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INTRODUÇÃO

A sociedade moderna está cercada de todos os lados pelos vários sistemas de comunicação.
Estudar a comunicação social é uma necessidade atual de todos os povos em qualquer parte
do mundo. Conhecer e dominar os sistemas de informação e da comunicação é indispensável
no mundo globalizado. Estamos iniciando os últimos passos para a saída do século XX e os
primeiros para a entrada do século XXI. Neste período de transição o ser humano vive
momentos de incertezas da comunicação e de (in)comunicação, das crises políticas, culturais,
econômicas e religiosas. As distâncias na sociedade contemporânea estão cada vez mais
próximas, quer seja pelos modernos meios de transporte ou pelas telecomunicações via
satélite, Internet, etc. Com as novas tecnologias, a velocidade da informação e o processo
comunicacional tornam-se cada vez mais complexos e conseqüentemente de mais difícil
compreensão.

No início do século XX o impacto sociocultural e econômico se deu com a revolução industrial.


O século XXI está chegando sob o impacto da revolução dos meios de comunicação e das
novas tecnologias da informação. É inegável a importância dos meios de comunicação social e
sua influência na complexa sociedade globalizada. Desta forma, estudar os mídias passou a
ser uma prioridade no campo das interações sociais. É necessário investigar, compreender e
formular teorias de comunicação que possam atender os interesses da sociedade no mundo
globalizado. Em busca desse objetivo resolvemos fazer algumas reflexões sobre os
paradigmas existentes e tentar abrir algumas brechas que possam contribuir na formatação de
novos ingredientes colaboradores do processo de interpretação e explicação da realidade
atual. É neste mundo globalizado que o homem vive atualmente e dele retira as informações
que irão contribuir para ampliação dos seus conhecimentos e das suas experiências.

Nos anos 80 as novas tecnologias de informação possibilitaram redefinições e reconfigurações


dos mídias, principalmente da mídia eletrônica. O ciclo de retroalimentação dos usuários com
as máquinas, com os mídias é interativo, é de compartilhamento e no mercado são ofertadas
várias maneiras de produção e consumo de produtos culturais. Assim são modificados os
modos de reprodução, de nascimento, crescimento, envelhecimento e óbito da raça humana.
Da mesma forma são modificados os modos de educação, saúde, segurança, trabalho, lazer e
consumo da sociedade no final do século XX. É neste contexto que se deve investigar a
comunicação social, é fazer revelações cotidianas da recepção, dos valores de troca e uso dos
bens culturais circulantes no mundo globalizado.

Antes de mais nada é preciso dizer que a comunicação é uma necessidade inerente de
qualquer ser humano. O homem das cavernas, deixou sua história contada. No momento que
dois ou mais seres humanos se encontram necessariamente a comunicação passa a ser vital
para a convivência e reprodução deste grupo social. Agora, quanto mais organizada for uma
sociedade humana mais complexos serão os seus sistemas de comunicação e mais complexa
será a sua compreensão.

Os estudos específicos em comunicação não são recentes. No século III aC Aristóteles já


estudava a comunicação interpessoal dirigida para determinada audiência. Os estudos sobre a
retórica, desenvolvidos pelos sofistas, enfatizavam a transmissão da informação como
processo de persuasão, composta por três elementos básicos: locutor, discurso e ouvinte[1].

LOCUTOR – a pessoa que fala (quem)

DISCURSO – o que é dito (diz o que)

OUVINTE – a audiência (a quem)

O modelo clássico tricotômico definido por Aristóteles é fundamentado na formulação teoria


para os estudos de comunicação. Este sistema linear perdura até os dias atuais:
Mas só no início do século XX surgem as primeiras preocupações em estudar os fenômenos da
comunicação e as novas tecnologias na sociedade urbana industrial. A mídia impressa já
estava consolidada, o cinema e o rádio começavam a se popularizar, nos anos 50 e com o
surgimento da televisão, ocorrem grandes transformações na produção, circulação e recepção
das mensagens midiáticas.

É na primeira metade do século XX que ocorrem grandes mudanças nas tendências dos
estudos em comunicação quando então se intensificam as linhas de pesquisas quantitativas
para atender à demanda do mercado. A publicidade empregava estratégias para aumentar o
consumo dos produtos industriais. A preocupação com o avanço da propaganda política e os
estudos de opiniões deram novos rumos às pesquisas em comunicação. Foi então que
surgiram as primeiras pesquisas sistematizadas no campo da comunicação, com o objetivo de
conhecer os efeitos dos meios da comunicação de massa.

A depressão econômica de 1929 nos Estados Unidos, as duas guerras mundiais, a guerra fria
entre países capitalistas e socialistas polarizados pelos EUA e pela ex-URSS, geraram nos
meios acadêmicos, em núcleos de pesquisas das ciências humanas e áreas afins
preocupações no sentido de conhecer, os efeitos dos meios de comunicação social sobre a
audiência.

Os estudos para um melhor desenvolvimento científico, tecnológico e cultural da comunicação


têm despertado interesses em várias áreas, consequentemente são muitos os conceitos e
modelos propostos para os estudos e pesquisas da comunicação.

A comunicação é um processo que viabiliza a troca de mensagens entre pessoas. É, portanto,


uma atividade cada vez mais utilizada nas relações sociais humanas modernas. Devido à sua
complexidade atual e aos amplos campos de interesse fica cada vez mais conflitante a sua
definição. Na verdade, comunicação é uma atividade que praticamos todos os dias,
conhecemos mas não sabemos defini-la satisfatoriamente.

Comunicação é uma palavra que vem do latim communicare, que tem o significado de: trocar
opiniões, partilhar, tornar comum, conferenciar.

Não existe uma definição de consenso para comunicação. No ato de comunicar os signos e os
códigos sempre estarão presentes. Também podemos afirmar que os signos e os códigos são
transmitidos e nesse processo de remeter ou receber signos e códigos dá-se o ato de
comunicar. Por isso podemos afirmar que toda a comunicação envolve signos, significantes,
significados, decodificações entre locutor e ouvinte.

Todo e qualquer ato de comunicação é impulsionado por vários sistemas de ligações que se
completam em diversas situações e adequadamente à nossa percepção. O ato de beijar: “a
mãe” é diferente do beijo “na namorada, na esposa, na filha, no afilhado, na amiga e na
vizinha”, falar uns com os outros, assistir televisão, ouvir rádio, ler uma crônica esportiva em tal
jornal etc. Todo o ato de comunicar tem a sua dimensão sociocultural.

A comunicação pode ser realizada também através do contato físico (abraços, beijos, relações
sexuais, carinhos etc.); da expressão corporal (acenos, olhares, choros, risos, gestos, etc.) é
uma prática efetivada através dos diferentes sistemas simbólicos. É ilimitada a capacidade do
homem se comunicar tanto verbalmente como não-verbalmente. O homem é um fenômeno
social que avança nos campos científico e tecnológico. É o único ser vivo que se comunica
através de código digital, analógico e através da mensagem realiza a interação social.

Com a preocupação de melhor definir os estudos de comunicação Fiske.[2] analisa duas


importantes linhas teóricas. A escola processual como uma tentativa de aproximação das
ciências sociais, da psicologia e da sociologia com o objetivo de compreender os atos da
comunicação. A escola semiótica tenta uma aproximação da lingüística com as artes para
compreender a produção e elaboração da mensagem. A primeira como sendo a transmissão de
mensagens e a segunda como a produção e troca de significados.

No primeiro caso os estudos estão voltados para o modo como os emissores e os receptores
codificam e decodificam as mensagens, como são selecionados e utilizados os canais e os
meios de comunicação. Como a comunicação influencia a motivação e o comportamento da
recepção.

Quando o efeito é diferente ou menor do que aquele que se pretendia, esta escola tende a falar
em termos de fracasso de comunicação e a analisar os estádios do processo para descobrir
onde é que a falha ocorreu.[3]

No modelo da teoria da informação a comunicação é definida como a transferência de


mensagens de uma fonte para um destinatário e estuda por etapas os componentes do
sistema: fonte, canais, ruídos, recepção, e destino. É basicamente o estudo da transferência da
mensagem de uma fonte para um destinatário. Veja o esquema elaborado por Shannon e
Weaver, dois engenheiros eletrônicos:

A segunda linha de estudo está voltada para a análise dos significados das mensagens nas
culturas. Qual a função da comunicação na nossa cultura e como as mensagens interagem nos
grupos sociais ou nas pessoas. Esta linha de investigação dos signos e significados
denominada de semiótica não considera como fracasso os conflitos, os objetivos não
alcançados no ato de comunicação. O que existe são resultados das diferenças culturais entre
emissor e receptor.

