas, falar, sorrir, abraçar ser
mais afetivo.” (LUIZ KAMAU)

A dança urbana tem esse potencial de construir e transformar os indivíduos,


utilizando seu senso critico e a maneira de como ver o mundo, a partir dos seus valores.

Finalizo este capítulo com uma frase do Luiz que fala por si só:

A Dança Urbana pra mim é transformação, é a oportunidade de você


se jogar e se entregar e perceber o quanto que você tem valor,
perceber o quanto que você se ama e o quanto que você é capaz de
amar as outras pessoas. (LUIZ KAMAU)

Neste capítulo, adicionei somente os depoimentos que foram mais significativos


para discutir a questão de como a Dança Urbana tem o potencial de construir e transformar
os indivíduos. Se faz necessário para o melhor entendimento desse trabalho, assistir o
documentário ‘Danças Urbanas – uma construção de indivíduos’.
29

6 CONHECENDO OS DANÇARINOS

Ivanette Bronx

Mais conhecida como Iva, nascida e criada em Sergipe, onde teve seu primeiro
contato com a cultura Hip Hop, através de um DVD de videoclipe que um amigo dela a
deu. Logo após um tempo se mudou para Rio das Ostras, na qual ela conheceu as Danças
Urbanas e foi se encontrando no Hip Hop dance Old School. Hoje com 19 anos dançarina
profissional pelo SPDRJ, dá aulas de hip hop dance, participa de workshops, integrante
do grupo 2mcia, participa de eventos e competições de dança. Atualmente morando no
Egito vivendo da sua arte.

Vanessa Rosa

Começou a dançar com 14 anos, seu primeiro contato com a dança urbana foi na
praça Branca de Rio das Ostras. Ali ela iniciou no break dance, a praça se tornou seu
lugar de treino diário, todo dia de noite ela ia para treinar com outros dançarinos.
Atualmente com 23 anos é uma dançarina profissional e instrutora de Danças Urbanas na
cidade de Casemiro de Abreu. Ao longo de sua carreira ela aprendeu outros de estilos de
dança, como: Hip Hop dance, Jazz Funk e Heels.

Elio Barbe

Dançarino e coreografo Elio Barbe começou a dançar durante sua infância em


Cordeiro, localizada no interior do RJ. Já na sua adolescência se mudou para Rio das
Ostras, onde ficou por volta de um ano sem dançar. Assim que voltou a ter contato com
a dança ele começou a se especializar em Vogue Femme. Hoje com 25 anos Elio Barbe
tem uma bagagem de noves anos pela dança urbana, onde aprendeu outros estilos como:
Hip Hop Dance, Heels, Waacking e Jazz Funk.
30

Kety Reisil

Nascida em Cantagalo, moradora de Rio das Ostras há 13 anos, começou a dançar


com seus 15 anos de idade, teve seu primeiro contato com a dança na sua escola. A partir
disso ela começou a pesquisar mais sobre danças urbanas e percebeu que era aquilo que
ela queria fazer. Começou a treinar a vendo vídeos e videoclipes na internet, uma de suas
inspirações foi a cantora/dançarina Ciara. Logo após um tempo recebeu um convite para
participar de uma aula de hip hop na companhia 2mcia, desde então ela não saiu mais de
lá, agora é um integrante da companhia de dança. Onde ela participa de competições,
mostras de danças e workshop. Sua área nas Danças Urbanas são: Stiletto, Dance Hall,
Ragga Dance e Hip Hop Dance.

Luiz Henrique

Luiz Henrique conhecido em Rio das Ostras como Kamau, conheceu a Dança
Urbana em 2011 por meios de projetos socias pela prefeitura de Rio das Ostras. Neste
momento ele se sentiu representado pelas Danças Urbanas quando que ele viu os amigos
dele assim como ele, um garoto periférico dançando. Já na escola ele entrou em projetos
de dança urbana para poder conhecer melhor a cultura, assim ele teve sua primeira
apresentação na Concha Acústica de Rio das Ostras. Logo ele foi convidado para fazer
parte da companhia 2mcia, lá ele começou a estudar melhor os estilos de Danças Urbanas
e se identificou melhor com Popping.

