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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

EMERSON SALINO

O século XIX abre as portas para a educação: o ensino de língua


portuguesa no Colégio Pedro II

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

EMERSON SALINO

O século XIX abre as portas para a educação: o ensino de língua


portuguesa no Colégio Pedro II

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a
orientação da Professora Doutora Leonor Lopes
Fávero.

SÃO PAULO
2012
BANCA EXAMINADORA

____________________________

____________________________

____________________________
Sucesso
“Rir muito e com frequência; ganhar o respeito
de pessoas inteligentes e o afeto das crianças;
merecer a consideração de críticos honestos e
suspeitar a traição de falsos amigos; apreciar a
beleza, encontrar o melhor nos outros; deixar o
mundo um pouco melhor, seja por uma saudável
criança, um canteiro de jardim ou uma redimida
condição sócia, saber que ao menos uma vida
respirou mais fácil porque você viveu. Isso é ter
tido sucesso.”
Ralph Waldo Emerson
Aos Mentores Espirituais que nunca me
abandonaram; que me iluminaram e colocaram,
em meu caminho, pessoas e momentos
especiais.
AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço a minha orientadora, Profa. Dra. Leonor Lopes Fávero, por
sempre me incentivar neste caminho, mesmo depois de eu ter quase desistido de
tudo. Muito obrigada pela paciência, carinho e palavras de força!
Aos professores Márcia Molina e Jarbas Nascimento, pelas orientações e
opiniões, na qualificação;
aos professores do Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa, que me
ensinaram e me enriqueceram com o saber acadêmico, em especial, aos
professores Dr. Dino Preti, Dra. Sueli Marquesi e Dra. Neusa Bastos;
a Lurdes Scaglione, mais que secretária, uma amiga-irmã que acompanhou meus
passos e agora continua em minha vida;
A Christianne Gally, minha “exmailove”, pela dedicação e apoio na construção
desta dissertação;
a Agnaldo Martino e toda a turma do Arouche, com quem pude me divertir um
pouco, mesmo em meio à tormenta;
à d. Eunice Fazito Jurado Fernandes e sua filha Luciane Fazito Jurado Acarino,
diretoras do Colégio Saint Clair, pelo carinho e apoio e por ter confiado em meu
trabalho;
aos meus alunos e professores colegas do colégio Saint Clair, que
compartilharam comigo as aflições e as alegrias;
a minha família, em especial, a minha irmã Diana Totti, pela cumplicidade;
e, finalmente, a todos os meus amigos e colegas que participaram de forma direta
ou indireta dessa minha jornada.
SALINO. Emerson. 2012. O século XIX abre as portas para a educação: o ensino
de língua portuguesa no Colégio Pedro II. Dissertação (Mestrado em Língua
Portuguesa). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo /
Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa.

RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de descrever, sob o ponto de vista da História


das Ideias Linguísticas, o percurso do ensino de Língua Portuguesa no império,
dando ênfase ao curso secundário oferecido no Colégio Pedro II, cujos programas
eram adotados por outras instituições no Brasil. Foram usados os critérios da
apropriação e da representação, propostos por Chartier (1990), por meio dos
quais a realidade pode ser compreendida, através dos discursos, formas e
imagens pelas quais os indivíduos expressam a si próprios e o mundo. Depois de
traçar um panorama dos aspectos educacionais no Brasil Imperial, focando a
construção de escolas, os impactos provocados pela Independência do Brasil e a
institucionalização dos programas de ensino e dos métodos de ensino, fez-se
uma análise mais detida nos programas do ensino secundário do Colégio Pedro
II, em relação ao ensino de Língua Portuguesa. Concluiu-se que o ensino de
língua portuguesa esteve atrelado, principalmente, ao ensino da gramática – que
entre 1880 e 1930, esteve sob a influência de regras científicas positivas – e que
sua principal função era o de formar a elite que conduziria o futuro do país.

Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa, Colégio Pedro II, História das


Ideias Linguísticas.
SALINO, Emerson. 2012. The 19th centyry introduces education: the teaching of
Portuguese Laguage at Colégio Pedro II. Argumentation (Master's degree in
Portuguese Language). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/
Program of Post-Graduation in Portuguese Language.

Abstract

Under the History of Linguistic Ideas, this project has as the main goal to
describe the teaching of Portuguese Language during Brazilian Empire, with
emphasis on High School offered by Colégio Pedro II, whose educational
programs were adopted by other schools in Brazil. It was followed by apprpriation
and representation criteria that were proposed by Chartier (1990) through what the
reality can be understood by the discourses, ways and images where the people
express themselves and the world. After we can do a picture of the educational
aspects in Brazilian Empire, focusing the construction of schools, the impacts
caused by the Independence of Brazil and the institutionalization of educational
programs and ways of teaching, it was made a more detailed analysis of
educational programs in High School courses at Colégio Pedro II , due to the
teaching of Portuguese Language. Concluding, the teaching of Portuguese
Language was, mainly, tightly linked to the teaching of grammar, which was
influenced by the positive scientific rules between 1880 and 1930, and that its
main function was to graduate the high society that woul lead the future of the
country.

Key-words: Portuguese Language teaching, Colégio Pedro II, History of Linguistic


Ideas.
SUMÁRIO

Pág.
Introdução .................................................................................................... 11

Capítulo I-. Sob os trilhos teóricos: a história das ideias linguísticas.... 19


1.1.A História Nova........................................................ 21
1.2. A História Nova Cultural..................................................................... 26
1.3. A História das Ideias Linguísticas....................................................... 29
1.4. Dificuldade do Método........................................................................ 34

Capítulo II-. A corte e sua nobreza pisam em solo brasileiro:


37
mudanças educacionais à vista ..................................................................
2.1. O Brasil independente: construindo uma nação pela educação ......... 46
2.2. O ensino elementar ............................................................................ 50
2.3. As Conferências Pedagógicas: novos rumos da educação
56
brasileira? .................................................................................................
2.4. O ensino secundário: uma educação para a elite.............................. 59
2.5. O curso de Humanidades ................................................................... 68

Capítulo III- É preciso aprender a língua portuguesa: o ensino da


70
língua oficial no Brasil oitocentista............................................................
3.1. O terreno da educação laica fora preparado pelo Marquês de
71
Pombal.......................................................................................................
3.2. A educação para uma nova nação..................................................... 73
3.3. O ensino de Língua Portuguesa: lições de gramática?....................... 81

Considerações finais .................................................................................. 103

Referências Bibliográficas.......................................................................... 105


LISTA DE FIGURAS

Pág.

37
Figura 01 D. João VI aos 53 anos .............................................................

Figura 02 - Óleo sobre tela. Geoff Hunt – RSMA/1999 .......................... 39

Figura 03-Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro......................................... 45

Figura 04- Ensino mútuo- Lancaster- 1810 .............................................. 51

Figura 05- Colégio Pedro II- 1861 ........................................................... 63

Figura 06- “Marquês de Pombal” – Louis Michel van Loo – 1707-1771... 71

Figura 07- Jerônimo Soares Barbosa-1807 .............................................. 83

Figura 08-- Itens da Gramática Nacional de Gabriel de Medeiros Gomes.. 84

Figura 09- Ornamentos da Memória de Pe. Roquette ............................... 91

Figura 10- Compêndio de Gramática Portuguesa- Vergueiro e Pertence 92

Figura 11- Gramática Geral- Sotero dos Reis. ........................................ 94

100
Figura 12- Gramática Nacional Elementar- Caldas Auilete .....................

101
Figura 13- Curso Prático de Literatura Portuguesa- Caldas Aulete .........
11

Introdução

A instrução pública, no Brasil, foi alvo de inúmeras discussões desde que


se impôs a colonização. Os debates estiveram relacionados não só ao sistema de
ensino que melhor atendesse às necessidades impostas, como também ao
método de ensino que levassem os alunos a alcançarem o objetivo estipulado em
cada época.

O ensino de Língua Portuguesa, atrelado aos programas e vinculado aos


propósitos educacionais, sempre enfrentou questionamentos: qual língua ensinar?
Quais os livros a adotar para que seu ensino fosse eficaz? Quais modelos de
gramática seguir?

No Império, o Colégio Pedro II, instituição de cultura geral, fundado em


1837, impunha seus programas às outras instituições de ensino. Mas, de que
maneira esses programas pensavam o ensino de Língua Portuguesa?

Este trabalho pretende descrever, sob o ponto de vista da História das


Ideias Linguísticas, o percurso do ensino de Língua Portuguesa no império, dando
ênfase ao curso secundário oferecido no Colégio Pedro II, cujos programas eram
adotados por outras instituições no Brasil.

Nos séculos XVI e XVII, o ensino não era uniforme, metódico, uma vez que
este período refere-se às primeiras tentativas de civilizar o gentio e capacitar os
filhos dos nobres para a colonização desse vasto país.
O ensino jesuítico se deu por intermédio do formalismo pedagógico, que se
baseava nos princípios cristãos europeus e na realidade moral dos trópicos.
Desta forma, aceitava-se que o importante não era ser, mas parecer correto.
A estrutura e o currículo do ensino jesuítico eram considerados livrescos,
cuja função era o de, além de civilizar os índios, educar os filhos dos nobres. Para
disciplinar o ensino, os jesuítas construíram escolas, seminários; escreveram
dicionários e obras literárias voltadas para a conversão do gentio etc.
No século XVIII, a instrução pública teve novos rumos. Pombal expulsou os
jesuítas e confiscou seus bens, fato que comprometeu o sistema educacional que
já se instalara de forma, mais ou menos, sistemática.
12

Houve reformas, principalmente, sustentadas por ideias iluministas – a


metodologia eclesiástica dos jesuítas passou a ser substituídas pelo pensamento
da escola pública e laica.
A introdução dos ideais iluministas, nas ciências e, em específico, na
Educação, acontece de acordo com as condições sociais da época. Segundo os
iluministas, a sociedade exige um novo Homem e por mais que a educação
jesuítica tenha sido útil, não mais atendia as necessidades desse.
As aulas régias foram instaladas. Não havia escolas suficientes para
atender a todos. Nesse momento, inicia-se o ensino isolado que, de certa forma,
seria uma maneira de atender àqueles que moravam longe das escolas, porém o
sistema não deu bom resultado a partir do momento que havia uma defasagem
no ensino.
Com a chegada de D. João VI ao Brasil, no fim do período colonial,
instaurou-se um governo civil mais estável, e a instrução pública tornou-se mais
desenvolvida com a criação de várias instituições, como a Academia de Belas
Artes, o Museu Nacional, a Academia de Ensino da Marinha, a Escola de
Comércio etc. Essa estabilidade foi consequência da formação acadêmica dos
jovens brasileiros que se caracterizava pela homogeneidade dos cursos: os
jurídicos eram oferecidos em Coimbra e depois, mantiveram-se nas escolas de
Direito em São Paulo e Recife, responsabilizando-se pela formação da elite
voltada à magistratura e aos cargos públicos.
Em 1815, D. João nomeou o Brasil Reino e daí começou uma nova fase da
história brasileira, conhecida como período monárquico ou Brasil imperial. Em
1822, deu-se a Independência.
No período que vai da Independência ao Ato Adicional de 06 de agosto de
1834, que instituiu a Assembléia Legislativa provinciais com o poder de elaborar
seu próprio regimento, desde que estivesse em harmonia com as imposições
gerais do Estado, a instrução pública, no Brasil se desenvolveu de forma mais
sistemática. Houve algumas nomeações, fundação de estabelecimentos, como o
Colégio das Educandas, mas a política, ainda, era a maior preocupação do novo
Reino.
13

Baseado nessa Lei, cada Província passava a responder por suas escolas
de ensino elementar e secundário. Logo, as dificuldades de professores
capacitados aparecem além da falta de escolas.
Foi por meio da descentralização da educação, através do Ato Adicional,
que, em 1835 surge a primeira Escola Normal do país, em Niterói, em 1836 na
Bahia, 1845 Ceará, 1846 a de São Paulo. Em 1837, na cidade do Rio de Janeiro,
foi criado o colégio Pedro II, considerada um escola modelo para as demais do
país.
O sistema de ensino Mútuo, introduzido no Brasil neste período foi
propugnado pelos liberais que desejavam levar a educação das grandes massas,
uma vez que centenas de crianças poderiam receber a instrução primária ao
mesmo tempo, sem a necessidade de vários professores acompanhando-as. Em
relação ao ensino secundário deste período, não havia planos nem organização
das cadeiras de Latim e de outras matérias.

O Brasil do século XIX, então, aprendia a ser uma nação independente.


Isto significava estabelecer metas e transformações políticas e econômicas a fim
de adaptar-se à nova realidade. Dentre essas mudanças, a educação era uma
das peças-chave, apesar de a economia ser o aspecto que mais preocupou o
Governo e para o qual direcionou a maioria dos esforços de reestruturação da
nação. É também neste período que “aconteceram várias mudanças no cenário
dos estudos linguísticos. Além da influência da filosofia, com as teorias
darwinianas, também houve a influência das reformas educacionais, importantes
na conduta do ensino de língua portuguesa nas províncias” (BRAGADIN, 2011,
p.12).

Durante o Período Imperial, o governo brasileiro, no que diz respeito à


educação, buscava formar as elites que dariam continuidade à direção do país –
objetivo que se estende até as primeiras décadas da República.

A ferida do analfabetismo era uma mácula que urgia ser extirpada de


uma sociedade que almejava o progresso, por isso havia um esforço
para que a escola primária abarcasse todos os territórios de forma
universal, gratuita e obrigatória. A educação secundária desenvolvia-se,
mas limitava-se a atender às classes sociais mais abastadas, já que era
encarada como um meio de se atingir a universidade. (FÁVERO &
MOLINA, online, p. 28).
14

Na verdade, o governo do Brasil independente visava manter as estruturas


econômica e social e ajustar-se à realidade internacional criada pela
industrialização da Europa, pois a emancipação nacional apenas transferiu o
poder político externo para dentro do país.
Este período histórico foi determinado pelas transformações ocorridas no
século XVIII, desencadeadas a partir da Revolução Francesa (1789) e da
Revolução Industrial, na Inglaterra, que abriram o caminho para o avanço do
capitalismo para outros países.
No século XIX, o Brasil ainda inicia – em uma posição parasitária em
relação às produções – sua expansão capitalista. Com novo contexto da
economia mundial, não era mais possível sustentar o domínio de Portugal, que
usava produtos brasileiros na disputa com o mercado mundial. Diante do
enfraquecimento econômico e político de Portugal e o contexto de contradição
entre a política econômica portuguesa e a internacional, ocorreu a conquista
brasileira de sua autonomia.

Na emancipação cultural, porém, não se verifica uma mentalidade de


criação de uma “cultura nacional, integrada no espírito de uma nova civilização”
(AZEVEDO, 1963, p. 305), voltada para o espírito crítico e científico. Ainda
preservava-se o estudo das letras que serviam de meio de comunicação entre
profissionais e facilitavam o acesso à vida pública. Mas, se as letras

contribuíram para humanizar a cultura e favorecer o esforço para


ultrapassar a profissão, trazendo uma contribuição decisiva à vida
intelectual que, por outra forma, ficaria reduzida, sem brilho e sem vigor,
aos quadros profissionais, elas tiveram seus graves inconvenientes:
tornando as inteligências menos utilitárias, de um lado, e mais sujeitas,
por outro, às seduções da forma, embotaram o sentido da realidade e
retardaram o aparecimento do espírito crítico e criador, científico e
experimental, na evolução do pensamento brasileiro. (AZEVEDO, 1963,
p. 306).

Por todo o século XIX, segundo Azevedo (idem), a educação se


apresentava de forma desorganizada e desagregada. A única instituição de
ensino voltada para a cultura geral, criada, desde a Independência até a
15

República, fora o Colégio Pedro II, fundado em 1837, considerado um excelente


estabelecimento de ensino secundário. Nele os estudantes, “terminado o curso de
sete anos, recebiam o grau e as cartas de bacharel em Letras, depois de
prestarem o juramento perante o Ministro do Império que lhes punha sobre a
cabeça o barrete branco da Faculdade de letras”. (AZEVEDO, 1963, p.570).

O colégio Pedro II fora construído com o intuito de oferecer cadeiras


variadas que iam das ciências às línguas modernas. O ensino secundário
promovido era do tipo clássico, humanista, ou seja, predominavam os estudos
literários, uma vez que atendiam mais às tradições morais e intelectuais do país e
menos às condições especiais que o meio impunha.

O ensino da língua portuguesa era reduzida a um ano de gramática geral e


nacional para o primeiro ano, e o ensino de Retórica e Poética era realizado em
dois anos. Essa distribuição, fortemente europeizante, não chegava a dar um
“colorido nacional (...); os estudos científicos acumulados na última parte do
curso, de atropelo com os de línguas clássicas e modernas, mal poderiam
ultrapassar os limites de mera ‘informação’ e de erudição livresca”. (AZEVEDO,
1969, p.572).

Apesar de ser reconhecidamente uma instituição modelar, o curso


secundário oferecido nem sempre fora também digno de elogios, pois ao invés de
ter um fim em si mesmo, “desceu paulatinamente de sua dignidade e acabou por
se tornar apenas uma preparação para os exames: o que devia ser um fim é
apenas um meio.(ALMEIDA, 1989, p.108). Para Fávero (2002, p. 86),

O Colégio não conseguiu realizar seu objetivo inicial que era o de ser o
estabelecimento padrão do ensino no país e acabou por se tornar
apenas mais um estabelecimento de preparatórios aos exames para
ingresso nas escolas superiores. Só se converteria em padrão nacional
em 1890 quando, pela reforma assinada pelo então Ministro da Instrução
pública Benjamim Constant, passa a denominar-se Ginásio Nacional e
extinguem-se os exames parcelados de preparatórios, conferindo
unicamente aos exames de madureza nele realizados (ou nos
estabelecimentos a ele equiparados) a habilitação aos cursos superiores.

O ensino de língua portuguesa, no Brasil, de alguma forma, esteve


diretamente relacionado ao ensino da gramática normativa, considerada como um
16

conjunto de regras que deveriam ser seguidas1. A gramática, porém, sempre foi
um dos instrumentos mais contestados pelos historiadores da educação, como é
o caso de Pires Almeida (1989, p. 103): “a gramática que se põe obrigatoriamente
nas mãos dos alunos do Colégio D. Pedro II, apresenta-lhes só fatos gramaticais,
na aparência bizarros e incoerentes, às vezes inexatos (...)”.

A gramática, talvez, naquele período, fosse o único instrumento do ensino


do português nas escolas, acompanhado das seletas e das obras de autores
literários. Um dos problemas apontados é que a maioria destes livros, “entre os
quais é raro encontrar-se um sem erros de ortografia e ou até de gramática, é
composta dos mais elementares conceitos; há apenas frias e estéreis
nomenclaturas de regras ou definições, um formulário ou resumo mais ou menos
exato dos preceitos que os alunos devem reter” (idem, p. 159).

Uma exceção é concedida ao Cônego J.C. Fernandes Pinheiro, autor de


Gramática da Infância – escrita com clareza e simplicidade, permitindo aos alunos
aprenderem e a compreenderem facilmente, e aos institutores2 a ficarem
satisfeitos, principalmente por causa dos exercícios que seguem cada parte do
discurso. Além da recomendação da gramática de Fernandes Pinheiro, a
Gramática de Abílio3, que publicou muitos livros escolares de grande aceitação
em sua época nos principais estabelecimentos de instrução. No ensino
secundário, uma das gramáticas referendadas era a de Olympio Costa.

O método da gramática de Sotero dos Reis, que possuía escrita correta,


era bom. A gramática, entretanto, de Grivet – um tratado muito desenvolvido e
sério – estava mais próximo do uso dos professores do que dos alunos. Apesar
de, na década de 60,

1
O conceito de gramática, conforme Neves (2004), pode ser entendido tanto como um “manual”
que organiza os saberes de uma língua, quanto uma “disciplina” que oferece múltiplas noções. No
modelo normativo puro, a gramática é vista como “o conjunto de regras que o usuário deve
aprender para falar e escrever corretamente a língua; no modelo descritivo ou expositivo, a
gramática como conjunto que descreve os fatos de uma dada língua; no modelo estruturalista, a
gramática como descrição das formas e estruturas de uma língua; no modelo gerativo, a gramática
como o sistema de regras que o falante aciona intuitivamente ao falar ou entender sua língua; e
assim por diante”. (NEVES, 2004, p. 30).
2
O mesmo que professores
3
Abílio César Borges, também conhecido como Barão de Macaúbas, famoso educador
proprietário-diretor de dois estabelecimentos de instrução primária e secundária: um, no Rio de
Janeiro e outro, em Barbacena, Minas Gerais.
17

ainda continuarem a imperar as orientações da gramática geral e


filosófica – as obras de Sotero dos Reis são de 1862 e 1865 – já
penetrava o pensamento alemão e Fausto Barreto, em 1870, é o
primeiro a refletir as ideias de Bopp, iniciando o que Silvio Elia (1963)
denomina o período científico na gramática brasileira. (FÁVERO, 2000,
p. 188).

Até 1887, o ensino de língua portuguesa esteve atrelado ao método


herdado de Prisciano e Condillac. Essa situação só será revertida quando Fausto
Barreto assume o comando da reforma dos programas de preparatórios. A
orientação por ele “imprimida estava de acordo com as novas teorias linguísticas
e refletia as ideias de Müller, Bréal, Littré, Brunot, Diez, Bopp, Whitney e Adolfo
Coelho, o primeiro a aplicar o positivismo nos estudos do português.” (FÁVERO,
2000, p. 188).

Pretende-se, com este trabalho, contribuir para a história do ensino de


Língua Portuguesa no Brasil imperial, sob o ponto de vista da História das Ideias
Linguísticas, enfocando os programas do Colégio Pedro II e as gramáticas
adotadas nesse período. Assim, foram construídos três capítulos, baseados nos
objetivos específicos, a saber:

O capítulo 1, “Sob os trilhos teóricos: a história das ideias linguísticas”, trata


da perspectiva teórica adotada. Concebemos, aqui, o tempo “de modo
pluridirecionado, múltiplo, não linear, que dialoga com vários outros tempos e
diversas disciplinas” (FÁVERO & MOLINA, 2006, p.19). Além disso, usamos os
critérios da apropriação e da representação, propostos por Chartier (1990), por
meio dos quais a realidade pode ser decifrada, ou seja, pode ser compreendida
através dos discursos, formas e imagens pelas quais os indivíduos expressam a
si próprios e o mundo.

O segundo capítulo traça um panorama do Brasil Imperial, principalmente


nos aspectos relacionados à educação, como a construção de escolas, os
impactos provocados pela Independência do Brasil e a institucionalização dos
programas de ensino, dos métodos de ensino, baseados nas novas teorias,
depois da década de 1870.
18

O terceiro capítulo, enfim, tratará, mais especificamente, do ensino de


língua portuguesa no Imperial Colégio Pedro II, por meio dos programas de
português, das políticas educacionais e dos compêndios utilizados ou, pelo
menos, dos adotados em seu currículo.