Neste aspecto os estudos estão voltados para as gerações de novos significados, na


compreensão dos signos, das significações, ícones, das denotações e conotações, das
diferentes formas de comunicação criadora de sentidos.

No modelo estruturalista a análise é conjuntural e não por etapas como nos modelos lineares.

A difusão de uma mensagem poderá ser igual e recebida por grandes audiências, porém
sempre serão percebidas diferentemente. Portanto comunicação em todas as situações nunca
será mera transferência de informações. A recepção de mensagens, veiculadas por canais,
interpessoal ou de massa são percebidas e processadas de maneiras diferentes. Cada pessoa
integrante de uma audiência tem diferenças cognitivas e particularidades com relação aos
conteúdos discursivos interpessoais ou midiáticos.

O sistema de armazenamento da memória humana é dinâmico, crítico e não passivo.É mais


um aspecto que diferencia o ser humano dos outros animais e da robótica.

Uma mensagem recebida passa por uma série de avaliações que vão refletir, com maior ou
menor intensidade, de acordo com a capacidade crítica e de organização individual ou coletiva
dos que integram o grupo de recepção. É importante, não é importante, tem prioridade ou não
tem, é verdadeira ou falsa são alguns dos questionamentos que acontecem na recepção
humana. O sujeito receptor julga, decodifica e seleciona conteúdos das mensagens interagindo
com o seu grupo social.
A linha de estudo processual define comunicação como um processo de interação social entre
duas ou mais pessoas, cuja relação poderá influenciar no comportamento, na motivação e no
estado emocional do emissor ou do receptor.

Na linha de estudo semiótica a comunicação como interação social é estabelecida pelas


relações das pessoas como sujeitos membros de um determinado grupo social e cultural.

São divergentes os pensamentos nas duas escolas com relação ao conceito de mensagem.
Quanto a definição do que é uma mensagem na escola processual e semiótica Fiske diz que:

Para a escola processual, a mensagem é o que é transmitido pelo processo de comunicação.


Muitos dos seus seguidores consideram que a intenção é um factor crucial para decidir sobre o
que constitui uma mensagem. (...) Para a semiótica, por outro lado, a mensagem é uma
construção de signos que, pela interação com os receptores, produzem significados. O
emissor, definido como transmissor da mensagem, perde importância. A ênfase vira-se para o
texto e para a forma como este é “lido”. E ler é o processo de descobrir significados que ocorre
quando o leitor interage ou negoceia com o texto.[4]

A sociedade globalizada recebe um volume cada vez maior de comunicação por todos os
lados. Quanto mais organizada uma sociedade humana, maior é a quantidade de informação
recebida. Quando estamos falando, gesticulando, escrevendo, pintando, usando o nosso cartão
de crédito, o telefone, o computador, assistindo televisão, teatro cinema e executamos tantas
outras atividades do nosso cotidiano, utilizamos, seguidamente, vários meios de informação e
de comunicação.

O século XX está chegando ao final e sem dúvida será historicamente considerado como o
século das comunicações e das novas tecnologias virtuais. O casal, Mattelart, faz a seguinte
análise da comunicação no final deste século:

A noção de comunicação recobre uma multiplicidade de sentidos. Se isso vem sendo assim há
muito, a proliferação das tecnologias e a profissionalização das práticas acrescentaram novas
vozes e essa polifonia, num fim de século que faz da comunicação uma figura emblemática
das sociedades do Terceiro Milênio. [5]

Para entender a evolução do que é comunicação, neste final de século, analisaremos alguns
dos paradigmas já consagrados e os emergentes, os que estão chegando agora nas últimas
décadas do século e início do milênio. Modelos de estudos de comunicação adequados à
realidade do mundo globalizado e em especial para a realidade sociocultural, econômica e
política da América Latina.

TENDÊNCIAS DOS ESTUDOS DE COMUNICAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

Os primeiros estudos sistemáticos de comunicação na América Latina se iniciam nos anos 30


na Argentina e no Brasil. Nos anos 50 já havia escolas de comunicação na Argentina, Brasil,
Colômbia, Cuba, Equador, México, Peru e Venezuela. Na década de 60 o número de escolas e
de centros de pesquisas na América Latina já tinha triplicado.

O mais importante centro de estudos e pesquisas em comunicação nos anos 60 foi o CIESPAL
(Centro Internacional de Estudos Superiores de Comunicação para América Latina) com sede
em Quito, no Equador. Por alguns anos foi o principal centro de formação profissional, na área
de comunicação, na América Latina.

A fase inicial do CIESPAL foi marcada pelo paradigma funcionalista com base nos modelos de
Lasswell, Lazarsfeld e Schramm. Essas teorias foram utilizadas na capacitação profissional e
nas linhas de pesquisa voltadas para as áreas de comunicação e modernidade, rádio e tele-
educação, difusão de novas tecnologias para o meio rural, liderança de opinião e os agentes de
extensão rural.
As pesquisas quantitativas, de análise de conteúdo e de efeitos foram as mais utilizadas nos
estudos desenvolvidos pelo CIESPAL.[6] O método do CIESPAL era direcionado para a
formação de profissionais polivalentes e posteriormente passou a ser criticado por ser
incompatível com a realidade do mercado latino-americano.[7]

Nos anos 60 na Venezuela e 70 no Brasil predomina a Teoria Crítica – indústria cultural e


manipulação. Os estudos desenvolvidos pela Escola de Frankfurt com as linhas de pesquisa
sobre as mensagens dos meios de comunicação de massa ganham terreno no ensino de
comunicação no Brasil. Tinham a característica de denunciar a ideologia do consumo imposta
pelos meios de comunicação de massa, a invasão das multinacionais de comunicação na
América Latina e a dependência econômica e cultural. Nesse mesmo período se intensificam
as pesquisas funcionalistas com temáticas sobre as políticas de comunicação nacionais e
internacionais.

A Escola de Frankfurt de Pesquisa Social é fundada em 1923 por intelectuais alemães de


esquerda de origem judaica, que desenvolveram uma teoria crítica sobre o capitalismo
moderno que emergia na Europa e nos Estados Unidos da América. O momento político e
econômico da época foi fundamental para formulação das análises frankfurtianas sobre a
cultura operária/popular na Alemanha Nazista e na América do Norte Imperialista. Adorno,
Horkheimer e Benjamin os mais importantes pensadores da Escola de Frankfurt, perseguidos
pelo nazismo fogem da Alemanha nos anos 30 e buscam abrigo em outros países. Adorno e
Horkheimer exilam-se na América do Norte e Benjamin refugia-se em Paris e, com a invasão
nazista, é forçado a deixar a França mas antes de conseguir asilo político na América do Norte
suicidou-se. Os pensadores da Escola de Frankfurt tinham uma posição crítica em relação aos
que faziam a Escola Funcionalista, que estava conectada ao capitalismo moderno e ao
mercado de consumo em massa. A preocupação com a industrialização cultural uma
conseqüência da industrialização dos meios de comunicação dão “mote” para numerosas
pesquisas de elaboração de dissertações e teses nas universidades brasileiras influenciadas
pela duas escolas.

Nos anos 30 a influência da indústria cultural já era nítida nos Estados Unidos e na Europa.
Nos anos 50 expande-se por outras partes do mundo entre elas América Latina e
evidentemente o Brasil.

As reflexões que se seguem não deixam de reconhecer a importância dos estudos dos
funcionalistas e dos frankfurtianos, das polêmicas entre apocalípticos e integrados. Nos anos
70/80 o mal-estar, a insatisfação estava instalada nos meios acadêmicos e centros de
pesquisas de comunicação com relação aos modelos consagrados e os estudos de
comunicação no mundo globalizado e em particular na América Latina. Era necessário mudar o
enfoque dos estudos de comunicação relacionados com as novas matrizes culturais, com as
novas configurações das identidades locais e globais, o papel dos emissor e receptor na
comunicação de massa ou face a face.

