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Índice

1. Capítulo I- Introduçã o.................................................................................................................................... 2


1.1.Introduçã o........................................................................................................................................................ 2
1.2. Contextualizaçã o.......................................................................................................................................... 2
1.3. Justificativa................................................................................................................................................. 6
1.4. PROBLEMA................................................................................................................................................. 7
1.5. Objectivos........................................................................................................................................................ 9
1.5.1. Objectivo geral...................................................................................................................................... 9
1.5.2. Objectivos específicos...................................................................................................................9
1.6. Hipó tese....................................................................................................................................................... 9
Capítulo II- Revisã o da Literatura....................................................................................................................10
2.1. Enquadramento jurídico internacional...........................................................................................10
2.2. Definiçã o e criminalizaçã o do trá fico de pessoas...................................................................10
2.3. Protecçã o e assistência à s vítimas.................................................................................................15
2.4. Sobre o Trá fico de Pessoas............................................................................................................... 17
2.5. Elementos Propulsores do Trá fico de Seres Humanos........................................................19
2.6. Tratados e Protocolos Contra o Trá fico de Mulheres...........................................................21
2.7. Trá fico de Pessoas: conceitos, exploraçã o e coerçã o............................................................24
2.8. Contrabando e Trá fico de Pessoas................................................................................................ 27
Capítulo III-Metodologia...................................................................................................................................... 29
3. Metodologia..................................................................................................................................................... 29
ANEXO 1. CRONOGRAMA DE ACTIVIDADES.........................................................................................31
ANEXO 2. ORÇAMENTO...................................................................................................................................32
6.REFERÊ NCIA BIBLIOGRÁ FICA...................................................................................................................... 34

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1. Capítulo I- Introdução

1.1.Introdução

O trá fico humano, apesar de ser um fenô meno recorrente na sociedade há séculos, é uma
temá tica pouco abordada no convívio social. Possui origem ainda na antiguidade, e
consiste na actividade de explorar outros indivíduos, fato que se perpetua na histó ria e se
apresenta das mais diversas maneiras.

Tratar de trá fico humano remete a sua definiçã o, que é de fundamental importâ ncia, pois a
partir da conceituaçã o legal é possível buscar maneiras de evidenciar, alertar e aprofundar
reflexõ es em sociedade.

Apesar de a legislaçã o brasileira e internacional, desde o início dos anos 2000, tratar dessa
temá tica esse crime ainda possui um bom funcionamento e desenvolvimento porque,
devido a carência de informaçõ es, a vítima se encontra em situaçã o de vulnerabilidade,
sendo exemplo a necessidade de encontrar um trabalho que seja bem remunerado e
equivalente ao tempo e esforço empregado.

Em se tratando dos direitos humanos, desde a criaçã o da Declaraçã o Universal dos


Direitos Humanos e Organizaçã o das Naçõ es Unidas esses direitos fundamentais passaram
a ser reconhecidos e a cada dia a busca por sua efetivaçã o fá tica se faz mais presente.

Analisar os casos das incontá veis vítimas e analisar como o crime é tratado nos demais
países é importante, pois a partir do contato a sociedade adquire respaldo de que esta é
uma tipificaçã o apta a atingir qualquer cidadã o em qualquer localidade e ressalta, ainda, a
necessidade em nã o somente combater o crime, mas de ressocializar a vítima a sociedade.

1.2. Contextualização

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O trá fico de pessoas e o trabalho forçado como sua consequência têm beneficiado, desde o
fim do século passado, de uma renovada atençã o por parte da comunidade internacional e
dos seus Estados individualmente considerados, contrariamente à realidade de grande
parte do século XX, o trabalho forçado já nã o constitui, hoje, um monopó lio das prá ticas
estatais. A par das suas formas tradicionais, surgem, actualmente, novos tipos de trabalho
forçado, essencialmente impostos por agentes privados (ILO, 2005). O trá fico de migrantes
para trabalho forçado constitui uma dessas novas faces do flagelo. Resultante, em certos
casos, da intervençã o de grupos criminosos organizados, que visa a obtençã o de enormes
lucros através da exploraçã o do trabalho de milhõ es de migrantes em todas as regiõ es do
mundo. A preocupaçã o acrescida de que o trá fico de pessoas tem sido objecto resultou,
recentemente, na aprovaçã o de um conjunto de instrumentos jurídicos internacionais e
nacionais sobre o problema. Em articulaçã o com as normas já existentes, estas procedem
ao acomodamento do quadro legal à s novas exigências do trabalho forçado enquanto
consequência do trá fico de pessoas.

De acordo com a Organizaçã o Internacional do Trabalho (OIT), o nú mero total de vítimas


de trá fico para trabalho forçado no mundo é de 2,45 milhõ es de pessoas. Esse valor
corresponde a 20% do total de situaçõ es de trabalho forçado actualmente existentes (ILO,
2005 a).

A pesquisa tomará como fundamento o trá fico de menores em Moçambique formulada por
Carlos Serra (dir), na sua obra “Tata papá, tata mamã: tráfico de menores em Moçambique”,
(2006), onde ajuda a entender as razõ es que levam as pessoas a serem traficadas. Tomará
também como base à s teorias socioló gicas, funcionalistas e fenomenoló gica para
compreender o fenó meno de trá fico de menores em Moçambique.

Portanto, estes autores me inspiram na medida em que na sua obra defende que
para gerir o problema de trá fico é preciso estabelecer planos de combate e definiram eixos
sobre qual tenha maior resultado:
1- Prevençã o;
2- Repreensã o

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3- Protecçã o e Assistência as vitima.

Em relaçã o a prevençã o explicou que é necessá ria realizaçã o de palestras para identificar a
melhor forma de agir e envolver mais pessoas e informá -las do que está a acontecer em
relaçã o ao trá fico de pessoas.
Para além destas acçõ es referiu do papel dos líderes comunitá rios na informaçã o que deve
dar à s comunidades.

Mazula (1995) na obra, “Moçambique, Eleições, Democracia e Desenvolvimento”,


define o desenvolvimento como um processo de selecçã o coerente e flexível de objectivos,
prioridades, tecnologias, mercados, formas sociais de produçã o, incentivos e formas
institucionais de acçã o, que modifiquem o conjunto de estrutura e das relaçõ es econó micas.
Neste sentido, nos parece razoá vel afirmar em concordâ ncia que o desenvolvimento deve
significar melhorar a vida das pessoas (desenvolvimento humano), de todas as pessoas
(desenvolvimento social), das que estã o vivas hoje e das que viverã o no futuro, através de
uso racional e sustentá vel dos recursos (desenvolvimento sustentável).

Assim, escolho este autor porque, pensa no desenvolvimento humano, social e


sustentá vel, que significa pensar um novo conceito de desenvolvimento que articula a
dinamizaçã o do crescimento econó mico com os outros factores como: o crescimento do
capital humano, o desenvolvimento do capital social, a conquista da boa governaçã o e o uso
sustentá vel do capital natural.

Segundo Carlos Serra (sd), na obra “Trafico de Menores em Moçambique” aborda o trá fico
de pessoas como o processo pelo qual envolve um individuo ou um grupo de indivíduos. O
ilícito começa com aliciamento e termina com a pessoa que explora a vítima. (compra-a e
mantem em escravidã o ou outras formas de servidã o).

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No caso vertente a minha pesquisa difere-se do autor na medida em que o estudo acima
trata de um trá fico de pessoas para escravidã o, mas sim, uma parceria entre o pú blico, os
privados e organizaçõ es nã o-governamentais, e nã o especificamente os “famosos” servidã o
sexual na Cidade de Maputo.

Giudiceet al (2003) na sua obra “Agências de Desenvolvimento Local-ADELs de Moçambique”


faz uma abordagem sobre desenvolvimento econó mico local de Moçambique, como um
exemplo de mecanismos locais nos quais participam os sectores pú blicos, privados e as
representaçõ es das formas organizadas das comunidades para definir juntamente com os
governos locais, as estratégias para o desenvolvimento econó mico local, e implementar os
projectos necessá rios à promoçã o de geraçã o de riqueza do territó rio e das suas
comunidades sem precisar de deixar os seus filhos vulnerá veis ao ponto de serem
traficadas. Este autor, descreve o contexto no qual surgem e se inserem as Agências de
Desenvolvimento Econó mico Local (ADELs) em Moçambique e quais sã o os princípios
fundamentais sobre quais se baseiam.

A postura acima citada faz-se referência daquilo que sã o as agências envolvidas no


desenvolvimento local em Moçambique nas quais participam o sector pú blico, privado e
pró pria comunidade no combate ao trá fico de pessoas, como factor para desenvolvimento
das comunidades.

