Você está na página 1de 4

E mais uma vez me encontrava naqueles vastos corredores, sentada no chão aos prantos,

sem nenhum consolo ao meu redor. Lágrimas corriam pelo meu rosto, tão rápidas quanto
carros em rixas ilegais, impressionante de certa forma, mas preocupante em outra. Encaro
os meus pulsos por um tempo, pensando se deveria me render a aquela maldita sensação,
se deveria deixar o medo e a tristeza tomarem conta de mim, deveria? não deveria? Eu
prometi parar, eu prometi deixar isso, mas por que agora? Por que comigo?
Por uma ação repentina e por pura impulsividade, eu bato fortemente a minha cabeça na
parede, para qual propósito? Não faço ideia, mas na minha incrível mente, aquilo era
necessário. Um lampejo de dor veio a tona, parecia fraca no primeiro momento, mas
segundos depois se transformou em diversos explosivos depois de serem ativados, a dor se
tornou extremamente intensa, queria gritar, pedir ajuda, porém, meus lábios mal
conseguiram abrir, como se tivessem sido colados com cola super bonder.
Meu mundo começou a girar, o corredor de repente ganhou mais cores, muitas mais cores
do que as roupas da minha professora de português que mais se parecem com roupas de
hippies do que de uma profissional na área da educação. As cores brilhavam tão forte
quanto as luzes neons do meu antigo quarto.
Na minha cabeça aquilo não fazia sentido, normalmente diante desse tipo de situação, eu já
estaria desmaiada, mas ainda estou aqui, sentada resistindo a dor ao máximo que posso,
ao máximo…talvez ao extremo. E no final? Com qual propósito ainda tento me manter bem
sob toda essa dor? De repente, vejo que um dos meus maiores medos, era de um dia,
finalizar o ciclo da vida.
Senti todo o meu corpo pesar, mesmo sentada senti que cairia no chão, provavelmente, eu
havia atingido o meu limite, aquele ou era o fim, ou eu só seria levada à enfermaria
novamente.
A última coisa que minha péssima memória conseguiu recordar, é de várias pessoas ao
meu redor, gritando preocupadas, dizendo que havia sangue por toda parte, nunca vi tantos
colegas meus ao meu redor, na realidade nunca vi nenhuma pessoa vagando por esse
corredor, quando surgiu tanta gente? Mas minha mente não foi eficaz o bastante pra me
trazer essa resposta, quando tudo ficou escuro, eu cheguei em uma maldita conclusão, ou
seja, aqui o meu ponto final, o meu limite, o meu fim.

ᯓ★

O vazio, então é isso que acontece quando morremos? Então é assim que é o final?
Enquanto alguns dizem que quando morremos vamos pro céu ou inferno, ou que vamos pra
algum tipo de purgatório ou até mesmo uma segunda vida, entretanto, aqui, nesse vasto
local branco, não parece ser nenhuma dessas opções. Eu não vou ser julgada por seres
sobrenaturais que vão decidir o meu destino? Eu não vou ter que renascer em um corpo
diferente e lidar com a maldita sociedade? Não terei que ir queimar no inferno como sempre
falaram?
Então esse é o final feliz? O local onde posso finalmente ser livre, não importa se será a
minha alma, ou só o meu corpo, talvez aqui, seja a minha verdadeira casa, o meu lugar de
conforto. Sem problemas, sem xingamentos, sem impostos só pra conseguir ter uma vida
normal, sem toda burocracia imposta pela sociedade, sem padrões de beleza inalcançável,
sem nada, isso, é um alívio inexplicável, me sinto em paz.
Será que finalmente posso descansar? Posso viver os meus pequenos sonhos? Mesmo
que o fim possa ser algo brutal, talvez o que tem depois dele não seja algo tão ruim assim,
talvez seja melhor que a nossa vida mesmo, por que reclamar afinal? Minha parte foi feita,
vivi enquanto pude, e agora, eu terminei o ciclo da vida, como qualquer outra.
Não sou digna de nenhum troféu por perceber o óbvio, e nem sou especial por isso, eu sou
mais uma, entre milhares de pessoas que se foram…

