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Entender o consumidor ainda é a chave do sucesso  

| 03.11.2005
Apesar da velocidade das mudanças trazidas por ferramentas de busca como o Google e o
Yahoo!, a tarefa das agências de publicidade continua, fundamentalmente, a mesma

Por Helio Gurovitz

EXAME Para Brendan Ryan, presidente da FCB Worldwide, uma das maiores empresas do mundo
no setor publicitário, a velocidade das transformações geradas pelas novas tecnologias da
internet assusta, mas nem por isso essas ferramentas devem ser deixadas de lado. O
monitoramento dos hábitos e das preferências de consumo dos usuários da internet aumenta
as chances de a campanha publicitária ser bem-sucedida. "A tarefa fundamental da nossa
indústria é comunicar-se com um indivíduo de modo pessoal, que seja significativo, atraente e
eficiente. Agora, temos à nossa disposição essa tecnologia fantástica para ajudar a fazer isso",
afirma. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que Ryan concedeu à EXAME:

EXAME – Como você vê o futuro das tecnologias de busca na internet?


Brendan Ryan – Sou um fanático crente nas novas tecnologias. O futuro delas é assustador.
Há dois lados nisso. O grau até o qual você quer que uma empresa saiba tudo sobre você — a
questão da privacidade. E por outro lado, adoro a idéia de receber mensagens relevantes,
porque falam de coisas nas quais estou interessado de modo que pode ser útil. É nesse
balanço que o Google os outros terão de atuar. Não ser pessoais demais em coisas que você
não quer que os outros saibam e, do outro lado, ser muito pessoal em relação àquilo que você
quer.

EXAME – As agências não estão muito atrasadas em relação a isso?


Ryan – Algumas sim, outras não. Em 1998 já falávamos nisso. Tudo era baseado no fato de
que podíamos reunir dados e usar a internet não como um fim em si, mas no coração do que
fazemos e usar essas informações para dirigir tudo o que fazemos. Para definir nosso público-
alvo; que mídia deveríamos usar; e como deveria funcionar. Mas não fizemos muito para pôr
isso em prática. O conceito estava lá, mas fomos mais lentos do que deveríamos. Aqui no
Brasil, fizemos até melhor do que em muitos lugares. No caso da cerveja Kaiser, estamos
usando muitas informações da internet e tentamos fazer tudo junto. Vou dar um exemplo de
um cliente nos Estados Unidos. Era o Circuit City, um grande varejista de eletrônicos de
consumo. Tínhamos uma divisão de base de dados, a AnalyticEye, cujo trabalho é lidar com
dados. Entramos então na Circuit City, porque sentíamos que eles estavam falando com a
audiência errada. E não há nada mais importante em marketing e publicidade do que entender
para quem você está falando. Fizemos análise de dados. Eles acreditavam que o alvo deles
eram homens de idade entre 18 e 24 anos. Os anúncios deles refletiam isso. Ao ter acesso aos
dados deles, analisamos 250 milhões de transações diferentes, de 44 milhões de clientes.
Descobrimos que o alvo deles estava errado — 20% dos clientes deles eram responsáveis por
50% do volume e 100% do lucro. Essa audiência eram pessoas de idade bem mais avançada.
Homens de meia idade. Pais, não jovens. Isso muda tudo. Fizemos então uma campanha
baseada nesses fatos. E isso são fatos. Uma das coisas mais escorregadias do nosso negócio
são os fatos. Tantos anúncios e tanta comunicação é baseada em juízos e opiniões. Quando
você tem a sorte de ter certeza, aí você pergunta a eles e faz depois.

EXAME – O senhor concorda que isso torna a publicidade menos uma arte e mais uma
ciência?
Ryan – Ela continua uma arte, mas é fundamentada na ciência. Você nunca perde a arte. Se
você perder a criatividade, está perdido.

EXAME – Mas a ciência também é bastante criativa.


Ryan – O.k. É um uso criativo da ciência. Traz a certeza como base de tudo aquilo que você
faz. Isso é um enorme passo adiante. A outra coisa que é possível — e isso não resolvemos
ainda — é que, usando os dados no começo e no fim, podemos analisar o que funciona e o que
não funciona. Portanto, isso vai ajudar a justificar quanto deve ser pago às agências. Esse é o
futuro do negócio. Medida e responsabilidade.
"Muita gente que está no negócio há algum tempo e que tem posições de liderança
em alguma conta grande passou os últimos 20 anos basicamente fazendo comerciais
de 30 segundos. Eles vêem o mundo de viseiras."

