Este documento resume um livro sobre a origem e evolução do esporte na sociedade. O livro analisa como atividades como os jogos gregos evoluíram para esportes modernos através do processo civilizatório, com a redução da violência e a criação de regras. O livro argumenta que o esporte surgiu na Inglaterra como forma de alívio do estresse da revolução industrial através do prazer controlado da violência.
Descrição original:
Título original
Resenha crítica - A BUSCA DE EXCITAÇÃO - Norbert Elias
Este documento resume um livro sobre a origem e evolução do esporte na sociedade. O livro analisa como atividades como os jogos gregos evoluíram para esportes modernos através do processo civilizatório, com a redução da violência e a criação de regras. O livro argumenta que o esporte surgiu na Inglaterra como forma de alívio do estresse da revolução industrial através do prazer controlado da violência.
Este documento resume um livro sobre a origem e evolução do esporte na sociedade. O livro analisa como atividades como os jogos gregos evoluíram para esportes modernos através do processo civilizatório, com a redução da violência e a criação de regras. O livro argumenta que o esporte surgiu na Inglaterra como forma de alívio do estresse da revolução industrial através do prazer controlado da violência.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO EXERCÍCIO E DO
ESPORTE DISCIPLINA: Cultura, esporte e identidade DOCENTE: Prof. Dr. Marcelo Moreira Antunes DISCENTE: Luiz Felipe Machado Pinto
RESENHA CRÍTICA DO LIVRO
A busca da excitação: Desporto e Lazer no processo civilizacional Autores: Norbert Elias e Eric Dunning
Após anos de negligência por parte da sociologia à assuntos referentes
ao esporte, o livro “A busca de excitação”, muito por parte de Eric Dunning, sob a orientação de Norbert Elias, dá luz ao tema. Para além de debater o esporte em si, o livro é composto por textos originais e alguns já publicados pelos autores, os quais circundam por temas como a violência, a construção do desporto, a busca do alívio das tensões rotineiras, a busca do lazer e o papel da masculinidade ameaçada. Todos estes como pano de fundo para uma das mais famosas teorias de Elias, o processo civilizatório.
Iniciando a caracterização do texto por sua estrutura física, a obra original
foi lançada em 1986, com o título Quest for excitement, sport and leisure in the Civilizing process. A presente versão data de 2019, lançada pela editora 70. A obra conta com um total de 560 páginas, distribuídos em 10 capítulos. A presente versão da obra em português, foi traduzida por Manuela de Almeida e Silva e revisada por Vanessa Domingues e Kátia Loureiro.
Quanto aos autores, iniciando por Norbert Elias, Sociólogo, apresentado
como de origem alemã, teve no entanto seu nascimento na região da Breslávia, Polônia, em 1897. Sob os horrores do regime nazista, exilou-se em 1933 na França. No entanto, foi na Inglaterra, a partir de 1954 na universidade de Leicester, que obteve real notoriedade. Apesar de publicar ativamente antes mesmo de Leicester, devido aos embates da 2º guerra mundial, sagrou-se tardiamente como um dos grandes pensadores da história, a partir da década de 1970. Publicou durante sua carreira aproximadamente 22 obras. Com destaque para os dois volumes do “Processo civilizatório” (Über den Prozess der Zivilisation) de 1939. Grande crítico da construção dos modos e costumes europeus na direção da civilidade, dedicou-se a analisar, inclusive historicamente, a origem e evolução dos mesmos. Dando base para críticas também fora da Europa. Faleceu aos 93 anos em Amsterdã, em 1990. Dentre seus prêmios destaca-se a Grã-cruz do Mérito com Estrela da Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha (1986) e o Prêmio Theodor W. Adorno (1977) (NORBERT ELIAS FOUNDATION, 2022).
