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EBOOK - Elas Na Advocacia - V 2
EBOOK - Elas Na Advocacia - V 2
ESA – OAB/RS
ELAS NA ADVOCACIA II
Porto Alegre
2021
Copyright © 2020 by Ordem dos Advogados do Brasil
Capa
Carlos Pivetta
CONSELHO PEDAGÓGICO
CORREGEDORIA
Corregedores Adjuntos
Maria ErcíliaHostyn Gralha,
Josana Rosolen Rivoli,
Regina Pereira Soares
OABPrev
COOABCred-RS
SUMÁRIO
PREFÁCIO – Rosângela Maria Herzer dos Santos e Fernanda Corrêa Osorio ......... 13
PALAVRA DO PRESIDENTE
Ao receber a relação dos artigos do e-book "Elas na Advocacia II", duas situações
imediatamente me chamaram a atenção: a diversidade dos temas propostos e a intensidade
da participação das advogadas. Discriminação, segurança, maternidade, filhos e impactos
profissionais, saúde e desporto feminino, mulheres protagonistas, Direitos Humanos e temas
constitucionais de grande relevância, entre outros, fazem parte da diversidade de assuntos
abordados. É essa riqueza de abordagens que permite afirmar que se trata de uma obra de
leitura obrigatória na realidade atual.
Boa leitura!
Ricardo Breier
Presidente da OAB/RS
12
MENSAGEM
Existem muitos fatores que fazem com que as mulheres não encontrem as mesmas
condições que os homens para ocuparem espaços e darem visibilidade a seu trabalho na
advocacia: desigualdades visíveis e invisíveis que, em razão do gênero, impõem às mulheres
desafios e obstáculos a mais.
A Seccional do Rio Grande do Sul mais uma vez valoriza o trabalho das
advogadas gaúchas garantindo a elas o direito de mostrarem sua competência e de
ocuparem espaços de notoriedade. A Comissão da Mulher Advogada e a Escola Superior
da Advocacia da Seccional do Rio Grande do Sul estão de parabéns.
PREFÁCIO
Os cinquenta e sete artigos trazidos nesse e-book tratam dos mais diversos temas
relevantes para a advocacia e sobre eles são lançados múltiplos olhares promovendo uma
abordagem interdisciplinar dos fenômenos e da ciência jurídica. A coletânea, nesse sentido,
retrata a relação dialogal que a Escola Superior da Advocacia do Rio Grande do Sul
(ESA/OAB-RS), braço cultural da Ordem dos Advogados do Brasil, mantém com Comissão
da Mulher Advogada da OAB-RS (CMA/OAB-RS), reproduzindo a relação indissociável
entre educação e direitos humanos, tendo a igualdade de gênero como uma das suas metas e
o conhecimento como caminho para a construção de uma sociedade solidária, comprometida
com o respeito pela dignidade de todos.
Aos leitores e às leitoras, desejamos uma boa e profícua leitura e que esta obra sirva
de inspiração para que a advocacia siga combativa na busca pela igualdade entre mulheres e
homens, pela liberdade e autonomia na vida cotidiana, sobretudo, nos espaços de liderança
e de poder.
APRESENTAÇÃO
Resumo: Esse breve estudo visa refletir sobre a superação das dificuldades que obstam a
proposta de implementação de cursos de graduação em Direito integralmente à distância,
especialmente diante de consequências sociais e profissionais apontadas a partir da
fiscalização implementada pelo Ministério da Educação e pela Ordem dos Advogados do
Brasil, indicativas da má qualidade do ensino, gerando massivas reprovações no Exame de
Ordem e falta de atingimento das metas para obtenção de selo de qualidade pela OAB. O
estudo alerta quanto à necessidade de superação dos antigos métodos de ensino, calcados
num aprendizado tradicional, dogmático, alijado do aluno como centro desse aprendizado e
inibidor de uma visão intercultural e globalizante.
INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Direito das Relações Internacionais e da Integração na América Latina (UDE-Uy). Especialista
em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Especialista em Direito Processual Civil. Professora do
Instituto Brasileiro de Direito (IBIJUS). Advogada Pública - OAB/RS nº 47.576.
2
Em 11 de março de 2020, a OMS declarou pandemia causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2).
17
Esse contexto social conduz à necessária conclusão de que o direito à educação está
ligado a propósitos constitucionais maiores, que cravam pilares no tecido social, visando
o desenvolvimento do país, a ampliação da pesquisa científica e tecnológica.
Com efeito, a finalidade do ensino jurídico é entregar profissionais com capacidade
reflexiva e crítica, capazes de atuar na proteção aos direitos fundamentais, dentro de um
sistema que preste homenagem aos valores e princípios. Não é sem razão que, segundo
o artigo 133 da Constituição da República, “o advogado é essencial à administração da
justiça”.
Nesse contexto, as novas diretrizes curriculares da graduação em Direito, estipuladas
na Resolução CNE/CES nº 5, de 17 de dezembro de 2018 do Ministério da Educação (MEC),
estabelecem que os cursos de Direito devem contribuir com a formação do perfil do
graduando, mediante o atingimento de determinadas competências que perpassam uma
formação geral, humanística, domínio da terminologia jurídica, capacidade de
argumentação, aliado a uma postura reflexiva e cidadã3.
Dessa forma, a implementação de cursos jurídicos integralmente à distância terá de
propiciar ao estudante o desenvolvimento dessas competências necessárias ao exercício
profissional, missão que deve se socorrer do uso de metodologias ativas e de todas as formas
de ensino mais consentâneas com a formação condizente aos estudantes do século XXI.
A partir desse contexto, que exige capacidade crítica e comprometimento social,
pretende-se promover a reflexão a fim de averiguar se basta aos propósitos de
desenvolvimento social no país, o mero acesso ao ensino integralmente à distância, despido
da avaliação de todo o entorno pelo qual trafegam os profissionais do Direito.
Faz-se mister, inclusive, adequar o ensino jurídico dentro desse novo cenário virtual,
concatenando o conteúdo à tecnologia da informação, sem perder de vista as habilidades
comportamentais (soft skills) cada vez mais pertinentes ao bom profissional, habilidades
estas que complementam o perfil técnico do profissional (hard skills).
3
Art. 3º O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral,
humanística, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, capacidade de
argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, além do domínio das formas
consensuais de composição de conflitos, aliado a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a
capacidade e a aptidão para aprendizagem, autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício do Direito,
prestação da justiça e ao desenvolvimento da cidadania.
Parágrafo único. Os planos de ensino do curso devem demonstrar como contribuirão para a adequada formação
do graduando em face do perfil almejado pelo curso
19
O caminho não é simples pois o acesso ao ensino não pode ser divorciado das suas
finalidades: obtenção de emprego, formação profissional adequada, satisfação pessoal,
preparação ao mercado de trabalho saturado e competitivo, desempenho de um serviço
adequado como propósito de cidadania e, daqui em diante, igualmente adequado às normas
de biossegurança.
Nesse cenário, também pesam os números expressivos de reprovações no Exame de
Ordem, o alto investimento exigido à preparação dos candidatos aos concursos públicos, alta
competividade no mundo do trabalho, inevitáveis frustações e tudo o mais que pese sobre os
ombros quando os sonhos não se sustentam em sólidas bases.
Antes da abertura desordenada das portas do ensino jurídico, merecem destaque
vozes que clamam pela sua urgente melhoria. Nesse sentido a lição de Rafael Fonseca
Ferreira (2016, p. 23-24) acerca da crise no ensino jurídico brasileiro:
4
” Pesquisa realizada pela FGV Projetos mostra que, nos últimos 4 anos, 8 em 10 candidatos são reprovados
no Exame de Ordem da OAB (Ordem de Advogados do Brasil). A taxa de reprovação é de 82,5%”. Disponível
em: <https://www.editoraforum.com.br/noticias/de-cada-10-candidatos-8-sao-reprovados-no-exame-de-
ordem/#:~:text=Pesquisa%20realizada%20pela%20FGV%20Projetos,%C3%A9%20de%2082%2C5%25.>.
Acesso em 03 agosto 2020.
23
O olhar lançado por Bacich e Moran (2018), no prefácio que inaugura a obra
“Metodologias Ativas para Uma Educação Inovadora” é inspirador nesse sentido:
CONCLUSÃO
sociedade em rede5, na aventura da inteligência artificial, cuja modernidade desafia cada vez
mais um olhar humanizante.
REFERÊNCIAS
BACICH, Lilian. MORAN, José. Org. Metodologias Ativas para uma Educação
Inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.
BRASIL. Câmara dos Deputados. PL 5749/2013. Altera a Lei 8.906, de 04 de julho de 1994,
dispondo sobre a criação da figura do paralegal. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=580518>.
Acesso em 06 de junho de 2020.
BRITO, Daniel Higa Souza. A Sala de Aula Invertida e o Ensino Jurídico no Brasil:
desafio na incorporação do uso das tecnologias da informação e comunicação como
instrumentos no processo de construção do conhecimento. Educação de Qualidade e
Desenvolvimento na Lusofonia. coord. COUTINHO, Francisco Pereira; OLIVEIRA,
Emillin de. Editora Universidade Nova de Lisboa. Portugal: 2019, p. 103-14. Disponível em:
<https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-
>PT&as_sdt=0%2C5&q=A+Sala+de+Aula+Invertida+e+o+Ensino+Jur%C3%ADdico+no
+Brasil%3A+desafio+na+incorpora%C3%A7%C3%A3o+do+uso+das+tecnologias+da+in
forma%C3%A7%C3%A3o+e+comunica%C3%A7%C3%A3o+como+instrumentos+no+pr
ocesso+de+constru%C3%A7%C3%A3o+do+conhecimento&btnG=>. Acesso em 03 de
agosto de 2020.
5
Castells (2016, p. 128), na obra a Sociedade em Rede, refere “o paradigma da tecnologia da informação não
evolui para seu fechamento como um sistema, mas rumo à abertura como uma rede de acessos múltiplos. É
forte e impositivo em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico.
Abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus principais atributos”.
25
MORAES, Guilherme Peña. Curso de Direito Constitucional. 8ª edição. São Paulo: Atlas,
2016.
Resumo: A atualidade do tema foi imprescindível para sua escolha, diante de um quadro de
alterações legislativas previdenciárias constantes, e também pelo fato de os direitos das
mulheres serem alvo de grandes restrições pela Emenda Constitucional n.º 103/19, que
afastam a concretização do princípio da isonomia e promovem ainda mais desigualdade
social. Com enfoque na perspectiva de gênero, o presente artigo analisará a diferença no
acesso a proteção social previdenciária para o risco de velhice entre homens e mulheres, bem
como a ausência de superação das discriminações de gênero no mercado de trabalho que
justifiquem o aumento do critério etário para aposentadoria das mulheres. O objetivo central
deste artigo é demonstrar que as restrições as prestações previdenciárias impostas as
seguradas, ferem vários princípios, de forma ainda mais acentuada o da igualdade material
e isonomia de tratamento. Nesta pesquisa será utilizado o método de abordagem dedutivo,
uma vez que, se partirá de generalidade e premissas relacionadas ao tema proposto, para
sugerir a aplicação das conclusões obtidas em casos particulares.
Palavras-chave: Mulheres. Direitos. Igualdade Material. EC n.º 103/2019
INTRODUÇÃO
1
Advogada, especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Anhanguera de Passo Fundo, em Direito
do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Meridional IMED, e Direito Previdenciário pela a
Faculdade Damásio de Jesus, OAB/RS 80.684, e-mail: adrianagoesadv@gmail.com.
2
Advogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós Graduanda
em Direitos Humanos e Constitucional pelo Ius Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra. E-mail: natachabublitz@gmail.com.
27
e homens como instrumento de correção das desigualdades, sob pena de perpetuarmos uma
posição desigual entre mulheres e homens nas prestações previdenciárias e na cobertura dos
riscos socias.
3
DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 7. ed. São Paulo:
LTR, 2001, p 107.
4
BRASIL. Constituição Federal de 1934. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm >, acesso em 06 de janeiro de 2020.
5
BRASIL. Constituição Federal de 1946. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm >, acesso em 07 de janeiro de 2020.
29
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais:
§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal,
bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de
economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade
social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização
da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. 8
6
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>, acesso em 06 de janeiro de
2020.
7
BERWANGER, Jane L. W; VERONESE, Oscar. Constituição: Um Olhar sobre Minorias Vinculadas à
\fyucSeguridade Social. Curitiba: Juruá, 2014.
8
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>
9
Art. 1º da Lei 5.859/72, revogada pela LC 150/2015 - Ao empregado doméstico, assim considerado aquele
que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito
residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei.
30
Complementar n.º 150/2015, representando um grande avanço também no que tange aos
direitos previdenciários, pois estendeu ao segmento as prestações de salário família e auxílio
acidente.
A evolução legislativa foi significativa em relação aos direitos das mulheres, uma
vez que a categoria de empregados domésticos era – e ainda é – ocupada majoritariamente
por mulheres.10
As dificuldades de inserção e manutenção das mulheres no mercado de trabalho são
históricas. No ano de 1979 ocorreu a Convenção da ONU (Organização das Nações Unidas)
sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que objetivou o
combate à discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade, também
englobando a necessidade de a remuneração ser igual entre homens e mulheres para trabalho
de igual valor.11
A quarta Conferência sobre a Mulher das Nações Unidas, realizada em Pequim em
1995, identificou os problemas relacionados à igualdade de gênero e os dividiu em doze
áreas críticas, entre elas a desigualdade quanto à participação nas estruturas econômicas, nas
atividades produtivas e no acesso a recursos. Entre as inovações consubstanciadas na
Conferência, a conceituação de gênero como “um produto de padrões determinados social e
culturalmente e, portanto, passiveis de modificação veio juntar-se a ênfase no tratamento da
situação da mulher sob a perspectiva de direitos, o que implica reconhecer que a
desigualdade entre homens e mulheres é uma questão de direitos humanos, e não apenas uma
situação decorrente de problemas econômicos e sociais a serem superados. ” 12
Em 2010, ocorreu a chamada Pequim mais 15, oportunidade em que foi apresentado
entre os principais avanços a revogação de leis discriminatórias. No mesmo ano, foi criada
a ONU Mulher, tendo em seus objetivos promover a igualdade de gênero e empoderamento
das mulheres.
Apesar de as reivindicações referentes às condições de trabalho equânimes entre
homens e mulheres surgirem há muito tempo, permanecem atuais as situações de
10
MATIJASCIC, Milko. Previdência para as Mulheres no Brasil: reflexos da inserção no mercado de trabalho.
Texto para Discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2016, acesso em 07 de janeiro de
2020.
11
BERWANGER, Jane L. W.; VERONESE, Osmar. Constituição: Um Olhar sobre Minorias Vinculadas à
Seguridade Social. Curitiba: Juruá, 2014.
12
Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a mulher – Pequim, 1995 – Disponível
em < http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/03/declaracao_beijing.pdf> Acesso em 24 de
maio de 2020.
31
desigualdade. É o que se depreende, por exemplo, dos dados divulgados pela ONU
(Organização das Nações Unidas) em 2019, no relatório “Progresso das Mulheres no Mundo
2019-2020: Famílias em um mundo em mudança” ao analisar como as mulheres são afetadas
pelas mudanças que estão ocorrendo nas famílias:
13
ONU – ORGANIZAÇAO DAS NAÇÕES UNIDAS. Progresso das Mulheres no Mundo 2019-2020:
Famílias em um mundo em mudança, disponível em <http://www.onumulheres.org.br/noticias/novo-relatorio-
da-onu-mulheres-apresenta-uma-agenda-politica-para-acabar-com-a-desigualdade-de-genero-nas-familias/>.
Acesso em 07 de janeiro de 2020.
14
DIEESE – DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS
SOCIOECONÔMICOS. A Inserção da Mulher no Mercado de Trabalho da Região Metropolitana de Porto
Alegre. Disponível em < https://www.dieese.org.br/analiseped/2018/2018pedmulherpoa.html >, acesso em 07
de janeiro de 2019.
32
em relação ao do homem branco ocupado (76,2%) era menor que essa razão entre mulher e
homem de cor preta ou parda (80,1%), segundo pesquisa elaborado pelo IBGE.15
No que toca aos motivos do menor nível de participação feminina no mercado de
trabalho, Flaviano Nicodemos de Andrade Lima demonstra que um dos principias motivo
da dificuldade de permanência no mercado de trabalho é a divisão sexual das tarefas:
Percebe-se que vários são os motivos que afastam as mulheres em idade ativa do
mercado de trabalho, seja pela discriminação histórica, que oferece melhores condições de
empregabilidade aos homens, seja pela maternidade, casamento ou cuidados com o lar, o
fato é que há grande dificuldade para que a segurada atinja os requisitos a concessão das
prestações previdenciárias.
Ainda que a participação da mulher no mercado de trabalho tenha aumentado nos
últimos anos e que a discriminação por razão de sexo seja proibida pela legislação,
configurando uma igualdade formal, percebe-se que os homens e as mulheres possuem uma
posição desigual na sociedade, bem como que ascendem de forma diferenciada aos recursos,
não possuindo uma igualdade material.
A participação das mulheres em atribuições de liderança e comando das organizações
encontra barreiras sutis discriminatórias e perceptíveis que influenciam em oportunidades
de carreiras ao gênero feminino e progressão profissional, caracterizando o fenômeno
denominado teto de vidro.
15
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Mulheres no mercado de
trabalho. Disponível em < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-
noticias/releases/23923-em-2018-mulher-recebia-79-5-do-rendimento-do-homem>, acesso em 08 de janeiro
de 2019.
16
Lima, Flaviano Nicodemos de Andrade; Kertzman, Ivan (Org.); Amado, Frederico (org). O fim da
aposentadoria por tempo de Contribuição. In: Estudos Aprofundados sobre a Reforma da Previdência:
Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
33
por idade em relação ao homem, também previu a diminuição de cinco anos no tempo de
trabalho, na sua modalidade integral ou proporcional17:
17
A modalidade de aposentadoria proporcional não estava disponível para as mulheres por ocasião da edição
da Lei Orgânica de Previdência Social - Lei 3.807/60.
18
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em <
https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_202_.asp>, acesso em 08 de
janeiro de 2020.
19
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>, acesso em 08 de janeiro de 2020.
35
20
Disponível em <https://www2.jfrs.jus.br/noticias/jf-em-carazinho-concede-auxilio-doenca-parental-para-
mae-cuidar-da-filha-com-grave-enfermidade/>, acesso em 08 de janeiro de 2020.
21
Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário
faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências, (art.
24 da Lei 8.213/91).
Art. 25. Da Lei 8.213/91 - A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social
depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais; [...]
22
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>, acesso em 08 de janeiro de 2020.
23
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm>, acesso em 08 de janeiro de 2020.
36
princípios ou como o diálogo das fontes existentes, pois não há como aplicar a
teoria pentadimensional sem demonstrar no mínimo a isonomia afetada ou outras
ilegalidades que há na norma julgada. 24
Registre-se que ao menos em relação a idade da mulher trabalhadora rural nada foi
alterado, que continua a aposentar-se aos 55 anos. Por outro lado, a aposentadoria por idade
“híbrida”, em que o Segurado pode somar períodos de trabalho rurais e urbanos para
preencher a carência de 180 contribuições, deverá observar o requisito etário de 62 anos após
a alteração do texto constitucional.
A mulher professora, além do tempo mínimo de 25 anos na função de magistério,
passou a ser exigida a idade mínima de 57 anos, requisito inexistente na legislação anterior.
Destaca-se que em relação ao homem professor o tempo na atividade de magistério passou
de 30 para 25 anos, o que até poderia ser considerado um benefício, não fosse a limitação de
60 anos imposta.
24
Alves, Hélio Gustavo. Teoria Pentadimensional do Direito. São Paulo: LTr, 2019.
25
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>, acesso em 08 de janeiro de
2020.
37
3. PRINCÍPIOS
26
BRASIL,Emenda Constitucional n.º 103/2019, em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm>, acesso em 08 de janeiro de
2020.
38
No mesmo sentido, sobre a força normativa dos princípios, Canotilho afirma que “A
teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios [...]
Abandonar-se-á aqui essa distinção para, em sua substituição, se sugerir: (1) as regras e
princípios são duas espécies de normas; (2) a distinção entre regras e princípios é uma
distinção entre duas espécies de normas. ”29
No caso em apresso estar-se-á a analisar a violação não somente de princípios, mas
de direitos fundamentais das mulheres, porquanto ao analisar o tratamento dispensado a
segurada aspira-se a cidadãs, que possuem garantias mínimas.
Merece ainda, ser referido o princípio do não retrocesso social, que consiste na
proteção conferida aos direitos sociais conquistados, que sob nenhuma hipótese poderão ser
suprimidos ou diminuídos, neste sentido cabe referir José Joaquim Canotilho, pois segundo
o autor:
Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos
trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um
determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma
garantia institucional e um direito subjectivo. A “proibição do retrocesso social”
nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica),
mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.:
segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação
do principio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito
27
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da Silva. São Paulo: alheiros,
2008, p. 90.
28
DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 7. ed. São Paulo:
LTR, 2001, p 20.
29
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. Ed. Coimbra:
Almedina, 2003, p.1160.
39
30
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. Ed. Coimbra:
Almedina, 2003, p.1298.
31
Brasil, Decreto nº 56 de 1995. Disponível em
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1995/decretolegislativo-56-19-abril-1995-358490-norma-
pl.html> Acesso em 24 de maio de 2020.
32
PREÂMBULO
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. [...]
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...]
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. (grifo nosso)BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>, acesso em 06.01.2020.
40
frequentemente uma discriminação oculta entre as mulheres, assegurando tão somente uma
igualdade formal e a vedação a não discriminação.
O princípio da igualdade, é subdividido em duas vertentes, a saber: a) a igualdade
formal, que garante tratamento igualitário para todos; e b) a igualdade material, que verifica
o tratamento igual ou desigual, dependendo das situações.
Portanto, a igualdade material pressupõe a eficácia do tratamento isonômico.
Assim, em que pese a melhora na participação das mulheres no mercado de trabalho,
o aumento da exigência etária para as mulheres, sem a efetiva constatação de redução de
desigualdade social, demonstra um retrocesso social incompatível com a ordem
constitucional vigente. Vejamos, não se pretende defender que o princípio da vedação ao
retrocesso social impede a alteração da legislação diante da evolução natural da sociedade,
mas que a mitigação dos direitos sociais deve levar em consideração o núcleo essencial da
norma e, somente alterar quando não houver ofensa ou violação ao seu núcleo essencial, sob
pena de retrocesso social.
A diferenciação no critério etário tem sua origem quanto a participação desigual das
mulheres no mercado de trabalho, de modo que o núcleo essencial da norma consiste na
efetivação do principio da igualdade visando compensar a desigualdade histórica no mercado
de trabalho em consonância com o principio da dignidade da pessoa humana.
A eliminação da diferença na idade de aposentadoria entre mulheres e homens
consiste em um dos objetivos da equidade de gênero, de modo que alteração da legislação
igualando as regras de idade entre mulheres e homens, mesmo que de forma progressiva,
somente não será um retrocesso social quando não houver desigualdade entre gêneros na
sociedade brasileira.
Desta forma, a Emenda Constitucional n.º 103/2019, feriu vários princípios, entre
eles o da igualdade material e a dignidade da pessoa humana, ignorando a luta histórica das
mulheres para obter o mesmo tratamento do que os homens, enquanto buscam conciliar a
vida profissional e os cuidados com a família e a maternidade.
CONCLUSÃO
ingressar neste ambiente e ainda ganham salários mais baixos em relação aos homens, em
que pese, exercerem as mesmas atividades. Ainda, foi verificado a desigualdade tanto no
nível de participação das mulheres no mercado de trabalho quanto no menor nível
remuneratório.
O acesso a previdência social é desigual para as mulheres em virtude da desigualdade
de gênero na permanência no mercado de trabalho gerado pela economia de cuidado. Além
disso, em relação ao valor dos benefícios previdenciários, que possuem como sua base de
cálculo a renda auferida com o trabalho, o menor rendimento das mulheres no mercado de
trabalho resulta em uma menor contribuição previdenciária e, consequentemente, em uma
aposentadoria de valor médio inferior aquelas auferidas pelos homens.
Diante de uma perspectiva de gênero, restou demonstrada a ausência de isonomia
entre homens e mulheres para acesso a proteção social do risco de velhice, bem como a
ausência de superação das discriminações de gênero no mercado de trabalho que justifiquem
o aumento do critério etário para aposentadoria das mulheres.
Esclarecemos, alguns direitos previdenciários das mulheres e em breve síntese as
alterações promovidas pela promulgação da Emenda constitucional n.º 103 de 2019, em
relação ao requisito etário dispensado as seguradas. Por fim, confrontamos estas mudanças
com alguns princípios consagrados no nosso ordenamento jurídico. Verificamos que os
critérios atuais, além de limitarem direitos consagrados historicamente distanciam o alcance
da prestação previdenciária da realidade social das beneficiárias.
A desigualdade de gênero foi utilizada como base para a diferenciação da idade entre
mulheres e homens para atingir o requisito etário de aposentadoria. No entanto, apesar das
grandes mudanças ocorridas nas últimas décadas, persiste a desigualdade no mercado de
trabalho, sendo necessária a adoção de medidas para reconfiguração da sociedade no que
tange a modificação da segregação horizontal denominada piso pegajoso e da segregação
vertical conhecida como teto de vidro. Da mesma forma, é necessária a adoção de política
pública de cuidado, estimulando uma corresponsabilidade nas atividades de cuidados de
filhos, idosos e deficientes.
Assim, a equalização dos requisitos de aposentadoria entre homens e mulheres, deve
ser considerada com norte a seguir, porém sem perder de vista como pressuposto para sua
implementação a efetivação do princípio da igualdade material.
42
Somente quando nossa sociedade for neutra, bem como quando através da promoção
de medidas de fortalecimento das regulações no mercado de trabalho obtivermos a igualdade
material, a igualdade progressiva da idade de aposentadoria de mulheres e homens será uma
medida de reforço de equidade de gênero na previdência social.
Nesse sentido sob a ótica de análise e função dos direitos fundamentais e princípios,
em especial o da isonomia de tratamento e dignidade da pessoa humana consagrado pela
Carta Constitucional, constata-se que as seguradas receberam tamanha discriminação a
ponto de ser elevado o requisito etário, sem a correspondente alteração em relação aos
segurados homens, afastando da valorização do trabalho da mulher e efetivação dos direitos
previdenciários.
Joana Mostafa e Outros na Nota Técnica DISOC nº 35/2017 propõe que a medida
que os indicadores da redução da desigualdade de gênero fossem alterando, poderia ocorrer
uma redução do diferencial de idade, levando em consideração a diferença na quantidade de
horas gastas tanto em trabalho produtivo quanto reprodutivo entre homens em mulheres.
Ainda, propõe que deva ser considerado o percentual de homens nos cuidados, diferencial
nas taxas de desemprego e de rendimentos entre os sexos, bem como a taxa de participação
feminina no mercado de trabalho.
Na mesma senda, a adoção de um conjunto de medidas na economia de cuidado
estimulando a corresponsabilidade e adoção de políticas públicas que auxiliem na
diminuição do afastamento da mulher do mercado de trabalho podem ser medidas positivas
para alcançar a equidade de gênero.
Conclui-se que o aumento da idade mínima, apesar de ser meta para eficácia da
equidade de gênero, diante das problemáticas no mercado de trabalho, demonstram que o
aumento da idade mínima fere os princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana.
Verifica-se que atualmente somente alcançamos igualdade formal, para tanto a
adoção de políticas de igualdade material são o caminho para fazer prevalecer a equidade de
gênero, oportunidade em que a igualdade da idade para fins de aposentadoria efetivará o
principio da igualdade tanto formal quanto material.
Enquanto não tivermos uma igualdade material, restrições pela Emenda
Constitucional n.º 103/19 dos direitos das mulheres afastam a concretização do princípio da
isonomia, promovendo ainda mais desigualdade social.
43
REFERÊNCIAS
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Paulo: Malheiros, 2008.
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idades de aposentadoria de homens e mulheres devem ser diferentes? Brasília, DR:
IOEA, 2017. Nota Técnica DISOC, n. 35, 2017.
RESUMO: este estudo trata sobre os danos decorrentes da Reveng Porn, também conhecida
como vingança pornográfica, à luz da legislação brasileira. Analisa os conceitos dessa
conduta que tem ganhado espaço no Brasil, tendo em vista o avanço das tecnologias e acesso
à rede mundial de computadores, que afeta principalmente pessoas do sexo feminino,
baseando-se na atual legislação, como Constituição Federal de 1988, Código Penal, Lei
Maria da Penha (Lei 11.340/06), Lei Carolina Dieckmann (Lei 12.737/2012), Marco Civil
da Internet (Lei 12.965/14), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Tendo
como objetivo identificar o que é a pornografia por vingança e como ocorre, diferencia dos
outros crimes que também tratam de divulgação de fotos íntimas sem consentimento, mas
com outro objetivo que não seja a vingança. Busca expor as consequências e os problemas
decorrentes da divulgação dessas imagens para as vítimas, além das dificuldades enfrentadas
para remoção e punição de quem divulgou o conteúdo. O método de abordagem é o dedutivo
e o método de pesquisa utilizado foi o bibliográfico feito através de livros, artigos, teses,
legislações, bem como a jurisprudência. O artigo está vinculado à linha de pesquisa
Criminologia, Violência e Direitos Fundamentais, sendo a área temática o Direito Penal.
INTRODUÇÃO
de forma rápida e prática. No entanto, há casos em que a praticidade é utilizada com fins de
vingança, como nos casos de divulgação de fotos íntimas (nudes ou durante o sexo) sem
consentimento, principalmente praticadas por cônjuges ou ex-companheiros, que podem
gerar inúmeros transtornos à vítima, que são na maioria dos casos do sexo feminino.
Portanto, questiona-se como o direito brasileiro responsabiliza o autor da chamada
“vingança pornográfica”.
pornográfica), bem como na Lei Maria da Penha considerando como forma de violência a
violação da privacidade.
Assim, tendo em vista que a alteração da legislação é recente (ano de 2018), se faz
necessário analisar como os casos de pornografia por vingança eram juridicamente punidos,
uma vez que, analisados os casos concretos através de julgados, verifica-se que havia forte
divergência quanto a classificação do crime, pois alternava, principalmente, entre injúria e
difamação, ambos os crimes com penas inferiores frente a nova tipificação.
Por fim, serão utilizadas técnicas de pesquisas bibliográficas que se fará por meio de
livros, artigos, teses e legislações. Ainda, será empregada a técnica de pesquisa
jurisprudencial, tendo em vista a necessidade de analisar como eram julgados os casos de
vingança pornográfica no país.
Por volta de 1946 foi criado o primeiro computador eletrônico, sendo assim foi dado
o primeiro passo para o avanço tecnológico que, com o passar dos anos, foi ganhando força
através das inúmeras facilidades, principalmente de comunicação, conquistando assim os
adeptos às novas tecnologias2. Além disso, estudos realizados no ano de 2018 mostraram
que, no Brasil, em torno de 74,7% da população tem acesso à internet 3, ou seja, haviam
aproximadamente 134 milhões de internautas espalhados pelo país4. Segundo pesquisa
realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da
Informação (TIC Domicílios 2019, cetic.br), entre os meios disponíveis para acesso, 99%
das pessoas pesquisadas utilizam o celular para se conectar, 42% os computadores, seguidos
das TVs (37%) e por último os videogames, com 9%5.
internet se tornou o meio mais abrangente de comunicação além de ser “[...] objeto de
diversos estudos acadêmicos pela importância que tem como instrumento democrático de
acesso à informação e difusão de dados de toda a natureza”6.
Esse entendimento também já se faz presente no Senado Federal, pois foi divulgado
na Revista de Informação Legislativa do mês de março 2017 um dos posicionamentos de
como a internet e a divulgação de imagens é entendida. Ademais, considerando que a internet
avança a passos largos, é necessário que haja mecanismos que evitem possíveis danos a
terceiros. Nesse sentido:
Por isso, pode-se observar que a internet está presente na vida dos brasileiros e está
sendo utilizada para os mais diversos fins. No entanto, considerando que há uma facilidade
no acesso aos mais variados conteúdos e há também uma agilidade na troca de mensagens
com os mais diversos teores, surgem novos meios de comunicação, que podem se dar de
maneira positiva ou negativa. Deve-se observar as possíveis formas de danos através da
internet, que variam de acordo com a complexidade do caso, como por exemplo:
A pornografia por vingança consiste “[...] em divulgar em sites e redes sociais fotos
e vídeos com cenas de intimidade, nudez, sexo [...]10 ou coisas similares”, cujo objetivo é a
humilhação da vítima como forma de vingança, que geralmente ocorre após o fim de um
relacionamento11. Ou seja, a vítima, durante o relacionamento produz ou compartilha o
arquivo (fotográfico ou audiovisual) com seu parceiro ou parceira, tendo consentimento, isto
é, por livre e espontânea vontade, porém após o fim do relacionamento esse conteúdo é
divulgado sem a sua devida autorização com intuito de vingança12. Neste sentido, é
importante salientar que, mesmo que o relacionamento tenha acabado, as imagens
produzidas durante esse período podem ainda existir e serem usadas sem consentimento,
uma vez que foi autorizada apenas a produção do conteúdo e não a divulgação. Com isso, o
ex-parceiro se aproveita do teor do conteúdo e utiliza para consumar a vingança
pornográfica.
A vingança pornô não surgiu com a internet, apenas foi facilitada com ela. Antes,
as imagens ou vídeos que eram compartilhados apenas por SMS, e-mail ou por
meio físico agora são postadas em redes sociais ou em grupos de apps de troca de
mensagens e em pouco tempo tornam-se virais, chegando ao conhecimento da
vítima e de todos de seu convívio social 13.
Caso o possuidor das imagens exigir vantagem patrimonial o delito será enquadrado
como crime de extorsão, previsto no artigo 158 do Código Penal. No entanto, se a vantagem
for sexual, sem a exigência de vantagem pecuniária, o indivíduo cometerá crime de estupro
prescrito no artigo 213 do Código Penal, que pode ser tentado ou consumado, que também
pode ser denominado como estupro virtual. Além disso, se o autor passar a constrangem a
vítima a fazer algo que a lei não permite ou não a obriga, poderá ser acusado como autor do
delito de constrangimento ilegal, conforme dispõe o artigo 146 do Código Penal. Assim, a
punição da sextorsão vai depender do caso concreto, ou seja, quando não há intenção de
constranger a honra que alguém17.
Por fim, verifica-se que a vingança pornográfica não se enquadra nos casos frutos do
sexting, tendo em vista que o autor não busca da vítima nenhum tipo de recompensa, seja
ela qual for, pois pretende divulgar a imagem apenas como forma de vingança. O principal
objetivo da pornô vingança é “[...] colocar a pessoa em uma situação constrangedora diante
de amigos, da família, de colegas de trabalho ou mesmo de um grupo indeterminado de
pessoas [...]”18 e fará isso para vingar-se da vítima, o que geralmente ocorre em virtude do
fim do relacionamento.
A mudança de comportamento social que surgiu com o avanço da internet foi capaz
de modificar tudo, inclusive a forma de vingança, como no caso de divulgação de fotos
íntimas sem consentimento, ou seja, a vingança pornográfica. No entanto, a legislação
brasileira só acompanhou essa modificação de comportamento em 2018. Antes desse
período não havia entendimento consolidado, tampouco tipificação que enquadrasse tal
conduta, por isso a grande divergência doutrinária e jurisprudencial quanto a qual tipo penal
a ser aplicado nos casos de pornô vingança, mesmo que o direito à imagem e à segurança da
integridade da mulher estejam garantidos em lei específica e na Constituição Federal.
17Spencer Toth Sydow; Ana Lara Camargo de Castro, Revista dos Tribunais,
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bib
li_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RTrib_n.959.09.PDF (acesso14 out. 2017).
18Chiara Antonia Spadaccini de Teffé, Senado Federal,
https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/54/213/ril_v54_n213_p173.pdf (acesso 21 abr. 2018).
19BRASIL, Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
(acesso16 abr. 2018).
54
quando se fala de intimidade, deve-se observar, como por exemplo, “[…] suas relações
familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos
humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo
etc.”20. Por esse ângulo, há entendimento de que a garantia constitucional pode ser analisada
de forma ampla onde:
20MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13º. ed. - São Paulo: Atlas, 2003. p 53.
21MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – 12 ed. rev.
e atual. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 280
22SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. Contornos do direito à imagem. Revista trimestral de direito civil:
RTDC, v. 4, n. 13, p. 33–71, jan./mar. 2003. p. 44
23BRASIL, Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm (acesso 16
abr. 2018).
24Deivid Pimentel Barbosa de Siena, Jus, https://jus.com.br/artigos/24406/lei-carolina-dieckmann-e-a-
definicao-de-crimes-virtuais (acesso 08 mai. 2018).
55
princípios, direitos e deveres, ou seja, “[...] é uma espécie de "constituição" que vai reger o
uso da rede no Brasil definindo direitos e deveres de usuários e provedores da web no país”25.
Além de reger como deve ser o uso da internet no território brasileiro, e lei também indica
mecanismos e regras para remoção de imagens íntimas que foram divulgadas sem
autorização, sem a necessidade de ordem judicial, com a responsabilização subsidiária do
provedor26.
Importante salientar que o STJ já decidiu com base no Marco Civil da Internet temas
relacionados à pornografia por vingança. Em 19 de maio de 2020, a Terceira Turma do
Supremo Tribunal Federal considerou que:
[…] A "exposição pornográfica não consentida", da qual a "pornografia de
vingança" é uma espécie, constituiu uma grave lesão aos direitos de personalidade
da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de
violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios
jurídicos disponíveis. 5. Não há como descaracterizar um material pornográfica
apenas pela ausência de nudez total. Na hipótese, a recorrente encontra-se
sumariamente vestida, em posições com forte apelo sexual. 6. O fato de o rosto da
vítima não estar evidenciado nas fotos de maneira flagrante é irrelevante para a
configuração dos danos morais na hipótese, uma vez que a mulher vítima da
pornografia de vingança sabe que sua intimidade foi indevidamente desrespeitada
e, igualmente, sua exposição não autorizada lhe é humilhante e viola
flagrantemente seus direitos de personalidade. 7. O art. 21 do Marco Civil da
Internet não abarca somente a nudez total e completa da vítima, tampouco os "atos
sexuais" devem ser interpretados como somente aqueles que envolvam conjunção
carnal. Isso porque o combate à exposição pornográfica não consentida - que é a
finalidade deste dispositivo legal - pode envolver situações distintas e não tão
óbvias, mas que geral igualmente dano à personalidade da vítima. 8. Recurso
conhecido e provido.27
Com isso, para atender a essa determinação legislativa, bem como evitar a divulgação
de imagens íntimas sem consentimento (vingança pornográfica), a conhecida rede social
“Facebook”, no ano de 2019, anunciou que usaria de inteligência artificial para combater a
pornografia por vingança. Tal mecanismo prevê a seguinte forma de atuação:
Além disso, desde 2017, o site conta com um sistema que busca, através de denúncia
dos próprios usuários da rede, para impedir o compartilhamento das imagens. Essa
ferramenta também poderá ser usada nos aplicativos Messenger e Instagram:
Um software de análise de imagens vai manter as fotos fora da rede social, bem
como do serviço de fotos Instagram e do bate-papo Messenger. Os usuários que
compartilharem imagens de vingança pornográfica poderão até ter suas contas
suspensas na rede social, afirmou a companhia 29. (REUTERS, 2017)
Assim como as redes sociais, os sites de pesquisas também estão aderindo a não
proliferação da pornô vingança. Por isso, a empresa Google, conhecida como plataforma de
pesquisa na internet, divulgou uma nota que as imagens relacionadas a este tipo de vingança
poderiam ser retiradas independente de pedidos legais, uma vez que não faz parte do objetivo
da empresa. Segundo o vice-presidente da empresa Amit Singhal “[…] as imagens
relacionadas à pornografia de vingança são intensamente pessoais e emocionalmente
prejudiciais, e servem apenas para degradar as vítimas - predominantemente mulheres”30.
No entanto, é importante lembrar que a empresa não consegue retirar as imagens de sites.
Através dessa análise, percebe-se que as principais redes sociais e sites relacionados
à pesquisa estavam se adaptando ao novo comportamento social, através da criação de
mecanismos para proteger a vítima da pornografia por vingança, principalmente no que se
refere à retirada das imagens da rede mundial de computadores. No entanto, se tratando da
responsabilização penal do indivíduo que divulgou as imagens, até o ano de 2018 não havia
punição específica no ordenamento jurídico, o que gerava grande divergência quanto à
punição a ser aplicada.
O Código Penal apenas elencava os crimes contra honra, como difamação e injúria,
que estão devidamente tipificados nos seus artigos 139 e 140. Assim, verifica-se que o valor
protegido pelo artigo 139 (difamação) é o da honra objetiva e na injúria busca proteger a
honra subjetiva, bem como:
A revenge porn podia ser tipificada como injúria, pois a intenção é ofender a
dignidade e o decoro da vítima, uma vez que quem divulga os arquivos busca denegrir a
imagem da(o) ex-companheira(o) e transmitir a mensagem que ela(e) é desonrada(o), tendo
em vista que criou e compartilhou fotos e/ou vídeos eróticos. Isto é, a conduta “consiste na
imputação (atribuição) de fato determinado, que embora sem revestir de caráter criminoso é
ofensivo à reputação da pessoa que se atribui”32.
Vale lembrar que a pena do crime de injúria é de 1 (um) ano a 6 (seis) meses e multa,
ou seja, se enquadra como crime de menor potencial ofensivo (até 2 anos) o que possibilita
a aplicação das medidas despenalizadoras do Juizado Especial Criminal, regidos pela Lei
9.099/95, que busca maior agilidade e possível conciliação entre as partes 33, além de
procederem mediante queixa.
Divergiu do entendimento doutrinário a 16ª Vara Criminal de Belo Horizonte, uma
vez que entendeu ser difamação a conduta do pron revenge. O caso aconteceu após o fim de
um relacionamento que durou cerca de 04 anos onde o ex-companheiro não aceitou o fim e
passou a ameaçar a vítima “[…] dizendo que divulgaria imagens dela nua se ela não reatasse
o namoro ou se relacionasse com outra pessoa”34. Consequentemente a vítima se recusou a
reatar o relacionamento e teve suas fotos divulgadas através dos aplicativos WhatsApp e
Instagram. Na sentença, a juíza afirmou que:
da vítima, com a exposição da intimidade desta, devastou a vida dos seus pais que
com ela sofreram a cruel e covarde exposição35. (VALENTE; CONRADO, 2016)
35Idem
36Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Jusbrasil, https://tj-
pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20132845/apelacao-crime-acr-7563673-pr-0756367-3?ref=juris-tabs
(acesso: 01 abr. 2018).
37RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Crime nº
70072018161. 2017. Des. José Antônio Deltoé Cezar (Presidente e Revisor) e Desª Lizete Andreis Sebben. DJ:
07 fev. 2017.
59
na forma do artigo. 69, caput, do CP, à pena de 01 mês e 20 dias de detenção; 25 dias de
prisão simples e 04 anos de reclusão.”38. Por fim, em sede de apelação, a pena de reclusão
foi alterada para restritiva de direitos, sendo revogada a prisão39.
Com isso, é possível perceber a dificuldade que existia para a tipificação desse crime,
uma vez que não havia uma posição doutrinária nem jurisprudencial pacífica quanto a qual
crime cometia o divulgador das imagens íntimas sem consentimento. Nesse sentido lastimou
a juíza Marixa Rodrigues pois, “lamentavelmente, no Brasil ainda não existe o tipo penal
específico de pornografia de vingança”40. Ademais, a falta de tipificação quanto ao tipo penal
dificultava principalmente a punição do autor do fato, o que aumentava a insegurança da
vítima do reveng pron.
38Idem
39Idem
40Gabriel Reis Cheves, Ipecont, http://www.ipecont.com.br/blog/wp-content/uploads/2016/07/Pressclipping-
em-18-julho-2016.pdf (acesso em 26 mai. 2018).
41BRASIL, Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm (acesso 20 de
ago. 2020).
60
Considerando que na maioria dos casos o crime ocorre por vingança de atuais ou ex-
companheiros por problemas do relacionamento, como eventuais brigas, o artigo inclui o
seguinte aumento de pena “§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se
o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a
vítima ou com o fim de vingança ou humilhação”. Ademais, no parágrafo 2º, houve a devida
ressalva quanto a exclusão da ilicitude do crime, como nos casos de publicação de natureza
jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a
identificação da vítima, sendo necessária a prévia autorização nos casos de maior de 18 anos.
Ainda, foi acrescido o art. 225, o qual determina que a prática de qualquer ação descrita no
caput se procede mediante ação penal pública incondicionada.
A Lei 13.772, de 19 de dezembro de 2018 reconheceu a violação da intimidade da
mulher como violência doméstica e familiar, bem como criminalizou o registro não
autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e
privado. Tal lei alterou o art. 7º da Lei Maria da Penha, que enumera as formas de violência
doméstica e familiar contra a mulher, especificadamente o inciso II, incluindo no rol das
ações que configuram violência psicológica a violação da intimidade. Ou seja, a violência
física, psicológica, sexual, patrimonial e moral são algumas das formas de violências, que
estão dispostas nos incisos do artigo42.
O direito da mulher também está protegido através da Lei Maria da Penha que, como
elencado no artigo 6º desse diploma legal, considera violência doméstica contra a mulher
casos de sofrimento psicológico e dano moral, bem como trata como violação dos direitos
humanos. O artigo 5º da lei 11.340/2006 conceitua a violência contra a mulher da seguinte
maneira: “[…] qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial [...]” (BRASIL,
2006)43. Assim, Cunha (2017) complementa que:
Se a conduta é cometida contra a mulher na forma de um dos incisos do art. 5º da
lei nº 11.340/06, aplica-se o sistema de proteção especial em decorrência de
violência doméstica e familiar, pois, como estabelece o caput do mesmo art. 5º,
caracteriza-se esta espécie de violência inclusive nas situações em que da conduta
resulta sofrimento psicológico. 44
Além disso, acrescentou o Capítulo I-A no Código Penal que trata da exposição da
intimidade sexual, incluindo o art. 216-B que considera crime o registro não autorizado da
intimidade sexual. O artigo diz:
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo
com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem
autorização dos participantes: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e
multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em
fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em
cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo” 45.
Portando, consolidada essa nova dinâmica das relações sociais e dos meios de
comunicação, foi necessário modificar a legislação brasileira, pois os comportamentos vistos
hoje jamais seriam imagináveis a poucos anos atrás. A vingança pornográfica surgiu através
dessa mudança, mesmo que recente, que gera situações constrangedoras e até traumáticas
para a pessoa que tem sua intimidade compartilhada sem consentimento através da internet.
Ademais, verifica-se que esse tipo de vingança, além de ser uma grave violação a direitos
fundamentais (dignidade da pessoa humana, honra e privacidade), é uma violência de
gênero, pois, como anteriormente mencionado, a maioria das vítimas são do sexo feminino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do presente estudo, se pôde notar que o avanço da internet modificou os
comportamentos sociais em geral. A nova dinâmica dos meios de comunicação facilitou o
acesso aos mais diversificados conteúdos disponíveis na rede mundial de computadores,
possibilitando que qualquer pessoa em qualquer lugar acesse, salve e compartilhe qualquer
tipo de conteúdo, independentemente do teor, de forma rápida, prática e eficiente.
Com isso, essa facilidade também deu origem à vingança pornográfica, que pode ser
qualificada como uma forma de vingança que utiliza dos meios de comunicação virtual para
divulgar conteúdo íntimo. A produção do conteúdo pode ser, inclusive, consensual, porém,
a divulgação não. Esses fatos geralmente ocorrem com vítimas do sexo feminino e geram
situações constrangedoras, violadoras de direitos fundamentais como o princípio da
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VALENTE, Jonas. Brasil tem 134 milhões de usuários de internet, aponta pesquisa.
Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-05/brasil-tem-134-
milhoes-de-usuarios-de-internet-aponta-pesquisa>. Acesso em: 20 ago. 2020.
66
Resumo: A instituição da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no Brasil criou
demandas ainda não tratadas – nem mesmo internacionalmente. A partir de um conceito e
analogia da hipervulnerabilidade do consumidor com o titular de dado pessoal, faz-se um
paralelo quando a lacuna encontrada na nova legislação e a necessidade de normatização e
jurisprudência a fim de ver protegida e garantida aquela parte mais fraca na relação jurídica.
Palavras chave: Hipervulnerabilidade, Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, Direito
INTRODUÇÃO
A lei reconheceu, ainda que de forma tácita, a vulnerabilidade do titular de dados, tal
qual àquela apresentada pelo Código de Defesa do Consumidor visto que, aquele que trata
dado de outrem com finalidade comercial, muitas vezes pode o fazer sem o devido cuidado
ou até mesmo, em alguns casos, ultrapassar limites mínimos da boa-fé na relação.
1
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – Uniritter. Especialista em Direito Civil e
Processual Civil pelo Centro Universitário Ritter dos Reis. MBA em Auditoria e Compliance pela Universidade
La Salle. Membro da Comissão Especial de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RS. Advogada –
OAB/RS 98.818. <amandaif92@gmail.com>
2
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – Uniritter. Especialista em Direito Civil e
Processual Civil pelo Centro Universitário Ritter dos Reis. MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela
Unopar, MBA em Auditoria e Compliance pela Universidade La Salle. Membro da Comissão Especial de
Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RS. Membro da Comissão de Direito Tecnologia e Inovação da
OAB/RS. Advogada – OAB/RS 93.589. <vitoria.bernardi@gmail.com>
67
sujeitos de direito, que são considerados hipervulneráveis, diante de suas próprias condições
especiais, tais como os idosos, os deficientes e os iletrados.
O Direito reconhece, cada vez mais, o ser humano como fonte de escolhas
íntimas que devem ser respeitadas, sejam por pessoas públicas, sejam privadas,
garantindo a autonomia moral, racional e existencial. As liberdades existenciais e a
autodeterminação crescem e ficam mais fortes neste século3.
A autodeterminação, um dos princípios fundamentais dos direitos humanos
– que significa autonomia através da auto regulação, está presente nos mais variados
campos e se mostra como um projeto de vida aos considerados incapazes pelo Direito
Civil. Neste contexto, tem-se a recente legislação de proteção de dados no Brasil (Lei
13.709/2018), que vem como forte evidência de que vivenciamos o despertar para a
proteção de novos interesses e direitos, cuidando dos mais vulneráveis.
Martins-Costa4 pontua que o termo vulnerabilidade surgiu, inicialmente, para
tratar discussões bioéticas, no Belmont Report, desenvolvido pela Comissão
3
FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Braga. ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil, 4ª
Ed., Editora Juspodivm, Salvador, 2019. p.328
4
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 300.
68
5
FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Braga. ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil, 4ª Ed., Editora Juspodivm,
Salvador, 2019. p. 331.
6
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial
Pons, 2015, p. 300.
69
7
FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Braga. ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil, 4ª Ed., Editora Juspodivm,
Salvador, 2019. p.341.
8
ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. 1ªEd. Editora Juspodivm, Salvador,
2016. p. 461-462.
70
9
Código Civil. Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência
elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança,
para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e
informações necessários para que possa exercer sua capacidade.
10
CHERTMAN, Fernando. Vulnerabilidade de consumo por analfabetos. Disponível em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8161. Acesso em 31/08/2020.
11
Art. 7º, I, LGPD.
12
BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 2ª Ed.Editora Forense. Rio de Janeiro, 2020.
p. 139-141.
71
A VULNERABILIDADE NO CDC
13
FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Braga. ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil, 4ª Ed., Editora Juspodivm,
Salvador, 2019. p. 357.
72
A AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA
O conceito de autodeterminação informativa, em que pese estivesse previsto
na doutrina norte-americana, ganhou força com a decisão da Corte Constitucional
Alemã, a respeito do recenseamento de 1983. A sentença utilizou a expressão para
designar o direito dos indivíduos de “decidirem por si próprios, quando e dentro de
quais limites seus dados pessoais poderiam ser utilizados”14. O julgado é
paradigmático, pois abriu espaço para a discussão sobre a existência de um direito
autônomo quanto à proteção de dados pessoais em relação à personalidade, e
tratando-a como uma evolução do direito à privacidade15.
A Lei Geral de Proteção de Dados estabelece como fundamentos da proteção
de dados pessoais, a garantia dos direitos fundamentais e o livre desenvolvimento da
personalidade, além do desenvolvimento econômico-tecnológico e a inovação16.
Portanto, estabelece uma dialética normativa de conciliação dos elementos, cujo
principal vetor para alcançar este intuito é conceder ao cidadão o controle sobre seus
dados pessoais. Dessa forma, entende-se que isso vai além do consentimento do
titular ao autorizar o uso de seus dados. Com a mesma importância que o elemento
da vontade é garantir que as informações condizem com as legítimas expectativas,
pois a junção destes elementos resulta na autodeterminação informacional17.
E, por isso, a LGPD trouxe, em seu art. 2º, inciso II, a autodeterminação
informativa como um fundamento da lei. Isso porque, a quantidade de dados
14
DONEDA. Danilo. Da Privacidade à Proteção de Dados Pessoais. 2ª Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2019. p. 168.
15
BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 2ª Ed. Editora Forense. Rio de Janeiro,
2020. p. 99-100.
16
LGPD, Artigos 1º e 2º.
17
BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 2ª Ed. Editora Forense. Rio de Janeiro,
2020. p. 104-105.
73
18
MALDONADO, Viviane Nóbrega. BLUM, Renato Opice, coordenadores. LGPD. Lei Geral de Proteção de Dados Comentada. Thomson
Reuters Brasil, São Paulo, 2019. p. 27.
19
BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 2ª Ed. Editora Forense. Rio de Janeiro,
2020. p. 263-264
74
apresentou dispositivos para proteção desse vulnerável, mas não dispôs sobre a tutela
dos direitos da maioria dos indivíduos em situação de hipervulnerabilidade, à
exceção das crianças e adolescentes.
Em que pese o legislador não tenha determinado preceitos de
hipervulnerabilidade na LGPD, ao emitir o Decreto 10.474/2020, que aprovou a
estrutura regimental da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a
Presidência da República, instituiu, como competência da autoridade, garantir que o
tratamento de dados de idosos seja efetuado de maneira clara, simples, acessível e
adequada ao seu conhecimento, respeitando o disposto no Estatuto do Idoso20.
No entanto, novamente, observamos o esquecimento do poder público quanto
à tutela dos demais hipervulneráveis, que não foram contemplados na lei. Nesse
contexto, deverá ocorrer a interligação das normas, especialmente daquelas que já
tratam de fraquezas do cidadão.
CONCLUSÃO
O Poder Judiciário terá o papel fundamental de interligar as normas, fazendo
analogia da vulnerabilidade descrita no Código de Defesa do Consumidor, para
solucionar as controvérsias jurídicas. As decisões deverão levar em consideração, as
normas esparsas, tais como os estatutos, o Marco Civil da Internet e a própria
Constituição Federal.
A Lei Geral de Proteção de Dados foi criada – a nível mundial – deficitária.
Ainda que venha como uma iniciativa esperada e necessária em face do mundo digital
e tecnológico, ainda apresenta sérias lacunas que deverão ser esclarecidas e
normatizadas.
Ainda que se trate de minoria, o hipervulnerável está presente em todos os
tipos de relação jurídica e, destaca-se, a comercial. Em especial, o idoso que vem,
pouco a pouco, deixando de ser visto, inclusive, como minoria, em face do
envelhecimento longevo e saudável.
A proteção de dados precisará ser regulada no detalhe das carências sociais
de cada país em que vige e, aqui no Brasil, a Autoridade Nacional de Proteção de
Dados terá como função elaborar diretrizes para a Política Nacional de Proteção de
20
Art. 2º, XIX, Dec. 10.474/2020.
75
REFERÊNCIAS
FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Braga. ROSENVALD, Nelson. Manual de
Direito Civil, 4ª Ed., Editora Juspodivm, Salvador, 2019.
Resumo: O objetivo deste artigo consiste em demonstrar que as mulheres são protagonistas
e fazem parte do sistema político, em seus vários órgãos e poderes, sendo importante para
estabelecer uma estratégia em busca da autonomia. As mulheres, pessoas físicas, são
diferentes dos rígidos Estados, Pessoa Jurídica de Direito Público e que as mulheres são, no
processo de tomada de decisão, as propulsoras em prol das políticas institucionais e públicas,
bem como impulsionam ações em favor da equidade de gênero, autonomia, desenvolvimento
e sustentabilidade. A pesquisa é documental e de caráter qualitativo, as autoras e documentos
referenciados são os fundamentos jurídicos e principal eixo. A conclusão é que as mulheres
de todas as qualificações, são agentes, sujeitos, capazes e que ao tomar as decisões sobre as
políticas públicas atuam em prol da coletividade e empoderadas, são de grande importância
para o desenvolvimento social e econômico da humanidade. Não se trata apenas de tornar
visível o invisível ou de retirar a neutralidade, mas de reconhecer que necessário considerar
o “recorte de gênero” para a tomada de decisão, para a formulação, planejamento e execução
das políticas públicas pelas mulheres, devendo a perspectiva de gênero ser aplicada para
reduzir as desigualdades, na consecução de um objetivo comum, entre Estado, Família e
Comunidade, com mobilidade para além do ordenamento jurídico. Eis que o
desenvolvimento requer uma visão estratégica com o empoderamento e a autonomia das
mulheres que são as reais agentes da tomada de decisão, transformando e atingindo a
sustentabilidade da vida com igualdade e paz.
Palavras-Chave: Mulheres – Agentes – Tomada de Decisão – Desenvolvimento
1. INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais ( PUC 1987 ) Advogada desde 1987 e sócia de Roque e Vasconcellos
Advogados Associados ; Professora Universitária desde 1989; Bacharel em Relações Internacionais (
UNIRITTER 2016 ) , Pós Graduação em Metodologia do Ensino Superior ( UNISINOS 1991), em Direito
Público e Privado ( UNIRITTER ) e em Estratégias e Estudos Internacionais ( UFRGS 2018 ) ; Mestre em
Direito das Relações Internacionais ( UDE 2016 ) . Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS.
Inscrição OABRS 24451.
77
Para Halliday 2, na ideologia convencional, as mulheres não são preparadas para tais
atividades e responsabilidades e não se pode contar com elas em uma questão de segurança
e crise, que nada poderá estar mais distante da esfera tradicional de preocupação das
mulheres do que a segurança internacional e as outras questões globais.
Em verdade, há uma razão intencional e estrutural para a cegueira de gênero na maior
parte das relações e nos processos de tomada de decisão, além do paternalismo, machismo,
pretender uma separação entre o gênero e o processo de tomada de decisão, que é manter as
mulheres invisíveis e subjugadas, quando é através das mulheres que se alcança o
desenvolvimento e a paz.
Não há como se estudar as relações entre os Estados, Organizações Internacionais e
as pessoas, sem considerar às questões de gênero, sendo necessário o recorte para o processo
de tomada de decisão, para a formulação e execução de políticas públicas e negligenciar a
existência desta leitura particular de gênero implica em amparar a tese de que os processos
de tomada de decisão seriam neutros em gênero, ou seja, que não teriam nenhum efeito sobre
a posição e o papel das mulheres na sociedade.
Então, é mister considerar o feminismo que se preocupa com o interpessoal,
subjetivo, com o privado, com o individual, que vê as formas de domínio, ideologia,
diferenças do trabalho e sobretudo a paridade de gênero, raça e etnia.
Essencial considerar que não é o ente Estado quem de verdade realiza a tomada de
decisão, fato é que os processos de tomada de decisão possuem os efeitos de gênero e que
as mulheres são as agentes, as atoras das relações, sujeitos de direitos, protagonistas e
participantes das tomadas de decisão.
Para Darvin 3, a política do futuro será doméstica, eis que “não existe um útero
estatal, não existe seios estatais, não há substitutivo real para a beleza da maternidade
individual”. De outra sorte, vários Estados usaram até de forma brutal, este papel social e
reprodutor das mulheres, mas como agentes e tomadoras de decisão, as mulheres têm
liberdade que significa autonomia e tal gera desenvolvimento e sustentabilidade que são os
objetivos da Agenda 2030.
No debate político contemporâneo, ainda há a presença da violência, dos
dominadores, de insultos para as mulheres, tais como louca, histérica, chorona, fraca, burra,
2
HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações Internacionais. Porto Alegre, Ed da Universidade/UFRGS,
1999.
3
DARVIN, Anna. Imperialism and Motherhood. History Workshop Journal, n.5. Spring, 1978, P.29.
79
entre outros adjetivos que reduzem e menosprezam as mulheres, mas também se verifica
mulheres que ocupam posições políticas de destaque, assegurando a contraparte masculina
e à opinião pública de que podem agir e ser tão fortes quanto os viris homens.
A emergência sobre as questões das mulheres dentro da política institucional e nos
processos de tomada de decisão envolve desafio duplo, para tais domínios que estão
separados. Se a primeira deveria reconhecer em que grau está sujeita à percepção de gênero
e o processo de tomada de decisão teria que superar a negação sobre o agente, se Estado ou
as mulheres, ou o processo e normas e formular sua análise e sugestão para apresentar um
processo em que as mulheres são agentes, formuladoras, tomadoras de decisão e exercem as
políticas destas oriundas.
Aspecto do desafio é revelar como as questões de gênero exercem e poderiam
desempenhar um papel relevante nos processos de tomada de decisão, com vistas à
formulação e realização de políticas públicas para as meninas, jovens e mulheres; e segundo,
analisar as especificidades de gênero, o denominado recorte de gênero, nas várias áreas de
atuação do Poder Público e também dos processos militares, ideológicos, políticos, sociais
que tem consequências domésticas e mudanças internas com implicância nos destinos das
mulheres e da sociedade.
Após anos da emergência do feminismo, mesmo assim, a relevância sobre as
questões de gênero nos processos de tomada de decisão, como fator de autonomia das
mulheres, de desenvolvimento e sustentabilidade é vista como evidente, principalmente
pelos Movimentos, Organizações Internacionais e pelas Conferências de Mulheres.
Os direitos humanos, por exemplo, tornaram-se muito mais importantes, na medida
em que adquiriram uma dimensão de gênero, são relevantes para a dimensão do papel dos
Estados e de outras protagonistas para a promoção ou negativa dos direitos para as mulheres.
Isso ocorre em arenas políticas mais amplas, assim como em áreas mais visíveis como as
políticas para a erradicação da violência contra as mulheres.
Se verdade que o interesse nacional enfatiza das diferenças de grupos sociais e
comunidades, bem como interesses burocráticos, étnicos e religiosos, com maior razão, as
políticas militares, econômicas ou sociais, têm efeitos variados sobre homens e as mulheres.
Não havendo neutralidade de gênero, então, mais que necessário a presença das
mulheres nos espaços de poder em todos os níveis. O recorte de gênero nos possibilita
observar as peculiaridades femininas para o processo de tomada de decisão mais específico,
80
que deve envolver todas as mulheres, considerando a variedade de raças, cor, etnias, idades,
profissões, origem, etc.
As políticas nacionais e internacionais e os processos de tomada de decisão não são
neutros de gênero e exercem importante presença na determinação do lugar das mulheres na
sociedade, que como protagonistas são livres para estar, ter vez e voz, onde desejar, bem
como na estrutura das relações sociais, econômicas e políticas entre os sexos.
Há um lugar? Há uma posição específica para as mulheres?
Na esfera política o ingresso das mulheres na vida política como eleitoras e sujeitos
políticos, um fenômeno internacional e após apresentado como nacional foi uma grande
mudança no século XX. Desde então, as mudanças políticas têm consequências diretas para
as mulheres.
Halliday 4, sem risco de exagerar, estende o slogan do movimento das mulheres- que
o pessoal é político- para afirmar que o pessoal é internacional, no sentido de que as relações
interpessoais, são bastante influenciadas pelos processos transnacionais. Isto é real e agora
comprovado pela Covid-19, cujo efeito é múltiplo nas relações de gênero e agravou mais os
problemas particulares das mulheres, como o excesso de trabalho e a violência doméstica.
De outro lado, dimensão a ser considerada, é que as mulheres, apesar da história e
estrutura de subordinação, adquirem e experimentam excelência na qualidade de
protagonistas, como agentes internacionais e nacionais. Basta verificar tal verdade em
assuntos de gênero e paz, bem como desenvolvimento econômico, sustentabilidade e
também cumprimento de Agendas, crescimento de Movimentos de Mulheres, com a
preocupação de alterar a posição e pensamento que estuda a sociedade e pessoas.
As redes, movimentos e organismos de mulheres existem desde a antiguidade sendo
exemplos de protagonismos de autoras não estatais, considerando que as mulheres como
grupos ou pessoa não detém poder Estatal em qualquer um dos países independentes do
mundo. É necessário reforçar que de fato são as agentes, as pessoas que atuam e exercem a
tomada de decisão todos os dias.
Desde o apelo do sufrágio feminino, cresceu o transnacional e as questões de gênero
devem ser tratadas em várias arenas, em multiníveis e com transversalidade entre os poderes,
matérias e ações. As questões de gênero não são pessoais ou únicas, mas formam parte de
um todo, como é evidente nas campanhas para a promoção da igualdade, as dimensões de
4
Op.cit. 1999
81
5
JAYAWARDENA, Kunari. Feminism and Nacionalism in de Third World. London: Zed, 1986.
82
o poder das mulheres em postos de tomada de direção, relevante para a política nacional e
internacional que está em ascensão.
No Brasil, conforme dados do IGADE6, apesar das mulheres representarem 52,64 %
do eleitorado, a participação feminina nas esferas de poder ainda é baixa, sendo a
participação das mulheres na Câmara de 77 cadeiras, 07 cadeiras no Senado Federal e as
mulheres ocupam 11,7 % das Prefeituras do Brasil.
Mesmo com a obrigação de 30% de proporção mínima, ainda há dificuldades em
atrair as mulheres para a política, eis que os quadros dos partidos que são controlados pelos
homens que entregam poucos espaços para as mulheres nas direções e para estruturar suas
campanhas.
Além disso, as mulheres necessitam vencer as barreiras do patriarcado, da estrutura
dos partidos, elegibilidade, reeleição e permanência no sistema partidário. A situação, no
entendimento de Michele Bachelet 7 exige a criação de política transversal no mais alto nível
da gestão pública, instituições fortes, que promovam o empoderamento das mulheres, são
indisponíveis para garantir avanços e impedir retrocessos.
A visão tradicional deve ser superada, assim como a masculinidade atribuída ao
poder, bem como os preceitos e estereótipos sobre o papel dos homens e mulheres levando
em conta a participação da democracia, cultura política e as relações de gênero.
Os processos de tomada de decisão irão oportunizar a autonomia e o empoderamento
das mulheres, sendo necessário viabilizar praticas e os interesses estratégicos das mulheres.
A tomada de decisão nesse sentido aproxima o aspecto prático do aspecto estratégico e
mudanças deverão ser realizadas nestes âmbitos, com o empoderamento e a consciência na
tomada de decisão é a forma de enfatizar a existência de desigualdade de gênero e a
importância da participação e da organização social das mulheres.
Os processos de empoderamento e tomada de decisão têm por objetivo a
transformação das estruturas que reforçam a discussão de gênero e a desigualdade social,
sem ignorar processos individuais e demandas cotidianas, sendo fundamental para o
desenvolvimento do sistema e a realização dos direitos humanos.
6
https://igade.com.br/
7
www.brasil.gov.br/cidadanie-e-justica/2012/02/mulheres-na-política
83
Ressalta Costa8·, que muitas mulheres não podem resolver sobre suas vidas, não se
constituindo enquanto sujeitos, não exercem o poder e também, não acumulam este poder,
mas o reproduzem para elas mesmas, mas para aqueles que de fato contém o poder.
E segue dispondo o autor, que as pequenas parcelas de poder ou os pequenos poderes
que lhes tocam e permitem romper em alguns momentos ou circunstâncias, a supremacia
masculina, são poderes tremendamente designados.
Como se salientou, o domínio do patriarcado está presente na sociedade, em distante
manifestação, no mundo, domínio público e assegura poder para os homens e desiguala para
as mulheres envolvendo conteúdos de trabalho, sexo, violência, acesso restrito das mulheres
aos recursos do Estado, sociedade e participação política que distribui recursos desiguais
entre homens e mulheres, sendo que as mulheres continuam subjugadas, excluídas de
qualquer esfera de decisão.
As políticas de tomada de decisão, incluindo planejamento e execução, consideram
que as necessidades das mulheres são idênticas as dos homens ou a de grupos da sociedade
civil e assim, as mulheres são tratadas como mães, esposas e não como sujeito de direitos
com autonomia e vários projetos são inócuos, ineficazes e contraproducentes não produzindo
resultados transformadores o que não supera designação de gênero nem traz
desenvolvimento das mulheres, jovens e meninas.
3. CONCLUSÕES
8
COSTA, Ana Alice. As donas do Poder. Mulher e Política na Bahia. Salvador: NEIM/UFBA e Assembleia
Legislatica da Bahia, 1998 (coleção Baianas, vol 2).
86
9
LEÓN, Magdalena. El Empoderamiento en la Teoria y Práctica del Feminismo. México: Universidad del
Colima, 2002.
87
Para Sen10, a definição de agente é alguém que age, ocasiona mudanças e cujas
realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos, logo não é
o sujeito passivo receptor de benefícios e programas de assistência. Nesta perspectiva, o
empoderamento de mulheres, no sentido de obtenção do poder de escolher seu próprio
destino.
Cristalino que o poder de escolher, ter autonomia equivale à possibilidade ou não que
as mulheres têm de tomar decisões, enquanto sujeito de direitos, deveres na família, na
sociedade ou comunidade e reconhecer o direito das mulheres no seu processo de procura
de melhores condições de vida para si, para a família e para a sociedade.
Não bastam políticas de educação, saúde ou políticas contra a violência sem outros
acessos importantes, que quando totalmente implementados os beneficiários ocasionados
pela maior participação das mulheres na esfera política e instituições são transversais e
notáveis, pois as mulheres priorizam o bem estar coletivo.
A ampliação do empoderamento das capacidades de realização das mulheres e de sua
condição de agentes é transformadora, há conversão em benefícios para as mulheres e toda
a coletividade e se tal ocorre importante que os Estados e demais atores que atuam no âmbito
público considerem as mulheres, levando em conta a sua especificidade, com a consideração
de gênero.
A alta política deve ser responsável por este recorte de gênero e a participação
feminina deve ocorrer desde o âmbito de representação delegando até a formação dos grupos
de interesse ou de pressão.
Para finalizar, cabe trazer Reynolds11 que defende que as empresas e as pessoas
humanas são atores, dotados de ações e poder para a tomada de decisão e compõe o Sistema,
o que significa reconhecer as mulheres como protagonistas, como atoras, com papel
significativo para a tomada de decisão e integradas no desenvolvimento com capacidade de
desempenhar importante papel na estratégia de desenvolvimento.
É desafio o empoderamento, a autonomia das mulheres, o desenvolvimento
sustentável e a mudança com transformação que avance na igualdade de gênero, inclusão,
10
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
11
REINOLDS, P. A., Introduccion AL Estudio de Las Relaciones Internacionales. Madri, Tecnos, 1977.
88
cumprimento das políticas públicas e o cumprimento da Agenda 2030 como apontam ONU
e a CEPAL12·.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DARVIN, Anna. Imperialism and Motherhood. History Workshop Journal, n.5. Spring,
1978, P.29.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000.
www.brasil.gov.br/cidadanie-e-justica/2012/02/mulheres-na-política
12
COMISSÃO ECONOMICA PARA AMERICA LATINA E CARIBE (CEPAL). La autonomia de
lasmujeres em escenarios econômicos cambiantes. Santiago. 2019.
89
Resumo: Esta monografia tem como objetivo analisar os Juizados Especiais da Fazenda
Pública, instituídos pela Lei nº 12.153 de dezembro de 2009, que adotam rito processual
mais célere e objetivam ensejar maior facilidade de acesso aos cidadãos na resolução de
conflitos de menor complexidade entabulados pelos entes públicos. Pretende-se verificar se
esses Juizados Especiais alcançam aos jurisdicionados, no seu propósito de dotar de maior
celeridade e eficácia a prestação jurisdicional nos litígios, envolvendo a Fazenda Pública.
Neste mister, intenta-se mensurar a importância e a eficácia da inclusão dos Juizados
Especiais da Fazenda Pública, como meio mais ágil e célere de se alcançar a prestação da
tutela jurisdicional, diante do direito fundamental à razoável duração do processo, insculpido
no inciso LXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988. O presente estudo baseia-se
na pesquisa bibliográfica em doutrinas, artigos científicos, Internet, revistas universitárias,
jurisprudências.
INTRODUÇÃO
1
Advogada, OAB/RS 100.966, Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho, Membro da CMA da
OAB/RS, Participações em palestras e aulas voltadas ao Direito Preventivo, nos cursos de Pós-Graduação,
simoesjuridico@hotmail.com.
90
PROBLEMÁTICA
2
De se ressalvar a existência de (poucas) hipóteses de atuação do particular por suas próprias mãos que possuem
autorização legal, como a legítima defesa, o desforço imediato e o penhor legal, por exemplo (DONIZETTI, Elpídio.
Curso didático de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual. especialmente de acordo com as Leis nº
12.424/2011 e 12.431/2011. São Paulo: Atlas, 2013, p. 31-37).
3
MOREIRA, Barbosa, apud SOUZA, Marlene Marlei de. A efetividade da jurisdição. Revista da AJURIS, Porto
Alegre: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, v. 36, n. 113, p. 288, 2009.
4
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do processo civil. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 57.
5
Ibidem.
6
DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual. especialmente de
acordo com as Leis nº 12.424/2011 e 12.431/2011. São Paulo: Atlas, 2013.
92
Assim, a jurisdição é função realizada pelo Estado, sendo sua missão a aplicação do
direito.7 Atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses, com o intuito de
preservar a paz social e o império da norma jurídica.8
No Estado Democrático contemporâneo podem ser identificados três objetivos
primordiais da função jurisdicional: um social, um político e um jurídico. No aspecto social,
a jurisdição tem como finalidade a pacificação, por intermédio da solução dos conflitos, no
objetivo de encontrar rápida resolução às controvérsias que se encontram no meio social. No
político, a jurisdição tem por escopo fazer valer a imposição da vontade do Estado e de suas
determinações, garantindo-se a participação democrática da sociedade no exercício desse
poder político, de modo que o exercício da jurisdição atenda à pretensão da sociedade. Por
derradeiro, no objetivo jurídico, a jurisdição tem por finalidade instituir o direito a ser
observado, agindo positivamente o direito em última instância.9
Mas é justamente essa sua finalidade de pacificação social, escopo relacionado com
o resultado do exercício da atividade jurisdicional perante a sociedade, a vida e a felicidade
pessoal de seus cidadãos, o traço distintivo mais marcante da função jurisdicional com
relação às demais funções estatais.10
7
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de e outro. Curso de processo civil: teoria geral do processo civil e parte
geral do direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010, v. 1, p. 130.
8
ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 55.
9
OLIVEIRA, Marcus Vinícius Amorim de. Jurisdição, poder do Estado e acesso à justiça. Doutrina, Rio de
Janeiro, n. 8, p. 251, jan. 1999.
10
Ibidem.
11
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo
e processo de conhecimento. 11. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 85.
12
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. São Paulo: Atlas, 2009, p. 64-65.
93
forma coercitiva; ou, ainda, acautelar situações de risco de lesão, evitando a concretização
do dano.13
13
DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil, volume 1: tomo I: processo de conhecimento convencional
e eletrônico. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 41-42.
14
GRANGEIA, Marcos Alaor Diniz. Fatores de aceleração da prestação jurisdicional. Disponível em:
http://www.enfam.jus.br/wp-co ntent/uploads/2013/02/909_Artigo_Fatores_de_AceleracaodaPresta
cao_Jurisdicional2.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2020.
15
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. tomo I, arts. 1ª
a 45. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 81.
16
CARNELUTTI, Francesco, apud ARAÚJO NETO, José Donato de. Duração razoável do processo:
inconstitucionalidade dos prazos processuais diferenciados da Fazenda Pública. Revista ESMAFE: Escola de
Magistratura Federal da 5ª Região, Recife, n. 19, t. 3, p. 270, mar. 2009.
17
NEGRÃO, Theotonio, apud CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais da Fazenda Pública: Lei n.
12.153/2009. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 19-20.
18
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 53.
94
novas categorias de tutela e promovendo reformas que tornem os processos mais efetivos e
céleres.19
Do mesmo modo, os já implementados Juizados Especiais da Fazenda Pública
almejam dotar a atividade jurisdicional de maior efetividade, agilidade e simplificação,
ensejando um tramitar mais célere das demandas envolvendo entes públicos, restando,
destarte, por dar concreção à garantia constitucional da razoável duração do processo. 20
19
DIAS, Handel Martins. O tempo e o processo. Revista da AJURIS, Porto Alegre: Associação dos Juízes do
Rio Grande do Sul, v. 34, n. 108, p. 233, dez. 2007.
20
FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais da Fazenda Pública: comentários à Lei 12.153, de 22
dezembro de 2009. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
21
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do
processo e processo de conhecimento. 11. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 48.
22
Ibidem.
23
MOREIRA, Wander Paulo Marotta. Juizados Especiais Cíveis. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 23-24.
95
A criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios complementou esse novo sistema de prestação jurisdicional que preconiza
maior facilidade de acesso aos cidadãos, com julgamentos mais céleres e com redução no
24
SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. As garantias constitucionais das partes nos Juizados Especiais Cíveis.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 70.
25
MIRANDA NETO, Venâncio de. A inversão probatória do Código de Defesa do Consumidor e sua
Aplicação nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo
Horizonte: Del Rey/Faculdade de Direito Milton Campos, ano I, n. 1, p. 284, 2009.
26
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Manual de procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis. Brasília, 2009.
Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/institucional/especial/coordjuzesp/manualCivel.pdf>.Acesso em: 28 ago.
2020.
96
27
CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais da Fazenda Pública: Lei n. 12.153/2009. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 28.
28
Ibidem, p. 29.
29
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2008, p. 15-17.
30
Ibidem.
31
JOBIM, Geraldo Cordeiro. As prerrogativas da fazenda pública em juízo e a efetividade processual:
ponderações sobre o tempo no processo. In: TELLINI, Denise Estrella (Org.). Tempestividade e Efetividade
processual: novos rumos do processo civil brasileiro: estudos em homenagem à professora Elaine Harzheim
Macedo. Caxias do Sul: Plenum, 2010, p. 230.
32
Ibidem, p. 231.
97
[...] quando a Fazenda Pública está em juízo, ela está defendendo o erário. Na
realidade, aquele conjunto de receitas públicas que pode fazer face às despesas
não é de responsabilidade, na sua formação, do governante do momento. É toda
a sociedade que contribui para isso.
[...] Ora, no momento em que a Fazenda Pública é condenada, sofre um revés,
contesta uma ação ou recorre de uma decisão, o que se estará protegendo, em
última análise, é o erário. É exatamente essa massa de recurso que foi arrecadada
e que evidentemente supera, aí sim, o interesse particular. Na realidade, a
autoridade pública é mera administradora.
33
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2008, p. 35.
34
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 28 ago. 2020.
35
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2008, p. 35.
36
Ibidem.
98
Para a outra corrente, integrada, dentre outros autores, por Geraldo Cordeiro Jobim,
as prerrogativas da Fazenda Pública acarretam nítido prejuízo pela demora da prestação
jurisdicional, considerando o dever de igualdade e o princípio constitucional da razoável
duração do processo.37
No âmbito da jurisprudência, porém, o Supremo Tribunal Federal, desde há muito,
sedimentou o seu entendimento pela constitucionalidade das prerrogativas processuais da
Fazenda Pública:38
37
JOBIM, Geraldo Cordeiro. As prerrogativas da fazenda pública em juízo e a efetividade processual:
ponderações sobre o tempo no processo. In: TELLINI, Denise Estrella (Org.). Tempestividade e Efetividade
processual: novos rumos do processo civil brasileiro: estudos em homenagem à professora Elaine Harzheim
Macedo. Caxias do Sul: Plenum, 2010, p. 233-235.
38
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 83041. Relator: Min. Cordeiro Guerra. Diário de Justiça da União,
de 15 agosto de 1980.
39
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2008, p. 36.
40
CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais da Fazenda Pública: Lei n. 12.153/2009. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 38.
99
41
Merece menção, em relação à informalidade, o quanto previsto no Enunciado 4 do FONAJEF: “Na
propositura de ações repetitivas ou de massa, sem advogado, não havendo viabilidade material de opção pela
auto-intimação eletrônica, a parte firmará compromisso de comparecimento, em prazo pré-determinado em
formulário próprio, para ciência dos atos processuais praticados”.
42
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do
processo e processo de conhecimento. 11. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.
784.
43
Ibidem.
44
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil - procedimentos especiais. 45. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2013, v. III, p. 469.
45
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009. Dispõe sobre os Juizados Especiais
da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L1
2153.htm>. Acesso em: 28 ago. 2020.
100
46
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei nº 12.153, de
22.12.2009). Palestra proferida em 19.02.2010, no III Encontro de Juízes Especiais do Estado de Minas Gerais,
e, em 26.02.2010, no I Seminário de Direito Processual Civil do Triângulo Mineiro: O Processo Civil no Século
XXI. Disponível em: <http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/pu
blicacoes/palestras/pal022010.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2020.
47
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo: teoria geral do processo.
4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 691-690.
48
CARNEIRO, Athos Gusmão, apud FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais da Fazenda Pública:
comentários à Lei 12.153, de 22 dezembro de 2009. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 168-172.
49
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil - procedimentos especiais. 45. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2013, v. III, p. 475.
50
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009. Dispõe sobre os Juizados
Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L1
101
55
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo: teoria geral do processo.
4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 690.
56
CERQUEIRA, Manfredi Mendes de. Conciliação e prestação jurisdicional do Estado. Doutrina-
Jurisprudência-Legislação-Ementário, Teresina: Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, v. 15, p. 13-17, 1994.
57
FERREIRA, Glayciele Rodrigues Gonçalves. O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais
(Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/6191/o-art-61-da-lei-dos-juizados-especiais-crimin
ais-estaduais-lei-n-9-099-95-com-o-advento-da-lei-dos-juizados-especiais-criminais-na-justiça-fede
ral/2>. Acesso em: 18 de ago. 2020.
58
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil - procedimentos especiais. 45. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2013, v. IIII, p. 473.
103
jurisdicional de forma mais célere, visando a conciliação, nas demandas que envolvem os
entes públicos.59
Athos Gusmão Carneiro defende a conciliação nesses procedimentos especiais, a
qual afirma deve ser vista como “objeto primacial a ser perseguido”, para assim a busca em
prol da sua efetividade, facilitando o dia a dia forense nos Juizados Especiais da Fazenda
Pública.60
Todavia, a Administração Pública é regida pelo princípio da indisponibilidade do
interesse público, sendo a sua atividade voltada à consecução do bem comum. Conjugado a
esse, a Administração se vê inexoravelmente submetida ao princípio da legalidade, segundo
o qual ao administrador só é permitido fazer o que a lei determina, restringindo a atuação
estatal, para que não se desvirtue do único fim permitido – a finalidade pública –, pois,
somente assim, restará satisfeito o interesse público.61
Atualmente o direito deixou de ser apenas instrumento de garantia dos direitos do
indivíduo e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum,
do bem-estar coletivo.62 Trata-se da dimensão pública dos interesses individuais, ou seja,
dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da sociedade.63
Destarte, para conciliar em juízo, mostra-se necessário que os entes públicos estabeleçam
os limites da conciliação e outorguem, por meio de lei específica, poderes especiais aos
advogados públicos para que possam conciliar, transigir ou desistir.64
A conciliação nos Juizados da Fazenda Pública obedece aos princípios
constitucionais norteadores da administração pública, além de atender à dignidade da pessoa
humana, ao realizar a entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável.
59
FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais da Fazenda Pública: comentários à Lei 12.153, de 22
dezembro de 2009. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 21.
60
CARNEIRO, Athos Gusmão, apud FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais da Fazenda Pública:
comentários à Lei 12.153, de 22 dezembro de 2009. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 185.
61
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 92.
62
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 69.
63
MELLO, op. cit., p. 60.
64
SOARES, Milton Delgado. A nova lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública: Primeiras Considerações
e Proposta para Implementação. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revist
aemerj_online/edicoes/revista51/Revista51_77.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2020.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2009.
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prazos processuais diferenciados da Fazenda Pública. Revista ESMAFE: Escola de
Magistratura Federal da 5ª Região, Recife, n. 19, t. 3, p. 265-276, mar. 2009.
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. São Paulo: Martin Claret, 2006.
_______. Supremo Tribunal Federal. RE 83041. Relator: Min. Cordeiro Guerra. Diário de
Justiça da União, de 15 agosto de 1980.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 6. ed. ampl. e atual.
São Paulo: Dialética, 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo:
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DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual.
especialmente de acordo com as Leis nº 12.424/2011 e 12.431/2011. São Paulo: Atlas, 2013.
107
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1996.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil:
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v. 1.
OLIVEIRA, Marcus Vinícius Amorim de. Jurisdição, poder do Estado e acesso à justiça.
Doutrina, Rio de Janeiro, n. 8, p.248-255, jan. 1999.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo: teoria
geral do processo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
SANTOS, Marisa Ferreira dos; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e
Criminais: federais e estaduais. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. (Coleção
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108
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Revista dos Tribunais, 2000. (Processo cautelar tutela de urgência; v. 3).
_______. Teoria geral do processo civil. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009.
SOARES, Milton Delgado. A nova lei dos Juizados Especiais da Fazenda: primeiras
considerações e proposta para implementação. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista51/Revista51_77.pdf>.
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SOUZA, Marlene Marlei de. A efetividade da jurisdição. Revista da AJURIS, Porto Alegre:
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil - procedimentos
especiais. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. 3 v.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel
Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005.
109
Isabela Bohnen1
Ariane Faverzani da Luz2
Resumo: O presente estudo toma como ponto de partida a compreensão de Max Weber de
sociedade formulada a partir de uma realidade social alinhada com os conceitos tipo ideal.
Foi nesse contexto de “realidade ideal” que o autor se dedicou em repensar o poder sob o
ponto de vista da dominação, já que a última eleva o poder à legitimidade. Isso porque,
enquanto o poder encontra-se socialmente amorfo, a dominação consegue obediência dos
subordinados de forma legítima, já que os indivíduos obedecem porque querem. Diante
dessa vontade em obedecer à ordem dominante, atento aos fatores que a determinavam,
Weber desenvolveu uma sociologia da dominação, dividindo-a em três tipos ideais. Com
base nesses fundamentos, utilizando-se do escopo teórico-bibliográfico e do método
hipotético-dedutivo, o objetivo da pesquisa se justifica no questionamento sobre a
aplicabilidade dos tipos de dominação weberiano no desenvolvimento da administração
pública brasileira, com ênfase nas fases de gestão patrimonialista e burocrática.
INTRODUÇÃO
Dado que a sociedade é o plano de fundo para a existência dos indivíduos e das
relações que entre os quais se seguem, o entendimento sobre as bases da sociedade e o seu
funcionamento sempre foram ideais perseguidos. Nesse contexto, a fim de propiciar uma
análise adequada de pontos fundamentais da administração pública brasileira, tomou-se
como pilar o estudo desenvolvido por um dos criadores da sociologia, o sociólogo Max
Weber, cujas contribuições são irrevogáveis.
Nessa linha, o presente trabalho pautou-se, como ponto de partida, no entendimento
de preceitos fundamentais da sociedade delineados por Max Weber, o qual, adianta-se,
1
Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Passo Fundo.
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo (2019). Advogada inscrita na
OAB/RS sob o nº 119.128. E-mail 142261@upf.br.
2
Mestranda em Direito pela Universidade de Passo Fundo (UPF) com auxílio CAPES. Especialista em Direito
Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP-RS). Especialista
em Ciências Criminais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP-RS).
Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Meridional (IMED). Graduada em Direito pela
Faculdade Meridional (IMED). Advogada inscrita na OAB/RS sob o nº 97.174. E-mail:
arianefaverzani@outlook.com.
110
lançou mão da criação de uma realidade social. Criação, sim, já que não se trata de observar
a própria realidade, mas uma realidade desenvolvida a partir de tipos ideais.
No que diz respeito à formulação dos tipos ideais, Weber não se ateve em estabelecê-
los apenas quanto à realidade social, transpondo-os para o campo das ações sociais e relações
sociais. Assim, uma vez estabelecidos diversos tipos ideais em diferentes nichos, Weber
conseguiu avançar no estudo para pensar o poder, momento em que não apenas considerou
a dominação como forma legítima de exercício do poder, como estabeleceu três tipos ideais
de dominação.
Assim, utilizando-se do escopo teórico-bibliográfico e do método hipotético-
dedutivo, em um primeiro momento, o trabalho centra-se em realizar um aprofundamento
na sociologia da dominação Weberiana, analisando os modelos de dominação, os quais
divididos em três critérios - racional, tradicional e carismático. Em seguida, diante dos
fundamentos de dominação em Weber, busca identificar a aplicabilidade da teoria
Weberiana na conformação da administração pública brasileira, valendo-se dos modelos de
gestão patrimonialista e burocrático para proceder a análise. Por fim, salienta-se que a
pesquisa objetiva construir um pensamento teoricamente crítico, o que se alcançou a partir
do fomento das reflexões acerca do poder na contemporaneidade.
3
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Régis Barbosa
e Karen Elsabe Barbosa. 4. ed. v. 1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 3.
4
AMORIM, Aluízio Batista de. Elementos de Sociologia do Direito em Max Weber. Florianópolis: Insular,
2001. p. 85-86.
5
TOMAZZETE, Marlon. A Contribuição Metodológica de Max Weber para a Pesquisa em Ciências Sociais.
Revista Universitas Jus, Brasília, v. 17, p. 1-30, jul./dez. 2008. p.12.
6
WEBER, 1998, p. 15.
7
1) de forma puramente afetiva: por meio de uma entrega sentimental; 2) racional de acordo com valores: pela
crença em sua validez absoluta, enquanto expressão de valores supremos geradores de deveres (morais,
estéticos, entre outros)3) religiosa: pela crença de que a sua observância depende da existência de um bem de
salvação. WEBER, 1998, p. 12.
112
uma ordem. Isso porque, enquanto na convenção, havendo uma conduta discordante por um
indivíduo dentro de um determinado círculo de homens, o resultado ao infrator será uma
reprovação geral e praticamente sensível, no direito, a estrutura detém maior rigidez. Desse
modo, a ordem garantida por um direito possui um aparato com “possibilidade de coação,
física ou psíquica exercida por um quadro de indivíduos instituídos com a missão de obrigar
a observância dessa ordem ou de castigar a sua transgressão”8.
Diante dessas conceituações, Weber9 afina a compreensão de ordem social
privilegiando a concepção do direito, pois entende que a ordem considerada mais atual pode
ser legitimada por meio da legalidade, já que ela “se caracteriza na obediência a preceitos
jurídicos positivos estatuídos segundo o procedimento usual e formalmente correto”.
Salienta-se que todos esses conceitos trazidos por Weber formam o que o autor
procura: estabelecer um “tipo ideal” de realidade. Sabe-se que é por meio dos conceitos que
se permite a compreensão de uma realidade social. No entanto, Weber não busca a
compreensão da própria realidade, mas de uma realidade ideal, o que só será possível, por
meio de conceitos ideais. Nas palavras de Karl Jaspers10, os conceitos chamados de tipos
ideais “são instrumentos para se chegar à realidade, e não à própria realidade”.
Dessa forma, a realidade social, que é o plano de fundo para qualquer compreensão
acerca da sociedade, só pode ser interpretada por meio de conceitos - os quais não figuram
como cópias da realidade, mas são eles que permitem ordenar a realidade do pensamento de
modo válido. Em outras palavras, servem como um recurso que permite a análise dessa
realidade11 12.
Segundo observa Tomazzete13, “na construção do tipo ideal, são acentuados certos
aspectos do fenômeno a ser observado, não coincidindo necessariamente com a realidade
8
WEBER, Max, 1998, p. 20.
9
WEBER, Max, 1998, p. 100.
10
JASPERS, Karl. Método e Visão do Mundo em Weber. In: COHN, Gabriel (Org.). Sociologia: para ler os
clássicos. Rio de Janeiro: Azougue, 2005. p. 105-124. p. 115.
11
TOMAZZETE, 2008, p. 16.
12
De modo geral, os tipos ideais possuem três características básicas que definem suas possibilidades e limites:
(1) racionalidade (ou estrutura lógica) - quando são avaliados os meios e as consequências previsíveis,
examinadas as condições que podem afetar o plano construído abstratamente sob a forma de tipo ideal da ação
futura; (2) unilateralidade - permite dar rigor ao tipo ideal, por ser a condição ao mesmo tempo de amplificação
dos traços característicos e da elaboração do quadro de pensamentos em conjunto coerente e não contraditório;
(3) caráter utópico - o tipo ideal não é, e nem pretende ser, reflexo ou repetição da realidade. DE MORAES,
Lúcio Flávio Renault; DEL MAESTRO FILHO, Antonio; DIAS, Devanir Vieira. O Paradigma Weberiano da
Ação Social: um ensaio sobre a compreensão do sentido, a criação de tipos ideais e suas aplicações na teoria
organizacional. RAC, v. 7, n. 2, p. 57-71, abr./jun. 2003. p. 64.
13
TOMAZZETE, 2008, p. 18.
113
concreta”, já que trata de um tipo puro que empiricamente não existe. Assim, “o tipo ideal é
na verdade um recurso heurístico utópico através do qual o cientista ordena uma série de
aspectos recorrentes da realidade”14.
Indo além, para que os tipos ideais sejam definidos, é imprescindível que sejam
identificados como objetiva e subjetivamente possíveis. Assim, “é preciso ver os possíveis
para captar o real”15, mas não somente, já que se deve construir “algo que possivelmente
ocorreria diante de motivações individuais. Algo que jamais decorreria de motivos
individuais não pode ser entendido como um tipo ideal”16.
Destaca-se, portanto, a relevância do estabelecimento de um tipo ideal na orientação
do cientista social, uma vez que atua como baliza17, guiando a pesquisa do investigador.
Dessa forma, trata-se de uma metodologia pertinente para o estudo da realidade social, a
qual, reitera-se, Weber lançou mão ao explorar os conceitos imanentes da sociedade.
Esse delineamento das premissas utilizadas por Weber na construção de seu estudo
mostra-se inevitável antes de se inclinar ao aprofundamento em pontos específicos de sua
teoria. Isso porque, entende-se que a compreensão das especificidades não pode ser
alcançada de forma plena senão pela anterior gnose do todo.
Uma vez entendidas as bases teóricas vislumbradas por Weber, parte-se para o
aprofundamento do estudo no campo das ações sociais. Isso porque, é em sede de ação social
que a dominação emerge, constituindo um dos elementos mais importantes da ação social18.
Como visto, as ações sociais funcionam como plano de fundo para o surgimento de
relações de dominação. Nesse sentido, Weber19 ensina que:
Todas as áreas da ação social, sem exceção, mostram-se profundamente
influenciadas por complexos de dominação. Num número extraordinariamente
grande de casos, a dominação e a forma como ela é exercida são o que faz nascer,
de uma ação social amorfa, uma relação associativa racional, e noutros casos, em
que não ocorre isto, são, não obstante, a estrutura da dominação e seu
desenvolvimento que moldam a ação social e, sobretudo, constituem o primeiro
impulso, a determinar, inequivocamente, sua orientação para um "objetivo".
14
AMORIM, 2001, p. 75.
15
JASPERS, 2005, p. 113.
16
TOMAZZETE, 2008, p. 18.
17
DE MORAES; DEL MAESTRO FILHO; DIAS, 2003, p. 64.
18
WEBER, 1998, p. 187.
19
WEBER, 1998, p. 186.
114
20
WEBER, 1998, p. 186.
21
ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. p. 183.
22
FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault,
uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1995. p. 231-249. p. 249.
23
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva Brasília. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1991. p. 33.
24
WEBER, 1998, p. 186.
115
ser influenciados pelas ordens emanadas pelo dominador. Dessa forma, muito mais que o
exercício do poder, o detentor da dominação, constitui um verdadeiro líder.
Resta evidente que poder está associado à imposição de vontade de um indivíduo
sobre outro. Com isso, haja vista a natureza de imposição, inexistindo um certo mínimo de
vontade, ou interesse do subordinado em obedecer, o exercício do poder tende a ser rápido,
difícil de ser mantido por muito tempo, já que enfrenta forte resistência, sendo, portanto,
menos eficaz que a dominação.
Quanto à dominação, conceituá-la pode significar uma tarefa complexa, tendo em
vista a existência de numerosos tipos de dominação. Nesse sentido, Weber25 menciona que
existem dois tipos de dominação radicalmente opostos, “por um lado, a dominação em
virtude de uma constelação de interesses (especialmente em virtude de uma situação de
monopólio), e, por outro, a dominação em virtude de autoridade (poder de mando e dever de
obediência)”.
Assim, enquanto o tipo mais puro da primeira dominação é a monopolizadora de
mercado, o da última é o poder do chefe de família, da autoridade administrativa ou do
príncipe. Nas palavras de Weber26:
25
WEBER, 1998, p. 188.
26
WEBER, 1998, p. 189.
27
WEBER, 1998, p. 191.
116
Nesse contexto, Weber concebe o termo dominação como legítimo, pois o dominado
aceita a dominação, independentemente de quais sejam os motivos, legitimando, assim, o
domínio exercido pelo dominador.
Partindo-se para a análise dos tipos puros de dominação legítima de Weber, sabe-se
que se consubstanciam, primordialmente em três: a dominação de caráter racional, de caráter
tradicional e a de caráter carismático.
A dominação do tipo racional “baseia-se na legitimidade das ordens estatuídas e do
direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens, estão nomeados para exercer a
dominação”28 (autoridade legal). Nesse sentido, a forma mais pura de expressão dessa
dominação é a burocracia, elemento característico do estado moderno, entendimento
consolidado por Weber29 ao dispor que “a administração burocrática constitui a célula
germinativa do moderno Estado ocidental”.
Isso porque é por meio da estrutura hierarquizada30 da burocracia que se alcança,
tecnicamente, o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina,
rigor e confiabilidade.31 A par disso, extrai-se que o conhecimento constitui o caráter
fundamentalmente racional da administração burocrática, já que, além da posição de
formidável poder devido ao conhecimento profissional, “a burocracia tem a tendência de
fortalecê-la ainda mais pelo saber prático do serviço: o conhecimento de fatos adquirido na
execução das tarefas, ou obtido via documentação”32.
Quanto ao quadro administrativo, a dominação racional é composta por funcionários
individuais, os quais possuem como principais características, entre outras, o fato de serem
pessoalmente livres, já que só obedecem as regras objetivas estipuladas para o cargo,
28
WEBER, 1998, p. 141.
29
WEBER, 1998, p. 144.
30
Uma estrutura hierarquizada corresponde a diferentes níveis de hierarquia, isto é, há uma hierarquia em cima
de outra hierarquia de pessoas que mandam. Por exemplo, ao se fazer o passaporte, diante de uma estrutura
hierarquizada, sabe-se que a competência é da esfera federal para conceder autorização para que o indivíduo
saia da país. Trata-se, portanto, de uma estrutura de competências preestabelecida e hierarquizada.
31
A dominação puramente burocrática, portanto, a administração burocráticamonocrática mediante
documentação, considerada do ponto de vista formal, é, segundo toda a experiência, a forma mais racional de
exercício de dominação, porque nela se alcança tecnicamente o máximo de confiabilidade em virtude da
precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade – isto é, calculabilidade tanto para o senhor quanto
para os demais interessados – intensidade e extensabilidade dos serviços, e aplicabilidade formalmente
universal a todas as espécies de tarefas. O desenvolvimento de formas de associação “modernas” em todas as
áreas (Estado, Igreja, exército, partido, empresa econômica, associação de interessados, união, fundação e o
que mais seja) é pura e simplesmente o mesmo que o desenvolvimento e crescimento contínuos da
administração burocrático: o desenvolvimento desta constitui, por exemplo, a célula germinativa do moderno
Estado Ocidental. WEBER, 1999, p. 145-146.
32
WEBER, 1999, p. 147.
117
possuírem competências funcionais fixas, bem como qualificação racional, atestada por uma
prova de concurso. Além disso, são remunerados com salário fixo e em dinheiro, sendo esse
salário escalonado de acordo com a hierarquia que ocupa, além de terem programas de
aposentadoria33.
Percebe-se, portanto, que os funcionários de um sistema de dominação racional estão
submetidos a uma estrutura rigorosa e homogênea de disciplina de controle e de serviço,
pertencendo a um corpo de funcionários qualificados segundo critérios racionais legais. Em
função disso, a maioria exerce o cargo como profissão única ou principal.
Haja vista a dominação amparada por leis, estatutos e regras, os quais estatuídos por
um órgão impessoal, infere-se a obediência em função da ordem, não pelas características
pessoais do líder. Isso faz com que esse tipo de dominação seja o único dos três que não é
personalizada.
Diferentemente da dominação burocrática, a dominação de caráter tradicional tem a
sua legitimidade repousada na “crença cotidiana na santidade das tradições vigentes desde
sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradições, representam a
autoridade”34 (autoridade tradicional).
Dessa forma, a máxima “porque sempre foi assim” é utilizada para justificar o padrão
de fidelidade dos servidores pessoais (companheiros tradicionais, súditos) ao senhor pessoal.
Nesse sentido, as monarquias são o melhor exemplo desse tipo de dominação, já que os
dominados sequer enxergam outra possibilidade senão a de obedecer àquele sistema
monárquico já existente. Ou seja, não há questionamento quanto à dominação sofrida, fator
que reforça a noção de que a legitimidade se dá pelo hábito e pelo costume em se adotar e
propagar crenças geracionais. A exemplo disso, tem-se a transição do patronado de rei pra
príncipe e em tribos também.
Nessa linha, o senhor então domina não porque houve um processo democrático de
votação, ou legisladores o indicaram, nem porque ele é um ditador que tomou o poder a
força, mas por uma legitimidade advinda da tradição35. Quanto a isso, Weber menciona que
33
WEBER, 1999, p. 144.
34
WEBER, 1999, p. 141.
35
Destaca-se que, como ensina Weber, as ordens são legitimadas de dois modos: a) em parte em virtude da
tradição que determina inequivocamente o conteúdo das ordens, e das crença no sentido e alcance destas, cujo
abalo por transgressão dos limites tradicionais poderia pôr em perigo a posição tradicional do próprio senhor e
b) em parte em virtude do livre arbítrio do senhor, ao qual a tradição deixa espaço correspondente. Esse arbítrio
tradicional baseia-se primordialmente na ausência de limitações que por princípio caracteriza a obediência em
118
o exercício dessa dominação pode ser feito tanto de forma individual quanto conjuntamente,
por meio de um quadro burocratizado, similar à burocratização existente na dominação legal.
Nessa esteira, quando organizada segundo um quadro administrativo, a estrutura não
se dará de forma racional, mas por razões históricas, já na dominação tradicional “não se
obedece a estatutos, mas à pessoa indicada pela tradição ou pelo senhor tradicionalmente
determinado”36. Isto é, os servidores estão colocados estruturalmente haja vista a sua
condição de servo, parente, cliente, colono, escravo, libertado pessoa tradicionalmente
ligadas ao senhor por vínculos de piedade, membros do clã, entre outros vínculos possíveis.
Tais afinidades podem ser observadas tanto nas relações de suserania e vassalagem, quanto
no feudalismo da idade média37.
Portanto, o dominador não é um superior, mas um senhor pessoal e seu quadro
administrativo não se compõe primariamente de funcionários, mas de servidores pessoais.
Em função disso, os dominados não são membros da associação, mas companheiros
tradicionais ou súditos.
Por fim, o terceiro tipo de dominação é a dominação de caráter carismático. Assim
como nos outros tipos de dominação, o termo adotado para descrevê-los é autoexplicativo.
No entanto, Weber assevera que não se pode confundir carisma com simpatia. Isto é, o
carisma, define Weber38, é uma “qualidade pessoal considerada extracotidiana e em virtude
da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos, ou
então se a toma como enviada por Deus, como exemplar, e, portanto, como líder”.
Feitas as considerações, Weber39 conceitua esse tipo de dominação como a
“veneração extracotidiana da santidade, do poder heroico ou do caráter exemplar de uma
pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas” (autoridade carismática).
Assim, o carisma representa uma qualidade do líder que, por meio dele, mantém um
grupo de dominados. Os dominados, aqui melhor denominados de “adeptos”, por sua vez,
legitimam a dominação exercida pelo líder carismático motivados pelo sentimento de
virtude do dever de piedade. Existe, portanto, o duplo reino: da ação do senhor materialmente vinculada à
tradição e da ação do senhor materialmente independente da tradição.” WEBER, 1999, p. 148.
36
WEBER, 1999, p. 148.
37
Weber acrescenta que os tipos primários da dominação tradicional são os casos em que falta um quadro
administrativo pessoal do senhor: gerontocracia e o patriarcalismo primário. Gerontocracia: se houver uma
dominação no grupo, essa será liderada pelo mais velho, pois é o que mais tem conhecimento. Patriarcalismo:
dentro de uma associação doméstica, a dominação é exercida por um indivíduo determinado, por regras de
sucessão: homem. WEBER, 1999, p. 153.
38
WEBER, 1999, p. 159.
39
WEBER, 1998, p. 141.
119
40
WEBER, 1999, p. 159.
41
WEBER, 1998, p. 193.
42
WEBER, 1998, p.193.
120
43
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, nov. 1995. p. 14-15. Disponível em:
http://www.anped11.uerj.br/planodiretor1995.pdf. Acesso em: 27 mar. 2020.
44
CAMPELO, Graham Stephan Bentzen. Administração Pública no Brasil: ciclos entre patrimonialismo,
burocracia e gerencialismo, uma simbiose de modelos. Ci. & Tróp., Recife, v. 34, n. 2, p. 297-324, 2010. p.
299.
45
CAMPELO, 2010, p. 306.
121
46
NOGUEIRA, Octaviano. Constituições Brasileiras: 1824. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência
e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. p. 23.
47
CAMPELO, 2010, p. 306.
48
WEBER, 1999, p. 141.
49
RESENDE, 2004 apud PALUDO, Agustinho. Administração pública: teoria e questões. 1. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2010. p. 97.
50
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1995, p. 15.
122
O Estado volta-se para si mesmo, perdendo a noção de sua missão básica, que é
servir à sociedade. A qualidade fundamental da administração pública burocrática
é a efetividade no controle dos abusos; seu defeito, a ineficiência, a
51
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1995, p. 15.
52
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de Administração Pública; 200 anos de
reformas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 5, p. 829-874, set./out. 2008. p. 846.
123
53
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1995, p. 15. Nesse sentido, em um de seus importantes estudos,
menciona: “A administração pública burocrática clássica foi adotada porque era uma alternativa muito superior
à administração patrimonialista do Estado. Entretanto o pressuposto de eficiência em que se baseava não se
revelou real. No momento em que o pequeno Estado liberal do século XIX deu definitivamente lugar ao grande
Estado social e econômico do século XX, verificou-se que não garantia nem rapidez, nem boa qualidade nem
custo baixo para os serviços prestados ao público. Na verdade, a administração burocrática é lenta, cara, auto-
referida, pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos. BRESSER-PEREIRA, Luiz
Carlos. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial. Brasília: Revista do Serviço Público, v. 47, n. 1,
p. 1-28, jan./abr. 1996. p. 05.
54
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1995, p. 19.
55
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1995, p. 14-15.
56
A exemplo disso, destaca-se o nosso contexto atual, pois temos ainda aspectos presentes que são heranças
do patrimonialismo (nomeações em cargos de confiança), aspectos da teoria da burocracia (concursos públicos
e noção de carreira, entre outros), entre outros.
57
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. In: PINHEIRO, Paulo Sérgio;
WILHEIM, Jorge; SACHS, Ignacy. Brasil: um século de transformações. São Paulo: Cia das Letras, 2001. p.
222-259. p. 233.
58
BRESSER-PEREIRA, 2001, p. 233.
124
rigorosamente focada nas regras, findaram em um resultado oposto, haja vista inúmeros tipos
de disfunções que esse sistema gera.
Prova disso está a visão social diante da palavra “burocracia”, a qual inevitavelmente
remonta a um imaginário negativo de lentidão, atraso, dificuldade e, portanto, ineficiência.
Nesse sentido, menciona-se a colocação do crítico Michel Crozier59, ao contrário do que
pensava Weber, acreditava que o modelo burocrático reduzia a eficácia das organizações,
isto é, as instituições não poderiam operar como máquinas, ao invés disso, as organizações
deveriam ser vistas como algo que:
[...] não está apenas constituída pelos direitos e obrigações da bela máquina
burocrática, e nem muito menos pela exploração e pela resistência da força de
trabalho a ser explorada por um patrão ou por uma tecnoestrutura. Ela é um
conjunto complexo de jogos entrecruzados e interdependentes, através dos quais
os indivíduos, com oportunidades frequentemente muito diferentes de sucesso,
procuram maximizar seus benefícios, respeitando as regras não escritas do jogo
que o meio lhes impõe, tirando partido sistematicamente de todas as suas
vantagens e tentando minimizar as dos outros.
59
CROZIER, Michel. O Fenômeno Burocrático. Brasília: UNB, 1981. p. 50.
60
MARTINS, Humberto Falcão. Burocracia e a Revolução gerencial - a persistência da dicotomia entre política
e administração. Revista do Serviço Público, v. 48, n. 1, p. 42-78, jan./abr. 1997. p. 43.
61
MARTINS, 1997, p. 44.
62
MARTINS, 1997, p. 44.
63
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; MOTTA, Fernando Claudio Prestes. Introdução à Organização
Burocrática. São Paulo: Brasiliense, 1980. p. 141.
125
CONCLUSÃO
64
MARTINS, 1997, p. 45.
65
PARSONS, Talcott. The Structure of Social Action. Marxists.org, 2020. Disponível em:
https://www.marxists.org/reference/subject/philosophy/works/us/parsons.htm. Acesso em: 1 abr. 2020.
66
MARTINS, 1997, p. 45.
67
MARTINS, 1997, p.45.
126
apenas pela do quadro administrativo da sociedade colonial, mas pela autoridade advinda do
monarca, que representava verdadeiro líder perante os dominados.
Obviamente que a adequação não é integral, já que, como evidenciado, os modelos
administrativos evoluíram com o passar do tempo, mas sempre deixando alguns resquícios
nos modelos sucessores.
Quanto ao modelo de administração burocrática, apesar das dificuldades encontradas
em não apenas afinar, mas sobretudo, distinguir o significado de dominação do tipo
burocrática, com o termo burocracia, mostra-se inegável as raízes weberianas nessa fase da
administração brasileira. Se antes, a sociedade era administrada por um quadro nepotista,
clientelista e corrupto, agora, formalidade impessoalidade e profissionalização passaram a
ser as características preconizadas pela administração burocrática.
Por todo o exposto, conclui-se que, muito mais do que verificar se as dominações
weberianas “deram certo” na configuração da administração brasileira, o que se buscou
demonstrar é que, apesar dos percalços, controversas e dicotomias, Max Weber contribuiu,
sem dúvidas para a formação do quadro administrativo do país. Assim, apesar de a análise
ter sido concentrada em dois principais modelos de gestão, sustenta-se que, não importa em
que momento da evolução da administração pública do país se esteja, sempre existirá por
trás, uma contribuição weberiana.
REFERÊNCIAS
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de Administração
Pública; 200 anos de reformas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42,
n. 5, p. 829-874, set./out. 2008.
DE MORAES, Lúcio Flávio Renault; DEL MAESTRO FILHO, Antonio; DIAS, Devanir
Vieira. O Paradigma Weberiano da Ação Social: um ensaio sobre a compreensão do sentido,
a criação de tipos ideais e suas aplicações na teoria organizacional. RAC, v. 7, n. 2, p. 57-
71, abr./jun. 2003.
JASPERS, Karl. Método e Visão do Mundo em Weber. In: COHN, Gabriel (Org.).
Sociologia: para ler os clássicos. Rio de Janeiro: Azougue, 2005. p. 105-124.
PARSONS, Talcott. The Structure of Social Action. Marxists.org, 2020. Disponível em:
https://www.marxists.org/reference/subject/philosophy/works/us/parsons.htm. Acesso em:
1 abr. 2020.
Bárbara Bidese1
INTRODUÇÃO
Várias Constituições fizeram parte da história do Brasil, cada uma com um ideal
diferente, porém, sua maioria assegurando direitos e defendendo o cidadão. Com o passar
dos tempos e o aumento da população brasileira se tornou necessária a descentralização de
serviços que antes eram exclusivamente prestados pelo Estado, passando-se, assim, a serem
prestados pelos particulares.
Diante desta nova realidade, surgiu o denominado Terceiro Setor da sociedade, quem
em seu âmago buscava suprir as necessidades sociais atuando ao lado do Estado, mas, sem
interesse lucrativo. A onda de serviços sociais, no Brasil, deu-se após a Reforma Gerencial
que foi implementada pela Emenda Constitucional nº. 19, de 4 de junho de 1998. Esta inseriu
no texto constitucional o princípio da eficiência administrativa.
1
Advogada Inscrita na Ordem do Advogados do Brasil/RS 115.556. Bacharel em Direito pela Universidade
de Caxias do sul - UCS, Pós-graduanda em Direito Agrário e do Agronegócio - FMP. E-mail:
barbara.bidese@gmail.com
129
2
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de Administração Pública; 200 anos
de reformas. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro,2008. Available from:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122008000500003&lang=pt.Acesso
10/08/2020.
131
sentido do status de cidadania, ou seja, aquela que envolve a capacidade de ser sujeito das
decisões e influenciar os destinos da sociedade da qual se faz parte.3
A garantia de direitos, no ordenamento jurídico brasileiro, é de extrema importância
e deve-se partir da premissa de necessidade de proteção da população mais frágil e
vulnerável, por parte do Estado. Assim, o Estado deve garantir os direitos da população
através de sua atuação em defesa da mesma. Para que os direitos sociais sejam efetivados,
com democracia e em relação a quem precisa, deve-se ter um agir por parte dos governados
e que demonstrem preocupação e cobrança aos governantes. A população precisa
manifestar-se e encarar a democracia participativa como possibilidade de mudanças para
uma vida em sociedade, melhor e mais igualitária, para não apenas esperar do Estado à
efetivação de seus direitos positivados.
É necessário analisar que, os direitos sociais, chamados de direitos fundamentais de
segunda dimensão tiveram sua origem através da industrialização e os graves problemas
econômicos e sociais que acompanharam este processo. Conforme Pedro Lenza4:
O fato histórico que inspira e impulsiona os direitos humanos de 2.a dimensão é a
Revolução Industrial europeia, a partir do século XIX. (...) O início do século XX
é marcado pela Primeira Grande Guerra e pela fixação de direitos sociais. Essa
perspectiva de evidenciação dos direitos sociais, culturais e econômicos, bem
como dos direitos coletivos, ou de coletividade, correspondendo aos direitos de
igualdade. (...)
3
RIPARI, Vanessa Toqueiro. Eficiência do Estado: limites e possibilidades no atual modelo de estado
gerencial. XXI Congresso Nacional do CONPEDI/UFF, 2012, Niterói, Rio de Janeiro. Disponível em:
https://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/9rabty0z/S2UXi2drT3p07NX6.pdf. Acesso em:
10/08/2020.
4
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado, 20th edição. Editora Saraiva. 2012. Pg. 1.157.
5
BORTOLOTI, José Carlos Kraemer; MACHADO, Guilherme Pavan. Direitos sociais como fundamentais:
um difícil diálogo no Brasil. Prisma Jurídico, São Paulo, 2017.
132
6
UNESCO. Declaração Universal dos Direitos Humanos, Paris, 1948, disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf . Acesso em 10/08/2020.
7
MENDES, Gilmar Ferreira. Estado de direito e jurisdição constitucional. 2002-2010. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?id=MYNnDwAAQBAJ&lpg=PP1&dq=inauthor%3A%22GILMAR%20
FERREIRA%20MENDES%20-%20MINISTRO%20STF%22&hl=pt-BR&pg=PP1#v=onepage&q&f=false.
Acesso em: 10/08/2020.
133
meios de gestão inovadores, de novo enfoque, devendo o Estado ser quem ampara e ajuda
as pessoas, diante dos novos desafios de uma sociedade complexa.
Ocorre que a noção de serviços públicos foi influenciada pela doutrina mais
moderna de forma a restringir seu conceito. Com efeito, tradicionalmente, a
conceituação de serviço público era muito abrangente, abarcando toda a atuação
do Estado, na busca do interesse público, sem efetivar a distinção em relação as
demais atividades administrativas. 10
Os serviços públicos são toda a atividade material que a lei atribui ao Estado para
que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer
concretamente as necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcial público.11
8
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Reflexões Sobre a Prestação de Serviços Públicos por Entidades do
Terceiro Setor. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, 2006. Disponível na Internet:
<http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 10/08/2020.
9
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na
forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação
de serviços públicos.
10
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5 ed. Salvador: Juspodvim, 2018. p. 637.
11
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 139.
134
Após apresentados os conceitos acerca dos serviços públicos, deve-se distinguir que,
serviço público não é a única atividade de Estado. O Estado age em busca de interesses da
coletividade e cabe a cada governante definir o que é oportuno e o que é conveniente e
necessário para a prestação de serviços públicos sobre seus governados.
O Brasil, conforme influência europeia, sempre subsidiou os serviços públicos que
eram essenciais à população, porém, com o passar do tempo e com o surgimento de novas
práticas, transferiu aos particulares certas prestações de serviços públicos não exclusivos de
Estado.
Historicamente, o Estado, à medida que foi se afastando dos princípios do
liberalismo, começou a ampliar o rol de atividades próprias, definidas como
serviços públicos, pois passou a considerar determinadas atividades que antes
eram consideradas privadas.12
12
ibidem. p. 136.
13
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5 ed. Salvador: Juspodvim, 2018. p.640
14
Descentralização: As competências administrativas são distribuídas a pessoas jurídicas autônomas, criadas
pelo Estado para tal finalidade. Exemplos: autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de
economia mista. MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 7 ed. São Paulo. Saraiva. 2017.
p.197.
135
Cabe lembrar que existem muitos serviços públicos de titularidade comum entre a
União, os estados o distrito federal e os municípios, como saúde, previdência
social e assistência social. Tais serviços sociais, também podem ser prestados por
particulares mediante autorização estatal. Porém só serão considerados serviços
públicos propriamente ditos quando prestados diretamente pelo Estado.16
15
LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal,
institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
16
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 7 ed. São Paulo. Saraiva. 2017. p. 1062
136
17
FALCÃO, Elisabeth Couto. Terceiro Setor: Fiscalização das Organizações Sociais e das Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público pelos Tribunais de Contas. Revista Controle,2007.Directory of
Open Access Journals (DOAJ) Disponível em:
http://revistacontrole.ipc.tce.ce.gov.br/index.php/RCDA/article/view/195/197. Acesso em 10/08/2020.
137
É notório que o Terceiro Setor passa por diversas formas de controle, pois como
recebe recursos públicos destinados às entidades, estes devem ser acompanhados seus
investimentos, formas de uso e aplicações.
É importante reter a ideia que rege o princípio da indisponibilidade do interesse
público. Este princípio torna-se parte central em relação a todos os controles existentes frente
à Administração Pública. A indisponibilidade do interesse público está ligada com a
necessidade de agir do ente estatal frente a uma indispensabilidade coletiva existente.
Existem, atualmente, diversas entidades integrantes do Terceiro Setor no Brasil.
Alguns doutrinadores ainda discutem quais são exatamente estas entidades. Por atuarem ao
lado do Estado, podem ser chamadas de entidades paraestatais, estas não pertencem ao
Estado, mas, atuam ao seu lado exercendo atividades de cunho social.
Pelo fato de atuarem ao lado do Estado como provedoras de serviços sociais de
interesse do mesmo, essas entidades recebem dinheiro público, incentivos e até controle
exercido pela Administração Púbica.
De acordo com a grande maioria dos doutrinadores, são cinco, as espécies de Entes
do Terceiro Setor tratados no direito brasileiro, a saber: entidades do serviço social autônomo
(sistema S), entidades de apoio, Organizações Sociais (OS), Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP), organizações da sociedade civil (OSC).
138
Esta formação deixa claro o intuito do legislador em manter o controle interno das
Organizações Sociais preponderantemente nas mãos do Poder Público, fato que só
corrobora a ideia de tratar-se este novel instituto de verdadeiro desvirtuamento das
características fundamentais do Terceiro Setor, dentre as quais ser controlado pela
sociedade.19
18
LUCENA, Cezar Viana. Terceiro setor: conceito, histórico e marco regulatório, instrumentos jurídicos
de formalização de parcerias entre Administração Pública e terceiro setor e fiscalização das parcerias
entre terceiro setor e Administração Pública. Disponível em:
https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/terceiro-setor-parcerias-com-a-administracao-
publica.htm#capitulo_7. Acesso em: 10/08/2020.
19
PRADO, Inês Maria Coimbra de Almeida; CASTRO, Tatiane Lobato de. O controle do terceiro
setor. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/79474/83510>. Acesso em:10/08/2020.
doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v8i2p11-33
20
MAGNUS, Cristina de Oliveira. Controle interno financeiro em uma entidade sem fins lucrativos.
Monografia apresentada à Universidade Federal de Santa Catarina , curso de Ciências Contábeis.
Floriaópolis,2007. Disponível em : http://tcc.bu.ufsc.br/Contabeis293891.pdf. Acesso em: 10/08/2020.
139
Vale ressaltar o papel do Tribunal de Contas e saber qual é a sua relação com o Poder
Legislativo, pois atuam lado a lado, dentro do controle interno, sobre os atos praticados pela
Administração Pública e, também, pelo Terceiro Setor.
21
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5 ed. Salvador: Juspodvim, 2018. p. 400.
22
PRADO, Inês Maria Coimbra de Almeida; CASTRO, Taiane Lobato de. O controle do terceiro
setor. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/79474/83510>. Acesso em: 10/08/2020
doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v8i2p11-33
23
PRADO, Inês Maria Coimbra de Almeida; CASTRO, Taiane Lobato de. O controle do terceiro
setor. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/79474/83510>. Acesso em:10/08/2020.
doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v8i2p11-33.
140
O controle externo é realizado da forma parlamentar direta, que nada mais é do que
a atuação do Poder Legislativo, como a Câmara dos Deputados e o Senado, ou seja. o
Congresso Nacional, que controlam os atos da Administração Pública, por meio de
Conselhos Parlamentares de Inquérito, e, no caso de municípios por comissões.
O Controle Judicial será sempre exercido pelo próprio Poder Judiciário quando este
for provocado. Também, poderá ser exercido de duas formas, o controle prévio ou posterior
ao ato praticado pela Administração Pública. Tal controle deve dar-se sobre a legalidade do
ato e não sobre o mérito dele, e o mesmo não pode ser discutido em sede de controle judicial.
Apenas o Poder Judiciário profere decisões com caráter finalístico, isto é, definitivas.
O Brasil utiliza o chamado Sistema de Freio e Contrapesos26, o que se refere à possibilidade
de os três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) atuarem no controle sobre a
Administração Pública.
24
Ibidem.
25
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5 ed. Salvador: Juspodvim, 2018. p. 403.
26
O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder
teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar
que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais
Poderes.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Disponível em:
http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2018/consideracoes-sobre-a-teoria-dos-freios-e-
contrapesos-checks-and-balances-system-juiza-oriana-piske. Acesso em: 10/08/2020.
141
Desta forma, vale ressaltar, a importância dos controles exercidos, tanto interno,
externo e judicial, para a garantia de atividades da Administração Pública em prol do bem
comum e, de acordo com a lei, sem nenhum tipo de violação, com total transparência.
27
SANTIN, Janaína Rigo. Estado, constituição e Administração pública no século XXI: novos desafios da
cidadania e do poder local. Belo Horizonte. Arraes Editores, 2017. p. 155
142
O controle social deve ser exercido pelo cidadão que respeita o interesse coletivo e
busca o bem comum, podendo, assim, fiscalizar os atos da Administração Pública. Faz-se
necessário, distinguir o controle social da participação popular:
O grande risco, portanto, destas novas formas de interação entre público e privado,
tendo em vista a realidade de organização da sociedade brasileira, é o uso do
Estado em benefício de poucos, permitindo maior participação e maior
transparência a certos grupos sociais em detrimento de outros.29
28
SIRAQUE, Vanderlei. Controle Social da Função Administrativa do Estado. Possibilidades e limites na
Constituição Federal de 1988. São Paulo: Saraiva, 2009. Pg. 112.
29
PRADO, Inês Maria Coimbra de Almeida; CASTRO, Taiane Lobato de. O controle do terceiro
setor. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/79474/83510>. Acesso em: 10/08/2020.
doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v8i2p11-33
30
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5 ed. Salvador: Juspodvim, 2018. p. 385.
143
31
SILVA. Jorge Bernardo Oliveira da. TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR: DOIS
LADOS DA MESMA MOEDA. Disponível em:
https://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?src=docnav&ao=&fromrend=&srguid=i0ad8
2d9b00000166ad6b262190790dfa&epos=2&spos=2&page=0&td=26&savedSearch=&searchFrom=&contex
t=278&crumb-action=append&crumb-label=Documento. Acesso em:25/10/2018
32
PORTAL DA TRANSPARÊNCIA: Lançado pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da
União em 2004, o Portal da Transparência do Governo Federal é um site de acesso livre, no qual o cidadão
pode encontrar informações sobre como o dinheiro público é utilizado, além de se informar sobre assuntos
relacionados à gestão pública do Brasil. Desde a criação, a ferramenta ganhou novos recursos, aumentou a
oferta de dados ano após ano e consolidou-se como importante instrumento de controle social,
com reconhecimento dentro e fora do país. Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.br/sobre/o-que-
e-e-como-funciona Acesso em: 10/08/2020.
144
O controle social em relação aos atos das entidades do Terceiro Setor deve ser
pensado da mesma maneira com que a população pode exercê-lo frente à Administração
Pública. Mecanismos de fiscalização dos atos devem ser refletidos pelos administradores das
entidades do Terceiro Setor.
O controle social das ações de forma transparente surge como diretriz do Programa
Nacional de Publicização; mas, não há previsão de qualquer instrumento que realize este
vetor.33
É notório que, para receberem recursos, as entidades devem apresentar um plano de
execução para a Administração Pública. Porém, este não é de total acesso à população
interessada. O que deve ser buscado seria uma forma para que o cidadão tivesse acesso mais
profundo aos planos de trabalho das entidades e poder fiscalizá-lo, de forma concreta.
Muito ainda deve ser refletido quanto ao exercício do controle social sobre as
entidades do Terceiro Setor para que os cidadãos tenham acesso às informações sobre a
destinação de recursos públicos. É um direito da população e este deve ser reivindicado.
CONCLUSÃO
O Terceiro Setor, no Brasil, ainda é algo novo a ser estudado e pensado pela
sociedade, em geral. Surgiu após a Reforma Gerencial, que aconteceu em 1998, que
implementou o Princípio da Eficiência, na Constituição Federal de 1988. Pela efetivação
deste princípio, tornou-se necessária a distribuição pelo Estado da prestação de certos
serviços públicos para particulares.
Somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 é que o país pode se
espelhar no continente europeu para a efetivação do modelo de administração gerencial. O
modelo, baseado no Princípio da Eficiência Administrativa, buscava aprimorar a qualidade
dos serviços prestados pelo Estado.
Este novo Setor, conduzido por particulares, pode realizar parcerias com o Poder
Público, atuando na prestação de serviços não exclusivos de Estado. As entidades
particulares que atuam ao lado do Estado, prestando serviços de interesse público, sem a
33
PRADO, Inês Maria Coimbra de Almeida; CASTRO, Tatiane Lobato de. O controle do terceiro
setor. Revista de Direito Sanitário, São Paulo,2007. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/79474/83510>. Acesso em: 10/08/2020.
doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v8i2p11-33
145
intenção de visar lucro são rotulados como entidades paraestatais, integrantes do Terceiro
Setor. Estas entidades devem obedecer a requisitos para sua criação, determinados por lei.
O conceito acerca do tema Terceiro Setor ainda é bem vago e tratado de forma
dessemelhante pelos doutrinadores. Por este motivo, cabem aos princípios constitucionais e
os que regem à Administração Pública cumprir o papel de guiar as relações entre o poder
público e as entidades que pertencem ao Terceiro Setor.
É importante destacar, também, a importância de cada controle de atuação sobre a
Administração Pública e o Terceiro setor. O controle interno é o exercido dentro do próprio
órgão do Poder Público, realizado por comissões que avaliam a execução dos contratos e
parcerias firmadas entre o Poder Público e as entidades particulares.
O controle externo é exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de
Contas. Eles analisam se a atuação do Poder Público e da entidade foi de acordo com a
legalidade e com os princípios que regem a relação. É importante destacar que esta forma de
controle não pode exercer um controle de mérito do ato, apenas um controle da legalidade
do ato.
O controle judicial é exercido pelo próprio Poder Judiciário que atua apenas quando
for provocado. Esse controle pode ser exercido previamente à realização do ato
administrativo ou posterior a ele. Também, não pode realizar um controle de mérito, pelo
fato derivar da discricionariedade do próprio poder público. O Poder Judiciário realiza um
controle de legalidade do ato realizado, analisando se os requisitos das leis foram
devidamente respeitados ou se houve equívocos.
Cumpre destacar que, com a efetivação da democracia participativa, a população terá
uma ferramenta de fiscalização dos atos e repasses da Administração para as entidades. Com
o acelerado desenvolvimento da sociedade, o Estado acaba não conseguindo atender as
demandas da população, da maneira com que devia atuar. Caberá ao Terceiro Setor, com
suas causas sociais e inclusivas proporcionar serviços que atendam às necessidades da
parcela da população que mais precisa.
146
REFERÊNCIAS
BORTOLOTI, José Carlos Kraemer; MACHADO, Guilherme Pavan. Direitos sociais como
fundamentais: um difícil diálogo no Brasil. Prisma Jurídico, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 429-
455, 2017.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
______. Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993.
______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2018/consideracoes-sobre-a-teoria-
dos-freios-e-contrapesos-checks-and-balances-system-juiza-oriana-piske. Acesso em:
10/08/2020.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5 ed. Salvador: Juspodvim,
2018.
COSTA, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de Administração
Pública; 200 anos de reformas. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro,2008. Available
from:https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003476122008000500003
&lang=pt Acesso 10/08/2020.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30 ed. Rio de Janeiro. Editora
Forense,2017.
FALCÃO, Elisabeth Couto. Terceiro Setor: Fiscalização das Organizações Sociais e das
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público pelos Tribunais de Contas.
Revista Controle, 01 December 2007,Disponível em:
http://revistacontrole.ipc.tce.ce.gov.br/index.php/RCDA/article/view/195/197. Acesso em
10/08/2020.
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Reflexões Sobre a Prestação de Serviços Públicos por
Entidades do Terceiro Setor. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, nº.
6, junho/julho/agosto, 2006. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br>.
