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O Google gastou US$

26 bilhões para
esconder de você essa
configuração do
telefone
Apple e Samsung recebem bilhões por ano para tornar o
Google o mecanismo padrão nos dispositivos

Por Geoffrey A. Fowler


09/11/2023 | 14h30

9 min de leitura

THE WASHINGTON POST — Há uma con�guração no seu telefone e


no navegador da web que o Google está desesperado para impedir
que você descubra. Quão desesperado? Somente em 2021, o Google
pagou à Apple, à Samsung e a outras empresas US$ 26,3 bilhões para
mantê-la oculta.

Isso é mais dinheiro por ano do que o McDonald’s ganha vendendo


hambúrgueres.
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chip no cérebro implantado por robô

Essa con�guração afeta quem pode rastrear sua localização e


observar o que você procura online. Ela afeta a utilidade das
informações que você vê e quanto da sua tela é ocupada por anúncios.

Estou falando do seu mecanismo de pesquisa - o que aparece nas


respostas quando você digita na barra de pesquisa. O Google paga aos
fabricantes de telefones, laptops e navegadores para ser o seu padrão
e para impedi-los de apresentar outras opções durante a con�guração.
São bilhões em troca de um favor.

A maioria das pessoas nunca pensou muito sobre a função de pesquisa


em seus dispositivos, muito menos sobre como o Google chegou lá.
Mas esse negócio padrão pode fazer com que você dê uma segunda
olhada não apenas no Google, mas também na sua con�ança na Apple,
na Samsung e em outras empresas por terem lhe enganado.

O motivo pelo qual podemos abrir a cortina sobre o grande negócio


das con�gurações padrão é o julgamento antitruste contra o Google
em andamento em Washington, um dos maiores em décadas. Os EUA
acusam o Google de usar ilegalmente pagamentos a fabricantes de
telefones e outros para impedir que as pessoas experimentem
alternativas como o DuckDuckGo, voltado para a privacidade, ou o
Bing, da Microsoft. Esperamos um veredito no início do próximo ano.

Você pode estar se perguntando: E daí? O Google tem uma reputação


de bons resultados, em parte porque possui dados de muitos usuários.
O que há de tão ruim em tornar o Google o padrão?

O que estamos aprendendo com o teste vira essa questão de cabeça


para baixo. Se o Google é tão bom, então por que ele precisa gastar
tanto quanto todos os Big Macs juntos para garantir que nunca
consideremos as alternativas? O que estamos perdendo enquanto o
Google tem sido nosso padrão? E como saberíamos se surgisse algo
melhor?

Eu, por exemplo, mudei meu mecanismo de pesquisa porque não acho
que nenhum mecanismo de pesquisa possa ser o melhor sem as
melhores práticas de privacidade. Mas mesmo que você não esteja
interessado em romper com o Google, a escolha deve ser sua.

O poder dos padrões


As empresas de tecnologia sabem que você está muito ocupado para
mexer nas con�gurações. Na verdade, elas estão contando com isso.

Estamos tendo uma visão privilegiada de como o Google explora essa


ciência comportamental, às vezes chamada de “poder dos padrões”. A
ideia é que os padrões podem in�uenciar as escolhas das pessoas de
uma forma ou de outra, porque a maioria das pessoas está muito
distraída ou confusa para alterá-los. Nossos aplicativos e dispositivos
vêm repletos de con�gurações que bene�ciam mais as empresas de
tecnologia do que a nós - o “diabo está nos padrões”, escrevi em 2018.

Para obter o pagamento do Google, como aprendemos no julgamento,


o Google exige que seus parceiros tornem o Google o padrão e
também (quando permitido por lei) não nos dê uma escolha durante a
con�guração. Em alguns casos, as empresas também não podem nos
incentivar ativamente a mudar. Isso é chamado de adicionar “atrito” às
nossas escolhas.

Google é processado pelos Estados Unidos por práticas anticompetitivas Foto:


Richard Drew/AP

Como o Google se defende fazendo isso? “Competimos arduamente


por oportunidades promocionais para que as pessoas possam acessar
facilmente o Google, e nossos pagamentos de compartilhamento de
receita aumentaram ao longo do tempo porque as pessoas estão
pesquisando mais com o Google”, disse a empresa em um comunicado.

O Google disse em suas declarações iniciais no julgamento que


qualquer pessoa poderia mudar para um mecanismo de pesquisa
diferente com apenas alguns toques. A empresa também publicou
uma postagem em seu blog com essa a�rmação.

Teste de conhecimento
Para testar essa a�rmação, meu colega Tatum Hunter e eu fomos às
ruas de São Francisco e pedimos a estranhos que nos mostrassem
como alterar o mecanismo de busca padrão em seus telefones.
Levamos um cronômetro para cronometrá-los.

Nenhuma surpresa: A maioria das pessoas não conseguiu mudar o


mecanismo de busca em menos de dois minutos, se é que conseguiu.
Muitos nem sequer entendiam que um mecanismo de busca é
diferente de um navegador da Web (e que, teoricamente, você tem
opções em ambos).

Em um iPhone, são necessários quatro toques e alguma rolagem, uma


vez que você saiba onde procurar. Em alguns telefones Android, a
alteração de um mecanismo de pesquisa requer mais de 10 toques,
pois é necessário alterar uma con�guração do navegador e também
uma barra de pesquisa na tela inicial.