Eric Dunning nascido em 1936, na Cidade de Londres, Inglaterra,
destacou-se pelo pioneirismo nos estudos em sociologia do esporte. Sua formação na Universidade de Leicester, teve Norbert Elias como mentor durante seu mestrado, com o qual trabalhou por mais de 30 anos em diferentes obras. Destacou-se ainda como um dos fundadores do Sir Norman Chester Centre for Football Research, com diferentes estudos sobre o futebol. Em destaque, estudos sobre o Hooliganismo. Após diversas parcerias, em 1999 lança seu primeiro livro solo “Sport Matters: Sociological Studies of Sport, Violence and Civilization”, ainda hoje um clássico da sociologia do esporte. Em diferentes momentos rende elogios a seu mestre, inclusive em 2012, ao publicar o livro “Norbert Elias e a Sociologia Moderna” em co-autoria com Jason Hughes. Em boa parte suscitado pelas experiências acadêmicas junto a Elias. Faleceu em 2019, em Leicester, aos 82 anos. Dentre prêmios destaca-se a DLitt honoris causa em 2013 (NORBERT ELIAS FOUNDATION, 2022a). No Brasil, foi membro do conselho editorial do Jornal de Ciências do Exercício e Esporte da Universidade Federal do Paraná.
Ao iniciar as observações levantadas ao longo da presente obra, afirma-
se que em diferentes grupos sociais ao longo da história, o jogo, a disputa entre dois ou mais participantes esteve presente. No entanto a configuração pela qual estes se manifestavam sofreu diferentes influências, dentre elas quanto a seu significado social, o que modificou radicalmente seu formato. Para citar um período remoto destes jogos e sua significação, dentre os mais emblemáticos, encontramos a dualidade envolta nos jogos gregos, levantada por Elias e Dunning na presente obra. Muito se atribui a cultura grega quanto ao processo de civilização de diferentes povos, dada importância à cultura, filosofia e por vezes a seus jogos. Ao propor uma dualidade quanto a cultura grega, é referido ao fato da violência extrema com que aconteciam seus jogos em contraposição ao evoluído senso e necessidade instrucional de sua sociedade, algo que nos dias atuais nos parece extremamente antagônicos. Apesar de vários serem os jogos, com objetivos que transitavam do empoderamento social dos praticantes ao entretenimento dos espectadores, a fim de analisar a dualidade proposta a partir das proposições de Elias e Dunning, um jogo, uma luta, um desporto denominado Pancrácio, servirá neste primeiro momento como base.
Apesar da prática ser aludida por muitos como o antepassado do atual
M.M.A (Mix Martial Arts), os relatos sobre a violência atrelada ao mesmo e as impressões dos espectadores, são marcantes. A disputa era basicamente um combate entre duas pessoas, sem regras explícitas, onde este apenas era interrompido por desistência ou morte. Os autores chamam atenção sobre o sentimento envolto nestes jogos, em um contraponto a clássica e pretensamente equilibrada sociedade grega. Vê-se por exemplo na ausência da palavra “consciência”, o que denotaria um arrependimento, ou até mesmo um sentimento de empatia pelo próximo, o que a sociedade grega não apresentava em relação aos mortos em combate. No entanto, antes de propor a sociedade grega como cruel, é importante analisar, como em outras culturas, não a partir de nossa cultura, mas das próprias construções relacionadas aquele grupo. Este equívoco de conclusão se estende na análise de várias civilizações, as quais perpassam as construções acerca de seus jogos. Nesta medida Elias propõe uma perspectiva mais ampla, a qual contemple diferentes aspectos envoltos ao problema, a qual denomina de análise configuracional. A mesma utilizada por Elias e citada por Dunning na análise de diferentes contextos desportivos ao longo dos textos.
Elias propõe a impossibilidade de analisar-se fatos e sociedades a partir
da separação do homem e sociedade. Para tal criou dois conceitos inter- relacionados, os quais são base de uma série de analises atribuídas a ele. Primeiramente o conceito de “configurações”, o qual refere-se a teia de relações de indivíduos interdependentes, ligados entre si em diferentes níveis e maneiras. Atrelado a isto temos o conceito de “seres humanos abertos”, em referência ao caráter aberto, pessoal e orientado para os outros, inseridos nesta configuração (ELIAS; DUNNING, 2019, p. 68). A partir destes é possível refletir o como uma sociedade, tida hoje como civilizada, pode compartilhar com culturas como a clássica grega, o gosto por jogos de enfrentamento, o que os autores denominam por vezes em seus textos de “luta”, não aludindo somente a artes de combate, mas a diferentes esportes de contato físico.