Acesso em: 10/08/2020.
MAGNUS, Cristina de Oliveira. Controle interno financeiro em uma entidade sem fins
lucrativos. Monografia apresentada à Universidade Federal de Santa Catarina.
Floriaópolis,2007. Disponível em: http://tcc.bu.ufsc.br/Contabeis293891.pdf. Acesso em:
10/08/2020.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 7 ed. São Paulo. Saraiva. 2017.
147
UNESCO. Declaração Universal dos Direitos Humanos, Paris, 1948, disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf . Acesso em 10/08/2020.
148
INTRODUÇÃO
No Brasil, como nos demais países de direito codificado, aqueles do chamado civil
law, o precedente não tem – e não poderia ter – caráter normativo. Afinal, nos falta,
exatamente, aquele caráter consuetudinário que faz o common law funcionar, ou seja, a
vinculação aos precedentes, feita de maneira tradicional, não legislada. Não é essa a fonte
primária em nosso direito. A fonte primária de nosso direito está nas leis. Por essa razão,
devemos olhar os precedentes com diferente função e finalidade.
Os precedentes, para nós, não são normativos, mas jurisprudenciais. Buscamos neles,
não a norma, mas uma unidade de sentido para aqueles preceitos normativos encontrados
em nossas leis.
1
Pós-Graduada em Direito. Aluna Especial do Mestrado em Direito da Universidade do Rio Grande. Advogada
OAB/RS 98.329. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0536577742508465 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8872-
8431 Contato: contato@paesefedrigo.adv.br
149
estar assentadas em regras firmes e determinadas2. É certo que o juiz não deve formular
proposições conclusivas sobre tudo o que for apresentado pelas partes, contudo deve
necessariamente produzir proposições capazes de justificar a procedência ou improcedência
das pretensões deduzidas pelas partes, salvo se a decisão sobre uma pretensão exclua
logicamente outras pretensões.
O que isso significa é que a decisão judicial deve enfrentar as pretensões aduzidas
pelas partes, nisso compreendidas as questões de interpretação das disposições jurídicas, de
classificação ou de avaliação dos fatos. Uma decisão desse tipo é tal que poderá ser colocada
em termos de universalizáveis para outros casos semelhantes, mas permanecerá sempre
aberta para justificação posterior quanto as suas consequências, consistência e coerência3.
Assim, uma ratio é uma justificação formal dada pelo juiz, suficiente para decidir as
questões jurídicas suscitadas pelas partes e necessária para a justificação da decisão judicial
mesma. Em outras palavras, a ratio decidendi corresponde à proposição normativa explícita
ou implicitamente dada pelo juiz para enfrentar os argumentos formulados pelas partes e
necessária para justificação da decisão judicial4.
O uso dos precedentes da jurisprudência na justificação das decisões judiciais
pressupõe que as razões das decisões judiciais são razões para a justificação de decisões
judiciais. É nessa condição de justificativas para decisões que as razões dos juízes e tribunais
desempenham um papel normativo.
O uso dos precedentes da jurisprudência para justificar uma decisão judicial
pressupõe a identificação e a aplicação da norma jurídica informadora das decisões judiciais
anteriores. Quando o juiz toma os precedentes da jurisprudência como razões para justificar
a sua decisão judicial, cuida-se da aplicação de uma norma jurídica – a norma jurídica do
caso já decidido, reiteradamente aplicada pelos outros juízes e tribunais. Essa é a ratio
decidendi que detém efeito vinculante ou argumentativo forte em relação às decisões
posteriores sobre casos semelhantes. Cuida-se de uma regra ou princípio decisivo para o caso
2
MacCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 146.
3
MacCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 152-153.
4
MacCORMICK, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford: Oxford University Press, 1978, p. 215;
MacCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 153;
PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. London: Springer, 2008, p. 273.
Sobre a regra do precedente, ver Planned Parenthood of Southeastern Pennsylvania v. Casey, 505 U.S. 833
(1992), In ZOLLER, Elisabeth. Grands arrest de la Cour supreme des États-Unis. Paris: Presses Universitaires
de France, p. 1123-1156, 2000.
150
julgado5, de tal modo que a decisão judicial seria outra diferente se outra fosse a sua ratio
decidendi.
É essa regra ou princípio que faz do precedente o modelo a ser generalizado para
outros casos semelhantes em seus aspectos essenciais6. Com isso, pode ser colocada a
distinção entre a ratio decidendi e a obter dicta, assim entendidas as opiniões e comentários
dos juízes que vão além do necessário para a justificação da decisão judicial. Os argumentos
sobre princípios ou sobre avaliações de outros precedentes ou, ainda, sobre as consequências
da decisão judicial, integram a classe da obter dicta7.
Segundo Marshal, o conceito de obter dicta pode ser relacionado às proposições
usadas nas razões de uma decisão judicial: (i) não relevantes para definição do caso que está
sendo julgado ou para qualquer outro caso; (ii) relevantes para a definição do caso que está
sendo julgado, mas não necessariamente; (iii) relevantes para uma questão colateral ao caso
que está sendo julgado; (iv) relevantes para a definição de questões importantes colocadas
em outros casos. A importância da obter dicta depende da sua classificação em uma dessas
quatro situações8
O stare decisis, abreviação da expressão latina stare decisis et non quieta movere,
que significa “mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido”9, origina-se no
common law, mas com ele não se confunde. Tal doutrina visa fundamentar a obrigatoriedade
de as cortes e os juízes observem os precedentes oriundos das cortes superiores (dimensão
vertical), ou os precedentes oriundos da própria corte que irá tomar a decisão (dimensão
horizontal).
Dentro da dimensão vertical do stare decisis, existe o chamado efeito vinculante
(binding effect), o qual, como o próprio nome diz, estabelece que os tribunais e juízos
inferiores ao tribunal do qual se origina o precedente estão vinculados à decisão proferida
por este, não podendo negar-lhes aplicação, à primeira vista.
5
MacCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 145.
6
PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. London: Springer, 2008, p. 273
7
MARSHAL, Geoffrey. What is Binding in a Precedent. In: MacCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert.
Interpreting Precedents. Aldeshot: Ashgate/Dartmouth, 1997, p. 515.
8
MARSHAL, Geoffrey. What is Binding in a Precedent. In: MacCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert.
Interpreting Precedents. Aldeshot: Ashgate/Dartmouth, 1997, p. 515.
9
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed.
Salvador: JusPodivm, 2009, p.385.
151
10
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.
11
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.137-
138.
152
De outra banda, caso o fundamento invocado na decisão não seja relevante para a
conclusão almejada, tendo sido aduzido “de passagem”, ele não faz parte da ratio decidendi,
não sendo, consequentemente, de observância obrigatória: é o caso do chamado obiter
dictum, ou, simplesmente, dictum.
No Brasil os precedentes judiciais têm sido aplicados pelos julgadores sem ser
levada em consideração a ratio decidendi. Ou seja, consulta-se o dispositivo do precedente
(geralmente a ementa do acórdão ou o enunciado de súmula, apenas) e simplesmente o
subsume ao caso a ser resolvido, sem investigar a fundo os fundamentos que levaram o
tribunal a decidir de tal forma, como se a ratio decidendi não interessasse, como se ela fosse
uma obiter dicta de observância não obrigatória, quando, em verdade, é a ratio que
possibilita a própria existência do precedente.
Assim, como é da ratio decidendi constante em um determinado precedente que é
extraída uma regra que se pretende universalizante, passível de ser aplicada a situações ditas
semelhantes àquela que envolveu o caso que foi decidido, é inadequado aplicar tão somente
a parte dispositiva, o enunciado da súmula, sem, antes, consultar a ratio decidendi.
É por isso que a ratio decidendi possui um conteúdo flexível, pois a validade de um
precedente tem “condicionada a sua adequação à situação política, econômica e social
presente”12. Nesta senda, o tribunal ou o juiz de primeiro grau pode e deve negar aplicação
ao precedente, se verificar que ele não se conforma ao fato a ser decidido, ou se ele não mais
reflete a realidade social.
Como dito, nos sistemas de precedentes vinculantes existem, obviamente, técnicas
de aplicação e superação destes que permitem a estabilidade e uniformidade do direito e seu
natural desenvolvimento. Como técnicas principais temos o distinguishing e o overruling.
A observância de um precedente em um litígio requer uma confrontação entre fatos
materiais relevantes de dois ou mais casos, analisando assim a ratio decidendi, verificando
qual a razão de decidir do caso em julgamento. Essa técnica de confronto e diferenciação
entre fatos relevantes de dois casos é denominada distinguishing, e revela a inadequação da
aplicação da ratio decidendi do precedente ao caso sub judice, em virtude da diversidade
fática entre estes. Dessa forma, acarreta na flexibilidade do sistema, não o engessando,
fazendo justiça no caso concreto.
De outra banda, o overruling é forma de superação, isto é, de revogação de
12
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2011, p.90.
153
precedente, ocorrendo tanto em órgão que revoga seu próprio precedente, ou em tribunal
superior que revoga precedente de um inferior hierárquico. Como requisitos para a
revogação de precedente, temos a perda da congruência social e o surgimento da
inconsistência sistêmica.
Ao contrário do que ocorre no ordenamento pátrio, para a criação e para a revogação
de um precedente, há de haver uma justificação com séria argumentação, eis que pode levar
perda de estabilidade e segurança jurídica. A perda da congruência social ocorre quando um
precedente passa a negar proposições morais, políticas e de experiência. De outro lado, a
inconsistência sistêmica se dá quando deixa o precedente de guardar coerência com outras
decisões, ou seja, quando há uma nova concepção geral em termos de teoria a evidenciar que
aquilo que se pensava acerca de uma questão ou instituto jurídico se alterou. Aqui cabem as
importantes lições de Dworkin13 sobre coerência e integridade do sistema.14
Ainda existem as técnicas do overriding e da transformaton. A primeira, é uma
técnica utilizada quando se deseja limitar ou restringir a incidência de um determinado
precedente, aproximando-se de uma espécie de revogação parcial, muito embora não se trate
de uma revogação propriamente dita.
Embasados nessa técnica, o resultado da decisão tomada pela corte julgadora é
compatível com apenas uma parte do precedente, em virtude de mudanças no entendimento
jurisprudencial no decorrer dos tempos. Assim, apesar de o overriding tratar da mesma
situação que envolve o precedente, ele não o revoga, mas, apenas, adéqua a um novo
entendimento firmado, muito embora dessa adequação possa resultar, excepcionalmente, a
revogação implícita do precedente, em sua totalidade, ao que se chama implied overruling15.
A transformation consiste na técnica adotada pelos tribunais de transformar e
reconfigurar o precedente, sem que isso importe em sua revogação explícita. Por meio dela,
a corte nega a aplicação do precedente, mas sem anunciar, expressamente, a sua revogação,
como ocorre no overruling. Em outras palavras, a transformation resulta na revogação
substantiva do precedente, e não formal. A utilização dessa técnica ocorre quando a corte
verificar que alguns fatos materialmente relevantes, que envolveram o caso discutido no
13
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. 2 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
14
DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
15
MARINONI. Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2011,
p.350.
154
âmbito do precedente, não tiveram a devida importância atribuída pelo julgador, à época.
Na transformation, muito embora o resultado a que se chega no caso julgado seja
incompatível com a ratio decidendi do precedente, se procura compatibilizar a solução do
caso com o precedente transformado ou reconstruído, mediante a atribuição de relevância
aos fatos que foram considerados de passagem.
A partir da chamada técnica de sinalização, o tribunal não pode ignorar que o
conteúdo do precedente se demonstra equivocado ou não mais deve ser observado.
Entretanto, por razões de segurança jurídica, em vez de revoga-lo, prefere apontar para sua
perda de consistência e sinalizar para sua futura revogação.16
Ainda, diz-se que embora pelo erro da tese, ou seja, razão determinante, do
precedente, admite-se que se chegou a resultado correto, porém através de equivocado
fundamento. Mas é através do overriding que a Corte limita ou restringe a incidência do
precedente, como se fosse uma revogação parcial.
Luigi Ferrajoli direciona crítica ao uso exacerbado dos princípios como síntese de
valores e à indevida conexão entre direito e moral, asseverando que abrem espaço para o
16
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.
17
SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. São Paulo: Coimbra,
2009. p. 112.
155
18
FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo Principialista e Constitucionalismo Garantista. In: FERRAJOLI,
Luigi; et al. (org). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2012.
19
STRECK, Lenio Luiz. Neoconstitucionalismo, positivismo e pós-positivismo. In: FERRAJOLI, Luigi; et al.
(org). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 66-
67.
156
20
TARUFFO, Michele, Las funciones de las Cortes Supremas: entre uniformidade y justicia, Proceso y
Constitución - El rol de las Altas Cortes y el derecho a la impugnación. Lima, Palestra Ed., 2015, p.136-137.
21
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.
22
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p . 213-214.
23
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p . 213-214.
157
O que deve ser bem compreendido é que, por mais densa que seja a rede das regras
de decisão dos tribunais, sempre haverá possibilidade de que o caso submetido ao juiz
24
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 91.
25
MacCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 153-154.
26
PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. London: Springer, 2008, p. 273.
27
MacCORMICK, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford: Oxford University Press, 1978, p. 219.
28
FRIEDRICH, Karl. Constitutional Government and Democracy. Waltham, Massachusetts: Blaisdell
Publishing Company, 1968, p. 109.
158
29
ALEXY, Robert. Teoria Discursiva do Direito. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
30
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
31
MacCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 144.
32
MacCORMICK, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford: Oxford University Press, 1978, p. 148.
159
33
MacCORMICK, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford: Oxford University Press, 1978, p. 75.
160
cuida-se de uma decisão judicial com baixo grau de coerência e, por isso mesmo,
inaceitável34.
Uma justificação do método de subsunção simples é do tipo geral, mas
insuficientemente extensiva35. A proposição normativa concreta da decisão judicial é dada
como uma consequência lógica da subsunção dos fatos à hipótese de uma norma jurídica
universal. Esse método é insustentável nos casos difíceis, pois eles exigem interpretações e
valorações que não podem ser obtidas sem o acréscimo de premissas adicionais.
A justificação racional das decisões judiciais somente pode ser alcançada pelo
método dialogado e o método da subsunção sofisticada, pois apenas eles cumprem as
exigências de extensão e generabilidade. E somente uma geral e extensa justificação de uma
decisão judicial é aceitável36.
A justificação dada pelo método dialogado é plena de razões sobre as normas
jurídicas, os fatos e os juízos de valor37. O essencial é que cada dúvida suscitada sobre a
interpretação das normas jurídicas, verificação dos fatos, avaliação dos fatos, proposição da
dogmática jurídica e precedente da jurisprudência seja objeto de intenso jogo argumentativo
com apresentações de argumentos pró e contra uma determinada proposição. Esse método
pressupõe o entendimento de que a argumentação jurídica é diálogo cujo resultado é produzir
um equilíbrio reflexivo de razões38.
O resultado de cada questão discutida será favorável à proposição suportada pelas
razões de maior peso. Nesse sentido, Aarnio observa que o procedimento de justificação é
essencialmente um diálogo de perguntas e respostas sobre a base do qual o juiz deve
encontrar a combinação de argumentos necessária para a justificação. Uma justificação
racional somente poderá ser alcançada se for resultado de um feixe completo e coerente de
proposições39.
A questão que se coloca imediatamente é se os precedentes da jurisprudência podem
cumprir exigências de justificação extensa e universal. Em outras palavras, cuida-se de saber
se as razões de justificação das decisões judiciais devem ser obrigatoriamente extensas e
universais. Em princípio, toda e qualquer justificação judicial deve ser dada por um conjunto
34
PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. London: Springer, 2008, p. 275.
35
PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. London: Springer, 2008, p. 276.
36
PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. London: Springer, 2008, p. 277.
37
PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. London: Springer, 2008, p. 276-277
38
PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. London: Springer, 2008, p. 107
39
AARNIO, Aulis. The Rational as Reasonable. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company, 1987, p. 187.
161
de proposições tão extenso e geral quanto possível. Quanto maior a extensão e mais geral a
cadeia argumentativa, melhor justificada a decisão judicial.
Contudo, nem sempre isso é possível, devendo-se aceitar justificações menos
extensas e menos gerais. Nesse sentido, algumas razões podem ser destacadas. Em primeiro
lugar, deve-se considerar que o juiz ao justificar uma decisão judicial muito dificilmente terá
condições de antecipar todos os casos futuros que a ratio decidendi de sua sentença poderá
alcançar, principalmente no que diz com as suas consequências. Em segundo lugar, não se
pode esquecer o objetivo primeiro do juiz é decidir uma situação concreta da vida,
alcançando às partes uma proposição normativa singular definitiva para a disputa jurídica.
Em terceiro lugar, deve ser observado que nos tribunais, algumas vezes, as soluções são
alcançadas pela via de um compromisso aceitável. Nesses casos de solução compromissária,
somente uma justificação menos extensa e menos geral será possível. Por fim, não se pode
esquecer que o juiz, considerado o número de casos que deve apreciar, não dispõe de tempo
e tampouco de condições materiais para produzir uma geral e extensa justificação de suas
decisões judiciais40.
O problema é que mais fortes razões apontam para a necessidade de justificação
judicial extensa e geral. Em primeiro lugar, está a razão de que as decisões judiciais não
podem pretender encontrar justificação e aceitabilidade pelo simples fato de que são dadas
por uma autoridade investida de jurisdição. Na sociedade contemporânea, as partes não se
limitam a obedecer às decisões judiciais pela exclusiva razão de que são dadas pelos juízes
e tribunais investidos de poder, mas querem saber as razões pelas quais devem fazer ou
deixar de fazer alguma coisa. Em segundo lugar, em um Estado de Direito constitucional
democrático, o princípio da divisão dos poderes coloca a exigência de que os juízes devem
respeitar as normas jurídicas dadas autoritativamente pelos representantes do povo. Então,
nos casos difíceis, uma justificação extensa e geral é necessária para que os juízes e tribunais
cumpram essa exigência. Em terceiro lugar, uma justificação extensa e geral é necessária
para que a decisão judicial possa ser intersubjetivamente controlada. Com isso, a decisão
judicial ganha em objetividade e segurança jurídica.
Nesse sentido, observa MacCormick que os processos judiciais implicam para os
juízes a responsabilidade pública de esclarecerem publicamente as decisões judiciais de tal
sorte que as partes, os seus procuradores, a comunidade jurídica e a sociedade perante a qual
40
PECZENIK, Aleksander. On Law and Reason. London: Springer, 2008, p. 278-279
162
prestam jurisdição, conheçam as razões pelas quais os juízes e tribunais decidem uma
questão jurídica concreta de uma determinada maneira. Essa apresentação de razões de
justificação como razões públicas é que faz a justiça imparcial, caracterizada pela
universabilidade41.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Teoria Discursiva do Direito. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
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DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. 2 ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2005.
41
MacCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 100.
163
DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. São Paulo: WMF Martins
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STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto? O precedente judicial e as súmulas
vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.
ZOLLER, Elisabeth. Grands arrest de la Cour supreme des États-Unis. Paris: Presses
Universitaires de France, 2000.
164
INTRODUÇÃO
O preconceito com mulheres que não querem assumir a maternidade vem de longa
data em nossa sociedade, e foi criado através de interferências da Igreja e do Estado em prol
de seus interesses. No período colonial foi criada a chamada Roda dos Expostos, que era um
dispositivo que ligava a rua com o interior das Santas Casas, no qual eram colocadas as
crianças entregues por suas famílias. Os motivos nas famílias mais elitizadas eram de cunho
moral, para esconder adultério e desonra, já nas famílias mais pobres os motivos eram
econômicos, que causavam a impossibilidade de permanecerem com a criança. A Roda
1
Artigo desenvolvido para a Escola Superior do Ministério Público – FMP/RS, para o processo seletivo de
artigos para o e-Book “Elas na Advocacia II.
2
Advogada inscrita na OAB/RS sob o nº 114.541 da Subseção de Sant’Ana do Livramento/RS, Graduanda em
Direito Agrário e do Agronegócio da Fundação do Ministério Público – FMP, Coordenadora da Comissão de
Direito Agrário e do Agronegócio – CEDAA Subseção de Sant’Ana do Livramento, e membro da CEDAA
Estadual -OAB/RS, membro da Comissão da Mulher Advogada Subseção de Sant’Ana do Livramento.
165
esteve em funcionamento até o ano de 1950. O Brasil foi o último país a terminar com este
dispositivo, mas foi o primeiro na criação de leis de proteção e amparo das crianças e
adolescentes.
Com a eliminação deste dispositivo e com a instituição do amor materno como algo
inerente a todas as mulheres, as que tomam a decisão de entregarem seus filhos, passaram a
ter que conviver com grandes problemas, o preconceito e a marginalização sofrida dentro da
sociedade, e o abandono e desamparo por parte do Estado. Frente a esta situação tornou-se
inquietante a necessidade de fazer um estudo para entender melhor a origem deste
preconceito, e de encontrar as falhas existentes por parte do Estado no cuidado e amparo
dessas mulheres, para assim, de alguma forma achar uma alternativa efetiva e viável de
solução para esta questão.
Para entendermos melhor o assunto a ser tratado em nosso estudo, será necessário o
esclarecimento de termos como abandonar, perder e entregar, tanto semanticamente quanto
na visão judiciária, para isso faremos um comparativo entre eles, e exemplificaremos para
melhor elucidação.
Abordaremos a relação entre mãe e filho, como o mito do amor materno foi criado,
e qual a vantagem deste para a Igreja e o Estado. Como sua criação influenciou na vida da
mulher, quais as consequências que este mito trouxe, como por exemplo, ser a mulher/mãe
a única responsável pela vida e bem estar do seu filho. Como era a relação em épocas
anteriores, o envio de crianças para as amas de leite e posteriormente para internatos, épocas
estas em que a mãe quase não tinha participação na criação de seus filhos. Com a pressão
feita através do instinto maternal, a Igreja e o Estado, mantinham a mulher sob controle e
auxiliando em seus interesses. Enquanto a igreja fazia com que a mulher se mantivesse
submissa ao marido e preservando a felicidade familiar, o Estado por outro lado, ganhava
com o crescimento de mão de obra para a geração de riquezas e também do contingente
militar para a defesa do país. Com o incentivo da maternagem a mulher que não se dedicava
ao filho era vista como uma mãe má, e assim, o sentimento de culpa e frustração crescia
entre as mulheres que não queriam ser mães. Ocorre que, com isso, essas mães passam por
uma espécie de luto, que nestes casos é o chamado luto não franqueado, o qual também
abordaremos. Outro fato que produz consequências nessa relação é o da gravidez na
adolescência ou maternidade precoce, com estruturas emocionais e econômicas frágeis ou
166
inexistentes, as adolescentes que engravidam cedo passam por essa triste situação, sem
alternativa ou falta de estrutura psicológica amadurecida, entregam seu filho para adoção.
Levantaremos também as causas e consequências sociais e penais da recusa da
maternagem. Vários são os fatores que levam a essa atitude de recusa, como rejeições
sofridas por estas mulheres por seus companheiros e famílias, a pressão social por suas
condições de mães solteiras e dependentes economicamente, e até mesmo a intenção de
proteger a criança, por último ainda, temos o fato de a maternidade não fazer parte dos planos
de algumas mulheres. As consequências são de várias ordens, quando a mulher não consegue
vencer o preconceito e permanece com a criança, na parte social pode ocorrer a entrega tardia
para a adoção, maus tratos, abandono em situações desumanas, chegando até mesmo ao
infanticídio. Na esfera penal, estas condutas assumem a tipicidade de quatro ilícitos tratados
em nosso Código Penal Brasileiro, quais sejam, o abandono de incapaz (art. 133 do CP),
exposição ou abandono de recém-nascido(art. 134 do CP), o infanticídio (art. 123 CP), e o
crime de maus tratos (art.136 do CP)
Para encerrar trataremos da importância de políticas sociais, tanto para criação de
mecanismos de apoio e prevenção, quanto para direcionamento de ações realmente efetivas
de ajuda a estas mulheres.
Para este estudo foi utilizado o método de pesquisa em doutrinas, artigos, livros de
psicologia, bem como livros que tratam deste tema e sites especializados na internet.
No período colonial a entrega das crianças era realizada através da Roda dos
Expostos, definida por Motta como “dispositivo instalado na parede lateral ou frontal das
Santas Casas de Misericórdia. Consistia num cilindro que unia o interior da Santa Casa à
rua.” (MOTTA, 2008, p.53). Estes abandonos, geralmente, eram para ocultar um adultério
ou uma desonra nas classes mais elitizadas, mas também servia como alternativa para as
mães que não tinham condições de criarem seus filhos, classificadas por DEL PRIORE
“como auto-sacrificadas, submissas sexualmente e materialmente reclusas, a imagem da
mulher de elite se opõe à promiscuidade e a lascívia da mulher de classe subalterna em regra
mulata e índia” (Araújo, Renata Pedroso apud Del Priore, 1993.P.46). Para MENDONÇA,
retratar a condição da mulher no Brasil Colônia, é compreender que a Igreja e o Estado foram
duas instituições significativas para a modelagem dessa mulher. Apesar da submissão e
dependência da mulher em relação ao marido, estas acabavam por várias vezes
administrando sozinhas suas vidas, frente aos frequentes abandonos dos homens para
explorações e desbravamentos de riquezas da Colônia.
Além do controle da Igreja e do marido, a mulher também sofria o controle do pai e
posteriormente a essas figuras sociais, aparece o controle e o poder do médico. Para
MENDONÇA, “O discurso médico sustenta o religioso, naturalizando a condição da mulher
como aquela que procria.”. O autor fala sobre os caminhos e descaminhos do período
colonial que lançaram a mulher “no silêncio e no obscurantismo de sua presença”, seu corpo
e sua presença era uma ameaça, da mesma maneira que era ameaçada pelo homem no que o
autor chama de “representações de senhor, marido, líder da Igreja, e da justiça”.
A história do abandono no Brasil é relatada desde a colonização, mas independente
dos motivos que levavam as mães a abandonarem seus filhos, sendo estes de ordem
econômica, social, psicológica, dentre outros, não podemos dizer que este abandono ocorria
sem dor para essas mulheres. CARVALHO, em seu estudo - História do abandono de
crianças no Brasil, afirma que no século XVIII, um dos principais motivos de abandono era
a mãe ser solteira quando engravidava.
A sociedade brasileira do século XVIII não aceitava que mulheres solteiras
tivessem e criassem seus filhos, pois era uma sociedade na qual os valores morais
e éticos acabavam prevalecendo – consequentemente, as mães solteiras sofriam
um processo de discriminação e preconceito.
Em seu livro A Mulher na História do Brasil, DEL PRIORE, na seção quatro “Ser
mãe na Colônia”, deixa claro, a visão que se tinha da maternidade no Brasil Colônia, e
168
mesmo com todas as intervenções da igreja e do governo, não havia efetividade em suas
tentativas de submeter à mulher aos seus desígnios. Nessa época o abandono era, por vezes,
uma necessidade, pois as mulheres não tinham condições de assumirem seus filhos, frente a
pobreza, a miséria e o abandono dos progenitores de seus filhos, e desta forma ter um filho
para muitas mães solteiras significava ‘mais uma boca para alimentar’ (Renata Pedroso
Araújo - Ser Mãe na Colônia). Entre estas mulheres encontravam-se as brancas, as pobres e
as escravas, todas unidas pelas dificuldades. Segundo Renata Pedroso Araújo: “A pobreza e
a ausência de um esposo que as pudesse ajudar levavam inúmeras mulheres a abandonar
seus filhos, ou mesmo tentar criá-los sob a extrema miséria.”
Diante a situação de extrema pobreza muitas mulheres da cidade não tinham outra
opção a não ser destinar seus rebentos ao abandono, ao infanticídio, e algumas ainda faziam
o aborto. Já no campo, onde as transformações e o crescimento eram mais lentos, o abandono
era raro, pois conforme MOTTA:
Outro fator preponderante era o de que na cidade o número de miseráveis era muito
elevado, e no campo existiam pessoas pobres, mas poucos miseráveis. O abando nesta época
é muito atribuído aos motivos morais, principalmente entre as mulheres brancas, onde a
igreja estabelecia e fiscalizava os comportamentos que deveriam estar dentro dos padrões
por ela ensinados, DEL PRIORE (1989) aponta que, “um filho ilegítimo (de mulheres negras
e mestiças) não desonrava a mãe no mesmo grau de uma mulher branca.” (ARAUJO, Renata
Pedroso, apud DEL PRIORE, 1989. P. 198). Assim sendo, finaliza ARAUJO:
Em certos casos é possível identificar o abandono por amor, e não pela condenação
moral ou amores ilícitos, pois existia uma preocupação maior com a saúde e o bem estar da
criança. As crianças abandonadas nesses casos já eram batizadas, pois se esta viesse a óbito,
não estaria sem o sacramento do batismo. Era comum nesses casos a mãe manter a esperança
de um dia recuperar seu filho.
169
Com o elevado número de abandonos foram criadas as Rodas dos Expostos, definidas
por Motta, em sua obra Mães Abandonas, como:
“Roda dos Expostos: dispositivo instalado na parede lateral ou frontal das Santas
Casas de Misericórdia. Consistia num cilindro que unia o interior da Santa Casa à
rua. Era aberto num de seus lados, onde a criança era depositada, para em seguida
ser girado sobre seu próprio eixo, levando a criança para “dentro” dos muros,
quando então o “expositor” tocava uma sineta para avisar à rodeira que uma
criança havia sido exposta.”
Michaelis, que defini a palavra abandonar como deixar em abandono, desamparar, renunciar
a, desistir de afastar-se, retirar-se, entregar-se, render-se; perder tem o sentido de ficar sem a
posse, sem a propriedade, sem o domínio de; e para entrega temos o significado de passar
para a posse de alguém. Na visão do judiciário estas palavras preservam a relação com seus
significados semânticos, o abandono em relação à criança é considerado crime previsto nos
artigos 133 e 134 do Código Penal Brasileiro, que tratam sobre o abando de incapaz e
exposição ou abandono de recém-nascido, sendo então, abandono o ato de deixar alguém
exposto a situações de perigo, das quais não possa se defender. Para exemplificarmos o
instituto da perda em nosso ordenamento, usaremos o Estatuto da Criança e do adolescente
- ECA (Lei 8069/1990), em seu artigo 23 que preceitua: “Art. 23. A falta ou a carência de
recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder
familiar.”
A entrega na visão do judiciário, dentro do nosso tema, destina-se ao ato realizado
pela mãe biológica de entregar seu filho para a adoção, abrindo mão desta maneira do poder
familiar. Este ato está amparado pela lei 8.069/90 em seu artigo 8º, § 5º, que diz: “A
assistência referida no § 4º deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que
manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção.”
enviado para amas de leite. As crianças que sobreviviam logo que voltavam para a casa de
seus pais eram enviadas para colégios internos. As mães praticamente não participavam do
desenvolvimento de seus filhos, e esta atitude era vista como normal, sem acarretar nenhum
tipo de reprimenda para com esta mulher. Com a pressão feita através do dito instinto
maternal, uma grande responsabilidade abateu-se sobre as mulheres para atender os
interesses da Igreja, de manter a mulher submissa às vontades do homem e manutenção da
felicidade familiar, e o interesse estatal de mão de obra para obtenção de riquezas e poderio
militar para garantir a defesa do país. E assim, em nossa sociedade atual persiste esta
premissa, de que a mãe ama seu filho desde a concepção, e que este amor é intrínseco a todas
as mulheres, e as que não sentem esse amor dito natural ou instintivo, são tidas como
mulheres sem coração e vistas como mães más ou desnaturadas.
Para que os interesses da Igreja e do Estado fossem atendidos, a maternagem, que é
segundo Ivana S. Paiva Bezerra de Mello, “o processo de criação dos vínculos afetivos entre
pais e filhos”, foi incentivada e elevada a um grau onde a mãe que não tivesse a dedicação
necessária era vista como uma mãe má. Tamanha era a cobrança, que a culpa e a frustração
começaram a fazer parte dos sentimentos dessas mulheres que não queriam ser mães. Com
essa nova forma de encarar a maternidade criou-se o mito do amor materno, em que aquela
mulher que não se enquadra é desprezada e excluída pela sociedade.
Conforme BADINTER, no último terço do século XVIII, ocorreu o que ela chama
de revolução das mentalidades, onde a imagem da mãe, de seu papel e de sua importância, é
modificada de maneira radical, mesmo que na prática, os comportamentos demorassem a ser
alterados.
Após 1760, abundam as publicações que recomendam às mães cuidar
pessoalmente dos filhos e lhes “ordenam” amamentá-los. Elas impõem, à mulher,
a obrigação de ser mãe antes de tudo, e engendram o mito que continuará bem
vivo duzentos anos mais tarde: o do instinto materno, ou do amor espontâneo de
toda mãe pelo filho. (BADINTER, 1985. P.145)
Dessa forma, fica ainda mais evidente que o sentimento cobrado pela sociedade de
todas as mães foi algo imposto, e que esse amor materno não é algo natural e inato às mães.
Conforme BADINTER (1985, p. 145), as publicações referentes ao amor materno
começaram após 1760, isso se deu para que a imagem da mulher fosse modificada, e assim,
esta assumisse as obrigações impostas a ela.
Os sentimentos vividos por mães que entregam seus filhos são por diversas vezes de
tristeza e remorso, tanto antes da decisão ser tomada, como depois da entrega ser realizada,
172
Existem inúmeros fatores que levam uma mulher a recusar a maternagem, desde a
época do Brasil Colônia, com algumas alterações daquela época para os dias de hoje. Para
MENEZES,
Praticado no Brasil desde a época colonial, o abandono de infantes nos dias atuais,
pode apresentar algumas motivações daquele período, mas, certamente, envolve
outros processos dada à diferença da condição feminina e o contexto sociocultural
entre as duas épocas. Um gesto que era lícito e tolerado antes, agora é
veementemente condenado. (MENEZES, Karla Fabiana Figueiredo Luna de,
(2007), Discurso de Mães Doadoras)
174
Os motivos para a entrega de crianças pelas mães biológicas variam entre rejeições,
pressão social ou até por proteção da mãe para com a criança. Como um exemplo prático,
temos o caso de M1, analisado por MOTTA, em várias passagens de suas entrevistas, M1
revela o abandono sofrido a partir do falecimento de sua mãe quando tinha apenas 2 anos de
idade, a desestruturação sofrida por sua família teve graves consequências em seu
desenvolvimento. Motta conclui, “Família para M1, pelo contrário, significa pouco ou talvez
algo perdido há muito tempo e agora carregado de conotações negativas, pois para ela a
família é a que rejeita, a que não ampara” (MOTTA, 2008, p.158). Este seria um dos grandes
fatores da entrega de seus dois filhos para que fossem adotados.
Existe ainda, para MENEZES, o que ela chama de rejeição da condição da
maternidade, que ocorre quando estas mulheres não se veem como mães, não desejam ter
filhos. Fala também da pressão sofrida pelas mulheres jovens, solteiras, dependentes
financeira e emocionalmente, que pressionadas tanto pela família quanto pela sociedade
“acabam por “reconhecer” a presença inconveniente dos filhos em suas vidas” (MENEZES,
2007, P. 36).
MENEZES explica, que “A doação por proteção pressupõe um ato de amor”, na falta
de condições de suprir as necessidades da criança, a mãe entrega seus cuidados a alguém
que o possa fazê-lo. Este ato se traduz em uma forma de proteção para esta criança, mesmo
com sofrimento a mãe entende ser melhor para o seu filho que este seja entregue a quem
possa dar melhores condições de vida.
Vislumbramos consequências sociais de todas as ordens em se tratando da entrega de
um filho, pois quando esta está cercada de mitos e preconceitos, não se consegue encaminhar
a situação de maneira que os danos sejam minimizados. A sociedade atual não aceita o fato
de uma mulher não querer permanecer com o seu filho, podendo com isso acarretar sérias
consequências. Para MOTTA (2008, p.25), quando a criança permanece com a mãe porque
esta não consegue vencer o rótulo e a vergonha de ser considerada desnaturada, pode ocorrer
de a criança ser abandonada tardiamente sem chances de ser adotada.
Nessas situações o risco que estas crianças correm de virem a ser maltratadas é muito
grande, inclusive de serem abandonadas em situações desumanas e até mesmo serem vítimas
de infanticídios. MOTTA constata ainda uma triste realidade:
Com esta postura nos afastamos cada vez mais de uma solução adequada para este
tipo de situação, deixando desamparados por vezes as crianças e, em sua maioria, as
mulheres doadoras. MOTTA afirma que:
Jurídico, e preceitua: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante
o parto ou logo após.”, neste caso a pena é de detenção de 2 (dois) a (6) seis anos. Para o
crime de maus tratos, prescrito no artigo 136 do Código penal, a redação é esta:
Para esse crime a pena varia de 2 (dois) meses a 1 (um) ano de detenção, se do fato
resultar lesão corporal de natureza grave de 1(um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se resultar
em morte a pena é de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de reclusão. Também é previsto um aumento
de pena de 1/3 (um terço), se o crime é praticado contra menor de 14 (quatorze) anos.
A mulher que entrega o filho para a adoção é excluída, esta não desperta sentimentos
de piedade e compaixão na sociedade que a condena, sem nem ao menos escutar suas razões
para a entrega. De outro lado existe o Estado, que como assegura nossa Constituição Federal,
é o guardião dos interesses dos cidadãos, cabendo a este a proteção dos direitos
fundamentais, sendo um deles a dignidade da pessoa humana, artigo 1º, III, CF/88, que é
valor absoluto em nosso ordenamento pátrio.
A sociedade, não aceita que uma mãe entregue seu filho para a adoção, dessa forma
quando ocorre essa situação a mulher que toma tal atitude é execrada e rechaçada, ganhando
o rótulo de mãe desnaturada. Assim, tem-se a sensação de que o melhor a ser feito é ignorar
e discriminar essa mulher.
Quanto ao estado e seu fundamento da dignidade da pessoa humana, este se refere a
valores espirituais e morais da pessoa, remete ao respeito à vida e ao próximo. Nos casos de
entrega de uma criança para a adoção, os interesses do menor não podem superar o valor da
pessoa da mãe que o entregou. Todas as partes merecem atenção, respeito e cuidado, assim
como a criança recebe proteção e amparo, a mãe biológica não pode sofrer com o abandono
e o desamparo nesse momento.
O que ocorre, é que no momento em que a mãe biológica manifesta sua vontade de
não permanecer com o seu filho, as atenções se voltam para a criança e a família que irá
acolhê-la, estes recebem acompanhamento psicológico, atenção do judiciário, entre outros
177
respaldos. O que não acontece com a genitora, que fica a mercê dos julgamentos da
sociedade e tem que enfrentar sozinha a triste realidade de ter que superar, ou não, este
momento tão traumático.
O Estado não ampara estas mulheres, ferindo o seu fundamento basilar,
desvalorizando algo de suma importância, que é o princípio de dignidade da pessoa humana.
Campanhas de incentivo à adoção são fomentadas pelo Estado, ao mesmo tempo em que
incentivam de forma implícita, que as mães não entreguem seus filhos para adoção. São
posturas antagônicas, pois, encoraja-se de um lado a adoção, e por outro julgam-se as
decisões de entrega sem ouvir as razões que levaram a esta decisão.
São necessárias reais implantações de políticas públicas em benefício destas
mulheres, não é aceitável que se coloque panos quentes para abafar uma situação
insustentável de abandono e descaso em um momento tão difícil e solitário de ser superado.
Em seu estudo MOTTA, trata em um tópico sobre os aspectos sociais e institucionais,
ressaltando que:
Definição que se encaixa com extrema exatidão em nosso tema, pois se trata de
flagrante discriminação sofrida por estas mulheres, baseada em uma concepção social, de
bases extremamente fortes, de certa forma impostas pelo estado, e muito incentivada por
este, assim sendo, verifica-se que a implantação de ações afirmativas, tem uma finalidade
social de buscar a eliminação da exclusão de grupos que enfrentam uma série de
preconceitos, em nosso caso, as mães que entregam os filhos para a adoção. São programas
que envolvem políticas públicas, mecanismos de inclusão tanto por entidades públicas
quanto por entidades privadas, bem como órgãos de competência jurisdicional.
RICHTER e TERRA definem a sociedade brasileira, como sendo uma sociedade
marcada por uma forte característica que é a da exclusão social, de negação de direitos
sociais, profundamente excludente e concentradora, isso se dá pela sua origem história de
escravidão e preconceito. E questionam se a implantação de ações afirmativas, inseridas
neste contexto incluiria os “excluídos”, ou institucionalizaria e perpetuaria a discriminação
e a exclusão social. A exclusão social é fruto de vários fatores como a falta de acesso a bens
e serviços, à segurança, à justiça, à cidadania, juntando esses fatores com as desigualdades
econômicas, políticas, culturais e éticas, as ações afirmativas devem ir além de seus básicos
propósitos, devem indicar os caminhos a serem seguidos para se chegar ao seu objetivo.
É essencial a criação de programas de apoio, assim como, a criação de locais de
abrigo, de acesso à informações e que ofereçam apoio técnico com psicólogos, assistentes
sociais, apoio jurídico, bem como a criação de campanhas de auxílio às mulheres que
entregam seus filhos. E para que esses instrumentos de apoio tenham uma real efetividade,
é fundamental que os profissionais sejam treinados para atenderem essas mulheres da melhor
maneira, sem dúvida a preparação das equipes que atenderão nessas instituições de abrigo,
hospitais e também no judiciário será de uma grande relevância. Para MOTTA,
179
É necessário que estas pessoas percebam que estão envolvidas em um processo que
ocorre em meio a um profundo sofrimento, e que não se trata de uma pessoa sem
sentimentos, desnaturada ou fria, e sim de uma mulher em extremo abandono. O treinamento
deve ser baseado em informações de como proceder nos casos em que uma mulher expõe o
desejo de não permanecer com seu bebê, fazer com que entendam que por trás desta decisão
existem vários fatores que influenciaram esta escolha, e que não cabe o julgamento sem o
conhecimento profundo desses motivos, cabendo sim, uma atitude de compaixão frente a
essa situação. Este treinamento deve ser destinado aos profissionais da área de assistência
social, que geralmente são os primeiros a serem procurados ou indicados nesses casos, e que
devem ter sensibilidade para conduzir a situação, orientando as atitudes a serem tomadas em
cada fase da entrega, devendo atuar após a conclusão desta, assegurando que a mulher receba
atenção no período posterior à concretização da entrega. Aos profissionais da saúde,
médicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem que participam de uma fase muito delicada
que é o parto, momento em que a mulher está sobre fortes influências hormonais, emocionais
e de dores físicas, sendo que em alguns casos é de escolha de algumas mulheres não ter
contato físico e visual com a criança, como forma de proteção e na tentativa de diminuírem
seus sofrimentos, devendo esta decisão ser respeitada por estes profissionais. Importante
também, que os aplicadores do direito estejam preparados para atuarem nos casos de entrega
de crianças pelas mães biológicas, visto que são parte importante nessa delicada situação,
onde o desfecho é a destituição do poder familiar, e o posterior encaminhamento da criança
entregue para a adoção.
O acompanhamento posterior ajudará na recuperação dessas mulheres, podendo
evitar um círculo infindável de entregas de crianças pelas mães, que sem apoio e informação
acabam de uma maneira repetindo uma situação de abandono, tentando preencher um vazio
deixado em suas vidas a cada entrega.
Com profissionais preparados, uma boa parte do sofrimento dessas mães pode ser
aplacado, e com um acompanhamento durante todas as fases que envolvem a entrega, desde
a decisão até a sua concretização, a sociedade ganha em saúde pública, pois vários problemas
180
advindos de uma atitude impensada são evitados, e principalmente porque estará sendo
cumprida uma função estatal, que é a de proteção da dignidade da pessoa humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta análise sobre mulheres que entregam seus filhos para adoção, podemos
concluir que, se fosse desmistificado o amor materno e dada maior atenção para esta situação
de abandono que se abate sobre essas mulheres, poderíamos evitar muitos males sociais e de
saúde pública. Com o esclarecimento da sociedade, de que a mulher pode não querer ser
mãe, ou não permanecer com o filho, não é de forma nenhuma uma demonstração de
insensibilidade ou de se tratar de uma mãe desnaturada. Devemos analisar ao invés de
criticar, procurar saber mais a fundo o que realmente se passa com essa mulher, tornar-nos-
ia pessoas mais sensatas no julgamento dessas atitudes. Visto que, por trás da entrega de um
filho, existem histórias de abandono físico e moral, agressões, falta de estrutura familiar e
psicológica, desinformação, e também desamparo econômico e do Estado.
Frente a estas situações, como podemos condenar uma pessoa que é, se não a maior,
vítima de uma sociedade ultrapassada em seus conceitos, e de um Estado omisso em seu
dever de zelar pelo bem estar de seus cidadãos? Na situação atual, de como é tratada essa
relação mãe e filho, sofrem as duas partes com a incompreensão de uma decisão, que na
maioria das vezes não é fácil de ser tomada, e muito menos de ser sustentada e assumida.
Com a total falta de apoio, mulheres que não se acham em condições de assumirem a
responsabilidade da maternidade, se veem em uma triste situação, pois, não encontram uma
maneira de realizar a entrega de seus filhos, sem que tenham que passar por situações
desagradáveis de preconceito, desaprovação e repúdio, por parte da sociedade e dos
profissionais envolvidos nessa situação, mas que ainda não estão preparados para dar a
atenção necessária para essa mulher. Estamos falando de médicos, enfermeiros, assistentes
sociais, e profissionais do direito, que colocam acima do profissional, seus valores pessoais,
que na maioria das vezes são viciados em bases morais retrógradas.
Tratando de forma adequada e com políticas públicas realmente eficazes e de
aplicação objetiva, poderemos amenizar o sofrimento que estas mulheres enfrentam quando
tomam esta decisão. Ganha a sociedade em relação à manutenção de um direito assegurado
pela Constituição Federal de se ter a dignidade da pessoa humana preservada. Uma
alternativa é a criação de ações para acesso à informação, de que entregar um filho para
181
adoção não é considerado crime, e sim uma alternativa dada para mulheres que não podem
ou não querem criar seus filhos, e dessa forma dão oportunidade dessa criança vir a ser
adotada por casais que estão na fila de adoção. Outra opção é a criação de uma instituição
de amparo, apoio e acompanhamento dessas mulheres, desde a decisão da entrega e
posteriormente ao nascimento, pois geralmente é neste período que esta mulher está mais
vulnerável emocionalmente, tendo que assimilar os fatos acontecidos.
Superada esta fase crítica de forma adequada, a possibilidade de que esta mulher
tenha maiores problemas de aceitação e recuperação emocional, passará a ser bem menor, e
contribuindo dessa forma para a prevenção dessa situação de abandono.
Com algumas mudanças em nosso modo de ver essas mulheres e de estrutura Estatal,
conseguiremos evoluir para uma nova forma de avaliar uma situação que está cada vez mais
próxima a nós, qual seja, a de que várias mulheres não almejam a maternidade. Prova disto
é a recente matéria publicada no jornal Zero Hora do dia 20 de outubro de 2013, no caderno
DONNA, cujo título era “Felizes sem Filhos”, onde mulheres deixavam claro que a sua
realização não passava pela maternidade. Devemos respeitar a decisão tomada por essas
mulheres, pois cada um sabe de si e o que é melhor para a sua vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ARAÚJO, R. Ser mãe na colônia – História do Brasil. Klepsidra. (sem data) Disponível
em: <http://www.klepsidra.net/klepsidra10/mulheres.html>. Acesso em: 17 Jul. 2013.
BRASIL. Vade Mecum: Saraiva. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 1697 p.
CAHALI, Y.; CAHALI, F. Família e Sucessões, vol. I, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.
182
COSTA, M. Direito, Cidadania e políticas Públicas II, Porto Alegre: Editora Free Press,
2007.
COSTA, M.; TERRA, R.; RICHTER, D. Direito, Cidadania e políticas Públicas III, Porto
Alegre: UFRGS, 2008.
LIMA, Patrícia. A Felicidade de não ser mãe. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, p. 12, 20 out.
2013.
MELLO, I. Amor Materno: mito ou realidade. Escola Freudiana de João Pessoa. (sem
data) Disponível em:
<http://www.escolafreudianajp.org/arquivos/trabalhos/Amor_materno_mito_
ou_realidade.pdf>. Acesso em: 10 Jun. 2013.
Resumo: O presente artigo se propõe a levantar questões relevantes ligadas aos contratos
agrários, e suas implicações, evidenciando a importância da gestão de contratos por
profissionais qualificados e preparados para redigi-los e analisá-los. Os contratos agrários
por sua natureza, trazem importantes questões que se encontram asseguradas nas legislações
específicas como o Estatuto da Terra – Lei 4.504/64 e seu Decreto Regulamentador
59.566/66, bem como as demais legislações aplicáveis ao tema como o Código Civil, e
precedentes atuais onde estão sendo mitigados e atualizados entendimentos sobre as relações
contratuais de partes igualitárias, passando também pela nova Lei da Liberdade Econômica
– Lei 13.874/19 e suas implicações nos contratos agrários. Abordaremos os temas relevantes
e sensíveis aos contratos agrários para que fique evidenciada a necessidade de uma boa
análise e atualização dos entendimentos jurisprudenciais, para que os contratos possam ser
mais dinâmicos e dessa forma se moldem ao novo estilo do agronegócio atual. Quais os
reflexos que podem afetar os contratos e como podem ser evitados transtornos para os
produtores contratantes. Este trabalho será pautado em doutrinas e jurisprudências referentes
ao assunto tratado.
Palavras chave: Contratos Agrários – Gestão de Contratos – Segurança Contratual –
Atualização Legislativa
INTRODUÇÃO
Os contratos agrários são recorrentes no meio rural, vários são feitos de maneira
ainda muito primitiva por pessoas não qualificadas ou até mesmo despreparadas para a
elaboração, por muitas vezes as partes com intuito de economia servem-se de modelos
prontos encontrados na internet, e que muitas vezes não está adequado às suas necessidades,
e com isso acabam por ter desagradáveis e onerosas surpresas quando uma das partes não
cumpre com o acordado.
1
Artigo desenvolvido para a Escola Superior do Ministério Público – FMP/RS, para o processo seletivo de
artigos para o e-Book “Elas na Advocacia II.
2
Advogada inscrita na OAB/RS sob o nº 114.541 da Subseção de Sant’Ana do Livramento/RS, Graduanda em
Direito Agrário e do Agronegócio da Fundação do Ministério Público – FMP, Coordenadora da Comissão de
Direito Agrário e do Agronegócio – CEDAA Subseção de Sant’Ana do Livramento, e membro da CEDAA
Estadual -OAB/RS
184
A realidade é que não existe mais espaço para o amadorismo dentro do agronegócio,
que é o setor que mais cresce e que tem segurado a economia brasileira. Por agronegócio
temos que pensar em toda a cadeia produtiva de que dele decorre, inclusive os pequenos
produtores e de agricultura familiar, pois estes estão sendo erroneamente dissociados de todo
o restante dessa cadeia do agronegócio.
Os contratos agrários típicos estão tratados no Estatuto da Terra – Lei 4.504/64 e seu
Decreto Regulamentador 59.566/66, nestas duas regulamentações, temos as diretrizes
contratuais do arrendamento e da parceria rural, ambos surgiram em um momento em que o
Estado precisava agir com dirigismos nestas relações para que o campo fosse fortalecido
através da segurança dada às partes mais vulneráveis à época. Com o passar dos anos e a
evolução das relações contratuais e comerciais, estas duas leis carecem de novas
interpretações e atualizações para se adequar aos novos paradigmas contratuais do
agronegócio.
Existe dentro das cláusulas protetivas, asseguradas nesses dois institutos, Estatuto
Terra e o Decreto Regulamentador, sendo três as mais sensíveis, quais sejam: prazos
mínimos – Art.13, II do Decreto 59.566/66, preço – Art.18 do mesmo decreto, e o direito de
preferência Art.92, §3º, do Estatuto da Terra e arts. 45, 46 e 47 do Decreto, que serão
abordadas com mais ênfase posteriormente. Mas como já falamos, pela necessidade de
adequação da lei aos novos formatos dos contratantes, já temos novas interpretações
exaradas das nossas Cortes Superiores, às quais também abordaremos, sobre o tema dos
precedentes.
Outras leis esparsas também vêm ao encontro desta necessidade de atualização das
relações dos contratos agrários, uma delas é a Lei 13.874/19 - Lei da Liberdade Econômica,
bem como precedentes que estão dando uma nova interpretação às leis vigentes que também
abordaremos neste artigo.
Para este estudo foi utilizado o método de pesquisa em doutrinas, artigos, livros de
direito civil, de direito agrário e do agronegócio, bem como jurisprudências e precedentes.
CONTRATOS AGRÁRIOS
específica, mas que são plenamente assegurados pelo ordenamento jurídico geral, e que não
farão parte desta abordagem. Para que possamos desenvolver melhor o tema neste artigo
proposto, vamos conhecer em linhas gerais os contratos típicos, que permeiam as relações
jurídicas neste universo do agro.
Iniciamos definindo o que significa contratos em Direito Romano, nas palavras de
Sílvio Venosa, “A palavra contractus significa unir, contrair”3, ainda esclarece o autor, “No
Direito Romano primitivo, os contratos como todos os atos jurídicos, tinham caráter rigoroso
e sacramental, com isso entendemos que os contratos são formados para unir as partes em
uma situação de contratação contraída por ambas as partes, e que por tanto devem por elas
serem adimplidas e respeitadas. As formas deviam ser obedecidas, ainda que não
expressassem exatamente a vontade das partes.” (VENOSA, 2018). Com estas definições,
percebemos que o contrato tem um caráter vinculante das partes que dele participam, e no
Direito Romano a forma era uma premissa fortemente cobrada.
Com o advento do Estatuto da Terra e seu Decreto Regulamentador, a relação entre
às partes foi moldada de maneira a garantir a proteção da parte mais fraca na relação
contratual, que na época eram, assim considerados, os arrendatários e os parceiros
outorgados, pela situação em que se encontravam de vulnerabilidade nessa relação.
Ademais, também devemos observar os princípios aplicáveis aos contratos agrários,
entre outros temos aqueles que são os principais que seriam: o Princípio da Função Social
do Contrato, o da Justiça Social e o da Prevalência do Interesse Público Sobre o Privado,
vamos abordar rapidamente cada um deles.
O Princípio da Função Social da Propriedade, encontra-se normatizado, na
Constituição Federal de 1988, em seu art. 186, que determina que este será alcançado
quando, simultaneamente atender a quatro critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei o aproveitamento racional e adequado; a utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e preservados do ambiente; observância das disposições que regulam as relações
de trabalho e; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.
3
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil Contratos. 18ª ed. – São Paulo: Atlas, 2018 (Coleção Direito Civil;
V. 3). p.4
186
Temos o Princípio da Justiça Social, disposto na parte final do art. 170 da CF/88, que
se refere, conforme RIZZARDO, “a conciliação da liberdade de iniciativa e valorização do
trabalho humano”4, se encontra também no art. 1º, §1º do ET que diz:
“A posse ou uso da terra sob a forma de arrendamento e parceria agrícola etc. são,
legalmente, as únicas formas típicas para essas atividades. No entanto outros
contratos agrários existem em que se usa e goza a terra fora desses parâmetros
legais, sem deixarem de ser atividades agrícolas ou pecuária, tais como o
pastoreio, a pastagem, o uso da água, das florestas, sociedade rural etc. 5
4
RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. 3.ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2015. p. 32
5
OPITZ, Oswaldo; OPTIZ, Sílvia. Curso Completo de Direito Agrário.2.ed. São Paulo:Saraiva,2007. p.238
187
As normas ali dispostas sobre estes contratos são de aplicação obrigatória em todo o
país, e como preceitua o texto do seu Art.2º “irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas
instituídos”, ou seja, às normas têm força cogente, ainda reforça em seu parágrafo único, que
qualquer acerto contratual que contrarie as normas ali estabelecidas, serão nulas de pleno
direito e de nenhum efeito.
Assim sendo, temos a força do Estado, limitando a atuação livre da vontade das
partes, para que sejam resguardados os direitos dos mais vulneráveis na relação contratual.
Quanto à forma, eles podem ser escritos ou verbais, sendo que nos verbais a presunção é que
as cláusulas ajustadas estão estabelecidas nos moldes do Art. 13 do Regulamento 59.566/66.
Já para os escritos, existe um rol a ser cumprido, e as indicações do que deve constar
encontram-se no Art. 12 do citado Decreto.
As normas obrigatórias, em qualquer uma das formas escrita ou verbal, estão tratadas
no Art. 13 do referido Decreto, as mais sensíveis que podemos destacar, que são imperiosas
em um contrato, e por tanto devemos sempre nos atentar, são as relacionas aos prazos
mínimos, aos valores e ao direito de preferência, pois estas podem trazer transtornos judiciais
se não respeitadas, que podem chegar até a retenção da terra pelo arrendatário ou o parceiro
outorgado. Vamos entender um pouco mais sobre essas cláusulas.
Vamos iniciar pela cláusula dos prazos de vigência do contrato, estes termos estão
dispostos no Estatuto da Terra, bem como no Decreto, eles são prazos mínimos que a lei
exige de vigência, para assegurar o melhor uso da terra, e para que a função social seja
atingida.
Para cada tipo de atividade, existe um prazo, e estes estão estipulados no Art. 13, II,
“a”, e variam de 3 a 7 anos, dispostos da seguinte forma: para atividade de exploração e
lavoura temporária ou pecuária de pequeno e médio porte o prazo mínimo é de 3 (três) anos;
para atividade de exploração de lavoura permanente ou de pecuária de grande porte para
cria, recria, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, o prazo mínimo é de
5 (cinco) anos; já para a exploração de atividade florestal esse prazo mínimo é de 7 (sete)
anos. Estes prazos mínimos deverão ser obedecidos pelas partes, mas se não constar o prazo
de vigência no contrato, ele será entendido como a contratação do prazo mínimo de 3 (três)
anos. Já existe um precedente da 3ª Turma do STJ, de Relatoria do Ministro João Otávio
188
Noronha, com o entendimento que para a atividade pecuária de Bovinos, o prazo deve ser
reconhecido de 5 anos.6
Outra cláusula importante se refere ao preço a ser pago, e a redação do Art. 13, III,
deixa muito clara a obrigatoriedade de ser fixado em quantia certa e em dinheiro, ou o seu
equivalente em frutos ou produtos, respeitando a forma trazida pelo art. 95, XII, do ET e do
art. 17 do Decreto Regulamentador. Esta cláusula também se encontra no art.18 do Decreto
Regulamentador que dispõe o seguinte:
Ficando expressamente determinado que o valor deve ser ajustado em quantia fixa,
mas o pagamento pode ser ajustado em dinheiro ou em quantidade de frutos, nunca inferior
ao preço mínimo oficial.
Por último, temos a cláusula sobre o direito de preferência, está consta no art.94, IV
do Estatuto da Terra, bem como no art. 22 do Decreto, e neles se observa que o
arrendatário/parceiro outorgado, em igualdade de condições com terceiros o direito à
renovação do seu contrato, e é obrigação da outra parte notificá-lo das propostas recebidas
6 (seis) meses antes do fim da vigência do contrato, sob pena de ser considerado
automaticamente renovado. Está preferência, poderá não prevalecer, se no mesmo prazo de
6 (seis) meses antes do termo final, o proprietário da terra declarar a intenção de explorar a
área diretamente ou por descendentes seus. As notificações de desistência ou de proposta,
deverão ser feitas por Cartórios de Registro de Títulos e Documentos, da localidade da
situação do imóvel, ou por requerimento judicial.
6
RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. CONTRATO DE
ARRENDAMENTO RURAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. ATIVIDADE DE CRIAÇÃO DE
GADO BOVINO. PECUÁRIA DE GRANDE PORTE. PRAZO DE DURAÇÃO. 1. A Constituição Federal
de 1988 dispõe que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII), revelando -se, pois, como
instrumento de promoção da política de desenvolvimento urbano e rural (arts. 182 e 186). 2. O arrendamento
rural e a parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativista são os principais contratos agrários voltados
a regular a posse ou o uso temporário da terra, na forma do art. 92 da Lei n. 4.504/64, o Estatuto da Terra.
3. A atividade pecuária para a criação de gado bovino deve ser reconhecida como de grande porte, de modo
que incide o prazo de 5 (cinco) anos para a duração do contrato de arrendamento rural, no s termos do art.
13, II, a, do Decreto n. 59.566/66. 4. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1336293 RS 2012/0161288-1,
Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 24/05/2016, T3 - TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJe 01/06/2016)
189
“Art 8º Para os fins do disposto no art. 13, inciso V, da Lei nº 4.947-66, entende-
se por cultivo direto e pessoal, a exploração direta na qual o proprietário, ou
arrendatário ou o parceiro, e seu conjunto familiar, residindo no imóvel e vivendo
em mútua dependência, utilizam assalariados em número que não ultrapassa o
número de membros ativos daquele conjunto.
Ou seja, a exploração deverá ser realizada direta e pessoalmente pelo produtor, para
que seja beneficiário das cláusulas protetivas determinadas na legislação. Isto nos servirá
como base para outros entendimentos que serão abordados futuramente neste artigo.
Por fim, a extinção destes contratos se dará pelos critérios constantes no art. 26 do
Decreto 59.566/66.
E assim encerramos os principais pontos a serem abordados sobre os contratos
agrários.
Percebemos que esta atuação estatal, com normas de aplicação obrigatória, trazem
alguns transtornos aos contratos típicos agrários, pois, sendo elas normas cogentes, impedem
que as partes possam contratar de maneira livre sobre prazos, preços e direito de preferência,
cláusulas que vimos anteriormente e que são altamente sensíveis em um contrato, e isso
acaba por gerar uma crise na atualidade das contratações, visto que houveram muitas
mudanças nos últimos 50 anos, e que aqueles que eram vistos como vulneráveis, atualmente
já não mais os são.
É latente a necessidade de atualização da legislação agrária, pois o mercado do agro
está em pleno desenvolvimento, e precisa de mais maleabilidade para que os contratantes
possam determinar livremente sobre cláusulas que afetam diretamente a possibilidade de
contratação, e para que a função social e de justiça social sejam realmente atingidas, como
queria o legislador.
Essa crise nos contratos agrários se observa, pois a realidade atual dos contratos
agrários, não mais se coadunam com a legislação que os rege, notadamente a dinâmica do
190
Outro princípio é o da Função Social do Contrato, art. 421 do C.C/02 o qual em breve
síntese, se refere à integração do interesse coletivo, com o privado. Nas palavras de
VENOSA:
“A função social do contrato avalia-se, portanto, na concretude do direito, como
apontamos. Todo esse quadro deve merecer deslinde que não coloque em risco a
segurança jurídica, em dos pontos fulcrais mais delicados das denominadas
cláusulas abertas. Este será o grande desafio do aplicador do Direito deste
século.”7
Neste tipo de atualização, ocorre a interpretação das leis vigentes, mas sem a
alteração do texto legislativo, os precedentes são emanados pelos Tribunais Superiores, e
passam a fazer parte das formas interpretativas usadas em casos semelhantes que se
apresentem ao judiciário.
Não estamos falando de uma desconstituição de um instituto, e sim de adequá-lo aos
novos tempos e problemáticas atuais, com o que nela já consta.
No caso dos contratos típicos, temos o exemplo que já vimos anteriormente, das
limitações trazidas pelo art. 38 do Decreto Regulamentador, que prevê que somente gozarão
7
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil Contratos. 18ª ed. – São Paulo: Atlas, 2018 (Coleção Direito Civil;
V. 3). p.23
192
dos benefícios das cláusulas nele contidas, se forem realizadas por quem explora a terra de
forma direta e pessoal.
O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em Recurso Especial, afastou o direito de
preferência de arrendatário, pessoa jurídica, com base no inciso II do art. 38 do Decreto
59.566/66, no Recurso Especial, segue Ementa:
RECURSOS ESPECIAIS. CIVIL. DIREITO AGRÁRIO. LOCAÇÃO DE
PASTAGEM. CARACTERIZAÇÃO COMO ARRENDAMENTO RURAL.
INVERSÃO DO JULGADO. ÓBICE DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ.
ALIENAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIROS. DIREITO DE PREFERÊNCIA.
APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA TERRA EM FAVOR DE EMPRESA
RURAL DE GRANDE PORTE. DESCABIMENTO. LIMITAÇÃO PREVISTA
NO ART. 38 DO DECRETO 59.566/66. HARMONIZAÇÃO DOS
PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA JUSTIÇA
SOCIAL. SOBRELEVO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA SOCIAL NO
MICROSSISTEMA NORMATIVO DO ESTATUTO DA TERRA.
APLICABILIDADE DAS NORMAS PROTETIVAS EXCLUSIVAMENTE
AO HOMEM DO CAMPO. INAPLICABILIDADE A GRANDES EMPRESAS
RURAIS. INEXISTÊNCIA DE PACTO DE PREFERÊNCIA. DIREITO DE
PREFERÊNCIA INEXISTENTE. 1. Controvérsia acerca do exercício do direito
de preferência por arrendatário que é empresa rural de grande porte. 2.
Interpretação do direito de preferência em sintonia com os princípios que
estruturam o microssistema normativo do Estatuto da Terra, especialmente os
princípios da função social da propriedade e da justiça social. 4. Proeminência
do princípio da justiça social no microssistema normativo do Estatuto da Terra.
5. Plena eficácia do enunciado normativo do art. 38 do Decreto 59.566/66, que
restringiu a aplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra
exclusivamente a quem explore a terra pessoal e diretamente, como típico
homem do campo. 6. Inaplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra
à grande empresa rural. 7. Previsão expressa no contrato de que o
locatário/arrendatário desocuparia o imóvel no prazo de 30 dias em caso de
alienação. 8. Prevalência do princípio da autonomia privada, concretizada em
seu consectário lógico consistente na força obrigatória dos contratos ("pacta sunt
servanda"). 9. Improcedência do pedido de preferência, na espécie. 10.
RECURSOS ESPECIAIS PROVIDOS.
(STJ - REsp: 1447082 TO 2014/0078043-1, Relator: Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 10/05/2016, T3 - TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2016)
forma não há o que se falar em proteção dada pelo Estatuto da Terra, onde a sua intenção é
de proteção ao mais vulnerável.
Em outra decisão do STJ da 3ª Turma, em julgamento do Recurso Especial nº
1.692.763 – MT, tivemos por maioria, o reconhecimento da viabilidade da execução de um
contrato de arrendamento, que teve a fixação do seu valor em produto, esse entendimento
foi baseado no princípio da boa-fé objetiva, e nos costumes da região. O voto inicial
divergente, foi da Ministra Nancy Andrighi, onde ao final foi negado o provimento ao
Recurso Especial, e assim foi dado ao credor a possibilidade de buscar a satisfação do seu
crédito, advindo do contrato de arrendamento, no qual o preço foi fixado em produto. Segue
Ementa da decisão:
EMENTA RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ENTRE PARTICULARES. RESCISÃO DO
CONTRATO. VALORES PAGOS. PERDA INTEGRAL. PREVISÃO EM
CLÁUSULA PENAL. VALIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO. AUSÊNCIA DE
VÍCIOS. PROPOSIÇÃO DO PROMITENTE COMPRADOR. ALEGAÇÃO DE
INVALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PROIBIÇÃO DE COMPORTAMENTO
CONTRADITÓRIO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na
vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2
e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a discutir a validade de cláusula penal que
prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra
e venda firmado entre particulares. 3. Para a caracterização do vício de lesão,
exige-se a presença simultânea de elemento objetivo - a desproporção das
prestações - e subjetivo - a inexperiência ou a premente necessidade, que devem
ser aferidos no caso concreto. 4. Tratando-se de negócio jurídico bilateral
celebrado de forma voluntária entre particulares, é imprescindível a comprovação
dos elementos subjetivos, sendo inadmissível a presunção nesse sentido. 5. O mero
interesse econômico em resguardar o patrimônio investido em determinado
negócio jurídico não configura premente necessidade para o fim do art. 157 do
Código Civil. 6. Na hipótese em apreço, a cláusula penal questionada foi proposta
pelos próprios recorrentes, que não comprovaram a inexperiência ou premente
necessidade, motivo pelo qual a pretensão de anulação configura comportamento
contraditório, vedado pelo princípio da boa-fé objetiva. 7. Recurso especial não
provido.
(STJ - REsp: 1723690 DF 2018/0030908-1, Relator Ministro RICARDO VILLAS
BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 06/08/2019, T3 - TERCEIRA TURMA,
Data da Publicação: DJe 12/08/2019)
desde que observados os preceitos de direito agrário. Até mesmo pelo fato de que no art. 92
do ET, em seu §9º, é expresso que para os casos omissos no Estatuto, prevalece o que dispõe
o Código Civil, o que é reforçado no Decreto 59.566/66, em seu art.88.
Para que seja possível distinguir se o Estatuto da Terra e seu Decreto
Regulamentador, devem ou não serem aplicados a um caso concreto, a análise deve se dar
pelas partes e suas condições, pois podemos observar, que pela leitura do artigo 38, II do
Decreto, os benefícios estabelecidos na lei, somente poderão ser gozados por aquele que
realiza a exploração de maneira direta e pessoalmente a atividade agrária, por tanto
inaplicável tal regra para as grandes empresas, como ficou esclarecido pelo Ministro
Sanseverino.
Portanto, as partes que possuem condições de entender e analisar suas cláusulas
contratuais, e condições financeiras, deverão reger seus contratos pelas legislações gerais
com observância da legislação agrária.
Passamos a análise das alterações que trouxe a lei da liberdade econômica nos artigos
do Código Civil.
Comecemos pelo art.113 do CC/02 – que trata da interpretação dos negócios
jurídicos, que deve ser baseada na boa-fé e nos usos do lugar de sua celebração, já neste
artigo tivemos a inclusão de quatro parágrafos, que são baseados na autonomia das vontades,
e no que as partes realmente tiveram a intenção de pactuar, baseando a interpretação no
comportamento das partes posteriormente à celebração do negócio; que ele corresponde aos
usos, costumes e práticas do mercado para o tipo de negócio celebrado; que corresponda à
boa-fé; que a interpretação seja mais benéfica para aquela parte que não redigiu a cláusula,
se for possível assim determinar; e qual seria a negociação mais razoável, levando-se em
conta as demais cláusulas contratuais, considerando as informações do momento da
celebração do negócio. Fala no §2º da possibilidade dar partes pactuarem livremente sobre
as regras interpretativas, de preenchimento de lacunas e integração dos negócios jurídicos,
mesmo que diversas daquelas previstas na lei. Clara é a liberdade dada às partes, desde que
dentro da moldura legal, que façam o contrato da maneira que melhor atender aos anseios
dos envolvidos na relação contratual.
Temos também no art.421 do CC/02, a nova redação que diz que a liberdade
contratual se dá dentro dos limites da função social do contrato. Assegurando em seu
196
parágrafo único, que estas relações contratuais, serão regidas pelo princípio da intervenção
mínima, e que a sua revisão se dará em caráter de excepcionalidade.
Tivemos também a inclusão do art. 421-A que traz a presunção de paridade e simetria
das partes, salvo se houver elementos concretos que comprovem e justifiquem o afastamento
da presunção, e reforça a liberdade de contratação das partes para estabelecerem parâmetros
objetivos de interpretação das cláusulas, e dos pressupostos para revisão e resolução do
contrato; diz que a alocação, ou seja, a previsão dos riscos daquele negócio, e que sejam
definidos pelas partes deverão ser respeitadas e observadas; reforça a excepcionalidade da
revisão contratual e que está deverá ser feita de maneira limitada.
Com isso, temos uma boa visão dos reflexos da Lei de Liberdade Econômica, na
flexibilização da contratação entre aquelas partes que sejam relativamente paritárias, e que
tenham o real entendimento das cláusulas que estão sendo contratadas pois, nesta relação a
intervenção deverá ser a mínima necessária e para casos excepcionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto neste trabalho, podemos concluir que ao entendermos melhor a
dinâmica legislativa que recai sobre os contratos agrários típicos, podemos perceber uma
carga muito elevada de dirigismo contratual, visto que quando ao tempo da elaboração das
leis especiais que tratam destes instrumentos, era necessária a intervenção da mão forte do
Estado, para que a agropecuária se desenvolve-se em nosso país de forma satisfatória e
sólida. Para isso, o legislador tratou de assegurar a proteção ao mais vulnerável, que à época
em sua maioria eram os arrendatários e os parceiros outorgados, e essa realidade foi a de
vários contratos durante muitos anos, mas o campo se consolidou, os produtores se firmaram
e prosperaram, e essa realidade não mais é a dos tempos atuais.
Com o crescimento, modernização e ampliação do mercado do agronegócio, as
realidades mudaram, e hoje em dia, aqueles que eram vistos como vulneráveis, já não mais
os são. E aquela legislação que precipuamente veio com a intenção de proteger, hoje acaba
por amarrar os produtores em cláusulas que muitas vezes não atendem às necessidades das
partes e nem mesmo deixa que a função social da propriedade rural seja atingida.
Às cláusulas que antes davam segurança para que o produtor pudesse se firmar em
sua produção, tornaram-se amarras incômodas para o crescimento dos negócios agrários, a
obrigatoriedade de prazos mínimos, impedem que à terra seja arrendada para um período de
197
entressafra, e assim à terra poderá permanecer improdutiva para que o arrendador não tenha
problemas de não poder utilizá-la em período próximo, visto que o prazo mínimo de um
contrato típico é de 3 (três) anos dependendo da atividade chega até 7 (sete) anos, ou também
temos o infortúnio de não poder ser fixado o valor do pagamento em produtos, sendo que
para às regiões que são produtoras de grãos, este acaba por ser a moeda usada, mas relações
comerciais. E ainda temos o problema do direito de preferência do arrendatário ou do
parceiro outorgado, que acaba por limitar a negociação do imóvel, caso seja vontade do
proprietário vender pois, pode ser atingido por algum direito de retenção ou pedido de
indenização, interposto pela outra parte.
Ou seja, essas questões acabam por dificultar as negociações o que gera entraves e
burocracias que podem ser retiradas dos negócios jurídicos agrários, se forem atualizadas
para isso.
E é exatamente por estas questões, que a jurisprudência e os precedentes, estão
iniciando uma nova era nesses contratos onde as partes têm condições de verificarem as suas
cláusulas, como nos casos das grandes empresas, que são muito comuns no ramo do
agronegócio, e que precisam de agilidade nas contratações e não de proteção do estado.
Com os precedentes emanados das nossas Cortes Superiores, como nos casos do
Recurso Especial nº 1.447.082-TO, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
bem como no Recurso Especial nº 1.723.690-DF de Relatoria para acórdão da Ministra
Nancy Andrighi, que são verdadeiras pérolas para que seja formada uma nova interpretação,
e que seja alcançada com isso a segurança jurídica tão almejada para os contratos agrários,
e com isso o Brasil consiga atrair mais investidores para o setor do agronegócio e assim mais
riquezas sejam geradas.
Estes entendimentos, são uma alternativa, enquanto a legislação agrária não se
moderniza, criando base e a visão da necessidade real da atualização das leis que regem os
contratos agrários típicos. As relações contratuais precisam tornarem-se mais adequadas as
necessidades atuais dos negócios agrários. O mundo do agro está em plana modernização,
tanto de insumos, de máquinas cada vez mais autônomas e tecnológicas, a necessidade de
mão de obra especializada e principalmente de uma legislação que atenda os anseios deste
setor tão importante para a economia brasileira.
As inovações trazidas pela Lei 13.874/19, da Liberdade Econômica, e as alterações
por ela trazidas ao Código Civil, atende de certa forma as necessidades de quem precisa
198
contratar com liberdade, sem que com isso atinja aos que ainda se encontrem em
vulnerabilidade, que permanecem protegidos pelo Estatuto da Terra e seu Decreto
Regulamentador.
Os profissionais do direito, são peças de fundamental importância para o
apaziguamento destas relações, e para que as desavenças sejam minimizadas e previamente
entendidas e corrigidas, o olhar técnico em cima de um contrato pode evitar muitos
transtornos e litígios de resolução demoradas. O que evita um problema a mais para o
produtor que deve se preocupar com a produção, e seus fatores de risco tão impiedosos e de
certa forma imprevisíveis em suas proporções, como as oscilações do mercado e os riscos
ambientais de pragas, doenças e o clima.
Por todo o exposto, podemos concluir, que a pacificação de entendimentos e a
atualização da legislação são fundamentais para que as relações jurídicas entre produtores e
o aporte de investidores vejam no Brasil, um lugar atrativo e seguro para se trabalhar e
investir.
Por tanto, deixamos aqui a necessidade de uma profunda reflexão para todos os
operadores do direito sobre a importância dessas atualizações pois, para que os contratos
continuem tendo seus reais efeitos atingindo e consequentemente a sua tão imperiosa função
social atendida, estes devem atender a realidade das dinâmicas contratuais dos agronegócios
atuais e suas novas necessidades e modelos de contratações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. 3.ed. ver., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2015.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil Contratos. 18ª ed. – São Paulo: Atlas, 2018
(Coleção Direito Civil; V. 3).
200
Resumo: Este trabalho consiste numa breve reflexão sobre o papel desempenhado pela
vestimenta na evolução da sociedade e, de que forma a moda contribuiu e contribui na busca
pela igualdade de gênero.
Traz algumas considerações sobre o alcance da moda nas transformações sociais e, como
colaborou diretamente para o progresso e para a ascensão dos direitos das mulheres na busca
pela igualdade de gênero, tanto no âmbito político quanto social, passando por uma concisa
análise sobre algumas décadas onde se pode evidenciar a constante evolução da vestimenta
e a linguagem por ela expressada.
INTRODUÇÃO
O vestir-se sempre foi a forma mais visível de expressar a identidade de cada pessoa
ou de um grupo, muitas vezes, através de códigos de vestimenta, sendo possível identificar
um período ou uma época apenas em razão das vestimentas, de sorte que a evolução da
mulher pode ser identificada pelo seu vestir, em muitas ocasiões superando barreiras sociais
sobre o que “era adequado ou não para uma mulher”, caminhando junto com a revolução
política, econômica, cultural e social.
O processo de conquista influenciou grandes estilistas a fazerem moda de acordo
com momentos sociais, que foram paulatinamente materializadas com a atuação das
mulheres no campo profissional.
1
Advogada, inscrita na OAB/RS sob o nº 78.838. Especialista em Direito Processual Civil; Direito das Famílias
e Sucessões. Graduada em Direito, Secretária-geral da OAB Subseção de Santana do Livramento/RS,
Presidente da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão da Criança e do Adolescente na Subseção
da OAB de Santana do Livramento/RS e das Comissões Estaduais da Mulher e do Direito Agrário e do
Agronegócio. E-mail carolina_normey@hotmail.com. Currículo disponível em:
http://lattes.cnpq.br/0050299336452019
2
Advogada Familista, inscrita na OAB/RS sob o nº 41.837. Mestra em Direito (UNISC), Especialista em
Direito Processual Civil (URCAMP), Graduada em Direito (URCAMP) e Sociologia (UFSM), Membro da
Comissão da Mulher Advogada e da Comissão da Criança e do Adolescente na Subseção da OAB de Santana
do Livramento/RS. Atua na área Cível, Família e Sucessões. E-mail: lmcaon@gmail.com. Currículo disponível
em: http://lattes.cnpq.br/6815126958572416.
201
Já nos anos 80, o status de poder, prestígio e aparência sofisticada dominou o cenário,
tendo como aliada a propaganda e a publicidade, ganhando força o consumismo. Questão
que abordaremos com mais ênfase no capítulo número dois.
A década de 80 também propiciou uma proliferação de múltiplas formas, uma
profusão de linguagens e contrastes, em que os opostos começaram a conviver em harmonia.
A silhueta feminina e a moda que permearam os anos de 1960 e 1970 foram símbolo
de uma mudança no comportamento da mulher. A roupa libertava o corpo, e a silhueta magra
e esguia afrontava a feminilidade padronizada dos anos pós-guerra.
Essa postura pertinente às mulheres emancipadas pode ser associada ao advento do
feminismo, especificamente ao discurso de gênero. Com isso, as mulheres romperam
padrões e a incorporação de alguns elementos no vestuário, como a calça, típico traje
masculino, e essa atitude pode ser vista como forma de protesto à sociedade conservadora.
O principal marco histórico, no Brasil, foi, sem dúvida, o advento da nossa Carta
Magna em 1988, declarando que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres.
Aspiração que ainda nos dias de hoje buscamos dar sentido também material.
Os anos 90, foram igualmente relevantes, destacando o papel das mulheres no
mercado de trabalho, conquistando cargos executivos e de chefias, que antes eram ocupados
apenas pelo sexo masculino.
Assim, é possível perceber que o vestuário feminino passou e passa por mudanças,
corroborando na imagem de uma mulher mais poderosa e segura de si. Blazers com
exageradas ombreiras, por exemplo, tinham o claro objetivo transmitir a aparência de poder
semelhante ao dos homens que ocupavam cargos de Diretores/Presidentes/Chefes de uma
empresa.
É de se salientar que esse estilo “mais andrógino”, que aproxima a imagem masculina
do feminino ou vice-versa, já tinha sido trazido na década 20 por Coco Chanel e, mais tarde,
inspirou Yves Saint Laurent na criação do seu smoking feminino em meados de 1966.
No início dos anos 2000, com o avanço das tecnologias de produção e edição de
imagens, e sua consequente popularização, surgiram blogs trazendo uma nova forma de
informação, utilizando-se da imagem digital para construir suas narrativas pessoais.
O que caracteriza esse tipo de blog é a publicação de uma narrativa acerca do vestir
cotidiano. Apresentando novas formas de consumo de produtos relacionados à moda e
203
3
MACHADO, Wladimir Silva. Do podrinho ao vintage: a visualidade nos blogs de moda e a publicidade
em imagens de look do dia. Goiânia, 201,P.15. Dissertação. Programa de pós-graduação em Arte e Cultura
Visual. Universidade Federal de Goiás.
4
KALIL, Glória. Chic, Chiquérrimo. Moda e etiqueta em novo regime. São Paulo, Códex, 2004. p. 27.
204
1. PRECONCEITO CAMUFLADO
5
BEAUVOIR. Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, P. 13,
205
é alvo de crítica e, muitas vezes, escusam comportamentos masculinos que deveriam ser
totalmente rechaçados.
Inúmeras propagandas, especialmente aquelas de cerveja, utilizavam a imagem da
mulher como um objeto sexual, ela não era colocada no mesmo patamar do homem que
poderia estar bebendo com as demais amigas/amigos num bar, isso sem falar na vestimenta
da atriz que, normalmente, revelava seus dotes físicos a serem apreciados pelo sexo oposto.
Inclusive, e ainda mais grave, se refere ao crime de estupro, onde mesmo antes de se
apontar o dedo para o criminoso, é questionado o comportamento da mulher que foi sua
vítima, perguntas absurdas como em relação ao horário que estava na rua, se estava sozinha,
e se a vestimenta usada poderia induzir o homem ao cometimento do crime!!! Como se o
homem fosse um ser irracional, orientado apenas pelo desejo!
Como se um homicídio cometido contra alguém, cuja arma tivesse sido um galho de
árvore, pudesse ser qualificado como crime ambiental…!!! ou seja, totalmente absurdo.
Esse tipo raciocínio que ainda permeia a sociedade, se manifesta de várias formas,
especialmente no aumento da violência doméstica e no número absurdo de feminicídios,
assim como nas relações sociais e de trabalho. O que significa dizer que, embora tenhamos
tido muitos avanços, ainda existe um longo caminho a se trilhar, nunca é demais falar sobre
o tema e é importante que o homem esteja engajado também nessa luta.
Atualmente, como não é “politicamente correto” a existência do preconceito de
gênero, ele acaba existindo de forma camuflada, numa sociedade que herdou a compreensão
da mulher como ser inferior ao homem, o que explica as razões de tanta violência física e
psicológica pela simples condição de ser mulher.
Os estereótipos construídos em relação à mulher contribuem para essa discriminação,
relevante é a contribuição de Marilena Chauí, quando ela explica que o estereótipo:
"conjunto de crenças, valores, saberes, atitudes que julgamos naturais,
transmitidos de geração em geração sem questionamentos, e nos dá a possibilidade
de avaliar e julgar positiva ou negativamente 'coisas e seres humanos". 6
Assim, embora de forma irrefletida aceitemos essas diferenças como naturais, não
podemos permitir que outro ser humano, por seu gênero, possa ter privilégios. E os
estereótipos funcionam justamente dessa forma, como um conjunto de crenças que vão
fazendo parte do nosso cotidiano e, por isso, precisa ser analisado e afastado da prática social,
6
Chauí, Marilena. Senso comum e transparência. In J. Lerner (Org.), O preconceito (pp. 115-132). São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado. 1996/1997. P. 116.
206
porque é totalmente irracional consentir que outra pessoa possa ser tratada de forma diferente
por razões de identidade de gênero. Aí reside o preconceito que não é aparente, mas é tão
nocivo quanto fosse.
Por isso também é relevante mencionar Michel Taussig, já que para ele, o preconceito
está arraigado no interior da pessoa, através de uma violação sistemática, colocando à prova
ou derrotando as capacidades e os recursos simbólicos do outro.7
Essa distinção criada, gera a discriminação que, consequentemente, trará um
tratamento diferenciado do outro em razão do gênero. Situação que devemos estar
constantemente alertas para inibir e proibir qualquer comportamento nesse sentido.
7
Apud: BANDEIRA & BATISTA, 2002, p. 129. Bandeira, L., & Batista, A. S. (2002). Preconceito e
discriminação como expressões de violência. Revista Estudos Feministas, 10 (1), 119-120.
207
acabam por deixar que a moda dite regras sob suas vidas, justamente o que não deve
acontecer, já que a moda como se vislumbra neste artigo sempre foi uma ferramenta de
liberdade de expressão e, consequentemente corroborou e corrobora até hoje nas garantias
políticas-sociais das pessoas, em especial das mulheres.
As inovações tecnológicas das mídias digitais e a busca de benefícios cada vez mais
rápidos tornam obsoletas as coisas, assim o consumo atual tende a valorizar o efêmero, como
é o caso dos blogs que estão diretamente envolvidos com o incentivo ao consumo. A mídia,
é acelerada para o “ao vivo”, comprime o tempo ao produzir e consumir.
No livro “Teoria de moda: sociedade, imagem e consumo”, Mara Rúbia Sant’Anna
busca mostrar que a sociedade contemporânea é também uma sociedade da moda e da
aparência, e assim as imagens são consumidas quase sem resistência ou contestação. 8
A moda deve a sua existência ao presente e ao novo, e é, portanto, um significante
indicativo do regime de historicidade presentista proposto por François Hartog, a
produtividade, a flexibilidade e a mobilidade são conceitos que se tornaram as palavras-
chaves dos novos dirigentes.9
No livro “Elegância, beleza e poder: na sociedade de moda dos anos 50 e 60” se
constatou que em especial na sociedade brasileira moderna, a beleza era resultante de um
consumo que era assegurado pelo domínio do poder de compra ou econômico e demandava
compra de produtos, acesso a serviços de informação, viagens e tempo para despender com
esse processo.10
Trinca (2008) procurou analisar o desenvolvimento do fenômeno de culto ao corpo
e à aparência, levando em consideração as práticas cotidianas da cultura do consumo no
capitalismo avançado, buscando identificar como a lógica da mercadoria e da racionalidade
instrumental se manifestam na moda e na busca pelo corpo ideal. Assim, o corpo ampliou
sua característica de consumidor, pois para cada uma de suas partes “coisificadas” existe
uma enorme variedade de mercadorias disponíveis.11
8
SANT’ANNA, Mara Rúbia. Teoria de moda: sociedade, imagem e consumo. São Paulo: Estação das
Letras, 2007.
9
CEZAR, Temístocles. Prefácio. In: SANT’ANNA, Mara Rúbia. Teoria de moda: sociedade, imagem e
consumo. São Paulo: Estação das Letras, 2007. P. 13.
10
SANT’ANNA, Mara Rúbia. Elegância, beleza e poder: na sociedade de moda dos anos 50 e 60. São
Paulo: Estação das letras, 2014. P. 09 e 229.
11
DEL PRIORI, Mary. Histórias do Cotidiano, 2001, P.05. In: TRINCA, Tatiane Pacanaro. O corpo imagem
na “cultura do consumo”: uma análise histórico-social sobre a supremacia da aparência no capitalismo
avançado.
208
publicações que mostram desde a intimidade da casa das blogueiras, até a experiência com
consumo de produtos e marcas fortalecendo ainda mais a moda como meio de livre expressão
do corpo e consequentemente da identidade de cada mulher.
De certo modo, o discurso feminista, tanto quanto o ecológico, o étnico, para não
falar do anarquista e socialista em geral foi incorporado em muitas dimensões, produzindo
importantes efeitos na sensibilidade e no imaginário social, claramente perceptíveis na vida
cotidiana.
Michel Foucault12, em seu artigo “O que são as Luzes?” que é possível perceber no
contexto atual das batalhas feministas, uma nova relação que o feminismo contemporâneo
estabelece consigo e nas imagens de si que projeta para o mundo. Numa atitude de
metacrítica, essa relação se caracterizaria por um dobrar-se sobre si mesmo, isto é, pela
reflexão crítica sobre o próprio feminismo e por sua historicização, num movimento de
avaliação e balanço de suas conquistas, avanços, limites e impasses, seja no campo das
práticas, seja no do pensamento. No entanto, a batalha pela igualdade ainda demanda uma
longa caminhada, nesse contexto, as políticas afirmativas são igualmente importantes, ponto
que veremos no próximo ponto.
Acreditamos que toda a luta que vem sendo travada ao longo da história só revela
que quanto mais direitos são alcançados, mais percebemos a necessidade de sua ampliação.
A busca para inclusão das mulheres nas mais diversas instituições e na política, se
mostra absolutamente necessária se pretendemos que haja uma alteração verdadeira do
patriarcalismo existente, mesmo que esteja tão evidente como alhures, ainda se encontra
alicerçado na prática social cotidiana. Quem melhor que uma mulher para entender as
necessidades da divisão igualitária das tarefas do lar, ou de quais as políticas públicas
realmente atendem os anseios e necessidades femininas?
12
FOUCAULT, M. “O que são as Luzes?”. Ditos e Escritos. Vol.II. - Arqueologia das Ciências e História
dos Sistemas de Pensamento. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense Universitária, 2000.
210
Em todo esse trajeto feminino, a mulher, na maioria das vezes, só aumentou suas
tarefas quando trabalha fora de casa, seguiu sendo responsável pela educação dos filhos, pela
manutenção do lar, etc.
Para uma alteração nesse cenário, é urgente e necessário que homens e mulheres se
sintam responsáveis por todas as obrigações que demandam um lar, não é favor quando um
homem vai ao supermercado ou busca as crianças na escola, é uma questão de igualdade de
responsabilidades.
Políticas afirmativas, como as cotas em cargos eletivos, instituições, empresas e
cargos públicos, também aquelas que buscam a elevação da renda das mulheres, contribuem
para diminuição da desigualdade de gênero. Como vimos na introdução deste trabalho, por
meio da vestimenta, como por exemplo, o uso de blazers no trabalho, contribuíram para
igualar as mulheres aos homens.
O estímulo a usar saias, vestidos vai compondo uma identidade reconhecida como
“feminina”, ou, o oposto, isto é, o uso de roupas de tons neutros, o comportamento mais
sério, naturalizam uma identidade dita “masculina”.
Hoje vemos que moda tem um papel importante, mas não mais no sentido de trazer
uma imagem masculina para mulher, pelo contrário, há uma descontinuidade do processo de
identificação de gêneros, o que permite um espaço para novos comportamentos.
O que significa dizer que sobre o corpo atuam um conjunto de forças que ora
convergem, noutras não. Razão pela qual, num primeiro momento, numa dominação do
homem, a mulher por meio da vestimenta buscou se igualar e, atualmente, tem-se
reconhecimento, até pela efetiva contribuição dos movimentos sociais, que a mulher pode e
deve se vestir da forma que melhor expressa sua identidade.
13
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis, 1996. P. 29,30.
14
Idem.
211
Em razão do que já foi dito no item anterior, podemos perceber que, pouco a pouco,
a vestimenta já não se orienta por um código muito rígido.
A necessidade de a mulher assumir espaços tradicionalmente ocupados por homens
estimulou a transformação radical da moda. Libertar o corpo feminino do espartilho foi
inevitável, já que a atuação da mulher nas atividades industriais exigia o uso de
indumentárias adequadas para esse fim.
Ressalta-se um marco que foi o uso de calças por mulheres. Nesse sentido, segundo
Prost: “o desaparecimento dos papéis sexuais pode ser lido com clareza na diminuição do
uso de saias em 1965, é a primeira vez que a produção de calças de mulher supera a de saias,
e em 1971, são fabricados 14 milhões de calças, num total de 15 milhões de roupas”.15
De modo geral, a perspectiva de igualdade de papéis sociais, e consequentemente a
lenta incorporação das mulheres em postos de trabalhos sem importar o gênero, fez com que
a mulher começasse a impor um vestir que procurava questionar e, até certo ponto, eliminar
as diferenças entre os vestuários femininos e masculinos. As noções engessadas de
identidade de gênero foram gradualmente desaparecendo, e a diversidade de linguagens de
vestuário, ao final do século XX, aponta para uma multiplicidade de identidades femininas.
A moda é um processo de metamorfose incessante, associada à inconstância e à
renovação de formas e linguagens. O vestuário, como setor inserido no processo da moda,
consiste em uma linguagem constituída de significantes cujas conotações se transformam
constantemente, desvinculadas de seu contexto social específico.
A moda também pode ser vista como uma forma de expressão simbólica, ou seja,
modelo de comunicação. Sem dúvida, que a moda se comunica pela linguagem visual,
identificando socialmente as pessoas, especialmente pela ocupação ou papel social. A
vestimenta sempre esteve presente na sociedade e, podemos analisar a evolução social por
meio das roupas também, pois traz consigo significados culturais, é um tipo de comunicação
15
PROST, apud: KLANOVICZ, 2008, p.184.
212
simbólica onde o sistema da moda cria novos estilos, e é altamente influenciado pelas
telenovelas, propagandas, etc.
Ou seja, sem dúvida que a moda é um instrumento de comunicação sem o uso de
palavras, a roupa carrega diversas informações tanto sobre a ocupação, como do status
social. A moda pode unir ou separar determinados grupos sociais, assim como também é
instrumento da nossa individualidade.
Moda também se relaciona com a necessidade de demonstrar um papel social
desempenhado mediante os significados sociais a ela atribuídos, por isso “um substrato
material portador de significado”16 e, mais contemporaneamente, a moda se mostra
intimamente ligada a transformação. Nesse sentido vale mencionar Rech:
[...] Moda não possui somente a função de revestir e proteger o corpo contra
intempéries; ela assume, ainda, três funções: pragmática, social e estética [...] não
é somente determinada função que governa a outra. Há uma sucessiva redefinição
da relação entre estas três funções. O design, a criatividade e a tendências de moda,
aliadas à definição dos mercados e dos seus determinantes socioculturais são
variáveis prioritárias.17
CONCLUSÕES
Por fim, diante de tudo que foi abordado, ciente que na sociedade ainda existem os
papeis sociais, a função da moda se mostra relevante na construção de uma sociedade mais
justa e igualitária, e neste sentido a moda foi e continua sendo uma ferramenta
imprescindível na luta de igualdade de gênero.
Conclui-se que o feminismo tem uma relevância política profundamente crítica e
libertadora, que não pode ser negligenciada, afinal, foram e têm sido imensas as suas
contribuições, especialmente ao questionar as formas e as práticas masculinas de um mundo
que, misógino, é opressivo para as mulheres e, ao mostrar a maneira pela qual a ciência
16
Apud: LEROI-GOURHAN, André. O gesto e a palavra. 1. Técnica e linguagem. Rio de Janeiro: Ed. 70,
1990. p. 115 -119. P. 70.
17
RECH, Sandra Regina. Moda: por um fio de qualidade. Florianópolis, UDESC, 2002. P. 84
213
fundamentou essas concepções, com seus conceitos sedentários, mascarando sua realidade
de gênero.
A história do presente exige uma reflexão sobre o ato de escrever a história. Porém,
a partir da construção de um novo olhar sobre si e sobre o outro e, consequentemente, num
processo de feminização cultural em curso, o mundo tem-se tornado mais feminino e
feminista, ou seja, libertário e solidário ou, em outras palavras, filógino, - isto é, contrário a
misógino -, amigo das mulheres e do feminino, trazendo um aporte social e cultural das
mulheres no mundo público.
Contudo, mesmo evidenciando a importância da moda para construção do caminho
necessário à igualdade de gênero, também devemos estar cientes que existe um mercado de
moda alienante, que faz do consumismo sua principal meta, ainda que as propagandas a
exibam de forma diversa, temos que também observar esse comportamento lesivo do
mercado para não fazer dos direitos alcançados pelas mulheres, seja utilizado perversamente
pela indústria da moda.
Vimos também que a moda possui um viés social e simbólica, onde o status social se
afirmaria a partir das categorias de trabalho e intercâmbio, de forma que o vestuário não se
reduz a termos puramente estáticos, pois tem um significado social e, ao mesmo tempo,
revela a ligação intelectual e afetiva que se estabelece entre as roupas.
A forma de se vestir vai se adaptando ao ambiente em que se vive, assim como aponta
as relações sociais presentes na sociedade, demonstrando os aspectos da pessoa e onde ele
se insere em determinado grupo social.
Por fim, é importante ainda referir que os campos do design de moda e da imagem
de moda são aliados, visto que são capazes de minimizar a complexidade das relações de
gênero e das subjetividades surgidas a partir de seu reconhecimento como cenário de
construções culturais, ao longo da história e com certeza estão ligadas com a emancipação
da mulher.
Nesse sentido, podemos dizer que a moda contribuiu para redefinir identidades
sociais, desconstituindo algumas das fronteiras simbólicas entre o masculino e o feminino,
sendo o impulso e reflexo das mudanças da condição feminina.
214
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR. Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
DEL PRIORI, Mary. Histórias do Cotidiano, 2001, P.05. In: TRINCA, Tatiane Pacanaro.
O corpo imagem na “cultura do consumo”: uma análise histórico-social sobre a
supremacia da aparência no capitalismo avançado.
ERGAS, Yasmine. O sujeito mulher. O feminismo dos anos 1960-1980. In: DUBY,
Georges & PERROT, Michell. História das mulheres no Ocidente. Porto: Edições
Afrontamento; São Paulo: Ebradil, 1995.
FOUCAULT, Michel. O que são as Luzes?”. Ditos e Escritos. Vol.II. - Arqueologia das
Ciências e História dos Sistemas de Pensamento. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense
Universitária, 2000.
KALIL, Gloria. Chic [érrimo]. Moda e etiqueta em novo regime. São Paulo, Códex, 2004.
LEROI-GOURHAN, André. O gesto e a palavra. 1. Técnica e linguagem. Rio de Janeiro:
Ed. 70, 1990. p. 115 -119.
MIRANDA, A. P. C. de, Garcia, C., & Leão, A. L. M. de S. (2015). Moda e Envolvimento:
Cada Cabide, Uma Sentença. Revista Interdisciplinar De Marketing, 2(2), 38-49.
https://doi.org/10.4025/rimar.v2i2.26693
RECH, Sandra Regina. Moda: por um fio de qualidade. Florianópolis, UDESC, 2002.
SANT’ANNA, Mara Rúbia. Teoria de moda: sociedade, imagem e consumo. São Paulo:
Estação das Letras, 2007.
___________. Elegância, beleza e poder: na sociedade de moda dos anos 50 e 60. São
Paulo: Estação das letras, 2014.
Sites consultados:
https://bdm.unb.br/bitstream/10483/14664/1/2015_MarcosMacielDeSousaRocha_tcc.pdf
215
Resumo: Uma vez que se observa um aumento do número de mulheres ocupando o espaço
jurídico, temos como objeto da pesquisa a percepção popular sobre as advogadas. Assim,
objetiva-se, primeiramente, compreender a divisão sexual do trabalho e seus reflexos à
carreira jurídica, para, a seguir, observar as respostas obtidas na pesquisa empírica. Dessa
maneira, por meio do método indutivo, buscamos responder nosso problema de pesquisa,
partindo da hipótese de que por mais que as mulheres consigam adentrar na advocacia, há
um imaginário de fragilidade que atravessa os corpos femininos, de forma que não são
totalmente aceitas neste espaço.
Palavras-chave: advogada; divisão sexual do trabalho; normação
1. INTRODUÇÃO
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pelotas, advogada
OAB/RS 115.979, e-mail: carol.h.falcao@gmail.com
2
Advogada, Pós-graduada em Processo Penal pela Faculdade Damásio (2019), em Investigação Criminal e
Neuropsicologia Jurídica pela UniBF (2019) e Segurança Pública e Inteligência pela UniBF (2019).
Colaboradora da Comissão Mulher Advogada Subseção Pelotas. OAB/RS 107.443. E-mail:
ingridziebell@hotmail.com
3
Disponível em: https://www.editorajc.com.br/oab-efetiva-espacos-da-mulher-advogada/
4
CONJUR. Campanha por igualdade. Nem 20% das advogadas chegam a ser sócias nos
grandes escritórios. 8 mar. 2016. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-mar08/nem-20-advogadas-
chegam-socias-grandes-escritorios
216
5
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica.1990, n.p. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/185058/mod_resource/content/2/G%C3%AAnero-oan%20Scott.pdf
217
6
FEDERICI, SILVIA. O Calibã e a Bruxa. São Paulo: Elefante Editora. 2017, p. 13.
7
KERGOATD, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In. Trabalho e cidadania ativa
para as mulheres: desafios para as Políticas Públicas /Marli Emílio (org.), Marilane Teixeira (org.), Miriam
Nobre (org.), Tatau Godinho (org.). - São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2003. p. 55
218
Assim, resta-nos bastante evidente que a divisão sexual do trabalho é uma realidade
que impera até hoje. Outrossim, sabemos que há uma feminização de algumas profissões,
que o número de mulheres adentrando ao mercado de trabalho cresce e que as discussões
acerca do machismo, dos direitos das mulheres e a luta pela igualdade tomam lugares nos
debates públicos.
Os padrões de segregação podem ser exemplificados pela sobre-representação de
mulheres em ocupações tipicamente femininas, quais sejam profissionais assalariados
(white-collar ou colarinho branco), sendo geralmente os que trabalham em escritórios,
gabinetes, gerenciamento ou administração.
Ademais, tradicionalmente as mulheres ocuparam o setor de cuidados e reprodução
da vida, o pink collar, ou colarinho rosa. Este termo é normalmente usado para descrever
mulheres trabalhadoras do setor de serviços, como babás, esteticistas, floriculturistas,
domésticas, recepcionistas, secretárias, garçonetes, massagistas, enfermeiras, professoras,
entre outras.8
Uma vez compreendido que a divisão sexual do trabalho é uma realidade que
impera desde a idade média, servindo para criação e perpetuação do sistema capitalista, bem
como tendo clara a noção de que este machismo tão naturalizado faz parte de um poder
simbólico no entorno da nossa realidade, passamos à análise da profissão da mulher
advogada.
A inserção das mulheres na carreira jurídica no Brasil é recente e data de 1906 - sendo
que a advogada Myrthes Gomes de Campo concluiu o bacharelado em 1898 e teve de adiar
sua inscrição nos quadros da ordem pelo preconceito existente à época9. Ao mesmo tempo,
a criação do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros (IOAB), data de 1843.10
Não obstante, é importante recordar que o fato de as mulheres adentrarem
formalmente o mercado de trabalho em profissões consideradas elitizadas vem crescendo,
porém, não podemos considerá-lo como um avanço nas relações machistas e patriarcais.
8
SOUZA Silveira, L., & Siqueira Leão, N. (2020). O impacto da segregação ocupacional por gênero e raça na
desigualdade de renda no Brasil em três décadas (1986-2015). Revista Latinoamericana De Población, 14(27),
41-76. https://doi.org/10.31406/relap2020.v14.i12.n27.2
9
Obtido em http://www.tjrj.jus.br/web/guest/institucional/museu/curiosidades/no-bau/myrthes-gomes-campos
10
BONELLI, Maria da Gloria. ADVOGADOS BRASILEIROS E O ESTADO: a profissionalização no Brasil
e os limites dos modelos centrados no mercado.Rev. bras. Ci. Soc. vol.14 n.39 São Paulo Feb. 1999 Disponível
em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69091999000100004&script=sci_arttext&tlng=pt
219
É evidente que não é apenas o gênero que oprime as mulheres. Relações de classe e
de raça também atravessam os corpos femininos acarretando em uma dupla opressão. Assim,
enquanto algumas mulheres atingem patamares até então inimagináveis de empregos, outras
ainda são vistas como engrenagem para esta ascensão, mantendo-se em trabalhos subalternos
e de reprodução.
Nesse sentido, aponta Keorgat11
O segundo exemplo é a dualização do emprego feminino, o que ilustra bem o
cruzamento das relações sociais. Desde o começo dos anos 1980, o número de
mulheres contabilizadas pelo INSEE (Institut National de la Statistique et des
Études Économiques) como “executivas e profissionais intelectuais superiores”
mais do que dobrou: cerca de 10% das mulheres ativas estão atualmente nessa
categoria. Simultaneamente à precarização e à pobreza de um número crescente
de mulheres (elas representam 46% da população ativa, mas 52% dos
desempregados e 79% dos baixos salários), assistimos a um aumento dos capitais
econômicos, culturais e sociais de uma proporção de mulheres ativas que não pode
ser desconsiderada. Vemos surgir, assim, pela primeira vez na história do
capitalismo, uma camada de mulheres cujos interesses diretos (não mediados
como antes pelos homens: pais, esposos, amantes, ...) se opõem frontalmente aos
interesses daquelas tocadas pela generalização do tempo parcial, dos empregos de
serviço muito mal-remunerados e não reconhecidos socialmente e, usualmente,
mais atingidas pela precariedade
Ocorre que alcançar profissões lidas como elitizadas não necessariamente garante a
estas mulheres que o sexismo pare de atravessar seus corpos.
Ao pensarmos na profissão do advogado, nos valemos do pensamento de Michel
Foucault. Em suas reflexões sobre biopolítica e biopoder, o autor traz o conceito de
normação, qual seja, a compreensão de algo tido como pertencente a uma linha de
normalidade. Nesse sentido, ao explorarem os conceitos do autor, Furtado e Camilo apontam
que “normação é o efeito de enquadramento gerado por mecanismos disciplinares ao
buscarem adequar indivíduos a modelos previamente estabelecidos, isto é, a uma norma a
que os homens devem se submeter”12
Esta linha de o que é o normal na carreira de advogado poderia ser compreendida
enquanto a visão primeira da advocacia: homem, branco, em trajes formais. Logo, se a visão
dentro da normação do advogado é masculina, a posição da mulher advogada entra no
espectro do anormal.
11
KERGOATD, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In. Trabalho e cidadania ativa
para as mulheres: desafios para as Políticas Públicas /Marli Emílio (org.), Marilane Teixeira (org.), Miriam
Nobre (org.), Tatau Godinho (org.). - São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2003 p. 61
12
FURTADO, Rafael Nogueira; CAMILO, Juliana Aparecida de Oliveira. O Conceito de Biopoder no
Pensamento de Michel Foucault. In.: Revista subjetividades, v.16. n3, 2016. p. 38.
220
Nesse sentido, entendemos que para manter-se o mais próximo da linha do normal,
a mulher advogada é submetida a uma série de violências. Assim, nos valemos da lição de
Bourdieu13 sobre a dominação simbólica para melhor compreendê-las
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
13
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11° ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 49-50
221
Figura 1 Gênero
Figura 2 Escolaridade
222
14
BONELLI, Maria da Glória. Profissionalismo, diferença e diversidade na advocacia e na magistratura
paulistas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.28, n.83, 2013, p. 127.
224
15
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11° ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 78
225
4. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11° ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2012.
226
CONJUR. Campanha por igualdade. Nem 20% das advogadas chegam a ser sócias nos
grandes escritórios. 8 mar. 2016. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-
mar08/nem-20-advogadas-chegam-socias-grandes-escritorios
KERGOATD, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In. Trabalho
e cidadania ativa para as mulheres: desafios para as Políticas Públicas /Marli Emílio (org.),
Marilane Teixeira (org.), Miriam Nobre (org.), Tatau Godinho (org.). - São Paulo:
Coordenadoria Especial da Mulher, 2003.
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica.1990, n.p. Disponível
em:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/185058/mod_resource/content/2/G%C3%AAner
o-Joan%20Scott.pdf>
SOUZA Silveira, L., & Siqueira Leão, N. (2020). O impacto da segregação ocupacional
por gênero e raça na desigualdade de renda no Brasil em três décadas (1986-2015).
Revista Latinoamericana De Población, 14(27), 41-76.
https://doi.org/10.31406/relap2020.v14.i12.n27.2
227
INTRODUÇÃO
1
Graduada em direito, pela Universidade de Santa do Sul. Pós Graduada em Direito Público com ênfase em
Constitucional, pela Verbo Jurídico. Pós graduada em Direito Processual Civil, pela Universidade de Santa
Cruz do Sul. Advogada, OAB/RS 86773. Mediadora Judicial. Email: cassi.anjos@gmail.com.
228
entre as partes com a decisão tomada de comum acordo, para a solução da demanda, sendo
enfatizada a sua função de pacificação social e a importância da atuação do advogado durante
este processo.
2
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método,
2017, p. 22.
3
SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de conflitos, da teoria à prática. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2017.
4
WARAT, Luis Alberto. O oficio do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001, p. 05.
231
A sociedade possui uma visão de acesso à justiça baseada nas premissas de ganhar e
perder, onde a vitória está, muitas vezes, eivada de um sentimento de vingança que sobrepõe-
se à questão de resolver o problema que originou o conflito.
A via contenciosa apresenta justamente esta visão egocêntrica, onde a parte, através
de um procurador, ingressa judicialmente, na maioria das vezes, na busca por “vingança”,
ou seja, a lide tem o fim de acionar a outra parte para defender-se, com uma imagem de que
aceitar, por exemplo, um acordo, significa estar perdendo ou deixando que prevaleça a
vontade do outro, como se estivessem em um duelo em que ganhar seja uma questão de
honra. Esta é a visão do judiciário construída por muitos indivíduos e destacada
principalmente nos juizados especiais, onde a informalidade colabora para a implantação de
tal sentimento, já que há grande dificuldade em formalização de acordos pela vontade da
parte que sente-se lesada em sua honra ou imagem, e acaba, por implicância, não firmando
acordos, mesmo que vantajosos, por vingança. Aqui como uma visão geral, tendo em vista
que há demandas com caráter contencioso inerente a natureza da ação, onde não cabe
mediação ou conciliação, mas somente uma sentença.
5
SPENGLER, op. Cit. p. 22.
232
De outra forma, a mediação surge como via consensual de resolução de conflitos que
foge do rigor das normas jurídicas, destacando uma justiça baseada na reparação e não na
punição da parte contrária, já que os métodos jurisdicionais visam à solução do conflito,
através da qual o juiz (terceiro imparcial) julga e aplica o direito, não importando se esta
solução é justa ao caso concreto, enquanto que na mediação as partes de forma autônoma,
livre e participativa buscam uma reparação ao caso concreto que originou o conflito, onde é
possibilitada a comunicação de necessidades e sentimentos, com abertura para a participação
e liberdade de decisão entre os mediandos.
Outro meio consensual de solução de conflitos é a conciliação. A Resolução
125/2010 do CNJ, foi criada para estimular e regulamentar o tratamento de conflitos por vias
não contenciosas, buscando facilitar o acesso à justiça, incentivando meios consensuais
como a mediação e a conciliação.
Spengler6, destaca que há uma mudança do olhar sobre os conflitos onde “as
divergências passam a ser vistas como oportunidades alquímicas, as energias antagônicas
como complementares, e o Direito como solidariedade”, de forma que as relações humanas
promovem a aproximação e não o distanciamento entre os indivíduos. Os conflitos ganham
uma nova roupagem voltada a promover conexões rompidas através do diálogo mediado
entre as partes.
Estes mecanismos objetivam o estímulo da prática de solução de conflitos de forma
a atender aos interesses dos envolvidos, sendo estes tratados pelos membros da própria
sociedade e resultando em resolução de conflitos eficaz tanto no sentido quantitativo quanto
qualitativo, até mesmo para prevenir futuros conflitos.
Desta forma é possível senão abandonar, mas reduzir a prática da cultura do litígio,
para estimular a pacificação social, pois a complexidade de relações sociais existentes na
sociedade moderna, exige meios eficazes de tratamento dos conflitos, para além de dirimi-
los, evita-los.
O legislador demonstrou a preocupação em promover a comunicação entre os
indivíduos para possíveis soluções que surjam a partir do consenso, através da previsão do
instituto da mediação na legislação pátria, inovando no processo civil com a
jusrisdicionalização da mediação. Contudo, tal procedimento representa um desafio, tendo
em vista a necessidade de compreensão popular quanto ao funcionamento deste instrumento,
6
SPENGLER, op. Cit. p. 22.
233
7
CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação, conciliação, resolução. CNJ 125/2010. São Paulo
Revista dos Tribunais, 2015, p. 43.
8
SPENGLER, op. cit.
234
9
SPENGLER, op. cit.
10
SPENGLER, op. cit.
11
Idem.
236
Angelo, São Borja, São Leopoldo, Sapiranga, Sapucaia do Sul, Taquara, Tramandaí, Três
Passos, Urguaiana e Viamão.
A mediação como mecanismo adequado de tratamento de conflitos, envolve uma
série de atributos que engloba desde os sujeitos envolvidos no procedimento até a estrutura
necessária para sua implementação.
Com relação aos sujeitos do processo, é possível elencar: a)as parte envolvidas que
“comparecerão a sessão de mediação em uma das etapas do processo judicial (mediação
endoprocessual ou judicial)”12, complementando que “elas possuem a opção de não se
manifestarem durante a mediação, e, se optarem pela discussão de suas questões com a outra
parte e dessas discussões não resultar em um acordo, o termo de audiência redigido ao final
da discussão conterá apenas disposições com as quais elas tenham concordado
expressamente”13. b) representantes legais: as partes devem comparecer pessoalmente e
podem ser representadas por advogado o qual servirá para pensar soluções que atendam aos
interesses das partes e esclarecer os direitos de seus representados. C) o mediador: terceiro
que deve agir com imparcialidade e confidencialidade, com formação de acordo com o
estabelecido em lei. D) comediador: “é possível a atuação conjunta de dois mediadores – em
especial em fase de treinamento dos mediadores. Essa forma de condução da mediação
possui as vantagens próprias de um trabalho em equipe.”14
A respeito da estrutura, destaca-se: a) flexibilidade procedimental: apesar de a
mediação possuir atos a serem seguidos, “o mediador não está adstrito a uma ordem
específica e tem a liberdade de flexibilizar o procedimento. A partir de determinadas
referências técnicas ele desenvolverá seu próprio estilo.”15 B) sessões individuais: o
mediador poderá, a seu critério, realizar sessões individuais com as partes. C) tom informal:
a informalidade no tratamento estimula o diálogo, contudo deve sempre haver uma postura
profissional adequada.
Podemos, então, salientar algumas considerações importantes sobre o mediador e o
advogado. O mediador judicial deve ser capaz, possuir curso superior em qualquer área de
12
SPENGLER, op. cit, p. 27.
13
Ibidem, p.28.
14
Idem.
15
Idem.
237
formação há pelo menos 2 anos, reconhecido pelo MEC, além de curso de formação, com
parâmetro curricular estabelecido na Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de
Justiça, e reconhecido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados
– ENFAM, com duas etapas: 40 horas de aulas teóricas, mais 60 horas de estágio
supervisionado com casos práticos. Após aprovado nestas etapas, o mediador é certificado
como mediador judicial, podendo atuar nos Centros de Solução consensual de Conflito –
Cejusc, nas Comarcas em que está cadastrado. Já o advogado, não possui obrigatoriedade
de estar presente na sessão de mediação, porém é um agente importante, principalmente para
dirimir possíveis dúvidas jurídicas dos participantes e auxiliar na elaboração de acordos,
dando suporte de forma colaborativa na condução do mediador.
Destaque-se, que a mediação é uma sessão que proporciona a abertura do diálogo
entre os mediandos, onde os envolvidos tem voz ativa para falarem sobre seus interesses,
medos, angústias e motivações acerca do conflito, sendo guiados pela conduta técnica do
mediador. Assim, a participação do advogado influencia diretamente neste processo,
levando-se em consideração que o cliente é guiado pelo seu representante.
A mediação, de acordo com o que dispõe Vasconcelos16, é um “método dialogal de
solução ou transformação de conflitos interpessoais”, através do qual escolhem ou aceitam
um mediador para conduzir o procedimento, baseado em um diálogo mediado para
identificação de interesses e necessidades comuns por meio do qual, havendo consenso, um
acordo será concretizado. Os mediandos, neste processo, não são adversários, mas “atuam
como corresponsáveis pela solução da disputa, contando com a colaboração do mediador.”17.
Enfatiza-se, também, conforme Vasconcelos, que a medição é uma arte, visto a
atuação do mediador que deve desenvolver além da capacidade técnica as habilidades e
sensibilidades para a condução do procedimento.
Destarte, com base nesta breve análise acerca do procedimento da mediação fica
claro o quão valiosa é esta técnica na busca pela solução de conflitos, consistindo em um
instrumento de pacificação social de grande importância em nossa sociedade.
A nova sistemática introduzida pela Lei 13.105/2015, a mediação ganha um papel
fundamental no tratamento dos conflitos, com objetivos não só de desafogar o judiciário,
16
VASCONCELOS, op. cit.
17
Ibidem, p. 61.
238
18
MANUAL DA MEDIAÇÃO JUDICIAL, CNJ, 2016.
19
CABRAL, Trícia Navarro Xavier. A evolução da conciliação e da mediação no Brasil. Revista FONAMEC
- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 368 - 383, maio 2017.
240
20
VANCNCELOS, op. cit.
21
SPENGLER, op. cit.
22
Ibidem, p. 147.
241
23
Idem.
24
SPENGLER, op.cit.
242
envolvem a demanda, sem medo de que tais declarações possam ser utilizadas em outra fase
processual. Assim, por exemplo, é vedado ao mediador ser testemunha ou atuar como
advogado para os mediandos da sessão em que participou como mediador ou membro da
equipe.
Além dos princípios supracitados, a Lei 13.140/2015, é complementar ao Novo
Código de processo Civil no elenco de princípios que norteiam o procedimento da mediação,
dispondo a Lei 13.140/2015, em seu artigo 2º que a mediação será orientada pelos princípios
da imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade,
autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé.
A mediação configura, então, um método mais justo, rápido e eficiente para a solução
das controvérsias, não ensejando a necessidade de submissão da demanda a todas as etapas
do procedimento jurisdicional para tal fim. Essa prática visa atender aos anseios sociais de
uma justiça de fato. O acesso à justiça depende de uma maior abrangência de objetivos e
métodos, em uma constante evolução da ciência jurídica, representando um direito
fundamental de todos.
O papel dos operadores do direito tem uma participação de extrema importância em
uma sociedade onde perpetua-se a cultura do bem e do mal, vencer ou perder, sendo
necessário o pensamento voltado à prática da mediação, como pressuposto para o exercício
de direitos fundamentais inerentes à qualidade de ser humano, detentor de uma dignidade a
ser zelada no individual e coletivo.
A mediação é um mecanismo de cooperação, implementado em uma sociedade
carente de operadores do Direito que objetivem estimular a pacificação social. Nesta
perspectiva, todos os envolvidos no processo de mediação devem estar abertos a novas ideias
ligadas à cooperação para efetivação de direitos.
Todo o processo da mediação deve ser impulsionado pelos seus operadores: juízes,
mediadores, advogados, buscando-se primar pela obtenção de resultados positivos entre os
envolvidos, deixando de lado a lógica do ganha-perde, para de forma consensualizada
resolver o conflito pela lógica do ganha-ganha. Os advogados são sujeitos importantes neste
contexto, e muitas vezes resistem à realização de sessões de mediação por não conhecerem
o método, ficando inseguros por não terem tido a oportunidade ainda de estudar e conviver
com este novo paradigma de cooperação.
243
25
VASCONCELOS, op. Cit., p. 24.
26
SPENGLER, op cit, p.26.
27
CABRAL, op. Cit.
244
28
SPENGLER, op. Cit., p.27.
29
SPENGLER, op. Cit., p.27.
245
CONCLUSÃO
importância, primando-se pelo sigilo total das informações trocadas durante a realização das
sessões de mediação.
Destarte, todos os envolvidos neste processo devem estar abertos a esse novo
instrumento de pacificação social, onde de forma cooperada busca-se a solução adequada ao
conflito a partir de uma construção de comum acordo entre as partes do desfecho ideal para
resolução do problema que causa a controvérsia entre as partes.
Este método, através da promoção do diálogo entre os mediandos, propõe-se a evitar
os desgastes da cultura do ganha-perde, partindo-se para um novo paradoxo que envolve a
concepção do ganha-ganha, onde os mediando não são vistos como adversários. Um dos
principais desafios à mediação é justamente a tradição beligerante introduzida no meio
jurídico, que deverá ser aos poucos transformada em uma cultura voltada ao consenso, de
forma que o cidadão veja em si próprio a solução para o conflito, em uma atitude de
cooperação e abertura ao diálogo, e este estudo buscou demonstrar justamente a importância
da atuação do advogado para contribuir neste processo.
O Estado é o garantidor do acesso à justiça e aplicação das leis, as quais são criadas
baseadas em conflitos cotidianos. Caberia ao indivíduo, então, perceber que suas atitudes
originaram a necessidade da criação de leis, isto é, são as atitudes do próprio indivíduo que
podem eliminar litígios a partir da mudança de comportamento e abertura ao diálogo.
A mediação, por fim, surge em meio a toda a complexidade da sociedade
contemporânea, como uma tentativa inovadora de promover a justiça. Consiste em um
método que tenta enriquecer as relações sociais, que objetiva auxiliar os operadores do
direito na solução de conflitos de forma menos desgastante para as partes.
Assim, sendo o direito uma ciência social, deve estar em constante aperfeiçoamento
para acompanhar o desenvolvimento da sociedade, sendo o Novo Código de Processo Civil
uma novidade do legislador neste sentido. O método da mediação surge como uma nova
possibilidade de solução consensual de controvérsias, tendo como objetivos, além da
agilidade processual e economia de custos, o desenvolvimento humano dos envolvidos,
através de um olhar voltado também a zelar pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
A mediação consolida-se de fato com a Lei nº 13.105/2015 (NCPC), sendo esta o seu
marco regulamentador, estabelecendo-se que as soluções consensuais passem a ser
prioritárias. Contudo, na prática ainda há um caminho a ser trilhado para que se possa
247
usufruir em plenitude o instituto da mediação, porém o primeiro passo fora dado: o estímulo
à prática do método através da previsão legal.
A evolução da aplicação no cotidiano das atividades jurídicas depende muito dos
investimentos financeiros que serão disponibilizados pelo Estado para tal fim, mas também
do empenho dos recursos humanos envolvidos, sendo uma nova mentalidade a ser
implantada e difundida entre os operadores do direito envolvidos neste processo. Além disso,
o desfecho do método sem que haja um acordo, não significa seu fracasso. O procedimento
será produtivo tendo em vista a possibilidade de restabelecimento de comunicação entre as
partes, ou pelo menos uma maior harmonia nesta.
O advogado possui, então, um papel de extrema importância na implantação com
sucesso do mecanismo da mediação, visto que a forma como conduz o desenvolvimento do
conflito trazido pelo cliente, influencia na forma como o cliente irá reagir durante o
desenvolvimento do processo com relação a outra parte. Demonstrar os benefícios deste
mecanismo também é fator importante, assim como não instigar a cultura beligerante da ação
judicial, cuja sentença pode não satisfazer os reais interesses dos envolvidos.
O mecanismo da mediação representa um importante instrumento de política pública
garantidor do acesso à justiça e implementador de estímulo à pacificação social, como uma
fonte primordial de efetivação de direitos. Representa, portanto, um grande avanço no
âmbito jurídico para uma sociedade democrática, e um instrumento de exercício da
cidadania, como uma nova perspectiva de aplicação do direito e concretização da justiça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Andre Gomma de. Manual de mediação judicial. Brasilia: Grupo de pesquisa,
2009.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do direito. 7 ed. São Paulo: Atlas,
2009.
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[da] República Federativa do Brasil, Brasília. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 04
mai. 2018.
248
BRASIL. Lei n 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares
como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm
>. Acesso em: 04 mai. 2018.
MORAIS, Jose Luis Bolzan de, e STRECK, Lenio Luiz. Ciência política e teoria do estado.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo. O que é mediação de conflitos.
São Paulo: Brasiliense, 2007.
SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de conflitos e o novo Código de Processo Civil.
In: SPENGLER, Fabiana Marion; BEDIN, Gilr Antonio. Acesso à justiça, direitos humanos
e mediação. Curitiba: Multideia, 2013.
INTRODUÇÃO
Embora o mundo esteja globalizado, com altas tecnologias à disposição, tais como,
as plataformas digitais, ainda há certos temas em que parece que a sociedade não evoluiu
tanto quanto faz crer. Um exemplo disso é em relação à mulher e o mercado de trabalho.
Apesar do poder público e as entidades promoverem ações de conscientização da
valorização do trabalho da mulher, bem como enfrentamento das desigualdades salariais,
entre outras ações, ainda há uma discrepância significativa no que atinente às oportunidades
entre homens e mulheres.
Um estudo2 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
concluiu que as mulheres ganham menos do que os homens em todas as ocupações
pesquisadas no ensaio, bem como verificou-se que as trabalhadoras ganham, em média,
20.5%, a menos do que os trabalhadores do sexo masculino no Brasil. Essa triste realidade
é ainda pior quando a trabalhadora se torna mãe, haja vista que existe certa barreira ao acesso
aos empregos como se abordará no presente artigo.
1
Advogada, inscrita na OAB/RS 120.542. Pós Graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade
de Santa Cruz do Sul (UNISC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos da Universidade
Luterana do Brasil (Ulbra-Torres). E-mail: cindelgabriele@gmail.com
2
OLIVEIRA, Nielmar. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/pesquisa-do-
ibge-mostra-que-mulher-ganha-menos-em-todas
ocupacoes#:~:text=Um%20estudo%20feito%20pelo%20Instituto,que%20os%20homens%20no%20pa%C3
%ADs.> Acesso em 13 ago de 2020.
250
3
Organização Pan- Americana de Saúde. OPAS BRASIL. Disponível em
<https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875 >
Acesso em 29 de jul de 2020.
4
TEIXEIRA, Lucas Borges. Lockdown: Como Funciona, O que é, Significado e Locais em Que Vale a
Medida. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/faq/lockdown-como-funciona-o-que-e-significado-e-
regras-em-sp-e-mais-cidades.htm>. Acesso em 18 ago de 2020.
251
Boa parte das empresas adotou o regime de teletrabalho para com seus empregados,
notadamente aqueles previstos no grupo de risco5 como os diabéticos, hipertensos e idosos.
Mas não só o grupo de risco que ficou na sua residência, os empregados que tinham filhos
pequenos também tiveram que ser inseridos no rol de quem labora em casa.
No entanto, nem todo o trabalho, propriamente dito, pode ser realizado à distância.
Desta maneira, essa situação tem gerado um impasse perante o empregado e empregador. O
consultor legislativo do Senado Federal Eduardo Módena6, sugeriu que os trabalhadores que
são considerados primordiais e não tem com quem deixar os filhos -eis que as creches e
escolas estão fechadas há meses7 e não se tem qualquer expectativa de retorno das aulas-
negociem com seus empregadores ou busquem com as entidades sindicais uma solução para
este impasse. Na cidade de São Paulo, a prefeitura orientou8 que durante a pandemia
mulheres que tivessem filhos pequenos permanecessem em regime de teletrabalho.
Em solo gaúcho, o juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul/RS, deferiu
uma decisão liminar9 garantindo que uma empregada dos Correios trabalhe de forma remota
enquanto as escolas de educação infantil não retornarem as aulas presenciais. A obreira
possui um filho autista de quatro anos de idade e o pai trabalha como motorista, assim o
genitor não consegue permanecer com o filho.
Infelizmente, há casos em que o trabalho home office e crianças não foi bem visto
pelo empregadores. É o caso da norte-americana Dris Wallace, moradora de San
Diego/Califórnia. Dris foi despedida porque não conseguia manter os filhos em silêncio
5
Grupo de Risco Coronavirus. Equipe Oncoguia. Disponível em:
<http://www.oncoguia.org.br/conteudo/grupos-de-risco/13468/1204/>. Acesso em 13 ago de 2020.
6
Trabalhadores sofrem com falta de creches em tempo de pandemia. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/06/trabalhadores-sofrem-com-falta-de-creches-em-
tempo-de-pandemia>. Acesso em 13 ago de 2020.
7
JUSTINO, Guilherme; Viesseri, Bruna. Indefinição sobre volta às aulas leva creches a fecharem em
definitivo no RS. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-
emprego/noticia/2020/06/indefinicao-sobre-volta-as-aulas-leva-creches-a-fecharem-em-definitivo-no-rs-
ckbii9fza00om015n4bc96ucm.html>.Acesso em 13 ago de 2020.
8
Secretaria Especial de Comunicação. Prefeitura Orienta Mulheres com Filhos Pequenos a
permanecerem em teletrabalho durante pandemia. Disponível em:
<www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeitura-orienta-mulheres-com-filhos-pequenos-a-permanecerem-em-
teletrabalho-durante-pandemia>. Acesso em 30 jul de 2020.
9
MARCA, Maurício Machado. TRT 4ª- Notícias. Disponível em:
<https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/328151>.
252
durante as reuniões online com seu superior. Em sua conta na rede social Instagram, escreveu
que os seus superiores reclamavam do barulho dos seus dois filhos. Constou na publicação10:
Nos últimos 3 meses, trabalhei 24 horas em casa, assistindo minhas duas crianças.
Eu cumpri todos os prazos que eles me pediram, mesmo os irreais. A situação
que eu sofri nos últimos três meses está além de estressante. Como uma empresa
que diz entender e trabalhar de acordo com o cronograma dos pais faz
completamente o oposto em suas ações? Estou devastada. Demorei em dar um
lanche ao meu filho quando ele queria, porque meu chefe precisava que eu
fizesse algo imediatamente. E o que eu recebi em troca? Fui demitida! (sem
negrito no original)
Nenhuma mãe trabalhadora deve ser discriminada, especialmente durante
esse período por não conseguir manter meus filhos quietos em uma ligação
comercial. Estamos em tempos difíceis agora. Esta situação teria sido
temporária. Nenhum de meus clientes tiveram problemas com meus filhos. (sem
negrito no original)
Assim, o cenário atual está bem delicado, caberá aos empregados, empregadores e
os sindicatos tentaram contornar essa circunstância. Todavia, aos trabalhadores no geral, mas
em especial, às trabalhadoras, que estão submetidas ao teletrabalho há outro problema a ser
enfrentado, qual seja: o da dupla jornada.
2 DESAFIOS DA MATERNIDADE
2.1 Dupla Jornada
10
Universa São Paulo. Mulher é demitida após chefes reclamarem de barulho dos filhos em reuniões.
Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/06/mulher-e-demitida-apos-
chefes-reclamarem-de-barulho-dos-filhos-em-reunioes.htm?.>. Acesso em: 18 ago de 2020. .
11
Outras Formas de Trabalho 2018. Disponível em
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101650_informativo.pdf>. Acesso em: 17 ago de 2020.
12
Ibidem.
253
Observa-se, outrossim, que as mulheres trabalham 7,5 horas a mais que os homens
devido à jornada suplementar em casa. No ano de 2015, a jornada total média das mulheres
era de 53,6h enquanto que a dos homens era de 46,10h. No que atine às tarefas não
remuneradas, a proporção se manteve quase inalterada no decorrer dos vinte anos. Deste
modo, 90% do público feminino declara que exerce atividades domésticas ao passo que o
masculino é em torno de 50%13.
Flagrante, então, que as mulheres muito tempo antes da pandemia já trabalham
muitas horas há mais do que os homens, na medida em que tinham seus empregos e após,
chegar em casa, havia o cuidado com a casa e os filhos.
Em diversos lares brasileiros, as mulheres que estão trabalhando em casa e ao mesmo
tempo cuidando dos filhos, estão com dificuldades em conciliar as duas tarefas, se tornando
verdadeiro um desafio. Uma reportagem14 veiculada no jornal El País evidenciou que as
mães estão tendo que fazer verdadeiros “malabarismos” para conseguir laborar e também
auxiliar os filhos. Constou na notícia:
Desde o início de maio, ela trabalha em casa, onde vive com a mãe e a filha,
Manuela, de seis anos. Diariamente, Gabriela interrompe o trabalho às 16h e
retoma às 17h, em acordo com a empresa, para poder acompanhar as aulas online
de Manuela. No resto do tempo, auxilia a filha nas lições de casa, ao mesmo tempo
em que trabalha. “Está sendo uma loucura conciliar tudo.”(sem negrito no
original)
“Estou tendo que me dividir em mil”, diz a advogada Liliane Barbosa, 35, de
Fortaleza, outra capital que lidera casos de pandemia no Brasil. Retornando agora
da licença-maternidade, ela e o marido tiveram de contratar uma babá, que, por
sua vez, passou a dormir na casa da patroa, para evitar o uso do transporte público
e assim não expor a irmã, grávida, com quem vive. (sem negrito no original).
A arquiteta Fernanda tem pensado em negociar com a empresa onde trabalha, no
ramo da construção civil, para poder se dividir entre cuidar da filha, de dois
anos, e seguir trabalhando. A creche onde a criança está matriculada não tem
previsão de volta. Já seu trabalho nunca parou de fato. Acompanho obra,
então parte do meu trabalho é presencial, não tem jeito, diz Até consigo não
ir todos os dias para a obra, e às vezes também recorro à minha mãe para
deixar a minha filha. (sem negrito no original).
Ademais os dados têm evidenciado que antes do advento da pandemia um terço dos
profissionais nunca realizam home office, entre os principais motivos estavam: 33,91% em
13
VERDÉLIO, Andreia. Mulheres trabalham 7,5 horas a mais que homens devido à dupla jornada.
Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/mulheres-trabalham-75-horas-mais-
que-homens-devido-dupla-jornada>. Acesso em 13 ago de 2020.
14
ROSSI, Marina. Retomada econômica ignora mães que precisam ir ao trabalho e não terão escolas para
deixar os filhos. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-04/retomada-economica-ignora-
maes-que-precisam-ir-ao-trabalho-e-nao-terao-escolas-para-deixar-os-filhos.html>. Acesso em: 14 ago de
2020.
254
15
Filippe, Marina. Aliar trabalho e filhos continua mais difícil para mulheres do que homens. Disponível
em: <https://exame.com/carreira/aliar-trabalho-e-filhos-continua-mais-dificil-para-mulheres-do-que-homens/
>. Acesso em 14 ago de 2020.
16
Ibidem.
17 SIMOURA, Jaciele. Casais Adiam o Sonho da Gravidez por Conta do Coronavírus. Disponível em: <
https://tribunaonline.com.br/casais-adiam-o-sonho-da-gravidez-por-conta-do-coronavirus>. Acesso em 14 ago
2020.
18
Exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na
admissão ou permanência no emprego. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm>. Acesso em 14 ago de 2020.
255
b) No que atine às mães que não moravam com companheiro, 43% disseram
que estava sem emprego porque queriam, já 34% não conseguia encontrar
emprego e por fim 23% relatam não ter acesso à escola ou creche23.
19
MOTA, Camilla Veras. Por que ter Filhos Prejudica Mulheres e Favorece Pais no Mercado de
Trabalho. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40940621> Acesso em 19 ago de 2020.
20
The Fatherhood Bonus And The Motherhood Penalty: Parenthoood And The Gender Gap in Pay.
Disponível em:< https://www.thirdway.org/report/the-fatherhood-bonus-and-the-motherhood-penalty-
parenthood-and-the-gender-gap-in-
pay#:~:text=The%20effects%20of%20children%20on,men%20with%20and%20without%20children
>.Acesso em 19 ago de 2020.
21
Ibidem.
22
Ibidem.
23
Ibidem.
24
Ibidem.
256
25
Ibidem.
26
Ibidem.
27
Ibidem.
28
Ibidem.
29
Paternidade o que Muda na Carreia dos Homens que se Tornam Pais. Disponível em:
https://www.trendrecruitment.com/pt/blog/2019/05/paternidade-o-que-muda-na-carreira-dos-homens-que-se-
tornam-pais>. Acesso em 14 ago de 2020.
30
Ser mãe é um plus. Canal Youtube do Temos que falar sobre isso. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5170o6COLLg&t=5s. Acesso 14 ago de 2020.
257
31
Cartilha 6 medidas que Mudam o Jogo da Mulher no Mercado de Trabalho. Disponível em:
<https://filhosnocurriculo.com.br/wpcontent/uploads/2020/07/CARTILHA_FINAL_ABPRH.pdf.>.Acesso
em 17 de ago de 2020.
258
Por sua vez, a empresa Danone com o condão de tornar-se mais inclusiva e diversa,
estabeleceu para 2020 como uma de suas prioridades globais as: atitudes inclusivas,
equidade de gênero e representatividade racional nos cargos de liderança. No Brasil, a
companhia possui 47% dos seus quadros de gerência ocupados por mulheres, isso se deve
aos resultados de várias ações em prol da equidade de gênero33.
Ademais, um estudo34 realizado entre a entidade Filhos no Currículo em parceria com
o Movimento + Mulher 360, concluíram, entre outros, que os filhos agregam no currículo,
pois 98% dos entrevistados desenvolveram, durante a pandemia, alguma habilidade
profissional em decorrência do contato mais próximo com os filhos, os destaques são:
paciência, tolerância, priorização, empatia e criatividade.
Desse modo, é de suma importância que as empresas estejam engajadas para que seus
colaboradores possam exercer a parentalidade de forma plena,sobretudo, a maternidade, sem
receios de serem demitidos em razão do nascimento de um bebê. Não se pode olvidar, que
os primeiros meses de vida da criança são fundamentais para seu desenvolvimento tanto
biológico quanto social.
Assim, é de bom alvitre que os empregadores invistam nessa realidade para que
todos sejam beneficiados, podendo, por exemplo, ser criado um regulamento na empresa, a
32
Ibidem.
33
Jornada de Parentalidade da Danone Incentiva a Carreira de Mulheres que Retornam da Licença-
Maternidade. Disponível em: <https://movimentomulher360.com.br/praticas/jornada-de-parentalidade-da-
danone-incentiva-a-carreira-de-mulheres-que-retornam-da-licenca-maternidade/. >Acesso em: 17 ago de 2020
34
Estudo Filhos no Currículo. Carreira e Filhos podem Caminhar Juntos. Disponível em:
<https://filhosnocurriculo.com.br/downloads/>.Acesso em 17 ago de 2020.
259
fim de evitar atitudes discriminatórias, nos termos do art. 44435 da Consolidação das Leis do
Trabalho.
35
Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm>. Acesso em 17 ago de 2020.
36
LÉPORE, Paulo; PRETI, Bruno Del. Manual de Direitos Humanos.Juspodivm, 2020.
37
Ibidem.
38
A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade
de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas
de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas
medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançado.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm. Acesso em 20 ago de 2020.
260
Dessa forma, visa à convenção assegurar direitos às mulheres, impondo aos Estados
Membros determinações para que as mulheres possam usufruir, em igualdade de condições,
seus direitos tanto políticos quanto civis, além dos sociais, econômicos e culturais. Mister
dizer, igualmente, que na forma do art. 15.239 a mulher tem capacidade jurídica idêntica ao
homem e as mesmas oportunidades para o exercício dessa capacidade.
Com intuito de monitorar os Estados Membros acerca dos direitos tutelados e os
progressos desenvolvidos, criou-se o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra
Mulher, que analisará os relatórios enviados pelos Estados sobre as medidas legislativas,
judiciárias e administrativas que adotaram, a fim de tornar efetivas as determinações da
Convenção40.
Verifica-se desse modo, a relevância do tema – igualdade da mulher- que é grande
importância para toda a sociedade. Assim, todos devem estar envolvidos para que haja a
promoção da igualdade da mulher perante todas as situações que ocorrerem, minimizando,
dessa forma, ao máximo a discriminação.
39
Os Estados-Partes reconhecerão à mulher, em matérias civis, uma capacidade jurídica idêntica do homem e
as mesmas oportunidades para o exercício dessa capacidade. Em particular, reconhecerão à mulher iguais
direitos para firmar contratos e administrar bens e dispensar-lhe-ão um tratamento igual em todas as etapas do
processo nas cortes de justiça e nos tribunais. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm. Acesso em 20 ago de 2020.
40
LÉPORE, Paulo; PRETI, Bruno Del. Manual de Direitos Humanos.Juspodivm, 2020.
261
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
De Universa, São Paulo. Mulher é demitida após chefes reclamaram de barulho dos
filhos em reuniões. Disponível em:
<https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/06/mulher-e-demitida-apos-
chefes-reclamarem-de-barulho-dos-filhos-em-reunioes.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso
em 20 ago de 2020.
Estudo Filhos no Currículo. Carreira e Filhos podem Caminhar Juntos. Disponível em:
<https://filhosnocurriculo.com.br/downloads/>.Acesso em 17 ago de 2020.
Filippe, Marina. Aliar trabalho e filhos continua mais difícil para mulheres do que
homens. Disponível em:< https://exame.com/carreira/aliar-trabalho-e-filhos-continua-
mais-dificil-para-mulheres-do-que-homens/>. Acesso em 14 ago de 2020.
JUSTINO, Guilherme; Viesseri, Bruna. Indefinição sobre Volta às Aulas Leva Creches a
Fecharem em Definitivo no RS. Disponível em:
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volta-as-aulas-leva-creches-a-fecharem-em-definitivo-no-rs-
ckbii9fza00om015n4bc96ucm.html>. Acesso em 13 ago de 2020.
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em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/mulheres-trabalham-75-horas-
mais-que-homens-devido-dupla-jornada>. Acesso em 13 ago de 2020.
ocupacoes#:~:text=Um%20estudo%20feito%20pelo%20Instituto,que%20os%20homens%
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para-deixar-os-filhos.html>. Acesso em: 14 ago de 2020.
Secretaria Especial de Comunicação. Prefeitura Orienta Mulheres com Filhos Pequenos
a permanecerem em teletrabalho durante pandemia. Disponível em:
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permanecerem-em-teletrabalho-durante-pandemia>. Acesso em 30 jul de 2020.
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the-motherhood-penalty-parenthood-and-the-gender-gap-in
pay#:~:text=The%20effects%20of%20children%20on,men%20with%20and%20without%
20children >.Acesso em 19 ago de 2020
1
Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS Moderadora do Grupo de Estudos em Direito
Administrativo da OAB/RS, Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB /RS Pós-Graduada
em Direito do Estado pela FMP Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Uniritter
265
se que um dos motivos pelos quais o Estado teve essa grande força contra o domínio dos
particulares (os senhores feudais) foram os abusos e arbitrariedades a que os vassalos eram
submetidos. Entretanto, a sociedade muda seus costumes, muda seus valores, muda seu
contexto e, muitas vezes o que antes era considerado algo tão normal e tão aceitável; com o
passar dos anos a aceitação de certas medidas vai se modificando, ou mesmo situações em
que se verifica, por vezes, um desequilíbrio forte entre as partes; com o passar do tempo, a
população vai deixando de aceitar tais condições como sendo normais.
É o que vem acontecendo hoje em relação aos contratos administrativo, nas
situações em que verifica-se que várias empresas contratadas pelo Estado através de
licitações possuem não apenas um contrato, mas várias contratações em razão de terem sido
vencedoras em licitações, e por esse fato, terem sido contratadas por mais de um órgão do
Estado. Ocorre que, quando isso acontece e a empresa adjudicada possui muitos funcionários
para pagar (salários, tributos, impostos) e em contrapartida o Estado não lhes paga, acaba
tornando-se insustentável manter a saúde desta empresa em dia sem poder rescindir esse
contrato com a Administração. A saúde da empresa pode ir mal em decorrência de que não
são apenas salários são devidos aos funcionários, mas também às vezes não conseguem nem
pagar ao Estado o recolhimentos de verbas ao FGTS, SEFIP, GEFIP, entre outros encargos
que são exigidos em edital e minuta. Nesses casos, onde o volume de empregados de uma
empresa terceirizada contratada para a prestação de serviços à Administração Pública é
muito grande, suspender a execução contratual, é o único caso de defesa do particular
previsto na lei 8.666/93, para que essa empresa consiga se eximir de dar a contraprestação
vinculada ao contrato, em decorrência de inexecução contratual por de falta de pagamento
ao Erário. Essa suspensão está expressamente prevista no artigo 77, inciso XV, da Lei de
Licitações. Entretanto a rescisão contratual só é autorizada após 90 (noventa) do atraso de
pagamento pelo erário.
Nos termos do art. 77 da lei 8666/93, desde que não haja causas justificadoras para
a inexecução contratual, tais como força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, a
inexecução total ou parcial do contrato pela Administração Pública pode ensejar a sua
rescisão apenas nos casos em que a falta de pagamento ocorra por mais de 90 (noventa) dias.
Neste sentido, o artigo 78 do referido diploma legal elenca os motivos que constituem causas
para a rescisão do contrato por parte do particular e expressamente prevê a inadimplência
266
da Administração Pública por falta de pagamento por prazo superior a 90 (noventa) dias da
data aprazada para o pagamento à empresa.
Assim, estando a Administração Pública em atraso com os pagamentos devidos antes
de 90 (noventa) dias, e não se tratando de situação de calamidade pública, grave perturbação
da ordem interna ou guerra, poderá o particular apenas suspender a execução do contrato.
Apenas após esse prazo é que ele terá o direito de pleitear a sua rescisão.
No que tange à obrigatoriedade de pagamentos aos particulares, ressalte-se que,
conforme entendimento já consolidado pelo STJ, tendo o particular fornecido o objeto ou
prestado o serviço contratado, a Administração Pública tem a obrigação de realizar os
pagamentos devidos, sob pena de enriquecimento ilícito. Tal obrigação persiste, inclusive,
em caso de eventual nulidade do contrato administrativo.
elemento nuclear básico desse tipo de negócio jurídico, segundo a Teoria Geral
dos Contratos2. Conforme lição do professor Caio Mário3 :
2
https://jus.com.br/artigos/52221/a-protecao-do-particular-contratado-diante-da-inadimplencia-contumaz-da-
administracao-publica-no-ambito-dos-contratos-administrativos
3
PEREIRA Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2004
4
https://jus.com.br/artigos/52221/a-protecao-do-particular-contratado-diante-da-inadimplencia-contumaz-da-
administracao-publica-no-ambito-dos-contratos-administrativos
268
5
NOHARA, RENE PATRÍCIA. Direito. Administrativo. 5ª edição. Atualizada e Revista SÃO PAULO.
EDITORA ATlAS S.A. - 2015.
269
6
NOHARA, RENE PATRÍCIA. Direito. Administrativo. 5ª edição. Atualizada e Revista SÃO PAULO.
EDITORA ATlAS S.A. - 2015.
7
http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/bernardo-strobel-guimaraes/inadimplemento-
contratual-por-culpa-da-administracao-o-direito-de-o-particular-rescindir-o-contrato-
independentemente-de-recurso-ao-poder-judiciario
270
8
http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/bernardo-strobel-guimaraes/inadimplemento-contratual-por-
culpa-da-administracao-o-direito-de-o-particular-rescindir-o-contrato-independentemente-de-recurso-ao-
poder-judiciario.
271
DISCRICIONARIEDADE OU VINCULAÇÃO
9
http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/bernardo-strobel-guimaraes/inadimplemento-contratual-por-
culpa-da-administracao-o-direito-de-o-particular-rescindir-o-contrato-independentemente-de-recurso-ao-
poder-judiciario
272
ser afastado sob a invocação de que o particular está obrigado a procurar o Judiciário numa
espécie de solve et repete. Logo, a rescisão amigável prevista na Lei não significa que exista
a opção em rescindir ou não o contrato. Quando a lei fala em conveniência do administrador,
não está criando regra que preveja competência discricionária, mas sim indicando uma
análise que apela à economicidade. Afinal, não há dúvida de que é vantajoso para a
Administração rescindir o vínculo por ato bilateral, de modo a evitar a instalação de um
processo em que ela não tem razão10.
Mais do que isso, percebe-se que qualquer outra solução seria inócua. Isso porque,
no caso em que se admite a resolução em favor do particular, já lhe assiste o direito de
suspender a execução. Fato é que isto significa que a ele é dada a faculdade de despir o
contrato de seus efeitos concretos. Logo, o argumento de que a preservação do vínculo em
caso de inadimplemento se dá em prestígio à ideia de continuidade é contraditório com o
que prescreve a lei, pois ela reconhece o direito de o particular suspender suas obrigações
nas hipóteses nela previstas. Do ponto de vista material, o contrato administrativo ordinário
pode ter sua execução suspensa implementados os prazos previstos na Lei. Tanto é assim
que nos contratos em que se faz presente a nota de continuidade, está clara a obrigação de
manter o serviço no curso do processo (CF. art. 39, Parágrafo único da Lei 8.987/95).
Inclusive, é perfeitamente cabível a tutela mandamental nesse caso para que se reconheça o
direito líquido e certo do particular à rescisão do contrato11.
Acerca dos esclarecimentos acima, verifica-se que a disposição que indica que a
rescisão em favor do particular deve ser feita judicialmente só se aplica nos casos em que a
Administração recusar a incidência dos eventos que conduzem à rescisão e, tendo em vista
o devido processo legal. Ou seja, o Judiciário deve ser chamado para compor os litígios em
que a Administração se recuse a admitir a ocorrência do fato ou negue os efeitos dele
derivados. Jamais, contudo, ela caberá quando for inequívoco o fato do inadimplemento,
pois nessa hipótese a Administração está obrigada a reparar por si só a legalidade e rescindir
o contrato. E, no caso de ter havido razões para rescindir o contrato e o administrador não as
quis reconhecer, o custo da postergação dos direitos do particular deve correr à conta daquele
que optou por conduzir a discussão ao Judiciário de modo indevido.
10
https://jus.com.br/artigos/52221/a-protecao-do-particular-contratado-diante-da-inadimplencia-contumaz-da-
administracao-publica-no-ambito-dos-contratos-administrativos#
11
http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/bernardo-strobel-guimaraes/inadimplemento-c
273
12
http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/bernardo-strobel-guimaraes/inadimplemento-contratual-por-
culpa-da-administracao-o-direito-de-o-particular-rescindir-o-contrato-independentemente-de-recurso-ao-
poder-judiciario
274
Campos, apud Marçal Justen Filho: "a Administração apenas pode realizar um
contrato após cumprir minuciosas formalidades prévias. A Administração tem o dever de
avaliar, previamente, a necessidade da contratação, apurar a existência de recursos
orçamentários e programar desembolsos. Logo, a ausência de recursos efetivos para o
pagamento é um contrassenso injustificável". Conforme se verifica, apesar de cada vez mais
comuns os atrasos nos pagamentos pela Administração Pública, o ordenamento jurídico
brasileiro coloca à disposição do particular uma série de instrumentos para resguardar seus
direitos. Por essa razão, é imprescindível que o particular conheça a fundo seus direitos legais
e contratuais, bem como acompanhe de perto a gestão dos contratos pela Administração
Pública13.
Diante de toda a argumentação trazida à baila, verifica-se que a sociedade e as
ciências jurídicas e sociais são algo dinâmico e que devem acompanhar a evolução do
contexto social sociedade. Em decorrência de um direito social, o Direito ao Trabalho, do
qual inclusive pode-se deduzir que em muitas vezes obtém-se a dignidade da pessoa, o Poder
Legislativo poderia repensar a redação do artigo para prever uma redução de prazo para que
as empresas terceirizadas contratadas para prestação de serviços `Administração pudessem
rescindir seus contratos antes de decorridos 90 (noventa) dias de atraso de seu pagamento,
tendo em vista que smj, há sempre uma possibilidade de que essas empresas não consigam
mais resgatar sua saúde financeira ao suportar atraso tão longo em relação aos pagamentos
devidos podem vir a falir e como consequência ver uma demissão em massa pela empresa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
13
https://jus.com.br/artigos/35659/inadimplencia-da-administracao-publica-em-contrato-originario-de-
procedimento-licitatorio-atualizacao-monetaria-e-juros-moratorios
275
PEREIRA Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao direito civil.
Rio de Janeiro: Forense, 2004
276
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo realizar uma breve reflexão, sob a perspectiva da
legislação portuguesa, acerca do direito à imagem da criança na era do fenômeno sharenting.
Primeiramente, serão explicitadas considerações sobre os motivos que deram ensejo
ao surgimento da expressão sharenting, relacionando-a com as responsabilidades parentais
no ordenamento jurídico português, bem como com o princípio do superior interesse da
criança, previsto na Convenção sobre os Direitos da Criança e na Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia.
Em seguida, serão expostas as normas concernentes ao direito à personalidade e ao
direito à imagem em Portugal. Por fim, se abordará, de forma breve, a problemática
decorrente da divulgação na internet da imagem dos filhos pelos progenitores.
1
Mestranda em Direito das Crianças, Família e Sucessões na Universidade do Minho (Portugal). Advogada,
inscrita na OAB/RS sob o n.º 97.900. Membro da CEDFS e da CEDSG – OAB/RS. E-mail:
daipbarcelos@gmail.com
277
2
SOTTOMAYOR, Maria Clara. Exercício do Poder Paternal – relativamente à pessoa do filho após o divórcio
ou a separação de pessoas e bens. 2.ª ed. Porto: Publicações Universidade Católica, 2003. p. 21/22.
3
DIAS, Cristina. Uma Análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio – Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro. 2.ª
ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 42.
278
4
RODRIGUES, Hugo Manuel Leite. Questões de Particular Importância no Exercício das Responsabilidades
Parentais. 1.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 18.
5
SOTTOMAYOR, Maria Clara. Exercício Conjunto das Responsabilidades Parentais: igualdade ou retorno ao
patriarcado? In: E foram felizes para sempre…? Uma análise crítica do novo regime jurídico do divórcio,
[coord. M.ª Clara Sottomayor e M.ª Teresa Féria de Almeida]. 1.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora/Wolters
Kluwer, 2010. p. 113/114.
6
DIAS, Cristina. Uma Análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio – Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro. 2.ª
ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 42.
7
AMARAL, Jorge Augusto Pais de. Direito da Família e das Sucessões. 5.ª ed. Coimbra: Almedina, 2018. p.
239.
8
BOLIEIRO, Helena; GUERRA, Paulo. A Criança e a Família: uma questão de direito(s) - visão prática dos
principais institutos do direito da família e das crianças e jovens. 2.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. p.
177.
9
DIAS, Cristina. A Criança como Sujeito de Direitos e o Poder de Correcção. In: Julgar, n.º 4. Coimbra, 2008.
p. 90/91.
279
Os direitos da criança também estão previstos no art. 24.º da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia, segundo o qual, as crianças têm direito à proteção e aos
cuidados necessários ao seu bem-estar, podendo exprimir livremente a sua opinião, que será
tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e
maturidade. Dispôs, ainda, que todos os atos relativos às crianças, quer praticados por
entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse
superior da criança.
Nota-se, portanto, que o exercício das responsabilidades parentais está vinculado ao
interesse das crianças, o qual, todavia, não pode ser exercido livremente e de forma arbitrária,
na medida em que a criança deixou de ser considerada como objeto de proteção e passou a
ser vista como sujeito de direitos.
A criança é, nos nossos dias, perspectivada pelo Direito como pessoa, como
verdadeiro sujeito de direito, como titular de direitos fundamentais. A criança
deixou de ser vista como mero sujeito passivo, objecto de decisões de outrem, sem
qualquer capacidade para influenciar a condução da sua vida, e passou a ser vista
como sujeito de direitos, ou seja, como sujeito activo, com uma autonomia
progressiva no exercício dos seus direitos em função da sua idade, maturidade e
desenvolvimento das suas capacidades11.
10
LANÇA, Hugo Cunha. Cartografia dos Direitos das Crianças, Família e Adolescentes. 1.ª ed. Lisboa:
Edições Sílabo, 2018. p. 39.
11
DIAS, Cristina. A Criança como Sujeito de Direitos e o Poder de Correcção. In: Julgar, n.º 4. Coimbra,
2008. p. 93.
280
12
CRUZ, Rossana Martingo. A Criança no (Admirável?) Mundo Novo das Redes Sociais. In: Direito na
Lusofonia. Direito e novas tecnologias. 5.º Congresso Internacional de Direito na Lusofonia. Braga: Escola
de Direito da Universidade do Minho, Centro de Investigação em Justiça e Governação (Jusgov), 2018. p.
455/456.
13
CRUZ, Rossana Martingo. A Divulgação da Imagem do Filho Menor nas Redes Sociais e o Superior
Interesse da Criança. In: Direito e Informação na Sociedade em Rede. Atas do IV Colóquio Luso-Brasileiro
Direito e Informação. Porto, 2016. p. 288/289.
14
SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra: Coimbra
Editora, 1995. p. 401.
15
Ibidem. p. 170.
281
O direito à imagem, por sua vez, encontra previsão no art. 26.º, n.º 1, da Constituição
da República Portuguesa, bem como no art. 79.º do Código Civil, segundo o qual a
divulgação, reprodução e comercialização do retrato de uma pessoa dependerá do seu prévio
consentimento, consoante o n.º 1 do dispositivo. O n.º 2 da norma prevê as hipóteses de
dispensa do consentimento, situação estas em que a notoriedade da pessoa retratada, o cargo
que desempenhe, as exigências de polícia ou de justiça, as finalidades científicas, didáticas
ou culturais justifiquem, ou, ainda, quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de
lugares públicos, na de factos de interesse público ou que haja decorrido publicamente. Já o
n.º 3 veda a divulgação de retratos que possam resultar em prejuízo a honra, reputação ou
simples decoro da pessoa retratada. Logo, conclui-se que a imagem somente poderá ser
divulgada caso inexista o risco de acarretar prejuízos à honra, reputação ou decoro da pessoa
retratada, de modo que, do contrário, sempre se exigirá o consentimento do titular do direito,
consoante o n.º 2 do art. 79.º.
Destaca-se, no ponto, que o direito à imagem acaba por tutelar, em certa
particularidade, o direito à honra. Neste sentido, David Festas esclarece que “o direito à
honra tem um domínio de actuação próprio que transcende a exposição ou publicação do
retrato”, todavia, salienta que “o bem jurídico ʽhonraʼ também é tutelado pelo direito de
imagem”16.
Assim, os detentores das responsabilidades parentais devem ter ciência que a criança
possui certa fragilidade em razão de ter sua estrutura física e moral em formação, devendo
ser ajudada e respeitada pela família. Isso porque as carências na personalidade da criança
podem se tornar atos ilícitos, suscetíveis de responsabilidade civil, que não seriam ilícitos
caso fossem praticados entre adultos, isentos, portanto, de lesão à personalidade específica
da criança, o que torna mais significativos ou mais extensos os respectivos danos17.
Logo, os pais devem se abster de divulgar imagens da criança na web, exceto, nos
casos em que a divulgação seja de interesse da própria criança ou nos quais exista
notoriedade pública que justifique a exposição, nos termos do art. 79.º, n.º 2, do Código Civil
português18.
16
FESTAS, David de Oliveira. Do Conteúdo Patrimonial do Direito à Imagem – contributo para um estudo
do seu aproveitamento consentido inter vivos. Lisboa: Coimbra Editora, 2009. p. 80/81.
17
SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra: Coimbra
Editora, 1995. p. 168/169.
18
Demandas relativas ao tema da ciberproteção das crianças já começaram a surgir nos Tribunais portugueses,
a exemplo dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/09/2014 (processo 431/13.6TTFUN.L1-4),
282
CONCLUSÃO
Conclui-se que falta conscientização dos progenitores sobre os perigos que cercam a
exposição da criança na internet e que deveriam os pais, antes de publicar qualquer imagem
dos filhos na web, ponderar sobre eventual benefício daquela divulgação à criança, titular do
direito à imagem, bem como ter ciência de que o exercício das responsabilidades parentais
não pressupõe o uso indiscriminado da imagem do filho para fins de interesse pessoal.
REFERÊNCIAS
ALCARAZ, Maria Hylma. Reflexões Sobre a Proteção dos Direitos Fundamentais Dentro
do Mundo Digital. In: Direito na Lusofonia. Direito e novas tecnologias. 5.º Congresso
Internacional de Direito na Lusofonia. Braga: Escola de Direito da Universidade do Minho,
Centro de Investigação em Justiça e Governação (Jusgov), 2018.
AMARAL, Jorge Augusto Pais de. Direito da Família e das Sucessões. 5.ª ed. Coimbra:
Almedina, 2018.
CAMPOS, Diogo Leite de; CAMPOS, Mónica Martinez de. Lições de Direito da Família.
3.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017.
CRUZ, Rossana Martingo. A Criança no (Admirável?) Mundo Novo das Redes Sociais. In:
Direito na Lusofonia. Direito e novas tecnologias. 5.º Congresso Internacional de Direito
na Lusofonia. Braga: Escola de Direito da Universidade do Minho, Centro de Investigação
em Justiça e Governação (Jusgov), 2018.
______. A Divulgação da Imagem do Filho Menor nas Redes Sociais e o Superior Interesse
da Criança. In: Direito e Informação na Sociedade em Rede. Atas do IV Colóquio Luso-
Brasileiro Direito e Informação. Porto, 2016. Disponível em:
<https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/47936>. Acesso em: 28 de setembro de
2020.
DIAS, Cristina. A Criança como Sujeito de Direitos e o Poder de Correcção. In: Julgar, n.º
4. Coimbra, 2008.
______. Uma Análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio – Lei n.º 61/2008, de 31 de
outubro. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2009.
LANÇA, Hugo Cunha. Cartografia dos Direitos das Crianças, Família e Adolescentes. 1.ª
ed. Lisboa: Edições Sílabo, 2018.
Resumo: O presente artigo tem por escopo analisar o instituto da herança digital no contexto
social e legislativo. Para isto, foram realizadas pesquisas bibliográficas e descritivas que
permitiram a abordagem social, conceitual e legislativa dos novos tipos de patrimônio com
formato digital. A herança digital já é realidade no mundo e no Brasil, eis que a sociedade se
encontra a cada dia que passa mais webconectada, seja por meio da rotina de trabalho,
estudos, lazer, investimentos, consumo, utilização de plataformas de armazenamentos de
dados, circulação de mensagens instantâneas, entre outros. Ocorre que a produção em massa
de conteúdos digitais tem externado preocupação com o destino dos bens virtuais após a
morte. Com o crescimento das preocupações em torno do tema, é de extrema valia a
intensificação dos debates no ensino e na sociedade brasileira, formada pelos atuais usuários
da internet, para que se permita a solidificação da matéria no direito sucessório e possibilite
a construção de futuras decisões jurídicas uníssonas.
INTRODUÇÃO
1
Advogada (OAB/RS 120.521). Pós-graduanda em Direito Empresarial na Faculdade Verbo Educacional e
Direito Digital e Proteção de Dados na Escola Brasileira de Direito. Graduada em Direito pela Faculdade
CNEC Santo Ângelo (2019). E-mail: daia19971@hotmail.com
286
Neste ínterim, buscasse com o presente artigo discutir o que é a herança digital, a
possibilidade de sucessão universal sobre os bens virtuais, e principalmente, colocar a
sociedade a par das orientações jurídicas sobre o tema.
Desta forma, a construção do presente estudo de natureza teórica valeu-se de técnicas
de pesquisa bibliográfica e descritiva, que possibilitaram o enriquecimento da análise do
tema sob viés qualitativo e quantitativo.
Destarte, o primeiro capítulo do artigo busca realizar uma abordagem histórica e
evolutiva da sociedade e tecnologia, permitindo ao leitor compreender asatuais relações
sociais e de interação, e, notadamente, o meio em que as normas vigentes estão inseridas.
O segundo momento é dedicado a análise do tradicional instituto da herança e dos
aspectos normativos que a caracterizam e futuramente abrigarão a herança digital.
No terceiro ponto de abordagem, o artigo terá por ênfase a análise da herança digital,
a construção de conceitos e o estudo de casos que possibilitaram a ascensão das discussões
na sociedade webconectatada. O estudo do terceiro tópico torna-se de extrema valia, pois
permitirá a compreensão das atuais teses jurídicas brasileiras e de interpretações
internacionais que serão discutidas no último título do artigo.
Desta forma, nas próximas laudas, será o leitor redimensionado a conhecer, inteirar-
se e discutir a herança digital, instituto que abarca o conjunto de bens virtuais produzidos
pelos indivíduos que usufruem dos meios tecnológicos, e que com morte, ficam à mercê das
leis e de seus herdeiros.
Opinar sobre tecnologia até meados do século XX fazia alusão a carros voadores e
robôs na forma humana que somente pessoas com alto poder aquisitivo poderiam ter acesso
no futuro. Contudo, os avanços da nanotecnologia provaram o contrário, e hojea tecnologia
que se encontra incorporada no cotidiano da sociedade é considerada mais avançada que
fazer um carro voar, isto porque, seu uso estreita as barreiras de informação.
A internet surgiu da Arpanet em 1960 nos Estados Unidos da América com o objetivo
de estabelecer troca de ideias e comunicação entre as instituições de ensino. Mas foi na
Guerra Fria que os soldados americanos necessitavam de um sistema inteligente que
proporcionasse a troca de informações entre as tropas, visto que o sistema desenvolvido até
então somente tornava possível à comunicação com redes telefônicas e telegráficas que
poderiam ser desconectadas facilmente pelos adversários.
Desta forma, o sistema utilizado pelaArpanet e que consistia no envio de vários
pacotes de dados pela rede, passou a ser utilizado pelo exército americano que o denominou
de internet. O sucesso da operação foi tão suntuoso que no final da década de 1980 o mesmo
já estava disponível para uso comercial nos Estados Unidos da América, chegando ao Brasil
em 1995.
A partir da chegada da internet no Brasil, pode-se dizer que o século XXI mergulhou
na sociedade da informação. Hoje é difícil encontrar nichos de mercado que não estejam
informatizados, grande parte dos arquivos físicos já foi substituída pela digitalização e
armazenamento virtual, os processos são eletrônicos e a população mundial tem fome por
informação e comunicação.
Patrícia Noll2 explica que é na medida em que a sociedade se conecta que surgempara
a seara jurídica diversos anseios que necessitam de amparo para serem acertados. E, isso
ocorre porque muito embora se trabalhe com ambientes virtuais, a tecnologia implica nos
avanços sociais, sendo primordial que as normas jurídicas acompanhem esta evolução. Caso
assim não fosse, o globo habitaria terras sem leis, e a sociedade estaria estagnadaainda na
Idade Média (séculos V e XV).
2
NOLL, Patrícia. A Lei, o tempo e o direito: uma abordagem da evolução histórica constitucional. Revista
Justiça & História. Revista do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, v.6, n.12,
[2004?], p. 02. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/static/2017/02/Justica-Historia-V6-n12-artigo-1.pdf.
Acesso em: 12 set. 2019.
288
Ocorre que o volume de interações virtuais não tem apenas se restringido a passagem
do físico para o virtual, ou seja, do papel da fotografia impressa para a imagem virtual, do
CD da banda favorita para o formato MP3, das correspondências para mensagens
instantâneas e eletrônicas. Muitos brasileiros têm migrado para o sucesso dos trabalhos
virtuaisna rede mundial de computadores paraalcançar recursos de sustento e acumular
fortunas, como é o caso dosfreelancers, profissionais autônomos que desenvolvem
diferentes tipos de trabalho na internet, osinstagrammers, também conhecidos comodigitais
influencers, pessoas que lançam suas vidas em estratégias de marketing nas mídias digitais
como o Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, TikTok, entre outras.
Através dessa atividade, conquistam milhões de seguidores, exercem influência
sobre o mercado através de marcas e seus posicionamentos, aumentando seus faturamentos
a cada like, parceria ou campanha. O mesmo ocorre com os youtubersque são criadores de
conteúdo junto aos canais noYoutube.
A tecnologia possibilitou ainda aos usuários acender por meio do mercado de
criptomoedas, que consiste em um meio de troca virtual de moedas por intermédio da
tecnologia blockchain, a disponibilização de créditos por meio das carteirasdigitaise a
criação desites de domínio e de e-business.
Ou seja, é indubitável que estes novos mercados têm gerado grandes resultados para
a economia do país, uma vez que impulsionam os setores de consumo. Mas com a chegada
da morte, entram em campo inúmeras indagações sobre o destino dos conteúdos digitais,
principalmente vindos de muitos familiares que se encontram desamparados, sem saber
como lidar com o patrimônio virtual.
Em uma pesquisa3realizada por meio da plataforma Google Forms4com o objetivo
de analisar o conhecimento das pessoas a respeito da herança digital, foi possível
constatarque 83,8% (oitenta e três vírgula oito por cento) dos entrevistados faz uso da
tecnologia para moldar as tarefas diárias, e este mesmo índice sequer possui conhecimento
sobre a existência do instituto da herança digital que trabalha com o destino dos bens digitais
acumulados durante a vida do usuário na internet.
3
A pesquisa foi realizada com 105 (cento e cinco) brasileiros nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e
Goiás.
4
LEVISKI, Daiane Schneider. Pesquisa para produção científica. Disponível em:
https://drive.google.com/open?id=1G1WgxpNtIjgbdt5J15cm5vGrudb23BsA. Acesso em: 24 maio 2020.
289
Não é novidade que as relações familiares sofreram fortes alterações nas últimas
décadas e isto se deve ao fato da evolução das relações sociais.
O direito de herdar está assegurado constitucionalmente no Brasil como uma garantia
fundamental7, contudo, cabe ressaltar que isto nem sempre foi assim.
Fustel de Coulanges8 narra de forma muito detalhista que a partir do momento em
que homem passou a se estruturar em sociedade, cada família construiu seu próprio
5
A pesquisa foi realizada com 323 (trezentos e vinte e três) consumidores brasileiros;
6
MCAFEE. O Valor dos Ativos Digitais. Pesquisa realizada pela McAfee e conduzida por MSI
International. 2012. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20121107035938/http://info.abril.com.br/ftp/Pesquisa-McAfee.pdf. Acesso em:
12 maio 2020.
7
Artigo 5º Constituição Federal - [...]XXX - é garantido o direito de herança;
8
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martins Claret, 2002.
290
patrimônio e religião que denominou de culto familiar, sendo que a maior herança a ser
transmitida era a continuidade do culto por meio dadescendência em linha masculina.
Com o passar dos séculos, percebe-se que o instituto sucessório inicialmente
proposto e inteiramente ligado à religião, sofreu fortíssimas alterações e introduziu maiores
liberalidades em seu meio.
Hoje, o conceito de herança está ligado à transmissão de bens em razão da morte de
seu titular, no entanto, as bases doutrinárias brasileiras carregam em seu cerne os ideais do
modelo econômico adotado que trabalha com o objetivo de zelar pela continuidade da
família e da propriedade. No entanto, mulheres, crianças, filhos oriundos de outras relações
e o próprio nascituro, possuem assegurado o direito de herdar.
Os impasses que antes estavam atrelados à legitimidade para herdar, constituem
minoria dos litígios judiciais e familiares. O que opera hoje e será palco para intensos debates
jurídicos no futuro, consiste na relação de bens que pode ser objeto de transmissão
hereditária.
Para o presente artigo, torna-se necessário o estudo da diferença entre “bens” e
“coisas” para melhor assimilação e compreensão do próximo tópico que enfrentará
diretamente o tema da herança digital.
O “bem”, segundo o doutrinador Cezar Fiúza9 (2004), é definido como aquele
suscetível de apropriação, enquanto que a “coisa” pode sofrer avaliação econômica. Em
contrapartida, outra linha de pensadores consagrados como Sílvio de Salvo
Venosa10,consideram “bens” apenas espécies de “coisas”,tendo em vista que a “coisa” é tudo
aquilo que compreende o universo. Já os “bens” seriam as “coisas” apropriáveis e
valorativas.
Maria Helena Dinizexemplifica muito bem a temática ao dispor sobre os “bens”
excluídos da transmissão, uma vez que éinerente a pessoa quando viva:
[...] não há a transmissão de todos os direitos e de todas as obrigações do autor da
herança, visto que: a) há direitos personalíssimos que se extinguem com a morte,
como o poder familiar, a tutela, a curatela e os direitos políticos; b) há direito e
deveres patrimoniais que não passam aos herdeiros, por serem inerentes à pessoa
do de cujus, como a obrigação de fazer infungível (Código Civil, art. 247); a
empreitada ajusta em consideração à qualidade especial do empreiteiro (Código
Civil, art. 626, in fine); o uso, o usufruto e a habitação [...] 11.
9
FIÚZA, Cezar. Direito Civil: Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 48.
10
VENOSA, de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. v.1. 9ªed. São Paulo: ATLAS, 2009, p. 291.
11
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. v.6, 27ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 54.
291
Outro exemplo a ser citado12 e a exceção, são os direitos autorais protegidos pela Lei
nº 9.610/1998, nestes casos, os autores de obras detém seus direitos autorais por até 70
(setenta) anos depois de sua morte, e caberão os herdeiros receberem os frutos provenientes
dos trabalhos, dada as circunstâncias temporais. Ou seja, a transmissão não ocorre na sua
integralidade em virtude da natureza jurídica que acompanha as criações intelectuais.
Como se percebe, o atual Código Civil regula apenas os bens econômicos que são
suscetíveis de serem herdados, não reconhecendo os bens armazenados virtualmente como
parte do patrimônio do de cujos e que pode ser transmitido aos herdeiros com sua morte.
Dadas às circunstâncias, cogita-se que os avanços sociais já incorporados pela
sociedade tem trazido para o atual ordenamento jurídico uma valoração subjetiva sobre os
bens suscetíveis de herança, isto porque, até então apenas bens corpóreos de cunho
econômico eram do interesse dos herdeiros. Contudo, com a sociedade webconectada
cresceu a necessidade de se herdar patrimônios virtuais compostos por bens afetivos.
Neste diapasão, surge nos ordenamentos jurídicos a chamada herança digital, que
será o objeto de análise no próximo tópico.
12
FARIAS, Cristiano de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Sucessões. v.7. São Paulo: Atlas,
2015, p.07-08. Disponível em:
https://www.academia.edu/35756185/CRISTIANO_CHAVES_Curso_de_Direito_Civil_7_2015_pdf?auto=d
ownload. Acesso em: 22 set. 2020.
13
Artigo 1.784 - Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e
testamentários.
292
a abertura da sucessão, uma vez que não se compreende sucessão, sem o óbito do de cujus,
dado que não há herança de pessoa viva” , conforme descreve Diniz14.
A partilha de bens no Brasil é realizada por meio de duasespécies de
sucessãoinstituídas pelo ordenamento jurídico. A primeira delas é a sucessão testamentária,
que segundo Carlos Roberto Gonçalves15ocorre pela disposição de última vontade do
falecido.
Ressalva-se que havendo herdeiros necessários, o testador apenas poderá dispor pelo
testamento de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio, enquanto a outra metade resta
assegurada aos herdeiros.
Esta espécie de sucessão é pouco utilizada no Brasil em razão dos usos e costumes
da sociedade que tende a adotar a sucessão legítima. Outra razão da pouca difusão dessa
espécie está atrelada aos custos financeiros.
A sucessão legítima é utilizada nos casos de mortes em que não se evidencia registros
testamentários, vigorando para a partilha as disposições do Código Civil.
Gonçalves16complementa: “morrendo, portanto, a pessoa ab intestato, transmite-se a
herança a seus herdeiros legítimos, expressamente indicados na lei (CC, art. 1.82917), de
acordo com uma ordem preferencial, denominada ordem da vocação hereditária”.
Portanto, com o advento da morte, os bens passam a ser transmitidos aos herdeiros
legítimos ou testamentários do de cujos.
Dito isso, o(s) herdeiro(s) possuem pela lei 60 (sessenta) dias18 para interpor a Ação
de Abertura de inventário e Partilha. O descumprimento do prazo acarreta na incidência de
multa a ser paga no momento do pagamento do ITCD (Imposto de Transmissão Causa
Mortis ou Doação).
14
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. v. 06, 29ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 34.
15
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2014, p. 29. Disponível em: https://www.academia.edu/14083750/Direito_Civil_Brasileiro_-_Vol._7_-
_Direito_Das_Sucess%C3%B5es_-_8a_Ed._2014?auto=download. Acesso em: 07 mai. 2020.
16
Ibidem, p. 30.
17
Artigo 1.829 - A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com
o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da
separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao
cônjuge sobrevivente;IV - aos colaterais.
18
Artigo 611 do Código de Processo Civil - O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro
de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo
o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte.
293
Os herdeiros que não queiram optar pelo moroso tramite processual, podem valer-se
da novidade introduzida pelo artigo 610 do Código de Processo Civil19, que permite que o
inventário seja realizado na modalidade administrativa junto a um cartório
extrajudicial.Contudo, o inventário por escritura pública somente é permitido quando todos
os sucessores são capazes, estiverem assistidos e sejam concordes. A não cumulação dos
requisitos enseja a necessidade de processo judicial.
Como se percebe, o Direito Sucessório é uma parte especial do Direito Civil que
regula a substituição do titular dos bens em razão da morte, uma vez que os objetos a serem
transmitidos não são alterados pelo instituto.
O ramo mostra-se muito importante para regular as relações jurídicas, mas assim
como outras áreas do campo do direito, o direito sucessório vem nas últimas décadas
enfrentando grandes mudanças em razão do aperfeiçoamento das relações humanas, e assim,
necessita ser constantemente atualizado.
3 A HERANÇA DIGITAL
No primeiro tópico do artigo, o leitor foi situado no contexto das atuais relações e
pode constatar a ascensão da sociedade webconectada por meio do desenvolvimento de
novos ofícios junto à rede mundial de computadores, a imensidão de arquivos contendo e-
books, playlists de músicas e filmes, aplicativos e games que são comprados virtualmente.
Sem falar em fotos, mensagens eletrônicas, canais, contas virtuais (financeiras e de mídias
sociais), aplicações de criptomoedas, entre outros.
No atual contexto social que reflete as inovações tecnológicas, o direito recebe a
missão de acompanhar tais mudanças e dessa forma regulamentar as novas relações jurídicas
que estão e irão surgir, no entanto, antes da analise legislativa, é de grande valia analisar o
conceito do instituto da herança digital.
No plano internacional as preocupações com a chamada herança digital ganharam
grande destaque no final do ano de 2009, com a morte da norte-americana, Anna Moore
19
Artigo 610 - Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.§1º - Se todos
forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá
documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em
instituições financeiras.§2º - O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas
estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato
notarial.
294
Morin20. Após sofrer um trágico acidente enquanto se deslocava para seu apartamento e ter
sua morte divulgada pela imprensa, passou a receber inúmeras publicações em sua página
da mídia social Facebook, mesmo após algum tempo do acidente. As lembranças de fotos
do acidente e mensagens de carinho começaram a enfadar os familiares e amigos da vítima,
uma vez que os impossibilitava de seguirem suas vidas e esquecer a dor da partida da jovem
recém-casada.
Em 2012, o autor Bruce Willis anunciou que iria processar a Apple a fim de que a
playlist de músicas por ele compradas junto ao iTunes, fosse legalmente transmitida a seus
filhos após sua morte21. Atualmente isto não é possível, uma vez que as faixas compradas
cessam com a morte e não podendo ser transferidas.
No entanto, foi a partir do caso britânico de Becky Palmer22 que o tema herança
digital se expandiu pelo mundo.
Becky era uma jovem com constantes atividades junto à rede mundial de
computadores, em especial as mídias sociais. Durante o estágio final de um tumor cerebral
a jovem perdeu grande parte de seus movimentos e por isso era auxiliada pela sua genitora,
Louise Palmer, nos acessos junto a sua conta do Facebook. Após sua morte, a mãe de Becky
encontrava no acesso a conta o conforto para sua dor, no entanto, de forma automática o
perfil se transformou em um memorial, impossibilitando que a genitora fizesse login. O caso
reuniu contatos com o Facebook, mas Louise apenas obteve explicações sobre a nova
política implantada pela mídia social que transforma os perfis de pessoas já falecidas em
memoriais.
No Brasil os primeiros vestígios de preocupação com tema ocorreram no ano de 2012
com o caso de Juliana Ribeiro Campos23. A jovem faleceu em virtude uma cirurgia e após o
evento, seu perfil da mídia social do Facebook se transformou em um muro de lamentações,
20
SILVA, Melina Paula Ruas. Herança Digital. In: Encontro Toledo de Iniciação Científica. 2015, São Paulo.
Anais do Encontro Toledo de Iniciação Científica Prof. Dr. Sebastião Jorge Chammé do Centro
Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente. São Paulo: Centro Universitário
Antônio Eufrásio de Toledo, 2015, s/p.. Disponível em:
http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/ETIC/article/view/4872/4625. Acesso em: 12 maio 2020.
21
GLOBO. Bruce Willis quer que filhas fiquem com suas MP3’s após morte, diz site. Globo, São Paulo, 2012.
Disponível em: http://g1.globo.com/musica/noticia/2012/09/bruce-willis-quer-que-filhas-fiquem-com-suas-
mp3s-apos-morte-diz-site.html. Acesso em: 12 maio 2020.
22
BRITISH BROADCASTING CORPORATION NEWS BRASIL. Luta de mãe por acesso ao Facebook de
filha morta expõe questão sobre “herança digital”. BBC News Brasil, 2015. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150406_heranca_digital_rm. Acesso em: 12 maio 2020.
23
QUEIROZ, Tatiane. Mãe pede na Justiça que Facebook exclua perfil de filha morta em MS. Globo, Mato
Grosso do Sul, 2013. Disponível em: http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2013/04/mae-pede-na-
justica-que-facebook-exclua-perfil-de-filha-falecida-em-ms.html. Acesso em: 12 maio 2020.
295
tornando o processo de aceitação da morte muito doloroso para a família e amigos. Desta
forma, a família buscou na justiça24 a exclusão do memorial, cujo pedido foi deferido.
Outro caso envolvendo herança digital tramitou na justiça estadual do Estado de
Minas Gerais25 no ano 2017, onde uma mãe buscou autorização judicial para acessar os
dados de uma conta virtual da filha já falecida, no entanto, o pedido foi negado, em razão da
quebra do sigilo das correspondências, comunicações telegráficas, dados e das
comunicações telefônicas26.
Como se percebe, os casos envolvendo o direito digital, em específico, a herança
digital, têm adentrado aos poucos nos litígios judiciais. No entanto, o direito digital assim
como as doutrinas ainda não possui um conceito claro e universal a respeito do instituto, sem
saber ao certo, quais bens seriam passíveis de sucessão por meio da herança digital.
Isto ocorre porque muitas vezes os bens digitais estão atrelados a valores
sentimentais, e, portanto, não entrariam na sucessão em razão da ausência de conteúdo
patrimonial.
Para a parca doutrina, os bens virtuais são classificados em dois grupos: de bens não
valoráveis, compostos por arquivos criados na rede mundial de computadores e que podem
ser colocados à disposição nas cloud computing, como por exemplo, Google Drive,
Microsoft Azure e o Dropbox. E, os bens valoráveis, caracterizados pelos acervos digitais
que podem ter valoração econômica, uma vez que foram comprados por meio de um
provedor de serviços online. Adentram aqui exemplos como e-books, games, softwares,
moedas virtuais, entre outros.
Maria Adriana Danta Virgínio27 lembra que todo conteúdo produzido em meio
virtual e que possui valoração econômica, integra o processo sucessório.Em contrapartida,
aqueles dotados de valor sentimental e sem cotação, não podem ser transmitidos, podendo a
família apenas requerer a sua exclusão do meio público como é o caso das mídias sociais. A
24
Vide Processo nº 0001007-27.2013.8.12.0110 no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul;
25
Vide processo nº 002337592.2017.8.13.0520 no Tribunal de Justiça de Minas Gerais;
26
SANZI, Júlia. Herança digital e direito sucessório. Jornal Valor Econômico, São Paulo, Caderno Legislação
e Tributos E2, v. 19, n. 4571, 2018. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/560381. Acesso
em: 21 maio 2020.
27
VIRGÍNIO apudMARINHO, Hellen Monique Pereira. Uma análise da Herança Digital à luz do Código
Civil. 2019. 40 f. Trabalho de Conclusão (Trabalho de Conclusão do Curso de Direito) – Centro Universitário
de Anápolis (UniEVANGÉLICA), Anápolis, 2019, p. 25. Disponível em:
http://repositorio.aee.edu.br/bitstream/aee/8594/1/TCC%20ALUNA%20HELLEN%20MONIQUE%209%C2
%BA%20PERIODO.pdf. Acesso em: 20 maio 2020.
296
situação pode ser constatada nos casos exemplificativamente citados, e que deram azo às
primeiras noções sobre herança digital.
A fim de dar base a construção, cita-se Virgínio:
Os bens virtuais merecem ser incluídos no conceito de herança, uma vez que
integram o patrimônio do indivíduo. Quanto aos arquivos que possuam valor
econômico, [...], tendo em vista o princípio da patrimonialidade que norteia o
direito das sucessões. Em contrapartida, alguns doutrinadores entendem que os
arquivos que não podem ser avaliados financeiramente, como fotos pessoais,
escritos caseiros e vídeos particulares são excluídos da concepção de espólio. No
entanto, os sucessores podem herdar este material caso haja disposição de última
vontade do de cujus, na hipótese de não existir, os herdeiros não poderão pleitear
judicialmente a posse do referido conteúdo, mas terão o direito de requerer a
exclusão desse acervo, caso esteja disponível ao público em redes sociais, por
exemplo28.
28
VIRGÍNIO apud MARINHO, op. cit., p. 25-26.
297
29
COSTA FILHO apud CARVALHO, Hannah. Herança digital e os conflitos entre a sucessão legítima e os
direitos personalíssimos do de cujus. Revista Jus Navigandi. Teresina, ano 24, n. 5979, 2019, s/p.. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/77707/heranca-digital-e-os-conflitos-entre-a-sucessao-legitima-e-os-direitos-
personalissimos-do-de-cujus. Acesso em: 18 maio 2020.
30
Artigo 1.857 - Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles,
para depois de sua morte.[...]§2º - São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda
que o testador somente a elas se tenha limitado.
298
31
Proposta do artigo 1.791 – A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
32
COSTA FILHO apud CARVALHO, op. cit., s/p.
33
TARTUCE. Flávio. Herança Digital e Sucessão Legítima. primeiras reflexões. Revista Jurídica Luso-
Brasileira. Lisboa, ano 5, n. 1, 2019, p. 873-874. Disponível em:
http://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2019/1/2019_01_0871_0878.pdf. Acesso em: 12 maio 2019.
34
Proposta de parágrafo único - Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos
digitais de titularidade do autor da herança.
299
35
Proposta do artigo 1.797-A - A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que
é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes:I – senhas;II – redes sociais;III –
contas da Internet;IV – qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido.
Proposta do artigo 1.797-B - Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será
transmitida aos herdeiros legítimos.
Proposta do artigo 1.797-C - Cabe ao herdeiro:I - definir o destino das contas do falecido; a) transformá-las em
memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou;b)
apagar todos os dados do usuário ou;c) remover a conta do antigo usuário.
36
Proposta do artigo Art. 10- A - Os provedores de aplicações de internet devem excluir as respectivas contas
de usuários brasileiros mortos imediatamente após a comprovação do óbito. §1º - A exclusão dependerá de
requerimento aos provedores de aplicações de internet, em formulário próprio, do cônjuge, companheiro ou
parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive.§2º -
Mesmo após a exclusão das contas, devem os provedores de aplicações de internet manter armazenados os
dados e registros dessas contas pelo prazo de 1 (um) ano, a partir da data do óbito, ressalvado requerimento
cautelar da autoridade policial ou do Ministério Público de prorrogação, por igual período, da guarda de tais
dados e registros.§3º - As contas em aplicações de internet poderão ser mantidas mesmo após a comprovação
do óbito do seu titular, sempre que essa opção for possibilitada pelo respectivo provedor e caso o cônjuge,
companheiro ou parente do morto indicados no caput deste artigo formule requerimento nesse sentido, no prazo
de um ano a partir do óbito, devendo ser bloqueado o seu gerenciamento por qualquer pessoa, exceto se o
usuário morto tiver deixado autorização expressa indicando quem deva gerenciá-la.
37
Ibidem, p. 876.
38
Ibidem, p. 876.
300
39
KAMMERGERICHT. Tribunal Regional Superior: Sentença contra a mãe queixosa - nenhum acesso dos
pais à conta do Facebook da filha falecida (PM 30/2017).Kammergericht, Berlin, 2017. Disponível em:
http://www.berlin.de/gerichte/presse/pressemitteilungen-der-ordentlichen-
gerichtsbarkeit/2017/pressemitteilung.596076.php. Acesso em: 20 maio 2020.
40
Vide BGH III ZR 183/17;
41
MENDES, Laura Schertel Ferreira; FRITZ, Karina Nunes. Case report: Corte alemã reconhece a
transmissibilidade da herança digital. Revista Direito Público. Porto Alegre, v. 15, n. 85, 2019, p. 194.
Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/3383/pdf. Acesso em:
20 maio 2020.
42
Idem, p. 194.
301
terceiros interlocutores, ao sigilo das comunicações, nem tampouco às regras sobre proteção
de dados pessoais”43.
Embora o tema herança digital esteja mais difundido em outros países, em especial
na Europa e na América do Norte, não se tem registros de regulamentação, e isso se deve,
conforme descreve Mendes e Fritz, a ausência da “cultura de decidir ainda em vida o que
será feito com todo o conteúdo produzido e armazenado nas redes sociais e em outras
plataformas digitais amplamente utilizadas após a morte”44, contudo, sua normatização
poderá ser útil para o deslinde de outras ações e inquéritos, a exemplo, a indenizatória
existente no caso de Berlin.
Em pesquisa45 realizada pode ser constatado que 52,6% (cinquenta e dois vírgula seis
por cento) dos entrevistados veem necessidade do estabelecimento de normas que
regulamentem a herança digital, enquanto que 39% (trinta e nove por cento) acredita ser
indiferente e 4,8% (quatro vírgula oito por cento) não vê necessidade de implantação.
Os dados coletados demostram que há uma reação social em torno da herança digital,
isto porque a composição de 79% (setenta e nove por cento) dos entrevistados compreende
a faixa etária até os 40 (quarenta) anos, ou seja, de indivíduos que estão amplamente
inseridosnos atuais contextos de inovação tecnológica e que tem se preocupado com os
futuros bens digitais que deixarão.
Vale lembrar que o assunto tem grande domínio nas esferas internacionais, tanto é
que existem empresas europeias que vem oferecendo serviços para administração da herança
digital.
O assunto é de extrema valia, carece de emaranhado jurídico e de debates amplos no
seio da educação jurídica, eis que os futuros profissionais que virão e aqueles que estarão
em constante especialização, precisam de nortes para orientar futuros clientes
webconectados.
CONCLUSÃO
43
Idem, p. 194.
44
Idem, p. 190.
45
LEVISKI, Daiane Schneider. Pesquisa para produção científica. Disponível em:
https://drive.google.com/open?id=1G1WgxpNtIjgbdt5J15cm5vGrudb23BsA. Acesso em: 24 maio 2020.
302
sociedade humana que antes apenas tinha acessoa fotografias preto e branco, hoje dispõe de
memórias no acervo digital. O mesmo processo se deu com a digitalização de arquivos,
comércio e bancos de investimentos eletrônicos, mídias sociais e a dissipação dos trabalhos
com foco na interatividade humana.
Ao usufruirdos meios eletrônicos, cada indivíduo produz conteúdos virtuais que com
o evento da morte poderão ter sua titularidade transferida, seja por meio do testamento, que
atinge bens passíveis e não de valoração econômica, como por meio da sucessão legítima.
Lembrando que na última espécie de sucessão, apenas bens virtuais com valoração
econômica podem ser objeto de inventário, enquanto os bens afetivos ou que não são
passiveis de atribuição econômica, não podem ser transmitidos, o que leva muitos familiares
a buscarem na justiça o direito de herdar.
É de extrema valia elucidar que a possibilidade de disposição dos bens virtuais apenas
é possível por meia da interpretação das leis vigentes, uma vez que no ordenamento jurídico
não existem emaranhados que trabalham com a herança digital. Alguns dos projetos que
buscaram regularizar o instituto foram arquivados devido ao amplo debate que se tem a
respeito da violação dos direitos de personalidade do falecido, como de terceiros que poderão
ter sua intimidade abalada.
Neste passo, torna-se extremamente vital que os estudantes das ciências sociais
direcionam novos olhares para os contextos que vem surgindo na sociedade, a exemplo, a
herança digital. Grande parte dos ensinos brasileiros sequer cogita a possibilidade de se
herdar bens virtuais nas matérias de Direito Civil, visto que o Brasil não possui
regulamentação para tanto.
Esta lacuna jurídica causa grande e instável insegurança jurídica naqueles cidadãos
que conhecem o instituto, buscam o usufruir, mas são atingidos por decisões dispares quando
intentam na justiça o direito.
Assim, torna-se crucial a modernização do atual direito sucessório para fins de
garantir a efetividade do direito de herdar elencado na Constituição Federal, sem que se viole
direitos de terceiros e do falecido, mas também para não deteriorar as futuras relações
jurídicas, que com a ascensão da sociedade webconectada só tendem a se virtualizar.
303
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Jorge Chammé do Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente
Prudente. São Paulo: Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo, 2015. Disponível
em: http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/ETIC/article/view/4872/4625.
Acesso em: 12 maio 2020.
VENOSA, de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. v.1. 9ªed. São Paulo: ATLAS, 2009.
306
Daniela Provin1
INTRODUÇÃO
1
Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional. Coordenadora da Comissão Especial de Políticas
Criminais e Segurança Pública da OAB Subseção de Bagé, RS. Secretária do Conselho Comunitário Pró-
Segurança Pública de Bagé, RS
307
em todos os setores da vida, seja ele público ou privado. O advogado promove a defesa dos
direitos individuais e coletivos e mais que isto, desenvolve o fortalecimento da cidadania
em vista de participações efetivas em conselhos comunitários e municipais, colaborando
em ações de natureza educativa e consultiva, promovendo da difusão do conhecimento à
atuação em prol de práticas desportivas e cuidados com a saúde, sempre visando o
aprimoramento da cultura da cidadania, do bem-estar coletivo e do respeito ao Estado.
A ampla gama de alcance desta atividade revela expressivo valor à sua existência e
à sociedade como um todo. Não podendo ser diferente quando o tema é segurança pública,
ainda que o garantidor protagonista seja o Estado.
Com base nesta convicção, é possível perceber que há uma concretude de atos e
ações que merecem destaque e maior fomento, a exemplo da atuação das mulheres
advogadas junto ao setor da segurança pública. E neste viés, muito embora se perceba em
estudos doutrinários e na própria praxis que há uma sutil, mas percebida, atuação feminina
que revela nova faceta da atuação no combate à criminalidade, a qual tem significativo
impacto na concretização do regime democrático e do Estado de Direito, ambos em que
escolhemos viver hoje no Brasil, é possível concebermos que a “mão” da advogada é uma
viabilidade real de impacto transversal sobre as questões de combate à criminalidade e
apoio à segurança pública.
É através da participação feminina na gestão de entidades ligadas à segurança
pública que se observa a concretização de garantias constitucionais e desenvolvimento de
políticas públicas que há muito estavam esquecidas pelos órgãos de execução deste
seguimento, tendo inclusive a visualização de uma atuação objetiva, sem excessivas
concessões e voltada ao pragmatismo, que rende resultados concretos para o incremento
da segurança pública em nosso Estado e Municípios, principalmente.
2
CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Tradução: Marçal Justem Filho. Belo Horizonte: Fórum,
2009 (Coleção Fórum Brasil-França de Direito Público; 1 – pág. 252.
3
“SEGURANÇA PÚBLICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA SOB AS VERTENTES CONTITUCIONAIS” -
Fernanda Mendes Sales Alves, Ana Flavia de Andrade Nogueira Castilho e José Eduardo Lourenço dos Santos
- https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2020/1/2020_01_0981_1004.pdf
309
4
Idem 1, pág. 262.
5
Apud 2, pág. 990.
6
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e
além de Luhmann e Habermas / Marcelo Neves [tradução do autor] - 2ª edição – São Paulo: Martins Fontes,
2008 (Justiça e Direito) – pág. 175.
7
Constituição Federal de 1988 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
310
"o advogado exerce função social, pois ele atende a uma exigência da sociedade.
Basta que considere o seguinte: sem liberdade, não há advogado sem a
intervenção não há ordenamento jurídico e sem este não há condições de vida
para a pessoa humana. Logo, a atuação do advogado é condição imprescindível
para que funcione a justiça. Não resta, pois, a menor dúvida de que o advogado
exerce função social".
Ao cabo dos anos de 1980 a sociedade brasileira vem marcada pela democratização
política que traz importantes pelas mudanças na relação entre polícias e sociedade,
fomentadas pela necessidade de novos modelos de polícias e política, bem como pelos
8
PORTO, Éderson Garin. A função social do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina,
ano 13, n. 1879, 23 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11634. Apud NÓBREGA, Airton
Rocha. A função social do advogado. Revista Jurídica Consulex. V. 5, n 112, p. 56-7, set. 2001. Neste ensaio,
o autor infere sobre a história da profissão da advocacia, ressaltando que foi Tibério o primeiro a ensinar
publicamente a jurisprudência.
311
movimentos sociais. A Segurança Pública, a partir de então, mantém relação ainda fechada
na lógica do direito penal e inserida no círculo da atividade policial, apenas.
Posteriormente, com o advento da Lei n. 11.707, de 19 de junho de 2008, que instituiu
o Programa Nacional de Segurança Pública, assentado sob grandiosos rumores e standarts,
foi criado um plano de enfrentamento aos diversos fatores que implicavam na criminalidade
social, ecoando como uma resposta do Estado ao seu dever de dar/garantir segurança pública
a todos os cidadãos, visando ainda ao comando legal da ressocialização, fenômeno de difícil
conjectura dentro da sociedade em que vivemos.
A novel legislação federal descreveu em seu artigo 2ª seu desiderato: “destina-se a
articular ações de segurança pública para a prevenção, controle e repressão da
criminalidade, estabelecendo políticas sociais e ações de proteção às vítimas”. Criaram-se,
assim, os Gabinetes de Gestões Integradas – GGI, para garantir a participação da sociedade
civil nos projetos do Governo Federal encampados nos Estados e Municípios da Federação.
E foi além, criou o projeto “Mulheres da Paz”, destinado à capacitação de mulheres
socialmente atuantes nas áreas de implementação do plano de segurança pública nacional.
No entanto, mesmo dispendendo vultosos recursos, a crise da segurança pública
permaneceu, ainda mais por recuo de lideranças políticas que se viram atingidas pela opinião
pública quando previram que do apoio governamental aos agentes de segurança e suas
instituições fulminariam muitos de seus eleitores ou apoiadores. Lástima.
Mas a segurança pública faz parte inarredável do rol constitucional dos Direitos
Sociais, já que se relaciona com a incolumidade pessoal e patrimonial dos cidadãos e, por
sua natureza complexa, está a depender da conjunção de múltiplas variáveis [políticas,
econômicas, culturais, orçamentárias, internacionais etc], o que torna evidente que seu
centro de atuação fica deslocado para “um universo maior de sujeitos de direito e cenários
que não exclusivamente o Estado, chamando à colação tanto a Sociedade Civil como o
Mercado para assumirem sua quota de responsabilidade no particular”9 precisa ser
discutida e solucionadas suas mazelas, uma vez que estabilidade da paz e da ordem social
não se faz somente com as legislações, mas com a repressão daqueles que atentam contra
elas.
Já mencionado em outros espaços, são três os grandes temas de debates políticos e
9
LEAL, Rogério Gesta. Condições e Possibilidades Eficaciais dos Direitos Fundamentais Sociais – os
desafios do Poder Judiciário no Brasil. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2009 – pág. 9.
312
Na falta de parâmetros mais modernos sobre como lidar com crime, violência,
manifestações e quaisquer ameaças à ordem social, recorre-se ao discurso de que
o país tem leis lenientes e que é necessário endurecer o tratamento penal. Todavia,
ao fazer isso, as instituições erram no diagnóstico e erram no remédio.
Nosso desafio é adensar politicamente a defesa de que, exatamente, essas são duas
faces complementares de um mesmo processo e que nenhuma delas conseguirá
êxito permanente sem que a outra seja simultaneamente assumida também como
prioridade. Temos que modernizar a arquitetura institucional que organiza as
respostas públicas frente ao crime, à violência e à garantia de direitos”. 10
10
ESTADO, POLÍCIAS E SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL. Renato Sérgio de Lima, Samira Bueno e
Guaracy Mingardi. Rev. direito GV vol.12 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2016.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1808-24322016000100049&script=sci_arttext&tlng=pt
313
11
MULHERES NA POLÍCIA CIVIL: UM OLHAR SOBRE AS RELAÇÕES DE GÊNERO E IDENTIDADE.
Patrícia Augusta Pospichil Chaves Locatelli, Nádia Bruetta, Luana Yara Miolo de Oliveira e Valmírira
Carolina Piccinini. Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 10, n. 14, p. 9-34, jul./dez.2013 Disponível em>
http://seer2fapa.com.br/index.php/arquivo>
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/96847/000915787.pdf?sequence=1
314
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado Democrático de
Direito a partir e além de Luhmann e Habermas / Marcelo Neves [tradução do autor] -
2ª edição – São Paulo: Martins Fontes, 2008 (Justiça e Direito).
PORTO, Éderson Garin. A função social do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-
4862, Teresina, ano 13, n. 1879, 23 ago. 2008. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/11634. Apud NÓBREGA, Airton Rocha. A função social do
advogado. Revista Jurídica Consulex. V. 5, n 112, p. 56-7, set. 2001. Neste ensaio, o autor
infere sobre a história da profissão da advocacia, ressaltando que foi Tibério o primeiro a
ensinar publicamente a jurisprudência.
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo a análise acerca da técnica autocompositiva
da mediação como meio de resolução de conflitos com o fim de diminuir o excessivo número
de demandas no Poder Judiciário, uma vez que o judiciário está em crise, pois existe uma
cultura processual que está enraizada na mente do cidadão brasileiro que é a busca judicial
pelos seus direitos. Diante disso, essa cultura resulta na ineficiência da Jurisdição Civil,
causa um grande inchaço no sistema judiciário brasileiro e coloca em risco a efetividade do
processo o que compromete a cidadania. Na nova sistemática do Código de Processo Civil,
os métodos autocompositivos foram instrumentalizados com a finalidade de possibilitar aos
litigantes a busca de solução das suas divergências, construindo de forma dialogal e
voluntária o objetivo-fim, que é a pacificação social sem necessitar recorrer ao Poder
Judiciário, no qual já está caracterizado pela morosidade e cultura da litigiosidade. Assim,
cresce a importância de analisar o método da mediação para fomentar este meio cooperativo
de pacificação social e uma mudança de paradigma do modelo tradicional de resolução de
conflitos que influenciará o operador do Direito na necessidade de aprofundamento e
conhecimento para a prática cotidiana.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
1
Advogada, inscrita na OAB/RS 102.128; Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo IED – Instituto
Elpídio Donizetti, em parceria com a FEAD – Centro de Gestão Empreendedora. Secretária da Comissão da
Mulher Advogada – Subseção de Tupanciretã/RS – Gestão 2019/2021. E-mail: daniela.antolini@hotmail.com
318
2
BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de Junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de
solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a
Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de Março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º
da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/Lei/L13140.htm>Acesso em: 19 de Agosto de 2020.
3
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2015/Lei/L13105. htm>Acesso em: 19 de Agosto de
2020.
4
SALES, Lília Maia de Moraes. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.354.
320
5
COLOIÁCOVO, Juan Luis; COLOIÁCOVO, Cynthia Alexandra. Negociação, Mediação e Arbitragem:
teoria e prática. Tradução de Adilson Rodrigues Pires. Rio de janeiro: Forense, 1999, p. 71.
6
SOUZA, Zoraide Amaral de. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São
Paulo: LTr, 2004. p. 76.
321
Isto posto, contudo a percepção de que a mediação tem natureza jurídica de contrato,
endente-se que tal natureza não reflete as complexidades da modalidade e que tal adoção
entrega um ideário sensivelmente menor do que realmente representa.
A mediação é firmada na soberania da vontade das partes, instituindo, eliminando ou
transformando direitos, devendo constituir-se de objeto lícito e não defeso em lei, razão pela
qual estão presentes os elementos formadores do contrato, tendo como objeto a conduta
humana, pois seu intuito é a resolução dos conflitos relativos à interação do ser na
sociedade10.
7
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2015/Lei/L13105. htm>Acesso em: 19 de Agosto de
2020.
8
Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios:
I - imparcialidade do mediador;
II - isonomia entre as partes;
III - oralidade;
IV - informalidade;
V - autonomia da vontade das partes;
VI - busca do consenso;
VII - confidencialidade;
VIII - boa-fé.
9
BRAGA NETO, Adolfo. Reflexões sobre conciliação e a mediação de conflitos. In: SALLES, Carlos Alberto
de. (coord.). As grandes transformações do Processo Civil brasileiro: Homenagem ao professor Kazuo
Watanabe. São Paulo: Quartier Latinm, 2009, p. 496.
10
CACHAPUZ, Rosane da Rosa. Mediação nos Conflitos & Direito de Família. 1ª ed., 4ª. Tiragem. Curitiba:
2003. p. 41
322
11
CACHAPUZ, 2003, Op. Cit., p. 147
12
LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Guarda de filhos: os conflitos no exercício do poder familiar. São
Paulo: Atlas, 2008. p. 123.
13
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano. (Coord.). Mediação e
gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2013.
323
p. 6.
14
BARBOSA, Águida Arruda. A clínica do direito. São Paulo: Revista do Advogado, n. 62, mar. 2001. p. 42.
324
15
ANDRIGUI, Fátima Nancy. A arbitragem: solução alternativa de conflitos. p. 32. Disponível em:
<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/29764-29780-1-PB.pdf>.Acesso em: 20 de Agosto
de 2020.
16
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2016. p.
106. (aspas no original)
325
é possível o acesso à Justiça sem recorrer ao Judiciário, os movimentos que buscam dar
maior efetividade ao acesso à Justiça incluem em suas pautas a prática e a multiplicação
de vias alternativas deste acesso. 17
Tendo em vista a crise em experimentada pelo Poder Judiciário, o acesso à Justiça
volta-se a resolver conflitos afastando-se das técnicas adversariais exclusivamente
heterocompositivas, passando a incorporar formas autcompositivas, com a finalidade de
auxiliar na busca da pacificação social. Essa abordagem permite que o acesso à Justiça seja
alcançado por meio de práticas tais como a mediação, que desponta como uma das formas
alternativas de resolução de conflitos, forma autocompositiva e não adversarial, que busca
pacificar a sociedade, oferecendo-se como alternativa à jurisdição civil. 18
O entendimento de que o acesso à Justiça não se dá somente por meio da prestação
jurisdicional foi adotado pelo Conselho Nacional de Justiça, quando este se posicionou de
maneira favorável à utilização de mecanismos de solução alternativa de controvérsias para
dar efetividade ao direito constitucional de acesso à Justiça, buscando alcançar a ordem
jurídica justa, de modo que o acesso à Justiça é abordado em seu aspecto formal e material.
Tal posicionamento está refletido na Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, através
da qual o mencionado Conselho instituiu a “Política Judiciária Nacional de tratamento
adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”.19
Com base em tal premissa, Albuquerque explana:
17
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004. p. 223. Título original: L'età dei Diritti. (itálicos no original).
18
AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial. Brasília/DF: Ministério da Justiça e
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2013. p. 31.
19
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Resolução n. 125, de 29 de Novembro de 2010. Dispõe
sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder
Judiciário e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/buscaatos-adm?documento=2579>.
Acesso em: 20 de Agosto de 2020.
326
Por outro lado, o tecnicismo jurisdicional rigoroso e imperioso, que avoluma autos e
alimenta uma advocacia litigiosa, volta-se a explorar o conflito ao invés de transformá-lo.
Não garante o acesso à Justiça, garante tão somente o acesso ao Poder Judiciário.
Mecanismos mais simples como a mediação tendem a diminuir essa carga técnica e
rigorosa do conflito, tornando a Justiça mais próxima dos cidadãos, proporcionando maior
participação popular nos assuntos a ela inerentes. Ainda, torna a Justiça célere, pois os
envolvidos, em poucas sessões de curta duração, resolvem seus desentendimentos. É menos
desgastante e onerosa, garante maior privacidade, pois as sessões são particulares, o que
acarreta maior participação dos envolvidos, que se sentem à vontade para expressar seus
sentimentos.20
Neste sentido, Vasconcelos explica:
20
AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial. Brasília/DF: Ministério da Justiça e
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2013. p. 29.
21
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 3. ed. rev. atual.
amp. São Paulo: Método, 2014. p. 80.
22
CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Análise comparativa entre a Lei de Mediação e o Código De Processo
Civil. In: DIDIER JR., Fredie. (Coord. Geral). ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier.
(Coord.) Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada de
conflitos. p. 463-484. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 464.
327
23
TARTUCE, 2016, Op. Cit., p. 343.
24
TARTUCE, 2016, Op. Cit., p. 345
25
GORETTI, Ricardo. Mediação e acesso à Justiça. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 186-189
328
Para entender como pode se dar a interação entre as leis, é preciso analisar a Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: o Decreto-Lei n. 4.657/1942
contempla relevantes critérios de hermenêutica jurídica a serem cotejados pelo
intérprete caso, no momento de aplicação das normas, constate imperfeições.
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja
com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já
existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei
revogadora perdido a vigência.26
A passagem de uma regra mais extensa (que abrange um certo genus) para uma
regra derrogatória menos extensa (que abrange uma species do genus) corresponde
a uma exigência fundamental de Justiça, compreendida como tratamento igual das
pessoas que pertencem à mesma categoria. A passagem da regra geral à regra
especial corresponde a um processo natural de diferenciação das categorias, e a
uma descoberta gradual, por parte do legislador, dessa diferenciação. Verificada
ou descoberta a diferenciação, a persistência na regra geral importaria no
tratamento igual de pessoas que pertencem a categorias diferentes, e, portanto,
numa inJustiça. Nesse processo de gradual especialização, operado por meio de
leis especiais, encontramos uma das regras fundamentais da Justiça, que é a do
suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu). Entende-se, portanto, por que a
lei especial deva prevalecer sobre a geral: ela representa um momento ineliminável
do desenvolvimento de um ordenamento. Bloquear a lei especial frente à geral
significaria paralisar este desenvolvimento.28
Por força da vacatio legis de um ano, o Código de Processo Civil entrou em vigor
em Março de 2016, três meses após o Marco Legal da Mediação, que passou a vigorar em
26
BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Redação dada pela Lei n.12.376/2010. Institui
a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Portal da Presidência da República do Brasil: Legislação.
Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acesso em: 29
de Agosto de 2020.
27
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução às normas de direito brasileiro interpretada. 18. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013. P. 97
28
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon. Prefácio de Celso
Lafer. Apresentação de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. São Paulo: EDIPRO, 2. ed. 2014. p. 97
329
Frente ao exposto, anota-se que nos pontos de antinomia a Lei de Mediação deve
prevalecer sobre o Código de Processo Civil, pois ela é lei posterior, pois embora a sua
vigência tenha iniciado antes do novo ordenamento jurídico, a sua promulgação foi posterior.
A partir da promulgação a norma é valida, encontra-se de acordo com o sistema jurídico, ou
seja, tem existência e validade, e a partir da vigência ela terá eficácia, e que em caso de
conflito, deve prevalecer sobre a geral.30
Outrossim, tais normas precisam serem agregadas e conciliadas, uma vez que a
norma jurídica necessita ser coesivo, e não da para imaginar que no nascedouro das
legislações sobre mediação de conflitos, elas nasçam, contraditoriamente, em desordem, sem
a probabilidade de um colóquio, uma comunicação e uma harmonização entre elas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
29
OZÓRIO NUNES, Antonio Carlos. Manual de mediação: guia prático da autocomposição; guia prático
para conciliadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 51.
30
OZÓRIO NUNES, 2016, Op. Cit., p. 53
330
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Águida Arruda. A clínica do direito. São Paulo: Revista do Advogado, n. 62,
mar. 2001.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004. Título original: L'età dei Diritti.
CACHAPUZ, Rosane da Rosa. Mediação nos Conflitos & Direito de Família. 1ª ed., 4ª.
Tiragem. Curitiba: 2003.
SALES, Lília Maia de Moraes. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey,
2004.
TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Método, 2016.
Danielli Zanini1
1 INTRODUÇÃO
Até hoje, muitas foram as conquistas da mulher na busca pela igualdade de gênero,
se considerarmos um passado não tão distante, quando as mulheres tinham poucos ou
nenhum direito. No entanto, ainda há muito a ser alcançado, principalmente no que diz
respeito a participação da mulher nos espaços de poder e, sobretudo, na política.
Isso porque a mulher precisa se perceber representada nos setores de tomada de
decisão. Nesse viés, ainda que exista legislação de cotas visando garantir uma maior
participação das mulheres no espaço político, o índice de mulheres candidatas e eleitas
permanece baixo, sobretudo no Brasil, se comparado com os demais países da América
Latina, conforme revelam os dados da ONU Mulheres.
1
Advogada, Graduada em Direito pela Unijuí/RS, Pós-Graduada em Relações Internacionais pela Damásio
Educacional – DeVry Internacional, Mestre em Direito, com ênfase em Direitos Humanos, pela Unijuí/RS,
inscrita n OAB/RS 98.161, zanini.danielli@gmail.com.
334
A violência contra a mulher está cada vez mais evidente, como é possível ver
frequentemente nos noticiários. Quase todos os dias assistimos a reportagens sobre mulheres
que foram mortas pelos seus companheiros, violentadas por familiares, entre outras
violências físicas sofridas pelo nosso gênero.
No entanto, quando se fala em violência de gênero, não se trata somente da violência
física, mas sim da violência psicológica, sexual, simbólica, racial e patrimonial e que são
decorrentes de um sistema que perpetua a desigualdade de gênero estruturalmente enraizada.
Nesse sentido, Ceccon e Meneghel propõem a ampliação do conceito de fascismo
social de Boaventura de Sousa Santos para o que chamam de “fascismo de gênero”, visando
incluir no debate também as desigualdades entre os sexos. Para os autores, o fascismo de
gênero é
um regime social que opera no campo ideológico, na imposição de ideias
conservadoras, racistas, misóginas e sexistas, exercido tanto pelo Estado quanto
pela sociedade por meio de dois mecanismos: (a) a exclusão de mulheres negras e
pobres de seus direitos fundamentais; e (b) a violência como mecanismo de
controle. Mantém a linha abissal entre as mulheres que são protegidas e cuidadas
e aquelas cujas vidas são elimináveis, invisíveis e descartáveis.2
2
CECCON, Roger Flores, MENEGHEL, Stela Nazareth. Fascismo de gênero: controle, opressão e exclusão
de mulheres. In: Psicologia Política. Vol 19, nº 46, pg. 449-458, set-dez 2019.
335
3
BRASIL. Senado Federal. Violência afasta mulheres da política, dizem debatedoras. Agência Senado,
2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/05/violencia-afasta-mulheres-
da-politica-dizem-debatedoras>. Acesso em: 26/08/2020.
4
ONU Mulheres Brasil. Violência política atinge mulheres candidatas e eleitas e vulnerabiliza a
democracia, dizem pesquisadoras. 2018. Disponível em:
<http://www.onumulheres.org.br/noticias/violencia-politica-atinge-mulheres-candidatas-e-eleitas-e-
vulnerabiliza-a-democracia-dizem-pesquisadoras/>. Acesso em: 17/08/2020.
5
BRASIL. Senado Federal. Violência afasta mulheres da política, dizem debatedoras. Agência Senado,
2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/05/violencia-afasta-mulheres-
da-politica-dizem-debatedoras>. Acesso em: 26/08/2020.
6
BRASIL. Senado Federal. Violência afasta mulheres da política, dizem debatedoras. Agência Senado,
2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/05/violencia-afasta-mulheres-
da-politica-dizem-debatedoras>. Acesso em: 26/08/2020.
336
O que ela deixou gravado, o que publicou, os discursos que ficaram registrados,
tudo mostra que na Câmara Municipal do Rio de Janeiro atuava como mulher
negra da periferia o tempo todo, um perfil que raramente chega aos espaços de
poder. O assassinato de Marielle não apenas é violência política, carrega os
marcadores de gênero que vitimizam seus pares diariamente pelo mundo 10.
7
BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação para combater violência política contra a mulher é
necessária, dizem debatedoras. Agência Câmara de Notícias, 2020. Disponível em: <
https://www.camara.leg.br/noticias/642670-legislacao-para-combater-violencia-politica-contra-a-mulher-e-
necessaria-dizem-debatedoras/>. Acesso em: 02/08/2020
8
BAYOD, Maíra Calidone Recchia. Violência Política: mais uma face da conhecida violência contra a mulher.
Justificando, 23/09/2019. Disponível em: <http://www.justificando.com/2019/09/23/violencia-politica-mais-
uma-face-da-conhecida-violencia-contra-a-mulher/>. Acesso em: 02/08/2020.
9
BAYOD, Maíra Calidone Recchia. Violência Política: mais uma face da conhecida violência contra a mulher.
Justificando, 23/09/2019. Disponível em: <http://www.justificando.com/2019/09/23/violencia-politica-mais-
uma-face-da-conhecida-violencia-contra-a-mulher/>. Acesso em: 02/08/2020.
10
PORTAL GELEDÉS, O que é violência política de gênero e por que devemos falar sem descanso sobre
ela?, 21/08/2020. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/o-que-e-violencia-politica-de-genero-e-por-
que-devemos-falar-sem-descanso-sobre-ela/>. Acesso em 03/09/2020.
337
Ainda, não há como deixar de falar do papel das fake news como instrumento de
prática da violência política contra a mulher. Nesse ponto, podemos utilizar como exemplo
o caso da Manuela D’Ávila, candidata a vice-presidente da República na eleição de 2018.
Com efeito, durante a campanha de 2018, Manuela D’Ávila foi alvo constante de
machismo, misoginia e fake news, sendo disseminadas montagens, informação falsa e
manipulação de falas da então candidata.
Em entrevista concedida para o jornal Brasil de Fato, ao ser questionada sobre qual
a relevância que as fake news terão quando for contada a história das eleições de 2018, sobre
o que ela aprendeu com tudo o que aconteceu e sobre o papel das mulheres nas futuras
eleições, Manuela salienta o poder das fake news, destacando que
Terão um capítulo especial dedicado ao ódio que eles sentem das mulheres, né?
Porque as fake news são majoritariamente construídas em cima da misoginia.
(...)
espero que a gente tenha claro que o tema das fake news não é algo periférico.
Elas estruturam as opiniões sobre todos os temas na sociedade. Durante as
eleições, apenas 70 postagens que me envolviam foram compartilhadas por 300
mil pessoas, alcançando 13 milhões de brasileiros, em apenas dois dias, para se ter
uma ideia.
(...)
Só acredito em uma realidade melhor se a gente enfrentar a desigualdade. Nossa
desigualdade tem raça, tem gênero. Por isso, fazer valer a voz das mulheres na
próxima eleição e em toda a luta política é o único caminho para reconstruirmos o
Estado, garantirmos seu olhar atento aos mais vulneráveis. Não haverá mudança
sem as mulheres na linha de frente11.
11
REINHOLZ, Fabiana, MARKI, Katia. Só acredito em uma realidade melhor se a gente enfrentar a
desigualdade. Brasil de Fato, 25/05/2020. Disponível em: <https://www.brasildefators.com.br/2020/05/25/so-
acredito-em-uma-realidade-melhor-se-a-gente-enfrentar-a-desigualdade>. Acesso em: 04/09/2020.
338
12
BIROLI, Flávia. Uma mulher foi deposta: sexismo, misoginia e violência política. In: RUBIM, Linda.
ARGOLO, Fernanda. O Golpe na perspectiva de Gênero. (organizadoras). Salvador: Edufba, 2018, p. 75-
84.
13
BRASIL. Senado Federal. Violência afasta mulheres da política, dizem debatedoras. Agência Senado,
2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/05/violencia-afasta-mulheres-
da-politica-dizem-debatedoras>. Acesso em: 26/08/2020.
339
14
GASMAN, Nadine. BIROLI, Flavia. Marielle Franco – democracia, legado e violência contra as
mulheres na política. Nações Unidas Brasil, 16/04/2018. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/artigo-
marielle-franco-democracia-legado-e-violencia-contra-as-mulheres-na-politica/>. Acesso em: 01/08/2020.
15
BAYOD, Maíra Calidone Recchia. Violência Política: mais uma face da conhecida violência contra a
mulher. Justificando, 23/09/2019. Disponível em: <http://www.justificando.com/2019/09/23/violencia-
politica-mais-uma-face-da-conhecida-violencia-contra-a-mulher/>. Acesso em: 02/08/2020.
16
SANTOS, Cristiano Lange dos. FURLANETTO, Claudia Paim. Participação feminina na política. Exame
da Lei nº 12.034/2009 e a previsão de cotas de gênero. In: RIL, Brasília, Vol 56, nº 223, p. 191-211, jul-set.
2019.
340
Portanto, ainda que existam cotas prevendo que uma percentagem das candidaturas
seja ocupada por mulheres, as condições de participação não são as mesmas para ambos os
gêneros, na medida em que o espaço, o investimento e a prioridade dada pelos diretórios
partidários segue sendo diferenciada.
Uma demonstração das dificuldades que as mulheres enfrentam, mesmo após eleitas,
é o fato de que, mesmo que a primeira senadora tenha iniciado o exercício do seu mandato
em 1979, o primeiro banheiro feminino foi instalado no Plenário somente em 2016.19
A desigualdade de gênero na política é evidenciada quando os dados são expostos.
Isso porque, ainda que as mulheres sejam 52% da população brasileira e correspondem a
44% de mulheres filiadas a partidos políticos, não se encontram devidamente representadas
nos Poderes Legislativos, e menos ainda nos Poderes Executivos, já que são 13% de
mulheres eleitas nos Municípios e 3,84% eleitas nos Governos).20
Com efeito, a deputada Talíria Petrone destaca que “quando há entendimento
concreto de que essa violência existe, ela se torna mais materializada e é possível ter
diagnósticos, alternativas para enfrentar esse quadro” e defende que a violência política de
17
BAYOD, Maíra Calidone Recchia. Violência Política: mais uma face da conhecida violência contra a mulher.
Justificando, 23/09/2019. Disponível em: <http://www.justificando.com/2019/09/23/violencia-politica-mais-
uma-face-da-conhecida-violencia-contra-a-mulher/>. Acesso em: 02/08/2020.
18
SANTOS, Cristiano Lange dos. FURLANETTO, Claudia Paim. Participação feminina na política. Exame
da Lei nº 12.034/2009 e a previsão de cotas de gênero. In: RIL, Brasília, Vol 56, nº 223, p. 191-211, jul-set.
2019.
19
BAYOD, Maíra Calidone Recchia. Violência Política: mais uma face da conhecida violência contra a mulher.
Justificando, 23/09/2019. Disponível em: <http://www.justificando.com/2019/09/23/violencia-politica-mais-
uma-face-da-conhecida-violencia-contra-a-mulher/>. Acesso em: 02/08/2020.
20
BRASIL. Senado Federal. Violência afasta mulheres da política, dizem debatedoras. Agência Senado,
2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/05/violencia-afasta-mulheres-
da-politica-dizem-debatedoras>. Acesso em: 26/08/2020.
341
gênero seja tipificada, passando a constar na legislação brasileira, à exemplo do que já existe
em outros países da América Latina, como México, Bolívia e Peru.
Nesse sentido, mesmo que as formas de violência contra a mulher estejam elencadas
no art. 7º da Lei Maria da Penha, não há menção expressa à violência política de gênero,
vejamos:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade
ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir
e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer
método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria. (BRASIL, 2006).
No entanto, ainda que a violência política de gênero não esteja expressa como um
tipo de violência contra a mulher na Lei Maria da Penha, pode-se compreender esse tipo de
violência como uma forma de violação aos direitos das mulheres e sobretudo aos direitos
humanos, na medida em que o próprio legislador, ao editar a Lei nº 13.340/06, incluiu a
expressão “entre outras”, portanto, o artigo não é taxativo, mas exemplificativo, abarcando
outras formas de violência que ali não foram elencadas.
Aliado a isso, importante mencionar que tramita o Projeto de Lei 9699/18 para alterar
a Lei nº 4.737 de 1965 que institui o código eleitoral, estabelecendo a violência política
contra mulheres como crime eleitoral, pendente de apreciação pelo plenário da Câmara dos
Deputados.21
21
BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei PL 9699/2018. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2168798>. Acesso em:
04/09/2020.
342
22
ONU Mulheres Brasil. Brasil 50-50. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/brasil5050/>. Acesso
em 01/09/2020.
23
SPOHR, Alexandre Piffero, MAGLIA, Cristiana, MACHADO, Gabriel, OLIVEIRA, Joana Oliveira de.
Participação Política de Mulheres na Américia Latina: o impacto de cotas e de lista fechada. Estudos
Feministas, Florianópolis, 24(2): 292, maio-agosto/2016.
343
A conclusão do estudo foi de que os países do primeiro grupo, com lista fechada e
cotas para eleições (Argentina, Costa Rica, El Salvador, Guiana e Nicarágua) foram os que
apresentaram os melhores resultados relativamente a participação política das mulheres24.
Considerando as conclusões obtidas no estudo mencionado e, levando em conta que
o Brasil figura no grupo de países com lista aberta e cotas para eleições, uma das medidas
que poderiam ser adotadas seria alterar a forma do sistema eleitoral por meio de uma reforma
política.
Portanto, da análise histórica-legislativa da participação feminina na política,
passando pela legislação de cotas, Lei Maria da Penha e Projeto de Lei para tipificação da
violência política de gênero como crime eleitoral, percebe-se que essa é uma estrada longa
e que ainda estamos no início dessa caminhada, que deve ser trilhada com garra e luta para
garantir a efetiva representatividade da mulher nos espaço de poder.
3 CONCLUSÃO
A violência contra as mulheres é um tema que, cada vez mais, deve ocupar espaço
nas discussões acadêmicas e institucionais, porque ainda há uma enorme desigualdade de
gênero em várias áreas da nossa sociedade, sobretudo no campo político e nos espaços de
poder.
Não há explicação para que as mulheres ocupem cerca de 13% dos cargos políticos
municipais e menos de 4% dos Governos sendo mais da metade da população brasileira.
Esse distanciamento das mulheres dos espaços de poder se dá por muitos motivos,
mas certamente a falta de representatividade e a violência sofrida pelas mulheres que ousam
ocupar esses espaços que historicamente foram dominados por homens são pontos que
influenciam na manutenção da disparidade de gênero.
A violência contra a mulher é histórica e estrutural, e existe com o objetivo de manter
a estrutura dominante, ou seja, a sociedade patriarcal, onde os homens estão no poder e detém
o controle das vidas e dos corpos das mulheres.
Diante disso, observa-se que, ainda que existam leis como a Lei Maria da Penha, que
busca coibir a violência doméstica contra mulheres, a Lei do Feminicídio, que tipifica o
24
SPOHR, Alexandre Piffero, MAGLIA, Cristiana, MACHADO, Gabriel, OLIVEIRA, Joana Oliveira de.
Participação Política de Mulheres na Américia Latina: o impacto de cotas e de lista fechada. Estudos
Feministas, Florianópolis, 24(2): 292, maio-agosto/2016.
344
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação para combater violência política contra a
mulher é necessária, dizem debatedoras. Agência Câmara de Notícias, 2020. Disponível
em: < https://www.camara.leg.br/noticias/642670-legislacao-para-combater-violencia-
politica-contra-a-mulher-e-necessaria-dizem-debatedoras/>. Acesso em: 02/08/2020.
BAYOD, Maíra Calidone Recchia. Violência Política: mais uma face da conhecida violência
contra a mulher. Justificando, 23/09/2019. Disponível em:
<http://www.justificando.com/2019/09/23/violencia-politica-mais-uma-face-da-conhecida-
violencia-contra-a-mulher/>. Acesso em: 02/08/2020.
345
BIROLI, Flávia. Uma mulher foi deposta: sexismo, misoginia e violência política. In:
RUBIM, Linda. ARGOLO, Fernanda. O Golpe na perspectiva de Gênero. (organizadoras).
Salvador: Edufba, 2018, p. 75-84.
PORTAL GELEDÉS, O que é violência política de gênero e por que devemos falar sem
descanso sobre ela?, 21/08/2020. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/o-que-e-
violencia-politica-de-genero-e-por-que-devemos-falar-sem-descanso-sobre-ela/>. Acesso
em 03/09/2020.
Resumo: O presente estudo tem a finalidade realizar uma análise crítica do instituto da união
estável, abordando os requisitos legais para sua configuração e como a jurisprudência, em
especial o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, vem entendendo esses
requisitos. Além disso, em face das consequências sucessórias da união estável e da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº
878.694-MG, apontar os fundamentos e analisar os efeitos jurídicos desse julgado,
enfatizando-se a necessidade da modulação de efeitos da declaração da inconstitucionalidade
do art. 1.790 do Código Civil.
Palavras-chave:
União Estável - requisitos - sucessão - inconstitucionalidade - modulação de efeitos.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho tem como intuito analisar o instituto da união estável, abordando
os requisitos legais e como a jurisprudência, em especial do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, aprecia os requisitos caracterizadores dessa entidade familiar e tendo
em vista as consequências sociais e jurídicas da declaração incidental de
inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, enfrentar os efeitos do RE 878.694-MG
e registrar a imperiosa modulação dos efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade.
A união estável é uma das formas de configuração da família, sendo que a mesma é,
estatisticamente, a maneira mais frequente da formação do eixo familiar, conforme dados do
1
Delma Silveira Ibias, Advogada, Mestre em Direitos Humanos pela UNIRITTER - Centro Universitário
Ritter dos Reis, Especialista em Direito Civil pela UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Especialista em Direito Processual Civil pela ABDPC - Academia Brasileira de Direito Processual Civil, Vice-
Presidente do IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul, Diretora
do IARGS - Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, Ex-Presidente da Comissão da Mulher Advogada
da OAB/RS - Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Rio Grande do Sul, Ex-Conselheira Estadual da
OAB/RS, Julgadora do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RS, Professora de Pós-Graduação do Curso de
Especialização em Direito de Família e Sucessões da PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul; da FMP - Fundação do Ministério Público do RS e da Pós-Graduação em Direito de Família
Contemporâneo e Mediação da FADERGS - Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul e autora
de artigos em obras jurídicas de Direito de Família e Sucessões e outros. Endereço eletrônico:
dibias@outlook.com.br
347
2
Os dados da CENSEC, Central de Dados do Colégio Notarial do Brasil - Conselho Federal (CNB/CF),
entidade que congrega os cartórios de notas, confirmam a percepção comumente compartilhada entre as
pessoas de que os casais estão preferindo se juntara se casar. Os tabelionatos de notas de todo o Brasil
registraram um aumento de 57% no número de formalizações de uniões estáveis de 2011 (87.085) a 2015
(136.941), enquanto os casamentos cresceram aproximadamente 10% no mesmo período, segundo o Sistema
IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), passando de 1.026.736 para 1.131.734 atos realizados. Ver:
Portal do RI. Número de uniões estáveis cresce cinco vezes mais rápido do que o de casamentos. Disponível
em: http://www.portaldori.com.br/2017/02/20/numero-de-unioes-estaveis-cresce-cinco-vezes-mais-rapido-
do-que-o-de-casamentos/ e acesso em 09/10/2017.
3
Mais de um terço dos casais optou por manter uma união estável ao realizar o casamento tradicional.
No Brasil, o número de uniões estáveis já supera a marca de 36,4% do total dos tipos de relacionamentos.
Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que mais de um
terço dos casais optou por manter uma união estável ao realizar o tradicional casamento civil ou religioso.
Ver: Uniões consensuais superam casamento civil e religioso. Disponível em: https://arpen-
sp.jusbrasil.com.br/noticias/127239479/unioes-consensuais-superam-casamento-civil-e-religioso e acesso em
09/10/2017.
4
SILVEIRA, Diego Oliveira da; AGUIAR, Marcelo Santagada. Novas famílias: livre arbítrio e repercussão
social. In: ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello;
FLEISCHMANN, Simone Tassinari Cardoso (Organizadores). Temas do dia a dia no Direito de Família e
das Sucessões. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2017. p. 113.
5
O art. 226 da Constituição Federal de 1988 previu o respeito das diversas entidades familiares, pois a união
estável, a família monorapental, dentre outras, passaram a ser tuteladas pelo ordenamento pátrio, sendo a
família a base da sociedade e merecendo especial proteção do Estado.
6
O significado de FICAR é beijar ou namorar por apenas um momento. Dicionário inFormal da Língua
Portuguesa. Disponível em http://www.dicionarioinformal.com.br/ficar/ e acesso em 10/06/2013.
7
As redes sociais: Instagram, Twitter, Blog`s e, especialmente, o Facebook (www.facebook.com), constituem
uma importante ferramenta de interação entre as pessoas e as relações amorosas não fogem desse contexto,
pois muitos relacionamentos iniciaram com um “Oi” pelo Messenger de uma pessoa interessante, sendo esse
o início para uma conversa virtual e posteriormente para um encontro.
348
feira, sob os olhares protetivos do pai da namorada virou algo do passado, tanto que essa
figura poderia ser reproduzida em um museu para ilustrar a convivência social ultrapassada,
assim como vemos as roupas de época, as quais demonstram algo distante de nós.8
Inclusive, Conrado Paulino da Rosa trouxe para reflexão o tema do iFamily ou
família on line para destacar que as famílias mudaram nas últimas décadas e que a relação
das mesmas com as novas tecnologias fizeram com que os relacionamentos ficassem mais
imediatos e mesmo que isso seja antagônico, também, mais distantes, pois as pessoas se
comunicam pelos meios virtuais ou invés do contato pessoal9.
Nesse viés, pode-se afirmar que atualmente a família mudou10 de uma forma clássica
em que se tinha um pater família e que os relacionamento eram lentos e duradouros para
uma nossa fase de se relacionar afetivamente, sendo o amor esse elo de ligação entre as
pessoas, o qual é formado de maneira rápida e dinâmica11 e que também é dissolvido de uma
forma rápida12 e uma expressiva fatia da população brasileira vive em união estável, sendo
que o “morar junto” virou uma rotina na vida das pessoas e, cada vez mais, a união começa
com prazo reduzido de tempo prévio à união estável.
Inclusive, Silvio de Salvo Venosa aponta que o namoro tradicional desapareceu e que
os freios sexuais do passado não existem mais, consequentemente, que os relacionamentos
amorosos precisam ser interpretados por uma nova perspectiva, cujo entendimento se
reproduz:
Nesta era tecnológica, de comunicações imediatas, conhecimento de centenas de
pessoas no mundo virtual, pressão social e profissional e um sem-número de
normas legais a serem obedecidas, era inevitável que as relações afetivas fossem
afetadas e se transformassem.
8
SILVEIRA, Diego Oliveira da. Namoro e união estável: como diferenciar essas relações? In: IBIAS, Delma
Silveira; SILVEIRA, Diego Oliveira da (Coordenadores). Família e Sucessões sob um Olhar Prático.
Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: IBDFAM/RS: Letra&Vida, 2013. p. 125.
9
ROSA, Conrado Paulino. “iFamily”: Um Novo Conceito de Família? São Paulo: Saraiva, 2013. p. 176.
10
IBIAS, Delma Silveira. Famílias Simultâneas e Efeitos Patrimoniais. In: SOUZA, Ivone Maria Candido
Coelho de (Coordenadora). Família Contemporânea: Uma Visão Interdisciplinar. Coletânea editada pelo
IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
IBDFAM/RS: Letra&Vida, 2011. p. 196/197.
11
SILVEIRA, Diego Oliveira da. Uma Análise Crítica dos Motivos Ensejadores da Alienação Parental e das
formas de Combate dessa Grave Afronta ao Direito Fundamental das Crianças e Adolescentes a uma
Harmoniosa Relação Parental. In: ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria
Busnello (Organizadores). Grandes Temas de Família e Sucessões. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS -
Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2016. p. 190.
12
Inclusive, a Emenda Constitucional 66/2010, oriunda das discussões do IBDFAM - Instituto Brasileiro de
Direito de Família, estabeleceu que o casamento é dissolvido pelo divórcio, acabando com prazos para que se
perfectibilizasse o divórcio do casal e esse importante direito ilustra a rapidez da formação e da dissolução dos
vínculos amorosos.
349
O velho e tradicional namoro, situação prévia para o casamento, que apontava para
um noivado antedecente, desapareceu tal como era algumas décadas atrás. As
velhas regras sociais e freios sexuais do passado não existem mais. As inúmeras
regras que impõem novos deveres sociais, morais e responsabilidade patrimoniais
aos envolvidos em um relacionamento afetivo forçam cada dia mais uma nova
perspectiva nessa área de convivência.13
13
VENOSA, Silvio de Salvo. Contratos afetivos: o temor do amor. In. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord).
Família entre o público e o privado. Obra é formada pelas palestras do VIII Congresso de Direito de Família
promovido pelo IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Magister, 2012. p. 334.
14
O Namoro Qualificado ocorre quando pessoas desejam viver uma vida amorosa, mas sem ter uma vida sob
o mesmo teto e sem dividir o patrimônio, eis que geralmente são pessoas que já possuem filhos e que detém
um patrimônio amealhado durante uma vida, consequentemente, não há a intenção de constituir uma nova
família e isso descaracteriza a união estável. Ver: SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A autonomia de vontade no
direito de família contemporâneo. In. IBIAS, Delma Silveira (coord.). Família e seus desafios: reflexões
pessoais e patrimoniais. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família -
Seção Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Suliani, 2012. p. 11-16.
350
No início deste artigo se apontou que as redes sociais constituem uma rica forma de
relação com outras pessoas e que atualmente as pessoas postam fotos de momentos
românticos, de viagens e da rotina da relação, além de divulgar seu “status” de
relacionamento (solteiro, casado, relacionamento sério e etc.) Será que o “status” de
relacionamento sério no facebook ou será que postagens românticas constituem provas
cabais da existência de uma união estável?
Inclusive, em uma ação declaratória de união estável proposta na 2ª Vara da Família
da Comarca de Belém/PA se reconheceu a existência de uma união estável, em face das
partes publicarem seu relacionamento como sério e em virtude do réu da ação postar que a
autora era a mulher da sua vida e de usar a expressão minha mulher15.
Mas, será que essas circunstâncias são suficientes para configurar uma união estável?
Acredita-se que esse é um ponto muito controvertido e que enseja uma reflexão
crítica de como se dá as relações na sociedade contemporânea e como essas relações devem
ser enquadradas no mundo jurídico.
Então, como os operadores do direito e das áreas interdisciplinares devem interpretar
as informações postadas pelos namorados e/ou companheiros nas redes sociais?
Salienta-se, que a doutrina e a jurisprudência discutem como melhor adequar as
relações amorosas da contemporaneidade ao nosso regramento jurídico, sendo que a
jurisprudência, em especial os julgados do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, o qual é um tribunal vanguardista e constitui uma referência nacional dentro
do Direito de Família, tem sido muito restritiva na configuração da união estável, conforme
será demonstrado no item sobre os requisitos para a caracterização da união estável.
15
Juiz reconhece união estável por causa de “relacionamento sério” no facebook. Blog Enfu. Disponível em:
http://www.enfu.com.br/juiz-reconhece-uniao-estavel-por-causa-do-relacionamento-serio-no-facebook/ e
acesso em 09/10/2017.
16
IBIAS, Delma Silveira. A inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. Disponivel em:
www.revistasimbolo.com.br e acesso em 09/10/2017.
351
Aponta-se que Diego Oliveira da Silveira e Daniella Maria Feliciano dos Santos18
registraram em Abril/2017 que a provável decisão do Supremo Tribunal Federal, ao julgar
o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 878.694-MG, seria pela
inconstitucionalidade integral do art. 1.790 do Código Civil, pois na sessão anterior 07
ministros tinham votado pela inconstitucionalidade da sucessão do companheiro19 e em face
disso, onde a norma inconstitucional possui efeitos ex tunc20, era imperiosa a modulação de
efeitos decorrentes da decisão que gera um overruling21 na jurisprudência pátria, sendo que
a publicação desse acórdão sem que haja a necessária modulação de efeitos, poderia ensejar
a discussão sobre a reabertura de partilhas de inventários que tenham companheiro como
herdeiro ocorridas entre 2003 a 2017, com base na relativização da coisa julgada
inconstitucional22 e isso geraria uma grande insegurança jurídica na nossa sociedade.
17
O acórdão do RE 878.694-MG não foi até a presente data (09/10/2017) publicado e por esse motivo se aponta
a certidão de julgamento e a informação computadorizada deste recurso, as quais estão disponíveis em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4744004 e acesso em
09/10/2017.
18
SILVEIRA, Diego Oliveira da; SANTOS, Daniella Maria Feliciano dos. A inconstitcionalidade do artigo
1.790 do Código Civil e a imperiosa modulação de efeitos da provável decisão do Supremo Tribunal Federal.
In: ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello; FLEISCHMANN,
Simone Tassinari Cardoso (Organizadores). Temas do dia a dia no Direito de Família e das Sucessões.
Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2017. p. 104/107.
19
O Supremo Tribunal Federal é formado por 11 ministros – assim já tinha mais da metade dos votos pela
inconstitucionalidade e não é comum a alteração de votos pelos magistrados da Corte Constitucional.
20
O efeito ex tunc estabelece que os efeitos de um ato ou decisão retornam ao momento da sua edição. Ver:
MATHIAS, Maria Ligia Coelho; Lourenço, José. Efeitos ex tunc e ex nunc na mudança de regime de bens
no casamento e na união estável. RJLB, Ano 2017, nº 01, Pag. 509/544. Disponível em:
http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/rjlb/2017/1/2017_01_0509_0544.pdf e acesso em 25/04/2017.
21
Overruling é a técnica proveniente do Common Law, que designa a modulação de efeitos temporais quando
da alteração de um precedente da Corte, em controle difuso de constitucionalidade. Ver: WAGNITZ, Ana
Beatriz Rocha. O prospective overruling aplicado ao Direito Brasileiro: um estudo à luz da segurança
jurídica. Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/8923/1/2014_AnaBeatrizRochaWagnitz.pdf e
acesso em 25/04/2017.
22
A coisa julgada inconstitucional se verifica quando uma sentença, transitada em julgado, encontra-se
motivada em interpretação ou aplicação de lei tida pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a
352
Poder Judiciário, em especial, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, vem
entendendo os requisitos previstos no art. 1.723 do Código Civil Brasileiro.
26
SILVEIRA, Diego Oliveira da. Namoro e união estável: como diferenciar essas relações? In: IBIAS, Delma
Silveira; SILVEIRA, Diego Oliveira da (Coordenadores). Família e Sucessões sob um Olhar Prático.
Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: IBDFAM/RS: Letra&Vida, 2013. p. 125.
27
Os bons costumes na visão tradicional da sociedade consistem em estabelecer certos e determinados
comportamentos, tais como: a disciplina e a ordem, a pontualidade, a cooperação, o respeito mútuo, a discrição
e a solicitude, denotam aprimoramento educacional, quer seja na família, na escola, na oficina de trabalho, ou
em qualquer outra instituição ou atividade humana. Ver: In. FERREIRA, Ângelo Luis. A ética e os bons
costumes. Disponível em: http://visualdicas.blogspot.com.br/2009/08/etica-e-os-bons-costumes.html e acesso
em 20/06/2017.
28
SILVEIRA, Diego Oliveira da; AGUIAR, Marcelo Santagada. Novas famílias: livre arbítrio e repercussão
social. In: ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello;
FLEISCHMANN, Simone Tassinari Cardoso (Organizadores). Temas do dia a dia no Direito de Família e
das Sucessões. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2017. p. 113.
29
SILVEIRA, Diego Oliveira da. Namoro e união estável: como diferenciar essas relações? In: IBIAS, Delma
Silveira; SILVEIRA, Diego Oliveira da (Coordenadores). Família e Sucessões sob um Olhar Prático.
Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: IBDFAM/RS: Letra&Vida, 2013. p. 126.
30
Embora, não haja um estudo científico que comprove que namorados possam dormir no mesmo quarto na
maior parte das casas brasileiras, isso é um fato que possui notório conhecimento na sociedade. Aliás, isso
354
Pode-se afirmar que as relações amorosas possuem muitas facetas e que podem ser
conceituadas como: “amasso”31, “ficar”32, “rolo”33, “amizade-colorida” 34, namoro35 e
etc... Temos, também, o namoro qualificado36, o qual se assemelha a união estável, contudo,
não possuindo repercussões jurídicas patrimoniais, sucessórias e/ou alimentares.
Enquanto, que a união estável37 possui repercussões patrimoniais, sucessórias e
alimentares para os companheiros da união, pois é uma entidade familiar reconhecida pela
Constituição Federal de 1988 e exige a proteção estatal, conforme aponta Rolf Madaleno38
no seu Curso de Direito de Família.
Frisa-se, também, que o concubinato é um tema que foge à área “cinzenta” entre o
namoro e a união estável39 e por isso, mister analisar só a união estável, sendo essa uma
temática para outro artigo.
ocorre porque a sociedade mudou seus valores e, especialmente, porque os pais preferem que os filhos fiquem
namorando em casa, ao invés de ficar namorando na rua e sujeitos a sofrer com a violência.
31
Dar um AMASSO é beijar e ficar apalpando o corpo do parceiro. Como pode-se concluir da frase: “Ele ficou
só no amasso com ela, não fez mais nada”. Dicionário inFormal da língua portuguesa. Disponível em
http://www.dicionarioinformal.com.br/amasso/ e acesso em 10/06/2013.
32
O significado de FICAR é beijar ou namorar por apenas um momento. Veja a seguinte afirmativa: “Ontem
a noite eu fiquei com a menina mais bonita da festa.” Dicionário inFormal da língua portuguesa. Disponível
em http://www.dicionarioinformal.com.br/ficar/ e acesso em 10/06/2013.
33
O ROLO é um envolvimento de forma informal e sem compromisso. Observe o seguinte exemplo: “Fulano
e Beltrana estão de rolo, apenas isso.” Dicionário inFormal da língua portuguesa. Disponível em
http://www.dicionarioinformal.com.br/rolo/ e acesso em 10/06/2013.
34
A AMIZADE-COLORIDA configura um relacionamento de amizade com instintos sexuais, sem
compromisso de namoro firme ou casamento. Veja a seguinte frase: “Eu e uma amiga temos amizade mútua e
sentimos tesão um pelo outro, mas sem aquele sentimento profundo de amor.” Dicionário inFormal da língua
portuguesa. Disponível em http://www.dicionarioinformal.com.br/amizade-colorida/ e acesso em 10/06/2013.
35
O NAMORO é uma instituição de relacionamento interpessoal não moderna, que tem como função a
experimentação sentimental e/ou sexual entre duas pessoas através da troca de conhecimentos e uma vivência
com um grau de comprometimento inferior à do matrimônio. A grande maioria utiliza o namoro como pré-
condição para o estabelecimento de um noivado ou casamento, definido este último ato antropologicamente
como um o vínculo estabelecido entre duas pessoas mediante o reconhecimento governamental, religioso ou
social. Dicionário inFormal da língua portuguesa. Disponível em
http://www.dicionarioinformal.com.br/namoro/ e acesso em 10/06/2013.
36
O NAMORO QUALIFICADO ocorre quando pessoas desejam viver uma vida amorosa, mas sem ter uma
vida sob o mesmo teto e sem dividir o patrimônio, eis que geralmente são pessoas que já possuem filhos e que
detém um patrimônio amealhado durante uma vida, consequentemente, não há a intenção de constituir uma
nova família e isso descaracteriza a união estável. Ver: SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A autonomia de vontade
no direito de família contemporâneo. In. IBIAS, Delma Silveira (coord.). Família e seus desafios: reflexões
pessoais e patrimoniais. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família -
Seção Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Suliani, 2012. pp. 11-16.
37
A UNIÃO ESTÁVEL é definida pelo art. 1.723 do Código Civil Brasileiro como uma entidade familiar
existente entre homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família.
38
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4ª edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 1.012.
39
SILVEIRA, Diego Oliveira da. Namoro e união estável: como diferenciar essas relações? In: IBIAS, Delma
Silveira; SILVEIRA, Diego Oliveira da (Coordenadores). Família e Sucessões sob um Olhar Prático.
355
Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: IBDFAM/RS: Letra&Vida, 2013. p. 127.
40
Art. 226, § 3º da Constituição Federal de 1988: “Para efeitos da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
41
O art. 1º da Lei nº 8.971/94: “A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente,
divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de 5 (cinco) anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do
disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a
necessidade”.
42
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4ª edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 1.014-1.015.
43
O art. 1º da Lei nº 9.278/96: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
44
OLIVEIRA, Euclides de. União estável, do concubinato ao casamento, antes e depois do novo Código
Civil. 6ª edição. São Paulo: Método, 2003. p. 99.
45
OLIVEIRA, Basílio de. Concubinato, novos rumos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1994. p. 96.
356
especialmente no que tange aos direitos sucessórios e essas diferenças geraram o julgamento
do RE 878.694-MG, o qual será analisado posteriormente.
Mas, antes de analisar as consequências da declaração de inconstitucionalidade do
art. 1.790 do Código Civil de 2002, mister abordar as características da união estável
definidas no art. 1.723 do Código Civil Brasileiro, o qual se enfatiza abaixo e como os
mesmos vem sendo apreciados pela jurisprudência, em especial, do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, diferenciando-se, assim, a união estável de outras relações
amorosas, notadamente, do namoro.
46
Art. 1.723 do Código Civil Brasileiro. Destaca-se, no que pertine a necessidade de diversidade de sexo para
o reconhecimento da união estável, o Supremo Tribunal Federal - STF reconheceu a união estável entre pessoas
do mesmo sexo, através de uma interpretação conforme a constituição deste dispositivo legal. Ver: ADPF nº
132 e ADI nº 4277, Pleno do Supremo Tribunal Federal, Relator Min. Ayres Brito. Ações constitucionais
julgadas em 05/05/2011. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633 e acesso em 10/06/2013.
47
PEREIRA, Sérgio Gischkow. Direito de família: aspectos do casamento, sua eficácia, separação,
divórcio, parentesco, filiação, regime de bens, alimentos, bem de família, união estável, tutela e curatela.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 192.
48
CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 49-
50.
357
Contudo, como identificar nos dias atuais, onde as relações são instantâneas e onde
os namorados vivem finais de semana juntos, frequentam festas como um casal, passam
férias juntos, viajam juntos e etc..., como referido nas considerações iniciais deste artigo e
será que essas relações são caracterizadas como duradouras, contínuas, públicas e possuem
intenção de constituir família? E será que é necessária a coabitação49 para configurar a união
estável?
Embora, a coabitação não seja um requisito legal, a jurisprudência entende que essa
é uma circunstância que deve estar presente para caracterizar a união estável ou a parte deve
ter uma forte explicação para que os companheiros tenham residências separadas.
Assim, compete ao operador do direito reconhecer a união estável quando a ausência
de coabitação estiver justificada por razões de trabalho que exijam o exercício em regiões
geograficamente distantes50.
Mas, voltando à indagação do início do artigo e as relações onde a pessoa permanece
03 ou 04 dias por semana na casa do(a) namorado(a)? Essa relação é um namoro? Ou já
podemos apontá-la como união estável?
Essas perguntas estão intimamente ligadas ao outro requisito que é a intenção de
constituir família e devem ser interpretadas conjuntamente pelos operadores do direito e das
áreas interdisciplinares. E será que a pessoa tem a autonomia da vontade para decidir ter um
namoro ou compete ao Estado estabelecer que a relação que tenha “roupagem” de união
estável seja regulada como união estável?
49
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. EXISTÊNCIA 1. Sem dúvida houve
relacionamento afetivo e íntimo entre o autor e a apelante, havendo filhos comuns nascidos antes do começo
da união estável por ele afirmada na sua petição inicial (de março de 2003 até 20-06-2011). Ao passo que ele
era casado, dizendo ter rompido faticamente o casamento, a apelante assevera que nunca viveram em união
estável, tendo ela outro companheiro, falecido em 2005. Assim, controvertida a alegação de convivência
em união estável e contraditória a própria prova documental, que ora aponta coincidência de endereços dos
litigantes, ora não, ao lado da antagônica prova testemunhal, de tudo resulta que não se extrai de todos os
elementos do processo convencimento seguro e consistente de que o autor e a apelante tiveram convivência
pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família no período alegado.
Especialmente no contexto de o apelado ter se mantido formalmente casado, ganha destaque a necessidade de
ver presente a coabitação, forte elemento caracterizador da ruptura fática do casamento, não se encontrando
nos autos prova absoluta nesse sentido. 2. De modo que, pela importância constitucional conferida às entidades
familiares constituídas por uniões estáveis e suas relevantes sequelas jurídicas, há que se ter redobrada cautela
e efetivo respaldo probatório para, com segurança, declarar que o relacionamento alegado se revestiu de todas
as características necessárias para ser considerada uma entidade familiar constituída pela união estável - só se
reconhecendo a união estável em situações em que esteja palpitante na prova dos autos, nunca em situações
dúbias, contraditórias, ou em que a prova se mostre dividida, como no caso. DERAM PROVIMENTO.
UNÂNIME. (Apelação Cível nº 70072420318, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des.
Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 17/08/2017 - grifo nosso)
50
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da união estável. In. Direito de família e o novo Código Civil. DIAS, Maria
Berenice. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coordenadores). 3ª edição. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 209.
358
Destaca-se, que um(a) namorado(a) pode almejar constituir uma família com a
pessoa amada - namorado(a), mas que no momento tem a intenção de manter um namoro,
pois é importante conhecê-la e vivenciar se ele(a) é a pessoa ideal para passar o resto da vida
e ser pai/mãe de seus filhos. Nesse sentindo Luiz Felipe Brasil Santos defende que a pessoa
deve ter o direito de exercer a autonomia da vontade ao estabelecer seu relacionamento, sob
pena de criarmos um excessivo intervencionismo estatal e de abrir a possibilidade de serem
conferidos efeitos jurídicos não desejados pelos integrantes do relacionamento amoroso51.
Ainda, com relação ao requisito de constituir família, mister tecer mais um
questionamento: será que duraria um namoro onde o(a) namorado(a) não almeja constituir
família, nem que seja no futuro?
Claro que não duraria, pois se a relação estiver nesse patamar, a mesma seria definida
como “ficar”, “rolo”, mero “amasso” e/ou “amizade-colorida” e essas relações não estão
na parte cinzenta entre a relação amorosa sem efeitos jurídicos e a união estável. Inclusive,
no que tange a autonomia da vontade durante a convivência amorosa, um dos integrantes da
relação pode estar querendo um namoro e o outro estar almejando uma união estável.
Se a autonomia da vontade deve ser preservada e a mesma constitui um direito
fundamental como defende Maria Celina Bodin de Moraes ao apontar que o Princípio da
Autonomia da Vontade52 expressa a dignidade da pessoa humana, como harmonizar as
vontades contrastantes?
Nesse sentido Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo P. Rudyk defendem que a
constitucionalidade do direito privado gerou o confronto de direitos fundamentais de forma
horizontal e que o interprete deve sopesar os princípios colidentes e deve aplicar a norma
que concretize a dignidade da pessoa humana53.
51
SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A autonomia de vontade no direito de família contemporâneo. In. IBIAS,
Delma Silveira (coord.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Coletânea editada pelo
IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Suliani,
2012. p. 14.
52
MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e o conteúdo
normativo. In. SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 116-120.
53
FACHIN, Luiz Edson. RUDYK, Carlos Eduardo P. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e o
novo Código Civil: uma análise crítica. In. SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos
Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 100-105.
359
54
JUIZ DA 2ª VARA DE FAMÍLIA DE BELÉM CAPITAL PARAENSE RECONHECEU UNIÃO
ESTÁVEL ATRAVÉS DO STATUS DO FACEBOOK - Tempos modernos!: “O juiz Antonio Nicolau
Barbosa Sobrinho da 2ª Vara de Família da Comarca da capital paraense reconheceu na última sexta-feira
(31/05/13) a união estável de um casal tomando como referência o status do Facebook assumido publicamente
por ambos como “relacionamento sério”. Uma jovem de 23 anos procurou a Justiça para requerer pensão
alimentícia e a divisão de bens após o termino de um namoro de quase dois anos. Tomando como referência
os perfis de ambos nas redes sociais o juiz percebeu que além de se declararem em “relacionamento sério” o
ex-namorado da jovem postou inúmeras fotos dividindo a mesma cama que a jovem e postagens públicas onde
ela era chamada de “minha mulher”. A união estável é o instituto jurídico que estabelece legalmente a
convivência entre duas pessoas sem que seja necessária a celebração do casamento civil. É reconhecida como
entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. O juiz fixou pensão alimentícia de R$
900,00 e a divisão do valor de um veículo Celta 2007 adquirido após o começo do relacionamento. O juiz
Antonio Nicolau orienta aos jovens casais que só se declarem em relacionamento sério no caso de existir real
desejo de constituição familiar. Segundo ele “perfis e postagens em redes sociais podem ter o mesmo valor
que uma certidão de casamento””. Blog de Roberta Carrilho. Disponível em: http://robertacarrilho-
div.blogspot.com.br/2013/06/juiz-antonio-nicolau-barbosa-sobrinho.html. Acesso em 10/06/2017.
55
O Novo Código de Processo Civil regula os meios de prova nos seus arts. 369 a 484.
360
56
O art. 884 do Código Civil Brasileiro estabelece a vedação ao enriquecimento sem causa nos seguintes
termos: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente
auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
57
Apelação Cível nº 70073865297, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Rui
Portanova, Redator: Ricardo Moreira Lins Pastl, julgada em 05/10/2017 - grifo nosso.
361
Portanto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul vem exigindo prova
robusta para que seja configurada a relação como uma união estável, pois se “cada um tem
seu canto” e só passam finais de semana juntos não há uma união estável, pois a vida more
uxório exige o animus de morar junto ou de “juntar as escolas de dentes”, sendo que se não
houver essa situação não se constitui uma união estável, exceto se houver uma explicação
para a ausência da coabitação, conforme referido anteriormente.
Sinale-se, também, que embora a legislação não exige (mais – já que no passado era
necessário comprovar 05 anos de relacionamento) um tempo / prazo para a configuração da
união estável, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem
indicado que uniões inferiores a um ano ou com alguns meses não constituem união estável,
como se depreende, exemplificativamente, dos seguintes julgados:
58
Apelação Cível nº 70052417532, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luiz Felipe
Brasil Santos, julgada em 18/04/2013 - grifamos.
362
59
Apelação Cível nº 70073012783, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luiz Felipe
Brasil Santos, julgada em 25/05/2017 - grifamos.
60
Apelação Cível nº 70070909577, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luiz Felipe
Brasil Santos, Julgada em 27/04/2017 - grifo nosso.
363
61
Apelação Cível nº 70073892911, Oitava Câmara Cível,Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luiz Felipe
Brasil Santos, julgada em 28/09/2017 - grifo nosso.
62
Apelação Cível nº 70070975834, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Desª.Sandra
Brisolara Medeiros, julgada em 31/05/2017 - grifamos.
63
Apelação Cível nº 70073843351, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luiz Felipe
Brasil Santos, Julgada em 17/08/2017 - grifo nosso.
364
Sucessão legítima – aquela que decorre da lei, que enuncia a ordem de vocação
hereditária, presumindo a vontade do autor da herança. É também denominada
sucessão ab intstato justamente por inexistir testamento.
64
Apelação Cível nº 70059621193, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luiz Felipe
Brasil Santos, Julgada em 17/07/2014 - grifamos.
65
UNIÃO ESTÁVEL. PRESSUPOSTOS. AFFECTIO MARITALIS. COABITAÇÃO. PUBLICIDADE DA
RELAÇÃO. PROVA. 1. Não constitui união estável o relacionamento entretido sem a intenção clara de
constituir um núcleo familiar. 2. A união estável assemelha-se a um casamento de fato e deve indicar uma
comunhão de vida e de interesses, reclamando não apenas publicidade e estabilidade, mas, sobretudo, um nítido
caráter familiar, evidenciado pela affectio maritalis, que, no caso, não restou comprovado nos autos. Recurso
desprovido. (Apelação Cível nº 70073952764, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des.
Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 27/09/2017).
66
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 4ª Ed. São Paulo: Método, 2014. p. 1341.
67
CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das Sucessões: Inventário e partilha. 4ª ed. Lavras:Unilavras.
2016. p. 401.
365
Neste contexto, relevante esclarecer que o Código prevê uma ordem de vocação
hereditária, no artigo 1.829, que deve ser observada no caso da sucessão legítima. Contudo,
em paralelo, aos herdeiros nomeados no artigo 1.829, há duas espécies de herdeiros, os
necessários, informados no artigo 1.845 do Código Civil, descendentes, ascendentes e
cônjuge e os herdeiros facultativos, companheiro e colaterais até o quarto grau.
metade dos bens comuns que não compõe a herança e sua extensão depende do regime de
bens adotado pelos cônjuges.
Frisa-se, que o inciso I do artigo 1.829 prevê a concorrência do cônjuge sobrevivente
e descedentes na condição de herdeiros, contudo sua redação dá azo a diversas interpretações
doutrinárias e jurisprudenciais, a regra geral é a concorrência, mas há três exceções a esta
regra, a primeira se os cônjuges eram casados no regime da comunhão universal de bens, a
segunda, se casados no regime da separação obrigatória e, por fim, se casados no regime da
comunhão parcial, inexistam bens particulares do autor da herança.