ᯓ★
Aquele vasto vazio começou a sumir, o local branco começou a queimar, mas não tinha
fogo algum ali, uma peça do quebra-cabeça foi retirado, desmontando aquele lindo local, e
virando apenas peças embaralhadas, que jamais conseguiria montar algo sozinhas… Minha
primeira reação foi entrar em puro pânico, comecei a correr, mesmo não sentindo as minhas
pernas. Não quero encarar a realidade que está à minha frente, não estou pronta para o
que posso encontrar fora daqui, não pode ser, não quero perder tudo que construí nesse
pequeno local.
Não sei quanto tempo estou, mas isso de certa forma não é relevante, o que conta são os
pequenos momentos feitos aqui, certo? Os meros pensamentos e reflexões que alugaram
um pequeno triplex na minha cabeça.
Corri… o máximo que consegui, o máximo que as minhas “pernas” conseguiram. Pra no
final, chegar a um local sem saída, uma barreira…uma barreira que me impedia de
continuar. Sinto um calafrio diante disso, mesmo não sabendo se algo como isso seria
possível.
Quando olho pra baixo, o chão sumiu, mas não cai, parece ser até mesmo impossível de
isso acontecer. Respiro bem fundo e começo a analisar o local, e nada, está tudo tão escuro
e confuso, o local que era claro e brilhante virou um breu, mais escuro do que os malditos
pensamentos que tenho todas as noites. Diante disso senti a estranha sensação de medo,
um sentimento de desconforto, e um pânico que não era possível descrever em simples
palavras.
E um último baque foi registrado na minha mente, e tudo, incluindo a minha mente sumiu,
nada nem ninguém restou ali. Se existia algum paradoxo ali, tudo foi excluído…

ᯓ★

Caminhar sem rumo nunca foi tão divertido, sem nenhum local em mente, minhas pernas
apenas vagavam pra qualquer lugar, em busca de um pequeno entretenimento que pudesse
preencher o turbilhão de pensamentos que passavam pela minha cabeça. Olho pro bolso da
minha jaqueta, vendo a pequena caixa, a caixa que me salva e me mata ao mesmo tempo.
Viro mais uma esquina e vejo, ali, ela, sem esperança diante da pior cena da vida dela. De
novo isso? Ele não cansa de fazer o que sempre faz? Sem remorso, sem nada?
Basta, isso já ficou cansativo pra mim, mesmo não sendo da minha conta, ser uma mera
espectadora daquela relação conturbada era um saco, um extremo saco.
Mesmo parecendo estar em pleno desespero, era perceptível ver ela calma, sem nenhuma
lágrima naquele rosto pálido, que se colocasse um papel do lado era difícil de se perceber o
que era o que ali. Ela apenas juntou as coisas dela, e saiu fora do local, calmamente, sem
correr, sem lágrimas. Sendo um ser admirável como é, não é de se impressionar como
mantém as emoções sob controle, eu adoraria ser assim, eu adoraria…
Meu coração desejava ir lá e correr pra ajuda-lá, mas minhas pernas mal se moviam, como
se mesmo no fundo eu quisesse ajudar, eu também não queria. Pensando assim, é bem
frustrante ter esse tipo de comportamento tão egoísta e definitivamente infantil.
Olho pra minha jaqueta novamente, e tiro a caixa de dentro do bolso, aquela linda frase me
lembra o quão aquilo me deixe bem, “Você é broxa”, obrigada por me lembrar disso
constantemente, mas se era um jeito de tentar me impedir de fazer isso, pode ter certeza
que uma pequena frase como essa não vai me machucar, mesmo que eu queira. Abro a
caixa e vejo diversas bitucas de cigarro, retiro uma e pego um isqueiro, pretendendo
acendê-lá.
Como sou uma ótima pessoa, estou aqui, fumando enquanto alguém que tenho tanta
consideração está passando por aquilo, mesmo que eu queira confortar, sinto que isso não
é algo da minha conta, não nessa situação.
Acordo pra vida, percebendo que nem tudo são flores, e caminho pela estradinha, ainda
vendo aquele resto de aborto, fazendo coisas desagradáveis em um ambiente escolar.
Mesmo não sendo a pessoa mais qualificada para julgar, ainda o olhou com repulsa e nojo,
diante de uma situação como essa eu normalmente não iria falar com ele, mas a maldita
cena fica corroendo a minha mente, então por puro impulso, caminho até ele.
Demorou um tempinho pra perceberem a minha presença, que de fato era um pouco difícil
de se perceber, enquanto ele não olhava continuei olhando pro nada, pensando em tudo.
De fato, algo que me assustava, era não perceberem o cheiro de cigarro no ar, mesmo
consumindo cigarro, eu detesto o cheiro, mais do que detesto esse cara.
O que fiz a seguir foi algo um pouco, não, foi muito ruim, caminhando calmamente até ele,
eu tirei o cigarro da boca, balancei um pouco, e encostei levemente no pescoço do mesmo,
não sei o que estou pensando, apenas fiz, sem nenhum arrependimento ou remorso.