A verificaçã o pode ser considerada como o esforço feito com rigor, empregando-se critérios
claros, com a finalidade de determinar o mérito de programas e projectos. Assim, difere de
pesquisa, pois esta é o esforço rigoroso com vista a determinar a consistência científica do
fenó meno estudado. (Faria apud Rico; 1998: p. 44).

Neste Trabalho procuramos realizar uma curta sistematizaçã o das principais fontes
jurídicas que têm por objecto o trá fico de pessoas para trabalho forçado. Começaremos por
nos centrar nos instrumentos jurídicos internacionais aprovados no seio das Naçõ es
Unidas e da Organizaçã o Internacional do Trabalho. Procederemos, em seguida, à aná lise

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das normas comunitá rias sobre o trá fico de seres humanos, terminando com uma
apreciaçã o do direito interno Moçambicano relevante para o objecto do estudo.

O Processo penal tem três fases a saber:

Instruçã o preparató ria: direcçã o do Ministério Pú blico, coadjuvado pelas autoridades


policiais, compreende a investigaçã o da notícia do crime e encerra com a acusaçã o que
pode ser provisó ira/definitiva ou arquivamento provisó rio/definitivo (CONSTANTINO e
FIGUEIRAS, 2007).

Instruçã o ou impugnaçã o contraditó ria: Direcçã o do MinistérioPú blico; caracter


facultativo; abertura a requerimento (arguido ou assistente) e encerra com acusaçã o
definitiva ou abstençã o (CONSTANTINO e FIGUEIRAS, 2007).

Julgamento: apresentaçã o da acusaçã o; julgamento e sentença (CONSTANTINO e


FIGUEIRAS, 2007).

Trá fico de pessoas é definida e considerada como o recrutamento, transporte, transferência


amparando ou recepcionando pessoas através do medo ou uso da força ou outras formas
de coacçã o, de sequestro, de fraude, de abuso de poder ou de posiçã o de vulnerabilidade ou
para oferta ou recebimento ou benefícios para obter consentimento de pessoa que tem
controlo sobre outra pessoa, para fins de exploraçã o sexual, servidã o, ou remoçã o de
ó rgã os.

Crime ou delito: é o facto voluntario declarado punível pela lei penal (GONSALVES, 2007).

Tribunais: sã o ó rgã os de Soberania que administram justiça em nome do povo (art.1 da lei
nᵒ24/2007 de Agosto).

Ministério Pú blico compete representar o Estado junto dos Tribunais e defender os


interesses que a lei determina, controlar a legalidade, os prazos das detençõ es, dirigir a
instruçã o preparató ria dos processos-crime, exercer a acçã o penal e assegurar a defesa
jurídica dos menores, ausentes e incapazes (art.236 da CRM).

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Prova: todo meio legal, usado no processo, capaz de demonstrar a verdade dos factos
alegados em juízo. A prova deve ter como objectivo principal o convencimento do Juiz
(GUIMARÃ ES,1998).

1.3. Justificativa

Do ponto de vista teorico esta pesquisa trará uma compreensã o do fenó meno trá fico de
seres humanos e também, vai ajudar a sociedade a compreender as situaçõ es ou formas em
que as pessoas sã o traficadas e os fins a que estã o sujeitas, pois constitui, em primeiro
lugar, uma forma de aprofundar o conhecimento sobre a magnitude do problema do TSH
em Moçambique.

Relativamente do ponto de vista pratico , o trabalho poderá contribuir para definiçã o de


soluçõ es e medidas concretas para prevençã o e combate do Trá fico de Seres Humanos,
pois,ao problematizar a questã o do impacto do trá fico de pessoas, estima-se que o estudo
possa revestir-se de uma certa utilidade para o desenvolvimento do país, uma vez que vai
trazer algumas experiências de como esta pratica é gerida e aplicada na Cidade de Maputo
e, propor caso seja necessá rio algumas medidas para o mitigaçã o deste mal, sua gestã o,
servindo, ainda que modestamente, como suporte para novos estudos e abordagens bem
como para repensar no desenho de um novo modelo de gestã o e monitoria do mesmo.

1.4. PROBLEMA

Apesar das recentes descobertas e revelaçõ es do Trá fico de Seres Humanos (TSH), a
magnitude do problema, em Moçambique, ainda constitui uma incó gnita. Primeiro porque
as informaçõ es estatísticas ainda sã o escassas; as poucas informaçõ es estatísticas
disponíveis sã o imprecisas, pois o TSH confunde-se, em alguns casos, com problemas de
imigraçã o ilegal e com êxodo rural, que estã o a registar uma tendência crescente; segundo
porque ainda nã o esta implícita a complexa ligaçã o entre TSH e o crime organizado, muito

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menos o grau de penetraçã o deste crime organizado, em Moçambique, quer do ponto de
vista geográ fico, quer do ponto de vista social.

Com efeito, julga-se que o Estado e as Organizaçõ es da Sociedade Civil (OSC) estã o a fazer
um trabalho notá vel, mas ainda é insignificante para prevenir e combater o problema do
Trá fico de Seres Humanos. Esta percepçã o reconhece, por um lado, o esforço desenvolvido
para alertar a sociedade sobre o problema do trá fico de seres humanos e a necessidade de
se adoptar medidas urgentes e de impacto real. Esta realidade denuncia a fragilidade
institucional, que nã o está a acompanhar de forma multissectorial, interdependente e
coordenada, a evoluçã o do trá fico de seres humanos. Acima de tudo, este cená rio constitui
uma chamada de atençã o para inú meros problemas estruturais só cio-econó micas que
colocam as mulheres e as crianças permanentemente vulnerá veis ao fenó meno.

Dentro do projecto Trá fico de seres humanos, na Cidade em estudo, há três resultados que
se esperam:
1) O trá fico de pessoas está a causar muitos males, de natureza física, psicoló gica e moral.
2) Este crime causa danos as vítimas, e os traficantes ganham muito dinheiro.
3) A populaçã o, quer as vítimas do trá fico deseja que se estabeleça planos de combate em
três eixos sobre qual tenha maior resultado: a Prevençã o, Repreensã o e Protecçã o e
Assistência as vítimas.

 PERGUNTAS DE PESQUISA
Com base nesta informaçã o, identificá mos as seguintes questõ es de investigaçã o:

1. De que forma estas situaçõ es estã o, ou nã o, relacionadas com redes de trá fico de
pessoas?
2. Quais sã o os sectores em que estas formas de exploraçã o acontecem mais
frequentemente?
3. Quais os factores que contribuem para a existência destas situaçõ es de exploraçã o?
4. Quais os imigrantes mais vulnerá veis e quais as suas atitudes?

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5. Que respostas institucionais existem para lidar com este fenó meno e de que forma é que
podem ser aperfeiçoadas? Inicialmente, procedemos à revisã o da literatura existente, a
nível do enquadramento legal e da investigaçã o nacional sobre o tema.
6. Qual é o Impacto do trá fico de seres humanos, em especial mulheres e crianças na Cidade
de Maputo
7. Quais sã o os actores que estã o directamente, envolvidos no trá fico de seres humanos?
8.Quais sã o os principais desafios para a prevençã o e combate ao trá fico de seres humanos?

1.5. Objectivos

1.5.1. Objectivo geral

 Analisar o fenó meno e o Impacto Socio-Jurídico do trá fico de seres humanos, em


especial mulheres e crianças do local em estudo.

1.5.2. Objectivos específicos

 Identificar as causas e as finalidades do trá fico de seres humanos, na Cidade de


Maputo;
 Identificar as rotas do trá fico interno e os meios utilizados no trá fico;
 Analisar o impacto do trá fico de seres humanos, em especial mulheres e crianças do
Distrito em estudo.

1.6. Hipótese

H1. O trá fico de crianças e mulheres na Cidade de Maputo florece devido a falta de
estratégias por parte das instituiçõ es da Lei e Ordem.

H2. O Trá fico de criancas e mulheres na Cidade de Maputo é uma consequência da


crescente pobreza na cidade de Maputo.

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Capítulo II- Revisão da Literatura

2.1. Enquadramento jurídico internacional

2.2. Definição e criminalização do tráfico de pessoas

Adoptada em 2000 pela Assembleia-Geral das Naçõ es Unidas, a “Convençã o das Naçõ es
Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional” tem por objectivo promover,
através da cooperaçã o entre os Estados, uma prevençã o e combate mais eficaz ao crime
organizado transnacional. Um dos objectivos centrais da Convençã o consiste na imposiçã o,
aos seus Estados Parte, da obrigaçã o de criminalizar um conjunto de condutas. Entre estas
incluem-se a participaçã o em grupo criminosa organizada (artigo 5º), o branqueamento
(artigo 6º) ou a corrupçã o (artigo 8º). A Convençã o prevê, igualmente, normas relativas à
implementaçã o de medidas de combate ao branqueamento e à corrupçã o (artigos 7º e 9º),
competência jurisdicional (artigo 15º), extradiçã o (artigo 16º), protecçã o de testemunhas
(artigo 24º), assistência e protecçã o à s vítimas (artigo 25º) ou prevençã o da criminalidade
organizada transnacional (artigo 31º). A Convençã o integra, igualmente, um “Protocolo
Adicional Relativo à Prevençã o, à Repressã o e à Puniçã o do Trá fico de Pessoas, em Especial
Mulheres e Crianças”.