Diante de tantas exceções, Flávio Tartuce didaticamente elenca os regimes em que o
cônjuge herda em concorrência, sendo estes, a comunhão parcial na existência de bens
particulares; na participação final dos aquestos e na separação convencional de bens, em
seguida o autor informa os regimes nos quais o cônjuge não herda em concorrência, quais
sejam, comunhão parcial de bens, quando não há bens particulares do de cuju, separação
obritória de bens e na comunhão universal de bens.68
Por fim, mister destacar que no caso de concorrência com descendentes, o cônjuge
tem direito a mesma cota destinada aos filhos, nunca inferior a um quarto, de acordo com as
disposições do artigo 1.832.69
O entendimento da concorrência do cônjuge com os ascendentes é simplificado
comparado com as previsões do inciso I. Pelo inciso II a sucessão legítima será deferida aos
ascendentes em concorrência com o cônjuge.
Ainda, pelo artigo 1.837 do Código Civil, no caso do cônjuge concorrer com dois
ascendentes de primeiro grau, receberá um terço da herança. No entanto, concorrendo com
um ascendente de primeiro grau caberá ao cônjuge a metade da herança, independentemente,
do regime de bens, diversamente do que ocorre na concorrência do cônjuge com os
descendentes.
O inciso III do artigo 1.829 do Código Civil dispõe que na ausência de descendentes
e ascendentes, a sucessão caberá exclusivamente ao cônjuge, independente do regime de
bens adotado pelo casal.
68
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 4ª Ed. São Paulo: Método, 2014. p. 1378.
69
Art. 1.832 - Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao
dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente
dos herdeiros com que concorrer.
367
70
Art. 1.844 - Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles
renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas
circunscrições, ou à União, quando situada em território federal.
71
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 4ª Ed. São Paulo: Método, 2014. p. 1.393-1.394.
368
Inicialmente, cabe mencionar que, conforme aponta Gisela Hironaka, não havia
previsão de dispositivos reguladores da sucessão na união estável no anteprojeto do Código
Civil, datado ainda de 1972, diante disso, o Senador Nelson Carneiro, utilizando-se das
ideias de Orlando Gomes, apresentou emenda para suprir a lacuna, situação que ensejou a
promulgação de uma nova lei que já nasceu velha72 e não foi capaz de observar os princípios
constitucionais implementados a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988,
especialmente o da dignidade da pessoa humana, igualdade e a proibição do retrocesso
social.
O princípio da dignidade da pessoa humana73 é desrespeitado pelo artigo 1.790 do
Código Civil, a partir do momento em que a família representa o local apropriado para que
os membros da família desenvolvam sua própria dignidade74.
Assim como para toda ordem constitucional, bem como para a manutenção do
próprio Estado de Direito, os Princípios da Igualdade e da Liberdade têm relevância singular
dentro da entidade familiar, ao passo que ao longo dos anos foi capaz de solapar atrocidades
contidas na legislação, à exemplo da distinção entre os filhos havidos dentro e fora do
casamento, bem como a desigualdade entre homem e mulher75.
Quanto as entidades familiares, o princípio da igualdade está presente nas disposições
do artigo 226, §§3º e 4º76, a partir do momento que houve menção de outras espécies de
família além daquela oriunda do casamento, não sendo admitido tratamento, ou até mesmo
que a proteção do Estado ao qual estão todas submetidas, seja realizada de forma a
desprivilegiar alguma das entidades familiares em favor de outras.
Neste aspecto, Fernanda Moreira dos Santos traz relevante esclarecimento:
72
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões Brasileiro: disposições gerais e
sucessão legítima. Disponível em:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:_pPPJKkY4gmcJ:seer.uscs.edu.br/index.php/revista
_direito/article/view/692+&cd=2&hj=pt-BR&ct=clnk&gl=br e acesso em 27/10/2014.
73
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e conforme leciona
THOMÉ a raiz etimológica da palavra “dignidade” deriva do latim dignus e significa aquele que merece estima
e honra. Ver: THOMÉ, Liane Maria Busnello. Dignidade da Pessoa Humana e Mediação Familiar. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 45.
74
BOECHAT DA SILVA, Carlos Henrique, in Livre-Arbítrio versus regime da separação obrigatória de bens,
IN: Família e Sucessões, novos temas e discussões. Coletânea. Organizador ROSA, Conrado Paulino da.
Porto Alegre: Ed. RJR, 2015, p. 499.
75
CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das Famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2015. p. 103-104.
76
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]§ 3º Para efeito da proteção do
Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes.
369
77
SANTOS, Fernanda Moreira. União estável e direitos sucessórios à luz do Direito Civil-Constitucional.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8213/uniao-estavel-e-direitos-sucessorios-a-luz-do-direito-civil-
constitucional e acesso em 09/10/2017.
78
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:
Almedina, 2000. p. 320
79
MARTTA, Camila Victorazzi. O direito de escolha como consequência da autonomia da vontade e o
possível tratamento igualitário na sucessão do cônjuge e do companheiro. In: ROSA, Conrado Paulino da;
IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Organizadores). Novos rumos do Direito de Família
e Sucessões. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2016. p. 410-412.
370
80
A Constituição Federal não equiparou o instituto da união estável ao do casamento, tendo tão somente
reconhecido aquele como entidade familiar (art. 226, § 3º, CF/1988). Dessa forma, é possível verificar que a
legislação civil buscou resguardar, de forma especial, o direito do cônjuge, o qual possui prerrogativas que não
são asseguradas ao companheiro. Sendo assim, o tratamento diferenciado dado pelo Código Civil a esses
institutos, especialmente no tocante ao direito sobre a participação na herança do companheiro ou do cônjuge
falecido, não ofende o princípio da isonomia, mesmo que, em determinados casos, como o dos presentes autos,
possa parecer que o companheiro tenha sido privilegiado. O artigo 1.790 do Código Civil, portanto, é
constitucional, pois não fere o princípio da isonomia. (Recurso 2009.00.2.001862-2, acórdão 355.492 da
Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal de Relatoria do Desembargador Natanael
Caetano).
81
MARTTA, Camila Victorazzi. O direito de escolha como consequência da autonomia da vontade e o
possível tratamento igualitário na sucessão do cônjuge e do companheiro. In: ROSA, Conrado Paulino da;
IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Organizadores). Novos rumos do Direito de Família
e Sucessões. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2016. p. 410-412.
82
TJRS. Incidente de Inconstitucionalidade nº 70029390374. Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, que decidiu pela constitucionalidade do inciso III do polêmico artigo, no qual a maioria dos
Desembargadores acompanharam o voto de divergência proferido pela Desembargadora Maria Isabel de
Azevedo Souza. Julgado em: 09/11/2009.
371
83
Andamento processual do Recurso Extraordinário nº 878.694-MG. Pleno do STF, Relator: Min. Roberto
Barroso. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4744004 e acesso em
09/10/2017.
372
84
O Tribunal, apreciando o tema 809 da Repercussão Geral, por maioria e nos termos do voto do Ministro
Relator, deu provimento ao recurso, para reconhecer de forma incidental a inconstitucionalidade do art. 1.790
do CC/2002 e declarar o direito da recorrente a participar da herança de seu companheiro em conformidade
com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do Código Civil de 2002, vencidos os Ministros Dias Toffoli,
Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que votaram negando provimento ao recurso. Em seguida, o Tribunal,
vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou tese nos seguintes termos: ‘É inconstitucional a distinção de
regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser
aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do
CC/2002’. ...omissis... Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 10.5.2017. Destaca-se, que
o acórdão do RE 878.694-MG não foi até a presente data (09/10/2017) publicado e por esse motivo se aponta
essa certidão, a qual está disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4744004 e acesso em 09/10/2017
- grifamos.
85
ÁVILA, ANA PAULA OLIVEIRA. A MODULAÇÃO DE EFEITOS TEMPORAIS PELO STF NO
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. PORTO ALEGRE: LIVRARIA DO ADVOGADO, 2009. P.
102-105.
86
SILVEIRA, Diego Oliveira da; SANTOS, Daniella Maria Feliciano dos. A inconstitcionalidade do artigo
1.790 do Código Civil e a imperiosa modulação de efeitos da provável decisão do Supremo Tribunal Federal.
In: ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello; FLEISCHMANN,
Simone Tassinari Cardoso (Organizadores). Temas do dia a dia no Direito de Família e das Sucessões.
Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2017. p. 104/107.
87
O efeito ex tunc estabelece que os efeitos de um ato ou decisão retornam ao momento da sua edição. Ver:
MATHIAS, Maria Ligia Coelho; Lourenço, José. Efeitos ex tunc e ex nunc na mudança de regime de bens
no casamento e na união estável. RJLB, Ano 2017, nº 01, Pag. 509/544. Disponível em:
http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/rjlb/2017/1/2017_01_0509_0544.pdf e acesso em 25/04/2017.
373
partilhas de inventários que tenham companheiro como herdeiro ocorridas entre 2003 a 2017
e isso geraria (e gerará) uma grande insegurança jurídica na nossa sociedade.
Como o decisão do STF foi pela inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil
Brasileiro, a Corte Constitucional tornou inconstitucional a norma que regulava a sucessão
do companheiro, desde 10/01/2003, pois a partir da entrada em vigor do Código Civil de
2002 essa previsão passou a ser inconstitucional, eis que a inconstitucionalidade de uma
norma possui, como regra geral, efeitos ex tunc, como referido anteriormente e como esse
julgamento foi realizado em regime de Repercussão Geral, essa decisão possui erga omnes
e efeitos vinculantes.
Reitera-se, que até a presente data não se teve acesso ao inteiro teor da decisão
proferida no RE 878.694-MG, mas o que se depreende da certidão do julgamento realizado
em 10/05/2017 é que não foram modulados os efeitos desse julgado.
Dessa forma, a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil resulta em uma
grave insegurança jurídica e em grande confusão no mundo jurídico, primeiro porque poderá
se rediscutir as partilhas de inventários que tenham companheiro como herdeiro ocorridos
entre os anos de 2003 (morte do autor da herança a partir de 10/01/2003) a 2017, com base
na relativização da coisa julgada inconstitucional89; segundo porque isso poderá afetar atos
88
O acórdão do RE 878.694-MG não foi até a presente data (09/10/2017) publicado e por esse motivo se aponta
a certidão de julgamento deste recurso, aa qual está disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4744004 e acesso em 09/10/2017
- grifamos.
89
A coisa julgada inconstitucional se verifica quando uma sentença, transitada em julgado, encontra-se
motivada em interpretação ou aplicação de lei tida pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a
374
jurídicos perfeitos decorrentes de bens oriundos das partilhas realizadas e terceiro porque
haverá uma multiplicação de demandas nas Varas de Família e Sucessões e/ou nas Varas de
Sucessões para rediscutirem partilhas ou pleitear sobrepartilhas realizadas com base na regra
prevista no art. 1.790 do Código Civil.
Destaca-se, que desde a criação das ações do controle concentrado de
constitucionalidade, o nosso ordenamento jurídico já possuía o efeito erga omnes e a eficácia
vinculante das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal ao realizar o controle
abstrato de constitucionalidade e a súmula vinculante e a repercussão geral foram
introduzidas pela Reforma do Poder Judiciário para estender os efeitos das ações do controle
concentrado de constitucional para o controle difuso90.
Ressalta-se que uma norma é válida a partir do momento em que é produzida em
consonância com os requisitos de validade depositados na norma posterior, havendo
compatibilidade do seu conteúdo com a Constituição e se houver a declaração de
inconstitucionalidade a norma deixa de ser válida, desde a sua vigência, conforme leciona
Robert Alexy91.
Tendo em vista, a multiplicação de demandas pendentes de julgamento no STF, a
Reforma do Poder Judiciário (Emenda Constitucional nº 45/2004) inseriu o art. 103-A e § 3º
no art. 102 na Carta Magna, criando os institutos da Súmula Vinculante e da Repercussão
Geral, com a finalidade de se atribuir efeitos erga omnes e efeitos vinculantes para o controle
de constitucionalidade difuso.
Aponta-se que a súmula vinculante e a repercussão geral estão cumprindo o seu papel
na atual sistemática jurídica92, pois concede segurança jurídica de que as demandas que
tenham a mesma matéria serão julgadas de forma unitária, evitando-se, que pessoas que
tenham situações idênticas tenham decisões diversas.
Inclusive, essa situação ocorria no que tange a sucessão da união estável, pois se um
inventário tramitasse no Rio Grande do Sul o companheiro poderia concorrer com um primo
distante do autor da herança e esse parente que poderia sequer conviver com o “de cujus”
ficaria com 2/3 da herança, enquanto que se inventário tramitasse no Paraná, o companheiro
ficaria com a integralidade da herança, pois o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
entendia que o inciso III do art. 1.790 do Código Civil era inconstitucional93.
O julgamento do RE 878.694-MG vem corrigir esse grave problema, pois todas as
pessoas passarão a ter o mesmo tipo de decisão judicial. Todavia, como a declaração de
inconstitucionalidade possui efeitos ex tunc, o art. 1.790 do Código Civil Brasileiro passou
a ser inconstitucional desde a sua vigência (10/01/2003) e isso poderá (e com certeza
ocorrerá) gerar uma rediscussão sobre as partilhas realizadas de 10/01/2003 até 10/05/2017.
E isso será uma “bomba” nas Varas de Família e Sucessões e/ou nas Varas de
Sucessões das Comarcas de todo o nosso país e como operadores do direito apontamos que
isso é um problema que deve ser sanado pelo Supremo Tribunal Federal, caso se concretize
a expectativa de que a Corte Constitucional não modulou os efeitos da decisão do RE
878.694.
Destaca-se, que a hipótese da declaração de inconstitucionalidade em controle
concentrado de constitucionalidade a Lei nº 9.868/1999 estabelece em seu artigo 27 que:
93
CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das Sucessões: Inventário e partilha. 4ª ed. Lavras:Unilavras.
2016. p. 236-248.
94
NOGUEIRA, Antônio de Pádua Soubhie. Modulação de efeitos das decisões no Processo Civil. Disponível
em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-28082015-0 e acesso em 25/04/2017.
376
Destaca-se, que o Supremo Tribunal Federal possui uma série de opções para
modular os efeitos, pois pode decidir que o RE 878.694-MG só terá efeitos a partir da sua
publicação formal na imprensa oficial; pode concluir que o marco inicial de seus efeitos é a
data do julgamento (10/05/2017); pode julgar que esse acórdão só se aplica para a abertura
da sucessão (morte do “de cujus”) a partir da data daquela decisão (10/05/2017); pode
decidir que a inconstitucionalidade só se aplica para os processos em que estivesse pendente
a partilha; dentre outras hipóteses.
Entende-se, que o mais adequado é modular os efeitos para fixar que o art. 1.790 do
Código Civil é inconstitucional, apenas, para os inventários pendentes de partilha, pois esses
se aplicaria o art. 1.829 do Código Civil, preservando-se, assim, as partilhas já concluídas e
concedendo segurança jurídica para atos e negócios jurídicos realizados a partir dessas
partilhas transitadas em julgado, pois a incidência do Princípio da Segurança Jurídica impede
95
WAGNITZ, Ana Beatriz Rocha. O prospective overruling aplicado ao Direito Brasileiro: um estudo à
luz da segurança jurídica. Disponível em:
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/8923/1/2014_AnaBeatrizRochaWagnitz.pdf e acesso em 25/04/2017.
96
THEODORO JR., Humberto. Sentença inconstitucional: nulidade, inexistência, rescindibilidade, In: Revista
Dialética de Direito Processual. V. 63. Ano: 2014. São Paulo: Dialética. p.46.
377
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos apontamentos realizados neste artigo, pode-se afirmar que a união
estável é um instituto de extrema importância no nosso ordenamento pátrio e que as Cortes
de Justiça, em especial, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, têm tido um
olhar restritivo ao julgar as demandas de declaração de união estável, pois exige-se prova
97
SILVEIRA NETTO, Ernesto J. A insegurança jurídica na sucessão. In: ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS,
Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Organizadores). Grandes Temas de Família e Sucessões.
Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2016. p. 390-391.
98
ÁVILA, ANA PAULA OLIVEIRA. A MODULAÇÃO DE EFEITOS TEMPORAIS PELO STF NO
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. PORTO ALEGRE: LIVRARIA DO ADVOGADO, 2009. P.
102-105.
378
robusta dessa união, até porque em muitos casos não há uma união estável, mas sim um
namoro e/ou outra forma amorosa.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Traduzido por Virgílio Afonso da
Silva. São Paulo: Malheiros, 2009.
CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. São Paulo:
Saraiva, 1996.
MATHIAS, Maria Ligia Coelho; Lourenço, José. Efeitos ex tunc e ex nunc na mudança
de regime de bens no casamento e na união estável. RJLB, Ano 2017, nº 01, Pag. 509/544.
Disponível em:
http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/rjlb/2017/1/2017_01_0509_0544.pdf e acesso em
25/04/2017.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4ª edição. São Paulo: Saraiva,
2009.
MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e
o conteúdo normativo. In. SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos
Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
381
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da união estável. In. Direito de família e o novo Código
Civil. DIAS, Maria Berenice. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coordenadores). 3ª edição.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
PEREIRA, Sérgio Gischkow. Direito de família: aspectos do casamento, sua eficácia,
separação, divórcio, parentesco, filiação, regime de bens, alimentos, bem de família,
união estável, tutela e curatela. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
PORTAL DO RI. Número de uniões estáveis cresce cinco vezes mais rápido do que o de
casamentos. Disponível em: http://www.portaldori.com.br/2017/02/20/numero-de-unioes-
estaveis-cresce-cinco-vezes-mais-rapido-do-que-o-de-casamentos/ e acesso em 09/10/2017.
ROSA, Conrado Paulino. “iFamily”: Um Novo Conceito de Família? São Paulo: Saraiva,
2013.
SANTOS, Fernanda Moreira. União estável e direitos sucessórios à luz do Direito Civil-
Constitucional. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8213/uniao-estavel-e-direitos-
sucessorios-a-luz-do-direito-civil-constitucional e acesso em 09/10/2017.
SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A autonomia de vontade no direito de família contemporâneo.
In. IBIAS, Delma Silveira (coord.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e
patrimoniais. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto Brasileiro de Direito de
Família - Seção Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Suliani, 2012.
___; AGUIAR, Marcelo Santagada. Novas famílias: livre arbítrio e repercussão social. In:
ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello;
FLEISCHMANN, Simone Tassinari Cardoso (Organizadores). Temas do dia a dia no
Direito de Família e das Sucessões. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS - Instituto
Brasileiro de Direito de Família - Seção Rio Grande do Sul. p. 112/129. Porto Alegre:
IBDFAM/RS, 2017.
___. Uma Análise Crítica dos Motivos Ensejadores da Alienação Parental e das
formas de Combate dessa Grave Afronta ao Direito Fundamental das Crianças e
Adolescentes a uma Harmoniosa Relação Parental. In: ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS,
382
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Julgada em 17/08/2017;
Apelação Cível nº 70073952764, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 27/09/2017; Apelação Cível nº
70073892911, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luiz Felipe
Brasil Santos, julgada em 28/09/2017; Apelação Cível nº 70073865297, 8ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Rui Portanova, Redator: Ricardo Moreira Lins Pastl,
julgada em 05/10/2017.
VENOSA, Silvio de Salvo. Contratos afetivos: o temor do amor. In. PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (coord). Família entre o público e o privado. Obra é formada pelas palestras do VIII
Congresso de Direito de Família promovido pelo IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito
de Família. Belo Horizonte: Magister, 2012.
WAGNITZ, Ana Beatriz Rocha. O prospective overruling aplicado ao Direito Brasileiro:
um estudo à luz da segurança jurídica. Disponível em:
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/8923/1/2014_AnaBeatrizRochaWagnitz.pdf e acesso em
25/04/2017.
384
INTRODUÇÃO
1
OAB/RS: 87.696. Advogada, pós-graduada em Direito Público pela FMP e em Direito do Trabalho e Processo
do Trabalho pela IMED. E-mail: dioneia.cristina@hotmail.com
385
2
BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa Brasil de 05 de outubro de 1988. 3.ed.
São Paulo: Atlas, 1993.
3
BRASIL. Eca, 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
4
PIOVESAN, Flavia. Temas de direitos humanos. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.288.
5
ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.15.
386
Perante a Lei 8069/90, compreende-se o direito à liberdade: “no direito de ir, vir e
estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; no
direito de ter opinião e expressão; no direito de crença e culto religioso; de brincar, praticar
esportes e divertir-se; de participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; de
participar da vida política na forma da lei; e de buscar refúgio, auxílio e orientação”7. Em
conformidade, o ECA também trata sobre o direito ao respeito, que consiste na
“inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideais e
crenças, dos espaços e objetos pessoais8.
Nesse contexto, pode-se caracterizar positivamente os direitos inerentes a criança e ao
adolescente, que de toda forma são claros e invioláveis, sendo “dever de todos velar pela
dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”9. Em contrapartida, há situações do
cotidiano nas quais as leis só se tornam esclarecedoras nos documentos oficiais, pois são
inefetivas, quase nulas no que tange a sua aplicabilidade em problemas reais, assim, os
direitos mínimos acabam por ser violados.
Por conseguinte,
Várias são as violações ocorridas contra a criança e ao adolescente, posto que muitas
vezes a violência, a negligência e o descaso começam dentro da própria família e acabam
por refletir na sociedade e no próprio estado, garantidores dos interesses do ser em
desenvolvimento. Sendo assim, entende-se esses aspectos como um grave problema na
6
BRASIL, 2011, art. 15.
7
Id. Ibid., art. 16.
8
Id. Ibid., art. 17, art. 18.
9
Id. Ibid.
10
VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência Doméstica: Quando a vítima
é criança ou adolescente – uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC, 2006, p.60.
387
sociedade, fazendo parte de uma crise civilizatória, são circunstâncias que independem de
qual classe social o indivíduo pertence.
A violência doméstica é uma espécie do gênero violência a qual, por sua vez, é
uma espécie do gênero “mal”. A violência vem do termo latino vis, que significa
força. Assim, violência é o abuso de força, usar de violência é agir sobre alguém
ou fazê-lo agir contra a sua vontade, empregando a força ou a intimidação. É
forçar, obrigar. É também brutalidade: força brutal para submeter alguém. É
sevicia e maus-tratos, quando se trata de violência psíquica e moral. É cólera, fúria,
irascibilidade, quando se trata de uma disposição natural à expressão brutal dos
sentimentos. É furor, quando significa o caráter daquilo que produz efeitos brutais.
Tem como seus contrários a calma, a doçura, a medida, a temperança e a paz 11
(grifos dos autores).
11
VERONESE E COSTA, 2006, p.101.
388
Ressalta-se que a nova redação referente ao crime de estupro, diz que qualquer pessoa
pode cometer o crime, sendo que da mesma forma qualquer pessoa pode ser vítima do crime
e não há necessidade de haver a penetração para que seja consumado o crime sexual. Existem
diferentes significados para essa prática,
[...] qualquer conduta sexual com uma criança ou adolescente, pode significar,
além da penetração vaginal ou anal, outras formas de violência que, por não terem
tal penetração, não deixam vestígios materiais (lesões corporais, excreções,
hematomas, etc.), como tocar os genitais do infante/adolescente, ou fazer com que
este toque os genitais de outra pessoa, ou o contato oral-genital, ou o roçar os
genitais do adulto com os da criança/adolescente 13.
O segredo, o silêncio, torna-se cada vez mais pesado, e o sujeito – mais isolado -
tem sua mente ‘sequestrada’ por terríveis dores, temores e cicatrizes. Esta é a
forma de se poupar do alvo de condolência hipócrita que empana o desdém pela
violência que deve ser localizada no externo, no inferior, e mais sutilmente no
componente de passividade da contingência de ser vítima 14.
12
Id. Ibid., p.111.
13
VERONESE E COSTA, 2006, p.167.
14
DIEFENTHAELER, Edgar Chagas. Vítima e trauma psíquico. MULTIJURIS, v.111, 2008. passim.
389
sabendo da gravidade, preferem não denunciar com temor de prejudicar a coesão familiar,
escondendo-se atrás do direito ao segredo profissional”15.
Dentre os casos de violência sexual, podemos destacar o incesto, que deixa marcas
profundas, nesse caminho é importante definir que o “abuso sexual intrafamiliar, com ou
sem violência explicita, é caracterizado pela estimulação sexual intencional por parte de
algum dos membros do grupo que possui um vínculo parental pelo qual é proibido o
matrimônio”. Soma-se a isso, a violência sexual praticada pelos próprios genitores, pai e
mãe, que provoca uma verdadeira turbulência psicológica para a criança, tornando aquele
lar não mais um lugar em que possa se viver tranquilamente.
[...] em um número expressivo de casos, uma menina explorada por uma pessoa
mais velha, mais poderosa, que ela teria necessidade de amar. Para ela, a casa não
é mais um lugar seguro. Seu pai não é mais aquele parente capaz de ensinar-lhe a
ser uma adulta, a ser autônoma, a saber dizer não. Porque ele a obriga a fazer o
que ele deseja, porque ele a reduz, de fato, a condição de um objeto seu 16.
15
COHEN, Cláudio. O incesto. In.: AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane (Orgs.). Infância e
violência doméstica: fronteiras do conhecimento. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2009, p.236.
16
AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane; VAICIUNAS, Nanci. Incesto ordinário: a vitimização
sexual doméstica da mulher-criança e suas consequências psicológicas. In.: Infância e violência doméstica:
fronteiras do conhecimento. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2009, p.210.
17
BITENCOURT, Luciane Potter. Vítima sexual infanto-juvenil: sujeito ou objeto do processo Civil. Revista
da Ajuris, Porto Alegre: AJURIS, n.105, v.34, 2007, p.270.
18
Id. Ibid., p.268.
390
Afastar esse medo significa, antes, uma conscientização ética, para a qual a
consciência de servir de instrumento para que uma injustiça não ocorra ou,
ocorrendo cesse de existir, é capaz de sobrepujar o medo de qualquer represália
ou ameaça que possa existir, da parte dos autores de violência física, uma vez que
silenciar sobre uma injustiça conhecida significa ser conivente com ela 19.
É essencial reforçar a ideia de que a criança precisa ser mantida longe de qualquer
situação de risco, deve-se preservar ao máximo seu depoimento frente ao judiciário. Sabe-
se que isso nem sempre ocorre, muitas vezes a vítima acaba por ficar cara a cara com o
agressor, o que não trará resultados satisfatórios frente ao seu depoimento em juízo, isso
intimida a vítima, o que compromete a validade do depoimento. Reconhece-se que “as
vítimas sexuais vulneráveis, devem ‘contar tudo’ quando levadas ao judiciário e lá servem
como objetos ao processo, depondo às pessoas estranhas ‘situações’ intimas que na maioria
das vezes sequer puderam entender”20.
Sair do campo teórico e intervir em contextos que reproduzem esse problema
possibilita que os profissionais consigam melhorar a compreensão dos casos de violência
sexual. Retrata-se aqui alguns episódios que calham ao nosso redor e que em muitas ocasiões
nem sequer chegam ao conhecimento da sociedade, pois permanecem intrínsecos dentro do
recinto familiar, que nessa concepção se torna um ambiente conturbado e violentador. Por
exemplo,
G.O.R. (11). encaminhada ao Conselho Tutelar por sua escola devido à problemas
de rendimento escolar e distúrbios de conduta, informa que pai é alcoólatra,
agressivo com todos, mãe não protege os filhos. O pai perpetra violência sexual
com ela e com o irmão menor, além de utilizar “cordas de ferro nas plantas dos
seus pés e mãos para não deixar marcas”. Crianças com distúrbios de fala e
problemas de conduta (furto), hiperatividade. Indicada família substituta para as
crianças vítimas, avaliação do risco para as demais dentro deste lar, ação penal
contra o pai (Ribeirão Preto- SP)21.
M. (3). Avó materna vai a DDM avisar que soubera pela criança que o pai
praticava violência sexual com ela. Criança levada a psicóloga, tendo feito 10
sessões onde manifestou angústia ligada a temas sexuais e descreveu situações de
violência. Inquérito policial constando Atentado Violento ao Pudor. Guarda
transferida para avós maternos, visitas do pai proibidas, mãe autorizada a ver a
criança, embora não empática com seu sofrimento (sugestão da equipe do caso).
(Santo André – SP)22.
19
VERONESE E COSTA, 2006, p.116.
20
BITENCOURT, 2007, p.279.
21
AZEVEDO, GUERRA E VAICIUNAS, 2009, p.258.
22
Id. Ibid.
391
sua própria família, na escola, no trabalho, na sociedade como um todo. Os traumas podem
persistir e se multiplicar, perpetuando no inconsciente familiar de forma que as vítimas são
passíveis para desencadear algum tipo de patologia e além disso, faz com que o indivíduo
na maioria das vezes continue com esse sofrimento dentro de si, o que interfere nas suas
relações com as pessoas e com o mundo.
Exemplo disso, se dá quando a vítima passa a ser o próprio agressor, seu objetivo é
fazer com que aquela humilhação sofrida possa ser amenizada, seja infringida ao máximo
em outras circunstancias e em outras pessoas, com o decorrer do tempo as consequências
serão sentidas pela própria sociedade. Há uma necessidade feros de submeter alguém ao
mesmo sofrimento, pois “como toda vivência passiva determina a necessidade defensiva de
repeti-la ativamente a vítima transforma-se em algoz”23.
Contudo, não se pode generalizar, nem mesmo afirmar que tal teoria ocorre em todos
os casos, mas as probabilidades de que a violência em suas diversas manifestações ocorrida
na infância seja perpetuada na vida adulta são grandiosas. Defronte a isso, “[...] crianças com
história de maus-tratos têm maior risco para a delinquência do que crianças não-maltratadas,
jovens rejeitados por seus pais também possuem maior chance de delinquência do que jovens
amados pelos seus familiares”24.
Nesse contexto, apresenta-se mais um exemplo de crime sexual ocorrido no Rio de
Janeiro, Brasil:
23
DIEFENTHAELER, 2008, passim.
24
TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. Livraria do Advogado,
2004, p.185.
25
AZEVEDO, GUERRA E VAICIUNAS, 2009, p.162.
392
26
AZEVEDO, GUERRA E VAICIUNAS, 2009, p.164.
27
BISKER, Jaime; RAMOS, Maria Beatriz Breves. No risco da violência: reflexões psicológicas sobre a
agressividade. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006, p.84.
28
DIEFENTHAELER, 2008, passim.
393
muito mais difícil de ser descoberta e de ser punida, por isso há o incentivo de que sejam
efetivadas as denúncias, mantendo todos os cuidados necessários para que a vítima da
violência seja preservada em sua integridade e também para que seja possível punir o
verdadeiro agressor.
O poder familiar demonstra as maneiras nas quais o pai e a mãe exercem os direitos
e os deveres sob seus filhos em igualdade de condições, pois com o advento da Constituição
Federal foi outorgado tanto ao homem quanto a mulher o tratamento igualitário, mas nem
sempre o poder familiar foi exercido dessa forma. Historicamente, constatou-se que a família
era tradicionalmente marcada pelo patriarcalismo, onde “esse conjunto de direitos e deveres
era exercido com supremacia pelo pai, sendo chefe do casal, que administrava a família e a
vida pessoal do outro cônjuge e da prole”29.
Em função disso, entende-se que o poder familiar também deve proporcionar a
criança uma vida digna em um ambiente adequado, garantindo e respeitando o seu pleno
desenvolvimento. Reconhece-se que o poder familiar deve ser exercido com menos poder e
mais dever, por isso “converteu-se em múnus, concebido como encargo legalmente atribuído
a alguém, no qual não se pode fugir. O poder familiar dos pais é ônus que a sociedade
organizada atribui a eles, em virtude da parentalidade, no interesse dos filhos”30.
O poder familiar atribui aos pais a obrigação de dar amparo aos filhos para que se
desenvolvam dignamente, transmitindo-lhes bons exemplos ao oportunizar o convívio
familiar adequado a sua fase de desenvolvimento. Dessa maneira, fica esclarecido que o
poder familiar deverá ser exercido por seus titulares conjuntamente ou de forma exclusiva
por um de seus genitores e que o exercício desse poder deve ser efetivado com exclusividade
pelos pais, independentemente de qual seja o vínculo que os uniu31.
29
SPENGLER, Fabiana Marion; MARION, Nilo Júnior. O poder familiar e o seu conteúdo: da pessoa ao
patrimônio. Revista Brasileira de Direito de Família: IOB, Porto Alegre, n. 40, v.8, 2007 p.28-47.
30
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005, p.149.
31
VADE MECUM. Código Civil 2002. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, art.1631.
394
Por outro viés, é preciso reconhecer que caberá quando necessária a intervenção do
estado dentro da esfera familiar, sempre quando os pais forem omissos e/ou deixarem de
cumprir com seus deveres decorrentes do poder familiar. Tal intervenção será passível para
que condutas inadequadas dos pais não tragam prejuízos aos seus filhos, embora a lei não
tenha o poder de garantir que as famílias os protejam na sua integralidade e nem de garantir
com exclusividade o direito a convivência familiar.
A atual legislação prevê que os casos de maus tratos devem ser notificados pelos
órgãos competentes para que dessa forma sejam adotadas as medidas legais de proteção. O
conselho tutelar desempenha importante papel previsto no ECA ao atribuir, se necessário,
“o afastamento do convívio familiar, comunicando incontinente o fato ao Ministério Público,
prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as providências tomadas
para a orientação, o apoio e a promoção social da família”32.
Salienta-se que ao constatar algum tipo de violência contra a criança e quando “os
direitos garantidos por lei forem ameaçados ou violados, por ação ou omissão da sociedade
ou do estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, ou em razão de sua
conduta”33, às autoridades conselheiras procedem à notificação dos pais ou responsáveis.
Dependendo da situação, há o encaminhamento adequado da criança ou do adolescente aos
profissionais da saúde e quando necessário há o pedido de medida protetiva para vítima.
O conselho tutelar tem autonomia para que em casos extremos providencie a retirada
da criança do convívio familiar e a direcione para instituições de apoio e acolhimento a
criança e ao adolescente. Desse modo, o conselho tutelar tem papel essencial no
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, pois é através desse órgão que os
casos de violência chegam ao conhecimento das autoridades judiciais, para que de alguma
forma seja aplicada a melhor medida.
Quanto às decisões do conselho: “somente poderão ser revistas pela autoridade
judiciária a pedido de quem tenha legitimo interesse”34. Em relação a isso, quando
constatada a existência de violação aos direitos da criança e do adolescente, são aplicadas as
medidas pertinentes aos pais ou responsáveis agressores, dentre elas estão: a advertência, a
perda da guarda, a destituição da tutela e a suspensão ou destituição do poder familiar,
sempre tentando preservar o melhor interesse da criança e do adolescente.
32
BRASIL, 2011, art.136.
33
Id. Ibid.
34
Id. Ibid., art.137.
395
Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes
ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o
Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do
menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha 37.
35
Id. Ibid., art.157.
36
RODRIGUES, Silvio. Direito de família. 28.ed. 6.v São Paulo: Saraiva, 2004, p.368.
37
VADE MECUM, 2011, art. 1637.
38
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código civil. Bello
Horizonte: Del Rey, 4.ed. 2005. passim.
39
LOBÔ, 2005, p.160.
40
VADE MECUM, 2011, art.1637, art.1638.
41
BRASIL, 2011, art.161, §1º.
396
[...] assim, se o pai cuida mal do patrimônio de um filho que recebe deixa
testamentária, mas por outro lado educa este e os outros com muita proficiência,
pode o juiz suspendê-lo da administração dos bens desse filho, permitindo que
conserve intocado o poder familiar no concerne aos outros poderes e aos outros
filhos. Ainda, em virtude de sua menor gravidade, a suspensão é facultada, pois
permite-se ao juiz deixar de aplicá-la se o pai ou a mãe se compromete a internar
o filho em estabelecimento de educação, ou garantir que ele será bem tratado 42.
A suspensão do poder familiar é medida extrema, pois deve ser aplicada somente
quando outra solução ao caso não for encontrada, buscando sempre satisfazer o melhor
interesse da criança. Nesse sentido, ela pode ser revista após a superação das ações que a
causaram, já pelo interesse dos filhos e da convivência familiar, deve ser utilizada somente
pelo juiz “quando outra medida não possa produzir o efeito desejado, no interesse da
segurança do menor e de seus haveres. Cessada a causa que levou a suspensão, o impedido
volta a exercer o poder familiar plenamente ou segundo restrições determinadas pelo juiz”43.
“O juiz, ex officio, ou a requerimento de algum parente, ou através do Ministério
Público, suspende o exercício do poder familiar. A lei estatui o limite de tempo, mas este
será dado pelo que julgador acredita ser conveniente aos interesses do menor [...]44. Segundo
ECA o prazo máximo para a conclusão do procedimento será de 120 (cento e vinte) dias,
bem como deve a sentença que decretar a suspensão do poder familiar ser averbada no
registro de nascimento da criança ou do adolescente45.
Todavia, a suspensão do poder familiar em muitos casos não tem eficácia perante ao
abuso e a negligência dos pais com relação aos filhos, muitas vezes as medidas que são
tomadas precisam ser mais drásticas, eis que surge a destituição do poder familiar. A
destituição do poder familiar é a medida utilizada quando nenhum dos genitores tem
condições de criar e educar seus próprios filhos, sendo necessária a intervenção estatal.
A destituição do poder familiar não visa à punição dos pais faltosos, mas a proteção,
a preservação dos interesses da criança, contra punições e castigos exagerados e ilimitados,
praticados pelos pais contra sua própria prole. Por esse caminho, reconhece-se que “a
punição corporal já foi pedagogia em termos de submissão, ainda se admite que os pais
42
RODRIGUES, 2004, p.369.
43
LÔBO, 2005, p.160.
44
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 16.ed. v.5. 2007, p.434.
45
BRASIL, 2011, art.163.
397
possam corrigir os filhos através de padrões persuasivos, como proibições ao lazer e outras
atividades prazerosas, mas não se aplaudem as agressões físicas ou psíquicas”46.
O castigo, mesmo que moderado é sim uma forma de violência praticada contra a
criança, não tendo suporte fático para ser exercido. O castigo físico fere e viola a sua
integridade, o que pela óptica constitucional “é direito fundamental inviolável da pessoa
humana, também oponível aos pais”47. Desse jeito, a suspensão do poder familiar, ao que
compete a sua destituição, depende consequentemente de procedimento judicial, podendo
ser tais ações propostas por um dos genitores frente ao outro.
46
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A paternidade fragmentada: família, sucessões e bioética. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, p.63.
47
LÔBO, op. cit., p.162.
48
VADE MECUM, 2011, art.1638.
49
MONTEIRO, Washington de Barros; SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil: direito de
família. São Paulo: Saraiva, 2010, p.516.
398
Um martelo, entregue nas mãos da pessoa certa, poderá construir muitas coisas
úteis e lindos móveis, mas nas mãos de outra pessoa que não saiba manejá-lo
poderá destruir e quebrar muita coisa. A vida para alguns é uma bênção. Vivem
fazendo o bem, ajudando os seus semelhantes, curando as mágoas e as feridas.
Para outros, no entanto, a vida é uma maldição, machucam seus semelhantes,
destroem os outros e a si mesmos52.
50
BRASIL, 2011, art.101, §9º.
51
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009, p.396.
52
GUEDES, Meibel Mello. Quem ama ensina; Curitiba: M.M Guedes & Cia. Ltda. Me, 2008, p.82.
53
BRASIL, 2011, art.70.
399
CONCLUSÃO
Mesmo que os pais estejam fisicamente presentes na vida de seus filhos, é muito
importante atentar para o desenvolvimento da responsabilidade afetiva em relações
intrafamiliares. Questiona-se: como será o comportamento futuro de crianças e adolescentes
que não obtiveram afeto, atenção e proteção dos pais ou responsáveis? Defronte a isso, houve
a necessidade de sair do juízo teórico e observar o que vem ocorrendo na realidade, pois os
indivíduos que estão suscetíveis a violência doméstica possuem sua integridade à mercê de
pessoas e órgãos competentes que não devem minimizar as consequências desse problema.
A violência doméstica não envolve apenas questões relacionadas as vítimas, mas
também aos diversos impactos desencadeados em toda a sociedade, que perpassam desde a
autoformação do ser humano e suas relações com os demais e com o mundo até em suas
ações enquanto cidadãos, parte da sociedade civil. As crianças e os adolescentes vítimas de
violência doméstica podem se tornar adultos frustrados vindo a contribuir para a
comunidade, sociedade na qual pertencem, de forma negativa.
Tendo em vista as penosas lições ocorridas na infância e que dificilmente serão
esquecidas ou resolvidas, as crianças e os adolescentes que são vítimas da violência terão
grandes chances de se tornarem agressores. A violência contra esses sujeitos é um sinal de
que há um desequilíbrio na estruturação familiar e sem sombra de dúvidas é responsabilidade
da família, da sociedade e do Estado garantir o desenvolvimento da criança e do adolescente
de forma saudável e com qualidade.
Com isso, recomenda-se a efetivação da denúncia como o melhor caminho, para que
dessa forma seja possível evitar a reprodução da violência no âmbito familiar. Contudo,
considerando que a adoção da proteção integral pelo ECA fortaleceu o princípio do melhor
interesse da criança, é essencial que as medidas de proteção sejam aplicadas. Nessa
finalidade, é preciso avaliar corretamente os vínculos da criança com seus genitores, para
400
apontar a melhor alternativa ao infante, evitando que futuramente essa criança seja um
vitimizador.
Ao visar a minimização da violência intrafamiliar como solução de muitos problemas
sociais relacionados à cultura, à educação, à pobreza e ao próprio desrespeito às leis sociais,
acredita-se que o caminho a ser percorrido ainda seja complexo e a atuação do Estado se
torna indispensável. É pertinente mencionar que de nada adianta o Estado investir na
prevenção da violência quando não oferece o básico ao ser humano, que possibilite a sua
sobrevivência de forma digna e humanitária, investindo em trabalho, educação e saúde.
Na atual conjuntura social, torna-se perceptível a dificuldade de garantir os direitos
constitucionalmente previstos à criança e ao adolescente, pois não se deve esquecer que são
sujeitos em pleno desenvolvimento, detentores do direito do convívio familiar e de serem
educados sem qualquer tipo de violência, seja física ou psicológica. Logo, esta é a justiça
social que forma a base da sociedade igualitária, justa e humanitária: uma sociedade que
respeita os seus integrantes, em especial a criança como sujeito de direito.
REFERÊNCIAS
ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. 3.ed. São Paulo: Saraiva,
2008.
BRASIL. Eca, 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. 12.ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo código
civil. 4.ed. Bello Horizonte: Del Rey, 2005.
______. Manual de direito das famílias. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
GUEDES, Meibel Mello. Quem ama ensina. Curitiba: M.M Guedes & Cia. Ltda. Me, 2008.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005.
MONTEIRO, Washington de Barros; SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito
civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2010.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 16.ed. v.5. Rio de Janeiro:
Forense, 2007.
PIOVESAN, Flavia. Temas de direitos humanos. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2003.
RODRIGUES, Silvio. Direito de família. 28.ed. 6.v. São Paulo: Saraiva, 2004.
SPENGLER, Fabiana Marion; MARION, Nilo Júnior. O poder familiar e o seu conteúdo:
da pessoa ao patrimônio. Revista Brasileira de Direito de Família. n.40. v.8. Porto Alegre:
IOB, 2007, p.28-47.
VADE MECUM. Código Civil 2002. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência Doméstica:
Quando a vítima é criança ou adolescente – uma leitura interdisciplinar. Florianópolis:
OAB/SC, 2006.
402
RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo proporcionar uma exposição dos direitos das
mulheres que viviam em Atenas e em Esparta, Cidades Estados, ambas do período clássico
(séc V e IV a.c.) e também dos direitos da mulher viking, estas no período medieval (séc.
VIII e XI d.c). É fato que o período viking está a mais de oitocentos anos a frente do período
clássico da Grécia antiga, no entanto, mesmo com o passar de tantos anos, estas três
sociedades ganharam destaque pelos seus feitos ao longo de sua história, deixaram heranças
culturais aos que os sucederam e continuam até hoje no imaginário das pessoas. Assim, o
propósito deste artigo é uma breve pesquisa bibliográfica sobre o direito da mulher na
sociedade ateniense, espartana e viking, por meio da leitura de livros e artigos de
especialistas da área da História e da Antropologia. O artigo não se propõe a um estudo
aprofundado sobre o assunto da condição da Mulher naquele período, apenas tem a intenção
de expor algumas diferenças e similitudes da condição social da mulher nestas três
civilizações e tentar assim, compreender como a sociedade percebia a mulher naqueles
períodos históricos.
INTRODUÇÃO
Direito e História são áreas do saber que sempre estiveram interligadas e trabalham
como uma via de mão dupla, pois explica Freitas e Mendes que o Direito serve como fonte
para estudos históricos, e a História serve para fornecer entendimento aos estudiosos do
Direito, complementam os autores que “(...) a noção jurídica da história permite que se
compreenda melhor a cultura, a sociedade, a política e o sistema de um determinado povo.”
3
Assim, conhecer o passado nos leva a uma melhor conscientização do hoje e nos faz refletir
1
Advogada inscrita na OAB RS nº 88.542, com escritório situado na cidade de Passo Fundo – RS, Mestre em
Direito pela Universidade de Passo Fundo, Membro do IBDFAM, e-mail: elisangelateixeira.adv@gmail.com.
2
Advogada inscrita na OAB RS nº 28.655 com escritório situado n cidade de Passo Fundo – RS, especialista
em Direito Processual Civil pela AJURIS, Professora da Universidade de Passo Fundo – RS, e-mail:
cinatatedesco@gmail.com.
3
FREITAS, Alysson Luiz. MENDES, Renat Nureyev. Diálogos entre história e direito: conceitos,
convergências e outros apontamentos. Uberlândia: Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia v. 41-2: pág.
238, 2013 .Disponível em: file:///Users/elis/Desktop/24466-Texto%20do%20artigo-117751-1-10-
20150317.pdf. Acesso em: 26 de agosto de 2020.
403
o quanto as transformações sociais são importantes para mudar a forma como os seres
humanos pensam e, quiçá, ser mais humano.
Sabe-se que ao longo da história da humanidade a mulher sempre foi marginalizada
e andou a parte da sociedade comandada pelos homens. Atenas e Esparta eram Cidades
Estados com plena autonomia de autogoverno, foram fontes de origem de conhecimento e
de alto desenvolvimento para o período em que existiram.
Por outro lado, passado quase oitocentos anos tem-se a civilização viking a qual
também deixou seu legado por onde passou, não foi produtora de filosofia como as Cidades
Estados, mas deixou outros conhecimentos também importantes para seus sucessores como
cultura e grandes feitos na navegação e construção naval.
Assim, pergunta-se: quais os direitos concedidos às mulheres nestas três sociedades?
Qual o papel social que ela exercia? Para responder a tais questionamentos utilizou-se o
método de pesquisa bibliográfico por meio de leitura de livros e artigos de autores
especialistas e ou conhecedores do tema. Também cabe esclarecer que este artigo é escrito
por Advogadas e não tem a finalidade de exaurir o ou superar os historiadores, antropólogos
e outros especialistas nesta área, trata-se de uma síntese dos direitos das mulheres que viviam
em Atenas, Esparta e na Sociedade Viking para que se possa compreender um pouco mais
sobre o a condição da mulher naquele período.
Atenas foi uma das mais importantes cidades da Antiguidade, é desta região que
recebemos o conhecimento dos primeiros pensamentos filosóficos, educacional, político,
democrático e erudito. Esta cidade estado tinha um desenvolvimento acima da médica de
qualquer outro estado, mesmo se comparado com outras polis da Grécia Antiga.
A condição das mulheres pode ser observada através de dois grandes filósofos, Platão
e Aristóteles, os quais são a referência do período clássico, por volta do ano 400 e 300 antes
de Cristo.
Platão – em sua obra República, livro V4 - discute algumas questões importantes
relacionadas à sociedade e, um dos pontos estudados por ele é a relação entre homens e
4
PLATÃO. A República. Editora Independente. 380 a.c., 1º edição, pág. 199 à 217. Domínio Público. Livro
digital, formato PDF. Disponível em: https://www.baixelivros.com.br/ciencias-humanas-e-sociais/filosofia/a-
republica Acesso em 27 de agosto de 2020.
404
mulheres. Nos diálogos entre Sócrates e Glauco eles falam da importância das mulheres,
destacando que elas deveriam ter direitos equiparados aos dos homens porque a natureza da
alma de ambos são iguais. Sendo a alma naquela época algo muito importante e, portanto,
se homem e mulher tem a alma igual, então eles podem fazer as mesmas coisas. Mas o
discurso de Platão era totalmente ao contrário do que realmente acontecia em Atenas, onde
as mulheres apenas obedeciam aos homens.
Isso pode ser constatado no livro “A Política”5, de Aristóteles, onde ele fornece outro
pensamento sobre a mulher daquela sociedade e diverge claramente de Platão.
Para eles, discutir sobre o que é “ser mulher” irá norteiar e definir os direitos delas
naquele período, pensar sobre um ser e lhe atribuir qualidades, limitações ou defeitos irá
refletir nos direitos e deveres deste ser.
Assim, para Aristóteles6, as mulheres têm uma alma inferior aos homens e seria uma
versão incompleta deste, considerava que a mulher era apenas o corpo para reproduzir uma
criança, pois todas as qualidades para reprodução de um filho, vinha do homem através do
sêmen, obviamente, a conclusão tenha sido simplista porque não se tinha na época aparelhos
para compreender a importância do óvulo feminino e por isso se atribuía tamanha
importância aos homens. Ainda, para Aristóteles a família perfeita era composta pelo
homem, por sua mulher inferior e seu escravo. Ele acreditava que as mulheres tinham
virtudes, mas sempre inferiores, ineficazes e débil em relação aos homens.
Segundo Mirón7, as tarefas domésticas em Atenas eram delegadas à mulher, pois ela
tinha competências para cuidar da casa, mas o líder sempre era o homem e a eles cabia a
administração da cidade e à última palavra dentro de casa e às mulheres cabia apenas a
reprodução. De acordo com Fábio Lessa a sociedade ateniense existia de uma relação binária
onde o feminino ficava dentro de casa (Oikos) e o homem poderia ficar no espaço público
(Ágora) ou seja, a mulher atuava apenas no domínio privado.8 Inclusive dentro de casa as
mulheres deveriam permanecer separada dos homens, elas conviviam entre si e com os
5
ARISTÓTELES. A Política. Livro digital, formato PDF, pág. 194 e 195. Disponível em:
https://farofafilosofica.com/2017/05/03/aristoteles/. Acesso em 23 de agosto de 2020.
6
ARISTÓTELES. A Política. Livro digital, formato PDF, pág. 27. Disponível em:
https://farofafilosofica.com/2017/05/03/aristoteles/. Acesso em 23 de agosto de 2020.
7
MIRÓN, Maria Dolores Pérez. El Gobierno de la casa em Atenas Clasica: género y poder en el oikos. Vol.
18, Stvdia Historica. História Antigua. Salamanca: Editora Universidad de Salamanca, 2000, pág. 103-117.
Disponível em: https://revistas.usal.es/index.php/0213-2052/article/view/6216. Acesso em 15 de agosto de
2020.
8
LESSA, Fábio de Souza. Mulheres de Atenas: Mélissa do Gineceu à Agorá. Rio de Janeiro: Mauad X,
2010, p. 45.
405
filhos no Gineceu. As esposas não deveriam nem mesmo aparecer na sala quando os homens
recebessem visitas9.
Importante colocação faz Moisés Torres10 ao concluir que mesmo a mulher não
participando da vida política e nem tendo direito a qualquer manifestação, ela ainda agia
relevantemente nos espaços de convivência dentro do seu lar, disseminando informações
que revitalizavam o processo de identidade junto ao grupo de parentes, amigas, vizinhas,
associações religiosas, no momento da colheita e durante os trabalhos em conjunto nas
tarefas da casa. Dito de outro modo, mesmo que indiretamente, circulavam informações
promovidas pelas mulheres.
Segundo a pesquisa realizada por David Paiva11, em caso de adultério do homem
não havia consequências drásticas porém, a mulher adulterina, além de ser obrigada a
separar-se do marido ficava impedida de participar de cerimônias religiosas, bem como
poderia ser castigada nas ruas e as vezes condenada à morte, sendo que apenas ao homem
cabia o direito de pedir o divórcio. Thirzá Berquó12 explica que havia interesse da cidade e
do marido no crime de adultério, sendo considerado importante de ser controlado, porque
eles queriam o seguimento da linhagem, uma mulher adúltera não produz filhos confiáveis,
dentro da linhagem do marido, o que não era bom para a cidade nem para a família, assim,
o crime de adultério era considerado um crime grave.
Complementa o autor que em Atenas era expressamente proibido a prostituição
masculina, crime que poderia ser punido com impedimento de exercer diversas funções
públicas, religiosas e, dependendo do caso, a pena capital, já a prostituição feminina não era
proibida.
9
TÔRRES, Moisés Romanazzi. Considerações sobre a condição da mulher na Grécia Clássica (séc. V e IV
a.c.). Barcelona: Mirabilia Journal. Dec. 2001 / ISSN 1776-5818, p. 06. Disponível em:
https://ddd.uab.cat/pub/mirabilia/mirabilia_a2001m12n1/mirabilia_a2001m12n1p48.pdf. Acesso em 31 de
agosto de 2020.
10
TÔRRES, Moisés Romanazzi. Considerações sobre a condição da mulher na Grécia Clássica (séc. V e IV
a.c.). Barcelona: Mirabilia Journal. Dec. 2001 / ISSN 1776-5818, p. 05. Disponível em:
https://ddd.uab.cat/pub/mirabilia/mirabilia_a2001m12n1/mirabilia_a2001m12n1p48.pdf. Acesso em 31 de
agosto de 2020.
11
PAIVA, David Cassiano. História do direito na Grécia antiga. Seminário apresentado ao Doutor Ezequiel
Abasolo, professor do Curso de Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais da Universidad Del Museo Social
Argentino na disciplina de História dela derecho, Buenos Aires: USMA, Janeiro de 2010, pág. 21.
Disponível em: https://docplayer.com.br/27411074-Historia-do-direito-na-grecia-antiga.html. Acesso em
23 de agosto de 2020.
12
Berquó, Thirzá Amaral. (2014). ENTRE AS HEROÍNAS E O SILÊNCIO: A CONDIÇÃO FEMININA NA
ATENAS CLÁSSICA. Oficina Do Historiador, 1984-2005. Recuperado de
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/oficinadohistoriador/article/view/19053
406
Tanto David Paiva e quanto Maria Dolores Mirón explicam que todos os direitos e
privilégios sucessórios eram mantidos ao sexo masculino, as filhas somente poderiam herdar
se houvesse ausência de irmãos legítimos, pois as mulheres eram consideradas incapazes de
gerir seu próprio patrimônio. Também não tinham capacidade para representar a si mesma,
eram consideradas como se fossem menor de idade e, conforme Górgias “um modesto
silêncio é a honra da mulher”13 o que, por si só, já basta para dizer como a mulher era
subjugada, tratada e vista de forma muito inferior.
Mas, levando-se em consideração o período e o contexto, a mulher, complementa
Maria Dolores Mirón, exercia um papel completar e importante porque o homem conseguia
riquezas e a mulher administrava a casa, os escravos e os filhos, apesar da última palavra ser
do varão, dito de outro modo, seu importantíssimo papel estava no fato do homem trabalhar
e ela “guardar” a casa e cuidar das riquezas adquiridas. Explica a autora que quanto mais a
mulher se mostrava merecedora da confiança do marido mais ele liberava à ela autonomias
administrativas do lar e das finanças e, caso ela lhe desse um filho homem, a confiança era
ainda mais fortificada.
Mirón14 coloca que as mulheres não podiam falar em público nem mesmo participar
da política e sempre necessitavam de um representante do sexo masculino para representá-
las. Quando ficavam viúvas necessitavam de um tutor para conduzir suas próprias vidas. Por
outro lado, as mulheres pobres, sem recursos, ficavam a mercê de injustiças, pois
dificilmente teriam um tutor para defende-las. Somente quando tivesse um filho homem e
esse se tornava maior de idade este passava a gerir e a liderar o lar. A autora destaca que o
problema ia além, pois os tutores não raras vezes usufruíam dos bens da viúva e de seus
filhos, desviando valores financeiros.
13
GORGIAS IN: ARISTÓTELES. A Política. Livro digital, formato PDF, pág. 29. Disponível em:
https://farofafilosofica.com/2017/05/03/aristoteles/. Acesso em 23 de agosto de 2020.
14
MIRÓN, Maria Dolores Pérez. El Gobierno de la casa em Atenas Clasica: género y poder en el oikos. Vol.
18, Stvdia Historica. História Antigua. Salamanca: Editora Universidad de Salamanca, 2000, pág. 103-117.
Disponível em: https://revistas.usal.es/index.php/0213-2052/article/view/6216. Acesso em 15 de agosto de
2020.
15
ROMERO, Dámaris González. El prototipo de mujer espartana en Plutarco, páginas 679 à 687, vl. 19.
Berlim: CIP, The Unity of Plutarch’s Work, pág. 681 e 682.
407
social conforme o período, mas os historiadores afirmam que elas foram mais protagonistas
socialmente do que as atenienses.
Elas moviam-se com muita “liberdade” na sociedade, complementa Dámaris
Romero16 que a mulher espartana usava roupas leves, de modo sóbrio e aberta na lateral, isso
lhe proporcionava movimento muscular. Elas mostravam as pernas e em algumas ocasiões
usavam bermudas porque na concepção dos espartanos deixar e as obrigavam a se
exercitarem fisicamente, isso lhes capacitaria para terem filhos perfeitos e vigorosos, assim
essa possibilidade de fazer exercícios físicos as possibilitava de usarem roupas mais leves e
deixarem o corpo mais a mostra.
Segundo Moisés Tôrres ela não vivia reclusa como a ateniense, mas alerta o autor
que “isso não significava que as mulheres espartanas tivessem socialmente mais
consideração e sim, ao contrário, que sua utilidade era ainda mais diminuída no mundo da
pólis”. Segundo ele, a possibilidade dela sair de casa enfraquecia a família, os filhos eram
criados pelo Estado e os maridos só visitavam as esposas de vez em quando. Era uma outra
visão de organização da sociedade.
Os espartanos eram mestres no cultivo das tradições cívicas e amavam com fervor a
sua pátria, dedicavam-se até à morte ao combate e tinham repugnância aos covardes e
desertores, eram xenófobos por excelência, pois se julgavam “iguais entre si”, mas
“superiores a qualquer outro povo da Hélade”, usavam uma longa cabeleira e bem forjados
apetrechos de guerra, acompanhado de uma longa capa vermelha tocava-lhes o calcanhar. 17
Disponível em:
https://www.researchgate.net/profile/Diotima_Papadi/publication/278031219_'Moralia'_in_the_'Lives'_Trage
dy_and_Theatrical_Imagery_in_Plutarch's_'Pompey'/links/557a9b5008ae753637571015.pdf#page=698.
Acesso em: 24 de agosto de 2020.
16
ROMERO, Dámaris González. El prototipo de mujer espartana en Plutarco, páginas 679 à 687, vl. 19.
Berlim: CIP, The Unity of Plutarch’s Work.
Disponível em:
https://www.researchgate.net/profile/Diotima_Papadi/publication/278031219_'Moralia'_in_the_'Lives'_Trage
dy_and_Theatrical_Imagery_in_Plutarch's_'Pompey'/links/557a9b5008ae753637571015.pdf#page=698.
Acesso em: 24 de agosto de 2020.
17
ROMERO, Dámaris González. El prototipo de mujer espartana en Plutarco, páginas 679 à 687, vl. 19.
Berlim: CIP, The Unity of Plutarch’s Work. Pág. 24.
Disponível em:
https://www.researchgate.net/profile/Diotima_Papadi/publication/278031219_'Moralia'_in_the_'Lives'_
Tragedy_and_Theatrical_Imagery_in_Plutarch's_'Pompey'/links/557a9b5008ae753637571015.pdf#page
=698. Acesso em: 24 de agosto de 2020.
408
Por serem extremamente defensores de sua cidade Romero constata ainda que
acabavam ensinando os conhecimentos e táticas militares às mulheres, pois Esparta era um
Estado em guerra e necessitava de cidadãos guerreiros e bem preparados.
Todavia, esses direitos às mulheres foram desclassificados por Aristóteles pois eles
as tornaram mulheres nocivas e ainda, ressalta que, quando elas tentaram ajudara em guerras,
deram mais trabalho do que os próprios inimigos:
Enquanto a audácia não serve para nada nos negócios ordinários, a não ser na
guerra, a audácia das mulheres lacedemônias é sempre nociva, como vimos no
tempo da invasão dos tebanos, quando, longe de servir melhor do que as mulheres
de outros lugares, deram mais trabalho do que os próprios inimigos.18
18
ARISTÓTELES. A Política. Livro digital, formato PDF, pág. 194. Disponível em:
https://farofafilosofica.com/2017/05/03/aristoteles/. Acesso em 23 de agosto de 2020.
19 ARISTÓTELES. A Política. Livro digital, formato PDF, pág. 194 e 195. Disponível em:
Brathari / Revista de Estudos Celtas e Germânicos. V.4 n.1(2004), pág.56. Disponível em:
http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair/article/view/627
Acesso em 24 de agosto de 2020.
409
Os achados arqueológicos são a fonte mais importante para tentar descobrir sobre a
mulher viking pois, ao contrário dos atenienses e espartanos, esse povo não deixou muitos
documentos escritos. Outra importante fonte de informação tem sido as Sagas Islandesas
(século XIII) que também tem sido fontes dos estudos sobre a condição social das mulheres
viking. Ademais, atualmente existem riquíssimos museus e estudos nas principais cidades
da Escandinávia que dedicam estudos ao passado da região.
Ganha também destaque para estudos do conceito que se tinha da mulher nesta
sociedade a mitologia viking, através das Valquírias, segundo Johnni Langer sofreram
evolução morfológica de seu mito. Lange explica que primeiramente elas foram entidades
sanguinárias incentivadoras de carnificinas (Antiguidade); posteriormente foram
selecionadoras dos mortos nas batalhas (Antiguidade Tardia) e, mais tarde, foram
selecionadoras dos mortos e receptoras serviçais em Valhalla (período das migrações e início
da era viking); Guerreiras de Odim, donzelas cisnes, esposas / amantes, filhas de reis (final
da Era Viking).22
Explica Fernanda Godoy que as Valquírias eram aquelas que escolhiam os mortos
para levá-los a Valhalla, o comportamento delas era de amantes, esposas, lutadoras, protetora
dos heróis e profetisas mas, sobretudo, as Valquírias são filhas de Odin, o deus máximo na
mitologia Viking e, segundo a autora, existem sagas que mostram que se as valquírias que
não obedecem a Odin acabam sendo castigadas por ele. Dito de outro modo, mesmo as
deusas valquírias estavam submetidas ao masculino de Odin.
A autora também coloca que como havia um instinto de guerrear na cultura viking
isso acabava sendo passado para todos, seja para mulheres, crianças e homens, ou seja, dito
de outro modo, um dos papéis atribuídos às mulheres vikings também era, no mínimo, o
instinto de defesa o que é muito similar com a mulher espartana.
De todo modo, cabe destacar os estudos de Price e etc al23 afirmam que apesar de
encontrarem sítios arqueológicos onde há mulheres enterradas com armas e vestidas com
22
LANGER, Johnni. Guerreiras de Óðinn: As Valkyrjor na Mitologia Viking. São Luiz do Maranhão:
Brathari / Revista de Estudos Celtas e Germânicos. V.4 n.1(2004), pág.63. Disponível em:
http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair/article/view/627
Acesso em 24 de agosto de 2020.
23
PRICE, Neil; HEDENSTIERNA-JONSON Charlotte; ZACHRISSON Torum; KJELLSTRÖM,
Anna; STORA, Jan; KRZEWI`NSKA, Maja; GÖTHERSTRÖM, Anders. Mulheres guerreira viking?
Reavaliação da sepultura da câmara de Birka Bj. 581. Antiquity, 93 (367), pág. 181-198. Cambridge:
Cambridge University Press, 2019. DOI: https://doi.org/10.15184/aqy.2018.258
410
roupas com estilo mais masculinizado, não é comprovado que as mulheres lutavam na guerra
com os homens, os achados somente são um indício de que as mulheres manuseavam armas
e, pois isso foram enterradas com elas, outra hipótese é que elas eram enterradas com armas
até mesmo por uma questão social. Os autores afirmam que até hoje existem mais pergunta
do que respostas sobre se as mulheres vikings que lutavam, tendo em vista que fora
encontrado poucos indícios que comprovem o imaginário sobre as “guerreiras viking”.
Assim não há conclusões definitivas que as mulheres destas sociedades tinham direito de
lutar ao lado dos homens.
Complementa Ricardo Oliveira24 que a mulher viking tinha um papel mais voltado
aos cuidados da casa, dos animais e da produção de comida mas, para aquele período ( era
medieval) a mulher viking tinha mais liberdade que as mulheres de outros povos, segundo
ele:
A mulher viking gozava de uma ampla liberdade, se comparada com a mulher
europeia em geral. Podia possuir terras e outros bens, cultivar, comercializar e era
dela a escolha de casar ou não com o pretendente designado pelo pai, tinha o
direito de pedir divórcio e poderia até possuir um status elevado herdando bens de
um marido falecido. Entretanto poderia perder a liberdade e a vida caso
cometessem crimes, como o adultério, que dava direito ao seu marido de executá-
la. Eram destinadas a ela as tarefas domésticas. 25
Adrie Silva26 também afirma que vários registros elencam que a mulher viking adulta
detinha a função de cuidadora das tarefas domésticas, das crianças, enfermos e idosos e de
todas as atividades relacionadas ao cuidado da família, a autora afirma que se tratava de uma
mulher dinâmica socialmente.
24
OLIVEIRA, Ricardo Wagner Menezes de. Sutiã de aço: a representação da mulher guerreira no filme
como treinar seu dragão. Anais do II Seminário de Estudos Medievais da Paraíba: Sábias Guerreiras e
Místicas. Homenagem aos 600 anos de Joana D´Arc. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2012,
pág. 351-358.
25
GRAHMA CAMPBELL, 1977, in: OLIVEIRA, Ricardo Wagner Menezes de. Sutiã de aço: a
representação da mulher guerreira no filme como treinar seu dragão. Anais do II Seminário de Estudos
Medievais da Paraíba: Sábias Guerreiras e Místicas. Homenagem aos 600 anos de Joana D´Arc. João
Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2012, pág. 352.
26
SILVA, Adrie Dealis Bilhéo. Mulheres Vikings na Idade Média: Abordagens e Representações nas
Sagas Islandesas (Séc.XIII). Revista Digital Simonsen, ano IV, vol. 6, nº 6, jun.- dez., 2017, ISSN:2446-
594. Rio de Janeiro: Integradas Simonsen. Disponível em: http://www.simonsen.br/revista-digital/wp-
content/uploads/2017/05/montagem-da-revista-Reparado111.pdf
411
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível dizer pelos estudos realizados por historiadores que havia diferença no
tratamento e nos direitos das mulheres ateniensese, espartanas e viking.
As atenienses e espartanas viveram no mesmo período mas era tratadas de forma
diferente, a princípio parece que as espartanas tinham mais “liberdade”, mas ensina Moisés
Tôrres29 que não tratava-se de um reconhecimento social da mulher, mas sim de uma maneira
diferente de explorá-la. Ela tinha mais participação social do que a ateniense mas pagava um
preço alto por isso visto que o filho lhe era tirado em um determinado período da vida para
ser treinado e cuidado pelo Estado, o senso de família era outro para os Espartanos, havia
um interesse por trás de uma maior “liberdade”.
De todo modo, o objetivo principal do casamento em Atenas e Esparta era a
reprodução para que a linhagem fosse perpetuada.
27
CHISHOLM, Jane; REID, Struan. MILLARD, Anne. Who were the Vikings? Londres: Usborne
Publishing, 2018.
28 LANGER, Johnni. Guerreiras de Óðinn: As Valkyrjor na Mitologia Viking. São Luiz do Maranhão:
Brathari / Revista de Estudos Celtas e Germânicos. V.4 n.1(2004), pág. 58. Disponível em:
http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair/article/view/627
Acesso em 24 de agosto de 2020.
29
TÔRRES, Moisés Romanazzi. Considerações sobre a condição da mulher na Grécia Clássica (séc. V e
IV a.c.). Barcelona: Mirabilia Journal. Dec. 2001 / ISSN 1776-5818. Disponível em:
https://ddd.uab.cat/pub/mirabilia/mirabilia_a2001m12n1/mirabilia_a2001m12n1p48.pdf. Acesso em 31
de agosto de 2020.
412
Passados oitocentos anos – chegando-se a era viking – não se pode dizer que houve
uma valorização da mulher e a melhoria da sua posição social, trata-se de diferenças sutis,
mas pode-se afirmar que a mulher viking tinha mais autonomia para administrar a
propriedade familiar (tomavam conta do lar), podiam escolher seus marido o que já era uma
grande evolução social, também podiam pedir divórcio o que era inconcebível em Atenas e
Esparta, podiam lidar com as finanças do lar e administrar os campos de cultivo e, confirmam
os autores que isso era muito acima da média do que a mulher naquele período medieval
30
poderia fazer. Langer apud Silva, relata que as chaves que ficavam presas ao cinto da
mulher viking simbolizavam a importância dela na estrutura familiar e passaram a ser
consideradas parte do vestuário nórdico, significava a autonomia dentro do lar e o controle
sobre a casa.
Pode-se dizer que a mulher Viking era uma espartana evoluída, ou seja, tinha mais
tarefas delegadas e confiadas a ela, era mais atuante no lar e tinha direito de herdar os bens
e administrar sua herança mas, acima de tudo, tinha direito de criar seus filhos.
Há uma característica comum entre as espartanas e as vikings, ambos os povos
mostram em seus registros um espírito mais guerreiro e, ao que tudo indica, incutiam na
sociedade o instinto de defesa tanto nos homens quanto nas mulheres, o que diferente da
mulher ateniense, que permanecia a parte de conhecimentos de defesa. Para as espartanas
essa possibilidade de ter acesso a conhecimentos de defesa e a possibilidade de treinar o
corpo para que pudesse gerar filhos saudáveis talvez possibilitasse a ela uma maior
mobilidade social e daí surgem as inúmeras críticas feitas na época por Aristóteles.
O presente artigo não teve a pretensão de esgotar os temas aqui explorados, apenas
tratou de uma pesquisar sobre os direitos das mulheres nestas três civilizações e assim
compreender um pouco sobre como estes povos entendiam o que é “ser mulher” e como elas
era consideradas nestas sociedades.
30
SILVA, Adrie Dealis Bilhéo. Mulheres Vikings na Idade Média: Abordagens e Representações nas
Sagas Islandesas (Séc.XIII ). Revista Digital Simonsen, ano IV, vol. 6, nº 6, jun.- dez., 2017, pág. 38.
ISSN:2446-594. Rio de Janeiro: Integradas Simonsen. Disponível em: http://www.simonsen.br/revista-
digital/wp-content/uploads/2017/05/montagem-da-revista-Reparado111.pdf
413
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREITAS, Alysson Luiz. MENDES, Renat Nureyev. Diálogos entre história e direito:
conceitos, convergências e outros apontamentos. Uberlândia: Revista da Faculdade de
Direito de Uberlândia v. 41-2: 241-257, 2013. Disponível em:
file:///Users/elis/Desktop/24466-Texto%20do%20artigo-117751-1-10-20150317.pdf.
Acesso em: 26 de agosto de 2020.
MIRÓN, Maria Dolores Pérez. El Gobierno de la casa em Atenas Clasica: género y poder
en el oikos. Vol. 18, Stvdia Historica. História Antigua. Salamanca: Editora Universidad de
Salamanca, 2000, pág. 103-117. Disponível em: https://revistas.usal.es/index.php/0213-
2052/article/view/6216. Acesso em 15 de agosto de 2020.
OLIVEIRA, Ricardo Wagner Menezes de. Sutiã de aço: a representação da mulher guerreira
no filme como treinar seu dragão. Anais do II Seminário de Estudos Medievais da Paraíba:
Sábias Guerreiras e Místicas. Homenagem aos 600 anos de Joana D´Arc. João Pessoa:
Editora Universitária/UFPB, 2012, pág. 351-358.
RESUMO: O presente artigo versa sobre crime de estupro, com vítima mulher, analisando
criticamente a necessidade, ou não, de prova psicológica para a sua comprovação. A
importância desta pesquisa justifica-se pela intenção de colaborar com o aprofundamento
acadêmico acerca deste tema, bem como auxiliar para possíveis bases de recursos e
julgamentos que possam utilizar depoimento da vítima como base probatória da ocorrência
do crime de estupro. Valorando-se o depoimento da vítima de estupro, como elemento
probatório. Sendo o seu objetivo refletir, sob a ótica contemporânea, quais os reflexos
causados pelo julgamento dos crimes de estupro, bem como analisar a valoração que é, ou
deve ser dada ao depoimento das vítimas do crime de estupro e expor a necessidade da
criação de políticas protetivas para as mulheres, a serem proporcionadas pelo Estado, afim
de que, a partir do desenvolvimento, possamos chegar a um cenário que possibilite mais
dignidade às vítimas de estupro.
INTRODUÇÃO
1
Advogada inscrita na OAB/RS 100.719. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo IDC. Aluna da
Especialização em Ciências Criminais, Direito de Família e Sucessões, e Direito e Processo Tributário, todos
pela FMP. E-mail: ellen@ellenmartins.adv.br
416
A prova no direito brasileiro deve ser utilizada para que o julgador possa orientar-se
de modo a proferir uma decisão mais justa possível, buscando a verdade dos fatos, ou o mais
perto que possa chegar da verdade. Utilizando para tanto, todos os meios de prova em direito
admitidos (observando-se aqui que há um rol explicito em lei dos meios de prova, mas não
taxativo) respeitados a ampla defesa e o contraditório, para que assim, aquele que julga se
convença da realidade, ou não, dos fatos.
Nos casos de crimes de estupro, quando acabam por deixar vestígios (sêmen,
arranhões, hematomas, etc), é indispensável o exame de corpo de delito, conforme artigo
158 do Código de Processo Penal - CPP, no entanto não é sempre que pode ser verificado
algum resquício do crime, assim a prova testemunhal pode suprir o exame inconclusivo ou
a não efetivação de exame, como podemos verificar no artigo 167 do CPP2:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo
de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem
desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
2
BRASIL. DL 3698 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm> acessado em 01/06/2016
417
O exame pericial, é feito por meio de médicos peritos legistas, responsáveis por
emitir laudos passíveis de comprovar o crime (exame de corpo de delito), com intuito de
aclarar as evidências como a presença de esperma, ruptura do hímen e lesões corporais, quais
serão as provas da prática da conjunção carnal ou algum ato libidinoso diverso da conjunção
carnal. Porém, este exame pericial é, por muitas vezes, de difícil comprovação, pois não será
sempre que o crime de estupro deixará vestígios, como também entendem Thaisa Mangnani
Dias e Evandro Dias Joaquim3 “A prova testemunhal, que não raramente substitui a ausência
da pericial, também é escassa, tendo em vista que normalmente a ocorrência também não
oferece este tipo probatório por ter ocorrido de maneira reservada”.
Quanto à complexidade probatória quando não restam vestígios, como nos casos de
atos libidinosos sem penetração de pênis Nucci nos instrui4:
Como regra, havendo violência real e comparecendo a vitima para análise médica,
obtêm-se sucesso na elaboração do exame de corpo de delito; entretanto, nos casos
de grave ameaça e nas situações de vulnerabilidade, torna-se praticamente
impossível à realização da pericia. Ressalte-se ainda, casos em que ocorrem atos
libidinosos diversos da conjunção carnal, como um beijo lascivo forçado, imune a
exames periciais. (NUCCI, 2011, p. 68).
3
DIAS,Thaisa Mangnani, JOAQUIM, Evandro Dias. Revista JurisFI, Volume IV, Ano IV, Dezembro 2013.
Bauru – SP. Disponível em: <http://www.revistajurisfib.com.br/artigos/1395809029.pdf>. Acessado em:
25/09/2016. pag. 292.
4
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à Lei nº 12.015, de 07 de agosto
de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. pag. 69.
5
BRASIL. DL 3698 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm> acessado em 01/06/2016
6 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manual de Processo Penal/ Fernando da Costa Tourinho Filho. –
Por muitas vezes, os crimes sexuais podem não deixar vestígios, ou por repulsa a
vítima acaba por se higienizar e remover algumas das provas, para então procurar a polícia,
ou em outros casos a vítima, em choque, demora em denunciar, impossibilitando a perícia
física. Nessas hipóteses, não seria possível a realização de exames clínicos periciais que
comprovem a ocorrência do crime, assim sendo impossível a verificação deve ser aplicado
o artigo 167 do CPP, conforme citado anteriormente e ainda quando não houver testemunhas,
cabe ao testemunho da vítima a base para a elucidação do ocorrido. Quanto a vergonha e a
dificuldade de procurar a justiça para os casos de crimes de estupro.
a realização de perícias físicas e psíquicas nas vítimas de crimes sexuais, nos aproximaria da
verdade dos fatos.
7
MOTTA, R. V. (2009). Psicoterapia no fazer da psicologia jurídica. In F. R. de Lima, & C. Santos (Coords.),
Violência doméstica: Vulnerabilidades e desafios na intervenção criminal e multidisciplinar (pp. 115-125. Rio
de Janeiro: Lúmen Júris. Pag 120.
420
8
GAVA, Lara Lages, Porto Alegre, 2012. Disponível em: <
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/70031/000875859.pdf?sequence=1> . Acessado em: 25 de
setembro de 2016. pag.20.
421
com o devido respeito, vendo vítimas como vítimas e não as julgando pelo modo que se
portam em sociedade.
A ideia é proporcionar uma mudança no atendimento às vítimas de crimes sexuais,
pois, este deverá se dar de forma a abranger não só as perícias físicas, mas também o
tratamento psicológico que proporcione minimizar os danos psíquicos causados pela
agressão sofrida. No momento que a vítima recorre ao poder público para efetuar a denúncia
do crime sofrido, os policiais devem atendê-la de forma que não lhe propicie maiores
traumas, registrando a ocorrência sem qualquer juízo de valor em relação à vítima, ou aos
fatos narrados, sem aplicar os seus entendimentos pessoais no relato. Deve ser efetuada, a
inquirição da vítima com perguntas que sejam apenas de cunho legal, sem a necessidade de
que sejam feitos questionamentos acerca da sua honra. Sendo que em nada contribui o
comportamento sexual, ou de vida da agredida, para averiguação do crime sofrido. Pois,
estereótipos, local de trabalho, conduta social e aparência da vítima, não alteram em nada o
fato ocorrido e não justificam que qualquer pessoa extrapole os limites da sua liberdade
sexual.
Berenice Dias9 nos enfatiza a questão histórica da submissão aplicada à mulher e nos
esclarece quanto aos danos causados pelo tolhimento dos seus direitos de liberdade e
igualdade:
Os direitos humanos devem ser assegurados pelo poder público, no viés das
desigualdades vividas pelas mulheres, cabe ao Estado diminuir as diferenças que culminam
em discriminação e subjugação do gênero feminino, a partir da inserção de políticas públicas
e discussões sociais que viabilizem novos conceitos de igualdade e respeito.
9
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à
violência doméstica e familiar contra a mulher / Maria Berenice Dias. – 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo
: Editora Revista dos Tribunais, 2012. pag. 39.
10
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudíos Políticos y
Constitucionales, 2002 In: Mendes, Soraia da Rosa. Criminologia Feminista Novos Paradigmas/ Soraia da
Rosa Mendes – São Paulo : Saraiva, 2014. pag. 203.
423
A falta da devida proteção do Estado para com os direitos de todas as mulheres viola
severamente os direitos essenciais que são inerentes a todos os seres humanos, a recorrente
situação de inferiorização que as mulheres são colocadas há séculos perpetua os tolhimentos
dos direitos femininos, pois quando uma parcela da sociedade não é reconhecida como igual
aos demais, os seus direitos não são valorados da mesma forma que os outros. Assim,
devemos ultrapassar a visão machista de que o homem deve ter privilégios sobre as mulheres
e o Estado deve garantir de forma explícita que todos, homens e mulheres, são cidadãos com
seus direitos e liberdades assegurados da mesma forma, extirpando, aos poucos, os
preconceitos sob o gênero feminino.
Os aplicadores do direito e o Estado devem preocupar-se em efetivar políticas
públicas que, transformem e eduquem a população quanto ao tratamento que é dado ao
conceito de mulher, eliminando da sociedade as ideias de inferioridade e menos valia que
foram associadas ao sexo feminino. A proteção do Estado deve ser efetivada não só por meio
de regramentos que assegurem direitos igualitários entre os gêneros, mas também, ante o
histórico da nossa sociedade de menosprezo dos direitos das mulheres, criando políticas
públicas que gerem acolhimento e tratamento às vítimas de abuso sexual.
Cabe ao Estado ofertar tratamentos para as vítimas de crimes sexuais e aos seus
familiares, buscando minimizar os danos gerados pela dor causada, uma vez que, sendo o
Estado o garantidor da proteção à liberdade e à dignidade sexual das pessoas, ao deixar de
garantir essa proteção, deverá ao menos buscar reduzir os danos causados pela sua falta de
amparo. Pois, é sabido que, por muitas vezes, a opressão sofrida pelas mulheres vítimas de
crimes sexuais, faz com que elas se neguem a revelar o incidente delituoso por medo do
autor do estupro, ou por vergonha do constrangimento que a publicidade do fato irá gerar
nas suas vidas e pela repercussão social negativa que a carga de tal crime acarretaria para
sua imagem. As mulheres abusadas sexualmente, muitas vezes, acabam não procurando
delegacias pela vergonha que a situação do depoimento e do exame pericial lhe causaria,
fazendo com que a maioria delas desista de realizar a denúncia. Também, como
mencionamos anteriormente, pelo fato de ser um crime que viola completamente a
intimidade e o corpo, muitas vítimas buscam se higienizar após o crime, não só pelo fato da
higiene em si, mas pela questão de “banhar-se” estar atrelada com uma limpeza que as
proporcionaria uma espécie de higiene moral, no entanto tal ato acaba por impossibilitar a
coleta pericial de todos os vestígios que poderiam restar no corpo da vítima.
424
previsto no art. 3º §1º e §2º da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)11, bem como em outros
artigos e regramentos legais, o legislador se preocupou em deixar o campo da assistência às
vitimas mulheres em aberto, para que sejam criados novos mecanismos de acolhimento para
e prevenção para minimizar os efeitos causados pelos e violências sofridas pelas mulheres:
§1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos
das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de
resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
§ 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias
para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
Antes mesmo da Lei Maria da Penha já existiam algumas medidas com o intuito de
acolher e proteger as mulheres, a exemplo disso fora efetivada a criação de delegacias
especializadas em atendimento para a mulher, casas de passagem com o fim de acolher
mulheres em situação de vulnerabilidade familiar, a criação do Programa Assistência
Integral à saúde da Mulher: bases de ação programática (PAISM)12 que implantou um
“conceito de assistência reconhece o cuidado médico e de toda a equipe de saúde com alto
valor às praticas educativas, entendidas como estratégia para a capacidade crítica e a
autonomia das mulheres”, bem como a construção do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à
Violência Contra a Mulher13 que “consiste em um acordo federativo [...] para a criação de
Centros de Referência, Casas- Abrigo, Delegacias Especializadas de atendimento à Mulher
– DEM, Defensorias da Mulher e Centros de Reeducação e Reabilitação do agressor.”
Existem diversos programas e centros de auxílio para as mulheres que sofrem
violência doméstica e crimes sexuais em geral, no entanto ainda estamos muito distantes de
efetivarmos de fato um parâmetro de igualdade entre gêneros em nossa sociedade. Estamos
11
BRASIL. Lei 11.340/2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acessada em:
02 de outubro de 2016.
12
Portal da Saúde. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/acoes-e-
programas/saude-da-mulher/leia-mais-saude-da-mulher/272-mais-sobre-saude-da-mulher>. Acessado em: 05
de outubro de 2016.
13
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à
violência doméstica e familiar contra a mulher / Maria Berenice Dias. – 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo
: Editora Revista dos Tribunais, 2012. pag. 205.
426
14
ELUF, Luiza Nagib. Violência contra a mulher. In: Dias , Josefina Maria de Santana (coord.). A mulher e o
Direito. São Paulo : Lex, 2007. pag 34.
15
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à
violência doméstica e familiar contra a mulher / Maria Berenice Dias. – 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo
: Editora Revista dos Tribunais, 2012. pag. 31.
427
Devemos ultrapassar o paradigma que fez com que a mulher fosse criada ao longo
dos séculos para “se sacrificar e negligenciar suas necessidades para apoiar as necessidades
dos outros e para potencializar os projetos de vida do marido e dos filhos.[...] Esse é o modelo
[...] traçado para a mulher no contexto do patriarcado.”16 Atentemo-nos então, para a
necessidade de transformação da visão social e da situação que as mulheres estão inseridas,
alterando o contexto de dominação que é exercido do gênero masculino sobre o feminino.
Conforme falamos anteriormente, o problema maior da falta de valoração do
depoimento das vítimas mulheres de estupro consiste na concepção inadequada que é dada
para o gênero feminino, porque as mulheres têm os seus direitos fundamentais postos de
maneira completamente desigual para com os homens. Seguindo a linha de raciocínio
exposta no capítulo anterior, devemos partir da ideia de que todas as pessoas são iguais em
direitos, sendo que a dignidade da pessoa humana está amplamente atrelada com a dignidade
sexual. Como esclarece Soraia da Rosa Mendes “a dignidade da pessoa humana abrange
(embora a isso não se restrinja) a vedação da coisificação.”. Dessa maneira, nenhuma pessoa
deveria ser menosprezada pelo seu gênero ou tratada como objeto ou propriedade de outrem,
não cabendo a ninguém traçar os comportamentos que devem ser mantidos por elas, na
medida em que a dignidade da pessoa humana assegura a proteção da autonomia de cada
indivíduo e a necessidade da sua proteção.
Cabe ao Estado, buscando a defesa dos direitos fundamentais, uma proteção livre de
julgamentos culturais e classificações arcaicas, como velhos conceitos de como as mulheres
devem ou não se portar. Assim, a dignidade da pessoa humana deve assegurar o direito à
autodeterminação de todas as mulheres, para que elas possam exercer livremente a sua vida
sem que sejam menosprezadas pelo direito, sendo que o direito à proteção está
completamente ligado à dignidade, na medida em que para ter os seus direitos assegurados
deverá partir do Estado uma forma de protegê-los e efetivá-los.
O Estado deverá assegurar a liberdade de todas as pessoas, propiciando formas para
que todos exerçam os seus direitos livremente, entretanto, além de existir uma liberdade
positiva, quando o Estado lhe oferece meios para efetivar os seus direitos, também há uma
liberdade negativa, no que tange a não vedação de determinadas condutas, deixando a cargo
da pessoa um rol de alternativas não proibidas pela lei.
16
MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia Feminista Novos Paradigmas/ Soraia da Rosa Mendes – São Paulo
: Saraiva, 2014. pag.207.
428
Todas as pessoas são livres para disporem da sua liberdade como bem entenderem,
desde que não adentrem ao campo da ilicitude. Quando ocorre o julgamento por parte da
sociedade, bem como pelos aplicadores do direito, do comportamento das vítimas de estupro,
sem que esse comportamento seja algo previsto em lei como ilícito, estaria o Estado
negligenciando a liberdade de todas as mulheres, pois, se não cometeram nenhum
comportamento tipificado por lei, não tem por que serem julgadas. Assim como todos os
seres humanos, as mulheres devem ter os seus direitos e garantias respeitados. Devemos
assim, mais do que alterar a visão de desvalor aplicada ao gênero feminino, carecemos de
novos ideais criminológicos voltados à proteção feminina, como aclara a Dra. Soraia da Rosa
Mendes17 “Sim, as mulheres têm direitos fundamentais. Um deles é o de livremente decidir
sob o seu próprio corpo. Trata-se de um direito fundamental e exclusivo das mulheres. [...]
para pensar o direito das mulheres, é preciso rever o campo de atuação do direito penal, e
implodir velhas estruturas”.
Devemos atentar para os movimentos sociais feministas que clamam pela efetivação
dos direitos das mulheres, direitos esses atinentes a todas as pessoas, mas que não são
aplicados de forma igualitária. Além de outros direitos, não só de dignidade sexual carecem
as mulheres, mas pelo fato de o gênero feminino ser desrespeitado há séculos, fora criada
uma desvalorização, enraizada no entendimento social, do sexo feminino. Devemos lembrar
que “as mudanças nos ordenamentos jurídicos costumam ocorrer provocadas por
transformações sociais ou pela revindicação de determinados grupos ou movimentos
sociais”18, assim como na criação da Lei Maria da Penha, devemos dar voz aos movimentos
sociais e as mulheres da sociedade, em geral, para que encontremos alguma forma de alterar
a forma com que as mulheres são vistas pela sociedade, conferindo a elas maior respeito e
proteção.
17
MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia Feminista Novos Paradigmas/ Soraia da Rosa Mendes – São Paulo
: Saraiva, 2014. pag 197 e 200.
18
VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti de. Delitos de Proximidade e Violência Doméstica. In: Crime, política
e justiça no Brasil/ Organização Renato Sérgio de Lima, José Luiz Ratton e Rodrigio Ghiringhelli de Azevedo.
– São Paulo: Contexto, 2014. pag. 293.
429
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 11.340/2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher / Maria Berenice Dias. – 3. ed.
rev., atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2012.
DIAS, Thaisa Mangnani, JOAQUIM, Evandro Dias. Revista JurisFI, Volume IV, Ano IV,
Dezembro 2013. Bauru – SP. Disponível em:
<http://www.revistajurisfib.com.br/artigos/1395809029.pdf>. Acessado em: 25/09/2016.
ELUF, Luiza Nagib. Violência contra a mulher. In: Dias , Josefina Maria de Santana
(coord.). A mulher e o Direito. São Paulo : Lex, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial/
Guilherme de Souza Nucci – 8. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos
Tribunais, 2012.
Resumo: O presente artigo visa trazer uma visão ampla sobre as provas dependentes da
memória utilizadas na persecução penal - quais sejam, a testemunhal e o reconhecimento -
bem como a incidência do fenômeno das falsas memórias sobre elas. Para isso será feita
primeiramente uma análise da memória, abordando temas como funcionamento e limitação
dela. A seguir, serão apresentados os tipos de provas dependentes da memória e como se
deve lidar com eles nas etapas de coleta e valoração. Ainda, será apresentado o fenômeno
das falsas memórias, o impacto que elas têm perante a essas provas e consequentemente no
resultado do processo criminal. E por fim, serão apresentadas algumas formas de evitar o
acontecimento das falsas memórias para que não ocorram injustiças na seara penal advindas
delas.
1 INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Advogada Criminal inscrita na OAB/RS
sob o número: 115.808, já fez diversos cursos de aprimoramento, dentre eles: “Advocacia Criminal Artesanal”
na Escola de Criminalistas, e Pós-Graduada em direito Penal e Processual Penal Aplicados pela Escola
Brasileira de Direito. Contato Eletrônico: erikaprates.adv@gmail.com
2
STEIN, L. M.; ÁVILA, G. N. Avanços científicos em psicologia do testemunho aplicados ao reconhecimento
pessoal e aos depoimentos forenses. Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça (Série
Pensando Direito, No. 59), 2015, p. 42. Disponível em: <http://pensando.mj.gov.br/wp-
content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf>. Acesso em: 25 de agosto de 2020
433
Para que seja possível responder essa perguntar com maior precisão faz-se necessária
uma análise de como funciona o processamento do nosso cérebro com relação às memórias.
Conforme explica Robert Sternberg5 a memória passa por três operações, não
necessariamente sequenciais6:
3
MORGENSTERN, Verônica Scartazzini; e SOVERAL, Raquel Tomé. Sistema Penal e Falsas Memórias.
Disponível em: <https://www.imed.edu.br/Uploads/GT3-p199-224.pdf> p.1. “Sob o viés processual penal, vê-
se nos dias atuais, mais do que nunca, a falibilidade na colheita das provas por depoimentos de pessoas, e, por
conseguinte, abre-se margem para a ocorrência das falsas memórias.”
4
ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 5ª edição.Florianópolis:
Emais Editora, 2019, p.137: “O fenômeno das falsas memórias deixou de ser uma novidade. Boa parte dos
juristas que se atualizaram sabem que a memória não é um filme, nem muito menos uma fotografia do passado.
As pesquisas com neurociência destruíram essa crença infantil, ingênua e sedutora. Sabe-se que à formação de
memórias é dinâmica e depende de muitas variáveis”
5
STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. Trad. Roberto Cataldo Costa. 4ªed. Porto Alegre: Artmed,
2008, p.190.
6
ROSA, Alexandre Morais da. Op cit., p. 135 “A memória - como visto - é o meio pelo qual, mediante três
operações - não necessariamente sequenciais, eis que se influenciam mutuamente - a) codificamos, b)
armazenamos e, c) recuperamos as experiências e informações passadas para uso no presente.”
434
Com isso percebe-se que, até que se chegue no momento da recuperação da memória,
momento em que ela será útil à instrução da persecução penal, há todo um caminho que a
memória percorre que precisa ser entendido e considerado no momento de valoração dessa
prova.
O primeiro momento na formação de uma memória é a codificação: “durante o fato,
tudo o que a vítima ou testemunha é capaz de ver, ouvir, sentir, etc é interpretado pelo
cérebro e podem vir a se tornar parte da memória para o evento7”. Assim, tudo que ocorre
naquele momento em que o cérebro está recebendo as informações e “decidindo” se as
guarda ou não é importante na hora de recuperá-las.
Nesse momento de codificação, diversos são os fatores externos que influem naquilo
que está sendo visto e o que está sendo armazenado. A Profª Janaína Matida8 pontua em seu
trabalho diversos desses fatores, tais como: o tempo de exposição ao fato a que se refere a
memória; a distância em que a pessoa estava deste local; a luminosidade do local; a presença
de arma no ocorrido; o nível de estresse que aquela pessoa se encontrava naquele momento,
dentre outros fatores.
Durante a análise desse momento de codificação, não basta saber “se a pessoa
presenciou os fatos”, como geralmente é questionado em instruções de processos criminais,
mas também se faz necessário analisar sob quais condições ambientais, emocionais e fáticas
a pessoa entrevistada estava sujeita. É necessário compreender sob que influências os fatos
foram absorvidos pela memória e somente assim ponderar qual o nível de confiabilidade que
aquela prova poderá ter9.
7
CECCONELLO, William Weber; AVILA, Gustavo Noronha; STEIN, Lilian Milnitsky. A (ir)repetibilidade
da prova penal dependente da memória: uma discussão com base na psicologia do testemunho. In Revista
Brasileira de Políticas Públicas. Volume 8. n.2. ago/2018. p.1060
8
MATIDA, Janaina Roland. A determinação dos fatos nos crimes de gênero: entre compromissos epistêmicos
e o respeito à presunção de Inocência. In: NICOLITT, André; AUGUSTO, Cristiane Brandão (orgs.). Violência
de Gênero: temas polêmicos e atuais. Editora D’Plácido, 2019 - MG. P. 97-100.
9
CECCONELLO; AVILA; STEIN. Op cit., p.1060: “As variáveis envolvidas durante a codificação do evento
não estão sobre o controle do sistema de justiça, mas podem impactar a qualidade da memória para o fato.
435
A partir do momento que a memória está armazenada ela está passível de ser
esquecida15; portanto, desse momento em diante, para a maior confiabilidade da prova
10
EAGLEMAN, David. Cérebro: uma biografia. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2017, p.44.
11
ROSA, Alexandre Morais da. Op cit., p.135: “Quantas vezes contamos uma história que teria nos acontecido
e somos corrigidos por nossos familiares e nos damos conta de que estamos confundindo a lembrança? A
memória depende da percepção e do que já temos estocado no nosso aparato cognitivo (Mapa Mental), bem
[sic] assim do ambiente e da forma como estamos dispostos a aprender.”
12
EAGLEMAN, Op cit., p.47.
13
STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. Trad. Roberto Cataldo Costa. 4ªed. Porto Alegre: Artmed,
2008, p.190.
14
STERNBERG. Op.cit., p.191.
15
CECCONELLO; AVILA; STEIN. Op. cit., p.1060
436
16
LOFTUS, Elizabeth F. Planting misinformation in the human mind: a 30-year investigation of the
malleability of memory. Learning & Memory, v. 12, n. 4, p. 361-366, 2005. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/7718097_Planting_misinformation_in_the_human_mind_A_30-
year_investigation_of_the_malleability_of_memory>. Acesso em: 27 agosto 2020. p.361-362. MATIDA,
Janaina Roland. A determinação dos fatos nos crimes de gênero: entre compromissos epistêmicos e o respeito
à presunção de Inocência. In: NICOLITT, Andre; AUGUSTO, Cristiane Brandão (orgs.). Violência de Gênero:
temas polêmicos e atuais. Editora D’Plácido, 2019 - MG. P. 98.
17
CECCONELLO; AVILA; STEIN. Op. cit., p.1061.
18
PERGHER, Giovanni Kuckartz; STEIN, Lilian Milnitsky. Entrevista cognitiva e terapia cognitivo-
comportamental: do âmbito forense à clínica. Rev. bras.ter. cogn., Rio de Janeiro , v. 1, n. 2, p. 11-20, dez.
2005 . Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
56872005000200002&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 27 ago. 2020. “A Entrevista Cognitiva (EC) é um
processo de entrevista que faz uso de um conjunto de técnicas para maximizar a quantidade e a qualidade de
informações obtidas de uma testemunha”.
19
CECCONELLO; AVILA; STEIN., Op cit.,p. 1061.
437
20
Entrevista com Elizabeth Loftus para ao Canal Ciências Criminais? Disponível em:
<https://canalcienciascriminais.com.br/falsas-memorias-e-erros-judiciarios-entrevista-com-elizabeth-f-
loftus/> Acessado em 18 de setembro de 2020
438
A Dra Lilian Stein21 reforça que a memória é o coração das provas testemunhais e de
reconhecimento, por isso são estudadas como provas dependentes da memória:
Entendendo isso, fica evidente que o processo criminal só terá um resultado justo se
as provas dependentes da memória foram fidedignas, e para isso é necessário um grande
cuidado tanto no momento da coleta dessas provas como no momento de sua valoração.
Importante esclarecer que a confiabilidade desse tipo de prova nada tem a ver com o
conceito ultrapassado de que o processo penal busca a verdade real, mas sim com a busca
por uma verdade possível e juridicamente admissível. Afinal é impossível voltar no tempo e
reestabelecer exatamente o que aconteceu, principalmente quando as únicas evidências do
crime são provas dependentes da memória dos envolvidos22.
Sendo assim, é impossível que tenhamos certeza absoluta que aquela prova
testemunhal, por exemplo, é 100% verídica, afinal como já muito bem demonstrado, a
memória não é uma fotografia23.
Exatamente por esses motivos que torna-se vital tomar extremo cuidado ao tratar da
prova testemunhal. Alexandre Morais da Rosa reforça a necessidade dessa atenção ao
afirmar que “a prova testemunhal é a mais utilizada no processo penal e diante das
armadilhas da memória em face da limitação da capacidade humana de percepção, deve
ser tomada com grandes cuidados procedimentais”24.
O processo penal estabelece como deve ser todo o procedimento para a coleta da
prova testemunhal (artigos 202 a 225 do Código de Processo Penal), mas apenas seguir esse
procedimento não traz nenhuma garantia de que as provas serão verdadeiras e confiáveis.
Isso porque pouco foi implementado no sistema penal brasileiro os estudos referentes à
21
STEIN, L. M.; ÁVILA, G. N. Avanços científicos em psicologia do testemunho aplicados ao
reconhecimento pessoal e aos depoimentos forenses. Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério
da Justiça (Série Pensando Direito, No. 59), 2015. P. 18.Disponível em: <http://pensando.mj.gov.br/wp-
content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf>. Acesso em: 28 de agosto de 2020
22
TAVARES, Juarez; CASARA, rubens. Prova e Verdade. 1ªed - São Paulo: Tirant lo Blanc, 2020. P. 21.
23
ROSA, Alexandre Morais da. Op. Cit. 5ª edição.Florianópolis: Emais Editora, 2019. P. 662.
24
ROSA, Alexandre Morais da. Op. Cit. 5ª edição.Florianópolis: Emais Editora, 2019. P. 651.
439
25
“O fator final que pode causar problemas em casos criminais é à ignorância científica. Muitos dos
profissionais envolvidos em tais casos não têm conhecimento (ou formação) sobre o que diz a última pesquisa
sobre a memória.” SHAW, Julia. The Memory Illusion. Remembering, Forgetting and the Science of False
Memory, London: Random House Books, 2016, p. 236. apud TAVARES, Juarez; CASARA, rubens. Prova e
Verdade. 1ªed - São Paulo: Tirant lo Blanc, 2020. P. 21.
26
ROSA, Alexandre Morais da. Op. cit., p.662
440
27
CECCONELLO; AVILA; STEIN. Op. cit.
28
LOFTUS, Elizabeth F.; PALMER, John C. Reconstruction of automobile destruction: an example of the
interaction between language and memory. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, v. 13, n. 5, p.
585-589, 1974. Disponível em: <http://www.demenzemedicinagenerale.net/images/mens-
sana/AutomobileDestruction.pdf> Acesso em: 12 de setembro de 2020. .
29
CECCONELLO; AVILA; STEIN. Op. cit. P. 1062: A maleabilidade da memória da testemunha não
significa a realização ou repetição de procedimentos, que são inerentemente prejudiciais à memória do fato.
Repetidas entrevistas permitem trazer mais informações da testemunha. Entretanto, o benefício na repetição de
oitivas de testemunhas e vítimas ocorre apenas quando se utiliza um protocolo com validade científica, aplicado
por um profissional com capacitação adequada à utilização deste. A respeito desses dois aspectos (quem realiza
e como realiza) reside a impossibilidade de repetir o testemunho na conjuntura brasileira atual.
30
ROSA, Alexandre Morais da. Op. cit., P.702.
441
31
Entrevista com a Dra Lilian Stein para a Agência Brasil. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-11/policiais-e-juizes-dao-grande-importancia-
testemunho-em-processo-diz-
pesquisa#:~:text=L%C3%ADlian%20Stein%3A%20Uma%20pr%C3%A1tica%20muito,a%20pessoa%20fa
%C3%A7a%20o%20reconhecimento> Acesso em 13 de setembro de 2020
32
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Entrevistas Forenses e Reconhecimento Pessoal nos
Processos de Criminalização: um diagnóstico brasileiro. In Boletim de Análise Político-Institucional, n. 17,
Dezembro 2018. Pág. 47/48 Disponível em
<http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8866/1/bapi_17_cap_6.pdf> Acesso em 13 de setembro de
2020
442
Lendo o resultado da pesquisa empírica realizada por STEIN e ÁVILA fica evidente
que as técnicas usadas atualmente pela sistema criminal brasileiro é muito falha e
praticamente não leva em consideração nenhuma recomendação dos diversos estudos sobre
a psicologia do testemunho, sendo eles, portanto, muito vulneráveis a erros cognitivos.
Assim, percebe-se, mesmo que de forma breve, que o sistema de coleta e valoração
das provas dependentes da memória ainda é muito deficitário no Brasil e precisa
urgentemente ser revisto e remontado com todos os ensinamentos advindos da psicologia do
testemunho33. Já passou da hora de compreender que a memória está muito longe de ser uma
máquina fotográfica e que todas as provas que dependem dela precisam ser manuseadas e
valoradas com muito cuidado.
Para compreender o fenômeno das falsas memórias e o impacto delas nas provas
dependentes da memória é importante esquecer qualquer vestígio de compreensão
equivocada de que a memória funciona como um gravador. Elizabeth Loftus, pesquisadora
conceituada do fenômeno das falsas memórias, traz uma compreensão completa de como se
deve encarar a memória para compreendê-la de forma correta:
33
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Entrevistas Forenses e Reconhecimento Pessoal nos
Processos de Criminalização: um diagnóstico brasileiro. In Boletim de Análise Político-Institucional, n. 17,
Dezembro 2018 Disponível em
<http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8866/1/bapi_17_cap_6.pdf> Acesso em 13 de setembro de
2020. P. 48/49:: “Quanto a uma proposta de reforma da legislação no que tange à coleta de evidências de
testemunhas/vítimas a partir de seu testemunho ou reconhecimento, faz-se imprescindível que sejam
incorporados os subsídios científicos da psicologia do testemunho ao seu conteúdo. Isto seria possível, para o
caso das entrevistas para coleta de testemunho, por exemplo, com a especificação do que seriam consideradas
perguntas indutivas/sugestivas, já com a respectiva consequência acerca do afastamento da forma legislativa
(nulidade absoluta do procedimento) no futuro Código de Processo Penal. É fundamental a incorporação,
notadamente, das técnicas científicas de entrevista investigativas, como a entrevista cognitiva (Stein e Memon,
2006), para obtenção de informações de melhor qualidade e em maior quantidade. Tais técnicas
comprovadamente diminuem as chances de perguntas indutivas/sugestivas prejudicarem a qualidade do
testemunho. Todavia, somente a partir do registro (gravação em vídeo ou até mesmo somente em áudio) é que
a implementação dessas técnicas de entrevista e sua adequação poderia ser monitorada.”
34
TED talk - Elizabeth Loftus - Até onde pode-se confiar na memória? Disponível em:
443
<https://www.ted.com/talks/elizabeth_loftus_how_reliable_is_your_memory/up-
next?fbclid=IwAR39g9smV8BZ5VdLB2fSoce_vZQc6NDH-VSDU-fnOiCzt-
u6BbmWMiRgM7kw&language=pt-br#t-1039524> Acessado em 03 de junho de 2020
35
OLIVEIRA, Helena Mendes; albuquerque, PEDRO B.; SARAIVA, Magda. O estudo das falsas memórias:
reflexão histórica. In Temas psicol. vol.26 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2018. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2018000400003&lng=pt&nrm=iso> Acesso em 13 de setembro de 2020
36
TAVARES;CASARA. Op. cit. P. 31 “(...) as falsas memórias não constituem uma patologia da pessoa, são
expressão normal do processo de reconhecimento e registro cerebral de dados e fatos”
37
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Política não criminal e processo penal: à intersecção à partir das falsas
memórias das testemunhas e seu possível impacto carcerário. Disponível em:
<https://emporiododireito.com.br/leitura/politica-nao-criminal-e-processo-penal-a-interseccao-a-partir-das-
falsas-memorias-da-testemunha-e-seu-possivel-impacto-carcerario> Acesso em 13 de setembro de 2020
444
38
ROSA, Alexandre Morais da. Op. cit. Diferente da mentira, as falsas memórias são de difícil constatação,
principalmente quando sugeridas indiretamente e atualizadas na memórias.”
39
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17ªed. São Paulo: Saraiva Educacao, 2020. P. 514.
445
O segundo método que deve ser implementado imediatamente para que as falsas
memórias sejam menos recorrentes é a adoção de um procedimento de entrevista baseado
nos estudos da psicologia do testemunho40, na qual não deverão ser feitas perguntas fechadas
ou que induzam a resposta41.
O tempo entre o evento e a coleta da prova testemunhal deverá ser o menor possível,
para que 1) Essa pessoa não seja corrompida pela mídia ou por terceiros, criando falsas
memórias; 2) Não ocorra o fenômeno natural do esquecimento - o qual também poderá ser
o gerador de falsas memórias a partir de uma necessidade de preenchimento de lacunas
esquecidas.
E mesmo com todos esses cuidados nunca será possível ter 100% de certeza que as
lembranças estarão livres de falsas memórias, sendo assim, é necessária uma urgente
conscientização sobre esses eventos que podem corromper as provas dependentes da
memória e ter muito cuidado no momento de valorá-las42.
No que tange ao reconhecimento de pessoas também é possível a incidência do
fenômeno das falsas memórias. E inclusive é muito mais comum do que imagina-se. São
diversos os erros judiciais que tem como base um reconhecimento equivocado. STEIN e
ÁVILA trazem um dado que ilustra essa quantia: “Nos Estados Unidos, por exemplo, o
Innocence Project (Eyewitness..., 2015) chegou a 75% de erros judiciais vinculados
diretamente ao reconhecimento equivocado de pessoas”43. Evidente, portanto, a fragilidade
do reconhecimento de pessoas.
Conforme já trazido neste artigo, se faz essencial a observância plena do
procedimento para reconhecimento de pessoas previsto no artigo 226 do CPP, pois isso é
uma garantia de um reconhecimento minimamente confiável.
Qualquer falha neste procedimento pré estabelecido pode ser o causador de uma falsa
memória que irá corromper a lembrança para sempre. Infelizmente, no Brasil, o
40
ÁVILA. Op. Cit.; LOPES JUNIOR. Op. Cit. P. 515.
41
CECCONELLO; ÁVILA;STEIN. Op, cit. P. 1062: (...) apenas uma pergunta mal elaborada pode ser o
suficiente para que a memória original da testemunha seja alterada de forma permanente.
42
TAVARES; CASARA. Op. Cit. P. 31: “A análise dos depoimentos não pode, portanto, simplesmente ignorar
os efeitos da falsa memória, como se fosse um instrumento da defesa para evitar a punição dos culpados.”
43
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Entrevistas Forenses e Reconhecimento Pessoal
nos Processos de Criminalização: um diagnóstico brasileiro. In Boletim de Análise Político-Institucional, n.
17, Dezembro 2018 P. 49 Disponível em
<http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8866/1/bapi_17_cap_6.pdf> Acesso em 13 de setembro de
2020
446
reconhecimento poucas vezes é feito da forma correta, sendo comumente aceitos no processo
reconhecimentos informais44. Uma dessas práticas informais bastante comum é o
reconhecimento fotográfico, não previsto na legislação, algumas vezes usado como
substituição do reconhecimento pessoal e outras introduzindo-o como uma pré-
identificação45.
Após toda compreensão de como funciona a memória é evidente o imenso problema
do reconhecimento fotográfico. Em primeiro lugar por não ser possível fazê-lo garantindo o
procedimento estabelecido no CPP e também porque muitas vezes o reconhecimento por
foto pode induzir uma falsa memória de reconhecimento gerada pela inserção de uma
imagem concreta de ofensor.
Ora, imagine que a vítima/testemunha tem um “rascunho” do autor do delito em sua
lembrança. Chegando no local do primeiro reconhecimento - geralmente a delegacia - os
policiais mostram a foto de um acusado muito parecido com aquele do “rascunho”, ou até
mesmo mandam a fotografia por whatsapp (prática bastante comum). Naquele momento a
vítima/testemunha desembaça esse rascunho adaptando-o à imagem do novo indivíduo,
gravando as novas características em sua memória. Obviamente, em um posterior
reconhecimento pessoal - seja na delegacia ou em juízo - a vítima/testemunha reconhecerá
aquela pessoa mostrada em foto, que não terá necessariamente uma ligação direta com o
ocorrido, e sim com a falsa memória criada no procedimento falho de reconhecimento.
Além dos problemas procedimentais que podem corromper um reconhecimento, há
também a influência de diversos fatores relativos ao momento do delito, como, por exemplo:
a bagagem socio-cultural da vítima, ou testemunha, suas concepções pré-estabelecidas, seus
“estereótipos culturais (sobre cor, classe social, sexo, etc)”46; o efeito do “foco da arma”47;
a luminosidade do local; a distância em que o reconhecedor estava do local do delito; dentre
diversos outros fatores que não serão aqui estudados. Este artigo se limita a estudar apenas
a incidência das falsas memórias.
44
LOPES JÚNIOR, Aury. Op. Cit., P. 534.
45
LOPES JÚNIOR, Aury. Op. Cit., P. 541.
46
LOPES JÚNIOR, Aury. Op. Cit.,P. 540.
47
LOPES JUNIOR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Memória não é Polaroid: precisamos falar sobre
reconhecimentos criminais. 2014 Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2014-nov-07/limite-penal-memoria-nao-polarid-precisamos-falar-
reconhecimentos-criminais> Acesso em 13 de setembro de 2020
447
Com isso fica evidente que as falsas memórias incidem nas provas testemunhais e de
reconhecimento e que todas as pessoas estão sujeitas a tê-las. Assim, o sistema judiciário
brasileiro não pode mais ignorar esse fenômeno psicológico tão amplamente estudado. É
necessário adequar todos os procedimentos que envolvem as provas dependentes da
memória com os ensinamentos da psicologia do testemunho para que elas sejam o mais
confiáveis possível e não causem nenhuma injustiça.
5 CONCLUSÃO
48
Minissérie da Netflix
448
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Política não criminal e processo penal: à intersecção à
partir das falsas memórias das testemunhas e seu possível impacto carcerário.
Disponível em:
<https://emporiododireito.com.br/leitura/politica-nao-criminal-e-processo-penal-a-
interseccao-a-partir-das-falsas-memorias-da-testemunha-e-seu-possivel-impacto-
carcerario> Acesso em 13 de setembro de 2020
EAGLEMAN, David. Cérebro: uma biografia. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco,
2017.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17ªed. São Paulo: Saraiva Educacao,
2020. P. 514.
LOPES JUNIOR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Memória não é Polaroid:
precisamos falar sobre reconhecimentos criminais. 2014 Disponível em
<https://www.conjur.com.br/2014-nov-07/limite-penal-memoria-nao-polarid-precisamos-
falar-reconhecimentos-criminais> Acesso em 13 de setembro de 2020
MATIDA, Janaina Roland. A determinação dos fatos nos crimes de gênero: entre
compromissos epistêmicos e o respeito à presunção de Inocência. In: NICOLITT, André;
AUGUSTO, Cristiane Brandão (orgs.). Violência de Gênero: temas polêmicos e atuais.
Editora D’Plácido, 2019 - MG.
OLIVEIRA, Helena Mendes; albuquerque, PEDRO B.; SARAIVA, Magda. O estudo das
falsas memórias: reflexão histórica. In Temas psicol. vol.26 no.4 Ribeirão Preto out./dez.
2018. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2018000400003&lng=pt&nrm=iso> Acesso em 13 de setembro de 2020
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
56872005000200002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 27 ago. 2020
ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 5ª
edição.Florianópolis: Emais Editora, 2019.
STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. Trad. Roberto Cataldo Costa. 4ªed. Porto
Alegre: Artmed, 2008.
TAVARES, Juarez; CASARA, rubens. Prova e Verdade. 1ªed - São Paulo: Tirant lo Blanc,
2020.
451
Evânia Romanosky1
Resumo: Muitos estudiosos e pesquisadores dizem que a pandemia Covid-19 que assolou o
mundo este ano de 2020 tem funcionado como um acelerador do futuro. Toda essa situação
trazida pelo COVID-19, nos fez antecipar uma realidade que já estava em andamento, como
trabalho remoto, educação a distância, Telessaúde, telemedicina, busca pela
sustentabilidade, o home-office. O ano de 2020 tornou-se um ano histórico devido à
pandemia que milhões de pessoas em todo o mundo entraram em isolamento, nesse sentido
os meios de conexão tão utilizados aceleraram a necessidade de implementar serviços
virtuais em maior escopo. Nesse sentido, a telemedicina entra como um método que permite
o atendimento à distância. Propõe, portanto, neste artigo explorar sua origem histórica, sua
relevância no Brasil à luz das perspectivas jurídicas e dos desafios para a bioética.
Curiosidade, e experimentos para atender remotamente, não são de hoje, pois desde a
invenção do telégrafo, estetoscópio eletrônico e telefone, os profissionais médicos já
buscavam essa experiência. Com o aumento populacional, a necessidade de atender pessoas
mais distantes também passou a ser uma preocupação constante no campo médico. A
transição demográfica que ocorreu ao redor do mundo e o envelhecimento da população
mundial, como resultado de uma multiplicidade de fatores relacionados aos avanços
tecnológicos e à melhoria das condições de vida, faz com que organizações internacionais,
estados nacionais e sociedade civil cuidem da Revolução Tecnológica.
1 INTRODUÇÃO
Muitos estudiosos e pesquisadores dizem que a pandemia do Covid-19 que assolou
o mundo neste ano de 2020, funcionou como um acelerador do futuro. Toda essa situação
trazida pelo COVID-19, fez com que antecipássemos uma realidade que já estava em curso,
como o trabalho remoto, a educação a distância, telesaúde, telemedicina, a busca por
sustentabilidade, o home-office. O ano de 2020 se tornou um ano histórico devido à
pandemia, milhões de pessoas no mundo inteiro entraram em isolamento, neste sentido os
meios de conexão foram tão utilizados, de forma que a pandemia acelerou a necessidade de
implementação de serviços virtuais em maior alcance. Nesse sentido, a telemedicina entra
1
Pesquisadora Cnpq-UFRGS- Grupo de Pesquisa da Professora Cláudia Lima Marques Especialista em Direito
do Consumidor e Direitos Fundamentais – UFRGS, OAB/RS 90.718. Advogada na área médica, e consumidor.
Membra da Comissão Mulher Advogada CMA-OABRS Coordenadora e membra da ABA/RGS Comissão de
Direito e Saúde E-mail: evaromanovsky@hotmail.com
452
"Não vamos para o espaço para ver a beleza da paisagem. Não somos turistas.
Quem faz carreira de astronauta fá-lo pela ciência, pela tecnologia e para manter
a estação espacial", contou Luca Parmitano, astronauta da Agência Espacial
Europeia (AEE).
2
Acessado no dia 03/10/2020 no site: https://pt.euronews.com/2018/03/22/a-medicina-do-espaco-que-pode-
ser-util-na-terra
453
3
Acessado no dia 04/10/2020 no site: https://www1.folha.uol.com.br/tec/2019/11/arpanet-o-embriao-da-
internet-completa-50-anos.shtml
A Arpanet, o embrião do que é hoje a maior rede de comunicação do planeta, surgiu em 1969, com a finalidade
de atender demandas do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. A ideia inicial era criar uma rede que
não pudesse ser destruída por bombardeios e fosse capaz de ligar pontos estratégicos como centros de pesquisa
e tecnologia.
454
4
https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2002/1643 Resolução CFM nº 1.643/2002:
"Define e disciplina a prestação de serviços através da Telemedicina", acessado 05/10/2020.
5
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44497/9789241564144_eng.pdf;jsessionid=7C5FBA99F4C
5D9A3AA606BAB88E1E323?sequence=1 Acessado no dia 04/10/2020 original extraído da OMS:
Telemedicine, a term coined in the 1970s, which literally means “healing at a distance” (1), signifies the use
of ICT to improve patient outcomes by increasing access to care and medical information. Recognizing that
there is no one definitive definition of telemedicine – a 2007 study found 104 peer-reviewed definitions of the
word – the World Health Organization has adopted the following broad description: INTRODUCTION:
OVERVIEW OF TELEMEDICINE “The delivery of health care services, where distance is a critical factor,
by all health care professionals using information and communication technologies for the exchange of valid
information for diagnosis, treatment and prevention of disease and injuries, research and evaluation, and for
the continuing education of health care providers, all in the interests of advancing the health of individuals and
their communities”. The many definitions highlight that telemedicine is an open and constantly evolving
science, as it incorporates new advancements in technology and responds and adapts to the changing health
needs and contexts of societies. Some distinguish telemedicine from telehealth with the former restricted to
service delivery by physicians only, and the latter signifying services provided by health professionals in
general, including nurses, pharmacists, and others. However, for the purpose of this report, telemedicine and
telehealth are synonymous and used interchangeably.
455
Do ponto de vista Global, os EUA despontam com um dos países pioneiros, e que
mais investe na telemedicina, conforme o estudo realizado pela 7Comissão Europeia em
2018, intitulado “Market Study on Telemedicine”:
6
http://www.sbgg-sp.com.br/telessaude-para-o-idoso-em-tempos-de-coronavirus/Acessado no dia 04/10/2020
Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)
7
https://ec.europa.eu/health/sites/health/files/ehealth/docs/2018_provision_marketstudy_telemedicine_en.pdf
Market study on telemedicine. Acessado em 04/10/2020.
456
Prevenção;
Tratamento; 44% 42 %
Ambiente
vida assistida;
12 %
Figura: Distribuição da receita de eHealth em três categorias-chave de utilização nos Estados Unidos em
2016
Fonte: Statista (2017)
A telemedicina é também uma realidade para vários países europeus, como por
exemplo Portugal, que já apresenta bons resultados. 8O Dr. Daniel Ferreira, Diretor Clínico
do Centro Clínico Digital e Coordenador da área de Cardiologia Clínica do Hospital da Luz
em Lisboa relata:
8
http://telemedicinesummit.com.br/noticias/telemedicina-regulamentada-ja-e-uma-realidade-em-portugal/
Global Summit Telemedicine & Digital Health. Acessado 04/10/2020
457
2 TELEMEDICINA NO BRASIL
9
https://ec.europa.eu/eurostat/statisticsexplained/index.php?title=Archive:Statistics_on_regional_population_
projections acessado 03/10/2020
10
https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Population_structure_and_ageing/pt
Estrutura populacional e envelhecimento. EUROSTAT
11
LEI Nº12.842, 10 DE JULHO 2013. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12842.htm , acessado 04/10/2020
12
https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2002/1643 Resolução CFM 1.643/2002 Define
e disciplina a prestação de serviços através da
Telemedicina
458
prestação de serviços através da Telemedicina”. Entretanto essa abordagem era muito vaga
no que diz respeito a telemedicina, não contemplava muitas questões pertinentes ao uso
desta.
13
A Resolução CFM nº 2.227/2018 revogou a CFM 1.643, de 2002, e trouxe mais
características para o uso da telemedicina. A resolução teve uma vida muito curta, e em 2019
foi revogada (Resolução CFM nº 2.228/2019). O que podemos avaliar que em 2002 o
Conselho Federal de Medicina (CFM) regulou a matéria, no ano 2018 com um estudo um
pouco melhor, o Conselho buscou contemplar questões não vislumbradas na Resolução
1.643/02, contudo ainda não lograra êxito. Com a pandemia pelo Covid-19, o Ministério da
Saúde agiu de forma rápida pelas circunstâncias emergenciais, e o Congresso Nacional
regulou de modo excepcional e temporariamente a matéria. No dia 16.04.2020, foi publicada
a 14Lei nº 13.989/2020, a qual dispõe sobre o uso excepcional e temporário desse recurso
apenas durante a crise causada pelo coronavírus.
Segundo a Declaração de Tel Aviv, "Declaração de Tel Aviv sobre
responsabilidades e normas éticas na utilização da Telemedicina", adotada pela 51ª
Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, em Tel Aviv, Israel, em outubro de 1999.
Na esteira da Associação Médica Mundial, no Brasil, o 15Conselho Federal de Medicina, em
26/08/2002 publicou a Resolução nº 1643/2002, que “define e disciplina a prestação de
serviços através da Telemedicina”
13
https://portal.cfm.org.br/images/PDF/resolucao222718.pdf
Acessado 04/10/2020 CFM nº 2.227/2018 https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-
explained/index.php?title=Population_structure_and_ageing/pt
14
LEI Nº 13.989, DE 15 DE ABRIL DE 2020 Dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo
coronavírus(SARS-CoV-2)https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.989-de-15-de-abril-de-2020-
252726328 Acessada em: 05/10/2020
15
http://www.crmto.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=22064:2020-04-21-18-40-
54&catid=46:artigos&Itemid=495 acessado 03/10/2020
459
A telemedicina trará uma democratização para a saúde alcançando pessoas que estão
longe de um especialista, por exemplo. São inúmeros os benefícios dessa modalidade da
medicina, podemos citar também: O 16Instituto SENAI de Inovação em Soluções Integradas
em Metalmecânica, do Rio Grande do Sul, desenvolveu juntamente com a
empresa Novus uma nova tecnologia que vai evitar que profissionais de saúde que atuam
nas triagens de unidades hospitalares fiquem expostos no momento do atendimento inicial a
pacientes que suspeitam de Coronavírus.
Observa-se que mesmo em caráter temporário e de excepcionalidade, a Declaração
de Tel Aviv sobre responsabilidades e normas éticas na utilização da Telemedicina já
aborda e limita as normas éticas. Neste sentido é importante salientar que com a
institucionalização da telemedicina no Brasil serão abordados conjuntamente outros
aspectos como a proteção de dados devido à nova de Lei Geral de Proteção de Dados 17Lei
13.709/18 que já está em vigência, também os meios digitais que serão utilizados, normas
de proteção do consumidor, entre outros aspectos legais. Portanto essas garantias legais
preservarão a integridade, o sigilo e a segurança da informação nos atendimentos realizados
entre médicos e pacientes por todos os meios tecnológicos e plataformas digitais que
serviram de interface entre o médico e o paciente.
Na área consumerista também podemos vislumbrar a proteção ao consumidor. No
ano de 2012, a convite da Consumers Internacional, Profa. Dra. Cláudia Lima Marques,
iniciava um processo de atualização consumerista na Reunião Ad Hoc de Especialistas em
Proteção ao Consumidor junto à UNCTAD. Assim começaram as consultas sobre uma
possibilidade das revisões das Diretrizes das Nações Unidas para Proteção ao Consumidor",
analisadas em 2013, e que em 2014 resultaram em um Draft, que foi finalizado em julho e
aprovado pela Assembleia Geral da ONU, em final de dezembro de 2015. Os documentos
da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD)
informam sobre as normas de proteção e as novas tecnologias:
16
https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/inovacao-e-tecnologia/senai-desenvolve-produto-para-
realizar-triagem-remota-de-pacientes-com-covid-19/ acessado 05/10/2020
17
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm Lei Geral de Proteção de Dados
Lei 13.709/18 acessado 05/10/2029
460
"A revisão das DNUPC cobre todo o conteúdo das existentes DNUPC, bem como
de algumas áreas ainda não alcançadas nas Diretrizes (comércio eletrônico,
serviços financeiros, outras questões e implementação), com o objetivo de
melhor proteger consumidores em um mundo de mudanças e na necessidade
de atualizar a proteção de consumidores em áreas que são, cada vez mais, uma
parte essencial do consumo cotidiano. A finalidade da revisão é alcançar uma
efetiva proteção ao consumidor nos níveis nacional, regional e internacional, no
tocante ao direito balanceado entre um alto nível de proteção dos consumidores e
a competitividade dos negócios."18
18
MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia Lima; OLIVEIRA, Amanda Flávio - 25 Anos do Código de
Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 427.
461
3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
19
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. 2. ed. Coimbra: Almedina,
2001, p. 630.
20
Lei n.º12.965/2014(23 de abril de 2014)Marco Civil da Internet
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm acessado 05/10/2020
462
MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia Lima; OLIVEIRA, Amanda Flávio -25 Anos do
Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 427.
SENAI. Desenvolve produto para realizar triagem remota de pacientes com Covid-19.
18 de out. 2020. <https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/inovacao-e-
tecnologia/senai-desenvolve-produto-para-realizar-triagem-remota-de-pacientes-com-
covid19/#:~:text=O%20projeto%20desenvolvido%20com%20pesquisadores,question%C3
%A1rio%20no%20momento%20da%20triagem.> Acessado em: 05 de out. 2020.
464
Resumo: A presente pesquisa busca demonstrar que, em que pese os avanços socioculturais
e legislativos no âmbito das famílias, com a positivação constitucional da igualdade entre
homens e mulheres e o reconhecimento de igualdade entre os filhos, ainda existem inúmeros
pontos a serem desenvolvidos, tanto no que diz respeito à verdadeira autonomia da mulher
quanto à legislação que regula o instituto da adoção. Isso porque percebe-se uma verdadeira
dicotomia entre os direitos positivados. Enquanto aborda-se interminavelmente sobre o
melhor interesse da criança e do adolescente, há uma legislação que se esforça em deixar a
criança e/ou adolescente negligenciado junto à família natural ou extensa. Além disso, a
maternidade ainda é exigida e ditada à mulher como exercê-la, sem ser-lhe possibilitada a
interrupção de uma gravidez indesejada; de forma que tais considerações acabam por
evidenciar a falha tentativa do Estado em continuar a organizar os vínculos parentais. A
espera da criança em situação de vulnerabilidade pela família biológica é extremamente
temerária ao seu desenvolvimento saudável, tornando-se imprescindível buscar vias
alternativas enquanto não há a destituição do poder familiar e a sua disponibilização para a
adoção. Nesse contexto, emerge a necessidade de repensar as relações de poder e submissão
abordadas, assegurando a abertura do debate para uma supressão, de fato, de tais
comportamentos obsoletos, a fim de que o direito constitucionalmente garantido à toda
criança e/ou adolescente de desenvolver-se em ambiente familiar saudável seja efetivado.
INTRODUÇÃO
1
Advogada OAB nº 108.819; Especialista em Direito Público; e, Pós-graduanda em Direito de Família e
Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP, endereço eletrônico:
helenaklein.adv@gmail.com
465
lugar na sociedade, como “mulher de família” se fosse casada, mãe e exercesse a função
pedagógica (embora condicionada) de criar seus filhos.2
Com relação aos filhos, seguia-se a rigidez imposta à mulher, eis que apenas eram
considerados legítimos se concebidos no seio de uma família constituída pelo casamento.
Caso os genitores não fossem casados, os filhos eram chamados de naturais, no entanto não
tinham direito ao nome do pai, tampouco quaisquer direitos, como buscar alimentos nem
perceber direitos sucessórios.
Os avanços no âmbito das famílias estão diretamente ligados às conquistas de direitos
das mulheres. Na medida em que a família é um reflexo da sociedade em que se está inserida,
inegáveis são as mudanças estruturais e funcionais ocorridas – se a concepção clássica se
atrelava ao matrimônio atrelada à liames biológicos e registrais, a nova definição está cada
vez mais desvinculada desses fatos. No Brasil, a redemocratização é um marco divisor de
tais concepções, eis que a instauração da igualdade entre o homem e a mulher remodelou o
conceito de família, passando a proteger, de forma igualitária, a todos os seus membros.3
A Constituição Federal de 1988 estendeu a sua proteção a todas as espécies de
famílias, independentemente da sua forma de constituição, merecendo especial destaque a
consagração da igualdade entre os filhos, garantindo os mesmos direitos e qualificações
àqueles havidos ou não do casamento, bem como por adoção.
Nessa perspectiva é indispensável reconhecer que a Constituição passou a conferir
tutela jurídica ao afeto, passando-se a ser reconhecido como o principal fundamento das
relações familiares, como bem leciona Flávio Tartuce:
2
MENDES, Soraia da Rosa. Justiça Penal e Justiça de Família: a Guarda Compartilhada e a Proteção Que
Desprotege. In: RDU, Porto Alegre, RS, Edição Especial, 2016, p. 168.
3
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
art. 226. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em:
03. out. 2020.
4
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo. 8.ed. Editora Método, 2018, p.1327.
466
5
BRASIL. Op. cit., 1988, art. 227.
6
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 4º. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 22 ago. 2020.
7
DIAS, Maria Berenice. Filhos do Afeto. São Paulo. 2.ed. Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 65.
467
8
DIAS, Maria Berenice. Filhos do Afeto. São Paulo. 2.ed. Editora Revista dos Tribunais, 2017, p.19.
9
Ibid., p.20.
10
ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo. Salvador. 5.ed. Editora
Juspodvm, 2019. p. 38.
468
padres.11 Mas, importa dizer, que a manutenção dessa estrutura, interessava igualmente aos
dois entes, pois essa era a melhor forma de manter o controle.