A TEORIA DA FOLKCOMUNICAÇÃO

Em março de 1965 o professor e jornalista Luiz Beltrão publica um artigo sobre o ex-voto como
veículo de comunicação popular, na Revista Comunicação e Problemas. Iniciam-se então as
primeiras reflexões para formatação de um modelo de comunicação comunitária/horizontal, que
viria a ser mais tarde a teoria da folkcomunicação:

Não é somente pelos meios ortodoxos – a imprensa, o rádio a televisão, o cinema a arte
erudita e a ciência acadêmica – que, em países como o nosso, de elevado índice de
analfabetos e incultos, ou em determinadas circunstâncias sociais e política, mesmo nas
nações de maior desenvolvimento cultural, não é somente por tais meios e veículos que a
massa se comunica e a opinião pública se manifesta. Um dos grandes canais de comunicação
coletiva é, sem dúvida, o folclore. [8]

Luiz Beltrão percebe e chama atenção para a importante função do líder de opinião como
agente de comunicação social no sistema da comunicação popular. Esses agentes
comunicadores do sistema interativo local de comunicação, que Beltrão passou a chamar de
agentes da folkcomunicação, são na realidade (inter)mediadores dos processos de recepção
das mensagens midiáticas que circulam nos vários estágios de difusão nos grupos de
referência:

Das conversas de boca de noite, nas pequenas cidades interioranas, na farmácia ou na


barbearia; da troca de impressão provocada pelas notícias trazidas pelo chofer de caminhão,
pelo representante comercial ou pelo “bicheiro”, ou , ainda, pelos versos do poeta distante,
impressos no folheto que se compra na feira, pelos “martelos” do cantador ambulante; pelos
inflamados artigos do jornalista matuto ou pelas severas admoestações dos missionários; do
raciocínio do homem solitário no seu trabalho na floresta, na caatinga ou na coxilha – é que
surgem, vão tomando forma, cristalizando-se as idéias-motrizes, capazes de, em dado instante
e sob certo estímulo levar aquela massa aparentemente dissociada e apática a uma ação
uniforme e eficaz.[9]

Esta relação cada vez mais próxima entre os produtores da cultura popular/folclórica e a cultura
dos mídias do sistema social global, despertou no pesquisador Beltrão o interesse em estudar
as novas relações socioculturais dos líderes de opinião local com as culturas dos mídias.

Na transposição das mensagens dos mídias para a recepção local os líderes de opinião
exercem influências importantes no procedimento, percepção, aceitação e apropriação, mesmo
que em determinadas situações seja dispersa e desorganizada mas, nunca passiva e
homogênea.

Como afirma o próprio autor, no processo de folkcomunicação a mensagem é estruturada


artesanalmente, veiculada horizontalmente e dirigida a uma determinada recepção constituída
na sua maioria por membros de um grupo de referência primário. Beltrão define assim a
folkcomunicação:

(...) o conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, idéias, opiniões e atitudes


dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e meios diretos ou
indiretamente ligados ao folclore.[10]

A folkcomunicação estuda as brechas deixadas de lado pelos investigadores de comunicação,


que até então ignoravam ou não tinham percebido a função dos agentes comunitários nas
redes de comunicação interpessoais nos seus grupos de referência. Beltrão transporta para os
seus estudos, a teoria da comunicação em duas etapas, desenvolvida por Paul Lazarsfeld e
Elihu Katz.

Logo em seguida, Beltrão percebe que o fluxo comunicacional no processo da folkcomunicação


é mais amplo e ocorre em múltiplas etapas, não depende da ação persuasiva dos seus agentes
comunitários como determinava Lazarsfeldf e Katz. Ele avança os seus estudos com base no
paradigma de Schramm para uma realidade latino-americana e em particular para uma
realidade brasileira e nordestina:

Ademais, o público receptor da mensagem massiva é heterogêneo, notadamente no que diz


respeito á cultura; desse modo, o conteúdo latente da comunicação não é captado por uma
parcela significativa da audiência, á qual falta aquela experiência comum que condiciona a
sintonização entre comunicador e receptor.[11]

Os agentes comunitários atuam com maior quantidade e qualidade de informação de acordo


com o seu mundo cognitivo. Quanto maior for o campo de interesse comum entre o emissor e o
receptor maior será o nível de recepção no campo da folkcomunicação. Os líderes de opinião
na folkcomunicação atuam como interagentes socioculturais nas organizações e como
mediadores na recepção das mensagens midiáticas. O comunicador folk – líder de opinião – é
um sujeito atuante nos diferentes setores da comunidade, goza de prestígio no seu grupo
social, independente da sua posição sociocultural, econômica e política. Tem credibilidade
principalmente quando atua no seu terreno de maior conhecimento. Na queijeira quem
determina o ponto do leite para fazer o queijo é o mestre queijeiro, no futebol quem mais
entende é o técnico do time, o mestre de obra “toca” a construção, a rezadeira e curandeira
sabe usar e curar com as plantas medicinais, e assim por diante. O gráfico abaixo é um
demonstrativo visual do funcionamento do modelo de comunicação desenvolvido por Schramm
e que foi adaptado por Beltrão para a Teoria da Folkcomunicação. Vejamos:

Com base no esquema eletrônico de comunicação desenvolvido por Shannon e Weaver, visto
anteriormente, foi possível ao cientista social Wilbour Schramm desenvolver um modelo de
comunicação humana e suas relações com os mídias. É um modelo fundamentado nas teorias
da sociologia e com a preocupação de analisar o processo de comunicação no contexto
cultural do comunicador e do receptor.

O modelo de Schramm valoriza o repertório ou campo de experiência, ou ainda numa definição


atual o mundo cognitivo da fonte (locutor) e do receptor (alocutario). O modelo de múltiplas
etapas de comunicação vai influenciar Beltrão na formulação do modelo da folkcomunicação.

Os atores sociais do processo de comunicação agem de forma sintonizada na recepção da


mensagem, independente do nível de comunicação, quer seja midiática ou face a face. Fonte
(A) e receptor (B) estão conectados com os seus grupos de referencias.

A fonte: no caso poderá ser uma pessoa ou audiência da comunicação de massa. Ou seja,
uma comunicação de menor ou maior alcance;

A mensagem: é analisada em todos os níveis e formas. A comunicação interpessoal ou de


massa. (eletrônica, gestual, oral, escrita visual e quaisquer outros sinais transmitidos,
interpretados e codificados);

O receptor: também poderá ser uma pessoa, um grupo de pessoas ou as grandes audiências
dos meios de comunicação de massa.

Schramm percebe no esquema eletrônico de comunicação a importância da miximização do


ruído e transfere a mesma idéia para a comunicação humana com base nas ciências sociais.
Para obter melhor qualidade da comunicação humana o emissor e receptor devem estar em
sintonia. Ou seja, quanto mais pontos comuns entre ambos melhor será a qualidade da
comunicação. No processo de comunicação nas suas múltiplas etapas sempre acontece o
retorno (feed-back), pelo qual se pode avaliar a interpretação da mensagem.[12]

A comunicação se processa através de redes de informação que por sua vez já traz dados
anteriores. Portando, não é verdadeira a afirmação que o processo tem o seu início em
determinado lugar e termina em outro lugar previamente determinado. No modelo proposto a
comunicação é um constante processo de retroalimentação que acontece em múltiplas etapas.
É um modelo voltado mais para os estudos de audiência dos meios de comunicação de massa.

Para Schramm, a recepção, mesmo que seja individual, está interligada a diferentes grupos
primários (família, amigos, etc.) e secundários (trabalho, escola, igreja, clube, sindicato,
partido político, etc.).

Os sociólogos Riley[13] avançam e aprimoram os métodos de pesquisas sobre a teoria de


múltiplas etapas e formulam um modelo de comunicação cultural que está interligado ao
sistema social global.

Na recepção de uma mensagem dos mídias existe uma grande diversidade de respostas
individuais no mesmo grupo de referência. São respostas dadas dependendo do nível de
interesse entre os membros de uma audiência ou de uma mesma comunidade que vão
influenciar nas decisões tomadas pelo receptor.

A grande contribuição dos Riley é na análise das interligações do emissor (E) e do receptor (R)
com os seus grupos primários de referência que influenciam na percepção das mensagens. É o
que demonstra o gráfico:

Mais adiante os pesquisadores percebem que as interligações do receptor não ficam


demarcadas apenas com os membros dos grupos de referências primárias, são ampliadas para
os grupos secundários e que estão conectadas com o sistema global social.

Suas conexões se expandem de acordo com as suas atividades no sistema sociocultural em


que atuam. Quanto mais complexas forem as atividades do emissor e receptor no seu
ambiente social maiores serão as conexões e consequentemente a diversidade de respostas
às mensagens midiáticas e intergrupais.