EXAME – Há várias formas de pôr anúncios. Fala-se muito na transição de um modelo


de anúncios baseado em conteúdo, para outro baseado em intenção. A capacidade de
busca dá ao marketing o poder de saber o que o consumidor quer quando ele quer,
antes de colocar o anúncio. Todo o "auê" em torno do Google do Yahoo! está baseado
nisso. Mas a busca estava apenas no começo. Como o senhor vê esse novo modelo?
As agências estão prontas para isso?
Ryan – Conceitualmente, concordo com essa visão. Na realidade, ela ainda está na infância.
Mas faz sentido. Se as coisas continuarem a progredir como estão, vão chegar lá em algum
ponto. Algumas empresas estão muito avançadas, mas a maioria não. As agências mais
inteligentes estão chegando lá rápido. Os clientes não querem agências especializadas que não
estão conectadas. Acreditamos que, dentro de uma agência, temos uma única folha de
resultados, reunindo todas as formas de anúncios. É assim que deve ser. Os especialistas já
descobriram que não terão sucesso como um setor independente. Na época da TV, havia um
grupo de televisão separado. Depois eles se reuniram ao resto. Por isso, lidamos com um
negócio, como a Motorola, em todo o mundo de uma forma integrada. A interatividade deveria
estar no centro de toda estratégia de marketing. Muita gente que está no negócio há algum
tempo e que tem posições de liderança em alguma conta grande passou os últimos 20 anos
basicamente fazendo comerciais de 30 segundos. Eles vêem o mundo de viseiras e se sentem
ameaçados. A responsabilidade de uma agência é garantir que, nas posições de liderança, não
haja gente assim. Que eles entendam para onde o mundo vai e que sejam capazes de
perceber como fazer as coisas melhor com as novas tecnologias. Se não forem capazes,
devem sair. É uma época de mudanças inacreditáveis. Um dos mitos em que muita gente
acredita é que a TV está morrendo. Não é verdade. As horas de gente assistindo TV bateram
recorde no último ano. Essa é a boa notícia. Mas isso não quer dizer que estão vendo
anúncios. A TV ainda é o veículo mais poderoso para a publicidade, mas, se você acha que
pode continuar fazendo do mesmo jeito de sempre, está morto.

EXAME – Há duas visões sobre as agências, a do Google e a do Yahoo!. O Google não


dá muita bola para as agências, pois parece ir atrás de gente que nunca anunciou. Já
o Yahoo! depende delas, porque conhecem os consumidores e as grandes empresas.
Quem está certo?
Ryan – O maior erro de concepção sobre o que as agências fazem é acreditar que elas apenas
põem no ar anúncios de 30 segundos. As melhores agências ainda estão cheias de excelentes
profissionais de marketing. Antes de sequer pensar em pôr um anúncio, fazemos estudos dos
consumidores, dos clientes e dos negócios deles. Historicamente, isso significou anúncios na
TV. Agora, os profissionais de mídia estão se tornando muito mais importantes. Como as
opções para gastar o dinheiro aumentaram geometricamente e a capacidade de dirigi-lo
também, há uma quantidade de veículos enorme, o departamento de mídia agora é bem mais
importante. Se você for usar o modelo do Google, parece que só há um jeito de gastar
dinheiro, mas não é verdade. Assim como a TV não é o único jeito de gastar o dinheiro. O mais
eficaz é uma combinação de tudo de um modo bastante calculado. O Yahoo! está fazendo isso
de modo inteligente. Trabalhamos bastante com o Yahoo! e temos uma relação muito próxima
com eles para marcas como HP ou Motorola. O Yahoo! está atrás das maiores empresas do
mundo. O modelo de negócios deles está baseado em trabalhar com as maiores agências de
publicidade para participar dos maiores programas de marketing.