De acordo com o seu artigo 2º, o Protocolo tem por objectivos prevenir e combater o trá fi
co de pessoas, em especial de mulheres e crianças, proteger e apoiar as suas vítimas, e
promover a cooperaçã o entre os Estados parte na prossecuçã o desses objectivos. Este
instrumento inclui a primeira defi niçã o de trá fico de seres humanos consensualmente
aceite pela comunidade internacional.

O “Protocolo Adicional Relativo à Prevençã o, à Repressã o e à Puniçã o do Trá fico de


Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças” foi aprovada, em Mocambiquel, pela Resoluçã o
n.º 32/2004 da Assembleia da Repú blica, e ratificada pelo Decreto n.º 19/2004 de 2 de
Abril do Presidente da Repú blica. Neste texto, referir-nos-emos à “Convençã o das Naçõ es

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Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional” por Convençã o. Igualmente
aprovado, em Moçambique, pela Resoluçã o n.º 32/2004 da Assembleia da Repú blica, e
ratificado pelo Decreto n.º 19/2004 de 2 de Abril do Presidente da Repú blica. A
“Convençã o das Naçõ es Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional” integra,
igualmente, um segundo Protocolo designado “Protocolo Adicional contra o Trá fico Ilícito
de Migrantes por via Terrestre, Marítima ou Aérea”.

Neste texto, referir-nos-emos ao “Protocolo Adicional Relativo à Prevençã o, à Repressã o e à


Puniçã o do Trá fico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças” por Protocolo. A
definiçã o de trá fico de pessoas prevista pelo Protocolo constitui a base para a Decisã o-
Quadro do Conselho relativa à Luta contra o Trá fico de Seres Humanos (2002/629/JAI).
O artigo 3º o trá fico de pessoas como o: “recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a
outras formas de coacçã o, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de
situaçã o de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitaçã o de pagamentos ou benefícios para
obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de
exploraçã o. A exploraçã o incluirá , pelo menos, a exploraçã o da prostituiçã o de outrem, ou
outras formas de exploraçã o sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou
prá ticas similares à escravatura, a servidã o ou a extracçã o de ó rgã os.” Os Estados parte do
Protocolo estã o obrigados, nos termos do seu artigo 5º n.º 1, a criminalizar a prá tica do
trá fico de pessoas, tal como definido anteriromente.

A obrigaçã o de criminalizaçã o respeita ao trá fico enquanto combinaçã o de um conjunto de


elementos constitutivos e nã o a esses elementos constitutivos individualmente
considerados . De acordo com o “Guia Legislativo para a Implementaçã o do Protocolo
Adicional Relativo à Prevençã o, à Repressã o e à Puniçã o do Trá fico de Pessoas, em Especial
Mulheres e Crianças “, do Gabinete das Naçõ es Unidas para o Crime e a Droga (Gabinete das
Naçõ es Unidas para o Crime e a Droga, 2004), o crime de trá fico de pessoas acima definido
é constituído por três elementos cumulativos: a acçã o de recrutar, transportar, transferir,
acolher ou alojar pessoas;

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Relativamente ao elemento de movimento do trá fico, da interpretaçã o conjunta do
Protocolo e da Convençã o resulta o facto de este também incluir percursos migrató rios
internos, nã o sendo necessá rio que a vítima transponha uma fronteira internacional.

O recurso à ameaça, ao uso da força ou a outras formas de coacçã o, ao rapto, à fraude, ao


engano, ao abuso de autoridade ou de situaçã o de vulnerabilidade ou à entrega ou
aceitaçã o de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem
autoridade sobre outra como meio para praticar essa acçã o; O conceito de “abuso de
situaçã o de vulnerabilidade” assume uma importâ ncia central neste segundo elemento
constitutivo do trá fico de pessoas, pelo facto de as situaçõ es de ameaça, uso da força, rapto,
abuso de autoridade e restantes enunciadas serem menos comuns (Malpani, 2005).

Cabe assim aos Estados parte decidir se pretendem criminalizar, a título de exemplo, a
transferência de uma pessoa com recurso à fraude.A obrigaçã o de criminalizaçã o refere-se
apenas à prá tica dolosa do trá fico de pessoas. Abrange, igualmente, a sua comissã o na
forma tentada, desde que permitido pelos princípios da ordem jurídica nacional (artigo 5º
n.º2 alinea (a) do Protocolo. Em consonâ ncia com o previsto no artigo 1º do Protocolo.

O artigo 34º n.º 2 da Convençã o, aplicá vel ao Protocolo por força do seu artigo 1º,
determina que o legislador nacional, ao incriminar o trá fico de pessoas, nã o deverá
introduzir na sua definiçã o elementos de transnacionalidade ou envolvimento de grupos
criminosos organizados. O elemento de transnacionalidade e envolvimento de grupos
criminosos organizados já relevará para a aplicaçã o de outras disposiçõ es do Protocolo
como, por exemplo, as relativas à prevençã o e cooperaçã o.

De acordo com as notas interpretativas do Protocolo, o conceito de “abuso de situaçã o de


vulnerabilidade” incluirá todos os casos em que a vítima nã o dispõ e de uma alternativa real
e aceitá vel à submissã o ao abuso (Gabinete das Naçõ es Unidas para o Crime e a Droga,
2004). Dever-se-á notar que, nos termos da alínea (b) do artigo 3º do Protocolo, o
consentimento da vítima será irrelevante na qualificaçã o de uma conduta como trá fico de
pessoas ao abrigo do Protocolo, sempre que se demonstre o recurso, pelo agente, a um dos

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meios de coacçã o acima descritos. Por ú ltimo, sempre que a vítima for menor (com menos
de 18 anos de idade), o recurso a um dos meios de coacçã o descritos em cima será
irrelevante na qualificaçã o de uma conduta como trá fico de pessoas (artigo 3º, alíneas (c) e
(d)). A intençã o de exploraçã o;

Para que este terceiro elemento constitutivo do trá fico de pessoas se verifique, nã o é
necessá ria a consumaçã o da exploraçã o da vítima, bastando demonstrar a intençã o do
agente de explorar o migrante (Gabinete das Naçõ es Unidas para o Crime e a Droga, 2004).
O conceito de exploraçã o, enquanto objectivo da actividade do traficante, inclui, pelo
menos: a exploraçã o da prostituiçã o de outrem, ou outras formas de exploraçã o sexual, o
trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou prá ticas similares à escravatura, a servidã o
ou a extracçã o de ó rgã os. De acordo com o Grupo de Especialistas sobre Trá fi co de Pessoas
da Uniã o Europeia, o trabalho forçado constitui o elemento central do conceito. É a violaçã o
dos direitos humanos das vítimas em que este se consubstancia que o Protocolo visa
cercear (Experts Group Report, 2004). Apesar de nã o se encontrar defi nido no Protocolo,
sã o vá rios os instrumentos que concorrem para a sua interpretaçã o. Destacaremos aqui os
instrumentos aprovados no â mbito da Organizaçã o Internacional para o Trabalho (OIT).

O Protocolo parece proceder, através desta enumeraçã o, a uma distinçã o entre exploraçã o
sexual e trabalho forçado. De acordo com a Convençã o (n.º 29) da OIT (Cfr. Supra Capítulo
II, secçã o A), ponto 1.1.), contudo, o conceito de trabalho forçado deverá ser entendido no
sentido de incluir, igualmente, o trabalho sexual forçado (OIT 2005). O conceito de
escravatura é definido pela Convençã o sobre Escravatura de 1926 da Sociedade das
Naçõ es, alterada pelo Protocolo de 1953 das Naçõ es Unidas como o “estatuto ou condiçã o
de uma pessoa sobre a qual sã o exercidos algum ou todos os poderes decorrentes do
direito de propriedade”.

O artigo 1º da Secçã o I da Convençã o Suplementar das Naçõ es Unidas de 1956 sobre a


Aboliçã o da Escravatura, do Comércio Escravo, Instituiçõ es e Prá ticas Similares à
Escravatura nã o contém uma definiçã o destas ú ltimas. Enumera, contudo, realidades como
a servidã o, o casamento forçado, o trabalho como garantia de uma dívida que deverã o ser

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consideradas prá ticas similares à escravatura. Criado pela Decisã o da Comissã o de 25 de
Março de 2003, JO L79, 26.03.2003.