Nas considerações finais, tem-se que o ensino de língua portuguesa esteve


atrelado, principalmente, ao ensino da gramática, apontando que a história do
ensino de Língua portuguesa, cuja função era, primordialmente, formar a elite, se
confunde com a história das gramáticas adotadas nas escolas do país.
19

Capítulo I

Sob os trilhos teóricos: a História das Ideias Linguísticas

As grandes manifestações dos saberes linguísticos são, antes


de tudo, fenômenos culturais que afetam o modo de existência
de uma cultura do mesmo modo que dela procedem.
(AUROUX, 1992:29 apud FÁVERO, 2006, p.17).

A Linguística passou a ser considerada ciência, ainda no século XIX,


devido ao surgimento dos estudos histórico-comparativos. Antes disso, os
estudos linguísticos restringiam-se à Filologia, considerada disciplina auxiliar de
diversas áreas, como Ciências Sociais, História, Antropologia etc. A relação entre
Linguística e História começou a se estreitar desde que foi necessário se
apropriar das categorias da História para promover o estudo comparativo entre as
línguas. A História, entretanto, sempre andou de forma paralela aos estudos da
linguagem, pois precisava dela para registrar suas mudanças, narrar seus feitos,
descrever as grandes batalhas, desenvolver suas teorias.

O entrelaçamento das duas disciplinas, então, fortificou-se com o


desenvolvimento institucional de ambas. Para Fávero (2006, p. 18), esse
desenvolvimento “favoreceu uma multiplicação de trabalhos entrelaçando-as;
dentre eles, destacamos primeiramente os da história dos conhecimentos
linguísticos...”

Os trabalhos produzidos sobre a história dos conhecimentos linguísticos


foram classificados, por Auroux (1992, p. 11), em três categorias:

a) os que visam a constituir uma base documentária para a pesquisa


empírica; b) os que são homogêneos à prática cognitiva de que derivam
(por exemplo, trabalho de um filólogo das línguas clássicas sobre a
gramática, a filologia ou a lógica grega); e c) os que têm papel fundador,
queremos dizer, os que se voltam para o passado com o fim de legitimar
uma prática cognitiva contemporânea.
20

Esse conhecimento histórico, quase sempre, foi expresso nos capítulos


iniciais das obras de síntese, enfatizando um ou outro aspecto da linguagem. Mas
Auroux (idem) adverte: “todo conhecimento é uma realidade histórica, sendo que
seu modo de existência real não é a atemporalidade ideal da ordem lógica do
desfraldamento do verdadeiro, mas a temporalidade ramificada da constituição
cotidiana do saber”. Em outras palavras, a realidade histórica não existe em um
tempo e espaço idealizados e constituída pela Verdade, mas construída sob um
tempo e espaço determinados a partir da constituição de um determinado saber.

Porque é limitado, o ato de saber possui, por definição, uma espessura


temporal, um horizonte de retrospecção, assim como um horizonte de
projeção. O saber (...) não destrói o seu passado, como se crê
erroneamente com frequência; ele o organiza, o escolhe, o esquece, o
imagina ou o idealiza, do mesmo modo que antecipa seu futuro
sonhando-o enquanto o constrói. Sem memória e sem projeto,
simplesmente não há saber. (AUROUX, p. 11-2).

Das três categorias em que estão classificados os trabalhos consagrados à


história dos conhecimentos linguísticos, os que se voltam para o passado com o
fim de legitimar uma prática cognitiva contemporânea é a que oferece valor
epistemológico, no dizer de Auroux (idem). Trabalhos como os de Mounin, Robins
e Coseriu são consideradas globalizantes e “partilham o mesmo preconceito de
querer fazer a história da linguística concebida como ciência, isto é, como uma
forma de saber cuja organização e propriedades formais seriam estáveis ...”
(idem, p. 12).

Depois de questionar esses trabalhos, Auroux (idem) chama a atenção


para a transitoriedade da estruturação do saber das ciências da linguagem, ou
seja, não há estabilidade da organização e das propriedades formais do saber
linguístico proposta pelos historiadores da linguística. Além disso, o objeto, nas
ciências da linguagem, são os saberes que se constituíram sobre a linguagem
humana tal como ela se realizou na diversidade das línguas.

Assim, uma questão é proposta: de que maneira, no tempo, se constituiu o


saber linguístico? Se esse saber é múltiplo, pois é epilinguístico (saber
21

inconsciente que todo locutor possui de sua língua e da natureza da linguagem) e


metalinguístico – “representado, construído e manipulado enquanto tal com a
ajuda de uma metalinguagem” (AUROUX, 1992, p.16) –, é também ele um
produto histórico.

É preciso, então, compreender de que maneira, em cada momento


histórico, as significações para um determinado fato ou um artefato – ou, ainda,
de uma determinada leitura sobre um determinado documento – foram sendo
construídas, a partir das noções de História – “ciência do homem, da mudança
perpétua das sociedades humanas” (FEBVRE apud FÁVERO & MOLINA, 2006,
p. 20).

1.1. A história nova

As duas principais posições interpretativas da História foram o marxismo,


no século XIX, e o movimento dos Annales4. Para o marxismo, a história é
interpretada ou dada a ver a partir das relações de produção que, de um lado,
determinam as outras relações existentes entre os homens na sua vida social e,
de outro lado, são determinadas pelo estado das forças produtivas. As
explicações econômicas, portanto, eram o suporte de que os historiadores
precisavam para compreender o passado.

A teoria marxista, de profunda inspiração filosófica, trouxe inovações


para pensar o homem e o mundo no século XIX. Marx foi o primeiro a
mostrar que o significado de uma teoria só pode ser compreendido em
relação à prática histórica correspondente. (...) Marx buscou conciliar
reflexão filosófica e prática política, teoria e práxis (entendida como a
ação humana que transforma o mundo e transforma a si mesma). Em
direção a uma sociedade sem exploradores ou explorados, o projeto
marxista incluía a união da Filosofia, da Política e do movimento social
da classe explorada para se construir uma síntese verdadeira, uma
sociedade superior em que cada um desses elementos seria
transformado. (SILVA & SILVA, 2010).

4
Com o intuito de construir uma história científica e racional, porém, tanto os marxistas quanto os
membros dos Annales estavam atrelados a uma história analítica, estrutural e explicativa (Cf.
CARDOSO, 1997)
22

Um grupo, porém, de historiadores, sociólogos, filósofos e geógrafos


debatiam, no início do século XX, a aproximação da História com as Ciências
Sociais, baseados nas críticas de Durkheim e da Révue de Synthèse Historique,
de Henri Berr. A aceitação do ponto de vista das Ciências Sociais levou “a uma
luta, a um combate, entre os historiadores dos Annalles – [ revista de história que
corporificou esses debates] – e os tradicionais, que controlavam todas as
instituições de ensino, pesquisa, edição e administração da história na França”
(REIS, 2010, p. 92).

Fundada em 1929, por Lucien Febvre e March Bloch, a Revista dos


Annales propôs uma nova história, ou seja, os historiadores deveriam submeter
tudo o que se fazia antes a novo olhar, a novos problemas, a novos instrumentos,
a novos fins. Para justificar a denominação de “nova” para a história, Le Goff
(2005) aponta três fenômenos: a afirmação de ciências nas universidades, a
renovação das ciências tradicionais, seja no campo do ensino, seja na
problemática; e a interdisciplinaridade, que é traduzida na união de duas ou mais
ciências, como a antropologia histórica. Para ele, “nesse campo renovado, uma
ciência ocupa uma posição original: a história”. (idem, p.32).

Quando uma nova visão, uma nova linha de pesquisa surge, causa uma
revolução na ciência, que faz com que haja um reconhecimento mundial impondo-
se como paradigma, trazendo problemas, mas também soluções compartilhadas
por diversos cientistas.

Regularmente e de maneira apropriada, a invenção de novas teorias


evoca a mesma resposta por parte de alguns especialistas que vêem
sua área de competência infringida por essas teorias. Para esses
homens, a nova teoria repercute inevitavelmente sobre muitos trabalhos
científicos já concluídos com sucesso. É por isso que uma nova teoria,
por mais particular que seja seu âmbito de aplicação, nunca ou quase
nunca é um mero incremento ao que já é conhecido. Sua assimilação
requer a reconstrução da teoria precedente e a reavaliação dos fatos
anteriores. Esse processo extrinsecamente revolucionário raramente é
completado por um único homem e nunca de um dia para o outro.
(KUNH, 1992, p. 23).
23

Aparentemente, marxismo e o movimento dos Annales são antagônicos.


Mas, o diálogo entre eles é possível, uma vez que existem pontos em comum.
Cardoso, por exemplo, afirma que ambos reconhecem a necessidade de “uma
síntese global, reconhecem que a consciência não coincide com a realidade
social, respeitam as especificidades históricas de cada período e sociedade,
propõem e exercem a interdisciplinaridade, vinculam a pesquisa do passado ao
presente...” (REIS, 2010, p.115). O que as distingue, talvez, é o fato de que falta
nos Annales uma teoria da mudança social e da luta de classes.

A primeira renovação da História diz respeito à história narrativa, tradicional


que deveria dar lugar à história problema. Mas o que seria a história tradicional?
Ela se caracteriza por ser uma narração cuja função era a de organizar o “caos’
dos eventos em uma trama na qual o fim já era algo conhecido anteriormente.

O modelo de narração que se imitava era o da biografia: entre o


nascimento e a morte, articulam-se os eventos de uma vida individual.
Na narração, os eventos, únicos e incomparáveis, eram incluídos em
uma continuidade, ganhavam um sentido que lhes vinha do exterior,
tinham uma explicação teleológica. A estrutura da narração exigia
alguma conceituação, mas que não era jamais explicitada. Os conceitos
que a sustentavam permaneciam escondidos no interior da finalidade
temporal que dava sentido à narração. (REIS, 2010, p. 92).

Em oposição ao caráter narrativo da história tradicional, portanto, que


tentava “reconstruir” a história tal como se passara, os Annales consideravam a
pesquisa histórica como “verificação de hipóteses possíveis a problemas postos
no início” (REIS, 2000, p.25). O texto histórico é, então, “o resultado de uma
explícita e total construção teórica e não o resultado de uma narração objetivista
de um processo exterior organizado em si pelo final” (idem).

Duas bases dão sustentação à história nova: a tentativa de uma história


total, globalizante, levando em conta os aspectos econômicos e sociais e a
ampliação do documento histórico, propondo além de textos escritos, estatísticas,
produtos de escavações arqueológicas, etc

A Escola dos Annales, como ficaram conhecidos os membros da Revista,


foi vista por vários historiógrafos como um “grupo monolítico, com uma prática
histórica uniforme, quantitativa no que concerne ao método, determinista em suas
24

concepções, hostil ou, pelo menos, indiferente à política e aos eventos”. (BURKE,
1992, p.12). Porém, seus representantes apresentaram divergências entre si e
modificaram alguns de seus propósitos durante os mais de 60 anos de existência.
Por isso, Burke (idem) prefere denominar de um movimento dos Annales, não
numa escola”. Esse movimento pode ser dividido em três gerações:

A primeira é caracterizada pelo combate à história tradicional, à história


política e à história de eventos, principalmente por Febvre e Bloch, num período
entre 1920 e 1945. Essa fase ficou ainda marcada “pela heterogeneidade e por
uma grande abertura na aceitação de novas propostas e métodos” (FÁVERO &
Molina, 2006, P. 21). Em outras palavras, o combate era contra a história política
que era, “por um lado, uma história-narrativa e, por outro, uma história de
acontecimentos, uma história factual...”(LE GOFF, 2005, p.40). Para Febvre,
interessavam não somente os motivos políticos, mas também os motivos
geográficos, os sociais, os intelectuais, os religiosos e psicológicos. Outro aspecto
combatido foi o do “fato histórico”, que para Febvre, não era algo acabado, mas
algo “inventado e construído, com ajuda de hipóteses e conjeturas, por um
trabalho delicado e apaixonante”. (LE GOFF, 2005, p.42).

A segunda fase ficou conhecida como a Era Braudel por ser ele o seu
historiador representativo. Braudel analisou o tempo de três maneiras diferentes,
em sua obra O Mediterrâneo: primeiramente, ele constrói uma história quase
estática que representa a relação do homem com o ambiente; depois, apresenta
uma história que se movimenta, porém em um ritmo lento, que ser refere à
estrutura econômica, social e política; e, por último, ele faz a história dos
acontecimentos, embora não seja ela caracterizada como tradicional, uma vez
que Braudel enfatiza a insignificância dos eventos e defenda a existência de um
certo determinismo que limita a liberdade de ação dos indivíduos. Por causa
dessa obra, a fase Braudel ficou conhecida como aquela caracterizada pela
duração do tempo na história: “... na superfície: a história dos acontecimentos, do
tempo curto; na meia encosta: uma história conjuntural, que segue ritmo mais
lento; e na profundidade: uma história de longa duração”. (FÁVERO & MOLINA,
2006, p. 21).
25

O ideal impossível de realizar, definido por Braudel, seria tudo


apresentar em um único e mesmo plano e em um único movimento. Mas
seu conceito de globalidade recobre o simples somatório desses
diversos níveis do real, sem ser, no entanto, um instrumento conceitual
capaz de perceber as dominâncias e as determinantes em jogo. (...) a
totalidade defendida não deve ser referir a uma concepção causal da
história, não existem na obra os sistemas de causalidades, e chega-se
mais frequentemente a uma simples acumulação dos diferentes andares.
Observar, classificar, comparar, isolar são as grandes operações
cirúrgicas praticadas por Fernando Braudel. (DOSSE, 2003, p. 167).

É nesta fase, ainda que surgem os trabalhos da história serial, também


conhecida como história quantitativa. Nela, faz-se a história, principalmente, da
população, ou seja, a história demográfica como consequência da explosão
demográfica mundial na década de 1950.

A terceira fase inicia-se, em 1968, quando Le Goff assume a direção da


Revista, revitalizando a história das mentalidades, considerada como objeto ideal
cujo fundamento é “o nível inconsciente das práticas sociais, o pensamento
coletivo e automático de uma época ou de um grupo social” (DOSSE, 2003,
p.255). Influenciada pelo estruturalismo, essa fase é caracterizada por usar a
metáfora “do porão ao sótão”, para designar a preocupação com o cotidiano da
sociedade.

Para Fávero & Molina (2006, p. 21-2), entretanto,

embora com traços tão distintos, o elemento unificador dessas três


gerações é a ênfase na questão metodológica, já que a
interdisciplinaridade, a análise de fatos advindos de várias áreas, tendo
em vista a construção de uma história-problema, imprime uma especial
importância à interpretação dos dados e à busca constante de
esclarecimento dos porquês.

A História Nova, portanto, ao aproximar a História das outras disciplinas,


traduzida na interdisciplinaridade, e defender a ideia de que há necessidade de
construir a História pautada simultaneamente, no econômico, social e cultural,
delimita seu objetivo: reabrir o passado para interpretá-lo; alargar os horizontes da
pesquisa (fontes e métodos) a fim de compreendê-lo em sua totalidade.
26

Em relação às fontes, a História Nova também imprimiu renovação: se,


antes, eram considerados apenas os documentos escritos que pudessem ser
criticados quanto a Verdade, ampliou-se essa perspectiva, considerando qualquer
indício, qualquer material ou objeto, fontes legítimas da pesquisa histórica.

A história nova ampliou o campo do documento histórico; ela substituiu a


história de Langlois e Seignobos, fundada essencialmente nos textos, no
documento escrito, por uma história baseada numa multiplicidade de
documentos: escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos
de escavações arqueológicas, documentos oris, etc. Uma estatística,
uma curva de preços, uma fotografia, um filme, ou, para um passado
mais distante, um pólen fóssil, uma ferramenta, um ex-voto são, para a
história nova, documentos de primeira ordem. (LE GOFF, 2005, p. 36-7).

Hoje a História Nova é definida “pelo aparecimento de novos problemas, de


novos métodos que renovaram domínios tradicionais da história (...) e,
principalmente, talvez, pelo aparecimento no campo da história de novos objetos
(...)”. (LE GOFF, 2005, p. 61). Além disso, ou por causa disso, ela apresenta
novas perspectivas teóricas e novas orientações metodológicas. A cultura, que
era um campo que estava apenas sob o domínio da antropologia, passou a ser
preocupação da História, assunto do próximo item.

1.2. A História Nova Cultural

A cultura, “conjunto ou sistema de aspectos ou manifestações ditas


culturais (práticas e representações, segundo Chartier), sempre esteve presente,
de uma forma ou de outra na tradição historiográfica ocidental” (FALCON, 1997,
p.34), tanto como objeto quanto como pressuposto inerente ao próprio ato de
historiar.

Foi na historiografia positivista, que esse ato se compartimentalizou em


saberes acadêmicos-institucionais e as manifestações culturais tornaram-se “cada
vez mais objeto de historiografias particulares, incomunicáveis entre si e sempre
elaboradas em forma de genealogias cronologicamente organizadas, meramente
27

descritivas, factuais, ancoradas nas tradicionais noções de sucessão, influência,


escolas e eras ou períodos históricos, mas que de fato nada tinham a ver com a
história propriamente dita” (idem).

A expressão História Nova Cultural entrou em uso no final da década de


1980, com uma publicação de um livro com esse nome, cujo autor é Lynn Hubr,
historiador norte-americano. A palavra nova serve para distinguir a Nova História
Cultural das formas mais antigas de história cultural. Para Burke, a história
cultural pode ser dividida em quatro fases: a) a fase clássica; b) a fase da história
social da arte; c) a história da cultura popular e d) a nova história cultural.
(BURKE, 2005). A palavra cultural distingue-se da história intelectual, sugerindo
uma ênfase em mentalidades, suposições e sentimentos, e não em ideias ou
sistemas de pensamento.

As principais mudanças epistemológicas decorrentes da História Cultural


estiveram ligadas à reorientação da postura do historiador, a partir dos conceitos
de: representação, imaginário, narrativa, ficção e sensibilidades. As
representações “construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste
mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e pautem a sua
existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de
força integradora e coerciva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos
dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a
realidade” (PESAVENTO, 2005, p. 39).

Foi Roger Chartier, em sua obra “A história cultural: entre práticas e


representações” seu maior divulgador. A proposta de Chartier é a de decifrar a
realidade do passado por meio das suas representações, ou seja, tentar
compreender os discursos, formas e imagens pelas quais os indivíduos
expressam a si próprios e o mundo.

Conforme Chartier (1990), é, no processo de apropriação, que os


indivíduos constroem representações do mundo social. Estas representações são
sempre determinadas pelos interesses de grupo que se forjam. Daí o necessário
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem utiliza. As
percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem
estratégias e práticas que tendem a impor uma autoridade à custa de outros
28

discursos por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a


justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas.

As representações estão sempre colocadas num campo de concorrências


e competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação. As
lutas de representação são fundamentais para compreender os mecanismos
pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social,
os seus valores e o seu domínio. Em outras palavras, as representações do
mundo social traduzem as posições e interesses dos atores sociais e
paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como
gostariam que fosse.

É necessário, pois, reconhecer uma nova articulação entre a estrutura


cultural e a social, enxergá-las como se fossem palácio de espelhos,
procurando delinear circulações e enraizamentos, como uma verdadeira
história cultural, em busca não só das ideias, mas de seus reflexos e
interpretações, o mental coletivo, as relações que se desencadeiam
entre os homens, as influências mútuas e até a confusão que surge na
consciência deles (GURIÊVITCH, 2003, p. 47).

As instâncias sociais e culturais se aproximaram muito e se tornaram


preocupações primeiras entre os historiadores a partir dos estudos produzidos
pela História Social inglesa e a História das mentalidades francesa.

Na historiografia, o conceito de mentalidades passou a designar as


atitudes mentais de uma sociedade, os valores, o sentimento, o
imaginário, os medos, o que se considera verdade, ou seja, todas as
atividades inconscientes de determinada época. As mentalidades são
aqueles elementos culturais e de pensamento inseridos no cotidiano, que
os indivíduos não percebem. Ela é a estrutura que está por trás tanto dos
fatos quanto das ideologias ou dos imaginários de uma sociedade. Tal
conceito está muito ligado à questão temporal, pois a mentalidade é
considerada uma estrutura de longa duração. Além disso, ao contrário
dos fatos, que acontecem muito rapidamente, a mentalidade permanece
durante muito tempo sem modificações, e suas mudanças são tão lentas
a ponto de nem serem percebidas. (SILVA & SILVA, 2010, p. 279).

Para Falcon (1997), as várias “Histórias”, como a micro-história, a história


vista de baixo ou a história dos dominados, etc., constituem variações ou casos
particulares de História Social e Cultural. “Trata-se na verdade de variantes ou
29

variações eu apenas revelam ou sublinham a essencialidade de certas questões


respeitantes à conexão entre o social e o cultural – o conceito de representação, a
importância dos processos simbólicos, a linguagem, os discursos, o texto, a
oralidade” (FALCON, 1997, p. 15).

Ainda, conforme Falcon (idem), os historiadores da “cultura” quase sempre


preferem não discutir o conceito de cultura. Às vezes, conforme a análise de
Chartier sobre as obras de Norbert Elias, cultura “designa as obras e os gestos
que e uma sociedade estão ligados ao julgamento estético ou intelectual” ou
“refere-se às práticas ordinárias sem qualidades que tecem a trama das relações
cotidianas e exprimem a maneira como uma comunidade, em um determinado
tempo e lugar, vive e reflete sua relação com o mundo e a história”. (idem, p. 59).

Um dos caminhos estratégicos para fugir à defesa de um ou outro conceito


de cultura, Chartier, por exemplo, optou utilizar duas concepções básicas no que
se refere aos aspectos culturais: práticas – onde a cultura é objetivada através de
um conjunto de obras, realizações e instituições “que conferem originalidade e/ou
autenticidade à vida de um grupo humano, inclusive seus usos e costumes, nem
sempre imediatamente dados” (FALCON, 2002, p.60) – e representações – lugar
onde a cultura se apresenta como “resultante de algum tipo de ação (mental,
espiritual, ideológica...) das práticas culturais sobre o respectivo grupo humano
considerado (nas práticas), quer em seus aspectos coletivos, quer eventualmente
pelo menos, em seus componentes culturais” (idem, p. 61).

É necessário, portanto, “pensar a história como um trabalho de


representação, isto é, como são traduzidas as posições e interesses dos
indivíduos que compõem a sociedade, como pensam que ela é, como agem, ou
como gostariam que ela fosse”. (FÁVERO & MOLINA, 2006, p. 23).

1.3. A história das Ideias Linguísticas

A história das ideias constitui apenas uma dentre as várias disciplinas


históricas que possuem como objeto comum a ideias, embora. Segundo Chartier
30

(apud FALCON, 1997a, p. 92), “em França, a história das ideias praticamente
não existe, nem como noção, nem como disciplina... e a história intelectual parece
ter chegado demasiado tarde”. Apesar disso, em outras tradições historiográficas,
como a germânica e a italiana e, principalmente, a anglo-saxônica, a história das
ideias constituem pelo menos quatro disciplinas:

(1) A história das ideias propriamente dita – o estudo do pensamento


sistemático, ou seja as ideias geralmente expostas em tratados
filosóficos; (2) a história intelectual – o estudo do pensamento informal,
climas de opinião, movimentos literários; (3) a história social das ideias –
o estudo das ideologias e da difusão das ideias; (4) a história cultural – o
estudo da cultura no sentido antropológico, inclusive as concepções ou
visões de mundo e as mentalidades. (FALCON, 1997a, p. 93).