Muito embora tais questões causem impressões obsoletas, destaca-se que, em pleno
século XXI, o Estado não determina o ensino de sexualidade nas escolas; não há a presença
de políticas públicas suficientes de prevenção à gravidez indesejada; o aborto é
criminalizado; além, é claro, de a Igreja Católica proibir o uso de qualquer método
contraceptivo. Ou seja, a mulher continua sendo considerada um ser sem vontade própria.12
11
PATEMAN, Carole. Críticas feministas à dicotomia público/privado. Tradução de verso Tradutores do
original “Feminism critiques of the public public/private dichotomy”. The disorder of women. Direitos cedidos
por Polity Press. In: _____. (Orgs.) Teoria política feminista: textos centrais., p. 62.
12
DIAS, op. cit., 2017, p.64.
13
Freud, ao escrever a sua teoria sobre a sexualidade feminina, diz que as mulheres possuem inveja do pênis,
classificando como um complexo de masculinidade o não conformismo com a sua “castração”, decidindo “ser
um menino”, procurando profissões que seriam pênis simbólicos. CARVALHO, Alexandre. O paradoxo de
Freud. Aventuras na História, São Paulo, edição 196, p. 34, set. 2019.
14
DIAS, op. cit., 2020. p. 43.
469
15
DIAS, op. cit., 2020, p. 326.
16
DIAS, op. cit., 2020, p. 42.
17
DIAS, op. cit., 2017, p. 22.
18
ROSA, op. cit. p. 49.
19
BRASIL, op. cit., 1988, art. 5º, inc. I.
20
BRASIL, op. cit., 1988, art. 227, §6º.
470
21
ROSA, Op. cit., p.52.
22
MENDEZ, Emílio Garcia. História da Criança como História do seu controle. In: COSTA, Antônio Carlos
Gomes de e MENDEZ, Emílio Garcia. Das Necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 11-32.
23
DIAS, op. cit., 2020, p. 326.
24
DIAS, op. cit., 2020, p. 47.
471
cita Maria Berenice “É essa estrutura familiar que interessa investigar e preservar em seu
aspecto mais significativo, de um verdadeiro LAR: Lugar de Afeto e Respeito.”25.
A adoção é o instituto jurídico mais importante para acabar com qualquer sombra
de dúvida que possa existir acerca da relevância do afeto nas relações familiares,
justamente porque é estabelecida de forma voluntária, com o intuito de formar
uma família, em que o afeto deve manter-se de forma recíproca entre os
componentes que a integram. Dessa forma, recebem os laços afetivos inequívoca
tutela jurídica.28
25
DIAS, op. cit., 2020, p. 43.
26
“Art. 43: A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos
legítimos.” (BRASIL. Op. cit., 1990)
27
ROSA, op. cit., p. 391.
28
DIAS, op. cit., 2017, p. 71.
472
O Estatuto da Criança e do Adolescente31, em seu art. 19, dispõe, como regra, que a
criança e o/a adolescente têm direito de serem criados e educados no seio de sua família e,
excepcionalmente, em família substituta. Diz, ainda, que têm direito à convivência familiar
29
MORAES, Maria Celina Bodin; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Comentários ao artigo 227. In: _____.
(Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 2128.
30
Ibid. p. 2128
31
BRASIL. Op. cit., 1990.
473
32
Ibid., §3º, Art. 19.
33
Ibid., Art. 100, inciso X.
34
DIAS, op. cit., 2020. p. 329
35
ASSUNÇÃO, Sheyla. et al. Dia da Adoção: Brasil tem 34mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos.
Senado Notícias, 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/22/dia-da-
adocao-brasil-tem-34-mil-criancas-e-adolescentes-vivendo-em-abrigos. Acesso em: 24 ago. 2020.
36
BRASIL, op. cit., 1990, §3º, Art. 19-A.
37
DIAS, op. cit., 2020. p. 331
474
38
DIAS, op. cit., 2017, p. 111
39
“Pesquisa “Órfãos da Romênia”, realizada pelo Hospital de Crianças de Boston, da Universidade de
Harvard.”. ABANDONO causa danos cerebrais em crianças. Acolhimento familiar. Disponível em:
https://acolhimentofamiliar.com.br/abandono-causa-danos-cerebrais-em-criancas/#. Acesso em: 22 ago. 2020.
475
substituta, com a qual havia criado verdadeiros vínculos afetivos. Decisão proferida nos
autos do AI nº 70081605206, da Oitava Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul.40.
A criança em questão foi acolhida com um mês de vida. O conselho tutelar
acompanhou a gestação da mãe em razão de que, no ano anterior ao seu nascimento, quatro
crianças da sua família que estavam sob a guarda dos seus genitores, haviam sido acolhidas
em virtude de abusos físicos, psicológicos e sexuais perpetrados pelo seu pai. A idade dessas
crianças variava de três a quatorze anos quando da intervenção estatal, sem que houvesse
familiares interessados em exercer a guarda.
Acolhida no final de maio de 2018, iniciou-se a busca por interessados na família
extensa da recém-nascida. Os tios paternos apresentaram interesse em exercer a guarda da
menina. No entanto, em razão de ter sido verificada a intenção de aproximação da infante
com o genitor, a avaliação psicossocial foi contrária à colocação da criança junto aos tios
paternos. O pedido de guarda da família extensa foi indeferido nos autos da ação de
acolhimento, sendo o expediente arquivado.
Em fevereiro de 2019, o Ministério Público ajuizou destituição do poder familiar em
favor da criança, pedindo a suspensão do poder familiar dos genitores, em caráter liminar,
com a imediata inclusão da infante no Cadastro Nacional de Adoção e consequente
encaminhamento à família substituta habilitada. Concedida a liminar, verificou-se pessoa
habilitada interessada, havendo a concessão de guarda provisória com fins de adoção à
adotante, em maio do corrente ano.
Paralela à colocação da criança em família substituta, os tios paternos ingressam
com ação de guarda no mês de abril, havendo indeferimento do pleito liminar. Irresignados,
os tios paternos recorreram da decisão de primeiro grau. Em primeira análise, o juízo a quo
indeferiu a liminar e designou data de julgamento. Próximo a data de julgamento, a tia
paterna dirigiu-se ao gabinete do relator, o qual reviu a sua liminar, concedendo a guarda
provisória à família extensa e cancelou a data aprazada para o julgamento.
A revisão liminar de segundo grau ocorreu no final de agosto de 2019 – época em
que a criança estava sob a guarda da família substituta há quatro meses, recebendo todos os
cuidados necessários para o seu desenvolvimento, além de muito amor. Não só isso, a
40
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 70081605206. Oitava
Câmara Cível. Relator: Rui Portanova. Sessão: 12-09-2019. Disponível em:
<https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia/exibe_html.php>. Acesso em 03. out. 2020.
476
decisão que concedeu a guarda aos tios paternos era provisória, significa dizer que: a criança
sairia da casa da adotante, iria para a casa de sua tia e, se ao final daquele julgamento fosse
decidido que a criança não deveria ficar com a família extensa, ela voltaria para a casa da
adotante.
Por meio da habilitação da adotante em segundo grau, conseguiu-se a designação de
nova data de julgamento do recurso. Após ampla exposição da situação fática aos julgadores,
foi possível a manutenção da guarda provisória da criança à adotante. O presente caso
fortaleceu a afetividade ao relativizar a prioridade conferida à família extensa no texto legal.
Mais ainda, faz prevalecer o melhor interesse da criança.
A sorte desta criança? Sua tenra idade e a maior facilidade de compatibilização de
requisitos aceitos pela habilitada. Sorte que as demais crianças da sua família que foram
abrigadas não tiveram. À época do julgamento, seus irmãos e sobrinho, encontravam-se em
situação de acolhimento há mais de dois anos, sem que alguém tivesse demonstrado
interesse. Essa criança foi a primeira do seu núcleo familiar a ter a oportunidade de ver
assegurado o seu direito de desenvolvimento integral.
Merece atenção o fato de que, muito embora houvesse certa celeridade nos
procedimentos havidos em favor da criança, esta ficou em acolhimento institucional por um
ano até ser incluída – ainda que provisoriamente – no Cadastro Nacional de Adoção. Sorte
que muitas das 34 mil crianças acolhidas não tiveram.
Ainda, é de suma importância destacar que foram feitas avaliações psicossociais com
a família extensa interessada (tios paternos) em mais de uma oportunidade, bem como com
os irmãos da recém-nascida, os quais ressaltaram veementemente os maus-tratos sofridos
pelos genitores, chegando, estes, a salientar que o melhor para ela seria que fosse adotada,
pois eles já sabiam do seu destino: envelhecer no abrigo.
Em não raros casos, a busca da família extensa, além de ser longa e ineficaz, acaba
por prolongar o tempo em que a criança ficará sem um lar. No que tange aos recém-nascidos,
Maria Berenice Dias diz ser um equívoco caçar algum parente que o queira, pois este não
possui vínculo algum da família e, muitas vezes, ninguém chegou a conhecê-lo. O recém-
nascido deve, então, ser imediatamente inserido junto ao interessado inscrito no Cadastro
Nacional de Adoção e não recolhido em instituição de acolhimento aguardando que alguém
da família queira ficar com ele.41
41
DIAS, Op. cit., 2017, p. 111.
477
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ASSUNÇÃO, Sheyla; e, POZZEBOM, Elina Rodrigues. Dia da Adoção: Brasil tem 34mil
crianças e adolescentes vivendo em abrigos. Senado Notícias, 2020. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/22/dia-da-adocao-brasil-tem-34-
mil-criancas-e-adolescentes-vivendo-em-abrigos. Acesso em: 24 ago. 2020.
DIAS, Maria Berenice. Filhos do Afeto. São Paulo. 2.ed. Editora Revista dos Tribunais,
2017
ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo. Salvador. 5.ed.
Editora Juspodvm, 2019
479
MENDEZ, Emílio Garcia. Das necessidades aos direitos: História da Criança como História
do seu controle. In: COSTA, Antônio Carlos Gomes de e MENDEZ, Emílio Garcia. Das
Necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 11-32.
MORAES, Maria Celina Bodin; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Comentários ao artigo
227. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK,
Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013, p.
2123-2137
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo. 8.ed. Editora Método, 2018
480
RESUMO: O artigo, tem como objetivo, trazer reflexões sobre os impactos que a pandemia
covid-19 instaurada de maneira avassaladora no mundo e no Brasil, assolando a sociedade,
causando medo, desespero, instabilidade e afetando diretamente o mercado financeiro
público e privado. Neste aspecto privado, os seguros e planos de saúde tiveram que se
adequar para atender as necessidades urgentes dos segurados/consumidores, dentre estes: o
maior desafio, o de preservar a vida humana, pois, quem não é atendido pelo SUS, procurou
seus planos de saúde para atender de maneira imediata. Diante deste cenário, aspectos
permeiam, sobre as pandemias que já existiram na história, a ineficiência do Estado, diante
de políticas públicas de falta de infraestrutura como o saneamento básico, que
vergonhosamente o Brasil possui um péssimo ranking diante de outros países, e por fim o
enfrentamento do poder judiciário as demandas ainda reprimidas pelo fechamento e
isolamento social.
INTRODUÇÃO
1
Advogada, OAB/RS101365, Pós-Graduada em Processo Civil, Direito Civil, e Direito dos Seguros, pela
Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP, Professora de Pós-Graduação, Membro da Associação
Internacional (AIDA/BRASIL) de Direito dos Seguros, e Membro do GT de Processo Civil ambos da
(AIDA/BRASIL), Membro da Comissão Especial de Direito dos Seguros OAB/RS (CESPC), Membro da
Comissão da Mulher Advogada OAB/RS.E-mail:jws.jacke@terra.com.br
481
filhos, pais, avós, e em muitos casos apenas restaram as plantas e animais de estimação como
companhia diária.
A população idosa e as pessoas com comorbidades, infelizmente as mais atingidas;
perdas e mais perdas de vidas. As máscaras cobriram sorrisos, ou a expressão de tristeza de
quem perde seu ente querido, as informações desencontradas e instáveis dos governantes, e
o famoso dito popular: “se correr o bicho pega se ficar o bicho come”, por outro lado
comercio, indústria, e a economia em geral simplesmente parou.
A grave recessão obrigou empresas a dispensarem em massa seus colaboradores,
assim como outras medidas de cunho trabalhista fizeram com que acordos houvessem,
evitando mais demissões.
Considerado esse breve introito, emanado de uma proposta reflexiva, com o olhar
para aspectos importantes permeando pelo histórico das significativas crises pandêmicas, e
abordando aspectos econômicos no âmbito da saúde suplementar, que se viram pressionados
a adequar seus procedimentos e coberturas, para com os segurados/beneficiários e por fim,
aspectos consumeristas e de judicialização que baterão as portas do Judiciário, que enfrenta
sérias dificuldades estruturais, devido a excessiva demanda, sinalizando que o Estado do Rio
Grande do Sul se comparado com os demais pelo país é o que mais judicializa.
2
Disponível em <https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/03/conheca-5-maiores-
pandemias-da-historia.html> acesso em 26 de agosto de 2020.
483
científicos, tentam encontrar soluções em testes, tratamentos e vacinas para conter o “caos”.
Algo muito diverso do Brasil, com estruturas sucateadas.
Outro exemplo refutado pela ciência é de que se trata de uma “arma biológica”,
aquelas “velhas discussões” advindas do todo poderoso EUA, que culpa os chineses
ferrenhamente, defendido por senadores republicanos. Cabe-nos então uma reflexão:
“ameaça da ascensão chinesa” x “poder econômico”? Ou, talvez, tenha sido desenvolvido
em morcegos, que foram vendidos para um mercado chinês?
Todavia, adentrar o viés político externo e, menos ainda interno, não objetiva as
reflexões aqui expostas. Até porque, convenhamos, não somos exemplo de nada! Não é
mesmo? Tanto que, não temos saneamento básico para a população na maioria do Brasil,
segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o desenvolvimento sustentável (CEBDS).
Ocupamos a vergonhosa posição de 112ª no ranking de saneamento, para um país que ocupa
a 7ª maior economia do mundo3; ou seja, a população não tem garantias de tratamento de
água, esgoto e coleta de resíduos. Uma triste realidade que se agrava ainda mais com a
pandemia.
Então, polêmicas à parte, voltemos à atuação científica que embasa ou, pelo menos
tenta abastecer de informações a Organização Mundial de Saúde (OMS), e a Organização
Pan-Americana de Saúde que prestam apoio técnico ao Brasil, acompanhando as ações do
Ministério da Saúde. Estes órgãos auxiliam no rastreamento de contatos e visualizações de
transmissões; ampliação da capacidade de diagnóstico; seminários de esclarecimentos à
população; emissão de relatórios no auxílio e sugestões aos chefes de Estado, conforme o
avanço da pandemia em seu País4.
Diante de tanta instabilidade, e com cunho de esperança até 09 de julho/2020, a OMS,
sinalizou os avanços pela descoberta de vacina contra o covid-19, em que empresas como:
AstraZeneca e a Universidade de Oxford, que trabalham em parceria, iniciarão um teste com
50.000 voluntários e afirmam que esperam resultados para o Outono (hemisfério norte,
primavera no Brasil). A Johnson & Johnson prevê a possibilidade de distribuir um bilhão de
doses no próximo ano. Na França a Sanofi com colaboração britânica GSK, desenvolve dois
3
Disponível em <ttps://cebds.org/estudo-destaca-beneficios-com-expansao-saneamento-brasil/> acesso em 26
de agosto de 2020
4
Disponível em < https://coronavirus.saude.gov.br/ > acesso em 26 de agosto de 2020.
484
tipos de vacinas, que estão em testes pré-clínicos em animais, informa que no prazo de 18
meses deve estar disponível para o público, e a segunda com previsão para fim de 20215.
5
Disponível em <
https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/06/17/interna_internacional,1157326/paises-nao-
poupam-dinheiro-para-desenvolver-vacina-contra-covid-19.shtml> acesso em 26 de agosto de 2020.
6
Disponível em< https://covid.saude.gov.br/ > acesso em 26 de agosto de 2020.
485
pelo coronavírus, e sequer possuem dados das sequelas que o vírus poderá deixar às pessoas,
dentre estes; as pulmonares, e os tratamentos que terão de serem prescritos a médio ou longo
prazo.
Feitas tais considerações é preciso se fazer uma linha nada tênue entre os cidadãos
brasileiros que possuem “saúde suplementar”, que abrange (seguros e planos de saúde),
adquiridos através de planos empresariais/coletivos e individuais. Segundo dados da
Agência Nacional de Saúde (ANS)7, até março/2020, apenas 24,25% da população possui
algum tipo de plano de saúde suplementar, envolvendo assistência médica. Quando
considerados somente os de odontológica, esse percentual é de 13,37%, totalizando, assim,
37,62% em face da grande maioria da população que depende, exclusivamente, do Sistema
Único de Saúde (SUS).
Diante de tal cenário temos dois principais marcos: a saúde suplementar A.C e D.C,
e o mercado consumidor. Não é antes, nem depois de Cristo, ainda que considere um marco
tão importante, quanto para muitos ramos no âmbito securitário. Tudo porque os
beneficiários da saúde suplementar, enfrentam e enfrentarão grandes dificuldades, seja Antes
do Covid-19, ou Depois do Covid-19!
7
Disponível em< http://www.ans.gov.br/> acesso em 26 de agosto de 2020.
8
Disponível em<https://www.iess.org.br/?p=imprensa&all=true&categoria=noticia> acesso em 26 de agosto
de 2020.
486
9
Disponível em< https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/> acesso em 26 de agosto de 2020.
487
10
Disponível em< http://fenasaude.org.br/noticias/somos-parte-da-batalha-contra-a-covid-19.html> acesso em
26 de agosto de 2020.
488
11
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006.pág. 53
12
MORAIS, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2003.Pág.25.
13
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.329.
489
CONCLUSÃO
A vida cotidiana não será mais a mesma, enfrentaremos verdadeiras “guerras”, seja
em função de mais desigualdades sociais, seja pela recessão do fechamento de empresas,
desemprego, fome. O Covid-19 chegou rapidamente sem avisar no Brasil, os cidadãos que
não possuem saúde suplementar, extremamente vulneráveis em vários aspectos, em relação
a estrutura de saúde pública e açoitados pela desinformação.
14
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.332.
15
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio: tradução Luís Carlos Borges – São Paulo: Martins Fontes,
2000 (Justiça e Direito) Título Original: A matter of principle.pág.32.
490
Por outro lado, e quanto aos “mais favorecidos, que representam 37,62% da
população”, que possuem saúde suplementar, mas, pairando a dúvida de até quando poderão
usufruir os benefícios em virtude da perda econômico-financeira?!
E, ainda as operadoras dos planos/seguros saúde, que tentam manter sua “saúde
financeira”, pressionadas política e socialmente, diante do impedimento de realizar reajustes;
a ANS recomendando renegociações de contratos e a adição de procedimentos, que devam
ser cobertos pelas operadoras. Do outro lado, o Procon, em defesa dos consumidores,
fornecendo orientações, dentre elas, a não suspensão ou cancelamento da saúde suplementar
em razão da inadimplência no período da pandemia.
Com certeza existe um marco: “Antes do Covid-19 e Depois do Covid-19”, de
grandes impactos na vida das pessoas, em vários aspectos. Seja pelo saldo de vidas, ou a
falta delas, seja pela ordem econômica, e aqui não importa de que lado você está!
REFERÊNCIAS
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio: tradução Luís Carlos Borges – São Paulo:
Martins Fontes, 2000 (Justiça e Direito) Título Original: A matter of principle.
MORAIS, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006.
491
RESUMO: O presente estudo, tem como objetivo, trazer reflexões sobre as Tutelas
Provisórias sejam estas de Urgência ou Evidência à luz do processo justo. A prática forense
nos traz desafios, pois, lidamos com a defesa de direitos e preservação de garantias
constitucionais, diante de um cenário caótico de demandas judiciais, e sem estrutura para
suportar. Aspectos de necessidades e anseios de uma sociedade, a utilização da técnica
jurídica e a enorme demanda entram em confronto, sem por vezes trazer a efetividade mais
justa, a que se espera o cidadão.
INTRODUÇÃO
O artigo permeia por aspectos da evolução histórica do processo civil na Europa, e no Brasil,
instaurado por fortes influências de outros países, e suas várias posições doutrinárias. E
convida a uma reflexão para o cenário que o legislador, tenta adequar, conceitos e práticas
de outras civilizações, como a Europeia, moderna, por exemplo, num país como o Brasil,
que passou por regime de ditadura, e que teve como marco inicial a Constituição Federal de
1988, tendo como sustentação um estado democrático de direito, e a preservação a direitos
e garantias constitucionais. Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, houve a
introdução de garantias constitucionais para dentro do código. Desta forma, não se podendo
olvidar de abordar nesta sistemática as diferenças entre direito fundamental ao processo justo
1
Advogada, OAB/RS101365, Pós-Graduada em Processo Civil, Direito Civil, e Direito dos Seguros, pela
Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP, Professora de Pós-Graduação, Membro da Associação
Internacional (AIDA/BRASIL) de Direito dos Seguros, e Membro do GT de Processo Civil ambos da
(AIDA/BRASIL), Membro da Comissão Especial de Direito dos Seguros OAB/RS (CESPC), Membro da
Comissão da Mulher Advogada OAB/RS.E-mail:jws.jacke@terra.com.br
492
do processo legal. E, de como enfrentar a técnica processual e tutela dos direitos e suas
diferenças, abordando aspectos polêmicos como o do direito fundamental ao processo justo.
Concluindo, com a problemática das eficácias das decisões em se tratando de processo de
cognição sumária e exauriente.
2
Disponívelem<http://www.educazioneadulti.brescia.it/certifica/materiali/6.Documenti_di_riferimento/La%2
0Costituzione%20in%2015%20lingue%20(a%20cura%20della%20Provincia%20di%20Milano)/Costituzion
eItaliana-Portoghese.pdf, Roma, 27 de dezembro de 1947> acesso em 26 de agosto de 2020.
3
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. 2.ed.rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2012.vol.1, p.15-1.
494
jurista Daniel Mitidiero4, de que desta forma a “concretizar valores constitucionais no tecido
processual”5.
A história do Direito Processual brasileiro foi fortemente influenciada, por juristas
Europeus, tais como: Adolph Wach, Giuseppe Chiovenda, Piero Calamandrei e Enrico
Tullio Liebman, este último, desembarcou no Brasil na década de 1940, e influenciou todo
o estudo do processo civil, ao qual o jurista Alfredo Buzaid, dizia ser discípulo.
O jurista Alfredo Buzaid, foi convidado pelo Ministro da Justiça Dr. Oscar Pedroso
Horta, para elaborar o anteprojeto do código de processo civil, que após ser aprovado no
Congresso foi sancionada a Lei 5869/73.
Importante, que a construção do código de processo civil à época, foi lastreado, em
estudos modernos de juristas europeus, tendo destaque o processo de conhecimento ao qual
Chiovenda se dedicou; já Calamandrei ao processo cautelar; e Enrico Tullio Liebman, ao
processo de execução, que através desta união surgiu autonomia dos processos de
conhecimento, de execução e cautelar, propondo um padrão para tutela dos direitos.
Por outro lado, o direito material, o Código Civil Brasileiro de 1916, sob forte
influência do Código de Napoleão, de 1804, que era uma monarquia absolutista, muito
liberal, em que as ideias das obrigações de fazer ou não fazer, eram baseadas em “não precisa
fazer o que não quer”, dá os primeiros passos em busca de tutela específica e adequada ao
direito material.
Após a revolução francesa, institucionalizou o Estado liberal, que segundo
Marinoni, “in verbis”:
O Estado liberal clássico se preocupava com o tratamento uniforme de suas
demandas, visando à igualdade formal que foi inspiradora do ordenamento
jurídico responsável por manter a liberdade e o bom funcionamento do mercado.
Ao Estado caberia apenas assegurar a liberdade de modo que a este é vedado
intervir através de tratamento diferenciado a alguma parte no processo. Esta
autonomia que o Estado possui é uma autonomia negativa, ou seja, a justiça possui
4
MITIDIERO, Daniel. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto
Alegre:Livraria do Advogado, 2005.p.19.
5
Fredie Didier, em seu Curso de direito processual civil, denomina essa fase de Neoprocessualismo e faz a
ressalva: Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a liderança de Carlos Alvaro de Oliveira,
costuma-se denominar esta fase do desenvolvimento do direito processual de formalismo-valorativo,
exatamente para destacar a importância que se deve dar aos valores constitucionalmente protegidos na pauta
de direitos fundamentais na construção e aplicação do formalismo processual. As premissas desse pensamento
são exatamente as mesmas do chamado Neoprocessualismo (DIDIER JUNIOR, Fredie Souza. Curso de direito
processual civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento.12.ed.rev.ampl. e atual. Salvador:
JusPodivm, 2010.vol.1, p.29.
495
o dever de não fazer algo a favor de alguma parte, deve tratar todos como “homens
sem rosto.6
Diante deste modelo de Estado liberal em que leis mais rígidas com procedimento
único tratava tudo e todos da mesma forma, surgiu um movimento impulsionado por juristas
que perceberam que o processo não pode ser absolutamente desmembrado do direito
material a ser julgado.
Com base em tais preceitos o legislador, trouxe a tentativa de incultir no processo
civil, uma prestação jurisdicional segura, observando o contraditório, a ampla defesa, o juiz
natural, a decisão motivada e demais proteções previstas na nossa Constituição Federal de
1988, somadas as demais legislações.
Mas, como introduzir algo tão moderno, num país advindo da ditadura, e ter
abrangência de direitos individuais e coletivos?! A opressão de direitos ceifados,
contrapondo com princípios e garantias constitucionais modernos?
Diversos conflitos surgiram, e que ainda perduram, há o surgimento de uma
verdadeira tensão entre a segurança jurídica e celeridade, e a tentativa do equilíbrio entre
ambas, ou seja, sem retirar uma ou outra.
Tanto que, o surgimento do Código de defesa do consumidor Lei 8.078/90, e a
importação de parte da legislação italiana, com fulcro na Constituição Italiana, no seu artigo
111, em que fala a respeito de um processo justo, ou seja, “para o direito ser justo o processo
tem que ter mecanismo para entregar o que se pede e devido e não outra coisa em
substituição, uma tutela específica, adequada ao direito material7.
E, dentro deste cenário, conflituoso, o legislador infraconstitucional se deu conta de
que o objetivo da jurisdição não é apenas para realizar a vontade concreta da lei, mas a de
prestar a tutela ao direito material envolvido em crise de efetividade. Pois, quanto maior for
a segurança, maior serão os prazos, recursos, atos processuais, e por consequência menor
será a celeridade8.
Após a Lei n.10.352/2001, alterou o código processual nas disciplinas de recursos,
reexame necessário, e o processo de conhecimento, e com advindo da Lei n.10.444/02,
alterou significativamente o processo de conhecimento e o de execução. Na visão de
6
MARINONI, Luiz. ARENHART, Sérgio. Curso de Processo Civil – Procedimentos Especiais Revista dos
Tribunais, 2013, v. 5. p. 53/69.
7
TANGER JARDIM, Guilherme, comentários aula de Pós de Direito Processual Civil, FMP, 1° semestre,2018.
8
TANGER JARDIM, Guilherme, comentários aula de Pós de Direito Processual Civil, FMP, 1° semestre,2018.
496
9
FUX, Luiz. Exposição de motivos do código de processo civil. In. GUEDES, Jefferson Carús. et al. Código
de processo civil: comparativo entre o projeto do novo CPC e o CPC de 1973. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
10
Constituição Federal 1988, artigo 5° inciso, XXXV.
497
11
THEODORO JUNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, Teoria Geral do Direito Processual
Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento comum- vol. I, 57.ed.rev., atual e ampl. RJ:Forense, 2016.
pg. 609.
12
TROCKER NICOLO, Giuseppe, Processo Civile e Constituzione, Milano: Giuffrè, 1974.
13
RUI, Barbosa. Oração aos Mocos, 1921. p. 276/277.
14
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum – vol.I/Humberto Theodoro Júnior.57.ed.rev., atual e ampl.-
Rio de Janeiro: Forense,2016. Pág. 24.
15
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum – vol.I/Humberto Theodoro Júnior.57.ed.rev., atual e ampl.-
Rio de Janeiro: Forense,2016. Pág. 32.
498
16
TANGER JARDIM, Guilherme, comentários aula de Pós de Direito Processual Civil, FMP, 1°
semestre,2018.
499
disputado em juízo. Motivo pelo qual as medidas provisórias que ostentem tal característica
se denominam medidas satisfativas”.
Numa visão mais abrangente os doutrinadores, Marinoni, Arenhart e Mitidiero,
abordam tal tema como: “A tutela dos direitos no campo jurisdicional é prestada mediante o
emprego de diversas técnicas processuais. Esses meios são pensados pelo legislador de modo
a, sem perder de vista as necessidades de proteção do direito material, respeitar e preservar
também os direitos fundamentais processuais das partes e de terceiros, vale dizer, o direito
ao processo justo que a Constituição a todos assegura em nossa ordem jurídica (art.5°, LIV,
da CF)”17.
A tutela dos direitos pode ser prestada pelo legislador, pelo administrador e pelo
juiz. A tutela jurisdicional dos direitos, portanto, é apenas uma das formas pelas
quais a tutela dos direitos pode ser prestada: “as normas de direito material que
respondem ao dever de proteção do Estado aos direitos fundamentais – normas
que protegem o consumidor e o meio ambiente por exemplo- evidentemente
prestam tutela – ou proteção – a esses direitos. É correto dizer, assim, que a mais
básica forma de tutela dos direitos é constituída pela própria norma de direito
material.
A atividade administrativa – nessa mesma linha – também pode contribuir para a
prestação de tutela aos direitos. A tutela jurisdicional, portanto, deve ser
compreendida como uma modalidade de tutela dos direitos. Ou melhor, a tutela
jurisdicional e as tutelas prestadas pela norma de direito material e pela
administração constituem espécies do gênero tutela dos direitos. Entretanto, a
tutela jurisdicional pode, ou não, prestar a tutela do direito. Isso significa que a
tutela jurisdicional engloba sentença de procedência (que presta tutela do direito)
e a sentença de improcedência (que não presta a tutela do direito, embora constitua
a resposta ao dever do Estado de prestar tutela jurisdicional). Daí se percebe que
a decisão interlocutória e a sentença constituem apenas técnicas para a prestação
da tutela do direito. Ou seja, resposta ou tutela jurisdicional há sempre, mas tutela
do direito apenas no caso em que a técnica processual reconhecer o direito, isto é,
quando a sentença for de procedência”. (Luiz Guilherme Marinoni, técnica
processual e tutela dos direitos, p.145-146). A tutela dos direitos incide ainda tanto
sobre o direito material como sobre o direito processual. Quando o legislador
densificou o direito fundamental à proteção do consumidor promulgou um Código
de defesa do Consumidor, ele prestou tutela legislativa ao direito. Ainda, quando
o legislador promulgou o Código de Processo Civil, ele pretendeu justamente
adimplir com o seu dever de dar tutela ao direito fundamental ao processo justo,
e, muito especialmente, o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada,
efetiva e tempestiva que é dele inseparável. 18
17
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Sobre
os direitos fundamentais processuais que integram o direito ao processo justo Curso de Processo Civil, vol. I,
p. 703 e ss,2007, Editora Revista dos Tribunais: São Paulo.
18
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Sobre
os direitos fundamentais processuais que integram o direito ao processo justo Curso de Processo Civil, vol. I,
p. 145/146. 2007. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo.
500
19
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, p. 158 e ss.2014.Ed. Malheiros – São Paulo.
501
– essa atenda justificadamente a outro direito também fundamental. Assim, por exemplo,
só se admitem técnicas processuais que sacrifiquem a efetividade na prestação da tutela
jurisdicional quando isso tiver por intuito a preservação de direitos fundamentais da parte
contrária, como a observância do direito de defesa ou do direito ao contraditório.
Logo, o perfil trazido pelo direito processual civil é instrumentalizar o procedimento
destinado a tutela dos direitos, adequando as necessidades concretas da pretensão material a
ser protegida em juízo.
Assim, neste sentido, os mesmos doutrinadores emanam que:
Isso quer dizer que existe uma prioridade na consideração do direito material em
relação ao direito processual. Se o processo civil é um instrumento para tutela do
direito, então a primeira tarefa de quem quer que esteja preocupado com o
adequado funcionamento da justiça civil está na apropriada identificação das
necessidades da situação substancial que deve ser tutelada em juízo. Nessa
perspectiva, a idoneidade do processo civil como meio efetivo para tutela dos
direitos depende de um discurso preocupado com a tutela dos direitos – isto é, com
o direito material.Logicamente, a convergência das pretensões a serem tuteladas e
desses outros interesses processuais e materiais pode exigir diferentes soluções do
legislador e do juiz. Em certos casos, também será possível que mais uma técnica
processual seja idônea para atender a todos esses interesses, o que implica dizer
que nem sempre haverá apenas uma única resposta possível para atender às
necessidades com que trabalha o direito processual. Vale dizer: a consideração da
tutela dos direitos pode levar a diferentes opções em termos de técnica processual
para adequada estruturação do processo civil.20
20
MARINONI, Luiz Guilherme, Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento
comum, volume 2/Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. -3 ed.rev., atual. E ampl. -São Paulo:Editora Revista
dos Tribunais, 2017, p.44/45.
502
21
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo, Curso de Processo civil, o.13, vol.I. 2004. Lúmen Iuris: Salvador.
22
MARINONI, Luiz Guilherme, Novo curso de processo civil, op.cit., -São Paulo:Editora Revista dos
Tribunais, 2017, p. 46.
23
MARINONI, Luiz Guilherme, Novo curso de processo civil, op.cit., -São Paulo:Editora Revista dos
Tribunais, 2017, p. 47.
24
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. RJ: Lúmen Iuris, p.263. 2012.
503
pintura do edifício em que residirá o casal lá ficarão o tempo necessário para a conclusão do
serviço (e feito o serviço, de lá sairão, mas nada os substituirá”.25
Nesse sentido, a tutela provisória consiste em um provimento precário que, após a
cognição exauriente, será substituído pela tutela definitiva, que a confirmará, revogará ou
modificará.
Conforme a doutrina de Fredie Didier Jr.: “É possível reconhecer a existência de três
características essenciais na tutela provisória, quais sejam: a) sumariedade da cognição; b)
precariedade; e c) inaptidão para a formação de coisa julgada”.26
Assim, a técnica de cognição sumária, autoriza o juiz no juízo de probabilidade; de
natureza precária, possui eficácia ao longo do processo, mas poderá ser revogada ou
modificada a qualquer tempo, ou substituída pelo provimento definitivo; e por fim não
possui aptidão para formar coisa julgada, pelas características anteriores expostas.
CONCLUSÃO
25
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do processo Cautelar. 3 ed. Rio de Janeiro; Forense, 2006.p.86.
26
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias,
decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela/Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael
Alexandria de Oliveira – 10. Ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.p.568.
505
REFERENCIAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
506
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo, Curso de Processo civil, o.13, vol. I,2004.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. RJ: Lúmen Iuris, 2007.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório,
ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da
tutela/Fredie Didier Jr., Paula Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 10. Ed. – Salvador:
Ed. Jus Podivm, 2015.
FUX, Luiz. Exposição de motivos do código de processo civil. In. GUEDES, Jefferson
Carús. et al. Código de processo civil: comparativo entre o projeto do novo CPC e o CPC de
1973. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
MARINONI, LUIZ GUILHERME, Novo curso de processo civil: tutela dos direitos
mediante procedimento comum, volume 2/Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. -3
ed.rev., atual. E ampl. -São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. 2. ed.
rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2012. vol. 1.
RUI, Barbosa, R., Oração aos Mocos: Editora Hedra Ltda, São Paulo, 2009.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do processo Cautelar. 3 ed. Rio de Janeiro; Forense, 2006.
Resumo: O presente estudo tem por objetivo abordar os aspectos teóricos e práticos do
procedimento do cumprimento provisório da sentença e do seu processamento mediante as
inovações do Novo Código de Processo Civil. Para atingir o objetivo almejado analisou-se
parte da doutrina processualista com a paralela análise da legislação processual nacional e
jurisprudência dos tribunais do sul do país. O cumprimento provisório da sentença consiste
na execução da sentença proferida em primeira instância, desde que esteja pendente recurso
desprovido do efeito suspensivo, esse procedimento correrá por iniciativa e responsabilidade
do exequente que deverá prestar caução suficiente e idônea, salvo exceções expressamente
previstas em lei, sendo assim, caso sobrevenha decisão que modifique ou anule a sentença
objeto da execução provisória ficará preservado a restituição das partes ao estado anterior e
se indenizará eventuais prejuízos nos mesmos autos. Conforme disposição constitucional a
prestação de uma tutela jurisdicional com razoável duração e com celeridade na sua
tramitação constituem direitos fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição da
República Federativa do Brasil, porém a demora na prestação jurisdicional é, e sempre foi,
um dos males do processo civil brasileiro. Dessa maneira, com o intuito de mudar essa
realidade é que o cumprimento provisório da sentença deve ser aplicado, pois esse
procedimento visa preservar importantes direitos fundamentais que devem ser observados
pelo judiciário.
1 INTRODUÇÃO
1 Artigo científico apresentado ao curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil do Centro Universitário
Ritter dos Reis/RS como requisito parcial para obtenção do título de especialista.
2
Advogada, OAB/RS 100.611. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Ritter dos
Reis/RS. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis /RS. E-mail:
adv.jenniferscarvalho@gmail.com
3
Artigo elaborado sob a orientação de Gisele Welsch, Advogada, OAB/RS 66.087, Mestre e Doutora em Teoria
da Jurisdição e Processo pela Pontifícia Universidade Católica/RS, Pós-Doutora pela Universidade de
Heidelberg - Alemanha.
508
4
As principais hipóteses de incidência da execução provisória da sentença estão previstas no § 1º do artigo
1.012 do CPC, que determina que começa a produzir efeitos imediatamente após a publicação a sentença que:
I - homologa divisão ou demarcação de terras;
II - condena a pagar alimentos;
III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;
IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;
V - confirma, concede ou revoga tutela provisória;
VI - decreta a interdição.
509
recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil
reparação.
Assim como, os Recursos Especial e Extraordinário, que tramitam nos Tribunais
Superiores, também serão recebidos apenas com o efeito devolutivo, assim, sem o efeito
suspensivo. Conforme José Tadeu Neves Xavier, no CPC revogado o pedido de atribuição
de efeito suspensivo aos recursos deveria ser solicitado mediante medida cautelar,
atualmente a solicitação da atribuição do efeito suspensivo deverá ser via simples
requerimento com a devida fundamentação para a atribuição de tal efeito, conforme prevê o
§ 5º do artigo 1.029 do CPC5.
Analisando a doutrina constata-se que todo título executivo não transitado em
julgado pode dar oportunidade ao cumprimento provisório, desde que pendente recurso sem
efeito suspensivo, porém existem exceções, conforme afirmam Luiz Rodrigues Wambier e
Eduardo Talamini:
Em princípio, todo título executivo judicial pode dar ensejo a cumprimento
provisório – desde que contra a decisão que o constitui penda recurso sem efeito
suspensivo. Mas há exceções. A execução civil de sentença condenatória penal
jamais se poderá fazer provisoriamente, na pendência de recurso contra a
condenação penal. É que tal provimento só é título executivo depois de transitar
em julgado. A sentença arbitral não se submete a recurso, de modo que seu
cumprimento é sempre definitivo. Por outro lado, frise-se que a execução do título
executivo extrajudicial é também sempre definitiva. 6
5
XAVIER, José Tadeu Neves. Novo Código de Processo Civil Anotado / OAB. - Porto Alegre: OAB RS,
2015. Página 812.
6
WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, volume 3 – 16.
ed. reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
Página 213/214.
510
jurisdicionado que tem razão e de outro lado beneficia o que não a tem. Ocorre que o Estado
deveria possuir um judiciário adequado e efetivo, uma vez que proibiu a autotutela.
Deparando-se com essa realidade, e preocupando-se com a isonomia no processo
civil, Sérgio Cruz Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni afirmam que “quando é proferida a
sentença e declarada a existência do direito, não há razão para o autor ser obrigado a suportar
o tempo do recurso”7.
Sabemos que a sentença é um ato jurídico perfeito, e de acordo com Ada Pellegrini
Grinover, “as normas sobre execução provisória também revalorizaram a sentença de
primeiro grau”8.
É certo que a execução provisória do título executivo judicial tem o intuito de
preservar o direito fundamental da celeridade processual e da razoável duração do processo
(artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal), ainda mais que a parte adversa pode
utilizar de recursos para procrastinar a execução, desse modo, fazendo injustiça.
Nesse sentido, são as palavras de Luiz Guilherme Marinoni:
De outro lado, sabe-se que o juiz é passível de erro em seu julgamento, sendo o
Supremo Tribunal Federal - STF, por ser o último Tribunal a receber recurso advindo do
controle concreto/difuso, ser também o último a errar no Brasil, o que também ocorre no
controle concentrado/abstrato, cita-se como exemplo o caso de uma agricultora e analfabeta
que no ano de 2004 foi gestante de um feto anencéfalo, assim, por não possuir cérebro, a
criança não sobreviveria, o STF deferiu liminar permitindo o aborto, porém a liminar foi
cassada pelo pleno do Supremo, com isso, sem autorização para abortar, Severina enfrentou
uma gestação de sete meses para ter a infelicidade de passar por um parto extremamente
dificultoso e ver seu filho nascer morto. Após oito anos do ocorrido com Severina, o STF
julgou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 54 (Informativo nº
7
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, volume 3: execução.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Página 355.
8
GRINOVER, Ada Pellegrini. Mudanças Estruturais no Processo Civil Brasileiro. IN: Revista IOB de
Direito Civil Civil. V.8. n. 44. São Paulo: IOB Thomson, dezembro de 2006. p. 45.
9
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, volume 3: execução.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Página 354 e 355.
511
Sabe-se também que não raro ocorrem injustiças em sede de primeiro grau de
jurisdição, de acordo com Gama:
Quando pensamos na primeira fase de um processo comum, sendo julgado pela
justiça comum, estamos pensando num Direito que será “dito” de acordo com o
convencimento de uma só pessoa, que humana, está sujeita ao erro, assim como
cada um de nós.11
Sobre isso cita-se aqui como exemplo o caso amplamente divulgado no Rio Grande
do Sul, inclusive sendo notícia no site da OAB/RS, sob o título “Acessibilidade: por um
Judiciário sem barreiras”12, no qual um juiz do interior do Rio Grande do Sul obstruiu a
prática da profissão de um advogado cadeirante, o magistrado negou a transferência de
audiências para o andar térreo do Foro, em função do advogado da parte ser deficiente físico,
tendo ainda aconselhado a parte a contratar outro procurador que pudesse subir escadas, além
de atrasar a tramitação processual de ações em que o advogado atuava, causando prejuízos
ao jurisdicionado, com isso, o juiz foi condenado a pena de censura pelo Órgão Especial do
Tribunal de Justiça do Estado (Processo Administrativo nº 0010-14/003633-1).
Diante disso, preocupado com uma maneira de propiciar uma superação das decisões
injustas o legislador promoveu uma reforma do Novo Código de Processo Civil com a Lei
nº13.256/2016, entre os artigos que a nova lei alterou está o 1.042 que dispõe sobre o
10
DINIZ, Debora. Uma Escolha Severina. Disponível < https://agenciapatriciagalvao.org.br/mulheres-de-
olho/dsr/noticias-direitos/11042012-uma-escolha-severina-por-debora-diniz/ > .Acessado em 09.06.2020.
11
GAMA, William Ricardo Grilli. O direito de errar por último. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 20, n. 4204. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31657>. Acessado em: 20.11.17.
12
OAB RIO GRANDE DO SUL. Acessibilidade: por um Judiciário sem barreiras. Disponível em:
<http://www.oabrs.org.br/noticias/acessibilidade-por-judiciario-sem-barreiras/21769> . Acessado em:
23.08.2020.
512
cabimento do recurso de agravo contra decisão do tribunal recorrido que inadmitir recurso
extraordinário ou especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em
regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. Compreendesse que
essa possibilidade de cabimento do recurso de agravo visa coibir o engessamento do direito,
sendo um meio que objetiva viabilizar o acesso aos tribunais superiores e possibilitar o
reexame dos padrões decisórios existentes, com isso, oportunizando a evolução da
interpretação. Sendo assim, o novo recurso, interposto contra o acórdão que julga o agravo,
não se submeterá ao regime dos recursos repetitivos, conforme defende o Professor e
Desembargador Alexandre Freitas Câmara:
Tenha-se claro este ponto: o novo recurso, interposto contra o acórdão que julga o
agravo, não se submete ao regime dos recursos repetitivos. É que nele se terá
necessariamente suscitado questão nova, ainda não submetida ao tribunal de
superposição. E se a questão é nova, inédita, não é repetitiva. Assim, no caso do
RE, incidirá o artigo 1.030, V, a, do novo CPC reformado e, positivo o juízo de
admissibilidade, o recurso deverá ser encaminhado ao STF para verificação da
existência de repercussão geral do novo fundamento suscitado. De outro lado, no
caso do REsp, este deverá ser — se positivo o juízo de admissibilidade — remetido
ao STJ para exame do REsp, que não terá, como visto, caráter repetitivo.
Fica, assim, não obstante a reforma do novo CPC, assegurada a possibilidade de
revisão das teses, impedindo-se engessamento interpretativo incompatível com um
sistema de precedentes que se pretenda implantar em um ordenamento compatível
com o Estado Democrático de Direito.13
Por outro lado, cabe salientar também que erros nos julgamentos judiciais não são a
regra, conforme afirma Gama: “É claro, porém, que sempre há uma preparação técnica para
os que ingressam na magistratura, todos longe de serem néscios das letras da lei ou da
realidade da sociedade, de modo que seus acertos serão sempre maiores que os seus erros”.14
Dessa maneira, em razão de tudo que foi dito anteriormente, considera-se a caução
prevista no artigo 520, inciso IV do CPC, ser uma necessária garantia para que não haja
prejuízo à parte executada provisoriamente, preservando a segurança jurídica.
Acrescenta o doutrinador Araken de Assis:
O art. 520, IV, não subordina a prestação da caução à iniciativa das partes.
Compete ao órgão judiciário, ex officio, impor ao exequente e o dever de caucionar
o ato capaz de ocasionar “grave dano ao executado”, tão logo haja necessidade.
De acordo com a regra, o juiz arbitrará de pleno o valor da caução. Esta fórmula,
também utilizada no art. 853, parágrafo único, relativamente ao incidente de
13
CÂMARA, Alexandre Freitas. Novo CPC reformado permite superação de decisões vinculantes.
Disponível em < https://www.conjur.com.br/2016-fev-12/alexandre-camara-cpc-permite-superacao-decisoes-
vinculantes >. Acessado em 06.06.2020.
14
GAMA, William Ricardo Grilli. O direito de errar por último. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 20, n. 4204. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31657>. Acessado em: 20.11.17.
513
Além do inciso I do mesmo artigo (520), prever que a execução provisória corre por
iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a
reparar os danos que o executado haja sofrido, ou seja, preserva a possibilidade de se voltar
ao statu quo ante.
Conforme Araken de Assis:
Reconhece o art. 520, I, o vetusto princípio qui sentit commoda, et incommoda
sentire debet: à vantagem produzida pela execução provisional em suas
expectativas processuais corresponde, simetricamente, a responsabilidade objetiva
do executado. Por isso, estabelece que a execução provisória corre por iniciativa,
conta e responsabilidade do exequente, obrigado a reparar os danos provocados
pela reforma do julgado.16
15
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. - 18. ed. rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2016, página 485.
16
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. - 18. ed. rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2016, página 473.
17
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional
executiva, vol 3. - 7. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2014. Página 166.
18
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. - 18. ed. rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2016, página 474.
514
19
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional
executiva, vol 3. - 7. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2014. Página 161.
515
20
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011,
2v. Página 89.
21
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, II: leis
11.187/2005, 11.232/2005, 11.267/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006/ Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda
Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. Página 181.
517
Por outro lado, a caução poderá ser dispensada em casos específicos, conforme prevê
o artigo 521 do CPC, que são: no caso de o crédito for de natureza alimentar,
independentemente de sua origem; o credor demonstrar situação de necessidade; pender o
agravo do art. 1.042 do CPC (Agravo em Resp. ou Rext.); e a sentença a ser provisoriamente
cumprida estiver em consonância com súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com acórdão proferido no
julgamento de casos repetitivos. Determina ainda o código que em podendo haver risco de
grave dano de difícil ou incerta reparação, a exigência de caução será mantida. Sobre a
dispensa da caução segue transcrito trecho de julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul:
[…] Embora o teor do artigo 520, IV, do CPC/15 estabeleça que o levantamento
de depósito em dinheiro em litígio em fase de cumprimento de sentença reclame
caução suficiente e idônea, o art. 521, III, do citado diploma legal dispensa a
518
Tendo o código inovado neste ponto, uma vez que no código de 1973 previa que no
cumprimento provisório de sentença de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito
poderia haver a dispensa da caução, porém, para isso, a execução deveria ser sobre valor não
519
22
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011,
2v. Página 90.
23
WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, volume 3 – 16.
ed. reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
Página 216.
520
entender que na execução provisória, não incidiria a multa prevista no art. 475-J do
CPC/1973, atual 523 do CPC.
Humberto Theodoro Junior entende que “não tem pertinência a imposição de tal
pena a quem ainda não se acha sujeito ao cumprimento definitivo da condenação”. Em outro
momento frisa que: “não se pode entrever falta ou mora do devedor por não dar imediato
cumprimento à sentença”.24
Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil não há mais controvérsia
acerca da incidência ou não de multa e honorários em cumprimento de sentença provisória.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se manifestou nesse sentido, conforme trechos
de acórdãos a seguir descritos.
[…] A execução provisória de sentença que reconhece a exigibilidade de
obrigação de pagar quantia certa está sujeita a multa, nos mesmos moldes
do que ocorre com a execução definitiva, bem como à incidência dos
honorários. Art. 520, § 2º do NCPC. A multa e os honorários a que se refere
o § 1º do art. 523 são devidos no cumprimento provisório de sentença
condenatória ao pagamento de quantia certa.[...] (Agravo de Instrumento
70071593164, Relator: Des. Giovanni Conti)
[…] CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DA SENTENÇA. INCIDÊNCIA
DE MULTA DE 10% PREVISTA NO ARTIGO 523 DO NOVO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PELA
FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. POSSIBILIDADE.
inteligência do artigo 520, §2º, do Novo código de Processo Civil. [...]
(Agravo de Instrumento 70070722210, Relator: DES.ª Liége Puricelli
Pires)
24
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011,
2v. Página 91.
521
Significa que o prazo de quinze dias previsto no art. 523 do CPC aplica-se ao
cumprimento provisório da sentença. Só que o executado, no cumprimento
provisório, não é intimado para pagar, mas para depositar o valor a que foi
condenado. Se o depósito não for efetuado no prazo de quinze dias, haverá a
incidência da multa de 10%. Ultrapassado o prazo de quinze dias, com ou sem o
depósito, terá início novo prazo de quinze dias, desta vez para apresentação de
impugnação.25
Dessa maneira, verificamos que o Novo Código de Processo Civil neste ponto veio
em sentido contrário à jurisprudência e doutrina, não deixando dúvidas a cerca da aplicação
de multa em caso de descumprimento pelo executado do prazo para pagamento, e em relação
aos honorários de execução. Podendo, assim, o executado depositar o crédito
tempestivamente, com a finalidade de isentar-se da multa, não sendo o ato incompatível com
o recurso por ele interposto, conforme previsão do § 3º do artigo 520 do Código de Processo
Civil.
Sendo assim, constatasse que as inovações no procedimento do cumprimento
provisório da sentença inseridas pelo advento do Novo Código de Processo Civil de 2015,
deixaram as regras sobre o procedimento mais claras, não deixando lacunas para
controvérsias, com isso, as inovações vieram ao encontro de um procedimento que preserva
a segurança jurídica.
4 CONCLUSÃO
25
CUNHA. Leonardo Carneiro da. OPINIÃO 52 – Procedimento do Cumprimento Provisório da
Sentença no Novo CPC . Disponível em:
https://www.leonardocarneirodacunha.com.br/opiniao/opiniao -52-procedimento -do-
cumprimento -provisorio -da-sentenca-no-novo-cpc/ >. Acessado em: 06.06.202 0.
522
REFERÊNCIAS
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. - 18. ed. rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal nº 470 (apud BARBOSA, 1914). Autor:
Ministério Público Federal. Réu: José Dirceu de Oliveira e Silva e Outros. Relator: Ministro
Roberto Barroso. <ftp://ftp.stf.jus.br/ap470/InteiroTeor_AP470.pdf > Página 8332.
Acessado em: 20.11.2017
Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior. Porto Alegre, 22 nov. 2017.
Disponível em: < https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/pesquisa.php > . Acessado em
30.11.2017.
GAMA, William Ricardo Grilli. O direito de errar por último. Revista Jus Navigandi,
ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4204. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/31657>. Acessado em: 20.11.2017.
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, volume
3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
XAVIER, José Tadeu Neves. Novo Código de Processo Civil Anotado / OAB. - Porto
Alegre: OAB RS, 2015.
526
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a mulher esta se destacando na sociedade, após décadas em que
poucos direitos as mulheres tinham, demonstrando o potencial que possuem para se realizar
pessoal e profissionalmente, no entanto a condição de certa forma a deixa vulnerável, em
decorrência dos resquícios da sociedade patriarcal e machista que ainda assombra o século
XXI, dificultando muitas vezes que consiga demonstrar seu potencial profissional, bem
como mostrar a mulher forte e independente que pode ser. Ou seja, o empoderamento
feminino, infelizmente ainda incomoda a sociedade patriarcal.
1
Bacharel em Direito pela URCAMP, Advogada OAB/RS 113.666, especialização em Advocacia para
Mulheres, membro da Comissão da Mulher Advogada e Membro da Comissão Especial de Seguridade Social.
527
Sabe-se que a violência doméstica sempre existiu, a diferença é que a 14 anos atrás
não existiam mecanismos que pudessem proteger e coibir que a mulher sofresse qualquer
tipo de violência, principalmente no seio familiar, local esse que deveria ser de acolhimento
e proteção.
Historicamente, a mulher sempre sofreu uma limitação de seus interesses e ações,
mas com a mudança na sociedade causada pelos movimentos feministas a partir da década
de 1960, que influenciaram o crescimento do papel da mulher, um novo conceito de mulher
está sendo reescrito, um conceito de independência e autossuficiência.
O tema “violência domestica”, com a evolução dos direitos sociais, vem se
destacando, visto que os números de denuncias aumentam devido a existência de toda uma
rede de apoio para as vítimas, entre entidades, órgãos governamentais e legisladores.
O artigo tem como objetivo demonstrar o ponto de vista social e jurídico, da aplicação
das leis em favor das mulheres vítimas de violência doméstica, apontar melhorias nos
serviços oferecidos pela legislação, que teoricamente é excelente, apontando principalmente
a eficiência das medidas protetivas.
É importante analisar e refletir, que a assistência não deve ser apenas para a vítima,
mas também para o agressor, bem como todos os aspectos que envolvem a problemática da
violência doméstica.
Será demonstrada o histórico social da violência doméstica, do que se trata, bem
como demonstrar as mudanças que ocorreram após a implementação da lei 11.340/06, a
medida protetiva como forma de coibir a violência, além de mencionar as políticas públicas
adotadas na prática nefasta do âmbito familiar e analisar a punição do agressor como forma
de proteção.
A Lei 11.340/06, a popularmente conhecida Lei Maria da Penha objetiva proteção à
mulher em sua integridade física, psicológica, moral e patrimonial. Principalmente, no
momento delicado vivido pelo mundo, onde em razão da pandemia é obrigatório o
isolamento social e por consequência disso, os números de violência aumentaram 22% em
16 estados analisados.2
A lei traz uma rede de proteção à mulher, criminalizando a violência doméstica,
porém, nem sempre ela é eficaz. A legislação objetiva sanar o problema atual, a ação do
2
Pesquisa realizada pelo Fórum de Segurança Pública. Violência Doméstica durante a pandemia do COVID-
19. Ano 2020.
528
momento, ou seja, a violência, mas não tenta buscar a origem do problema ou a melhor
solução. Já o Estado não consegue implementar a lei como foi estruturada pois não oferece
os mecanismos necessários para a proteção da mulher como é disposto na legislação. A
violência não escolhe raça, status social e nem graduação escolar, idade ou motivo, até
porque não existe motivo que justifique a violência que a mulher sofre no local que deveria
ser seu refúgio, o próprio lar. Importante salientar que a violência contra a mulher ou
qualquer indivíduo, seja no âmbito familiar ou não, é uma violação aos direitos humanos.
1. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A sociedade interpreta que a violência doméstica, apenas existe se for visível aos
olhos. A sociedade patriarcal, que infelizmente, ainda se perpetua criou a figura da mulher
como sexo frágil, que por muitos anos foi submissa as vontades da sociedade. Com o passar
dos tempos e movimentos feministas, os movimentos que buscam o empoderamento da
mulher, atualmente ela possui um lugar na sociedade que se dependesse do patriarcado nunca
seria seu, porém o homem e a sociedade que ainda são machistas em muitos aspectos que
influenciam o subjulgamento, pois vendem a ideia de que a mulher é frágil e necessita de
proteção, que o homem possui o papel de protetor e “chefe de família”, sendo ele o provedor
econômico, além de ser considerada incapaz para certos serviços, injusta desigualdade que
a mulher sofre. A situação de violência doméstica não é um assunto moderno, porém ganhou
visibilidade apenas a partir dos anos 60 e 70, quando movimentos que lutam pelos direitos
das mulheres buscaram formas de reconhecimento e criação de direitos para as mulheres,
porém muito difícil conseguir que os legisladores homens, reconhecessem a necessidade de
lei de proteção para as mulheres que sofressem alguma violência dentro do seio familiar,
pois a justificativa dos maridos era a “defesa da honra”, obrigando que as mulheres se
submetessem a situações de violência, por questões de dependência econômica, sem amparo
familiar e/ou pela guarda dos filhos. A mulher esteve sempre acostumada a realizar-se com
o sucesso de seu companheiro, não conseguindo preocupar-se com as suas realizações
pessoais.3
Violência doméstica é a conduta, omissão ou ação de discriminação, agressão ou
coerção, pelo fato da vitima ser mulher e que também causa dano, como morte,
3
DIAS, Maria Berenice. A violência Intrafamiliar. Disponível em: www.mariaberenice.com.br
529
patrimonial. Sem olvidar, a violência sexual que é a ação em que o agressor obriga a mulher
a manter contato sexual, físico ou verbal, ou até mesmo de participar de outras relações
sexuais mediante uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação,
ameaça ou qualquer outro mecanismo que limite a vontade pessoal da mulher. Quando o
agressor obriga a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros também se configuram
violência sexual.
Conforme se verifica, existe uma grande força histórica nessas atitudes, uma sociedade que
perpetua o machismo, ou seja, mantém aquele padrão em que a mulher é submissa a homem.
Apesar de legislação própria para prevenção a assistência para a mulher, o aumento
dos números da violência doméstica no Brasil, é constante. O Brasil é marcado por uma
sociedade em que a igualdade de gênero ainda é uma luta diária, onde as mulheres precisam
lutar pelo seu espaço na sociedade, onde precisam buscar incisivamente serem ouvidas e
respeitadas da mesma forma que os homens.
4
Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
5
Centro pela Justiça e o Direito Internacional
531
6
MONTENEGRO, Marilia. Lei Maria da Penha: uma análise criminológico-crítica. Rio de Janeiro: Revan,
2015, p. 115.
532
Antes da ADI n. 4.424 as lesões causadas no âmbito doméstico eram tratadas como
lesões de natureza leve, sendo regidas pela Lei 9.099/95 que trata de julgamento de infrações
de menor potencial ofensivo.
Desse modo, por ser tratada como infração de menor potencial ofensivo e de acordo
com o artigo 88 da Lei 9.099, seria o caso de ação condicionada à representação, em muitos
casos a vítima não representava contra o agressor. Ocorre que, quando o próprio código penal
e a legislação complementar foram criados não estavam preparadas para crimes no âmbito
doméstico, por se tratar de “problemas familiares”, em 90% dos casos sempre terminava em
reconciliação do casal. No ano de 2004, houve mudanças no Código Penal objetivando coibir
e prevenir a violência doméstica, porém ainda existia a incidência da lei 9.099. Em 2012, o
Supremo Tribunal Federal, com o relator Marco Aurélio teve um entendimento diverso ao
problema que a lei estava enfrentando, decidindo através da ADI n. 4.424, que a lesão
corporal resultante de violência doméstica contra a mulher seria uma ação pública
incondicionada. Desse modo, ao verificar o artigo 41 da Lei 11.340/2006:
A Lei 11.340/06 visa criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher nos termos do parágrafo 8° do art. 226 da Constituição Federal, em que
esclarece que o Estado é responsável por assegurar assistência à família na pessoa de cada
um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações.
533
O art. 16 da Lei permaneceu com o direito que a mulher tem de escolher, nos casos
de ação penal pública condicionada a representação. Anteriormente a lei, era normal
mulheres retirarem a queixa que tinha sido feita na delegacia, bastava a mulher dizer que
não tinha interesse no prosseguimento do feito. Porém, após a lei de acordo com o artigo
referido, essa retratação poderá ser feita apenas em juízo, onde terá uma audiência designada
com essa finalidade, a ofendida precisa informar o motivo da renúncia. O motivo dessa
condição seria evitar que a renúncia da ofendida fosse resultado de ameaça do agressor,
sendo assim uma forma de proteger a vítima.
Ocorre que, o legislador explana que o Estado possui essa responsabilidade com
todos os integrantes da família, porém não especifica quais são as medidas cabíveis para
coibir a violência que possa existir no âmbito doméstico, deixando uma interpretação vaga
ao seu significando.
O problema é que se não há uma definição própria para quais medidas devem ser
tomadas acaba abrindo brechas para diversas interpretações e o que está aparelhado não surte
o efeito prometido. Visando a solução desta problemática na Lei Maria da Penha, no capítulo
II da referida Lei, estão as Medidas Protetivas, que são medidas cautelares concedidas pelo
juiz para a vítima objetivando proteger sua integridade física, psíquica e patrimonial.
Essas medidas poderão ser concedidas pela autoridade policial ou judicial, requeridas
pelo Ministério Público ou pela própria ofendida, serão concedidas de imediato
independente de audiência e de manifestação do Ministério Público, que deverá ser
comunicado imediatamente. Ocorre que nem todas as cidades do País possuem juízes de
plantão, juizados especializados ou até mesmo centros que possa acolher essa vítima em
qualquer dia ou horário, acaba deixando a vítima em situação de risco mesmo que no
“sistema judiciário” e no boletim de ocorrência possua a medida protetiva. Cabendo ao juízo
um prazo de 48 horas para efetuar as diligências necessárias.
O art. 22 trata das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor, sendo
elas a suspensão da posse ou restrição do porte de arma, se houver; afastamento do lar,
domicílios ou local de convivência com a vítima, ou seja, essa medida trata de evitar
qualquer contato que o agressor possa ter com a vítima evitando assim, a sua reincidência
no fato; e a proibição de determinadas condutas, como se aproximar, falar e frequentar
lugares que possam deixar o agressor próximo a vítima, a legislação autoriza que seja
determina uma distância entre as partes. Já o art. 23 trata das Medidas Protetivas de Urgência
534
à Ofendida que não trazem prejuízos a outras medidas, que seriam encaminhar a ofendida e
seus dependentes para programa oficial ou comunitário de proteção ou atendimento;
determinar a recondução da ofendida do lar, sem prejuízo de direitos relativos a bens, guarda
dos filhos e alimentos; e determinar a separação de corpos. Não é apenas a proteção física
que a legislação garante, mas também a proteção patrimonial da ofendida, assegurada no art.
24. Que apesar de ser uma violência comprovada, muitos profissionais de segurança pública
se recusam a realizar boletim de ocorrência.
Por se tratar de violência doméstica, haverá a intervenção do Ministério Público,
visando sempre o bem-estar da ofendida, assegurando que não haja reincidência dos fatos,
tomando as medidas asseguradas em legislação. A grande problemática encontrada nessas
Medidas é a efetiva eficiência, permanente ou momentânea. Ao verificar o conteúdo da
norma, entende-se que as políticas que na teoria são adotadas, deveriam ser de efeito
permanente, porém na maioria dos casos, ocorre de forma breve.
O art. 20 assegura a utilização da prisão preventiva que pode ser decretada de oficio
pelo juiz, mediante requerimento do Ministério Público ou de representação da autoridade
policial. Nesta senda, essa medida é uma forma de assegurar maior proteção à vítima. Com
a promulgação da lei os casos de violência doméstica tomaram maior visibilidade, porém
ainda necessita de mudanças para tornar a lei mais eficaz.
Contudo, na prática, ainda é difícil a concessão das medidas protetivas, pois alguns
magistrados entendem que não existem provas suficientes da agressão sofrida pela vítima,
mas em decisões do Tribunal de Justiça/RS, a violência doméstica por se tratar de ato
executado dentro do âmbito familiar não precisam, necessariamente de testemunhas e provas
concretas da agressão, podendo bastar apenas a palavra da vítima que possui especial
valoração. Verificamos esse entendimento na Apelação Criminal n° 70072261738, Terceira
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, relator Ingo
Wolfgang Sarlet, julgado em 12/04/2017.
Ainda, seguindo o mesmo entendimento tem a Apelação Crime de processo n°
1025850-7, julgada pela 1ª Câmara Criminal, relator Marcedo Pacheco, do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná. E por fim, a Apelação Crime n° 0001088-57.2016.8.24.0038 ,
julgada pela Segunda Câmara Criminal, relator Sérgio Antônio Rizelo, do Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina.
535
Com a sanção da Lei 13.641/18, criou um novo tipo penal na Lei 13.340/06,
adicionando o artigo 24-A instituindo o crime de Descumprimento de Medidas de Urgência,
tal mudança precisa ser considerada um avanço pois existindo uma tipificação para tal crime
compõe a lista de formas de coibir a reincidência da violência.
Na sociedade sempre existiu a violência doméstica, a diferença é que atualmente
movimentos que lutam pelos direitos da mulher e o Poder Judiciário, criam campanhas para
dar visibilidade a esses casos, incentivando as vítimas a denunciarem seus agressores
mostrando que a lei irá protegê-las.
Em algumas regiões é difícil combater a violência em razão de não possuírem os
Centros e Unidades de Atendimento que a legislação prevê. Analisando o que a lei tem
oferecer, já se encontra a problemática do artigo 23, quando dispõe das medidas que são:
encaminhar à ofendida e seus dependentes a programas oficiais ou comunitários de
atendimento, determinar a recondução da ofendida e de seus dependentes ao domicílio, após
o afastamento do agressor, bem como determinar que a ofendida se afaste do lar e determinar
a separação de corpos, chega-se então, ao ponto mais polêmico da legislação, pois não há
em todas as cidades rede de apoio e atendimento para a vítima.
O Estado não dispõe de condições para acolher a vítima e colocá-la a salvo de seu
agressor, a mulher se vê obrigada a permanecer na casa de parentes e amigos com seus filhos,
causando um risco permanente a todos.7
7
DIAS, Maria Berenice. Medidas protetivas mais protetoras. Disponível em
<http://www.mariaberenice.com.br/>
536
Nesses primeiros seis meses de 2020, foram criadas campanhas de prevenção, como
Mascara Roxa8 e a campanha Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica9.
Como já referido no presente artigo, uma das formas que o judiciário utiliza para
reforçar a proteção da mulher é utilizando-se da prisão preventiva, sendo uma atuação legal
embasada no artigo 21 da Lei 11.340/6, onde afirma que o juiz poderá decretar a prisão
preventiva do agressor em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, a
requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial, mas
sempre visando o melhor interesse da vítima.
Chega-se à conclusão através de artigo publicado pela Promotora de Justiça do
Estado do Rio Grande do Norte, Erica Verícia Canuto de Oliveira Veras, quando eram
descumpridas as medidas protetivas de urgência, como por exemplo não se aproximar, o STJ
entendia que deveria ser decretada a prisão preventiva se preenchesse todos os requisitos dos
artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, para assim evitar um constrangimento legal.
Porém, é necessário entender que a decretação de prisão preventiva para garantir o
processo seria diferente daquela cominada para garantir que a medida protetiva fosse
executada. Nessa linha, o legislador implementou a Lei 12.403/11 que altera o artigo 313
do Código de Processo Penal, incluindo o inciso III em que afirma que se o crime envolver
violência doméstica e familiar contra a mulher caberá a decretação desta.
Sendo esse um requisito que deveria ter sido implementado no artigo 312 do Código
de Processo Penal, que trata dos requisitos para decretação da cautelar, mas isso não retira o
seu caráter legal.
No entanto, a prisão preventiva não possui prazo determinado, mas precisa respeitar
o princípio da proporcionalidade, ou seja, respeitando o direito que o agressor possui perante
a constituição, como ampla defesa e principalmente respeitando o princípio da dignidade da
pessoa humana.
8
Campanha apoiada pelo Tribunal de Justiça/RS.
9
Campanha idealizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB).
537
Para que a prisão preventiva seja aplicada de uma forma adequada é necessário
conhecer os elementos ligados ao princípio da proporcionalidade, sendo eles: a adequação,
a necessidade e a proporcionalidade.10
Atualmente vive-se um problema chamado “população carcerária”, que vem
aumentando de ano em ano. O Brasil em um ranking mundial, possui a 3ª maior população
carcerária. É evidente que o país não possui um sistema carcerário “justo”, o sistema pune o
criminoso através de castigos, ou seja, permanecer trancado durante um período determinado
por sentença sem a persistência de uma ressocialização.
As políticas públicas além de necessitarem colocar em prática as medidas que
constam em lei, necessitam também achar uma forma de ressocializar o agressor, para que
não ocorra a mesma situação com outra mulher. Pois o mesmo permanece durante um
período “x” em um sistema carcerário falho, que é a realidade do país, e após essa “punição”
o agressor tem uma grande chance de voltar à sociedade mais violento, podendo o levar ao
cometimento de feminicídio.
Muitos agressores, repetem comportamentos que viveram na infância, outros
utilizam o ciúme como motivo para tal ação, tratando a mulher como sua propriedade, no
inicio dos tempos a sociedade era patriarcal, ou seja, o homem é que comandava a família.
O Direito Penal é aplicado como forma de punição, se configura um processo de
despersonalização do agressor, tudo que acontecer durante o processo será visto de forma
abstrata, ignorando sua história de vida.11
Já que a intervenção ocorre sobre os efeitos e não sobre as causas que levaram a essa
situação, intervindo sobre pessoas e não situações, acaba ignorando todos os fatos anteriores
ao delito. A intervenção do Estado pelo direito penal é feita de forma reativa e não
preventiva.
Entende-se que o sistema acredita que quando uma pena é imposta, os problemas são
resolvidos ou neutralizados. Na maioria dos casos, quando o agressor é preso a primeira
visita que ele recebe é a de sua companheira. Através do nosso sistema carcerário percebe-
se que Foucault tem razão, quando afirma que a prisão fabrica delinquentes, pois são
submetidos a tratamento desumano, estando isolados por tempo indeterminado em celas.
10
DA SILVA BELO, Eliseu Antônio. O artigo 41 da Lei Maria da Penha frente ao princípio da
proporcionalidade. Verbo Jurídico, 2014, p. 47.
11
BARATTA, Alessandro. Criminologia y Sistema Penal. Buenos Aires: IBdef, 2004.
538
12
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria e crítica. Editora Saraiva, 2014.
539
de família, o único que traz estabilidade econômica na família, a vítima entende que se ela é
dependente economicamente não possui emprego ou qualquer estabilidade financeira não
adiantará de nada denunciar, efetivar as ações como afastar o agressor do lar e esta viver em
situação de miséria, na sua maioria com seus filhos menores.
É necessário que existam ações positivas do Estado, ou seja, do Poder Executivo,
como um melhor atendimento tanto no Sistema Único de Saúde como no Sistema Único de
Segurança Pública, para que assim quando o magistrado receber a necessidade da medida
protetiva saiba para enviar a vítima.13 (Montenegro, 2015)
A dificuldade existe após a denúncia e o afastamento do agressor do lar, pois a vítima
não tem estabilidade financeira, não trabalha e não tem incentivo para encontrar alguma
coisa lhe traga satisfação pessoal, algo que foi perdido há muito tempo.
No ano de 2013, a Presidente Dilma Rousseff assinou o decreto 8.086/13, instituindo o
programa “Mulher, Viver Sem Violência”, objetivando integrar e ampliar os serviços
públicos já existentes às mulheres em situação de violência, mediante atendimentos
especializados na Saúde, Justiça, Segurança Pública, criando também uma rede assistencial
e principalmente, visando promover a autonomia financeira da vítima.
Assim, como esse programa vários outros foram instituídos como: Delegacia da
Mulher, que acaba sendo um setor dentro da Policia Civil objetivando fazer o atendimento à
mulher no momento da denúncia, trazendo profissionais especializadas para ouvir e orientar
da melhor forma a vítima. Ainda, a Patrulha Maria da Penha que é fruto de Projeto de Lei
do Senado n° 547/2015, que visa dar um acompanhamento posterior a aplicação das medidas
protetivas, onde a Policia Militar especializada nesses casos de violência fiscaliza se as
medidas aplicadas estão sendo cumpridas pelo agressor. É preciso haver um investimento
ao nível do PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego),
visando a autonomia financeira da mulher vítima de violência, orientando-a que ela pode se
estabelecer economicamente sem o seu companheiro, que ela pode ser a provedora da
família, tornando-a independente.
Existem muitos programas de assistência a mulher no Brasil, ajudando na sua
independência tanto afetiva como financeira, porém nem todas as regiões do país possuem
essa assistência. Geralmente esses centros e unidades são comuns em capitais, onde possuem
maior recurso, mas é necessário que o Estado enxergue também aquelas vítimas que residem
13
MONTENEGRO, Marilia. Lei Maria da Penha: uma análise criminológico-crítica. Ed. Revan, 2015.
541
no interior dos Municípios, que não possuem estudo ou condições de vida digna, sendo
primordial a ampliação desses programas e serviços. Em locais que por algum motivo não
se consegue aplicar esses centros, poderiam ser usadas Unidades Móveis de Atendimento,
como já existe em várias regiões do país. Além de investir na especialização daqueles que
trabalham na Central de Atendimento – 180.
Ainda vale mencionar, pesquisa realizada pela autora Marilia Montenegro em seu
livro, “Lei Maria da Penha: uma análise crítica-criminológica”, a maioria dos casos que
chegam no Juizado da Mulher são de vítimas e agressores que residem nas zonas mais pobres
da cidade, bem como possuem uma baixa escolaridade.
Para que dê certo é necessário que o legislador crie os mecanismos descritos em lei,
pois se percebe que mesmo com uma lei que protege tanto a mulher o número de processos
tem aumentado. Em razão dessas lacunas mencionadas, o legislador “deixa a desejar” a
eficiência das medidas protetivas.
O judiciário trabalha constantemente na assistência dessas mulheres, infelizmente
não é o suficiente, sendo necessária a criação de mais Varas Especializadas em Violência
Doméstica e Familiar, investindo na especialização desses magistrados, preparando-os para
melhor assistir a mulher. Existem as Promotorias Especializadas e Núcleos de Gênero do
Ministério Público, que move a ação penal pública, fazendo o possível para garantir os
Direitos da Mulher, além de ter autoridade para fiscalizar todos os locais públicos e privados
que façam a assistência a mulher.
A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul também possui um núcleo de
defesa da mulher, prestando assistência à mulher vítima de violência, como orientação
jurídica, apoio psicológico e o ajuizamento de ações necessárias conforme a situação, por
exemplo, ação de alimentos, divórcio, dissolução de união estável, guarda, entre outras.
Atualmente, uma das formas de restaurar os laços familiares rompidos pela constante
violência e falta de diálogo, é a utilização da Justiça Restaurativa, onde círculos com vítimas
e agressores, bem como psicólogos e assistentes sociais que trabalham as relações quebradas,
pois em sua maioria existem menores envolvidos.
Como já mencionado acima no presente artigo, grande parte da violência é resultado
de agressores com problemas de alcoolismo ou até mesmo, no controle da raiva, oriundos
de doenças como TEI (Transtorno Explosivo Intermitente), sendo esses um dos objetivos
desses círculos de restauração.
542
Talvez o primeiro grande passo seja, explicar para a mulher vítima de violência e de
dependência afetiva e financeira, que ela tem potencial e oportunidades para se reerguer na
sociedade, mostrar que o Estado está trabalhando permanentemente na aplicação da lei e na
criação de novos serviços que possam ajudá-la a voltar a ter sonhos. Fazer a mulher sentir-
se segura dentro da sua própria residência, sabendo que lá fora existe um mecanismo de
proteção e serviços que não a abandonarão. Pois não adianta, a lei exigir que esses serviços
existam sendo que na prática nem todas possuem esse acesso.
O Estado deve estabelecer uma punição para o agressor, só que a problemática
também se encontra na punição e na pós-punição, o que ocorrerá com a vítima e com o
agressor após esse período, a lei quando pune o agressor tenta “resolver” a situação atual,
mas sem se preocupar em tentar saber a origem ou tentar restaurar aquele vínculo familiar
que foi quebrado.
Muitas vezes as vítimas aceitam representar contra o agressor, porém em razão de
sua baixa autoestima, e agravada por problemas psicológicos, essas vítimas não querem
deixar seus companheiros, apenas buscam o fim dessa violência. As políticas públicas devem
atingir também o agressor, de acordo com o entendimento de Maria Berenice Dias, a justiça
deve colocar-se como pacificadora, o que significa muito mais do que forçar acordos ou
encarcerar o agressor.
Devendo utilizar medidas como, frequência a grupos de terapia para a vítima e
principalmente, ao agressor, sendo essa, uma forma de conscientizá-lo que o lar é local de
afeto e respeito. Acredita-se que um dos grandes desafios do Estado seja efetivar a punição,
mas de uma forma restaurativa, penitenciar, mas evitando que se concretize a mesma
situação ou pior no futuro, assegurando proteção à vítima e reabilitação do agressor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
BELO, Eliseu Antônio da Silva. O Artigo 41 da Lei Maria da Penha Frente Ao Princípio
da Proporcionalidade. Goiânia-GO, 2014, Verbo Jurídico.
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: BRUXEL, Ivan
Leomar. Acordão n. 70036742047.
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: SARLET, Ingo
Wolgang. Apelação Criminal n. 70072261738.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha Na Justiça, 4ª Edição, Revista dos
Tribunais.
PRADO, Fabiana Lemes Zamalloa do. Direito Virtual Penal, ano 2013. Disponível em:
<http://www.direitopenalvirtual.com.br/artigos/a-prisao-preventiva-na-lei-maria-da-
penha>
PRESOS, Regras Mínimas para Tratamento de. Conselho Nacional de Justiça, Brasília
2016.
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria e crítica. Editora Saraiva, 2014.
Joice Raddatz1
Resumo: A mediação de conflitos vem sendo cada vez mais utilizada no Brasil, tanto no
âmbito judicial quanto no privado, como método voluntário de resolução de conflitos em
que um terceiro neutro atua como mediador, facilitador do diálogo e harmonizador da
relação, permitindo às partes envolvidas a sua aproximação e comunicação visando a um
acordo. Tem como característica o protagonismo das partes, onde a responsabilidade pela
construção desse acordo é das próprias partes. O presente artigo, utilizando-se de referências
de diversos autores e dos métodos hermenêutico, analítico e dedutivo, pretende abordar a
visão da mediação como instrumento capaz de contribuir para a pacificação social e a
humanização das relações, justificando assim a importância de sua utilização como
alternativa a soluções impostas por terceiros intervenientes. Através da análise de obras e
textos sobre o tema, a compreensão da mediação é apresentada como instrumento
pacificador de conflitos com base nas suas características e resultados positivos, concluindo-
se que o principal aspecto que a torna um método pacificador e humanizador diz respeito ao
poder decisório das partes, que permite um maior equilíbrio nas relações sociais e humanas
e uma maior satisfação pessoal dos envolvidos.
1 INTRODUÇÃO
1
Advogada, formada pela UNISC/RS, especialista em Direito Ambiental pela UFRGS, inscrita na OAB/RS n.
33.973. Mediadora judicial e privada, com certificação pelo TJRS e ICFML. Atua como mediadora judicial
junto a Centros Judiciários de Resolução de Conflitos do TJRS. E-mail: joice@raddatz.com.br
547
Judiciário e de sentenças que, muitas vezes, desagradam a ambas as partes, não considerando
seus reais interesses.
Fenomenologicamente, apreende-se que a pacificação social também decorre de
experiências observadas a partir de mediações em que o consenso se estabeleceu devido a
decisões construídas pelas próprias partes em conflito, que tiveram seus interesses atendidos
e, assim, puderam restabelecer o diálogo e muitas vezes o convívio, demonstrando o caráter
harmonizador da técnica utilizada.
No transcorrer do trabalho, portanto, são apresentadas considerações sobre essa
importante forma de resolução de conflitos, que é a mediação, vista como mecanismo de
construção da paz, concluindo-se que seu aspecto pacificador e humanizador advém
especialmente do protagonismo das partes envolvidas, que através de um processo de
comunicação e escuta, passam a ser atores de suas próprias decisões, trazendo maior
comprometimento, segurança, satisfação e equilíbrio às relações.
De acordo com a Lei, a mediação é considerada uma “atividade técnica exercida por
terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e
estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”2.
Na doutrina, Francisco José Cahali (2012) apresenta a mediação com o seguinte
conceito:
[...] a mediação é um dos instrumentos de pacificação de natureza autocompositiva
e voluntária, no qual um terceiro, imparcial, atua, de forma ativa ou passiva, como
facilitador do processo de retomada do diálogo entre as partes, antes ou depois de
instaurado o conflito3.
What mediators do, can do, or are permitted to do in their efforts to resolve a
conflict may depend largely on who they are and what resources and competencies
they can bring to bear. Furthermore, mediation efforts in the context of
peacebuilding are highly dependent on who the parties are, the nature of their
interaction, the context of the conflict, and what is at stake 4.
2
Lei 13.140/2015, artigo 1º, parágrafo único. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13140.htm. Acesso em: 21 out. 2019.
3
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 57.
4
BERCOVITCH, Jacob; KADAYIFCI, Ayse."Exploring the Relevance and Contribution of Mediation to
Peace-Building," Peace and Conflict Studies: Vol. 9 : No. 2 , Article 2. 2002., p. 25. Disponível em:
https://nsuworks.nova.edu/pcs/vol9/iss2/2. Acesso em: 21 out. 2019.
549
3 AUTOCOMPOSIÇÃO E HETEROCOMPOSIÇÃO
5
SIX, Jean-François. Dinâmica da Mediação. Tradução de Giselle Groeninga de Almeida, Águida Arruda
Barbosa e Eliana Riberti Nazareth. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 237.
6
Manual de Mediação Judicial. 6ª ed. Conselho Nacional de Justiça. Brasília, 2016, p. 19.
550
7
Manual de Mediação Judicial. Op. Cit., p. 31
8
FIUZA, César. Teoria geral da arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 45.
9
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento.
11ª. ed. Salvador: Jus Povium, 2009, V. 1., p.78.
10
CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 6.
11
URY, William. Chegando à paz: resolvendo conflitos em casa, no trabalho e no dia a dia. Tradução de
Jussara Simões. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 45 et seq.
551
adversarial que reclama por uma educação para a paz, que, por sua vez, permita à sociedade
aprender a lidar de maneira mais construtiva com seus conflitos.
A construção da paz refere-se à utilização de mecanismos e estruturas que podem
impedir, encerrar, transformar ou resolver um conflito, fortalecendo a capacidade dos
indívíduos e da sociedade para gerenciar mudanças sem violência.
Segundo as lições de Sales (2004, p. 167):
Ensina-se paz quando se ensina a resolver a prevenir os conflitos de maneira
amigável, quando se restaura o diálogo, quando se oferece possibilidades de
conscientização de direitos e de responsabilidade social, quando se substitui a
competição pela cooperação, o individual egoísta pelo coletivo solidário. 12
[...] a observação mais lenta dos resultados leva à conclusão de que a pacificação
social não é alcançada pela sentença, que se limita a aplicar impositivamente a
regra de direito material ao caso concreto, e que, na maioria dos casos, não é aceita
pelo vencido, ou até mesmo, por ambas as partes, mas sim pela solução
autocompositiva13.
12
SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 167.
13
LUCHIARI, Valéria Feriolli Lagrasta. Mediação Judicial: Análise da Realidade Brasileira – origem e
evolução até a Resolução n. 125, do Conselho Nacional de Justiça; coords: Ada Pellegrini Grinover, Kazuo
Watanabe. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 51.
552
14
SANTOS, Marcos André Couto. O Direito como meio de pacificação social: em busca do equilíbrio das
relações sociais. Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 194, 16 jan. 2004. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/4732/o-direito-como-meio-de-pacificacao-social. Acesso em: 07 out. 2019.
15
NETO, Adolfo Braga. Mediação: uma experiência brasileira. 2ª. ed. rev. e ampl. São Paulo, Editoria CLA
Cultural, 2019, p. 75
16
NETO, Adolfo Braga. Op. cit., p. 75
553
conclui que precisamos entender como a mediação funciona, os fatores que a influenciam e
qual a melhor forma de utilizá-la:
Vale dizer que a própria Resolução 125, que, aprovada pelo Conselho Nacional de
Justiça em 29 de novembro de 2010, instituiu uma Política Judiciária Nacional de tratamento
dos conflitos de interesse em que se ofereçam também outros meios consensuais de solução
de controvérsias, trouxe como um de seus objetivos “a disseminação da cultura da
pacificação social” (Artigo 2º.)18.
Ou seja, a pacificação social é uma das consequências idealizadas quando se
incentiva a adoção dos meios denominados “alternativos” à jurisdição.
Petrônio Calmon (2008) também traz o aspecto pacificador da mediação inserido no
seu próprio conceito, apresentando-a como:
17
BERCOVITCH, Jacob; KADAYIFCI, Ayse."Exploring the Relevance and Contribution of Mediation to
Peace-Building," Peace and Conflict Studies: Vol. 9: No. 2, Article 2. 2002., p. 36. Disponível em:
https://nsuworks.nova.edu/pcs/vol9/iss2/2. Acesso em: 21 out. 2019.
18
Resolução Nº 125 de 29/11/2010 do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=156. Acesso em: 14 out. 2019
19
CALMON, Petrônio, op. cit., p. 109.
20
CALMON, Petrônio, op. cit., p. 152.
554
Nesse sentido, ensinam que, por trás das posições, existem os interesses subjacentes,
ocultos, intangíveis e, muitas vezes, inconscientes. Somente vêm à tona quando se descobre
o porquê de determinadas posições, buscando-se entender as reais necessidades humanas
envolvidas no conflito. A partir do momento em que interesses legítimos são revelados e
comunicados entre as partes, cresce a possibilidade de serem atendidos.
Spengler (2011) defende a mediação como um procedimento democrático, porque
“acolhe a desordem – e, por conseguinte, o conflito – como possibilidade positiva de
evolução social” 22. A mesma autora, citando Jasson Ayres Torres, em sua obra O Acesso à
Justiça e soluções alternativas, compreende que:
21
FISCHER, Roger; URY, Willian; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: como negociar acordos sem fazer
concessões. Tradução de Ricardo Vasques Vieira. 3ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Solomon, 2014, p. 57-58.
22
SPENGLER, Fabiana Marion (Org.). Justiça restaurativa e mediação: políticas públicas de tratamento dos
conflitos sociais. Ijuí: Unijuí, 2011, p. 236.
23
SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdição à Mediação: Por uma Outra Cultura no Tratamento de
Conflitos. Ijuí: Ed. Unijuí, 2010, p. 322
24
BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem /Roberto Portugal Bacellar. – São Paulo: Saraiva,
2012. – (Coleção saberes do direito; 53). 1. Arbitragem (Direito) - Brasil 2. Mediação - Brasil I. Título. II.
Série.
555
Nessa mesma linha, Luchiari (2012) entende que os meios alternativos de solução de
conflitos proporcionam uma justiça mais restauradora, “resolvendo o conflito de forma mais
ampla e profunda, com aceitação do resultado pelos envolvidos, pois, em regra, eles mesmos
o fixam conforme suas reais possibilidades de adotá-lo”25.
A autora ressalta também que, além de agregar vantagens e benefícios ao processo
judicial, os meios alternativos devem ser analisados “pelas vantagens que lhes são inerentes,
intrínsecas, de modo que sejam consideradas técnicas voltadas à obtenção da pacificação”26,
sendo que seu uso auxilia o Poder Judiciário e possibilita o alcance dos escopos da
participação e da pacificação.
Outro viés da mediação é seu caráter cooperativo, em que os objetivos aparentemente
antagônicos das partes são trabalhados de forma a serem convertidos em um objetivo
comum, que satisfaça a todos.
O psicólogo e mediador Juan Carlos Vezzula, em seu artigo “A mediação para uma
análise da abordagem dos conflitos à luz dos direitos humanos, o acesso à justiça e o respeito
à dignidade humana” (2013), aborda os procedimentos competitivos e cooperativos,
aduzindo que:
Quando uma pendência é resolvida à satisfação de todos, a harmonia se estabelece
pois ninguém é obrigado nem pressionado a fazer nada, todos fazem sua parte com
a convicção de ser isso o que os satisfaz na compreensão da responsabilidade em
jogo pela tomada de consciência da repercussão dos próprios atos. 27
25
LUCHIARI, op. cit., p. 51
26
LUCHIARI, op. cit., p. 53
27
VEZZULLA, Juan Carlos. A mediação para uma análise da abordagem dos conflitos à luz dos direitos
humanos, o acesso à justiça e o respeito à dignidade humana. In: SILVA, Luciana Aboim Machado Gonçalves
da (org.). Mediação de Conflitos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 74.
556
chegaram, são apaziguadas as diferenças. A partir do próprio conflito, nasce um novo olhar
sobre ele.
Paris Alejandro Cabello Tijerina, em seu artigo “Mediación: Una política social para
ellogro de la cultura de paz” (2015), ressalta a responsabilidade das pessoas envolvidas e seu
protagonismo na solução dos conflitos como elemento para construção e fortalecimento da
cultura da paz, entendendo que:
La mediación es un método de solución pacífica de conflictos basado en el diálogo,
es eficaz porque permite, entre otros aspectos, que las personas implicadas asuman
la responsabilidad de su conducta, el protagonismo de solución del conflicto, y
recobren la sensación de paz y equilíbrio emocional existentes previos al inicio del
conflito28.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
28
CABELLO TIJERINA, Paris Alejandro. Una política social para ellogro de la cultura de paz, 2015, p.
05. Editado por Secretaria do Desarrollo Agrario - SEDATU, MX,
(http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Z1dADhWmVq4J:www.pa.gob.mx/publica/rev_60
/analisis/Mediacion_paris.pdf+&cd=16&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br). Acesso em: 20 out. 2019.
29
WARAT, Luis Alberto. Surfando na Pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2004, p. 26.
30
WARAT, op. cit., p. 31
557
para a resolução desses conflitos, começando pelo próprio Direito, que traz em si as ideias
de justiça e segurança. Entretanto, o que se verifica é que estes ideais nem sempre são
alcançados por meio da forma como esse Direito é ditado e aplicado.
Assim, surgem outros mecanismos, outros métodos, chamados “alternativos”, a
exemplo da mediação de conflitos, cuja característica principal é o protagonismo das partes,
segundo a visão de diversos autores citados no presente trabalho.
E é esse protagonismo que aparece ser também a característica mais significativa que
permite à mediação ser apresentada como método de pacificação social e humanização das
relações, visto que soluções alcançadas pelo esforço das próprias partes, não impostas por
um terceiro, trazem em si um sentimento de maior capacidade e comprometimento com a
solução encontrada.
A partir da condução de um mediador, sendo ouvidas e ouvindo-se mutuamente, as
partes em conflito passam por um exame mais profundo de seus reais interesses e, ao
construírem o seu próprio entendimento, exercem suas potencialidades e sentem seu real
poder de decisão, que lhes traz uma satisfação interna capaz de apaziguar o conflito e
prevenir que outros se instalem.
A paz social, como fruto de um bom relacionamento entre indivíduos, depende do
reconhecimento de direitos e deveres em equilíbrio, que trazem tranquilidade e bem-estar
social.
E a mediação de conflitos apresenta-se, pois, como um mecanismo de alcance da
pacificação social ao facilitar essa integração entre indivíduos conflitantes, de forma que se
reconheçam em equilíbrio, comunicando-se e sendo autores de suas próprias decisões.
REFERÊNCIAS
BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2012. Col.
Saberes do Direito; 53.
BRAGA, Adolfo. Mediação: uma experiência brasileira. 2ª. ed. rev. e ampl. São Paulo: CLA
Cultural, 2019. p. 75.
558
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paz, 2015, p. 05. Editado por: Secretaria do Desarrollo Agrario - SEDATU, MX, Disponível
em:
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2012, p. 57
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de conhecimento. 11 ed. Salvador: Jus Povium, 2009, V. 1., p.78.
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acordos sem fazer concessões. Tradução de Ricardo Vasques Vieira. 3ª ed. rev. e atual. Rio
de Janeiro: Solomon, 2014. p. 57-58.
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equilíbrio das relações sociais. Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 194,
16 jan. 2004. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/4732/o-direito-como-meio-de-pacificacao-social Acesso em: 7
out. 2019.
559
URY, William. Chegando à paz: resolvendo conflitos em casa, no trabalho e no dia a dia.
Tradução de Jussara Simões. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 45 e seq.
VEZZULLA, Juan Carlos, A mediação para uma análise da abordagem dos conflitos à luz
dos direitos humanos, o acesso à justiça e o respeito à dignidade humana. In: SILVA,
Luciana Aboim Machado Gonçalves da. Mediação de Conflitos. São Paulo: Atlas, 2013. p.
74.
Palavras-chave: fiança policial, Lei dos juizados especiais criminais, medidas protetivas de
urgência.
1
Especialista em Ciências Criminais e graduada pela Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil.
Advogada e Servidora Pública. E-mail: caticonteratto@gmail.com.br.
2
Vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS, subsecção Passo Fundo. Possui pós-
doutoramento no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Rio Grande. Doutora pela
Universidade de Santa Cruz do Sul. Professora do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Direito da
Universidade de Passo Fundo PPGDireito UPF. Conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher
(COMDIM). Coordenadora do Programa de Extensão universitária PROJUR Mulher e Diversidade. Membra
do Conselho Editorial do CONPEDI. Coordenadora do grupo de pesquisa Dimensões do Poder, Gênero e
Diversidade do PPGDireito, Linha de pesquisa Relações Sociais e Dimensões do Poder, com ênfase em
ciências criminais, gênero, relações de poder, diversidade e direitos humanos. Advogada. E-mail
jfaria2@upf.br.
3
RESENDE, Gisele Lira; VASCONCELOS, Claudivina, Campos. Violência Doméstica: A Aplicabilidade e
Eficácia das Medidas Protetivas como Instrumento de Prevenção e Combate à Reincidência na Comarca de
561
das impulsionadoras das campanhas que começaram a reivindicar um salário para o trabalho
doméstico, realizado pelas mulheres sem nenhuma retribuição, sustenta que “[...] algumas
das questões pelas quais o antigo movimento das mulheres batalhava ainda estão em aberto,
que de fato não ultrapassamos a montanha [...]”. Defendia que a luta pela reivindicação dos
direitos das mulheres deveria ser contínua e bem sucedida, para reconstruirmos a sociedade.4
A Lei Maria da Penha não possui caráter repressivo, mas sim visa à proteção e à
assistência à mulher em situação de violência. Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti, ao
se manifestar sobre o tema, sustenta que a Lei prevê mecanismos de prevenção, políticas
públicas de cunho educacional e de assistência às vítimas, e que sua criação não teve a
intenção de punir mais severamente os agressores dos delitos domésticos.5 Essa Lei se
diferencia pela criação de medidas protetivas de urgência, que são medidas cautelares,
instrumentos legais disponibilizados para que a vítima recorra à justiça de forma rápida, por
isso o caráter urgente, e consiga providências que cessem de imediato as agressões, sejam
elas de qualquer natureza.
Estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça no ano de 2017 demostrou que
o Poder Judiciário Brasileiro homologou 194.812 medidas em 2016, e 236.641 medidas em
2017, um aumento de 21% no período. Apontou-se uma média diária de 648 medidas
protetivas de urgência no ano de 2017, ou seja, um caso de violência doméstica foi
comunicado num período inferior a três minutos. Ainda segundo a pesquisa, o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul expediu a maior quantidade de medidas em números absolutos:
cerca de 38.604.6
Diante da necessidade foi inserido na Lei Maria da Penha tipo penal específico para
punir a desobediência a decisões judiciais, que impõe medidas protetivas de urgência, o
chamado crime de descumprimento de medidas protetivas, criado pela Lei n. 13.641 de 03
de abril de 2018.
Barra do Garças-MT. Revista Direito em Debate. Jan/jun, 2018. p. 119. Disponível em:
<https://doi.org/10.21527/2176-6622.2018.49.117-137>. Acesso em: 2019.
4
MORAES, Alana; BRANT, Maria A.C. . Silvia Federici: “Nossa luta não será bem sucedida a menos que
reconstruamos a sociedade”. SUR Revista internacional de Direitos Humanos. São Paulo, 2016. Disponível
em: <https://sur.conectas.org/nossa-luta-nao-sera-bem-sucedida-menos-quereconstruamossoc iedade/>.
Acesso em: 03 ago. 2019.
5
CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência Doméstica: Análise da Lei “Maria da Penha”, nº
11340/06. 4. ed. Bahia: JusPodivm, 2012. p. 202.
6
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha. 2018.
Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/06/2df3ba3e13e
95bf17e33a9c10e60a5a1.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2019.
562
7
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 305.442, Quinta Turma Criminal Distrito Federal,
DF, 03 de mar. de 2015. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 03 ago. 2019.
8
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha. Lei
11340/2006. Comentada artigo por artigo. Salvador: Editora JusPodivm, 2019. p. 228.
9
BIANCHINI, Alice. O novo tipo penal de descumprimento de medida protetiva previsto na Lei
13.641/2018. Ago. 2018, p. 02. Disponível em: <https://professoraalice.jusbrasil.com.br /artigos/569740876/o-
novo-tipo-penal-de-descumprimento-de-medida-protetiva-previsto-na-lei1 3641-2018#_ftn4.> Acesso em: 29
ago. 2019.
563
a autoridade judicial poderá conceder fiança. Essa questão vem dando margem a
interpretações diversas.
De um lado, há quem defenda, como, por exemplo, Samantha Braga Pereira e
Michele Rocha Cortes Hazar, que, por ser a pena máxima cominada ao crime de
descumprimento de medidas protetivas a de dois anos, são aplicáveis os institutos
despenalizadores da Lei n. 9.099, de 26 de setembro 1995. Por outro lado, Rogério Sanches
Cunha e Ronaldo Batista Pinto sustentam ser inaplicáveis tais disposições à conduta.
Ainda, a nova Lei conferiu ao juiz a aplicação da fiança em caso de prisão em
flagrante do agente que descumprir ordem judicial de medidas protetivas. Esse fato também
gerou discussões na doutrina, pois o artigo 32210 do Código de Processo Penal prevê que
poderá ser concedida fiança pela autoridade policial para as infrações cuja pena privativa de
liberdade máxima não seja superior a 4 anos, facultando a Lei a imposição de fiança somente
pelo juiz, devendo, nesse tempo, o acusado ser levado à prisão.
10
Artigo 322 do Código de Processo Penal: “A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos
de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos
demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas”.
11
PEREIRA, Samantha Braga; HAZAR, Michele Rocha Cortes. As controvérsias do crime de descumprimento
de medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Revista de Direito Penal, Processual e Constituição. Porto
Alegre. v. 4, p. 81 – 9, jul/dez 2018, p. 89.
12
Artigo 69 da Lei 9099/95: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo
circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se
as requisições dos exames periciais necessários. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do
termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se
imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar,
como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”.
564
13
FURUCHO, Luan Alisson Seiji; MOROTTI, Juliana Midori. A nova lei de crime de descumprimento das
medidas protetivas: as repercussões trazidas à Lei Maria da Penha. III Colóquio Nacional de Estudos de
Gênero e História: Epistemologias Interdições e Justiças Sociais. jun. 2018, p. 6. Disponível em:
<http://www.seti.pr.gov.br> Acesso em: 08 ago. 2019.
14
PEREIRA, Samantha Braga; HAZAR, Michele Rocha Cortes. As controvérsias do crime de
descumprimento de medidas protetivas da Lei Maria da Penha. p. 86.
15
Artigo 41 Lei da 11340/06: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”.
16
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha. Lei
11340/2006. Comentada artigo por artigo. p. 229/230.
565
17
MARINHO, Mariana Dias. O crime de desobediência na Lei Maria da Penha. Jun. 2018, p.1 Disponível
em: <http://www.comunicacao.mppr.mp.br>. Acesso em: 29 jul. 2019.
566
18
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70077814101, 4ª Câmara Criminal, Porto
Alegre, RS, 14 de junho de 2018. Disponível em:<http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 02 ago. 2019.
19
LEITÃO JUNIOR, Joaquim Lopes; SILVA, Raphael Zanon da. A Lei nº 13.641/2018 e o novo crime de
desobediência de medidas protetivas. abr. 2018, p. 2. Disponível em:
<https://canalcienciascriminais.com.br>. Acesso em: 1º ago. 2019.
567
20
Artigo 324 do Código de Processo Penal: “Não será, igualmente, concedida fiança: I - aos que, no mesmo
processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das
obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; II - em caso de prisão civil ou militar; III
- (revogado); IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)”.
21
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha. Lei
11340/2006. Comentada artigo por artigo. p. 232.
22
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70081845042, 3ª Câmara Criminal, Porto
Alegre, RS, 25 de julho de 2019. Disponível em:<http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 02 ago. 2019.
568
Denegado
Concedido
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Habeas Corpus
Denegado
Concedido
0 2 4 6 8 10 12 14
Habeas Corpus
Provida
Improvida
0 1 2 3 4 5 6
Apelação
Improvida
Provida
Apelação
23
ESPÍRITO SANTO. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 0015535-09.2019.8.08.0000, da Segunda
Câmara Criminal. Des. Fernando Zardini Antonio. Espírito Santo, 14 ago. 2019. Disponível em:
<http://aplicativos.tjes.jus.br>. Acesso em: 03 set. 2019.
571
24
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70081842114, 3ª Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 25 de julho de 2019. Disponível em: <
https://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia>. Acesso em 08 ago. 2019.
25
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 70081553067, 2ª Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 27 de junho de 2019. Disponível em: <
https://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia>. Acesso em: 10 ago. 2019.
26
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Medidas Protetivas de Urgência n. 0005616-
85.2018.8.08.0014, 3ª Vara Criminal de Colatina do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Colatina, ES, 19 de
março de 2019. Disponível em: <http://aplicativos.tjes.jus.br
/consultaunificada/faces/pages/exibirDadosProcesso.xhtml>. Acesso em: 08 ago. 2019.
572
CONSIDERAÇÕES FINAIS
27
GARCIA, Claudia Regina dos Santos Albuquerque. Estudos Atuais. Núcleo de Enfrentamento às
Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres. Nov. 2018, p. 08. Disponível em:
<https://www.mpes.mp.br/Arquivos/Anexos/4cdb3e86-aa47-4811-8a46-36db6fecabdb.pdf>. Acesso em: 11
ago. 2019.
28
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação n. 70082425059, 1ª Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 28 de agosto de 2019. Disponível em: <
https://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia>. Acesso em: 1º set. 2019.
573
na Lei n. 9.009 de 26 de setembro de 1995 ao crime de descumprimento, porém tal tese não
foi recepcionada pela maioria dos julgadores, em consonância com a pesquisa de
jurisprudência realizada. A fiança judicial, também, mostrou-se um meio necessário para
assegurar maior proteção à vítima de violência doméstica, cerceando a liberdade do agressor
até que sejam averiguados os fatos ocorridos.
Conclui-se que se necessita de práticas sociais e políticas públicas para uma mudança
no pensamento e no comportamento, nas quais as antigas concepções de subordinação e de
tratamento desigual entre os sexos masculino e feminino não serão mais aceitas. O poder de
participação social das mulheres mostra-se necessário para garantir que possam estar cientes
sobre a luta pelos seus direitos, como a total igualdade entre os gêneros.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código
Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: <
574
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 305.442, Distrito Federal, DF,
01 de outubro de 2014. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 03 ago.
2019.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários ao novo tipo penal do art. 24-A da
Lei Maria da Penha. abr. 2018, p. 1. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br>.
Acesso em: 29 jul. 2019.
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da
Penha. Lei 11340/2006. Comentada artigo por artigo. Salvador: JusPodivm, 2019.
ESPÍRITO SANTO. Tribunal de Justiça. Medidas Protetivas de Urgência n. 0012775-
16.2017.8.08.0014, 3ª Vara Criminal de Colatina do Tribunal de Justiça do Espírito Santo,
Colatina, 19 março 2019. Disponível em: <https://www.tjes.jus.br/>. Acesso em 08 de ago.
2019.
FURUCHO, Luan Alisson Seiji; MOROTTI, Juliana Midori. A nova lei de crime de
descumprimento das medidas protetivas: as repercussões trazidas à Lei Maria da Penha. III
Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História: Epistemologias Interdições e
Justiças Sociais. jun. 2018, p. 6. Disponível em:
<http://www.seti.pr.gov.br/arquivos/File/USF/PublicacoesNUMAPE/UNIOESTE_MCRon
don_A_nova_lei_de_crime_de_descumprimento.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2019.
LEITÃO JUNIOR, Joaquim Lopes; SILVA, Raphael Zanon da. A Lei nº 13.641/2018 e o
novo crime de desobediência de medidas protetivas. abr. 2018, p. 2. Disponível em:
<https://canalcienciascriminais.com.br /desobediencia-medidas-protetivas/>. Acesso em: 01
ago. 2019.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
575
LUZ, Alex Faverzani da; FUCHINA, Rosimeri. A evolução histórica dos direitos da
mulher sob a ótica do direito do trabalho. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/nucleomulher /arquivos/artigoalex.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2019.
MARINHO, Mariana Dias. O crime de desobediência na Lei Maria da Penha. Jun. 2018,
p.1. Disponível em: <http://www.comunicacao.mppr.mp.br>. Acesso em: 29 jul. 2019.
MORAES, Alana, BRANT, e Maria A.C.. Silvia Federici: “Nossa luta não será bem
sucedida a menos que reconstruamos a sociedade”. SUR Revista internacional de Direitos
Humanos. São Paulo, 2016. Disponível em: <https://sur.conectas.org/nossa-luta-nao-sera-
bem-sucedida-menos-quereconst ruamossociedade/>. Acesso em: 03 ago. 2019.
Jovana De Cezaro1
Maíra Angélica Dal Conte Tonial2
INTRODUÇÃO
O mercado de trabalho, por muitas vezes pode parecer cruel, em especial, com as
mulheres, assim, qualquer sujeito que esteja fora dos padrões exigidos pela sociedade é
discriminado esteticamente. A discriminação estética no ambiente laboral, normalmente,
ocorre de maneira não ostensiva, quando é negada a pessoa uma oportunidade de trabalho
com base em uma série de desculpas vazias.
Ao agir com discriminação fere-se o direito a igualdade elencado no artigo 5º da
Constituição Federal de 1988 e ataca-se a Carta Maior, visto esse direito constituir um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Ainda, o artigo 7º da citada
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade de Passo Fundo - UPF. Pós-Graduanda
em Direito do Trabalho. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo - UPF.
Advogada. Inscrita na OAB/RS sob número 120.665. Endereço de e-mail: jovanadc@hotmail.com.
2
Doutoranda em Ciência Jurídica Univalli/UPF. Mestre em Direito pela Unisinos. Especialista em Direito
Processual Civil e Processo do Trabalho. Graduada em Direito pela Universidade de Passo Fundo. Advogada.
Inscrita na OAB/RS sob número 45.621. Docente de Graduação e Pós Graduação na Universidade de Passo
Fundo-UPF/RS. Coordena o Projeto de Extensão Balcão do Trabalhador/Faculdade de Direito/UPF.
577
Constituição rege a igualdade nas relações de trabalho, que igualmente é ferido se praticada
a discriminação.
Este artigo busca, com essa constatação, realizar uma abordagem sobre a
discriminação no ambiente laboral, baseado em estereótipos estéticos, trazendo a base legal
e a etimologia da palavra discriminação e os padrões culturais impostos, expondo um alento
com julgados na busca da erradicação de tais mazelas nas relações laborais.
1. ARCABOUÇO PRINCIPIOLÓGICO
Para que se possam discutir as questões que envolvem o processo discriminatório nas
relações laborais, em especial o estético, é necessário, primeiramente, que se abordem
questões relacionadas a mecanismos legais de proteção. Para tanto, o arcabouço
principiológico que rodeia a esfera legal será analisado com ênfase, no presente momento,
em duas oportunidades: princípios gerais e princípios especiais, que devem amparar as
relações laborais.
Assim, como não poderia deixar de ser, inicialmente se contextualiza a palavra
princípio, que valendo-se de Melo
[...] los princípios son normas que ordenan que algo sea realizado em la
mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales
existentes. Por lo tanto, los princípios son mandatos de optimización, que
están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente
grado y que la medida debida de sucumplimiento no sólo depende de las
45
possibilidades reales sino también de las jurídicas .
3
MELO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
882-883.
4
Tradução Livre: “[...] os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível,
dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que
estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu
cumprimento não depende apenas das possibilidades reais, mas também das jurídicas”.
5
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estudios Políticos e
Constitucionales, 2002, p. 86.
578
Para Canotilho os princípios são “normas que exigem a realização de algo, da melhor
forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas”6. E, na mesma linha,
destacando seu papel essencial no ordenamento jurídico, de normas, Harger conceitua
princípios como:
Para Nascimento: “os princípios jurídicos são valores que o Direito reconhece com
ideias fundantes do ordenamento jurídico, dos quais as regras jurídicas não devem afastar-
se para que possam cumprir adequadamente seus fins”8. Barroso, destaca “os princípios dão
unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões
normativas”9.
Se num primeiro momento parece que os princípios servem apenas como base legal
para a construção da norma, realizando-se um olhar mais apurado e contemporâneo, verifica-
se que serve como base legal para julgamento sempre que houver lacunas (artigo 4º da
LINDB10 e artigo 8º da CLT11), que oferta ao magistrado, em caso de omissão de regra,
decidir a lide baseado em analogia, costumes e princípios gerais de direito.
Nesse sentido, os princípios alçam papel especial no ordenamento jurídico, e devem
ser observados para a solução dos conflitos que se apresentam no Poder Judiciário, bem
como, para uma convivência social harmônica. Em especial, a Constituição Pátria alçou o
homem como centro do processo “um dos poucos consensos teóricos do mundo
6
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:
Almedina, 1991, p. 1123.
7
HARGER, MARCELO. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo. Rio de Janeiro: Forense,
2001, p. 16.
8
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33.ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 110.
9
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In
BARROSO, Luís Roberto (Org.). In A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar Boreal, 2003, p. 29-31.
10
Artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
11
Artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na
falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por
equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de
acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe
ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
579
12
BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, p.
133.
13
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 25 jul. 2020.
14
ARAÚJO, Luiz Alberto David. Direito Constitucional: Princípio da Isonomia e a Constatação da
Discriminação Positiva. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 131.
15
SILVA, Marco Antônio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade
humana. In SILVA, Marco Antônio Marques da; MIRANDA, Jorge (Coord.). Tratado luso-brasileiro da
dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 231.
16
SANTOS, Boaventura de Souza. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo
multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 458.
580
17
Artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho: “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor,
prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem
distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. § 1o Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será
o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo
de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja
superior a dois anos. § 2o Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal
organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva,
plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público. § 3 o No
caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas
um destes critérios, dentro de cada categoria profissional. § 4º - O trabalhador readaptado em nova função por
motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de
paradigma para fins de equiparação salarial. § 5 o A equiparação salarial só será possível entre empregados
contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o
paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria. § 6o No caso de comprovada
discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais
devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo
dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”.
18
Artigo 7º da Constituição Federal de 1988: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.
581
19
SUSSEKIND, Arnaldo. Os Princípios do Direito do Trabalho e a Constituição de 1988. Revista da
Academia Nacional de Direito do Trabalho, ano 8, n. 8, 2003, p. 144.
20
SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
p. 43.
21
SIDOU, Othon J. M [et.al]. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 11. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2016. p. 221.
582
22
CONVENÇÃO 111. Sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão. Disponível em:
<https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235325/lang--pt/index.htm>. Acesso em 24 de julho de
2020.
23
GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, Princípio da Igualdade e Não Discriminação: sua
aplicação às relações de trabalho. 2007. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2007. p. 62-63.
24
NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira; ALKIMIN, Maria Aparecida. Limites do poder de direção do
empregador e a discriminação estética na relação de emprego. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=da54dd5a0398011c>. Acesso em 27 de julho de 2020. p. 13.
583
25
NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira; NUNES Renata Cristina da Silva. A discriminação estética na
relação de emprego decorrente do uso de vestimentas religiosas e os limites ao poder de direção do empregador.
Revista jurídica UNICURITIBA. Curitiba, v. 2, n. 39, p. 54-87, 2015. p. 69.
26
NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira; ALKIMIN, Maria Aparecida, 2020, p. 13.
27
Afirma Moraes que “apesar dessa possibilidade da discriminação ocorrer de forma horizontal, quando um
grupo de empregados se junta para isolar determinado colega em razão de suas características pessoais,
geralmente a discriminação se dá de forma vertical no ambiente de trabalho, partindo do superior hierárquico,
utilizando-se do poder diretivo como camuflagem” (2012, p. 11).
28
MORAES, Kelly Farias De. Direitos Humanos e Direito do Trabalho ações afirmativas no combate à
discriminação nas relações de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 147, 2012, p. 277 -
314, jul. - set. 2012. p. 11.
29
MORAES, Kelly Farias De. 2012. p. 09.
30
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019. p. 724.
31
MORAES, Kelly Farias De. 2012. p. 09.
584
32
MORAES, Kelly Farias De. 2012. p. 10.
33
O poder de direção encontra-se estampado no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho: “Considera-
se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite,
assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.
34
REZENDE, Yuri Alexandre Estevão; NASCIMENTO, Sarah Christina do; ALVES, Kerley dos Santos.
“Você não tem o perfil dessa vaga”: padrões de beleza, gênero e relações de trabalho. Revista Eletrônica de
Ciências Sociais, Juiz de Fora, 2018, n. 27, p. 59 – 75, 2018. p. 65.
585
35
MORAES, Kelly Farias De. 2012. p. 13.
36
GURGEL, Yara Maria Pereira, 2007. p. 255.
37
MORAES, Kelly Farias De. 2012. p. 08.
38
RIOS, Demival Ribeiro. Dicionário Global da Língua Portuguesa ilustrado. São Paulo: DCL, 2004. p.
293.
586
[...] fornecer uma linguagem onírica da meritocracia ("tenha o corpo que merece";
"não se tem um corpo maravilhoso sem esforço"), do espírito empreendedor ("tire
o melhor partido dos seus atributos naturais"), da absoluta responsabilidade
pessoal pela forma do corpo e pelo envelhecimento ("você pode moldar totalmente
seu corpo"; "suas rugas estão agora sob seu controle") e até mesmo confissões
francas ("afinal você também pode conhecer o segredo que as mulheres belas
guardam há anos"), essas revistas mantêm as mulheres consumindo os produtos
dos seus anunciantes na busca da total transformação pessoal em status que a
sociedade de consumo oferece aos homens sob a forma de dinheiro 41.
39
A discriminação pelo peso poderá ocorrer tanto pelo excesso (obesidade e sobrepeso), como pela ausência
de peso (bulimia e a anorexia). Ambas geram uma aparência diferente dos padrões estabelecidos pela sociedade
(NASCIMENTO, ALKIMIN, 2020, p. 09).
40
Quanto ao consumismo, Bauman define como: [...] um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de
vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, “neutros quanto ao regime”,
transformando-os na principal força propulsora e operativada sociedade, uma força que coordena a reprodução
sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao
mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-identificação individual e de grupo, assim como na
seleção e execução de políticas de vida individuais. O “consumismo” chega quando o consumo assume papel-
chave que na sociedade de produtores era exercido pelo trabalho (2008, p. 41).
41
WOLF, Naomi. O mito da beleza: Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Tradução de
Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 36-37.
587
Dessa forma, cabe ao empregador usar de seu poder diretivo para garantir um meio
de trabalho sadio e sem discriminações. Também cabe aos órgãos legais o combate à
discriminação, seja por meio das leis, das tutelas individuais ou coletivas, como também por
meio de ações afirmativas.
42
FLOR, Gisele. Corpo, mídia e status social: reflexões sobre os padrões de beleza. Revista de Estudos da
Comunicação, Curitiba, v. 10, 2009, n. 23, p. 267 – 274, set. – dez. 2009. p. 268.
43
CURY, Augusto. A ditadura da beleza e a revolução das mulheres. Rio de Janeiro: Sextante, 2005. p. 04.
44
FLOR, Gisele. 2009. p. 272.
588
por gastos com unha, maquiagem e penteados45. Assim fundamenta sua decisão, o Relator
Rodrigues Filho, que reformou a decisão do juízo da 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora:
Sendo assim, ainda conforme o Relator, despesas com procedimentos que visam a
“padronização” devem ser suportados pela empresa, pois se converte em benefício do
empreendimento. Também, reforça o Rodrigues Filho, que a empresa pode exigir que o
empregado se apresente com “boa aparência”, porém “diante do estabelecimento de
determinados padrões estéticos a serem observados [...] passa a ser da empregadora o dever
de custear os gastos realizados pelo empregado”47.
Ainda, um professor de educação física foi chamado de gordo e de ser incapaz de ser
um bom profissional de educação física. Para o Relator Veiga “deve a empresa cuidar para
um ambiente de respeito com o trabalhador”, não possibilitando “posturas que evidenciem
tratamento pejorativo, ainda mais em razão da condição física, o que traz sofrimento pessoal
e íntimo ao empregado, pois além de ser gordo ainda tem colocado em dúvida a sua
competência profissional”48.
Diversos são os casos de discriminação que ocorrem hodiernamente no ambiente
laboral. Dessa forma, importante salientar que só se pode preterir determinados profissionais
para uma função se houver uma justificativa plausível, caso contrário, caracterizar-se-á
discriminação.
Com o surgimento da Organização Internacional do Trabalho, a luta contra a
discriminação e a promoção pela igualdade ganharam ainda mais força. Além da
45
CONSULTOR JURÍDICO (CONJUR). Empresa que exige padrão estético de funcionários deve
ressarcir custos. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-nov-16/empresa-exige-padrao-estetico-
ressarcir-custos>. Acesso em: 29 jul. 2020.
46
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário Trabalhista ROT 0010891-
06.2018.5.03.0143 Relator Antônio Carlos Rodrigues Filho. Disponível em:
<https://portal.trt3.jus.br/internet>. Acesso em: 30 jul. 2020. p. 38.
47
BRASIL. 2020. p. 38.
48
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista número 14500-93.2006.5.09.0872 Relator
Aloysio Correa da Veiga. Disponível em: <https://www.tst.jus.br/>. Acesso em: 30 jul. 2020.
589
49
Artigo 3º da Constituição Federal de 1988: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: [...] III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV -
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”.
50
Artigo 5º da Constituição Federal de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.
51
Artigo 7º da Constituição Federal de 1988: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer
discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII -
proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos [...]”.
52
Artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho: “[...] Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à
espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual”.
53
Artigo 5º da Consolidação das Leis do Trabalho: “A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual,
sem distinção de sexo”
54
Artigo 460 Consolidação das Leis do Trabalho: “Na falta de estipulação do salário ou não havendo prova
sobre a importância ajustada, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquela que, na mesma
empresa, fizer serviço equivalente ou do que for habitualmente pago para serviço semelhante”.
55
Artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho: “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor,
prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem
distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”.
590
trabalho e a Lei número 9.029 de 1995, considerada uma das mais relevantes, pois ataca de
maneira contundente qualquer forma de discriminação no acesso ou na manutenção da
relação de emprego, entre outras.
A estética é tema muito presente e debatido na sociedade. Não há legislação
especifica que trate sobre a discriminação estética, principalmente no ambiente laboral, por
esse motivo, a doutrina e a jurisprudência cuidam de abordar esse tema. Salienta-se que, o
poder diretivo do empregador não é ilimitado e é atitude punível quando trata-se de
discriminação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Forense, 2019.
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional
brasileiro. In BARROSO, Luís Roberto (Org.). In A nova interpretação constitucional:
591
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portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de
interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público,
define crimes, e dá outras providências. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7853.htm>. Acesso em: 30 jul. 2020.
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idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm>. Acesso em: 30 jul. 2020.
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Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho e dá outras providências.
Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9799.htm>. Acesso em: 30
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FLOR, Gisele. Corpo, mídia e status social: reflexões sobre os padrões de beleza. Revista
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MELO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo:
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MORAES, Kelly Farias De. Direitos Humanos e Direito do Trabalho ações afirmativas no
combate à discriminação nas relações de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São
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dos Santos. “Você não tem o perfil dessa vaga”: padrões de beleza, gênero e relações de
trabalho. Revista Eletrônica de Ciências Sociais, Juiz de Fora, 2018, n. 27, p. 59 – 75,
2018.
593
RIOS, Demival Ribeiro. Dicionário Global da Língua Portuguesa ilustrado. São Paulo:
DCL, 2004.
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. 6. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2019.
WOLF, Naomi. O mito da beleza: Como as imagens de beleza são usadas contra as
mulheres. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
594
Jovana De Cezaro1
INTRODUÇÃO
A forma com que se faz publicidade mudou drasticamente nos últimos anos. As
mudanças comportamentais dos consumidores, a consolidação da globalização dos
mercados, o avanço da internet e as revoluções tecnológicas desafiam cada vez mais o
mercado publicitário brasileiro.
Hodiernamente somos bombardeados com uma série de anúncios publicitários, que
utilizam da criatividade para convencer e persuadir os indivíduos a consumir cada vez mais.
A fim de conquistar o consumidor, a publicidade apela para o desejo e a fantasia das pessoas,
despertando um sentimento de necessidade.
O presente artigo verifica os cuidados redobrados com a publicidade voltada
população infantil, denominados de hipervulneráveis, que são facilmente influenciados ao
consumo, porta de entrada do consumismo.
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade de Passo Fundo - UPF. Pós-graduanda
em Direito do Trabalho. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo - UPF.
Advogada-OAB/RS 120665. Endereço de e-mail: jovanadc@hotmail.com.
595
2
Artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor: “[...] § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material
ou imaterial” (BRASIL, 1990). Ainda, “produto (entenda-se ‘bens’) é qualquer objeto de interesse em dada
relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final”
(GRINOVER et al, 2019, p. 51, grifos do autor).
3
Artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor: “[...] § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado
de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo
as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (BRASIL, 1990).
4
BRASIL. Lei Federal número 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor
e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm>.
Acesso em: 07 ago. 2020.
5
GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto: direito material e processo coletivo: volume único. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 26.
596
Sendo assim, aceita-se que uma pequena empresa ou um profissional, que adquirem
produtos ou serviços fora do campo de sua especialidade também possam ser amparados
6
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 74.
7
CAVALIERI FILHO, Sergio. 2019, p. 74.
8
Conforme o manual de linguagem jurídico-judiciária do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o leading
case significa caso orientador (2012).
9
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.195.642 – RJ. Relatora Ministra Nancy
Andrighi. Disponível em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo
=201000943916&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea>. Acesso em: 10 ago. 2020. p. 05.
597
10
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2013. p. 151.
11
BRASIL, 1990.
12
BRASIL, 1990.
13
BRASIL, 1990.
14
CAVALIERI FILHO, Sergio. 2019, p. 89, grifos do autor.
598
produtos e serviços; é a ele que se busca seduzir com a publicidade”. Ainda é o consumidor
“quem paga a conta da produção e é dele que vem o lucro do produtor”15.
A outra parte necessária a fim de configurar uma relação de consumo é o fornecedor. O
artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, define o fornecedor como sendo
15
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. O conceito jurídico de consumidor. Doutrinas Essenciais
de Direito do Consumidor. vol. 1. p. 935 – 954. Abr 2011. p. 01.
16
BRASIL, 1990.
17
CAVALIERI FILHO, Sergio. 2019, p. 90.
18
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 05 ago. 2020.
19
BRASIL, 1990.
599
O consumir é um ato normal, padrão, que parece sempre ter existido, mas a doutrina
afirma que, um dos elementos centrais que define a pós-modernidade vivida atualmente é o
consumismo, o que faz com que se defina a atual sociedade como sociedade de consumo.
Nessa sociedade, todos os sujeitos são tidos como consumidores.
Importante lembrar da divisão do surgimento da sociedade de consumo, na
concepção de Lipovetsky, o qual divide esse surgimento em três principais momentos: no
primeiro ciclo, período de 1880 até 1945, iniciou a expansão da produção em massa e nesse
período surgiu o “consumidor moderno”; no segundo ciclo, que aconteceu de 1950 até 1970,
destaca-se a ascensão da compra de bens duráveis, fazendo com que as mais diversas classes
sociais tivessem acesso a “sociedade da abundância”, por fim, o terceiro período, que se
encontra em vigência desde 1970, se caracteriza pelo desejo insaciável de consumir20.
Afirma Bauman que, o “fenômeno do consumo tem raízes tão antigas quanto os seres
vivos”21. Ainda, a sociedade contemporânea, caracteriza-se pelo consumo em massa. Vive-
se em um tempo onde o consumir deixa de ser algo necessário e passa a ser meio de
ostentação social. Tudo gira em torno do dinheiro, do lucro e da acumulação e, por esse
motivo, surge a necessidade de proteção aos riscos derivados do mercado22. Mais, o consumo
“passou a ser uma obrigatoriedade e uma função do cidadão, para que se dê continuidade ao
processo”23.
Ao tratar de consumo, torna-se indispensável diferenciar os termos consumo,
consumismo e consumocentrismo. Consumo deriva de consumir, é o ato de adquirir bens ou
serviços por meio das compras. Bauman afirma que, “o consumo é algo banal, até mesmo
trivial”24.
Mas, as pessoas estão consumindo cada vez mais de maneira desenfreada e na
maioria das vezes sem necessidade, o que leva ao consumismo. Ainda, na concepção de
20
LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução de
Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 27-38.
21
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução de
Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. p. 37.
22
LIPOVETSKY, Gilles. 2007, p. 38.
23
PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe; BOSSARDI, Rafaela Beal. Relações de consumo ou o consumo de
relações: as relações afetivas na contemporaneidade. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; HORN, Luiz
Fernando Del Rio. Relações de consumo: humanismo. Caxias do Sul, RS: Educs, 2011, p. 105-126. p. 107.
24
BAUMAN, Zygmunt. 2008, p. 37.
600
Bauman, consumo “é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos
como indivíduos, o consumismo é um atributo da sociedade”25.
Quanto ao conceito de consumismo, o mesmo autor define como:
25
BAUMAN, Zygmunt. 2008, p. 41.
26
BAUMAN, Zygmunt. 2008, p. 41.
27
GIRELLI, Camile Serraggio. A (in)sustentabilidade do consumocentrismo: um diálogo filosófico entre
Bauman, Giddens e Lipovetsky. In: CALGARO, Cleide; BAVARESCO, Agemir; SOBRINHO, Liton Lanes
Pilau. Temas de direito socioambiental na sociedade de consumo: estudo ético e jurídico. Caxias do Sul,
RS: Educs, 2017. p. 123-137. p. 123.
28
CALGARO, Cleide; PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. A sociedade consumocentrista e seus reflexos
socioambientais: a cooperação social e a democracia participativa para a preservação ambiental. Revista de
Direito, Economia e Desenvolvimento Sustentável, Curitiba, v. 2, 2016, n. 2, p. 72-88, jul./dez. 2016. p. 74.
29
CALGARO, Cleide; PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. O constitucionalismo Latino Americano e o
consumocentrismo: as consequências socioambientais na sociedade moderna. In: Revista Jurídica Luso-
Brasileira, ano 5, n. 6, 2019. p. 393.
30
BAUMAN, Zygmunt. 2008, p. 31.
601
Porém, ainda conforme Bauman, “o consumo não é sinônimo de felicidade nem uma
atividade que sempre provoque sua chegada”35. Mas, mesmo assim, a publicidade continua
a buscar sua finalidade de instigar o consumo. Assim, a publicidade é definida por Marques
como
[...] toda informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de
promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou a utilização de
um serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado. [...] sendo
assim, o elemento caracterizador da publicidade é a sua finalidade consumista 36.
31
BAUMAN, Zygmunt. 2008, p. 44-45.
32
BAUMAN, Zygmunt. 2008, p. 51.
33
A obsolescência programada ou planejada se dá através da inutilização de um produto, para que o mesmo
seja descartado e substituído por um novo mais moderno.
34
SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes de; STOHRER, Camila Monteiro Santos. Consumo Consciente
como mecanismo da Sustentabilidade. In: BENACCHIO, Marcelo; GARCIA, Marcos Leite; ARCE, Gustavo.
Direito e sustentabilidade. Florianópolis: CONPEDI, 2016. p. 110.
35
BAUMAN, Zygmunt. 2008, p. 61-62.
36
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 801.
602
37
MARQUES, Cláudia Lima. 2005, p. 803-804.
38
CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001.
p. 10.
39
CAVALIERI FILHO, Sergio. 2019, p. 152.
40
MARQUES, Cláudia Lima. 2005, p. 800.
41
FEENSTRA, Rámon A. Etica de la publicidad: retos en la era digital. Madrid: Editorial Dykinson, 2014.
p. 18.
603
42
SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores Hipervulneráveis – A proteção do idoso no mercado de
consumo. São Paulo: Atlas, 2014. p. 217-218.
43
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 586.316 - MG. Relator Ministro Herman
Benjamin Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo
=200301612085&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea>. Acesso em: 04 ago. 2020. p. 03.
44
GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. 2019, p. 381.
45
MIRAGEM, Bruno. 2013, p. 117.
604
A publicidade infantil é aquela dirigida a indivíduos de até doze anos de idade, faixa
etária caracterizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que divulga, diretamente
para os mesmos, produtos e serviços com a intenção de promover a venda. Tem como
finalidade fomentar uma lógica consumista que se fundamenta no comprar e descartar46.
Cumpre destacar que a vulnerabilidade da criança é reconhecida universalmente pela
Declaração dos Direitos da Criança, Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das
Nações Unidas n.º 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959, a qual afirma que “a criança,
por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade uma protecção e
cuidados especiais, nomeadamente de protecção jurídica adequada, tanto antes como depois
do nascimento”47.
Para que as práticas comerciais aconteçam de maneira adequada, ocorre o controle
da publicidade. Assim como a Constituição Federal e o Código de Defesa do consumidor,
ainda têm-se o Conselho Nacional dos Direitos da criança e do adolescente (CONANDA),
o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Instituto Alana, a Convenção da Organização das
Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Crianças, o Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente, entre outros, que figuram como base de apoio no controle da
publicidade infantil.