A Convençã o da OIT sobre Trabalho Forçado ou Obrigató rio, 1930 (Nº29) define, no n.º 1
do seu artigo 2º, trabalho forçado como o “trabalho ou serviço exigido a qualquer indivíduo
sob a ameaça de uma sançã o e para o qual o dito indivíduo nã o se tenha oferecido de livre
vontade”. Deste instrumento resulta, igualmente, a obrigaçã o de os seus Estados parte
procederem ao sancionamento, nas suas ordens jurídicas internas, da imposiçã o ilegal de
trabalho forçado.

O conceito de trabalho forçado, tal como defi nido pela Convençã o (n.º 29) da OIT, é
composto por três elementos: - A actividade exigida terá de corresponder a um trabalho ou
serviço, pelo que nã o estarã o aqui incluídas as situaçõ es em que ao indivíduo é imposta a
frequência do ensino ou de uma formaçã o ou a entrega de bens ou outros valores
patrimoniais; - O recurso à ameaça de uma sançã o como meio de exigir o trabalho ou
serviço. A sançã o poderá assumir diversas formas.

A OIT identificou um conjunto de acçõ es que, configurando sançõ es nos termos acima
identificados, poderã o, na prá tica, indiciar a existência de uma situaçã o de trabalho
forçado. Estas incluem, a título de exemplo:
 Violência física ou sexual exercida sobre o trabalhador, familiares ou terceiros que lhe
sejam pró ximos;
 Restriçõ es à liberdade do trabalhador; Trabalho como meio de garantia de uma dívida;
 Retençã o ou recusa do pagamento de salá rios; Retençã o de documentos de
identificaçã o;
 Ameaça de denú ncia à s autoridades e de deportaçã o; Adoptada em Genebra ao 28 de
Junho de 1930, foi aprovada para ratifi caçã o por Portugal pelo Decreto n.º 40 646, de
16 de Junho de 1956. Entrou em vigor na ordem jurídica nacional em 26 de Junho de
1957. Complementada pela Convençã o (n.º 105) da OIT de 1957 sobre a aboliçã o do
trabalho, que nã o altera, contudo, o conceito de trabalho forçado constante da

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Convençã o (nº 29). A Convençã o (n.º 182) da OIT de 1999 visa a proibiçã o e
eliminaçã o das piores formas de trabalho das crianças, incluindo o trá fico de crianças.

A Convençã o (n.º 29) da OIT exclui do â mbito de aplicaçã o deste conceito um conjunto de
actividades. Entre estas encontramos o trabalho de caracter puramente militar
desempenhado no â mbito do serviço militar obrigató rio ou o trabalho ou serviço prestado
em virtude de condenaçã o judicial, desde que supervisionado por uma autoridade pú blica.
Artigo 25º da Convençã o (n.º 29) da OIT. Por exemplo, através do confinamento do
trabalhador ao seu local de trabalho com o objectivo de limitar o contacto com a
comunidade de acolhimento. Situaçã o em que o trabalho do indivíduo se torna uma
garantia de um empréstimo ou de uma dívida, sendo prestado parcialmente ou
exclusivamente para o seu cumprimento. Nestes casos, o trabalhador poderá continuar a
desempenhar as suas funçõ es na expectativa de que o pagamento dos seus salá rios se
concretize.

A maioria destes comportamentos constitui, quando considerados por si só , tipos de crime


nas ordens jurídicas dos Estados. A imposiçã o de trabalho forçado, podendo incluir um ou
vá rios destes comportamentos, constitui, contudo, uma conduta distinta com um â mbito de
aplicaçã o nã o totalmente coincidente. - A ausência de vontade da vítima para o
desempenho do trabalho ou serviço exigido. Estarã o incluídas neste elemento, em primeiro
lugar, as situaçõ es em que a vontade da vítima existe mas decorre dos constrangimentos
externos de que foi objecto. Incluirá , igualmente, os casos em que a vítima, apesar de
inicialmente ter consentido livremente no desempenho do trabalho, nã o dispõ e,
posteriormente, da possibilidade de o abandonar de sua livre vontade (ILO, 2005).

2.3. Protecção e assistência às vítimas

As normas constantes do Protocolo relativas à protecçã o e assistência à s vítimas do crime


de trá fico de pessoas deverã o, por força do seu artigo 1º, ser aplicadas em articulaçã o com

15
os artigos 24º e 25º da Convençã o. Tais normas aplicar-se-ã o independentemente de as
vítimas se encontrarem no seu país de origem, num país de trâ nsito ou no país de destino
(Gabinete das Naçõ es Unidas para o Crime e a Droga, 2004). No que toca à protecçã o e
assistência à s vítimas, haverá que traçar uma distinçã o entre a diferente natureza das
normas do Protocolo e da Convençã o. Existem as que impõ em uma obrigaçã o aos Estados
parte de actuar, as que solicitam a ponderaçã o/esforço dos Estados na sua aplicaçã o e
aquelas cuja implementaçã o é de natureza totalmente opcional. Relativamente à s
primeiras, temos: A obrigaçã o de proteger a identidade e privacidade das vítimas,
nomeadamente, tornando os procedimentos criminais relativos ao trá fico de pessoas confi
denciais (artigo 6º alinea 1 do Protocolo); A obrigaçã o de prestar à s vítimas informaçã o
sobre procedimentos administrativos e judiciais (artigo 6º alinea 2 (a) do Protocolo); A
obrigaçã o de garantir à s vítimas a possibilidade de exporem a sua versã o dos factos e as
suas preocupaçõ es no momento adequado dos procedimentos criminais que envolvem os
seus agressores (artigo 6º alinea 2 (b) do Protocolo).

O Có digo Penal Moçambicano prevê um conjunto de crimes cujo â mbito de aplicaçã o


poderá coincidir com estas condutas: crime de ofensa à integridade física simples, grave ou
qualificada (artigos 143º, 144º e 146º), ameaça (artigo 153º), coacçã o (artigo 154º),
coacçã o grave (155º), sequestro (artigo 158º), coacçã o sexual (artigo 163º) ou violaçã o
(artigo 164º). 24 Tais como as ameaças, a violência física e sexual, a retençã o de
documentos ou as restriçõ es à liberdade identificadas anteriormente.

A obrigaçã o de incluir na legislaçã o interna meios que permitam à s vítimas de trá fico de
pessoas obter uma compensaçã o pelos danos sofridos (artigo 6ºalinea 6 do Protocolo e
artigo 25 alinea 2 da Convençã o); Relativamente ao segundo tipo de normas, o artigo 24º
alinea 4 da Convençã o exige aos Estados parte que adoptem, na medida das suas
possibilidades, medidas que garantam a protecçã o das vítimas que sejam testemunhas em
procedimentos criminais. Tais medidas poderã o, quando conveniente, ser extensíveis aos
seus familiares e entes pró ximos. No que toca à s vítimas de trá fico de pessoas em geral,
independentemente da sua condiçã o de testemunha no â mbito de um processo criminal, os

16
Estados parte deverã o esforçar-se por garantir a sua segurança física enquanto estas se
encontrarem no seu territó rio (artigo 6º do Protocolo).

A possível regularizaçã o da permanência das vítimas de trá fico no país de destino deverá
merecer uma consideraçã o dos Estados parte norteada pela compaixã o e o humanismo que
a situaçã o exige (artigo 7º do Protocolo). Finalmente, no que toca à s normas do Protocolo
cuja implementaçã o se mantém na discricionariedade dos Estados parte, o artigo 6º do
Protocolo enumera um conjunto de medidas tendentes a garantir a recuperaçã o física,
psicoló gica e social das vítimas. Estas incluem a disponibilizaçã o de alojamento adequado, a
prestaçã o de aconselhamento e informaçã o numa língua que a vítima compreenda,
assistência médica, psicoló gica e material, emprego e acesso ao ensino e à formaçã o. A
prestaçã o deste apoio nã o deverá estar dependente da vontade da vítima cooperar com as
autoridades no â mbito de procedimentos criminais sobre trá fico de pessoas (Gabinete das
Naçõ es Unidas para o Crime e a Droga, 2004).

Uma questã o essencial neste domínio consiste na forma como as vítimas de trá fico elegíveis
para beneficiar destes apoios deverã o ser identificadas. O Protocolo nã o estabelece,
contudo, um procedimento de determinaçã o do estatuto de vítima.