A noção de “ideia”, apesar das inúmeras definições, está relacionada à


representação, à imagem, como apontam alguns dicionários: “representação
mental de um objeto ou fato”. Com os estudos saussurianos, entretanto,

e a evidenciação dos jogos da linguagem, além dos avanços realizaods


em campos como o da sociolingüística, da semântica história, da
pragmática discursiva e enunciativa e da teoria da recepção, as
maneiras de enfocar a problemática das ideias galgaram patamares
novos e complexos. (FALCON, 1997a , p. 95).

Muitas vezes confundida com a história das mentalidades e com a história


intelectual, a história das ideias até pouco tempo atrás era apenas um objeto de
estudo de alguns departamentos de filosofia franceses. O papel das ideias é bem
mais perceptível na visão iluminista do processo histórico. Nesse sentido, “a
história filosófica iluminista foi elaborada a partir de algumas ideias-chave –
princípios e valores – admitidas como fundamentos de toda compreensão
histórica” (FALCON, 1997, p. 92).

A história das Ideias objetiva reconstruir o passado de modo a identificar


o que está imerso, relacionando os fatos produzidos no momento, no
qual se encontra o objeto de estudo. Assim, a nova conceituação da
História busca não só o resgate das idéias, como também os reflexos
gerados por ela. (COCCARO, 2009, p. 17).
31

A história das ideias é pautada na premissa de que elas são produtos


socialmente determinados; não constituem um assunto distinto e separado da
existência social. Assim, a história das ideias linguísticas obriga-nos a conhecer o
conceito de ideia linguística. Para Fávero & Molina (2006), uma ideia linguística é
todo saber construído sobre a língua em um determinado momento histórico,
tanto em relação a reflexões sobre a própria língua quanto em relação às
atividades e práticas geradas a partir do esforço de sua compreensão.

A história das ideias linguísticas é entendida como “parte da história


cultural cujo principal objeto é identificar o modo como em diferentes lugares e
momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”
(CHARTIER apud FÁVERO & MOLINA, 2004, p. 133).

Dessa forma, estudam-se os instrumentos linguísticos, como as gramáticas


portuguesas produzidas pelos portugueses com fins de educar os colonos
brasileiros, as gramáticas portuguesas publicadas por brasileiros com intuito de
sistematizar a língua nacional, os dicionários construídos da língua portuguesa,
assim como se estudam também o processo de escolarização dos saberes – as
instituições educacionais, as discussões travadas acerca da língua nacional, os
meios de veiculação dessas produções, como os jornais e os periódicos etc. Em
outras palavras, não só toda a tradição gramatical é uma parte das ideias
linguísticas, como também o estudo das instituições onde “tais saberes eram
discutidos, alargados, disseminados, os veículos por onde circulavam e as
polêmicas que suscitavam...” (FÁVERO & MOLINA, 2006, p. 25).

Compreender as ideias linguísticas requer um esforço de conhecimento do


contexto histórico na qual estão inseridas. Para Orlandi (2001, p. 16),

Fazer história das ideias nos permite de um lado, trabalhar coma história
do pensamento sobre a linguagem no Brasil, mesmo antes da Linguística
se instalar em sua forma definida; de outro, podemos trabalhar a
especificidade de um olhar interno à ciência da linguagem, tomando
posição a partir de nossos compromissos, nossa posição de estudiosos
especialistas em linguagem. Isto significa que não tomamos o olhar
externo, o do historiador, mas falamos como especialistas de linguagem,
a propósito da história do conhecimento sobre a linguagem. (...).
portanto, capazes de avaliar teoricamente as diferentes filiações teóricas
e suas consequências para a compreensão do seu próprio objeto, ou
seja, a língua.
32

A posição do saber linguístico dará ao historiador das ideias o


conhecimento das correntes ou das linhas de pensamento que entrecruzaram os
estudos da linguagem, promovendo mudanças, rupturas ou continuidades.

As gramáticas e os dicionários, instrumentos linguísticos, possuem filiações


– posições teóricas, filosóficas ou ideológicas – que fornecem indícios para a
história das ideias uma vez que ela se produz em condições determinadas.
Assim, para entender, por exemplo, a história da constituição da língua nacional,
não bastaria somente estudar as polêmicas, mas analisar o lugar de cada agente
desencadeador das discussões, a posição teórica que defende.

Para Orlandi (2002, p. 16), a história das ideias linguísticas “inclui o político
(...)” que se “caracteriza como lugar de disputa dos princípios que regem a vida
social em suas diferenças, sendo ele próprio a prática dessas diferenças”. Daí a
importância da institucionalização do saber, da história institucional das disciplinas
atinente à linguagem e os lugares de seu ensino.

A história das ideias linguísticas, para Orlandi (idem, p. 17) tem o objetivo
de “pensar a gramática e o dicionário, a passagem da gramática para a
linguística, a diferença entre o método normativo e científico, ou o expositivo e o
histórico, a passagem deste para a descrição e a explicação que são o próprio da
linguística, e a relação do conhecimento linguístico com o ensino”. No Brasil, a
história das idéias linguísticas deve ser construída levando-se em conta os gestos
históricos, que são diferentes dos demais países, a constituição de instrumentos
linguísticos específicos, as políticas públicas, o ensino e a normatividade.

Para Orlandi (2002), diferentemente da França, o Brasil, por ser um país


colonizado, apresenta uma relação intrínseca entre a constituição da Nação e a
construção de uma identidade linguística. A história da constituição da língua
brasileira, considerando-a língua nacional, deve estar vinculada à história de
produção e conhecimento sobre ela. Partindo desses pressupostos, deve-se
relacionar Língua e Estado, uma vez que a independência e a institucionalização
da sociedade brasileira se dão ao mesmo tempo em que a questão de língua
nacional é apresentada.
33

A análise de um documento escrito no passado pode propiciar a


compreensão dos modos de interação de uma determinada sociedade,
contribuindo, consequentemente, para um melhor entendimento de como o
ideário daquele período se apresenta na fonte analisada. O pesquisador em
História das Idéias Linguísticas precisa estabelecer um diálogo com outras
épocas, a fim de tentar preencher algumas lacunas e produzir um quadro geral do
passado.

Auroux (1992) propõe, como diretrizes, três princípios para a análise do


corpus da pesquisa em História das Ideias Linguísticas: a definição puramente
fenomenológica do objeto, que se refere aos saberes a respeito da língua, o
posicionamento do objeto em relação a um único campo de fenômenos; a
neutralidade epistemológica, que se refere à forma de abordar o objeto, como um
produto histórico, surgido da interação entre contexto e tradição; e o historicismo
moderado, em que as analogias são permitidas quando a análise se dá a partir do
objeto situado em seu momento histórico. Ainda quanto ao último princípio, ele se
posiciona como historicista, pois todo saber é um produto histórico.

Este historicismo, entretanto, será moderado apenas pelo realismo


metodológico “que concede consistência ao saber e independência aos
fenômenos”. (idem, p.15). Daí a importância do valor de um saber que interfere
nas causas que produzem a construção do conhecimento. Para ele, na história
das ciências da linguagem, deve-se levar em conta o acúmulo de investigações e
de resultados empíricos, e não a sua descontinuidade.

O aparecimento do saber linguístico se desenvolve a partir da


compreensão dos textos escritos, pois a primeira análise gramatical nasce da
necessidade de conhecer um texto escrito, ou seja, o saber gramatical nasce da
prática textual da escrita.

Diferentemente da fala, cujo aprendizado se dá de forma espontânea, o


sistema da escrita exige um aprendizado especial e é este um dos
papéis da gramática: sistematizar para transmitir o saber linguístico.
Somando-se a isso, cabe a ela a normatização e a divulgação desse
conhecimento. (FÁVERO & MOLINA, 2006, p. 46).
34

Em relação ao desenvolvimento desse saber, as causas que atuam sobre


ele são bastante complexas:

administração dos grandes Estados, a literarização dos idiomas e sua


relação com a identidade nacional, expansão colonial, o proselitismo
religioso, as viagens, o comércio, os contatos entre línguas ou o
desenvolvimento de conhecimentos conexos como a medicina, a
anatomia ou psicologia. O purismo e a exaltação da identidade nacional
com seu acompanhamento de constituição / preservação de um corpus
literário (seja religioso ou profano), são, por exemplo, fenômenos
universais na constituição, espontânea ou por transferência, dos saberes
linguísticos. (AUROUX, 1992, p. 28-9).

O aparecimento da imprensa é, na verdade, é considerado por Auroux


(1992, p. 29) como o “motor decisivo para a gramatização e a estandardização
dos vernáculos europeus”. No Renascimento, ainda se devem considerar os
contatos linguísticos, que, neste momento, foram determinantes dos saberes
linguísticos codificados. Daí a gramática assumir destaque como forma de se
conhecer as línguas.

Por gramatização, portanto, entende-se que é o “processo que conduz a


descrever e a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são
ainda hoje as palavras do nosso saber metalingüístico: a gramática e o
dicionário”. (AUROUX, 1992, p. 65).

O pesquisador em História das Idéias Linguísticas, entretanto, deparar-se-á


com muitas dificuldades, dentre as quais se destacam a busca das fontes, a
carência de inventário e o estudo da documentação, assunto a ser explorado a
seguir.

1.4. Dificuldades do método

Fávero (1996) aponta que uma das maiores dificuldades em se fazer a


história das ideias linguísticas diz respeito à distância espaço-temporal entre o
cenário em que viveram as personagens que produziram as obras que constituem
35

o objeto de estudo do trabalho e contexto em que se produz o mesmo trabalho.


Segundo Fávero & Molina (2006, p. 26-8),

o estudioso da História das Ideias Linguísticas, mais que localizar a fonte


de um pensamento, deverá analisar, no contexto em que foi criada
aquela idéia, como frutificou, foi compreendida, difundida, interpretada e
representada, mergulhando em sua profundidade, enxergando os fios
que a constituíram e todos os seus reflexos, favorecendo uma melhor
compreensão da Linguística atual.

Depois de selecionado o objeto de pesquisa, este deverá ser analisado


relacionando-o não só ao momento histórico em que fora gestado, como também
às múltiplas interferências culturais, sociais e educacionais que permearam sua
construção. É aqui que o pesquisador deve tomar precauções: o olhar de seu
tempo não pode influenciar (ao menos, não deveria) a leitura de uma fonte de um
tempo remoto. É necessário se conscientizar do tempo a que o documento
pertence, ler sobre o contexto, e somente a partir daí tentar entender o processo
de construção e circulação desse documento.

Quanto à análise dos documentos, a dificuldade está na vasta e vaga


fronteira de seu campo. A História das Idéias Lingüísticas não inclui apenas a
prática e a teoria da História da Gramática e da Lexicografia, mas também a
história de atitudes de policiamento da linguagem, da Semântica Lógica e do
comportamento dos estudiosos da linguagem diante dos fatos linguísticos em
relação à sociedade, religião e filosofia.

Há duas formas de se fazer análise que podem ser distinguidas, embora


concedidas por uma variedade de modelos expositivos. A primeira é dar ênfase à
história interna do pensamento linguístico, para favorecer o estudo da evolução
da própria Linguística e sua descrição. A outra diz respeito à história externa do
pensamento linguístico, resultando num estudo do contexto sócio-cultural, em que
as ideias linguísticas têm se desenvolvido. Fávero (1996) adverte, ainda, para a
importância da concomitância entre as duas, e mais: devem-se tratar os
documentos com isenção de qualquer base ideológica e de infundados
preconceitos.
36

A busca das fontes é um obstáculo para a pesquisa, pela dificuldade de


acesso à documentação e pela dificuldade de localização de determinadas obras
e edições. Algumas gramáticas, por exemplo, principalmente, aquelas que
chegaram ao Brasil pelas mãos dos jesuítas não estão à disposição dos
pesquisadores. Mesmo aquelas que foram escritas no século XIX, e publicadas
aqui no Brasil, são de difícil acesso, quando ainda existem cópias nas bibliotecas
públicas.

Como se não bastassem esses problemas vinculados à existência de obras


raras, ainda se encontram problemas com a administração de determinadas
instituições públicas. Nas escolas, nem sempre o pesquisador consegue obter
permissão para análise das documentações, dos registros de alunos, das
cadernetas escolares, etc. Até porque nem sempre esses documentos existem ou
estão organizados ou em condições de serem lidos.

A carência de inventário, portanto, se exprime pela escassez de fontes que


permitam um melhor desenvolvimento da pesquisa, com a exposição de
informações precisas sobre autores e obras.

Considerando-se, então, as dificuldades do método da história das ideias


linguísticas, a representação de uma determinada imagem, de um determinado
fato, e o objetivo traçado por este trabalho, no próximo capítulo, trataremos da
história da constituição das escolas no Brasil do período imperial e das tentativas
de se educar para ocupar cargos políticos e administrativos num país que se
construía nação.
37

Capítulo II
A corte e sua nobreza pisam em solo brasileiro: mudanças
educacionais à vista

O recorte temporal deste trabalho está direcionado ao período imperial


brasileiro. Apesar de a História Nova Cultural não privilegiar os fatos,
acontecimentos e os heróis, precisamos compreender o que era a vida cultural no
Brasil a partir do que já foi escrito em sua história econômica e política.
Entretanto, usaremos a história dos heróis e dos grandes fatos políticos e
educacionais apenas para mapear nosso passado de acordo com o que fomos
levados a acreditar durante séculos.

Depois da fase colonial, momento em que o Brasil era dependente de


Portugal e para quem deveria entregar todos os seus bens, entramos,
cronologicamente na fase imperial – que se estende de 1822, com a
independência, a 1889, instauração da República – após uma série de eventos. O
primeiro deles foi a chegada de D. João VI à Bahia (depois ao Rio de Janeiro) que
promoveu uma série de transformações tanto no campo político, quanto no
econômico e cultural.

Figura 01- D. João VI aos 53 anos


38

É claro que sua vinda para a Colônia brasileira não fora uma escolha
baseada nas belas paisagens ou nas belas praias. A chegada da família real
portuguesa ao Brasil, em 1808, foi impulsionada pela “Marcha do Anticristo”,
como era chamado Napoleão Bonaparte por D. Maria I, em direção a Portugal,
obrigando a Família Real a fugir. Napoleão era considerado megalomaníaco:
queria a Europa inteira para a França.

Em 1807, o imperador francês era o senhor absoluto da Europa. Seus exércitos


haviam colocado de joelho todos os reis e rainhas do continente, numa
sucessão de vitórias surpreendentes e brilhantes. Só não haviam conseguido
subjugar a Inglaterra. Protegidos pelo Canal da Mancha, os ingleses tinham
evitado o confronto direto em terra com as forças de Napoleão. (GOMES, 2008,
p. 33).

Medo, correria, ruas enlamaçadas, muita confusão aconteceu na partida da


Corte. Eram milhares de carruagens com livros, prataria e diversos objetos que
pertenciam a mais ou menos 15 mil pessoas que partiriam para o Brasil, 5% da
população portuguesa. Chovia muito na manhã de 27 de novembro de 1807,
quando todos embarcaram, mas não puderam partir devido ao mau tempo.
Somente no dia 29 é que seguiram rumo à terra prometida, a pouco de serem
alcançados por Napoleão.

A família real dividiu-se entre 04 navios. O “Afonso de Albuquerque” que levou


Carlota, quatro de suas seis filhas.As duas do meio, Maria Francisca e Isabel
Maria, viajaram no “Rainha de Portugal”, enquanto membros inferiores do
cortejo real, a tia e a cunhada idosa de D. João ficaram a bordo de “Príncipe do
Brasil”. Na Nau capitânia, a “Príncipe Real”, embarcaram D. João, a rainha
Maria I, a Louca, e os herdeiros varões, Pedro e Miguel. (Wilcken, 2004, p.45).

Nos 55 dias em que navegaram pelo Atlântico, aconteceu de tudo:


tempestades, calmarias, surto de piolhos... uma triste epopeia. As naus mais
pareciam purgatórios em alto-mar. Dentro dos navios havia animais que serviriam
de alimentos frescos, algumas vezes, para a realeza. A água potável era bastante
escassa. Vista do mar, Salvador parecia ser um paraíso tropical, mas a real
condição que se apresentava era de péssima ordem: a cidade era suja, miserável
39

e de um mau cheiro exasperador. Fezes eram jogadas nas ruas, havia lojas
barulhentas e animais soltos.

Figura 02- Óleo sobre tela. Geoff Hunt – RSMA/1999 – 69 X 92 cm/Coleção Particular

Em 24 de janeiro de 1808, toda a corte já havia desembarcado com


exceção de Carlota Joaquina que só foi à terra firme 04 dias depois. A colônia
tornou-se um carnaval, toda a corte desfilava entre os nativos e portugueses que
ali moravam: eram marqueses, duques, condes... Todos a desfilarem pela
pequena cidade de Salvador. O período em que D. João esteve com a família real
na Bahia, foi o suficiente para que ele garantisse a simpatia do povo,
conquistasse seu espaço e tornasse um príncipe simpático e aceito por todos –
ele chegou a diminuir penas para presos e a distribuir dinheiro aos pobres.

Salvador não era um lugar seguro, os visitantes tinham medo de sofrer um


ataque dos franceses e resolveram mudar a nobreza para o Rio de Janeiro,
nomeando, logo em seguida, Dom Marco de Noronha e Brito como Vice-rei para
governar a Bahia. De um dia para o outro, o Rio de Janeiro foi invadido por
milhares de nobres.

Eram duas para as três horas da tarde a qual estava muito fresca, bela e
aprazível neste para sempre memorável dia 7 de março [de 1808], que desde a
40

aurora o sol nos havia anunciado como o mais ditoso para o Brasil (...) como
que se regozijava de presenciar a triunfante entrada do primeiro soberano da
Europa na mais afortunada cidade do Novo Mundo (SANTOS apud WILCKEN,
2004, p.104).

A corte, nesse instante necessitava de organização e assim que se


acomodaram trataram criar as pastas do novo governo: Paço, Administração,
Exército.

Vários problemas foram apontados neste momento de adaptação que vão


desde a falta de infra-estrutura para dar suporte à Corte – faltavam bibliotecas,
teatros, impressoras, comércio abastecido, ruas calçadas, saneamento básico,
tratamento de água, etc –, até a falta de pessoal para administrar e resolver esses
problemas.

D. João VI não era bem visto pela maioria de seus biógrafos. Geralmente,
nos livros, ele é retratado como um monarca preguiçoso e bobo.

Mas o que era visto como covardia talvez devesse ser interpretado como
astúcia. Espremido entre um continente dominado pelo Exército grancês
e um oceano controlado pela marinha britânica, D. João VI adotou o
estilo mais apropriado para Portugal numa época em que qualquer ação
ousada poderia levar o reino à ruína. (...) De qualquer forma, o D. João
VI imundo e glutão que chegou ao Brasil revelou-se um governante com
frequentes rasgos de bondade e muitas ações práticas. (BUENO, 2003,
p. 145).

Depois de ter remodelado o Rio de Janeiro, dentro das possibilidades


existentes, para atender às necessidades da Corte, D. João VI abriu os portos,
declarou o Brasil um reino unido a Portugal, instalou indústrias, aparelhou as
Forças armadas, criou a Academia da marinha e a Academia Militar, construiu o
jardim botânico5, um observatório astronômico e um museu mineralógico. Todas
essas ações promoveram transformações culturais importantes para o futuro

5
Encantado com uma natureza em que sobravam plantas, D. João VI instalou o Jardim Botânico,
que em 11 de outubro do mesmo ano, passou a Real Horto. Acreditava-se que as primeiras
plantas tinham sido trazidas do Jardim Gabrielle, de onde vieram muitas, principalmente durante
as guerras napoleônicas. Porém, o Jardim Gabrielle era nas Guianas e as primeiras plantas que
chegaram aqui vieram, na verdade, das ilhas Maurício, do Jardim La Pamplemousse, por Luiz de
Abreu Vieira e Silva, que as ofereceu a D. João. Muitas espécies de plantas foram trazidas e
serviam para estudos e embelezamento. O ambiente proporcionava um conforto incrível àqueles
que por momentos encontravam-se nesse espaço.
41

Império. Ainda neste período, foram construídos um teatro, a biblioteca pública e


tipografia real. Era o despertar de uma nação.

A educação, apesar de não ser uma das mais urgentes prioridades,


constituía um capítulo à parte. Os professores, servidores do Paço, eram tratados
com certas regalias, e os professores régios, que ocupavam cadeiras públicas de
várias matérias, eram mantidos em algumas regiões pela Corte. Até 1809, eram
apenas 12 professores régios titulares. As aulas ministradas pelos professores
régios inseriam-se, por vezes, numa organização eclesiástica, como podemos ver
pelo seguinte aviso da Gazeta do Rio de Janeiro em Silva (1975, p. 86):

A 2 de outubro se abriu no seminário de S. José desta Corte a aula


Régia de Língua Francesa: os que quiserem aprendê-la, tornando-se
assim mais úteis à pátria, procurem ao digno professor, o P. Renato
Pedro Boiret, morador na rua do cano, nº 13. Igualmente se faz público
que o P. João Batista ensinará satisfatoriamente geometria no sobredito
seminário, onde reside. S.A.R. nada poupa, que possa contribuir ao
melhoramento da educação dos seus fiéis vassalos. (nº 111, 1809)

O seminário de São José era considerado melhor que o seminário de São


Joaquim, extinto em 1818 e incorporando suas rendas ao colégio São José.
Porém, os ordenados pagos aos professores eram extremamente baixos. Com
isso, muitos deles exerciam suas atividades de forma independente, o que não
significa que eram mais bem pagos por isso. Os mestres que iam às casas dos
alunos ganhavam menos que aqueles que reuniam, em suas casas, grupos de
estudantes.

A preferência pelo ensino particular ainda era uma prioridade para os


nobres. Se as crianças recebessem, em suas casas, os ensinamentos básicos de
educação e os domínios da linguagem, estariam preparadas para frequentar
algum Colégio sem que sua educação familiar fosse influenciada.