O modelo sociológico de comunicação avança em relação aos estudos de comunicação e as


estruturas mais amplas do sistema sociocultural do comunicador e receptor. Os Riley, chamam
atenção para as redes de comunicação existentes em determinada sociedade e que as
relações interpessoais não podem ser ignoradas no processo de recepção dos mídias dentro
do sistema social global:

O processo de comunicação tem, claramente, ramificações além do receptor individual e de


sua estrutura. Esse processo inclui tanto o comunicador como o receptor. E o comunicador,
também, seja um indivíduo ou um grupo organizado, está inserido em uma estrutura de
relações sociais.[14]

Vejamos o seguinte gráfico:


Por último, os Riley, definem a comunicação como fenômeno social que, obviamente, acontece
entre seres humanos que por sua vez são membros de estruturas sociais amplas conectadas
com os grupos primários interligados ao sistema social global. No modelo sociológico
desenvolvido pelo casal Riley a comunicação é resultado de um processo amplo de emissão de
mensagens de pessoas ou de grupos que pertençam ao mesmo sistema de referência.

No gráfico abaixo fica demonstrado o modelo sociocultural de comunicação proposto pelos


Riley, como agem o emissor e o receptor inseridos na mesma estrutura organizacional.

Neste modelo de comunicação, apesar dos avanços, o ranço entre comunicador e receptor, é
mantido de certa forma, ou seja, caracteriza uma polarização entre emissor e receptor. Os
fatores culturais, sociais, pessoais e psicológicos influenciam na produção e recepção da
comunicação. Esta passa a ser a novidade nos estudos de comunicação.

Os fatores culturais – têm grande influência sobre o comportamento do receptor são fator
determinante no processo de recepção individual e decisivo na recepção coletiva.

Os fatores sociais - o receptor é influenciado pelos grupos de referência e em vários aspectos


expõem o receptor a novos estilos de vida, influenciam nas atitudes, na autocrítica, podem criar
resistências às inovações e estimulam novas aspirações.

Os fatores pessoais – as características pessoais influenciam também na recepção: idade,


sexo, ocupação, situação econômica, estilo de vida, auto estima, personalidade etc.

Os fatores psicológicos – exercem importantes influências na recepção: as motivações,


percepções, aprendizagens, crenças e atitudes.

Sem dúvida que é o primeiro passo para a formulação de uma nova metodologia de pesquisa
de comunicação, ou seja, para a construção teórica do método das mediação nos estudos de
recepção que vão influenciar os atuais estudos de comunicação desenvolvidos por Beltrão,
Barbero, Orozco, Immacolata, Jorge González, Benjamin e tantos outros.
A recepção das mensagens midiáticas é um acontecimento individualizado, cada um
decodifica, percebe, retransmite a informação mas, discute e toma decisão dentro dos seus
grupos de referência.

Na folkcomunicação o processo de recepção - folk-midiática - ocorre no grupo primário (família,


vizinhos, amigos de bairro, membros da irmandade religiosa, colegas do trabalho etc.) mediado
pelo agente-comunicador – líder de opinião.

O gráfico a seguir, estruturado por Beltrão, demonstra a correlação entre os dois sistemas: da
folkcomunicação e dos mídia.

No processo de folkcomunicação a mensagem é dirigida para uma determinada audiência


inserida no mesmo contexto cultural, diferentemente das mensagens midiáticas que, em tempo
real, alcançam uma grande audiência com as suas diversidades culturais, territoriais,
econômicas e sociais.

No processo da folkcomunicação a relação emissor/receptor mantém de certa forma o


esquema tradicional de polarização entre ambos no ato de comunicação, conforme está
demonstrado pelas setas do gráfico elaborado por Beltrão. Mas quando foi elaborado o sistema
de folkcomunicação a realidade brasileira era outra. O mundo agora não é mais o mesmo dos
anos 60, predominava nos estudos de comunicação o modelo funcionalista e a dualidade
cultural entre popular e cultura da elite. Para José Marques de Melo:

Nos dias de hoje, as barreiras entre a cultura da elite e a cultura do povo começam a ser
demolidas, em conseqüência do fenômeno da socialização produzida pelos meios de
comunicação coletiva. O impacto do rádio, da televisão, do cinema e da imprensa, utilizando
todos os recursos da tecnologia moderna, realmente desencadeia uma revolução no panorama
cultural: [15]

O interesse nos estudos e nas pesquisas de folkcomunicação se ampliou para uma perspectiva
multidisciplinar, com a intencionalidade de compreender os novos fenômenos comunicacionais
e culturais por que passam os agentes folk.

Os produtores da cultura folk estão ao alcance das mensagens midiáticas, incorporam os bens
culturais midiáticos no seu cotidiano e decodificam para o sistema de recepções folk-midiáticas.
Os mídias se apropriam dos valores da cultura folk para atender os interesses de um novo
mercado de consumo cultural, do turismo e da (re)configuração das identidades socioculturais
locais. Neste procedimento a cultura dos mídias exerce função interativa entre a cultura
dominante e a cultura folclórica.

Marques de Melo faz a seguinte observação sobre a troca de interesses das duas culturas:

(...)estimulando o intercâmbio simbólico entre elas, e, ao mesmo tempo, extraindo de ambas


códigos e elementos míticos que incorpora ao seu próprio acervo e os retribui sob forma de
novas influências.[16]

A sociedade atual vive momentos de grandes reformulações, de desenvolvimento de um novo


mercado de consumo de bens culturais, da ampliação da área de alcance da mídia e
consequentemente dessa onda globalizante que chega também aos produtores das culturas
folclóricas.

A evolução das festas tradicionais, da produção e venda de artesanato revela que essa não é
mais tarefa exclusiva dos grupos étnicos, nem sequer de setores camponeses mais amplos,
nem mesmo da oligarquia agrária; intervêm também em sua organização os ministérios da
cultura e de comércio, as fundações privadas, as empresas de bebidas, as rádios e a
televisão.[17]

As festas do Ciclo Junino no Nordeste, principalmente a de Campina Grande, na Paraíba e


Caruaru em Pernambuco, o Festival do Boi-bumbá em Parintins, na Amazônia, a Festa de
Rodeio em Barreiros no interior de São Paulo e o Carnaval em todo território brasileiro são
exemplos da apropriação das festas folclóricas pelos mídias e pela indústria do turismo.

Benjamin,[18] apresentou proposta para um novo estudo da teoria da folkcomunicação na I


Conferência de Folkcomunicação, que tem os seguintes tópicos:

1. A comunicação (interpessoal e grupal) ocorrente na cultura folk. (Estudo da


produção da mensagem);
2. A mediação dos canais folk para a recepção da comunicação midiática. (Estudo da
recepção);
3. A apropriação de tecnologias da comunicação de massa e o uso dos canais massivos
por portadores da cultura folk. (Estudo da produção);
4. A presença de traços da cultura de massa absorvida pela cultura folk. (Estudo da
recepção e dos efeitos)
5. A apropriação de elementos da cultura folk pela cultura de massa e pela erudita – a
projeção folclórica. (Estudos da produção e efeitos da mensagem),
6.A recepção na cultura folk de elementos de sua própria cultura reprocessados pela
cultura de massa. (Estudo da recepção e efeitos).

Outra importante contribuição de Beltrão para os estudos da folkcomunicação foi a


classificação das categorias de informação das redes interpessoais nas organizações
populares.

Tomando como critério a classificação de jornalismo informativo e opinativo, Beltrão definiu


como categorias informativas da folkcomunicação da oralidade (os cantadores, emboladores,
narradores de estórias, o chofer de caminhão, os prestamistas, os passadores do jogo de
bicho), da folkcomunicação escrita (o cordel, os almanaques, os livros de sorte, as folhinhas) e
da folkcomunicação opinativa (a queima de judas, as manifestações do povo no carnaval, no
mamulengo, no bumba-meu-boi, o ex-voto).
Os produtores da cultura popular sempre tiveram canais próprios de comunicação, suas redes
comunitárias de comunicação interligadas ao meios de comunicação social (rádio, televisão,
gravação de CDs, computadores, jornais, revistas etc). Se em épocas atrás eram divulgados os
feitos dos cangaceiros, da revolução de 30, os milagres de Padre Cícero, as Missões de Frei
Damião, e a seca no Nordeste, agora são narrados também os novos acontecimentos
históricos, políticos, religiosos, culturais e as grandes tragédias dos dias atuais veiculados pela
mídia. A AIDS, os acidentes nucleares, a chegada do homem na lua, a tragédia das guerras
nos países africanos, corrupções, etc. Os jornais, as revistas, o rádio, a televisão e agora a
Internet são fontes de informação dos líderes de opinião folk. O agente cultural-folk já não é
mais um sujeito isolado do resto de mundo, tem acesso às novas tecnologias de comunicação,
principalmente o rádio e a televisão, e assim se mantém cotidianamente conectado ao mundo
globalizado.