Nenhuma das confusões é culpa nossa — é literalmente o que o


Google paga para fazer. Um documento interno do Google, revelado
no julgamento, mostrou um motivo para a preocupação do Google: ele
constatou que, quando as pessoas mudavam a página inicial do
navegador para fora do Google, suas pesquisas no Google diminuíam
em 27%.

Na Europa, que declarou o Google um monopólio em 2018, os


fabricantes de telefones Android agora são obrigados a incluir uma
opção de mecanismo de pesquisa durante a con�guração. Lá, a
participação de mercado do Google permaneceu praticamente a
mesma; os concorrentes dizem que isso ocorre porque a tela de
escolha é exibida apenas uma vez e também porque não fornece
informações su�cientes sobre as alternativas. Na Rússia, que também
exige uma tela de escolha, a maioria das pessoas escolheu o rival local
do Google, o Yandex.

Apple e Samsung pegam esse dinheiro


As empresas que recebem todo esse dinheiro do Google sabem
exatamente o que está acontecendo. Pagamos aos fabricantes de
gadgets para projetar os melhores produtos para nós, mas eles não
estão trabalhando apenas para nós.

A Apple e a Samsung se recusaram a responder às minhas perguntas,


mas temos depoimentos do julgamento que mostram como elas estão
profundamente em con�ito.

No depoimento, o vice-presidente sênior da Apple, Eddy Cue, disse:


“Quando escolhemos os mecanismos de busca, escolhemos o melhor e
permitimos que o cliente os troque facilmente. Portanto, não tenho
nenhum problema com isso. Acho que estamos fazendo a coisa certa
pelos clientes”.

Google desembolsa bilhões para ser o buscador padrão de dispositivos


eletrônicos Foto: REUTERS/Dado Ruvic

Mas espere: eu pensei que a Apple tivesse feito da proteção da


privacidade de seus clientes a pedra angular de sua proposta de
valor... Os iPhones pedem aos usuários que tomem muitas decisões
sobre privacidade, inclusive se querem dar aos aplicativos a
capacidade de rastreá-los. Todo o modelo de negócios do Google
consiste em rastrear pessoas e usar esses dados para direcioná-las ao
marketing.

Um advogado do Departamento de Justiça perguntou a Cue, da Apple,


se um mecanismo de busca poderia afetar a privacidade de um
usuário. Cue respondeu com a frase do ano: “Sim, em algum nível,
poderia, sim”.

Mas o engraçado é que os produtos da Apple não pedem aos clientes


que façam nenhuma escolha de privacidade em relação ao mecanismo
de pesquisa, que é o Google por padrão. Não nos pedir para escolher
um mecanismo de pesquisa faz parte do acordo do Google com a
Apple.

A Samsung também toma ativamente decisões de design que ajudam


o Google e não a nós. Os advogados do Departamento de Justiça dos
EUA sinalizaram um documento de 2018 que mostrava que a
Samsung havia feito uma alteração em seu navegador da Web que
reduzia o atrito para as pessoas que queriam mudar seu mecanismo
de pesquisa. Mas então o Google enviou uma reclamação dizendo que
isso era uma violação do acordo de pesquisa da Samsung com o
Google. Depois disso, a Samsung excluiu essa alteração, aumentando o
atrito.

Faça sua própria escolha


Diante de tudo isso, o que você deve fazer?

Entendo que o Google está para a pesquisa assim como o lenço de


papel está para o espirro. Ele não teria chegado a esse ponto se seus
resultados fossem terríveis.

Mas há motivos pelos quais o Google pode não merecer sua lealdade.
No topo da minha lista: A coleta excessiva de dados do Google é
assustadora e um risco em potencial para seus direitos civis. (Para um
possível choque, veri�que tudo o que ele armazena em sua página
MyActivity). No início deste ano, descobri que, mesmo depois de o
Google ter dito que excluiria alguns de seus dados para proteger a
privacidade das pessoas que procuram atendimento para aborto, o
Google não cumpriu sua promessa.

A falta de concorrência também está levando as páginas de resultados


de pesquisa do Google a piorar, inundadas com anúncios e
informações de seus próprios serviços. Para visualizar o declínio,
comparei exatamente as mesmas pesquisas ao longo dos anos.

Bing é o buscador da Microsoft, rival do Google Foto: Stringer/Reuters - 21/9/2018

Mas depois de duas décadas de pesquisas no Google, muitas pessoas


nem sequer sabem o su�ciente sobre as alternativas para considerar a
possibilidade de experimentar uma delas. Isso não é culpa sua. Talvez
você tenha experimentado o Bing uma vez em 2015 e não tenha
�cado satisfeito.

Para que �que registrado, há benefícios em algumas das alternativas


muito menores. O Bing, agora reforçado com a tecnologia de
inteligência arti�cial por trás do ChatGPT, também paga a você pela
pesquisa. (Algumas semanas de pesquisas podem lhe render um
cartão-presente de US$ 5).

Outra alternativa, chamada Ecosia, diz que usa sua receita de


anúncios para plantar árvores.

Mudei para o DuckDuckGo, um mecanismo de pesquisa voltado para a


privacidade. Ele não rastreia o que você pesquisa e onde você vai.
Como eu o utilizo, menos anúncios assustadores me seguem pela
Web.

Não gosta de nenhum desses? Fique com o Google. Só acho que é


melhor para nós quando o Google tem que competir pelos méritos, em
vez de comprar nossos padrões.

O maior preço que pagamos pelos monopólios é que eles limitam


ideias melhores de maneiras que nunca conheceremos. / TRADUÇÃO
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