Ao analisar as construções gregas acerca do que hoje temos como
esporte, os autores propunham a “gênese do desporto”, a qual permeia o processo civilizatório, a partir da redução da violência nos jogos, assim como a própria reconstrução de conceitos sociais por parte de espectadores e praticantes. Para tal, os autores propõem a Inglaterra como o berço dos desportos. Apesar desta não ser de fato a detentora dos mais diversos desportos que hoje conhecemos, seu papel na construção de regras desportivas, a inserção do desporto escolar, da etiqueta e criação de clubes de prática desportiva para as mesmas, lhe atribuíra tal importância. Visto o processo de industrialização sofrida pela mesma por volta da segunda metade do século 18, um novo conceito, o de “lazer”, ganha força entre os até então trabalhadores. Apesar do entendimento contemporâneo de lazer por vezes ser proferido como sinônimo de tempo livre, Elias propõe o que denominou de “espectro do tempo livre”. Este basicamente se divide em rotinas do tempo livre, atividades intermediárias e atividades de lazer (ELIAS; DUNNING, 2019, p.210).
Em primeira análise diz-se de tempo livre aquele que não é destinado
formalmente ao trabalho, visto que na Inglaterra do século 18, o tempo centrava- se na produtividade voltada ao processo industrial e ao trabalho, consumindo a maior parte do tempo dos envolvidos no processo. Não pormenorizando o espectro do tempo livre, os autores propunham que este tempo livre divide-se em atividade rotineiras como pagamento de impostos e cuidar do jardim. Outras fisiológicas, como dormir e comer. As atividades de lazer destinavam-se a busca do prazer, da excitação não sexual, o que de acordo com os autores, cria uma complexa relação entre a necessidade de excitação, os controles sociais para evitar-se excessos não civilizados e a liberação das tensões provocada pelas rotinas. Assim o desporto ganha notoriedade, onde através de prazeres de violência controlada, socialmente aceitável e menor risco de morte, os civilizados podem liberar estas tensões durante uma disputa. O desporto – qualquer que seja – é uma atividade de grupo organizada, centrada num confronto entre pelos menos duas partes. Exige um certo tipo de esforço físico. Realiza-se de acordo com regras conhecidas, que definem os limites da violência que são autorizadas, incluindo aquelas que definem se a força física pode ser totalmente aplicada (ELIAS; DUNNING, p.333).
Um exemplo que reflete o limite da violência proposto por regras
desportivas e de conduta, é referido no “jogo da raposa”. Em suma, o objetivo principal é o de caça a uma raposa, utilizando cães de caça e montaria para tal. Apesar do objetivo envolver a morte da raposa, há uma série de requisitos a serem seguidos. Não apenas por estes estarem envoltos nas regras da competição, mas para proporcionar uma “boa caçada”. Entende-se a boa caçada como a liberação de tensões a partir deste esporte, o qual detém seu momento de catarse, ao pegar a raposa, porém sobre condições extremas de perigo controlado. É algo levantado ao logo do livro, ou seja, sob que condições que não a da morte e violência, as tensões são expurgadas? Existe de fato um ponto de corte coletivo para que o desporto satisfaça a necessidade de excitação? Assim, recorrendo a análise configuracional de Elias, vê-se que apesar do lazer, da excitação e do sair da rotina deter níveis individuais, a aceitação do grupo e os limites sociais sempre devem estar atrelados, satisfazendo-se mutuamente.
Ainda na Inglaterra, os jogos que primeiramente eram destinados a elite
como forma de lazer, logo chegaram a classe trabalhadora, assumindo inclusive novos formatos e sentidos. Inclusive destaca-se o pioneirismo inglês nas adaptações de esportes e jogos populares na reconfiguração como desporto (ELIAS; DUNNING, 2019, p.319). A busca pela excitação não apenas atrela-se aos praticantes diretos, mas a seus espectadores. Na Inglaterra contemporânea, pretensamente civilizada, os torcedores de diferentes equipes futebolísticas assumiram características peculiares de violência. Não mais relacionado as questões dentro de campo, mas influenciados diretamente pelo que acontecia fora dele. Aos atores denominou-se como Hooligans e aos processos denotados de seus atos e comportamentos de “hooliganismo”. Dunning dirigiu especial atenção ao estudo deste grupo, visto que distanciava-se e por vezes antagonizava o processo civilizatório proposto por Elias. Elias propunha a civilidade como um refinamento das maneiras, algo o qual nos distanciaria da violência, a partir inclusive do controle das tensões e de seus mecanismos sociais. No entanto o hooliganismo apresenta-se como um formato empoderador das classes mais baixas, perante a exclusão social promovida pela elite. Tidos por vezes como “os rudes”, a estes não apenas atribuiu-se a selvageria fora de campo, mas maneiras de asseio e linguajar tidos como repulsivos em diferentes esferas sociais. No entanto, seria esta uma construção real, ou mero artifício burguês para impossibilitar a aproximação e consecutiva solução, das dores deste grupo? Se em um primeiro momento a prática excludente de diferentes esportes ligava-se a necessidade masculina de empoderar-se como “macho”, seria a inserção das mulheres nos jogos e até mesmo atos de violência cometidos por ambos os sexos, algo que descaracterizaria a violência como um ato masculinizante?