2.4. Sobre o Tráfico de Pessoas

O trá fico de pessoas é um crime que abrange vá rios tipos de exploraçã o, como sexual,
trabalho forçado, os de remoçã o de ó rgã os, casamento forçado, adoçã o ilegal ou rapto de
crianças e adultos com fins de formaçã o de exércitos paramilitares. Caroline Ausserer
coloca da seguinte maneira: A expressã o do “trá fico de escravas brancas” referia-se a
histó rias de mulheres europeias que seriam trazidas por redes internacionais de
traficantes para os Estados Unidos da América e para as colô nias para trabalhar como
prostitutas.

Assim, já no século XIX, a prá tica de trá fico de mulheres está conotada à prostituiçã o e à
escravidã o. As prostitutas, entã o, sã o vistas como o “arquétipo de mulher fora da casa”, a

17
essência do desvio das normas e, portanto, se concentram nelas a estigmatizaçã o e a
desvalorizaçã o que se exercem sobre as que se apartam dos modelos impostos.
(AUSSERER, 2007:.27-87.). O trá fico de mulheres nã o é um fenô meno recente e suas raízes
sã o apresentadas no chamado “trá fico de escravas brancas” ou como ficou depois
conhecido como “trá fico das brancas”.

Pode-se dizer que foi uma consequência da expansã o do capitalismo e imperialismo,


trazendo a noçã o de “coisificaçã o do ser humano”, isto é, ocorreu uma mudança nã o só da
vida das mulheres como elas passaram a ser vistas como mercadoria, disponíveis a serem
compradas e vendidas (KAPPAUN, 2011). Outro factor que contribuiu para a fomentaçã o
dessas transaçõ es criminosas foi o patriarcado e o que ele resultava dentro da cultura,
levando a submissã o da mulher ao homem, assim, inevitavelmente, criou-se um perfil de
mulheres (isto é, branca e da Europa) que eram alvo de organizaçõ es criminosas do trá fico,
e da ideia de mercadoria. Isso consistia em enxergar ameaça aos valores sociais ao
entender que mulheres europeias seriam levadas ao exterior para trabalhar como
prostitutas, o que acarretou em um pâ nico sexualizado e racializado relacionados também
ao medo de que isso tornasse as sociedades ocidentais, por fim, imorais.

Em suma, duas coisas podem ser afirmadas, a primeira é que foi criado um discurso de
medo e pâ nico moral de que a família tradicional ocidental cristã poderia ter seus valores
desvirtuados pelas mulheres pobres, que geralmente vinham do sul para o hemisfério
norte, graças também ao crescimento da industrializaçã o que levava a migraçã o entre o
campo e a cidade, além da necessidade de reinvindicaçã o dos direitos das mulheres.

A segunda é que a preocupaçã o inicial nã o estava concentrada no facto das mulheres


serem vítimas do trá fico ou da exploraçã o, apresentada de diversas formas, mas sim em
proteger a “mulher branca” que era símbolo dos valores ocidentais, que agora era
ameaçado pelo trá fico. O discurso da “escravidã o branca” emergia em contexto de
regulaçã o da sexualidade feminina sob o pretexto de proteger as mulheres em cená rio de
crescimento da mobilidade de indivíduos entre o campo e a cidade, em um primeiro
momento da industrializaçã o, entre as metró poles ocidentais e os territó rios coloniais, no

18
momento da mundializaçã o do comércio, e, também, em contexto de crescente necessidade
de expressã o de autonomia e de reivindicaçã o de direito pelas mulheres (SOUSA, 2012:5)

A visã o de que as vítimas do trá fico sã o sempre mulheres ingênuas e enganadas, forçadas a
se prostituir gera um problema ao diferenciar a prostituiçã o forçada da voluntá ria e o
imigrante e a vítima. É importante levar em consideraçã o que a idéia de prostituiçã o esteve
muito ligada a uma rejeiçã o moral, portanto era uma condiçã o que feria diretamente a
noçã o de dignidade humana, seguindo o conceito de Immanuel Kant quando afirmou: No
reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço,
pode-se pô r em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima de
todo o preço, e, portanto nã o permite equivalente, entã o tem ela dignidade. (KANT apud
BAZZANO, 2013:431) . Porém ainda cabe a mulher, levando em conta a perspectiva do
feminismo regulacionista, consentir em imigrar para outro país em busca de melhoria de
vida para si e da pró pria família, e assumir a profissã o de prostituta uma vez que nã o haja
condiçã o de exploraçã o, coerçã o ou engano dentro do ambiente de trabalho (BAZZANO,
2013).

2.5. Elementos Propulsores do Tráfico de Seres Humanos

Em 2009, de acordo com Bales, Williamson e Trodd (2009:.7), haveria cerca de 27 milhõ es
de escravos no mundo, agora, segundo os relató rios da ONG Free Walk Foundation6 hoje
existem ao menos 45,8 milhõ es de pessoas que vivem dentro dessa esfera, e dentro das
Américas 4,7% desse nú mero. É possível dizer que tal nú mero choca se for considerado
que há mais de cem anos existiram açõ es para proibir a escravidã o e formas de trá fico
buscando o seu fim definitivo, no entanto, essas prá ticas nã o foram extintas, pelo contrá rio,
elas reapareceram de formas variadas, com novas formas de exploraçã o e trá fico de
pessoas. No que tange aos fatores que impulsionam essas atividades, neste trabalho é
proposto enxergar motivos primá rios para entender o ambiente em que essas pessoas se
Immanuel Kant na obra Fundamentaçã o da Metafísica dos Costumes.

19
The Walk Free Foundation “é uma organizaçã o internacional de direitos humanos com a
missã o de findar a escravidã o moderna na nossa geraçã o (2004) . Para eles as migraçõ es,
sejam elas legais ou ilegais, ocorrem por factores propulsores, e os países de origem, que
podem ser entendido como um factor propulsor, geralmente apresentam as mesmas
características. Um deles é a globalizaçã o, que levou os países a diminuírem vá rias de suas
barreiras econô micas, políticas, culturais e sociais, com isso “os efeitos deste processo sã o
mú ltiplos e complexos; um dos efeitos é o aumento do desemprego.

Nã o há nenhuma dú vida que as mudanças econô micas advindas da globalizaçã o tiveram


um impacto no crescimento do trá fico nos ú ltimos anos” (PEARSON, 2000:.38). Esses
Estados tradicionalmente sã o considerados em desenvolvimento, ou em estado de
transiçã o, podendo ser chamados como “países de origem”, graças ao movimento de
migraçã o que é estabelecido do mais pobre para o mais rico, ou também, entendendo como
á reas de menor estabilidade para as de maior estabilidade . As características dessa
propulsã o, ou também Push Factor, pode ser:

 a falta de oportunidades de trabalho adequadas, junto com condiçã o de vida e


pobreza, falta de sistema educacional bá sico e sistemas de saú de precá rio, na sua
maioria;
 A insegurança política e econô mica que pode ser gerada por diversos factores,
como má administraçã o, corrupçã o, conflitos, desastres naturais e a inversã o
proporcional entre custo de vida e renda fixa, ou seja, a inabilidade do Estado em
prover condiçõ es bá sicas que ajudem a uma inserçã o social para tornar o indivíduo
ativo e contribuinte com a sociedade e economia local. (ARONOWITZ, 2009:.12).
É plausível dizer, que levando em consideraçã o as condiçõ es políticas, econô micas e sociais,
dentro da realidade do Estado, quando nã o há uma facilidade em circulaçã o de serviços,
bens e pessoas, existe uma maior probabilidade de aumentar o nú mero de casos de
imigraçõ es ilegais, levando assim ao aumento do trá fico. Discriminaçã o por género, raça,
casta, crenças pessoais, refletindo talvez o preconceito de um grupo, na qual faz parte de
uma imagem cultivada pela sociedade “Avanços tecnoló gicos e de comunicaçã o, assim

20
como fronteiras abertas que facilitam o fluxo de bens também facilita o fluxo de pessoas.
Fronteiras fechadas podem exacerbar as migraçõ es ilegais, que em retorno podem facilitar
o trá fico”. Machista, e dentro desse aspecto, favorecendo a encontrar uma visã o de que a
mulher deve estar submissa a vontade do homem, se tornando assim um alvo mais fá cil, ou
até perda de um membro da família responsá vel pela renda compelindo a família a dispor
de um novo membro para prover o sustento de todos (ARONOWITZ, 2009:11).