O autor da Teoria da Folkcomunicação ao tentar superar as dificuldades metodológicas da


pesquisa empírica de comunicação procurou construir um modelo artesanal de fazer
observação de campo, de produzir métodos e técnicas adequadas ao seu trabalho de
investigação. Qualquer sociólogo é tão livre e tão competente para inventar novas idéias e
teorias quanto foi Marx, Weber e Durkeim.[19] O reconhecimento da importância da teoria da
folkcomunicação para os estudos empíricos da cultura de massa e cultura popular/folclórica
não só foi prejudicada pelos fatores ideológicos e históricos do Brasil dos anos 70, mas
também por não ter sido publicada por editoras de circulação nacional e internacional. Os
investigadores latino-americanos como Barbero e Orozco ao desenvolverem a metodologia de
pesquisa da mediação também ignoram Beltrão. Muitas coisas ditas por ambos em meados
dos anos 80, já tinham sido confirmadas por Beltrão nos anos 60-70. A falta de uma maior
circulação da teoria da folkcomunicação no meio acadêmico internacional, até mesmo para ser
aceita ou contestada, prejudicou a evolução e atualização das pesquisas empíricas neste
campo.

O sistema da folkcomunicação – fok-midiático – é a interatividade entre o líder de opinião da


localidade (nativo) que se apropria, incorpora as mensagens midiáticas (global) e as devolve
interativamente configuradas com as referências do mundo cognitivo do seu grupo
sociocultural.

Podemos considerar a folkcomunicação como um sistema que se processa em dois estágios


interligados da recepção. No primeiro momento para atender os interesses da organização
sociocultural do qual é membro o agente interativo – líder de opinião – interagem como
mediador da recepção da mensagem midiática. Num segundo estágio o líder de opinião
elabora, codifica a mensagem midiática e a interação acontece face a face, intergrupal dá-se
através de meios comunitários de comunicação, quase artesanal/horizontal.

Os estudos sobre mídia e identidade cultural numa perspectiva das relações entre
produção de bens culturais do mundo globalizado e a produção de bens culturais da localidade
não podem continuar desconhecendo os estudos da folkcomunicação. O modelo da
folkcomunicação tem suas limitações conceituais, está recheado de ingredientes do modelo
linear/vertical de comunicação mas tem várias pistas importantes para o desenvolvimento de
pesquisas empíricas de comunicação interativa.

A Conferência Brasileira de Folkcomunicação, que este ano realizou o III FOLKCOM em


João Pessoa-PB, vem crescendo quantitativa e qualitativamente e tem contribuído bastante
para a construção de uma metodologia da folkcomunicação.

Com o objetivo de adequar o modelo da folkcomunicação à realidade atual,


Benjamin[20], numa perspectiva abrangente da interdisciplinaridade das investigações em
comunicação, lembra as contribuições de Câmara Cascudo sobre a comunicação gestual e o
texto oral, os estudos de Jerusa Pires Ferreira sobre sociologia e semiologia da cultura popular,
Bráulio Nascimento sobre literatura popular, Roberto da Matta sobre rituais e procissões,
Neuma Fecchine Borges sobre cordel, Carlos Rodrigues Brandão sobre os folguedos, Juan
Diaz-Bordenave sobre a difusão de inovações entre outros.[21] Acrescento nesta lista outros
nomes como Luiz Antonio Barreto com os estudos sobre o jeitinho brasileiro de se comunicar,
Luiz Custódio da Silva com os estudos sobre a influência do rádio na dinâmica das cantorias
nordestinas. São estudos que necessitam ser revisitados se queremos avançar nos estudos
empíricos de comunicação no Brasil. É importante dar continuidade aos estudos da
folkcomunicação nessa perspectiva atual como sugere Benjamin ao definir em campos
temáticos a pesquisa empírica sobre hibridização cultural e identidade no mundo midiatizado
pela globalização.

ADEUS ARISTÓTELES:
RUMO A NOVOS MÉTODOS DE PESQUISA DA COMUNICAÇÃO

Nos primeiros anos da década de 80 os estudos são direcionados para as pesquisas


sobre produção e circulação da comunicação, da indústria cultural e cultura popular no contexto
Latino Americano.

Os estudos estão voltados para a elaboração do paradigma latino-americano da


comunicação e da informação que fosse capaz de estabelecer relações sociais comprometidas
com a realidade dos países em desenvolvimento, com o objetivo de minimizar a dependência
econômica e cultural com os países desenvolvidos.

A saída seria criar meios alternativos de comunicação comprometidos com a realidade


latino americana.

Com o artigo de Luís Ramiro Beltrán, Adeus a Aristóteles: comunicação horizontal, em


1978, as publicações sobre comunicação e educação de Paulo Freire em 1977, os informes da
NOMIC (Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação) em 1977, o relatório Sean
MacBride, 1983, direcionaram os estudos de comunicação para uma tematização voltada para
as questões políticas, ideológicas e educacionais da comunicação social na América Latina em
meados dos anos 70 e início dos anos 80.

O Brasil e as demais ditaduras latino-americanas estavam em processo de abertura. Os


debates políticos passaram a ser mais freqüentes no meio universitário e os movimentos
populares voltavam às ruas. Outro fator importante para as mudanças dos rumos nos estudos
de comunicação na América Latina foi o segmento progressista da Igreja Católica com a
“Teologia da Libertação”, fundamentado no socialismo cristão. As organizações políticas de
esquerda, os movimentos populares contra o analfabetismo, a miséria e dependência do capital
imperialista promoveram debates populares sobre os meios de comunicação de massa e
indústria cultural nos países periféricos.

As críticas aos modelos de comunicação já consagrados, tomam conta dos debates


acadêmicos. Paulo Freire afirma que:

Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o
primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de
signos lingüísticos. O mundo humano é, desta forma, um mundo de comunicação.[22]

O conceito de comunicação de Paulo Freire contradiz os paradigmas tradicionais que


estabelecem uma relação linear, simétrica e condutista entre emissão/recepção em que
prevalece o poder do emissor sobre o receptor. O receptor é um depositário das idéias do
emissor, é um indivíduo atomizado que não tem a capacidade de avaliar criticamente as
mensagens midiáticas recebidas.

O paradigma proposto é estabelecido pela bilateralidade entre emissor e receptor em


uma relação assimétrica, que contém elementos emocionais, cognitivos e que ocorre tanto de
forma verbal como não verbal. É um amplo processo de interação, de negociação dos sentidos.
Beltrán, propõe um modelo de comunicação horizontal, participativa, dialógica e
comunitária:

Comunicação é o processo de interação social democrático baseado no intercâmbio de


símbolos mediante os quais os seres humanos compartilham voluntariamente suas
experiências sob condições de acesso livre e igualitário, diálogo e participação[23]

No modelo horizontal o acesso à comunicação e à informação para todos é uma pré-


condição. O diálogo é o eixo central da comunicação horizontal possibilitando a interação
democrática do emissor e receptor no processo de produção / emissão / recepção da
mensagem.

A participação na comunicação horizontal permitirá a interação de todos os seus


participantes na emissão e recepção da mensagem.

Os três elementos propostos no modelo da comunicação horizontal: acesso, diálogo e


participação exercem funções interdependentes, mas que interagem no processo de
comunicação, ou seja:

acesso: essencialmente quantitativo – recepção da mensagem;


diálogo: essencialmente qualitativo – emissão e recepção da mensagem;
participação: essencialmente quantitativo e qualitativo – acesso/diálogo

Nessa mesma linha teórica de estimular o fortalecimento de redes de comunicação


comunitária/horizontal, a NOMIC elabora um modelo de comunicação libertadora, não para
fazer oposição aos mídias mas para criar canais alternativos de comunicação regional e local.
O enfoque principal desta teoria é voltado para a pedagogia da leitura crítica dos mídias.
Aprender a ler, ouvir e ver as mensagens dos mídias de forma crítica.

O paradigma proposto é denominado de “modelo global do processo libertador”


sustentado pelo tripé: conscientização, organização e transformação.

O tripé é constantemente alimentado pela pesquisa da observação participativa e


etnográfica de audiência, no contexto da Nova Ordem Mundial, da economia globalizada, da
informação e da comunicação.[24]

Desta forma o paradigma da comunicação comunitária fortalece a função educativa e de


ações organizadoras das classes subalternas. Portanto, é mais uma tentativa de rompimento
que vai de encontro ao modelo da comunicação vertical.