Apesar de Elias e Dunning proporem o mimetismo nas práticas
desportivas, um espelhamento parcial das condições sociais, em especial na necessidade de liberação das tensões, ao enxergar movimentos como o hooliganismo, vê-se que para além da prática, seus espectadores são componente fundamental para compreender esta nova, ou não, referência de civilidade.
Existem cento e uma maneiras de dominarmos as nossas
emoções – por uma boa razão. Se toda a gente atenuasse ou eliminasse as restrições, toda a estrutura da nossa sociedade se desfazia [...] (ELIAS; DUNNING, 2019, p.241)
Enxergar para além do que acontece dentro da área de prática do jogo,
passa pelo processo de profissionalização pelo qual estes se encontram. O jogo que em um primeiro momento é tido dentro do espectro do lazer, voltado a liberação de tensões e sendo um antagonista, por vezes famigerado do trabalho, no desporto tornou-se como emprego, carreira e sustento. O atleta que até então em seu cerne era amador, aquele que ama, não mais pratica esporte para aliviar as tensões de seu trabalho, visto que este agora é de fato seu labor. Assim, onde mais este aliviaria suas tensões, senão pelo jogo? Seu papel de entreter, de ator é agora levado ao extremo do espetáculo, deixando a prioridade do prazer de si, para os outros.
Autores como Guy Debord compartilha com Elias as bases marxistas da
escola de Frankfurt. Para Debord o processo de espetacularização, deturpa o cerne do que esta a acontecer, desviando-o para o mercado de consumo. “O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social” (DEBORD, 2016, p.30). No entanto Elias e Dunning de forma alguma demonizam o espetáculo, sendo apenas lúcidos quanto ao fato deste existir e assim como o desporto, possuir suas próprias configurações sociais. O desporto agora destinado a resultados, não apenas para os atletas, mas para sua equipe, seus fãs e patrocinadores. Seria agora a busca pela excitação do olhar, mais intensa e propícia que a proporcionada pela prática? Visto que de acordo com Elias e Dunning a prática superior dos atletas, frustra os amadores, fazendo com que estes sintam-se inferiores, baseando-se meramente em um processo de imitação.
Por fim a obra “A busca da excitação: Desporto e lazer no processo
civilizacional”, mostra-se como uma obra de referência para a sociologia do esporte e demais profissionais da área. Apesar de diferentes conceitos lançados pelos autores, alguns na década de 1960, ainda serem compartilhados, vê-se a necessidade de utilizá-los com parcimônia. Como a própria obra expunha, o processo civilizatório está em constante mudança e adapta-se não apenas ao momento, mas ao grupo analisado. É necessário ter-se como base as diferentes reflexões, em especial sobre a violência, apresentadas no livro, para que a partir de observações contemporâneas busque-se alternativas para o entendimento, e porque não, do controle das mesmas.
Aos profissionais envoltos no universo esportivo, compreender o fulcro da
violência no esporte é manutenir como já apresentado, a própria prática desportiva. Seja esta orientada para o lazer ou rendimento, como praticante ou como espectador, o desporto e suas configurações mudam a todo momento. Para influenciar positivamente o processo, é preciso estar a par destas mudanças. REFERÊNCIAS
DEBORD, Guy, A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Ed. Contraponto,
2016.
ELIAS, Norbert e DUNNING, Eric A Busca da Excitação: Desporto e Lazer no
Processo Civilizacional. Lisboa, Edições 70, 2019.
NORBERT ELIAS FOUNDATION, 2019. Disponível em: < http://norbert-