Os considerados factores de consequência, mais conhecidos como Pull Factors, sã o de


extrema relevâ ncia para entender esse contexto, usado como continuidade das promessas
feitas em detrimento das questõ es acima expostas. Por exemplo, o aumento da facilidade de
circulaçã o na hora de viajar, seja por custo baixo, oportunidades, ou acesso a
documentaçã o internacional. O valor do salá rio que é maior, portanto, melhores condiçõ es
de pagamento, o que remete a um melhor padrã o de vida em cidades maiores e outros
países, na qual aumenta a chance de conseguir uma melhor infraestrutura quanto à
educaçã o, saú de, mobilidade, e aumento na oportunidade de trabalho visando contrataçã o
efectiva. Como motivo chave que levaria ao trá fico, é identificada entã o, a busca de uma
vida melhor das vítimas do trá fico, que pretendem escapar da pobreza e do desemprego, e
que sã o motivados pelo desejo de ajudar a pró pria família a sair desta situaçã o (AUSSERER,
2007:55).

O estabelecimento de rotas de migraçã o que passam a serem conhecidas, comunidades


étnicas ou grupo de pessoas com a mesma nacionalidade no lugar de destino; uma
demanda latente de trabalhadores imigrantes atuando em conjunto com lugares de
recrutamento combinado com pessoas dispostas a facilitar a busca por emprego; e, nã o
menos importante, a grande expectativa no que se refere a melhores oportunidades, de
forma genérica, encontradas em economias impulsionadas pela mídia e maior acesso a
informaçã o (como por exemplo, o alcance facilitado da internet), além de histó ria daqueles
que retornaram depois de um tempo provendo à família quando estavam longe e
conseguiram obter algum lucro (ARONOWITZ, 2009). Segundo Alexis Aronowitz, se caso
fosse colocar em um rank seguindo uma ordem de push factors que predizem o
favorecimento desse fluxo, seria respectivamente:

21
1) Corrupçã o governamental,
2) Alta taxa de mortalidade infantil,
3) Populaçã o muito jovem,
4) Baixa produçã o de alimentos como indicador de pobreza, e
5) Conflitos ou inquietaçõ es sociais.

Quanto aos pull factors que predizem o trá fico para países sã o menos conclusivos, no
entanto a permeabilidade das fronteiras é um forte indicador e deve estar relacionado a
corrupçã o, de maneira mais específica, dentro das fronteiras, mas é possível colocar da
seguinte forma e de maneira respectiva, o nú mero da populaçã o masculina acima de 60
anos, baixo nível de corrupçã o, produçã o alimentícia, baixo consumo de energia, e baixa
mortalidade infantil. Isso deve fazer parte de características que compõ em o indicador de
uma economia pró spera em certo nível, servindo como possível lugar de destino.

2.6. Tratados e Protocolos Contra o Tráfico de Mulheres

Com base no combate do trá fico de escravas brancas, realizou-se algumas conferências
internacionais sobre a prevençã o do trá fico de mulheres que serve como começo para
trazer o tema de um â mbito político para também uma esfera jurídica. A primeira em 1895
em Paris que deu continuidade em Amsterdã , Londres e Budapeste: A conferência em
Londres de 1899 decide criar uma organizaçã o para combater o trá fico de mulheres, a
Association pour la Repression de la Traite de Blanches, dirigida desde Londres pelo
International Bureau for the Suppression of the Internacional White Slave Traffic, que é
seguido pelo estabelecimento de comitês nacionais em vá rios países. Assim é preparada a
base para uma abordagem legalista do trá fico humano, que se contrapô s ao entendimento
mais político das décadas anteriores (Ausserer, 2007:33-34).

Um dos primeiros documentos a serem assinados foi o Acordo Internacional para a


Supressã o do Trá fico de Escravas Brancas8, que surge em 1904 com o foco de combater o

22
recrutamento e o abuso de mulheres e meninas para finalidades imorais no exterior,
através do intercâ mbio de informaçõ es entre os Estados e vigilâ ncia de portos e
rodoviá rias como medida de proteçã o.

Em 1910 com a Convençã o de Paris, o acordo feito anteriormente é expandido e seu


objetivo era conceituar o trá fico e proteger mulheres do abuso e coerçã o, através da
construçã o de uma política comum. O resultado dessas convençõ es restringe a puniçã o dos
criminosos quando utilizam de força ou meios fraudulentos, e se limita ao aliciamento de
pessoas. Logo com as convençõ es10 em 1921 e 1933 surgem para suprir as preocupaçõ es
sobre a abrangência de crianças, as diferentes raças e inclusive mulheres que já haviam
atingido a maior idade legal. “Discutiam a questã o do consentimento da mulher e da
maioridade legal, mas, em grande parte, mantiveram o entendimento de que a prostituiçã o
era uma prá tica que feria a moral e os bons costumes da sociedade” (BAZZANO, 2013:423).
Isso tudo contribuiu para a Convençã o para a Repressã o do Trá fico de Pessoas e do
Lenocínio em 1950, o seu grande marco trata sobre a transiçã o do foco do indivíduo
protegido, antes apenas mulheres e crianças eram abrangidas e passou-se a usar o termo
“trá fico de pessoas”, o que incluía, por exemplo, homens e transgêneros, abordando agora,
toda e qualquer pessoa. Discutia-se também como a dignidade humana era algo que era
afectado por esse crime contra o ser humano, e criando uma imagem indissociá vel entre
trá fico e prostituiçã o, que fomentava a luta do feminismo abolicionista (discutida
anteriormente), portanto: A condenaçã o do trá fico é combinada com uma condenaçã o
explícita da prostituiçã o, considerando as duas prá ticas “incompatíveis com a dignidade e o
valor da pessoa”, pois colocariam em perigo “o bem-estar do indivíduo, da família e da
comunidade” (AUSSERER, 2007:37).

Depois dos avanços que houve nos anos seguintes, importantes por mudar a perspectiva da
prostituiçã o como um todo e passarem a expor que havia uma diferença entre prostituiçã o
forçada e voluntá ria, o marco mais recente é o Protocolo Adicional à Convençã o das Naçõ es
Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevençã o, Repressã o e
Puniçã o do Trá fico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, mais conhecido como
Protocolo de Palermo de 2003 (BAZZANO, 2013). Considerado um sucesso devido a rá pida

23
ratificaçã o pelos Estados, tornando uma grande ferramenta judicial de cooperaçã o
internacional, ele fala sobre o que define o ato do trá fico, sendo o recrutamento, transporte,
transferência, abrigo e recebimento de pessoas; os meios utilizados no processo,
empregando ameaça ou uso da força, coerçã o, abduçã o, fraude, engano, abuso de
autoridade ou de uma situaçã o de vulnerabilidade, aceitar ou receber benefícios para
ganhar permissã o de uma pessoa que tem autoridade sobre outra; e sua finalidade, seja
prostituiçã o, exploraçã o sexual, trabalho forçado, escravatura em todas as suas formas,
servidã o e remoçã o de ó rgã os. Ileana Ionescu aponta quatro aspectos que se sobressaem
desse documento, dois deles tratam sobre a vítima, a evoluçã o desde mulheres brancas até
pessoas em geral com uma preocupaçã o maior com crianças e mulheres, “antes as vítimas
ficavam em posiçã o ambígua, como se fossem criminosas. O Protocolo busca garantir que
sejam tratadas como pessoas que sofreram graves abusos, e os Estados membros devem
criar serviços de assistência e mecanismos de denú ncia” (IONESCU, 2013:72).

O terceiro aspecto concerne a finalidade do trá fico coibindo qualquer forma que se
apresente, como das vá rias citadas acima (exploraçã o sexual, escravidã o, remoçã o de
ó rgã os, etc); e seu ú ltimo aspecto, a importâ ncia da consensualidade e seu conceito, entã o
ela coloca: Tratando-se de crianças e adolescentes, ou seja, pessoas com idade inferior a 18
anos, o consentimento é irrelevante para configuraçã o do trá fico. Quando se tratar de
adultos, “o consentimento é relevante para discutir a imputaçã o de trá fico, a menos que
comprovada ameaça, coerçã o, fraude, abuso de autoridade ou situaçã o de vulnerabilidade,
bem como a oferta de vantagens para quem tenha a autoridade sobre outrem” (IONESCU,
2013:73).

Por fim, Ausserer (2007) levanta que mesmo em meio a divergências entre as vá rias partes
envolvidas, isto é, os Estados e as Organizaçõ es Nã o Governamentais, houve uma
concordâ ncia a respeito da necessidade e importâ ncia do Protocolo, principalmente por
trazer a primeira definiçã o de trá fico de pessoas dentro do direito internacional e,
consequentemente, a uma maior conscientizaçã o sobre o problema.