A Imprensa carioca se propunha a divulgar professores e interessados por


aulas diversas. De acordo com Nizza da Silva (1999), eram encontrados anúncios
que traziam os seguintes dizeres:6

6
As informações vinham publicadas em pequenos folhetins que traziam um número de seu
registro em relação à publicação e ao ano da mesma.
42

• Acha-se residindo nesta Corte um sujeito que se oferece para ensinar por
casas particulares a ler, escrever, e contar, por ser para isso sumamente
hábil... (nº 44, 1809)

• Acha-se nesta Corte um sujeito aprovado em Matemáticas, que se oferece


para explicar qualquer das partes desta ciência, e sua aplicações mais
úteis à Geografia, Marinha, e Arquitetura...(nº 48, 1809)

• Se alguma inglesa, irlandesa, ou escocesa, que seja católica romana, quiser


viver em algum tempo em um sítio pouco distante da Praia Grande, e
quase à beira-mar, tratando de três meninos menores e falando inglês com
eles, pode apresentar-se na Rua dos Ourives...( nº 43, 1814)

• Procura-se um homem que sirva para ensinar a ler, escrever e contar, em


uma roça...( nº 58, 1815)

• Deseja-se um sacerdote bem morigerado para capelão de um sítio, e mestre


de um menino e três meninas. As vantagens que obterá por esses
encargos, serão proporcionados à extensão e qualidade da instrução, que
ele for capaz de dar aos seus discípulos...( nº10, 1814).

Como se pode notar – “viver em algum tempo em um sítio pouco distante da


Praia Grande” ; “...em uma roça...” – , aqueles que anunciavam a procura de
professores costumavam morar um pouco afastados dos centros urbanos, até
porque nos grandes centros havia escolas.

Quanto aos Colégios e Aulas, existentes no período joanino, eram raros.


Silva (1999) apresenta lugares que auxiliavam na educação das meninas e as
casas de educação para meninos. Alguns estabelecimentos se detinham em
ensinar a ler, escrever e coser, outros a bordar e cada tipo de aula apresentava
um tipo de pagamento. Para os meninos, eram 19 colégios de aulas oferecidos.

A educação, neste período, buscava solucionar problemas imediatos.


Como ainda não possuía nenhum tipo de ensino destinado ao trabalho, os
comerciantes iam aprendendo com a experiência adquirida na prática cotidiana
em casas de comércio. Com o crescimento repentino do Brasil devido à chegada
43

da Corte, houve a necessidade de qualificar mão-de-obra para atender às


exigências do novo mercado, favorecido pela abertura dos portos do comércio
exterior e pela necessidade de abastecer a Corte que aqui se encontrava. Em
1809, D. João VI criou, então, o Colégio das Fábricas que viabilizou o ensino da
marcenaria para a produção de móveis de estilo e também a preparação dos
novos comerciantes, tanto no atendimento como na produção.

Também a formação de um curso de medicina traria para corte um conforto


em relação à saúde, pois os médicos trazidos pela expedição não eram
suficientes para todos. O Dr José Correa Picanço, cirurgião-mor do reino,
percebera a necessidade de um hospital real na cidade onde se encontravam
para a instrução dos que praticariam o exercício desta arte. Era ele o responsável
em escolher os cirurgiões que ensinariam não só cirurgias, mas anatomia e a arte
de obstetrícia tão útil quanto necessária. Algumas exigências, porém, eram feitas:

O professor terá um livro, em que fará o assento da matrícula de seus


praticantes declarando o nome, filiação e naturalidade, dia e mês da dita
matrícula. Não admitirá praticante sem ter conhecimento de francês;
pagará de matrícula $400 ao seu professor. As lições teóricas se darão
em uma sala do Hospital Militar, onde haverá uma cadeira para o lente,
uma mesa e bancos para os alunos. As práticas sobre cada um dos
objetos cirúrgicos se farão em uma das enfermarias, que lhes será
franqueada duas vezes por semana, sem contudo fazer reflexões à
cabeceira dos doentes, mas sim na sua respectiva sala, pois que o
curativo cirúrgico pertence ao cirurgião-mor do Hospital, que só para isso
tem atividade. Pelo que é essencialmente necessário que haja boa
inteligência entre ambos professores, para que a discórdia não perturbe
o importante objeto do ensino público. (apud LOBO NETO, 2008, on-
line).

As escolas Técnicas e as Faculdades foram, inegavelmente, um grande


avanço para a educação brasileira, que, mesmo a passos lentos, caminhava e
buscava alternativas de preparar os moradores da corte para assumirem suas
posições entre a nobreza e serem sucessores governamentais.

A obra de D. João VI, antes ditadas pelas necessidades imediatas do


que sugeridas por qualquer modelo, lembra, sob certo aspecto, a obra
escolar da Revolução. As escolas técnicas na França, velhas e novas, já
haviam acentuados o seu domínio à medida que declinava a Influência
das Universidades (...) Todo restante da colônia que continuava
mergulhada no mesmo atraso, representava no entanto, não só uma
44

das fases mais importantes de nossa evolução cultural, mas o período


mais fecundo em que foram lançados por D. João VI os germes de
numerosas instituições nacionais de cultura e de Educação. (AZEVEDO,
1958, p. 69-71).

Mas, não só criando escolas e faculdades D. João VI fomentou a cultura


em terras brasileiras. Outra de suas prioridades foi trazer para o Brasil um grande
acervo de obras de autores portugueses e estrangeiros para compor um grande
patrimônio cultural o que passou a ser chamado de Biblioteca Imperial e Pública
da Corte. Inicialmente, foi chamada de Real Biblioteca, e desde 1876 de
Biblioteca Nacional. Além de um grande acervo de livros, a Biblioteca guardava o
patrimônio bibliográfico e documental do Brasil. Hoje, além de preservar,
conservar e divulgar uma coleção com mais de oito milhões de peças, ainda
presta serviços ao público, para pesquisas.

O acervo trazido para o Brasil, mais especificamente, para o Rio de


Janeiro, apresentava cerca de sessenta mil peças entre livros, manuscritos,
mapas, estampas, moedas e medalhas e foi, inicialmente, acomodado numa sala
do Hospital do Convento da Ordem Terceira do Carmo, na Rua Direita, hoje Rua
Primeiro de Março.

A instalação de uma tipografia também foi uma das atitudes joaninas que
contribuíram para o desenvolvimento cultural do Brasil, apesar de a censura ter
representado um entrave para a publicação de periódicos, livros, etc.

Entre nós, muita coisa ficou inédita, muita coisa se perdeu, outra tanta
circulou em manuscritos que, conforme Cipriano de Abreu devem ter
servido de textos nas classes. A situação se agrava se lembrarmos que
a severidade da censura recaía igualmente sobre a aquisição ou o
comércio do livro, dificultando enormemente a formação de bibliotecas
particulares, que só tivemos, e pouquíssimas no século XVIII, sem
mencionar as inofensivas coleções dos conventos. Porque, biblioteca
pública, e assim mesmo inicialmente de acesso controlado, data entre
nós da época de D. João VI, e quase certo que não tivemos a venda
regular do livro. (CASTELO, 1997, p.28).

Com o passar dos anos, tornou-se significativa a ampliação do acervo,


através de compras, doações e principalmente pela entrega obrigatória de um
exemplar de todo material impresso nas oficinas tipográficas de Portugal e na
45

Impressão Régia, instalada no Rio de Janeiro, e que até hoje está amparada pela
Lei 10.994, de dezembro de 2004.

Em 1821, com o retorno de D. João a Portugal, inicia-se uma disputa pela


posse ao acervo da Real Biblioteca entre Brasil e Portugal. Somente em 29 de
agosto de 1825 após assinatura do tratado de Paz e Amizade é que o acervo
passou a pertencer definitivamente ao Brasil. Desde 1919, já batizada de
Biblioteca Nacional, está localizada na Avenida Rio Branco, 219, Praça da
Cinelândia, Rio de Janeiro.

.
Figura 03- Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro

Se a essa atmosfera cultural,

saturada de formas puramente livrescas e dogmáticas e de controvérsias


inspiradas pelo velho espírito escolástico, se acrescentarem a política de
isolamento adotada por Portugal em relação à Colônia, a ponto de privá-
la de toda a comunicação e comércio com as nações da Europa, o
regime opressivo da liberdade de pensamento e de crítica, e a
desesperadora tenacidade com que a Metrópole sufocava todas as
manifestações de cultura viva no país e todos os meios de sua
propagação, ter-se-á o quadro sombrio dos obstáculos quase invencíveis
que se levantavam no Brasil à penetração do espírito crítico e científico e
à difusão do estudo das ciências de observação” (AZEVEDO, 1963, p.
372).
46

2.1. O Brasil independente: construindo uma nação pela educação

Em 1822, quando d. João VI já se encontrava em Portugal, D. Pedro, seu


filho que ficara no Brasil, tornou o Brasil independente de Portugal para não se
ver como apenas um delegado das Cortes. Para Bueno (2003, p. 171), entretanto,
“a independência do Brasil está diretamente ligada à Revolução liberal do Porto,
que eclodiu em agosto de 1820”. Nosso propósito, porém, não é verificar as
causas políticas e econômicas da independência, mas compreender os fatores
que promoveram a educação no Brasil neste período.

Depois da proclamação da independência em 1822 e d D. Pedro I ter sido


coroado imperador do Brasil, os debates travados na constituinte de 1823 – que
não só estabelecia um governo monárquico, hereditário e constitucional
representativo, mas também garantia os direitos básicos dos cidadãos luso-
brasileiros – e a vitória dos liberais sobre os conservadores inspiraram discussões
acerca da educação popular.

Apesar de a educação ter sido pensada para a elite, tendência que se


iniciara desde a colonização e intensificada com o governo de D. João VI e
durante o reinado de D. Pedro II, as leis promulgadas por D. Pedro I sugeriam
formar um sistema educacional popular e gratuito. A ascendência, porém, “da
corrente liberal que caracterizou todo o período da Regência, contribuiu
poderosamente para enfraquecer os vínculos da coesão nacional.” (AZEVEDO,
1963, p.566).

Proclamada a Independência e fundado o Império do Brasil em 1822, a


vitória dos liberais sobre os conservadores e os debates travados na
Constituinte de 1823 anunciavam uma orientação nova na política
educacional, sob o impulso dos ideais da Revolução francesa de que
estavam imbuídos os liberais e pelo desenvolvimento do espírito
nacional que obrigava a encarar sob um novo ângulo os grandes
problemas do país. As ideias como costuma acontecer, nas crises das
transformações políticas, tomam outro rumo e, pela primeira vez, as
preocupações da educação popular – como base do sistema de sufrágio
47

universal, passam a dominar os espíritos da elite culta, constituída de


sacerdotes, bacharéis e letrados. (AZEVEDO, 1963, p. 564).

Em 15 de outubro de 1827, a Assembléia Legislativa aprovou a primeira lei


sobre a instrução pública nacional do Império do Brasil, estabelecendo que “em
todas as cidades, vilas e lugares populosos haverá escolas de primeiras letras
que forem necessárias”. Essa lei estabelecia, ainda, que os presidentes da
província seriam os responsáveis pela definição dos ordenados dos professores e
as escolas deveriam ser de ensino mútuo – assunto a ser tratado, neste trabalho,
no item referente ao ensino elementar.

Em relação aos professores, sempre existiam críticas quanto a sua má


formação ou formação insuficiente. Daí, eles eram obrigados, se quisessem
ensinar, a providenciar a necessária preparação em curto prazo e arcando com
suas despesas.

Foi, ainda, nesta Lei que os conteúdos das disciplinas foram determinados:
deveriam ser ensinados os princípios de moral cristã e de doutrina da religião
católica e apostólica romana e temas sobre a Constituição do Império e História
do Brasil, inseridos no ensino da leitura.

Apesar dos esforços, os relatórios do Ministro do Império Lino Coutinho de


1831 a 1836 denunciaram os parcos resultados da implantação da Lei de 1827,
mostrando o mau estado do ensino elementar no país. Para ele, embora se tenha
investido pelo Estado no estabelecimento e ampliação do ensino elementar,
haveria de reconhecer que a responsabilidade pela precariedade do ensino
elementar era das municipalidades pela ineficiente administração e fiscalização.
Os professores foram culpados e apontados como desleixados, e os alunos,
culpados por vadiagem.

Mas, esses não eram os únicos problemas apontados. Havia o abandono


do poder público quanto ao provimento dos recursos materiais, como os edifícios
públicos previstos pela lei, faltavam livros didáticos e materiais didático-
pedagógicos suficientes para atender às exigências do ensino mútuo. O baixo
salário dos professores também interferia no desenvolvimento satisfatório do
ensino, sem contar com a excessiva complexidade dos conhecimentos exigidos
48

pela lei que dificultavam o provimento de professores. O método adotado, apesar


de ter sido uma solução pensada para os problemas de aprendizagem, mostrou-
se inadequado, considerando-se as particularidades do país.

Podemos observar, nos relatórios do ministro, que o entusiasmo inicial


com a instrução popular esbarrava não somente nas condições reais do
país, mas no discurso ideológico do governo que dizia estar preocupado
em levar a instrução ao povo, sem providenciar, todavia, os recursos
para criar as condições necessárias para a existência das escolas e para
o trabalho dos professores. (NASCIMENTO, on-line).

A partir da Constituição de 1834, foi garantida a instrução primária gratuita


a todos os cidadãos. Essa lei, entretanto, não fora cumprida e seu fracasso
estaria ligado, segundo Azevedo (idem), a vários fatores de ordem econômica,
técnica e política:

o governo mostrou-se incapaz de organizar a educação popular no país;


poucas as escolas que se criaram, sobretudo as de meninas, que, em
todo o território, em 1832, não passavam de 20 (...) e na esperança
ilusória de se resolver o problema pela divulgação do método Lancaster
ou de ensino mútuo que quase dispensava o professor, transcorreram
quinze anos (1823-1838) até que se dissipassem todas as
ilusões...(AZEVEDO, 1963, p. 564).

Com o Ato Adicional, o ensino público estava condenado a não ter


organização. “Nem as províncias, sob cuja alçada ficaram apenas o ensino
primário e o secundário, podiam completar os seus sistemas e erguê-los ao nível
das escolas superiores, nem o governo imperial podia levantar, sobre uma base
sólida, do ensino elementar e médio, um sistema nacional de educação”.
(AZEVEDO, 1963, p.567). As leis que serviriam de base a organização do ensino
no Brasil foram tributárias desta Constituição, ficando em vigor, com poucas
alterações, até a proclamação da República em 1889. Na verdade, o que se
buscava era estimular o desenvolvimento de uma cultural nova, fomentando o
sentimento de Nação.

Em 1834, o Ato Adicional descentralizou o ensino básico, deixando sua


organização a cargo das assembleias provinciais. Passaram a coexistir dois
49

sistemas: o federal e o municipal. Uma das consequências da descentralização foi


o desenvolvimento das escolas secundárias particulares.

Antes de morrer, ainda, em 1834, D. Pedro I abdicou seu trono em nome


de seu filho de cinco anos, D. Pedro II, nomeando José Bonifácio como seu tutor.
Aos 14 anos, assumiu o comando político, inaugurando o segundo reinado e nele
permanecendo por quase meio século. Neste período, a educação se
apresentava de forma desorganizada e desagregada.

A única instituição de cultura geral, criada, desde a Independência até a


República, foi o Colégio Pedro II, fundado em 1837, – excelente
estabelecimento de ensino secundário em que os estudantes, terminado
o curso de sete anos, recebiam o grau e as cartas de bacharel em letras,
depois de prestarem o juramento perante o Ministro do Império que lhes
punha sobre a cabeça o barrete branco da Faculdade de letras.
(AZEVEDO, 1963, p.570).

O colégio Pedro II foi consagrado por seu esforço em oferecer cadeiras


variadas que iam das ciências às línguas modernas. O ensino secundário
promovido era do tipo clássico, com predominância dos “estudos literários e
adaptado menos às condições especiais do meio do que às tradições morais e
intelectuais do país. Enquanto isso, o ensino técnico, agrícola e industrial “não
passava de meras tentativas e ensaios” (idem, p.574).

Entre 1834 a 1856, a instrução primária ficou a cargo das Assembleias


Legislativas provinciais que votaram, segundo Almeida (1989, p. 64) “uma
multidão de leis incoerentes”. Em relação a ensino secundário, apesar do
regulamento de 1854, que organizava a instrução pública, ainda apresentava
decadência como se observa nas informações do inspetor geral em 1856:

A maioria dos alunos que se apresentaram aos exames e que, depois


dos certificados passados pelos seus professores, deveriam ser
considerados como suficientemente instruídos, ignoravam os mais
elementares princípios da Gramática da língua nacional e não sabiam
responder às mais simples questões de seus examinadores. (...). (apud
ALMEIDA, 1989, p.88).
50

No período imperial, portanto, havia sérios problemas educacionais a


serem resolvidos: de um lado, existia a necessidade de se oferecer ensino
elementar gratuito às classes menos abastadas; de outro, era necessário ampliar
a oferta e melhoria do ensino secundário para promover a ascensão aos cursos
superiores de indivíduos – o que significa qualificar mão-de-obra.

2.2. O ensino elementar

Havia, nas províncias, uma intensa discussão acerca da necessidade de


escolarizar a população, sobretudo, a das “camadas inferiores da sociedade”.
Muitos foram os limites enfrentados pelos que defendiam essa escolarização. Aos
limites políticos e culturais relacionados a uma sociedade escravista, autoritária e
profundamente desigual, é necessário considerar a baixíssima capacidade de
investimento das províncias que, algumas vezes, chegavam a empregar mais de
¼ de seus recursos na instrução e obtinham pífios resultados.

Para a elite brasileira, a escola para os pobres não deveria ultrapassar o


aprendizado das primeiras letras. A lei de 15 de novembro de 1827 que garantia
escola de primeiras letras a todos, representou um fortalecimento de uma
perspectiva político-cultural para a construção da nação brasileira e do Estado
Nacional que via na instrução uma das principais estratégias civilizatórias do povo
brasileiro.

A instrução como um mecanismo de governo permitiria não apenas indicar


os melhores caminhos a serem trilhadas por um povo, mas também evitaria que
esse mesmo povo se desviasse desse caminho. Passou-se a acreditar que não
bastavam escolas ou instituições isoladas, seria preciso reformar o ensino dando-
lhe um caráter moderno e nacional.

O ideário civilizatório iluminista se irradiava no Brasil. Com ele, estava a


ideia da necessidade de alargar as possibilidades de acesso de um número cada
vez maior de pessoas às instituições. Todos os meios deveriam ser utilizados
51

para instruir e educar as classes inferiores, aproximando-as das elites cultas


dirigentes.

Um novo método se impôs, para substituir o método individualizado de


ensino: o método lancasteriano ou mútuo. Sua característica principal é utilizar os
próprios alunos como auxiliares do professor.

Segundo seus defensores, estabelecendo-se as condições materiais


adequadas, dentre as quais a principal refere-se à existência de um
amplo espaço, um professor, com a ajuda dos alunos mais adiantados,
poderia atender a até mil alunos em uma única escola. Considerando,
ainda, que os alunos estariam o tempo todo ocupados e vigiados pelos
colegas e o estabelecimento de uma intensa emulação entre os
estudantes, o tempo necessário ao aprendizado das primeiras letras
seria bastante abreviado em comparação com o método individual. Essa
economia de tempo seria também uma economia de recursos
econômicos, otimizada pela necessidade de pagamento de salário a um
reduzido número de professores. (FARIA FILHO, 2000, p. 141).

Figura 04- Ensino mútuo- Lancaster- 1810

Durante o ano de 1820, os debates pedagógicos giravam em torno do


ensino mútuo. A lei de 15 de novembro de 1827 determinava, no artigo IV, que as
escolas seriam de ensino mútuo não só nas capitais das Províncias, como
também em todas as cidades, vilas e lugares populosos que necessitassem de
seu estabelecimento.

Este novo ensino, aparecido pouco depois da Revolução Francesa,


consubstanciava os ideais iluministas emergentes na época e foi
acolhido por diferentes governos e comunidades intelectuais com grande
entusiasmo, sobretudo por razões economicistas e de celeridade na
52

aprendizagem. Ele permitia dar re sposta a uma educação popular,


generalizada e intensiva com baixo investimento financeiro e num curto
período de tempo. Tal fato tinha a maior importância pois uma
escolarização breve rapidamente libertava as crianças para o trabalho,
quer oficinal quer doméstico, possibilitando o seu contributo para a
economia familiar. O recurso ao ensino lancasteriano vai revolucionar as
escolas de primeiras letras destinadas às classes desfavorecidas, não só
pelo aumento do número de crianças escolarizadas mas também, pela
diminuição significativa das despesas com a instrução, tornando-o
acessível a todos os países e um elemento dinamizador do progresso e
do bem-estar”.(CONDE, 2005, p. 118).

Apesar de vários textos legais terem sido produzidos com o intuito de


operacionalizar tais determinações e de organizarem várias escolas submetidas a
esse modelo, percebeu-se, com o tempo, a inviabilidade do método lancasteriano
em terras brasileiras.

Em primeiro lugar, porque não foram produzidas as condições materiais


fundamentais para que tais escolas funcionasse,: não havia espaços
adequados, faltavam os materiais didático-pedagógicos para os alunos.
Em segundo lugar, alegava-se que os professores não eram formados
para a realização do ensino segundo preconizava o método e que, além
disso, a inexistência de instituições que cuidassem da formação de tais
professores era um grande limite à realização dos propósitos reformistas.
(FARIA FILHO, 2000, p. 142).

Foram várias tentativas de mudanças nos métodos para atender às


exigências políticas daquele momento. Uma delas foi a implantação do método
misto, que consistia em usar, concomitantemente, os métodos mútuo e individual.
O método individual diz respeito à atenção dada pelo professor ao seu aluno de
forma individualizada. Um dos problemas era manter a classe quieta, uma vez
que, quando estava atendendo a um aluno, os outros ficavam ociosos. Quando se
estabeleceu, então, a junção dos dois métodos – o individual e o mútuo –, havia ,
na verdade, uma tentativa de unir o melhor dos dois métodos: acompanhar o
aluno em sua individualidade ao mesmo tempo em que podia manter a classe
trabalhando sob a monitoria dos outros alunos. Mas, essa também não foi uma
solução para os problemas do ensino público direcionado à população de baixa
renda.
53

O método geral é individual quando o professor leciona direta e


separadamente a cada aluno sobre cada um dos ramos do ensino. Este
método tem suas vantagens e desvantagens. Põe o professor em
contato contínuo e direto com os alunos, e mais que nenhum outro. Não
pode haver mais vantagem do que essa, que lhe permite acomodar suas
lições aos caracteres e disposições dos mesmos, acompanhar dia por
dia o desenvolvimento de suas inteligências, dirigi-los, verificar seus
esforços, cortar todas as dificuldades que lhes embargam o passo, ter
ciência de seus menores progressos, dar-lhes separadamente os
cuidados que cada um mais exige. Só esta vantagem faz a apoteose do
método individual, o põe ereto sobre todos os outros, vo-lo obriga a
preferir aos demais; mas não com os seus defeitos e desvantagens, que
são grandes: falta de emulação, brevidade das lições, perda de tempo
para os alunos, impossibilidades de disciplina, enfado do professor e
comprometimento de sua saúde. (CARDOSO, 1873, apud GALLY, 2004,
p. 256).

Para os propósitos de se ensinar a muitos alunos, de maneira mais rápida


e mais econômica, esse método nada oferecia para alcançá-los. As críticas eram
direcionadas, principalmente, à organização da classe, à necessidade de espaços
e materiais específicos para a realização das aulas, à formação de professores
que era bastante inepta, e ao longo prazo que se precisava para escolarizar
esses alunos.