A Constituição Federal, em seu artigo 22748 consagra a proteção da criança como
sendo dever do Estado, da sociedade e da família49. No mesmo sentido, tem-se o artigo 4º50
do Estatuto da Criança e do Adolescente51. No tocante a publicidade, o Código de Defesa do
Consumidor, em seu artigo 37, § 2º, afirma ser abusiva qualquer publicidade que incite à
46
ALVAREZ, Ana Maria Blanco Montiel. Publicidade dirigida à criança e regulação de mercado. In:
PASQUALOTTO, Adalberto; ALVAREZ, Ana Maria Blanco Montiel (org.). Publicidade e proteção da
infância. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014. p. 130-131.
47
BRASIL. Declaração dos Direitos da Criança. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-
externa/DeclDirCrian.html>. Acesso em: 11 ago. 2020.
48
Artigo 227 da Constituição Federal de 1988: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão”.
49
BRASIL, 1988.
50
Artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em
geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
51
BRASIL. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 01 ago. 2020.
605
52
BRASIL, 1990.
53
MIRAGEM, Bruno. 2013, p. 251.
54
MIRAGEM, Bruno. 2013, p. 251.
55
BRASIL, 1990.
56
Artigo 71 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A criança e o adolescente têm direito a informação,
cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento”.
57
BRASIL, 1990.
58
BRASIL. CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Disponível em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1562.html>. Acesso em 08 ago. 2020.
59
BRASIL. Resolução CONANDA Nº 163 DE 13/03/2014. Disponível em:
<https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=268725>. Acesso em 05 ago. 2020.
606
e com parceiros, dentre eles destaca-se o programa “Criança e Consumo” que atua com
objetivo de conscientização do impacto que a publicidade tem sobre o público infantil60.
Ainda, a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das
Crianças, instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal, ratificado por
196 países, visa a proteção das crianças em todo o mundo61. Possui como um de seus
princípios o interesse superior da criança. Também, o Plano Decenal dos Direitos Humanos
de Crianças e Adolescentes possui um conjunto de diretrizes que visa nortear a execução de
políticas públicas para proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente62.
Cumpre destacar que, em 2001 foi apresentado o Projeto de Lei Número 5.921, que
visava acrescentar o § 2ºA. no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, com a
justificativa de avaliar a relação da criança com a publicidade. O parágrafo possuía a seguinte
redação: “É também proibida a publicidade destinada a promover a venda de produtos
infantis, assim considerados aqueles destinados apenas à criança”, porém o mesmo foi
arquivado, sem aprovação, no ano de 201963.
Atualmente, em um mundo globalizado, ambos os pais trabalham fora e passam
menos tempo com os filhos, o que faz com que os mesmos gastem muito tempo com internet
e televisão e, consequentemente expostos à mídia e aos anúncios publicitários. As crianças
são bombardeadas diariamente com anúncios inapropriados, sempre com o intuito de gerar
mais lucro. Tal faixa etária é vista como importante fase de desenvolvimento humano, em
que a criança não tem ainda inteiro discernimento para separar realidade de efeitos especiais,
sendo facilmente manipuladas64.
De um lado empresas não medem esforços para aumentar suas vendas e apostam
nessa publicidade, pois as crianças são alvos atrativos. Em face da publicidade, o menor fica
altamente desprotegido e vulnerável aos seus impactos. Atualmente é comum encontrar
crianças opinando, ou até mesmo implorando para seus pais comprarem determinado
60
INSTITO ALANA. Disponível em: <https://alana.org.br/>. Acesso em 10 ago. 2020.
61
BRASIL. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm>. Acesso em 03 ago. 2020.
62
BRASIL. Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. Disponível em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/download/plano_decenal_conanda.pdf.>. Acesso em 11 ago.
2020.
63
BRASIL. Projeto de Lei Número 5.921 de 12 de dezembro de 2001. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=43201>. Acesso em 05 ago.
2020.
64
ALVAREZ, Ana Maria Blanco Montiel. 2014, p. 130-131.
607
produto, o que significa que a publicidade infantil vem atingindo seu objetivo, ou seja,
instigar a venda.
De outro lado entidades e parte da sociedade civil que defendem os direitos das
crianças e que acreditam que mensagens desse tipo deva ser direcionada aos pais, o que seria
ético e respeitoso. Afinal, se quem vai pagar pelo produto ao final são os pais, por que não
direcionar a publicidade a eles?
Observa-se que mídia tem impacto sobre as crianças, despertando nelas o desejo de
consumo e a ilusão de felicidade, o que faz com que elas exerçam grande influência na
decisão de compra dos pais. Porém, dificilmente os mesmos conseguirão impedir que a mídia
chegue até seus filhos. Por esse motivo, as crianças devem ser educadas, para o consumo
consciente, pois a exposição precoce e excessiva de crianças podem acarretar danos
irreversíveis em seu futuro, bem como violar normas consumeristas.
O consumo desenfreado afeta a saúde física e mental da criança. O aumento dos
índices de obesidade infantil, crescimento no número de crianças ansiosas, deprimidas e de
baixa autoestima, a erotização precoce o uso do merchandising65 e do advergaming66 como
formas indiretas de promoção, são cada vez mais frequentes na sociedade de consumo. Além
disso, objetos de consumo comuns são transformados em brinquedos para atrair o público
infantil e com isso estimular a venda.
Dessa forma, justifica-se a relevância e atualidade da pesquisa, tendo em vista o
grande impacto no desenvolvimento da criança causado pela publicidade infantil. Também,
face o consumo exagerado de produtos não necessários para nossa sobrevivência, mas que
acabam trazendo uma ideia de felicidade e com isso impulsionando a compra de coisas que
não precisamos, de consumir mais do que necessitamos e, consequentemente, descartar, o
que tem impacto direto no meio ambiente, desconsiderando o uso moderado dos bens
naturais.
65
O merchandising é a “inserção proposital de produtos ou serviços nos programas de televisão, como novelas
e programas de auditório, ou filmes, no enredo destas histórias na sua real situação de consumo. Esta
colocação advém de um contrato entre fornecedor e a contraprestação pelo espaço oferecido para a
divulgação do seu produto” (BOLKENHAGEN, 2011, p. 06).
66
O advergaming divide-se em duas modalidades. A primeira “é a inserção de logomarcas e produtos no
cenário de jogos eletrônicos” com o intuito de promover, de modo interativo e dinâmico, determinada marca,
empresa, produto ou ideia (BURROWES, 2005, p. 215). A segunda, denominada advergame, é composta por
jogos criados especificamente para divulgar uma marca e vender um produto (FERNANDES et al, 2014, p.
93).
608
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fim de que se configure uma relação de consumo é necessário que esteja presente
o consumidor que adquire um produto ou serviço e o fornecedor desse produto ou serviço.
Essa relação de consumo possui uma desigualdade entre o primeiro e o segundo, o que
configura a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, fazendo-se necessário sua
proteção e a regulação das relações de consumo.
Ainda, alguns consumidores são considerados hipervulneráveis, como é o caso das
crianças, pois possuem sua vulnerabilidade potencializada. É dever do Estado proteger e
regular as relações de consumo, visando o combate as práticas abusivas e as publicidades
abusivas e enganosas, que estimulam o consumo exagerado.
A publicidade, cada vez mais presente no nosso dia-a-dia, tem o intuito de criar
desejos. Em grande parte das vezes, as pessoas não percebem que não precisam de
determinados produtos, que eles não são essenciais, mas consomem pelo simples fato de
satisfazer esses desejos. O comprar e o descartar é o que movimenta a economia e, se a
população deixar de comprar, o impacto na economia será grave, provocando um
desaquecimento econômico sem precedentes em todos os setores, ocasionando milhares de
desempregados.
O consumidor infantil, parte hipervulnerável na relação de consumo, é parcela
bastante lucrativa no mercado consumidor. As crianças, influenciadas pelo grande
quantidade de anúncios publicitários, imploram a seus pais a compra de determinados
produtos, os quais, na maioria das vezes, acabam cedendo aos desejos de seus filhos.
Dessa forma, a importância da proteção dos direitos do consumidor infantil, os quais
são respaldados, em especial, pela Constituição Federal, visto constituir um direito
fundamental e pelo Código de Defesa do Consumidor. Ainda, diversas entidades, como o
Instituto Alana, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA), o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outros,
respaldam a proteção do consumidor criança.
Assim, com a finalidade proteger o consumidor infantil, os diversos órgãos atuam
fortemente visando combater os abusos publicitários. A legislação existente é suficiente e, a
efetiva fiscalização da prática de publicidade enganosa e abusiva destinados ao público
609
infantil, pretende frear o abuso e punir quem não está em consonância com a legislação. Mas
não vai extinguir essa publicidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______. Lei Federal número 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção
do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm>. Acesso em: 07 ago. 2020.
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 586.316 - MG. Relator Ministro
Herman Benjamin Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&ter
mo =200301612085&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea>. Acesso em:
04 ago. 2020.
advergame: fatores que afetam o impacto da mensagem nas ferramentas de advergaming. In:
Cadernos de comunicação, Santa Maria, v. 18, n. 2, p. 89 - 109, jul-dez 2014.
MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2013.
SOUZA, Maria Claudia da Silva Antunes de; STOHRER, Camila Monteiro Santos.
Consumo Consciente como mecanismo da Sustentabilidade. In: BENACCHIO, Marcelo;
GARCIA, Marcos Leite; ARCE, Gustavo. Direito e sustentabilidade. Florianópolis:
CONPEDI, 2016.
612
Resumo: O presente trabalho reflete sobre a promoção das cidades resilientes enquanto
instrumento de efetivação do Direito à Cidade. Para tanto, utilizando-se do método dedutivo,
o artigo procura verificar em que medida essa promoção recente é compatível e/ou representa
uma evolução no âmbito da efetivação do Direito à Cidade.
1 INTRODUÇÃO
É conhecimento geral que a ocorrência de desastres naturais está de forma cada vez
mais intensa no mundo. A fácil e rápida acessibilidade à informação, por meio das mídias
sociais, da divulgação dos relatórios de dados científicos divulgados ou até mesmo das
experiências individuais vivenciadas enseja a conclusão de que esses eventos estão se
inserindo de forma muito mais contínua na vida social presente e futura.
Conforme dados disponibilizados pelo Governo Federal Brasileiro, somente no
início de janeiro de 2019, 23 (vinte e três) cidades brasileiras dos estados do Amazonas,
Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo
buscaram auxílio junto à União com o intuito de obter recursos para a reconstrução das suas
localidades2. Por outro lado, segundo o último relatório emitido pela Organização das
Nações Unidas, esses tipos de desastres não podem ser considerados apenas como catástrofes
de ordem natural, no sentido de que o homem nada contribui para o aumento desses eventos,
pois o aquecimento global acelerado pela espécie humana guarda íntima relação com o
crescimento latente dos eventos desastrosos mundiais.
1
Mestra em Direito pela Fundação do Ministério Público (FMP). Advogada. E-mail:
karina@trindademombelli.com
2
BRASIL. GOVERNO FEDERAL. Desastres naturais em oito estados levam cidades à situação de emergência.
Ministério do Desenvolvimento Regional. Disponível em: <
http://www.brasil.gov.br/noticias/infraestrutura/2019/01/desastres-naturais-em-oito-estados-levam-cidades-
a-situacao-de-emergencia> . Acesso em: 02 de julho de 2019.
613
O relatório emitido ano passado pela ONU3 constatou que maioria dos desastres
naturais nesse período foi provocada por eventos climáticos extremos e que a temperatura
terrestre subiu em média um grau em relação ao período pré-industrial. Além do mais,
verificou-se que as mudanças climáticas provocadas pelos gases de efeito estufa aceleram o
processo de elevação das temperaturas a níveis cada vez mais perigosos, o que faz com que
os impactos socioeconômicos também estão chegando situações limites.
Um exemplo claro das conclusões obtidas pelo relatório está na fala secretário-geral
das Nações Unidas Antônio Guterres, quando menciona a situação do ciclone Idai, que
devastou o Sudeste da África e atingiu aproximadamente três milhões de pessoas. No local,
a estrutura para se atender a população era precária, pois faltaram, principalmente, remédios
e alimentos.
Um dado interessante obtido pela análise minuciosa da Organização Internacional
demonstra que os países mais pobres são aqueles mais vulneráveis aos efeitos desses
eventos. Isto porque, a crescente vulnerabilidade dessas comunidades mais pobres é ilustrada
quando, nos últimos 20 anos, apenas um único território de alta renda, a ilha de Porto Rico,
foi afetada e apareceu na lista das dez principais perdas econômicas em porcentagem do
Produto Interno Bruto (PIB).
Além destes exemplos, outros tantos nacionais e internacionais são passíveis de
apontamento e vinculação com a temática, entretanto, a ideia central que se busca introduzir
neste momento é a concepção de que, diante desse contexto caótico que já está instaurado
no mundo, outro caminho principal não há de ser percorrido senão o da remediação urgente
e eficaz, assim como o da prevenção inteligente de danos.
Nesse sentido, se mostra a importância da promoção das ações estatais, sociais e de
caráter privado que visem tutelar a população mundial, principalmente as de baixa renda
econômica, dos efeitos desses desastres que, certamente, desestabilizarão a ordem
urbanística atual, se as políticas preventivas e remediadoras céleres não forem adotadas.
Sendo assim, neste infeliz contexto social global, é que a pesquisa em relação ao
estudo do direto à cidade, que é um direito social coletivo reconhecido internacionalmente,
3
BRASIL. NAÇÕES UNIDAS. Relatório da ONU alerta para o aumento dramático das perdas econômicas
provocadas por desastres. Nações Unidas do Brasil. Publicado em 10 de outubro de 2018. Disponível em: <
https://nacoesunidas.org/relatorio-da-onu-alerta-para-aumento-dramatico-das-perdas-economicas-
provocadas-por-desastres/>. Acesso em: 02 de julho de 2019.
614
e ao estudo da atual promoção das cidades resilientes, que busca efetivar essas espécies de
ações preventivas mencionadas, se revela atual e extremamente importante.
Portanto, além de promover um estudo breve das noções estabelecidas do direito à
cidade e dos objetos do projeto nacional que busca as cidades pensadas de forma mais
resiliente, a questão central que se busca refletir nesse trabalho é em que medida se pode
pensar a promoção dessas cidades inteligentes enquanto um dos meios de efetivação do
direito à cidade e, por consequência, da proteção social presente e futura.
4
BRANDÃO, Juliana Mendanha; MAHFOUD, Miguel; NASCIMENTO, Ingrid Faria Gianordoli. A
construção do conceito de resiliência em psicologia: discutindo as origens. Paideia. vol.21, n. 49. p. 263-271.
Maio.ago.2011, p. 269.
5
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Escritório das Nações Unidas para a redução de riscos
de desastres. Como construir cidades mais resilientes: um guia para gestores públicos locais. 2012.
Disponível em: <http://www.unisdr.org/files/26462_guiagestorespublicosweb.pdf >. Acesso em: 05 de
outubro de 2020.
615
Recorda-se os dados obtidos pela ONU e acrescenta-se que nesse relatório consta
expressamente que o próximo fenômeno que irá atingir os países será uma explosão de ondas
de calor que atingirá tantos os países pobres e incomodará da mesma forma os países mais
ricos, na medida em que os seres humanos possuem limite de resistência térmica para
sobreviver.
Na fala de Ricardo Mena6, do UNISDR, observa-se uma mudança de visão quanto à
abordagem dos efeitos climáticos e o desenvolvimento sustentável. Ele diz: “Enfatizamos a
necessidade de reduzir o risco existente para fortalecer a resiliência de pessoas e nações.
Caso contrário, o sucesso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) será muito
difícil”7.
Nesse mesmo sentido, foi o apelo às autoridades locais formulado pelo Secretário
Geral das Nações em 20098:
6
Cf. Rede Social Linkedin, disponível em: https://ch.linkedin.com/in/ricardo-mena-13355ba.
7
BRASIL. NAÇÕES UNIDAS. Relatório da ONU alerta para o aumento dramático das perdas econômicas
provocadas por desastres. Nações Unidas do Brasil. Publicado em 10 de outubro de 2018. Disponível em: <
https://nacoesunidas.org/relatorio-da-onu-alerta-para-aumento-dramatico-das-perdas-economicas-
provocadas-por-desastres/> . Acesso em: 05 de outubro de 2020.
8
BRASIL. GOVERNO FEDERAL. Construindo cidades resilientes: minha cidade está se preparando.
Campanha Mundial de Redução de Desastres. Disponível em: < https://eird.org/curso-
brasil/docs/modulo7/4.SEDEC-Cidades-Resilientes.pdf >. Acesso em: 05 de outubro de 2020.
9
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Nova agenda urbana: Declaração de Quito sobre cidades e
assentamentos Humanos Sustentáveis para todos. Disponível em: < http://habitat3.org/wp-
content/uploads/NUA-Portuguese-Angola.pdf> Acesso em: 02 de julho de 2019.
616
como aquelas que venham a adotar e a implementar a redução e gestão de risco de desastres,
reduzir a vulnerabilidade, construir resiliência e capacidade de resposta a perigos naturais e
gerados pelo homem, e promover a mitigação e a adaptação à alteração climática.
No Marco da Ação de Hyogo de 2005, evento internacional no qual se estabeleceram
as metas até 2015, ficaram estabelecidas as cinco prioridades para alcançar o aumento da
resiliência das nações e comunidades frente aos desastres, quais sejam: a) fazer com que a
redução dos riscos de desastres seja uma prioridade; b) conhecer o risco e tomar medidas; c)
desenvolver uma maior compreensão e conscientização; d) reduzir o risco; e f) Estar
preparado e pronto para atuar.
Numa perspectiva nacional, o Brasil, que se comprometeu politicamente na nova
agenda urbana de 2016 a promover o desenvolvimento de estratégias espaciais urbanas como
a resiliência urbana, no ano de 2011, por organização do Ministério da Integração Nacional
e por intermédio da Secretaria Nacional de Proteção e da Defesa Civil, lançou a campanha
“Construindo Cidades Resilientes: Minha Casa está se Preparando”.
A campanha, que ocorreu durante a 7ª Semana Nacional de Redução de Desastres,
buscou elevar o nível de consciência da população acerca da possibilidade de desastres
naturais, bem como o grau de comprometimento da população com o desenvolvimento
sustentável, como forma de minimizar a vulnerabilidade e proporcional segurança à
sociedade10.
Depreende-se da leitura da cartilha elaborada pela campanha que os principais fatos
que colocam as populações de baixa renda são as construções vulneráveis, o
desenvolvimento sem planejamento urbano e o estabelecimento dessas pessoas em áreas de
ocupação desornadas. Igualmente, aponta-se para o aumento significativo da população
mundial e o reconhecimento da governança debilitada que não oferece a qualidade devida
nos serviços essenciais, na infraestrutura e nas instituições de apoio que contribuem para a
redução dos desastres.
Para isso, o programa em questão orientou as ações determinadas para casa agente
que compõe a sociedade. Assim, quanto às ações específicas propostas, aos Governos
Nacionais ficou estipulado como meta: A configuração e fomento das plataformas nacionais
de atuação multidisciplinar e inclua governos locais e associações na discussão sobre
10
BRASIL. GOVERNO FEDERAL. Construindo cidades resilientes: minha cidade está se preparando.
Campanha Mundial de Redução de Desastres. Disponível em: < https://eird.org/curso-
brasil/docs/modulo7/4.SEDEC-Cidades-Resilientes.pdf >. Acesso em: 02 de julho de 2019.
617
O direito à cidade é um novo direito social coletivo que é reconhecido tanto na esfera
internacional, como nacional. Como leciona SARLET11, esse direito é considerado como
um direito de terceira dimensão, pois a sua titularidade é coletiva, indefinida e
indeterminável, o que reclama novas técnicas de garantias e proteção.
Conforme ensina ALFONSIN12, o direito à cidade sustentável pode ser
compreendida como o direito coletivo dos habitantes desse centro, que contempla um feixe
de direitos urbanos ligados à infraestrutura e aos serviços, aliado ao direito à preservação do
meio ambiente, o direito à regularização fundiária para eficácia do direito à moradia digna,
e o direito à justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização, com a
“recuperação pela coletividade da valorização imobiliária decorrente dos investimento do
Poder Público”.
No sistema jurídico brasileiro, o art. 2º do Estatuto da Cidade contempla a definição
do direito à cidade é entendido também como o direito à terra urbana, à habitação, ao
secamento ambiental, à infraestrutura urbana, aos transportes coletivos e demais serviços
públicos, ao trabalho, assim como ao lazer para as gerações atuais e futuras.
Além disso, a definição legal permite concluir que também se pode pensar em direito
à cidade como uma participação de caráter democrático por meio da participação da
população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, na execução e no acompanhamento e na execução do processo de
desenvolvimento urbano dos programas propostos à atender as necessidade da sociedade
urbana.
Nos estudos de SAULE JUNIOR13, o direito à cidade é um “o direito dos habitantes
presentes e das futuras gerações de ocupar, usar e produzir cidades justas, inclusivas e
sustentáveis como um bem comum”.
O direito à cidade é aplicável a todas as cidades e assentamentos humanos, dentro
dos sistemas jurídicos nacionais. Com base nessa definição acima, o direito à cidade é um
direito coletivo/difuso que vê a cidade como um espaço coletivo que pertence a todos os
11
SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 53.
12
ALFONSIN, Betânia de Moraes et al. A ordem jurídica-urbanística nas trincheiras do Poder Judiciário.
Revista Direito e Práxis. vol.07. nº 14. p.421-453. 2016, p.429.
13
SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à cidade como centro da nova agenda urbana. Boletim regional, urbano
e ambiental. vol. 15. jul.dez.2016, p. 75.
619
habitantes, que contém três elementos essenciais: proteção legal das cidades como um bem
comum; direito coletivo/difuso; e a titularidade coletiva exercida por grupos representativos
de moradores, associações de moradores, organizações não governamentais (ONGs),
Defensoria Pública e Ministério Público, por exemplo
Entretanto, em que pese existam as definições de ordem doutrinária e legislativa, a
grande problemática que se impõe na temática do direito à cidade diz respeito à sua
efetivação. Nesse ponto, o planejamento precário das cidades, já visto, mostra-se um
exemplo importante da relevância da promoção de políticas urbanas que promovam a tutela
da sociedade urbana, como se analisará a seguir.
14
OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à cidade como direito humano coletivo. In: ALFONSIN, Betânia de
Moraes; FERNANDES, Edésio (org.). Direito Urbanístico: Estudos brasileiros e internacionais. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p. 199.
620
considerações refletivas desse resultado vão muito além do que a mera reprodução do
argumento geográfico.
Isto porque, deve-se considerar que dois fatores agem em desfavor dessas populações
mais carentes, quais sejam: a sua geografia e o potencial econômico da sociedade ali
estabelecida para promover as ações de infraestrutura das cidades para remediação e
prevenção dos danos. Dessa forma, é fácil a constatação de que esses países são, no mínimo,
duplamente vulneráveis aos efeitos devastadores dos efeitos climáticos promovidos pela
espécie humana, mas não só isso.
Além disso, nesses países em que a infraestrutura de planejamento para redução dos
efeitos dos desastres naturais é precária, também se percebe a presente de outros problemas
estruturais básicos nas cidades como o crescimento populacional desordenado que
compromete a segurança de muitas famílias e compromete significativamente o respeito e a
atenção ao direito à cidade, que é humano e coletivo.
Nas lições de MARICATO15, ao dissertar sobre a realidade urbanística brasileira:
Logo, é necessário que a reflexão vá mais além. E para isso, deve-se compreender,
essencialmente, que os países com menor potencial econômico – quando comparados com
as grandes potências mundiais- , muito embora, por vezes, sejam privilegiados pela sua
posição geográfica, como no caso do Brasil, ainda assim sofrem uma maior flexibilização
daquilo que se espera efetivar com a promulgação do direito à cidade .
Nesse sentido, diante do conteúdo já exposto, há como sustentar plenamente que a
promoção das cidades resilientes representa um conjunto de ações que, ao que tudo indica,
efetivará na prática uma parcela da promoção do direto à cidade, em virtude de que objetiva
o planejamento urbanístico dos grandes centros para assegurar a distribuição equânime,
democrática e sustentável dos serviços e das riquezas existentes.
15
MARICATO, Ermínia. Brasil, Cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2002, p.152
621
16
Art. 182: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes
gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes.
17
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2011, p. 138.
18
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2011, p. 137.
19
TRINDADE, Thiago Aparecido. Direitos e cidadania: reflexões sobre o direito à cidade. Revista Lua Nova.
n. 87. p. 139-165, 2012, p. 159
20
Adota-se o conceito de políticas públicas formulado por BUCCI: Política pública é o programa de ação
governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo
eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo,
processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades
622
Por fim, conclui-se, porém, que não basta que a sociedade simplesmente exija do
Poder Estatal o desenvolvimento das cidades resilientes, mas sim, igualmente busque
contribuir e participar de forma significativa para a promoção desse novo modelo, pois,
como ensina HARVEY21, o direito à cidade não é um presente, mas sim uma luta coletiva
constante na busca pela liberdade da cidade, ou seja, na busca pelo direito de mudar a cidade
de acordo com o desejo de nossos corações e não pelos interesses políticos e econômicos de
cunho individual.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em linhas gerias, por meio do presente artigo, foi possível estabelecer que os câmbios
climáticos observado no mundo e acelerados pela espécie humana estão ocasionando um
aumento significativo de desastres naturais que acabam por afetar principalmente e
essencialmente as populações mundiais mais carentes, que estão situadas nos países de
menor potencial econômico.
Frente a esse contexto, o que se percebe é uma significativa vulnerabilidade desses
grupos economicamente, culturalmente e socialmente afetados na medida em que além de,
por vezes, estarem localizados em países geograficamente prejudicado, também encontram
uma série de dificuldades na ordem urbanística da localidade que carecem de políticas
públicas que, de fato, promovam o direito à cidade.
Nesse contexto, a promoção de ações que busquem a efetivação das cidades
resilientes deve ser considerada como um importante instrumento na consagração do direito
à cidade enquanto direito que impulsiona a efetivação da dignidade da pessoa humana.
E para que isso seja possível, não somente o Poder Estatal, mas também todos os
agentes que compõe a sociedade civil, como as iniciativas privadas e sociais, devem alinhas
os seus objetivos e unir as suas ações visando a promoção de políticas urbanísticas que
modifiquem e evoluam os modelos atualmente observados como cidades de forma
compatível com as necessidades da sociedade urbana.
privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal,
a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva
de meios necessários e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados. (BUCCI, Maria
Paula. O Conceito de Política Pública em Direito. In: BUCCI, Maria Paula. Políticas públicas: reflexões sobre
o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 39)
21
HARVEY, David. A liberdade da cidade. In: HARVEY, David et al. Cidades Rebeldes: passe livre e
manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1.ed. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013, p.28 e 34
623
REFERÊNCIAS
BRASIL. NAÇÕES UNIDAS. Relatório da ONU alerta para o aumento dramático das
perdas econômicas provocadas por desastres. Nações Unidas do Brasil. Publicado em 10
de outubro de 2018. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/relatorio-da-onu-alerta-para-
aumento-dramatico-das-perdas-economicas-provocadas-por-desastres/> . Acesso em: 05 de
outubro de 2020.
HARVEY, David et al. Cidades Rebeldes: passe livre e manifestações que tomaram as ruas
do Brasil. 1.ed. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013
BUCCI, Maria Paula. Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo:
Saraiva, 2006.
MARICATO, Ermínia. Brasil, Cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes,
2002.
624
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Escritório das Nações Unidas para a redução
de riscos de desastres. Como construir cidades mais resilientes: um guia para gestores
públicos locais. Disponível em: <
https://www.unisdr.org/files/26462_guiagestorespublicosweb.pdf >. Acesso em: 05 de
outubro de 2020.
OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à cidade como direito humano coletivo. In: ALFONSIN,
Betânia de Moraes; FERNANDES, Edésio (org.). Direito Urbanístico: Estudos brasileiros
e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006
SAULE JÚNIOR, Nelson. O Direito à cidade como centro da nova agenda urbana. Boletim
regional, urbano e ambiental. vol. 15. jul.dez.2016.
Resumo: Este estudo buscou verificar se as ações que tangem às medidas protetivas de
urgência à mulher em situação de violência doméstica, estabelecidas na Lei Maria da Penha,
têm demonstrado sua eficácia. Para isso, foi considerado que a violência traz no seu bojo
significado de força, ameaça, dano e sofrimento, demonstrando-se em casos complexos e
variadas causas, de ação intencional tanto em forma física como psicológica, podendo a
partir de suas práticas levar à morte. Nesse sentido, a violência doméstica tem registros de
índices de atos cada vez maiores contra mulher, conforme aponta o Conselho Nacional de
Justiça brasileiro. Por sua vez, a Lei Maria da Penha, em suas medidas protetivas de urgência,
tem apresentado alterações e inovações para coibir essas práticas violentas perpetradas
contra mulher. Essas medidas, em seu caráter preventivo e protetivo, buscam assegurar
garantias de proteção à mulher quando em situação de ameaça de atos violentos no meio
doméstico desde o imediato afastamento do agressor do meio familiar até a prisão pelo
descumprimento das de decisão judicial. A Lei Maria da Penha expõe determinações que
embasam para várias naturezas jurídicas, o que contribui para observar mecanismos
protetivos em âmbitos civil, trabalhista, previdenciário, penal, processual e administrativo.
Conclui-se, assim, que as medidas protetivas de urgência, elencadas na Lei Maria da Penha,
com suas alterações e inovações de caráter preventivo e protetivo têm pontuado aumento de
aplicabilidade nos últimos anos, em razão do número de processos em tramitação na justiça,
o que demonstra sua eficácia. Contudo, isso revela que a violência doméstica também tem
indicado crescimento nos estados brasileiros.
Palavras-chave: Eficácia. Lei Maria da Penha. Medidas protetivas. Violência doméstica.
1 INTRODUÇÃO
1
Aluna do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas – UFFS. Pós Graduada em Direito
Previdenciário – UPF. Graduada em Direito – URI. Docente Faculdade Anglicana de Tapejara. Email:
adv.advogados@bol.com.br Advogada OAB/RS 69.693.
2
Mestre em História – UPF. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Seguridade Social - UPF; em Gestão
Pública – UFSM; em Gestão Pública das Organizações de Saúde – UFSM. Graduada em Direito - URI. Docente
da Faculdade IDEAU/Getúlio Vargas-RS. Email: lilianlang@ideau.com.br .Advogada OAB/RS 74282.
626
3
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial: (Vide Lei complementar n. 150, de 2015)
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou
sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram
aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,
independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, Lei
n. 11.340, 2006).
4
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física,
entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da
autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação.
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar
de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,
chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida
como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, Lei n. 11.340, 2006).
629
Já a violência sexual é outra forma de agredir por meio de força e coação e que,
segundo Cunha e Pinto (2014), manifesta-se em muitos atos que buscam não só obrigar como
intimidar a ofendida. Por fim, o patrimonial, de acordo com Porto (2007), expressa-se em
práticas para reter, subtrair e destruir de instrumentos de trabalho, documentos pessoais,
bens, valores e direitos ou valores econômicos.
Em seguimento, o próximo item mostra índices de registros e indicadores dos atos
de violência doméstica, praticados contra as mulheres nos últimos anos, bem como número
crescente de casos que ingressam nos Tribunais de Justiça brasileiros.
Figura 1 – Casos de violência doméstica a cada mil mulheres em 2016. Fonte: CNJ (2018, p. 14).
631
Figura 2 – Casos de violência doméstica a cada mil mulheres em 2017. Fonte: CNJ (2018, p. 14).
5
Art. 19 § 3º. Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas
medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida,
de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público. (BRASIL, Lei n. 11.340, 2006).
6
Art. 22 [...] § 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação
em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser
comunicada ao Ministério Público (BRASIL, Lei n. 11.340, 2006).
633
artigos 22, 237 e 248, o que demanda regulamentos das leis esparsas que abordam sobre
proteção.
Souza (2013) pontua a urgência das medidas protetivas em um dos principais
instrumentos, estabelecidos na Lei n. 11.340, que podem amparar a mulher e que busca
assegurar a integridade psicológica, física, moral e patrimonial, para que ela, sendo vitimada,
possa procurar a proteção estatal e jurisdicional.
Na sua característica de urgência, as medidas protetivas observam a decisão do
magistrado quando a concede em um prazo de 48 horas, norteado pelo art. 189 da Lei 11.340.
Tal concessão, conforme o art. 1910 § 1º é solicitada pela vítima do agravo sofrido à
autoridade policial ou Ministério Público, sendo firmada pelo art. 2011, que refere o decreto
do juiz, sem necessidade de audiência ou decisão do Ministério Público. Estabelece, ainda,
7
Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de
atendimento;
II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento
do agressor;
III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos
e alimentos;
IV – determinar a separação de corpos. (BRASIL, Lei n. 11.340, 2006).
8
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da
mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em
comum, salvo expressa autorização judicial;
III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da
prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste
artigo. (BRASIL, Lei n. 11.340, 2006).
9
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito)
horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis (BRASIL, Lei n. 11.340, 2006).
10
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério
Público ou a pedido da ofendida.
§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência
das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas
a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados
ou violados. [...] (BRASIL, Lei n. 11.340. 2006).
11
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do
agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da
autoridade policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo
para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (BRASIL, Lei n.
11.340, 2006).
634
o artigo 19 § 2º, a possibilidade sobre a sua substituição desde que a medida mostre eficácia,
tanto isolada como cumulativa.
Por sua vez, o art. 2212, da Lei Maria da Penha, expõe as determinações que são
atribuídas ao agressor, na prática de violência doméstica contra a mulher, e que devem ser
decididas pelo juiz, de imediato. São cinco incisos que se iniciam pela determinação da
suspensão de posse de armas e que, segundo Cunha e Pinto (2014), mostra-se evidenciado o
alerta sobre a condição física da vítima e diante do aumento considerável de atos criminosos
contra a mulher, com arma de fogo.
Após, o inciso II, que determina o afastamento do agressor do meio familiar, de
acordo com Belloque (2011), traz no seu bojo a preocupação com a saúde física e psicológica
da mulher, bem como o cuidado com a preservação do seu patrimônio. Nesse sentido,
Biachini (2013) refere a finalidade de tornar o meio familiar mais tranquilo, em especial,
para os filhos.
O III inciso, nas suas determinações, proíbe o agressor ter aproximação com a vítima,
incluindo seus familiares e testemunhas. Nesse sentido, Dias (2013) refere que tal
12
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz
poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de
urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da
Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre
estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento
multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor,
sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada
ao Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e
incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão,
corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de
armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob
pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer
momento, auxílio da força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art.
461 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil) (BRASIL, Lei n. 11.340, 2006).
635
[...] alimentos provisórios são aqueles fixados imediatamente pelo juiz, a título
precário, ao receber a inicial, na ação de alimentos do rito especial disciplinada
pela Lei 5.478/68, ao passo que, provisionais, são aqueles reclamados pela mulher
ao propor, ou antes de propor, a ação de separação judicial ou de nulidade de
casamento, ou de divórcio direto, para fazer face ao seu sustento durante a
demanda (2007, p. 47).
Em 2018, a Lei 11.340 insere em seu teor, por meio da Lei 13.641, o art. 24-A13, na
seção IV, tornando crime o descumprimento de medida protetiva, sendo passível de
decretação de prisão preventiva, conforme determina o art. 313, III14, do Código de Processo
Penal, com redação dada pela Lei n. 12.403, de 2011.
Recentemente, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei Federal n 13.827, de
maio de 2019, estabelecendo alguns regulamentos na Lei Maria da Penha, com o objetivo
de trazer mais rigor ao efeito protetivo para a mulher quando se encontra em situação de
violência doméstica e familiar.
13
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
(Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
1º. A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.
(Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
2º. Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. (Incluído pela Lei
nº 13.641, de 2018)
3º. O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. (Incluído pela Lei nº 13.641, de
2018) (BRASIL, Lei n. 13.641, 2018).
14
Art. 313 III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso,
enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação
dada pela Lei nº 12.403, de 2011). (BRASIL, Decreto-Lei n. 3.689, 1941).
636
Em nova publicação, o art. 2º, do capítulo III do título III da Lei Maria da Penha,
apresenta o acréscimo do 12-C15, dispondo sobre várias medidas urgentes a serem
observadas quando a mulher se encontra na iminência de risco à sua integridade física e
também de seus dependentes, o que decorre no imediato afastamento do agressor do meio
familiar.
Na sua redação, o art. 12-C determina que o agressor deve ter afastamento imediato
do meio familiar em que convive com a ofendida, e isso pode ser feito, na sua prerrogativa,
pela autoridade judicial, pelo delegado de polícia e também por policial. Nas hipóteses dos
incisos. Também o juiz terá de ser comunicado em prazo de 24 horas, decidindo sobre a
manutenção ou a revogação da aplicação da medida, cientificando, ainda, o Ministério
Público.
Também a Lei n.13.827/19 introduz na Lei Maria Penha o art. 38-A16, dispondo sobre
as competências do juiz para registro da medida protetiva de urgência em banco de dados
com a finalidade de efetiva acesso e fiscalização dos órgãos de segurança e de assistência
social.
A Lei Maria da Penha também tem contribuído para sejam instituídas delegacias
especializadas, por todo o Brasil, com o objetivo de oferecer atendimento às mulheres que
são vítimas da violência doméstica bem como facilitando o seu acesso para poderem
apresentar seus relatos sobres as ameaças e agressões sofridas.
15
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em
situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do
lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
I – pela autoridade judicial; (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou (Incluído pela Lei nº 13.827,
de 2019)
III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento
da denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte
e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo
dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não
será concedida liberdade provisória ao preso. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019). (BRASIL, Lei n. 13.827,
2019).
16
Art. 38-A. O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência.
Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e
regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria
Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das
medidas protetivas. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019). (BRASIL, Lei n. 13.827, 2019).
637
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sua proposta, este estudo buscou verificar se as ações que tangem às medidas
protetivas de urgência à mulher em situação de violência doméstica, estabelecidas na Lei
Maria da Penha, têm demonstrado sua eficácia.
Considerou-se, assim, em teor inicial, que violência envolve sentido de força,
ameaça, dano e sofrimento, sendo vista pela OMS, como situação complexa e de múltiplas
causas e que se mostra pela força intencional, em forma física ou psicológica, causando lesão
ou morte a partir de uma conjunção de comportamentos e atitudes.
Observou-se, assim, que dados do CNJ apresentam cada vez mais novas situações de
violência doméstica contra a mulher, registradas pelos Tribunais de Justiça do Brasil, em um
índice demonstrativo e considerável de crescimento. Desde 2016, os índices de violência
têm se mostrado em elevação em levantamento a cada mil mulheres nos estados brasileiros.
O legislador brasileiro, embasada pela Lei Maria da Penha, tem feito alterações e
inovações, com a finalidade de coibir os atos de violência contra mulher. Nesse sentido,
podem ser registradas as recentes modificações elencadas pela Lei 13.641/2018, com
inclusão do art. 24-A sobre a detenção diante de descumprimento de medida protetiva, e a
Lei n. 13.827/2019, com o art. 12.C, sobre a decretação do imediato afastamento do agressor
do domicílio.
As medidas protetivas de urgência buscam inibir esses atos violentos, para garantir
que a mulher não seja vítima de violência em ambiente familiar, estabelecendo
determinações que possam realmente serem protetivas e que possibilitem ao juiz decisões
que mostrem o seu sentido preventivo.
Verificou-se, ainda, que a Lei Maria da Penha compõe-se de vários dispositivos que
são norteadores para diversas naturezas jurídicas, e isso conduz a mecanismos que podem
levar em consideração os âmbitos civil, trabalhista, previdenciária, penal, processual e
administrativo. Logo, as medidas protetivas devem não só coibir os atos de violência como
assegurar que a mulher e seus filhos tenham seu resguardo e patrimônio, pelas decisões do
juiz, Ministério Público e do que se encontra posto em outras leis de caráter de proteção.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 13.827, de maio de 2019. Altera a Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006
(Lei Maria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida
protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência
doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva
de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
http:// www.planalto.gov.br › Acesso em: 29 jul. 2020.
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal,
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres
e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;
dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 29 jun. 2020.
CUNHA, R. S.; PINTO, R. B. Violência doméstica: lei Maria da Penha comentada artigo
por artigo. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
DIDIER JÚNIOR, F.; OLIVEIRA, R. Aspectos processuais civil na lei Maria da Penha
(Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher). In: PEREIRA, R. C. (Coord.). Família e
Responsabilidade: Teoria e prática do direito de família. Porto Alegre: Magister/IBDFAM,
2010.
SOUZA, S. R. A lei Maria da Penha comentada: sob a perspectiva dos direitos humanos.
4. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2013.
INTRODUÇÃO
O Direito das Famílias é um dos ramos mais dinâmicos das Ciências Jurídicas. Isso
decorre da sua natureza mutante onde as alterações comportamentais refletem na sociedade
e por consequência nas leis que tangem às famílias.
O artigo 226 CF exemplifica alguns tipos de família não limitando suas possíveis
composições. Logo, nada impede que ela possa ser composta de forma horizontal sem que
uma pessoa descenda necessariamente uma da outra, pois família é antes de tudo lugar de
acolhimento, assistência e afetividade. Com fulcro nesses princípios há possibilidade da
família anaparental ser constituída por irmãos sócio-afetivos. A família anaparental também
pode ser considerada “A convivência sob o mesmo teto, durante longos anos de duas irmãs
que conjugam esforços para a formação de acervo patrimonial, constitui uma entidade
familiar. O conceito de família vem expresso no artigo 226 da Constituição Federal. Nele
não consta expressamente a família anaparental, mas através da analogia podemos identificá-
la e protegê-la. (DIAS, 2013)2.
O termo designando esse novo arranjo familiar foi criado por Sérgio Resende de
Barros, o qual significa anaparental, a família sem pais.3
1
Formada pela PUCRS, pós-graduada em Direito Público pela Fac. Projeção, pós- graduanda em Direito
Empresarial , Faculdade Legale e-mail leticiaucha@yahoo.com OAB/RS 46861.
2
DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 25-72, 2013.
3
BARROS, Sérgio Resende. Direitos humanos da família: principiais e operacionais. Disponível em:
http://www.srbarros.com.br/pt/direitos-humanos-da-familia--principiais-e-operacionais.cont. Acesso em cesso
em: 26 ago. 2020.
641
Há muito a família deixou de ser aquela composta somente por pai, mãe e filhos. As
pessoas passaram a viver mais e com o avanço da Medicina a longevidade aumentou, muitos
possuem saúde e excelente qualidade de vida. Por que ir para uma casa de repouso?
Sendo assim, é cada vez mais comum vermos pessoas idosas compartilhando a
mesma residência com o intuito de auxílio e colaboração mútua assistencial e muitas vezes
financeira também sem qualquer conotação sexual.
São pessoas viúvas que já sem a companhia dos filhos que muitas vezes nem as
visitam resolvem viver com amigo(a) ligadas pela amizade, como se irmãs fossem. Esse tipo
de agrupamento pode ser observado e identificado tanto em pessoas que possuem laços
sanguíneos como entre aqueles amigos que vinculados pelo afeto podem ser reconhecidos
como irmãos sócio-afetivos. Há muito o laço sanguíneo deixou de ser o fator mais importante
entre as pessoas e sim o afeto entre os mesmos é que deve prevalecer.
Pessoas mais jovens, também podem formar uma família anaparental sem ter
qualquer vínculo sanguíneo desde que estejam dispostas com o intuito de auxílio múto,
assistência financeira e permanência sem conotação sexual, formarem uma entidade
permanente sendo reconhecidos como irmãos socioafetivos. Não configura a mera amizade
passageira esse tipo de arranjo familiar. Pode ocorrer de dois irmãos jovens morarem juntos,
primos(a), tio e sobrinhos e etc, são exemplos de família anaparental.
O referido tipo de família não possui os pais, ela é composta de parentes colaterais
ou irmãos sócioafetivos. É importante salientar que na família anaparental as pessoas se
unem sem conotação sexual, pois muitas vezes podem ser compostas, inclusive somente por
irmãos sanguíneos. Podem ser formadas ainda por homem e mulher, somente mulheres ou
unicamente homens sempre presente o sentimento de amizade e cooperação. Para parte da
jurisprudência ela pode ser identificada também por avó e neto. Nesse sentido: Ação Direta
de Inconstitucionalidade n 0171510-3320138260000 – TJSP4 este acórdão cita um rapaz
que ocultou morar com a avó a fim de conseguir o financiamento habitacional, porém o TJSP
4
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. APL: 00016741520148260651 SP 0001674-15.2014.8.26.0651,
Relator: Jarbas Gomes, Data de Julgamento: 16/08/2016, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação:
18/08/2016). Acesso em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/375378579/apelacao-apl-
16741520148260651-sp-0001674-1520148260651?ref=serp. Acesso em 26 ago. 2020.
642
decidiu que isso não seria motivo de sua exclusão porque ele com sua avó formavam uma
família anaparental e portanto estava incluído entre os tipos de família contempladas com o
programa.
Na lição do destacado professor Rolf Madaleno, ao tratar da família anaparental
afirma:
Ao lado da família nuclear constituída por laços sanguíneos dos pais e sua prole
esta a família ampliada como realidade social que une parentes, consanguíneos ou
não, estando presente o elemento afetivo e ausentes relações sexuais porque o
propósito desse núcleo familiar denominado anaparental não tem nenhuma
conotação sexual como sucede na união estável e na família homossexual, mas
estão juntas com o ânimo de constituir estável vinculação familiar. Nesse
arquétipo a família anaparental está configurada pela ausência de alguém que
ocupe a posição de ascendente como na hipótese da convivência apenas entre
irmãos. (MADALENO, 2013, p. 10)5.
5
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p 10.
6
BENEVIDES, Adelmo Leal. Adoção por família anaparental. Âmbito Jurídico, São Paulo, 2020. Disponível
em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-de-familia/adocao-por-familia-anaparental/. Acesso em: 26
ago. 2020.
643
7
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - REsp: 1217415 RS 2010/0184476-0, Relator: Ministra NANCY
ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/06/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe
28/06/2012. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22271895/recurso-especial-resp-
1217415-rs-2010-0184476-0-stj. Acesso em 26 ago. 2020.
8
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. APC 4004720352019.8.0000, Relator Ricardo Fonte, DJ
11/09/2019. Disponível em:
https://www.ibdfam.org.br/jurisprudencia/11332/Guarda%20provis%C3%B3ria%20aos%20padrinhos.%20F
am%C3%ADlia%20eudemonista.%20Preval%C3%AAncia%20do%20melhor%20interesse%20da%20crian
%C3%A7a%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20ao%20cadastro%20de%20ado%C3%A7%C3%A3o.
Acesso em: 26 ago. 2020.
9
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. APC 40099153520188240000, Relator Des Ricardo Fontes, DJ
16/8/2018. Disponível em:
https://www.ibdfam.org.br/jurisprudencia/11332/Guarda%20provis%C3%B3ria%20aos%20padrinhos.%20F
am%C3%ADlia%20eudemonista.%20Preval%C3%AAncia%20do%20melhor%20interesse%20da%20crian
%C3%A7a%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20ao%20cadastro%20de%20ado%C3%A7%C3%A3o.
Acesso em: 26 ago. 2020.
644
Importante salientar que há doutrinadores que fazem distinção entre família sócio-
fraterna e anaparental. Para dr Rodrigo Pereira da Cunha somente pessoas com laços
sanguíneos poderiam caracterizar a família anaparental, ou seja, quando formada por irmãos
sócio-afetivos estaríamos diante de uma família composta pela fraternidade, são os irmãos
sócio-fraternos. Já os doutrinadores Rolf Madaleno (2013), Maria Berenice Dias (2013),
entendem que esse tipo família independe de vínculo sanguíneo devendo prevalecer o auxílio
e acolhimento mútuo.
Importante salientar que ainda que mude a denominação os doutrinadores são
unânimes em conferir a existência e legitimidade desse tipo de arranjo familiar.
10
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - REsp: 159851 SP 1997/0092092-5, Relator: Ministro RUY
ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 19/03/1998, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação:
DJ 22.06.1998 p. 100 LEXJTACSP vol. 174 p. 615. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/505872/recurso-especial-resp-159851-sp-1997-0092092-. Acesso
em: 26 ago. 2020.
11
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - REsp: 57606 MG 1994/0037157-8, Relator: Ministro FONTES
DE ALENCAR, Data de Julgamento: 11/04/1995, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ
15.05.1995 p. 13410 RSTJ vol. 81 p. 306. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/555382/recurso-especial-resp-57606/inteiro-teor-111003177.
Acesso em: 26 ago. 2020.
645
12
RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias Simultâneas: da Unidade Codificada à Pluralidade
Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
646
O Código Civil omitiu o direito real de habitação para os novos arranjos familiares.
O artigo 1831 do CC se aplica no caso de família anaparental por analogia, com base na
finalidade social da lei.
13
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. APC 02053078020148130079. Relator(a): Des.(a) Áurea Brasil,
Data de Julgamento 18/02/2016, Órgão Julgador / Câmara, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL. Data da
publicação da súmula: 29/02/2016. Disponível em:
https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=2&totalLin
has=2&paginaNumero=2&linhasPorPagina=1&palavras=fam%EDlia%20anaparental&pesquisarPor=ementa
&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&pesquisaPalavras=Pesquisar&. Acesso em 26 ago. 2020.
14
KUSANO, Susileine. Da família anaparental: do reconhecimento como entidade familiar. Revista Âmbito
Jurídico, São Paulo, 2010. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-77/da-familia-
anaparental-do-reconhecimento-como-entidade-familiar/. Acesso em 26 ago. 2020.
647
Maria Berenice Dias (2013) 15 entende que, tendo o Código Civil se omitido sobre o
direito real de habitação, este não foi revogado e, tendo sido ele expressamente previsto no
artigo 1831 do Código Civil como direito civil do cônjuge sobrevivente nada, justifica sua
não aplicação à união estável. Salienta-se que tal direito será deferido enquanto o cônjuge
ou convivente não constituir nova família.
No caso de duas irmãs que vivem juntas, sem descendentes e colaboram uma com a
outra constuindo um patrimônio e têm pouco contato com demais irmãos é possível a
analogia à união estável para que somente a irmã convivente herde. Neste sentido:
15
DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2013.
16
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 1.0000.17.072984-2/001, Relator(a): Des.(a)
Bitencourt Marcondes, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/11/0017, publicação da súmula em
29/11/2017. Disponível em:
https://www.ibdfam.org.br/jurisprudencia/8107/Fam%C3%ADlia%20e%20sucess%C3%B5es.%20Entidade
%20familiar.%20Fam%C3%ADlia%20anaparental.%20Possibilidade%20jur%C3%ADdica%20do%20pedid
o. Acesso em 26 ago. 2020.
648
estável para que o irmão convivente integrante da família anaparental herde com base no
príncípio da analogia sendo equiparado aos direitos inerentes à união estável .
O artigo 1829 CC estabelece a vocação sucessória e irmãos poderão receber na
condição de colateral, não sendo herdeiros necessários. Logo, não se tratando de herdeiros
necessários é justa a possibilidade do membro da família anaparental herdar como se cônjuge
fosse, pois não estaria burlando a lei, pois quem não possui herdeiros necessários pode dispor
da integralidade, ou seja, 100% de seu patrimônio como quiser.
Uma forma de garantir a realização dessa possibilidade seria através do testamento,
mas essa prática ainda não é comum para a maioria da população brasileira, então se a
sucessão na família anaparental dependesse somente desse ato, poderia haver injustiças.
No caso, do membro da família anaparental possuir herdeiros necessários,
reconhecemos que nesse caso, o integrante da família anaparental seria equiparado ao irmão
socioafetivo ou irmão sanguíneo herdando na classe dos colaterais. Podendo também, ser
feito testamento em favor do irmão sócioafetivo no que tange aos 50% passíveis de
disposição quando há herdeiros necessários.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BENEVIDES, Adelmo Leal. Adoção por família anaparental. Âmbito Jurídico, São Paulo,
2020. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-de-familia/adocao-
por-familia-anaparental/. Acesso em: 26 ago. 2020.
DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. Revista dos Tribunais, São Paulo,
p. 25-72, 2013.
DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. Revista dos Tribunais, São Paulo,
2013.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.
10.
elhor%20interesse%20da%20crian%C3%A7a%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20ao
%20cadastro%20de%20ado%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 26 ago. 2020.
INTRODUÇÃO
1
Mestra em Direito. Advogada – OAB/RS 66.040. E-mail leticiapadilha@uol.com.br. Membro da Comissão
da Mulher Advogada OAB/RS. Membro da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra OAB/RS.
Membro da Comissão da Igualdade Racial OAB/RS.
653
2
A natureza jurídica dos embargos de declaração é bastante controvertida na doutrina, em que se destacam três
correntes: 1) trata-se de recurso, eis que a definição de recurso compreenderia não somente a reforma ou
anulação do pronunciamento judicial, mas também a integração; 2) nega-se a natureza recursal aos embargos
declaratórios, por entender que não se destinam a obter a reforma ou anulação do julgado, que seria a função
dos recursos; e 3) que os embargos assumiriam apenas a natureza recursal no caso de estar presente o efeito
infringente. Não importa que para vislumbrar a natureza recursal, que a modificação efetivamente ocorra, basta
a intenção do embargante de modificar o julgado (AURELLI, 2011, p. 17). No entendimento da autora do
presente artigo os embargos de declaração tem natureza recursal, não havendo nada que impeça que a definição
654
de recurso englobe também a integração da sentença, e não somente a reforma ou anulação. Nesse sentido José
Carlos Barbosa Moreira (1981, p. 265), quando afirma que recurso seria o “remédio voluntário, idôneo, dentro
do mesmo processo, a reforma, a anulação ou a integração da decisão judicial impugnada”.
3
“Etimologicamente EMBARGOS vem do latim “IMBARRICARE”, opor barricada, por obstrução, colocar
obstáculo. No século XII já se encontraria as palavras “embargamento”, no sentido de opor oposição ou
impedimento, bem como embargo consistia na imobilização de navio de comercio estrangeiro em porto
nacional. No Direito Pátrio a expressão é concebida, fiel à sua origem etimológica, como impedimento,
obstáculo, de natureza judicial, no processo”. (FELKER, 2011, p. 48).
655
4
“Diz-se que a decisão é obscura quando não se pode compreender o sentido do que foi decidido. Há casos em
que a obscuridade é tamanha que leva à impossibilidade de obediência à ordem judicial. A obscuridade pode
estar no relatório, na fundamentação ou na parte decisória propriamente dita; ou, ainda, na relação entre estes
elementos. A decisão contraditória é a que contém elementos racionalmente inconciliáveis. A contradição,
desta forma, confunde-se com a incoerência interna da decisão. Da mesma forma que a obscuridade, a
contradição interna pode estar no relatório, na fundamentação, na parte decisória propriamente dita, ou, ainda,
na relação entre estes elementos. Há também a contradição externa, que ocorre quando o conteúdo do acórdão
e sua respectiva ementa são incoerentes entre si. Ainda, fala-se em contradição entre o teor dos votos proferidos
e o teor do acórdão. Por outro lado, a contradição que porventura exista entre a decisão e os elementos do
processo não enseja a interposição de embargos de declaração. A hipóteses mais frequente de interposição de
embargos de declaração, todavia, é a omissão. Ocorre omissão quando faltam quaisquer elementos essenciais
à decisão (relatório, fundamentação e parte decisória propriamente dita). Pode haver omissão em apenas um
dos capítulos da decisão. A interpretação conjunta das regras contidas no art. 489 e § 1º do art. 943 do NCPC
nos leva a afirmar que a ausência da ementa também é vício que enseja a interposição de embargos de
declaração” (ALVIM, 2016, p. 34). A obscuridade constitui-se na falta de clareza que vem a dificultar, quiça
tornar impossível, a correta interpretação do pronunciamento judicial. Um pronunciamento é obscuro quando
não consegue entender a vontade do emissor. A decisão é ambígua, enigmática. Pode ocorrer tanto no
dispositivo como na fundamentação. Nesse caso o objetivo dos embargos é remover a incerteza. A contradição
trata da presença de proposições inconciliáveis na fundamentação, no decisório ou entre a fundamentação e o
decisório. Os enunciados se anulam reciprocamente, sob aspecto lógico. Não há compatibilidade entre as razões
de decidir e o decidido, entre capítulos da decisão. Já a omissão consiste na ausência de declaração sobre
questão ou ponto suscitado pelas partes. Há falta de pronunciamento sobre o fundamento ou pedido. Haverá
omissão sempre que o magistrado deixar de analisar questão ou ponto da causa que lhe foi submetido, inclusive
quanto à comprovação dos fatos alegados pelas partes e os fundamentos admitidos ou inadmitidos (AURELLI,
2011, p.13-14)
656
5
Os pronunciamentos jurisdicionais previstos na legislação são as sentenças, as decisões interlocutórias e os
despachos, em consonância com o art. 203 do Código de Processo Civil de 2015. A lei classificou os
pronunciamentos do juiz de primeiro grau em despachos, decisões interlocutórias e sentenças, tendo observado
os nomes decisão monocrática e acordão para as decisões colegiadas dos tribunais.
6
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade
ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de
ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I -
deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de
competência aplicável ao caso sob julgamento; II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, §
1o.
7
Nenhum recurso pode prescindir de fundamentação, isto é, da demonstração racional dos erros da atividade
ou de julgamento. Com base nesse discrímen é que se faz necessária a classificação dos recursos. Trata-se
daquela que os agrupa em recursos com fundamentação livre e recursos de fundamentação vinculada. Na
primeira classe, a parte, para ter admitido seu recurso tem de invocar o erro indicado na lei como relevante e
demonstrar sua efetiva ocorrência para vê-lo provido. Em termos mais científicos “A tipicidade do erro é pois,
pressuposto de cabimento do recurso”. Nos recursos de fundamentação livre, o cabimento não depende do tipo
de crítica que o recorrente faz à decisão, dependerá de outras circunstâncias, um exemplo, é o recurso de
apelação. No que diz respeito à fundamentação vinculada, se tem como exemplo os embargos de declaração,
recursos cujo âmbito de cognição é sabidamente restrito, somente aquelas hipóteses previstas em lei
(OLIVEIRA, 1999, p. 42).
657
2.1 Contraditório
8
Faz tempo que a sanção do erro material por meio dos embargos declaratórios tem sido aceita, malgrado a
ausência de previsão legal expressa. O Código de Processo Civil de 2015 referenda essa aceitação trazendo
segurança as partes. Torna-se indiscutível a pertinência dos embargos declaratórios para a veiculação de erro
material (BONDIOLI, 2015, p. 153).
9
“Considera-se erro material todo erro evidente, no sentido de ser facilmente verificável por qualquer homo
medius e que, obviamente, não tenha correspondido à intenção do juiz. Em havendo qualquer dificuldade em
demonstrar a percepção do erro, este descaracteriza-se como erro material, e como tal não pode ser corrigido
por mera petição ou pela interposição de embargos de declaração” (ALVIM, 2016, p. 38).
10
Art. 1.023. [...] § 2o O juiz intimará o embargado para, querendo, manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias,
sobre os embargos opostos, caso seu eventual acolhimento implique a modificação da decisão embargada.
658
Já previa o Código de Processo Civil de 1973, que o prazo para oposição dos
embargos declaratórios é diferenciado em relação aos demais recursos, qual seja, de 5 (cinco)
dias, contados da publicação do julgado11.
Conforme previsão legal do diploma processual civil de 2015, os embargos de
declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso.12
Não obstante, com alguma frequência tem sido sustentado que a interrupção do prazo
recursal pressupõe o conhecimento dos embargos de declaração, certo é que a interrupção
do prazo resultante da interposição dos embargos declaratórios não se esvazia qualquer que
seja o resultado do recurso, salvo se forem opostos a destempo.
O reconhecimento da não interrupção, somente, pode defluir da intempestividade dos
embargos de declaração. A intempestividade constitui-se em fato objetivo, de fácil e direta
verificação por todos os que participam do feito, como sujeitos parciais ou como sujeito
imparcial (CARDILLO, 2001, p. 32).
Para Pedro Sobrinho Porto Virgolino (2012, p. 390-391), o Superior Tribunal de
Justiça já decidiu que os embargos declaratórios intempestivos não interrompem o prazo
para outro recurso. A Corte Especial firmou jurisprudência no entendimento de que apenas
nos caso de intempestividade dos embargos não haverá efeito interruptivo. Dita
jurisprudência é fundamentada em três premissas: 1) no fato da lei não exigir que o recurso
11
Art. 1.023. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz, com indicação
do erro, obscuridade, contradição ou omissão, e não se sujeitam a preparo.
12
Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a
interposição de recurso.
659
seja conhecido para produzir o efeito interruptivo (art. 538 do CPC); 2) na necessidade de
preservar esse efeito como meio de resguardar a segurança jurídica, já que na maioria das
vezes, o embargante não tem como saber de antemão se o recurso será admitido; 3) na
preclusão temporal operada pelo decurso in albis do prazo dos embargos, o que,
excepcionalmente, justifica a não produção do efeito interruptivo (BRASIL, 2004a; 2015b).
Quanto ao julgamento dos embargos de declaração, dúvida não há acerca da análise
de mérito quando da constatação de omissão de questão relevante ou obscuridade capaz de
comprometer-lhe a compreensão, ou ainda contradição capaz de prejudicar seu cumprimento
ou eficácia.
A dúvida existe quando o magistrado afirma a não ocorrência de omissão,
obscuridade ou contradição em seu julgado rejeitando os embargos, mesmo quando haja
feito constar na decisão que deles não conhece.
Para Barbosa Moreira (1999, p. 545) os embargos de declaração são apreciados no
mérito quando o órgão julgador diz que não existe a apontada omissão, contradição ou
obscuridade, como quando reconhece o defeito e o supre. Em qualquer dessas hipóteses
admitiu-se os embargos declaratórios, provendo-os ou não.
Em conformidade com o referido autor, adotar tese diversa seria um equívoco. Visto
que a intenção do legislador não foi de interromper o prazo recursal somente nos casos de
acolhimento dos embargos.
Daí considerar sempre e invariavelmente que os embargos de declaração que não
tenham sido admitidos ou recebidos, exsurgirá a consequência de ter-se como não
interrompido o prazo que, inobstante os embargos, teria continuado a fluir solto e
desembaraçado, vai um passo muitíssimo extenso, não autorizado por lei (CARDILLO,
2001, p. 32).
A interrupção é a regra que emana do Estatuto Processual Civil, segundo o qual “os
embargos de declaração não possuem efeitos suspensivo e interrompem o prazo para
interposição de recurso” (art. 1.026, caput, do Código de Processo Civil de 2015). Aplicar,
sob a previsão legislativa, orientação diversa da lei processual não se afigura aceitável. Visto
que instaurar-se-ia uma autêntica loteria judiciária, a depender exclusivamente do
subjetivismo do julgador e, ao mesmo tempo menosprezando a força inerente do texto legal
(CARDILLO, 2018, p. 255).
Leciona sobre a matéria Roberto Mortari Cardillo (2018, p. 256-258):
660
13
Em consonância com a previsão do CPC/2015 acerca dos embargos de declaração, igualou-se o rito
sumaríssimo no que tange à interrupção do prazo no momento da oposição dos embargos, ao considerar que o
prazo poderá ser interrompido tanto na norma atinente aos Juizados Especiais, que tinham orientação diversa,
como pela Lei geral, evitando, assim, equívocos processuais. Tal mudança foi de grande importância, visto que
ajudará a evitar que os profissionais de Direito cometam erros acerca da forma de contagem dos prazos
processuais, ao serem aplicados os institutos da interrupção e da suspensão.
14
Para Antonio Carlos Matteis de Arruda (2002, p. 217-218), “Como se trata de interrupção, isto significa que
o prazo já se escoou, após o proferimento da decisão obscura, contraditória ou omissa, em sendo interposto
Embargos de Declaração, é cancelado na íntegra – retornando o marco zero para ser contado novamente, desde
o início, logo após o julgamento e efetiva publicação da nova decisão, proferida nos Embargos de Declaração.
A interrupção do prazo vale para o embargante, embargos e para terceiros prejudicados e até para o Ministério
Público (CPC, art. 499) virem a interpor os recursos sequenciais cabíveis. Assim, todos os prazos dos demais
recursos cabíveis ficam sobrestados e só terão início, após a publicação da nova decisão, dos Embargos de
Declaração, para todas as partes e demais pessoas que possa ou tenham interesse em recorrer, da decisão
anterior”.
661
obscuridade, a parte embargante, sem poder contar com o acolhimento dos seus embargos
declaratórios, teria que interpor o recurso futuro conjuntamente com os embargos,
contrariando, assim, o intuito legislativo e a organicidade processual15.
Dessa forma, poderia abrir-se exceção, como já referido acima, tão-somente, para os
casos de embargos de declaração manifestamente intempestivos, quando sem qualquer
dúvida razoável (pela indiscutibilidade do dies a quo) já ultrapassado o prazo recursal e,
dessa forma, caracterizada uma litigância protelatória ou de má-fé (CARNEIRO, 2001, p.
09).
A questão que também surge dessa sistemática diz respeito ao fato de que, muitas
vezes, a parte contrária não tem ciência da oposição dos embargos declaratórios pela outra
parte, pelo que apresenta recurso que entende cabível, independentemente daquela oposição.
Nessas hipóteses, dúvida consiste em saber se a parte contrária, após a decisão acolhendo os
embargos de declaração, poderá ofertar recurso novamente ou, pelo menos, complementar o
arrazoado já interposto.
Na vigência do diploma processual de 1973, em que não havia disposição expressa
quanto à matéria, a doutrina era praticamente unânime no sentido de que a parte contrária,
por exceção ao princípio da consumação, poderia complementar o recurso já interposto,
ofertando impugnação relativa à parte declarada posteriormente pelo magistrado, em razão
dos embargos (AURELLI, 2011, p. 24).
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, proferiu a Súmula 418, no sentido de que,
nessa hipótese, inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acordão
dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.
Contudo, veio o Código de Processo Civil de 2015 a positivar essa questão, em caso
de acolhimento dos embargos declaratórios que implique em modificação da decisão
15
Um dos 5 (cinco) objetivos propostos pela Comissão de criação do Código de Processo Civil de 2015 na
exposição de motivos: “Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo
Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por
cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal;
2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à
causa; 3)simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o
recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; 5) finalmente, sendo
talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior
grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão” (BRASIL, 2015a).
662
embargada, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem
o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação16.
E mais, se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão
do julgamento anterior, o recurso interposto pela parte contrária antes da publicação do
julgamento dos embargos será processado e julgado independentemente de ratificação17.
Como já referido acima, a oposição dos embargos de declaração traz como efeito
imediato a interrupção do prazo para a interposição de outros recursos. Diante dessa
característica, algumas partes se utilizam dos embargos com a finalidade de ganhar tempo
até o manejo do recurso principal.
Para esses casos, em que não se apresentam os vícios necessários a sua apresentação,
os embargos são considerados como protelatórios ou procrastinatórios18 e ensejam a
condenação ao pagamento de multa para aquele que os opôs, em valor não excedente a 2%
(dois por cento) sobre o valor da causa19.
O mesmo artigo prevê, ainda, que em caso de reiteração e mantida a intenção de
protelar o feito, a multa poderá ser elevada ao patamar de até 10% (dez por cento), mantida
a mesma base de cálculo, ficando condicionada a interposição de qualquer recurso ao
depósito prévio da multa arbitrada20.
16
Art. 1.024. [...] § 4o Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão
embargada, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o direito de
complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado
da intimação da decisão dos embargos de declaração. [...]
17
Art. 1.024. [...] § 5o Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do
julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de
declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.
18
“Os embargos de declaração serão manifestamente procrastinatórios quando utilizados com o único fim de
ampliar o prazo para interposição de outros recursos ou, simplesmente, adiar o fim do processo “
(VIRGOLINO, 2012, p. 394). Para Luiz Guilherme Bondioli (2005, p. 276-277), “A aferição desse exclusivo
escopo passa pela caracterização do dolo do embargante, no sentido de querer deliberada e exclusivamente
protelar o andamento do feito. Esse querer protelar não pode ser presumido; deve-se manifestar de forma
flagrante e inequívoca e ter apoio em elementos objetivos e seguros, sempre analisados à luz do caso concreto”.
Não há necessidade de provar o dolo do embargante. Basta que da análise do recurso se conclua que a
impugnação não se presta a outro fim que não retardar a marcha processual. Importante é aferir se o embargante
pode obter algum benefício com a procrastinação do feito.
19
Art. 1.026. [...] § 2o Quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal,
em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por
cento sobre o valor atualizado da causa [...].
20
Art. 1.026. [...] § 3o Na reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa será
elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, e a interposição de qualquer recurso ficará
663
O substantivo reiteração não é utilizado em sentido literal no texto legal, mas sim
como sinônimo de reincidência. Portanto, não exige, que a parte renove, repita os
mesmos embargos já considerados protelatórios. Basta que, depois de já ter oposto
embargos assim considerados, torne a, no mesmo processo, interpor outros
embargos, ainda que de outra decisão, que sejam também reputados protelatórios.
Ou seja, basta que incida novamente (reincida) na mesma prática censurável.
22
A multa deverá ser aplicada sobre o valor da causa, sendo este, devidamente corrigido.
23
Vale ressaltar a importância de julgado do STJ com “interpretação restritiva” no Recurso Especial n.
1.129.590, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em outubro de 2011, em que entendeu o
julgador pela leitura restritiva do parágrafo único do art. 538, segunda parte, do Código de Processo Civil de
1973, que condiciona ao prévio depósito da multa a “interposição de qualquer outro recurso” alcançando o
termo “qualquer outro recurso” apenas aqueles pertencentes a mesma cadeia recursal.
665
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 3 ed. São Paulo: RT, 2011.
667
AURELLI, Arlete Inês. Aspectos polêmicos dos embargos de declaração. In: NERY
JÚNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Celina Arruda (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais
dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 12, p. 11-
29.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 4 ed. Vol.
V. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 8. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1999.
BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Embargos de declaração. São Paulo: Saraiva, 2005.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Dos embargos de declaração e seu inerente efeito interruptivo
do prazo recursal. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: 2001,
n. 10, p. 05-09.
LIMA, Elizabeth Agra Duarte de. Dos embargos de declaração – uma abordagem lato sensu
acerca das inovações trazidas com o novo CPC -, dos efeitos interruptivo, suspensivo,
modificativo, prequestionador e do caráter protelatório do recurso. Revista de Direito da
ADVOCEF, Londrina, v. 12, n. 24, p. 127-144, maio 2017.
Resumo: O atual Código de Processo Civil trouxe diversas alterações para prática
processual civil, uma delas foi a inovação no procedimento de tutela provisória. Pretende-se
fazer um breve apanhado acerca do histórico da tutela provisória, anteriormente chamada de
antecipação de tutela. Verificar a aplicação jurídica da tutela provisória, conceituando cada
uma de suas espécies, demonstrando os requisitos gerais e específicos que devem ser
observados para o seu requerimento. A análise será realizada através de pesquisa
bibliográfica, utilizando-se de doutrinas e legislações conforme o método dedutivo.
1 INTRODUÇÃO
1
Graduada em Direito pela Universidade da Região da Campanha em 2014. Pós-Graduada em Direito
Processual Civil pela Universidade de Santa Cruz do Sul em 2018. Advogada, OAB/RS 114.773. Endereço
eletrônico: lizandra.dr@live.com
670
2
PEREIRA, A. F. S. A efetividade da tutela antecipada de evidência no estado democrático de direito.
Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda, v. 12, 2016.
3
GONÇALVES, M. V. R. Novo curso de direito processual civil. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2015
671
embora o juiz ainda não tenha reunido elementos suficientes para o julgamento definitivo de
procedência”4.
Além disso, com a alteração do Código de Processo Civil, observou-se uma nova
sistemática para a tutela provisória, visto que foi possível observar a fusão da tutela
antecipada e das medidas cautelares, as quais passaram a fazer parte do procedimento da
tutela provisória, não mais possuindo livro específico e procedimento autônomo, conforme
diploma processual anteriormente vigente.
Outrossim, a antecipação de tutela além de passar a ser chamada de tutela provisória,
também foi dividida em duas espécies: tutela de urgência, a qual, por sua vez, é subdividida
em tutela de urgência cautelar e tutela de urgência antecipada; e tutela de evidência.
Conforme ensinamentos de Gonçalves, a tutela provisória poderia ser definida como
“a tutela diferenciada, emitida em cognição superficial e caráter provisório, que satisfaz
antecipadamente ou assegura e protege uma ou mais pretensões formuladas, em situação de
urgência ou nos casos de evidência”5.
No Código de Processo Civil de 1973 podíamos verificar procedimento autônomo
das medidas cautelares, ou seja, além da ação principal, poderia ser ajuizado procedimento
cautelar, o qual deveria ser instaurado antes ou no curso do processo principal, de modo
apartado e com dependência aos autos principais, consoante artigo 796 do diploma
mencionado.
Entre as medidas cautelares, estavam os procedimentos cautelares específicos, quais
sejam: arresto; sequestro; caução; busca e apreensão; exibição; produção antecipada de
provas; alimentos provisionais; arrolamento de bens; justificação; protestos, notificações e
interpelações; homologação de penhor legal; posse em nome de nascituro; atentado; do
protesto e da apreensão de títulos, e ainda, outras medidas provisionais previstas no artigo
888 do Código de Processo Civil de 1973.
Além disso, o artigo 798 do Código Processual anterior, também previa a
possibilidade de o juiz determinar outras medidas provisórias que julgasse adequadas,
observando fundado receio de que uma parte, antes do término da lide, pudesse causar ao
direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
4
WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil. 16ª. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 2, 2016, p. 861.
5
GONÇALVES, M. V. R. Direito processual civil esquematizado. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 454.
672
6
TARTUCE, F.; DELLORE, L. Manual de prática civil. 13ª. ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Forense, Método,
2017. rev. e atual, p. 149.
7
THEODORO JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil. 57ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2016.
revista, atualizada e ampliada
673
8
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 01 de setembro de 2020.
9
WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil. 16ª. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 2, 2016
10
DIDIER JÚNIOR, F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. D. Curso de direito processual civil. 11ª. ed.
Salvador: JusPodivm, v. 2, 2016, p. 587.
674
A tutela provisória pode ser concedida in limine litis (liminarmente), ou seja, antes
mesmo da citação e manifestação – de qualquer ordem – do réu. No entanto, a
liminar não é a espécie de medida requerida pela parte, como, em não raras
oportunidades, se verifica no cotidiano forense, mas, sim, momento em que uma
medida – no caso, a tutela provisória – é concedida: no limiar do processo. Em
suma, a tutela provisória pode ser requerida liminarmente; porém, seu julgamento
não necessariamente será decidido em caráter liminar 13.
Dessa forma, mesmo que não ocorra o deferimento da tutela provisória de modo
liminar pelo magistrado, pode ocorrer nova análise durante a tramitação do processo, bem
como posteriormente, inclusive em fase recursal, caso futuramente estejam preenchidos os
requisitos necessários.
11
THEODORO JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil. 57ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2016.
revista, atualizada e ampliada
12
WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil. 16ª. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 2, 2016
13
CAMBI, E. Curso de Processo Civil Completo. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2017, n.p p.
675
Outros aspectos importantes sobre a tutela provisória são refletidos na forma de sua
efetividade, possibilidade de sua revogação e cessação de sua eficácia.
Na forma do artigo 297 do Código de Processo Civil: “O juiz poderá determinar as
medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela provisória”14. Ainda, o
parágrafo único do artigo acima mencionado, menciona que a efetivação observará as
normas relativas ao cumprimento provisória de sentença, no que couber.
Conforme ensinamentos de Nery Júnior e Nery:
Resta inalterado o poder geral cautelar, conferido ao juiz pelo CPC 297. Mas isso
já poderia ser deduzido a partir do fato de que não há mais especificação de
procedimentos cautelares para determinados casos, de forma que as possibilidades
são amplas tanto para o jurisdicionado como para o juiz. Sobre tutela da urgência
e da evidência e o poder público 15
14
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 01 de setembro de 2020
15
NERY JÚNIOR, N.; NERY, R. M. D. A. Código de processo civil comentado. 3ª. ed. São Paulo: Thomsom
Reuters Brasil, 2018. Disponivel em:
<https://proview.thomsonreuters.com/title.html?redirect=true&titleKey=rt%2Fcodigos%2F113133203%2F
v17.13&titleStage=F&titleAcct=i0ace3e340000016220a49ac4070be36b#sl=e&eid=902b83057ae75e98d9f4
6b2543d634f1&eat=&pg=&psl=&nvgS=false>. Acesso em: 07 Maio 2018, p. n.p.
16
NEVES, D. A. A. Manuel de Direito Processual Civil. 8ª. ed. Salvador: JusPodvim, v. único, 2016, p. 817.
676
17
Art. 296. A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo,
ser revogada ou modificada. Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a tutela provisória
conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo.
18
GONÇALVES, M. V. R. Direito processual civil esquematizado. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 463.
19
Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a
efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for desfavorável; II - obtida
liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no
prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz
acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.Parágrafo único. A indenização será
liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.
20
THEODORO JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil. 57ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2016.
revista, atualizada e ampliada, p. 659.
677
Portanto, não ocorrendo o deferimento com base nas provas trazidas pela parte
postulante, ou ainda, tendo o requerente dado razões a extinção, não poderá com base nas
mesmas provas apresentadas requerer novamente a tutela.
[...] vale lembrar que, no Código de Processo Civil de 1973, os artigos que previam
a concessão da tutela antecipada sem o requisito da urgência não eram
classificados separadamente como tutela antecipada de evidência. No Código de
Processo Civil de 1973, havia a possibilidade de concessão da tutela antecipada
sem o requisito de urgência na hipótese do artigo 273, caput e inciso II ( prova
inequívoca, verossimilhança das alegações e abuso do direito de defesa ou
manifesto intuito protelatório do réu) e na hipótese do artigo 273, § 6º ( quando
parte dos pedidos do autor forem incontroversos, ou seja, não impugnados pela
parte contrária 21
21
PEREIRA, A. F. S. A efetividade da tutela antecipada de evidência no estado democrático de direito. Rio de
Janeiro: Lumen Juris Ltda, v. 12, 2016, p. 105.
22
THEODORO JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil. 57ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2016.
revista, atualizada e ampliada
678
Nesse caso, caberá a parte requerente demonstrar os atos protelatórios e/ou o abuso
de defesa, assim como demonstrar a evidência de seu direito, trazendo elementos que
amparem seu pedido.
Ainda, importante salientar que a medida não é deferida apenas em benefício da parte
autora, pois também pode ser concedida em favor da parte demandada, visto que os atos
protelatórios podem ser igualmente praticados pela parte requerente, assim como a
demonstração de evidências do direito podem ser apresentadas pela parte requerida 23.
Ainda, na concepção de Mitidiero24:
O art.311, I, CPC, deve ser lido como uma regra aberta que permite a antecipação
da tutela sem urgência em toda e qualquer situação em que a defesa do réu se
mostre frágil diante da robustez dos argumentos do autor- e da prova por ele
produzida- na petição inicial. Em suma: toda vez que houver apresentação de
defesa inconsistente.
Desse modo, o procedimento do inciso I, acima mencionado, visa atender aos anseios
da parte referente ao direito evidente apresentado de modo sumário, cujo andamento moroso
do processo e o comportamento da parte contrária trariam significativos prejuízos, caso fosse
aguardado o provimento da tutela final.
Por sua vez, o artigo 311, inciso II do Código de Processo Civil dispõe que pode
ocorrer a concessão da tutela de evidência quando “as alegações de fato puderem ser
comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos
repetitivos ou em súmula vinculante”.
Neste caso, denota-se que o legislador optou por restringir a hipóteses de produção
de prova, limitando a parte a produzir prova documental para demonstrar o direito evidente.
Conforme Didier Júnior, Braga e Oliveira25, a tutela de evidência necessita do
preenchimento de dois requisitos, quais sejam:
a) o primeiro deles é a existência de prova das alegações de fato da parte requerente [...]
i)necessariamente documental ou documentada [...] ii) recair sobre fatos que justificam o
nascimento do direito afirmado [...] Esse pressuposto é desnecessário quando o fato gerador
do direito não depender de prova [...] como fato notório, o fato confessado, o fato
incontroverso, o fato presumido.
23
ALVIM, J. E. C. Nova tutela provisória. Curitiba: Juruá, 2016.
24
MITIDIERO, D. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. Da tutela cautelar à técnica antecipatória. 3º. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. rev., atual. e ampl, p. 160.
25
DIDIER JÚNIOR, F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. D. Curso de direito processual civil. 11ª. ed.
Salvador: JusPodivm, v. 2, 2016, p. 637.
679
Desta maneira, a parte que pretenda postular a tutela de evidência com fundamento
no artigo 311, II do Código de Processo Civil deverá preencher os requisitos necessários
para sua concessão, conforme mencionado acima.
Ademais, de acordo com inciso III, do artigo 311 do Código de Processo Civil,
poderá ser concedida a tutela de evidência quando “se tratar de pedido persecutório fundado
em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem
de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”.
Conforme Mitidiero26:
A hipótese do inciso III do art. 311, CPC, consiste em permitir tutela antecipada
com base no contrato de depósito- trata-se de hipótese que veio tomar o lugar do
procedimento especial de depósito previsto no direito anterior. Estando
devidamente provado o depósito (arts. 646 e 648, CC), tem o juiz que determinar
a entrega da coisa.
26
MITIDIERO, D. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. Da tutela cautelar à técnica antecipatória. 3º. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. rev., atual. e ampl, p. 160.
680
Dessa forma, para análise dos requisitos da tutela de urgência caberá ao juiz verificar
se a parte demonstrou a ocorrência de risco ao resultado útil do processo ou perigo de dano,
ou seja, a parte deverá demonstrar que poderá ocorrer prejuízos ao final da demanda caso
não sejam tomadas medidas que assegurem a possibilidade de alcance ao objeto da demanda
em eventual procedência do pedido.
Ressalta-se que as tutelas de urgências podem ser pleiteadas de forma incidental, ou
seja, durante a tramitação do processo ou em conjunto com seu ajuizamento, ou ainda, de
forma antecedente, ou seja, preliminarmente ao ajuizamento do pedido principal, o qual será
realizado nos mesmos autos posteriormente.
27
WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil. 16ª. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 2, 2016, p. 452
28
DIDIER JÚNIOR, F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. D. Curso de direito processual civil. 11ª. ed.
Salvador: JusPodivm, v. 2, 2016, p. 626
681
Desse modo, caso a parte necessite de urgência na proteção, mas não deseje ou não
possua condições de apresentar o pedido principal, é facultado a ela promover o
requerimento cautelar preparatório 29.
Na forma do artigo 305 do Código de Processo Civil, “a petição inicial da ação que
visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento,
a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo”.
Ademais, o diploma processual civil em seu artigo 301 enumera algumas formas de
efetivação da tutela cautelar, quais sejam, arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro
de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do
direito.
Caberá ao juiz efetuar a análise do requerimento da tutela, e, estando preenchidos os
requisitos para recebimento da inicial e para o deferimento da tutela cautelar deverá
determinar o cumprimento da medida e a citação do réu, observando que o prazo para
contestar é de 05 (cinco) dias, na forma do artigo 306, do Código de Processo Civil.
Ainda, destaca-se a possibilidade de o magistrado não conceder a tutela de modo
liminar, ou seja, de imediato, sendo facultado a ele a designação de audiência de justificação,
caso a prova documental apresentada pela parte autora não tenha sido hábil para o
convencimento do juiz. Neste momento serão ouvidos autor e testemunhas.30
Não havendo apresentação de contestação, caberá ao magistrado decidir no prazo de
05 (cinco) dias, visto que presumir-se-ão verdadeiros os fatos alegados pela parte
demandante (artigo 307, CPC). Apresentada contestação, o processo prosseguirá observando
o rito comum (parágrafo único, artigo 307, CPC).
Importante ressaltar que será observado no procedimento da tutela cautelar
antecedente, a efetividade da medida concedida pelo juízo, visto que não havendo o seu
cumprimento por desídia da parte autora, no prazo de 30 dias, será cessada sua eficácia.
Por outro lado, efetivada a tutela, contar-se-á o prazo de 30 (trinta) dias para o
requerente postular a tutela definitiva satisfativa, caso já não tenha o feito com a inicial, sob
29
WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil. 16ª. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 2, 2016
30
WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil. 16ª. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 2, 2016
682
pena de cessação da medida cautelar, bem como extinção do feito sem julgamento de
mérito31. Ainda, para Gonçalves 32:
Se o pedido principal for formulado após o prazo de trinta dias, nem por isso o juiz
deverá indeferi-lo. A perda do prazo não impedirá a apresentação do pedido
principal, mas implicará a perda de eficácia da tutela cautelar, que o juiz
pronunciará de ofício, determinando a cessação dos efeitos da medida.
31
DIDIER JÚNIOR, F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. D. Curso de direito processual civil. 11ª. ed.
Salvador: JusPodivm, v. 2, 2016.
32
GONÇALVES, M. V. R. Direito processual civil esquematizado. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 501 e
502.
33
DIDIER JÚNIOR, F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. D. Curso de direito processual civil. 11ª. ed.
Salvador: JusPodivm, v. 2, 2016, p. 629.
683
34
TARTUCE, F.; DELLORE, L. Manual de prática civil. 13ª. ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Forense, Método,
2017. rev. e atual.
684
ausência de pedido acerca da tutela final, deferimento pelo magistrado da tutela satisfativa
antecedente, e por última ausência de impugnação pelo requerido35.
Dessa forma, não havendo recurso da parte demandada, tornar-se-á estável a decisão,
ocorrendo a extinção do processo, na forma do § 1º do artigo 304 do Código de Processo
Civil.
Nos ensinamentos de Mitidiero:
A questão que ora mais interessa, porém, está ligada a hipótese em que a tutela
antecipada é deferida, ocorre o aditamento da petição inicial pelo autor e é
cientificado o réu da decisão que concede a tutela sumária. Isso porque o processo
só prosseguirá rumo à audiência de conciliação e mediação, se o réu interpuser
agravo de instrumento contra a decisão que antecipou a tutela (art.304). Se não o
fizer, a decisão torna-se estável e o processo é extinto (art. 304,§§ 1º, 3º, 5º e 6º).
Vale dizer: o juízo a respeito da tutela antecipada permanece procedimentalmente
autônomo e a decisão provisória torna-se estável. Com isso incentivado pela
doutrina, o legislado logra intento de autonomizar e estabilizar a tutela antecipada
36
.
35
DIDIER JÚNIOR, F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. D. Curso de direito processual civil. 11ª. ed.
Salvador: JusPodivm, v. 2, 2016.
36
MITIDIERO, D. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. Da tutela cautelar à técnica antecipatória. 3º. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. rev., atual. e ampl, p. 145.
37
DIDIER JÚNIOR, F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. D. Curso de direito processual civil. 11ª. ed.
Salvador: JusPodivm, v. 2, 2016
38
THEODORO JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil. 57ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2016.
revista, atualizada e ampliada., p. 677.
685
Para Gonçalves39:
Ainda, para que possa ocorrer a revisão da tutela concedida e estabilizada será
necessário demandar nova ação, pois tendo ocorrido a extinção da ação anterior, somente
com o ajuizamento de nova demanda, e por decisão de mérito poderá alterada a estabilidade
já concedida.
Dessa forma, a única forma de reverter a estabilização da tutela, seja para a parte
requerida ou até mesmo para a parte autora, será o ajuizamento de nova demanda, sendo
facultada a qualquer das partes solicitar o desarquivamento dos autos em que foi concedida
a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2o, ficando prevento o
juízo em que a tutela antecipada foi concedida, conforme artigo 304, § 4º do Código de
Processo Civil.
Ante o exposto, constata-se que ambas as tutelas, antecipada ou cautelar, possuem a
função de garantir o exercício do direito pela parte que, no final da lide obtenha a
procedência da demanda, visto que poderá a mesma exercer o direito mediante antecipação
dos efeitos, ou ainda, ao final restará integro o objeto da demanda para lhe ser alcançado.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
39
GONÇALVES, M. V. R. Direito processual civil esquematizado. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016., p. 493
686
REFERÊNCIAS
CAMBI, E. Curso de Processo Civil Completo. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda,
2017.
n.p p.
GONÇALVES, M. V. R. Novo curso de direito processual civil. 12ª. ed. São Paulo:
Saraiva, v. 1, 2015.
MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. Curso de processo civil. 2ª. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2016.
NERY JÚNIOR, N.; NERY, R. M. D. A. Código de processo civil comentado. 3ª. ed. São
Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2018. Disponivel em:
<https://proview.thomsonreuters.com/title.html?redirect=true&titleKey=rt%2Fcodigos%2F
113133203%2Fv17.13&titleStage=F&titleAcct=i0ace3e340000016220a49ac4070be36b#sl
=e&eid=902b83057ae75e98d9f46b2543d634f1&eat=&pg=&psl=&nvgS=false>. Acesso
em: 07 Maio 2018.
TARTUCE, F.; DELLORE, L. Manual de prática civil. 13ª. ed. Rio de Janeiro, São Paulo:
Forense, Método, 2017. rev. e atual.
THEODORO JÚNIOR, H. Curso de direito processual civil. 57ª. ed. Rio de Janeiro:
Forense, v. I, 2016. revista, atualizada e ampliada.
688
WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de processo civil. 16ª. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, v. 2, 2016.
689
INTRODUÇÃO
1
Advogada, OAB/RS 120.875. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário da Região da Campanha
(URCAMP). Pós-Graduanda em Direito Tributário pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) E-mail:
lorraynealves.adv@gmail.com
2
Advogada, OAB/RS 38.024. Especialista em Direito Constitucional, Família e Sucessões. Mestre em Direito
pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI). Docente do Curso de Direito da
URCAMP/São Gabriel. E-mail: marigleyaraujo@gmail.com
690
3
Redação fidedigna ao livro, escrito no ano de 1929.
692
Para Dimas Messias de Carvalho (2018, p. 41), embora o direito de família servisse
como instrumento que atendia interesses extrínsecos como a igreja e o Estado, as mudanças
ocorridas ao longo do último século tornou o direito de família mais privado do que nunca,
de forma que, atualmente, a família pode ser caracterizada por um grupo íntimo com uma
concepção eudemonista, segundo o autor “voltada para seu interior em busca da realização
mútua e pessoal”.
No mesmo sentido ensina Belmiro Pedro Walter (2003, p. 127-128) que as relações
familiares, após a Constituição Federal, tornaram-se funcionalizadas, ou seja, a
individualidade de cada integrante passou a ser fundamental na organização familiar. Assim,
o direito de família deve corresponder à tutela das comunidades intermediárias, levando em
consideração que a família moderna existe em função de seus integrantes, tendo o princípio
da dignidade humana como alicerce. Em virtude disso, deve-se reconhecer a importância
fundamental da afetividade, que é responsável pela manutenção das relações familiares
contemporâneas. Assim complementa o autor:
693
Por fim, o supracitado autor, destaca que a família recuperou sua mais importante
função, qual seja de servir como comunidade de laços afetivos e amorosos de forma a tutelar
os interesses e direitos fundamentais de seus integrantes, em detrimento de valores e
interesses patrimoniais, os quais passam a servir tão somente como meio de proporcionar
melhores condições de desenvolvimento das relações familiares.
Autores futuristas, em um passado próximo, já faziam especulações sobre essa nova
fase que seria vivenciada pela família. Alvin Toffler (1980, p.219), dentre suas diversas
teorias, afirmou em sua obra:
2 DA FILIAÇÃO
Carlos Maluf e Adriana Maluf (2013, p. 466) definem a filiação como “(...) o vínculo
que se estabelece entre pais e filhos, decorrente da fecundação natural ou inseminação
artificial – homologa ou heteróloga – assim como em virtude de adoção ou de uma relação
socioafetiva resultante da posse do estado de filho”.
Igualmente, Tartuce conceitua (2017, p. 248):
Ressalta Conrado Paulino da Rosa (2016, p. 248) que, atualmente, o vínculo paterno-
filial é caracterizado por uma relação horizontal, em que a afetividade se sobressai em
relação ao vínculo biológico, fator que chama atenção em razão da popularização e facilidade
dos exames que revelam a verdade biológica.
695
Segundo Paulo Lôbo (2015), toda a família é socioafetiva, porquanto constitui grupo
social considerado base da sociedade e unido na convivência afetiva. Todavia, a expressão
socioafetividade tem sido empregada no Brasil, em sentido estrito, para definir as relações
de parentesco não biológico, de parentalidade e filiação, com ênfase quando estas se
encontram em colisão com as relações de origem biológica.
Diversos são os dispositivos legais que servem de égide para legitimar o direito à
filiação socioafetiva, o qual ainda não encontra previsão expressa no ordenamento jurídico
brasileiro, em espacial, o artigo o artigo 1.593 do Código Civil, já mencionado, quando
define os tipos de filiação utiliza-se da expressão “outras origens”, motivo pelo qual houve
a edição do Enunciado 256 do Conselho da Justiça Federal “Art. 1.593: A posse do estado
de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.”
Maria Berenice Dias (2017, p. 55) destaca: “A expressão outra origem, constante no
art. 1.593 do Código Civil, é que ensejou o reconhecimento da filiação socioafetiva.”.
Ademais, o § 4º, do artigo 226, da Carta Magna, ao salientar que a comunidade fática
formada por qualquer dos pais e seus descentes constitui entidade familiar, demonstra a
importância dos laços afetivos na formação dos vínculos parentais, dando igual valor àqueles
constituídos por meio biológico, como se depreende do § 6º, do artigo 227 do mesmo
diploma legal.
Maria Berenice Dias (2017, p. 135) esclarece:
Nesse diapasão Gagliano e Pamplona Filho (2017), afirmam que no Direito Civil
moderno, o estabelecimento da filiação baseia-se principalmente na socioafetividade,
ficando o vínculo genético em segundo plano, de forma que se pode reconhecer a posse do
estado de filho, mesmo sem a ligação sanguínea, sendo que para relações consolidadas no
afeto ao longo do tempo, seria possível falar até mesmo em ação de investigação de
paternidade socioafetiva, que seria a maneira de promover o reconhecimento judicial da
posse do estado de filho nestas relações, de forma a exteriorizar a convivência familiar e a
afetividade.
698
Ainda, José Carlos Teixeira Giorgis (2007, p. 77) destaca que a paternidade
socioafetiva revela-se na posse do estado de filho, sendo indispensável para seu
reconhecimento a exteriorização pública do vínculo psicológico e social entre o filho e o
suposto pai, o que na doutrina romana consistia no nome, tratamento público e na fama, de
forma a indicar que aquela pessoa pertencia a determinado núcleo familiar. O autor
acrescenta que “Costuma-se até sublinhar que a posse do estado de filho observa o princípio
da aparência, oriunda do exercício das faculdades inerentes à linhagem, sustentada pela
convicção de publicidade.”
Fugita (2009, p. 114), acrescenta ainda a reputatio, que é o reconhecimento do filho
dentro da família pelos vizinhos. Assim não seria necessária a presença desses três elementos
simultaneamente, sendo que o critério de equidade seria “in dúbio, pro filiatio”. Todavia,
salienta que dentre os elementos, o tractatio seria de maior importância, sendo
imprescindível para configuração da posse do estado de filho.
Portanto, a filiação socioafetiva advém genuinamente da relação fática, motivo pelo
qual sua configuração está condicionada a demonstração de certos requisitos, os quais
sempre estarão presentes nesse tipo de relação, que é capaz de gerar o vínculo paterno-filial
de fato, tendo seu nascimento diretamente ligado ao afeto entre as partes envolvidas.
699
Nesse diapasão Belmiro Pedro Walter (2003, p. 85) ressalta que o direito ao
reconhecimento da filiação está diretamente ligado ao direito à cidadania, sendo este parte
integrante dos direitos e garantias fundamentais, todos intrinsicamente ligados pelo direito à
dignidade humana.
Complementa Fujita (2009, p. 104) que nos termos do §2º do artigo 5º da
Constituição Federal os direitos e garantias previstos não excluem outros decorrentes dos
princípios por ela adotados, logo o afeto estaria tacitamente incluso, eis que decorre do
princípio da solidariedade.
Rocha, Scherbaum e Oliveira (2018,p. 62) esclarecem que a afetividade está ligada
aos princípios constitucionais na medida que a base dos Direito Humanos consagrados pela
humanidade é formada pelo amor, a solidariedade e a tolerância frente ao respeito à
dignidade da pessoa humana.
700
Com o objetivo de responder essa pergunta, Julie Cristine Delinski (1997, p. 33)
ensina: “Normalmente o pai é o que dá a vida, é o pai que alimenta; mas essas duas
paternidades podem não coincidir e a evidência natural poderá ceder juridicamente, em favor
da realidade cultural.”.
Camilla de Araujo Cavalcanti (2016, p. 76) acrescenta que, com a valorização do
afeto na formação de novos laços familiares, sempre que estes existam simultaneamente com
outros, pode gerar a figura de dois pais, duas mães, etc, caracterizando, dessa forma, a
multiparentalidade.
A despeito do termo “multiparentalidade”, Davide Cerutti (2015, p. 50) pondera:
“Este sufixo – multi – revela uma diferença com o modelo clássico da família: bi-parental e
hetero-parental (um pai e uma mãe). A sociedade se abre ás novas figuras familiares”,
distinguindo assim a multiparentalidade da biparentalidade, que seria aquela exercida por
duas pessoas do mesmo gênero.
Esse fenômeno da desbiologização da paternidade tem sua principal origem nas
famílias recompostas, também chamadas de famílias reconstituídas, assim trata Christiano
Cassettari (2017, p. 44):
Rolf Madaleno (2018) diz que a família reconstituída é aquela originada através de
uma união estável ou um casamento, em que um ou ambos os cônjuges possuem filhos
provenientes de uma relação anterior.
Nesse sentido ensina Camilla de Araujo Cavalcanti (2016, p. 74):
Ocorre que, o vínculo familiar do filho com o pai ou a mãe biológica não se acaba
com o divórcio dos pais, pelo contrário, na maioria das vezes permanece forte, assim ensina
Conrado Paulino da Rosa (2013, p.75):
O fato de existir uma boa e proveitosa relação entre o enteado e seu padrasto ou
madrasta não impede a manutenção de um bom relacionamento com seus vínculos
originários. Ademais, tal quadro seria o ideal para todas as famílias que vivenciam
essa configuração.
Outrossim, cumpre destacar que ainda que não se se tenha conhecimento acerca da
paternidade biológica, o reconhecimento da socioafetividade não priva o filho da
investigação de sua origem biológica, nesse sentido concluiu Gomes (2015, p. 238):
efeitos jurídicos próprios”. Dessa forma, não há prejuízo ao filho, no sentido de ter que
escolher qual dos pais terá o nome escrito em seu registro.
Embora esse entendimento venha sendo utilizado nos tribunais, ainda não é possível
que o reconhecimento da multiparentalidade seja realizado diretamente nos cartórios
brasileiros. Em 17 de novembro de 2017 foi publicado no Diário da Justiça – CNJ – Edição
no 191/2017, o Provimento 63 de 14/11/2017, que regulamenta o reconhecimento da filiação
socioafetiva em cartório, todavia, essa possibilidade não se aplica ao filho que já possui o
registro de uma mãe e um pai biológicos, segundo decisão do CNJ de 18 de julho de 2018,
que esclareceu o tema, a pedido da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Ceará
(pedido de providências, n.º 0003325-80.2018.2.00.0000).
Portanto, o único meio para que se possa obter o reconhecimento da
multiparentalidade é através de processo judicial.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
integrantes que cada uma deles desenvolva as suas capacidades de forma plena, com
felicidade e realização pessoal.
Outrossim, isso não significa dizer que a origem biológica foi superada pelo direito
brasileiro. Na verdade ela continua sendo a mais tradicional forma de origem do parentesco,
todavia, dentro dos novos modelos de família, em especial a recomposta, vem ocorrendo o
fenômeno da multiparentalidade, em que o vínculo de filiação acaba sendo cumulado entre
dois tipos sobre o mesmo filho.
In casu, a doutrina majoritária entende pela possibilidade do reconhecimento da
pluralidade de vínculos de filiação. No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal,
tendo dado repercussão geral ao tema, no sentido de que o reconhecimento do socioafetivo
não priva o reconhecimento do vínculo biológico.
Portanto, considerando os argumentos acima trazidos somados ao princípio
constitucional da igualdade, descabido a distinção entre espécies de filiação. Também não
se pode afirmar que um tipo de vínculo paterno-filial é mais significativo que o outro e,
muito menos, fingir que a multiplicidade de vínculos inexiste.
Assim, o reconhecimento dos múltiplos vínculos parentais é o único caminho
possível, sob pena de ser violados princípios e direitos fundamentais personalíssimos
previstos na Constituição Federal.
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Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003.
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< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >. Acesso em: 09 de out. de
2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no RE n.º 898.060, Relator Min.
Luiz Fux. Julgado em 24/08/2017, DJE 23/08/2017. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciarepercussao/verAndamentoProcesso.asp?inciden
te=4803092&numeroProcesso=898060&classeProcesso=RE&numeroTema=622 >. Acesso
em: 26 de maio de 2019.
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crianca-pode-ter-duas-maes-biologicas-conselho-de-pma-nao-se-opoe-1771007>. Acesso
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707
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Único. São Paulo: Saraiva, 2017.
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708
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TARTUCE, Flávio. Direito Civil. v. 5: Direito de Família. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017.
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 17ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1980.
Resumo: O presente artigo busca tecer uma relação entre o direito à informação ambiental,
abordado a partir de elementos da teoria habermasiana, e o Cadastro Ambiental Rural,
instrumento criado pelo Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012), com a
finalidade de mapear a área rural brasileira, sendo assim uma ferramenta de suporte para o
planejamento ambiental, o monitoramento e o combate ao desmatamento. Utilizando
pesquisa bibliográfica, além dos elementos já mencionados, o artigo também busca destacar
a relação entre informação ambiental, participação e acesso à justiça, com o objetivo de
explicitar o arcabouço jurídico existente sobre o tema e sua aplicabilidade ao caso concreto
em tela, ou seja, o Cadastro Ambiental Rural e sua implementação.
1 INTRODUÇÃO
1
Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade
do Vale do Rio dos Sinos. Advogada OAB/RS 92.538. Bancária. E-mail: luizaoliboni2015@gmail.com
710
ou seja, a busca por verificar se o Cadastro Ambiental Rural pode ser considerado um
instrumento pautado no direito à informação ambiental.
Isso posto, o trabalho objetiva tratar do direito à informação na esfera ambiental, de
seu reflexo em relação aos aspectos supracitados (participação e acesso à justiça) e da
conexão existente entre esse direito e o Cadastro Ambiental Rural, instrumento instituído
pelo Código Florestal de 2012 (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012).
O Cadastro Ambiental Rural é definido por lei como um registro público eletrônico
de abrangência nacional, de caráter obrigatório para todos os imóveis rurais, possuindo a
principal finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais,
criando uma base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e
econômico, além de ser uma ferramenta para auxiliar no combate ao desmatamento.
Partir-se-á do conceito de informação para ingressar na seara ambiental e descrever
a importância e os reflexos da informação ambiental nesse âmbito. Posteriormente, será feita
a interligação desse princípio com a situação da criação e implementação do Cadastro
Ambiental Rural no Brasil.
A palavra “informação” pode assumir diversas acepções, entre elas o ato ou efeito de
informar-se; dados acerca de alguém ou de algo; conhecimento, participação; comunicação
ou notícia trazida ao conhecimento de uma pessoa ou público; instrução, direção; parecer
dado em processo, nas repartições públicas; conhecimento amplo e fundamentado, oriundo
da combinação e análise de diversos informes.2
Transpondo o conceito de informação especificamente para o âmbito jurídico,
Canotilho fala em direito à informação e afirma que este possui três dimensões, sendo elas
o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado. O primeiro direito
citado corresponde à liberdade de transmitir informações, ao passo que o segundo trata do
direito de não ser impedido de obter informações e o terceiro diz respeito ao direito de ser
informado pelo Poder Público e pelos meios de comunicação.3
2
INFORMAÇÃO. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua
portuguesa. 4.ed. Curitiba: Positivo, 2009. p. 1104.
3
CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 3. ed. rev.
Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 225-226.
711
Machado4, por sua vez, lista doze diferentes conceitos de informação. São eles a
informação como o registro do que existe5; informar como transmissão de conhecimento6;
informação como criadora de conhecimentos7; informação e curiosidade8; informação e
espionagem9; informação e devassa10; informação e comunicação11; informação e sua
manipulação12; informação e liberdade de expressão e de opinião 13; informação e relações
humanas14; informação e tecnologia da informação15; informação e participação16.
Dentro da delimitação proposta neste artigo, destaca-se que a informação está
diretamente ligada à participação. A última acepção tratada por Machado, portanto, é a que
4
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p.
25-35.
5
A informação organiza os dados existentes, de modo que eles não fiquem dispersos. (MACHADO, Paulo
Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 26).
6
É o ato de dar ciência de um ato existente. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio
ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 26).
7
Ao receber a informação, é possível, através do estudo, da comparação ou da reflexão, criar novos saberes.
(MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p.
27).
8
A curiosidade não tem um propósito deliberado de conquistar um conhecimento específico, mas pode levar à
obtenção de informações. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 27).
9
Espionagem é a busca da informação que é vedada pela lei ou pelos costumes. O direito à informação não se
confunde com manobras para dela se apossar por atos ocultos ou enganadores. (MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 28).
10
Devassa é a busca de informação de modo invasivo ou até hostil. (MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 28).
11
A informação é o conteúdo dos fatos e a comunicação diz respeito ao procedimento de transmissão do
conteúdo, havendo um envolvimento entre o emitente e o receptor da informação. (MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 29).
12
A manipulação é o direcionamento da transmissão da informação, utilizando-se de artifícios ou manobras.
Pode ter origem em governos ou no setor privado e, nessa situação, não se recusa a informação, mas ou ela não
é transmitida na sua integralidade ou não é aprofundada. Também pode ser transmitida de forma seletiva ou
em grande quantidade, de modo a não deixar tempo para a reflexão. (MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006).
13
A liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais imprescindíveis, pois na sua ausência, quem produz
ou emite a informação não pode garantir a idoneidade e a veracidade desta. Além disso, sem liberdade, a própria
organização das informações fica comprometida, pela existência de pressão constante para deturpar o conteúdo
dos fatos e mensagens. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 31-32).
Não obstante a importância da liberdade de expressão e de opinião, bem como da consequente liberdade de
informação, o autor faz a ressalva de que essas liberdades ficam incompletas se não houver também liberdade
de participação.
14
Diz respeito às situações em que a transmissão da informação tem um papel fundamental, tais como a relação
entre professor e aluno ou a relação entre médico e paciente. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à
informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 32).
15
Diz respeito ao modo como a informação vem sendo empregada em sua relação com as tecnologias do mundo
contemporâneo e com as expectativas e ações do ser humano nesse contexto. (MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 33-34).
16
A participação, através do engajamento político ativo dos cidadãos é de fundamental importância e deve ser
vista como aliada do Poder Público e não como elemento substitutivo de sua atuação. (MACHADO, Paulo
Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 34-35).
712
terá maior ênfase ao longo deste capítulo. Em sua exposição sobre a relação da informação
com a participação, ele destaca:
A qualidade e a quantidade de informação irão traduzir o tipo e a intensidade da
participação na vida social e política. Quem estiver mal informado nem por isso
estará impedido de participar, mas a qualidade de sua participação será
prejudicada. A ignorância gera apatia ou inércia dos que teriam legitimidade para
participar.17
17
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006,
p. 34.
18
SARLET, Ingo Wolfgang. MACHADO, Paulo Affonso Leme. FENSTERSEIFER, Tiago. Constituição e
legislação ambiental comentadas. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 203.
19
SARLET, Ingo Wolfgang. MACHADO, Paulo Affonso Leme. FENSTERSEIFER, Tiago. Constituição e
legislação ambiental comentadas. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 203.
20
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
exercício profissional.
21
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de
interesse pessoal.
713
ambiental, o direito e o dever da informação estão contidos no artigo 225, que em seu
parágrafo 1º, IV, estabelece a necessidade de se dar publicidade ao estudo prévio de impacto
ambiental e no inciso VI do mesmo parágrafo, dispõe sobre a promoção da educação
ambiental e da conscientização pública para a proteção do meio ambiente.22
Para Gome e Simioni23, a realização prática do princípio da informação juntamente
com o da participação pode vir a diminuir a distância entre a perspectiva de quem toma a
decisão e a de quem está submetido a ela, permitindo o desenvolvimento de maior confiança,
legitimidade e adequação das decisões jurídicas em âmbito ambiental. No entendimento dos
autores:
O princípio da informação pode ser conectado ao da participação, a fim de
desencadear a promoção de espaços de discussão e de conscientização ecológica,
considerando os problemas e as implicações em relação à complexidade social,
bem como analisar o caso concreto em sua perspectiva isolada. [...]24
22
SARLET, Ingo Wolfgang. FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios do direito ambiental. São Paulo: Saraiva,
2014, p. 136-137.
23
GOME, Renata Nascimento; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. A aplicação do princípio da informação no
Direito Ambiental brasileiro, na forma de confiança e risco em Niklas Luhmann. Revista Direito Ambiental
e Sociedade, Caxias do Sul, v. 4, n. 2, p. 117-136, 2014, p. 117.
24
GOME, Renata Nascimento; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. A aplicação do princípio da informação no
Direito Ambiental brasileiro, na forma de confiança e risco em Niklas Luhmann. Revista Direito Ambiental
e Sociedade, Caxias do Sul, v. 4, n. 2, p. 117-136, 2014, p. 117.
714
Cabe observar que a Declaração do Rio, composta por vinte e sete princípios, foi
fruto de debates ocorridos na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, também conhecida como Eco 92 ou Rio 92. Verifica-se que as discussões
sobre o meio ambiente no âmbito internacional, ao longo das últimas décadas, vêm
adquirindo um contorno de aumento da valorização do debate, bem como de medidas para
sua proteção, dentre as quais a busca por maior participação pública nas decisões, tendo em
vista que a questão ambiental transcende o nível individual, abrangendo uma coletividade.
Sobre a importância da participação, Morato Leite afirma:
25
SARLET, Ingo Wolfgang. FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios do direito ambiental. São Paulo: Saraiva,
2014, p. 122-123.
26
MORATO LEITE, José Rubens et al. Princípios fundamentais do direito ambiental. In: MORATO LEITE,
José Rubens. (coord.). Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 93.
715
27
MORATO LEITE, José Rubens et al. Princípios fundamentais do direito ambiental. In: MORATO LEITE,
José Rubens. (coord.). Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 91-92.
28
NEVES, Rafaela Teixeira; MOREIRA, Eliane Cristina Pinto. Os princípios da participação e informação
ambientais e a aplicação da Convenção de Aarhus no direito brasileiro. Revista de Direito Ambiental, São
Paulo, v. 77, p. 563-588, jan./mar. 2015, p. 2.
29
MARCATTO, Flávia Silva. A participação pública na gestão de área contaminada: uma análise de caso
baseada na Convenção de Aarhus, 2005. 256 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Programa de pós-
graduação stricto sensu em saúde pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2005, p. 10.
30
MARCATTO, Flávia Silva. A participação pública na gestão de área contaminada: uma análise de caso
baseada na Convenção de Aarhus, 2005. 256 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Programa de pós-
graduação stricto sensu em saúde pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2005, p. 10.
716
31
MARCATTO, Flávia Silva. A participação pública na gestão de área contaminada: uma análise de caso
baseada na Convenção de Aarhus, 2005. 256 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Programa de pós-
graduação stricto sensu em saúde pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2005, p. 10.
32
MARCATTO, Flávia Silva. A participação pública na gestão de área contaminada: uma análise de caso
baseada na Convenção de Aarhus, 2005. 256 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Programa de pós-
graduação stricto sensu em saúde pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2005, p. 11.
33
LOZANO CUTANDA, Blanca; ALLI TURRILLAS, Juan-Cruz. Administración y Legislación
Ambiental. 5. ed. atual. Madrid: Dykinson, 2009, p. 172.
34
MORATO LEITE, José Rubens et al. Princípios fundamentais do direito ambiental. In: MORATO LEITE,
José Rubens. (coord.). Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 92.
717
35
LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante; WIENKE, Felipe Franz. Participação popular no Direito
Ambiental: desafios para a efetivação do princípio democrático. In: LUNELLI, Carlos Alberto (org.). Direito,
Ambiente e Políticas Públicas. Curitiba: Juruá, 2011, p. 38.
36
SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. Jundiaí, SP: Paco
Editorial, 2013, p. 103-104.
37
SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. Jundiaí, SP: Paco
Editorial, 2013, p. 105.
38
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Volume 1. 4. ed. rev. compl. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 212.
39
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Volume 1. 4. ed. rev. compl. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 213.
718
40
PETERS, Edson Luiz; PANASOLO, Alessandro. Cadastro Ambiental Rural – CAR & Programa de
Regularização Ambiental – PRA. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014, p. 58-60.
719
preocupação com o meio ambiente, ainda que não problematizada, ou de acordo com a teoria
habermasiana, oriunda do mundo da vida dentro do qual está inserido aquele indivíduo.
Para exemplificar, em 2016, a Fundação SOS Mata Atlântica lançou o documentário
Cumpra-se, sobre o CAR e as iniciativas do Poder Público do município de Caxias do Sul
para a sua implementação. Nesse documentário, é entrevistada uma senhora, produtora rural,
que afirma que já era costume preservar as áreas adjacentes ao rio que passa pela
propriedade, pois desde gerações mais antigas, falava-se que isso era importante para a
continuidade da atividade e o equilíbrio do local.41
Esse é um exemplo claro de conhecimento oriundo do mundo da vida, que Habermas
caracteriza como uma teia de tradições, instituições, costumes e competências que podem
ser chamados de racionais, na medida em que fomentam a solução de problemas que surgem,
além de possibilitar a formação de opiniões, ações e comunicações racionais. No mundo da
vida, as pessoas interpretam suas experiências e aprendizados, entendendo-se umas com as
outras.42
Verifica-se que nesse caso, através da experiência e da comunicação racional entre
indivíduos, a senhora entrevistada sabia que a vegetação daquela área deveria ser preservada,
não obstante o fato de não ter tido uma especialização acadêmica na área ambiental.
A partir disso, infere-se que a informação adquire mais uma acepção, a de
transmissão de conhecimentos no âmbito do mundo da vida, através da tradição, da interação
e do entendimento entre indivíduos.
Embora Habermas fale em elementos para uma deliberação ideal, os quais podem
não ter se concretizado inteiramente na prática, até mesmo porque, não obstante os
mecanismos de participação implantados durante sua tramitação, a lei em questão (Código
Florestal de 2012) não obedeceu um procedimento deliberativo para sua aprovação.
De toda a sorte, é possível identificar elementos convergentes entre a teoria do
discurso de Habermas e a criação e implementação do Cadastro Ambiental Rural. Além
disso, esse instrumento tem fundamental importância na consecução do direito à informação.
41
SOS MATA ATLÂNTICA. SOS Mata Atlântica lança documentário “Cumpra-se”, que aborda os 4
anos do novo Código Florestal. 2016. Disponível em: <https://www.sosma.org.br/noticias/sos-mata-
atlantica-lanca-documentario-cumpra-se-que-aborda-os-4-anos-novo-codigo-florestal/> Acesso em: 29 ago.
2020.
42
SOUZA, Leonardo da Rocha de. Direito ambiental e democracia deliberativa. Jundiaí, SP: Paco
Editorial, 2013, p. 52-53.
720
43
CREA RS. Cadastro ambiental rural no Rio Grande do Sul. Disponível em: < http://www.crea-
rs.org.br/site/index.php?p=ver-noticia&id=3338> Acesso em: 07 jul. 2017.
44
Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição
no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer
título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.
§ 4o O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo
que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que
desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato.
45
FERRE, Fabiano Lira; STEINMETZ, Wilson. Cadastramento ambiental rural e averbação da reserva legal
no novo Código Florestal brasileiro: uma análise crítica. Revista Internacional de Direito Ambiental, Caxias
do Sul, ano IV, n. 11, p. 121-134, maio/ago. 2015, p. 129-130.
46
BESSA ANTUNES, Paulo de. Comentários ao Novo Código Florestal: atual. de acordo com a Lei n.
12.727/12. São Paulo: Atlas, 2013, p. 164.
721
47
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Serviço Florestal Brasileiro. Perguntas frequentes – CAR.
Disponível em: <http://www.florestal.gov.br/o-que-e-o-car/61-car/167-perguntas-frequentes-car> Acesso em:
10 dez. 2017.
722
ressaltar que após o início da vigência do Código Florestal de 2012, o prazo para que o
cadastro dos imóveis rurais fossem efetuados foi sendo adiado diversas vezes.
Atualmente, a redação do artigo 29, § 3° do Código Florestal, dada pela Lei n. 13.887,
de 2019, estabelece que: “A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para
todas as propriedades e posses rurais”. Com isso, ficou resolvida a celeuma do prazo máximo
para inscrição no CAR. Todavia, há a ressalva de que para a adesão ao Programa de
Regularização Ambiental, o cadastro deve ser feito obrigatoriamente até 31/12/2020,
conforme disposto no § 4° do artigo 29 do mesmo diploma legal.
A partir do exposto, percebe-se que o Cadastro Ambiental Rural ainda está em fase
de implementação, visto que ainda não foram concluídas todas as etapas de cadastramento e
validação pelos órgãos competentes. Sendo assim, conclui-se que ainda há pontos em aberto
e passíveis de modificação.
Apesar disso, ele já é utilizado para finalidades como a obtenção de crédito rural e
tem o potencial de se transformar em um instrumento muito importante em nível nacional
para o planejamento ambiental, combate ao desmatamento e para a própria concretização do
direito à informação ambiental.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo foi dividido em duas partes. Na primeira, partiu-se de uma descrição das
diferentes acepções da palavra informação para chegar à informação ambiental. E a partir
da análise desta, foi possível tecer observações sobre seus desdobramentos e reflexos na
participação em matéria ambiental e no acesso à justiça. Os três aspectos somados são
denominados Tripé de Aarhus e constituem pontos a serem desenvolvidos no Direito
Ambiental brasileiro para uma maior efetividade deste.
Além disso, deu-se destaque à teoria de Habermas no que tange à participação, vista
pelo autor como pressuposto da própria legitimidade.
Na segunda parte do texto, o foco foi no Cadastro Ambiental Rural, instrumento
criado pelo Código Florestal de 2012 com o intuito de formar uma base de dados dos imóveis
rurais brasileiros, com vistas à preservação ambiental, planejamento e monitoramento.
Analisou-se o CAR à luz da teoria habermasiana, para em seguida demonstrar
questões específicas referentes ao cadastro e ao direito de informação. A existência do
Cadastro Ambiental Rural em determinada propriedade permite, por exemplo, que a Reserva
723
Legal não seja mais averbada na matrícula do respectivo imóvel no Registro de Imóveis.
Apesar disso, o direito à informação permanece, bem como sua possibilidade de ser
efetivado, até porque cabe ao adquirente da propriedade o papel de verificar a situação
ambiental dela, visto que um eventual passivo ambiental é obrigação propter rem, ou seja,
acompanha a propriedade e passa para seu adquirente. Desse modo, conforme orientação do
Serviço Florestal Brasileiro, é recomendável obter uma cópia do CAR e analisar a situação
da Reserva Legal, bem como de APPs, áreas consolidadas e demais elementos, visto que as
informações estão disponíveis no cadastro.
Após análise exposta ao longo do artigo, conclui-se que o Cadastro Ambiental Rural
é um importante instrumento para o Direito Ambiental brasileiro, permitindo, inclusive, a
materialização do direito à informação ambiental pela extensa gama de informações que
disponibiliza. Para tal, entretanto, é necessário que haja celeridade do Poder Público na
validação dos cadastramentos já efetuados, a fim de que se tenha um mapeamento acurado
dos imóveis rurais brasileiros e das áreas de Reserva Legal, com a finalidade de
monitoramento, planejamento e, sobretudo, de preservação ambiental.
5 REFERÊNCIAS
BESSA ANTURES. Comentários ao Novo Código Florestal – atual. de acordo com a Lei
n. 12.727/12. São Paulo: Atlas, 2013.
CREA RS. Cadastro ambiental rural no Rio Grande do Sul. Disponível em: <
http://www.crea-rs.org.br/site/index.php?p=ver-noticia&id=3338> Acesso em: 07 jul. 2017.
DECLARAÇÃO do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento = United Nations
Conference on Environment and Development, Rio de Janeiro, Brasil, 3-14 de junho de
1992. Disponível em: <https://pactoglobalcreapr.files.wordpress.com/2010/10/declaracao-
do-rio-sobre-meio-ambiente.pdf> Acesso em: 19 nov. 2017.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo:
Malheiros, 2006.
MORATO LEITE, José Rubens et al. Princípios fundamentais do direito ambiental. In:
MORATO LEITE, José Rubens. (coord.). Manual de direito ambiental. São Paulo:
Saraiva, 2015.
PETERS, Edson Luiz; PANASOLO, Alessandro. Cadastro Ambiental Rural – CAR &
Programa de Regularização Ambiental – PRA. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014.
725
1. INTRODUÇÃO
1
Graduada em Direito pela Universidade da Região da Campanha, especialista em Docência para o Ensino
Superior pela Faculdade Unina, mestranda em Educação e Ensino pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, advogada (OAB/RS n.º 120.849) e membro do IBCCRIM. E-mail: lumacostaminotto@hotmail.com
727
responsabilidade civil e penal aos agentes dos crimes financeiros no país, sejam eles pessoas
físicas ou jurídicas.
Assim sendo, tem-se a explícita relevância do tema, tendo em vista a repercussão
nacional tomada pela operação Lava Jato, que foi iniciada em 2009 em primeira instância,
no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com o objetivo de investigar crimes financeiros
praticados contra a Administração Pública, o Sistema Financeiro Nacional e a ordem
Econômica e Tributária. Durante as investigações da referida Operação, que até o momento
de elaboração deste trabalho contava com 55 fases, o uso do instituto objeto deste estudo foi
fundamental para o prosseguimento do processo investigatório e penal, bem como para
agilizar o início do cumprimento de algumas sanções as pessoas jurídicas infratoras.
Ademais, a pertinência acadêmica e jurídica é notável visto que trabalhará com uma
perspectiva diferenciada da investigação e do processo penal em si, através de legislações
esparsas ainda pouco abordadas que tratam do tema, a exemplo das Leis n.º 12.846/13,
12.850/13, 13.140/15 e 12.529/11, bem como a Convenção de Mérida e a Convenção de
Palermo.
O método adotado foi o dedutivo, levando em consideração que no raciocínio
dedutivo os argumentos apresentados são primeiramente considerados como inquestionáveis
e verossímeis para que, em um segundo momento, as conclusões formais sejam construídas
de forma lógica a partir dos axiomas estabelecidos2. A pesquisa foi realizada através da
análise doutrinária, bem como de precedentes jurisprudenciais do Tribunal Regional da 4ª
Região.
Antes de adentrar-se ao estudo dos crimes de colarinho branco e a forma com que
são encarados pela Criminologia, faz-se necessária uma breve visita a historicidade do
termo. A Escola Clássica da Criminologia, aqui exposta principalmente pelos pilares do
Marquês de Beccaria3, focava-se na legitimidade das punições e nos requisitos para a
efetividade destas, a fim de se chegar ao "controle social", a partir de então, o autor
2
MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no Direito. P.
91. São Paulo: Saraiva. 2014.
3
BRÜGGEMANN, Henrique Gualberto. O espetáculo da corrupção: o corrupto como produto. p. 07.
Florianópolis: UFSC, 2013.
728
considerou como ilegítimas todas as penalidades que transgridam aos contratos sociais e que
não visam evitar o cometimento de novos delitos4.
Apresentando um rascunho interessante, Beccaria e seu legado trouxeram a
Criminologia um refresco, de desvincular a imagem do ilícito com o pensamento comum de
ser uma característica de herege, de origem demoníaca, graças à influência iluminista
presente na escola clássica, a desvinculação foi possível e começou-se o processo de
interpretação do delito como algo "meramente jurídico"5, contudo, ainda que revolucionasse
para o contexto da época, a escola clássica ainda não considerava os fatores sociais no
contexto criminológico.
Em meados de 1870, a escola de Beccaria, que já existia há aproximadamente um
século, começou a dar frutos, como a criação da Escola Positiva. O novo movimento,
inflamado pelo contexto de modernização político-intelectual começou a olhar a
criminalidade com olhos mais humanos, voltando-a para origens patológicas, fisiológicas e
até mesmo biológicas, atribuindo a um determinado grupo de pessoas "características
criminais", que em tese, as separavam do restante da sociedade6.
A Escola Positiva pode ser facilmente detectada por apresentar três pressupostos
muito marcantes de sua base, em primeiro lugar, por tratar o crime como fenômeno natural,
em segundo, por conhecer este fato (crime) através das ciências naturais e por fim, pela
forma como observa os considerados criminosos, tentando entender as causas que os levaram
ao cometimento do ilícito, a fim de extingui-las da sociedade7.
Logo, pode-se traçar uma gritante diferença entre as duas escolas, enquanto a
primeira trazia o ideal de pena com tempo limitado, que fosse o suficiente para reparação do
ilícito cometido, a segunda defende que a pena deve durar (ainda que infinitamente) até que
se "recupere" o individuo transgressor8.
Ainda que pareça rude por trazer as tais características que deixam o homem rotulado
como futuro transgressor ou não (fato veementemente combatido pelos garantistas na
4
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. p. 86. São Paulo: EDIPRO, 2003.
5
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do Direito
Penal. 3ª. ed. Tradução Juarez Cirino dos Santos. p. 38. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de
Criminologia, 2002.
6
DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuela da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a
sociedade criminógena. p. 11. 2ª. ed. Coimbra: Coimbra, 1997.
7
THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? p. 39. Rio de Janeiro: Editora Achiamé, 1983.
8
BRÜGGEMANN, Henrique Gualberto. O espetáculo da corrupção: o corrupto como produto. p. 59.
Florianópolis: UFSC, 2013.
729
9
BECKER, Howard. Los extraños: sociología de la desviación. p. 61. Buenos Aires: Tiempo contemporáneo,
1971.
10
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do Direito
Penal. 3ª. ed. Tradução Juarez Cirino dos Santos. p. 86. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de
Criminologia, 2002.
730
11
IBIDEM, p. 211.
12
CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Criminologia crítica e a crítica do direito penal econômico. Verso e
reverso do controle penal: (des)aprisionando a sociedade da cultura punitiva. p. 61. Florianópolis: Fundação
Boitex, 2002.
13
SUTHERLAND, Edwin H. El Delito de Cuello Blanco. p. 61. Madrid: La Piqueta, 1999.
14
IBIDEM, p. 266.
731
15
HASSEMER, Winfred. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. p. 89. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris. 2005.
16
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. La expansión del derecho penal. p. 80. Madrid: Editora Civitas. 2002.
17
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. p. 23. São Paulo: Trevisan Editora, 2017.
732
18
TAFARRELO. Rogério Fernando. Acordos de Leniência e de Colaboração Premiada no direito
brasileiro: admissibilidade, polêmicas e problemas a serem solucionados. p. 7. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2017.
19
MORAIS, Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de; BONACCORSI, Daniela Villani. A colaboração por
meio do acordo de leniência e seus impactos junto ao processo penal brasileiro - um estudo a partir da
"Operação Lava Jato". Revista Brasileira de Ciências Criminais. p. 16. São Paulo. 2016.
20
CUSTÓDIO FILHO. Ubirajara; SANTOS. José Anacleto Abduch; BERTONCINI. Mateus. Comentários à
Lei n.º 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). p. 233, São Paulo. Revista dos Tribunais. 2014.
21
TAFARRELO. Rogério Fernando. Acordos de Leniência e de Colaboração Premiada no direito brasileiro:
admissibilidade, polêmicas e problemas a serem solucionados. p. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017.
733
22
COSTA, Gisela França da. Breve Panorama do Pensamento de Edwin H. Sutherland e a nova etiologia da
criminalidade. In: SOUZA, Artur de Brito Gueiros. Inovações no direito penal econômico – contribuições
criminológicas, político-criminais e dogmáticas. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União,
2011. Disponível em: https://escola.mpu.mp.br/publicacoes/obras-avulsas/e-books/inovacoes-no-direito-
penal-economico-contribuicoes-criminologicas-politico-criminais-e-dogmaticas.
23
OLIVEIRA, Edmundo. Crimes de corrupção. p. 38. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
734
24
LIVIANU, Roberto. Corrupção e direito penal – um diagnóstico da corrupção no Brasil. p. 153. São Paulo:
Quartier Latin, 2006.
25
ROCHA, Liliane Rosa Lemos; et al. Caderno de pós-graduação em direito: Lei anticorrupção. Brasília:
UniCEUB, 2018. Disponível em:
http://repositorio.uniceub.br/bitstream/235/12177/3/Lei%20Anticorrup%C3%A7%C3%A3o.pdf.
26
TAFARRELO. Rogério Fernando. Acordos de Leniência e de Colaboração Premiada no direito brasileiro:
admissibilidade, polêmicas e problemas a serem solucionados. p. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017.
27
ROCHA, Liliane Rosa Lemos; et al. Caderno de pós-graduação em direito: Lei anticorrupção. Brasília:
UniCEUB, 2018. Disponível em:
http://repositorio.uniceub.br/bitstream/235/12177/3/Lei%20Anticorrup%C3%A7%C3%A3o.pdf.
735
28
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas: Lei 12.846/13.
1ª ed. p. 378. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
29
IBIDEM, p. 380.
30
IBIDEM, p. 377.
736
O sucesso dos programas de leniência pode ser atribuído ao fato de que desde o
primeiro acordo firmado nesta modalidade, em outubro de 200331, que embora visasse à
continuidade das empresas perante o mercado e atacasse a formação de cartéis no setor
privado, não tratando de corrupção no âmbito de Direito Público, tem-se que até o ano de
2016 foram concretizados pelo menos mais cinquenta acordos deste espécie, especialmente
na área de investigação e combate à corrupção ligada ao Direito Público, à luz do art. 16 da
Lei n.º 12.846/1332.
Contudo, assevera Ferrajoli33 que a prática indiscriminada do direito penal premial
põe em risco a estruturação do sistema de garantias em virtude da iminente desigualdade de
forças em uma negociação entre o Estado (através do CADE – Conselho Administrativo de
Defesa Econômica ou Ministério Público) e o indivíduo (seja ele pessoa física ou jurídica),
bem como o perecimento das relações de causalidade e proporcionalidade entre delito e
pena, uma vez que esta passará a depender mais da habilidade negocial da defesa e da
discricionariedade da acusação do que da gravidade do delito.
31 Processo administrativo guiado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) contra
empresas que atuavam no ramo de segurança e vigilância privada no estado do Rio Grande do Sul suspeitas de
formarem cartéis no ramo (PA 08012001826/2003-10 - disponível em:
http://www.cade.gov.br/noticias/antigas/cade-obtem-decisoes-judiciais-favoraveis-no-caso-cartel-dos-
vigilantes)
32
TAFARRELO. Rogério Fernando. Acordos de Leniência e de Colaboração Premiada no direito brasileiro:
admissibilidade, polêmicas e problemas a serem solucionados. p. 11. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017.