24
2.7. Trá fico de Pessoas: conceitos, exploraçã o e coerçã o

A fim de compreender o processo do trá fico por suas etapas é bastante importante para
conseguir enxergar os motores desses grupos. Primeiramente está o está gio de
recrutamento ou abduçã o, na qual existe o estudo de qual a melhor tá tica para alcançar a
vítima ideal, e a maneira que esta estaria mais suscetível a acreditar na promessa da vida
melhor.
O segundo passo é o transporte para adentrar em outro país com a vítima, isso requer um
conhecimento de rotas, fronteiras, eficá cia das autoridades e seu nível de corrupçã o. A
terceira etapa é a da exploraçã o, onde o indivíduo é forçado ao trabalho escravo ou
exploraçã o sexual. Ainda pode ocorrer uma quarta etapa, essa envolve o abusador e é
bastante comum em grandes organizaçõ es criminosas. Já que num processo de trá fico
existem vá rios crimes que podem ser cometidos para alcançar seu objectivo final, podendo
ser ameaças, extorsã o, corrupçã o de oficiais do governo, apreensã o de documentos ou
propriedade, ataque sexual ou estupro, e maus-tratos que levem a morte. Obviamente,
sendo alto o nível de corrupçã o, mais fá cil é de existir essas atividades ilegais, mas em sua
maioria, o reinado de terror que as vítimas enfrentam acontece apó s a chegada ao país de
destino. Com o acontecimento recorrente desses casos, observando essas exploraçõ es
humanas, criou-se o conceito de trá fico de seres humanos (TSH) pela Organizaçã o das
Naçõ es Unidas (ONU), no ano 2012, com intuito de lidar com as diferentes faces que essas
formas de exploraçã o tendem a se infiltrar na sociedade, onde define sobre o trá fico:

a) A expressã o “trá fico de pessoas” significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o


alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras
formas de coaçã o, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situaçã o de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitaçã o de pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploraçã o. A
exploraçã o incluirá , no mínimo, a exploraçã o da prostituiçã o de outrem ou outras formas
de exploraçã o sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou prá ticas similares à
escravatura, a servidã o ou a remoçã o de ó rgã os;

25
b) O consentimento dado pela vítima de trá fico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de
exploraçã o descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver
sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a);

c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma


criança para fins de exploraçã o serã o considerados "trá fico de pessoas" mesmo que nã o
envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo;

d) O termo "criança" significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.

À medida que as sociedades se encaminhavam para o aumento de uma integraçã o, graças a


maior circulaçã o de informaçã o, a uniã o de mercados, oportunidades para conhecer novas
culturas e, inclusive, estabelecer a ideia de Estados desenvolvidos ou em desenvolvimento,
contribui para que haja maior conhecimento para a organizaçã o das operaçõ es de trá fico,
seu gerenciamento operacional, e assim, uma vez entendendo como cada país funciona,
incluindo suas leis, nível de corrupçã o até como suas á reas fronteiriças funcionam. Assim, é
possível afirmar que para classificarmos o trá fico é necessá rio envolver uma açã o, seja
abrigar ou receber pessoas, a conduçã o, transferência ou recrutamento, por meio de
ameaça, abduçã o, uso da força física, coerçã o, fraude, abuso da vulnerabilidade de outros
ou de poder, ou utilizar qualquer forma de pagamento para obter controlo da vítima, com o
intuito de exploraçã o.

De maneira abrangente essa exploraçã o pode ter o propó sito de trabalho forçado, sendo
qualquer serviço, escravidã o Este Protocolo entrou em vigor no dia 25 de Dezembro de
2003, porém sua aprovaçã o ocorreu em 15 de Novembro de 2000. Ou prá ticas similares,
remoçã o de ó rgã os, prostituiçã o e outras formas de exploraçã o sexual, que será o foco
desse estudo. Apó s entender esses factores bá sicos para estabelecer o trá fico, é importante
diferenciar a coerçã o do engano, ou desilusã o.

Existe um falso entendimento quando se afirma que todas as vítimas foram recrutadas ou
induzidas sob falsos pretextos de que poderiam encontrar uma oportunidade melhor no

26
futuro destino, e que só perceberam a realidade apó s o momento da chegada em outro país,
ou seja, nem todas as vítimas sã o ludibriadas por seu traficante. Assim como o método de
trá fico muda dependendo da situaçã o e do país, o mesmo acontece com o nível de
informaçã o que é oferecido na hora de convencer uma pessoa, existe um nú mero de
pessoas que se encontram dentro dessa situaçã o que possuíam alguma idéia do que estaria
por vir e ainda assim foram por livre escolha, mas o grau da dura realidade só as atinge no
local de destino.

A melhor forma de compreender a natureza da vitimizaçã o é quando existe uma visível


continuidade entre o mais alto nível de coerçã o até as formas mais sutis de engano. Quanto
a essa desilusã o, ou engano, acontece quando indivíduos recebem a promessa de trabalho
dentro de um cená rio de grandes economias, com o pretexto comum de ser empregada
doméstica, babá , camareira em hotéis, ou até mesmo trabalhar para a indú stria do
entretenimento, para acordar em um contexto bastante diferente onde sã o forçadas a
escravidã o sexual. Alguns casos, há uma idéia de que existirá um contato sexual, porém nã o
em sua completa extensã o e condiçõ es sub-humanas.

O facto de que a coerçã o é uma questã o complexa apenas impõ e mais peso na dificuldade
para remediar a situaçã o. Para algumas pessoas o medo de ser deportada pela imigraçã o,
ameaça contra a família da vítima, ou até a falta de informaçã o sobre os seus direitos ou o
tipo de amparo que o Estado é capaz de disponibilizar em favor do indivíduo, resulta em
manter a linha e previne a busca das autoridades responsá veis. A coerçã o é um problema
bastante complexo, alguns podem entender que se trata de uma situaçã o mais psicoló gica
do que física, e para outros, nem tanto, mas de forma geral, existe quando nã o há uma real
chance, uma alternativa aceitá vel, que nã o seja a submissã o para o controlador/ abusador
envolvido no caso específico.

De acordo com Weissbrodt “any situation in which the person involved had no real and
acceptable alternative but to submit to the abuse involved” (2002:22). “Qualquer situaçã o
em que a pessoa envolvida nã o possuía nenhuma alternativa real ou aceitá vel, que nã o se
submeter ao abuso envolvido”.

27
2.8. Contrabando e Tráfico de Pessoas

Ainda falando sobre importantes diferenças, é também vá lido salientar a diferença entre
contrabando e trá fico. Mesmo em ambas as situaçõ es, existe alguém para ajudar a ingressar
em outro local, principalmente se tratando de outro país, um indivíduo contrabandeado
geralmente paga o valor total que é devido antes do seu embarque. Já aqueles que sã o
traficados, possivelmente pagam uma parte da viagem antes da sua partida, o que gera uma
soma de dívida no final. É justamente essa dívida que coloca a pessoa a margem dos seus
traficantes, e a diferença entre essas duas situaçõ es pode só ficar mais distinguível quando
a jornada acabar. Outra situaçã o real é quando um imigrante usa o serviço de um
contrabandista mas tem sua situaçã o transformada, devido ao fato de estarem dentro de
alguma situaçã o coercitiva, o que passa a se caracterizar como vítima do trá fico.

Segundo Alexis Arownowitz a principal diferença entre vítimas do trá fico e pessoas
contrabandeadas é “smuggled persons, even if they are living and working under exploitive
conditions, are free to leave and look for better opportunities. Trafficked victims are not so
fortunate” (2009:7). Esses ficam sob a vontade daqueles com quem mantém um débito e
precisam pagar o custos arcados por seus traficantes, ou aqueles quem mantém seus
documentos, até aqueles que sofrem ameaça contra o bem-estar de suas famílias em seu
país natal. Segundo o Instituto Pacto Nacional pela Erradicaçã o do Trabalho Escravo
existem três notá veis diferenças entre o contrabando e trá fico de pessoas.

A primeira se encontra na condiçã o do consentimento, isto é dizer que, mesmo sendo


apresentada uma situaçã o de perigo ou degradante para a vítima, envolve o conhecimento
prévio sobre o ato criminoso, enquanto no trá fico o consentimento da mulher é irrelevante,
que na maioria dos casos é obtido através de engano ou coerçã o.
“Pessoas contrabandeadas, mesmo que estejam vivendo e trabalhando em condiçõ es de
exploraçã o, sã o livres para ir embora e procurar por oportunidades melhores. Vítimas do
trá fico nã o sã o tã o afortunadas” .