Por meio dessas discussões é que, a partir da década de 1840, o método


de ensino fora entendido muito mais como organização de classe do que como
forma de ensinar. O método simultâneo é outro método proposto como solução
para o já criticado método misto. É claro que esses métodos eram concebidos e
apropriados de maneira diferente por cada província, pois não havia unidade de
ensino ainda neste período. Os professores tomavam conhecimento desses
métodos através de leituras em jornais, principalmente, onde eram debatidas as
vantagens e desvantagens de cada método, sem contar com as notícias que se
tinham da França, Inglaterra e Alemanha, países disseminadores das tendências
educacionais.

O método simultâneo permitia a “organização de classes mais


homogêneas, a ação do professor sobre vários alunos simultaneamente, a
otimização do tempo escolar, a organização dos conteúdos em diversos níveis,
dentre outros elementos” (FARIA FILHO, 2000, p. 142). Para que se tornasse
possível, porém, o estabelecimento desse método, era necessário investimento
em produção de material didático-pedagógico, como livros e cadernos, e quadros
54

negros a fim de tornar um grupo de alunos ocupados ao mesmo tempo por um só


professor. Mais uma vez, entretanto, um empecilho se coloca: não havia espaços
próprios para essa escola. Além disso, muitos outros problemas eram enfrentados
em todas as províncias.

Em 1849, por exemplo, em São Paulo, um relatório do presidente Vicente


Pires da Mota informava à Assembleia Legislativa que:

a instrução primária cifra-se efetivamente em o estudo da leitura, da


escrita e das mais operações de aritmética. Em um menino podendo ler
sem soletrar muito, escrevendo sem ortografia, fazendo sem repetidos
erros algumas contas, está pronto. E esta instrução não é acessível a
todos! Grandes distâncias e pequenos meios privam os pais de mandar
os seus filhos à escola. O modo de ensino, nem um método tem tido. O
professor dá lições, como dava o mestre com quem aprendeu. Os
métodos novos usados em outras partes, com tanto proveito, lhes são
desconhecidos. A raridade dos livros, a dificuldade de obtê-los e o preço
excessivo que custam, não permitem a um empregado de tão tênues
vencimentos adquiri-los. Permanece estacionário, não lhe é possível
acompanhar oi progresso, que tem feito a arte de ensinar e até nem tem
notícias deles. Conviria por certo facilitar a aquisição dos melhores
tratados elementares da matéria de que deve constar a instrução
primária e de outras obras de utilidade prática acerca dos modos mais
fáceis e mais profícuos de instruir os meninos. (MOACYR, 1939, p. 324).

Esses debates sobre a forma como se deveriam organizar as classes, a


partir da década de 1870, mudarão o foco interpretativo:

a partir da divulgação e apropriação, entre nós, das ideias e experiências


inspiradas na produção do educador suíço Jean-Henri Pestalozzi, muda
o curso da discussão sobre os métodos, passando essa a incidir,
diretamente, sobre as relações pedagógicas de ensino e
aprendizagem.(...) Por variadas vias, a discussão sobre os métodos, que
enfocava a questão da organização da classe, e o papel do professor
como organizador e agente da instrução vão dando luar às reflexões que
acentuam a importância de prestar atenção aos processos de
aprendizagem dos alunos, afirmando que ‘o professor somente poderia
ensinar bem se o processo de ensino levasse em conta os processos de
aprendizagem do aluno’. (FARIA FILHO, 2000, p. 143).

Articulam-se, a partir dessas discussões, os princípios do método indutivo,


também conhecido como método de lição de coisas. Era chamado de intuitivo
55

porque a observação era vista como o primeiro momento da aprendizagem


humana. “Ancorados nas tradições empiristas de entendimento dos processos de
produção e elaboração mental dos conhecimentos, sobretudo na forma como
foram apropriadas e divulgadas por Pestalozzi...” (FARIA FILHO, 2000, p. 143),
aqueles que defendiam o método indutivo demonstraram a importância da
“observação das coisas, dos objetos, da natureza, dos fenômenos e a
necessidade da educação dos sentidos como momento fundamental do processo
de instrução escolar” (idem).

O método intuitivo é entendido por seus propositores europeus como um


instrumento pedagógico capaz de reverter a ineficiência do ensino
escolar, assim pontuada: forma alunos com domínio insuficiente de
leitura e escrita e com noções de cálculo insatisfatórias, principalmente
pelo farto de alicerçar a aprendizagem exclusivamente na memória,
priorizar a abstração, valorizar a repetição em detrimento da
compreensão e impor conteúdos sem exame e discussão.
(VALDEMARIN, 1998, p. 67).

Esse método fez muito sucesso no Brasil desde que aqui foi implantado.
Ele consistia basicamente em observar e trabalhar. Enquanto observar significa
“progredir da percepção para a ideia, do concreto para o abstrato, dos sentidos
para a inteligência, dos dados para o julgamento”, trabalhar (...) consiste em
“fazer do ensino e da educação na infância uma oportunidade para a realização
de atividade concretas, similares àquelas da vida adulta”. (VALDEMARIN, 1998,
p. 69).

Uma das novidades desse método estava no fato de incluir nos currículos
os estudos da natureza, ciência considerada particularmente “interessante para
as crianças, que assume (...) a posição de conteúdo escolar central pelo fato de
possibilitar o conhecimento da forma, da força e do movimento, elementos
presentes em vários aspectos da vida, sejam eles concretos ou abstratos”. (idem
p. 71).

Com a adoção do método intuitivo nas escolas brasileiras de instrução


primária pública, o ensino tornou-se mais voltado à aprendizagem, inserindo-se,
na verdade, no “movimento de circulação de ideias europeias e americanas sobre
56

a necessidade de renovação pedagógica e direcionando o conteúdo escolar para


a prática produtiva por meio do ensino da ciência” (idem, p. 102).

A partir de um intenso trabalho de produção e divulgação de variados


impressos pedagógicos (livros, revistas, jornais) e de um crescente
refinamento teórico, sobretudo com uma maior aproximação entre os
campos da psicologia e da pedagogia, a discussão sobre a pertinência e
a forma de se trabalhar com o método intuitivo na escola primária
perdurará, no Brasil até a década de 30 do século XX. De uma forma
definitiva para a educação escolar, estarão postas como condições de
possibilidades de êxito da ação escolar a consideração da atividade do
aluno, como sujeito no processo de aprendizagem e do lugar do
professor e dos métodos, como sujeito e instrumento, respectivamente,
mediadores desse processo. (FARIA FILHO, 2000, p. 143-4).

Na política imperial, portanto, a instrução primária tinha como objetivo


maior cumprir um papel civilizador fomentado pelos ideais de independência
atrelados aos movimentos europeus. Vista como instrumento político e
econômico, a instrução primária estava a serviço do nacionalismo. Para Faria
Filho (idem, p. 145),

com o progressivo fortalecimento do Estado Imperial e com a discussão


cada vez maior acerca da importância da instrução escolar, vai-se
estruturando uma representação de que a construção de espaços
específicos para a escola era imprescindível para uma ação eficaz junto
às crianças, indicando, assim, o êxito daqueles que defendiam a
superioridade e a especificidade da educação escolar frente às outras
estruturas sociais de formação e socialização como a família, a Igreja e,
mesmo, o grupo de convívio.

2.3. As Conferências Pedagógicas: novos rumos da educação brasileira?

Com o intuito de favorecer discussões e resultados para os problemas


enfrentados pela instrução pública, o conselheiro João Alfredo, por uma decisão
ministerial de 30 de agosto de 1872, propôs as Conferências Pedagógicas que
foram assim denominadas por serem reuniões dos institutores primários da
57

capital, sob a presidência do inspetor Geral da instrução primária e secundária do


Município Neutro.

Foram convocados doze institutores: Costa e Cunha, Augusto Cândido


Xavier Cony, Carlos Augusto Soares Brasil, Antonio Cândido Rodrigues Carneiro,
Olympio Catão Viriato Montez, Antônio José Marques, Antonio Ignácio de
Mesquita, Cândido Mateus de Faria Pardal, Gustavo Alberto, Philippe de Barros,
Antônio Cypriano de Figueiredo Carvalho e Francisco Alves da Ssilva Castilho.
Eles eram “mestres de pensão, diretores de externatos, autores de livros
escolares que tinham, por seu zelo, sua inteligência e seu saber, contribuído para
transformar a educação nacional” (ALMEIDA, 1989, p. 169). A partir de um
levantamento pré-estabelecido sobre pontos de maior relevância na educação a
serem discutidos, os institutores deveriam apresentar um parecer referente às
questões propostas.

Essas apreciações, porém, precisavam ser “examinadas por homens


especiais e coordenadas de modo a satisfazer, na medida do possível, todas as
aspirações do corpo docente, sem sacrifício do professor exigido pelas idéias
modernas” (ALMEIDA, 1989, p. 153). Além desses participantes, ainda mais nove
professores redigiram e apresentaram para discussão um trabalho coletivo, que
se distingue dos outros doze por mostrarem mais incisivamente a posição
precária dos professores públicos.

Várias foram as questões propostas para discussão e para cada uma delas
um ou mais institutores eram responsáveis pela apreciação. Assim, Costa e
Cunha responsabilizou-se pela discussão sobre a adoção de escolas mistas no
Brasil. Para ele, essa ideia era

implacável no Brasil, pelas três seguintes razões: 1) porque a inovação


encontraria no povo uma forte oposição; 2) por causa da corrupção de
um grande número de meninos, mesmo jovens, em conseqüência dos
vícios de educação e de maus exemplos, coisa conhecida de todos os
institutores e institutoras; e, 3) enfim, porque a população é muito pouca
homogênea. (ALMEIDA, 1989, p. 153).

Acreditava ele que poderia admitir nas escolas de meninas, meninos de 7 a


10 anos e que somente, mais tarde, depois de se ter um aumento quantitativo
58

desse tipo de escolas, poder-se-iam admitir os meninos entre 12 e 13 anos. Os


dirigentes desses estabelecimentos deveriam, em qualquer circunstância, ser
dirigidas por professores de mais de 21 anos.

Com o intuito de tratar principalmente sobre a organização escolar, a


distribuição do tempo e das matérias, Augusto Cândido Xavier Cony, preconizou
um método que “pareceu muito apropriado às escolas primárias brasileiras”
(ALMEIDA, 1989, p. 152). A aptidão para o ensino foi um outro ponto posto em
discussão. Os institutores Carlos Augusto Soares Brasil, Antonio Cândido
Rodrigues Carneiro e Olympio Catão Viriato Montez preocuparam-se, não só com
a adoção de um método misto, como também com as dificuldades expressas pelo
sistema métrico decimal de ensino ainda recente. Com a proposta de método
denominado Mnemônico digital que consistia em fazer aprender no menor tempo
e com menor esforço possível, através da prática, o institutor Antônio José
Marques acreditava que o ensino do sistema métrico decimal seria melhor
facilitado às crianças.

O professor Antonio Ignácio de Mesquita, por sua vez, preocupou-se não


só em apreciar a educação do ponto de vista antropológico, mas também com a
distribuição de matérias, de métodos de escritura e de leitura. Enquanto o
institutor Cândido Mateus de Faria Pardal dissertou sobre programas escolares, o
professor Gustavo Alberto propôs a adoção da matemática no ensino primário; o
professor Philippe de Barros aconselhou o método Lhomond para o ensino da
gramática; e o institutor Antônio Cypriano de Figueiredo Carvalho discutiu sobre
os métodos de leitura e escrita.

Mas, um dos mais conceituados trabalhos, pelo menos, um dos que mais
obtiveram sucesso foi o do institutor Francisco Alves da Silva Castilho que
ressalvou o método de leitura e escrita, no qual se aprendia a ler e a escrever
com a ajuda de palavras que a ortografia excluiu.

Para João Alfredo, as Conferências Pedagógicas “deram um bom


resultado: chamar a atenção para o ensino primário” (ALMEIDA, 1989, p. 153).
59

2.4. O ensino secundário: uma educação para a elite

A fim de entender essa modalidade de ensino tão peculiar, é necessário


saber o que significa o termo secundário, a origem, sua trajetória e a maneira pela
qual o sistema educacional brasileiro se apropriou dessa configuração.

É na Revolução Francesa, em seus textos teóricos ou nos discursos


parlamentares, que o adjetivo “secundário’ designará “um nível de ensino superior
ao primário, mas inferior ao nível das escolas centrais do Diretório, dos liceus de
Napoleão, ou mesmo dos colégios reais da Restauração que correspondem a um
nível intermediário” (CHERVEL, 1992). Entretanto, somente em 1815, o termo
“secundário’ é utilizado, pela primeira vez, para designar todos os
estabelecimentos do tipo liceu ou colégio. Apesar disso, o uso corrente na
linguagem só acontecerá por volta de 1840.

O ensino secundário foi instaurado por Napoleão em 1808 a fim de


estabelecer uma linha divisória entre o ensino para a classe trabalhadora e o
ensino para a classe erudita – essa divisão foi expressa por Destrutt de Tracy que
acreditava em duas classes da sociedade francesa: a classe trabalhadora e a
classe erudita. Cada uma delas necessitava de ensino específico, através de dois
sistemas completos de instrução e que não possuíssem nada em comum.

Com essa finalidade, Napoleão fez uma “regulamentação precisa e ainda


criou um imposto duplo sobre os professores e sobre os alunos” (CHERVEL,
1992, p. 110). Para assegurar o pagamento dos impostos, estabeleceu-se o
ensino de certas disciplinas para diferenciar as escolas primárias (isentas) das
escolas secundárias.

Dentre as disciplinas acrescentadas ao secundário, foi o Latim que serviu


com eixo discriminatório, ou seja, o que se pagava no curso secundário era o
Latim. Isto explica, inclusive, por que estudar Latim significava, para a classe
média, um sinal de prestígio. Segundo Henry Michel (apud CHERVEL, idem),

As famílias possuem um único critério para decidir se um estudo é


secundário ou primário: a presença ou ausência do Latim. Se o colégio
deixa de ensinar latim, o camponês, o negociante do vilarejo dirá
60

imediatamente: tanto faz colocar meu filho na escola primária que não
custa nada, como no colégio que custa caro.

Apesar da luta travada pela Igreja e pelas famílias contra as taxas


cobradas, o Estado francês insistirá no ensino reservado às classes ricas, pois os
impostos eram, por eles mesmos, um elemento de preservação da ordem social.
Para Guizot (apud CHERVEL, ibidem), “desde que as luzes se espalharam, elas
devem necessariamente acompanhar os mais dotados das classes superiores ou
as mais ricas [...]. Esse é o objeto da instrução secundária. [...]. Esta instrução
compreende tudo o que se deve saber para se tornar um homem bem educado”.

Tanto para Guizot quanto para Cousin, o ensino secundário corresponde


ao ensino desejado pelas classes médias francesas. É o ensino essencialmente
de classe e elitista. E no Brasil? De que maneira o ensino secundário se
configurou?

O ensino que corresponde ao sentido de secundário na França foi


introduzido, no Brasil, pelos jesuítas no período colonial. Mas, não somente os
jesuítas foram os responsáveis por esse ensino: outras ordens religiosas, como
os franciscanos, carmelitas e beneditinos também privilegiaram a educação em
seu apostolado. Este período de implantação dos colégios demarca um tempo de
revolução do espaço mundial, por causa da expansão marítima, comercial e
cultural da Europa. Embora tivessem como referência a universidade europeia, os
colégios, no Brasil, não usaram seus princípios norteadores: nasceram da política
de separação instaurada pelos jesuítas entre o ensino de humanidades destinado
aos filhos dos colonos mais abastados e o ensino destinado aos indígenas,
voltado, principalmente, para a catequese e oferecido nas casas de ensino.

Com a expulsão dos jesuítas pela política de Pombal, o ensino secundário


“passou a ser oferecido em aulas isoladas ou avulsas em todas as províncias,
pelo menos até a regência, salvo raras iniciativas, como o Seminário de Olinda,
criado em 1798 e fundado em 1800 pelo bispo Azeredo Coutinho, considerado
uma ruptura com relação à tradição jesuítica do ensino colonial” (NUNES, 2000,
p. 39).
61

Na sociedade imperial, de economia escravista, predominava a vida rural e


a política excludente. Foram criados, pelo Estado, nas capitais das províncias e
do Império, os liceus, destinados aos filhos das classes privilegiadas. O ensino
secundário, neste momento, destinava-se, antes de tudo, a formar a elite ilustrada
“inserida mais plenamente nos atributos de liberdade e propriedade, portadora de
privilégios do pequeno círculo que participava do poder de Estado, tanto no nível
local, quanto no nível mais amplo do Império”. (NUNES, 2000, p. 39).

Com o ensino secundário destinado a preparar candidatos ao ensino


superior, o seu conteúdo acabou por ganhar um caráter propedêutico.
Nas províncias, o sistema escolar não passou da tentativa de reunião
das antigas aulas régias em liceus, de forma desorganizada. Motivo: um
falho sistema tributário e a conseqüente falta de recursos. No vazio do
Estado, boa parte do ensino secundário ficou a cargo da iniciativa
privada (principalmente religiosa) e o ensino primário foi relegado ao
abandono, sobrevivendo pelo sacrifício de alguns mestres-escolas, que
destituídos de habilitação profissional, só encontravam emprego na
educação. (OLIVEIRA, 2004, 948).

Na tentativa de organizar e centralizar o ensino secundário, foram criados


alguns Liceus Provinciais, como é o caso do Ateneu do Rio Grande do Norte, em
1835, os Liceus da Bahia e da Paraíba, ambos de 1836, e mesmo colégios
particulares como o Caraça, criado em 1820 pelos missionários da ordem de São
Francisco de Paula, fechado depois de alguns anos e reaberto em 1856 pelos
lazaristas franceses. Outro colégio que exerceu bastante influência na formação
dos intelectuais brasileiros foi o Ginásio Baiano, que funcionou de 1858 a 1871,
sob a direção de Abílio César Borges. Todas essas iniciativas, na verdade,
estavam sempre atreladas a um mesmo objetivo: formar a elite intelectual do país.

Um dos liceus provinciais de maior destaque na sociedade imperial foi o


Liceu de Niterói, criado em 1847, dez anos depois do Colégio Pedro II, com o
projeto de preparação de quadros para o próprio Estado Imperial, no âmbito da
província do Rio de Janeiro.

Nas províncias criaram-se os Liceus, neles o aluno poderia escolher a


ordem e a quantidade de disciplinas que quisesse cursar ao mesmo
tempo. Com o impulso dado ao ensino superior profissional e o regime
de descentralização instituído pelo Ato Adicional teve como
62

conseqüência o desenvolvimento do Ensino Secundário particular em


quase todas as províncias e principalmente nas capitais. Exemplificando
tivemos o de Pernambuco, em 1826, no Rio Grande do Norte, em 1835,
na Paraíba e na Bahia em 1836. Esses Liceus na realidade não
passavam da reunião de aulas avulsas sem nenhuma organicidade entre
as disciplinas ministradas. Um outro dado importante no estudo desse
nível de ensino foi o retorno dos jesuítas ao Brasil em 1842, fundando
vários Colégios. (MOISÉS & MURASSE, p. 2022, online).

Depois da inauguração do Colégio Pedro II, o ensino secundário passou de


aulas avulsas – Latim, Geometria, Filosofia, Retórica, Grego, Francês, Inglês e
Comércio – para ser distribuído em oito séries que seriam cumpridas em sete
anos, de acordo com o regulamento de 31/01/1838. Em cada ano, os alunos
cumpririam determinadas matérias e somente seriam aprovados se conseguissem
obter êxito em todas as disciplinas daquela série e não mais em disciplinas
isoladas.

A criação do novo estabelecimento, porém, não se pretendia substituir as


aulas do ensino secundário dadas pelos colégios particulares; queria, sim,
estimular e elevar o nível da contribuição privada, oferecendo-lhe um modelo. As
diretrizes que norteariam o ensino do Colégio Pedro II foram expostas no discurso
pronunciado por Bernardo Pereira de Vasconcelos no dia de sua inauguração:

Manter e unicamente adotar os bons métodos; resistir a inovações eu


não tenham a sanção do tempo e o abono de felizes resultados;
proscrever e fazer abortar todas as espertezas de especuladores astutos
que ilaqueiam a credulidade dos pais de família com promessas fáceis e
rápidos progressos na educação de seus filhos; e repelir os charlatães
que aspiram à celebridade, inculdando princípios que a razão
desconhece, e muitas vezes, assustada, reprova. (apud HAIDAR, 1972,
p. 98).
63

* Imagem exposta no Museu Mariano Procópio

Esse colégio era uma transformação do Seminário de São Joaquim. Sua


organização era apoiada na experiência lazarista do Colégio Caraça, primeiro em
regime de internato e, a partir de 1856, no duplo regime de internato e externato. ,
tornou-se o equivalente público de um ensino secundário considerado de
qualidade junto à elite.

Era neste “excelente estabelecimento de ensino secundário que os


estudantes, terminado o curso de sete anos, recebiam o grau e as cartas de
bacharel em letras, depois de prestarem o juramento perante o Ministro do
Império que lhes punha sobre a cabeça o barrete branco da Faculdade de letras”.
(AZEVEDO, 1963, p.570). Em outras palavras, aos bacharéis de letras que se
formavam nele, muitas portas de qualquer faculdade do Império eram abertas
sem que fosse necessário realizar novas provas.

O colégio Pedro II foi consagrado por seu esforço em oferecer cadeiras


variadas que iam das ciências às línguas modernas. O ensino secundário
promovido era do tipo clássico, com predominância dos estudos literários e
adaptado menos às condições especiais do meio do que às tradições morais e
intelectuais do país. O modelo de ensino, portanto, era o francês. Predominavam
os estudos literários, com o intuito de elevar o nível dos estudos clássicos entre
os alunos brasileiros.
64

O predomínio das letras clássicas no primeiro plano de estudos do


Colégio de Pedro II não impediu, entretanto, que fossem bem
aquinhoadas as matemáticas, as línguas modernas, as ciências naturais
e físicas e a história. Nas duas séries elementares (8ª e 7ª) figuravam, ao
lado da Gramática Nacional, a Gramática Latina, a Aritmética, a
Geografia, o Desenho e a Música Vocal. Na 6ª, 5ª, 4ª e 3ª,
predominavam as humanidades clássicas (latim e Grego). Aos estudos
clássicos juntavam-se, a partir da 6ª as línguas modernas e as ciências
naturais. Na 2ª e 1ª predominavam a Filosofia e a Retórica. Cessavam,
então, os estudos literários, prosseguindo, entretanto, o ensino das
Ciências Físicas. As Matemáticas figuravam em todas as séries do
curso; os estudos históricos introduzidos na6ª permaneciam nas séries
superiores. (HAIDAR, 1972, p. 100-1).