No momento atual não faz mais sentido vislumbrar a comunicação comunitária/horizontal


como um modelo antagônico aos paradigmas já consagrados. Mas, como um modelo inserido
no contexto da sociedade globalizada e com o propósito de fortalecer as redes de comunicação
interpessoais e horizontais nas organizações comunitárias do final deste século.

AS ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DAS MEDIAÇÕES

A pesquisa em comunicação nos anos 80-90 na América Latina toma rumo inverso dos
estudos que até então privilegiavam o emissor e os efeitos da comunicação e deixavam o
receptor de lado, apenas como mais um componente do processo de recepção. O tema central
passa a enfocar as mediações na recepção midiática, o sujeito da recepção, passa a ser
observado pelos investigadores como agente ativo do processo de comunicação. Essa linha
de pesquisa está conectada, neste mesmo período aos estudos sobre a temática da
globalização da comunicação e o impacto nas culturas regionais e locais. É uma questão da
identidade nacional, regional e local no mundo midiatizado pelas novas tecnologias.
As pesquisas em recepção mesmo não sendo ainda hegemônicas voltam-se para o novo
cenário latino-americano.

A consolidação da indústria cultural, a liberdade de opinião, os novos rumos da economia


e da política ampliam os campos de pesquisa nas áreas da comunicação e cultura,
comunicação e educação, nova economia da comunicação, comunicação e recepção nos
países latino-americanos.

Os estudos da comunicação caminham para a análise das trocas simbólicas entre


emissor e receptor e suas complexas mediações na recepção.

Com a chegada do final do século são profundas as mudanças na produção e circulação


da informação. Não existe mais o “Muro de Berlim” e nem a polarização entre países
capitalistas e socialistas. O mundo atual não tem mais espaços para formulações teóricas
lineares e hegemônicas. É um mundo de pluralidade histórica, política, social e cultural, como
sempre foi só que agora com a visibilidade do mundo globalizado.

Estamos vivendo uma nova referência de mundo. Um mundo com novo cenário político,
sócio-econômico, geográfico e tecnológico que passa por transformações culturais e religiosas
em grande velocidade e são decisivas para a construção desta nova sociedade e
reconfiguração das identidades culturais latino-americanas.

O volume e a velocidade das informações em circulação afeta decisivamente o universo


cultural da humanidade, produzindo mutações no comportamento dos indivíduos e das
comunidades. Todos se perguntam como sobreviver num panorama tão caótico e ao mesmo
tempo tão excitante.[25]

É neste cenário globalizado que os estudos de comunicação na América Latina têm se


desenvolvido, na busca de uma nova compreensão do papel do receptor, que passa a ser
sujeito no processo de comunicação, agindo como ator social na formulação de novos sentidos.

O rompimento com a polêmica entre Apocalípticos e Integrados, as críticas ao modelo


funcionalista, por teóricos e pesquisadores de comunicação iniciado por Jesus Martin Barbero,
levou ao desenvolvimento de novos métodos de pesquisa da comunicação adequados à
realidade latino-americana. As novas tecnologias modificavam o uso dos meios de
comunicação social, era necessário definir qual a função da comunicação, agora em escala
global e interativa. A teoria da manipulação cultural pela mídia cai sobre terra e os novos
estudos demonstram que a recepção das mensagens midiáticas se processa dialeticamente e
são interpretadas de acordo com os diferentes interesses da audiência. A comunicação é
global, como ocorre com a televisão. Mas os destinatários negociam localmente o significado
simbólico das mensagens.[26]

Barbero ao definir a participação dos atores sociais no processo de comunicação afirma:

Parto do princípio de que a recepção não é somente uma etapa no interior do processo
de comunicação, um momento separável, em termos de disciplina, de metodologia, mas uma
espécie de um outro lugar, o de rever e repensar o processo inteiro da comunicação.[27]

Ora, nesta perspectiva, o receptor é um ator participante no processo de comunicação e


não um mero depósito de estímulos e de conhecimentos enviados pelo emissor. Nos modelos
consagrados da comunicação linear/condutista não foi considerada, como deveria ser, a
capacidade de reação e crítica do receptor aos estímulos e aos conhecimentos remetidos pelo
emissor, tanto em nível interpessoal como grupal ou midiático.

O processo de recepção é interativo, é uma constante troca de negociação de símbolos.


No processo comunicacional não existe um tempo hegemônico e nem espaço uniforme, muito
pelo contrário, existe sim multiplicidade de temporalidades e de espaços.
São vários os tempos e os espaços que devemos observar nos estudos de recepção. O
da família, o do trabalho, o do lazer e outros tempos criados e desejados. Quanto aos espaços
(lugares) a observação é ainda mais complexa. São os espaços (lugares) da casa, da rua, do
trabalho, da igreja, do sindicato, do clube, ou seja, são os espaços (lugares) públicos e
privados que ocupamos no quotidiano que estão interligados aos acontecimentos midiáticos.

O método desenvolvido por Orozco[28] com o objetivo de investigar as relações entre


cultura e mídias tem como paradigma interpretar as mediações múltiplas na recepção. As
pesquisas qualitativas neste campo têm contribuído para a compreensão das novas relações
entre cultura/mídia/sociedade no mundo globalizado e as identidades culturais locais.

É importante saber que a recepção dos mídias não acontece da mesma maneira. As
intenções, as situações e os meios são diferentes. As categorias de mediações definidas por
Orozco no processo midiático são as seguintes:

Mediações Individuais: provenientes das experiências de cada um como sujeito


cognitivo e comunicativo.
Mediações Institucionais: são as participações nas várias organizações tais como a
família, a escola, o trabalho, a igreja, o sindicato, participação política e outras que
possam influenciar na recepção dos mídias. Quando o estudo de recepção é feito com
crianças torna-se necessário observar as instituições da família, da escola e os amigos.
Mediações Situacionais: é importante entender a situação da recepção. Como são
ocupados os espaços sociais e culturais na recepção. Quais os fatores atuantes
durante e depois da recepção. Cada ambiente, cada espaço cria uma determinada
situação de recepção. Também influencia na recepção o estado de espírito do sujeito
receptor. Como, com quem e quando acontece a recepção.
Mediações Referenciais: estão relacionadas com a identificação pessoal no contexto
social do sujeito receptor, assim como: faixa etária, gênero, grau de escolaridade,
classe sócio-econômica. Todas são variáveis importantes nas pesquisas de recepção.

Mediações Tecnológicas: o receptor de TV ou de rádio influencia na modalidade de


ver ou ouvir um determinado programa que, sem dúvida, interfere na recepção. Não é a
mesma coisa assistir um filme num aparelho de TV de 20 polegadas com som em mono
e assistir o mesmo filme em um aparelho de 50 polegadas com sistema de som
estéreo, ou ainda o mesmo filme numa sala de cinema com modernas instalações num
shopping center. Um programa de rádio é diferente de um programa de televisão, que é
diferente de um filme no cinema.

Para Orozco são essas as mediações que permitirão ao investigador compreender as


relações da mídia com a recepção que deve ser explorada não linearmente mas em suas
diferentes dimensões complexas e contextualidades.