EXAME – Há um desafio para as agências. Elas não deveriam investir mais em


software para não cair na mão dessas empresas?
Ryan – Eu não poderia concordar mais. Isso está entre as seis maiores mudanças nos
negócios, se você ignorá-las, está morto, independentemente do negócio em que você está. A
AdWeek teve de mudar completamente o negócio deles por causa da web. Eles eram uma
revista sobre o mercado de publicidade. Agora, as notícias não esperam mais, então eles
lutaram, por algum tempo, perguntando se deveriam publicar as notícias no site ou tentar
segurar o oceano e mantê-las até a próxima segunda-feira. Não demorou dez segundos. Agora
eles mudaram completamente o foco do conteúdo deles. Não é mais noticioso. Há
comentários, análises e esse tipo de coisa. O mesmo aconteceu com a revista Time. Não dá
para subestimar o grau com que isso muda tudo. O mesmo acontece com as agências.
Precisamos nos reinventar. As agências que terão mais sucesso serão aquelas que
rapidamente criarem relações próximas com Yahoo!, Google o os demais.

"Se alguém cheirar que você entrou lá [em um blog ou comunidade virtual] para
vender, nunca vai comprar. É contraproducente."

EXAME – E os blogs como ferramentas de marketing?


Ryan – Há uma verdade quando você diz que alguns confiam mais nos blogs que nos meios
de comunicação tradicionais. Não sei o bastante sobre isso, não surfo blogs, mas isso está no
meu radar como algo a respeito de que devo pensar. Ainda estou no começo dos anos 90.
Como um fenômeno, não há questão de que é enorme. A noção de comunidades é
extraordinária. Meu cachorro morreu. Há uma comunidade de quem mora no Upper East Side
e tem cachorro. Instantaneamente todos estavam conversando na web que nós precisaríamos
de um outro cachorro. É um exemplo estúpido e pequeno, mas instantaneamente todos
estavam pensando nisso. Há comunidades globais que conversam todo o tempo nesses blogs.
Como entrar nisso? Há um teste de nariz. Se alguém cheirar que você entrou lá para vender,
nunca vai comprar. É contraproducente. Não funciona. Nosso negócio é atingir as pessoas que
estejam interessadas e quando elas estiverem interessadas. Como e quando fazemos é que é
o lance. Se eu fizesse parte de uma comunidade de livros de mistério e no meio da conversa
uma livraria dissesse que estão com uma liquidação e fizessem isso do jeito certo, talvez eu
comprasse. O ponto é como eles fazem.

EXAME – O Google aposta num anúncio que são só palavras, relacionadas ao que
estamos buscando.
Ryan – Isso é muito inteligente. O desafio da nossa indústria é esse. Eu arriscaria dizer que as
melhores pessoas para fazer isso são as que têm trabalhado nas agências de publicidade nos
últimos anos, porque é isso que fazemos. Tentamos na TV fazer exatamente isso. Mas
fundamentalmente o pensamento é o mesmo: tentar entender o consumidor, descobrir o
interesse dele e casar esse interesse com o que você está vendendo de modo que não seja
ofensivo e seja atraente. A tarefa é a mesma, talvez só haja necessidade de outras habilidades
técnicas. Uma das salvações do negócio das agências é que somos um negócio muito jovem,
com gente muito jovem, que nunca viveu sem um computador ou celular. Temos gente de
muito talento, atraída pelo uso dessa tecnologia. É essa gente que vai mudar nosso negócio.
Quando meus filhos, que hoje têm onze anos, tiverem 25, eles terão vivido com o Google por
20 anos. Eles nunca terão visto o mundo sem ele. Isso representa uma enorme oportunidade.
Há 32 bilhões de emails por dia. O que podemos fazer com isso? A tarefa fundamental da
nossa indústria é comunicar-se com um indivíduo de modo pessoal, que seja significativo,
atraente e eficiente. Agora, temos à nossa disposição essa tecnologia fantástica para ajudar a
fazer isso. Qual o problema? Vamos lá! Uma revista já pôs a foto do satélite da casa de cada
anunciante. Isso só dá um gostinho do que ainda está por vir em termos de personalização. Há
duas palavras relevantes: individualização e digitalização. Ambas chegam ao mesmo lugar. Eu
gostaria de estar começando minha carreira agora. Fiz meu MBA em Wharton, muitas luas
atrás. Na época, a indústria da publicidade era uma das mais populares para quem saía de lá.
Agora, voltei lá para dar uma palestra, porque ninguém quer saber de nós. Talvez uns dois ou
três. Isso está errado. É porque ninguém entende como vamos nos transformar. Estamos nos
reinventando. É aqui que eles deveriam estar. Com a cabeça certa, dá para fazer parte da
revolução, ficar rico e ter sucesso.

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