Igor Andrade Marinho

Nascido no complexo do Alemão, Igor se mudou para Cabo Frio com 12 anos de
idade, onde ele teve sua introdução na dança, a partir de uma gincana cultural que estava
acontecendo na sua escola. De início ele começou a dançar Free Step, foi por meio do
Free Step que ele conheceu um amigo que apresentou para ele as Danças Urbanas. Onde
ele se apaixonou de imediato e percebeu que era aquilo que ele queira para vida.
Atualmente com 25 anos, professor no espaço Grow Time Dance se especializou no estilo
Popping, mas com conhecimentos em outros estilos.
31

Mariana Oliveira

Nasceu na baixada fluminense Rio de Janeiro de mudou para Rio da Ostras com
11 anos de idade. Mariana vem de uma família de dançarinos, sua maior influência com
a dança urbana foi a partir dos DVDs de Hip Hop que existiam na época. Ela ficando em
casa tentando imitar os dançarinos que apareciam nos videoclipes. Logo ela foi convidada
para formar o corpo do ballet de uma cantora local para se apresentar na cidade e região.
Cantora essa que fazia cover de cantores famosos como: Beyonce, Anitta, Ludmila, Lexa
entre outros. Desde modo Mariana começou a buscar mais conhecimentos daquilo que
estava dançando, assim ela começou fazer aula de Hip Hop Dance em um projeto social
da prefeitura de Rio das Ostras. Mariana já participou de grupos de dança, se apresentou
em diversas cidades da região dos lagos. Atualmente Mariana tem 23 anos e dança: Hip
Hop Dance, Heels, Jazz Funk, Dance Hall e Afro Dance.

Bruna Vilhena

Bruna começou a dançar na sua infância fazendo aulas na academia de Ballet e


Jazz. Com o tempo ela teve a oportunidade de ganhar um bolsa em uma escola de dança
e iniciou de seu contato com as Danças Urbanas a partir do Stiletto, foi nesse momento
que ela começou a se profissionalizar na dança. Logo ela entrou na companhia de dança
Ciemh2 em Macaé, onde ela participou de diversas apresentações, Workshops etc. Bruna
atualmente tem 23 anos de idade, dançarina de Hip Hop Dance, faz Educação Física na
UFF de Niterói, faz parte de um projeto de extensão que visa articular um grupo de dança
que dialogue com as escolas e com temas que afetam crianças, jovens e a sociedade, de
forma geral. Colocar em cena o papel da arte/dança na escola, e assim estabelecer uma
ponte entre a escola e a universidade.

Felipe Irmão

Com 32 anos de idade e morador de Rio das Ostras, Felipe Irmão se aprofundou
na linguagem ‘House Dance’, porém como professor de Danças Urbanas ele precisou
aprender um pouco de cada linguagem como: Break Dance, Hip Hop Dance, Popping e
Locking.
32

Começou a dançar quando tinha cinco anos de idade, participou de um projeto


social ‘O bem Maior’, a partir desse projeto ele conseguiu entrar em um grupo de dança
da cidade. Conforme foi estudando e treinando mais a Dança Urbana, ele conseguiu ir
evoluindo com sua dança. Felipe viajou para diversas cidades do Brasil participando de
eventos ligados as Danças Urbanas. Ao decorrer de sua carreia, também aprendeu outros
estilos de dança, como: Flamenco, Contemporâneo, Jazz, Dança Clássica, Dança de
Salão, Afro Dance entre outros.

Keltyson Cruz

Com 27 anos de idade, Keltyson se especializou no Break Dance. Os seus


primeiros contatos com as danças urbana foi na escola onde estudava, no horário do
intervalo ou no interclasse. Desde escola ele começou a difundir s cultura Hip Hop,
criando interações e buscando colaboradores da cultura. Sempre que possível ele
apresenta o que é a dança urbana para aqueles que tem interesse em conhecer.

Keltyson já participou de diversas batalhas pelo estado, workshops e aulas, ele


busca aprimorar cada vez mais suas habilidades e conhecimento.
33

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escolha do tema da pesquisa atual não se deu apenas pela minha vontade de
querer abranger, discutir, criar conteúdo sobre a cultura Hip Hop mais especificamente
as Danças Urbanas, mas por fazer parte do meio, por ter vivenciado e notado todos os
preconceitos que a rodeiam até nos dias atuais. Idealizei este trabalho com intuito de criar
voz para um povo que é silenciado, com o principal objetivo de contribuir com a
desmitificação da visão errônea sobrea as Danças Urbanas que a sociedade engendrou ao
longo dos anos.

Através da realização do documentário ‘Danças Urbanas – uma construção de


indivíduos’ e a partir dos depoimentos dados foi possível compreender que os dançarinos
utilizam a dança não somente com uma forma de lazer e diversão, mas o principal motivo
deles dançarem é criar expressões que eles não conseguem dizer falando. Utilizando a
dança muito das vezes como uma válvula de escape de tudo que acontece no dia a dia,
mas sempre querendo passar mensagens com o seu corpo como; violências do cotidiano,
repressão policial, exclusão social, discriminações e muitas outras coisas que os
moradores da favela vive, mas também fala sobre amor, esperança, paz, respeito, carinho,
compaixão etc. fazem da sua expressão artística um método para poderem se tornarem
visíveis perante a sociedade.

Foi possível constatar também, toda a potencialidade que a Dança Urbana tem na
vida desses dançarinos, sendo utilizada como uma ferramenta transformação que
contribui para sua construção de um indivíduo. A Dança Urbana por ser um dos elementos
da cultura Hip Hop carrega consigo todo o senso crítico que a cultura tem, com isso
colabora os indivíduos tomar decisões que irão compor o seu caráter.