Nesta linha de pesquisa, Maria Immacolata Lopes tenta minimizar as insatisfações entre
os estudos de comunicação e os métodos de pesquisa das ciências sociais. Consiste em
combinações de métodos e de técnicas como estratégia multimetodológica para o
desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares de recepção. Os estudos de recepção vão
além de um campo de pesquisa é na verdade uma perspectiva de investigação, como afirma
Immacolata:

Trata-se de uma tentativa de superação dos impasses a que tem nos levado a
investigação fragmentadora e, portanto, redutora do processo de comunicação em área
autônomas de análise: da produção, da mensagem, do meio e da audiência.[29]

A necessidade do emprego metodológico multidisciplinar nos estudos das medição vão


possibilitar caminhos cruzados na observação do campo a ser investigado nas suas diferentes
óticas que seja no espaço de produção ou no tempo de consumo da recepção.
É importante ressaltar que na recepção as relações sociais, as análises de conteúdo, as
formas de produção, veiculação e circulação da mensagem estão constantemente em
modificação. As complexas redes de mediações impedem o controle total de um ator social, de
uma organização sobre os significados total da recepção. Immacolata recorre às categorias
mediadoras definidas por Orozco acrescentando mais duas, a da subjetividade e do gênero
ficcional. No caso o estudo de Immacolata é especifico sobre telenovela e por essa
especificidade ela faz a seguinte justificativa:

A construção dessas mediações não foi aleatória, mas decorreu das exigências
metodológicas de integração das diversas dimensões do processo de comunicação de
abordagem multidisciplinar presente na teoria das mediações.[30]

Os avanços nas investigações para se compreender as trocas entre comunicação e


cultura estabelecidas pelas novas relações como a mídia e a sociedade contemporânea, nos
levam a adotar o método de pesquisas das mediações como referência para os estudos de
recepção e os estudos sobre identidade locais no mundo globalizado. A metodologia das
mediações renova os procedimentos de investigações da recepção, como afirma Immacolata:

Isto ficou claro através do percurso bibliográfico que foi fonte dos seminários teóricos e
metodológicos que realizamos na etapa inicial do projeto, quando revisitamos as seguintes
correntes teóricas: pesquisa dos efeitos, pesquisa dos usos e gratificações, estudos de critica
literária, estudos culturais e estudos de recepção.[31]

São realmente fatores que devem ser levados em consideração nas pesquisas de
recepção e identidades culturais. Para Fausto Neto, a preocupação mais recente no estudo
sobre o campo de recepção se deve ao esgotamento dos modelos positivistas.

A ênfase dada à questão do receptor passa, por exemplo, pelo estatuto de sua cidadania
e ao mesmo tempo, pela especificidade da sua condição de agente ativo no circuito
sociocultural como instância produtora de mensagem.[32]

No processo de comunicação dois campos se intercedem. Os campos do emissor e


receptor estão inter-relacionados, envolvidos no mesmo protocolo de intenções, portanto não
existindo hegemonia de um sobre o outro, como enfatiza Fausto Neto:

(...) não se trata de um espaço onde ao receptor seja concedido o trabalho de executar
as normas de instruções de leitura enviadas pelo campo da emissão. Trata-se de relação mais
complexa, cuja compreensão põe por terra essa dimensão absoluta e unificante do sujeito.[33]

Na recepção existe procedimento interacional que atua através de redes comunicantes


de acordo com alguns critérios estabelecidos pelos grupos receptivos.

Ainda é insuficiente o número de pesquisadores no Brasil com interesse pelos estudos


da comunicação, principalmente voltados para as pesquisas de observação participativa, que
muitas vezes não atente à pressa exigida pela demanda do mercado, ao cronograma
estabelecido pelos organismos de fomento ou até mesmo aos calendários de determinados
cursos acadêmicos.

Somente agora, nas últimas três décadas, com a criação da INTERCOM, da COMPÓS,
a ALAIC e a FOLKCOM, alguns pesquisadores brasileiros e latinos americanos, vêm se
dedicando sistematicamente ao estudo da comunicação, às pesquisas empíricas e teóricas. A
preocupação com esse mal-estar em relação ao paradigma das ciências sociais e seus
empregos nas pesquisas teóricas e empíricas de comunicação vem persistindo ao longo dos
últimos anos. O caminho percorrido para encontrar um modelo teórico/metodológico que
atenda os interesses e minimize as insatisfações nos estudos de comunicação tem dado
resultados positivos. Falta-nos mais pesquisas empíricas, da observação participante,
etnográfica de recepção, de conhecer/conhecendo o objeto de estudo na sua origem. O
entrincheiramento existente entre os pesquisadores empíricos e os teóricos está encurtando.
Quando vamos construir um paradigma latino-americano/brasileiro? Bom, não sei dizer mas
neste momento estamos no caminho certo. Quem sabe em um futuro próximo poderemos
contar a história dos fundadores da Teoria de Comunicação da Escola de São Leopoldo!

QUE PESQUISA QUEREMOS E A QUE FAZEMOS

Quando o pesquisador resolve fazer uma investigação, cada etapa cumprida deve ser
cuidadosamente analisada conforme os procedimentos científicos.

A pesquisa científica é a atividade inerente da ciência. Sem a pesquisa não se gera


conhecimento científico e sem conhecimento da realidade não se faz ciência. Ora, se a
pesquisa é necessária para se conhecer a realidade, pesquisar deve ser uma atividade
acadêmica sistemática e inesgotável.

Mas, para desenvolver uma pesquisa científica é necessário tomar algumas


providências, assim como definir o objeto de estudo, optar por métodos e técnicas adequadas
ao projeto de investigação. Para desenvolver as atividades de uma pesquisa é necessário
elaborar um projeto que viabilize ao investigador comprovar ou negar uma hipótese, tentar
resolver ou propor soluções para um problema. Não se trata de um cronograma fixo com um
receituário. Cada caso é um caso e o planejamento de uma pesquisa deve sempre estar aberto
para receber adequação, no seu transcurso, ajustes e até reformulações. O projeto é para
viabilizar a pesquisa e não para fazer amarrações e engessar a pesquisa.

Podemos ainda dizer que metodologia é a maneira como se desenvolve, na teoria e na


prática, uma investigação científica. Portanto, metodologia é a forma de se fazer ciência com os
instrumentos adequados à realidade, sem deixar no plano inferior o objeto da pesquisa.

Assim como a formulação de um projeto a metodologia nunca poderá ser um empecilho


para o pesquisador pois o mais importante na investigação é alcançar o objetivo desejado.
Para Thiollent metodologia é:

(...) entendida como disciplina que se relaciona com a epistemologia ou a filosofia da


ciência. Seu objetivo consiste em analisar as características dos vários métodos disponíveis,
avaliar suas capacidades, potencialidades, limitações ou distorções e criticar os pressupostos
ou as implicações de sua utilização.[34]

A metodologia ajuda a estudar, descrever e explicar os métodos. Sua preocupação pelo


estudo crítico do método, não objetiva apenas solucionar os problemas mas também selecionar
as melhores maneiras de resolvê-los.

Uma das características nas ciências é a utilização do método científico. Mas existem
outras formas de aplicação do método sem ser em estudos científicos. Vejamos o que afirma
Barros:

Assim, o método é o caminho ordenado e sistemático para se chegar a um fim. Pode ser
estudado como processo intelectual, como processo operacional. Como processo intelectual é
a abordagem de qualquer problema mediante análise prévia e sistemática de todas as vias
possíveis de acesso á solução. Como processo operacional é a maneira lógica de organizar a
seqüência das diversas atividades para chegar ao fim almejado; é a própria ordenação da ação
de pesquisa. [35]

O método é, portanto, o procedimento ordenado para se percorrer um caminho pelo qual


se deseja chegar a um objetivo previamente planejado. É o conjunto de procedimentos
utilizados na investigação buscando conhecer uma realidade.
O trabalho científico se caracteriza pelo emprego dos métodos. O método não é
empregado exclusivamente nas investigações científicas, porém não se faz ciência sem o
emprego do método, como Lakatos diz:

O método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior


segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros —
traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões dos cientistas.
[36]

Nas atividades cotidianas o método é usado com o objetivo de organizar as diversas


tarefas caseiras, no trabalho, como dirigir o carro, qual é o melhor caminho para chegar em um
determinado ponto, etc. No estudo científico o método é usado para definir racionalmente o
caminho melhor para se obter os resultados de uma pesquisa.

Tereza Haliday, assim define:

(...) metodologia como um conjunto de procedimentos de pesquisa que abrange UM


MÉTODO, uma ou mais TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS (tais como o questionário,
observação participante, a entrevista) e uma ou mais TÉCNICAS DE ANÁLISE DE DADOS
(por ex. análise estatística, análise retórica, análise de conteúdo, análise sociológica).[37]

Nos últimos anos os estudos da comunicação na América Latina estão sendo


direcionados para encontrar alternativas metodológicas de pesquisa de comunicação mais
próximos da nossa realidade sociocultural. Não se trata de rejeição aos paradigmas já
consagrados ou de criar moda mas, no sentido de superar o esgotamento, a defasagem
desses paradigmas como referências dos estudos de comunicação no mundo globalizado, da
interatividade da mídia com a sociedade.

A principal finalidade da pesquisa é conhecer, explicar os fenômenos que acontecem e


influenciam as nossas vidas. É a tentativa de poder esclarecer, resolver os problemas e as
transformações que ocorrem no mundo provocados pela natureza ou pela sociedade humana.

Para compreender os fenômenos e suas modificações o pesquisador deve estar


preparado para observar, estudar e propor soluções. O importante não é acumular os dados
sobre determinado fato mas, tentar compreender e explicar melhor os acontecimentos do
fenômeno investigado.