33
FERRAJOLI. Luigi. Direito e Razão. p. 748-749. Madrid: Editora Trotta. 2005.
34
SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora.
2002.
737
pessoa física. Neste sentido, leciona Reale que “a pessoa jurídica não é algo de físico e de
tangível como é o homem, pessoa natural”35.
Ademais, Santos36 relembra que por não possuir consciência, a pessoa jurídica não
será passível de ser punida pela responsabilidade penal objetiva pela prática de determinada
conduta criminosa, uma vez que isso afronta a teoria do fato punível. A pessoa jurídica não
possui capacidade de entender o ato como ilícito ou sequer decorre culpabilidade deste.
Corroborando a este entendimento, afirma Hassemer37 que o dolo e a culpa são os dois
elementos de uma conduta humana, dos quais resulta positivamente a possibilidade de
imputação subjetiva. Nesse sentindo, tem-se ainda o posicionamento que o ilícito penal
(crime ou contravenção) é fruto exclusivo da conduta humana, somente a pessoa física pode
ser sujeito ativo da infração penal.
Além do exposto, a responsabilização penal de pessoas jurídicas afronta diretamente
as teorias da pena, em especial ao princípio da intranscendência penal, que disposto no art.
5º, XLV da Constituição Federal de 1988, prevê que nenhuma pena passará da pessoa do
condenado, logo não seria contraditório aplicar uma mesma pena para um grupo de pessoas
físicas, apenas por serem membros da pessoa jurídica condenada?
Visando solucionar este empasse, tem-se o estudo de Hassemer38, o emérito jurista
alemão criou uma espécie híbrida de direito penal/administrativo, que nomeou de “Direito
de Intervenção”. Esta espécie abrange punições penais e administrativas para as pessoas
jurídicas que cometessem crimes ambientais, e foi adotada pelo ordenamento jurídico
brasileiro, que atualmente só pune penalmente as pessoas jurídicas transgressoras da
legislação ambiental.
Outrossim, ao analisarmos o tema da ótica positivista, encontram-se dois dispositivos
fundamentais sobre a responsabilidade dos atos da pessoa jurídica (sob a ótica do direito
penal) na Constituição Federal de 1988.
Pela mera leitura do texto legal é possível observar que o texto do art. 173, § 5.º,
visa tratar de eventuais sanções aplicáveis para atos ilícitos em desfavor da ordem econômica
35
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva. 1991.
36
SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora.
2002.
37
HASSEMER, Winfred. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. p. 92. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris. 2005.
38
HASSEMER, Winfred. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. p. 89. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris. 2005.
738
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No atual cenário jurídico brasileiro tem-se que a colaboração premial de forma geral
seja no âmbito penal ou administrativo/cível tem muita subjetividade ainda não explorada,
na medida em que possui “prêmios” e benefícios que não estão objetivamente fixados em
39
A atraente aplicação da proporcionalidade ao Direito Penal ignora (ou dá muito pouco importância) a uma
variável decisiva: a vedação de Untermassverbot não pode ser confundida com um mandato de incriminação.
Não há nenhuma demonstração de qualquer natureza de que um direito fundamental é fomentado ou protegido
por meio do Direito Penal. Assim, a sinonímia “proteger” = “incriminar” é uma falácia (confira-se O direito
penal ambiental e normas administrativas, de Helena Regina Lobo da Costa, Boletim do IBCCRIM, n. 155, p.
18-19, out. 2005). Registre-se que não se trata de se opor a uma culpabilidade das pessoas jurídicas (confira-
se, a propósito, meu A responsabilidade penal da pessoa jurídica para além da velha questão de sua
constitucionalidade, Boletim do IBCCRIM, n. 218). Antes, porém, de se desnaturar uma garantia constitucional
em nome da incriminação da mera violação à norma, verdadeiro Direito Penal máximo, mister se lembrar de
que se entende como Direito Penal democrático a tutela de bens jurídicos fundamentais (fragmentariedade +
ultima ratio), com observância da legalidade, da ofensividade, da culpabilidade e da humanidade. Como
nomear um Direito Penal eficientista, sem bens jurídicos (norma não é bem) e sem culpabilidade?” (Boletim
do IBCCrim, Ano 21, nº. 243 – Fevereiro de 2013 – ISSN – 3661, p. 1630). TJ/RS, HC n .º 70018196808, 4.ª
Câmara Criminal, julgado em 08 de março de 2007, rel. Des. Gaspar Marques Batista.
40
LOBATO, José Danilo Tavares. (Ir)responsabilidade penal da pessoa jurídica: uma nova perspectiva in
Boletim IBCCRIM n.º 205, v. 17. 2009.
739
lei, muito pelo contrário, são tratados de forma discricionária, utilizados como trunfos pelas
forças acusatórias, quase de maneira coercitiva ante os investigados.
Ademais, resta evidente que há muita confusão prática quanto ao acordo de
leniência e a delação premiada (o que se pretende dirimir com o tempo de suas aplicações e
com a divulgação de trabalhos como o presente), aliados a prisões preventivas de
investigados ou envolvidos com as pessoas jurídicas suspeitas, diuturnamente divulgadas
pela mídia, invariavelmente retiram o elemento essencial dos acordos, a boa-fé objetiva, bem
como a vontade e a livre escolha destes, que conforme supramencionado, não tem a mesma
paridade de armas perante o aparato acusatório estatal.
Outro ponto nebuloso é quanto ao número de órgãos e esferas do poder que atuarão
na fase de controle e punição dos atos determinados no acordo, que além de gerar
insegurança jurídica na pessoa jurídica, cria uma espécie de punição bis in idem, na medida
em que poderão haver diversas sanções em esferas diferentes.
O que é perceptível, em especial na operação Lava-Jato, é que todas as lacunas
presentes na legislação brasileira antitruste e acordos de leniência, que, diga-se de passagem,
é repleta de pontos controversos, é acobertada por muito ativismo judicial pragmático
antinormativo.
Tem-se ainda que a pessoa jurídica não teria capacidade para cometer um ato ilícito
por si só, pois impossível atribuir-lhe consciência, dolo ou culpa pelas ações tomadas por
seus dirigentes, outrossim, a pessoa jurídica quando comete fraudes no âmbito fiscal, por
exemplo, é desconstituída para que as pessoas físicas por trás desta sejam atingidas pelas
sanções pertinentes, de forma a dar efetivada a punição estatal.
Além disso, a responsabilização penal da pessoa jurídica é prejudicada no tocante
a teoria do crime adotada pelo Brasil, pois traz elementos expressamente humanos, como
citado o dolo, e aqui cabe ressalva de que a conduta e a vontade dos sócios, membros e
dirigentes das empresas não se confunde com a da pessoa jurídica.
Por fim, aponta-se que a maior parte da doutrina nacional corrobora ao
entendimento de que a responsabilização criminal de pessoas jurídicas (que as leva inclusive
ao firmamento de acordos de leniência para o não prosseguimento de persecuções penais
contra si) é inconstitucional, visto que afronta aos princípios fundamentais do direito penal,
a exemplo do princípio da culpabilidade e intranscendência penal.
740
REFERÊNCIAS
https://escola.mpu.mp.br/publicacoes/obras-avulsas/e-books/inovacoes-no-direito-penal-
economico-contribuicoes-criminologicas-politico-criminais-e-dogmaticas. Acesso em: jun.
2020.
CUSTÓDIO FILHO. Ubirajara; SANTOS. José Anacleto Abduch; BERTONCINI. Mateus.
Comentários à Lei n.º 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). São Paulo. Revista dos
Tribunais. 2014.
DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuela da Costa. Criminologia: o homem
delinquente e a sociedade criminógena. 2ª. ed. Coimbra: Coimbra, 1997.
LOBATO, José Danilo Tavares. (Ir)responsabilidade penal da pessoa jurídica: uma nova
perspectiva in Boletim IBCCRIM n.º 205, v. 17. 2009.
LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2018.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos Editora. 2002.
SERPA, Alexandre da Cunha. Compliance Descomplicado: um guia simples e direto sobre
o Programa de Compliance. 2016.
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. La expansión del derecho penal. Madrid: Editora
Civitas. 2002.
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei
Anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017.
SOUZA, Jessé. Subcidadania Brasileira: Para entender o país além do jeitinho brasileiro.
São Paulo: Editora LeYa. 2018.
INTRODUÇÃO
A existência de uma crise no sistema judiciário revela alguma falha ou desgaste que
necessita de reparação. Indica que o modelo empregado não está acompanhando e atendendo
de forma adequada as complexidades das demandas contemporâneas, sugerindo a
necessidade de reinterpretação do consagrado modelo até então utilizado.
É fato notório tanto pelos próprios operadores do Direito quanto pela sociedade em
geral que se instala no sistema jurisdicional pátrio o dilema entre a sobrecarga de processos
e a ineficiência nos julgamentos. Diante do acentuado número de ações que estão em trâmite
1
Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Meridional – IMED. Graduada em Direito pela
Universidade de Passo Fundo – UPF. Advogada inscrita na OAB/RS sob o nº 109.110. E-mail:
marinafmoura.adv@gmail.com.
744
nos tribunais, paira a dificuldade em dar vazão às demandas com celeridade e de prolatar
decisões qualificadas.
O exercício da jurisdição tem entrado em confronto com as concepções tradicionais,
tornando-se incapaz de fornecer uma solução aos litígios em tempo razoável. Perante esse
cenário, surge o dever de repensar o modo de aplicação da justiça de forma que não
comprometa a efetivação dos princípios e garantias fundamentais constitucionais.
Juntamente com as evoluções legislativas no ordenamento jurídico e a predominância
nos dias atuais de pluralidade e complexidade das relações, instituiu-se no cenário brasileiro
políticas públicas visando o tratamento adequado dos conflitos jurídicos com perceptível
estímulo à autocomposição.
Cabe citar o sistema de justiça multiportas, instituído não somente para incentivar a
participação ativa das partes na resolução das contendas, mas também para servir como
válvula de escape à crise numérica de processos tramitando no judiciário nacional.
Posto isso, o objetivo deste trabalho é realizar uma abordagem acerca do percurso
que conduziu à tendência da sociedade pautada na hiperjudicialização, propondo, assim, um
exame da crise do Poder Judiciário ante a incapacidade de o Estado exercer, de forma íntegra
e exclusiva, a função de solucionar as contendas sociais.
É salutar a pesquisa acerca da inserção e estímulo dessa política pública no judiciário
nacional para constatar se o sistema de justiça multiportas, o qual integra os meios
alternativos de solução da lide, desenvolve-se como instrumento hábil para promover uma
prestação jurisdicional alicerçada na qualidade e eficiência.
Em que pese o presente trabalho não tenha o intuito de esgotar o tema em debate,
proceder-se-á ao estudo das causas, soluções apresentadas e resultados obtidos pela
aplicação dos meios autocompositivos de resolução dos conflitos sob a ótica do desígnio de
desafogar o Poder Judiciário.
2
ARAUJO, Luis Carlos de; MELLO, Cleyson de Moraes. Curso do novo processo civil. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 2015.
3
MELLO, Cleyson de Moraes; MOREIRA, Thiago. Direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.
4
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2019: ano-base 2018. Brasília:
CNJ, 2019. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/publicacoes. Acesso em: 10 ago. 2020.
5
Ibid.
746
Com essa quantidade de demandas aguardando conclusão, mesmo que não houvesse
ingresso de novas ações e a produtividade dos juízes e servidores fosse mantida, haveria a
necessidade de, aproximadamente, dois anos e seis meses de labor para encerrar o estoque.6
Nessa perspectiva, não há como negar que está intrínseco na sociedade moderna uma
“cultura da litigiosidade” devido ao grande número de pessoas que buscam a efetivação de
seus direitos por intermédio das vias judiciais, fato que contribui diariamente para o colapso
que o sistema judiciário se encontra diante do acúmulo infindável de processos em curso.
Da mesma forma, não há como refutar a situação de a sociedade estar passando por
inúmeras transformações ao longo dos anos que interferem diretamente no campo forense,
pois o Direito existe como regulador das normas sociais. Assim, a cada dia emergem uma
diversidade de questões que são levadas à apreciação dos magistrados, surgindo a
dificuldade de concretizar o direito de duração razoável do processo.
As transformações constantes das relações sociais entraram em confronto com a
estrutura tradicional do Poder Judiciário, causando dificuldade de adequação a nova
realidade e descrédito dos litigantes em virtude de os ditames constitucionais não serem
assegurados da forma que esperam.
Nesse viés, oportuno salientar os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio
Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero sobre o tema:
6
Ibid.
7
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo
civil: teoria do processo civil volume 1. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p.
274.
747
8
MORAIS, Jose Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
jurisdição! 3 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
9
Ibid., p. 110.
748
Estamos em tempos de mudanças, não por mero capricho jurídico, porém, por
necessidade em face de um colapso de âmbito global, onde as formas tradicionais
de obtenção de Justiça, não são mais capazes de tornar reais as pretensões de paz
social, novas formas são necessárias e neste cenário que beira ao caos, entra a
arbitragem e outros meios alternativos à jurisdição estatal, dentre elas mediação,
conciliação, etc.10
A Lei 13.140/2015, que institui a novel codificação processual, traz em suas normas
fundamentais o comprometimento do Estado, sempre que possível, em promover a solução
consensual de conflitos (art. 3º, § 2º, CPC). Ainda, informa acerca do dever de incentivo
pelos operadores do Direito - juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público - para as práticas de conciliação, mediação e outros métodos de solução
consensual de conflitos, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, §3º, CPC).
Indispensável compreender que o Código de Processo Civil de 2015 propôs o
rompimento da sistemática atual de centralização das demandas pautada no poder estatal.
Trata-se de reconhecer um novo modelo de distribuição da justiça consubstanciado no
pressuposto de que não há uma técnica principal de resolução de conflitos, mas entender que
para cada litígio há um instrumento que se mostra mais apropriado para se obter resultados
satisfatórios.11
Frente à possibilidade de mecanismos de proteção dos direitos que estão em
expansão, é o momento de demonstrar que o monopólio de resolução dos conflitos
pertencente ao Estado-juiz está superado quando comparado a outras ferramentas de
tentativa da composição do litígio que podem proporcionar maior eficiência.
Conforme bem elucidado por Humberto Theodoro Júnior:
Nas últimas décadas, o estudo do processo civil desviou nitidamente sua atenção
para os resultados a serem concretamente alcançados pela prestação jurisdicional.
Muito mais do que com os clássicos conceitos tidos como fundamentais ao direito
processual, a doutrina tem-se ocupado com remédios e medidas que possam
redundar em melhoria dos serviços forenses. Ideias, como a de instrumentalidade
e a de efetividade, passaram a dar a tônica do processo contemporâneo. Fala-se
mesmo de ‘garantia de um processo justo’, mais do que de um ‘processo legal’,
colocando no primeiro plano ideias éticas em lugar do estudo sistemático apenas
das formas e solenidades do procedimento.12
10
MELLO, Cleyson de Moraes; MOREIRA, Thiago. Direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 431.
11
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
12
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, processo de conhecimento e
procedimento comum volume 1. 57 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 08.
749
Cabe salientar que variadas formas estão sendo avistadas com o fito de desenvolver
procedimentos que possam afastar as problemáticas que se instauraram nos órgãos
jurisdicionais, como, por exemplo, a introdução do incidente de resolução de demandas
repetitivas, presente nos artigos 976 a 987 do CPC, visando maior efetividade e segurança
jurídica nas decisões.
Outro sinal que demonstra a ascensão desses meios em prol da rapidez na inclusão
de petições e decisões, bem como no manuseio das ações, é a implementação do processo
eletrônico em substituição da sua forma física, indicando o auxílio da tecnologia para uma
prestação jurisdicional mais adequada.
A crescente implementação do processo eletrônico possibilitou que apenas 16,2% do
total de processos novos ingressassem fisicamente em 2018. Em contrapartida, 20,6 milhões
de casos foram distribuídos através do sistema eletrônico.14
O jurista Ricardo Goretti sintetiza essa situação quando afirma que “As profissões e
instituições do Direito, por mais tradicionais que sejam, não são poupadas da lógica da
constante adaptação que a realidade em permanente transformação requer [...].” 15
13
MORAIS, Jose Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
jurisdição! 3 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 75.
14
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2019: ano-base 2018. Brasília:
CNJ, 2019. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/publicacoes. Acesso em: 10 ago. 2020.
15
GORETTI, Ricardo. Gestão adequada de conflitos jurídicos: do diagnóstico à escolha do método para
cada caso concreto. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 39.
750
16
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento.19 ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 185, grifo do autor.
17
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
751
18
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2019, p.
61.
19
KAMEL, Antoine Youssef. Mediação e arbitragem. Curitiba: Intersaberes, 2017.
20
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento.19 ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
21
Ibid., p. 305, grifo do autor.
752
Essa situação reflete o que Jose Luis Bolzan de Morais e Fabiana Marion Spengler
observam: “ O ato do Poder Judiciário interrompe apenas aquela relação conflitiva, mas não
impede o desenvolvimento de outras tantas. Não cabe ao Poder Judiciário eliminar o próprio
manancial de conflitos sociais, mas sobre eles decidir, se lhe for demandado. ” 22
Humberto Theodoro Júnior, nesta direção, lista a necessária mudança do padrão
sustentado pela jurisdição:
22
MORAIS, Jose Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
jurisdição! 3 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 72.
23
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, processo de conhecimento e
procedimento comum volume 1. 57 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 09.
24
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento.19 ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
753
Essa situação reflete a mesma encontrada por Hermes Zaneti Jr. e Trícia Navarro
Xavier Cabral:
25
ALMEIDA, Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. Mediação de conflitos para iniciantes,
praticantes e docentes. 2 ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 53.
26
ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Justiça multiportas: mediação, conciliação,
arbitragem e outros meios adequados de solução de conflitos. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
27
KAMEL, Antoine Youssef. Mediação e arbitragem. Curitiba: Intersaberes, 2017, p. 24.
754
Essencial ressaltar que na visão mais recente acerca do tema há a constatação de que
os métodos para a resolução consensual dos conflitos não podem ser considerados como
meios alternativos, mas sim, como meios adequados de solução da lide.29
Todavia, independentemente de sua denominação, imperioso que, no contexto do
modelo jurídico atual, perceba-se a indispensabilidade de reconhecer que existem outros
caminhos para alcançar a justiça que não são subalternos ao exercício realizado pelo Estado-
juiz.
De acordo com o que já foi mencionado anteriormente, conveniente reforçar o
entendimento de que:
Isto posto, o emprego dos meios consensuais de solução de conflitos mostra-se como
potencial instrumento de pacificação social e de contribuição para a redução do pleito
judicial frente às consequências advindas da cultura da litigiosidade.
O art. 334 do CPC em seu §8º dispõe que o não comparecimento injustificado do
autor ou réu na audiência é classificado como ato atentatório à dignidade da justiça e prevê
sanção com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da
causa, que será revertida em favor da União ou do Estado.
Além da previsão no códex processual civilista, no art. 22, §2º, IV, da Lei de
Mediação consta que haverá penalidade em caso de não comparecimento da parte na
primeira reunião de mediação que consistirá em assunção de cinquenta por cento das custas
28
ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Justiça multiportas: mediação, conciliação,
arbitragem e outros meios adequados de solução de conflitos. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 34.
29
BORBA, Mozart. Diálogos sobre o CPC. 6 ed. Salvador: Juspodivm, 2019.
30
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, processo de conhecimento e
procedimento comum volume 1. 57 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 76.
755
Considerando os números apurados pelo CNJ, nota-se que a resolução pacífica dos
conflitos ainda não atingiu os resultados desejados, sendo perceptível que o ajuizamento de
31
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2019: ano-base 2018. Brasília:
CNJ, 2019. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/publicacoes. Acesso em: 10 ago. 2020.
32
Ibid.
33
Ibid.
756
34
MORAIS, Jose Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
jurisdição! 3 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 80.
35
Ibid., p. 39.
36
GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual dos MESCs: meios extrajudiciais de solução
de conflitos. Barueri: Manole, 2016.
757
Assim sendo, as partes que estão em desavença sempre vão procurar maneiras de
abalar a parte confrontante para fortalecer a sua defesa acerca do interesse em comum.
Torna-se necessária uma superação pelos próprios sujeitos envolvidos acerca dos
estereótipos criados para que se sintam aptos a identificar as razões do lado contrário e
respeitá-las.
Com relação a tarefa primordial da solução pacífica do conflito, destaca-se:
37
KAMEL, Antoine Youssef. Mediação e arbitragem. Curitiba: Intersaberes, 2017, p. 75.
38
GORETTI, Ricardo. Gestão adequada de conflitos jurídicos: do diagnóstico à escolha do método para
cada caso concreto. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 41.
758
[...] A identificação dos interesses das partes é etapa essencial para a obtenção de
um acordo no processo de mediação, pois as partes começam a perceber as
perspectivas e necessidades uma da outra, tornando-as mais cientes da plenitude
da causa na solução das questões corretas quando da elaboração do acordo. 40
Ainda, frisa-se a importância do método empático para uma atuação íntegra, posto
que tornará mais acessível a coleta de elementos para que o profissional interprete os atos
praticados pelos litigantes que levaram ao episódio e possibilita a elaboração de uma
abordagem mais concreta da realidade.
Por todo o exposto, resta claro que o engajamento do profissional é indispensável
para o sucesso na utilização dos métodos autocompositivos. Da mesma forma, acredita-se
que uma maior valorização e aplicação das políticas públicas pelos agentes do Direito e pelo
próprio Estado caminharão no sentido de obtenção de melhores resultados.
Ainda que os índices de desfecho das demandas por intermédio do acordo sejam
irrisórios no momento, isso não impede que se reflita sobre a transformação que está em
curso, pois percebe-se um empenho do próprio Poder Judiciário em reduzir o tempo de
resposta ao jurisdicionado e a quantidade de processos em trâmite.
Revela-se primordial a aplicação na prática do princípio da cooperação para
aperfeiçoar a tutela jurisdicional. Considerado como norma fundamental, o CPC de 2015
39
GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual dos MESCs: meios extrajudiciais de solução
de conflitos. Barueri: Manole, 2016.
40
KAMEL, Antoine Youssef. Mediação e arbitragem. Curitiba: Intersaberes, 2017, p. 87.
759
dispõe em seu art. 6º que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se
obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
A esse respeito, Humberto Theodoro Júnior leciona:
Insta salientar que os pontos abordados no presente artigo não visam esgotar as
possíveis barreiras para a obtenção de êxito na utilização dos métodos autocompositivos,
mas tão somente elencar fatores que merecem ser observados com cautela para corroborar
com a consolidação desse procedimento no ordenamento jurídico pátrio.
41
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, processo de conhecimento e
procedimento comum volume 1. 57 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 81.
42
GORETTI, Ricardo. Gestão adequada de conflitos jurídicos: do diagnóstico à escolha do método para
cada caso concreto. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 42, grifo do autor.
760
Diante dos obstáculos mencionados, talvez o primeiro a ser vencido seja o de passar
a entender os métodos de resolução consensual de litígios como forma de trazer os
conflitantes para participarem ativamente de um resultado que satisfaça seus próprios
interesses, preservando os vínculos eventualmente existentes e fornecendo, em
consequência, uma melhora no andamento da jurisdição que é tão clamada no cenário atual.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Luis Carlos de; MELLO, Cleyson de Moraes. Curso do novo processo civil. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.
BORBA, Mozart. Diálogos sobre o CPC. 6 ed. Salvador: Juspodivm, 2019.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF:
Presidência da República, 2015. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 03
ago. 2020.
BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares
como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública; altera a Lei nº 9.469/1997, e o Decreto nº 70.235/1972; e revoga o
§2º do art. 6º da Lei nº 9.469/1997. Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm. Acesso em:
03 ago. 2020.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 16 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual
civil, parte geral e processo de conhecimento.19 ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Justiça multiportas: mediação,
conciliação, arbitragem e outros meios adequados de solução de conflitos. 2 ed. Salvador:
Juspodivm, 2018.
764
Resumo: A COVID-19 está impactando todas as áreas da economia, razão pela qual os
contratos em vigor igualmente têm sido ameaçados. Existe a previsão do devedor eximir-se
da obrigação quando há ocorrência de caso fortuito ou força maior, assim como há a previsão
de resolução contratual quando da ocorrência da onerosidade excessiva. Contudo,
considerando que a pandemia afeta todas as áreas, sugere-se buscar a autocomposiçao dos
contratos, com base no princípio da boa-fé e do equilíbrio contratual. A mediação e
conciliação são excelentes ferramentas de autocomposição que vem ganhando uma
relevância importante na crise atual.
Palavras-chave: COVID-19. Caso fortuito e força maior. Onerosidade excessiva. boa-fé.
Autocomposição.
1. INTRODUÇÃO
1
Advogada, inscrita na OAB/RS 81.345, especialista em Direito Civil, Negocial e Imobiliário pela LFG –
Anhanguera UNIDERP, e-mail: monica@lopesepauletto.com.br
765
por se tratar de uma situação extremamente imprevisível e delicada, que vem impactando
das mais diversas áreas.
2
Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#o-que-e-covid – Acesso em 20/05/2020
3
Disponível em: in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-legislativo-249090982
766
Até então, muito se havia discutido tanto nos Tribunais, quanto no Superior tribunal
de justiça sobre o que era de fato “caso fortuito e força maior”, e a pandemia atual, sem
sombra de dúvidas se encaixa perfeitamente na concepção prevista, que diz respeito à
imprevisibilidade e inevitabilidade de evento que impede o cumprimento de determinada
obrigação.
O que de fato é indiscutível, é que tanto um quanto o outro estão fora dos limites da
culpa, uma vez que se tratam de acontecimentos que escapam toda diligência ou que são
estranhos à vontade do devedor da obrigação, logo, dotados de imprevisibilidade e
inevitabilidade5.
Nesse sentido, assim nos ensina Cavalieri:
4
No ponto, cumpre informar que o art. 5º da MP 948 além de trazer soluções para remarcação de eventos /
reembolso, já deixa expresso que tratando-se de caso fortuito ou força maior não há o que se falar em danos
morais ou aplicação de multas e outras penalidades, nestes termos, in verbis: Art. 5º As relações de consumo
regidas por esta Medida Provisória caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior e não ensejam danos
morais, aplicação de multa ou outras penalidades, nos termos do disposto no art. 56 da Lei nº 8.078, de 11 de
setembro de 1990.
5
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9.ed. São Paulo, Atlas, 2010, p. 68
767
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,
cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
3. DA ONEROSIDADE EXCESSIVA
6
CAVALIERI FILHO, Sergio. Ob.cit, p. 68
768
As obrigações possuem previsão no Código Civil, mais precisamente nos artigos 233
e seguintes (obrigações em geral), bem como em demais matérias do código, de forma
específica.
Em uma breve análise, define-se que a obrigação é uma situação bipolar em que se
encontra, de um lado, o sujeito devedor e, em posição distinta, outro, intitulado credor. Este
é titular de um direito subjetivo – direito de crédito – que lhe faculta exigir do devedor o que
lhe cabido, ou seja, a prestação.7
Já com relação aos contratos, tenham-se que o princípio da equidade é um dos
principais balizadores das relações contratuais. O equilíbrio é um dos princípios da relação
jurídica de consumo, tendo por base os princípios das relações contratuais, que além da boa-
fé, são estruturados pela função social e equilíbrio nas regras contratuais.
Sobre o assunto, assim disserta Cavalieri:
7
FERNANDES, Alexandre Cortez. Direito Civil: obrigações, 1.ed. Educs, Caxias do Sul, 2010. p. 27
8
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor, 3. Ed. São Paulo, Atlas, 2011, p. 103
769
IX - (Vetado);
Parágrafo único. A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo
deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em
regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
9
Sobre as medidas adotadas pelas Instituições financeiras em função da pandemia:
https://portal.febraban.org.br/noticia/3434/pt-br/ - Acesso em 26.05.2020
771
Em virtude disso, cumpre ressaltar que o direito a revisão das cláusulas é positivado
e indiscutível, contudo, se analisado apenas sob o viés do consumidor pode ser interpretado
de forma desequilibrada, razão pela que se propõe que tanto sob o ponto de vista de caso
fortuito/força maior, como sob o viés de onerosidade excessiva, a boa-fé esteja presente, a
fim de buscar conjuntamente a autocomposição e manutenção do equilíbrio contratual, em
tempos tão nebulosos.
Se não houver êxito na autocomposição, caberá ao poder judiciário equalizar as
relações contratuais atingidas, conforme verifica-se no julgamento anteriormente
mencionado, relativo a relação de consumo.
10
TJRJ. Agravo de Instrumento nº 0028374-26.2020.8.19.0000, Décima Câmara Cível, Des.Relator: PEDRO
SARAIVA DE ANDRADE LEMOS, Julgado em 12/05/2020.
772
11
Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019.
773
Além disso, propõe a negociação e racionalidade econômica das partes como tópico
importante da interpretação da boa-fé, vindo ao encontro do momento de crise atual,
consoante artigo 113 do Código Civil Brasileiro, recentemente alterado pela Lei nº
13.874/2019:
Ainda, acerca da boa-fé nas relações contratuais, assim nos ensina Wald:
Dessa forma, considerando que se trata de um contexto crítico geral que impactou
todas as áreas, mais do que nunca deve-se analisar a situação de forma individual, a fim de
que seja mantido o equilíbrio do contrato, como forma de preservação desta cadeia
sucessória.
12
WALD, Arnoldo. Direito das Obrigações e teoria geral dos contratos, 18. Ed, Sáo Paulo, Saraiva. p;212
774
13
Lei nº 13.140 de Junho de 2015
775
Cumpre ressaltar que dentre inúmeros princípios que regem a mediação (isonomia
entre as partes, busca de consenso, etc) novamente verificamos a existência da boa-fé, nos
termos do inciso VII do art. 2º da Lei 13.140/15, nestes termos, in verbis:
I - imparcialidade do mediador;
II - isonomia entre as partes;
III - oralidade;
IV - informalidade;
V - autonomia da vontade das partes;
VI - busca do consenso;
VII - confidencialidade;
VIII - boa-fé. – grifei
14
KUBIAK, Vanderlei Teresinha Tremeia. A mediação no sistema judicial brasileiro – desafios
e perspectivas – experiências de Implantação no tribunal de justiça do estado do rio grande do sul.
Publicação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2017. p. 213
776
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor, 3. Ed. São Paulo, Atlas,
2011.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9.ed. São Paulo, Atlas,
2010 ;
FERNANDES, Alexandre Cortez. Direito Civil: obrigações, 1.ed. Educs, Caxias do Sul,
2010.
WALD, Arnoldo. Direito das Obrigações e teoria geral dos contratos, 18. Ed, São Paulo,
Saraiva, 2009.
778
Resumo O artigo visa fazer uma breve análise acerca das concepções de igualdade e
diferença de gênero relacionadas ao universo feminino no desporto. O objetivo do presente
estudo é demonstrar que existem fatores importantes, tais como a desigualdade de gênero e
a consequente dominação masculina nas modalidades esportivas com reflexo direto no papel
social do esporte na vida e desenvolvimento das mulheres. Bem como a análise da evolução
do reconhecimento das diferenças que se mostram como forte fator na busca de uma maior
inclusão e desconstrução de estereótipos nocivos ao crescimento feminino no desporto.
Palavras-chave: igualdade, diferença, relações de gênero, mulheres, direito desportivo.
1. Introdução
A problemática de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres é uma
temática que vem sendo abordada há muito tempo, na medida em que sempre existiram
desigualdades sociais, econômicas e humanas. Verifica-se a existência de um longo percurso
evolutivo da problemática de igualdade e questões de gênero, que ainda nos tempos atuais
permitem e geram espaço para largas discussões, principalmente no mundo desportivo,
espaço que carece de maior atenção e até mesmo normas que gerem efetividade na maneira
como são conduzidas as relações no mundo do esporte. A matéria demonstra verdadeira
relevância para o desenvolvimento da sociedade com consequências que visam não apenas
a regulação da matéria de ordem jurídica, mas a evolução da própria temática como uma
questão social.
Vivenciamos ainda nos dias atuais em uma sociedade patriarcal, na qual
presenciamos diariamente as discriminações das mulheres em relação aos homens, inclusive
no meio desportivo, dentre as quais se pode destacar a diferença de oportunidades;
dificuldade de ascensão em cargos diretivos e de poder; diferenças salariais; falta de interesse
1
Graduada em direito pela PUCRS (2014), pós-graduada em Processo Civil pela UFRGS (2015), Formação
em Pensamento Sistêmico e Constelações Familiares pela SBDSIS (em andamento). Advogada inscrita na
OAB/RS 93.314. Membro da Comissão da Mulher Advogada (2018). Julgadora suplente Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB/RS (2019).
780
A partir das perceptíveis desigualdades no que tange ao desporto feminino bem como
a importância de reconhecimento das diferenças individuais, o objetivo deste artigo é realizar
uma breve análise acerca do direito de igualdade no que se relaciona ao esporte para as
mulheres tal como verificar aplicações legais e iniciativas que passam a reconhecer a
importância do reconhecimento de gênero bem como o acesso de mulheres práticas
esportivas no Brasil e, ainda, ações que contribuem para sua inserção e permanência nessa
área.
Nesse sentido, diante das inúmeras problemáticas que o tema aborda, principalmente
no que tange ao direito de igualdade e reconhecimento da mulher dentro do mundo
desportivo como indivíduo único, este artigo, que em hipótese alguma visa esgotar a análise
sobre o tema, aborda alguns aspectos importantes a serem debatidos para que haja um maior
desenvolvimento da temática na sociedade brasileira.
2
FARIAS, Cláudia Maria de. Entre lembranças e silêncios: reflexões sobre uma autobiografia feminina.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 22, n. 43, pp. 238- 257, 2009
782
“Regulamento nº 7”, documento legal que destacava o uso do método francês na educação
física no Brasil. Exercícios intensos e envolvendo força seriam incompatíveis com a
personalidade "naturalmente" mais calma e reservada da mulher, bem como com suas
funções reprodutivas. A fadiga muscular associada à menstruação, à gravidez e ao
aleitamento poderia causar esgotamento. (REGULAMENTO nº 7, 1934). As seguintes
atividades eram recomendadas àquelas que “não eram constituídas para lutar, mas para
procriar”:
A marcha, os exercícios rítmicos e de suspensão de curta duração com tempos de
impulsão, o salto na corda, o lançamento de disco, dardo e peso (menor que os dos
homens), os jogos de raquete (péla e tênis), o transporte de pesos leves em
equilíbrio na cabeça, e esgrima dos dois braços, que exigem em definitivo apenas
um trabalho moderado e que põem em ação, sobretudo, os músculos da bacia,
serão, em princípio, os exercícios próprios à mulher. Qualquer exercício que seja
acompanhado de pancadas, de choques e de golpes é perigoso para o órgão uterino.
A higiene condena sua prática pela mulher (REGULAMENTO nº 7, 1934, p. 16).
3
VALE DE ALMEIDA, Miguel. Gênero, masculinidade e poder: revendo o caso do sul de Portugal. In:
Anuário Antropológico, 95: 1996, p. 3.
783
A mentalidade e a estrutura social, sem sombra de dúvidas, são tabus que ao longo
do tempo vem sendo enfrentados e combatidos através de tentativas – muitas vezes –
solitárias de movimentos quase que individuais e histórias de mulheres que de forma altruísta
e corajosa se empenham na luta pela igualdade. À exemplo, podemos citar as Olimpíadas de
Tóquio de 1964, onde apenas uma mulher representou o Brasil: Aída dos Santos, que viajou
sem técnico, sem tênis e sem uniforme e, mesmo assim conquistou o melhor resultado para
atletas brasileiras – 4º lugar no salto em altura.
Ainda que se possa imaginar uma certa evolução na questão de igualdade de gênero,
na medida em que algumas posições e alguns direitos foram conquistados, certo é que ainda
existe uma grande trilha a se percorrer quanto ao tema. A percepção da sociedade, a
desmistificação de crenças bem como a valorização pela própria mulher de seu lugar. Nesse
sentido, Eric Dunning4 afirma:
Provavelmente, a principal implicação da presente análise é o fato de o esporte
aparentemente ter uma importância apenas secundária com respeito à produção e
reprodução da identidade masculina. Mais significativos nesse caso parecem ser
aqueles aspectos da estrutura social mais ampla que afetam as oportunidades
relativas de poder dos sexos e o grau de segregação sexual que existe na necessária
interdependência entre homens e mulheres. Tudo que o esporte parece fazer é
desempenhar um papel secundário e de reforço. O esporte, no entanto, é crucial na
sustentação de formas modificadas e mais controladas de agressividade machista
numa sociedade em que somente alguns papéis ocupacionais, tais como os dos
militares e da polícia, oferecem oportunidades regulares de luta, e em que todo o
direcionamento da evolução tecnológica tem sido há muito tempo para reduzir a
necessidade da força física. Obviamente, na medida em que as mulheres
continuarem sentindo atração por homens machistas, os esportes, especialmente
os esportes de combate, desempenharão um papel de certa relevância na
perpetuação tanto do complexo do macho quanto da dependência de mulheres que
fluem dessa fonte. Provavelmente, é inútil especular se esportes de combate
continuariam existindo numa sociedade mais plenamente “civilizada” que a nossa.
Uma coisa, porém, é certo: mesmo que a equalização tenda a aumentar a
ocorrência de conflitos em curto e médio prazo, essa sociedade, em longo
prazo, teria que incorporar uma proporção bem maior de igualdade entre os
sexos, as classes e as “raças” do que foi possível até hoje. (grifei).
4
Eric Dunning. (Org.). Sociologia do Esporte e os Processos Civilizatórios. 1ed.São Paulo: Annablume, 2014.,
p. 85/86.
784
como objetivos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e art. 3º, I e IV, Constituição
Federal).
A preocupação com o tema também foi endossada através da Declaração de Brighton
sobre Mulheres e Esporte (FINNISH SPORT FEDERATION, 2014), em 1994, com
diretrizes e ações para combater, em âmbito internacional, as significativas desigualdades de
gênero nas mais diversas dimensões esportivas. Esse documento parte da Declaração
Universal de Direitos Humanos, na qual o acesso ao esporte é afirmado como um direito
universal, e da constatação de que, embora as mulheres representem mais de cinquenta por
cento da população mundial, em todos os países do mundo sua participação nos esportes é
menor do que a de homens e meninos, mesmo que com variações significativas entre as
nações. Para que o esporte seja garantido a todos e a todas, são necessárias ações que levem
em conta as desigualdades de gênero e discriminações existentes contra mulheres
(ALTMANN, 2014).
Devemos lembrar, no entanto que, quando se trata de esporte principalmente,
necessário se faz uma análise através de uma perspectiva binária, até mesmo porque, o
esporte reforça a diferença de gênero, uma vez que a separação se dá em diferentes níveis,
desde o entendimento dos corpos até o espaço de disputa esportiva. Ao longo de toda a
história os números demonstram uma exclusividade masculina no ambiente esportivo, a
saber, durante os jogos na Grécia, as disputas esportivas eram realizadas com homens nus
para que fosse verificado o sexo biológico dos participantes. Esse pensamento e prática tem
reflexo até hoje no esporte, o que se pode perceber até mesmo pela letra fria da Lei Pelé
(legislação específica que prevê as normas gerais sobre a prática do esporte no Brasil).5
O aumento da participação feminina no esporte tem relação íntima com a luta
feminista, uma vez que a participação tem um aumento significativo a partir dos anos 80. E,
muito embora saibamos que a participação feminina no desporto apresente atualmente
números muito mais expressivos, fato é que não podemos afirmar a existência suficiente de
igualdade de gênero.
O meio esportivo, em geral, ainda pode ser considerado um lugar socialmente aceito
a sociedade masculina. Uma mulher que ingressa em qualquer modalidade desportiva, que
participa de torneios, que disputa lugares e posições em igualdade de condições com os
5
Freitas da Silva, Regis Fernando. APOSTILA GÊNERO E ESPORTE. p. 3/5
785
homens e ainda demonstra habilidades causa certo impacto, uma vez que vai ao desencontro
do que é normalmente aceito.
Segundo Knijnik:
“Esses corpos e essas práticas tensionam os olhares acostumados ao mesmo, pois
desestabilizam representações naturalizadas que colam no masculino e no
feminino diversos atributos, comportamentos, virtudes, atitudes... colam, ainda,
diferentes gestualidades, aparências e usos do corpo” 6.
6
Knijnik, J. 2010. (Org.) Gênero e esporte: masculinidades e feminilidades. Rio de Janeiro: Apicuri.p 9
7
Disponível em: < https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/post-2015.html> Acesso em: 23 de agosto
de 2020.
8
Almeida, Caroline Soares de. “Boas de bola”: Um estudo sobre o ser jogadora de futebol no Esporte Clube
Radar durante a década de 1980. 2013. 150 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade
Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social, Florianópolis.
9
Velho, Gilberto. 2003. Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar.
786
Segundo Pierucci10, a certeza de que os seres humanos não são iguais, porque não
nascem iguais e como tal não podem ser tratados como iguais, quem primeiro apregoou foi
a direita, mais exatamente a ultradireita do final do século XVIII e primeiras décadas do
século XIX, como reação ao ideal de igualdade e fraternidade cultuados pela Revolução
Francesa. Portanto, a bandeira da defesa das diferenças, hoje empunhada à esquerda pelos
"novos" movimentos sociais (das mulheres, dos negros, dos homossexuais, etc), foi na
origem - e permanece fundamentalmente - o grande signo das direitas, velhas ou novas,
extremas ou moderadas. Funcionando no registro da evidência, as diferenças explicam as
desigualdades de fato e reclamam a desigualdade (legítima) de direito.
Joan Scott11 defende a desconstrução da oposição binária igualdade/diferença à luz
de Derrida. Segundo ela, a própria antítese igualdade-versus-diferença oculta a
interdependência dos dois termos, uma vez que a igualdade não é a eliminação da diferença
e a diferença não impede a igualdade. Desconstruída essa antítese, diz Scott, será possível
não só dizer que os seres humanos nascem iguais mas diferentes, como também sustentar
que a igualdade reside na diferença. Para a autora, o uso do discurso da diferença macho-
fêmea envolve uma outra cilada: oculta as diferenças entre as mulheres (e entre homens), no
comportamento, no caráter, no desejo, na subjetividade, na sexualidade, na identificação de
gênero e na experiência histórica. Há uma enorme diversidade de identidades de mulheres e
homens, que supera essa classificação masculino/feminino; a categoria macho/fêmea
suprime as diferenças dentro de cada categoria. A única alternativa é, pois, recusar a
oposição igualdade/diferença e insistir continuamente nas diferenças como a condição das
identidades individuais e coletivas, como o verdadeiro sentido da própria identidade. Na
proposta desconstrucionista de Scott, a diferença binária daria lugar à diferença múltipla,
única forma de fugir das armadilhas da disjunção igualdade ou diferença.
Mais especificamente sobre a questão esportiva e suas diferenças, importante
afirmação de Altmann, que assevera que sobre as percepções de prazer e de competência
corporal, o interesse e a atribuição de valor-utilidade à educação física são mais baixos entre
as meninas do que entre os meninos (ALTMANN et al., 2011; ALTMANN et al., 2018).
Percebendo-se corporalmente menos competentes e sentindo menos prazer em realizar
atividades físicas e esportes, valorizando menos essa experiência corporal, as meninas os
10
Pierucci, A. F. (1990). Ciladas da diferença. Tempo Social, 2 (2), 7-33.
11
Scott, Joan W. (1988). Gender and the politics of history. New York: Columbia University Press.
788
12
GOELLNER et al., 2009; WERLE e SARAIVA, 2013; SALLES-COSTA et al., 2003; SILVESTRIN e
SARAIVA, 2012; BENINI FILHO, 2017
13
The overwhelming majority of top office-holders are men because there is a gender configuring of
recruitment and promotion, a gender configuring of the internal division of labour and systems of control, a
gender configuring of policymaking, practical routines, and ways of mobilizing pleasure and consent.
789
A ocupação e posição nos espaços segue um desiquilíbrio nas relações entre homens
e mulheres. Tal situação pode ser produzida a partir de uma ação que privilegie apenas um
destes grupos, sendo notório que os homens obtêm maior espaço. E, nesse sentido,
abordando a questão de desequilíbrio e diferenças, Regis Fernando da Silva14, menciona:
Na competição intercontinental, a Copa Libertadores da América, a colombiana
do Atlético Huila conquistou o título feminino recebeu US$ 55 mil (R$ 212 mil)
como prêmio, já o River Plate, campeão do torneio masculino, recebeu US$ 6
milhões (cerca Tratado de Roma, que regulava a livre circulação de trabalhadores
e concorrência. 2Para uma exemplificação o salário do jogador Cristiano Ronaldo
gira em torno de 58 milhões de dólares por mês, já o salario da jogadora Marta é
de 1.5 milhão de dólares por mês. de R$ 20 milhões).3 Esses dados demonstram
claramente a diferença econômica e de tratamento entre as competições. Nesse
sentido, que o desenvolvimento de marcas esportivas acaba compondo números
tão diferentes e sempre trazendo vantagens para os homens, perpetuando-se a
dominação masculina no esporte. Essa desigualdade é alvo de críticas e protestos
por parte de atletas mulheres. Lembra-se aqui do fato ocorrido na Copa do Mundo
da França, quando a atleta brasileira Marta utilizou chuteiras pretas em razão da
não concordância com valores que foram lhe oferecida a título de patrocínio
esportivo, uma vez que os valores eram baixos em comparação com os dos atletas
homens.
14
Da Silva, Regis Fernando F. Clausula antigravidez dos contratos de trabalhos desportivos. Disponível
em:https://www.academia.edu/41705775/Clausula_antigravidez_dos_contratos_de_trabalhos_desportivos
Acesso em: 31/08/2020
15
https://stjd.org.br/noticias/stjd-apresenta-comissao-feminina
16
https://leiemcampo.blogosfera.uol.com.br/2019/09/29/stjd-cria-comissao-feminina-ideia-traz-uma-reflexao-
necessaria/
790
eis que quando se separa homens de mulheres, a bem da verdade, se estaria segregando de
acordo com conceitos preconceituosos. Segundo Gustavo “ao conferir a essa verdadeira
seleção de juristas femininas a competência de julgar apenas o "futebol feminino" parece
configurar indicar mais um grande "apartheid" do que uma busca pela igualdade”. E segue
“Ao criar uma comissão de mulheres para julgar mulheres, acaba-se, na prática criando
dois tribunais dentro de um, um de primeira classe, composto majoritariamente por homens
para julgar o futebol masculino, inclusive o Brasileirão, grande filé da modalidade e outra
classe, para julgar as competições do ainda incipiente futebol feminino”.
Há, ainda que de forma tímida e não dentro do que se espera alcançar, evidentemente,
avanços em relação à inserção das mulheres em espaços, principalmente dentro do esporte,
fatos que não se podem negar e nem tampouco desvalorizar. A evolução, contudo, quanto
ao ponto é lenta, o que demanda maior atenção bem como a necessidade de medidas
impositivas para que o cenário mude e haja uma aceleração no processo.
Nesse sentido também, no ano de 2019, todos os 20 clubes que disputam a Série A
do Campeonato Brasileiro de futebol precisaram se enquadrar no Licenciamento de Clubes
da Confederação Brasileira de Futebol, sob pena de ser impedido de participar dos torneios
organizados pela CBF em caso de não se enquadrar nas determinações. Uma das obrigações
é que os clubes precisariam manter um time de futebol feminino que dispute um campeonato
nacional ou estadual. A Conmebol já havia exigido que quem não mantivesse um time
feminino seria proibido de disputar a Libertadores e a Copa Sul-Americana. Tal exigência
se baseia no artigo 23 do estatuto da Fifa17, o qual exige das confederações a adoção de
17
Los estatutos de las confederaciones deberán cumplir con los principios de gobernanza y, en particular,
deberán incl uir como mínimo, determinadas disposiciones relativas a las materias siguientes:
a) declaración de neutralidad en cuanto a política y religión;
b) prohibición de toda forma de discriminación;
c) independencia y prevención de injerencias políticas;
d) gara ntía de la independencia de los órganos judiciales (separación de poderes);
e) aceptación de las Reglas de Juego, de los principios de lealtad, integridad, deportividad y juego
limpio por parte de los grupos de interés, además de los Estatutos, reglamentos y decisiones de la
FIFA y de la confederación correspondiente;
f) reconocimiento de la jurisdicción y autoridad del TAD por parte de los grupos de interés y
concesión de prioridad a la mediación como vía de resolución de disputas;
g) responsabilidad de las federaciones miembro a la hora de regular matérias tales como arbitraje, lucha
contra el dopaje, registro de jugadores, licencias de clubes, imposición de medidas disciplinarias
incluidas las resultantes de conductas éticas inapropriadas o medidas destinadas a proteger la integridad
de las competiciones;
h) definición de las competencias de los órganos responsables de la toma de decisiones;
i) prevención de conflictos de interés en la toma de decisiones;
j) constitución de los órganos legislativos de acuerdo con los principios de representatividad
democrática, teniendo presente la importancia de la igualdad de género en el fútbol;
791
mais efetivas, principalmente no que tange às políticas públicas precisam ser revistas e
urgentemente alteradas para que exista de fato a tão sonhada desigualdade de gênero no
esporte.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quem narrou do estádio de Melbourne, foi Luís Roberto: “Vem assistir... Formiga,
Cátia, Sislene... pra Pretinha... Gol”. Brasil 1, Suécia 0. Estava aberto o placar das
Olimpíadas de Sidney. Seja qual for o desempenho da delegação brasileira, essa
ninguém lhe tira. Pretinha marcou o primeiro ponto dos 27º jogos da era moderna.
Há algo de comovente e didático naquelas 11 mulheres que jogaram a primeira
partida das Olimpíadas. Todas as suecas tinham nome e sobrenome (Caroline
Joensson, Victoria Svenssom). As brasileiras às vezes tinham prenome (Andréia),
mas em muitos casos, só apelidos (Sissi). As suecas, louras, imensas, proteína
pura. As brasileiras, mestiças, miúdas, com calções enormes e camisas que
pareciam ter saído da rouparia do time masculino. Lembravam o sertanejo de
Euclides da Cunha: “Falta-lhe a plástica impecável, o desempenho, a estrutura
corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto”.
Pretinha (Delma Gonçalves) tem 25 anos, 1,57 metro e 55 quilos. Criou-se no
subúrbio carioca de Senador Camará. Sua turma tem salários medíocres (R$ 2500,
na média). Patrocinador, nem pensar. Em uma semana vagaram de Melbourne para
Camberra e de lá, para Sidney. Já foram despejadas da Granja Comari para deixar
o campo livre para a seleção masculina. (A dura vida do país de Pretinha – Elio
Gaspari).20
20
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1709200010.htm
793
O que se vê são batalhas constantes pela conquista não só de novos espaços, tidos
como lugares preferencialmente masculinos, mas também pelo direito de igualdade, contra
a desigualdade de gênero, pelo simples direito de ser mulher e ter direitos assegurados para
que possam exercer seus papéis como indivíduos de forma digna.
O esporte praticado por mulheres, além da prática lúdica e competitiva, serve como
espaço de luta pela resistência das mulheres contra os limites impostos pela sociedade,
arraigado no seio social como fator protetivo a um suposto indivíduo dotado de fragilidade
e sem condições para a prática esportiva. Serve, também, como modelo pela luta por direitos
civis igualitários, pela alteração de legislação, pelos debates acerca da implementação
adequada de políticas públicas que visem a inclusão e, também pela própria forma como é
vista pela sociedade, há, a bem da verdade, quebra de paradigmas e mudança de perspectivas
a cada vez que uma mulher “entra no jogo”.
O processo de desconstrução de preconceitos de gênero está longe de ter um fim,
existem ainda muitas reivindicações e mudanças das perspectivas sociais e políticas a serem
revistas e modificadas, mas uma coisa é certa, é necessário que haja uma amplificação da
visibilidade e da inserção de mulheres de forma digna no desporto. É imperativo que medidas
sejam adotadas para tornar o caminho menos desigual. Sabemos que a situação das mulheres
no meio esportivo é reflexo de toda a construção da própria mulher e o papel que desempenha
na sociedade como um todo; porém, o padrão precisa ser alterado, necessitamos que mais
mulheres ocupem espaços de poder e que possam expressar e ter comando de voz em cargos
diretivos, seja como conselheiras, dirigentes, árbitras, técnicas, enfim, que sejam acolhidas
e ouvidas como sujeitos dotados de voz ativa e poder de decisão.
Segundo Altmann21 “eventos podem ser uma importante ferramenta de incentivo à
prática de atividades físicas e esportivas, para as mais diversas faixas etárias e modalidades.
Campeonatos esportivos, que possibilitem a vivência da competição, têm sido menos
disponibilizados a meninas do que a meninos. Pesquisas demonstram efeitos positivos de
competições no interesse e na adesão à prática. Ainda que esse interesse por competições ou
eventos não possa ser generalizado a toda a população, eles podem ser explorados e
ressignificados a partir de características e critérios específicos. Campeonatos, corridas de
rua, caminhadas coletivas, passeios ciclísticos, apresentações e festivais temáticos são
21
ALTMANN, Helena. Atividades físicas e esportivas e Mulheres no Brasil. Relatório Nacional de
Desenvolvimento Humano do Brasil. 2017. P. 31
794
algumas possibilidades. Eventos também podem ser uma forma de possibilitar o encontro
entre praticantes e a construção de laços de amizade que envolvam a atividade física e
esportiva. Outrossim, restringir eventos à iniciativa privada limita seu acesso àqueles que
dispõem de recursos para financiar a própria participação.”
O que se espera é que medidas sejam adotas e políticas comecem a ser mais efetivas
quando se fala em desporto voltado ao público feminino. Como vimos ao longo desse artigo,
durante muitos anos as mulheres foram proibidas de praticar modalidades esportivas, assim
como foram tolhidas por anos ao direito ao voto e muitas outras situações.
O esporte surge como espaço singular para que haja significativa mudança de
pensamento e de normativas que tragam maior segurança jurídica ao público feminino. A
participação efetiva de mulheres no âmbito do desporto é um imperativo que produzirá
impactos positivos para o funcionamento e regulamento mais apropriado às necessidades
almejadas, tendo em vista que a ampliação da participação de mulheres permitirá equacionar
as medidas destinadas ao atendimento das demandas sociais femininas. Há de ressaltar que
a ausência de representação feminina não se deve de forma alguma ao desinteresse de
participação, mas tem sua origem enraizada na história e cultura que impõe às mulheres
papéis por vezes submissos e isso precisa urgentemente ser modificado. Portanto, a garantia
de igualdade e de percepção das diferenças individuais garante a concepção da isonomia e
igualdade de gênero.
Por fim, importante ressaltar que considerando os fatores que levaram a construção
de uma sociedade machista e patriarcal, as relações de gênero, o equilíbrio de poder, a
concretização de princípios isonômicos, reclamam a adoção de ações e instrumentos
normativos voltados à neutralização de situações de equilíbrio.
A inserção das mulheres em campo de forma digna e igualitária, permite a
reconstrução da visão social sobre o tema, permite que haja espaço para demonstração das
diferenças e atrai para a sociedade melhores condições nas mais diversas áreas, na medida
em que não estaremos tratando apenas da posição da mulher dentro do desporto, mas sim da
posição da mulher na sociedade, no mercado de trabalho, na visibilidade de mídia e nos mais
diversos campos de atuação que se possa imaginar.
795
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
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Revolution. New York: New York University Press, 2010,p. 2.
CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta.
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DEVIDE, Fabiano P. Gênero e mulher no esporte: história das mulheres nos Jogos
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796
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autobiografia feminina. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 22, n. 43, pp. 238- 257, 2009.
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1994. In: FASTING, K. et al. From Brighton to Helsinki. Helsinki: Finnish Sport Federation,
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das mulheres no país do futebol. Revista Brasileira de História. n. 50, vol. 25. São Paulo.
p. 316 – 328.
SCOTT, Joan W. (1988). Gender and the politics of history. New York: Columbia
University Press.
Resumo: O presente estudo tem por objetivo analisar relevantes inovações do instituto do
divórcio diante das urgentes adaptações impostas pela pandemia do novo coronavírus
(COVID-19). O distanciamento social, medida recomendada para contenção e prevenção do
surto pandêmico, ocasionou a hiperconvivência de casais. Por sua vez, houve aumento na
procura pelo divórcio frente à redução ou à ausência de atendimento presencial de serventias
judicias e extrajudicias no Brasil. Em meio à urgência de adequações à nova realidade de
distanciamento, a presente pesquisa analisa medidas jurídico-tecnológicas inovadoras que
impulsionaram a criação do divórcio extrajudicial integralmente online a partir da instituição
do e-Notariado – com a edição do Provimento n. 100 do CNJ. Quanto à modalidade judicial,
o processo eletrônico e a concessão do divórcio liminar, antes mesmo da citação do réu, se
destacam como medidas relevantes à concretização da dissolução do casamento
virtualmente.
INTRODUÇÃO
O primeiro semestre de 2020 trouxe ao mundo uma série de desafios jamais
enfrentados pela contemporaneidade. O novo coronavírus teve os seus primeiros casos
registrados entre o final do ano de 2019 e o início de 2020 na Ásia, avançando rapidamente
por outros continentes.
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que a
situação da doença era considerada uma pandemia, ou seja, o surto havia se disseminado
pelo mundo com a transmissão sustentada de pessoa para pessoa. Diante disso, diversas
medidas sanitárias foram recomendadas e aplicadas em todo o mundo para tentar conter o
surto. Por ser uma doença nova, pouco se sabe sobre ela e enquanto não houver remédio ou
vacina capaz de contê-la, a melhor maneira de controle e prevenção é o distanciamento
social.
1
Jornalista e Advogada inscrita na OAB/RS sob o n. 118.486. felaguna@gmail.com.
2
Pós Graduada em Direito Público pela EMAFE/RS. Advogada inscrita na OAB/RS sob o n. 111.043.
natalialanfredi@hotmail.com.
799
3
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito de família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
v.5. p.41. apud TARTUCE, Flavio. Direito Civil, v. 5: Direito de Família. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017.
800
4
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Atual. Tânia da Silva Pereira. 25.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017. p.306.
5
Ibidem, p.307.
6
GONCALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p.184.
7
CAETANO, Leidiane Moreira Silveira e; OLIVEIRA, Victor Henrique Fernandes. Divórcio extrajudicial:
inovações trazidas pela Lei n 11.441/2007 e o conhecimento da população do município de Matrinchã-GO
acerca de suas possibilidades. Disponível em: <http://reiva.emnuvens.com.br/reiva/article/view/127/106>.
Acesso em: 21 ago. 2020.
801
8
GONCALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito de família. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p.184
9
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Atual. Tânia da Silva Pereira. 25.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2017. p.312.
10
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2012. p.221.
802
11
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2012. p.225.
12
CAETANO, Leidiane Moreira Silveira e; OLIVEIRA, Victor Henrique Fernandes e. Divórcio
extrajudicial: inovações trazidas pela Lei n 11.441/2007 e o conhecimento da população do município de
Matrinchã-GO acerca de suas possibilidades. Disponível em:
<http://reiva.emnuvens.com.br/reiva/article/view/127/106>. Acesso em: 21 ago. 2020.
13
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v.5. São Paulo: Saraiva, 2012. p.233.
14
TARTUCE, Flavio. Direito Civil: Direito de Família. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p.147.
15
Ibidem. p.152.
803
16
DIAS, José Eduardo Coelho. Divórcio unilateral liminar: por que não? Disponível em:
<https://www.ibdfam.org.br/artigos/1484/Div%C3%B3rcio+unilateral+liminar%3A+por+que+n%C3%A3o
%3F>. Acesso em: 23 ago. 2020.
17
Ibidem.
804
18
LOSEKANN, Raquel Gonçalves Caldeira Brant. MOURÃO, Helena Cardoso. Desafios do teletrabalho na
pandemia COVID-19: quando o home vira office. Caderno De Administração, 28, p.73. Disponível em:
<http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CadAdm/article/view/53637/751375150139>. Acesso em: 12
ago. 2020.
19
CARLOS, Ana Fani Alessandri. (Org). COVID-19 e a crise urbana [recurso eletrônico]. São Paulo:
FFLCH/USP, 2020. p.12. Disponível em:
<http://geografia.fflch.usp.br/sites/geografia.fflch.usp.br/files/Covid_19_e_a_Crise_Urbana_v7.pdf#page=1>
. Acesso em: 12 ago. 2020.
20
OLIVEIRA, Anita Loureiro de. A espacialidade aberta e relacional do lar: a arte de conciliar maternidade,
trabalho doméstico e remoto na pandemia de Covid-19. São Gonçalo: Rev. Tamoios, ano 16, n. 1, Especial
COVID-19. p.161, 2020. Disponível em: <https://www.e-
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21
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Distrito Federal, 23 jun. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/df/distrito-
federal/noticia/2020/07/23/divorcios-crescem-no-brasil-em-junho-apos-permissao-para-processo-
online.ghtml>. Acesso em 12 ago. 2020.
805
22
ONU mulheres. GÊNERO e COVID-19 na América Latina e no Caribe: Dimensões de gênero na resposta.
2020. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONU-MULHERES-
COVID19_LAC.pdf >. Acesso em: 13 ago. 2020.
23
Chefe da ONU alerta para aumento da violência doméstica em meio à pandemia do coronavírus. NAÇÕES
UNIDAS. 06 abr. 2020. Disponível em <https://nacoesunidas.org/chefe-da-onu-alerta-para-aumento-da-
violencia-domestica-em-meio-a-pandemia-do-coronavirus/amp/>. Acesso em: 13 ago. 2020.
806
que teve alta significativa nas pesquisas foi “como dar entrada em um divórcio”, com
aumento de 82%, ambos segundo dados fornecidos pelo Google Brasil.24
Ocorre que, em meio à urgência da separação de fato e da concretização do divórcio,
as necessárias medidas de isolamento social adotadas pelos governadores e prefeitos pátrios
ocasionaram mudanças no funcionamento de serventias judiciais e extrajudicias no Brasil.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por sua vez, editou inúmeros provimentos
estabelecendo restrições ao atendimento presencial das serventias, bem como priorizando o
atendimento à distância.
O Provimento 91 do CNJ, publicado em 22 de março de 2020, estabeleceu, dentre
outras medidas, que os serviços notarias e de registro deveriam obedecer as autoridades de
saúde pública que tenham determinado a suspensão ou redução do atendimento presencial
ao público. Assim, possibilitou-se o atendimento remoto por meio eletrônico em substituição
ao presencial.25
Por outro lado, o Provimento 95 do CNJ autorizou a utilização de meios eletrônicos
para recepcionar título e documentos. Ambos provimentos tiveram sua vigência prorrogada
até 31 de dezembro de 2020, em virtude da declaração de emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional (ESPIN).26 A Resolução 313 do referido Conselho, por sua vez,
suspendeu o atendimento presencial no Poder Judiciário Nacional, impondo a realização por
meio eletrônico.27
Desse modo, em meio à urgência da concretização de dissoluções de casamento - em
virtude de fatores como o aumento de conflitos entre casais e de violência doméstica -, tem-
se, em contraponto, a suspensão ou redução do atendimento presencial em serventias
judiciais e extrajudicias. Denota-se, assim, a necessária e imediata adoção de medidas
inovadoras para prestação dos serviços notarias e judiciais, essenciais ao exercício da
cidadania.
24
RACY, Sonia. Google Brasil revela aumento surpreendente de busca pelo termo “divórcio online gratuito”.
ESTADÃO. 29 maio 2020. Disponível em: <https://cultura.estadao.com.br/blogs/direto-da-fonte/google-
brasil-revela-aumento-surpreendente-de-busca-pelo-termo-divorcio-online-gratuito/>. Acesso em 13 de ago.
de 2020.
25
CONSELHO NACIONAL DE JUSTICA. Provimento n. 91 de 22 mar. 2020. Disponível em:
<https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3268>. Acesso em: 14 ago. 2020.
26
CONSELHO NACIONAL DE JUSTICA. Provimento n. 95. de 01 abr. 2020. Disponível em:
<https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3265 >. Acesso em: 14 ago. 2020.
27
CONSELHO NACIONAL DE JUSTICA. Resolução n 313. de 19 mar. 2020. Disponível em:
<https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3249>. Acesso em 14 ago. 2020.
807
28
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Folha informativa COVID-19. Escritório da OPAS e da OMS
no Brasil. 2020. Disponível em: <https://www.paho.org/pt/covid19>. Acesso em: 19 ago. 2020.
29
Primeiro divórcio por liminar é concedido na Bahia. Migalhas, 16 jul. 2014. Disponível em
<https://www.migalhas.com.br/quentes/204387/primeiro-divorcio-por-liminar-e-concedido-na-bahia>.
Acesso em: 18 ago. 2020.
30
RACY, Sonia. Google Brasil revela aumento surpreendente de busca pelo termo “divórcio online gratuito”.
ESTADÃO. 29 maio 2020. Disponível em: <https://cultura.estadao.com.br/blogs/direto-da-fonte/google-
brasil-revela-aumento-surpreendente-de-busca-pelo-termo-divorcio-online-gratuito/>. Acesso em 13 ago.
2020.
808
31
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento n. 100 de 26 maio 2020. Disponível em:
<https://atos.cnj.jus.br/files/original222651202006025ed6d22b74c75.pdf>. Acesso em: 19 ago. de 2020.
32
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento n. 100 de 26 maio 2020. Disponível em:
<https://atos.cnj.jus.br/files/original222651202006025ed6d22b74c75.pdf>. Acesso em: 19 de ago. de 2020.
33
FILLHO, Marcio Martins Bonilha. O futuro chegou! Bem-vindo provimento n. 100-2020, do CNJ.
IBDFAM, 2020. Disponível em:
<https://ibdfam.org.br/artigos/1462/O+futuro+chegou!++Bemvindo+provimento+n%C2%BA+100+-
2020,+do+CNJ>. Acesso em: 18 ago. 2020.
809
Uma delas é o divórcio 100% online, que surgiu a partir da efetivação do e-Notariado.
Essa é uma alternativa menos burocrática e mais segura para os casais que desejam dissolver
a união. Na prática, o divórcio online nada mais é do que o divórcio extrajudicial em
tabelionato - realizado há muitos anos – só que agora feito remotamente. O instituto do
divórcio extrajudicial surgiu com a Lei 11.441/2007 como uma opção de dissolução de união
por mútuo consentimento e por meio de escritura pública, que foi consolidado com a Emenda
66/2010.34
As exigências para que o divórcio extrajudicial acontecesse permanecem as mesmas
no caso do divórcio virtual. São eles: a ausência de filhos menores, incapazes ou de
nascituro; o mútuo consentimento das partes; a apresentação da certidão de casamento ou do
pacto antenupcial, se houver, e a presença de advogado para acompanhar o ato, podendo ser
o mesmo procurador para ambos.35
A segurança e a privacidade foram premissas muito bem observadas pelo CNJ ao
editar o Provimento. A utilização da plataforma e-Notariado já confere uma proteção às
partes. Além disso, ao realizar o procedimento por meio desse sistema, outras premissas
precisam ser ponderadas como a videoconferência para que seja feita a identificação dos
participantes e para que seja confirmado o consentimento expresso sobre os termos do que
está sendo pactuado sobre o ato notarial. São capturadas digitalmente as assinaturas das
partes e do tabelião. Para facilitar o acesso da população a esse novo procedimento, foi
previsto também que o tabelião está autorizado a emitir gratuitamente o certificado digital
notarizado. Por fim, essa videoconferência é gravada, arquivada e compõe o ato notarial.36
Para a prática do ato notarial eletrônico possuir validade precisa atender aos
requisitos estipulados no provimento, são eles: I – videoconferência notarial para captação
do consentimento das partes sobre o tema do ato; II – concordância expressa pelos
envolvidos com os termos do ato notarial eletrônico; III – assinatura digital pelas partes,
realizada por meio do e-Notariado; IV – assinatura do Tabelião de Notas com o certificado
34
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Atual. Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p.351.
35
CAETANO, Leidiane Moreira Silveira e; OLIVEIRA, Victor Henrique Fernandes. Divórcio extrajudicial:
inovações trazidas pela Lei n 11.441/2007 e o conhecimento da população do município de Matrinchã-GO
acerca de suas possibilidades. Disponível em: <http://reiva.emnuvens.com.br/reiva/article/view/127/106>.
Acesso em: 21 ago. 2020.
36
FILLHO, Marcio Martins Bonilha. O futuro chegou! Bem-vindo provimento n. 100-2020, do CNJ.
IBDFAM, 2020. Disponível
em:<https://ibdfam.org.br/artigos/1462/O+futuro+chegou!++Bemvindo+provimento+n%C2%BA+100+-
2020,+do+CNJ>. Acesso em: 18 ago. 2020.
810
37
Ibidem.
38
Cartórios registram aumento de 18,7% nos divórcios durante a pandemia. UOL. 2020. Disponível
em:<https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2020/07/22/cartorios-registram-aumento-de-
187-nos-divorcios-durante-a-pandemia.htm>. Acesso em 18 ago. 2020.
39
PASSOS, Larissa. Divórcios crescem no Brasil em junho, após permissão para processo online. Portal G1,
Distrito Federal, 23 jun. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/df/distrito-
federal/noticia/2020/07/23/divorcios-crescem-no-brasil-em-junho-apos-permissao-para-processo-
online.ghtml>. Acesso em 12 ago. 2020.
40
FERREIRA, Ana Amélia Menna Barreto de Castro. Roteiro da Lei 11.419/2006 Processo Judicial
Informatizado. 2007. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/34892/roteiro-da-lei-11419-
2006-processo-judicial-informatizado>. Acesso em 28 de ago. de 2020.
811
41
CONSELHO NACIONAL DE JUSTICA. Justiça em números 2020. 2020. Disponível em:
<https://www.cnj.jus.br/wp-
ontent/uploads/2020/08/WEB_V2_SUMARIO_EXECUTIVO_CNJ_JN2020.pdf>. Acesso em 29 ago. 2020.
42
DIAS, José Eduardo Coelho. Divórcio unilateral liminar: por que não? 2020. Disponível
em:<https://www.ibdfam.org.br/artigos/1484/Div%C3%B3rcio+unilateral+liminar%3A+por+que+n%C3%A
3o%3F>. Acesso em: 23 ago. 2020.
43
MARQUES, Ana Luiza e; NUNES, Dierle. Parte do Judiciário já entende que é possível a autorização
liminar do divórcio. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-ago-08/opiniao-parte-
judiciario-aprova-autorizacao-liminar-divorcio>. Acesso em: 25 de ago. de 2020.
44
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: RT, 2016. p.227.
812
CONCLUSÃO
A pandemia do novo coronavírus impôs a necessidade de adaptação na prestação dos
serviços essenciais - tais como o notarial e judicial - prestados à população, uma vez que o
distanciamento social foi a principal medida adotada para controle e prevenção do vírus. Tal
medida ocasionou a diminuição ou ausência do atendimento presencial nas serventias
judiciais e extrajudiciais.
O distanciamento social, por sua vez, ocasionou o estreitamento das relações
interpessoais, especialmente dos cônjuges, que tiveram o aumento significativo do convívio
domiciliar. Nesse contexto, houve crescimento no relato de brigas entre casais e,
consequentemente, aumento na procura pelo divórcio.
Desse modo, a edição do Provimento n. 100 de 2020 do Conselho Nacional de Justiça
instituiu o e-Notariado, possibilitando a inovadora e necessária realização do divórcio
extrajudicial integralmente online. A partir de inovações jurídico-tecnológicas relevantes, a
45
DIAS, José Eduardo Coelho. Divórcio unilateral liminar: por que não? Disponível em:
<https://www.ibdfam.org.br/artigos/1484/Div%C3%B3rcio+unilateral+liminar%3A+por+que+n%C3%A3o
%3F>. Acesso em: 23 ago. 2020.
813
REFERÊNCIAS
CARLOS, Ana Fani Alessandri. (Org). COVID-19 e a crise urbana [recurso eletrônico].
São Paulo: FFLCH/USP, 2020. Disponível em:
<http://geografia.fflch.usp.br/sites/geografia.fflch.usp.br/files/Covid_19_e_a_Crise_Urban
a_v7.pdf#page=1>. Acesso em: 12 ago. 2020.
Cartórios registram aumento de 18,7% nos divórcios durante a pandemia. UOL. 2020.
Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-
brasil/2020/07/22/cartorios-registram-aumento-de-187-nos-divorcios-durante-a-
pandemia.htm>. Acesso em 18 ago. 2020.
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2012.
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DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: RT, 2016.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Direito de família. 17. ed. São
Paulo: Saraiva, 2002. v.5. p.41. apud TARTUCE, Flavio. Direito Civil, v. 5: Direito de
Família. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
FERREIRA, Ana Amélia Menna Barreto de Castro. Roteiro da Lei 11.419/2006 Processo
Judicial Informatizado. 2007. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/depeso/34892/roteiro-da-lei-11419-2006-processo-judicial-
informatizado>. Acesso em 28 de ago. 2020.
GONCALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 9.ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
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a autorização liminar do divórcio. 2019. Disponível em:
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liminar-divorcio>. Acesso em: 25 de ago. 2020.
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online. Portal G1, Distrito Federal, 23 jun. 2020. Disponível em:
<https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/07/23/divorcios-crescem-no-brasil-
em-junho-apos-permissao-para-processo-online.ghtml>. Acesso em 12 ago. 2020.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Atual. Tânia da Silva Pereira.
25.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
Primeiro divórcio por liminar é concedido na Bahia. Migalhas, 16 jul. 2014. Disponível em
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concedido-na-bahia>. Acesso em: 18 ago. 2020.
RACY, Sonia. Google Brasil revela aumento surpreendente de busca pelo termo “divórcio
online gratuito”. ESTADÃO. 29 maio 2020. Disponível em:
<https://cultura.estadao.com.br/blogs/direto-da-fonte/google-brasil-revela-aumento-
surpreendente-de-busca-pelo-termo-divorcio-online-gratuito/>. Acesso em 13 ago. 2020.
TARTUCE, Flavio. Direito Civil, v. 5: Direito de Família. 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio
de Janeiro: Forense, 2017.
816
Nathalia Santos1
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo tratar do estudo da escolha ou da recusa do
tratamento médico, com foco na autonomia da pessoa idosa na tomada de decisões
pertinentes a sua saúde, fazendo uma breve análise dos princípios norteadores e questões
pertinentes ao convívio social. Utilizando como fonte para este estudo o Estatuto do Idoso
(Lei nº 10.741 de 2003) e a Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave: Idoso. Autonomia. Tratamento médico. Estatuto do Idoso.
INTRODUÇÃO
Hoje, no Brasil, a população vive mais tempo e, com isso, o número de pessoas idosas
cresce a cada dia. Todo esse processo de envelhecimento impacta a vida do idoso, e a dos
que convivem com ele, da família e da sociedade em geral.
Para que a convivência e o entendimento com essa geração sejam igualitários, é
necessário reconhecer o idoso como uma pessoa socialmente capaz e possuidora de direitos.
Visando o atendimento as suas necessidades, refletidas nas leis e na sua efetivação.
Com as limitações que acompanham o envelhecimento, o idoso é encarado, muitas
vezes, como incapaz e dependente. Promovendo assim o seu afastamento social, dificultando
sua longevidade.
É muito relevante prezar pela autonomia dos idosos, pois os mesmos são possuidores
de direitos como qualquer outra pessoa de faixa etária diferente, devendo ser respeitados e
ter seus direitos preservados e aplicados no dia a dia.
Faz-se necessário que tenham seus direitos assegurados e protegidos, visando um
envelhecimento saudável e incluso na sociedade. Relacionando-os com a competência de
responder por si mesmo, de tomar decisões quanto aos cuidados com sua saúde e de ser
responsável pela própria vida, garante-se aos idosos os seus direitos fundamentais. Assegura-
se a compreensão para essa faixa etária e seus modos de vida, fazendo com que o
1
Advogada inscrita na OAB/RS 118.240, graduada pela PUCRS e pós-graduanda em Direito Civil e Processual
Civil pela Uniritter. Email: nathaliasadv@outlook.com.
817
reconhecimento da autonomia se torne uma função essencial, visto que, muitas vezes, esta
ideia é deixada de lado e não recebe a devida atenção.
Assim, o idoso pode exigir que a sociedade respeite e garanta meios para que sejam
atendidos,3 visando o melhor atendimento as suas necessidades e melhorando a sua inclusão
social, visto que a população idosa sofre constantemente com o afastamento social, sendo
cada vez menos representada em nosso meio.
Temos como ponto de partida a analise ao direito à vida. Ressalta-se que o direito à
vida é o bem mais importante e condição para o exercício dos demais direitos. De acordo
com Paulo Roberto Barbosa, “a vida é o ponto de partida e o ponto de chegada de todos os
demais direitos”.4
Esse direito à vida trata não somente da vida biológica e da vida espiritual, mas
também da vida social, devendo ser observado como uma garantia ao idoso de exercício de
2
DINIZ, Fernanda Paula. Direitos dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte: Arraes
Editores, 2011. p. 41.
3
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p.61.
4
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Curso de Direito do Idoso/ Paulo Roberto Barbosa Ramos – São Paulo:
Saraiva, 2014. – (Série IDP). p.124.
818
cidadania.5 Neste sentido, temos: ‘’Ter direito à vida significa [...] ter direito de participar,
por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões
que prevalecem na sociedade”6, ou seja, estar incluso em nossa sociedade como ser atuante
e capaz.
No Estatuto do Idoso, o direito à vida é tratado nos artigos 8º e 9º.7 Essa vida a qual
se refere deve ser digna e saudável. Trata-se de um direito personalíssimo e o idoso deve ser
reconhecido como ser humano e o fato de estar com a idade mais avançada não lhe tira o
direito de receber o devido cuidado e tratamento, garantindo-lhe qualidade de vida.8
Desta forma, com base no artigo 8º do Estatuto do Idoso, “o envelhecimento é um
direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação
vigente”.9 O referido artigo determina a proteção ao envelhecimento como um direito social,
o que, de acordo com Pérola Braga, “significa que a proteção ao envelhecimento não é direito
somente daquele que já envelheceu, mas também um elemento de segurança jurídica que
atinge a sociedade como um todo”10, sendo necessário estabelecer meios de proteção e
efetivação deste direito.
Cabe, assim, a toda a sociedade o dever de evitar qualquer violação a esse direito,
regulamentando e garantindo os mesmos. Diante desse pensamento, a velhice cabe ao
homem desde seu nascimento, ou seja, ao nascermos estamos indo em direção a velhice, e o
direito à vida irá preservar o envelhecer, zelando pelas melhores condições de aplicá-lo.11
Já no artigo 9º do Estatuto do Idoso tem-se a disposição que define o ônus de garantir
a vida e a saúde do idoso como função do Estado, “é obrigação do Estado garantir à pessoa
idosa a proteção a vida e a saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que
5
FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas Junior, Direitos e garantias do idoso: doutrina,
jurisprudência e legislação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 47.
6
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Saraiva, 2014. Série IDP.p.124.
7
BRASIL. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741compilado.htm>. Acesso em: 02
out. 2018.
Art. 8º O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei
e da legislação vigente.
Art. 9º É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de
políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.
8
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p.62.
9
BRASIL. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741compilado.htm>. Acesso em: 02
out. 2018.
10
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p. 63.
11
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Saraiva, 2014. Série IDP. p.125.
819
Na Constituição Federal de 1988, o artigo 1º, inciso III14 apresenta um dos direitos
fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a dignidade da pessoa humana. De
acordo com o Professor Alexandre de Moraes, temos o princípio disposto da seguinte forma:
12
BRASIL. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741compilado.htm>.
Acesso em: 02 out. 2018.
13
FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas Junior, Direitos e garantias do idoso: doutrina,
jurisprudência e legislação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.47.
14
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[..]
III - a dignidade da pessoa humana;
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 02 out de
2018.
15
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. Ed. São Paulo: Atlas, 2001. p.48
820
O Estatuto do Idoso trata a respeito da dignidade no artigo 10, §3º: “é dever de todos
zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.17
No tocante do §3º, o respeito à dignidade pressupõe que o idoso deve ter segurança,
proteção de vínculos, objetos, moradia, saúde e acesso18, consagrando o direito à vida, à
saúde, à moradia, dentre outros. São questões também relacionadas às pessoas que vivem a
volta do idoso, e quanto ao tratamento que dão aos mesmos. Por conta disso, de forma
exemplificativa, a questão de dar tratamento diferenciado a idosos em hospitais é uma forma
de aplicação da dignidade, uma forma de efetivar os fundamentos constitucionais que zelam
pela realização de uma vida digna.
A dignidade da pessoa humana deve ser respeitada, não apenas visando a assegurar
um tratamento coerente, mas também buscando garantias à pessoa e à sua integridade física,
a fim de evitar tratamento degradante.
Seguindo na linha dos princípios norteadores dos direitos dos idosos, não se pode
deixar passar o direito à liberdade, que decorre da possibilidade de o idoso atuar segundo a
sua vontade. De acordo com José Afonso da Silva, a liberdade seria relacionada à felicidade
de cada um, de acordo com o interesse do agente, sendo a mesma um poder de atuação,
vejamos:
O conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de
atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade. [...]
Vamos um pouco além, e propomos o conceito seguinte: liberdade consiste na
possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da
felicidade pessoal. Nessa noção, encontramos todos os elementos objetivos e
subjetivos necessários à ideia de liberdade; é poder de atuação sem deixar de ser
16
BRASIL. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741compilado.htm>.
Acesso em: 02 out. 2018.
17
BRASIL. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741compilado.htm>.
Acesso em: 02 out. 2018.
18
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p.73
821
Ele deve ter liberdade de pensar e de se expressar de acordo com sua opinião, suas
crenças e seus valores, sendo esta essencial para o convívio em sociedade. A liberdade que
tratada aqui é representada como autonomia, sendo da capacidade de cada um determinar as
coisas que o envolvam.20
A liberdade refere-se à faculdade de ir e vir e também de pensamento, dando a
possibilidade ao idoso de se locomover da forma como achar melhor,
O idoso deve ter liberdade de pensar e expressar a sua opinião, inclusive quando o
assunto se referir à tomada de decisões sobre o cuidado da sua saúde, visto que é um ato de
direito. Cabe ao idoso optar pelo tratamento de saúde que lhe for melhor indicado, podendo
ainda escolher pelo não tratamento ou tratamentos alternativos, devendo sua opinião ser
respeitada.22
É notável que o exercício da autonomia do idoso depende de condições favoráveis,
de como a sociedade o encara. Por conta disso, o legislador associa o direito à liberdade
com respeito e dignidade para que todos tenham um papel para garantir que o idoso seja
tratado da melhor forma possível e sendo reconhecido como capaz. E é neste ponto que se
começa a notar o erro de percepção da sociedade em relação ao idoso, o erro de classificar a
pessoa idosa como doente, incapaz ou impossibilitado de tomar decisões sobre a sua própria
vida.
Retirar a liberdade de autodeterminação do idoso, tanto nas coisas rotineiras, quanto
na escolha de tratamento de saúde mais adequados ou na possibilidade de recusá-lo, é uma
19
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22.ed. rev. atual. São Paulo:
Malheiros, 2003. p. 232.
20
DINIZ, Fernanda Paula. Direitos dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte: Arraes
Editores, 2011. p.96.
21
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Saraiva, 2014. Série IDP. p. 126.
22
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p. 71
822
Segundo pesquisas realizadas pelo IBGE, o número de idosos cresceu 26% entre os
anos de 2012 e 201824. Esses números mostram que essa faixa etária está cada vez mais
representativa no Brasil. Os dados atuais são bem diferentes dos antigos, visto que,
antigamente, por conta da precariedade, as pessoas geralmente não atingiam idades
avançadas. Por conta disso, existia a ideia de que, “uma sociedade que não tem velhos não
se preocupa com eles”.25
Com o crescente número de idosos, o convívio com os mesmos passa a ser diário e é
necessária a mudança de conduta, reconhecendo a importância de estabelecer condições para
essas pessoas.
Depende de como a sociedade enxerga o idoso para que se possa conseguir espaço
para o mesmo, e para que sua aceitação sem estereótipos seja garantida. Conforme dispõe
Paulo Roberto, “acompanhando esse processo, uma consciência cada vez maior acerca da
necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana, que não pode ser subtraída ao homem
com o avançar da idade”.26
Todos passam por essa etapa da vida, são todos ‘’envelhescentes’’27 como se refere
Pérola Braga, no sentido em que todos caminham para o envelhecimento e
23
SARAIVA, Luana de Lima. A tutela constitucional da pessoa idosa. 2016. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-tutela-constitucional-da-pessoa-idosa,55852.html>. Acesso
em: 16 set. 2018.
24
VALOR ECONOMICO. Disponível em: < https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/05/22/populacao-
idosa-no-brasil-cresce-26-em-seis-anos.ghtml>. Acesso em: 17 de ago. 2020.
25
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p. 45.
26
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Saraiva, 2014. Série IDP. p. 42.
27
Braga, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. Nota introdutória, XX.
823
28
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p. 46.
29
CIOSAK, Suely Itsuko et al. Senescência e senilidade: novo paradigma na atenção básica de saúde. Rev.
esc. enferm. USP, São Paulo, v. 45, n. spe2, p. 1763-1768, Dec. 2011. Disponível <em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S008>. Acesso em: 02 out. 2018.
30
FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas Junior, Direitos e garantias do idoso: doutrina,
jurisprudência e legislação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 10.
31
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p.51.
32
SOUZA, Rafaela. Audiência pública apresentou dados inéditos sobre população idosa no RS. Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul: Notícias. [S.l.], 01 dez. 2018. Acesso em: 03 out. 2018.
824
O direito à saúde está concretizado junto aos direitos fundamentais das pessoas
idosas, sendo alicerce para a sua proteção integral.36 No artigo 3º do Estatuto do idoso, temos
em seu inciso VIII “a garantia de acesso à rede de serviços de saúde” sendo imprescindível
a ação do Estado, da sociedade e da família neste aspecto.37
Quanto ao idoso, tem-se a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, Portaria
2.528/06 do Ministério da Saúde, a qual tem a finalidade de “recuperar, manter e prover a
autonomia e independência dos indivíduos idosos, direcionando medidas coletivas e
individuais de saúde”,38 tendo como premissa o envelhecimento saudável, a manutenção e
melhoria, da capacidade funcional dos idosos.39 Juntamente com ela, tem-se o Estatuto do
Idoso que traz artigos visando a proteção legislativa do mesmo, sempre contando com a
obrigação do Estado para fiscalizar, aplicar e provê-la.
33
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 02 out. 2018. Art. 196: a
saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
34
FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas Junior, Direitos e garantias do idoso: doutrina,
jurisprudência e legislação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 56.
35
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p. 64.
36
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Direitos da pessoa idosa e seus princípios normativos. 2008. 288f. Tese
(Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: < https://www.maxwell.vrac.puc-
rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=11847@1>. Acesso em: 13 out. 2018.
37
BRASIL. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741compilado.htm>.
Acesso em: 02 out. 2018. Art. 3.
38
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p. 65.
39
PAULAIN, Amanda Karen. Políticas públicas de atenção ao idoso. Disponível em:
<https://www.sabedoriapolitica.com.br/ci%C3%AAncia-politica/politicas-publicas/idoso/>. Acesso em: 13
out. 018.
825
Essa saúde, a qual o texto se refere, não se trata somente de questões direcionadas a
remédios, doenças, mas também visa “todas as oportunidades e facilidades para preservar a
saúde física e mental das pessoas idosas”.40
Além da Constituição Federal e do Estatuto do Idoso, tem-se a Lei nº 8080, de 19
de setembro de 1990, que também visa abordar esse assunto e enfatizar sobre as condições
para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes.41 O artigo 2º da referida Lei coloca a saúde como um direito
fundamental e que deve o Estado prover condições para seu exercício pleno novamente
temos o dever do estado de assegurar a saúde e consequentemente o direito à vida, garantindo
melhores condições42.
Diante de todo o narrado, devido ao número de idosos no Brasil ser considerável,
faz-se necessário ter uma estrutura social que os proteja e que proporcione o cumprimento
dos seus direitos. Neste aspecto, a autonomia do idoso vem como fator essencial para que o
mesmo possua qualidade de vida. Tem-se a autonomia da seguinte forma de acordo com
Nunes “Caracteriza-se pela competência humana em dar leis a si próprio”.43
Neste sentido, de acordo com Fabio Ulhoa constata-se que, “A velhice por si só, não
é causa de incapacidade. Por mais avançada na idade, à pessoa tem plena aptidão para cuidar
diretamente de seus negócios, bens e interesse”.44
O idoso, estando em condições de responder por si mesmo, deve ter sua autonomia
preservada e aplicada. A ideia de que a idade traz a perda de autonomia deve ser retirada,
visto que são muitos os idosos que possuem total consciência de seus atos, tendo somente a
idade como fator diferencial.
40
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Direitos da pessoa idosa e seus princípios normativos. 2008. 288f. Tese
(Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: < https://www.maxwell.vrac.puc-
rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=11847@1 >. Acesso em: 13 out. 2018.
41
PAULAIN, Amanda Karen. Políticas públicas de atenção ao idoso. Disponível em:
<https://www.sabedoriapolitica.com.br/ci%C3%AAncia-politica/politicas-publicas/idoso/>. Acesso em: 13
out. 2018.
42
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção
e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras
providências. Art. 2º: A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 02 out. 2018.
43
NUNES, Lucília. A autonomia e responsabilidade na tomada de decisão clínica em enfermagem. II
Congresso Ordem dos Enfermeiros. (2006). Disponível em: <
http://lnunes.no.sapo.pt/adescoberta_files/autonomia&responsabilidade_IICongressoOE.pdf>. Acesso em: 30
set. 2018
44
ULHOA, Fabio. Curso de direito civil. 1. vol. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 178.
826
45
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2007. p. 167.
46
SAQUETTO, Micheli et al. Aspectos bioéticos da autonomia do idoso. Rev. Bioét., Brasília, v. 21, n. 3, p.
518-524, Dec. 2013.. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-
80422013000300016&lng=en&nrm=iso>. http://dx.doi.org/10.1590/S1983-80422013000300016. Acesso em:
13 mar. 2018.
47
TAVARES, Ana Rita; SIMÕES, Jose Augusto Rodrigues; PIRES, Cátia Isabel. Autonomia do
Idoso: Perspectiva ética, médica e legal. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/236331511_Autonomy_of_the_Elderly_Ethical_medical_and_leg
al_perspective_Portuguese_original_Autonomia_do_Idoso_Perspectiva_etica_medica_e_legal>. Acesso em:
02 out. 2018.
48
TAVARES, Ana Rita; SIMÕES, Jose Augusto Rodrigues; PIRES, Cátia Isabel. Autonomia do
Idoso: Perspectiva ética, médica e legal. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/236331511_Autonomy_of_the_Elderly_Ethical_medical_and_leg
al_perspective_Portuguese_original_Autonomia_do_Idoso_Perspectiva_etica_medica_e_legal>. Acesso em:
02 out. 2018.
49
JUNGES, JR. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos; 1999 apud SAQUETTO, Micheli
et al. Aspectos bioéticos da autonomia do idoso. Rev. Bioét., Brasília, v. 21, n. 3, p. 518-524, Dec. 2013.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-
80422013000300016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10 out. 2018.
50
UNESCO. Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração Universal
sobre Bioética e Direitos Humanos. Lisboa: Comissão Nacional da UNESCO – Portugal, 2006. Disponível
em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf> Acesso em: 07 out. 2018.
827
autonomia da pessoa deve ser respeita, respeitando a autonomia dos outros e devendo a
pessoa se responsabilizar quanto a essa tomada de decisões.51
Diante disto, pode-se destacar que, muitas vezes, pensar no idoso como sinônimo de
pensar em alguém dependente ou incapaz, conforme já referido, reforça a ideia dos
estereótipos e da relação da pessoa idosa frente à sociedade em que vivemos. Assim,
compromete-se sua autonomia, contribuindo para atitudes que, “desconsideram a pessoa
idosa como participante do processo existencial e de tomada de decisões pautadas na
autonomia”.52
Nos tratamentos médicos, o idoso deve ser informado de todas as possibilidades,
todos os prós e contras do procedimento, para que ele consiga decidir de forma coerente se
aceitará ou não o fazer.53 Se o idoso recusa o tratamento, tendo consciência do que pode
acarretar, o profissional da saúde deve respeitar essa decisão, preservando o respeito pela
autonomia e dignidade da pessoa humana.54
Com base nisso, a Juíza Maria Aglaé Tedesco Vilardo, titular da 15ª Vara de Família
no Rio de Janeiro e doutora em bioética e ética aplicada à saúde coletiva, quanto à autonomia
do idoso em decidir/optar pelo tratamento de saúde diz que:
Deve haver respeito na tomada da decisão pelo idoso, pois este poderá
perfeitamente recusar algum tratamento invasivo que não lhe proporcione
possibilidade de cura e cause mais sofrimento. Mesmo uma pessoa com algum
comprometimento cognitivo deve ser ouvida quanto ao que será feito com seu
corpo [ ...].55
51
UNESCO. Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração Universal
sobre Bioética e Direitos Humanos. Lisboa: Comissão Nacional da UNESCO – Portugal, 2006.
Artigo 5º Autonomia e responsabilidade individual
A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a respectiva
responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso das pessoas incapazes de
exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses.
Disponível em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>. Acesso em: 07 out. 2018
52
SAQUETTO, Micheli et al. Aspectos bioéticos da autonomia do idoso. Rev. Bioét., Brasília, v. 21, n. 3, p.
518-524, Dec. 2013. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-
80422013000300016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10 out. 2018.
53
TAVARES, Ana Rita; SIMÕES, Jose Augusto Rodrigues; PIRES, Cátia Isabel. Autonomia do
Idoso: Perspectiva ética, médica e legal. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/236331511_Autonomy_of_the_Elderly_Ethical_medical_and_leg
al_perspective_Portuguese_original_Autonomia_do_Idoso_Perspectiva_etica_medica_e_legal>. Acesso em:
02 out. 2018.
54
CUNHA, Jorge Manuel Alves da. A AUTONOMIA E A TOMADA DE DECISÃO NO FIM DA
VIDA. 2004. 157 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Bioética, Faculdade de Medicina do Porto,
Universidade do Porto, Porto, 2004. Disponível em: <https://repositorio-
aberto.up.pt/bitstream/10216/9658/5/5506_TM_01_P.pdf>. Acesso em: 07 out. 2018.
55
TAVARES, Mariza. Por dentro do Estatuto do Idoso: direitos na área da saúde. 2017. Disponível em:
<http://g1.globo.com/bemestar/blog/longevidademodo-de-usar/post/por-dentro-do-estatuto-do-idoso-direitos-
na-area-da-saude.html>. Acesso em: 11 abr. 2018.
828
Ainda, cabe frisar que a recusa do tratamento não quer dizer que a pessoa será largada
sem nenhum auxilio. A mesma terá o suporte para que ao longo do desenvolvimento da
doença, sejam realizados cuidados que amenizem os sintomas e façam com que passe por
esse processo de maneira natural.
56
CUNHA, Jorge Manuel Alves da. A AUTONOMIA E A TOMADA DE DECISÃO NO FIM DA
VIDA. 2004. 157 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Bioética, Faculdade de Medicina do Porto,
Universidade do Porto, Porto, 2004. Disponível em: <https://repositorio-
aberto.up.pt/bitstream/10216/9658/5/5506_TM_01_P.pdf>. Acesso em: 07 out. 2018.
57
SERRÃO, D. Relações entre os profissionais de saúde e o paciente. In: PATRÃO-NEVES M. C., Comissões
de ética: das bases teóricas à actividade quotidiana. Centro de estudos de Bioética - Pólo Açores. p. 61.
apud CUNHA, Jorge Manuel Alves da. A AUTONOMIA E A TOMADA DE DECISÃO NO FIM DA
VIDA. 2004. 157 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Bioética, Faculdade de Medicina do Porto,
Universidade do Porto, Porto, 2004. Disponível em: <https://repositorio-
aberto.up.pt/bitstream/10216/9658/5/5506_TM_01_P.pdf>. Acesso em: 07 out. 2018.
58
BRASIL. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741compilado.htm>.
Acesso em: 02 out. 2018.
829
forma como são levados a se comportar ‘’Partindo do pressuposto de estar no domínio, por
inteiro, de suas faculdades mentais, ele é o único com direito de escolher a modalidade de
tratamento.’’59
A forma como o idoso é tratado contribui para que ele vá perdendo a autonomia,
independentemente de ter algumas restrições advindas do envelhecimento. A sua capacidade
funcional deve ser mantida, sendo necessário que as pessoas ao seu redor o tratem como ser
autônomo.60
Ainda sobre o artigo 17 do Estatuto do Idoso, que é considerado um artigo
emblemático, tem-se o mesmo como assunto principal, visto que ele traz o direito de escolha
do idoso de forma assídua, promovendo sua autonomia:
Na decisão acima, expressa-se que esse direito deve ser priorizado, sem passar por
cima da dignidade da pessoa humana, devendo o idoso em situações como esta, ter o poder
59
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários ao Estatuto do Idoso. São Paulo: LTr, 2004.p. 61.
60
SAQUETTO, Micheli et al. Aspectos bioéticos da autonomia do idoso. Revista Bioética, Brasília, v. 21, n.
3, p.518-524, dez. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-
80422013000300016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 07 out. 2018.
61
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p.69.
62
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº
70069941540. Relator: Alexandre Kreutz. Cruz Alta de 13 de jul. 2017. Diário da Justiça. Brasília, 19 jul.
2017. Disponível em:
<http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=+70069941540+&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filt
er=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-
8&ud=1&sort=date%3AD%3AS%3Ad1&as_qj=&site=ementario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+#mai
n_res_juris>. Acesso em: 07 out. 2018.
830
de se autodeterminar a optar pelo melhor para sua vida. As pessoas não podem ter seu direito
à liberdade de escolha violado e, com o devido discernimento, sabendo o que é melhor para
a situação, devendo ter sua vontade respeitada. Caso ocorra o contrário, haverá uma ofensa
aos direitos fundamentais, com fulcro no artigo 10, §2º, do Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03,
que diz que é assegurado a pessoa idosa o direito à liberdade, dignidade e respeito, este
respeito abrange a preservação da autonomia da pessoa.63
A pessoa idosa precisa de proteção diante das políticas públicas para garantir sua
autonomia64. A relação deve ser conduzida com respeito aos seus direitos e capacidade:
Qualquer pessoa adulta tem o direito de poder optar pelo tratamento de saúde que
lhe parece mais conveniente e até por optar pelo não tratamento, mas quando a
opção vem de um idoso existe uma tendência da família, e até dos médicos, de não
respeitar sua vontade, como se ele não fosse mais dono da própria vida. 65
O idoso tem o direito de escolher o melhor para si próprio, optando pelo tratamento
que melhor lhe couber.
Respeitar a autonomia das pessoas é respeitar sua individualidade e seu direito de
se autodeterminar, segundo suas próprias convicções. O idoso não perde o
discernimento com a idade avançada, e se este estiver em pleno discernimento de
sua capacidade mental deverá sim optar pelo tratamento que lhe entender mais
favorável.66
63
BRASIL. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741compilado.htm>. Acesso em: 02
out. 2018. Art. 10 §2º.
64
SCHUMACHER, Aluisio Almeida; PUTTINI, Rodolfo Franco; NOJIMOTO, Toshio. Vulnerabilidade,
reconhecimento e saúde da pessoa idosa: autonomia intersubjetiva e justiça social. Saúde em Debate, Rio de
Janeiro, v. 37, n. 97, p.281-293, jun. 2013. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-11042013000200010&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 07 out. 2018.
65
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011. p 69.
66
DIREITOCOM. Capítulo IV do direito à saúde (do artigo 15 ao 19). Disponível em:
<https://www.direitocom.com/estatuto-do-idoso-comentado/titulo-ii-dos-direitos-fundamentais-do-artigo-8-
ao-42/capitulo-iv-do-direito-a-saude-do-artigo-15-ao-19/artigo-17-8>. Acesso em: 14 out. 2018.
67
TAVARES, Ana Rita; SIMÕES, Jose Augusto Rodrigues; PIRES, Cátia Isabel. Autonomia do
Idoso: Perspectiva ética, médica e legal. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/236331511_Autonomy_of_the_Elderly_Ethical_medical_and_leg
al_perspective_Portuguese_original_Autonomia_do_Idoso_Perspectiva_etica_medica_e_legal>. Acesso em:
02 out. 2018.
831
sempre em discussão é a questão das pessoas Testemunhas de Jeová que devem ter sua
liberdade de escolha preservada, independentemente da situação, pois trata-se de uma
escolha pessoal e cabe somente a pessoa decidir.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de direito do idoso. São Paulo: Atlas, 2011
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. Ed. São Paulo: Atlas, 2001.
833
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Saraiva, 2014.
Série IDP.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação
Cível nº 70069941540. Relator: Alexandre Kreutz. Cruz Alta de 13 de jul. 2017. Diário da
Justiça. Brasília, 19 jul. 2017. Disponível em:
<http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=+70069941540+&proxystylesheet=tjrs_index&clie
nt=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politica-
site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-
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SARAIVA, Luana de Lima. A tutela constitucional da pessoa idosa. 2016. Disponível em:
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22.ed. rev. atual. São
Paulo: Malheiros, 2003.
834
SOUZA, Rafaela. Audiência pública apresentou dados inéditos sobre população idosa no
RS. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Notícias. [S.l.], 01 dez. 2018. Acesso em:
03 out. 2018.
TAVARES, Ana Rita; SIMÕES, Jose Augusto Rodrigues; PIRES, Cátia Isabel. Autonomia
do Idoso: Perspectiva ética, médica e legal. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/236331511_Autonomy_of_the_Elderly_Ethical
_medical_and_legal_perspective_Portuguese_original_Autonomia_do_Idoso_Perspectiva_
etica_medica_e_legal>. Acesso em: 02 out. 2018.
TAVARES, Mariza. Por dentro do Estatuto do Idoso: direitos na área da saúde. 2017.
Disponível em: <http://g1.globo.com/bemestar/blog/longevidademodo-de-usar/post/por-
dentro-do-estatuto-do-idoso-direitos-na-area-da-saude.html>. Acesso em: 11 abr. 2018.
UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, Saúde e a Cultura. Declaração
Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. Lisboa: Comissão Nacional da UNESCO –
Portugal, 2006 Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>. Acesso em: 07 out.
2018.
Palavras chaves: Vaquejada. Emenda Constitucional nº. 96/17. Lei nº. 13.364/16.
Dignidade do Animal Não Humano. Efeito backlash
1. INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Direito, Especialista em Direito Animal, Especialista em Direito Tributário, Especialista em
Direito Imobiliário, Membro da Comissão de Defesa Animal da OAB Subseção Canoas/RS, OAB 114.575,
nicolle@nicollebittencourtadv.com.br
836
artigo 225, § 1º, VII, da Constituição Federal de 1988, asseverando a concepção biocêntrica
da norma constitucional que, para além da dignidade da pessoa humana, também reconhece
o dever de proteção em relação aos animais não humanos, estendendo o conceito de
dignidade para aqueles que, na medida de suas peculiaridades, compartilham de semelhanças
biológicas e emocionais que não podem ser ignoradas.
Por meio do método bibliográfico e documental, serão abordadas as perspectivas
jurídico-filosóficas que norteiam o Direito Animal, no intuito de demonstrar a capacidade
de sentir dos animais não humanos que implicaram no alargamento do conceito de
dignidade, buscando o reconhecimento dos direitos de proteção também para os animais não
humanos, resultando na indubitável obrigatoriedade de uma efetiva tutela constitucional
quando submetidos à práticas cruéis.
Nesse sentido, cumpre mencionar que a prática cultural da vaqueja foi declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n.º 4.983/CE em razão das
evidências de maus tratos e crueldade intrínsecas à atividade, comprovado, inclusive, por
laudos veterinários que atestavam o sofrimento dos animais.
Dessa forma, valendo-se dos mesmo argumentos que foram aplicados na julgamento
de inconstitucionalidade da rinha de galo na ADI n.º 1.856/RJ e na ADI n.º 2.514/SC, bem
como no RExt n.º 153.531/SC, que declarou inconstitucional a farra do boi, o Supremo
Tribunal Federal manteve seu posicionamento na ADI n.º 4.983/CE, demonstrando o
compromisso com a regra constitucional de vedação à crueldade animal e inaugurando a
autonomia do Direito Animal no Estado Brasileiro.
Assim, considerando a decisão do Supremo Tribunal Federal pela
inconstitucionalidade da vaquejada na ADI n.º 4.983/CE, o Congresso Nacional demonstrou
sua divergência quanto ao julgamento através da elaboração da Lei n.º 13.346/16 e da
Emenda Constitucional n.º 96/17, que passou a permitir a prática da vaquejada no país
mediante instrumentos legislativos, ocasionando o efeito backlash, compreendido como a
reação política que contraria decisões judiciais da Corte Suprema que, no caso em tela,
aponta para um evidente retrocesso em matéria de Direito Ambintal e Animal.
Assim, o objetivo deste artigo será demonstrar a inconstitucionalidade da prática da
vaquejada e, portanto, a própria inconstitucionalidade da Emenda n.º 96/2017 e da Lei n.º
13.364/2016, por evidente afronta ao dispositivo constitucional que, desde 1988, declarou a
importância e o compromisso com a proteção dos animais não humanos, inclusive
837
reconhecendo seu valor em si mesmo, expandindo o conceito de dignidade para além da vida
humana, devendo gozar de salvaguarda constitucional, conforme prevê a Carta Magna.
2
Conheça a história da vaquejada. Blog RodeoWest, 2018. Disponível em:
<https://blog.rodeowest.com.br/curiosidades-rodeio/conheca-historia-da-vaquejada/>. Acesso em: 30 set.
2020.
3
Ibidem.
4
BRASIL. Lei n.º 10.220, de 11 de abril de 2001. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/L10220.htm#:~:text=LEI%20No%2010.220%2C%20D
E%2011%20DE%20ABRIL%20DE%202001.&text=Institui%20normas%20gerais%20relativas%20%C3%
A0,Art.>. Acesso em: 30 set. 2020.
838
Importante salientar que a crueldade animal também decorre do estresse aos quais os
animais são submetidos, uma vez que estão distanciados de seu habitat natural, encontrando-
se inseguros, agitados e desnorteados, demonstrando que não apenas no espetáculo, como
também fora dele, permanecem sob pressão e assustados antes, durante e após o evento.
Para os veterinários Mariângela Freitas de Almeida e Souza e William Ribeiro
Pinheiro, em parecer técnico sobre rodeios realizado para o Fórum Nacional de Proteção e
Defesa Animal:
O som alto da música e do espetáculo pirotécnico os barulhos diversos, a luz
forte, a grande movimentação humana e o cheiro e visão da plateia assim como
o horário noturno avançado em que se realizam os rodeios podem provocar
altíssimo nível de estresse em cavalos e touros, uma vez que são produzidos em
condições totalmente diversas de seu habitat e contrariando os hábitos naturais
5
FERNANDES DE OLIVEIRA, Carlos Eduardo. Afecções locomotoras traumáticas em eqüinos (Equus
caballus, LINNAEUS, 1758) de vaquejada atendidos no Hospital Veterinário /UFCG, Patos – PB. 2008.
Monografia de Graduação em Medicina Veterinária. Campina Grande: Universidade Federal, p. 45 – 48.
6
Ibidem.
7
SANTIS PRADA, Irvênia Luiza de et. al. Bases metodológicas e neurofuncionais da avaliação de
ocorrência de dor/sofrimento em animais. Revista de Educação Continua da Medicina Veterinária e
Zootecnia de São Paulo. São Paulo, volume 5, fascículo 1, p. 1 – 13, 2002. Disponível em:
<https://www.revistamvez-crmvsp.com.br/index.php/recmvz/article/view/3278/2483>. Acesso em: 03 out.
2020.
839
8
ALMEIDA E SOUZA, Mariângela Freitas de; PINHEIRO, William Ribeiro. Parecer técnico sobre rodeios
e vaquejadas. Disponível em: >http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/9/docs/rodeio_-
_parecer_geral_em_texto.pdf>. Acesso em: 30 set. 2020.
9
“A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos.
Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos,
neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir
comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os
únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos
os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos
neurológicos”. INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Declaração de Cambridge sobre a Consciência em
Animais Humanos e Não Humanos. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511936-
declaracao-de-cambridge-sobre-a-consciencia-em-animais-humanos-e-nao-humanos>. Acesso em: 30 set.
2020.
10
LOURENÇO, Daniel Braga. Entre bois e homens: Considerações Iniciais Sobre o Julgamento da ADI
4983. Revista do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia. Bahia, volume
27, nº. 01, p. 1 – 264, 2017. p. 88. Disponível em:
<https://portalseer.ufba.br/index.php/rppgd/article/view/23347/14730>. Acesso: 03 out. 2020.
840
Por esse ângulo, a capacidade de sofrer e de sentir prazer não é apenas necessária
como suficiente para assegurar que um ser possui interesses de, pelo menos, não sofrer, o
que demonstra que os animais não humanos não buscam direitos diferentes daqueles que
possam lhe garantir a vida, a liberdade e a integridade física.11
Para o abolicionista Francione, os animais não humanos são semelhantes aos
humanos pelo menos no aspecto da senciência, possuindo o mesmo interesse em não sofrer
como resultado de ser utilizado como recurso,12 expondo que os animais não humanos não
estão no mundo para servir aos humanos mas para compartilhar o universo com eles,
afastando a mercantilização e instrumentalização da vida desses animais, visto que humanos
e não humanos devem ser protegidos contra o sofrimento de serem tratados como
propriedade ou recurso alheio.13
Oportuno mencionar que quando um dano é causado ao corpo humano, a mensagem
é transmitida pelo mesmo destino que nos corpos dos animais não humanos sencientes, ou
seja, sendo encaminhada até o cérebro, demonstrando que as estruturas físicas são as
mesmas, assim como os sistemas nervosos também o são, razão pela qual não há diferença
no sentir de um humano e de um não humano, o que revela a necessidade de proteção dos
interesses dos não humanos assim como ocorre com os interesses humanos.14
Em verdade, os animais não humanos estão conscientes do que lhes ocorre e do
mundo em que vivem, assim como os humanos, de modo que o que acontece na vida deles
importa tanto quanto o que acontece na vida humana, quer alguém se preocupe com isso ou
não. Os humanos e os não humanos possuem muitas diferenças, mas são idênticos em uma
característica crucial: a senciência, o que demonstra que nós e eles somos sujeitos de uma
vida.15
Especificamente sobre rodeios, Regan desconsidera-o como esporte por
compreender que a prática produz dor e sofrimento aos animais envolvidos, sejam equinos
ou bovinos, reconhecendo que esses animais também são sujeitos de uma vida e por esta
razão, não deveriam ser explorados e abusados da forma que ocorre, pois a morte é o único
11
SINGER, Peter. Libertação Animal. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 13.
12
FRANCIONE, Gary L. Introdução aos direitos animais: seu filho ou o cachorro? Campinas: Editora da
Unicamp, 2013. p. 29.
13
Ibidem, p. 33.
14
REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Porto Alegre: Lugano, 2006. p.
69.
15
REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Porto Alegre: Lugano, 2006. p.
72.
841
destino para o gado utilizado, seja por acidente na competição ou na chegada para o
abatedouro, haja vista que um animal ferido ou inválido em razão do dito esporte não serve
para a continuidade do evento e por isso, a morte é seu único fim.16
É nesse sentido que se afirma a possibilidade de expandir o conceito de dignidade ou
valor em si mesmo para os animais não humanos, visto que essa atribuição decorre da
capacidade de sentir, oriunda do desenvolvimento de um sistema nervoso central
característico de animais vertebrados.17
A existência da ética e da responsabilidade jurídica em relação à vida não humana
acaba por impactar a atitude do homem em relação aos animais utilizados, por exemplo, em
práticas de rodeios e tantas outras que consideram o animal não humano como um objeto à
disposição da vontade humana, ignorando seu valor em si mesmo,18 contrariando a
perspectiva biocêntrica da Constituição Federal que, em uma evidente preocupação com a
preservação da vida desses seres, proibiu práticas que submetam os animais à crueldade,
constatando que para além da vida humana, o valor em si mesmo é a própria dignidade da
vida e, portanto, pode ser estendida e atribuída aos não humanos.
Entretanto, ainda que as perspectivas da filosofia do Direito Animal sejam
esclarecedoras acerca da senciência e da consideração moral dos animais não humanos e,
embora a existência de laudos veterinários que confirmem a incoerência da continuidade de
vaquejadas e rodeios por conta da crueldade intrínseca à atividade e suas severas
consequências físicas e psicológicas causadas aos animais, há uma forte resistência em
extinguir essas atividades sob a alegação de que os referidos eventos geram empregos para
a região, obtendo uma vantagem financeira atrativa.
Nesse sentido, conforme dados disponibilizados pela Associação Brasileira da
Vaquejada – ABVAQ, a maior vaquejada do país ocorreu em Serrinha/BA, entre os dias 04
e 09 de setembro de 2019, no Parque Maria do Carmo, em que a premiação totalizava o
montante de R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais), corroborando com o argumento
acerca do atrativo financeiro que essas atividades representam.19
16
REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Porto Alegre: Lugano, 2006. p.
187.
17
SARLET, Ingo Wolfgang. FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ecológico: constituição,
direitos fundamentais e proteção da natureza. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 136.
18
Ibidem, p. 137.
19
Resultados. Associação Brasileira da Vaquejada, 2019. Disponível em:
<https://www.abvaq.com.br/resultados>. Acesso em: 30 set. 2020.
842
No que tange a vantagem econômica oriunda dos rodeios, a tradicional Festa do Peão
de Barretos/SP, que ocorreu entre os dias 15 e 25 de agosto de 2019, recebeu 800 mil pessoas
e movimentou mais de R$ 900 milhões de reais, distribuídos entre os mais diversos setores
vinculados ao evento, como é o caso da hotelaria, que recebeu 53,4% do público.20
Em razão da pandemia que assola o país, a Festa do Peão de Barretos/SP foi
cancelada para o ano de 2020, contudo, isso não impediu que a programação para 2021 fosse
definida para os dias 19 a 29 de agosto de 2021, contando com grandes nomes da música
sertaneja, de modo que os ingressos para os shows musicais podem alcançar o valor de até
R$ 890,00 (oitocentos e noventa reais) por noite.21
Ainda sobre rodeios, o tradicional Rodeio de Jaguariúna/SP, que ocorrerá entre os
dias 17 e 25 de setembro de 2021, conta com ingressos de até R$ 399,00 (trezentos e noventa
e nove reais) por noite, incluindo diversas atrações musicais para cada dia do evento.22
Oportuno referir que as vaquejadas, rodeios e exposições de animais somam uma
quantia significativa para a economia das regiões que proporcionam os eventos, tanto para
os organizadores, quanto para as redes hoteleiras e de transportes que são necessárias para a
acomodação e mobilidade dos participantes e visitantes.
Contudo, a atividade principal dos eventos organizados demonstra que a maior fonte
de renda advém de outras diversas atrações complementares, como os shows musicais,
contrariando o fundamento de que os rodeios e vaquejadas, por si só, movimentam a
economia.
Assim como a percepção biocêntrica da Constituição Federal de 1988 possibilitou a
extensão do conceito de dignidade para além da pessoa humana, as compreensões jurídico-
filosóficas do Direito Animal junto de laudos veterinários revelam a existência de danos
físicos e emocionais aos animais submetidos à prática da vaquejada, afrontando a norma
constitucional disposta no artigo 225, §1º, VII , razão pela qual foi declarada inconstitucional
pelo Supremo Tribunal Federal no recente julgamento da ADI n.º 4.983/CE, conteúdo que
será abordado no próximo tópico.
20
Festa do Peão de Barretos/SP movimento R$ 900 milhões, diz pesquisa da Secretaria de Turismo. G1
Ribeirão Preto e Franca. 30 de agosto de 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-
franca/festa-do-peao-de-barretos/2019/noticia/2019/08/30/festa-do-peao-de-barretos-sp-movimentou-r-900-
milhoes-diz-pesquisa-da-secretaria-de-turismo.ghtml>. Acesso em: 30 set. 2020.
21
65ª Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos 2021. TotalAcesso. Disponível em:
<https://cart.totalacesso.com/65festadopeaodeboiadeirodebarretos2021>. Acesso em: 30 set. 2020.
22
Ingressos. Jaguariúna Rodeo Festival 2021. Disponível em:
<https://www.jaguariunarodeofestival.com/#setores>. Acesso em: 30 set. 2020.
843
O estado do Ceará, marcado pela vaquejada como âmago do seu histórico cultural,
aprovou, em 08 de janeiro de 2013, a Lei n.º 15.299/1323 a qual passou a regular a prática da
vaquejada como uma atividade desportiva e cultural que, posteriormente, foi objeto de
controvérsia na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n.º 4.983/CE24 ajuizada em 18
de junho de 2013 perante o Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, quando do ajuizamento da ADI n.º 4.983/CE, o Procurador Geral da
República alegava que os animais utilizados na vaquejada eram enclausurados e violentados
antes do espetáculo, tudo no intuito de garantir o desempenho do evento, visto que, em razão
das lesões e torturas que eram submetidos, os animais saiam desnorteados na arena,
evidenciando seu pavor e instituto de fuga da dor.25
Ainda, a petição inicial abordou questões técnicas da área de medicina veterinária
mediante apresentação de laudos veterinários que comprovavam os graves danos físicos e
psicológicos dos animais utilizados nas vaquejadas, como é o caso das luxações de vértebras,
rupturas de ligamentos e de vasos sanguíneos.26
Para embasar sua fundamentação jurídica acerca da inconstitucionalidade da Lei n.º
15.299/13, o Procurador Geral da República utilizou alguns precedentes julgados pelo
Supremo Tribunal Federal, como a ADI n.º 1.856/RJ27 e a ADI n.º 2.514/SC28 que declararam
23
CEARÁ. Lei n.º 15.299, de 08 de agosto de 2013. Disponível em:
<https://www.al.ce.gov.br/legislativo/legislacao5/leis2013/15299.htm>. Acesso em: 03 out. 2020.
24
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.983/CE. Requerente:
Procurador-Geral da República. Intimados: Governador do estado do Ceará e Assembleia Legislativa do estado
do Ceará. Relator: Ministro Marco Aurélio. Disponível em:
<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4425243>. Acesso em: 03 out. 2020.
25
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.983/CE. Requerente:
Procurador-Geral da República. Intimados: Governador do estado do Ceará e Assembleia Legislativa do estado
do Ceará. Relator: Ministro Marco Aurélio. Petição Inicial. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?s
eqobjetoincidente=4425243>. Acesso em: 03 out. 2020.
26
Ibidem.
27
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.856/RJ. Requerente:
Procurador-Geral da República. Intimados: Governador do estado do Rio de Janeiro e Assembleia Legislativa
do estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=180541>. Acesso em: 03 out. 2020.
28
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.514/SC. Requerente:
Procurador-Geral da República. Intimado: Assembleia Legislativa do estado de Santa Catarina. Relator:
Ministro Eros Grau. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=65127&caixaBusca=N>. Acesso em:
03 out. 2020.
844
29
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 153.531/SC. Recorrente: APANDE –
Associação Amigos de Petropolis – Patrimônio, Proteção aos animais, Defesa da Ecologia e outros. Recorrido:
estado de Santa Catarina. Relator: Ministro Marco Aurélio. Disponível em:
<http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfJurisprudencia_pt_br&id
Conteudo=185142&modo=cms>. Acesso em: 03 out. 2020.
30
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.983/CE. Requerente:
Procurador-Geral da República. Intimados: Governador do estado do Ceará e Assembleia Legislativa do estado
do Ceará. Relator: Ministro Marco Aurélio. p. 13. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?s
eqobjetoincidente=4425243>. Acesso em: 03 out. 2020.
845
ao meio ambiente como também reconhece o seu valor independente, assegurando, de forma
inédita, o reconhecimento do Direito Animal como norma autônoma no direito brasileiro,
decorrente da interpretação do artigo 225, §1º, VII da Constituição Federal. Vejamos:
31
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.983/CE. Requerente:
Procurador-Geral da República. Intimados: Governador do estado do Ceará e Assembleia Legislativa do estado
do Ceará. Relator: Ministro Marco Aurélio. p. 34. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?s
eqobjetoincidente=4425243>. Acesso em: 03 out. 2020.
32
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF julga inconstitucional lei cearense que regulamenta
vaquejada, de 06 de outubro de 2016. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326838&caixaBusca=N>. Acesso em:
03 out. 2020.
33
BRASIL. Lei n.º 13.364, de 29 de novembro de 2016. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13364.htm>. Acesso em: 03 out. 2020.
34
BRASIL. Decreto nº 3.551, de 04 de agosto de 2000. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3551.htm>. Acesso em: 03 out. 2020.
846
35
BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda Constitucional n.º 50/16. Ofício n.º 852/2016, do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 08 de novembro de 2016. Disponível em:
<https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4609625&ts=1593932945789&disposition=inline>.
Acesso em: 03 out. 2020.
36
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de
outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em: 03 out. 2020.
847
interesses políticos dos representantes legislativos e os julgamentos proferidos pela mais alta
Corte de justiça do país, resultando em um fenômeno conhecido como efeito backlash,
Segundo George Marmelstein, o efeito backlash é “um contra-ataque político ao
resultado de uma deliberação judicial” em que não se trata de um ataque ao conteúdo jurídico
explicitado na decisão judicial mas à perspectiva ideológica que normalmente encontra-se
por detrás da temática em discussão, de modo que, no contexto constitucional
contemporâneo, percebe-se a incidência de uma jurisdição constitucional de vanguarda,
contrária ao sistema político mais conservador. Essa postura jurisdicional desperta a
insatisfação dos interesses políticos envolvidos, resultando no retrocesso legal como efeito
colateral.37
Nesse sentido, o julgamento da ADI n.º 4.983/CE, o qual foi diametralmente oposto
aos interesses políticos que fomentam as grandes exposições agropecuárias, rodeios e
vaquejadas, revelou sua tendência pioneira diante do aperfeiçoamento das compreensões
constitucionais que garantem os direitos fundamentais, retomando medidas progressistas
para que retrocessos ambientais não ocorram, haja vista que o Supremo Tribunal Federal
permanece afixado na prevalência do Direito Animal e Ambiental perante casos que
decorram do direito à cultura que envolvam animais em suas práticas.
O ambiente político resultante da aprovação da Lei n.º 13.364/16 e a Emenda
Constitucional n.º 96/17 evidenciou o retrocesso em matéria ambiental assentado na
Constituição Federal desde sua promulgação em 1988, momento em que compreende os
animais não humanos como seres tutelados pelo Estado, definindo a proibição de atos cruéis
cometidos contra esses.
Inclusive, cumpre ressaltar que a autonomia do Direito Animal, derivado do rol de
incisos que constitui o artigo 225 da Carta Magna, o qual dispõe sobre o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, constitui direito fundamental de ordem individual,
social e intergeracional e, portanto, possui envergadura de cláusula pétrea, nos termos do
artigo 60, §4º, IV, razão pela qual impensável sua alteração por meio do poder constituinte
37
MARMELSTEIN, George. Efeito backlash da Jurisdição Constitucional : reações políticas ao ativismo
judicial. Terceiro Seminário Ítalo-Brasileiro, 2016, Bolonha/IT. p. 02-04. Disponível em:
<https://www.cjf.jus.br/caju/Efeito.Backlash.Jurisdicao.Constitucional_1.pdf>. Acesso em: 03 out. 2020.
848
reformador, visto que somente o poder constituinte originário, por meio de uma nova
Constituição, poderia alterar matéria de direito e garantia individual.38
Isso porque a perpetuidade de determinadas cláusulas constitucionais revela o núcleo
essencial do projeto do poder constituinte originário e, portanto, expressa a vontade do povo,
que resulta por limitar a vontade dos representantes do povo no exercício do poder
constituído, de modo que o núcleo deva ser preservado perante qualquer modificação
institucionalizada pelo poder constituinte derivado, uma vez que este é juridicamente inferior
ao poder originário.39
Diante do cenário proporcionado pela movimentação política contrária à
interpretação constitucional promovida pelo Supremo Tribunal Federal, o Fórum Nacional
de Proteção e Defesa Animal ajuizou, no dia 13 de junho de 2017, a ADI n.º 5.728,
requerendo a declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 96/17,
arguindo a violação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na modalidade
da proibição da submissão de animais a tratamentos cruéis, constante no artigo 225, §1º, VII
da Constituição Federal que, por tratar de um direito fundamental, encontra-se inserido como
cláusula pétrea, motivo pelo qual não poderia ter sido modificado pelo poder constituinte
derivado.40
Além disso, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal constata que a crueldade
e o sofrimento animal não deixam de existir em razão de uma norma que defina determinadas
práticas como culturais, autorizando a utilização de animais, razão pela qual requereu
medida cautelar para suspender a eficácia da Emenda Constitucional n.º 96/17 que, todavia,
encontra-se pendente de julgamento sem data prevista para votação.41
Nesse sentido, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou a ADI n.º
5.772 no intuito de declarar a inconstitucionalidade da Lei n.º 13.364/16 e da Emenda
Constitucional n.º 96/17, alegando que a crueldade, intrínseca à prática da vaquejada,
38
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de
outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em: 03 out. 2020.
39
MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 9.ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 178/179.
40
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5.728. Requerente: Fórum
Nacional de Proteção e Defesa Nacional. Intimado: Mesa da Câmara dos Deputados. Relator: Ministro Dias
Toffoli. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?s
eqobjetoincidente=5208901>. Acesso em: 03 out. 2020.
41
Ibidem, p. 10-19.
849
permanecerá, seja qual for o tratamento jurídico a ela atribuído, de modo que rotula-la como
manifestação cultural através de uma norma jurídica não ocultará sua brutalidade. Assim
como na ADI n.º 5.728, a ADI n.º 5.772 também aguarda julgamento.42
Por fim, necessário recordar o julgamento da ADI n.º 939-7, a qual declarou a
inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 03/93 e da Lei Complementar n.º 77/93
que instituíam o Imposto Provisório sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de
Créditos e Direitos de Natureza Financeira – IPMF, momento em que o Supremo Tribunal
se manifesta para afirmar que uma emenda, oriunda do poder constituinte derivado que
resulte em violação ao poder constituinte originário, poderá ser declarada inconstitucional
em razão da função precípua daquele tribunal de garantir a salvaguarda da Constituição
Federal, nos termos do seu artigo 102, I, a.43
Dessa forma, havendo afastamento, por parte do poder derivado, do núcleo essencial
dos princípios que dão lógica à Constituição, perceber-se-á a ocorrência de um desvio de
poder, uma vez que o poder derivado deve adequar a Constituição mantendo sua identidade
perante as novas conjunturas.44
Assim, como se depreende do caso prático apresentado, não poderia o poder
constituinte derivado, exercido pelo Congresso Nacional na elaboração da Emenda
Constitucional n.º 96 e da Lei n.º 13.364/17, violar o poder constituinte originário que
determina a própria identidade da Constituição Federal de 1988, calcada na preservação do
meio ambiente ecologicamente equilibrado e na proteção dos animais não humanos que,
reitera-se, tem firmado seu compromisso sempre que necessária a interpretação
constitucional acerca da crueldade existente em práticas culturais que envolvam animais.
Portanto, inadmissível que a decisão de inconstitucionalidade da vaquejada,
proferida pelo Supremo Tribunal Federal, seja modificada por instrumentos legislativos que
nem mesmo possuem estatura para tanto, invadindo a competência que cabe,
42
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Procurador-geral questiona normas que autorizam a prática da
vaquejada no país, 08 de setembro de 2017. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=355108>. Acesso em: 03 out. 2020.
43
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 939-7. Requerente:
Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio. Requeridos: Presidente da República e Congresso
Nacional. Relator: Ministro Sydney Sanches. Disponível
em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266590>. Acesso em: 03 out.
2020.
44
MENDES, Gilmar Ferreira; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 9.ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 181.
850
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
individual, coletiva e intergeracional e, portanto, está categorizada como cláusula pétrea que,
por sua vez, só poderá ser modificada pelo poder constituinte originário e jamais pelo poder
constituinte derivado, como ocorreu no caso em tela.
Tratando-se de direito fundamental privilegiado por cláusula pétrea, qualquer
modificação constitucional deverá ser realizada pelo poder constituinte originário, nos
termos do artigo 60, §4º, IV da Constituição Federal, de modo que, havendo usurpação de
competência por parte do poder constituinte derivado, a norma resultante de intrusão deverá
ser declarada inconstitucional.
Portanto, ainda que haja autorização constitucional para a prática da vaquejada desde
a aprovação da Lei n.º 13.364/16 e da Emenda Constitucional n.º 96/17, cumpre ressaltar
que sua permissão não reduz a crueldade intrínseca dessa prática, tampouco invalida as
comprovações de lesões físicas e emocionais causadas aos animais, motivo pelo qual
advoga-se pela declaração de inconstitucionalidade dessas normas, uma vez que refletem o
grave retrocesso de princípios constitucionais basilares, assim como revela a ingerência por
parte do poder derivado, atuando como se poder originário fosse, situação inadmissível pela
Constituição Federal que resultou, inclusive, no ajuizamento das ADI n.º 5.772 e ADI n.º
5.728.
REFERÊNCIAS
10.220%2C%20DE%2011%20DE%20ABRIL%20DE%202001.&text=Institui%20normas
%20gerais%20relativas%20%C3%A0,Art.>. Acesso em: 30 set. 2020.
BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda Constitucional n.º 50/16. Ofício n.º
852/2016, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 08 de novembro de
2016. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=4609625&ts=1593932945789&disposition=inline>. Acesso em: 03
out. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF julga inconstitucional lei cearense que
regulamenta vaquejada, de 06 de outubro de 2016. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326838&caixaBusca
=N>. Acesso em: 03 out. 2020.
O presente artigo pretende analisar de que forma o ser humano vem se adaptando às
transformações antrópicas que ocorreram desde a Idade da Pedra até os dias
contemporâneos. A análise será dividida em quatro capítulos, sendo o primeiro deles
denominado: Da Idade da Pedra à Era da Automação das Atividades Repetitivas; o segundo:
Automação das Atividades Intelectuais e o papel das Universidades; o terceiro: Elementos
que diferenciam Seres Humanos e Seres Tecnológicos; e, por fim, a conclusão e quarto
capítulo: Análise do Desemprego e da Desigualdade gerados (ou não) pela Automação.
A escolha do tema se fixa na base em que, durante o transcurso do semestre, fora
abordada a temática da substituição das atividades repetitivas e intelectuais humanas pelas
atividades de máquinas e robôs e, especificamente, como as profissões jurídicas seriam no
futuro, quais delas ainda seriam realizadas por seres humanos, e quais seriam realizadas por
máquinas. Discutiu-se, também o uso de programas de computação para a realização de
peças processuais básicas e outras atividades simples do dia a dia do advogado. Discutiu-se,
ainda, a eficácia do Projeto Victor, já em pleno funcionamento na mais alta Corte3 do país.
No presente artigo pretendeu-se analisar, sem ter a pretensão de exaurir o tema, por
óbvio, quais as características humanas que são incapazes de ser atingidas pelo mais
1
Doutoranda em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Mestre em Direito pela
Universidade de Passo Fundo – UPF. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade
Anhanguera-Uniderp. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo – UPF.