Em 1841, os estatutos do Colégio foram reformulados. Ao invés de o curso


secundário ser realizado em oito anos, seria agora em sete anos. Também se
propôs uma redistribuição das matérias pelas diferentes séries com o objetivo de
melhorar o atendimento ao aluno em relação ao seu desenvolvimento intelectual.
Conforme o regulamento baixado com o Decreto n. 62 de 01 de fevereiro de
1841, “nos primeiros anos, dedicam-se os alunos a alguns estudos para os quais
ainda não se acham aptos; porquanto, suposto tenham suficientemente
desenvolvida a memória, não têm, contudo, desenvolvido no mesmo grau o
raciocínio, do qual estes estudos principalmente dependem”. (HAIDAR, 1972, p.
102).

Assim, ficou estabelecido que as matemáticas e as ciências naturais cujas


aulas semanais foram reduzidas figurariam nas três últimas séries do curso. Ao
lado do inglês e do francês, dados no 3º ano, foi introduzido os estudos da língua
alemã. O latim era dado em todas as séries do curso e o grego, somente nos
últimos 4 anos. O aluno que frequentava o curso de 7 anos, entretanto, se via
sobrecarregado no último ano, pois era necessário cumprir um currículo
enciclopédico: Grego, Latim, Alemão, Inglês, Francês, Geografia, História,
Retórica e Poética, Filosofia, Geometria, Matemática e Cronologia, Mineralogia e
Geologia, Zoologia Filosófica, Desenho Figurativo e Música Vocal.

Em 1854, uma grande Reforma na Instrução Pública, assinada por


Justiniano José da Rocha e Couto Ferraz foi proposta e aprovada. Nela se criou a
Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte a fim
de fiscalizar o ensino público e particular dos níveis primário e médio na Capital
do Império; se estabeleceram normas para o exercício da liberdade de ensino;
65

fora previsto um sistema de preparação do professor primário e criaram-se na


Corte os Exames Gerais de Preparatórios, uma das medidas mais importantes.

Em 1857, o Colégio Pedro II foi dividido, ainda segundo os planos de Couto


Ferraz, em externato e internato para atender a demanda, cada vez mais
crescente. Mas, muitos problemas persistiram e somente, em 1870, o Colégio
inaugurou uma nova era.

Na empresa gigantesca de elevar o país ao nível do século, acreditavam


os homens da ilustração brasileira estar confiado à educação o mais
importante papel; em educação principiava-se a reconhecer à ciência a
posição de relevo que o século lhe atribuíra. A questão do ensino
científico assumiu especial importância na área dos estudos secundários
aos quais se procurava confiar a missão mais ampla de formar
integralmente o cidadão, habilitando-o, não apenas para o ingresso nos
estudos superiores, mas para enfrentar, graças a um melhor preparo
básico, as necessidades complexas e variadas da vida social. (HAIDAR,
1972, p. 120).

Essa nova era fora instituída pela Reforma proposta pelo Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios do Império Paulino José Soares de Sousa que
estabelecia o seguinte plano de estudos:

1º ano: Religião e História Sagrada; Português(gramática, análise lógica e


gramatical, exercícios de leitura, recitação e ortografia); Geografia elementar e
descritiva em geral; Aritmética elementar.

2º ano: Português (gramática, análise lógica e gramatical, leitura de autores


clássicos, recitação, exercícios de redação); Latim, (gramática, tradução para o
português de autores latinos fáceis, análise e temas fáceis); Francês (gramática,
tradução para o português de autores fáceis, análise e temas fáceis); Continuação
da Aritmética; Continuação da Geografia, especialmente a da Europa e da
América.

3º ano: Português (preleções sobre a índole da língua; notícia histórica


sobre sua formação e progresso, leitura dos clássicos, recitação, exercícios de
redação, composições); Latim (tradução, análise e temas); Continuação da
Geografia, incluída a antiga; Aperfeiçoamento da Aritmética (álgebra até
operações do primeiro grau concluídas).
66

4º ano: Latim (tradução, análise e temas mais difíceis); Francês (tradução,


análise e temas mais difíceis, composição e recitação, não se falando na aula a
não ser nesta língua); Inglês (gramática, leitura e tradução para o português de
autores ingleses fáceis, análise e temais fáceis); Continuação da Álgebra
(equações de 2º grau, Geometria plana); História Antiga; Zoologia e Botânica.

5º ano: Latim (tradução e análise de autores mais difíceis, composição de


discursos e versos latinos); Inglês (leitura, tradução, análise e temas); Grego
(gramática, tradução, análise e temas fáceis); Leitura e apreciação de clássicos
franceses e composições, não se falando em aula senão esta língua.

6º ano: Inglês (leitura, análise e tradução de autores mais difíceis,


composição e recitação, não se falando em aula senão esta língua); Grego
(tradução, análise e temas); Continuação da Química, incluídas noções de
Química orgânica; História Moderna, Retórica e Poética (leitura e apreciação
literária dos melhores clássicos da língua portuguesa exercícios de estilo);
Filosofia (psicologia e lógica); Aperfeiçoamento nas línguas latina e francesa por
meio de tradução e apreciação literária de autores clássicos e composições.

7ºano: Grego (tradução e análise de autores mais difíceis, composições);


História e Corografia do Brasil; Mineralogia e Geologia; Filosofia (metafísica e
ética; exposição dos sistemas comparados de filosofia); Cosmografia; História da
literatura em geral e especialmente da portuguesa e nacional, composição de
discursos e narrações e declamações; Aperfeiçoamento nas línguas latina,
francesa e inglesa (preleções elementares sobre a índole, formação e progresso
de cada uma das referidas línguas, alternadas com a leitura, tradução e
apreciação literária de autores clássicos). O desenho, a música vocal e a
ginástica constituem práticas obrigatórias.

Essas mudanças geraram uma polêmica: de um lado, havia os defensores


das letras e, de outro, os propugnadores dos estudos científicos. Essa polêmica
fora travada

na área propriamente dos estudos secundários, destinados por seu


caráter geral e imediatamente desinteressado a formar e robustecer o
espírito, sem orientá-lo diretamente para qualquer atividade profissional.
A luta iria, portanto, concentrar-se no campo dos estudos destinados a
67

conduzir ao bacharelado. Embora reconhecendo um lugar à ciência


continuaram muitos a defender a preeminência dos estudos literários.
Outros, contagiados do espírito do século, reivindicavam a supremacia
dos estudos científicos. Entre os últimos, entretanto, muitos havia que
encaravam a ciência apenas como um suporte necessário para
especializações futuras. Para boa parte destes, a luta entre as ciências e
as letras resolver-se-ia satisfatoriamente com a bifurcação do
bacharelado. (HAIDAR, 1972, p. 122-3).

Em todo o século XIX, porém, segundo Azevedo (1963, p. 580), à raiz e


como fonte dessa cultura brasileira residia um sistema de formação de elites
intelectuais – constituído de um ensino secundário, literário e retórico, e de um
ensino superior, exclusivamente profissional – em que faltavam os estudos
filosóficos metódicos e a pesquisa científica a fim de se desenvolver o espírito
crítico e experimental e o gosto da observação e dos fatos. Contra o ensino de
humanidades, portanto, desde 1870, muitos intelectuais empreenderam esforços
para acompanhar o desenvolvimento científico já evidenciado como importante na
Europa.

Apesar dessa visão cientificista, havia um problema a ser enfrentado> o da


fragmentação dos estudos. Segundo Gonçalves (2007, p. 35),

com a instituição de exames finais por disciplinas, os quais poderiam ser


realizados em diferentes momentos o curso, o aluno, se aprovado,
poderia seguir para o nível superior, fragmentando, dessa forma o
estudos secundários. Essa inovação ameaçava transformar o curso do
colégio em curso de preparatórios, devido aos exames parcelados, visto
haver uma concentração maior de matrículas nas séries iniciais e
redução no número de bacharéis.

Diante desse risco, em 1876, propôs-se uma reforma – a de Bento da


Cunha – que extinguia as matrículas avulsas e dava outra organização às
disciplinas referentes às séries iniciais e finais, forçando, dessa forma, o aluno a
frequentar o curso completo.
68

2.5. O curso de Humanidades

Ao longo da história do ensino ocidental, o curso de Humanidades foi alvo


de inúmeras definições. Para Chervel & Compère (1999), a etimologia do termo
combina diversas filiações ou contaminações lexicológicas. A primeira diz respeito
ao neologismo humanitas, pela qual Varron e Cícero traduziram o grego paideia.
A educação, assim oferecida, pretendia ser uma preparação do indivíduo ao seu
papel de homem, no sentido pleno do termo; a segunda vem da tradição cristã,
que distingue as litterae humaniores das litterae divinae ou sacrae, do mesmo
modo como a literatura profana distingue-se da Escritura. A tradição cristã
evidencia o caráter eminentemente laico das humanidades. O terceiro significado
refere-se aos humanistas, relacionado ao Renascimento. Nesse sentido,
humanistas designa, ao mesmo tempo, os sábios, os escritores excelentes da
Antiguidade grega e romana.

Além dessas acepções, há, ainda o termo Humanismo, utilizado pela


primeira vez, numa obra escrita em 1803 pelo educador Friedrich Immanuel
Niethammer, designando “um ideal de educação voltado para a formação integral
do homem, distinto, assim, do propósito de preparar os indivíduos para o
exercício de tarefas especializadas” (SOUZA, 1999, p. 67).

Na origem, portanto, o nome de humanidades foi dado pelos jesuítas aos


estudos intermediários entre os de gramática e os de retórica, isto é,
uma denominação própria para a Universidade de Paris, que será
adotada, na França, para os estudos secundários, nomeados também
como estudos de poesia. A organização escolar, que se fixa no fim do
século XVI, é a mesma para o conjunto dos colégios franceses, tanto
seculares como jesuíticos ou, mais tarde, de outras congregações de
professores. Ela define cinco cursos: três de gramática, um de
humanidades e um de retórica. (CHERVEL & COMPÈRE, 1999, on-line).

Azevedo (1963) afirma que havia, marcadamente, nos três séculos de


história colonial, a preocupação com as disciplinas que davam sustentação ao
domínio dos instrumentos clássicos de expressão: a gramática, a retórica e a
poética aplicadas ao estudo das línguas latina e portuguesa. A cultura brasileira,
conforme seu parecer, alimentou-se desse tronco humanístico em toda sua fase
69

trissecular, num momento em que não havia outros caminhos para a formação
intelectual a não ser dando à cultura um caráter predominantemente literário e
retórico. A cultura humanística, entretanto, pode ser muito mais definida por sua
finalidade própria do que por seu conteúdo linguístico e literário. Ela representa
uma educação gratuita, desinteressada, isto é, desprovida de todo objetivo
imediatista. Além disso, os estudos de Humanidades no Brasil não só formavam a
aristocracia e preparavam as elites condutoras como também reforçavam a
distinção entre os letrados e os ignorantes.
Para Gasparello (2002, p. 274),

No Brasil, o caráter desse modelo serviu a uma elite que tinha como
parâmetro de cultura o mundo ocidental europeu, que incluía a
admiração ao seu passado clássico. Os textos gregos e latinos, além da
ênfase no estudo da Antiguidade, reforçavam, pelo ensino, a ligação
espiritual do restrito círculo de pessoas que viajavam e conheciam a
língua e a história das nações civilizadas. Essa cultura, especulativa e
desinteressada foi a marca de distinção de uma elite (...) que permitia
aos seus possuidores títulos oficiais, cargos e funções públicas.

No próximo capítulo, aprofundaremos o sentido do curso de Humanidades,


dando maior ênfase à trajetória do ensino de Língua portuguesa no Colégio Pedro
II, padrão ideal a ser seguido pelas Províncias do Brasil.
70

Capítulo III

É preciso aprender a língua portuguesa: o ensino da língua


oficial no Brasil

No Brasil, desde sua colonização, existiam tribos indígenas que se


comunicavam em suas respectivas línguas. Com a chegada dos portugueses e a
posterior catequização dos índios, foi necessário encontrar uma língua que
pudesse ser usada por ambos os povos. Anchieta chegou a elaborar um
dicionário da língua tupi com a finalidade de facilitar o trabalho de outros jesuítas.

Com a colonização, os jesuítas vieram, principalmente, para a


catequização do gentio e para a prática do ensino. A princípio, a língua
portuguesa era o que menos importava, já que o propósito era aplicar as ideias
religiosas. Depois, o ensino passou a se preocupar com outros aspectos não
apenas religiosos. Apesar disso, não existia uma literatura propriamente
brasileira, porque as obras eram escritas por portugueses que habitavam na
colônia ou por mamelucos já alfabetizados pelos jesuítas. O mais importante para
esse período era descrever o Brasil com suas várias regiões, sua organização
social, seus costumes, a religiosidade ou não de sua população, as maravilhas da
nova terra etc.

O ensino jesuítico era livresco, humanista ornamental que trazia as marcas


da herança “anti-científica” do Ratio Studiorum. Por meio dele, a os filhos dos
nobres adquiriam um verniz cultural que os distinguia dos demais – do povo rude,
plebe.

Segundo Cunha (1980), a Ratio Studiorum foi um modelo de ensino


adaptado por Nóbrega, na distinção do ensino de cálculos e leitura em duas
etapas fundamentais: o inferior (corresponde ao Ensino Médio atual) e o superior
(Ensino Universitário). O ensino inferior propõe gramática, humanidades, retórica
e no superior: filosofia e teologia. O ensino, específico, de língua portuguesa era
mínimo.
71

Depois que foram os jesuítas expulsos, por questões políticas,


principalmente, Pombal, ministro do Rei D. João I, adotou uma série de medidas
para organizar a colônia brasileira. Um delas e, talvez, uma das mais importantes,
foi o de oficializar a língua portuguesa e torná-la obrigatória entre os que aqui
estavam.

3.1. O terreno da educação laica fora preparado pelo Marquês de Pombal

O Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, quando assumiu a


função de ministro do Rei D. José I, tentou, inicialmente, recuperar a economia
por meio da concentração do poder real, da modernização da cultura portuguesa
– um dos motivos que levaram à extinção das escolas jesuíticas de Portugal e de
todas as colônias portuguesas.

Figura 06- “Marquês de Pombal” – Louis Michel van Loo – 1707-1771, Museu da Cidade de Lisboa
72

Com a expulsão dos jesuítas e a nova política sob a direção de Pombal, o


ensino da língua tornou-se obrigatório, proibindo “como base fundamental da
civilidade”, o uso das línguas indígenas e das línguas gerais. “Essa consciência
de que a consolidação do Império necessita de uma língua única já se encontrava
nas primeiras gramáticas que viam nela o fundamento de sua afirmação
nacionalista” (FÁVERO, 2009, p.17), como é o caso de Fernão de Oliveira, João
de Barros e Duarte Nunes de Lião.

Para a metrópole, era época de impor a língua portuguesa aos brasileiros e


demais etnias (de europeus, africanos e indígenas) instaladas no Brasil e de
salvar a economia portuguesa. Era preciso, então, tirar o maior proveito da
colônia. Para isso, ampliou-se a fiscalização das atividades que aqui aconteciam.

Na metrópole, o marquês de Pombal reestruturou a universidade de


Coimbra. Em 1772, afastou definitivamente o ensino das mãos dos jesuítas
instituindo no Brasil o ensino obrigatório da Língua Portuguesa.

Com as imposições feitas por Pombal à Colônia, na área administrativa,


muitos problemas foram se apresentando, como a falta de pessoas
especializadas para atender às necessidades vigentes. Havia, também, a
decadência intelectual e institucional, tanto na metrópole como na colônia, que
inviabilizava o desenvolvimento econômico. Era urgente, portanto, investir
maciçamente na educação, se quisesse manter o poder absolutista.

A resposta veio na forma do alvará de 28 de junho de 1759. Esse alvará,


baseado no pensamento europeu do iluminismo francês, criou as aulas Régias ou
avulsas de Português e Latim (uso do português no ensino do latim), Grego,
Filosofia e Retórica. Cada aula régia era autônoma e isolada, com professor
único, uma não se articulando com as outras. Segundo Houaiss (1985, p. 131-2),
“houve pessoas avulsas que deram aulas privadas, de vária natureza, como
preceptores, a filhos-família”. Nesse momento, era inaugurado o ensino por leigos
no Brasil com professores improvisados, o que resultou numa crise do ensino no
Brasil Colônia.

Com o Alvará Régio de 1759, ainda, documento que proíbe o uso de outras
línguas que não o português, a educação passou a ser privilégio do Estado. As
dificuldades, porém, assomaram-se num território antes dominado pelos jesuítas:
73

bibliotecas destruídas, professores sem formação pedagógica, falta de verba para


remunerar professores, etc. Nas poucas cadeiras existentes, como as de
Gramática e Retórica, eram as gramáticas de João de Barros e Contador de
Argote as utilizadas. Em 1770, com o Alvará Régio, tornou-se oficial a Gramática
de Antônio José dos Reis Lobato. (Cf. FÁVERO, 2009).

Muitas eram as dificuldades enfrentadas na educação: uma delas dizia


respeito à falta de métodos unificados para as escolas e academias; faltava
unidade no ensino. D. João VI convocou, então, o Conde da Barca, seu ministro,
para elaborar um plano que solucionasse esses problemas. O ensino imperial,
então, foi estruturado em três níveis:

1º nível elementar- escolas de ler e escrever, muito difundidas nesse


período;

2º nível secundário – organizado em aulas régias e

3º nível superior- cujo objetivo era profissionalizar o aluno.

Foi um período de grande revolução na educação brasileira, as escolas


passaram a ensinar em português e a unificação do Brasil com Portugal tornou-se
mais estreita. Todavia, o nascimento de um sentimento de nacionalidade pela
exaltação às tradições locais e a circulação de homens cultos em nosso país
levaram à necessidade da divulgação de eventos culturais. Fatos como a vinda
para o Brasil de D. João VI, missão artística francesa da qual faziam parte
pintores, como Debret e Taunay e o retorno de brasileiros letrados na Europa
favoreciam o crescimento e participação da imprensa. Assim, sua implantação no
Brasil foi oficialmente autorizada por D. João VI, em 1808, e inaugurada como
Imprensa Régia do Brasil.

3.2. A educação para uma nova nação.

Ao longo do século XIX, parte da população que possuía privilégios


políticos e econômicos adotava, cada vez mais, os modelos construídos de uma
74

civilização burguesa europeia. Essa apropriação, entretanto, precisava respeitar


as limitações de uma nação ainda por formar-se. Não havia aqui, ainda, a
estrutura cultural que existia na Europa; ao contrário disso, existia o modelo
escravocrata, sob um regime ainda de tradição colonial, que sustentava a
pequena elite e mantinha grande parte dos brasileiros sem acesso aos bens
culturais de prestígio. O modelo francês foi, dentre todas as importações, o mais
importante em terras brasileiras.

A França se fez presente desde o financiamento, por D. João VI, da


"missão artística francesa", no início do século XIX, passando pela
fundação de instituições nela inspiradas, como o Colégio Pedro II (1837),
o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838), a Academia Brasileira
de Letras (1897), além de salões, clubes, teatros, associações, até a
disseminação do consumo de bens importados, tais como, arquitetura,
decoração, companhias teatrais (e cocotes), moda, culinária, além, é
claro, de muito material impresso (folhetins, romances, compêndios,
etc.). (RAZZINI, 2000, p. 22).

O ensino secundário e o ensino superior não foram exceções. O modelo do


ensino secundário – que oferecia um curso de Humanidades – era de inspiração
francesa. Talvez, por isso, esses cursos eram mais frequentados pela elite, a
mesma que detinha o poder social e econômico, como já vimos no capítulo 2.

Na França, também se produziram as teorias pedagógicas mais inovadoras


e mais orgânicas, pelo iluminismo.

Sempre saturado de espírito burguês, ligado à ideia de educação civil e


de cultura utilitária, surge também o programa educativo expresso por
Denis Diderot (1713-1784) e por Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783)
na Enciclopédia, onde se defende que a educação ‘seja útil a esta
sociedade’ e ao Estado, que seja ministrada em escolas renovadas no
curriculum de estudos (menos latim, mais ciências e história) e que
devem tomar como modelo a escola militar, organizada segundo critérios
higiênicos e na direção de aprendizagens úteis. Sempre na França, terão
ampla difusão as teorias psicológicas de Étienne Bonnot Condillac
(1715-1780), expostas no Ensaio sobre a origem dos conhecimentos
humanos (1746) e depois no Tratado das sensações (1754), que
delineiam um itinerário de base rigorosamente sensacionista, indo da
estátua ao homem e despertando todas as capacidades humanas
através do uso primário do tato. Em tal itinerário psicológico está contida
uma pedagogia: formar as ideias partindo das sensações, da sua análise
e composição, indo do simples ao complexo (CAMBI, 1999, p. 337-8).
75

A infra-estrutura educacional, porém, oferecida nessas terras, sequer de


longe, imitava àquela disponibilizada na Europa. Se o objetivo era preparar os
altos escalões do serviço militar e civil, do clero e dos profissionais liberais, como
os médicos e professores, difícil era alcançá-lo, uma vez que não havia nem
universidades, nem escolas secundárias exemplares da aristocracia, nem
programas elaborados de forma abrangente, voltados para o ensino elementar da
população.

Surge, então, o Colégio Pedro II, que, como vimos anteriormente, teve,
inicialmente, seu modelo inspirado nos regulamentos dos colégios da França,
ainda sem a dependência dos Exames Preparatórios, pois seu diploma de
Bacharel em Letras era o suficiente para dar direito ao ingresso em qualquer
faculdade do Império.

Nas outras províncias, o ensino secundário era oferecido e mantido com os


recursos do poder central, em forma de curso e/ou de aulas avulsas, nos
chamados liceus provinciais, estabelecidos geralmente nas capitais.

Apesar das várias medidas tomadas pelo Governo em relação ao ensino


secundário, com modelo francês, a fim de formar cidadãos aptos a exercerem
cargos da elite administrativa do país, faltava, ao homem brasileiro do século XIX,
não só a experiência vivida, mas a “perspectiva histórica para analisar os
problemas sociais e humanos, morais e políticos que teria de forçosamente
levantar, em todos os domínios, a série quase ininterrupta de aplicações técnicas
das sucessivas e surpreendentes descobertas científicas” (AZEVEDO, s/d, p. 11).
Na verdade, esse homem limitou-se a “cultivar, as magníficas esperanças que
suscitava o progresso das ciências: e a multiplicidade e o brilho das fecundas
descobertas que surgiram por toda parte, tendiam a justificá-la”. (idem, p. 11).

Um dos graves problemas apontados por Azevedo (1963, p.220) está na


formação cultural do Brasil, no que diz respeito ao encantamento com as
Humanidades, com o ensino enciclopédico em detrimento do ensino científico:

Toda a nossa cultura, a despeito das transformações que se produziram,


continuou, de fato, marcada, (...) ao menos nos seus aspectos mais
típicos, por essa formação puramente literária e de caráter profissional,
sob cuja influência, sem o lastro de sólidos estudos filosóficos e
76

científicos, se desenvolveram as tendências às generalizações brilhantes


em prejuízo das especializações fecundas, o gosto da retórica e da
erudição livresca, a superficialidade mal dissimulada na pompa verbal, a
materialidade de visão e o diletantismo que leva o indivíduo a passear
por todas as questões sem se aprofundar, em nenhuma delas.