28
A segunda trata da exploraçã o, onde no contrabando a exploraçã o se finda no momento
que o migrante chega ao seu destino, enquanto no trá fico se busca obter lucro por meios
exploradores e suas vítimas tendem a ser afectadas severamente, necessitando maior
protecçã o. Em terceiro, o cará cter transnacional já que contrabandear pessoas
necessariamente implica imigrar ilegalmente para outro país, opondo o trá fico de pessoas
que pode ocorrer tanto internacionalmente quanto em territó rio nacional. Isso pode
reflectir outra característica importante para diferenciar as duas situaçõ es, uma vez que o
aspecto legal também muda dentro do país que se encontra. Pessoas na esfera do trá fico
sã o vítimas, e é importante lembrar que é sob essa ó ptica que elas devem ser enxergadas,
possuem o direito, em diversos lugares, de uma protecçã o especial, enquanto um
contrabandeado vai usar da atençã o de agências do governo ou organizaçõ es nã o-
governamentais sem essa ó ptica diferenciada, onde classifica-se o indivíduo como vítima.

Aronowitz estabelece também sobre essas diferenças: Other differences between trafficked
victims and smuggled persons are their legal status in the country of destination once they
have come to the attention of nongovernmental organizations (NGOs) or enforcement
agencies. Trafficked persons are (or should be) victims and entitled in many countries to
special protection. Illegal immigrants, unless they are granted asylum, are considered
violators of immigration law and subject to arrest and deportation (ARONOWTIZ, 2009:7).

Uma vez que as definiçõ es sobre o trá fico de seres humanos foram apontadas, mostrando
suas diferenças e particularidades, pode-se compreender o cená rio internacional que logo
surgiu e o momento que as discussõ es sobre direitos humanos e trá fico de pessoas
voltaram ao centro da agenda dos Estados. Expor também que é uma consequência dos
momentos políticos, como o cená rio Pó s-Guerra Fria, além de como as organizaçõ es
criminosas transnacionais se adaptaram a um novo contexto, sendo esse guiado pela
modernidade que acompanhou o momento de globalizaçã o.“Outra diferença entre vítimas
do trá fico e pessoas contrabandeadas é seu status legal no país de destino, uma vez que
chegaram à atençã o das organizaçõ es nã o-governamentais (ONGs) ou agências de
execuçã o. Pessoas traficadas sã o (ou deveriam ser) vítimas com direito em muitos países a

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protecçã o especial. Imigrantes ilegais, ao menos que seja concedido asilo, sã o considerados
violadores das leis de imigraçã o e submetidos a prisã o e deportaçã o” (traduçã o livre pela
autora).

Capítulo III-Metodologia

3. Metodologia

A elaboraçã o deste trabalho de pesquisa foi baseada na combinaçã o de métodos


qualitativos e quantitativos, nas fases de recolha, analise e sistematizaçã o de dados.

Para efeitos desta pesquisa vai-se privilegiar uma combinaçã o de métodos e técnicas de
recolha de dados.

i) Revisã o da literatura, constitui uma actividade permanente de recolha de dados através


de publicaçõ es académicas, relató rios de organizaçõ es governamentais e nã o-
governamentais, estudos sobre a matéria, bem como de legislaçã o nacional e internacional.
Serã o realizados estudos intensivos sobre a documentaçã o escrita como forma de ir
consolidando o modelo de aná lise.

ii) Entrevistas: Desenvolver-se-á um trabalho de campo alicerçado pela observaçã o e


entrevista orientadas para obtençã o de informaçã o.

As entrevistas semi-estruturadas serã o direccionadas para obtençã o de informaçõ es. E as


perguntas serã o do tipo aberto para captar na íntegra as opiniõ es dos entrevistados que
terá como objectivo central o levantamento de dados quantitativos e qualitativos que
permitam uma melhor caracterizaçã o do Distrito em estudo, e o conjunto de percepçõ es e
os pontos de vista que as pessoas tem sobre trá fico de seres humanos.

Vã o alternar-se as entrevistas individuais e colectivas, com o objectivo de controlar a


informaçã o prestada por um indivíduo por reacçã o dos outros.

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As entrevistas serã o dirigidas a diferentes actores como: os intervenientes (a populaçã o em
geral) e a mais importante unidade de aná lise, Centros de Acolhimento das Vítimas, a
Polícia de Investigaçã o Criminal, a Procuradoria da Cidade. Como forma de captar as
percepçõ es e representaçõ es e o sentido que é atribuído ao trá fico de seres humanos.

A observaçã o participante vai incidir sobre as acçõ es ou formas de trá fico de seres
humanos, os meios usados, e fins pretendidos como forma de recolher dados sobre as
acçõ es, opiniõ es e perspectivas que normalmente, um observador exterior nã o teria acesso.

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ANEXO 1. CRONOGRAMA DE ACTIVIDADES
Actividades Agosto Setembro Outubro Novem Dezembr Dezem
2019 2019 2019 bro o bro
2019 2018 2019
Revisã o da
literatura
Elaboraçã o dos
instrumentos
de recolha de
dados
Realizaçã o do
Trabalho de
campo
Entrada de
dados
Tratamento e
aná lise de
dados
Elaboraçã o e
Revisã o do
Relató rio
preliminar
Elaboraçã o do
Relató rio final
e disseminaçã o
dos resultados

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ANEXO 2. ORÇAMENTO
Descrição Número Unidade Preço Total MT
Unitário
Pesquisador 1 30 Dias 400 12.000,0
Assistentes de pesquisa 2 20 Dias 300 12.000,00

Fotocó pias de guiõ es de 5 5 Pags. 25,00


entrevista semi-
estruturadas
Fotocó pias de questioná rio 110 7 Pá gs. 770,00

Flash drive (4GB) 1 1.500 1.500,00

Gravador 1 2.500 2.500,00

Cassetes para gravador 8 160 160,00

Pilhas alcalinas para e 12 178,50


gravador
Resmas de papel A4 2 135 270,00

Arquivos de plastic 4 60 240,00

Esferográ ficas 10 5 50,00

Bloco de notas 5 35 175,00

Pranchetas 3 125 375,00

Sub total 30.243,50

33
Contingências (10% do sub 3.243,50
total)
Total 33.405,30

34
6.REFERÊ NCIA BIBLIOGRÁ FICA

1. ARONOWITZ, Alexis A.. Human Trafficking, Human Misery: The Global Trade
In Human Beings. [s. I.]: Graeme R. Newman, 2009.
2. ARY, Thalita Carneiro. O Trá fico de Pessoas em Três Dimensõ es: Evoluçã o,
Globalizaçã o e a Rota Brasil-Europa. 2009. 154 f. Monografia (Especializaçã o)
- Curso de Relaçõ es Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 2009.
Disponível em:

3. AUSSERER, Caroline. Controle em Nome da Proteçã o: Aná lise Crítica dos


Discursos Sobre o Trá fico Internacional de Pessoas. 2007. 170 f. Dissertaçã o
(Mestrado) - Curso de Relaçõ es Internacionais, Pontifícia Universidade
Cató lica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em:
<https://www.maxwell.vrac.pucrio.br/10177/10177_1.PDF>. Acesso em: 08
jun. 2017.

4. BARRETO, Maria do Perpétuo do Socorro Leite. Patriarcalismo e Feminismo:


Uma Retrospectiva Histó rica. Revista Á rtemis: Portal de Perió dicos
Científicos Eletrô nicos, Paraíba, v. 1, p.1-10, dez. 2004. Disponível em:
<http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/index/search/authors/view?
firstName=Maria do Perpétuo

5. BAZZANO, Ariana. Gênero, Crime e Preconceito: Um Panorama Histó rico das


Normativas Internacionais de Combate ao Crime de Trá fico de Pessoas.
Interseçõ es: Revista de Estudos Interdisciplinares, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2,
p.417-445, dez. 2013. Disponível em:
<https://www.academia.edu/6331959/Gênero_crime_e_preconceito_um_pa
norama_histó rico_das_normativas_internacionais_de_combate_ao_crime_de_t
rá fico_de_pessoas>. Acesso em: 12 jun. 2017.

35
6. CONSTANTINO, Jorge, FIGUEIRAS, Má rio (2007). Jurisdição penal: Projecto
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7. Constituiçã o da Republica de Moçambique (2004). Maputo

8. GIUDICE etall. Agências de Desenvolvimento Local-ADELs de Moçambique:


Sistematização de uma Experiência, Maputo-Moçambique: 2003.

9. GUIMARÃ ES, DeoclesianoTorrieri (1998). DicionárioJurídico. 2ª Ediçã o. Sã o


Paulo

10. MAZULA, Brazã o;Moçambique, Eleições, Democracia e Desenvolvimento,


Maputo, Editora Universitá ria; 1995

11. SERRA, Carlos; Tata papá, tatá mamã: Tráfico de menores em Moçambique. 1ª
Ediçã o, Maputo, Editora Imprensa Universitá ria; 2006, pp 527.

12. SOUSA, Maria Luiz Lameidode; Serviços Social de Comunidade numa Visão de
Praxis, 2ª ediçã o, Sã o Paulo; Editora Cortez: 1986

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