Advogada inscrita na OAB/RS 81.921. Endereço eletrônico: camilegirelli@outlook.com.
2
Pós-graduada em Direito Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduada em Ciências Jurídicas e
Sociais pela Universidade da Região da Campanha – URCAMP. Advogada inscrita na OAB/RS 88.166.
3
“A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, anunciou ao final da sessão
plenária desta quinta-feira (30) que já está em funcionamento o Projeto VICTOR, que utiliza Inteligência
Artificial (IA) para aumentar a eficiência e a velocidade de avaliação judicial dos processos que chegam ao
tribunal. Desenvolvido em parceria com a Universidade de Brasília – UnB, o projeto é o mais relevante no
âmbito acadêmico brasileiro relacionado à aplicação de IA no Direito.” SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Ministra Cármen Lúcia anuncia início de funcionamento do Projeto Victor, de inteligência artificial. Disponível
em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=388443. Acesso em fevereiro de
2020.
856
Darwin inicia suas pesquisas com a teoria da variabilidade, onde analisa uma região
específica em que todos os seres semelhantes, ou seja, da mesma espécie, mas com grande
variabilidade (multiplicidade) genética, possuem a capacidade de reprodução – ser da
espécie A que se reproduz com outro ser da espécie A –, e geram um descendente.
4
O Método Sistêmico, considerando o Conceito Operacional simples e objetivo antes apresentado, pode,
segundo alguns, ser utilizado em qualquer dos tipos de produto acadêmico a gerar em Pesquisa Científica,
desde que o investigador tenha as fontes seguras disponíveis e domine todo o fenômeno que vai descrever. (...)
De outra parte, preciso advertir ao meu leitor que o “calcanhar de Aquiles” do uso deste Método na Pesquisa
Jurídica, na maior parte das vezes, encontra-se no elemento paradigmático ambiente, porque a sua precisa
descrição implicará necessariamente uma antecedente e cuidadosa operação investigatória multidisciplinar.
Nesta, dependendo do Tema/Referente, o Investigador terá recorrer à Sociologia e/ou à História e/ou à
Psicologia Social e/ou à Economia para desenhar claramente o ambiente do fenômeno jurídico que está
investigando. Portanto, se o pesquisador tem disponíveis o tempo, a orientação e as fontes pertinentes, poderá
lograr êxito neste mister. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica. Teoria e Prática. 14 ed.
rev. atual. e amp. Florianópolis: EMais, 2018, p. 109-112.
5
DARWIN, Charles Robert. On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation
of Favoured Races in the Struggle for Life. New York: D. Appleton. And c,1859.
857
6
SOUSA, Rafaela. Ações antrópicas no meio ambiente. Brasil Escola. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/geografia/acoes-antropicas-no-meio-ambiente.htm. Acesso janeiro de 2020.
7
Muito antes de haver história, já havia seres humanos. Animais bastante similares aos humanos modernos
surgiram por volta de 2,5 milhões de anos atrás. HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da
humanidade. Tradução Janaína Marcoantonio. 26 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2017, p. 11.
858
o homem descobriu o fogo; há 70 mil anos atrás ocorreu a Revolução Cognitiva; há 30 mil
anos atrás ocorreu a extinção dos neandertais; há 12 mil anos atrás houve a domesticação de
plantas e animais e a criação de assentamentos permanentes; há 5 mil anos atrás a criação da
escrita e do dinheiro; 2,5 mil a invenção da moeda como dinheiro universal; há 500 anos
atrás houve a Revolução Científica; há 200 anos atrás houve a Revolução Industrial;
atualmente vive-se em tempos de big data, internet das coisas, transcendência dos limites do
planeta Terra, inteligência artificial, banco de dados, entre tantas outras questões
contemporâneas que poder-se-ia constatar.
Ocorre que essas evoluções não se deram de forma linear, harmônica ou
sincronizada, mas sim, elas vêm acompanhadas de quebras de paradigmas, grandes crises,
grandes depressões, num ciclo oscilante denominado pelo economista e cientista político
austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950) de “processo de destruição criadora”8, onde
explica:
O aço ilustra o mesmo processo de mutação industrial - se é que posso usar esse
termo biológico - que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir
de dentro, destruindo incessantemente a antiga, criando incessantemente uma
nova. Esse processo de destruição criativa é o fato essencial sobre o capitalismo.
É nisso que o capitalismo consiste e em que toda preocupação capitalista deve
viver.9
8
SHUMPETER, Joseph A. Capitalism, socialismo & democracy. London and New York: Routledge, 2003,
p. 81.
9
“Steel illustrate the same process of industrial mutation—if I may use that biological term—that incessantly
revolutionizes the economic structure from within, incessantly destroying the old one, incessantly creating a
new one. This process of Creative Destruction is the essential fact about capitalism. It is what capitalism
consists in and what every capitalist concern has got to live in.” SHUMPETER, Joseph A. Capitalism,
socialismo & democracy. London and New York: Routledge, 2003, p. 83.
10
BURNS, Edward McNail. História da Civilização Ocidental. Do Homem das Cavernas até a Bomba
Atômica. O drama da raça humana. Tradução de Lourival Gomes Machado, Lourdes Santos Machado e Leonel
Vallandro. 3. ed. Volumes I e II Porto Alegre: Editora Globo, 1974.
859
Tanto quanto é possível reduzi-la a uma fórmula sintética, pode-se dizer que a
Revolução Industrial compreendeu: 1) a mecanização da indústria e da agricultura;
2) a aplicação da fôrça motriz à indústria; 3) o desenvolvimento do sistema fabril;
4) um sensacional aceleramento dos transportes e das comunicações; e 5) um
considerável acréscimo do contrôle capitalista sobre quase todos os ramos de
atividade econômica.14 (grafia de oridem)
11
FROSINI, Vittorio. Cibernética, Derecho y Sociedad. Madrid: Tecnos, 1982, p. 173.
12
HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Tradução Janaína Marcoantonio. 26
ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2017, p. 11.
13
BURNS, Edward McNail. História da Civilização Ocidental. Do Homem das Cavernas até a Bomba
Atômica. O drama da raça humana. Tradução de Lourival Gomes Machado, Lourdes Santos Machado e Leonel
Vallandro. 3. ed. Volumes II Porto Alegre: Editora Globo, 1974, p. 661.
14
BURNS, Edward McNail. História da Civilização Ocidental. Do Homem das Cavernas até a Bomba
Atômica. O drama da raça humana. Tradução de Lourival Gomes Machado, Lourdes Santos Machado e Leonel
Vallandro. 3. ed. Volumes II Porto Alegre: Editora Globo, 1974, p. 661.
860
Contudo, não apenas de benefícios se faz uma mudança paradigmática, como bem
afirmou Schumpeter15 no conceito supra analisado (o “processo de destruição criadora”),
como os decorrentes da Revolução Industrial que criou todos os benefícios citados por Burns
– e vários outros –, mas também fez com que muitos trabalhadores perdessem seus empregos
sendo substituídos pelas modernas e revolucionárias máquinas lançadas na época, ou mesmo
que desenvolvessem trabalhos setorizados de forma massiva e repetitiva.
Karl Marx (1818-1883) afirmou que as máquinas levariam o homem ao socialismo:
“O moinho movido pelo braço humano nos dá a sociedade com o suserano; o moinho movido
a vapor, a sociedade com o capitalista industrial”16. A ele se uniu Frederich Engels (1820-
1895), ambos acreditavam que se desenvolveriam novas máquinas e que elas levariam a
sociedade ao socialismo. Marx criticava aqueles que davam importância ao trabalho, pois,
segundo ele, as ferramentas é que eram importantes. Ocorre que, o autor olvidou que “as
ferramentas não caem do céu. Elas são produtos de ideias.”17.
Um excelente exemplo dessa conjuntura contraditória (benefícios e malefícios de
uma quebra paradigmática) é o icônico filme dirigido e protagonizado, tanto com humor
quanto com sensibilidade, por Charles Chaplin, “Tempos Modernos”18 onde retrata a vida
urbana do personagem Carlitos nos Estados Unidos no ano de 1930, demonstrando os modos
de produção industrial baseados na divisão e especialização do trabalho nas linhas de
montagens impulsionados pela Revolução Industrial. O Taylorismo e o Fordismo são
modelos de produção fundamentados na divisão do trabalho onde cada trabalhador fica
responsável por uma etapa do processo produtivo, diferentemente do processo feito até então
onde a produção era predominantemente artesanal e feita por poucas pessoas. A produção
dos bens começou a ser feita em grandes quantidades, protagonizada pelas máquinas, de
forma fragmentada e devia ser realizada no menos tempo possível para que fosse possível
gerar o maior lucro possível, para isso preconizava exercícios repetitivos e condições
insalubres de trabalho aos operários.
Essas mudanças na forma de produção encontraram muita oposição, principalmente
dos trabalhadores que, revoltados com as condições de trabalhos acima relatadas, tentaram
15
SHUMPETER, Joseph A. Capitalism, socialismo & democracy. London and New York: Routledge, 2003,
p. 81.
16
MARX, Karl. Misère de la Philosophie. Paris and Brussels, 1847, p. 100.
17
VON MISES, Ludwig. Marxismo desmascarado. Tradução de Alexandre S. Campinas, SP: VIDE
Editorial, 2015, p. 28.
18
MODERN TIMES. Direção Charles Chaplin. New York: Continental Home Vídeo, 1936. 1 DVD. (87 min.)
861
19
CHASE, Alston. In a dark wood. New York: Transaction Publishers, 2001, p. 41.
20
PYNCHON, Thomas. Is O.K. to be a Luddite? In: ALSEN, Eberhard. The New Romanticism: a collection
of critical essays. New York & London: Garland Publishing, Inc., 2000, p. 43.
21
HOBSBAWM, Eric. The machine breakers. Disponível em: http://libcom.org/history/machine-breakers-
eric-hobsbawm. Acesso em janeiro de 2020.
22
“The Industrial Revolution, of course, is not only the story of steam power, but steam started it all. More
than anything else, it allowed us to overcome the limitations of muscle power, human and animal, and generate
massive amounts of useful energy at will. This led to factories and mass production, to railways and mass
transportation. It led, in other words, to modern life. The Industrial Revolution ushered in humanity’s first
machine age—the first time our progress was driven primarily by technological innovation—and it was the
most profound time of transformation our world has ever seen. The ability to generate massive amounts of
mechanical power was so important that, in Morris’s words, it ‘made mockery of all the drama of the world’s
earlier history´.” MCAFEE, Andrew, BRYNJOLFSSON, Erik. The second machine age: work, progress, and
prosperity in a time of brilliant technologies. New York and London: W. W. Norton & Company, 2016, p. 23.
862
Com o uso das máquinas, os produtos que antes eram produtos de manufatura ficaram
mais baratos, mais numerosos, portanto mais acessíveis a um número muito maior de pessoas
que antes não tinha acesso a esses bens. Não obstante aos benefícios do acesso, o aumento
das vendas desencadeou uma demanda por atividades relacionadas à produção, como o
fornecimento de mais matéria prima, a criação de profissões que possibilitassem a
fabricação, manutenção e criação de peças e máquinas, o desenvolvimento de tecnologia
para o aprimoramento das atividades, dentre tantos outros.
23
MIT Initiative on the Digital Economy. Disponível em: http://ide.mit.edu. Acesso em janeiro de 2020.
24
MIT Center for Digital Business. Disponível em: http://ebusiness.mit.edu/about/staff.html. Acesso em
janeiro de 2020.
25
“A slightly more complex model allows for the possibility that technology may not affect all inputs equally,
but rather may be ‘biased’ toward some and against others.” MCAFEE, Andrew, BRYNJOLFSSON, Erik. The
econd machine age: work, progress, and prosperity in a time of brilliant technologies. New York and London:
W. W. Norton & Company, 2016, p. 23.
863
26
LEVY, Frank. MURNANE, Richard J. The new division of labor: how computers are creating the next job
market. New York: Russell Sage Foundation, 2004.
27
Sure-Fire starting for the Firebird. 1954 Popular Mechanics January. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?id=1t4DAAAAMBAJ&pg=PA241&dq=1954+Popular+Mechanics+Janu
ary&hl=en&sa=X&ei=VTQqT6rRIMbo2AX_39SHDw&redir_esc=y#v=onepage&q&f=true. Acesso em
janeiro de 2020.
28
SRI International Artificial Intelligence Center. Shakey. Disponível em: http://www.ai.sri.com/shakey/.
Acesso em janeiro de 2020.
29
Thrun S. et al. (2007) Stanley: The Robot That Won the DARPA Grand Challenge. In: Buehler M.,
Iagnemma K., Singh S. (eds) The 2005 DARPA Grand Challenge. Springer Tracts in Advanced Robotics,
vol 36. Springer, Berlin, Heidelberg. Disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-
3-540-73429-1_1. Acesso em janeiro de 2020.
30
Os Jetsons, são desenhos sobre uma família num mundo futurista, podendo até de serem chamados de
"Os Flintstones do Futuro". Os Jetsons. The Jetsons (ABC, 1962). Hanna Barbera. Disponível em:
http://www.hannabarbera.com.br/jetsons/jetsons.htm. Acesso em janeiro de 2020.
864
Contudo, Nicholas Carr31 afirma que o uso de algumas tecnologias têm deixado os
humanos “enfeitiçados pelas tecnologias engenhosas”, no sentido de que o ser humano tem
confiado e entregue cada vez mais atividades cotidianas, seja das mais simples como, por
exemplo, a própria escrita, sendo corrigida por meio do corretor automático, seja a mais
complexa como, por exemplo, o controle da escolha da rota por meio de GPS, como no
exemplo do transatlântico Royal Majesty32.
Há que se atentar para o fato de que, por mais modernas que sejam, e mais bem
codificadas, as tecnologias, assim como os humanos, não são infalíveis. Carr33 aborda, na
mesma obra, outras questões de suma importância, como, por exemplo os riscos da
automação, do uso cada vez maior de softwares e computadores para dirigir nossas vidas, e
das implicações dessa tecnologia para a nossa mente, nossos hábitos e nosso modo de vida.
Harari faz uso de uma situação hipotética para chamar a atenção a respeito da
intensificação do desenvolvimento que a sociedade desenvolveu e presenciou no último
século:
31
CARR, Nicholas. The glass cage: how our computers are changins us. New York and London, W. W. Norton
& Company, 2015.
32
Na primavera do ano 1995, o transatlântico Royal Majesty encalhou, inesperadamente, em um banco de
areia da ilha de Nantucket. Apesar de estar equipado com o mais avançado sistema de navegação da época se
chocou com esta ilha situada a 48 quilômetros de Cape Cod, Massachussetts, nos Estados Unidos. Vinha das
ilhas Bermudas e se dirigia a Boston, com 1.500 passageiros a bordo. A antena do GPS se soltou, o barco foi
se desviando progressivamente de sua trajetória e nem o capitão, nem a tripulação perceberam o problema. Um
vigilante de guarda não avistou uma importante boia perto da qual o barco devia passar e não informou: como
a máquina vai se equivocar? Felizmente, o acidente não deixou feridos.
33
CARR, Nicholas. The glass cage: how our computers are changins us. New York and London, W. W. Norton
& Company, 2015.
34
HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Tradução Janaína Marcoantonio. 26
ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2017, p. 257.
865
(...) as pessoas não têm sempre os mesmos pensamentos quando expostas aos
mesmos fatos. Por exemplo, na escola alguns aprendem; outros não. Existem
diferenças entre os homens. Bertrand Russel (1872-1970) perguntou: “qual é a
diferença entre homens e pedras?”. A resposta dele foi que não havia nenhuma
diferença exceto que os homens reagem a mais estímulos do que as pedras. Mas,
na verdade, existem diferenças. Pedras reagem de acordo com um padrão definido
que nós podemos conhecer; temos a possibilidade de antecipar o que acontecerá a
uma pedra se ela for tratada de determinada forma. Mas, os homens não reagem
todos da mesma maneira quando recebem um tipo de tratamento; não conseguimos
determinar tais categorias de ação para o homem. 38
35
VON MISES, Ludwig. Marxismo desmascarado. Tradução de Alexandre S. Campinas, SP: VIDE
Editorial, 2015, p. 25.
36
VON MISES, Ludwig. Marxismo desmascarado. Tradução de Alexandre S. Campinas, SP: VIDE
Editorial, 2015, p. 26.
37
VON MISES, Ludwig. Marxismo desmascarado. Tradução de Alexandre S. Campinas, SP: VIDE
Editorial, 2015, p. 26.
38
VON MISES, Ludwig. Marxismo desmascarado. Tradução de Alexandre S. Campinas, SP: VIDE
Editorial, 2015, p. 26.
866
Parece-me que foi Merleau-Ponty, o mais sutil dos pensadores franceses do após-
guerra, o primeiro a empregar a expressão “ideologia cibernética”, para indicar o
sistema de idéias e de crenças determinado pelo objetivo central de obter-se o
máximo rendimento tecnológico do funcionamento automático das máquinas,
inclusive do homem concebido como máquina. Não escondia aquele filósofo as
suas preocupações de humanista, ante o nôvo mito que se está forjando uma
civilização dirigida por engenheiros eletrônicos e computadores. Ainda mais
apreensivo ficaria Merleau-Ponty se estivesse ouvindo os profetas de uma
sociedade de nôvo tipo, cujas relações se desenvolveriam segundo diretrizes
traçadas por complexos sistemas elétricos, capazes de transmitir informações e de
comandar com base nas informações recebidas, tudo com a garantia da correção
automática dos possíveis erros.41 (grafia de origem)
39
No ano de 1500, havia cerca de 500 milhões de Homo sapiens em todo o mundo. Hoje, há 7 bilhões. Estima-
se que o valor total dos bens e serviços produzidos pela humanidade no ano de 1500 era 250 bilhões de dólares.
Hoje, o valor de um ano de produção humana é aproximadamente 60 trilhões de dólares. Em 1500 a
humanidade consumia por volta de 1,5 quadrilhão de calorias por dia. Hoje, consumimos 1,5 quatrilhão de
calorias por dia. (Preste atenção nesses números: a população humana aumentou 14 vezes; a produção, 240
vezes; e o consumo de energia, 115 vezes). HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da
humanidade. Tradução Janaína Marcoantonio. 26 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2017, p. 257.
40
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol. I.
Tradução Roneide Venancio Majer. 18 ed. revista e ampliada. São Paulo: Paz e Terra, 2017, p. 463.
41
REALE, Miguel. Problemas de nossos tempos. São Paulo: Editorial Grijalbo Ltda, 1970, p. 95.
867
42
“Vorrei parlare piuttosto dell‟umanesimo in senso molto più specifico e considerare umanisti quelli studiosi
che per professione o vocazione erano legati agli studia humanitatis, e umanesimo il corpo di letteratura,
erudizione e pensiero rappresentato dagli scritti degli umanisti.” KRISTELLER, Paul O. Concetti
rinascimentali dell’uomo e altri saggi. Firenze: La nuova Italia Editrice, 1978, p. 139.
43
LIMBERGER, Têmis. Novas tecnologias e direitos humanos: uma reflexão à luz da concepção de esfera
pública. In: LIMBERGER, Têmis. BUNCHAFT. Novas tecnologias, esfera pública e minorias vulneráveis.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016, p. 28.
44
FROSINI, Vittorio. L’umo artificiale: ética e diritto nell’era planetária. Milano: Spirali Edizione, 1986.
45
“(...) si realizza con apparente paradosso una nuova forma di libertà individuale, un accrescimento della
socialità umana che si è allargata sull'ampio orizzonte del nuovo circuito delle informazioni, un potenziamento,
dunque, dell'energia intellettuale ed operativa del singolo vivente nella comunità.” FROSINI, Vittorio. La
democrazia nel XXI secolo, Macerata, Liberilibri, 2010, p. 160.
868
Assim, para adaptar-se a essa nova realidade, alerta Reale, citando os estudos de
Marshall McLuhan (1911-1980), que foi educador, intelectual, filósofo e teórico da
comunicação canadense, conhecido por conjeturar a internet quase trinta anos antes de ela
sequer ser inventada:
O senso crítico, mencionado pelo autor, tem-se mostrado visceral, tanto para as
Universidades, como para os profissionais, pesquisadores e para o mercado global. Mas será
que “apenas” o espírito crítico é o suficiente para que um profissional se mantenha no
mercado de trabalho? Quais seriam as características fundamentais para que um profissional
46
REALE, Miguel. Problemas de nossos tempos. São Paulo: Editorial Grijalbo Ltda, 1970, p. 96.
47
REALE, Miguel. Problemas de nossos tempos. São Paulo: Editorial Grijalbo Ltda, 1970, p. 126.
48
REALE, Miguel. Problemas de nossos tempos. São Paulo: Editorial Grijalbo Ltda, 1970, p. 126.
49
REALE, Miguel. Problemas de nossos tempos. São Paulo: Editorial Grijalbo Ltda, 1970, p. 126-127.
869
garanta seu lugar ao sol, ou, melhor dizendo, no mercado de trabalho sem temer os
inevitáveis e irreversíveis avanços tecnológicos?
A CBO do ano de 2002 tem uma série de inovações em relação a sua versão anterior
do ano de 1994. Entre as novas ocupações descritas estão as relativas a áreas com perfil
claramente tecnológico como biotecnologia, mecatrônica e informática. Mas as mudanças
na CBO incluem, também, transformações derivadas do mercado, como o crescimento dos
setores de serviços culturais e de comunicações.
50
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59
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https://willrobotstakemyjob.com/25-3099-teachers-and-instructors-all-other. Acesso em fevereiro de 2020.
60
LINKEDIN. Profissões Emergentes 2020. Disponível em:
https://business.linkedin.com/content/dam/me/business/en-us/talent-solutions/emerging-jobs-
report/Emerging_Jobs_Report_Brazil.pdf. Acesso em fevereiro de 2020.
872
61
LINKEDIN. Profissões Emergentes 2020. Disponível em:
https://business.linkedin.com/content/dam/me/business/en-us/talent-solutions/emerging-jobs-
report/Emerging_Jobs_Report_Brazil.pdf. Acesso em fevereiro de 2020.
62
LINKEDIN. Profissões Emergentes 2020. Disponível em:
https://business.linkedin.com/content/dam/me/business/en-us/talent-solutions/emerging-jobs-
report/Emerging_Jobs_Report_Brazil.pdf. Acesso em fevereiro de 2020.
873
63
FREY, Carl Benedikt. OSBORNE, Michael. The Future of Employment: how susceptible are jobs to
computerization? Disponível em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-
employment.pdf. Acesso em fevereiro de 2020.
64
“Robots are still unable to match the depth and the breadth of human perception”. FREY, Carl Benedikt.
OSBORNE, Michael. The Future of Employment: how susceptible are jobs to computerization? Disponível
em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-employment.pdf. Acesso em fevereiro
de 2020.
874
Frey e Osborne reconhecem que essas dificuldades das máquinas têm sido lenta e
gradativamente superadas, por “design inteligente de tarefas”66, e trazem o exemplo usado
pela Amazon que inseriu adesivos com códigos de barras no chão de seus depósitos para que
os robôs pudessem identificar sua localização precisa.
O alto custo de superar esse paradoxo permite vislumbrar longa vida para profissões
que exigem precisão e maleabilidade, como por exemplo Arqueólogo, Dentista, Médico
Cirurgião, entre outras.
Já quando Frey e Osborne67 se referem à inteligência social afirmam que ela pode ser
entendida como diplomacia, negociação, persuasão, cuidado, empatia, afeto, sensibilidade,
habilidade política, capacidade de formar laços de confiança. É um truísmo, de tão
verdadeiro tem tanto calor humano como um ser humano. Profissões como Psicólogo,
Terapeuta, Coordenador de equipes, Salva-vidas, Bombeiro, Cuidador de crianças e idosos,
entre outras profissões, estão praticamente a salvo.
65
MORAVEC, Hans. Robot: mere machine to transcendent mind. New York: Oxford University Press, 1998.
p. 137.
66
“Clever task design”. FREY, Carl Benedikt. OSBORNE, Michael. The Future of Employment: how
susceptible are jobs to computerization? Disponível em:
https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-employment.pdf. Acesso em fevereiro de
2020.
67
FREY, Carl Benedikt. OSBORNE, Michael. The Future of Employment: how susceptible are jobs to
computerization? Disponível em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-
employment.pdf. Acesso em fevereiro de 2020.
68
“Human social intelligence is important in a wide range of work tasks, such as those involving negotiation,
persuasion and care. To aid the computerisation of such tasks, active research is be- ing undertaken within the
fields of Affective Computing (Scherer, et al., 2010; Picard, 2010), and Social Robotics (Ge, 2007; Broekens,
875
et al., 2009). While algorithms and robots can now reproduce some aspects of human social interaction, the
real-time recognition of natural human emotion re- mains a challenging problem, and the ability to respond
intelligently to such inputs is even more difficult. Even simplified versions of typical so- cial tasks prove
difficult for computers, as is the case in which social in- teraction is reduced to pure text. The social intelligence
of algorithms is partly captured by the Turing test, examining the ability of a machine to communicate
indistinguishably from an actual human. Since 1990, the Loebner Prize, an annual Turing test competition,
awards prizes to textual chat programmes that are considered to be the most human-like. In each competition,
a human judge simultaneously holds computer-based textual interactions with both an algorithm and a human.
Based on the responses, the judge is to distinguish between the two. Sophisticated algorithms have so far failed
to convince judges about their human resemblance.” FREY, Carl Benedikt. OSBORNE, Michael. The Future
of Employment: how susceptible are jobs to computerization? Disponível em:
https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-employment.pdf. Acesso em fevereiro de
2020.
69
“Whole brain emulation, the scanning, mapping and digitalising of a human brain, is one possible approach
to achieving this, but is currently only a theoretical technology.” FREY, Carl Benedikt. OSBORNE, Michael.
The Future of Employment: how susceptible are jobs to computerization? Disponível em:
https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-employment.pdf. Acesso em fevereiro de
2020.
70
SANDBERG, A. BOSTROM, N. Whole Brain Emulation: a Roadmap. Technical Report #2008-3, Future
of Humanity Institute, Oxford University: p. 1-130.
876
afirmam Frey e Osborne71, “Um computador pode criar variações do que faz sucesso, mas é
incapaz de lançar tendências”, sem contar que, ainda segundo os autores, “A moda é uma
abstração humana”72. O processo criativo envolve fazer a combinação de ideias – tarefa que
exige um estoque rico de conhecimento – para chegar a uma combinação de ideias que faça
sentido. Há exemplos de robôs capazes de compor músicas, criar piadas, fazer movimentos
inusitados em um jogo de xadrez, contudo, as produções geradas por esses algoritmos são
de pouco (ou nenhum) ineditismo, mas sim de alto grau de previsibilidade e baixo grau de
dificuldade se for levado em consideração todos os dados fornecidos pelo programador.
Contudo, segundo Frey e Osborne73, a criatividade não depende apenas do
ineditismo, da novidade, mas, também do valor. Valor no sentido do que é importante ou
não como expressão criativa para uma determinada cultura. Para dificultar ainda mais a vida
dos robôs, esses valores são altamente variáveis.
O maior valor deste século parece estar na simbiose entre a criatividade humana e o
poder de computação das máquinas. Serviços como Amazon, Google e redes sociais como
Instagram, Facebook, Linkedin, entre outras, são ótimos exemplos dessa união. Há duas
décadas seus fundadores eram jovens formados em ciências exatas e hoje figuram nas mais
altas posições da lista dos homens mais ricos do mundo, protagonistas de negociações
71
FREY, Carl Benedikt. OSBORNE, Michael. The Future of Employment: how susceptible are jobs to
computerization? Disponível em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-
employment.pdf. Acesso em fevereiro de 2020.
72
FREY, Carl Benedikt. OSBORNE, Michael. The Future of Employment: how susceptible are jobs to
computerization? Disponível em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-
employment.pdf. Acesso em fevereiro de 2020.
73
FREY, Carl Benedikt. OSBORNE, Michael. The Future of Employment: how susceptible are jobs to
computerization? Disponível em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-
employment.pdf. Acesso em fevereiro de 2020.
877
74
Jeffrey Bezos (1964), empresário estadunidense criador e CEO da Amazon, fundada em 1994, atualmente
considerada a maior empresa de comércio eletrônico do mundo. Além dela, Bezos fundou uma empresa
aeroespacial, a Blue Origin, em 2000 e comprou o jornal The Washington Post no ano de 2013. Atualmente
figura na primeira posição da classificação da Forbes das pessoas mais ricas do mundo, com uma fortuna
estimada em US$ 131 bilhões. FORBES. 20 maiores bilionários do mundo em 2019. Disponível em:
https://forbes.com.br/listas/2019/03/20-maiores-bilionarios-do-mundo-em-2019/. Acesso em fevereiro 2020.
75
Lawrence Edward Page (1973), norteamericano, um dos criadores do Google, Presidente Executivo e de
Produtos da empresa que é uma multinacional de serviços de serviços online e software, fundado em 1998. Em
2011 Page foi considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time. TIME. The 2011
Time 100. Larry Page. Disponível em:
http://content.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,2066367_2066369_2066485,00.html. Acesso
em fevereiro de 2020.
76
Sergey Mihailovich Brin (1973), russo, um dos criadores e ex-presidente da Google, atualmente presidente
da Alphabet Inc. Em 2012, a revista Forbes classificou Brin como a 24ª pessoa mais rica do mundo, com um
patrimônio estimado em US$ 18,7 bilhões. FORBES. Billionaire Scorecard: Google´s Surge Sends Brin To
New Highs. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/scottdecarlo/2012/10/03/billionaire-scorecard-
googles-surge-sends-brin-to-new-highs-oracles-slide-sinks-ellison/#7766f56530f3. Acesso em fevereiro de
2020.
77
Kevin Systrom (1983), norteamericado, empreendedor e engenheiro de software, co-fundador e CEO do
Instagram. No ano de 2012 constou na lista da Fortune como um dos 40 jovens com menos de 40 anos mais
influentes do mundo dos negócios, também da Fortune. FORTUNE. 40 under 40 2012. Kevin Systrom.
Disponível em: https://fortune.com/40-under-40/2012/kevin-systrom/. Acesso em fevereiro de 2020.
78
Michel Krieger (1986), brasileiro, engenheiro de software e empresário, co-fundador do Instagram. No ano
de 2012 vendeu o aplicativo para o Facebook por US$ 1 bilhão. REVISTA EXAME. Instagram, o aplicativo
de 1 bilhão de dólares. Disponível em:
https://web.archive.org/web/20160203205057/http://exame.abril.com.br/revista-
exame/edicoes/1014/noticias/instagram-o-aplicativo-de-1-bilhao-de-dolares. Acesso em fevereiro de 2020.
79
Mark Elliot Zuckerberg (1984), norteamericano, empresário e programador, criou a rede social mais acessada
do mundo e lançado em 2004, o Facebook. No ano de 2016 ficou em 10º lugar na lista da Forbes das pessoas
mais poderosas do mundo. FORBES. The word´s most powerfil people 2016. Disponível em:
https://www.forbes.com/sites/davidewalt/2016/12/14/the-worlds-most-powerful-people-
2016/#6b8574bf1b4c. Acesso em fevereiro de 2020.
80
Reid Hoffman (1976), norteamericado, empresário e investidor de risco e escritor, fundou o Paypal, um
serviço eletrônico de transmissão de dinheiro, mas, ficou mundialmente conhecido quando fundou, juntamente
com Allen Blue, Konstantin Guericke, Eric Ly e Jean-Luc Vailan, em 2002, o Linkedin que é uma rede social
profissional com 21,4 visitantes mensais. O Linkedin foi vendido em 2016 para a Microsoft que pagou US$
26,2 bilhões, sendo esta a maior aquisição da Microsoft. MICROSOFT. Microsoft buys Linkedin. Disponível
em: https://news.microsoft.com/announcement/microsoft-buys-linkedin/. Acesso em fevereiro de 2020.
81
FREY, Carl Benedikt. OSBORNE, Michael. The Future of Employment: how susceptible are jorbs to
computerization? Disponível em: https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-
employment.pdf. Acesso em fevereiro de 2020.
878
De acordo com a Origem das Espécies de Darwin, não é o mais inteligente da espécie
que sobrevive, não é o mais forte que sobrevive, mas a espécie que sobreviverá é aquela
capaz de melhor se adaptar e ajustar às mudanças do ambiente em que se encontra.82
Segundo o autor, essa é uma das mais antigas e resilientes lendas econômicas, pois,
acreditar que as máquinas causam desemprego conduz a ridículas conclusões. Devemos estar
causando tanto desemprego com o aperfeiçoamento tecnológico de hoje em dia, quanto o
82
“According to Darwin’s Origin of Species, it is not the most intellectual of the species that survives; it is not
the strongest that survives; but the species that survives is the one that is able best to adapt and adjust to the
changing environment in which it finds itself.” MEGGISON, Leon C. DNA Cético. Disponível em:
https://darwin.bio.br/dnacetico/?p=151. Acesso em fevereiro de 2020.
83
HAZLITT, Wilian. Economia numa única lição. Traduzido por Leônidas Gontijo de Carvalho. São Paulo:
Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010.
84
HAZLITT, Wilian. Economia numa única lição. Traduzido por Leônidas Gontijo de Carvalho. São Paulo:
Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010. p. 258.
879
homem primitivo deve ter começado a causar com os primeiros esforços feitos no sentido
de poupar, para si, trabalho e suor inúteis.85
O pensamento vulgar segue a seguinte linha: se os empresários implementam
tecnologias, máquinas e robôs para realizar o serviço de um empregado, ou mais, logo,
poderão dispensá-los, assim, o efeito dessa implementação, se praticado em larga escala por
toda a economia, a consequência é o inevitável desemprego.
Ocorre que o uso da tecnologia, das máquinas e robôs não veio acompanhado de
queda nos índices de emprego ou mesmo de renda dos trabalhadores. Ao contrário, levou a
um aumento dos padrões de vida para todas as classes sociais. Se essa análise se der por
dados, o Banco Mundial estima que “nos 25 anos entre 1990 e 2015, a taxa de pobreza
extrema baixou em média um ponto percentual por ano – de quase 36% para 10%”86, mesmo
tendo em vista o aumento populacional nesse mesmo período.
Não obstante a isso, Steve Crowe (1947) demonstrou, em um estudo87 publicado no
ano de 2018, que o avanço da tecnologia e da automação não causou desemprego, redução
de renda ou queda nos níveis de vida dos trabalhadores. Foram analisados vários países e os
que têm mais índices de automação (Coreia do Sil, Cingapura, Alemanha, Suécia,
Dinamarca, Estados Unidos, Bélgica, Holanda, Canadá, Finlândia e Suíça) são países
conhecidos pelo alto padrão de vida dos trabalhadores e pela alta qualidade dos empregos
ofertados. A segunda constatação do autor é a de que nenhum dos países do mundo
conhecidos pela pobreza estão na lista.
A principal preocupação referente à automação é de que ela deixaria milhares de
trabalhadores desempregados. Contudo, a exemplo da Coreia do Sul88, o nível de
desemprego caiu desde os anos 2000, ficando quase o tempo todo abaixo do índice de 4%,
índice que representa um valor diminuto.
Outra preocupação seria quanto a desigualdade promovida pela automação, uma vez
que aqueles que detém os meios de produção – os empresários – poderiam produzir cada vez
mais e com maior eficiência com cada vez menos mão de obra humana, resultando numa
85
HAZLITT, Wilian. Economia numa única lição. Traduzido por Leônidas Gontijo de Carvalho. São Paulo:
Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010. p. 258.
86
BANCO MUNDIAL. Pobreza. Panorama geral. Disponível em:
https://www.bancomundial.org/es/topic/poverty/overview#1. Acesso em fevereiro de 2020.
87
CROWE, Steve. 10 most automated countries in the world. In: The robot report. Disponível em:
https://www.therobotreport.com/10-automated-countries-in-the-world/. Acesso em fevereiro de 2020.
88
CEIC. Coreia do Sul. Taxa de desemprego. Disponível em:
https://www.ceicdata.com/pt/indicator/korea/unemployment-rate. Acesso em fevereiro de 2020.
880
Assim, é possível identificar que não só as máquinas, a tecnologia, os robôs não têm
a capacidade de gerar desemprego e desigualdade, como, muito antes pelo contrário,
transformaram os índices de extrema pobreza, os níveis de desenvolvimento humano em
números positivos desde o começo de sua implementação.
Segundo o Relatório do Desenvolvimento Mundial de 201992 publicado pelo Banco
Mundial, “durante o último século, máquinas substituíram trabalhos em algumas funções.
No balanço geral, contudo, a tecnologia criou mais postos de trabalho do que os que ela
dispensou”.
É imperativo reconhecer que muitos trabalhadores tiveram seu emprego substituído
pela automação das atividades repetitivas e automação das atividades intelectuais, ocorre
que os fenômenos econômicos, para sua constatação fidedigna, devem ser medidos a longo
89
INDEX MUNDI. Korea – GINI índex. (World Bank estimate). Disponível em:
https://www.indexmundi.com/facts/korea/indicator/SI.POV.GINI. Acesso em janeiro de 2020.
90
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881
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Quélen Kopper1
Francine Nunes Ávila2
Resumo: Em razão das liberdades, o sujeito passa a se questionar a que identidade deve se
ter, pois estas são variáveis, dependendo de questões subjetivas, ancoradas no processo
social. Nesse processo, também aparecem as lutas moralmente motivadas por grupos sociais
que buscam estabelecer formas de reconhecimento recíproco, devendo estar adequadamente
concebidas para auxiliar as lutas por redistribuição. O desafio deste trabalho é compreender
da realidade sociológica vivenciada pelas mulheres agricultoras e analisar as diferenças que
compõe a identidade destas. A partir de uma pesquisa bibliográfica, buscou se compreender
a realidade da mulher rural que é responsável por várias atividades no campo, invisibilizada,
embora integrada no processo produtivo da agricultura familiar. Encontramos um
rompimento de barreiras onde as mulheres mostram sua real identidade ao buscar seu
reconhecimento social e seus direitos.
1
Advogada, especialista em Direito de Familia e Gestão Pública, Juíza leiga do TJRS, Professora da Faculdade
IDEAU/Bagé/RS, membro da CMA OAB/RS, membro da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da
OAB/Subsecção Bagé/RS e membro da Comissão da Igualdade Racial da OAB/Subsecção Bagé/RS. OAB/RS
nº 55.593. E-mail:advogadaqk@gmail.com
2
Advogada, doutoranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Universidade FEEVALE. Mestra em
Ciências Criminais pela PUC/RS.Coordenadora da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB,
Subsecção Bagé/RS. Professora e Coordendadora do Curso de Direito da Faculdade IDEAU/Bagé/RS.
OAB/RS 76.677. E-mail:francineavila@yahoo.com.br
3
Por comunidades rurais tradicionais utilizaremos aqui o conceito da Antropóloga Eunice Durhan, a qual
define que a organização do trabalho e a organização social vigentes nas sociedades tradicionais rurais referem
comunidades presas à agricultura de subsistência, em de isolamento relativo, na qual se estabeleceram padrões
culturais próprios. Baseada na grande maioria em um grupo familiar representado pela família conjugal
(homem-mulher-filhos), em que a característica fundamental do grupo conjugal é a dominância paterna.
887
Para Fraser (2001), deve ser desenvolvida uma teoria critica de reconhecimento que
identifique uma defesa somente daquelas versões da política cultural da diferença que
possam ser combinadas coerentemente com a política social da igualdade a partir da relação
traçada entre redistribuição e reconhecimento, conceituando igualdade social e
reconhecimento cultural. Para iniciar, precisa se compreender a injustiça econômica
informada por um compromisso com a igualdade e a injustiça cultura ou simbólica.
Assim, para Fraser é preciso complementar o conceito de reconhecimento com o de
redistribuição, já para Honneth as questões de justiça distributiva seriam tratadas melhor no
quadro da Teoria do Reconhecimento, pontuando aqui uma discordância quanto aos
conceitos a partir das reflexões do processo subjetivo, no olhar de cada autor.
O que se tem majoritariamente na literatura é que a identidade está em construção,
pois constantemente a partir de mecanismos de reflexão subjetiva, alinhas se aos fenômenos
890
que ocorrem a partir da vivência e experiência dos sujeitos, nas suas relações sociais,
econômica, política e cultural.
Para os autores filiados à ideia de identidade elemento dinâmico, ancorado no
processo da vida social, está filhada a corrente chamada interacionismo simbólico.
Por fim, podemos dizer que as identidades são fluidas e cambiantes, variando quanto
a intensidade e a complexidade das dimensões envolvidas, uma identidade desenvolvida no
setor rural está imerso o ambiente natural e de saberes tradicionais.
A prática social cotidiana de uma comunidade rural é orientada por saberes
tradicionais que expressam diferentes culturas, em especial no campesinato onde muitas
vezes há reprodução de práticas de outras nacionalidades trazidas por imigrantes, juntamente
com suas crenças.
Os recursos naturais disponíveis no ambiente rural também são utilizados e
manejados de acordo com as práticas e saberes guiados por uma identidade étnica,
influenciada pelo processo histórico de colonização, ou seja, a identidade está relacionada
ao ambiente natural e a saberes tradicionais, em constante mudança já que executado em
conjunto com suas relações sociais.
Nesse sentido o reconhecimento social das atividades produtivas da mulher rural
perpassa pela (re) definição da identidade sócio profissional da mulher, que implica na
análise dos conceitos de reconhecimento e interpretação dos fenômenos sociais.
891
os arranjos econômicos que embasam as especificidades do grupo, ficando os dois tipos tem
tensão. Assim apresenta o dilema da distribuição-redistribuição.
Por fim, pode se dizer que Nancy Fraser compartilha da ideia de Honneth, entretanto
em relação a imposição de todos os desejos dos sujeitos, pondera que o paradigma
indenitário de Honneth carece de critérios para garantir a auto realização, pois nem toda
reivindicação pode ser defendida, como concretização dos anseios extremistas, neonazistas
e terroristas.
De acordo com Krischke, 2003, pg. 02, “Nancy Fraser (1999) e Axel Honneth (2003),
enfatizam a necessidade de agregarem-se políticas de reconhecimento sócio-político-cultural
às tradicionais políticas de redistribuição econômica”, as quais se verificou no contexto
brasileiro sobretudo no Governo Lula, com a implantação de políticas públicas de
redistribuição sócio-econômica e sócio-culturais e que se entrelaçam com reconhecimento
entre as diferenças de identidade, as quais parecem ter declinado abruptamente no atual
momento político conservado do país. Fraser, afirma que a justiça social acontece quando
presente a redistribuição e o reconhecimento, afirmando também que nenhum deles por sí
só é o suficiente. Fraser crítica Honneth em relação ao conceito de reconhecimento.
Para Krischke, 2003, pg. 08, Fraser aborda a questão da perspectiva de que o
“(...)reconhecimento é uma reparação à injustiça, e não a satisfação de uma necessidade
genérica (...) Assim, as formas de reconhecimento exigidas pela justiça em cada caso,
894
Laclau argumenta que não existe mais uma única força, determinante e totalizante,
tal como a classe no paradigma marxista, que molde todas as relações sociais, mas,
em vez disso, uma multiplicidade de centros. Ele sugere não somente que a luta
de classes não é inevitável, mas que não é mais possível argumentar que a
emancipação social esteja nas mãos de uma única classe. Laclau argumenta que
isso tem implicações positivas porque esse deslocamento indica que há muitos e
diferentes lugares a partir dos quais novas identidades podem emergir e a partir
dos quais novos sujeitos podem se expressar (LACLAU, 1990: 40). As vantagens
desse deslocamento da classe social podem ser ilustradas pela relativa diminuição
da importância das afiliações baseadas na classe, tais como os sindicatos operários
e o surgimento de outras arenas de conflito social, tais como as baseadas no
gênero, na “raça”, na etnia ou na sexualidade (apud, WOODWARD, 2005, p. 29).
Woodward, deixa visível em seu texto que na vida moderna há uma diversidade de
posições que nos estão disponíveis - posições que podemos ocupar ou não, sendo difícil
separar identidades e estabelecer fronteiras entre elas, podendo estas identidades mudarem,
quanto a forma que representamos a nós mesmos, como homens, mulheres e trabalhadores.
895
Cixous sugere que as mulheres estão associadas com a natureza e não com a
cultura, com o “coração” e as emoções e não com a “cabeça” e a racionalidade. A
tendência para classificar o mundo em uma oposição entre princípios masculinos
e femininos, identificada por Cixous, está de acordo com as análises estruturalistas
baseadas em Saussure, as quais vêem o contraste como um princípio da estrutura
linguística (HALL, 1997a). Mas, enquanto para Saussure essas oposições binárias
estão ligadas à lógica subjacente de toda linguagem e de todo pensamento, para
Cixous a força psíquica dessa duradoura estrutura de pensamento deriva de uma
rede histórica de determinações culturais (WOOKWARD, 2005, p. 51).
A segunda posição centra-se nas estruturas sociais: aqui as mulheres são identificadas
com a arena privada da casa e das relações pessoais e os homens com a arena pública do
comércio, da produção e da política.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
1
Advogada. E-mail: jeane.taysa@hotmail.com
2
Advogada Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Higiene e Segurança do Trabalho. E-mail:
rafaela.bertonbristott@gmail.com
899
A mão de obra feminina nas fábricas auxiliou para uma característica de “força de
trabalho ideal”, pois, as mulheres eram, principalmente, moças jovens que não tinham
responsabilidades familiares, sem filhos, com baixos níveis de escolaridade, sendo
submissas às determinações dos empregadores. Assim, devido a todas essas condições de
vida e sem perspectivas, se sujeitavam a salários baixíssimos, não sendo consideradas
pessoas pensantes, mas, simplesmente, tinham que render e dar lucro (NOGUEIRA, 2004
apud VASCONCELOS, 2013, p. 3).
Após esses períodos, é relevante contextualizar a atuação da mulher na esfera global,
com base em atuais estudos realizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No contexto internacional, a OIT efetuou um estudo em 2018 sobre o assunto, divulgado nas
proximidades do Dia Internacional da Mulher daquele ano. Depreendeu ele que as mulheres
são menos predispostas a atuar do mercado de trabalho do que os homens. Além disso, elas
possuem mais possibilidades de estarem desempregadas em toda parte dos países do mundo.
Conforme esse relatório, o índice global de atuação das mulheres na força de trabalho restou
em 48,5% em 2018. Isto é, 26,5 pontos percentuais inferiormente à taxa dos homens
(GOLDHAR, 2020, p. 1).
Nos cursos jurídicos, a presença das mulheres atinge consistência a começar da
década de 1970, reforçando-se com a expansão das faculdades privadas de Direito em
meados de 1990, que estendeu as possibilidades de ingresso para aqueles oriundos de origens
sociais diversas. Contudo, as consequências de uma ordem criadora estruturada
majoritariamente por homens, brancos, heterossexuais e da elite predominante no decorrer
do primeiro século de existência dos cursos de Direito substanciam os rastros de
desigualdades que reiteram na atualidade, pois é um passado que marca intensamente o
contemporâneo profissional, entre homens e mulheres (BONELLI; BARBALHO, 2008, p.
275).
Nessa acepção, há 120 anos, Myrthes Gomes de Campos se tornava a primeira
advogada do Brasil. Porém, entre finalizar a faculdade e ser nomeada no quadro de sócios
do Instituto dos Advogados do Brasil, antecedente à OAB, teve que aguardar sete anos. A
classe – até aquele momento tomada só por homens – tinha contrariedade de consentir com
uma mulher advogada em seus quadros. Foi nesse cenário que ocorreu a introdução feminina
no mundo jurídico brasileiro. Depois de um século, a atuação das mulheres como operadoras
do Direito não gera mais a mesma estranheza. Mas foram precisos 50 anos, desde o início
902
de Myrthes, até que o Brasil empossasse a primeira juíza mulher, Thereza Grisólia Tang. A
partir desse momento, outros 46 anos se sucederam até que a primeira mulher fosse
confirmada no STF – Ellen Gracie, em 2000. O ingresso de Gracie na mais alta corte do país
demonstrou uma antiga falta de preparo físico no órgão: o prédio não tinha nem mesmo
banheiro feminino à época (FRANTZ, 2019, p. 1).
À vista disso, a historicidade da mulher no trabalho revela que os âmagos culturais
continuamente influenciaram a figura feminina no ambiente do trabalho, dado que sempre
foram vistas com mais aptidões para cuidar do lar, do que competência e habilidade para
atuar no mercado de trabalho. Contudo, as mulheres lutam ao longo dos tempos por
igualdades de direito, principalmente nas relações de trabalho.
três meses de licença. Após, com a promulgação da Constituição de 1946, a mulher obteve
como garantias o salário maternidade, ter assistência hospitalar à gestante e, um dos grandes
pontos, sendo proibida a diferença salarial por motivo de sexo, raça, nacionalidade, idade,
entre outras formas de discriminação.
No entanto, somente com a Constituição Federal de 1988 foi pontuado como
princípios fundamentais o respeito à dignidade humana, sem distinção de gênero, mas
considerando o respeito ao ser humano como indivíduos únicos no centro de direitos e
garantias, qual foi um ponto fundamental na busca pela diminuição da discriminação em
diversos aspectos, tal qual está inserido no artigo 5° da Constituição Federal de 1988 3, de
que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
A atual Constituição Federal, diante das evoluções ocorridas no decorrer dos anos,
ainda trouxe uma inovação em seu texto no artigo 7°, inciso XX4, qual evidencia em seu
texto, a necessidade de incentivos específicos, diante da desigualdade de gênero, que ocorreu
durante toda a história perante a mulher, para que esta se insira no mercado de trabalho,
protegendo-a de discriminações.
Cabe ressaltar, conforme mencionado anteriormente, que a Constituição Federal de
1988, procurou resguardar como princípio a dignidade do ser humano e a igualdade de
direitos, independente de gênero, raça, etnia, religião, credo, entre outros, ou seja, a não
discriminação, a proteção do trabalho da mulher, tendo como bem maior garantir ao ser
humano uma vida digna.
Nesse diapasão, o Dia 08 de março, conhecido como Dia Internacional da Mulher,
foi oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1975, sendo
comemorado desde início do século XIX, qual retrata uma trajetória de lutas das mulheres
por igualdade de gênero, direitos e respeito, conquistas políticas e sociais, que somente
foram concretizadas após muito empenho e esforço.
A mulher vem se destacando numa trajetória incansável e árdua, de muita batalha,
pleiteando condições de igualdade no mercado de trabalho ao longo dos anos, não ficando
3
Artigo 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: - homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
4
Artigo 7º da Constituição Federal: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social: XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
específicos, nos termos da lei”.
904
restrita somente aos afazeres domésticos, como dona de casa, cuidando do lar e de sua
família, mas se inserindo aos poucos ao mercado de trabalho, nas mais diversas profissões,
até mesmo laborando naquelas consideradas como “profissões masculinas”.
Nos dias atuais o universo da mulher não se confina apenas no âmbito do seu lar, da
vida doméstica e ao redor de sua família, mas estas têm participado cada vez mais ativamente
na sociedade. O reconhecimento como ser humano de direitos e cidadã foi conquistado
mediante muita luta, sendo que esta continua sendo necessária, pois mesmo diante de uma
era tecnológica e cada vez com mais acesso ao conhecimento e tecnologias, ainda há uma
trajetória em virtude das disparidades salariais e preconceito por ser tida como um ser frágil
e com pouca aptidão intelectual (SANTOS; SACRAMENTO, 2011, p. 2).
Os desafios não impediram as mulheres de ocuparem tais cargos, pelo contrário,
impulsionaram e estimularam elas a almejarem seus lugares e espaços nas mais diversas
profissões.
Na advocacia não foi diferente, desde os primórdios da existência se refere que há
indícios da advocacia, haja vista, sempre existir conflitos nos mais diversos aspectos e a
busca pela sua resolução, mesmo sem que houvesse os conhecimentos técnicos pertinentes
a profissão. No entanto, como o conhecimento e a capacidade da mulher eram subjugados
enquanto suas competências, era inaceitável o entrosamento da mulher na área das ciências
jurídicas pelo universo masculino e pela sociedade em geral devido ao contexto cultural.
Como anteriormente mencionado, a primeira mulher a exercer a profissão de
advogada no Brasil, foi Myrthes Gomes de Campos, qual fez a Faculdade Livre de Ciências
Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, se formando em 1898. Mas, Myrthes não foi a primeira
mulher a cursar e se formar em Direito, mas foi a primeira mulher a se desafiar e enfrentar
os preconceitos masculinos para exercer a profissão. Por mais que provou sua competência
ganhando a causa que defendeu na época, ainda levou sete anos para ser reconhecida pelo
Instituto dos Advogados do Brasil como profissional do Direito, qual ocorreu somente em
1906. Foi a pioneira na luta e defesa de Direitos, tais como à emancipação jurídica, sendo o
direito de participar do mercado de trabalho, da política e educação, direito ao voto feminino,
pontos referente ao divórcio e aborto, mesmo em uma época onde o patriarcado era
predominante (BANDEIRA, 2020, p. 1).
Assim, os avanços vêm acontecendo gradativamente, mas são fatos importantes e
fundamentais, inclusive na advocacia, qual vem se desenvolvendo a passos lentos. Conforme
905
pensamento do grande filósofo do Direito, Norberto Bobbio, em uma de suas obras, uma das
maiores metamorfoses do Século XX, ocorreu com a revolução feminina. Na OAB,
recentemente o ano de 2016 foi instituído como o ano das mulheres no Brasil, em que foi
dado uma atenção especial às demandas femininas no quesito de ter reconhecido e
consolidado os direitos humanos da mulher e suas prerrogativas no exercício da profissão,
inclusive, com o Provimento 164/2015 onde foi implementado o Plano Nacional de
Valorização da Mulher Advogada (FRANTZ, 2019, p. 1).
Outro ponto importante na busca por igualdade de gênero na Ordem dos Advogados
do Brasil, qual busca minimizar a desigualdade profissional, é a Comissão da Mulher
Advogada, que presta um importante serviço à sociedade feminina no geral. De acordo com
informação da OAB Seccional do Rio Grande do Sul5, são 39.907 advogadas inscritas e 696
estagiárias, totalizando 40.603 mulheres com cadastro ativo no quadro da Ordem no Estado.
Dessa forma, verifica-se que o reconhecimento da atuação profissional da mulher,
seu ingresso no mercado de trabalho, bem como seu desenvolvimento nesse cenário, foram
ocorrendo de passo a passo, numa estrada vagarosa, mas constante e incessante. Sendo que,
a metamorfose da mulher e sua consciência de importância na ocupação profissional e na
sociedade, somente reafirmam a essencialidade de suas lutas e continua buscas de condições
melhores e mais justas.
5
Informação prestada pela Ordem dos Advogados do Brasil na data de 25 agosto 2020.
906
mulher precisa demonstrar e lhe são exigidas ainda mais qualidades para galgar cargos
afamados. Além do conhecimento intelectual, as mulheres precisam demonstrar muita
firmeza, decisão e energia, quais qualidades por vezes, eram julgadas como específicas dos
homens (PELEGRINI; MARTINS, 2010, p. 58).
Corroborando com o entendimento de Saffioti (1979) que as mulheres sempre
estiveram presentes nas questões envolvendo o trabalho, bem como, conduzindo as suas
famílias, elas sempre trabalharam, sendo nas atividades domésticas, no trabalho rural, entre
outras atividades, quais contribuíram para o provimento de mantimentos, gerando
lucratividade, bem como, o desenvolvimento da importância do trabalho digno às mulheres
e o crescimento da mão-de-obra feminina (VASCONCELOS, 2013, p. 2).
Ocorre que, de acordo com pesquisas realizadas pelo IBGE6, no ano de 2019, o
rendimento médio mensal das mulheres foi 28,7% abaixo do que os ganhos dos homens,
observando os lucros de todos os trabalhos.
Nessa sequência, no mundo jurídico ainda há o predomínio de valores masculinos, a
despeito das mulheres representarem os mais variados cargos. Existem mulheres na
advocacia, na magistratura, desembargadoras, atuando como delegadas, entre outras. No
entanto, conforme maior o nível de poder de uma profissão na esfera do Direito, menos se
acham mulheres no poder (SALGADO, 2016, p. 64).
Assim, mesmo que existam progressos nos direitos femininos, estes são lentos, e
ainda existem muitas questões que necessitam ser dominadas. Os obstáculos da advocacia
feminina nunca encerram. E, no âmbito jurídico, costuma ocorrer de forma mais sutil,
singularmente por envolverem mulheres que possuem conhecimento de seus direitos.
Entretanto, em virtude do fato de mulheres já serem desprezadas em outros lugares, muitas
habituam nem estranhar o comportamento preconceituoso de colegas. Em razão disso,
muitas vezes, é necessário um olhar treinado para reconhecer determinadas discriminações
no dia a dia, tendo como exemplo a situação da mulher advogada não ser ouvida, a maneira
como suas opiniões não são consideradas, entre tantas outras (FRANTZ, 2019, p. 1).
Nesse sentido, a mulher nas profissões jurídicas não é impactada somente por uma
adversidade de alcançar os altos cargos, mas por uma série muito extensa de discriminações
6
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/27598-homens-
ganharam-quase-30-a-mais-que-as-mulheres-em-2019.
908
diárias, que não terminam nem mesmo no momento em que essas mulheres desempenham
os mais altos cargos (SALGADO, 2016, p. 65).
Consoante Feuvre e Lapeyere (2005), a concepção do gênero na advocacia consiste
num ‘script sexuado’ de desenvolvimento na carreira, o qual presume que os homens são
eficientes no âmbito profissional não tendo que provar isso de antemão, ao passo que as
mulheres necessitam demonstrar que são capacitadas. Existe também a presunção que elas
não têm disponibilidade integral para o trabalho, outorgando-se somente às mulheres a
harmonização da vida familiar e profissional. Os homens estão desobrigados dessa
harmonização concebendo o perfil almejado pelas firmas de devoção integral à profissão.
Essa concepção das diferenças de gênero na advocacia foi vista em estudos internacionais,
embora à dimensão de atuação feminina na carreira varie muito conforme características
nacionais (BONELLI; BARBALHO, 2008, p. 276).
Deste modo, não houve adaptação da profissão a entrada maciça de mulheres
ocorrida nas últimas décadas, sendo que várias delas têm obrigações familiares, o que as
exige a confiar os cuidados com os filhos, dado que a maior parte das atividades reprodutivas
sempre pertence às mulheres. Resta comprovado que essas sociedades não manifestam
grande inquietude com tal situação, o que se torna um real contratempo à progressão das
advogadas e mesmo à sua conservação na sociedade (BERTOLIN, 2017, p. 16).
Atualmente, ainda se percebe não somente a resistência de certos homens à
progressão da mulher nas carreiras jurídicas, mas acima de tudo e tristemente, resistência da
própria mulher, que diversas vezes não comemora as conquistas da outra. Esta é uma questão
frágil, mas sobre a qual é necessário projetar o olhar. Em suma, é uma revolução cultural
que tem a ver com a mudança da mentalidade masculina, num primeiro momento. Apesar
disso, tem essencialmente a ver com a mentalidade das próprias mulheres e das mulheres na
advocacia. Elas necessitam se confirmar, assim, com novos papéis e posições no campo
profissional. E precisam se ver em regime cooperativo para com a própria classe
(GOLDHAR, 2020, p. 1).
Portanto, as conquistas e os caminhos a serem traçados para um reconhecimento
integral do profissionalismo feminino e sua adequada colocação no mercado de trabalho são
muitos, e precisam do apoio e comprometimento global. A relevância do trabalho feminino
na sociedade é de extrema importância e agrega muito valor a própria sociedade em si, mas
para que seja um exercício de profissão justo e gratificante muitos assuntos precisam ser
909
revistos e colocados em prática, para que direitos profissionais igualitários entre mulheres e
homens não sejam somente um demagogismo.
CONCLUSÃO
Além do mais, o acúmulo de funções ainda é exigido a mulher, sendo que as mulheres
exercem, em grande número, multitarefas, tais como o seu trabalho profissional, ser esposa,
cuidar dos filhos e demais familiares e cuidar dos afazeres domésticos. Por vezes,
provocando uma estafa física e emocional.
Contudo, percebe-se que o predomínio de valores masculinos é o fator que atinge
diretamente esse desabono, e consequentemente dificultam a ascensão da mulher no cenário
profissional, razão que demonstram as diferenças que pontuam o abismo entre mulheres e
homens no mundo do trabalho, e que merecem serem revistas e reavaliadas.
Assim, o que se depreende é que a evolução da mulher no cenário trabalhista e sua
progressão profissional precisam de um olhar cuidadoso e oportunidades mais justas e
condizentes com suas capacidades, dado que, cada vez mais, os grupos femininos buscam
maiores conhecimentos e qualificações, para desempenharem bem suas funções, sejam elas
quais forem.
Portanto, diante do atual contexto social, que vive constantes mudanças e evoluções,
a valorização do trabalho da mulher é de extrema importância, além de o trabalho ser
condição fundamental para a subsistência e concretização social do indivíduo, livre de
gênero, assegurando-se a dignidade humana de todas as mulheres trabalhadoras, tanto no
ramo jurídico, como em qualquer outra profissão, bem como todos os seus direitos
fundamentais.
No âmbito da advocacia e ciências jurídicas não é diferente, as mulheres percorreram
uma longa trajetória, muitos desafios, preconceitos e discriminações até serem aceitas no
quadro de inscritos da OAB e serem reconhecidas como advogadas. Mesmo assim, a busca
pela igualdade é incansável, e com o passar dos anos vem ganhando espaço durante a sua
caminhada, e a trajetória para ter reconhecimento como profissional do meio é constante e
incessante, mesmo assim, muitas conquistas já foram alcançadas e outras são vislumbradas
pelas mesmas, de poder exercer sua profissão com igualdade de tratamentos e de
remuneração.
No atual contexto vivenciado, retrocessos não são possíveis de acontecer, mas sim,
cada vez mais avanços e reconhecimento da necessidade da igualdade entre homens e
mulheres no âmbito profissional.
Essa conclusão a que se chega baseia-se nas condições já vividas pela mulher nos
espaços de trabalho, na desvalorização que sentiram ao longo do tempo, no reconhecimento
911
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Luciano. A ascensão das mulheres na advocacia. OAB RJ. 2020. Disponível
em: <https://www.oabrj.org.br/noticias/ascensao-das-mulheres-advocacia-luciano-
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Agência IBGE Notícias. 06 mai 2020. Disponível
em:<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/27598-homens-ganharam-quase-30-a-mais-que-as-mulheres-em-2019 >
Acesso em 27 ago 2020.
BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Feminização da advocacia e ascensão das mulheres nas
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Acesso em: 22 ago 2020.
FRANÇA, Luana Aparecida Gomes de. A luta das mulheres no mercado de trabalho
frente à reforma trabalhista: implantação do artigo 394-a da Consolidação das Leis
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Disponível em :< https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/53312/a-luta-das-
mulheres-no-mercado-de-trabalho-frente-reforma-trabalhista-implantao-do-artigo-394-a-
da-consolidao-das-leis-trabalhistas-e-o-princpio-da-proibio-do-retrocesso-social > Acesso
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OST, Stelamaris. Mulher e Mercado de Trabalho. Revista Âmbito Jurídico, mai 2009.
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SANTOS, Ramaine Costa; SACRAMENTO, Sandra Maria Pereira do. O Antes, o Depois e
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da Graduação, Ano 5 - Edição 1 – Setembro-Novembro de 2011. Disponível em:
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VASCONCELOS, Iana dos Santos. Mulher e mercado de trabalho no brasil: notas de uma
história em andamento. Revista UFRR. Disponível em :<
https://revista.ufrr.br/examapaku/article/view/1497> Acesso em: 2 ago 2020.
913
1. INTRODUÇÃO
1
Advogada OAB/RS 114.594, Mestre em Educação (UFSM/RS), Doutoranda e Ciências Jurídicas
(UMSA/AR). Membro do COMDIM-SM. e-mail: dioceliateixeira@yahoo.com.br.
2
Advogada OAB/RS 56.383B, Mestre em Ciências Ambientais (UFAM/AM). Membro do COMDIM-
SM./RS. e-mail: rosanebv.adv@gmail.com
3
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (CF). Rio de Janeiro: Ed. Saraiva, 1988. 331p.
4
SOUZA, E., L., da C; STADUTO, J., A., R.; KRETER, A., C. Previdência Rural e Mulher: uma análise
interregional a partir da perspectiva de gênero. Revista da ABET, v. 16, n. 1, Janeiro/Junho de 2017. p. 19 -
37.
914
(CLT)5 instituída em 1943, por exemplo, sequer mencionava-os e, mesmo após a criação do
Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural)6 em meados de 1971, os benefícios
previdenciários eram concedidos mediante uma série de restrições.
Atualmente, o princípio que garante a equivalência de benefícios às populações
urbanas e rurais encontra-se na Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213)7, e
concede aos segurados especiais, desde 1991, o acesso à aposentadoria por invalidez, à
aposentadoria por idade, ao auxílio-doença e ao auxílio-reclusão ou de pensão, através da
comprovação do exercício de atividade rural, de forma contínua ou não.
Entretanto entre os anos de 2018 e 2019, estas leis anteriormente citadas, foram alvos
de uma extensa reforma previdenciária pelo Governo Federal e Congresso Nacional,
consolidada por intermédio da aprovação da Lei 13.846 de 18 de junho de 20198,
evidenciando marcos importantes dessa caminhada pela mulher rural em busca de seus
direitos.
Desta forma, o presente estudo tem por objetivo analisar a situação da mulher rural
em relação a previdência social, após a Reforma da previdência de 2019. Pretendemos aqui,
mostrar aspectos principais da previdência social em relação ás mulheres rurais, as mudanças
significativas que a Reforma trouxe para a Aposentadoria Rural, além de esclarecer quem
tem direito a esse benefício, os requisitos, o valor do benefício e a nova forma de comprovar
as atividades rurais.
Este trabalho baseou-se na análise empírica de dados relativos à demografia e à
previdência social. A base de dados da arrecadação e da concessão de benefícios da
previdência social, urbana e rural, foi obtida por meio de acesso aos dados abertos,
disponíveis na Secretaria de Previdência Social, referente ao período 2006-2017. Este banco
de dados inclui grandes números da previdência social, como quantitativo de benefícios
5
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 03/10/2020.
6
O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, é um instrumento de financiamento do
Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), instituído pelo Governo Federal por intermédio
da Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971 (BRASIL, 1971).
7
BRASIL. Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social
e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213compilado.htm .
Acesso em: 03/10/2020.
8
BRASIL. Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social
e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213compilado.htm .
Acesso em: 03/10/2020
915
Ao falar de mulher rural é preciso tecer considerações relevantes sobre sua atuação,
pois o protagonismo das mulheres rurais reflete a diversidade da atuação feminina em
campo. No Brasil, há uma tradição de organização de mulheres, que ganhou força no período
e 1960 a 1980. Nos anos 1980, os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais deram início a
9
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua - PNDA Contínua. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-
continua-mensal.html?=&t=o-que-. Acesso em: 25 de abril de 2020.
10
INTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Censo agropecuário. 2017. Disponível
em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-
agropecuario.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 03/10/2020.
916
movimentos como a Marcha das Margaridas, que tem sido uma das formas mais relevantes
para as mulheres rurais assumirem seu protagonismo no contexto nacional.
Processos emancipatórios de mulheres, em especial das agricultoras, produziram
significados culturais e de grandes impactos históricos, econômicos, religiosos e políticos e
sociais ao longo dos séculos. As mulheres sempre trabalharam, principalmente as mais
pobres, e as rurais, ainda mais, mas, a partir de uma visão elitista, colocou-se o trabalho
feminino como uma invenção do século 20.
Elas exercem múltiplas atividades além das do lar, são agricultoras, artesãs,
assistentes de saúde, comerciantes, professoras, líderes na comunidade. Antes vistas
meramente como ajudantes, as trabalhadoras rurais têm se destacado em diferentes etapas
do processo produtivo de alimentos e outras atividades relacionadas à geração de renda e
desenvolvimento econômico social no campo.11.
As pesquisas demonstram que as mulheres rurais são as responsáveis por mais da
metade da produção de alimentos do mundo quando sabemos que de 70% a 80% dos
alimentos são produzidos pelas mulheres rurais, principalmente os alimentos para
autoconsumo, além de exercem também um importante papel na preservação da
biodiversidade. É preciso dar visibilidade ao trabalho e a vida dessas mulheres.12.
Por outro lado, segundo Bojavic13, dados da FAO (Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura), apontam que as mulheres rurais são as que mais vivem
em situação de desigualdade social, política e econômica. Apenas 30% são donas formais de
suas terras, 10% conseguem ter acesso a créditos e 5%, a assistência técnica.
E os desafios para as produtoras rurais não param por aí. No mundo, em todas as
regiões, as mulheres rurais enfrentam mais restrições do que os homens no acesso à terra,
insumos agrícolas, água, sementes, tecnologia, ferramentas, crédito, assistência técnica,
culturas rentáveis, mercados de produção, cooperativas rurais e poder e decisão, embora em
muitas comunidades representem a base.
11
VARGAS, R., M., B. As feiras de produtos regionais: uma transformação do habitus na mulher
agricultora familiar. 2015. 160 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade) -
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2015
12
VARGAS, R., M., B. ibidem
13
BOJANIC, A. A importância das mulheres rurais no desenvolvimento sustentável do futuro. Artigo
publicado pela FAO Brasil em 06/12/17. Disponível em: http://www.fao.org/brasil/noticias/detail-
events/pt/c/1071672/. Acesso em: 28/08 /2020
917
Essas mulheres, também são vítimas de discriminação nos trabalhos rurais, são as
mais mal remuneradas, e responsáveis pela maior parte do trabalho não remunerado, como
o cuidado da casa, dos filhos e dos afazeres domésticos. Esses são fatores que diminuem a
capacidade de cooperar com a produção agrícola e o desenvolvimento rural.
Mas esse quadro é possível ser mudado, nesse processo de estudar e entender as
mulheres rurais, a FAO tem constatado que, quando as produtoras conseguem ter acesso
igual ao dos homens a recursos produtivos e financeiros, oportunidades de renda, educação
e serviços, há um aumento considerável na produção agrícola e uma redução significativa
no número de pessoas pobres e com fome14.
O Perfil das mulheres rurais, segundo dados do IBGE15, cerca de 15 milhões de
mulheres vivem na área rural, o que representa 47,5% da população residente no campo no
Brasil. Considerando a cor e raça das mulheres habitantes da área rural, mais de 56% delas
se declaram como pardas, 35% brancas e 7% pretas. As indígenas compõem 1,1% da
população rural feminina.
Entre as mais de 11 milhões de mulheres com mais de 15 anos de idade que viviam
na área rural em 2015/17, pouco mais da metade (50,3%) eram economicamente ativas.
Considerando o rendimento médio, cerca de 30% ganhavam entre meio e um salário mínimo
e quase 30% não tinham rendimento.
Ainda, segundo o último Censo Agropecuário do IBGE de 2017 16, O número de
mulheres dirigindo propriedades rurais no Brasil alcançou quase 1 milhão.,
aproximadamente 20%, como pode-se observar na Figura 1 a seguir.
O IBGE identificou também, que 947 mil mulheres são responsáveis pela gestão de
propriedades rurais, de um universo de 5,07 milhões. Sendo que a maioria está na região
Nordeste (57%), seguida pelo Sudeste (14%), Norte (12%), Sul (11%) e Centro-Oeste, que
concentra apenas 6% do universo de mulheres dirigentes17.
14
BOJANIC, A. A importância das mulheres rurais no desenvolvimento sustentável do futuro. Artigo
publicado pela FAO Brasil em 06/12/17. Disponível em: http://www.fao.org/brasil/noticias/detail-
events/pt/c/1071672/. Acesso em: 28/08 /2020
15
INTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Censo agropecuário. 2017. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-
agropecuario.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 03/10/2020
16
Ibidem
17
Ibidem
918
18
INTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Censo agropecuário. 2017.
Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-
agropecuario.html?=&t=o-que-e. Acesso em: 03/10/2020.
19
Ibidem
919
20
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua - PNDA Contínua. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-
continua-mensal.html?=&t=o-que-. Acesso em: 25 de abril de 2020.
21
Entrevista oral realizada em 24 de abril de 2020 pelas autoras junto ao Sr. CELIO LUIZ FONTANA,
Presidente do STRSM.
920
Mulher): “ quando em contato com as mulheres rurais, ficamos surpresas, porque muitas
mulheres nos perguntam: “mas, isso é um direito? Observa-se casos de violência que se
perpetuam há anos, sem que elas não sabiam que é uma violência”22. Percebe-se assim,
que o desconhecimento das mulheres rurais acerca dos próprios direitos, merece atenção por
parte da Sociedade.
Além disso, os direitos da mulher, são devidos às mulheres em face do contexto de
desigualdade de poder e violência de gênero verificado na sociedade, em consonância com
o princípio da dignidade humana e demais direitos humanos. Visa a diminuição dos números
alarmantes de violência e desigualdade e o fim da cultura da opressão. Apesar dos inúmeros
avanços e conquistas no âmbito da Leis, como a Lei Maria da Penha/200623, que cria
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, Lei do
Feminicídio/201524, entre outras, constata-se um aumento nos casos de violência, e se faz a
leitura de que a lei por si só não é eficaz, é preciso um esforço conjunto toda a sociedade
para mudança deste quadro atual. É preciso mais políticas públicas de gênero.
E fica evidente também, a importância do recebimento de uma renda, seja
governamental ou de trabalho, pois, fortalece essas mulheres, cria protagonismos, liberta-as
de diversos ciclos de violência, traz dignidade.
22
Entrevista concedida em 24 de abril de 2020 pelo Jornal Diário de Santa Maria pela autora (Rosane
M.B.Vargas), Presidente do COMDIM/SM.
23
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 03/10/2020
24
BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Lei do Feminicídio. Disponível em:.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm Acesso em: 03/10/2020
921
De acordo com Delgado e Cardoso Junior (1999) apud Kreter (2005)25, até a
Constituição de 1988, o meio rural só havia tido algumas tentativas de integração ao sistema
de previdência. Se comparado ao trabalhador urbano, houve substancial defasagem nas
políticas públicas voltadas a estes trabalhadores. Com a mudança, o sistema de previdência
social criou novas oportunidades de inclusão na concessão do benefício, dando igualdade de
direitos a homens e mulheres.
Os trabalhadores rurais participam do sistema de previdência e contribuem para o
Regime Geral da Previdência Social, por meio de dois tipos de benefício: o de contribuição
obrigatória e o de contribuição facultativa.
No primeiro deles, os trabalhadores rurais trabalham com carteira assinada,
contribuem para a previdência social durante suas vidas laborais e gozam da aposentadoria
na inatividade, recebendo até 100% do salário-de-benefício. A segunda categoria abrange,
principalmente, os trabalhadores rurais classificados como segurados especiais. Nesta
categoria, estão sendo considerados os trabalhadores rurais informais, que participam da
agricultura familiar ou da agricultura de subsistência. Estes trabalhadores, apesar de não
contribuírem compulsoriamente para a previdência social, têm o direito de receber a
aposentadoria por idade ou por invalidez no valor de um salário mínimo, mediante
comprovação de exercício na atividade rural.
Assim, a previdência social considera o trabalhador rural por conta-própria ou em
regime de agricultura familiar como segurado especial. Este segurado especial é definido no
inciso VII do artigo 11º da Lei no 8.213/91 e CF/88 (com inclusões pela Lei nº 11.718, de
2008), onde inclui seus respectivos cônjuges e companheiras.
Delgado e Castro (1999) apud Souza at al26 (2017) analisaram o sistema de
previdência rural como uma espécie de seguro social no campo, capaz de financiar a
agricultura e reconfigurar o papel do idoso no ambiente familiar, ao possibilitar que os idosos
migrem da condição de dependentes, ao contribuírem com sua renda na família.
25
KRETER, A., C. A Previdência Rural e a condição da mulher. Revista Gênero, v. 5. n.2. Niterói, Rio
de Janeiro, Brasil. ISNN 2316-1108. 2005.
26
SOUZA, E., L., da C; STADUTO, J., A., R.; KRETER, A., C. Previdência Rural e Mulher: uma análise
interregional a partir da perspectiva de gênero. Revista da ABET, v. 16, n. 1, Janeiro/Junho de 2017. p.
19 -137
922
Já de acordo com Nascimento et al. (2013) e Staduto et al. (2015) apud Souza at al27,
os homens ainda são os maiores responsáveis pela formação da renda familiar. Por outro
lado, as transferências governamentais –aposentadorias e pensões– são as principais fontes
de renda das mulheres.
Autores como Caldas e Sacco dos Anjos,28 veem a previdência rural como um regaste
histórico de uma população que ficou durante muito tempo esquecida, também concordam
que é uma forma de manter o agricultor no campo.
A trajetória de luta das mulheres no campo no período recente da
história brasileira, que remete aos anos 1980, seus movimentos sociais, mostram a força da
reivindicação pelo reconhecimento como trabalhadora e como cidadã.
Há que se destacar nessa trajetória das mulheres do campo, a luta para ser aceita
como sindicalizada nos sindicatos dos trabalhadores rurais, a luta pelo acesso à previdência
e a licença-maternidade. A concessão do salário maternidade para a segurada especial foi
implementada pela Lei no 8.861/94.
A superação da subordinação das mulheres rurais e da luta por reconhecimento de
direitos e igualdade, tem sido objeto da ação política dos
movimentos de mulheres e da auto-organização dessas em movimentos sociais. Como
exemplo dessa mobilização, destaca-se no Brasil a Marcha das Margaridas. Estas
mobilizações criaram condições mais favoráveis para a formulação e a implementação de
políticas públicas para as mulheres rurais e para a afirmação de uma agenda feminista no
desenvolvimento29.
Considerando que em 2019, houve a reforma da Previdência Social, mantendo
muitos direitos já conquistados, fazendo apenas alteração na forma de comprovar esse
direito. Nesse contexto, destaca-se a importância da previdência rural para mulheres,
enquanto política pública, cujo benefício, contribui para a autonomia econômica das
trabalhadoras rurais, bem como uma maneira de reconhecimento do trabalho delas.
27
I SOUZA, E., L., da C; STADUTO, J., A., R.; KRETER, A., C. Previdência Rural e Mulher: uma análise
interregional a partir da perspectiva de gênero. Revista da ABET, v. 16, n. 1, Janeiro/Junho de 2017. p. 19 -
137
28
CALDAS, N.V.; SACCO DOS ANJOS, F. Agricultura familiar e previdência social: envelhecendo na
pobreza? Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 24, n. 1/3, p. 131-158, jan. /dez. 2007.
29
BUTTO, A. Políticas para as mulheres rurais: autonomia e cidadania. In: BUTTO, A.; DANTAS, I. (Orgs.).
Autonomia e cidadania: políticas de organização produtiva para as mulheres no meio rural. Brasília: Ministério
do Desenvolvimento Agrário, 2011. 192 p.
923
A previdência social pode ser vista também, como uma política de enfrentamento da
pobreza no Brasil, bem como da extensão plena desse benefício para os trabalhadores por
conta-própria e para aqueles que trabalham em regime de agricultura familiar, mesmo sem-
contribuição, significam medidas que impactam a vida de uma grande parcela da população
brasileira.
O protagonismo das mulheres desde os anos 80, com o marco na Constituição
Federal de 1988, trouxe mudanças institucionais e avanços nos direitos das mulheres, além
do reconhecimento do trabalho das mulheres rurais por meio da aposentadoria como
trabalhadora na agricultura familiar, o auxílio maternidade, o crédito pelo Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), a documentação da
trabalhadora rural, dentre outros.
Esses chamados recursos previdenciários estariam assumindo o papel de uma
espécie de “seguro-agrícola” ante a reiterada instabilidade dos mercados e a precariedade
das políticas de apoio às atividades agrícolas. Delgado e Cardoso Jr.30 afirmam que o
importante, nesse caso, é a sua função viabilizadora da produção familiar, na qual os
aposentados continuam vinculados a estabelecimentos rurais familiares na condição de
responsáveis.
Essa viabilização se dá de duas maneiras: utilizando-se o benefício previdenciário
como meio de produção familiar; e conferindo ao seguro previdenciário a condição de seguro
agrícola, dirigido a um público específico, agora desonerado dos altos riscos inerentes à
produção e à renda agrícola. Aqui, o seguro previdenciário funciona não apenas como seguro
de subsistência, mas também como seguro de produção familiar.
Na área rural, a implantação do subsistema rural de previdência social foi
fundamental na diminuição da pobreza e da desigualdade na distribuição da renda, além de
fomentar a economia local, e o aumento da inclusão social.
30
DELGADO, G.; CARDOSO JUNIOR, J. C. O idoso e a previdência rural no Brasil: a experiência recente
de universalização. Brasília: IPEA, 1999 (Texto para Discussão 688).
924
A aposentadoria Rural é destinada aos trabalhadores que trabalham na zona rural dos
Municípios, e que devido à essa condição, possuem requisitos diferentes dos trabalhadores
da zona urbana, porque geralmente convivem com situações mais difíceis no dia a dia.
A lei que regula os trabalhadores rurais divide estes em quatro categorias de
segurado, levando em conta as circunstâncias da profissão e/ou condição pessoal dos
profissionais:
a) Segurado empregado: Essa categoria de trabalhador presta serviço, de forma
32
habitual, subordinado a um empregador, em um prédio rústico ou em uma propriedade
rural. Têm um vínculo de emprego, com o registro na Carteira de Trabalho das atividades
rurais prestadas. São os próprios empregadores que fazem a contribuição de seus
empregados para o INSS;
b) Segurado trabalhador avulso: a categoria é bem parecida com a dos
contribuintes individuais, pois, prestam serviço rural a várias empresas, sem vínculo de
emprego. Mas agora, houve uma mudança, com a Reforma da previdência– deve
haver intermediação obrigatória do sindicato da categoria ou do órgão gestor. Isso significa
que os segurados trabalhadores avulsos são vinculados a uma cooperativa ou a um
sindicato que administra os ganhos e eles mesmos fazem a contribuição previdenciária
correspondente. Nesta categoria, predominam os trabalhadores boias-frias e diaristas rurais;
31
BRASIL. Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019. Reforma da Previdência Social. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13846.htm. Acesso em: 03/10/2020.
32
Prédio rústico é aquele que se destina, pelas suas características, à lavoura, ou à exploração agrícola,
pecuária, extrativa ou mista, esteja situado ou não em zona rural.
925
e na zona urbana para poder cumprir o requisito da carência. É o caso daquelas pessoas que
trabalharam durante certo tempo no campo e se mudaram para a cidade, conseguem utilizar
o tempo no rural para somar com o tempo urbano na aposentadoria. Os requisitos para a
Aposentadoria Híbrida são diferentes da Aposentadoria por Idade Rural. Os homens devem
ter 65 anos de idade e as mulheres 60 anos de idade e ambos 180 meses de carência. O
segurado especial também pode utilizar a Aposentadoria Híbrida, mas, ao invés da carência,
deve comprovar os meses de exercício de atividade rural.
- Aposentadoria rural por tempo de contribuição: nesta espécie de aposentadoria
o trabalhador precisa cumprir um tempo mínimo de tempo de contribuição para poder se
aposentar. Normalmente, essa aposentadoria vale para os segurados empregados,
contribuintes individuais e trabalhadores avulsos, porque os segurados especiais não
contribuem de forma direta para a Previdência. Para ter direito à ela, é preciso ter como
tempo de contribuição33, 35 anos para os homens, 30 anos para as mulheres e 180 meses de
carência para ambos.
Destaca-se que existem contagens específicas para o período rural. Os trabalhos
feitos no âmbito rural antes de 28 de novembro de 1999 são contados como tempo de
contribuição, devido uma lei que vigorava antes. O que configura no Direito o
chamado direito adquirido, quem contribuiu na zona rural antes dessa data, tem tempo de
contribuição realizado, e não carência. Portanto, se exerceu atividades, na condição de
segurado especial antes de 31 de outubro de 1991, todos os períodos são considerados
como tempo de contribuição, mesmo não tendo contribuído ao INSS. Só precisa comprovar
que você exercia as atividades antes dessa data na condição de segurado especial.
Isso acontece porque veio uma outra lei, de 1991, que modificou as normas
previdenciárias. Mas, para preservar os procedimentos feitos até a entrada em vigor desta
lei, os segurados especiais tiveram direito adquirido à essa norma. A Reforma da Previdência
não alterou os requisitos para a Aposentadoria Rural por Tempo de Contribuição.
33
O tempo de contribuição é diferente de tempo de carência. Isso porque o tempo de contribuição é contado
de data em data e a carência de mês a mês. Por exemplo, A entrou no trabalho no dia 31/01/2020 e saiu no dia
03/02/2020. Vai ter 3 dias de tempo de contribuição e 2 meses de carência (porque estava na empresa em
janeiro e em fevereiro, mesmo que não tenha trabalhado os 2 meses inteiros).
927
Antes, eram aceitas declarações sindicais, mas isso acabou após a aprovação de
regras para tentar evitar fraudes nos benefícios do INSS. Desde a Lei 13.846/19, as
aposentadorias rurais passaram a ser concedidas com base no autodeclaração preenchida
pelo trabalhador rural, além das provas contemporâneas (da época do período de trabalho).
A Reforma da Previdência, que entrou em vigor no dia 13/11/2019, determina que a
partir de 01 de janeiro de 2023 a forma de comprovação da atividade rural e da condição de
segurado especial vai ser feita somente pelo Cadastro Nacional de Informações Sociais
(CNIS), quando este atingir a cobertura mínima de 50% dos segurados rurais. Isto é, quando
o cadastro atingir essa condição que vão utilizar o CNIS como forma de comprovação de
atividades rurais e do reconhecimento dos segurados especiais.
Com isso percebe-se que é preciso cuidar bem dos documentos que vão salvar
aposentadoria, tais como, contrato individual de trabalho ou CTPS, contratos rurais,
declaração de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar ou
bloco de notas do produtor rural, notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela
empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor,
comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da
comercialização da produção, cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de
renda proveniente da comercialização de produção rural, licença de ocupação ou permissão
outorgada pelo INCRA.
928
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As lutas pela conquista de direitos das mulheres do meio rural, são tantas quanto os
papéis por elas desempenhados. Muitas são as histórias de vida inspiradoras. Entretanto, não
têm o devido reconhecimento, sofrem com preconceitos, violência, com desigualdades de
gênero e com outros problemas que herdaram da vida. Existe, ainda um longo caminho para
equilíbrio de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. A equidade de gênero e
respeito são valores indispensáveis além da autonomia financeira buscada com a renda
mensal e a devida aposentadoria.
A previdência social rural constitui-se, num dos principais direitos sociais alcançados
pelos trabalhadores rurais, e uma das mais efetivas políticas públicas que chega ao campo
brasileiro. Foi fundamental na diminuição da pobreza, da desigualdade e diferenças de
gênero, na distribuição de renda, além de fomentar a economia local, e o aumento da inclusão
social. Trouxe dignidade e respeito à mulher no ocaso da vida.
34
A Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronater) foi instituída em 2010 com a Lei
12.188/2010. Disponivel em : https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/agricultura-familiar/assistencia-
tecnica-e-extensao-rural-ater. Acesso: 03/10/2020
929
Apesar dos amplos esforços que vem sendo desenvolvidos percebe-se que não houve
mudanças significativas, pela nova Lei. A Reforma da Previdência de 2019, não alterou os
requisitos para a aposentadoria rural por idade e por tempo de contribuição. A Lei alterou a
forma do cálculo do benefício e a forma de comprovação da atividade rural e da atividade
de segurado da condição de segurado especial. A forma de cálculos, onde antes constava
80% dos maiores salários, passou a ser de 100% de todos os salários, o que possivelmente
irá causar um déficit na aposentadoria, dependendo da categoria. Quanto a forma de
comprovação, desde a Lei da Reforma, de 2019, as aposentadorias rurais passaram a se com
base na autodeclaração, autenticados pelo PRONATER. E a partir de janeiro de 2023, essas
comprovações serão feitas somente pelo CNIS.
Ainda que a previdência social não se caracterize como uma política de gênero, nem
como uma política para mulheres, a equiparação do direito à aposentadoria para mulheres e
homens pode ser vista como uma inclinação do Estado em formular políticas públicas
sensíveis ao gênero. Apesar das conquistas, muito ainda há a ser feito.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em:
03/10/2020
930
BUTTO, A. Políticas para as mulheres rurais: autonomia e cidadania. In: BUTTO, A.;
DANTAS, I. (Orgs.). Autonomia e cidadania: políticas de organização produtiva para
as mulheres no meio rural. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2011. 192 p.
FARIA, N. Economia feminista e agenda de luta das mulheres no meio rural. In: BUTTO,
A. (Org.). Estatísticas rurais e a economia feminista: um olhar sobre o trabalho das
mulheres. Brasília: MDA, p.11-28, 2009.
SOUZA, E., L., da C; STADUTO, J., A., R.; KRETER, A., C. Previdência Rural e Mulher:
uma análise interregional a partir da perspectiva de gênero. Revista da ABET, v. 16, n. 1,
Janeiro/Junho de 2017. p. 19 -137.
Resumo: O presente artigo tem por objetivo o estudo dos embargos à execução em relação
à defesa do executado no Código de Processo Civil de 2015. Será abordada a natureza
jurídica dos embargos, as matérias que podem ser alegadas na defesa do executado bem
como a possibilidade do efeito suspensivo. Ademais, será examinada a possibilidade de
audiência de conciliação ou mediação, a sentença e a coisa julgada no que concerne ao estudo
dos embargos à execução. Além disso, será analisada a jurisprudência e a doutrina
pertinentes ao tema.
1 INTRODUÇÃO
1Pós-graduanda em direito civil e processo civil pela FMP/RS. Bacharela em direito pela PUCRS. Advogada
OAB/RS 115.219. E-mail: sarasouzaadvocacia@gmail.com
933
Nesse estudo, portanto, serão abordadas as matérias que podem ser alegadas como
defesa do executado nos embargos à execução, a sua natureza jurídica e a possibilidade de
concessão de efeito suspensivo nos embargos. Com relação ao procedimento dos embargos
será examinada a possibilidade de audiência de conciliação ou mediação, a revelia do
embargado e a reconvenção, os prazos, a intervenção de terceiros e a possibilidade do
parcelamento na execução e por fim o estudo da sentença e da coisa julgada e seus efeitos
nos embargos à execução. O artigo tem por base a análise da jurisprudência e da doutrina
brasileiras bem como os princípios que protegem a execução evitando a maximização da sua
onerosidade.
Os embargos à execução possuem a natureza jurídica de uma ação incidente, pois são
opostos pelo executado contra a execução em uma ação autônoma. Ademais, os embargos à
execução possibilitam que o executado apresente objeções quanto à execução e a
inexistência do direito de crédito do exequente, visto que no processo de execução o título
executivo extrajudicial possui uma presunção relativa de veracidade do crédito pretendido
pelo credor2.
A doutrina majoritária define que o pedido formulado nos embargos tem a natureza
de ação constitutiva negativa, pois o executado pretende a desconstituição do título executivo
extrajudicial. No entanto, quando o pedido se tratar de cumulação indevida de execuções,
não há a discussão sobre a plausibilidade do título, podendo o título ser executado mesmo
com a procedência dos embargos; portanto, a ação neste caso teria a natureza declaratória.
Destarte, Marcelo Abelha afirma que os embargos à execução podem ter a natureza de uma
ação declaratória ou constitutiva, ou até de ambas conforme o pedido do executado3.
Desse modo, os embargos à execução devem ser propostos no prazo de 15 (quinze)
dias a contar da juntada aos autos da citação. Quando se tratar de execução por carta
precatória o prazo dos embargos será contado a partir da data da juntada do comprovante de
citação nos autos da carta precatória, nos casos de os embargos versarem somente sobre os
vícios na alienação, na penhora ou na avaliação no juízo deprecado de acordo com artigo
2
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil:
tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. 4 ed. vol. 3.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
3
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
934
915, §2, inciso I do CPC; se os embargos forem interpostos por outras razões o prazo contará
a partir da juntada nos autos de origem da informação dada pelo juiz deprecado ao juiz
deprecante referente à realização da citação com base no artigo 915, §2, inciso II do CPC4.
Na citação por edital o executado terá o prazo de 15 (quinze) dias para interpor os
embargos à execução contados a partir do dia útil seguinte ao final do prazo assinado pelo
juiz em conformidade com o artigo 231, inciso IV do CPC5.
Na hipótese de haver vários executados, o prazo não será contado em dobro e será
contabilizado de forma individual para cada um dos executados a contar da juntada do
comprovante de citação com base no artigo 915, § 1º do CPC6. Quando houver cônjuges ou
companheiros o prazo é contado a partir da juntada aos autos da citação do último.
Os embargos à execução que forem interpostos fora do prazo serão considerados
intempestivos devendo o juiz rejeitá-los liminarmente nos termos do artigo 918, inciso I do
CPC. Ademais os embargos também serão rejeitados liminarmente pelo indeferimento da
petição inicial ou pela improcedência liminar do pedido, visto que se aplicam as regras dos
artigos 330, 331 e 332 do CPC7.
O juízo competente para julgar os embargos à execução é o juízo da execução; logo,
o juízo para conhecer os embargos na execução por carta poderá ser do juízo deprecante ou
será do juízo deprecado na hipótese de os embargos tratarem apenas dos defeitos na
avaliação, na penhora ou na alienação dos bens8.
Os legitimados para propor a ação são o devedor, seu cônjuge quando se tratar de
penhora de bem imóvel, e o sócio da empresa ou o responsável tributário.
4 DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de direito processual civil. 7 ed. vol. 5. Salvador: JusPodivm, 2017.
5 DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de direito processual civil. 7 ed. vol. 5. Salvador: JusPodivm, 2017.
6 Artigo 915. Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contado, conforme o caso, na forma
do art. 231.
§ 1o Quando houver mais de um executado, o prazo para cada um deles embargar conta-se a partir da juntada
do respectivo comprovante da citação, salvo no caso de cônjuges ou de companheiros, quando será contado a
partir da juntada do último.
7
DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de direito processual civil. 7 ed. vol. 5. Salvador: JusPodivm, 2017.
8
TESHEINER, José Maria. Embargos à execução no novo código de processo civil. vol. 267. São Paulo:
Revista de processo, 2017. p. 273-286.
935
9
DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de direito processual civil. 7 ed. vol. 5. Salvador: JusPodivm, 2017.
10
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil:
tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. 4 ed. vol. 3.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
11
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
12 ALVIM, Eduardo Arruda; GRANADO, Daniel William; FERREIRA, Eduardo Aranha. Direito processual
civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
936
requisitos do parcelamento com base no artigo 916, § 1 da Lei Processual Civil. Na hipótese
de inadimplemento o executado deverá pagar uma multa de 10% sobre as parcelas não pagas.
Assim, a decisão que defere ou indefere o pagamento em parcelas é impugnável por agravo
de instrumento13.
Os embargos à execução podem ser oferecidos sem a necessidade de depósito,
caução, ou penhora de bens em conformidade com o artigo 914 do Código de Processo Civil.
Trata-se de novidade do novo CPC, pois no CPC anterior, os embargos eram opostos com a
garantia do juízo, logo, a execução era suspensa. Já no atual Código os embargos do devedor,
como regra, não possuem o efeito suspensivo, exceto em alguns casos como veremos a
seguir.
13
TESHEINER, José Maria. Embargos à execução no novo código de processo civil. vol. 267. São Paulo:
Revista de processo, 2017. p. 273-286.
14
Artigo. 919. Os embargos à execução não terão efeito suspensivo.
§ 1o O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados
os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora,
depósito ou caução suficientes.
§ 2o Cessando as circunstâncias que a motivaram, a decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a
requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 3o Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução,
esta prosseguirá quanto à parte restante.
§ 4o A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a
execução contra os que não embargaram quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao
embargante.
§ 5o A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de substituição, de reforço ou de
redução da penhora e de avaliação dos bens.
937
apenas aquilo que for impugnado, podendo a outra parte da execução que não foi questionada
prosseguir15.
A jurisprudência em conformidade com a Lei Processual elenca os requisitos para a
concessão do efeito suspensivo aos embargos do devedor. Vejamos16:
15
CATHARINA, Alexandre de Castro. Da execução. In: ARAÚJO, Luis Carlos de; MELLO, Cleyson de
Moraes. et. al. (Coord.). Novo curso de processo civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.
16
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de instrumento nº 70076289636. Relatora:
desembargadora Marilene Bonzanini. 20ª câmara cível. Julgado em 22 março de 2018. Disponível em:
https://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc. Acesso em 15 jun. 2020.
17
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Agravo de instrumento nº 0044791-25.2018.8.19.0000. Relator
desembargador: Ricardo Couto De Castro. 7ª câmara cível. Julgado em 28 agosto de 2018. Disponível em:
http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=00046C42AFCCC3BEDF01DDFD3F9
917C96EA6C50856561B03&USER= . Acesso em 01 fev. 2020.
18
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de instrumento nº 2099880-04.2018.8.26.0000.
Relator desembargador: L. G. Costa Wagner. 34ª câmara de direito privado. Julgado em 17 de setembro de
2018. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=11822856&cdForo=0. Acesso
em 10 mar. 2020.
938
19
MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2020.
20
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil:
tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. 4 ed. vol. 3.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
939
2. 2 DA POSSIBILIDADE DE CONCILIAÇÃO
O artigo 139, inciso V do CPC trouxe como uma solução alternativa para solucionar
a lide a possibilidade da realização da audiência de conciliação ou mediação; devendo o juiz
promover a autocomposição com o auxílio de mediadores ou conciliadores sempre que
possível.
Logo, entendemos que a audiência de conciliação ou medição seria possível nos
embargos à execução, já que segue o procedimento comum, pois se trata de uma ação
incidental; além disso, no processo de execução há a discussão sobre direitos disponíveis,
ou seja, o direito patrimonial, cabível, portanto, a solução consensual entre as partes. Assim,
o juiz poderá designar a audiência de conciliação ou mediação ou designar a audiência de
instrução e julgamento ou julgar o processo no estado em que se encontra.
Diante disso, o artigo 771, parágrafo único indica que se aplicam subsidiariamente
as disposições do livro I da parte especial do CPC; portanto, poderia ser aplicada a solução
consensual de conflitos à execução, visto que o CPC traz essa possibilidade de as partes
buscarem soluções autocompositivas em razão do principio da cooperação entre as partes
para a solução do litigio de forma justa e efetiva, além do dever dos operadores do direito de
incentivar a conciliação entre os litigantes.
Luiz Marinoni, Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero também citam que é possível a
realização de audiência de conciliação nos embargos à execução 22 bem como Araken de
Assis que também possui esse posicionamento23. Embora não haja previsão expressa na
legislação processual civil é cabível o pedido de audiência de conciliação se o juiz entender
que há a possibilidade de autocomposição com base nos artigos 3, §3 e 139, inciso V do
CPC24.
21
Artigo 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução.
22
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil:
tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. 4 ed. vol. 3.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
23
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
24
DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de direito processual civil. 7 ed. vol. 5. Salvador: JusPodivm, 2017.
940
25
DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Apelação cível nº 0011650-79.2017.8.07.0001. 7ª turma cível.
Relatora: Gislene Pinheiro. Brasília (DF), 07 de junho de 2018. Disponível em:
https://oabjuris.neoway.com.br/process/b9dcee519a4620de39e10a429a46f4f5c55f59bc821224c976c6db9eae
21977a?searchId=c143666e-9181-4c0f-bcd1-6d48427492a8. Acesso em: 07 ago. 2020.
26
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
941
27
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
28
TESHEINER, José Maria. Embargos à execução no novo código de processo civil. vol. 267. São Paulo:
Revista de processo, 2017. p. 273-286.
942
29
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
30
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
31
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
943
32 ALVIM, Eduardo Arruda; GRANADO, Daniel William; FERREIRA, Eduardo Aranha. Direito processual
civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
33 ALVIM, Eduardo Arruda; GRANADO, Daniel William; FERREIRA, Eduardo Aranha. Direito processual
civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
34 DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de direito processual civil. 7 ed. vol. 5. Salvador: JusPodivm, 2017.
944
processo de execução com base no artigo 917 inciso VI do CPC. Podem ser trazidos
argumentos relativos à matéria processual disposta no artigo 337 do CPC como a conexão,
a coisa julgada e também poderão ser expostos argumentos relativos à defesa de mérito como
as alegações de fato e de direito35.
Com relação às alegações de impedimento ou de suspeição do julgador estas devem
ser requeridas por petição em incidente próprio conforme os artigos 146 e 148 do CPC, visto
que não podem ser requeridas juntamente com os embargos à execução, pois é necessário
processo próprio para cada uma das medidas com fundamento no artigo 917, §7 do CPC36.
Cabe destacar que o processo de execução deve ser interpretado e orientado pelos
princípios do contraditório e da ampla defesa previstos no artigo 5, inciso LV da CF, pelo
princípio da dignidade da pessoa humana disposto no artigo 1, inciso III da CF e o princípio
do menor gravame disposto no artigo 805 do CPC, visto que a execução deve se pautar de
forma que cause menos onerosidade ao executado, mas, também visando a efetividade da
execução para o exequente; por exemplo, permitindo que o executado ofereça o bem menos
oneroso para si para ser objeto de penhora.
A sentença, provimento jurisdicional que põe fim ao processo de primeiro grau, traz
algumas peculiaridades em relação aos embargos à execução e a sua carga de eficácia.
Assim, a sentença que julga improcedente os pedidos dos embargos à execução possui
natureza jurídica declaratória, pois declara inexistente o direito do embargante de contestar
a execução. Já a sentença que julga procedente os embargos pode ter eficácia mandamental,
por exemplo, quando libera o bem penhorado; ademais, poderá ter eficácia desconstitutiva
ou declaratória, no caso de não haver bem penhorado37.
É importante destacar que a sentença de improcedência dos embargos não condena
o embargante a pagar o título executivo extrajudicial, mas declara que o direito exposto pelo
executado não existe. Logo, havendo a suspensão do processo de execução, com a sentença
de improcedência dos embargos, o processo de execução será retomado.
35
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
36
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. 52 ed. vol. 3. Rio de Janeiro: Forense,
2019.
37
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
945
38
BRASIL. Superior Tribunal de justiça. Súmula nº 317. É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda
que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos. 2005. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_26_capSumula317.pdf.
Acesso em: 16 ago. 2020.
39
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
40
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil:
tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. 4 ed. vol. 3.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
41
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
946
ajuízem ação autônoma para impugnar o título executivo extrajudicial durante o processo de
execução 42.
3 CONCLUSÃO
42
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
947
REFERÊNCIAS
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
ALVIM, Eduardo Arruda; GRANADO, Daniel William; FERREIRA, Eduardo Aranha.
Direito processual civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 20 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso
em: 11 mai. 2020.
BRASIL. Superior Tribunal de justiça. Súmula nº 317. É definitiva a execução de título
extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os
embargos. 2005. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-
revista-sumulas-2011_26_capSumula317.pdf. Acesso em: 16 ago. 2020.
CATHARINA, Alexandre de Castro. Da execução. In: ARAÚJO, Luis Carlos de; MELLO,
Cleyson de Moraes. et. al. (Coord.). Novo curso de processo civil. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 2015.
DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de direito processual civil. 7 ed. vol. 5. Salvador:
JusPodivm, 2017.
DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Apelação cível nº 0011650-79.2017.8.07.0001.
7ª turma cível. Relatora: Gislene Pinheiro. Brasília (DF), 07 de junho de 2018. Disponível
em:
https://oabjuris.neoway.com.br/process/b9dcee519a4620de39e10a429a46f4f5c55f59bc821
224c976c6db9eae21977a?searchId=c143666e-9181-4c0f-bcd1-6d48427492a8. Acesso em:
07 ago. 2020.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. 52 ed. vol. 3. Rio de
Janeiro: Forense, 2019.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de
processo civil: tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. 4 ed. vol. 3. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
Sheila Pegoraro1
Resumo: O trabalho propõe uma reflexão sobre o dever fundamental de proteção ao Meio
Ambiente. O objetivo é analisar o reconhecimento do dever fundamental de proteção ao
meio ambiente que emerge da Constituição Federal, tanto pela doutrina, como pelas decisões
dos Tribunais Superiores, além de abordar sua estrutura jurídica. O método utilizado é
analítico, tendo por objeto conceitos, normas e casos concretos. A literatura especializada
sobre o tema, as fontes do direito e a jurisprudência constituem os materiais de apoio. No
plano de execução de pesquisa, examinou-se brevemente a proteção do meio ambiente como
dever fundamental na doutrina, abordando-se conceitos e a relação entre o dever e o direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Discorreu-se sobre a estrutura
dos deveres fundamentais, tentando se estabelecer uma classificação. Verificou-se o
reconhecimento do dever fundamental de proteção ao meio ambiente na jurisprudência das
cortes superiores. Revelou-se a notável importância do reconhecimento do dever
fundamental como forma de tutela ao meio ambiente. Como conclusão, a constatação do
reconhecimento pela doutrina e jurisprudência do dever fundamental de proteção ao meio
ambiente e a necessidade de se constituir uma esfera de deveres que norteie o ideal de
proteção ao meio ambiente e concretize o direito fundamental a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado. O reconhecimento do dever fundamental de proteção ambiental
como um primeiro passo na efetivação da proteção ambiental.
1 INTRODUÇÃO
1
Sheila Pegoraro. Advogada OAB/RS 59.210. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul.
Especialista em Direito Processual pela Universidade de Caxias do Sul. Mestranda do Programa de Pós-
Graduação em Direito - Mestrado - da Universidade de Caxias do Sul. E-mail: sheilapegoraro@gmail.com.
950
Vê-se, então, que a ruptura entre o homem e a natureza, com o homem se tornando
adversário do planeta, levou à positivação do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado na Constituição Federal de 1988, sendo estabelecido, a partir
disso, um complexo de direitos e deveres, dentre os quais o direito ao meio ambiente sadio e
o dever de proteger os bens ambientais4.
Assim, em capítulo próprio, e sob os auspícios do seu artigo 2255, a Carta Magna
previu direitos e deveres fundamentais abstratos, além de determinar, de maneira concreta e
pontual, uma série de condutas e proibições que, ao desejo do constituinte originário,
2
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito ambiental: introdução, fundamentos e teoria
geral. São Paulo: Saraiva, 2014.
3
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito ambiental: introdução, fundamentos e teoria
geral. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 183.
4
TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2006.
5
Refere o artigo 225 da Constituição Federal: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações".
952
6
BELO, Ney. Os deveres ambientais na Constituição brasileira de 1988. In: SILVA, Vasco Pereira;
SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.) Direito público sem fronteiras. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Universidade de Lisboa, 2011.
7
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da
dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2008.
8
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria geral do direito ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
953
Já, para Belo, o texto constitucional traz dois tipos de deveres, os deveres
constitucionais autônomos e os deveres fundamentais correlatos a uma norma de direito
fundamental. E, segundo o autor, "os deveres fundamentais são categorias autônomas
diferenciadas dos direitos, pois não comportam subjetividade e existem na quadratura
dogmática sem a correspondente assunção de uma posição jurídica equivalente"11.
A correlação entre direito e dever, conforme leciona Sarlet12, procura estabelecer o
equilíbrio nas relações sociais, através do balizamento de responsabilidades e limites ao
exercício dos direitos. E, nesse sentido, os deveres fundamentais representam uma medida de
justiça e correção de possíveis desigualdades no exercício e acesso aos direitos fundamentais.
De qualquer forma, é inegável que o dever fundamental à proteção ambiental está
associado ao direito fundamental de usufruir de um meio ambiente saudável e se caracteriza
pela obrigação incumbida ao Estado e aos cidadãos em manter um ambiente saudável e
equilibrado, adotando desde cuidados básicos com o meio ambiente como também
9
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da
dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2008.
10
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da
dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2008.
11
BELO, Ney. Os deveres ambientais na Constituição brasileira de 1988. In: SILVA, Vasco Pereira;
SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.) Direito público sem fronteiras. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Universidade de Lisboa, 2011.
12
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito ambiental: introdução, fundamentos e teoria
geral. São Paulo: Saraiva, 2014.
954
13
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004.
14
TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2006.
15
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004.
16
AUGUSTIN, Sérgio; BRANDÃO, André da Fonseca. O dever fundamental de proteção do meio
ambiente e as consequências jurídicas de seu reconhecimento. Revista Direito Ambiental e sociedade,
Caxias do Sul, v. 8, n. 2, p. 39-55, 2018.
955
17
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004.
18
BENJAMIN, Antônio Herman. O meio ambiente na Constituição Federal de 1988. In: KISHI, Sandra
Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Inês Virgínia Prado (Coord.). Desafios do Direito
Ambiental no Século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros,
2005. p.363-398.
19
GOMES, Carla Amado. Direito Ambiental: o ambiente como objeto e os objetos do direito do ambiente.
Curitiba: Juruá, 2010.
956
20
BELO, Ney. Os deveres ambientais na Constituição brasileira de 1988. In: SILVA, Vasco Pereira;
SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.) Direito público sem fronteiras. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Universidade de Lisboa, 2011.
21
GOMES, Carla Amado. Direito Ambiental: o ambiente como objeto e os objetos do direito do ambiente.
Curitiba: Juruá, 2010.
22
TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2006.
23
BELO, Ney. Os deveres ambientais na Constituição brasileira de 1988. In: SILVA, Vasco Pereira;
SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.) Direito público sem fronteiras. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Universidade de Lisboa, 2011.
24
BELO, Ney. Os deveres ambientais na Constituição brasileira de 1988. In: SILVA, Vasco Pereira;
SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.) Direito público sem fronteiras. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Universidade de Lisboa, 2011.
957
Outro ponto que se mostra importante na questão entre direitos e deveres refletida na
realidade ambiental e que revela a importância da ampliação da esfera dos deveres, é a
necessidade de auto-limitação do comportamento humano, não somente em termos práticos,
mas também em termos normativos, em razão de que o ser humano, ao mesmo tempo que
necessita explorar os recursos naturais, é também dependente deles. Assim, o exercício de
direitos em face dos recursos naturais e da qualidade do ambiente deve ser limitado por
restrições ecológicas, emergindo a necessidade de configuração de um dever fundamental
como forma de prevenir o dano ambiental. Os direitos humanos não são absolutos e podem
ser limitados. No entanto, qualquer limitação a um direito individual deve passar pelo teste da
proporcionalidade, avaliando-se, ainda, a proteção do núcleo essencial do direito fundamental
objeto das limitações26.
E, desse raciocínio, que traz a ideia de prevenção do dano ambiental e preservação do
meio ambiente, emerge a questão relacionada aos direitos de solidariedade, que estão
diretamente atrelados a ideia de direitos-deveres. O direito fundamental ao meio ambiente
possui estrutura de direito-dever, ou seja, por um lado, constitui direito, por outro constitui
dever para o respectivo titular, que, de algum modo acaba por se voltar para o próprio titular -
o que é chamado por alguns doutrinadores de efeito boomerang - limitando seus direitos
subjetivos de modo a ajustar o seu exercício ao comando constitucional de proteção ambiental.
Nesse contexto, desponta o princípio da solidariedade para caracterizar a ideia de deveres
fundamentais, especialmente diante dos novos direitos fundamentais de terceira geração
(direitos ecológicos), que incorporam ao seu conteúdo normativo a ideia de responsabilidade
social e comunitária, de essencial importância para o enfrentamento dos novos desafio
existenciais postos pela degradação ambiental27.
25
TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2006.
26
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da
dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2008.
27
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da
dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2008.
958
Não há na doutrina uma classificação específica no que tange aos diferentes deveres
fundamentais. Tenta-se, nesse tópico, estabelecer-se uma classificação, com base nas obras
estudadas, para melhor compreender a dimensão e o alcance dessas normas, sem, contudo,
aprofundar o tema de cada item e, portanto, longe de esgotar o tema.
Feito o necessário esclarecimento, conforme a doutrina estudada, podemos identificar
os deveres fundamentais classificados quanto ao seu conteúdo e quanto aos seus titulares.
Nesse aspecto, uma das classificações possíveis dos deveres fundamentais é como
Autônomos e Não Autônomos.
Define-se como Autônomos aqueles que existem independentemente da consagração
constitucional de um direito fundamental, ou seja, que não estão relacionados à conformação
de nenhum direito subjetivo. São exemplos de deveres autônomos do cidadão: pagar impostos
e prestar serviço militar.
Os deveres Autônomos comportam ainda ser classificados como Concretos, quando
seu conteúdo está previamente consignado em um artigo de lei, ou Abstratos, quando se
caracterizam por um dever genérico28. A norma do artigo 225 da Constituição Federal
estabelece o dever constitucional concreto de preservar o meio ambiente, através de
mandamentos concretos dirigidos ao Executivo, ao Legislativo, ao Judiciário e aos
particulares. São deveres autônomos, que existem independentemente da consagração
constitucional do direito fundamental ao ambiente e são concretos, pois seu conteúdo está
previamente consignado no artigo 22529.
28
BELO, Ney. Os deveres ambientais na Constituição brasileira de 1988. In: SILVA, Vasco Pereira;
SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.) Direito público sem fronteiras. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Universidade de Lisboa, 2011.
29
BELO, Ney. Os deveres ambientais na Constituição brasileira de 1988. In: SILVA, Vasco Pereira;
SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.) Direito público sem fronteiras. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas da Universidade de Lisboa, 2011.
959
30
FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Direito constitucional ambiental. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012.
31
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004.
32
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004.
33
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004.
34
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004.
960
citando-se como exemplo o dever de defesa do ambiente, que exige a prestação de um dever
para a manutenção da sociedade35.
Feita essa breve abordagem, respeitadas as divergências que surgem a respeito da
matéria, é possível dizer que o dever fundamental de defesa do meio ambiente, de modo geral,
pode ser classificado como um dever fundamental de cunho positivo e negativo, pois impõe
ao indivíduo um comportamento dual de defesa, ora através de ação ora através de abstenção;
diretamente aplicável, devido a relevância de seu conteúdo; não autônomo, pois está associado
a um direito fundamental e, ainda, que possui caráter socioeconômico-cultural, em virtude de
vincular o homem e a coletividade.
3.2 Classificação dos deveres fundamentais pela perspectiva dos seus destinatários
Nesse tópico, Sarlet36 aborda nova diferenciação, sob a perspectiva dos destinatários
dos deveres fundamentais de proteção do ambiente, classificando-os como a) Deveres
fundamentais de proteção do ambiente para com as pessoas da mesma geração - que são os
deveres fundamentais ambientais propriamente ditos; b) Deveres fundamentais de proteção do
ambiente de cunho transnacional - relacionados a pessoas situadas em outros estados, uma vez
que a degradação ambiental não respeita fronteiras; c) Deveres fundamentais de
proteção do ambiente para com as gerações futuras - que segue o norte do artigo 225 da
Constituição Federal, que conclama a defesa e proteção do ambiente para presentes e futuras
gerações, tornando imperativa a preservação da qualidade ambiental para as gerações futuras.
Aqui aparece também a ideia de desenvolvimento sustentável, no sentido de atender as
necessidades dos presentes sem comprometer as necessidades futuras; e d) Deveres
fundamentais de proteção do ambiente para com os animais não humanos e a natureza como
um todo - justiça interespécies. Nesse tópico, Sarlet37 concebe a ideia de deveres com a
natureza não humana mediante a atribuição de um valor próprio e não meramente instrumental
à vida não humana. Nesse sentido, a Constituição Federal também modula o comportamento
humano e limita direitos em benefício dos animais, reconhecendo seu valor intrínseco, a
35
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004.
36
FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Direito constitucional ambiental. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
37
FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Direito constitucional ambiental. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
961
38
ANTUNES, Paulo de Bessa. Meio ambiente geral e meio ambiente do trabalho: uma visão sistêmica. São
Paulo: LTr, 2009.
39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 101/DF.
Relatora: Min. Cármen Lúcia, 24 de junho de 2019. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629955. Acesso em: 6 ago. 2019.
962
Exterior (SECEX), bem como em relação a certas resoluções do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA), além de vários decretos federais que, expressamente, vedavam a
importação de pneus usados e remoldados. Além disso, que decisões proferidas por juízes
federais descumpriam preceitos fundamentais previstos nos artigos 196 e 225 da Constituição
Federal, ao autorizarem a importação dos mencionados produtos. A questão subjacente
envolvia, ainda, interesses empresariais em aparente contraposição a interesses coletivos,
consubstanciados no direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
polaridade que demandou profunda análise por parte dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF).
Ao analisar a questão, a ministra Cármen Lúcia, em seu voto, sinalizou que o Estado
brasileiro, com base em diversos princípios do direito - especialmente analisados os princípios
da prevenção e da precaução - , corretamente editou um conjunto de normas destinadas à
proibição da importação de tais produtos, cumprindo com o seu dever de garantir a todos o
direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, aduzindo, ainda, que "a
importação de pneus usados ou remoldados é [...] gerador de mais danos que de benefícios,
em especial aos direitos à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" (p. 92).
Ao final do julgamento da ADPF, o Plenário do STF entendeu pela constitucionalidade
dos atos normativos exarados pelo Estado brasileiro, os quais proíbem a importação de pneus
usados e remoldados, adotando, como parte da fundamentação o argumento no sentido que a
importação de pneus usados e remoldados configura afronta aos princípios constitucionais da
saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, cuja manutenção é dever do Estado.
Através da decisão exarada, é possível observar que supera-se a visão de mera proteção
dos direitos individuais do cidadão contra o Estado sem o correspondente dever fundamental
para com a coletividade. Deveres que, vinculados aos princípios constitucionais da precaução
e da prevenção, são marcas características do estado Socioambiental e Democrático de
Direito40.
40
WEDY, Gabriel. Decisões do STF e o dever fundamental do desenvolvimento sustentável. Revista
Consultor Jurídico, São Paulo, 14 jan. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jan-
14/ambiente-juridico-decisoes-stf-dever-fundamental-desenvolvimento-sustentavel#_ftnref4. Acesso em: 6
ago. 2019.
963
2. Nos termos do art. 225 da CF, o Poder Público tem o dever de preservar o meio
ambiente. Trata-se de um dever fundamental, que não se resume apenas em um
mandamento de ordem negativa, consistente na não degradação, mas possui também
uma disposição de cunho positivo que impõe a todos - Poder Público e coletividade
- a prática de atos tendentes a recuperar, restaurar e defender o ambiente
ecologicamente equilibrado.
3. Nesse sentido, a elaboração do plano de manejo é essencial para a preservação da
Unidade de Conservação, pois é nele que se estabelecem as normas que devem
presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das
estruturas físicas necessárias à gestão da unidade (art. 2º, XVII, da Lei n.
9.985/2000).
41
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.983 Ceará. Relator:
Min. Marco Aurélio, 06 de outubro de 2016. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12798874. Acesso em: 6 ago. 2019.
42
Trata-se de uma atividade cultural oriunda do Nordeste Brasileiro, na qual "vaqueiros" montados em cavalos,
tentam derrubar os bois, cuja prática tem sido questionada em razão dos maus tratos aos animais envolvidos.
964
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
43
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Recurso Especial 1163524/SC. Relator: Min. Humberto
Martins, 05 de maio de 2011. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1058646&num_r
egistro=200902066034&data=20110512&formato=PDF. Acesso em: 6 ago. 2019.
965
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Paulo de Bessa. Meio ambiente geral e meio ambiente do trabalho: uma
visão sistêmica. São Paulo: LTr, 2009.
Vasco Pereira; SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.) Direito público sem fronteiras. Lisboa:
Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Universidade de Lisboa, 2011.
_______. Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Recurso Especial 1163524/SC. Relator:
Min. Humberto Martins, 05 de maio de 2011. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial
=1058646&num_registro=200902066034&data=20110512&formato=PDF. Acesso em: 6
ago. 2019.
GOMES, Carla Amado. Direito Ambiental: o ambiente como objeto e os objetos do direito
do ambiente. Curitiba: Juruá, 2010.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria geral do direito ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010.
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
1 INTRODUÇÃO
1
Possui graduação em Direito pela Faculdade CNEC Gravataí (2017). Especialização em Novo Direito do
Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2020). Atualmente é advogada atuante
na área trabalhista. OAB/RS 113.288, thaisvsantos94@gmail.
969
2.3 Requisitos
2
DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.
13.467/2017/Maurício Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. p. 154.
3
DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.
13.467/2017/Maurício Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. p. 154.
4
CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de direito do trabalho / Vólia Bomfim Cassar. – 6. ed., rev., atual. e
ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p. 108.
971
5
CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de direito do trabalho / Vólia Bomfim Cassar. – 6. ed., rev., atual. e
ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p. 108.
6
SILVA, Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. P SILVA,
Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 49.
7
SILVA, Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. P SILVA,
Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 50.
972
Após feita ou aceita a proposta de serviço, o § 4 do art. 452-A da CLT, prevê uma
penalidade de 50% da remuneração que seria devida em caso de descumprimento por
qualquer das partes. A multa deverá ser paga em 30 dias, e é admitido a compensação em
igual prazo. Cabe ressaltar que se trata de pagamento de uma multa de valor elevado para
empregados que estão submetidos a contratos com pagamentos já baixos. A MP nº 808/17
havia revogado integralmente o referido parágrafo, no entanto, perdeu eficácia como
anteriormente explicado.
Quanto ao pagamento, a lei da Reforma Trabalhista trouxe inovação, vez que o
empregado receberá imediatamente ao término de cada período de prestação de serviço a
remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário
proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais (art. 452-A, §6º. CLT). O
recibo de pagamento "deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma
das parcelas referidas no § 6º deste artigo" (art. 452-A, § 7º, CLT).
Ainda, o empregador deverá efetuar o recolhimento das contribuições
previdenciárias próprias do empregado e o depósito do FGTS, com base nos valores pagos
no período mensal, além de fornecer ao empregado o comprovante do cumprimento dessas
obrigações (art. 452-A, § 8º, CLT).
trabalhador autônomo (art. 1º, §§ 1º a 5º), contrato de trabalho intermitente (arts. 2º a 6º),
gorjeta (art. 7º) e a comissão de representantes dos empregados (art. 8º).
No tocante ao contrato intermitente, observa-se, que o texto da Portaria 349 do
Ministério do Trabalho é bem semelhante ao texto da Medida Provisória nº 808 de 2017.
Tal como, a Portaria MTB 349/2018 determina que o contrato deva conter a identificação,
assinatura e domicílio ou sede das partes; o valor da hora ou do dia de trabalho; e o local e
o prazo para o pagamento da remuneração. Ressalta a Portaria que o valor da hora ou do
dia de trabalho não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo,
assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno.
Além disso, a Portaria MTB 349/2018 assegura um valor horário ou diário não
inferior ao salário mínimo, mas permite que o trabalhador desta modalidade receba um valor
superior os demais trabalhadores que porventura prestem o mesmo serviço ao mesmo
empregador, independente da modalidade contratual que estabelece o vínculo empregatício.
Entre eles está a que permite contratar autônomos, com ou sem exclusividade. Para
os casos em que o trabalhador autônomo figure em um único trabalho, isso não caracteriza
vínculo de emprego. Também volta a ser permitido que o autônomo recuse atividades, sem
que isso seja considerado um descumprimento do contrato. Assim dispõe o caput e incisos
do art. 2º da portaria:
Alemanha, Inglaterra, Portugal, Itália, EUA e outros. Acontece que, nos países estrangeiros,
a legislação que prevê o trabalho intermitente trouxe, requisitos específicos para a sua
aplicação, como pactuação de jornada mínima, compensação pelo tempo à disposição com
pagamento de um valor menor e restrição de atividades.8
3.1 Alemanha
8
NACIF, Cynthia Mara Lacerda; SOUZA, Miriam Parreiras de. Reflexões sobre a aplicação do trabalho
intermitente no trabalho doméstico. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo
Horizonte, MG, v. 64, n. 97, p. 251-268, jan./jun. 2018.
9
Lei sobre trabalho a tempo parcial e contratos a prazo (direito a tempo parcial e temporário - TzBfG) § 12
trabalho a pedido.
975
10
Alemanha), onde dispõe que os riscos econômicos do negócio são do empregador. No
entanto, mesmo que com mais garantias que em outros países, depreende-se que com
essa modalidade de trabalho precariza as condições de vida do empregado fazendo as
cortes trabalhistas alemãs a estipularem outros limites normativos pela via jurisprudencial.
Dessa forma, verifica-se que houve aumento da produção e do lucro, com redução
ao desemprego, no entanto, em detrimento de uma significativa queda de renda da
população, aumento da pobreza e da parcela da população com baixos salários.11
3.2 Itália
10
HENSCHE, Martin. Arbeit Auf Abruf.
Disponível em:https://www.hensche.de/Arbeit_Abruf_Arbeit_auf_Abruf_Abrufarbeit.html. Acesso em: 16
de mar 2020.
11
BRAMANTE, Ivani. Contrato Intermitente: Ubertrabalho e Ultraflexiprecarização. Revista Científica
Virtual da Escola Superior de Advocacia Nº 25 - Primavera 2017. São Paulo OAB/SP – p. 09- 42
12
Decreto Legislativo 81/2015
13
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma trabalhista)
à luz do direito comparado, 24 abril 2017. Disponível em:
<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-
trabalhista-luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
976
período de até 400 dias de trabalho, todavia, caso esta quantidade seja extrapolada, o
contrato de trabalho intermitente converte-se em contrato por tempo indeterminado.14
Outro importante aspecto no contrato intermitente italiano, é o fato de que pode haver
uma cláusula em que o trabalhador se obriga responder o chamado do empregador. Sendo
assim, é devida uma compensação ao trabalhador pelo tempo à disposição. Ademais, se não
houver essa referida cláusula, o trabalhador pode recusar a chamada, onde não existirá
nenhuma quantia de compensação, apenas os valores do período trabalhado. Ainda, existe a
vedação da utilização da intermitência para substituir grevistas, no caso de empresas que
tenham realizado demissões em massa ou suspensão/redução da jornada de trabalho nos
últimos seis meses e no caso de empregadores que não tenham avaliação de risco em
segurança do trabalho. Frisa-se que o prazo para a convocação do trabalhador é de um dia
útil. Diante do exposto, verifica-se que em que pese haja uma maior proteção ao trabalhador,
o contrato de trabalho intermitente na Itália, possui várias restrições para sua adoção.15
3.3 Portugal
14
CAMERA, Roberto. Dottrina Per il Lavoro: verifica delle giornate di Lavoro Intermittente. Disponível
em:<http://www.dottrinalavoro.it/contratti-c/lavoro-intermittente-c/dottrina-per-il-lavoro-sono- utili-le-
dimissioni-online>. Acesso em: 16 de março de 2020.
15
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma
trabalhista) à luz do direito comparado, 24 abril 2017.
Disponível em:
<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-
trabalhista-luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
977
16
AMADO, João Leal. Perspectivas do Direito do Trabalho: um ramo em crise identitária? Revista do
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. n. 47. Campinas: 2015.
17
BRAMANTE, Ivani. Contrato Intermitente: Ubertrabalho e Ultraflexiprecarização. Revista Científica
Virtual da Escola Superior de Advocacia Nº 25 - Primavera 2017. São Paulo OAB/SP – p. 22.
18
LIMA, F. G. M. D. Trabalho intermitente, s/d. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pl-6787-16-reforma-
trabalhista/documentos/audiencias-publicas/luis-antonio-camargo-de-melo>. Acesso em: 16 de março 2020.
978
19
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma
trabalhista) à luz do direito comparado,24 abril 2017. Disponível em:
<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-
trabalhista-luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
20
BRAMANTE, Ivani. Contrato Intermitente: Ubertrabalho e Ultraflexiprecarização. Revista Científica
Virtual da Escola Superior de Advocacia Nº 25 - Primavera 2017. São Paulo OAB/SP.
979
para os empregados, visto que acabam se tornando reféns das empresas por estarem
disponíveis o dia todo e diversas vezes não serem nem chamados.
Já no Reino Unido, o trabalho intermitente ocorre por meio dos contratos zero hora,
“zero-hour contracts” que se caracterizam pelo fato de que não há uma garantia do número
de horas a serem trabalhadas,21isto é, o empregado se compromete em se colocar à disposição
do empregador para trabalhar quando necessário, onde não existe garantia de remuneração
ou horas de labor.
Frisa-se que, o empregador não é obrigado a dar trabalho, o trabalhador não é obrigado
a trabalhar quando chamado. Ademais, a maioria dos empregados são menores de 25 e
maiores de 65 anos, com carga horária de 26 horas semanais. Entretanto, essa forma de
trabalho gera instabilidade financeira, uma vez que não são assegurados os direitos mínimos,
22
gerando grandes problemas. Por conta disso, o Governo Britânico no ano de 2014, proibiu
o uso de cláusulas de exclusividade nos contratos zero hora. E na Nova Zelândia, o contrato
intermitente foi banido, visto que não especifica o mínimo de horas, os dias e os horários do
trabalho.23
21
FERNANDES, P. R. A figura do contrato de trabalho intermitente do PL nº 6.787 (reforma
trabalhista) à luz do direito comparado, 24 abril 2017.
Disponível em:
<http://ostrabalhistas.com.br/figura-do-contrato-de-trabalho-intermitente-do-pl-no-6-7872016-reforma-
trabalhista-luz-do-direito-comparado/>. Acesso em: 16 março de 2020.
22
FONTINELE, C. Trabalho Intermitente: breves comentários. Jusbrasil, 2017. Disponível em:
<https://camilafontinele.jusbrasil.com.br/artigos/489161266/trabalho-intermitente>. Acesso em: 16 março
2020.
23
ROY, ELEANOR. Zero-hour contracts banned in New Zealand. Disponível em:
https://www.theguardian.com/world/2016/mar/11/zero-hour-contracts-banned-in-new-zealand. Acesso em: 16
de março 2020
980
24
HIGA, Flávio da Costa. Reforma trabalhista e contrato de trabalho intermitente. Consultor Jurídico,
opinião, 8 de junho de 2017. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2017-jun-08/flavio- higareforma-
trabalhista-contrato-trabalho-intermitente#_ ftn13>. Acesso em: 16 março 2020.
25
LEITE, C. H. B. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 697.
26
DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n.
13.467/2017/Maurício Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. - São Paulo: LTr, 2017. P. 154.
981
CONSIDERAÇÕES FINAIS
27
VEIGA, Aloysio Corrêa da. Reforma trabalhista e trabalho intermitente. Revista eletrônica [do]
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 8, n. 74, p. 15-26, dez. 2018/jan.
2019.Disponivel em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/150672. Acesso em: 16 março 2020.
982
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 15ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara n° 38, de 2017 - Reforma Trabalhista. Disponível em:
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129049>. Acesso em: 16
mar. 2020.
CASSAR, V. B. Direito do Trabalho: de acordo com a Reforma trabalhista. 16ª. ed. São
Paulo: Método, 2018.
983
DELGADO, M. G. Curso de direito do Trabalho. 17ª (2ª tiragem). ed. São Paulo: Ltr,
2018.
LEITE, C. H. B. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017 LIMA, F.
G. M. D. Trabalho intermitente, s/d. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
temporarias/especiais/55a-legislatura/pl-6787-16-reforma-
trabalhista/documentos/audiencias-publicas/luis-antonio-camargo-de-melo>. Acesso em:
16 de mar. 2020.
SILVA, Homero Batista. Comentários à Reforma Trabalhista. 2. ed. São Paulo: RT,
2017.