Uma das hipóteses que justificariam esse tipo de formação é a de que o


ensino secundário está muito mais voltado para a preparação dos Exames, uma
vez que a conclusão do curso secundário não era pré-requisito para entrar nas
escolas superiores, como geralmente acontecia na Europa. As escolas
secundárias, portanto, no Brasil, cumpriam a função básica de cursos
especializados no treinamento de candidatos aos exames preparatórios.

A função atribuída aos estudos secundários, encarados no Império,


quase que exclusivamente, como canais de acesso aos cursos
superiores, os reduziu de fato, aos preparatórios exigidos para a
matrícula nas Faculdades. Consubstanciando os requisitos mínimos
necessários ao ingresso nos estudos maiores, os conhecimentos
requeridos nos exames de preparatórios constituíram o padrão ao qual
procuraram ajustar-se os estabelecimentos provinciais e particulares de
ensino secundário. (HAIDAR, 1972, p. 47).

Isso explica, em parte, as tentativas fracassadas de se introduzir no quadro


do ensino secundário noções de ciências naturais e exatas como as matemáticas
puras, a química, a física, a botânica, a agricultura, a agrimensura, pois essas
disciplinas não eram necessárias para nenhum grau literário. A ênfase, na
verdade, era dada às disciplinas humanísticas, como Latim, Filosofia, Línguas
vivas, História, Geografia e Retórica e às matemáticas elementares, uma vez que
o ensino secundário estava voltado, prioritariamente a preparar os candidatos
para os exames.

O ensino através de aulas avulsas foi totalmente abolido, no novo colégio,


e as disciplinas foram divididas em oito séries, cumpridas em oito anos.
Entretanto, havia a possibilidade de diminuir esse tempo para quatro ou seis
anos, adiantando o curso. O regulamento de 31/01/1838 também previa a
concessão de diploma de bacharel em Letras, título que garantia matrícula nas
academias do Império, sem prestar exames. Os requisitos para o ingresso eram:
77

a) idade de pelo menos oito anos e de doze quando muito; os que excederem
esta idade, não serão admitidos sem licença especial do governo;

b) saber ler e contar as quatro operações de aritmética;

c) atestado de bom procedimento dos professores ou diretores das escolas que


houverem frequentado;

d) despacho de admissão do reitor. Além disso, deverá o que pretender ser aluno
interno ter bexigas naturais ou vacinados.

As classes deveriam ter de trinta a trinta e cinco alunos – sempre da


mesma idade, e, quando possível, mesmo preparo.

Para definir e organizar os estudos e o ensino do Pedro II, entretanto,


foram elaborados diferentes tipos de documentos, como Planos de Estudos,
Programas de Exames e Programas de ensino. O Ministério do Império, por meio
de Regulamentos, aprovava os Planos de Estudos, que definiam as aulas que
deveriam ser ensinadas em cada ano letivo. Cada aula era composta por várias
cadeiras – termo que corresponderia hoje à disciplina escolar. O termo aula teve,
então, “um sentido plural, formado por um conjunto de estudos que eram
desenvolvidos em um determinado tempo, por diferentes professores que
ensinavam as matérias de suas cadeiras respectivas. Reunidas às outras aulas,
formavam uma unidade: o curso secundário”. (GASPARELLO, 2004, p. 65).

Depois de o Ministério do Império ter elaborado e obrigado o uso dos


Programas, previamente aprovados pela Inspetoria Geral de Instrução primária e
secundária, “houve um fortalecimento da centralização no ensino, tendência da
política imperial nos moldes da reforma Coutto Ferraz (1854), que forneceu um
modelo institucional para os estabelecimentos equiparados e serviu de base para
o estudo dos preparatórios” (idem, p. 66).

apesar de os Programas serem elaborados pelos professores


catedráticos do Colégio e que estes muitas vezes possuíam funções na
Inspetoria de instrução, o caráter de controle ainda se sustenta, tanto
porque muitos outros professores substitutos ou não, teriam que segui-
los, como também a isto eram obrigados os estabelecimentos
equiparados ou que almejavam esse status.(ibdem).
78

Nos quatro primeiros, além das línguas clássicas e modernas, ensinavam a


geografia, o desenho e a música: o estudo da gramática geral e nacional, título
sem prestígio diante do latim estava presente só no primeiro ano; matemática,
química, física e ciências naturais nos três últimos, o latim cuja carga horária era
maior do que a de qualquer outra disciplina se estendia pelos sete anos, o francês
e o inglês por seis, o grego por quatro e o alemão aparece pela primeira vez.

No total, de acordo com Fávero (2002), o Colégio Pedro II oferecia,


semanalmente, a matriz horária que segue:

Gramática Nacional: 10 aulas


Latim: 50 aulas
Matemática incluindo Astronomia: 32 aulas
Retórica e Filosofia: 20 aulas cada
Grego: 18 aulas
História: 12 aulas
Geografia: 05 aulas
Ciências Físicas: 06 aulas
Francês: 05 aulas
Inglês: 05 aulas
Ciências Naturais: 04 aulas
Música Vocal: 06 aulas
Desenho: 08 aulas

O currículo era extenso, como se pode notar, e a disciplina rigorosa: o


regulamento previa castigos sempre proporcionais à gravidade das faltas:

a) privação de uma parte ou da totalidade do recreio com trabalho


extraordinário;
b) privação do passeio com trabalho extraordinário;
c) proibição de sair;
d) prisão (a prisão será um lugar suficientemente claro e fácil de ser
inspecionado, onde o aluno ocupar-se-á constantemente de algum
trabalho extraordinário);
e) privação de férias em todo ou em parte;
f) vestir a roupa às avessas (o aluno assim vestido ocupará lugar a parte
nas aulas e salas de estudos, e não assistirá aos passeios , nem aos
recreios);
79

g) moderada correção corporal;


h) expulsão do colégio. (FÁVERO, 2002 ,p. 76).

Mesmo com os castigos os alunos não eram privados de assistir às aulas,


exceto quando excluídos de uma aula, por haver nela perturbado a ordem.

Até 1854, os exames preparatórios eram feitos apenas junto à faculdade


escolhida, quando foram criadas, na corte, as Bancas de Exames Preparatórios,
por meio do Decreto 1.331A de 17 de fevereiro, que habilitavam os estudantes
para qualquer curso superior. A exigência consistia em utilizar os compêndios e
programas adotados para o ensino oficial, ou seja, aqueles impostos pelo Colégio
Pedro II. Essas medidas repercutiram em 1856 no Regulamento das Aulas
Preparatórias das Faculdades de Direito, que impunha também os mesmos
programas e compêndios adotados pelo governo para a instrução secundária na
corte.

A última década do Império, entretanto, presenciou o alargamento dos


currículos e a hierarquização das disciplinas dos preparatórios, por meio do
decreto 9.647 de 2 de outubro de 1886, cujo texto dava novas instruções
regulando os exames de preparatórios, condicionando "a realização das provas
das demais disciplinas à aprovação em português". (HAIDAR, 1972, p. 66).

O exame de português para os cursos de Medicina e Direito foi introduzido


ainda em 1869, por meio do Decreto 4.430, de 30 de outubro, que passaria a
vigorar a partir de 1871. Em 1886, o decreto 9.647 estabeleceu a precedência do
exame de português sobre os demais e adotou a hierarquização dos exames
finais do Colégio Pedro II nos preparatórios.

Antes de a disciplina de português ser incluída, a partir da década de 1870,


entre os exames preparatórios, conforme levantamento da carga horária semanal
do Colégio Pedro II e do curso secundário, até o final da década de 1860, o latim
era a disciplina com a maior carga horária do secundário. Depois, então, dessa
inclusão, a carga horária de português aumentou e isto, provavelmente, contribuiu
para a diminuição da carga horária de latim neste currículo, apontando para o
início da decadência dessa disciplina.
80

Várias denúncias sobre a ineficiência do ensino secundário eram feitas em


todos os pontos do país. O balanço do estado da instrução pública nas províncias,
apresentado pelo Ministro Paulino de Souza em 1870,

dá-nos uma idéia de tal prurido legiferante e de sua completa


improficuidade. Em algumas províncias – relata o Ministro do império – a
instrução pública mostra-se em grande atraso; em outras, em vez de
progredir, tem retrogradado; conservando-se aqui estacionária, ali
andando com a maior lentidão. Em poucas é sensível o progresso; em
nenhuma satisfaz o seu estado pelo número e excelência dos
estabelecimentos de ensino, pela freqüência e aproveitamento dos
alunos, pela vocação para o magistério, pelo zêlo e dedicação dos
professores, pelo fervor dos pais em dar aos filhos a precisa educação
intelectual, em geral pelos resultados que poderiam produzir todos estes
meios combinados. (HAIDAR, 1972, p.30).

Em 1870, as Falas do Trono enfatizavam o desenvolvimento moral e


material do Império como aspectos interdependentes e, por isso, era necessário
defender a instrução por todas as classes da sociedade.

Além da pressão exercida pelo Império sobre a Instrução Pública, em


algumas províncias, notadamente, em São Paulo, havia o movimento político-
partidário, fruto do Manifesto Republicano – publicado pela primeira vez em A
República a 03 de dezembro de 1870 – que gerava a tensão necessária para a
tomada de decisões em vários setores da sociedade, inclusive, no da educação.

Os últimos vinte ou trinta anos do Império constituem, de diversos pontos


de vista, uma fase de intensa mudança de via nacional. Politicamente,
menos por efeito da propaganda republicana iniciada em 1870 do que
por causas mais profundas, é a fase do ‘ocaso do Império’, estudada por
Oliveira Viana, na qual o precário e artificial equilíbrio entre a estrutura
político-jurídica e a realidade do país, se rompe sob os efeitos das
questões militares e religiosas, e da abolição da escravatura. (SILVA,
1969, p.207).

Reconheceu-se, por exemplo, que o ensino secundário poderia exercer


maior influência na sociedade porque concorria para o desenvolvimento
intelectual daqueles que ora recebiam. No campo das idéias, o país sofria os
impactos das correntes positivistas, evolucionistas e naturalistas. A instrução
81

precisava transmitir e edificar essa cultura calcada nessas filosofias de fundo


liberal e científico.

... as filosofias de fundo liberal e cientificista – o utilitarismo, o


naturalismo, o evolucionismo spenceriano, o positivismo – passam
depois de 1870, a ter uma influência decisiva no sentido da crítica das
instituições existentes e da elaboração de uma ideologia propugnadora
de sua transformação ou subversão, forçando até mesmo, por um jogo
de oposição dialética, a própria mentalidade católico-conservadora a
precisar-se e sistematizar-se em sua função de justificação da ordem
existente. (SILVA, 1969, p.207).

3.3. O ensino de Língua Portuguesa: lições de gramática?

O estudo da gramática antecedia o aprendizado da Retórica e Poética,


tidas como disciplinas mais adiantadas. Essa ordem de estudos, talvez, seja
herança da formação clássica que fora reproduzida no ensino das línguas vivas e
que se verifica nos currículos do Colégio Pedro II. A pequena participação da
"Gramática Nacional" até 1869, ensinada apenas no primeiro ano, deveu-se,
sobretudo, à supremacia da formação clássica nesse período. Para Fávero
(2002), há outra possível causa: a de que os alunos, por fazerem parte de uma
parcela privilegiada culturalmente, não precisavam aprender gramática, uma vez
que já chegavam às escolas alfabetizados e detentores dos rudimentos da língua
portuguesa.

De acordo com Haidar (idem), as aulas de português, entre 1841 e 1882,


eram assim estabelecidas:

• 1841 – 1º ano – Gramática Geral e Nacional.


• 1850 – 1ª ano – Gramática Nacional.
• 1856 – 1º ano – Português.
• 1858 – 1º ano – Português.
• 1862 – 1º ano – Português
• 1862 – 6º ano – Gramática Filosófica e Retórica.
• 1877 – 1º ano – Português.
82

• 1877 – 2º ano – Português.


• 1878 – 7º ano – Português.
• 1882 – 1º ano – Português.
• 1882 – 2º ano – Português.
• 1882 – 3º ano – Português.
• 1882 – 4º ano – Português.
• 1882 – 5º ano – Português.
• 1882 – 7º ano – Português.

O primeiro professor nomeado do Colégio Pedro II de gramática


portuguesa, retórica e grego, foi o médico Joaquim Caetano da Silva. Além de
exercer vários cargos públicos, ele também foi Reitor do Colégio Pedro II, diretor
da instrução pública da Corte e diretor do arquivo nacional. Outro nome também é
referência no ensino de Gramática Nacional e Latina: o de José da Silva Pinheiro
Freire, nomeado em 1838.

O Regulamento de 1841 caracteriza-se, não só pela diminuição significativa


da carga horária de Gramática Nacional, de Retórica e de Latim – refletindo talvez
a abreviação do curso secundário, que de oito passara para sete anos –, mas
também o aumento das aulas de línguas estrangeiras (francês, inglês e alemão)
em 270%. Esse dado aponta para o fato de que a formação da elite passava a se
preocupar com o estudo das línguas modernas, talvez, causado pelo contato com
a cultura dos principais países da Europa.

Ainda nessas primeiras décadas do século XIX, era comum ver-se, nos
programas do Colégio Pedro II, a designação de Gramática Geral, também
conhecida como Gramática Filosófica. O autor mais importante dessa modalidade
foi Jerônimo Soares Barbosa, com a publicação de As Duas Línguas ou
Gramática Filosófica da Língua Portuguesa, comparada com a latina, para ambas
se aprenderem ao mesmo tempo. Na segunda edição, de 1830, o título foi
alterado para Gramática Filosófica da Língua Portuguesa, ou Princípios da
Gramática Geral aplicados à nossa linguagem.
83

Figura 07-Gramática de Jerônimo Soares Barbosa-1830

A Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza7 de Jerônimo Soares


Barbosa (1822) foi usada no ensino de língua portuguesa, intitulada, inicialmente,
como Manual Encyclopedico para uso das Escolas de Instrução Primária. Além de
sua função normativa e do seu caráter educativo, constituiu uma obra de

7
Para Fávero (1996, p. 206), pode-se dizer que a Gramática Philosophica apresenta dois
objetivos: 1) elucidação teórica sobre a origem e a natureza da linguagem: deve-se explicar os
fatos com a universalidade da razão, já que é ‘razoada’ (...); 2) instituição da norma prescritiva,
atendendo a interesses políticos e culturais”.
84

referência, de pendor filosófico, cuja influência marcou a história da


gramaticografia portuguesa.

Além de defender o princípio de que se deve partir do ensino da gramática


da língua materna para ensinar a língua latina, Jerônimo Soares “valoriza o
domínio da norma culta como fator de prestígio, pela imitação e assimilação de
usos e costumes da corte”. (FÁVERO, 1996).

Nos Programas do Colégio Pedro II de 1850 e 1851, o ensino de português


manteve-se no primeiro ano. A Gramática Nacional, ensinada junto com a
Gramática Latina, pelo professor Gabriel de Medeiros Gomes, tratava apenas de
alguns itens, com grande ênfase nos verbos, e talvez de uma pequena parte da
sintaxe, denominada "partes da oração, como se pode ver a seguir:

Figura 08- Itens da Gramática Nacional de Gabriel de Medeiros Gomes


85

Em 1855, Couto Ferraz, preocupado com a nacionalização do ensino


secundário, reformou os estudos do Colégio Pedro II, introduzindo, no 4º ano, as
aulas de Corografia brasileira e História nacional. Também foram ampliados os
currículos de Português e Retórica, com a introdução das aulas de Leitura e
Recitação de Português e de Exercícios Ortográficos, no 1º ano.

As aulas de Exercícios Ortográficos apontam para uma preocupação,


naquele momento, em uniformizar a língua escrita ou ainda de regulamentá-la,
uma vez que cabia aos compêndios, principalmente, a função de definir a
ortografia. A reforma de 1855 deu mais importância aos estudos da língua
portuguesa e de sua literatura, que passou a servir de modelo do bem falar e do
bem escrever/compor em vernáculo, qualidades indispensáveis para aqueles que
se destinavam às carreiras públicas e às profissões liberais.

Em 1856, por meio da Portaria nº 52 de 24 de janeiro, foram fixados o


currículo e os compêndios do Colégio Pedro II. O livro destinado às aulas de
Gramática Nacional foi o de Cyrillo Dilermando, Gramática da língua portuguesa.
Essa definição, não só levou o Colégio Pedro II à hegemonia pedagógica, como
também propiciou a abertura de uma política de mercado editorial referente aos
livros didáticos. Essa disciplina transformara-se, a partir de 1857, em Português
cujo programa consistia em Gramática, Leitura recitação e exercícios ortográficos.
Em 1877, passam a ser adotadas a Gramática Portuguesa, de Manuel Olímpio
Rodrigues da Costa para o primeiro ano e a Gramática, de Teófilo Braga para o
segundo. (Cf. FÁVERO, 2009).

A adoção de livros didáticos, entretanto, aponta para dois aspectos inter-


relacionados: de um lado, “acreditava-se na necessidade de um material de apoio
para esse fim (...)”; de outro lado, “havia o professor como co-responsável na
eficácia do desenvolvimento dos planos de ensino, bem como no crescimento
intelectual dos jovens. (GONÇALVES, 2007, p. 48). Ainda há de se considerar
que a presença do livro didático pode ser justificado pelo fato de ser ele um
material necessário ao planejamento das aulas ou, ainda, de tentar diminuir a
defasagem em relação ao conhecimento gramatical dos alunos que chegavam ao
ensino secundário.
86

Aprovado, então, o Programa do Colégio Pedro II, para o primeiro ano,


depois de algumas preleções de Gramática Geral, dever-se-ia aperfeiçoar a
Gramática da Língua Portuguesa a fim de começar a estudar Latim, Francês e
Aritmética.

Há, na verdade, uma estreita relação entre a elaboração dos programas de


ensino, a construção dos livros didáticos e as aulas dadas em uma determinada
disciplina. Com a definição do currículo e dos compêndios adotados no Colégio
Pedro II, os outros estabelecimentos particulares e liceus oficiais, passaram a
adotar esses compêndios. Além do prestígio do Colégio, que imprimia
legitimidade aos livros e valorizava o nome dos autores, adotá-los era a atitude
mais segura, pois era garantida a reprodução dos pontos exigidos nos exames
preparatórios.

Em relação aos professores, pode-se afirmar que eram eles os autores


destes compêndios, e, muitas vezes, participavam das bancas examinadoras dos
preparatórios, “para os quais anualmente eram nomeadas, além dos professores
e reitores, figuras destacadas da sociedade imperial, que atuavam como
delegados do governo nestes eventos de grande relevância social”. (idem). Ser
nomeado examinador dos preparatórios significava quase sempre

ter poder frente ao clientelismo e, às vezes, ter sucesso financeiro como


professor particular ou como professor de escolas privadas, as quais
usavam tal contratação como "chamariz". O prestígio era crescente se o
professor-examinador estivesse próximo do poder central, cujo ápice era
fazer parte do seleto corpo docente do Colégio Pedro II. Os autores da
Antologia Nacional, por exemplo, integravam este grupo ilustre, Carlos
de Laet desde 1873 e Fausto Barreto desde 1879, ambos professores de
português. (RAZZINI, 2000, p. 27).

No período, entre 1820 e 1880, o termo mais utilizado para o livro


produzido com finalidades de ensino era compêndio,

cuja significação, de acordo com os dicionários da época consultados,


relaciona-se ao tipo de livro formado por uma compilação de textos de
vários autores, não uma produção original. Esse caráter estaria mais
ligado ao que alguns países, como a França, chamam de livro-texto. O
termo compêndio parece ter sido mais comum em Portugal: os livros
portugueses produzidos com finalidade escolar no século XIX eram
87

identificados por seus títulos, que utilizavam os termos resumo, noções


(geralmente para o ensino primário) e manual ou compêndio (para o
secundário). (GASPARELLO, 2004, p. 21-2).

Em 1858, a Literatura ganhou o adjetivo pátrio, tanto no sexto ano,


"Princípios de retórica e poética exemplificados com as melhores passagens dos
autores antigos e modernos, especialmente portugueses e brasileiros", quanto no
sétimo ano – o curso de literatura antiga e moderna, especialmente da portuguesa
e brasileira, seria dado por meio de preleções dos professores até a construção
de um compêndio próprio para esse fim.

A distinção entre autores portugueses e brasileiros, no entanto, ainda não


implicava a independência da literatura brasileira da portuguesa, como queriam
alguns românticos. Na verdade, essa distinção devia-se à filiação da literatura
brasileira à tradição clássica e europeia, por meio de Portugal. Essa posição foi
enfraquecida depois da Proclamação da República, embora sobrevivesse por
algumas décadas ainda do século XX nos compêndios do século XX.

Em 1869, com o decreto 4.430, de 30 de outubro, que incluiu entre os


preparatórios o exame de Português (entrando em vigor em 1871), houve um
aumento significativo de carga horária desta disciplina no Colégio Pedro II, como
já vimos anteriormente, embora o interesse em ampliar os estudos de língua
portuguesa tenha se verificado com a inclusão da Gramática Filosófica (1860) e
nas adoções de livros de escritores nacionais nas aulas de línguas estrangeiras
(1865).

O Programa de 1870 ampliou ainda mais o estudo de português, utilizando


algumas práticas pedagógicas que até então estavam reservadas às matérias
mais adiantadas, do sexto e sétimo anos, como a Gramática Filosófica, a
Retórica, a Poética e a Literatura Nacional. A gramática filosófica, depois de ter
sido excluída do sexto ano, foi inserida no currículo de português, principalmente
as análises lógica e gramatical. A redação e a composição, exercícios exclusivos
da retórica, também passaram para o currículo de português (2º e 3º anos). O
ponto de vista histórico passou a orientar o estudo da língua portuguesa no
terceiro ano, cujas preleções deveriam ser sempre acompanhadas de numerosos
exemplos.
88

A grande inovação deste currículo, talvez, esteja no falto de introduzir, no


texto legal, comentários pedagógicos, que pregavam um ensino baseado em
exemplos e exercícios, em prol da compreensão. Para o estudo da sintaxe, por
exemplo, no primeiro ano, eram desaconselhadas as fórmulas abstratas,
“distinções teóricas e sutilezas gramaticais que castigariam a memória dos
alunos, prescrevendo, de um lado, clareza na exposição de regras e, de outro, um
ensino prático, [...] ressaltado de exemplos bem escolhidos e repetidos até que
lhes calem com firmeza no espírito. (RAZZINI, 2000, p. 75).

Com o crescimento dos exercícios orais e escritos, a análise gramatical (ou


morfológica) e a análise lógica (ou sintática), passaram a ocupar lugar de
destaque no currículo e nos exames de português. Essa didática do comentário,
do exemplo e do exercício pode ser observada também na Gramática Nacional
Elementar (1864) de Caldas Aulete, adotada no primeiro ano do Pedro II.

