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As duas lentes

É certo que nós, cristãos – e até mesmo os que não são -, já passamos ou passaremos por
lutas com a doutrina da soberania divina. Esse ponto é o que normalmente é questionado
por muitas apologias ao ateísmo; “Se Deus existe, por que tanta calamidade?”, “Ele não
deve ser tão bom assim”, “Deus é todo poderoso?”, são perguntas que podem surgir em
meio às lutas com a Sagrada Escritura. Mas, o que significa Deus ser soberano? Significa
que Ele, em sua glória, governa todas as coisas de maneira plena, não sendo influenciado
por nada quanto aos seu domínios e propósitos previamente estabelecidos.

Ler isso pode ser doloroso e confuso. Isso por que talvez somos ensinados – inconsciente
ou conscientemente – a criar um “Deus” “a nossa imagem. Entretanto, Deus se revela em
sua palavra de maneira suficiente e poderosa, de modo que ao lermos as Sagradas
Escrituras, compreendemos aquilo que se pode conhecer de Deus, isto é, o que ele revelou
à nós nesse tempo. E parte disso – isto é, do que ele revelou, é a sua própria soberania.

“Bem sei que tudo podes, e que nenhum dos teus planos pode ser impedido” (Jó 42.2) – O
que esse texto está dizendo? Que Deus é todo poderoso e faz aquilo que quiser. Quem
falou isso foi Jó, um homem que havia perdido tudo o que tinha de mais precioso; e no
começo do livro, vemos Jó dizer à sua mulher: “Falas como uma louca; temos recebido o
bem de Deus, não receberíamos também o mal?” (Jó 2.10). Jó atribui soberania e governo
à Deus sobre o mal que sobreviera a sua família. E é aqui que caímos na luta contra tal
doutrina; pode-se afirmar diante disso: “Está vendo! Deus é mau!”, no entanto, se assim
fizermos, cairemos, talvez, no maior erro de nossa vida. Em toda a Escritura, vemos
afirmações da bondade infinita de Deus; o Salmo 136 o faz isso por completo! “Dêem
graças ao Senhor, porque ele é bom. O seu amor dura para sempre!”. Tiago, irmão do
Senhor, referiu-se ao entendimento errôneo de que Deus pode ser mau como “autoengano”
(v16); ou seja, apenas enganamos a nós mesmos se atribuirmos à Deus a maldade que se
encontra somente em nós com base em sua soberania. Como podemos entender isso
então?

Jonathan Edwards, teólogo da costa leste dos Estados Unidos no século XVIII, passou por
lutas no que diz respeito à soberania de Deus. Ele relata:

“Desde a minha infância, minha mente esteve cheia de objeções à doutrina da soberania de
Deus. […] Para mim, era uma doutrina horrível. Mas eu me lembro muito bem do tempo em
que pareci estar convencido e plenamente satisfeito dessa soberania de Deus. Contudo,
jamais pude dar um relato de como ou por qual meio fui convencido, e nem de longe
imaginar, nem na época nem muito tempo depois, que houve nisso uma influência
extraordinária do Espírito de Deus; eu simplesmente agora enxergava mais longe, e minha
razão apreendeu a justiça e a lógica da doutrina. Entretanto, minha mente descansou nela;
e dei fim as contestações e objeções.”

O que mudou a mente de Edwards? Qual a “lógica da doutrina” a qual se referiu? Em suas
meditações e estudos, viu que Deus enxerga o mundo por duas “lentes”, uma mais estreita
e outra mais aberta. Nos ângulos estreitos, Deus olha para cada evento ruim e pecaminoso
com repúdio e ira, tal como é próprio de sua natureza; pois as Escrituras dizem: “Não tenho
prazer na morte de ninguém, diz o Senhor Deus” (Ez 18.32). Entretanto, quando olha pelo
ângulo aberto, vê algo semelhante a um mosaico que se estende à toda eternidade; e esse
mosaico, com todas as partes boas e más, lhe apraz e cumprem seu plano.

As Escrituras dizem: “Ao Senhor agradou moê-lo” (Is 53.4), fazendo referência a morte de
Jesus Cristo, Deus filho. Ora, se entendermos bem o que foi dito até agora, já entendemos
que Deus abomina o pecado e o sofrimento do inocente. E é verdade, Deus não teve prazer
na agonia de seu filho, nem em todo sofrimento e maldade que lhe foi acometido. No
entanto, paradoxalmente, Deus quis aquilo que ele próprio abomina. Na lente estreita ele
repudiou o pecado e a dor de seu filho; na lente aberta se alegrou com a obediência que
cobriu o pecado e derrotou a morte. Bem como diz sua palavra: “Esse Jesus, sendo
entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o
por mãos de iníquos” (At 2.23). Percebe? A traição foi pecado, mas tudo fez parte do plano
determinado por Deus.

Deus é bom. Deus é soberano. Não podemos negar tais doutrinas. E é exatamente pelo
fato de o Deus soberano ser bom, é que Ele mesmo se alegra com tudo que previamente
determinou para sua glória. Bem como diz Stênio Marcius em sua canção:

“Minha vida é obra de tapeçaria, tecida de cores alegres e vivas; que fazem contraste no
meio das cores nubladas e tristes. Se você olha do avesso, nem imagina o desfecho. No fim
das contas, tudo se explica, tudo se encaixa, tudo coopera pro meu bem!”

A compreensão de tais verdades pode nos levar a compreender um Deus suficiente em si


mesmo, e que também é aquele que é suficiente para nós. As muitas perdas,
consternações e dificuldades desta vida não anulam sua bondade e beleza, antes, a
evidenciarão quando todo o seu plano for cumprido.

Soli Deo Gloria!

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