ᯓ★

Fazer aquilo definitivamente foi uma péssima escolha, isso apenas me fez ficar de
suspensão, não só por ‘agredir’ um aluno, mas também por estar utilizando cigarro em
ambiente escolar. Mas o que fazer? Tem coisas que mesmo que eu queira controlar, eu não
consigo.
Caminhando pelo vasto corredor, vejo um montinho de pessoas, todas tão próximas
parecendo desesperadas, gritando e pedindo ajuda, primeira vez que vejo algo onde as
pessoas pareciam genuinamente preocupadas. Não planejo me aproximar pra ver o que é,
enquanto passava por ali, ouço algumas palavras que tocam o meu coração, de alguma
forma.
— Ellier morreu???
O medo consumiu o meu coração, olhei pra todo aquele movimento, pensando se era
apenas minhas paranóias ou realmente ouvi aquilo. Me senti afobado, e resolvi caminhar
até aquele grupo de pessoas procurando alguma resposta pro meu medo, e diante dos
meus olhos vi o que menos queria ver…

ᯓ★

Senti um leve frio na barriga, e finalmente, minha mente voltou ao seu lugar, senti meu
corpo e minha alma novamente, tentei abrir, mas falhei miseravelmente como de costume.
Consegui captar algumas vozes no local, percebendo que não, eu não morri, infelizmente,
mais um problema pra minha lista.
— Bem senhora, pelo estado dela, talvez consiga sobreviver. Será difícil, mas tentaremos o
máximo - Uma voz masculina dizia em um tom fraco.
— Ma-
— Entenda, estamos dando o máximo para mantê-la viva, agora preciso que a senhora se
retire, o horário de visita acabou por hoje.
Passos preencheram o local, e a porta fortemente. O silêncio preenche o local, e
novamente estou sozinha. Pela pequena conversa, entendo, que, sim, estou viva. E em um
hospital, daquelas vozes eu reconheci apenas a da minha mãe, que parecia mais afobada
do que eu, não sei quanto tempo se passou, e nem lembro-me perfeitamente o que
aconteceu, mas com fé obterei mais respostas ao longo desse dia, ou talvez noite. Já que
só consigo ouvir as coisas, mas estou impossibilitada de abrir os olhos.

ᯓ★

Ninguém voltou depois, nem médicos, nem enfermeiras, nada… apenas continuo sozinha,
mesmo que sempre desejei o meu tempo sozinha, numa situação como essa, eu queria
tudo menos estar sozinha, parece que os funcionários deste hospital pouco se importam
com a minha condição. Eles acreditam fielmente que vou morrer? Existe a possibilidade,
claro, mas eles já desistiram tão facilmente. Quão incompetentes eles são??? O trabalho
deles não era tentar me salvar pelo menos? Por que estão apenas ignorando toda a
situação, e fechando os olhos pro real problema?
Minha mente nunca trabalhou tanto para achar respostas, mas mesmo que me esforce
muito, nada vem, como se não tivesse nenhuma resposta lógica o suficiente pra me tirar
dessa confusão mental, que preenche toda a minha mente.
Sinto algo leve repousar sobre a minha mão, não sei o que é, mas acho estranho já que não
ouvi a porta se abrindo. Tentando sentir o que era, falhei novamente, como se o meu tato
tivesse sido cortado, apenas consigo sentir a sensação leve e reconfortante, mas não
consigo compreender o que era aquilo.
— Parece que os batimentos estão voltando ao normal, isso é bom.
Meus ouvidos conseguem captar a frase, mas minha mente não consegue assimilar de
quem era a voz, como se tudo tivesse de alguma forma distorcida. Tento ignorar a vontade
de tentar lembrar de quem é a voz, e foco apenas naquelas palavras, que simplesmente
vagão um pouco até conseguir me fazer entender a gravidade da situação.
Depois de uns minutos pra minha compreensão, entendo que estou melhor de certa forma.
Se os meus batimentos cardíacos estão melhores, quer dizer que estou me recuperando
aos poucos, de certa forma isso não me ajuda muito, mas me mantém mais calma, e um
pouco mais esperançosa.
No fundo sempre quis morrer, mas também sempre temi pela morte. Sim, um dia ela
chegará, mas nunca estarei pronta o suficiente pra encarar ela frente a frente comigo…

ᯓ★

Você também pode gostar