A leitura dos autores clássicos era imposta, de forma contundente no


Programa do 2º ano de 1870. Na verdade, a leitura era vista como referência no
estudo da língua portuguesa nos três anos, uma vez que servia tanto aos
exercícios de leitura, recitação e ortografia, quando era associada ao ensino da
gramática desde 1855, e indicada para os exercícios de redação e para as
composições, estabelecendo, dessa forma, um elo entre ler e produzir textos,
prática referente à Retórica e Poética.

Outro acréscimo importante na Reforma de 1870 foi o estudo histórico de


língua portuguesa no 3º ano. Apesar dessas ampliações, a ascensão da língua
portuguesa não se deu somente no nível da carga horária. Foi determinado que a
gramática da língua nacional servisse de referência às outras línguas, ou melhor.
O Programa “definiu que toda gramática estrangeira ensinada no Pedro II (latina,
grega, francesa, inglesa e alemã), deveria ser "sempre comparada com a da
língua portuguesa".

Ainda em 1870, para complementar o estudo gramatical no primeiro ano do


Pedro II, foi adotado o compêndio Ornamentos da Memória do padre José Ignácio
Roquette (1801- ?)8. No subtítulo já se depreende a finalidade e as escolhas:

8
José Ignácio Roquette, clérigo português, “viveu muitos anos em Paris até ser nomeado em 1858
professor de Hermenêutica e Eloquência Sagrada do Seminário Patriarcal de Lisboa, cidade onde
89

exercícios seletos para formar o bom gosto e verdadeiro estilo da língua


portuguesa, extraídos dos melhores clássicos em prosa e verso.

No prólogo, o padre Roquette elege a leitura (e memorização) dos


clássicos reunidos por ele, sobretudo Camões, Vieira e Bernardes, como a melhor
solução para combater diversos males da educação dos jovens "mancebos":

Que a lição aturada e refletida de nossos Clássicos seja o meio único e


seguro de bem aprender a língua materna, verdade é de todos mui
conhecida e aprovada. Como suceda porém que este estudo, não tão
fácil nem tão breve como parece, não possa fazer-se senão de findos os
estudos preparatórios e os maiores das ciências e faculdades superiores
da universidade; e como por outro lado faleçamos de um bom método de
ensino literário em que a língua e literatura materna figure a par das
línguas estranhas, antigas e modernas, até se completar por uma
retórica nacional; acontece quase sempre que, tendo adquirido nas aulas
e liceus, nas academias e escolas superiores, mui avultados
conhecimentos das línguas estranhas antigas e modernas, achamo-nos
por extremo pobres de conhecimentos da nossa, que falamos só por a
ouvir falar, e talvez com os erros vulgares a que não atendemos, ou que
por ventura defendemos só porque os bebemos com o leite, e ninguém
deles nos advertiu.
Acontece mais, que familiarizados com as belezas das outras línguas, e
não tendo nenhuma notícia das da nossa, a acusamos de imperfeita e
pobre, e por ventura a desprezamos, sendo que a imperfeição e a
pobreza estão em nós, e não nela, e devêramos começar por bem
aprendê-la, para a compararmos com as outras, e então conheceríamos
nossa injustiça, e faríamos dela o bem merecido apreço que fizeram
Camões e Vieira.
Também acontece que muitos, grandes admiradores da língua em que
tantos Poetas cantaram os heróicos feitos nacionais, e justos
apreciadores de suas belezas poéticas, desdenham dar-se ao estudo de
seu mecanismo gramatical, e não se acham bem providos de um sem
número de expressões elegantes e formosas, de que abundam nossos
bons escritores, e que uma educação incompleta não soube dar-lhes.
Para obviar a estes inconvenientes um só meio há, mas seguro e eficaz,
o qual consiste em fazer aprender de cor aos meninos, desde seus
primeiros anos, os lugares mais notáveis de nossos bons autores,
mormente os poetas, para deste modo se familiarizarem com a boa
linguagem de seus maiores, e não ficarem, por assim dizer, estranhos
em sua própria terra.
Os pais e os mestres que, durante a educação de seus filhos e alunos,
lhes fizerem aprender todos os dias alguns pedaços bem escolhidos de
nossos clássicos, dar-lhes-ão um tesouro de eloqüência, cuja utilidade
ao diante conhecerão, e saberão apreciar quando houverem de compor

serviu também como secretário de despachos do cardeal patriarca D. Manuel Bento Rorigues. Em
1847, recebeu do Imperador do Brasil a Ordem de Cavaleiro Imperial da Rosa. O contato com o
Imperador brasileiro talvez tenha animado o autor a dedicar seu compêndio à "educação da
mocidade portuguesa e brasileira" Foi nomeado sócio correspondente da Academia Real das
Ciências de Lisboa em 1850”. (RAZZINI, 2000, p. 42).
90

ou falar no pátrio idioma; e lhes darão ao mesmo tempo o melhor


antídoto contra a peste de linguagem peregrina, mormente francesa, que
impunemente tem desfigurado a formosa língua que nos legaram Barros,
Camões, Luiz de Souza, Vieira e Bernardes.
Para facilitar este aperfeiçoamento, tanto para desejar na educação dos
mancebos portugueses e brasileiros, escolhemos dos nossos melhores
autores os lugares mais distintos, em que há mais riqueza de linguagem,
e em que o gênio, nobreza e harmonia da língua se ostentam com mais
vigor e amenidade, dando sempre preferência aos assuntos morais e
descritivos, como os mais úteis e recreativos, e fizemos deles esta
pequena Seleta, cuja utilidade será por certo maior que seu tamanho se
bem se atender às razões que levamos expendidas. [...]. (apud
RAZZINI, 2000, p. 42).

Como se pode perceber, talvez, esse Compêndio estivesse muito mais


direcionado ao público das escolas brasileiras do que propriamente às escolas
portuguesas quando afirma: “Acontece mais, que familiarizados com as belezas
das outras línguas, e não tendo nenhuma notícia das da nossa, a acusamos de
imperfeita e pobre, e por ventura a desprezamos, sendo que a imperfeição e a
pobreza estão em nós, e não nela, e devêramos começar por bem aprendê-la...”.
Seu compêndio foi adotado oficialmente quando o ensino da língua vernácula
encontrava-se em ascensão mo Colégio Pedro II, ou seja, a ela estava sendo
dada maior atenção e carga horária.
91

Figura 09- Ornamentos da Memória de Pe. Roquette.

No segundo ano, foi adotada a Gramática Portuguesa de Vergueiro e


Pertence, impressa em Lisboa em 1861. Foram adotadas ainda duas antologias
lusitanas, a Seleta Portuguesa para uso das escolas de Francisco Martins de
Andrade, publicada em Lisboa em 1859, e as Poesias Seletas (1860) de Henrique
Carlos Midosi, publicada sua 14ª edição em Lisboa, pela Imprensa Nacional, em
1884.
92

Figura 10- Compêndio de Gramática Portuguesa- Vergueiro e Pertence

No terceiro ano, foi acrescentado o estudo histórico da língua portuguesa,


cuja base estava, em parte, na gramática geral (que comparava o vernáculo com
o latim), expressa pela adoção do compêndio de Sotero dos Reis (1ª edição 1862)
93

Postilas de gramática geral aplicada à língua portuguesa pela análise dos


clássicos, ou guia para a construção portuguesa.

Essa gramática fora adotada pela primeira vez em 1866. Desde então, ela
“reinou nos bancos escolares brasileiros antes mesmo do programa de exames
de Fausto Barreto”. (FÁVERO, 2006, p. 92). Apesar de seguir os princípios da
gramática filosófica, em grande parte já substituída pelo modelo histórico-
comparativo, e de receber críticas severas de Grivet, essa gramática continuou a
ser adotada por todo o país.

Logo em sua introdução, Sotero dos Reis divide sua gramática em geral e
particular, destacando a primeira como ciência e a segunda como arte. Segundo
Fávero (2006, p. 94), “inscreve a gramática portuguesa definindo que também
seria considerada a arte de falar e escrever corretamente”.
94

Figura 11- Gramática Geral- Sotero dos Reis.


95

Foi também nesse programa que apareceram alguns sinais de que novas
teorias linguísticas chegavam à escola, ao comparar o vernáculo com o latim e
estudar as influências que ele recebeu de outras línguas modernas e das línguas
arábica e indígena.

A inclusão da influência indígena, em particular, aponta que o estudo


histórico da língua portuguesa no Colégio Pedro II desembocava no Brasil,
lembrando questões nevrálgicas debatidas por escritores dos dois lados do
Atlântico, sobre a existência ou não de uma língua e de uma literatura
especificamente brasileira, referindo-se às censuras de escritores portugueses
sobre nossa produção literária, que suscitaram respostas indignadas de autores
brasileiros. Algumas discussões acabaram em polêmicas, veiculadas pela
imprensa, como a de José de Alencar e José Feliciano de Castilho (1871), e a de
Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco (1879). O foco principal das polêmicas
incidia na discussão sobre a originalidade da língua e da literatura produzidas no
Brasil.

Em 1876, o Regulamento anexo ao decreto 6.130 de 1º de março, diminuiu


um ano de estudo do vernáculo. Mas, conforme tabela de horário de 1877,
observa-se o ganho de 15% na carga horária de português. Esse aumento aliado
à antecipação das aulas de retórica e poética para o quinto ano (cuja carga
horária também aumentara para seis horas semanais), reconhecia a tendência de
"aligeirar os estudos requeridos para matrícula nas Faculdades", dispondo-os
"nas primeiras cinco séries do curso". (HAIDAR, 1972, p. 127).

O programa de 1887, que já foi elaborado por Fausto Barreto, apresenta-se


voltado para os Exames Preparatórios – prova escrita e prova oral. A prova
escrita consistia em uma composição livre sobre o assunto que a sorte
designasse dentre os pontos organizados diariamente pela comissão julgadora. A
prova oral consistia em: 1º análise fonética, etimológica e sintática de um trecho
de extensão razoável, escolhido pela comissão julgadora em uma página
sorteada, na forma do regulamento vigente, de um dos livros abaixo indicados; 2º
da exposição de um dos pontos gramaticais seguintes, também sorteados na
forma das disposições regulamentares.
96

Os livros indicados foram: Os Lusíadas de Camões, A História do padre


Francisco Xavier, de Lucena, A vida do Arcebispo, de Frei Luiz de Souza, A
Ulisséia, de Gabriel de Castro, O Caramuru , de Santa Rita Durão, O Feliz
independente , de Padre Teodoro de Almeida, Vida do Padre Antônio Vieira, de
João Francisco Lisboa e A camoneana, do Barão de Paranapiacaba.

Os pontos orais foram assim relacionados:

1. Observações gerais sobre o que se entende por gramática geral, por


gramática histórica ou comparativa e por gramática descritiva ou expositiva.
Objeto da gramática portuguesa e divisão de seu estudo. Fonologia: os
sons e as letras; classificação dos sons e das letãs; vogais; grupos
vocálicos; consoantes; grupos consonantais; sílabas; grupos silábicos;
vocábulos; notações léxicas.
2. Da acentuação e da quantidade;
3. Origem das letras portuguesas; leis que presidem à permuta das letras;
importância destas transformações fônicas no processo de derivação de
palavras;
4. Dos metaplasmos;
5. Dos sistemas de ortografia e das causas de sua irregularidade;
6. Morfologia: estrutura da palavra: raiz, temas, terminações; afixos. Do
sentido das palavras deduzido dos elementos mórficos que as constituem;
desenvolvimento de sentidos novos nas palavras;
7. Da classificação das palavras. Do substantivo e suas espécies.
8. Da classificação das palavras. Do adjetivo e suas espécies;
9. Da classificação das palavras. Do pronome e suas espécies.
10. Da classificação das palavras. Do verbo e suas espécies.
11. Da classificação das palavras. Das palavras invariáveis.
12. Agrupamento de palavras por famílias e por associação de ideias. Dos
sinônimos, homônimos e parônimos.
13. Flexão dos nomes: gênero, número, caso. Noções de declinação latina.
Desaparecimento do neutro latino em Português; vestígios de neutro em
Português; vestígios de declinação em Português. Origem do s plural.
97

14. Flexão dos nomes: grau do substantivo e do adjetivo; comparativos e


superlativos analíticos.
15. Flexão dos nomes; flexão do pronome; declinação dos pronomes pessoais;
16. Flexão do verbo; conjugação; formas de conjugação
17. Formação de palavras em geral. Composição por prefixos e por
justaposição Estudo dos prefixos.
18. Formação de palavras em geral. Derivação própria (por sufixos); derivação
imprópria (sem sufixos). Estudo dos sufixos.
19. Das palavras variáveis formadas no próprio seio da língua portuguesa
20. Das palavras invariáveis formadas no próprio seio da língua portuguesa
21. Etimologia portuguesa; princípios em que se baseia a etimologia. Leis que
presidiram à formação do léxico português.
22. Da constituição do léxico português. Línguas que maior contingente
forneceram ao vocábulo português.
23. Caráter diferencial entre vocábulos de origem popular e os de formação
erudita; duplas ou formas divergentes;
24. Da criação das palavras novas. Hibridismos.
25. Etimologia do substantivo e do adjetivo. Influência dos casos na etimologia
dos nomes
26. Etimologia do artigo e do pronome
27. Etimologia das formas verbais; comparação da conjugação latina com a
portuguesa
28. Etimologia das palavras invariáveis
29. Da sintaxe em geral. Breves noções sobre a estrutura oracional, do Latim
popular e do Latim culto. Tipos sintáticos divergentes na língua portuguesa.
30. Sintaxe da proposição simples. Espécies de proposição simples quanto à
forma e à significação. Dos membros da proposição simples.
31. Sintaxe da proposição composta ou do período composto. Coordenação
Subordinação. Classificação das proposições.
32. Regras de sintaxe relativas a cada um dos termos ou membros da
composição.
33. Regras de sintaxe relativas ao substantivo e ao adjetivo.
34. Regras de sintaxe relativas ao pronome
98

35. Regras de sintaxe relativas ao verbo. Do emprego dos modos e tempos,


correspondência dos tempos dos verbos nas proposições coordenadas e
nas proposições subordinadas.
36. Regras de sintaxe relativas às formas nominais do verbo
37. Regras de sintaxe relativas às palavras invariáveis
38. Sintaxe do verbo haver e do pronome se
39. Da construção: ordens das palavras na proposição simples e das
proposições simples no período composto.
40. Da colocação dos pronomes pessoais
41. Das notações sintáticas; pontuação; emprego das letras maiúsculas;
42. Figuras de sintaxe. Partículas de realce
43. Dos vícios de linguagem
44. Das anomalias gramaticais, idiotismos, provincialismos, brasileirismos e
dialeto
45. Das alterações léxicas e sintáticas; arcaísmo e neologismo
46. A sintaxe e o estilo

Como se pode observar, o programa estabelecido proporcionou a


construção de gramáticas neste período que obedeciam exatamente aos tópicos
assinalados. Ainda no Regulamento, previa-se a possibilidade de se firmar
contrato entre o governo e os professores do Colégio Pedro II, para a elaboração
de compêndios, cuja adoção estaria garantida, desde que merecesse a
aprovação do mesmo Governo. Dessa maneira, então, o poder público subsidiava
alguns autores de livros didáticos e garantia o consumo da obra no colégio
modelo, facilitando a concorrência com os livros didáticos portugueses, sempre
presentes nos Programas de Ensino do Colégio Pedro II, o que contribuía para a
nacionalização do livro escolar brasileiro. Para Souza (1998, p. 231),

O consumo escolar do livro lançou autores e editores num


empreendimento lucrativo na indústria dos manuais escolares. A falta de
manuais escolares para professores e alunos era atestada pelos
reformadores da instrução pública em São Paulo. De fato, a literatura
didática dos tempos do Império era bastante precária. Poucos eram os
compêndios pedagógicos em língua portuguesa e nas escolas de
primeiras letras era comum o uso de cartas manuscritas e debuxos feitos
pelo próprio professor. Para sanar tais dificuldades, os reformadores
previram a iniciativa do Estado na publicação de periódicos pedagógicos
99

e manuais didáticos para orientação dos professores. Nascia, assim, a


política do livro didático. Em relação aos alunos, o Estado assumiu o
controle absoluto sobre os livros e materiais escolares.

Com o incentivo dado pelo Decreto e obedecendo ao Programa de 1877,


foram valorizadas as obras produzidas pelos lentes do Colégio Pedro II, como a
Gramática Portuguesa do baiano Manoel Olímpio Rodrigues da Costa9, professor
de português do primeiro ano do externato do Colégio Pedro II. Junto com ela, foi
indicado o Meandro Poético (1864) do Cônego Fernandes Pinheiro, que reuniu
versos e notícias biográficas de catorze autores brasileiros do século XVIII e início
do XIX, abrasileirando um pouco o currículo de português que, cada vez mais,
buscaria a implantação da cultura nacional.

Entretanto, junto com a gramática de Olímpio da Costa e o Meandro


Poético, ainda foi adotado o primeiro volume da Seleta Nacional de Caldas
Aulete, publicado em 1873. Esse compêndio foi muito importante, pois
permaneceria no currículo do Colégio Pedro II até 1886.

Ainda nos anos 60 do século XIX, Caldas Aulete publicou sua Grammatica
Nacional. Explicitamente, sua produção denotava “sua ocupação como homem de
letras perante a formação de uma cultura erudita, no cômputo da norma culta na
língua portuguesa. Era necessário formar o indivíduo para a construção do
discurso e para o uso elaborado das combinações linguísticas autorizadas pela
gramática nacional”.(BOTO, online).

9
Manoel Olímpio Rodrigues da Costa (?-1891) foi professor do Ginásio baiano, da Escola
Normal da corte e professor de português, aritmética e geografia do primeiro ano do Colégio Pedro
II. Publicou dois compêndios: Gramática portuguesa e Noções de aritmética, (o último "sob as
vistas" de Abílio Cesar Borges), ambos adotados pelo governo imperial.
100

Figura 12- Gramática Nacional Elementar- Caldas Aulete


101

Figura 13- Curso Prático de Literatura Portuguesa- Caldas Aulete


102

Na 5ª edição da Seleta Nacional, publicada em 1882, "correta e


aumentada" por Antonio da Silva Túlio (cunhado de Caldas Aulete), foram
reunidos, sob o título genérico de Literatura: parábolas do evangelho; apólogos;
anedotas; contos; breves narrações; descrições; definições; lendas; romances;
prosa dialogada; prosa bucólica; alegorias; tipos nacionais; paralelos; caracteres e
retratos; pensamentos e sentenças; provérbios e rifões; história e biografia;
religião, filosofia, moral e ciência; papéis oficiais; cartas; estilo gongórico; estilo
bíblico e estado da língua portuguesa nos primeiros séculos da monarquia.
Embora essa seleta, denominada Seleta Nacional, tivesse sido composta,
principalmente, por textos de autores portugueses, como Manuel Bernardes e
Antonio Vieira, foram introduzidos em suas páginas vários excertos do
Romantismo brasileiro.

O século XIX foi um dos mais profícuos, em relação á construção de


gramáticas no Brasil. A maioria delas, publicadas com a finalidade de atender às
exigências impostas pelos programas, teve no

método histórico-comparativo seu principal modelo teórico de análise e


investigação da linguagem hu
mana, fazendo desse ideário um campo promissor de pesquisas que
ultrapassariam o âmbito específico da linguística e concorreria
diretamente para a posterior clivagem nos estudos linguísticos,
promovida pela figura emblemática de Ferdinand de Saussure”. (SILVA,
2006, p. 5).

Sob inspiração positivista, as gramáticas produzidas, no século XIX,


consolidam a concepção de linguagem “como um conjunto de regras científicas,
positivas, que devem ser seguidas como normas prescritivas invariáveis”. (idem).
A segunda metade do século XIX, na verdade, “esteve sob a influência da
gramática histórico-comparativa, com o evolucionismo concebendo a língua como
organismo vivo ‘sujeita à grande lei da luta pela existência, à lei da seleção’”.
(FÁVERO, 2000, p. 190).
103

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino de Língua Portuguesa, no Brasil, caracterizou-se pelas mudanças


ao longo da história da educação. Se, nos séculos XVI e XVII, o ensino tinha com
objetivo civilizar o gentio e formar a elite colonizadora, com o intuito de oficializar
a língua portuguesa em terras brasileiras, no século XVIII, era o de preservar, na
educação enciclopédica, as bases para o ensino do latim, língua considerada
erudita.

No século XIX, com a educação mais sistematizada, o ensino da língua


portuguesa acompanhou os vieses pedagógicos, propugnados pelas linhas
filosóficas do positivismo e do evolucionismo, transformando-se em disciplina, não
mais auxiliar, mas obrigatória no currículo, principalmente, do ensino secundário.

Em 1837, depois da construção do colégio Pedro II, o ensino de língua


portuguesa se atrela não só às políticas educacionais, mas também aos estudos
linguísticos, refletidos nos compêndios utilizados. Sua função, primordialmente,
era a de preparar a elite para assumir cargos administrativos e políticos.

A carga horária prevista para o ensino de língua portuguesa, também


nomeada, em alguns currículos como Gramática Nacional, foi, muitas vezes,
modificada a fim de melhor compatibilizar os objetivos educacionais de cada
momento histórico. Inicialmente, na matriz curricular do Pedro II, eram dedicadas
10 aulas, enquanto para Latim, 50 aulas. Isso mostra que o Latim era uma
disciplina muito mais importante para o aluno secundarista do que a Língua
Portuguesa. Uma das hipóteses levantadas por Fávero (2002) é a de que, talvez,
os alunos, por fazerem parte da elite, já dominassem a gramática da Língua
Portuguesa e só precisassem de poucas aulas para ampliar seus conhecimentos.

Os exames preparatórios também eram responsáveis pela construção das


prioridades no ensino secundário. As gramáticas, nesse aspecto, exerceram
grande importância. Elas eram geradas, conforme o programa que, por sua vez,
lhes garantia a posterior circulação. Em outras palavras, os compêndios e
programas impostos pelo Colégio Pedro II eram adotados por todas as outras
104

províncias, numa tentativa de uniformizar o ensino em terras brasileiras, além de


ter garantida a reprodução dos pontos exigidos nos exames preparatórios. A
maioria das gramáticas, por conta dessas imposições, teve suas edições
multiplicadas, como as de Júlio Ribeiro, João Ribeiro, Sotero dos Reis etc.

Conclui-se, então, que o ensino de língua portuguesa, no século XIX,


esteve atrelado, principalmente, ao ensino da gramática, livro didático que
oferecia o suporte necessário para que o aluno aprendesse outras disciplinas,
como o Latim, Francês e Aritmética. Em relação à concepção linguística que a
norteia, a gramática da língua portuguesa esteve sob a influência de regras
científicas positivas, diferenciando-se de suas antecessoras que estiveram sob a
influência da gramática filosófica de Jerônimo Soares Barbosa.

A história do ensino de Língua portuguesa, cuja função era,


primordialmente, formar a elite, portanto, se confunde com a história das
gramáticas adotadas nas escolas do país.
105

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