Conseguimos entender que a dança não é somente essa dança marginalizada pela
sociedade, mas é também uma formadora de cidadãos e de cidadania. Podendo atuar como
elemento transformador, promovendo aos dançarinos a aceitação de si mesmo, onde eleva
a auto estima de quem a pratica e cria uma maior receptividade nos relacionamentos com
os outros. Desta forma, leva o indivíduo a criar perspectivas de visão e de integração de
um grupo.
34

Com a dança é possível contemplar as dificuldades que se têm em relação ao


próprio corpo. Consegue colocar em prática o jeito de como você lida com as dificuldades
do seu corpo, aprendendo a lidar melhor com o corpo aceitando as diferenças dele, dessa
maneira, lidando melhor com a sociedade quebrando os obstáculos construídos por ela.

Entendemos que a dança promove disciplina, união e responsabilidade para quem


a pratica, poder ser considerada com a “escola da rua” onde tudo se aprende e tudo se
ensina. Por meio da Dança Urbana que os dançarinos apoiam-se para trilhar seu caminho
na vida, me arrisco a dizer que muitos sem a dança se sentiriam deslocado e não saberiam
o que fazer.

Ao realizar esse trabalho foi bastante difícil encontrar autores que trabalham com
o assunto, foi bastante escasso materiais que envolvem a dança urbana, por conta disso
eu espero que este trabalho colabore da mesma forma que outros me ajudou.
35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRIOS, Jéssica Lóss. Danças Urbanas: um estilo documentado. Santa Maria,


2016. 70 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em comunicação social –
jornalismo) – Curso de comunicação social – jornalismo - Departamento de ciências da
comunicação, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2016.

EJARA, Frank. O novo termo “Danças Urbanas”. Frank Ejara, 2011. Disponível
em http://frankejara.blogspot.com/ . Acesso em: 17 jul. 2020.

GOMES, Renan Lélis. Território usado e movimento Hip-Hop: cada canto um


rap, cada rap um canto. Campinas, 2012. 181 f. Dissertação (Mestrado em geografia na
área de analise Ambiental e Dinâmica Territorial) – Instituto de Geociências,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.

LEAL, Sérgio José de Machado. Acorda hip-hop!: despertando um movimento


em transformação. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007. 458 p.

MORAES, Reginaldo Carmello Correia. New York e o Bronx: colapso social e


políticas de resistência. Unicamp, 2018. Disponível em
https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/reginaldo-correa-de-moraes/new-york-e-o-
bronx-opulencia-vista-pelo-outro-lado-i . Acesso em: 17 jul. 2020.

MORAES, Reginaldo Carmello Correia. New York e o Bronx: colapso social e


políticas de resistência II. Unicamp, 2018. Disponível em
https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/reginaldo-correa-de-moraes/new-york-e-o-
bronx-colapso-social-e-politicas-de-resistencia . Acesso em: 17 jul. 2020.

MOYSÉS, Mauricio. Circuito RAP do Distrito Federal: território usado e lugar.


Campinas, 2018. 224 f. Dissertação (Mestrado em geografia na área de análise Ambiental
e Dinâmica Territorial) - Instituto de Geociências, Universidade Estatual de Campinas,
Campinas, 2018.

OLIVEIRA, Hugo. Vem ni mim que eu sou passinho: a dança Passinho na


confluência entre Redes Sociais, Arte e Cidade. 2017. 137 f. Dissertação (Mestrado em
Cultura e Territorialidades) - Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS),
Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2017.
36

RAPOSO, Otávio Ribeiro. Cartografia da dança. Segregação e estilos de vida


nas margens da cidade. Mana [online]. 2016, vol.22, n.3, pp.765-797. ISSN 0104-9313.
Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442016v22n3p765> Acesso em: 10
Ago. 2020.

ROCHA, Ludmila Oliveira. Hip Hop ou Hip e Hop? Campinas. [200-?] 20 f.


Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Especialista em Pedagogia da Dança) –
Curso de Pedagogias das Danças – Universidade Católica de Goiás, [200-?].

SANTOS, Analu Silva. Dança de Rua: a dança que surgiu na rua e conquistou
os palcos. Porto Alegre, 2011. 41 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Educação Física) – Curso de Educação Física – Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2011.

TORRES, Laís Crozera. Danças Urbanas no Brasil: relatos de uma história.


Bauru. 2015. 83 f. Monografia (Licenciatura em Educação Física) Universidade Federal
Paulista.

VILELA, Lilian Freitas. O corpo que dança: os jovens e suas tribos urbanas.
Campinas.1998. 248 f. Dissertação (Mestrado em Educação física) – Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 1999.
37

ANEXOS
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47

Você também pode gostar