Desenvolver uma pesquisa significa estar constantemente fazendo perguntas, observar


não ficar acomodado com os primeiros resultados e levantar questões para obter resultados o
mais próximos possível da realidade investigada.

Mas, para produzir conhecimento não é necessário ser um cientista. A maioria das
pessoas produz os seus conhecimentos para atender as suas necessidades diárias. É o
conhecimento adquirido pela experiência passada de gerações a gerações é o conhecimento
do senso comum adquirido pela observação, pela tradição e que deve ser verificado pelos
investigadores. É o conhecimento popular que em determinadas situações prevalece, mesmo
que falte a comprovação científica, mas que resolve muitos problemas nas práticas sociais.

Tem agricultor que é capaz de fazer prognóstico sobre o tempo sem ter o conhecimento
científico de meteorologia. Como explicar as estratégias de comunicação dos produtores da
cultura popular que continuam até os dias atuais transmitindo os seus conhecimentos? São
estratégias de comunicação participativa não aprendidos nas escolas que atendem às suas
necessidades.

Como seria a nossa vida se não houvesse no dia-a-dia o conhecimento do senso


comum. Sendo assim, se o dono da padaria exigisse do padeiro conhecimentos científicos para
fabricar pão, ou o cliente exigisse do mecânico da oficina lá da esquina próximo de sua casa
conhecimentos teóricos de engenharia mecânica para concertar o carro, sem dúvida a nossa
vida seria um caos, muito complicada e até chata.

Todos nós utilizamos o conhecimento do senso comum nas nossas atividades diárias.
Porém, no campo das ciências o conhecimento deve ser sistematizado e a pesquisa só será
desenvolvida através de métodos e objetivos definidos pelo rigor científico. Pedro Demo,
chama a atenção para a necessidade do emprego do bom senso na nossa vida cotidiana:

O bom senso é marcado pela dosagem adequada, pelo sentido de convivência, capaz
de simplificar através do faro da boa média. Simples, é a inteligência que surge no momento
certo, com a solução certa, ainda que não brilhante. É o traço típico do homem comum que
sabe resolver seus problemas sem complicações.[38]

É importante distinguir o conhecimento do senso comum do conhecimento científico. É


necessário demarcar os campos dos conhecimentos e a importância de cada um na construção
da sociedade moderna. Parece ser contraditório mas não é, cada vez mais a ciência dita formal
e rigorosa, vem se aproximando do saber popular tentando comprovar cientificamente os
fazeres do senso comum que dão certo. Para compreender e explicar os resultados desses
conhecimentos o investigador recorre à etnometodologia.[39]

A sociedade humana sempre produziu e continuará produzindo conhecimentos. É


através do conhecimento que o homem constrói a sua vida diária. O homem domina várias
formas para esclarecer os fatos, conhecer e intervir na realidade. Para construir o seu mundo a
sociedade humana formula os seu conhecimentos. Não tem apenas a capacidade mas,
também, a necessidade de pensar, observar e compreender os fenômenos que possam
contribuir para a sua sobrevivência e o seu desenvolvimento.

O homem e os animais irracionais são detentores de informações sensórias. Mas, o ser


humano é o único que tem a capacidade de produzir o conhecimento intelectual, de ampliar as
demarcações limitadas pela informação sensorial, decodificada geneticamente.

Os seus conhecimentos vão além dos códigos corporais como por exemplo identificar o
cheiro, o calor, o gosto, as cores, a dor, distinguir o sexo, reconhecer os seus descendentes.

Através dos vários níveis de conhecimento a sociedade humana formula a sua história, a
sua cultura, religião, filosofia e ideologia. Desde os primórdios até os nossos dias o homem
sobrevive construindo e adequando o mundo às suas necessidades. Assim sendo, o
conhecimento não é exclusividade dos “letrados e doutores”. Mas a complexidade do
conhecimento científico é reservada aos especialistas, aos que detêm formação acadêmica,
intelectual para pesquisar determinados temas e resolver os problemas através de explicações
dos fenômenos, segundo os critérios científicos.

Porém, todo conhecimento é resultado das múltiplas situações socioculturais,


consequentemente está vinculado ao contexto cultural, à organização social e à história de
quem a produz. São formas de conhecimento que se manifestam uma em relação a outra. O
pesquisador pode ser ateu, religioso, seguidor de uma orientação filosófica, ideológica e, como
todo indivíduo, trazer consigo suas crenças, hábitos, sua forma de pensar e agir aprendidas
também pelo senso comum pelas práticas das tradições do seu grupo sociocultural. O
pesquisador não tem como se livrar totalmente, como deixar em casa o conhecimento do senso
comum e entrar no laboratório só com o conhecimento científico.

No mundo atual, onde o fluxo de informação circula com maior velocidade, alcança um
grande número de pessoas em tempo real, com suas diferenças socioculturais, econômicas e
territoriais, os campos do conhecimento estão continuamente se cruzando.

Na virada do século, a chegada de um novo milênio tem provocado em determinados


segmentos científicos um olhar mais longo para a prática dos conhecimentos popular e
religioso. Uma conjunção de crenças e ciência, da racionalidade e da fé.
Está se aproximando o século XXI. Será o século das mudanças nas relações sociais, de
trabalho, lazer e cultura, da consolidação dos textos virtuais, da democratização da
comunicação e da informática. Os estudos sistemáticos da comunicação ganharão mais força e
novos campos de pesquisa.

A investigação científica de comunicação, pela sua natureza, é cada vez mais complexa
no mundo globalizado. Envolve diferentes áreas de interesse: lingüística, antropologia, história,
sociologia, psicologia, educação, a cibernética, a administração, o marketing e o turismo. É um
campo de pesquisa que se amplia e por isso fica cada vez mais complexo.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

As leituras dos textos e as aulas/debates realizadas na disciplina Seminário de Pesquisa


I, dirigido pelo Prof. José Luiz Braga, no Doutorado em Ciências da Comunicação da
Universidade do Vale dos Sinos (RS), foram importantes, deram algumas pistas para iniciar
mais uma caminhada nas pesquisas de comunicação, sempre persistindo nos estudos da
cultura popular e na complexa relação entre a mídia/recepção/identidade cultural.

A opção pela observação participante e pelo método etnográfico para coleta de dados lá
no território do grupo que se deseja pesquisar, observar as pessoas que está estudando para
ver as situações com que se deparam normalmente e como se comportam diante delas[40], é
certamente o procedimento mais adequado para a aproximação da realidade do objeto de
estudo. Conhecer/conhecendo e entender com profundidade os fenômenos socioculturais, só
poderá acontecer com a participação nas diferentes atividades organizadas pelo grupo
estudado[41]. Não é uma tarefa fácil, a pesquisa de campo é mais demorada e exige do
pesquisador uma permanência maior no campo da pesquisa. As relações de confiabilidade
entre o pesquisador, que não deixa de ser um intervencionista, e o sujeito pesquisado terão
maior possibilidade de acontecer com as constantes visitas ao local da pesquisa. A confiança e
a identificação do pesquisador e o grupo pesquisado será importante para o desenvolvimento
do trabalho de campo. São pessoas com repertórios diferenciados e esta aproximação facilitará
a compreensão dos interesses de quem dá e de quem obtém as informações.

Os textos analisados durante o curso reforçaram o emprego da metodologia etnográfica


e da observação participante. Encontramos essas pistas em Latuor, Woolgar e Becker. Quanto
à metodologia das mediações das mensagens televisivas, Immacolata e Gonzalez[42] nos
fornecem importantes relatados de suas experiências e os resultados dos seus estudos de
mediações na recepção midiática.

Mas, alguns questionamentos nos chamam a atenção em todos os textos analisados,


que vão se cruzando em vários pontos, tais como: “lugar de significação”, “lugar sociológico do
falante”[43] , “fusão dos horizontes”[44], “mundo cognitivo do locutor e alocutário”[45], Entre
outros conceitos para definir o lugar do emissor e do receptor, o lugar da produção, o lugar da
recepção da mensagem midiática. Quais as estratégias de análises interpretativas –
hermenêuticas – que o pesquisador deve adotar. Que procedimentos devem ser tomados na
pesquisa etnográfica nos estudos de comunicação. Não podemos deixar de fazer a pesquisa
sem a preocupação e os critérios científicos. São essas as principais questões que tentaremos
resolver na pesquisa de campo e nas formulações teóricas construídas durante o decorrer do
curso e desenvolvimento da tese.

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